NOSSO
MBANJI Temporada n. 1
Episódio n. 8
"TODAS MÃES JÁ SABEM" Written by
Ngoma Usuku Segunda-feira, 25/Maio/2016
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Email: ngoma_usuku@hotmail.com Facebook: Pelágio Jorge Chaves Seca
FADE IN: 1
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO PEDRITO - DIA
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O PEDRITO, de 28 anos, com expressão séria, está sentado sobre a cama e o MAKA, de 47 anos, com expressão de resmungo, está sentado sobre um banco pequeno perto dele. PEDRITO (sério) Bem, vamos então dar início à nossa reunião familiar e... O Maka interrompe o Pedrito. MAKA (zangado) Eh! E a Isabel não está aqui porquê? PEDRITO Poite, primeiro é contigo, depois é com ela. Quando vocês estão juntos, fica tipo guerra entre Catambor e Sambila. O Maka suspira. PEDRITO (CONT’D) (apontado para a porta) Por favor, mãe grande, toma a palavra. Vê-se a NGAXI, de 17 anos, sentada sobre uma cadeira à porta, com as pernas cruzadas, segurando um maxariku, com expressão imponente. NGAXI (imponente) Muito bem. Vamos então ao que nos trouxe aqui. Antes de mais, apresentem-se. O Pedrito levanta-se com expressão séria. PEDRITO Eu sou Pedro Dikulu, filho do acusado. O Maka e a Ngaxi batem palmas. O Pedrito faz uma vénia e senta-se. O Pedrito faz sinal para o Maka levantar-se.
2. O Maka faz expressão e gesto de que não se quer levantar. A Ngaxi bate o maxariku contra o chão. O Maka assusta-se, levantando. MAKA (sério) Manuel Dikulu, o acusado. O Pedrito e a Ngaxi batem palmas. O Maka faz uma vénia e senta-se. A Ngaxi levanta-se. NGAXI Muito bem. Eu sou Ngaxi Dikulu, juiza nesse tribunal. O Maka e o Pedrito batem palmas. A Ngaxi faz uma vénia e senta-se. NGAXI (CONT’D) (para o Maka) Por favor. Apresente a sua causa. MAKA (resmungando) Vou apresentar um assunto que vocês já sabem porquê? Pra quê? 2
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - SALA DE ESTAR - NOITE
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A BELITA, de 45 anos, está a varrer o chão com uma vassoura, dançando semba. Ouve-se batidas fortes na porta. Assusta-se. BELITA (medrosa) Ehe! Batem novamente a porta. BELITA (CONT’D) (medrosa) Será que é a Pancha que veio me matar? Batem novamente a porta. A Belita foge para a cozinha. BACK TO: 3
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO PEDRITO - DIA O Pedrito está sentado sobre a cama e o Maka está sentado sobre um banco pequeno perto dele.
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3. A Ngaxi está sentada sobre uma cadeira à porta, com as pernas cruzadas, segurando um maxariku, com expressão imponente. MAKA (resmungando) Eu aqui não vou falar coisas desnecessárias! NGAXI (autoritária) Ordem no tribunal de menores! Faz apenas o que a juiza disse! O Maka cruza os braços com expressão infantil de resmungo. MAKA (resmungando) O assunto é que... a vossa mãe não me respeita, então... não lhe dou confiança. PEDRITO E o menino Manuel acha que essa é a melhor forma de resolver o problema? MAKA (orgulhoso) Até agora, estou a ver que sim... NGAXI Menino Manuel, não acha que assim estás a se comportar tipo inda és criança? MAKA Criança não recebe salário pra divertir o fígado com cerveja. NGAXI Então, essas coisas que vocês andam a fazer de ficarem sem se falar é coisa de quê? PEDRITO De criança. NGAXI Essas coisas que vocês andam a fazer de discutirem sobre de quem é o cadeirão ou de quem é o mosaico é coisa de quê?
