Como resgatar a vida selvagem

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VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

Nº 141 ■

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EXEMPLAR DE

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Ciência eTecnologia

no Brasil

Novembro 2007 Nº 141 ■

ROBÔS NA AMAZÔNIA E ´ NA ANTARTIDA

PESQUISA FAPESP

´ EXERCICIOS PARA CONTROLE DA ASMA QUILOMBOLAS A LUTA SECULAR PELA TERRA

como resgatar a

vida selvagem ESPECIAL MAPA DA BIODIVERSIDADE PAULISTA


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IMAGEM DO MÊS

FÁBIO MOTTA/AE

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O passado vem à tona Escavações realizadas na Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé, no centro do Rio, que está sendo restaurada, revelaram vestígios de uma paliçada, estrutura para defesa contra invasores, que provavelmente foi feita logo depois da chegada dos portugueses ao Brasil, por volta de 1504. A obra pode ser a primeira prova da construção de uma feitoria no lugar onde, em 1565, seria fundada a cidade do Rio. Os buracos de taipa de pilão que sustentavam as estacas de madeira foram encontrados 1,5 metro abaixo do nível do piso, o mais profundo já escavado na Antiga Sé pela equipe do arqueólogo Ondemar Dias, do Instituto de Arqueologia Brasileira.

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LEO RAMOS

MIGUEL BOYAYAN

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CAPA

FABIO COLOMBINI

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> ENTREVISTA 12 Presidente da Finep

moderniza gestão para fazer da inovação um dos agentes do crescimento do país

28 INTEGRIDADE

Conferência em Lisboa discute desafio de prevenir fraudes em pesquisas feitas em cooperação internacional

> AMBIENTE 34 CAPA

Mapas definem diretrizes para preservação da vegetação, restauração de áreas degradadas e pesquisa ambiental em São Paulo

> CIÊNCIA 46 EVOLUÇÃO

Seleção natural favoreceu diversificação por tamanho e gerou variedade de macacos na América Latina

30 NOBEL

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 24 COOPERAÇÃO

Instituições do Nordeste criam rede para multiplicar patentes e partilhar experiências

Na safra 2007 do Nobel, pesquisadores do país têm vínculos com os prêmios de física e da paz

52 FISIOLOGIA 40 VIAGEM

Jornalista percorre litoral brasileiro e retrata suas mazelas

Atividade física tem efeito antiinflamatório que reduz sintomas da asma

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 10 OPINIÃO 18 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS .........................


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> EDITORIAS

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> POLÍTICA C&T

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> AMBIENTE

> CIÊNCIA

> TECNOLOGIA

> HUMANIDADES

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JUAN ÁVILA/POLI-USP

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56 ASTROFÍSICA

Distribuição de elementos químicos revela detalhes sobre a estrutura e a evolução da Via Láctea

> TECNOLOGIA 66 ROBÓTICA

Cinco robôs estão em desenvolvimento para explorar a Amazônia, a Antártida, o fundo do mar, lagos e represas

72 INFORMÁTICA

Software ajudará distribuidoras de energia elétrica a reduzir desperdícios na operação do sistema

CIENTISTAS ASSOCIADOS

ARQUIVO EMPORIUM BRASILIS

66

> HUMANIDADES 78 SOCIOLOGIA

Quilombolas buscam proteção legal para garantir propriedade e resgatam tradição

74 NOVOS MATERIAIS

Curauá substitui fibra de vidro em peças de carro e entra até na composição de vigas usadas para resistir a terremotos

88 ESPORTE

País do futebol é cruel com mulheres que querem jogar, mas fogem ao estereótipo erotizado

92 ARTES 84 MÚSICA

Biografia mostra que celebração de Carlos Gomes fez mal ao compositor

.......................... 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS

Obra do cartunista Sidney Harris retrata de modo divertido a vida em laboratórios

CAPA ARTUR VOLTOLINI E MARIA CECILIA FELLI FOTO FÁBIO COLOMBINI


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CARTAS cartas@fapesp.br

Denis Noble As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438

Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br

Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br

Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

Para anunciar

MIGUEL BOYAYAN

Ligue para: (11) 3838-4008

Cratera de Araguainha A reportagem “Viagem ao centro da Terra” (edição 140),do jornalista Ricardo Zorzetto,associa os principais estudos sobre a maior cratera da América do Sul a partir de constatações dos maiores geocientistas do mundo, os quais têm destinado décadas de suas vidas a pesquisar esta regiãona tentativa de decifrar um dos mais intrigantes códigos do planeta: a origem, a evolução e a vida na Terra. Com clareza e grande capacidade investigativa, o jornalista atinge o objetivo de colocar ao alcance da maioria o patrimônio científico da minoria.Considero a reportagem irretocável, profunda,didática e fundamental para leigos e especialistas começarem a decifrar o emaranhado de textos científicos produzidos pelas mentes de brilhantes cientistas.Estarei,modestamente,fazendo do projeto de divulgação do Domo de Araguainha a meta para um plano maior e contando com importante parceiro:a imprensa. RUY SOUSA OJEDA Ponte Branca,MT

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Gostaria de parabenizá-los pela excelente reportagem de Carlos Fioravanti intitulada “Orquestra afinada sem regente”(edição 138).O artigo me fez lembrar como o ser humano é frágil em si e justifica suas atitudes,pensamentos e moral em “verdades”muito frágeis acumuladas ao longo de seu desenvolvimento por tantos respeitáveis cientistas.Admiro a forma de Denis Noble ao argumentar sobre o assunto,visto já ter sido reducionista no passado,não gerando um repúdio à primeira vista. Geralmente ignoramos ou rejeitamos afirmações que contrariam nosso conceito de verdade. HANNES FISCHER Joinville, SC

Sansão e Dalila Na reportagem “Fio por fio”(edição 137) diz-se que Dalila cortou os cabelos de Sansão – fato este que só acontece nos filmes de Hollywood. Quem cortou seus cabelos foi um homem. EDUARDO YÁZIGI São Paulo,SP

Correção Na repor tagem “No topo da montanha”(edição 140) a legenda correta da ilustração das aves na página 55 é: P. seniloides, chalcopterus e tumultuosus, dos Andes,e P. senilis (embaixo,com mancha branca na cabeça),das terras baixas. Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


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CARTA DA EDITORA

45 ANOS

O desconhecimento deles e o nosso

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER

PRESIDENTE

MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO

MARCOS MACARI

VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

ISSN 1519-8774

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)

EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES

REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO

EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA

ARTE ARTUR VOLTOLINI, MARIA CECILIA FELLI

FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN

SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201

COLABORADORES ANA LIMA, ANTONIO FERNANDO BORGES, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, GEISON MUNHOZ, GIOVANA GIRARDI, GIOVANNA ANGERAMI, GONÇALO JUNIOR, HÉLIO DE ALMEIDA, JÚLIA CHEREM, LAURABEATRIZ, NELSON PROVAZI, SÉRGIO DANILO PENA E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-1434 FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Q

uando falamos de determinadas fantasias de alguns estrangeiros sobre o Brasil,capazes de envolver até macacos passeando livremente nas maiores metrópoles do país,em geral o fazemos indignados ou ao menos francamente inconformados com o desconhecimento geral a nosso respeito.Não faz muito tempo,aliás, um punhado dessas fantasias transpostas para um episódio da premiadíssima série televisiva norte-americana Os Simpsons, repositório de fino humor,produziu por aqui uma fragorosa polêmica quanto ao caráter desrespeitoso – ou não – de seu conteúdo relativamente a esta nação.Em resumo,no episódio Blame it on Lisa, de 2002,a família Simpson viajava para o Rio em busca de Ronaldo,um órfão que pretendia adotar e que desaparecera misteriosamente.Já no Rio,os Simpsons,excelente criação de Matt Groening,eram atacados por macacos em Copacabana e,no Pão de Açúcar,uma jibóia engolia Bart Simpson,entre infindáveis outras peripécias do gênero.Discutiu-se muito na ocasião se essas aventuras reforçavam velhos preconceitos contra o país ou se,em vez disso,estando em uma peça humorística,não terminavam por ironizar arraigados estereótipos internacionais sobre o Brasil. A lembrança disso me vem a propósito da reportagem de capa desta edição,a partir da página 34,que motiva inclusive o encarte no final da revista de um mapa até aqui inédito,presente do Programa Biota-FAPESP,em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente,para nossos leitores.A reportagem,elaborada pelo editor especial Carlos Fioravanti,tem como ponto de partida um conjunto de 11 mapas – três gerais e oito temáticos – que definem diretrizes para preservação da vegetação nativa,restauração das áreas degradadas e pesquisa ambiental em São Paulo.E é interessante observar que,nela,a primeira frase de Fioravanti é:“Prepare-se para algumas surpresas”.Em seguida ele conta que a menos de 300 quilômetros da capital paulista ainda vivem onças-pintadas e onças-pardas,as belas suçuaranas,cervosdo-pantanal e tuiuiús,em meio a novateiros e buritis.Não bastasse isso,em outra

região a distância não muito diversa,cresce uma mata de pitangueiras,jabuticabeiras,araçazeiros e um bando de árvores frutíferas que garantem alimentação farta a macacos e pássaros.Ora,que brasileiro,ou mesmo que paulista vislumbra isso,quando por acaso lhe passam pela cabeça imagens sobre São Paulo? Talvez de vez em quando valha a pena refletir sobre nosso infinito desconhecimento a nosso próprio respeito antes de viajar só na indignação contra o desconhecimento que outros,em suas fantasias, revelam sobre nós. Já que falamos há pouco em macacos, aproveito para recomendar a reportagem de Maria Guimarães,editora-assistente de ciência,sobre a diversificação por tamanho e a grande variedade desses primatas na América Latina,favorecidas pela seleção natural, a partir da página 46. Em tecnologia,temos uma reportagem elaborada pelo editor Marcos de Oliveira que disputou seriamente a capa da revista.Ele trata,a partir da página 66,dos cinco robôs aquáticos que estão em desenvolvimento no país para explorar,por operação remota,o fundo do mar,rios,lagos e represas,em regiões tão distantes entre si como a Amazônia e a Antártida.Com graça,Marcos conta que “eles não falam e passam longe da imagem humana com um tronco,dois braços e duas pernas,mas servem para ir onde o homem nunca esteve ou tem muita dificuldade de chegar”. Para finalizar,quero destacar a reportagem de Gonçalo Junior,com belas fotos de Miguel Boyayan,sobre a dimensão da luta de comunidades quilombolas pela propriedade da terra em todo o país,ainda mal e mal percebida pela sociedade brasileira.A antropologia nacional tem algo a dizer sobre isso e,na verdade,não tem se furtado a fazê-lo.Observo que essa reportagem não está aqui por coincidência,mas deliberadamente aproveita a oportunidade do Dia da Consciência Negra,celebrado em 20 de novembro,no mais novo feriado do calendário do estado de São Paulo,para ajudar a reduzir um pouquinho nosso grande desconhecimento sobre os quilombolas e algumas faces ocultas da sociedade brasileira. PESQUISA FAPESP 141

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() MEMÓRIA

Barbara trabalhando em seu laboratório em 1947 e milho com grãos coloridos( abaixo): mudança de conceito

Conhecimento aos saltos Há 63 anos Barbara McClintock descobria com estudo realizado em milho que o genoma não é estável N ELDSON M ARCOLIN

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m maio deste ano o anúncio da publicação da primeira versão do genoma do mosquito Aedes aegypti surpreendeu os geneticistas pelo seu tamanho,de 1,4 bilhão de pares de bases, as unidades químicas que compõem o código genético.O espanto se deu por um motivo presente também no DNA humano: quase metade de todo o seqüenciamento do Aedes (47%) é composta por elementos de transposição (ou TE,em inglês).Esses elementos são partes de DNA que podem mudar de posição dentro de um genoma e por isso os biólogos os chamam informalmente de genes saltitantes.Um TE pode conter um ou mais genes e variedades genéticas produzidas por mutação.Hoje esses detalhes da genômica são estudados a fundo e valorizados como uma forma de entender melhor cada espécie animal ou vegetal.Mas quando os TEs foram descobertos em 1944 pela bióloga norte-americana Barbara McClintock o mundo científico praticamente ignorou o fato. Barbara (1902-1992) interessou-se por genética antes dos 20 anos,ainda no curso secundário.“Apenas 21 anos haviam se passado desde a redescoberta dos princípios da


