Africanidades

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Africanidades Alda Costa, Eduardo Withe, JoĂŁo Lindolfo Filho, Saulo di Tarso AraĂşjo, Pedro Pereira Leite,

2015


Ficha Técnica: Lusotopias Revista de Geocultura Issue 2 – 2015 Directory Pedro Pereira Leite ISSN – 2183-3303 Editor: Pedro Pereira Leite Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos Redaction: Casa Muss-amb-ike Ilha de Moçambique, 3098 Moçambique

Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq. 1990-302 Lisbon –Portugal

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Índice Apresentação .................................................................................. 6 Jorge Dias: olhar o passado de soslaio, abraçar avidamente o presente.. 8 Songs For Freedon ......................................................................... 15 A Lusografia, a Lusofonia e Eu ........................................................ 20 A mestiçagem e a modernidade brasileira no Museu Afro .................... 28 A emergência da Escultura Makonde e a ideia de Moçambicanidade ..... 42 Colaboraram neste número ............................................................. 62

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Apresentação Neste número da revista Lusotopias apresentamos um conjunto de artigos relacionados com a questão das heranças africanas na construção de identidades na época contemporânea. Alda Costa aborda o trabalho do escultor moçambicano Jorge Dias. Eduardo Withe, poeta moçambicano falecido este ano, com o artigo “A língua portuguesa usa capulana” aborda a sempre difícil questão dos sentidos das heranças da língua, João Lindolfo Filho, com as “Songs for Freddom, aborda a problemática da música de matriz afro no Brasil actual. Paulo di Tarso Araújo aborda questão da mestiçagem e da modernidade afro-brasileira e finalmente Pedro Pereira Leite, aborda a questão da escultura maconde e a construção da ideia de Moçambicanidade. Como é habitual são textos republicados de diferentes origens. Agradecemos aos autores a gentileza da sua publicação, e integramo-los como um conjunto para entendimento da pluralidade dos sentidos na construção das identidades e heranças nos espaços lusotópicos.

dezembro 2015 Pedro Pereira Leite.

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Jorge Dias: olhar o passado de soslaio, abraçar avidamente o presente Por

Alda Costa

“Felizmente, os artistas são imprevisíveis, e à medida que atravessam e circulam pelos múltiplos e plurais territórios da cultura, apropriam-se do que querem apropriar-se e trocam o que querem trocar” Orlando Britto Jinorio

Jorge Dias é um dos membros fundadores do Movimento de Arte Contemporânea de Moçambique. O seu trabalho não se define por um médium específico; caracteriza-se, sim, pela heterogeneidade, integra pintura, escultura, vídeo, instalação, objectos. Interroga o conceito de obra de arte, tal como o fizeram já vários artistas, reflecte sobre problemáticas que dizem respeito a todos os seres humanos do planeta, mas também sobre a sua realidade mais próxima. O trabalho deste artista torna necessária outra maneira de pensar sobre a arte que considera não apenas o labor, a habilidade ou a técnica, mas reconhece a importância da ideia que lhe é subjacente. Para além da contestação dos que continuam a pensar e a olhar a arte com ‘outros olhos’, fazem-se, às vezes, sobre o trabalho de Jorge Dias, e de outros artistas do nosso tempo, comentários do tipo: “Isto é arte europeia, arte ocidental, não

tem nada de africano ou de asiático ou de latino-americano”. No caso de Jorge Dias, este tipo de comentários, feitos por africanos e não-africanos, têm por base uma noção de ‘africanidade’ essencial(ista) que deixa de lado a coexistência e o confronto de realidades diferentes e a criação permanente de novas formas de relações culturais. Esta perspectiva, a que se associa outra, a de ‘autenticidade’, foi já objecto de acesos debates e discussões. Tem vindo a ser contrariada por muitas vozes críticas mas encontra, todos os dias, alimento em discursos e narrativas dominantes que tendem a simplificar e a homogeneizar a(s) realidade(s) complexa (s) e a esquecer a liberdade de criação. Jorge Dias já se confrontou, diversas vezes, com estes comentários. Fora de Moçambique o seu trabalho já foi considerado ‘muito africano’, em Moçambique como ‘não tendo nada a ver com africano’. Para si, são apenas

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julgamentos superficiais. Acredita que as suas origens culturais plurais, as suas experiências e formação vão estruturando a sua forma de pensar, o seu trabalho e a sua procura e não está preocupado em ‘parecer mais ou parecer menos’ . Este texto visa fornecer elementos para ajudar a pensar e a interpretar a arte praticada pelo artista Jorge Dias e a maneira como tem vindo a construir o seu trabalho e a sua relação com o mundo. Artista de uma geração que intervém num contexto pós-colonial, cresceu nos primeiros anos de construção da nação Moçambique, viu cair muitas das barreiras experimentadas pelos seus antecessores, conheceu mais oportunidades, experimentou o mundo e a sua pluralidade. Ao contrário de outros artistas, de gerações anteriores, beneficiou de um novo ambiente para a arte, de um crescente interesse pela África contemporânea, do espaço aberto por artistas, críticos e curadores, de mais possibilidades de internacionalização e maior visibilidade. O seu trabalho, que abraça várias disciplinas, realiza-se num contexto de mudança de paradigmas, expressa livremente as suas aspirações e inspira-nos para reflectir, sentir e entender as complexidades do processo artístico. Os anos de formação Nascido em 1972, Jorge Dias graduou-se em cerâmica na Escola de Artes Visuais , onde ainda hoje é professor, e muito cedo associou o seu trabalho de jovem docente à vontade de ser artista. Nesse início da década de 90, já depois de ter exposto algumas vezes com outros jovens artistas, queria ser ‘um grande pintor’ e estava disposto a trabalhar para isso. Buscava inspiração no

ambiente artístico em mudança que se vivia, nesses anos, em Maputo, nos artistas que se

Ilustração 1 Jorge Dias, 'Caixas. Actividade Sistemática'

afirmavam ou intervinham localmente, nos jovens que regressavam ao país acabada a formação superior em arte e que estavam desejosos de marcar a diferença. Naguib e Fátima Fernandes foram referências importantes, mas Jorge Dias reivindica também a influência de Eugénio Lemos que, como refere, ‘fugia muito dos cânones estéticos da pintura moçambicana’ ao privilegiar a cor e a estruturação de limites e formas no espaço . O Núcleo de Arte, que fora um centro artístico importante, também vivia momentos de mudança. Procurava reanimar-se, depois de um período em que buscava, mais uma vez, a sua vocação e lugar. Opondo-se à visão hegemónica reinante nos anos 80 uma nova geração de artistas, mais ou menos conscientemente, tentava alguma descontinuidade, sair do isolamento, virar as costas à “armadilha da avaliação ‘da arte africana’ como exótica” . Virar as costas a outras armadilhas, as que “tolhiam a criatividade dos artistas”, questionar pensamentos e acções, “descobrir” o novo, o até aí desconhecido continuou a ser o objectivo de outros encontros de artistas que então aconteceram. Foi neste contexto que Jorge

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Dias começou a expor e chegou mesmo a abrir, com outro jovem que também queria ser artista, Habulen, uma galeria de arte, a Kindlimuka no recém-modernizado Centro Comercial da Interfranca. A procura de espaço e de afirmação por parte de uma nova geração de artistas marcou fortemente esses anos de muitas mudanças, a diversos níveis. A Bienal TDM, a Descoberta da Casa de Cultura do Alto-Maé, a Anual do Museu Nacional de Arte e as novas galerias que surgiam ofereciam variadas oportunidades, principalmente para muitos dos jovens estudantes e graduados da única escola de artes visuais existente em Maputo. Jorge Dias não fugiu à regra. A pintura suplantava a cerâmica, sua área principal de formação. O tratamento da forma, da cor e da matéria amadurecia. Aos azuis seguiram-se os verdes e ‘a entrada numa gestualidade de largos movimentos curvilíneos’ . O trabalho apresentado na exposição anual MUSART/TDM’97, Os três caminhos que procuro, pode bem simbolizar e sintetizar o período anterior à sua ida para o Brasil onde estudou e se graduou em escultura pela Escola de Belas Artes da UFRJ, em 2002.

Que caminhos procurava Jorge Dias? A experiência de formação no Brasil, a partir dos últimos anos da década de 90, seria marcante para o seu percurso como

artista. Marcaram-no vários artistas, as propostas que apresentavam, a sua maneira de pensar livre e ousada. O que restava do seu antigo desejo, nascido em Moçambique, de querer ser ‘um grande pintor’? Alguns anos volvidos, já não era tão fácil dizer o que era uma pintura ou o que esta podia incluir e o curso de escultura alargara a sua noção de arte abrindo novos territórios para explorar. A redefinição do conceito de arte e de obra de arte que se vinha fazendo há décadas passara praticamente ao lado da formação que fizera em Moçambique. Agora já não era tão fácil dizer o que era ser um artista. Numa realidade fragmentada e sem mais certezas, o artista fugia às definições das categorias estéticas, ‘exibindo com júbilo a sua liberdade’, como escreveu Pradel. O trabalho com as tintas e com o barro deu lugar ao trabalho com outros materiais. Ainda em 2002, Jorge Dias mostrou, no Salão Principal do Campus Avançado em Niterói, a exposição Sistemas e Conexões, resultado do seu projecto de fim do curso. Forma, material, luz e espaço associados produziam trabalhos que continuariam a ser retomados e a dar origem a novas propostas, num processo de transformação e construção permanentes. O plástico e o tecido eram a base de Casulos, Sistemas e Conexões e Linha Contínua. Iniciava-se uma série de trabalhos que, após o seu regresso a Moçambique, iria ser continuada e diversificada em múltiplos caminhos.

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Os vários papéis: a curadoria, a escrita e a prática da arte

Ilustração 2 Jorge Dias, 'Casulos'

O ambiente artístico em Maputo onde se reintegrava, apresentava, mais uma vez, sinais de mudança. Uma outra geração de artistas voltava a questionar o “pouco desenvolvido sistema artístico existente em Moçambique” que não encorajava a vontade de ser diferente de muitos artistas nem a sua participação nos principais eventos africanos e internacionais que tinham lugar . Ao lado das ‘tradicionais’ criações artísticas que se praticavam, estes artistas incentivavam a utilização de novas linguagens, técnicas, materiais e atitudes associadas à arte contemporânea. Com outros jovens artistas de formação, experiências e anseios diversos foi fundador do Movimento de Arte Contemporânea, MUVART como também é conhecido . Os Casulos que iniciara no Brasil, desta vez feitos com jornais, cordas de sisal e integrando mesmo um par de sapatos, voltaram a ser mostrados a partir de 2003 em vários espaços, interiores e exteriores, do jardim ainda em ‘bruto’ do Museu Nacional de Arte, a uma das salas da fortaleza ou mesmo ao espaço de exposições do Centro Cultural Franco Moçambicano, veiculando a ideia de transformação permanente do ser humano e da sociedade e propondo diferentes

diálogos com o público, conforme o espaço de exposição. Obra em aberto, como a entende Jorge Dias, os Casulos continuam em transformação, integram novos materiais e objectos, têm sido exibidos em vários contextos e deram já lugar a Neocasulos. A divulgação do seu trabalho e do dos outros artistas do MUVART, a partir das exposições realizadas em Maputo, abriu portas em outras latitudes e granjeou apoios, de perto e de longe. A participação na Arte Lisboa-Feira de Arte Contemporânea, em 2004, foi uma das primeiras oportunidades. Beneficiando da estratégia de internacionalização da feira que passava pela divulgação da arte contemporânea produzida nos países falantes de português, o MUVART e os seus membros mais activos começaram a ser conhecidos junto dos circuitos da arte contemporânea. Seguiram-se diversos convites, em Portugal, Espanha, Itália, regista-se interesse por parte de várias galerias. Com o Brasil também se estreitaram os laços. Dar continuidade a este relacionamento vem sendo um objectivo para estes artistas uma vez que consideram importante esse espaço de afirmação. Jorge Dias tem participado, ora como artista, ora como curador, como

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aconteceu, por exemplo, na ARCO2006 em Madrid. O papel de curador que Jorge Dias começou por desempenhar no seio do Movimento logo nas suas primeiras apresentações depressa se tornou uma faceta importante do seu dia-a-dia. O interesse pela teoria, as aulas que começou a dar no ensino superior e a vontade de desenvolver o trabalho de curadoria em Moçambique tiveram a sua quota-parte de responsabilidade nesta escolha. A sua experiência com a galeria Kindlimuka, enquanto existiu, também foi importante. Foi nessa época que, como disse Jorge Dias, estreitou o seu relacionamento com artistas, escolhendo trabalhos para expor, seleccionando trabalhos para vender. Hoje em dia acompanha artistas da sua geração, motiva alunos e ex-alunos, envolve-se e está atento ao que acontece no meio artístico que o rodeia. Ocupa o lugar de curador no Museu Nacional de Arte, já há vários anos criado , mas não é aí que realiza a maior parte dos seus projectos. Estes surgem, em geral, no âmbito do MUVART e suas actividades, às vezes por convite (ainda são muito poucos os que consideram necessário o trabalho de um curador e são frequentes as vezes que se pergunta o que é um curador) ou por iniciativa dos próprios artistas como foi, por exemplo, o caso do artista Famós que apresentou recentemente a sua primeira exposição individual. O contacto próximo e a gratificante relação que se estabeleceu entre os dois, artista e artista-curador, durante cerca de um ano, foi visível na exposição apresentada e reconhecida por ambos na conversa final de encerramento da mesma .

Ilustração 3 Jorge Dias, 'Neocasulo'

Escrever sobre a produção dos artistas do MUVART, escrever regularmente sobre artes visuais, as artes e sua transversalidade, o ensino artístico ou a legitimação das artes, escrever sobre os artistas que acompanha ou sobre o seu trabalho de curadoria é outra faceta do trabalho deste artista. Tal acontece num contexto novo em que há uma descontinuidade no ‘incipiente’ sistema artístico local. Os principais comentadores deixaram, por várias razões , de fazer sentir a sua influência, abrindo-se espaço para outros intervenientes e novas abordagens. Daí a importância da sua escrita, porque alarga o número dos que escrevem sobre arte em Moçambique e porque, diz Jorge Dias, ‘o artista deve ser o primeiro a trazer contributos teóricos e conceptuais sobre o seu trabalho’.

