Pesquisa FAPESP 205

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março de 2013  www.revistapesquisa.fapesp.br

olimpíadas científicas

Competições revelam talentos para pesquisa no ensino médio cerâmica

Inovação dinamiza indústria de pisos e azulejos divulgação

Textos e imagens tornam história brasileira mais acessível ao público especial biota-educação

Fragmentação de paisagens ameaça biodiversidade brasileira

TOC Consórcio brasileiro produz novos conhecimentos sobre uma doença complexa e torturante


Pesquisa Brasil Toda sexta-feira, das 13h às 14h, na Rádio USP, você tem um encontro marcado com a ciência falada

Apresentado por Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp, e por Celso Filho, diretor da Rádio Usp, o Pesquisa Brasil traz informações eduardo cesar, EDUARDO SANCINETTI, ricardo zorzetto, léo ramos, nasa / jpl, Latinstock/MEHAU KULYK/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC

de ciência, tecnologia, meio ambiente, humanidades. Há sempre um pesquisador convidado conversando sobre o desenvolvimento de sua pesquisa, além de uma seleção musical com muito swing. E você pode participar do “Ouvinte Pesquisa” fazendo perguntas aos pesquisadores e concorrendo a uma assinatura anual da revista Pesquisa Fapesp.

Aguce seus sentidos e sintonize já! 93,7 mHz www.revistapesquisa.fapesp.br


fotolab

Gaiata no navio Uma estrela de apenas dois centímetros de diâmetro, Ophiothela mirabilis, natural do oceano Pacífico, foi fotografada pelo biólogo marinho Alvaro Esteves Migotto no Atlântico, no litoral brasileiro. A estrela tornou-se numa espécie invasora abundante que está presente em grande número nas águas rasas, entre 10 e 15 metros, do Sudeste brasileiro e foi objeto de artigo na revista Coral Reefs sobre sua ocorrência cada vez maior no Atlântico. “A espécie provavelmente chegou aqui como clandestina, em cascos de navios”, diz o biólogo. A foto acima, de sua autoria, ficou entre as 10 melhores do Nikon’s Small World de 2012, um concurso anual de microfotografias (www.nikonsmallworld.com). Foto enviada por Alvaro Esteves Migotto Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo Se você tiver uma imagem relacionada a pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.

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março 2013 n. 205

18 CAPA Estudos coordenados por brasileiros ajudam a compreender melhor e a tratar de modo mais eficiente o transtorno obsessivo-compulsivo crédito Drawn Ideas

entrevista 26 Maria José Soares Mendes Giannini Pró-reitora de Pesquisa da Unesp explica as iniciativas tomadas para aumentar a qualidade da universidade

Política científica e tecnológica

ciÊncia

32 Educação

Mapas tridimensionais detalham a estrutura da floresta e facilitam o monitoramento dos impactos da fragmentação na vegetação nativa

Avanço do país em olimpíadas científicas movimenta estudantes do ensino médio e ajuda a formar novos pesquisadores

38 Recursos humanos

Lei que altera carreira de docentes das universidades federais preocupa comunidade científica

42 Difusão

Editor-chefe da Nature, Philip Campbell, e dirigente da Royal Society, Martyn Poliakoff, discutem na FAPESP desafios e limites da abertura de dados científicos

seçÕes 3 Fotolab 6 Cartas 8 On-line 9 Editorial 10 Dados e projetos 11 Boas práticas 12 Estratégias 14 Tecnociência 88 Memória 90 Arte 92 Conto 94 Resenha 95 Carreiras 97 Classificados

44

44 Ecologia

50 Especial Biota Educação I Biólogos apresentam a professores e estudantes do ensino médio um panorama dos efeitos da fragmentação de ecossistemas e da perda da biodiversidade no país

56 Paleontologia

Fezes fossilizadas de peixe de 270 milhões de anos encontrado no Rio Grande do Sul carregam ovos de verme

58 Entrevista: Brian Schmidt Laureado com o Nobel diz que são necessários novos métodos para medir o que compõe a maior parte do Universo

60 Encontro de notáveis Evento em São Carlos homenageia o físico Daniel Kleppner e reúne cinco ganhadores do Prêmio Nobel

64 Física

18

Alternância perfeita entre ventos e chuvas garante a beleza das dunas e lagoas do parque nacional

64


68

50

tecnologia

humanidades

68 Indústria

82 História

Desenvolvimento tecnológico nas fábricas de pisos e azulejos leva o Brasil ao posto de segundo produtor mundial

Coleção reúne artigos de historiadores para públicos mais amplos entenderem o Brasil contemporâneo

74 Química

Marca-passos e outros aparelhos implantados no corpo humano poderão funcionar com eletricidade obtida do sangue

76 Novos materiais

Pesquisadores brasileiros na Suíça desenvolvem forma de ligar plástico e cerâmica como osso e músculo

78 Engenharia

Empresa paulistana tem projeto para limpar água e solo contaminados por metais pesados em mina de urânio

90

38

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cartas

cartas@fapesp.br

fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente

Frenologia

O descrédito em que caíram a frenologia e o recente estudo que relaciona medidas faciais com comportamento confirmam o que a sabedoria popular mundial sacramentou no provérbio “Não julgue um livro pela capa” (“O crânio subvertido”, edição 203).

Conselho Superior alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, José de Souza Martins, Luiz Gonzaga Belluzzo, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor presidente

Elizabeth Sikar

Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico

São Carlos, SP

Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo

Ciência e burocracia issn 1519-8774

Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Adolpho José Melfi, Carlos Eduardo Negrão, Douglas Eduardo Zampieri, Eduardo Cesar Leão Marques, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, João Furtado, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto de França Arruda, José Roberto Postali Parra, Luis Augusto Barbosa Cortez, Marcelo Knobel, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Roberto Marcondes Cesar Júnior, Sérgio Luiz Monteiro Salles Filho, Sérgio Robles Reis Queiroz, Wagner do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretora de redação Mariluce Moura editor chefe Neldson Marcolin Editores Carlos Haag (Humanidades), Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência); Carlos Fioravanti e Marcos Pivetta (Editores espe­ciais); Bruno de Pierro e Dinorah Ereno (Editores assistentes) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro arte Mayumi Okuyama (Editora), Ana Paula Campos (Editora de infografia), Maria Cecilia Felli e Camila Suzuki (Assistente) fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora executiva - licenciada) Júlio Cesar Barros (Editor em exercício) Rodrigo de Oliveira Andrade Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Alex Castro, Alexandre Affonso, Ana Lima, Catarina Bessel, Daniel Bueno, Daniel das Neves, Erika Onodera, Evanildo da Silveira, Fabio Otubo, Guilherme Kramer, Guilherme Lepca, Igor Zolnerkevic, Maria Hirszman, Pedro Hamdan, Sandro Castelli, Valter Rodrigues (Banco de Imagens), Yuri Vasconcelos É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 mpiliadis@fapesp.br Para assinar (11) 3038-1434 fapesp@veganet.com.br Tiragem 48.000 exemplares IMPRESSão Plural Indústria Gráfica distribuição Dinap GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP 727, PESQUISA FAPESP Rua Joaquim Antunes, 10o andar, CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP no

FAPESP Rua Pio XI, no 1.500, CEP 05468-901, Alto da Lapa, São Paulo-SP Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia Governo do Estado de São Paulo

ESO, Gemini e Soar

Gostaria de esclarecer alguns aspectos mencionados na entrevista “Saltos astronômicos” (edição 203). Nessa entrevista, lê-se que “o modo fila foi inventado no Gemini e no Soar”, quando já se sabe há muito que o modo fila foi inaugurado no European Southern Observatory (ESO). Na entrevista, é ainda mencionado que “No ESO [iríamos] disputar com eles em condições de desigualdade”, sendo que, na verdade, a comissão de pedido do tempo do ESO é uma das mais justas e profissionais que eu já vi, pois está composta por um grande número de astrônomos de diversas áreas. Já na comissão local para julgamento de pedidos brasileiros do Gemini, pequena e restrita apenas a pequenas áreas de conhecimento, muitos projetos são penalizados porque a comissão não consegue avaliar a grande diversidade de áreas na astronomia. Em relação à nossa estratégia de desenvolvimento e adesão ao ESO, é mencionado ainda que “existem alternativas excelentes que nos custariam pelo menos 10 vezes menos”, mas não é mencionado que também iríamos estar 10 vezes mais limitados, impedindo que o Brasil faça ciência realmente de ponta. Seria lamentável se o Brasil não concretizasse, e o mais rápido possível, a sua adesão ao ESO. No cenário atual, devido às limitações do Gemini e do Soar, estamos beneficiando apenas uma pequena parte dos astrônomos brasileiros para fazer ciência em telescópios pouco competitivos. Jorge Meléndez Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas/USP São Paulo, SP

6 | março DE 2013

Foi gratificante ler a reportagem “Protegendo a ciência da burocracia” (edição 203), visto que ciência e administração tendem a se encontrar em algum momento no processo de desenvolvimento de novos projetos científicos. É excelente a iniciativa da FAPESP em formar times e capacitar cada vez mais pessoas que fazem parte da administração e do desenvolvimento de um projeto de pesquisa, embora nem sempre tenham seu trabalho reconhecido pelos gestores. Portanto, cabe a cientistas e administradores aceitar e reconhecer a competência do outro. Conhecimento bem produzido também é conhecimento bem administrado. Antonio Acácio de Oliveira Itapira, SP

Miscigenação

Parabenizo Pesquisa FAPESP pela reportagem de Marcos Pivetta com base no artigo científico de Cayres-Vallinoto, de 12 de outubro de 2012, sobre o vírus JCV (“Rastros de miscigenação”, edição 202). Nesse trabalho é importante salientar o alcance do estudo apresentado sobre as áreas de bioantropologia e arqueologia na reconstituição do percurso do Homo sapiens da Ásia às Américas. Francisco José Bezerra Sá Salvador, BA

História da metalurgia

Fiquei muito feliz e emocionado com a reportagem “A ferro e fogo” (edição 202). Meu quinto avô, Antônio Xavier Ferreira, foi diretor da Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, de 1824 a 1834. Com a saída de Varnhagem, seguiu-se na administração da Fábrica do Ipanema o


Empresa que apoia a ciência brasileira

capitão Rufino José Felizardo e Costa, em que, tendo falecido, foi substituído por Antônio Xavier Ferreira. A publicação Pluto Brasiliensis, memórias sobre as riquezas do Brasil em ouro, diamantes e outros minerais, de Wilhelm Ludwig Von Eschwege, informa que o minério de ferro foi descoberto pela primeira vez em São Paulo “na freguesia de Santo Amaro, à beira de uma pequeno ribeirão, afluente do rio Pinheiros (...) a uma distância de 2 léguas SE de São Paulo”. Na mesma publicação é revelado que em 1590 Afonso Sardinha descobriu o minério de ferro de Araçoiaba, onde construiu pequena fábrica no vale das Furnas, num tempo bem distante de 1810. Ao que parece é uma longa história e repleta de curiosidades. Parabéns pela reportagem e por ter me proporcionado a emoção de outros conhecimentos e mais dados para minha genealogia. Idivaldo Antonio Micali Departamento de Farmácia/UFRN Natal, RN

Portugal

A Carta da Editora, de Mariluce Moura, a respeito da reportagem “Um imenso Portugal” (edição 201) fala do fato de alguns brasileiros atribuírem as “mazelas” do país à colonização portuguesa. Quero lembrar a quem diz que os Estados Unidos são uma potência porque foram colonizados por ingleses que, na verdade, a colonização americana foi feita por todos (todos mesmo) os cidadãos da Europa, dos portugueses aos russos, sem falar dos

escravos negros africanos e dos asiáticos. No começo do século passado, o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos era igual ao da Argentina e hoje não dá nem para comparar. Isso ocorreu por culpa da colonização espanhola na Argentina ou foi a incapacidade do governo? Há 60 anos, a Coreia do Sul e a Bolívia tinham um PIB parecido, muito diferente do de hoje. Também foi culpa dos colonizadores? Se só os ingleses, franceses e holandeses são mais capacitados e inteligentes do que os portugueses, por que os muitos países colonizados por eles estão entre os mais atrasados do mundo? O português nunca se julgou superior aos povos que colonizou e sempre se misturou ao negro, índio ou asiático. Não aguento mais ver os portugueses serem culpados por algo que os brasileiros deveriam fazer. No caso, transformar o Brasil num país mais justo, humano e desenvolvido. O Brasil já é independente há 191 anos. Antonio Amaro São Paulo, SP

Cultura científica

A ciência há muito já deixou de ser assunto de laboratório ou sala fechada, pois está presente diariamente em todos os meios de comunicação (entrevista com Bruce Alberts, edição 199). Portanto, existe uma necessidade incontestável de promover uma cultura científica clara e entendível na sociedade como um todo. Logo, a possibilidade da clareza de termos e expressões utilizados em textos científicos e a facilidade de acesso a tais leituras se fazem necessárias principalmente nas unidades de educação básica de ensino fundamental e médio. Tal simplificação pode ampliar consideravelmente o interesse das pessoas a adentrar nos caminhos da ciência com mais segurança e curiosidade no intuito de ampliar seus conhecimentos em relação a conceitos científicos. Marte Ferreira da Silva

cesso do regime de Vargas no trabalho sanitário contra o mosquito. Ora, mesmo antes de Vargas era estreita a relação entre saúde, construção da nação e Estado. Há décadas a tese da “saúde como força-motriz da nação” vem sendo defendida entre nós, inclusive em artigo científico que publiquei na revista Dados, em 1985. Se mais tarde os norte-americanos não erradicaram o vetor em seu próprio território, isso não se deveu à suposta blindagem das liberdades individuais diante dos imperativos sanitários. A Lei Seca em sua forma mais draconiana foi votada justamente nos Estados Unidos, há quase 100 anos. Apesar da ditadura de Vargas e da cruzada antiálcool de seus sanitaristas, leis semelhantes à norte-americana não pegaram no Brasil. O aspecto crucial, que a matéria não elucidou, foi o baixo prestígio dos sanitaristas nos Estados Unidos, que explica as dificuldades de erradicação naquele país. Em contraste, desde o início da Primeira República nossos pesquisadores gozavam de grande prestígio. Seu perfil internacional se mostrava antes mesmo da chegada da Rockefeller ao Brasil e isso, note-se, tornou possível a resistência contra a aplicação de “dogmas” estrangeiros pelos sanitaristas brasileiros, a exemplo de Pirajá da Silva (ver reportagem “Vocação bem-sucedida” na mesma edição). Luiz Antonio de Castro Santos Instituto de Medicina Social/Uerj Rio de Janeiro, RJ

Correções

Ao contrário do que consta na reportagem “Mais bits a serviço do DNA” (edição 204), a filial do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo continua operando no Brasil, com sede administrativa no Hospital Sírio-Libanês, na capital paulista. O retrato de Erney Plessmann de Camargo (“O cientista das doenças negligenciadas”, edição 204) é de Eduardo César.

Atibaia, SP

Fundação Rockefeller

A chamada de capa “Malária” (edição 198) focaliza a ação “polêmica” da Fundação Rockefeller no combate à doença no Brasil. Algumas das ideias veiculadas pela reportagem são igualmente polêmicas. Um primeiro ponto diz respeito ao su-

O nome do naturalista inglês Charles Bunbury saiu como Hermann Bunbury na reportagem “O valor da língua” (edição 202).

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar – CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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on-line

Nas redes

w w w . r e v is t ap e s q uisa . f ap e sp . b r

NASA’s Goddard Space Flight Center/ESO/JPL-Caltech/DSS

Renato Silveira Bérnils_ Não vejo essa “autocitação” como um fenômeno terceiro-mundista ou de má ciência. Outros aspectos

Rádio

Imagem da NGC 6872 obtida pelo telescópio Galaxy

devem ser levados em conta.

Everton Estracanholli, da USP de São Carlos, explica como a luz de LED acelera a fermentação da cerveja

(Conhecimento ilhado) Alexandre Oliveira Florão_ Melhor tema possível para conectar o cotidiano ao conhecimento científico. (Cerveja brilhante) Emiliane Silva Santiago_ Falta apenas valorizar a pesquisa nacional. Pesquisadores qualificados nós já temos. (Alta produtividade) Charles Bicalho_ Muito boa.

Exclusivo no site

Exatamente o assunto que estou lendo no livro Dignidade! (Cooperação

x Um levantamento conduzido em rodovias das cidades de São Paulo, Diadema, Belo Horizonte e Vitória, entre 2005 e 2007, traduziu em números a frequência com que brasileiros misturavam álcool e direção antes do advento de uma legislação mais restritiva. No estudo, publicado em janeiro na Addictive Behaviors, 4.182 motoristas foram entrevistados. Desses, 3.488 concordaram em fazer o teste do bafômetro. Os pesquisadores verificaram que 24,6% haviam bebido no dia da pesquisa e que 15,9% apresentavam índice de concentração de álcool no sangue superior ao permitido pela lei vigente à época.

contra doenças negligenciadas) M. Carmo Bittencourt Oliveira_ Ótimo! Posso fazer coleta para minhas aulas nesses prédios. (Concreto coberto de vida) Rosane Lizarelli_ Vamos agradecer a esses bichinhos que tanto nos ajudam (Tratamento do estresse pós-traumático) Richardson Barbosa_ Precisaremos estudar seu impacto sobre os recursos, bem como as melhores técnicas silviculturais. (Mais celulose por centímetro quadrado)

Química divertida O estereótipo do cientista excêntrico ajudou a popularizar vídeos, alguns legendados em

Vídeo do mês

Nova variedade de mandioca tem até 40 vezes mais vitamina A do que as plantas comuns youtube.com/user/PesquisaFAPESP

8 | março DE 2013

português, em que Martyn Poliakoff, da Universidade de Nottingham e da Royal Society, explica questões da química de forma divertida. No ar desde 2008, o The periodic table of Assista ao vídeo:

videos (periodicvideos.com) teve mais de 38 milhões de exibições. Em um deles, Martyn aprecia uma caipirinha no Brasil, enquanto explica a composição do açúcar.

Para ler o código ao lado faça o download do leitor de QR CODE no seu smartphonE

x Um grupo de pesquisadores internacionais, entre eles brasileiros, identificou a maior galáxia espiral do Universo. A NGC 6872, como é conhecida, tem 522 mil anos-luz de diâmetro – cinco vezes o tamanho da Via Láctea. A hipótese mais provável para explicar seu tamanho é que ela resulte da colisão com outra galáxia menor. Agora os cientistas vão verificar se os gases expelidos durante o choque entre as duas galáxias também podem ter dado origem a uma nova galáxia anã. Os detalhes do achado foram apresentados na última reunião da Sociedade Astronômica Americana, em janeiro, nos Estados Unidos.


carta da editora

A dor dos pensamentos indomáveis Mariluce Moura Diretora de Redação

N

o cinema ou na televisão, tiques, manias estranhas ou repetição compulsiva de comportamentos aparentemente desnecessários podem tornar algumas personagens muito mais intrigantes e, por isso mesmo, aumentar seu potencial de fascínio. Para ficar apenas em dois exemplos conhecidos, lembremos de Melvin Udall, o escritor de Melhor impossível (1997), que valeu a Jack Nicholson o Oscar de melhor ator em 1998, e do detetive Adrian Monk, personagem central de uma bem-sucedida série de televisão norte-americana, lançada em 2002, que familiarizou telespectadores, mundo afora, com o rosto de Tony Shalhoub e ao mesmo tempo com uma versão bem verossímil do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). O primeiro tinha um medo pânico de contrair alguma doença no contato com as pessoas e lavava as mãos com alucinada frequência e um sabonete novo a cada vez. O detetive, entre outros traços curiosos, não suportava qualquer assimetria, qualquer desvio da rígida norma geométrica em que queria ver enquadrado o mundo à sua volta. Se deixassem, além de desentortar quadros nas paredes, corrigiria também, na cena do crime, a posição das vítimas cuja morte era chamado a investigar. Fora da ficção, entretanto, observa nosso editor de ciência, Ricardo Zorzetto, o TOC pode ser mais grave e mais complexo do que nas telas, alimentado acima de tudo por pensamentos indesejados, as obsessões, que invadem sem trégua a mente de quem tem o transtorno, gerando exacerbada ansiedade e medos irracionais, seguidos, na maior parte dos casos, pela necessidade incontrolável de repetir certos rituais mecânicos e mentais. Embora venha sendo estudado em diferentes fronts desde o século XIX e tenha sido inclusive objeto das investigações de Freud, que o apresentou sob o nome de neurose obsessiva e o explorou mais audaciosamente em seu famoso escrito sobre “o homem dos ratos”, de 1907, o TOC permanece como uma doença complexa e desafiadora – a rigor, não se conhece ainda o que efetivamente a provoca ou desencadeia. Por

isso, tem grande relevância uma série de estudos coordenados por pesquisadores brasileiros para ampliar a compreensão sobre o transtorno e, assim, embasar cientificamente tratamentos mais eficazes. Tais pesquisas motivaram a reportagem de capa desta edição, a partir da página 18. Transitando do conhecimento científico em psiquiatria para a inovação tecnológica com efeito direto sobre a economia, gostaria de destacar a reportagem sobre os avanços na qualidade técnica da cerâmica produzida em São Paulo, em especial no polo cerâmico de Santa Gertrudes, na região de Rio Claro, que ajudou a situar o Brasil como segundo maior fabricante mundial de pisos e azulejos cerâmicos, atrás apenas da China. Até 2001, o país era o quarto produtor mundial de placas cerâmicas e São Paulo respondia por 40% dessa produção (473 milhões de metros quadrados). Foi aí que um projeto apresentado por pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e por empresas do polo de Santa Gertrudes, em parceria com outros pesquisadores vinculados a universidades e institutos de pesquisa, obteve na FAPESP apoio substancial do programa de Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec). Seus efeitos: aumentou significativamente a qualidade dos materiais cerâmicos brasileiros e a participação paulista na produção nacional foi ampliada para 70% dos 866 milhões de m2 fabricados em 2012. Esse trajeto está detalhado no relato do jornalista Yuri Vasconcelos, a partir da página 68. Para concluir, gostaria de recomendar uma reportagem que toca em tema sensível ao desenvolvimento contemporâneo do país, a educação científica, elaborada por nosso editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques. No texto a partir da página 32 ele procura mostrar o que tem a ver a participação de estudantes de ensino médio em olimpíadas científicas com a formação de novos pesquisadores e como a conquista de medalhas nesses certames transforma-se em estímulo especial para mais jovens perseguirem a carreira científica. Boa leitura! PESQUISA FAPESP 205 | 9


Dados e projetos Temáticos e Jovem Pesquisador recentes Projetos contratados entre janeiro e fevereiro de 2013

temáticos  Alterações na expressão gênica do tecido gástrico e intestinal de portadores de diabetes melito tipo 2 submetidos à gastroplastia redutora a y-roux Pesquisador responsável: Dan Linetzky Waitzberg Instituição: Faculdade de Medicina/USP Processo: 2011/09612-3 Vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

 Polímeros sintéticos e naturais aplicados à engenharia de tecido Pesquisador responsável: Luiz Henrique Catalani Instituição: Instituto de Química/USP Processo: 2011/21442-6 Vigência: 01/02/2013 a 31/01/2018  Estudo das adaptações biomecânicas, sensoriais, cardiorrespiratórias e da qualidade de vida associadas à intervenção fisioterapêutica na síndrome fibromiálgica Pesquisadora responsável: Tânia de Fátima Salvini Instituição: Centro de Ciências Biológicas e da Saúde/UFSCar Processo: 2011/22122-5 Vigência: 01/02/2013 a 31/01/2018  Biologia das doenças neoplásicas da medula óssea Pesquisadora responsável: Sara Teresinha Olalla Saad

Instituição: Hemocentro/Unicamp Processo: 2011/51959-0 Vigência: 01/12/2012 a 30/11/2017

 Mecanismos de ajuste do relógio por luz e temperatura: aspectos filogenéticos Pesquisadora responsável: Ana Maria de Lauro Castrucci Instituição: Instituto de Biociências/USP Processo: 2012/50214-4 Vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016  Neurociência translacional da doença de Alzheimer: estudos pré-clínicos e clínicos do peptídeo b-amiloide e outros biomarcadores Pesquisador responsável: Geraldo Busatto Filho Instituição: Faculdade de Medicina/USP Processo: 2012/50329-6 Vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016 Jovem Pesquisador  Geografia dos riscos e mudanças ambientais: construção de metodologias para análise da vulnerabilidade Pesquisador responsável: Eduardo José Marandola Junior Instituição: Faculdade de Ciências Aplicadas/Unicamp Processo: 2012/01008-2 Vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

 Desenvolvimento de instrumentação e metodologias para monitoramento

de oxigenação, fluxo sanguíneo e metabolismo cerebral com espectroscopias ópticas de difusão Pesquisador responsável: Rickson Coelho Mesquita Instituição: Instituto de Física Gleb Wataghin/Unicamp Processo: 2012/02500-8 Vigência: 01/02/2013 a 31/01/2017

Maria da Conceição L. C. Serrano Instituição: Escola Politécnica/USP Processo: 2012/15159-2 Vigência: 01/12/2012 a 30/11/2016

 Estabelecimento de uma plataforma de produção de proteínas recombinantes terapêuticas em células humanas Pesquisadora responsável: Kamilla Swiech Instituição: Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto/USP Processo: 2012/04629-8 Vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016  Nitronas e hidroxilaminas com potencial farmacológico: síntese, prospecção da atividade antioxidante e estudos celulares Pesquisador responsável: Artur Franz Keppler Instituição: Centro de Ciências Naturais e Humanas/UFABC Processo: 2012/07717-5 Vigência: 01/03/2013 a 28/02/2017  Dispositivos MnM de alta eficiência e baixo custo para aplicações em sistemas de ondas milimétricas de 30 a 110 GHz Pesquisadora responsável: Ariana

 Optomecânica em cristais fotônicos e fonônicos Pesquisador responsável: Thiago Pedro Mayer Alegre Instituição: Instituto de Física Gleb Wataghin/Unicamp Processo: 2012/17610-3 Vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016  Nanofotônica em semicondutores do grupo IV e III-V Pesquisador responsável: Gustavo Silva Wiederhecker Instituição: Instituto de Física Gleb Wataghin/Unicamp Processo: 2012/17765-7 Vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016  Aplicações de técnicas de planejamento experimental e análise de superfície de resposta para a otimização das propriedades tecnológicas, nutricionais e sensoriais de formulações de pães sem glúten Pesquisadora responsável: Vanessa Dias Capriles Instituição: Instituto de Saúde e Sociedade/Unifesp Processo: 2012/17838-4 Vigência: 01/01/2013 a 31/12/2016

As 11 mais bem colocadas Universidades brasileiras na América Latina: posição relativa e critérios de avaliação (*)

Instituição

Posição no ranking mundial

Posição no ranking da América Latina

Reputação acadêmica

Reputação segundo empregadores

Docente/ estudante

Docentes com doutorado

Trababalhos publicados por docente

Citações por trabalho publicado

Impacto na web

USP

139

1

100

100

62.8

100

100

84.2

100

Unicamp

228

3

100

97.3

59.1

100

100

72.4

97.7

UFRJ

333

8

99.4

34.8

66.5

99.7

99.2

77.7

97.9

UFMG

451

13

92.7

26

65.2

100

99.5

80.8

97.2

UFRGS

501

14

88.5

26.4

54.8

100

100

71.1

99.7

Unifesp

401

15

73.3

34.6

75.8

100

100

95.3

83.1

Unesp

551

17

82.8

38.9

60.6

100

99.8

48.1

98.6

PUC-Rio

551

18

96.1

42.5

20.5

99

98.2

40.8

93.2

UnB

551

25

92.5

17

44.1

100

85.9

40.4

98.3

PUC-SP

551

28

73.2

95.8

79.8

90.7

7.3

4.9

78.9

UFSCar

601

37

62.4

23.4

55.9

100

99.2

51.1

82.7

(*) Os números nas colunas que descrevem os indicadores são índices relativos. 100 representa o maior valor no ranking mundial alcançado, nos itens correspondentes, pelo conjunto das universidades da América Latina. Fonte: QS Top Universities, http://www.topuniversities.com/university-rankings/world-university-rankings

10 | março DE 2013


Boas práticas No campo das ciências da vida, homens envolvem-se em casos de má conduta científica com mais frequência do que mulheres nos Estados Unidos, e a dianteira masculina é observada em todo o espectro de carreira, da iniciação científica ao comando de grupos de pesquisa, mostra um estudo publicado no jornal on-line mBio. Os autores revisaram 228 ​​casos de má conduta registrados pelo Escritório de Integridade de Pesquisa (ORI) norte-americano, entre 1994 e 2012. O escritório promove boas práticas de pesquisa e investiga acusações de desvio de conduta envolvendo pesquisas apoiadas pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos. No geral, 65% dos casos de fraude foram cometidos por homens, mas o percentual variou entre as fileiras acadêmicas: 88% dos docentes que cometeram faltas eram homens, em comparação com 69% dos pós-doutorandos e 58% dos estudantes de graduação. Em cada categoria, a proporção de homens cometendo faltas foi maior do que o previsto pela distribuição por sexo dos pesquisadores em ciências da vida nos Estados Unidos. O estudo não examinou quais são as razões que levam os homens a cometer mais fraudes. Mas diferenças culturais estão entre as hipóteses capazes de explicar o fenômeno, disse Arturo Casadevall, pesquisador da Albert Einstein College of Medicine da Universidade de Yeshiva, em Nova York, um dos autores do trabalho. “Homens tendem a se arriscar mais do que as mulheres e cometer fraude implica um risco”, sugeriu. “Também pode ser que os homens

sejam mais competitivos, ou que as mulheres sejam mais sensíveis à ameaça de sanções. A melhor resposta, porém, é que ainda não sabemos. Agora que documentamos o problema, podemos começar uma discussão séria sobre o que está acontecendo e como lidar com a questão”, afirmou. Os autores supunham que a maior parte das fraudes envolvesse estudantes e jovens pesquisadores, aqueles que sofrem maior pressão para publicar artigos no início da carreira. Contudo, foi observado que as práticas de má conduta estão espalhadas por todas as etapas da carreira universitária. “Cientistas no topo da carreira comandam grandes laboratórios e administram recursos vultosos, o que aumenta a pressão para publicar e a tentação de cometer desvios”, disse Casadevall.

daniel bueno

A má conduta na guerra dos sexos

“O fato de a má conduta ocorrer em todas as fases de desenvolvimento de carreira sugere que a atenção aos aspectos éticos da conduta científica não deve ser limitada àqueles pesquisadores ainda em formação, como é a prática atual.”

Universidades omissas serão punidas Os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês), que reúnem sete órgãos de financiamento de diferentes campos do conhecimento, lançaram uma nova versão de seu código de boas práticas, cuja principal novidade é a decisão drástica de cortar o financiamento de universidades e institutos de pesquisa que não investigarem apropriadamente casos de má conduta de seus cientistas. O documento, intitulado RCUK policy and guidelines on the governance of good research conduct, substitui as regras que vigoravam desde 2009. Ele lista diversos exemplos de má conduta,

como fabricação ou falsificação de dados e imagens, deturpação de informações, conflito de interesses, entre outros. Pesquisadores que, após uma investigação, sejam responsabilizados por má conduta poderão ser impedidos de pedir novos financiamentos aos RCUK, por um período de tempo ou até indefinidamente. Segundo a revista Times Higher Education, a decisão de punir também as universidades omissas é uma resposta a um relatório recente do Comitê de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns, que criticou os RCUK por manterem o financiamento de instituições envolvidas com fraudes. PESQUISA FAPESP 205 | 11


Estratégias

O modelo climático brasileiro

O diretor científico da

do México ou de

FAPESP, Carlos Henrique

qualquer outro país da

de Brito Cruz, foi

América Latina.

agraciado no dia 21 de

A dimensão da atividade

fevereiro com a Medalha

científica no estado

Armando de Salles

de São Paulo é uma

Oliveira da Universidade

dimensão praticamente

de São Paulo (USP).

nacional. É uma alegria

A entrega foi feita pelo

e uma satisfação fazer

reitor da USP, João

parte dessa atividade e

Grandino Rodas.

ter tido a sorte de estar

A medalha é a mais alta

em algumas posições em

honraria da instituição

que pude contribuir para

e busca homenagear

o seu desenvolvimento”,

pessoas, entidades e

afirmou. Nascido em

organizações com

1956, Brito Cruz é

contribuições marcantes

professor no Instituto de

para a valorização da

Física Gleb Wataghin

USP. Em seu discurso de

da Universidade Estadual

agradecimento, o diretor

de Campinas (Unicamp).

científico da FAPESP

Entre as funções que

Um workshop realizado na

foi a constatação de

ressaltou a importância

desempenhou,

FAPESP no dia 19

que o desmatamento

da ciência paulista e o

destacam-se a de diretor

de fevereiro apresentou

da Amazônia aumenta

papel da Universidade de

do Instituto de Física

os primeiros resultados

a possibilidade de

São Paulo como grande

Gleb Wataghin (1991

de simulações feitas com

ocorrência de El Niño

universidade de pesquisa

a 1994 e 1998 a 2002),

o Modelo Brasileiro de

(fenômeno caracterizado

do país. “Cientistas do

pró-reitor de Pesquisa da

Sistema Terrestre, um

por um aquecimento

estado de São Paulo

Unicamp (1994 a 1998),

programa de computador

anormal das águas

fazem mais ciência

reitor da Unicamp (2002

pioneiro no país capaz

superficiais no oceano

do que cientistas da

a 2005) e presidente da

de projetar cenários

Pacífico tropical, capaz

Argentina ou cientistas

FAPESP (1996 a 2002).

climáticos a partir de

de afetar o clima regional

dados coletados no Brasil

e global). “Este foi um

(ver Pesquisa FAPESP

resultado que o modelo

nº 177). Segundo Paulo

verificou mesmo sendo

Nobre, pesquisador do

uma versão preliminar,

Instituto Nacional de

de baixa resolução”, disse

Pesquisas Espaciais (Inpe)

Paulo Nobre. O modelo

e um dos coordenadores

está sendo desenvolvido

do projeto, o

por pesquisadores de

desenvolvimento do novo

diversas instituições,

modelo já possibilitou

integrantes do Programa

melhorar, por exemplo, a

FAPESP de Pesquisa em

previsão de precipitação.

Mudanças Climáticas

“Houve um aumento

Globais, da Rede Brasileira

generalizado da melhoria

de Pesquisa em Mudanças

da previsão tanto de

Climáticas Globais (Rede

temperatura da superfície

Clima) e do Instituto

das águas do Atlântico Sul

Nacional de Ciência e

como da América do Sul”,

Tecnologia sobre

afirmou. Outro resultado

Mudanças Climáticas.

12 | Março DE 2013

O diretor científico da FAPESP: Medalha Armando de Salles Oliveira

1

fotos 1 eduardo cesar 2 merck  3 iiasa  ilustraçãO daniel bueno

USP homenageia Brito Cruz


Muita promessa, pouca ação

2

Parceria público-privada por novos medicamentos

Coleção de compostos químicos da Merck: robôs vão pesquisar atividade biológica

Os 57 Estados membros

disposição seja real.

da Organização para a

“São sempre as mesmas

Cooperação Islâmica

resoluções vazias

(OIC) foram duramente

que nunca vêm

criticados por

acompanhadas de

pesquisadores e membros

qualquer ação concreta”,

do comitê de ciência e

disse Atta-ur-Rahman,

tecnologia da própria

ex-coordenador-geral do

instituição, o Comstech.

comitê, à agência SciDev.

As reclamações tinham

Net. “Os Estados

como alvo um

membros aprovam,

comunicado, aprovado

a cada ano, orçamentos

numa reunião de cúpula

de US$ 15 milhões para

da OIC no Cairo, no mês

programas do comitê

passado, em que os

científico, mas a soma de

países membros

suas contribuições não

comprometeram-se,

chega nem a US$ 1 milhão”,

Sete companhias

farmacêutica, utilizando

como de costume, a

afirmou. Segundo

farmacêuticas – Bayer,

robôs para testar a

aumentar os recursos

Mohammed Ali Mahesar,

AstraZeneca, Sanofi,

atividade biológica

investidos em ciência,

assistente do atual

Lundbeck , Merck KGaA,

dos compostos.

encorajar parcerias com o

coordenador-geral do

UCB e Janssen – uniram

Universidades da

setor privado em pesquisa

Comstech, verbos como

forças com instituições

Alemanha, Reino Unido,

e desenvolvimento e

“estimular”, “encorajar”

científicas num projeto

Dinamarca e Holanda

apostar em novas

e “aconselhar” são

de € 196 milhões, cujo

participam da iniciativa.

tecnologias. Não que os

sempre usados nas

objetivo é a descoberta

“Se funcionar, poderá

críticos discordem. Eles

resoluções da OIC, porque

de novos medicamentos.

fornecer um novo modelo

só não acreditam que a

não geram obrigações.

