INDICIO
ACEITAM-SE DOAÇÕES, 10 / DEFINITIVO, 11 / QUADRO REAL, 12 / METAFÍSICA INQUIETA, 14 / O ROJÃO, 15 / DESPETALADO, 16 / você é tão bela, 17 / I, 19 / II, 21 / III, 23 / MAIS UM DIA, 24 / PÂNICO, 25 / não é o tempo todo, mas é sempre., 26 /
SÍSIFO, 27 / FALSA NOVELA, 28 / CITY, 29
/ MICRO/MACRO, 30 / MÚLTIPLA ESCOLHA, 32 / LIBERTAÇÃO, 33 / (mensagem na garrafa), 34 / KY, 35 / ARRITMIA, 36 / PONTO SEM RETORNO, 37 / O ULTIMO CIGARRO, 38 / FUTEBOL, 42 / PANFLETO, 43 / (SINA), 45 / O MUNDO MORDE, 46 / hoje, 47 / DECIFRA-ME, 48 /sou fogo presente, 49 / TECNICA(LOGIA), 50 / concordo:, 52 / easy come easy go, 53 / ANJO, 54 / DOROTY, 55 / WENDY, 56 / ALICE, 57 / PREFÁCIO, 58 / FIST FUCKING, 59 / A OLHOS NUS, 61 / CRAVO RAJADO, 62 / NÃO É QUE ERA VERDADE?, 63 / DEVORAS, 64 / EM FIM, 65 / são tantas noites, 66 / A FARSA, 68 / A ARMA DO CRIME, 70
Nas Trincheiras da Poesia Pedro Tostes é um guerrilheiro poético. Perambulando pelas ruas do Rio, de São Paulo, ou por qualquer cidade em que a “Avenida se chama vida”, Pedro e seus companheiros “maloqueiristas” espalham sua poesia em permanente luta contra a rapidez indiferente das metrópoles atarefadas. Seja por meio de recitais públicos, performances engenhosas ou publicações artesanais, eles vêm contribuindo em muito para divulgar a poesia e para mantê-la viva, forte e diversificada, como se encontra hoje em dia. Pedro Tostes sabe bem que “a vida é dura / não tem caô / e nem kaypsilon”. Sabe também que “o mundo morde” e é “desmistério”. Os poemas deste “Descaminhar” revelam um poeta já maduro, expondo de forma bastante direta e impactante a miséria da existência contemporânea nas grandes cidades brasileiras. Com humor e
ironia, Tostes revela a cidade em fotografias ácidas e corrosivas. E expõe com rara sensibilidade as carências e temores
mais
profundos
de
seus
habitantes. Como ele. Como nós (difícil não se identificar). “Me despedaço / esta manhã / será que alguém escutou?” O poeta se pergunta e reage à indiferença dominante com a poesia. Para Pedro Tostes o poema parece ser um instrumento bastante eficaz de vingança.
Assim,
o
jovem
poeta
brasileiro, que se diz “maloqueirista”, ecoa as palavras de Charles Baudelaire, que, no seu Spleen de Paris - Pequenos Poemas em Prosa, pede a Deus que lhe conceda “a graça de produzir alguns belos versos que provem a mim mesmo que não sou o último dos homens, que não sou inferior àqueles que desprezo.” Para Pedro Tostes, assim como para Baudelaire, só a poesia salva. Vamos a ela: descaminhar! Frederico Barbosa
Agradeço à minha família pela raízes e o apoio, à minha esposa Luana pela paciência e companheirismo, aos parceiros de jornada e aos irmãos da Poesia Maloqueirista e a todos que participaram de uma forma ou outra deste Descaminhar
ACEITAM-SE DOAÇÕES
nada do que tenho é meu e o que sou não sou eu - desses retalhos sai o todo que somos um novo emprego a mudança de moveis eletrodomésticos serviço de quarto tudo perfumaria o que fica são os pedaços de história fincados na carne e pele esses registros do que um dia fomos
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DEFINITIVO
estou sempre definitivo até o próximo instante e me consolido ao ser o que não sou a arte é toda feita de contrastes também - a ourivaria do efêmero o sol é o mesmo o amanhecer não há algo que se rompe e algo que se estanca há revolução e calmaria em cada olhar que cruzo comigo não há muito o que fazer só resta acreditar no que é seu e duvidar do mundo
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QUADRO REAL Madrugada do dia 05 de outubro de 2004 1:30 Personagens: Um poeta e um monte de espaços vazios. Descrição da cena: O poeta se posta diante do computador com as luzes apagadas. A luz do monitor reflete sobre seu rosto e brilha em seus olhos. A mesa do computador está bastante bagunçada, com cds, papeis, uns dois livros de poesia, uma cartolina, um calendário, uma caixa de cigarros balihai, um cinzeiro com guimbas, pontas e restos de fósforos e uma caixa de sabonete. A decoração do resto do quarto harmoniza com a da mesa, com jornais, cuecas e roupas sujas no chão. A toalha está estendida na grade da cama suspensa. A biblioteca sempre sente falta de alguns exemplares que passeiam por lugares mis, muitas vezes insólitos.