4. PEDRITO De criança. NGAXI Então, se vocês deixarem de fazer essas coisas e se entenderem, vão estar a fazer coisa de quê? PEDRITO De criança. Digo: de mais velho! MAKA (zangado) Não quero saber disso! Desde que eu esteja bem, está tudo bom. 4
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - COZINHA - DIA
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A Belita está a varrer o chão com uma vassoura, dançando semba. Ouve-se batidas fortes na porta. Assusta-se. BELITA (medrosa) Mas esse então é quem que está a me perseguir? Batem novamente a porta. A Belita foge para a sala. BACK TO: 5
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO PEDRITO - DIA
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O Pedrito está sentado sobre a cama e o Maka está sentado sobre um banco pequeno perto dele. A Ngaxi está sentada sobre uma cadeira à porta, com as pernas cruzadas, segurando um maxariku, com expressão imponente. NGAXI E os teus filhos? Achas que eles estão bem assim? MAKA Essa é uma pergunta que os meus próprios filhos é que têm de responder. Cada um com a vida dele! Eu estou felicíssimo! PEDRITO Se estás mesmo feliz, não achas que a moite está mais ainda?
5. MAKA Ela? Duvido! PEDRITO Ah, é? Ando a lhe ver a mexer no telefone e a rir à toa. O Maka faz uma expressão de espanto. PEDRITO (CONT’D) Até já assobia quando está na rua a falar com os vizinhos. MAKA (zangado) Xe! Assim é o quê? Ela arranjou outro? NGAXI Ah! Vai te esperar? MAKA Xe! Onde já se viu isso? O Maka levanta-se e anda em aproximação da porta. MAKA (CONT’D) (gritando) Ó Isabel! O Pedrito e a Ngaxi levantam-se e fazem-no sentar novamente. MAKA (CONT’D) (gritando) Isabel! Vem cá! NGAXI Ordem no tribunal de menores! O assunto ainda é contigo. Não é com ela. MAKA Já não quero saber disso! Agora ela tem que me ouvir! Isabel! NGAXI Menino Manuel, vê só os teus filhos. Eu e o Pedrito estávamos sempre a discutir, agora olha pra nós... MAKA (cínico) Continuam a discutir.
6. PEDRITO (animado) Ya, mas a ganhar muito kumbu! A Ngaxi mostra os brincos e as pulseiras de ouro que ela está a usar. MAKA Oh! Vocês querem que eu ganhe dinheiro com a vossa mãe? Vou lhe vender a onde? E, mais importante, quem vai aceitar lhe comprar? A Ngaxi solta um muxoxu. PEDRITO Não é isso, velho. Quer dizer, menino Manuel. Fala com ela... e quem sabe... tudo se resolve. Xé! Nunca!
MAKA
PEDRITO Tenta! Mostra que você é adulto e que não gostas dessas brincadeiras de criança de ficar sem se falar. O Maka suspira e abaixa a cabeça. Tá bom...
MAKA
O Pedrito choca o seu punho contra o punho da Ngaxi com alegria sem que o Maka veja. NGAXI (animada) Então, estamos combinados, né? O menino... não! O senhor Manuel, o meu tata, vai falar com a mama e tudo ficar bem. MAKA (triste) Vou tentar... O Pedrito e a Ngaxi olham para ele com expressão séria. MAKA (CONT’D) Pronto! Vou fazer. A Ngaxi e o Pedrito sorriem. A Ngaxi abraça o Maka.
7. MAKA (CONT’D) (para a Ngaxi) Vai à praça e compra seis maxariku. NGAXI Ehé! Queres lutar com ela ou queres se reconciliar? MAKA Compra só. Vou lhe fazer uma surpresa. Ela vai gostar. O Pedrito e a Ngaxi olham para o Maka com expressão de suspeita. MAKA (CONT’D) Comé então? Confiem em mim. O angolano genuíno sabe como fazer as pazes com a Dona Isabel. NGAXI Vamos confiar então. Me dá o dinheiro. MAKA Você não disse que estás rica com o teu irmão? Compra com o teu dinheiro. Mas...
NGAXI
MAKA Eh! Nada de mas! Vai, ou não há reconciliação. A Ngaxi suspira. Tá bom.