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Como artista, o trabalho de Jorge Dias continua a desenvolver-se em múltiplas direcções. O período em que, após o seu regresso, esteve à frente da oficina de cerâmica na escola de artes visuais foi caracterizado por uma ruptura no trabalho até aí realizado, provocando interessantes respostas por parte de alunos e mesmo outros professores. O trabalho que realizou como artista nesse período reflecte o ambiente vivido. Inicia uma ‘fase pós-casulos’ em que observa atentamente e comenta a realidade em que vive. A cerâmica é utilizada para revestir bolas ou caixas de cartão de várias dimensões, que integra posteriormente nas suas instalações. Estas instalações sugerem o envolvimento do observador que é convidado a tomar parte, movimentando-as e reagrupando-as a seu gosto. Ainda com recurso à cerâmica preenche enormes plataformas, como aconteceu nos trabalhos já apresentados em Maputo e em Lagos (Portugal), em 2005. Imagens da Plataforma Espiritual e de outros trabalhos deste artista estão incluídas num livro recentemente publicado sobre os artistas e a produção artística africana mais recente. Se as caixas de Jorge Dias são revestidas, para além de grãos de cerâmica, com papel, tecido ou fita adesiva, as bolas são também revestidas de pedaços de azulejo, de animais-miniatura de plástico ou feitos, manualmente, a partir de arame e fio colorido (lagartos, moscas e baratas), dispostas no chão ou suspensas com fios de sisal (‘as coisas suspensas’). Os mesmos animais ou outros objectos como as casas miniatura em madeira revestem também as ‘tradicionais’ peneiras, um objecto da cultura material local, em alguns dos seus trabalhos. Num processo acumulativo, o seu trabalho evolui,

desenvolvendo-se a partir do anterior que se constitui como referência. Ao criar novos objectos com objectos já existentes recorrendo a associações, o artista procura, como diz, novas formas de comunicação. A apropriação que Jorge Dias faz destes objectos-miniatura e os trabalhos que cria e recria a partir deles aproxima-o de Nelson Leirner (n.1932), artista brasileiro, ao lado de quem foi convidado a expor (Zoologia dos Trópicos era o nome da exposição) em Lagos. Um dos trabalhos de Leirner que conheço, Terra à vista (A Primeira Missa), por exemplo, integra aproximadamente 2000 objectos, entre animais, brinquedos, figuras diversas. Um artista, entre outros, com quem Jorge Dias teve contacto durante a sua estadia no Brasil. As mesmas preocupações, o interesse pelo imaginário popular, o mesmo humor sustentam os trabalhos dos dois? Jorge Dias, na senda de Nelson Leirner, está interessado em cruzar ‘a cultura popular’ e ‘a cultura erudita’? Em fazer um trabalho híbrido? O que representam os lagartos, as moscas e as baratas que Jorge Dias integra nos seus trabalhos? Dão vida aos seus comentários sobre a sociedade em que se insere? E as ratazanas feitas com pasta de papel que integraram a sua instalação Praga mostrada em 2007? As ratazanas darão, brevemente, lugar a moscas numa nova instalação que o artista prepara. Uma outra série, Trabalhos Antigos Novos Projectos, foi apresentada na sua individual Zoologia dos Fluxos realizada em Maputo em 2007. Os animais-miniatura ou fotografias que deles fez, imprimiu e recortou, foram colados em trabalhos de pintura sobre papel que fez, já há algum tempo, e transformou, recortando e colando, criando assim novos

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trabalhos. As rendas feitas à mão, tão ‘populares’, são também apropriadas pelo artista e a elas são colados os mesmos animais. Actualmente é sobre os seus trabalhos anteriores, sobre imagens desses trabalhos, em diversos suportes, sobre recortes que continua a trabalhar, a procurar relações com o que já fez. Trabalha, como diz, sobre as ‘suas referências’. Entretanto, pensa na sua próxima individual em Moçambique e já tem um novo projecto em construção agendado com a Casa África, numa ilha, no arquipélago das Canárias, num outro oceano que não o Índico.1

Artigo publicado em 2010 em Buala, gentilmente cedido pela autora 1

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Songs For Freedom Das proibições às apropriações: Heranças musicais afro-americanas e as conexões dos audazes Griots do Terceiro Milênio´

João Lindolfo Filho

A Diáspora Africana que espalhou o negro pelo mundo para ser explorado na condição de escravo, muito embora carregasse uma inexorável capacidade de destruição de vidas e almas, acabou por disseminar também a cultura, a visão de mundo, forma de contato com o cosmo e a música que constava de sua bagagem. A partir de então, a paisagem cultural de qualquer ponto do planeta jamais seria a mesma, sendo transformada, perpassada pelo crivo da cultura negra que, historicamente,

tem funcionado como elemento de sustentação e de resistência à violência que lhes infligiam os seus algozes. Na contemporaneidade, manifestações de resistência, persistência, lutas e vitórias têm seus pilares profundamente enraizados em aspectos culturais e tornam muito presente uma sensação de pertencimento, que funciona como elemento de sustentação mental, física e espiritual para os artífices envolvidos, os quais têm encontrado nessas culturas, que remetem a uma


África mítica, o substrato para o Venezuela, Colômbia, que foi levado resgate de sua história e virtuosas pelos escravos da África Austral, conquistas. Angola, além do calipso de Trinidad e Tobago, tocado em galões que, Estudos de Lindolfo dão conta de anteriormente, continham óleo que sempre foi, e ainda é, imensa a combustível. E ainda a rumba, o produção cultural e musical dos maxixe, a salsa, o bolero, o blues, o afrodescendentes, inclusive alusiva a samba, assim como as várias fusões. marcantes episódios e seus heroicos protagonistas, como Rosa Parks, O blues, unindo-se à música Luther King, Malcom X, Zumbi dos tradicional Jamaicana, originou o Palmares. reggae. Já o jazz derivado do blues, nascido nos Estados Unidos, oriundo Desta feita, inevitavelmente, as do lamento dos escravos nas colheitas metrópoles presenciam o surgimento de algodão, fundiu-se com o samba, e a solidificação de um traço cultural que, por sua vez, proveio dos toques que, desde a travessia oceânica, vem de candomblé dos terreiros de culto, cada vez mais se amalgamando com das lavouras de cana e café do Brasil, outras culturas, tendendo a originando a bossa nova, que se transformar, a se recriar e se difundir, difundiu pelo mundo, transformando agregando mais e mais entusiastas, sobremaneira a História da música, independentemente da condição principalmente a da Música Popular étnica, de forma que, de forma Brasileira. gradual, considerável parte da produção musical do Ocidente vai Com efeito, os gêneros musicais sendo, inexoravelmente, infuenciada produzidos no Brasil têm logrado pelo crivo das produções musicais de respeito nas metrópoles do mundo. O matrizes africanas. Há muito de samba nascido com conteúdo realista cultura africana na música e de reflexão social fora proibido na contemporânea e, em conformidade década de 1920, criminalizado pelo com o observável, o número de código penal de então. Hoje, se adeptos desses gêneros, sobretudo tornou distintivo de identidade dos afro-originários, não para de nacional e tem sua apoteose em aumentar. forma de enredo, no carnaval de São Paulo e Rio de Janeiro, considerado o São diversas e numerosas as maior espetáculo da terra. O samba produções afro-originárias e, entre as reggae ijexá era a marginal fusão do afro-americanas, destacamos o samba com o reggae jamaicano que candombe do Uruguai, o merengue da teve expressão nos blocos afros Ile República Dominicana, bastante Aie e Olodum e, por meio de popular em Porto Rico, Haiti, Margareth Meneses, artista Lusotopias – revista de geocultura – nº 2 2015

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posteriormente descoberta por David Byrne, o qual pertencia ao grupo inglês Talking Heads, tornou-se axé music.

sua inexorável ânsia por dividendos, imprime a sua capacidade de domesticação de conteúdos visando à maior aceitação pelo público e, consequentemente, a um significativo Atualmente, o axé music se espalha alcance do “produto”. pelos Estados Unidos e pela Europa na voz de Ivete Sangalo, Paula Leite, Assim foi com o samba, que se Daniela Mercury, gênero que tem o tornou pagode, o samba reggae ijexá, seu clímax no carnaval da Bahia. Há que se transformou em axé music, a também o funk carioca que, no início, música caipira que se modificou para descrevia a realidade das sertanejo universitário, o forró, agora comunidades do Rio de Janeiro e forró universitário, o funk carioca, chegou a ser proibido. No entanto, entre outros. sobreviveu sob o sugestivo codinome Entretanto, há o pitoresco caso do de “funk proibidão”, comercializado clandestinamente nas barracas da rap. Na contemporaneidade, os jovens zona sul do Rio, e hoje com seu tom afrodescendentes das metrópoles do satírico, altamente sexualizado e globo têm se agrupado em torno de voltado ao luxo, se tornou um uma cultura vivenciada nas periferias importante gênero da música dessas metrópoles, formando um social que vem brasileira, movimentando muitos movimento capitaneando uma releitura das dividendos. histórias, culturas e do quotidiano dos A música caipira, que outrora fora afrodescendentes no planeta, discriminada, originou a música influindo sobremaneira nos rumos sertaneja universitária, detentora de dessas culturas. um imenso mercado. Embora com Surgiu originariamente negro de menor expressão, há também o forró que se transformou em “forró influencia afro-jamaicana, no início da universitário”, e a música rap, década de 1990 no Bronx, bairro de enquanto uma das formas de Nova Iorque, e se proliferou por este expressão do movimento hip hop, e mundo que se globaliza como que se transformou em um capítulo à expressão da chamada cultura de rua. No decorrer das décadas, adquiriu parte. status de fenômeno urbano mundial Todos esses gêneros musicais e, passando a contar com a simpatia originados no Brasil, após o período de considerável parcela dos jovens, de marginalização e/ou proibição, foi conquistando, nas metrópoles, acabaram por ser abordados pela melhoria de condição social e cultural chamada indústria cultural que, em para os negros. Lusotopias – revista de geocultura – nº 2 2015

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A cultura hip hop, que carrega em seu bojo enorme parcela dos aspectos culturais, políticos e sociais, tem agregado mais e mais jovens de diferentes etnias. Existem afirmações no sentido de que, nos Estados Unidos, quando ele surgiu com conteúdo marcadamente contestatório, logo passou a ser objeto de um dossiê intitulado: “o rap e a segurança nacional”. A partir de então, parece-nos, inicia-se o processo de transformação que conduz o gênero musical a esse momento de enorme ostentação em seu conteúdo, mas ainda assim, atingindo expressiva popularidade e importância no mundo, chegando a figurar como trilha musical em publicidades de produtos como CocaCola e Mac Donald’s e a inspirar renomados estilistas como John Galliano, que, quando estilista da Maison Dior, desfilou modelagens de street wear.

fadados a um destino funesto? E alteraria sua percepção sobre as relações sociais e sua possibilidade de crítica e ação quotidiana? Particularmente, sou inclinado a imaginar que sim. Aliás, pensando como espécie, humanos que somos todos sob o único ecossistema, há que se notar que a herança africana não tem responsabilidade pelo aquecimento global, pelas bombas de efeito moral, pelos canhões, pelas metralhadoras e tanques, pelas armas de destruição em massa. Muito pelo contrário, tem lhe cabido privilégio de tornar o mundo mais colorido, a cantar, a dançar, a se alegrar.

Assim, por paradoxal que pareça, se confirma, a cada dia, a impressão de que aos desumanizados de outrora tem cabido a prerrogativa de humanizar, paulatinamente, a humanidade, por meio da herança africana, para o horror daqueles que Já o rap brasileiro e o rap francês, sofrem de negrofobia. por não se submeterem a muitas Referências bibliográficas concessões, permanecem se configurando em discurso de oposição  CASTRO, Ruy(1990) Chega de da juventude das metrópoles, Saudade- A História e as histórias da capitaneado principalmente por estes Bossa Nova. São Paulo,Companhia das audazes artífices, Griots do Terceiro Letras. Milênio, os rappers, bem como por  LINDOLFO FILHO ,J. (2004) in Tribos Urbanas: Produção Artística e outros expoentes da cultura hip hop. Teria esse gênero musical a capacidade de, na atualidade, apesar de não passar pelos cânones acadêmicos, influenciar positivamente nas trajetórias de alguns jovens

Identidades.Lisboa,ICS  MAFFESOLI, Michel (1987) O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massas. Rio de Janeiro, Ed ForenseUniversitária.

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 PAIS, J. Machado(1993), Culturas juvenis. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda.  ROSE,Tricia(1994), Black Noise: Rap Music and Black Culture in Contemporary América. Londres, , Wesleyan Univ.Press.

 Consultoria de- Cíntia D. Lindolfo, Taís A. D. Lindolfo do grupo- Flôres e Bossa Samba Jazz- e dos  Hip Hoppers: Laurent Magnier, Jean C. Magnier.

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A Lusografia, a Lusofonia e Eu por Eduardo White

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in Seminรกrio sobre a Lusografia realizado em Fevereiro 2008 na Universidade Eduardo Mondlane no Maputo.


O tema Lusografias é, realmente, de muito interesse, mas confesso que são pequenas as minhas balizas sobre as Lusografias, sobre as lusofonias, ou melhor sobre esta coisa de lusos daqui, lusos de lá, para que o abordasse de outra maneira que não esta. Por isso, pergunto: Que geografias terá a minha grafia? As da minha língua? As das línguas da minha língua? Estas são, de repente, as perguntas que me ocorreram quando um amigo propôs-me o desafio de questionar-me, enquanto “poeta”, nesta coisa a que chamam lusografias. Decidi, então, procurar outras perguntas a partir de um Dicionário Universal de Língua Portuguesa. Recomendei-me, antes: Eduardo, não academizes nada, não és um académico. Ok. Vamos lá, por ordem, percorrer o abecedário do vocabulário. Na página 763 do tal dicionário, logo no topo, entre a numeração, duas palavras constituíam os dois lados do portal. À esquerda, gramaticologia que é o mesmo que dizer “o estudo científico da gramática.

