Catálogo
EXPOSIÇÃO Em Pessoa
Desconstruir e reconstruir Versos da Antologia Poética de Fernando Pessoa
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Em Pessoa Desconstruir e reconstruir
EXPOSIÇÃO DE VERSOS DA OBRA DE FERNANDO PESSOA, A TER LUGAR NA FACULDADE DE BELAS ARTES DA UNIVERSIDADE DE LISBOA. DE 25 MARÇO À 05 DE MAIO 2011
PEDRO SILVA
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CONCEITO
Exposição da obra de Fernando Pessoa. A obra de Pessoa, seja em verso ou em prosa, formula uma questão que consideramos essencial: a busca de uma identidade através de escritas múltiplas. -Fingir vai, ser nesse sentido, não só um acto lúdico, mas também um processo de conhecimento. Esta experiência de dissimulação e de simulacro - que toda a sua obra é - torna-o um exemplo ilustre da modernidade do início do século: a obra parece exigir do escritor que ele se torne o lugar vazio onde se anuncia a afirmação impessoal. Por outras palavras que ele seja o lugar de uma deserção. É nesse contexto que se baseia a exposição EM PESSOA, não pretendendo com isso desvirtuar a obra de Fernando Pessoa, mas sim possibilitar leituras não lineares dos versos já conhecidos por muitos. Nesta exposição estará presente trechos de versos do autor, disposto em 16 painéis , a contar com o painel de anúncio da exposição. Estes painéis estão unidos em três grupos de quatro painéis, tomando assim a forma de um quadrado, exigindo do expectador um movimento circular em torno da própria estrutura, também podendo este tomar diferentes direcções, seja elas lineares ou movimentos diagonais pelo espaço. O conceito de descontrução está patente na exposição, uma vez que não foi escolhido um tema ou heteronónimo do autor para trabalhar. Cabe assim ao expectador o papel de construir a sua leitura e estabelecer ou não ligações possíveis subjacentes a obra.
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» O AUTOR Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa, e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões. O crítico literário Harold Bloom considerou a sua obra um “legado da língua portuguesa ao mundo”. Por ter crescido na África do Sul, para onde foi aos sete anos em virtude do casamento de sua mãe, Pessoa aprendeu a língua inglesa. Das quatro obras que publicou em vida, três são na língua inglesa. Fernando Pessoa dedicou-se também a traduções desse idioma. Ao longo da vida trabalhou em várias firmas como correspondente comercial. Foi também empresário, editor, crítico literário, activista político, tradutor, jornalista, inventor, publicitário e publicista, ao mesmo tempo que produzia a sua obra literária. Como poeta, desdobrou-se em múltiplas personalidades conhecidas como heterónimos, objecto da maior parte dos estudos sobre sua vida e sua obra. Centro irradiador da heteronímia, auto-denominou-se um “drama em gente”. Fernando Pessoa morreu de cirrose hepática aos 47 anos, na cidade onde nasceu. Sua última frase foi escrita em Inglês: “I know not what tomorrow will bring… “ (“Não sei o que o amanhã trará”).
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» BIOGRAFIA Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra todos os dias são meus. Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925.
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» OBRAPOÉTICA Considera-se que a grande criação estética de Pessoa foi a invenção heteronímica que atravessa toda a sua obra. Os heterónimos, diferentemente dos pseudónimos, são personalidades poéticas completas: identidades que, em princípio falsas, se tornam verdadeiras através da sua manifestação artística própria e diversa do autor original. Entre os heterónimos, o próprio Fernando Pessoa passou a ser chamado ortónimo, porquanto era a personalidade original. Entretanto, com o amadurecimento de cada uma das outras personalidades, o próprio ortónimo tornou-se apenas mais um heterónimo entre os outros. Os três heterónimos mais conhecidos (e também aqueles com maior obra poética) foram Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Um quarto heterónimo de grande importância na obra de Pessoa é Bernardo Soares, autor do Livro do Desassossego, importante obra literária do século XX. Bernardo é considerado um semi-heterónimo por ter muitas semelhanças com Fernando Pessoa e não possuir uma personalidade muito característica, ao contrário dos três primeiros, que possuem até mesmo data de nascimento e morte (excepção para Ricardo Reis, que não possui data de falecimento). Por essa razão, José Saramago, laureado com o Prémio Nobel, escreveu o livro O ano da morte de Ricardo Reis. Através dos heterónimos, Pessoa conduziu uma profunda reflexão sobre a relação entre verdade, existência e identidade. Este último factor possui grande notabilidade na famosa misteriosidade do poeta..
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» HETERÓNIMOS Álvaro de campos
Entre todos os heterónimos, Campos foi o único a manifestar fases poéticas diferentes ao longo da sua obra. Era um engenheiro de educação inglesa e origem portuguesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo. Começa a sua trajetória como um decadentista (influenciado pelo simbolismo), mas logo adere ao futurismo. Após uma série de desilusões com a existência, assume uma veia niilista, expressa naquele que é considerado um dos poemas mais conhecidos e influentes da língua portuguesa, Tabacaria. É revoltado e crítico e faz a apologia da velocidade e da vida moderna, com uma linguagem livre, radical.
Ricardo Reis O heterónimo Ricardo Reis é descrito como um médico que se definia como latinista e monárquico. De certa maneira, simboliza a herança clássica na literatura ocidental, expressa na simetria, na harmonia e num certo bucolismo, com elementos epicuristas e estóicos. O fim inexorável de todos os seres vivos é uma constante na sua obra, clássica, depurada e disciplinada. Faz uso da mitologia não-cristã. Segundo Pessoa, Reis mudou-se para o Brasil em protesto à proclamação da República em Portugal e não se sabe o ano da sua morte. Em O ano da morte de Ricardo Reis, José Saramago continua, numa perspectiva pessoal, o universo deste heterónimo após a morte de Fernando Pessoa, cujo fantasma estabelece um diálogo com o seu heterónimo, sobrevivente ao criador.