NGAXI
A Ngaxi sai. FADE TO BLACK. 6
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO PEDRITO - DIA O Pedrito está a mexer no computador, sentado sobre a cama, assobiando um hit de kuduru. O Maka entra, mexendo no telemóvel. Pedro...
MAKA
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8.
Velho?
PEDRITO
MAKA Esse dinheiro que vocês estão a fazer é como? PEDRITO O poite está interessado nisso porquê? O Maka suspira e senta-se sobre a cama. MAKA Porque a tua tia São deu à luz e o gajo do teu tio que me ligou disse que vai aparecer lá com oitenta fraldas descartáveis e cinquenta latas de leite. PEDRITO Xé! E o velho vai levar o quê? MAKA É essa a maka. Não tenho nada, então... O Maka esfrega o polegar contra o indicador em jeito de cobrança. MAKA (CONT’D) ... preciso de algo para mostrar para aquele teu tio que dinheiro dele não é nada. PEDRITO (indigando) Cinquenta latas de leite? Assim ele está a se armar em mais rico da família? O Maka meneia a cabeça em sinal positivo. PEDRITO (CONT’D) (zangado) Agora eu também quero ir lá lhe humilhar! O Maka sorri e coloca a sua mão sobre o ombro do Pedrito. MAKA (animado) Ya. Agora, me diz, andam a conseguir dinheiro aonde?
9. PEDRITO São umas cenas aí dos taxis que eu comprei... MAKA (sinuoso) Oh! Ah, é? E tens motorista pra todos teus táxis? Nenhum está a te fazer confusão? PEDRITO (sorrindo) Teus documentos estão todos certos, até a tua carta de condução? O Maka meneia a cabeça em sinal positivo. O Pedrito levantase PEDRITO (CONT’D) Então vou ver se te arranjo algo, daqui há pouco volto. O Maka começa a olhar para a gaveta do Pedrito. PEDRITO (CONT’D) Velho, vou sair. Vamos! O Maka levanta-se e os dois saem. 7
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - SALA DE ESTAR - DIA A Belita está a segurar uma vassoura, varrendo o chão, dançando kabetula. O Maka entra com o Pedrito, saindo do corredor dos quartos. BELITA (zangada) Eh! Não estão a ver o que eu estou a fazer? O Pedrito e o Maka param. BELITA (CONT’D) (zangada) Agora vão ter que ficar aí até eu terminar. O Maka tenta passar.
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10. BELITA (rabugenta) Maka, estou a te tentares passar, varrer isso tudo
(CONT’D) avisar, se vou te pôr a com a língua.
PEDRITO (humilde) Moite, me deixa só passar. Estou com pressa. Temos que fazer algo aí pra tia São. O Maka cutuca o Pedrito. MAKA (sussurrando) Não da bandeira, xé! BELITA (admirada, curiosa) Tia São? Querem ir lá fazer o quê? PEDRITO (para a Belita) Nada. (para o Maka) Queremos mesmo ir lá fazer o quê? MAKA Dar parabéns a ela pelo bebé! BELITA (rabugenta) Mentira! Tás é a querer outras coisa. Pensas que não sei? Tua família tem esse hábito! O Maka engole em seco. BELITA (CONT’D) (rabugenta) Quando uma nasce, vão já em kibutu fingir que estão a ir ver o bebé, afinal estão a ir ver se a parede da casa está bem pintada e expirar se compraram mobília nova! PEDRITO (para o Maka, admirado) Isso é verdade? MAKA (constrangido) Claro que não!
11. BELITA (rabugenta) Jura ainda pela tua mãe! MAKA (para a Belita, zangado) É verdade! E depois? (para o Pedrito) Quando você e a tua irmã nasceram, a São e o marido dela vieram aqui dizer que as fraldas que eu te comprei eram pano de chão, e que o iogurte que dei na Ngaxi era kisangwa que fermentou demais. O Pedrito faz uma expressão de indignação. MAKA (CONT’D) Disseram que você ia passar a vida toda a lavar carro e que a Ngaxi ficaria a pedir esmola pra sempre só porque o vosso pai não aguenta vos sustentar. PEDRITO (zangado) Ah, é? Então, deixa eu ir pegar um kumbu e vamos lá. O Pedrito começa a andar em aproximação do corredor dos quartos. O Maka segue-o. A Belita faz expressão de indignação. PEDRITO (CONT’D) (zangado) Vamos chegar lá com aquele meu carro e ainda vou lhes pôr a lavar os pneus! MAKA (animado, para a Belita) Vamos lá, meu filho. Vamos lhes mostrar que, no dinheiro, rendemos em jukulu mesu... O Maka baixa a pálpebra inferior de um dos seus olhos. MAKA (CONT’D) (gozando) ... enquanto outros aqui sofrem de kaboto mesu. O Maka tapa um dos seus olhos. A Belita bate-lhe com a vassoura na cabeça.
