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Instituto de Permacultura da Bahia Travessa Garoupa, nº 36, Sala 5, Stiep, Salvador - BA - 41.770-470 | Tel: 71 3232-4025 permacultura@permacultura-bahia.org.br www.permacultura-bahia.org.br
da terra
O PROJETO INSTITUTO DE PERMACULTURA DA BAHIA
FUNDAÇÃO BANCO DO BRASIL FBB
O Instituto de Permacultura da Bahia (IPB) é uma organização não governamental, criada em 1992 com a missão de semear conhecimentos que promovam a cooperação entre seres para a construção de um mundo mais abundante e ético. Possui dois núcleos na Bahia, atualmente, o Núcleo Metropolitano, localizado em Salvador e o núcleo da Chapada Diamantina, na cidade de Rio de Contas.
A Fundação Banco do Brasil tem como missão melhorar a vida das pessoas, promovendo a inclusão socioprodutiva, o desenvolvimento sustentável e o fomento às tecnologias sociais.
Conselho Diretor do IPB: Cinara Del Arco Sanches - Presidenta Gabriela de Toledo - Tesoureira Henrique Mascarenhas - Secretário Texto: Natácia Guimarães
A estratégia adotada pela Fundação de replicar tecnologias sociais propiciou o seu reconhecimento como difusora do conceito e estimuladora de práticas que materializam o seu uso. Com isso, ampliou sua capacidade de atuação e consolidou-se como uma instituição que promove a cidadania dos segmentos mais vulneráveis, observando quatro princípios: respeito cultural, solidariedade econômica, protagonismo social e cuidado ambiental.
O Núcleo urbano do Instituto de Permacultura da Bahia tem como meta ampliar tanto a discussão quanto a prática da permacultura e agroecologia na região metropolitana de Salvador. Em alinhamento com esses objetivos surgiu o tema do Projeto Produtos da Terra, em parceria com a Fundação Banco do Brasil. O Projeto Produtos da Terra veio consolidar ainda mais o diálogo do núcleo urbano do IPB com áreas (não urbanas) que resistem no perímetro da Região Metropolitana de Salvador e disseminar as tecnologias sustentáveis desenvolvidas pela permacultura e agroecologia. O Projeto foi construído a partir do vínculo do Instituto com a comunidade Quilombola de Cordoaria, localizada no município de Camaçari que, apesar de ser a segunda cidade mais populosa do estado, ainda tem em seu território áreas verdes pouco habitadas, como a região de Cordoaria.
O Projeto foi estruturado em dois dos eixos: Agroecologia e Economia Solidária. Estruturar e revitalizar a relação com a terra por meio da criação de Sistemas Agroflorestais e Sistemas de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (PAIS) e fomentar a estruturação econômica de pequenos empreendimentos existentes na comunidade através de gerações, como a venda de beiju, bolos e outros produtos que têm a terra do quilombo como provedora da matéria prima, são objetivos do projeto.
Revisão: Rosimeire Barbosa Laís Carlos Fotografias: Leila Aquino Natácia Guimarães Ravi Santiago Projeto Gráfico: Ravi Santiago
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COMUNIDADE
COMUNIDADE A comunidade de Cordoaria está localizada entre a praia de Abrantes e as margens do Rio Joanes, rio que abastece cerca de 40% da água consumida na capital, Salvador, e, mesmo assim, a comunidade é caracterizada por um abastecimento de água potável deficiente, assim como um saneamento básico precário. Cordoaria resiste há cerca de 300 anos e possui cerca de 1200 habitantes, atualmente. Se localiza a uma distância de 6,5 quilômetros da estrada, aproximadamente, caminho que é parte asfaltado e parte de terra batida com grandes ladeiras que ligam as terras do quilombo. O projeto visa, através das atividades propostas, possibilitar a ressignificação dos produtos da terra de Cordoaria. Tradicionalmente, os homens da comunidade plantavam para vender na feira e para produzir a matéria prima do grande símbolo econômico e histórico da comunidade: O beiju. Hoje, a tradição está se reinventando e percebe-
se, cada vez mais mulheres colocando a “mão na terra”, plantando e, também, se sustentando. A terra é fértil e generosa, mas mesmo em bons solos, os anos de degradação e uso de adubos químicos podem contribuir para momentos de escassez. Ao iniciar o projeto, durante toda etapa de reconhecimento do local, caminhando de propriedade a propriedade, o sentimento era de que a terra do local poderia ser utilizada de forma mais sustentável. A Cordoaria, mesmo estando em uma propriedade rural, dialoga, cada vez mais, com a cidade de Camaçari e outros centros urbanos próximos. A população tem passado por uma modificação: desde os costumes, bens de consumo, até o afastamento em relação às propriedades rurais, ao hábito de plantar seu próprio alimento. É possível ressignificar esses valores? O projeto iniciou com esse questionamento.