Estado subjetivo do personagem central: Passeia por incompreensões súbitas da realidade. Subjuga sua lógica diante do absurdo que é a vida. Reflete sobre leituras e vidas que não alcançou. Almeja desaprender muita coisa que não lhe ensinaram, mas todos sabem. Não ser é um caminho.
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METAFÍSICA INQUIETA Minhas cuecas estão todas sujas faz 3 dias. Hoje, foram as meias. A cortina protege minha maldita priva/cidade mas rouba meu sol de manhã. Não há glamour nem o quero busco senso algo. Enrijeço. Torre Mente Ciência -LoucuraE a maquina de moer carne prossegue o seu serviço. Quem se importa com cuecas?
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O ROJテグ silテェncio na cidade de repente um silvo agudo cruza os cテゥus fiiiiiiiiu - boooom um rojテ」o ecoa nas esquinas vazias os cachorros enlouquecem e latem incessantemente os minutos seguintes depois a noite prossegue em sono eu insone
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DESPETALADO pe ta la por pe ta la tรก lรก o nos so so nho
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você é tão bela quanto o balé das parabólicas no céu de são paulo
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I o que fazer? já li 3 livros de poesia e o dia me parece estéril o sol queima a parede branca nesta quinta inexistente o dia quente eu short sem camisa me desfaço deitado no chão o teto parece bonito não há angústia não há mistério não há segredo simplesmente não há (as vezes eu me acho tão repetitivo) melhor escrever um poema
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II o que fazer? já li 3 livros escrevi poema e o dia continua estéril penso possível ser erro de fabricação a falta de algum botão que não senti falta (até então) não me levo a sério na verdade as vezes me pergunto se alguém me leva a sério mas mesmo sabendo ser farsa todo esse clima de seriedade esse pseudodrama auto-indulgente o dia me parece estéril preciso me ocupar arrumar o quarto guardar meias sujas, cuecas soltas, sapatos, livros, poemas, cds, arquivar, fichar, empilhar, lavar a privada, o banheiro, a pia, a cozinha, a geladeira, o fogão, tirar o lixo, lavar a louça, secar os copos, aspirar pó da sala e quarto, produzir, produzir, produzir, esquecer tomar um banho relaxar 21
III volto o dia continua parecendo ter sido estéril a peça que falta não sei mas pressinto tudo os últimos momentos do dia são quase fragmentos o escuro abate sempre metade do mundo agora ainda parece o mesmo momento que de manhã por via das dúvidas deito no sofá em frente a tv e vou dormir quase em paz
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MAIS UM DIA Deambulo. Não sei aonde estou? quem sou? Não há nexo. Descortino. Nada muda. Os lugares iguais. Escuto música de ontem. Sem cores. Sem luz. Sentido. Nem percebi o sol nasceu. Ele morreu. Não consigo ler jornal. Tenho medo. Todo dia. Acordo, durmo. Como, bebo, vivo? Incerto. Paradeiro insano. Não conheço este lugar. Minha casa. Saudade. Não existe. Não entendo. Vida. Estar? Eu dobro uma esquina eu faço um poema. Eu surto. Eu piro. Eu sinto coisas estranhas, eu sinto. 24
PÂNICO Cindido por um instante, busco estabelecer vínculos entre os mundos objetivo/subjetivo - mas o que se reflete é uma paralisia e um terror infundado. Eu sei o que é real, apenas não tenho mais certeza disso. A balança oscila entre variáveis imprecisas enquanto busco algo que me reconecte. O desconforto é notável, mas hoje já não dói tanto. Eu sei que volto, eu sempre volto e se um dia eu não voltar?
