Pesquisa FAPESP fevereiro de 2012
fevereiro de 2012 . www.revistapesquisa.fapesp.br
os invasores
Plantas e animais exóticos começam a ser combatidos envelhecimento
Senilidade traz possível vantagem evolutiva
dança geológica
Por pouco o Nordeste não ficou na África celulares
Empresas desenvolvem softwares no país
n.192
Dogmas em xeque Técnica brasileira redefine o número de neurônios no cérebro
fotolab
Cores nas lagoas O listrado multicor que se desenha na areia quando o nível da água baixa nas lagoas do Pantanal da Nhecolândia, conhecidas como salinas, em Mato Grosso do Sul, por muito tempo foi um mistério para observadores. A explicação está na cianobactéria Anabaenopsis elenkinii, um dos poucos organismos que sobrevivem nas condições inóspitas dessas águas muito alcalinas, de pH entre 9 e 11. De acordo com o Núcleo de Pesquisa em Ficologia do Instituto de Botânica, na época seca essas bactérias se reproduzem em profusão e pintam as lagoas com substâncias de sua própria decomposição.
Se você tiver uma imagem relacionada a pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.
Foto enviada por Kleber Renan de Souza Santos Instituto de Botânica de São Paulo
PESQUISA FAPESP 192 | 3
fevereiro 2012
n.
192
Política científica e tecnológica 28 Cenários de energia
Estudos revelam previsões sobre a participação do etanol na agricultura e na matriz de combustíveis
18
32 Espécies invasoras
Debate sobre definição e controle de plantas e animais exóticos esquenta em São Paulo
36 História da FAPESP VIII 18 CAPA Recontagem de neurônios põe em xeque ideias consolidadas da neurociência Ilustração de capa Marcelo Cipis
Programa SciELO criou novo patamar de qualidade e difusão para publicações científicas
62 Novos materiais
ciÊncia
64 Análises clínicas
40 Modelagem matemática Simulação computacional indica que envelhecer pode ser uma vantagem adaptativa
entrevista 24 Rajenda Pachauri Presidente do IPCC fala de suas batalhas à frente da instituição
seçÕes 3 Fotolab 6 Cartas 7 Carta da editora 8 On-line 9 Wiki 10 Dados e projetos 11 Boas práticas 12 Estratégias 14 Tecnociência 90 Memória 92 Resenhas 94 Arte 96 Ficção 98 Classificados 4 | fevereiro DE 2012
44 Isolante topológico
Brasileiros começam a investigar novo material que promete revolucionar a eletrônica e a computação
48 Biomas brasileiros
Estudo contesta visão de que a maioria das espécies típicas do cerrado e da caatinga se originou nas florestas
52 Deriva continental
Movimentação de Gondwana quase transformou o Nordeste brasileiro em parte da África
tecnologia 56 Telecomunicações
Cresce a participação de softwares para a telefonia móvel desenvolvidos por fabricantes de aparelhos no país
Argila mineral elimina resíduos dos nanotubos de carbono Equipamento testa no sangue, em poucos minutos, microrganismos ligados a 20 doenças
68 Empreendedorismo
Vladimir Airoldi, da Clorovale, exporta brocas de diamante sintético e ganha Prêmio Finep
72 Pecuária
Colombianos criam gado entre árvores e inspiram brasileiros
humanidades 76 Famílias encolhidas
Segundo pesquisa, fecundidade nacional cai cada vez mais e se concentra entre os adolescentes
82 Percepção da ciência
Pesquisa revela que menos de 3% dos adolescentes latino-americanos desejam seguir uma carreira científica
86 Sons e ideologias
Gênero musical foi importante instrumento de consciência negra na década de 1970
agronomia
ambiente
anatomia
28
antropologia
biogeografia
bioquímica
32 cienciometria
48
comunicação
40
demografia
ecologia
economia
56
educação
evolução
68 física
fisiologia
geologia
medicina
76 música
nanotecnologia
neurologia
sociologia
86 tecnologia da informação
zoologia
PESQUISA FAPESP 192 | 5
pesqUisa fapesp
janeiro de 2012
cartas cartas@fapesp.br
janeiro de 2012 . www.revistapesquisa.fapesp.br
entrevista MaUrício rocha e silva
Como dar visibilidade a uma revista científica tiMo
Glândula pouco ativa explica doenças autoimunes na síndrome de Down biocerâMicas
Vidro e membrana estimulam recuperação de ossos diploMacia
A delicada relação do Itamaraty com o Congresso
Revista Latinoamericana de Psicopatologia
mais utilizados nessas categorias. A incorporação de visuais e assinaturas em versões móveis é uma atitude positiva num cenário em que mais universitários adquirem seus tablets e em que mais mestres usam celulares inteligentes. A veiculação de aulas em vídeo e conteúdos especiais no iTunes U também sinaliza ria uma atitude positiva de Pesquisa FAPESP em novas mídias.
Fundamental
Hugo Eduardo Azevedo Fialho
São Paulo, SP
São Luís, MA
Relações internacionais
Alencastro
Manoel Tosta Berlinck
coMidas
Uma chave saborosa para entender o Brasil colonial
Uma estrela que apaga n.191
paração. Não é justo nem politicamente correto que revistas subsidiadas pelo contribuinte sejam publicadas em inglês e não em português. Os editores e as agências de fomento devem, por essas razões, estimular outros caminhos visando à crescente visibilidade de nossas revistas científicas.
Eclipse seguido de colapso de ventos estelares oculta periodicamente a Eta Carinae
Visibilidade das revistas
A entrevista de Maurício da Rocha e Silva (edição 191) tem alguns importantes elementos como, por exemplo, a questão da invisibilidade. De fato, autores brasileiros não citam artigos das revistas onde publicam. Não citam, mesmo, seus próprios artigos precedentes. Entretanto, o entrevistado reduz essa complexa questão a uma única razão: “A língua da ciência é o inglês”. Ora, se for isto, as revistas brasileiras devem ser publicadas integralmente em inglês. Certo? Errado. O primeiro motivo é que, atualmente, não se leem mais os artigos completos em nenhum lugar do mundo. Dado o grande número de periódicos e a imensa quantidade de artigos, os cientistas passaram a ler somente resumos (abstracts). Se o abstract refere-se ao tema específico de uma pesquisa do leitor, ele pode, perfeitamente, mandar traduzir tal artigo. O segundo motivo é que a comunidade científica internacional fala numerosas línguas. Seria importante, então, que as revistas publicassem resumos em diversas línguas, como faz a Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental (RLPF). Concordo, entretanto, com Maurício da Rocha e Silva quando diz que o nome das revistas não devem ser regionais (Brazilian Journal of..., por exemplo). Um terceiro argumento que precisa ser considerado é que a crescente comunidade científica brasileira e, especialmente, os estudantes de pós-graduação não são, necessariamente, leitores competentes do inglês. Ler em língua estrangeira requer um grande esforço e uma prolongada pre6 | fevereiro DE 2012
O artigo de Carlos Haag “Quando o externo está cada vez mais interno” (edição 191) deixou em mim uma profunda insatisfação. Quando li a chamada da matéria, relações internacionais e globalização, iniciei a leitura com o maior interesse. Entretanto, o texto, à medida que se desenvolvia, tornava-se cada vez mais parcial e desequilibrado. Após apresentar o resultado de uma pesquisa, o autor insere uma série de comentários de Celso Lafer e Luiz Felipe Lampreia. A opinião desses intelectuais é conhecida, são críticos da política externa do governo Lula e por diversas vezes a exprimiram nos jornais da grande imprensa. Nada tenho contra a diversidade de opiniões, pelo contrário, eu as prezo muito. No entanto, este não parece ser o ponto de vista do articulista, fica explícita no texto sua posição partidária. Em nenhum momento o “outro lado” é ouvido. Não é segredo que a política externa de qualquer país é um tema controverso, tampouco que os intelectuais entrevistados fizeram parte de um governo específico. Portanto, parece-me inteiramente parcial escutar apenas uma das partes envolvidas na controvérsia. Renato Ortiz Departamento de Sociologia da Unicamp Campinas, SP
Acredito que Pesquisa FAPESP contribui para com o diálogo aberto que deve existir entre divulgação científica e sociedade. Para não especialistas e meros curiosos no tema (curiosamente, me situo nesses dois grupos), a publicação possibilita o aprofundamento de temas, o que, hoje em dia, parece pouco possível. Belo exemplo disso é a entrevista feita com Luiz Felipe de Alencastro (edição 188), num momento em que o tema África aparece com força no noticiário. O ganho, para o leitor, é evidente. Em vez de um pingue-pongue esquemático, uma possibilidade de aprender e entender o complexo relacionamento do Brasil com os países africanos, para além das siglas e da agenda noticiosa. Fabio Silvestre São Paulo, SP
Correções
A autora da resenha “Uma intelectual inquieta e ativa” (edição 191, página 90), Helena Sampaio, é docente do Departamento de Ciências Sociais e Educação (Decise), da Faculdade de Educação da Unicamp, e pesquisadora do Nupps/USP. Na seção Cartas da edição 191 o nome de Israel Klabin foi grafado de modo errado como Isaac Klabin.
Novas mídias
Sugiro à revista Pesquisa FAPESP a sua veiculação em novas mídias, notadamente versões móveis para celulares e tablets, como iPhones e iPads, os dispositivos
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar - CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
carta da editora
fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, Horácio Lafer Piva, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, Maria José Soares Mendes Giannini, José de Souza Martins, José Tadeu Jorge, Luiz Gonzaga Belluzzo, Sedi Hirano, Suely Vilela Sampaio, Vahan Agopyan, Yoshiaki Nakano
Aritmética do cérebro Mariluce Moura
Conselho Técnico-Administrativo
Diretora de Redação
Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo
issn 1519-8774
Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Arana Varela, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Cylon Gonçalves da Silva, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, João Furtado, Joaquim J. de Camargo Engler, José Roberto Parra, Luís Augusto Barbosa Cortez, Luis Fernandez Lopez, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Sérgio Queiroz, Wagner do Amaral, Walter Colli
Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura editor chefe Neldson Marcolin Editores executivos Carlos Haag (Humanidades), Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Maria Guimarães (Edição on-line), Ricardo Zorzetto (Ciência) editores especiais Carlos Fioravanti, Marcos Pivetta Editores assistentes Dinorah Ereno, Isis Nóbile Diniz (Edição on-line) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro editora de arte Laura Daviña ARTE Ana Paula Campos, Maria Cecilia Felli fotógrafos Eduardo Cesar, Leo Ramos Colaboradores Ana Lima, André Serradas (Banco de imagens), Daniel Bueno, Drüm, Evanildo da Silveira, Gabriel Bitar, Gonçalo Júnior, Gustavo Fioratti, Igor Zolnerkevic, Nana Lahóz, Sara Goldchmit, Salvador Nogueira, Saulo Dourado Tiago Cirillo, Veridiana Scarpelli e Yuri Vasconcelos
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R
esta alguma dúvida entre os neurocientistas sobre a real importância da determinação exata do número e da distribuição espacial dos neurônios para o avanço do conhecimento de um dos mais fascinantes objetos de pesquisa científica em qualquer tempo: o cérebro humano. Quantificar e mapear essas células certamente pode ajudar a compreender como o cérebro funciona. Mas parece insuficiente deter-se em tais dados para desvendar o que há de intrigante nesse órgão que um cientista como António Damásio, por exemplo, procura apaixonadamente devassar em seu recente E o cérebro criou o homem, recorrendo – sem se preocupar com fronteiras entre disciplinas – a todo o arsenal de conhecimento disponível que lhe permita avançar em seu intento. Nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, leva isso em conta na reportagem de capa desta edição. Dá a palavra no texto a quem adverte sobre quão importantes, talvez mais que os neurônios em si, são as conexões efetivas que essas células estabelecem, criando redes que processam a informação de forma distribuída. E faz isso para contextualizar cientificamente o objeto central da reportagem de capa desta edição: uma técnica brasileira que permitiu uma recontagem mais precisa dos neurônios e de outras células cerebrais humanas e, em decorrência, uma investida contra alguns dogmas da neurociência. A técnica desenvolvida por pesquisadores do Rio de Janeiro, sob a liderança do respeitado neurocientista Roberto Lent, permitiu a afirmação de que há 86 bilhões de neurônios no cérebro humano, e não 100 bilhões como se acreditava. E que eles estão acompanhados por 85 bilhões das chamadas células da glia, em vez de 1 trilhão delas como alardeado antes.
Para facilitar o trabalho, os pesquisadores desenvolveram inclusive uma máquina, o fracionador celular automático, cujo modo de funcionamento constitui sem dúvida um belo achado, mesmo que descrito em detalhes possa embrulhar estômagos mais sensíveis. Vale a pena se inteirar desse lado quantitativo dos avanços no estudo do cérebro a partir da página 18. Vou me permitir aqui exercitar uma certa liberdade do gosto pessoal, ao requisitar atenção especial do leitor para dois textos que não estão entre os destaques da capa e, portanto, não são os mais importantes desta edição. São, no entanto, saborosos, interessantes, e conto com a cumplicidade do leitor para entender a minha escolha. O primeiro é a pequena entrevista de Rajendra Pachauri, presidente há 10 anos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), concedida a nosso editor especial Carlos Fioravanti. Entre muitas outras batalhas que vem enfrentando no cargo, Pachauri fala sobre a mais recente, a da comunicação. Sua pretensão é fazer com que os resultados do painel cheguem a públicos mais largos que os círculos científicos, razão por que contratou como coordenador de comunicação, em 1º de dezembro passado, o jornalista Jonathan Lynn. Mais detalhes, a partir da página 24. O segundo texto é uma reportagem do jornalista Salvador Nogueira sobre recentes achados a respeito da chamada deriva continental, a movimentação dos grandes blocos de rocha que formam os continentes, que reforçam a hipótese de que foi por pouco que o atual nordeste brasileiro não se tornou parte do atual território africano. “O Carnaval de Salvador teria de ser brincado do outro lado do oceano”, brinca um dos autores do estudo com espírito pré-carnavalesco. Boa leitura! PESQUISA FAPESP 192 | 7
on-line
Nas redes
w w w . r e v is t ap e s q u isa . fap e sp . br
eduardo cesar
@dariorsilva Me passa a impressão de todas as áreas do conhecimento dialogando
Podcast
(Sobre novo logo no twitter) @monicasalles A propósito, pessoal, parabéns pelo novo projeto gráfico. A harmonia de cores trouxe um ar bem moderno! Renata Valente_ Deem um olho, galera. São três páginas de reportagem sobre estudos e iniciativas que, se derem certo, serão exemplos de como é possível caminhar juntos pra ampliar o uso
Exclusivo no site Pesquisadores do Instituto Butantan
Tendências interdisciplinares!
de fontes renováveis. A Alemanha parece estar dando um passo É verdade, sapos espirram veneno.
importante e pioneiro neste sentido (Alemanha verde).
desenvolveram dois novos adjuvantes
Ao menos a espécie amazônica Rhaebo
de vacinas que permitem o uso de
guttatus, primeiro anfíbio brasileiro
doses menores e amplificam a
que se comprova lançar veneno de
Elizabeth Medeiros Pacheco_ Muito
resposta do organismo contra
glândulas nas costas quando se sente
bom. Discurso silencioso é um ótimo
microrganismos causadores de
ameaçado. O animal foi identificado
chamado e mais ainda pq além
doenças. O adjuvante monofosforil
há 200 anos, mas apenas agora o
de os corpos, utensilios, serem
lipídico A (MPL) foi usado com sucesso
comportamento foi descrito por
um depoimento do vivido com valor
contra o vírus H1N1, causador da
zoólogos do Instituto Butantan, da
de documento para etnografias,
chamada gripe suína. O plano agora
Unicamp, da UFABC e da USP. Essa
vemos a arte de lapidar os dentes,
é testá-lo com as vacinas contra
habilidade não aparece em animais
para além da plumagem e pintura
influenza sazonal e hepatite B. A sílica
mantidos em cativeiro e não foi
dos corpos, a intervenção definitiva
porosa nanoestruturada SBA-15
observada em outras espécies
sobre os corpos. Trabalho lindo
também é promissora: testes indicam
aparentadas. Outro fato curioso é que o
dos pesquisadores da Fiocruz
que pode ser usada como veículo para
animal parece ter controle dos jatos de
(Discurso silencioso).
vacinas administradas por via oral.
veneno (ver vídeo no site da revista).
Vídeo do mês Tráfico de escravos é desencavado na região portuária do Rio de Janeiro www.youtube.com/user/PesquisaFAPESP
8 | fevereiro DE 2012
Assista ao vídeo:
Para ler o código ao lado faça o download do leitor de QR CODE no seu smartphonE
Produção da vacina contra influenza no Butantan
A pediatra Magda Carneiro-Sampaio conta como o timo afeta o sistema imunológico de crianças com síndrome de Down
e algumas se sobrepondo.
WiKi o que é, o que é?
Energia escura
Pergunte aos pesquisadores
Qual a diferença entre as sacolas plásticas oxibiodegradáveis e as comuns? José João Lelis Leal de Souza [via e-mail]
Marco-Aurelio De Paoli, Instituto de Química da Unicamp
ilustração daniel bueno fotomontagem ana paula campos sobre foto de eduardo cesar
As sacolas plásticas
A sacola à base
“comuns” são feitas de
de amido de milho, mais
polietileno, matéria-prima
cotada para substituir
derivada do petróleo ou
a de polietileno que até
da cana-de-açúcar, e
agora era distribuída em
demoram mais de 100
supermercados, também
anos para se decompor. As
contém em menor
sacolas oxibiodegradáveis
proporção derivados
têm uma composição
do petróleo. Já existe um
parecida, com uma única
tipo de poliéster 100%
diferença: recebem um
biodegradável produzido
aditivo que acelera a sua
por microrganismos
degradação, fazendo com
durante a digestão do
que a sacola se fragmente
açúcar, mas sua fabricação
em pedaços invisíveis a
mais cara que a do
olho nu quando exposta
plástico convencional
à luz, à umidade e ao ar.
o torna pouco viável para
O problema é que os
ser usado na produção de
minúsculos pedaços
sacolas de supermercado
parecem não ser
em grande escala.
consumidos por
Mande sua pergunta para o e-mail wikirevistapesquisa@fapesp.br, pelo facebook ou pelo twitter @PesquisaFapesp
Em 1929 o astrônomo americano Edwin Hubble demonstrou que o Universo está se expandindo. Esse processo teria sido iniciado há 13,7 bilhões de anos pelo Big Bang, a explosão que deu origem ao Universo, como é conhecido hoje. A gravidade é a única força conhecida que funciona a grandes distâncias e, como é uma força atrativa, esperava-se que ela atuasse para retardar a expansão observada por Hubble. Mas em 1998 dois grupos de pesquisadores mediram o brilho de estrelas supernovas e concluíram, de modo independente, que o Universo estava em expansão acelerada e não desacelerada, como se pensava. Ou seja, parecia existir uma espécie de antigravidade. Mas o que causaria uma força assim, de repulsão gravitacional? “Como não se conseguiu saber o que provocaria essa força deu-se o nome de energia escura ao que quer que estivesse criando essa ‘antigravidade’, que agiria se contrapondo à gravidade usual gerada pelas galáxias”, explica Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo. Essa energia poderia ser a que está contida no vácuo – hoje se sabe que o vácuo contém algum tipo de energia. “Quando se calcula a energia do vácuo, vê-se que ela tem algumas das propriedades necessárias para gerar a repulsão gravitacional.” Os pesquisadores que comprovaram a expansão acelerada do Universo – os americanos Saul Perlmutter, Brian Schimidt e Adam Riess – ganharam o Nobel de Física em 2011. Pelos cálculos atuais, 70% da energia do Universo é constituída de energia escura, 25% de matéria escura (tipo de matéria que não emite nem reflete luz) e apenas 5% de matéria como conhecemos, composta de prótons, nêutrons e elétrons.
Vale ressaltar que um
microrganismos como
produto biodegradável
fungos e bactérias –
não é necessariamente
condição necessária para
fabricado a partir de
um material ser
fontes renováveis.
biodegradável. Além de os
Compostos de origem
compostos petroquímicos
petroquímica podem ser
continuarem no ambiente,
biodegradáveis e outros
os aditivos em si podem
provenientes da
ser tóxicos.
cana-de-açúcar não. PESQUISA FAPESP 192 | 9
Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados entre novembro de 2011 e janeiro de 2012
temáticos Identificação de marcadores tumorais e possíveis alvos terapêuticos em doenças linfoproliferativas de células B Pesquisadora responsável: Gisele Wally Braga Colleoni Instituição: EPM/Unifesp Processo: 2010/17668-6 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2016
Estudo duplo-cego randomizado e controlado sobre o efeito do betabloqueador na prevenção da cardiomiopatia secundária a quimioterápicos Pesquisador responsável: Edimar Alcides Bocchi Instituição: InCor/HC/SSSP Processo: 2010/18078-8 Vigência: 01/11/2011 a 31/10/2016 Jejum intermitente e cirurgia de adaptação digestiva: avaliação translacional das consequências sobre fatores de risco cardiovascular e aterogênese Pesquisador responsável: Bruno Caramelli Instituição: InCor/HC/SSSP Processo: 2010/19827-4 Vigência: 01/12/2011 a 30/11/2016 Estudo do equilíbrio do ciclo do carbono na região costeira e de seu potencial transporte oceânico – com
ênfase ao litoral de Pernambuco (Carecos). (Facepe/ANR) Pesquisadora responsável: Elisabete de Santis Braga da Graça Saraiva Instituição: IO/USP Processo: 2011/50582-0 Vigência: 01/12/2011 a 30/11/2016 Jovem Pesquisador
Utilização de métodos mecânicos-quânticos para estudo das ligações e interações químicas em sistemas auto-organizados com aplicação em catálise, química medicinal, eletrocromismo, armazenamento e conversão de energia Pesquisador responsável: Renato Luís Tame Parreira Instituição: Universidade de Franca Processo: 2011/07623-8 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2015 Síntese de cerâmicas ferroelétricas com transição de fase acoplada Pesquisador responsável: Eduardo Antonelli Instituição: ICT/Unifesp Processo: 2011/08497-6 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2014 Identificação e validação de assinaturas moleculares relacionadas à metástase do câncer através de análise proteômica detalhada e dirigida da transição epitelial - mesenquimal em
adenocarcinomas Pesquisador responsável: Vitor M. Faça Instituição: FMRP/USP Processo: 2011/09740-1 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2015
Usando dados esparsos de ressonância magnética nuclear e modelagem comparativa para determinar estrutura e dinâmica de proteínas com aplicação em desenho racional de drogas Pesquisador responsável: Rinaldo Wander Montalvão Instituição: IFSC/USP Processo: 2011/11343-0 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2015 Alterações no perfil de expressão de proteínas em Eucalyptus globulus em resposta às variações na temperatura de crescimento e concentração de dióxido de carbono atmosférico Pesquisador responsável: Tiago Santana Balbuena Instituição: IB/Unicamp Processo: 2011/11650-0 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2014 Estudo sobre o uso múltiplo de drogas, funcionamento cognitivo, psíquico, emocional e transtornos do sono entre motoristas de caminhão no estado de São Paulo Pesquisador responsável: Lucio Garcia de Oliveira
Instituição: FMUSP Processo: 2011/11682-0 Vigência: 01/03/2012 a 29/02/2016
Os squamatas (reptilia, lepidosauria) do Cretáceo e Terciário (Paleógeno/ Neógeno) das bacias Bauru, Aiuruoca e Acre: sistemática, evolução e paleoambientes Pesquisadora responsável: Annie Schmaltz Hsiou Instituição: FFCLRP/USP Processo: 2011/14080-0 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2015 Código de barras de DNA e potencial biotecnológico dos microfungos associados aos ninhos das formigas-cortadeiras Pesquisador responsável: André Rodrigues Instituição: Instituto de Biociências de Rio Claro/Unesp Processo: 2011/16765-0 Vigência: 01/01/2012 a 31/12/2014 Filogeografia multilocus comparada de três espécies de Poospiza (aves, passeriformes): explorando a história da mata atlântica montana Pesquisador responsável: Fabio Sarubbi Raposo do Amaral Instituição: Instituto Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas/Unifesp Processo: 2011/50143-7 Vigência: 01/12/2011 a 30/11/2014
Cooperação internacional Publicações, posição relativa e porcentagem de trabalhos com colaboração internacional em universidades da América Latina WR
Universidade
País
13
Universidade de São Paulo
Brasil
40.196
24,8
109
Universidad Nacional Autónoma de México
México
17.622
40,5
152
Universidade Estadual de Campinas
Brasil
14.994
22,0
194
Universidade Estadual Paulista
Brasil
13.043
16,5
209
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Brasil
12.340
26,7
250
Universidad de Buenos Aires
Argentina
10.897
46,1
283
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Brasil
9.750
25,3
333
Universidade Federal de Minas Gerais
Brasil
8.661
25,2
381
Universidade Federal de São Paulo
Brasil
7.791
19,3
407
Universidad de Chile
Chile
7.354
46,3
Número de trabalhos
Colaboração internacional (%)
WR: posição da universidade no ordenamento das 3.042 organizações de pesquisa no mundo que publicaram mais de 100 trabalhos indexados na base Scopus ao longo do período 2005-2009 pelo total de trabalhos indexados. Número de trabalho: número de trabalhos indexados na base de dados Scopus no período 2005-2009. Colaboração internacional (%): mostra a relação da produção científica da universidade feita com colaboração internacional. Os valores são calculados através da análise da produção científica da universidade que inclui mais de um país no endereço ao longo do período 2005-2009. Fonte: Scimago, www.scimagoir.com
10 | fevereiro DE 2012
Boas práticas Um documento em prol da ética de conduta e lamentava por nada estar sendo feito. O comunicado final do congresso recomendou um reforço nos mecanismos que deveriam assegurar a boa conduta em pesquisa. No Reino Unido não há um organismo oficial nacional que lide com problemas éticos em pesquisa com poderes legais ou regulatórios. O mais próximo disso é o UK Integrity Research Office, organização privada que fornece consultoria e orientação sobre questões relativas à integridade da pesquisa. É mantida por órgãos governamentais, agências de fomento, universidades e instituições privadas envolvidas com a pesquisa.
daniel bueno
Para tentar melhorar o comprometimento dos pesquisadores da área médica com as boas práticas em ciência, o grupo que representa as instituições de ensino superior do Reino Unido, Universidades do Reino Unido (UUK), prepara um documento sobre a integridade da pesquisa. O objetivo é promover a integridade da investigação e deixar claro as responsabilidades das instituições, organismos de fomento e pesquisadores, além de fornecer exemplos de boas práticas. O documento está sendo feito junto com as agências de financiamento e deverá ficar pronto em abril. A preocupação cresceu depois de um levantamento do periódico inglês British Medical Journal (BMJ), divulgado em janeiro durante um congresso em Londres, mostrar que a comunidade científica britânica tem sido falha ao lidar com a má conduta em pesquisa médica. O BMJ entrevistou 2.782 médicos e acadêmicos e constatou que 13% deles demonstraram conhecer casos de alteração ou fabricação de dados feita de forma deliberada por pesquisadores. Outros 6% afirmaram saber de má conduta ocorrida em suas instituições que não havia sido devidamente investigada. De acordo com a revista Nature, os participantes do encontro pediram ações mais enérgicas. “É o reconhecimento de que temos um problema”, disse Fiona Godlee, editora chefe do BMJ. A questão não é nova para os britânicos. No ano passado, um comitê de ciência e tecnologia do Parlamento inglês já havia concluído que a “integridade da pesquisa no Reino Unido é insatisfatória”. E em 2000 a Lancet – outra importante revista de ciências médicas – criticava os erros
Universidade pede anulação de artigos A Universidade de Connecticut (UConn), nos Estados Unidos, notificou em janeiro 11 periódicos científicos que publicaram estudos sobre vinho tinto e longevidade pedindo a anulação de artigos já veiculados. O acusado é Dipak Das, cientista indiano que era diretor do Centro de Pesquisa Cardiovascular do Centro de Saúde da universidade. “Temos a responsabilidade de corrigir os registros científicos e informar pesquisadores de todo o país”, disse Philip Austin, vice-presidente para assuntos de saúde da instituição. Verbas federais no montante de US$ 890 mil para as pesquisas de Dipak Das foram recusadas pela UConn. A investigação sobre o trabalho do cientista indiano começou em 2009 depois que o Office of Research Integrity – órgão federal de fiscalização de integridade de pesquisas em saúde – avisou a UConn sobre uma denúncia
envolvendo um artigo publicado pelo laboratório de Das. Os problemas referem-se mais especificamente à manipulação de experimentos com os testes chamados western blots, que indicam a presença e quantidade de determinadas proteínas no sangue. Já a relação entre vinho e benefícios à saúde é objeto de estudo em todo o mundo, com resultados variados. A investigação da UConn produziu um relatório de 60 mil páginas sobre 145 acusações de falsificação de informações publicadas em 23 artigos. Outros pesquisadores que trabalharam com Das poderão ser acusados de má conduta. Ele nega as acusações, diz que cientistas de outras instituições chegaram às mesmas conclusões que ele e reclama de discriminação por ser indiano. Além da investigação da UConn, o Office of Research Integrity abriu uma apuração própria sobre o caso. PESQUISA FAPESP 192 | 11
Estratégias Raupp assume MCT O matemático gaúcho
(SP). Até fevereiro de
Marco Antônio Raupp, de
2011 era presidente
73 anos, é o novo titular
da Sociedade Brasileira
do Ministério da Ciência
para o Progresso da
e Tecnologia (MCT) no
Ciência (SBPC), quando
lugar do senador Aloizio
foi convidado a assumir
Mercadante, que assumiu
a Agência Espacial
o Ministério da Educação.
Brasileira. “Raupp
Raupp é graduado em
é um grande gestor,
física pela Universidade
sabe dialogar e conhece
Federal do Rio Grande
muito bem o panorama
do Sul e doutorado em
de ciência, tecnologia
matemática pela
e inovação brasileiro”,
Universidade de Chicago,
diz Helena Nader, atual
nos Estados Unidos.
presidente eleita da
Radicado em São Paulo,
SBPC. “Os desafios são
é professor livre-docente
grandes: fazer cumprir
da Universidade de
o orçamento do MCT
São Paulo e tem grande
e convencer a classe
experiência em gestão
política da importância
de ciência e tecnologia.
dos royalties do pré-sal
Um grupo de 20
mais aplicados. Mapas
Foi diretor do Instituto
para a ciência são alguns
cientistas italianos que
de todos os estudos
Nacional de Pesquisas
deles.” Seria também
vivem no exterior criou
clínicos sobre câncer
Espaciais (Inpe), do
importante acabar
no final do ano passado
na Itália já estão
Laboratório Nacional de
com a polarização
uma rede virtual de
disponíveis em
Computação Científica,
entre ciência básica
pesquisa contra o câncer,
um site criado
do Instituto Politécnico da
e aplicada: “Às vezes,
a Viron (sigla em inglês
especialmente pelo
Universidade Estadual
há a tendência de se
para Virtual Italian
grupo (www.viron.org).
do Rio de Janeiro e do
colocar grande parte do
Research in Oncology
“A rede Viron está
Parque Tecnológico
investimento em uma
Network). A ideia nasceu
aberta a cientistas de
de São José dos Campos
ponta ou em outra”, diz.
de Michele Pagano,
todas as nacionalidades
pesquisador italiano
que tenham interesse
do Instituto Médico
em pesquisas sobre
Howard Hughes e
câncer e na Itália”,
professor de patologia
comenta o biólogo
da Universidade de Nova
Mauro Degli Esposti,
York, EUA, há duas
da Universidade de
décadas fazendo carreira
Manchester, Inglaterra,
nesse país. O objetivo da
um dos coordenadores
iniciativa é fomentar
do projeto. O
a colaboração entre
cientista acredita que
cientistas italianos que
pesquisadores brasileiros
fazem pesquisa em
possam se interessar.
oncologia fora de sua
“Nosso website está
terra natal, aproximando
sendo montado
principalmente os
em inglês e em italiano
investigadores das
e seria maravilhoso
áreas básicas com os
ter membros também
especialistas em estudos
do Brasil”, diz Esposti.
12 | fevereiro DE 2012
1
Raupp (dir.) e Mercadante: novo ministro tem larga experiência como gestor
Rede italiana contra o câncer
fotos 1. Marcelo Casal Jr. / ABr 2. Pete Souza / White House 3. www.batachildrensprogram.com ilustraçãO daniel bueno
Novos sócios da ABC
2
Por mais resultados práticos
Obama assina documento: incentivo às agências para serem mais flexíveis nas parcerias
Em assembleia-geral
Icaro Vitorello, do
realizada em 16 de
Instituto Nacional de
dezembro de 2011,
Pesquisas Espaciais
a Academia Brasileira
(Inpe), e José Antonio
de Ciências (ABC) elegeu
Marengo Orsini (Inpe);
seus novos membros
em ciências biológicas,
titulares. Entre os
Fausto Foresti (Unesp);
25 escolhidos, 17 são
em ciências biomédicas,
de universidades e
Gilberto de Nucci,
institutos de pesquisa de
Maria Júlia Manso Alves
São Paulo. Em ciências
e Regina Pekelmann
matemáticas, Paolo
Markus (todos da USP);
Piccione, da Universidade
em ciências da saúde,
de São Paulo (USP); em
Fernando Cendes
ciências físicas, Antonio
(Unicamp) e Francisco
Martins Figueiredo Neto
Rafael Martins Laurindo
(USP) e Nathan Jacob
(USP); em ciências da
Berkovits, da Universidade
engenharia, João
Ao aprovar o orçamento
(Boletim do NCATS,
para 2012, o Congresso
13 de janeiro). Interessado
dos Estados Unidos
em resultados
Estadual Paulista
Fernando Gomes de
autorizou a criação
aplicados mais rápidos,
(Unesp); em ciências
Oliveira, do Instituto de
do Centro Nacional
o presidente Barack
químicas, Luiz Carlos
Pesquisas Tecnológicas,
para o Avanço da Ciência
Obama pediu às
Dias, da Universidade
e Victor Carlos Pandolfelli,
Translacional (NCATS)
agências de fomento um
Estadual de Campinas
da Universidade Federal
e destinou a ele US$ 575
esforço para transferir os
(Unicamp), e Vanderlan
de São Carlos (UFScar);
milhões. Ligado aos
resultados de pesquisas,
da Silva Bolzani (Unesp);
em ciências sociais,
Institutos Nacionais
por meio de parcerias
em ciências da Terra,
Bolivar Lamounier, da
de Saúde (NIH), o
público-privadas ou
Cláudio Riccomini (USP),
Augurium Consultoria.
NCATS deverá acelerar
financiamentos para
a transformação de
empresas de base
descobertas científicas
tecnológica. Ele
em medicamentos,
expandirá o portal
diagnósticos e
eletrônico BusinessUSA
instrumentos médicos,
(business.usa.gov)
interagindo com
para facilitar a interação
agências regulatórias,
entre órgãos do governo
instituições acadêmicas
e empresas (Nature
e empresas privadas
Biotechnology).
Vacinação em Patna, Índia: 170 milhões de crianças imunizadas em 2011
Um ano sem pólio na Índia A Índia celebrou o fim de 2011 com uma façanha histórica: nenhum caso de poliomielite (paralisia infantil) registrado ao longo do ano. Foi o resultado de um intensivo programa de vacinação, lançado em 1995, que teve campanhas públicas contínuas e estratégias de comunicação interpessoal que procuravam vencer os preconceitos de quem
acreditava, por exemplo, que a vacina levaria à impotência sexual. Os números impressionam: apenas em 2011, cerca de 900 milhões de doses da vacina oral contra pólio foram administradas e cerca de 170 milhões de crianças com menos de 5 anos foram vacinadas em duas campanhas. Mais de 70 milhões de crianças em áreas de alto risco receberam várias doses.
3
“Esse é um marco, que pode levar à erradicação da pólio no país”, observou Anuradha Gupta, assessora do Ministério da Saúde da Índia. Na década de 1980 a Índia registrava mais de 250 mil casos de pólio em crianças todo ano. A poliomielite continua grassando no Paquistão, na Nigéria e no Afeganistão (Boletim da Unicef, 13 de janeiro).
