Comtato

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Além dos números Reportagem passa quase doze horas no Pronto Atendimento Municipal ouvindo pacientes que chegam a esperar o dia todo para serem atendidos

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Grades e Origamis

Código Florestal

Movimento Estudantil

Dois jovens jornalistas e o relato de menores infratores em Londrina

Pequeno agricultor conta sua experiência no campo e seu amor pelo meio ambiente

Jovens independentes, jovens partidários, movimentos sociais e internet: a gente faz política?

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EDITORIAL

U

Para romper o silêncio

m jornal independente pressupõe um entrosamento harmonioso entre equipe de redação e orientação editorial. No caso deste Comtato, não se buscará afirmar o quão isenta é a publicação, visto que suas 22 reportagens possuem características ímpares e não se dividem em editorias. A liberdade deste jornal é garantida pela fluidez do espírito inquieto de jovens repórteres pautados por seus deslumbramentos particulares com os fenômenos sociopolíticos e, essencialmente, pelo caráter independente de ser produzido numa escola pública de Comunicação. Ao contrário das grandes empresas do jornalismo, frequentemente comprometidas com as necessidades publicitárias do mercado, esta edição propõe reavaliar, sob a perspectiva menos viciada de jovens acadêmicos, questões inerentes ao desenvolvimento equilibrado da sociedade. A missão de um jornal é cumprida quando, além de transmitir a mensagem, o veículo convida o leitor a permear o debate com sua experiência individual, produzindo um conhecimento novo

CRÔNICA

no âmbito da comunicação. A volúpia que impulsiona a busca pelas primícias de cada matéria é o que assegura o aspecto convidativo do conteúdo aqui impresso. O caminho escolhido é o das soluções, e não o da frieza e imediatismo provocados pela pasteurização do noticiário cotidiano regido pela lógica da velocidade. O movimento proposto por este jornal é o da mobilização intelectual e a ampliação do espaço imaginário do campo do debate de políticas públicas. Despertar, em cada indivíduo, a necessidade de atuar na sociedade de modo transformador, sem o sentimento de insignificância solitária que despe o cidadão de ímpeto renovador. Nas próximas páginas, o leitor encontrará reportagens que examinarão aspectos sociais presentes no cotidiano. Essas reportagens, mais que simples análises ou retratos de uma determinada realidade, são convocações para o exercício pleno da cidadania e do caráter humano. E mais que convocações, são gritos de uma geração que pretende romper com um passado repleto de condutas sociais obsoletas e degradantes.

CHARGE

Borda de Gergelim por Heron Heloy Uníssono sim para a borda de gergelim. Com o perdão da rima em prosa, começo a reflexão da vez. Estávamos pedindo uma pizza, até ai nada de mais. Porém, quando a atendente perguntou se desejávamos a borda com o opcional gergelim, atentei para o motivo desta crônica. Perceba que, nas coisas mais imbecis do dia-a-dia é que se notam pontos importantes de nossa existência. Aquele não era um simples complemento. Era um plebiscito do ego. Em caso de discordância, alguém teria que pagar o pato pelo gergelim (ou não). O acordo pela borda lembrou uma das primeiras vezes em que saímos. A senhora da barraquinha do doce japonês da feira perguntou se era pra levar. Nem lembro quem disse o quê, só sei que nosso ‘nãosim’ soou mais confuso que o nome do doce. E é assim, amigo leitor, nas coisas mais bestas da vida, que nos damos conta das mais valiosas. Não seria a busca pela borda de gergelim em comum uma das mais complexas da vida? Se não concordam, tudo bem. Aprendiz de escritor (vulgo jornalista) tem dessas. Em vez de apenas comer a pizza, ele psicanalisa até a borda. E de gergelim, por favor...

EXPEDIENTE Jornal Laboratório

Produção: 2º Ano Jornalismo Noturno - UEL Docente Responsável: Ossamu Nonaka MTb 750 Reportagens: Ana Carolina Luz Ananda Ribeiro Andreza Pandulfo Angela Ota Brunna Souza Bruno Cunha Bruno Leonel Erick Lopes Fernando Almeida Giovanna Machado Heron Heloy Isabela Cunha Juliana Moraes Laís Vieira Lais Taine Lucas Marcondes Renan Alves Renan Cunha Roger Bressianini Ruthe Oliveira Soraya Momi Yuri Martinez Diagramação: Erick Lopes Fernando Almeida Lais Taine Impressão: Gráfica da Universidade Estadual de Londrina

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Lais Taine

Estação Braços Abertos A história da migração de uma família e de uma cidade por Lais Taine cascando dez quilos, eu conseguia mês. Sidnéia levava vários sacos e madrugadas frias que deixou os aguardava, foi construído. O proMais de dois milhões. Esse é o registro do número de pessoas que passam, anualmente, pelo Terminal Rodoviário de Londrina. O fluxo de pessoas que vêm e que vão, hoje, é maior, mas o número de migrantes já foi mais intenso. Passados os 75 anos em que Londrina deixou de ser Patrimônio Três Bocas, Sidnéia Ribeiro Mendonça e duas filhas saem da região com destino a Santa Catarina. Os sonhos são semelhantes aos dos que vieram para cá em 1929. Segundo o livro Londrina! Cidade de Braços Abertos , de José Luiz Alves Nunes, a primeira caravana de pioneiros, administrada pela Companhia de Terras do Norte do Paraná (CNTP), chegou montada em cavalos e cruzando rios. A terra fértil estampou anúncios dentro e fora do país. Era a possibilidade de ficar rico depois da crise de 29, quando houve a quebra da Bolsa de Nova York que provocou uma grande recessão internacional. Duas crises nessa história: a de 1929, que movimentou o mundo todo, e a crise particular de Sidnéia. Com estudo só até a 8ª série, restava pegar os empregos que sobravam na vida. Trabalhou de doméstica e depois tirando casca de mandioca. “Des-

um real!”, reclamou do trabalho árduo e pouco valorizado. Sidnéia se preparava para encontrar dificuldades por lá também. Lembrou dos pertences que ficaram para trás e riu ao lembrar o pedido do marido: levar o que pudesse. O emprego já estava ajeitado: seria empregada doméstica. “Pelo menos o valor que eles pagam lá é melhor que aqui”, justificou-se, por reconhecer que não era um trabalho fácil. Elogiou a nova cidade e informou que “muito peão” de Pau d’Alho do Sul, distrito de Assaí, onde morava, estava indo pra lá. No período de 1934 até 1938, Londrina também recebeu “muito peão”. A população aumentou aceleradamente. Em quatro anos, de três mil, a cidade passou para 30 mil habitantes. A boa economia baseada na cafeicultura trouxe a Londrina o título de “capital mundial do café”, no mesmo período em que foi construído um aeroporto, em 1949, terceiro mais movimentado do país nas décadas de 50 e 60. O folheto “Londrina – Onde a terra cheira dinheiro”, publicado em 1953, dizia: “(...) diariamente, 10 mil pessoas chegam ou partem da cidade utilizando-se de 100 aviões e 260 ônibus (...)” De acordo com a administração da Rodoviária, mais de 11 mil ônibus chegam e partem por

caixas, todos depositados no chão. O plano era reencontrar o marido, servente de pedreiro, que esperava por elas há seis meses. Em Sidnéia, uma preocupação: um possível desencontro entre eles. Com duas crianças e uma extensa bagagem pra cuidar, a preocupação é ainda maior. Londrina viveu um período fértil. O que não se esperava era que o clima complicasse a economia da cidade, que sofria com as fortes geadas a cada dez anos. Elas começaram a assustar. Em 1955, o período de descanso entre uma e outra foi de apenas dois anos, sem tempo para que as lavouras de café se recuperassem. O frio também assustava Sidnéia. Ficou sabendo das temperaturas mais baixas na região pra onde ia. Agasalhou as meninas e calçou as botas antes de sair de casa, por volta das 8h. Chegou com 3 horas de antecedência, pois não podia recusar a carona da família, que foi embora logo em seguida. Faltando 40 minutos para o embarque, o aviso de um funcionário da companhia: “O ônibus vai atrasar”. Os motivos, Sidnéia nem prestou atenção, ficou pensando em como avisar o marido e se preocupou com o frio da madrugada, quando chegasse ao seu destino. Em 1963, houve uma dessas

trabalhadores dependentes das produções de café desolados, desempregados. Assim, a população rural, sem braços para combater os desastres da natureza, se deslocou para a área urbana. Alguns ainda continuaram tentando. Até 1975. Uma geada tão forte que foi denominada “Geada Negra” acabou com cerca de 850 milhões de pés de café, sem chance de recuperação. A madrugada gelada de 17 de julho de 1975 dizimou tudo que era verde na região. Um clima frio e fúnebre para uma cidade promissora. A história mudou. Do dia para a noite, os trabalhadores que continuavam no campo ficaram sem trabalho. Segundo o IBGE, o êxodo rural do Norte do Paraná retirou do Estado quase 2,5 milhões de pessoas na década de 70. Sidnéia, que nem havia nascido quando isso ocorreu, colheu os resultados de uma época marcada na memória da cidade. Trabalhadora do campo e depois empregada doméstica, a história se repete. Assim como muitos da época, bastou-lhe buscar, em outro lugar, o que não encontrou na região de Londrina. Com a vinda de trabalhadores rurais, a região urbana foi inchando. Em 1988, o Terminal Rodoviário José Garcia Villar, onde Sidnéia

jeto arquitetônico iniciado por Oscar Niemeyer foi concluído por Julio Ribeiro e Hely Brétas Barros, transformando o concreto em um poderoso círculo no centro de Londrina. Como disse Cora Coralina: “Londrina nasceu, Londrina cresceu... plantando cidades no norte do Paraná”. Hoje, Londrina passou a marca dos 500 mil habitantes, consolidou-se como principal ponto de referência do Norte do Paraná e exerce grande influência e atração regional. Gente que chega. Porém, o crescimento acelerado trouxe as grandes dificuldades de uma cidade sufocada. Faltou segurança, faltou saúde, faltou emprego... Gente que vai, como a Sidnéia. O ônibus chegou com quase 2 horas de atraso. Sidnéia pediu ajuda ao motorista para carregar os objetos, todos puderam ser carregados, graças ao pequeno número de pessoas que seguiria viagem na mesma embarcação ou graças à piedade dos funcionários da companhia. Com a filha menor no colo e a maior em pé à sua frente, subiu a escada do ônibus como quem não queria pensar no que ficara pra trás. Seguiu viagem programada em 15 horas de ansiedade, cansaço, medo e esperança em direção a Criciúma, Santa Catarina.


Difícil início Em um mercado de trabalho cada vez mais exigente, a procura pelo primeiro emprego requer perícia de profissional Soraya Momi

por Soraya Momi Os tempos mudaram. Estar aposentado não mais significa estar retirado do mercado de trabalho e sim recebendo uma renda extra. Mulheres, antes dedicadas apenas à vida doméstica, hoje exercem dupla jornada. Adolescentes são estimulados a praticar alguma atividade remunerada que lhes traga responsabilidades e independência. Em resumo, na atual sociedade ter um emprego significa muito. Não à toa o mercado está cada vez mais concorrido e, se de um lado os candidatos a uma vaga temem ser suplantados por concorrentes melhor preparados, do outro, empregadores têm a missão de identificar, entre os candidatos, aquele que melhor traduz o perfil da empresa. A fim de que a escolha seja acertada, as companhias utilizam-se da aplicação dos mais diversos testes, que vão muito além de uma simples conversa durante a entrevista. Mas, em uma sociedade onde tempo e dinheiro são grandezas diretamente proporcionais, o fator “experiência anterior na função” termina por ser, muitas vezes, decisivo. Raciocínio aparentemente lógico por parte das empresas, mas que leva a um eterno círculo vicioso: sem a experiência exigida, os candidatos não estão aptos a preencher a vaga ofertada, mas se não ingressam no mercado de trabalho, nunca terão qualquer tipo de experiência. Assim, conquistar o primeiro emprego tem se tornado uma difícil batalha. Na maioria dos casos, o maior propulsor na procura por uma primeira ocupação é o incremento orçamentário. Seja para auxiliar nas despesas da casa, ou apenas para arcar com as próprias, uma renda extra sempre é

Expectativa: Huander acaba de conseguir seu primeiro emprego e a oportunidade de adquirir experiência profissional

bem vinda. A aposentada Neusa Santos, 53 anos, conseguiu seu primeiro emprego aos 12 anos no setor de produção de uma fábrica de bexigas de Osasco, em São Paulo. Conta que a empresa seguia corretamente as leis trabalhistas e remunerava seus funcionários com o salário mínimo então vigente. Não deixando de reforçar que, se hoje esse quadro não parece dos mais animadores, na época significava muito, uma vez que as fiscalizações dos órgãos competentes eram tão raras quanto as denúncias dos trabalhadores. Transgressões à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) são realmente menos frequentes hoje, pois as pessoas

conhecem melhor seus direitos e deveres trabalhistas. O que não significa que as ocorrências raramente aconteçam. Afinal, ao passo que empregados de grandes firmas se organizam para a realização de greves e denúncias, os de pequenas empresas ou casas de família contam com menores chances de ter sua situação regularizada. Paula Araújo, 22 anos, está desempregada há quase dois meses. Pediu demissão de seu primeiro emprego após quatro anos de trabalho. Ela trabalhava para um casal como empregada doméstica e cozinheira. Diz que não consta nenhuma anotação referente ao período em sua Carteira de Trabalho, e também que sempre lhe foi pago um va-

lor abaixo do mínimo estabelecido. Lembrando que não completou o segundo grau nos estudos e que tem a responsabilidade de sustentar uma filha, ela sempre acabava por resignar-se com a situação. Há uma direta relação entre o grau de escolaridade de uma pessoa à procura de seu primeiro emprego e a ocupação almejada. Quanto maior a escolaridade do candidato, maior também a busca por uma boa empresa, porque maior será o seu preparo técnico na área pretendida. Huander Alves, 18 anos, é estudante de Economia e há poucos dias retirou sua carteira de trabalho. Ele aguarda ser chamado por uma empresa de telemarketing, para a qual já foi

selecionado. Conta que conseguir seu primeiro trabalho não foi tão difícil, pois preferiu candidatar–se em uma empresa que estava realizando grande número de contratações, em vez de passar várias semanas fazendo entrevistas. Revela também que não deixa de ter uma boa expectativa em relação ao início de sua vida profissional, pois isso lhe significará certa independência financeira e um registro na carteira de trabalho, traduzido, futuramente, como experiência. Por diversos fatores, a busca pelo primeiro emprego não é uma tarefa fácil. Mas, em um país onde a crise da Previdência Social é eminente, ter a maior parte possível de sua população em idade economicamente ativa ocupando postos legais de trabalho e contribuindo para a Previdência é uma situação desejável. O Governo Federal mostra saber bem disso, criando ações de incentivo à inserção de jovens no mercado de trabalho. Em meio aos percalços da procura pelo primeiro emprego, ajusta–se perfeitamente uma frase cunhada décadas atrás pelo físico alemão Albert Einstein: “No meio da dificuldade encontra-se a oportunidade”. É bem verdade, se verificarmos que pesquisas como a do IPEA, divulgada em fevereiro deste ano, têm apontado a falta de qualificação profissional como uma das grandes causas do desemprego. Dessa forma, a ausência de experiências anteriores pode, em muitas situações, ser suprida pela realização de cursos de capacitação profissional, ministrados e certificados por instituições sérias. Ou mesmo pela execução de atividades que simulem as rotinas a serem desenvolvidas no emprego pretendido. Ou seja, se você for um aspirante a jornalista, dedicar–se a elaboração de um jornal laboratório pode ser uma boa idéia.


Inácio: uma criança em risco Um retrato social de quem teve direitos e sorrisos violados pela negligência por Ananda Ribeiro “Tudo começou quando o Inácio ainda era um bebê. O pai e a mãe alcoólatras. Corta-se água, energia, porque não tem como pagar” (Aracéli de Oliveira, 42 anos, presidente do Conselho Tutelar de Ivaravera ). “Quando ele começou a aparecer por aqui, a gente começou a acolher, né, e como ele não tem amor de mãe, de pai, nem de ninguém, ele se achegou muito à gente.” (Tia Zelda, 56 anos, trabalha em um projeto social de uma igreja, que atende crianças e adolescentes através de dança e estudos em Ivaravera). “O Inácio é daquele jeito, meio assim... doidinho. Você vai conversar com ele, ele é meio agitado né, então, é o jeito dele, é isso aí que você vê.” (Rosa Silva, 64 anos, há 40 moradora do bairro ivarevense onde Inácio vivia). - Inácio, você nasceu em Ivaravera? - Não, nasci em outra cidade, mas não sei que cidade é não. - Faz tempo que você está aqui? - Nem sei, parece que eram 10 anos que eu tinha. - Você morava com seus pais? - Morava com a minha tia, meu pai e minha irmã. Meus pais se separaram. - Seu pai é legal? - É. - E com a sua mãe, você se dá bem? - Tudo bem. -O que que aconteceu em casa? _ Nada. - Gosta de estudar? - Gosto - Estuda onde? - Em Jatobina, na quarta série. De manhã. - E o que você faz depois da aula? - Vou pra casa. - Do que gosta de brincar?

