Pesquisa FAPESP agosto de 2012
agosto de 2012 www.revistapesquisa.fapesp.br
bóson de higgs
Uma nova física pode surgir das colisões de partículas agricultura
Produção deve cair e pragas aumentar com clima mais quente Malária
A ação polêmica da Fundação Rockefeller contra as epidemias no Brasil
Viagem ao centro da Terra
n.198
Físicos identificam transformações de minerais no interior do planeta
josé nascimento jr.
fotolab
O faro da abelha As abelhas detectam odores por meio das antenas. Sinais químicos correspondentes aos cheiros do ambiente ativam neurônios dispostos em feixes no interior das antenas. Por essa via, esses estímulos chegam a aglomerados de neurônios semelhantes a esferas, os glomérulos olfativos, especializados em interpretar esse tipo de informação. A bióloga Ana Carolina Roselino examina em detalhe a anatomia dessa estrutura para entender como as abelhas-uruçu encontram flores.
Se você tiver uma imagem relacionada a pesquisa, envie para imagempesquisa@fapesp.br, com resolução de 300 dpi (15 cm de largura) ou com no mínimo 5 MB. Seu trabalho poderá ser selecionado pela revista.
Foto enviada por Ana Carolina Roselino Laboratório de Biologia e Genética de Desenvolvimento de Abelhas da FMRP/USP
PESQUISA FAPESP 198 | 3
agosto 2012
n.
198
18 CAPA Físicos detalham as estruturas e as transformações de minerais em regiões profundas do interior do planeta ilustração de capa Drüm
Política científica e tecnológica 32 Produção de ciência
Estudos mostram que a estrutura da comunidade científica dos Brics é cada vez mais parecida com a dos países desenvolvidos
36 Reconhecimento
Prêmios internacionais, como o concedido a Fernando Henrique Cardoso, valorizam a imagem da comunidade científica brasileira
entrevista 26 Bráulio Dias O brasileiro fala de sua primeira missão como secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica das Nações Unidas, a preparação da COP 11, em outubro
Especialistas preveem queda na produção e emergência de novas doenças e pragas em consequência das mudanças do clima
45 Internacionalização
USP, FAPESP e Marine Biological Laboratory, dos EUA, promovem cursos inéditos no país
3 Fotolab 6 Cartas 7 Editorial 8 Dados e projetos 9 Boas práticas 10 On-line 11 Wiki 12 Estratégias 14 Tecnociência 88 Memória 90 Arte 92 Conto 94 Resenhas 96 Classificados 4 | agosto DE 2012
18
60 Pesquisa empresarial Vale completa 70 anos investindo em projetos de longo prazo com foco em desenvolvimento sustentável e mineração
68 Estudos marítimos e meteorológicos
Equipamentos flutuantes de coleta de dados entram em operação ainda neste ano
40 Agricultura
60 humanidades 72 Anatomia
Desenhos de anatomia de Leonardo da Vinci, desconhecidos por séculos, revelam tentativa de unir arte e ciência
78 Fundação Rockefeller ciÊncia
seçÕes
tecnologia
46 Partículas
Bóson recém-descoberto pode revelar as primeiras pistas de uma nova física das partículas elementares
54 Fragmentos móveis do genoma
Trechos do material genético mudam de lugar seguindo padrão não aleatório
56 Povos amazônicos
Castanhais podem ser resultado da ação de populações indígenas antes da colonização europeia
Programas externos de erradicação forçada influenciaram construção do Estado brasileiro
84 Acervo
Obra do escritor João Antônio ainda é um retrato preciso da marginalidade nas metrópoles
84
agronomia
ambiente
Antropologia
40 Arqueologia
arquitetura
arte
46
botânica
54
ciências atmosféricas
cienciometria
ecologia
energia
engenharia
física
52
56 genética
68
geologia
história
inovação
literatura
medicina
Oceanografia
políticas públicas
72 sociologia
PESQUISA FAPESP 198 | 5
fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo
cartas
cartas@fapesp.br
Celso Lafer Presidente Eduardo Moacyr Krieger vice-Presidente Conselho Superior alejandro szanto de toledo, Celso Lafer, Eduardo Moacyr Krieger, fernando ferreira costa, Horácio Lafer Piva, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, joão grandino rodas, Maria José Soares Mendes Giannini, José de Souza Martins, Luiz Gonzaga Belluzzo, Suely Vilela Sampaio, Yoshiaki Nakano
Arte
Diretora de redação Mariluce Moura
Atualmente, a sustentabilidade transformou o discurso das corporações, tem inspirado mudanças de hábito dos cidadãos no dia a dia e, pelo jeito, vem trazendo inspiração e novos rumos para a arte. Se sustentabilidade é permitir a satisfação das necessidades da geração presente sem comprometer a satisfação das necessidades e a sobrevivência das gerações futuras, criar obras de arte a partir de materiais não mais utilizados segue a cartilha e vai além. Anita Colli deixa outra lição (“Figurações orgânicas”, edição 197). Ao transformar objetos obsoletos em obras de arte, não só fez uma reciclagem de materiais, como reciclou a si mesma. Após dedicar mais de 30 anos de vida à medicina se tornou uma artista plástica, sem deixar de lado a afinidade com a biologia, influência clara em seus trabalhos.
editor chefe Neldson Marcolin
Stella Kwan
Conselho Técnico-Administrativo José Arana Varela Diretor presidente Carlos Henrique de Brito Cruz Diretor Científico Joaquim J. de Camargo Engler Diretor Administrativo
issn 1519-8774
Conselho editorial Carlos Henrique de Brito Cruz (Presidente), Caio Túlio Costa, Eugênio Bucci, Fernando Reinach, José Eduardo Krieger, Luiz Davidovich, Marcelo Knobel, Marcelo Leite, Maria Hermínia Tavares de Almeida, Marisa Lajolo, Maurício Tuffani, Mônica Teixeira comitê científico Luiz Henrique Lopes dos Santos (Presidente), Cylon Gonçalves da Silva, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, João Furtado, Joaquim J. de Camargo Engler, José Arana Varela, José Roberto Parra, Luís Augusto Barbosa Cortez, Luis Fernandez Lopez, Marie-Anne Van Sluys, Mário José Abdalla Saad, Paula Montero, Sérgio Queiroz, Wagner do Amaral, Walter Colli Coordenador científico Luiz Henrique Lopes dos Santos
Editores Carlos Haag (Humanidades), Fabrício Marques (Política), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência), Carlos Fioravanti (Editor especial), Marcos Pivetta (Editor especial), Dinorah Ereno (Editora assistente) revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro arte Laura Daviña (Editora), Ana Paula Campos, Maria Cecilia Felli fotógrafos Eduardo Cesar, Léo Ramos Mídias eletrônicas Fabrício Marques (Coordenador) Internet Pesquisa FAPESP online Maria Guimarães (Editora executiva) Isis Nóbile Diniz (Editora assistente) Rádio Pesquisa Brasil Biancamaria Binazzi (Produtora) Colaboradores Ana Lima, Valter Rodrigues (Banco de imagens), Daniel Bueno, Daniel das Neves, Drüm, Evanildo da Silveira, Gustavo Fioratti, Igor Zolnerkevic, João Marcos Coelho, Jussara Fino, Marcio Nunes, Marcelo Tápia, Pedro Hamdan, Saulo Aride É proibida a reprodução total ou parcial de textos e fotos sem prévia autorização Para falar com a redação (11) 3087-4210 cartas@fapesp.br Para anunciar (11) 3087-4212 mpiliadis@fapesp.br Para assinar (11) 3038-1434 fapesp@acsolucoes.com.br
São Paulo, SP
Pesquisa empresarial
Foi prazeroso ler a reportagem sobre a pesquisa empresarial da Braskem (“Além dos derivados de petróleo”, edição 197) e constatar que meu primeiro orientando de mestrado, Mauro Oviedo, está muito bem encaminhado em sua carreira profissional. Além da forma clara com que o texto de Dinorah Ereno foi conduzido, mostra-nos a importância da boa formação e do apoio da FAPESP para o verdadeiro desenvolvimento tecnológico que tanto almejamos e de que urgentemente necessitamos. Adilson Roberto Gonçalves Escola de Engenharia de Lorena/USP Lorena, SP
Empresa que apoia a ciência brasileira
Crodowaldo Pavan
Gostei muito do obituário feito sobre o meu amigo Luiz Edmundo de Magalhães (“Entre pioneiros”, edição 196). Há um engano, no entanto. Ele não foi o primeiro doutor orientado pelo Crodowaldo Pavan, em 1958. Não sei se há outros, mas obtive o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) em 1955 sob a sua orientação. Francisco M. Salzano Instituto de Biociências/UFRGS Porto Alegre, RS Nota da Redação: Ambos, Salzano e Magalhães, começaram o doutorado em 1952 sob a orientação de Pavan na USP. Salzano doutorou-se em 1955 e Magalhães em 1958.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727, 10º andar - CEP 05415-012, Pinheiros, São Paulo-SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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6 | agosto DE 2012
Para quem lê e assina, a Pesquisa FAPESP traz, todo mês, as melhores e mais atualizadas notícias sobre pesquisa e diversas áreas do conhecimento.
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carta da editora
Rumo ao desconhecido sem fim Mariluce Moura Diretora de Redação
A
bela reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP trouxe-me uma irreprimível vontade de reler Viagem ao centro da Terra, o clássico de Júlio Verne, de 1864. E por uma associação absolutamente primária: ela trata de estudos que, embora deixando de lado o sonho da descida real às mais remotas profundezas do planeta – parcialmente realizado só pelo audacioso professor Otto Lidenbrock, da ficção francesa –, também as perscruta infatigavelmente. De forma menos arriscada, é certo, valendo-se de ferramentas mais adequadas ao século XXI como são as simulações computacionais, guardando distância das acidentadas aventuras oitocentistas. E dessas sondagens virtuais ao interior do planeta, os responsáveis por tais estudos, físicos mais do que geólogos, têm voltado com conhecimento novo sobre a estrutura e as transformações de minerais que se formam a milhares de quilômetros da superfície terrestre e com a hipótese revigorada da existência de um volume de água maior que a de um oceano disseminado “pela espessa massa de rochas sob nossos pés”, como relata nosso editor especial Carlos Fioravanti, a partir da página 18. Terá sido talvez a referência a essa massa d’água dentro da Terra, com a palavra oceano – tão sugestiva de vastidão – servindo de medida sensível a seu volume, que me impeliu a Verne. Em minha memória surgiu, um tanto embotado, aquele imenso mar subterrâneo ficcional no caminho para o centro do planeta, povoado por formidáveis animais pré-históricos a se atracarem em contendas aterrorizantes, sacudido por cataclismos, cortado por vertiginosos abismos. A arrostarem esse mar com seus assombrosos
“Ainda não tinha ousado olhar para o insondável poço em que ia mergulhar, talvez para sempre. Ainda estava a tempo de desistir”
eventos, estavam um tanto esmaecidos em minha lembrança os três aventureiros criados pelo famoso escritor – Lidenbrock, seu sobrinho Axel, narrador da aventura, e Hans, o valente e silencioso guia islandês. Eu precisava avivar essas imagens, verificar como a reportagem contemporânea de Pesquisa FAPESP as tinha retirado de seus remotos refúgios mentais e voltei sequiosa ao livro. Deparei, primeiro, com o amor declarado de Verne pela ciência, de cuja natureza, digamos, iluminista em sentido lato, eu não me dera conta em meus remotos 10 ou 11 anos de idade. “Pois fique sabendo, Axel, que a ciência é sempre passível de aperfeiçoamento, e cada teoria é logo substituída por outra mais recente”, adverte Lidenbrock em conversa com o sobrinho e discípulo. Das lições no abismo surgem luzes sobre o método científico: “A ciência, meu filho, está cheia de erros; mas de erros que convém conhecer, porque conduzem pouco a pouco à verdade”. As afirmações sobre o caráter do conhecimento científico se entremeiam à explicitação das teorias geológicas, cosmológicas ou biológicas em confronto na época, a soluções tecnológicas e técnicas.
E, no entanto, tudo isso se apresenta de tal modo inserido e tecido na estrutura da poderosa narrativa de Júlio Verne, tão entranhado na aventura carregada de tensões rumo ao centro da Terra, tão amalgamado às invenções fantásticas da imaginação do autor, que se torna passível de absorção inteligente numa pura experiência de prazer. Eu pensava nisso enquanto concluía a leitura do livro e, de repente, alcancei uma velha e maravilhosa sensação que, num tempo distante, os vários trabalhos de Júlio Verne provocavam em mim: a de que é possível fazer, refazer, transformar, criar, se aventurar no desconhecido e descobrir mundos. Eu só não sabia ainda o nome da ferramenta básica que Verne identificava para toda essa potência de ser. Para continuar nesse espírito de que cada teoria pode sempre ser substituída por uma superior, nada melhor do que ler, a partir da página 46, a reportagem de Igor Zolnerkevic e Ricardo Zorzetto, nosso editor de ciência, sobre a avenida de oportunidades e problemas aberta para a física de partículas pela identificação, em 4 de julho passado, do que tudo indica ser o famoso e tão procurado bóson de Higgs. Talvez a física de partículas esteja num ponto de virada e seu bem-sucedido Modelo Padrão, associado à ideia de um Big Bang na origem do Universo, esteja vivendo os estertores finais – talvez. O físico Joseph Incandela, coordenador de um dos experimentos que levou ao suposto bóson, declarou a Pesquisa FAPESP que “este é o momento mais empolgante da física de partículas desde os anos 1970”. E talvez pudesse fazer um coro tardio à frase de Axel: “Sonho, sim; sonho acordado e vivo algo que jamais poderei esquecer”. PESQUISA FAPESP 198 | 7
Dados e projetos Impacto e conhecimento
Temáticos e Jovem Pesquisador recentes
O índice H e as culturas de publicação em áreas e disciplinas do Canadá
Projetos contratados entre junho e julho de 2012
Ciências [H médio = 10,6] Disciplinas
h médio
Astronomia
20,3
Biologia
13,4
Quimica/Bioquímica
11,9
Meio Ambiente
6,7
Ciências da Terra
9,5
Matemática
6,6
Recursos naturais
9,1
Neurociências
11,3
Física
12,4 Agricultura [H médio = 8,9]
Disciplinas
h médio
Biologia agrícola
9,4
Horticultura
8,6
Nutrição
9,2 Engenharia [H médio = 8,6]
Disciplinas
h médio
Bioengenharia
13,4
Química
9,7
Civil
4,5
Computação
10,3
Materiais
9,2
Mecânica
6,1 Ciências Sociais [H = 5,2]
Disciplinas
h médio
Aborígenes
2
Antropologia
4,6
Criminologia
3,2
Cultura e comunicações
2,2
Economia
6
Estudos do gênero
4,6
Geografia
5,1
Direito
2,8
Linguística
5,6
Política
5
Psicologia
9,6
Religião
2,8
Trabalho social
3,7
Sociologia
5,2
Obs. 1: O índice H é uma medida que relaciona a quantidade e o impacto da produção de um pesquisador. Um índice H=10, por exemplo, significa que 10 de seus artigos repercutiram a ponto de serem citados em pelo menos 10 outros trabalhos. O índice H varia muito entre os campos do conhecimento, pois o impacto de um artigo depende do tamanho da comunidade de pesquisadores. Obs. 2: Cultura de publicação se refere ao fato de cada área, e cada disciplina de cada área, ter uma forma própria de publicar e citar. Fonte: Jarvey, P., Usher, A., McElroy, L. / Making Research Count: Analyzing Canadian Academic Publishing Cultures, 2012. Em http://higheredstrategy.com/
8 | agosto DE 2012
temáticos x Os sistemas de espaços livres na constituição da forma urbana contemporânea no Brasil: produção e apropriação. QUAPA-SEL II Pesquisador responsável: Silvio Soares Macedo Instituição: FAU/USP Processo: 2011/51260-7 Vigência: 01/05/2012 a 30/04/2017
x Função mitocondrial durante a adipogênese no tecido adiposo branco (TAB): efeito de ácidos graxos Pesquisadora responsável: Paula Bresciani Martins de Andrade Instituição: Unicsul Processo: 2011/51701-3 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2016
x Produção do conhecimento em educação física: impacto do sistema de pós-graduação das regiões Sul e Sudeste do Brasil na formação e produção de mestres e doutores que atuam nas instituições de ensino Pesquisador responsável: Silvio Ancisar Sanchez Gamboa Instituição: Faculdade de Educação/Unicamp Processo: 2012/50019-7 Vigência: 01/05/2012 a 30/04/2015
x Efeitos metabólicos do ácido graxo ômega-3 em situações de resistência insulínica Pesquisadora responsável: Maria C. F. de Freitas Instituição: FMRP/USP Processo: 2011/09640-7 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2016
x Obtenção e avaliação de novas variedades copas e porta-enxertos para citricultura de mesa Pesquisadora responsável: Mariangela C. Yaly Instituição: Instituto Agronômico de Campinas Processo: 2011/18605-0 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016 x Lógicas econômicas e práticas espaciais contemporâneas: cidades médias e consumo Pesquisadora responsável: Maria Encarnação Beltrão Sposito Instituição: FCT/Unesp Processo: 2011/20155-3 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2017 x Novos mecanismos celulares, moleculares e imunológicos das lesões renais agudas e crônicas: busca por novas estratégias terapêuticas Pesquisador responsável: Niels Olsen Saraiva Câmara Instituição: Instituto de Ciências Biomédicas/USP Processo: 2012/02270-2 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2017 Jovem Pesquisador x Contribuição da cochaperonina STI1 no desenvolvimento murino: células-tronco embrionárias como modelo de estudo Pesquisadora responsável: Marilene H. Lopes Instituição: Instituto Ciências Biomédicas/USP Processo: 2011/13906-2 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016
x O papel do eixo triptofano - kinureninas na regulação da resposta imune através de receptores de glutamato tipo NMDA na encefalomielite experimental autoimune e na lesão por isquemia e reperfusão cerebral Pesquisador responsável: Jean Pierre Schatzmann Peron Instituição: Instituto Ciências Biomédicas/USP Processo: 2011/18703-2 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016
x Estudo de disfunções na resposta imune inata em pacientes HIV+: correlação com alterações imunológicas e epigenéticas Pesquisadora responsável: Fabiani Gai Frantz Instituição: FCFRP/USP Processo: 2011/12199-0 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2016 x Apoptose nas glândulas salivares humanas: avaliação de marcadores na morfogênese e no processo de tumorigênese da glândula utilizando como modelos o adenoma pleomórfico e o carcinoma mucoepidermoide Pesquisadora responsável: Claudia Malheiros Coutinho Camillo Instituição: Hospital do Câncer A.C. Camargo Processo: 2011/02051-6 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2016 x Luz visível durante o crescimento induz aumento de tolerância de conídios a diferentes condições de estresse em fungos Pesquisador responsável: Drauzio E. N. Rangel Instituição: Univap Processo: 2010/06374-1 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016 x Contribuição da enzima aldeído desidrogenase 2 na progressão da insuficiência cardíaca Pesquisador responsável: Julio C. B. Ferreira Instituição: Instituto de Ciências Biomédicas/USP Processo: 2012/05765-2 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016 x Toxinas de Acanthamoeba spp como fatores de virulência em infecções da superfície ocular Pesquisador responsável: Fabio R. S. Carvalho Instituição: EPM/Unifesp Processo: 2011/51626-1 Vigência: 01/07/2012 a 30/06/2016 x Caracterização funcional de uma recentemente identificada família de MUT9 kinases in Arabidopsis thaliana e cana-de-açúcar Pesquisador responsável: Juan A. C. Mollano Instituição: Instituto de Química/USP Processo: 2011/50483-2 Vigência: 01/06/2012 a 31/05/2016
daniel bueno
Boas práticas Novos estímulos à ética na pesquisa Um evento que reuniu pesquisadores brasileiros para discutir ética na ciência divulgou um documento com recomendações para estimular boas práticas em universidades e instituições de pesquisa do país. As recomendações do II Encontro Brasileiro de Integridade em Pesquisa, Ética na Ciência e em Publicações (Brispe, na sigla em inglês), que aconteceu entre 28 de maio e 1º de junho em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, abordam temas como o plágio e a necessidade de investir na competência linguística dos pesquisadores. Uma das sugestões é que as instituições divulguem em seus sites oficiais orientações e materiais didáticos sobre integridade científica e conduta responsável em pesquisa – e sugere a adoção de documentos de referência para produzir esses textos. Um deles é o Código de boas práticas científicas lançado pela FAPESP em setembro de 2011, um conjunto de diretrizes éticas para a atividade profissional dos pesquisadores que recebem bolsas e auxílios da Fundação. Outros documentos sugeridos são a Declaração de Cingapura sobre Integridade em Pesquisa, um guia global para a condução responsável de pesquisas proposto pela II Conferência Mundial sobre Integridade em Pesquisa e as Diretivas para a Integridade da Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “As recomendações nesta declaração conjunta foram feitas pelos membros de um grupo de trabalho do II Brispe e discutidas antes, durante e após a sessão de políticas internacionais para integridade na pesquisa”, explica
Sonia Vasconcelos, uma das coordenadoras do evento. O documento propõe que as instituições incluam diretrizes sobre integridade científica em suas estratégias para promover a excelência em pesquisa. Também sugere esforços para informar os alunos, do ensino fundamental ao universitário, de que o plágio em monografias, dissertações e teses é violação acadêmica e prática ilegal no Brasil. Constam ainda na declaração o incentivo à participação de alunos e professores em reuniões nacionais e internacionais e/ou cursos sobre integridade científica e condutas responsáveis, e a oferta de oportunidades para que eles possam desenvolver competências linguísticas internacionais para a comunicação da ciência e seus
resultados. Por fim, o documento sugere atividades que disseminem o papel da ética em publicações científicas e difundam parâmetros para declarar a autoria de artigos em trabalhos colaborativos.
Conflito de interesses A Universidade do Texas, em Austin, convocou um painel de especialistas para investigar a acusação de conflito de interesses contra um de seus pesquisadores mais proeminentes. Charles Groat, que entre 1995 e 2005 presidiu o U.S. Geological Survey, centenária organização de pesquisa do governo, é acusado de omitir sua ligação com a Plains Exploration & Production Company num estudo publicado em fevereiro sobre os riscos e benefícios de uma controversa técnica de perfuração para exploração de gás. Groat participa do conselho da empresa, uma das usuárias dessa técnica. Um relatório da organização Public Accountability Initiative ressaltou que, se Groat tivesse
declarado o vínculo, a percepção sobre os resultados de seu estudo poderia ser diferente. O estudo informa que a técnica não contamina o lençol freático. Groat disse à Agência Bloomberg que não teria como enviesar os resultados, pois o estudo tem vários autores. “Certas conclusões são desfavoráveis à indústria de exploração de gás”, afirmou. O código de ética da universidade diz que a pesquisa na instituição deve ser “livre de conflitos de interesse pessoais ou institucionais, reais ou aparentes”. Com salário na universidade de US$ 173 mil anuais, Groat recebeu da empresa de gás, em 2011, US$ 413.900 em dinheiro e ações pelos serviços de conselheiro. PESQUISA FAPESP 198 | 9
on-line
Newton Spolaôr_ nada se cria, nada se perde, tudo se transforma (Resíduos bem-vindos)
Rádio
Esfera com 1,80 m recebe projeções de imagens da Terra e de outros corpos celestes, como a Lua
Newton da Costa liga a filosofia à matemática e relembra o gênio de Alan Turing, pai da computação
eduardo cesar
Nas redes
www . re v i stapes q u i sa . fapesp . br
Jackson Itikawa_ Olha aí, também somos capazes de produzir boas práticas! (Política para uma dieta saudável) Gracielle Tavares_ Li essa matéria, muito benfeita! (Nem só de sexo viviam os libertinos) Marco Aurélio Iasbeck_ é a ciência a favor do homem (Plástico de açaí) EstadoSecular_ Muito interessante.
Exclusivo no site
Parabéns à Fapesp pelos vídeos e ao professor doutor Krieger (Vida na
} A merenda escolar brasileira pode ser exemplo para outros países, segundo ensaio publicado em julho na Plos Medicine. Isso porque, no Brasil, foi estipulado que 70% da alimentação distribuída nas escolas deve ser fresca ou ter processamento mínimo – 30% precisa ter origem na agricultura familiar. O autor Carlos Augusto Monteiro, da USP, diz que nos países industrializados os alimentos ultraprocessados já correspondem a dois terços das calorias ingeridas, enquanto no Brasil é quase um terço. “Essa substituição é uma das maiores responsáveis pela epidemia de obesidade”, explica.
ciência: Eduardo Moacyr Krieger) @GeovanaEbaid Excelente matéria sobre doenças mentais na revista @PesquisaFapesp deste mês! (Tempestades do corpo e da alma) @Leiriane_Alves Lendo a entrevista que a @PesquisaFapesp fez com o professor Eduardo Moacyr Krieger. Está magnífica. Dá para ficar instigada e estudar mais @lacybarca_ Muito boa essa matéria da @isisrnd Veja a Terra em movimento #twitciencia
Vídeo do mês De Mato Grosso ao Amazonas, imagens épicas da Comissão Rondon revelam a cultura indígena no início do século XX http://www.youtube.com/user/PesquisaFAPESP
10 | agosto DE 2012
Assista ao vídeo:
Para ler o código ao lado faça o download do leitor de QR CODE no seu smartphonE
} O globo suspenso em uma sala do Museu Oceanográfico, na Universidade de São Paulo (USP), se transforma na Terra vista do espaço na qual se veem o avanço das correntes marinhas ou a formação de ciclones, graças às imagens de quatro projetores. Essa esfera faz parte do sistema Science on a Sphere, desenvolvido pela Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera dos Estados Unidos (Noaa) e adquirido pelo Instituto Oceanográfico como ferramenta educacional e de pesquisa ao custo de US$ 200 mil. O Science on a Sphere pode ser usado por professores de colégio, docentes da USP e pesquisadores interessados.
WiKi
o que é, o que é? Inversão térmica
Pergunte aos pesquisadores Somos gêmeas univitelinas, e uma de nós consegue enrolar a língua e a outra não. Como é possível? Débora e Vânia Borba [via e-mail]
e outros não. Mais
a língua formando um
exatamente, pelo menos
canudo é um dos
no Sul e Sudeste do Brasil
exemplos clássicos,
e na Europa, onde foram
nos livros escolares
feitos estudos, a forma
de genética,
dominante do gene
de característica
é mais comum do que
determinada
a recessiva (60%),
geneticamente.
e cerca de 75% dos
Mas como quase tudo
heterozigotos são
em biologia, não
bem-sucedidos em
é tão simples assim.
formar o canudo. Esses
A explicação de por que
números foram obtidos
duas pessoas
por vários estudos com
geneticamente
famílias e pares de
idênticas apresentam
gêmeos, tanto idênticos
diferenças nessa
(univitelinos) como
característica é em si
fraternos. O especialista
uma aula interessante
em genética humana
de genética básica.
Paulo Otto participou de
A característica é
um desses trabalhos, nos
determinada por um
anos 1990. Os resultados
gene, abreviado como T,
são um belo exemplo do
de maneira que os
conceito de penetrância
portadores da forma
incompleta, em que
homozigota dominante
um gene não determina
(TT) enrolam a língua
completamente uma
e os recessivos (tt), não.
característica. Isso
O interessante acontece
pode acontecer
com quem tem as duas
por particularidades
formas do gene,
genéticas, ambientais
os heterozigotos (Tt):
ou pela interação entre
alguns conseguem
os dois fatores.
Mande sua pergunta para o e-mail wikirevistapesquisa@fapesp.br, pelo facebook ou pelo twitter @PesquisaFapesp
sem inversão 10 km
A capacidade de enrolar
Maria Assunção Faus da Silva Dias Universidade de São Paulo (USP)
inversão térmica
pressão atmosférica
ar quente
ar quente
ar frio
1 a 3 km
foto léo ramos Ilustracão daniel bueno
PaulO otto Universidade de São Paulo (USP)
Em algumas cidades, às vezes, é possível observar no horizonte a poluição concentrada e, logo acima desse bloco de ar amarronzado, o céu azul livre de nuvens. A poluição é tão distinta que parece existir uma linha fina transparente dividindo a atmosfera. Essa concentração de poluentes ocorre, geralmente, quando há uma inversão térmica. Ela acontece quando a umidade do ar está baixa e o céu praticamente sem nuvens nem vento. É mais comum durante o inverno no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil. No Nordeste ocorre, praticamente, o ano todo. Quando há inversão térmica, o ar frio (mais denso) fica aprisionado próximo ao solo, pressionado por uma camada de ar quente (mais leve). A falta de vento e de umidade também impede a dispersão do ar. Assim, os poluentes emitidos por veículos e indústrias vão se acumulando entre cerca de um e três quilômetros acima da superfície. O fenômeno foi batizado como inversão térmica porque o ar próximo ao solo é, de modo geral, quente, e não frio. Quando não há inversão térmica, o ar realiza um movimento cíclico na atmosfera terrestre: o ar frio desce, esquenta perto do solo, fica mais leve e sobe quente. Os ventos e as nuvens colaboram para essa movimentação e, dessa maneira, os poluentes ficam diluídos pela atmosfera, e não aprisionados próximos à cidade.
PESQUISA FAPESP 198 | 11
Estratégias SciELO integra-se ao Web of Knowledge A FAPESP e a divisão de
da SciELO de aumentar
propriedade intelectual
a visibilidade da ciência
e ciência da empresa
feita na América Latina,
Thomson Reuters
Espanha e Portugal”, disse
anunciaram, no dia 25
Carlos Henrique de Brito
de julho, um acordo para
Cruz, diretor científico da
integrar a base de dados
FAPESP. “A parceria com
do Programa Scientific
a SciELO não apenas irá
Electronic Library Online
aumentar o alcance
(SciELO) à Web of
da pesquisa científica
Knowledge, a mais
de países em
abrangente base
desenvolvimento, mas
internacional de
também trará uma nova
informações científicas.
profundidade a nossos
A associação ampliará
próprios dados.
a visibilidade e o acesso
Pesquisadores de todo
à produção científica do
o mundo terão novos
Brasil e de outros países
insights a partir do
da América Latina, Caribe,
impacto das pesquisas
África do Sul, Espanha,
que emanam destas
Portugal, permitindo a
regiões”, disse Keith
pesquisadores analisar o
MacGregor, vice-
conteúdo regional no
-presidente-executivo
A Universidade de São
Faculdade de Medicina
contexto da produção
da Thomson Reuters.
Paulo (USP) vai ganhar
(FM), ou da Faculdade de
científica internacional.
Atualmente, a SciELO
29 laboratórios voltados
Arquitetura e Urbanismo
“Apoiada pela FAPESP
publica cerca de 40 mil
para aulas práticas
(FAU) às do Instituto de
desde 1998, a base
novos artigos a cada ano,
inovadoras em cursos de
Matemática e Estatística
SciELO é uma das
de mais de 900 periódicos
graduação. A instituição
(IME). Outro exemplo é
primeiras iniciativas a
científicos de acesso
divulgou os projetos
um projeto voltado para
oferecer acesso aberto
aberto da Argentina,
selecionados pelo edital
ciências do mar. “Esse
à literatura científica.
Brasil, Chile, Colômbia,
do programa Pró-
projeto incluirá a
O acordo com a Web of
Costa Rica, Cuba, México,
Inovação no Ensino
construção de uma
Knowledge abre novos
Portugal, África do Sul,
Prático de Graduação
espécie de plataforma
horizontes para a missão
Espanha e Venezuela.
(Pró-Inovalab), lançado
no oceano, onde poderão
em 2011. “Achamos que
ser criadas diferentes
seria importante
espécies”, disse Telma.
qualificar o ensino de
Na área de saúde houve
graduação com
projetos ligados ao uso
atividades sólidas e
de instrumentação de
cientificamente
simulações para aulas
relevantes”, disse à
práticas, como
Agência FAPESP a
manequins para
pró-reitora de Graduação
experimentação virtual.
da USP, Telma Zorn.
Na área de exatas, um
Entre os projetos
exemplo foi um projeto
aprovados, há
da área de computação
laboratórios que irão
voltado para o
interligar disciplinas do
desenvolvimento de
Instituto de Ciências
robôs e inteligência
Biomédicas (ICB) às da
artificial.
ilustração D.Bueno
Laboratórios para a graduação
Alunos da Universidade de São Paulo: projetos para aulas práticas inovadoras
1
12 | agosto DE 2012
fotos 1 Cecília Bastos/Jornal da USP 2 Wellcome trust 3 Antonio Cruz/ABR ilustraçãO daniel bueno
Novo conselheiro britânico
Investimento em novos fármacos
O imunologista Mark
por um orçamento de
Walport, 59 anos, será o
£ 800 milhões ao
conselheiro-chefe para
Conselho de Pesquisa
O Banco Nacional
desenvolver a segunda
assuntos científicos do
Médica e o lançamento,
de Desenvolvimento
fase de testes do
governo do Reino Unido
em dezembro de 2011, da
Econômico e Social
RebmAb100, além de
a partir de abril de 2013,
Estratégia para Ciências
(BNDES) está
um segundo tipo de
em substituição a John
da Vida, que Walport
comprando 16% do
anticorpo monoclonal,
Beddington, que ocupava
ajudou a desenvolver,
capital da Recepta
o RebmAb200. Os dois
a função desde 2007.
com ênfase em
Biopharma, empresa
medicamentos poderão
Walport dirige há nove
programas de medicina
brasileira de pesquisa e
ser testados contra
anos o Wellcome
translacional, aquela que
desenvolvimento (P&D)
vários tipos de câncer.
