Jardim Minado

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Copyright © Editora Patuá, 2014. Jardim Minado © Pedro Tostes, 2014. Editor Eduardo Lacerda Projeto Gráfico e Capa Leonardo Mathias | flickr.com/leonardomathias

T659j

Tostes, Pedro.

Jardim Minado. / Pedro Tostes. São Paulo: Patuá, 2014. ISBN 978-85-8297-082-9

1.Poesia Brasileira I.Título.

CDD – 869.91

Ficha Catalográfica elaborada por Janaína Ramos – CRB-8/9166 Índice para catálogo sistemático: 1.Poesia Brasileira : Literatura brasileira

Todos os direitos desta edição reservados à:

Editora Patuá Rua Lobato, 86 CEP 03288-010 São Paulo - SP • Brasil Tel.: 11 2911-8156 www.editorapatua.com.br

869.91




Essa porra é um campo minado

Quantas vezes eu pensei em me jogar daqui, Mas, aí, minha área é tudo o que eu tenho

Pedro Tostes é um ativista. Um poeta ativista. Um ativista poeta. Não é de hoje que ele vem colocando a mão na massa, o pé na estra-

da e a mente no verso. Sempre de rolé pela cidade apresentando seus poemas sulfúricos, colocando as cartas na mesa, fazendo poesia

de alta tensão, minando e cantando – suas bom-

bas de flores. Um poeta não se faz com versos Torquato Neto). Para ser poeta tem que ser

mais que poeta (Paulo Leminski). Tostes saca muito bem essas senhas desses dois grandes

poetas. E sabe onde está pisando, afinal, essa porra é um campo minado. Saca que é preciso

mais que colocar livrinhos bonitinhos na

praça e ficar basbaque e contente sob o sol dando milho aos pombos. É preciso muito mais.

São tempos bicudos, tristes, tensos. E é no sufoco destes tempos de trevas que a poesia se faz mais importante. E aqui que ela cria

horizontes, camará. Justamente onde ela aparentemente deixa de ter plateia. É precisa-


mente nessa ilusória ausência de plateia que

a poesia cria novas plateias, novos ares,

novos modos de respiração, novos espaços habitáveis. Porque poesia, meu chapa, poesia não está afim do estado de mesmice, do esta-

do confortável das coisas. Se tiver, babau, não é poesia.

Este Jardim minado chega chegando. Livro de

um

sátiro

brincante,

sativo,

não

está

de

pra

um

poeta

que,

brincadeira.

Com seu humor ácido, com suas tomadas de partido, com sua confecção inteligente. Um

coquetel molotov. Como nesta poética, um dos momentos altos do livro: Poética A poesia é mesmo caso sério:

vez por outra vai parar no cemitério. E sempre volta, como um zumbi literário.

A poesia brasileira anda broxa, não mata a cobra, esconde o pau

e espera ansiosamente pelo próximo edital.


A poesia brasileira contemporânea é esquizofônica; uma hora fala duro, na outra difícil (e demonstra pouca propensão a atirar-se de edifícios). A poesia brasileira corrente é polida, faz foto pro cartaz, gosta de ser notícia no jornal, do caderno de resenhas, é bonita limpinha, correta e erra pouco. Fuma mas não traga, estupra mas não mata e tá sempre em cima do muro.

O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.

Este novo livro de Pedro Tostes é um livro nitoglicerínico, um campo minado cheio de cores, explosões, baques, atabaques. Depois de tantas batalhas pelas ruas deste mundo, construindo sua poética (e publicando, no


muque, seus livros), eis que chega o momento deste Jardim minado que, acredito eu, seja o seu livros com sabor mais forte. E quem gosta de poesia só pode gostar de coisas de sabor forte. E, neste calor dantesco, no olho do furacão da metrópole, esta poesia areja a mente, afaga o coração, ativa a circulação sanguínea. Evoé, Pedro Tostes!

Fabiano Calixto Verão de 2014




Dedico este livro à minha família,

pois quando as raízes são fundas

não há tempestade que nos derrube.



“Quem não se arrisca não pode berrar”

(Torquato Neto)



Inventário

ainda tenho

32 dentes

e a impressão de estar sendo seguido sempre

pela minha sombra o direito

de ficar calado

angústias matinais

desejos inconfessáveis ainda tenho

muito tempo

pela frente e alguns

demônios para trás amigos fiéis

uma ideia fixa

pedras para tirar

do sapato

dor de cabeça quando fumo demais

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ainda tenho

ressaca de cerveja

fatias de pizza na geladeira dois gatos

tudo

que derrubam

maneiras de dizer

pendências não resolvidas vontade de acordar

tenho dias e noites em branco

marujos no meu estômago pontes quebradas na rua

mas tanto faz o que importa

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pois é que ainda tenho.