- Ah, não sei não. Fico assistindo televisão - Tem amigos que brincam com você? - Uhum. - São lá da rua? - Não, são meus amigos que moram perto de mim. Eu toco violão. - Ah, é? Sabe tocar que música? - Não sei não, “véi”. - O que você quer ser quando crescer? - Não sei. - Não tem vontade de ser nada? - Não sei. - De quem você gosta mais? -Não sei, não, não sei. - Gosta de vir pro projeto? - Uhum. - Por quê? - Aqui é legal, as brincadeiras, as danças... - E à igreja com a tia Zelda, você gosta de ir? - Gosto. -Por quê? - Porque é legal, é bom. - Você conversa com Deus? - Converso. - E como é que é com Ele? - Humm, não sei não. - Não tem nada que aconteceu que você queira contar? - Não aconteceu nada. -E está tudo bem com você? - Tá. Entrevista feita com Inácio, no projeto, num dos sábados em que ele fugiu da cidade para onde se mudou com o pai e voltou para Ivaravera. Inácio é o nome fictício de um menino real. Para preservar ele e outros que aparecem nesta reportagem, todos os nomes e localizações foram modificados. Resumidamente, a história de Inácio Segundo Aracéli de Oliveira, a família de Inácio “não era uma família estruturada, mas era uma família”. Mas um dia, por conta de uma vela acesa, a casa pegou

Ananda Ribeiro

O Conselho Tutelar tenta, em todas as instâncias, manter a criança na família antes de encaminhá-la a uma instituição que a abrigue

fogo. Foi a gota d’água para uma relação tumultuada entre marido e mulher, ambos alcoólatras. O casal se separou e os filhos foram cada um para um lado. A conselheira acredita que Inácio apresenta certo retardo mental em conseqüência dos traumas a que foi exposto. Ele tinha um cheiro muito forte devido ao suor e à falta de banhos diários. “Essa história de tomar banho... só gasta água e energia”, o menino dizia. Para Zelda, que precisou ensiná-lo a se lavar, ele ouve isso do pai. “Depois, ele encontrava as outras crianças e falava: já tomei banho, tô bonito!”, contou Zelda, aos risos. Inácio não nos disse o que deseja ser quando crescer, mas tia Zelda comenta que “quando ele crescer quer ser polícia, pra matar mesmo... os pais!!! Ele falou!’’. Aracéli concorda: “Sabe o que me deixa triste no Inácio? Antes, ele tinha os probleminhas dele, mas era tranqüilo, porque acho que não tinha provado de coisa erra-

da ainda. Você conversava com ele, ele te ouvia. O Inácio já está desencadeando um grau de rebeldia”. Zelda também comenta que não é sempre que se vê essa rebeldia. “Ele é desse jeito aí, ele é carinhoso. Mas é assim, você vê que ele é carinhoso se ele receber carinho, porque ele não sabe o que é isso, né? Se ele tem carinho, você vê que ele até exagera, tudo pra chamar atenção.” Conselho Tutelar Inácio teve praticamente todos os seus direitos violados. Para evitar que histórias como esta se repitam existe o Conselho Tutelar, que nas palavras da presidente “é visto como um órgão punitivo, e está muito errado isso, porque o conselho é um órgão protetivo”. E acrescenta: “Em cima de denúncias anônimas, muitas vidas foram salvas, muitas crianças tiveram seus direitos garantidos. Estavam sendo vítimas de abuso, de maus tratos”. O Conselho precisa da comunidade, que pode auxiliar o trabalho denunciando,

mesmo que seja no anonimato. Traços Quando chegamos ao Projeto para as entrevistas, em um sábado, a surpresa: o menino estava lá! Ele exalava um odor forte, mas não tão forte quanto o abraço que nos dava. Não sabia coisas básicas como onde nasceu, por exemplo. Sobre a família, parecia não querer falar. Com respostas curtas e objetivas, que contrariavam todas as informações dadas pelos outros entrevistados, ele buscava encerrar o assunto. Estava agitado. Quando peguei a câmera, reclamou. Segundos depois, estava fazendo poses e subindo em árvores para ser fotografado. Primeiro, subiu em uma árvore pequena. Depois, em uma bem alta. Subiu quase ao topo, disse que estava com medo de cair. Não parecia: lá do alto, ele soltou as mãos e posicionou os dedos formando um coração. Amor: era isso o que ele queria dar e era isso o que mais precisava receber.


Cincão Esporte Clube O clube mais novo da cidade já exporta jogadores para a Europa e espera receber terreno para construir estádio e centro de treinamento na Zona Norte Divulgação: Cincão Esporte Clube

por Fernando Almeida Reconhecido profissionalmente desde outubro de 2010, o Cincão Esporte Clube tem o mais novo time de futebol de Londrina. O clube, que representa a região Norte, tem em seu uniforme as cores oficias do município, o vermelho e branco, leva no escudo a bandeira de Londrina e dois ramos de café. Com menos de um ano de vida, o Cincão trabalha bastante para ser uma forte equipe e já possui uma boa estrutura para seus atletas. A sede fica na Vila Casoni, área central, mas a intenção é levar o time para perto da torcida, construindo no conjunto Luiz de Sá, Zona Norte, um estádio com capacidade entre 6 mil e 8 mil pessoas. Gilberto Ponce, presidente do clube, acredita que no máximo em três anos o clube já estará situado na região, com o estádio para mandar seus jogos e um centro de treinamento. “Estamos esperando uma definição da prefeitura quanto à área. Em posse do local, faremos os projetos para saber quais os custos e correremos atrás dos recursos, que serão adquiridos através da negociação de jogadores, financiamento bancário e patrocinadores”, relata Gilberto. Para o apresentador e comentarista esportivo Gelson Negrão, o Cincão já nasce com algo que muitas equipes não possuem: uma identidade. Gelson diz que o clube desenvolve um trabalho sério e da forma correta. “É importante investir na base. Construir um estádio e um centro de treinamento na região Norte ajudará a fortalecer o vínculo com a torcida.” Os atletas O clube trabalha com as categorias de base infantil e juvenil, sub-20 e profissional. Na base, o objetivo é que os garotos tenham uma evolução e que gradativamente subam de categoria até se profissionalizarem. Esse é o caso do atleta Douglas Antônio Luis, de 17 anos. Há seis meses no clube, ele foi indicado por um amigo para o juvenil e agora faz parte do time sub20. Douglas, que mora na região dos

Equipe sub-20 do Cincão E.C antes de viajar para a Espanha, onde disputou o Torneio Internacional de Futebol Cotif. Cinco Conjuntos, é o retrato da maioria dos garotos que sonham desde criança em ser um jogador. “Sempre sonhei em jogar futebol, estou desde o cinco anos de idade jogando bola e em busca desse objetivo vou continuar.” O time profissional é composto de 25 atletas e o sub-20, de 23 atletas. O time principal conta com apenas um jogador de Londrina, já no sub-20 são sete. A maioria é de outros estados, como Goiás e Maranhão, e mora com uma parte da comissão técnica no alojamento do clube, que fica na própria sede. Por não dispor de um local fixo, os treinos são realizados nos campos do Centro Social Urbano (CSU, conhecido como “Buracão”), na Vila Portuguesa, no campo do patrimônio Heimtal e no do Distrito de Warta. Com essa estrutura, o Cincão Esporte Clube vem desenvolvendo o seu trabalho. Ainda não levantou nenhum caneco, mas já começa a ganhar ritmo de jogo e a disputar tor-

neios importantes. A equipe juvenil chegou à semifinal da Liga Metropolitana, o sub-20 disputa no momento o Campeonato Estadual e o profissional a Série C do Paranaense. O técnico Evandro Guimarães, que dirige a equipe profissional, diz que embora enfrente dificuldades comuns a um time pequeno, como o problema com deslocamento e a falta de patrocínios, ele possui para trabalhar tudo o que um clube desse tamanho pode oferecer. Visibilidade Com o objetivo de internacionalizar o nome e facilitar a negociação de futuros jogadores com clubes estrangeiros, o Cincão aceitou o convite feito por um time espanhol e levou a sua equipe sub-20 para participar do Torneio Internacional de Futebol Cotif, que aconteceu no começo do mês, na Espanha. O clube representou o Brasil ao lado do Santos (SP) e do Juventude (RS). Embora não tenha se classificado para a segunda fase, a equipe londrinense

acabou recebendo muitos elogios da organização do evento, pois fez bons jogos, apresentou atletas de nível e um time acertado. Vários jogadores foram sondados pelas equipes que acompanhavam a competição, dois chamaram bastante a atenção e um deles conseguiu fechar contrato com o clube Atlético de Madri e nem voltou para o Brasil. “Nossa participação foi muito boa no torneio. Quando temos uma sondagem ou até a chance de um jogador como esse que ficou, para nós é uma grande honra, é o reconhecimento de um trabalho bem feito”, disse, orgulhoso, o treinador Evandro Guimarães. A torcida O Cincão ainda engatinha para conquistar seus torcedores. Para o presidente Gilberto Ponce, o fato não desanima. “A intenção é realmente ser um time de torcida. A nossa, vamos conquistar no longo prazo, cumprindo os nossos objetivos e vencendo. Não queremos apenas revelar jogadores, mas também criar uma identidade

com a região.” O futebol é uma paixão nacional, está no sangue do brasileiro e, para muitos fanáticos, é a razão de viver. Infelizmente, na década passada, o torcedor londrinense não viu um futebol vistoso, alegre e campeão. Foram apenas apresentações incapazes de despertar nos jovens o interesse pelo clube regional ou de rever estampado na face dos mais velhos o orgulho que em tempos passados já sentiram. O torcedor ficou então refém do futebol da Capital e dos grandes clubes do País. Nesse ano, a maré já mudou. O futebol da cidade passa por uma nova fase, um momento de restruturação e investimento. O Londrina Esporte Clube conseguiu voltar para a elite do futebol paranaense e nasceu a promessa de um grande time, o Cincão Esporte Clube. É claro que ainda é cedo para dizer, mas tudo indica que em breve haverá uma rivalidade entre esse dois times. Que a cidade ganhe, então, um clássico local, digno da sua importância e da sua história.


Participação social e o dever de ser politizado Uma das atividades humanas mais antigas, a política é muito mais que simplesmente políticos e eleições por Roger Bressianini Outra peculiaridade da partici-

ferrenho contra o capitalismo, hoje procuram torná-lo mais harmônico para a sociedade. É cada vez mais difícil perceber as fron“Para deputado? Votei em teiras”. Requião”, respondeu o aposenA obrigatoriedade tado Evelino Matheus de Souza, O voto é obrigatório para to67 anos, após pausar a leitura de dos os brasileiros entre 18 e 65 um jornal, antes de ser alertado anos, sendo facultativo para pesde que esse político não se candisoas com mais de 65 e jovens de datara para o cargo de deputado 16 ou 17 anos. A nas eleições de obrigatoriedade 2010, há menos de um ano. Já o Uma peculiaridade da participação é defendida por políticos comerciante Andos jovens é a escolha das redes sociais alguns e sociólogos com dré Nascimento Vieira, 30, que como espaço de manifestação política. o argumento de que todos os cise disse “insadadãos devem tisfeito com a administração e com os buracos clarecidas sobre aquele determi- participar ativamente da vida pública, zelando pela escolha dos das ruas de Londrina”, revelou que nado evento”, pondera. Para o vereador londrinense representantes políticos. Além não votou para prefeito “porque Roberto Fú (PDT), existe também disso, o voto pode ser um fator nenhum candidato prestava”. Afinal, qual a diferença entre a necessidade de uma participação de educação política. Uma eleição um deputado e um senador? Para local, na comunidade em que o em que a maioria dos eleitores que se interessar em debater as- eleitor está inserido. “Eu comecei vota tem maior respaldo e credisuntos públicos? Essas são algu- a me envolver com política no meu bilidade perante a população. “A questão principal não é mas das questões que interferem bairro, dando minha colaboração na compreensão e participação do em assuntos que eram importan- a obrigatoriedade. O probletes para a minha comunidade. Em ma é o Estado exigir somente eleitor no universo político. Uma pesquisa realizada re- 1988, fui presidente de uma as- isso do indivíduo, que ele vote centemente por universidade pa- sociação de bairro que conseguiu a cada quatro anos. Isso é que o ranaense revelou que 70% dos levar um hospital para a zona sul. chamam de cidadania, mas será alunos do ensino médio da rede Hoje, há associações quase desati- que só existe esse canal? Só temos pública de Londrina desconhecem vadas, em que não aparecem can- esse meio de participação? Acho que a população deveos conceitos básicos de democra- didatos quando fazem eleição.” O pouco interesse pelos parti- ria ser mais consultada por cia e política. A análise também mostrou que 68% desses estu- dos políticos pode ser explicado meio de plebiscitos, coisa que dantes não sabem dizer o que faz pelo momento de descaracteri- temos muito pouco no Brasil. A população acaum deputado feba se sentindo deral. isolada”, diz LeiPara o socióO político é qualquer indivíduo capaz bante. O verealogo e professor de notar que política é, de fato, uma dor Roberto Fú da Universidade Estadual de qualidade humana que não se pode evitar. também acredita que Londrina (UEL), a obrigaThiago Leibante, os jovens não demonstram muito zação que esses grupos passam no toriedade traz problemas interesse em participar da política Brasil. Os conceitos de esquerda para a sociedade, já que por meio dos partidos. “Atualmen- e direita no país são confusos, e “pode gerar um impulso que te, a atuação política dos jovens não só para os leigos. Para Lei- faça o indivíduo votar sem fazer se concentra nos movimentos bante, “não dá para afirmar que uso da consciência, sem levar em estudantis, como os Centros Aca- não exista mais direita e esquerda conta a história do candidato que dêmicos e Diretórios Centrais de no país. Mas alguns partidos que escolhe”. Fú acrescenta que “se Estudantes. Já na participação ins- eram da esquerda foram partindo o voto fosse facultativo, talvez a titucional, partidária, ainda parece para essa coisa da ‘social-demo- qualidade dos escolhidos fosse existir muita resistência”, analisa. cracia’. Os que tinham um discurso melhor, não dando espaço para o pação dos jovens é a escolha das redes sociais como espaço de debate e movimentação política. “Essa participação é interessante, mas é necessário ver as limitações. Acho que nessas manifestações virtuais, o simples fato da pessoa clicar ‘eu vou’ não significa que ela tem informações confiáveis e es-

chamado ‘voto de protesto’, prática comum no país”. A vida em sociedade exige, de todos, compreensão e entendimento dos limites que devemos obedecer para possibilitar o desenvolvimento político e social. Além disso, a vida política implica comprometimento com questões fundamentais para os indivíduos, como saúde e educação. A política, mais do que uma atividade exercida pelos responsáveis pela gerência pública, é uma atividade praticada por todos, em cada relação pessoal que determi -

Banco de Imagens : Governo Federal

na os moldes de uma sociedade. Por fim, é possível concluir que o político é o ser responsável por suas ações, capaz de participar da vida social, independentemente de partido ou ideologia. O político é qualquer indivíduo capaz de notar que política é, de fato, uma qualidade humana que não se pode evitar.


24 folhas de jornal...

Não existe coitadinho, e segregar também não ajuda ninguém. Entenda o título e um pouco da vida de jovens infratores em Londrina Arte: Valter do Carmo Moreira

por Heron Heloy com colaboração de Lucas Marcondes Era o primeiro de seis jovens que entrevistaríamos naquele dia. Cabeça raspada, olhar desconfiado, camiseta branca – sem estampa – bermuda simples e chinelos. Entrou, apertamos as mãos. Naquele momento pensei em quão difícil poderia ser para extrair algo de revelador daquelas entrevistas. Como seria possível para uma pessoa que aprendeu a suspeitar de tudo e de todos, confiar logo de cara naqueles dois moleques que se diziam jornalistas e os quais ele nunca havia visto. Além do mais, o ambiente como um todo colaborava com a construção de um clima de interrogatório. O chiado do rádio dos guardas comunicando nossa entrada nos pavilhões, os corredores empoeirados da reforma que estava sendo feita e a caminhada até o som impactante do cadeado fechando a porta da sala em que iríamos conversar com eles. Num dos cantos do que era pra ser um laboratório de informática, uma mesa, três cadeiras, três jovens. Ao conhecer um pouco a vida desses menores infratores, você se deparará com um relato preto no branco, por vezes seco e entrecortado. Um relato de nomes fictícios e histórias reais. [...] Enquanto ajustava o gravador, reparei na tatuagem no braço direito do garoto: “Amor só de mãe”. Os traços, mesmo que mal feitos, representavam bem o que mais escutamos dos jovens. Fosse uma matéria para TV, certamente faríamos uma miscelânea com a frase “Mãe é tudo!”, tamanhas vezes foi repetida. O apego à figura materna é

algo impressionante. Lembrei-me do que Paola, psicóloga do projeto Murialdo, havia me dito. “A figura paterna representa lei, inclusive quando exercida pela mãe.” “Ah, ter uma mãe como a mi-

nhado, sempre desviando o olhar, frases curtas – mal articuladas, mas consciente de seus atos, o jovem não divergia muito do padrão observado ao longo das entrevistas. O que mudava de um para o outro era a vontade (ou não) de mudar. “Quero ser um homem normal. Arrumar um serviço, ter a família do lado e ser do Exército”, dizia com pensamentos entrecortados Xavier, que aos poucos ia ficando mais à vontade e revelava suas expectativas e sonhos. Sonhos parecidos com os de Lionel, coincidentemente com os

Ao conhecer um pouco da vida desses menores infratores, você se deparará com um relato preto no branco, por vezes seco e entrecortado. Um relato de nomes fictícios e histórias reais. nha não tem preço, eu que não dei valor.” Reconheceu Xavier, 15 anos, apreendido pela terceira vez no Centro de Sócioeducação de Londrina (Cense 1). Jeito aca-

mesmos 15 anos e terceira passagem pelo Cense. O motivo? Um furto, ou, nas palavras de quem se acostumou a dominar as infrações do Código: 155. “Ah, em primeiro lugar a família. Sem a família a gente não é nada [...]. Agora é a hora em que a gente mais pensa. Com um filho pra nascer ai, muda a cabeça da gente.” Lionel é um caso de como esses jovens têm e, ao mesmo tempo, não têm, consciência de seus atos. Ele furtou uma moto para ir ver a namorada grávida. Quando estava voltando para casa, foi interceptado pela polícia. Veio parar no Cense. Questionado sobre o que dirá para seu filho daqui a alguns anos, desabafou: “Pra ele não seguir o exemplo do pai, porque não seria uma coisa boa”.

Xavier e Lionel poderiam ilustrar exemplos de arrependimento e vontade de mudar. Poderiam... mas, estaria mentindo se pintasse um retrato cor-de-rosa das visitas ao Cense e ao Murialdo. Sendo assim, vamos ao outro lado da moeda. O Murialdo é um projeto que vem sendo desenvolvido desde o ano 2000 pelo Instituto Leonardo Murialdo que, em Londrina, é responsável também pela Escola Profissional e Social do Menor (Epesmel). No projeto são trabalhadas medidas socioeducativas com jovens infratores de acordo com as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A entidade é responsável por – sozinha – atender a uma média de 400 menores em conflito com a lei, de Londrina e região.