PESQUISA FAPESP 192 | 13
Tecnociência Calor muda flora de montes As mudanças climáticas
aumentou no pico das
estão alterando
montanhas. A alteração
gradualmente o tipo
é mais evidente
de vegetação presente
justamente nos lugares
no alto das principais
em que os termômetros
montanhas do Velho
mais subiram na
Mundo. As plantas mais
década passada, a mais
adaptadas ao frio estão,
quente desde que se
aos poucos, cedendo
iniciaram os registros
o lugar para as mais
sistemáticos de
acostumadas ao calor,
temperaturas.
num processo denominado
“Os resultados são
termofilização. A
claramente significativos,
conclusão é de um amplo
não estamos falando
estudo feito por uma
de uma só montanha”,
equipe de biólogos de
diz Ottar Michelsen,
13 países europeus
da Universidade
(Nature Climate Change,
Norueguesa de Ciência
8 janeiro de 2012). Os
e Tecnologia, um dos
pequisadores colheram
autores do trabalho.
867 amostras de
“Quando tantas
vegetação retiradas do
montanhas em tantas
Um novo gênero e,
atrás e seus vestígios
topo de 60 elevações
regiões mostram um
ao mesmo tempo, nova
foram resgatados na
situadas em 17 regiões
efeito, é porque se trata
espécie extinta de
formação geológica
montanhosas do
de coisa grande.” Os
crocodilo primitivo
Adamantina. Os
continente, como
dados reforçam o receio
foi descrito por
cientistas acreditam que
os Alpes, os Pireneus,
de que certas espécies
palentólogos do Rio de
o crocodilo era carnívoro.
os Urais e o Cáucaso, em
dos Alpes correm o risco
Janeiro, Minas Gerais e
Na mesma edição do
dois momentos distintos,
de desaparecer ou ao
Reino Unido (Zoological
periódico científico,
em 2001 e 2008.
menos ter suas áreas de
Journal of the Linnean
Alexander Kellner, do
Em apenas sete anos,
ocorrência diminuídas
Society, dezembro de
Museu Nacional da UFRJ,
a proporção de espécies
em razão das mudanças
2011). Encontrado nas
um dos descobridores do
que “gostam de calor”
climáticas.
proximidades da cidade
C. pricei, descreveu, ao
de Presidente Prudente,
lado de outros colegas,
no oeste paulista, o
mais uma nova espécie e
Caryonosuchus pricei
gênero de crocodilo
apresenta uma
extinto, o Labidiosuchus
característica bizarra: na
amicum, encontrado no
parte anterior do crânio
município mineiro de
há protuberâncias com
Peirópolis. O fóssil era de
formas semelhantes à
um réptil que deve ter
de chifres. Segundo os
vivido há cerca de 75
autores do trabalho,
milhões de anos. Não se
esse tipo de estrutura
sabe se ele comia restos
na cabeça nunca foi
de animais e plantas
reportada nesse grupo
ou era onívoro, mas sua
animal. O antigo réptil
dentição denota alguma
deve ter vivido entre 83
capacidade de triturar
e 65 milhões de anos
alimentos.
14 | fevereiro DE 2012
2
Um crocodilo com chifres
fotos 1. KROSSBOW / WIKIMEDIA COMMONS 2. miguel boyayan 3. Nasa ilustraçãO daniel bueno
Floresta de pinheiros nos Alpes italianos: mais espécies vegetais adaptadas ao calor
Dúvidas sobre o passado turbulento da Lua Imagens obtidas pela sonda Lunar Reconnaissance Orbiter (LRO) podem mudar a compreensão de como foi o passado da Lua e de quando se formaram suas crateras, algumas visíveis da Terra a olho nu. Lançada em 2009, a sonda da Nasa capturou imagens muito mais nítidas do que as missões anteriores. As fotos da LRO indicam que as colinas próximas
ao local de pouso da Apollo 17, a última missão tripulada à Lua, se originaram do material ejetado no impacto de um corpo celeste que caiu a 600 quilômetros dali e formou o mar das Chuvas há 3,9 bilhões de anos. Essa é a interpretação de Paul Spudis, do Instituto Lunar e Planetário, no Texas (Journal of Geophysical Research, dezembro de 2011).
Antes se pensava que essas colinas tivessem surgido com a queda do objeto que escavou o mar da Serenidade, bem mais próximo. O que muda? Se Spudis estiver certo, o mar da Serenidade é bem mais novo do que se pensava e o passado da Lua foi menos turbulento: a chuva de corpos celestes teria sido menos intensa e mais espaçada no tempo.
Laser amplificado por gás rubídio Um novo tipo de laser que no lugar de espelhos utiliza um gás como amplificador óptico foi criado pelo professor Philippe Wilhelm Courteille, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com pesquisadores da Universidade Tübingen, na Alemanha. O laser foi obtido a partir do gás rubídio que, aprisionado em uma rede óptica, formou um cristal fotônico. O laser comum se constitui de amplificadores de luz e conjuntos de espelhos que jogam a luz de um lado para o outro, num processo
3
Colinas lunares de 3,9 bilhões de anos cercam o veículo usado pela tripulação da Apollo 17
Combustível de algas Pesquisadores do Bio
metabolizasse essa
de luz se forma espontaneamente se o
Architecture Lab (BAL),
substância. A E. coli –
retorno for eficiente. No experimento feito
de Berkeley, nos Estados
bactéria encontrada
na USP, as ondas estacionárias geradas
Unidos, alteraram
no sistema digestivo
durante o feedback permitem aprisionar
geneticamente a bactéria
de pessoas e alguns
átomos e colocá-los de maneira
Escherichia coli para
mamíferos – transgênica
estruturada no feixe de luz, o que resulta
extrair açúcar de algas
conseguiu não só
no fenômeno da reflexão. O estudo foi
marinhas marrons
processar o alginato, mas
publicado na revista científica Nature
(Science, 19 de janeiro).
também fermentá-lo
Photonics em dezembro.
O grande obstáculo
para produzir etanol. O
para a obtenção de
açúcar concentrado das
biocombustíveis dessas
algas proporciona uma
algas é que as bactérias
quantidade significativa
não metabolizam de
de biomassa, o que
imediato o alginato,
favorece o seu uso
componente das
comercialmente. Outro
algas rico em açúcares.
ponto favorável: as algas
A estratégia dos
são cultivadas no mar
pesquisadores foi
e não disputam espaço
clonar uma enzima
com áreas de plantio
que degradasse e
de alimentos.
contínuo de feedback (retorno). Um feixe
2
Feixe de luz convencional tem sistema de amplificação com espelhos
PESQUISA FAPESP 192 | 15
Fibra óptica na usina Trocar fios de cobre por
colocados sensores
cabos de fibras ópticas é
impressos no núcleo
uma tendência cada vez
da fibra para fazer a
mais presente na área de
medição. A vantagem
telecomunicações. Uma
desses dispositivos é que
das novidades é o uso de
eles são isolantes, não
fibras para o
conduzem eletricidade
monitoramento remoto
como os fios de cobre
de equipamentos de
e, portanto, são imunes
usinas hidrelétricas.
ao campo elétrico
“Usamos a luz [laser]
existente próximo aos
para medir a
geradores e outros
temperatura dos
equipamentos da usina,
geradores da Usina
além de uma fibra
Hidrelétrica de Samuel,
substituir vários fios de
em Rondônia”, diz o
cobre. “O próximo passo
professor Marcelo
é usar, num projeto com
Além do mosquito-palha,
Vera Pereira-Chioccola,
Werneck, do Programa
a Petrobras, as fibras
a leishmaniose visceral
examinou 73 cães
de Engenharia Elétrica
com sensores para medir
pode ser transmitida para
capturados em
do Instituto de Pós-
os gases na exploração
cães e gatos por parasitas
Mirandópolis, no
-graduação e Pesquisa
de petróleo no fundo
como o carrapato-
interior de São Paulo,
de Engenharia (Coppe)
da camada pré-sal, num
-marrom, Rhipicephalus
e constatou que 60
da Universidade Federal
local onde não é possível
sanguineus, e a pulga,
tinham leishmaniose,
do Rio de Janeiro (UFRJ),
usar corrente elétrica
Ctenocephalides felis felis.
40 abrigavam pulgas e
que coordenou o projeto.
em razão do risco de
Em 2005, uma equipe da
quase todos, carrapatos.
Ele explica que são
explosões”, diz Werneck.
Universidade Federal de
Segundo análises de
Minas Gerais apresentou
DNA, a taxa de infecção
essa possibilidade na
pelo protozoário
revista Veterinary
Leishmania, causador da
Parasitology, hipótese
doença, foi de 28% nas
que agora foi reforçada
pulgas e acima de 50%
por uma equipe do
nos carrapatos. Estudos
Instituto Adolfo Lutz
de RNA indicaram que
(Parasitology Research,
havia protozoários vivos
agosto de 2011).
no interior de ninfas de
Fábio Colombo, do
carrapatos retirados
grupo coordenado por
de cães infectados.
2
1
Laser e sensores medem temperatura do gerador da Hidrelétrica de Samuel, em Rondônia
O parasita dos parasitas
Dados dos oceanos em bolas luminosas
SensorBots: flashes azuis transmitem informações do fundo do mar 16 | fevereiro DE 2012
Pequenas bolas translúcidas com sensores e luzes azuis instalados no interior são a nova possibilidade tecnológica para explorar os oceanos, os maiores ecossistemas do planeta. Chamadas de SensorBots, foram desenvolvidas pelo Instituto de Biodesign da Universidade Estadual do Arizona, nos Estados Unidos, e têm a função de captar
dados submarinos e colaborar no entendimento da vida marinha e dos aspectos geológicos, como terremotos e fontes hidrotermais no fundo do mar. Os dispositivos são instalados no fundo do oceano e cabos ligados a eles repõem a energia das baterias. Os pesquisadores liderados pelo professor Deirdre Meldrum acreditam que em breve as bolas
Biossensores detectam o câncer Detectar células tumorais
na superfície das células
os eletrodos. Havendo
presentes no sangue por
cancerosas com o uso de
a detecção do tumor,
meio de um biossensor
corrente elétrica e ácido
uma informação
que não tem contato
fólico, uma vitamina do
eletroquímica é enviada
com a amostra foi a
complexo B. Ele é
a eles mudando a
novidade premiada com
composto por um
informação elétrica
medalha de ouro na
microcanal de polímero
e provocando uma
categoria Tecnologias
e uma camada de silício,
diferença no sinal da
Exatas, da Terra e
onde são assentados os
corrente detectada pelo
Engenharia da Olímpiada
biossensores de ácido
biossensor. “A diferença
USP 2011, promovida pela
fólico, nos quais as
com outros projetos de
agência de inovação da
células cancerígenas
biossensores é que os
Usando feixes de laser e nanopartículas
Universidade de São
se ligam se estiverem
eletrodos não estão
de ouro, pesquisadores da Universidade
Paulo (USP). O dispositivo,
presentes na solução
em contato direto com
de Munique, na Alemanha, desenvolveram
com alguns poucos
(plasma do sangue)
a solução”, explica
uma estratégia para detectar sons
centímetros, utiliza
que passa dentro do
Emanuel Carrilho, do
normalmente inaudíveis ao ouvido
métodos bioquímicos
microcanal. Em uma
Instituto de Química
humano. E a apelidaram de nano-ouvido.
e eletroquímicos para
terceira camada, feita
de São Carlos da USP,
Com os feixes de laser de um microscópio
reconhecer as moléculas
de vidro, estão instalados
coordenador do projeto.
fotos 1. Eletrobras Eletronorte 2. Universidade Estadual do Arizona 3. Martineric / Wikimedia Commons ilustraçãO daniel bueno
O ouvido que capta sons inaudíveis
(técnica chamada pinça óptica), eles aprisionaram uma partícula de ouro de 60 nanômetros de diâmetro. Depois
3
mediram o quanto vibrações acústicas emitidas por objetos microscópicos deslocavam a nanopartícula de ouro da posição em que originalmente se encontrava (Physical Review Letters, janeiro de 2012). O nano-ouvido é um milhão de vezes mais sensível que o ouvido humano. De acordo com os pesquisadores, poderia ser usado para para captar ondas sonoras emitidas por
Prova de longo percurso: risco de parada cardíaca em maratona não é maior do que em corrida casual
vírus, bactérias e outros microrganismos, uma vez que as pinças ópticas não danificam material biológico, e também para investigar o movimento de máquinas microscópicas.
Coração aguenta maratona azuis poderão ser controladas remotamente. A transmissão de informações de cada SensorBot pode ser feita por meio de captação dos flashes das luzes internas por uma câmara situada no fundo do oceano, numa espécie de código Morse visual. A câmara capta os sinais para posterior decodificação num barco na superfície.
Correr os 42,2
11 milhões de pessoas
esporadicamente. No
quilômetros de uma
que participaram de
total foram registradas
maratona não aumenta
maratonas ou meias-
59 paradas cardíacas
o risco de sofrer parada
-maratonas nos Estados
(42 fatais) nas
cardíaca. Pelo menos,
Unidos entre 2000 e
maratonas e meias-
não mais do que outros
2010. Acreditava-se que
-maratonas. A maioria
esportes, segundo Aaron
o risco de sofrer parada
das pessoas cujo coração
Baggish, do Hospital
cardíaca durante as
parou de bater nas
Geral de Massachusetts,
provas fosse muito alto.
provas tinha problemas
nos Estados Unidos.
Mas isso não foi
cardíacos preexistentes
A equipe de Baggish
observado. O trabalho
e não diagnosticados
analisou todos os casos
mostrou que o risco é,
(New England Journal
de parada cardíaca
no máximo, igual ao de
of Medicine, janeiro
registrados entre os
quem faz triatlo ou corre
de 2012).
PESQUISA FAPESP 192 | 17
capa
Peso: 154g Neur么nios: 69 bi Outras c茅lulas: 16 bi
CEREBELO
anatomia
antropologia
Recontagem de neurônios põe em xeque ideias da neurociência texto
Ricardo Zorzetto
N
fotos
Leo Ramos
a tarde da quarta-feira 11 de janeiro, os pesquisadores Frederico Casarsa de Azevedo e Carlos Humberto Moraes executavam uma tarefa pouco comum para neurocientistas. Cobriam uma estante de alvenaria com cartolina branca, para esconder a janela ao fundo, limpavam uma mesa de granito e removiam recipientes de vidro, pipetas e reagentes para uma bancada ao lado, já ocupada por mais vidros, pipetas e reagentes. Eles preparavam o laboratório chefiado pelo médico Roberto Lent na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para uma sessão de fotos e filmagens. Desejavam registrar em detalhes o funcionamento de uma máquina que começaram a criar sete anos antes e que agora ficou pronta: o fracionador celular automático, que eles pretendem patentear. E o cenário não podia atrapalhar. O equipamento de nome complicado e quase um metro de altura é uma espécie de triturador tamanho família. Tem motores elétricos que fazem girar a 400 voltas por minuto seis pistões plásticos presos a uma base móvel. Cada pistão funciona mergulhado em um recipiente de vidro contendo amostras de tecido cerebral banhadas em uma solução com detergente. Uma vez acionado o fracionador, seus pistões agitam o líquido incolor criando turbilhões que desfazem as amostras. Duas horas mais tarde, pedaços de tecido cerebral estão dissolvidos em uma mistura leitosa. É o que os pesquisadores apelidaram carinhosamente de suco de cérebro. A máquina em teste no Laboratório de Neuroplasticidade do Instituto de Ciências Biomédicas
(ICB) da UFRJ é uma versão turbinada de um fracionador bem mais simples – um tubo e um pistão, ambos de vidro, acionados manualmente – que Lent e a neurocientista Suzana Herculano-Houzel usam desde 2004 para desmanchar pedaços de cérebro e contar suas células. Criada por eles próprios, essa técnica vem permitindo conhecer com mais precisão algo que já se imaginava sabido: quantos neurônios existem no cérebro e nos outros órgãos do encéfalo, que ficam abrigados no crânio. Hoje se sabe, em parte graças ao trabalho do grupo do Rio, que há 86 bilhões de neurônios no cérebro humano, e não os 100 bilhões de que se falava anos atrás. Também se pode afirmar com mais segurança que esses neurônios estão acompanhados de 85 bilhões de células da glia, o outro tipo de célula que compõe o cérebro. Um número bem inferior ao trilhão anunciado antes. Não são apenas detalhes. Verificar com mais exatidão quantas são e onde estão as células cerebrais é importante para compreender como o cérebro funciona e tentar conhecer as estratégias adotadas pela natureza para construir um órgão tão complexo que, no caso humano, permitiu surgir a mente autoconsciente. Também pode ajudar a identificar características que distinguem um cérebro normal de outro doente. Mas olhar só para o número de células não é suficiente para desvendar um dos mais intrigantes e fascinantes órgãos do corpo. Hoje a neurociência considera o cérebro bem mais que uma coleção de neurônios, células que se comunicam
fisiologia
neurologia
PESQUISA FAPESP 192 | 19
Fracionador turbinado: transforma pedaços de cérebro em uma sopa de núcleos de neurônios
do até por quem não é especialista, esse número circula em artigos científicos e livros didáticos há quase 30 anos. O próprio Lent tem um livro, publicado em 2001 e adotado em cursos de graduação, com o título Cem bilhões de neurônios. a origem
por meio de eletricidade. Tão ou mais importante quanto o total de neurônios são as conexões efetivas que eles estabelecem entre si, criando redes que processam a informação de forma distribuída, segundo o neuroanatomista italiano Alessandro Vercelli, da Universidade de Turim. “O número, o padrão e a qualidade dessas conexões variam no espaço e no tempo”, conta Martín Cammarota, neurocientista da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, que estuda a formação e a evocação das memórias. “Ter mais neurônios ou menos neurônios não necessariamente torna um indivíduo mais inteligente que outro ou uma espécie mais inteligente que outra”, diz. Apesar dessas considerações, os resultados que Suzana e Lent colecionam desde 2005 os levaram a questionar algumas ideias tidas como verdades absolutas a respeito da composição e da estrutura do cérebro. No ano passado, Lent considerou que os dados gerados pelo seu grupo e o de Suzana já eram consistentes o suficiente para serem consolidados em uma crítica mais direta. Com três pesquisadores de seu laboratório, ele escreveu a revisão publicada em janeiro no European Journal of Neuroscience na qual afirma que ao menos quatro conceitos básicos da neurociência precisam ser repensados. O primeiro dogma discutido no artigo é o de que o cérebro humano e o restante do encéfalo têm, juntos, 100 bilhões de neurônios. Conheci-
20 | fevereiro DE 2012
1º dogma Há 100 bilhões de neurônios no cérebro humano
Esse livro, a propósito, está de certo modo na origem das dúvidas que motivaram os pesquisadores da UFRJ a investigar quantas células há no cérebro. Pouco antes de seu lançamento, Suzana havia iniciado um estudo para avaliar o conhecimento de estudantes de ensino médio e universitário sobre neurociência. Uma das 95 afirmações que eles tinham de dizer se estava certa ou errada era: usamos apenas 10% do cérebro. Quase 60% dos 2,2 mil entrevistados responderam que, sim, estava correta. Essa afirmação – incorreta, pois usamos todo o cérebro o tempo todo – decorre de outra, apresentada em 1979 pelo neurobiólogo canadense David Hubel, que recebeu o Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1981. Hubel afirmava haver no cérebro 100 bilhões de neurônios e 1 trilhão de células da glia. Repetida em outras publicações, a informação se disseminou. Como os neurônios são as unidades processadoras de informação – e representariam só um décimo das células cerebrais –, concluiu-se que os outros 90% do cérebro não seriam usados quando se caminha, planeja uma viagem ou dorme. O resultado incomodou Suzana, que buscou na literatura científica a fonte original desses números e não encontrou. Ela, que havia colaborado para o livro de Lent, levou a dúvida para ele: “Como você sabe que são 100 bilhões de neurônios?”. Ao que Lent respondeu: “Ora, todo mundo sabe, todo livro diz isso”. Muitos artigos e livros traziam a informação. Mas não diziam de onde a haviam extraído. “Eram dados aparentemente intuitivos que se consolidaram e as pessoas citavam sem pensar muito”, comenta Lent. Um dos motivos pelo qual não se encontram facilmente esses números é que não é simples contar as células cerebrais. Além de ser um órgão grande – o cérebro humano tem cerca de 1.200 gramas e o encéfalo, 1.500 –, sua arquitetura é complexa. Áreas distintas contêm concentrações variadas de células e a técnica então disponível para contá-las, a estereologia, só funciona bem para regiões pequenas, com distribuição celular homogênea. Sua aplicação na contagem das células cerebrais gerava estimativas pouco confiáveis, que variavam até 10 vezes para algumas regiões e deixavam o cérebro humano com algo entre 75 bilhões e 125 bilhões de neurônios. À época recém-contratada pela UFRJ, Suzana contou a Lent que tinha uma ideia “ousada e meio maluca” de como contar neurônios, mas não tinha laboratório. E ele a convidou para trabalharem
juntos. A proposta de Suzana era simples: tornar homogêneas as regiões cerebrais antes de contar suas células. Como? Desmanchando as células. A principal razão da heterogeneidade do encéfalo é que as células e o espaço que as separam variam de tamanho. Ao dissolver as células, a questão estaria resolvida, contanto que fosse possível preservar seus núcleos – a porção mais central, que abriga o DNA. Como cada célula cerebral possui um só núcleo, a conta fica simples. A soma dos núcleos daria o total de células. Corantes que marcam apenas os neurônios permitiram em seguida distingui-los de outras células cerebrais. Usando compostos químicos que preservam as estruturas das células, Suzana conseguiu destruir apenas a membrana externa sem danificar o núcleo e, com Lent, descreveu a técnica em 2005 no Journal of Neuroscience. “É um método inteligente, simples e fácil de usar e replicar”, comenta Vercelli. “Eu me pergunto por que não pensei nisso antes.” Na opinião de Zoltan Molnar, neurocientista da Universidade de Oxford, na Inglaterra, foi um avanço importante. “A genômica, a transcriptômica e a proteômica são áreas quantitativas e acuradas que progrediram muito, enquanto nós, anatomistas, permanecemos na idade das trevas. Não desenvolvemos métodos que possam medir o número, a densidade e variações na arquitetura das células”, diz. O primeiro teste foi com cérebros de ratos. O total de células do encéfalo foi 300 milhões, dos quais 200 milhões eram neurônios. Diferentemente do esperado, só 15% deles estavam no cérebro, a parte mais volumosa. A maior parte (70%) se encontrava em um órgão menor na região posterior do crânio: o cerebelo.
Era assim nos ratos. Mas e nas outras espécies? Suzana em seguida analisou o cérebro de outros cinco roedores (camundongo, hâmster, cobaia, paca e capivara). Como já se sabia, quanto maior o animal, maior o cérebro e o número de neurônios. O camundongo, com apenas 40 gramas, é o menor deles e tem 71 milhões de neurônios armazenados em um cérebro de 0,4 grama. Quase 1,2 mil vezes mais pesada, a capivara tem um encéfalo 183 vezes maior (76 gramas), mas só 22 vezes mais neurônios (1,6 milhão). o cérebro humano
2º dogma O número de células da glia é 10 vezes maior que o de neurônios
Sob a orientação de Suzana e Lent, o biólogo Frederico Azevedo fez a contagem das células em cérebros humanos. Antes, no entanto, teve de adaptar a técnica. “O que funcionava para os roedores não dava certo com humanos”, conta. Foram meses até descobrir que o problema estava na maneira de fixar o tecido antes de fracioná-lo. Quando o cérebro passava tempo demais mergulhado em compostos que evitam sua deterioração, o pesquisador não conseguia corar os neurônios para depois contá-los ao microscópio. Frederico fracionou à mão as amostras do cérebro de quatro pessoas (com idade entre 50 e 71 anos), cedidos pelo banco de cérebros da Universidade de São Paulo (USP). “Foi nessa época que comecei a pensar em uma forma de tornar esse trabalho automático”, diz o biólogo, que faz doutorado no Instituto Max Planck, na Alemanha. A contagem das células revelou que o cérebro humano tem, em média, 86 bilhões de neurônios. Esse número é 14% menor que o estimado antes e próximo ao proposto em 1988 por Karl Herrup, da Universidade Rutgers. “Há quem diga que a diferença é pequena, mas discordo”, diz Suzana.
Onde estão os neurônios massa branca Peso 294 g Neurônios 1,3 bi Outras células 19,9 bi
massa cinzenta
Cérebro
Peso 316 g Neurônios 6,2 bi Outras células 8,7 bi
fonte roberto lent / ufrj
Peso 1.230 g Neurônios 16 bi Outras células 61 bi
Demais regiões
Cerebelo
total
Peso 118 g Neurônios 0,7 bi Outras células 7,7 bi
Peso 154 g Neurônios 69 bi Outras células 16 bi
Peso 1.508 g Neurônios 86 bi Outras células 85 bi PESQUISA FAPESP 192 | 21
“Ela corresponde ao cérebro de um babuíno ou a meio cérebro de um gorila, um dos primatas evolutivamente mais próximos dos seres humanos”, explica a neurocientista, chefe do Laboratório de Neuroanatomia Comparada do ICB-UFRJ. Cauteloso, Lent comenta: “Não podemos afirmar que esses números são representativos da espécie humana. É provável que sejam representativos de adultos maduros.” Ou nem isso, já que foram analisados apenas quatro cérebros. Nos mais jovens também pode ser diferente. “Quem sabe indivíduos na faixa etária dos 20 anos não tenham 100 bilhões de neurônios, que perdem com o tempo?”, questiona o pesquisador. Seu grupo agora estuda o cérebro de pessoas mais jovens e compara cérebros de homens e mulheres. Enquanto não responde essa questão, Lent alterou o título da segunda edição de seu livro, publicada em 2010, para Cem bilhões de neurônios?, com um ponto de interrogação no final. o cerebelo
Assim como nos roedores, a maior parte desses neurônios não está no cérebro, mas no cerebelo. O cérebro – mais especificamente o córtex cerebral, até pouco tempo atrás considerado o principal responsável por funções cognitivas como atenção,
memória e linguagem – é a parte do encéfalo que mais se agigantou ao longo da evolução. No caso humano, tem 1.200 gramas e ocupa mais da metade do crânio, mas abriga apenas 16 bilhões de neurônios. Já o cerebelo, com seus 150 gramas, tem 69 bilhões (ver infográfico na página 21). Como então se explicam tamanhos tão diferentes para esses órgãos? A resposta é múltipla. Primeiro, o cérebro tem menos neurônios que o cerebelo, mas quase quatro vezes mais outros tipos celulares, como as células da glia. Essas células, antes consideradas apenas suporte físico dos neurônios, desempenham outras funções essenciais: auxiliam na transmissão dos impulsos, nutrem os neurônios e defendem o sistema nervoso central de microrganismos invasores. E, claro, ocupam espaço. Em segundo lugar, cérebro e cerebelo são formados por tipos diferentes de neurônios, que se conectam de modo distinto. Com esse trabalho, o grupo do Rio constatou também que a evolução não privilegiou só o desenvolvimento do cérebro. Entre os mamíferos, a classe de animais a que pertencem os seres humanos, cérebro e cerebelo ganharam neurônios no mesmo ritmo. Esse resultado, segundo Vercelli, corrobora o de pesquisas indicando que o papel do cerebelo não se restringe ao controle dos mo-
3º dogma O cérebro humano é mais complexo que o de outros primatas
O cérebro e as habilidades
Homo sapiens Volume craniano 1.200 cm3 Neurônios 86 bi
Homo ergaster Homo habilis Ardipithecus ramidus Proconsul heseloni
Volume craniano 600 cm3 Neurônios 46 bi
Volume craniano 900 cm3 Neurônios 60 bi
Volume craniano 300 cm3 Neurônios 25 bi
Volume craniano 170 cm3 Neurônios 13 bi
Aegyptopithecus zeuxis
Arborícola e bípede
Volume craniano 30 cm3 Neurônios 2,5 bi
Terrestre e bípede. Caçador-coletor, capaz de construir abrigos e usar o fogo
Terrestre e bípede. Produzia ferramentas machados e clavas
Arborícola, terrestre e bípede
Arborícola e quadrúpede
30 milhões de anos atrás
22 | fevereiro DE 2012
20 a 17
4,4
2,7
a
1,8
a
1,2
0,16 hoje
fonte roberto lent / ufrj
Arborícola e quadrúpede
vimentos. Ele é fundamental para o aprendizado, a memória, a aquisição da linguagem e o controle do comportamento e das emoções. “Cada vez mais se mostra que o cerebelo participa de processos que antes associávamos apenas ao córtex cerebral”, comenta Herrup, da Rutgers.
4º dogma Os módulos (agrupamentos de células) do cérebro contêm o mesmo número de neurônios
Com base nessa regra e no volume do crânio, Suzana e o neurocientista Jon Kaas, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, publicaram em 2011 na Brain, Behavior and Evolution a estimativa do número de células cerebrais de outros nove hominídeos. Como era de esperar, a espécie que mais se aproxima da humana (Homo sapiens) em termos de número de neurônios é a dos neandertais as estratégias Desde que desenvolveu a técnica, Suzana já a (Homo neanderthalensis), que habitaram de 300 mil aplicou para estudar o encéfalo de 38 espécies a 30 mil anos atrás a região onde hoje é a Europa. de mamíferos e verificou que, nos últimos 90 mi- Eles teriam 85 bilhões de neurônios, segundo a eslhões de anos, a natureza adotou ao menos duas timativa de Suzana e Kaas. Com auxílio do bioanestratégias de construir cérebros. Uma para os tropólogo Walter Neves, da USP, Lent ampliou a projeção para outras espécies de primatas que roedores e outra para os primatas. Nos roedores, o aumento no número de neu- integram a superfamília dos hominídeos e calcula rônios no encéfalo ocorre em escala logarítmica. que os neandertais podem ter tido 100 bilhões de De modo geral, à medida que o tamanho da es- neurônios (ver infográfico na página 22). Outro dogma em questão é o de que o total de pécie aumenta, o encéfalo se torna maior e o núcélulas da glia supera em 10 mero absoluto de neurônios vezes o de neurônios – origem também. Mas quanto maior da ideia de que só se usam 10% o roedor, proporcionalmente do cérebro. “Essa taxa elevada menos neurônios ganha. Já ende células da glia era ensinada tre os primatas, que incluem nos livros didáticos, embora macacos e seres humanos, o experimentos já indicassem aumento é linear: o número de O tamanho das que a proporção era de 1 paneurônios cresce proporciocélulas da glia ra 1”, conta Helen Barbas, da nalmente ao volume cerebral. Universidade de Boston. “Houve uma transição abrupta permaneceu Mais do que o número de entre os mamíferos inferiores, células da glia – são 85 bilhões como os roedores, e os supeconstante ao nos seres humanos, mais conriores, como os primatas”, comenta Vercelli. Essa mudanlongo da evolução, centradas no cérebro que no cerebelo –, o que mais surpreença, segundo Lent, permitiu ao enquanto o dos cérebro dos primatas agrupar deu Suzana é o fato de que mais neurônios num volume elas praticamente não sofreneurônios variou menor e acumular mais céluram mudanças morfológicas las que o dos roedores. durante a evolução. O tamaaté 250 vezes nho delas é quase constante Esse padrão de desenvolentre os primatas, enquanto o vimento encefálico dos primatas levou Suzana e Lent a questionarem outra dos neurônios varia 250 vezes. “O funcionamento ideia em vigor há quase 40 anos: a de que o cére- das células da glia deve estar ajustado de modo bro humano seria excepcionalmente grande. Em tão fundamental que a natureza eliminou qual1973 o paleoneurologista norte-americano Harry quer mudança que tenha surgido”, comenta. Espera-se que mais resultados instigantes surJerison afirmou que nosso cérebro tinha sete vezes o tamanho esperado para o de um mamífero jam à medida que a técnica brasileira se difunde 70 quilos. A neurocientista Lori Marino diria da. “Se for empregada amplamente, ela poderá mais tarde que ele era grande até mesmo para um simplificar o processo tedioso de contagem de primata. Com 1.500 gramas, o encéfalo humano é células cerebrais”, diz Herrup. Talvez mais horas o maior de todos os primatas – o gorila, o maior sejam poupadas se a versão turbo do fracionador primata, pesa 200 quilos e tem um encéfalo de for tão eficiente quanto se espera. n 500 gramas. Mas essa ideia parte do princípio de que o tamanho do corpo seria um bom indicador das dimensões do cérebro. Parece que não é. Artigos científicos Quando se deixa a massa corporal de lado e 1. LENT, R. et al. How many neurons do you have? Some dogmas of quantitative neuroscience under revision. se analisa o número de células, nota-se que o European Journal of Neuroscience. v 35 (1). jan. 2012. cérebro humano não foge ao padrão dos prima2. HERCULANO-HOUZEL, S.; LENT, R. Isotropic tas. “Nosso cérebro tem a quantidade de células fractionator: a simple, rapid method for the quantification of esperada para um primata com esse tamanho”, total cell and neurons in the brain. Jornal of Neuroscience. v. 25(10), p. 2.518-21. 9 mar. 2005. afirma Suzana. PESQUISA FAPESP 192 | 23
entrevista Rajendra Pachauri
O homem do clima Presidente do IPCC fala de suas batalhas à frente da instituição Carlos Fioravanti
A
o longo de 10 anos, desde que foi eleito para a presidência do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o indiano Rajendra Pachauri tem enfrentado batalhas difíceis. Em 2007 ele teve de encarar o ceticismo do mundo ao demonstrar, com sua equipe, que as alterações climáticas poderiam ser causadas pelas atividades humanas, mas em dezembro desse mesmo ano, em vista de seus avanços, ele dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore. O prêmio lhe deu fôlego para, na batalha seguinte, responder às críticas severas que chegaram do mundo todo quando as previsões dos cientistas do IPCC não se mostraram exatas. Sua batalha mais recente é a da comunicação. Ele pretende fazer com que os resultados científicos do IPCC cheguem não só a cientistas, mas também a públicos mais amplos, ainda que receba questionamentos – sempre bem-vindos, ele diz, quando “justos e objetivos”. Para facilitar essa interação é que o jornalista Jonathan Lynn, depois de trabalhar 32 anos como correspondente internacional da agência de notícias Reuters, assumiu em 1º de dezembro de 2011 o cargo então recém-criado de coordenador de comunicação – e logo depois embarcou com a equipe do IPCC para a 17ª Conferência das Partes (COP-17) da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Durban, na África do Sul. Vista inicialmente com muitas dúvidas, a COP-17
24 | fevereiro DE 2012
PESQUISA FAPESP 192 | 25
paul grover / rex features
terminou com inesperado acordo global para a redução da emissão de gases do efeito estufa. Pachauri empenha-se também em motivar os governantes e formuladores de políticas públicas a agirem de modo a amenizar os impactos dos eventos climáticos extremos, como secas, deslizamentos e inundações intensas, que atingem milhões de pessoas em todo o mundo. No documento mais recente elaborado com o propósito de fortalecer as políticas públicas, distribuído em novembro do ano passado, os especialistas do IPCC propõem formas de gerenciamento de riscos de desastres naturais, que, eles alertam, podem ser influenciados pela variabilidade climática natural ou induzidos pelo ser humano. O presidente do IPCC agora está convencido de que propostas de ação como essa têm de ser debatidas continuamente até que possam ser aperfeiçoadas e implantadas. “Acho que estamos na direção certa”, observou. Nascido em 1940, Pachauri estudou engenharia mecânica na Índia e nos Estados Unidos, onde foi professor. Voltou para a Índia em 1975 e desde 1982 dirige o Instituto de Recursos e Energia (Teri), uma organização independente sediada em Nova Délhi, com cerca de 900 funcionários, que persegue o uso sustentável de fontes naturais de energia. Desde 2001, é também conselheiro do primeiro-ministro da Índia. Vegetariano, Pachauri deve vir em junho para participar da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a ser realizada de 20 a 22 de junho no Rio de Janeiro. Na entrevista a seguir ele fala do Brasil e de suas prioridades à frente do IPCC.