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FOTOS REPRODUÇÃO

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Prêmio Nobel veio 39 anos depois de sua descoberta sobre os elementos de transposição

hereditariedade de Mendel”, contou ela em um pequeno artigo autobiográfico. “Os experimentos genéticos, guiados por aqueles princípios, expandiram-se rapidamente entre 1900 e 1921.” Na Universidade Cornell, onde entrou em 1922, especializou-se no estudo da genética do milho. Foi ela quem fez o primeiro mapa genético desse vegetal e mostrou a importância dos telômeros – porção terminal do cromossomo – para a divisão celular. Quando trabalhava no laboratório Cold Spring Harbor, em 1944, descobriu os TEs, que chamou inicialmente de elementos controladores (controlling elements). Ela descreveu assim a parte primordial de suas observações: “Acreditando

que estava vendo um fenômeno genético básico, toda a atenção foi dirigida, conseqüentemente, para determinar o que uma célula tinha ganho e o que a outra célula tinha perdido. Foi constatado que eram elementos de transposição que podem regular a expressão dos genes de modo preciso. Por isso os chamei de ‘elementos controladores’”. Ela conseguiu perceber que dois dos elementos de transposição podiam trocar de posição nos cromossomos do milho. A mudança de posição nos cromossomos alterava a síntese de determinados pigmentos – essa era a razão de algumas espigas terem grãos de várias cores. Mais tarde, Barbara conseguiu também explicar que os TEs

se moviam apenas quando as células eram submetidas a algum tipo de estresse, durante a reprodução, por exemplo. O trabalho da geneticista mudou o conceito de genoma como algo estático. No entanto, dez anos se passariam antes que seu trabalho fosse reconhecido. E Barbara só ganhou o Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1983, aos 81 anos, 39 anos depois de sua descoberta primordial. “Barbara teve a coragem de dizer que o genoma não é estável e isso não foi bem digerido naquela época”, diz a bióloga Marie-Anne Van Sluys, do Laboratório de Genômica e Elementos de Transposição do Departamento de Botânica - IB, da Universidade de

São Paulo (USP). Além disso, ela era uma mulher contradizendo outros pesquisadores contemporâneos, todos homens, afirmando que os genes ficam sempre no mesmo lugar. O trabalho da geneticista continua dando frutos. Até poucos anos atrás, os TEs eram considerados parte do DNA-lixo não codificante. Mas hoje o próprio conceito de DNA-lixo está sendo revisto. “Já há resultados que demonstram que os elementos de transposição podem ter uma função não só regulando outros genes, mas também há evidências de que alguns foram ‘domesticados’ e cooptados para exercer uma ‘função normal’”, explica Marie-Anne.

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OPINIÃO

James Watson e os

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Bíblia nos apresenta os quatro cavaleiros do Apocalipse:Morte, Guerra,Fome e Pestilência. Com os conflitos na Irlanda do Norte,em Ruanda e nos Bálcãs no final do século passado e após o 11 de Setembro,a invasão do Afeganistão e do Iraque e os conflitos de Darfur no início do século XXI, temos de adicionar quatro novos cavaleiros:Racismo,Xenofobia,Ódio Étnico e Intolerância Religiosa. Em sua obra Identidade e violência, o ganhador do Nobel Amartya Sen enfatiza como a imposição e a aceitação de identidades unidimensionais de grupo alimentam a tropa do Apocalipse.Assim,devemos nos esforçar para construir uma sociedade que celebre e valorize a singularidade do indivíduo e na qual exista a liberdade de assumir,por escolha pessoal,uma pluralidade de identidades.Este ideal está em perfeita sintonia com o fato demonstrado pela genética moderna que cada um de nós tem uma individualidade genômica absoluta que interage com o ambiente para moldar uma singular trajetória de vida. Examinemos em especial o conceito de raça,que se impregnou em nossa sociedade a partir do século XVI inicialmente por força de interesses econômicos e como forma de tentar conciliar a fé cristã com o crime da escravização dos africanos.Desde então “raças” têm sido usadas não só para sistematizar as populações humanas,mas também para tentar justificar a dominação de alguns grupos por outros.Assim,a

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persistência da idéia de raça está ligada à visão atávica e perversa de que os grupos humanos existem em uma escala de valor. No mês passado o famoso biólogo e também ganhador do Nobel James Watsonafirmou estar preocupado com o futuro da África,porque os habitantes daquele continente,sendo menos inteligentes que outros povos,mostravamse incapazes de resolver seus problemas. Esta declaração estapafúrdia está totalmente na contramão de tudo que a genética tem demonstrado,ou seja,que raças humanas não existem do ponto de vista científico. Sabemos que a variabilidade humana está concentrada “dentro das populações continentais”e não “entre continentes”.Além disso,há uma relação genealógica entre todas as populações do mundo com a África.A humanidade moderna emergiu na África há menos de 200 mil anos e só nos últimos 60 mil anos saiu de lá para popular os outros continentes. Como dito pelo evolucionista sueco Svante Paabo,somos todos africanos,vivendo na África ou em exílio recente de lá.Pode parecer fácil distinguir fenotipicamente um africano de um europeu ou de um asiático,mas tal facilidade desaparece assim que saímos da “flor da pele”e procuramos evidências dessas diferenças “raciais”nos genomas das pessoas. Em um recente artigo,tracei um paralelo entre a crença na existência das bruxas,prevalente nos séculos XVI e XVII,e a crença na existência das raças


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quatro novos cavaleiros do Apocalipse

OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE, DE ALBRECHT DÜRER (1471-1528)

Evolucionariamente, somos todos africanos, vivendo na África ou em exílio recente de lá | S ÉRGIO D. J. P ENA

humanas. O texto se encerrava com a seguinte frase: “Um pensamento reconfortante é que, certamente, a humanidade do futuro não acreditará em raças mais do que acreditamos hoje em bruxaria. E o racismo será relatado como mais uma abominação histórica passageira, assim como percebemos hoje o disparate que foi a perseguição às bruxas”. Por esse prisma, um ponto positivo que ficou do triste imbróglio racista de James Watson foi o imediato e vigoroso repúdio da imprensa e de toda a sociedade às suas declarações. Isso mostra que o fato científico da inexistência das “raças” está finalmente sendo absorvido em nossa cultura e incorporado às nossas convicções e atitudes morais. Para denotar a postura ética que valoriza a variabilidade humana e a singularidade de cada indivíduo, criei a expressão peciloética (da raiz ποικιλια ´ – poikilia – que quer dizer “diversidade” em grego). Seu axioma fundamental é o direito inalienável de toda pessoa a ser tratada como um indivíduo, único e singular em seu genoma e em sua história de vida, e não meramente como pertencente a um sexo, religião, país, etnia ou grupo de cor. Minha esperança é que a generalização dessa perspectiva moral ajude no combate aos novos cavaleiros do Apocalipse. ■ SÉRGIO D. J. PENA é professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais. PESQUISA FAPESP 141