Hugo da Rocha trabalha há sete anos com as oficinas do projeto. Ele é o exemplo de como, mesmo um cara sorridente e de bem com a vida desanima com o passar do tempo em face de determinadas situações. “Até me entristece falar isso, mas esse é o último ano em que trabalho aqui. Me vejo limitado em muitos casos. Comigo rola um respeito por parte dos jovens porque eu sei lidar melhor com eles, mas já vi funcionária sair chorando da sala. Como um profissional desse vai voltar e dar aula para o mesmo grupo?” Hugo defende uma maior participação do Judiciário no projeto. “No caso de descumprimento de alguma medida, quando vamos falar com o adolescente, ele dá risada, diz que isso não dá em nada. Falta um respaldo nessa área, no sentido de ter promotores e juízes atuando conosco numa mesma estrutura.” Estava formulada uma das perguntas que faria ao promotor no dia seguinte. Foi na correria entre uma audiência e outra que Marcio Bergantin me atendeu. Há 16 anos no Ministério Público, um ano e meio como Promotor da Vara da Infância e Juventude e com trabalho focado nos adolescentes em conflito com a lei, Bergantin era a pessoa certa para que entendêssemos a situação por outro prisma. Calmo e sereno, o único momento em que senti certo tom de deboche na fala do promotor, foi justamente na pergunta que formulei a partir da conversa com Hugo. “Se eu for lá [no Murialdo] eu não trabalho. De manhã tem os processos e de tarde audiências. Não tem horário pra fazer isso [...] O respaldo a gente trabalha através de ofício, deu alguma coisa errada, comunica a gente.” Ao contrário do que as aspas podem induzir o leitor a pensar, o promotor não foi arrogante, muito menos burocrático. Concordou que apenas o Murialdo é pouco para a demanda da região. “A estrutura de internação (Cense) é razoável, mas a de socioeducação é fraca. Um único projeto como

é o Murialdo para atender uma média de 400 jovens não proporciona bem aquele atendimento individualizado que deveria existir.” Também esclareceu um senso-comum que, quer queira quer não, está implícito em nós. “Para a sociedade, punição é segregar.” A ideia de que segregar não

to extremamente equivocado de que mais segurança pública se faz com construção de cadeias e maior policiamento nas ruas. O certo seria darmos uma boa base na escola. Enquanto a gente só apontar o dedo e achar que não é com a gente, aí não vai resolver mesmo.” O que os ‘Marcios’ defendem não é o ‘passar a mão’ na cabeça do jovem infrator. Situações adversas todos enfrentamos na vida, e se ficarmos encarando o mundo sob a ótica do ‘coitadinho’, estaremos dando justificativas para o que esses jovens fizeram. Para fechar, dois perfis que ilustram a situação: Marta foi uma das três meninas com as quais conversamos. Entrou, olhar de ‘tanto faz’, pareceu indiferente às nossas explicações sobre os objetivos da matéria. Uma personalidade das mais existencialistas que já vi. “Fui eu

“Se eu tivesse mudado antes, beleza. Mas agora já era, morrer eu vou mesmo, então vou aproveitar enquanto sou jovem. [...] Não sou feliz, mas vou vivendo, quem tá na vida louca sabe que não é tão ruim assim...” é a melhor forma de educar esses jovens parece ser consenso entre os profissionais que trabalham na área. Conversamos com outro Márcio, o Alencar, diretor do Cense 1 de Londrina. A entrevista com ele serviu para nos esclarecer o trabalho desenvolvido no centro de cumprimento de medidas cautelares. “Atendemos hoje 74 meninos e 6 meninas. Aqui, eles ficam no máximo 45 dias, de acordo com a legislação, como forma de internação provisória.” Márcio comentou sobre os trabalhos desenvolvidos com os garotos, que vão desde o acompanhamento psicológico até as atividades de cultura, esporte e as oficinas de artesanato. Nesse ponto recordei a cena final com Xavier. Já havíamos terminado a entrevista e chamado os guardas para abrir a sala. Foi quando o menino tomou a liberdade e, com um tom de orgulho na fala, apontou para alguns objetos feitos de folhas de jornal. “Aquele ali é o artesanato que a gente faz. Eles dão 24 folhas e a gente monta essas coisas.” Estranho como de todos os dados e estatísticas que vi nos livros e filmes que estudei para essa reportagem, aquele foi o que mais me marcou: “24 folhas de jornal para o artesanato”. Não era apenas um número, um objeto... era – sei lá – um colorido em meio aquelas cinzentas salas e pavilhões. Uma espécie de esperança em forma de origami, pintura ou vaso. Voltando à fala de Márcio Alencar, mais um tapa na cara da sociedade. “Há um pensamen-

que quis (sobre entrar no crime). Briguei com meu irmão, ele me expulsou de casa, aí tinha que fazer alguma coisa né.” As falas de Marta eram pausadas por um riso meio nervoso. “Já tive quatro motos, hoje não tenho nada. Mas é bom, tudo o que eu quero eu tenho. Agora ninguém mais ‘me tira’, se fizer isso, vixi...” Mesmo no caso de Marta, que se diz satisfeita com as coisas que o crime proporciona, há um reconhecimento de que essa vida é para poucos (afirmado por todos os jovens entrevistados) e que o crime traz uma grande responsabilidade. “Essa vida é só pra trouxa. É eu e mais ninguém. Se eu tivesse mudado antes, beleza. Mas agora já era, morrer eu vou mesmo, então vou aproveitar enquanto sou jovem. [...] Não sou feliz, mas vou vivendo, quem tá na vida louca sabe que não é tão ruim assim... tem muita coisa cara...eu nem sei o que eu tô falando.” E assim - simples, direta e, ao mesmo tempo, confusa, Marta já está na sétima passagem pelo Cense, todas por algum envolvimento com drogas. De Marta vamos a David: Garoto, jeito humilde, foi um

dos mais receptivos conosco nas visitas ao Murialdo. Voluntariamente se ofereceu a conversar e expor sua situação. Conversando com David você nem arriscaria dizer que há sete meses ele era pego com 38 papelotes de crack. Lúcido e consciente da necessidade de mudar, lembrou o único conselho bom que a mãe, que é alcóolatra, lhe deu. “Nunca fume crack, porque vicia.” Perguntado se a mudança tinha sido por causa das visitas ao Murialdo, divergiu. “De vir para cá não muda não. Quem muda é Deus. Galera vem pra cá e fica zoando. [...] Antes eu me achava porque vendia droga, hoje eu me acho porque mudei.” É lógico que o leitor não terá as mesmas impressões dos repórteres que lá estiveram e conviveram por algumas horas. Uma coisa é ouvir a história e outra é vivenciá-la. Cristiane foi uma das jovens que menos falou, sua entrevista não passou de dez minutos e ela nem foi citada no desenvolvimento desta matéria. Porém, na falta de um final, fecho com as aspas da garota. “Eu tenho fé na mudança do ser humano.” Arte: Marcela Scota


Crise na Saúde Baixos salários afastam médicos especialistas dos prontos-socorros e quem sofre as conseqüências é a população Brunna Souza

por Brunna Souza Quem nunca se viu necessitado de cuidados médicos ou do uso de medicamentos para recuperar a saúde? Não dá para imaginar como seriam nossas vidas sem a atuação desses profissionais. A saúde deve ser promovida em todas as etapas da vida, desde a infância até a maturidade, e cabe aos diversos profissionais da Medicina cuidar desta tarefa. Nesse sentido foi criado no Brasil um órgão chamado Sistema Único de Saúde (SUS). Um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo, ele garante tanto o simples atendimento ambulatorial até procedimentos mais complexos, como o transplante de órgãos. Infelizmente, na cidade de Londrina, no Paraná, o SUS tem vivido um grave problema de falta de especialistas nos postos de saúde. A população vem reclamando da atuação da Prefeitura, que é a encarregada pelo pagamento dos salários dos médicos. A cidade passa por vários problemas: no começo do ano a Prefeitura se envolveu num grave escândalo de desvio de recursos da Secretaria da Saúde por parte dos institutos contratados para fazer atendimentos, como o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Em junho de 2011, foi decretado estado de calamidade pública pela ex-secretária de Saúde, Ana Olympia Dornellas. Más condições de trabalho Agora, os médicos ameaçam suspender os atendimentos se não forem pagos os plantões à distância, (quando o especialista fica à disposição e é chamado em caso de necessidade). O governo do Paraná anunciou que vai suspender o repasse de recurso para o pagamento dos plantões à distância, que custam R$ 560 mil por mês e são de responsabilidade do município. Já o secretário muni-

População sofre com a falta de médicos

cipal da Saúde, Márcio Nishida, divulgou que a Prefeitura só irá pagar os plantões presenciais, alegando falta de recursos. Com esse caos, quem acaba sofrendo é a população, que enfrenta filas nos hospitais e meses para uma consulta com um especialista. Na realidade, existe um desequilíbrio na cidade de Londrina, no setor privado faltam médicos apenas em algumas áreas, como neurologia, enquanto no setor público há deficiência em todas as especialidades, principalmente as que são de maior necessidade para a população, como pediatria . Isso acontece por vários fatores, entre eles, as más condições estruturais que impedem o profissional de exercer o seu trabalho

de forma ideal, com tempo de realizar uma análise bem feita e requerer todos os exames necessários. O presidente da Associação Médica de Londrina (AML), Antonio Caetano de Paula, afirma que na cidade não há falta de médicos especialistas se o parâmetro for o número de habitantes. O que ocorre, explica, “é a falta deles dentro da esfera pública, pois o que a Prefeitura paga hoje não chega ao piso salarial”. Segundo ele, um médico, hoje, recebe R$ 5,00 por consulta dentro de um posto de saúde. Por isso, a maioria dos profissionais não se interessa por concursos públicos e prefere trabalhar apenas na área particular. De fato, o concurso público da

Prefeitura de Londrina, realizado no dia 29 de maio, não resolveu a falta de médicos nas unidades de saúde da cidade. Em pelo menos dois cargos oferecidos, o número de médicos inscritos foi inferior ao número de vagas ofertadas. Na avaliação do vice-presidente do Sindicato dos Médicos e membro do Conselho Municipal de Saúde, José Luiz de Oliveira Camargo, a baixa procura dos profissionais pela carreira pública se deve não apenas aos baixos salários ofertados, mas também à ausência de um plano de carreira. “Queremos ser contratados como médicos, e não como promotores de saúde”, explicou. O promotor, segundo ele, se refere a qualquer categoria profissional relacionada à saúde, como nutricionista,

psicólogo, enfermeiro. “Queremos um novo plano de cargos e salários com enquadramento individualizado por categoria profissional”, reivindicou. Formação cara O curso de Medicina ainda é considerado elitizado. Para entrar em Medicina em universidade pública a média é de três anos de preparação e mais seis anos de curso. Ou seja, durante nove anos um aluno de Medicina necessita ter alguém que pague suas despesas, uma vez que o curso é integral e exige muita dedicação do aluno. Nas universidades particulares os preços variam bastante. As mais baratas cobram cerca de R$ 2 mil a mensalidade no primeiro ano ainda assim, um valor alto para a maior parte da população. Desvalorização Sempre que precisamos ir a um pronto-socorro, nos deparamos com a mesma cena: médicos correndo de um lado para o outro, pessoas na fila esperando por atendimento. É o resultado dessa política de Saúde Pública que consome rios de dinheiro sem nunca resolver os problemas. E não é no pagamento dos honorários médicos que se gasta, porque 5 reais a consulta soa até como piada. Até por isso, hoje, muitos profissionais trabalham quase o dia todo e em vários lugares. Mas, mesmo com tantos problemas, há os que defendem o SUS, como o aluno do primeiro ano de Medicina Gustavo Apendino. “Ainda que o SUS tenha suas limitações e deficiências, como as grandes filas de espera, muitas vezes é um sistema eficaz, no caso de tratamentos de urgência e emergência, custeando alguns procedimentos caros, como a colocação de stent (uma pequena mola de aço utilizada em cirurgias cardíacas) em casos de infarto agudo do miocárdio e tratamento de doenças crônicas, como diabetes, esclerose múltipla etc.” Ou seja, nem tudo está perdido.


O fim da inocência Casos de violência sexual conta crianças e adolescente são mais comuns do que se imagina e o maior vilão pode estar dentro de casa Arte: Valter do Carmo Moreira

por Juliana Moraes “Eu estava no banho quando ele chegou de novo, falando umas coisas no meu ouvido, respirando forte, ele abria a cortina pra me tocar, eu sentia tanto nojo dele, eu tentava fugir, mas a porta estava trancada.” Imagine essa fala sendo dita por uma menina de oito anos e que esse homem, de quem ela tem tanto nojo, seja o pai dela. Esse poderia ser o relato de uma das 165 crianças e adolescentes que sofrem abuso sexual todos os dias no Brasil. Segundo dados da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência (Abrapia), são 4.950 por mês, 60.225 por ano, a maioria é composta por meninas na idade entre 7 e 14 anos. Mostra-se freqüente o abuso sexual ocorrer dentro ou perto de casa, no âmbito da família. Isso se confirmou em uma pesquisa realizada no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), onde o pai (38% dos casos) é apontado como o agressor mais comum, seguido do padrasto (29%), do tio (15%) e do primo (6%). Os vizinhos somam 9% e os desconhecidos são minoria, representando 3% dos casos. Quando as vítimas não podem contar com aqueles que deveriam protegê-las, todos que de alguma forma têm contato com crianças e adolescentes devem agir para assegurar-lhes proteção. É dever da escola notificar o Conselho Tutelar dos casos que venha a tomar conhecimento, bem como de qualquer cidadão que souber de violência de qualquer natureza contra crianças e adolescentes. A presidente do Conselho Tutelar de Arapongas, Lucimara Lopes Delfino, explica que após o recebimento da notificação o

Conselho faz averiguações a fim de constatar indícios de veracidade e, em caso positivo, encaminha a vítima para o Instituto Médico Legal para elaboração de um laudo de agressão, e à delegacia para instauração de procedimento investigatório. A vítima ainda é encaminhada ao Centro de Referência Especializado da Assistência Social - Creas - que tem o papel de atendê-la e acolhêla. A partir daí, o procedimento toma duas direções: uma que busca a proteção da vítima, com uma ação movida pelo Ministério Público, com tramitação na Vara da Infância e Juventude, com a aplicação de medidas de

proteção à criança ou adolescente, e, na esfera criminal, contra o agressor. São considerados crimes as práticas com ou sem contato físico, e as alegações de que não houve constrangimento ou violência não isentam o agressor, isso porque crianças e adolescentes não podem consentir a prática sexual. O papel da escola A escola apresenta um papel fundamental para identificar casos de abusos. A professora Ana Cláudia Crepaldi Moura Guido, 36 anos, é diretora de escola de ensino fundamental, que atende crianças de 6 a 12 anos, e diz que observar alterações de comportamento das crianças em

sala de aula, como distúrbios de aprendizagem e conduta violenta, ajudou a identificar casos de abuso sexual. A psicóloga Carla Di Benedetto Anção ressalta a importância de se notar “determinadas mudanças bruscas no comportamento, no apetite ou no sono, principalmente se a criança se mostrar curiosamente isolada ou muito perturbada quando deixada só ou quando o abusador estiver perto”. O primeiro relato ouvido por Ana foi o de uma menina de 11 anos, abusada pelo pai desde os 3 anos, e impressionou-a bastante. A criança achava a situação normal, pois não tinha nenhum parâmetro para identificar aquela prática como errada. Depois de participar de aulas do Proerd - Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, realizado pela Polícia Militar nas escolas, que ensina às crianças a resistirem às drogas e aos atos violentos - a criança percebeu que o que seu pai fazia era inaceitável, criou coragem e contou à professora o que vinha se passando. “A gente acha que só se vê essas coisas na televisão, que está tão longe da gente, mas está perto”, suspira Ana Cláudia, e continua seu desabafo dizendo que não é fácil ouvir essas histórias, tampouco suspeitar de algo na conduta dos agressores. Conseqüências da violência Estudos da Fundação Childhood Brasil, dedicada ao enfrentamento da violência e exploração sexual de crianças e adolescentes ao redor do mundo, apontam ainda outras conseqüências do abuso

sexual, sendo comum logo após a violência sentimentos de vergonha, angústia, medo, culpa, humilhação. Além disso, podem ocorrer sintomas físicos como fadiga, dores de cabeça, insônia e pesadelos. Já na vida adulta, os abusos sofridos na infância podem ocasionar quadros de transtornos relativos à sexualidade, como dor e até mesmo a perda da capacidade de sentir prazer nas relações sexuais. Importância da educação e da prevenção Um ponto importante e que se mostra eficiente no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil é a educação para a sexualidade. Nesse contexto, a escola se mostra como um espaço fundamental para se trabalhar a prevenção contra toda forma de violência. Isso aumenta a chance de crianças e jovens se protegerem de situações de violência e, caso se vejam nelas envolvidos, de solicitarem ajuda de seus educadores. Há resistência por parte dos próprios pais no que se refere à educação da sexualidade na escola, mas a diretora Ana Cláudia entende ser essa uma importante estratégia, pois as crianças e adolescentes precisam de conhecimento para entender que esses atos se tratam de uma violência contra eles. Observação: A fala do início da reportagem é um trecho do filme Afetosecretos, de 2009, com direção de Graça Pizá, é a história dos sonhos de uma mulher que sofreu uma violência extrema, baseado em relatos de crianças analisadas que viveram o incesto na infância.

“A gente acha que só se vê essas coisas na televisão, que está tão longe da gente, mas está perto.”


