PROJETO BARCOS DO BRASIL RELATÓRIO FINAL - Consolidação das pesquisas e levantamentos de campo São Paulo, agosto de 2010
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PROJETO BARCOS DO BRASIL Cadastramento e diagnóstico de embarcações tradicionais brasileiras: Indiaroba e São Cristóvão/SE; Cabo Frio e Arraial do Cabo/RJ e Camamu/BA
Contrato n° 08/2009 | Processo n° 01450.015658/2008-56 Contratada | Peabiru Trabalhos Comunitários e Ambientais Contratante | IPHAN/DEPAM - Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização
Produto 4 - Consolidação das pesquisas e levantamentos de campo coordenação administrativa | André Drummond pesquisa e texto final | Andrea Ciacchi, Dimitri Pinheiro e Rafael Aragi pesquisa de campo | Íris Morais e Dimitri Pinheiro [Rio de Janeiro], Adrian Ribaric e Rodrigo Domenech [Sergipe e Bahia] estagiária | Andréa Muscat imagens | Acervo da pesquisa mapas e tabelas | Maria Rita Horigoshi e Andrea Castro
São Paulo, agosto de 2010
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SUMÁRIO
1.
Apresentação ..................................................................................................................................................... 4
2.
Contextualização das localidades pesquisadas............................................................................................. 8 2.1. A atividade pesqueira no Brasil ......................................................................................................................... 8 2.2. Pescadores artesanais: atores desconhecidos do teatro social no litoral brasileiro ........................................ 10 2.3. Contextualização das localidades pesquisadas .............................................................................................. 12 2.3.1. Sergipe .................................................................................................................................................... 14 2.3.2. Bahia ....................................................................................................................................................... 19 2.3.3. Rio de Janeiro ......................................................................................................................................... 21
3.
Paisagem cultural ............................................................................................................................................ 24
4.
Patrimônio naval .............................................................................................................................................. 27 4.1. Ocorrência das embarcações – tipos, quantidade, localização, atividades..................................................... 27 4.1.1. Sergipe .................................................................................................................................................... 27 4.1.2. Bahia ....................................................................................................................................................... 30 4.1.3. Rio de Janeiro ......................................................................................................................................... 33 4.2. Estado de conservação ................................................................................................................................... 39 4.3. Preservação dos elementos náuticos originais................................................................................................ 42
5.
Referências ...................................................................................................................................................... 47
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1. APRESENTAÇÃO Este Relatório Final corresponde ao Produto 4 do contrato Projeto Barcos do Brasil - Cadastramento e diagnóstico de embarcações tradicionais brasileiras: Indiaroba e São Cristóvão/SE; Cabo Frio e Arraial do Cabo/RJ e Camamu/BA, e pretende consolidar as informações coletadas sobre as localidades pesquisadas e a situação da embarcações ali encontradas. Nos municípios de São Cristóvão e Indiaroba (Sergipe) o levantamento de campo foi realizado entre os dias 30 de janeiro e 8 de fevereiro; 30 de abril e 15 de maio; 20 de julho e 08 de agosto, e entre 03 e 14 de outubro de 2009. Já na região da baía de Camamu (Bahia) – compreendendo os municípios de Camamu, Valença, Ituberá, Igrapiúna e Maraú – os trabalhos se deram entre os dias 04 e 27 de setembro de 2009. Finalmente, o levantamento de campo realizado nos municípios de Cabo Frio e Arraial do Cabo (Rio de Janeiro) ocorreu entre os dias 19 e 27 de fevereiro de 2010 e de 5 a 10 de abril de 2010. Nas três regiões, e ao longo de quase cem dias de levantamentos, entrevistas, reuniões e observações de campo (além, evidentemente, de toda a pesquisa preparatória, antes das idas a campo, e de verificação de dados, sucessivamente a cada viagem), foram cadastradas 141 (cento e quarenta e uma) embarcações tradicionais, sendo: 45 (quarenta e cinco) em Sergipe; 60 (sessenta) na Bahia; e 36 (trinta e seis) no Estado do Rio de Janeiro (ver tabela-resumo em anexo).
TOTAL DE EMBARCAÇÕES NAS 3 LOCALIDADES
1
7 28 33 1
8 63
SERGIPE 12
barco encavernado canoa 33
assaveirado barco encavernado barco de boca aberta canoa jangada canoa bordada traineira
5
11
BAHIA
RIO DE JANEIRO
7
51
8 assaveirado canoa jangada traineira
barco de boca aberta 28
Gráficos-resumo das embarcações cadastradas nos estados de Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro
De acordo com o estabelecido no Termo de Referência para este trabalho, o diagnóstico e o trabalho de campo foram estruturados em torno do conceito de paisagem cultural, compreendido como recorte empírico e como unidade básica de análise que, neste caso, encontra critério de definição em seu componente naval. A partir daí, partiu-se do pressuposto de que este trabalho demanda procedimentos metodológicos capazes de dar conta da amplitude e diversidade sócio-territorial dos sítios escolhidos, identificando e cadastrando as embarcações de interesse cultural, permitindo recolher informações para elaboração do diagnóstico sócio-econômico e cultural de sua ocorrência. A pesquisa desenvolvida em Sergipe foi planejada de forma a permitir que sua realização registrasse as diferentes espacialidades e temporalidades que compõem as paisagens culturais existentes. Além disso, permitiu também que fosse possível, mesmo que de modo impressionista, presenciar os diferentes momentos que compõem o calendário cultural destas comunidades, que afinal são os detentores das materialidades e imaterialidades destes bens culturais. Para o caso de Sergipe, ainda, as localidades apontadas no edital abrangem “toda a área portuária dos municípios de Indiaroba até São Cristóvão”, o que apontou para o entorno imediato dos principais pontos de desembarque dos dois municípios (portos). Em São Cristóvão, em particular, foram identificados os portos ou localidades de Estanque, Apicum-merém, Enseada, Madalena de Góes, Colônia Miranda, Rita Cacete, Coqueiro, Pedreiras, Caípe Novo, Caípe Velho, Tinharé, Mal Acabado e Apurga localizados na confluência dos rios Paramopama, Mangue e Miranda, todos na região da foz do Vaza Barris. Diante da magnitude deste foco empírico, foi estabelecido que seriam descritos e cadastrados os exemplares existentes nas localidades de porto São Francisco (o porto de São Cristóvão), porto “Catamarã”, a comunidade de “Beira Mar” e o porto de São Gonçalo, representativos da multiplicidade determinantes do contexto sócio-cultural dos detentores de embarcações tradicionais do município. Esta abordagem permitiu identificar as áreas de influência de determinadas embarcações, como o bote e canoa de São Cristóvão, esta última ainda insuficientemente descrita na literatura e identificada na região periurbana do município, portanto, fora do escopo cartográfico estabelecido no T.R. Cabe lembrar que caso fosse mantido o foco explicitado formalmente no T.R. esta pesquisa estaria restrita ao porto São Francisco que abriga cerca de dez embarcações, fato que limitaria significativamente o alcance de qualquer perspectiva a respeito de amostragem restrita numérica e tipologicamente. No Estado da Bahia, as ações de levantamento e cadastramento foram relativamente facilitadas pela existência de dois levantamentos anteriores A Bahia Pesca1, em 2002, identificou 7840 embarcações em todo o
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“Criada em 1982, a Bahia Pesca, empresa vinculada à Secretaria de Agricultura, Irrigação e Reforma Agrária da Bahia - Seagri, tem como finalidade fomentar a aqüicultura e a pesca, mediante a implantação de projetos sustentáveis observando a natureza
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Estado, das quais 4308 eram canoas, 1976 saveiros, 668 catraias e 552 barcos. Não há menção a outras tipologias, não sendo possível verificar se botes e jangadas, por exemplo, estão classificadas entre os “barcos”. Já uma pesquisa realizada em 2003 pelo IBAMA, através da Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros (Difap), reportou que 5,4% das embarcações utilizadas na pesca artesanal no Estado se situavam no Litoral Norte, 12,2% na região de Salvador, 43,6% no Recôncavo (Baia de Todos os Santos), 20,2% no Baixo-Sul (onde se localiza a baia de Camamu), 5,5% na Região-Sul e 13,1% no Extremo-Sul. Os municípios com frota mais expressiva eram Salvador (12,1%), Maragogipe (8,8%), Camamu (6,7%), Vera Cruz (4, 8%) e São Francisco do Conde (4,2%). As canoas concentravam-se no Recôncavo e Baixo-Sul, enquanto os saveiros, nas regiões Extremo-Sul e Sul. Sempre de acordo com a pesquisa realizada pelo IBAMA, a frota pesqueira do Estado promove o embarque de 23.210 tripulantes. A maioria das embarcações (56%) opera com até 2 tripulantes. As canoas e demais embarcações motorizadas embarcam 69,8% desse contingente. Chama a atenção que as embarcações caracterizadas como Saveiros (tradicionalmente movidas à vela), sejam classificadas entre as tipologias motorizadas e responsáveis pelo embarque de 24,5% dessa tripulação. Essa tendência, relativamente recente e relacionada à política anterior de modernização das frotas estaduais, determinou a definição, no Relatório Parcial relativo ao levantamento na Bahia (2009), de uma “nova” tipologia: os assaveirados (“por seus detalhes construtivos e características tipológicas” [...] ‘que, embora evidentemente afiliados a uma mesma tradição estilística e construtiva, não podem ser confundidas com seus ancestrais”). Entretanto, neste relatório final, procedemos a uma correção, preferindo identificar tais embarcações como “pequenos saveiros motorizados”, como veremos a seguir. No Estado do Rio de Janeiro, nos municípios de Cabo Frio e Arraial do Cabo, o levantamento foi realizado por uma nova equipe de técnicos, integrada à Peabiru em janeiro de 2010, o que determinou alguma diferença tanto na metodologia de pesquisa de campo como na redação do Relatório Parcial. Tentaremos corrigir assimetrias e eventuais discrepâncias neste Relatório Final. O pressuposto foi o de que uma descrição pormenorizada do campo – as situações encontradas e vivenciadas pelos pesquisadores e, inclusive, as dificuldades em discernir os agentes envolvidos com a atividade pesqueira – auxiliaria a compor um quadro mais vívido das condições de vida de pescadores e mestres carpinteiros, bem como de seus principais produtos e instrumentos de trabalho, iluminando, assim, aspectos que incidem de maneira bastante contundente na situação das embarcações nesta região. Nas duas etapas da pesquisa (fevereiro e abril de 2010), a equipe procurou estabelecer contato com os atores institucionais vinculados à atividade de pesca nas duas localidades: a Coordenadoria de Indústria, Comércio e Pesca vinculada à Secretaria de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente de Cabo Frio; e a Fundação Instituto de Pesca de Arraial do Cabo (FIPAC). A partir destes contatos preliminares foi possível delimitar de modo mais preciso o universo dos núcleos pesqueiros a ser abordado pelo levantamento e, então, iniciar uma aproximação intermediada pela rede de associações articulada por aquelas instituições. Evidentemente, a opção implicou alguma subordinação do universo observado pela equipe ao campo de atuação – e, por vezes, de sustentação – dos atores institucionais, incorrendo, assim, em exclusão de comunidades, núcleos e pontos de pesca importantes para uma caracterização geral das embarcações artesanais dos municípios. Distorção que a equipe procurou contornar através da realização de visitas a localidades situadas fora do alcance e da atenção daquelas instituições. Tal esforço, no entanto, acabou se mostrando pouco produtivo. Além disto, tanto em Cabo Frio quanto em Arraial do Cabo, a pesca constitui um terreno eivado de tensões políticas. Grupos rivais disputam e se revezam na direção dos órgãos representativos e nas instâncias do
econômica, social, ambiental e cultural, como forma de contribuir para o desenvolvimento do estado da Bahia”. Cf. http://www.bahiapesca.ba.gov.br/bahia-pesca
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poder público. Considerando tais aspectos, na ausência de um canal direto de comunicação, a aproximação com colônias de pesca, núcleos de pescadores, pontos de concentração ou de atracação de embarcações se revelou superficial e improdutiva. A equipe optou deliberadamente por priorizar, sempre que possível, a realização de visitas articuladas aos órgãos públicos municipais mencionados, pois, além de uma perspectiva mais global, forneceram uma via de acesso econômica e confiável aos núcleos pesqueiros. Nestas condições, a equipe pôde cobrir um número expressivo de localidades, perfazendo, assim, um conjunto bastante representativo dos núcleos pesqueiros dos municípios. Em Cabo Frio foram visitados os seguintes núcleos e pontos de atracação: Peró, Canto do Forte, Passagem, Píer, Moringa, Moringuinha, Gamboa, Mercado do Peixe, Portinho e Praia do Siqueira. Já em Arraial do Cabo, a equipe esteve presente no Porto do Forno (especialmente Marina dos Pescadores), na Praia dos Anjos, a Praia Grande, na Praia do Pontal e na Prainha.
Este Relatório contém, a seguir, uma “Contextualização das localizadas pesquisadas”, com o objetivo de não desvinculá-las do quadro geral vivido pela pesca artesanal no Brasil; uma reflexão de natureza mais conceitual sobre a questão das “paisagens culturais” e das paisagens pesqueiras, em particular; e observações recapituladoras sobre ocorrência das embarcações (tipos, quantidade, localização, atividades), estado de conservação e preservação dos elementos náuticos originais. Em cada um desses itens, procuramos também esboçar apontamentos diagnósticos e algumas perspectivas de articulação entre escopo e objetivos do “Projeto Barco do Brasil” e os resultados obtidos ao longo das ações de levantamento e cadastramento das embarcações. É oportuno alertar que este Relatório Final contém e consolida, evidentemente, informações presentes nos três Relatórios Parciais anteriormente apresentados e aprovados, chegando a incluir trechos deles, em alguns casos adaptados, à luz da experiência que as equipes de campo iam acumulando ao longo do desenvolvimento das pesquisas. Mesmo assim, entendemos que somente a leitura coordenada de todos os relatórios (os parciais e o final) e das fichas e demais elementos de recapitulação permitirá uma apreensão mais satisfatórias das várias situações descritas, por parte de quem não pôde presenciar as paisagens visitadas e aqui reconstruídas.
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2. Contextualização das localidades pesquisadas O levantamento do patrimônio material e imaterial composto pelas embarcações tradicionais brasileiras, proposto no projeto “Barcos do Brasil” pelo IPHAN/DEPAM, liga-se diretamente à compreensão da realidade social da qual as embarcações fazem parte, constituindo o que neste trabalho será chamado de paisagem cultural (com o recorte, nele, de paisagens pesqueiras). Desta forma, buscando dar suporte a um conhecimento mais profundo e amplo acerca das embarcações tradicionais, apresenta-se uma breve discussão sobre a atividade pesqueira no Brasil focando-se especialmente a pesca artesanal.