A iniciativa foi batizada

para operar a pesquisa

de European Lead

de medicamentos”, disse

Factory e será sediada

à revista Nature Jörg

em duas fábricas

Hüser, diretor da Bayer

desativadas da Merck,

em Wuppertal,

uma na Holanda e outra

Alemanha. Trata-se de

na Escócia. As empresas

uma parceria público-

farmacêuticas vão

-privada. A União

fornecer pelo menos

Europeia vai contribuir

300 mil compostos

com € 80 milhões,

químicos de suas

enquanto os demais

coleções. Apostam

€ 116 milhões virão

na possibilidade de

das indústrias e de

impulsionar a inovação

governos regionais.

O físico recebeu o Zayed Future Energy Prize, na categoria Lifetime Achievement

Goldemberg é premiado em Abu Dhabi

3

O físico José Goldemberg, que já foi mi-

rados Árabes Unidos (EAU). Este é o

principal foi em bioenergia”, disse o físico

nistro da Educação, secretário Nacional

quinto ano em que o prêmio é concedido

à Agência FAPESP. Uma de suas principais

do Meio Ambiente e reitor da Universi-

pela fundação criada pelo filho do xeique

contribuições foi a formulação do concei-

dade de São Paulo (USP), ganhou o Zayed

Zayed bin Sultan Al Nahyan, um dos fun-

to de salto tecnológico aplicado à energia,

Future Energy Prize na categoria Lifetime

dadores dos EAU. Nos outros anos, disse

segundo o qual os países em desenvolvi-

Achievement, concedido a profissionais

Goldemberg, foram laureados trabalhos

mento podem adotar estratégias susten-

de destaque na área de energia renovável.

em energia fotovoltaica e eólica e em

táveis sem precisar repetir o caminho de

O prêmio, no valor de US$ 500 mil, foi

conservação de energia.“É a primeira vez

alto impacto ambiental trilhado pelos

entregue em Abu Dhabi, capital dos Emi-

que eles premiam alguém cujo trabalho

países ricos.

PESQUISA FAPESP 205 | 13


Tecnociência

Conversa de tartaruga

Filhote de espécie da Amazônia chama a mãe em baixa frequência

Uma pesquisa realizada

vitamina C nos tomates

na Universidade

orgânicos foram 55%

Federal do Ceará (UFC)

mais elevadas nos frutos

mostrou que tomates

maduros em relação

cultivados pelo sistema

aos tomates de cultivo

orgânico possuem

tradicional. “Os

maior quantidade

polifenóis, por exemplo,

de compostos com ação

previnem a peroxidação

antioxidante, como

de lipídeos, por

polifenóis e vitamina C,

combaterem os radicais

em comparação com

livres”, diz Aurelice.

os produzidos pela

Ela explica que no

agricultura tradicional.

sistema convencional

“O estresse sofrido

a planta já dispõe de

pela planta no cultivo

todos os recursos

orgânico influencia

necessários para o seu

positivamente no

desenvolvimento, como

acúmulo de sólidos

fertilizantes, enquanto

solúveis e na síntese de

no sistema orgânico

metabólitos secundários,

o composto nutriente

que ajudam no seu

utilizado demora a ser

Todas as espécies de

eclodirem, os filhotes

tartaruga não cuidam de

começam a vocalizar

mecanismo de defesa

metabolizado, o que

suas crias. Elas deixam

e quando entram no rio

e contribuem para

resulta em estresse. Uma

os ovos enterrados,

chamam pelas fêmeas.

aumentar o seu valor

das análises feitas para

abandonando seus

Elas respondem e os

nutritivo”, diz a

determinar o grau de

filhotes à própria sorte.

aguardam em frente

pesquisadora Aurelice

oxidação das células dos

Mas após analisarem

à praia na Reserva

Oliveira, que fez o

frutos, chamada de

mais de 380 horas de

Biológica do Rio

estudo para a sua tese

peroxidação de lipídeos,

gravação de sons

Trombetas, no Pará.

de doutorado, sob

comprovou que há um

emitidos pela tartaruga-

Só então adultos

orientação da professora

maior estresse no cultivo

-da-amazônia

e filhotes começam

Raquel Miranda, do

orgânico do que nos

(Podocnemia expansa), os

a nadar juntos no rio,

Departamento de

convencionais. O estudo

biólogos Camila Ferrara

em direção às áreas

Bioquímica e Biologia

foi publicado no site da

e Richard Vogt, do

de floresta alagada

Molecular da UFC.

na revista PLoS One

Instituto Nacional de

onde se alimentam. Os

As concentrações de

(fevereiro de 2013).

Pesquisas da Amazônia

animais emitem sons em

(Inpa), junto com Renata

baixa frequência, que

Sousa-Lima, da

uma pessoa próxima

Universidade Federal

e em silêncio é capaz de

do Rio Grande do Norte

escutar. A tartaruga-da-

(UFRN), descobriram

-amazônia é ameaçada

a primeira evidência de

de extinção, por conta

que, pelo menos nessa

do consumo de sua

espécie, as mães exibem

carne pela população

algum cuidado com

local. “É uma das

as crias. O estudo foi

espécies de tartaruga

publicado no Journal of

mais sociais do mundo”,

Comparative Psychology

diz Camila. “Há noites

(fevereiro de 2013).

em que 300 fêmeas

Eles observaram que,

saem de dentro da água

mesmo antes de os ovos

juntas para desovar.”

14 | março DE 2013

fotos 1 Whaldener Endo / wikicommons  2 Pentop  3 Maurício Terrones/Universidade Penn State  ilustraçãO daniel bueno

Orgânicos e mais nutritivos


Facilidades para deficientes visuais A empresa amazonense Pentop venceu

uso em salas de aula e na identificação

Centro de Incubação e Desenvolvimento

a etapa nacional do Prêmio Finep de Ino-

de objetos, como roupas, CDs, DVDs e

Empresarial (Cide), de Manaus, com apoio

vação 2012 na categoria Tecnologia As-

medicamentos, facilitando a vida de cegos

da Fundação de Amparo à Pesquisa do

sistiva, concedido pela Financiadora de

e de quem tem visão limitada. As etique-

Estado do Amazonas (Fapeam). A pro-

Estudos e Projetos (Finep), com um siste-

tas utilizam o mesmo princípio usado no

posta inicial, concluída com sucesso, era

ma de vocalização de etiquetas destinado

código de barras, mas em vez do leitor

desenvolver uma codificação para ser

a pessoas com deficiência visual. Ele é

óptico usado nas caixas registradoras a

aplicada às cédulas de dinheiro no mo-

composto por um dispositivo chamado de

leitura é feita pelo sensor da caneta do-

mento de sua fabricação. No caso das

caneta falante – que possui um sensor na

tada de voz. O sistema premiado tem como

cédulas, o código é impresso em toda a

ponta e um processador computacional

sequência o projeto intitulado “Dinheiro

extensão da nota e sua identificação é

capaz de decodificar materiais impressos

falante para cegos”, em desenvolvimento

feita por um software integrado à caneta.

e reproduzir sons previamente gravados

por Danielle Castro e Marivaldo Albuquer-

Os testes, previstos para este mês de mar-

– e um conjunto de etiquetas com códigos

que, graduado em tecnologia da informa-

ço, serão feitos pela Biblioteca Braille do

impressos. O sistema foi concebido para

ção e diretor da Pentop, abrigada no

Amazonas, parceira do projeto.

Caneta falante e etiquetas: em salas de aula e na identificação de objetos

Reflexos invisíveis

Nanotriângulos luminosos Pela primeira vez,

De acordo com o líder

cientistas sintetizaram

das pesquisas, o professor

camadas únicas de um

de física e de engenharia

mineral raro chamado de

de materiais Mauricio

tungstenita ou WS2

Terrones, da Universidade

(dissulfeto de tungstênio).

Penn State, dos Estados

A folha criada pelos

Unidos, as estruturas

pesquisadores com

triangulares têm

átomos de enxofre

aplicações potenciais

combinados com átomos

em diversas tecnologias

Imagine uma janela

lugar de elétrons,

de tungstênio tem

ópticas, entre elas

feita de um vidro em

capazes de realizar

menos de um nanômetro

fotodetectores e lasers.

que a luz só pode passar

operações lógicas mais

de espessura e forma

A criação de materiais

vinda de um lado, e

rápidas e eficientes.

um padrão homogêneo

monocamadas – com a

que funciona como um

A peça funciona com a

de triângulos que

espessura de apenas um

espelho para a luz vinda

luz de um laser utilizada

apresentam uma

átomo – é interessante

do outro. Foi mais ou

normalmente em

propriedade óptica

porque as propriedades

menos isso que uma

telecomunicação e

incomum: a emissão de

químicas de minerais

equipe de pesquisadores

foi fabricada com

luz por meio da

e outras substâncias

do Instituto de

materiais e métodos

fotoluminescência.

dependem de sua

Tecnologia da Califórnia

convencionais da

(Caltech), dos Estados

indústria microeletrônica.

A pesquisa publicada

Unidos, da Universidade

Os autores do estudo

no site da revista Nano

de Nanjing, da China,

esperam que a tecnologia

Letters abre as portas

e dos brasileiros do

possa ser adaptada

para a criação de

Instituto Tecnológico de

para tornar instalações

materiais multicamadas

Aeronáutica (ITA)

e veículos militares

de várias espessuras.

e Instituto de Estudos

“invisíveis”, ao impedir

Uma vantagem do WS2,

Avançados (IEAv)

que suas superfícies

que também poderá ser

construiu em escala

reflitam a radiação de

útil no melhoramento

microscópica. O

micro-ondas emitida

da eficiência de LEDs,

dispositivo dá um passo

por radares inimigos.

é a possibilidade de ser

importante rumo à

A pesquisa foi o

fabricado pelo método

fabricação de chips de

destaque da capa da

da deposição química,

computadores fotônicos,

revista Nature Materials

largamente usado em

que usariam a luz no

(fevereiro de 2013).

laboratórios e indústrias.

Átomos de tungstênio e enxofre formam peças triangulares e fotoluminescentes

espessura atômica.

PESQUISA FAPESP 205 | 15


Teste para HTLV

Antecipar as emergências

Um kit de diagnóstico O estudo da localização de saídas em si-

para detectar infecção

tuações de emergência e da lotação em

pelo retrovírus HTLV 1 e 2

ambientes fechados ganhou importância

em caso de resultado

redobrada com as mortes na boate Kiss,

positivo de exames está

em Santa Maria (RS). O problema enfren-

em desenvolvimento no

tado por engenheiros, arquitetos, bom-

Hemocentro RP, ligado

beiros e prefeituras, agora sob o impacto da tragédia, ganha um estudo que poderá contribuir para a pré-análise dos am-

à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da

Imagem de software com portas e simulação da saída das pessoas em um auditório

Universidade de São

bientes. Feito por pesquisadores das

Paulo (USP), em parceria

universidades federais de Uberlândia

de Matemática da UFU, que participou do

com a empresa Gene ID,

(UFU) e de Minas Gerais (UFMG), o estu-

estudo com os professores Luiz Duczmal

de São Carlos. “Fazemos

do foi publicado na revista Safety Science

e Frederico Cruz, da UFMG. “A localização

a coleta de sangue e

(janeiro de 2013). “Desenvolvemos um

de portas, corredores e obstáculos é de-

extraímos o DNA de

software baseado em modelos matemá-

cisiva e tudo pode ser verificado e mexido

células dos pacientes

ticos que simulam os movimentos reais

no mapa do ambiente com o novo soft-

para o teste”, diz a

de pessoas sobre um croqui de um am-

ware”, diz Pereira. O sistema ainda não

pesquisadora Simone

biente com as melhores possibilidades de

tem um formato comercial e nem era essa

Kashima Haddad,

saída e os caminhos mais adequados em

a intenção quando os estudos começaram

coordenadora do

uma situação de emergência”, explica o

em 2007. “Estamos analisando a possibi-

Laboratório de Biologia

professor Leandro Pereira, da Faculdade

lidade de prepará-lo para uso comercial.”

Molecular do Hemocentro, onde a pesquisa é liderada pelo professor Dimas Tadeu

O crocodilo-tubarão de mordida sangrenta

Covas. “O Brasil e outros países da América do Sul

O formato do corpo

165 milhões de anos

que o material fóssil

são considerados área

devia ter um quê de

(Journal of Systematic

resgatado se limitava a

endêmica para HTLV”,

tubarão, mas a

Paleontology, janeiro de

uma grande mandíbula,

diz Simone. São cerca

mandíbula não deixava

2013). “Ele deve ter sido

uma parte do esqueleto

de 2,5 milhões de

dúvidas: o predador,

o crocodilo marinho mais

pós-cranial e alguns

infectados no país e

um crocodilo, era capaz

feroz em seu ambiente”,

dentes pontudos e

desses entre 1% e 5%

de devorar presas de

diz Brandalise, que

serrilhados. No entanto,

irão desenvolver

tamanho considerável.

participou da análise

os pesquisadores

enfermidades, como

A partir de um

dos dentes do fóssil.

acreditam que ele era

leucemia ou doença

fóssil incompleto

O espécime descoberto

bastante semelhante aos

neurológica. O teste

encontrado na

media mais de três

crocodilos do gênero

confirmatório atual é

Inglaterra, paleontólogos

metros de comprimento,

extinto Geosaurus,

importado e custa cerca

britânicos, americanos

tinha dentes robustos

que também viveram

e o brasileiro Marco

que eram bons (mas não

na Europa e surgiram

Brandalise, pesquisador

ótimos) para cortar,

de 5 a 10 milhões

da Universidade Federal

perfurar e esmagar

de anos depois do

do Rio Grande do Sul

suas presas. Podia

Tyrannoneustes.

(UFRGS), descreveram

engolir peixes menores,

um novo gênero e

moluscos e estraçalhar

espécie de crocodilo

em pequenos pedaços

marinho extinto.

répteis marinhos e

O Tyrannoneustes

até tubarões. Segundo

lythrodectikos, nome

Brandalise, não é

científico dado ao animal

possível fazer uma

que significa “nadador

reconstrução precisa de

tirano de mordida

como era a nova espécie

sangrenta”, viveu há

de crocodilo, visto

16 | março DE 2013

de R$ 200,00 cada um. O Tyrannoneustes lythrodectikos era parecido com os crocodilos marinhos do gênero Geosaurus (ilustração)

“Queremos uma ferramenta de diagnóstico mais sensível e de menor custo.”


fotos 1 Leandro Pereira/UFU  2 Dmitri Bogdanov 3 Optics Express  ilustraçãO daniel bueno

Diagnóstico em viajantes Para saber a incidência

sobre a relação viajantes

de doenças sexualmente

e DSTs, foi publicado

transmissíveis (DSTs)

na revista The Lancet

em pessoas que viajam

Infectious Diseases

para outros países,

(março de 2013) e mostra

pesquisadores de várias

que a incidência é maior

partes do mundo

em homens em viagens

liderados pelo italiano

com menos de um mês

Alberto Matteelli, do

para visitar parentes

Instituto de Doenças

e amigos. As doenças

Infecciosas e Tropicais,

mais comuns, para os

na Itália, analisaram o

que voltaram das

histórico de 112 mil

viagens, são as uretrites

viajantes doentes,

não gonocócicas ou não

entre 1996 e 2010, do

especificadas (30,2%),

banco de dados do

seguidas de infecção

GeoSentinel, uma rede

pelo HIV (27,6%).

mundial de clínicas

Os diagnósticos durante

especializadas em

a viagem mostraram

enfermidades adquiridas

também as uretrites

em viagens. A rede é

(21,1%) e epididimite

ligada à Sociedade

(15,2%), enfermidade

Internacional de

Novo gerador de imagens é formado por filme plástico coberto com partículas fluorescentes

Transparente e flexível Uma nova categoria de

em frente a ele sem

dispositivo capaz de

necessidade de câmeras,

captar e mostrar imagens

o que o torna viável

do testículo. Entre os

pode estar nascendo na

para jogos eletrônicos.

Medicina de Viagem

imigrantes prevaleceu

Universidade Johannes

O aparelho não possui

(ISTM na sigla em inglês)

a sífilis, com 67,8%.

Kepler, na Áustria. Os

circuitos eletrônicos,

e ao Centro de Controle

Para os autores, embora

pesquisadores Alexander

mas apenas sensores.

de Doenças (CDC), dos

o número de pessoas

Koppelhuber e Oliver

A leitura feita por eles

Estados Unidos. Foram

contaminadas seja baixo,

Bimber criaram uma

é enviada para um

identificados 974

ele é alarmante pela

espécie de gerador de

computador que combina

pacientes, 0,9% do

diversidade de doenças

imagens, fino, flexível e

os sinais para criar

total, com DSTs,

em cada grupo. Eles

transparente, como uma

imagens numa escala

divididos em três grupos:

também indicam a

folha de plástico, que

de tons de cinza. Por

diagnosticados após

necessidade de

possui e usa partículas

enquanto a resolução

a viagem, durante a

estratégias preventivas

fluorescentes para

ainda é baixa, de apenas

viagem e imigrantes.

e uma maior assistência

capturar a luz. O protótipo,

32 por 32 pixels, mas

O estudo, o mais extenso

para os pós-viajantes.

descrito na revista

os pesquisadores já

Optics Express (fevereiro

anunciaram que estão

de 2013), canaliza parte

aperfeiçoando os

da luz para sensores

sensores para melhorar

posicionados nas

a resolução das imagens.

extremidades da folha

Eles consideram a

transparente – um filme

possibilidade de instalar

polimérico, conhecido

na frente do novo

como concentrador

gerador de imagem

luminescente, que é

um sensor de câmera

impregnado com as

digital para captar dois

partículas fluorescentes.

tipos de imagem ao

Ele absorve comprimento

mesmo tempo em alta

de ondas específicos,

resolução e em duas

como a luz azul, para em

posições. O principal uso

seguida reemitir uma

do aparelho, de acordo

imagem em luz verde.

com seus inventores,

Além de captar imagens,

será na forma de telas

o dispositivo também

transparentes sem

responde em tempo real

necessidade de toque

aos movimentos feitos

para operá-la. PESQUISA FAPESP 205 | 17


capa

As muitas faces da obsess達o Estudos coordenados por brasileiros ajudam a compreender melhor e a tratar de modo mais eficiente o transtorno obsessivo-compulsivo

Ricardo Zorzetto


D

léo ramos

urante uma reunião em sua sala no início de janeiro, o psiquiatra Euripedes Constantino Miguel interrompeu por uns segundos a conversa, subiu em uma cadeira e alcançou no alto de uma estante os dois grossos volumes do livro Clínica psiquiátrica, que editou em 2011 com dois outros professores do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). “Aqui está condensada a contribuição de nosso grupo para a compreensão e o tratamento do transtorno obsessivo-compulsivo”, afirmou, enquanto depositava na mesa os dois calhamaços com 2.500 páginas e quase seis quilos de papel. Nas edições mais recentes do Congresso de Clínica Psiquiátrica, médicos e psicólogos que participaram da sessão Como eu trato receberam os exemplares do livro e uma senha para fazer um curso on-line de educação continuada coordenado pela equipe de Miguel. “No primeiro ano houve 1.200 inscritos, no segundo 2 mil e neste esperamos ter 4 mil”, disse. A publicação dessa e de outras duas obras – Medos, dúvidas e manias, relançada em 2012, e Compêndio de clínica psiquiátrica, deste ano – e a oferta do programa de formação continuada foram a maneira que ele e seu grupo encontraram de fazer chegar ao maior número possível de especialistas em saúde mental do país o conhecimento mais recente produzido por pesquisadores brasileiros sobre uma doença complexa, desafia-

dora e, quase sempre, torturante: o transtorno obsessivo-compulsivo ou, simplesmente, TOC. Nos últimos cinco anos o grupo liderado por Miguel publicou ao menos 70 artigos científicos apresentando uma série de avanços que ajudam a conhecer melhor as características mais frequentes do transtorno obsessivo-compulsivo e os outros distúrbios psiquiátricos que podem acompanhá-lo ao longo da vida, agravando-o. Com o auxílio de técnicas de neuroimagem, os pesquisadores obtiveram evidências de que as duas formas de tratamento internacionalmente recomendadas para amenizar os sintomas do TOC – a terapia cognitivo-comportamental e o uso de antidepressivos – atuam de maneira distinta no cérebro, em ambos os casos interferindo na atividade do circuito neuronal supostamente envolvido no problema. Eles também demonstraram que uma alternativa extrema, uma cirurgia cerebral que interrompe permanentemente a comunicação entre partes desse circuito neuronal e no Brasil só é feita de modo experimental, ajudou a controlar os sintomas no TOC de alta gravidade, em que nem terapia nem medicação haviam surtido efeito, em metade dos casos. Outra contribuição relevante, talvez até a mais interessante para quem tem TOC, é a constatação de que, nos casos leves e moderados, o resultado do tratamento com medicação é semelhante ao efeito da psicoterapia – no TOC, os medicamentos


Para aliviar os sintomas Tratamentos interferem no funcionamento de circuito cerebral que se encontra alterado no TOC

Circuito alterado Áreas que processam emoções e planejamento (córtex) e resposta ao ambiente (tálamo) estão com atividade alterada no TOC

RADIOcirurgia

Córtex órbito-frontal

fonte  marcelo hoexter / ipQ-USP

Usada em casos de

Cápsula interna

gravidade extrema, cirurgia com radiação efeitos dos remédios e da psicoterapia

terapia comportamental

medicação

Psicoterapia que altera

Antidepressivos como a fluoxetina

a percepção do problema

atuam inicialmente em áreas

e influencia o comportamento

profundas, remodelando estrutras

modifica a estrutura do córtex

dos núcleos da base

mais usados são os antidepressivos inibidores de recaptura de serotonina e a forma de psicoterapia preferencial é a terapia cognitivo-comportamental. O importante, dizem os pesquisadores, é tratar o problema de forma continuada. O acompanhamento de 158 pessoas com TOC por dois anos deixou claro que os sintomas regrediam mais com o aumento da duração do tratamento. “Esse trabalho mostra que, independentemente do tratamento adotado no início, o importante é mantê-lo, porque a melhora leva tempo para aparecer”, afirma a psiquiatra Roseli Shavitt, uma das autoras do estudo e coordenadora do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo (Protoc) da USP. “O TOC é uma doença crônica para a qual não existe solução fácil”, comenta Juliana Diniz, outra psiquiatra da equipe. “Para surtir resultado, o tratamento leva no mínimo meses; com frequência, anos; e não é incomum que dure a vida toda”, conta. Conhecido por estranhezas e exageros como os cometidos pelo personagem de Jack Nicholson no filme Melhor impossível – ele lavava as mãos o tempo todo, usando um sabonete novo a cada vez, e evitava encostar nas pessoas por receio de se contaminar –, o TOC é um problema psiquiá20  z  março DE 2013

potencializa os

Tálamo

trico relativamente frequente. Estudos feitos em vários países indicam que o problema atinge de 2% a 3% das pessoas, proporção que pode variar de acordo com a região ou a metodologia da pesquisa. Esse índice, porém, pode ser até um pouco mais elevado. A equipe da psiquiatra Laura Andrade, também da USP, conduziu há alguns anos um levantamento em que foram entrevistados pessoalmente cerca de 5 mil moradores da Região Metropolitana de São Paulo. Publicado em 2012, o estudo detectou que 4% dos participantes haviam apresentado sintomas obsessivo-compulsivos no ano anterior ao levantamento – taxa bastante expressiva, ainda que inferior à de depressão (11%) e à de diferentes formas de ansiedade (19%). pensamentos indesejados

Mas o TOC não é apenas comum. Pode ser também mais grave e mais complexo do que o retratado no cinema. Quem tem TOC é continuamente atormentado por pensamentos indesejados (obsessões) que invadem a mente e, por mais que se tente evitá-los, geram muita ansiedade, além de medos irracionais, como o de ser contaminado por algum vírus ao tocar uma maçaneta, ou dú-

infográfico  ana paula campos  ilustração pedro hamdan

Gânglios da base


Para Freud, repressão do desejo punha o consciente e o inconsciente em conflito, gerando neurose obsessiva

vidas atrozes, como a de ter deixado aberto o registro de gás do fogão. Na maior parte dos casos, mas nem sempre, as obsessões são seguidas por uma necessidade incontrolável de repetir certos rituais mecânicos e mentais (compulsões) – por exemplo, lavar as mãos até sangrarem, verificar dezenas de vezes o registro do fogão ou contar números ou rezar – que ajudam a tranquilizar. Esses pensamentos e rituais costumam consumir várias horas do dia. Os manuais de diagnóstico médico classificam como TOC quando esse tempo é superior a uma hora, com ou sem sofrimento intenso. Em boa parte dos casos, eles interferem no desempenho do trabalho e no convívio com a família e na relação com os amigos. É uma situação bem diferente da vivida por quem é asseado e gosta de estar sempre com as mãos limpas ou por pessoas que são cautelosas e voltam para verificar se a porta de casa está mesmo fechada ou ainda por quem é organizado e prefere manter as camisas no guarda-roupa ordenadas por cores. Do ponto de vista médico, o que atualmente se conhece como TOC começou a ser estudado com mais rigor no século XIX na França, na Ale-

TOC e companhia Distribuição da idade em que os sintomas das comorbidades se manifestaram em pacientes com obsessão-compulsão

Ansiedade da separação

3,0

Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

2,5

Densidade

Fonte DE MATHIS, M.A. European Neuropsychopharmacology. 2012

Casos analisados: 1.001

2,0

Ansiedade TOC

Transtornos alimentares Espectro obsessivocompulsivo

1,5

Transtornos do impulso

Transtorno de estresse pós-traumático

1,0

Tique

Transtorno somatoforme Transtornos do humor

Dependência química

0,5

0,0 5

10

15

20

Idade média de início (em anos)

25

manha e na Inglaterra sob diferentes nomes. E já foi “explicado sucessivamente como um transtorno da vontade, do intelecto e das emoções”, conta o psiquiatra e historiador peruano German Berrios, da Universidade de Cambridge, no livro Uma história da psiquiatria clínica, publicado em 2012 pela editora Escuta. À medida que desenvolvia sua teoria sobre o funcionamento da mente, o médico austríaco Sigmund Freud buscava explicações para o mecanismo psicológico que a psicanálise chama de neurose obsessiva. Inicialmente, Freud interpretou a neurose obsessiva como um conflito entre o consciente e o inconsciente, resultado da repressão do desejo sexual. Diferentemente da histeria, em que a energia podia saltar misteriosamente da mente para o corpo e, por exemplo, causar a paralisia de um membro, na neurose obsessiva essa energia permaneceria na esfera psíquica. Mais tarde, em 1907, quando começou a atender a um paciente chamado Ernst Lanzer, caso que ficou conhecido como o homem dos ratos, Freud percebeu que, além da energia sexual, a neurose obsessiva também tinha forte componente de agressividade, explica o psicanalista Renato Mezan, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Essa conclusão teria auxiliado o médico austríaco a criar todo um modelo de desenvolvimento psíquico. bottom-up e top-down

Hoje a medicina explica o TOC a partir de uma visão mais neurobiológica. Para os médicos, o TOC é consequência da interação de fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais. Essa interação altera o funcionamento de circuitos que conectam áreas mais externas do cérebro, regiões do córtex ligadas ao processamento das emoções, do planejamento e ao controle das respostas de medo, a áreas internas como os núcleos da base e o tálamo, que integram informações emocionais, cognitivas e motoras, regulando a resposta ao ambiente. No TOC, a troca de informações entre essas áreas, mediada principalmente pelo neurotransmissor serotonina, estaria desregulada. Estudos feitos com roedores e com seres humanos já sugeriam que tanto os antidepressivos que agem sobre a serotonina quanto a terapia cognitivo-comportamental modificam o funcionamento desse circuito. Mais recentemente o psiquiatra Marcelo Queiroz Hoexter, da equipe de Euripedes Miguel, em parceria com o grupo de Geraldo Busatto Filho, também da USP, conseguiu os indícios mais consistentes já obtidos de que os tratamentos modificam não só o funcionamento, mas a estrutura de algumas regiões cerebrais. Hoexter selecionou 38 pessoas com TOC que jamais haviam sido tratadas e, depois de uma seleção aleatória, as encaminhou para um grupo de pESQUISA FAPESP 205  z  21


22  z  março DE 2013

léo ramos

terapia ou de uso do antidepressivo fluoxetina. Complexo e heterogêneo Trabalhando em parceria com o grupo de Rodrigo Diante de resultados nem sempre animadores dos Bressan, da Universidade Federal de São Paulo tratamentos, Miguel e seu grupo seguem tentando (Unifesp) e pesquisadores de Harvard, ele com- compreender o TOC. Desde 2003 ele coordena parou imagens cerebrais feitas por ressonância uma rede formada pelos principais especialistas magnética no início do estudo e depois de três do país em TOC – hoje quase 70 colaboradores meses de tratamento e verificou que um dos nú- de sete instituições integram o Consórcio Bracleos da base – o putâmen – havia aumentado de sileiro de Pesquisa em Transtornos do Espectro volume nas pessoas que tomaram a medicação e Obsessivo-Compulsivo, o C-TOC – que estudam melhoraram. “Acreditamos que a fluoxetina altere as características desse problema na nossa popua plasticidade neuronal, aumentando a conecti- lação com o objetivo de tentar compreender sua vidade dos circuitos neuronais dessa região e, origem e como tratá-lo de forma mais adequada. consequentemente, seu volume”, diz. Num esforço possivelmente inédito na psiquiatria Para ele, esses resultados, somados aos de ou- brasileira, os pesquisadores do C-TOC realizaram tros trabalhos, sugerem que a medicação promo- entrevistas minuciosas que em média duravam ve uma alteração morfológica quatro horas com 1.001 pesque começa nas regiões mais soas com TOC atendidas nos profundas do cérebro e camiestados de São Paulo, Rio de nha para as mais superficiais, Janeiro, Pernambuco, Bahia como o córtex – padrão coe Rio Grande do Sul. Cirurgia que nhecido como bottom-up. Já Analisando as informalesa região a terapia cognitivo-comporções dessa amostra, a maior tamental faria o contrário, injá reu­nida no mundo, eles vemilimétrica fluenciando primeiro a remorificaram que apenas 8% das delagem da região cortical, pessoas com TOC apresentapotencializa ligada à consciência, e depois vam exclusivamente sintomas de áreas mais profundas (topde obsessão e compulsão, o os efeitos -down). “Como o acompanhaque chamam de TOC puro. da medicação mento foi de apenas três meNa maioria dos casos, o TOC ses, não conseguimos medir apareceu acompanhado de e da terapia alterações no volume do córpelo menos mais um probletex”, explica Hoexter. “Há inma psiquiátrico ao longo da cognitivodícios de que elas ocorram vida: 68% dos participantes mais lentamente.” do estudo sofriam também -comportamental Em alguns casos gravísde depressão e 63% de outros simos, nos quais nem a psitranstornos de ansiedade, os coterapia nem a medicação distúrbios mais frequentes na surtem efeitos, os pesquisadores brasileiros têm população geral. Quase 35% apresentavam sinais adotado uma medida mais radical para interrom- de fobia social, que se caracteriza pelo medo exper o funcionamento desse circuito: uma cirurgia cessivo de estar em público. experimental em que usam radiação para lesar A constatação de que o TOC puro é exceção, e uma região milimétrica da cápsula interna, feixe não regra, forneceu aos pesquisadores uma pista de fibras que conectam os núcleos da base ao tála- de por que nem sempre os tratamentos funciomo (ver Pesquisa Fapesp nº 98). Nos últimos 10 nam como o esperado. A presença de doenças anos o psiquiatra Antônio Carlos Lopes, da equipe extras – os médicos as chamam de comorbidada USP, vem acompanhando 17 pessoas com TOC des – indicaria um grau de comprometimento refratário, que não haviam respondido a diversos maior do cérebro como um todo e dos circuitos medicamentos nem a anos de terapia, e passaram possivelmente associados ao TOC. Numa compela cirurgia. Cerca de metade apresentou uma paração com o que ocorre nas doenças cardiomelhora significativa depois da operação, que vasculares, Miguel conta que ter TOC puro seria causou poucos efeitos colaterais – em geral, dor o equivalente a “ter hipertensão, mas não ser de cabeça frequente, que era controlada com anti- obeso nem ter diabetes”, algo pouco frequente -inflamatórios, de acordo com estudo submetido na vida real. Para ele, esse comprometimento para publicação numa revista científica de alto maior do sistema nervoso ajuda a explicar por impacto. Segundo Lopes, os resultados indicam que a proporção de pessoas com TOC que meque nem mesmo a cirurgia é curativa. “Ela pa- lhora quando submetidas aos tratamentos – as rece funcionar mais como um potencializador diretrizes internacionais indicam a realização dos efeitos da medicação e da terapia cognitivo- de terapia cognitivo-comportamental, o uso de -comportamental”, conta Lopes. antidepressivos que atuam sobre o neurotrans-


Compulsões: movimentos ritualizados, como o de lavar as mãos inúmeras vezes, aliviam a ansiedade

missor serotonina ou a associação de ambos, que costuma ser mais eficaz – é menor do que projetavam estudos iniciais. Pesquisas anteriores que testaram cada um desses tratamentos isoladamente indicavam que até 60% dos pacientes melhoravam, taxa que era um pouco mais positiva quando a terapia era associada à medicação. Mas esses trabalhos em geral haviam sido realizados com pessoas que apresentavam a forma pura do TOC. Quando avaliou esses tratamentos em pessoas com uma ou mais doenças psiquiátricas associadas ao TOC, o grupo brasileiro viu que a taxa de resposta caía à metade: 30% melhoravam com terapia, 30% com antidepressivos e cerca de 50% com a associação dos dois tratamentos. “A existência de comorbidades é o principal fator que permite predizer se a pessoa responderá ao tratamento”, explica Miguel. “Nesse sentido, elas são mais importantes do que o tipo de sintoma obsessivo-compulsivo que a pessoa apresenta do que a forma de tratamento a que se submete e do que a existência de outros casos de TOC na família [indicador de predisposição genética para o problema].” Com base nesses resultados, agora se sabe que, em algumas situações, tratar a comorbidade é tão importante quanto combater os sintomas do TOC. É que a depressão, a ansiedade pura e a fobia social, transtornos companheiros do TOC, muitas vezes impedem as pessoas de começar o tratamento. “Às vezes, a depressão e a ansiedade são tão intensas que as pessoas não suportam fazer terapia em grupo [estratégia adotada no Protoc] nem usar medicação, porque os sintomas ansiosos podem se intensifi-

car transitoriamente no início”, conta Juliana. Nesses casos, segundo os pesquisadores, é preciso combater o problema secundário antes de avançar contra o TOC. Além de atrapalhar o início do tratamento, os outros transtornos mentais associados ao TOC podem prejudicar a resposta ao tratamento por levar as pessoas a interromper a terapia e o uso da medicação. Em trabalho publicado em 2011 na Clinics, Juliana comparou as comorbidades de um grupo de pessoas que completou 12 semanas de tratamento com as de outro que desistiu pelo caminho. Juliana constatou que os casos de ansiedade e fobia social eram bem mais comuns em quem abandonava o acompanhamento médico. alto risco

As comorbidades, descobriram os pesquisadores, também influenciam um desfecho que era pouco conhecido nos casos de TOC: o suicídio. A psiquiatra Albina Torres, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu, analisou informações de 582 pacientes e descobriu que 36% já haviam pensando em tirar a própria vida; 20% haviam planejado se matar e 11% tinham posto o plano em prática. Albina constatou também que o risco de planejar ou tentar cometer suicídio era mais alto entre as pessoas que, além do TOC, sofriam de depressão, transtorno de estresse pós-traumático (Tept) ou de transtornos do controle de impulsos. “O TOC sempre foi considerado um transtorno com baixo risco de suicídio”, conta Albina. “Vimos que não é bem assim.” Os detalhes fornecidos pelos 1.001 pacientes brasileiros proporcionaram à psicóloga Maria pESQUISA FAPESP 205  z  23


duas conclusões importantes. A primeira é que as pessoas que na infância apresentavam sinais de ansiedade da separação e depois desenvolveram TOC corriam risco maior de sofrer também de transtorno de estresse pós-traumático se expostas a uma situação de ameaça (real ou imaginária) à vida. A segunda é que aqueles com sintomas de déficit de atenção com hiperatividade apresentavam probabilidade maior de desenvolver dependência química se experimentassem drogas como álcool, maconha ou cocaína. “Esses transtornos que apareceram mais cedo podem funcionar como marcadores de vulnerabilidade para outros transtornos mentais”, diz Miguel. “Se ficarmos atentos a eles, podemos evitar que outras complicações surjam”, diz. mais real