COMUNIDADE 5
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QUILOMBO
QUILOMBO 7
QUILOMBO A comunidade Quilombola de Cordoaria está localizada na Região Metropolitana de Salvador, nas proximidades de Camaçari e, desde 2006, foi oficialmente reconhecida como uma comunidade quilombola pela Fundação Palmares. As ladeiras de barro, íngremes, cercadas de verde, já foram caminhos feitos a pé pelos moradores para vender suas mercadorias nas feiras de Camaçari e região, para crianças e adolescentes irem para escola, para moradores irem a consultas médicas, ainda inexistentes no local, ou para simplesmente trazer sonhos da realidade urbana para a vida rural. Hoje em dia, a prefeitura de Camaçari disponibiliza um ônibus com horários fixos durante a manhã e à tarde. Para quem chega de algum centro urbano, a estrada de terra e cascalho que separa a Comunidade da linha verde se assemelha a um portal. Animais como cavalos e bois circulando pelas vias exclusivas de carro, cenas escassas nos grandes centros, lembram pequenas cidades do interior, próximas a centros rurais. O bucólico caminho de volta para a natureza, revelando a grandiosidade da Mata Atlântica que ainda resiste na região, onde a fauna e flora conseguem ser maioria, em comparação com os moradores do local.
A comunidade é dividida por ruas e pequenas fazendas onde vivem famílias inteiras, cada núcleo com uma casa própria. Todos se conhecem na comunidade e a maioria dos moradores da Cordoaria mantém uma relação respeitosa e afetiva com o local: com a terra, com o Rio Joanes e com a biodiversidade de fauna e flora que circunda o Quilombo. A comunicação e administração interna do local é facilitada por duas organizações: A Associação de Moradores de Cordoaria, que tem como presidente atual (2019), Nelson, e tem o seu núcleo, majoritariamente, formado pelos agricultores da região; e o GAAQC (Grupo de Apoio e Assistência ao Quilombo de Cordoaria), que representa uma nova geração de homens e mulheres do local.
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MUDANÇAS A comunidade nasceu nas margens do Rio Joanes, mas, com a criação da segunda barragem do rio, parte de algumas propriedades foram invadidas pela água e houve uma mudança geográfica para a parte interna, mais próxima da estrada da Linha Verde. De lá para cá, muitas coisas mudaram, as construções de alvenaria têm substituído aquelas feitas de barro e taipa. Hoje em dia, o asfalto é mais visto na comunidade e a quantidade de carros e motos é mais expressiva. A energia elétrica
MAPA DA COMUNIDADE chegou há cerca de 20 anos, mas, hoje em dia, a maioria dos habitantes do quilombo possui aparelhos elétricos, celulares, carros e alguns possuem também computadores. A globalização chegando e modificando as estruturas funcionais do quilombo. As atividades ligadas à agricultura e artesanato foram sendo trocadas e percebe-se a saída, principalmente de jovens, que buscam nos centros urbanos mais próximos, atividades com maior retorno financeiro.