Rio+20, em junho deste ano, tome importantes decisões para o desenvolvimento sustentável no mundo. Qual sua impressão sobre a participação política e científica do Brasil nos debates sobre mudanças climáticas? Acompanho a participação política apenas indiretamente, por leituras. Conheço melhor a parte científica. Tenho visto com satisfação que no IPCC os pesquisadores brasileiros têm feito contribuições muito importantes. Há muita pesquisa sobre mudanças climáticas sendo feita no Brasil, e isso é muito bom. O Brasil é uma economia emergente, que ganha
compromissos são reais? Não sei. Acordos desse tipo já foram feitos antes, mas são muito difíceis de implementar.
destaque no cenário mundial, e tem muita experiência, muito conhecimento científico, na produção de bioetanol.
Quais são as prioridades atuais do IPCC? Nossa tarefa mais importante é completar o quinto relatório, que deve estar pronto em 2014. Outra prioridade é implantar uma estratégia de comunicação melhor do que a que tínhamos feito até agora. Isso é porque eu acho que conversar com representantes dos meios de comunicação como você é muito importante. Não é o suficiente produzir informação de alta qualidade, temos também de fortalecer as mensagens de nossos achados científicos. Em maio do ano passado, o IPCC anunciou que iria melhorar a acuracidade científica e as estratégias de comunicação. O que aconteceu depois? Temos agora um chefe do departamento de comunicação [Jonathan Lynn]. É uma posição que criei recentemente e deve nos ajudar bastante. O IPCC ainda está sendo criticado? Não sei. Você é que pode me contar sobre isso. A ciência só avança quando é questionada, caso contrário, não desenvolve novas metas, mas os questionamentos têm de ser justos e objetivos.
E os Estados Unidos? O ceticismo sobre as mudanças climáticas tão presente durante os anos do governo Bush terminou? Posso apenas falar da contribuição científica dos Estados Unidos, que tem sido realmente impressionante. A colaboração dos cientistas norte-americanos tem sido de alto nível, eles são um dos que mais têm contribuído para o conhecimento nessa área. A COP-17 terminou em dezembro com um acordo global para a redução de gases do efeito estufa. A seu ver, esses
De acordo com o Daily Climate, uma publicação de uma organização não governamental dos Estados Unidos, a Environmental Health Sciences, a cobertura mundial da imprensa sobre mudanças climáticas caiu 20% em 2011, em comparação com 2010. A seu ver, o que esse resultado significa? Há coberturas boas e ruins, não sei qual caiu. Se foi a ruim, não me importo. A qualidade da cobertura jornalística é também tão importante quanto a magnitude da cobertura. Você poderia ter uma pequena quantidade de boa cobertura ou uma quantidade elevada de co-
Todos têm de estar interessados em mudanças climáticas, por causa dos impactos econômicos e sociais
Este ano teremos a Rio+20. Quais os desafios desse encontro, a seu ver? Não será um encontro apenas sobre mudanças climáticas, mas também sobre ambiente, pobreza, biodiversidade, tudo está conectado, claro. Espero que a 26 | fevereiro DE 2012
John McConnico / AP / Glowimages
Al Gore e Pachouri felizes depois de terem ganho o Nobel da Paz de 2007
bertura não tão boa. Temos de olhar a qualidade também.
A terra em transformação Temperatura média da superfície global (em ºC)
14,5
14,0
13,5
Nível do mar média global (em mm)
50 0 -50 -100 -150
Cobertura de neve no hemisfério Norte (em milhões de km2)
40 36 32
1850 fonte IPCC
1900
1950
2000
Em novembro o IPCC distribuiu o estudo Managing the risks of extreme events and disasters to advance climate change adaptation (SREX). Esse trabalho já alcançou os formuladores de políticas públicas, de modo a realmente evitar os efeitos dos desastres naturais? Tentamos fazer o melhor possível. Ainda temos muitas atividades planejadas, porque esse trabalho precisa ser disseminado continuamente, não em um ou dois dias. Espero que os formuladores de políticas públicas realmente entendam e aproveitem esse conhecimento que oferecemos. Muitas vezes, no Brasil, os políticos parecem não estar muito interessados em estudos científicos. Quando falamos de eventos climáticos extremos e desastres naturais, todos têm de estar interessados, tanto os políticos quanto a sociedade civil... por causa dos impactos sociais e econômicos. Todos deveriam estar interessados. Vejo os efeitos dramáticos dos desastres naturais em todo o mundo, e há milhares, por vezes milhões de pessoas atingidas. Creio que os políticos estão preocupados sim. Parece que as mudanças climáticas são muito mais graves em países em desenvolvimento como a Índia, onde o senhor
vive, ou o Brasil, por causa da falta de dinheiro e de conexões institucionais... Você está certo. Nos países em desenvolvimento não temos instituições capacitadas para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Não temos sistemas adequados de alarme de desastres naturais, muitas vezes falta também infraestrutura. Como o instituto Teri, que o senhor dirige, e o governo da Índia estão lidando com esses problemas? Estamos trabalhando em projeções dos impactos das mudanças climáticas, assegurando que as pessoas sejam capazes de se adaptar melhor aos impactos. Estamos também trabalhando em medidas de mitigação, mostrando como usar as atuais fontes de energia de modo mais eficiente e como ampliar o uso de energias renováveis. Estamos trabalhando com governo, instituições de pesquisa, empresas e sociedade civil, todos têm de se envolver para resolver os problemas causados pelas mudanças climáticas. Essa estratégia de trabalho coletivo está funcionando? Está sim. Lentamente, porque há muito por ser feito. Temos de dar um passo por vez. Acho que estamos nos movendo na direção certa. Em 2012 o senhor completa 10 anos como presidente do IPCC. O que mudou em sua vida nesse período e em sua visão de mundo nesses 10 anos? Estou muito mais convencido da importância das mudanças climáticas, porque agora temos bastante informação científica. Quando assumi o IPCC, tentei trazer algumas mudanças. Durante 17 anos, de 1988 a 2005, apenas cinco pessoas trabalhavam na secretaria geral de uma organização mundial como essa. Era um grupo muito pequeno, para fazer coisas absolutamente essenciais. Dobramos esse número, porque concluímos que agora precisamos nos comunicar com o mundo de fora muito melhor que antes. Temos também de lidar com um número alto de atividades e pesquisadores de todo o mundo. A secretaria geral está agora muito mais eficiente para fazer todas essas coisas. Todos estamos aprendendo todo o tempo, para fazer o melhor possível. n PESQUISA FAPESP 192 | 27
política _ C enários de energia
Biorrefinarias do futuro Estudos revelam previsões sobre a participação do etanol na agricultura e na matriz de combustíveis Texto
Marcos de Oliveira
O
infográficos
Tiago Cirillo
futuro da produção de etanol parece ser mais promissor que todas as previsões feitas até aqui. Segundo um estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), será possível suprir em 20 anos toda a frota de automóveis do mundo com o etanol e a eletricidade produzidos nas usinas de cana-de-açúcar. “Isso pode ser feito utilizando-se o etanol e a eletricidade de forma mais eficiente com veículos mais econômicos”, diz Sergio Pacca, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste, na capital paulista, responsável pelo estudo junto com o professor José Roberto Moreira, do Instituto de Eletrônica e Energia, da mesma universidade, ambos autores do artigo “A biorefinery for mobility?”, publicado em outubro de 2011 na revista Environmental Science & Technology. O resultado a que chegaram se baseou nas frotas de automóveis do Brasil e dos Estados Unidos. Para que a cana forneça tanto o etanol como a eletricidade, eles calcularam que o ideal seria existir em 2030 uma proporção de 33% de carros elétricos e 67% de híbridos, automóveis com motores a etanol supereficientes, que façam 15 quilômetros com um litro de álcool, e motores elétricos alimentados pela energia gerada pelo motor a etanol e na frenagem do veículo, semelhante ao Prius, da Toyota. Eles partiram do fato de que cada carro norte-americano roda 20 mil quilômetros por ano e cada carro brasileiro, 12 mil. Assim, seria suficiente um hec28 fevereiro DE 2012
tare de cana para 9,2 veículos nos Estados Unidos e a mesma área para 11,6 veículos no Brasil, desde que mantida a mesma proporção de tipos de carros. Como alternativa, todos os carros dos dois países poderiam ser do tipo híbrido plug in, com baterias para serem recarregadas em uma tomada e um motor a etanol que entra em ação quando as baterias se descarregam, como o Volt, da GM. O estudo leva em conta a tecnologia atual de produção que poderia ser utilizada por todas as usinas para aumentar a geração de bioeletricidade. Eles também preveem o uso de 50% da palha deixada hoje no campo para a produção de energia elétrica. Assim, acreditam que seria possível atingir 90 litros de etanol por tonelada de cana (l/TC), hoje a média é de 83 l/TC, e utilizar apenas 4% da área cultivada do planeta. O cenário dos pesquisadores da USP é feito sem a perspectiva da segunda geração do biocombustível, que está em desenvolvimento, quando, além do caldo da cana utilizado hoje, se pretende usar o bagaço e a palha para fazer etanol. A conta que fazem para o setor produtivo de etanol no Brasil em 2030, mantida a proporção de 33% de carros elétricos (cerca de 12 milhões de veículos) e 67% de híbridos (20 milhões), prevê o uso de 2 milhões de hectares de cana para fabricar álcool, ante os 8 milhões atuais (metade usada para produzir etanol e a outra para fazer açúcar), com a produção de 16,3 bilhões de litros, cerca de 8 bilhões a menos que a produção da safra 2010/2011, de 25 bilhões de litros. A área plantada de
Cenário provável da produção agrícola em 2022 8,1
10,5 milhões de hectares
21,5 14,2
31,1
2,8
203,9 milhões de hectares
14,4
2009
3,1
199,9
969 639,3
Cana-de-açúcar Produção t/ano
2009
Soja
2022
98,1 57,6
Produção t/ano
fonte Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (icone)
Milho Produção t/ano
2009
50,3 2009
Arroz 12,5 Produção t/ano
2009
2022
10,2 2009
Produção de etanol (em bilhões de litros)
66,4 2022
14,7
29
2022
2009
Pastagens Produção de carne t/ano
2022
12,3 2022
2022
R$ 0,90 Preço médio/ano R$/litro
53,8
2009
R$ 1,37 2022 pESQUISA FAPESP 192 29
Três cenários para as biorrefinarias 92,8 kWh
energia elétrica
1
Etanol
25,3
2
R$
222 mi
energia elétrica
Etanol
31,6
bilhões de litros
Investimento
72,7 kWh
energia elétrica
R$
Investimento
329 mi
cana diminui porque crescerá a eficiência na produção e os carros dependentes do etanol serão mais eficientes. Dentro do cenário que descrevem, seriam produzidos 23 terawatt-hora (TWh) por ano com a queima do bagaço e da palha apenas para impulsionar os carros elétricos do país. O excedente de energia elétrica, hoje comercializado, deixaria de existir.
Menos otimistas em relação à bioeletricidade estão os pesquisadores do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE) de Campinas (SP). Em colaboração com a Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), eles elaboraram o artigo “Second generation ethanol in Brazil: can it compete with electricity production?”, publicado na revista científica Bioresource Technology em outubro de 2011. Eles analisam a influência da segunda geração na produção de etanol. São três projeções que incluem o uso da energia elétrica gerada na usina e as futuras tecnologias de hidrólise da celulose e da hemicelulose, componentes do bagaço. “Desenvolvemos simulações computacionais para acompanhar as diferentes rotas de aproveitamento da produção. Fizemos planilhas que calculam os riscos e valores mais prováveis de acontecer ou não”, explica Antonio Bonomi, diretor de avaliação tecnológica do CTBE. Um dos cenários propostos pelos pesquisadores como modelo de biorrefinaria atual baseado na cana está a otimização da primeira geração, a que se faz hoje sem o uso do bagaço para produzir álcool. “A primeira atitude seria o aproveitamento de 50% da palha. Hoje ficam no campo quase 100% de folhas durante a colheita. Há algum tempo queimavam-se todas antes dessa etapa. Agora começa a sobrar palha no campo. Aí forma-se um colchão, o que dificulta a máquina
30 fevereiro DE 2012
36,6 bilhões de litros
Investimento
Segunda geração (2G) 1G mais hidrólise enzimática da celulose do bagaço com tecnologia ainda em desenvolvimento
Pacca acredita que para esse cenário dar certo seriam necessários planos de políticas públicas com incentivos fiscais a quem comprar carros híbridos, elétricos ou plug in híbridos, além de penalizar com taxas os veículos que consomem muita energia. “São políticas para beneficiar os carros mais eficientes.” Na conta de Pacca e Moreira, seriam necessários 66 milhões de hectares de terra com cana em todo o mundo (em 2010 foram 23,8 milhões) para suprir toda a frota de veículos com etanol e eletricidade. "Os cálculos são sólidos, mas para que esse cenário possa ser realizado será necessário também melhorar a produtividade do etanol por hectare combinado com a segunda geração e novas variedades de cana, além de aumentar o número de veículos eficientes", analisa o professor Lee Lynd, da Thayer School of Engineering, da Dartmouth College, dos Estados Unidos, e coordenador executivo do Global Sustainable Bioenergy (GSB), uma articulacão internacional de pesquisadores em bioenergia.
Etanol
bilhões de litros
Primeira geração otimizada (1G) Com caldeiras de alta eficiência e uso do bagaço e de 50% da palha para a produção de eletricidade
Propostas eficientes
3 R$
281 mi
Segunda geração avançada 1G mais 2G com hidrólise da hemicelulose do bagaço com desenvolvimento atual em fase de laboratório
[colheitadeira] a entrar no canavial. Estima-se que seja possível levar embora pelo menos 50%. Parte da palha precisa ficar no campo para proteger o solo da erosão, manter a umidade e reciclar nutrientes”, explica Bonomi.
A
lém do uso da palha, ele prevê um aumento da produção de eletricidade com a utilização de caldeiras de alta eficiência, com pressão de 90 bar, em vez das atuais de 22 bar. Isso reverteria em maior produção de energia elétrica tanto para manter a própria usina como para vender o excedente para a rede. A geração seria de 185 quilowatts-hora por tonelada de cana (kWh/TC) se todas as usinas trocassem as caldeiras e usassem 50% da palha. Um aumento de 620% sobre os 30 kWh/TC atuais. Em 2010 foram produzidos no Brasil 8.774 gigawatts-hora (GWh) com cana, segundo a União da Indústria de Cana-
O Projeto Simulating land use and agriculture expansion in Brazil: food, energy, agro-industrial and environmental impacts – n° 2008/56156-0 modalidade Projeto Temático Coordenador André Nassar – Icone investimento R$ 67.886,54 (FAPESP)
fonte ctbe
185,8 kWh
-de-Açúcar (Unica), o que representou 2% dos 509 TWh do consumo total de eletricidade no país. Com a otimização da primeira geração, os pesquisadores preveem uma produção de 89,3 litros por tonelada de cana (l/TC). Em um segundo cenário os pesquisadores incorporam a segunda geração. É a hidrólise da celulose, que representa de 40% a 60% do bagaço, material composto ainda por hemicelulose, de 20% a 40%, e lignina, de 10% a 25%. Esse procedimento, que também utiliza parte da palha da cana, fará aumentar a produção para 110,7 l/TC. Porém a produção de energia elétrica cai para 92,8 kWh/ TC, a metade do primeiro cenário. O biocombustível é mais rentável nesse caso que a eletricidade, embora nesse cenário o empreendimento tenha menor taxa de retorno financeiro porque o investimento cresce com a adoção da segunda geração. "Em um estudo feito pelo nosso grupo, calculamos que os rendimentos da produção da segunda geração é cerca de cinco vezes maior que o rendimento da eletricidade da cogeração", diz Lynd.
100% elétrico
Seriam precisos
de produção de 60 TWh eletricidade se todos os carros do Brasil fossem elétricos
Mas se
fonte sergio pacca / usp
67%
fossem híbridos só seriam necessários
23 TWh
para suprir todas as necessidades
50% elétrico 50% etanol (híbrido)
A estimativa do CTBE para o investimento da unidade de produção de etanol de primeira e segunda geração é de US$ 329 milhões. No primeiro cenário, com apenas a otimização da primeira geração, o investimento é de US$ 222 milhões. “Ele pesa muito, mais que o custo de produção, e deixa a taxa de retorno menor com a segunda geração em relação à primeira otimizada.”
U
ma das saídas para melhorar o retorno do usineiro e o negócio se tornar mais atraente é a adoção da fermentação das pentoses, um tipo de açúcar produzido a partir da hemicelulose que pode também ser transformado em álcool. Mas essa ainda não é uma tecnologia comercial. “Quando for possível utilizar a hemicelulose e outras tecnologias avançadas de hidrólise, a produção de etanol cresceria para 131,5 l/TC e o peso do investimento se tornaria menor com a venda de mais etanol e o custo diminuiria para o usineiro, que teria uma taxa de retorno maior”, diz Bonomi. Com o uso da hemicelulose, a eletricidade gerada pelas biorrefinarias diminuiria, caindo de 185,8 kWh/TC para 72,7 kWh/TC. “No Brasil, os usineiros nunca deixarão de usar parte do bagaço e da palha para gerar energia elétrica para uso próprio nas usinas. Essa é a grande vantagem brasileira.”, diz Bonomi.
Uso da terra
Mas no exterior questiona-se o fato de o Brasil ser forte na agricultura voltada à alimentação e substituir terra boa da produção de alimentos para plantio de cana. Um problema inexistente, segundo estudo do grupo liderado pelo economista André Nassar, do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), financiado pela FAPESP dentro do Programa Pesquisa em Bioenergia (Bioen). Em 2022, no cenário traçado pelo instituto, a área de lavoura de cana deve ocupar de 10, 5 milhões de hectares ante 8,1 milhões de hectares em 2009. O crescimento de 30% no canavial deve se dar na Região Sudeste, principalmente em áreas de pastagem de criação de gado bovino, e na Região Centro-Oeste, onde deve substituir áreas tradicionais de plantio de grãos e de pastos. “Hoje os pecuaristas produzem mais carne por hectare. Em 1996 foram produzidos 6 milhões de toneladas de carne, em 184 milhões de
hectares. Dez anos depois, a produção somou 9 milhões de toneladas de carne em 183 milhões de hectares. O rebanho, no período, saltou de 158 milhões para 206 milhões”, explica a pesquisadora Leila Harfuch, do Icone. “As pastagens entre 2009 e 2022 devem cair cerca de 5 milhões de hectares, acomodando parte da expansão de grãos e cana.” A conclusão, baseada em um modelo criado pelo instituto para oferta e demanda de produtos agrícolas e uso da terra no país, chamado Brazilian Land Use Model, indica que o avanço nas áreas nativas não vai ocorrer por motivos de produção de biocombustíveis, mas por alimento. “A área onde há mais competição por terra e a remuneração é melhor para o agricultor é o cerrado, o que pode causar impacto nas matas nativas. Mas a intensificação da agropecuária no futuro deve levar a uma demanda menor por área nova em relação ao passado.” Em relação à produção de etanol, o modelo mostra uma evolução de 29 bilhões de litros, em 2009, para 53,8 bilhões, em 2022, sem levar em conta a segunda geração. “Nós pressupomos que as exportações para os Estados Unidos devem alcançar 9 bilhões de litros por ano em 2022.” A pesquisa foi realizada antes do anúncio do fim da taxação à importação daquele país anunciada em dezembro. “Calculamos esse cenário de 9 bilhões porque os norte-americanos terão que diminuir o consumo de combustíveis fósseis e consequentemente reduzir os gases do efeito estufa emitidos, e o etanol de cana-de-açúcar brasileiro e o de milho, este produzido por eles, devem cumprir parte dessa missão”, diz Leila. “Projeções para o potencial da energia da biomassa devem ser muito cautelosos, principalmente em um mundo motivado para a energia sustentável e o desenvolvimento da economia rural que os biocombustíveis podem oferecer, se implementados com cuidado”, completa Lynd. n Artigos científicos 1. Pacca, S.; Moreira, J.R.. A biorefinery for mobility? Environmental Science & Technology. v. 45 (22), p. 9.498-505. on-line em 3 de outubro de 2011. 2. Dias, M.O.S.; Bonomi, A. et al. Second generation ethanol in Brazil: Can it compete with electricity production? Bioresource Technology. v. 102, n. 14, p. 8.964-71. out. 2011. pESQUISA FAPESP 192 31
Lírio-do-brejo: mais rápida para se reproduzir do que as espécies nativas
32
_ fevereiro DE 2012
_ Esp écies invasoras
Indesejáveis, mas nem sempre Debate sobre definição e controle de plantas e animas exóticos esquenta em São Paulo Texto Carlos Fotos
U
Fioravanti
ecologia
Eduardo Cesar
m problema antigo – o das espécies de animais e plantas exóticas invasoras – começa a ser combatido. Após quase dois anos de debates entre especialistas de órgãos do governo, instituições de pesquisa, organizações não governamentais e empresas, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do estado de São Paulo publicou em 9 de novembro a lista com as 14 espécies de animais com potencial invasor como o javali, a lebre-europeia e o caramujo-africano. No mesmo dia o conselho autorizou a formação de um grupo de trabalho com representantes do governo e da sociedade civil para definir as formas de controle da população desses bichos e propor uma lista de espécies de plantas exóticas invasoras (por definição, uma espécie exótica invasora encontra-se fora de sua área de distribuição natural, não tem predadores e prolifera com relativa facilidade a ponto de prejudicar a sobrevivência de espécies nativas). Provavelmente não será fácil eliminar os animais indesejados nem aprovar uma relação viável de plantas indesejadas. Uma das barreiras para a eliminação dos animais da lista é que a Constituição paulista proíbe a caça. Esse fato coloca aos advogados e promotores públicos o desafio de cumprir a lei sem ferir outras leis. Dois javaporcos – resultantes do
cruzamento de javalis com porcos domésticos – apreendidos por ordem judicial estão sendo criados em um centro de recuperação de animais silvestres da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos. O plano de José Evaristo Merigo, administrador do criadouro, era abater os animais em um matadouro municipal autorizado e distribuir a carne para comunidades carentes, conforme orientação do Ibama, mas a promotoria não autorizou, já que os animais estão sub judice. “Não posso deixar os bichos fugirem”, aflige-se Merigo. Em um estudo de 2007 na revista Natureza & Conservação, André Deberdt e Scherezino Scherer, ambos do Ibama, registraram animais soltos em nove estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Bahia), destruindo plantações e fontes de água e cruzando com o porco doméstico. Os pesquisadores observaram que os animais se alimentavam de pinhões (Araucaria angustifolia), até mesmo de sementes enterradas, no Rio Grande do Sul, prejudicando a regeneração de araucárias. A caça, autorizada em alguns estados, não foi o bastante para acabar com os porcões. O grupo de trabalho deverá também buscar e propor formas adequadas de controle de espécies invasoras às vezes poucos visíveis, como
pESQUISA FAPESP 192
_ 33
Os mais impopulares em São Paulo As 14 espécies reconhecidas como exóticas com potencial de invasão e os respectivos ambientes naturais do estado que podem prejudicar
Mamíferos Javali e javaporco (Sus scrofa), mata atlântica Sagui-de-tufo-branco ou 1
Os procurados: mico-de-tufo-preto, invasor apenas se fora do cerrado, e um javaporco
os invertebrados, que continuam a ganhar espaço. É o caso de duas espécies de coral agora vistas como invasoras, que há 30 anos se limitavam a trechos do litoral do Rio de Janeiro. De acordo com um estudo de janeiro de 2011 na Coral Reefs, elas formaram colônias ao longo de 130 quilômetros da costa em direção a São Paulo. As plantas são outro problema, porque algumas chamadas de invasoras são importantes economicamente, a exemplo do capim braquiária (Urochloa decumbens), bastante usado como pastagem para gado no Brasil. “Ninguém seria inconsequente a ponto de propor a eliminação da braquiária”, diz Cristina Azevedo, diretora do departamento de proteção da biodiversidade da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do estado de São Paulo. Outra missão do grupo de trabalho será apresentar espécies nativas que possam substituir as plantas exóticas invasoras como o lírio-do-brejo, planta nativa da Ásia, que forma touceiras em córregos e áreas úmidas e tem um time de defensores porque, em razão do perfume intenso, é bastante usada em velórios. Cristina soube disso depois de uma conversa com representantes de funerárias que a procuraram para pedir que tirassem essa planta da lista que a SMA estava preparando. “Cabe a nós, pesquisadores, apresentar alternativas, temos muitas espécies nativas”, afirma Dalva Matos, pesquisadora
34
_ fevereiro DE 2012
sagui-do-nordeste (Callithrix jacchus), áreas de contato entre cerrado
da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ela acompanha a construção e desconstrução das listas desde o primeiro debate realizado na capital paulista em 22 de maio de 2009, logo após a Organização das Nações Unidas ter reconhecido as espécies invasoras como um problema mundial. Calcula-se que 480 mil espécies exóticas que se espalharam mundialmente possam causar prejuízos anuais de US$ 1,4 trilhão, o equivalente a 5% da economia global.
e mata atlântica, e cerradão
Câncer da terra
Répteis
Trazidas nos intestinos de aves e de mamíferos e na bagagem de colonizadores, as espécies invasoras agora inquietam. Ávidas por luz, água e nutrientes, ocupam sem controle espaços livres ou tomados por comunidades de espécies nativas. Como um câncer da terra, escaparam do controle, se é que um dia puderam ser controladas. Poderão, agora? Os especialistas acreditam que sim, mas países mais ricos e organizados, como os Estados Unidos e a Inglaterra, ainda lutam arduamente para se livrar dessas pragas. Por vezes, a única saída para erradicar espécies danosas ao ambiente, cogitada nos Estados Unidos, é matar todos os organismos de um lago ou rio tomado por espécies invasoras de peixes e depois repovoar o lugar apenas com espécies nativas. O governo do Reino Unido, um arquipélago do tamanho do estado de São Paulo, iniciou em 1981 uma campanha nacional para eliminar o ratão-do-banhado,
Sagui-do-tufo-preto ou sagui-do-cerrado (Callithrix penicilata), mata atlântica Veado-sambar (Cervus unicolor), cerrado Lebre-europeia (Lepus europaeus), cerrado e mata atlântica Ratão-do-banhado (Myocastor coypus), ambientes aquáticos e mata atlântica
Aves Corvo-de-barriga-branca (Corvus albus), matas litorâneas
Tartaruga-de-orelha-vermelha (Trachemys scripta), mata atlântica montana (litoral)
Peixes Tucunaré (Chichala kelberi), bacia dos rios Jacaré-guaçu e Paranapanema Tucunaré (Chichala piquiti), bacia dos rio Paraná, Tietê e Grande
Invertebrados terrestes Caramujo-gigante-africano (Achatina fulica), áreas de contato entre cerrado e mata atlântica
Invertebrados marinhos Coral-laranja ou coral-sol (Tubastraea coccinea) Coral-sol (Tubastraea tagusensis) Mexilhão-dourado (Limnoperna fortunei), bacias dos rios Sorocaba e Turvo/Grande Fonte CONSEMA
roedor nativo da América do Sul e agora na lista de São Paulo. A eliminação dos animais – o último deles, acredita-se, foi morto em 1989 – e a recuperação ambiental custaram £ 3 bilhões (R$ 8 bilhões), mas recentemente os ingleses viram que os caramujos, outra espécie exótica, estão fora de controle e destruindo seus preciosos jardins. No Brasil, esse problema começou a ser delineado há poucos anos. Em 2006, um grupo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) reconheceu a existência de 543 organismos exóticos invasores com potencial para alterar o ambiente terrestre, marinho, a agropecuária ou a saúde humana no país. Há várias contagens. Em um estudo de julho de 2011 na Revista Brasileira de Botânica, Rafael Zenni e Sílvia Ziller, do Instituto Hórus, apresentam 117 espécies apenas de plantas reconhecidas como invasoras, já estabelecidas ou com potencial de invasão no país. sementes escondidas
Vários estados, como Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais e Pernambuco, já aprovaram suas listas de espécies malditas e põem em campo projetos piloto de erradicação. O problema é que as sementes de gramíneas como o capim anoni (Eragrostis plana), que cobre 2 milhões de hectares de pastos degradados no Rio Grande do Sul, podem permanecer no solo por 24 anos. “Temos de monitorar o banco de sementes do solo, não só a vegetação”, alerta Dalva. Ela e sua equipe de São Carlos verificaram que, no cerrado, uma samambaia nativa, a Pteridium arachnoideum, solta longas raízes, os rizomas, que liberam compostos capazes de inibir o crescimento de outras plantas. Uma solução seria revirar a terra e tirar o máximo possível de rizomas, já que a aplicação de calcário no solo pode não ser plenamente eficiente. A relação paulista de seres indesejados era imensa, mas foi reduzida à medida que avançavam os debates entre os representantes do governo, de empresas e de ONGs que formam o Consema. Das 42 espécies de animais, incluindo a iguana, o pardal, a cabra doméstica e a lagartixa, só passaram as 14 sobre as quais não havia dúvida de que eram exóticas, invasoras e consensualmente prejudiciais para a sobrevivência de outras espécies ou para a agricultura.
Dionulp utpatum sandrem volor am, volor at, corRe et aut lore vercipit wissim qui bla 2
O que fazer com o açaizeiro? Os biólogos o atacam, os agrônomos o defendem
A lista inicial, que deve ser reavaliada pelo grupo de trabalho, continha 22 espécies de plantas consideradas invasoras. Lá estavam açaí, abacateiro, mangueira, goiabeira, mamona, eucalipto, pínus, jaqueira e chuchu. Nenhuma, porém, passou pela votação dos representantes de órgãos de governo e da sociedade civil que formam o Consema. Como os donos de floriculturas tinham feito com o lírio-do-brejo, os agrônomos saíram em defesa do açaizeiro, trazido para a Região Sudeste para produzir palmito como alternativa a uma palmeira nativa ameaçada de extinção, a juçara. O açaí é nativo da Amazônia e classificado como uma espécie exótica invasora na mata atlântica porque cresce mais rapidamente, produz mais frutos e atrai mais polinizadores que a juçara.
Não há espaço para conceitos inflexíveis. Como resultados dos próximos debates, talvez as espécies sejam consideradas com potencial de invasão de acordo com o ambiente em que estiverem: a jaqueira, por exemplo, pode ser prejudicial para outras espécies quando se espraia na mata atlântica, mas raramente é danosa em outros ambientes naturais. Ou talvez sejam malvistas apenas quando se espalharem onde não são bem-vindas. É o caso dos pinheiros (Pinus elliottii) que ocuparam áreas de cerrado do interior paulista, transformando-as em densas áreas de pinheiros, com visível perda de biodiversidade. Outro problema que começou a ser debatido é o das espécies nativas que não são invasoras, mas que, na avaliação do grupo de São Carlos, deveriam ser controladas. É o caso do taquaruçu ou bambu-gigante (Guadua tagoara), nativo da mata atlântica, mas com potencial invasor. Esse bambu cresce sobre árvores e, depois de florescer, morre, quebrando galhos. Segundo Dalva, as sementes que brotam nas áreas próximas podem atrair muitos ratos, que comem as mudas de bambus e depois se espalham por plantações ou casas próximas. n
Artigos científicos 1. DEBERDT, A.J. e SCHERER, S.B. O javali asselvajado: ocorrência e manejo da espécie no Brasil. Natureza & Conservação. v. 5, n. 2, p. 31-44. out. 2007. 2. ZENNI, R.D. e ZILLER, S.R. An overview of invasive plants in Brazil. Revista Brasileira de Botânica. v. 34, n. 3, p. 431-46. jul-set. 2011. pESQUISA FAPESP 192
_ 35
_ his tória da fapesp viiI {
1,2 milhão de downloads por dia Programa SciELO, da FAPESP, criou novo patamar de qualidade e difusão para publicações científicas texto Fabrício
Marques
U
Ilustração Sara
Goldchmit
m programa especial da FAPESP que elevou a qualidade de centenas de publicações científicas do país teve um impacto notável no aumento da visibilidade internacional da pesquisa brasileira nos últimos 14 anos. Lançado em 1997 com um conjunto de 10 revistas brasileiras, o programa Scientific Electronic Library Online (SciELO) alcançou, no final de 2011, 239 publicações de todos os campos do conhecimento que geraram uma média mensal de 36 milhões de artigos baixados da internet de forma livre e gratuita – 1,2 milhão por dia. Os periódicos só são admitidos na coleção depois de passarem por crivos que atestam sua qualidade, como a existência de um corpo editorial qualificado, a relevância em seu campo do conhecimento, a assiduidade da publicação e o cumprimento de uma série de normas técnicas que regem a comunicação científica internacional. “O programa criou um círculo virtuoso, no qual as revistas ganharam reconhecimento e passaram a se preocupar continuamente com sua qualidade”, diz Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca. O sucesso desse modelo pode ser medido por dois de seus resultados. O primeiro está relacionado ao aumento da participação de revistas brasileiras em bases de dados internacionais. Ao estimular as publicações a seguir normas de qualidade, o programa SciELO ajudou muitas delas a se qualificar para integrar bases como a Web of 36 fevereiro DE 2012
Ciência brasileira na web Evolução anual da média mensal de downloads de artigos da coleção SciELO Brasil – em milhões 36,4
4,2
2006
6,9
7,1
2007
2008
10,6
9,9
2009
2010
2011
Fonte SciELO, Outubro 2011
as áreas do conhecimento Distribuição por área dos artigos publicados em 2010 na coleção SciELO Brasil – em %
Ciências Agrárias Ciências Sociais Aplicadas Ciências Biológicas Engenharias Ciências Exatas e da Terra Ciências da Saúde Ciências Humanas e Sociais Artes, Letras e Linguística 0
5
10
15
20
25
30
35
40
cienciometria
comunicação
o crescimento da coleção Evolução do número de títulos indexados do SciELO Brasil 239 195
205
171 144 116
35 10
1997
1999
2001
2003
2005
2007
2009
2011
Science (WoS), da empresa Thomson Reuters, e a Scopus, da editora Elsevier, utilizadas como parâmetro internacional sobre a produção científica dos países e seu impacto. O número de periódicos brasileiros na base WoS aumentou de 30 títulos em 2007 para 134 em 2011. Tal inclusão fez com que o Brasil saltasse da 15ª para a 13ª posição no ranking de produção científica mundial dos países em razão dos artigos indexados, que aumentarem nesse período. É certo que também teve um papel nesse salto o interesse das bases de dados em vender seus produtos a países emergentes como o nosso. A biblioteca SciELO compartilha, hoje, 94 de seus títulos com o WoS e 173 com a Scopus. O segundo resultado tem a ver com a propagação internacional do conceito da biblioteca, difundida em acesso aberto e gratuito, na contramão do mercado editorial científico dos países desenvolvidos, que cobra pela consulta aos artigos que publicam. Depois do Brasil, 12 países da América Latina e Caribe, além de Portugal, Espanha e África do Sul, criaram suas bibliotecas SciELO. A rede conta com duas coleções temáticas, em saúde pública e ciências sociais, e prepara outra sobre biodiversidade. “O SciELO consolidou-se como o mais importante programa de publicação científica dos países em desenvolvimento e emergentes e é reconhecido internacionalmente como um dos mais destacados no movimento de acesso aberto”, diz Abel Packer, coordenador operacional do programa. pESQUISA FAPESP 192 37
três bases de dados Distribuição do número de periódicos brasileiros indexados nas bases Web of Science (WoS), SciELO e Scopus
SciELO
WoS
44
4
83
90
22
17
39 Scopus Fonte WoS, SciELO, Scopus, 2011
Ciência não indexada
A biblioteca surgiu em 1997 com o duplo objetivo de aperfeiçoar as revistas brasileiras e criar métodos de mensurar a importância e impacto dos artigos publicados por pesquisadores do país. Um dos desafios discutidos na época era resgatar a chamada “ciência perdida do Terceiro Mundo”, conceito proposto num artigo na revista Scientific American de 1995 de W. Wayt Gibbs. Ele se referia à ciência não indexada em bases de dados internacionais, mas de grande interesse regional, sobretudo em áreas como saúde pública, agricultura e educação. O coordenador científico do SciELO Brasil, Rogério Meneghini, à época coordenador adjunto da Diretoria Científica da FAPESP, procurava um modo de criar um sistema de indicadores que ajudasse a Fundação a avaliar as publicações científicas brasileiras, que em sua maioria não eram indexadas em bases internacionais. Abel Packer, especialista em ciência da informação e executivo do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), discutia, na mesma época, meios para publicar periódicos científicos on-line e em acesso aberto. “Me lembro que fomos conversar sobre as nossas propostas num almoço intermediado pelo professor Lewis Greene, que era presidente da Associação Brasileira dos Editores Científicos (Abec). Vimos que as ideias 38 fevereiro DE 2012
As revistas são admitidas na coleção depois de passarem pela análise do comitê científico do programa
se complementavam e preparamos um pré-projeto, que foi aprovado pela FAPESP”, lembra Packer. Meneghini diz que alguns editores de revistas que participaram do projeto piloto temiam perder a autonomia sobre as publicações, ante as exigências de qualidade e de metologia estabelecidas. “Mas isso logo se dissipou, pois eles entenderam o impacto positivo sobre as publicações.” O SciELO Brasil nasceu como uma parceria entre a FAPESP, ainda hoje responsável por 90% de seu financiamento, e a Bireme, que tinha uma boa experiência acumulada na gestão em informação
on-line e no gerenciamento de base de dados. Posteriormente, o programa obteve recursos também do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Desde a criação do programa, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) apoia com infraestrutura institucional, instalações físicas e tecnologias de informação. Segundo Packer, o programa oferece três tipos de contribuição para os periódicos que abriga. A primeira, já referida, diz respeito à qualificação da revista. As publicações são admitidas na coleção depois de passarem pela análise do comitê científico do SciELO, que tem cinco representantes dos editores científicos das grandes áreas do conhecimento e quatro institucionais indicados pela FAPESP, CNPq, Capes e Abec – e reavaliadas a cada ano. “As publicações passam a se organizar com critério e são submetidas a um controle contínuo de impacto e qualidade. Isso lhes dá mais consistência”, afirma Packer. A segunda contribuição tem a ver com a visibilidade e o acesso aos periódicos, com a ajuda da internet. “A coleção ganhou autoridade porque desenvolveu um sistema de acesso privilegiado.” Os metadados dos artigos, informações inteligíveis por um computador, são acessíveis publicamente por diversos protocolos e serviços da internet. “Por meio desses serviços o SciELO realiza o intercâmbio de metadados e a interoperabilidade com índices bibliográficos, bases de dados bibliográficas, buscadores, repositórios, diretórios e catálogos, produtos e serviços de informação científica da internet”, diz. A terceira contribuição relaciona-se ao aumento do impacto dos periódicos, medido por citações. A Scientia Agricola, editada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) e pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, tem um aumento contínuo em seu fator de impacto, que é o número médio de citações de artigos científicos publicados no periódico. A primeira aferição, divulgada pela Thomson Reuters no Web of Science em 2006, dava à revista um fator de impacto de 0,3. No ano passado ele chegou a 0,82. Significa afirmar que cada artigo publicado em 2008 foi citado quase uma vez nos dois anos subsequen-
tes. “Ainda estamos distantes do impacto médio das 20 melhores revistas da área no mundo, que é de 2,41, mas nos destacamos da média das 20 melhores revistas brasileiras, que é de 0,47”, diz Luís Reynaldo Ferracciú Alleoni, professor da Esalq e editor da revista. A publicação passou por várias transformações. Desde 2003 é publicada totalmente em inglês, fugindo do padrão das revistas brasileiras em ciências agrárias. Houve um esforço para ampliar o contingente de revisores, os especialistas que avaliam os artigos, de fora do país. Hoje 60% deles são estrangeiros. No início da década de 2000 apenas 2% dos autores dos artigos da Scientia Agricola eram de outras nacionalidades; agora essa fatia chega a 20%. E, atualmente, 68% das citações dos artigos são feitas em publicações internacionais. “A revista se reposicionou e tem um perfil com mais apelo internacional. Consideramos que faltava ao país, que faz uma pesquisa agrícola de alta qualidade, um periódico desse tipo”, afirma Alleoni.