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não é o tempo todo, mas é sempre. essas noites vazias macias como se Morfeu tomasse de assalto as horas e os dias e essa penumbra fosse sempre em vigília resguardo a mente do perigo das memórias tentando não voltar ao mesmo lugar sempre não é o tempo todo, mas é sempre. traçando diários da minha insanidade como se fizessem sentido como se eu me levasse a sério como se eu acreditasse na verdade não quero que isso se repita volte atrás se repita fita rebobinada se repita filme clichê já visto se repita amanheceres iguais se repita e nada sobrando se repita o mundo virando pó
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SÍSIFO
o amor (dela) nunca foi meu: era ela que sentia. e por medo de perder em jogo ficou a escravidão pelo impossível assim, sofremos - espiral infinda.
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FALSA NOVELA falsa novela: pretensa cena de cinema. -corta! recortes, pedaรงos. inteiro prossigo. tudo isso. somos feitos assim, meio tortos mesmo.
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CITY de cinza em cinza a cidade reclama sua sorte e chama enquanto alucinados correm os sonhos na avenida que se chama vida
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MICRO/MACRO Crepúsculo no céu da cidade entre edifícios e artifícios de fumaça Nas ruas os carros se atropelam sem saber aonde vão Enquanto isso no meu jardim asformigascaminhamcivilizadamenteemfilaindianarumoaoformigueiro Os carros buzinam As formigas não
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MÚLTIPLA ESCOLHA (poeminha semiótico)
( . ) ( ! ) ( ? ) (...)
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LIBERTAÇÃO ras g uei um po em a em pe da ços
(a sua poesia não cabia mais no papel)
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(mensagem na garrafa) S.O.S. Me deixem. Estou perdido. Favor n達o me encontrar.
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KY a vida é dura não tem caô e nem ka-ypsilon
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ARRITMIA
não não bate forte coração não bate (porque não há descompasso maior no mundo que pulsar) não bate forte coração dias dias lentos rápidos perco o passo - e paro prossegue a procissão incólume segue pastores presos na torre fútil escolho cato palavras e conto me dá um desconto miserável que sou não me vou sem saber desperdício ao certo incerto é o que sei nada sei descarto correntezas levo o descaminhar pare! hora pra descansar tarde inútil vadia entregue ao ócio vicio barato diversão entretanto luto insone insano contra o tempo contratempos invento descarto todo obvio linha reta não apraz a alma nunca tem paz a paz não tem alma nada acalma essa fauna urbana eu fujo corro bem longe dentro esse eletrocardiograma por isso não bate não bate forte não bate forte coração não bate meu sopro coração para. 36
PONTO SEM RETORNO Acontece que é disso que eu ganho a vida. Aquilo que me alimenta a alma é hoje meu pão. Mas como explicar a todos? que o pão é pedra que é água que é ar que é tudo que aí está e que, afinal de contas, não está a venda
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O ULTIMO CIGARRO acendo meu ultimo cigarro há uma imensidão vazia na avenida paulistana só eventualmente se ouve o latir de um cachorro o passar de um carro que denunciam vida fora da janela a lua jaz cheia e reluzente na minha insônia forçada em busca de uma verdade maior cafeína nas veias e um estado despertar gera uma ilusória compreensão a luz do computador ofusca o brilho prateado da noite vã conseqüência busco um local para o cinzeiro no caos da mesa entre músicas não escolhidas e programações do mês passado o cigarro apaga reacendo as letras surgem na tela criando contraste e, em algumas noites, poesia o sono e o cansaço me deixam alto mas não me elevam ao sonho não desespero sempre há algo mais para pensar