Do lado direito, granitificar que é o mesmo que ler “ transformar ou transformar-se em granito “. Logo pensei:. A falta de chão à esquerda levar-me-á, por certo, a empedrar-me à direita. Porém, aquietei-me. Decidi: Eu vou mas é percorrer tudo isto como percorro a escrita quando escrevo. E, assim, encontrada a palavra grafia, descobri-lhe, igualmente, o primeiro recuo. Grafia estava na página anterior. A 762. Muito bem. Vamos procurarlhe a gema. E o que encontro no nutritivo amarelo da grafia, antes de qualquer outro significado, é isto: modo de escrever. Respirei fundo. Limpei-me dos medos. Retomo à palavra lusografia. Reparo que necessito de procurar definir, para melhor entender, a expressão luso. Soletro: g, h, I, j, l. Eis o l, na página 762. Do lado direito da numeração a palavra lupinotoxia, ou o mesmo que alcalóide venenoso dos tremoços. Deduzo, bem moçambicanamente, a envenenada anedota. Tremoços, Eusébio, Portugal. Estou perto. Leio, depois, no lado esquerdo luto: sentimento de pesar pela morte de alguém, mágoa, tristeza. Viajo, pela


memória, no traje preto da varina da minha avó portuguesa. As suas amigas todas de preto na Madragoa. Oiço-lhe o fado. É aqui que paro. Digo-me. Dedo coçando o papel, encontro mesmo a palavra Luso, que será dizer lusitano, português, lusíada. Portanto, lusografia significa modo de escrever lusitano, português. Mas, porque carga de água pede-me o Cezerilo que eu escreva qualquer coisa sobre o modo de escrever português? Sobre o assunto, escrevem certamente melhor, os portugueses. Deixa-me perguntarlhe. Agarro na minúscula tecnologia da mal encarada emecel e disco-lhe o contacto. Alo? Cezerilo? Não entendo bem. Afinal, o que me estás a pedir é que escreva sobre o modo de escrever português. Não caberá, mais abalizadamente, um escritor português escrever sobre o tema? Não, mano Dino, diz-me ele, eu pedi que escrevesses sobre as lusografias. Bom, volto a pensar sobre o assunto. Não vá isto ser susceptível de ser uma visão xenófoba. Ponho a questão noutros termos. Assim: Lusografia, modo de escrever o português. E, nisto, logo se me põe outra cogitação. É

que esta expressão, modo de escrever o português transportame a uma visão oliveirista mas não salazarista. Quero dizer, remete-me àqueles conteúdos dos filmes do Manoel Oliveira, ou seja, a essa visão do ser português. Bonacheirão afável e o humilde triste. Então, que tem isto a ver com este espaço onde me pedem para que disserte sobre Lusografia? Chamo pela Augusta, que é a minha companheira, e peço-lhe: Augusta, ajuda-me lá a ordenar as ideias. Estou encalhado à volta do assunto das lusografias. E ponholhe as palavras sobre o papel: 1. Luso. 2 grafia + tudo junto = Lusografia. Agora traduzamos para a nossa língua portuguesa a palavra. Muito bem 1. modo de escrever português. Faz-te sentido? A minha augusta Augusta sentencia. Modo de escrever português significa a maneira como escrevem os portugueses. Santa minha Augusta, exclamo, é também assim que o pensei. E se te puser a frase de outra maneira. Desta: modo de escrever o português. Diz-me ela. A maneira como se escreve o modo de ser português. Iluminada mulher, a minha, que esclarece os meus

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escuros. Penso, enquanto agradeço correctamente em língua portuguesa a Augusta. Mas, assim mesmo, me lembro de outro assunto: Minha mãe, portuguesa distinta da Madragoa, a chamar-me a atenção para os bons modos quando peço e recebo a sua ajuda. Diz-me ela: Agradece sempre o que recebes. E é nisto que me vem a fotografia do meu modo de escrever o português e que é o retracto escrito de minha mãe. Educada, sensível e terna. Mas, também, é este o meu modo de escrever em português: educado, sensível e terno. Então, se são todos estes modos, modos de escrever e até de entender, como entenderei o facto de em nenhum dicionário de português por mim pesquisado não vir referenciada a palavra lusografia? Ou será mais uma nova expressão da nossa sempre inventiva língua portuguesa? E estará assim a minha língua a lusitanizar-me? Eu moçambicano a falar-me com a minha realidade sociolinguística? E se me chamam, após tudo isso, de lusófobo? Não o podem, até porque o meu saudoso amigo Professor Manuel Ferreira lembrava-nos já que as modificações que a língua

vem sofrendo nestes múltiplos espaços, criando situações de diglossia, vai, por simpatia, explodir nas línguas escritas, nomeadamente no texto texto literário. Daí que as literaturas destes países acusem, claramente, as interferências de outras línguas que não a portuguesa e a incorporação de novas aquisições lexicais provenientes dos novos espaços humanos, geográficos e sociais, e deste modo se organizam. As cartas de amor do meu meu pai, que é de Angónia, lá para o norte de Moçambique, deveriam ser um belo testemunho disso. Sempre escreveu como tetense o gordo murchem no caril e amou a minha mãe com os mais belos versos chuabenses. Tudo em Língua Portuguesa doutras crioulas grafias. Está pressuposto aqui que a grafia da Língua Portuguesa no meu caso, amoçambicanizou-se. Afinal, uma língua também se escreve como se a fala. Porém este facto é uma fatalidade que recai sobre uma língua desde que no quotidiano seja confrontada por outras Línguas que circulam com intensidade no mesmo contexto. Aqui, com estes pontos de vista, começo a tocar na questão da identidade, quero dizer, na

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moçambicanidade impercebível da minha língua que tem de entre outras identidades também e não somente a lusitanidade. Desconsigo-me na cabeça. É que toda a vida pensei que a minha moçambicanidade tinha por língua a minha moçambicanidade, quero dizer o meu moçambiquês e a minha moçambigrafia que é também donde eu entendo, vejo e respeito o lado da lusitanidade da minha língua. Mais claro, onde eu Eduardo White, moçambicano, me vejo a olhar a minha mãe, Maria Helena, portuguesa. Seja, na mesma língua com modos diferentes. Só para melhorar a ideia, a minha mãe portuguesa respeita com a lusitanidade com que está na sua língua a moçambicanidade com que a oiço na minha. O facto é tão somente este, falamos eu e a minha mãe a mesma língua com duas identidades diferentes. E como escrevemos a língua em que falamos, de que modo escreve a minha mãe português?

Reparo, assim, que a Augusta me responde em Língua Portuguesa com a sua Língua Portuguesa. Interessante isto! A Augusta a responder-me com a sua Língua que é a minha e que só é a mesma na identidade que nos cobre, a nossa moçambicanidade, mas completamente distinta no modo diferente das nossas origens. As terras onde nascemos. Mas isto no português é uma confusão. Perdão, não é isto o que queria dizer. O que quero dizer é, isto na Língua Portuguesa é uma confusão. Incrível como quer dizer tantas coisas a minha Língua. E querendo dizer muitas coisas, diz, por certo, muita gente. E eis que se me torna claro que há muitos povos diferentes a falar diferente a mesma Língua. Há várias normas e, logicamente, umas tantas Variantes. Não tenho dúvidas.

Ou por outra, de que modo escrevo eu português? Como é que respondo a esta baralhada toda na língua portuguesa?

A Língua Portuguesa é o património colectivo de cada um dos povos que a fala, ou não tivesse ela nascido no universo de cada um desses povos.

Chamo de novo pela Augusta. Augusta, responde-me lá tu a estas perguntas, mas em português, peço-lhe.

Uma Língua falada é uma Língua que está permanentemente a nascer porque se não o faz no

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seu processo de ser Língua, gente, cultura, ideia, civilização, ela morre. Como é evidente, falo isto do modo que penso, muito moçambicanamente na minha Língua, com a minha língua e sobre a minha língua. Porque a língua tem sempre a identidade de quem a fala mesmo não sendo ela a sua língua. No entanto esta realidade, da Língua Portuguesa, tem simultaneamente o valor de verdade e o valor de falsidade. Quero dizer, é uma realidade que é e não é. A Língua Portuguesa é nossa, e não é nossa, e não é só nossa, porque sendo ela propriedade dos povos que a falam, é também ela fruto do que ganha com as outras línguas que também falam e são as desses povos. Em suma, a Língua Portuguesa é o que é nas diferentes maneiras de a pensarmos, de a escrevermos e de a sermos. Angolanos, Brasileiros, Caboverdianos, Guineenses, Moçambicanos, Portugueses, São Tomenses e quase ainda Timorenses. Mas retomo de novo, e se mo permitem, a lembrança do Professor Manuel Ferreira muito a propósito dos cinco: Os cinco partiram do princípio de que a

língua é um facto cultural e os factos culturais começam por pertencer a quem os produz é certo mas a partir daí deixam de ter dono. São de quem os quiser ou tiver necessidade de utilizar. Reapropriaram-se da Língua Portuguesa como se deles fosse. Assumiram-na com toda a dignidade e naturalidade e agora reintroduzem-na por todo o seu espaço nacional, dando-lhe um estatuto nobre ao tempo que a vão interiorizando, tornando-a totalmente sua. Tão sua que a modificam, a alteram, a adaptam ao universo nacional ou regional e a transformam no plano da oralidade e no plano da escrita. E aqui, gostaria de fazer um aparte. O já meu celebérrimo Dicionário Universal de Língua Portuguesa, na página 101, vem como significado de anglófono o que se diz do indivíduo ou do povo que se exprime em inglês. Sem dúvida mas com curiosidade perguntei a um amigo Sul-Africano se existia na sua língua a expressão anglófono. Ele respondeu-me negativamente Pego então no dicionário de Português – Inglês da Porto Editora e constato que a palavra

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não existe mesmo. Mas e existiria então tradução para lusófono? E a que encontrei foi esta: Portuguese; Portuguese speaking. Estranha e também curiosa a pobreza desta tradução. Mas bom, é uma questão que levanto porque não poucas vezes me confunde muito essa coisa de povos lusófonos com as suas lusofonias e as suas lusografias. Complica-me um pouco a cabeça que ainda falem de nós como povos lusófonos. E porquê esta carga toda de desidentidade? Porque falamos a Língua Portuguesa? É certo que não podemos fugir ao facto de que a Língua que todos falamos é a Língua Portuguesa que também é a dos povos lusófonos. Do Norte a Sul de Portugal. Mas não podemos correr o risco de que ao contextualizarmos essa realidade, desatribuamos com uma só identidade todas as outras identidades que é, por natureza, a Língua Portuguesa. Mas como na Língua Portuguesa também é comum a susceptibilidade, advirto já que não pretendo que sintam neste meu discurso, mais do que não seja apenas o querer levantar assuntos que não me são muito claros e que aspiro ver, em parte, aqui aclarados.

Até porque, esta questão desta só identidade da Língua Portuguesa, tem sido quase que uma desajuda nos debates sobre as identidades dos povos africanos que falam esta língua. É que nenhum deles quer voltar a ser luso. Pelas razões que são bastamente conhecidas. A História e as identidades dos nossos povos se cruzaram há muitos anos, porém, há menos anos ainda se reescrevem em Língua Portuguesa. É preciso muito tacto quando as designamos e mais ainda quando as definimos. Não vá acontecer estarmos a cobrar, involuntariamente, aquilo que devemos. Este conceito das lusografias, no contexto dos povos lusófonos e da sua lusofonia deixa-me um pouco com o pé atrás quando tento perceber as suas motivações e finalidades. E porquê? Porque mexe com as identidades de cada um dos povos que se vêem, deste modo, injustamente inseridos nesse quadro que respeito e que é o da lusitanidade. Onde fica nesta designação a pluridentidade da Língua Portuguesa escrita e falada? Este é um facto, não podemos contorná-lo, muito embora possa ser um ponto de vista discutível

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como creio que é e como eu gosto de tornar as coisas quando não as percebo muito bem. Portanto, para terminar a confusão que é tudo isto na minha cabeça, peço-vos desculpas se este texto não faz absolutamente nenhum sentido aqui. Mas creio que concordarão que terá sentido

que um cidadão falando e escrevendo da cidadania que lhe confere a sua Língua, a permita retractar nas inúmeras fotografias da prolixidade que acaba por ser a realidade da mesma.

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A mestiçagem e a modernidade brasileira no Museu Afro Entrevista a Saulo Di Tarso Begliomioni de Araújo3

Entrevista concedida a Gwenola David e Danielle Scharmn no Museu Afro-Brasil, Parque do Ibirapuera, são Paulo, 2005 3


1 – A ideia da Mestiçagem brasileira: quais são os pensadores que formaram o conceito? Qual o impacto do modernismo? Imaginemos a fundação de um país que, inicialmente, se dá pela aproximação de dois continentes: a Europa das navegações e a América dos povos indígenas, pleiteada por povos europeus dominates. Encontravam-se, aqu, os Índios inseridos no ambiente fantástico de uma natureza que conserva feições pré-históricas. Neste cenário começa a mistura de dois mundos que possuem feições culturais completamente diferentes. Pouco depois, chegam os africanos, escravizados, trazendo em si próprios, a tradição oral, as culturas de África, por volta do século XVI. Os componentes da mestiçagem estão colocados ao convívio de toda a sorte de conflitos e aproximações biopsicosociais. Portanto, se partimos de uma afirmação de que existem autores desta “cultura de mestiçagem”, falharemos, pois os milhões de pensadores desta cultura foram e são na verdade, os personagens anónimos do Brasil do descobrimento. Diria então, que os primeiros nomes desta cultura são os habitantes de Europa, América e África, agregados na sua nova morada dos trópicos. Depois, há uma situação no desenvolvimento histórico brasileiro através do qual surgirá um novo modo de percepção que opera a sociedade que será

característica deste homem miscigenado que surge nos trópicos. O cotidiano brasileiro é único desde o início. Do ponto de vista cultural é movido pelo paralelo de convivência de sons, imagens, corpos, idiomas e atitudes, cada qual de imposição ou defesa contra a escravidão e destruição das culturas originárias de cada indivíduo. A fuga é praticada como busca da liberdade, no caso dos africanos e índios, que escapam ao domínio dos colonizadores. Ao mesmo tempo surgirá aquele homem europeu que vem para cá e, por variados motivos, acaba rompendo com o seu papel de colonizador: este ato é, em si, uma prática de autofagia, de negação da cultura de origem, no caso européia. Há uma libertação dos dogmas pré-estabelecidos. Este europeu insatisfeito está no “novo mundo” e começa a encontrar novos paradigmas para a sua existência. Seus pares serão encontrados entre indígenas e africanos, que, por sua vez, assimilavam acultura européia pela via da negação. O tempo das relações constitui, deste modo, um diálogo de reminiscências culturais, pois o europeu e o africano estão deslocados do seu contexto geográfico e serão, portanto, arrastados pelo índio que até então vivia livre em seu território. A nova geografia modifica o velho homem europeu que busca a exploração do novo, ele descobre a possibilidade de uma nova existência a qual irá se impor através da natureza dos fatos, também, na vida cotidiana dos índios e africanos. Ao mesmo


