Havemos de voltar e criar

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HAVEMOS DE VOLTAR E CRIAR Written by

CanetaWolf

Quarta-feira, 22 de Julho de 2015 Based on poemas "Havemos De Voltar" e "Criar" , de Agostinho Neto

Address: Viana, Luanda - Angola Phone Number:

919 736 875/ 932 033 876


FADE IN: 1

EXT. CAMPO PERTO DA CASA DO RAPAZ2 - NOITE

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Há várias árvores e montanhas. Entre as árvores, há algumas casas, lavras, um homem descamisado e suado serrando um tronco de árvore, um casal em que o homem fuma e a mulher está de saia curta, uma mãe trajada de blusa verde e saia vermelha, segurando uma máquina fotográfica e a sua filha, trajada de blusa amarela, calças brancas e sapatilhas azuis, que tem uma maçã na mão, ao lado de um automóvel e um grupo de 3 percursores (homens batucando) e 2 bailarinas. A filha entra para o automóvel, senta-se no lado do pendura e começa a comer a maçã. Enquanto come, observa o rapaz1 a brincar com o rapaz2 a partir da janela. O rapaz1 está trajado de roupas sujas, de mendigo. O rapaz2 está trajado de roupas limpas. O pai do rapaz2 sai de casa, vê os dois brincando e aproximase com expressão de fúria. O rapaz2 vê o pai aproximando-se, apanha os brinquedos e começa a andar com medo na direcção do pai. O pai leva o rapaz2 para dentro de casa e fecha a porta na cara do rapaz1. O Sílvio e o Vladimiro aproximam-se do rapaz1 com expressão de pena e consolo. O Sílvio e o Vladimiro estão trajados de mendigos. O rapaz1 levanta-se com expressão triste e os três começam a andar juntos. Param à frente de uma lata de cerveja e olham para o automóvel onde a menina está sentada do lado do pendura, comendo a maçã, olhando para eles, e a mãe está a tirar fotografias ao grupo de 3 percursores e as duas bailarinas, a partir da janela do motorista, fora do automóvel, sem se aperceber da presença dos mendigos. As fotografias que a mãe tira aparecem a preto e branco. A filha olha para os mendigos. O rapaz1 toca com a mão esquerda no seu próprio ventre e estende a mão direita na direcção da menina, indicando que tem fome. A filha olha para a maçã, depois olha para o rapaz1, sorri e estende a mão para que o rapaz1 venha buscar a maçã. O rapaz1 sorri e começa a andar em aproximaçnao do automóvel.


2. A mãe volta-se, faz uma expressão zangada e de nojo ao ver o rapaz1 a aproximar-se, toca no botão para que a janela do lado do pendura se feche, faz uma expressão de reprovação olhando, para filha. A filha fica triste, com uma expressão de quem está arrependida. A mãe volta-se e continua a tirar fotografias ao grupo de 3 percursores e 2 bailarinas. O rapaz1 faz uma expressão triste como se fosse chorar e pontapea a lata com fúria. O Sílvio abaixa-se e começa a falar com ele em tom de consolo. SÍLVIO Às casas... O Sílvio toca na relva. SÍLVIO (CONT’D) ...às nossas lavras, às praias, aos nossos campos, havemos de voltar. RAPAZ (triste, em tom choroso) Voltar? Vamos fazer o quê pra voltar? O Vladimiro agora está com calças sociais pretas limpas, o resto das roupas continuam sendo de mendigo. Criar... Criar?

VLADIMIRO RAPAZ1

O Vladimiro responde que sim com a cabeça. VLADIMIRO Criar no espírito... O Vladimiro aperta levemente o braço do Sílvio. VLADIMIRO (CONT’D) ...criar no músculo... O Sílvio sorri. VLADIMIRO (CONT’D) ..criar no nervo... O Vladimiro pousa a mão sobre o ombro do rapaz.


3. VLADIMIRO (CONT’D) ...criar no homem... O Vladimiro pega e desfaz uma pequena porção de areia entre os dedos. VLADIMIRO (CONT’D) ...criar na massa. RAPAZ1 (desesperançoso) E vamos fazer isso onde? Vamos vestir o quê? O Sílvio agora está com uma camisa branca limpa, mas o resto das roupas continuam sendo de mendigo. SÍLVIO Às nossas terras vermelhas de café... O Sílvio pega na mão do rapaz1 e faz ele passar na sua camisa branca. O rapaz1 agora está com calças jeans verdes limpas, mas o resto das roupas continuam de mendigo. SÍLVIO (CONT’D) ..brancas de algodão... O Sílvio toca nas calças verdes do rapaz1. SÍLVIO (CONT’D) ...verdes dos milharais, havemos de voltar. RAPAZ1 (curioso) Voltar a criar, né? O Vladimiro mostra-lhe o polegar como sim. O Vladimiro agora está com uma camisa vermelha limpa. Aponta para uma árvore. VLADIMIRO Criar, criar sobre a profanação da floresta... O Vladimiro bate levemente contra as suas próprias costas. VLADIMIRO (CONT’D) Sobre a fortaleza impúdica do chicote... O Vladimiro aponta para o homem descamisado, serrando o tronco de árvore.