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ENTREVISTA

Luis Fernandes O motor do desenvolvimento Presidente da Finep moderniza gestão para tentar fazer da inovação tecnológica um dos agentes do crescimento

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odas as sextas-feiras, impreterivelmente às 15 horas, o presidente da Financiadora de Estudo e Projetos (Finep), Luis Fernandes, deixa seu gabinete na praia do Flamengo, Rio de Janeiro, e se dirige ao Instituto de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio). Lá, dá aulas de economia política e relações internacionais. O resto do tempo passa na presidência da Finep, dedicado a fazer da inovação tecnológica um dos motores do desenvolvimento brasileiro. Uma tarefa das mais complicadas, que levará ainda alguns anos de investimento massivo e conscientização para ser realizada. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, ele próprio ex-presidente da instituição, percebeu o papel central que a Finep terá nesse esforço. E sabe que, para realizá-la, não basta dotá-la de recursos. Será preciso modernizar sua estrutura, torná-la menos burocrática e mais ágil. Não por acaso, sempre que se refere à financiadora, Rezende coloca um qualificativo antes – Finep virou “nova Finep” na boca do ministro. Para adequar a realidade ao adjetivo, Luis Fernandes foi o escolhido. Ex-secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e ex-inte-

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grante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República no atual governo, Fernandes já manejou o tema entre 1999 e 2002. Nesse período ele foi diretor científico da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). Ao chegar à Finep em junho deste ano, teve de correr não apenas para executar o que fora planejado como também para tentar fazer as mudanças necessárias rapidamente. A pressa tem por objetivo tornar 2008 um grande ano. O orçamento será recorde, de R$ 2,8 bilhões. Os recursos dos fundos setoriais, parte deles ainda em uma reserva de contingência, estão sendo progressivamente liberados. O apoio à inovação nas empresas irá aumentar substancialmente, mas sempre dentro de uma política industrial nacional. Luis Fernandes viveu boa parte da vida no Rio, mas nasceu na pequena ilha de Gavestone, no Texas, Estados Unidos, onde ficou por apenas dez meses. O pai, virologista, na época fazia pós-doutorado em um centro de pesquisas biomédicas. Depois Fernandes voltou à América do Norte ao receber uma bolsa para cursar a graduação na Universidade de Georgetown. A razão é que o seu tema de interesse, relações internacionais, era uma área que

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não existia como campo acadêmico no Brasil nos anos 1970. Mais tarde se doutorou em ciência política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Hoje tem algumas dezenas de livros publicados com ênfase em estudos sobre a transformação da ordem mundial e a economia política do desenvolvimento, como O enigma do socialismo real: um balanço crítico das principais teorias marxistas e ocidentais (editora Mauad, 2000) e O manifesto e o “elo perdido” do sistema internacional (Contexto Editorial, vol. 10, nº 1, 1998). Na entrevista abaixo, Fernandes explica como fará a Finep corresponder às expectativas do governo e diz o que pensa sobre inovação. ■ Desde sua nomeação o ministro Sérgio Re-

zende vem falando em uma “nova Finep”. O que isso significa? — A Finep completa 40 anos em 2007, mas não foi a mesma ao longo desse tempo. Está sempre mudando, nem sempre para melhor, é preciso reconhecer. Houve um período áureo dos anos 1970 até início dos 1980. No tempo em que passou a ser a secretaria executiva do FNDCT [Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico], a Finep teve um papel de estruturação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. O CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] também, mas menos dirigido para a infra-estrutura do sistema e mais para projetos de pesquisa. São Paulo talvez seja a exceção porque já tinha a FAPESP, uma fundação forte que conseguiu se consolidar com um padrão de regularidade de repasse de recursos, em nível estadual, único no país. A Finep teve um papel muito importante até os anos 1980 com um pico de investimento na faixa dos R$ 800 milhões, em 1979, em valores atualizados de dezembro de 2005. ■ Mas

esse ápice de investimento aconteceu então há muito tempo. — Exato. Depois a instituição entrou num processo de declínio gradativo da sua capacidade, o valor do FNDCT liberado foi restringido cada vez mais e nos anos 1990 ela entrou num período de crise bastante grave. O orçamento ficava por volta dos R$ 100 milhões, algo quase vegetativo. Tentou-se ampliar a capacidade de atuação ainda nos anos 1990, expandindo muito as ações com crédito reembolsado, mas nem sempre com 14

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as cautelas necessárias. Isso gerou um índice de inadimplência de financiamentos da Finep muito elevado. Chegou à proporção de 60% numa série de investimentos. ■ Como a Finep se reergueu?

— A recuperação começou a partir do final dos anos 1990 e, sobretudo, no início deste século com a criação dos fundos setoriais. Eles foram pensados como linhas de financiamento dentro do FNDCT, tendo a Finep como sua secretaria executiva. Foi isso que levou a recompor a capacidade de investimento da instituição. O Carlos Américo Pacheco, atualmente no governo de São Paulo, teve um papel crucial nisso, assim como o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, no segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.

cito, mas isso foi questionado legalmente porque, sendo recursos da área de ciência e tecnologia, não poderiam ser retidos... ■ Ou seja, era ilegal. — Sem dúvida, é ilegal. Ocorre que a área econômica de todos os governos é sempre muito criativa, não apenas do atual. E eles inventaram uma nova categoria que é a reserva de contingências. Porque o dinheiro dos fundos não poderia ser contingenciado diretamente, mas seus recursos poderiam compor uma reserva de contingências. E isso foi o que foi feito. ■ Na prática parece a mesma coisa. — Só muda o cálculo da arrecadação. Ele permanece como um cálculo em que se tem uma arrecadação acumulada nominalmente, mas isso não dá garantia nenhuma de execução.

■ Nesse período o senhor já trabalhava com

inovação na Faperj? — Era diretor científico lá e introduzia a preocupação com a inovação como um tema que a área de ciência e tecnologia deveria focar com muita atenção. Predominava no governo, naquele momento, a opção por não ter uma política industrial nacional claramente formulada. A idéia era que o próprio mercado seria o alocador mais eficiente de recursos e, com isso, os nichos brotariam mais espontaneamente do que por indução do poder público. O problema é que, assim, os fundos ficaram um tanto quanto desconectados entre si porque eles não tinham uma política industrial nem uma política nacional de inovação à qual se vincular. Por outro lado, tinham sido criados na área de ciência e tecnologia com o compromisso de serem fontes complementares dos investimentos federais. ■ Não

havia clareza suficiente em seus objetivos? — O que não havia era uma política industrial nacional à qual a ação de fundos se vinculasse. Isso gerou dispersão e segmentação. Cada um deles tinha sua agenda de investimentos com suas próprias prioridades e não eram articulados num projeto nacional de inovação.