em bases de dados internacionais, como a PubMed. Era preciso esperar que a edição impressa fosse distribuída e só depois os artigos eram indexados. Com o SciELO, a repercussão dos artigos é imediata”, afirma. O fator de impacto de Memórias é o mais alto entre as publicações científicas da América Latina. Chegou a 2,05 em 2010. No ano 2000 era de 0,54. “O SciELO foi um ‘ovo de Colombo’ que transformou a visibilidade da ciência
Publicar mais em inglês e atrair outros pesquisadores de fora são algumas das metas
Ovo de colombo
Ricardo Lourenço, editor da centenária revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, destaca o aumento da visibilidade da publicação depois de seu ingresso na coleção. “Antes demorava um bom tempo até que os artigos fossem indexados expansão internacional Número de publicações na rede SciELO, por país e tema, e ano de início da coleção. A coleção sobre biodiversidade ainda está sendo preparada
Coleções por país
Coleções temáticas
Início
Início
1997
Brasil
1998
Chile
2000
239 85 7
Costa Rica Cuba
36
Espanha
35
2003
México
2004
Peru
2011
Biodiversidade
71 87 115
Colômbia 39
Portugal 8
2005
Uruguai
2006
Jamaica
1
2007
Paraguai
3
2009
África do Sul
Fonte SciELO, Outubro 2011
Ciências Sociais
17
Argentina
Bolívia
Saúde Pública
2006
49
Venezuela 2001
2000
20 15
Certificadas Em desenvolvimento
14 33 0
produzida no Brasil”, diz Charles Pessanha, editor da revista Dados, da área de ciências sociais, editada pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e uma das fundadoras do SciELO. “Temos deficiência de bibliotecas, cinemas, teatros, centros culturais. A distribuição sempre foi deficiente e, quando falamos de livros científicos, a coisa piora. O SciELO foi a ferramenta transformadora desse cenário.” Há, é certo, um conjunto de obstáculos a vencer nos próximos anos para que a produção científica do país amplie sua qualidade. Se o país está em 13º lugar no ranking da produção científica mundial, cai para a 38ª posição quando se analisa o impacto dessa produção, medido em citações. “É uma posição desconfortável”, diz Packer. “Como 60% dos artigos são em português, eles só recebem citações de revistas brasileiras.” Entre as metas do SciELO, para os próximos anos destacam-se o esforço para internacionalizar a coleção, estimulando a publicação em inglês e atraindo pesquisadores estrangeiros para seu corpo editorial, além do reforço aos mecanismos de gestão das revistas e a busca de um novo modelo de financiamento. “A ciência publicada em boa parte dos periódicos brasileiros não é a ciência de melhor qualidade que o país produz. Nesse caso os pesquisadores ainda preferem divulgar seus achados em periódicos internacionais e também são desestimulados a publicar em nossas revistas pela limitação dos critérios Qualis da Capes de avaliação dos cursos de pós-graduação”, diz Packer. “Mas precisamos seguir oferecendo para as nossas revistas o que há de mais moderno em metodologias e tecnologias de indexação e publicação científica.” Também se busca ampliar as fontes de financiamento sem comprometer o caráter livre e aberto do acesso aos artigos. Uma possibilidade é cobrar dos autores uma taxa para publicação, como fazem as revistas internacionais. Outra é convencer outros órgãos a copatrocinar o programa. “A maioria dos estados brasileiros tem revistas SciELO que publicam artigos de pesquisadores do Brasil inteiro, de modo que temos a expectativa de contar no futuro próximo com o apoio das fundações de Amparo à Pesquisa dos outros estados no financiamento da coleção”, afirma. n pESQUISA FAPESP 192 39
ciência
A derrota dos Highlanders Simulação computacional indica que envelhecer pode ser uma vantagem adaptativa
o experimento virtual início do jogo Os que ficam velhos (pontos em azul) e os imortais (vermelho) se distribuem pelo quadro. Em verde-claro, as áreas ainda não ocupadas
Dois blocos Os times se reproduzem e dão origem a batalhões mais densos
No vermelho No início, a equipe dos imortais ocupa mais espaços e lidera a disputa
NASA, ESA, N. Smith, The Hubble Heritage Team
André Martins / Plos One
Marcos Pivetta
_ mod elagem computacional
N
os filmes de cinema sobre o personagem Highlander, um guerreiro escocês que se tornou imortal no início do século XVI, o protagonista Connor MacLeod atravessa as eras combatendo malfeitores e fazendo justiça sem sentir o peso da passagem do tempo. O herói não envelhece nunca, seu corpo simplesmente não degenera. A única forma de morrer é ser decapitado por um inimigo. Diante desse enredo fictício, o senso comum leva a pensar que um exército formado exclusivamente de Highlanders seria praticamente imbatível diante de uma armada equivalente de mortais. Mas uma série de simulações computacionais feitas por um pesquisador brasileiro sugere que tornar-se senil pode ser uma vantagem evolutiva para uma população se o processo de seleção natural ocorrer num ambiente permeado por mudanças. Nessa situação, o grupo cujos membros podem ficar mais velhos tende a ganhar a luta pela sobrevivência e provocar a extinção do bando dos imortais. A explicação para a vitória da população que envelhece estaria em sua capacidade maior de se moldar a alterações no hábitat e gerar mais rapidamente linhagens adaptadas ao ambiente do que os competidores dotados de uma biologia imune aos efeitos da senescência. O trabalho, cujos resultados são aparentemente paradoxais ou ao menos contraintuitivos, foi feito pelo físico teórico André Martins, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP). “Embora seja prejudicial aos indivíduos e tenha um custo evoluti-
vo, o envelhecimento pode ser um benefício em si”, afirma Martins, que publicou o estudo, feito apenas por ele mesmo, sem colaboradores, em 16 de setembro do ano passado na revista científica PLoS ONE. “Ele permite que as novas linhagens se adaptem mais rapidamente a mudanças nas condições de vida.” Nas simulações em que os indivíduos dos dois exércitos estavam expostos a alterações ambientais e mutações genéticas, o time dos mortais ganhou 39 de 50 batalhas contra os imortais. Essa supremacia não se manteve, no entanto, quando o cenário virtual em que ocorria a disputa era diametralmente oposto. Num ambiente estático e em que os grupos de indivíduos não sofriam alterações em seu DNA, os Highlanders venceram todas as contendas, em geral após disputas que se estenderam ao longo de 220 gerações. “Foram testadas diferentes intensidades de mutação e de mudança ambienal e também alteramos a idade da morte por senescência”, diz o físico da USP. “A vitória dos que envelheciam foi observada numa grande faixa de variação desses parâmetros, enquanto a dos imortais ocorreu em ambientes com mudança muito lenta ou inexistente.” Na natureza, as condições em que as distintas populações ou espécies competem costumam mudar de tempos em tempos. Por isso, segundo Martins, os resultados de suas simulações favorecem a interpretação de que ficar mais velho pode ter sido uma vantagem adaptativa naturalmente selecionada pelo processo evolutivo. “Acredito que isso seja verdadeiro, embora contrarie a teoria estabelecida”, comenta o pesquisador americano Joshua
A virada A morte de velhos acelera adaptação ao ambiente entre os azuis. O jogo se reverte
mundo azul A população dos que envelhecem domina o cenário e a vitória torna-se iminente
evolução
física
G
enes ligados ao processo de envelhecimento parecem ser bem preservados em muitas espécies de animais. Em 2008, pesquisadores da Universidade de Arkansas aumentaram em 10 vezes o tempo de vida do verme C. elegans, um dos organismos-modelo da biologia, introduzindo uma mutação num único As imagens representam o mesmo momento de uma simulação. Na da esquerda, os membros do time que gene. Em vez de morrer após duas sema- envelhece estão pintados de azul e os imortais, de vermelho. Na da direita, os dois grupos foram coloridos de como se fossem uma única equipe. Os pontos em tons mais escuros, destacados pelas setas, indicam nas, exemplares do nematódeo viveram verde, os indivíduos mais adaptados ao ambiente, que se concentram entre a população capaz de envelhecer seis meses, alguns até nove meses. Dietas à base de restrições calóricas também têm se mostrado úteis para aumentar a vida de senilidade seria uma dívida contraída cenário bidimensional fechado. Há apealgumas espécies em estudos laboratoriais. em função de um benefício usufruído nas uma diferença entre os dois lados: Essas evidências, mais o fato de existirem nos primeiros anos de vida. Mais recen- num grupo, o dos imortais, os indivínos organismos mecanismos de morte ce- temente, na segunda metade dos anos duos não envelhecem nunca (portanto, lular programada, como a apoptose, costu- 1970, o biólogo inglês Tom Kirkwood, não morrem por senilidade) e só podem mam ser citadas pelos atualmente professor ser eliminados por meio da competição defensores da ideia de na Universidade de interna ou por membros da população que a capacidade de se Newcastle, propõs ou- rival; no outro grupo, os indivíduos mortornar senil foi uma catra teoria sobre o enve- rem em razão da competição e os que racterística escolhida lhecimento, a do soma sobrevivem muito tempo a essa disputa pela seleção natural. descartável. Segundo vão tombar, mais dia, menos dia, pelo esse ponto de vista, o processo de envelhecimento. As novas As principais teoorganismo regula sua A representação gráfica do cenário da rias evolutivas sobre gerações de quantidade de energia disputa evolutiva é um quadrado como envelhecimento das e a canaliza priorita- posto por 2.600 pixels numa versão meúltimas décadas, no uma população riamente para as fun- nor da simulação e 10.200 numa variação entanto, caminham no ções primordiais das expandida. Os pontos são pintados de sentido oposto. Grosque envelhece primeiras décadas de verde quando vagos, se não se enconso modo, defendem a vida, como a reprodu- tram ocupados por nenhuma das duas ideia de que a senilise adaptam ção. Reparar o organis- populações. Ganham a cor azul se domidade é uma espécie mais rápido mo para que ele possa nados pelo exército dos que envelhecem de efeito colateral, de se manter por um lon- e adquirem tons vermelhos quando em custo a ser cobrado a a mudanças go período ficaria em poder do time dos Highlanders. Em cada longo prazo, em razão segundo plano, pois a pixel só há espaço para um membro, seja de ganhos obtidos duno ambiente tarefa teria um custo de uma ou de outra população. “Sempre rante a juventude. Por muito elevado para o que houver dois ou mais indivíduos num essa linha de raciocínio, os primeiros anos de vida seriam o sistema metabólico. Dessa forma, haveria momento crucial de uma espécie, quando uma deterioração progressiva do indivíela está mais apta a se reproduzir e per- duo, levando ao envelhecimento. O Pro jeto petuar seus descendentes. Como poucos Para testar a hipótese de que o enindivíduos na natureza atingiriam a idade velhecimento pode ser uma vantagem Bases teóricas para dinâmica de opiniões e aplicações em processos sociais da ciência avançada em razão das pressões do meio, adaptativa em si mesma, o físico André nº 2009/08186-0 a seleção natural não teria privilegiado Martins construiu um modelo computatraços benéficos para a velhice. cional com o software NetLog, que tramodalidade Bolsa no Exterior Concebida em fins da década de 1950, balha com uma linguagem de programaCoordenador a teoria da pleitropia antagonista sus- ção capaz de criar ambientes virtuais. André Martins – EACH-USP tenta, por exemplo, que genes benéficos As simulações são alimentadas por uma na juventude, como os que aumentam a equação com variáveis que, de forma investimento R$ 75.222,99 (FAPESP) fertilidade, acabam sendo prejudiciais esquemática, regem uma disputa entre na idade mais avançada. Nesse caso, a duas populações muito parecidas num 42 fevereiro DE 2012
André Martins / Plos One
Mitteldorf, teórico especializado em evolução e modelos computacionais da Temple University, da Filadélfia. “Nos últimos 50 anos, vários experimentos mostram que envelhecer é uma adaptação enquanto as teorias dizem que não pode ser.”
ponto, seja da mesma população ou do grupo adversário, apenas um deles vai sobreviver”, explica Martins. É literalmente uma luta de vida ou morte. No início do jogo, as condições entre os dois lados são idênticas. Ambos começam com igual número de participantes, distribuídos aleatoriamente pelo campo de combate. As duas populações iniciam com a mesma capacidade de se adaptar ao ambiente, sofrem a mesma taxa de mutação entre as gerações e, ao longo do experimento virtual, vão se reproduzir no mesmo instante e a uma taxa idêntica. Cada indivíduo vivo vai gerar um descendente, que herda de seus pais a característica de ser mortal ou imortal. No time dos que envelhecem há ainda uma variável na equação responsável por provocar a morte dos indivíduos sempre que, por acaso, atingirem uma certa idade. No entanto, a maioria, mas não todos, sucumbe ao ambiente competitivo antes de ficar idoso e ter a chance de perecer por velhice. Morte de velho acelera adaptação
Universidade Yale
Num ambiente não estático, em que as condições naturais mudam e as sucessivas gerações de uma população sofrem mutações genéticas, a dinâmica da disputa virtual criada por Martins tende a ser a mesma. Formam-se rapidamente dois tipos de bloco nas simulações, opondo batalhões de soldados vermelhos, os Highlanders, contra os combatentes azuis, o time dos que podem envelhecer. Nos primeiros estágios do jogo, a população vermelha se torna mais numerosa, com quase o dobro de membros, e parece sinalizar claramente que vai vencer a disputa. A vantagem dos Highlanders tem uma razão evidente: eles só morrem devido à competição, enquanto o outro lado perece pela pressão do meio e também por velhice.
39
vitórias
obteve o grupo que ficava mais velho em 50 disputas contra o time dos imortais
Porém em quase 80% das simulações o time dos azuis conseguia virar o jogo e levar a outra população à extinção. A morte por velhice dos indivíduos mais antigos dessa equipe, sobretudo dos que estavam longe de zonas ocupadas pelo grupo adversário, abria mais espaços vagos no interior do território ocupado pelos azuis. O fenômeno parece favorecer o desenvolvimento de levas de indivíduos mais bem adaptados ao ambiente entre a população dos que podem envelhecer. “As novas gerações dos dois grupos adversários se adaptam às mudanças ambientais, mas esse efeito é mais rápido entre a população que pode envelhecer”, comenta Martins. É esse detalhe que a faria vencer a maioria das disputas, criando um paradoxo: envelhecer é ruim para o indivíduo, mas benéfico para um grupo. No modelo computacional, a variável numérica que mede a taxa de adaptação média das duas populações tende a disparar entre os azuis num certo momento, deixando os vermelhos para trás. O programa pinta os agentes de cada exército
Verme C. elegans: modificação de gene aumentou em 10 vezes a vida de exemplares do nematódeo
em tonalidades proporcionais ao seu grau individual de adaptação ao meio. Quanto mais escura for a cor de um membro das duas populações, maior é o seu nível de adaptação ao ambiente. Para se certificar de que os mais aptos a vencer a luta pela vida se concentravam do lado dos mortais, Martins mandou ainda o programa colorir os membros dos dois grupos com a mesma cor, no caso verde. Dessa forma era possível ver que os soldados em tons mais escuros de verde, ou seja, os mais bem adaptados, eram indivíduos da população que envelhecia. Interpretações de simulações devem ser feitas com cautela. Para o biólogo Diogo Meyer, da USP, especialista em evolução, é importante que os modelos tenham “liberdade” para explorar cenários diversos, mas também é crucial que estejam ancorados na realidade. “A variação de longevidade que existe entre as populações e quanto a seleção natural pode alterá-la são compatíveis com os parâmetros usados nas simulações?”, indaga Meyer. “Talvez tenhamos poucos dados disponíveis sobre isso, mas essa questão é um desdobramento natural dos resultados obtidos em modelagens.”
O
físico teórico Roberto Kraenkel, especialista no uso de modelos matemáticos em biologia de populações da Univerdade Estadual Paulista (Unesp), faz uma ressalva técnica ao trabalho do colega Martins. Segundo ele, há uma variável na equação que rege a competição entre as duas populações, denominada d, cujo conceito lhe parece um pouco misterioso e vago. “Não ficou claro para mim que conceito biológico essa variável representa”, afirma Kraenkel. “Mas ela é fundamental para garantir o resultado final do modelo.” Martins admite que qualquer modelo não é perfeito e, claro, será sempre uma simplificação da luta pela sobrevivência das espécies. “A questão que eu queria responder era se o envelhecimento poderia ser uma vantagem adaptativa”, diz ele. “A simulação mostra que, em alguns casos, é possível que tenha sido assim.” Talvez seja por isso que ninguém nunca viu uma espécie parecida com o Highlander, que não envelhece nunca. n Artigo científico martins, A.C.R. Change and aging senescence as an adaptation. PLoS ONE. 16 set. 2011. pESQUISA FAPESP 192 43
Magia superficial Brasileiros começam a investigar novo material que promete revolucionar a eletrônica e a computação texto e ilustração
Igor Zolnerkevic
_ isolante topológico
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Representação de elétrons com spins alinhados
e três anos para cá, uma coqueluche vem tomando conta da subárea da física que estuda os sólidos, a chamada física da matéria condensada. A febre do momento é uma nova classe de materiais com propriedades eletrônicas únicas, batizada com o nome intimidador de isolantes topológicos. “Eles são fantásticos”, afirma o físico Adalberto Fazzio, da Universidade de São Paulo (USP), coordenador da área de nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Fazzio testemunhou a explosão de interesse nos isolantes topológicos durante o encontro da Sociedade Americana de Física em março de 2010, quando pesquisadores do mundo inteiro se apinharam para assistir às palestras sobre as primeiras evidências conclusivas da produção relativamente barata desses materiais. Desde então, as pesquisas com isolantes topológicos só não se difundiram mais por conta da complexa teoria por trás deles e das sofisticadas técnicas necessárias para analisá-los em laboratório – desafios encarados recentemente por dois grupos brasileiros: um teórico, liderado por Fazzio, e outro experimental, coordenado pelo físico Vagner Eustáquio de Carvalho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Segundo Carvalho, a esperança de que o novo xodó da matéria condensada seja mais que uma moda passageira continua alta. “As possibilidades de aplicações tecnológicas são reais”, diz. “Não tenho dúvida de que dentro de mais uns cinco anos teremos dispositivos eletrônicos produzidos a partir desses materiais.” O segredo do sucesso dos isolantes topológicos está em sua superfície. Em trabalhos publicados entre 2005 e 2006, duas equipes norte-americanas de físicos teóricos, uma liderada por Charles Kane, da Universidade da Pensilvânia, e outra por Joel Moore, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, previram que as partículas condutoras da eletricidade, os elétrons, se comportariam de modo muito estranho ao atravessarem um pedaço de cristal feito de certos metais pesados, como o bismuto. Os elétrons evitariam o interior do material, se propagando apenas na superfície do cristal. Até aí, nada de muito espetacular. O cristal funcionaria como o avesso de um fio elétrico: teria o miolo isolante envolvido por uma capa metálica condutora de eletricidade.
física
pESQUISA FAPESP 192
_ 45
Marcha de elétrons
O que deixou os físicos boquiabertos mesmo foi a maneira espontaneamente ordenada como os elétrons deveriam se movimentar na superfície. Os elétrons possuem uma propriedade magnética chamada de spin, que pode ser representada como uma pequena seta. Assim como os spins dos elétrons em um ímã apontam todos em uma mesma direção, conferindo a força magnética do material, os elétrons de uma corrente elétrica deslizando pela superfície de um isolante topológico têm seus spins alinhados, como uma fileira perfeita de soldados com suas baionetas apontando todas na mesma direção. Tal comportamento só havia sido observado antes em materiais sujeitos a campos magnéticos muito intensos e a temperaturas extremamente baixas, próximas do zero absoluto. Já os isolantes topológicos funcionariam por si sós, sem a necessidade de aplicar campos externos, e à temperatura ambiente. Além disso, essa tendência ferrenha à ordem faz com que os elétrons passem rapidamente por pequenas rachaduras ou impurezas na superfície do cristal, sem se desviarem nem perderem energia como na maioria dos materiais. Essas correntes velozes e organizadas permitiriam aos engenheiros inaugurar a era da spintrônica, cuja ideia é usar o spin eletrônico não só para construir as minúsculas memórias magnéticas atuais, mas também novos transistores magnéticos, que processariam a informação de maneira mais rápida e energeticamente eficiente, na forma de zeros e uns codificados no spin. Há ainda trabalhos teóricos mostrando que seria possível em princípio usar o comportamento coletivo dos elétrons no isolante topológico para realizar um novo tipo de computação, a computação 46
_ fevereiro DE 2012
Novo material funciona como um fio ao avesso: é isolante no interior e conduz eletricidade na superfície quântica, exponencialmente mais rápida que a convencional. A origem dos isolantes topológicos está na interação entre o spin e a órbita dos elétrons, fenômeno que ocorre em átomos com número atômico elevado e os físicos chamam de interação spinórbita. Segundo a teoria, essa interação altera uma propriedade abstrata das funções matemáticas que descrevem o movimento dos elétrons. É a inversão dessa propriedade, chamada de paridade, que cria os estados especiais de condução elétrica na interface do material com o espaço vazio. Sem uma interação spinórbita forte o suficiente, o material funcionaria como um isolante normal. Para entender melhor a gênese e as propriedades dos estados de superfície, Fazzio e seus alunos de doutorado na USP Leonardo Abdalla e Leandro Rocha, junto com Tomé Schmidt e Roberto Miwa, ambos físicos da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais, resolveram com o auxílio de computadores
as equações da mecânica quântica, incluindo a interação spin-órbita, descrevendo a estrutura átomo por átomo de um dos isolantes topológicos mais estudados em laboratório, o seleneto de bismuto (Bi2Se3). O cristal é formado pelo empilhamento de blocos compactos de três camadas atômicas de selênio intercaladas com duas de bismuto. Entre esses blocos de cinco átomos de espessura há um espaçamento maior onde as ligações interatômicas são mais frágeis. Em uma das simulações computacionais, cujo resultado ainda não foi publicado, os pesquisadores forçaram a separação entre dois desses blocos. Assim, puderam observar, passo a passo, o nascimento dos estados de condução nas superfícies criadas pela abertura da fenda no cristal, verificando qual devia ser o tamanho mínimo da fenda para que eles surgissem – 7,2 angstroms, no caso. Em um outro trabalho, a ser apresentado dia 28 deste mês em um encontro da Sociedade Americana de Física, em Boston, Fazzio, Schmidt e Miwa usaram as mesmas técnicas computacionais para investigar o que aconteceria com o seleneto de bismuto se fosse exposto ao ar e alguns átomos de oxigênio se alojassem no cristal. A simulação dos pesquisadores mostrou que, diferentemente de materiais
O Projeto Simulação e modelagem de nanoestruturas e materiais complexos – n° 2005/59581-6 modalidade Projeto Temático Coordenador Adalberto Fazzio – IF/USP investimento R$ 607.550,62 (FAPESP)
fonte adalberto fazzio - usp
Balé de elétrons
como o silício, no qual a oxidação pode estragar completamente suas propriedades eletrônicas, o seleneto de bismuto permanece um isolante topológico na presença do oxigênio. A oxidação apenas aumenta levemente a energia dos estados condutores – um efeito que poderia ser explorado para controlar esses estados em futuras aplicações tecnológicas. Já em um estudo publicado em dezembro de 2011 na revista Physical Review B, o trio de físicos teóricos simulou a inserção de átomos de cobalto no seleneto de bismuto. Ao contrário do oxigênio, as propriedades magnéticas do cobalto fazem com que esse átomo interfira na interação spin-órbita, destruindo a “proteção” dos estados condutores de superíficie contra impurezas e defeitos no cristal. No entanto, os átomos Elétrons se propagam em de cobalto geram à superfície com sua volta um novo defeitos de ali yazdani / universidade princeton/ Science Photo Library/Latinstock
isolante topológico
padrão ordenado de spins. Enquanto no material puro os spins dos elétrons ficam alinhados paralelamente à superfície do material, a presença do cobalto introduz novos estados, alinhados perpendicularmente à superfície. Esses estados de spin perpendiculares poderiam ser usados para codificar memórias magnéticas em futuros dispositivos em escala atômica. Busca pelo ideal
Para realizar todas essas aplicações tecnológicas, porém, ainda há vários obstáculos a serem vencidos. O principal é que, de fato, as amostras de seleneto de bismuto e de outro material promissor, o telureto de bismuto (Bi2Te3), analisadas até agora se comportaram como isolantes topológicos apenas aproximadamente. Inevitáveis impurezas fazem com que seu interior conduza um pouquinho de eletricidade. Essa corrente residual pode interferir na corrente de spin ordenado na superfície. “Conseguir estados de superfície completamente limpos é fundamental para uma aplicação tecnológica desses materiais”, explica Carvalho. O grupo de pesquisadores da UFMG deu sorte. Quando o interesse pelos isolantes topológicos explodiu, Carvalho e seus colegas já tinham prontas amostras de Bi2Te3 e Bi2Se3, que haviam produzido para um trabalho anterior, em que estudaram as propriedades termoelétricas desses materiais. Um estudo feito em colaboração com o grupo do físico Philip Hofmann, da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e apresentado em agosto de 2011 na Décima Conferência Internacional de Estruturas de Superfície, em Hong Kong, mostrou que as amostras tinham a qua-
lidade necessária para estudar as propriedades de isolantes topológicos. Nesse meio-tempo, a equipe de Carvalho foi a primeira a desenvolver em um laboratório brasileiro a técnica conhecida como Arpes, sigla em inglês para espectroscopia de fotoelétrons com resolução angular. Nesse procedimento experimental, as partículas de luz emitidas por uma lâmpada especial colidem com uma amostra mantida em um ambiente de ultra alto vácuo e e arrancam seus elétrons. Um espectroscópio de alta resolução mede então as propriedades desses elétrons, permitindo deduzir qual era seu estado no material. Foi por meio da Arpes que se confirmou a existência dos isolantes topológicos. Os pesquisadores mineiros dominam outra técnica, a difração de elétrons de baixa energia (Leed, na sigla em inglês), por meio da qual conseguem determinar a estrutura atômica na superfície das amostras. A ideia deles agora é usar a Leed em conjunto com a Arpes para investigar qual a influência da posição dos átomos nos estados eletrônicos do material. Outro experimento promissor que o grupo vem conduzindo é a deposição de camadas de um átomo de espessura, de antimônio, cobre, estanho ou manganês, sobre os cristais de Bi2Te3 e Bi2Se3. Pesquisas recentes mostraram que a presença desses filmes metálicos ultrafinos diminui a densidade de elétrons sendo conduzidos no meio do material. “A esperança”, explica Carvalho, “é que, à medida que controlarmos a presença desses filmes, a gente consiga fazer um isolante topológico verdadeiro.” n Artigo científico SCHMIDT, T.M.; et al. Spin texture and magnetic anisotropy of Co impurities in Bi2Se3 topological insulators. Physical Review B. v. 84. 13 de dez. 2011. pESQUISA FAPESP 192
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_ biomas brasileiros
Os mamíferos da discórdia Estudo contesta visão de que a maioria das espécies típicas do cerrado e da caatinga se originou nas florestas
H
á algumas décadas, a fauna de mamíferos do cerrado e da caatinga costumava ser descrita como uma versão empobrecida dos animais que habitavam as duas grandes florestas nacionais, a amazônica ao norte e a mata atlântica, na porção litorânea do país. A definição se amparava na constatação de que muitas das espécies presentes nos dois biomas vizinhos eram também compartilhadas com as densas matas adjacentes. Até as chamadas espécies endêmicas do cerrado e da caatinga, aquelas que só eram encontradas nessas áreas de vegetação predominantemente aberta, e em mais nenhuma outra, descenderiam de linhagens ancestrais associadas às florestas. Um estudo recente, feito por três biólogos, questiona essa visão e sustenta exatamente o contrário: cerca de 80% das espécies endêmicas conhecidas de mamíferos do Brasil Central e semiárido do Nordeste têm suas raízes em regiões de vegetação aberta do continente sul-americano, do tipo savana, com poucas árvores e mais gramíneas, como o próprio cerrado e seu vizinho chaco, área plana e relativamente seca que se estende por partes dos territórios do Paraguai, Bolívia e Argentina, além de um pequeno trecho no centro-oeste nacional.
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Marsupiais do gênero Cryptonanus e morcego da espécie Xeronycteris vieirai: dois exemplos de mamíferos endêmicos, respectivamente, do cerrado e da caatinga 2
fotos 1. Maria Elina Bichuette 2. Raone Beltrão Mendes
biogeografia
A ideia é defendida por Ana Paula Carmignotto, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Mario de Vivo, curador da seção de mamíferos do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), e Alfredo Langguth, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), num artigo que será um dos capítulos do livro Bones, clones, and biomes – The history and geography of recent neotropical mammals, a ser lançado em meados deste ano pela editora da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos. “Conseguimos demonstrar que muitas das espécies endêmicas de áreas abertas do cerrado e da caatinga não se originaram, como as pessoas pensavam, de espécies irmãs das florestas vizinhas”, afirma Vivo, cujos estudos foram basicamente financiados por um projeto temático feito no âmbito do programa Biota-FAPESP. “Elas, na verdade, pertencem a linhagens de formação aberta, com ramificações em outros biomas desse tipo na América do Sul.” A hipótese se mostra mais plausível para a fauna típica de mamíferos do cerrado, onde, como no vizinho chaco, a presença de vastas áreas abertas era ainda mais expressiva por volta de 10 mil anos atrás do que é atualmente. A exis-
tência por um longo período de tempo dessa grande zona de savana no coração da América do Sul funcionou, de acordo com os pesquisadores, como o berço de boa parte das espécies mais típicas do cerrado. No caso da caatinga, o papel das áreas abertas como origem de espécies singulares de mamíferos é aparentemente menos palpável, mas não totalmente desprezível. No que é hoje o semiárido nordestino, houve uma floresta tropical há alguns milhares de anos. O dado explica por que as matas do passado, e as de hoje, parecem realmente ter sido mais importantes para o desenvolvimento das poucas espécies únicas de mamíferos da caatinga, bioma onde esse grupo de animais é menos diversificado que no cerrado. Ainda assim, os três autores do artigo dizem que é um exagero creditar às florestas toda a cota de endemismo da caatinga. Para chegar a essas conclusões, o trio de pesquisadores fez uma grande revisão da literatura científica publicada sobre o tema e também foi a campo estudar alguns animais específicos do cerrado e da caatinga e sua distribuição geográfica. O resultado do trabalho gerou uma lista atualizada não só das espécies presentes exclu-
zoologia
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A riqueza de cada bioma Número de espécies encontradas de mamíferos total
153 8
total
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endêmicas
caatinga
25 endêmicas
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s morcegos e os roedores são as duas ordens de mamíferos com maior número de espécies conhecidas em ambos os biomas. Os primeiros representam mais de um terço das espécies do cerrado e mais da metade das da caatinga. Os segundos respondem por outro terço das espécies do cerrado e um quarto das da caatinga. Em seguida, com um número bem menor de espécies, destacam-se os carnívoros e os marsupiais (ver quadro na página 45). É interessante notar que 120 espécies de mamíferos estão presentes tanto na caatinga como no cerrado. “A maior parte dos mamíferos desses dois biomas é compartilhada entre si ou com a floresta amazônica, a mata atlântica ou o chaco”, afirma Ana Paula Carmignotto. “Essa questão sempre foi destacada em outros estudos e pouco se falava das espécies endêmicas.” Segundo Vivo, muitos trabalhos davam a entender que as áreas abertas da América do Sul não tinham gerado nada de original em termos de novas formas de mamíferos. Quase tudo visto era como uma ramificação de linhagens que evoluíram nas matas fechadas. A impressão, falsa segundo o trio de autores, talvez decorra da constatação de que o universo dos mamíferos exclusivos do Brasil Central é realmente pequeno e concentrado. Os pesquisadores contaram 25 espécies exclusivas do cerrado (21 de roedores, 2 de marsupias, 1 de primata e 1 de morcego) e 8 da caatinga (5 de roedores, 1 de primata, 1 de marsupial e 1 de morcego). Falar de endemismo de mamíferos no cerrado e na caatinga é, portanto, quase sinônimo de falar de roedores. A distribuição geográfica das espécies encontradas nos 50
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Kerodon acrobata
cerrado
chaco 3
Sem rabo, o mocó-acrobata é um roedor endêmico do cerrado. Presente em Goiás e talvez no Tocantins Galea spixii Thalpomys cerradensis
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Denominado vulgarmente de preá, a espécie vive em áreas de vegetação aberta do cerrado e da caatinga
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De hábito terrestre, o rato-de-chão tem como hábitat o Brasil Central, no centro do cerrado
dois biomas e os estudos filogenéticos, que traçam seu possível parentesco e relação evolutiva com animais de outras regiões, levaram os biólogos a defender dois padrões de endemismo. O primeiro compreende espécies de mamíferos hoje típicas do cerrado ou da caatinga que derivaram de gêneros originários da floresta amazônica ou da mata atlântica. Os exemplos clássicos podem ser encontrados sobretudo na ordem dos primatas. O Callithrix penicillata, popularmente denominado sagui-de-tufo-preto ou mico-estrela, é um macaco que vive somente no cerrado, mais precisamente em trechos arbóreos desse ecossistema. É a única das mais de 20 espécies do gênero Callithrix que habita uma zona de savana, fora da floresta equatorial ou da
O Projeto Systematics evolution and conservation of eastern Brazilian Mammals n° 1998/05075-7 modalidade Projeto Temático Coordenador Mario de Vivo – USP investimento R$ 529.250,05 (FAPESP)
Fonte Ana Paula Carmignotto, Mario de Vivo e Alfredo Langguth fotos 1. Mauro Teixeira Junior 2. Agustin Camacho 3. Cristiano Nogueira 4. Agustin Camacho 5. Mauro Teixeira Junior
sivamente nos dois biomas, mas de todos os seus mamíferos conhecidos. A biodiversidade encontrada foi maior do que se esperava. De acordo com o trabalho, o cerrado, cujo território abrange cerca de 2 milhões de quilômetros quadrados e abarca o pantanal, possui 227 espécies de mamíferos, 33 a mais do que encontrara o último inventário, de 2002. Com menos da metade da área e mais seca, a caatinga, segundo o novo estudo, conta com 153 espécies de mamíferos, 10 a mais do que elencara o levantamento anterior, de 2008.