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Alberto Caeiro Por sua vez, Caeiro, nascido em Lisboa, teria vivido quase toda a vida como camponês, quase sem estudos formais. Teve apenas a instrução primária, mas é considerado o mestre entre os heterônimos (pelo ortônimo). Após a morte do pai e da mãe, permaneceu em casa com uma tia-avó, vivendo de modestos rendimentos. Morreu de tuberculose. Também é conhecido como o poeta-filósofo, mas rejeitava este título e pregava uma “não-filosofia”. Acreditava que os seres simplesmente são, e nada mais: irritava-se com a metafísica e qualquer tipo de simbologia para a vida. Nos escritos pessoanos que versam sobre a caracterização dos heterônimos, Pessoa, dito “ele mesmo”, assim como a Álvaro de Campos, Ricardo Reis e o meio-heterônimo Bernardo Soares, conferem a Alberto Caeiro um papel quase místico enquanto poeta e pensador. Reis e Soares chegam a compará-lo ao deus Pã, e Pessoa esboçalhe um horóscopo no qual lhe atribui o signo de leão, associado ao elemento fogo. A relevância destas alusões se esclarece na explicação de Fernando Pessoa sobre o papel de Caeiro no escopo da heteronímia. Citando a atuação dos quatro elementos da astrologia sobre a personalidade dos indivíduos, Pessoa escreve:
“Uns agem sobre os homens como o fogo, que queima nele todo o acidental, e os deixa nus e reais, próprios e verídicos, e esses são os libertadores. Caeiro é dessa raça. Caeiro teve essa força."
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» EXPOSIÇÃO Pierrot Bêbado
Segue o teu destino
Nas ruas da feira, Da feira deserta, Só a lua cheia Branqueia e clareia, As ruas da feira,Na noite entreaberta.
Segue o teu destino, rega as tuas plantas, Ama as tuas rosas. O resto é a sombra De árvores alheias. A realidade sempre é mais ou menos do que nós queremos. Só nós somos sempre iguais a nós-próprios.
Bêbada branqueia, Como pela areia, Nas ruas da feira, Da feira deserta,Na noite já cheia De sombra entreabertura. A luz branqueia, Nas ruas da feira, Deserta e incerta…Incerta...Incerta...Incerta
Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode Dizer-te. A resposta Está além dos deuses.
Cartas de Amor
Cheguei à Janela
Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Cheguei à janela, porque ouvi cantar. É um cego e a guitarra que estão a chorar. Ambos fazem pena, são uma coisa só que anda pelo mundo a fazer ter dó. Eu também sou um cego cantando na estrada, A estrada é maior e não peço nada.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras...Ridículas. As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas. Ridículas. Ridículas.
As Quinas Louco, sim, louco porque quis a grandeza Qual a Sorte a não dá. Não coube em mim minha certeza; Por isso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que há.
Abdicação Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços E chama-me teu filho. Eu sou um rei Que voluntariamente abandonei o meu trono de sonhos e cansaços. Despi a realeza, corpo e alma, E regressei à noite antiga e calma como a paisagem ao morrer do dia.
Já não me importo Já não me importo Até com o que amo ou creio amar. Sou um navio que chegou a um porto E cujo movimento é ali estar. estar.
Liberdade Ai que prazer, não cumprir um dever, ter um livro para ler e não o fazer! Ler é maçada, estudar é nada. O sol doira sem literatura.
Os Campos O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é ângulo disposto. Aquele diz Itália onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
O rio corre, bem ou mal, sem edição original.
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Abismo
Horizonte
Olho o Tejo e de tal arte que me esquece olhar olhando,...E súbito isto me bate ee encontro ao devaneando O que é ser-rio, e correr? O que é está-lo eu a ver?
Linha severa da longínqua costa – Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta Em árvores onde o Longe nada tinha; Mais perto, abre-se a terra em tons e cores: E, no desembarcar, há aves, flores, Onde era só, de longe a abstracta linha.
Prece Senhor, a noite veio e a alma é vil. Tanta foi a tormenta e a vontade! Restam-nos hoje, no silêncio hostil, o mar universal e a saudade.
Os Castelos O mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo O corpo morto de Deus, Vivo e desnudo.
Mas a chama, que a vida em nós criou, Se ainda há vida ainda não é finda.
Autopsicografia
Este, que aqui aportou, foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. criou. criou.
O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, na dor lida sentem bem, não as duas que ele teve, mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda gira, a entreter a razão, esse comboio de corda que se chama o coração.
O Amor O amor, quando se revela, não se sabe revelar. Sabe bem olhar p'ra ela, mas não lhe sabe falar. Quem quer dizer o que sente não sabe o que há de dizer. Fala: parece que mente Cala: parece esquecer Ah, mas se ela adivinhasse, se pudesse ouvir o olhar, e se um olhar lhe bastasse pr'a saber que a estão a amar! amar! amar!
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EM PESSOA
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REFERÊNCIA Fernando Pessoa antologia poética seguida de fragmentos do “Livro do Desassogo” Selecção e apresentação de Isabel Pascoal EDITORA ULISSEIA
Desconstruir
e
reconstruir
DE 25 MARÇO À 05 DE MAIO 2011
UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS ARTES DESIGN EDITORIAL 3º ANO | 2º SEMESTRE PEDRO SILVA # 5023