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O Processo

Aos quatro anos,

parede cheia de riscos, caneta vermelha na mão, minha mãe desapontada me apontou e disse: filho, você é poeta. Na escola aos nove,

professores e mestres

na busca do saber já sabiam e no fracasso a toda prova vermelhas notas me diziam:

se não estudas, serás poeta. Quinze anos de aventuras descendo a mangueira,

plena estação, olhos brilhantes o seu guarda me pegou

e lavrou em flagrante delito: o meliante é poeta.

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Já mais velho, faculdade

que não tenho e nunca tive era concentrar e atentar

na epistemologia do saber pois a rua me gritava:

não tem jeito, é poeta. No trabalho, firme e forte,

tentava me ocupar, burocrático, em desvios de funções fazia

dos relatórios versos e meu chefe, incompreensivo, me deu com justa causa uma pena: ser poeta.

E hoje, diante do mundo,

faço da palavra minha espada. Sou poeta sem vergonha,

não importa o quanto me foda,

não importa o quanto me estrepe, escrever é minha sina,

vou viver e ser moleque.

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O que digo

não vou contar que sofro do intestino tiro caquinha do nariz escondido (ou nem tanto) e as vezes me divirto soltando pum e deixando todos constrangidos que saio sem cueca por baixo, minto nos meus poemas, finjo ser melhor amante, mais romântico e apaixonado do que verdadeiramente sou nem mesmo insinuo o quão cretino me sinto em alguns dias

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quando percebo o quanto o mundo é idiota e acho isso divertido nunca contarei das minhas loucuras ridículas paranóias insanas de minha mente fértil nem dos deuses que invento a cada manhã lendo o jornal ignorarei que o leite fica mais caro a cada dia e mataram os leiteiros de Drummond e a caixinha longa vida é feia não direi a verdade: que não sei amar direito, a paixão é a minha doença e minha mente nunca fica muito tempo e eu estou sempre olhando distante

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nem escreverei que sou tosco em meus pensamentos, nĂŁo dou muita bola pra regras sociais e tenho vontade de mandar tomar no cu uma porrada de gente em minha poesia mostrarei somente o que percebo do mundo impressĂľes a Ăşnica verdade objetiva

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Taxidermia

A poesia, este estranho objeto. Diante do indecifrável, o perigo, o incompreensível, aquilo que ameaça a sua integridade, o homem tende a uma dessas posturas: extermínio ou classificação. Descreve tudo o que não alcança, pois assim se sente mais seguro e capaz de diferenciar o animal que morde do que lhe pode ser útil. Assim, taxonomiza a poesia: define reino, filo, ordem, família, espécie; gênero, estilo, sintaxe, ritmos, recursos. Categorizada, o homem sente que dominou o objeto-poema e o vislumbra em cada órgão vivo e pulsante. Observa, poderoso, a máquina acadêmica que criou para desmembrar o que outrora era só verso. No entanto, onipotente e onisciente, o ser não se satisfaz em meramente descrever seu objeto. Agora quer separar a poesia venenosa

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do néctar divino. Cria sistemas de análise para qualificar os efeitos, quantificar os recursos, discursar e ordenar de acordo com critérios extremamente objetivos qual poesia é melhor. Só que, a fim de alcançar melhor seu objetivo, é necessário ir mais adiante e dissecar a poesia a fundo. Dissecada, pega seu resto e taxidermiza a poesia. Ele então se transforma na Sibila que crava seu alfinete levando a poesia ao Ades, de onde jamais voltará. Morta, mero objeto, a poesia continua bela, mas limpa, desempoeirada, asséptica, hermética. E os homens organizam concursos para ver qual poesia taxidermizada é mais bela, tem mais funções, quais sintaxes se diferenciam, e organizam, organizam, organizam. Não satisfeitos, cantam ao mundo seus resultados. Apresentam provas cabais, incontestes. Agora, com tanta informação, o homem diz como deve ser a poesia. Traça regras, lugares, nomes, conceitos. Diz quais patas fazem sentidos e quais rabos devem ser retirados.

