Lava jato

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Segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Jornal de Brasília

CIDADES

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EXEMPLO

O homem da nova chance PEDRO LADEIRA

l Empresário já contratou mais de 200 ex-presos em sua rede de lava a jato G Pedro Wolff pedrowolff@jornaldebrasilia.com.br

arcelo Mesquita, dono de uma rede de lava a jato, pode ser considerado um exemplo a ser seguido. O empresário oferece a chance de reabilitação profissional dando emprego para ex-presidiários. Em oito anos, ele que já empregou 220 ex-detentos, sem nunca ter tido qualquer problema com seus trabalhadores Marcelo começou a empregar os ex-presidiários em 2003, após uma conversa com um amigo delegado da Polícia Civil. No diálogo, o policial contava que era comum ver um homem ser preso por um furto e pouco tempo depois ser preso novamente em outro crime semelhante. O argumento do preso era sempre o mesmo: "Ninguém dava emprego, pois todo empregador cobrava o nada-consta criminal". O delegado propôs a Marcelo que ele experimentasse empregar algum ex-detento. Caberia ao policial selecionar quem realmente queria ser reintegrado a sociedade e oferecer a oportunidade no lava a jato . Marcelo lembra que pensou muito nos prós e contras até aceitar a ideia. "Como qualquer pessoa, eu era relutante em empregar ex-detentos. Hoje me convenci que é preciso dar uma segunda chance", admite. Nesse tempo de experiência, ele diz que a história mais marcante foi de um homem que ficou 17 anos em reclusão por tráfico. Ele foi preso em 1997, na época de transição de moedas, e não conhecia o real. No primeiro pagamento, Marcelo lhe deu uma nota de R$ 100 e o homem não

M

conhecia a cédula, questionando a forma de pagamento, para logo depois ficar emocionado. Em outra situação lembrada pelo empresário, ele conta que a esposa e a mãe de um detento foram até o delegado afirmando que o ex-preso voltara ao crime, pois elas acharam R$ 1,3 mil na carteira dele. O delegado telefonou a Marcelo que explicou a origem da soma maior do que o ordenado mensal do ex-detento. Naquele mês, o empresário havia pago participação nos lucros da empresa. Nas oito filiais da rede, Marcelo contrata dois ex-presos em cada grupo de dez funcionários. "Eles têm que ficar do lado de pessoas sem antecedentes para ter boas referências e influências", explica. PRECONCEITO Apesar do sucesso, Marcelo sempre foi receoso em divulgar sua experiência porque a sociedade ainda é preconceituosa. "Os empresários que não empregam ex-detentos, o fazem por medo ou por não conhecerem o lado positivo da experiência. Todo mundo reclama da violência, mas ninguém faz nada", Ele dá como exemplo um cliente que, ao descobrir que alguns funcionários tinham histórico criminal, prometeu nunca mais retornar com medo dos "bandidos" do local. No início, Marcelo disse ter ficado chateado, mas resolveu argumentar com o cliente. "O bandido que o senhor vê está uniformizado, com carteira assinada, desarmado e com a cara limpa. Se eu não der oportunidade, ele vai virar o seu bandido, encapuzado e armado na porta da sua casa". Dias depois o cliente pediu desculpas e voltou a frequentar o lava a jato. Marcelo lamenta que alguns poucos contratados não mudem de vida. Ninguém o rouba, mas alguns já agradeceram a oportunidade e voltaram a delinquir. "Um falou que não nasceu para trabalhar, outro que preferia estar preso porque tinha cama e comida de graça. Mas é uma minoria, felizmente", lembra.

Uma das lojas de Marcelo, onde cerca de 20% dos funcionários são egressos do sistema prisional

SAIBA

+

O Estado de São Paulo tem um programa no qual os órgãos estaduais podem exigir que até 5% das vagas nas empresas vencedoras de licitações de obras e serviços sejam ocupadas

por ex-detentos. Em 2010, pelo menos 9 governos estaduais e prefeituras aprovaram leis que obrigam ou estimulam empresas contratadas pelo poder público a ter uma cota

de 2% a 10% de ex-presos entre os funcionários. O DF é pioneiro na criação dessas leis, tendo aprovado a reserva de 2% das vagas nas empresas vencedoras de licitações em 2008.


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