Segundo os pesquisadores, uma constatação que vem se confirmando nos últimos anos é a de que as comorbidades contribuem para complicar um quadro que, por si só, já é complexo. Em 2006 a psiquiatra Maria Conceição do Rosário apresentou em um artigo na revista Molecular Psychiatry as primeiras evidências consistentes de que, do ponto de vista dos sintomas, o TOC é uma doença bastante heterogênea: cada pessoa pode manifestar diferentes tipos de sintomas com intensidades que também variam. À época começavam a surgir estudos estatísticos tentando agrupar os casos de TOC segundo os 13 grupos (dimensões)

Um mapa dinâmico do cérebro No pronunciamento que fez ao

ambiciosas: compreender como

Congresso dos Estados Unidos em

o cérebro funciona.

fevereiro abordando as prioridades

Simulação mostra coluna de neurônios de uma ínfima porção do córtex cerebral

24  z  março DE 2013

Para isso, sugerem que se registre

nacionais, o presidente Barack Obama

por certo tempo a atividade de cada

mencionou que pesquisadores estão

neurônio de circuitos neuronais

mapeando o cérebro e afirmou que,

completos. É algo complexo, que

para o sucesso desse empreendimento

envolve grandes desafios tecnológicos.

e de outros em ciência e tecnologia, os

As técnicas disponíveis hoje só

investimentos deveriam alcançar níveis

permitem coletar informações de

não vistos desde a era da corrida

umas poucas células e essas redes

espacial. Os pesquisadores leram nesse

podem envolver milhões de neurônios,

discurso um apoio ao projeto Mapa da

cada um deles fazendo milhares de

Atividade Cerebral (Brain Activity Map).

conexões. O funcionamento dessas

Proposto em meados de 2012 por

redes, acredita-se, deve resultar de

neurocientistas dos Estados Unidos e

uma interação complexa, algo maior

do Canadá em artigo publicado na

do que a soma dos seus componentes.

revista Neuron, é um projeto no estilo

Esse projeto exigiria esforço em

Big Science, de iniciativas que envolvem

grande escala e investimentos vultosos,

grande parte da comunidade científica,

semelhantes aos do sequenciamento

além de instituições públicas e

do genoma humano, que, de 1990

privadas, em torno de uma questão

a 2003, consumiu US$ 3,8 bilhões.

específica. No caso, das mais

Segundo o New York Times, espera-se

EPFL / Blue Brain Project

Alice de Mathis investigar a evolução do TOC. Apresentados em 2012 no European Neuropsychopharmacology, os resultados sugerem que o TOC se trata mesmo de uma doença associada a eventos marcantes que ocorrem durante o desenvolvimento da criança. Em 58% dos casos, o TOC havia começado antes dos 10 anos. Quando analisou os dados de todos os pacientes em conjunto, Maria Alice notou que os sintomas obsessivo-compulsivos não eram os primeiros a se manifestar: em média, surgiam entre os 12 e 13 anos de idade. O problema que apareceu mais cedo foi o medo de ficar longe dos pais ou de casa, o chamado transtorno de ansiedade da separação, forma de ansiedade que surgiu, em média, por volta dos 6 anos de idade. Um pouco mais adiante, por volta dos 7,5 anos, surgiram os sinais do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade ou TDAH (ver gráfico na página 21). Ao confrontar os transtorno psiquiátricos apresentados na infância com as características do TOC no momento das entrevistas (muitos eram adultos), os pesquisadores chegaram a pelo menos


de sintomas mais característicos – são 7 tipos de obsessão, que incluem o receio de agredir alguém ou medo de se contaminar, e 6 tipos de compulsões, como a de fazer verificações o tempo todo e manter tudo limpo ao redor. Essa abordagem, chamada dimensional, reforçava duas observações da prática clínica. A primeira é que cada paciente é diferente do outro. A segunda, que os sintomas não são “Conseguimos mutuamente exclusivos, já que muitas criar uma pessoas apresentavam mais de uma categoria de obsessões ou compulrepresentação sões. Por exemplo, alguém com nível moderado de obsessão por simetria do TOC mais pode ter medo de contaminação mais intenso e não apresentar sinais relapróxima do que cionados ao receio de agredir outras imaginamos ser pessoas. Durante o estágio que fez na Universidade Yale no grupo do psia realidade”, quiatra James Leckman, reconhecido internacionalmente por seus trabadiz Conceição lhos em saúde mental de crianças e adolescentes, ela começou a aprimodo Rosário rar a estratégia dimensional. Com Leckman e Miguel, Conceição desenvolveu um método de avaliação – um questionário para o diagnóstico do TOC conhecido pela sigla DY-Bocs. Essa escala é a primeira que permite avaliar a gravidade dos sintomas de diferentes dimensões de modo individual. Além

que o projeto conste da proposta

empregos – cada US$ 1 investido

de orçamento que Obama deve

no genoma gerou US$ 141.

enviar este mês para a aprovação do Congresso. No artigo da Neuron, o grupo

Outro projeto de porte nessa área ganhou um importante impulso na Europa. Em janeiro a Comissão

liderado por A. Paul Alivisatos,

Europeia selecionou o Projeto

da Universidade da Califórnia em

do Cérebro Humano (Human Brain

Berkeley, acredita ser uma tarefa

Project) como um de seus projetos-

factível, que pode ajudar a

-bandeira: iniciativa ambiciosa e com

compreender melhor a atividade

metas visionárias que deve abrir

cerebral e como surgem algumas

caminho para inovação tecnológica

doenças. E, quem sabe, a chegar a

e oportunidades econômicas.

formas mais eficientes de combatê-las. Não há garantia de que o projeto,

Envolvendo a participação de 80 instituições da Europa, dos

se aprovado e posto em ação, resulte

Estados Unidos e do Japão, esse

nos sonhados avanços médicos.

projeto, previsto para durar 10 anos

Muitas promessas do genoma não se

e custar € 1,19 bilhão, tem como

concretizaram, pois o funcionamento

objetivo reunir todo o conhecimento

dos genes é mais complexo que o

já produzido sobre o cérebro e,

imaginado inicialmente. Mas se espera

usando supercomputadores,

que, além de ampliar a compreensão

recriá-lo virtualmente e reproduzir

sobre o cérebro, gere inovações e

seu funcionamento.

de agrupar os sintomas por semelhança, ela dá uma ideia mais precisa do grau de incômodo que causam, do quanto interferem na rotina e em que nível alteram a percepção que a pessoa tem de si própria. “Conseguimos criar uma representação do TOC mais próxima do que imaginamos que seja a realidade”, diz Conceição, que coordena a Unidade de Psiquiatria da Infância e da Adolescência na Unifesp e integra o C-TOC. Ainda que esteja longe de representar toda a complexidade do TOC, esse forma de interpretar as manifestações do transtorno, segundo Conceição, vem ajudando os especialistas em saúde mental a repensar o objetivo do tratamento. “Em vez de ter por meta eliminar todos os sintomas, o objetivo passou a ser o de reduzir aqueles que mais atrapalham o indivíduo”, diz. Apesar desses avanços, Miguel já pensa há algum tempo que o caminho para lidar com o TOC pode ser outro. Em vez de esperar que se manifeste para então combater seus sintomas, a saída seria tentar evitar que se instale. Como? Cuidando melhor das grávidas e das crianças, uma vez que há indícios fortes de que o TOC, assim como outros problemas psiquiátricos, é uma doença do neurodesenvolvimento. Pensando nisso, ele e o psiquiatra Luiz Rohde, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciaram estudos em que as gestantes e seus filhos serão acompanhados por anos com o objetivo de identificar fatores que aumentem o risco de desenvolver TOC. “Queremos fazer na psiquiatria o que outras áreas da medicina, como a cardiologia, vêm fazendo há tempos”, afirma Miguel. “Identificar os fatores de risco para intervir precocemente e evitar que se desenvolva a doença.” n

Projetos 1. Instituto Nacional da Psiquiatria do Desenvolvimento: uma nova abordagem para a psiquiatria tendo como foco as nossas crianças e o seu futuro (2008/57896-8); Modalidade Projeto Temático; Coord. Euripedes Constantino Miguel Filho/IPq-USP; Investimento R$ 5.239.411,72 (FAPESP). 2. Caracterização fenotípica, genética, imunológica e neurobiológica do transtorno obsessivo-compulsivo e suas implicações para o tratamento (2005/55628-8); Modalidade Projeto Temático; Coord. Euripedes Constantino Miguel Filho/IPq-USP; Investimento: R$ 1.622.015,67 (FAPESP).

Artigos científicos 1. DE MATHIS, M. A. et al. Trajectory in obsessive-compulsive disorder comorbidities. European Neuropsychopharmacology. 22 ago. 2012. 2. HOEXTER, M.Q. et al. Gray matter volumes in obsessive-compulsive disorder before and after fluoxetine or cognitive-behavior therapy: a randomized clinical trial. Neuropsychopharmacology. v. 37(3). p. 734-45. fev. 2012. 3. TORRES, A.R. et al. Suicidality in obsessive-compulsive disorder: prevalence and relation to symptom dimensions and comorbid conditions. Journal of Clinical Psychiatry. v. 72 (1). jan. 2011. 4. ROSÁRIO-CAMPOS, M.C. et al. The dimensional Yale - Brown obsessive-compulsive scale (DY-Bocs): an instrument for assessing obsessive-compulsive symptom dimensions. Molecular Psychiatry. v. 11. p. 495–504. 2006. 5. MIGUEL, E.C. et al. Obsessive-compulsive disorder phenotypes: implications for genetic studies. Molecular Psychiatry. v. 10. p. 258-75. 2005.

pESQUISA FAPESP 205  z  25


entrevista Maria José Soares Mendes Giannini

A arte de queimar etapas Fabrício Marques

A

microbiologista Maria José Soares Mendes Giannini coordena desde 2009 um conjunto de esforços para aumentar a qualidade da pesquisa na jovem Universidade Estadual Paulista (Unesp). À frente da Pró-Reitoria de Pesquisa da instituição nos últimos quatro anos, ela articulou iniciativas que fizeram o número de projetos temáticos na Unesp crescer 130%, elevaram a captação de recursos para níveis inéditos e aumentaram em 42% a produção de artigos científicos. Recorreu a um conjunto de estratégias para combater as assimetrias naturais de uma instituição que tem campi espalhados por 24 cidades. Um dos motes foi a aglutinação de esforços de vários pesquisadores em torno de projetos mais robustos. Outro foi o incentivo à inserção internacional da ciência produzida pela universidade, estimulando docentes a publicar em revistas de impacto e trazendo cientistas de fora. Também criou escritórios de apoio ao pesquisador em cada uma das unidades da Unesp, desonerando os docentes de tarefas burocráticas relacionadas à prestação de contas de seus projetos. Tais resultados credenciaram-na a seguir no comando da Pró-Reitoria pelos próximos quatro anos, na recém-iniciada gestão do reitor Julio Cezar Durigan. Nascida em Portugal, Maria José vive no Brasil desde os 3 anos de idade. Toda a sua formação em microbiologia e imunologia foi feita na Universidade de São Paulo, na capital paulista, com estágios de curta duração no exterior. Em 1983, um convite para trabalhar na Faculdade de Ciências

26 | março DE 2013

Farmacêuticas de Araraquara da Unesp, instituição que acaba de fazer 90 anos, levou-a ao interior do estado. Lá foi uma das artífices, no final dos anos 1990, da implantação da pós-graduação em análises clínicas. “Em menos de 10 anos conseguimos sair de um curso não reconhecido para conceito 6 na Capes. Foi um grande trabalho”, recorda-se. Casada, mãe de um filho adulto e outro adolescente, Maria José divide-se entre seu escritório na capital paulista, onde permanece de segunda a quinta-feira, e Araraquara, entre sexta e domingo, onde mantém seu laboratório e mora com a família. Visita anualmente todas as unidades da Unesp – “é importante para que os pesquisadores se sintam apoiados e possamos ouvi-los” – e estabelece um contato frequente por meio de um aparelho de videoconferência ao lado de sua mesa. Desde 2010, ela é membro do Conselho Superior da FAPESP. A seguir, os principais trechos de sua entrevista: Como coordenar esforços de pesquisa numa universidade que tem campi espalhados por 24 cidades? A Pró-Reitoria de Pesquisa é recente na Unesp. Ela começou na gestão do professor Marcos Macari [reitor entre 2005 e 2008]. O professor José Arana Varela foi o primeiro pró-reitor de Pesquisa e depois eu assumi. Estamos entrando na terceira gestão. A Unesp é uma universidade de pesquisa, embora também seja forte no ensino e na extensão. Mas tem essa característica particular: é uma universidade de todo o estado de São Paulo. Somos a maior universidade multicampus do país, quiçá do mundo. Se você traçar um círculo de 100 quilômetros ao redor de cada uma dessas

especialidade Micologia formação Universidade de São Paulo (USP) instituição Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Produção científica 117 artigos científicos, 10 capítulos de livros. Orientou 27 alunos de mestrado, 15 de doutorado e 26 de iniciação científica. Supervisionou 7 estágios de pós-doutorado


Léo Ramos

PESQUISA FAPESP 205 | 27


24 cidades, completamos o mapa do estado de São Paulo. Temos hoje ciência de qualidade feita nos mais recônditos locais desse estado. É fundamental que ele usufrua dessa pesquisa. Vivenciamos, claro, assimetrias e o pró-reitor de Pesquisa da Unesp tem de tentar vencê-las. A pesquisa na Unesp começou mais forte em unidades mais tradicionais, como no campus de Araraquara. Como disseminar um padrão para todas as unidades? As faculdades de Farmácia e Odontologia completam 90 anos neste ano e já tinham um processo envolvendo a pesquisa. Assim como a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara (FFCLA), hoje Instituto de Química e Faculdade de Ciências e Letras. Mas não é só lá que começamos fortes. Em Jaboticabal, na área de agrárias, também. Se você olhar a porcentagem de pesquisas feitas em nossa universidade em ciências agrárias, verá que o número é muito significativo, advindo também de outras unidades. Os institutos de Química, de Física Teórica, de Biociências de Botucatu, de Rio Claro estão entre as unidades com pesquisa mais internacionalizada. No início, em 1976, foram incorpoSe não tivéssemos rados 14 campi, 10 menos do que hoje. A universidauma universidade de hoje tem 36 anos e, ao longo do tempo, houve inpública de serção de outras unidades. qualidade, quando Mesmo as mais recentes já desenvolvem pesquisa de qualidade e estão com atrairíamos programas de pós-graduaestrangeiros para ção. Temos professores estrangeiros trabalhando em fazer pesquisa Ilha Solteira, em São José do Rio Preto e em várias de alto nível? outras unidades. Se não tivéssemos uma universidade pública, de qualidade, quando atrairíamos estrangeiros para fazer pesquisa de alto nível? O processo alicerçado nesse histórico veio num crescendo e, desde 2005, temos um divisor de águas. Fizemos um mapa dos grupos de pesquisa, dos tipos de publicações e os perió­ dicos onde publicávamos e havia muitas assimetrias. Hoje não. Temos uma pesquisa fortalecida, crescente e ascendente, contribuindo sobremaneira para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia do país. Nos últimos quatro anos foram contratados quase mil docentes, mais de 60 pesquisadores, mais de 30 posições de nível superior para atender à demanda de grandes equipamentos e este contingente de pessoas altamente qualificadas redundará em consolidação da pesquisa na Unesp. Nosso foco hoje é internacionalizar cada vez mais a pesquisa, para torná-la mais contemporânea, de impacto nacional e internacional. Estamos contribuindo para sermos agentes ativos da promoção do desenvolvimento científico e tecnológico do estado e do país e transferi-lo para a sociedade. 28 | março DE 2013

A senhora poderia citar dados dessa evolução? Vou comparar 2007 com 2011, porque os dados de 2012 ainda não estão totalmente consolidados. Se compararmos os dois quadriênios, tivemos um aumento de produção científica na base de dados ISI, da Thomson Reuters, de 42%. É bem significativo. Um dos objetivos da Pró-Reitoria quando assumimos era somar e aglutinar competências, para construirmos uma ciência de qualidade, fortalecendo as capacidades institucionais em torno de propostas inovadoras, daí termos realizado uma série de seminários, de workshops temáticos. Estes foram realizados com convidados de várias universidades do Brasil e do exterior. As discussões foram realizadas para promover avanços em temas envolvendo a fronteira do conhecimento e em consonância com a agenda nacional. Os grupos de pesquisa de diferentes áreas participavam das discussões nesses encontros. Com isso tem-se a ciência mais transversal, inter, multi, transdisciplinar. Os diferentes olhares produzem uma qualidade, um diferencial que, às vezes, grupos com foco disciplinar não desenvolvem. É isso que estamos tentando fazer aqui na Unesp. O grande desafio do distanciamento entre os campi é transformar grupos isolados em grupos que tenham inserção maior dentro da própria Unesp e fora dela. Temos grupos muito fortes, como os de materiais cerâmicos e de nanotecnologia, os de produtos naturais, o núcleo de computação científica, o Grid Unesp, que tem um trabalho belíssimo internacional e atendendo à própria universidade. Temos grupos coordenando os programas Cepid da FAPESP, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, como o ligado a relações internacionais, o de nanotecnologia e de fisiologia comparada. Temos o Instituto Confúcio, que é considerado o melhor do mundo. Temos grupos consolidados e nosso trabalho é fazer com que mais grupos se destaquem em suas áreas do conhecimento. Uma de suas preocupações foi aumentar a produção em engenharias e humanidades, para equipará-las à das ciências da vida. Como anda esse esforço? Em ciências da vida temos forte inserção, com quase 70% do que é produzido na Unesp. Duas áreas em que havia grande assimetria eram as de engenharias e de humanidades. Criamos então o Projeto Renove: Renove Engenharias e Renove Humanidades. O foco era não apenas dar recursos pelo edital, mas também a ideia de que os projetos tinham de aglutinar competências nessas áreas. Acredito que temos já alguma resposta positiva. Também foram criados os fóruns de humanas e agora o das engenharias, para criar elos de cooperação e agora também elos com inovação, respectivamente. Em nossa universidade, tivemos a criação de 11 cursos de engenharia. Três já foram lançados, o de engenharia ambiental, em São José dos Campos, e os de bioprocessos e de engenharia química, na Faculdade de Farmácia e no Instituto de Química, em Araraquara, respectivamente. Alguns ainda estão sendo implantados e sem dúvida irão aumentar e contribuir para termos recursos humanos com enfoque em base mais tecnológica, necessários ao estado e ao país. Os pesquisadores respondem bem a essas iniciativas? Sim, têm respondido. Os fóruns contaram com grande


número de participantes e estes foram realizados justamente para localizar e reconhecer as competências acadêmicas instaladas na universidade com enfoque nas grandes áreas do conhecimento. Essas ações deram início ao incentivo e patrocínio para publicação de vários livros eletrônicos (e-books), dentro das séries Desafios Contemporâneos, área de humanas e fronteiras, em áreas do conhecimento de interesse nacional, tais como: nanotecnologia, bioenergia, produtos naturais, biotecnologia, alimentos e segurança alimentar e outros, consistindo num trabalho mais eficiente de divulgação dos grandes grupos de pesquisa. Mas verificou-se que havia a necessidade de outras ações e ampliamos o programa Renove com mais abrangência para grupos da universidade que estavam alijados do processo de pesquisa. Há um contingente de docentes que precocemente foram para gestão e não desenvolveram carreiras ligadas à pesquisa. Resolvemos lançar, então, o Renove Geral, que é para todas as áreas, visando atrair os docentes que estão fora da logística de fomento. São avaliados os processos e, além dos recursos, inclui-se uma bolsa de iniciação científica, tudo isso para eles voltarem a pesquisar, publicar e se engajar dentro de uma linha de pesquisa e de programas de pós-graduação. O número de projetos temáticos aprovados tem aumentado. Em que proporção? O número de temáticos aumentou em quase 130%. E em termos de valores financeiros o crescimento foi de quase 340%. Nós sabemos que a pesquisa precisa de recursos humanos qualificados e de boa infraestrutura de pesquisa. Para isso, tivemos recursos bastante significativos, da FAPESP no Programa Equipamentos Multiusuários, da Finep no edital infraestrutura (aumento de 340%), da Capes e do CNPq. A infraestrutura de pesquisa melhorou e hoje temos muitas facilities, muitas construções novas, novos laboratórios. Para que houvesse o crescimento na pesquisa foi necessário criar novos espaços e aglutinar competências e nesse sentido foram institucionalizados os institutos especiais, com a presença de pesquisadores de diferentes campi. Foram aprovados pelos órgãos colegiados quatro institutos especiais. Um é o Instituto de Bioenergia, sediado em Rio Claro, mas com outros oito laboratórios associados, criado junto com as outras universidades estaduais paulistas e vinculado ao Centro Paulista de Pesquisa em Bioenergia. Formatou-se um programa de pós-graduação conjunto, das três universidades, o que é fantástico em termos de experiência. Criou-se o Instituto do Mar em São Vicente, aglutinando competências oriundas de diversos campi. Há um grupo forte em Rio Claro ligado à geologia, temos lá o Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo (Unespetro), fortemente ligado à Petrobras. O Instituto de Biotecnologia, em Botucatu, que abriga também o biotério central, no qual estão inseridos muitos outros grupos com diferentes temáticas e de diversos campi. Também foi criado o Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, que está hoje na praça da Sé e neste há cursos de pós-graduação, e também a perspectiva de ter-se um espaço capaz de atender às agendas atuais e os movimentos do futuro, portanto com objetivo de se transformar em núcleo de divulgação da universidade, com discussões mais amplas. Os recursos bas-

tante significativos, para a criação desses institutos, vieram por meio de projetos submetidos e aprovados junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo; do Banco Santander; da Finep; e da própria universidade, que tem investido fortemente para adequar os espaços às novas exigências de uma universidade de ensino e pesquisa contemporâneos. Tem um dado importante que é a formação de doutores. Somos a segunda universidade do mundo em doutores formados, são quase mil por ano. Primeiro vem a USP, depois nós, a Unicamp e universidades dos Estados Unidos. Os programas de pós-graduação têm um vínculo forte com a pesquisa. Como é essa interação na Unesp? O número de cursos cresceu. São mais de 90 doutorados, mais de 100 mestrados, totalizando 122 programas de pós-graduação. Em número de cursos é a segunda universidade brasileira. Temos um crescendo na qualificação dos programas com notas 5, 6 e 7 na Capes. Queremos mais, o que será natural na medida em que se avance na pesquisa com diferentes grupos. Há docentes que

precocemente Qual o impacto da pesquisa da Unesp para o desenforam para a volvimento do interior? Anos atrás, um grupo da gestão. Lançamos área de economia fez um levantamento e mostrou que, um edital para nas cidades que têm unidaque eles voltem a des da Unesp, contribuímos enormemente para a ecose engajar numa nomia local. Mas acho que podemos contribuir muito linha de pesquisa mais, e a pró-reitora de Extensão, a vice-reitora e nós estaremos trabalhando para que a Unesp se integre mais às cidades e desenvolva parcerias com as prefeituras em programas de extensão que já temos, podendo redundar também em pesquisa verdadeiramente inovadora. Temos unidades em cidades muito ricas, como Araraquara, até locais em que sabemos que o IDH é muito baixo, como Vale do Ribeira, em que está se criando o curso de engenharia de pesca, em parceria com a prefeitura. Também em outras cidades as prefeituras fazem um trabalho importante junto à Unesp, para levar a ciência a esses lugares. Qual é a situação da Unesp nos rankings internacionais? Temos chamado a atenção para essa discussão, e esta foi preponderante a partir do Plano de Desenvolvimento Institucional na gestão do reitor Herman Voorwald, em 2009. No planejamento estratégico da universidade estabeleceu-se como objetivo estar entre as 200 melhores universidades do mundo. Isso fez com que tivéssemos uma meta e as ações estão alicerçando esse caminhar. PESQUISA FAPESP 205 | 29


Qual a importância de ter uma meta como essa? Com certeza, ajuda muito. Brinco nas minhas apresentações que, em alguns rankings, já chegamos lá. Por exemplo, no ranking da SCimago estamos na posição 174, somos a terceira universidade do Brasil e a quinta ibero-americana. Em relação a outros, ainda temos que galgar posições. Um ranking que diz muito sobre a Unesp na sua juventude, temos 36 anos, é o da Times Higher Education das melhores universidades com até 50 anos de existência. São mais de 2 mil universidades e estamos entre as 100 melhores do mundo. No ranking QS estamos em uma posição bastante interessante, em 17º na América Latina, e, se for detalhar a pesquisa, é 7º lugar. Temos crescido muito, queimado etapas e isso não é fácil em ciência.

colocar um escritório em cada campus, mas vimos que não daria resultados consistentes, porque cada unidade, dentro de cada campus, tem um modo de trabalhar diferente. Então criamos um escritório de pesquisa em cada unidade e atrelado a ele, hoje, contratamos um funcionário para desonerar o pesquisador das tarefas relacionadas à prestação de contas. Em algumas unidades fizemos a segunda contratação baseada em vários indicadores, principalmente os de internacionalização, justamente para atender quem faz cooperação internacional, projetos temáticos e workshops internacionais. Teremos um terceiro funcionário também que será contratado para trabalhar com inovação. A ideia é fazer o elo, dentro do próprio escritório, entre pesquisadores e empresas.

Como queimar etapas? Trazendo gente de fora? Sim. A ideia de criar os institutos de pesquisa especiais vai nesse sentido. Estamos na fase de contratação de pesquisadores, porque temos a carreira de docente e a de pesquisador. Nos institutos de pesquisa serão basicamente pesquisadores trabalhando com docentes e discentes. Os pesquisadores têm responsabilidade voltada para pesquisa e O objetivo é formação de recursos huestar entre as manos, mas de pós-graduação. A ideia é trazer para 200 melhores esses locais estrangeiros. Temos trabalhado no Insuniversidades do tituto do Mar, no Instituto de Biotecnologia e no de mundo. Entre as Bioenergia, temos coopemais jovens, já rações com grupos internacionais. Por exemplo, o estamos entre Instituto do Mar tem forte inserção com a Alemanha, as 100 melhores em universidades como Heidelberg e Kiel, também com a Universidade do Porto e parceria com a África do Sul. Temos cooperação com a Universidade de Leuven, na Bélgica, na qual cofinanciamos a ida e a volta de pesquisadores. Temos grupos altamente internacionalizados. O Instituto de Física Teórica (IFT) é o único da América Latina a abrigar uma unidade do Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), órgão da Unesco. No ano passado, trouxeram mais de 80 estrangeiros de altíssimo renome. Na área de exatas, junto com a de biológicas, a Unesp está num crescendo na internacionalização. Mesmo uma área que não aparecia em publicações internacionais, as humanidades, começa a aparecer. É um indicador de que estamos fazendo da Unesp aquilo que chamam de universidade de classe mundial.

Como isso funcionará? Haverá um local para receber empresas e criar um envolvimento com elas. Aí completamos aquilo que penso de um escritório, atender às áreas da pesquisa, da internacionalização e da inovação. Ajudar o pesquisador e trabalhar na captação de recursos.

A Unesp criou escritórios em todas as suas unidades para auxiliar os pesquisadores a lidar com a administração burocrática de seus projetos. Como foi esse processo? Foi uma discussão longa, não foi fácil. A ideia original era 30 | março DE 2013

A senhora começa agora uma nova gestão de quatro anos. Quais são as metas e as novas demandas? Já estamos trabalhando em vários aspectos, mas ampliaremos as nossas ações em prol de maior inclusão dos professores recém-contratados, futuro da universidade. Estamos trabalhando fortemente para que eles encontrem infraestrutura, insiram-se em grupos fortes de pesquisa e criem linhas de pesquisa inovadoras. Temos um edital especial de primeiros projetos, e agora vamos ampliá-lo. Vamos trabalhar com áreas que, embora produzam muito, não são muito internacionalizadas. Assim, iremos incentivá-los a ter como grande foco este aspecto. Outro ponto é a inovação, que é a interação universidade-empresa. Como já temos esse elo em várias cidades de São Paulo, que dispõem de polos tecnológicos, vamos partir para uma inserção maior com as prefeituras para que se possam criar e consolidar os núcleos tecnológicos. Falando de sua carreira, sua formação ocorreu na USP... Sim. Formei-me em farmácia e bioquímica e comecei a trabalhar no primeiro ano de graduação. Meu primeiro emprego foi num laboratório da prefeitura, depois fui para o laboratório Fleury, aprendi muito lá, mas não queria trabalhar com rotina. Fui para a Faculdade de Medicina da USP, onde trabalhei 10 anos, desde o quarto ano de faculdade, em micologia médica, que envolve o estudo dos fungos de interesse médico, matéria ainda não estudada em meu curso. Trabalhei com Carlos da Silva Lacaz, um dos grandes estudiosos de fungos, um grande mestre e humanista. Descobri que gostava de pesquisa e da docência e de ter um novo desafio a cada dia. Acho que a pesquisa é isso, enxergar em cada resultado um novo caminho. Tive várias pessoas que foram muito importantes, grandes mestres de micologia e imunologia, como os professores Antônio Walter Ferreira, meu orientador de mestrado e doutorado, Mario Camargo, do Instituto de Medicina Tropical, Vera Calich, do ICB, que muito me incentivou.


Ao escolher o tema de meu trabalho eu vislumbrei que não queria fazer a micologia clássica, já começava a me apaixonar pela imunologia. Comecei a desenvolver pesquisas em diagnóstico sorológico da paracoccidioidomicose, doença de grande importância na América Latina. Desenvolvi marcadores, reagentes e métodos ainda não aplicados a esta doença, como a pesquisa de antígenos na circulação dos pacientes. Com isso poderia realizar o diagnóstico e instituir a terapêutica mais precocemente. Tive como coorientadora a professora Aoi Massuda e, junto com a professora Maria Aparecida Shikanai Yasuda, fruto de meu doutorado, tivemos duas publicações importantíssimas naquele momento. Quando terminei o doutorado, tive o convite para a Faculdade de Farmácia, em Araraquara, e foi um grande desafio. Isso porque, em São Paulo, eu transitava muito bem entre a Faculdade de Medicina e o Instituto de Medicina Tropical, fiz parte da minha tese no Instituto de Ciências Biomédicas, onde estava chegando o professor Erney Camargo. Eu tinha vários laboratórios com grande infraestrutura para a época. Na Faculdade de Farmácia de Araraquara já havia a disciplina de micologia clínica, mas não uma área de pesquisa implantada. Acompanhei essa estruturação da pesquisa na Unesp desde 1983. A professora Deise Falcão, da microbiologia, sabia da minha especialização e, embora fosse bacteriologista, me chamou para trabalhar num projeto de grande envergadura financiado pela Finep. Esta vivência com a bacteriologia mostrou-me que não queria continuar na pesquisa em diagnóstico. Realizei estágios de curta duração no exterior e no Brasil e passei a estudar modelos de interação fungo-hospedeiro. Comecei a implantar os modelos in vitro, que uso até hoje, e enveredei pela descoberta das moléculas que fazem a relação do fungo com o hospedeiro. Comecei a trabalhar com as adesinas, que são as moléculas de interação e atualmente estamos estudando as invasinas. A senhora teve um projeto na FAPESP sobre esse modelo... Tive vários. Coordenei um temático que já terminou, com o professor Gil Benard, tentando juntar conhecimentos do modelo in vitro com o humano, e também outro projeto com a professora Célia Maria Soares, da Universidade de Goiás. Posteriormente participamos com ela de um edital Genoprot da Finep e mais recentemente com verba da Finep do edital de infraestrutura estamos implantando as plataformas ‘ômicas em nosso laboratório. Nesse caminho tive um grande professor, que infelizmente faleceu no ano passado, que foi o Henrique Lenzi, da Patologia do Instituto Oswaldo Cruz. Era uma pessoa fantástica, como ser humano, grande humanista, conhecedor da ciência. Ele auxiliou muito no discutir e implantar as novas tecnologias, e hoje, devido à mudança do projeto pedagógico do curso de farmácia, outra linha de pesquisa foi implantada de base mais tecnológica. Estamos criando uma plataforma para desenvolvimento de antifúngicos e biorreagentes. Esta plataforma só foi viável e veio alicerçada nos programas da FAPESP, como o Biota-Fapesp, o Bioprospecta, unido com os grupos da Química, da professora Vanderlan Bolzani, Maysa Furlan e a professora Ana Marisa Fusco Almeida, que é minha assistente, e outros pesquisadores.

O que construí foi árduo mas, como procurei trabalhar em colaboração, não encontrei tanta dificuldade. Importante frisar que só um ano antes de vir para a Pró-Reitoria consegui uma assistente, a professora Ana Marisa. Sem ajuda dela essa plataforma de antifúngicos não teria se desenvolvido. Estamos trabalhando num protótipo. O que é o protótipo? Algumas substâncias com que estamos trabalhando mostraram potencial em ensaios in vitro, e estamos caminhando para os in vivo e usando também novas formulações para verificar a potencialidade de ser aplicado como antifúngico. Espero que esse trabalho conjunto vá redundar num produto inovador. Também estamos com foco em antifúngicos antibiofilmes microbianos, pois os microrganismos nessa forma são mais resistentes. A formação de biofilmes é um modelo clássico para algumas doenças, principalmente ligado a patologias em que alguns fungos e bactérias se associam a uma estrutura multicelular complexa e a partir destes têm-se pontos de contaminação constante. Forma-se uma matriz e os antifúngicos e os antibacterianos não conseguem atingir os síO que construí na tios de ação. Estamos esminha carreira de tudando a formação de biofilmes em doenças enpesquisadora foi dêmicas e já descrevemos em histoplasmose, trabaárduo, mas, como lho de uma orientanda da professora Ana Marisa, e procurei trabalhar na paracoccidioidomicoem colaboração, se, doença com que mais trabalhei desde que comenão encontrei cei a estudar na Faculdade de Medicina. É uma doentanta dificuldade ça negligenciada entre as fúngicas, que se assemelha à tuberculose. Não interessa à pesquisa das empresas farmacêuticas. As doenças causadas por fungos em geral estão dentro do grupo das negligenciadas. A micologia é considerada a gata borralheira da microbiologia. Você tem a bacteriologia, a virologia e, depois, a micologia. Mas ela tem crescido por conta de maior prevalência entre alguns grupos de pacientes, da maior longevidade das populações e das doenças imunossupressoras. Você aumenta as condições de vida, mas abre possibilidade para instalação de agentes ditos oportunistas. Temos hoje um número cada vez maior de doenças causadas por fungos que nem haviam sido descritos como agentes patógenos. Ao contrário de Paracoccidioides, que sempre foi considerado um agente patógeno primário. Foi descrito em 1908 por Adolfo Lutz e é uma das doenças fúngicas de maior interesse no Brasil. Contribuímos inicialmente no diagnóstico e agora estamos principalmente trabalhando com as adesinas e as usando como alvos na procura de novas drogas. n PESQUISA FAPESP 205 | 31


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política c&T  educação y

Eles gostam de

ciência e desafios Avanço do país em olimpíadas científicas movimenta estudantes do ensino médio e ajuda a formar novos pesquisadores Fabrício Marques

léo ramos

P O professor do ITA Ronaldo Pelá (à frente) e dois de seus alunos, Ivan Guilhon (sentado) e Cássio Sousa (em pé): medalhas olímpicas e gosto pela pesquisa

rimeiro brasileiro a ganhar uma medalha na Olimpíada Internacional de Física (bronze em 2002, na Indonésia), Ronaldo Pelá, hoje com 27 anos, diz que a experiência de disputar competições científicas na adolescência teve grande influência em sua decisão de se tornar um pesquisador – ele é professor do Departamento de Física do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos. “Isso foi decisivo para que eu descobrisse minha vocação”, diz Pelá, que concluiu o doutorado em 2011 com bolsa da FAPESP. A participação em olimpíadas durante o ensino médio, ele diz, é um tremendo estímulo para buscar conhecimento avançado e tomar gosto por desafios intelectuais, habilidades valiosas em muitas áreas, sobretudo na carreira científica. “A rotina incessante de provas faz com que, a certa altura, você perca completamente o medo de fazer provas”, recorda-se. No ano passado, Pelá recebeu o Prêmio de Melhor Artigo de Jovem Cientista, durante a Conferência Internacional de Física de Semicondutores realizada na Eidgenössische Technische Hochschule Zürich (ETH), em Zurique, na Suíça. Atualmente é um dos líderes do Grupo de Materiais Semicondutores e Nanotecnologia (GMSN) do ITA, em que trabalha com a simulação de materiais semicondutores magnéticos. pESQUISA FAPESP 205  z  33


prata na Olimpíada Internacional de Física (México, 2009), ouro na Brasileira de Física e bronze nas brasileiras de Química e Matemática. Já o paulista Cássio dos Santos Sousa, de 19 anos, balança entre a carreira acadêmica e a iniciativa privada. Ainda acha cedo para decidir. “Participar de olimpíadas dá uma bagagem enorme”, afirma Cássio, que ganhou medalha de prata na Olimpíada Internacional Júnior de Ciências (Coreia do Sul, 2008), bronze na internacional de Física (Croácia, 2010) e ouro nas olimpíadas brasileiras de Física e de Robótica, entre outras. Sua pesquisa de iniciação científica é sobre o grafano, variante do grafeno. “Uma característica comum dos medalhistas é que eles gostam de ciência e de desafios. Esse gosto estimula o autodidatismo, eles buscam o conhecimento por conta própria”, diz Lara Kühl Teles, professora do ITA e uma das líderes do grupo de pesquisa, nucleado em 2007 por ela no âmbito do programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes, da FAPESP, e pelo professor do ITA Marcelo Marques.