2.1. A atividade pesqueira no Brasil A pesca no território que veio a se tornar Brasil data de tempos pré-coloniais (DIEGUES, 1983; SILVA, 2001), desenvolvida pelos indígenas que deixaram em herança elementos técnicos ainda presentes na pesca dos pequenos pescadores lavradores e artesanais, que variam desde a captura, conservação e preparo do pescado até aos apetrechos e as canoas que se espalham pela costa e interior do país. Sucessivamente, sobretudo no nordeste, ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX, a pequena pesca costeira e estuarina foi atividade “concedida” aos escravos do latifúndio açucareiro, que assim abasteciam as casas-grandes com aporte de proteínas animais, como lembra o próprio Gilberto Freyre (1998). A primeira experiência de pesca em grande escala no Brasil foi a pesca da baleia, ainda no período colonial. Porém, é só no início do século XX que a configuração sócio-econômica atual da pesca no país começa esboçar-se (DIEGUES, 1992, p. 39-40). É por volta de 1930 que a pesca industrial surge no país, especificamente na região sul e sudeste, sendo as traineiras introduzidas pelos imigrantes portugueses e espanhóis que viviam no Rio de Janeiro, marcando a ruptura com a pesca artesanal e do pescador-lavrador que predominavam até então:
Este rompimento se tornou mais marcante na década de 30, quando os barcos sardinheiros – as traineiras – passaram a abastecer as indústrias de conserva de sardinha, entrando numa escala de captura até então desconhecida da pequena pesca. Essa escala de captura significou não somente a utilização de equipamentos de pesca possantes, como também a exploração dos mares mais distantes com uma unidade de produção onde a divisão do trabalho era mais diversificada que na pesca das canoas e jangadas até então dominantes no litoral brasileiro (DIEGUES, 1983, p.120).
O crescente processo de urbanização que interessou o Brasil a partir das décadas de 1940 e 1950 levou muitos pescadores-lavradores a se dedicarem apenas à pesca. Coincidindo com esse momento de desorganização desses grupos sociais, a pesca industrial passa a atuar nas regiões absorvendo grande parte dos pescadores locais como seus embarcados, pois estes se viam impedidos de cultivar a terra e de exercer a pesca de forma autônoma, forçados assim a recorrer ao trabalho assalariado para sobreviver. A respeito disso Diegues (1983, p. 125) diz:
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Foi neste contexto de desorganização de uma forma específica de organização da produção que expulsava força de trabalho excedente, que surgiram as traineiras de Santos e do Rio de Janeiro. Estas atraíam esta mão-de-obra excedente, que, dada a sua oferta, comprimia a remuneração dos tripulantes.
Com políticas de incentivo à atividade pesqueira2 implementadas pelo Governo Federal em 1967, houve a concentração da atividade pesqueira nas regiões sul e sudeste. O objetivo de tal política era o de acelerar os investimentos privados na pesca aumentando a produção de pescado (Ibidem, p. 132). Decorrendo da liberação de recursos ao setor pesqueiro industrial ocorreu a modernização e ampliação das indústrias pesqueiras, “muita das quais formadas por empresários completamente alheios ao setor” (DIEGUES, 1992, p. 41). O repasse dos incentivos, como aponta Diegues (Ibidem), concentrou-se mais uma vez na região sul e sudeste, absorvendo, segundo o autor, 96% do total de recursos disponibilizados. Pelos limites naturais da exploração dos estoques e por inúmeros casos de irregularidades dos investimentos dos recursos liberados, na década de 1980 a estratégia de incentivo foi abandonada (Ibidem). Muitos empreendimentos foram à falência e os empresários converteram o capital investido em outras áreas de atividade mais seguras e rentáveis como a especulação imobiliária (DIEGUES, 1983, p. 143). A política estatal decorrente da promulgação do Decreto 221/1967 impedia os pescadores artesanais de desfrutarem dos grandes recursos disponibilizados aos industriais, porém como afirma Diegues, “a Sudepe tentou criar uma pesca capitalista sem empresários capitalistas” (Ibidem, p. 142). Ou seja, liberou recursos aos empresários inexperientes no ramo e negou acesso à verba aos pequenos pescadores experimentados no assunto. O aumento do número de embarcações industriais e os primeiros indícios de falências de muitas empresas levaram a pesca industrial a atuar em áreas que até então eram exploradas apenas pela pesca artesanal. Esta última, além de não ter recebido nada do incentivo fiscal, passou a sofrer perdas de redes e ver seus estoques pesqueiros diminuírem devido à atuação dos arrastões próximos à costa e nos ambientes estuarinos e lagunares. A pesca artesanal marinha no Brasil representava em 1992 cerca de 40% da produção total de pescado, na pesca como um todo representava 53% (DIEGUES, 1992, p. 42). Segundo dados oferecidos por Mendonça (2007, p. 27), no ano de 2004 a pesca artesanal foi responsável por 49,7% da produção nacional. A Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (SEAP, 2008) afirma que apenas 10% das embarcações marítimas registradas são de médio e grande porte, o que revela a importância que a pesca artesanal representa para a produção nacional de pescado, sendo praticada, como vimos, em pequenas embarcações. À pressão exercida pela pesca industrial, soma-se o forte processo de urbanização a que praticamente todo o litoral brasileiro tem assistido. Os empreendimentos imobiliários, em busca justamente do fator paisagístico que lhes permite extrair maiores preços pela renda do solo urbano, solicitam e realizam políticas violentas de apropriação territorial, expulsando inúmeras famílias que residem nas localidades à beira de praia, de frente para o mar, baías e estuários. A ação conjunta desses processos de urbanização e da gentrification (ou “gentrificação”) das áreas litorâneas, alavancada pelas novas estratégias do turismo (inclusive nas suas mais insidiosas variantes “eco...”), teve como resultado mais frequente e mais dramático, a expulsão dos pescadores dos seus territórios, espaços que “significavam” ecologicamente, socialmente, economicamente e simbolicamente. Os “ranchos” dos caiçaras do
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Decreto Lei 221/1967.
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sudeste e as “caiçaras” dos jangadeiros do nordeste já não pertencem mais às suas respectivas paisagens: foram derrubados ou ressignificados, se tornando molduras do lazer urbano. Duas vezes urbano: pois a paisagem de beira de praia vem sendo anexada à(s) cidade(s) lindeira(s) e porque é das cidades que vem o usuário dessas novas ou renovadas paisagens do lazer. Ali, resta ao pescador, como veremos mais em detalhe, servir de “garçom”. Mas nesses abrigos (ranchos e caiçaras, ou mesmo cais rasos e nus), além dos apetrechos mais miúdos, e dos saberes que eles carregam, também estacionavam, quando a seco, as canoas e os botes, as pequenas embarcações dos pescadores artesanais dessas regiões. Deslocados ou escondidos, esses barcos sofreram aí o primeiro e mais agressivo processo de descaracterização, muito mais significativo do que aquele, porventura, ocasionado por pequenas ou grandes alterações formais e/ou estéticas nas suas respectivas estruturas construtivas. Mas, infelizmente, esses aspectos não estão ao alcance dos projetos de revitalização patrimonial (material ou imaterial): raramente se detectam, nunca se corrigem. De modo geral, este é também o pano de fundo que compõe a realidade das localidades em que a Peabiru executou o levantamento das embarcações tradicionais: Cabo Frio e Arraial do Cabo no Rio de Janeiro, Indiaroba e São Cristóvão em Sergipe e no Estuário de Camamu na Bahia.
2.2. Pescadores artesanais: atores desconhecidos do teatro social no litoral brasileiro Entre as numerosas e heterogêneas tentativas de estabelecer tipologias para a pesca não industrial no Brasil, oriundas das várias ciências sociais (e, mais recentemente, de setores mais avançados das ciências biológicas, pelo viés, sobretudo, da etnoecologia) julgamos que ainda sirvam como referência mais consistentes as propostas de Antônio Carlos Diegues. Em algumas páginas de um texto de 1983, republicado em 2004, ele sintetiza (pp. 132-137) o seu “ensaio de tipologia”, descrevendo uma “pesca de subsistência” (“praticamente desaparecida do litoral brasileiro”, salvo “alguma ocorrência na Amazônia, “praticada [...] dentro dos quadros das tribos indígenas ou de pequenos agrupamentos ribeirinhos”) e uma “pesca realizada dentro dos moldes da pequena produção mercantil”. Esta segunda modalidade é a que interessa as localidades visitadas no quadro deste projeto. Por isso, vale uma mais longa citação que sistematiza o nosso contexto:
A principal característica dessa forma de organização é a produção do valor de troca em maior ou menor intensidade; isto é, o produto final, o pescado, é realizado tendo-se em vista a sua venda. Isto pressupõe uma certa divisão social do trabalho já com produtores mais ou menos especializados que não necessariamente participam da captura. É o caso, por exemplo, do artesão "fazedor de canoas". Os produtores diretos, nesse caso, são independentes: proprietários dos meios de produção, incluindo-se aí o "savoir-faire" tradicional empregado na localização dos cardumes. O trabalho tem em geral características familiares (nuclear ou extensa), a tecnologia empregada se caracteriza pelo relativamente baixo poder de predação e o nicho ecológico é restrito. O processo produtivo gira em torno de instrumentos de produção (redes, espinhéis, canoas, etc.) apropriados familiar ou individualmente. A unidade de produção e em geral o grupo familiar ou a vizinhança, sendo a apropriação do produto regido pelo sistema de partilha ou quinhão (partes do produto são distribuídas aos produtores diretos). Em suma, o princípio que norteia essa forma de organização de produção é o da mercadoria, que se converte em dinheiro através da circulação mercadoria-dinheiro, que é utilizada para a aquisição de novas mercadorias (M-D-M).
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Mas essa descrição ainda não satisfaz as nossas exigências, que são relativas, como veremos melhor mais à frente, a uma reflexão sobre as mudanças que estão afetando esse setor social. Para tanto, consideremos os dois “subtipos” propostos ainda por Diegues: (1) a “produção mercantil simples dos pequenos produtores litorâneos: ‘os pescadores-lavradores’”; e (2) a “pequena produção mercantil pesqueira (ampliada): o pescador artesanal”. Os dados registrados nas atividades de campo, na Bahia, em Sergipe e no Estado do Rio de Janeiro remetem, nesta nossa primeira e provisória análise, a um contexto de “pescadores artesanais” que estariam “regredindo” para “pescadores-lavradores”, sendo, porém, que não é mais a pequena atividade agrícola a representar a alternativa de renda, paralela à gerada pela pesca, mas a participação, desigual e subalterna, ao mercado de trabalho alavancado pelos processos de urbanização, gentrificação e “turistificação” já apontados e para os quais voltaremos. Em outras palavras, se o “pescador-lavrador”, nas palavras de Diegues, pratica a pesca como uma “atividade ocasional [...] restrita em geral a períodos de safra (tainha, por exemplo)”, e “a [sua] atividade pesqueira se inscreve dentro de atividades predominantemente agrícolas que constituem a base de subsistência e organização social desses pescadores”, agora o tempo social da pesca é parcialmente substituído pelo tempo dos empregos mais ou menos fixos ou temporários, mais ou menos valorizados econômica e socialmente, mas todos ligados aos processos de transformação das paisagens pesqueiras tradicionais. Vigias, faxineiros, garçons de localidades visitadas ou invadidas pelo turismo, por exemplo, poderiam muito bem ser definidos – em novas e mais efetivas tipologias – como “pescadores-guias turísticos”, “pescadores-vigias”, “pescadores-caseiros” ou “pescadores-garçons”. O fenômeno não é tão novo assim. Justamente em Arraial do Cabo, numa pesquisa clássica, realizada em 1988 e 1989, Rosyan Brito registrava que a presença de uma empresa industrial (a Companhia Nacional de Álcalis, implantada em Arraial do Cabo no final dos anos Cinqüenta) havia “servido, de certa forma, também, como mecanismo de rearticulação da própria atividade [pesqueira], de modo que até mesmo o esperado ‘êxodo’ dos pescadores em direção à Companhia representou, num dado momento, a garantia da sua permanência da pescaria” (BRITO, 1999, p. 16-17). Ou seja, a “segurança” (na esfera da reprodução social) garantida pela fábrica permitia a continuidade (mas em bem menor escala) da faina da pesca. Mas a autora reconhece que outras injunções (especulação imobiliária, incremento dos fluxos turísticos, instalação de uma base de pesquisas oceanográficas da Marinha do Brasil, além da própria produção de barrilha por parte da fábrica) “incidiram, de modo especial, na organização social dos pescadores, sobretudo em dois sentidos: [...] subtraindo espaços [...]” e “induzindo mudanças em seus padrões culturais e práticas produtivas tradicionais, mediadas pela atuação dos novos agentes sociais” (Ibidem, p. 16). Assim, o fenômeno assume várias formas no litoral do Nordeste (cf. também REGO, 2004) e no do Sudeste, mostrando que se trata mesmo do nó mais relevante para a compreensão das mudanças na atividade da pesca artesanal no Brasil. Portanto, se os “pescadores artesanais” de Camamu, Indiaroba, São Cristóvão, Cabo Frio e Arraial do Cabo negociam os seus tempos e espaços de pesca com a realidade contemporânea que lhes é apresentada, podemos apontar que a sua pesca é “atividade ocasional”, como seria (ou era) para os “pescadores-lavradores” descritos por Diegues? A resposta a este questionamento pode passar pela resposta a outro: os pescadores dessas localidades ainda se enquadram na tipologia da “pequena produção mercantil pesqueira (ampliada)” (Diegues, 2004: 135), a dos “pescadores artesanais”? Essa é caracterizada, ainda segundo Diegues, pelo fato de que a atividade pesqueira passa a ser a principal fonte de renda, propiciando, em determinadas situações, uma maior produção de excedente, em cuja distribuição entre os pescadores
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passam a ser introduzidos padrões menos igualitários. O "dono da embarcação motorizada", por exemplo, passa a exigir um “quinhão maior”, alegando custos maiores na manutenção da embarcação, pagamento de financiamentos feitos etc. Rompe-se, então, um certo igualitarismo existente na subforma de produção anteriormente descrita. Com isto, torna-se mais nítida a diferença entre os proprietários dos meios de produção e os "camaradas". As grandes "companhas" ou grupos de pesca vão reduzindo o seu contingente de mão-de-obra para dar lugar a "tripulações" menores, mais especializadas. (Ibidem: 136).