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Nos fazem crer que sabem exatamente como ela é, de acordo com classes e ordens. Sem espaço para ornitorrincos e demais bizarrices míticas. A poesia como questão de ordem. Eles sabem, dizem, mandam. Criam revistas para difundir suas ideias, simpósios de taxidermia, coleções, colocam quadros cheios de insetos cava, poéticas requintadas, cabeças na parede, empalhes sobre os pedestais que os sustentam. Agora a poesia está ali, clara, exposta, compreendida e dominada. O homem enfim venceu. Por fim, a vida é cheia de tortuosidades. Eis que um dia o homem acorda, levanta de sua cama, caminha imponente, senhor do seu lar. Vai até sua sala de troféus observar seu rebento. Quando chega, se depara com quadros de apenas alfinetes, paredes e pedestais vazios, apenas silêncio onde antes havia o belo. Não tem jeito: a poesia sempre escapa.

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Poética

A poesia é mesmo caso sério: vez por outra vai parar no cemitério. E sempre volta, como um zumbi literário. A poesia brasileira anda broxa, não mata a cobra, esconde o pau e espera ansiosamente pelo próximo edital. A poesia brasileira contemporânea é esquizofônica; uma hora fala duro, na outra difícil (e demonstra pouca propensão a atirar-se de edifícios).

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A poesia brasileira corrente é polida, faz foto pro cartaz, gosta de ser notícia no jornal, do caderno de resenhas, é bonita limpinha, correta e erra pouco. Fuma mas não traga, estupra mas não mata e tá sempre em cima do muro. O poeta? Que se foda! Ele que morra duro.

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Mercadão

João elogiava Marcela que elogiava Renato que elogiava Bruno que elogiava Juliana que elogiava Ronaldo que não elogiava ninguém. João montou uma revista, Marcela um programa de TV a Cabo, Renato comeu Bruno, Bruno comeu um monte de gente, Juliana é resenhista num grande jornal, e Ronaldo caiu no completo ostracismo e se auto-intitula “o poeta maldito da sua geração”

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Pão com Mortadela (à Caco e Berimba, com abraço do “poeta-melancia”)

Ventríloquos de vanguarda

são títeres de ideias velhas. É pura pretensão

não saber que essa peça é sempre re-ence/nada

e o que julgam iconoclasta no fundo é só empáfia.

Seguem tentando gritar ao mundo a sua

beleza & genialidade mas não vêem que na linguagem

refletem a boçalidade. É natural:

arroto de caviar

dado por quem come Pão com Mortadela.

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+

+ Soco

a existência é meu

inteiro alfabeto:

um risco secreto

que só eu sei

se vou me salvar.

é mundo e é tudo

caos profundo

que me inunda. no final, tudo dá certo.

se não deu certo

mete dois raduken no peito e desce na voadora

- sempre dá certo. na poesia é preciso

apelar: para a musa,

profundo,

para o vinho, para o gozo

desde que tudo

fique desperto;

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assim como

na estrada, o

que vale

são as fotos que levamos e aquilo que fica.

peste!

esperneia e tenta

levar o precioso mel da

terra,

rouba

valores,

sentido, direção, tira o sono,

no escuro

a razão:

apenas eco

- você não conhece

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eco

co

o aberto?

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o


passeando no universo pessoas fazem

do desejo seu sonho de consumo,

carros luminosos, amizades a prazo,

estâncias existenciais. mágica é a luta

dos que insistem

e tentam fazer

do trocado milhão, verdade,

brigam com a

e de prêmio

ganham sempre

uma dose de bom humor.

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por quê

o caminho se

por quê? partir

é tão fácil consigo

os outros,

cristais: é

que não há

pote de ouro

no fim, só pirita;

as pepitas

brotam

do chão.

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Jardim Minado

O amor este jardim minado por onde caminhamos abraรงados lado a lado com o inimigo. Este conto de safadas farsa mal contada - mentira reinventada na qual sempre acabamos caindo novamente.

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Olha, olha ali. Do outro lado da pista! Não é ali?! não é ali?! que morreu o coração atropelado por um taxista?

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Desova

nosso amor ĂŠ um presunto:

love me, tender. love me.

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+ ou –

sem cigarro bebidas glĂłria ou doces ilusĂľes privado do direito de ir e vir viver ou mesmo ter prazer neste estar presente sempre mais tudo assim meio ou obrigado menos a ser feliz ter tudo sobreviver no meio desta selva onde se devoram os canibais tentando & tentando fazer algo que nos torne mais humanos 36

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Fumando meu cachimbo

Isto não é poesia Isto não é poesia Isto não é não é

Isto não

Isto Isto

é

é poesia não

é

não é não

poesia poesia

poesia

poesia?