Jailson Mario Sérgio M Arculiano
Barragem
Vivian
Eduardo A B Elisangela A Manoel
Chafariz
Caminho do Rio
Martina A Benjamin A
Casa de Farinha
Campo
Dona Lourdes B José Raimundo A
Anderson A Igreja Católica
A Bispo
Praça da Cordoaria
Associação
A Anderson/ Augustinho
Ana Maria(Tinga) Igreja Assembléia de Deus
Chafariz
Escola
Vila Igreja Batista
Praça da Mangueira
Cristina B Matilde Marília Luzinete
Chafariz
A Seu André Vavá A
Jaci B André
Rio Joanes
Angélica B
Neide M Jailson
Matias Praça Sucupira
Arouca A Carminha B Dadu/Josiene A
Fabiana B
Anete/ Tamira A Neide/ Marta A
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Jaciara B
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DO SOLO À MESA
DO SOLO À MESA da mandioca, do côco e de outras matérias primas disponíveis na comunidade, as fontes de sustento para a família. O trabalho de produção é conciliado com os cuidados domésticos e com a criação dos filhos e o planejamento semanal é estruturado de acordo com a elaboração e venda dos produtos.
Artesanato local. Casa de Farinha, Quilombo de Cordoaria.
A comunidade Quilombola de Cordoaria é uma das mais importantes produtoras de beiju na região de Camaçari. A tradição do beiju passa de mãe para filhas, de família para família, há cerca de 50 anos. As mulheres da comunidade representam a arte da resistência na produção do beiju.
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As “beijuzeiras” - assim são chamadas as mulheres que participam do processo de preparação do beiju, vendem seus produtos em diversas feiras na região metropolitana de Salvador, de segunda a sexta e aos finais de semana. O Eixo de Economia Solidária trabalhou diretamente com as mulheres, produtoras da comunidade, que tiram
A economia solidária, por sua vez, é estruturada a partir de um modo de produção com relações de trabalho justas e com respeito à natureza e à comercialização, baseadas na democracia e na autogestão. Não existe, assim, o sistema patrão-empregado, pois todos os integrantes do empreendimento são trabalhadores e donos, ao mesmo tempo. O Grupo de Beijuizeiras de Cordoaria não se intitula uma cooperativa ou associação, legalmente, mas sempre manufaturam e comercializam seus produtos de forma coletiva, se ajudando e cooperando umas com as outras. Anteriormente, elas já eram “um grupo”, mas não se intitulavam dessa forma. O Eixo de Economia Solidária disponibilizou ferramentas para dar visibilidade ao grupo, aos produtos e para ajudar na comercialização.
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DO SOLO À MESA Esse processo foi dividido em algumas etapas: oficinas sobre redes solidárias e criação de identidade visual para o grupo; oficinas de artesanato para produção de estandartes artesanais, bordados com a identidade visual das beijuzeiras; oficinas para criação de embalagens sustentáveis; oficinas para formação de preço.
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SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE
SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE
“A humanidade está usando, a cada ano, mais recursos e gerando mais lixo do que o planeta pode suportar. A Global Footprint Network calcula que globalmente estamos usando 1,5 planetas. Isto significa que para melhorar nossas práticas precisamos tornar a produção industrial mais eficiente, mais saudável e sustentável. A mudança é possível, mas requer redesenhar tudo: os produtos, as fábricas e o sistema energético, em especial. Precisamos cultivar os valores culturais em torno da qualidade de vida, da saúde, da felicidade e da comunidade.”
Ao longo da oficina, o Grupo de Beijuizeiras de Cordoaria falou da importância da segurança alimentar dos produtos ao mesmo tempo que discutiu possibilidades de adaptar embalagens de plástico a outros modelos mais ecológicos, que não perdessem de vista a importância da conservação dos alimentos. Ao final das oficinas, apesar de mantermos alguns produtos em embalagens plásticas, optou-se por utilizar sacolas de papel kraft, que possibilitam a inserção
da marca delas através de carimbo artesanal e gera um resíduo que é absorvido pela natureza de maneira mais saudável; optou-se também por trocar o prato plástico pela folha de bananeira, diminuindo custos financeiros e ambientais e reafirmando um símbolo cultural da comunidade. Outra possibilidade identificada, foi o uso de saquinhos de celofane vegetal para embalar os beijus secos.