Ora, os dados registrados ao longo dos encontros propiciados por esta pesquisa parecem apontar para uma situação em que o pescador já não tem mais a pesca como “principal fonte de renda” (com consequências na esfera da construção naval, tanto no item “conservação” quanto no “preservação”, como veremos). Mas os demais elementos (os que remeteriam para “padrões menos igualitários” – e que também provocam a diminuição da importância da propriedade familiar e do grupo doméstico - Ibidem: 135 e 136) se mantêm, o que nos levaria a duas ordens de considerações, ambas provisórias. Em primeiro lugar, parece necessário reconhecer que as atividades de pesquisa voltadas para o levantamento do patrimônio naval e para o cadastramento de embarcações tradicionais (como as que aqui foram realizadas e das quais este Relatório pretende dar conta) são insuficientes para a apreensão exaustiva daquela realidade, composta de dados e aspectos (etnográficos, simbólicos histórico-econômicos e culturais – e todos em rápida dinâmica de mudança), que poderia responder tanto a estes questionamentos quanto aos próprios objetivos deste projeto. De fato, não há possibilidade nenhuma de separar a consistência e o estado desse patrimônio naval da compreensão do contexto dos processos de transformação da pesca artesanal no Brasil. Em segundo lugar, parece que será mesmo nos interstícios de proas e popas que as respostas (ou, ao menos, boa parte delas) poderão ser dadas. Em outras palavras, é justamente na dimensão simbólica (que, em várias instâncias perpassa e ultrapassa as demais – sobretudo as econômicas) que se deveria medir o grau de envolvimento do pescador com o seu trabalho e os instrumentos do seu trabalho. Nos barcos, por esta perspectiva, também está embarcada (em alto mar ou a seco) a medida do universo da pesca e do destino das paisagens (culturais e/ou pesqueiras) de que trataremos mais adiante.
2.3. Contextualização das localidades pesquisadas Os trabalhos de levantamento das embarcações tradicionais nos municípios de Cabo Frio e Arraial do Cabo no Rio de Janeiro, Indiaroba e São Cristovão em Sergipe e no Estuário de Camamu na Bahia, foram realizados em realidades distintas, tanto no que se refere aos ambientes e à composição paisagística quanto com relação às realidades socioeconômicas. De modo geral, no tocante aos ambientes costeiros nos quais estão localizados os municípios, é possível diferenciar duas realidades: a das cidades situadas em regiões costeiras desabrigadas e as que estão contidas em complexos estuarinos. No primeiro caso encontram-se Cabo Frio e Arraial do Cabo, localidades que destoam dentro do próprio litoral fluminense das condições físico-biológicas das demais compartimentações topográficas do litoral do Estado. A respeito disso, segundo Fernandez et alii (2006):
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a área de estudo está sob condições de um enclave na chamada Zona de Influência da Ressurgência [...] e apresenta um microclima distinto do conjunto tropical dominante [...]. Outro fenômeno importante para a aridez climática observada em Cabo Frio é o efeito provocado pela ressurgência [...]. Este fenômeno é condicionado pela brusca inflexão da linha de costa na altura do cabo Frio; pelas condições batimétricas da plataforma continental e pelos constantes ventos de nordeste [...]. A distribuição de águas frias na área de influência do cabo Frio inibe a formação de cúmulus responsáveis por chuvas convectivas, desta forma diminuindo o índice das precipitações.
Esta característica geográfica tem influência não apenas nos fatores ambientais, mas também nas atividades socioeconômicas. Cabo Frio e Arraial do Cabo, por conta do fenômeno da ressurgência, são locais de elevada concentração de pescado devido à riqueza de sedimentos e nutrientes trazidos a tona pelas correntes ressurgentes. Explica-se desta forma a grande concentração da atividade pesqueira do Rio de Janeiro nas praias destas cidades. Os ambientes estuarinos, como os a que pertencem às áreas sergipanas e baianas, por sua vez, caracterizam-se por serem ambientes de transição entre o continente e o oceano. Neles os regimes de correntes são mais moderados e ligam-se, sobretudo, ao regime dos ventos e das marés. Os estuários são verdadeiros refúgios ambientais onde mangues, espécies animais e vegetais a ele ligados desenvolvem-se (Miranda, 2002). Contudo, como ressalta Miranda (Ibidem), cerca de 60% das cidades litorâneas brasileiras concentram-se nestes ambientes, gerando impactos ambientais ainda sem estimativa. Por serem locais de elevada concentração de espécies, tanto de crustáceos quanto de peixes, os estuários são locais onde se concentram atividade de pesca e coleta. As diferenças entre os municípios pesquisados se alargam quando se comparam índices populacionais e econômicos. A tabela a seguir ilustra os dados populacionais das localidades pesquisadas assim como as suas taxas de crescimento e urbanização.
Município
Estimativa
População
de população 2009
em 2007
Taxa de
Taxa de
crescimento
crescimento
Taxa de
populacional
populacional
urbanização - 2007
2000 - 2003 (%)
2007 - 2009 - %
Arraial do Cabo
26.896
25.183
2,29
6,80
100
Cabo Frio
186.004
161.614
4,76
15,09
78,11
Indiaroba
18.126
16.609
2,11
9,13
31,59
São Cristovão
75.104
71.421
2,74
5,16
90,8
Camamu
32.881
32.048
2,16
2,60
41,72
Valença
89.597
83.414
0,56
7,41
70,49
Ituberá
24.169
23.452
3,33
3,06
71,52
Igrapiúna
13.268
13.205
2,61
0,48
29,44
0,64
2,50
20,52
Maraú
17.270
16.849
Fonte: IBGE Cidades (2009), IBGE Banco de Dados Agregados – Contagem 2007, SIMBRASIL 2004
Como se pode notar, segundo dados do IBGE de 2009, apenas Cabo frio supera os 100 mil habitantes, chegando a quase 190 mil, seguida por Valença com cerca de 90 mil habitantes e São Cristovão mais de 75 mil habitantes. Igrapiúna chama a atenção por possuir a menor população dentre as cidades pesquisadas, com 13 mil habitantes, seguida de Maraú, também na Bahia, e Indiaroba – as três não chegam a 20 mil habitantes. Os dados de crescimento populacional entre o intervalo do ano de 2000 a 2007, por sua vez, ilustram um
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quadro distinto ao apresentado anteriormente. É possível traçar três cenários com relação a esta variável: um no qual a população cresce acima de 3% no intervalo, como nos casos de Cabo Frio e Ituberá, outra até 3% onde se encontram as cidades de Arraial do Cabo, Indiaroba, São Cristóvão, Camamu, e Igrapiúna e os que as taxas não ultrapassam 1%, Maraú e Valença (SIMBRASIL, 2004). A taxa de urbanização dos municípios, relativa ao ano de 2007, dividiu-os de forma muito clara, revelando assim a complexidade sob a qual se deram as pesquisas de levantamento das embarcações. Observa-se que as realidades variaram muito entre os municípios pesquisados, como no caso de Cabo Frio, município com 100% de sua população residindo na área urbana, até duas cidades do Estuário de Camamu, em que a população urbana representa menos de 30% da população total. No tocante às características da ocupação econômica, é nítido, em geral, o predomínio dos postos de trabalho em atividades ligadas aos serviços. Contudo deve-se frisar que tal realidade não é necessariamente sinônimo de dinamismo econômico, uma vez que o serviço público apresenta-se como o principal empregador nesses municípios. Isto ocorre, em particular, em Cabo Frio, Indiaroba, São Cristóvão, Camamu, Ituberá e Maraú. Arraial do Cabo também tem o setor de serviços como o principal empregador de sua população economicamente ativa (PEA), mas lá a construção civil é a principal empregadora, dado que aponta para o intenso processo de especulação imobiliária pelo qual passa a cidade, sobretudo pelo desenvolvimento do turismo. No estuário de Camamu estão as duas únicas cidades que não têm nas atividades de serviço a maior parte da PEA empregada: em Igrapiúna o setor da agricultura é o maior empregador, com a significativa presença do cultivo de dendê. Em Valença, a pesca e as atividades ligadas a ela representam a principal ocupação da PEA.
2.3.1. Sergipe O Estado de Sergipe possui 163 km de costa, onde deságuam seis importantes bacias hidrográficas, que formam os complexos estuarinos dos rios São Francisco, Japaratuba, Sergipe, Vaza Barris, Piauí e Real, dando ao Estado uma característica singular no litoral brasileiro. De acordo com o Relatório Técnico do Projeto de Cadastramento das embarcações pesqueiras no Litoral das Regiões Norte e Nordeste do Brasil: em função do grande volume de água doce e de sedimentos aportados, principalmente pelo Rio São Francisco, o litoral de Sergipe não apresenta afloramento de arrecifes de corais, bastante freqüentes na costa do nordeste, conferindo-lhe uma característica própria na topografia, granulometria de suas areias e na sua formação (pág. 194).
Segundo o mesmo relatório, a frota do Estado de Sergipe era constituída, em 2005, de 2.925 embarcações, sendo 2.561 canoas a vela e/ou remo, representando 85,6% do total; 320 canoas motorizadas, correspondendo a 10,9% da frota e 44 lanchas, que representam 1,5% das embarcações do Estado. Em particular, o Relatório estima em 403 o número total de embarcações dedicadas à pesca nos municípios de Indiaroba e São Cristóvão, número que, apesar se basear em tipologia diferente daquela aqui adotada, serviu de referência para o dimensionamento preliminar do campo de pesquisa.
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Mapa de Sergipe: divisão de microrregiões. Fonte: Grupo de Geoprocessamento do CRN (Centro Regional do Nordeste), INPE.
Localizado entre os rios Saguim ao norte, e Real ao sul, o Município de Indiaroba formou-se a partir das disputas entre a Bahia e Sergipe pela Jurisdição do território. Afastado dos pólos mais dinâmicos do turismo e do agro-negócio, o município, com pouco mais de 18 mil habitantes, vive fundamentalmente da produção agrícola e pesqueira, realizada por unidades familiares da pequena produção mercantil e mais recentemente como manancial de mão de obra para os grandes empreendimentos de maricultura que se estabeleceram nos últimos anos.
Vista da cidade de Indiaroba.
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Grande parte de seu território está localizado sob influência do estuário do rio Real, emaranhado d’água e terra coberto de denso manguezal, ecossistema de importância fundamental para a reprodução dos cardumes oceânicos de toda a região e fonte de subsistência para inúmeras famílias que habitam as localidades de Preguiça, Pontal, Terra Caída e Crusto, entre outras pertencentes a pescadores e marisqueiras artesanais de subsistência. É fato constatado pelos pescadores locais, a diminuição acentuada dos cardumes que percorrem o estuário do rio Real. Associado a ele, encontra-se a mortalidade massiva da fauna do manguezal ocorrida há cerca de quatro anos e da qual todo o ecossistema ainda se ressente; duro golpe para os pescadores artesanais, principais usuários dos barcos em Indiaroba. Existe a suspeita generalizada de que o empobrecimento do ecossistema estuarino está diretamente relacionado às atividades de maricultura em larga escala instaladas recentemente, cujos efluentes estariam contaminando os manguezais de toda a região. Além disso, o município tem incorporado grandes áreas limítrofes aos manguezais para o desenvolvimento de seu plano de expansão urbana, usando as margens do rio Real para atendimento de demanda por moradia urbana. Não bastasse a destruição pura e simples dos manguezais pelos aterros e ocupação que isolam o manguezal de seus ecossistemas associados, dissemina-se entre os proprietários dos novos lotes ribeirinhos, a prática de ocupar os fundos dos terrenos com tanques improvisados, cavados à mão, aparentemente sem qualquer supervisão técnica, nos quais começam a criar camarão reproduzindo em escala doméstica um procedimento técnico que já se mostrou ambientalmente desastroso. Outra questão que merece ser destacada está relacionada à coleta de frutas em áreas ao longo do Rio Real, atividade realizada por mulheres da comunidade que encontra nas pequenas embarcações artesanais meio de transporte e instrumento de trabalho. Finalmente, deverão ser consideradas as implicações que a ampliação do sistema viário tem provocado no transporte fluvial. É possível prever significativas transformações na paisagem cultural regional, com impactos diretos sobre as formas tradicionais da navegação fluvial do estuário do rio Real e que deverão ser investigados no baixo Rio Vaza-Barris. Acrescentam-se a esta dinâmica mais geral fatos como a diminuição de estaleiros e mestres armadores em atividade, que envelhecem sem deixar continuadores, e dificuldades para a obtenção de matériaprima, como ameaças objetivas ao barco de Sergipe como o conhecemos atualmente.
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São Cristóvão, cidade histórica, considerada monumento nacional e quarta cidade mais antiga do país, São Cristóvão situa-se ao norte do estuário do rio Vaza-Barris, a apenas 7 m acima do nível do mar e dista 26 km da capital do Estado, Aracaju. É a terceira cidade de Sergipe em importância, logo depois de Aracaju e Estância. Capital da província de Sergipe até meados do século XIX, conserva da fase colonial, edifícios históricos e tradições, como as romarias e as festas religiosas.
Vistas da cidade de São Cristóvão.
A dinâmica do crescimento desordenado do município tem acarretado conseqüências preocupantes para a população local, que se vê exposta a novos vetores de vulnerabilidade advindos da ocupação de seus territórios tradicionais, via de regra em áreas de preservação permanente, como os manguezais remanescentes dos estuários do rio Vaza Barris, que têm sido degradados pela ocupação urbana, falta de saneamento ambiental, por atividades de carcinicultura sem manejo adequado e pela pesca predatória de caranguejos. Exilados de suas terras, impossibilitados de reproduzir o seu modo tradicional de viver, invisíveis aos olhos do Estado, as condições de sobrevivência dos pescadores locais ganham contornos dramáticos, exibindo indicadores sociais ou qualidade de vida muito aquém da média dos mais podres grupos citadinos. São Cristóvão é a cidade que possui o maior contingente de pescadores do Estado, no entanto, questões de ordem ambiental têm colocado em risco a atividade principal de sustento de centenas de famílias. Atualmente a pesca e coleta rendem em média, segundo a colônia de pesca local, uma média de R$ 200,00 por família, menos da metade do que cada pescador recebe por mês durante os períodos de defeso estabelecidos pelo IBAMA. O pescador em São Cristóvão vive numa situação de miséria e não consegue fazer ouvir suas demandas específicas relacionadas tanto às condições de vulnerabilidade econômica e social, como as questões ambientais que os afetam diretamente. A pesca artesanal, assim como a coleta de frutos e mariscagem, são desenvolvidas por famílias que se encontram no limite da sobrevivência, o que acaba agravando a o caráter sazonal e cotidiano desta atividade. O Rio Paramopama, que corta a cidade de São Cristóvão, é o mais poluído. Como se não bastasse, um canal – uma estrutura de ferro – está sendo construído para transportar o esgoto e todos os dejetos vindos do presídio Carvalho Neto, conhecido como o Cadeião, para desaguar nele. Diante de um quadro de precariedade sócio-ambiental deste porte não parece descabido supor que estas atividades, base estruturante de toda uma sociabilidade tradicional, da qual as embarcações tradicionais fazem parte, somente persistam por conta das condições de desemprego na cidade e miserabilidade de sua população. Em São Cristóvão foram identificados os portos ou localidades de Estanque, Apicum-Merém, Enseada, Madalena de Góes, Colônia Miranda, Rita Cacete, Coqueiro, Pedreiras, Caípe Novo, Caípe Velho, Tinharé, Mal
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Acabado e Apurga, localizados nas confluências dos rios Paramopama, Mangue e Miranda, todos na região da foz do Vaza Barris. Destes foi estabelecido que seriam descritas e cadastradas as embarcações presentes nas localidades de porto São Francisco (o porto de São Cristóvão), porto “Catamarã”, a comunidade de “Beira Mar” e o porto de São Gonçalo, representativos da multiplicidade de situações determinantes do contexto sócio-cultural dos detentores de embarcações tradicionais do município.