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Esse grupo, não por acaso, conta com dois alunos de iniciação científica que acumularam medalhas em olimpíadas científicas. É que Pelá sempre se interessou em conhecer medalhistas que vão estudar no ITA e, há alguns anos, foi um dos criadores de um grupo de estudos que ajuda alunos de graduação a participar de um prêmio para jovens físicos organizado anualmente pelo Instituto de Física Teórica (IFT) da Unesp. No ano passado, o aluno de engenharia Ivan Guilhon Mitoso Rocha, de 21 anos, foi o primeiro colocado na competição do IFT e se diz propenso a seguir carreira acadêmica. “Quero fazer mestrado em física. Fiz recentemente um estágio em tecnologia da informação numa instituição financeira e concluí que não é o que pretendo fazer no futuro”, afirma Ivan, que desenvolve um trabalho de iniciação científica sobre a liga de três materiais, o grafeno, o siliceno e o germaneno. Cearense de Fortaleza, sua coleção de medalhas inclui uma 34  z  março DE 2013

Estudantes de mais de 100 países participam das provas da Olimpíada Internacional de Matemática, em Amsterdã (2011): os medalhistas brasileiros se tornam médicos, engenheiros e pesquisadores

exemplo do ITA é revelador do espaço e da importância que as olimpíadas científicas vêm conquistando no Brasil. A organização de olimpíadas regionais e a preparação dos alunos para as disputas internacionais, feitas em geral com o suporte de universidades, vêm elevando o desempenho do Brasil no quadro de medalhas, criando um contraponto à má performance do país em rankings internacionais de aprendizagem (ver Pesquisa FAPESP nº 153). O professor Euclydes Marega Júnior, do Instituto de Física de São Carlos da USP, há 14 anos participa da organização da Olimpíada Brasileira de Física e prepara a equipe nacional na olimpíada internacional da disciplina. Ele conta: “Aprendemos com a experiência, reforçamos o treinamento dos alunos e o desempenho brasileiro cresceu bastante desde o bronze do Ronaldo Pelá, em 2002. Nos últimos dois anos conseguimos ouro e prata”. Essa performance se repete em outras competições. Na Olimpíada Internacional de Matemática o Brasil conquistou no ano passado uma medalha de ouro, uma de prata e três de bronze, desempenho superior ao de 2010 e 2011, quando não levou ouro. Já na Olimpíada Internacional de Química de 2012, os brasileiros obtiveram uma prata e três bronzes. Outro exemplo dessa profissionalização vem de um time de jovens engenheiros, na maioria formados pela Escola Politécnica da USP, que montou uma empresa para treinar o time brasileiro da Olimpíada Internacional Júnior de Ciências (IJSO) e do Torneio Internacional de Jovens Físicos (IYPT). A B8 Projetos Educacionais aproveita-se da experiência de vários de seus sócios, que disputaram essas olimpíadas


“Medalhistas gostam de desafios e buscam o conhecimento por conta própria”, diz Lara Kühl Teles, do ITA

fotos 1 AFP PHOTO / VALERIE KUYPERS  2 léo ramos

quando estavam no ensino médio. “Faltam estímulo e desafio para os alunos mais brilhantes e estamos ajudando a reduzir esse problema”, diz o engenheiro eletrônico Márcio Martino, um dos sócios, que tem no currículo uma medalha de ouro no IYPT Brasil, além de prata e bronze na Olimpíada Brasileira de Física. Desde 2007, a empresa criou uma etapa nacional da IJSO, para selecionar a equipe da competição internacional, que no ano passado foi disputada no Irã – o Brasil conquistou 1 medalha de ouro, 3 medalhas de prata e 2 medalhas de bronze, além de um inédito ouro na prova experimental. Em 2011 passou a organizar também a etapa brasileira do IYPT, competição de formato diferente do tradicional. Vinte times de várias cidades do Brasil instalam-se num auditório em São Paulo e participam de provas práticas, em que um time tenta resolver um problema, o segundo time questiona a solução e um terceiro avalia e questiona o desempenho dos dois primeiros, sob o olhar de um júri. Cada um dos cinco melhores times fornece um representante para o Torneio Internacional. Naturalmente, não é só o ambiente acadêmico que se beneficia dos talentos revelados. “Temos medalhistas que se tornaram médicos, en-

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genheiros, professores, e há os que seguiram carreira acadêmica”, diz Nelly Carvajal, secretária da Olimpíada Brasileira de Matemática (OBM), promovida pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). O próprio Impa se abastece desses talentos. O coordenador da OBM, Carlos Gustavo Moreira, de 40 anos, ganhou ouro (China, 1990) e bronze (Alemanha, 1989) na Olimpíada Internacional de Matemática. O matemático Artur Ávila, que se divide entre o Impa e o Institut de Mathématiques de Jussieu, em Paris, ganhou ouro na competição (Canadá, 1995). Ávila é apontado como candidato à Medalha Fields, a mais importante honraria para matemáticos com menos de 40 anos.

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Matheus Camacho, que conquistou um ouro inédito na Olimpíada Internacional Júnior de Ciências, no Irã: queixas sobre o conteúdo repetitivo do ensino fundamental

certo que o reconhecimento numa olimpíada internacional tornou-se uma credencial poderosa, capaz de garantir bolsas de estudo em bons colégios do ensino médio e propostas de emprego após a graduação. “As olimpíadas se mostraram uma excelente maneira de selecionar os melhores e isso é reconhecido por grandes empresas e instituições de pesquisa do mundo inteiro”, afirma Ricardo Anido, professor do Instituto de Computação da Unicamp, que participa da organização da Olimpíada Brasileira de Informática e das maratonas universitárias da disciplina, realizadas pela Sociedade Brasileira de Computação, e também ajuda a preparar a equipe brasileira na Olimpíada Internacional de Informática. Anido observa que o que mais atrai medalhistas são empregos em conglomerados como o Google e o Facebook. “As empresas disputam os profissionais talentosos e algumas delas agem de forma que considero pouco ética. Até recentemente, uma grande empresa tinha o costume de convidar todos os finalistas da maratona brasileira de computação para estágios, embora a maratona fosse patrocinada por uma concorrente. Agora pararam com isso”, diz Anido. Gabriel Dalalio, de 21 anos, cursa o último ano de engenharia de computação no ITA e passa atualmente uma temporada de três meses na Califórnia, em estágio no Facebook. “Pretendo trabalhar com programação e estou avaliando a experiência nos Estados Unidos para decidir se fico aqui ou trabalho no Brasil”, diz o estudante, que já ganhou medalhas de bronze em duas edições da Olimpíada Internacional de Informática. “Coloquei isso no meu currículo, e informei que vou participar da maratona mundial, em julho, na Rússia. Meu chefe no Facebook disse que também já foi para a maratona. Eles têm como foco o pessoal com bons resultados da informática. Medalha de bronze eles sabem bem o que é”, afirma. Um traço comum de muitos medalhistas é a disposição para ajudar estudantes mais jovens que começam a disputar olimpíadas. Ricardo Anido pESQUISA FAPESP 205  z  35


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Gustavo Haddad Braga: com sete medalhas internacionais, desistiu da Faculdade de Medicina da USP ao ser aceito no MIT

conta que costuma convocar alunos premiados para ajudar a formular questões para as provas e eles aceitam prontamente. “Recentemente, passamos quatro dias em Tiradentes debruçados sobre questões da Olimpíada Brasileira de Informática. No final, eles é que agradeceram”, diz o professor. Régis Prado Barbosa, cearense de 22 anos, estudante de engenharia da computação do ITA, descobriu sua vocação de professor de matemática ajudando a preparar estudantes de ensino médio para a Olimpíada Internacional de Matemática – ele participou de várias edições da competição, levando duas pratas (Vietnã, 2007, e Espanha, 2008) e um bronze (Eslovênia, 2006). “Fiquei impressionado com essa experiência. Me divirto muito criando problemas difíceis e me satisfaço mais ainda quando vejo um aluno encontrando uma solução melhor do que a minha. Escolhi a engenharia de computação para

Medalhas brasileiras As conquistas do Brasil em olimpíadas científicas internacionais ouro

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abrir horizontes, mas descobri que gosto mesmo de ser professor”, afirma. Uma grande preocupação, contudo, ronda os organizadores das olimpíadas nacionais: a tendência de medalhistas deixarem o Brasil já na graduação. “Estamos perdendo talentos”, diz Euclydes Marega Júnior. “Nós organizamos as olimpíadas, ajudamos a identificar os talentos precocemente e eles se candidatam para ingressar em universidades estrangeiras como Harvard e o MIT e são aceitos”, queixa-se. “É relativamente fácil para um medalhista conseguir uma bolsa na École Polytechnique e ir estudar na França, com uma bolsa de € 1.000 mensais. Levam nossos talentos por € 1.000! Precisamos criar mecanismos para mantê-los no Brasil. Eles precisam de atrativos para ficar. Isso não se resume a bolsas, mas inclui também oferecer desafios a que possam se dedicar, além de bons tutores”, afirma o professor. Para Ricardo Anido, os medalhistas deveriam poder ingressar nas universidades brasileiras sem precisar fazer vestibular. “Seria um estímulo para que ficassem. As universidades estrangeiras os admitem apenas analisando o currículo”, diz. O estudante Gustavo Haddad Braga, 18 anos, dono de uma das mais extensas coleções de medalhas do país – são 50 medalhas nacionais e 7 internacionais, incluindo ouro na Internacional de Física (Tailândia, 2011) –, deixou recentemente o Brasil para fazer graduação no Massachusetts Institute of Technology. Criado em São José dos Campos, ele chegou a cursar medicina na USP por seis meses, enquanto esperava o processo seletivo no MIT. Aprovado, conseguiu uma bolsa do CNPq para fazer a graduação nos Estados Unidos. Ele já acalentava o projeto de estudar fora antes de seu desempenho olímpico no ensino


médio. “A primeira vez que ouvi falar no MIT foi na sétima série do ensino fundamental, quando conheci o pai de um estudante aprovado no MIT. Pensei comigo: o MIT deve ser um lugar legal”, recorda-se. Ele ainda não sabe se cursará computação ou engenharia elétrica no MIT — a escolha só é feita depois do primeiro ano de curso —, mas planeja voltar para o Brasil depois de se formar. Com verve empreendedora, ajudou a criar com colegas três negócios promissores. Um deles é um site com dicas sobre como se candidatar a vagas em universidades norte-americanas. Outro é um serviço que busca aproximar estudantes com alto potencial de empresas interessadas em patrocinar seus estudos no exterior que, em troca, receberiam o estudante como estagiário por um período ao final do curso. O terceiro é um aplicativo capaz de colocar em contato, de forma discreta, amigos do Facebook com um interesse comum: a procura de um namorado/a. A ideia desse serviço surgiu no ano passado, quando ele participou de um campeonato de programação e empreendedorismo em Miami, que lhe rendeu um prêmio de US$ 50 mil, investido no negócio.

A

fotos 1 CLAYTON DE SOUZA / ESTADÃO   2 facebook

experiência pessoal de um medalhista de olimpíada científica é incomum. Gustavo Haddad Braga, por exemplo, conhece países que poucos jovens de sua idade visitaram. Entre os lugares onde já participou de olimpíadas incluem-se nações como Coreia do Sul, Azerbaijão, China, Croácia, Polônia e Tailândia. A rotina de estudos é árdua e exige não apenas disponibilidade de tempo como também interesse por desbravar conteúdos que só seriam explorados no

2

ensino superior. O mais novo destaque entre os medalhistas brasileiros chamou atenção justaA rotina mente pela facilidade em de estudos lidar com conhecimento avançado. Matheus Cados medalhistas macho, de 14 anos, conquistou uma medalha é árdua e exige de ouro na Olimpíada Internacional Júnior de tempo disponível Ciências, disputada no e interesse Irã em dezembro. Acertou todas as questões de em desbravar física, química e biologia da prova prática, baseaconteúdos da num experimento de eletroforese (técnica de separação de moléculas) de DNA, e também ganhou prata na classificação geral individual, onde o desempenho do aluno é avaliado nas três provas: objetiva, teórica discursiva e experimental. O feito impressiona por se tratar de um aluno que acaba de ingressar no 9º ano do ensino fundamental — os outros dois membros de sua equipe eram alunos do ensino médio. Só no ano passado teve o primeiro contato com conteúdos de química e biologia – física, ele já conhecia, estudando por conta própria. Matheus, claro, gosta de estudar, mas tem uma relação ambígua com a escola. De manhã frequenta o 9º ano do Colégio Objetivo, em São Paulo, e acha as aulas muito repetitivas, principalmente de física, química e biologia. Só considera que esteja aprendendo coisas novas em português, que, admite, não é a sua matéria preferida. Já na parte da tarde assiste a aulas preparatórias avançadas para olimpíadas no mesmo colégio, inclusive aos sábados – e é nelas, que incluem tópicos como cálculo diferencial, que ele se sente desafiado. À noite estuda uma ou duas horas – mas faz questão de manter contato com amigos da escola em que iniciou o ensino fundamental, faz exercícios físicos diariamente e desde criança é fã dos Beatles. “Ele tinha uma queixa de desinteresse pela escola porque considerava repetitivo”, diz a mãe, Simone. “A gente tenta dar o suporte de que ele precisa. Se ele pede um livro, eu compro. Quando me disse, confiante, que iria para o Irã, mesmo antes da última seletiva nacional, fiquei admirado com sua convicção e só pude encorajá-lo, claro. No fundo, creio que ele já O estudante do ITA sabia que iria atingir seu objetivo”, afirma o pai, Gabriel Dalalio, em Carlos Henrique, coronel do Exército. “ConheSan Francisco: ci gente do mundo inteiro, foi uma experiência medalha de bronze na Olimpíada de muito interessante”, diz Matheus, que ainda não Informática serviu sabe que carreira quer cursar, mas gosta de exde passaporte para plorar os sites de Harvard e do MIT e mantém fazer estágio de três as duas instituições no seu radar. n meses no Facebook pESQUISA FAPESP 205  z  37


recursos humanos y

Mudança

polêmica Lei que altera carreira de docentes das universidades federais preocupa comunidade científica

U

m conjunto de mudanças na carreira dos professores das universidades federais, que pas­ sam a valer no início deste mês, provocou reações ásperas na comunidade científica e em parte das entidades representativas dos docentes. O alvo das críticas é a lei nº 12.772/2012, sancionada pela presidente Dilma Rousseff no dia 28 de dezembro, resultado de um acordo entre o governo federal e a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes-Federação) celebrado após a greve que paralisou as universidades federais no ano passado. Embora tenha motivações ligadas aos salários dos docentes – que terão reajuste médio de 16% em 2013 –, a nova lei modifica pontos estruturais da carreira que vigoravam desde abril de 1987. “A lei deveria ser rasgada, pois o conceito de universidade foi ferido”, afirma Helena Nader, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que em fevereiro alertou a presidente Dilma da

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insatisfação da comunidade científica durante uma reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Os críticos argumentam que a lei pode desestimular a pesquisa universitária nas federais e inviabilizar a atração de grandes talentos para a carreira acadêmica. Isso porque o ingresso na universidade federal só poderá ocorrer no primeiro nível da classe de professor auxiliar, independentemente da titulação do docente, e a progressão entre um nível e outro da carreira passa a exigir o intervalo de 24 meses. Segundo a nova lei, a universidade federal passa a ter dois tipos de professor titular. Um é o titular de carreira, que, além de ter doutorado, precisa galgar os degraus da vida acadêmica. Outro é o titular-livre, talhado para quem já tem pelo menos 20 anos de doutorado e quer ingressar numa federal. Para ilustrar o problema, a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Debora Foguel, conta um caso emblemático, que, segundo ela teme, pode se tor-

ilustrações  catarina bessel

Bruno de Pierro


que o aprovado tenha título de doutor, o ingresso será na categoria de auxiliar e, passados três anos do período probatório, ele segue para o nível de adjunto. A promoção, contudo, pode ser acelerada de acordo com a titulação do professor – mestrado ou doutorado. O presidente da Proifes-Federação, Eduardo Rolim, explica que a razão disso se baseia em acórdãos do Tribunal de Contas da União, que impedem o ingresso de servidores no meio da carreira. “Isso aconteceu até agora porque nossa carreira é de 1987, anterior à Constituição de 1988”, acrescenta.

A nar recorrente. Recentemente, a UFRJ recebeu a visita de Cedric Villani, um jovem matemático francês que conquistou em 2010 a cobiçada Medalha Fields, concedida pela União Internacional de Matemática. Villani obteve o título de doutor em 1998. Se fosse convidado a ingressar na UFRJ, teria de entrar como auxiliar 1. Como não tem 20 anos de doutorado, também estaria desabilitado para ser professor titular-livre. “Isso será um problema, já que estamos trazendo vários pesquisadores brilhantes dentro do programa Ciência sem Fronteiras. A esses, teremos que oferecer vagas de professor auxiliar. Na hipótese de querer trazer o Cedric Villani, eu não teria coragem sequer de fazer tal convite”, declara Debora. Para Helena Nader, o tempo de doutorado não tem vínculo direto com a competência. “Você pode ter alguém com cinco anos de doutorado, mas que já tem condições de ser professor titular”, explica. A lei também veta a abertura de concursos específicos para as classes de auxiliar, assistente e adjunto. Mesmo

insatisfação das sociedades científicas cresceu em agosto, quando o Palácio do Planalto apresentou o projeto que deu origem à lei. O texto causou polêmica também entre as entidades sindicais. Na ocasião, após reunião entre representantes dos ministérios do Planejamento e da Educação e de três entidades ligadas aos professores, duas delas – o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) – não assinaram o acordo, entre outros motivos por considerarem que o projeto desestruturava a carreira de docente. Em novembro, enquanto o projeto tramitava na Câmara, a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) divulgaram um manifesto no qual afirmavam que alguns aspectos da proposta poderiam trazer “graves dificuldades, problemas e, por que não dizer, retrocesso para as universidades federais brasileiras, principalmente no que tange à qualidade da pesquisa”. O novo texto estabelece que os concursos devem exigir pelo menos diploma de graduação, mas não deixa claro se as instituições poderão continuar a restringir o edital apenas para candidatos que possuam o título de doutor, como a maioria faz hoje. “Os professores que ingressam nas universidades federais sem título de doutor muito dificilmente conquistam tal pESQUISA FAPESP 205  z  39


título ao longo da carreira”, afirma Debo- levando em conta artigos inovadores ra Foguel. As universidades pretendem que estão sendo negligenciados nas disseguir exigindo em seus concursos que cussões. No artigo 21º, por exemplo, que os candidatos tenham título de doutor. especifica o que é permitido durante o “Mas confesso que estou temerosa que regime de dedicação exclusiva, há uma essa estratégia seja objeto de contestação passagem que, segundo Maria Paula, bena Justiça por parte de candidatos”, avalia neficia diretamente a pesquisa nas univera professora da UFRJ, instituição na qual sidades federais: a retribuição, em caráter eventual, por trabaapenas 20% dos docenlho prestado no âmtes não são doutores. bito de projetos insAs alterações na letitucionais de pesquigislação forçaram alsa e extensão. Outro gumas universidades “Você pode ter ponto lembrado pela a cancelar, às pressas, alguém com professora é a regulaconcursos que estamentação do estágio vam em andamento. cinco anos probatório. “O profesDe acordo com Helesor que fez o concurna Nader, um desses de doutorado, so não tem a permaconcursos teria como nência garantida. Ele candidato um expemas que já tem passa por uma avaliariente professor que condições de ção de desempenho e concorreria ao cargo isso evita a acomodade titular na Unifesp. ser professor ção de professores. É Ao saber do cancelauma das poucas leis mento do edital e das titular”, diz no Brasil que tratam novas condições para disso”, afirma. O aringressar na universiHelena Nader tigo 26º também é dade, ele preferiu deconsiderado imporsistir da vaga. “A unitante por ela — junto versidade deve gerar com o mecanismo de conhecimento novo, reposição automática não apenas transmide docentes aposentir conceitos”, avalia a presidente da SBPC. Para a professora tados, falecidos ou desligados, criado em do Departamento de Ciência Política da 2007 —, pois institui uma comissão para Faculdade de Filosofia, Letras e Ciên- formulação e acompanhamento da execias Humanas da USP Elizabeth Balba- cução da política de pessoal docente. “A chevsky, as universidades federais podem lei permite a gestão do quadro de profesperder a oportunidade de trazer de volta sores pela universidade, de acordo com brasileiros que realizam pesquisa em paí- o projeto dela. Cada universidade tem ses que no momento sofrem com a crise seu projeto, seus desafios e dificuldades”, econômica. “Você acha que um professor conclui Maria Paula. que esteja na Universidade Stanford, na O vice-presidente do Sindicato NaCalifórnia, voltará para cá para ser pro- cional dos Docentes das Instituições de fessor auxiliar?”, indaga Balbachevsky. Ensino Superior (Andes-SN), Luiz Henrique Schuch, contesta a afirmação da exex-secretária Nacional de Edu- -secretária do MEC de que a lei amplia cação Superior e professora do a autonomia universitária. “A nova lei curso de direito da Universidade delega ao ministério o estabelecimento de São Paulo (USP)Maria Paula Dallari de diretrizes que ainda não foram definiBucci acompanhou o início das discus- das.” Isto configura, na visão de Schuch, sões sobre alguns conceitos presentes uma afronta à autonomia, uma vez que o na lei, quando, ainda no MEC, conduziu desenvolvimento na carreira deveria ser um esforço conjunto com a Associação definido no âmbito institucional. Outra novidade é que acaba a limitaNacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) ção de 10% de professores titulares nos para a implementação da autonomia das quadros das universidades. Qualquer douniversidades federais. A lei nº 12.772, cente, na categoria professor associado segundo ela, deve ser lida com atenção, 4, com título de doutor, poderá pleitear

A

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Entenda a lei As principais mudanças na estrutura da carreira dos professores das universidades federais e o exemplo de outros países

BRASIL ATRAÇÃO DE LIDERANÇAS A comunidade científica teme que a carreira nas universidades federais fique menos atraente para professores experientes. Uma das razões é que qualquer docente deverá ingressar como professor auxiliar. Um profissional com reconhecida competência, mas com menos de 20 anos de doutorado, não poderá ser contratado como titular. Primeiro, deverá entrar como auxiliar e passar por estágio probatório de três anos DOUTOR x GRADUADO O requisito mínimo exigido nos concursos será o diploma de graduação. A universidade poderá determinar, em edital, outros critérios de seleção, mas críticos da lei afirmam que candidatos poderão contestar na Justiça a exigência do título de doutor, consagrado entre a maioria das universidades federais professor TITULAR-LIVRE A nova categoria pode impulsionar a contratação de professores veteranos de forma acelerada, beneficiando novos campi. Mas também gera dúvidas por se tratar de uma classe que nunca existiu. O receio é que, no topo da carreira, surjam duas categorias com status distintos – livre e de carreira

a promoção para titular, independentemente da existência da vaga. “Sem essa limitação, será mais fácil atrair professores qualificados que vêm de fora e desenvolver a pós-graduação em universidades mais jovens”, diz Rolim. Elizabeth Balbachevsky, contudo, observa no caso brasileiro um movimento contrário à tendência mundial de permitir que a universidade desenvolva seu próprio plano de carreira. A professora participou de um estudo internacional que avaliou, entre 2005 e 2007, o impacto


eua

NORUEGA

Os acadêmicos de maior

A promoção para titular depende

prestígio são disputados

de avaliação do professor após um

por diferentes instituições

número variável de anos trabalhando

e é comum que mudem

dentro de uma mesma instituição.

de emprego atraídos

Reformas recentes ampliaram o

por boas ofertas e a

espaço de decisão da universidade na

possibilidade de criar

definição do perfil de competências

novos grupos de pesquisa

exigidas nos concursos

NoR FRA

ALe

EUA

BrA

frança

alemanha

Desde os anos 1990,

O acesso à posição de titular

o governo francês adotou

necessita de aprovação

mudanças que aumentam

em concurso nacional.

o espaço de participação

A promoção na carreira

dos departamentos

é acelerada de acordo com

na escolha dos candidatos

a disposição do acadêmico

e introduziu um sistema

para aceitar mudar de

de bônus associado ao

instituição, negociando

desempenho de atividades

com a nova universidade

ligadas à pesquisa

as condições de contrato

da globalização na profissão acadêmica em 19 países de todos os continentes. O estudo mostra que, tradicionalmente, a organização da profissão nas universidades oscila entre dois grandes tipos ideais: o mercado acadêmico, da experiência norte-americana, e o modelo estatal. O primeiro se caracteriza por uma alta mobilidade, em que a instituição negocia condições específicas de contratos, quando está interessada em atrair um determinado profissional. Essa situação tende a criar uma intensa mobilidade de

profissionais em todos os níveis de carreira, pois, conforme o professor amadurece, ele tem maior capacidade para negociar condições específicas com as instituições que se interessam por ele. Esse é o segredo do dinamismo do sistema universitário dos Estados Unidos, diz a professora, pois é relativamente fácil para uma instituição criar competência em áreas emergentes de pesquisa, contratando alguns pesquisadores com nome e experiência na área e que lideram a formação de novos laborató-

rios e grupos de pesquisa. “Um professor recém-formado não terá condições para atrair recursos para projetos mais ambiciosos e liderança para propor uma agenda de pesquisa relevante", pontua.

N

o segundo modelo, o acadêmico é contratado como servidor público, e daí decorre sua estabilidade, o que tende a contribuir para a fixação do pesquisador numa instituição muito cedo. Esse modelo era muito comum em países europeus. Ainda assim, em diferentes países a estrutura de acesso a diferentes pontos da carreira, especialmente na posição de professor titular, tendia a promover a mobilidade dos professores, especialmente os mais ambiciosos, interessados em subir na carreira. Nas últimas décadas, essa concepção de plano de carreira perdeu força na Europa, onde, desde o final dos anos 1980, já se identificava uma capacidade de resposta limitada ante as crescentes demandas da sociedade, onde a competitividade da economia depende da capacidade de se manter na liderança da inovação (ver mapa). Dentre os países emergentes, a China também introduziu reformas importantes na carreira acadêmica, deixando-a mais flexível, explica Elizabeth. “Para a China, a reforma do ensino superior é central para a estratégia do país de sair de um modelo de inserção no mercado internacional baseado no baixo custo de mão de obra para outro baseado em vantagens competitivas criadas pela capacidade de inovação das indústrias chinesas”, diz. O MEC defende a nova lei, mas admite que poderá rediscutir alguns pontos. Em nota, a Secretaria de Educação Superior do MEC afirmou que “algumas das questões sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal estão sendo tratadas pelo MEC diretamente com as universidades”. Ainda segundo o ministério, o objetivo da lei é buscar a valorização da dedicação exclusiva e a titulação dos docentes. Em janeiro, uma nota técnica divulgada pelo MEC tenta esclarecer pelo menos um tópico da lei. De acordo com o documento, além da exigência de diploma de graduação, as instituições poderão solicitar nos editais outros requisitos, como a apresentação de títulos de pós-graduação, de acordo com o interesse da universidade. n pESQUISA FAPESP 205  z  41


difusão y

Uma ciência mais aberta Editor da Nature e dirigente da Royal Society discutem na FAPESP desafios e limites da abertura de dados científicos

“A

abertura de dados por si só não tem valor, pois uma ciência aberta é mais do que a simples disponibilização de dados científicos.” A avaliação é do físico inglês Philip Campbell, editor-chefe da revista Nature, uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo. De passagem por São Paulo, Campbell participou do encontro Science as an Open Enterprise: Open Data for Open Science, realizado no dia 25 de fevereiro na FAPESP, onde, diante de um auditório lotado, falou sobre os desafios e transformações do acesso aberto a dados científicos. Durante o evento o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, tratou das perspectivas da abertura científica no Brasil. O diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, José Arana Varela, e o secretário de Relações Exteriores da Royal Society, Martyn Poliakoff, participaram como mediadores. As discussões giraram em torno de um relatório divulgado em junho de 2012 pela Royal Society. Nele, a mais antiga sociedade científica do mundo destaca a necessidade de lidar com a abertura de dados científicos, que estão disponíveis numa quantidade cada vez maior, mas cujo conteúdo nem sempre é inteligível ou de interesse dos pesquisadores. “Rápidas mudanças tecnológicas criaram novas formas de aquisição, armazenamento, manipulação e transmissão de conjuntos de dados que estimulam novos modos de comunicação e colaboração”, disse Poliakoff. O estudo foi moti-

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vado por uma polêmica em 2009, no Reino Unido, envolvendo e-mails enviados por climatologistas, que foram hackeados e publicados. As mensagens sugeriam que um cientista tentara esconder dados desfavoráveis à evidência de que o planeta está aquecendo. Uma investigação descartou a hipótese de falsificação, mas o caso provocou debates sobre a necessidade de uma ciência mais aberta. Campbell explicou que os dados científicos não devem ser apenas acessíveis, mas precisam ser tratados para que se tornem compreensíveis e reutilizáveis. Entre as razões que fazem da abertura de dados um tema inadiável, o físico destacou o potencial para aumentar a confiança na ciência, por meio da replicação e da reprodutibilidade dos dados de pesquisa. Isso, segundo ele, pode aumentar as chances de combate a fraudes no mundo acadêmico e ampliar a participação pública na ciência. Um exemplo de colaboração pública é apresentado no relatório da Royal Society. Em 2011, um surto de infecção intestinal causado pela Escherichia coli surgiu na Alemanha e se espalhou pela Europa, afetando cerca de 400 mil pessoas. Os médicos de Hamburgo não conseguiam encontrar uma solução, pois, à primeira vista, a bactéria era semelhante à de outras cepas. O problema só foi resolvido depois que os dados sobre o genoma da cepa de E. coli foram abertos e publicados num site, ao alcance de qualquer pesquisador. Pouco tempo depois, aproximadamente 200 relatórios científicos foram publicados, indicando o que poderia ser feito para barrar a epidemia.


Tecnologia criou novos modos de comunicação e colaboração científica, mostra relatório

fotos  léo ramos

Campbell, da Nature (esq.), e Poliakoff, da Royal Society: abertura pode aumentar participação pública na ciência

De acordo com o representante da Royal Society, Martyn Poliakoff, “a informação hoje em dia determina como os cientistas precisam se adaptar às mudanças tecnológicas, sociais e políticas, com profundas implicações na maneira como a ciência é conduzida e comunicada”. O químico também falou sobre uma iniciativa da qual faz parte, o PeriodicVideos (www.periodicvideos.com), que disponibiliza vídeos divertidos de divulgação científica. O projeto começou em 2008, a partir de parceria entre a Universidade de Nottingham e a BBC de Londres. três modelos

Além da publicação dos dados gerados pelas pesquisas, outro assunto discutido durante o encontro foi a ampliação das ferramentas utilizadas para disponibilizar, integralmente, os papers publicados em periódicos científicos. Campbell lembrou que existem hoje três modelos para a publicação aberta de artigos: um que disponibiliza o paper livremente, dentro de um período máximo que varia de 6 ou 12 meses após a publicação; outro, em que o paper pode ser acessado a partir do momento da publicação; e, por fim, uma versão híbrida, que disponibiliza apenas uma parte de seu conteúdo livremente, se o autor do artigo pagar uma taxa pela

divulgação imediata. Questionado sobre os efeitos que a abertura de dados pode causar na comunicação científica e, particularmente, no jornalismo de informação científica, Campbell disse não acreditar que a abertura vá necessariamente melhorar o processo de comunicação. Segundo ele, não importa se os artigos estão abertos ou só são disponibili­zados mediante pagamento de uma taxa, pois os bons periódicos sempre terão que avaliar seus resultados e publicar os melhores. O que pode acontecer, disse, é que, em um periódico que disponibiliza o conteúdo aberto, o feedback pode ser mais rápido, por meio de correções ou comentários após a publicação. Isso pode trazer algum melhoramento para o paper. “O conteúdo livremente aberto pode ser um pouco melhor nesse sentido [em comparação com aquele que é aberto após o pagamento de uma taxa]”, afirmou. O diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, lembrou que a discussão em torno de dados abertos não é completamente nova no país e citou bancos de dados brasileiros disponíveis na internet. Mencionou as informações abertas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e

da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que disponibiliza informações acadêmicas de mais de 174 mil pesquisadores. Brito Cruz também destacou a biblioteca virtual SciELO, da FAPESP, que garante acesso aberto a 270 periódicos nacionais e recebe cerca de 1 milhão de acessos diários. “É um importante mecanismo que contribui para o aumento da visibilidade da ciência brasileira no mundo”, disse. Outro avanço importante foi o acordo firmado há dois anos para a criação de um repositório de todos os artigos vinculados a pesquisas que receberam financiamento da FAPESP, que serão disponibilizados respeitando as normas da revista científica que publicou cada paper. O repositório deve ficar pronto até o final do segundo semestre deste ano. Em relação ao Brasil, Philip Campbell disse que não está familiarizado com a nova agenda científica, mas reconhece esforços que o país tem feito para se posicionar internacionalmente. Como exemplo citou o apoio da FAPESP a projetos de pesquisa que ligam cientistas e empresas. “Creio que esse é um valioso tipo de financiamento, além da ampliação da relação entre a universidade e a indústria.” n Bruno de Pierro pESQUISA FAPESP 205  z  43


ciência  ecologia y

Amazônia

em 3 dimensões Mapas tridimensionais detalham a estrutura da floresta e facilitam o monitoramento dos impactos

Carlos Fioravanti, de Manaus

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Astronaut photograph ISS017-E-13856 / nasa

da fragmentação na vegetação nativa


A A floresta vista da Estação Espacial Internacional: 150 quilômetros do rio Amazonas, seus tributários, os numerosos lagos e as terras alagáveis que o ladeiam

s árvores aparecem em vermelho, amarelo e outras cores vibrantes, como se cada uma delas tivesse sido pintada à mão, nos mapas colados ao lado de artigos científicos e convites para seminários no corredor do prédio do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) em Manaus. A técnica que permitiu a construção dos mapas – a LiDAR (Light Detection and Ranging), que registra a variação de luz refletida pelas árvores – está facilitando bastante o trabalho dos pesquisadores do mais antigo programa de monitoramento de florestas tropicais do Brasil e um dos mais antigos do mundo. Iniciado em 1979 com o propósito de conhecer o impacto da construção de estradas e do avanço da agropecuária sobre a floresta amazônica, o programa acompanha a evolução de 11 áreas de florestas fragmentadas, além das áreas contínuas adjacentes que servem como controle para efeitos comparativos, somando mil quilômetros quadrados (km²) de floresta com árvores de até 55 metros de altura. Até poucos anos atrás, a única forma de obter informações detalhadas sobre a composição e as mudanças da floresta era viajar muitas horas em estradas de terra e enfrentar chuva, calor, mosquitos e fungos até chegar às áreas de estudo, algumas a 80 quilômetros de Manaus. “Evidentemente essa nova técnica não resolverá todos os nossos problemas, nem dispESQUISA FAPESP 205  z  45


Mosaico de paisagens Programa estuda a dinâmica das populações de plantas e animais em 23 áreas de floresta perto de Manaus

Manaus

N

0

km

5

Pastagem ou recuperação Fragmentos ou controles Estradas

pensará as viagens de campo, mas está ajudando muito”, diz o ecólogo paulista José Luís Camargo, coordenador científico do PDBFF, um programa atualmente financiado pelo Instituto Smithsonian e pelo Inpa, em conjunto com agências e fundações de apoio à pesquisa no Brasil e nos Estados Unidos. Enquanto as imagens de satélite são bidimensionais, as do LiDAR são tridimensionais. Elas se formam a partir da luz refletida pela copa das árvores, que é captada por aviões que sobrevoam as áreas a serem estudadas. “Podemos mapear clareiras, que são importantes para o funcionamento da floresta, e ter uma boa noção do relevo que sustenta a vegetação”, diz Camargo.