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o poeta é definitivo mesmo diante do indefinido e se julga possível (será?) o cigarro apaga novamente mas seu cheiro é forte reluto, persisto no vício o mundo vai mais além do horizonte da minha janela - isso também é ilusão o invisível não existe o ar que respiro só existe em fumaça o gosto de tabaco que invade a minha boca prova! a realidade existe olho pelo vidro o espelho do céu me instiga nessa noite quente de agosto metropolitano me jogo da janela do décimo terceiro andar e salto como gato pelos telhados da cidade nada busco mas exploro cada local cada cama que não deitei vida que não vivi o que não inventei e tudo mais que falta mentira continuo sentado no computador mentira 39
o cigarro apaga de novo sou mais insistente qual a liberdade desse momento além da fuga das garras de morfeu? existiria sentido às quatro e meia de uma terça? jogo meu corpo no espaço vazio do universo e nada acontece eu nem sequer alcanço o chão hoje eu não quero dormir há coisas do outro lado da ponte que eu quero ver e encarar é preciso consciência
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e se nada acontecer? nada parece realidade o tempo me engana e finge que passa um de nós está mentindo acho que não sou eu preciso me concentrar para o instante exato sem mistério o cigarro apaga não vou dormir o poeta é definitivo mesmo diante do infinito que ele quer dominar
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FUTEBOL a bola rolando todos postados em suas legítimas posições: ricos, pretos, gays, mulheres, padres (o mundo feito um perfeito balé) cada qual exercendo a sua função o jogo prossegue sem en/traves/. há quem acredite nessa pretensa harmonia mas de vez em quando alguns se chocam. falta, na área. é pênalti. e o cobrador bate na porta da sua casa com a conta vencida do mês passado.
isto é pelé!
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PANFLETO alguém precisa avisar pra todo mundo que existe uma ditadura que todos pensam igual e ai de quem pensar diferente que nos são ofertados muitos modelos e nenhuma oportunidade de não comprá-los que precisamos ser obtusos e previsíveis, rezar a cartilha de “como sobreviver na selva” mesmo que isso nos incomode que não podemos mais ser loucos e inconseqüentes porque isso pega mal pra gente que é preciso uma enorme dedicação em vão que sonhar não custa nada mas viver cada vez é mais caro que não podemos ir pras ruas pois elas estão perigosas que é mais fácil calar e ver tv que protestos mimeografados não são mais lidos que o poeta incomoda que não podemos ser poetas alguém precisa avisar
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(SINA)
Você consome feijão, ovos, chocolate, coca-cola, chás, água mineral, consome banhos, roupas, mertiolate, pastas, creme e uma vida natural. Você consome jornal, livros, dvds, cultura, crenças, escolas de samba, consome marcas, idéias, por quês e uma ou outra quase coisa malandra. Você consomerotinaconsomerotinaconsome família, gato, cachorro, consome a cachaça consome o esporro. Você consome a vida que você mesmo assistira e consome o consumo consome você e, por fim, você se consome e vira
um subproduto final.
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O MUNDO MORDE o mundo morde, meu chapa. e sangra. o mundo, este cachorro louco no eterno mês de agosto. os dentes cravados a fundo no fundo são mera brincadeira. o jogo vai mais a fundo, este jogo do mundo. o chato dessa brincadeira é que não dá pra ser criança senão você dança e aí, bau bau, já era, hasta la vista. o prazo a pagar a perder de vista. quem duvida, no fundo, não sabe o que é a vida. veio em brancas nuvens para não fazer diferença, no final esse alguém nem tenta. é duro tentar encarar os duros muros que se põem no mundo - entre o inicio e o sucesso, entre a fortuna e a desgraça, entre as pessoas e o amor, entre você e você. tudo que é sólido desmancha na primeira mordida do mundo. as cicatrizes, essas ficam. no fim das contas todo mundo faz contas no fim do mês, do pedreiro ao chinês, do presidente ao burguês. isso é o mundo. todos nós. e quem morde afinal somos nós. uns aos outros. e isso é o que é mais difícil. é, meu chapa, o mundo morde.