Porto São Francisco.
Porto Catamarã.
Porto São Gonçalo.
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2.3.2. Bahia A baia de Camamu situa-se há menos de 200 quilômetros ao sul de Salvador, na região conhecida como Baixo Sul ou Costa do Dendê, na Mesorregião do Sul Baiano e Microregião de Valença, e que abriga os municípios de Valença, Cairu, Taperoá, Nilo Peçanha, Ituberá, Igrapiúna, Maraú e Camamu, com população de pouco mais de 200 mil pessoas.
Mapa da Bahia: divisão de microrregiões. Fonte: Grupo de Geoprocessamento do CRN (Centro Regional do Nordeste), INPE.
A região guarda rico e diversificado patrimônio natural, arqueológico e cultural que, apesar de sua importância continua muito pouco conhecido. Considerada a terceira maior do Brasil, a baia é formada pelos estuários dos rios Serinhaém, Acarahy e Maraú, abrigando importantes remanescentes de Mata Atlântica e extensas áreas de restingas e mangues relativamente preservados, cuja importância ambiental fundamental se agrega ao potencial pesqueiro, turístico e agroflorestal para a economia do Estado. É também território para inúmeras comunidades rurais que se articulam à pequena produção mercantil da pesca e agro-extrativismo familiar. Apesar do severo processo de urbanização observado nas últimas décadas, esta região mantém de modo geral uma paisagem sócio-cultural marcada pela presença de pequenas comunidades rurais de pescadores e agricultores familiares. Vestígios pré-cabralinos, ruínas e construções coloniais, o sistema de barragens do Acarahy e todo um sistema de manifestações culturais expresso em formas singulares de ser e viver de sua população marcam e definem a paisagem cultural desta importante província patrimonial. Diversas sedes municipais mantêm marcas da urbanística portuguesa, como a divisão entre cidades alta e baixa, o traçado defensivo das ruas ou os sobrados sobrepostos comuns em Valença, Morro de São Paulo, Cairu, Ituberá, Camamu e Maraú.
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Inserida apenas marginalmente aos núcleos mais dinâmicos da economia regional dos séculos XVI e XVII, notadamente à região do recôncavo e Salvador, a economia local se especializou na produção voltada ao abastecimento da economia cafeeira e urbana. A agricultura mercantil tinha como base mandioca, piaçava, dendê, café, arroz, coco e canela (OLIVEIRA, 2005). A decadência da economia açucareira, o deslocamento do eixo econômico para a região das minas e posteriormente do Sudeste, mantiveram em posição periférica e marginal ate mesmo em termos relativos, situação determinante na formação da paisagem humana contemporânea. No final do século XVIII, foram introduzidas as culturas de algodão, café e cacau, que assumiram o protagonismo na dinamização da economia regional até meados do século seguinte. A partir da metade do século passado se inicia uma mudança no perfil produtivo regional com a introdução do dendê, cravo da índia, seringueira, coco, pimenta do reino e guaraná, culturas que se aproveitam das condições ambientais privilegiadas e as quais vem se somar recentemente o cultivo de espécies como o mangustão, pupunha, macadâmia, urucum e canela, reanimando a vocação agrícola e extrativista da região.
Paisagem da “enseada”, Ilha Grande.
Estas características somadas determinaram a proliferação de um robusto sistema de transporte naval entre as incontáveis comunidades beirinhas de todo o baixo sul baiano, e em particular na região da baía de Camamu, onde grande parte das comunidades só é alcançada por canoas e pequenas embarcações a motor. Pequenos atracadouros espalham-se por toda baía, que do mesmo modo que mestres carpinteiros e estaleiros artesanais, assim como toda a arte de pesca e navegação, são referencias culturais que singularizam a região. Não são poucas, no entanto, as ameaças que pairam sobre a tradição naval da baia. Além do incremento do transporte rodoviário, das dificuldades de obtenção de madeira para a construção de embarcações, a drástica diminuição dos estoques pesqueiros da baia, deve-se acrescentar o assoreamento de importantes portos regionais como o de Ituberá, como conseqüência da ocupação de várzeas e manguezais em virtude do processo de urbanização desordenado.
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Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos 1980, observa-se a rápida expansão das atividades relacionadas ao turismo de veraneio, ciclo econômico mais intenso e influente da atualidade, que, junto à exploração petrolífera, se apresentam como principais vetores de reorganização sócio-espacial e econômica de toda a região. Camamu é uma pequena cidade portuária localizada no fundo da baia, na margem esquerda do rio Acarahy, pouco antes de seu encontro com a foz do Maraú, principais formadores do sistema estuarino-lagunar. Com pouco menos de 33 mil habitantes, Camamu é a mais importante cidade da baía e uma das mais influentes de toda a região do Baixo Sul ou Costa do Dendê. Sua economia está assentada fundamentalmente em atividades ligadas à pesca e ao agroextrativismo, além de importante núcleo de serviços públicos e privados. Sua condição estuarina tem determinado uma inserção marginal no ciclo do turismo de veraneio, sendo considerada como ponto de passagem para os viajantes que buscam os destinos praieiros como Barra Grande, Três Coqueiros e Taipús de Fora, por exemplo, ou para os passeios no interior da baía. Estas características explicam de certo modo, as duas principais paisagens culturais que definem a Camamu como ao mesmo tempo singular e paradigmática da região, decisivas para a definição da abordagem elaborada para este estudo. Se por um lado a ocupação territorial é marcada pela presença significativa de comunidades rurais esparsas, muitas delas insulares e beirinhas, alcançadas unicamente por canoas e barcos, por outro, exibe uma intensa dinâmica citadina caracteristicamente portuária, nucleando a cabotagem e o transporte de passageiros, fundamentais para a vida do município e de toda a baia.
Patrimônio naval de Sapinho.
Ituberá.
Ilha Furada.
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2.3.3. Rio de Janeiro Cabo Frio e Arraial do Cabo estão localizados na mesorregião Baixada Litorânea do estado do Rio de Janeiro, juntamente com os municípios de Araruama, Iguaba Grande, Saquarema e São Pedro da Aldeia, Armação dos Búzios, Casimiro de Abreu e Rio das Ostras. Cabo Frio e Arraial do Cabo compõem ainda a microrregião da Costa do Sol.
Mapa do Rio de Janeiro: divisão de regiões. Fonte: Fundação Proozee, IBAMA, SEAP, 2005.
Cabo Frio possui 410.693 km² de área e, segundo os dados do IBGE de 2009, 186.004 habitantes. As principais atividades econômicas são o turismo e as indústrias pesqueira, de vestuário (moda praia) e a extração de petróleo. Segundo o PNUD de 2007, o IDH da cidade é 0.810. Os dados do IBGE de 2007 constam que o PIB per capita é de R$ 34.151,00. Ainda segundo este órgão, o PIB do município é contabilizado do seguinte modo: R$ 18.193.000,00, valor adicionado bruto da agropecuária; R$ 4.027.160,00, valor adicionado bruto da indústria; R$ 1.398.244.000,00, valor adicionado bruto dos serviços; R$ 96.659.000,00, impostos sobre produtos líquidos de subsídios; R$ 5.540.256.000,00, PIB a preços correntes. Arraial do Cabo emancipou-se de Cabo Frio há menos de três décadas, em 1985, tendo sido instalada sua sede no ano de 1986. O município possui 152 km² de área e, segundo os dados do IBGE de 2009, 26.896 habitantes. As principais atividades econômicas são o turismo, a indústria pesqueira e a extração de petróleo. Segundo dados do PNUD de 2000, o IDH da cidade é 0.79. Os dados do IBGE de 2007 constam que o PIB per capita é de R$ 10.805,00. Ainda segundo este órgão, o PIB do município é contabilizado do seguinte modo: R$ 4.858.000,00, valor adicionado bruto da agropecuária; R$ 67.887.000,00, valor adicionado bruto da indústria; R$ 188.748.000,00, valor adicionado bruto dos serviços; R$ 11.309.000,00, impostos sobre produtos líquidos de subsídios; R$ 272.802.000,00, PIB a preços correntes. O Censo Estrutural da Pesca Artesanal Marítima e Estuarina nos Estados do Espírito Santo, Rio De Janeiro, Paraná, Santa Catarina E Rio Grande Do Sul (2005), desenvolvido pela Fundação Prozee para a SEAP e o IBAMA, aponta que o Rio de Janeiro tem 156 locais de desembarque de pescado ao longo de sua costa com extensão total de 640 km, distribuídos em 25 municípios, dentre os quais Cabo Frio e Arraial do Cabo. Estes dois municípios têm importância relativa neste rol de pontos, ainda que as condições de pesca artesanal – como veremos melhor adiante – estejam muito comprometidas. Importa dizer que tal Censo não aponta Cabo Frio ou Arraial do Cabo como expressões das mais importantes de pesca artesanal. Cabo Frio participa com 7 pontos de
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desembarque (4,48% do total), enquanto Arraial do Cabo tem 6 pontos (3,84% do total), do universo cadastrado (sendo que a média é de 6,24 pontos de desembarque por município). Ainda segundo este Censo, a situação é análoga se observarmos a quantidade de estaleiros e carpintarias navais nos municípios: em Arraial do Cabo foram cadastrados 5 carpinteiros e nenhum estaleiro, ao passo que em Cabo Frio estão presentes 2 estaleiros e 4 carpinteiros navais. Esta informação quantitativa sistematizada pela Fundação Prozee é sensivelmente percebida em campo através da dificuldade de localizar os carpinteiros e profissionais responsáveis pela manutenção das embarcações de pequeno porte utilizadas para pesca artesanal, especialmente as embarcações tradicionais. Uma informação importante sobre a pesca nos municípios referidos pode ser aferida pelo tipo de comercialização que o pescado tem nos municípios: em torno de 80% do peixe e camarão tirado do mar e da Lagoa são vendidos pelos pescadores a intermediários e empresas e apenas 20% é destinado a consumidores finais. Essa situação demonstra a pequena autonomia dos pescadores em relação ao seu trabalho e mostra a rede intricada entre pesca artesanal e o circuito da pesca não tradicional com o chamado “mercado”. A realidade da pesca em Cabo Frio sofre os efeitos de dois conjuntos de fatores. De um lado, há a presença de uma indústria pesqueira consolidada, que induz a modernização da frota e a mecanização do processo de trabalho. O impacto disto sobre a pesca artesanal se dá diretamente, pela concorrência por pescado, por exemplo, seja indiretamente, pela contratação dos pescadores como mão-de-obra para as embarcações de grande calado. De outro, verifica-se um pujante setor de turismo, que impacta sensivelmente na economia e influi diretamente no desordenado processo de urbanização local. Aqui, os efeitos também são sentidos em diferentes níveis: o despejo de toneladas de esgoto no mar e, em especial, na Lagoa de Araruama tem provocado alta mortandade de espécies marinhas, reduzindo drasticamente a captura de pescado e inviabilizando o principal meio de sustento das comunidades pesqueiras. Os efeitos disruptivos se fazem sentir, ainda, pela atração que o turismo exerce como mercado de trabalho para os pescadores desocupados, redirecionando-os para as atividades de passeio ou absorvendo-os como caseiros ou seguranças em casas de veraneio. A realidade da pesca em Arraial do Cabo sofre efeitos dos mesmos fatores encontrados nas localidades de Cabo Frio, mas com maior incidência daqueles relacionados ao turismo. Sazonalmente, a acanhada densidade populacional da cidade é desproporcionalmente expandida tanto por veranistas como por turistas alocados nas cidades vizinhas, atraídos pelas belas paisagens da região – Pontal do Atalaia, a Gruta Azul, a Praia do Farol e a Praia do Forno. Tal circunstância repercute em diversas dimensões, com destaque para a econômica e ecológica: no que tange à primeira, pela geração de emprego, que absorve um contingente expressivo da população economicamente ativa, em especial os pescadores desocupados ou desejosos de auferir uma renda alternativa ou adicional; quanto ao segundo, pelos problemas ambientais, que prejudicam as condições de pesca, principalmente o tipo de pesca costeira praticada tradicionalmente pelos núcleos pesqueiros. Seguramente, a existência de uma Reserva Extrativista (Resex) – instaurada em 1997 – atenuou o processo de desestruturação da pesca artesanal em Arraial do Cabo, dando sobrevida a alguma de suas manifestações mais tradicionais. Entretanto, todos os interlocutores locais foram taxativos em afirmar que a Resex não vem funcionando e os efeitos negativos sobre a pesca permanecem. Segundo os relatos, isto se deve à pesca exercida irregularmente por navios de grande calado, à ação das operadoras de mergulho ecológico e passeios turísticos, mas, acima de tudo, à falta de fiscalização das autoridades públicas. Problemas que, em última instância, parecem relacionados aos conflitos entre as competências dos diferentes órgãos atuantes na área: Associação da Reserva Extrativista de Arraial do Cabo (AREMAC), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Ministério Público, Polícia Federal, Instituto de Estudos Almirante Paulo Moreira (IEAPM/Marinha Brasileira).
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3.