Thylamys karimii
4
Pequeno marsupial típico de dois biomas da América do Sul, o cerrado e a caatinga
Cabassous unicinctus
5
No Brasil, essa espécie de tatu-de-rabo-mole é encontrada no cerrado, na caatinga e também na floresta amazônica
Entre morcegos e roedores Quantidade de espécies separada por tipos de mamíferos caatinga cerrado
Antas
1 1 19 14
Carnívoros Coelhos
1 1
Marsupiais
8
23 80 77
Morcegos Preguiças e tamanduás Primatas
3 3 8 6
Roedores Tatus Ungulados
35 8 5 6 3
78
mata litorânea. O mesmo ocorre com o endêmicas do cerrado e da caatinga seja Callicebus barbarabrownae, o guigó-da- derivada de linhagens de animais origi-caatinga, espécie hoje ameaçada de ex- nários de áreas abertas. “Não sei como tinção cuja origem deve ter sido a vizinha poderia justificar a possível origem de mata atlântica. Alguns roedores, marsu- espécies endêmicas (desses dois biomas) piais e morcegos (como o Lonchophylla em ambientes abertos”, afirma Alho. Ele dekeyseri) do cerrado e da caatinga tam- cita exemplos de primatas, roedores e bém se encaixam nesmorcegos do cerrado sa situação. cujas linhagens seriam provenientes de áreas O segundo padrão com florestas. de endemismo é o de A fauna do linhagens de animais Em sua maioria, as que há muito temespécies mencionacerrado e da po estão associadas das por Alho são as a biomas de vegetamesmas que Ana Paucaatinga tem ção predominantela, Vivo e Langguth mente aberta, como admitem ser mesmo 120 espécies o próprio cerrado e a originárias de matas, comuns de caatinga no passado embora sustentem remoto e o chaco. “A que esses casos são a mamíferos maioria dos mamífeexceção, e não a regra ros endêmicos do da história evolutiva cerrado e da caatinga da fauna endêmica de pertence a essa catemamíferos do centro goria”, afirma Vivo. As do Brasil. Uma discortrês espécies de roedores do cerrado do dância explícita diz respeito às origens gênero Juscelinomys estão nessa situa- de uma espécie extinta de roedor, Jusção. Esse também é o caso de duas es- celinomys candango, o rato-candango pécies endêmicas de roedores do gênero encontrado apenas durante a construThalpomys, duas do gênero Wiedomys e ção de Brasília em 1960 e, desde então, uma do gênero Kunsia, entre outras. nunca mais visto. “Ele também dependia de hábitat florestado”, diz Alho. Vivo e história evolutiva dos pequenos seus colegas acham que não. marsupais do gênero Thylamys é Outros pesquisadores acreditam que ainda mais surpreendente. Exis- as ideias expostas no capítulo do livro tem nove espécies do animal na Améri- sobre os mamíferos endêmicos do Brasil ca do Sul, cinco encontradas em áreas de Central não devem ser descartadas sem vegetação aberta da região dos Andes. As estudos mais aprofundados. “É um traduas espécies endêmicas do Brasil – a balho muito interessante e acho que eles Thylamys karimii, popularmente deno- podem ter razão”, afirma o biólogo Rui minada catita e encontrada no cerrado Cerqueira, da Universidade Federal do e na caatinga, e a Thylamys velutinus, a Rio de Janeiro (UFRJ). “A hipótese deles catita-anã-de-rabo-gordo, presente ape- é bastante razoável.” Segundo o pesquisanas no cerrado – exibem os traços mais dor fluminense, a noção de que a fauna de antigos (basais) do gênero e não teriam mamíferos do cerrado e da caatinga seria relações de parentesco com marsupiais uma versão empobrecida dos animais originários de áreas florestais. “É um caso florestais está realmente ultrapassada e raro”, comenta Ana Paula. “Na maioria da mais estudos sobre a questão, sobretudo vezes, a diversificação dos grupos de ma- no semiárido nordestino, onde as coletas míferos associados às formações abertas de animais são pouco frequentes, precida América do Sul ocorreu nos Andes e sam ser feitos. n Marcos Pivetta depois as linhagens se dispersaram e se diferenciaram aqui.” O biológo Cleber Alho, professor tiArtigo científico tular aposentado da Universidade de CARMIGNOTTO, A. P. et al. Mammals of the Brasília (UnB) e hoje docente da pósCerrado and Caatinga – Distribution Patterns of the Tropical Open Biomes of Central South -gradução da Universidade AnhangueraAmerica. Capítulo do livro Bones, clones, Uniderp, do Mato Grosso do Sul, discorand biomes – The history and geography da da ideia de que a maioria das espécies of recent neotropical mammals. No prelo.
A
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_ 51
_ deriva continental {
A primeira fratura Movimentação de Gondwana quase transformou o Nordeste brasileiro em parte da África Salvador Nogueira
P
or pouco, uma boa porção do que hoje é o Nordeste brasileiro não se tornou parte da África durante a movimentação dos grandes blocos rochosos que formam os continentes, a chamada deriva continental. A hipótese de que o Nordeste pudesse ter se partido surgiu nos anos 1960 e ganhou agora o reforço de evidências obtidas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e da Universidade de Brasília (UnB). Nesse cenário, que chegou a ser geologicamente esboçado, mas acabou interrompido por razões ainda não totalmente compreendidas, a América do Sul teria uma área bem menor, e o continente africano uma forma que lembraria mais um triângulo do que o atual “L” de cabeça para baixo. “O Carnaval de Salvador teria de ser brincado do outro lado do oceano”, comenta David Lopes de Castro, geofísico da UFRN e um dos quatro autores do estudo. A pesquisa, publicada no Journal of Geodynamics, retrata a evolução da chamada bacia Potiguar, formação localizada na costa do Ceará e do Rio Grande do Norte, a última parte da América do Sul a se desprender da África. Como se sabe, ao longo do tempo geológico, os continentes estão numa dança constante, ora se juntando, ora se afastando, em razão da dinâmica das placas tectônicas. Essas placas rígidas, de até 100 quilômetros de espessura, deslizam vagarosamente carregando consigo o que há em cima delas, como se fossem imensas balsas navegando sobre o interior pastoso da Terra. Cerca de meio bilhão de anos atrás, África, América do Sul, Austrália, península Arábica, Índia e Antártida estavam reunidas num supercontinente que os geólogos batizaram de Gondwana.
52 fevereiro DE 2012
“Na região que hoje é o noroeste africano e o nordeste sul-americano havia uma cadeia de montanhas, não muito diferente dos Andes”, diz Francisco Hilário Bezerra, coautor da pesquisa, também da UFRN. A região era instável, como seria de esperar de um pedaço de terra em via de se dividir em dois. A separação completa entre América do Sul e África aconteceu cerca de 100 milhões de anos atrás. O racha deu origem à bacia Potiguar, do lado sul-americano, e à bacia Benue, do lado africano. No meio, nasceu o oceano Atlântico. Decifrando a divisão
O que o grupo brasileiro se propôs a fazer foi buscar as peças do quebra-cabeça dos dois lados do oceano, a fim de descrever principalmente as características geológicas do lado de cá. Os pesquisadores trabalharam com dados gravimétricos e magnetométricos. Apesar dos nomes complicados, são técnicas que se baseiam em conceitos simples. O primeiro diz respeito a variações no campo gravitacional da Terra, o segundo, no campo magnético. Pode parecer estranho, mas a massa terrestre – responsável pelo campo gravitacional – não está igualmente distribuída em todo o globo. Por conta disso, há flutuações regionais e, analisando-as, os geofísicos conseguem calcular o que há por baixo do solo. A mesma coisa se dá com relação ao campo magnético. Dependendo da composição das rochas sob o solo, ele aparece com maior ou menor intensidade. “Depende da intensidade de magnetização de cada rocha”, explica David Castro. “As rochas sedimentares que formam a bacia Potiguar têm campo magnético de baixa inten-
fonte castro, d. l. et al. imagens 1. Nasa / Corbis / Glowimages 2. maria sousa / ufrn
1
sidade e isso gera o contraste com as rochas do embasamento”, conta. Os dados brutos, em sua maioria, não foram coletados pelos próprios cientistas. Do lado brasileiro, muitas das informações vieram de levantamentos pregressos feitos pela Petrobras e repassados aos pesquisadores pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Já do lado africano, as informações vieram de bancos de dados internacionais de acesso livre. Ainda assim, o grupo precisou coletar alguns dados gravimétricos. O esforço consistiu em levar um gravímetro – dispositivo um pouco maior que um computador convencional – pelas estradas do Rio Grande do Norte e do Ceará e fazer medições em diversos pontos das viagens. “Nós o colocamos no chão, fazemos a medida e seguimos em frente”, diz Castro. Muitos dos dados fornecidos pela ANP foram coletados por aerolevantamentos – em sobrevoos de avião, são tomadas medidas que ajudam a estimar o campo geomagnético da região. No entanto, os pesquisadores optaram por não utilizar dados gravimétricos coletados por satélites nas regiões continentais. Embora eles ofereçam uma cobertura muito mais ampla de todo o globo, a resolução não seria suficiente para dar o nível de precisão que eles buscavam para o detalhamento da constituição da bacia Potiguar e suas adjacências.
Bacia Potiguar
oceano atlântico
África
Bacia Jatobá
Brasil Bacia Tucano-Recôncavo 2
geologia
A linha vermelha marca a área onde provavelmente ocorreu o início da separação entre África e América do Sul, que gerou as fraturas sobre as quais se assentam as bacias Potiguar, Jatobá e Tucano-Recôncavo, no Nordeste brasileiro (acima)
pESQUISA FAPESP 192 53
-cabeça que acabaram ficando em lados opostos do Atlântico. Quando dois continentes se separam, a divisão não é muito diferente das criadas pelo homem com suas fronteiras. Assim como o Muro de Berlim dividiu famílias e até casas na capital alemã após a Segunda Guerra Mundial, a separação entre a América do Sul e a África apartou regiões-irmãs, constituídas por formações geológicas que começam num lado do Atlântico e terminam no outro. Por essa razão, não foi surpresa quando o novo mapeamento revelou falhas geológicas com continuidade linear da América até a África. Chama a atenção o Fratura profunda sugere fato de que, em 130 milhões que Gondwana começou de anos, as coisas quase não tenham mudado, ainda que a se partir mais a oeste um oceano tenha nascido entre os dois continentes. A bacia Potiguar tem interesse especial não só pela quebra na borda da bacia Potiguar. É razão, curiosidade científica, mas também pelo portanto, para seguir pesquisando. potencial econômico – trata-se de uma O trabalho do grupo brasileiro, do qual região com consideráveis reservas de FRATURA PROFUNDA Com a análise precisa dos dados da Po- participa o geólogo Reinhardt Fuck, da petróleo. Daí a abundância de dados cotiguar, eles conseguiram identificar o UnB, aprofundou uma linha de pesquisa lhidos pela Petrobras. “A bacia é o que se alinhamento e a presença de uma fratura estabelecida em meados dos anos 1990 convencionou chamar de um campo de muito profunda – acredita-se que esse pelo pesquisador Roland Raymond Trom- petróleo maduro, e as grandes reservas seja o sinal mais claro de que Gondwa- pette, que já foi professor da Universida- já foram descobertas”, diz Castro. Para ele, o estudo pode ajudar em funa originalmente começou a se partir de de São Paulo e hoje trabalha no Cennaquela região, em vez de mais para o tro Nacional de Pesquisa Científica da turas prospecções, mas não só na Améleste, como acabou ocorrendo milhões França. O estudo brasileiro valida os re- rica do Sul. “É possível, a partir dos resultados do francês e dá mais detalhes sultados, procurar as mesmas situações de anos mais tarde. A pergunta que não quer calar, dian- da geologia da região, além de mostrar geológicas na África. Dizem que por lá te dessa evidência surpreendente de um como se encaixam as peças do quebra- também tem o pré-sal, tal como cá.” Uma contribuição dos novos resultados é realimentar a pesquisa básica. Ou seja, tudo começa com prospecção científica, passa à exploração econômica, que agora, com os dados colhidos, leva tudo de volta Profundidade da bacia sedimentar em que se assentam o à ciência. E assim o ciclo prossegue. Rio Grande do Norte e o Ceará varia de 22 a 31 quilômetros “O que estamos buscando são os detaoceano lhes finos, tentar entender a história evoProfundidade (km) atlântico lutiva da região”, diz. “E, de forma genéri14,3 bacia potiguar ca, também é importante para prosseguir 22,3 Profundidade (km) com a busca por mais petróleo, pois pas26,3 samos a conhecer melhor os mecanismos 27,8 que o geram e o acumulam.” n 28,4
Em média, os pesquisadores tomavam uma medida a cada quilômetro (alguns dos dados obtidos com a ANP têm espaçamento ainda menor, de 500 metros). Reunindo todas essas informações, eles puderam estimar a configuração do subsolo daquela área. Com a gravimetria, é possível verificar as características de rochas a até 50 quilômetros de profundidade. No caso da magnetometria, o alcance é menor, mas ainda assim impressionante: cerca de 20 quilômetros. Os dados das duas técnicas foram então combinados para produzir o levantamento da região – por vezes chegando a mapear a rocha até a interface entre a crosta da Terra e a camada imediatamente inferior, o manto. Com isso, os pesquisadores conseguiram identificar o alinhamento preciso da bacia Potiguar com outras duas, adjacentes e situadas mais ao sul, a bacia Jatobá e a Tucano-Recôncavo. Juntas, suas bordas traçam uma linha no sentido norte-sul, que vai do limite entre o Ceará e o Rio Grande do Norte ao nordeste da Bahia.
quase-racha continental, é: por que ele não foi até o fim? Ninguém tem uma resposta exata, mas especula-se que aquela região pudesse ser mais resistente à quebra que o local onde de fato ocorreu, centenas de quilômetros a leste. Além disso, alguns geólogos sugerem que a tensão iniciada mais para dentro do continente sul-americano acabou se transferindo para outras falhas, levando ao rompimento em outro ponto. Contudo, ainda não há evidências conclusivas que expliquem a interrupção da
Cicatriz geológica
Artigo científico
Longitude
54 fevereiro DE 2012
Latitude
CASTRO, D.L. et al. Influence of Neoproterozoic tectonic fabric on the origin of the Potiguar Basin, northeastern Brazil and its links with West Africa based on gravity and magnetic data. Journal of Geodynamics. v. 54, p. 29-42. mar. 2012.
fonte castro, d. l.; et al.
31,0
Biota-Bioen-PFPMCG Joint Workshop: Science and Policy for a Greener Economy in the context of Rio+20 Workshop conjunto Biota-Bioen-PFPMCG: ciência e políticas para uma economia mais verde no contexto da Rio+20
A FAPESP vai realizar nos dias 6 e 7 de março um workshop conjunto de seus programas de pesquisa sobre biodiversidade (Biota), bioenergia (Bioen) e mudanças climáticas globais (PFPMCG), com o objetivo de contribuir para as discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD), também chamada de Rio+20, que acontecerá em junho no Rio de Janeiro. O workshop vai abordar o tema central da Rio+20, que é a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, além de apresentar a contribuição da pesquisa paulista para a conferência, com ênfase em tópicos como a produção de bioenergia, os mecanismos de mitigação das mudanças climáticas e a conservação da biodiversidade, entre outros. 6 e 7 de março, das 9h00 às 17h00 Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP Auditório Carvalho Pinto Rua Pio XI, 1500, 4º andar - Alto da Lapa, São Paulo
eduardo cesar
Informações e inscrições: www.fapesp.br/rio20
tecnologia
56 fevereiro DE 2012
_ T elecomunicações
Conexão celular Cresce a participação de softwares para a telefonia móvel desenvolvidos por fabricantes de aparelhos no país texto Yuri
economia
Vasconcelos
ilustração Gabriel
O
Bitar e Nana Lahóz
Brasil fechou 2011 com uma base de 242,2 milhões de assinantes de telefonia móvel, o que dá uma média de 123 celulares para cada grupo de 100 habitantes – ou seja, mais de um celular por brasileiro. A evolução em relação ao final do ano anterior foi de 39,3 milhões de telefones. No mesmo período, a produção desses aparelhos no país atingiu 64 milhões de unidades, das quais 7,2 milhões foram exportadas. Esses números fazem do Brasil um dos mais aquecidos e cobiçados mercados de telefonia celular do mundo, ocupando o quinto lugar no ranking global de contratos de celulares. Mas poucos sabem que o Brasil também possui alguns resultados importantes quando o assunto é inovação tecnológica em telefonia móvel. Os principais fabricantes de celulares instalados no país, como Nokia, Motorola, Sony Ericsson, Samsung e LG, possuem centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e investem milhões de dólares anualmente para criar soluções inovadoras que irão equipar modelos vendidos no Brasil e no mundo. Aparelhos que recentemente
se transformaram em pequenos computadores pessoais com a possibilidade de acesso à internet, leitura de e-mails, localização por satélite, além de recepção de rádio e TV digital. As inovações realizadas no país estão basicamente atreladas a softwares, aplicativos, sistemas de produção e testes de produtos que as empresas trazem para o país, mas há também uma vasta criação local muitas vezes em colaboração com institutos independentes como o Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife (Cesar), em Pernambuco, o Venturus – Centro de Inovação Tecnológica, de Campinas (SP), e o Instituto Eldorado, com unidades em Campinas, Porto Alegre (RS) e Brasília. Embora considere importante os investimentos em P&D feitos pelos fabricantes de celulares no Brasil, o pesquisador Rodrigo Abdala Figueiras de Sousa, da Diretoria de Estudos e Políticas Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que não ocorrem no país as chamadas inovações radicais, que levam ao desenvolvimento de novos produtos, transformam a tec-
tecnologia da informação
pESQUISA FAPESP 192 57
Em 2011, o Eldorado ganhou o Prêmio Finep de Inovação, concurso da Financiadora de Estudos e Projetos para empresas e instituições de pesquisa que investem em inovação. A participação do instituto se deu por meio de seis projetos das áreas de TI e Telecom desenvolvidos em sua unidade de Campinas, entre eles o Acesso Fácil, uma plataforma digital de distribuição de conteúdos que permite enviar aplicativos, jogos, livros, arquivos de áudio e vídeo para qualquer dispositivo conectado à internet. Seu principal diferencial em relação aos concorrentes é a capacidade de reconhecer o dispositivo que se conecta com ele, seja um celular, tablet, notebook , TV ou qualquer outro equipamento, distribuindo conteúdos adequados à tecnologia de cada aparelho. “O Acesso Fácil começou a ser desenvolvido em 2010 e nasceu para ser usado na distribuição de conteúdos para celulares”, afirma Verwiebe. Um bom exemplo de aplicativos para celulares desenvolvidos no Brasil e que já ganhou o mundo é o Track Id, criado pelo Venturus em parceria com a Sony Ericsson. Essa empresa é uma joint-venture da japonesa Sony Corporation com a sueca Ericsson, que foi nologia e criam valor para a empresa e desfeita e passou a osteno país. “Uma pesquisa a ser publicada neste ano vai mostrar que o Brasil não tar apenas a marca Sony participa de elaborações mundiais de em outubro de 2011. O Uma aplicação para tecnologias de informação e comuniTrack Id é uma aplicação reconhecimento de cação”, afirma Sousa. para reconhecimento de Os destaques tecnológicos realizados músicas a partir de uma músicas a partir de uma no país são de pequeno número, mas pequena amostra gravaalguns conquistam espaço e visibilidada pelo aparelho ou pela pequena amostra gravada de no exterior. É o caso da plataforma aproximação do celular de MotoDev, destinada ao desenvolvimenum equipamento eletrôpelo aparelho celular to de aplicativos em Android, sistema nico que toca música ou operacional desenvolvido pelo Google mesmo do rádio do próque está sendo cada vez mais aceito paprio celular. A amostra é ra equipar os aparelhos recém-saídos enviada para um servidor da linha de produção. O sistema foi deque contém mais de 2,5 senvolvido pelo Instituto Eldorado em milhões de músicas disparceria com a Motorola, uma união que vem poníveis e é atualizado constantemente. O servidesde o final dos anos 1990, quando o instituto dor devolve como resposta ao usuário o nome da exerceu a coordenação do programa de capacimúsica, cantor, álbum, biografia e músicas mais tação tecnológica da empresa. famosas desse artista ou banda. “O MotoDev é uma plataforma aberta, livre, Sediado no Polo II de Alta Tecnologia de Camusada no mundo todo. No ano passado, foi repinas, o Venturus é, desde 2003, parceiro estraconhecido como o aplicativo mais amigável no tégico da Sony Ericsson, que tem centros de pesEclipse Com 2011, uma conferência internacioquisa e desenvolvimento na Suécia, China, Japão, nal sobre ferramentas abertas para softwares Estados Unidos. “Somos considerados o centro promovida pela Fundação Eclipse, do Canadá. de pesquisa deles no país, mesmo sendo um insEsse prêmio ajudou a nos projetar internaciotituto parceiro. As aplicações que desenvolvemos nalmente”, conta Loiberto Ararigboia Verwiebe, para a Sony Ericsson possuem o mesmo nível de gerente de arquitetura e engenharia de sistemas complexidade daquelas feitas nos demais cendo Instituto Eldorado. Ele explica que o foco da tros de pesquisa mundiais da empresa”, destaca instituição é o desenvolvimento de softwares Marcelo Abreu, gerente de programa do cliente para sistemas operacionais de celulares e que, Sony Ericsson no Venturus. “Temos três linhas de além da Motorola, já foram feitos projetos em pesquisa de softwares: aplicações globais, que é o parceria com a Samsung. carro-chefe da parceria, protótipos de softwares 58 fevereiro DE 2012
17 universidades participaram do programa de capacitação tecnológica da Motorola
Outra aplicação recente surgida no Brasil e que já está em muitos modelos de celulares da marca Nokia no mundo é o aplicativo Facelock, que reconhece o rosto do dono do aparelho e desbloqueia o telefone automaticamente. Basicamente, o aplicativo compara duas imagens, uma previamente armazenada no aparelho – do rosto do dono do celular – e outra capturada pela câmera frontal. “Esse aplicativo foi vencedor do concurso Nokia World 2010 e hoje é usado no mundo todo”, diz André Erthal, diretor da área de experiências em serviços no Instituto Nokia de Tecnologia (INdT), o centro de pesquisas da empresa que conta com filiais em Manaus (AM), Brasília, Recife (PE) e São Paulo. “Somos o principal braço tecnológico da Nokia na América Latina. Nossa maior força é desenvolver inovações personalizadas para o consumidor brasileiro e latino-americano. Temos várias inovações em software, mas também criamos muita coisa em hardware e tecnologia de rede”, diz Erthal. Outro aplicativo criado pela instituição para rodar em celulares foi o Ginga móvel (Ginga-NCL), programa que permite aos usuários ter acesso ao serviço de TV digital, a mesma dos televisores, com interatividade no celular. Entre as funções dos centros Entre as funções dos centros de pesde pesquisa dos fabricantes quisa das empresas produtoras de aparelhos ou ligadas a elas também estão estão os testes de resistência os testes de resistência e durabilidade dos celulares. O Instituto Nokia, por e durabilidade dos celulares exemplo, desenvolveu o Drop Tester, um equipamento para testar os aparelhos. Patenteado em parceria com a Fundação Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica (Fucapi), de Manaus, o aparelho é adotado pelos demais centros globais de pesquisa da Nokia. Ainda na área de testes, o INdT desenvolveu o primeiro laboratório de colorimetria de displays e LEDs do Brasil. Batizado de Disco Lab, ele é conveniado ao Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) e tem capacidade para realizar ensaios de fidelidade de resposta cromática, luminância e contraste, entre outros parâmetros, usados em celulares e telas de até 17 polegadas. A Motorola foi uma das pioneiras na instalação de um centro de verificação e integração de testes de softwares para celulares no país, o Brazil Test Center, implantado em 2004. “Esse projeto consolidou todas as etapas do processo e revolucionou a forma de olharmos os testes de celulares. Criamos ferramentas, disciplinas e processos que até hoje são usados em vários países onde a empresa está presente”, diz Rosana Fernandes, diretora de P&D da Motorola. Atualmente, a fabricante conta com cerca de 400 pessoas dedicadas
e desenvolvimento de produtos para empresas locais parceiras da Sony Ericsson.” Outro produto desenvolvido para a Sony Ericsson foi o suporte ao usuário, que permite ao dono do celular interagir com o aparelho e aprender sozinho suas funcionalidades. Dotado de vídeos, tutoriais, dicas e informações, ele foi projetado para substituir o manual de papel. “Começamos a desenvolver esses dois aplicativos do zero e hoje eles estão integrados a todos os celulares produzidos mundialmente pela empresa”, diz Abreu. O instituto conta com 160 funcionários, dos quais 40 dedicados exclusivamente aos projetos da fabricante de celular. A cada três meses, o centro de pesquisa realiza workshops internamente com o objetivo de discutir e propor possíveis inovações para a Sony Ericsson. “Temos uma aplicação aprovada e já em desenvolvimento surgida nesses workshops que deve ser lançada em meados deste ano, mas não podemos revelar ainda do que se trata”, diz o gerente do Venturus.