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A Outra Cara

eu não quero ver a outra cara

a outra coisa cara que me desfaz

e não quero entorpecer os meus sentidos com você

o medo do medo é o medo

que tem medo do que tem medo e assim inerte na cama

meu coração se proclama prisioneiro de si

avesso do vício virtude que falta a paz atravessado-me

com a alma ainda em chama

o meu rosto em mim me engana

mas não peço não posso o ócio nem o mínimo nem o máximo

a pausa entre o tapa e o soco encaro lanço a perder

tropeço inverso encontro outro mas eu não quero ver a outra cara 38

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Cicuta

no arroz-feijão de cada dia sempre estar de novo sem sintonia cada hora passar mais lenta vertiginosa as portas se sucederem num labirinto sem sentido o sol nascer mais tarde nessas manhãs estranhas do inverno longas noites fechadas nas paredes camas lençóis estrelas sufocantes jardim minado | Pedro Tostes

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estável desespero respirável ar denso quase em desconforto alinhavado nas ranhuras da alma posta as pílulas não preenchem o vazio o estranho o cinzeiro a poeira que insistem em se esconder nos cantos do armário lacrado tensa retesa verdade vidro de aquário cárcere diante do grande público insistente em aplaudir enquanto admira vísceras expostas ao seu deleite cicuta

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Negativado

É tudo simples, como se não tivesse

solução. Segue adiante, firme e forte. Faz de conta que tanto faz. Mas toda hora a

sala vazia torna duro fingir que eles não estão ali. Parados, imóveis, estáticos e me observando.

Esses malditos fantasmas e seus boletos de cobrança.

Mas é fácil sorrir. Viver demais mais um pouco. Passear no palco como quem pulsa. Mesmo se não for bem assim, a

gente aperta a pasta de dente até o fim pra tirar um restinho. Maldita mania

de fortaleza. Sentinela, bom escoteiro,

sempre alerta, pronto a resolver qualquer situação. Eles apenas observam e riem: são a minha plateia.

Esses malditos fantasmas e seus boletos de cobrança.

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Hoje não, eu tô bem: quase não sinto

nada. Só essa pequena mancha que insiste em existir bem no meio da minha cara. O simulacro vai muito bem, obrigado, até anda dando autógrafos. Pensei mesmo em deixá-lo no meu lugar: faz esse papel

melhor que eu. O problema é que eles não deixam, eles insistem.

Esses malditos fantasmas e seus boletos de cobrança.

Então a gente paga de louco. Procura

refúgio no hospício. Corre e beija na

boca, bem gostoso, a própria insanidade. Baila, gira, aperta a bunda dela. Ela

ri gostoso, mas te nega o último beijo.

Danadinha. E quando você acorda, no outro dia, você sabe quem é que está lá te

esperando, do lado de fora do quarto. Finge que não, mas o saldo negativo insiste em te avisar.

Esses malditos fantasmas e seus boletos de cobrança.

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Magnólia

Todas essas flores

com suas pétalas

pelo jardineiro

encurvadas,

podadas,

tímidas,

oprimidas

que quer

que todas

sejam margaridas

sem saber

que cada flor

tem seu perfume,

e tinge

sua cor que lume

um pedaço

dessa aquarela insólita

da cidade.

em seus vasos

Presas

seguem em comboios

no dia a dia

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para serem vendidas por mercadores

acostumados

de vida

a negociar ações enquanto anjos

na bolsa de valores.

despencam

São commodities nas mãos

que as podam

de suas virtudes

e processam todas

entre as máquinas,

alisando samambaias até se tornarem

marias choronas

e elas esquecem que

cada flor

tem brilho próprio são sóis em

pequenos universos

em cada florada

que se abrem

das outras plantas

no seu jardim.

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Libélula (p/ Lilian)

Paira no ar

alucinado ritmo com seu voo dançante balé. Demônio alado passeando no mato: bela a despeito da sina de inseto. Rasga o ar entre as folhas este helicóptero de guerra a serviço apenas do próprio instinto.

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SĂşbito desce - vertigem e beija o rio a lavadeira. E sequer se pergunta os porquĂŞs.

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Colheita

o poeta se faz em verso e palavra :

é a terra escondida onde germinam absurdos e floresce tudo que esvazia o escuro

o poeta se faz em ver só o que ali não está : falsário perfeito fazendo seu relicário

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o poeta des faz a pรก lavra procurando caco em fato :

joga sem demora essa entranha do sentido neste mundo jรก remido

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Uirapuru (P/ Gabi)

livre

Um pássaro voa

e livre corre

os perigos

dessa vida

canta ao mundo

as alegrias

e desventuras

foge das garras na boca de gaviões

da morte certa

come os frutos

bica as sementes poliniza e cria

novas árvores

com seus cheiros mas volta

e gostos

noite após noite ao

ninho que

criou.

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Não há medo

pois apenas

existe como ave que

o próprio

sobrevoa

sentido

sem razões

ou buscas

sem motivos apenas está sempre na minha

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ou desejos

lá e canta todo dia janela.