12.
Ai!
MAKA (CONT’D) (gemendo)
O Maka e o Pedrito saem, entrando para o corredor dos quartos. A Belita solta um muxoxu. FADE TO BLACK. 8
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - SALA DE ESTAR - DIA Ouve-se batidas violentas na porta. O Pedrito entra, saindo do corredor dos quartos. PEDRITO (zangado) Esse que tá a pensar que essa casa é da mãe dele é quem? Anda em aproximação da porta. PEDRITO (CONT’D) (zangado) Eu quero herdar isso tudo, até essa porta. Vou te... Abre a porta e vê a MANA IA, de 42 anos, elegante e bonita. PEDRITO (CONT’D) (voz charmosa) Bom dia, minha senhora. Em que lhe posso ser útil? MANA IA (voz do mato, calma) Pai, aqui é no banco ou é uma casa normal? PEDRITO (decepcionado) Xé! O que tá a te sair da boca é isso? Queres o quê aqui? MANA IA (humilde) Vim ter com a Ngaxi, paizinho. PEDRITO (para a Mana Ia) Ela não está.
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13. MANA IA Não está como se ainda não é hora dela ir na escola? PEDRITO (zangado) Não está, eh! MANA IA (humilde) Vai ainda lhe ver no quarto, mano, por favor. O Pedrito começa a andar de costas voltadas para ela, enquanto ela abaixa-se, pega a bacia que está coberta por um pano do lado de fora da casa e entra. O Pedrito volta-se e vê a bacia. PEDRITO (gritando) Ngaxi, tua amiga da zunga está aqui! O Pedrito sai, entrando para o corredor dos quartos. 9
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DA NGAXI - DIA
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O Pedrito entra empurrando a porta. PEDRITO (animado) Xé! Estás a fazer o quê? Olha para os cantos. PEDRITO (CONT’D) Ngaxi? Ngaxi? Aproxima-se da cómoda. Abre o estojo de maquilhagem e vê algumas notas de dinheiro. PEDRITO (CONT’D) (animado) Essa mboa está mesmo a se enriquecer na minha custa. Vou lhe levar esse dinheiro, só pra kuyar mais! O Pedrito retira o dinheiro e coloca no bolso dos seus próprios calções e sai. O Maka sai debaixo da cama, aproximase do estojo de maquilhagem e vasculha-o.
14. MAKA (zangado) Pô! Esse gajo me estragou o movimento! Zerou o multicaixa. 10
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO CASAL - DIA O Pedrito entra, empurrando a porta. PEDRITO (animado) Xé! Estás a fazer o quê? A Belita, que está atrás da porta segurando um maxariku, acerta-lhe com o maxariku na cabeça. PEDRITO (CONT’D) (gemendo) Wawe! A Belita larga o maxakiku e abraça o Pedrito. BELITA (surpreendida) Eh! Meu filho, pensei que fosse a Pancha. Desculpa, ya? PEDRITO Nessa casa querem me matar... A Belita larga-o. BELITA (rabugenta) Mas também estás a entrar assim no meu quarto porquê? É as confiança, né? PEDRITO Vim ver se a Ngaxi está aqui. Tem uma amiga dela que veio lhe buscar pra irem zungar juntas. BELITA (rabugenta) Qual amiga? A assanhada da Bibi? Não sei...
PEDRITO
BELITA (rabugenta) Quer me levar a filha onde aquela?