Paisagem cultural Queremos, a partir de uma perspectiva ditada pelo objeto deste estudo – os barcos da pesca artesanal no
Brasil –, levantar uma peculiaridade das paisagens culturais. Aparentemente, o próprio conceito de paisagem (histórica e cultural porque enxergada, em algum momento, por alguém) sofrerá algum desgaste, mas o rendimento da reflexão (ou provocação), quando relacionada ao objetivo patrimonial que aqui interessa, deverá prevalecer. Introduzimos as paisagens pesqueiras. Nas paisagens pesqueiras (paisagens urbanas ou extra-urbanas, litorâneas, em que o cenário determinado pelo trabalho da pesca aparece, inclusive no imaginário, como o principal – e é o caso, salvo melhor juízo, das localidades interessadas por esta pesquisa), existe uma parcela de paisagem que é invisível: o mar aberto. Nele, a natureza e a paisagem só convivem e coincidem intermitentemente. Antes de representar uma “obra conjugada do homem e da natureza”, o mar aberto teima em só ser tangido pelo patrimônio material dos pescadores: os barcos – mas nem sempre. Mas esse patrimônio carrega, entre redes e anzóis, entre remos e mastros, um sentido (imaterial, sem dúvida, e por construção) pesqueiro que não é o mesmo, em terra e/ou no mar. Esses barcos (e a sua carga, material e imaterial) inscrevem-se numa paisagem visível para todos só quando estão a seco, ou amarrados ou ancorados num porto ou cais. Mas integram uma paisagem “exclusiva” quando estão longe dos olhos de quem não pesca, como veremos. O mar aberto é ora natureza (“intocada”) ora paisagem, mutável e movediça como a sua própria essência – ondulante. Os barcos são os agentes desse movimento: com eles, paisagem; sem eles, natureza. O que vale dizer que a determinação da existência da paisagem se dá pela mediação do trabalho e dos seus instrumentos concretos. Esses instrumentos, que possuem valor e função simbólica apenas no horizonte dos pescadores, só ganham essa qualidade, para os de fora, para os transeuntes do mar ou dos rios, quando inseridos numa paisagem que eles determinam. Presença antrópica, mesmo se – a distância – não enxergamos os seus tripulantes, os barcos desempenham ao mesmo tempo um papel fundante e uma função estética. (cf. RAMALHO, 2007). Essa paisagem de alto mar (ou do ermo de um rio, se a pesca for estuarina) é invisível. Intermitentemente invisível: só aparece a quem está no alto mar – os próprios pescadores. Nisso, o próprio trabalho é, assim, invisível. O que permanece (o que se enxerga) nos portos, nos cais, nas beiras de praia, é uma parcela de paisagem, indício da outra paisagem, esta que inclui, em todos os seus aspectos, o trabalho. Sempre há barcos que ficam, quando outros vão; e sempre há barcos ao longe, mesmo quando alguns permanecem a seco ou fundeados. Em outras palavras, a paisagem que se enxerga a partir da posição de quem – a seco – não é pescador não garante a visibilidade (portanto, a existência) da outra. Muito menos permite a visão paisagística do trabalho (e dos seus dilemas). Como sugere Cornélia Eckert, também na construção da paisagem pelo ser humano, devemos nos debruçar sobre o senso das diferenças, sendo sempre necessário um sentimento de deslocamento e diferenciação, ao lado da unidade. Como uma arte combinatória das variações paisageiras, relacionam-se formas sociais como dinâmicas de dramatizar identidades e diversidades, cujas paisagens da vida urbana são configuradas nas intersecções de processos motivados na vida objetiva e na vida subjetiva (ECKERT, 2009: 91).
Dessa forma, em Camamu, Indiaroba, São Cristóvão, Cabo Frio e em Arraial do Cabo, a paisagem determinada pelos barcos dos pescadores não é toda a paisagem. Paralela e simetricamente, a paisagem que se
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enxerga a partir do alto mar é determinada pelos saberes pesqueiros, na medida em que só o mestre, embarcado, é capaz de marcar tanto as pedras como o porto, o cais – o retorno (cf. MALDONADO, 1994; DIEGUES, 2000). A marcação, nesta perspectiva, é visão da paisagem terrestre pelo avesso, e sempre com intenção e necessidade prática: o trabalho, ainda. Nunca como neste caso, então, não podemos separar forças sociais e econômicas (com seu aparato material e “visível”, seus equipamentos, ainda que flutuantes) e o sentido cultural e simbólico que essas forças imprimem ao seu trabalho. Como se sabe, porém, o trabalho da pesca, diferentemente do agrícola, não deixa “marcas” na água, ou deixa mínimas: bóias, estacas de cercos fixos, ou os “cercos flutuantes” dos caiçaras, currais estuarinos: marcadores tecnológicos quase invisíveis, sobretudo em alto mar. Assim, a “paisagem cultural” que envolve a pesca artesanal será sempre uma paisagem incompleta. Ela só compreenderá uma completa dimensão pesqueira – ou seja, far-se-á paisagem pesqueira, no sentido em que estamos insistindo – quando e se puder incluir as dimensões do trabalho. Mas isso não é tudo. Devido a fatores ecológicos, a pesca artesanal foi a única capaz de se desenvolver em determinados ambientes, por exemplo, das áreas de fundo de pedras e corais, como acontece no Nordeste. Além disso, o pescador artesanal brasileiro apresenta uma elevada capacidade para adaptar-se a circunstâncias novas, o que não foi o caso de muitas empresas de pesca. Esses dois fatores constituem o pano de fundo da diversidade náutica (e da correlata diversidade paisagística) no Brasil: as várias formas construtivas (aí incluindo os materiais utilizados e as variantes, às vezes quase imperceptíveis, nas técnicas de carpintaria, respondem às peculiaridades dos ambientes naturais. Alimentada e retro-alimentada pelas tradições locais, abastecida pela necessidade de dar respostas a desafios que lhe provêm da ecologia e da sociedade em mudança, a carpintaria naval artesanal do Brasil move da natureza para as paisagens sociais e culturais – sem soluções de continuidade, ao menos no nível da percepção profunda. Em outras palavras, é virtualmente impossível admitir a categoria de tradicional, quando a carpintaria e a manutenção navais dão vazão a essa multiplicidade de desafios, dilemas e dimensões. As mudanças sociais por que passa a pesca artesanal no Brasil ensejam outras tantas mudanças culturais e tecnológicas – e estas duas últimas dimensões remetem, finalmente, à esfera simbólica, correlativo antropológico das nossas percepções de paisagem(ns) e do nosso entendimento do que é “tradicional”. De fato, por que, afinal, a mudança e a inovação não seriam “tradicionais”? O que é tradicional e o que não é representa uma questão que remete, na verdade, à etnografia. São os pescadores que determinam o que é “preservado” e o que é “descaracterizado” – como veremos, aqui, somente na última etapa da pesquisa, justamente a mais “etnográfica”, no Estado do Rio de Janeiro. Os pescadores possuem, do alto de uma experiência histórica acumulada seletivamente, uma percepção da sociedade, do trabalho e da natureza que lhes permite construir “categorias” capazes de dar conta desses dilemas. Paradoxalmente, eles, tanto quanto “nós”, valorizam o “passado”, frequentemente mitificado ou idealizado, como boa parte da literatura antropológica brasileira que se debruçou sobre as sociedades pesqueiras tem registrado em abundância. O “antigamente” é o temo da fartura e da reciprocidade (entre ‘companheiros’ de tripulação, entre parentes ou compadres, entre o homem e a natureza, etc.). Na “modernidade”, a fartura desaparece das redes e dos barcos e reaparece em outras esferas da vida (urbana, na maioria das vezes). Essa mesma modernidade que, afinal, inventou a “tradição”, é percebida, negativamente, como “modernagem” (CASTELLUCCI JR., 2007): Mesmo para os que prosperam [...] o passado é mitificado como uma época de abundância de alimentos, principalmente de peixes e mariscos, e de solidariedade, tempo de “fé e união”. A mitificação do passado não deixa de ter um respaldo na realidade, pois a “modernagem” trouxe consigo, além de melhorias para a ilha, vários elementos negativos como a degradação
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ecológica do meio ambiente, a poluição dos rios, a escassez do pescado, sobretudo nas proximidades da costa. Por outro lado, a exploração imobiliária com a chegada de seus corretores, acabou levando os nativos a venderem seus terrenos, perdendo o acesso a espaços privilegiados (CASTELLUCCI JR., 2007: 15)3.
Ou seja, se aceitamos a relação contrastiva entre o (nosso) conceito de tradição e a categoria (nativa) da modernagem, nela flagramos a dificuldade epistemológica que se esconde na definição de paisagem cultural, quando aplicada aos espaços da pesca artesanal. Preservar essa paisagem, portanto, parece uma ação mais devedora de políticas públicas ligadas ao reconhecimento de princípios de identidade e de territorialidade. Em alguns casos – não aqueles que nos referimos aqui (Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro), mas pensemos na Amazônia – também de etnicidade.
3 A pesquisa de Wellington Castellucci Jr. foi realizada com os pescadores da Ilha de Tairu (Bahia), a cerca de 150 km de Camamu.
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4. Patrimônio naval Nesta seção do Relatório, apresentamos as informações quantitativas que permitam visualizar as embarcações levantadas e cadastradas nas três áreas pesquisadas. Além disso, retomamos (em escala mais aproximada) e ampliamos as considerações sobre conservação e preservação dos barcos.
4.1. Ocorrência das embarcações – tipos, quantidade, localização, atividades Como já foi assinalado, a pesquisa cadastrou 141 (cento e quarenta e uma) embarcações tradicionais, sendo: 45 (quarenta e cinco) em Sergipe; 60 (sessenta) na Bahia; e 36 (trinta e seis) no Estado do Rio de Janeiro. Em Sergipe, foram 33 (trinta e três) barcos encavernados e 12 (doze) canoas. Na Bahia, 51 (cinqüenta e uma) canoas, 7 (sete) pequenos saveiros motorizados (“assaveirados”, na definição do Relatório Parcial), 1 (uma) jangada e 1 (uma) traineira. No Rio de Janeiro, 28 (vinte e oito) canoas bordadas e 8 (oito) barcos de boca aberta. A seguir, apresentamos o detalhamento, Estado por Estado.
4.1.1. Sergipe O município de Indiaroba é o território de pelo menos duas embarcações de interesse patrimonial abordadas neste projeto: a Canoa do Rio Real e o Barco de Sergipe. A Canoa do Rio Real, apesar do tamanho e conservação de sua frota, padece das ameaças que pairam sobre todas as canoas de modo geral – e que se relacionam diretamente a questões de ordem sócio-ambiental e que dificultam quando não inviabilizam a reprodução do saber artesanal e de todo o seu complexo cultural.
Exemplares de canoas do “Rio Real”
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O chamado Barco de Sergipe é também embarcação bastante presente na paisagem regional, largamente utilizado para a pesca e mariscagem nos rios e manguezais, transporte e mais recentemente lazer e esporte. Existem vários exemplares construídos exclusivamente para tais finalidades, e torna-se cada vez mais comum a realização de “regatas” ou corridas de barcos como a que é tradicionalmente realizada em Indiaroba no dia 25 de dezembro.
Uso de um exemplar da tipologia Barco de Sergipe, em Indiaroba.
A região do estuário do Vaza Barris, em particular na área pertencente ao município de São Cristóvão, é território tradicional de duas embarcações de interesse patrimonial: o Bote e a Canoa de São Cristóvão. Embora as canoas de São Cristóvão possam ser classificadas como assemelhadas àquelas identificadas como do Rio Real, ambas pertencentes a uma tipologia comum das canoas sergipanas, optou-se por identificá-las independentemente em virtude de suas características intrínsecas e inserção a um complexo cultural singular.
Canoa de São Cristóvão.
Deus te Guia: exemplo médio de Bote de São Cristóvão.
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QUADRO GERAL DAS EMBARCAÇÕES CADASTRADAS EM SERGIPE
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Município INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA INDIAROBA SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO
Local Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto de Indiaroba Porto Beira Mar Porto Beira Mar Porto Beira Mar
Tipologia Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Canoa do Rio Real Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Barco de Sergipe Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão
25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45
SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO SÃO CRISTÓVÃO
Porto Catamarã Porto Catamarã Porto Catamarã Porto Catamarã Porto Catamarã Porto Catamarã Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco Porto São Francisco
Bote de S. Cristovão Canoa de S. Cristóvão Canoa de S. Cristóvão Canoa de S.Cristóvão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão Bote de S. Cristovão
Nome do barco AMARELA GRANDE CANOA DO MANGUE ESMERALDA FORRÓ DO CACHIMBO INDIA BELA MARIA DE JESUS NOVA ESPERANÇA RIO REAL VASP VIVA JESUS ALZIRA AMÉM B13 COSME E DAMIÃO DIVINO JAM JOSÉ SAMUEL SÃO JOSÉ SENHOR DO BONFIM SÓ JESUS PODE SALVAR ZINO BEIRA-MAR DEUS TE GUIA MINK BARCO "BANCO DO NORDESTE" CANOA AMOROSA CANOA DO PEDRO CANOA TRÊS CORNOS PARI MÃE PEDRO ESTRELA GUIA FLAMENGO FLUMINENSE GLADIADOR LUCIO FLÁVIO MAITA OLODUM PALMEIRAS RIO AZUL ROBALO VASCÃO BANJO REI DO MAR TEIMOSO VENCEDOR
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4.1.2. Bahia Foram cadastradas embarcações presentes nas seguintes localidades: Ilha Grande, Ilha das Flores e Ilha da Pedra Furada (todas pertencentes a Camamu), sede do município de Camamu (Porto do Mercado, Porto da Balsa, Porto do Mangue e Porto do Peixe), Ilha do Sapinho (pertencente ao município de Maraú), e Valença. Localizada no centro da baía de Camamu, a Ilha Grande é uma das mais importantes localidades da baía, com população residente de cerca de 2 mil pessoas e uma das mais significativas frotas de embarcações entre canoas, saveiros e pequenos saveiros motorizados de toda região. Foram identificadas e cadastradas embarcações das localidades do Porto do Furado e do Porto da Enseada: 32 embarcações (mais de 50% do total da região), das quais 30 canoas de um total estimado entre 200 e 300 exemplares. Como termo de comparação, estimou-se que nos portos da cidade concentravam-se entre 100 e 150 canoas. Além destas foram cadastrados um pequeno saveiro motorizado (dos cerca de dez existentes na ilha) e a única jangada. De modo geral, as embarcações da Ilha Grande estão engajadas na pesca artesanal familiar e ao transporte de mercadorias e pessoas que circulam pelas comunidades beirinhas ou então à cidade de Camamu, de onde têm acesso ao transporte rodoviário regular. Nos últimos anos a prefeitura de Camamu contratou embarcações das localidades beirinhas para transportar alunos da rede pública de ensino aos equipamentos localizados na sede municipal, tornando-se em um dos maiores empregadores e dinamizadores do transporte naval da baía. Pequeno povoado de pescadores, a Ilha do Sapinho, no município de Maraú, tornou-se em poucos anos ponto de parada para grande parte dos “cruzeiros” turísticos que percorrem a baía. Junto com Campinho e Taipús de Dentro, Sapinho sobrevive economicamente do turismo, deslocando a pesca e pequena lavoura (cacau e café) para atividades secundárias ou acessórias, quando não marginais.
Canoa do bairro do Sapinho, Maraú.
Canoa Rainha das águas, Ilha Grande.
Das 14 canoas identificadas fora cadastradas 8, consideradas representativas da média geral das embarcações locais ou por sua excepcionalidade. De modo ainda geral, as canoas de Sapinho repetem as características levantadas em Ilha Grande. A Ilha da Pedra Furada é basicamente um pequeno afloramento rochoso localizado na saída da baía, onde foi construída uma residência de veraneio e uma pequena casa para o caseiro, único habitante da localidade. Sua presença na amostragem se justifica por sua peculiaridade como localidade isolada, cuja única embarcação, presta-se como veículo de transporte e instrumento de trabalho.