Annie Leonard
Durante 20 anos, a cientista ambiental e autora do livro “A história das coisas”, Annie Leonard, pesquisou sobre a insustentabilidade de um sistema capitalista que não se responsabiliza pelos seus “lixos”. Na comunidade do Quilombo de Cordoaria, mesmo que isolada geograficamente e com tanta relação com a natureza, também é possível perceber essas mudanças. Os produtos, como o próprio beiju, que antes eram embalados em folhas de bananeira, hoje, por exemplo, são embalados em plástico, para se tornarem mais resistentes, garantir maior conservação e serem mais aceitos pelos consumidores.
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Com isso em vista, foi proposta uma oficina para pensar sobre a forma de armazenamento dos produtos comercializados pelo grupo através das embalagens. Inicialmente, foi questionada a destinação do lixo produzido pela nossa sociedade e os modelos de embalagens “tradicionais” de grandes marcas, hoje, no mercado. Paralelamente, fizemos um processo de memória ao lembrar como elas e suas antepassadas embalavam, antigamente, como por exemplo, utilizando a folha de bananeira. Vimos também como embalagens mais ecológicas têm retornado ao mercado, com o apoio de muitos consumidores e marcas que estão investindo em produtos e embalagens com um menor impacto ambiental.
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SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE A identidade visual dos produtos comercializados foi um elemento que as próprias mulheres traziam como necessário, desde os primeiros encontros. O processo de criação foi feito em algumas oficinas. Foi possível ouvir suas histórias, entender a relação do grupo de beijuzeiras com a terra, com a comunidade e com o próprio fazer do beiju, um conhecimento ancestral cultivado geração após geração. Todo esse processo foi muito rico para a equipe poder conhecê-las melhor, mas o mais importante foi elas se escutarem e, entre si, acharem pontos de intersecção, semelhanças entre vidas plurais, singulares e únicas, de mulheres fortes em comunidade rural, para criar uma marca que representasse todas e cada uma delas. Uma
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SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE das atividades consistiu numa prática que as beijuzeiras demonstraram, através de desenhos, o que na comunidade as representavam. Após a construção dos desenhos, cada uma compartilhou com o grupo, porque aquele desenho a representava. Dentre os desenhos compartilhados, a maioria apresentava a folha da mandioca, o beiju, a folha de bananeira, a jaqueira. Luzinete comentou: “Desenhei uma espada, pois somos todas guerreiras e estamos sempre prontas para lutar!” Sua filha, Taciane, comentou: “Aipim, cocos, terra e a beijuzeira no centro”. Ao final de algumas oficinas foi criada a arte gráfica com o nome: Bejuzeiras de Cordoaria.
O processo de manufatura dos estandartes com a marca das beijuzeiras foi feito artesanalmente com auxílio de oficinas com a Artesã e Pedagoga Rita Ribeiro. A cultura do bordado, da costura era algo forte na comunidade que, com o tempo, foi se perdendo. O processo de costura da marca se tornou em um processo de união, imersão e resgate de um costume que existia há muito tempo. Muitas mulheres da comunidade falaram, anteriormente à oficina, que não sabiam bordar, mas, na hora da oficina, se mostraram envolvidas com o bordado e com interesse de seguir bordando. Foi interessante ver mulheres de diversas faixas etárias retomando um saber ancestral da comunidade.
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SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE
As beijuzeiras participaram ativamente de todo o processo de criação coletiva da logomarca até a produção dos estandartes. Ao longo desse processo, elas participaram das oficinas de formação de preço, onde foi feito o levantamento de todos os produtos comercializados. Alguns pontos foram abordados, como melhoria de processos, diferenciação dos produtos, controle e redução de gastos e a formação de um preço justo que valorize o trabalho, mantenha o negócio e que seja formatado a partir da possibilidade de compra direta do consumidor junto ao produtor.