tempo, nenhum eles poderá apagar as suas raízes culturais e isto fará com que a presença de um relativize a experiencia interior do outro. Os corpos e as visões se entrelaçam, forjam – pela necessidade de sobrevivência – o mesmo chão e o mesmo horizonte do território brasileiro. Por outro lado, o conflito se intensifica, os colonizadores potencializaram as regras na medida em que este diálogo da convivência se acentua: os expropriadores da terra aumentam o controlo e a castração da liberdade. Portanto é necessário construir caminhos de transcendência das regras. Mas ocorre que quando este indivíduo ultrapassa o limite das regras ele não é mais o mesmo homem que era quando iniciou a travessia. A preservação da sua identidade implicará uma averiguação da sua vida interior. Resulta desta busca, a percepção de que culturas permearam-se, não um português a outro português, por exemplo, mas de um africano que passa pelo universo do índio e do europeu, depois de um europeu que passa pelo processo de africanos e índios e, finalmente, dos índios que perpassam a ação de europeus e africanos no Brasil. Estamos falando de sobreviventes de uma viagem, conflitiva ou não, por dentro do universo do outro. A estes

homens miscigenados coube sobreviver ao desgaste de suas mitologias pessoais que só se viria a se reorganizar após uma descoberta de sua própria identidade a qual resulta do “ser do ser” o ou ser em si mesmo feito das próprias reminiscências do outro. Não foi apenas uma devoração mútua de carnes, do espaço ou da cultura mas, uma miscigenação de significados e mitos que estavam engendrados no ser do outro. Esta é a mesma hipótese que traçaremos para o processo de formação da arte brasileira na qual se insere o sentido de mestiçagem da arte. Na questão da autoria falaremos do poeta Oswald de Andrade que, nesta caso, compreendido como autor de cultura de mestiçagem é, na verdade um célebre, entre tantos anónimos, que em seu passado o habilita a expressar-se através da epistemologia do homem brasileiro, na qual, o caracter antropófago é um dado originário. Outras figuras chave para a compreensão do contexto social da arte brasileira no sentido da mestiçagem são Mário de Andrade, Di Cavalcanti e VillaLobos, que foi um nacionalista nada ortodoxo. E se quisermos considerar apenas a Semana de Arte Moderna de 22 onde figuram estes quatro grandes artistas brasileiros, excluiremos a ação dos artistas que atuaram no Rio de Janeiro do século XIX, já praticando actos embrionários desta cultura antropófaga e “global”.

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2- Como é que a visão histórica do Brasil influenciou as pesquisas históricas na europa, sobretudo no caminho traçado por Roger Bastide? A visão histórica do Brasil, como vemos, é composta por uma matriz mestiça e, ao mesmo tempo por um entorno de liberdade e de luta pela liberdade o que acaba gerando a modificação não só dos brasileiros circunstancialmente, mas de todos aqueles que têm contado com a expressão desta cultura. É o caso dos intelectuais franceses que possuem relação com o Brasil. A primeira incursão significativa neste sentido é a Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” de J. B. Debret. Uma coisa que pouco se pensa sobre este livro é o quanto, na verdade, a leitura do Brasil feita por Debret pode ter provocado diversas inquietações no pensamento dos seus contemporâneos europeus. Não estamos avaliando o tópico da colonização de um pensar sobre o outro. Mas existe uma sobreposição histórica que ofusca a autonomia dos pensadores e artistas brasileiros, de um modo geral. Esta relação precisa ser revista, e poderemos eleger um caminho para pensar esta abordagem começando, entre outros, por Debret, Claude LéviStrauss, Pierre Verger e, naturalmente, Roger Bastide, lembrando de alcançar a intelectualidade francesa até aos dias de hoje, onde uma possível tessitura poderia se dar com a obra de Edgar Morin, por

exemplo. Todos estes pensadores impingiram e impigem modificações no ambiente cultural brasileiro, tanto quanto o ambiente do Brasil lhes impinge modificações internas de caráter intelectual sensível. No caso de Reger Bastide destacaria um pequeno exemplo destas modificações, extraídas do seu livro intitulado O sonho, o transe e a loucura.4 Na introdução observamos uma mudança significativa do seu pensamento que se refere ao “pensar perspéctico”. Bastide fala da “Sociologia sonho” e é curioso observar esta mudança na sua percepção: “tentava estudar o

pensamento onírico dentro duma perspectiva sincônica, como um reflexo dos grupos sociais (bons alunos, maus alunos) ou das classes sociais (classe baixa ou classe média), procurando desprender “estruturas” sociológicas de tal pensamento” Bastide contínua, afirmando o seguinte: “diversas razões me impulsionaram, tempos depois a substitui a perspectiva sincrônica (e estrutural) por outra mais dinâmica (ou em todo o caso diacrônica). Esta mudança se iniciou quando me encontrava no Brasil. A guerra, ao manter-me separado da França, fez com que os meus sonhos se tingissem com uma coloração nova. Enquanto que a minha existência diurna era absorvida pelo trabalho, à noite eu me apartava do Brasil, fazendo surgir do fundo da minha memória isso que denominei então “a França nocturna”: meus pais – vivos ou mortos -, meus 4

Bastide, Roger (1972). Le Rêve, la transe et la folie “,Paris, Éditions Le Seuil.

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antigos professores, meus excondiscípulos – vivos ou mortosmeus colegas, alguma amizade ganha em época de férias e, por fim, a paisagem de Cevennes ou de certos cantinhos de paris… Claro que com o meu regresso toda a França nocturna desapareceu e em troca se iniciou uma nova “fábula” à qual introduzi, incorporando-as o entorno de imagens oníricas, as filhas dos deuses brasileiros, redescobertas entre os mistérios de aposentos fechados, em um povoado cevenês. Assim cheguei a notar que a dinâmica dos meus sonhos impunha uma constante intercomunicação entre o nocturno e o diurno, de acordo com processos que tanto podiam ser de compensação (no Brasil) como de complementaridade (ao regressar a França, onde algumas das ideias que eu sustentaria nas minhas teses surgiam inicialmente na forma de intuições no tempo de minha participação nos segredos das sacerdotisas em transe desde uma referência perdida de minhas Cevennes.”

Assim notamos que se a estrutura de um intelectual como Bastide pôde ser fértil para o Brasil, a sociedade brasileira também pôde ser fértil para o desenvolvimento da sua vida intelectual. Esta relação pode ser pensada como um conceito de simbiose intelectual que muito poderá contribuir na visão de cooperação entre culturas. Aliás, em 1895, no livro intitulado O mundo no final do século XX, Claude Sylvane afirmou que o Brasil seria o país onde a Europa, no futuro, iria experimentar todas a grandes ideias.

3- Nas notas que tomamos durante a visita ao museu AfroBrasil, você acentuou que o Brasil é uma invenção do ocidente. Um tributo à evolução da cultura ocidental: O que nos pode dizer sobre isto? Entendo o Brasil como invenção do Ocidente na mesma medida que muitas estruturas do conhecimento e da identidade do europeu foram introduzidas aqui desde o tempo do Descobrimento. Os modelos europeus de colonização do Brasil deixaram marcas profundas na sociedade brasileira, assim desmoronaram e sofreram grandes modificações geradas pela resistência à escravidão. E, ainda, muitos costumes, especialmente de Portugal, Holanda e França permanecerem vivos aqui. Por outro lado o conceito de tempo linear, por exemplo, é impraticável na cultura brasileira. Ele só existe ao lado de outras formas de manifestação do tempo, como tempo existêncial, perceptivo, interior, circular, sensível. É o tempo como deslocamento e não como medida exata do deslocamento da existência humana. Façamos uma junção, então, do tempo linear e destes outros tipos de tempo. Chamamos esta junção, então, de tempo linear e destes outros tipos de tempo. Chamemos a esta junção translinearidade temporal: este é um carácter possível para a definição do tempo brasileiro e a cultura brasileira tende a operar em face

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dela própria e do mundo ocidental. Um autor brasileiro que expressa de modo bastante poética a esta elaboração de tempo é Raduam Nassar em seu livro Lavoura Arcaica5, que dê o nome também ao filme dirigido por Luís Fernando de Carvalho em 2001. O Brasil, como devolutiva de evolução da cultura ocidental surge, também, numa outra medida que não só a da marca deixada pela escravidão. Formouse aqui, um lugar de grande liberdade de ação corporal e existencial que atinge a esfera do Conhecimento e a maneira que temos de lidar com os desafios da inteligência humana. Não é apenas a noção de tempo que modifica, é também a noção de hierarquia. Debret, por exemplo, na introdução de Viagem Pitoresca ao Brasil diz o seguinte: “(…) lembro, antes de

tudo ao mundo intelectual que o Império do Brasil deve ao Instituto de França sua Academia de Belas Artes do rio de Janeiro. Nada mais justo do que esta homenagem: ao bem-feitor o primeiro fruto do benefício”.

Na observação de Debret, a imposição hierárquica é clara. Obviamente, neste caso, Debret não demonstra o espírito de abertura que sentimos em Bastide sobre a importância do Brasil na sua Sociologia do Sonho.

5

Editado em 1975

A contraposição dos méritos do bem-feitor surge, em seguida, quando as últimas gerações da Academia Imperial de Belas-Artes do Rio de Janeiro no século XIX já demonstraram a sua autonomia estética. Esta geração irá contradizer o modelo dogmático e positivista das Belas-Artes na Europa. Neste momento as atenções estão focadas em paris. Exemplos desta postura são Pedro Américo, Victor Meireles de Lima e António Parreiras, aprendiz de ambos.

Nesta época, Pedro Américo defender uma tese intitulada “A Ciência e os sistemas” na Universidade Livre de Bruxelas, na qual irá contestar a ideologia Positivismo. Victor Meireles constrói na sua pintura uma

poética singular, enunciando o domínio efectivo da luminosidade dos trópicos, pensando através disto o que chama de “tecnologias da pintura”. António Parreiras em suas passagens pela Europa, incomoda-se com as transformações da pintura impressionista que, segundo sua

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observação irá manifestar deformidades implícitas Guerra.

as da

Todos eles voltaram-se ao que Bahia, Amazônia e Barroco Mineiro continham desde os séculos anteriores como fenómenos iniciais da arte brasileira. Parreiras desenvolve uma metáfora colocando as figuras de Giotto e aleijadinho, respectivamente, como abridores de caminho, dois inventores, um para os primórdios da arte italiana, outro para a arte brasileira. Em Aleijadinho já está presente a influência africana na arte brasileira. A África estará aliás presente na obra “Olympia” de Mannet, outro importante artista que passará pelo Brasil – esteve no Rio de Janeiro em 1949, aos 17 anos de idade. Tempos depois, ele diria a Ambroise Vollard, o seguinte: “aprendi muito durante a minha viagem ao Brasil. Quantas noites passei olhando na esteira do navio os jogos de luz! Durante o dia, na parte superior, eu não tirava os olhos da linha do horizonte. Eis o que me revelou a maneira de traçar um céu”.

Estas aproximações que faço só cabem para enunciar diferenças entre o ontem e hoje. Mas ainda, no sentido do “retorno” ao mundo ocidental, precisamos de compreender o quanto o Brasil é

um país que modificou cada modelo autoritário dos ideais de colonização, desenvolvendo, forçosamente, novos modelos de inteligência. Houve escravidão? Sim. Mas houve também a construção de um ambiente de liberdade para o homem europeu que veio para cá segregado em busca de libertação, do Cartesianismo, do Positivismo, das Guerras e dos dogmatismos. No caso europeu, ainda, precisamos de considerar aqueles que vieram cá por insatisfação com o modo de vida em sues países de origem porque tudo isso gera, necessariamente, o olhar sobre questões originárias da existência humana, como tradição e liberdade, fundadas em poesia, filosofia, e amor. O Brasil é um “rendu” ao mundo ocidental, também, pelo fato de possibilitar a humanidade que ele visualize, a um só tempo na história moderna, o fenómeno das culturas que sobrevivem, em cinco séculos, ao choque de civilizações, que ao invés de gerar somente destruição recíproca, acabou por construir mutuamente, um país mestiço. Há outro fenómeno como este na história da humanidade? Pelo sim, pelo não, a arte brasileira é um bom termómetro para avaliarmos estas observações assim como o dialogo cultural que existe entre o Brasil e a França.

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4- Como e porque no Brasil é mais familiar o pensamento complexo, tal como definiu Edgar Morin, do que para os europeus? Bem, o Brasil é um país que na sua formação nacional contraria, por princípio, regras fundamentais do cartesianismo. No Brasil, do ponto de vista relativo, ordens sempre geram desordens e desordens sempre gerou ordem ou transcendência da mobilidade social. Vamos fazer uma anedota: A Navegação no tempo do Descobrimento, por exemplo, utiliza, em conjunto, o modelo tradicional da perspectiva que unido ao conhecimento astronómico, possibilitou o deslocamento preciso das embarcações. Mas em função de um acidente, pedro Alvares Cabral, ao invés de parar nas Índias, chega ao Brasil. Enfim o que quero demonstrar é que o Brasil não é um país de negação total do cartesianismo e nem um país formado pela apropriação de um modelo, que para ilustrar o assunto, poderíamos chamar de “metodologias do acaso”. Descartes, no início do segundo capítulo de “O discurso do Método”, diz o seguinte: “(…) não há tanta perfeição nas obras compostas de muitos trabalhos e feitas pelas mãos de diversos autores como naquelas em que somente um trabalhou.”

