Comportamento
Comportamento
Soberanas Pedro Wolff Fotos Arquivo Pessoal: Andreia Oliveira e Kátia Monteiro
Quem frequenta encontros de motos as admira. O mundo é redondo para elas diante da paixão por cruzar grandes distâncias sobre duas rodas. Uma mulher pilotando uma moto chama atenção por onde passa. Em cima de uma moto grande então, ela se torna soberana.
E
las podem até estar em menor número, mas impõem respeito. As motociclistas “passeiam” neste ambiente dito masculino. Esbanjam charme, simpatia e domínio sobre a moto. E sua vaidade natural, pois, além de cuidar muito bem de si mesmas, sabem enfeitar suas motos. Nesse universo tão diversificado e distinto do motociclismo feminino, cada uma curte sua moto à sua maneira. Kátia Monteiro, 48 anos, é uma delas. Música, ela carrega seu violão de sete cordas acoplado em sua Harley Davidson. Caso você a veja no trânsito pode parar e “viajar” em todos os detalhes da sua moto. Tem
retrovisor que imita a mão de uma guitarra, detalhes cor de rosa, entre eles uma flanela, e várias bolsas para guardar suas várias coisas. Para Kátia, que pilota desde os dez anos de idade sem nunca ter caído, a moto é uma terapia. “Desde pequena eu sonhava em ter uma moto por causa do Elvis. Eu tive várias marcas e estilos, mas somente aos 40 anos fui conquistar a minha Harley”, disse. Esta possante, por sua essência, remete ao grupo dos estradeiros, e essa motociclista diz que começou a tomar gosto pela estrada quando, em 2007, foi até o Chile. E só foi possível porque na época comprou uma Shadow 600 cc. “Peguei ela na época e fui me arriscar pelas Cordilheiras. Éramos 11 homens e duas mulheres e a minha moto era a menorzinha”, diverte-se. Após essa primeira experiência na estrada, Kátia resolveu arregaçar as mangas e comprou uma Harley Davidson Rold King Classic 1.700. Desde então, vem colecionando viagens que podem variar de Aracaju (SE) a Laguna (SC), além de diversos encontros de motos espalhados pelo
Brasil, quando vai tocar com sua banda. Somam-se ao currículo desta veterana motociclista duas passagens pela mítica Rota 66 nos EUA, onde adquiriu um brasão cor de rosa da lendária rota. “Isso é a mostra viva de que o motociclismo feminino vem crescendo não só aqui, como no mundo. Antes não existia essa coisa”, diz. Adentrando neste tópico, ela explica que moto é coisa masculina com acessórios pesados e, mesmo com uma bota de salto, ainda fica presa nesta dicotomia de gêneros. Mas o diferencial é que hoje ela encontra jaquetas que realçam as curvas femininas. Esses diferenciais encontrados hoje em dia, explica a motociclista, refletem a evolução da mulher na sociedade em mais um ponto. Essas características femininas são admiráveis, mas não podem se chocar com a segurança ao pilotar. Kátia diz preservar um medo pela moto no sentido de alimentar uma prudência para evitar acidentes, mas, quando está pilotando, usa sapatos baixos que lhe deem firmeza no chão, pois na hora da emergência não é legal se apoiar em um salto alto, além de ser proibido por lei. “É lindo, mexe com nossa parte feminina, mas não vou arriscar minha vida”, encerrou o assunto.
Garupeiras X tradição “Por que só mulher tem que andar na garupa? Nunca vi um homem na garupa de uma mulher em todos esses anos”, dispara Kátia Monteiro. Ela avança nessa discussão, dizendo que nos motoclubes há um machismo enraizado em uma tradição pela qual existem organizações onde as mulheres devem ficar afastadas, nem mesmo andar na garupa dos maridos 18
é tolerado. “Mas hoje os esposos das minhas amigas estão se flexibilizando, pois aos poucos os motoclubes estão mudando essa mentalidade”, diz. Ela própria, na condição de motociclista, diz não ingressar nesses grupos porque algumas regras não lhe agradam, assim como a obrigatoriedade do uso do colete, “não que ele seja feio”. E mesmo motoclubes femininos são poucos, garante Kátia: “aqui no DF temos as Guerreiras, as Medusas e as Vulcanas”. Mas a motociclista diz que não há desafio de entrar neste meio tão másculo, o desafio é fazer bem para si própria e descobrir o prazer de pilotar uma moto. “É como uma terapia e brinco que vai até fazer bem para os maridos deixar as mulheres pilotarem suas motos”. Já sua colega de estrada Andréia Oliveira, 40 anos, gosta de pertencer a um motoclube e por conta disso é conhecida como Andréia Vulcana. A motociclista diz que não vê diferença entre os colegas homens. “Temos a mesma sensação de amizade e estradas. E de igual maneira, nós usamos as motos, seja por hobbie ou por trabalho”.
Andréia diz ter fascínio pelas motos. Desde os sete anos sabia que era isso o que queria. Teve sua primeira moto aos 20 anos, uma XLR 125 Trail. “Na época havia feito uma boa grana com vendas e escolhi uma vermelha de banco roxo, bem feminina. Depois disso não parei mais, tive esportiva, big trail, corri no autódromo e agora ando em uma custom”. Ela diz que se pudesse teria todos os estilos de motos, mas hoje tem uma Harley 883 que usa para ganhar tempo no trânsito. Mas, na sua condição, moto é hobbie, porque não dá para comprar uma todo mês. E diz já ter feito suas gracinhas, mas sua tocada é conforme o estilo da máquina e que não tem medo, mas sim respeito por ela e pela sua própria vida. Sobre o número inferior de motoclubes de mulheres no Brasil, Andréia afirma que cada grupo tem suas características culturais, mas na relação entre mulheres necessita de mais afeto e a amizade entre elas torna esse meio mais familiar, enquanto os homens convivem mais com aquela amizade forte e regras de estatuto. “As mulheres precisam de um laço de amizade mais forte, porque são sensíveis, têm instinto materno e acho
que isso dificulta a multiplicação de moto clubes femininos”, opina. Mesmo com esses números contrastantes, Andreia considera que este gelo vem sendo quebrado e um avanço nesse sentido é que o maior encontro de motociclistas do Brasil, o Brasília Moto Capital, terá nesta edição pela primeira vez o “Espaço Mulher”. Ela diz ter percebido que faltava esse espaço, e só via as mulheres sentadas na garupa enquanto os homens bebiam. “Lá terá bistrô, butique, SPA, lounge e muitos pufes”. Andréia diz que iniciativas como essas são interessantes para conhecer a história dessas mulheres que vêm de tão longe e mesmo para fortalecer a cena nacionalmente, com as tecnologias que nos aproximam. Porque, reforça, “não adianta apenas ter um brasão nas costas e dizer que participa de motoclube, a intenção é ter o motociclismo reunido”. Sobre o motociclismo em geral, Andréia é muito otimista com as próximas gerações. “É uma cultura que vai se fortalecendo a cada geração. Hoje as crianças ganham minimotos e na sua época eram mobiletes.
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