O FORNO BIOCONSTRUIDO
Ao final de todo o processo, elas relataram a dificuldade que existe no trabalho delas, que também foi sentida através das gerações, devido à exposição à fumaça dos fornos utilizados na produção do beiju. A resistência dessas mulheres e os registros de um trabalho manual, que carrega num produto, que é o beiju, valores culturais e históricos ancestrais, permeado por muita força e afeto mostram a necessidade de termos ambientes inclusivos que valorizem produtos de alta qualidade, como os das Beijuzeras de Cordoaria.
O FORNO BIOCONSTRUIDO 19
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SUSTENTABILIDADE E IDENTIDADE
As construções vernaculares são aquelas construídas com materiais naturais. Remontam desde os primórdios da humanidade e também acompanham a história dos quilombolas, pois era comum a prática da construção com barro, madeira e palha, materiais abundantes e disponíveis na época. A construção com terra pode ser entendida como uma série de técnicas que utilizam o solo como principal material construtivo. A produção do beiju na casa de farinha é um processo coletivo e diário. As beijuzeras costumam organizar seus dias de acordo com as demandas de casa, da produção do beiju e da comercialização nas feiras da região.
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O FORNO BIOCONSTRUIDO
A demanda por um novo forno para a casa de farinha, com uma chapa maior e com uma estrutura mais confortável termicamente e ergonomicamente, foi identificada desde a fase do Diagnóstico Rápido Participativo, realizado no início do projeto. A bioconstrução do forno foi pensada como um resgate do conhecimento ancestral e saber popular na Cordoaria. O projeto do forno foi realizado através de uma parceria entre o Instituto de Permacultura da Bahia e a COBI Arquitetura Orgânica.
A execução ficou por conta da equipe técnica e mão de obra da comunidade, fazendo com que, desta forma, conhecimentos de ambas as partes fossem trocados no resgate e aperfeiçoamento da técnica construtiva, desde a concepção estrutural até os detalhes de acabamento e pintura.
A importância e legado cultural deixados pelo novo forno trazem uma série de benefícios como resgate da cultura ancestral, aprendizados de novas técnicas construtivas, reaproveitamento e utilização de material natural e o aumento da produção de beijus pelo grupo das beijuzeiras.
Foi de fundamental importância o projeto arquitetônico, a valorização do trabalho coletivo e o envolvimento da comunidade neste processo, pois somados garantiram uma tecnologia de qualidade, construída com segurança e eficiência. Alguns moradores ficaram surpresos e curiosos com o método construtivo adotado para o novo forno, as dúvidas e questionamentos se tornaram um debate rico e proveitoso junto a comunidade.
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O Sistema PAIS – Produção Agroecológica Integrada e Sustentável - é uma Tecnologia Social de apoio à agricultura familiar, sem uso de produtos tóxicos, com a preocupação de preservar o meio ambiente, integrando técnicas simples e já conhecidas por muitas comunidades rurais, que priorizam o desenvolvimento de um sistema de cultivo que pouco dependa de insumos externos à propriedade, proporcionando maior independência do agricultor, incentivando uma agricultura mais próxima do cultivo tradicional natural, com o objetivo de promover a sustentabilidade em pequenas propriedades rurais.
PAIS PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA INTEGRADA E SUSTENTÁVEL 23
As principais técnicas utilizadas pelo Sistema PAIS são: sistema de irrigação por gotejamento através do uso de uma caixa d’água acima da horta, com o objetivo de utilizar a força da gravidade e proporcionar eficiência e economia de água e tempo do produtor; integração da criação de aves com o cultivo de legumes, verduras e frutas; os resíduos produzidos por esses animais serão a matéria prima para produção de composto, que será usado nas plantações, evitando assim importar insumos de fora da propriedade; diversificação da produção para máximo aproveitamento dos nutrientes do solo e auxílio no controle de pragas e doenças; e quintais agroecológicos para agregar mais valor à renda familiar, através de produção de frutas, raízes e, ao mesmo tempo, de pasto para os pequenos animais, além de contribuir para o reflorestamento.