Acelerando em busca da primeira habilitação Sonhos, frustrações, realizações:alunos enfrentam obstáculos na hora de tirar a primeira habilitação Angela Ota

por Angela Ota Tirar a primeira habilitação, eis o sonho de muitas pessoas, jovens e adultos. Mas, durante o processo, o que é um sonho lindo, para alguns, acaba tornando-se uma frustração. A primeira pessoa que nos faz concluir isso é Suzamara Aparecida Baraúnas, auxiliar operacional. Ela nos recebe na saída do serviço, no refeitório do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Fala que tem pouco tempo, mas foi o suficiente para perceber que estava decepcionada com a demora no processo, principalmente quanto ao psicotécnico – a primeira das três avaliações pelas quais o aluno tem que passar – e teve de esperar 60 dias. “Não entendo por que a psicóloga me afastou por 60 dias. Eu não fui agressiva, só não consegui alcançar o número de questões que tinha que acertar no livrinho de lógica.” Pergunto se ela não questionou o laudo. “Depois de dois meses procurei o Conselho Regional de Psicologia (CRP) para mostrar que não estava nervosa e, após conversar com eles, consegui passar”, afirma com o semblante triste e apressado de quem tem que ir. “Agora estou fazendo as aulas práticas e o horário é muito corrido. Sou servidora e não tenho muito tempo. Tenho medo da prova prática. Como eu vou passar no exame se estou fazendo as aulas preocupada com a validade do processo?”, questiona. No CRP quem nos atende é a orientadora fiscal Fernanda Freire. Ela explica que “todo candidato tem direito a uma devolutiva, outra consulta gratuita referente ao seu exame, caso fique com dúvidas e queira questionar o laudo”, mas lembra que “não é porque o candidato está pagando que vai ter o direito de passar”. Em 2010, 11% dos alunos que fizeram a avaliação foram reprovados. Fernanda confirma que o exame está rigoroso e exigindo mais do candidato. Aceleramos um pouco e para-

Mais da metade dos alunos reprovam no primeiro exame prático mos no exame teórico. Este é composto de 30 questões, sendo que o candidato tem que acertar no mínimo 21. No ano passado, a prova manuscrita passou a ser feita de forma eletrônica, visando a agilizar o processo. O garçom Alex Reche, que recentemente foi reprovado no exame teórico, conversou conosco. Ele está indignado com o resultado e reclama do novo sistema do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). “O sistema deles é bem complicado, eles não falam o que errei. Para mim, eu passei naquela prova.” Atualmente, 38% dos alunos são reprovados nesse exame. Seguindo adiante, paramos novamente. Desta vez, junto com mais da metade dos alunos londrinenses: no temido exame prático. Para Ricardo Bordin, dono de uma autoescola em Londrina, o

nervosismo e a pressão são os principais motivos da reprovação, mas ressalta que “a sinalização do local também não é das melhores” e que os alunos reclamam da falta de cordialidade dos examinadores, o que aumenta a ansiedade. “Os examinadores devem ser trocados a cada dois anos, e os de Londrina já estão há 10 anos.” Segundo o artigo 27 da resolução 168, de 14 de dezembro de 2004 do Denatran, os examinadores deverão ser designados para o período de, no máximo, um ano, permitida a recondução por mais um ano. Conversamos com o chefe da Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Londrina, Márcio Sandoval. Ele nos atende em seu escritório e explica que “os examinadores devem seguir um manual de cordialidade. Se isso não ocorre,

é uma falha deles”, mas que não há como fazer o revezamento, pois a Ciretran está com déficit de funcionários e já está com dois examinadores de fora. Ele também repreende dizendo que se o aluno é aprovado no exame prático, terá que dirigir em qualquer lugar, independente de a sinalização da rua estiver boa ou ruim. Além disso, argumenta que o local é perto, não havendo tempo para ir a bairros mais distantes. A última pessoa com quem falamos é a dona Eliana da Silva Bezerra, e no primeiro contato, por telefone, já sentimos seu desespero em terminar o processo. Pessoa simples, trabalha como revendedora e cuida de crianças para se sustentar, e assim como muita gente, sonha em ter sua habilitação. Depois de já ter gastado mais de R$ 2 mil e sido reprovada cinco vezes no exame

prático, o desânimo e o desabafo ficam claros em suas palavras. “É muita exigência: a sinalização é ruim, o reteste é caro e demora muito. Meu processo vai vencer, vou fazer o exame mais uma vez. Se eu não passar, vou dirigir sem habilitação mesmo!” Infelizmente, Sandoval confirma que não há como agilizar os processos, pois os examinadores estão fazendo em torno de 100 exames por dia. “Enquanto houver falta de funcionários, o aluno que terminar as aulas práticas terá que esperar em torno de um mês para fazer o exame.” Para alguns, simples como ligar o carro. Para outros, complicado como segurá-lo num “Pare” em subida. Independente disso, o que todos devem ter é calma, muita calma, para vencer a ansiedade, o nervosismo e “engatar a primeira”.


O Tubarão que (quase) virou lambari O amadorismo levou o Londrina a uma vida turbulenta na última década, mas atual administração dá sinais de que é possível reerguer o LEC através do profissionalismo de gestão por Lucas Marcondes

Roberto Custódio

Em março de 2009, o torcedor do Tubarão assistiu ao time alviceleste ganhar de uma das forças do futebol do Paraná. Jogando em casa, o Londrina Esporte Clube conseguiu bater o Coritiba por 2 x 1, em partida do Campeonato Paranaense. Fora do contexto, o resultado parece ser significativo. Porém, se o foco sobre a partida for ampliado, o que se pode notar é que só um resultado não faz toda a competição. A partir do apito final daquele jogo, o LEC foi rebaixado para a Série A-2 do Paranaense. E o time não ia como debutante. Já havia estado na Segundona em 1999. Quando uma equipe passa por situações como um rebaixamento, é notável que um dos fatores de peso para que isso tenha ocorrido é a falta de um elenco competitivo. Porém, em uma breve reflexão, pode-se argumentar que os jogadores que não corresponderam em campo estão ali, porque foram contratados por dirigentes que não souberam construir uma equipe forte. Essa situação se deu com o Londrina. Há anos o time vinha acumulando fracassos. No início da década, o clube tinha como um de seus maiores patrimônios o fato de não somente participar, mas de realmente disputar

a Série B do Campeonato Brasileiro. Passados alguns anos, pouca coisa havia sobrado. O time havia descido ladeira abaixo nas divisões nacionais. Da Série B caiu para a Série C, e lá não conseguiu se manter, tendo amargado mais uma queda para a Série D, que só disputou uma vez, pois a vaga na competição é garantida através do desempenho dos times nos campeonatos estaduais e o aproveitamento do LEC nos últimos Paranaenses vinha sendo irregular. Os responsáveis por tantos fracassos em série são o amadorismo dos dirigentes, as gestões personalistas e a falta de administração profissional. Quem pensa desse modo é o atual presidente do clube, o empresário Cláudio Canuto. “O Londrina teve pessoas na gestão passada que não tinham emprego, não tinham empresa, não tinham nada. É claro que eles iriam viver do futebol. O cidadão vem para aventurar, e você dá o voto para esse cara, você está assinando o atestado de enterro do Londrina Esporte Clube.” Em janeiro 2010, uma assinatura. A esperança de um grupo de colaboradores do LEC estava depositada em uma parceria firmada com os paulistas do Grupo Universe. A ges-

tão do futebol seria entregue a eles por três anos. Seis meses, duas eliminações (Copa do Brasil e Segundona Paranaense) e várias dívidas depois, o contrato foi cancelado. A trama da desorganização administrativa e do nãopagamento de compromissos financeiros se repetiu. Por pouco, a assinatura de um contrato não se converteu em, parafraseando Canuto, assinatura de um atestado de enterro. Mais uma vez o Tubarão estava em uma situação confusa. Tantos foram os credores batendo à porta do clube que o LEC passou a ser administrado por um interventor da Justiça do Trabalho. Naquele momento, não havia muitas alternativas. Uma delas era a profissionalização. Os acordos escusos, as atitudes tomadas na base da empolgação e falta de planejamento deveriam estar fora do alviceleste. A SM Sports, empresa que, concorrendo com o Grupo Universe, havia tentado firmar parceria de dez anos com o clube e não fora escolhida na época, fez um acordo com a Justiça do Trabalho no final de 2010 e passou a responder pelo futebol do LEC. Os erros do passado iriam se

repetir? Como afirma o comentarista esportivo e ex-dirigente do LEC, Fiori Luiz, não há motivos para essa desconfiança. “O trabalho e a seriedade são outros. A SM trabalha com muito rigor no trato de jogadores, há um trabalho de base excelente. É um grupo sólido, que tem um dos melhores CTs do Brasil.. Esse tipo de parceria, a longo prazo, acaba dando resultados”. Em alguns meses, o trabalho realizado pelo parceiro do LEC se revelou, no mínimo, consistente em seus objetivos iniciais. Em agosto de 2011, o Tubarão já havia subido para a Primeira Divisão do Paranaense e, diante de 8 mil torcedores no Estádio do Café, venceu o Toledo por 1 x 0, garantindo o título da Segundona. Seu objetivo inicial, que era subir de divisão estadual, foi alcançado. Mas isso poderia ser feito de maneira mais lucrativa. É o que garante o especialista em marketing esportivo Cláudio Osti. “O Londrina, na Segunda Divisão, tem uma média de 5 mil pessoas de público. É muita gente para consumir. O que o Londrina fez nesse período? Absolutamente, nada. Não tinha um estande para venda de camisas e produtos com a marca do time no Estádio. Eles [dirigentes] se

baseiam apenas na receita que vem do patrocínio e da renda.” Sérgio Malucelli, dono da SM Sports e gestor do LEC, e o presidente do Londrina, Cláudio Canuto, afirmam que em breve será lançado um programa de sócio-torcedor para o futebol, expandindo os lucros do clube. Canuto vai além e confia que, ao término do contrato, o Tubarão vai estar em uma situação privilegiada. “Nós temos tempo para fazer uma administração boa e um recurso de caixa. Sem ter a preocupação com o futebol, que hoje é o fator mais caro. Daqui dez anos, acho que o Londrina vai decidir se ele toca a vida própria ou se constrói novas parcerias.” Meses após o início da parceria, o torcedor do LEC passou a se ocupar com o que o time fazia em campo, e não com os problemas fora dele. A esperança dos torcedores está renovada. “É possível, a partir do ano que vem, o Londrina entrar para ser campeão. [O clube pode] se estruturar e trabalhar para voltar à Série B e, por que não?, à Serie A”, afirma o vice-presidente da torcida organizada Falange Azul, Marcelo Benini. Quem sabe assim, realizando um trabalho pautado na seriedade e profissionalismo, o LEC volte a se tornar um time de nome, e não um clube com nome sujo no cartório.


A gente se acostuma

Adaptados à demora, pacientes esperam horas até serem atendidos no Pronto Atendimen por Andreza Pandulfo “Eu queria ser presidente do Brasil por um dia! Um dia só...”, confidencia, após algumas horas de espera no Pronto Atendimento Municipal (PAM). “E o que você faria?”, pergunto, como quem já sabe a resposta. “Cancelaria a Copa no País!”. A ausência de respostas como “uma reforma na saúde” ou “varredura de políticos corruptos”, frutos da indignação e cansaço normais a quem passou a tarde ali, me surpreendeu. Mas também foi esse o momento em que percebi que aquelas pessoas eram mais do que simples pacientes à espera de um médico. Elas também tinham história, opiniões, senso

crítico. E essas histórias mereciam ser contadas tanto quanto as lamúrias da espera. A ideia inicial dessa reportagem era passar dez horas no PAM. Observando, conversando, sentindo a angústia de quem chega a esperar um dia inteiro até ser atendido. As primeiras cinco horas daquele sábado escolhido para ser o dia D quase me fizeram desistir. Fui embora desmotivada, talvez por não encontrar o muro de lamentações que esperava. O posto estava longe de parecer lotado, algumas pessoas reclamavam, mas nada que fosse muito diferente. Aquelas dez horas em um dia transformaram-se, então, em três dias - de cinco, pouco mais de quatro e duas horas, respectivamente.

O aguardado momento da saída

E, sentada ali, naquelas cadeiras que incomodavam a partir da primeira meia hora, pude observar que as pessoas que esperam no PAM são como aquelas que vemos nas ruas: casais de namorados abraçados para se protegerem do frio; um casal de idosos japoneses em que o homem, com todo cuidado, guiava a esposa enferma até o banco; uma menina que lia José de Alencar para passar o tempo ou adiantar um trabalho do colégio, assim como o rapaz, concentrado em um livro de mecânica. Crianças, homens e mulheres comuns, que poderiam

ser você, eu, nossos pais ou vizinhos. A diferença? As expressões de cansaço, dor e resignação espalhadas naquela sala de espera. E assim, cada um lidava da sua forma com o relógio que andava devagar.

ser bonito, mas a limpeza que se espera de uma unidade de saúde é mantida. No entanto, poderia ser mais confortável, como reclama um dos pacientes: “Eu fui numa clínica particular uma vez. Tinha café, leitinho, uma poltrona confortável que dava até pra dormir. Eu pensei: quando a saúde pública vai ser assim?”, questiona, como um sonho que sabe estar longe de ser realizado. Mãos ressecadas e pés gelados O termômetro marcava algo em torno dos 8°C. Às 19h25, eu chegava ao PAM para minha segunda tentativa. Logo ao entrar, vi um homem parado à porta, discursando para quem quisesse ouvir: “Os ônibus de cidades vizinhas trazem gente para ser atendida aqui. Tem prioridade porque são de longe. Aí a gente chega e fica esperando esse tempo todo”. Aparentava ter seus quarenta e poucos anos. Bem arrumado, usava blusa de gola alta, na qual pendurava os óculos de grau, que estavam tortos devido à altura da gola. Propôs uma solução para o problema que ele mesmo apontou: “Todo londrinense devia ter um cartão cidadão da saúde. Poderia até cobrar dois reais na água ou na luz. Mas esse seria o seu plano de saúde. Ele teria prioridade, seria atendido, passaria na farmácia e iria embora pra casa”. Estava lá desde as 13h, fora atendido às 17h e, desde então, esperava o resultado dos exames. Liberado às 21h, foi embora às pressas, direto para o trabalho. Enquanto o homem dos óculos tortos ainda discursava, entrei e sentei-me nas cadeiras laterais. De início, duas mulheres me chamaram a atenção. A filha não aparentava ter mais de 25 anos, vestia uma calça fina até pouco abaixo dos joelhos. A mãe, de rosto sofrido, talvez estivesse na faixa dos 50 e usava saia. Nos pés das duas, chinelos de dedo, sem meias. Não me aproximei. Preferi observar um pouco mais. Mães abraçavam os filhos, senhores encolhiam-se de frio, trabalhadores cansados

“Eu já tinha vindo à Londrina outra vez. Fiquei dez horas esperando atendimento. É de assustar...”

Andreza Pandulfo

PAM O Pronto Atendimento Municipal foi fundado em outubro de 2004 com o objetivo de atender casos de urgência e emergência médica. Divide com o Pronto Atendimento Infantil (PAI) e o posto do Jardim Leonor, a responsabilidade de serem as únicas unidades básicas de saúde em funcionamento 24 horas por dia em Londrina. Nos últimos tempos, ele tem recebido com frequência pacientes de todos os cantos da cidade, encaminhados pelos postos de saúde e até por hospitais, sempre lotados. O tom verde-claro das paredes parece concordar com a crença de que a cor ajuda no processo de recuperação da saúde. As cadeiras de madeira fina, agrupadas uma ao lado da outra em barras de ferro, são dispostas em cinco fileiras e dois destes blocos ficam encostados nas paredes laterais, contando aproximadamente 40 lugares. Espalhadas sobre elas, revistas para distrair os pacientes. Data de publicação? 22 de novembro de 2010. A TV 20 polegadas, de imagem razoável, fica ligada o tempo todo em programas populares ou novelas. No fundo, à esquerda, um bebedouro grande de metal com duas torneiras. Na frente, também à esquerda, a recepção com dois funcionários. Cartazes de prevenção contra o câncer de mama e tuberculose colados nas paredes. No banheiro feminino, amplo e aparentemente limpo, o cheiro de urina é extremamente forte. E cadê o álcool gel? Ao menos até onde foi possível observar durante a reportagem, o espaço físico do PAM está longe de


Andreza Pandulfo

nto Municipal cochilavam nas paredes. Umas 20 pessoas aguardavam atendimento. Até que um homem entrou, já se justificando: “Só vim pegar água”. Dirigiu-se ao bebedouro, com uma garrafa pet. Vestia roupa suja e rasgada, tênis surrados, cabelos desgrenhados, barba por fazer. Atrás dele entrou um vira-lata sujo. Esperou seu dono, ou amigo, encher a garrafa e saíram. Lá fora, outros dois cachorros juntaram-se a eles. O homem arrumou suas coisas e foi embora, seguido pela matilha. Eu ainda olhava pela porta, pensando na cena, quando uma mulher à minha frente falou: “Incrível, né? Mesmo nessa situação, ele ainda cuida dos cachorros. É uma lição”. Concordei e sentei ao lado dela. Sua mão esquerda estava ressecada e descascava. Parecia não fazer parte do corpo. Havia acabado de vir do Hospital Ortopédico. Passara as últimas três horas lá, esperando para tirar o gesso de um mês, resultado da queda de um pé de café da fazenda onde mora. Estava com febre, sentia dores no corpo, não comia, nem tinha vontade de fazer coisa alguma. Suspeitava ser depressão ou dengue. Esperava sozinha, mas seus olhos verdes brilhavam ao falar da família, composta pela filha, neta, mãe e pelo genro, que iria buscá-la assim que ela saísse dali. E ela queria sair logo. “Não vejo a hora de chegar em casa, botar a mão na água quente e passar um esfoliante para tirar esse cascão da pele”, planejava. Às 20h35, foi chamada. Fui embora três horas e meia depois e ela ainda não havia saído. A senhora de chinelos foi chamada junto com a mulher da mão ressecada. A filha saiu. Esperei um pouco e saí também. Encolhida em um canto, ela fumava. A mãe tinha muitos problemas e havia desmaiado antes de ir para lá. “Tem que pedir a Deus pra não ficar doente, né? Depender disso aqui não dá”, desabafou, aproveitando para criticar o sistema de saúde de Londrina. Havia se mudado há duas semanas. Morava em Campo

O desconforto de cadeiras de madeira para quem tem que aguardar até 12 horas para ser atendido no PAM Largo, um pequeno município perto de Curitiba, onde, segundo ela, a saúde é “mil vezes melhor”. “Eu já tinha vindo a Londrina outra vez. E tive que vir aqui. Fiquei dez horas esperando atendimento. É de assustar...”. E então pronunciou a frase que eu ouvi, e ainda ouviria diversas vezes, de quase todos com quem conversei: “Mas a gente se acostuma. Tem que acostumar”. Foi quando um amigo dela chegou e fez a pergunta que eu não conseguia: “E esse pé, Carla?