Vamos aplicar esta sua regra do método a um país fecundado por

várias culturas diferentes. São poucos os países do mundo que não possuem uma colônia no Brasil. Nossa tradição compõe-se de uma infinidade de etnia. Esta gente toda se alimenta desta terra e alimenta os seus costumes. Todos esses povos, quando imigraram, trazem para cá seus costumes e tradições que acabam sendo incorporadas na sociedade brasileira. A expansão cíclica desta convivência multinacional seria extraordinária se não fossem os problemas de estrutura governamental e social que, do ponto de vista oficial ainda gera grandes áreas de proibição cultural e material, ou seja, toda essa riqueza do conhecimento humano contrasta diretamente com pobreza e ignorância. E ocorre que estruturas variadas do conhecimento se confrontam no brasil o tempo todo. Por exemplo, a cultura popular e as universidades, governo e sociedade civil, o contraste que em tudo nos separa também é, em última análise o que nos une. A epistemologia social brasileira é uma epistemologia de religião. A arte brasileira expressa muito bem estas relações. Quando a intelectualidade europeia descobriu o poder estético da arte africana e a inseriu na corrente cultural das vanguardas do século XX não houve, na crítica mundial, quem se voltasse para uma questão muito significativa: que a áfrica já existia no Brasil e em outros países da América como matriz

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estética há quase quatrocentos anos. A arte brasileira produz fenómenos que contém implícitos conceitos como ordem da desordem e a desordem da ordem, rigor da liberdade e liberdade do rigor. O chorinho é um destes exemplos, a música de Villa-Lobos e Cláudio Santoro, outros. São muitos exemplos a mencionar, mas alguns, como a movimentação que houve na Bahia, nos anos 60, gerando um ambiente de muitas experimentações que logo levaria o Brasil a eclosão do Tropicalismo, ou antes a arte concreta brasileira, que antecipava questões cruciais da cultura de massa. É essa a geração que vai unir Bastide, Verger, Morin, Koellreutter, Lina Bo Bardi, Jorge Amado, Dorival Caymmi e daí surgem, logo após, Glauber rocha, Tom Zé, Caetano Veloso e o próprio Emanoel Araújo. Repare que o MASP, a escola de música da Universidade Federal da Bahia, aliás, de onde surge o geógrafo Milton Santos, enfim toda uma geração, ao mesmo tempo, pode ser considerada, amazónica, internacional, intercontinental, afro-baiana. São artistas e intelectuais que não se tornaram globais apenas por uma inserção nos meios de comunicação de massa. É um grupo que viveu a própria diversidade em sua convivência. Na questão do sonho, do transe e da loucura há um artista brasileiro desta mesma geração cuja obra dialoga muito com as visões de Bastide:

Mário

Gruber,

que,

aliás,

trabalhou com Portinari em França. Ele é um dos poucos pintores brasileiros que passam frontalmente por esta temática. A arte africana não é só uma influência na arte do Brasil. Ela é uma inerência. Mas quando falo de Edgar Morin, a quem admiro, é pelo fato de existir no Brasil, por princípio, o ambiente de sociedade complexa formada na sua origem, isto, aliás, fez dos brasileiros homens de natureza complexa, sob vários pontos de vista, seja na cultura material ou imaterial. O rigor e a soltura são características que a matriz africana e a matriz européia acentuaram na realidade brasileira, assim como a transcendência mútua. A cultura indígena também está presente no tecido de todo esse diálogo. Isto foi pressentido e estudado pela intelectualidade francesa no Brasil. Não posso também deixar de contrapor o próprio Morin a Descartes: “O pensamento complexo tenta religar o que o pensamento disciplinar e compartimentado disjuntou e

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parcelarizou. Ele realiza não apenas os domínios separados do conhecimento, como também – dialogicamente – conceitos antagónicos como ordem e desordem, a lógica e a transgressão da lógica.” Esta visão é muito

mais compatível com a origem da sociedade brasileira do que a apresentada por Descartes, como vimos anteriormente. Sendo assim, acrescento a visão do Brasil como lugar de uma cultura nova e pouca conhecida que fascina pela integração da cultura dos continentes, e choca pela desintegração social, sendo ao mesmo tempo, um lugar onde se pode encontrar a “civilização da civilização”, culturas desintegradas, reintegradas e renascidas, em pouco mais de cinco séculos de conflitos e solidariedade co-existindo na formação dum país. O que quero dizer, no fundo é que a compreensão do pensamento complexo se dá de maneira mais imediata no Brasil, pelo fato de que o brasileiro vivencia a complexidade no seu cotidiano, diferente talvez do europeu que possa sentir o pensamento complexo, inicialmente como uma cristalização linear da filosofia contemporânea pósestruturalista. 5 – Porque é que o Brasil é frequentemente escondido na

historiografia da arte moderna e contemporânea? Há inúmeros pontos de vista para esta questão. Neste campo alguns problemas são internos e outros são alheios ao território estrito de brasil. Se pensarmos a história da arte na sua grande tradição, ou seja, na referência dos historiadores europeus e por agora norteamericanos, quase nada é falado sobre arte brasileira. Vamos considerar que alguma importância somente será dada para a arte brasileira a partir do Modernismo, ou dos historiadores modernistas. German Bazin, por exemplo irá falar do Barroco brasileiro. Evidentemente temos historiadores e críticos de arte no Brasil que são significativos, mas não se vê um grande interesse da cultura mundial por estes autores. De modo geral podemos imaginar que nos quatro primeiros séculos de existência do Brasil, o observatório internacional não acreditou que aqui se elaborasse arte importante. No século XIX se esboça uma reacção, como já falamos, e no século XX, alguns artistas brasileiros como Portinari e Villa-Lobos tornaram-se conhecidos. A competição do mercado de arte mundial

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também influencia. A história do século XX no que se refere à América está mais voltada para países que tiveram ligações importantes com as guerras mundiais e a guerra fria. Um bom exemplo, neste caso é o Muralismo Mexicano. Mas o Brasil mesmo não figurando na literatura mais conhecida da História de Arte, jamais deixou

de ter uma arte significativa. Outra influência é o elo mais forte do Brasil com a Europa, Portugal, que é um país que não adentrou nos últimos dois séculos a grande cena mundial da arte a não ser em casos específicos da literatura. Por outro lado não se pode deixar de dizer que a música brasileira é muito difundida pelo planeta e a cultura brasileira de um modo geral também é. O problema é que nem toda a imprensa que noticia o Brasil contemporâneo está realmente familiarizada com o país que, por conta deste desconhecimento praticado pela mídia mundial, frequentemente, acaba retaliado na história e na sua imagem. Os episódios com relação à política brasileira e a Amazônia exemplificam isso. Outra questão é a disputa das elites brasileiras que não

demonstra grande interesse pela difusão da imagem real da cultura brasileira na sua grande extensão de sua diversidade. No que diz respeito às artes visuais contemporâneas um outro problema está nos estigmas do mercado que uma certa linhagem de novos marchands e curadores produz. E se o Modernismo brasileiro teve a importante função de ligar a arte brasileira ao panorama mundial, na contemporaneidade estes caminhos estão por se refazer pois não houve, em função da ditadura militar, espaço real para o diálogo e a integração de gerações de artistas brasileiros que continuariam pela natureza dos fatos, a constituição da participação brasileira na cena artística internacional.

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6- Qual é a influência da estética africana na arte moderna e contemporânea? Este é um assunto muito amplo. A arte africana possui, sem dúvida, uma grande influência sobre a arte moderna e contemporânea. No caso da arte europeia, mais do que uma influência, ela age como um lugar de encontro e refúgio entre o olhar de artistas europeus e africanos, ainda que estes últimos sejam anónimos. Picasso, Matisse, Max Ernest, vão encontrar lugar para os seus anseios criativos na arte africana. O Cubismo, por exemplo, pensado como tradução simbólica da transição definitiva entre naturalismos e urbanidade, extrai da arte africana uma leitura que possibilita a estruturação transfigurativa da realidade. Outra renovação provocada pela influência da arte africana na arte moderna é a relação com a ideia de plano. Max Ernest é um exemplo constituindo uma estrutura simbólica que alude à figura humana de um modo extremamente simplificado,

geometrizado, tal com a arte africana. Já no Modernismo brasileiro, a estética africana não surge como lugar de encontro, apenas, ele é inevitável, pois África existia como matriz estética da sociedade brasileira. Daí a grande importância de Mário de Andrade e sua obra Macunaíma, também o seu grande esforço em aglutinar a cultura brasileira de modo inter-relacional. Para a compreensão do Modernismo brasileiro é necessário ir além da história da “Semana de Arte Moderna de 22”. Aliás o prisma é real: A Amzônia estava presente na música de Villa-Lobos, uma literatura trans-substancial está em Macunaíma, o sentido de transcendência das hiraraquias está na obra de Oswald de Andrade. A beleza original está na obra de Vicente do Rego Monteiro. A pluralidade dos movimentos inter-raciais está na obra de Di Cavalcanti, enfim, a arte africana e sua influência no caminho que segue do modernismo à contemporaneidade representam também, a imagem da busca pela liberdade dos negros após a Diáspora e o fim da escravidão. Se a cultura africana não tivesse provocado esta visão criativa, possivelmente, a arte do século XX teria sido extremamente

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monótona e monopolizada pelas imagens da Guerra. O que seria da arte contemporânea sem o Jaz, a Bossa nova, a guinada radical dos ritmos de percussão na música em geral? O que seria da arte contemporânea sem o sentimento de improviso? Cubismo na europa, Jazz nos Estados Unidos, Canção no Brasil, Hip-Hop no mundo? Mas a maior influência que a arte africana causou na arte moderna e contemporânea aparece no conceito de interactividade, e o próprio sentido da diversidade que vivemos hoje. Deixe-me divagar um pouco neste sentido contrapondo Debussy e António Parreiras. Debussy era um compositor impressionista, Parreiras um pintor brasileiro que não apreciava música impressionista. Por outro lado,

Parreiras pratica um gesto na sua pintura madura que é muito próximo da pintura impressionista. Esse “gesto ruidoso”- chamemos assim., é muito presente na arte dos pintores negros do Rio de Janeiro do século XIX. Debussy, por sua vez, teve um grande interesse pelo Jazz e daí a pergunta: “o que liga a matéria sonora de Claude Debussy ao jazz e a

pincelada ruidosa Parreiras”?.

de

António

Podíamos dizer que a de África, não só na arte mas na cultura ocidental como um todo, nos deu a noção clara de que exactamente aquilo que nos separa é também o que nos une. 7.- Sobre a museografia do museu, quais são os princípios de privilegiou e porquê? Sobre a museografia do Museu Afro brasil, o mais essencial é a compreensão de como o espaço integra os assuntos de arte, trabalho e religiosidade, através das cores utilizadas na cenografia do museu. É um museu com caracter de interação pensado para um conceito em perspectiva. O acervo valoriza a importância da matriz africana na formação da cultura brasileira. Começa com uma colecção de mascaras africanas e segue passando festas populares, arte dos séculos XVIII, XIX, história e memória, sincretismo religioso e arte contemporânea. O Museu AfroBrasil é, aliás, uma importante realização para a arte contemporânea, em São Paulo, porque abriga a produção de jovens artistas contemporâneos, privilegiando não só a cultura afro-brasileira, mas a relação com as Áfricas e outros países. O caracter étnico, afro-brasileiro, integra-se a discussões relevantes como uma arte originária que explicita valores de superação dos limites que

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separam a arte popular e não popular. Todos os documentos da colecção permanente, inclusive objetos de obra de arte poderiam ser chamados de híbridos de miscigenação porque mostram índios, europeus e africanos modificados pela ação da complexidade social brasileira. Subjectivamente, o caminho é reto e curvo, integra a espacialidade de um museu tradicional ao despojamento de um terreiro de Candomblé. E, não posso deixar de mencionar que a inventividade deste ambiente pós-moderno é realização de Emanuel Araújo, curador e director do museu, um escultor brasileiro, que há mias de 20 anos, reúne as duas mil peças que estão expostas na colecção permanente do Museu Afro Brasil. A iniciativa é patrocinada pela Petrobras e o prédio, projectado por Óscar Niemeyer, pertence à Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. Este museu é muito importante pelo acesso que cria a uma história pouco conhecida, que é da influência da matriz africana no desenvolvimento da sociedade brasileira e, sobretudo, pelo carácter de integração que pode gerar dentro e fora do Brasil.

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A emergência da Escultura Makonde e a ideia de Moçambicanidade6 Pedro Pereira Leite: Museu Afro-Digital Estação Portugal

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Intervenção no Colóquio 40 anos das independências africanas, Lisboa, Novembro 2015

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O fenómeno da escultura maconde fundamenta uma das ideias da construção da moçambicanidade. Comunidade do nordeste de Moçambique e o sudeste da Tanzânia é conhecida pela sua capacidade de resistência ao tráfico esclavagista e à penetração da dominação colonial A “aura” de “resistência” facilitou a sua adesão à FRELIMO no período da libertação nacional, constituindo uma das suas bases de recrutamento. Com a independência, os macondes e sua cultura constituem-se como uma das bases da “nação” em construção, dialogando mais tarde com a ideia de nação “índica”. A técnica de trabalho em madeira é reconhecida como singular no tempo colonial. No processo de implementação das estratégias de dominação pelo colonialismo português, várias expedições reconheceram a dimensão estética e simbólica desta escultura. Será essa qualidade estética que permitirá difundir pela Europa e Améria do Norte o trabalho dos artesãos maconde, atividades que suportará a luta armada. A independência de Moçambique consolida a relevância da escultura maconde como uma das bases da construção da nação. Criaram-se programas de valorização do trabalho dos artesãos. Experiencias

efémeras nas "barracas" do museu, em Maputo e Nampula. Esta comunicação questiona o lugar da escultura maconde na ideia de moçambicanidade no âmbito da relação da cultura com o desenvolvimento em Moçambique. A abordagem que vamos efectuar, sobre a escultura maconde, comunidade que reside no Planalto do Mueda, no norte de Moçambique e na Tanzânia, tem como objectivo situar a emergência dos estudos sobre a “escultura africana” como um dos campos da problemática da construção do outro. A construção da ideia da Moçambicanidade após a independência em 1975 conduziu à busca dos elementos de construção da ideia de nacionalidade com base nos seus elementos distintivos. A “Escultura maconde” vai surgir precisamente como um desses elementos da construção dessa ideia nacional. Vamos abordar a questão da “escultura maconde como um processo de afirmação da modernidade moçambicana. Vamos


procurar contextualizar a emergência da sua construção como elemento identitário da moçambicanidade. Vamos procurar demonstrar que a construção da modernidade em Moçambique (o processo da afirmação da construção da nação é feita num primeiro momento na busca dos elementos da tradicionalidade, para sobre eles a modernidade operar a afirmação dum carácter distintivo) é um processo dialéctico entre a reconstrução da ideia de tradição pela modernidade e a reacção da tradição face à mudança induzida por essa modernidade no quadro da afirmação dos processos de influência social. Esse é um processo onde se pode analisar o modo de afirmação duma hegemonia sobre outras expressões do poder (CANCLINI, 2008). Nesse processo de afirmação da modernidade geraram-se diversas tensões que se tem vindo a ser analisadas como problemáticas constituintes sobre a Moçambicanidade. (SERRA, 1998, 2000ª, 2000b e 2003) Essas tensões encontram-se presente nos vários debates sobre a estética moçambicana como problemáticas sociais. O Cento de Estudo Africanos da Universidade Eduardo Mondlane tem produzido uma importante reflexão sobre estas questões. Este é portanto um campo de problematização no âmbito dos

novos processos museológicos em Moçambique. A primeira referencia que encontramos à problemática da emergência da estatuária dos macondes como elemento distintivo duma identidade foi em Felisberto Ferreirinha (FERREIRINHA, 1949), que aborda esta temática em 23 de julho de 1949, numa palestra efectuada na Sociedade de Estudos da Colónia de Moçambique, por ocasião da abertura da exposição de “Escultura maconde”. No início, o autor ao convidar a olhar “os espécimes de arte indígena” (FERREIRINHA, 1949, p. 1) objetos à primeira vista “toscos à nossa sensibilidade” mas quando olhados com atenção portadores “de expressões de beleza inéditas”. Em seguida afirma que o “indígena colhe, das coisas, aspectos e atitudes que falham vulgarmente à nossa acuidade” (FERREIRINHA, 1949, p. 1) Ferreirinha, embora reconhecendo o valor dos resultados estéticos na arte africana, acaba por afirmar que essa beleza, que tem