A

LiDAR, sozinha ou combinada com outras técnicas de sensoriamento remoto, pode fornecer informações detalhadas sobre a altura, a concentração e a distribuição de árvores e indicar que grupos de animais devem viver por ali. Quanto mais emaranhada – ou de estrutura complexa, como diz Camargo – for uma floresta, menor a chance de abrigar grupos específicos de aves e morcegos, por exemplo. Em um estudo recém-concluído em uma das áreas do projeto, o biólogo brasileiro Karl Mokross, da Universidade Estadual da Louisiana, nos Estados Unidos, verificou que as aves que vivem no sub-bosque, região abaixo da copa das árvores, procuram insetos para se alimentar de preferência na floresta primária e raramente na floresta secundária, também chamada de capoeira. Além das imagens tridimensionais, a equipe do Inpa tomou emprestada da química uma téc-

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nica de identificação de compostos químicos chamada espectrometria por infravermelho próximo para Em poucos classificar plantas. Essa técnica se dias, Lovejoy baseia no fato de que as ligações químicas de determinadas moléculas obteve a possuem frequências específicas de vibração, que são registradas por um aprovação aparelho e expressas na forma de um gráfico. Usando esse método, a dos diretores engenheira florestal Flávia Machado Inpa e do Durgante e outros pesquisadores do Inpa examinaram 159 folhas da Suframa de 10 espécies de árvores coletadas de uma área de floresta preservada para começar próxima a Manaus e das áreas de estudo do PBDFF e mantidas na coo trabalho leção do programa, atualmente com 54 mil amostras de folhas e estruturas reprodutivas (flores e frutos) das árvores monitoradas. Depois obtiveram a chamada assinatura espectral de cada espécie e concluíram que essa técnica representa um método simples e de baixo custo para identificar as espécies de plantas e diferenciar as espécies muito próximas, mesmo quando faltam estruturas reprodutivas como flores e frutos, que facilitam o reconhecimento por botânicos e ecólogos. Nesse trabalho, a ser publicado em março na revista Forest Ecologyand Management, a margem de acerto médio foi de 96,6%. A bióloga Carla Lang começou a analisar as assinaturas espectrais de folhas de árvores e de plântulas da mesma espécie para ver se há


Scott Saleska / Universidade do Arizona e Michael Lefsky / UNIVERSIDADE DO ESTADO DO Colorado

Os bandos de aves (em vermelho) preferem a floresta primária de um fragmento de 10 hectares (acima) e raramente percorrem a capoeira (em verde-claro, ampliada à direita). Verdes mais escuros representam a vegetação mais alta

uma coerência entre elas – se houver, facilitará o trabalho bastante difícil de identificar plântulas e prever a distribuição de espécies na floresta. As primeiras alianças

As técnicas de trabalho agora à mão representam um pouco de conforto merecido para os pesquisadores do programa de estudos da Amazônia que começou a ser desenhado em meados da década de 1970 por dois biólogos norte-americanos, Thomas Lovejoy e David Conway Oren, ambos já com vários anos de experiência em pesquisa de campo na região. Naquela época o governo promovia a ocupação das florestas do norte de Manaus com pecuária. “Eu que alertei Lovejoy para a oportunidade ímpar de conversar com os proprietários, entrar na floresta antes do desmatamento e fazer inventários biológicos, algo que não havia sido feito no Panamá”, lembra-se Oren, ornitólogo que trabalhou no Inpa, no Museu Goeldi e na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, e atualmente é coordenador de biodiversidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Os biólogos não esqueciam que a construção do canal do Panamá, concluída em 1914, havia isolado áreas de uma floresta tropical sobre a qual sabiam muito pouco. Lovejoy gostou da ideia e disse que iria buscar financiamento.

L

ovejoy se tornou o porta-voz do programa e uma das maiores autoridades mundiais em biodiversidade – atualmente ele é professor de ciência e política ambiental da Universidade George Mason, nos Estados Unidos (ver Pesquisa Fapesp nº 171). Um recorte de uma página do jornal A Província do Pará de 7 de janeiro de 1979 colado no corredor do prédio do PBDFF apresenta o então chamado Programa de Tamanho Mínimo Crítico da Amazônia, com

custos anuais previstos em US$ 500 mil e apoio do Inpa, do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que originou o Ibama, e da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Definir a área mínima capaz de efetivamente preservar uma floresta era uma preocupação do governo brasileiro e, além disso, “um problema mundial”, argumentava Lovejoy, então ligado ao Fundo Mundial da Vida Selvagem (WWF), a primeira instituição internacional a financiar esse trabalho. “Foi a época dourada do Inpa, sob a direção de Warwick Kerr. Em apenas um dia ou dois eu consegui a aprovação do diretor e do chefe do Departamento de Ecologia do Inpa, Herbert Schubart, e da Suframa, que também foi muito aberta. Os fazendeiros também colaboraram”, contou Lovejoy, lembrando a criação desse programa de pesquisas na Amazônia. “Eu basicamente acompanhei Rob [Richard Bierregaard, biólogo e primeiro coordenador científico do PDBFF, atualmente na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos], apresentei-o às pessoas de Manaus e deixei-o trabalhar. Rob fez amizade com os fazendeiros, que estavam satisfeitos por participar de um trabalho que estava tendo atenção da mídia.” O programa previa o isolamento de áreas de floresta com tamanhos variáveis e o levantamento e monitoramento de árvores, insetos, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. O objetivo era ver quais espécies perecem e quais sobrevivem à medida que a floresta diminui. Era uma forma de examinar o impacto da fragmentação sobre a floresta e os organismos que a constituem. Ainda hoje a redução da área de vegetação nativa, como resultado da expansão das estradas, da agricultura ou da pecuária, é uma das principais causas de perda da biodiversidade na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo. pESQUISA FAPESP 205  z  47


O trabalho de campo realizado ao longo de 33 anos, completados em 2012, resultou em uma monumental base de dados sobre árvores e aves. Atualmente os pesquisadores acompanham o crescimento de 45.376 árvores e 178.295 arvoretas (menos de 10 centímetros de diâmetro à altura do peito) em 55 hectares de floresta contínua e 39 hectares de floresta fragmentada. “Estamos monitorando uma floresta com uma das mais diversas comunidades arbóreas do mundo”, diz Camargo. Além das árvores, recentemente eles começaram a contabilizar os cipós. Em um levantamento recém-concluído em 69 hectares, eles marcaram 33.154 cipós. “Em geral cipós não são alvos de levantamentos florestais, mas representam uma parcela importante da biomassa e da diversidade de uma floresta.” A base de dados contém informações sobre 60 mil aves de 400 espécies que vivem no sub-bosque, a região intermediária entre a copa das árvores e o solo. Cada ave recebeu um anel (anilha) com um número que permite aos biólogos, quando as capturam nas chamadas redes de neblina, saber por onde andaram. “Esse banco de dados permite fazer perguntas mais complexas, que só aparecem após décadas de acompanhamento, servem para embasar políticas públicas e ajudar a resolver problemas novos, como o impacto das mudanças do clima sobre a Amazônia”, diz Camargo. “Muitos pesquisadores vêm trabalhar aqui porque já temos um longo caminho percorrido, não preci-

O efeito clareira Áreas abertas alteram a circulação do ar na baixa atmosfera e favorecem a formação de nuvens e de chuva

Ar seco

nuvem

Ar úmido

Ar seco

Ar úmido Pressão baixa

floresta

clareira

floresta

Fonte Adaptado de Wallace ET AL 2012

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sam começar do zero. Esse conhecimento é um patrimônio nacional.” Muitas conclusões do PDBFF teriam sido inviáveis em um estudo de duração menor, de acordo com uma das conclusões de um artigo publicado em janeiro de 2011 na Biological Conservation com uma síntese de 32 anos de trabalho de campo. O artigo é assinado por 16 biólogos de instituições do Brasil, dos Estados Unidos, da Austrália e do México ligadas ao PDBFF – o primeiro autor é o biólogo norte-americano William Laurance, que viveu cinco anos em Manaus e atualmente trabalha na Austrália. A vulnerabilidade de árvores de maior porte à fragmentação e os efeitos de eventos efêmeros como o El Niño e as tempestades, eles argumentam, só se tornaram evidentes após décadas de acompanhamento. Quando caem, eles concluíram, as árvores podem formar clareiras, que desviam a umidade das árvores próximas e alteram a luminosidade e a temperatura (ver ilustração). A fragmentação pode reduzir a circulação de água, limitar o território de muitas espécies de aves, que não conseguem atravessar grandes áreas desmatadas, reduzir a população de abelhas, vespas, besouros e formigas, aumentar as de sapos e aranhas, causando uma perda cumulativa de biodiversidade e uma redução das reservas de água. Floresta frágil

As simulações do comportamento da floresta, alimentadas com os dados do PDBFF, sugeriram que mesmo fragmentos de 10 hectares requerem pelo menos um século para recuperarem a diversidade biológica e a biomassa de antes de terem sido formados. Uma vez constituídos, esses fragmentos sofrem uma reorganização profunda de suas comunidades de árvores, palmeiras, trepadeiras e animais. “Como regra geral, quanto menor a área, mais profundos serão os efeitos da fragmentação”, diz Camargo. Quem percorre as áreas de estudo nota a diferença: os fragmentos menores, de um hectare, já perderam parte de sua estrutura florestal original e parecem uma capoeira que resiste com dificuldade, enquanto os maiores, principalmente os de 100 hectares, ainda abrigam espécies de árvores que crescem com pouca luz e umidade elevada, como em uma típica floresta amazônica. As áreas menores são mais frágeis “e sofrem mais com as secas mais intensas, como a de 2005 e a de 2010”, observa Camargo. Uma das consequências da fragmentação é o chamado efeito de borda: transformações causadas pela radiação solar, luz e vento das áreas externas sobre a periferia de uma floresta. Por estarem mais sujeitas às mudanças no microclima, as árvores mais próximas à borda podem cair mais facilmente ou secar e morrer em pé. Em consequência do efeito de borda e da fragmentação da floresta, “metade da fauna de aves e mamíferos do sub-bosque pode

foto SERGIO JORGE BRAZIL / PHOTONONSTOP  ilustração Sandro castelli

base de dados amazônica


Estradas como esta quebram a unidade da floresta e criam fragmentos que limitam os movimentos de animais, reduzem a biodiversidade e influenciam o clima

entrar em extinção local, às vezes de modo irreversível”, alerta Camargo. De acordo com o artigo de 2011, a cada ano o desmatamento para a abertura de pastagens acrescenta 32 mil quilômetros de novas bordas de florestas e produz paisagens dominadas por fragmentos pequenos, menores de 400 hectares, e de formato irregular, aumentando o efeito da radiação solar e dos ventos sobre a vegetação nativa. “Se é assim aqui, pode ser ainda pior em outras áreas, como no arco do fogo, a região do Pará, Mato Grosso e Rondônia mais sujeita ao desmatamento.”

“D

ois dias atrás, o corredor estava fechado de tanta mala”, disse Camargo na manhã de 9 de novembro de 2012. “Nosso 21º curso de treinamento terminou ontem. Já formamos 420 ecólogos.” Todo ano o curso de Ecologia da Paisagem Amazônica – realizado normalmente em julho ou agosto e excepcionalmente em outubro, como no ano passado – reúne 20 estudantes de pós-graduação e 15 professores de universidades de todo o país. “A maioria dos participantes nunca tinha pisado antes na Amazônia”, conta Camargo. Os professores do curso apresentam os distintos ambientes da região, da várzea aos arquipélagos como Anavilhanas, com o propósito de formar profissionais qualificados para entender e ajudar a resolver os problemas da região. Outra forma de compartilhar os resultados das pesquisas e ampliar o conhecimento sobre a região são cursos de três semanas para estudantes de graduação. “Fui um dos responsáveis por esse curso,

recentemente, na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, na Universidade Estadual de Minas Gerais e na Universidade Federal do Amazonas”, conta Camargo. “Hoje o PDBFF forma mais pesquisadores do Brasil do que dos Estados Unidos.” Atualmente, segundo ele, o Smithsonian e o Inpa cobrem apenas 20% dos gastos anuais e a maior parte do orçamento anual de R$ 1,2 milhão provém de doações ou de agências de financiamento ou fundações dos Estados Unidos e do Brasil. “Na última década foi difícil conseguir financiamento, porque as doações mudaram de foco e o dinheiro migrou dos estudos sobre fragmentação florestal para estudos sobre mudanças climáticas”, diz Camargo. “Outro problema grande que enfrentamos é a desvalorização do dólar. Em alguns anos, por causa do câmbio, perdemos um terço do orçamento previsto.” Há outras preocupações, como uma possível redistribuição de terras próximas às áreas de estudo, que poderia mudar o uso da terra e ampliar os impactos negativos sobre os fragmentos. n

Artigos científicos Durgante, F.M. et al. Species spectral signature: Discriminating closely related plant species in the Amazon with near-infrared leafspectroscopy. Forest Ecology and Management. v. 291, 213. No prelo. LAURANCE, W. et al. The fate of Amazonian forest fragments: a 32year investigation. Biological Conservation. v. 144, n. 1, p. 56-67. 2011. STARK, S.C. et al. Amazon forest carbon dynamics predicted by profiles of canopy leaf area and light environment. Ecology Letters. v. 15, n. 12, p. 1.406-14. 2012.

pESQUISA FAPESP 205  z  49


especial biota educação I

Entre desafios, conceitos e ameaças Biólogos apresentam a professores e estudantes do ensino médio um panorama dos efeitos da fragmentação de ecossistemas e da perda da biodiversidade no país Rodrigo de Oliveira Andrade

50  z  março DE 2013

Q

uando o taxonomista sueco Carl Lineu (1707-1778) se propôs, sozinho, a classificar hierarquicamente todas as espécies de organismos vivos do mundo, certamente não tinha a real dimensão da variedade biológica com a qual estava lidando. Sua principal obra, Systema Naturae, chegou à décima edição em 1758 com um total de 7.700 espécies de plantas e 4.400 espécies de animais catalogadas. Sabe-se hoje que metade dos organismos classificados pelo cientista como animais eram insetos – e menos de 100 anos depois 400 mil novas espécies de insetos já haviam sido identificadas. “Essa foi a última vez que uma pessoa, sozinha, tentou catalogar todas as espécies do mundo.” Foi em tom de brincadeira que o biólogo Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), deu início ao primeiro encontro do Ciclo de Conferências Biota-FAPESP Educação, realizado em São Paulo no dia 21 de fevereiro, que teve também a participação do biólogo Jean Paul Metzger, do


ilustrações  guilherme kramer

Ilustrações da 10ª edição do livro Systema Naturae, de Carl Lineu

Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), e do botânico Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Unicamp e coordenador do Programa Biota-FAPESP. O ciclo de conferências, que tem como tema O compromisso com o aperfeiçoamento do ensino da ciência da biodiversidade no Brasil, é uma iniciativa da coordenação do Biota-FAPESP em parceria com a revista Pesquisa FAPESP como uma contribuição para a melhoria da qualidade da educação científica e ambiental no Brasil. Haverá mais oito palestras até o mês de novembro (ver programação na página 55) e cada uma irá tratar de um dos principais biomas do Brasil: pampa, pantanal, cerrado, caatinga, mata atlântica, Amazônia, ambientes marinhos e costeiros e a biodiversidade em ambientes antrópicos – urbanos e rurais. De acordo com Lewinsohn, apesar do aumento exponencial de espécies catalogadas nos últimos 280 anos, ainda persiste um deserto de informação em relação às variedades de organismos. “Em

São Paulo, onde provavelmente se tem a maior concentração de botânicos do Brasil, o volume de estudos sobre a flora é muito desigual, já que a maioria tem se concentrado em determinadas regiões do estado, como São Paulo, Campinas, Campos do Jordão e Ubatuba”, destacou. Também muitas categorias de seres vivos ainda são pouco conhecidas. É o caso dos Curculionídeos, maior família de besouros do planeta, com 62 mil espécies descritas e nomeadas. Estima-se, contudo, que o número de espécies dessa família ainda não descritas possa ultrapassar os 800 mil, segundo o biólogo. “Isso significa que, em relação aos organismos menores, como insetos e ácaros, nosso principal desafio não é saber onde eles estão, mas, sim, quem são eles. A coleta e o reconhecimento dessas novas espécies são dois dos principais desafios da humanidade”, explicou a uma entusiasmada plateia composta por professores do ensino médio e estudantes de graduação, além de pesquisadores interessados no tema. pESQUISA FAPESP 205  z  51


Da esquerda para a direita: Thomas Lewinsohn, Jean Paul Metzger e Carlos Alfredo Joly

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Foi justamente o desafio de criar um sistema integrado de informações, associando o conhecimento taxonômico, biogeográfico e ecológico a ferramentas de bioinformática, que lançou as bases do Programa Biota-FAPESP, iniciado em 1999. Hoje, brincou o biólogo Carlos Alfredo Joly, coordenador do programa, “apesar dos esforços contínuos, o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira pode ser sintetizado como um oceano de dados, rios de informações, igarapés de conhecimento, gotas de compreensão e gotículas de uso sustentável”. Nesse sentido, o objetivo comum de todos os projetos de pesquisa desenvolvidos no âmbito do Biota é o de compreender os processos de geração, manutenção e perda de biodiversidade no estado de São Paulo. conhecimento sustentável

Em sua palestra, Joly ressaltou que todo o conhecimento gerado a partir desses estudos tem sido disponibilizado na internet, de forma transparente e gratuita, com o objetivo de aperfeiçoar os padrões de ensino e mostrar à sociedade a importância de temas ligados à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade. “Todo cidadão necessita de conhecimento científico e de capacidade intelectual capaz de integrá-lo ao mundo natural e também à utilização consciente dos artefatos tecnológicos com os quais nos deparamos diariamente”, afirmou o biólogo. Daí a ideia de realizar um ciclo de conferências para apresentar o estado da arte do conhecimento sobre os biomas brasileiros em uma linguagem acessível para diferentes públicos. “Essa é uma oportunidade para discutirmos algo em que o Brasil ainda é muito

fotos  léo ramos

A magnitude desse universo ainda pouco conhecido ganha proporções incalculáveis quando se muda o foco para o estudo da diversidade de organismos microbianos – como bactérias, fungos, vírus e algas unicelulares. Em projetos passados, desenvolvidos no âmbito do Programa Biota-FAPESP, pesquisadores chegaram a identificar cerca de 20 mil novos tipos de bactérias na superfície de folhas de apenas nove espécies de árvores da mata atlântica. Por isso, explica Lewinsohn, “é extremamente trabalhoso tentar estimar quantas espécies dividem o mundo conosco. Isso porque a informação ainda se encontra pulverizada em muitos lugares, como reservatórios, bancos de dados, publicações etc., o que dificulta a organização desse imenso catálogo de seres vivos”. O biólogo estima que haja pelo menos 1,75 milhão de espécies conhecidas e 12 milhões ainda a serem descobertas, apesar das divergências quanto a esse número. Segundo ele, caso o trabalho prossiga no ritmo e com os recursos humanos, financeiros e técnicos atuais, o mapeamento de toda a diversidade biológica – resultado de quase 4 bilhões de anos de evolução e interações entre espécies – poderá demorar de 200 a 2 mil anos, aproximadamente. Isso levando em conta somente as espécies que os pesquisadores acreditam existir no Brasil. Assim, completa Lewinsohn, é clara a necessidade de priorizar o estudo de determinados grupos de organismos, pela sua importância funcional, enquanto o conhecimento sobre grupos mais conhecidos, como plantas e animais vertebrados, pode ser usado na formulação de políticas mais urgentes de conservação e manejo.


“Hoje mais de 50% da superfície terrestre encontra-se degradada carente: educação. Só seremos uma grande nação quando tivermos em nosso país um sistema educacional à altura dos desafios impostos por um mundo complexo como o de hoje. Foi com esse espírito que desenvolvemos esse ciclo de conferências”, disse Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara e membro da coordenação do Biota-FAPESP. Em 13 anos, o Programa Biota-FAPESP já financiou mais de 120 projetos de pesquisa, os quais resultaram em mais de 1.100 artigos publicados em diversas revistas científicas, entre as quais Nature e Science. Durante esse período, mais de 2 mil novas espécies foram catalogadas, e informações sobre outras 12 mil foram produzidas e armazenadas em sistemas de informação ambientais como o Sinbiota, cujo novo protótipo, o Sinbiota 2.0, já está sendo testado. Também os mapas produzidos pelo programa têm contribuído para que tomadores de decisão possam identificar melhor as áreas prioritárias para conservação e restauração da biodiversidade no estado. “Há atualmente pelo menos 20 instrumentos legais, entre eles leis, decretos e re-

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pela atividade

soluções, que consideram os resultados humana”, obtidos no âmbito diz Metzger do Programa Biota-FAPESP como base para a formulação de políticas públicas ambientais”, destacou Carlos Joly. O programa tem continuidade garantida até 2020. De acordo com o biólogo, uma das propostas para essa segunda fase, iniciada em 2009, é ampliar sua abrangência geográfica, para considerar os limites de ocorrência da mata atlântica e do cerrado, investir mais em pesquisas sobre a biodiversidade costeira e marinha e dar alta prioridade a sua vertente educacional. “Com isso esperamos melhorar a qualidade do ensino de ciências no Brasil.” No final de janeiro, Joly foi eleito um dos cinco representantes da América Latina e Caribe no Painel Multidisciplinar de Especialistas do IPBES, sigla em inglês para Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (www.ipbes.net). Criado em 2012 após quase 10 anos de negociações internacionais, o IPBES tem a função de sistematizar o conhecimento científico sobre biodiversidade para dar subsídios a decisões políticas em âmbito internacional – trabalho semelhante ao feito pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, o IPCC. Hoje mais de 50% da superfície terrestre encontra-se degradada pela atividade humana, destacou o biólogo Jean Paul Metzger. De acordo com o pesquisador, isso significa que estamos rapidamente invadindo áreas naturais, seja por pESQUISA FAPESP 205  z  53


CORREDORES VERDES

Parte da solução para o problema de degradação da mata atlântica pode estar associada à identificação de áreas-chave, nas quais a restauração da paisagem facilitaria o fluxo biológico entre fragmentos de hábitat, como corredores biológicos. “A noção de conectividade pode contribuir para a integração no entendimento de aspectos estruturais e funcionais de áreas fragmentadas”, disse Metzger. Também o intervalo entre o início do processo de fragmentação e a extinção de espécies poderia contribuir para a ação mais rápida e precisa do poder público na restauração de áreas de conexão biológica entre hábitats fragmentados. “É fundamental que a identificação dessas áreas seja feita não apenas em termos estruturais, mas também em termos funcionais”, acrescentou. 54  z  março DE 2013

fábio colombini

meio da extensão de nossas fronteiras agrícolas ou ocupações urbanas. “Isso não só leva ao desaparecimento de hábitats, como também à fragmentação de ecossistemas, isto é, à subdivisão espacial e funcional dessas áreas.” Metzger ressaltou ainda que esse processo é uma das principais causas de perda de biodiversidade biológica, no Brasil e no mundo. “Quanto mais fragmentada for uma paisagem, maior será a taxa de extinção das espécies que por lá vivem. Por outro lado, quanto menor for essa fragmentação, menor será o isolamento entre fragmentos de hábitat, possibilitando o aumento ou a manutenção das taxas de colonização e recolonização de espécie nessa região”, explicou o biólogo do Instituto de Biociências da USP. De acordo com os pesquisadores, esse é um fenômeno preocupante. Em 1500, o estado de São Paulo possuía 85% de sua área coberta por florestas nativas. Em 2000, esse número havia caído para 12%. Quanto às áreas de cerrado, que em 1500 cobriam 14% do território paulista, já em 1960 cobriam apenas 10% do estado. “As maiores taxas de conversão para áreas de cultivo ocorreram com a expansão do café no século XIX e da cana-de-açúcar decorrente do Programa Proálcool”, lembrou Joly. “A boa notícia é que nos últimos 10 anos essa tendência se inverteu, e desde então o estado vem ganhando novas áreas”, disse. A mata atlântica, por sua vez, possui apenas de 12% a 16% de florestas remanescentes, afirmou Metzger. “O que mais chama a atenção é que, além de poucas florestas remanescentes, 95% do que restou da mata atlântica está em fragmentos com áreas de menos de 100 hectares.” Mesmo assim, explica, a região apresenta poucos registros comprovados de extinção de espécies. Isso se deve, provavelmente, ao período de latência entre o início do processo de fragmentação e a extinção das espécies.

A ocupação de áreas naturais por meio da expansão de fronteiras agrícolas tem contribuído para o desaparecimento de hábitats e a fragmentação de ecossistemas

Para os pesquisadores, a relação entre biodiversidade e funções ecossistêmicas – a contribuição que recebemos da natureza para nossa qualidade de vida e atividades produtivas –, além de complexa, é, em parte, desconhecida. “Estima-se, por exemplo, que haja algo em torno de 25 mil espécies de plantas comestíveis no planeta ainda não identificadas”, ressaltou Lewinsohn. “Também não compreendemos completamente as funções que cada espécie desempenha em ecossistemas variados”, completou. Assim, a produção de conhecimento sobre tais questões deve ser contínua, de modo a ser utilizada no embasamento de políticas de conservação e restauração da biodiversidade brasileira. “Para isso, é necessária uma ciência bem-feita, amparada por programas bem estruturados, como o Biota-FAPESP”, destacou Metzger. n


Programação

21 de março (14h00-16h00)

22 de agosto (14h00-16h00)

Ciclo de

Bioma Pampa

Bioma Mata Atlântica

Conferencistas

Conferencistas

Ilsi Boldrini

Carlos Alfredo Joly

Conferências Biota-FAPESP Educação 2013

(IB-UFRGS, Porto Alegre, RS) Eduardo Eizirik (PUC-RS, Porto Alegre, RS) Márcio Borges Martins

(SOS Mata Atlântica)

19 de setembro (14h00-16h00) Bioma Pantanal

www.biota.org.br www.biotaneotropica.org.br/ www.agencia.fapesp.br

Márcia Hirota

(IB-UFRGS, Porto Alegre, RS)

18 de abril (14h00-16h00) Para maiores informações:

(IB-Unicamp, Campinas, São Paulo) Helena Bergallo (Ibrag/Uerj)

Bioma Amazônia Conferencistas

Conferencistas

Maria Lucia Absy (Inpa)

Arnildo Pott

Carlos Peres

(UFMS, Campo Grande, MS) Walfrido Moraes Tomas (CPAP-Embrapa)

(Universidade East Anglia, Reino Unido) Helder Queiroz (IDSM)

José Sabino (Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal–Uniderp)

24 de outubro (14h00-16h00) Ambientes marinhos e costeiros

16 de maio (14h00-16h00) Bioma Cerrado

Conferencistas Mariana Cabral de Oliveira

Conferencistas

(IB-USP, São Paulo)

Vânia Regina Pivello

Maria de los Angeles Gasalla

(IB-USP, São Paulo)

(IO-USP, São Paulo)

Jader Marinho Filho

Roberto S .G. Berlinck

(ICB-UnB, Brasília)

(IQSC-USP, São Paulo)

Vanderlan S. Bolzani (Unesp, Araraquara, São Paulo) 21 de novembro (14h00-16h00) 20 de junho (14h00-16h00)

Biodiversidades em

Bioma Caatinga

ambientes antrópicos – urbanos e rurais

Conferencistas

Conferencistas

Luciano Paganucci (UE, Feira de Santana) Fernanda Werneck

Luciano M. Verdade (Cena-USP, São Paulo)

(ICB-UnB, Brasília)

Elisabeth Höfhling

Bráulio Almeida Santos (UFPB, Paraíba)

(IB-USP, São Paulo) Roseli Buzanelli Torres (IAC)

+10 pESQUISA FAPESP 205  z  55


paleontologia y

A tênia e o tubarão Fezes fossilizadas de peixe de 270 milhões de anos encontradas no Rio Grande do Sul carregam ovos do verme Marcos Pivetta

V

estígios fósseis de um tubarão de água doce que viveu há 270 milhões de anos na área do atual município gaúcho de São Gabriel, 320 quilômetros a oeste de Porto Alegre, podem ser o registro mais antigo de infestação de um vertebrado por uma forma de tênia ou solitária. Um conjunto de 93 microestruturas de formato ovalado foi encontrado no interior de um coprólito (fezes petrificadas) do peixe e interpretado como ovos do parasita intestinal. A maioria dos ovos estava tomada por pirita, um dissulfeto de ferro apelidado de ouro de tolo, e parecia ter sido preservada antes de o verme ter tido a chance de rompê-los. Um deles se destacou dos demais. “Esse ovo contém provavelmente uma larva do parasita em desenvolvimento”, afirma a paleontóloga Paula C. Dentzien-Dias, da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), principal responsável pela descoberta. A análise do conteúdo do raro coprólito, resgatado em rochas do período Permiano da formação geológica Rio do Rasto, foi publicada em 30 de janeiro na revista científica PLoS One. Os vermes estavam escondidos dentro de um excremento de formato espiralado, uma marca registrada dos dejetos de tubarões, que media 5 centímetros de comprimento por 2 de diâmetro. O coprólito foi “fatiado” longitudinalmente para a obtenção de uma lâmina delgada, própria para a observação em microscópio óptico. O objetivo era buscar, no interior das fezes, fragmentos orgânicos que indicassem a dieta dos animais. Várias lâminas desse coprólito, e também de mais 13 obtidos na região, revelaram a presença de escamas e dentes de outros peixes. Uma delas, no entanto, apresentou uma grande surpresa: a presença de quase uma centena de diminutas estruturas ovais em seu interior. 56  z  março DE 2013

Inicialmente os pesquisadores levantaram a hipótese de que poderia ser alguma estrutura de origem inorgânica, gerada durante o processo de fossilização. Mas uma observação mais detalhada da lâmina levou-os a outra conclusão. Tratava-se de uma série de ovos de tênia, quase sempre com as mesmas dimensões: 145–155 micrômetros de comprimento e 88–100 micrômetros de largura. A presença de pirita no coprólito é um indicativo de que o material foi exposto a condições com pouco ou nenhum oxigênio, favoráveis à preservação de fósseis. É sabido que esse mineral se forma apenas na ausência desse gás. Por ter sido identificada em fezes fossilizadas de um peixe de água doce, essa antiga forma de solitária sugere que os primeiros hábitats desse verme eram dominados por lagos e rios. Seus primeiros hospedeiros teriam sido animais aquáticos, como os paleotubarões de São Gabriel. “Os novos ovos fósseis de tênia mostram que esses parasitas existiam há pelo menos 270 milhões de anos, mas eles devem ter surgido muito antes disso. O problema é achar vestígios preservados desses vermes”, diz Paula. Hoje diferentes espécies de tênia podem ser encontradas em muitos animais, como suínos, bovinos e peixes. Se infestados pelo verme, alimentos mal lavados e carnes malpassadas podem transmitir ao homem duas doenças, a teníase e a cisticercose – em casos mais graves, a segunda pode ser fatal. Embora não tenha sido possível precisar a espécie de tênia que parece ter infestado o antigo tubarão, os vestígios do parasita guardam alguma semelhança com os ovos produzidos por vermes da ordem Tetraphyllidea. Cerca de 540 espécies de parasitas dessa ordem podem ser encontrados atualmente no intestino de tubarões. Dotada de rochas sedimentares do Permiano Médio e Superior (270-250 milhões de anos atrás),

Em São Gabriel foram encontradas mais de 500 fezes fossilizadas de animais

BRASIL

Rio Grande do Sul Porto Alegre São Gabriel

6

Oceano Atlântico


1 cm

500 m

Mapa daniel das neves  Fotos Paula C. Dentzien-Dias

0,1 mm

Fezes fossilizadas de tubarão (à esq.) e detalhes dos ovos de tênia que estavam no interior do coprólito. Na última imagem, uma larva do verme parece estar dentro do ovo

a região de São Gabriel é rica em fósseis de vertebrados, invertebrados e plantas. Nesse solo composto de arenitos, siltitos e argilitos, condições especiais ao longo de milhões de anos permitiram a preservação das fezes fossilizadas, um tipo de vestígio orgânico do passado que tende a ser apagado pela ação do ambiente. Uma dose de sorte e olhos treinados para diferenciar uma simples rocha de um excremento petrificado foram essenciais para localizar o achado. Coprolândia

Numa expedição de campo em 2010, Paula e outros paleontólogos gaúchos descobriram uma área de 100 metros de comprimento por 30 metros de largura – um pouco menor do que um campo oficial de futebol – com uma concentração de mais de 500 coprólitos, a maioria de tubarões. Alguns estavam enterrados no solo, outros tinham aflorado à superfície. O tamanho dos dejetos variava de 0,6 a 11 centímetros de comprimento. “Eram tantos coprólitos que até tropeçavam neles”, afirma, em tom de brincadeira, o paleontólogo Cesar Schultz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que não participou da expedição, mas é o coordenador do projeto de pesquisa, financiado pelo CNPq, e um dos autores do artigo científico. A pequena área repleta de fezes fossilizadas foi apelidada de Coprolândia. A estranha concentração de coprólitos produzidos por peixes de água doce indica que havia ali uma lagoa aproximadamente 270 milhões de anos atrás. Mas como essa enorme quantidade de dejetos orgânicos foi parar, e se preservar, num canto desse extinto corpo d’agua, criando até a ilusão de que poderia ter existido um lugar predileto para os animais fazerem suas necessidades? Os pesquisadores acreditam que ocorreu um súbito período de intensa seca na região durante o Permiano e boa parte da antiga lagoa se evaporou rapidamente. Para não morrer, os animais tiveram de se aglomerar nos locais em que ainda havia água. Tal movimentação provocaria naturalmente uma concentração de fezes no reduto em que os peixes teriam sido confinados. “Achamos que a seca foi temporária e não chegou a causar a morte dos peixes”, comenta Schultz. “Não encontramos ossos fossilizados de animais ao lado dos coprólitos.” Do meio milhar de excrementos petrificados resgatados em São Gabriel, 14 já foram analisados. O coprólito com ovos de tênia é, por ora, o que produziu dados mais excitantes, mas pode haver outras descobertas a serem feitas nos dejetos, impressões orgânicas do passado remoto. n

Artigo científico 50 m

Dentzien-Dias, P.C. et al. Tapeworm eggs In a 270 million-year-old shark coprolite. PLoS One. 30 Jan. 2013.

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entrevista: brian schmidt y

O enigma da energia escura Laureado com o Nobel diz que são necessários novos métodos para medir o que compõe a maior parte do Universo

N

ascido no estado americano de Montana, criado no Alasca e radicado na Universidade Nacional da Austrália desde 1996, o astrofísico Brian Schmidt ganhou o Nobel de Física em 2011, quando tinha 44 anos. Dividiu o prêmio com os colegas Saul Perlmutter, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Adam G. Riess, da Universidade Johns Hopkins e do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, por estudos que, de forma inesperada, mostraram a expansão acelerada do Universo. Schmidt e os outros laureados começaram a observar em fins dos anos 1990 estrelas distantes de uma certa categoria, as supernovas do tipo Ia, que resultam da explosão de anãs brancas, estrelas muito velhas e compactas. Os movimentos desse tipo de supernova podem ser usados para medir distâncias. “A meu ver, era muito improvável que ganhássemos o Nobel”, diz o astrofísico, que esteve na Universidade de São Paulo (USP) no início de fevereiro para participar da conferência Cosmology, Large Scale Structure and First Objects, organizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. “Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura.” Nesta entrevista, Schmidt fala de seu trabalho e, claro, da misteriosa energia escura, que representaria 73% de todo o Cosmo e seria responsável por seu crescimento a um ritmo cada vez mais veloz.

