RAUL CÓRDULA arte galeria

Page 1

Arte Galeria

RAUL CÓRDULA 1984


Projeto Grรกfico Pedro Alb Xavier


Arte Galeria

RAUL CÓRDULA 1984



A IMPORTÂNCIA DA EXISTÊNCIA DE UM ARTISTA COMO RAUL CÓRDULA Tenho admiração muito grande pelos artistas que levam a sério o século XX, embora por ele ninguém tenha passado incólume, mas nem sempre assumido. A maioria é bafejada por essa ou aquela tendência; temos algumas idéias e nos aproveitamos de sugestões de uma ou de outra escola, misturamos este e outros séculos, este ou aquele artista, sem abandonarmos acomodações antigas, presos à descrição realista da natureza, saudosos de belas paisagens, figuras e objetos evocados por uma pintura com o rabo preso ao mundo visual que nos cerca. Mudam-se os arreios, mas a montaria é a mesma. Já estamos nos últimos anos do século XX e ainda atolados no XIX. E agora ainda mais, como se, neste finzinho de século nos arrependêssemos de a ele pertencer. Como se tivessem sido loucuras da mocidade, superficialismo de adoção de modas as grandes conquistas da Arte Moderna – que escrevo aqui com muito respeito em maiúscula –, uma delas a arte abstrata, e no ramo da arte abstrata, a construtivista ou geométrica.


É um final melancólico, principalmente para nós que nascemos nas primeiras décadas, e o final do século coincide com o das nossas vidas. Essa desistência tem cheiro de suicídio. Por isso Raul Córdula, a sua firmeza, a fidelidade a si próprio, a fé intacta, nos estimula e sustenta. Tenho grande admiração pelo artista que continua a ser ele mesmo, haja o que houver. Os que não perdem de vista a si e encontram, dentro da sua própria obra a esta altura. Fonte inesgotável de interesse. Essa fonte de interesse que a sua obra é para ele, também inesgotável será para nossa região, onde até sobreviver como bicho é difícil, imagine como artista, íntegro e do mais alto nível. Na nossa região é raro o geômetra puro, a arte que sai do puro prazer estético e intelectual. Geralmente o nosso artista adota uma novidade passageira que está em moda no Rio e São Paulo, mudando quando a moda passa, qualquer que ela seja, ou recua para umas artes convencionais, acadêmicas ou primitivistas. Raro é quem se detém num caminho consciente e pessoal, sem medo de ser taxada de pretensioso, sem medo de se medir com qualquer artista da Alemanha ou da China – já que a arte é universal. Perguntado sobre “arte americana” o pintor norteamericano Jackson Pollock respondeu que achava tão estranha essa idéia de “arte americana” como a de uma “matemática americana”. E Volpi disse com uma simplicidade genial que arte brasileira é a que se faz no Brasil. Eu, José Cláudio, por exemplo, pinto coqueiros e mar, mulatinhas brincando carnaval porque gosto, ou talvez por falta de melhor inspiração ou lei do menor esforço. Mas as pessoas, os artistas, não têm de ser iguais, independentemente do lugar onde vivam. A noção de lugar, de região, de cultura regional e popular não deverá ser procurada somente no óbvio. O fato de pintar caju ou carro de boi não transforma impso facto um artista em brasileiro. Aliás o turismo tem incentivado o artista local a produzir uma arte para ser levada pelos turistas como troféu, como levam na África patas de elefante transformadas em pufs. Mas é possível identificar na pintura de Raul Córdula traços desse nosso mundo local, como a geometrização dos frontões das casas do interior e periferias urbanas do Nordeste, como a geometrização das pinturas de barracas comentadas em trabalho escrito e pinturas de Montez Magno. Como a simbologia de Candomblé dos quadros de Rubem Valentim ou a possível referencia africana da obra de Sérvulo Esmeraldo (não nos esqueçamos de que o cubismo deve muito à arte africana vista por Matisse, Picasso, Modigliani, no princípio do século).


Eu também acho que há muito misticismo caboclo na cor, nas formas de flecha, num certo ar desagrado dos quadros de Raul Córdula, que às vezes parecem homenagem a Oxossi ou outros santos do Candomblé, mistérios de pajelança, signos cabalísticos, sete-estrelos de catimbó, nas cores simbólicas, num mau gosto consciente de dourados e prateados que têm a ver com trajes o objetos rituais naquele ponto de confluência entre religiões e folguedos populares. Suas séries lembram baralhos de cartomancia. As casas para onde se mudam de vez em quando – aqui em Olinda, de dois anos para cá, já conheci umas três – ganham, talvez sem que ele perceba, um aspecto de tenda de feitiçaria ou peji. As infinitas combinações de seu rigoroso alfabetos de figuras geométricas lembram a oração das 13 palavras ditas e retornadas que os fiéis, à custa da repetição, transformam em puro som, acima das banalidades do significado lógico. A ascendência européia transformou-se em sebastianismo, na vontade de restauração de uma realeza atávica, num grande concerto imperial a toques de maracatu.

José Cláudio / Olinda, 1984 depois do carnaval










27 de março a 27 de abril de 1984 segunda a sexta, das 10 às 22 horas Arte Galeria Barão de Aracati, 80 - Fortaleza - CE 085 231.8044

apoio


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.