■ Os

recursos já estavam contingenciados naquela época? — Os fundos foram criados e, em seguida, o dinheiro foi contingenciado. Houve duas etapas. Uma era contingenciamento explí-

■ Quanto é retido pelo contingenciamento hoje? — A partir de 2005 os valores passaram a declinar. Mas antes dessa data chegaram a atingir 60% de contingenciamento, algo muito elevado. Quando os fundos foram criados o compromisso é que eles seriam fontes complementares, e não suplementares, do investimento já realizado no sistema. Na prática isso não aconteceu. Quer dizer, houve uma retração de investimento, sobretudo nos investimentos feitos via Ministério da Educação nas universidades federais, que acabaram desviando parte importante da sua demanda de recursos para os fundos. Nesse caso, em vez de ser uma fonte adicional de verba, em parte eles simplesmente substituíram a retração de outras fontes de investimento. ■ Quer dizer, em vez de usar o dinheiro para pesquisa de C&T, ele era usado para cobrir a demanda por infra-estrutura? — É isso. Um dos usos mais importantes dos fundos até hoje é suprir a infra-estrutura para a pesquisa nas universidades e instituições públicas, laboratórios e bibliotecas. Não haveria problema desde que isso não fosse feito na seqüência de uma retração de outra fonte. ■ Essas questões foram verificadas quando o senhor estava no MCT? — Grande parte delas. O que nós introduzimos junto com a Finep, na época presidida pelo hoje ministro Sérgio Rezende, foi um novo modelo de gestão dos fundos,


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que procurou integrar a ação de todos eles. O objetivo era combater a fragmentação e a segmentação e integrá-las com foco na política industrial que o governo havia acabado de lançar no início de 2004, que é uma política nacional de inovação. Com setores prioritários, área exportadora de futuro, orientações mais ou menos precisas sobre as prioridades da política industrial nacional. Nós montamos aqui na Finep o Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais e propomos para os comitês gestores de cada fundo uma agenda de ações integradas, que batizamos de ações transversais. Transversais porque elas contavam com aporte de recursos de diversos fundos. A idéia é que as grandes ações bancadas pelos fundos apoiassem a política nacional de inovação baseada na política industrial. Talvez a marca mais importante dessa política é que ela colocou a inovação como motor do crescimento sustentável da economia. Era uma nova prioridade para a inovação do desenvolvimento tecnológico nacional. ■ Foi

a primeira vez que a inovação se tornou prioridade no governo federal? — Pelo menos de modo mais preciso e objetivo. Mesmo antes, embora a inovação já fosse uma preocupação presente nas ações do MCT na criação dos fundos setoriais, as ações ainda eram muito segmentadas. Tinha o fundo do petróleo, do agronegócio, da biotecnologia, da saúde... Quer dizer, não havia a integração numa política nacional de inovação e na política industrial focada na inovação. Fizemos essa integração. Nas discussões internas do governo fomos mostrando a relevância da área de C&T para as prioridades da política e desenvolvimento do próprio governo federal. A Finep, que tinha o orçamento mais flexível para ser mobilizado para a nossa finalidade, foi adquirindo centralidade crescente na agenda do governo federal. O que se traduziu numa elevação muito significativa de recursos materializados em duas linhas fundamentais. Em primeiro lugar, com o progressivo descontingenciamento. Na verdade, a palavra não é bem essa porque era reserva de contingências, mas significa uma redução progressiva da arrecadação dos fundos destinada à reserva de contingências. O compromisso que foi estabelecido quando do envio da lei de regulamentação do FNDCT era eliminar por completo a reserva de contingências dos fundos até 2010.

■ Em quanto está a reserva de contingências

hoje? — Em 23% da arrecadação. O que significa, em números globais, cerca de R$ 2 bilhões liberados no investimento e um quarto disso, perto de R$ 500 milhões, na reserva de contingências. Talvez um pouco menos. Esse número já é mais que o dobro do equivalente, em valores constantes, do pico histórico de 1979. Voltando agora à sua pergunta inicial, sobre o que significa a nova Finep: entramos numa operação em que executamos via FNDCT um lançamento dez vezes maior do que executávamos há seis ou cinco anos. Estamos operando um orçamento pelo menos cinco vezes maior via crédito reembolsável, com o orçamento de 2008, do que era operado também cinco ou seis anos atrás. É um novo patamar. Dentro disso, uma das questões-chave para nós, talvez a mais importante, é que, até aqui, ela vinha trabalhando com dois braços: o apoio à infra-estrutura de C&T e financiamento não-reembolsável, que é o que a FAPESP opera fundamentalmente. E o segundo braço, que era crédito reembolsável para ações de pesquisa de desenvolvimento das empresas. À taxa de juros baixos, porque elas são equalizadas com recursos do Fundo Verde-Amarelo, um dos fundos setoriais. ■ Ou seja, emprestava-se para a indústria, mas a taxas muito baixas. — A taxas equalizadas. Sendo uma área prioritária para o setor industrial, ela pode chegar hoje a uma taxa de juros negativa, em termos reais. Com a Lei de Inovação, nós criamos um terceiro instrumento, o da subvenção econômica para a atividade de pesquisa e desenvolvimento das empresas, que não existia antes. Coisa que os países centrais já faziam há muito tempo.

As grandes ações bancadas pelos fundos setoriais devem apoiar a política nacional de inovação baseada na política industrial

■ Isso é muito recente? — Lançamos o segundo edital em setembro. O primeiro foi lançado há um ano. É uma modalidade criada pela Lei de Inovação, que só tornou possível a sua operacionalização com a regulamentação da lei em 2005 e a inclusão no orçamento de 2006. Isso criou um terceiro braço de atuação da Finep. ■ E esse dinheiro vai para quem? — Para empresas instaladas no país, desde que a atividade de inovação, via pesquisa e desenvolvimento, seja feita aqui. Fo-

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O último Pintec mostrou 33 mil empresas inovadoras, mas quando se decompõem esses números vê-se que qualquer compra de máquina é definida como inovação. Isso não é propriamente pesquisa e desenvolvimento

ram identificados 38 temas, em cinco grandes áreas, que na verdade são tecnologias que têm que ser nacionalizadas.

grande porque a burocracia fica maior e o dinheiro demora mais a sair. Foi esse o primeiro ponto que atacamos.

