RAUL CÓRDULA zaccara

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Zaccara Arte e Arquitetura

RAUL CÓRDULA 1981


Projeto Grรกfico Pedro Alb Xavier


Zaccara Arte e Arquitetura

RAUL CÓRDULA 1981


VAMOS SOLETRAR O IDEOGRAMA? ou DO TEMPO, DO MITO E DO OUTRO Rênio Assis de Araújo “Em efecto, estos miembros Del arbol de la muerte no se conocán entre si, y no tenían noción de su mútua existência. Pues cada uno de ellos no conocía nada aparte de su própria voz y veían (solamente) lo que estaba ante sus ojos. Cuando algunos (de ellos) gritaba (lo) oían. Al percibirlo se lanzaban impetuosamente hacia la voz. No conocían nada más”. Fragmento maniqueu recolhido por Severo de Antioquia1 Que universo se estende ante nós? Se sua verdadeira natureza é benéfica, como se revela tão lacunoso, tão esquivo em sua complexidade? Co desespera a incapacidade de abranger sua ilimitada finitude. Os maniqueus imaginaram para raça humana um destino de expiação em um mundo governado por um espírito maligno, inimigo: o mundo da matéria sob a regência do caos. De que outra maneira imaginar um mundo que se esquiva ao logos, à ordenação calma e pacífica das palavras e das coisas? A ciência pretende um conhecimento claro e ordenado do mundo natural. A arte é mais sutil,

Pintura, 1981 Acrílica sobre tela - 25X30cm Coleção Elizabeth Kawamura.


mais particular em sua fruição, em seu hic et nunc, naquilo que lhe empresta seu caráter de unicidade: sua condição de atingir em particular a cada espectador, de falar de coisas que esquecemos, que esquecemos, que esquecemos. O que esquecemos? Que vamos procurar na arte? Para Baumgarten, o objeto de arte seria “uma representação confusa, sensível, mas perfeita”. Representação do mundo. Que mundo é este? Que tempo o governa, se governa, um tempo que não é nosso? Deuses, demônios, avatares, arquétipos: as religiões, as doutrinas esotéricas, a psicanálise, já se entregaram à exploração deste mundo. Dele já temos histórias, geografias, gramáticas, muitos relatos de viagem. Os despojos dos exploradores: objetos, canções e poemas de estranhas, infinitas formas. Se todo tempo é eternamente presente (Elliot), que espaço, que realidade física (?) abriga essa terra mítica do Inconsciente (para usar a terminologia freudiana)? Podemos considerar duas realidades que se Combinam, num nível de complexidade inimaginável: a individualidade biológica e a existência social do homem. Como comunicar então? Como falar, traduzir-se, conhecer sequer a si próprio? O cérebro humano é um computador de 10 trilhões de bits. “Uma representação confusa” talvez seja inevitável na arte, ao tentar exprimir realidades tão complexas através do sensível. Arte e mito como busca do sentido: na aproximação da arte moderna com a ciência podemos enxergar (na direção do ideograma?) o caminho de um futuro conhecimento totalizante, sem taxonomias e generalizações. Antonio Dias: “toda redução ou ampliação é uma forma de acomodação”. Pascal julgava que o mais engrandecedor e doloroso da condição humana era “o fato de viver ao meio de um cosmos secreto, incompreensível em sua finalidade, um cosmos que penetra pelos estreitos poros dos nossos sentidos”. Na Árvore da Morte, experimenta-se a mesma situação: o conhecimento se oculta, dilui-se o sentido. Lançamo-nos na direção da voz do Outro, impetuosamente na direção de seu discurso, se o ouvimos. Não conhecemos nada mais. “Las obras de arte son provocaciones. Nosotros no lãs explicamos si no que polemizamos com ellas. Lãs interpretamos de acuerdo com nuestros próprios fines y aspiraciones, transladamos a ellas um sentido cuyo origem se encuentra em nuestras próprias formas de vida y hábitos


mentales; em uma palabra, de todo arte como el que se hallamos em uma auténtica relación, hacemos um arte moderno”. Arnold Hauser2 “Mitos são coisas que nunca aconteceram mas que sempre existiram”, dizia Salustius, já no século IV, antecipando-se à tendência moderna que tende a considerá-los menos produto da imaginação delirante dos primitivos e mais como “metáforas de alguma sutileza sobre algum assunto difícil de descrever de outra maneira” (Carl Sagan). Essa concepção do mito, que deve a Vico sua primeira formulação mais completa, foi retomada mais recentemente por Durkheim e Lévy-Brhul e, a partir das descobertas de Freud, encontra na psicologia arquetípica uma forte base de apoio. Se Durkheim afirmou que o mito tinha como verdadeiro modelo não a natureza, mas a sociedade, e que este é, em todo caso, a projeção da vida social do homem, Jung tentou mostrar que ele é também a projeção dos conflitos interiores da mente, conflitos que vêm à tona sempre de forma mítica, velada, metafórica. Em nós está enterrado o nosso passado, a construção da consciência (como espécie e indivíduo) está em perpétuo reproduzir-se na mente. A arte, a percepção simbólica, são instrumentos imprescindíveis para a compreensão do mundo, para a apreensão do seu sentido oculto. Assim podemos compreender o percurso de Raul Córdula como artista, uma contínua experimentação com elementos simbólicos em aparente anacronismo: aqueles que são de nossa vivência contemporânea e aqueles que remontam a outro tempo e outra cultura, ao místico, ao supostamente irrecuperável. O trabalho com os símbolos (quiçá fenícios) gravados na Pedra do Ingá, toda a práxis daí resultante se inscreve no campo da pesquisa de linguagem, de uma linguagem própria, que se retoma em várias formulações ao longo dos anos. Nas experiências com triângulos (para alguns, a marca registrada de Córdula); com os hieróglifos do Ingá; na desmontagem de uma frase do cotidiano que refrata graficamente em outra linguagem, Raul vem apresentando o desdobramento e a evolução de uma mesma proposta estética básica: o símbolo como articulador de linguagem e de conhecimento.


“Compreender uma sentença significa compreender uma linguagem. Compreender uma linguagem significa ser senhor de uma técnica”. Nas palavras de Wittgenstein, a dimensão da obra de Raul: é o resultado de um trabalho técnico, de alguém bastante familiarizado com as diversas técnicas e tecnologias expressivas do nosso tempo, na consecução coerente de uma proposta estética. Contemporânea? Não importa: o tempo dos símbolos é o continuum psicológico, alheio à cronologia. Ou, no dizer de Ezra Pound: “é perfeitamente obvio que nem todos nós vivemos no mesmo tempo”.

1 – Citado por Henri-Charles Puech in Satán: estúdios sobre el adversário de Dios, Editorial Labor, Barcelona, 1975 2 – Teorias del Arte: Tendências y métodos de la crítica moderna p.9, Ediciones Guadarrama, Madrid, 1975

BORBOREMA, 1975 Serigrafia monoimpressão - ½ folha Coleção Cláudio e Betty Córdula.


Zaccara Arte e Arquitetura 1981


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