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15. A Belita apanha o maxariku e sai. 11
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - SALA DE ESTAR - DIA
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A Mana Ia está sentada no sofá, com as pernas cruzadas sobre a mesa pequena de vidro, trocando os canais da televisão com o controlo remoto. Há uma bacia coberta por um pano perto da mesa de vidro. A Belita entra, saindo do corredor dos quartos, com expressão zangada. Ouve-se batidas violentas contra a porta. A Belita assusta-se e foge para a cozinha. A Mana Ia levanta-se, anda em aproximação da porta e abre-a. Vê que é a DONA ANA, de 38 anos, trajada de roupas simples, parcialmente rasgadas. A Belita espreita a partir da cozinha. MANA IA (cínica) Bom dia, minha senhora. Aqui já deitaram todo lixo e já lavaram toda roupa. A Mana Ia tenta fechar a porta, mas a Dona Ana, impede-a, travando a porta com a mão. DONA ANA (zangada) Não vim aqui procurar emprego, dona! Vim pedir... A Belita sai da cozinha e aproxima-se. BELITA (rabugenta) Vieste pedir o quê? Se é de emprestar mas a minha máquina de lavar, não! DONA ANA Vim ter com a Ngaxi. BELITA Ela não está. DONA ANA (para a Mana Ia) Então vim dar parte na mãe dela porque quando eu lhe encontrar na rua, vou-lhe bater.
16. MANA IA (humilde) Dar parte na mãe? Não! Viemos mesmo aqui para lhe estragar a cara à frente da própria mãe dela. DONA ANA (admirada) Oh! Não é você que é a mãe? MANA IA (humilde) Não! Eu eduquei bem minhas filha. Nenhuma me saiu matumba! BELITA (rabugenta) Vocês devem estar malucas! Vou vos... A Ngaxi entra, carregando uma mochila às costas, saindo do quintal. DONA ANA (para a Ngaxi) Ah! Ainda bem que chegaste! Senhora Ngaxi, como já sentiste dor de nascer, já te fizeram catorze cesariana, por isso é que tás a me bater a minha filha Mingota, né? A Ngaxi passa por elas, dá-lhes as costas movendo a mão em desprezo enquanto anda. MANA IA (humilde) Eh! São maneiras? A Mana Ia segura a mão da Ngaxi. MANA IA (CONT’D) (humilde) Tá faltar respeito assim na mãe da outra? A Ngaxi volta-se com a mão levantada na direcção do rosto da Dona Ana. NGAXI (rabugenta) Xé! Vou te chegar. A Dona Ana dá uma bofetada no rosto da Ngaxi.
17. DONA ANA (rabugenta) E eu já te cheguei. BELITA (rabugenta) Mi irmã, não se arranja só azar comigo. Ngaxi, lhe devolve a chapada que ela te deu. DONA ANA (zangada) Xé! Já viram? Essa que ainda nem cheiro de katinga lhe sai em condições vai me tocar na cara? A Mana Ia destapa a sua bacia e retira antiperspirante e desodorante. MANA IA (gritando) Banhou cheirou bem! Banhou cheirou! Compra amiga, compra! Banhou, cheirou bem! Tá barato! A Belita empurra a Mana Ia e a Mana Ia cai, sentando-se sobre o chão com uma expressão triste. BELITA (zangada) Ngaxi, aconteceu o quê na escola? DONA ANA O que aconteceu... MANA IA ...todas mãe da escola já sabem. DONA ANA O que nós viemos fazer aqui... MANA IA ...todas mãe da escola já sabem! DONA ANA Como a tua filha vai ficar depois da surra que vamos lhe dar... MANA IA ...é isso que todas mãe da escola querem saber!