Trust, tradicional
busca criar um elo entre
que conduz testes
A Recepta é dirigida por
fundação britânica
a pesquisa de laboratório
clínicos em pacientes
José Fernando Perez,
de financiamento à
e o leito do paciente.
com tumor de ovário
professor aposentado
pesquisa na área
“Mas ele terá que se
utilizando um fármaco
do Instituto de Física da
biomédica. Walport será
mobilizar acima e além
em desenvolvimento,
USP e diretor científico
o primeiro cientista
das questões da área a
o anticorpo monoclonal
da FAPESP entre 1993
dessa área a ocupar o
que é vinculado para
RebmAb100. O banco,
e 2005. O aporte de
cargo, que aconselha
atuar como um líder da
por intermédio do
recursos faz parte da
diretamente o primeiro-
comunidade científica”,
BNDES Participações,
estratégia do BNDES de
-ministro, David
disse à revista Nature
e dois sócios privados da
fortalecer a indústria em
Cameron, e seu gabinete.
James Wilsdon,
empresa, os empresários
biotecnologia, formando
A escolha de Walport
especialista em política
Emílio Odebrecht
parcerias entre empresas
reforça o estímulo do
científica da
e Jovelino Mineiro, vão
de P&D como a Recepta
governo Cameron para a
Universidade de Sussex,
investir R$ 35 milhões
e companhias
biomedicina, já garantida
em Brighton.
na empresa para
responsáveis pela
2
Walport: do Wellcome Trust a conselheiro do gabinete britânico
produção e distribuição de medicamentos. “Estaremos dando um passo significativo
Público interessado
para a redução da vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde,
Um balanço da 64ª Reunião Anual da
que é a dependência
Sociedade Brasileira para o Progresso
total das importações
Projeto Shoal: robô aquático identifica chumbo e cobre no mar
da Ciência (SBPC), realizada entre 22 e 27 de julho em São Luís, indicou a participação de 11.912 inscritos, de 700 ci-
no abastecimento de produtos biotecnológicos”,
dades brasileiras – uma presença supe-
disse ao jornal Valor
rior aos 9.022 que se inscreveram na
Econômico Pedro
reunião de 2011, em Goiânia. O público
Palmeira, do BNDES.
que participou das 48 conferências, 55
O anticorpo monoclonal
mesas-redondas, 46 minicursos, cinco
RebmAb100 recebeu
assembleias e outras atividades do en-
3
contro foi significativamente maior que
Daniel Shechtman, Nobel de Química, lota auditório em São Luís (MA)
da Food and Drug Administration (FDA),
o de inscritos. A estimativa é que cerca
Shechtman, ganhador do Nobel de Quí-
de 25 mil pessoas tenham circulado por
mica de 2011, sobre a descoberta dos
dia pelo campus da Universidade Fede-
quase-cristais, que lhe rendeu o prêmio.
ral do Maranhão (Ufma), onde ocorreu
A presidente da SBPC, Helena Nader,
a reunião. Com o tema central Ciência,
elogiou o interesse demonstrado pelos
Cultura e Saberes Tradicionais para En-
participantes. “Também me chamou a
frentar a Pobreza, a reunião recebeu
atenção a grande participação de jovens
potencial eficácia no
4.009 trabalhos de pesquisadores de
graduandos”, afirmou. A reunião da SBPC
combate a doenças com
todo o país. Um dos destaques foi a pa-
em 2013 está programada para Recife,
incidência relativamente
lestra do cientista israelense Daniel
a capital de Pernambuco.
baixa e de menor
dos Estados Unidos, a designação de droga órfã para tratar câncer de ovário. O status é dado para drogas que tenham demonstrado
interesse comercial. PESQUISA FAPESP 198 | 13
Tecnociência Mosquito liberado
1
Telas mais coloridas
Soltura do Aedes em Juazeiro (BA): 80% menos mosquitos
Um experimento
modificado que produz
realizado na cidade de
uma proteína fatal para
Juazeiro, na Bahia,
a prole do cruzamento
mostrou resultados
com fêmeas normais
animadores. Lá,
existentes no ambiente
mosquitos Aedes aegypti
(ver em Pesquisa Fapesp
transgênicos produzidos
nº 180). Enquanto isso,
pela empresa inglesa
a liberação dos mesmos
Oxitec estão sendo
mosquitos da Oxitec na
liberados desde 2011.
ilha de Key West no sul
Segundo a coordenadora
do estado da Flórida,
do experimento, a
nos Estados Unidos, está
professora Margareth
provocando uma reação
Capurro, da
contrária da população.
Universidade de São
Uma petição com mais
Paulo (USP), a supressão
de 100 mil assinaturas
da população de
colhidas durante três
mosquitos foi de 80%.
meses quer a proibição,
A tela LCD de um
pode ganhar valor
Apenas os machos
conforme informou
notebook pode ter uma
agregado e se igualar
(que não transmitem a
a revista Nature em
escala de cores mais
em resultados à
doença) são soltos. Eles
17 de julho. O objetivo
vibrantes com a adoção
tecnologia mais cara.
possuem um gene
da liberação é controlar
de um filme de quantum
A 3M vai incorporar os
o mosquito que
dots, partículas
pontos quânticos feitos
transmite a dengue,
conhecidas em português
de cádmio e fosfeto de
doença diagnosticada
como pontos quânticos.
índio produzidos pela
em 94 pessoas na ilha
Elas são caracterizadas
Nanosys a uma folha de
desde 2009. Para
como nanocristais de
plástico revestida contra
Margareth, o que
vários materiais
umidade e oxigênio. Esse
aconteceu no Brasil
semicondutores que têm
componente vai
foi bem diferente em
propriedades de confinar
substituir um similar
relação ao que ocorre
elétrons em três
chamado de difusor
nos Estados Unidos,
dimensões. O filme foi
produzido pela própria
onde a empresa
desenvolvido pela
3M que faz o equilíbrio
requereu sozinha o
pequena empresa
da luz antes de ela atingir
registro e o experimento
Nanosys, da Califórnia,
a tela. Os quantum dots
do mosquito naquele
nos Estados Unidos, e vai
fazem a conversão de
país. Aqui, a liberação foi
ser produzido pela 3M
parte da luz azul de
aprovada pela CTNBio,
ainda neste ano para uso
fundo da tela, que é
que é a Comissão
em um notebook,
tradicional neste tipo de
Técnica Nacional de
segundo o site da revista
display, em luz vermelha
Biossegurança, e teve
Technology Review
e verde, tornando-as
a participação de outra
(30 de julho). Por ser uma
mais brilhantes e
empresa, a Moscamed,
tecnologia mais barata
coloridas. Assim, com o
também de Juazeiro.
que os Oleds, que são
aumento da escala e
“O time brasileiro e
telas produzidas com
brilho de cores é possível
os esclarecimentos
diodos emissores de luz
ter a qualidade do Oled
à população antes
orgânicos e oferecem
em um LCD de forma
da liberação fizeram a
cores mais claras, o LCD
mais barata.
diferença”, diz Margareth.
14 | agosto DE 2012
fotos 1 Moscamed 2 Rosana de Fátima Shoji/Butantan 3 Jon Page/UofS/NRC e Klaus Adler/IPK-Gatersleben ilustraçãO daniel bueno
O fim do embaço e da sujeira
2
O veneno da pararama
Lagarta Premolis semirufa no tronco de uma seringueira em São Francisco do Pará (PA)
Vidros embaçados
equipamentos ópticos
dentro do carro em
e células solares de
dias de chuva podem
painéis fotovoltaicos
estar com os dias
que, expostas às
contados. Pesquisadores
intempéries, podem ter
chineses, inspirados na
a eficiência diminuída
folha de lótus que não
em até 40% com a
absorve água em sua
sujeira. A camada com
superfície e permanece
nanopartículas de sílica
sempre limpa e seca,
pode deixá-las limpas.
criaram uma solução que
O novo material que
repele a umidade de
funciona como uma
vidro e outros materiais
cobertura invisível
transparentes, além de
com 97% de
deixar a superfície limpa
transparência também
e lisa. Para compor o
tem propriedades
revestimento a ser
antirreflexo e
aplicado sobre vidros,
antiformação de gelo.
eles utilizaram
O estudo, realizado por
Seringueiros da região
e verificar a ação dessa
amazônica encostam com
substância em ensaios in
frequência as mãos nas
vitro e em camundongos.
nanopartículas de sílica
pesquisadores do
cerdas da lagarta
O veneno tem forte
ocas e estruturadas para
Instituto Lanzhou de
pararama (Premolis
atividade na degradação
apresentar um tipo de
Físico-Química e da
semirufa) que vive nos
de certas proteínas.
rugosidade que lembra,
Universidade de Hubei,
troncos das árvores.
“Nos camundongos,
no nível microscópico,
na China, passa agora
O local do acidente fica
foi demonstrado que a
a superfície de uma
para a fase de testes em
inchado e a repetição
pararamose, ao contrário
framboesa. Os usos
linhas de produção para
do contato com as cerdas
do que se imaginava,
desse material poderão
verificar se o material é
leva a quadros graves
não é um tipo de artrite
se estender para os
viável em nível industrial
de inflamação e perda
reumatoide”, diz Denise
para-brisas, telas de
(Applied Physics Letters,
dos movimentos da mão,
Tambourgi, coordenadora
celulares, janelas,
on-line, 16 de julho).
doença que leva o nome
do estudo publicado na
de pararamose. Para
revista PLOS Neglected
entender melhor o veneno
Tropical Diseases.
e suas consequências,
A sequência do trabalho
pesquisadores do Instituto
pretende conhecer
Butantan, em São Paulo,
melhor a ação do veneno
começaram um estudo
e estabelecer uma terapia
para caracterizar
para a doença.
Estruturas das flores da Cannabis que produzem os canabinoides
Uma fábrica de medicamentos
3 3
Pesquisadores da Universidade de Sas-
observada em plantas, de acordo com
Depois usaram as enzimas produzidas
katchewan, Canadá, identificaram um
Jon Page, pesquisador de Saskatchewan.
por esses genes para induzir leveduras a
caminho químico que a maconha (Can-
Por meio dessas enzimas a Cannabis con-
sintetizarem um composto intermediário
nabis sativa) usa para criar compostos
verte um ácido graxo em uma cadeia
na rota bioquímica que leva a canabinoi-
biologicamente ativos chamados cana-
simples de carbono, usado para construir
des como o THC. No Canadá, cerca de
binoides, abrindo o caminho para o de-
moléculas farmacologicamente ativas.
20 mil pessoas estão legalmente autori-
senvolvimento de variedades de maconha
Page e sua equipe analisaram estruturas
zadas a usar canabinoides para aliviar a
aptas a produzirem fármacos de interes-
alongadas chamadas tricomas para iden-
dor ou recuperar o apetite. O canabidiol,
se comercial (PNAS, 16 de julho). Essa
tificar os genes responsáveis pela produ-
outra substância importante dessa plan-
rota bioquímica inclui versões diferen-
ção de substâncias psicoativas como o
ta, poderia ajudar a reduzir a ansiedade
ciadas de enzimas e nunca havia sido
delta-9-tetrahidrocanabinol ou THC.
e proteger os neurônios.
PESQUISA FAPESP 198 | 15
Um produtor poderoso de laser O equipamento de laser mais potente do
segurança e energia por meio da fusão
de segundos para um alvo de milímetros
mundo bateu um novo recorde. Ele fun-
de hidrogênio. O sistema de laser com-
de diâmetro. Segundo o chefe da divisão
ciona desde o início do ano no Laborató-
posto por 192 linhas de luz possui 500
de física de alta densidade de energia do
rio Nacional Lawrence Livermore (LLNL),
Terawatts (TW) de potência e 1,85 me-
Instituto de Tecnologia de Massachusetts
nos Estados Unidos. Foi projetado e cons-
gajoule de energia em cada pulso de luz
(MIT), Richard Petrasso, em comunicado
truído ao longo dos últimos 15 anos e vai
ultravioleta, equivalente a algo em torno
do LLNL, o laser de 500 TW cria condições
servir para estudos de ciência básica,
de 100 vezes o que um laser comercial
inéditas em laboratório só comparadas
produz atualmente. No teste em 5 de
às existentes até agora no interior das
julho, que está sendo chamado de histó-
estrelas. O novo sistema de laser já está
rico, os 192 feixes finos de luz foram dis-
disponível para os pesquisadores das
parados com intervalos de trilionésimos
instituições acadêmicas norte-americanas.
Câmara que faz parte do mais potente sistema de laser do mundo
Identidade dos fósseis
1
Suplemento de pó de conchas
Um estudo realizado no
percebemos que as
Paraná quase dobrou o
espécies que produziram
número de espécies
as pegadas não poderiam
vertebradas conhecidas
ser as mesmas que são
do período Neopermiano
conhecidas por
(de 270 a 250 milhões de
esqueletos dessa idade”,
anos) no Brasil. Os
conta. As descrições
pesquisadores, liderados
são chamadas de
pelo paleontólogo Rafael
icnoespécies porque
Ostras e mexilhões são
presente em 95% a 98%
Costa da Silva, do Serviço
a nomeação com base
uma opção gastronômica
das conchas, tanto
Geológico do Brasil
em pegadas não
cada vez mais
de ostras como de
(CPRM), do Rio de Janeiro,
é reconhecida para
consumida. Separa-se a
mexilhões, para servir
descreveram cinco novas
a descrição científica
parte interna comestível
de matéria-prima em
espécies da paleofauna
completa da espécie.
e as conchas que as
compostos de polímeros
brasileira. Silva explica,
“Nomeamos as pegadas,
formam são jogadas no
como polipropileno,
no entanto, que eles não
usando características
lixo ou mesmo
polietileno e PVC. “O
encontraram nem
morfológicas e
descartadas em lugares
processo faz a queima
estudaram esqueletos de
comparando com outras
impróprios, tornando-se
desse material e o
fósseis. O que fizeram foi
ocorrências.” O estudo foi
um problema ambiental.
transforma em um pó
um estudo descritivo de
publicado no Journal of
Na Coreia do Sul,
para uso na indústria”,
pegadas fossilizadas.
South American Earth
a quantidade de conchas
diz a professora Daniela
“Ao longo do estudo,
Sciences (outubro, 2012).
de ostras atinge as 300
Becker, da Universidade
mil toneladas por ano.
Estadual de Santa
No Brasil não há dados
Catarina (Udesc).
sobre o volume desse
O carbonato de cálcio
material natural
é utilizado pelos
descartado, mas a
produtores de tubos e
preocupação ambiental
conexões como material
existe, como mostra um
de enchimento para
experimento realizado
compor com os
por pesquisadores da
polímeros. Esse
cidade de Joinville, em
carbonato usado na
Santa Catarina, estado
indústria é retirado de
detentor de 90% da
jazidas. O próximo passo
produção desses
dos pesquisadores é
moluscos. Eles
verificar a viabilidade
desenvolveram um
financeira da produção,
processo que utiliza
que deverá ser feita pelos
o carbonato de cálcio
produtores de mariscos.
16 | agosto DE 2012
Pegadas fossilizadas de antigos répteis e desenhos que facilitam a identificação
2
Barragem dos maias Por meio de escavações,
Os pesquisadores
análise de sedimentos
responsáveis pela
e mapeamento, uma
descoberta acreditam
equipe de arqueólogos,
que se trata de um caso
liderada pela
de uso sustentável de
Universidade de
água e terras. Eles
Cincinnati, Estados
chegaram à barragem
Unidos, descobriu
porque pretendiam
impressionantes obras
entender como os
de engenharia em Tikal,
antigos maias
um dos maiores sítios
mantinham em Tikal
arqueológicos e um dos
uma população de
principais centros
5 milhões de pessoas
urbanos da civilização
no ano 700. A barragem
maia pré-colombiana,
da Guatemala é a maior
localizada no norte da
construção hidráulica
Evitar que o carro bata
de Massachusetts (MIT).
Guatemala, incluindo
já conhecida do território
num poste, em outro
Sob a coordenação do
o que deve ter sido
maia e a segunda maior
veículo ou mesmo
professor Karl Iagnemma,
a maior barragem
da América do Sul,
atropele uma pessoa será
o sistema já passou por
construída pelos antigos
superada em área
a função do copiloto
mais de 1.200 testes com
maias na América
apenas por uma
inteligente que poderá
bons resultados. O
Central (PNAS, 16 de
barragem do México
estar instalado nos carros
copiloto tem capacidade
julho). A barragem –
construída entre
do futuro e ajudar os
de tomar a direção
construída de pedra,
os anos 250 e 400.
motoristas a se livrar de
do veículo, no lugar do
entulho e terra – se
Um detalhe que
acidentes. Por enquanto,
motorista, e reorientar
estendia por 80 metros
chamou a atenção
esse novo sistema
o carro antes de uma
de comprimento, atingia
dos pesquisadores é
de segurança
colisão, além de procurar
cerca de 10 metros de
que os maias usavam
semiautônomo está
um lugar seguro para
altura e armazenava
caixas de areia em
instalado apenas em
escape. O sistema utiliza
cerca de 75 milhões de
canais para purificar
veículos do Grupo de
uma câmera e um
litros de água em um
a água que entrava
Mobilidade Robótica do
conjunto de lasers para
reservatório artificial.
no reservatório.
Instituto de Tecnologia
identificar os perigos em
3
Jipe dotado de câmera e laser evita obstáculos em campo de testes
Copiloto inteligente
torno do carro. A equipe também estuda o uso de
fotos 1 Damien Jemison/LLNL 2 Rafael Costa da Silva/CPRM 3 Sterling Anderson/MIT ilustraçãO daniel bueno
smartphones instalados no painel do veículo para aproveitar a câmera, o giroscópio e os acelerômetros, sensores que fazem a localização do usuário ou a imagem ficar na vertical ou na horizontal. Segundo Benjamin Saltsman, gerente de inteligência veicular da Eaton, empresa de soluções para a indústria automobilística, em comunicado do MIT, o novo sistema é mais simples e menos custoso que experimentos de carros totalmente autônomos realizados pelo Google a pela Ford. PESQUISA FAPESP 198 | 17
capa
Abrindo
a Terra Físicos detalham as estruturas e as transformações de minerais em regiões profundas do interior do planeta
ilustrações drüm
Carlos Fioravanti
18 | agosto DE 2012
C
hegar à Lua, a quase 400 mil quilômetros de distância, ou mandar satélites para conhecer outros planetas pode parecer mais fácil do que conhecer a composição e o funcionamento do interior da Terra, uma esfera quase perfeita com 12 mil quilômetros (km) de diâmetro. Os furos de sondagem chegaram a apenas 12 km de profundidade, mal vencendo a crosta, a camada mais superficial. Como não podem examinar diretamente o interior do planeta, os cientistas estão se valendo de simulações em computador para entender como se forma e se transforma a massa sólida de minerais das camadas mais profundas do interior do planeta quando submetida a pressões e temperaturas centenas de vezes mais altas que as da superfície. Como resultado, estão identificando minerais que se formam a milhares de quilômetros da superfície e reconhecendo a possibilidade de existir um volume de água superior a um oceano disperso na espessa massa de rochas sob nossos pés. A física brasileira RenataWentzcovitch, pesquisadora da Universidade de Minnesota, Estados Unidos, é responsável por descobertas fundamentais sobre o interior do planeta empregando, justamente, técnicas matemáticas e computacionais que desenvolve desde 1990. Em 1993, ela elucidou a estrutura atômica da perovskita a altas pressões; a perovskita é o mineral mais abundante no manto inferior, a camada mais ampla do interior do planeta, com uma espessura de 2.200 km, bem menos conhecida que as camadas mais externas (ver infográfico a seguir sobre as camadas do interior da Terra). Em 2004 Renata, com sua equipe, identificou a pós-perovskita, mineral que resulta da transformação da perovskita submetida a pressões e temperaturas centenas de vezes mais altas que as da superfície, como nas regiões mais profundas do manto. Os resultados ajudaram a explicar as velocidades das ondas sísmicas, geradas pelos terremotos, que variam de acordo com as propriedades dos materiais que atravessam e representam um dos meios mais utilizados para entender a composição do interior da Terra. Agora novos estudos de Renata indicaram que a pós-perovskita tende a se dissociar em óxidos elementares, como óxido de magnésio e óxido de silício, à medida que a pressão e a temperatura aumentam ainda mais, como no interior dos planetas gigantes, Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. “Estamos com a faca e o queijo na mão para descobrir a constituição e as diferenças de composição do interior de planetas”, diz. Segundo ela, as técnicas que desenvolveu podem prever
física
geologia
PESQUISA FAPESP 198 | 19
o comportamento de estruturas cristalinas complexas, formadas por mais de 150 átomos. “Ao longo do manto terrestre, as estruturas cristalinas dos minerais são diferentes, mas a composição química das camadas do interior da Terra parece ser uniforme.” Por meio de trabalhos como os de seu grupo agora se começa a ver melhor como os minerais do interior da Terra tendem a perder elasticidade e se tornarem mais densos quando submetidos a alta pressão e temperatura, que aumentam com a profundidade. Em razão do aumento da pressão é que se acredita que a densidade do centro da Terra – formado por uma massa sólida de ferro a temperatura próxima a 6.000 graus Celsius (ºC) – seja de quase 13 gramas por centímetro cúbico, quatro vezes maior que a da superfície, indicando que em um mesmo volume cabem quatro vezes mais átomos. Sem direito à ficção e apegados a métodos rigorosos como a análise dos resultados de cálculos teóricos, de experimentos em laboratório, de levantamentos geológicos e da velocidade das ondas sísmicas, físicos, geofísicos, geólogos e geoquímicos estão abrindo o planeta e ampliando o conhecimento sobre as regiões de massa rochosa compacta abaixo do limite de 600 km, que marca uma região mais densa do manto, a chamada zona de transição, a partir da qual se conhecia muito pouco. Os especialistas acreditam que poderão entender melhor – e talvez um dia prever – os terremotos e os tsunamis, além de identificar jazidas minerais mais facilmente do que hoje, se conseguirem detalhar a composição e os fenômenos das regiões inacessíveis do interior do planeta.
oceanos Submersos Mesmo das camadas mais externas estão emergindo novidades, que desfazem a antiga imagem do interior do planeta como uma sequência de camadas regulares como as de uma cebola. Em 2003, por meio de levantamentos mundiais detalhados, pesquisadores dos Estados Unidos começaram a ver irregularidades da crosta, cuja espessura varia de 20 a 68 km, deixando as regiões mais finas mais sujeitas a terremotos e as mais espessas, a colapsos. “Começamos a ver a interação da crosta e a região mais superficial do manto”, comentou o geofísico Walter Mooney, do Serviço Geológico dos Estados Unidos, no Frontiers in Earth Science, encontro realizado no início de julho na Universidade de São Paulo (USP). Os geofísicos dos Estados Unidos estão reexaminando as possíveis consequências de dois fenômenos que ocorrem com a crosta. O primeiro é o mergulho das placas tectônicas – pedaços móveis e rígidos da litosfe20 | agosto DE 2012
ra, a camada superficial que inclui a região mais externa do manto – em regiões mais profundas do manto, ampliando o risco de tremores de terra nas regiões onde ocorrem. Os dados reiteram as conclusões de um estudo recente coordenado por Marcelo Assumpção, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Físico de formação, Assumpção, em colaboração com pesquisadores da Universidade de Brasília, verificou que os tremores de terra no Brasil ocorrem com maior frequência em regiões onde a crosta e a litosfera são mais finas, portanto mais frágeis. A entrada de água na litosfera, abaixo da crosta, é outro fenômeno que está sendo delineado. É intrigante porque a água não poderia ser armazenada na crosta inferior por causa da pressão exercida pelas camadas de rochas e da temperatura de cerca de 205ºC; portanto, O interior evaporaria rapidamente. da Terra pode Na verdade, o que existe no interior da Terra não é abrigar um exatamente água, mas os componentes da molécula volume de água de água, hidrogênio e oxigênio, ligados à estrutura equivalente a cristalina dos minerais na vários oceanos, forma de H2O ou OH. Mooney e sua equipe na forma detectaram uma intensa intromissão aquática em de moléculas regiões dos Andes onde a crosta atinge 65 km de de H2O e OH espessura, mas não soubedispersas em ram explicar a razão desse fenômeno. “Onde essa meio à massa água está armazenada? Qual o volume?”, questiode rochas nou-se, diante dos colegas de vários países que compareceram à reunião científica na USP. Talvez, ele comentou, a água venha das placas tectônicas que afundam ou se afastam. Os especialistas viram que a litosfera sem água é geologicamente mais antiga, enquanto a hidratada é mais recente, indicando que a hidratação poderia contribuir para a formação ou transformação das camadas mais externas ou mesmo do manto mais profundo, próximo ao núcleo. Moléculas de água são importantes porque, “mesmo em proporções ínfimas, de 0,1%, podem mudar a viscosidade dos materiais, e portanto a visão sobre a circulação de matéria e energia no interior da Terra”, comenta o físico João Francisco Justo Filho, professor da Escola Politécnica da USP que trabalha com Renata Wentzcovitch desde 2007. “Uma grande quantidade de água pode
Uma prensa sob nossos pés Os minerais do interior do planeta perdem elasticidade e se tornam mais densos à medida que a pressão e a temperatura aumentam crosta
crosta
Profundida
de em km 0
manto superior
0
Temperaturas aproximadas
o ssã Pre pa g em
600ºC
20
zona de transição
MANTO superior
1.300ºC
40 1.000
60 80
manto inferior
Zona de transição
100 2.000
região d’’ 3.000
3.500ºC
200
núcleo externo 4.000
MANTO inferior
5.000
Núcleo externo
300
núcleo interno
6.500ºC 6.000
Núcleo interno
6.371
360
A perovskita em transformação
Quando a Terra treme Terremotos geram dois tipos de ondas, P e S. As ondas P atravessam toda a Terra, enquanto as S morrem ao encontrar o núcleo externo. A trajetória das ondas depende das propriedades dos materiais que atravessam
Elevadas pressões e temperaturas modificam o mineral mais abundante no manto inferior
Ondas P Ondas S
epicentro
pe
ondas
p
e
ondas
s
Magnésio
s
Oxigênio (pontas dos octaedros)
núcleo interno sólido
núcleo externo líquido
zona de sombra de ondas p
p manto
A perovskita se transforma em pós-perovskita no interior da Terra e eventualmente se decompõe em óxidos simples nas regiões mais próximas do núcleo dos planetas gigantes do sistema solar
105º
p
zona de sombra de ondas p
ondas retas
Silício (centro dos octaedros)
di
1
sem
2
ondas sem iretas d
infográfico drüm imagens 1 Andrew Silver / USGS 2 Renata Wentzcovitch fonte universidade de york
Região D’’
0º
14
crosta sem ondas s diretas
PESQUISA FAPESP 198 | 21
estar escondida no manto inferior em minerais”, afirma o geoquímico Francis Albarède, da Escola Normal Superior de Lyon, França. “Talvez o equivalente a um oceano inteiro.” Ou mais, “talvez vários oceanos”, cogita Renata. Por meio de cálculos computacionais, ela começou a examinar as possibilidades de dois átomos de hidrogênio substituírem o magnésio ligado ao oxigênio e formarem unidades de H2O. “Quanto mais procuramos, mais encontramos defeitos nas estruturas cristalinas, onde o hidrogênio poderia entrar”, diz ela. O problema é que não se sabe quanto hidrogênio pode estar armazenado no manto. Mais abaixo, as incertezas aumentam, diante da impossibilidade de medir com precisão o que se passa a 6.000 km de profundidade. Ainda se conhece pouco sobre a composição do núcleo terrestre, tão denso a ponto de concentrar 30% da massa do planeta em duas regiões, uma externa, líquida, e outra interna, sólida, onde a temperatura pode ir além de 6.000 oC. Uma equipe da University College London usou a mesma abordagem conceitual que o grupo de Minnesota, a teoria funcional de densidade, para estimar a intensidade do fluxo de calor que vem da região limítrofe entre o núcleo e o manto, a partir da quantidade de ferro, oxigênio e enxofre e silício sugerida pelas velocidades de ondas sísmicas que atravessam o núcleo e pelo fluxo de calor do manto inferior. Os resultados, publicados em maio na Nature, indicaram que o fluxo de calor que emana do núcleo deve ser duas a três vezes maior que o previamente estimado. Para onde foi ou vai essa energia, nem imaginam.
Minerais em decomposição Muitos estudos em andamento se concentram no manto, uma espessa camada sólida, levemente flexível, que se deforma muito lentamente, como o piche. A não ser nas raras ocasiões em que o magma emerge por meio dos vulcões, trazendo material do manto, os estudos são feitos de modo indireto, por meio do monitoramento da velocidade das ondas sísmicas, e é difícil saber diretamente o que se passa no manto. Os japoneses querem ir além do recorde de 12 km já perfurados e chegar ao manto usando um navio com uma sonda semelhante à de um petroleiro. A missão, anunciada em julho na revista New Scientist, não será simples: os materiais das brocas a serem usadas para perfurar a crosta e chegar ao manto devem resistir a pressões 2 mil vezes maior que a da superfície e temperaturas próximas a 900ºC, uma tarefa similar ao plano de extrair petróleo da camada de pré-sal do litoral paulista. “Eu cozinho rochas, para entender como se formaram”, diz o geólogo Guilherme Mallmann, pesquisador do Instituto de Geociências da USP, 22 | agosto DE 2012
Visões da Terra Athanasius Kircher 1665
Hans Kramer 1902
Sob pressões muito altas, os átomos de ferro perdem uma de suas características marcantes, o magnetismo, e se tornam mais compactos que adotou outro método para conhecer melhor o interior do planeta. Em laboratório, ele submete os componentes químicos que constituem os minerais a altas pressões e temperaturas. Fornos e prensas como os que ele usa, porém, só permitem reproduzir fenômenos que se passam a até 150 km de profundidade, a região do manto superior em que se formam o magma, que às vezes emerge por meio dos vulcões. As condições de pressão mais profundas do interior da Terra também podem ser alcançadas experimentalmente, segundo ele, mas é muito mais difícil. Como pressão é o resultado da força sobre uma área, o volume de material analisado teria de ser reduzido bastante para se alcançar essas pressões altíssimas. “Construir prensas maiores é muitas vezes inviável.” A perovskita, assim chamada em homenagem ao mineralogista russo Lev Perovski, forma-se em ambientes sob pressões e temperaturas elevadas, que no manto inferior podem variar de 23 a 135 gigapascal (1 gigapascal é cerca de 10 mil
Bruce Bolt 1973
Adam Dziewonski 1990
O Projeto Simulação e modelagem de minerais a altas pressões nº 09/14082-3 modalidade Projeto Temático Coordenador João Francisco Justo Filho – USP investimento R$ 184.378,73
vezes maior que a pressão na superfície terrestre) e 2.000ºC a 4.000ºC. Renata apresentou a estrutura cristalina desse mineral – um silicato de magnésio e ferro – em 1993 na revista Physical Review Letters por meio de losangos verdes e amarelos, lembrando a bandeira brasileira. A razão era simples: “Saudade”, diz a pesquisadora, que mora nas cidades gêmeas Mineápolis-Saint Paul, com 2,5 milhões de habitantes, próximo à fronteira com o Canadá, onde a temperatura no inverno pode se manter em 20ºC negativos durante semanas. Em colaboração com físicos da Itália e do Brasil, Renata verificou que os átomos de ferro de um mineral chamado ferropericlásio, o segundo mais abundante no manto inferior, perdem uma de suas propriedades mais marcantes, o magnetismo, desse modo explicando um fenômeno que havia sido observado em laboratório. Em 2007 João Justo trabalhou em Minnesota com Renata e desenvolveram uma série de equações que estabelecem a mudança de propriedades elásticas e velocidades sísmicas durante a surpreendente perda de magnetismo do ferro resultante do aumento da pressão no mineral ferropericlásio. “O tamanho do átomo de ferro diminui quando perde o momento magnético e desse modo torna o ferropericlásio mais denso. Além disso, minerais com ferro amolecem durante o processo lento de densificação, como já havia sido observado em laboratório, mas ainda não havia sido explicado”, diz Justo. É um fenômeno surpreendente porque o normal é o material endurecer quando se torna mais denso. Os resultados a que ele e Renata chegaram foram publicados em 2009 na revista PNAS e explicaram a perda de magnetismo sob pressão e temperatura equivalentes às do manto inferior,
que James Badro, das universidades de Paris 6 e 7, havia detectado em laboratório e relatado na Science em 2003 e 2004. A verificação experimental desse fenômeno, uma das grandes descobertas da geofísica dos últimos anos, indicou que a proporção de ferro não magnético pode aumentar com a profundidade e, além disso, que as camadas mais profundas do manto inferior podem ser ainda mais densas que as menos profundas.