■ Quais são essas áreas? — Uma é nanotecnologia, outra é biotecnologia em saúde. A terceira nós chamamos de área estratégica, pega fundamentalmente defesa e segurança pública. Uma quarta é a de biodiversidade e saúde. E a última são tecnologias para o desenvolvimento social. Dentro delas foram identificados 38 temas concretos. Quer dizer, são demandas de inovação tecnológica que passam a ser nacionalizadas por empresas brasileiras.

■ Isso

■ Com isso será possível responder à moder-

nização desejada pelo MCT? — A nova Finep, para além de exigir que nós tenhamos novos procedimentos e mecanismos que correspondam a esse patamar inédito de recursos, ao melhorar substancialmente nossa capacidade de financiamento, também deve promover a integração de todos esses instrumentos. Até aqui, pela história anterior da Finep, tínhamos diferentes setores da casa operando diversos instrumentos sem muita integração entre si. Agora instituímos dez programas integradores para abranger esses três braços.Vou dar o exemplo de um dos primeiros projetos de financiamento que vi aqui quando assumi a presidência. Era uma empresa de São Paulo, da área de papel e celulose, que pedia crédito para um projeto de inovação, pesquisa e desenvolvimento. Nós concedemos, mas na hora da discussão do projeto na diretoria da Finep alguém perguntou,“De onde é que essa empresa pega a matéria-prima?”. Descobrimos no próprio projeto que era de uma cooperativa de catadores de papel. Ocorre que temos, na área social, um programa de apoio a cooperativas de catadores de papel. E uma coisa não dialogava com a outra. Hoje queremos que os dez programas integradores recém-instituídos abranjam todo o conjunto de instrumentos disponíveis na Finep de maneira a ampliar o potencial que eles têm para o desenvolvimento do país. ■ Um empresário de São Paulo fez uma crí-

tica semelhante a essa quando eu disse que iria conversar com o presidente da Finep. Ele dizia, “O pessoal do fomento não conversa com o pessoal do financiamento”. — Era o que ocorria. E é um problema 16

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não é algo que se resolva do dia para a noite... — Claro que não. Assumi em junho, a diretoria foi recomposta no final de julho e tem de executar o orçamento de 2007, que já é grande. Acho que o impacto mais pleno das mudanças vamos sentir em 2008. Porque aí todo o planejamento vai ser feito a partir disso. Nós ainda temos resquícios das operações anteriores.

■ A integração vale para o que está fora da Finep, como o BNDES, por exemplo? — Esse é outro ponto. Existe na cultura corporativa das duas instituições certo ciúmes uma da outra, não nos cargos de direção profissional, claro. Na verdade, na nossa compreensão e na da direção do BNDES, nossos papéis são complementares. Grosso modo, nós não sobrepomos... Quer dizer, pode ter alguma área de sobreposição, mas isso é fácil de resolver. A nossa missão é fomentar a geração de conhecimento e a do BNDES é massificar a aplicação do conhecimento. Do ponto de vista conceitual, são missões complementares. Temos desenvolvido uma série de ações que são de aproximação e de integração. O MCT trabalha na elaboração de um plano de ações para até 2010 que envolve uma forte parceria com outros ministérios e também com o BNDES. ■ Noto que tanto o site da Finep quanto o senhor se referem à instituição como uma agência de inovação. A idéia de mera financiadora ficou para trás? — O nome Financiadora de Estudos e Projetos não muda. Ele tem relação com o BNDES lá na sua origem. No começo a Finep apoiava projetos pré-competitivos que depois eram submetidos ao BNDES para obter financiamento. Eram sobretudo projetos na área de engenharia. Depois, com a criação do FNDCT, a missão da Finep mudou, na medida em que ela se tornou secretaria executiva do FNDCT, e passou a ser uma agência de fomento. Mas dirigida mais para a infra-estrutura do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. Com a retração desse tipo de atuação, ganhou maior peso na ação com empresas como agência de desenvolvimento. Quer dizer, emprestava recursos para financiar desenvolvimento tecnológico. Esse foi um


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braço que cresceu. O fato é que, com essa recomposição de instrumentos, ela se tornou uma agência mais ampla e seu foco principal é o fomento da inovação, trabalhando com instrumentos variados. Por isso gosto da idéia de agência brasileira de inovação. É mais precisa do que financiadora de estudos e projetos. ■ Como o empresário que está lendo a entrevista e percebe que pode ser ajudado pela Finep faz para pedir financiamento? — A Finep opera com diversas modalidades de financiamentos para empresas. O empresário interessado pode acompanhar os editais lançados e procurar informações pelo site [www.finep.gov.br] ou ligar para o Setor de Atendimento ao Cliente [(21) 2555-0555]. ■ O Simon Schwartzman, ex-presidente do

IBGE, nos disse em entrevista que é o setor público quem deve provocar demanda porque tem uma capacidade de compra muito grande em áreas que requerem um trabalho intenso e permanente de pesquisa e inovação. O senhor concorda? — O Brasil teve durante quase meio século um esforço de desenvolvimento nacional relativamente grande – às vezes, a gente esquece disso. Depois o modelo esgotou-se. Mas manteve, dos anos 1930 até a crise da dívida nos anos 1980, um dos índices mais elevados de crescimento econômico contínuo no mundo. Era um esforço de industrialização governado por uma lógica que os economistas, ou parte deles, convencionaram chamar de industrialização para substituição de importações. Ou seja, o mercado doméstico era protegido e havia um esforço de substituir importações industriais, via fomento, numa indústria nacional. Nacional não necessariamente pela composição do seu capital. Nesse modelo, o problema da inovação não era central. A idéia era atrair investimentos, porque eles trariam junto pacotes tecnológicos para serem aplicados aqui. Mas, em geral, eram pacotes tecnológicos já obsoletos nas matrizes, embora aqui fossem competitivos porque o mercado era protegido. Isso acabou por gerar uma cultura empresarial não muito focada no tema da inovação. A partir do início dos anos 2000, começou a ser feito um estudo pelo IBGE, o Pintec [Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica], que faz uma radiografia da inovação no país. Antes só eram contempladas indús-