pESQUISA FAPESP 192 59
à atividade de P&D no país, entre funcionários e pesquisadores lotados em instituições parceiras. Em agosto de 2011, a divisão de celulares da Motorola foi vendida para o Google. A execução do Brazil Test Center foi feita em parceria com o Cesar, de Recife, centro de pesquisa que foi parceiro da Motorola em vários aplicativos para a empresa. “Trabalhamos com uma metodologia de design centrada no usuário. Quando recebemos uma demanda do fabricante, vamos a campo e fazemos um estudo social e físico do consumidor para entendermos suas necessidades e desejos. Com os dados dessa pesquisa em mãos, desenvolvemos as aplicações para os celulares, fazemos um protótipo, o validamos com o usuário final e, por fim, implementamos a tecnologia”, explica Eduardo Peixoto, diretor-executivo do Cesar. A Motorola é também uma das poucas empresas que chegaram a elaborar projetos de hardware, ou conceber um aparelho celular no país. O primeiro, com o desenvolvimento de hardware e software, foi o C353 lançado em 2003, vendido no Brasil e exportado para toda América Latina. Em 2008, foi a vez do modelo MotoroKR O Brasil é um W6, criado pelo Centro de mercado potencial P&D da empresa em Jaguariúna (SP). Ele foi exportaaberto para que do também para a América Latina e para a China. inovações radicais A empresa voltou a lançar outro aparelho conem telefonia cebido no país no final de 2010. É o Spice, o primeimóvel possam ro smartphone com sistema operacional Android ser feitas aqui desenhado e construído no Brasil. “Coordenamos mundialmente o desenvolvimento desse aparelho”, diz Rosana. A Motorola foi o primeiro grande fabricante a montar uma estrutura voltada à pesquisa e ao desenvolvimento de celulares. Em 1998, a empresa lançou um programa de capacitação tecnológica que envolveu 17 universidades e lançou as bases para a criação de aplicações programas móveis no Brasil. Em quatro anos de duração, o para celulares programa renovou 20 laboratórios e formou 8.200 profissionais em tecnologia da informação. foram “Como naquela época existiam pouquíssimos elaborados por profissionais capacitados, nosso primeiro desafio foi trabalhar com universidades e centros de pes- alunos da Ufam quisa para criar competência na área, formando e estão na loja profissionais e montando laboratórios”, afirma Rosana. Nessa primeira etapa a empresa investiu de aplicativos R$ 23 milhões em quatro anos. Desde 1998 até da Nokia 2011, os investimentos cresceram. Foram mais de
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US$ 500 milhões, cerca de US$ 36 milhões por ano, em média, em pesquisa e desenvolvimento de novos softwares, aplicativos, componentes e hardwares para celulares no país. Os investimentos feitos aqui por algumas empresas multinacionais são importantes, mas se comparados com os gastos em P&D global dessas mesmas empresas ainda são pequenos. Os dispêndios com P&D da Motorola em 2010 foram de US$ 1,5 bilhão para um faturamento de US$ 11,5 bilhões em todo o mundo, apenas para área de celulares e tablets. A empresa não divulga dados de faturamento regional. Outra empresa global, a Samsung, faturou US$ 137 bilhões, sendo US$ 5 bilhões no país em 2010, com todo o seu portfólio de produtos eletrônicos, com celulares, TVs e câmeras fotográficas. Desse total foram US$ 20 bilhões de P&D, dos quais R$ 100 milhões investidos no Brasil, segundo reportagem do jornal Brasil Econômico de 21 de outubro de 2011. Para fomentar a pesquisa e desenvolvimento no país, o caminho das empresas é fazer parcerias com universidades, uma alternativa também usada pelo INdT da Nokia. O instituto é equipado com laboratórios de nível internacional e mantém há três anos um programa de cooperação técnico-científica com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Seu objetivo é gerar conhecimento para o desenvolvimento de tecnologias para plataformas de telefonia móvel na região. Os alunos do programa criaram e já publicaram mais de 10 programas na loja de aplicativos da Nokia, a Ovi Loja. Segundo Erthal, do INdT, o Brasil tem um mercado potencial aberto para que inovações radicais na área de telefonia móvel sejam feitas
aqui. “O Drop Tester é um exemplo de inovação. Para que elas possam ser mais frequentes e em maior número, é preciso incentivar a formação de novos doutores. Investir em massa crítica é fundamental para o país inovar cada vez mais”, afirma. Para o Brasil dar passos à frente nessa área, segundo alguns analistas, é preciso necessariamente modernizar a Lei da Informática. As empresas instaladas no país se valem dos benefícios dessa lei para desenvolver atividades de P&D em centros próprios ou por meio de parcerias com universidades e institutos de pesquisa. Promulgada em 1991, durante o governo Collor, a Lei de Informática representou um estímulo à inovação no país. Ela concede incentivos fiscais – redução de 80% do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – para fabricantes de diversos produtos eletrônicos, inclusive telefones celulares, mas exige como contrapartida que a companhia invista 4% do faturamento decorrente dos produtos incentivados em atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos no país. “Como a Lei de Informática, na prática, reduziu o preço final dos produtos incentivados, todos os fabricantes de celulares no Brasil, uma hora ou outra, decidiram investir em P&D. De outra forma, seus produtos não seriam competitivos”, afirma Rodrigo Sousa, do Ipea e autor do artigo “Vinte anos da Lei de Informática: estamos no caminho certo?”, publicado na edição de outubro de 2011 do Boletim Radar do mesmo instituto. De acordo com o pesquisador, a Lei de Informática, que completou 20 anos em 2011, é um instrumento defasado. “Ela não sofreu nenhuma
inovação substancial nas duas últimas décadas. Dá ênfase ao hardware e não estimula a criação de softwares e componentes. Isso fez do Brasil um montador de equipamentos.” Para ele, o governo deveria exigir das multinacionais algumas contrapartidas, como, por exemplo, maior produção de inovações radicais para o mercado mundial, aumento do nível de exportação, inserção de novos elementos na cadeia produtiva, como aplicativos e componentes, e diversificação de produtos. Sousa argumenta que a lei distorceu o mercado em direção da montagem e ressalta que os fabricantes instalam seus centros de P&D conforme a tradição tecnológica do país. “Para o Brasil se tornar uma plataforma geradora e exportadora de inovação na área de telecomunicações e celulares é necessário uma política de desenvolvimento científico e tecnológico específica”, diz Sousa. Para Loiberto Verwiebe, do Instituto Eldorado, a cadeia de inovação na área de celulares está crescendo no país e já existe um número grande de aplicativos criados localmente para esses terminais telefônicos móveis. Mas, segundo ele, como há um retardo médio de lanA cadeia de inovação çamento de novos modena área de celulares los de aparelhos no Brasil de seis meses a um ano, é está crescendo pequena a chance de desenvolvermos aplicativos no país e já existe ligados a um terminal inovador. “O que não impede um grande número de, usando a criatividade de aplicativos de nossos desenvolvedores, obtermos aplicativos de grande relevância para o mercado consumidor”, ressalta Verwiebe. Ele destaca também que as equipes de desenvolvimento de hardware para celulares estão, em sua grande maioria, concentrados na China e na Coreia do Sul. “Esses países criaram uma rede de desenvolvedores, formada por ODMs (sigla para original design manufacturer ou fabricante de projeto original), que fazem os celulares para os fabricantes. A concepção e o design do produto são feitos nos Estados Unidos e na Europa, mas seu desenvolvimento acontece na China”, diz. Isso pode explicar o fato de que as inovações em hardware ainda serem em número muito menor no Brasil quando comparadas àquelas ligadas a aplicativos e softwares. “O número de patentes brasileiras nesse setor é insignificante. Adotamos tecnologias desenvolvidas em outros países", diz Sousa, do Ipea n pESQUISA FAPESP 192 61
_ novos materiais
Altíssima qualidade Argila sintética elimina resíduos no processamento de nanotubos de carbono Dinorah Ereno
U
m método simples e inovador para o tratamento de resíduos que sobram nos laboratórios após a purificação de nanotubos de carbono – formados por folhas de átomos de carbono enroladas na forma de tubo – foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa do professor Oswaldo Alves, do Laboratório de Química do Estado Sólido da Universidade Estadual de Campinas (LQESUnicamp). Utilizando nanopartículas de hidrotalcita sintética, um tipo de argila, os pesquisadores conseguiram remover cerca de 99% das impurezas do efluente resultante do processo de purificação. A hidrotalcita é uma argila altamente adsorvente composta por camadas positivamente carregadas – íons com carga elétrica positiva – de hidróxido misto de metais, geralmente alumínio e magnésio, intercaladas por camadas de ânions – íons com carga elétrica negativa –, como o carbonato. No processo de adsorção, as moléculas ou íons ficam retidos na superfície da hidrotalcita por interações químicas ou físicas. O método inédito de limpeza de efluentes gerados em sistemas de purificação de nanotubos resultou no depósito de uma patente nacional e sua extensão internacional pela Agência de Inovação da Unicamp, a Inova. A patente inter62
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nacional foi requerida para resguardar os resultados do trabalho apresentados no Congresso NanoSafe 2010, em Grenoble, na França, com a participação de pesquisadores que trabalham com os riscos da nanotecnologia e de empresas produtoras de nanomateriais. A necessidade de purificação dos nanotubos no laboratório teve início em 2003, quando os pesquisadores planejavam estudar a interação das nanoestruturas com organismos vivos. Uma das pesquisas feitas nessa linha, essencial para o desenvolvimento do processo de purificação, foi conduzida pelo biólogo Diego Stéfani Martinez durante o seu doutorado orientado por Alves. Também participaram ativamente da pesquisa, que engloba desde a purificação e caracterização das nanoestruturas até a interação entre elas e os diferentes níveis de organização dos biossistemas, os pesquisadores Antonio Gomes de Souza Filho e Natália Parizotto. O objetivo era analisar os impactos que os nanotubos poderiam causar, por exemplo, no ecossistema aquático. Para o estudo foi utilizado o microcrustáceo bioindicador Daphnia similis, conhecido como pulga-d’água. Diferentes concentrações de nanotubos colocados em água mineral por até 48 horas foram avaliadas com a intenção de verificar se interferiam na mobilidade da pulga-d’água, o que
Nanotubos de paredes múltiplas purificados são detectados em microscópio eletrônico de transmissão na Unicamp
lqes / unicamp
seria considerado um efeito adverso. O resultado apontou ausência de toxicidade aguda para o microcrustáceo até a concentração de 30 miligramas por litro. Para desenvolver esse e outros estudos similares era necessário ter nanotubos de alta qualidade, sem resíduos de carbono amorfo ou de catalisadores metálicos usados no processo de síntese. “A purificação é uma etapa essencial para criarmos novos usos químicos para os nanotubos e também para que possamos empregar as nanoestruturas em estudos de interação com sistemas biológicos”, diz Alves. Na época, os nanotubos encontrados no mercado apresentavam uma heterogeneidade muito grande. Em uma mesma amostra podiam ser encontradas estruturas com diferentes formas, diâmetros e teor de impurezas. Era necessário ter um padrão. Foram quatro anos até chegar a um protocolo constistente de purificação, mas um novo resíduo surgiu e precisava ser tratado. “Conseguimos eliminar as impurezas da síntese, mas não as impurezas da oxidação, chamadas de debris de oxidação”, diz Alves. Isso ocorre porque, para permitir que os
nanotubos sejam dispersos em água e compatíveis com diferentes materiais, é feito um tratamento com misturas altamente oxidantes, que contêm ácido sulfúrico e ácido nítrico. Para eliminar essas impurezas, foi necessário adicionar ao processo uma solução de soda cáustica (hidróxido de sódio) diluída, usada na indústria na fabricação de papel, tecidos, detergentes, alimentos e biodiesel. No entanto, não dava para descartar sem nenhum tipo de tratamento o efluente resultante, um líquido de cor escura constituído de uma complexa mistura de substâncias poliaromáticas e matéria orgânica. Se não for tratado adequadamente, ele pode contaminar lençóis freáticos e rios com substâncias químicas difíceis de serem retiradas em estações de tratamento de água antes do consumo humano. “Decidimos então partir para a purificação da purificação”, diz Alves. Foi aí que os pesquisadores resolveram testar a hidrotalcita, que desde os anos 1990 era estudada no laboratório pelas suas propriedades físico-químicas. Tanto que ela havia sido empregada em um processo
de tratamento de efluentes da indústria têxtil, desenvolvido em parceria com a empresa Contech (ver edição 155 de Pesquisa FAPESP). Nos testes feitos, a argila eliminou os resíduos formados no processo de purificação dos nanotubos, gerando um sólido escuro que pode ser separado por decantação. Além da vantagem da eliminação das impurezas de oxidação, a solução de hidróxido de sódio restante pode voltar para o processo e ser reusada com a mesma eficiência. O pó escuro obtido, ao passar por um tratamento térmico, elimina a matéria orgânica e volta a ser branco. Nessa forma, pode também ser reutilizado em um novo processo de remoção sem perda de eficiência. n Artigos científicos 1. Stéfani, D. et al. Structural and proactive safety aspects of oxidation debris from multiwalled carbon nanotubes. Journal of Hazardous Materials. v. 189, p. 391-96. 2011. 2. Alves, O. L. et al. Hydrotalcites: a highly efficient ecomaterial for effluent treatment originated from carbon nanotubes chemical processing. Journal of Physics: Conference Series. 304 012024. 2011. pESQUISA FAPESP 192
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_ A nálises Clínicas
Diagnóstico
fácil
bioquímica
Equipamento testa no sangue, em poucos minutos, microrganismos ligados a 20 doenças texto
Evanildo da Silveira
ilustração e infográfico
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Drüm
m equipamento de diagnóstico capaz de detectar até 20 doenças em apenas alguns minutos está sendo desenvolvido por um consórcio liderado por três instituições de pesquisa do Paraná. Chamado de plataforma para diagnósticos multiplex, o kit será produzido industrialmente, a partir de 2014, pela empresa Lifemed, com sede em Pelotas (RS). No início, o aparelho será utilizado para diagnóstico de HIV, citomegalovirose, rubéola, sífilis, toxoplasmose e hepatite A, B e C em exames de pré-natal na Rede Cegonha, programa do Ministério da Saúde de assistência a mães e bebês. A pesquisa para o desenvolvimento do produto é liderada pelo Instituto Carlos Chagas (ICC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e pelas universidades Federal (UFPR) e Tecnológica Federal (UTFPR), todos de Curitiba, além de outras sete instituições de outros estados, com a articulação promovida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Diagnóstico em Saúde Pública. Segundo Marco Aurélio Krieger, pesquisador do ICC e coordenador do projeto, o novo equipa-
mento foi desenvolvido baseado em dois conceitos, lab-on-a-chip (todo o laboratório contido em um cartão descartável) e point of care (de execução simples em consultórios ou ambulatórios). Assim, ele é portátil, pode funcionar a bateria e possibilita a realização do teste no próprio consultório médico ou até mesmo em locais remotos. “Além disso, todo o desenvolvimento do aparelho é nacional”, diz Krieger. De acordo com Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a sua pasta investirá cerca de R$ 950 milhões, em cinco anos, na compra dos kits. O número de equipamentos produzidos irá aumentar de forma progressiva nesse período. De acordo com ele, a compra pelo governo federal irá gerar uma economia de mais de R$ 177 milhões no decorrer dos cinco anos e o preço unitário do produto terá redução de cerca de 30% no período. “No primeiro ano (2014) serão produzidos 2 milhões de kits ao valor unitário de R$ 30,40”, explica. “No último ano (2019) vão ser fabricados 10 milhões de unidades ao valor de R$ 21,50 cada uma.” São valores sem
medicina
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Brilhos no disco O teste é validado se todos os pocinhos do círculo externo brilharem
Pequenas cavidades no chip indicam de forma luminosa as doenças que a pessoa possui
1. Uma gota de sangue é colocada no centro do disco, que é inserido no equipamento para fazê-lo rodar e espalhar o líquido
2. O sangue chega às cavidades (pocinhos) que possuem, no primeiro círculo, microesferas com antígenos das doenças
impostos que incidem normalmente no produto, apenas incluem aqueles relativos ao pagamento de pessoal. O equipamento é composto basicamente de três partes: micropartículas de poliestireno (o mesmo material usado para fabricar isopor); um disco de polímero, semelhante a um CD, chamado pelos pesquisadores de chip; e o equipamento que o faz rodar. Quem desenvolveu as partículas foi a equipe do físico Cyro Ketzer Saul, do Departamento de Física da UFPR. Cada uma delas tem cerca de 10 micrômetros de diâmetro (um micrômetro equivale à milionésima parte do metro). “Por meio de reações químicas, envolvemos as partículas com antígenos de um determinado patógeno, como vírus ou outros microrganismos causadores de doenças”, explica Krieger. O antígeno é uma proteína ou pedaço de proteína estranha ao organismo que provoca uma resposta imunológica com formação de anticorpos. A segunda parte, o chip ou disco, também foi desenvolvida na UFPR, pela equipe do professor Wido Herwig Schreiner. Trata-se de um pequeno disco de três centímetros de diâmetro, com 40 “pocinhos”, divididos em dois círculos concêntricos, cada um com 20 deles. Cada par de pocinho (um do círculo interno e outro do externo) é ligado por uma microcanaleta ao centro do disco. 66
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3. No segundo, os pocinhos têm anticorpos que reconhecem as respostas imunológicas
Os pocinhos do círculo interno que brilharem indicam a doença correspondente
4. Quando existe anticorpo para uma doença no sangue, ele vai grudar no antígeno para tentar eliminá-lo
“Sabemos que funciona e agora queremos produzir o equipamento”, diz Cyro Saul
Na parte externa dele há uma borda de material absorvente, chamada pelos pesquisadores de fraldão. A terceira parte do kit é um equipamento, desenvolvido na UFTPR pelo grupo do pesquisador Fabio Kurt Schneider, que faz girar o disco e dá o resultado do teste, mostrando se um determinado paciente está com uma das doenças analisadas. Todo o processo de realização do diagnóstico é simples. Em cada pocinho do círculo interno do chip são colocados milhares de microesferas com antígenos para um determinado tipo de doença. Nos 20 pocinhos do círculo externo são
inseridos anticorpos capazes de reconhecer anticorpos humanos. Por isso identificarão qualquer um ligado aos antígenos. Sua função é agir como controle. O teste é feito colocando-se uma gota de sangue no centro do disco, que é inserido no tocador para girar. À medida que ele gira, o sangue escorre pelas canaletas até os pocinhos. Havendo no sangue testado anticorpo para uma determinada doença, ele vai grudar no antígeno para tentar matá-lo. Desse modo se sabe que a pessoa cujo sangue está sendo testado possui a doença. “Mas para que isso possa ser visualizado é colocada, de forma automática, outra proteína no centro do disco, que novamente é rodado”, explica Saul. “A proteína é chamada de repórter e é capaz de grudar em qualquer anticorpo que tenha aderido à partícula com antígeno.” O último passo é fazer incidir luz ultravioleta sobre o disco. A proteína repórter vai brilhar nos pocinhos com anticorpos, imagem que é captada por uma câmera do equipamento, tanto naqueles do círculo externo de controle como no interno que tiver sangue contaminado por uma determinada doença. “É importante o círculo de controle”, diz Krieger. “Se algum pocinho daqueles não brilhar, o teste é invalidado. É prova de que houve algum problema em sua realização.”
foto e fonte do infográfico icc
Até agora, o projeto já passou pela fase de bancada de laboratório, que comprovou sua viabilidade. “Já temos o que se chama uma prova de conceito”, explica Saul. “Sabemos que funciona e como funciona. Agora queremos produzir o equipamento industrialmente.” Para isso foi assinado em janeiro um convênio entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Fiocruz e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), que prevê a liberação de R$ 8 milhões para as próximas fases de desenvolvimento, validação e registro do kit. O ICC vai coordenar esta nova etapa, que será desenvolvida com participação de duas outras unidades da Fiocruz, Instituto Aggeu Magalhães, de Pernambuco, e Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), do Rio de Janeiro, além da UFPR, da UTFPR e do IBMP. teste do protótipo
Essa fase também terá a participação da Lifemed. Segundo seu gerente comercial nacional, Carlos Passos, em primeiro lugar, o projeto vai envolver a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da empresa. “A partir de uma configuração inicial e das características do equipamento que atendam às necessidades do Ministério da Saúde vamos desenvolver primeiro um protótipo”, explica. “Ele será testado em bancada de laboratório, antes de ser feito qualquer teste em pacientes. Depois disso, que normalmente é um processo demorado, será realizada a parte de testes clínicos. A produção propriamente dita é a última etapa e deve ocorrer de acordo com o contrato do Ministério da Saúde.” Não deverá faltar mercado para o uso dos kits. Segundo dados do Ministério da Saúde, todos os anos nascem no Brasil cerca de 3 milhões de crianças. Levando-se em conta que 75,5% da população brasileira não tem plano privado de saúde, estima-se que cerca de 2,3 milhões de gestantes dependem do SUS para suas consultas e exames do pré-natal. Ainda de acordo com o ministério, considerando-se que o número mínimo de consultas realizadas no Brasil é quatro por gestação durante o pré-natal, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda não menos de seis – e que em cada consulta sejam realizados os testes recomendados para HIV, rubéola, sífilis, toxoplasmose e hepatite B –,
Simulação do funcionamento do disco sob luz ultravioleta
saúde, o Ministério da Saúde espera um aumento significativo no número de consultas. A Fiocruz apoia a criação Para Gadelha, do minisde empresas para a produção tério, os acordos com instituições de pesquide peças do equipamento sa e empresas nacionais para o desenvolvimento de produtos e tecnologias possuem um caráo número estimado deles é de 9,1 mi- ter sistêmico de inovação, envolvendo o lhões por ano. avanço em novas abordagens biotecnoAinda não existem dados disponíveis lógicas e o esforço para a produção de sobre os gastos do SUS com a realização equipamentos e dispositivos médicos desses testes, mas, considerando que um no Brasil. Um dos objetivos do projeto é a máxiimunoensaio na plataforma Elisa custa, para outros programas do ministério, ma de nacionalização possível do equicerca de US$ 2 cada um, estima-se que pamento. Dispositivos como o chip e a seriam gastos anualmente cerca de R$ câmera devem ser importados. A meta é que outros componentes do kit sejam 247,8 milhões por ano com os exames. Outros dados do ministério também nacionalizados como as proteínas (antímostram a importância dos investimen- genos e anticorpos), o disco de polímero tos para desenvolver tecnologias nacio- da base do chip, as micropartículas de nais para o atendimento em saúde, prin- poliestireno que se ligarão às proteínas e cipalmente no pré-natal. Eles mostram o dispositivo acionador do chip. “No caso que em 2009, por exemplo, foram reali- das micropartículas já está em andamenzados 19,4 milhões de consultas com ges- to um processo de solicitação de patente tantes. Um aumento de 125% no acesso pela Fiocruz”, diz Saul. Além da Lifemed, aos serviços de saúde para as consultas que produzirá o dispositivo acionador do chip e fará a montagem e comercializado pré-natal em relação a 2003. Com a implantação total do progra- ção do produto, a Fiocruz está apoianma Rede Cegonha em 2014, que tem co- do a criação de empresas spin off para mo um dos seus objetivos a ampliação a produção dos componentes plásticos do acesso das gestantes aos serviços de que comporão o disco do chip. n pESQUISA FAPESP 192
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Vladimir Airoldi ao lado do reator de fabricação de diamantes
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_ Empreendedorismo
Trajetória vitoriosa Vladimir Airoldi, da Clorovale, exporta brocas de diamante sintético e ganha Prêmio Finep
foto eduardo cesar
D
esde que retornou ao Brasil no início de 1991, após o término de um pós-doutorado no Laboratório de Propulsão a Jato da agência espacial norte-americana (Nasa, o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi decidiu conduzir seus projetos de pesquisa com um propósito muito bem definido – o de que eles tivessem ao mesmo tempo um alto nível científico e alto potencial de aplicação. Ao retomar o trabalho no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, no interior paulista, seu primeiro projeto foi o desenvolvimento de diamantes sintéticos para aplicações no espaço e na indústria. “Na época os estudos de diamantes sintéticos ainda eram muito teóricos, não dava para ter a dimensão exata do que eles representariam”, diz Airoldi. O que se sabia é que era um material com compatibilidade biológica e química, com o menor coeficiente de atrito entre os materiais sólidos e, por isso, seria possível usá-lo como lubrificante sólido em dobradiças de painéis solares de satélites. Além disso, era um material com condutividade térmica mais elevada do que todos os outros materiais e com um grande intervalo de transmissão óptica, que abrange desde o infravermelho até o raio X, possibilitando aplicações em ferramentas de corte e abrasão, protetores de superfícies contra corrosão química, ferramental médico-odon-
tológico e outras. A ideia inicial era desenvolver diamantes sintéticos para a área espacial, como dissipadores de calor, lubrificantes sólidos e protetores ópticos. Mas isso era considerado pouco para o pesquisador. “Desde o início o projeto foi lançado como um gerador de spin-offs, empresas que utilizassem a tecnologia”, disse Airoldi. Duas décadas depois, em dezembro do ano passado, Airoldi recebeu o Prêmio Finep de Inovação 2011 na categoria Inventor Inovador, da Financiadora de Estudos e Projetos, como reconhecimento pelo seu trabalho. Atualmente, o pesquisador tem 12 patentes depositadas e os artigos científicos publicados pelo seu grupo de pesquisa somam mais de uma centena e meia. O grupo agrega 30 pessoas, entre pesquisadores, alunos e pós-doutorandos. Um dos desdobramentos do projeto inicial foi a criação da empresa Clorovale Diamantes, em 1997, para produzir pontas de diamante sintético destinadas a brocas odontológicas. Essas brocas, acopladas a aparelhos de ultrassom em substituição aos tradicionais de rotação, são vendidas para o mercado interno e externo. “Somos a única empresa no mundo a empregar o diamante CVD na área de odontologia”, diz Airoldi. O diamante CVD (chemical vapor deposition, ou deposição química na fase vapor) é produzido com gases como hidrogênio e metano. A patente
física
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Pontas de diamante sintético recebem tratamento de gás plasma dentro do reator
já foi concedida nos principais mercados do mundo, a exemplo dos Estados Unidos, Europa, Austrália, Japão e China. Airoldi relata que no início enfrentou a desconfiança de institutos financiadores de pesquisa, que não queriam apoiar projetos com teor de aplicação elevado, e a decepção com os empresários de indústrias das áreas médica, odontológica e de metalurgia, procurados por ele para a apresentação da tecnologia que necessitava de investimentos para seguir em frente. “O período de 1991 a 1997 foi muito sombrio, mas continuei firme e tivemos a aprovação do projeto Pipe pela FAPESP que deu início à Clorovale”, relata. O projeto na modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), na sua avaliação, foi o grande catalisador de todo o processo, já que permitiu criar a empresa. Desde então teve aprovados outros quatro projetos pela FAPESP na mesma modalidade, além de dois projetos temáticos e três auxílios regulares a pesquisa para sua área de pesquisa no Inpe.
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Em 2010, a empresa ganhou um novo fôlego no modelo de negócios com o apoio do Criatec, um fundo de investimentos de capital semente criado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em parceria com o Banco do Nordeste do Brasil. O Criatec entrou como sócio e detém 35% do capital da empresa. Atualmente a Clorovale conta com nove sócios, três dos quais são sócios investidores, e 23 funcionários. Na avaliação de João Furtado, membro da Coordenação Adjunta de Pesquisa para Inovação da FAPESP e professor da Escola Politécnica da USP, as principais qualidades de Airoldi são a tenacidade e a determinação. “Ele não esmoreceu nem mesmo em alguns momentos muito difíceis.” Para Furtado, não basta apenas uma boa ideia. “Um empreendimento é feito por um trabalho O fundo Criatec, um dos três árduo, sistemático e plasócios investidores, detém nejado.” Além disso, outra qualidade que con35% do capital da empresa tribuiu para o sucesso do empreendimento foi colocá-lo em outra persA escolha da odontologia como pri- pectiva, além da científica e tecnológica. meira aplicação industrial para o dia- “Ao longo do tempo, Airoldi conseguiu mante sintético foi fruto de uma es- entender melhor o mercado e sua dinâtratégia baseada no grau de instrução mica e compreendeu que a abordagem elevado dos dentistas e do fato de que envolvia diversas dimensões.” eles precisam de produtos com tecnologia agregada para ter um diferencial adesão metálica no consultório. “Mesmo assim, quando O pesquisador diz que as vantagens do começamos a vender o nosso produto em uso do diamante em aparelhos de ultras2003 enfrentamos muitas dificuldades”, som não foram criadas pelo seu grupo de diz Airoldi. “Vendemos o suficiente para pesquisa. “Dentistas já haviam relatado sobreviver até 2011, quando conseguimos na década de 1950 que o uso de brocas dobrar o nosso faturamento.” Até então em aparelho de ultrassom para fazer o o faturamento se mantinha constante na preparo de cavidades do dente era mais casa dos R$ 700 mil. Os ventos favorá- indolor que o método tradicional e não veis só começaram a soprar efetivamente provocava sangramentos”, diz. em 2009, quando a Clorovale começou a Mas a técnica relatada não evoluiu exportar o produto após receber a apro- porque não havia na época uma ponta de vação da União Europeia. diamante que pudesse suportar a ação do ultrassom quando este colide com o tecido duro, composto pelo esmalte e dentina. “Essa foi a grande sacada nossa e meu trabalho foi justamente fazer o diamante sintético nascer e crescer em uma superfície metálica”, relata. Mas isso não bastava. Era necessário que ele estivesse Dois entre extremamente aderente. “A adesão do os mais de diamante à área metálica é a parte mais 30 modelos importante do invento, o objeto da pade pontas tente.” Por trás do segredo estão vários odontológicas
fotos eduardo cesar
mantes sintéticos amorfos, cuja estrutura de carbono não é tão bem organizada como os cristalinos. Os amorfos não têm a mesma dureza que os cristalinos, mas ainda assim são mais duros do que todos os metais conhecidos. A vantagem é que, enquanto o diamante cristalino cresce no máximo até centímetros, portanto pode ser usado apenas em peças muito pequenas, o amorfo atinge proporções da ordem de metros. Excelente bactericida, ele pode ser empregado tanto em ferramentas usadas em cirurgias ortopédicas como para revestimentos em prótese de joelho e de válvulas do coração. mais durável e estável
Broca para perfuração de poços com pedaços de diamante na ponta
Os Projetos 1. Desenvolvimento de dispositivos em diamante CVD para aplicações de curto prazo – nº 1997/07227-6 2. Novos materiais, estudos e aplicações inovadoras em diamante CVD e diamondlike-carbon (DLC) – nº 2001/11619-4 3. Diamante CVD para um novo conceito de ferramentas de alto desempenho para perfuração e corte – nº 2006/60821-4 4. Filmes de DLC para aplicações em superfícies antibacteriana, antiatrito, espaciais, industriais e para tubos de perfuração de poços de petróleo nº 2006/60822-0 modalidade 1. 3 e 4. Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) 2. Projeto Temático Coordenadores 1. Kiyoe Umeda (Clorovale) 2. Vladimir Airoldi (Inpe/Clorovale) 3. Leônidas Lopes de Melo (Clorovale) 4. Alessandra Venâncio Diniz (Clorovale) investimento 1. R$ 329.585,13 (FAPESP) 2. R$ 576.456,12 (FAPESP) 3. R$ 550.661,41 (FAPESP) 4. R$ 505.917,65 (FAPESP)
desenvolvimentos, como densidade do gás utilizado, preparação da superfície no substrato, temperatura, composição e pressão interna dos reatores. Hoje são mais de 30 modelos de pontas odontológicas desenvolvidas a pedido de dentistas e professores. Elas podem ser usadas em remoção de cáries, no desgaste e acabamento de dentes, em processos de corte ósseo para implante de dentes. Vários laboratórios dentro de universidades ensinam os alunos a trabalhar com a tecnologia de pontas de diamante CVD com ultrassom. “O primeiro curso de odontologia ultrassônica do planeta foi criado na Universidade de São Paulo em Bauru”, diz Airoldi. Atualmente, a USP de Bauru conta com dois cursos, um para a área de dentística e outro para a de odontopediatria. A Faculdade de Odontologia da USP de São Paulo e a Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara e São José dos Campos também têm cursos similares. O diamante sintético não se limita apenas a aplicações odontológicas. Outra linha de pesquisa na empresa, feita em colaboração com o Inpe, são os dia-
Os diamantes sintéticos amorfos também foram utilizados em brocas de perfuração para poços de petróleo testadas pela Petrobras. As brocas tradicionais de perfuração já usam um pó de diamante nas pontas. Na pesquisa desenvolvida pela Clorovale, pequenos tarugos (pedaços) de diamante sintético são incorporados à ponta da broca. No primeiro ensaio, uma broca de pequenas dimensões, feita com tarugos de diamante de até 20 milímetros de comprimento por 2 milímetros, foi testada na perfuração de poços de água. Os resultados foram alentadores. A broca mostrou ter durabilidade duas vezes e meia maior, além de cortar 30% mais rápido e dar maior estabilidade ao eixo de perfuração do que a convencional com pó de diamante. A Petrobras decidiu testar a tecnologia para perfuração em poços profundos de petróleo e ficou satisfeita com o resultado. Diante disso, encomendou outros dois protótipos de brocas à Clorovale e está se preparando para fazer testes mais conclusivos ainda no primeiro semestre deste ano. Os diamantes amorfos podem ser depositados também em grandes superfícies. A sua aplicação enriquece as propriedades químicas, físicas e mecânicas de materiais como o aço, por exemplo. A criação de outros produtos além das brocas odontológicas é, na avaliação de Furtado, a terceira grande qualidade do empreendimento, acompanhada da determinação e da visão de mercado. “O pesquisador compreendeu que o programa Pipe pode ser um auxílio permanente e, por meio dele, é possível alargar os horizontes tecnológicos da empresa com novos desafios e novas competências. n Dinorah Ereno pESQUISA FAPESP 192
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_ p ecuária {
A carne da floresta Colombianos criam gado entre árvores e inspiram brasileiros Carlos Fioravanti
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m dos destaques de um congresso de restauração florestal realizado em novembro em São Paulo foram os resultados de 26 anos de trabalho em campo de pesquisadores da Colômbia na criação de gado em meio a florestas, o chamado sistema silvipastoril, ainda incipiente no Brasil. É simples: os bois, em vez de abaixarem a cabeça e comerem apenas capim sob o sol forte, se espicham e, à sombra, se fartam de folhas e frutos de arbustos e árvores no meio do pasto. Como resultado, pode-se manter até cinco animais por hectare e produzir de 10 mil a 15 mil litros de leite por ano por hectare sem adubação e quase sem suplementação alimentar, enquanto as pastagens comuns, sem árvores, abrigam um animal por hectare – a média na Amazônia brasileira é ainda menor, de 0,9 animal por hectare – e rendem 400 litros de leite por ano por hectare. Além disso, as árvores preservam as nascentes, protegem o solo da erosão e reduzem bastante as populações de moscas e carrapatos, que transmitem doenças, permitem a diminuição dos gastos com medicamentos veterinários, fertilizantes e pesticidas, além de recuperarem parte da biodiversidade original, perdida com a atividade agropecuária, ao atraírem aves e outros animais.
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Na Colômbia quase 2 mil fazendeiros converteram cerca de 45 mil hectares de pastagem degradada em pastagem arborizada, como resultado de uma colaboração entre a Federação Colombiana de Pecuaristas (Fedegan), o Centro de Pesquisa em Sistemas Sustentáveis de Produção Agropecuária (Cipav), a organização não governamental The Nature Conservancy (TNC) e o Banco Mundial. De modo pioneiro, Enrique Murgueitio Restrepo, diretor do Cipav, começou a cultivar florestas em pastagens depois de convencer os proprietários rurais de que as folhas e os frutos de árvores poderiam ser tão nutritivos para o gado quanto a alfafa e o capim. Seus argumentos foram bem recebidos porque nessa época os proprietários rurais da Colômbia procuravam uma alternativa para sair de uma crise dos mercados de açúcar e café. À medida que colecionava bons resultados, a equipe do Cipav ampliou o trabalho para fazendas de outros países – Bolívia, Guiana, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala e México – e estabeleceu colaborações com pesquisadores da Universidade Yale, dos Estados Unidos. A equipe de 40 pesquisadores do Cipav trabalha atualmente para ampliar a área de pastagens arborizadas na Colômbia para mais 45 mil hectares, valendo-se de um financiamento de US$ 7
Maria mercedes Murgueitio / CIPAV
ambiente
milhões do Banco Mundial. Segundo ele, essa será a primeira etapa de um ambicioso plano de conversão de 10 milhões de hectares de pastagens tradicionais, liderado pela Federação Colombiana de Pecuaristas. Na Colômbia, as pastagens ocupam cerca de 40 milhões de hectares “e a média de desmatamento de 2005 a 2010 foi de 285 mil hectares, mais da metade da área para utilização final de pastagens”, diz Murgueitio. “A grande batalha não é na Colômbia, mas aqui no Brasil”, afirma. Somente no estado do Pará, ele observa, 10 milhões de hectares de pastagens degradadas poderiam ser convertidas em pastagens florestadas de melhor aproveitamento econômico. A seu ver, mantendo quatro animais por hectare – e não apenas um, como na média nacional – em uma área de 100 hectares, com a mesma quantidade de animais, sobrariam 75 hectares para outras atividades. A pecuária extensiva, com uma cabeça de gado em média por hectare, predomina no Brasil. De acordo com o censo agropecuário de 2006, o mais recente, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a pecuária ocupa quase metade (48%), o equivalente a 158 milhões de hectares, do total de terras agrícolas do país, enquanto a agricultura cobre 59 milhões de hectares. O rebanho bovino, de 206 milhões de cabeças, é maior que a população, de 190 milhões de pessoas.