A tecnologia PAIS foi desenvolvida pensando na melhoria da qualidade de vida das pessoas, na inclusão social e na sustentabilidade.
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PRODUÇÃO AGROECOLÓGICA INTEGRADA E SUSTENTÁVEL As propriedades que foram escolhidas em um acordo coletivo, durante a realização do Diagnóstico, para a construção do PAIS foram a propriedade de Seu Dadu e a propriedade da Família de Seu André, dois dos moradores mais velhos e respeitados do quilombo. Os primeiros encontros aconteceram na propriedade de Seu Dadu e tiveram a participação de grande parte da comunidade. Os moradores se mostraram solícitos em auxiliar e aprender sobre a tecnologia, durante o início da construção do primeiro Sistema PAIS.
Na primeira Oficina de Implantação do PAIS houve participação coletiva no primeiro dia da obra e, posteriormente, via contratação de mão de obra local. Por questões de limitação espacial, os PAIS implementados em Cordoaria não foram construídos com galinheiro central circundado por hortas como proposto no formato original; orientando-se, pois, a partir dos conceitos de Tecnologia Social, a implementação buscou adequar-se ao relevo, clima, realidade e demandas locais. O primeiro sistema, destinado à família de Seu Dadu, foi concebido no formato longitudinal, iniciando pelo galinheiro e reservatório, seguido de piquetes modulares para implantação das hortas e nos limites situou-se a área de pasto. Sistema de irrigação por gotejamento
Galinheiro central
Diversidade de culturas 25
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A MANDIOCA “Sendo a alimentação imprescindível para a vida e a sobrevivência humanas, como necessidade básica e vital, ela é necessariamente modelada pela cultura e sofre os efeitos da organização da sociedade, não comportando a sua abordagem olhares unilaterais. Não comemos apenas quantidades de nutrientes e calorias para manter o funcionamento corporal em nível adequado, pois há muito tempo os antropólogos afirmam que o comer envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, imbrica-se com a sociabilidade, com idéias e significados, com as interpretações de experiências e situações. Para serem comidos, ou comestíveis, os alimentos precisam ser elegíveis, preferidos, selecionados e preparados ou processados pela culinária, e tudo isso é matéria cultural”.
Há relatos do uso de mandioca desde o século XVII nas terras brasileiras. O cultivo da raiz serviu de sustento para os povos indígenas, para os colonizadores e mais tarde para os “escravos” que tinham relação direta com a terra. As mãos das beijuzeras de Cordoaria já não sentem o calor da chapa onde são feitos os beijus. A tradição começou quase que ao mesmo tempo com a formação do povoado.
A MANDIOCA 27
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A MANDIOCA
A MANDIOCA
As mulheres de Cordoaria foram as pioneiras na produção e venda de beiju nas Feiras de Camaçari e região. Os dias e as noites são todas em função da preparação da massa de mandioca, do seu banho na água até a torra para a produção da goma para fazer beiju, bolos, biscoitos e o que a imaginação deixar. O dia começa cedo. As mulheres beijuzeras de Cordoaria transformam a carimã, a mandioca, o coco e outros insumos em um dos produtos mais respeitados na região.