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Batalha

giro geral

sampa sitiada

por seu exército repleto

de ralé

o caos o ocaso

o acaso e a casa que cai - é sempre assim

nessa guerra civil

de batalhas

mundanas, insanas,

que se confundem com o concreto das paredes

: o mundo tem sede

precisa mais,

precisa ter atitude

e é impreciso o resultado sabemos apenas pra morte

final

que todos caminhamos

o resto está nas mãos da sorte a cidade é justa

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: aqui a vida não vale nada

independente do preço da tua roupa piscou, pow, já era

não tem vida extra

e nem segundo round

tem que estar ligeiro

mas saber ficar relax

em caso de emergência aperte o verde e siga na luta

viver não é sobrevivência

é sobretudo estar com tudo no ringue, na rima,

carregue suas armas com você

no olhar, verbo e virtude

pra que no dia que o dia findar tenha certeza e firmeza

que foi um guerreiro

em nome de senhor nenhum

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O Coro dos Contentes

não podemos reclamar está tudo uma maravilha: cada um em sua ilha, incomunicáveis em celulares plugados, caminhando desligados, perdidos sem rumo e direção essa prodigiosa geração não podemos reclamar economia nau vagando verdes mares, pleno emprego a garantir uma sobrevivência miserável sem tempo para o que se desvela aguardando um amanhã incerto na angústia estalam tempestades não podemos reclamar produzir, produzir, produzir máquina moendo a todos apertados em latas de sardinha parando no tráfego desinformações nada anda mas rendemos um bom troco a troco de que?

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não podemos reclamar parar, respirar resistência que nos cabe flor que súbito abre não mais refletir o espelho que reflete e reflete e reflete num jogo labirinto sem chegar a lugar algum não podemos reclamar temos sangue, suor, quem sabe até coração belas estórias de amor projetada em telas tridimensionais sem sequer nos atingir não podemos reclamar a ciência garante longa vida; caixinhas de leite com soda cáustica, cada um com a sua: deixam até colorir! só não pode beber, fumar, comer, embriagar-se de prazer vivamos, pois, a contar as faixas da colorbar e não podemos reclamar

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Sorria, Você está na /

saio do túnel e me deparo com a / essa vida que é uma / com seus condomínios reinos e mansões tão ricos e pobres

de espírito / tua estátua da liberdade

vigiada como os bulevares miamescos teu sonho pequeno burguês / essa tristeza

tão latente / todas as cidades de deus que te contornam tua sombra em campo

grande / tua rocinha teu são conrado /

meus 25 dólares 50% off em promoção tuas vitrines / teus shopping centers teus

hipermercados teus cinemas blockbusters / / / as areias ensolaradas com

jovens seminudezas atléticas vaidades

exacerbadas sob o sol da / essa cidade

que só / as nossas chances de viver na / como se a / fosse belvedere pós-moderno com as luzes brilhantes como pirita que fica na / da saia da mãe até os 37 anos enquanto trabalha feliz e contente pra pagar a tequila da / da vida da night

sagaz hardrock in rio cafés na hora do jardim minado | Pedro Tostes

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almoço na praça de alimentação com mais

de 50 opções pra comer a mesma coisa que os outros da / conformidade iludida a

rebeldia nas araras das lojas de roupa tatuadores piercing alongadores pra

parecer a dissonância da / da margem mas é só mais um jeito de ser / comprando

nossa originalidade formatada na imagem da / do underground ao mainstream da / teus faxineiros tuas atendentes caixas de supermercado teus call centers

escritórios elevados quase ao céu da /

por onde passa o aviãozinho com uma faixa anunciando o fim do mundo na / essa / que é a vida na / sorria, você está na /

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Reality Show

ninguém ninguém ninguém

peida mija fede e

todos se divertem

- garden party

everyday -

abraços

dos anunciantes dias

ao sol

que passamos

ao próprio léu se fosse um a open bar

como

céu com direito

sem ressaca moral

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ou problema dental de toda e levantada

a prova

qualquer suspeita

ser levada a cabo e desmedida

até as últimas

consequências será mim

ou

ganha por quer

queira queira

na verdade

neste jogo

de espelhos ato-reflexo

sem nexo

há verdade

é tudo

não dizer não

coisa desfocada

por propósitos

previamente 58

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estabelecidos

(pausa para

os comerciais)

um sorriso

tão brilhante

quase até felicidade

um bom carro

bom motivo

pra abrir um

crediário ganhar

visto de otário

ser perfeito a sua calça novo jeito

e confiante com nova de não

ser nada a não espectador a vida que

ser

da realidade: não tem.