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hoje a noite vai chover como tem chovido os dias sobre nossas cabeças da minha janela verei gotas brilhantes coladas no cÊu falsos diamantes bijuterias de Jaci recolho umas para mim ando precisando dessas dådivas
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DECIFRA-ME hĂĄ tantos mundos que eu queria ser mas eu sou tĂŁo eu (acho) sendo assim incompleto resta tentar ser inteiro por isso a poesia
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sou fogo presente oscilante na marĂŠ dos desejos me resumo aonde me vejo: o mundo e tudo ĂŠ pouco para mim
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TÉCNICA(LOGIA) o balé dos dedos sobre o teclado (maquinas de escrever) é regido pela música do tec-tec-tec contínuo no silêncio vômitos impensados tragédias premeditadas alguma fronteira para se cruzar ? ? ? duvido parece apenas um instante como outros
——>
fotografia plácida de uma urgência
predominaria a técnica(logia) sobre os motivos da arte? os dedos insistem em cifrar >>> um código-morse <<< incompreensível no escuro ignoro os motivos outra xícara de café a angústia prossegue
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concordo: eu fui um canalha quando dei a ela o poema que fiz para a outra, mas foi ela que insistiu. (n達o sabia? que nunca escrevo poemas ao verdadeiro amor. apenas caprichos e desejos)
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easy come easy go me despedaço esta manhã será que alguém escutou?
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ANJO a arte da vida em arte desbanca dinheiro glória fama o medo do que tem medo - Sonhar é inocente o coração quase inteiro (em pedaços apenas a incompreensão) despenca do céu
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GAROTAS PERDIDAS - DOROTY doroty transviada quantos lares encontrou? calcinha manchada olhar horizonte por onde vão os viadutos dourados sua desesperança não há virtude que não se perca neste descaminhar aqui não se vê o arco íris
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GAROTAS PERDIDAS - WENDY és tão pura quanto anjos estupráveis e é belo este teu olhar paisagem desejo queria verteverso mas o que tenho eu não dou no entanto nada fica entre nós essas coisas em queda como corpos que alçam voôs pelas janelas flutuantes antes que o tempo passe em nossas terras do nunca nunca.
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GAROTAS PERDIDAS - ALICE alucinada foge atrás do coelho que a persegue o corpo a vida que muda nada diz onde? se esconde alice eternamente o futuro numa carta de baralho sempre sã assim perdida contando nos dedos as feridas buscando lógica ou saídas ela permanece não se joga não entende nunca mais seremos iguais
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PREFÁCIO para você eu faria o mais belo poema se ao menos quando peço me desses teu amor corpo escreveria na tua carne com minhas unhas versos tão cortantes que tu sangrarias sentindo prazer recitaria ao pé do ouvido palavras loucas cheias de torpor e ousaria chamá-las poesia e quando satisfeita estivesse achando que tudo terminou descobriria então que tudo que se passou era apenas o prefácio
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FIST FUCKING o que eu queria naquele momento era te rasgar ao meio e penetrar dentro de você mão braço cabeça tronco até jazer inerte no colo do teu útero de volta aonde jamais deveria ter saído.
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A OLHOS NUS teus olhos estavam nus meus olhos estavam nus os corpos se entrelaรงavam minha mรฃo nua percorria teu corpo nus os meus desejos afloravam em pele respiro suspiro verdades nuas vida nua momento nu estรกvamos
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CRAVO RAJADO
A mistura de sangue, esperma, latéx, em tua mão -taça da vitóriaformava um perfeito fotograma multicolorido do prazer. Escorria o tempo feito gozo da vulva incandescente em lava testemunhando o momento então. E súbito um beijo cala o silêncio pedindo uma dose a mais de estorvo.