A jornada Quando era pré-adolescente, Renata gostava de fazer os testes de matemática que seu avô Adolfo Foffano lhe passava todos os dias em que estavam juntos, nas férias de final de ano em Sumaré, interior paulista. Ela estudou física na Universidade da São Paulo e chegou à Berkeley, nos Estados Unidos, em 1983, por recomendação de José Roberto Leite e Cylon Gonçalves da Silva. A jornada de Renata incluiu uma temporada em Cambridge e em Londres, de 1990 a 1992, depois de ela ter ampliado as possibilidades de uso de suas técnicas de simulações de materiais. Suas novas técnicas eram tão gerais que serviam para estudar o movimento atômico e as transformações de estrutura cristalina a altas pressões e temperaturas. Para isso, ela usou o chamado cálculo de primeiros princípios, baseado na teoria funcional de densidade, cuja essência é simples: a energia total de um conjunto de elétrons em seu estado de equilíbrio depende da densidade total de elétrons. Depois de muito trabalho, deu certo. “Em menos de um mês, com minhas técnicas, resolvi a estrutura do silicato de magnésio a alta pressão, em que os pesquisadores de Cambridge trabalhavam havia dois anos”, diz ela. Resolver uma estrutura, ela explica, “significa identificar a posição de equilíbrio e os graus de liberdade de uma estrutura cristalina com certa simetria que minimizam a energia interna”. Até então podiam-se determinar facilmente apenas estruturas como a do diamante, formada por dois átomos na base e um grau de liberdade, que se reflete na distância entre os átomos de carbono. A estrutura da perovskita tem 20 átomos de silício, magnésio e oxigênio e 10 graus de liberdade, “é muito mais complexa que a estrutura dos semicondutores e por isso o seu comportamento a altas pressões era até então desconhecido”, diz ela. No início, um de seus problemas era que não podia conferir experimentalmente suas previsões teóricas. Mas, em 2003, trabalhando com pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Tóquio, Renata e sua equipe de Minnesota analisaram o espectro de raios X que diferiam muito dos esperados a pressões muito altas. Eles concluí ram que havia ocorrido uma transformação de PESQUISA FAPESP 198 | 23
fase – ou mudança de estrutura cristalina – para uma estrutura desconhecida. “No início não acreditei”, diz ela, “porque a perovskita parecia tão estável!” No ano seguinte, um artigo na Science apresentou a nova estrutura cristalina e lançou a pós-perovskita, hoje reconhecida como o material mais abundante na região do manto conhecida como D’’, em contato com a camada mais externa do núcleo da Terra. “A pós-perovskita explica muitas características geofísicas dessa região da Terra”, observou Mallmann, da USP. A pós-perovskita tem uma estrutura em camadas, através das quais viajam as ondas sísmicas, em velocidades que dependem da direção inicial. Esse trabalho reforçou a conclusão de outros estudos, que haviam indicado que esse mineral poderia se formar em diferentes profundidades do manto inferior. No relato publicado na Science em 24 de março de 2004, o físico Surendra Saxena, da Universidade Internacional da Flórida, Estados Unidos, contestou as conclusões, disse que ainda acreditava que a perovskita se decompõe apenas nas regiões do manto mais próximas do núcleo e lembrou que a teoria ainda não era perfeita, mas estudos subsequentes sobre a propagação de ondas sísmicas parecem confirmar a presença da pós-perovskita na região D’’. “Temos tido muita sorte”, comentou Renata. “Os resultados de cálculos computacionais de velocidades na pós-perovskita são surpreendentes, pois reproduzem muitas observações sismológicas da região D”, até então inexplicáveis. Não dever ser simples coincidência.” Foi também em 2004, quando esse trabalho começou a circular, que Renata recebeu um financiamento de US$ 3 milhões da National Science Foundation, dos Estados Unidos, para montar o Laboratório Virtual de Materiais Planetários e Terrestres (VLab) no Instituto de Supercomputação da Universidade de Minnesota. O VLab reuniu químicos, físicos, cientistas da computação, geofísicos e matemáticos que, motivados pela possível existência da pós-perovskita em outros planetas, começaram a ver as prováveis transformações que os minerais poderiam sofrer no interior dos planetas gigantes do sistema solar – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, com massa pelo menos 10 vezes maior que a da Terra, sob pressões e temperaturas ainda mais altas. Os resultados de seu grupo, como os detalhados na Science em 2006, apresentando as prováveis transformações do silicato de magnésio nos planetas gigantes mais próximos da Terra, indicaram que essas técnicas de cálculo podem ser úteis para estudar a evolução de planetas. “Os padrões de comportamento dos minerais em planetas diversos não podem ser só coincidência”, ela comentou, diante da plateia que a 24 | agosto DE 2012
ouvia atentamente durante o seminário na USP. As simulações do comportamento de materiais em altas profundidades e os estudos experimentais, principalmente quando se casam, ajudam a elucidar os fenômenos do interior da Terra. Em julho, pesquisadores franceses anunciaram que conseguiram recriar em laboratório as condições ambientais do limite do núcleo externo com o manto inferior. Eles mostraram, por meio de análises de raios X, que as rochas parcialmente derretidas quando submetidas a alta temperatura e pressão podem se mover em direMesmo que o ção à superfície da Terra, originando conhecimento ilhas vulcânicas como as do Havaí.
científico deixe menos espaço para viagens como a de Júlio Verne, a Terra não deixa de ser fascinante
Uma Terra mais real As novas informações sobre o interior do planeta alimentam o trabalho de grupos brasileiros de pesquisa em geofísica básica, focados no exame da Terra em grande escala, em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Distrito Federal. De modo mais amplo, beneficiam as equipes de geofísica aplicada, que trabalham com petróleo, mineração e água subterrânea, da Bahia, Pará, Rio, São Paulo, Rio Grande do Norte, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Vistos em conjunto, os resultados ajudam a construir uma imagem mais sólida da Terra, já representada de muitos modos nos últimos séculos. O conhecimento sobre a estrutura e o interior da Terra avançou bastante desde 1912, quando o geofísico alemão Alfred Wegener concluiu que a Terra deveria ser formada por placas rígidas que se movem, e se distancia cada vez mais das imagens poéticas da Viagem ao centro da Terra, a magnífica obra do escritor francês Júlio Verne, publicada em 1864. “Hoje sabemos que o interior da Terra, diferentemente do que Júlio Verne escreveu”, assegura Justo, “é absolutamente misterioso e certamente inabitável”. Nem por isso, diz Assumpção, nosso planeta deixa de ser fascinante. n
Artigos científicos Wentzcovitch, R.M. et al. Ab initio molecular dynamics with variable cell shape: Application to MgSiO3. Physical Review Letters. v. 70, p. 3.947-50. 1993. Tsuchiya, T. et al. Phase transition in MgSiO3 perovskite in the earth’s lower mantle. Earth and Planetary Science Letters. v. 224, n. 3-4, p. 241. 2004. Wentzcovitch, R.M. et al. Anomalous compressibility of ferropericlase throughout the iron spin crossover. PNAS. v. 106, p. 8.447-52. 2009.
MBL-ICB-FAPESP Joint Courses Held at the Juquehy Praia Hotel in São Paulo, Brazil
Biology of Parasitism November 4-9, 2012 Aplication Deadline: August 31, 2012 Directors:Alan Sher (National Institutes of Health, USA); Boris Striepen (University of Georgia, USA); Maristela Camargo (University of São Paulo, Brazil) A unique course for advanced graduate students, postdocs, and independent investigators, who are seeking an opportunity for education and networking in the study of protozoan and helminthic parasites. The focus of the course is on the molecular basis of parasite function and the host/parasite interaction with special emphasis on the most recent and exciting developments in these areas.
Considerable financial support is available for selected students. Courses and informal discussion sections will be conducted in English. Invited speakers will give a lecture in their area of expertise and meet informally with students. The students will have the opportunity to network with faculty recognized as leaders in their respective fields. Limit 50 students each course.
The course consists of lectures and informal discussions. About 22 invited speakers will give a lecture in their area of expertise and meet informally with students. These lectures will cover most of the systems and areas of active research in modern parasitology. The students will have the opportunity to network with faculty recognized as leaders in their respective fields.
Neural Systems & Behavior December 9-14, 2012
Application Deadline: August 31, 2012 Directors: James Knierim (Johns Hopkins University, USA); Newton Canteras (University of São Paulo, Brazil); Paul Katz (Georgia State University, USA) A one-week lecture course designed for doctoral students, post-docs, and junior faculty. Students will learn current concepts related to the neural basis of behavior based on the study of a number of different model systems. Topics range from evolution and development of the nervous system to learning and memory and social behavior. Each morning and afternoon session will be devoted to a particular topic, in which eminent faculty members present lectures covering both the basic backgrounds as well as latest developments in their fields. Each day will also include specific times in which students have the opportunity to meet the faculty lecturers and discuss their topics in an informal setting. In addition, three speakers will present research lectures in the evening. Thus, the course will mix both didactic instruction with standard research seminars to provide students with a broad overview of current progress in understanding the neurobiological mechanisms of behavior.
Courses supported with funds provided by: • São Paulo State Council for Science (FAPESP) • University of São Paulo (USP)
For registration and more information, visit: http://www.icb.usp.br/mblcourses/index.html
MBL
Marine Biological Laboratory
eduardo cesar
Brรกulio Ferreira de Souza Dias 26 | agosto DE 2012
entrevista
A voz dos megadiversos Fabrício Marques
O biólogo brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias participou de todas as 10 edições da Conferência das Partes (COP) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) das Nações Unidas – desde a primeira delas, em 1994, nas Bahamas, até a mais recente, realizada em Nagoya, no Japão, em 2010. Como representante do Ministério do Meio Ambiente do Brasil
idade 59 anos especialidade biologia e políticas públicas em biodiversidade formação Universidade de Brasília (graduação) e Universidade de Edimburgo (doutorado) instituição Convenção sobre Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas
(MMA), onde trabalhou por duas décadas, Bráulio teve um papel importante nas negociações de Nagoya, que resultaram num inédito acordo para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e microrganismos. O principal avanço foi um protocolo sobre acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS, na sigla em inglês), o qual estabelece que cada país é soberano sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a eles só poderá ser feito com o seu consentimento (ver Pesquisa FAPESP nº 178). O Brasil, na liderança dos chamados países megadiversos, aqueles que abrigam a maioria das espécies do planeta, ajudou a desemperrar negociações que se arrastavam havia 18 anos. O esforço de Bráulio credenciou-o a assumir, em fevereiro, uma posição inédita para um brasileiro: a de secretário-executivo da CBD, nomeado pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. Ele deixou o cargo de secretário nacional de Biodiversidade e Florestas do MMA e trocou Brasília por Montreal, no Canadá, onde funciona a sede da CBD. Sua primeira missão é preparar a COP 11, que acontece em outubro em Hyderabad, na Índia, e acelerar a agenda de implementação das medidas tomadas no Japão, oferecendo, por exemplo, treinamento para funcionários de governos que vão lidar com os efeitos do Protocolo de Nagoya. Em Hyderabad, pela primeira vez, trocará o papel de negociador pelo de organizador. “Agora PESQUISA FAPESP 198 | 27
tenho de ser neutro, mas minha experiência será útil. Sei o que costumam ser as maiores dificuldades na negociação e o que tenho que fazer para tentar evitá-las”, afirma. Bráulio Dias é um daqueles pesquisadores que fizeram a transição da universidade para o terreno das políticas públicas. Formado em biologia pela Universidade de Brasília (UnB), tornou-se professor da instituição depois de fazer doutorado em zoologia na Universidade de Edimburgo, na Escócia. Casado, pai de um filho, Bráulio Dias concedeu a Pesquisa FAPESP a entrevista a seguir: Queria começar abordando sua carreira científica, como professor da UnB, e da transição para o campo das políticas públicas. Como foi essa mudança? Meu início de carreira foi na área de ciência. Fui pesquisador do IBGE, aliás, me aposentei recentemente. E na UnB fui aluno e também professor, depois de fazer doutorado na Escócia. Havia um convênio entre a UnB e o Reino Unido na área de ecologia. O curso de pós-graduação em ecologia da UnB foi um dos primeiros do Brasil e foi criado em parceria com cursos do Reino Unido. Nesse espírito, fiz pós-graduação na Universidade de Edimburgo e, ao voltar, me integrei à UnB. Inicialmente fui professor de proteção florestal, trabalhando no Departamento de Engenharia Florestal, ou com missões ligadas a incêndios florestais e outros temas referentes à proteção florestal. Depois me transferi para o Departamento de Ecologia, onde fui responsável por disciplinas e orientação de alunos na área de biodiversidade, na área de ecologia do cerrado, ecologia do fogo.
nizei projetos grandes, de cooperação internacional, na reserva ecológica. No final dos anos 1980 comecei a me envolver mais com a contribuição da ciência para formular políticas públicas e fui convidado para ser diretor de políticas públicas no Ibama, em 1991. Fiquei no Ibama por dois anos e foi nessa época que começaram as negociações acerca da Convenção sobre Diversidade Biológica. Me envolvi com o tema e, em 1993, fui convidado para implementar a área de biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente. Acabei ficando 20 anos lá. Sempre estive ligado à biodiversidade. Mas também explorei interfaces com questões de clima, usos na agricultura e outros temas ligados à biodiversidade,
negociada, ela é uma convenção-quadro, que dá as diretrizes gerais, mas não estabelece objetivos, metas e mecanismos específicos. Foram necessários muitos anos para concluir esse processo de negociação da convenção. Nós fomos explorando pouco a pouco diferentes temas, por grandes recortes geográficos e de biomas. Depois trabalhamos com temas transversais, como pesquisa científica sobre biodiversidade ou os instrumentos econômicos. A percepção que se tem hoje, nessa trajetória de 20 anos, é um tanto dividida. Tem gente que avalia, com toda a consciência, que a CBD é uma das convenções ambientais mais bem-sucedidas sob vários aspectos. Por exemplo: ela tem cobertura praticamente universal. Nós temos 192 países-membros e uma região econômica, que é a Comunidade Europeia, e ela teve sucesso em negociar e construir uma agenda internacional da biodiversidade estabelecida por consenso. Não é fácil quando se trabalha por consenso. Basta um ou poucos países discordarem que não se consegue fechar uma negociação. Necessariamente, trabalha-se mais devagar. A vantagem da negociação por consenso é que se levam todos os países junto. Algumas pessoas prefeririam trabalhar com países que têm mais liderança e deixar os outros para trás, mas países que têm mais liderança não necessariamente precisariam do resultado da negociação para avançar. A gente conseguiu depois de muitos anos negociar metas quantitativas. No início havia muita resistência dos países participantes, pelo receio de eles serem cobrados se não conseguissem implementar as metas. A COP 10, em Nagoya, foi uma culminação do período inicial de normatização. Conseguimos fechar a negociação do Protocolo de Nagoya e também o plano estratégico para essa década até 2020 com 20 metas globais. Havíamos também, em 2008, na Alemanha, negociado a estratégia para mobilizar recursos financeiros para a implementação da convenção. Então os principais elementos para o avanço da agenda da biodiversidade foram dados.
Na negociação por consenso, trabalha-se mais devagar. A vantagem é que todos os países vão junto
E ao mesmo tempo o senhor estava vinculado ao IBGE? É, ao mesmo tempo. Era pesquisador sênior no IBGE. O instituto tem uma reserva ecológica em Brasília e realiza uma série de estudos bem detalhados em parceria com instituições do Brasil e do mundo inteiro, e eu me envolvi com isso. Coordenei várias pesquisas, orga28 | agosto DE 2012
que é bastante vasta. E com isso o senhor participou de todas as COPs da Convenção sobre Diversidade Biológica, desde os anos 1990... Participei de todas as COPs e da maioria das reuniões científicas da convenção. Fui um dos organizadores da COP 8, que aconteceu em Curitiba em 2006. A próxima COP vai ser a primeira da qual o senhor participa como secretário da CBD. Houve grandes avanços na COP de Nagoya, depois de muito tempo de paralisia. Como vê a evolução e o que espera da próxima conferência? A convenção foi aberta para assinatura na Conferência Rio-92 e entrou em vigor em dezembro de 1993. Do jeito como foi
Mas também há quem não veja essa trajetória como um sucesso... Por outro lado, a convenção sofre críticas – bem fundamentadas – de que há uma distância muito grande entre o que foi acordado na CBD e a prática que se vê em cada país. Há uma defasagem de implementação. Isso é verdade. Mas não é privilégio da CBD a defasagem entre compromissos internacionais e implementação em cada país. Os temas de biodiversidade são complexos. Alguns deles, como acesso aos recursos genéticos e repartição dos benefícios, são temas muito inovadores. Não há referências internacionais sobre isso. Isso traz uma dificuldade maior para os países implementarem os compromissos.
Várias decisões de Nagoya terão sua implementação definida nas próximas conferências. Como as próximas COPs serão importantes para consolidar as decisões de Nagoya? Com relação à temática de ABS, que é o acesso e a repartição de benefícios, isso vai aguardar a ratificação do Protocolo de Nagoya. Estamos trabalhando em algumas frentes. Estamos fazendo campanhas e publicações para esclarecer governos e setores interessados do que se trata o Protocolo de Nagoya e qual é a vantagem dos países em ratificá-lo. Ao mesmo tempo, estamos organizando oficinas de capacitação para treinar técnicos. Muitos países não têm pessoas com experiência nessa área, então temos que formar. Fa-
O Brasil ratificou só em maio o Protocolo de Nagoya. Houve demora? A CBD entrou em vigor apenas um ano e meio após ser assinada. Em convenções internacionais, é um recorde. Tem algumas que demoram mais de 10 anos para entrar em vigor. O Protocolo de Nagoya foi assinado em outubro de 2010 e até hoje temos cinco países que protocolaram seus instrumentos de ratificação. Outros dois já anunciaram que ratificaram, mas não recebemos ainda: Etiópia e Ilhas Fiji. Os relatos são de que o processo não está parado, os países estão avançando. Agora, cada país tem sua complexidade. Esse é um tema que envolve não só a área legal ambiental, mas também tem relevância para os setores agrícola, da saúde ou da biotecnologia. Muitos países, antes de ratificar o protocolo, vão ter que revisar as suas legislações nacionais sobre o tema, ou criar um marco legal. Tem países que são federados, em que há uma obrigatoriedade de consulta a todos os estados antes de o governo nacional se pronunciar a respeito da adoção de uma nova convenção. Minha expectativa é que a gente tenha o Protocolo de Nagoya ratificado não para essa conferência em outubro, na Índia, mas na próxima, a COP 12, em outubro de 2014. Se conseguirmos isso, não considero que estará tarde para a ratificação.
zemos desde o ano passado, com ajuda de vários parceiros. Estamos agora inaugurando uma fase-piloto do mecanismo de intercâmbio de informação do futuro Protocolo de Nagoya. Antes mesmo de o protocolo entrar em funcionamento, temos que colocar em vigor uma fase-piloto desse mecanismo. Isso permitirá que todos os usuários de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados possam saber se o que está sendo utilizado foi devidamente autorizado no país de origem, se passou por um processo de consentimento junto a comunidades locais, indígenas, se a autoridade nacional designada emitiu um certificado internacional de autorização para evitar situação de biopirataria. Com
relação aos outros temas da convenção, o principal desafio é engajar mais setores da sociedade. Nós não vamos alcançar as chamadas 20 metas de Aichi, definidas no encontro de Nagoya, apenas com o trabalho dos ministérios do Meio Ambiente em cada país. Ali nós temos metas para reforma de instrumentos econômicos, para incorporação de biodiversidade nas contas nacionais, para reduzir desmatamento e outras formas de perda de biodiversidade, para desenvolver a produção sustentável na área da agricultura, aquicultura, floresta e pesca. Há necessidade de envolver esses outros setores, em cada país, para que se consiga trabalhar para o alcance dessas metas. O que a CBD pretende fazer para que essas metas sejam cumpridas até 2020, lembrando do fracasso dos países no cumprimento das metas de biodiversidade estabelecidas para 2010? Temos que criar os mecanismos que vão nos ajudar a implementar esses compromissos. Uma das questões é essa de capacitação. Outra é de mobilização de recursos financeiros. Outra é de engajamento dos outros setores. A gente já começou isso. A partir da COP 8, de Curitiba, iniciamos um engajamento das cidades. Tem uma iniciativa, aprovada na COP 9, chamada Cidade e Biodiversidade. Aprovamos em Nagoya um plano de ações para engajar os governos subnacionais, dos estados e das províncias em cada país. Começamos também uma iniciativa para atrair o setor privado. Em dezembro passado foi lançada em Tóquio uma plataforma global sobre biodiversidade e negócios, para alertar o setor empresarial da necessidade de reduzir sua pegada ecológica sobre a biodiversidade. Estamos trabalhando também com uma série de outros organismos internacionais que são parceiros. Por exemplo, vários órgãos da ONU. O Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] está finalizando uma estratégia global sobre a biodiversidade. O Banco Interamericano de Desenvolvimento sinalizou uma estratégia de como tratar melhor as questões da biodiversidade.
Muitos países não têm técnicos experientes para lidar com os resultados de Nagoya. Vamos treiná-los
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O senhor acha que esse tipo de medida seria capaz de prevenir um novo fracasso no cumprimento de metas? Não diria que é suficiente, mas passa por aí. A convenção é implementada principalmente no plano nacional, porque se reconheceu a soberania nacional de uso dos recursos naturais. Nós estamos agora, a partir da COP 10, com recursos do Fundo Mundial do Meio Ambiente, ajudando os países a revisar suas estratégias nacionais de biodiversidade, a definir metas nacionais de biodiversidade para 2020. No Brasil, em abril de 2011, a gente preparou um processo chamado Diálogos da Biodiversidade, que promoveu consultas a diversos setores. O governo brasileiro está tratando de concluir esse processo para ver se consegue adotar uma estratégia nacional de biodiversidade com novas metas. E um dos grandes desafios é como fazer isso de tal forma que não seja só uma estratégia do Ministério do Meio Ambiente, mas que seja do governo como um todo. Essa foi uma lição aprendida. O Brasil conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia porque foi uma política pública, de Estado, envolvendo uma dúzia de ministérios diferentes, governos estaduais, Ministério Público, para conseguir reverter o processo de desmatamento na Amazônia. E a mesma coisa será necessária para que a questão da biodiversidade seja tratada com responsabilidade em cada setor.
decisões. Depois eu tenho que implementar as decisões. Há implicações globais e regionais a respeito das quais o secretariado da CBD tem de tomar iniciativas. Esse é o meu papel, o de ajudar mais os países, a capacitar mais os países, para que eles tenham condições de implementar os compromissos. Na COP de Nagoya o senhor teve um papel de liderança, de costurar negociações para um final satisfatório. Não poderá usar essa experiência agora? É uma experiência útil na minha nova função. Como tive a experiência de negociador, ao conduzir os trabalhos do secretariado na preparação de reuniões e documentos eu já sei o que costumam
verno, o Executivo dos Estados Unidos, assinou o compromisso de ratificar. E o Executivo americano tem participado ativamente de todas as decisões e de todos os programas de trabalho da convenção. E não trabalham contra. Trabalham alinhados aos objetivos da convenção. Por exemplo, quando os Institutos Nacionais de Saúde, nos Estados Unidos, financiam projetos de pesquisa no exterior para o desenvolvimento de novas drogas, eles colocam nos editais deles que é obrigatória a assinatura de acordos de acesso e repasse de benefícios antes do início dos trabalhos. Quando Nagoya entrar em vigor, os Estados Unidos não terão condição de conseguir recursos genéticos em outros países sem cumprir as regras que vão ser as válidas internacionalmente. Não depende de quem é o presidente, se é mais um menos simpático ao meio ambiente. Exatamente. Houve um incidente alguns anos atrás com a Indonésia e empresas dos Estados Unidos e Europa para o desenvolvimento de uma vacina contra a gripe aviária. A variedade de vírus que causava essa gripe era originária de Indonésia. Foi solicitado ao governo indonésio autorização para coleta desse material para ser levado à América do Norte e Europa para desenvolvimento da vacina. A Indonésia concedeu a autorização, só que os laboratórios públicos norte-americanos desenvolveram pesquisa e depois repassaram para laboratórios privados para fabricação de vacina. Quando a vacina entrou no mercado, o governo indonésio tentou ter acesso à vacina e isso foi negado. Isso foi um precedente muito ruim, causou um mal-estar enorme e foi objeto de intensas negociações na Organização Mundial da Saúde, o que levou a assinatura de um acordo no âmbito da OMS para evitar esse tipo de situação. Isso foi muito discutido em Nagoya quando a gente finalizou a negociação do protocolo. É isso que se entende por repartição dos benefícios. Você tem de ter acesso aos benefícios gerados pelo uso da biodiversidade do seu país.
Os EUA não irão conseguir recursos genéticos em outros países sem cumprir as regras internacionais
Como vai ser participar de uma conferência como secretário da CBD? Que muda na sua atuação? Muda bastante. Como representante do governo brasileiro nas reuniões da convenção, eu fazia parte de uma delegação de um país com mandato de negociação. Agora não. Tenho de ser neutro. Os países é que têm de negociar livremente sobre suas preferências nas decisões da COP. O meu papel aqui na secretaria é desenvolver todos os estudos e a documentação em apoio às reuniões preparatórias e depois em apoio à própria conferência para que os países tenham os elementos disponíveis para tomar boas 30 | agosto DE 2012
ser as maiores dificuldades na negociação e o que tenho que fazer para tentar evitá-las. Também tive a experiência de 20 anos no Ministério do Meio Ambiente no Brasil e conheço o desafio de implementar uma política nacional de biodiversidade num país megadiverso. Essas duas experiências me ajudarão bastante. Considerando que os Estados Unidos não ratificaram a CBD, como fica a questão de as empresas norte-americanas continuarem a usar moléculas ou processos oriundos da biodiversidade de países megadiversos? Os Estados Unidos não ratificaram porque isso depende de uma decisão do Congresso norte-americano. Mas o go-
Como vê a ratificação do chamado protocolo complementar de biossegurança? Os países terão de fazer seguros no caso de acidentes com transgênicos? Não. O protocolo suplementar não exige isso. Isso era um dos pontos de negociação, mas não contou com o apoio da maioria dos países e caiu. Se esse protocolo entrar em vigor, não exigirá que os países façam esse tipo de seguro antes de qualquer comercialização de organismos geneticamente modificados vivos. Qual será o impacto disso? Há uma percepção de setores da agricultura de que esse protocolo poderá causar barreiras para a exportação de transgênicos. Mas o protocolo suplementar foi aprovado em Nagoya por unanimidade. Todos os países quiseram o protocolo. É ilusão então algum país exportador de transgênicos achar que vai conseguir exportar no futuro para outros países sem discutir questões de responsabilidade e segurança com relação a riscos que a exportação de transgênicos vivos pode causar. Esse protocolo teve um número menor de cartas de assinaturas de compromisso de países para ratificar. Foram uns 50 países. No caso do Protocolo de Nagoya, tivemos 92, 93 países que assinaram. Faz supor que a ratificação do protocolo suplementar será mais demorada.
Qual será a relação da CDB com a IPBES, uma espécie de IPCC da biodiversidade, integrado por cientistas? A CBD vai ser uma das principais clientes dessa plataforma, que vai coordenar global e regionalmente a elaboração de avaliações do estado do conhecimento científico sobre temas da biodiversidade e serviços ecossistêmicos. E isso deverá nortear melhor as negociações nessa área. Estive no Paraná em abril, na reunião que aprovou a criação da plataforma. Acompanhei todas as etapas anteriores de negociação e estamos agora acompanhando a fase final. Tem um cronograma para a conclusão dos trabalhos para que no ano que vem a plataforma possa funcionar. Funcionando, deverá
multilateral e você tem que atender às preocupações de todos os países. Um dos resultados importantes é o estabelecimento de um processo para negociação de objetivos e desenvolvimento sustentável. Isso tem que ser resolvido até 2015. Também foi criado um compromisso de se criar um processo de mobilização de recursos financeiros. Já em relação aos objetivos, onde havia mais expectativa, não se conseguiu fechar na Rio+20. Conseguiu-se apenas concordar com o início de um processo de negociação. Para fazer uma avaliação final do alcance da Rio+20, a gente vai ter de aguardar mais alguns anos para ver o desdobramento dos compromissos firmados. Na conferência de Nagoya, o texto apresentado antes da reunião dos chefes de Estado trazia uma série de pontos para negociação. Na Rio+20, isso não aconteceu. Foi apresentado um texto sem trechos polêmicos e os chefes de Estado apenas chancelaram esse texto. Os negociadores não poderiam ter sido mais ambiciosos? A gente sempre acha que poderia ter mais. O problema é que, de novo, o documento reflete o grau de convergência possível naquele momento. Temos que lembrar que, por um lado, alguns países estão enfrentando grave crise financeira. Por outro lado, muitos países com economia altamente dependente de petróleo e combustíveis fósseis ainda resistem bastante a assumir um compromisso mais forte em reduzir essa economia baseada em fóssil. A Rio+20 não foi uma reunião negociadora de acordos como foi a Rio-92. A Rio-92 tinha processos de negociação que duraram vários anos e que geraram a Convenção de Clima, a Convenção sobre Diversidade Biológica e vários outros. Essa aqui foi diferente, foi mais semelhante – se você quiser comparar – com a Rio+10, em Johannesburgo, em 2002. Ou então com Estocolmo, em 1972. Foram grandes conferências para chamar a atenção do mundo para uma maior cooperação numa agenda, não necessariamente para construir novos instrumentos regulatórios. n
O resultado da Rio+20 refletiu o grau de convergência possível num momento de crise financeira
No ano passado, quando o senhor estava no ministério, houve um embate com cientistas envolvendo autorizações para pesquisa de biodiversidade aqui no Brasil e multas contra quem fazia pesquisa sem autorização do ministério. Nessa sua função, vai enfrentar alguma tensão semelhante com pesquisadores? Não posso entrar em discussões internas. Sugiro que você converse com o meu sucessor no ministério. A comunidade científica participa dos temas da CBD de várias formas. Agora com a criação do IPBES [Plataforma Internacional de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos], os cientistas vão contar com um mecanismo melhor para que tenham uma participação mais coordenada.
atender a demandas de clientes. Poderemos formular demandas, dizendo, por exemplo, “preciso de informações sobre qual é o estado atual e tendências de tal tema na área de biodiversidade”. E a IPBES vai coordenar os trabalhos junto à comunidade científica. Falando da Rio+20, o que achou do resultado em relação à biodiversidade? O documento final da Rio+20 reconhece a importância da biodiversidade, tem um capítulo sobre a biodiversidade e muitas referências a todo momento sobre questões de biodiversidade. A reclamação que muitos têm é que a linguagem não foi a mais forte possível. Mas tem que lembrar de novo que é uma negociação
PESQUISA FAPESP 198 | 31
política c&T produção científica y
Equilíbrio delicado Estudos mostram que a estrutura da comunidade científica dos Brics é cada vez mais parecida com a dos países desenvolvidos Fabrício Marques
A evolução do perfil das disciplinas em alguns países O gráfico mostra a que campos do conhecimento pertencem as 10 disciplinas de maior peso em cada país em relação ao mundo – e a evolução desse perfil entre 1991 e 2009
%
1991 2009
Ciências da Terra, Ciências do meio ambiente, Energia
Matemática, Física, Química, Engenharias
Agricultura
Ciências da vida
100 90 80 70 60 50 40 30 20 10
fonte A comparison of disciplinary structure in science between the G7 and the BRIC countries, 2012
32 z agosto DE 2012
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e que forma os sistemas de ciência e tecnologia de nações emergentes, como Brasil, Rússia, Índia e China, podem ser comparados com os de países desenvolvidos, que têm uma comunidade científica mais consolidada? Um estudo feito por um grupo de pesquisadores da China, publicado no site da revista Scientometrics, mostrou que, apesar das notáveis diferenças entre as estruturas científicas dos chamados Brics e do grupo dos países mais ricos do mundo, o G7, o fosso que separa os dois blocos vem diminuindo. O trabalho, cujo autor principal é Li Ying Yang, da Biblioteca Nacional da Academia Chinesa de Ciências, analisou como as comunidades científicas desses países se distribuem em disciplinas e grandes campos do conhecimento, adotando como parâmetro artigos científicos publicados. Enquanto a produção científica dos países ricos apresenta certa homogeneidade e um equilíbrio entre as várias áreas do conhecimento, com as ciências da vida na liderança, os Brics têm uma estrutura mais heterogênea, sem uma identidade comum, e apresentam um predomínio de disciplinas como física, química, matemática e engenharias – exceção feita ao Brasil, que tem um perfil mais próximo dos países industrializados. Mas essa concentração decresceu nos últimos 20 anos – com os Brics se tornando cada vez mais equilibrados. O índice da desigualdade O coeficiente de Gini analisa diferenças de desempenho entre disciplinas de cada país. Quanto mais baixo, maior o equilíbrio entre elas. Quanto mais alto, maior a polarização
1991
2000
2009
0,647 0,517 0,388 0,258 0,129
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fonte A comparison of disciplinary structure in science between the G7
and the BRIC countries, 2012
De acordo com Yang, a decisão de buscar um equilíbrio entre as disciplinas ou investir pesadamente em áreas estratégicas é sempre complexa e responde a necessidades particulares de cada nação. “As estruturas disciplinadas de cada país são influenciadas por fatores culturais, a história política e a geografia, além de serem afetadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico”, observou o pesquisador. “No entanto, a experiência demonstra que uma estrutura assimétrica pode fazer mal para o desenvolvimento sustentado em ciência e tecnologia”, afirmou Yang, referindo-se à importância de manter uma comunidade científica interessada em todos os campos do conhecimento e preparada para enfrentar desafios científicos e tecnológicos futuros onde quer que eles apareçam. O grupo chinês desenvolveu uma metodologia para comparar a estrutura de disciplinas na ciência do bloco dos Brics e na do G7. Os artigos publicados na base Web of Science, da empresa Thomson Reuters, nos anos 1991, 2000 e 2009 são a matéria-prima de sua análise. Esses artigos foram classificados segundo a lista de mais de 170 disciplinas do Journal Citation Reports, que é usado para avaliar revistas científicas. A metodologia, convém esclarecer, utiliza apenas o número de artigos, e não o de citações e/ou fatores de impacto. Trata, portanto, de volume, e não de qualidade. Da mesma forma, ignora o peso das colaborações internacionais. Cada artigo é creditado a apenas um país, aquele a que pertence o autor correspondente, responsável pelo envio do trabalho para publicação. Foram calculados parâmetros como a porcentagem do número de artigos de um país em cada disciplina em relação ao número total de artigos do mesmo país, e também a porcentagem dos artigos de cada disciplina no mundo em relação ao total de artigos publicados mundialmente. A relação entre esses dois parâmetros deu origem a um indicador normalizado, o Índice de Atividade (AI), que mensurou o peso de cada disciplina no país em relação ao mundo e ajudou os pesquisadores a comparar as estruturas disciplinares das nações. O artigo apresenta gráficos expressivos, como os que ilustram a abertura desta reportagem. Num deles, as disciplinas foram reagrupadas em quatro grandes áreas do conhecimento: ciências da vida; ciências agrárias; ciências da Terra, do meio
cienciometria
pESQUISA FAPESP 198 z 33
Perfis disciplinares distintos Na distribuição de artigos científicos por disciplina, Estados Unidos e Inglaterra têm perfis equivalentes, que se distinguem, contudo, dos demais países da Europa ou do bloco formado por Argentina, México e Brasil 26
Papers (%)
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EUA Inglaterra
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Clí nic am éd Qu ica Bio ím log ica ia Fís eb ioq ica uím E Ne Ciê ngen ica uro ciê Botâ ncia haria ss ni Bio nci log a e ca e ocia is co zo ia m mo po olog l Ps ecul rtam ia iqu ar en e iat ria gen to éti /P Me ca s i io c am Ge olog b o ia Ciê iente ciên nc / E cias i a c Ec on dos m ologi om a ia ater e ne iais Ciê g nc ó M c ia da atem ios co mp ática ut Ciê Imu ação n nc ias olog Fa rm ia esp ac olo Micr acia ob is gia i o e Ciê tox logia ic nc ias olog Mu agrí ia ltid col a isc ipl s ina r
32 30 28 26 24 22 20 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0
ambiente e energia; e matemática, física, química e engenharias. Foram avaliadas as 10 disciplinas de maior proeminência em cada país, aquelas que apresentaram Índice de Atividade mais elevado. Embora tenham uma estrutura considerada balanceada, os Estados Unidos apresentaram um gráfico de apenas uma cor – todas as 10 disciplinas de maior peso são do campo das ciências da vida, como medicina e biologia. Já no caso da China e da Índia, as 10 pertencem ao campo da matemática, física, química e engenharias. O Brasil apresentou sete disciplinas em ciências da vida, uma em matemática, física, química e engenharias, e duas em ciências agrárias.