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Chapa Quente

Meio dia

Quarenta graus

Sombras se protegem do sol

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Black Bloc

Escute, beibe,

hoje as ruas estão em chamas mas você não me chama para perto de ti. No prato do dia

vinagre & revolução mas eu só consigo pensar no amor:

por você, por mim,

pelas pessoas do busão,

os velhinhos jogando damas,

os perdidos nas filas da vida. Meu dia não vai azedar

pois a flama que nos arde vai bater em toda porta

mais do que os cassetetes da polícia. E não tem cavalaria

que nos tire a galope desse golpe

do estado de coisas

a que nos acostumaram. jardim minado | Pedro Tostes

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Haja tanta pimenta no ar,

vamos mascar as balas de borracha nos indignar,

tomar a avenida com o nosso ardor pro mundo ver

e a gente mandar ver

neste esquema do horror.

SĂŁo Paulo, 13 de Junho de 2013.

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Vagabunda

a paixĂŁo ĂŠ uma puta sacanagem, e da boa, daquelas

de gozar bem forte, vertiginosamente; prendendo o ar

como escafandristas mergulhando fundo

no vĂŠrtice onde brota esse mar.

putinha, safada,

vagabunda. ĂŠ essa tal poesia gemida no ouvido, entremores,

retorcendo o regozijo, entre noites,

entre todos os

corpos perdidos no fundo da nossa cama.

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Hard Porn

penetro

cada elemento possível : dedo, mão, coxas entre laçadas, boca, língua, cheiro ; você, gulosa, sorve e abduz em sua boca o favo do mel a te temperar com uma alegria infantil e uma fúria indecente enquanto se posta de quatro e pede “bate!”

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; as ancas latifundiárias se expandindo em minha frente enquanto me enfio e domino todo colo do teu útero e cutuco o fundo da sua carne com minha vara em riste seguindo o pancadão , enquanto ardem

; as cinturas , frenéticas

no lombo e avermelham as marcas da mão

- na cara, na cara!

; ela é cada palavrão, nome impróprio,

armageddon, despiste

de deus, próprio inferno

; arde que a alma

menos a pele

se entregando

por qualquer desejo jardim minado | Pedro Tostes

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, adoradora fálica , famélica ; se revira , ergue o torso sobre a cama cavaleira que só , nas pradarias da sua própria pele umedecida pela cachoeira de vertigens ;

ninfa , o calor dos seus domínios saqueados por hordas

, em chama os vales , florestas , você entregue ao próprio fogo ; “o anel que tu me destes tinha prega e se rasgou . foi chorar o seu cuzinho : a vaselina acabou”

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jardim minado | Pedro Tostes


; encaro o

buraco o

co

e fundo do

teu cu aberto lo go

relembro a lua, o astro

nauta lento fincando o

mastro no

solo

iluminado ; as britadeiras na rua sĂŁo mais lentas que meu

estocada,

estocada,

sadismo sodomita,

estocadas as energias,

epicentro do

jardim minado | Pedro Tostes

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teu gozo,

terremotam

e, antes da morte

o corpo que liquefaz-se anunciada

, recebe no rosto o jorro

do chafariz em lava

e lava a cara suja

da porra do amor.

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Gang Bang

Cada pedaço

de ti é sexo,

cada buraco

seu transpira

nariz, orelha, o olho,

a flor e o vale profundo do teu ser.

O gosto de

cada um

que te cerca,

esse bouquet

de falos

ao seu dispor

enquanto devora um por um por um

por um por um

por um a pôr-se como

dentro de você

breves locatários fugazes da sua

oroboro orgástica.

jardim minado | Pedro Tostes

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Depositária do gozo destes

homens que

te fodem

enquanto você come

de cada homem a

parte mais funda

que chama a sua fome. Um era advogado, o outro mecânico, este se

achava rei enquanto

aquele se dizia artista

do sexo, trapezista entre

as suas pernas enquanto o

domador de feras punha

a cabeça na boca do leão,

o bilheteiro, o palhaço,

e a plateia que está

sempre a bater

palmas,

todos cercavam teu mel

como moscas no cio.

Nada na moral

impede seu impulso,

sempre mais, sempre mais,

mais uma vítima

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jardim minado | Pedro Tostes


a se perder na sua

floresta, o talo do

pudor enfiado em seu

botão, no vem e vai da

rainha sentada no trono

sem dono. Enquanto

cresce dentro do

mundo uma vertigem

pornográfica direto do teu útero.