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NÃO É QUE ERA VERDADE? estranho era o encaixe simetricamente imperfeito dos corpos se amando como um cio ininterrupto (ou uma manhã que insiste em nascer) entre palavras e desejos e o roçar de peles quase simultaneamente fluía entre os poucos espaços vazios estática energia que retroalimentava o prazer que gerava desejo que gerava tormenta que fazia os cheiros se imporem e o salgado do suor correr para a tua boca
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DEVORAS minha alma tua nua devorada pedaço a pedaço deglutição de cada espaço em branco do papel a carne poema digerido permaneço em ti
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EM FIM esses enfins sem fins lucrativos tanto faz logo atrás nada mais já despisto descaminho e insisto só conversa nada a beça tô de boa
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são tantas noites a se fingir de dia e são tantas coisas que quebrei em mim eu sinto muito não descanso as horas alongo os instantes na letargia da alma inquieta remoendo as migalhas era era foi e a
bomba era fogo um pedaço exato o instante que perdi miséria que tenho em mim
eu sinto muito existir entre pão e espada capataz incapaz de si dilacerando a poesia dos instantes pra ver se tira do que resta algum sentido e súbito descobrir que o mundo é desmistério ferramenta do óbvio acaso sonho impregnado na matéria e não há despertar eu sinto muito
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A FARSA A verdade é que descobri que sou uma farsa. Minha vida é repleta de personagens que não criei, de coisas das quais eu não preciso, de mentiras que sempre sustentei, de paixões que nunca senti, de necessidades falsas, de milhares de pseudoadjetivosobjetossujeitosverbos. A verdade é que isso nunca me incomodou, embora essa sensação sempre fosse presente em mim, pois não acreditava eu mesmo nas minhas loucuras. Mas ainda sim insisti em construir esses castelos de cartas e neles fiz minha morada, mesmo sabendo da iminência de sua queda, e vivi toda a fortuna que o acaso criou, e sustentei as apostas, e banquei o tolo tantas vezes quanto foi necessário. A verdade é que eu não presto, eu sempre soube disso e nunca fiz questão de esconder. Infelizmente os outros não acreditaram e buscaram em mim um espelho que nunca pude ser. E eu, mais tolo ainda, me iludi com a imagem sem nem sequer perceber o quanto era frágil não se ser a si mesmo. Talvez seja por isso mesmo que eu não preste. A verdade é que eu não sei ao certo o quanto sou humano, não mais do que as dores do meu corpo podem me fazer supor, não mais do que os cheiros que emano, e talvez por isso eu brinque com a fragilidade do meu corpo vivendo os excessos que posso. Busco os limites, tomo todos os prazeres que a vida
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me oferece em múltiplas doses e depois despenco do mais alto apogeu, tal qual Ícaro, porém sem a mesma poesia daquele que o sol buscou. Eu busco coisas menores, mais fúteis, vendo minha alma por meros trocados, sorrisos de piedade. A verdade é que sou baixo, em mim habitam os piores sentimentos, milhares de loucuras pululam, sinto a insanidade à minha espreita em qualquer esquina e morro de medo dela. Escondo do mundo os meus medos, pois sei que isso seria suficiente para me queimarem no poste, como as bruxas, e também escondo tudo aquilo que não julgo conveniente saberem apenas porque não julgo conveniente saberem, afinal de contas, porque diabos vocês querem saber da minha vida, minha intimidade, meus mais profundos e escondidos sentimentos. A verdade é que sou poeta, e acredito que todo esse sentimento tem origem nessa maldição que carrego em meu peito - não, em minha mente!-, nesse reinventar a si mesmo o tempo todo, nessa maldita necessidade de sentir o que não se sente apenas porque se sente que é preciso sentir o que não se sente para sentir como se sente aqueles por quem não sentimos, e saber que no fundo tudo isso é só vaidade, que não há um sentido verdadeiro nisso pois é apenas mais outra ilusão, outra loucura para o meu rol. A verdade é que não acredito em verdades. A verdade é que isso também é uma farsa.
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A ARMA DO CRIME acendo um cigarro dou mais um gole no absinto o gosto de anis se mistura com a fumaça de repente vejo o Tempo passando faço menção de pará-lo para dizer algumas coisas mas não Ele não parou Porque Cronos o mais poderoso Titã iria dar atenção a um ser cuja espécie Ele ignora? fiquei frustrado por isso escrevi esse poema para matar o tempo ao menos, desse jeito, me senti vingado