fonte perfil normalizado de países (cpi) – Revisiting country research profiles: learning about the scientific cultures - 2012
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or fim, para cada país, foi calculado o coe ficiente de Gini na distribuição do peso das disciplinas, medido por meio do AI. O coeficiente de Gini é utilizado para medir desigualdades. Quando inferior a 0,3, os autores consideram que a estrutura disciplinar é balanceada. Quando excede 0,4, consideram que a estrutura é assimétrica e polarizada. A evolução do coeficiente de Gini entre 1991 e 2009 foi capaz de mostrar com acuidade como cada país está mudando. Os Brics estão em um franco processo de redução da concentração e de busca do equilíbrio. O Brasil, por exemplo, tinha um coeficiente de 0,568 em 1991, considerado polarizado, mas esse índice caiu para 0,389 em 2009, na faixa de equilíbrio. O mesmo ocorreu com a Índia, que caiu de 0,471 para 0,360, e a China, que foi de 0,568 para 0,395. A Rússia foi uma grande exceção. O coeficiente de Gini permanece estacionado na casa dos 0,64 desde 1991. O investimento em disciplinas no campo da matemática, física, química e engenharias, que remontam aos tempos da Guerra Fria, ainda segue prevalente. Os Estados Unidos elevaram ligeiramente seu coeficiente de Gini, de 0,182 em 1991 para 0,229 em 2009. Na França, a desigualdade caiu – coeficiente foi de 0,297 para 0,158. “O mundo desenvolvido está estacionado, enquanto nós estamos mudando”, diz Hernan Chaimovich, vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor aposentado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e assessor da Diretoria Científica da FAPESP. Se a tendência de equilíbrio entre as áreas do conhecimento é uma evidência animadora, os dados suscitam uma discussão sobre qual seria a sintonia fina mais desejável entre as disciplinas – embora o modelo bem-sucedido de um país não necessariamente seja adequado para outra nação. “Nos Estados Unidos há um forte debate sobre a perda relativa de espaço, nos últimos anos, das disciplinas do campo das engenharias, com queda inclusive do número de alunos de graduação, mas não é possível afirmar que essa discussão serve para os demais países”, afirma Rogério
Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO. No caso do Brasil, a falta de engenheiros já é apontada como um gargalo para o crescimento econômico sustentado (ver Pesquisa FAPESP nº 149). Segundo Meneghini, o país, ao contrário dos demais Brics , tem uma tradição em disciplinas das ciências da vida. “Isso remonta ao início do século XX, com grandes cientistas como Carlos Chagas e Oswaldo Cruz, que foram influenciados fortemente pela pesquisa que era feita na Europa. Já a China, a Índia e a Rússia não sofreram essa influência”, diz. Ele cita como exemplo os estudos da genética na extinta União Soviética, que ficaram embotados durante boa parte do século passado devido à influência no país do biólogo ucraniano Trofim Lysenko (1898-1976), que renegava a genética mendeliana. Para Hernan Chaimovich, o debate sobre essa sintonia fina no Brasil é relevante, mas ainda secundário. “O número de cientistas no país ainda é pequeno quando se compara com a média dos países desenvolvidos. Precisamos aumentar o número de cientistas em todas as áreas”, afirA grande questão, ma. A questão fundamental, segundo Chaimovich, é o fato de a qualidade segundo Hernan da pesquisa brasileira não aumentar na mesma proporção da produção Chaimovich, é o científica. “Quantidade e qualidade fato de a qualidade precisam crescer juntos. Temos de criar estratégias que favoreçam isso”, diz o professor, que cita como da pesquisa exemplo a estratégia da FAPESP em brasileira não estimular a internacionalização da brasileira, financiando procrescer na mesma ciência jetos de pesquisa em colaboração com instituições de outros países. velocidade da Embora os países desenvolvidos produção científica exibam uma estrutura mais consolidada, é um engano imaginar que formem um monolito. Outro estudo publicado on-line na mesma revista Scientometrics em março, assinado por Peter Schulz e Edmilson Manganote, professores do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra que o chamado “modelo ocidental”, em que há predominância da pesquisa médica e biomédica, apresenta, na verdade, uma série de nuanças. Estados Unidos e Reino Unido, de fato, seguem um padrão muito semelhante, com a medicina respondendo por um quarto da produção científica, mas nos países da Europa continental a distribuição é diferente, com uma participação um pouco maior de física e química – e a medicina variando de 18% (Espanha) a 30% (Áustria). “O modelo ocidental divide-se claramente em dois subgrupos”, diz Peter Schulz.
O
s pesquisadores da Unicamp basearam sua análise nos perfis de países divulgados pelo Science Watch, da Thomson Reuters, que ranqueia a produção científica de cada país (incluindo citações) acumulada em aproximadamente 10 anos nos 22 principais campos do conhecimento. Com base nesses dados, os brasileiros propuseram um novo indicador, o índice de perfis de países (CPI, na sigla em inglês), também com o objetivo de comparar a estrutura disciplinar das nações. “O artigo dos chineses utilizam uma metodologia mais sofisticada. No nosso caso usamos inicialmente dados abertos, pensando em criar uma ferramenta de análise destinada a um público menos especializado em cienciometria, mas agente importante nas tomadas de decisão no território científico”, explica Schulz. O CPI também mostra a heterogeneidade no perfil dos Brics e indica que o perfil de publicações do Brasil se assemelha mais ao da Argentina e do México, com predomínio da medicina clínica, química, física, botânica e zoologia – e as ciências agrárias ocupando um espaço superior ao da média mundial (4% do total da produção brasileira). Coreia do Sul, Taiwan e Japão formariam outro bloco claramente definido, com um papel mais proeminente das engenharias (ver gráficos). “A estrutura disciplinar pode ser correlacionada com as estratégias de desenvolvimento econômico de cada país, como apontamos brevemente para os casos dos tigres asiáticos e países dos Brics”, diz Schulz. Tanto o estudo chinês como o brasileiro sugerem uma mudança do perfil disciplinar do Brasil, tornando-o cada vez mais próximo do modelo ocidental. Manganote, da Unicamp, alerta para um viés nesses dados, que foi a inclusão recente de várias publicações científicas brasileiras na base Web of Science. Havia apenas 26 revistas brasileiras nessa base de dados em 2006. Hoje elas são mais de uma centena. “O espectro das publicações brasileiras indexadas na base de dados WoS se expandiu a partir de 2007. Mas esse conjunto ainda não corresponde, certamente, à realidade brasileira. Provavelmente algumas áreas, como ciências agrárias, negócios e economia, ainda estão encobertas pela incompletude da base utilizada”, diz, referindo-se à produção brasileira ainda não indexada internacionalmente. Outro viés importante, dizem os pesquisadores da Unicamp, diz respeito ao baixo peso das ciências humanas e sociais na estrutura disciplinar de vários países, inclusive europeus, que seria resultado do fato de a produção científica nessas áreas não estar representada em revistas indexadas no Web of Science, mas em publicações regionais e livros. “Discutimos em nosso artigo como a base de dados WoS não fornece um retrato totalmente fiel da estrutura disciplinar de um país”, diz Peter Schulz. n pESQUISA FAPESP 198 z 35
Reconhecimento y
Referências intelectuais Prêmios internacionais, como o concedido a Fernando Henrique Cardoso, valorizam a imagem da comunidade científica brasileira
O
sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, 81 anos, recebeu no dia 10 de julho o Prêmio John W. Kluge, concedido pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. O prêmio, no valor de US$ 1 milhão, foi criado para reconhecer a obra de estudiosos em áreas de ciências humanas e sociais não incluídas nas categorias do Prêmio Nobel, como história, filosofia, ciência política, psicologia, antropologia e filosofia. “Estou profundamente comovido por este título inesperado. Sou o primeiro brasileiro – e o primeiro latino-americano – a receber o Prêmio Kluge. É um verdadeiro privilégio”, disse Fernando Henrique, em seu discurso de agradecimento. “Tempos atrás, seria difícil para mim imaginar um prêmio como este. Passei boa parte da minha carreira acadêmica estudando as relações entre os países ricos e os países da periferia – nações como o Brasil, economicamente e geograficamente distantes. Esta divisão entre rico e pobre parecia imutável”, afirmou. Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Henrique governou o Brasil entre 1995 e 2002. Foi senador da República (1983 a 1992), ministro das Relações Exteriores (1992) e ministro da Fazenda (1993 e 1994). O historiador James H. Billington, que comanda a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos desde 1987, destacou o peso da obra do sociólogo brasileiro. “O presidente Cardoso tem sido aquele tipo de pesquisador moderno que combina co-
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fotos 1 library of congress 2 e 3 wikimedia commons
arquitetura
ecologia
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Fernando Henrique é cumprimentado pelo historiador James Billington ao receber o Prêmio John Kluge em Washington. Ao lado e abaixo, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, que outorgou o prêmio de US$ 1 milhão
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políticas públicas
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sociologia
pESQUISA FAPESP 198 z 37
nhecimento profundo com respeito às evidências empíricas”, afirmou. “Sua aspiração fundamental é buscar a verdade sobre a sociedade, mantendo-se aberto a revisitar suas conclusões quando novas evidências se acumulam.” O prêmio é admiO físico José nistrado pelo Centro Kluge Goldemberg foi da Biblioteca do Congresso, criado graças a uma doação laureado com do empresário John Kluge (1914-2010) com o objetivo o Prêmio Planeta de “promover um relacionamento enriquecedor entre o Azul, considerado mundo das ideias e o mundo o Nobel do da ação, entre estudiosos e líderes políticos”. campo do Segundo comunicado da Biblioteca do Congresso, a meio ambiente escolha de Fernando Henrique foi baseada em sua contribuição como sociólogo e intelectual, que serviu de alicerce para sua liderança política. “Sua análise acadêmica das es- letto, escrevemos um livro que descrevia truturas sociais do governo, da economia um mundo complexo e dinâmico”, disse e das relações raciais no Brasil estabele- Fernando Henrique. “Partindo da análiceu a base intelectual para sua liderança se econômica do economista argentino como presidente na transformação do Raúl Prebisch e de outros pensadores Brasil de uma ditadura militar com alta da Cepal [Comissão Econômica para a inflação em uma democracia vibrante e América Latina e Caribe], percebemos mais inclusiva com forte crescimento que a periferia estava longe de ser hoeconômico”, afirmou o comunicado. A mogênea e estática. Nós sublinhamos a instituição ressaltou a “enorme energia formação histórica das classes sociais, intelectual” do ex-presidente do Brasil, do Estado, bem como as relações difeautor ou coautor de mais de 23 livros rentes com o mercado mundial.” Tais acadêmicos e de 116 artigos científicos. diferenças, disse o ex-presidente, pavi“Ele se tornou internacionalmente co- mentaram o caminho para diferentes nhecido pela análise inovadora desen- formas de desenvolvimento econômico volvida com o chileno Enzo Faletto no e social. “Isso queria dizer que os países debate das melhores alternativas para o pobres não são condenados ao atraso desenvolvimento”, justificou a biblioteca. permanente, mas desafiados a enconO trabalho em parceria com Faletto está trar os caminhos adequados para supeno livro Dependência e desenvolvimento rar as barreiras estruturais. Isso parece na América Latina, de 1969. evidente hoje, mas foi considerado uma heresia naquela época. Fomos um dos primeiros a falar sobre a internacionali"uma heresia na época" Os dois autores destacaram o papel de zação dos mercados internos”, afirmou fatores internos na compreensão dos em seu discurso. processos estruturais de dependência. Concedido desde 2003, o prêmio já Procuraram mostrar como diferentes distinguiu, entre outros, o historiador formas de articulação entre economias norte-americano Jaroslav Pelikan (1923nacionais e sistema internacional indica- 2006), o filósofo francês Paul Ricoeur vam formas distintas de integração com (1913-2005) e o filósofo polonês Leskek os polos hegemônicos do capitalismo. Kolakowski (1927-2009). No passado “Trabalhando com meu colega Enzo Fa- recente, outros nomes da academia e da 38 z agosto DE 2012
pesquisa do Brasil foram reconhecidos por prêmios internacionais. Um exemplo é o físico José Goldemberg, laureado em 2008 pela Asahi Glass Foundation, do Japão, com o Prêmio Planeta Azul, com direito a 50 milhões de ienes (o equivalente a R$ 800 mil), por “ter dado grandes contribuições na formulação e implementação de diversas políticas associadas a melhoras no uso e na conservação de energia”, com destaque para um conceito formulado por ele segundo o qual, para se desenvolver, países pobres não precisam repetir paradigmas tecnológicos trilhados no passado pelos ricos. Criado em 1992 e apontado como um equivalente ao Nobel na área ambiental, o Prêmio Planeta Azul já reconheceu a contribuição de pesquisadores como o britânico James Lovelock, criador da hipótese de Gaia, que vê a Terra como um grande organismo vivo. Na sua última edição, anunciada na Conferência Rio+20, teve como um dos ganhadores Thomas Lovejoy, o biólogo que introduziu o termo biodiversidade na comunidade científica. Em 2006, o arquiteto e urbanista Paulo Mendes da Rocha, 82 anos, tornou-se o segundo brasileiro a ganhar o Prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura mundial. Oscar Niemeyer foi premia-
fotos Miguel Boyayan
O arquiteto Paulo Mendes da Rocha recebeu em 2006 o Prêmio Pritzker, o mais importante da arquitetura
do em 1988. “Seus materiais de concreto, que são sua assinatura, e seus métodos de construção inteligentes e notavelmente diretos criam prédios poderosos e expressivos reconhecidos internacionalmente”, informou o júri do Pritzker. A arquitetura de Paulo Mendes da Rocha é um exemplo do pensamento que caracteriza a escola paulista da arquitetura brasileira, vertente encabeçada por João Batista Vilanova Artigas, e difundida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, da qual Mendes da Rocha tornou-se professor. A escola paulista preocupava-se essencialmente com a promoção de uma arquitetura “crua, limpa, clara e socialmente responsável”. Na opinião do sociólogo Simon Schwartzman, estudioso da comunidade científica brasileira e pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), o reconhecimento internacional de nomes como Fernando Henrique, Goldemberg e Mendes da Rocha tem grande importância para a ciência brasileira. “Além do prestígio e do orgulho que estes prêmios trazem, ajudam a formar a imagem de que temos no Brasil pessoas competentes que atuaram ou atuam em instituições de alto nível, capazes por isso de participar de igual para igual em redes de in-
tercâmbio de conhecimentos, receber estudantes e especialistas internacionais”, afirma o professor, que ressalta a origem dos três pesquisadores. “Eles foram professores da Universidade de São Paulo, que é considerada a melhor universidade da América Latina, e uma das poucas da região a aparecer nos rankings internacionais de excelência acadêmica”, diz. “Mas nos falta, ainda, um Nobel”, completa. orgulho nacional
Há vários exemplos de laureados com prêmios científicos e acadêmicos que inspiraram as gerações seguintes, observa o historiador da ciência Shozo Motoyama, professor da USP. Um deles foi o primeiro Nobel de Física concedido a um japonês, o físico teórico Hideki Yukawa, em 1949. “O prêmio devolveu o orgulho nacional ao Japão arrasado pela guerra e incentivou os jovens nipônicos a se dedicarem à carreira de cientista, com excelentes resultados”, diz Motoyama. Um segundo exemplo é o do dinamarquês Niels Bohr, Nobel de Física em 1922. “O prêmio encheu de orgulho a pequena Dinamarca, que financiou o Instituto de Física de Copenhague, onde não só os dinamarqueses, mas também os jovens físicos talentosos de todo o
mundo, puderam desenvolver as suas pesquisas. Um dos resultados da atuação desse instituto foi a premiação de outro dinamarquês pelo Nobel: Aage Bohr, filho do Niels, em 1975”, afirma. “Acho importante essas premiações do ponto de vista da sociedade brasileira, uma nação sem tradição científica. Num mundo globalizado em rede, a procura por identidades, seja individual, nacional, comunitária, religiosa ou outras, passa pela criação de referências, leia-se mitos, que alavanquem a sua cultura”, observa Motoyama. José Goldemberg afirma que há pesquisadores brasileiros que tiveram credenciais para ganhar um Nobel, como Carlos Chagas (1878-1934), descobridor do protozoário causador da doença que seria conhecida como mal de Chagas, e Maurício da Rocha e Silva (1910-1983), que descobriu a bradicinina usada contra hipertensão. “Há uma injustiça do Nobel em relação à contribuição dos países periféricos”, diz Goldemberg. “Jorge Amado foi um escritor mais importante do que muitos vencedores do Nobel de Literatura.” Goldemberg lembra que o Nobel foi criado nos primeiros anos do século XX, baseado numa estrutura disciplinar da época, e reconhece contribuições em física, química e medicina ou fisiologia. “Mesmo os prêmios da Paz e de Economia não estavam previstos no testamento de Alfred Nobel, que morreu em 1896, e foram criados posteriormente”, diz. O Prêmio Planeta Azul que Goldemberg recebeu é apontado como uma espécie de Nobel da ecologia, área do conhecimento que estava longe de ser uma preocupação da ciência em 1901. “É um prêmio importante e me ressenti um pouco da pouca repercussão que teve no Brasil. A premiação do Fernando Henrique, que é totalmente merecida, lavou minha alma, pois vários de nós demos contribuições significativas. No caso do ex-presidente, é um exemplo de intelectual que contribuiu para resolver problemas da sociedade”, afirma. n Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 198 z 39
40 z agosto DE 2012
* Considerando áreas potenciais para expansão do cultivo
eduardo cesar
agronomia
Agricultura y
O cardápio
dos próximos anos Especialistas preveem queda na produção e emergência de novas doenças e pragas em consequência das mudanças do clima Carlos Fioravanti
E
stá ocorrendo uma articulação entre especialistas para prever os possíveis efeitos das mudanças do clima sobre o agronegócio, responsável por um terço da economia brasileira. Há indicações de que a produção de soja, trigo e outros cultivos possa cair de modo dramático e a incidência de pragas e doenças possa aumentar, em resposta à provável elevação da temperatura e mudanças na distribuição das chuvas pelo país. O temor é que, num primeiro momento, os preços possam subir e a variedade de cereais, hortaliças e frutas à mesa sofra uma redução. Antecipando-se aos cenários que preveem tempos difíceis pela frente, centros de pesquisa e empresas estão desenvolvendo – e já apresentando – variedades de cereais e hortaliças mais resistentes a temperaturas mais elevadas e ao ataque de microrganismos causadores de doenças e pragas. A tendência é que, mais adiante, plantas, pragas, consumidores e a própria economia se reacomodem e encontrem novos estados de equilíbrio. Em um estudo financiado pelo Banco Mundial, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Embrapa Informática Agropecuária, usando 23 modelos computacionais de simulação climática global e três regio-
ciências atmosféricas
O Face, em Jaguariúna: cafeeiros crescem mais com mais CO2 pESQUISA FAPESP 198 z 41
nais, detectaram uma clara tendência de queda na produção de algodão, arroz, feijão, soja, milho e trigo, como efeito da provável elevação da temperatura, em 2020 e 2030. A redução da produção pode chegar a 64% no caso do feijão e 41% do trigo, mesmo no cenário mais otimista, com um pequeno aumento na temperatura média anual. No cenário pessimista, a produção de feijão pode cair 70% e a de soja, 24%. De acordo com esse trabalho, só a produção de cana-de-açúcar e de pastagens é que deve se beneficiar com o clima mais quente (ver tabela). Em paralelo, os especialistas do Climapest, um projeto de pesquisas coordenado pela Embrapa Meio Ambiente, de Jaguariúna, estão vendo que algumas doenças – principalmente as causadas por fungos – e as pragas podem se agravar em muitas das 19 culturas analisadas – entre as quais soja, milho, café, arroz, feijão, banana, manga e uva –, em decorrência da elevação dos níveis de CO2 do ar, da temperatura e da radiação ultravioleta B, como previsto nos cenários de mudanças do clima (ver tabela). Outra possibilidade é a migração de doenças como a sigatoka negra, a mais preocupante da bananeira, causada por um fungo, que deve perder intensidade em algumas regiões produtoras, mas avançar para o sul, emergindo onde ainda não se manifestou. “A luta contra as doenças não tem fim”, diz Wagner Bettiol, da Embrapa Meio Ambiente. “As plantas e as pragas das próximas décadas poderão ser diferentes das de hoje.”
“O clima mais quente favorece o crescimento e a reprodução de insetos”, reconhece José Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de um Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre controle biológico de pragas, “mas o prejuízo depende de interação com outros insetos e com o ambiente, das respostas da planta e da oferta de água”. Segundo Parra, os próprios inimigos naturais poderão se desenvolver mais rapidamente e combater as pragas. “Se houver alteração da geografia das culturas, como poderá acontecer com os citrus”, diz ele, “as pragas poderão mudar, e vão prevalecer as mais resistentes a altas temperaturas”.
Clima mais quente favorece o crescimento de insetos, mas o prejuízo depende da interação com outros insetos, com o ambiente e com as plantas
Efeitos visíveis
Como se prevê que a incidência de algumas doenças deve aumentar e a de outras diminuir, “não é possível generalizar o que vai acontecer”, diz Raquel Ghini, pesquisadora da Embrapa de Jaguariúna e coordenadora do Climapest. Criado há três anos com um investimento de R$ 5 milhões da Embrapa e R$ 2 milhões de outras instituições públicas e empresas, o projeto reúne 134 pesquisadores de 17 unidades da Embrapa e 22 institutos de pesquisa e universidades. O trabalho deve tomar a forma, até o final do ano, de um livro com mapas indicando a provável distribuição das doenças e pragas agrícolas no país nas próximas décadas.
“Vimos claramente que a área plantada de café caiu bastante ou até mesmo desapareceu no noroeste paulista e no sul de Minas Gerais, que sofreram um aumento de temperatura nas últimas décadas”, diz Hilton Silveira Pinto, pesquisador da Unicamp e um dos coordenadores do estudo financiado pelo Banco Mundial. Seus estudos anteriores haviam indicado uma redução próxima a 90% nas áreas favoráveis ao plantio em Goiás, Minas e São Paulo e de 75% no Paraná até 2020, em resposta ao aumento de temperatura. O café deve continuar a ser cultivado apenas nas terras mais altas do Sudeste ou mais ao sul do país, inclusive no Rio Grande do Sul, onde hoje é apenas consumido. “As
Clima bom para os fungos 2
1
3
4
Alface
Cajueiro
CITROS
Eucalipto
A incidência
Clima mais seco
Pode aumentar a
A ferrugem
de podridão de
deve facilitar o
área de abrangência
do eucalipto
esclerócio, fusariose
desenvolvimento
do cancro cítrico
deve diminuir a
deve propiciar o crescimento de
e oídio deve
da resinose,
e a propagação
partir de 2020,
fungos causadores de doenças.
aumentar e a de
doença típica
dos insetos
principalmente
mofo-branco e do
de plantas sob
transmissores
nas regiões
míldio, diminuir
estresse
de doenças
mais quentes
A elevação da temperatura
Cenários para 2071–2100
42 z agosto DE 2012
fonte Climapest/Embrapa fotos 1, 5, 6 e 7. eduardo cesar 2. miguel boyayan 3, 4 e 8. wikimedia commons
alterações do clima já estão mudando as redes de transporte e distribuição e organização rural, na medida em que implicam o desemprego ou a migração de mão de obra especializada.” O aumento da concentração de gás carbônico (CO2) do ar pode ter um efeito favorável, ao aumentar a produtividade agrícola e fazer as plantas crescerem mais rapidamente. Em um dos experimentos de campo da Embrapa de Jaguariúna, chamado Face, sigla de free air carbon dioxide enrichment, os cafeeiros que receberam doses extras de CO2 cresceram mais e estão do mesmo tamanho que os pés de café plantados um ano antes, que se nutrem com o CO2 fornecido pela atmosfera normal. Em funcionamento desde agosto de 2011, o Face ocupa uma área de 6,5 hectares cultivada com cafeeiros. Doze octógonos com 10 metros de diâmetro se destacam em meio aos cafeeiros. Em seis octógonos, as plantas recebem CO2 em uma concentração de 550 partes por milhão (ppm), simulando a atmosfera do final do século. Por dia, sensores acionados automaticamente de acordo com a direção e intensidade do vento liberam sobre as plantas 600 kg do gás que sai de um tanque de 10 metros. Em outros seis octógonos os cafeeiros contam apenas com o CO2 da atmosfera, em uma concentração de 400 ppm – já é mais do que os 350 ppm que Raquel usava há 10 anos para prever o comportamento das plantas. “Há 10 anos, ninguém acreditava quando se falava em mudanças climáticas”, diz ela.
Outros agentes causadores de doenças podem aparecer, aproveitando o espaço deixado pelos que não sobreviveram ao novo clima
O crescimento acelerado das plantas também pode ser um problema. Nos últimos dois anos, os produtores de flores de Holambra verificaram que as plantas floresceram antes do esperado, provavelmente por causa da elevação da temperatura média na região. Nesse caso, o crescimento acelerado é uma tragédia para quem tem de entregar suas encomendas viçosas nas mãos dos consumidores em datas certas, como a véspera do Dia das Mães ou em Finados. Na Embrapa Semiárido, de Petrolina, Pernambuco, por meio de uma série de testes em estufas de topo aberto, Francislene Angelotti verificou que as principais
doenças causadas por fungos que prejudicam a produção de uvas – o míldio, o oídio e a ferrugem – poderão responder de maneira diferenciada ao aumento da concentração de CO2. Há diferenças também de acordo com a variedade de uva. A variedade Sugraone se mostrou mais sensível à ferrugem e a Crimson ao fungo causador do oídio da videira, mas em contrapartida o míldio foi considerado menos agressivo na variedade Itália. De modo similar, o fungo causador do oídio em tomate, alface, pimentão e melão deve se tornar mais comum, beneficiado pela temperatura mais alta e umidade mais intensa. Já o fungo que causa míldio em alface e atualmente se desenvolve bem apenas com frio e umidade deve ter dificuldade para crescer em clima mais quente e seco. Os especialistas alertam, porém, que os agentes causadores de doenças podem se adaptar ou sair da sombra, aproveitando o espaço deixado por outros. Um microrganismo causador de míldio em abóbora, melão, alface e abobrinha, o Pseudoperonospora cubensis, deveria morrer em temperaturas mais altas, mas aparentemente já se adaptou a um clima mais quente e seco. “O míldio se tornou uma doença comum no norte de Minas, porque o fungo já se adaptou a um clima mais quente”, diz Kátia Regiane Brunelli, pesquisadora da Sakata Seed Sudamerica Ltda., empresa multinacional japonesa que desenvolve e produz sementes de hortaliças, por meio de melhoramento genético. “Com um clima tendendo para mais quente e seco”, diz Romulo Fujito Kobori, diretor de pesquisa e desenvolvimento da empresa, “algumas doenças causadas por vírus devem se tornar mais importantes do que hoje”. Substitutos em campo
5
6
7
8
mandioca
soja
tomate
videira
A incidência de
A ferrugem-
Oídio, pinta-
A incidência
cercosporiose,
-asiática da soja,
-preta, murcha-de-
e a severidade
antracnose e
um dos principais
-fusarium, murcha-
da antracnose,
ferrugem, hoje
problemas atuais,
-bacteriana e
do míldio e do oídio
comuns, deve
deve perder
doenças virais
podem aumentar,
diminuir e a de
intensidade com um
devem se
dependendo
oídio aumentar
clima mais quente
intensificar
da região
Kobori, com sua equipe de geneticistas, intensificou a busca por variedades mais resistentes aos efeitos das mudanças do clima logo depois das primeiras conversas com a equipe do Climapest, há sete anos, sobre as doenças mais prováveis daqui a alguns anos. Uma caminhada pelas estufas e pelos canteiros da estação experimental da empresa, em Bragança Paulista, indica que o trabalho amadureceu para a maioria das hortaliças trabalhadas: “Em 20 anos, se o clima mudar muito, esta é uma variedade de brócolis pESQUISA FAPESP 198 z 43
As maçãs, peras e caquis colhidos em Petrolina indicam que a agricultura do futuro talvez já esteja crescendo no Nordeste 10%. Segundo Bassanezi, os produtores compraram fungicidas, que não foram necessários porque no ano seguinte o clima foi seco. Os quase 20 dias de chuva contínua no início de junho deste ano devem antecipar a florada e, outra vez, prejudicar a floração e favorecer o crescimento de ervas daninhas, fungos e insetos transmissores de doenças. O cancro cítrico, doença de origem bacteriana bastante disseminada, pode se espalhar mais facilmente e se apresentar sob formas mais severas em
O Podosphaera xanthii, causador do oídio, crescendo em folhas de pepino: um dos prováveis perigos à frente
Os Projetos 1 Efeito de mudanças climáticas globais sobre doenças de plantas n° 04/01966-7 2 Climapest modalidade 1 Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa 2 Macroprograma 1 da Embrapa Coordenadores 1 e 2 Raquel Ghini – Embrapa Meio Ambiente investimento 1 R$ 61.151,03 (FAPESP) 2 R$ 5.028.798,47 (Embrapa)
44 z agosto DE 2012
um clima marcado por temperaturas médias anuais mais elevadas e chuvas mais intensas e concentradas. “Confirmando-se as previsões de mudanças climáticas”, diz Bassanezi, “as regiões do norte e do sul do país ficarão mais favoráveis para epidemias de cancro”. Bancos de Germoplasma
Se as pragas e doenças avançarem ainda mais, os bancos de germoplasma – coleções de genótipos de arroz, feijão, soja, milho e muitas outras plantas de interesse econômico, mantidas em câmaras resfriadas ou em campo – devem ganhar mais atenção. A situação atual dos bancos de germoplasma é inquietante, porque não há um inventário atualizado das coleções, dispersas em centros de pesquisas, universidades, jardins botânicos e empresas. “As coleções dos bancos de germoplasma não estão adequadamente caracterizadas”, diz José Baldin Pinheiro, professor da Esalq e presidente da Rede Paulista de Recursos Genéticos, criada em março deste ano. Em um encontro marcado para o mês de dezembro em Piracicaba, os integrantes da rede devem apresentar uma visão atualizada do acervo e do estado de conservação dos bancos paulistas de germoplasma. Talvez muitas plantas da agricultura do futuro já estejam crescendo no Nordeste. Em novembro de 2006, ao se mudar do interior do Paraná para Petrolina, Francislene admirou-se com a resistência à seca e o poder de regeneração das plantas da região, que pareciam queimadas por fogo, e duas semanas depois de uma chuva começavam a brotar outra vez. Outra surpresa, há poucos meses, foi saborear as maçãs, peras e caquis irrigados e cultivados no campo experimental da Embrapa. “As variedades de pera do Instituto Agronômico de Campinas e de maçãs do Instituto Agronômico do Paraná se adaptaram muito bem”, diz Paulo Coelho Lopes, coordenador do projeto de diversificação de culturas da Embrapa Semiárido. “Nunca se imaginava que frutas de clima temperado pudessem crescer aqui.” n
Artigo científico GHINI, R. et. al. Climate change and diseases of tropical and plantation crops. Plant Pathology. v. 60, n. 1, p. 122-32. 2011.
eduardo cesar
que não vai servir, mas esta outra vai”, diz ele, indicando para os canteiros à sua frente, tomados por brócolis e alface com sutis, mas decisivas, diferenças no porte, formato e espessura das folhas e, claro, na capacidade de sobreviver a doenças. A Sakata começou há alguns anos a vender variedades de tomate, alface, pimentão, melão, cenoura, cebola, abóbora, abobrinha e pepino geneticamente resistentes a fungos, vírus e bactérias que devem se tornar mais expressivos nos próximos anos nas regiões tropicais. É um trabalho demorado: cada nova variedade toma de 10 a 15 anos de trabalho até se tornar comercial. Ele espera que as técnicas de biologia molecular possam reduzir esse tempo à metade ao identificar as plantas que apresentam os genes que lhes conferem características de interesse como qualidade, produtividade e resistência a doenças. A seleção genética de novas variedades de árvores frutíferas é ainda mais demorada. “As variedades que usamos são de 60 anos atrás”, diz Renato Bassanezi, pesquisador do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), centro de pesquisa financiado pelos produtores em Araraquara. Laranjeiras mais resistentes às incertezas do tempo seriam bem-vindas porque as mudanças do clima já estão interferindo na citricultura, uma das principais atividades econômicas do estado de São Paulo, o principal produtor nacional e um dos maiores do mundo, com 230 milhões de pés de laranja em produção. Em 2009, o inesperado excesso de chuva nas plantações de laranja atrapalhou a floração e favoreceu o crescimento de fungos e a produção caiu
Internacionalização y
Atmosfera cooperativa USP, FAPESP e Marine Biological Laboratory, dos EUA, promovem cursos inéditos no país
molevol/wikicommons
A
cada verão do hemisfério Norte, o Marine Biological Laboratory (MBL), um tradicional centro de pesquisa e educação dos Estados Unidos fundado em 1888, recebe 1,4 mil cientistas e estudantes de todo o mundo para estudar e investigar temas avançados em biologia, biomedicina e ecologia. Esse contingente se soma aos 275 cientistas e técnicos que trabalham no laboratório, situado em Woods Hole, Massachussetts, fazendo pesquisas interdisciplinares em temas como ecologia, microbiologia, doenças infecciosas e neurobiologia. O programa de educação do MBL, que oferece seis cursos de verão e uma dezena de cursos especiais ao longo do ano, é conhecido como um formador de biólogos experimentais – e 54 ganhadores do Nobel já atuaram na instituição, fazendo pesquisa ou lecionando. A novidade é que o MBL celebrou uma parceria com o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) para ministrar cursos conjuntos em São Paulo ainda neste segundo semestre. Serão dois cursos. O primeiro, sobre Biologia do Parasitismo, está programado para os dias 4 a 9 de novembro. O segundo, sobre Sistemas Neurais e Comportamento, deverá acontecer entre 9 e 14 de dezembro (ver programação em www.icb. usp.br/mblcourses/). As inscrições devem ser feitas até 31 de agosto e a ideia é atrair pesquisadores do mundo inteiro. A iniciativa faz parte do programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio da FAPESP que busca aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo que já são competitivas mundialmente.