Eram tantos

e ainda assim foi tão

pouco, esse grito

abafado e gemido,

um sentido, um torpor

na quase certa veia

que pulsava enquanto

seu corpo desfalecia

coberto de litros da

espuma noturna como

a chama do teu nome.

jardim minado | Pedro Tostes

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Jorro

o gosto do pescoço se adoça em minha boca que beija a tatuagem em viagem pelas costas que se espalham até o cóccix como o amargo do suor; a bunda redonda e lívida brilha nos meus olhos que afagam enquanto abro as nádegas cheirosas e lambo fundo a rosa indecente que pisca, arisca, e umedece o outro lado que chama; virilha exposta ao arfar das narinas que seguem o ritmo incessante do corpo 72

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que contorce e contorce o sentido do prazer; e logo movimentos ágeis faz a língua sobre o grelo e cada dobra do teu ser; a ponta fálica do palato rápida e leve, asas de borboleta que alçam vôo aos horizontes distantes aonde se encontra o fundo inaudito do universo em você; a erogenia de toda pele acelera, pulsa incessante, a realidade desfaz e jorra de ti como deságue no oceano em que me afogo se te afago e me refaço no teu leito

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Cantiga de Amigo

dois sĂĄtiros no bosque tocavam suas flautas firulim firulim firulim dois sĂĄtiros no bosque trocavam suas flautas firulim firulim firulim a destreza das mĂŁos e bocas que se unem as pernas de bode o torso sempre nu como as sem vergonha que luziam entre as ninfas

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os sátiros brincavam e brincavam eles bebem, eles amam eles pulam e copulam todos os sátiros no bosque então tocaram a mesma canção firulim firulim fim fim

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Alvorada

teu corpo

- alvo-horizonte

traçado em minha cama me desperta esta manhã

despeço-me do sono com desejo e ardor

me desejando um bom dia

e faço do meu

verbo gratidão a dizer o quanto vale

acordar em você

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Estupefato

e este coração que jaz ao meu lado como a lua no céu será que sangra enquanto ama derrama quando perde amadurece ao

sabor do vento será de papel ou tinta de caneta de guardanapo esta rosa será que desmancha quando molha olha esta mancha no firmamento será que é o momento ou

será que já passou eu sei que chorou inda outro dia mas será que restou outra opção de sorriso que soerga essa pinta desse

canto do mundo que é essa boca capaz de

dizer poemas num ritmo que só ela entende será que ela sente o mesmo ou diz esses versos a esmo?

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Cine Estesia

Caminhava pelo pátio do Cine Estesia rumo a alguma saída: eu, minhas fibras e alguns tengus

de

estimação.

ante

pé,

me

desequilibrando aos poucos para não perder

o fio da estrada. Os pensamentos tomavam cerveja no bar da frente, cerveja só: eram tantos e tão ébrios que por dois segundos eu

quase arrisquei ter razão. Risco palavras no

caderno, pareço terno com essas mãos afoitas.

Foi delírio eu juro e peço desculpas se fiz

do som sentido, eu sinto muito; era só – e não é pouco – poesia. Despenco na cadeira e tiro

o cabelo da testa, como se tentasse tirar ideias da cabeça, então peço outra gelada e o

boteco me guarda um teco de vida, penteio e aspiro um pouco mais de inspiração. Ando doido

creio, mesmo quando sentado diante de alguma

grande verdade que ignoro e apenas olho

seus lábios vermelhos se movimentando. Fala,

fala, fala; eu - apenas falo. Devo estar perdendo alguma coisa que não me fará falta

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depois. O relógio insiste em andar pra trás ele

está

me

perseguindo

quer

minha

trajetória inversa, um passado de deixar

qualquer um passado com o tanto que me escondo

e

minto

para

meu

próprio

mito.

Levanto louco e corro para a rua, rouco de tanto gritar essa angústia muda; mas não mudo o meu eixo, eu não deixo me levar tão fácil. Os ônibus me atravessam a alma, mas

não morro, pois ali não mais estava. Me

restava apenas deslizar para casa junto à minha pena.

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Sonar

Morcegos são cegos se

por ecos. toda onda

guiam

E agora para

existe uma ressaca que mata

Elo perdido

no tiroteio

- meu meio -

no peito um anseio,

labirinto, cidade perdida. (Outra dose de

Engulo a seco

vida?)

e sem gelo

ficção

como se amanhã fosse

- só que não

e toda tentativa

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fosse desvão,

pão, vinho,

perdição. Ávida,

a vida prossegue

enquanto eu morcego

meu amor cego, meu ego, meu eco.

Espelho o outro,

dou o troco e

espero a imagem,

reflexo narciso, e sempre vem impreciso

o desejo

que não sou.

Assim caminho ermo

entre

mentes,

sempre em frente - qualquer direção.