18. BELITA (zangada) Minhas senhoras, eu perguntei uma coisa na minha filha. Deixem ela responder. NGAXI (voz chorosa) A filha dessa aí é que está sempre a me incomodar. Até quis que me expulsassem das aulas. A Mana Ia e a Dona Ana fazem uma expressão de espanto. BELITA (voz chorosa) Olha só, mama. Eu já a apresentar meu trabalho de defesa na turma, ela mais a filha dessa outra tão vir me fazer bwe de pergunta tipo elas é que são a professora. Lhes rebentei com uma boa resposta! BELITA (CONT’D) E lhes respondeste o quê? NGAXI (voz chorosa) Lhes chamei de filha feita na bebedeira, nené que nasceu de parto caseiro! DONA ANA (zangada) Tás a ver? Assim ela estava lá quando eu fiz a minha filha? Ela já é que estendeu o lençol, né? NGAXI (voz chorosa) Inda por cima, no fim da aula, as duas tão a vir porque “ah, não gostamos do que falaste, agora vamo te bater”. Lhes rebentei umas boas cabeçadas, lhes arranquei aquelas tissagem mal aplicada e fui embora. BELITA Ngaxi, deixa. Se elas vieram em bando e se são todas mãe mesmo, vieram ter comigo. Vai ser de mãe pra mãe. Vai no teu quarto.
19. MANA IA (humilde) Qual “vai no teu quarto”? Assim se eu te devo um dinheiro, vais ir cobrar na outra porque “fulana, me paga os xiz que você me deve”? Não! Vais vir me cobrar no sou eu, não é assim? Então, essa tua filha é que tem de ouvir bem! Vamo lhe bater! BELITA (zangada, imponente) Se és mulher completa, tenta! A Mana Ia esconde-se atrás da Dona Ana. A Dona Ana cruza os braços em afronta. DONA ANA (confrontando) Deixa comigo, irmã. Essa aí está armada em Jin Bei. Eu sou quadradinho! BELITA (rabugenta) Você também que é filme que já tá a subir letra tás a falar o quê? DONA ANA (zangada) Subir letra? Eu? Memo três litro de veneno não me matam! Tenho muita saúde! A Mana Ia retira alguns pacotes de veneno de rato e começa a abaná-los. MANA IA Comeu, morreu, secou! Comeu, morreu, secou! Chega na mana barateira! BELITA (para a Mana Ia) Minha senhora, mas você pensa que aqui é aonde? MANA IA (humilde) Porquê? Só estou mbora a vender mô negócio. E também quero dar umas boas chapada na tua filha.
20. A Belita volta-se e vê o Pedrito e o Maka a entrar, saindo do corredor dos quartos com catanas, cortando o ar. BELITA (rabugenta) Minhas senhoras, se estão a querer de novo quatro de Fevereiro, basta pedir! A Dona Ana e a Mana Ia fazem expressão de medo ao verem o Pedrito e o Maka. O Pedrito e o Maka andam em aproximação da porta. MAKA (maléfico) Se o dinheiro que estamos a levar não calar a boca daqueles gajos, vamos lhes calar com essas catanas. O Pedrito sorri, abrindo a porta. Ambos olham para a Dona Ana e a Mana Ia de forma suspeita e saem. DONA ANA (para a Mana Ia) Não se preocupa, irmã. Se esses nos tocarem, vamos lhes queixar na OMA!
Ya!
MANA IA (animada)
(curiosa) OMA é quê, mana? DONA ANA (contando as iniciais nos dedos) Organização... Geral... das Mulheres. NGAXI (cínica) Nada! Vossa matumbice é quente, ya? Não tem nada que vos refresca pra ficarem um pouco inteligentes? A Mana Ia destapa a bacia e tira alguns sacos de gelado de mukwa. MANA IA Gelado de mukwa é vinte, tem de trinta, tem de cinquenta. Chega na mana barateira. Eu mbora é que fui lá. Compra, mana! Compra!
21. BELITA (rabugenta) Xé! Cala boca! E ruam já daqui. DONA ANA (zangada) Ninguém vai sair daqui sem partir a cara da tua filha. MANA IA (humilde) Ou então vamos chamar a polícia! BELITA (imponente) Polícia? Sou formada em advocacia. Se a polícia vier aqui, vocês é que vão ir todas presas. Nunca vos leram nenhum artigo, né? MANA IA (preocupada, humilde) Eh, mana, se eu for presa quem vai sustentar môs filho? Não faz isso, por favor. DONA ANA (zangada) Tás a lhe ter medo porquê? Não lhe liga, xe! Essa assim com essa cara tás a lhe ver memo que estudou? Partiu mazé o lápis cedo, pá! BELITA (rabugenta) Ah, é? (apontando para a Ngaxi) Tenta então tocar na miúda. A Belita retira o telemóvel de um dos bolsos das suas calças e começa a discar um número. MANA IA (humilde) Não faz isso. Não nos põe só presa, mana advogada. Dinheiro que eu vendo é pra ajudar minha filha a estudar. BELITA Então, pra isso não acontecer... A Belita abre a porta. A Dona Ana e a Mana Ia começam a andar em aproximação da porta.