O presidente Voltei ao PAM na semana seguinte. Eram 20h. Antes de entrar, me assustei. O cenário estava diferente. Próxima à calçada uma moça cuidava de uma caixa térmica. Rabiscados num cartaz improvisado, os preços: coxinha, R$ 1,50; suco, R$ 1,00; café, R$ 0,50. O corredor de entrada, repleto de pessoas. Lá dentro, todas as cadeiras ocupadas. Um banner informava atendimento prioritário de acordo com cores que variavam do vermelho, para riscos de morte, até o azul, para casos sem nenhuma gravidade. Foi quando conheci aquele que queria ser presidente. Perguntei o que estava acontecendo e ele informou: “Hospital Zona Sul não está atendendo, o Zona Norte também não. O HU (Hospital Universitário) está atendendo gente desde as 13h. Os postos de saúde estão encaminhando todos pra cá. Eu

Fundado em 2004, o PAM tem como objetivo atender casos de urgência e emergência médica. Que coragem, hein...”. Ela responde, encerrando o assunto: “Jacú, né? Fazer o quê?”. A mãe aguardava o resultado dos exames. Esperei também. Saíram de lá às 23h50. Momento em que eu, que vestia calça jeans e tênis, sentia meus pés congelando de frio.

estou aqui desde as 13h. Tem gente sendo atendida que está aqui desde as 10h”. Acompanhava a sogra, com enxaqueca. “Mas a gente tá acostumado”, diz, proferindo em seguida aquilo que eu estranhava não ter ouvido ainda: “É o Barbosa, né? Por isso eu digo: o Belinati ganha até dentro da cadeia. Porque ele prefere que a cidade deva, mas eu te garanto que isso aqui não estaria desse jeito”. A esposa estava em casa, grávida. Moram no Jardim União da Vitória, bairro que não troca por nenhum outro. Ele tem 29 anos e trabalha como auxiliar de enfermagem em uma clínica de reabilitação para dependentes químicos. Além do emprego, faz bicos como segurança e ainda arranja tempo para ser Willian Ramon, cantor sertanejo. Enquanto conversávamos, a sogra, abatida em um canto, é chamada. Ele fala do tempo em que era filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT) e das decepções que teve com a legenda. Diz que será vereador para provar aos que não acreditam que

é capaz. Após pouco mais de uma hora de soro e com uma aparência bem melhor, a sogra retornou. “Agora você vai ficar sozinha”, me disse, rindo. Ficou a promessa de que um dia irei entrevistá-lo por um motivo mais descontraído: sua carreira de cantor. Com o passar das horas, a maioria das pessoas já tinha ido embora e o atendimento parecia normalizado. Fui embora também. Mas, dessa vez havia percebido que, para aquelas pessoas, pouco importam termos como Antissepsia (nome dado pelo Ministério Público à operação que investiga possível desvio de dinheiro da saúde pública de Londrina) ou Oscips. Para eles, Atlântico e Gálatas (institutos investigados) são apenas referências geográfica e bíblica, respectivamente. Corrupção, desvio de verbas, suborno, não fazem diferença. Certas ou erradas, o que elas esperam é somente ter acesso a um serviço de saúde digno e de qualidade. Será pedir demais?


O vilão da saúde Universidade e Prefeitura oferecem tratamentos às pessoas que desejam parar de fumar, devolvendo qualidade de vida Yuri Martinez

por Ruthe Oliveira Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), existem mais de 25 milhões de fumantes no país e morrem 200 mil pessoas por ano em decorrência de doenças causadas pelo fumo. De acordo com especialistas do Instituto, as mais de 4700 substâncias presentes no cigarro são capazes de provocar 55 tipos de doenças. Entre elas: o enfisema pulmonar, as doenças cardíacas, o câncer de pulmão e o câncer no colo do útero. E o Ministério da Saúde alerta que o hábito pode gerar grandes riscos à saúde na gravidez, e que, aliado ao uso de anticoncepcionais, aumenta a incidência de doenças vasculares como o Acidente Vascular Cerebral. Além dos riscos à saúde física, as substâncias do cigarro causam dependência química e psicológica. Segundo o médico psiquiatra Paulo Nassar, há três tipos de dependência: a física, a química e o hábito de se fumar. Sobre a armadilha da nicotina, ele diz que “toda droga, na verdade traz um aparente ganho, quer seja na energia, na disposição física, no rendimento cognitivo envolvendo memória, atenção, concentração e criatividade. Então, a droga acaba sendo usada como estimulante”. Adriane Santos Costa, 37 anos, diz que fuma há treze anos e que tentou parar de fumar uma vez, mas, frustrada, diz que ficou somente um dia sem o tabaco. Já Daiene da Silva Prado, de 36 anos, diz que fuma há 25 anos e que nunca parou de fumar: “o cigarro me acalma. Não penso em parar não” e, convencida, diz que “é mais fácil ele parar comigo do que eu parar com ele”. Uma pequena parcela desses dependentes, não sentindo os efeitos no curto prazo, não se importa com os riscos. Mas, ao contrário de Daiene,

78% dos fumantes gostariam de largar o tabaco. Sobre a dependência, o psiquiatra deixa claro que pessoas que realmente são dependentes não fumam por prazer, mas para evitar a sensação de mal estar causada pela abstinência. Segundo ele, quando se decide largar o vício, a dependência física é a primeira a ser abandonada, o hábito é deixado logo depois, e por último é a dependência química. Ele ainda explica que os efeitos da ausência do cigarro no organismo desaparecem em alguns dias, e geralmente são enjoos, cefaleia, insônia em algumas pessoas e sonolência em outras. Janete Fátima de Souza, 50, conta que começou a fumar há trinta anos e que parou uma vez, quando ficou dois anos sem o hábito, mas

que recomeçou por conviver com pessoas que ainda fumam. “Eu tenho mesmo é o costume de ter alguma coisa entre os dedos. Eu nem trago, só queimo. Quando eu parei eu colocava cenoura entre os dedos e ficava comendo.” Nassar ainda dá dicas para quem quer parar: “é necessário evitar hábitos como tomar um café depois da refeição, o que geralmente se associa, apesar de não ter relação nenhuma; e evitar ambientes em que pessoas estejam fumando, ou seja, é preciso mudar a rotina”. Ele fala que o quadro de abstinência é muito mais sério do que se imagina. “Há pessoas que mesmo fazendo tratamentos específicos podem apresentar sintomas extremamente desconfortáveis, chegando até mesmo a quadros

de depressões agitadas, com confusão mental. É um caso raro, mas ocorre.”. Somente quem já tentou parar de fumar sabe o quanto é doloroso esta experiência. Especialistas reforçam que antes de começar qualquer tipo de tratamento o paciente precisa, realmente, estar disposto a abandonar o vício. O segundo passo é ter acompanhamento de psicólogos para entender o vício e conhecer os sintomas da abstinência. Os gastos com tratamentos para o país Pesquisas apontam que os custos desses tratamentos, pelo SUS, vão muito além da arrecadação de impostos sobre o produto. O câncer, as doenças cardiovasculares e o enfisema pulmonar são as maiores cau-

sas das internações hospitalares (mais de R$ 338 milhões de reais por ano). Esses dados revelam, claramente, que é muito mais vantajoso prevenir essas doenças do que tratá-las, em todos os sentidos. Com esse intuito, o INCA coordena, em várias cidades do país, o Programa de Controle ao Tabagismo, que busca estimular a criação de um estilo de vida saudável. Métodos e Tratamentos De acordo com Nassar, os métodos mais comuns são os chicletes à base de nicotina, que torna a retirada menos dolorosa; adesivos de nicotina, que a liberam gradualmente do organismo; e antidepressivos à base de bupropiona (causam a sensação de bem-estar). O Hospital das Clínicas e a Universidade Estadual de Londrina têm um Centro de Referência de Abordagem e Tratamento do Tabagismo, que visa auxiliar pessoas que sentem o desejo de parar com o tabaco. Esse trabalho é uma adaptação do programa desenvolvido pelo INCA e conta com equipe de profissionais nas áreas de Serviço Social, Pneumologia, Enfermaria e Psiquiatria. Ele atende em média 20 pessoas a cada três meses, e já conseguiu ajudar mais de 340 pessoas. Além disso, a Secretaria Municipal de Saúde também oferece terapia comunitária nas Unidades Básicas de Saúde. Nessas reuniões, são trabalhados três tipos de dependência: química, psicológica e comportamental. O Programa estima que cerca de 40% das pessoas que participam da terapia em grupo conseguem parar com o vício. E esse número cresce para 60% quando utilizados os métodos de reposição de nicotina para o abandono gradual. Mas, infelizmente, o cerco antitabagista e os tratamentos não são suficientes para convencer os fumantes a largar o vício, a pessoa precisa sentir vontade de procurar ajuda, sem constrangimentos.


Os encantos e desencantos da sétima arte A visão do público em relação aos filmes de ontem e de hoje Bruno Cunha

por Bruno Cunha O cinema nos fascina há mais de um século. Revoluções o acompanham desde sua origem, mas uma coisa não muda: o amor dos fãs, que equipara os filmes às demais expressões artísticas. Porém, o cinema atual é cada vez mais criticado pelo público, graças a produções consideradas medíocres e atuações tachadas de fracas, em filmes que parecem só visar ao lucro. O que os espectadores pensam a respeito? Conversei com 98 ‘leigos’ e transcrevo as quatro entrevistas mais relevantes; completam a matéria as opiniões dos gerentes dos cinemas de shoppings de Londrina. Não existe lugar melhor para encontrar os cinéfilos do que as videolocadoras, como a estudante Camila Sales, cujo gênero predileto é a ficção científica, e que se diz insatisfeita diante dos filmes do tipo que estão em cartaz: “Alguns agradam, mas a maioria dos filmes de ficção são comerciais”. Camila explica que já foi fã de outro gênero que sempre marca presença nas salas de cinema - a animação: ‘Já tive meu tempo de ser louca pela Branca de Neve’. Filmes assim atraem adultos e crianças há décadas, mas o diferencial das atuais é utilizar-se de tecnologias, como o 3D. Pergunto se a estudante viu o último filme de Harry Potter. “Não fui a nenhum. É que eu prefiro os livros dele”, justifica-se. As salas de cinema do Mutiplex Catuaí, no shopping homônimo, são as mais movimentadas de Londrina. Entretanto, foi quando o saguão estava vazio que falei com Dirceu Pauka, gerente do Grupo Araújo. Ele explica como as produções que entram em cartaz são escolhidas: “Sempre temos pelo menos um filme infantil, um lançamento ou pré-estreia e um de ação/ aventura”. Sobre a seleção dos filmes, Dirceu responde: “A programação vem pronta da matriz, em Botucatu. Aqui escolhemos os horários e o número de sessõe”’. Notando que os nacionais têm destaque, questiono Pauka sobre a ascensão do cinema do país. “A nossa indústria está fazendo fren-

Marlon Brando, em cena de “Sindicato de Ladrões” (1954), convida os espectadores a prestigiar as maravilhas tecnológicas do cinema atual: é a fusão do clássico e do moderno te à estrangeira”. “Você está fazendo pesquisa?”, perguntou-me o aposentado Gilmar Bronzin - fã das produções nacionais - o único entrevistado que veio até mim. “Os filmes brasileiros estão evoluindo, mas falta incentivo”, reconhece Gilmar, que coleciona DVDs. “Tenho vários filmes: Tropa de Elite, Central do Brasil e até um Cidade de Deus em inglês”, vangloria-se. Ao perceber que os títulos mencionados são recentes, pergunto se Gilmar prefere os filmes atuais, e este responde: “É que os antigos são mais difíceis de achar. Não sendo dos Trapalhões e da Xuxa, eu assisto”. Logo ao abordar a simpática costureira Helena Nogueira, já sabia qual o seu gênero predileto. “Prefiro comédia, porque descontrai, e gosto mais dos antigos, como os do Eddie Murphy”, confirma. Citá-lo foi importante, já que as atuais produções dos

humoristas vêm sendo massacradas pela crítica, e Helena concorda: “Temos comédias boas, mas outras são toscas demais”. Pergunto o que ela pensa dos filmes nacionais que buscam o riso, e a costureira confessa estar desatualizada. “Não deve ser diferente dos antigo.” Peço um exemplo, e ela conta: “Assisti Dona Flor e Seus Dois Maridos no cinema, mas me arrependi, tem muito sexo”. Hoje, este é o principal meio de atrair o público aos filmes de comédia, um humor mais ‘pesado’ que o visto na pornochanchada. Mas Helena diz que “Quem não quer ver isso é só não assistir”. Desde junho de 2011, o londrinense tem uma nova opção em cinema: localizadas no Shopping Royal Plaza, as salas exibem em suas portas imagens clássicas da sétima arte, que se fundem com os pôsteres das recentes produções. Foi lá que entre-

vistei a gerente da filial do Cinema Lumière, Ana Cláudia Codognotto, sobre os títulos em cartaz. “Quem determina os filmes, o número de sessões e os horários é a matriz, em Goiânia. Lá, eles contatam as distribuidoras e mandam as cópias às filiais”, diz. Indago se existe uma “cota por gênero” para os filmes que formam a programação e Ana Cláudia dá a resposta: “Sempre temos animações, filmes de ficção e comédias, pois esses são os mais procurado”. A gerente também fala sobre a valorização do cinema nacional. “Hoje, os filmes brasileiros têm mais público, pois apresentam uma variedade de estilos e sempre encontram quem os assista.” Publicitário, Renato Galvão é exigente. “Eu prefiro filmes que fazem pensar, como os do Hitchcock, do Woody Allen, do Kubrick”. Só de citar esses diretores, já fica evidente

a propriedade que o jovem tem de criticar o cinema. “O maior exemplo do cinema atual é o Robert De Niro. Antes, ele só fazia filmão (Poderoso Chefão, Touro Indomável) e agora participa do Entrando Numa Fria.” Além de malhar a atual fase do ator, Galvão aponta outro fato que o desagrada: “Com o argumento de que o enredo é baseado em fatos reais, qualquer história vira film”. Diante da declaração do publicitário, rebati: “Mas Touro Indomável foi baseado em fatos, e você disse que adorou.” “Mas é diferente, é o De Niro”, e seguiu seu caminho. E eu percebi que tudo no cinema é relativo, não existe filme bom ou ruim. Assistir ou não só depende do espectador – ninguém é obrigado a ver algo, como o Alex em Laranja Mecânica. Assim como ninguém é obrigado a assistir Laranja Mecânica só para se passar por intelectual.


Liberdade à diversidade sexual, já O trabalho em Londrina na luta contra o preconceito por Lais Vieira de apoio que tentam mudar esse Não só em Londrina, como em todo o mundo, os homossexuais vêm ganhando espaço na sociedade, as conquistas que eles alcançam chamam a atenção de muita gente e gera o preconceito em alguns. (O preconceito se dá quando um grupo dominante segue um tipo de cultura fundamentada ao seu padrão de viver, trata com intolerância e desigualdade as demais pessoas que não se adequam ao seu modo de ser. O grupo determinante, quando se depara com algo ou alguém com estilo diferente do seu, sem conhecer a personalidade, o caráter da pessoa, tira conclusões precipitadas e acaba tendo um preconceito sobre a pessoa, um julgamento precipitado sobre ela.) Os homossexuais, negros, deficientes, entre outros grupos que hoje se firmam na sociedade, têm cada vez mais que “driblar” o preconceito, prova disso no Brasil é a existência de leis e grupos

tipo de juízo pré-concebido. Para lidar com isso, em Londrina surgiu há quatro meses a ONG (Organização Não Governamental) Asdaci LGBT (Associação de Defesa, Apoio e Cidadania de Lésbicas, Gay’s, Bissexuais e Transexy de Londrina), que vem desenvolvendo ações de incentivo de forma que possam ”abrir a mente da população“ em relação ao preconceito contra estes grupos. A idéia de criar a ONG surgiu de uma paulista chamada Bruna Marqqueziny que ao vir pra Londrina viu a necessidade de existir na cidade algum órgão próprio que cuidasse dos diretos dos homossexuais, já que até então o único órgão responsável para garantir a segurança deles em casos de homofobia era a Secretaria da Mulher. A Asdaci é formada por um grupo de oito pessoas que lutam pelos direitos da comunidade LGBT. De acordo com o vicepresidente, Anderson da Silva, em Londrina a comunidade LGBT está crescendo cada vez mais e o

objetivo da ONG é ajudar a população a dizer não ao preconceito e sim à diversidade e à igualdade a todos como seres humanos. Com apenas quatro meses de existência, a Asdaci já conseguiu realizar alguns de seus objetivos. Um deles foi o concurso da Miss Gay e Miss Transexy, que aconteceu em junho e reuniu mais de 300 pessoas, que levaram alimentos não-perecíveis para a doação a entidades carentes da cidade. O vice-presidente da organização disse ainda que outros projetos já estão em andamento como a realização da 1ª Parada do Orgulho Gay de Londrina, que aconteceria dia 04 de Setembro, porém devido a imprevistos foi adiada. “Por enquanto, ainda não temos data prevista, devido ao fato de já estarmos quase no final do ano, mas já estamos reorganizando o evento.” A falta de cultura no Brasil, a desigualdade social e a falta de acesso à educação são fatores que também contribuem para que o preconceito permaneça no

nosso dia-a-dia. O padrão social e cultural imposto hoje em nossa sociedade determina o modelo a ser seguido, desta forma os que não atendem aos preceitos heterossexuais da maioria da sociedade, por alguns são tratados como uma categoria social desviante. Um exemplo disso é a realidade vivida pelo estudante e Auxiliar de Costura Jean Fabrício, 23 anos, que desde a infância sofre preconceito. Segundo ele, desde os 13 anos já passava por situações difíceis por se vestir como uma menina. “Como morava em uma cidade pequena as pessoas aprenderam a viver comigo e a me respeitar, quando vim pra Londrina tive que mudar um pouco meu estilo de ser para que as pessoas me aceitassem, até mesmo pra conseguir ter uma vida melhor. Hoje estudo, trabalho e levo uma vida tranqüila, quase livre de preconceitos. As pessoas que convivem do meu lado me aceitam como eu sou, não me tratam com diferença.” Assim como Jean, muitas pessoas

mudam de vida para ter aceitação da sociedade, ou seja, vivem uma vida que muita das vezes não é a delas, para poder viver sem ter que encarar o preconceito nas relações sociais. Para a psicóloga Sandra Regina Galvão, para extinguir de vez o preconceito e a intolerância na sociedade, “é necessário que a sociedade hoje repense os seus valores, e busque uma conscientização e ampliação do modo de pensar, muitas pessoas tem seu ‘mundo fechado’, essas não estão abertas para mudanças nas suas relações sociais, e isso acaba gerando o preconceito em relação a minoria social, tem de haver um reconhecimento das diferenças e estilos de vida que cada um segue de acordo com a sua cultura”. Diferenças existem, o que é preciso é a mudança de conceitos e valores para aprender a lidar com elas, porque o mundo passa freqüentemente por mudanças e cabe a cada um que vive em sociedade saber conviver de forma harmônica. AFP/Alejandro Pagni