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Canoa da Ilha da Pedra Furada.
QUADRO GERAL DAS EMBARCAÇÕES CADASTRADAS NA BAHIA Município
Local
1 2 3 4 5 6 7 8 9
CAMAMU MARAÚ MARAÚ MARAÚ MARAÚ MARAÚ MARAÚ MARAÚ MARAÚ
Porto da Ilha da Pedra Furada Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho Porto de Sapinho
10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28
CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU
Porto do Peixe Porto do Peixe Porto do Peixe Porto do Peixe Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Porto do Mangue Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada
Tipologia Canoa baiana (“batelão”) Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana (“batelão”) Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana
Nome do barco Sem nome Sem nome (C1/S) Sem nome (C2/S) Sem nome (C3/S) Sem nome (C4/S) Sem nome (C5/S) Sem nome (C6/S) EVELYN (C7/S) Sem nome (C8/S) VIDA NOVA II (C1/P) QUEROBINA (C2/P) Sem nome (C3/P) Sem nome (C4/P) TAMANHO FAMÍLIA (C1/M) Sem nome (C2/M) Sem nome (C3/M) Sem nome (C4/M) Sem nome (C5/M) Sem nome (C6/M) Sem nome (C7/M) ALARANJADA (C8/M) FLOR DE MANJÁ (C1/E) RAINHA DAS ÁGUAS (C2/E) Sem nome (C3/E) Sem nome (C4/E) Sem nome (C5/E) Sem nome (C6/E) Sem nome (C7/E)
32
29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60
CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU CAMAMU IGRAPIÚNA VALENÇA
Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto da Enseada Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Ilha Grande - Porto do Furado Camamu - Porto da Balsa Camamu - Porto do Mercado Camamu - Porto do Mercado Camamu - Porto do Mercado Camamu - Porto do Mercado Ilha das Flores Ilha Grande de Igrapiúna
Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Canoa baiana Jangada Saveirinho Saveirinho Saveirinho Saveirinho Saveirinho Saveirinho Saveirinho Traineira
MINHA NAMORADA (C8/E) Sem nome (C9/E) MARIMAR (C10/E) Sem nome (C11/E) Sem nome (C12/E) Sem nome (C13/E) Sem nome (C14/E) Sem nome (C15/E) Sem nome (C16/E) Sem nome (C17/E) Sem nome (C18/E) Sem nome (C19/E) Sem nome (C20/E) Sem nome (C1/F) Sem nome (C2/F) Sem nome (C3/F) Sem nome (C4/F) Sem nome (C5/F0 Sem nome (C6/F) NÃO TÔ NEM AÍ (C7/F) NOVA VIDA (C8/F) CANOA DO GENILDO (C9/F) PIABA (C10/F) JANGADA DO FURADO ABENÇOADO POR DEUS JASPION LUIS HENRIQUE MARA SEM NOME (S/8) NESSA ONDA QUE EU VOU DEUS É FIEL ALEX MAR
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4.1.3. Rio de Janeiro As canoas bordadas – conhecidas como “canoas de rede” – estacionadas nas praias, algumas delas em visível processo de arruinamento, constituem um retrato dramático da situação da pesca artesanal em Arraial do Cabo. Confrontada com a referida situação e instruída pela orientação dos técnicos do IPHAN, a equipe de campo não teve dificuldades em identificar e definir a frota de canoas como foco prioritário do levantamento. Subordinado a este interesse, a frota de embarcações encontradas na Marina dos Pescadores do Porto Forno – maior foco de barcos de pequeno e médio porte do município –, em especial os botes encavernados (barcos de boca aberta) também foi objeto de atenção. O fato de Arraial do Cabo e, em menor medida, Cabo Frio, não serem centros produtores de embarcações, somado à circunstância de a maior parte delas estar sob posse de atravessadores – que, em geral, não demonstraram disposição para colaborar com a equipe – configura um contexto de fragmentação e dispersão do conhecimento sobre a frota naval dessas localidades. Quem pesca não necessariamente é responsável pela canoa; quem é responsável raramente é dono; e este último, por sua vez, raramente sabe ou tem interesse em informar, por exemplo, sobre a história, a madeira, os tripulantes etc. Conseqüentemente, a coleta dos dados sofre distorções e o trabalho de sistematização, na medida em que precisa cruzar fontes diferentes, se converte em intrincado quebra-cabeça. Como já foi visto, a situação nesta região apresenta os constrangimentos gerais a que pesca artesanal e núcleos comunitários a ela adstritos estão submetidos. Por um lado, incide a pressão exercida pela expansão do setor de turismo, bem como dos demais segmentos a ele associados: mercado fundiário e imobiliário, construção civil, serviços etc. Por outro, os efeitos provocados pelo crescimento e modernização da frota naval e dos ramos vinculados à indústria pesqueira: intermediação organizada, fábricas de gelo, de beneficiamento do pescado, entre outros. A equipe de pesquisa visitou, em Cabo Frio, muitas localidades, apesar de nem sempre o trabalho de levantamento ter obtido resultado satisfatório em todas. Ao longo do Canal do Itajurú, por exemplo, foram visitados o Canto do Forte, a Passagem, o Píer, a Moringa, a Moringuinha, o Mercado do Peixe, o Portinho e a Gamboa; já nos arredores da Lagoa de Araruama, a equipe se concentrou na Praia do Siqueira; finalmente, na orla marítima, foi privilegiada a Praia do Peró. Tendo em vista a quantidade e qualidade das informações reunidas, são apresentadas aqui duas delas. O objetivo é fornecer uma mostra representativa de duas das regiões pesqueiras de Cabo Frio: Praia do Siqueira e Gamboa. Na primeira, existe a “Associação de Pescadores, Aquicultores e Amigos da Praia do Siqueira”; em sua maioria, os cerca de 800 associados se dedicam à pesca de camarão e, alguns poucos, de peixe. O barco utilizado tem no máximo seis metros de comprimento e um e meio de largura (boca). Dada a baixa profundidade das águas da Lagoa de Araruama, a propulsão é feita por bambus. Conforme as informações obtidas junto à associação, existem ao todo 405 embarcações deste tipo, confeccionadas nas imediações pelo único carpinteiro local, a partir de tábuas, cola e pregos adquiridos nas lojas de matérias de construção. Tais embarcações não pareceram possuir uma designação específica; quando questionados sobre o nome atribuído localmente, os entrevistados ora se referiam como “barco”, ora como “barquinho”. Como não foi possível interpelar o carpinteiro local – que estava trabalhando em outra atividade de tempo integral –, nem outro interlocutor em condições de fornecer informações detalhadas e seguras, a equipe não pôde cadastrar nenhum exemplar dessa modalidade de embarcação.
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Gamboa, em Cabo Frio
Atracadouro da Gamboa
Praia do Siqueira
Barco na praia do Siqueira
Conforme os relatos dos pescadores locais, antigamente, após um dia de trabalho, era comum retirar da Lagoa cerca de 400 quilos de pescado; hoje, se obteriam 40, quando muito. A situação torna, pois, cada vez mais difícil ao pescador sobreviver exclusivamente do ofício, obrigando-os a buscar o complemento de outras fontes de renda como, por exemplo, a construção civil. Uma das localidades mais antigas da cidade, a Gamboa também constitui um bairro formado originalmente a partir das vilas de pescadores posteriormente incorporadas como um dos diversos ramais que se comunicam ao Canal do Itajurú. A extensão total do ramal pode ser estimada em pouco mais de 1500 metros. A paisagem local é dominada, de um lado, por condomínios de casas de veraneio, e, de outro, pela Agência da Capitania dos Portos de Cabo Frio, pela Rua Jorge Veiga, pela galeria de lojas de moda de praia e pelas diversas embarcações dispostas ao longo do ramal. Os pescadores locais estão organizados na Associação de Pescadores e Amigos da Gamboa (APAG), que, entre membros formais e informais, conta com pouco mais de 100 filiados. Recentemente, por meio de uma parceria com a prefeitura, a APAG pôde, além de realizar melhorias na sede, construir uma rampa que facilitou o trabalho de reforma de embarcações e transformou o local num ponto de referência de carpinteiros, pintores, mecânicos, eletricistas, entre outros profissionais ligados as atividades de manutenção e de construção naval. Foi possível constatar também entre as embarcações usadas na pesca a presença de barcos de veraneio, propriedade de velejadores que se tornaram clientes em função dos preços mais acessíveis praticados pelos profissionais que trabalham na rampa da associação. Não foi possível obter dos informantes a quantidade exata de embarcações que utilizam o ramal da Gamboa como ponto fixo de atracação, pois nem todos os proprietários são filiados à APAG. Não obstante, entre bateras, barcos com casaria, escunas, traineiras e, mais especialmente, barcos de boca aberta, são estimados
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cerca de 200 embarcações dispostas ao longo do ramal, sendo que um terço (65) destas são barcos de boca aberta. A investigação em Arraial do Cabo concentrou-se nas indicações tomadas aos pescadores e de associações existentes, incluindo aí a Colônia de Pescadores As associações de pescadores dividem-se pelo tipo de embarcação utilizada para pesca e por praia de atracação. São elas: associação de pescadores dos barcos de boca aberta; de traineiras; de aqüicultura; de caíques da Praia Grande; e de canoas a remo da Praia Grande, da Praia dos Anjos, da Praia do Pontal e da Prainha. Esta classificação das associações corresponde também à distribuição geográfica das tipologias de barcos encontrados pelas praias do município.
Praia dos Anjos, Arraial do Cabo
Em Arraial do Cabo, é necessário relatar o impacto desagregador que a indústria pesqueira, fundamentalmente mecanizada, exerce sobre esta atividade. Somado a isto, outro conjunto de atividades econômicas acabam por competir com a pesca tradicional e, sobretudo, com a atividade de construção e manutenção das embarcações. São as atividades econômicas ligadas ao lazer e turismo da região que garantem uma parte substantiva dos rendimentos auferidos pelos pescadores, além de empregos e postos de trabalhos ofertados pelo poder público municipal. De modo geral, os pescadores interpelados durante o levantamento – o que vale para todos os lugares de Arraial do Cabo e de Cabo Frio – são unânimes em afirmar o quanto a atividade a qual se dedicam está cada dia mais difícil. A concorrência com embarcações maiores (que pescam longe da praia e “limpam” o mar), a poluição e o uso das praias para o turismo têm reduzido a captura de pescado e com isto dificultado o sustento financeiro das famílias que se dedicam apenas a esta atividade. Nas praias de Arraial do Cabo foi possível avistar facilmente a frota de canoas – algumas delas abandonadas ou mesmo arruinadas. Percebemos, porém, a situação peculiar das canoas bordadas daquela cidade. Arraial do Cabo, segundo os relatos, nunca foi um centro produtor dessas embarcações – as que ainda existem teriam vindo de Espírito Santo, Bahia e, mais recentemente, do Pará. Ademais, os donos desses barcos não são, na maior parte das vezes, pescadores, e sim atravessadores e donos das peixarias. Em decorrência disto, obter informações precisas a respeito das embarcações envolve muita dificuldade, já que os proprietários não demonstraram interesse em conversar com a equipe de pesquisa. Afinal, o atravessador é uma figura mal vista. Por outro lado, os pescadores raramente dominam certas informações requeridas pelo levantamento – local de fabricação, idade, material, medidas etc. Dada esta situação, os dias de trabalho no município – demonstraram não ser produtivo interpelá-los. Tais condicionantes ilustram a significativa fragmentação e dispersão do conhecimento sobre estas embarcações. O que, implicou a necessidade de cruzamento e cotejamento das informações obtidas com cada um desses atores, trabalho que alongou substancialmente o processo de
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sistematização e nem sempre resultou na produção de dados suficientes e seguros para o cadastramento destas embarcações. Além disto, a maioria das canoas, mesmo aquelas sem condições de uso, quando em terra, possui uma proteção (que parece um telhado) para garantir a conservação do material de pesca que é guardado, como redes, poitas e âncoras. Muitas dessas embarcações são trancadas a cadeado, fato que se deve provavelmente aos riscos acarretados tanto pela movimentação da maré como pela ação humana (roubo dos materiais armazenados). O que representou outro fator complicador do acesso direto, dificultando em muito a conferência dos detalhes e dos materiais de pesca, bem como a produção de imagens adequadas das embarcações. Para o cadastramento das canoas, a equipe procurou considerar alguns critérios na definição do universo amostral. Primeiramente, foram incorporados os exemplares melhor preservados. Em seguida, tendo em vista as dificuldades de obtenção de informações, a existência de dados satisfatórios aparece como elemento crucial. Outro critério levou em conta a divisão principal entre canoas de tipo maior e menor. Finalmente, a amostra procurou contemplar a diversidade existente na frota das diferentes localidades. Considerando todas as localidades visitadas, o levantamento identificou, ao menos, 68 canoas de rede: 35 na Praia Grande, 15 na Praia dos Anjos, 11 na Prainha e 7 na Praia do Pontal. A tipologia varia de acordo com dois tamanhos: o maior com mais de 8 metros de comprimento e cerca de 100 centímetros de boca; e o menor com menos de 7 metros, podendo chegar a 4 metros, e 80 centímetros de boca. Não foi possível identificar o número exato de exemplares encontrados segundo esta característica, mas a modalidade da pesca de cerco praticada em Arraial do Cabo – que requer o par formado por uma canoa grande e outra pequena –, permite inferir com alguma segurança que a distribuição deve ser equilibrada, o que representaria, pois, algo como 34 canoas para cada tamanho. A Marina dos Pescadores está situada ao final da Praia dos Anjos, no interior do Porto do Forno. Lá, funciona a Associação dos Pescadores de Barcos de Boca Aberta. Segundo Melão, a associação foi fundada recentemente, em meados de 2008. A principal motivação é atribuída à disputa acerca das plataformas de off-shore. Contrários à instalação das plataformas, a maioria dos pescadores de barcos de boca aberta foram derrotados. Enquanto outras associações, como a dos pescadores de traineiras, dividiam entre si os recursos advindos das compensações ambientais requeridas para a viabilização do empreendimento, aqueles que se opuseram inicialmente ao projeto acabaram ficando de fora da partilha. A proposta de criação de uma associação especifica apareceu, então, como um instrumento para pleitear o acesso estes recursos. A articulação foi bem sucedida, parte dos recursos foi distribuída entre os associados e o restante destinado a uma poupança que é movimentada pela associação. A associação conta, ao todo, com 500 filiados, a maioria deles (em torno de 350) não possui embarcação própria. Tais embarcações pertenceriam majoritariamente a pescadores já aposentados e a proprietários de peixarias e fábricas de gelo. As embarcações de pequeno e médio porte estão distribuídas em quatro pontos de atracação que saem do porto. Segundo dados da FIPAC e da associação dos pescadores de barcos de boca, o primeiro píer concentra quase exclusivamente barcos de boca aberta (115) e alguns poucos com casaria (15). No segundo píer, onde a distribuição se inverte, os barcos de casaria predominam (68) e, além de duas traineiras, há um único de boca aberta. Já no terceiro píer são encontrados os três tipos de embarcação: boca aberta (5), barcos de casaria (24) e traineiras (13). O último ponto de concentração não está diretamente conectado ao porto, mas situado na faixa de mar – chamada de “enseada” – que o separa da praia, onde permanecem ancorados barcos de boca aberta (32) e de casaria (62). Assim, o total de embarcações soma 337: 15 traineiras, 169 barcos de casaria e 153 de boca aberta.