22. MANA IA (humilde) Tá bom. Brigada, mana advogada. DONA ANA (para a Ngaxi, sem som) Vou te apanhar. Dia não mata dia. NGAXI (zangada) Xé! Vai-te! A Dona Ana sai. A Mana Ia mostra a sua bacia para a Belita MANA IA (humilde) Não me compra só lá kabocado de gengibre e tomate? A Belita fecha a porta com violência. A Ngaxi dá uma gargalhada. NGAXI (sorrindo) Kuyou, ya? Se deram mal! A Belita volta-se para ela com expressão séria. A Ngaxi engole em seco. BELITA (séria) Minha senhora, assim o que está a te confundir pra fazeres confusão na escola é o quê? A Belita levanta a mão da Ngaxi e aponta para a axila da Ngaxi. BELITA (CONT’D) (rabugenta) É porque já rapas os pêlos ou porque já se... (bate levemente nos lábios da Ngaxi) ...lambuzas de baton? A Belita bate levemente os lábios da Ngaxi. BELITA (CONT’D) Nunca mais quero ouvir que fizeste essas coisas na escola, se não, vou te dar uma surra pra te tirar esse espírito de sanzala da família do teu pai!
23. NGAXI (resmungado) Elas é que começaram, mama. Eu não tenho culpa. A Belita segura-lhe a orelha com forca. BELITA (rabugenta) Tá a falar o quê? Cala a boca! E tens que ter maneiras de falar com os mais velhos! Onde já se viu você que deixou de se mijar agora na cama, também já quer levantar a mão pra dar na cara duma mais velha? A Belita segura a outra orelha da Ngaxi com força. BELITA (CONT’D) Assim queres dar ousadia pra quando as tuas colegas discutirem comigo também fazerem isso, né? A Belita enrola as orelhas da Ngaxi. Aiwe!
NGAXI
BELITA (rabugenta) Quando alguém se meter contigo na escola, queixa no professor. Se o professor não ouvir, queixa no director. Se o director não ouvir, vem aqui me avisar e eu vou arranjar um pânico bem grande lá que eles nem imaginam. NGAXI Tá bom, mama. Desculpa já. A Belita larga as orelhas da Ngaxi. BELITA (zangada) Agora vem aqui pra acabar de varrer e limpar essa casa! A Ngaxi suspira, resmungando entre dentes.
24. 12
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - CORREDOR DOS QUARTOS - DIA
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A partir do interior seu quarto, o Pedrito abre a sua porta e coloca a sua face fora. PEDRITO (sussurrando) Ngaxi! Descalça um pé de chinelo e lança-o contra a porta do quarto da Ngaxi. PEDRITO (CONT’D) (sussurrando) Ngaxi! A partir do interior seu quarto, a Ngaxi abre a porta do seu quarto e coloca a sua face fora. NGAXI (sussurrando) É o quê então? Tenho que estudar... PEDRITO Achas que a surpresa do velho vai dar certo? NGAXI Até agora ainda não ouvimos eles a discutirem... então, se não se mataram, está tudo bem. O Pedrito sorri. PEDRITO Também ela ainda está no quarto de banho. Assim ainda não viu nada. O Pedrito estende a sua mão e entrega algumas notas de dinheiro à Ngaxi, que as recebe. NGAXI (animada, sussurrando) Mais jabá? Obrigada, ya? PEDRITO (sussurrando) Mais dinheiro aonde? Teu velho é que quis te assaltar o estojo. NGAXI (zangada, sussurrando) Aquele! Vou-lhe abrir minha Bíblia essa hora!