58  z  março DE 2013

Qual foi sua reação quando viu pela primeira vez que os dados indicavam uma expansão acelerada do Universo? Achei que tínhamos cometido um erro. Depois de nos certificarmos de que não havia erros, comecei a me preocupar com a possibilidade de estar ocorrendo alguma coisa que não sabíamos. O Universo podia estar se acelerando ou nós, e todos os demais cientistas da área, podíamos não ter notado algum tipo de efeito. Tive de esperar. Então publicamos um paper e, no ano 2000, outras medições corroboraram nossos dados. O senhor esperava ganhar o Nobel? Há sempre muita especulação sobre o prêmio. Mas, a meu ver, era muito improvável que ganhássemos o Nobel. Por quê? Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura. Todo mundo está de acordo que o Universo está em expansão acelerada. Mas por quê? Ainda não sabemos. Achei que eles iriam esperar [para dar o Nobel] quando soubéssemos o que é a energia escura. Mas talvez estejamos mortos quando isso acontecer. Diria que provavelmente estaremos mortos. Posso pensar em muitas razões para eles não nos darem o prêmio. Foi uma grande surpresa. A energia escura é realmente o que há de mais misterioso no Universo?

O Universo parece ser composto por 73% de energia escura, que parece ser parte do espaço e fazer com que o Universo se expanda. Para entender a energia escura, é preciso entender por que ela faz parte do Universo. Ninguém até agora tem uma explicação razoável para isso. Há muitas explicações, mas nenhuma é melhor do que a outra. É uma confusão científica. A matéria escura, que é 23% do Universo, pode muito bem ser uma partícula que até agora ainda não encontramos. Se for uma partícula que podemos descobrir num acelerador, como o LHC, tudo se encaixa. Nada precisa mudar. Tudo será razoavelmente simples. Pode ser que essa não seja a solução, mas, por ora, parece ser uma explicação razoável para a matéria escura. No caso da energia escura, ainda não temos uma pista clara. Há 15 anos não sabíamos que estávamos deixando de ver 96% do Universo [as galáxias, estrelas, planetas representam só 4% do Cosmo]. Continuar a observar supernovas ajudará a descobrir o que é a energia escura? Desde 1998 observamos milhares de objetos e sempre temos a mesma resposta, só que com uma precisão maior. Mas estamos chegando num ponto em que será difícil continuar a fazer mais progressos. As supernovas não são perfeitas. Estamos começando a ver que elas têm defeitos no que diz respeito a medir distâncias. Estamos chegando num ponto em que


fotos 1 eduardo cesar  2 NASA/CXC/JPL-Caltech/Calar Alto O. Krause

1

“Todo mundo está de acordo que o Universo está em expansão acelerada. Mas por quê? Ainda não sabemos”, diz o astrofísico

Supernova do tipo Ia: observações dessa categoria de estrelas mostraram expansão acelerada do Cosmo

2

teremos de encontrar outros métodos para medir a energia escura. É um problema de método ou de falta de tecnologia? O problema não é a tecnologia. Quando medimos distâncias, usamos essas estrelas que explodem como se elas obedecessem a leis. Mas, em certa medida, elas não obedecem. São muito complicadas e têm uma certa imprecisão. É como prever o tempo. Há um limite de quão bem se consegue prever o tempo. Há aleatoriedade no Universo. É possível medir a distância das supernovas até um certo grau, independentemente do método que estamos usando. Mas estamos chegando ao limite dessas medições. Qual é o projeto principal de pesquisa no momento? É o SkyMapper, um telescópio relativamente modesto, de 1,35 metro [situado nos arredores de Sydney], que está fazendo um mapa de todo o céu do hemisfério Sul. Mapeamos as estrelas seis vezes em seis cores diferentes. Portanto, teremos 36 imagens de cada pedaço do céu. Será um mapa digital e as cores nos permitem obversar o que há em cada pedaço. Poderemos dizer, por exemplo, a distância, a temperatura e a composição química de

cada estrela. Nossa esperança é localizar objetos interessantes, que poderão ser estudados em detalhe por telescópios maiores e, dessa forma, descobrir, por exemplo, como as primeiras estrelas da Via Láctea e do Universo se formaram. Por que decidiu ser um astrônomo? Sempre pensei em ser meteorologista. Trabalhei numa estação meteorológica no Alasca. Mas percebi que o trabalho não era tão interessante. Então pensei em astronomia. Achava que nunca iria conseguir um emprego na área, mas resolvi estudar assim mesmo. Sabia que, estudando astronomia, iria aprender física, computação e muitas habilidades e acabaria encontrando algum trabalho. Fiquei surpreso quando obtive um emprego em astronomia depois de formado. Foi ótimo. Como começou a estudar a questão da expansão do Universo? Era um pedaço da ciência que, internamente, me interessava. Qual é a idade do Universo? Qual será o seu destino? Era uma coisa muito incerta. Tive sorte de estar numa época em que a questão era interessante, as respostas eram desconhecidas e mudanças tecnológicas permitiram que tentássemos responder a essas questões. Foi algo fortuito. n Marcos Pivetta pESQUISA FAPESP 205  z  59


Encontro de notáveis y

Cinco

Nobéis

e um

simpósio Evento em São Carlos homenageia físico americano e reúne quinteto de laureados

C Serge Haroche, Nobel de Física de 2012, entrega medalha de ouro da Olimpíada Brasileira de Física para o aluno Rogério Motisuki (à esq.). Daniel Kleppner recebe título de professor honorário do IFSC

60  z  nononono DE 201X

omemorado oficialmente em dezembro do ano passado, o aniversário de 80 anos do físico norte-americano Daniel Kleppner, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), serviu de mote para reunir durante quase uma semana no Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), alguns dos maiores nomes da física atômica, molecular e óptica. Entre 26 de fevereiro e 2 de março, mais de 40 renomados pesquisadores do Brasil e do exterior, entre os quais cinco ganhadores do Prêmio Nobel, participaram de palestras e eventos organizados pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof ) de São Carlos, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. Os encontros também marcaram os 11 anos de atividades do Cepof. Num auditório para 250 lugares, quase sempre tomado por alunos, professores e pesquisadores, a plateia teve a chance única no Brasil de ouvir a apresentação de quatro laureados com o Nobel de Física — o francês Serge Haroche, da École


fotos eduardo cesar

Apresentação do Nobel de Física William Phillips: nuvem formada pela evaporação de nitrogênio líquido para falar de átomos frios e relógios atômicos

Normale Supérieure e do Collège de France em Paris, e os norte-americanos Eric Cornell, da Universidade do Colorado em Boulder, David Wineland, do National Institute of Standards and Technology (Nist) em Boulder, e William Phillips, também do Nist, mas da unidade de Gaithersburg, em Maryland — e um agraciado com o prêmio de Química, o também norte-americano Dudley Herschbach, professor emérito da Universidade Harvard. O destaque das comemorações foi um simpósio de três dias em homenagem a Kleppner, que, em sua longa carreira, deu importantes contribuições para o estudo de átomos ultrafrios e o desenvolvimento da espectroscopia a laser e medidas de alta precisão. Formou também gerações e gerações de brilhantes físicos com seus livros-texto sobre mecânica e sobretudo no contato direto com os alunos. Todos os laureados com o Nobel presentes em São Carlos tiveram ligações com ele. Durante o simpósio, o veterano cientista recebeu o título de professor honorário do IFSC. “Dan [como é chamado pelos amigos] é um fazedor de prêmios

Nobel e um emissário da ciência brasileira”, disse Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do Cepof e do Instituto Nacional de Óptica e Fotônica, que tem o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia e também da FAPESP. “Ele é o padrão para quase todos os físicos atômicos, que querem ser como ele.” Aluno de doutorado do MIT nos 1980, o físico brasileiro lembra do rigor científico e da amabilidade de Kleppner no trato com os estudantes, mesmo com os que não eram orientados por ele, como era o seu caso. “Ele me recebeu tantas vezes em sua casa em Boston para me dar conselhos“, relembrou Bagnato. Modesto, Kleppner disse que teve maior influência na formação de uns poucos Nobéis de Física, que realmente foram seus alunos, como é o caso do amigo William Phillips, também presente em São Carlos. “Acabo levando o crédito por mais gente do que formei realmente”, afirmou Kleppner. Visivelmente emocionado com as homenagens dos amigos e colegas, que não cansaram de reproduzir em suas palestras imagens antigas do pesquisador do MIT, incluindo uma em que

pESQUISA FAPESP 2XX  z  61


confere de perto os atributos de uma passista de escola de samba durante uma antiga viagem ao Brasil, Kleppner se lembrou da primeira vez que esteve no país, em 1989. “Naquela época era muito difícil obter financiamento para a pesquisa”, disse. Desde então, em média a cada cinco anos visita o Brasil. “Nos últimos 10 anos, o país avançou muito. Este centro em São Carlos tem um perfil único, com pesquisas em várias áreas, até em medicina”, afirmou. Os temas das apresentações do simpósio foram, em geral, bastante técnicos, tratando de assuntos como possíveis aplicações de Condensados de Bose-Einstein (nome dado a um agrupamento de átomos ou moléculas que, quando resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto, passam a se comportar como uma entidade única), técnicas de resfriamento e aprisionamento de átomos e íons e construção de relógios atômicos mais precisos. Além de fotos e reminiscências sobre Kleppner, os palestrantes incluíram sempre que possível dicas e conselhos para a plateia, sobretudo para os estudantes.

E

ric Cornell, que ganhou o Nobel de Física de 2001 por ter sido o primeiro a produzir Condensados de Bose-Einstein, mencionou a importância de se “vender bem” seu projeto de pesquisa para as pessoas e escrever artigos científicos atraentes. “É preciso fazer bons títulos para os trabalhos, mas sem exageros ou loucuras”, afirmou Cornell, de 51 anos. Em 2004, o físico perdeu o ombro e o braço esquerdos, que foram amputados para impedir a disseminação, no resto de seu corpo, de uma infecção causada por uma bactéria devoradora de tecidos. Ele quase morreu na ocasião. Se a doença deixou sequelas em seu corpo, o seu humor saiu intacto. Faz piadas de si mesmo e atende a todos com extrema atenção. Amigo de Bagnato desde 1985, quando faziam doutorado juntos no MIT, Cornell elogiou os trabalhos recentes do Cepof na área de turbulência quântica, um fenômeno demonstrado pela primeira vez pelo grupo de São Carlos em 2009. Vencedor do Nobel de Física de 1997 por ter desenvolvido métodos para resfriar e aprisionar átomos com o laser, William Phillips, Bill para os íntimos, é, aos 64 anos, um showman da ciência. Além de proferir uma palestra técnica em São Carlos sobre “cargas e campos sintéticos para átomos neutros em um Condensado de Bose-Einstein”, fez uma animada apresentação sobre o tempo, Einstein e a “coisa mais fria do Universo”. Em seu show, que já apresentou para populações que vivem às margens do rio Negro, Phillips fala da importância dos relógios atômicos, que são mantidos a temperaturas baixíssimas, com o auxílio de nitrogênio líquido. Os dispositivos mais 62  z  março DE 2013

modernos podem atrasar uns poucos segundos em milhões de anos. “Os satélites do sistema GPS possuem relógios atômicos sincronizados”, disse Phillips, enquanto não parava de jogar nitrogênio líquido perto da plateia. Em contato com superfícies mais quentes que seu ponto de ebulição (de 77 K, ou -196ºC ), o nitrogênio líquido evapora e cria uma nuvem esbranquiçada. De todos os laureados com o Nobel, Dudley Herschbach, que recebeu a láurea de Química em 1986 por ter desenvolvido um método para estudar a dinâmica das moléculas, era o único que ainda não tinha visitado o Brasil. Ficou surpreso com o interesse demonstrado pelos jovens alunos brasileiros em se tornarem pesquisadores. “Nos Estados Unidos, os jovens pensam que a ciência é só para gênios”, afirmou Herschbach, de 80 anos. Além de participar do simpósio em homenagem a Kleppner, o pesquisador deu a aula inaugural do curso de bacharelado em química da USP de São Carlos, quando proferiu a palestra Glimpses of Chemical Wizardry (“Vislumbres de Magia Química”, numa tradução livre). Em sua apresentação, ressaltou o fato de a ciência tornar possíveis feitos que pareciam inatingíveis para o saber humano. A mesma palestra foi proferida no Departamento

"Kleppner é o padrão para quase todos os físicos atômicos, que querem ser como ele", diz Vanderlei Salvador Bagnato


de Química da vizinha Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A dupla de pesquisadores que dividiu o Nobel de Física do ano passado por ter criado métodos para manipular partículas individuais (fótons ou íons) sem que elas perdessem sua natureza quântica, Serge Haroche e David Wineland, tem ligações com o Brasil há mais de duas décadas. Haroche, de 68 anos, mantém colaborações com pesquisadores brasileiros desde os anos 1980 e frequentemente passa férias na Bahia. Um de seus colaboradores mais destacados é o físico Luiz Davidovich, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com quem assinou vários artigos científicos. “Há 10 ou 20 anos, era difícil obter equipamentos caros para pesquisa no Brasil”, disse Haroche. “Hoje é possível e há liberdade e imaginação aqui.”

W

ineland, de 69 anos, também conhece o Brasil há pelos menos 20 anos. Esteve aqui quatro ou cinco vezes, não lembra o número exato de viagens. Mais recentemente, fez parte do comitê internacional que avaliava periodicamente as propostas e a produção científica do Cepof. “Este centro em São Carlos é um ímpeto para a ciência brasileira”, afirmou Wineland. Em suas palestras, faz questão de ressaltar que não é necessário ter sido sempre um aluno brilhante para se tornar um bom cientista. “No high school [equivalente ao ensino médio brasileiro], estava mais interessado em carros

Os cinco prêmios Nobel que estiveram no evento da USP em São Carlos: o químico Dudley Herschbach e os físicos Eric Cornell, William Phillips, Serge Haroche e David Wineland (da esq. para a dir.)

do que em estudar”, disse Wineland. Depois, é claro, tomou gostou pela física de átomos frios, uma escolha que o levou a ganhar o Nobel em outubro de 2012. Na manhã do sábado, 2 de março, os cinco Nobéis mais Kleppner entregaram as menções honrosas e as medalhas de bronze, prata e ouro para 250 alunos do ensino fundamental e médio do estado de São Paulo que se destacaram na Olimpíada Brasileira de Física do ano passado. Morador da cidade de São Paulo, o aluno Rogério Motisuki, de 17 anos, que estava no terceiro ano do ensino médio quando participou do concurso, recebeu a medalha de ouro das mãos de Serge Haroche. Motisuki, que acaba de entrar no curso de engenharia da computação da Escola Politécnica da USP, tinha ido numa festa da faculdade no dia anterior e chegou a pensar em não ir a São Carlos (uma viagem de três horas de carro) para ser agraciado com a honraria. “Mas receber a medalha de um Nobel era uma oportunidade única”, disse o estudante. É possível que o aluno tenha contato com mais prêmios Nobel no futuro próximo. Ele prestou o processo de seleção em sete universidades norte-americanas, entre as quais o MIT, o Caltech, Stanford e Cornell, onde não faltam laureados com a maior honraria da ciência, e está à espera dos resultados. Já foi aceito pela Universidade de Cincinnati, onde poderia ter uma bolsa parcial de estudos, mas o garoto quer mais. n Marcos Pivetta, de São Carlos pESQUISA FAPESP 205  z  63


física y

Segredos nos

Lençóis Maranhenses Alternância perfeita entre ventos e chuvas garante a beleza das dunas e lagoas do parque nacional

Lagoa temporária entre as dunas, formada pela elevação do lençol freático na estação chuvosa

eduardo cesar

Igor Zolnerkevic


A

s sinuosas cadeias de dunas intercaladas por lagoas temporárias do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses deslumbram turistas e intrigam pesquisadores. Afinal, como a areia, o vento e a água das chuvas vêm moldando continuamente essa paisagem ao longo dos últimos 10 mil anos? Todos esperariam uma resposta complicada para um problema tão complexo. Foi então com surpresa que, ao realizar a primeira tentativa bem-sucedida de simular em computador a dinâmica de um campo de dunas litorâneas sob o efeito da água das chuvas, um grupo de físicos descobriu que os Lençóis Maranhenses parecem existir por conta de uma simples coincidência entre o ritmo anual de subida e descida do nível de seu lençol freático e a intensidade com que o vento vindo do mar faz as dunas crescerem e se movimentarem. “Entendemos quais são as condições especiais que dão origem à morfologia dos Lençóis”, afirma Eric Parteli, físico pernambucano especialista em dunas, atualmente realizando pós-doutorado na Universidade Friedrich-Alexander, em Erlangen, Alemanha. Ele é um dos autores do estudo, publicado em julho de 2012 na revista Geomorphology, junto com o físico cubano-alemão Hans Herrmann, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, Suíça, e da Universidade Federal do Ceará (UFC), que desenvolve desde 2001 um modelo capaz de simular em computador a dinâmica do vento e da areia que cria e movimenta os mais variados tipos de dunas. Para o primeiro autor do artigo, o físico Marco Luna, recém-doutorado pela UFC sob a orientação de Herrmann, o ponto forte das simulações é a capacidade de assistir rapidamente ao movimento de milhares de anos da areia soprada pelo vento e moldada pelas águas. Além de permitir testar hipóteses sobre a formação das dunas litorâneas, o modelo pode ainda ajudar no gerenciamento de regiões costeiras. “Um exemplo seria a avaliação de impactos ambientais causados pela instalação de parques de geração de energia eólica”, diz Luna. Os Lençóis Maranhenses são o maior campo de dunas da América do Sul, com uma área de 1.500 quilômetros quadrados, quase a mesma da cidade de São Paulo. Ali há alguns rios, dunas fixadas pela vegetação da restinga, manguezais e lagoas permanentes. Mas dois terços do parque são mesmo cobertos por dunas de areia livre, que num dia de vento forte podem se deslocar até 10 centímetros. Ao longo dos 50 quilômetros de linha costeira do parque há uma praia plana com largura entre 600 metros e 2 quilômetros, além da qual aparecem dunas com 10 metros a 20 metros de altura, ligadas umas às outras, formando longas cadeias sinuosas com até 75 quilômetros de extensão, que adentram mais de 20 quilômetros em direção ao interior. A aparência de lençóis amarrotados dessas cadeias deu origem ao nome do parque. Diferentemente de outros desertos, os Lençóis recebem relativamente muita água: até 2 mil milímetros de precipitação anual. Mais de 90% dessa chuva, porém, cai concentrada entre janeiro e julho, quando é absorvida rapidamente pela areia, elevando o lençol freático acima do chão e enchendo as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas, que quase não se mexem nessa época do ano devido à umidade e à falta de vento. Chegando a mais ou menos um metro de profundidade pESQUISA FAPESP 205  z  65


Dunas "bebês"

Foi em setembro de 2003 que Parteli, Herrmann e outros pesquisadores passaram seis dias nos Lençóis, realizando medições para compararem com suas simulações computacionais. Eles registraram o quanto de areia o vento é capaz de transportar e as dimensões das menores dunas possíveis, com 50 centímetros de altura, recém-nascidas na praia. “Há poucos lugares onde a história geológica pode ser vivenciada dessa maneira”, diz Parteli. “Por ser um campo muito grande, podemos ver nos Lençóis todos os passos da evolução de uma duna costeira, do nascimento à maturidade.” As dunas se movem graças a um fenômeno chamado de saltação. Tudo começa quando o vento sopra com força suficiente para levantar do chão alguns grãos de areia. Ao caírem de volta, esses grãos colidem com outros, que respingam para cima. O número de grãos saltando aumenta cada vez mais, até formar uma nuvem de areia rente ao chão, com até 15 centímetros de altura. Se o vento sopra sempre numa mesma direção, as dunas assumem uma forma de meia-lua conhecida como

barcana, um monte com dois braços orientados na direção do vento. A saltação acumula areia sobre as costas das barcanas e faz os grãos subirem até seu topo, antes de deslizarem sobre avalanches para o outro lado. Assim as barcanas crescem e se movimentam empurradas pelo vento. A partir de 2010, o modelo de Herrmann e seus colegas atingiu a sofisticação necessária para recriar o nascimento de barcanas a partir de um vento soprando em montinhos de areia sobre uma praia. A primeira coisa que descobriram com as simulações foi que o campo de dunas nasce apenas se o vento soprando na praia carregar o máximo de areia que sua força permite. “Isso é fundamental para gerar as dunas”, explica Parteli. “A presença de uma placa continental fornecendo sempre mais areia [arrastada para a praia pela água do mar] é também uma condição fundamental para os Lençóis existirem.” Nas simulações várias barcanas “bebês” nascem na praia, uma do lado da outra, e depois se juntam formando dunas longas e estreitas, chamadas de transversais, que são como uma série de ondulações na areia, perpendiculares à direção do vento. À medida que as dunas transversais acumulam areia e avançam interior adentro, instabilidades nas avalanches fazem com que suas ondulações se quebrem em pedaços, que acabam se desprendendo e assumindo a forma de barcanas maiores. A aproximadamente um quilômetro da li-

Nos Lençóis veem-se todos os passos da evolução das dunas, do nascimento à maturidade

2

1

66  z  março DE 2013

Real e virtual: dunas vistas a partir de avião (ao lado) e por satélite (no alto à esquerda) e recriadas em computador

3

nha da costa, as barcanas “adolescentes” já alcançaram uns cinco metros de altura. A areia abundante dos Lençóis forma tantas barcanas que elas acabam colando seus braços umas nas outras, formando cadeias onduladas chamadas de barcanoides, a partir das quais se formam os Lençóis do parque nacional. As barcanoides criadas em computador, porém, ainda não tinham a mesma forma que as dos Lençóis. Ainda faltava introduzir no modelo dois elementos que os pesquisadores suspeitavam ter grande influência sobre as dunas maranhenses: a vegetação e a água das chuvas. Águas do deserto

Em 2011, os pesquisadores realizaram simulações de dunas costeiras com base no modelo desenvolvido na tese de doutorado do físico cubano Orencio Durán, atualmente na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill, Estados Unidos. Duran determinou as equações matemáticas que descrevem a luta entre a intensidade do vento carregado de areia e a velocidade de crescimento da restinga. Ele descobriu que, se a vegetação crescer rápido o suficiente, ela pode prender os braços das barcanas. Assim, só o corpo da duna continua se movendo e a duna acaba ficando com a forma chamada de parabólica, com sua curvatura interna virada em oposição ao vento. Embora haja algumas dunas parabólicas no Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, as simulações deixaram claro que a vegetação não tinha quase nenhuma influência sobre as dunas livres. Algo realmente parecido com os Lençóis apareceu no computador somente quando os pesquisadores incluíram na simulação os ciclos anuais do lençol freático e do vento. Eles descobriram que, na estação chuvosa, as lagoas temporárias entre as cadeias de dunas são as responsáveis por suavizar e alongar as curvas das barcanoides, criando a forma encontrada nos Lençóis. A água também limita o crescimento das barcanas a uma altura de 20 metros. Sem as lagoas, as dunas tenderiam a crescer indefinidamente à medida que avançam para o interior. As lagoas das simulações se assemelham às verdadeiras, com a mesma profundidade máxima (em média um metro), cobrindo uma área próxima à que as lagoas, com variadas formas e tamanhos, ocupam nos Lençóis Maranhenses.

imagens 1 eduardo cesar 2 Google Earth 3 Luna et al, Geomorphology, 2012

na estação chuvosa, as lagoas secam ao longo do segundo semestre, quando os ventos predominam, soprando sempre do leste, alcançando a velocidade de 70 quilômetros por hora. “É quando as dunas se movem mais”, explica Parteli.


Escultores de paisagens Vento e chuva controlam o transporte de areia e a forma das dunas Sentido do vento

Uma duna nasce quando a

Brasil

deposição de areia supera a

Maranhão

erosão pelo vento

Se o vento

A areia salta

Nos Lençóis as

sopra sempre

sobre as costas

dunas chegam

na mesma

da barcana

a até 20 metros

direção, a duna

e desliza à frente

de altura,

ganha uma

fazendo a duna

com largura

forma chamada

se mover

12 vezes maior,

de barcana

e crescer

se juntando uma à outra

Vento Chuva

15 a 20 m Lençol de areia 180 a 240 m ESTAÇÃO CHUVOSA Nessa área do litoral, quase toda a chuva cai no primeiro semestre do ano. Absorvida infográfico  ana paula campos  ilustração  fabio otubo

pela areia, a chuva faz o lençol freático subir acima

ESTAÇÃO SECA

do nível do chão, criando

O vento sopra com mais

lagoas que suavizam as

força no segundo semestre.

curvas das dunas

É quando as lagoas secam

outubro

e as dunas se movem mais.

abril

A coincidência entre os ciclos de vida das lagoas 300

e o movimento das dunas deixa a paisagem

5 km

200

com a forma de lençóis amarrotados Fonte  Luna et al, Geomorphology, 2012

Os pesquisadores experimentaram me­­xer em dois parâmetros do modelo: a quantidade de precipitação e a duração do ciclo de cheias e secas. E viram que as simulações só resultavam nos lençóis de areia intercalados pelas lagoas quando as chuvas caíam na quantidade e na periodicidade que acontece realmente nos Lençóis. Se as lagoas durassem menos tempo e cobrissem uma área menor, a paisagem seria completamente diferente, com dunas disformes e mais altas. Se, ao contrário, as lagoas fossem maiores e mais estáveis, no lugar das dunas haveria uma planície de areia. Segundo Parteli, há uma explicação física para esse fato. Pelas equações do modelo, as cadeias de dunas só podem

n chuva (precipitação em mm) n vento (potencial de transporte de areia em "unidades vetoriais")

100 0 jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez

se intercalar tão regularmente com as lagoas quando a oscilação anual do lençol freático coincide com o tempo que demora para as dunas percorrerem uma distância igual a sua largura na direção do vento. Nos Lençóis, esse tempo é justamente da ordem de um ano. Apesar do sucesso, Parteli considera que o modelo ainda precisa melhorar para fornecer resultados quantitativos mais precisos. A descrição do vento entre os braços das dunas, por exemplo, ainda é muito simplificada e pode afetar a forma exata das dunas. Ele espera incluir mais detalhes nas simulações, como as variações de relevo do parque e da quantidade de areia disponível ao longo da costa. “Só assim poderemos

usar o modelo para prever o futuro dos Lençóis”, diz. “É um bom trabalho, mas baseado principalmente em teoria”, comenta o especialista em dunas Haim Tsoar, da Universidade Ben-Gurion, em Israel, que já realizou estudos sobre os Lençóis. “Poderia melhorar com mais trabalho de campo para corroborar suas conclusões.” n

Artigos científicos LUNA, M.C.M. et al. Model for a dune field with an exposed water table. Geomorphology. v. 159-60, p. 169-77. jul. 2012. LUNA, M.C.M. et al. Model for the genesis of coastal du­­­ne fields with vegetation. Geomorphology. v. 129, p. 215-24. jun. 2011.

pESQUISA FAPESP 205  z  67


tecnologia  indústria y

Cerâmica mais sofisticada Desenvolvimento tecnológico nas fábricas de pisos e azulejos leva o Brasil ao posto de segundo produtor mundial Yuri Vasconcelos

N

os últimos 15 anos o Brasil multiplicou por quatro sua produção de revestimentos cerâmicos, material que engloba pisos e azulejos, e hoje é o segundo maior fabricante mundial desses produtos. Com 866 milhões de metros quadrados (m²) produzidos em 2012, o país só perde para a China e já superou concorrentes tradicionais, como Espanha e Itália, que até há alguns anos dominavam o setor. De acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimento, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer), que representa 93 empresas de 18 estados, os fabricantes nacionais estão alinhados com a melhor tecnologia disponível no mundo. O crescimento brasileiro acentuou-se na década passada, quando o setor recebeu apoio de um projeto submetido ao programa de Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec), da FAPESP, que reuniu pesquisadores do Centro Cerâmico do Brasil (CCB) e de um conglomerado de empresas do polo cerâmico de Santa

68  z  março DE 2013


Empresas 2012

R$

*Apenas do setor cerâmico paulista

bilhões*

Fonte  Anfacer

Faturamento 2011

829 milhões de m2**

Vendas no mercado interno 2012

200

mil

mil

Empregos diretos 2012

Empregos indiretos 2012

1,02

866 milhões de m2

do total

Capacidade produtiva 2012

Produção 2012

Produção das indústrias paulistas 2011

milhão de m2**

3,78

**Previsão

25

US$

280 milhões Receita da exportação 2011

37

milhões de m2** Exportação 2012

16% América do Norte 25%

71%

4% Europa

América 47% Central América do Sul

2% Ásia

6% África

fotos  leo ramos  infográficos ana paula campos

Destino das exportações 2011

Gertrudes, na região de Rio Claro, no interior paulista, além de pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa. Com foco no desenvolvimento da indústria local, o projeto introduziu inovação e capacitação de pessoal nas fábricas a fim de melhorar a qualidade e a competitividade da cerâmica do estado de São Paulo. Em 2001, quando o projeto Consitec teve início, o Brasil era o quarto produtor mundial de placas cerâmicas, com 473 milhões de m², e São Paulo respondia por 40% da fabricação nacional. Hoje as empresas paulistas respondem por cerca de 70% da produção nacional, de 866 milhões de m², e o país é vice-líder mundial. “Quando se iniciou a articulação com as empresas para formação do consórcio, a imagem dos produtos de Santa Gertrudes era bem negativa. Os itens eram reconhecidos como de baixa qualidade técnica e estética”, recorda-se o engenheiro de materiais José Octavio Armani Paschoal, presidente do CCB e coordenador do projeto do Consitec. “Agora

isso mudou. São Paulo conquistou papel de destaque no cenário da fabricação de placas cerâmicas para revestimento. Se antes íamos a reboque, hoje estamos na linha de frente”, diz ele. As empresas paulistas faturaram R$ 3,78 bilhões em 2011. A Anfacer não divulgou os dados sobre o faturamento do setor em âmbito nacional, que gera 25 mil postos de trabalho diretos e em torno de 200 mil indiretos. O projeto Consitec foi articulado com 20 fábricas paulistas e contemplou sete linhas de pesquisa, desde inovações na área de ensaios para avaliação de produtos a estudos em tecnologia de assentamento de placas cerâmicas. Três linhas tiveram como foco o porcelanato, um tipo de placa cerâmica sofisticada com alto valor agregado e requisitos técnicos diferenciados, como menor absorção de água, maior resistência mecânica e design mais elaborado. Foram pesquisados o desenvolvimento de matérias-primas para fabricação dessas peças, o estudo da tecnologia de processo industrial e a formulação de esmaltes especiais. pESQUISA FAPESP 205  z  69


Lideranças mundiais Indústria cerâmica nacional teve grande evolução na década passada e ocupa lugar de destaque no cenário global, ultrapassando países tradicionais no setor como Itália e Espanha (em milhões de m2) n 2001  n 2008  n 2011

Fonte Ceramic World Review

CHINA

PRINCIPAIS PRODUTORES O Brasil é o segundo maior fabricante global de cerâmica de revestimento MAIORES EXPORTADORES

BRASIL

ESPANHA

ÍNDIA

IRÃ

ITÁLIA

4.800 3.600 2.400 1.200 0 830 622,5

As vendas externas subiram 35% até 2008, mas foram derrubadas pela crise mundial

415

TURQUIA

207,5 0

PRINCIPAIS

4.000

CONSUMIDORES

3.000

Com um mercado interno aquecido, o Brasil é o segundo maior consumidor

2.000 1.000

eua

0

U

m dos principais benefícios do projeto Consitec, que teve investimentos da ordem de R$ 586 mil num período de sete anos por parte da FAPESP e igual valor das empresas, foi proporcionar uma melhora significativa da qualidade da cerâmica paulista. “O percentual de placas classificadas como classe A, isentas de defeitos, tais como trincas, manchas e variações na tonalidade do esmalte, entre outros, subiu de 50% para 98% ao final do programa. Menos de 2% das placas cerâmicas produzidas hoje no estado têm imperfeições”, diz Paschoal. Segundo ele, o primeiro obstáculo a ser superado foi ajustar o processo de produção nas fábricas, buscando implantar um sistema de gestão de qualidade. “Percebemos que as empresas não tinham o controle de todo o processo. Com o início da certificação da qualidade do produto acabado, feita pelo CCB, o índice de não conformidade às normas nacionais e internacionais caiu drasticamente. O setor de cerâmica para revestimento transformou-se em um dos líderes do setor da construção civil em matéria de conformidade com as normas técnicas”, comenta Paschoal. O número de empresas do polo cerâmico de Santa Gertrudes com produtos de qualidade certificados chegou a 20 em 2008, o dobro de sete anos antes.

70  z  março DE 2013

No mesmo período, a quantidade de fábricas com sistema de qualidade certificado pela norma ISO 9001 passou de 4 para 13. Além do aumento da qualidade e da certificação dos produtos, as indústrias paulistas também passaram a fabricar um volume maior de peças de porcelanato. “O porcelanato é um produto mais caro e compete com rochas naturais, como mármore e granito”, diz a engenheira de materiais Ana Paula Menegazzo, superintendente do CCB. “Quando as empresas brasileiras começaram a fabricar esse tipo de produto, o consumidor com maior poder aquisitivo comprou a ‘grife’, inclusive pagando mais por ela.” Segundo estatísticas da entidade, a produção brasileira do item aumentou 18 vezes na década passada, saltando de 4 milhões de metros cúbicos em 2001 para 72 milhões em 2011. No mesmo período, o número de fabricantes paulistas da mercadoria passou de 3, que produziam apenas peças de pequenas dimensões (pastilhas), para 15, com know-how para fazer placas com mais de um metro quadrado. Apesar do aumento, o maior centro produtor de porcelanato no país ainda é Santa Catarina – estado que também concentra um importante polo cerâmico.


No interior paulista, a Villagres, com sede em Santa Gertrudes, é uma das principais fabricantes de pisos e revestimentos de porcelanato. Com tradição na produção de cerâmica há quase 90 anos, ela tem 108 diferentes itens de seu portfólio e vem investindo em novas tecnologias. A empresa foi uma das primeiras no estado a empregar a tecnologia de impressão digital, um processo feito com jato de tinta que possibilita serigrafar qualquer superfície cerâmica. “É um processo sofisticado, mas, ao mesmo tempo, fácil de ser trabalhado. Você pode, por exemplo, escanear uma pedra na natureza e reproduzir seus traços no porcelanato. A máquina funciona como se fosse uma impressora de papel, com a diferença que ela usa esmalte sobre uma placa de cerâmica”, explica Vanderli Vitório Della Coletta, dono da Villagres. A empresa produziu 6 milhões de m2 de revestimentos cerâmicos em 2012 e teve um crescimento de 6% no faturamento em relação a 2011. “Tivemos um ano muito bom e continuamos em expansão. Estamos melhorando o nosso portfólio e migrando nossa produção para o porcelanato”, diz.

P

ara Marcos Serafim, gerente da área de inovação do CCB, a impressão digital traz uma nova forma de pensar o design de produtos e o sistema industrial do setor, e impõe alguns desafios. “Apesar de toda a mudança tecnológica, a transformação mais profunda tem que acontecer no design. A questão agora é como capturar, trabalhar e manipular digitalmente esses desenhos sem que aconteça uma pasteurização gráfica”, diz ele. Nesse quesito, segundo Serafim, as indústrias nacionais continuam tendo por referência países como Espanha e Itália, que comercializam os desenhos digitais diretamente para as empresas nacionais ou via fornecedores de matérias-primas ou estúdios de design. “O Brasil precisa inovar criando sua própria identidade em design de produtos”, comenta.

1

Um fator determinante para o crescimento do setor cerâmico de São Paulo é a qualidade da matéria-prima usada na fabricação dos produtos. “Santa A argila da Gertrudes tem uma das maiores minas região de Santa de argila do mundo”, diz Elson Longo, professor do Instituto de QuímiGertrudes é de ca da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, e coordenador ótima qualidade do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos e os fabricantes (CMDMC), um dos 11 Centros de Pesnão precisam quisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fapesp. “Além disso, a argila vermeacrescentar lha que aflora próximo à superfície da região é de ótima qualidade e os fabriaditivos na cantes não precisam colocar quase nenhum aditivo para fabricar os produtos. produção Esse é um importante diferencial competitivo”, diz Longo. Ele coordenou as pesquisas do projeto Consitec, no lado acadêmico, com pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo. “A tecnologia e o conhecimento gerado no projeto Consitec só foram possíveis com o finan- 1 Argila em forma bruta antes do processamento ciamento da FAPESP”, diz Longo. Por conta das propriedades da matéria-prima, na indústria os revestimentos cerâmicos feitos no interior 2 Linha de produção da paulista utilizam a moagem a seco, processo mais Rochaforte: tecnologia simples do que a “via úmida” e que proporciona e melhora dos processos fabris trouxeram bons resultados

2

pESQUISA FAPESP 205  z  71


uma redução de custos de até 50%. A preparação da massa para moagem a úmido, empregada em Santa Catarina e em outros lugares do país, requer várias etapas, enquanto no processo a seco a argila passa apenas por um moinho e já está pronta para prensagem. “A argila encontrada na formação Corumbataí, na região de Santa Gertrudes, possui propriedades de plasticidade privilegiadas, o que permite um tempo de queima menor, elevando os índices de produtividade”, diz Ana Paula.