Educação: direito da criança e dever do Estado Em Londrina, quase 19 mil crianças de 0 a 3 anos não frequentam a Educação Infantil; o principal motivo é a falta de vagas Ana Carolina Luz

por Ana Carolina Luz é a da habitação popular, mas Segundo dados divulgados pelo Ministério Público do Paraná, sete em cada 10 crianças de 0 a 3 anos não frequentam a Educação Infantil. Em Londrina, o déficit para essa faixa etária chega a 18.782 vagas. A família “Meu filho tem vaga em creche porque fiz o cadastro quando descobri que estava grávida.” Andréa Silva Ferreira Cruz, de 32 anos, trabalha como auxiliar de cozinha em uma escola municipal. “Se eu dou o nome agora, daqui um ano vai surgir a vaga. Hoje meu filho tem um ano e cinco meses, e vai à creche desde um aninho. É só assim para conseguir. Preciso muito, porque eu e meu marido trabalhamos o dia inteiro e pagamos aluguel.” A aposentada Cleide Silveira desencorajou a nora a pagar uma babá para cuidar da filha. “Você vai trabalhar pra ganhar 800 reais e pagar mais da metade pra alguém cuidar da sua filha? Compensa você mesma ficar em casa cuidando dela. Pelo menos é você que tá educando sua filha, e não outra pessoa.” As professoras Márcia Pastor e Dione Lolis, do curso de Serviço Social da Universidade Estadual de Londrina (UEL), alertam para uma importante questão a ser considerada quando o assunto é falta de vagas: a gestão urbana. “Esse ano estão sendo entregues pelo projeto ‘Minha Casa, Minha Vida’, através da Companhia de Habitação (Cohab) de Londrina , aproximadamente 2000 casas no bairro Bela Vista, região norte. Vai haver um aumento de demanda, não só nas creches, mas nas escolas, na saúde, no transporte público. Atende-se uma demanda, que

e os demais serviços? É necessário pensar na gestão pública antes de receber essas famílias”, explica Márcia. A escola No Centro de Educação Infantil (CEI) Dom Geraldo Fernandes, a Irmã Marinéia falou sobre suas dificuldades. “Sinto falta de apoio da prefeitura. É muito descaso. Eles mandam leis e exigências, mas não as bases para implementação.” A irmã explica que, por mais que ela queira, não pode receber sequer uma criança a mais do que a capacidade autorizada pela Secretaria de Educação. “As mães vêm aqui desesperadas, mas o que eu posso fazer? Se eu colocar uma criança a mais, ela vai ficar sem merenda, porque recebo a quantia exata para o número de crianças que o prédio comporta, e tenho a quantidade de professoras exigidas para o número de alunos. Se eu colocar mais uma criança, vou descumprir as regras estabelecidas pela Secretaria de Educação.” Ao visitar as creches o que se observa é que as crianças estão em boas mãos. São bem educadas e bem cuidadas. Há espaço, merenda e professoras para todas. Os estabelecimentos, sejam municipais ou filantrópicos, estão cumprindo à risca as orientações da Secretaria de Educação. O problema, portanto, não é qualitativo, mas sim quantitativo. É necessária a criação de pelo menos 18.782 vagas para atender à demanda da cidade. A criança Afinal, qual é a função de um Centro de Educação Infantil? A professora Jaqueline Delgado Paschoal, do Departamento de Educação da UEL, explica que a creche não é mais um lugar para simplesmente deixar as crianças.

A auxiliar de cozinha Andréa Silva cadastrou-se em lista de espera por vaga enquanto ainda estava grávida: “É só assim pra conseguir”

“Antigamente se dividia, existiam creches e pré-escolas: a creche cuidava e a pré-escola educava. Hoje, tudo é Educação Infantil, que atinge a faixa etária de 0 a 5 anos de idade. A criança não está ali só para ser cuidada, mas para ser educada e acolhida pela instituição. Como isso se processa na prática? A escola não substitui o papel da família, mas o complementa, do ponto de vista legal e pedagógico. E há também o objetivo político, que é o desenvolvimento da cidadania infantil, que vai de encontro com a política da Educação Infantil: formar cidadãos”, explica Jaqueline. É importante ressaltar que a etapa de 0 a 3 anos não é obrigatória, ainda que tenha um importante papel e seja um

direito da criança e dos pais. O governo Para a secretária de Educação de Londrina, Karin Sabec Viana, a grande falta de creches se deve a “um histórico de gestões na prefeitura que não manifestaram preocupação em relação à Educação Infantil. O resultado é que Londrina passou mais de 10 anos sem sequer receber uma nova creche municipal”. Segundo dados da prefeitura, o bairro Vila Matos, no centro, e os bairros Jardim Alto da Boa Vista e Jardim Maria Celina, na região norte, receberão, cada um, uma unidade da Instituição Proinfância, ambas podendo atender até 150 crianças. Os prédios já estão sendo construídos. A previsão é que até o fim de 2012, atra-

vés de conclusões de obras e reformas nos CEI’s já existentes, seja possível criar 1.165 vagas. Para 2013, a meta é de mais 1.010 vagas. É claro que um problema tão antigo não será resolvido de uma hora pra outra. Se caminharmos nessa velocidade, Londrina só será capaz de atender à demanda daqui a aproximadamente 15 anos. É necessário investir em educação para formar cidadãos capazes de exigir seus direitos. Caso contrário, filhos e netos da atual geração “sem vagas” continuarão enfrentando as mesmas dificuldades. A criança não espera, vira gente grande com ou sem creche. O cidadão, porém, só se forma com educação de qualidade, e facilidade de acesso a ela.


Um produtor, um código

Jarbas Pascoaleto é um produtor rural que, em dias de debate por Yuri Martinez Fazia um calor de mais ou menos 30 graus na região de Mauá da Serra, por volta das 3 horas da tarde. Da rodovia até o assentamento Mundo Novo pode-se calcular aproximadamente 20 km de chão de terra. É no primeiro lote do assentamento que encontro um senhor carregando uma boa quantidade de cana cortada nos ombros. Seo Jarbas Pascoaleto caminha em direção ao curral, dispensa o alimento do gado no chão e oferece um sorriso sucedido de uma mão: “Você que é o Yuri? Vâmo sentando...” Seo Jarbas tem acompanhado “muito pouco, pela televisão” o que se tem falado a respeito do Código Florestal. Quando

perguntado do que acha das propostas que estão sendo discutidas no Senado, adianta: “Qualquer coisa que se faça em prol do meio ambiente, eu tô de acordo”. Vindo dos arredores da Serra da Mantiqueira, Pascoaleto possui uma terra de aproximadamente 16 hectares (160 mil metros quadrados, mais ou menos sete alqueires), com uma criação de 15 vacas leiteiras, que lhe rendem 300 litros de leite por mês, além de uma aposentadoria de um salário mínimo, fazendo ainda bicos com marcenaria – oficio que exerce desde a adolescência. Andando através de um pasto, por entre araucárias nativas orgulhosamente preservadas, o produtor avista a pouca mata que recobre a água, e alerta-se com os 30 metros que deve ga-

rantir atualmente de mata ciliar. - Imagine de onde nós estamos, 30 metros vai dar aqui. Não vejo prejuízos [em preservar a mata ciliar]. O pessoal, na verdade, tá de olho em royalties, eles ouvem o que é dito por aí e embala nesse negócio porque tá louquinho pra ganhar uns trocos... Gustavo Andrade e Lopes tem uma opinião diferente. O presidente da Sociedade Rural do Paraná defende que um novo Código Florestal é necessário. Produtor de cana, soja e milho, além de gado selecionado em uma grande propriedade no estado de São Paulo, Lopes afirma que o pequeno produtor vive uma realidade cruel: “Eles precisam ter acesso a insumos que são controlados por oligopólios. E ele tem que revender os seus

produtos pra também oligopólios que às vezes são donos até do próprio insumo”. O presidente da Rural compreende o agronegócio como uma “dificuldade a ser administrada, e estamos longe disso na legislação”. Ricardo Pissinati, presidente do Sindicato Patronal Rural de Londrina - sediado a alguns passos do gabinete de Andrade e Lopes - vê no agronegócio uma dificuldade ainda maior para o pequeno agricultor: “O agronegócio é sustentável para o grande produtor. Se não houver mudanças no código, isto beneficiará o grande produtor somente, não o pequeno”. Seo Jarbas acredita que a maior dificuldade do pequeno agricultor é a falta de políticas públicas que o amparem. Ele lamenta a falta de orientação e or-

Araucárias são presentes em quase todo o sítio

ganização até mesmo de alguns de seus vizinhos. Freqüentador assíduo das discussões que a Emater (Empresa de Assistência Técnica Rural, do Ministério da Agricultura) promove na região, Pascoaleto acredita que o que falta para o pequeno produtor lidar melhor com a terra e com seus investimentos nela é uma educação ambiental e técnica. Ele defende a necessidade do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) de avalizar o crédito rural do camponês a partir de sua participação em cursos técnicos. Diz, enfaticamente, que “as pessoas vão acabar, de uma forma ou de outra, comparecendo a esses cursos. Vão começar a buscar orientação, alternativas”. Sem créditos como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento Ana Carolina Luz


e a Samambaia Açu

sobre o Código Florestal, pode ser confundido como ambientalista da Agricultura Familiar), seo Jarbas diz que os pequenos produtores não teriam nem chances de tocar uma produção, mas lamenta a falta de orientação no uso desse crédito. “Os projetos do governo são bons, o problema é a conscientização do usuário. Muita gente tem acesso ao Pronaf e não investe.” Vanessa Gardim, bióloga formada pela UEL, é secretária organizacional da Via Campesina, uma articulação internacional de movimentos sociais camponeses. No Brasil, é integrada por mais de 11 movimentos. Vanessa me conta que o atual Código Florestal “tem bastante respeito aos pequenos agricultores, sua legislação é coerente, suas falhas devem ser trabalhadas pontualmente e não por uma reforma geral”. A militante vê na atual legislação ambiental uma importante necessidade de pensar a agricultura de um modo mais saudável, tanto para o homem quanto para a natureza. “Se o Código, hoje, permite o consórcio de árvores junto com a produção (agroflorestas) e o considera como preservação, queremos que seja mantido, e que o governo e municípios garantam essa diversificação de alimentos dentro das propriedades.” O agronegócio parece mesmo não ser uma facilidade. Ainda mais quando imposto ao pequeno produtor. Não é muito difícil imaginar que uma monocultura em menos de 16 hectares de terra não tem capacidade de competir com um latifúndio com a mesma “variedade” de produção. Orientar o pequeno produtor de que esse modo de produção não é o único meio de subsistência e geração de renda é uma das preocupações da Via Campesina, explica Vanessa: “Queremos diversidade, reserva legal, área de preservação, cooperação entre os agriculto-

Yuri Martinez

res, juntando tudo isso, temos o papel de convencimento mesmo dos produtores”. Mesmo com a economia brasileira sendo já uma das mais crescentes no mundo, em todo o Brasil 16,2 milhões de pessoas vivem na miséria, o equivalente a 8,5 % da população. Entre os extremamente pobres, 46,7% vivem no campo, que responde por apenas 15,6% da população brasileira. O deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB) constrói uma proposta de um novo Código Florestal. Entre as medidas, redução das Áreas de Preservação Permanente (APPs), das Reservas Legais, das matas ciliares de rios. A senadora Kátia Abreu (DEM), embora, em tese, faça oposição ao deputado “de Jarbas passa um café em sua casa após a caminhada pelos pastos esquerda”, vê nessa proposta uma maneira de melhor admiJosé Damasceno é coordena- Campesina na campanha per- que possui um valor nutricional nistrar a dificuldade do agronedor estadual do Movimento dos manente “Contra os Agrotóxicos maior, satisfazendo o gado com gócio. menos quantidade e resistinUma das opiniões em comum Trabalhadores Rurais Sem Terra e pela Vida”. Em meio aos debates que es- do melhor às intempéries. Ele de todas essas entidades e forças (MST). Assentado na região de políticas é a de que o mundo Arapongas, produtor de gado tão sendo feitos sobre a possível acredita que assim poderá preprecisa de alimentos. Embora o leiteiro, assim como Jarbas Pas- mudança no Código Florestal, servar mais as matas nativas de pequeno agricultor seja respon- coaleto, ele diz que “a pequena fica implícito o entendimento de sua propriedade sem que isso sável por 70% do que o brasilei- agricultura que se propuser a que o produtor rural é inimigo prejudique sua produção: - Essa história de que vai dar ro come, ele sofre com demandas ‘fazer agronegócio’ está fada- do ambientalista e vice-versa. geradas pelo processo competiti- da a desaparecer. É mais um Ao que parece, o choque está prejuízo é uma questão de busvo do agronegócio. É no sentido sem-terra que vai entrar nas no dilema entre produzir mais car alternativa. Antes de me oferecer um de legalizar os pequenos produ- fileiras dos acampamentos em alimentos ou produzir melhores alimentos. Até café que passaria logo depois tores de modo a o momento não de nossa caminhada pelo seu inseri-los nessa se sabe, ao cer- “pedaço de terra”, seo Jarbas baperspectiva que alguns setores “Essa história de que vai dar prejuízo é to, quais são as lança a cabeça negativamente, da sociedade uma questão de buscar alternativa.” implicações de olha para uma planta que assecada brasileiro, melha-se muito àquelas samamdefendem a imhoje, consumir baias freqüentes nas casas areplantação de um novo Código Florestal. Outros um período muito curto de, no 5,2 litros de agrotóxicos por jadas e aconchegantes dos avós, setores, como os movimentos máximo, 10, 15 anos, não tenho ano. Ou “agrodefensivos”, como mas é um exemplo notoriamenpopulares do campo, defendem dúvidas”. O líder do movimento dizem as empresas transnacio- te maior, fixado quase que dentro do córrego: “aquilo ali é a “o desafio de conseguir organi- defende uma maneira alterna- nais de insumos agrícolas. Produzir alimentos e pre- Samambaia Açu. Sou fã número zar os pequenos agricultores, e tiva de produzir, pensando não organizados, compreender que somente no alimento enquanto servar o meio ambiente, simul- 1 desses projetos que preseré produzindo de outra forma que produto orgânico, mas enquan- taneamente, não parece uma vam o meio ambiente. Sabe por esse código nos cabe, e pra ele to produto agroecológico, com idéia ruim. Seo Jarbas usa a va- quê? Porque é muito legal esse nos caber precisamos de políti- relações diferentes tanto entre riedade brachiaria de pasto. Se- negócio de preservar para que cas públicas que garantam que o homem e a natureza quan- gundo ele, essa grama tem um os seus bisnetos e tataranetos os pequenos produtores possam to entre o homem com o pró- valor menos nutritivo e ainda saibam o que é uma Samamproduzir”, defende Vanessa Gar- prio homem, justamente uma pouco resistente à geadas. Seu baia Açu. Tá ouvindo o barulho das pautas defendidas pela Via investimento é na grama tífton, d´água? Isso é impagável”. dim.


O dilema da legalização Recente decisão do STF a favor da “Marcha da Maconha” reacende debate no país Divulgação: PDT

por Renan Cunha comentou, indignada. “É pau, é pedra...”. Assim, como descreve a canção, foi a “Marcha da Maconha” em São Paulo (SP), no mês de maio. No embate entre policiais e manifestantes, dezenas de pessoas ficaram feridas e três foram presas. A ação policial gerou-se pela proibição da Justiça ao protesto, às vésperas da sua realização. Após os confrontos, o Supremo Tribunal Federal legitimou as passeatas, tendo por base o direito à “livre expressão”. Dados divulgados pelo Relatório Mundial de Drogas fazem a decisão do STF ser vista com reserva. Conforme dados do Relatório, três milhões de pessoas são usuárias da Cannabis Sativa (maconha) no Brasil. Em uma nação onde acontecem 50 mil homicídios por ano por causa do narcotráfico, legalizar o comércio de marijuana, como pedia a marcha, pode ser arriscado. Por outro lado, há quem defenda a descriminalização. É o caso da estudante de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Mariana Rodrigues. A universitária justifica que a legalização, além do controle, possibilitaria o aumento na arrecadação de impostos: “Se o governo controlasse a produção ele conseguiria uma grande verba, porque venderia como cigarro, em loja de conveniência...”. Mariana argumenta que, ademais, a maconha pode ser usada em tratamentos medicinais. A estudante citou o caso de um rapaz, retratado no documentário “Cortina de fumaça”, que, aconselhado pelo médico, fez uma plantação de maconha para uso próprio e conseguiu se recuperar da depressão através da substância. No entanto, hoje, o mesmo rapaz responde a um processo criminal por tráfico. “Olha que loucura”,

O técnico de rádio Bruno Cardial também defende a legalização. De acordo com ele, há uma contradição em não legalizar a maconha, enquanto bebidas e cigarros são legalizados: “ou proíbe tudo, ou exclui essas químicas realmente pesadas (crack, cocaína etc.) e traz a maconha pro campo das drogas lícitas”. A Lei 11.343/2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, prevê pena de cinco a quinze anos ao traficante de drogas. Caso a produção torne-se legal, uma série de disposições deve ser extinta da legislação. Como explica Diego Prezzi, advogado criminal em Londrina, a lei dos tóxicos teria vários de seus artigos revogados. A respeito das grandes redes de traficantes como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) o advogado esclarece que a alteração da lei não anistiaria o crime desses grupos – no caso dos colombianos, pelo menos do braço que age em território brasileiro – porém, “se eles criassem empresas (para o comércio de maconha) em sigilo, não seria possível nem descobrir”. Carlos Nadalim, professor de Filosofia da Unifil, chama à atenção para isso. Segundo o docente, o argumento de que a legalização afastaria os jovens do crime é falho, pois “são justamente essas entidades que atuam de forma ilegal que vão querer dominar e controlar o mercado”.