Pesquisadores participantes de workshop do Marine Biological Laboratory, realizado em 2011
O programa estimula pesquisadores a organizarem cursos de curta duração com professores convidados de vários lugares do mundo e de São Paulo. Pelo menos a metade da audiência deve ser recrutada entre pesquisadores e estudantes de fora do Brasil. Um dos objetivos é despertar o interesse de estrangeiros em trabalhar como cientistas em São Paulo. Os dois cursos serão os primeiros da Escola São Paulo feitos em conjunto com uma instituição estrangeira. “Não tenho dúvida de que a marca do MBL vai ajudar a atrair alunos estrangeiros de alto nível”, diz Maristela Martins de Camargo, professora do Departamento de Imunologia do ICB, organizadora dos cursos.
Maristela já foi pesquisadora visitante do MBL e participou dos cursos de verão. Em 1997, fez o curso de Biologia do Parasitismo que agora será ministrado no Brasil. “Os nomes mais importantes da área estavam lá e davam palpites sobre os trabalhos dos alunos. Uma marca dos cursos do MBL é que não há barreiras entre professores e alunos”, afirma. Maristela teve a ideia de propor os cursos ao observar que uma instituição-irmã do MBL, o Cold Spring Harbor Laboratory, tinha parcerias desse tipo com a China. “Propus uma parceria ao diretor de educação do MBL, que recebeu muito bem a ideia”, diz. Para garantir que a atmosfera cooperativa do MBL se repita no Brasil, professores e alunos vão compartilhar desde a condução até o restaurante do hotel de praia em São Sebastião (SP), que sediará os eventos. n Fabrício Marques pESQUISA FAPESP 198 z 45
ciência bóson de higgs y
matéria escura
Peças soltas
e as possíveis m conexões co rão o Modelo Pad
Observações astronômicas indicam que 23% da energia do Universo é feita de partículas que o Modelo Padrão não explica. É a chamada matéria escura, que seria composta de partículas que interagem com a matéria normal quase somente pela força gravitacional, em escalas cósmicas. Há esperança de que sejam detectadas no LHC
Quebra-cabeça em expansão Bóson recém-descoberto pode revelar as primeiras pistas de uma nova física das partículas elementares | Igor Zolnerkevic e Ricardo Zorzetto 46 | agosto DE 2012
antimatéria
gravidade
Para cada partícula do modelo existe uma outra de carga elétrica oposta, sua antipartícula. Quando se encontram, elas se aniquilam, transformando-se em outras partículas. Na explosão que deu início ao Universo, o Big Bang, havia quantidades iguais de matéria e antimatéria, mas logo em seguida a primeira predominou sobre a última. O Modelo Padrão não explica totalmente essa assimetria
Das quatro forças fundamentais, a gravitacional é a única que o Modelo Padrão não explica. Embora tenha um alcance a distâncias cosmológicas, sua intensidade é muito menor que a da mais fraca das forças subatômicas, a força nuclear fraca. A maioria dos físicos acredita que a gravidade só se relacione com as demais forças em energias muito superiores às obtidas nas colisões no LHC
teoria 2 supersimetria
teoria 3 dimensões extras
Em teste no LHC, essa teoria prêve que para cada partícula do Modelo Padrão exista ao menos mais uma, chamada de superparceira. Também prevê haver cinco tipos de bóson de Higgs. Essas partículas extras ainda não teriam sido detectadas por serem pesadas e difíceis de produzir nos aceleradores de partículas. As superparceiras mais leves poderiam formar a matéria escura
Tenta explicar por que a massa do bóson de Higgs, em certas condições, não cresce absurdamente como prediz o Modelo Padrão. A existência de outras dimensões espaciais – além de altura, comprimento e largura – permitiria entender por que a força gravitacional é menos intensa que as demais forças. Caso essas dimensões existam seus efeitos poderiam ser observados no LHC
fotos léo ramos infográficos laura daviña e igor zolnerkevic
física
o Modelo Padrão
teoria 1 higgs composto
É o conjunto de teorias que descrevem quais são as partículas elementares que constiuem a matéria e como elas interagem. O bóson de Higgs é a última peça que falta ser descoberta do modelo. Embora preveja o comportamento das partículas com precisão, o modelo deixa uma série de perguntas em aberto
Os físicos não conseguem explicar por que as interações do Higgs com ele mesmo e com outras partículas não fazem sua massa crescer incontrolavelmente, como prevê o Modelo Padrão. É o chamado problema da hierarquia, que desapareceria se o Higgs fosse feito de duas partículas ainda mais elementares
PESQUISA FAPESP 198 | 47
N
os próximos cinco meses o maior acelerador de partículas do mundo, o Large Hadron Collider (LHC), instalado na fronteira da França com a Suíça, vai funcionar a todo vapor para produzir uma montanha a mais de dados e tentar revelar a real identidade da mais recente partícula elementar descoberta pelos físicos. No último dia 4 de julho, durante a Conferência Internacional de Física de Altas Energias, o mais importante evento anual da física de partículas, pesquisadores da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (Cern), a que está vinculado o LHC, anunciaram ter encontrado uma nova partícula elementar que tudo indica ser o bóson de Higgs, a peça que faltava para completar uma bem-sucedida teoria física chamada Modelo Padrão. Essa teoria explica do que é feita a matéria e como ela se comporta no nível subatômico. “Este é o momento mais empolgante da física de partículas desde os anos 1970”, declarou à Pesquisa FAPESP o físico Joseph Incandela, coordenador de um dos experimentos no LHC. Até o final deste ano, o LHC deve provocar o choque de mais 3 quatrilhões de prótons acelerados a velocidades próximas à da luz no interior de um anel com 27 quilômetros de circunferência construído a 100 metros abaixo da superfície para
48 | agosto DE 2012
As partículas do Modelo Padrão ● Férmions Constituem a matéria
2ª e 3ª gerações Seus léptons e
● Fótons São um tipo de bóson
e se dividem em quarks e léptons.
seus quarks, combinados com os
que transmite apenas a força
Agrupam-se em três gerações, uma
da 1ª geração, constituem
eletromagnética, responsável por
mais pesada que a outra
partículas de vida curta que
fenômenos como as reações químicas,
existiram no primeiro segundo após
a eletricidade, o magnetismo e a luz
● Quarks Interagem pelas três
o Big Bang e hoje são criadas nos
forças fundamentais (nuclear forte,
aceleradores de partículas e por
● Glúons Transmitem a força nuclear
nuclear fraca e eletromagnética) e
raios cósmicos
forte, que mantém os quarks unidos e
são observados em trios ou pares
o núcleo atômico coeso. A energia dos ● Neutrinos Produzidos em
glúons gera 99% da massa dos átomos
● Léptons Interagem só por meio da
fenômenos astrofísicos, aceleradores
força nuclear fraca e, se eletricamente
de partículas e reatores nucleares,
● Bósons W e Z Transmitem a
carregados, da força eletromagnética
interagem pela força nuclear fraca e
força nuclear fraca, responsável por
e são encontrados isolados
são difíceis de detectar
vários processos nucleares, alguns deles
1ª geração Seus quarks formam
● Bósons Os férmions interagem
os prótons e os nêutrons do núcleo
entre si emitindo e absorvendo os
Bóson de Higgs Partícula
atômico, que é orbitado por elétrons
bósons, as partículas transmissoras
associada ao campo de Higgs, que
e constitui a matéria comum
das três forças fundamentais
dá massa às partículas elementares
fotos léo ramos infográficos laura daviña e igor zolnerkevic
fundamentais para as estrelas brilharem
tentar caracterizar em detalhe a nova partícula. Pode parecer um contrassenso, mas os físicos torcem para que os dados a serem coletados mostrem que a partícula recém-identificada, ainda que seja mesmo o bóson de Higgs, não se comporte como esperavam. O motivo é que, se isso ocorrer, eles terão pela primeira vez em 40 anos descoberto algo realmente inusitado na física e conseguirão avançar um pouco mais na compreensão de como o Universo se desenvolveu em seus primeiros instantes de vida. Se, no entanto, essa partícula for exatamente como haviam imaginado, os físicos terão chegado a um beco sem saída: o Modelo Padrão terá sido confirmado, mas não haverá pistas de como aperfeiçoá-lo para responder às questões em aberto sobre o Universo. Completo, o Modelo Padrão só explica a existência de 4% do que forma o Cosmo. Mas nada diz sobre a origem dos 23% de matéria escura e dos 73% de energia escura que precisam existir para que o Universo seja como se imagina que é. Além disso, o Modelo Padrão praticamente não dá informação sobre o que teria ocorrido no primeiro segundo após o Big Bang, a explosão que teria gerado o Universo há 13,7 bilhões de anos. Foi nesse instante misterioso que surgiram as quatro forças fundamentais da natureza – a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e a nuclear forte, originadas provavelmente de uma única força inicial – que permitiram a formação da matéria (ver infográfico na página 52).
Para esclarecer um pouco mais do que aconteceu nesse precioso segundo, os físicos desenvolveram teorias que expandem o Modelo Padrão e preveem “É o momento a existência de mais partículas. Como mais empolgante nenhuma dessas partículas foi detectada por ora, não se sabe qual das principais da física de candidatas – as teorias da supersimetria, dos modelos compostos e das dimensões partículas desde extras – é a correta (ver infográfico nas páginas 46 e 47). A expectativa dos fíos anos 1970”, sicos é que, ao definir as características diz Joseph do Higgs ou ao encontrar uma nova partícula, eles encontrem evidências favoIncandela recendo uma dessas propostas. Procurado há ao menos três décadas, o bóson de Higgs é a peça-chave do Modelo Padrão. Desenvolvido ao longo dos anos 1960, o Modelo Padrão descreve o que acontece quando partículas subatômicas são aceleradas até quase a velocidade da luz e colidem O projeto entre si, como ocorre no LHC. Segundo a famosa Centro Regional equação de Einstein que estabelece que a energia de Análise de São Paulo n° 2008/02799-8 é equivalente ao produto da massa multiplicada Modalidade pelo quadrado da velocidade da luz (E=mc2), a Auxílio Regular a Projeto energia dessas colisões pode ser convertida em de Pesquisa massa, fazendo, como que por mágica, surgirem Coordenador do vácuo novas partículas. Em geral, as partículas Sergio F. Novaes – Unesp com muita massa vivem frações de segundo, ra- Investimento R$ 2.023.838,68 (FAPESP) pidamente decaem, ou seja, transformam-se em uma cascata de partículas mais leves que deixam PESQUISA FAPESP 198 | 49
traços em detectores como o CMS e o Atlas do LHC, cuja construção consumiu cerca de US$ 9 bilhões (ver Pesquisa FAPESP nº 147). O resultado dos decaimentos pode ser calculado pelas equações do Modelo Padrão, cujas propriedades matemáticas determinam como as partículas interagem. No início de seu desenvolvimento, essas equações pareciam funcionar muito bem, exceto por um detalhe: elas previam que todas as partículas deveriam ser como os fótons, que não Peter Higgs têm massa e, por isso, viajam sempre à e outros físicos velocidade da luz. Se isso de fato ocorresse com todas as partículas, o mundo propuseram em como se conhece não existiria porque elas nunca estariam em repouso, o que 1964 um campo permite a existência dos átomos. Para consertar esse detalhe teórico crucial, de força que Peter Higgs e outros físicos propuseram permeia o Cosmo em 1964 a existência de um campo de força que permearia todo o espaço e e dá massa interagiria com intensidade diferente com cada tipo de partícula, dando a às partículas elas massas distintas. A prova de que esse campo existe seria a descoberta de uma partícula que poderia emergir dele durante colisões de alta energia: o bóson de Higgs, aparentemente encontrado agora no Cern (ver quadro das páginas 48 e 49). “Tudo o que se mediu até agora leva a crer que descobrimos o bóson de Higgs”, afirma o físico Sérgio Novaes, líder de um grupo de pesquisado-
res do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade Federal do ABC que, com financiamento da FAPESP, colabora na análise dos dados do detector CMS. Tanto o CMS quanto o Atlas obtiveram agora sinais de que existe um novo bóson com massa entre 125 e 126 giga elétrons-volt (GeV) – um GeV corresponde a um bilhão de elétrons-volt, a unidade de energia usada para medir a massa das partículas. A probabilidade de que o sinal medido seja fruto do acaso é de uma em 3,5 milhões. A nova partícula parece também decair como o Modelo Padrão prevê, mas os pesquisadores precisarão analisar muito mais colisões para determinar, com o mesmo nível de certeza, tanto o padrão de decaimento como outras propriedades do bóson. Incandela estima que o LHC consiga determinar essas características da nova partícula com maior precisão até o final do ano. As incertezas devem diminuir ainda mais a partir de 2015, quando o LHC voltará à ativa depois de passar dois anos desligado para os ajustes que devem elevar a energia de suas colisões de 8 para 13 tera elétrons-volt (TeV) e aumentar em 10 vezes o número de colisões acumuladas até 2018. Se confirmado, o bóson de Higgs será a primeira partícula elementar de uma classe especial, enigmática para os teóricos. “Essa classe de partículas é algo misteriosa, porque sua massa é muito difícil de estabilizar”, diz Incandela, tocando no calcanhar de aquiles do Modelo Padrão, conhecido como o problema da hierarquia.
Ganhando massa Todas as partículas, segundo o Modelo Padrão, surgem com massa zero. A ausência de massa as faz se deslocarem à velocidade máxima permitida, a da luz. Elas perdem velocidade, e assim ganham massa, quando
e maior sua massa. O fóton
interagem com o campo de
(partícula de luz) não interage
Higgs, que permeia todo o
com o Higgs e, portanto, não
espaço. Quanto mais a partícula
tem massa. Já o elétron, que
interage com o campo de Higgs,
interage, tem massa, bem
maior a dificuldade de se mover
menor do que a do bóson Z.
50 | agosto DE 2012
Sinais de nova física O bóson de Higgs decai em pares de partículas de cinco formas diferentes. A frequência desses decaimentos medida pelo CMS é consistente com a prevista pelo
fonte CMS / LHC / Cern
Modelo Padrão, mas não bate exatamente com os valores esperados (ao lado). Serão necessárias mais medições para confirmar esses desvios. Caso se mantenham, podem indicar qual teoria completa o Modelo Padrão
Esse problema surge quando se assume que o Modelo Padrão é uma teoria que explica como partículas e forças interagem desde o instante inicial do Universo, o momento zero da criação, quando os níveis de energia eram trilhões de vezes maiores que os alcançados no LHC – é o que em física se chama de escala de Planck, a maior energia que poderia existir no Universo. Nessas condições, a força gravitacional, que em geral não afeta as partículas por ser muito menos intensa do que as outras três forças, começa a se fazer sentir. Ao se fazer essa suposição, a teoria prevê que certas interações do bóson de Higgs – com ele próprio e com as demais partículas – fariam a sua massa crescer violentamente e ser muitas vezes maior do que se esperaria observar. O Modelo Padrão só fornece a massa correta do Higgs quando se assume que algum efeito desconhecido contrabalança o ganho absurdo de massa. Para muitos físicos, a natureza desse efeito poderia ser revelada em colisões de partículas realizadas na faixa de energia que o LHC explora hoje. Depois da busca do bóson de Higgs – apelidado, a contragosto dos físicos, de “partícula de deus” por sugestão do editor do livro de 1993 do físico Leon Lederman e do divulgador de ciência Dick Teresi, cujo título passou de The Goddamn Particle para The God Particle –, essa foi a principal motivação para construir o LHC. “O problema da hierarquia organiza o nosso pensamento de por que e como estender o Modelo Padrão”, afirma Gustavo Burdman, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP). A busca de uma solução para o problema da hierarquia é o que norteia há décadas o trabalho dos físicos teóricos. Eles tentam explicar esse efeito de formas distintas nas teorias da supersi-
Se confirmado, o Higgs será a primeira partícula de uma classe misteriosa, com massa difícil de estabilizar metria, dos modelos compostos e das dimensões extras. Cada uma oferece uma estratégia para estabilizar a massa do bóson de Higgs. De longe, a candidata mais estudada é a supersimetria. Essa teoria prevê que, para cada partícula do Modelo Padrão, exista uma partícula a mais, chamada de superparceira. As partículas supersimétricas subtraem parte da massa do Higgs, na mesma proporção em que as partículas do Modelo Padrão acrescentam massa ao bóson, eliminando, assim, o problema da hierarquia. A supersimetria se tornou popular entre os físicos por sua elegância matemática, que facilita os cálculos e oferece soluções não só para o problema da hierarquia. As superparceiras mais leves PESQUISA FAPESP 198 | 51
O mistério das forças O LHC explora as altas energias que dominavam no Universo um segundo após o Big Bang, quando o Modelo Padrão prevê que a força eletromagnética e a nuclear fraca eram uma só, a força eletrofraca. Teorias mais especulativas sugerem que todas as forças emergiram de uma única, mas que se separaram a energias muitíssimo superiores. Esse enorme intervalo de energia entre os eventos de separação das forças é um dos maiores mistérios da física
são ótimas candidatas a ser os constituintes da matéria escura. Além disso, a supersimetria possibilita unificar as forças eletromagnética, nuclear forte Colisões de e nuclear fraca do Modelo Padrão em partículas a uma escala de energia próxima à que reinava nos primeiros instantes após o energias mais Big Bang (ver infográfico acima). A existência da supersimetria é nealtas testarão cessária para a consistência da teoria das supercordas, que busca unificar toteorias que das as forças, inclusive a gravitacional. tentam preencher “É uma teoria bonita, com propriedades muito boas; seria interessante se lacunas do existisse”, diz o físico Oscar Éboli, da USP, que busca evidências de supersiModelo Padrão metria nos dados do LHC. Há inúmeras versões da supersimetria. Os modelos mais simples previam que tão logo o LHC fosse acionado, em 2008, as superparceiras apareceriam em profusão. Mas nenhum sinal delas foi visto até agora. Para piorar, a massa do que parece ser o bóson de Higgs é maior do que a prevista nesses modelos. “Os modelos mais óbvios estão numa situação extremamente difícil”, diz Éboli. Isso significa que a teoria pode ser bem mais complicada e as massas das superparceiras maiores do que se pensava. “Quanto maior a massa, menor o interesse de 52 | agosto DE 2012
certas áreas da física, porque deixa de explicar o problema da hierarquia”, diz Ricardo Matheus, professor do Instituto de Física Teórica da Unesp. Por conta dessa falta de evidências, teorias alternativas à supersimetria vêm sendo mais exploradas nos últimos anos. Uma classe delas é a dos modelos compostos, que afirmam que o bóson de Higgs e possivelmente outras partículas do Modelo Padrão são compostos de partículas ainda mais elementares. O fato de o Higgs ser formado por outras partículas mudaria as suas propriedades, eliminando o efeito acumulador de massa que causa o problema da hierarquia. Se essa teoria estiver correta, porém, a história da física se repetirá mais uma vez. Até os anos 1960, acreditava-se que prótons, nêutrons e outras partículas como o píon, descoberto pelo brasileiro César Lattes em 1947, eram elementares. Com a ascensão do Modelo Padrão, ficou claro que elas eram compostas por partículas ainda mais fundamentais: os quarks. Assim como a supersimetria, os modelos compostos preveem a existência de novas partículas, ainda não observadas – algumas versões desses modelos já foram descartadas. “Os modelos compostos estão em tensão com os dados há muito tempo”, diz Incandela, “mas não podemos descartá-los completamente”. Outra solução para o problema da hierarquia é a existência de dimensões espaciais extras, mais
uma possibilidade ainda sem comprovação experimental. Difíceis de serem visualizadas até pelos físicos, essas dimensões poderiam, em princípio, ser detectadas no LHC, desde que as partículas responsáveis pela força gravitacional, os grávitons, existam em níveis de energia da ordem de tera elétrons-volt. Para ser verdade, a energia do instante zero do Big Bang deveria ser trilhões de vezes menor do que a que se calcula que tenha sido. Ou seja, a escala de Planck estaria errada e o bóson de Higgs não acumularia massa por já ter atingido a maior massa possível. Uma das consequências dessa teoria é que o Universo seria um segundo mais novo. O grupo de Novaes vem buscando sinais de dimensões extras nos dados obtidos pelo detector DZero, do recém-desativado acelerador norte-americano Tevatron, e pelo LHC. Em março deste ano a colaboração DZero publicou na Physical Review Letters uma análise conduzida por Angelo Santos, aluno de doutorado de Novaes, estabelecendo os primeiros limites experimentais para a existência de certo modelo de dimensão extra. Tanto o Tevatron como o LHC, porém, já descartaram dimensões extras grandes o suficiente para serem percebidas com energias de até 2 TeV. Pode ser que, ao elevar a energia das colisões, o LHC encontre nos próximos anos evidências de que existem dimensões extra menores. Muitas das teorias de dimensões extras, no entanto, fazem previsões quase idênticas às dos modelos compostos, o que não permitiria distinguir uma da outra. “Essa é uma discussão que ainda vai aparecer”, suspeita Burdman. “Ainda não vimos nada que esteja significativamente em desacordo com as expectativas de um Higgs do Modelo Padrão”, comenta Incandela sobre os resultados apresentados em 4 de julho. Ele reconhece, entretanto, que há uns poucos sinais de que o bóson de Higgs pode não estar se comportando como o esperado. “Esses indícios podem se tornar significativos até o final do ano, mas também podem facilmente desaparecer”, diz. O indício que mais chamou a atenção até o momento é a transformação do novo bóson em pares de fótons, que parece ocorrer em uma proporção maior que a esperada. O Modelo Padrão prevê em quais partículas o bóson de Higgs pode se transformar e com que frequência cada uma delas aparece (ver figura da página 51). Em uma análise publicada um dia depois do anúncio da descoberta, Éboli e colegas dos Estados Unidos e da Espanha mostraram também que a produção do provável bóson de Higgs no LHC é cerca de metade da prevista pelo Modelo Padrão. Muitos trabalhos publicados desde 4 de julho especulam que tanto o excesso de fótons quanto a baixa produção de Higgs são provocados pela influência de partículas superparceiras. Éboli
Quebra de simetria O movimento de um pião que gira sem oscilar é simétrico em relação ao eixo de rotação. Mas qualquer perturbação pode derrubá-lo, desfazendo essa simetria. Um processo semelhante, a quebra espontânea de simetria, pode ter ocorrido logo após o Big Bang. O campo de Higgs, inicialmente em equilíbrio instável como o pião, mudou para um estável, mas assimétrico. O Higgs permanece nesse estado até hoje, dando massa a algumas partículas e, assim, separando a força eletrofraca em nuclear fraca e eletromagnética
compara a confirmação desses sinais a um teste para verificar se uma moeda é ou não honesta – e, uma vez lançada para o alto, tem uma chance igual de dar cara ou coroa. “Se uma moeda é jogada 10 vezes para o alto e se obtêm 7 caras e 3 coroas, pode-se dizer que há uma indicação leve de que talvez a moeda não seja honesta”, diz. Essa hipótese só pode ser realmente confirmada se a moeda for jogada muito mais vezes. Pelo mesmo motivo, só será possível confirmar se o decaimento do bóson em fótons está ocorrendo em uma taxa anormal se forem analisadas muito mais colisões. “O erro experimental nos decaimentos ainda é grande e precisamos tomar mais dados para verificar que se trata mesmo do Higgs do Modelo Padrão”, comenta Éboli. “Este ano o jogo dos teóricos é prestar atenção nos dados e responder rapidamente”, diz Matheus, da Unesp, que compara a situação atual dos físicos à de Cristóvão Colombo prestes a descobrir a América. Burdman concorda: “A física pode mudar de um dia para o outro”. n
Artigos científicos ABAZOV, V. M. et al. Search for Universal Extra Dimensions in pp- Collisions. Physical Review Letters. 30 mar. 2012. CORBETT, T. et al. Constraining anomalous Higgs interactions. http://arxiv.org/pdf/1207.1344.pdf.
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Fragmentos móveis do genoma y
DNA cigano Trechos do material genético mudam de lugar seguindo padrão não aleatório Maria Guimarães
C
ada vez mais pesquisadores identificam funções importantes desempenhadas por trechos do DNA antes considerados lixo. Entre esses segmentos do material genético estão os chamados elementos de transposição ou transposons. São fragmentos que, a qualquer momento, duplicam-se ou se destacam de onde estão e se instalam em outras partes do DNA, às vezes junto a genes essenciais ou até em meio à estrutura desses genes. Na investigação desses curiosos personagens moleculares, o grupo da bióloga Marie-Anne Van Sluys, da Universidade de São Paulo (USP), ataca o genoma da cana-de-açúcar em bloco – um enfoque inovador. E mostra que os movimentos desses fragmentos são menos aleatórios do que se imagina e possivelmente têm papel importante na dinâmica do genoma. Essa análise em ampla escala tornou-se possível graças aos resultados do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar (Sucest), encerrado em 2001, que desvendou sequências do genoma funcional dessa planta essencial na economia brasileira e revelou a existência de 276 elementos de transposição ativos – ou expressos, no jargão da biologia. “Em 2005 demoramos dois meses para convencer o editor da Plant Journal de que o resultado era real, e não uma contaminação”, recorda Marie-Anne. Naquela época, estudos genômicos feitos inteiramente por pesquisadores brasileiros eram incomuns e o resultado surpreendia. Mas a revista acabou publicando o artigo, depois de aceitar o indício de que esses trechos do DNA – também conhecidos como transposons – deveriam ter função, embora ainda não se soubesse qual era. 54 z agosto DE 2012
A partir dos resultados do Sucest e do aumento da capacidade de gerar e analisar enormes volumes de dados, o grupo de Marie-Anne se debruçou de 2009 em diante, em colaboração com colegas do estado de São Paulo, no sequenciamento de mil pedaços seletos do genoma da cana-de-açúcar. Sua equipe hoje parece uma linha de produção de conhecimento científico, e de certa maneira é: uma série de artigos deste ano traz avanços importantes sobre o funcionamento dos transposons. O maior destaque vai para o estudo publicado na BMC Genomics, uma colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual Paulista, entre eles Fabio Nogueira, e da Universidade Estadual de Campinas, a exemplo de Renato Vicentini. De abril a julho o artigo foi visto mais de mil vezes no site da revista e ganhou a etiqueta de altamente acessado. “Fomos os primeiros a mostrar molecularmente que os elementos de transposição têm padrões individualizados”, explica Marie-Anne. Isso significa que, quando um desses fragmentos de DNA se destaca de sua localização de origem, seu destino não é tão aleatório como se pensava. Cada família de transposons tem uma tendência maior a se instalar em determinados cromossomos ou regiões cromossômicas. Ao estabelecer esses padrões, Marie-Anne espera caracterizar como essa interação influencia a ação dos genes. Muitas das famílias de elementos de transposição se diversificaram há muito tempo, antes mesmo de as plantas com flores se separarem em dois principais grupos: o das monocotiledôneas, como o milho, a cana e o arroz, cujas sementes têm um reservatório de energia (cotilédone); e o das dico-
O Projeto Sugarcane genome sequence: plant transposable elements are active contributors to gene structure variation, regulation and function nº 08/52074-0 modalidade Projeto Temático – Bioen Coordenadora Marie-Anne Van Sluys – IB-USP investimento R$ 2.504.444,87
imagens Cushla Metcalfe / USP infográfico laura daviña fonte marie-anne van sluys
Como migram os segmentos saltadores de DNA Transposon inserido no DNA 1 Pequenos trechos do DNA sem função conhecida, os elementos de transposição ou transposons estão dispersos pelo genoma
botânica
Enzima transposase
2 A enzima transposase reconhece o início e o final do transposon e corta a fita de DNA nesses pontos, libertando o elemento de transposição no núcleo da célula
3 Uma vez livres, os transposons são capazes de se incorporar em outros pontos do material genético, por vezes dentro de um gene ou junto a ele, influenciando seu funcionamento
4 Nas imagens ao lado, um mesmo conjunto de cromossomos (estruturas que abrigam o DNA no núcleo das células) recebeu três marcações diferentes, cada uma específica para um tipo de transposon. A variação na intensidade das cores indica que cada família de transposons migra para regiões preferenciais do genoma
tiledôneas, a exemplo dos arbustos e das árvores, com sementes dotadas de dois cotilédones. O grupo de Marie-Anne mapeia essa diversificação dos transposons ao longo do tempo em três espécies de monocotiledôneas de interesse comercial (sorgo, cana e arroz) no artigo de revisão em processo de publicação na Topics in Current Genetics. A cana-de-açúcar é um caso especial, porque parece ter muito mais elementos de transposição ativos do que as outras plantas estudadas. A bióloga da USP explica isso com base na sua origem híbrida a partir da mistura entre duas espécies silvestres: Saccharum officinarum e S. spontaneum. O resultado da hibridização é uma planta que produz muito mais açúcar e é tolerante a doenças. Para Marie-Anne, o processo de fusão das duas espécies causou um desequilíbrio no funcionamento genético que pode ter alterado a movimentação dos fragmentos móveis de DNA. “O organismo precisa recuperar um compasso único.” A influência desses elementos pode estar por trás da própria identidade da planta. “Cana, sorgo e milho têm em comum 80% de seus genes; o que os torna diferentes pode ser a regulação
genômica”, diz Marie-Anne. Para ela, os elementos de transposição podem estar cumprindo essa função de modular o funcionamento dos genes. Daqui para a frente, os estudos podem ganhar aplicações práticas e contribuir para o melhoramento dessa planta que produz dois terços do açúcar do mundo e cada vez mais ganha espaço como fonte de combustível renovável. Os elementos de transposição podem ajudar a identificar e controlar o funcionamento de genes como os responsáveis pela resistência à seca, contribuindo para a produção de variedades adaptadas a ambientes mais áridos. Mas o interesse econômico nem é o principal para os geneticistas vegetais, que consideram o funcionamento genético da cana-de-açúcar interessante por si só devido à origem híbrida e às duplicações que fazem com que a espécie tenha um genoma múltiplo, com várias cópias de cada gene. Parece fascinante imaginar que pequenos fragmentos de DNA, que se movimentam de um lado para o outro dentro do núcleo da célula, como se fossem ciganos, podem ter contribuído para que a cana-de-açúcar não fosse apenas mais uma espécie entre muitos tipos de capim. n
genética
Artigos científicos DOMINGUES, D. S. et al. Analysis of plant LTR-retrotransposons at the fine-scale family level reveals individual molecular patterns. BMC Genomics. v. 13, n. 137. 16 abr. 2012. DE SETTA, N. et al. Noise or symphony: comparative evolutionary analysis of sugarcane transposable elements with other grasses. Topics in Current Genetics. no prelo. pESQUISA FAPESP 198 z 55
Castanheira na floresta amazônica: influência humana pode explicar disseminação 56 z agosto DE 2012
Povos amazônicos y ambiente
O fator humano
Antropologia
Arqueologia
Castanhais podem ser resultado da ação de populações indígenas antes da colonização europeia Salvador Nogueira
fotos fabio colombini
A
distribuição das castanheiras na região amazônica é motivo de controvérsia há várias décadas. Como o fruto que contém a semente é duro e de difícil dispersão, os especialistas não entendiam exatamente como existem castanhais – áreas densamente ocupadas por árvores da espécie Bertholletia excelsa – em toda a Amazônia. Uma das explicações mais antigas dizia que roedores como a cutia e aves como a arara eram responsáveis pela disseminação da semente. Agora dois trabalhos recentes vêm reforçar outra tese: grande parte das árvores da castanha-do-pará teria sido cultivada e mantida por indígenas antes da ocupação europeia no continente. O primeiro estudo baseou-se nas atividades humanas na floresta; o segundo em análises genéticas e até linguísticas sobre os idiomas indígenas. Ricardo Scoles, da Universidade Federal do Oeste do Pará, e Rogério Gribel, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), fizeram um dos trabalhos. Eles partiram do pressuposto de que a intensidade das ações dos antigos habitantes da região nos castanhais deixou uma “assinatura” na população de árvores que pode ser identificada. E compararam castanhais da região do rio Trombetas com os das vizinhanças do rio Madeira. A primeira área era bastante ocupada por indígenas antes do descobrimento do país, mas depois sua população caiu drasticamente no século XVI. Já a segunda região teve a ocupação humana preservada mesmo após a colonização portuguesa. As diferenças encontradas foram marcantes. Enquanto os velhos castanhais tinham mais árvores antigas e menos sementes disponíveis para
novas germinações, os que tiveram a presença constante de seres humanos eram, em geral, mais jovens e produtivos. “Os dados apoiam a ideia de que os castanhais, mesmo os que são considerados floresta prístina [primária] e ‘nativa’, resultam de influências antropogênicas”, escreveram os pesquisadores em artigo publicado na revista Human Ecology. “Para nós, a concentração de castanhais na Amazônia é explicada pelo manejo tradicional da paisagem amazônica, especialmente no período pré-colonial”, afirma Scoles. “A modo de exemplo, as estimativas de idade média das árvores de castanheira a partir dos anéis de crescimento em muitos castanhais da região do rio Trombetas coincidem com a época de diminuição das populações humanas nativas da Amazônia.” As árvores que dão origem à castanha-do-pará não raro têm 400 anos e há relatos de exemplares com mais de um milênio de vida. A primeira sugestão de que os castanhais tenham sido criados e mantidos por antigos povos amazônicos veio do botânico e etnólogo ítalo-brasileiro Adolpho Ducke (1876-1959), em 1946. Outros voltaram a defender ou a atacar essa tese nas últimas décadas. Os frutos da castanheira, que contêm as cobiçadas sementes, por serem difíceis de abrir não parecem ter um mecanismo simples de dispersão. Deixados aos seus próprios meios, os frutos teriam dificuldade até mesmo para se espalhar por uma área pequena, que dirá por toda a floresta. O primeiro a descrever o fenômeno foi o suíço Jacques Huber, em 1910. Outro estudioso desse tema é o paraense Carlos Peres, da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Biólogo ambiental renomado, em 1997 ele reforçou essa ideia
ecologia
pESQUISA FAPESP 198 z 57
indicando que a cutia, roedor comum na floresta amazônica, com seus dentes afiados, poderia dar o empurrão que a castanheira precisa para se multiplicar. Peres observou o comportamento desses animais e viu que eles conseguiam abrir o fruto e colher as sementes. Uma em cada quatro delas era consumida no próprio local, mas a maior parte das restantes as cutias enterravam para comer mais tarde. Há de se presumir que nem todas as sementes enterradas seriam recolhidas depois, ganhando a possibilidade de germinar e dar origem a uma nova castanheira. Para Peres, essa demonstração era suficiente para explicar a origem dos castanhais. Contudo, um enigma ainda permanecia: como a árvore conseguiu se espalhar por tantas regiões da floresta de forma tão marcante? Para alguns pesquisadores, mecanismos naturais não são suficientes, e só mesmo a ação de populações humanas daria conta do fenômeno. Para dar ainda mais suporte a essa hipótese, Glenn Shepard Jr., do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG), e Henri Ramirez, da Universidade Federal de Rondônia (Ufro), fizeram um levantamento multidisciplinar que deixa poucas dúvidas e no qual tiveram a colaboração de Rogério Gribel, do Inpa. Eles colheram evidências que vão desde a biologia, com análises genéticas das populações de castanheiras, até a linguística, correlacionando diversos idiomas indígenas para decifrar a importância histórica da castanha para as populações da região. 58 z agosto DE 2012
Castanha-do-pará e arara: a ave é um dos animais que conseguem tirar a semente do fruto
O enigma é: como a castanheira espalhou-se por toda a Amazônia de forma tão marcante?