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Os dados permitem, ainda, discriminar a que usos tais embarcações são destinadas: pesca ou turismo. Neste aspecto as informações evidenciam uma repartição conforme a tipologia. Em termos numéricos as relações se distribuem da seguinte maneira: considerando os 169 barcos de casaria contabilizados, 41 são dedicados ao turismo, 119 ao uso misto e apenas 19 exclusivamente à pesca; com relação aos 153 de boca aberta, 131 são usados para pesca, 21 ao misto e nenhum ao turismo; as 15 traineiras estão totalmente dedicadas à pesca. Sem desconsiderar a possibilidade de uso misto, enquanto os barcos de casaria estão muito mais associados ao turismo, os de boca aberta e as traineiras, em especial, assumem uma relação direta com a atividade de pesca.
Barco de boca aberta, Gamboa, CF.
Canoa Bacurau, Prainha, Arraial do Cabo
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QUADRO GERAL DAS EMBARCAÇÕES CADASTRADAS NO RIO DE JANEIRO 1 2 3 4 5 6 7
Município ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO
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ARRAIAL DO CABO
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ARRAIAL DO CABO
17 18 19 20 21 22 23
ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO
Tipologia Canoa Bordada Canoa Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Canoa Bordada / Canoa De Praia dos anjos Rede Prainha Canoa Bordada Prainha Canoa Bordada Prainha Canoa Bordada Prainha Canoa Bordada Prainha Canoa Bordada Canto da praia grande Canoa Bordada
24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36
ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO ARRAIAL DO CABO CABO FRIO CABO FRIO CABO FRIO CABO FRIO
Canto da praia grande Canto da praia grande Canto da praia grande Canto da praia grande Canto da praia grande Canto da praia grande Praia dos anjos Praia dos anjos Praia dos anjos Praia da gamboa Praia da gamboa Praia da gamboa Praia da gamboa
10 ARRAIAL DO CABO 11 ARRAIAL DO CABO 12 ARRAIAL DO CABO 13 ARRAIAL DO CABO 14 ARRAIAL DO CABO 15 ARRAIAL DO CABO 16 ARRAIAL DO CABO
Local Praia do pontal Praia do pontal Praia do pontal Praia do pontal Praia do pontal Praia do pontal Praia do pontal
Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Canoa Bordada Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta Barco De Boca Aberta
Nome do barco INDIA REJANE ESTRELA NATAL 01 NOVA ALVORADA NATAL 02 CANOA SEM NOME CANOA SEM NOME 1 EDILEIA SANTA CRUZ CANOA SEM NOME 2 AMÉRICA VASQUINHA AMÉRICA PITUKA PRINCESA BOA FÉ BACURAU VITORIOSA PRINCESA TROVÃO AZUL AÍDA NATAL 01 NATAL 02 - N.SRA. FÁTIMA NATAL 03 - PEQUENA NATAL 04 - ROBERTA QUATRO A ROSANA ANA APARECIDA MEU VELHO DANSON THAIRUAN JEOVÁ SHALON POLYPU WJ ZIMAR
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4.2. Estado de conservação Como foi várias vezes relatado aqui, as 141 embarcações cadastradas constituem uma pequena parcela de todas as embarcações observadas ao longo das etapas de levantamento em campo. Apenas elas foram analisadas mais demoradamente e apenas para elas foram redigidas as fichas (fichas 1 e 8 do Módulo 3 do Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do Patrimônio Material - SICG). É apenas com base nessas embarcações que se apresentam, a seguir, a consolidação das informações e os comentários correlatos. A leitura completa deste Relatório e dos três Relatórios Parciais (Sergipe, Bahia e Rio de Janeiro) fornecerá um quadro mais abrangente, embora bem menos detalhado. Para essas 141 embarcações, é possível afirmar, de saída, que se trata de barcos, na sua maioria, em condições satisfatórias de conservação. Noventa e nove das 141 embarcações foram definidas, pelas equipes de campo, como possuindo grau de conservação bom (perfazendo 70,2%), e 42 (quarenta e duas) receberam as indicações “precário”, “em arruinamento” e “arruinado” (correspondendo a 28,8%). Neste segundo subconjunto, apenas doze embarcações (8,5%) foram definidas com as qualificações piores (“em arruinamento” e “arruinado”). As proporções são semelhantes nas três regiões: em Sergipe, 72,2% dos barcos possuem um bom grau de conservação; no Rio de Janeiro essa porcentagem sobe para 83,3%. Mas na Bahia, apenas 61,7% das embarcações receberam essa qualificação. Esse Estado é também o único a ter embarcações cadastradas como “arruinadas” (duas), categoria ausente em Sergipe e no Rio de Janeiro. Antes de representarem motivo de satisfação, entretanto, esses dados mostram algo mais simples: para os pescadores artesanais não é necessário que as embarcações utilizadas tenham, em absoluto, condições perfeitas. É-lhes suficiente poder contar com instrumentos de trabalho em condição de uso, ainda que a aparência estética (pintura, sobretudo), do “nosso” ponto de vista, apresente alguma carência. Isso é válido, inclusive, para os barcos que são empregados em atividades diferentes da pesca: lazer, transporte de pessoas ou de pequenas cargas, apoio ao turismo. Paradoxalmente, como veremos, essas observações poderão ser repetidas, mais adiante, quando nos ocuparemos da questão da “preservação” – e elas servirão para observações distintas. Fora isso, é também necessário fazer outras considerações. Em Sergipe, a equipe responsável pelo levantamento, relata que entre a primeira estadia, em fevereiro de 2009, e a segunda estadia em abril/maio do mesmo ano, o estado geral de conservação das canoas se degradou significativamente, arruinando ao menos dois exemplares, um deles de uma grande canoa (mais rara e antiga). Vários motivos puderam ser levantados objetivamente para a velocidade da deterioração, entre os principais podemos destacar a idade avançada das embarcações (a grande maioria com mais de cinqüenta anos de “vida”, muitas delas centenárias), as dificuldades financeiras de seus donos em mantê-las adequadamente, e a quase total falta de renovação da frota. Em particular, assinala-se a realidade das canoas do rio Real, observadas e cadastradas em Indiaroba. Lá, seis dos dez exemplares foram registrados como “precários” e “em arruinamento”, levando a concluir que diante das informações coletadas na região, é possível caracterizar a frota canoeira da Foz do rio Real como antiga, em más condições gerais de conservação e em processo de arruinamento. De fato, o que se observa atualmente são fragmentos desgastados de uma paisagem cultural em extinção. De todas as canoas identificadas no porto de Indiaroba, apenas um exemplar, a "Nova Esperança”, é relativamente novo (menos de 20 anos) e em muito bom estado de conservação. O mesmo, mas em menor medida, pode ser repetido para os “barcos de Sergipe” lá cadastrados: três dos oito receberam as mesmas qualificações, apontando para uma relação desfavorável, quando comparada às canoas e aos botes de São Cristóvão.
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Entretanto, nas duas subáreas sergipanas, é possível afirmar que, apesar do tamanho e das razoáveis condições gerais da frota, a canoa de Sergipe está exposta a dinâmicas sócio-ambientais que atingem diretamente a população detentora deste bem cultural, que já destacamos no item 2.3.1., acima. Já em São Cristóvão, apesar de a maioria das embarcações cadastradas possuírem um bom estado geral de conservação, e equipe de campo nos consigna uma situação em que, pelo menos no Porto de São Gonçalo, as condições econômicas dos pescadores dão um aspecto desolado a esta localidade, que abriga embarcações bastante deterioradas e com pouquíssima manutenção. Na Bahia e, especificamente na Ilha Grande, em Camamu, a frota naval é considerada “madura”, com idade média de 39 anos, o que em parte é explicado pela inclusão de três embarcações centenárias encontradas. Se retirarmos da amostragem as canoas com mais de 50 anos, esta média cai para 27 anos e meio, que pode ser considerado, mesmo assim, bastante avançado e preocupante se relacionado ao baixo número de embarcações novas sendo incorporadas. Menos de 10% do total tinha menos que dez anos de uso, e apenas uma, menos que cinco. Deve-se ainda levar em consideração, que sua condição insular e característica portuária tornam estes números em retratos das condições econômicas dos detentores destes bens culturais, mais do que dos bens em si. Neste sentido observa-se que parcela significativa dos pescadores locais (usuários quase exclusivos das canoas atualmente), consegue renda suficiente apenas para se reproduzir socialmente nos limites da sobrevivência, sem condições de renovar, é verdade, mas com interesse e disposição para conservá-la cuidadosamente. Vinte das 31 canoas cadastradas apresentavam estado de conservação considerado bom, o que representa 64,5% canoas do total, número que não pode ser desconsiderado, principalmente em virtude da idade média da amostragem que, mesmo relativamente alta, mantinha suas características íntegras, o que representava pouco mais que a metade da frota. De modo geral, as oito canoas cadastradas em Sapinho (das 14 encontradas no porto dessa ilha) repetem as características levantadas em Ilha Grande. A idade média da frota foi calculada em 27 anos, 75% estavam íntegras ou pouco modificadas e metade em bom estado de conservação. Na região de Camamu (que também abriga grandes estaleiros dedicados à produção de escunas e grandes saveiros, inclusive para exportação) foram identificados pelo menos três estaleiros artesanais de pequeno porte: um na Ilha Grande, voltado principalmente a reformas de embarcações em atividade e dois outros, na sede municipal, uma dedicada às canoas e outra aos saveiros e saveirinhos. Além destes, foram identificados dois estaleiros canoeiros em Ituberá e anotadas referencias a outros localizados em Tapuia, Igrapiúna, Maraú e Tubarões, que por razões técnicas não puderam ser confirmadas, não sendo possível saber se ainda existem de fato e se são realmente estaleiros ou simplesmente endereços de artesãos autônomos que trabalham por empreitada, situação bastante comum na paisagem local. De fato, foram identificados diversos artesãos e mestres canoeiros que permanecem em atividade, sem, contudo, manter uma oficina fixa. De modo geral são artesãos que uma vez chamados vão onde se localiza o tronco para ali mesmo aparelhar a embarcação, deixando o acabamento para ser feito em outra localidade, se quem encomendou o serviço assim o desejar. Nas duas localizadas no Estado do Rio de Janeiro, como vimos, a situação de conservação das embarcações observadas e castradas é a melhor, possuindo mais de 83% dos barcos em bom estado, sobretudo no que diz respeito aos barcos de boca aberta, para os quais essa porcentagem sobe para 100%. Em Arraial do Cabo foram cadastrados cinco carpinteiros e nenhum estaleiro, ao passo que em Cabo Frio estão presentes dois estaleiros e quatro carpinteiros navais. Esta informação quantitativa sistematizada pela Fundação Prozee é sensivelmente percebida em campo através da dificuldade de localizar os carpinteiros e profissionais responsáveis pela manutenção das embarcações de pequeno porte utilizadas para pesca artesanal,
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especialmente as embarcações tradicionais. Como vimos, é preponderante a atividade de manutenção, prestada por artesãos locais, na praia da Gamboa, em Cabo Frio aos veleiros de turistas e visitantes, fixos ou ocasionais e aos barcos de veraneio em geral, o que deve ocasionar uma menor atenção ao estado de conservação das embarcações dos pescadores. Essa situação não deixa de constituir uma conseqüência, clara, dos vários e diferenciados impactos do turismo sobre a pesca artesanal, que já descrevemos e comentamos. Não obstante, os proprietários das embarcações do ramal da Gamboa declararam realizar periodicamente – a cada seis meses pelo menos – os serviços manutenção básica de suas embarcações: raspagem, pintura de fundo e, eventualmente, substituição de tábuas do casco. Como boa parte dos proprietários abordados na Gamboa portava a documentação de sua embarcação, foi possível constatar que a idade média dos exemplares observados oscila entre 20 e 25 anos desde a data de fabricação e o estado geral de preservação é bom. Por outro lado, é evidente o impacto desagregador que a indústria pesqueira, fundamentalmente mecanizada, exerce sobre esta atividade. Somado a isto, outro conjunto de atividades econômicas acaba por competir com a pesca tradicional e, sobretudo, com a atividade de construção e manutenção das embarcações. São as atividades econômicas ligadas ao lazer e turismo da região que garantem uma parte substantiva dos rendimentos auferidos pelos pescadores, além de empregos e postos de trabalhos ofertados pelo poder público municipal. Concluímos que, apesar das distintas situações e das peculiaridades de cada região (e de cada localidade, dentro da mesma região, como vimos), o projeto “Barcos do Brasil” poderá contribuir, sim, para melhorar o estado geral de conservação das embarcações utilizadas na pesca de sobrevivência e artesanal no Brasil. Para tanto, é necessário ter em mente que a manutenção dos barcos (que, como foi registrado nem sempre pertencem aos pescadores, nem mesmo aos mestres) também decorre das condições gerais da qualidade de vida desses sujeitos sociais. Elas, é claro, atrelam-se aos processos gerais que afetam as relações econômicas e sociais em boa parte do litoral brasileiro e nas áreas estuarinas e ribeirinhas. Mas por isso mesmo, para além da aparente inelutabilidade desses processos, que dependem de sistemas estruturados em nível local, nacional e global, parece indispensável que se proceda a uma revisão da participação dos pescadores brasileiros nas várias cadeias produtivas que se afirmam nas paisagens sociais e culturais que eles habitam. Para tanto, os vários parceiros institucionais do Projeto terão de contribuir efetivamente. Trata-se de uma (pequena) política pública que não se sustentará sem a comunicação devida ao conjunto mais amplo de políticas públicas de maior alcance. Por outro lado, finalmente, o Projeto terá de considerar ações participativas e compartilhadas que permitam o maior empoderamento possível dos atores sociais locais – os pescadores e suas redes familiares e de vizinhança – no intuito de devolver-lhes espaços, físicos, simbólicos e políticos que já não podem mais administrar em autonomia.