4. VLADIMIRO (CONT’D) ...criar sobre o perfume dos troncos serrados, criar... Toca no rosto do rapaz1 onde há uma lágrima. O rapaz2 espreita pela janela. O pai dele aproxima-se e espreita também. VLADIMIRO (CONT’D) ...criar com os olhos secos. O rapaz1 olha para a sua camisola de mendigo. RAPAZ1 (triste) Essa pobreza só dá pra chorar. O Sílvio agora está com um relógio dourado no pulso, com uma gravata vermelha, camisa branca e calças sociais limpas. Mostra o relógio dourado ao rapaz1. SÍLVIO Às nossas minas de diamantes, ouro, cobre, de petróleo... O rapaz1 sorri para o Sílvio e depois olha para o Vladimiro, completamente empolgado. RAPAZ1 (empolgado) Havemos de voltar a criar... O Vladimiro agora está com um casaco preto, camisa vermelha e calças sociais pretas limpas. Faz um gesto como se batesse com uma palmatória na própria mão. VLADIMIRO Criar gargalhadas sobre os escárnios da palmatória, coragem nas pontas das botas do roceiro... O Vladimiro aponta para a porta que foi fechada pelo pai do rapaz2. VLADIMIRO (CONT’D) ...força no esfrangalhado das portas violentas. O Vladimiro faz um gesto de firmeza com as duas mãos perto da gravata vermelha do Sílvio. VLADIMIRO (CONT’D) ...firmeza no vermelho sangue da insegurança.


5. O rapaz1 agora está com uma camisola amarela limpa e sapatilhas. O rapaz1 limpa a lágrima do outro olho. RAPAZ1 (sorrindo e emocionado) Criar, criar com olhos secos. O Sílvio coloca o rapaz1 sobre os seus ombros, levanta-se, abre-lhe os braços e começam a andar na direcção de uma árvore. Felizes. SÍLVIO À frescura da mulemba, às nossas tradições, aos ritmos e às fogueiras, havemos de voltar RAPAZ1 (gargalhando) Sim, voltar, voltar a criar. O Sílvio coloca o rapaz sobre o chão. VLADIMIRO (sorrindo) Criar estrelas sobre o camartelo guerreiro, paz sobre o choro das crianças, paz sobre o suor, sobre a lágrima do contrato, paz sobre o ódio, criar. O Vladimiro e o rapaz1 entreolham-se, contentes. O grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas aproximam-se deles, batucando e dançando alegremente. A mãe anda em afastamento do automóvel com a sua filha e continua a tirar fotografias, sorrindo. Os pés de uma mulher calçados de sandálias aparece na imagem, trajando um vestido de samakaka justo, mas comprido, com as cores vermelha, preta, branca e amarela, andando em aproximação de todos. A mulher acena para o homem que serra a árvore. O homem sorri, tira o chápeu e faz uma vênia. A mulher sorri para o pai do rapaz2. O pai do rapaz2 junta as duas mãos perto do peito, e faz uma vênia sorrindo, envergonhado. RAPAZ1 E VLADIMIRO Criar com os olhos secos. O grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas fazem um semicírculo a volta do Sílvio, do Vladimiro e do rapaz1, colocando-os no meio.


6. A filha tenta entrar para o meio do semi-círculo, mas a mãe a impede. O Sílvio começa a dançar e o Vladimiro olha para ele e começa a dançar também. O Sílvio, o Vladimiro e o rapaz1 estão de costas voltadas para o grupo de percursores e as bailarinas. SÍLVIO À marimba e ao quissange, ao carnaval, havemos de voltar. Um a um, o grupo de 3 percursores e as 2 bailarinas começam a afastar-se deles. RAPAZ1 Voltar, sim! Mas, antes, criar. VLADIMIRO Criar, criar liberdades nas estradas escravas... A mãe assusta-se o ver a mulher de vestido de samakaka aproximando-se e ajoelha-se, fazendo uma vênia com muito medo. O Sílvio, o Vladimiro e o rapaz1 olham para o casal em que o homem fuma e a mulher está de saia curta. VLADIMIRO (CONT’D) ...algemas de amor nos caminhos paganizados do amor. O Vladimiro dá uma passada de kizomba no vazio, alegre. VLADIMIRO (CONT’D) ...sons festivos sobre o balanceio dos corpos em força simulada Criar, criar com os olhos secos. Os três dão as costas para a câmera, procurando o grupo de percursores e as bailarinas e vêem uma mulher trajada de um vestido de samakaka, (só neste momento é que aparece o rosto da mulher de vestido de samakaka) com as cores vermelha, branca, preta e amarela, andando em aproximação deles, estando posicionados um dos percursores a sua esquerda, outro a sua direita, outro atrás de si. As duas bailarinas aproximam-se dançando com balaios de frutas na cabeça, estando uma a frente do percursor a esquerda e o outro a frente do percursor a direita. SÍLVIO À bela pátria angolana, nossa terra...


7. RAPAZ1 (alegre e surpreso) Mamã! A mãe assusta-se e pega na câmera fotográfica, tremendo. O rapaz corre na direcção da mulher de vestido de samakaka e abraça-a. O Vladimiro também se aproxima e abraça os dois, enquanto o grupo de percursores e as bailarinas batucam e dançam alegremente. SÍLVIO ...nossa mãe, havemos de voltar. O Sílvio levanta a mão esquerda e descreve um arco. SÍLVIO (CONT’D) Havemos de voltar. À Angola libertada, à Angola independente. O Sílvio abraça a mulher de vestido de samakaka, o rapaz1 e o Vladimiro. A mãe, disfarçando-se, tira uma fotografia do abraço dos quatro e do grupo de percursores e das bailarinas batucando e dançando a volta dos quatro e aparece a imagem imóvel da fotografia a cores. FADE OUT.


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