Personagem
Por: Pedro Wolff | Fotos: Victor Hugo Bonfim
Uma vida atendendo
a capital
Um exemplo de dedicação de um médico pioneiro que jamais deixou de amar Brasília e sua gente
H
oje com 80 anos, 53 anos deles em Brasília, o médico Célio Menicucci já atendia a população da cidade antes mesmo da inauguração. Este pioneiro que viveu cada década da cidade se dedicou à reumatologia e atende ao público em seu consultório no Setor Hospitalar Sul (SHS).
48
PLANO BRASÍLIA
Mas o que muita gente não sabe é que a história de vida deste mineiro nascido em Lavras (MG) mostra detalhes da história da capital que, sem a sua memória, se perderiam. Com 26 anos, Célio Menicucci chegou a Brasília em 1958, dois anos antes de sua inauguração.
Ele, como os candangos da época, vieram movidos pelo espírito de aventura e acreditando que aqui seria o berço do Brasil moderno. Hoje em seu consultório, ele diz com muita felicidade que essa visão se realizou. “Brasília é hoje um polo importante. Não somente por definir a política nacional, mas pelo seu comércio e indústria”. Logo que chegou ao canteiro de obras que era a capital, sua primeira instalação foi em um acampamento na Cidade Livre, atual Núcleo Bandeirante. O pioneiro lembra que quatro pessoas ficavam alojadas em dois beliches por quarto. “Nessa época Brasília era uma terra virgem, onde o que se viam eram os Jipes, e para quem não tinha, lhe restavam os ônibus. E o trabalho era incessante de sol a sol”, lembra. Seu primeiro trabalho foi no hospital do extinto Instituto de Aposentadoria e Pensão Industriais (IAPI, atual INSS). Ele se lembra de como a carga de trabalho era puxada: 11 médicos para atender cerca de 80 pacientes por dia. “E você tinha que fazer de tudo, pois não havia especialistas. Éramos todos policlínicos. Atendíamos partos, pequenas cirurgias, obstetrícia, pediatria entre outros”. Com uma cidade em gestação, era de se esperar que a maior demanda no hospital fosse de acidentes de trabalho. Célio lembra que de onde mais vinham acidentados era da construção do prédio do anexo do Senado. “Recebíamos pacientes diariamente, e eram acidentes gravíssimos, entre fraturas e traumas cerebrais”. Lembrando que nessa época o Senado era uma estrutura metálica de 28 andares, toda vazada, e que os operários pareciam não ter muita noção de segurança. Muitas amizades foram construídas na época, inclusive com o personagem mais ilustre da cidade, o presidente Juscelino Kubitschek. Célio foi amigo íntimo do então presidente e da Dona Sarah. “Juscelino era uma pessoa afável, risonha e que nem parecia ser presidente”, diz. Ele complementa que JK tinha grande
poder de aglutinação e era um líder com todas as letras maiúsculas. Já Dona Sarah era mais reservada, mas tinha o coração bastante aberto, sempre tratando com muito respeito os candangos. Amizades à parte, Célio e JK se conheceram de uma forma inusitada: ele estava de plantão no hospital, o telefone tocou e a pessoa do outro lado da linha disse que era o presidente; Célio respondeu prontamente que era
Éramos todos policlínicos. Atendíamos partos, pequenas cirurgias, obstetrícia, pediatria entre outros o Papa. Mas tudo foi resolvido sem maiores percalços. JK pediu-lhe para que fosse examinar o seu cunhado, o então deputado federal Gabriel Passos. O diagnóstico: crise aguda na vesícula. Gabriel Passos, JK e Célio Menicucci foram às pressas para o Rio de Janeiro, onde o doente foi operado. Voltando a comentar o início da construção da cidade, o médico lembra o entusiasmo geral que todos compartilhavam, candangos e autoridades. “Era uma batalha campal, no bom sentido. Todo mundo trabalhando com muita improvisação. Tudo para deixar Brasília pronta para a sua inauguração, que viria dois anos depois. “E a inauguração de Brasília foi uma apoteose. A cidade se povoou”, lembra com entusiasmo. Vieram pes-
soas do mundo inteiro. “Nessa época eu já morava num prédio JK na 412 sul. Eu me lembro que a Novacap distribuiu colchões para receber os visitantes. Somente no meu apartamento, oito pessoas ficaram hospedadas, espalhadas pela sala e quarto”. Depois da inauguração, o pioneiro garante que o entusiasmo continuou para os candangos trabalhadores. Uma das contribuições que Célio Menicucci fez para a cidade foi a fundação da Sociedade de Reumatologia de Brasília, em 1966. Ele também foi secretário de saúde em dois governos. No início da cidade, o atendimento médico era estruturado em postos de saúde e as complicações maiores eram encaminhadas para os Hospitais Distritais, sendo que o primeiro é o atual Hospital de Base de Brasília (HBB-DF). Ao comentar a atual situação da medicina na capital do país, o médico garante que se nosso sistema hospitalar não fosse sobrecarregado, com demandas vindas de outros estados, “com certeza seria a melhor do país”. Mas não são somente os louros na cidade que Menicucci acompanhou. Ele diz que o a doação indiscriminada de lotes ocorridos na década de 1980 deixou a cidade caótica. Isso, segundo ele, piorou o sistema de saúde, como também criou o caos social. Ele reforça suas palavras com o pensamento de Oscar Niemeyer, com quem também conviveu na época de construção de Brasília. “Ele tinha em mente que Brasília fosse uma cidade exemplar, dentro de um critério administrativo. Como Washington, nos Estados Unidos. Uma capital estatal, não essa metrópole que é hoje”. Hoje ele vê que Brasília está em um desenvolvimento além de sua capacidade. “Mas aqui o horizonte é amplo. A cidade vai comportar esse boom demográfico”. E conclui dizendo se sentir envaidecido por ser um pioneiro e viver nessa cidade onde criou seus três filhos e seis netos. Ele se diz cada vez mais satisfeito por ter escolhido Brasília para viver.
PLANO BRASÍLIA
49