25. PEDRITO (zangado, sussurrando) Não, xé! Vais so estragar o molho do outro. Comé então? Fica tipo não sabes de nada. Esquece esse assunto, mboa. A Ngaxi suspira. Tá bom.
NGAXI
PEDRITO Começa a esconder o kumbu noutro sítio. E eu vou tar sempre a vigiar o teu quarto quando estiveres na escola. Tá-se? O Pedrito estende o seu punho na direcção da Ngaxi. A Ngaxi choca o seu punho no punho dele. NGAXI Tá-se bem, mô kota. O Pedrito entra para o seu quarto e fecha a porta. NGAXI (CONT’D) Mais arranja já namorada pra deixar de me chatear essa hora, ya? O Pedrito sai e lança um chinelo. A Ngaxi entra para o seu próprio quarto, fechando a porta rapidamente, sorrindo. 13
INT. CASA DA FAMÍLIA DIKULU - QUARTO DO CASAL - NOITE
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A Belita entra, parcialmente molhada, trajada apenas de um pano cujas pontas estão amarradas à volta do seu pescoço, cobrindo-lhe o busto, as ancas e as coxas. Olha para a cama e vê seis maxarikus posicionados de modo a formarem um coração e uma flor vermelha no centro do mesmo. Faz expressão de emoção. O Maka entra, carregando uma bandeja onde estão pratos com um jantar requintado, uma garrafa de champanhe e duas taças. O Maka olha para os maxarikus. MAKA (romântico) Podes usar qualquer um deles para me bater...
26. O Maka pousa a bandeja sobre a cómoda. Aproxima-se da cama, retira a flor e aproxima-se da Belita. MAKA (CONT’D) (romântico) ...ou podes esquecê-los. Estou cansado de discutir contigo. Amo-te muito e não consigo viver assim. BELITA (parcialmente rabugenta) Assim achas que a usar essa voz de professor de português mal pago é que vou te perdoar? Não consigo viver contigo com essas desconfianças todas. O Maka coloca a Belita no colo. Ela assusta-se, sorri disfarçadamente, e coloca os seus braços à volta do pescoço dele. MAKA És a minha melhor amiga, a minha companheira, a minha mãe, a minha mulher. A Belita olha para os olhos dele, emocionada. MAKA (CONT’D) (sério) Quando fiquei fora, fui mesmo ver a mãe da Gia. Quis saber porque ela anda a maltratar tanto a miúda. O Maka senta-se sobre a cama, estando a Belita no seu colo. BELITA (parcialmente rabugenta) E não podias ligar pra ela? Não podias me avisar? MAKA Agi pensar. Perdoa-me, Isabel. O Maka entrega-lhe a flor e ela recebe. MAKA (CONT’D) Há algo que nunca te contei sobre a Gia. E isso é um segredo entre mim e a mãe dela. A Belita engole em seco.
27. MAKA (CONT’D) Quando a mãe da Gia deu à luz naquela província, a filha dela morreu. De repente, ela encontrou uma menina no lixo. Ela ficou com a criança. A criança é a Gia. BELITA (admirada) Então a Gia não é filha dela? O Maka meneia a cabeça em negação. BELITA (CONT’D) (triste) Coitada! Deve sofrer muito. Por isso é que ela é assim frustrada. MAKA Fui lá lhe pôr um pouco de juizo na cabeça, pra ela tratar a Gia melhor. A Belita suspira, emocionada. BELITA (romântica) Tá bom. Perdoo-te como tua melhor amiga, tua companheira, tua mulher e tua mãe. Obrigada pelo presente. MAKA (curioso) E não vais perguntar onde consegui o dinheiro para comprar essas coisas? BELITA Pra quê se já sei? Foste fazer táxi com o Pedrito, e eras o cobrador porque a tua carta já está expirada. MAKA (admirado) Eh! Quem te contou? (gritando) Ó Pedro! A Belita pousa o polegar sobre os lábios dele.
28. BELITA (romântica) Não liga, marido. Há coisas que todas mães já sabem. A Belita beija o Maka. FADE OUT.