Bois bem nutridos à sombra, na Colômbia
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Uma fileira de Swietenia macrophylla: árvores cercam pastagem e fornecem madeira
“Já temos bastante informação para espalhar essa técnica no Brasil”, diz Ricardo Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). “As pastagens degradadas poderiam ser revertidas em pastagens florestadas, com benefício ambiental e também econômico, principalmente as pastagens degradadas em áreas agrícolas de baixa aptidão, que apresentam grandes riscos para processos erosivos e deslizamentos, como os recentes da região serrana brasileira.” Essa seria uma forma de ampliar a produtividade e ainda evitar a erosão, que em 5, 10 anos degrada o solo de pastos sem árvores. Em maio e outubro do ano passado, a convite de pesquisadores da Universidade Yale, Rodrigues e Sergius Gandolfi, também da Esalq, estiveram na Colômbia e visitaram as fazendas cujos proprietários se renderam aos argumentos de Murgueitio. Acostumados a ver pastagens no Brasil, os dois se encantaram ao ver o gado bem nutrido no meio do mato e se alimentando de uma espécie de árvore considerada invasora no Brasil, a leucena (Leucaena leucocephala). Também não esperavam ver cercas vivas, formadas por árvores, e não por mourões como no Brasil. “A vantagem da cerca viva é que não tem de reformar nem apodrecem como os mourões”, diz Gandolfi. “E pode ser uma fonte de renda, já que os produtores podem podar os galhos e vender a madeira para carvão.” As árvores reduzem a temperatura em dois, três graus, criando espaços agradáveis para os animais. 74 fevereiro DE 2012
SASKIA SANTAMARía / elti-yale
em geral em áreas com solos mais suscetíveis à erosão. No noroeste do Paraná a motivação dos 200 produtores rurais que deixaram as árvores crescer em cerca de 7 mil hectares era ter alimento para o gado no inverno, quando as pastagens comuns podem escassear. O ganho de peso tem sido fácil de demonstrar. Ribaski verificou que os animais jovens podem chegar a 450 quilogramas em 60 meses em pastagens arborizadas na caatinga, na Região Nordeste, enquanto nos métodos tradicionais de criação atingem em média 360 quilogramas em 54 meses. Segundo ele, com base nos resultados dessas pesquisas, a Secretaria de Agricultura de Alegrete, no Rio Grande do Sul, construiu um viveiro com capacidade para produzir 350 mil mudas de árvores para serem distribuídas aos produtores rurais da região, caracteriNo Brasil, pecuaristas resistem, zada pelo avanço incessante de campos se queixam dos custos arenosos sobre áreas agrícolas. de plantio e temem o fogo, Também há resistências, já que a adoque pode destruir tudo ção de uma tecnologia não depende apenas de argumentos técniEm 2009, entrevistando produtores cos: os ganhos de biodiversidade e conrurais da região de Quindío, Colômbia, forto para o gado não são o bastante para Alicia Calle e Florencia Montagnin, da convencer os produtores rurais. Moacyr Escola de Estudos Ambientais e Flores- Dias Filho e Joice Ferreira, pesquisadotais da Yale, e Andrés Felipe Zuluag, do res da Embrapa Amazônia Oriental, de Cipav, verificaram que a gliricídia (Gliri- Belém, Pará, verificaram que os agricidia sepium) era a árvore preferida para cultores que poderiam se beneficiar de formação das cercas porque cresce rapi- sistemas silvipastoris encontram-se em damente e fornece sombra para o gado. geral em regiões de abundância de áreas Os pesquisadores viram que mudas de naturais para expansão agrícola e, porárvore dessa espécie tinham sido plan- tanto, a motivação para implantar novos tadas recentemente ao longo de cinco métodos é baixa. Além disso, os propriequilômetros do perímetro das pastagens tários rurais se queixam de que os benefícios são de longo prazo, enquanto os das fazendas visitadas. custos com cultivo e plantio de mudas e mão de obra especializada são imeAvanços e resistências Vários estudos feitos no Brasil nos últi- diatos. Outra barreira é o risco de fogo mos anos, principalmente pelos pesqui- acidental, que pode queimar tudo o que sadores da Embrapa, indicam as vanta- foi feito – e gasto. Mesmo assim, já há o que mostrar. Os gens das pastagens arborizadas, em comparação com as convencionais: a falta de pesquisadores da Embrapa Sudeste, além sombra, por exemplo, pode reduzir em de selecionarem as espécies de árvores até 20% a produção de vacas leiteiras. nativas mais adequadas para o convíEm um levantamento nacional, Jorge vio com o gado, estão acompanhando a Ribaski, da Embrapa Florestas, sediada implantação experimental em fazendas em Colombo, Paraná, registrou um avan- de Brotas, Ibirá, Olímpia, Aspásia, Rioço das pastagens arborizadas, adotadas lândia e Votuporanga. As experiências
infográfico ana paula campos
Mais árvores, mais animais, mais leite Animais por hectare
Litros de leite por hectare por ano
Precipitação (mm por ano)
Altitude (m)
Sistemas silvipastoris méxico e colômbia
800 a 1.200
Trópicos secos
colômbia
1.500 a 1.750
Encostas andinas
Sem fertilizantes
Com plantas
complementares
forrageiras e adubo orgânico
4,6
4
5.3 mil
10 mil 200 a 1.000
1.450 a 1.800
Sistemas convencionais costa rica
ama zônia colombiana
Trópicos úmidos
Trópicos úmidos
Sem árvores e com
Pastagem degradada, 3.000
sem árvores
fertilizantes químicos 2.600
5 0,6
10.8 mil
400 600
500
Fonte CIPV, YALE E FUNDACIóN PRODUCE MICHOANCáN
na Colômbia, principalmente sobre as melhores técnicas de convencimento dos potenciais usuários, podem ser úteis. “A maioria dos pecuaristas não confia em técnicos nem em cientistas”, diz Murgueitio. “Só aceitam o que outros produtores já aplicaram.” O pequi e os surfistas
No Brasil, ressalta Rodrigues, áreas de vegetação nativa que devem ser mantidas como reserva legal, correspondente a 20% da área total da propriedade rural na Região Sudeste e a 80% na Região Norte, podem ser utilizadas de forma sustentável para produção econômica. “Poucos proprietários rurais conhecem as possibilidades de uso sustentável das matas mantidas de reserva legal, geralmente vistas como intocáveis”, diz ele. Para demonstrar essa possibilidade, Rodrigues e sua equipe estão acompanhando o plantio de árvores nativas com interesse econô-
mico, a serem cortadas com autorização legal ao longo de 40 anos, com ciclos de 12 anos, em uma área de 300 hectares no município de Campinas. Em 2011, Ana Cláudia Sant’Anna, da Esalq, comparou a renda obtida com o extrativismo vegetal de pequi (Caryocar brasiliense), uma fruta nativa do cerrado brasileiro muito utilizada na cozinha regional, com a do cultivo de soja na região de Iporá, em Goiás, e Pirapora, em Minas Gerais. A conclusão foi que o extrativismo sustentável de pelo menos 10 árvores de pequi em reservas legais de cerrado pode ser tão – ou mais – lucrativo quanto a produção de soja. Seu trabalho serve de argumento para os produtores rurais deixarem de ver como intocáveis as reservas legais. “Não há nenhuma incompatibilidade na coexistência do uso da terra para produção e para preservação”, diz Gandolfi no simpósio de restauração florestal
em São Paulo. Em uma aula que deu no curso de agronomia da Esalq em 2011, ele contou a história de dois surfistas norte-americanos que vieram curtir o mar do Rio de Janeiro, encantaram-se com o açaí, voltaram à Califórnia e, com outros dois surfistas, criaram uma empresa que vende suco de açaí brasileiro para esportistas nos Estados Unidos. No final, ele perguntou por que os estudantes não faziam como os surfistas e criavam um negócio para ganhar milhões de dólares aproveitando as riquezas das florestas brasileiras. n Artigos científicos 1. CALLE, A. et al. Farmer’s perceptions of silvopastoral system promotion in Quindío, Colombia. Bois et Forêts dês Tropiques. v. 300, n. 2, p. 79-94. 2009. 2. MURGUEITIO, E. et al. Native trees and shrubs for the productive rehabilitation of tropical cattle ranching lands. Forest Ecology and Management. v. 261, n. 10, p. 1.654-63. 2011. pESQUISA FAPESP 192 75
humanidades _ fam ílias encolhidas
Brasil
em transição demográfica Segundo pesquisa, fecundidade nacional cai cada vez mais e se concentra entre os adolescentes texto Carlos
Haag
N
Ilustração Veridiana
Scarpelli
a Copa de 2050, segundo projeções demográficas divulgadas no ano passado pela ONU, os torcedores brasileiros terão de se contentar em cantar “222 milhões em ação, salve a seleção” em vez dos esperados “300 milhões em ação”. Isso pode soar como uma boa notícia para os que profetizam os perigos de uma “explosão demográfica” no país, mas a realidade é outra, e igualmente preocupante há várias décadas. A fecundidade feminina vem caindo rapidamente e se, em 1960, a taxa era de 6,3 filhos por mulher, esses números caíram para 5,6 (1970), 2,9 (1991), 2,4 (2000) e 1,9 em 2010. “A população brasileira já atingiu uma fecundidade abaixo do nível de reposição. Este declínio deu-se em todas as faixas etárias, estratos socioeconômicos e regiões do país. Outro aspecto a destacar é que a transição da fecundidade obedece a um padrão de rejuvenescimento, ou seja, a partir de 1991 são as mulheres de 20 a 24 anos que apresentam a maior taxa específica de fecundidade, o que correspondia em anos anteriores à faixa dos 25 a 29 anos. Também a participação relativa da fecundidade das jovens de 15 a 19 anos, na fecundidade total correspondente a todo período reprodutivo, passou de 9% em 1980 para 23% em 2006”, explica a demógrafa Elza Berquó, do
76 fevereiro DE 2012
demografia
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), onde coordena a pesquisa Reprodução na Juventude e após os Trinta Anos. Segundo as pesquisadoras Elza Berquó e Sandra Garcia, também pesquisadora do Cebrap, o principal objetivo desse trabalho é mostrar que no Brasil a transição demográfica tem características próprias. Por um lado, o rejuvenescimento da fecundidade já apontado e de outro, um adiamento da reprodução para após os 30 anos. A convivência desses dois regimes de fecundidade moldará o futuro próximo do país. "Essa transição pode ser positiva ou não, dependendo de como a sociedade lidará com essas mudanças. Como a fecundidade caiu muito e a população está envelhecendo, além de a expectativa de vida ter se elevado, no futuro, entre 2030 e 2035, teremos uma carência séria de mão de obra jovem, como acontece nos países mais desenvolvidos, onde há décadas há mais idosos do que jovens, o que coloca cada vez mais um peso sobre a população economicamente ativa", analisam as pesquisadoras. "Mas, no Brasil, há esse elemento novo, o rejuvenescimento da fecundidade, não verificado nos países desenvolvidos. Em 1980, o pico da fecundidade estava entre os 25 e 29 anos. Hoje, está na faixa das jovens de 20 a 24 anos. Isso mostra que há um fôlego, ainda que, logo, os jovens vão pesar cada vez menos e os idosos, mais.” pESQUISA FAPESP 192 77
Rejuvenescimento da fecundidade Percentual de mulheres que concordam com cada uma das razões apresentadas por terem engravidado antes dos 20 anos, segundo variáveis sociodemográficas
Desejo de casar Classe econômica
Anos de estudo
41,9%
42,7% 41,9% 35,3%
31,2% 23,6%
Estuda atualmente
Não 40,9% Sim
DeE
C
AeB
0a4
Sim 34,7%
5 a 8 9 ou mais
Desejo de sair da casa dos pais Classe econômica
Anos de estudo
37,9% 29,5%
15,5%
13,3% C
AeB
Trabalha atualmente
Não 26,2%
Não 26,1%
25,9% 19%
Estuda atualmente
0a4
Sim
5 a 8 9 ou mais
Sim 20,6%
16,5%
Bônus
78 fevereiro DE 2012
Não 39,8% 26,9%
DeE
“Até meados do século XXI teremos uma população envelhecida. Mas, no caso brasileiro, ainda há tempo de se aproveitar isso como um ‘bônus demográfico’, não mais viável no caso europeu. Na educação, por exemplo, a redução do ritmo de crescimento da população ao lado do envelhecimento podem ser um bônus, já que há chances de melhorar a cobertura e a qualidade do ensino. Diminui-se a pressão também sobre os recursos naturais e o meio ambiente”, observa a demógrafa. “Mas é uma janela que se fechará rapidamente, por volta de 2030, permitindo uma arrancada no desenvolvimento e um aumento na qualidade de vida, desde que esse bônus seja inteligentemente aproveitado”, avisa o demógrafo José Eustáquio Diniz, coordenador da pós-graduação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Se perdermos essa chance ficaremos apenas com as desvantagens de uma população envelhecida, que pode significar a queda no crescimento econômico face à crise no mercado de trabalho e o peso dos velhos sobre os mais jovens”. Mas não há apenas a velhice a moldar a transição demográfica. “A pesquisa confirmou o início cada vez mais precoce da vida sexual, fruto de um mundo mais liberal em que a virgindade não é mais
Trabalha atualmente
Desejo de ser pai/mãe Classe econômica
Anos de estudo
Estuda atualmente
Trabalha atualmente
61,9% 55,8%
53,1%
52,5%
46,8%
Não 55,8%
Não 53,1% Sim 49,5%
Sim 46,1%
23,5%
DeE
C
AeB
0a4
5 a 8 9 ou mais
Desconhece métodos anticoncepcionais Classe econômica
Anos de estudo
Estuda atualmente
Trabalha atualmente
80,2% 71,3%
69,1%
68,1%
70,5%
73,8%
Não 71,2%
Sim 77,1% Não 69,5%
DeE
C
AeB
0a4
5 a 8 9 ou mais
Sim 70,8%
Fonte Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde – 2006
Analisando os diversos fatores que vieram influenciando a redução do tamanho da família no país, Elza cita que, antigamente, as famílias tinham muitos filhos, porque sentiam o efeito das altas taxas de mortalidade infantil e era preciso essa compensação para que houvesse sobreviventes que cuidassem dos pais na velhice. Com a Previdência Social, o Estado assumiu, em princípio, esse papel. Ao mesmo tempo, a política de crédito ao consumidor dos anos 1970 levou as pessoas a ter maiores aspirações de consumo e a pensar em como ajustar desejos de consumo e número de filhos. A grande mudança ocorrida na área das comunicações, em especial com a televisão, que chegou a um grande número de lares e lugares, acabou por influenciar, principalmente através das telenovelas, valores e estilos de vida, via famílias pequenas. Surgia também na época a pílula anticoncepcional, que certamente deu às mulheres oportunidade de regulação da fecundidade.
Dificuldade de acesso Classe econômica
Anos de estudo 37,3%
30,4%
26,1%
20,9% 23,1%
DeE
C
AeB
0a4
21,3%
Estuda atualmente
Trabalha atualmente
Não 28,7%
Não 28,1% Sim 19,3%
5 a 8 9 ou mais
Sim 21,9%
Casou cedo Classe econômica
Anos de estudo
Estuda atualmente
Trabalha atualmente
63,3% 54% 47,8%
49,8% 43,9%
46,3%
Não 54,2%
Não 52,9%
Sim 38,5% DeE
C
AeB
0a4
Sim 47,4%
5 a 8 9 ou mais
Sem outra opção Classe econômica
Anos de estudo
Estuda atualmente
Não 17,6% 16,9%
14,7%
DeE
C
17,4% AeB
15,1% 0a4
18,3%
13,4%
5 a 8 9 ou mais
um valor. Mas isso não foi acompanhado por um maior conhecimento e utilização dos métodos contraceptivos”, fala Elza. Ainda que o conhecimento desses métodos seja universal entre as jovens menores de 20 anos, apenas 60% das sexualmente ativas usavam algum método para prevenir gravidez. Das não usuárias, 40% não sabiam onde obtê-los e uma em cada cinco engravidaram na primeira relação sexual, situação que chega a 68% para as jovens das classes D e E e 70% para as menos escolarizadas. Das jovens que engravidaram antes dos 20 anos, 78% dentre elas desconheciam noções básicas sobre fisiologia da reprodução e do período fértil no ciclo ovulatório”, conta a pesquisadora. O estudo sugere que os comportamentos sexual e reprodutivo são moldados pelas pos-
Sim 11,1%
Trabalha atualmente
Sim 18,2% Não 15,5%
sibilidades estruturais e pelas normas culturais. Assim, as mais pobres e menos escolarizadas apresentaram menor percentual do uso de contraceptivos, o que realiza uma ponte direta entre gravidez antes dos 20 anos e pobreza com pouca escolaridade. “Há também uma percepção altamente positiva das jovens sobre as implicações da gravidez em sua vida amorosa e em sua autoestima, espantosos 96,2%. Isso está na contramão de quem vê na gravidez adolescente uma falta de projeto de vida. Os dados parecem indicar que, na ausência de uma melhor educação, de melhores condições de vida e de oportunidades, essa gravidez, embora não prevista, se configura como projeto de vida e não a ausência dele”, diz Sandra. “Para boa parte da sociedade, a gravidez na adolescência é um mal de grandes proporções, uma irresponsabilidade, quase uma tragédia nacional, já que o que se espera dos jovens é que estudem e se preparem para o mercado. Essa visão ideal não leva em conta que as oportunidades não são oferecidas de maneira igual para todos na sociedade brasileira”, observa Maria Luiza Heilborn, professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IMS/UERJ). “É o mesmo equívoco de achar que as populações pobres estão prestes a criar uma explosão demográfica. Em geral, nos segmentos mais pobres, a maternidade é vista como um status social face à falta de perspectivas profissionais, uma forma de entrar no mundo adulto. Nas classes médias, a maternidade só é bem aceita mais tarde, quando as questões profissionais e financeiras estão resolvidas. Daí, a recorrência ao aborto nesses estratos”, analisa.
P
ara a pesquisadora, ao mesmo tempo em que a gravidez jovem é indesejada, um indicador de “subdesenvolvimento”, a sociedade fechas as portas de acesso a métodos contraceptivos e criminaliza o aborto e a pílula do dia seguinte. “Há uma censura contra a gravidez na adolescência, mas não há o mesmo consenso em permitir o uso de certos métodos de interromper a gravidez”, avalia Maria Luiza. “As escolhas contraceptivas e reprodutivas estão sendo feitas em um contexto de ilegalidade do aborto e de pouca informação e provisão inadequada da contracepção de emergência pESQUISA FAPESP 192 79
Reprodução postergada Proporção de mulheres com 30 anos ou mais que não tiveram filhos antes dos 30 anos, por perfil sexual e reprodutivo, segundo razões por não terem tido filhos. Brasil, 2006. Respostas múltiplas e estimuladas 63,3%
Queria estudar e ter profissão antes de ter filhos
66,5%
Queria aproveitar a vida antes de ser mãe
Companheiro não quis ter filhos
sexual antes dos
58%
30 anos e nunca
28,1%
Nunca quis ou ainda não quer ter filhos
52,3%
engravidaram
6,4% 8,8%
Nunca se casou ou não teve parceiro com quem quisesse ter filhos
80 fevereiro DE 2012
antes dos 30 anos e engravidaram com
25,9%
30 anos ou mais
14,5% 3,9%
transmissíveis a questão da gravidez? Foi uma falta terrível de visão”, nota Elza. A pesquisadora não é tão otimista sobre o entusiasmo das jovens que engravidam na adolescência. “Em geral, essa visão positiva é post facto, ou seja, uma forma de aceitar algo já posto”, diz.
A
iniciaram a vida sexual
28,2%
Aborto espontâneo
no Brasil. Vale lembrar ainda o reduzido nível de implementação dos programas de educação em sexualidade nas escolas públicas. Qual seria a trajetória dessas jovens se as instituições melhorassem sua ação e o país tivesse oportunidade mais igualitárias?”, pergunta-se Sandra. Afinal, estar informado sobre métodos contraceptivos durante a relação sexual não garante seu uso adequado. “Nessa idade, há uma grande imprevisibilidade dos encontros sexuais e, logo, não há incorporação da contracepção ao cotidiano juvenil. Existe vergonha em falar com a família ou ir a uma farmácia para comprar preservativos. Já a pílula, com seus efeitos colaterais sobre o corpo das jovens que vivem numa sociedade que cobra formas perfeitas, a tendência ecológica dos jovens de não ingerir produtos químicos, e o esquecimento de tomar a pílula, determinam a gravidez indesejada”, avalia Eliane Brandão, do IMS/ Universidade Federal do Rio de Janeiro. A tudo isso se reúnem as falhas no uso dos contraceptivos e o despreparo dos profissionais de saúde em atender jovens e explicar os métodos. “No fundo, o sexo entre adolescentes é um tabu, algo não assumido e que não é contemplado com a atenção necessária pelas autoridades, pela escola e pela família. Por que as campanhas do uso da camisinha contra o HIV, que tiveram grande repercussão, não atrelaram ao problema das doenças sexualmente
G2 Mulheres que
35,7% 25,8%
Medo da gravidez e do parto
Aborto provocado
G1 Mulheres que iniciaram atividade
56,8%
demógrafa também não concorda totalmente com a tese de que boa parte das jovens que deixou a escola ao se verem grávidas teria saído de qualquer forma ou já estavam fora dela antes da gravidez. “É pertinente perguntar por que isso ainda acontece numa sociedade em que as melhores oportunidades de emprego estão associadas a maiores níveis educacionais. Não há programas especiais para mães jovens nas nossas escolas e, ainda que não tenhamos dados concretos, temos que considerar que ser mãe quando já há tão poucas chances para pessoas com baixa educação terá consequências sérias nas vidas dessas adolescentes”, acredita a demógrafa. Uma jovem sem filhos tem 60 vezes mais chances de continuar na escola do que uma mãe da mesma idade e estrato social e econômico. “No Brasil, a falta de educação e oportunidades está induzindo muitas adolescentes a começar uma família como projeto de vida. Num sistema educacional e econômico melhor, isso, com certeza não ocorreria, como se vê nos países avançados em que também há queda na
Fonte Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde – 2006
fecundidade geral, mas sem concentração em faixas etárias baixas”, pondera Elza. Quem efetivamente planejaria ser mãe tão jovem num país sem creches ou apoio à maternidade adolescente, obrigando-as a contar com a solidariedade familiar e de vizinhos para sobreviver e entrar no mercado. “Isso explica as grandes filas para esterilização, que expõem as mulheres a DSTs. Exercer a sexualidade não é fácil. É um direito natural, mas há riscos.” Ao mesmo tempo, nas classes mais abastadas, a pesquisa revelou um fenômeno curioso: 44% das jovens entre 15 e 20 nunca tiveram relações sexuais. “Esse número nos impressionou. Elas afirmam ter outras coisas para fazer e ocupar o tempo e querem casar virgens: não se trata apenas de não engravidar ou não iniciar a vida sexual. É um conservadorismo crescente que pode estar associado ao aumento dos evangélicos”, observa Elza.
O Projeto Reproduão assistida no Brasil: aspectos sociodemográficos e desafios para as políticas públicas – nº 2010/14827-6 modalidade Jovem Pesquisador Coordenadora Sandra Garcia – Cebrap investimento R$ 142.680,00
U
M
ais recentemente, a Medida Provisória 577 do governo federal que instituiu um cadastro nacional de gestantes e puérperas, cuja intenção seria a de diminuir a mortalidade materna, pode ter como consequência a identificação de ocorrência de abortos, “o que seria uma invasão direta da intimidade das mulheres e a possibilidade de pressão de grupos conservadores para propostas e medidas que viessem a retroceder os avanços já obtidos nesse campo, como congelamento de embriões e experimentos com célula-tronco”, fala Elza. Para complementar o novo quadro demográfico que se desenha, há o fenômeno da gravidez após os 30 anos. A pesquisa mostra que “são as mulheres de estratos sociais e educacionais privilegiados que optam por não ter filhos e se concentrar na realização pessoal e profissional. Mas chama a atenção que, dentre elas, 45% nunca se casaram ou se uniram. Entre 1996 e 2006, a proporção de mulheres que não tiveram filhos antes dos 30 anos cresceu de 5,3% para 9,2% e a daquelas que os tiveram com 30 anos ou mais cresceu de 4,8% para 6,7%”, fala Elza. A percepção que essas mulheres têm de sua vida é que fizeram a escolha certa e que serão melhores mães com mais de 30 anos. Quando, porém, o adiamento da maternidade passa limites biológicos, acarretando problemas de fertilidade, entra em cena o mais novo componen-
Reprodução assistida ganha forte demanda interna, mas não há ainda regulamentação para garantir segurança
te da transição demográfica em curso: a reprodução assistida. “Trinta e sete por cento das mulheres em idade fértil declaram não poder ter filhos, por serem estéreis ou terem sido esterilizadas. O número cresce para 57% na faixa dos 35 aos 49 anos. Já das férteis dessa idade 7% afirmaram que querem ter filhos. Se levarmos em conta ainda o arrependimento das esterilizações, a reprodução após os 30 anos, teremos um porcentual grande de mulheres que querem usar os serviços de reprodução assistida”, explica Sandra Garcia, do Cebrap, e autora da pesquisa Reprodução assistida no Brasil, que tem apoio da FAPESP na categoria Jovens Pesquisadores.
m fenômeno presente em vários países europeus e nos EUA, a reprodução assistida tem uma crescente demanda no Brasil, mas, na grande maioria, os tratamentos são feitos em clínicas privadas com um alto custo. “Hoje não são apenas os casais mais abastados, mas a população mais pobre que quer ter o direito ao processo, que está garantido pela Constituição na questão do direito à reprodução. É do Estado a responsabilidade de disponibilizar os tratamentos para a população em geral”, conta Sandra. Lésbicas e homossexuais masculinos, ao lado de pessoas solteiras, também reivindicam esse direito. Em 2005 foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral em Reprodução Humana Assistida, ligada ao SUS, mas logo em seguida foi suspensa. “É um desrespeito ao direito de cidadania, bem como deixa a prática sem qualquer regulação, vulnerabilizando as mulheres. Não é incomum, quando uma nova tecnologia em reprodução assistida é divulgada na midia, haver uma corrida às clínicas que a realizam, na busca de soluções tecnológicas que ainda estão sendo apropriadas pelo mercado e necessitando de maior tempo para sua validação.” conta a pesquisadora. Para Sandra, a reprodução assistida não vai impedir a queda da fecundidade, mas pode trazer realização a muitas pessoas. “Falta, porém, uma movimentação maior das mulheres por esse direito. Isso pode ser devido ao fato de que os movimentos de mulheres lutam há muito tempo pelo direito de acesso ao aborto e aos métodos contraceptivos, demandas prioritárias ainda não plenamente atendidas”, diz Sandra. “Por outro lado, o trabalho de desconstrução da maternidade como destino feminino, pelos movimentos feministas, levou a que parte desse movimento exercesse fortes críticas e resistência às tecnologias reprodutivas”, acrescenta. A pesquisadora Elza Berquó afirma que “homens e mulheres devem ter o direito de decidir tanto sobre sexualidade quanto orientação sexual e reprodução, cabendo ao Estado informar e dar condições para que o sexo seja seguro e, portanto, prazeroso”. É na intimidade que se desenha o novo mapa demográfico do país. Conhecê-lo e compreendê-lo pode vir a contribuir para a garantia e a ampliação dos direitos sexuais e reprodutivos. n pESQUISA FAPESP 192 81
_ percepção da ciência
O que você não quer ser quando crescer Pesquisa mostra que menos de 3% dos adolescentes latino-americanos desejam seguir uma carreira científica
M
esmo vivendo num mundo imerso em tecnologia, o jovem, ao se deparar com a célebre pergunta “o que você quer ser quando crescer?”, dificilmente responderá “cientista”. Segundo a pesquisa Los estudiantes y la ciência, projeto do Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (Ryct/Cyted), organizado pelo argentino Carmelo Polino, apenas 2,7% dos estudantes secundaristas (de 15 a 19 anos) da América Latina e Espanha pensam em seguir uma carreira nas áreas de ciências exatas ou naturais, como biologia, química, física, e matemática (as ciências agrícolas mal aparecem). Realizada entre 2008 e 2010, foram consultadas cerca de 9 mil escolas, privadas e particulares, em sete capitais: Assunção, São Paulo, Buenos Aires, Lima, Montevidéu, Bogotá e Madri. Curiosamente, 56% dos entrevistados se disseram interessados em se profissionalizar em ciências sociais e um quinto deles optou pelas engenharias. A equipe brasileira participante do projeto veio do Laboratório de Jornalismo da Unicamp (Labjor), coordenado pelo linguista Carlos Vogt, responsável pelo capítulo “Hábitos informativos sobre ciência e tecnologia” do livro, lançado em espanhol e disponível ape-
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_ fevereiro DE 2012
nas para download pelo link www.oei.es/salactsi/ libro-estudiantes.pdf. “São dados preocupantes para sociedades em cujas economias há uma intensa necessidade de cientistas e engenheiros, mas há um baixo interesse dos jovens por essas profissões. E as razões alegadas igualmente são desanimadoras: 78% dos estudantes explicam sua opção por achar que as ciências exatas e as naturais são ‘muito difíceis’, quase metade dos alunos as considera ‘chatas’, enquanto um quarto deles afirma que esses campos oferecem oportunidades limitadas de emprego”, afirma Polino. “O número de alunos de ciências já está num patamar insuficiente para as necessidades da economia e indústria e, acima de tudo, para lidar com os problemas a serem enfrentados pelas sociedades no futuro.” Ainda segundo os entrevistados, o desânimo em face do desafio das ciências está ligado, em boa parte, à forma como elas são ensinadas, e reclamam que os recursos utilizados em sala de aula são limitados. Metade dos adolescentes tampouco acredita que as matérias científicas tenham aumentado sua apreciação pela natureza, nem que sejam fontes de solução para problemas de vida cotidiana.
Boneco de Albert Einstein na Estação Ciência, em São Paulo
comunicação
eduardo cesar
educação
pESQUISA FAPESP 192
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escolha. Bem atrás, com menos de 18%, estão motivos como: descobrir coisas novas, solucionar problemas da humanidade e avançar o conhecimento. Bem abaixo, com menos de 5%, estão razões como exercer uma profissão socialmente prestigiada ou trabalhar com pessoas qualificadas. No campo dos fatores que desanimam os jovens, o grande “vilão” é a didática das ciências nas aulas, que afasta da cabeça dos estudantes o desejo de uma carreira científica ou um futuro laboratorial. Em seguida, para 6 em cada 10 alunos, a dificuldade em entender as matérias é um filtro negativo. O 2000 2002 2004 2006 2008 “tédio” assola metade dos jovens. Daí, outro fator que os desanima é a ideia de que escolher a área científica é seguir estudando “indefinidamente” algo que “Já existem obstáculos grandes para consideram “chato”. Em quarto lugar, os jovens adentrarem o mundo das ciên- com 24%, está o receio de que existam cias, visto como hermético, uma coisa poucas oportunidades de conseguir um de iniciados com linguagem própria que emprego na área. pouco tem a ver com o mundo sensível Isso não impede os jovens de ver aqueem que vivemos, exigindo um alto grau les que escolheram a ciência para profisde abstração, e nem sempre se pode en- são como figuras socialmente prestigiacontrar com facilidade analogias na vida das, cujo trabalho está associado a fins pessoal dos estudantes”, observa Vogt. altruístas e ao progresso, e a imagem dos “Imagine tudo isso num país como o cientistas que predomina é a de apaixonados pelo seu trabalho, com mentes abertas e um pensamento lógico, não vigorando mais o estereótipo do Num país com poucos cientista “solitário” e engenheiros preocupa esse “distante da realidade”. Há, porém, um ponto desinteresse dos jovens controverso: os jovens estão convencidos, em sua maioria, de que os cientistas são donos de nosso em que apenas 2% dos formados uma inteligência superior, que embora desejam seguir uma carreira no magis- possa ser vista como uma característica tério. A situação de ensino é lamentável positiva e atrativa afugenta os jovens, que e, na maioria dos casos, quem dá aulas não se consideram capazes de alcançar de ciências vem de campos alternativos, os patamares dessas “figuras excepciocomo engenheiros ou médicos, pouco nais”, afetando negativamente a escolha interessados em facilitar ou renovar a pela carreira científica. “É preciso analisar esses dados a partir do seu potencial, maneira de ensinar.” pois é possível mudar esse paradigma ão, portanto, sutis as razões que atual que reverta a situação, trazendo levam um estudante a optar pela não apenas mais jovens para as carreiras carreira científica. Segundo a pes- científicas, como também melhorando a quisa, 4 em cada 10 estudantes seguiriam experiência de aprendizagem da educaa profissão por dois motivos: viajar muito ção secundária”, observa Polino. Diante da afirmação “que a ciência e trabalhar com novas tecnologias. Para um terço dos interessados, o salário, traz mais benefícios do que riscos à vida que consideram atrativo, é também uma das pessoas”, 7 em cada 10 entrevistavariável a ser levada em conta para essa dos concordaram com a premissa. Mas
Evolução dos universitários formados por área do conhecimento 1.200.000
1.000.000
800.000
600.000
• Ciências agrícolas • Humanidades • Engenharia e tecnologia • Ciências médicas • Ciências naturais e exatas • Ciências sociais
400.000
200.000
0 1990
1992
1994
1996
1998
fonte Elaborado com base em dados obtidos pela RICYT (www.ricyt.org.br)
“Há barreiras culturais, porque os jovens de hoje acham que para ter êxito na vida, ter dinheiro, não é preciso estudar muito. É possível escolher uma carreira de resultados econômicos mais rápidos. A cultura do esforço, que é a cultura da ciência, vem perdendo espaço. Temos a necessidade urgente de uma política pública de educação e comunicação da ciência”, avisa Polino. Em alguns pontos a nova pesquisa reforça algumas tendências observadas no estudo anterior do grupo, Percepção pública da ciência (ver “Imagens da ciência” na edição 95 de Pesquisa FAPESP; “Leitores esquivos”, na 188; e “Avanços e desafios”, na 185), de 2004, mas a pesquisa recente, com o foco nos jovens, traz novos e preocupantes dados. “Num país como o nosso, cujo futuro depende dos avanços de ciência e tecnologia, e onde há uma grande carência de profissionais técnicos e engenheiros, esses números demandam atenção das autoridades e da sociedade em geral para despertar nesses jovens o interesse pelas carreiras científicas. Acima de tudo, é um paradoxo, porque vivemos num mundo estruturado pela presença da tecnologia em todos os espaços da vida das pessoas”, analisa Vogt. “Apreciamos as benesses do esforço científico, mas não nos interessamos em continuar esse trabalho. As facilidades são ofertadas, mas são ilusórias, porque se quisermos tomar posse dessas conquistas é preciso capacitação científica, capacidade de abstração, mesmo com todas essas dificuldades que advêm do estudo das ciências exatas e naturais.” 84
_ fevereiro DE 2012
S
diante da assertiva “a ciência e a tecnologia estão produzindo um estilo de vida artificial e desumanizado”, as posições são menos definidas e a resposta mais recorrente (21,5%) foi “não concordo, nem discordo”. O contexto social revelou aspectos interessantes: os jovens de escolas públicas são menos entusiastas das comodidades oferecidas pela tecnologia. “Não é de estranhar que os que têm menos acesso a ela percebam menos a sua importância em facilitar a vida das pessoas”, nota Polino. Diante das afirmações “contraditórias” de que a ciência está “tirando postos de trabalho” e que “a ciência trará mais chances de trabalho para as gerações futuras” os resultados revelam que mais jovens (37%) têm medo de perder seu emprego por causa da ciência do que são otimistas com o futuro (32%). Segundo os pesquisadores, as respostas seguem o padrão da juventude latino-americana, para quem a “meritocracia” no trabalho é mais mito do que realidade. Quando o meio ambiente entra em cena, tudo piora.
E
m face das assertivas “ciência e tecnologia eliminarão a pobreza e a fome do mundo” e “a ciência e a tecnologia são responsáveis pela maior parte dos problemas ambientais”, 3 em cada 10 estudantes não acreditam no poder de “cura” científico e a cifra se
frequência com que os jovens se informam sobre ciência Feiras e olimpíadas Rádio
Nunca = 0
Livros
Quase nunca = 1 De vez em quando = 2
Revistas Museus, centros e exposições
Quase sempre = 3
Conversas com amigos – C&T
Sempre = 4
Jornais Internet Televisão – C&T Zoológicos e jardins botânicos Conversa com amigos – meio ambiente Filmes, livros e revistas – ficção científica Televisão – natureza e vida animal 0
1
média
1,5
2
2,5
fonte Pesquisa Ibero-americana com estudantes de nível médio, Observatorio –OEI (2009)
repete na certeza de que a ciência está afetando o meio ambiente negativamente. Aqui também as mulheres mostram sua visão: elas são as mais céticas, com 5 em cada 10 rejeitando a capacidade da tecnologia em pôr fim às mazelas globais. No cômputo total, porém, há certo otimismo juvenil: 52% dos adolescentes estão abertos e favoráveis ao que a ciência e a tecnologia possam realizar em nossas sociedades, mostrando que não vigora mais a fé cega e absoluta diante de seus resultados, sendo bem mais moderados e conscientes dos riscos do que os adultos, o que, dizem os pesquisado-
O que afasta os jovens das ciências (em %) Assunção Bogotá
0,5
Buenos Lima Madri Montevidéu São Paulo Total Aires
Dificuldade das matérias de ciência
55,1
46,8
66,6
51,4
72,5
78,9
47,3
60,7
Preferência por outras opções profissionais
60,3
47,3
54,6
40,1
46,4
47,2
70,7
51,6
Tédio nas matérias de ciência
46,9
53,7
58,3
58,7
47,2
47,5
42,3
50,6
Desinteresse em seguir estudando indefinidamente
26,9
25,8
36,1
26,8
51,7
42,6
30,3
34,8
Poucas chances de conseguir emprego
29,3
27,7
17,7
29,9
24,7
21,3
20,9
24,6
Preferência por empregos com horários mais regulares
17,9
14,5
12,2
15,9
6,5
7,9
12,1
12,2
Orientação da ciência para objetivos econômicos
11,9
17,4
8,4
13,8
9,3
6,6
10,3
11
Falta de bons salários
6,9
10,8
9,3
12,4
11,1
5,7
6,5
8,9
Necessidade de sair do país para ser cientista
11,1
9,5
6,8
12,3
4,2
11,3
3,7
8,6
Falta de estabilidade dos empregos em ciência
8,1
10,4
4,9
13,3
5,2
5,1
4
7,3
Dificuldade de ganhar fama
6,9
10
4,8
7,7
3,1
2,6
6,5
5,8
fonte Pesquisa Ibero-americana com estudantes de nível médio - Observatorio – OEI (2009)
res, se bem aproveitado pode servir de base a uma cidadania mais crítica e responsável. “Instalar uma usina em Angra sem consultar a sociedade é, hoje, algo impensável. Os jovens pressupõem que exista um sistema que enfatiza a democratização nos processos científicos, o que não implica votar em quem vai ou não para um laboratório”, observa Vogt. “Eles aceitam uma cultura científica que realize uma ligação entre razão e humanidade, entre ciência e sociedade.” Isso talvez explique um dado curioso descoberto na pesquisa realizada pelo Labjor. Se o caminho do conhecimento científico principal continua a ser a televisão, seguida pela internet, a ficção científica, em livros, filmes, HQs ou games, ganhou um honroso terceiro lugar como fonte de informação sobre ciências para os jovens. “Ao lado da internet, esses meios diferenciados oferecem um grande potencial de atrair jovens para a ciência de forma lúdica e interessante, uma forma estratégica de atingir essa camada da população para a divulgação de assuntos científicos”, nota Vogt. Até porque em vários lugares pesquisados as instituições oficiais são pouco conhecidas ou mesmo ignoradas, assim como os locais onde se pode informar sobre ciência, como museus ou zoológicos. Assim, curiosamente, uma cidade como São Paulo, onde há uma concentração de centros de pesquisa, universidades, e onde o acesso à informação científica é favorecido pela presença de museus e uma oferta midiática rica, mostrou índices de consumo informativo da população abaixo da média. n Carlos Haag pESQUISA FAPESP 192
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_ sons e ideologias {
A política que acaba em samba Gênero musical foi importante instrumento de consciência negra na década de 1970 Gonçalo Júnior
U
ma música pode mudar tudo, provocar um movimento, uma revolução. Ou torna-se emblemática por possuir um conteúdo inédito em seus versos. Foi o que aconteceu em 1970, quando o compositor carioca Candeia (1935-1978) lançou o samba Dia de graça, que trazia em seus versos a frase emblemática: “Negro, acorda, é hora de acordar/ Não negue a raça/ Torne toda manhã dia de graça”. “Jamais, em toda história do samba e talvez da música popular brasileira, uma exortação explícita à ação direcionada exclusivamente aos negros havia sido imiscuída em meio a versos de canções”, observa Dmitri Cerboncini Fernandes, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e coordenador da pesquisa A cor do samba: música popular e movimento negro, integrada pelos professores Sergio Miceli, da Universidade de São Paulo (USP), e Gustavo Ferreira, da Universidade Federal Fluminense (UFF), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O projeto é um desenvolvimento do pós-doutorado de Cerboncini, A cor do samba: música popular e movimento negro, apoiado pela FAPESP.