Uma das revelações mais importantes vem da análise do DNA, feita por Rogério Gribel e Maristerra Lemes, do Inpa, e colaboradores. Ao comparar as populações de árvores em todas as partes da Amazônia, notou-se que há grande homogeneidade, ou seja, poucas diferenças genéticas de local para local. Isso indica que o espalhamento geográfico da castanha-do-pará se deu rapidamente e em uma época relativamente recente, o que torna mais complicado imaginar um mecanismo natural para sua dispersão.
“As cutias podem explicar a distribuição espacial concentrada dos indivíduos de castanheira dentro dos castanhais”, diz Scoles. “O que é impossível de entender é como esses roedores, sem ajuda humana, podem explicar a distribuição pan-amazônica de Bertholletia excelsa. A dispersão da cutia é altamente ineficiente e de curta distância. Além disso, como esses roedores poderiam atravessar os grandes rios com sementes na boca?” Outros animais que também comem castanhas, como as araras, poderiam ajudar nessa dispersão de meia distância, algo em que Scoles não acredita. “Geralmente as araras estragam a produção de frutos porque os comem antes de estarem maduros”, diz. Ainda assim, além de o fenômeno não ter sido suficientemente documentado, ele parece mais complicado do que imaginar que para os indígenas do passado pode ter sido interessante consumir e plantar castanhas-do-pará. “Para nós, é mais fácil explicar a distribuição em grande escala pela dispersão humana voluntária e/ou involuntária em tempos pretéritos”, conclui Scoles. Uma comparação feita por Shepard e Ramirez entre a distribuição geográfica das castanheiras e a das sapucaias
Distribuição na Amazônia
daniel das neves
Apesar das dificuldades de dispersão, população dos castanhais ocupa praticamente toda a floresta
mostrou que a área de distribuição da sapucaia contém várias espécies geograficamente distintas, indicando uma história evolutiva mais profunda e processo de dispersão mais longo. “Já a castanha apresenta uma única espécie na Amazônia inteira, indicando uma história mais recente”, diz Shepard. A sapucaia é parecida com a castanheira, mas tem frutos que facilitam a dispersão das sementes. Além disso, enquanto populações de sapucaias mostram pequenas variações genéticas em dezenas de quilômetros, as castanheiras não apresentam nenhuma variação em milhares de quilômetros por toda a Amazônia. O que levou os pesquisadores a pensar que há vários mecanismos diferentes agindo para formar as duas populações de árvores. Linguística
Um dos aspectos mais interessantes do estudo de Shepard e Ramirez é o uso de comparações linguísticas para tentar identificar a importância de certos elementos na cultura dos povos do passado. Os próprios autores são cautelosos na análise dessas informações, mas ainda assim apresentam dados interessantes. Comparando os termos usados pelas três maiores famílias de idiomas amazônicos
nos locais em que há castanhais, denominadas Arawak, Carib e Tupi, os pesquisadores puderam notar que, de forma geral, é possível identificar uma origem comum para uma palavra que designe a castanha nas duas primeiras, mas não na terceira. Para os falantes de idiomas da família Tupi, o mais comum é vê-los se referindo à semente por meio de uma palavra “emprestada” de outra língua. Correlacionando esses dados linguísticos, Shepard e Ramirez acreditam que a castanha-do-pará se tornou um elemento importante da cultura indígena principalmente durante o primeiro milênio d.C., coincidindo com a adoção de agricultura mais intensa e um estilo de vida mais sedentário por parte das populações nativas. Sobre a origem da Bertholletia, a análise linguística parece corroborar estudos genéticos que sugerem que a árvore surgiu na região norte ou central da Amazônia, para depois se espalhar (ou ser cultivada) a oeste e ao sul. Isso ajudaria a explicar por que não há uma palavra específica nas raízes do Tupi para ela, uma vez que esse tronco linguístico parece ter surgido no sul da floresta, onde hoje fica o estado de Rondônia. Isso também pode dar alguma explicação
para o fato de que sítios arqueológicos rondonienses de 4 mil anos de idade, embora estejam em locais onde hoje há importantes castanhais, não têm nenhum sinal de consumo antigo de castanhas. Apesar das evidências, nenhum dos defensores da hipótese antropogênica dos castanhais afirma que o debate está superado. “A confirmação definitiva seriam evidências arqueológicas e arqueo botânicas mostrando, por exemplo, a aparição de restos de castanha em sítios arqueológicos a partir de uma determinada data”, ressalva Shepard. “O arqueólogo rondoniense Eurico Miller me disse que achava estranho não encontrar restos de castanha em sítios arqueológicos antigos em Rondônia, onde hoje tem bastante castanha na superfície”, conta Shepard. “Teria de se confirmar essa observação pessoal do Miller com evidências mais concretas e tentar determinar a data em que a castanha ‘entra’ nos restos arqueobotânicos para Rondônia e outras regiões.” De acordo com Ricardo Scoles, duas linhas de pesquisa podem também dar fim ao grande enigma. A primeira seria um esforço de correlacionar dados de distribuição geográfica da castanheira com a presença de sítios arqueológicos e a chamada “terra preta de índio” – indício de agricultura por esses povos nativos em tempos passados. A ideia é demonstrar que onde havia ocupação antiga também havia a formação de castanhais. Outra confirmação pode vir de estudos genéticos das variedades da espécie, que permitam determinar de forma mais precisa como e quando se deu o espalhamento da Bertholletia pelo território amazônico. Segundo Scoles, ambas as linhas de pesquisa já estão sendo perseguidas por pesquisadores do Inpa. “Creio que elas darão resultados conclusivos em relação ao caráter antropogênico dos castanhais.” Mas, por enquanto, a questão continua aberta. n
Artigos científicos SCOLES, R. e GRIBEL, R. Population structure of Brazil Nut (Bertholletia excels, Lecythidaceae) stands in two areas with different occupation histories in the Brazilian Amazon. Human Ecology. v. 39, p. 455-64. 2011. SHEPARD JR., G.H. e RAMIREZ, H. “Made in Brazil”: human dispersal of the Brazil Nut (Bertholletia excels, Lecythidaceae) in Ancient Amazonia. Economic Botany. v. 65 (1), p. 44-65. 2011. pESQUISA FAPESP 198 z 59
tecnologia pesquisa empresarial y
Expansão mineral Vale completa 70 anos investindo em projetos de longo prazo com foco em desenvolvimento sustentável e mineração Dinorah Ereno
E
m sete décadas a Vale passou de uma pequena mineradora de Itabira, em Minas Gerais, ao posto de líder mundial na produção de minério de ferro, além de ser a segunda maior produtora de níquel. Espalhada por 38 países dos cinco continentes, a mineradora atua ainda nos setores de logística, que engloba ferrovias, terminais portuários e navegação de cabotagem, energia e fertilizantes. Essa posição de destaque está ancorada em grandes investimentos destinados a tecnologias de ponta e em pesquisa e inovação. As demandas imediatas dos clientes são apoiadas por três centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D), dois no Brasil e um no Canadá. Outras pesquisas, com visão de longo prazo em diversas áreas, são feitas por meio do Instituto Tecnológico Vale (ITV), criado em 2009. As primeiras discussões para a criação de um instituto sem fins lucrativos começaram em 2007, mas o projeto só ganhou corpo no final de 2008, com a contratação de Luiz Eugênio Mello, neu60 z agosto DE 2012
rofisiologista que na época exercia o cargo de pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e hoje ocupa o cargo de diretor-executivo do ITV. “No ano passado a Vale investiu US$ 1,7 bilhão em P&D. Apenas no ITV foram quase R$ 23 milhões aplicados”, diz Mello, ex-coordenador adjunto da diretoria científica da FAPESP. Em 2011, o lucro líquido da mineradora foi de US$ 22,8 bilhões, evolução de 32% em relação a 2010. Desde a sua criação, o ITV fechou 97 convênios de P&D e fez parcerias com 36 instituições nacionais e internacionais, como Embrapa, Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, entre outras. O instituto também tem parcerias com a FAPESP e as fundações de amparo à pesquisa de Minas Gerais e do Pará, no valor de R$ 120 milhões, destinados a projetos de pesquisa nas áreas de mineração, energia e ecoeficiência. Duas unidades de pesquisa com focos distintos, Desenvolvimento Sustentável, em Belém, no Pará,
ambiente
energia
engenharia
marcio nunes
A partir da esquerda, Regina Bronstein, Sandoval Carneiro, Roberto Dal’Agnol, Cláudia Diniz, Luiz Eugênio Mello, José Oswaldo Siqueira e Hugo Resende, todos ligados ao Instituto Tecnológico Vale
e Mineração, em Ouro Preto, Minas Gerais, são responsáveis por pesquisas nas áreas de mudanças climáticas, gestão de águas, sustentabilidade na indústria da mineração, biodiversidade, energia e tecnologia para monitoramento ambiental, definidas como prioritárias em workshops realizados em 2010 pela Vale, com a participação de pesquisadores de diversas instituições e áreas do conhecimento. À frente do ITV Desenvolvimento Sustentável desde novembro de 2010 no cargo de diretor científico está Luiz Carlos de Lima Silveira, médico de formação e neurocientista. Atualmente 33 pesquisadores das mais diversas formações conduzem pesquisas em seis áreas: biodiversidade, focada em microbiologia do solo e biotecnologia de plantas; mudanças do clima; manejo de águas; bioenergia e fotossíntese; sustentabilidade na mineração; e monitoramento ambiental. Duas áreas – arquitetura e urbanismo sustentável na Amazônia e sustenômica, definida como a ciência do desenvolvimento sustentável – perpassam as outras seis.
geologia
inovação
pESQUISA FAPESP 198 z 61
1
Silveira, criador do programa de pós-graduação em neurociências e biologia celular da Universidade Federal do Pará (Ufpa), avalia seu trabalho atual como uma espécie de continuidade da vivência acadêmica. “Ao longo da minha carreira como pesquisador ganhei experiência administrativa com a implantação de dois grupos de pesquisa, um de ciências básicas e outro em neurociência de medicina tropical”, pondera. “Essas credenciais me conduziram para a atual função”, diz Silveira, formado em medicina pela Ufpa, com mestrado e doutorado em biofísica pela Universidade do Rio do Janeiro (UFRJ) e pós-doutorado em neurociência pela Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Mina de Taquari, em Sergipe: exploração de potássio
Fenômeno urbano
Na sua avaliação, criar um grupo de pesquisa no Brasil exige uma série de habilidades, em particular na Amazônia, onde há disparidades regionais e é preciso fazer a integração com o resto do Brasil. No ITV de Belém mais de 10 projetos de pesquisa estão sendo conduzidos atualmente em colaboração com instituições locais, como Ufpa e Embrapa Amazônia Oriental, e internacionais, como o Instituto de Biotecnologia de Flandres, na Bélgica, e o Instituto Weizmann de Ciências, de Israel. A escolha de Belém como um dos eixos físicos da rede de pesquisa é estratégica. A capital do estado do Pará, onde a Vale tem uma grande operação de extração de minério de ferro na serra dos Carajás, tem 2 milhões de habitantes. Só as minas de Carajás respondem por 36% do minério de ferro produzido pela Vale atualmente, 62 z agosto DE 2012
36%
do minério de ferro produzido pela Vale está em Carajás, no Pará
que em 2011 chegou a 322,6 milhões de toneladas. “Belém é uma metrópole situada geográfica e temporalmente sobre forças que se equilibram na fronteira entre a Amazônia e o Atlântico, com uma riqueza de biodiversidade que tem de ser estudada”, diz Silveira. Duas pesquisas já estão bastante avançadas, uma sobre urbanismo chamada projeto Urbis, dedicada ao fenômeno urbano na Amazônia oriental, e outra sobre os impactos climáticos das operações da Vale. O Urbis é coordenado por Ana Cláudia Cardoso em parceria com o engenheiro espacial Antonio Miguel Monteiro, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). “A nossa ideia é trabalhar uma visão multidisciplinar para o fenômeno urbano do Pará”, diz Ana Claudia, formada em arquitetura e urbanismo pela Ufpa, com mestrado em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB) e doutorado em arquitetura pela Universidade de Oxford Brookes, na Inglaterra. A proposta é entender como as grandes atividades econômicas, como mineração, pecuária e exploração da madeira, estão influenciando não só a metrópole, mas também as cidades médias e pequenas localidades situadas nas áreas de conversão da floresta, assim como as vilas no limite das estradas e na beira dos rios. Do projeto participam economistas, urbanistas e ecólogos, de instituições como Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fundação Getúlio Vargas e outras, que vão analisar com ferramentas específicas os padrões de ocupação do estado. “As taxas de migração do Pará são quatro vezes as do Brasil em alguns municípios, por conta da dinâ-
mica de investimento da própria Vale e também pela influência da agropecuária”, diz Ana Claudia. No grupo de pesquisa em mudanças climáticas estão um físico e dois meteorologistas, coordenados por Luiz Gylvan Meira Filho, ex-presidente da Agência Espacial Brasileira. Luís Antônio Lacerda Aímola faz parte desse grupo desde que saiu de Israel, onde trabalhava como pesquisador na área de mudanças climáticas e modelagem, diretamente para Belém. Formado em física pela Unicamp, fez doutorado em ciência ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorado no Instituto Weizmann. “O que me atraiu foi a visão inovadora de uma empresa de criar um centro de excelência em pesquisa voltado para a área de desenvolvimento sustentável com possibilidade de desenvolver pesquisa de longo prazo”, diz Aímola. Eventos climáticos
Desde maio do ano passado, ele trabalha em um projeto que procura integrar os aspectos físicos – como possíveis alterações no regime de chuvas na região tropical devido ao aquecimento global – aos econômicos na modelagem climática. “Se
fotos 1 e 2 vale 3 agência vale 4 salviano machado / vale
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houver modificações significativas pode mudar inclusive a dinâmica da floresta amazônica”, diz. Como a mineração depende dos regimes de chuva, as operações podem ser prejudicadas por eventos climáticos extremos. “Trabalho tanto nos aspectos físicos do clima como nos possíveis impactos climáticos futuros para a economia das regiões tropicais.” Um dos meteorologistas do grupo estuda os impactos das mudanças climáticas nas operações da Vale na Amazônia oriental e o outro traça um modelo climático para a Amazônia. A agricultura começa O ITV Mineração está na mineração. As em processo de implantação na cidade mineira de matérias-primas Ouro Preto. As áreas definidas como prioritárias extraídas das rochas são infraestrutura, metalurgia, processamento misão a base dos neral, mineração e explofertilizantes ração, prospecção e geologia e recursos hídricos. Um dos projetos, coordenado pelo engenheiro agrônomo e professor aposentado da Universidade Federal de Lavras (Ufla) José Oswaldo Siqueira, contratado pelo ITV há um ano, tem como tema a tecnologia de Ao lado e abaixo, imagens de produção de fertilizantes. “A agricultura começa computador na mineração”, diz Siqueira. As matérias-primas mostram os novos extraídas da rocha são a base para a produção de projetos de fertilizantes. “O nosso grande desafio é trazer a beneficiamento de minério em demanda da agricultura e da produção de alimenCarajás. À direita, tos para dentro de uma empresa de mineração”, a atual área de diz Siqueira, graduado pela Escola Superior de beneficiamento na mesma mina
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Salviano Machado/Vale
Agricultura de Lavras, atualmente Ufla, com mestrado e doutorado pela Universidade da Flórida e pós-doutorado pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Para isso, é preciso encontrar novos processos tecnológicos para aumentar a eficiência da extração de matérias-primas e obter produtos de qualidade e ambientalmente corretos. “Quase toda a tecnologia utilizada hoje para a produção de fertilizantes foi desenvolvida entre 1950 e 1970”, relata. A estagnação se deve ao reduzido interesse dos países desenvolvidos em consequência de políticas agrícolas e o baixo preço histórico dessa commodity química. Mas o cenário mudou nos últimos cinco anos. E a única saída para o Brasil é aumentar a competência tecnológica em toda a cadeia de produção. Fronteira mineral
“É uma questão estratégica, pois o país importa cerca de dois terços da quantidade de fertilizantes que consome.” O fosfato, por exemplo, é essencial para a produção agrícola dos trópicos, mas as reservas desse mineral são extremamente limitadas no mundo todo. A Vale já produz fertilizantes como fosfato e potássio, mas sua estratégia é se tornar uma grande produtora de matéria-prima para fertilizantes em escala global. Para isso, fez grandes investimentos no Brasil e no exterior, como na África, Peru, Argentina e Canadá, com a compra de novas jazidas e empresas. Além da tecnologia para produção de fertilizantes, o ITV Mineração trabalha com outras 11 linhas de pesquisa, entre as quais está a fronteira mineral do fundo oceânico. As pesquisas estão sendo realizadas em colaboração com a Ufla, com a USP e com universidades como a de Queensland, na Austrália.
Pátio de estocagem do minério de ferro em Carajás
Após 25 anos na Embraer, o engenheiro aeronáutico Hugo Resende aceitou, em outubro do ano passado, o convite para estruturar uma área com foco em incubação de novos negócios de base tecnológica, ligada ao ITV. “O desafio é identificar oportunidades de start-ups de novos negócios de base tecnológica a partir das pesquisas feitas não só no ITV como também nos outros centros de pesquisa da Vale”, diz Resende, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com mestrado e doutorado pela Universidade Stanford. Na Embraer, trabalhou no desenvolvimento de aeronaves, de softwares aeronáuticos e como gerente de desenvolvimento tecnológico, até assumir o cargo de cientista-chefe, responsável por fazer parcerias com
Instituições que formaram pesquisadores da empresa Luiz Eugênio Mello Médico, diretor-executivo do ITV
Unifesp graduação, mestrado e doutorado Universidade da Califórnia pós-doutorado
Luiz Carlos de Lima Silveira Médico, diretor científico do ITV Desenvolvimento Sustentável
Ufpa graduação UFRJ mestrado e doutorado Universidade de Oxford pós-doutorado
Luís Antônio Lacerda Aímola Físico, pesquisador do ITV Desenvolvimento Sustentável
Unicamp graduação USP doutorado Instituto Weizmann de Ciências de Israel pós-doutorado
José Oswaldo Siqueira Engenheiro agrônomo, pesquisador do ITV Mineração
Ufla graduação Universidade da Flórida mestrado e doutorado Universidade de Michigan pós-doutorado
Ana Cláudia Cardoso Arquiteta, pesquisadora do ITV Desenvolvimento Sustentável
Ufpa graduação UnB mestrado Universidade Oxford Brookes doutorado
Stephen Potter Engenheiro de minas, diretor de Planejamento Integrado e Desenvolvimento Tecnológico
Escola Real de Minas em Londres graduação e mestrado
Hugo Resende Engenheiro aeronáutico, gerente da incubadora
ITA graduação Universidade Stanford mestrado e doutorado
Rogério Carneiro Engenheiro metalúrgico, gerente-geral do CTF
UFMG graduação e mestrado
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vale
universidades e pela identificação de projetos de interesse da empresa. O convite da Vale foi aceito como um novo desafio. “Era o que faltava na minha história profissional. Identificar oportunidades para transformá-las, de fato, em negócios”, diz Resende, que já ocupou alguns cargos na diretoria da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), entre os quais a presidência em 2006. A expectativa é que em 2013 a incubação de novos negócios comece a operar. A atividade está inserida dentro do modelo escolhido como referência no processo de criação do ITV, que é o do MIT. “O MIT tem como foco a transferência de tecnologia para empresas e a formação de empreendedores”, diz Mello. Resposta imediata
Três grandes laboratórios são os responsáveis por encontrar as soluções para as demandas tecnológicas que necessitam de respostas imediatas. O Centro de Desenvolvimento Mineral (CDM) e o Centro de Tecnologia em Ferrosos (CTF) estão instalados em Minas Gerais. O terceiro, dedicado à tecnologia de níquel e metais de base, está no Canadá. Fundado em 1965, o CDM é considerado o primeiro salto tecnológico da empresa, pelo desenvolvimento de uma tecnologia própria de beneficiamento de minérios com baixo teor de ferro ainda na década de 1960, o que permitiu aumentar a vida útil das minas da Vale. Já o CTF, criado em 2007, desenvolve pesquisas em toda a cadeia de uso do minério de ferro, da mina ao aço. “Trabalhamos com foco na indústria siderúrgica”, diz o engenheiro metalúrgico Rogério Carneiro, gerente-geral do CTF, com graduação e mestrado pela UFMG. “Vários laboratórios e modelos matemáticos que simulam os processos siderúrgicos permitem o desenvolvimento de soluções para os nossos clientes”, diz Carneiro, que desde 2001 está na Vale. Antes disso, trabalhou durante 17 anos em uma indústria siderúrgica brasileira, coordenando pesquisas com foco em minério de ferro, sinterização e alto-forno. Do total de 120 empregados e terceirizados do CTF, 30 são pesquisadores com mestrado ou doutorado, entre os quais estão engenheiros metalúrgicos, de minas e geólogos. É possível testar no centro desde diferentes rotas de beneficiamento até o comportamento do minério nas siderúrgicas. “Temos no CTF equipamentos que reproduzem uma siderúrgica”, relata Carneiro. As tecnologias inovadoras aplicadas na produção de minério de ferro constituem um diferencial da Vale para garantir sua posição de destaque no cenário mundial. Uma delas é o transporte de minério de ferro por uma estrutura composta por escavadeiras e britadores móveis, no lugar dos caminhões, que faz parte de um projeto para
Experimentos no Centro de Desenvolvimento Mineral, em Minas Gerais
Carajás chamado de S11D. Eles farão a extração e o transporte do minério até a usina de beneficiamento. “O processamento do minério de ferro a partir da umidade natural, sem acréscimo de água, é outra tecnologia que minimizará os impactos ambientais”, diz o engenheiro de minas Stephen Potter, diretor de Planejamento Integrado e Desenvolvimento Tecnológico da Vale, formado pela Escola Real de Minas em Londres, onde também fez mestrado “Além de reduzir o consumo de água, vai permitir a recuperação do material lavrado na mina”, diz Potter, inglês que trabalha há 20 anos em mineração e desde 2009 está na Vale. As partículas mais finas, eliminadas no processo convencional, vão se misturar ao produto final. Também não haverá necessidade de jogar os resíduos do processo em uma barragem construída para essa finalidade, como é feito atualmente. “Haverá menor impacto no ambiente sem a circulação dos caminhões carregados.” A Vale obteve recentemente a licença ambiental prévia para implantação do projeto. n pESQUISA FAPESP 198 z 65
Captação de dados marítimos e climáticos Duas boias repletas de sensores serão instaladas em alto-mar para colaborar no entendimento das condições meteorológicas e oceânicas da costa brasileira
estação de processamento Do satélite as informações seguem para a internet
satélite Geoestacionário, ele recebe os dados das boias e os retransmite para uma estação em terra
Boia meteocenográfica (BMO)
Atlas-B
Fabricadas para a Petrobras, duas dessas
O navio Alpha Crucis vai levar essa boia para
boias vão servir principalmente para medir
o alto-mar com o objetivo de estabelecer uma
as correntes e as ondas na região do pré-sal
série temporal para acompanhamento de possíveis mudanças climáticas
Medidor de vento
Estação meteorológica
Estação de comunicação via satélite
Estação de comunicação via satélite
GPS
Sensor de CO2
Sensor de correntes marítimas
Medidor de salinidade e temperatura
Sensor de profundidade e temperatura
Cabo de aço
Boia Sensores de condutividade e temperatura
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Sensor de flúor Sensor de radiação solar
Sensor de radiação solar e de flúor
fonte ambidados / io-usp / noaa infográfico ana paula campos ilustração pedro hamdan
Bateria
Painéis solares
Estudos marítimos e meteorológicos y
Boias ao mar Equipamentos flutuantes de coleta de dados entram em operação ainda neste ano Evanildo da Silveira engenharia
O
desenvolvimento de duas boias para monitoramento meteorológico e das condições do mar vai permitir que o Brasil tenha tecnologia necessária para estudos e operações oceanográficas em águas profundas. Os equipamentos serão pela primeira vez fabricados no país. Os dois projetos são da empresa Ambidados – Soluções em Monitoramento Ambiental, do Rio de Janeiro, um em parceria com a universidade federal daquele estado (UFRJ), com financiamento da Petrobras, e outro com a Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP. O lançamento da boia da USP ao mar será uma das primeiras missões, ainda neste ano, do recém-adquirido navio oceanográfico Alpha Crucis. Uma das sócias da Ambidados, Wilsa Atella, explica que essas boias oceanográficas vão servir para a aquisição de dados meteorológicos importantes e o monitoramento do ambiente marinho em alto-mar. Elas são equipadas com sensores que medem, por exemplo, a velocidade dos ventos, quantidade de chuvas, umidade relativa do ar, radiação solar, pressão atmosférica, concentração de dióxido de carbono (CO2), temperatura do ar e da água do mar, salinidade, correntes e ondas.
Oceanografia
pESQUISA FAPESP 198 z 69
Plataformas de petróleo
De formato cilíndrico, com 2,5 metros de diâmetro, 1,20 metro de altura e 400 quilos, a boia meteoceanográfica (BMO) começou a ser desenvolvida em 2010 a pedido do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello (Cenpes) da Petrobras. “Essa boia é importante no monitoramento meteoceanográfico das regiões oceânicas em águas profundas, para onde estão se deslocando as plataformas de exploração de petróleo da Petrobras e outras empresas”, diz Wilsa. Ela informa que serão fabricadas inicialmente duas BMO. Uma já foi entregue à Petrobras e deverá ser levada ao mar ainda neste ano, e a outra ficará pronta em setembro. A outra boia em processo de finalização pela Ambidados, chamada Atlas-B, está sendo desenvolvida pela empresa em parceria com o Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Segundo o professor Edmo Campos, do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica do IO, a ideia de desenvolvê-la surgiu em 2004, depois que o sul do país foi atingido pelo furacão Catarina, em março daquele 1. Na UFRJ, boia produzida para ano. O evento deia Petrobras xou claro que a meteorologia brasileira 2. Atlas é cópia
“Construímos um sistema de monitoramento das condições oceânicas e atmosféricas em regiões de águas profundas”, diz Edmo Campos
não estava preparada para prever esse tipo de fenômeno, que requer conhecimento tanto das condições do mar onde o furacão se forma como da temperatura média de uma camada de água de 100 a 200 metros. Segundo Campos, o desenvolvimento da Atlas-B tem dois objetivos principais. O primeiro deles é meteorológico, ou seja, melhorar a previsão do tempo e conhecer as condições do mar nas regiões próximas onde a boia ficará fundeada. O segundo é estabelecer uma série temporal dessas previsões, para acompanha-
mento de possíveis mudanças climáticas. “É um projeto pioneiro no Brasil”, assegura o pesquisador da USP. “Nosso país sempre se destacou na oceanografia costeira. Agora construímos um sistema de monitoramento das condições oceânicas e atmosféricas em regiões de águas profundas. Além disso, pela primeira vez estamos fazendo o processo completo, projetando, construindo, lançando e mantendo a boia.” A intenção inicial era comprar boias Atlas, as mesmas que são usadas no Projeto Pirata, um programa de monitoramento das águas do oceano Atlântico tropical, entre a América e a África, da latitude 20º Sul (mais ou menos na altura de Vitória, no Espírito Santo) até a latitude 20º Norte (na região do Caribe), desenvolvido em conjunto pelos Estados Unidos, Brasil e França. Nesse espaço existem 16 boias fabricadas pelos norte-americanos para a National Oceanic & Atmospheric Administration (Noaa) ou Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. “Em vez de nos vender as boias, os americanos sugeriram que fabricássemos outras iguais à Atlas”, conta Campos. “Eles nos repassaram a tecnologia para fazer cópias delas. Por isso é que chamamos as que estamos fabricando de Atlas-B.” A partir de então Campos e sua equipe passaram a procurar uma empresa de engenharia que fosse capaz de construir a Atlas-B. Foi assim que encontraram a Ambidados e fecharam o contrato em março de 2011. “Em seguida fornecemos todas as especificações do que queríamos para eles, que começaram a desenvolver a boia”, conta Campos. “Para esse projeto, recebemos R$ 500 mil do programa de mudanças climáticas da FAPESP, em
autorizada de similar norte-americana
O Projeto Impact of the southwestern atlantic ocean on south american climate for the 20th and 21st centuries – nº 2008/58101-9 modalidade Projeto Temático do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) Coordenador Tercio Ambrizzi – USP investimento R$ 2.075.788,51 e US$ 583.427,37 (FAPESP) 1
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fotos 1 ambidados 2 noAA
Para isso, ficam fundeadas num ponto específico do oceano, de onde enviam as informações coletadas para um satélite, que as retransmite para um sistema computacional e consequentemente coloca os dados na internet. “Os clientes que usam essas informações são portos, empresas offshore [alto-mar] e pesquisadores em projetos científicos”, diz Wilsa.
um projeto coordenado pelo professor Tércio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), da USP, R$ 500 mil do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Mudanças Climáticas e R$ 500 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico [CNPq].” Feita do mesmo material – fibra de vidro, aço e alumínio – e com tamanho semelhante ao da BMO, a Atlas-B tem um formato um pouco diferente, chamado toroidal (parecido com uma boia salva-vidas ou um pneu). Na parte que ficará acima da água há uma pequena torre, de quase dois metros de altura, onde serão instalados sensores, como, por exemplo, pluviômetros, que medem a quantidade de chuva, anemômetros para indicar a direção e a velocidade do vento, espectrorradiômetro, que verifica a radiação solar incidente, GPS, termômetros, além de medidores da umidade relativa do ar e a concentração de CO2. Na parte submersa também haverá uma torre, menor que a de cima, mas invertida, de cabeça para baixo. Da parte mais baixa dela sairá um cabo, de 4 mil metros de extensão, cuja ponta será fixada no fundo mar. A boia ficará num ponto específico da superfície, localizado na região onde se formou o furacão Catarina, a 600 quilômetros mar adentro do cabo de Santa Marta, no litoral catarinense. Nos primeiros 500 metros do cabo, a partir da boia, também serão instalados sensores, entre os quais fluorômetros, para medir a concentração de flúor, e espectrorradiômetros para verificar a radiação solar que penetra na água, além de instrumentos que medem a salinidade e a temperatura da água. Via satélite
Todos os dados coletados pelos sensores instalados na boia serão gerenciados por um sistema de computação chamada Datalogue, desenvolvido pela equipe de Campos, no IO da USP. “Depois de passar pelo Datalogue, as informações serão enviadas para um módulo de transmissão que as retransmitirá para o sistema de satélites Argos, que coleta dados ambientais de plataformas autônomas de todo o mundo”, explica Campos. “Dos satélites, os dados são enviados para a internet.” Segundo o pesquisador da USP, num primeiro momento serão construídas duas Atlas-B. A primeira já está quase
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A boia Atlas-B ficará num ponto específico em alto-mar no litoral catarinense onde se formou o furacão Catarina pronta e será lançada ao mar, no dia 1° de novembro, a partir do navio Alpha Crucis. Para esse lançamento, o projeto recebeu R$ 200 mil do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Mudanças Climáticas da USP. “A primeira boia permaneçerá em operação por um período de um ano”, diz Campos. “Depois ela deverá ser substituída por outra igual. A expectativa é que essa alternância possa ser mantida por muito tempo para que se produzam séries de tempo ininterruptas e longas relacionadas aos estudos climáticos. Os recursos de R$ 1,5 milhão que recebemos da FAPESP, CNPq e INCT são para a construção dessas duas boias. Essas duas primeiras servirão para demonstrar que somos capazes de fabricar, fundear e operar boias iguais à Atlas, usada no Projeto Pirata.” Além da BMO e da Atlas-B, a Ambidados desenvolveu um terceiro produto, o Ondaleta, um instrumento para o monitoramento da maré e das ondas em portos. Ele é composto de uma unidade feita com uma caixa de PVC, que abriga seus sistemas eletrônicos e um sensor de pressão, mais um tubo de cobre que vai até a água. O conjunto é capaz de medir a altura da maré e das ondas e o período dessas últimas (o tempo entre uma e
outra). Ele está ligado a outra unidade que pode ser instalada, por exemplo, em uma empresa proprietária de navios. “A comunicação entre as duas unidades poderá ser feita em tempo real por rádio ou fibra óptica”, diz Wilsa. “Nós desenvolvemos também um software específico que permite o cliente configurar o sensor de acordo com a suas necessidades.” A patente do Ondaleta pertence ao Cenpes, da Petrobras, e foi cedida à Ambidados em 2010, que paga royalties a companhia petrolífera. “Era apenas um protótipo”, diz Wilsa. “Com recursos próprios e do Cenpes, nós desenvolvemos o produto comercial e a interface on-line. Até agora já vendemos cinco unidades para empresas.”A Ambidados é uma empresa de base tecnológica, criada em 2006 por pesquisadores egressos do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe, e que foi instalada em 2007 na incubadora da própria instituição. Em abril deste ano, a empresa mudou para o Parque Tecnológico do Rio de Janeiro, localizado dentro do campus da UFRJ, na Ilha do Fundão. “Hoje nossos principais clientes são a Petrobras e a Vale”, diz Wilsa. “Temos atualmente 31 funcionários e deveremos faturar R$ 3 milhões neste ano.” n pESQUISA FAPESP 198 z 71
humanidades anatomia y
Entre a cátedra e o ateliê Desenhos de anatomia de Leonardo da Vinci, desconhecidos por séculos, revelam tentativa de unir arte e ciência
imagens the Royal Collection (c) 2012, Her Majesty Queen Elizabeth II
Carlos Haag, de Londres
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O
arte
que há por trás do sorriso de Mona Lisa? A resposta talvez desaponte os fãs de códigos secretos: a tentativa de Leonardo da Vinci (1452-1519) de romper limites e aproximar arte e ciência na Renascença. Mais do que um pintor que se “aventurava” em questões científicas, Leonardo desejava a criação de uma “ciência visual”. A anatomia foi o campo escolhido por Da Vinci para sua síntese de arte e ciência, como revelam a exposição Leonardo da Vinci: anatomist, que reúne os mais de 200 desenhos feitos pelo pintor do corpo humano, em cartaz em Londres até 7 de outubro, e o estudo A natureza, a razão e a ciência do homem: edição dos estudos de anatomia de Leonardo da Vinci, do historiador Eduardo Kickhöfel, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O projeto prevê a edição comentada da série “anatômica” de Leonardo, analisando a posição do artista como anatomista na história da filosofia natural, ajudando a descrever como se deu o desenvolvimento dos termos “arte” e “ciência”. Entre 1490 e 1513, o pintor dissecou mais de 30 corpos e retratou o que viu com precisão, um verdadeiro tratado que, se publicado, teria transformado o estudo da anatomia na Europa muito antes e melhor do que em De humanis corporis fabrica (1543), de Vesalius. “Não havia desenhos
medicina
Ossos, músculos e tendões das mãos, c.1510 pESQUISA FAPESP 198 z 73
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de anatomia na época de Leonardo. O conhecimento anatômico era o texto, em especial o livro de Mondino de Liuzzi, um anatomista do século XIV, que era lido nas demonstrações realizadas nas universidades. Como faria Vesalius, mais tarde, Da Vinci preconizava a experiência direta e criou uma pintura tão informada pelas ciências naturais que ela própria passava a ser uma ciência. Não há nada na Renascença italiana que se assemelhe ao legado dele”, explica Eduardo. “A maioria das estruturas que ele descreveu só seria retratada séculos mais tarde. Se ele tivesse publicado o seu tratado de anatomia, hoje seria conhecido como um dos maiores cientistas da história”, avalia o historiador Martin Clayton, curador da exposição londrina, em exibição na Queen’s Gallery.