Após confronto entre a polícia e os manifestantes, o STF decidiu legitimar a “Marcha da Maconha”. Segundo o advogado Diego Presi, a decisão não representa um apoio à legalização. da sua legalização deve ser compreendida dentro daquilo que se conhece por Revolução Cultural ou mentalidade revolucionária. A maconha foi usada nas décadas de 60 e 70 como “cavalo de batalha” de grupos de esquerda contra os regimes vigentes. Acontecimentos como o “Maio de 68” e “Woodstock” não tiveram somente apelo contestatório, mas foram também fortemente influenciados por questões ideológicas, sobretudo pelo pensamento da Escola de Frankfurt. “Eros e civilização”, de Herbert Marcuse, era quase como a bíblia desses grupos. Carlos Nadalim ensina que a partir da reinterpretação de Marx, Marcuse busca apoio não

“Querendo ser livres, fizemos escolhas que nos aprisionaram” Nadalim explica que a questão da legalização da maconha é muito mais complexa do que o mero debate entre legalizar ou não. De acordo com o professor, a questão do THC (principal substância psicoactiva da Cannabis) e

mais nas classes proletárias, mas nos ditos grupos que estão “à margem da sociedade”. “E ele cita explicitamente em sua obra os bandidos, traficantes, maconheiros, etc”, ensinou. A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo. Vários países já adotaram a política de tolerância, entre eles, a Holanda. Contudo, desde que a legalizou, o país vem retrocedendo na questão. Isso porque, além de não conseguir conter o tráfico, somente no período de 1982 a 1992 houve um aumento de 250% de usuários entre 12 e 18 anos. Após isso, o país diminuiu de 30g para 5g a quantidade permitida para porte individual. Os dados citados são retirados do Congresso do grupo ‘Amor Exigente’ que trabalha com recuperação de dependentes químicos. Márcia Cordér, coordena-

dora do grupo jovem do AE em Londrina, acredita que legalizar só traria mais problemas. Ela atenta que a grande dificuldade do vício é justamente achar que ele não é perigoso. Entre os danos causados pela substância, ela cita: “o dependente vai perdendo a motivação na busca por um trabalho, no estudo e, além disso, pode desenvolver esquizofrenia”. Sandra Regina Galvão, psicóloga do Cras – Centro de Referência de Assistência Social - de Londrina, explica que o uso de drogas está ligado à não aceitação do sofrimento. Segundo ela, a sociedade viveu dois períodos, um onde tudo era proibido e o atual, onde há muita permissividade, por isso, seria necessário encontrar a medida. “Querendo ser livres, fizemos escolhas que nos aprisionaram”, alertou Sandra.


As histórias que os números não contam A desigualdade social ainda assombra o país e por trás dos números de progresso, pessoas continuam a viver suas histórias por Giovanna Machado distante do que seria seu ideal de Mudar, submeter-se, para comer, para sobreviver. Poupar, para ver um futuro melhor. Aproveitar as boas oportunidades. Essas frases são fragmentos da vida de pessoas que moram no mesmo país, mas vivem realidades completamente diferentes. Nos âmbitos social e financeiro. No Brasil. Essa realidade brasileira contrastante insiste em existir. Apesar do avanço social e econômico do país, as disparidades sociais continuam sólidas. A professora Katy Maia, do Departamento de Economia da Universidade Estadual de Londrina, fez uma análise breve da situação econômica do país. Segundo a professora, o grande avanço do país nas últimas duas décadas foi a estabilização da inflação. Essa estabilização reduziu as taxas de desemprego e possibilitou o crescimento econômico. “Tivemos altos e baixos após o Plano Real, mas o país vem alcançando melhores indicadores econômicos e sociais.” Para compreender como esse crescimento do país altera a vida particular dos cidadãos, é necessário analisar as mudanças nos hábitos de consumo das pessoas. Respondendo a questões sobre seus gastos e economias, pessoas que se encaixam em diferentes níveis sociais relataram um pouco da sua vida financeira, social e seus hábitos de consumo. Nesses relatos compreende-se que analisar a vida econômica das pessoas vai além de estudar números, diagnosticar uma classe social. Fazer essa pequena análise social compreende uma série de questões pessoais e sentimentais, que fazem parte da essência humana e que, por isso, torna-se impossível ignorá-las. Vidas contrastantes Nascida em Cornélio Procópio, faxineira, 65 anos, Aparecida Ferreira do Nascimento Silva, mais conhecida como D. Aparecida, é uma brasileira pobre que apesar de com o tempo ter melhorado sua condição financeira, ainda vive

consumo. Aparecida viveu em sítios do Paraná, sempre mudando de cidades, na tentativa de melhorar as condições de vida. Estudou até os 12 anos e, aos 13, fugiu para casar. Aos 14 anos engravidou de seu primeiro filho, que nasceu morto devido às precárias condições em que viviam. Ao todo, Aparecida teve oito filhos, porém apenas quatro sobreviveram. Ela pisou em um hospital pela primeira vez aos 45 anos. Para dar à luz o seu último filho. Aparecida, já cansada da vida exaustiva no campo, conseguiu emprego na cidade e começou a trabalhar como faxineira, no que está até hoje. E depois de muitos anos vivendo sem salário, apenas com o pagamento de “vale”, que trocava por comida, Aparecida conta que se dá o luxo, de vez em quando, de comprar tinta para o cabelo, para ir mais bonita ao culto. Com uma vida também marcada pelas dificuldades financeiras, a cabeleireira Aparecida Ferreira

Tardiolle, a Cida, de 39 anos, diz que sua trajetória foi de altos e baixos. Natural de Cambé, Cida teve uma infância marcada por dificuldades. Aos oito anos saiu de casa para trabalhar como doméstica. Parou de estudar cedo também e logo se casou, aos 15 anos. “Nunca tive um pai ou mãe falando não faz isso, faça

agora com mais tempo, se articulou com a política e ela começou a fazer cursos de cabeleireira. Hoje ela trabalha em seu próprio salão de beleza e seu marido é vereador de Cambé. “Hoje eu posso falar que eu não passo vontade, necessidade. Financiei minhas dívidas, e o que eu quero eu compro ou poupo para poder comprar, viajar.” Mas alguns desejos de consumo ainda existem; “O meu sonho agora é ter a minha casa, sair do aluguel”. Sonho de grande parte dos brasileiros. Algo marcante nos brasileiros e nos relatos desta matéria é a busca por um futuro melhor. Independentemente da classe social em que as pessoas se encontram, os hábitos e condições de consumo ainda se diferem. As duas Aparecidas, por exemplo, uma faxineira a outra cabeleireira, não tinham condições de prezar pela própria educação, ou mesmo escolher o que iriam consumir. Compravam o essencial para comer e se vestir. Diferente da rea-

“O meu sonho agora é ter a minha casa, sair do aluguel.” isso. Hoje eu penso que esse casamento foi uma saída, para escapar da realidade que eu vivia.” Ela mudou de trabalho muitas vezes, se divorciou, casou novamente e teve uma filha, mas as dificuldades não acabaram aí. Há seis anos, seu marido trabalhava como pedreiro e ela com consórcios. Num acidente de trabalho seu marido teve o antebraço amputado e a saúde dele também ficou debilitada. Cida largou o trabalho para ajudar o marido e passaram a sobreviver com a ajuda de parentes. Para sair da crise, o marido,

Economizar: cada pessoa tem sua história e situação econômica, mas poupar ainda é uma característica comum

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lidade de outros brasileiros, como a médica Sueli Gorla. Sueli Kubiack Gorla nasceu em Apucarana e viveu por muito tempo em Rolândia, de lá ela tem as lembranças da sua infância. Seu pai, um mecânico, e sua mãe, dona de casa, batalharam para que nada faltasse à família. Sueli era sempre a primeira aluna da turma. Veio para Londrina fazer cursinho e passou no vestibular para Medicina, um momento marcante para sua vida. Emocionada, ela lembra que foi a primeira vez que viu seu pai chorar de felicidade. “Foi uma recompensa enorme depois de todo o sacrifício deles para proporcionar à filha os estudos e agora estavam colhendo uma parte dos frutos, foi muito emocionante.” Hoje, com 51 anos, Sueli é médica ginecologista e atende em seu próprio consultório. Construiu uma família, é casada também com um médico e tem três filhos. A realidade em que seus filhos vivem é bem diferente da que Sueli viveu, e essa é uma das grandes alegrias dela. Eles podem frequentar bons colégios, ter uma boa casa, aproveitar ao máximo as boas oportunidades. Esses depoimentos são de trabalhadores, com características que se assemelham à vida de muitos brasileiros. São histórias que geram identificação para outras pessoas. Mostram a classe média que ascendeu economicamente, mas não só os números, e sim as histórias por trás dos dados. Mostram também o quanto ainda falta para a desigualdade social no país acabar . Em uma sociedade capitalista, o fator econômico é muito relevante na vida de qualquer pessoa. E numa sociedade emocional como é a brasileira, a economia influencia muito nas demais relações. Ao falar da economia, do consumo, fala-se também da vida das pessoas e de uma série de fatores que acompanharam ou ainda acompanham essa história. Tratando-se de dinheiro, muitas vezes é necessário fazer uma análise fria, mas é realmente difícil ser distante quando se trata da vida, da história de alguém.


Quebrado é o adjetivo. No substantivo,

O Aurélio apresenta: Partido,

por Isabela Cunha

A década de 60 é emblemática. Após depor o então presidente, João Goulart, num golpe de estado desferido para conter as Reformas de Base, os militares dominavam o país. Em eleições indiretas, o general Castelo Branco tornou-se presidente da República, com a promessa de que, no ano seguinte, novas eleições diretas seriam realizadas. Em vez disso, o AI-2 estabeleceu eleições indiretas para a Presidência da República, suprimiu os partidos políticos e inaugurou o bipartidarismo no país. Nasceram a ARENA, interpretando a direita, e o MDB, fazendo as vezes de esquerda. As eleições estaduais também tornam-se indiretas com o AI-3, e o AI-4 transforma, por fim, o Congresso Nacional em Assembléia Constituinte. A UNE já existia há 23 anos, resultado, entre outras coisas, da efervescência política que começou a provocar os jovens com a Revolução de 30. Os estudantes, até então, atuavam em organizações como as Juventudes Comunista e Integralista, e a necessidade de criação de uma entidade única e representativa ficava mais clara conforme crescia a diversidade de opiniões e propostas desses grupos. Em 11 de Agosto de 1937, na Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, nasceu a União Nacional dos Estudantes (UNE). Unidade de representação máxima dos estudantes brasileiros. 68 chumbos Sob um contexto de terror político e insatisfação social, em 1968 é promulgado o Ato Institucional nº 5, que concederá poderes quase ilimitados ao Presidente da República e consolidará a Ditadura Militar no Brasil. Agora os partidos reconhecidos são a ARENA e o MDB. Só. Respectiva e muito simplificadamente: o Governo e a oposição “controlada”. Os movimentos sociais e o debate político passam à clandestinidade. A UNE é considerada ilegal. As universidades são ocupadas por censores. Estudantes são perseguidos.

A essa altura, setores da classe média, antes apoiadores do Golpe, também passam a fazer oposição. As greves voltam a ocorrer. Os estudantes voltam às ruas exigindo democracia. Membros da UNE são presos. Um menor secundarista, Edson Luiz, é morto por um tiro a queima roupa dado por um militar. “A geração 68 tinha um motivo real pra se mobilizar, que era a ditadura, uma bandeira. E na década de 60 ainda existia uma efervescência política, a idéia de que coletivamente podia-se construir alguma coisa... O próprio movimento hippie, a contra-cultura ou o Maio de 68, na Europa, ainda eram muito recentes.” Quem explica é Fábio Silveira, Jornalista e Cientista Social de 41 anos. 90 caras pintadas Silveira assumiu a presidência do Diretório Central Estudantil (DCE) da UEL em 1992 e conta que, à época, a conjuntura do movimento estudantil era positiva e negativa. Negativa porque o Muro de Berlim acabava de cair, desacreditando o socialismo e a esquerda, e apresentando a vitória do capitalismo. Ao mesmo tempo, nacionalmente, a conjuntura favorecia muito o movimento estudantil, afinal 92 foi o ano dos Caras Pintadas, da deposição popular do presidente

Fernando Collor. “Várias manifestações tavam acontecendo. Aqui em Londrina, a gente ia pro calçadão, a gente parava a UEL pra fazer protesto!”, lembra Fábio. 2000 apáticos O costume, de modo geral, é olhar pra trás e concluir que a juventude perdeu identificação política, está apática, egoísta ou indiferente. Em 68 não existiam partidos reais, o movimento estudantil, clandestino, torna-se uma das principais vias de debate e representa tanto “perigo” ao regime, que a primeira ação da ditadura é atear fogo à entidade que, então,

“Na verdade, eu já vejo a geração de 92 como uma geração apática, mesmo com o Fora Collor. Foi só uma ação pontual da nossa geração” argumenta Fábio Silveira, defendendo que, apesar da boa conjuntura, o saldo do movimento estudantil de 92 não foi de vitória ou de exemplo “eu vejo essa geração, do Fora Collor, como uma geração bundona politicamente, conservadora mesmo. Essa geração pode ter mudado alguo, mas continuou individualista. Pintaram a cara, sim, mas o jeitinho prevalece”. Silveira não atribui apatia só à juventude atual, ele acredita, na verdade, que a conjuntura é geral “A política tá perdendo relevância. Você vê um distanciamento que, claro, pega muito mais os jovens, mas que é geral. A política tá se distanciando da vida das pessoas” Rafael Sanches tem 19 anos, estuda Ciências Sociais pela UEL e concorda “A política perdeu relevância, sim. Hoje em dia ninguém mais te pergunta qual a sua religião, qual seu partido, qual sua posição política. E isso era um marcador de diferença há 20, 30 anos atrás. Hoje em dia você é o que você consome, os marcadores de diferença tem relação com o que você veste, com o que você ouve.

“ A geração do Fora Collor pode ter mudado algo, mas continuou individualista.” melhor representava os jovens e uma ala da oposição. Em 92, a liberdade partidária e política, ao contrário de 68, existe. Mas são os jovens e as organizações apartidárias que saem de casa, pintam a cara e pedem o impeachment do presidente. É claro que, entre esses jovens, haviam afiliados ou militantes partidários. Mas ali isso não era, possivelmente, o relevante. Era o movimento social, o movimento estudantil - que não se prestava a significar uma legenda burocrática - fazendo exigências sociais e políticas.

Isso colabora com a indiferença política.” Rafael ainda aponta outra questão, que é a educação política do país “Todo mundo que estudou em colégio público, como eu, sabe que o ensino é precarizado. Você não tem uma formação política, uma formação de cidadania. Essa educação tem que ser revolucionada no superlativo do termo, tem que deixar de ser mercadoria. Essa é uma das poucas convicções que eu tenho: enquanto a gente não tiver uma reforma consistente na educação, o país não vai mudar. Tá tudo errado!” Meu partido é um coração partido Thiago Leibante é cientista político e explica que os partidos são, pura e simplesmente, uma organização de pessoas comungando de ideias afins. “Os partidos são expressões de determinados interesses das classes sociais. Você vai ter partidos representando os trabalhadores, setores evangélicos, católicos, etc. E a função deles é representar esses interesses junto ao poder público”. Parece bastante simples, e talvez devesse ser, mas Leibante adverte: “Quase sempre esses partidos se dizem representantes da sociedade, de alguma esfera, e na verdade não representam ninguém senão a si próprios e seus interesses. O exemplo mais acabado disso é o PT”.


“proveito” e o sinônimo: Facção antônimo de militância independente

(Um parêntese pra Martha Martha Piloto tem 24 anos e cursa pós-graduação em ensino de sociologia. A Martha compõe a ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre) uma vertente estudantil que tem ganhado força nos últimos tempos, e que não reconhece mais na UNE uma entidade de representação. A Martha também não julga a juventude como apática, mas como apartidária “Tu vê um PT nascido do proletariado, que elege sua maior figura pública e que, quando chega ao poder, não governa nem pra classe trabalhadora, nem pros estudantes... É claro que isso vai se refletir na consciência das massas!” Ela ainda faz um diagnóstico: “A juventude de forma geral não vê o partido político como uma ferramenta de transformação. Quando pensa partido, pensa corrupção. E isso é uma resposta à nossa conjuntura política atual, que é corrupta.” O curioso é que a Martha é militante partidária, não foi sempre, mas agora é, e quando pergunto se a militância mudou com o envolvimento partidário, a Martha não vacila “Mudou porque a perspectiva muda!” responde levantando as duas sobrancelhas, e completa “Quando tu tá no movimento estudantil, tu pensa o movimento, a universidade, a educação, esse âmbito. Quando tu começa a militar dentro do partido, teu leque abre. Tu começa a pensar em mil coisas,

que não abandonam o movimento estudantil, claro, mas que vão muito além” Fecha parêntese) O Fábio Silveira fez o caminho contrário. Militou de forma independente, no movimento estudantil, depois militou num partido político, e mais tarde se desfiliou. “Eu fui militante partidário e acho que os partidos perderam o contato com a realidade. Os partidos se resumem à pequena política, à briga pelo poder, à quirera. O povo não quer saber disso. O mesmo com os jovens: os partidos nem conseguem falar com os jovens porque a bandeira já é outra... Os partidos perderam o trem da história do Brasil.” Sobre o misto - movimento social e partidos - há divergências. A Martha diz que os jovens não vêem a participação do partido como burocratização do movimento, que o que existe é uma troca. O Rafael vê com péssimos olhos (palavras dele), já que o militante não separa as coisas, panfleta dentro do movimento e direciona as pautas de discussão. O Arthur pensa mais antes de responder. Ele também é estudante, tem 22 anos e integrou a diretoria da última gestão do DCE da UEL “Eu não posso falar muito do Brasil, mas posso falar do que eu acompanho, que é a políti-

ca aqui em Londrina. Seja no movimento estudantil, nos grêmios, nos sindicatos, aqui, onde teve partido envolvido, a experiência não foi boa.” Especificamente sobre o movimento estudantil, Arthur Montagninni conta que, depois de várias gestões extremamente partidárias, quando sua chapa assumiu, se deparou com um DCE abandonado física e politicamente, chegando até a encontrar boletins de partidos com dinheiro dos estudantes “Às vezes você pega todas essas ações isoladas, que não refletem nem todo o movimento estudan-

maioria das vezes, por jovens, estudantes, e tem uma característica muito peculiar: a pluralidade. A última marcha nacional, a #MarchadaLiberdade, foi provocada nas redes sociais, teve várias versões pelo país e causou diferentes reações. Eu participei de uma delas, creditei-a como espaço de debate e até como possibilidade de mudança no modo burocrático de fazer política. Mas Thiago Leibante questiona: “Vários jovens saem de casa, com uma bandeira extremamente difusa, liberdade, e eu pergunto: Esses jovens tem um projeto de sociedade? Pretendem o que exatamente? Eles tem uma perspectiva de futuro pro movimento?” Eu não soube responder. Por outro lado, Thiago também afirma que, na conjuntura atual, tirar os jovens de casa já é um sinal. Fábio Silveira assina a teoria, com deboche “Você veja aquele evento que criaram no facebook, contra a corrupção na prefeitura de Londrina, 14.000 confirmados, um número muito significativo se não tivessem só 4 pessoas lá, na rua, no dia da manifestação. O protesto tá ficando nas redes sociais, assim é fácil.” Ainda assim, todos os entrevistados, partidários ou não, compreendem e até justificam os independentes “O que é o PT? O que é o Zé

“ Quando tu começa a militar dentro do partido, teu leque abre.” til, nem todos os partidos, e isso te desanima. Mesmo sabendo que o movimento e os partidos não são só isso, a minha concepção é essa, de que onde o partido se envolve, a identificação política é perdida.” Os independentes e as redes sociais Muitos jovens, como o Arthur, optam pela política apartidária. Dessas ansiedades somadas (a de mudança e a desconfiança sobre os partidos) nascem os coletivos de reivindicação, as ONGS e ações como as paradas, marchas e atos. Essas ações são dominadas, na

Dirceu?” Indigna-se Fábio “O cara foi pra luta armada, foi torturado, pra chegar e fazer isso? Era essa a utopia? Não era pra ser uma coisa bonita? Não era pra ser um acerto de contas geracional? Que sonho é esse, pô? Perdeu! Vendeu o sonho e vendeu barato!” O Arthur, sob o mesmo olhar do Fábio, diz que é justo que a juventude não se identifique com essas organizações e acredita que o dever é não se identificar. “É simples, a situação tá errada, se a gente quer algo, tem que fazer diferente”. O Thiago, apesar de questionar as ações, concorda e, como o Rafael, dá um alerta “O problema é se as redes sociais substituírem as manifestações reais, na rua. Isso não pode acontecer. A gente não pode deixar a política na mão dos outros. Ela é nossa.” A Martha resume: “Criar um evento no facebook é maravilhoso, todo mundo fica sabendo em dois tempos o que tu quer divulgar. Ninguém usou a internet antes, mas a gente pode usar agora, e ela é um trunfo sim, se bem utilizada. Mas o mais importante ainda é se reconhecer e agir como classe. E, embora não se organizem como partido, não tenham um projeto definido, ou uma bandeira específica, os independentes sempre souberam, e muito bem, o que eles querem e de que lado eles estão. E eles estão lutando. Cá entre nós, do lado certo!”