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escapado aos olhos dos colonos, é uma arte não consciente. Ao justificar essa arte como um impulso “natural” acaba por negar a intencionalidade de produzir arte. Com essa operação o seu discurso é ainda caracterizado por um pensamento marcadamente colonial. Não deixa de ser curiosa esta justificação contraditória entre, por um lado pela admiração da beleza estética, ao mesmo tempo que a operação mental nega intencionalidade no ato de produção do belo. Ferreirinha, que já organizara exposições em Nampula dizia: “No dia em que rasgarmos os olhos dessa grande estátua cega – poderemos então colher do seu génio um mundo novo de expressões” (FERREIRINHA, 1949, p. 2) é uma frase que ilustra bem esse impasse entre a consciência do homem que só o pode ser quando “civilizado”, ainda que no seu estado “selvagem” ou “primitivo” possa conter já alguns elementos dessa civilidade, cuja visão missionária se incrustava nos fundamentos da legitimação do ato de colonização. Ferreirinha afirma “A consciência criadora dos indígenas, assim como a sua desenvoltura social, salvo melhor opinião, dependem unicamente da consciência dos civilizados” (FERREIRINHA, 1949, p. 2) Ainda que “na estatuária há (já) inéditas expressões de humanidade a contrastar com o génio exaurido

dos povos ocidentais” (FERREIRINHA, 1949, p. 3) apenas os civilizados poderiam entender na sua plenitude a estética inerente. “A Arte indígena reflecte de qualquer modo um mundo de expressões inteiramente inéditas, um génio estranho” (FERREIRINHA, 1949, p. 3) que se revela através da arte primitiva (colares, pulseiras, adornos, tapetes, filigranas em ouro e em prata “objeto de imaginação apurada e refinado gosto. Com simples linhas quebradas, ângulos cruzados, círculos e outras figuras geométricas, que esculpem rendas de feições encantadoras” (FERREIRINHA, 1949, p. 3). Como o próprio acaba por concluir, nas fábulas, nos contos tradicionais, nas canções e nas rimas tudo o que é manifestação estética é reconhecidamente singular. Se todos os objetos em África transportam o “fogo da vida”, como

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ilustra numa interessante metáfora, porque é que o autor nega a autonomia da “arte primitiva”. Ruy Santelmo, que também aborda a produção estatutária maconde afirmará que nela está presente um “conceito” que analisa a realidade e usa o sentido da abstracção para lhe atribuir significação. Uma estilização que não descura a emoção. A resposta para esta questão encontrase em Veiga de Oliveira. Segundo Oliveira, quer para Ferreirinha ou Santelmo, no plano teórico as suas problemáticas aproximam-se das questões da produção cultural sobre o Outro. No entanto é ainda uma abordagem tímida e sem impacto social. “Trata-se porém, nestes dois casos, de nótulas sem verdadeira dimensão, meritórias por remontarem a uma data em que o tema da estética africana, quando não era completamente ignorado, enfrentava ainda uma quase total incompreensão preconceituosa, por parte do público, mormente entre nós” (OLIVEIRA, 1985ª, p. 14). Estes dois casos são para nós paradigmáticos para a problemática que nos interessa abordar: A construção da autonomia da estética do outro. Eles demonstram que apesar do movimento modernista ter captado e incorporado algum do legado estético africano, ele é absorvido e aplicado enquanto categoria de pensamento de forma lenta pelo pensamento colonial que resiste à entrada da modernidade.

As condições sociais em que os autores operam não permitem a associação da capacidade de produção de arte à consciência da autonomia dos outros. Nestes dois autores podemos verificar que apesar de reconhecerem implicitamente a autonomia da produção estética do outro, pelo contexto em que essa apresentação é feita, não assumem a significação total desse reconhecimento, que se constituiria por assumir a sua autonomia como ser humano dotado de vontade. Para já apresentamos uma explicação provisória deste fenómeno. As razões da política colonial não permitem que nessa época se manifestassem posições de defesa da autonomia do outro como ser. Isso iria colocar em causa a natureza da dominação colonial, que se afirmava sobre a sua condição de primitividade ou de necessidade de civilizar. (MOUTINHO, 2000). Essa é a contradição presente neste discurso e das ações que ele gera que sistematicamente nega a emergência do outro ontológico mesmo confrontado com a sua evidência. Ora a consciência ontológica que emerge noutros agentes e noutros espaços vai permitir aos membros destas comunidades justificar uma ação política como modo de reconhecer e afirmar uma identidade distintiva.

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As condições sociais de produção do discurso colonial não comportavam a possibilidade de uma narrativa duma autonomia do outro em relação ao europeu civilizado. O discurso do europeu colono é sempre um discurso paternalista em que o outro é inferior. Embora nessa narrativa essa inferioridade pudesse no futuro ser eliminada, tal seria feito por uma progressiva “assimilação” aos valores e aos padrões de comportamento dos colonos. No entanto, a sua condição de partida permanece sempre vista como inferior. Como algo a que só se pode escapar por sublimação. Ora não só essa fuga não era possível, como um dos principais objetivos dessa ideia de submissão implicava a utilização da mão-de-obra indígena a favor das práticas colónias. Não é por acaso que a regulamentação do trabalho como obrigação se justifica como uma das formas de escapar, no futuro à condição de primitividade. É nessa contradição que se deve entender esta busca da especificidade da arte africana. Estes autores, como agentes coloniais que eram, procuravam encontrar pontes de diálogo entre o colono e os africanos, não para os autonomizar, mas sim para os colonizar. Assim, se os africanos faziam arte em escultura, havia que pegar nessas habilidades e coloca-las ao serviço da colonização, produzindo esculturas segundo os padrões estéticos dos europeus, como mais

tarde virá a acontecer, e que as estátuas em baixo-relevo no Museu de Nampula são um exemplo. Assim se compreende a contradição em que mesmo perante a inevitável conclusão da autonomia estética do outro, a sua autonomia ética e política seja sistematicamente negada invocando os valores da ação colonial que justificam o processo de dominação sobre o outro. A operação mental presente no processo colonial só permitia incluir o outro no quadro da sua inclusão nesse processo. Ao pretender ou pelo menos ao tentar integrar a “arte negra”, com a sua riqueza estética procurava-se fundamentalmente apropriar os olhares e as técnicas para através da sua “integração” no “processo civilizacional colonial” elevar os povos primitivos à condição de civilizado. E note-se que essa operação é sempre uma operação unívoca. Isto é nunca essa apropriação é vista como uma troca ou como um diálogo, como de resto os modernistas fizeram. A visão colonial era uma conceição hegemónica das relações com os africanos com o objectivo de se apropriar do outro nas suas múltiplas dimensões. O processo de dominação colonial é baseado nessa relação desigual em que o outro não é reconhecido sem ser para ser espoliado. Espoliado das terras e da cultura. Quando através da arte esse reconhecimento se começa a

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insinuar, o colonialismo português continua sem o escutar. Segue a moda, sem interiorizar o conteúdo. É essa impossibilidade conceptual, esse autismo sobre os dados do mundo impediu o reconhecimento do outro como ser pelo colonialismo português. É essa impossibilidade cognitiva manteve-se como numa conceição extemporânea durante largas dezenas de anos. Voltando à questão da escultura maconde, no seu percurso explicativo sobre a sua contribuição para a Moçambicanidade. Segundo os dados disponíveis, o planalto de Mueda permanece isolado no conjunto territorial moçambicano até à década de trinta do século XX. Foi Neutel de Abreu que permite a colonização do território, e através deles os primeiros contactos com a produção de esculturas desta comunidade (FERREIRINHA, 1949, p. 10) Embora existisse um conhecimento sobre os macondes desde que os primeiros exploradores penetraram no mato (SANTOS, 1999) nomeadamente da sua produção escultórica, apenas nos primeiros anos do século XX ele mereceu o interesse dos etnólogos. Elas estiveram presentes, por exemplo, na exposição colonial de Paris em 1936, onde os críticos de imprensa sempre atentos terão assinalado o seu valor. E é esse olhar que Felisberto Ferreirinha efectua em 1949. (FERREIRINHA, 1949, p. 12)

“Destacando a arte escultórica dos macondes, pelo seu carácter destacadamente humano e o seu valor estético, é nosso intuito proclamar o génio excepcional destes artistas que muito se distinguem dos das outras tribos moçambicanas” (FERREIRINHA, 1949, p. 12) Definido o propósito, Ferreirinha analisa o conjunto de 70 estatuetas, figurativas como diz, “o mundo em representação limita-se a figuras negróides com as suas incisões, suas deformações horrendas e seus estranhos aspectos, reflectindo de qualquer modo o seu milenário drama" (FERREIRINHA, 1949, p. 12). Ferreirinha vai desenvolver a sua análise estética, classificando e sistematizando alguns dos seus aspectos técnicos e valores estéticos. Nessa altura conjecturava-se a filiação deste tipo de escultura como uma reminiscência dos contactos com a civilização egípcia . É também necessário afirmar que o fenómeno da figuração entre os macondes era mais visível do que nos outros povos da costa, os Macuas, os suaílis, os ajuas e agónios. A religiosidade islâmica evita a figuração, o que é um motivo apontado para uma menor frequência desta manifestação artística . De qualquer modo interessa reter que a questão da escultura maconde se torna um fenómeno relevante a partir dos anos 40, não mais cessando de estar presente como

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elemento significativo da expressão da arte no norte de Moçambique. As campanhas de Jorge Dias, nos anos 50, sobre esta comunidade, uma das mais desconhecidas na época não foram portanto destituídas de intencionalidade nem um fruto do acaso. A busca dos macondes como objeto de estudo é feita com uma intencionalidade num momento em que Portugal era precisamente acusado, nos fóruns internacionais, de aplicar políticas de negação da autonomia ao outro. A etnologia era nessa época uma “ciência” de ação ao serviço da dominação colonial Mas regressando aos trabalhos de José Osório de Oliveira (OLIVEIRA, 1956) podemos verificar esse esforço de justificar o injustificável. O esforço de tentar explicar que através da produção de escultura os africanos são capazes de produzir arte, sendo portanto seres, embora primitivos que obrigava os colonos europeus, enquanto seres mais evoluídos, a incentiva-los através da arte a se elevarem na escala civilizacional. A contradição dos termos está precisamente em que sendo capazes de produzir arte não necessitavam da mediação do processo para evoluírem. Se a produção de arte os identificava com o processo de civilização, o fato de eles a produzirem retirava a legitimada à dominação. Se a arte dos africanos era idêntica, isso significaria que o africano e o europeu eram iguais. E sendo iguais

como seria possível pensar a diferença que legitima o paternalismo. A única resposta estava fora da lógica e era indiscutível. O branco estavam em África como colonos para dominarem e continuarem a explorar os africanos numa base de troca desigual. Entretanto a divulgação da arte africana, e em particular da arte maconde continua a disseminar-se fundamentalmente através das exposições e dos museus. Apenas para concluir a evolução desta problemática em Portugal, veja-se como o problema se colocou em relação a Angola. Se em Moçambique, os macondes e o museu de Nampula vão constitui o espaço de produção e apropriação pelos colonos da arte africana; em Angola o paradigma será representado pelo Museu do Dundo. No âmbito da constituição das suas colecções, será também a viagem e a expedição que constituirá a base dos acervos etnográficos. Refira-se ainda a título de exemplo, que José Osório de Oliveira, que aqui desempenha um papel dinamizador promoverá, em 1958 através do seu museu do Dundo, uma exposição de arte Quioca em Paris. Essa exposição virá a Lisboa em 1962, onde será apresentada no salão de Belas Artes em 1962. Entretanto em Lisboa, na capital do Império, a aquisição da colecção de Victor Bandeira em 1963

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permitirá constituir um acervo expográfico que estará na origem da colecção do futuro museu de Etnologia de Lisboa. (OLIVEIRA, 1985a, p. 16) O que é relevante nesta questão é a constituição de colecções museológicas de arte africana na capital colonial ser posterior à constituição dos museus etnográficos nas colónias de Moçambique e Angola. Não é que a questão colonial tivesse estado ausente dos museus de Lisboa. O que é de salientar é que a emergência da arte africana nos museus coloniais surja a pretexto das “esculturas africanas”. Não é certamente por acaso que a capital do império se mantém alheia os fenómenos da modernidade. Nos anos seguintes essa exposição constituirá o cerne das exposições do museu, tal como sucederá após a revolução democrática de 1974 em Portugal. Apenas para recordar algumas, será feita em 1976 a exposição “Modernismo e Arte Negro-Africanas” em 1985 na Fundação Gulbenkian a Exposição “Escultura Africana” e no Museu de etnologia a exposição “Escultura Africana em Portugal”. Nestas exposições, quer ao nível da sua expografia, quer ao nível dos trabalhos de divulgação, vão ser essenciais os trabalhos de Veiga de Oliveira que temos vindo a citar.