A tradição da mandioca plantada no Brasil desde a época da colonização, segundo Hans Staden, viajante e cronista alemão do século XVI, se ressignificou e virou símbolo de independência financeira que passa de família a família e se mantém com uma rede de apoio e amizade entre as mulheres. A produção se mistura entre as casas de farinha “particulares” e a casa de farinha comunitária existente no local. A produção pode ser individual, mas o processo é coletivo: Se o ralador de coco da casa de farinha quebra é possível usar o de quem possui um em casa; se surge uma oportunidade de comercializar em uma nova feira, todas sabem e indicam quem mais precisa. 29
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“Uma tentativa culta de conseguir o necessário daquilo que precisamos para nos alimentarmos, além das outras matérias primas essenciais para nossa vida, sem a necessidade de diminuir e empobrecer a vida no lugar, na terra. Isto implica em considerarmos um gasto mínimo de energia, onde não cabe maquinaria pesada, agrotóxicos, fertilizantes químicos e outros adubos, trazidos de fora do sistema. A agricultura, dessa forma, passa a ser uma tentativa de harmonizar as atividades humanas com os processos naturais de vida, existentes em cada lugar que atuamos. Para conseguirmos isto é preciso que haja em nós mesmos uma mudança fundamental, uma mudança na nossa compreensão da vida”. Gotsch, Ernst. A Agricultura Sintrópica propõe um sistema de plantio “imitando” o sistema natural. Replantar em estrutura de florestas, de forma diversificada, até que a natureza consiga se autorregularizar naturalmente, sem manejo do homem. O Sistema Agroflorestal nada mais é do que uma floresta plantada pelo Homem.
A maioria dos moradores de Cordoaria possui um pequeno pedaço de terra próximo à sua residência. Alguns plantam para subsistência própria, para produção do beiju ou até mesmo para comercializar entre os vizinhos ou na feira. As extensões maiores de terra pertencem a moradores que conseguiram preservar esses espaços, mas são minoria. Atualmente, muitos moradores de Cordoaria plantam em terras que não lhes pertence, pagando pelo uso da terra. A terra continua sendo uma das formas de sustento para a comunidade, principalmente para as gerações mais antigas.
AGROFLORESTANDO 31
O projeto implementou Sistemas Agroflorestais biodiversos, autossustentáveis, com um modelo de policultivo que agrega as espécies já cultivadas e outras de interesse
alimentar/econômico, respeitando os seus ciclos naturais, favorecendo o compartilhamento e disponibilização de nutrientes, a preservação da água, do solo e manutenção do clima. Nos terrenos mais íngremes a construção de valas de infiltração favoreceu a retenção da água; nas margens dos rios foram plantadas espécies mais adaptadas. A implantação de um sistema agroflorestal possibilita benefícios financeiros e ambientais de curto, médio e longo prazo. É um processo contínuo e trabalhoso, no início, para literalmente colher os frutos no final. É também um processo de desconstrução da mentalidade do solo apenas para usufruir. Os SAFs são sistemas de benefícios mútuos entre o ser humano e a natureza. 32
Associação de Moradores
ONDE TUDO COMEÇOU Onde tudo começou
Instituto de Permacultura da Bahia
AGROFLORESTANDO
Grupos Religiosos Escola Escola
Capoeira Engenho
Esportes
GAAQC Moto Táxis
Instituto Alphaville
Grupo de Amigos Agentes
de Saúde A equipe técnica do Projeto visitou todas as propriedades de Cordoaria. Dialogando Carna Jegue Agricultores Igreja Beijuzeiras com os proprietários, conhecendo a história de cada local, o uso da terra, estrutura do Cooperunião solo e foi percebendo quais agricultores ou agricultoras teriam interesse em receber um Sistema Agroflorestal (SAF). Após as visitas, foram feitas uma série de oficinas e encontros, apresentando de forma didática toda a estrutura de funcionamento e benefícios do SAF. Imersão na Fazenda Ouro Fino Entre dinâmicas e vídeos exibidos, tentamos reproduzir como seria a montagem e estrutura pronta de um SAF. Luzinete, Seu André, Neide e Seu Dadu foram os primeiros moradores que tiveram interesse em construir um Sistema Durante esse processo teórico os moradores frequentaram Agroflorestal. No entanto, esse termo ainda era afastadado as atividades assiduamente. Percebemos que algumas da realidade do Quilombo. Apesar de terem contato diário mulheres, a princípio envolvidas com o ofício de produção com a terra, a comunidade possuía muitas dúvidas de e comercialização do beiju, tinham interesse em trabalhar como seria esse Sistema. “Quais seriam os benefícios? com a terra. Durante a fase do diagnóstico foi possível Como plantar sem uso de agrotóxicos em um solo que conhecer um pouco mais sobre a vida da população. não é muito fértil?”, foram alguns questionamentos que surgiram logo nas primeiras reuniões. No início do projeto, como forma de aproximá-los da tecnologia do SAF, foi feito um intercâmbio de moradores do Quilombo para a Fazenda Ouro Fino, fazenda que possui uma estrutura Agroflorestal mais antiga. Durante o intercâmbio, os moradores do Quilombo fizeram um curso teórico-prático de Agrofloresta com Henrique Souza, um dos precursores do sistema no Brasil.