É
difícil não se impressionar com sua técnica, como se pode ver pelos desenhos reproduzidos nestas páginas, todos da exposição inglesa. Em especial, Clayton se emociona com a criança dentro do útero, exceção dentre a série anatômica de Da Vinci pelo uso da cor. “O tom vermelho funciona como sugestão do potencial de vida do bebê, embora seja baseado na dissecação de uma vaca prenhe”, conta o curador. “Ele chegou perto de descobrir a circulação do sangue um século antes de Harvey, mas embora tivesse estudado latim por conta própria, Leonardo nunca se sentiu confortável com a linguagem dos escritos científicos contemporâneos e se ressentia do seu status ‘inferior’ em face dos professores das universidades, ainda que se gabasse de ser um ‘discípulo da experiência’”, nota Clayton. Essa “timidez”, ao lado do seu perfeccionismo, da dificuldade de conciliar suas observações 74 z agosto DE 2012
com as crenças estabelecidas, bem como certa dose de azar impediram que terminasse o tratado. Após sua morte, por um caminho tortuoso de vendas e compras, os manuscritos acabaram nas mãos do rei Charles II, em 1690, e foram guardados na Royal Collection. Apenas em 1900 foram publicados. Então o seu poder de afetar o progresso do conhecimento da anatomia já desaparecera. “Ainda assim, no seu tempo, ele reforçou a passagem de uma cultura de memória e instrução para uma cultura de descoberta e invenção, que gerava a tensão entre autoridade e experiência, algo que apareceu em Vesalius e culminou com a condenação de Galileu”, observa Eduardo Kickhöfel. “As razões por que ele não terminou o seu projeto são muitas, mas, essencialmente, a cultura do período não permitia a síntese proposta por Da Vinci entre a arte, que produzia usando matéria imperfeita e corruptível, e a ciência, que demonstrava, por textos, os princípios e causas eternos e imateriais. A ‘arte-ciência’ de Leonardo, com seus desenhos e textos, foi um esforço de ‘produzir-demonstrar’, algo impensável pelos seus contemporâneos”, nota o pesquisador. E que esforço: “Você pode ser detido pela ânsia de vomitar. O medo de viver à noite na companhia desses homens mortos, desmembrados e dissecados, é algo terrível de suportar”, anotou num desenho, com o hábito de se descrever na terceira pessoa, mostrando a árdua tarefa de dissecar corpos num tempo sem refrigeração ou formas de preservação. Ao menos não faltavam corpos. Aos artistas eram entregues à vontade cadáveres, enquanto os médicos só recebiam dois corpos por ano. “O ensino da medicina, então, era a leitura de textos em latim por um professor, distante do corpo nu-
1 Crânio seccionado, 1489 2 Órgãos centrais e veias, c. 1485-90 3 Trato gastrointestinal, c. 1508
O Projeto A natureza, a razão e a ciência do homem nº 2012/01124-2 modalidade Auxílio Pesquisa Coordenador Eduardo Kickhofel – Unifesp investimento R$ 16.000,00 (FAPESP)
ma cátedra, durante as dissecações, feitas por cirurgiões-barbeiros. O objetivo não era corrigir a tradição, muito menos servir para investigações independentes, mas confirmar doutrinas e as teorias”, diz o pesquisador. Já os artistas se interessavam apenas pela descrição superficial do corpo para realizar desenhos ou esculturas. “É difícil imaginar que um médico universitário nunca tenha pensado em usar o trabalho de um artista para ilustrar um livro de anatomia.” Mas, pela tradição aristotélica, os saberes mais elevados eram os mais afastados dos sentidos: a vita contemplativa.
A
penas em meados do século XIV entraram em cena os valores da vita activa e, aos poucos, o conhecimento dirigia-se para a vida do homem numa sociedade em movimento. “Ainda assim o preconceito com atividades manuais continuou e a ciência ainda era basicamente expressa por textos, embora alguns médicos começassem a dissecar e partir para uma cultura de descoberta e invenção, como mostram alguns livros de fins do século XV, com poucas e cruas ilustrações anatômicas”, nota Eduardo. Surgiram aplicações tímidas entre ciências e artes, como pintura e escultura, cujo objetivo era, porém, apenas dizer quanta ciência havia em suas obras e elevar, assim, o estatuto social do artesão. Em 1435, o arquiteto Leon Alberti idealizou, no tratado De pictura, um pintor que era uma espécie de homem letrado que criava a partir do conhecimento de princípios e causas: “Primeiro, o pintor colocará cada osso do animal em sua posição, e após seus músculos e então suas carnes”, escreveu. “Ele queria a verossimilhança, mas não a descrição das partes do corpo, pois ciência e arte não se uniam”, nota Eduardo. Artesão e pouco letrado, como Leonardo, o escultor Lorenzo Ghiberti escreveu, entre 1447 e 1455, o tratado I comentarii, em que avisa que seus colegas deveriam conhecer anatomia, mas apenas os ossos e músculos, pois “das outras coisas da medicina nós não precisamos tanto”. “Ghiberti sabia dos limites da tradição em que estava”, observa o pesquisador. Leonardo também, mas resolveu ir bem mais adiante. Em 1489 iniciou suas buscas a partir de um crânio. Apesar do traçado impecável da cabeça, Leonardo tentava encontrar por meio dos seus desenhos o que Aristóteles chamou de “senso comum”: essa busca da posição exata da “alma” ao lado de uma observação “científica” marcará o paradoxo de sua relação com a anatomia, como um mosaico de concepções velhas e novas. “Seu projeto de um catálogo, datado de 1489, já revelava as tensões que o perseguiram: entre a tradição textual e a dissecação anatômica, base de conhecimento real; entre as repetições da tradição e as fantasias
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Dissecando um homem, Da Vinci fez as primeiras observações da história da medicina sobre a arteriosclerose de sua época e as descobertas, como a concepção mecânica do corpo humano, só pensado em tempos mais recentes”, analisa Eduardo. Daí, entre outros “pecados”, ter deixado “escapar” o entendimento da circulação sanguínea. Afinal, a existência de válvulas de sentido único era incompatível com as crenças antigas de que o coração só bombeava sangue para dentro e fora dos ventrículos, gerando calor e “espírito vital”. “Ele não foi capaz de conciliar o que observou com aquilo que acreditava ser a verdade, ficando num impasse”, diz o pesquisador. Ao mesmo tempo, após dissecar um homem centenário ele fez as primeiras observações da história da medicina sobre a oclusão coronária e a arteriosclerose. Sua descrição detalhada da cirrose do fígado só seria refeita no século XIX. Mas importam menos as descobertas do que sua concepção da anatomia, a meio caminho entre a universidade e o ateliê, inovando ao mostrar as matérias anatômicas numa progressiva elaboração da “ciência visual” em oposição àquela meramente textual. pESQUISA FAPESP 198 z 75
Um dos desenhos mais tocantes de Da Vinci é esse feto no útero, um dos poucos a usar cor para mostrar potencial da nova vida 76 z agosto DE 2012
“Ele não ilustrou as matérias da anatomia, mas concebeu-as com o desenho, bem ao espírito de sua formação no ateliê de Verrochio, num contexto semiletrado, em que a expressão usual era visual, e não a palavra. Leonardo passou a identificar arte e ciência de forma inédita e a pensar numa concepção mecânica do corpo”, fala Eduardo. Ao contrário de Alberti, para quem investigar a aparência do corpo era suficiente para o pintor, para Da Vinci as representações dos afetos exigiam o conhecimento das suas causas. “Se o pintor de Alberti era um douto para ser eloquente e verossímil, o pintor de Leonardo queria ser um douto para dizer a verdade no sentido de demonstrações de matérias da filosofia natural nos moldes aristotélicos, para a qual a sensação é o fundamento de toda cognição. Ele insistia na necessidade da experiência.” A distinção entre arte e ciência desaparecia. “A palavra ‘demonstrar’ é comum nos estudos anatômicos de Leonardo e seu sentido é próximo de ‘figurar’, com produtos que eram ‘desenhos-conceitos’ que mostravam a vera notizia ou intera cognizione de partes do corpo, tratados o mais mecanicamente possível, precursores de diversos ‘mecânicos’ do século XVI e apontando para a ciência do século XVII”, explica o pesquisador. Sua arte era uma ciência.
H
avia, porém, alguns problemas com seus métodos. Ele iniciava com a experiência investigativa, o contato dos sentidos como material anatômico. A partir da experiência investigativa, ele pôde elaborar, com o auxílio de textos que leu ou com o eventual contato com investigadores da anatomia (como Marcantonio dela Torre, professor de anatomia da Universidade de Pádua), o conhecimento sobre as formas e funções das partes do corpo. Desse conhecimento surgia a experiência construtiva, ou seja, a reelaboração com o desenho seguido de escrita, ação quase sempre feita distante do material anatômico. “Leonardo desenhou muitas anatomias sem jamais as haver visto. Ele acreditava que uma vez alcançado certo conhecimento, não era mais preciso ter contato com os corpos. A experiência construtiva de Leonardo se pretendeu ciência e os resultados eram sínteses a partir de várias dissecações particulares, não cópias da realidade. Isso permitiu a ‘ciência visual’, codificação de conhecimentos feita a partir de conceitos desenhados que podiam ser conhecidos pelo seu observador.” “A ideia central do seu tratado era: para o anatomista, a experiência visual é fundamental, mas a elaboração do conhecimento deve acontecer depois, sem contato direto com o material anatômico, para que se possa, retornando a ele, controlar os resultados dessa elaboração”, diz
Eduardo. Para o pesquisador, Da Vinci desenhou muitas formas longe da experiência visual, o que gerou resultados artificiais ou fictícios. “Se ele tivesse visto e desenhado ao mesmo tempo, poderia comparar a dissecação e o esboço, o que teria possibilitado um ‘ver melhor’. A distância entre as duas experiências, ver e elaborar, fez com que ele pudesse sintetizar as partes dos corpos, elaborando ‘conceitos desenhados’. Mas, por outro lado, essa distância fez com que ficasse vulnerável a teorias errôneas, próprias ou da tradição, em geral uma mistura das duas”, observa o autor. “O momento de codificar o conhecimento anatômico, porém, não apenas gerou ideias para novas investigações, mas também para novas demonstrações. Provavelmente, Leonardo não teria feito o que fez se tivesse apenas lido e dissecado: suas descobertas e métodos demonstrativos foram sendo refinados ao longo dos anos.” Não houve comunhão de interesses entre artistas e anatomistas das universidades até meados do século XVI. “Se Muitas vezes, tivesse havido, a ilustração anatômica o que Leonardo teria se desenvolvido bem antes do programa de Vesalius.” Mas uma forma da Vinci via de conhecer baseada sobre as ciências naturais que tinha que ser realizada em ia contra o que conjunto com a arte não tinha lugar, ou seja, uma ciência que produzia aparênse pregava no cias, mesmo que idealizadas, era uma seu tempo, contradição nos seus próprios termos”, explica o historiador. colocando o Leonardo ousou a operação que outros artífices não haviam feito e tentou pintor num superar a distância que havia entre artes e ciências. Trazendo para a pintudilema ra conhecimentos da filosofia natural, modificou o significado da pintura, pois esta passou a representar um número maior de conhecimentos, num contexto de cultura que não permitia que houvesse uma ciência cujos resultados dispensavam o discurso. “Os objetos técnicos sobre os quais ele trabalhava como ‘engenheiro’ foram modelos para ele pensar o corpo como um conjunto de alavancas e seus moventes”, afirma o pesquisador. Na Renascença, a ideia do homem como um mecanismo estava no contexto de cultura em que as máquinas começavam a fazer parte do cotidiano. Numa curiosa ironia, arqueólogos italianos encontraram no mês passado, no convento de Santa Úrsula, situado na cidade de Florença, um altar que possivelmente pode abrigar os restos mortais de Lisa Gherardini, a suposta modelo da Mona Lisa. Leonardo teria adorado ver de perto os ossos que deram o sorriso mais celebrado da história. n pESQUISA FAPESP 198 z 77
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1 Soper e colega atravessam ponte para inspecionar foco de febre amarela em Mato Grosso em 1934
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2 Garoto de 9 anos mostra vermes que expeliu após tratamento da Rockefeller (1920)
3 Membro do grupo de erradicação no Nordeste 4 Transporte da equipe americana durante temporada de chuva no rio Jaguaribe, Ceará
fundação rockefeller y
Um país se faz com homens, saúde e doenças Programas externos de erradicação forçada influenciaram construção do Estado brasileiro
fotos The fred l. soper papers
C
omo em qualquer casamento, a união entre Brasil e brasileiros para a formação de um Estado nacional aconteceu sob a advertência do “na saúde e na doença”, em especial esta última, pois após o médico Miguel Pereira declarar, em 1916, que o “país é um imenso hospital”, os brios nacionais foram dirigidos para desfazer essa imagem negativa que maculava os “noivos”. O padrinho “acidental” dessa união foi um estrangeiro, a Divisão Internacional da Fundação Rockefeller, presente entre nós desde os anos de 1910 em parcerias com o governo brasileiro no combate à ancilostomíase e à febre amarela e na formação de profissionais da saúde. A tese da saúde como força-motriz da nação é do historiador Gilberto Hochman, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz/Fundação Oswaldo Cruz e coordenador do projeto Saúde pública e construção de Estado: políticas nacionais, organizações internacionais e programas de controle e erradicação de doenças no Brasil. O “presente” oferecido aos recém-casados era a crença em um programa recente adotado pela fundação, a erradicação de doenças e seus vetores, em oposição ao mero controle, como preconizavam médicos brasileiros que preferiam enfrentar doenças como a malária, então o “grande inimigo” do progresso, com a melhoria de vida dos pobres e quinino. Hochman traz visão alternativa do que até então era visto apenas como mais uma forma de “imperialismo ianque”, desta vez via medicina. A Rockefeller, no contexto de entusiasmo incontido pela ciência da época, rejeitava paliativos e prometia cortar o mal pela raiz e erradicar de vez as enfermidades com todo o
história
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aparato tecnológico disponível e uma organização quase militar de combate, dirigida pelo médico Fred Soper (18931977), cuja experiência em doenças tropicais era restrita a um curso intensivo de três semanas. Segundo ele, se o mosquito Anopheles gambiae, encontrado nos anos 1930 no Nordeste, não fosse erradicado, a epidemia sairia de controle e, mais importante, chegaria aos Estados Unidos. Segundo o pesquisador, o novo governante brasileiro, Getúlio Vargas, que queria uma nação unida e saudável, mesmo que “na marra”, abriu as portas para Soper. “A decisão de ‘erradicar’ doenças deve ser vista de pontos de vista históricos, ideológicos e políticos. No Brasil, foi adotada por pressões externas que, em função do tipo de forças políticas no poder, foram aceitas com cautela ou alinhamento a esse conceito. A saúde pública foi crucial no processo de construção do Estado nacional. Territórios e populações foram incorporados ao Brasil a partir de agulhas e seringas. Nesse processo, foi fundamental a interação entre organismos internacionais e nacionais de saúde, feita, numa primeira fase, para o combate à malária, entre 1939 e 1969”, afirma o pesquisador. “Isso não ocorreu sem diálogo, tensão e conflito entre 80 z agosto DE 2012
as duas partes, com redes de interesses políticos e econômicos e diversidade e assimetria entre países, atores e instituições”, observa. Ainda assim, a erradicação imposta pelos Estados Unidos e implantada pela Rockefeller ajudou a “criar” um país, bem como impactou, e muito, o conceito de sistema de saúde nacional, responsável, ainda hoje, por suas conquistas e mazelas. “Também foi importante para toda uma geração de jovens médicos e epidemiologistas que participaram das campanhas e, mais tarde, ajudaram a revisar o conceito de ‘erradicação’, então vertical e imposto que desprezava as práticas culturais, higiênicas e nutricionais das populações rurais brasileiras, que deveriam passivamente receber, e ‘agradecer’, os benefícios da nova medicina pública”, analisa Gilberto. “Assim, após uma longa trajetória histórica das políticas de saúde associadas ao processo de construção do Estado nacional, um desenvolvimento ligado a poder, desigualdade, inclusão, controle, direitos civis, como resultado imprevisível à população, aos poucos conquistou uma ‘cidadania biomédica’, consolidada na Constituição de 1988, em que a imunização se transforma de coerção em direito”, analisa.
1 Cemitério para vítimas de malária no Ceará em 1934 2 Soper (bigode) e colegas aguardam troca de pneu furado (1934)
Do lado da Rockefeller e, mais tarde, dos países do Primeiro Mundo, o Brasil também foi fundamental para a defesa do conceito de erradicação. “Desde o século XIX o país mantém uma relação intensa com questões e organismos internacionais de saúde ligada a ciclos epidêmicos de cólera, varíola, febre amarela e malária. Aqui foram feitos ensaios de como se fazer uma campanha de saúde que serviram como base para empreendimentos mais amplos e globais”, avalia Gilberto. Desses experimentos emergiu a crença na urgência de erradicar doenças em escala global, que esteve no topo da agenda das organizações internacionais do pós-Segunda Guerra Mundial. Ciência e medicina eram vistas como meios fundamentais para levar países pobres ao panteão do Primeiro Mundo, evitando-se, assim, o crescimento do populismo e do socialismo nessas regiões. “Havia
a crença, ainda hoje preconizada por muitos técnicos e organizações, de que eram as doenças que impediam o desenvolvimento socioeconômico dos países pobres, e não o contrário, que era a pobreza que gerava as doenças”, observa o historiador da medicina Randall Packard, da Johns Hopkins University, autor, ao lado do brasileiro Paulo Gadelha, do estudo A land filled with mosquitoes: Frederick Soper, the Rockefeller Foundation and the Anopheles gambia invasion of Brazil, 1932-1939 (1994). “Eram tempos de grande entusiasmo pela capacidade da ciência em mudar as coisas. Mas essa expertise era privilégio de partes do globo e precisava ser transferida para as outras que não a detinham. Era uma visão de que boa parte do mundo carecia de soluções que viriam de fora, ainda que isso implicasse um total desconhecimento do que realmente acontecia nos países em intervenção”, nota o americano. “A erradicação foi pensada como intervenções técnicas, conduzidas por especialistas que objetivavam a eliminação
completa de doenças, uma após a outra, sem nenhum tipo de envolvimento com os determinantes sociais e econômicos da relação saúde-doença. Era o ‘universalismo etiológico’, ou seja, em qualquer lugar onde a doença fosse encontrada, presumia-se que teria a mesma causa e seria eliminada pelos mesmos métodos, independentemente das diferenças nas condições econômicas e geográficas e de classe das populações, que não se levava em consideração”, observa o historiador Rodrigo Cesar Magalhães, que está trabalhando no projeto Desenvolvimento e cooperação internacional em saúde: a campanha continental para a erradicação do Aedes aegypti e os seus impactos no Brasil, na Universidade de Maryland, com apoio da Fundação Fullbright, pesquisando os Fred L. Soper papers. “A erradicação, que teve em Soper o seu maior defensor, tinha um caráter universalista e, para ele, não havia necessidade de reformas sociais profundas para diminuir a incidência de doenças como malária e febre amarela”, conta.
Para pesquisador, erradicação imposta ao país e implantada pela Rockefeller ajudou a criar o Estado nacional
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Soper, que esteve no Brasil entre 1920 e 1942, é a figura central do livro mais recente da historiadora e brasilianista americana Nancy Stepan, professora emérita da Universidade Columbia, Eradication: ridding the world of diseases forever?. O médico americano liderou uma campanha sanitária no Nordeste brasileiro que culminou com a erradicação, em tempo recorde – apenas 35 meses –, do mais eficiente dentre os vetores da malária, o mosquito Anopheles gambiae. O relatório dessa “vitória”, aliás, Anopheles gambiae no Brasil – 1930 a 1940, de 1943, acaba de ser publicado pela Fiocruz, a primeira versão fiel do estudo em português. “Esse suposto ‘sucesso’, que provou ser passageiro e enganoso, revela como campanhas internacionais de erradicação são um obstáculo ao desenvolvimento de sistemas de saúde básicos, levando governos a investir dinheiro em ações custosas que comprometem os programas locais existentes, nem sempre baseados nas necessidades de um dado país. Muitas vezes, doenças são eleitas como alvo de campanhas internacionais em função de critérios políticos, econômicos e simbólicos, ou seja, por razões outras que a devastação que causam em relação a outras enfermidades e problemas que assolam um país”, explica Nancy. “Soper era um administrador autocrático que pouco se interessava por pesquisas e desconfiava da eficácia de vacinas, preferindo a erradicação de vetores das doenças. Para ele, cada programa nacional deveria ser uma entidade independente com seus próprios empregados e um coordenador que se reportava diretamente ao chefe de Estado. No caso brasileiro, sua parceria com o regime autoritário de Vargas foi perfeita”, observa a pesquisadora. A tecnologia organizacional trouxe ao Brasil uma nova mentalidade de saúde pública, especialmente na sua estruturação. “Já nos anos 1920 se percebe como a erradicação nos moldes da Rockefeller e Soper vai reorganizando o país. Em plena República Velha, de um federalismo exacerbado, os americanos desenvolvem, ainda que timidamente, uma campanha vertical de total precisão em que um supervisor cronometrava o tempo que um agente do Serviço de Febre Amarela (SFA) levava para percorrer um quarteirão. Era um assombro”, nota Gilberto. pESQUISA FAPESP 198 z 81
1, 2 e 3 Pelos laboratórios da empresa circulam 300 pesquisadores 4 Detalhe do prédio feito de concreto aparente e vidro
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Soper foi nomeado chefe do escritório da Fundação Rockefeller no Brasil e coordenador do SFA em 1930, mesmo ano em que Vargas tomava o poder. “Getúlio queria modernizar e unificar o país, criar uma nação, e aceitou de bom grado a colaboração dos americanos. O combate à doença consolidava a autoridade estatal em diversas regiões e era ideal no seu projeto de um Estado nacional coeso e forte”, observa Rodrigo. “Já do lado de Soper, o trabalho sanitário foi facilitado pela ausência de democracia. Era possível prender quem se recusasse a colaborar com os técnicos e há casos mesmo de trocas de tiros entre moradores recalcitrantes e agentes da SFA”, conta a historiadora francesa Ilana Löwy, diretora de pesquisa do Instituto Nacional Francês de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) e autora do estudo Representação e intervenção em saúde pública: vírus, mosquitos e especialistas da Fundação Rockefeller no Brasil (1999). “O pessoal da Rockefeller sabia que doenças como tuberculose, febre tifoide ou gastrenterite ocasionavam mais vítimas do que a febre amarela ou a malária, mas como aquelas eram percebidas como doenças ligadas às condições de vida, eram vistas como inadequadas para ações de erradicação com fins exemplares”, analisa. “Tinham um desejo de ‘civilizar’ os brasileiros, mas isso não era mera expressão de racismo ou imperialismo. Os funcionários da Rockefeller promoviam interesses de empresas ame82 z agosto DE 2012
ricanas de construção, assegurando-lhes contratos em projetos de saneamento urbano e, ao mesmo tempo, estavam convencidos de que o Brasil se beneficiaria de suas ações”, observa Ilana. Ao longo do tempo e dos insucessos, a fundação foi se afastando das ideias de Soper, mas reveses inesperados, como o surto de febre amarela no Rio em 1928, e de malária em 1938, traziam sempre de volta à cena a erradicação. E, com ela, os desdobramentos políticos sobre o Estado brasileiro. “Nos anos 1950 houve um entrecruzamento entre o otimismo sanitário e a Guerra Fria que levou a eleição da malária com o alvo das atenções internacionais, incluindo-se a política externa americana da administração Eisenhower. A erradicação ganhou novo impulso, pois era vista como precondição da liberação de populações para atividades econômicas, evitando movimentos sociais. Havia mesmo uma associação entre malária e comunismo, ambos capazes de ‘escravizar’ indivíduos”, conta Gilberto. Novamente a saúde mesclava-se diretamente com a consolidação do Estado nacional. “O governo de Juscelino Kubitschek enfrentava uma crise econômica grave e problemas de financiamento externo para seus projetos de desenvolvimento e a construção de Brasília. A política americana de cooperação em saúde, peça importante na Guerra Fria, dava assistência financeira para o combate à malária apenas para os países que convertessem seus programas de contro-
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1 Análise de larvas do Anopheles gambiae 2 Soper em 1928, já no staff da Rockefeller 3 Soper em encontro com Vargas no Nordeste em 1940 4 Esquadrão de captura de mosquitos em Pernambuco (1934)
le em programas de erradicação. Assim, em 1958, a malária, ‘quase extinta’ como dizia o então candidato Juscelino em 1955, voltou ao topo da agenda sanitária brasileira”, afirma o pesquisador. A malária foi então tratada numa intersecção de políticas de saúde locais, da agenda internacional, de projetos de desenvolvimento e interesses americanos. Mais uma vez a erradicação reunia brasileiros e estrangeiros e influenciava o modelo de Estado e de sistema de saúde nacionais. Mas já surgiam críticas ao modelo e os chamados “sanitaristas desenvolvimentistas” defendiam campanhas horizontais contra as doenças que produziriam condições básicas de infraestrutura sanitária. Na contramão da erradicação soperiana, preconizavam o desenvolvimento socioeconômico como pré-requisito para a melhoria da saúde. O golpe de 1964, porém, jogou um balde de água fria nessas visões alternativas. O governo Castello Branco (1964-1967) inseriu o Brasil no esforço global das “erradicações”, trocando, em sintonia com as organizações
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internacionais, a malária agora pela varíola. “A erradicação da varíola poderia ser uma resposta política dos militares à comunidade internacional, dando legitimidade ao governo num momento em que se aumentavam a censura e a repressão internas. Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade para os profissionais de saúde se qualificarem”, nota Gilberto. A campanha ampliava a agenda de saúde para além da erradicação de uma só doença, dava oportunidade para o incremento da produção de vacinas. “Ao contrário da campanha da malária, que não teve nenhum apelo popular, a da varíola exigiu mobilização de multidões no esforço de vacinação. Embora não estivesse no plano dos militares, esse movimento aumentou o contato da população com os serviços de saúde e a compreensão da vacina como um bem público a ser oferecido pelo Estado”, observa o pesquisador. As dezenas de milhões de doses aplicadas em cinco anos, com uso aparentemente residual de meios coercitivos, modificaram a trajetória da imunização no país. “A erradicação da pólio e a meta de erradicação de outras doenças imunopreveníveis são consequência direta da campanha da varíola, que influenciou a oferta crescente de vacinas para uma população que cada vez mais demanda imunização, uma espécie de ‘civismo imunológico’”, avalia Gilberto. O Brasil passava da revolta contra a vacina coerciva para a vacina como direito conquistado.