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1
fotos 1. Acervo UH / Folhapress 2. Niels Andreas / Folhapress
2 verso chamou tanto a atenção do pesquisador O que o levou a pesquisar a biografia do autor. No caminho encontrou um movimento extremamente ativo na década de 1970 que envolveu outros sambistas engajados em questões da negritude, como Paulinho da Viola e Nei Lopes, assim como textos desses personagens que, de uma forma ou de outra, “reescreviam” a história do samba como legado da cultura africana no Brasil. Até então o samba tinha sido descrito por cronistas, críticos e especialistas como emblema nacional, síntese das contribuições das três raças na formação brasileira, legado do construto da democracia racial que imperava desde a década de 1930. “Após a atuação desses sambistas, esse panorama começou a mudar.” Surgiram versos em louvor à africanidade e à inclusão de instrumentos musicais ligados às religiões afro-brasileiras, além da aproximação inédita ensaiada pelos sambistas com os países da África. E um panorama bem diverso irrompeu. “Paralelo a isso, ocorria o ressurgimento do movimento negro, pela primeira vez num tom afirmativo, que prezava a identidade negro-africana-brasileira e sua cultura. Creio que esses são os indícios mais fortes que apontam para a direção de um novo ‘caldo’ nascente no
música
Duas visôes do mundo negro: ao lado, sambistas de escola carioca visitam jornal e se apresentam; acima, longe do exótico, uma passeata do movimento negro no Rio sociologia
pESQUISA FAPESP 192 87
1
O sambista Candeia, um dos principais representantes do movimento
período, que mescla o surgimento de uma intelectualidade negra consciente, politicamente ativa, reunida contra a ditadura militar e que passava a enxergar no samba um dos principais legados negros a serem defendidos e valorizados”, observa o pesquisador.
autêntico
Entre as conclusões da pesquisa, o professor descobriu a existência de uma representação surgida nos anos 1970, que conferiu ao samba “autêntico” uma nova identidade, a de legado da cultura afrobrasileira em concorrência com a de “nacional”. “Tal construto foi estabelecido por um grupamento de sambistas, jornalistas e demais intelectuais engajados nas questões latentes do período, como, por exemplo, a suposta descaracterização do Carnaval e a comercialização desenfreada e empobrecedora do samba”, explica. Ao mesmo tempo, o movimento negro retornava com força de um longo período de desaparição forçada, “o que ensejou o encontro de ideários formulados por artistas e intelectuais afins, traçando um espaço de intercâmbio entre eles”. Fernandes acrescenta que a lógica atinente à atividade musical popular ligou-se assim às dinâmicas externas a ela, no caso, a de um dos movimentos sociais florescentes, “resultando em uma espécie de samba que participava da afirmação da identidade negra em diversos âmbitos e, 88 fevereiro DE 2012
Sambistas engajados eram relativamente ilustrados e com bom nível educacional
O Projeto A cor do samba: música popular e movimento negro – nº 2010/19900-3 modalidade Pós-doutorado Coordenador Marcos Napolitano – USP investimento R$ 42.705,69
em contrapartida, de um movimento negro que utilizava o samba e os sambistas como exemplos máximos da expressividade da cultura negra”. O pesquisador destaca que não se trata de afirmar que questões raciais não eram tratadas antes em versos de canções de samba, mas que as canções que falassem desses assuntos se pautavam ora por denúncias vazias, ora pelo humor – geralmente assentado nas bases do racismo cordial –, ora por motivos diversos. “O que importa ressaltar, contudo, é que jamais esses versos enalteciam a vinculação do negro ao samba como seu exclusivo produtor, criador ou cultor, fato este que só veio a irromper na década de 1970.” Segundo ele, é difícil precisar como, no bojo de ampla frente formada contra o inimigo comum, a ditadura militar, um amálgama reunindo ativistas de esquerda, jornalistas, intelectuais e artistas filiados a tendências variadas ensejaria o surgimento de um grupo particular de sambistas contestadores daquela ordem, cujas atividades se notabilizaram pelo viés politizado impresso em diversas instâncias – sobretudo em suas obras musicais e literárias. “Cada sambista possuía uma trajetória distinta e havia diversos canais que interferiram na formação daquela figuração. Paulinho da Viola, Candeia e Martinho da Vila possuíam grande proximidade com jornalistas, acadêmicos, artistas e intelectuais pertencentes aos quadros do Partido Comunista Brasileiro (PCB), casos de Sérgio Cabral e Lena Frias, o que facilitava o escoamento de suas declarações, da realização de entrevistas e de suas investidas, artísticas ou não, nas mídias em que esses personagens trabalhavam.” Outros, como Nei Lopes, tinham uma formação política tendendo ao trotskismo em razão de contatos estabelecidos no período em que cursou a faculdade de direito. “Posição que era, em tese, mais afim com a dos líderes do movimento negro renascente.” Esses sambistas engajados, afirma o pesquisador, eram relativamente “ilustrados”. Isto é, diferentemente da imagem que porventura se fazia dos antigos sambistas, eles tinham um bom nível educacional. Candeia passou em primeiro lugar em concurso público para policial civil; Paulinho da Viola era empregado da burocracia bancária; Nei Lopes era formado pela Universidade do Brasil
(atual UFRJ); e Martinho da Vila era sargento do Exército. “O meio artístico naquele ínterim politizava-se sobremaneira, o que fatalmente terminava por se expressar em suas obras artísticas, haja vista que este dado fazia parte de suas vivências mais caras e imediatas.” Nesse contexto, Muniz Sodré teve importância especial, apesar de não ser sambista, mas acadêmico preocupado com as questões que envolviam o samba. Em 1979, ele publicou o livro O dono do corpo (Codecri), pioneiro da história do samba pontilhada de radicalismo e que deslocava de vez a visão até então imperante de que o samba era “nacional”, isto é, produto das três raças formadoras da nação. COLETIVO
Não havia, explica Fernandes, um pensamento coletivo, um movimento consciente desses artistas. “O que ocorreu estava mais para uma confluência de inúmeros fatores não planejados, uma espécie de conjunção de várias resoluções e tensões simultâneas que envolviam elementos de ordem política, artística, intelectual, econômica, entre outros.” Para citar um exemplo, a afinidade brotada entre os ideais do movimento negro na abertura política parcial na ditadura militar com as dos sambistas e demais intelectuais e jornalistas engajados na arte popular não pode ser considerada algo antevisto. Cerboncini joga luz sobre um período, que conta com poucos estudos acadêmicos, de grande força musical e comercial do gênero. “Desencontros de opiÀ esquerda, Paulinho da nião refletem a falta de Viola, em maior reflexão acadê1974; ao lado, mica sobre o que teria Martinho da
fotos 1. Arquivo / Agência O Globo 2. folhapress 3. Arquivo / AE
Vila, em 1977
2
à análise da “alta” cultura e da intelectualidade, e outra ligada mais aos elementos “massificados”, por assim dizer. Miceli participa do estudo do samba como pesquisador sênior. “O que mais me interessou no trabalho de Dmitri foi o empenho em restituir uma história social dos sambistas fora dos parâmetros hagiográficos usuais e, também, o empenho em qualificar os aspectos musicais no trabalho criativo de sucessivas gerações”, observa Não foi um movimento Miceli. “Para entender a planejado, mas uma consagração dessa instituição, inclusive junto ao conjunção de personagens mercado fonográfico, é preciso entender como ela tentando resolver tensões incorporou um determinado passado. Mais do que çaram seus primeiros LPs nessa década, isso, como ela reinventou esse passado a despeito de estarem há muitos anos na e, ao mesmo tempo, o atualizou, com a estrada. À exceção das obras de Candeia, mobilização de uma inteligência estétiElton Medeiros e Nei Lopes, havia ainda ca que ia muito além da música popular outros sambistas, malvistos pela crítica em si”, analisa o professor Marcos Nade modo geral, casos de Benito di Paula politano, do Departamento de História e Luiz Ayrão, que arrebatavam grandes Social (FFLCH-USP), que foi supervisor cifras nas vendagens de discos”, analisa do pós-doutorado de Fernandes. “A música popular brasileira não acono professor. Entre as atividades políticas que apoiavam o samba, acrescenta, ha- teceu apenas como um conjunto de evenvia iniciativas bem-sucedidas, como as tos históricos, mas também como narde Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio rativa desses eventos, perpetuada pela memória e pela história, que articulou Cabral na Funarte. A pesquisa possui lastros com um pro- e rearticulou eventos como se fossem jeto temático coordenado por Miceli e expressão de ‘tempos fortes’ e ‘tempos financiado pela FAPESP, A formação fracos’ da história. Expressão de uma do campo intelectual e da indústria cul- síncope de ideias dando ritmo e fluidez tural no Brasil contemporâneo, do qual na passagem do tempo, construindo um Fernandes também faz parte. Há, nes- enredo vivo, aberto e imprevisível, suse caso, duas vertentes de pesquisa que jeito a revisões ideológicas, reavaliações procuram se cruzar: uma mais voltada estéticas e novas configurações de passado e futuro”, avalia Napolitano. Ele destaca dois aspectos na investigação de Fernandes: “É fundamental essa análise sociológica e histórica do processo de construção intelectual de um discurso sobre o samba que valoriza suas ‘raízes africanas’. Este discurso, bem como as expressões musicais ligadas a ele, tentou desvincular o samba da expressão de uma ‘brasilidade mestiça’”, afirma. O pesquisador igualmente elogia a análise que destacou as conexões entre cultura e política. “No caso, o papel da esquerda (comunista e trotskista) na valorização de um samba negro e africano.” Nem sempre tudo acaba em pizza. Pode aca3 bar, e bem, em samba. n ocorrido. Do que se pode afirmar com certeza, sabe-se que Martinho da Vila e Clara Nunes estavam entre os maiores vendedores da década, acompanhados por Paulinho da Viola e Beth Carvalho, também em grande fase. Cartola, Adoniran Barbosa e Nelson Cavaquinho lan-
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memória
Ciência pragmática
C
Há 200 anos era criado o primeiro laboratório estatal de análises químicas Neldson Marcolin
Desenho de pau-brasil (1870) da coleção Flora brasiliensis, editada por Carl von Martius 1
90 | fevereiro DE 2012
artas régias, alvarás, resoluções, decretos e leis foram produzidos em série assim que a Corte de dom João VI se instalou no Brasil, em 1808. As ordens eram necessárias para a reorganização do Estado português, agora a partir de terras brasileiras, e para administrar o país sem perder de vista o comércio entre Portugal, África e Ásia. De certa forma, as novas resoluções ajudaram também a vislumbrar uma maneira de fazer ciência de modo pragmático, com apoio oficial. Em 1812, o decreto de 25 de janeiro criou o Laboratório Químico-Prático do Rio de Janeiro com a finalidade de analisar substâncias e produtos das colônias que pudessem ser utilizados no comércio interno e externo. Foi o primeiro laboratório estatal em que não havia vinculação da química com o ensino, como ocorria na Academia Militar desde 1810. A proposta partiu do conde das Galveas, João de Almeida de Melo e Castro, titular de três ministérios. O laboratório funcionou por sete anos, de 1812 a 1819, sempre ligado ao Ministério e Secretaria de Estado e Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, que teve quatro titulares nesse período. Para dirigi-lo foi escolhido Francisco Vieira Goulart (1765-1839), cônego português que havia sido professor de filosofia racional e moral em São Paulo e era membro da Academia das Ciências de Lisboa. A área escolhida para a instalação foi no bairro de Mata-Porcos (atual Largo do Estácio). A ideia era adotar o modelo do laboratório químico da Universidade de Coimbra e preparar medicamentos – além de fazer análises químicas –, embora esse plano não tenha tido sucesso. Para montá-lo solicitou-se ao Laboratório da Casa da Moeda de Lisboa uma longa lista de material. Não deu certo. Além de receber apenas uma pequena parte das peças pedidas, a vidraria foi colocada junto com os artefatos de ferro. Dos 91 itens enviados ao Rio, só 42 chegaram intactos, de acordo com documentos consultados pela historiadora Márcia Ferraz, do Centro Simão Mathias de Estudos de História da Ciência da
fotos 1. florabrasiliensis.cria.org.br 2. Biblioteca Nacional de Portugal 3. O Patriota / Brasiliana USP 4. Flora von Deutschand, de Otto Wilhelm Thomé
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cesima/PUC-SP). Há um manuscrito supostamente de Francisco Goulart em que ele relata as atividades do laboratório e as condições que decretaram seu fechamento. Embora não esteja assinado, em alguns trechos ele se traiu e escreveu em primeira pessoa. Até 2003, apenas a primeira parte do documento era conhecida. Naquele ano, Nadja Paraense dos Santos, pesquisadora do Programa de Pós-graduação de História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontrou o manuscrito inteiro, com 196 páginas, no Arquivo do Museu Imperial, em Petrópolis (RJ). Goulart relata que entre os primeiros trabalhos realizados no laboratório
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Conde da Barca retratado por Gregório Francisco de Queiroz (c. 1804) e o alambique de seu laboratório: espionagem
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Desenho de papoula, parte da Flora von Deutschand (1885), de Otto Thomé: extrato para exportação
estava a análise do pau-brasil (Caesalpinea echinata) para extração da fécula corante, que deveria ser preparada no Rio para ser vendida na China. O extrato foi feito, mas os chineses optaram por importar um lenho mais barato do Sião (atual Tailândia), e o projeto não foi em frente. Goulart testou em seguida sementes de papoula (Papaver somniferum) para fazer um extrato e produzir ópio com o objetivo de exportar para a Ásia. Ocorre que o conde das Galveas, autor da encomenda, morreu e o trabalho parou. O laboratório analisou também aguardente de cana, lenhos para tinturaria e água. Os resultados parecem não ter entusiasmado os sucessivos chefes de Goulart, que recebeu ordens de encerrar as atividades. “De acordo com o manuscrito, contribuiu para o insucesso do laboratório estatal a concorrência de um laboratório privado, de Antonio de Araújo de
Azevedo, o conde da Barca, que em 1814 assumiu o ministério ao qual Goulart era subordinado”, conta Nadja dos Santos. “Pelo que sabemos, o laboratório privado do conde foi montado ainda em 1808 e fornecia medicamentos para o Exército, Armada Real e domínios ultramarinos”, diz Márcia Ferraz. O conde da Barca foi um ilustrado com múltiplos interesses e grande influência na Corte. A vinda da Missão Francesa – artistas, artesãos e arquitetos – ao Brasil teria sido uma sugestão dele. Em seu manuscrito Goulart conta que esteve no laboratório privado a pedido de seu primeiro chefe, conde das Galveas, para observar como era preparada a aguardente. O diretor do laboratório, José Caetano de Barros, recebeu Goulart sem saber que era alguém conhecedor de química e lhe explicou todo o processo. Hoje, o episódio seria chamado de espionagem industrial. PESQUISA FAPESP 192 | 91
resenhas
Conectado no aqui e agora Neldson Marcolin
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fotos eduardo cesar e leo ramos
F
ernando Henrique Cardoso Essa pluriconectividade, como cumpre o que promete em seu ele a chama, cria pessoas egoísmais recente livro – espontatas, isoladas, fechadas em si mesneidade no falar e uma visão ampla mas ou esses relacionamentos de temas contemporâneos. Talvez a múltiplos estariam gerando uma atitude provoque alguma estranheza consciência que cada um tem de em quem se acostumou a lê-lo cose mover de vez em quando por mo um intelectual preocupado com certas causas e valores? Ou seriam o rigor acadêmico das ciências soambas as coisas? Mais uma vez, ciais ou como o político que defenele admite, não se sabe a melhor de ideias de partido ou de governo. resposta. A transformação da soOcorre que a graça de A soma e o ciedade se dá em um mundo mulresto – Um olhar sobre a vida aos 80 tipolar e pluricultural ainda por anos (Civilização Brasileira, 2011) é ser entendido. exatamente a de oferecer opiniões A soma e o resto – Um olhar Há também o fenômeno de despessoais de um personagem impor- sobre a vida aos 80 anos locamento de poder no mundo, Henrique Cardoso tante da vida pública brasileira livre Fernando embora os Estados Unidos se manCivilização Brasileira dos dois compromissos que o acom- 196 páginas, R$ 29,90 tenham no topo. Para Fernando panharam pela vida afora. O primeiHenrique, isso acontece em granro, de intelectual engajado, cujos textos eram de parte graças a sua enorme capacidade não sempre apoiados em estudos de campo ou por apenas de produzir tecnologias novas, mas de teorias sociais, políticas, filosóficas ou econômi- difundi-las com facilidade e rapidez pela sociecas. O segundo, de político com cargos relevantes, dade, “talvez a característica mais marcante do cujas declarações devem ser bem avaliadas antes capitalismo americano contemporâneo”. A China de expressas, sob o risco de se voltarem contra o entra no jogo com força, mas não se contrapõe seu próprio governo. como uma expansão do comunismo, e sim como O livro partiu de depoimentos dados a Miguel um capitalismo de Estado com poder político Darcy de Oliveira, do Instituto Fernando Henri- centralizado. O ex-presidente fala ainda de outros que Cardoso, entre maio e julho de 2011, e surgiu temas internacionais, como a América Latina, a como uma homenagem aos 80 anos do ex-pre- modernização do mundo islâmico, e repete seu sidente. A ideia é apresentar algumas questões já conhecido discurso sobre as drogas – “uma sobre as quais ele se debruçou depois que saiu guerra perdida”. da Presidência da República (1995-2002), como No início do livro é onde estão algumas quesas transformações sociais e econômicas globais tões mais pessoais, como as influências que ree o esforço para entendê-las. Um dos temas que cebeu e os pontos de inflexão de suas carreiras mais parecem interessá-lo é a alta conectividade acadêmica e política. Na parte final do depoientre as pessoas. “Vivemos numa sociedade em mento surge um Fernando Henrique menos coque o importante é compartilhar. Hoje, o grande nhecido, em que comenta o sentido da vida, fala divertimento dos jovens é contar o que fizeram. de literatura, lembra-se de Ruth Cardoso e dos (...) A privacidade, que era o bem maior da so- amigos que já se foram. Também dá uma deficiedade dita burguesa, bem estabelecida, passa a nição precisa de si mesmo como sociólogo, que ser coisa secundária. O que se quer é o contrário, ajuda a entender seus interesses atuais: “O que que os outros saibam o que estamos fazendo”, sempre me interessou foi fazer a sociologia do constata. Algumas poucas páginas depois diz, emergente, captar e buscar entender o novo, o perplexo, “a sociedade que está emergindo é es- que está surgindo. (...) Não me preocupo com o tranha e complexa. O que é uma maneira elegante que já está. Me interessa o que vem vindo”. Não de dizer que não se sabe exatamente o que ela é, espanta, portanto, seu fascínio pelas novas relacomo funciona e para onde está indo”. ções sociais de um mundo tão conectado.
Um telhado para as estrelas
DNA dos barcos baianos
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ntre 1639 e 1643 funcionou no telhado do casarão em Recife em que residia o conde Maurício de Nassau, governador do Brasil holandês, um observatório astronômico inspirado no da famosa Universidade de Leiden e dotado da melhor instrumentação da época, inclusive de uma luneta. O alemão George Marcgrave (16101644), um dos naturalistas trazidos para cá por Nassau, foi o responsável pela abertura dessa janela para os céus em terras tropicais e seu único usuário. O livro O observatório no telhado, de Oscar T. Matsuura, professor aposentado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo e atual pesquisador associado do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), reconta a história dessa empreitada científica e dos estudos feitos por Marcgrave nesse campo específico do conhecimento. Mais conhecido por seus trabalhos em história natural e cartografia feitos durante sua estada no Brasil, de 1638 a 1643, Marcgrave é pouco lembrado por suas observações astronômicas. No livro, Matsuura enfoca justamente esse lado B do alemão, normalmente ofuscado por ele ter sido coautor, ao lado do médico Guilherme Piso, outro integrante da comitiva de Nassau, do clássico Historia naturalis brasiliae, publicado em 1648. Segundo o pesquisador do Mast, Marcgrave, que estudou em Leiden (entre outros lugares) antes de vir para o Novo Mundo, foi um dos pioneiros no uso da luneta para observações astronômicas sistemáticas. Da sede do poder no Brasil holandês, Marcgrave acompanhou e fez anotações, sempre sozinho, sem auxiliares, de alguns fenômenos celestes, sobretudo eclipses lunares e solares. Astrônomo de formação, Matsuura comenta tecnicamente cada observação feita por Marcgrave em solo brasileiro e também discute a polêmica histórica em torno da localização exata do observatório no telhado. Fez ainda reconstituições em três dimensões de como teriam sido os instrumentos e o próprio observatório, que descreve como o primeiro das Américas e do Novo Mundo. Marcos Pivetta
O observatório no telhado Oscar T. Matsuura Companhia Editora de Pernambuco 160 páginas R$ 25,00
Embarcações do Recôncavo – Um estudo de origens Pedro Agostinho Iphan e Oiti Editora 160 páginas RS 100,00 (venda: www. vivasaveiro.org)
m seu trabalho Embarcações do Recôncavo – Um estudo de origens, publicado originalmente em 1973 e agora reeditado pela Oiti Editora, Pedro Agostinho, mestre em antropologia, se debruça sobre a caravela latina e a caravela redonda para entender a gênese dos saveiros baianos. A navegação, usada no comércio e na pesca, foi durante séculos a principal via de transporte da região que viu florescer diversos tipos de embarcação de cabotagem. Construídas basicamente de madeira, até hoje fazem parte da vida litorânea, mas há décadas, com o advento de novas técnicas e materiais para os barcos, indaga-se por quanto tempo resistirão na paisagem costeira. Segundo Pedro Agostinho, somente aquelas que se adaptem às novas condições técnicas e econômicas poderão sobreviver. Ajuda o leitor a imergir no tema uma edição cuidadosamente ilustrada com fotografias, mapas e gravuras comparativas das embarcações. O livro conta inclusive com imagens preciosas de Pierre Verger. São escolhas criteriosas que contribuem para o entendimento do assunto. As descrições técnicas funcionam como escopo para o autor procurar as origens desses barcos, que estão ligadas ao patrimônio cultural das etnias que numa época ou noutra povoaram o litoral. As embarcações baianas estudadas originam-se da caravela redonda, surgida em começos do século XVI; seu DNA recebe influências portuguesa, holandesa e indígena. Massame, moitão, amura, verga e ostaga. Quem não é um velho lobo do mar, afeito a jargões marítimos, em princípio, quando esbarrar nessas palavras, pode ir a pique. O livro de Pedro Agostinho, longe de ser um tratado técnico sobre barcos, conduz o leitor nas profundezas do universo do transporte marítimo e suas origens; é fruto de um trabalho de campo completo, sistemático e original. Edição esmerada, para obter êxito completo, deveria possuir um glossário que elucidasse, por exemplo, que massame são cabos que se empregam nas embarcações a vela. Leo Ramos PESQUISA FAPESP 192 | 93
Arte
Criando sobre o palco vazio Em momento de entressafra, Antunes Filho cogita montar Hamlet Gustavo Fioratti
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ator que busca sentir uma emoção para forjar os sentimentos de um personagem não pode estar no palco de Antunes Filho, 82. Desde 1978, o mais velho dos diretores brasileiros ainda vivos é avesso aos clichês do realismo praticados por ele próprio em uma fase imediatamente anterior àquele ano, que foi marcado pela estreia de Macunaíma, sua histórica adaptação para a obra de Mário de Andrade. É justamente nessa passagem que, como reconhecem alguns teóricos teatrais brasileiros, reside a entrada para a contemporaneidade do teatro nacional. No livro Panorama do teatro brasileiro, por exemplo, o crítico Sábato Magaldi defende a montagem de Macunaíma como principal candidata a esse marco. Inquieto por natureza, Antunes não se satisfaz com uma posição já conquistada. Em cada trabalho procura superar a si próprio, e agora diz ter encontrado um dos maiores desafios de sua carreira: quer encenar Hamlet, de William Shakespeare. “Não sei quando estreia, porque não quero fazer correndo; quero ter tempo para poder fazer um saravá ao teatro com essa montagem”, diz. A investida surge no mesmo momento em que a produção mais recente de Antunes é revista por um projeto da TV Sesc, que filmou suas três últimas peças, Policarpo Quaresma, Foi Carmen e Lamartine Babo. As versões para a TV foram exibidas em janeiro. Mas o que faz do trabalho de Antunes um pilar de quase tudo o que ainda hoje é produzido em termos de representação cênica em solo nacional? Em primeiro lugar, esse legado se apoia justamente no afastamento das técnicas do realismo. Imitar a vida deixa de ser a prerrogativa. Recriá-la parece ganhar mais sentido. Na época em que Macunaíma estreou, o cinema articulava as ferramentas necessárias para recortar na tela o sonho naturalista, embora o próprio 94 | fevereiro DE 2012
Glauber Rocha (1939-1981) e outros cineastas de vanguarda tenham emprestado seu talento a um contraponto à mimese. O teatro se reinventava, portanto, em busca de linguagens desconhecidas, cioso de algo que se perdera no paralelo com a sétima arte. Não só no Brasil. O experimentalismo varreu o mundo, inspirado sobretudo pelo trabalho de alguns artistas europeus. Antunes, conta ele, desde o início de sua carreira nos anos 1940 dava sentido quase dogmático aos métodos de Stanislavski, espécie de pai do naturalismo. Ainda hoje a metodologia do diretor e teórico russo está debaixo do braço de qualquer estudante de artes cênicas, nas principais escolas do mundo. Um dos maiores sucessos de Antunes antes da recriação de seu próprio estilo nos anos 1970 tem seus fundamentos técnicos nas teorias de Stanislavski. Plantão 21 (1959), de Sidney Kingsley, recria situações de uma delegacia, tateando a verossimilhança típica do cinema. O espetáculo é protagonizado por um delegado cujas convicções éticas acabam se remodelando ao ambiente corrupto. No elenco estavam Jardel Filho, Mauro Mendonça e Laura Cardoso, entre outros. É o estilo de Plantão 21 que Macunaíma recusa. O experimento cênico inaugurou o Centro de Pesquisa Teatral de Antunes (que existe até hoje e é subsidiado pelo Sesc-SP) e valeu-se tanto do distanciamento crítico proposto pelo alemão Bertolt Brecht como da estilização gestual dos expressionistas. Como lembra Sebastião Milaré em seu Hierofania, estudo sobre a trajetória e a elaboração do método de criação de Antunes, os elementos cênicos da montagem pareciam “se resumir a folhas de jornal e longas extensões de tecido branco, que se transformavam em florestas, em rios, em tanta coisa”.
fotos 1. Emidio Luisi / Acervo GEDES SESC Memórias, 2010 2. Paquito / Acervo GEDES SESC Memórias, 1984
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A partir de então, Antunes se abre para um verdadeiro surto criativo, que resultou em espetáculos como Nelson Rodrigues, o eterno retorno (1981), Romeu e Julieta (1984) e Nova velha história (1991). Neste último, o diretor chega a criar um idioma específico para os personagens de sua peça. O espectador, obviamente, não compreendia o que era dito, mas embarcava no fio narrativo de uma fábula absolutamente familiar. O caminho traçado por Antunes em busca de uma linguagem própria passou então por influên cias internacionais importantes, como os trabalhos do encenador polonês Tadeusz Kantor, o balé da coreógrafa alemã Pina Bausch e o butô pós-catástrofe nuclear do dançarino japonês Kazuo Ohno. A obsessão do diretor com um trabalho vocal eficiente para o palco – até hoje, quando fala na voz do ator, Antunes aponta a nuca, e não a boca, como principal fonte de emissão sonora – resultou em montagens históricas de tragédias gregas, como Fragmentos troianos (1999) e Medeia (2001). E de seus espetáculos saíram atores como Cacá Carvalho, Luís Melo e Giulia Gam. Hoje Antunes se debruça sobre Hamlet, mas ainda incerto de um caminho para o clássico do autor inglês William Shakespeare. Diz que decerto outras montagens antecederão esta, dada a complexidade da obra protagonizada pelo príncipe da Dinamarca. Enquanto não decide por uma nova montagem, o diretor
Cenas de Policarpo Quaresma, de 2010, exibida em janeiro na TV Sesc, e de Macunaíma, na montagem de 1978, marco do teatro brasileiro contemporâneo
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observa o palco vazio de seu centro de pesquisa, que tem, sobre a porta de entrada, um pequeno quadro, onde está escrito: “De maneira nenhuma pode-se dizer que não haja nada num palco vazio, num palco que se pise de improviso. Pelo contrário. Existe ali um mundo transbordante de coisas. Ou melhor, é como se do nada surgisse uma infinidade de coisas e de acontecimentos, sem que se saiba como e quando”. O texto é de Kazuo Ohno. n PESQUISA FAPESP 192 | 95
conto
Os autores do telefone Saulo Dourado
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m uma resolução de 2002, o imigrante italiano Antonio Meucci foi oficialmente considerado o inventor do telefone, após mais de cento e trinta anos em que o título cabia a Graham Bell. Vivo ainda, o próprio Meucci entrou num processo contra o plágio do estadunidense, mas que nada lhe trouxe senão uma morte amargurada. Já quando o tempo não mais lhe importa, o processo é reativado pelo aparecimento de novas provas. Uma se destacou. Entre desenhos e documentos que datam anos antes da patente de Bell, há um texto do punho de Meucci que ele não utilizou a seu favor, por esquecimento ou preservação, e que enfim, neste século, tornou sua defesa irrefutável. Trata-se de um recorte do diário de bordo escrito no navio que o levava de Florença ao continente americano, em 1835. “Como não sonhar com a saudade, se em vigília tento sufocá-la? Hoje mais uma vez acordo com o peito cheio de Itália. Itália — mas o que significa isso? Não há enigma maior do que o sentimento por uma pátria... Um dos seus filhos mais intrigantes me visitou hoje no leito, em meio a várias imagens que eu não soube decifrar. Mas me basta reaparecer apenas para que eu tenha muito presente em mim toda a terra que eu deixo. Angiolo Bertini, onde está agora? Como me fascinava o toque do seu violão. Dedilhava as cordas como se ali houvesse vinte e não seis... Será que conseguiu o objetivo que um dia me segredou?” Na ocasião, Meucci não contou de forma precisa o que significava este segredo, pois, claro, a intenção do seu diário não é ter a visita de leitores. Os seus advogados de defesa da atualidade, intrigados com a citação deste músico que nin96 | fevereiro DE 2012
guém ouvira falar, buscaram dados para esticar a história e entendê-la. Após dias de apuramento, acharam em uma biblioteca de Florença o resumo da história que segue. Angiolo Bertini foi um tocador virtuoso, nascido em 1795 e falecido em 1834, sem procedência familiar confirmada nem ofício. Passeava todos os dias pela calçada da província com o seu violão sob os braços. Executava para quem pedia ou para quem o encontrava todas as noites no mesmo lugar, ao lado do balcão e da bebida forte. Na madrugada volvia para o seu cortiço rua acima, trôpego, cantando alto. Ninguém reclamava porque se sentiam quase gratos com a suavidade de sua voz. Ele era jovem e tinha um talento inegável, mas não traduzia a sua habilidade para nada mais. Uns diziam que era por acomodação, mas outros, mais próximos, alegavam que era principalmente por seu lado obscuro. Bertini possuía uma relação vital demais com a música. Ao falar dela, evocava o cosmos, a natureza e a medida dos sons como o grande comunicador universal. “Há muito não escutamos o som da Terra enquanto gira.” É uma das falas atribuídas a ele. A outra, ainda não confirmada, dizia: “Uma vez eu o escutei”. A boemia de Bertini terminou, sem que ele se endireitasse como todos queriam. Pelo contrário, ficou mais recluso e não mais dispunha seu repertório. Quando saía era sem o violão e, ao perguntarem o porquê, dizia que ficara em casa, resguardado para os seus experimentos. Muitos sorriam, pensando serem os experimentos novas composições, mas quem entendia a gravidade com que ele proferia a palavra não o escutava sem o pique do sangue. Antonio
ilustração ana paula campos
Meucci era um dos seus amigos mais próximos e exigiu toda a explicação. “Desconfio que os violões possam mediar vozes”, era o que professava a teoria de Angiolo Bertini. A sua descoberta se deu quando estava sentado na cama com o instrumento no colo e ouviu um idioma estranho sair em exclamações de dentro da abertura da madeira. Sentiu um profundo mal-estar, mas em nenhum momento lhe veio o impulso de olhar pela janela ou pela porta de onde vinham os sons vocais, pois tinha certeza da procedência. Era músico o bastante para jamais duvidar. Continuou a escutá-la por um tempo e inclusive vê-la vibrar um pouco. Ao experimentar dizer uma frase em resposta, a voz lhe devolveu um grito assustado e se calou. Bertini passou um mês absorvido pelo acontecimento. Na primeira semana esperou que o fenômeno se repetisse. Na segunda, tentou inúmeras vezes provocá-lo. Na terceira, enfim o descobriu. Ao terminar uma sequência de notas que acabara de criar, inclinou-se para a abertura do violão e citou um verso de um poeta antigo. Outro idioma, igualmente estranho, respondeu amedrontado. Bertini insistiu em falar para a outra voz sobre o acontecimento, sobre a descoberta, mas o estrangeiro entoou apenas interrogações de quem desbrava uma caverna. Antonio Meucci, preso por participação no Movimento de Unificação Italiana, o Risorgimento, recebeu uma única visita de Bertini com duração de uma hora. Supõe-se que lá o músico florentino explicou sobre os novos dados de sua pesquisa. Para ele, cada violão possuía uma melodia que, se tocada com exatidão por qualquer outro, abriria espaço de contato, como uma senha
que se decifra e passa a estabelecer ligações entre duas pessoas. Uma canção de trinta segundos ou cinco minutos, não importava, podia pôr aquele que a executa em conversação com o violão que o aguardava, de qualquer parte do mundo. Poucos meses depois de liberto, o futuro inventor do telefone partiu para sempre de Florença, sem saber se o amigo conseguira avanços nos experimentos. Talvez no dia em que, sob o som do oceano Atlântico, sonhou com uma face e um violão, Meucci recebia no vento a humilhação que passava Bertini há milhares de quilômetros, em um pequeno teatro municipal. Entre olhares curiosos e irônicos, Angiolo demonstrou a sua teoria, ele já de barba até o peito, os olhos fundos, com o mesmo violão daquela boemia, daquela cantoria para o cortiço. O músico tocou uma melodia de oito minutos e em seguida chamou alguém na concavidade do violão. Nenhuma resposta. “Ninguém em casa”, disse Bertini, para riso da plateia. Ele não se importou; dedilhou outra canção e repetiu a chamada. Um silêncio se fez e, de tão longo, começou a se dispersar em comentários e novos risos, até uma voz em francês responder pela abertura. O violonista respondeu: “Je suis Angiolo Bertini, un musicien”. E mais não sabia, porque nenhuma outra língua lhe parecia possível de aprender. Enquanto o francês berrava consternado, Bertini direcionou-se para o público e disse: “Um dia não precisaremos falar ou ter qualquer idioma, mas apenas cantar e tocar para nos entendermos”. Alguém gritou que havia um francês atrás das cortinas. O restante da plateia concordou e invadiu o palco para comprovar a suspeita, derrubando Bertini de sua cadeira e quebrando o violão, aos pisões, na altura do braço. Eles encontraram um rapaz nas cortinas e o expulsaram com gargalhadas. Não perguntaram pela sua origem, pois se a fizessem, saberiam que falava o italiano de uma vila próxima e só queria assistir ao evento extraordinário de perto, tendo viajado sem contar nada aos pais. Não sabia francês, nem fraudar, mas a paralisia de todos os rostos frente ao seu lhe impediu qualquer suspiro. Angiolo Bertini foi preso na mesma noite por calúnia e obrigado a pagar uma multa que não lhe era possível com os recursos do bolso da calça. Ficou a lavar as celas e as grades, até, por tanto assobiar, ser expulso mesmo da prisão. Dizem que faleceu na rua, dois dias depois, e eu acrescento que tinha a mesma expressão de Antonio Meucci, anos depois, na sala de julgamento, ao tentar provar a autoria de sua recriação. n Saulo Dourado é licenciado em filosofia pela Ufba e escreve contos no suplemento infantil do jornal A Tarde. Em 2011 foi aprovado pelo edital de Apoio à Criação Literária da Fundação Pedro Calmon para desenvolver um livro de contos. Já venceu os prêmios literários Ferreira de Castro e Correntes d’Escritas/Papelaria Locus, ambos na categoria juvenil, nos anos de 2005 e 2006.
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Classificados
Concurso de Professor Doutor - Computação O Departamento de Ciência da Computação do IME-USP abriu um concurso para a contratação de um professor doutor em RDIDP. O Departamento é responsável pelo Bacharelado em Ciência da Computação, pela Pós-Graduação em Computação e pelo Centro de Competência em Software Livre – CCSL, em São Paulo. O Departamento está interessado em pesquisadores que serão responsáveis por disciplinas de Bancos de Dados e Estruturas de Dados. Mais informações sobre a inscrição (prazos e documentação) podem ser obtidas em http://www.ime.usp.br/dcc E-mail: dcc@ime.usp.br
Fone: 0XX11 3091-6135
Curso de Pesquisa Clínica e Neurociências Divisão de Clínica Neurológica – HC/FMUSP Período: Aulas quinzenais às segundas-feiras, 12h15-14h, de março/2012 a junho/2013 Público-alvo: Profissionais de Neurologia/Reabilitação/ Engenharia Biomédica (20 vagas) Alunos de graduação (10 vagas) Processo seletivo: Envio de Curriculum Vitae: de 20/1 a 20/2/12 (abconf@usp.br) Entrevistas: 20 a 24/2/12 Coordenação: Profa. Dra. Adriana B. Conforto e Profa. Dra. Suely K. N. Marie Apoio: Fogarty International Center, National Institutes of Health Não serão cobradas taxas de inscrição ou mensalidades.
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