trias, e agora foram introduzidas algumas áreas de serviços e telecomunicações, fundamental para se pensar a inovação hoje. O último Pintec mostra 33 mil empresas inovadoras, mas quando se decompõem esses números vê-se que qualquer compra de máquina é definida como inovação. Isso não é propriamente pesquisa e desenvolvimento. O volume de empresas efetivamente envolvidas na geração de conhecimento, que induz à inovação, é ainda muito limitado no Brasil. Desse ponto de vista eu concordo com o Simon Schwartzman, no sentido de que tem de haver um papel indutor do poder público, e nessa indução o Estado deve se tornar parceiro do risco da inovação com a empresa. Nós estamos num mercado muito mais competitivo. Um mercado no qual os custos de captação de recursos para financiar a inovação são muito mais elevados no Brasil do que em outros países, pela alta taxa de juros que temos. E um mercado no qual os países que estão na ponta tecnológica praticam fortes subsídios estatais nas atividades de inovação. ■ Todos

os países fortes tecnologicamente subsidiam essa atividade? — Todos. No caso dos Estados Unidos o subsídio é mais forte ainda por causa da indústria de defesa. Na Coréia do Sul, sempre usada como exemplo para o Brasil, o massivo investimento em inovação vem do poder público. O Estado sul-coreano já chegou até a escolher as empresas que iriam ser estruturadoras de diferentes setores e apoiou, de forma absolutamente subsidiada, as cadeias produtivas. Nesse contexto, de fato o empresário nacional tem de ser estimulado a apostar na inovação tecnológica. ■ Quem

recebe o grosso do dinheiro da Finep? São as pequenas empresas? — Não, é variado. Temos programas específicos para pequenas empresas. A subvenção que é operada em parceria com a FAPESP, o PAPI [Programa de Apoio à Propriedade Intelectual] é vinculado ao Pipe [Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas]. Aí sim é micro e pequena empresa. Temos o Inovar, justamente um programa de fundos, aportando recursos para criação e consolidação de empresas de bases tecnológicas. E vários outros. A subvenção é para qualquer empresa, desde que realize a inovação tecnológica definida naqueles temas.

■O

orçamento previsto para 2008, de R$ 2,8 bilhões, é recorde. Isso ocorre graças ao descontingenciamento de recursos? — Não. Grosso modo, são R$ 2 bilhões do FNDCT e 800 milhões para ações de crédito. Isso tem a ver com a diferença das condições da nossa operação com o BNDES, que tem um fundo vinculado, o FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador]. Nós também trabalhamos com o FAT, mas via captação. E em condições não muito favoráveis. Essa é uma debilidade. Não temos ainda um fundo vinculado. O que foi feito para o orçamento de 2008 foi operar para além das nossas duas fontes tradicionais de captação, que é o FND [Fundo Nacional de Desenvolvimento] e o FAT. O próprio FNDCT se transformou numa fonte de captação em condições muito mais favoráveis que o FAT e o FND. Então é como se nós estivéssemos constituindo um fundo de captação próprio para a Finep nas suas ações reembolsáveis. Isso foi muito importante porque também dá um horizonte de estabilidade institucional.

■ As idéias do economista austríaco Joseph Schumpeter voltaram à moda recentemente. O senhor está entre seus fãs? — O Schumpeter é importante. Sou professor da área de economia política internacional e relações internacionais. Ele é um pensador extremamente abrangente e tem livros sobre a sociologia do imperialismo. Um clássico dele, Capitalismo e socialismo, é importante para a teoria política porque trata o tema dos sistemas partidários, com máquinas eleitorais, com uma chave realista de análise da política. Como economista, uma das suas grandes contribuições é tratar do tema da inovação e associando ao da inovação numa dinâmica que ele chamou de destruição criadora. Para ele, as inovações tecnológicas destroem modelos antigos, mas criam um novo mercado. ■ Gosta do tema como é tratado por ele? — Gosto, embora ele tenda a ter uma visão absoluta da dimensão do mercado na promoção da inovação. É como se fosse uma dinâmica própria do mercado à indução da inovação via concorrência. Daí a lógica da instituição criadora, que seria inerente à economia de mercado. O que fica fora disso é o papel indutor da inovação, exercido pelo Estado em todas as experiências. Então, essa outra dimensão é subestimada na interpretação que ele faz. ■

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MUNDO

> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS

Oh, que delícia de curso!

> Licença para A Comissão Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (Conicyt), do Chile, decidiu conceder a partir de 2008 licença maternidade remunerada de quatro meses para bolsistas de doutorado no exterior. “Trata-se de um apoio para que as mulheres, que ainda têm participação minoritária em ciência e tecnologia, possam avançar em sua carreira científica”, informou um comunicado da comissão. O subsídio será bancado pelo Conicyt e os meses utilizados não serão considerados no cômputo do período original da bolsa. Até agora as bolsistas podiam parar de trabalhar durante a gravidez, mas não recebiam nada no período de licença. Para muitas pesquisadoras, o benefício será um alívio

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UNIVERSIDADE DE OREGON

ser mãe

na carreira. “Geralmente, os doutoramentos são feitos na casa dos 30 anos, quando uma porcentagem de mulheres decide constituir família”, disse à agência de notícias SciDev.Net Sharon Reid, bolsista do Conicyt, que teve um filho enquanto fazia o doutorado em ecologia.

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Em tempos que aparentemente prenunciam uma revolução na cultura alimentar norte-americana, com o país preocupado com a epidemia de obesidade e todos os graves problemas de saúde a ela correlacionados, uma de suas universidades públicas, a Indiana University (IU), anuncia o primeiro doutorado do mundo em antropologia da comida – ou da alimentação, numa tradução mais sutil para anthropology of food. “Vamos abordar a comida em seu sentido mais amplo, vinculado à dimensão cultural da sociedade e da história humana, observá-la no centro da análise social e percebê-la como uma janela para entender diversidade e mudança social”, diz Eduardo Brondízio, um brasileiro de 44 anos que há três chefia o Departamento de Antropologia da IU. A proposta do doutorado surgiu das quatro subáreas que o departamento abriga, até como uma via para ampliar a interação entre elas e aproveitar a expertise de cada uma em projetos conjuntos de alto impacto acadêmico. Tradicionalmente a antropologia norte-americana se divide entre a antropologia cultural,

> DNA a serviço da política O Parlamento francês aprovou um polêmico projeto de lei que prevê a realização de testes de DNA em imigrantes que pretendem entrar na França para se reunir com familiares

que já vivem no país. Na Câmara Baixa, o projeto passou com 282 votos a favor e 235 contra. No Senado, o placar foi de 185 votos favoráveis e 136 contrários. A proposta foi aprovada a despeito da rejeição dos socialistas, que prometem recorrer à Justiça,