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Novas pesquisas revelam que o retorno do mosquito ao Brasil pode ter sido causado por trabalho malfeito pelos americanos
“É uma vitória da cidadania, embora não só em termos positivos, pois nem sempre as escolhas são feitas pela sociedade, que, muitas vezes, não sabe que o dinheiro gasto numa campanha poderia ser usado para melhorar condições básicas de saúde, tão importantes como vacinações ou erradicações. O ‘remédio’ para isso é maior transparência, controle social e democracia”, avalia o historiador. Para Gilberto, hoje a questão é entender as possibilidades de políticas de saúde domésticas autônomas num mundo cada vez mais interdependente, que exige uma “diplomacia da saúde” que erradique, de vez, os velhos dogmas soperianos. “Afinal, vimos que as políticas estatais de saúde no Brasil do pós-Segunda Guerra tiveram sua
dinâmica interna, mas foram resultantes e condicionadas por interações com pressões internacionais. A nacionalização da saúde vem se fazendo ao longo do século XX como formação do Estado brasileiro e muitas vezes usando elementos externos nessa própria construção.” Curiosamente, essa mistura entre saúde e política talvez seja comprovada no país que importou a erradicação vertical para o mundo. “Há uma teoria que estou examinando de que o retorno do Aedes aegypti ao Brasil, nos anos 1950, após ser erradicado, seja fruto de um trabalho de combate malfeito no sul dos Estados Unidos. Há várias cartas inéditas de Soper acusando o governo americano de que as autoridades sanitárias não fizeram o trabalho que estava sendo feito no resto do continente. Mas como aquele modelo de campanha poderia ser implantado num contexto democrático como o dos Estados Unidos com sua cultura consolidada de liberdade e privacidade?”, pergunta-se Rodrigo. “No conflito entre erradicar o mosquito e as liberdades individuais, essas teriam prevalecido, com prejuízos para todo um continente. Caso a teoria esteja correta, seria uma ironia que confirmaria a questão da erradicação e democracia, com toda uma discussão sobre um suposto imperialismo americano nas Américas no âmbito da saúde.” Seria a confirmação de que é possível se ajudar a criar um país “na saúde e na doença”. O perigo, como sempre, é a “infidelidade” ou o “até que a morte os separe”. n Carlos Haaag pESQUISA FAPESP 198 z 83
acervoy
Realismo fervido na revolta Obra do escritor João Antônio ainda é um retrato preciso da marginalidade nas metrópoles Gustavo Fioratti
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irados do avesso, maços de cigarro tiveram uma importância peculiar na vida do escritor paulista João Antônio (1937-1996). Ele os usava como marcadores de livro e também para rabiscar comentários, preservando-os entre uma e outra página de suas leituras. Ou ainda, para citar um último emprego interessante, João escrevia recados nos pequenos papéis e os enviava como correspondência, das inúmeras que trocou com seus amigos mais próximos. O volumoso acervo que desde o ano posterior a sua morte está sob a tutela do Departamento de Literatura da Universidade Estadual Paulista (Unesp) revela este e outros hábitos de um autor que, sim, fumava muito, sim, bebia muito, e, sim, dedicou-se convicto à boemia, não só dos bares, mas também dos bordéis. João morreu aos 59 anos, em um apartamento no Rio de Janeiro, por conta de um derrame. Morava sozinho, e seu corpo foi encontrado 15 dias depois. Ana Maria Domingues de Oliveira, que hoje coordena a catalogação do acervo de João Antônio, identifica na história dos maços o ponto de uma contradição. João não era exatamente organizado. Mas, embora ainda seja conhecido por sua proximidade com boêmios e marginais, “ou mesmo como alguém que se vestia mal”, ela 84 z agosto DE 2012
sublinha, havia em seu caráter essa inclinação. “Ele era uma espécie de arquivista, sistemático, sempre preocupado com a posteridade. Era o médico e era o monstro.” O acervo é recheado pelas correspondências que o escritor trocou com seus amigos e por curiosas coleções, como a lista de gírias cariocas, marcadas em uma agenda pessoal. É uma obra à parte. Ou uma extensão da coletânea de contos que foram reunidos em 15 livros publicados por ele, cinco deles relançados pela editora Cosac Naify. João orientava seus amigos a guardar essas cartas e papéis, conta Ana Maria. “Ele sabia que aquilo tinha uma importância, ou teria mais importância. Por isso arquivava tudo.” Também há no acervo uma biblioteca com 7 mil livros. Mil deles são autografados ou têm dedicatórias assinadas por Clarice Lispector, Jorge Amado, Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, entre outros autores. O uso do cigarro e do álcool também é mencionado diversas vezes em uma obra literária que, de início, vasculhou o cotidiano do subúrbio da cidade de São Paulo e, mais tarde, adquiriu cunhos autobiográficos, com ricas passagens pelas ruas do Rio de Janeiro, onde João decidiu viver boa parte da vida.
literatura
cosac naify
O escritor trocando ideias com sua máquina de escrever em 1963
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“Você trinca nos dentes o celofane e vai abrir um novo maço. Fumo. Não deveria e fumo”, escreveu em Abraçado ao meu rancor, um de seus textos mais memoráveis, sobre um retorno melancólico à cidade de São Paulo, em que amarga o fato de não reconhecer a cidade de sua infância. O estranhamento espelha o fato de ele não reconhecer-se também a si próprio. “Mudei, sou outra pessoa; terei tirado de onde estas importâncias e lisuras?”, escreve em primeira pessoa. O narrador ilustra o conto com suas passagens por coquetéis e recrimina uma carga excessiva de propagandas sobre a própria capital: “Compre em São Paulo o que o mundo tem de melhor”. João Antônio nasceu em Osasco, filho de comerciantes pobres. Trabalhou como office-boy, consultor contábil de um frigorífero e bancário. Publicou seu primeiro livro de contos em 1963, Malagueta, Perus e Bacanaço, pelo qual recebeu dois prêmios Jabuti (melhor autor revelação e melhor livro de contos). Paralelamente à sua carreira literária, exerceu a profissão de jornalista. Escreveu para a revista Realidade o “conto-reportagem” (uma invenção sua) Um dia no cais, cujo título depois foi reduzido apenas para Cais. Trata-se de uma criação literária com olhar para tipos de uma cidade portuária, escrita após a experiência de viver um mês na cidade de 86 z agosto DE 2012
Santos. João trabalhou ainda na revista Manchete, no periódico O Pasquim e em outras publicações. O foco da literatura de João ilumina aqueles que vivem à margem de uma sociedade abocanhada pela pretensão de uma sofisticação burguesa, contra a qual ele vociferava. Prostitutas, jogadores de sinuca, vagabundos, meninos de rua, traficantes. Pessoas pobres e esquecidas, que se equilibram numa fronteira entre a malandragem e a vida criminosa. A literatura marginal brasileira não pode ser estudada se o nome de João Antônio não estiver no meio. abandono
Em O conto na obra de João Antônio: uma poética da exclusão (Editora Linear B), a pesquisadora Clara Ávila Ornellas, professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), analisa essa produção sob o vértice da denúncia social. Há no livro um trecho específico sobre o olhar do autor para questões relacionadas ao abandono de crianças, como em um de seus textos mais conhecidos, Frio (1963), cujo protagonista, um menino de rua, anda pela cidade encarregado de levar consigo um saquinho repleto de um pó branco. Clara acaba de encerrar seu segundo pós-doutorado sobre João Antônio, “Da escrita do leitor à voz do escritor: estudo sobre a marginália de João Antônio”, que dá prosseguimento
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1 Dicionário de gírias cariocas 2 Anotações feitas em maço de cigarros
ao seu estudo do romancista feito antes em “João Antônio, leitor de Lima Barreto”, ambos apoiados pela FAPESP. A narração em terceira pessoa se subjetiva sob o olhar do personagem, de alma ainda pura –ou melhor, ainda ingênua –, identificando em seu trajeto pelas ruas da cidade, do centro em direção ao bairro de Perdizes, zonas escuras em contraste com pedaços mais iluminados das vias públicas. Será, para ele, mais pertinente permanecer no escuro ou andar sob a luz? A infância volta a ser tema de Mariazinha tiro a esmo (1975) e Paulinho Perna Torta (1976), e o amadurecimento esti-
O Projeto Da escrita do leitor à voz do escritor nº 2009/01956-5 modalidade Pós-doutorado Coordenador Clara Avila Ornellas – Unesp investimento R$ 167.680,00 (FAPESP)
fotos 1 e 2 acervo joão antônio 3 Folhapress
lístico de João durante o período de uma década, diz Clara em sua tese, o conduz para uma linguagem em que o narrador acaba apresentando “uma consciência mais reflexiva”. A pesquisadora fala ainda de uma preocupação que foi se tornando mais bem delineada com o passar do tempo: “Apontar as consequências, para a sociedade, da ausência de condições de uma vida digna (criminalidade e violência) e, igualmente, construir uma personagem [no caso de Mariazinha] com elementos que mostram a total ausência de referências básicas, como casa e família, e a degradação humana manifestada no fato de Mariazinha comer alimento estragado e dormir em soleiras de porta como um animal qualquer”. Ao desdobrar esse universo também pelo mundo dos adultos, ou de comunidades inteiras até, o autor embarca em uma zona que faz intersecção com o jornalismo, resultando em um estilo de essência realista. “Ele era um observador. O contato com a realidade é a sua grande inspiração”, defende Clara. O estilo conciso e objetivo mantém as tensões decalcadas na pele de sujeitos que estão na iminência da perda do sentimento de civismo. “São muito ágeis as narrativas. Frases curtas e muito densas”, diz Clara. A apropriação do discurso e da linguagem das ruas, e também a proximidade com o jornalismo, levaram o nome de João Antônio ao rótulo de neonaturalista. A crítica literária Flora Sussekind, por exemplo, usou o termo para referir-se à obra do escritor. Mas Antonio Candido, por sua vez, defendeu que a proximidade com o factual é, para o autor, apenas uma espécie de matéria-prima, difundida em um campo estilístico pluralista e mais amplo, no qual se destaca o chamado conto-ficcional, caso de Leão de Chácara (1975). Pela temática e pela elaboração formal, é possível compreender na obra de João Antônio a influência de dois grandes autores, que ele próprio enaltecia. Parte de sua obra foi dedicada a Lima Barreto (1881-1922), em boa dose pelo fato de este autor abordar também a exclusão social como fenômeno de um sistema de produção gerenciado pela força do capital. O Rio é um cenário comum, sobre o qual ambos os autores se debruçaram.
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João em seu “escritório” no Jeca Bar, nos anos 1960
Para o crítico literário Alfredo Bosi, o realismo de João Antônio pende mais para a margem do que para o centro da sociedade
A comparação com a concisão de Graciliano Ramos (1892-1953) acaba sendo também algo inevitável. “A edição de São Bernardo que pertenceu a João Antônio tinha 110 marcas para trabalhar”, conta Clara, que analisou as marginálias do escritor em seu estudo recente. O reconhecimento ainda em vida levou João Antônio a uma espécie de crise, conforme relata a professora da Universidade de São Paulo (USP) Tania Celestino de Macedo, pesquisadora com quem o autor se correspondeu a partir dos anos 1980 e que, no ano de sua morte, foi a responsável por iniciar o trabalho de catalogação de seu acervo. “Ele falava contra as obras que se adequavam ao mundo institucionalizado das editoras, ou contra uma literatura que considerava ‘muito escovadinha’; detestava lançamentos de livros, mas ao mesmo tempo sabia que dependia do mercado para lançar suas obras”, explica a pesquisadora. O assunto foi retomado por Alfredo Bosi no prefácio escrito para o relançamento de Abraçado a meu rancor (Cosac Naify): “Sei que o termo ‘marginal’ é fonte de equívocos; sei que na sociedade capitalista avançada não há nenhuma obra que, publicada, se possa dizer inteiramente marginal”, defende o escritor. Depois, para encerrar o assunto, ele sentencia: “Ora, realismo fervido na revolta pende mais para a margem que para o centro da sociedade”. n pESQUISA FAPESP 198 z 87
memória
Vocação bem-sucedida Há 104 anos Pirajá da Silva descrevia na Bahia o parasita da esquistossomose, o Schistosoma mansoni Neldson Marcolin
O
médico Manuel Augusto Pirajá da Silva não tinha nenhum gosto pelo trabalho clínico. Seu interesse estava todo voltado para os estudos acadêmicos, algo não muito comum em 1896, quando se formou na Faculdade de Medicina de Salvador. Baiano de Camamu, clinicou no interior e em Manaus, mas na primeira oportunidade mudou-se para a capital do estado com intenção de trabalhar apenas com investigações médicas de doenças tropicais. Deu certo. Em 1908, ele descreveu o parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, e publicou artigo com o estudo no Brasil e na França no mesmo ano e na Inglaterra em 1909. “Pirajá acertou em cheio ao seguir sua vocação para a vida acadêmica”, diz Roberto Santos, pesquisador médico que foi reitor da Universidade Federal da Bahia, ministro da Saúde e governador da Bahia. “Dos estudiosos que se dedicaram à pesquisa de doenças tropicais na Bahia, ele é o que tem o trabalho mais original.” A doença que Pirajá investigou é conhecida popularmente como barriga-d’água e afeta principalmente o intestino, o fígado e o baço. É uma das principais moléstias parasitárias do Brasil. Pirajá da Silva (1873-1961) começou a dedicar-se à pesquisa científica em 1902 quando foi nomeado assistente de clínica médica na Faculdade de Medicina. O catedrático era Anísio Circundes, que em viagem à Inglaterra conheceu a Escola de Medicina Tropical de
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1 Pirajá da Silva aos 35 anos, quando descreveu o parasita, em Salvador
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2 Medalha comemorativa dos 100 anos da descoberta do Schistosoma mansoni, com a imagem do verme
fotos Naftale Katz / CPQRR / Fiocruz
Londres, criada pelo escocês Patrick Manson, fundador da medicina tropical. Circundes entusiasmou Pirajá ao relatar as pesquisas nesse setor. Na época havia uma polêmica sobre o parasita Schistosoma haematobium descoberto em 1851 pelo helmintologista alemão Theodor Bilharz. Os britânicos, liderados por Manson, diziam que a esquistossomose poderia ser provocada por outra espécie do gênero Schistosoma. Os alemães, tendo à frente Arthur Looss, da Escola de Medicina do Cairo, acreditavam em apenas uma espécie. Em 1907 um dos assistentes de Manson, Louis Sambon, ao analisar a morfologia de um ovo diferente dos ovos do S. haematobium e um único verme mal conservado concluiu que estava diante de uma nova espécie. Em homenagem ao mestre que havia aventado a possibilidade de haver outras espécies do verme, Sambon o chamou de Schistosoma mansoni. Pirajá conhecia a polêmica. Desde 1904 ele procurava ovos do S. haematobium em pacientes com esquistossomose na Bahia sem sucesso. Em 1908 publicou no Brazil-Médico o artigo “Contribuição para o estudo da schistosomíase na Bahia”. Nele, o pesquisador descrevia ovos e um parasita diverso do S. haematobium.
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3 Exemplar do Brazil-Médico, com o primeiro artigo do cientista baiano, de 1908 4 O mesmo artigo no periódico francês Archives de Parasitologie, ilustrado com fotos feitas por Pirajá (1908)
O pesquisador fez análises minuciosas e documentou todas as descobertas e afirmações com fotografias
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“Pirajá encontrou ovos com o espículo lateral na mucosa retal e na veia cava de pacientes autopsiados que eram portadores da esquistossomose clínica baiana”, conta Santos. A posição lateral do espículo (pequeno espinho) dos ovos diferia da posição polar verificada nos ovos do S. haematobium, achados na mucosa da bexiga dos africanos com a doença. “Na veia cava dos portadores baianos de esquistossomose, ele também identificou vermes adultos, machos e fêmeas, inclusive em posição de cópula.” A princípio, Pirajá chamou a nova espécie de S. americanum; depois, concluiu tratar-se do mesmo S. mansoni batizado por Sambon. “A diferença entre os trabalhos de Pirajá e Sambon é que o brasileiro descreveu o verme da forma mais correta possível, com análises minuciosas, enquanto o inglês o fez baseado em uma intuição de Manson”, diz Naftale Katz, pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz,
lotado no Centro de Pesquisa René Rachou, em Belo Horizonte. A contribuição de Pirajá como codescobridor do S. mansoni nunca foi publicamente reconhecida pelos ingleses. O brasileiro correspondeu-se com Robert Leiper – também da escola inglesa e ligado tanto a Manson como a Looss –, que sempre foi reticente em admitir, mesmo nas cartas pessoais, a importância do trabalho realizado na Bahia. Outros cientistas europeus foram mais generosos. A prova é que em 1913 Pirajá da Silva foi convidado pelo Instituto Karolinska, que distribui os Prêmios Nobel, para indicar um candidato na categoria de Medicina ou Fisiologia daquele ano. Pirajá indicou Carlos Chagas pelos trabalhos sobre o Trypanosoma cruzi. No site oficial www. nobelprize.org informa-se que os nomeadores convidados são aqueles considerados “competentes e qualificados” pelo instituto. PESQUISA FAPESP 198 | 89
Arte
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Construir a música Textos de pesquisadores compositores trazem reflexões sobre a criação sonora contemporânea João Marcos Coelho
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ão longe os tempos heroicos em que o compositor travava duríssima batalha para “edificar a grande obra revolucionária”. É assim que o compositor Marco Scarassatti, paulista de Campinas, 41 anos, professor na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), abre sua reflexão sobre o Ofício do compositor hoje (Perspectiva, 2012), coletânea de 14 ensaios, coordenado por Lívio Tragtenberg. A maioria dos textos preocupa-se em demarcar território. Scarassatti, ao lado do compositor paulista Silvio Ferraz, 52 anos, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), são dois pesquisadores que pensam de modo consistente a criação musical de hoje. “O campo de atuação do compositor hoje tornou-se muito mais vasto e abrangente do que a capacidade do conceito música de se expandir. A música torna-se apenas mais uma das artes ligadas ao sonoro ou à arte sonora”, escreve Scarassatti. “Meu trabalho se insere muito mais
Três esculturas sonoras de Marco Scarassatti: 1 Tzimtzum – Palácio e refúgio, 2 Flor e 3 Tubal cretino
1 e 3 Alan Vitor Pimenta 2 Marco Scarassatti
no campo da arte sonora do que na música.” Autor do excelente Walter Smetak, o alquimista dos sons (Perspectiva, 2008), sobre o “escultor sonoro” suíço radicado na Bahia que formou gerações de músicos eruditos e populares, Scarassatti diz que também gosta de “construir a música materialmente, com as minhas próprias mãos”. Como Smetak, ele inventa instrumentos musicais com pedaços de objetos abandonados, junta fragmentos conceituais de outras culturas e molda essa junção com práticas de exploração sonora através da improvisação dirigida. Seu grupo Sonax cria esculturas musicais e intervenções sonoras com live electronic. Os materiais são caixas de madeira, tubos de PVC, sucatas, polias, molas, cordas, cravelhas etc. “Meu interesse é o som acústico, a invenção de novos instrumentos conjugando a busca de novas sonoridades com a forma plástica.”
Várias esculturas sonoras são reproduzidas no livro. Seu sonho é “viver da coleta de objetos e fragmentos de objetos ao nosso redor. Compor e recompor utensílios, aparelhos, artefatos em geral (...) só haveria negociação e permuta. Feira de trocas”. Negociação da escuta, feira de trocas. Pode ser acaso, mas não parece. O artigo de Silvio Ferraz, intitulado “Escutas e reescritas”, constrói-se em aforismos que se interligam. “Escrever música corresponde a fazer passar em um só momento, em um punhado de espaço-tempo sonoro, um tanto de vida, de pessoas e de lugares.” Silvio propõe “silenciar os códigos” aferrados “à ideia de arte, e arte confunde-se com belo, com útil, com importante, com nobre, com revolucionário”. Marco e Silvio rejeitam “a grande obra revolucionária”. Querem interagir com
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“vida, pessoas, lugares” (Silvio); compor/recompor o mundo a partir de junções de pedaços de objetos (Marco). Silvio aponta para outros vértices. Alerta que “no jogo de escrever música talvez o mais difícil seja manter-se como potência livre, como linha solta que conecta mais de um coletivo, que delimita um espaço ao mesmo tempo que se abre para outros”. Compara a arte do compositor à do enxame. No centro, as abelhas são mais lentas; na borda, mais soltas, em maior velocidade. “A arte de um compositor está em ora encontrar o centro e perder sua velocidade de invenção, ora colocar-se na borda e livrar-se dos códigos determinantes do coletivo.” Um paradoxo, pois ao mesmo tempo que “está feliz por ter seu trabalho aceito”, ele “questiona essa aceitação, reconhece que perdeu a força que lhe dava velocidade”. Assume o movimento pendular entre vanguarda e tradição, ciente de que, “passado o tempo, muitas vezes o conforto da receptividade de um coletivo é mais do que reconfortante, é sufocante.
Nesse ponto nasce o compositor, aquele que inventa novos modos de fazer entrar o oxigênio”. Marco e Silvio guiam-se pelo que o primeiro chama de “desterritorializar o que se concebe como música, desmecanizar as relações já prontas e preestabelecidas”. O outro remete ao mergulho de Guimarães Rosa “no dizer do homem do sertão para ligar o homem à onça, a onça ao som, como se uma língua estivesse nascendo enquanto estamos lendo. Talvez seja este ponto que a música deva buscar, o ponto em que se inventa uma língua, que se desdobra e se inventa ao mesmo tempo que é escutada, sempre pela primeira vez”. Para ouvir e ler: CD Sonax, com Marco Scarassatti, Nelson Pinton Filho e Marcelo Bomfim, selo Creative Sources, 2008, Portugal CD Trópico das repetições, com obras de Silvio Ferraz, selo Sesc, 2008 Walter Smetak, alquimista dos sons, de Marco Scarassatti, livro + CD, Ed. Perspectiva, 2008 Música e repetição, de Silvio Ferraz, Educ, 1998 Livro das sonoridades, de Silvio Ferraz, Editora 7Letras, 2005 O ofício do compositor hoje, Lívio Tragtenberg (organizador), Ed. Perspectiva, 2012 PESQUISA FAPESP 198 | 91
conto
Partícula Saulo Aride
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inguém da família nunca entendeu o que exatamente eu estava indo pesquisar. Alguns até brincavam, dizendo que estava me enfiando num buraco longe de todos para não ter de aturá-los. Talvez eles tivessem razão. O fato é que sempre tentei explicar da maneira mais simples possível toda a teoria do campo de Higgs e a importância dos experimentos em busca do bóson. Não era o assunto mais interessante dos churrascos. Já muito perto da minha partida houve uma festa em que a pergunta surgiu novamente. Um primo adolescente, na sua ânsia por respostas imediatas, pesquisou por “bóson de Higgs” em seu smartphone e se deparou com seu apelido mais famoso: “a partícula de Deus”. Ao final da festa, esse primo me puxou no canto, olhou fundo nos meus olhos e me perguntou: − Você está indo atrás de Deus? Minha religião sempre foi a ciência, meus deuses sempre me deram leis na forma de equações e sempre se dirigiram a mim me inspirando a escrever fórmulas complexas sobre coisas inimagináveis. Contudo, nada disso faria sentido na mente adolescente de meu primo. Dei um sorriso, pisquei o olho e disse para ele: − Mas não conta pra ninguém. E fui embora. Ordens funcionam como um repelente para os mais novos. Mandei que se calasse, e a primeira coisa que meu primo fez foi espalhar para toda a família o “real” propósito da viagem. A notícia correu tão rápido que, já no aeroporto, fui surpreendido por uma comitiva familiar de despedida. Era preciso aproveitar a nobre missão de um membro da família para mandar recados ao Todo-Poderoso, caso ele realmente estivesse enterrado em algum lugar entre a França e a Suíça. Confesso que me diverti com o mal-entendido e não repeli o inédito carinho da família reunida em torno de algo em comum. Fora de festas, de churrascos, de garrafas de cerveja. Estavam todos ali por mim, para me ver, para depositarem nas minhas costas seus desejos. 92 | agosto DE 2012
Coloquei todos os pedidos na pasta e embarquei. Ao chegar ao aeroporto, fui recebido por um motorista com uma placa em que se lia meu nome. Ao meu lado, famílias aguardavam ansiosamente o despontar de seus membros na porta de saída, sedentos por matar as saudades, ver as fotos e abrir os presentes. Era um dia a mais naquele aeroporto, menos para mim. Eu estava realizando um sonho – e levando na pasta outros sonhos que eu não tinha o poder de realizar. Cheguei ao centro de pesquisas e fui bem recebido por todos os outros professores. Por ser um dos mais novos, havia a esperança de que eu fosse um sopro fresco de ânimo naquele laboratório sob a terra. Ao fim das apresentações, brinquei com eles e perguntei: — De quem foi a ideia de chamar o bóson de “partícula de Deus”? Todos ficaram sérios. Um dos professores disse que o professor Leon Lederman foi extremamente infeliz ao usar tal expressão. — Bom, posso dizer que minha família gostou. Todos riram sem entender direito o porquê. Talvez esse fosse o tal sopro de ânimo de que sentiam falta. Ao fim do dia, já em meus aposentos, liguei para casa. Ao fim da conversa, após um segundo de silêncio, minha mãe disparou a pergunta: — Já falou com Ele? — Ele quem, mãe? — Você sabe. Ela falava de Deus. Eu não soube o que responder. — Se não puder falar, se Ele estiver do seu lado, não precisa. Não se esqueça de mim, meu filho. Sua mãe te ama muito. E desligou o telefone. Naquele momento senti falta dela e da família me fazendo suas perguntas de sempre. Decidi pegar na pasta os pedidos escritos que me tinham sido entregues. Vários bilhetes traziam apenas um pedido: Saúde. Alguns deles pediam paz. Pelo menos dois primos da minha idade pediam empregos. Os mais velhos, sobretudo os homens, pediam perdão.
Georges Boixader / CERN cartun integrante de série explicativa do mecanismo de higgs http://cdsweb.cern.ch/record/41631
Uma carta pedia orientação, “alguma pista de onde eu errei”. Era a carta da minha mãe. Deitei na cama dura de meu quarto e, em vez de me empolgar com o começo dos trabalhos no dia seguinte, repeti para mim mesmo todos os pedidos, como se eles realmente fossem a minha missão ali. Acordei no dia seguinte e comecei a trabalhar. A rotina era intensa e havia no ar o peso da responsabilidade científica em comprovar muitas décadas de trabalhos teóricos. Sabíamos que nossa tarefa era importante, mas não enxergávamos com clareza o motivo. Toda noite, após o jantar, ia para meu quarto reler os pedidos. A maioria deles era bastante simples. Pelo menos uns três eram de solução quase imediata. Nenhum deles dependia de um bóson. Diante dessa conclusão, comecei a escrever cartas dando retorno aos pedidos. Aos que pediam perdão, escrevi uma carta dizendo: “Estive com Ele e me foi dado o recado: diga que estão perdoados”. Minha mãe me ligou aos prantos quando soube que meus tios mais velhos tinham recebido a carta. — Seu tio José fez as pazes com tio César, depois de quarenta anos de briga. E a cada dia, após o trabalho, voltava para o quarto para cuidar dos pedidos. Para cuidar da minha família. Para fazer alguma diferença na vida das pessoas. Aos pedidos de paz, respondi: “Diga a eles que estou feliz com tudo o que fizeram até hoje, e que podem descansar”. Minha mãe reportou que os pedidos foram recebidos aos prantos por todos. — A sua tia Glória está curada da depressão. Ela não tinha depressão, no sentido médico do termo. Ela tinha tristeza. E estava curada.
Depois foi a vez dos que pediam empregos. “Que procurem imediatamente por empregos e que prometam que suportarão todas dificuldades em Meu nome.” Um primo me respondeu por e-mail: “Finalmente arrumei um estágio. Chego cedo e saio depois do horário. Toda vez que penso em desistir, me lembro do que prometi. Estão pensando em me efetivar”. A única carta que não sabia responder era justamente a de minha mãe. De que erro se arrependia, mesmo sem saber onde o cometeu? Minha mãe se mostrou na carta completamente diferente da imagem alegre que sempre me transmitiu. Conforme evoluíam as pesquisas, mais eu descobria a respeito das partículas subatômicas que compõem cada elemento no Universo. A cada noite no quarto, mais eu descobria o quão pouco conhecia de alguém tão próximo a mim. Liguei para casa, como sempre fazia aos fins de semana, e disparei a pergunta. — Mãe, você é feliz? Ela começou a chorar. — Sou, meu filho, mas ando me sentindo muito sozinha. Saí naquele momento de meu quarto e procurei meus superiores. Dois dias depois, ao desembarcar no aeroporto, fui recebido por um longo abraço de minha mãe. Olhei em seus olhos e dei o último recado divino. — Ele me disse para voltar. Eu já tinha encontrado a partícula de Deus. Saulo Aride nasceu no Rio de Janeiro. É escritor e roteirista. Publicou contos em diversas antologias, como Escritores Escritos e Clube da Leitura: Volume II. É colaborador do site Caneta, Lente e Pincel.
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resenhas
A diferença da crítica Marcelo Tápia
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lizabeth Leite realiza, no estudo nos textos, que se complementam que ora se publica, uma proeza na expansão do sentido. As explide leitura crítica da obra de um citações ou conjecturas relativas a autor que a merece: o “poeta-síntese aspectos da construção do poema o dos anos 1970”, Paulo Leminski. O re-produzem e suscitam novos nítrabalho evidencia o ilimitado poveis de entendimento. É proveitosa, tencial de cumplicidade da análise por exemplo, a leitura do poema interpretativa com a própria criação, “apagar-me / diluir-me / desmanao reinventar sentidos no texto tochar-me / até que depois / de mim mado como objeto. Seja quem for o / de nós / de tudo / não reste mais / leitor, mesmo que conhecedor de que o charme”, incluída no estudo poesia e de teorias da linguagem e sob o tópico “poesia, fala, música”. leitor de Leminski, descobrirá noviElizabeth argumenta que, embora dades por meio das associações es- Leminski: o poeta viesse a “defender a fala” em cotabelecidas no estudo de Elizabeth. da diferença nhecidas afirmações suas – corroRocha Leite Em seu entender, a obra leminskiana Elizabeth borando o que Derrida apontaria Edusp / Fapesp se constrói como um “campo de tes- 160 páginas, R$ 35,00 como “rebaixamento da escrita” e tes para uma grande diversidade de (preço estimado) “fonocentrismo”, característicos do procedimentos”: o poeta-teórico se “pensamento formado com base proporia a “questionar os limites tradicionais da em oposições binárias” –, Leminski “não adere a poesia com base em um viés extraliterário”; seu uma lógica binária da linguagem”: para ele “o neinteresse central seria “compreender as relações gócio da poesia é ficar brincando nas fronteiras”. entre vida, linguagem e pensamento”. Com base No poema citado, o poeta teria construído uma nessa constatação, a autora procurará “estabele- “fórmula encantatória, uma espécie de mantra”, cer correspondências entre sua escrita e alguns para cuja compreensão evocam-se os possíveis postulados da filosofia da linguagem”. significados e o conceito etimológico de charme A principal proposição que Elizabeth faz, e (carmen, encantamento). que será a base para sua leitura, é a da existência Em tópico dedicado à “crítica da racionalidade de “pontos em comum entre a poética do autor cartesiana”, Elizabeth expõe que, comparavele a filosofia da diferença” (ou desconstrução), mente à proposição derridiana de se romperem a teoria pós-estruturalista da década de 1960, as “velhas formas de pensamento”, Leminski, no protagonizada, na França, por Jacques Derrida poema “isso sim me assombra e deslumbra / como e Gilles Deleuze. No dizer de Elizabeth, seria é que o som penetra na sombra / e a pena sai da essa uma “visada teórica que permite ressaltar penumbra?”, quebra regras da lógica e da gramáaspectos inéditos da poesia de Leminski”. A óp- tica ao estabelecer relações etimológicas legítimas tica de análise também incluirá, como referên- e falsas entre os “híbridos mutantes” do poema. cia, o pensamento de Wittgenstein, ao qual se Mesmo quando as premissas são incertas – caso poderia aproximar a poética estudada (com base, da leitura do verso “a grave advertência dos poressencialmente, no uso que esta faz de jogos de tões de bronze” como dodecassílabo – as análises linguagem), “independentemente de o poeta ter a de Elizabeth, com base nas referências teóricas exele se referido em seus escritos”. A autora levará postas com certeiro poder de síntese, contribuem adiante sua própria experimentação analítica no fortemente para a natural constatação de que Lecampo fértil da produção do poeta experimen- minski “construiu uma poética diferenciada, que tador, cuja pretensão seria vista, sempre, como constitui um marco significativo em nossas letras”. “irônica e estratégica”. O próprio Leminski poderia surpreender-se Tápia é poeta e tradutor, doutor em teoria literária e com algumas das leituras sugeridas pela autora: Marcelo literatura comparada pela USP e diretor da Casa Guilherme de pontos de vista diversos propiciam descobertas Almeida – Centro de Estudos de Tradução Literária. 94 | agosto DE 2012
O eterno escravo da história
Fazenda modelo
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nfeliz o país que precisa de heróis e ainda mais infeliz aquele cujos historiadores ajudam a criar esses heróis ou transformá-los em vilões. Três vezes Zumbi não se trata de uma biografia de Zumbi, mas bom estudo de caso sobre como a história é “filha do seu tempo”, nas palavras do historiador Jacques Le Goff. Ou seja, por mais que se queira objetiva e documental, na maioria das vezes a história é construção social interessada, uma visão do passado a dar força a ideais do presente. Zumbi é emblemático porque há raros registros documentais dele, que impediriam uma biografia, mas não interpretações. Na literatura colonial, “zumbi” era título de guerreiros corajosos e não um indivíduo; no século XIX, que queria refazer o país em “civilização”, ele é transmutado em “pessoa”, a oposição exemplar bárbara ao que o Brasil seria e sua coragem foi exaltada para dar maior estatura a seu algoz, um bandeirante; o marxismo do século XX trocou seu protagonismo pelo coletivo simbólico de Palmares, exemplo de “resistência” contra a opressão, razão do nome do grupo VAR-Palmares, do qual participava a presidente Dilma. Por fim, o movimento gay resolveu entronizá-lo em seu panteão. O diapasão, porém, era o mesmo: ícone de luta contra todo o tipo de repressão. Triste: Zumbi é, de novo, um “escravo”, agora da história, “acorrentado” a ideologias. Nessa “biografia das biografias”, a ironia é ler como muitos dos historiadores questionados, observou Lilia Schwarcz numa resenha, foram os primeiros a denunciar o mesmo processo de construção da memória nacional. “Não há história de um homem, herói ou líder, mas a construção da verdade do passado que pactuamos como nacional e criou o que chamamos ‘identidade brasileira’”. Zumbi é consagrado como líder revolucionário, capaz de abalar as bases de sustentação das classes dominantes desde os tempos do Brasil colonial. Logo, não bastam apenas bons historiadores, mas também é preciso leitores atentos que não se curvem ao status que se dá às letras impressas num papel, em livros ou jornais. Carlos Haag
Três vezes Zumbi Jean Marcel França e Ricardo Ferreira Editora Três Estrelas 167 páginas R$ 25,00
Taperinha Nelson Papavero e William Overal (orgs.) MPEG 459 páginas, R$ 60,00 Informações: aldeides@ museu-goeldi.br
fazenda Taperinha é uma espécie de xodó de botânicos, zoólogos e arqueólogos especializados na Amazônia. O interesse vem desde o século XIX, quando foi visitada por naturalistas como Joseph Beal Steere, Charles Hartt, João Barbosa Rodrigues, Herbert Huntingdon Smith e W.A. Schulz, entre muitos outros. No século XX o interesse continuou até anos recentes – em 1993 e 2000 esteve escavando por lá a conhecida arqueóloga norte-americana Anna Roosevelt. A área de 4.800 hectares localizada a 50 quilômetros de Belém é aparentemente uma fazenda comum. O que tem de diferente é o fato de ser também um campo aberto à investigação científica para brasileiros e estrangeiros. O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), de Belém, publicou Taperinha: histórico das pesquisas de história natural realizadas em uma fazenda da região de Santarém, no Pará, nos séculos XIX e XX. Trata-se de exaustivo levantamento dos trabalhos científicos de pesquisadores que frequentaram aquela área, com bonita iconografia, feito pelos zoólogos Nelson Papavero, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, e William Overal, do MPEG. Os sambaquis e as espécies vegetais e animais coletadas na fazenda fizeram a alegria dos cientistas, eram sempre bem recebidos pelos primeiros donos, Manuel Antonio Pinto Guimarães, barão de Santarém, e seu sócio, o norte-americano Romulus Rhome. Posteriormente o naturalista suíço Gottfried Hagmann, que trabalhou no MPEG, comprou a propriedade e continuou a receber e ajudar os interessados em pesquisas. Em comum, todos tinham interesse pela ciência. Hoje a fazenda Taperinha, com mais de 70% de mata original, ainda pertence à família Hagmann e continua aberta para trabalhos de pesquisa. “Taperinha tornou-se uma localidade muito conhecida na literatura zoológica – cerca de 150 espécies de vários grupos animais têm essa fazenda como localidade-tipo”, escreveu Nilson Gabas Jr. diretor do museu. O livro dá conta de mostrar toda essa diversidade. Neldson Marcolin PESQUISA FAPESP 198 | 95
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