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Profissão de Fé (p/ Fernando, meu afilhado)

Sem o verbo,

não haveria luz,

mundo ou você.

A Santíssima Trindade,

apenas uma ideia. E nós nunca teríamos saído

da aldeia.

Porque só no signo é possível

-se.

salvar

Não há

liberdade livro.

maior que a do

Poesia é religare : nela encontro

o que sempre ali esteve,

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escondido.

Dentro de nós

reside

o mistério. E não

há fé maior que a palavra.

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Jornada (p/ Wladimir)

Qual a distância entre as estrelas; uma polegada de olhar, ou anosluz atravessando breu? Bilac delirante as ouvia enquanto cientistas arquitetavam a conquista da lua. Chegar ou não chegar, e onde, com a viagem interestelar - tão longe quanto o espaço ou tão fundo quanto o homem?

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No fim, a questĂŁo persiste: arte e engenho, irmĂŁos siameses com olhar divergente, debatem e reinventam-se nessa jornada que o homem faz de si a si mesmo.

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Aplicação (p/ o CAp-UFRJ)

essas camisas cinzas nas tardes do bairro

não me deixam esquecer o tempo que

não volta, pois

nunca nos abandonou: o cheiro de café

da idalina, o grêmio a nossa forja

as fugas da quadra pela grade rasgada a rampa e os telhados lá do a, lá do b,

as pedras que atiraram e as que atirei

a lagoa continua lá fora

e dentro a vida prossegue não és mais o mesmo nem eu 86

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mas entre nรณs hรก

esse laรงo que constrรณi e lembra o que somos quando a vida cobra

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Paupéria

Onde andará Torquato Neto? Procuro na estante

e num instante - puf! Não está mais lá.

Terá pego seu avião supersônico e ido à Copacabana?

Será que ele algum dia irá Go Back?

Cogito onde esteja

procuro nos armários

vasculho meus segredos não encontro Torquato. Não está no hospício,

nos sapatos, na virtude,

no Piauí. Sem grandes segredos dantes, sem amor

derradeiro ou escorpiões

encravados na carne seca.

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Como dois e dois

são sete um poeta

assim não se repete. Agora procuro onde

Paupéria se esconde

e, finalmente entendo, que fica feito

pedaço de mim.

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Dando Bandeira

Quando eu tinha seis anos Arrumei uma namoradinha

Que dor de coração me dava

Porque a mocinha só queria estar debaixo da mesa da sala.

Levava ela pro cinema,

Pros lugares mais bacanas, mais bonitos Ela não gostava.

Queria era estar debaixo da mesa da sala. Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- A minha namoradinha foi meu primeiro porquinho-da-índia.

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Aos 45’ do 2o Tempo.

A vida, eterno empate.

Jogo rolado na rua.

Descido ladeira.

Pegado na veia.

Firme, de canela.

Sem piedade nem proteção. Toda par

tida é falta.

Sempre uma decisão.

Ouvi dizer que nesse embate

não vai ter prorrogação. Então

bola pro mato que o jogo é de campeonato.

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EpitĂĄfio

Matou um leĂŁo por dia

e disseram que criava galinhas.

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Ponto Final

pouca vontade. para. formalidades. hoje. na verdade. eu. queria. te escrever.

entender. mas não. faço. sentido. tudo meio. travando. meio. caminho andado.

para. se perder. a gente. pagando. pra

ver. e vai. atrás de. qualquer esquina. fazendo. ponto. caçando. uma ponta.

querendo. que esse. frio. saia. daqui

de. dentro. ou lá. de fora. tanto. faz. não tem. café. nem vodka. que esquente. nem. você eu. me perco. em. qualquer

viela. desse. texto no. meio de. ideias. autofágicas. toda. hora me. deparo.

com algum. lugar. desconhecido. e me.

vislumbro. toda essa. porra. cansaço. é só a. chuva. que não. para. incessante.

e a. gente dançando no. tabuleiro. como. peças. aleatórias. como se. houvesse. razão. nunca teve. nada além. disso.

nenhuma. virgula. tudo é. ponto. final.

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Esta obra foi composta em Courier em março de 2014 para a Editora Patuá.

Tropeçou por acidente nos versos, sendo atingido por uma pedra de Paulo. Agora é um Deus ateu, crente nas entidades afro-heleno-brasileiras, e incorporando Dionísio em ocasiões ritualísticas. Já esteve no cavalo de Oxóssi, perdeu-se em Sodoma & Gomorra, mas acredita mesmo é na dúvida. Fez da estrada sua escola, da rua uma casa e da vida o palco.

Tiragem de 1000 exemplares


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