Veiga de Oliveira afirma nos seus trabalhos o “carácter científico da etno-museografia” (OLIVEIRA, 1985ª, 18) como resultante da tomada de consciência dos novos valores e da mudança de mentalidades. A arte africana, num museu etnológico, deve, segundo Veiga de Oliveira, ter um suporte na investigação. Aliás, nas suas “Lições de Museologia” (OLIVEIRA, 1971) uma boa parte do texto é precisamente dedicada à questão da conservação de acervos africanos, que demonstra bem a importância que esta colecção teve no âmbito deste museu português. Nos anos de 1985 já a descolonização dos territórios africanos tinha sido concluída e os discursos integravam agora completamente a questão da diferença e do outro. E nesse âmbito, a questão da escultura maconde permanece sempre como uma referência, a par com o caso da escultura Quioca que do Museu do Dundo divulgada por José Osório de Oliveira. Para concluir a questão da problemática da emergência da escultura africana como elemento distintivo das identidades na modernidade, vale a pena referir a questão das esculturas Quiocas do Dundo que constituirão também para Mesquitela Lima, na sequência da apresentação da mostra de escultura africana da Gulbenkian, um tema da sua investigação.

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No seu livro “A escultura NegroAfricana” (LIMA, 1985) publicado em 1985, Mesquitela Lima vai abordar a questão da escultura em África a partir de um aparelho conceptual fundado na teoria semiótica, executada a partir da análise dos significados e significantes e da sua relação com o universo. Lima tem uma preocupação de salientar a diferença e a especificidade da arte africana. Na nota introdutória escreve: “ Quando o europeu se encontra frente a uma escultura, seja ela que natureza e origem for, anda à roda dela, admira-a, observa as formas e volumes e, frequentes vezes, toca nela, justamente para a poder melhor apreciar. Todas estas operações começam ou culminam com a contemplação da obra de arte, que tantas vezes leva ao êxtase. Contempla-se para gozo e prazer interior, extasia-se precisamente porque o objeto tocou as cordas mais sensíveis do nosso gosto estético, vibra-se porque simplesmente gostamos da obra que se nos apresenta” (LIMA, 1985, p. 10). Conclui a sua avaliação sobre o olho ocidental: “Grosso modo, para além dos problemas dos significados das obras, são estes os parâmetros do mecanismo de apreciação estética de uma escultura dentro dos chamados valores da cultura ocidental” (LIMA, 1985, p. 10). E prosseguindo a sua análise para o olhar africano escreve: “Não querendo afirmar que

tudo se passa ao contrário na órbita dos valores africanos de apreciação estética, devemos esclarecer, contudo que o africano (especialmente aquele que ainda vive segundo cânones tradicionais) perante uma escultura, não anda à volta dela, não a olha nos mesmos moldes que o europeu; não toma atitudes de contemplação, não procura alcançar o significado da obra porque o compreende imediatamente, visto estar na posse do código da linguagem consignada na mesma: sente-a. Não tenta, através duma análise decifração dos símbolos ou dos sinais, apreender o que o artista quis dizer, pois que capta imediatamente a mensagem, e percebe-a: como dissemos atrás a linguagem do artista é-lhe familiar, faz parte do seu dia-a-dia e conhece assim os sinais e os símbolos escritos na escultura” (LIMA, 1985, p. 10). O discurso de Mesquitela, para além de reflectir um processo de análise então em voga na Universidade Nova de Lisboa, o processo semiótica que já abordamos, é o primeiro autor que recoloca esta questão da emergência da escultura africana como um elemento das problemáticas da tensão entre a tradição e a modernidade. Neste caso por uma modernidade eurocêntrica face à tradicionalidade periférica de África (outra problemática que na época se desenvolvia no campo da economia

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política). Queria então Mesquitela Lima evidenciar que enquanto o “olhar europeu” moderno olhava para as esculturas como objetos (museológicos) inferindo através deles o mundo (porque transportam significados), apropriando-se da sua estética pelos sentidos; o “olhar africano” tradicional olhava para a escultura como um objeto do seu mundo (como signo), apropriando-se dele não pelo prazer da estética, mas pelo sentido da sua narrativa.

Não procurando agora discutir se esta problemática resulta de usos ou funções sociais diferenciadas da escultura pelos processos das comunidades, interessa-nos aqui salientar que, nessa época, a sociedade portuguesa, feita que foi a descolonização, no âmbito da narrativa do seu pensamento sobre a arte africana já se apresentava em sintonia com o pensamento pósmoderno e dispunha de instrumentos de análise adequados.

Ora esta constatação permitiu a Mesquitela Lima afirmar que as funções das esculturas africanas são vistas como processos diferenciados em função da origem do olhar. Em termos de análise do processo de distinção, interessa-nos aqui reter que a análise de Mesquitela permite observar a escultura africana no âmbito duma tripla significação.

A obra de Mesquitela é uma proposta de metodologia de análise da escultura africana. Muito influenciado pela arte dos Quiocos que o autor conhecia bem por ter trabalhado no Museu do Dundo em Angola, Mesquitela aborda a problemática da forma e dos significados (Forma e Conteúdo), das questões da autoria (nas sociedades tradicionais o autor, sendo conhecido de todos, executa uma obra colectiva, porque escreve na madeira a história da comunidade). “Todo o objeto de arte constitui o produto de um elemento (neste caso, um indivíduo) que se situa dentro do património coletivo ou herança social que designamos por cultura” (LIMA, 1985, p. 37).

O processo de produção dos objetos é unitário mas o seu consumo diferencia-se em função da sua absorção social. Isso implica a admissão da pluralidade de leituras que incidem sobre um objeto. Assim através das leituras dum mesmo objeto podemos navegar através dos mundos das suas significações, que são tão diferentes quanto as leituras o permitam. Ou seja, a conclusão de Mesquitela é que as esculturas do museu são representações da vida das comunidades que as produziram.

Ou seja o artista como aquele que dialoga com as suas heranças, criando arte. Através da sua criação torna-se num instrumento dessa mesma sociedade que através dele se confronta consigo mesma (LIMA, 1985, p. 38). Essa mesma sociedade

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que encontra na arte que produz o resultado do seu diálogo com a natureza. “Toda a manufactura de qualquer objeto cultural (e neste caso está, incluído o objeto de arte) é em certa medida o resultado de um diálogo entre uma técnica e uma matéria” (LIMA, 1985, p. 39) São palavras tributárias de André LeroiGourham em o “Gesto e a Palavra” (LEROI-GOURHAN, 1990) na análise da oposição entre a natureza e a cultura, onde a adaptação de cada comunidade ao ambiente que a rodeia determina os usos das técnicas, sendo que nas sociedades ditas tradicionais, as técnicas tendem a apresentar-se mais estáveis, enquanto nas sociedade ditas modernas, a inovação nos usos das matérias implica uma constante reformulação das técnicas. A questão da tensão entre a tradição e a modernidade está de resto presente em toda a análise desta obra de Mesquitela Lima, que no último ponto da sua análise acaba por se centrar na função social da arte nas sociedades agrafas. O objeto escultórico, nas sociedades tradicionais, é produzido como um instrumento. “O que interessa fundamentalmente nestas sociedades é a origem, a fonte do objeto – o artista como personalidade – e o destino da obra acabada, que vai precisamente preencher também uma função social importante” (LIMA, 1985, p. 52). Ou seja, a escultura, nas

sociedades tradicionais, defende Mesquitela, é um modo de participar na totalidade do seu património. “Se é certo, como temos vindo a afirmar, que a arte destes povos constitui um sistema de comunicação que funciona à escala do grupo, é lógico que todos possuam elementos para fazerem uma leitura adequada dos objetos. Conquanto todos possam ler de fato, a realidade é que essa leitura difere consoante os conhecimentos do utilizador: uns lêem melhor do que outros, conforma a sua situação no todo cultural e social. Assim, um iniciando, ao ser interpelado a propósito de um objeto qualquer, fornecerá certamente menos elementos para a compreensão do significado da obra do que um indivíduo já iniciado” (LIMA, 1985, p. 53). A questão de tensão entre a tradição e a modernidade no caso da escultura africana é sem dúvida pertinente quando analisada em função dos seus contextos de produção e de uso. As comunidades ditas tradicionais serão em tese menos permeáveis à inovação sendo que o seu sentido do total será mais facilmente construído. Essa operação, da relação do particular representar o todo, seria mais difícil de percepcionar nas artes das comunidades africanas modernas ou urbanas. E isso abriria um campo para distinção entre a arte (que estaria ligado à tradição) e o

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artesanato (que estaria ligado ao consumo). Mas numa leitura da modernidade a análise de Mesquitela parece denotar algumas limitações. As sociedades não conjuntos estáticos mas sim processuais. Os tempos e os ritmos são diferenciados. Na actualidade, não há já comunidades tradicionais “puras”. Todas as comunidades são permeáveis. Apesar da análise estrutural, Mesquitela ainda tinha algumas preocupações de encontrar a essência original. Se o modernismo incorporou nas visões eurocêntricas dos artistas, uma visão do outro e no caso particular de Moçambique, uma releitura da estética “africana”; também é verdade, que essa releitura (ou se preferirmos a valorização) dessa estética também produziu sobre os produtores de arte africana uma influência. Ora no caso da escultura maconde de Moçambique já verificamos que o colonialismo se encontrava numa impossibilidade teórica de dotar de autonomia estética a arte produzida pelos africanos. Daí um lento e tortuoso percurso de tomada de consciência da “arte africana”, que no estertor final do império, mais por necessidades políticas, do que por reconhecimento da autonomia do outra passa a classificar como arte tudo o que existe, desde o património edificado, às produções artesanais de funções utilitárias.

Mas, se na metrópole colonial a impossibilidade do reconhecimento da autonomia do outro constituía a formulação política hegemónica; no terreno, no próprio território de Moçambique a permeabilidade das questões do modernismo estiveram presentes desde os anos quarenta com o aumento das atividades culturais e artísticas na então capital colonial Lourenço Marques, nomeadamente o papel do “Núcleo de Arte” criado em 1937, a primeira exposição de arte na colónia (COSTA, 2005), vai precisamente mostrar a existência de uma representação africana do outro, produzida num ambiente de hibridação. E é nesse processo que se iram notabilizar os trabalhos de figuras como Bertina Lopes ou Malangatana que se mais tarde tornarão símbolos da arte moçambicana. (SOARES, 2000) Ora a questão da arte moçambicana é exactamente a problemática que se coloca na sequência da independência política do país em 1975. Como verificamos sobre a questão das Campanhas de Valorização Cultural, ela será orientada pela busca das raízes africanas de Moçambique. Esse movimento, como diz Paulo Soares radica em duas forças que nesse momento convergem. A do movimento político da FRELIMO, na busca da afirmação ideológica duma nacionalidade moderna de raiz africana, e os movimentos de arte

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“de estética africana” que se vinham desenvolvendo na cidade de Maputo (Lourenço Marques antes a independência) (SOARES, 2000) E é aqui que a questão da arte maconde é um caso paradigmático. O reconhecimento do valor da arte maconde, através das sucessivas exposições e valorizações influenciou os modos de expressão da mesma (SOARES, 2000, p. 62). Assim, dos elementos iniciais de mascara “mapico” ou bustos, como inicialmente foram identificadas pelos missionários holandeses, que ainda se notavam na exposição feita por Felisberto Ferreirinha em Maputo, o reconhecimento do valor técnico dos artistas macondes levou a várias encomendas para execução de obras pelas autoridades coloniais, que vão influenciar a sua estética. . Ainda no âmbito da sucessão de influências sobre os artistas, Paulo Soares (SOARES, 2000) identifica as contribuições de Jill Dias incorporadas nos trabalhos desenvolvidos pelo seu marido Jorge Dias sobre os macondes (DIAS, 1963). Esses elementos deram origem à produção de arte maconde para o mercado colonial, com a produção da “chamada arte de aeroporto com trabalhos de natureza repetitiva.” (SOARES, 2000, p. 63), E prosseguindo, revela que na sequência da luta anticolonial, muitos dos escultores emigram para a Tanzânia e o Quénia, onde passam

a trabalhar. . Essa mudança operou uma alteração do estilo, que do figurativo passa ao abstracto. “Talvez porque o mercado local fosse dominado por comerciantes islâmicos, adversos à representação da figura humana ou animal, desenvolvida em Moçambique, e eventualmente porque um escultor levou a um comerciante uma figura distorcida e grotesca que foi muito bem aceite por ele, é em Dar-esSalam que, em 1959, o Shetani, rapidamente também desenvolvido por outros escultores e apresentando diversos espíritos e mitos ancestrais macondes, bem como do quotidiano. Personagens estilizadas e deformadas, formas sinuosas e entrelaçadas e uma grande capacidade de abstracção, de onde emergem seios, olhos, cabeças e outros elementos marcarão as características deste novo estilo” (SOARES, 2000, p. 63) Na sequência da independência, da ideologia política da FRELIMO e dos discursos hegemónicos na sociedade emerge posteriormente um novo estilo: as árvores da vida. A Ujama representa exemplarmente a comunidade, a solidariedade da família, as várias gerações e os espíritos. A escultura maconde corporiza assim, tal como a arte pictórica a ideia da identidade nacional através duma especificidade. Paulo Soares que é o Comissário a 1ª exposição de arte maconde realizada em 1988, no

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Museu Nacional de Arte (MINISTÉRIO DA CULTURA, 1988) refere que para além da valorização do objeto escultura, na época nem sempre os produtores foram reconhecidos como autores. Efectivamente, os problemas da guerra e as dificuldades económicas do país não criaram um mercado que permitisse a continuidade de uma produção, que em parte se desloca para o vizinho do norte. A exposição procurava agora afirmar novamente a moçambicanidade da escultura maconde. Note-se que também neste capitulo Paulo Soares reconhece que tal como os escultores macondes são influenciados pelas dinâmicas da modernidade, também, por sua vez a escultura maconde acaba por influência a produção da escultura e na arte no país. “Com efeito, não é só na escultura em madeira desenvolvida no sul de Moçambique que se nota a influência da arte maconde, mas, também em artistas como Malangatana, Idasse ou Naguib e, antes destes, em José Júlio, nestes reconhecendo a sua expressão plástica, na pintura ou no desenho, a influência da estética e da simbologia maconde, tal como se nota um traço de identidade comum na forma narrativa similar de “contar estórias. Esta maneira de contar estórias através da arte, em que o carácter narrativo desenvolvido reflecte as tradições orais e crenças populares, como também,

acontecimentos quotidianos em que o passado e o presente se misturam, encontra paralelismo em certas expressões literárias contemporâneas.” (SOARES, 2000, p. 65) Retomando a questão que nos orienta, a tensão entre a tradição e a modernidade no centro da problemática do reconhecimento da alteridade, importa ainda referir que, na sequência desta exposição, em 1989 é apresentada em Paris uma mostra sobre “Arte Makonde: entre a tradição e a modernidade” a partir da qual de deu início ao um projecto de cooperação internacional financiado pela UNESCO, onde são criados vários incentivos aos artistas, nomeadamente o apoio à sua residência em Maputo. Dez anos mais tarde, em 1999, no Museu de Arte em Maputo efectua-se um balanço deste projecto com a exposição “Arte Makonde: Caminhos Recentes” (MINISTÉRIO DA CULTURA, 1999). No projecto que permitiu um estudo mais detalhado dos artistas no próprio planalto de Mueda, inclui já a xilogravura, como forma de expressão, (que é introduzido por atividades de cooperantes internacionais) e, conforme os princípios da museologia há uma clara intenção de individualizar os autores materiais das obras . Para além da tensão entre tradição e modernidade Paulo Soares coloca um