O

estudo das propriedades da argila do interior paulista é o tema do doutorado do engenheiro de materiais Rogers Rocha, dono da fábrica Rochaforte, em Cordeirópolis. “Existe uma grande diferença na argila dentro de uma mina e de uma mina para outra. Eu pesquiso as características mineralógicas, químicas e cerâmicas das rochas da formação Corumbataí, de onde é extraída a argila usada pelas fábricas locais”, afirma o pesquisador-empresário. “Entender melhor as características da matéria-prima vai nos ajudar a melhorar a qualidade dos itens que produzimos.” A Rochaforte foi criada há 60 anos pelo avô de Rogers. Como tantas outras empresas do setor da região, ela começou fabricando telhas e tijolos e passou a oferecer lajotões, um tipo de piso rudimentar. Atualmente fabrica por mês 2 milhões de m2 de revestimentos cerâmicos, utilizando a moagem a seco. “Esse processo é incomparável em termos de custo”, diz Rocha.

Segundo o empresário, o desenvolvimento tecnológico e o aprimoramento dos processos fabris foram fundamenO Brasil é o único tais para o boom da cerâmica paulista. país a ter norma “A aproximação da nossa indústria com a academia melhorou demais os proespecífica para dutos e processos. Percebo resultados práticos da pesquisa na minha empresa. porcelanato, Alguns dos nossos produtos têm o mesmo nível de qualidade dos fabricados um tipo de na Espanha e na Itália”, diz ele. Além revestimento de vender para o mercado interno, a Rochaforte exporta para clientes nos que exige Estados Unidos, Chile, Argentina e alguns países da América Central. requisitos Inaugurado há 20 anos, o CCB teve um papel central na evolução do setécnicos mais tor cerâmico nacional. A entidade tem avançados atuado na pesquisa e no desenvolvimento de produtos cerâmicos, operando principalmente na interface universidade-empresa e realizando serviços de assessoria técnica e tecnológica para o setor. O Centro de Inovação Tecnológica em Cerâmica (Citec/CCB) dispõe de uma moderna infraestrutura laboratorial que foi qualificada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para a realização de ensaios de certificação e de controle de qualidade de produto e processo. Ele possui uma instalação completa para fabricar qualquer tipo de placa cerâmica em escala laboratorial, bem como equipamentos para avaliar resistência à

Constante evolução

n 2001  n 2008  n 2011  n 2012

o setor cresceu 90%

O PESO DE SÃO PAULO

NICHO AQUECIDO

O aumento aconteceu entre 2001 e 2012

Em 10 anos, a participação

A produção brasileira de porcelanato,

das indústrias paulistas

item com valor agregado mais elevado,

na produção nacional de

subiu 18 vezes entre 2001 e 2011

PRODUÇÃO Em milhões de m2 713

866

revestimentos cerâmicos saltou de 40% para 72%

473

do total

CAPACIDADE PRODUTIVA Em milhões de m2

n n n Produção nacional 1021

PRODUÇÃO de porcelanato Em milhões de m2

72 49

n n n Produção paulista

781 556

EXPORTAÇÃO Em milhões de m2 *Estimativa

71%

81,4

37*

e Anfacer

72  z  março DE 2013

4 15 13

68%

59,5

Fonte  CCB

Empresas paulistas de porcelanato

40%

3


Na empresa Villagres, impressão digital reproduz foto de um tigre no piso de cerâmica

flexão, desgaste por abrasão e resistência ao escorregamento de pisos. Apenas em 2011 foram executados 20.577 ensaios nos laboratórios do Citec/CCB, que conta com 12 pesquisadores, sendo 3 mestres e 3 doutores. “Com o início de operação do Citec, passamos a desenvolver novos produtos, a melhorar o processo produtivo e a realizar atividades pós-venda. Isso permitiu uma sólida compreensão dos principais problemas observados nos revestimentos cerâmicos. Da mesma forma, conduzimos pesquisas no sistema de aplicação da cerâmica, que permitiram uma queda importante nos problemas de assentamento do produto”, afirma Paschoal.

E

m conjunto com a Anfacer, a associação de fabricantes, o CCB também participou da elaboração de normas técnicas do setor, entre elas a norma brasileira de porcelanato. A entidade é a coordenadora da Comissão de Estudos de Placas Cerâmicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Com parâmetros muito rigorosos, a norma do porcelanato, a NBR 15463, foi criada a partir de uma demanda dos próprios fabricantes com o objetivo de ressaltar a alta qualidade e a competitividade do porcelanato brasileiro. Pioneira no mundo, ela foi apresentada ao Comitê Internacional ISO 189, que trabalha com normas mundiais para revestimento cerâmico”, conta Ana Paula. “O Brasil é o único país com uma norma específica para porcelanato, cujos requisitos técnicos são os mais exigentes entre todos os países. Por isso, posso afirmar sem medo que os porcelanatos certificados pelo CCB são os melhores do mundo”, diz. Segundo ela, o Brasil participa ativamente dos trabalhos de revisão de normas técnicas interna-

cionais. “Atualmente trabalhamos com o Instituto de Tecnologia Cerâmica (ITC), da Espanha, o Tile Council of North America (TCNA), dos Estados Unidos, e o Centro Cerâmico de Bolonha (CCB), na Itália, na criação de uma nova metodologia de ensaio para medição da resistência à abrasão dos produtos cerâmicos”, diz. Os bons resultados dos últimos anos têm mantido o otimismo dos industriais em alta. Muitas empresas paulistas planejam expandir suas fábricas, como a Rochaforte, que programa a abertura de filiais no Nordeste. As filiais são importantes porque o transporte das mercadorias das fábricas para os locais de consumo tem um custo relevante no preço final do produto. A expansão do mercado interno, segundo Paschoal, deve continuar aquecendo a procura por revestimentos cerâmicos. “Apesar do aumento significativo de construção de novas unidades habitacionais nos últimos anos, ainda existe um grande déficit de moradias no país, da ordem de 10 milhões de unidades. Além disso, há também o mercado de reforma de construções, o que indica um grande consumo potencial para a cerâmica”, diz. Para ele, o grande desafio daqui para frente é elevar a produtividade da indústria nacional e promover o desenvolvimento de novos produtos cerâmicos, principalmente por meio de inovações tecnológicas, “permitindo que o Brasil atinja ainda mais protagonismo no mercado mundial”. n

Projeto Consórcio setorial da indústria de cerâmica para revestimento do estado de São Paulo: inovação tecnológica e competitividade (nº 2001/107835); Modalidade Programa Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica (Consitec); Coord. José Octávio Armani Paschoal — CCB; Investimento R$ 586.715,13 (FAPESP) e R$ 586.715,13 (Empresas).

pESQUISA FAPESP 205  z  73


química y

Bateria a glicose Marca-passos e outros aparelhos implantados no corpo humano poderão funcionar com eletricidade obtida do sangue Evanildo da Silveira

O

s usuários de marca-passo precisam ao longo de cinco a oito anos passar por uma pequena cirurgia para substituir a bateria do aparelho. Para manter o dispositivo implantado sem necessidade dessa troca, alguns grupos de pesquisa no mundo estão trabalhando para desenvolver microbiobaterias que convertem a energia química em elétrica no interior de vasos sanguíneos, utilizando biocatalisadores (enzimas ou microrganismos) para acelerar as reações químicas e gerar corrente elétrica. Um dos projetos mais promissores está sendo desenvolvido pela equipe do professor Frank Crespilho, coordenador do Grupo de Bioeletroquímica e Interfaces do Instituto de Química de São Carlos (IQ-SC), da Universidade de São Paulo (USP), que inclui também pesquisadores da Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André (SP). Trata-se de uma biocélula a combustível (BFC, do inglês bio-fuel cells), que usa glicose do sangue de rato para produzir energia. Para testá-la, os pesquisadores implantaram esse dispositivo dentro da veia jugular de um roedor. Crespilho começou a trabalhar com essas biocélulas em 2008 e a microcélula para implantes passou a ser desenvolvida no final de 2010. “O objetivo principal era desenvolver uma biocélula e utilizá-la como fonte de energia alternativa para aplicação em marca-passos, bombas de insulina, implantes neurais, bioestimuladores elétricos e liberação controlada de fármacos”, explica. “As biobaterias de glicose e oxigênio implantáveis, como a que estamos desenvolvendo, são atraentes porque podem gerar uma diferença de potencial maior que 1,0 volt [uma pilha do tipo AA, por exemplo, tem 1,5 volt]. Além disso, tanto a glicose quanto o oxigênio molecular estão disponíveis em muitas regiões do organismo humano.”

74  z  março DE 2013

Uma das inovações da BFC do grupo de Crespilho é a escala e o tamanho de seus componentes. “A biocélula desenvolvida por nós é chamada de ‘microcélula’, por trabalhar com microvolumes. E o tamanho dos eletrodos possibilita o implante dentro da veia de um rato”, explica. Os eletrodos têm 20 micrômetros de diâmetro (seis vezes menor que um fio de cabelo), inseridos dentro de um cateter com 0,5 milímetro (mm) de diâmetro por 0,6 mm de comprimento. Como as pilhas comuns, a BFC criada em São Carlos possui dois eletrodos, o cátodo, o polo positivo, e o ânodo, negativo. O primeiro Os eletrodos é feito com nanopartículas de platina e o têm 20 segundo com a enzima glicose oxidase. Ambos são recobertos por um polímero micrômetros e fixados num suporte de fibra flexível de carbono, que é o próprio eletrodo. de diâmetro, “As células sanguíneas, como os glóbulos vermelhos e brancos, por exemplo, seis vezes podem aderir à superfície dos eletrodos menor que um e bloquear a difusão da glicose”, explica Crespilho. “Por isso, nossa estratégia foi fio de cabelo a utilização de um polímero especial, chamado dendrímero, que evita a adesão e o bloqueio dos eletrodos.” As fibras flexíveis de carbono são outra inovação do grupo. Segundo Crespilho, quando a equipe decidiu desenvolver biocélulas a combustível para aplicações na área da medicina, a primeira percepção foi a necessidade de criar eletrodos flexíveis e compatíveis com o sistema biológico. “A partir daí começamos a utilizar fibras flexíveis de carbono”, conta. Fibras de carbono e os eletrodos já eram velhos conhecidos dos pesquisadores. No entanto, uma fibra flexível nunca havia sido relatada na literatura científica com esse objetivo. Por meio de novas técnicas


Conexão da biocélula Inserido em uma veia, o dispositivo possui dois eletrodos que ficam em contato com o sangue e com o marca-passo

1 oxidação A glicose reage na superfície do ânodo e,

cateter

com ajuda da enzima glicose oxidase, doa elétrons para

Caminho da corrente

a biocélula

elétrica: os elétrons entram na biocélula pelo ânodo, vão para o circuito

Sangue

externo e depois seguem em direção ao cátodo Ânodo (-) Cátodo (+)

Glicose Elétron Enzima glicose oxidase

Oxigênio

infográfico  ana paula campos  ilustração erika onodera

fonte  Frank Crespilho / USP

de micromanipulação, eles extraíram diferentes tipos de fibra de tecidos de carbono comerciais usados para fabricar materiais de alta resistência e leveza, como carros de F1, pranchas de surfe e quadros de bicicletas, por exemplo. Chegar à fibra flexível de carbono adequada à BFC foi uma das partes mais complicadas do projeto. Não é qualquer marca comercial que pode ser usada. “Levamos pelo menos dois anos para achar o tecido ideal, porque os eletrodos dependem muito de como os átomos de carbono estão alinhados e da qualidade dos materiais empregados na fabricação das fibras”, explica Crespilho. “Foi necessário desenvolver uma técnica para obtenção dessas fibras. Uma vez selecionadas, elas passam por um tratamento químico e podem ser usadas na biocélula.” Depois de pronta, a BFC é colocada dentro da veia jugular do rato. “O sangue passa por ela e leva glicose, que é o combustível para o ânodo, enquanto o oxigênio age no cátodo”, explica Crespilho. “A glicose reage na superfície do primeiro, que contém a enzima glicose oxidase, e ‘doa’ elétrons para a célula, processo conhecido como oxidação. No segundo, ocorre a redução de um agente oxidante, nesse caso o oxigênio dissol-

2

redução

3

circuito externo

O oxigênio “ganha”

O marca-passo recebe

elétrons do cátodo.

a eletricidade direto

A diferença de carga

da biocélula para

elétrica entre os dois

seu funcionamento

eletrodos faz com

sem precisar de trocas

que seja gerada

de bateria, como ocorre

a corrente elétrica

no sistema convencional

vido no sangue do animal. Nessa reação, esse elemento ganha elétrons.” Os dois eletrodos possibilitam a passagem de elétrons de uma extremidade à outra. A eletricidade surge das duas reações, oxidação e redução, chamada de redox, em que os elétrons podem ser transportados para um circuito externo como, por exemplo, um marca-passo. Para que isso aconteça, a eletricidade gerada é transportada da BFC para o aparelho por fios que transpassam as paredes da veia. Assim a biocélula é constantemente alimentada porque o sangue contém oxigênio e glicose, que são repostos a todo o momento pela respiração e alimentação. Maior densidade

Em artigo científico publicado na revista Lab on a Chip, os pesquisadores também comentam ser necessário novos estudos sobre alternativas para evitar a formação de inflamação e tecidos fibrosos sobre os eletrodos implantados nos vasos sanguíneos, o que diminui a vida útil do dispositivo. Além do grupo da USP de São Carlos e da UFABC, há outros três no mundo, dois nos Estados Unidos e um na França, desenvolvendo biocélulas. O pioneiro foi o do professor Serge Cosnier, da Universidade Joseph Fourier, na França,

que em 2010 implantou uma BFC dentro do abdômen de um rato. Em 2012, Daniel Scherson, da Universidade Case Western Reserve, dos Estados Unidos, fez o mesmo em uma barata. No mesmo ano, o grupo de Evgeny Katz, da Universidade de Clarkson, implantou em um caramujo. “De todos esses trabalhos, foi o nosso grupo que desenvolveu a biobateria implantável com maior densidade de potência até hoje registrada, com cerca de 100 microwatts por centímetro quadrado”, garante Crespilho. Para levar adiante esse projeto, o grupo de São Carlos e de Santo André teve financiamento da FAPESP, além de recursos do Instituto Nacional de Eletrônica Orgânica (Ineo) e da Rede de Nanobiomedicina (Nanobiomed), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). n

Projeto Interação entre biomoléculas e sistemas celulares com nanoestruturas OD, 1D e 2D utilizando métodos eletroquímicos (2009/15558-1); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coord. Frank Crespilho/USP; Investimento R$ 92.262,80 e US$ 50.821,57 (FAPESP).

Artigo científico Sales, Fernanda C. P. F. et al. An intravenous implantable glucose/dioxygen biofuel cell with modified flexible carbon fiber electrodes. Lab on a Chip. v. 13, p. 468-74, 2013.

pESQUISA FAPESP 205  z  75


novos materiais y

Imitação da natureza Pesquisadores brasileiros na Suíça desenvolvem forma de ligar plástico e cerâmica como osso e músculo

U

ma técnica para unir materiais rígidos e elásticos, inspirada no que a natureza faz para ligar músculos com ossos no corpo humano, foi desenvolvida por uma equipe de pesquisadores brasileiros, europeus e americanos, do grupo de Materiais Complexos, do Instituto Federal de Tecnologia (ETH), de Zurique, na Suíça. Os resultados gerados pela nova técnica são os chamados compósitos bioinspirados, com grande potencial para serem aplicados em implantes biomédicos e peças para as indústrias automotiva e aeroespacial. O método de união de materiais poliméricos e cerâmicos foi descrito em um artigo publicado em dezembro na revista Nature Communications. O líder do grupo, o professor e engenheiro brasileiro André Studart, diz que o acoplamento entre materiais rígidos e flexíveis é muito comum em seres vivos. “No nosso corpo, por exemplo, partes altamente elásticas, como os tendões, são conectadas a outras extremamente rígidas, como os ossos”, lembra. “Ao contrário do que se observa em produtos artificiais, nosso corpo permite a aplicação de uma alta carga mecânica na junção entre esses dois materiais sem a ocorrência de falhas no local da ligação.” A aplicação dos princípios utilizados pela

76  z  Março DE 2013

natureza para a produção de materiais artificiais de alto desempenho contou com a participação de outro brasileiro, o químico Rafael Libanori, além de dois pesquisadores suíços, uma francesa, um austríaco e um americano. Transformar essas características naturais em tecnologia, criando um mecanismo artificial que torne possível a ligação entre materiais elásticos e rígidos, não é assim tão fácil como a natureza dá a entender. Ao contrário, unir dois produtos com propriedades mecânicas diferentes é atualmente um grande desafio em várias áreas da engenharia. Daí a importância do trabalho do grupo liderado por Studart. “Desenvolvemos um método de produção de materiais heterogêneos artificiais que podem ser usados para conectar estruturas rígidas e elásticas de maneira eficiente como na natureza”, conta ele. O grupo verificou que a natureza resolveu o problema por meio de uma mudança gradual das propriedades mecânicas da estrutura de acoplamento, chamada de inserção tendão-osso. “Perto dos tendões, as inserções são relativamente elásticas e compostas principalmente por fibras de colágeno”, explica Libanori. “Mas, à medida que elas se aproximam dos ossos, a concentração de elementos

minerais de reforço vai aumentando gradualmente, resultando em um compósito heterogêneo que é capaz de distribuir de maneira uniforme as tensões mecânicas ao longo de seu comprimento.” Trata-se de uma transição gradual de propriedades mecânicas tanto linear quanto perpendicular, o que minimiza o desenvolvimento de altas tensões mecânicas na junção. Transição no dente

O colágeno apresenta propriedades mecânicas características de materiais elásticos, enquanto os elementos minerais de reforço, como a hidroxiapatita – formada de fosfato de cálcio, o principal constituinte dos ossos –, exibem propriedades características de materiais cerâmicos rígidos. Um outro exemplo de material biológico que apresenta uma transição gradual de propriedade mecânica é o dente. “A parte interna dos nossos dentes é formada pela dentina, mais elástica, enquanto a camada externa, o esmalte dentário, é muito mais rígida e dura”, explica Libanori. “Essa transição gradual de propriedades ocorre de maneira perpendicular, do interior do dente para o esmalte dentário.” O método criado pelo grupo, chamado “reforço hierárquico de elastômeros de


União estável Matriz elástica de polímero recebe o reforço de módulos de materiais compostos com diferentes tamanhos soldados com solventes Sobre uma matriz elástica de um filme de poliuretano são formados módulos de compósitos reforçados com plaquetas micrométricas de óxido de alumínio (alumina) e nanométricas de laponita, um tipo de argila. A matriz com os módulos é finalizada com solventes que fazem a soldagem e garantem uma boa adesão na interface dos materiais

Poliuretano Poliuretano Laponita (argila) Alumina

rigidez Menor

5 cm

Maior

ilustração daniel das neves

Integrados a circuitos eletrônicos, como pequenos circuitos de LEDs, os compósitos protegem e propiciam maleabilidade aos dispositivos. Eles podem ser esticados até 4,5 vezes o seu tamanho inicial

fonte  nature comunnications

poliuretanas”, foi desenvolvido durante o doutorado de Libanori, orientado por Studart no ETH. “A palavra ‘hierárquico’ aqui é empregada porque a matriz polimérica é reforçada com componentes mais rígidos em diferentes escalas de tamanho: molecular, nanométrica e micrométrica”, explica Libanori. “Dessa maneira, podemos combinar camadas de materiais, exibindo diferentes graus de rigidez, por meio de um procedimento chamado soldagem por solvente.” No

artigo da Nature Communications, os pesquisadores descrevem uma matriz de poliuretano – um polímero utilizado na confecção de espumas, solas de sapato, fibras têxteis e adesivos, por exemplo, reforçada com plaquetas cerâmicas em escala nanométrica (argila sintética chamada de laponita) e micrométrica (óxido de alumínio). As medidas nanométricas equivalem a tamanhos referentes a 1 milímetro dividido por 1 milhão e as micrométricas, 1 milímetro dividido por 1.000.

De acordo com Studart, esse método possibilita a criação de compósitos poliméricos até agora inimagináveis. “Criamos, por exemplo, um material em que a rigidez na superfície superior equivale à de nossos dentes e ossos, enquanto a elasticidade na superfície inferior se aproxima à de nossa pele”, revela o professor. Eles também demonstraram que dispositivos eletrônicos rígidos integrados em um substrato flexível, como no caso de LEDs, podem ser efetivamente protegidos contra falha mecânica, aumentando de forma significativa o tempo de vida do equipamento. Dispositivos flexíveis obtidos por meio desse método podem ser deformados em até 4,5 vezes seu tamanho inicial sem comprometer a resposta dos componentes rígidos eletrônicos. Segundo Libanori, o projeto ainda está em fase de pesquisa acadêmica e o grupo está procurando empresas interessadas em licenciar a tecnologia. “No momento, estamos discutindo as possibilidades de colaboração com uma grande empresa de artigos eletrônicos”, diz. O professor Edson Roberto Leite, do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acompanha de perto há alguns anos o trabalho de Libanori e Studart. “O Rafael Libanori foi meu aluno de iniciação científica e mestrado e eu o indiquei para o Studart”, conta. “O trabalho desenvolvido por eles é muito importante, porque criam métodos de processamento de compósitos que possibilitam copiar as formas hierárquicas em que a natureza organiza os materiais. Esse é o grande avanço do grupo. Mais que estudar como a natureza trabalha, eles estão reproduzindo como ela constrói os materiais, de forma artificial, sem usar bioquímica ou genética.” De acordo com Leite, no Brasil as pesquisas nessa área ainda estão começando. “Existem alguns grupos trabalhando em fotossíntese artificial, como o nosso aqui na UFSCar, e poucos em compósitos bioinspirados”, diz. “Já no mundo é um tema em expansão, com grandes grupos trabalhando em pesquisas de ponta.” n Evanildo da Silveira

Artigo científico LIBANORI, R. et al. Stretchable heterogeneous composites with extreme mechanical gradients. Nature Communications. v.3, artigo 1.65. 11 dez. 2012 (on line).

pESQUISA FAPESP 205  z  77


engenharia y

Ozônio trata resíduos de mineração Empresa paulistana tem projeto para limpar água e solo contaminados por metais pesados em mina de urânio Dinorah Ereno

A

matéria-prima da empresa Brasil Ozônio, localizada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) na Cidade Universitária, em São Paulo, é o próprio oxigênio retirado do ar que circula no ambiente. Após receber uma descarga elétrica para quebrar suas moléculas, é transformado em ozônio, um gás com alto poder bactericida e oxidante utilizado para tratamento de água, higienização de alimentos ou para neutralizar gases tóxicos. A vida útil do ozônio no ambiente é em torno de sete minutos, período após o qual volta ao seu estado original – o oxigênio – sem deixar resíduos. A Brasil Ozônio, criada em 2005 pelo engenheiro eletrônico Samy Menasce, com longa experiência em multinacionais, tinha como objetivo fabricar e vender geradores de ozônio para tratamento de água de piscinas e de poços artesianos. O primeiro modelo foi vendido em 2006 e, desde então, outras cinco versões foram desenvolvidas até chegar ao equipamento atual, totalmente automatizado, que utiliza componentes de mais de 90 fornecedores. Agora a empresa se prepara para levar a campo um ambicioso projeto em que o gás ozônio será utilizado para tratamento de água, efluentes e solo contaminados por metais pesados de uma mina de extração de urânio em Caldas, Minas Gerais, desativada desde 1995. O primeiro teste para avaliação do sistema foi feito no laboratório da empresa paulistana. Após a aplicação do ozônio, em 20 minutos os metais pesados presentes na amostra transformaram-se em sólidos em suspensão. “Os resultados preliminares foram bastante animadores”, diz o engenheiro químico Maurício de Almeida Ribeiro, gerente

78  z  março DE 2013


1

fotos  delcy azevedo / inb

2

Solo da mina de urânio em Caldas (MG) onde ozônio será injetado (no alto); águas contaminadas serão tratadas para separação de metais pesados (acima)

da unidade de tratamento de minério da empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB) em Caldas, local onde se explorou urânio nas décadas de 1980 e 1990. A partir daí, durante seis meses vários testes foram feitos no laboratório da INB, responsável pela mineração de urânio em todo o território brasileiro e subordinada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) concedeu um apoio não reembolsável no valor de R$ 9,6 milhões para o projeto e a empresa dará como contrapartida R$ 1,2 milhão. A Brasil Ozônio já instalou 2 mil equipamentos para a desodorização de ambientes em grandes redes hoteleiras, de gases em indústrias de fertilizantes e de cigarros, tratamento de água em academias, higienização de alimentos, além de outras aplicações. O tratamento de água do Aquário de São Paulo com ozônio, no bairro do Ipiranga, na capital paulista, com exemplares tão diversos como peixe-boi, tubarão, pinguins e arraias, foi desenvolvido pela empresa, adaptado às necessidades de cada espécie. “No começo captávamos o ar, que era jogado diretamente dentro do sistema de

geração de ozônio, uma prática bastante difundida mas equivocada, porque junto com o oxigênio vêm outros gases, como o nitrogênio, que no processo se transforma em ácido”, diz Menasce. Em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a empresa desenvolveu um sistema que capta, filtra e seca o ar e depois separa o oxigênio, que representa cerca de 21% do total presente no ambiente, para produção de ozônio. Todos os equipamentos possuem três componentes principais: concentrador de oxigênio, gerador de ozônio e centro de comando automatizado. parceria ampliada

O projeto para tratamento da mina desativada de urânio tem como parceiros a Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), de Criciúma, e a Fundação Parque de Alta Tecnologia da Região de Iperó e Adjacências (Patria), de Iperó, no interior paulista. A fundação está subordinada à Marinha, que divide com a Comissão Nacional de Energia Nuclear a responsabilidade pelo setor nuclear brasileiro. Também colaboram pesquisadores da USP e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). pESQUISA FAPESP 205  z  79


passivo ambiental

Grandes quantidades de rejeitos são geradas durante a mineração de urânio, já que ele está presente apenas em quantidades que variam entre 0,5% e 1% do total. “Para retirar o urânio da água, usamos colunas de troca iônica”, diz Ribeiro, da INB. O passivo ambiental nas instalações da empresa em Caldas é da ordem de 45 milhões de toneladas de rejeitos – compostos por montes de terra, pedra e argila contendo metais pesados, como o manganês. O tratamento convencional para esses resíduos consiste na adição de cal à água, o que eleva o seu pH e precipita os metais. A INB utiliza diariamente um caminhão com 25 toneladas de cal. No total, o gasto anual com esse produto é de R$ 2 milhões. “Nós não conhecíamos outra tecnologia para retirar o manganês da água”, diz Ribeiro. “Em cada litro de água da mina são encontrados cerca de

180 miligramas de manganês”, relata Menasce. Segundo Ribeiro, a aplicação de ozônio mostrou que não só o manganês como todos os outros metais se precipitaram na forma insolúvel. Dessa forma, eles poderão ser separados da água e utilizados posteriormente. “O uso de ozônio vai permitir uma economia de 60% nos gastos com cal”, diz Ribeiro. “Pela rota convencional são tratados 300 mil litros de efluentes por hora”, relata. Nos testes feitos até agora com o ozônio foram tratados cerca de 2 mil litros de efluentes. Parece pouco, mas se o sistema mostrar em campo ser tão eficiente quanto em laboratório ele representará uma solução inovadora não só para os resíduos da extração de urânio como para os de outros minerais. A expectativa é de que ainda neste primeiro semestre a planta-piloto esteja em funcionamento em Caldas. A Brasil Ozônio já desenvolveu o protótipo dos sistemas de geração de ozônio que irão para o local. Ela também fará o monitoramento a distância dos equipamentos e quinzenalmente uma equipe estará presente para fazer os ajustes necessários. O tratamento dos efluentes ficará a cargo da INB. “Esperamos que no final do projeto, daqui a dois anos, de 5% a 10% de todos os efluentes estejam totalmente tratados”, diz Menasce. Após o término do projeto, com todos os parâmetros dimensionados para aplicação do ozônio, a INB se encarregará de dar continuidade ao tratamento. A Unesc foi escolhida para compor a parceria, porque Criciúma e municípios vizinhos enfrentam um severo problema ambiental em decorrência da mineração

Aquário de São Paulo, no Ipiranga, tem água tratada com ozônio

80  z  março DE 2013

Rota da limpeza Como será o tratamento da água contaminada por metais pesados

da água 1 Captação contaminada Águas contaminadas pela exploração de urânio, espalhadas em grandes lagoas pelo terreno da mina desativada, serão bombeadas para uma tubulação

Mina desativada

Água contaminada

de carvão, atividade centenária na região. “A região está bastante contaminada com rejeitos de carvão que contêm compostos sulfurosos. Esses compostos, em contato com o ar e a água, acabam tornando ácido o meio e liberando metais pesados”, diz Angioletto. São cerca de 5 mil hectares de área contaminada, espalhada por quase todos os 12 municípios que compõem a região carbonífera de Santa Catarina. “Em Criciúma e região carbonífera trechos importantes dos rios estão mortos. Quando os rejeitos da mineração entram em contato com a água, o pH fica em torno de 3, muito ácido para a sobrevivência de peixes e para a maioria das plantas aquáticas”, relata. O uso da água para agricultura ou abastecimento também fica inviável. Mas não são só os resíduos da mineração de carvão e da extração de urânio que representam problemas. “Qualquer mineral que estiver associado ao enxofre, como o carvão de Santa Catarina, vai gerar drenagem ácida quando retirado do subsolo e exposto ao ar e à chuva.” Angioletto coordenou alguns testes para tratamento de efluentes com o sistema de ozônio. “Testamos drenagem

infográfico ana paula campos ilustração alexandre affonso foto eduardo cesar

O problema de contaminação em águas da mineração decorre da presença de minerais, como a pirita, que contêm enxofre. “Quando chove, os minerais presentes em resíduos de mineração são oxidados em presença de água, gerando uma solução chamada de drenagem ácida de mina”, diz o professor Elídio Angioletto, da área de engenharias química, ambiental e de materiais na Unesc e coordenador do projeto na universidade. A drenagem ácida de mina, constituída por metais dissolvidos e ácido sulfúrico, representa um dos mais graves impactos ambientais associados à atividade de mineração. Se chegar até rios próximos, pode contaminá-los, tornando-os impróprios para uso.


O+ O2 da atmosfera

O+ + O2

O3

Descarga elétrica

2

O3

geração de ozônio (O3)

Água

Um sistema fechado capta o ar ambiente, limpa suas impurezas, remove

Poluentes metálicos

oxidação (perda de elétrons)

Óxidos metálicos inertes

Água

a umidade, separa o oxigênio e o transforma em gás ozônio (ver esquema acima), que será transferido Água

por um tubo flexível O3

3 injeção de ozônio (O ) 4 oxidação de metais pesados O ozônio é injetado O ozônio dissolvido na água provoca 3

Óxido metálico

5 separação

Terminado o processo,

na água por um sistema

reações químicas de oxidação. Ele

o metal poderá ser

de transferência com

oxida os íons metálicos que estão em

separado, deixando

alto poder de dissolução

suspensão na água, transformando-os

a água descontaminada.

do gás no líquido

em óxidos metálicos ou simplesmente

A água e o óxido metálico

metais inertizados (ver esquema acima)

poderão ser reutilizados

fonte  brasil ozônio

Criciúma e municípios vizinhos enfrentam severo problema ambiental decorrente da mineração de carvão

proveniente de três bocas de minas diferentes, com condições físico-químicas distintas e os resultados foram excelentes.” Na próxima etapa serão construídos equipamentos específicos para tratamento dos resíduos catarinenses. Embora o ozônio seja aplicado há décadas em água – a limpeza da água consumida em Paris, por exemplo, é em grande parte realizada com esse gás –, o tratamento de efluentes de urânio por esse sistema é algo novo, diz Angioletto. “A grande inovação, no entanto, será a aplicação de ozônio em solos contaminados, uma das vertentes do projeto.” A responsável é a professora Maria Eugenia Gimenez Boscov, da Engenharia Civil e Ambiental da Escola Politécnica da USP.

“O projeto de tratamento do solo da mina de urânio abre portas para tratar outros tipos de contaminantes em solos brasileiros”, diz Maria Eugenia, que começou a trabalhar com contaminação de solos durante o seu doutorado, em 1994. “Por enquanto o projeto ainda está em fase de pesquisa, já que mesmo na bibliografia científica são poucas as referências.” Os estudos que ela vai coordenar terão início com experimentos controlados em laboratório. Uma das ideias é injetar o ozônio diretamente nas montanhas de resíduos para eliminar a bactéria Thiobacillus ferrooxidans, responsável pela produção de sulfato ferroso em grande quantidade quando em contato com metais como a pirita, o que favorece a

produção da drenagem ácida. “Como o ozônio é germicida e oxidante, ele vai matar essa bactéria”, diz Menasce. Atualmente, a companhia está finalizando os testes em um esterilizador à base de ozônio, totalmente automatizado, destinado a hospitais, centros cirúrgicos e fabricantes de medicamentos. Desenvolvido com apoio da FAPESP na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), o equipamento tem consumo mínimo de energia e funciona apenas com o apertar de um botão. “Os processos normalmente utilizados para esterilização, à base de formaldeído, óxido de etileno e plasma de peróxido de hidrogênio necessitam de funcionários treinados, com risco de haver falhas durante o procedimento”, diz Menasce. n

Projeto Autoclave ozônio – otimização construtiva e de processo de um equipamento de ação esterilizante à base de ozônio com validação microbiológica por meio de testes desafio com esporos bacterianos (nº 10/50281-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Frederico de Almeida Lage Filho – Brasil Ozônio; Investimento R$ 186.888,67 (FAPESP).

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humanidades   his tória y  história  y

O passado que não deixa o presente 82  z  março DE 2013

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Coleção reúne artigos de historiadores para públicos mais amplos entenderem o Brasil contemporâneo

fotos  divulgação / istória do Brasil nação: 1808-2010

Carlos Haag

P 1  Desfile da FEB em São Paulo. Foto de José LInhares (1945) mostra pracinhas na avenida São João, 2  Ponte de Silvestre, no morro do Corcovado. Foto de Marc Ferrez (1900)

ara o historiador Evaldo Cabral de Mello, a história, como a casa-grande do senhor, tem muitas portas e janelas. Estas últimas devem estar escancaradas para arejar a “casa” com novas interpretações. Já as portas estão sempre abertas para revelações e para deixar entrar, sem cerimônias, os que se interessem pelo que a “casa” tem para contar. Foi com esse espírito que a também historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz, da Universidade de São Paulo (USP), ao lado de um grupo interdisciplinar de pesquisadores renomados, idealizou a coleção História do Brasil nação: 1808-2010, editada pela Objetiva em seis volumes, e que será completada até meados deste ano, sendo, em seguida, traduzida para o espanhol e distribuída pela América Latina. Entre os muitos autores estão nomes como Alberto da Costa e Silva, José Murilo de Carvalho, Alfredo Bosi, Rubens Ricupero, Elias Saliba e Leslie Bethell. pESQUISA FAPESP 205  z  83


Kamayurá. Foto de Milton Guran (1978) mostra duas meninas da tribo no Parque do Xingu

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Um dos volumes da coleção é inteiramente dedicado à fotografia e repassa em 459 imagens os últimos 170 anos da história nacional. “Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na imagem da nação” é coordenado pelo historiador e fotógrafo Boris Kossoy, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP). Kossoy também é o curador da exposição homônima que esteve em cartaz em São Paulo e Rio e irá, ainda este ano, para Brasília e Belo Horizonte. As fotos que ilustram estas páginas fazem parte do livro e da mostra que, além de Kossoy, contou com os trabalhos de Sônia Balady, Vladimir Sacchetta e Lilia, curadora adjunta. “O nome diz tudo: quero quebrar a ideia de uma história do Brasil contada por imagens. Será ‘um olhar’ sobre esse passado, assim como seria possível vários outros”, diz Kossoy. O mesmo vale para a coleção como um todo. “A ideia é uma história da nação brasileira que reúna qualidade e as visões mais recentes da historiografia, mas destinada a um público amplo. O desafio lançado à equipe era escrever de forma acessível, sem usar notas de rodapé e outros recursos acadêmicos, ajustando a linguagem para o grande público, ainda que com profundidade”, explica Lilia. “Não queríamos apenas compilar matéria e conhecimento prévios, mas introduzir novas interpretações, de forma atraente, com um apuro gráfico e muitas ilustrações, sempre usa-

das com o propósito de complementar o texto escrito”, diz. A coleção faz parte de um projeto patrocinado pela Fundação Mapfre, da Espanha, que, além da série brasileira, também contempla trabalhos semelhantes em 10 países do continente latino-americano, entre os quais Argentina, Chile, Peru e Venezuela, bem como Portugal e Espanha. O resultado serão 50 livros que se autorreferem. “Em vez de fazer história na perspectiva da Europa e dos Estados Unidos, optamos por comparações com nossos vizinhos. Essa perspectiva comparada permite ao leitor fazer não apenas uma leitura horizontal, mas entre países, percebendo o que acontecia neles ao mesmo tempo que nosso país”, fala.