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Neide, Seu Dadu, Luzinete se tornaram replicadores e, além disso, influenciadores de um estilo de vida sustentável, que eles tiveram a possibilidade de ter acesso e perceber que pode “dar certo”. É possível plantar sem uso de aditivos químicos, agrotóxicos e ter uma ampla produção de qualidade. Na volta do intercâmbio, durante a tomada de decisão, outros moradores se interessaram pela implantação do SAF e o grupo total de beneficiados cresceu: Seu Dadu, Angélica, Patrícia, Neide, Luzinete, Seu Arouca, Eduardo, Bispo e Mathias e Zé Carlos.
Em geral, as comunidades quilombolas estão situadas em região de topografia acidentada, visto que os negros escravizados se refugiavam em locais de difícil acesso. Essa herança é facilmente percebida no Quilombo de Cordoaria, as áreas agricultáveis estão em regiões íngremes ou na cabeceira do Rio Joanes e seus braços. Além disso, o conhecimento ancestral adquirido em anos de trabalho com a terra e repassados de pais para filhos fica mais evidente nos mais antigos, a exemplo de Seu Dadu e Seu André, referências na comunidade. O milho, a mandioca, o aipim, a cana de açúcar e a banana estão entre as espécies mais cultivadas.
A implementação dos SAFs no Quilombo aconteceu em forma de mutirões em cada propriedade. Para auxiliar os técnicos do IPB convidamos o Agrofloresteiro há mais de 25 anos, Eduardo Guimarães. Ele possui uma propriedade no sul da Bahia há 20 anos e pode dividir sua experiência sobre adubação natural e biodiversidade em sistemas agroflorestal. Cada propriedade foi estruturada de acordo com o solo, estrutura do local e objetivos do proprietário com o SAF.
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A instalação do primeiro SAF ocorreu na propriedade de Patrícia. No primeiro momento foi realizada uma introdução teórica sobre o Sistemas Agroflorestais com participação de Eduardo Guimarães. Foi discutida as formas de cultivos, a seleção das espécies mais adaptadas, o uso de biofertilizantes e, também, o manejo da água na propriedade. Em seguida, foi feita uma visita a área que recebeu o sistema agroflorestal, uma projeção dos locais que receberam as mudas e sugestão das espécies que se adaptam bem. Para concluir a oficina, foi construído em um papel metro o esboço da área e a localização de algumas mudas estratégicas. A oficina foi muito importante para dimensionar a área que recebeu o sistema, estruturar os passos para a construção e entrar em consenso entre os anseios de Patrícia e as possibilidades da área.
O SAF de Luzinete, por exemplo, foi implementado no quintal da sua casa, em uma área íngreme e de pequeno espaço. Toda a estrutura e variedades de espécies foi estruturada de acordo com o objetivo que ela apresentou, de comercializar sucos de frutas. Dialogando com cada morador e conhecendo cada propriedade, estrutura do solo, disponibilidade de água, diversidade já existente no local foi construído o plano de cada SAF. A implementação dos SAFS foi feita em oficinas com mutirões de moradores e amigos para limpar o solo, preparar o solo com adubos orgânicos, escolher as vegetações que iriam permanecer no local, fazer as leiras e o plantio de mudas no solo. Todo o processo foi acompanhado pelos técnicos do Instituto de Permacultura da Bahia (IPB).
Referências
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http://envolverde.cartacapital.com.br/annie-leonard-me-conta-a-historia-das-coisas/ http://www.scielo.br/pdf/bgoeldi/v9n1/04.pdf