Trânsito perigoso Mesmo com intensas campanhas de conscientização, em Londrina situação do trânsito preocupa cada vez mais Fernando Satoru

por Bruno Leonel Londrina, 28 de agosto, cerca de 4h da manhã. Não há grande movimentação pelas ruas, exceto pelos “corujões” do transporte público que, vez ou outra, rompem o silêncio da madrugada. Em pontos no centro, como na Rua Sergipe ou no calçadão da Av. Paraná, há pequenos grupos de pedestres circulando e funcionários da limpeza pública tentando arrumar um pouco a bagunça da cidade. Na Vila Casoni, o silêncio é ainda maior. Poucos carros circulam. Com volume de veículos menor, a velocidade e também a imprudência aumentam. Especialmente de madrugada, sempre se vê motoristas dispostos a cruzar preferenciais. Argumentos não faltam, alegam, por exemplo, que nesse horário os riscos de assalto e a insegurança são maiores. Seria apenas mais uma madrugada silenciosa, mas o silêncio na Vila Casoni foi subitamente interrompido às 4h43 da manhã por uma violenta batida, no cruzamento entre as ruas Guaicurus e Madeira. Diogo Jesus Silva, após atravessar a via, teve seu carro atingido na lateral por outro automóvel que seguia pela via preferencial. Morte instantânea. Foi a quarta vítima fatal de acidentes em Londrina, só em agosto. Segundo a Companhia de Trânsito Municipal, Ciatran, de 1º de janeiro até 30 de junho de 2011 o número de acidentes superou em mais de 95% os números registrados no mesmo período de 2010 (41 mortes em 2011, contra 21 registradas em 2010). Em julho, foram registrados 505 acidentes, com um total de 209 feridos e 4 mortos. Se em Londrina o índice foi ascendente, o mesmo não ocorreu no resto do estado. Na capital, Curitiba, durante o primeiro semestre de 2010 houve 187 mortes no trânsito. Em 2011, o número caiu para 139. Queda de mais de 25%. Vale lembrar que esse tipo de levantamento

O grande aumento de veículos em Londrina é um dos fatores agravantes dos acidentes conta apenas falecimentos ocorridos no momento do acidente. O Capitão Wilson Paulino, Coordenador Regional do Siate – Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência - explica: “É comum casos onde a pessoa que sofreu o acidente faleça alguns dias ou mais de uma semana depois, devido às lesões causadas. Nessa circunstância, não são contados”. Paulino acrescenta que se elas também fossem contadas no primeiro semestre de 2011 o número de mortes em acidentes na cidade subiria para 50. As Campanhas Durante o primeiro semestre de 2011 foram feitas muitas campanhas de conscientização no trânsito. Mesmo com tanto esforço para conscientização, por que houve um aumento tão drástico no número de vítimas? “Mais do que o trabalho de conscientização, é

preciso avaliar o aproveitamento que condutores e pedestres têm recebido a partir das informações passadas”, cita o sargento Valdemir Figueiredo, da Ciatran. Ele destaca que a adesão às medidas reflete a preocupação do povo, embora maiores resultados devam aparecer somente a longo prazo. O capitão Wilson Paulino ressalta benefícios nas campanhas feitas. “Nós, que estamos direto lidando com motoristas, percebemos melhora no comportamento, há uma maior tolerância no trânsito, embora seja uma medida ineficaz entre motoristas de 20 a 40 anos, que é a faixa à qual pertence o maior número de vítimas.” Para o major reformado Sérgio Dalbem, especialista em trânsito, vários fatores influenciaram o problema: “Um dos mais emblemáticos é a grande facilidade, hoje em dia,

para se adquirir um veículo. Nos últimos anos, houve uma série de políticas que incentivaram a aquisição de veículos, diminuindo impostos e, assim, inchando cidades. Em Londrina, o que foi investido em facilidades deixou de ser aplicado em campanhas mais eficientes nas ruas”. Dalbem critica a forma como as campanhas são trabalhadas. “Existe ainda esse hábito de campanhas em temporada, deveria haver mais intensidade desse tipo de propaganda durante o ano todo.” Sobre a origem do problema, o ele também cita o aumento de veículos e soma a isso a facilidade em se obter habilitação: “Isso colocou nas ruas um maior número de motoristas inexperientes”. Uma alteração tão grande nos indicadores de Londrina exige uma avaliação geral do caso. Segundo o capitão Mário Celso de Andrade, da

Ciatran, os planejamentos são baseados em estatísticas semestrais, feitas por órgãos como o Ippul (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Londrina). Esses dados são enviados à CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) para definir ações que serão postas em prática. Para saber mais sobre o procedimento, tentamos contato com o diretor de operações da CMTU, Luciano Borrozzino, mas não obtivemos retorno. Resta aguardar quais serão as próximas medidas e de que forma elas resolverão o problema. Uma coisa é certa, quaisquer medidas implantadas precisam considerar as particularidades envolvidas, assim como a necessidade de conscientização dos motoristas. Do contrário, as estatísticas tendem a piorar e madrugadas silenciosas, sem acidentes, devem se tornar cada vez mais raras.


O seu dinheiro no ciberespaço A internet tem mostrado um grande potencial, mas, quando o assunto é dinheiro, o melhor é ficar atento por Erick Lopes ta que “bancos não costumam Ataques hackers a sites considerados seguros, furtos de informações pessoais e contas bancárias invadidas pela rede. O ambiente virtual tem se mostrado frágil. Diante disso, a primeira pergunta que vem à cabeça de quem o acessa com frequência é “E eu? Estou seguro no ciberespaço?”. Quando se trata de dinheiro, então, a preocupação é ainda maior. Não é difícil encontrar alguém receoso quando se trata de compra online. Ítalo Hugo, 25 anos, é um deles: “Eu não sei de quem eu tô comprando, aí eu fico inseguro, né?”. Jeniffer Rodrigues, 28, também desconfia: “Tenho medo de passar meus documentos pela internet, porque não sei o que eles podem fazer”. Mesmo com diversas afirmações como essas, o comércio online, chamado e-commerce, tem crescido no Brasil, como aponta um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado este ano, que mostrou que mais de 14 milhões de brasileiros fazem negócios e transações virtualmente, o que representa um volume significativo de dinheiro circulando por processamento de dados. O usuário, então, precisa ser cuidadoso, para que não seja vítima de um cibergolpista Sob esse cenário, o analista de informática e diretor de suporte a redes e sistemas da UEL, Fernando Fávero, diz que é essencial conhecer o ambiente em que se está entrando. Ele explica que “os servidores de banco, e também os de compras, precisam utilizar uma conexão segura, que é identificada pelo seu computador através de um cadeadinho que se fecha, no rodapé da página”. Ainda aler-

mandar informação de recadastramento sem uma autorização do cliente, por isso, verificar sempre se a origem do e-mail é válida. Se qualquer coisa acontecer, entre em contato com seu banco”. Além dos cuidados na navegação, é preciso verificar de onde ela é feita, como aconselha Fávero: “É sempre bom fazer esse tipo de acesso de um computador que você, no mínimo, conheça. Caso precise utilizar um computador público, mude suas senhas na primeira oportunidade”. Cuidados técnicos à parte, confiança ainda é a palavra-chave na negociação online, uma vez que o e-commerce possui um número alto de reclamações no Procon. As principais queixas são de descumprimento de prazos de entrega, insucesso em cancelar a compra e produtos diferentes à descrição. Sendo assim, a pesquisa prévia se torna fundamental. O Reclame Aqui (www.reclameaqui. com.br), por exemplo, é uma alternativa, pois, além de unir reclamações, gera um ranking apontando dados que servem para consulta, como prazos de entrega e comunicação. Karen Moreira, 24 anos, diz que sempre pesquisa no site, mas uma vez foi preciso mais. “Eu até pesquisei no Reclame Aqui antes, mas a empresa não tinha nada. Comprei e o produto não chegava, então reclamei. Aí, ao mesmo tempo, começaram a aparecer várias reclamações da

mesma empresa, eles sempre de um número exclusivo, conta- o Código de Defesa do Consudizendo que iriam solucionar, ta a empresa, esteja ela em qual- midor (CDC), além da Lei Unie nada. Então eu fui ao Procon quer lugar do Brasil. Caso não forme da Comissão de Direito e depois registrei minha recla- tenha sucesso, é aberto um pré- do Comércio Internacional da mação judicialmente.” atendimento para notificá-la, Organização das Nações UniÈ importandas (Uncitral – te saber que o United Nations e-cliente tamCommission on É importante saber que o e-cliente bém pode coI n te r n a t i o n a l também pode cobrar caso algo o brar caso algo Trade Law), que o desagrade na “não se trata de desagrade na compra. compra. Carlos uma lei propriaNeves Junior, mente dita, mas coordenador do Procon de Lon- que tem um prazo de até 10 dias de diretrizes e recomendações drina, comenta que “muitas ve- para dar uma resposta por escri- que servirão como norte aos zes, as pessoas até ligam para o to e uma solução para o cliente, países”, explica. 151 buscando infor- sob pena de multa. Mesmo sem uma regulamenmações, mas não cheComo último recurso, pode- tação própria, o cliente virtual já gam a compa- se tentar resolver judicialmente, possui alguns direitos e é imporrecer ao órgão com uma ação comum de danos. tante que ele os conheça, como, para registrar a Rodrigo Cavalheiro Teixeira Mo- por exemplo, o de que o ônus da reclamação, e é reira, advogado cível, comercial, prova é do fornecedor, como diz importante que bancário e consumerista (espe- no artigo 6º do CDC, ou seja, caso as registrem”. cialista na área de defesa jurídi- haja uma reclamação, é o vendeSó depois de re- ca do consumidor), explica que dor quem deve se defender e dar gistrada é que o os casos de e-commerce se com- explicações. Segundo outro artiProcon, através plicam pelo fato de que “ainda go do CDC, o 49, o consumidor não há no país uma legislação também tem o direito de desisadequada e específica para ele”, tir do contrato no prazo de sete mas que utiliza dias a contar de sua assinatura como baliza o Códi- ou do recebimento do produto go Civil e ter seus valores devolvidos e e monetariamente atualizados, sem obrigação de justificativa. O direito de arrependimento é válido para as contratações fora do estabelecimento comercial, como por telefone, sendo perfeitamente aplicável ao contrato eletrônico, pois nele está presente a satisfação incerta acerca do produto ou serviço disponível na rede. A justificativa é que, nessas condições, o consumidor não tem possibilidade de avaliar o que está contratando. Lidar com dinheiro nunca foi fácil, mas não é porque ele é representado por números, e não cédulas, que perde seu valor. Por isso, o cuidado, a informação e a prevenção acabam apenas se adaptando para que os direitos de compra, proteção e reivindicação do consumidor sejam garantidos e respeitados. Arte: Erick Lopes


Em nome da Slow Fashion Movimento que é contra a voluptuosidade da indústria fashion é a mais nova “tendência” da moda e já tem adeptos em Londrina Google imagens

por Renan Alves Seguindo quase a mesma linha do Slow Food (comida lenta em inglês), movimento combatente das famosas empresas alimentícias de fast-food e que incentiva o consumo de comidas saudáveis, o Slow Fashion tem como objetivo erradicar a busca frenética e desenfreada dos produtos que “estão em alta” – as famosas tendências –, conscientizar as pessoas de que o que realmente importa é o cuidado com o meioambiente e se sentir bem consigo mesmo, incentivando uma moda atemporal, ou seja, que as roupas não se transformem em produtos descartáveis que após uma temporada ou mudança de estação estarão no lixo, mas sim peças com as quais se possam contar todos os dias. A estudante do terceiro ano de Design de Moda da Universidade Estadual de Londrina Betina Martins é uma entusiasta do Slow Fashion. “É todo um conceito diferente que vai além da moda, tem um estilo de vida diferente, um ritmo diferente”, revela ela, que acredita nos valores atemporais da moda. “Eu acho que moda é muito mais do que a pessoa seguir uma tendência que vai embora dentro de dois meses”, pontua. Amiga de Betina e também estudante do terceiro ano de Design de Moda da UEL, Flora Chaves também é a favor do Slow Fashion e vê a moda como instrumento de expressão e transformação da sociedade. “A gente estuda através da História que a Moda tem uma influência artística, conceitual e até política; estudamos também que a mulher se tornou independente a partir do momento em que ela ganhou pernas, vestindo calças”, conta ela. “Pela roupa é possível sim se expressar e até falar coisas que a pessoa por vezes não consegue”, afirma Flora. Betina também pensa que a Moda serve como instrumento de expressão, porém, “hoje em dia a Moda é vista por muitos como ferramenta de status. Algumas pessoas,

A Moda deveria ser utilizada como estilização, porém, por parte de alguns, hoje em dia vem sendo utilizada como ferramenta de ‘status’ os chamados alpinistas sociais, consomem produtos que não condizem com, por exemplo, a classe social a qual pertencem para tentar garantir seu status social”, reprova. Problema monstro O mercado de moda parece desconhecer, ou ignorar, o segmento Slow Fashion. É fato que o movimento tem abarcado adeptos por todo mundo – e também já tenha sua parcela de entusiastas aqui na cidade –, mas será uma luta de gigantes: de um lado a “fast fashion” (que legitima a reprodução barata de “tendências”) e na outra ponta está o movimento a favor

da desaceleração do ritmo de vida da sociedade pós-moderna – brigando contra o lucro que as empresas obtêm sobre produtos de má-qualidade e de conceituação duvidosa “Vivemos em uma época que pode ser denominada de sociedade de massas onde o sujeito, perdido nos fluxos urbanos, é uma expressão do anonimato. O sentimento de pertencer, ou seja, a necessidade de se sentir inserido num grupo, toma conta do sujeito a partir da publicidade, que vende os seus produtos como se estes tivessem algum poder de inserção”, explica o professor

universitário do curso de Psicologia da UEL, Paulo Roberto de Carvalho, de 50 anos. “Nós vivemos em uma sociedade sob a hegemonia do capital, mas nunca uma dominação absoluta que impeça outras formas de pensar, sentir e existir. O capital determina o nosso rumo coletivamente, mas existem grupos e indivíduos que traçam linhas de ruptura e criam novas formas de existir”, finaliza. Pensando assim, Odete Silva Ramaninn, enfermeira de 38 anos, educa suas duas filhas, Giovana e Carla, a não acreditarem em tudo o que veem na TV e nas revistas.

“A Giovana (14) gosta bastante de ler revistas e a Carla (9) assiste desenhos na televisão. Eu digo a ambas para sempre duvidarem das propagandas porque nem sempre o que a gente assiste e lê é verdade”, ilustra ela. Odete conta também que uma vez as filhas ficaram com vontade de comer um lanche que tinham visto na televisão e então ela as levou para comer o tal lanche: “Quando chegamos lá e as meninas viram como era o lanche, ficaram desapontadas. Ele não tinha muito a ver com o que elas imaginaram. Acho que aprenderam uma lição”, sorri Odete, orgulhosa. Outra face da moeda Se de um lado a questão é escolher onde e o que comprar, primar pela qualidade e não pela quantidade, correr no próprio fluxo ao invés de “seguir as tendências”, do outro lado a coisa não é tão simples. Quem comercializa enxerga a falta de opção na hora de encomendar as peças e acaba “indo com a maré”. “Se eu pudesse, é claro, eu venderia as roupas produzidas na cidade, mas nunca ouvi falar de produções que são daqui mesmo. Geralmente, tudo vem de fora”, conta Simone Rodrigues da Cunha, dona de uma loja – que no final do ano completará 3 anos – de pequeno porte na qual comercializa roupas e acessórios. “Eu tenho meus fornecedores e eles vêm aqui para me mostrar as peças e aí, dentre elas, eu escolho as que eu acho que vou vender, as que estão na moda”, fala Simone, enquanto mostra nas araras as peças que acabou de receber. É difícil se pensar em Slow Fashion aplicado à grande massa, até mesmo só em Londrina. No batimento acelerado dos ponteiros do relógio ao qual somos subordinados devido à correria do dia-a-dia, também está a moda, sofrendo de algumas das mesmas mazelas que nós humanos: despreparo, “alimentação” – que no caso da confecção de roupas, podemos pensar em tecidos – de má qualidade etc., influenciando, consequentemente, o consumo e a absorção dessas peças volúveis e descartáveis.


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