A

final, o Brasil foi, por décadas, uma monarquia cercada por repúblicas, uma opção com consequências importantes para o presente. “Disso decorre o nosso gigantismo no continente e o comportamento das nossas elites, cujo poder se enraizou profundamente em função dessa solução mais conservadora. O mesmo vale para o escravismo: o Brasil foi a última nação a abrir mão dessa prática horrenda. Além disso, não houve rupturas sociais, nem movimentos de cidadania. A nossa independência, ao contrário da luta dos países vizinhos, era vista como um ‘presente’ mais do que uma conquista”, conta Lilia.


Isso gerou muita desconfiança entre os países do continente, que foram se isolando, com desconfianças de parte a parte que empacam processos de uma união até hoje. “Ao mesmo tempo, temos muitas coisas em comum, como desequilíbrios sociais, uma corrupção quase endêmica. A comparação das histórias revela igualdades e diferenças do processo de construção das nações com muita clareza”, afirma a pesquisadora.

T

endo o mote do historiador francês Lucien Febvre, “a história é filha do seu tempo”, Lilia e seus colegas acreditam que é preciso reconstruir o passado com as novas perguntas feitas pelo presente. “A história é um processo vivo e, ainda que sua agenda não seja pautada pela atualidade, sem dúvida há fortes ligações entre o que queremos saber do passado diante das questões que nos coloca o nosso presente. Num momento em que se discute uma perspectiva ética é preciso entender as raízes desse problema”, observa. “O fato é que no Brasil não existiu muita luta popular, não tivemos processos revolucionários e ficamos carentes de um processo maior de formação de cidadania. Nosso passado coronelista e escravocrata não surgiu gratuitamente, assim como não é sem motivo a predominância das elites nas tomadas de decisão. Tudo isso se reflete no atual abismo social”, acredita. A coleção enfatiza novas teorias que revisam a República Velha, agora chamada de Primeira República. “Foi uma fase que contou com mobilizações ativas de luta pela cidadania, embalada pelo abolicionismo, pela

chegada dos imigrantes, pela urbanização e pela industrialização. Era um período vibrante desmerecido como pasmaceira conservadora pelo Estado Novo varguista, que queria todos os méritos”, afirma Lilia. “No Brasil não A frase de Le Goff, de que “a hisexistiu muita tória viveu sob o imperialismo da escrita”, deu origem ao volume de luta popular imagens, “Um olhar sobre o Brasil: a fotografia na imagem da nação”. e ficamos “Em realidade, o ideal é a união da imagem à palavra escrita. Não pocarentes de um demos ter uma história, mas hisprocesso de tórias, pois não há uma verdade única numa imagem, mas várias formação interpretações possíveis, depen­ dendo do observador. A fotografia de cidadania”, não vem carregada de sentidos: nós é que a carregamos de sentidos”, fadiz Lilia la Boris Kossoy. “Daí a importância de situar o espectador por meio da reunião da imagem ao texto, forma de romper a superfície de aparências que as pessoas, em geral, não rompem”, avisa. Partindo de 1833, com as experiências precursoras de Hercule Florence, há imagens do Se­gundo Reinado, do Estado Novo, da construção de Brasília, de líderes como Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, Leonel Bri1  Vendedor de doces. zola, Fernando Henrique Cardoso e Lula, entre Foto de Marc outros, com ponto final em 2003, segundo Kossoy Ferrez (1889), um limite para que se possa digerir a história. traz negros ainda “A fotografia é uma fonte preciosa de inforretratados como escravos mações, mas é um conhecimento de aparência, uma criação/construção de realidades, sempre 2  Gaúchos acantonados em no plural. É um conhecimento que parte da suSão Paulo durante perfície iconográfica e tanto mais revela quanto a Revolução de mais buscamos a sua realidade interior”, explica. 1930. Autor desconhecido

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Segundo Kossoy, não há “documentos inocentes” e mesmo o suposto real da fotografia é, também, “ficção”. O Brasil é o país que reuniu o maior número de profissionais do ofício fotográfico na América Latina ao longo dos séculos XIX e XX. “A manipulação do sentido da imagem já se inicia no momento em que o contratado para fazer a fotografia seleciona e monta a ‘cena’ para dar dramaticidade à sua imagem”, diz.

A

Deslizamento de trilhos na estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Foto de Dana Merrill (1910)

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ssim, observa o pesquisador, contar a história por imagens não se sustenta e exige a união com o texto, capaz de revelar a micro-história que se esconde em cada instantâneo do passado, na contramão da ideia de que uma imagem vale por mil palavras. “Ela só vale se tivermos mil palavras para interpretar o que essa imagem contém”, avisa Kossoy. Assim, as imagens selecionadas proporcionam um leque de situações pontuadas por imagens “nucleares” no sentido figurativo. “São fotos simbólicas, muitas vezes metafóricas, reveladoras de mentalidades e ideologias. Essa iconografia especial funciona como denúncia de sistemas, chamando a atenção para as deformações sociais, econômicas e políticas, bem como para os grandes feitos, enfatizando rupturas e emoções”, fala. Um dos pontos altos são as fotos de escravos. Basta lembrar que o Brasil foi o país com a es-

cravidão mais longeva e o país em que primeiro a fotografia se consolidou, gerando um vasto arquivo de imagens dos escravizados. “Tiravam-se fotos de negros para que os estrangeiros levassem para o exterior como lembranças. Há também muita imagem feita para ‘comprovar’ a seleção racial e mostrar os africanos como inferiores”, diz Kossoy. Para ele, a fotografia, no Brasil, sempre funcionou como forma de identificação e controle social e policial, ressaltando as diferenças de classes. “Foi como cópia do real que a fotografia foi incorporada às pesquisas de história. Ela vinha para adornar, corroborar ou simplesmente justificar uma teoria. Assim, até pouco tempo, na historiografia, as imagens serviam apenas para reafirmar o que se sabia previamente. Eram adereços, de função ilustrativa”, fala. Segundo Lilia, a imagem mais refletia do que poderia ser tomada ela própria como sujeito e mote de reflexão. O mesmo se pensava dos fotógrafos, vistos como meros ‘registradores’ de fatos, imparciais. “Levou tempo para a foto entrar no debate historiográfico”, fala Lilia. Para ela, os que manejam as lentes não apenas copiam o que veem, mas selecionam, recortam e suas fotos “inventam” formas de anotar o real e se impregnam de tal modo à realidade que se transformam, elas mesmas, na própria realida-


1  Odé. Foto de Mário Cravo Neto (1988), faz alegoria sobre Odé, umas das manifestações de Oxóssi 2  Nuvem da manhã. Autorretrato de Haruo Ohara (1952) mostrando o fotógrafo e agricultor em seu trabalho

fontes documentais é preciso sempre lembrar o amplo poder de persuasão e sedução inerente às representações iconográficas”, observa Kossoy. “O aparente do Para o historiador, o aparente documento deve do documento deve ser apenas o ponto de partida de toda inser apenas o vestigação. “É na ampla diversidade das micro-histórias e ponto de partida suas imagens que reside o nosso olhar sobre o Brasil”, fala. de uma “O mesmo vale para a nossa investigação história. Na década de 1930 o Brasil se redescobriu com os sobre a raiz da grandes ensaios de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hoimagem”, fala landa. A partir dos anos 1970, surge nas universidades um Boris Kossoy pensamento mais especializado e os autores não querem buscar grandes voos para pensar o país. Afinal, o Brasil é um enig1 ma. Se há uma característica nova na historiografia dessa code. “Trata-se de contar uma história do Brasil leção é pensar a nação por várias portas e janelas”, a partir das fotos, mas sabendo, de antemão, analisa Lilia. “Queremos provocar, questionar que elas camuflam e disfarçam sua certidão certos mitos nacionais, modelos e teorias que ainda estão aí por reiteração, ideologia e costume.” de nascimento”, diz. “Basta lembrar as fotos de Sebastião Salgado A preocupação dos pesquisadores foi mostrar numa fazenda invadida ou as imagens de Vargas um país que, ao longo de um processo lento, se ou Juscelino construindo Brasília. Muitas vezes inventa e se imagina como nação. Como diz um lembramos de um fato a partir da foto que ficou personagem de Tennesee Williams, em À margem na nossa memória, como uma tatuagem ou ci- da vida: “O passado insiste em se apresentar no catriz que passa a fazer parte do corpo”, lembra presente”. A nossa experiência histórica insiste a pesquisadora. “Quando as imagens são nossas em se apresentar até hoje. n

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memória

Retratos de culturas alheias Exposições de fotos mostram trabalhos do etnógrafo Harald Schultz entre indígenas Neldson Marcolin

Jovens Waujá de 15 anos são pintados para competição, em 1964. Homens e crianças pintam-se mutuamente para os jogos

E

m seu trabalho como etnógrafo entre os índios Umutina entre 1943 e 1945, em Mato Grosso do Sul, o gaúcho Harald Schultz foi ferido por um tiro no braço por um indígena irritado com sua presença prolongada na tribo. Schultz foi socorrido pelos outros membros da aldeia e recuperou-se. O fato, relatado no livro Vinte e três índios resistem à civilização (Melhoramentos, 1953), foi encarado apenas como um acidente de percurso e nada mudou seu interesse por outras culturas. O etnógrafo fotografava, filmava e coletava peças originais de índios de todo o país e de países limítrofes como o Peru e a Bolívia. “Ele foi um dos pioneiros da antropologia visual no Brasil e fazia registros fotográficos com uma enorme qualidade técnica e artística”, diz Sandra de La Torre Campos, antropóloga do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (MAE/USP). Uma parte das fotos de Schultz pode ser conhecida em duas exposições itinerantes que percorrem os museus do estado de São Paulo. A primeira, Harald Schultz, olhar antropológico, cujo tema são crianças indígenas, foi aberta em 2011. A segunda, Harald Schultz, fotógrafo e etnógrafo, 2012, retrata a estética do corpo como adornos, cortes de cabelo e pinturas. “As fotos de Schultz têm importância antropológica, porque a partir delas é possível fazer estudos etnográficos, e histórica, pelo momento em que foram obtidas”, diz Marília Xavier Cury, pesquisadora e docente do MAE e curadora das duas exposições. “As culturas mudam e o que as fotos revelam são as culturas no momento e local em que foram tiradas.” O acervo fotográfico que deixou é precioso porque muitas pesquisas e estudos comparativos podem ser feitos sobre como eram as culturas indígenas e as transformações que ocorreram nelas.

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fotos  1, 2 e 3  Coleção fotográfica Harald Schultz/MAE-USP  4 Acervo do Museu do Índio/FUNAI - Brasil

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Harald Schultz (1909-1966) nasceu em Porto Alegre, filho de alemão com brasileira. Dos 6 aos 15 anos estudou na Alemanha e, na volta, apaixonou-se pela fotografia. “Ele foi convidado a trabalhar no Rio de Janeiro pelo presidente Getúlio Vargas, quando o fotografou e o conheceu na cidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, nos anos 1930”, conta a viúva de Schultz, a antropóloga Vilma Chiara, de 86 anos. Foi na antiga capital federal que ele entrou para o Serviço de Proteção ao Índio (SPI, atual Funai) e começou a trabalhar sob a orientação do marechal Cândido Rondon, em 1939. Também frequentou cursos avulsos de Curt Nimuendaju, etnólogo alemão que passou 40 anos estudando os indígenas brasileiros. Em 1947, Schultz deixou o SPI e foi trabalhar no Museu Paulista a convite de Herbert Baldus, professor alemão do curso de etnologia brasileira da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, com quem também teve aulas. “Ele era um fotógrafo de talento e coletor de peças muito bom, mas não tinha formação acadêmica”, diz Marília.

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Retrato de menino Karo ornamentado, em 1953 (à esq.), e pai Krahô ensinando o filho a usar arco e flecha, em 1947 (acima)

Schultz ao lado de índia Kadiwéu, em Mato Grosso do Sul (1942), durante documentário produzido pelo antigo SPI

“De fato, o Harald achava mais interessante o contato com os índios e gostava mesmo era de fotografar e filmar”, conta Vilma, que o acompanhou a campo muitas vezes como antropóloga. Seus períodos nas aldeias duravam vários meses. Vilma lembra que ele ia à rua 25 de Março, lugar tradicional de comércio popular de São Paulo, e pedia doações de toda espécie aos lojistas.

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Depois trocava por peças (adornos, cestaria, cerâmica, esteiras, redes) feitas por indígenas que acabavam na coleção do Museu Paulista. O etnógrafo gaúcho escrevia monografias e também recolhia material arqueológico para estudo. Seus artigos foram publicados em revistas no exterior e as fotos frequentaram as páginas da National Geographic. Formava uma boa parceria com Baldus. “Era comum Baldus ir a campo e Schultz seguir depois para encontrá-lo e começar o trabalho de iconografia e/ou de coleta de artefatos”, diz Marília. Até 1965, ele fez 57 filmes curtos com danças, rituais e trabalhos manuais realizados pelos Javahé, Karajá, Krahô, Uruku, Waurá, entre outros. Hoje esses filmes estão no MAE/ USP, junto com uma coleção de 1.227 slides. Mas há mais, muito mais, com Walter, filho de Schultz e Vilma. “Ele guarda em Paris, onde vive, 24 mil fotos feitas pelo pai desde 1950, o ano em que casamos”, revela Vilma. n PESQUISA FAPESP 205 89


Arte

Rigor e N intuição em harmonia Tomie Ohtake completa 100 anos neste ano com permanente caráter experimental e em sintonia com seu tempo Maria Hirszman

90 | março DE 2013

o próximo mês de novembro, Tomie Ohtake completará 100 anos. As celebrações se sucederão ao longo de todo o ano e já tiveram início com a abertura de duas exposições, que resumem bem duas facetas marcantes da artista: seu permanente e aguçado caráter experimental e uma grande sintonia com a arte de seu tempo. Enquanto a coletiva Correspondências, em cartaz no instituto cultural que leva seu nome, estabelece nexos – muitas vezes tênues – entre sua obra e o trabalho de um leque amplo de artistas (como Cildo Meireles, Mira Schendel, Paulo Pasta e Cadu, entre outros) tendo por eixo três aspectos centrais de sua produção: a cor, o gesto e a textura, a mostra que pode ser vista na galeria Nara Roesler até o dia 23 de março revela uma artista em plena atividade e ainda capaz de reinvertar-se. Em três séries de pinturas amplas, realizadas recentemente (datam de 2012 e 2013), Tomie parece imprimir uma maior velocidade ao pincel e explora relações de profundidade e luminosidade em trabalhos quase exclusivamente monocromáticos (em amarelo, azul e verde), com cirúrgicas pontuações em vermelho. “Estou interessada em transparência e profundidade”, afirmou ela em entrevista recente à Art Nexus.

Obras sem título de 1980, 1952 e 2013 (sentido horário): “A pintura é o meu dia a dia”, diz Tomie


“A pintura é meu dia a dia”, costuma afirmar Tomie, que por mais de seis décadas tem investigado com um zelo quase devocional aspectos primordiais da pintura. Mesmo dizendo gostar de desenhar desde criança, ainda no Japão, Tomie só se tornou pintora com quase 40 anos e mais de 15 anos depois de ter vindo para o Brasil. Chegou ao país para visitar um irmão, mas acabou ficando por causa da guerra sino-japonesa. Casou-se aqui, teve filhos e adotou a nacionalidade brasileira. As primeiras lições foram dadas por seu primeiro e único professor, Keisuke Sugano. Datam do início dos anos 1950 as primeiras telas figurativas, mas rapidamente a artista adota a abstração informal e passa a explorar de forma persistente a contenção e a materialidade do gesto. A maturidade, segundo diversos críticos, se dá na década seguinte, na qual realiza experiências como as “pinturas cegas”, por sugestão do crítico e amigo Mário Pedrosa. Avessa a grupos ou tendências e com um trabalho marcadamente autodidata, nem por isso Tomie deixa de lado a riqueza trazida pelo convívio e observação atenta da produção que a cerca. Como afirmou Paulo Herkenhoff, “Tomie é um ponto privilegiado a partir do qual podemos olhar a arte brasileira”. Ou então, como sintetiza Miguel Chaia, sua obra permite uma “aproximação entre geometria e informalismo, sintetizando contradições da sociedade brasileira e de sua história da arte”. Vê-se, assim, em seus trabalhos, uma espécie de síntese, ou convivência pacífica, entre polos muitas vezes contrários, como o Oriente e o Ocidente, o rigor da forma e o lirismo da cor, a figuração e a abstração... Tomie explora ao longo de sua vasta carreira diferentes maneiras de lidar com uma gama bastante reduzida de questões: suas formas geo­

Escultura no Teatro Ibirapuera, em São Paulo: formas geométricas são quase sempre suaves

fotos divulgação Instituto Tomie Ohtake

Tomie: trabalho marcadamente autodidata

métricas são quase sempre suaves, marcadas pela sinuosidade do círculo e da espiral; as cores costumam não ser colocadas em disputa, mas sim harmonizadas, mesmo quando são mais estridentes, como aquelas adotadas nos anos 1970; o gesto é normalmente contido, elegante, remetendo à ideia de coreografia ou musicalidade. Tem em seu currículo mais de 20 bienais internacionais, 90 mostras inidividuais e quase 400 coletivas, incluindo aí não apenas trabalhos em pintura, mas em outras áreas de atuação, como a gravura, a escultura e as obras públicas, que realiza desde a década de 1980. A última delas, uma gigantesca estrutura de metal que desenha o número 8, foi inaugurada o ano passado em Tóquio. As obras públicas, que têm espaço privilegiado na trajetória da artista, serão objeto de um livro que está sendo organizado por Paulo Herkenhoff e será lançado em novembro, juntamente com a abertura da exposição Gesto e razão geométrica, coroando as celebrações do centenário. Antes disso, em agosto, o Instituto Tomie Oh­ take (projetado e administrado pelos filhos Ruy e Ricardo Ohtake) abrigará ainda uma exposição na qual serão explicitados aspectos projetivos da obra da artista, seus exercícios íntimos, estudos de procedimento, desenhos, colagens... Uma maneira concreta de conhecer a pesquisadora aplicada que convive em pé de igualdade com a artista intuitiva, de confirmar como – nas palavras de Olívio Tavares de Araújo – ela vem “dosando em partes quase iguais a razão e a emoção”. n PESQUISA FAPESP 205 | 91


conto

Duas profissões esquecidas do Rio antigo Alex Castro

Catava esterco

Ao contrário de tantos pretos, não andava cantando sua ocupação. Puxava a carroça em silêncio, repicando um pequeno sino de cobre. Tinha pudor. Caminhava sempre pelas mesmas ruas, no mesmo horário, todos os dias. As mucamas já o conheciam: esperavam sua passagem e ficavam no aguardo do sino. Ninguém queria contato. Tudo era muito rápido. A mucama saía porta afora com o balde de esterco quente nas mãos, ele abria o tampão da carroça, ela despejava ali a carga e voltava correndo para dentro. Não falavam com ele. Havia sempre respingos. Ao final da tarde, estava salpicado pela própria mercadoria. Os tigres eram mais dignos. Temidos, até. O próprio nome impunha respeito. Eram escravos fortes, que carregavam nos ombros os dejetos de suas casas. Não passavam o dia lidando com os excrementos dos outros. Despejavam tudo na lagoa mais próxima e já voltavam para cuidar de outras atividades. Pensava muito nisso. Que ali, no barril do tigre, misturados aos dejetos dos sinhôs e das sinhás, das mucamas e dos moleques, estavam também os seus. O tigre carregava o próprio excremento. De algum modo, aos seus olhos, isso lhes conferia dignidade. Mas nem toda casa tinha escravos. Então, ele ainda era útil. Gostava mesmo era de uma mulatinha da rua da Ajuda. Era sempre ela que trazia o balde. Mas nunca teve coragem de lhe falar. O esterco os separava. Um dia, não apareceu mais e ele não teve coragem de perguntar por ela. Ficou a lembrança daqueles dentes brancos. Tinha todos. Era lindo. Ao final do trajeto, ele percorria a rua do Aljube até a Prainha. As barcaças recolhiam os dejetos da Corte e os levavam para os engenhos do outro lado da baía, onde não havia gente para produzir tanto estrume. 92 | março DE 2013

Os galegos pagavam quase nada pelo esterco. Só valia a pena se enchesse a carroça até a borda. Afinal, era recolhido de graça. Conseguiria mais mendigando, era o conselho que recebia. Mas gostava de saber que deixava a Corte mais limpa. Que o esterco que recolhia se transformava em açúcar. Que tudo se transformava em outra coisa. Que ele, que era tão baixo, tão preto, tão feio quanto seu esterco, um dia também talvez virasse açúcar. *** Soltava passarinhos

Frequentava as quermesses e procissões. Sempre em feriados religiosos. Carregava uma gaiola quase maior que ela. Tinha seis compartimentos independentes, cada um com sua portinha. Nunca mais perderia a viagem soltando todos os bem-te-vis ao mesmo tempo. Era conhecida dos penitentes. Só não abordava os brancos ricos. Quem já vivia cheio de graça não precisava da graça adicional de soltar uns passarinhos. Preferia os desgraçados e os desafortunados, os moleques e as mucamas, os mutilados e os coxos, os culpados e os esperançosos, os tísicos e os leprosos, os pretos e os pardos. Os seus. Muitos não entendiam. Quando a menina levantava a gaiola, já gesticulavam seu desinteresse. E ela esclarecia, não vendo passarinho, não, moço. Eu solto. Alguns continuavam sem entender: vou lá pagar para soltar passarinho, menina? E ela dizia, Deus ajuda quem liberta suas criaturinhas. É graça para o ano inteiro. O senhor reza comigo a prece de São Francisco de Assis, escolhe um bem-te-vi e deixa voar. Deus proverá. Escolhiam quase sempre os passarinhos mais vistosos. Será que Deus prefere que os belos sejam livres?, se perguntava a menina.


guilherme lepca

A velha lavadeira foi o oposto. Demorou longos minutos. Estudou bichinho por bichinho. Quis a certeza de soltar o mais velho e mais fraco, o mais feio e mais cansado. Seus dedos mal funcionavam. Mãos escurecidas e descoloradas de bater roupa em pedra. Mas fez questão de ela mesma destravar o ferrolho. Não era fácil. O preto Sebastião construíra a gaiola especialmente para a menina, levando em conta seus dedos ainda finos e ágeis. Finalmente, o bem-te-vi saiu cambaleando pelo ar. Ao cair da tarde, a menina foi até um matinho próximo, abriu as portinhas da gaiola e assoviou. Um por um, todos voltaram. Menos o velho passarinho. No feriado seguinte, a lavadeira também não apareceu. A menina gostava de pensar que estavam juntos. Em casa, braços cansados de carregar a gaiola, acomodou seus tostões e vinténs (nem uma pataca hoje) em um latão na despensa. A sinhá era generosa: lhe dava todos os dias santos e ainda lhe permitia guardar tudo o que ganhasse. Deu boa-noite para a sinhá e se dispôs na esteira aos pés da cama. Sonhou que voava. *** A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto menciona barcos chineses onde passarinhos e peixes eram soltos no ar e na água, em troca de esmola, para “serviço de Deus” (capítulo 98). Um texto chinês do século XVI, mesmo século no qual Mendes Pinto esteve na China, detalha um dos muitos rituais budistas que devem acompanhar

o ato de libertação (“Freeing Animals from Bondage” em Buddhist scriptures, Penguin, 2004). No Brasil, a única menção que encontrei, que pode ou não ter relação com o budismo, está em uma crônica da juventude de Machado de Assis, que teria testemunhado essa prática durante a procissão dos ossos da Misericórdia (O Futuro, 15 de dezembro de 1863). Entretanto, em diversas ocasiões (o conto “O segredo do bonzo”, de 1882, ou o ensaio “Instinto de nacionalidade”, de 1873), Machado demonstrou ser leitor atento da Peregrinação. Terá o episódio sido apenas uma glosa de Mendes Pinto? Mera invenção do Bruxo? De Machado, pode-se esperar tudo. Por coincidência, no mesmo capítulo 98, a Peregrinação também menciona os “mercadores de esterco” da China. Existe ampla documentação sobre os catadores de esterco do Rio antigo, como La Blanchardière, em 1748 (em Visões do Rio de Janeiro colonial, 1531-1800), e Schlichthorst, em 1824 (em O Rio de Janeiro como é – Uma vez e nunca mais, cap. IX). No Segundo Reinado, com o avanço das regulações sanitárias, a prática deve ter desaparecido. A última menção que encontrei foi no capítulo 4 de Mulheres e costumes do Brasil (1863), mas o sempre tão crítico Expilly menciona a atividade sem deixar claro se a testemunhou ou apenas ouviu falar. Finalmente, em 1864, foi inaugurado o serviço de esgoto da Corte. Desnecessário acrescentar que esse é um conto de ficção. Alex Castro, 39, é autor de Mulher de um homem só (2009, romance) e Onde perdemos tudo (2011, contos).

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resenhas

Obra em espiral

Atenção do ouvir

O

O

Museu de Arte de São Paulo (Masp) exibiu até 10 de março uma exposição de Anna Maria Maiolino, organizada por ter sido ela a grande vencedora do Prêmio Masp Mercedes-Benz de Artes Visuais, em junho de 2012 (Paulo Nazareth foi o premiado na categoria Talento Emergente). Na abertura da exposição, também foi lançado o livro Anna Maria Maiolino e, para quem não viu a exposição, concentrada em fotos, filmes super-8, vídeos, sons e instalações – “essas mídias que captam o instante”, nas palavras da artista –, resta o livro como uma bela possibilidade de um encontro a fundo com o trabalho e as reflexões dessa artista nascida na Itália, mas que se tornou a extraordinária criadora que é no cenário das inquietações estéticas e existenciais da geração que encontrou ao aportar no Rio de Janeiro em 1960. “Eu era muito jovem e não tinha consciência de que estávamos em um estado de esgotamento da modernidade”, diz ela na longa entrevista concedida a Helena Tatay, a organizadora do livro, originalmente uma iniciativa da Fundação Antoni Tàpies para acompanhar uma exposição itinerante da artista na Espanha e na Suécia em 2010/2011. “Eu vivia mergulhada na angústia e nas dúvidas, embora tentasse participar daquele momento de grande efervescência nos campos político, social e artístico (...). Queríamos desenvolver uma arte autônoma nacional, que se afastasse o máximo possível dos padrões e dos modelos do exterior”, ela continua. O livro traz nas reproduções fotográficas das obras em variados suportes, técnicas e materiais – desenho, gravura, pintura, escultura em cerâmica, vidro, além das já citadas “mídias do instante” – e, também, nos poemas da autora (sim, ela escreve), uma amostra consistente do percurso riquíssimo de Anna Maria Maiolino em busca, já não da identidade, desejo da fase de juventude, mas da articulação de uma linguagem própria. Nessa procura de “constituir-se pessoa/construir-se artista”, ela parte da figuração para outros e variados campos muito distantes, mas desenvolvendo sua obra, como diz, em espiral, girando em torno de alguns pontos centrais, entre eles aspectos modestos do cotidiano, o orgânico, as metáforas do corpo, as fronteiras com os outros, os mapas, a cartografia de seu tempo. Mariluce Moura

94 | março DE 2013

Anna Maria Maiolino Helena Tatay (org.) Cosac Naify R$ 78,00 272 páginas

Comunicação e cultura do ouvir José Eugênio de O. Menezes e Marcelo Cardoso (orgs.) Editora Plêiade 495 páginas R$ 20,00

rádio é a mídia eletrônica mais antiga, com milhões de ouvintes fiéis em todo o país. Frequentemente transmite em primeira mão – muitas vezes mais rápido que a internet – o chamado hard news, as notícias de fatos que acabaram de acontecer pela cidade, em eventos esportivos e no âmbito da política e da economia, além de estar sempre presente nos eventos culturais. Mesmo com tal importância, há pouca literatura acadêmica com análises consistentes que cubram o tema. Daí a relevância de Comunicação e cultura do ouvir, organizado por José Eugenio de Menezes, da Faculdade Cásper Líbero, e Marcelo Cardoso, do Centro Universitário Fiam-Faam. O livro reúne artigos de integrantes do grupo de pesquisa Comunicação e Cultura do Ouvir, da Cásper Líbero, de São Paulo, e de pesquisadores de 15 outras instituições. A expressão “cultura do ouvir” foi tirada de uma palestra de Norval Baitello Júnior durante o seminário realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1997, que inspirou várias pesquisas sobre o tema. No total, a obra traz 24 artigos e está dividida em três partes. A primeira delas, intitulada Vínculo, trata das raízes da cultura do ouvir e estuda os vínculos como elos simbólicos ou materiais. A segunda parte, Ambientes, tem textos críticos oriundos de pesquisas recentes. A última parte, Rádio: tendências e perspectivas, acompanha as modificações em andamento no universo dessa mídia. Alguns textos trazem informações sobre pesquisa relativa a programas de rádio hoje pouco citados, como, por exemplo, os produzidos por pessoas com transtornos mentais em Santos, Campinas e Amparo, no inteiror paulista. Outros apontam para mudanças em curso, como o que analisa a presença cada vez maior do jornalismo na programação na faixa FM. Até 1995, as rádios 100% noticiosas e esportivas se limitavam à AM; a FM era apenas musical. Comunicação e cultura do ouvir cumpre o papel de refletir sobre o rádio (e outras mídias sonoras) e instigar novas pesquisas e textos analíticos. O livro pode ser baixado gratuitamente pelo endereço www.casperlibero.edu.br/noticias ou comprado na forma impressa. Neldson Marcolin


Gustavo Wiederhecker | Entrevista: Carlos Bremer | Notas

daniel bueno

carreiras

Uma decisão bem calculada

capes

Brasileiro que veio de Cornell tem proposta aceita no programa Jovens Pesquisadores, na Unicamp O físico Gustavo Wiederhecker, de 31 anos, terminou seu pós-doutorado na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, em 2011, e optou por voltar ao Brasil, embora seu currículo o qualificasse a pleitear uma posição em alguma outra boa universidade americana. Aqui foi aprovado em concurso na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos. Apesar da excelência de ambas instituições, optou por Campinas para desenvolver o tipo de física que o interessa, a nanofotônica, que estuda as propriedades ópticas de novos materiais com possíveis aplicações em tecnologia, como a capacidade de usar a luz para transportar informações em microchips.

Sua opção pela Unicamp levou em conta dois fatores. O primeiro foi o fato de a universidade ter grande tradição em fotônica, desde os anos 1970. “Há muitas empresas spin-offs em Campinas que se originaram da universidade”, diz ele. O outro é o grupo de pesquisadores com

Wiederhecker: opção por Campinas

expertise na área, trabalhando em linhas de pesquisa similares à dele, como Newton Frateschi e Hugo Fragnito. Parte importante da infraestrutura desejada por ele está no Centro de Componentes Semicondutores, dotado de uma sala limpa, fundamental para suas pesquisas. Sala limpa é um ambiente superfiltrado, com um mínimo de partículas por metro cúbico. “Se não for assim, uma partícula de pó pode ser maior do que o material de dimensões nanométricas com o qual trabalho”, diz ele. Nos três anos passados em Cornell, Wiederhecker trabalhou com a professora Michal Lipson na área de nanofotônica, que investiga materiais com algumas centenas de nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão). PESQUISA FAPESP 205 | 95


96 | março DE 2013

Virando a mesa

Carlos Bremer Ex-professor da USP monta empresa com alunos Graduado em engenharia de produção mecânica, em 1986, na Escola de Engenharia de São Carlos da Univer­si­­­­­dade de São Paulo (USP), Bremer fez doutorado na USP e pós-dou­to­rado na Universidade de Aachen, na Alemanha, entre 1996 e 1997. Foi coordenador do Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) em São Carlos. Em 2001, aos 37 anos, ele pediu afastamento da USP. Por que deixou a USP? Em 1999, nosso grupo do Numa ganhou o prêmio das Américas da SAP [empresa que desenvolve softwares de negócios]. Estudamos os sistemas de gestão da SAP e verificamos alguns problemas na implementação. Pegamos a bagagem conceitual e olhamos a cadeia de valor das empresas [atividades para execução das estratégias] e como isso seria usado na integração dos modelos de gestão. Em 2001 recebi um convite da Deloitte para trabalhar na empresa. Pedi afastamento da USP por dois anos. Inicialmente, fui eu e mais quatro do Numa, sendo dois doutores e dois mestres.

Como nasceu a Axia? Em 2003 resolvemos montar nosso próprio negócio. O mesmo grupo de pesquisa que foi para a Deloitte montou a Axia. A ideia era ser uma empresa de nicho, pequena. Mas em 2012 já éramos 140 funcionários e tínhamos uma filial em Atlanta, nos Estados Unidos, com um faturamento de R$ 35 milhões por ano. Contratamos mais de 30 profissionais do Numa e trabalhamos principalmente com grandes empresas brasileiras, como Perdigão, Gerdau e Alpargatas. Em 2012, a Ernst & Young Terco começou a investir em consultoria de cadeia de valor e eles fizeram um convite para a Axia ser incorporada, inclusive todos os funcionários. Aceitamos porque nos foi dada a possibilidade de implementar a plataforma global de Value Chain da Ernst que atua em mais de 100 países. A relação com a universidade continua? Temos convênios com a USP e dois ex-funcionários da Axia viraram professores da USP de São Carlos. Acredito que possamos ter um canal mais formal entre o que a universidade desenvolve e pode ser aplicado e o que a indústria está precisando e a universidade pode estudar.

Mulheres na ciência Dados preliminares de uma pesquisa

17% dos cargos de gestão, as brasileiras

de doutorado mostram que o índice de

não passam de 9% nessa posição.

mulheres cientistas que trabalham em

A autora é a analista do Ministério da

institutos de pesquisa federais no Brasil

Ciência, Tecnologia e Inovação Ludmila

e na França é o mesmo, cerca de 32%.

de Brito-Ribeiro, aluna de doutorado na

Mas enquanto as francesas ocupam

Universidade Mackenzie de São Paulo.

eduardo cesar

Seu objetivo era saber como a luz poderia ser usada para movimentar partes de mecanismo microscópico em um chip de silício. Em 2009, ele publicou artigo na Nature sobre esse tema, como primeiro autor. No ano passado, já na Unicamp, integrou o grupo internacional que conseguiu a capa da Physical Review Letters com um trabalho sobre micro-osciladores optomecânicos (ver edição 204 de Pesquisa FAPESP). A aprovação no programa Jovens Pesquisadores (JP) da FAPESP foi conseguida no final de 2012, depois de um ano de planejamento. Agora ele começa a montar seu laboratório com equipamentos compartilhados com o físico Thiago Alegre (também ele ganhador de uma bolsa do programa). “Com a nanofotônica conseguimos trabalhar com componentes – como silício, no meu caso – em uma escala muito menor e explorar novas possibilidades de dispositivos para equipamentos da área de telecomunicações, por exemplo”, diz Wiederhecker, que é natural de Goiânia (GO). O problema é que apenas uma das máquinas usadas para fabricar os novos dispositivos – que depois são testados no próprio Instituto de Física – custa cerca de US$ 300 mil. Daí a oportunidade única que o programa proporciona. “O financiamento do JP é para um projeto de pesquisa independente, mas os equipamentos serão de uso compartilhado”, diz. Wiederhecker crê que os resultados do projeto poderão ter impacto na tecnologia dos sistemas ópticos de transmissão de informação. “A intenção é também contribuir para o desenvolvimento da tecnologia de micro e nanofabricação de componentes em São Paulo”, explica.


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98 | março DE 2013


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