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4.3. Preservação dos elementos náuticos originais Trata-se, como várias vezes já foi aludido neste Relatório, da questão conceitual e praticamente mais complexa. Em primeiro lugar, e sem prejuízo das considerações já avançadas anteriormente, e que remetem, mais em geral, à consideração conceitual de categorias como “tradição” e “tradicional”, além de mediações etimológicas e epistemológicas que ainda percorrem os debates nos campos da antropologia e, mais especificamente, das questões patrimoniais (cf. LIMA FILHO et alii, 2007; GONÇALVES, 1996), temos também dificuldades, por assim dizer, ‘etnográficas”. Para esta segunda questão, as mudanças nas equipes de campo só permitem tecer algumas considerações gerais relativas às pesquisas no Estado do Rio de Janeiro. No caso do levantamento em Cabo Frio e Arraial do Cabo esses critérios foram definidos posteriormente, quando estavam sendo preenchidas as fichas. Como foi apontado no relatório parcial, isso não ocorreu durante a pesquisa de campo por conta da fragmentação das informações sobre as embarcações. Não bastasse a dificuldade de encontrar as pessoas, nem sempre elas estavam aptas ou dispostas a falar, ainda mais nos registros requeridos pelo cadastro do IPHAN. Foi só a partir daí que começaram os problemas, digamos, mais “abstratos” colocados pelas fichas. Primeira ordem de problemas: conflitos entre os termos “técnicos” exigidos pelo cadastro e os empregados pelos pescadores (exemplo: o cadastro pede a boca em centímetros e os pescadores falam em braças). Segunda ordem de problemas: justamente o critério integridade. O critério de conservação pareceu mais simples porque se podia confiar na observação direta e nos depoimentos. Mas o de integridade não: integridade em relação a quê? Duas possibilidades ocorreram aos pesquisadores: em relação a alguma tipologia originária ou ao contexto local. Como a segunda possibilidade nos remetia a um terreno semelhante ao que encontramos para o critério de conservação e também não julgamos oportunas as noções de genealogia das tipologias das embarcações, acabou-se optando pela segunda mesmo. Só que nesse último caso, tendo como apoio exclusivo os depoimentos. Portanto, a princípio, todas as embarcações eram íntegras, salvo quando os entrevistados assinalavam que, em algum momento, elas sofreram reformas substanciais que modificaram ou substituíram peças ou partes tomadas como originais. Exemplos: um barco de boca aberta que foi acrescido de casaria, alterando o que proprietário entendia como a principal característica desse tipo de embarcação (a boca “aberta”); ou, ainda, uma canoa que por ser estreita demais para o uso local, foi alargada e encavernada com auxílio de madeira não original. Em alguns casos raros, os dois critérios foram combinados. Isso ocorreu com algumas canoas tão degradadas que foram consideradas pouco ou muito alteradas para os fins do cadastro. Em outras palavras, as equipes de campo não se renderam à “retórica da perda”, nem puderam entregarse à naturalização do conceito de “tradição”. Para que essas duas operações epistemológicas fossem bem sucedidas (ou para que se limitassem os prejuízos decorrentes de um terreno ainda muito movediço), recorreu-se, como se vê, a um critério que aqui pode ser bem definido como “etnográfico”, remetendo a questão aos conhecimentos locais. Já nos casos de Sergipe e da Bahia, as pesquisas de campo tiveram, nesse aspecto, um apoio maior em dados de natureza etimológica, de prévio conhecimento do pesquisador encarregado dos levantamentos. Não se trata, de forma alguma, de uma solução menos sólida, sobretudo porque, evidentemente, lá também o recurso aos conhecimentos nativos foi ativado. Em particular, no caso de Sergipe, também consideramos, como já exposto no Relatório Parcial relativo àquela região, que é plausível antever que em curto espaço de tempo, as grandes canoas tenham desaparecido
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completamente da paisagem do estuário do rio Real, substituídas pelos barcos (mais ágeis e leves – e baratos para os usos atuais) e por pequenas canoas “modernizadas”, perdendo-se toda referencia a particularidades formais ainda presentes nestes exemplares. Por esta razão considera-se que os trabalhos de acautelamento e salvaguarda que por ventura venham a ser elaborados no âmbito do IPHAN o sejam dentro de um escopo patrimonial mais amplo e integrado, que leve em consideração sua importância para as pessoas e comunidades que as utiliza. De toda forma, qualquer intervenção institucional deve necessariamente ser pensada de modo integrado às políticas de desenvolvimento e planejamento territorial. A sobrevivência do complexo cultural do qual fazem parte suas embarcações tradicionais depende da regularização das condições objetivas de sua existência, tanto econômica e fundiária quanto ambiental. No caso da Bahia, é evidente que os processos de mudança, devidos à rapidíssima inserção do complexo estuarino de Camamu em fluxos robustos de turismo nacional e internacional, são mais visíveis e influenciam mais direta e profundamente no horizonte patrimonial daquelas paisagens. As embarcações que o Relatório Parcial denominou “assaveirados” e que aqui preferimos designar como “pequenos saveiros motorizados” constituem um exemplo paradigmático da nossa forma de analisar os resultados das pesquisas. Aos saveiros tradicionais vêm se acrescentando, naquela região (mas é razoável supor que também em outras regiões do litoral baiano), uma “nova” tipologia naval, de “saveirinhos”. De modo geral pode-se dizer que sua filiação está evidenciada pelo desenho e estrutura construtiva do casco que, embora adaptada ao uso do motor de centro, mantém as características dos Saveiros tradicionais. O desuso das velas permite, nessas embarcações, a presença de cabines e toldos. Utilizados para a pequena pesca artesanal e para o transporte (cada vez menos ocasional, nas condições que interessam a baía de Camamu) de pessoas e mercadorias, com comprimento nunca superior aos nove metros (mas mais frequentemente medindo entre 650 e 850 centímetros) possuem desenhos e detalhes singulares que, aparentemente, lembram modelos “ancestrais” e modos construtivos “antigos”, antes da introdução dos motores e toldos. Eles incorporam formas dos pequenos saveiros “de pano” adaptadas ao uso do motor (que permite a inclusão do toldo que cobre praticamente todo o convés), a existência de cabine (com instrumentos de navegação e controle) e às condições atuais do mercado – inclusive da agricultura familiar praticada na região. Em outras palavras, temos aqui o exemplo de como os processos de mudança sócio-econômicos ainda constituem o campo maior para a localização dos processos patrimoniais. Quanto a Estado do Rio de Janeiro, é ainda necessário registrar a dinâmica da preferência dos pescadores locais, também paradigmática das injunções técnicas que orientam, inclusive, os comportamentos ligados às tipologias, tradicionais ou não. O chamado barco de boca aberta parece constituir uma variante local do bote ou barco encavernado. Geralmente não ultrapassa os 9 metros de cumprimento e entre 2 e 3 metros de boca. O formato do casco é sinuoso, sendo que a boca, mais alargada na altura imediatamente posterior à proa, vai se afilando mais ou menos discretamente até alcançar a popa. Usualmente tal embarcação não possui casaria, muito embora tenha sido possível observar a ocorrência em alguns exemplares. Trata-se de uma embarcação motorizada (o motor é B18 invariavelmente), apreciada pelos pescadores por ser mais ágil, pois zarpa com mais rapidez – as ancoras são mais leves e o motor B18 aciona com prontidão – e permite realização de manobras em qualquer lugar. Além disso, também é considerada muito prática, já que sua operacionalização não envolve complexidade mecânica excessiva. Nos termos usados pelos próprios pescadores: “apenas leme e cana de leme”. Entretanto, o barco de boca aberta é tido como menos confortável, muito embora ninguém se demore mais que um dia navegando dentro dele, como, ao contrário, acontece no caso de
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embarcações com convés. Talvez por isto a utilização deste tipo de embarcação esteja mais circunscrita à pesca, sendo seu emprego pouco freqüentemente em outras atividades como o turismo, veraneio ou lazer. Foi possível averiguar a existência de duas variedades dessa tipologia. O chamado barco de boca aberta com “popa de espelho” (ou “espelhado”) e o “popa de leque”. Conforme os próprios nomes já indicam, a variação é definida pelo desenho da popa. No primeiro caso, ela é curta, com forma retangular e a parte inferior fica submersa. Já no segundo, a extremidade da popa é mais alongada, com formato arredondado, sendo que uma parcela significativa de sua parte inferior fica elevada e, conseqüentemente, não entra em contato direto com a água. Do ponto de vista patrimonial, importa destacar que a variação barco de boca aberta com popa de leque é cada vez mais difícil de ser encontrada, tanto nas localidades de Cabo Frio quanto de Arraial do Cabo. Ao longo do ramal da Gamboa, por exemplo, foram identificados dois exemplares, sendo que apenas um deles estava em boas condições de preservação. Isto considerando as observações da equipe, as declarações dos pescadores, bem como as avaliações dos carpinteiros navais. Foram aventadas três explicações para este quadro. A primeira, de ordem econômica, diz respeito ao fato de que embarcações com popa de leque exigem o emprego de mais mão-deobra e de mais materiais – madeira, prego, cola, entre outros – resultando, pois, no encarecimento dos custos de todas as etapas de fabricação. A segunda, de ordem prática, está relacionada ao manejo dos instrumentos de pesca, da rede em especial, que demandaria mais atenção e habilidade a fim de evitar que fiquem presos na popa alongada. Finalmente, a terceira explicação, se relaciona mais propriamente ao gosto dos pescadores, que julgam mais bonito a variação com popa espelhada. Na Marina dos Pescadores, em Arraial do Cabo, no que tange ainda aos barcos de boca aberta especificamente, não foram perceptíveis variações significativas quanto às características tipológicas, aos elementos náuticos, data de fabricação, entre outros aspectos. Importa assinalar, não obstante, uma tendência mais acentuada entre os proprietários de Arraial do Cabo em converter as embarcações com poupa de leque para o tipo espelho. Não por acaso, não foi encontrado nenhum exemplar daquela tipologia nos pontos de atracação visitados. Já no Canto da Praia dos Anjos, um carpinteiro tradicional, seu Tamico (66 anos) forneceu informações valiosas. Embora já tenha lidado muito com barcos de boca aberta, nos últimos anos, pelas dificuldades trazidas pela idade avançada – que o impedem de carregar peso, se locomover saltando de um lado para outro etc. – Tamico restringiu os trabalhos a apenas alguns pedidos de amigos e fregueses mais antigos. Evitando aquelas tarefas que considera mais sacrificantes – como colocar e alinhar motor, tabuame e quilha –, ele vem se especializando em adaptação e acabamento de embarcações para o uso em passeios turísticos, o que, de acordo com ele, consiste, basicamente, em instalar casaria, banheiro, banco, corrimão, deque, toldo etc. Reivindica, inclusive, a autoria do primeiro barco de turismo com casaria de Arraial do Cabo, inspirado no desenho de uma “lancha barracuda”. O resultado teria agradado ao gosto local e, desde então, todos os barcos de turismo vem seguindo esse modelo. Hoje as casarias de Arraial seriam reconhecidamente as mais bonitas da região. Os seus serviços de carpintaria são em sua maioria adaptações de embarcações para passeio turístico. O preço cobrado pelo serviço varia, mas a próxima encomenda, por exemplo, seria contratada pelo valor de R$ 12 mil. Além do próprio Tamico, o trabalho envolve ao menos mais seis pessoas, mas o número varia conforme as tarefas: carpinteiro e ajudante, pintor e ajudante (lixador), abridor de letras (letrista), calafate, eletricista, piloto do trator, mecânico e torneiro mecânico. A duração média dos trabalhos é de três meses por empreitada, considerando principalmente a etapa de acabamento, a mais difícil porque leva mais tempo e demanda mão-de-obra melhor qualificada. Pelo menos quinze carpinteiros aprenderam trabalhando como aprendizes no paiol de Tamico, quatro deles ainda atuantes no Canto da Praia dos Anjos. Isso sem contar aqueles que deixaram esse ramo para trabalhar
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como funcionários da prefeitura. Movimento muito comum dada às dificuldades do ofício, que presta serviço principalmente a uma classe pobre como a de pescador: Pobre e relaxada. Ele faz o dinheiro dele, compra até um carro, faz outra casa, mas não cuida do instrumento de trabalho que é o barco. ...agora se você deixa o seu barco se acabar, não vai ter como ganhar o dinheiro para comprar essas coisas... É só dar uma olhada na praia e ver quantos barcos estão se acabando ali. Só de um cara que é comprador de peixe tem três barcos largados ali. Porque não compensa. Se for gastar uma mão de obra pra botar um barco daquele ali prontinho, com motor e tudo, você vai gastar entre R$ 10 ou 12 mil. Você chega aqui, em Arraial do Cabo mesmo, e compra um barco por 12 mil, pronto para pescar, já com tudo, à vezes até nylon, com a vaga dele aqui no cais...
Tamico também se queixa muito da falta de estrutura, apoio da prefeitura ou fiscalização do ministério público. Com relação às canoas bordadas, conforme o testemunho de Chonca, carpinteiro naval residente em Arraial do Cabo, com setenta anos de idade, antigamente a madeira utilizada na adaptação, bem como nas reformas em geral, eram extraídas do tronco de determinadas árvores – “fruto de pomba”, saputiquiaba e, com restrições a aroeira – da restinga da região. A instauração da reserva extrativista e a intensificação da fiscalização exercida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) dificultaram o acesso a tais árvores, inviabilizando aquela prática. Atualmente, os itens utilizados são aqueles disponíveis nas madeireiras, serrarias e lojas convencionais de construção. Neste caso, as madeirais priorizadas são as de angelim, lourocanela, cedro, garapa, mas jamais de roxinho, massaranduba ou ipê, que, cedo ou tarde, acabam produzindo farpas que dificultam, por exemplo, o deslizamento da rede pelas bordas. Chonca sabe dizer as dimensões aproximadas das canoas que compõem a frota do município e seu saber também passa por uma avaliação do material com que são feitas. Para ele, as melhores canoas são confeccionadas a partir de cedro, e, de modo inferior, de oiticica. Já as produzidas com jequitibá possuem mais problemas, pois tal madeira racha muito. As embarcações feitas com jequitibá geralmente são do próprio estado do Rio de Janeiro; as de oiticica e figueira, do Espírito Santo e Bahia; as de pequi, do Pará.
Chonca, carpinteiro naval de Arraial do Cabo
Segundo Chonca, as canoas de Arraial do Cabo estão menos conservadas do que já foram. Este fato ocorre porque os donos não têm mais interesse e condições financeiras em arcar com a manutenção das suas embarcações.
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Concluindo, parece evidente que as preocupações patrimoniais com conservação e preservação das embarcações tradicionais, em todas as regiões visitadas, remetem para um mesmo conjunto, articulado, de injunções históricas, sociais, econômicas e políticas. Os pescadores artesanais encontram-se num campo percorrido por agentes múltiplos e heterogêneos, vetores de poderosos processos de mudança, aos quais respondem como podem, tentando preservar, antes que tipologias navais, os eixos estruturais do um trabalho, fundando-os no terreno movediço das identidades, por sua vez também afetadas pelos processos aludidos.
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