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conjunto de questões que importa agora também mobilizar. As questões da autenticidade cultural do objeto artístico e a questão da determinação do seu valor, como objeto estético, inserem-se no âmbito das problemáticas da construção do futuro. A produção de objetos estéticos é em Moçambique um campo de modernidade. A produção de objetos insere-se no âmbito da mobilização das memórias sociais. Os programas de ação incluem sempre um espaço dedicado aos objetos culturais. Ora com verificamos através da arte maconde, a sua autenticidade como elemento da tradição é uma expressão duma narrativa sobre o outro, do mesmo modo que o valor do objeto é também construído através dessa narrativa. Por exemplo, quando Veiga de Oliveira colocava em exposição a cabeça mapico recolhida por Jorge Dias, tinha consciência de que essa mascara era um fetiche (OLIVEIRA, 1969, p. 11). “Uma técnica de ação humana sobre o além. Num mundo em que tudo é animado por espíritos, favoráveis ou nocivos, e em que todos os fenómenos, a doença e a morte, se explicam sempre pela sua ação, não poderiam deixar de existir pessoas dotadas de qualidades psíquicas especiais, por natureza, ou resultantes de aprendizagens, que os comandam para o bem e para o mal dos demais. Mágicos, curandeiros ou adivinhos,

conforme as funções que exercem em vários grupos” (OLIVEIRA, 1969, p. 11). A consciência dessa função não o impedia de atribuir um valor museológico através duma exposição como objeto etnológico. E esse valor incorporava o fim de significação como exemplo de um processo que estava ausente da representação, mas que pode ser intuída pela apresentação expográfica. Isto é, ainda que a mascara seja autêntica como artefacto, colocada no museu etnológico, pretendendo simbolizar uma cultura onde o seu uso ganha significado através do processo expositivo, a ausência dos vários elementos constituintes desse mesmo processo, fazem com que a significação da mascara se torne apenas num objeto de contemplação, sem as funções que a ele estão associadas. Este tipo de exposição em museus de matriz ocidental conduz a uma consciência crítica de Paulo Soares em que se está perante uma museologia de carácter classificatórios “que representa as artes fora do seu contexto, valorizando separadamente os elementos da escultura, da música e do próprio contexto social” (SOARES, 2000, p. 56); à qual contrapõe uma outra museologia, que “considera a arte tradicional como um fenómeno social vivo” (SOARES, 2000, p. 56), no qual o seu significado só pode ser apreendido dentro do seu contexto. Paulo Soares defende claramente

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uma assunção duma arte “desenvolvida culturalmente e assumida de forma diferente pelas próprias comunidades e artistas” (SOARES, 2000, p. 56) Deve-se todavia salientar que Paulo Soares faz a sua reflexão sempre em termos da “Produção de Arte”. Nós estamos aqui a utilizar a sua análise com o objectivo de identificar ao modo como a representação da arte de efectiva. Estamos a olhar para o lado do consumo da arte, a partir da perspectiva museológica, tentando que esta integre o seu contexto de produção. Em Moçambique, no Museu de Arte e no Museu de Nampula observamos a coexistência dos espaços de Exposição no Museu (como espaços de consumo sacralizado) e dos espaços de Produção (onde a produção se destina ao consumo turístico). Entre os dois espaços não existem diálogos (COLAÇO, 2000) . Ou seja, os dois espaços museológicos assumem-se claramente como espaços de elites (centrais) e os espaços de produção artesanal como subalternos (periféricos). Ainda que os objetos presentes nos primeiros possam ter tido uma origem comum, verifica-se que são consumidos de forma diferenciada. Paulo Soares acaba por assumir, ainda que de forma inconsciente, essa posição quando coloca a interrogação: “Será correto considerar que nas artes plásticas contemporâneas nos encontramos

num movimento pós-modernista?” (SOARES, 2000, p. 67) Ao qual defende, como conclusão que os africanos “segregados pela ocupação colonial” estão envolvidos num movimento que se poderá chamar “Renascimento Africano” (SOARES, 2000, p. 67). Ora a questão do Renascimento Africano, como expressão das artes africanas inseridas na pósmodernidade é sem dúvida um desafio aliciante como programa museológico. A museologia segundo a perspectiva da sociomuseologia deve reflectir o mundo onde vive. Significa que os diálogos entre os objetos são infindos. Os museus temáticos , segundo a classificação tradicional estão ultrapassados, exigindo-se novos diálogos. E um desses diálogos executa-se precisamente entre a arte e a etnografia. Este diálogo, em torno dos objetos da “arte tradicional” como produto social, da “arte moderna” como produto do indivíduo remonta a Claude Lévi-Strauss (LEVI-STRAUSS, 1971), que de resto defende que para além desta característica a arte moderna é mais representativa e descritiva do que a arte primitiva, uma vez que esta última é um sistema de símbolos; e de que na “arte primitiva” a continuidade da tradição está assegurada pela representação; enquanto na “arte moderna” o academismo enforma a reprodução no âmbito de comunidade de

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interesses orgânicos (TEJADA, 1998, p. 368). Ora nesta perspectiva, os tradicionais etnológicos, ao serem apropriados pelos herdeiros das culturas neles representadas produzem, no discurso museológico, novos diálogos que pode fundamentar este “renascimento”, enriquecendo os valores do discurso duma nova museologia. Procurando sintetizar a questão da tensão entre a conservação e a inovação em Moçambique é um campo que a museologia no âmbito dos seus processos tem que considerar. As várias experiências e os sucessivos e avassaladores ritmos de implementação de políticas culturais para sucessivas reconstruções identitárias introduziram neste campo de análise forças e tensões contraditória que se segundo Carlos Serra se manifestam em sete campos: Num primeiro campo do Espaço vivido, na fragmentação do tempo, na multiplicação dos elementos da alteridade, na complexificação das relações sociais e das hierarquias, na multiplicação dos objetos materiais mnemónicos, na multiplicação das propostas ontológicas e no cruzamento dos sistemas de legitimação social (SERRA, 2000, p. 9). Essas tensões caracterizam segundo Serra a actualidade da problemática sobre a Moçambicanidade como “uma operação de ruptura, extraindo o tempo duma tradição, para injectar

noutra a modernidade 2000, p. 12)

(SERRA,

Conclui o autor “Vivemos Hoje, afinal, um tempo de híbridos, um tempo no qual valores intermédios desubstancializam os grandes conjuntos identitários e os submetem a reinvenções anfibiológicas”. Fazer a arqueologia desses híbridos, porque protótipos de novos espaços sociais e de identidades múltiplas é uma das grandes tarefas do século XXI.” (SERRA, 2000, p. 12). Ora, passados dez anos sobre o discurso, não só nos importa realçar a sua actualidade, como nos interessa salientar a sua utilidade como proposta para a sociomuseologia. Essa actualidade constitui-se em torno do desafio de para além de centrar os processos museológicos na comunidade e nos territórios, de os fazer participar nos processos a partir do seu património e das suas heranças, procurar através desses mesmos processos constituir-se como serviços à comunidade. No âmbito dessa prestação de serviços que novas narrativas podem incorporar. Como vimos através do processo de desenvolvimento da narrativa que construímos sobre a emergência da escultura maconde como objeto museológico, podemos concluir que ele se constitui simultaneamente como uma herança e como um recurso da ação.

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Verificamos igualmente que a estatuária embora esteja presente no museu, como objeto etnográfico, aos vários processos museológicos que analisamos não a estão a incluir, nem como recurso, nem como proposta a ação museológica, muito embora próxima dos espaços museológicos se assista a uma intensa atividade de produção de estatuárias. Então esse será um desafio. Mas antes de procurarmos propostas avancemos com algumas problemáticas que nos poderão ser úteis na construção das propostas da nossa pragmática. Bibliografia BOAS, Frans, (1996). Arte Primitiva, Lisboa, Fenda, 354 páginas CÉESAIRE, Aimé (1971). Discurso dobre o Colonialismo, Porto, Cadernos Circunstância COLAÇO, João Carlos (2000) “Tradição e Modernidade nas Barracas do Museu em Maputo, in SERRA, Carlos, Conflito e Mestiçagem, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, pp 145-187 COSTA, Alda, (2013) Arte e Museus em Moçambique: Entre a construção da nação e o mundo sem fronteiras (c. 1932-2004), Porto, Editorial Verbo. DIAS, Jill (1963), Esculturas do Povo Maconde: álbum, Lourenço Marques, Instituto de Investigação científico de Moçambique DIAS, Jorge (1964), Os Macondes de Moçambique, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar/ Centro de Estudos de Antropologia Cultural, volume I, 180 p : Aspectos Históricos e Económicos”, Volume II, 192, p cultura material.

DIAS, Margot, (1973). O fenómeno da Escultura Maconde chamada Moderna, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 50 páginas EINSTEIN, Carl (1915). Nigerplastik, Leipzig, Verlag den Weissen Bücher, 34 páginas FERREIRINHA, Felisberto, (1949). A estatuária dos Macondes, Lourenço Marques, Sociedade de Estudos da Colónia de Moçambique, Separata do Boletim, 19 páginas GUERREIRO, Manuel Viegas, (1966). Os Macondes de Moçambique: Sabedoria, Língua, Literatura e Jogos, Volume IV, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar. 351 páginas. GUERREIRO, Manuel Viegas, (1987). “Literatura Oral Maconde e Sociedade” in GULBENKIAN, Fundação Calouste, Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, Lisboa, Actas do Colóquio de Julho de 1985, Fundação Calouste Gulbenkian, pp 171-179 GULBENKIAN, Fundação Calouste (1985) Catálogo da Exposição “Escultura Africana”, Lisboa, Fundação Gulbenkian KULYUMBA, Pedro Guilherme (2002) “Museu Nacional de Etnologia” in Indico, serie II, nº 19, Abril-Junho, pp 14-19 KULYUMBA, Pedro Guilherme, (2001). Museu Nacional de Etnologia: 50 anos preservando a nossa história, Nampula, Museu Nacional de Etnologia, 86 páginas LIMA, Mesquitela (1981). A Escultura NegroAfricana, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 55 páginas MACEDO, Luís de e Montalvor, Luiz (1934): “Arte Indígena Africana, com uma selecção de obras , Lisboa, Edição Ática, 35 p. MARGARIDO, Alfredo (1964), Negritude e Humanismo, Lisboa, Casa dos Estudantes do Império, 44 páginas

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OLIVEIRA, Ernesto Veiga de (1969), “Introdução” in Escultura Africana, Lisboa, Museu de Etnologia do Ultramar, p. 3-22 SIMPSON, Moira (1996). Making Representations – Museums in the PostColonial Era. London, Routledge SIMPSON, Moira (2006).”O Mundo dos Museus: Novos Conceitos, novos modelos” in O Estado do Mundo, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, pp 123-160

SOARES, Paulo (1988). “Introdução” in Novos Rumos: Exposição de Escultura Makonde Contemporânea, Maputo, Museu Nacional de Arte, pp 2-4 SOARES, Paulo (2000). “Tradição e Modernidade nas artes plásticas em Moçambique: autenticidade ou identidade) in SERRA, Carlos. Conflito e Mestiçagem, Maputo, Universidade Eduardo Mondlane, pp 35-68 páginas

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Colaboraram neste número

Alda Costa Pemba, Moçambique (1953). Trabalhou como museóloga no Departamento de Museus do Ministério da Cultura, que chefiou entre 1986 e 2001, e com o qual mantém, até ao presente, colaboração. Foi Presidente da Comissão Instaladora do Instituto Superior de Artes e Cultura (2007-09). É actualmente Directora de Cultura da Universidade Eduardo Mondlane em Maputo. A sua formação académica foi feita em História (1976) e Museologia tendo concluído (2005/2006) o Doutoramento em História da Arte com uma tese sobre arte moderna e contemporânea de Moçambique (c.1932-2004). A sua experiência profissional inclui ainda, entre outros domínios, o ensino e a planificação curricular. Entre as suas publicações contam-se manuais didácticos sobre história e ensino de história, artigos, capítulos e textos sobre museus, museologia e arte em livros, catálogos de exposições e publicações especializadas.

João Lindolfo Filho Possui graduação em Bacharelado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1987), mestrado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1994) e doutorado em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2002). Tem experiência na área de comunicação, atuando em docência e pesquisa, principalmente nos seguintes temas: tribos urbanas, sociopatias migratórias, psicologia social, sociologia do cotidiano e antropologia urbana.

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Eduardo Withe Eduardo White (1963, Quelimane, 2014, Maputo). Poeta moçambicano. Integrou o grupo literário que fundou, em 1984, a Revista Charrua. Junto a outros poetas, colaborou também com a Gazeta de Letras e Artes da Revista Tempo, publicação cuja importância, assim como Charrua, foi indiscutível para o desenvolvimento da literatura moçambicana. Por intermédio desses periódicos, afirmou-se um fazer poético intimista, caracterizado pela preocupação existencial e universalizante. Foi figura de uma geração de contestatários” empenhados em confeccionar um veículo literário caracterizado pelas rupturas.

Saulo di Tarso Begliomini de Araújo. Artista visual, curador e arte-educador, membro da equipe de implantação do Museu Afro Brasil.

Pedro Pereia Leite Museólogo, investigador no Centro de Estudos Sociais na Universidade de Coimbra. Diretor/editor da " Lusotopias-Revista de Geocultura", Heranças Globais-Memórias Locais e Informal Museology Studies.: Revista de Geocultura

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