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a lingüística, e mais arqueologia e bioantropologia. Enquanto muitos departamentos de outras universidades do país preferiram se especializar em um ou dois desses campos, o da IU fez questão de manter todos e, há algum tempo, começou a levantar a questão de como criar pontes bem produtivas entre eles. “Nesse processo, o tema da comida terminou aparecendo com grande força, motivando desde o arqueólogo que examina a relação entre alimentação e complexidade social, ao bioantropólogo analisando a relação entre nutrição e adaptação e até o antropólogo cultural que trabalha com seus níveis simbólicos”, diz Brondízio. Os brasileiros interessados nesse novo campo, cujo número de vagas ainda não está definido (“entre cinco e dez”), devem se inscrever até o final de janeiro para o doutorado em antropologia (ver www.indiana.edu/~anthro). O processo para ser admitido no programa como um todo é normalmente bem competitivo, com a seleção de 15 a 20 estudantes dentre 130 a 150 candidatos, a cada ano. O Departamento de Antropologia da IU, que está completando 60 anos de pesquisa e ensino, é considerado um dos mais tradicionais e produtivos dos Estados Unidos, com um corpo docente de 38 professores (além de 24 professores adjuntos), 130 doutorandos, sete centros de pesquisas e oito laboratórios associados. “Mas vale lembrar que sempre tem brasileiros chegando a

de associações de direitos humanos e de cientistas. Uma das principais vozes contrárias foi a do Comitê Consultivo Nacional de Ética de França, composto por médicos, filósofos e juristas e presidido pelo professor de medicina Didier Sicard. Segundo um parecer emitido pelo comitê, um dos efeitos nefastos da medida é a “banalização da identificação genética, com os riscos inerentes de discriminação”. O comitê também criticou o fato de a lei ignorar que os laços de sangue não servem como referência única para definir os vínculos da família moderna.

ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ

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este e a outros departamentos da IU em Bloomington, e nesse momento lá estão quatro doutorandos”, diz Brondízio, aliás, um dos pioneiros nesse percurso. Ele chegou a Indiana para estudar ecologia humana com seu hoje colega Emilio Moran (personagem da entrevista de Pesquisa FAPESP, de julho de 2006) depois de ter estudado agronomia em Taubaté e sensoriamento remoto aplicado a estudos de uso da terra e uso da floresta no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Acabou se especializando em antropologia ambiental, com ênfase em mudanças socioambientais e culturais entre comunidades rurais na Amazônia e outras partes da América Latina. Suas pesquisas incluem vários itens ligados ao tema do doutorado sobre comida, como uso da terra e produção de alimentos, identidade social de pequenos agricultores, etnobotânica e globalização de produtos florestais. A propósito, ele está lançando este mês The Amazonian caboclo and the açaí palm: forest farmers in the global market (editora do New York Botanical Garden), uma espécie de etnografia e história social do fruto do açaí, com base em 18 anos de trabalho com populações ribeirinhas e a palmeira do açaí na ilha de Marajó, no estuário amazônico. A par dos dados de seu currículo, entretanto, Brondízio diz ter a qualificação mais necessária para o novo programa de doutorado da IU: é um bom cozinheiro, garante.

> Viva a diferença francesa Um relatório que analisa a ajuda que os países ricos dão às nações em desenvolvimento mostra que a França é a líder de um ranking de assistência na área tecnológica. O Índice de Compromisso com o Desenvolvimento 2007, produzido pela entidade Centro para o Desenvolvimento Global (CGD, na sigla em inglês), compara as políticas de 21 nações mais industrializadas. O ranking analisa sete áreas – meio ambiente, saúde, comércio, investimento, migração, segurança e tecnologia – que têm pesos

equivalentes no cômputo geral. No campo da tecnologia, o ranking considera políticas de apoio à criação e transferência de inovações para países em desenvolvimento. Um dos destaques da França, segundo o relatório, é uma legislação que revoga patentes de remédios ou equipamentos de interesse público que não estejam sendo exploradas por seus detentores. Canadá e Japão também tiveram boa colocação. Os Estados Unidos ficaram em 14º lugar, porque pressionaram as nações pobres a não quebrar patentes mesmo em caso de remédios vendidos por multinacionais por preços proibitivos. PESQUISA FAPESP 141

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MUNDO SUSANNE MILLER / FWS

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PESQUISA FAPESP ONLINE Acesse nosso conteúdo exclusivo em www.revistapesquisa.fapesp.br

Pesquisa Brasil Toda segunda-feira a mais recente edição do programa semanal de rádio de Pesquisa FAPESP pode ser ouvida on-line ou baixada no computador.

Nossas Colunas Urso-polar: para Lomborg, caçadores são risco maior que aquecimento global

O cético está de volta Bjorn Lomborg, o estatístico dinamarquês famoso por desafiar o consenso acerca das mudanças climáticas em O ambientalista cético, de 1998, voltou à carga com o livro Cool it – The skeptical environmentalist’s guide to global warming, ainda não traduzido para o português. Ele não nega que a temperatura média do planeta esteja aumentando, nem rejeita as evidências de que a culpa é do homem. Mas sugere que adaptar-se é mais barato do que parece e classifica de histeria a mobilização para enfrentar o problema. Critica, por exemplo, o uso da imagem dos ursos-polares à deriva em blocos de gelo como prova dos danos do aquecimento. Seus dados 20

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mostram que o decréscimo da população dos ursos se deve muito mais à ação de caçadores. “O problema de Lomborg é que ele usa a incerteza para selecionar a interpretação mais benigna e exibi-la como evidência de que as ameaças são exageradas”, disse Kevin Watkins, pesquisador da Universidade de Oxford.

> Poder feminino em órbita Uma mulher assumiu, pela primeira vez, o comando da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês). A astronauta norte-americana Peggy Whitson, de 47 anos, integrante da 16ª expedição

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Neotrópicas Marcos Buckeridge

à ISS, chegou à estação no dia 12 de outubro, a bordo de uma nave Soyuz, que levou de volta à Terra o russo Fiodor Yurchikhin, comandante nos últimos meses. Peggy permanecerá 192 dias em órbita, período em que coordenará uma importante etapa da construção da ISS. Está prevista a chegada na estação de dois cargueiros russos Progress, o primeiro cargueiro europeu, Jules Verne, além de três naves americanas, que levarão três novos módulos da estação: um americano, um europeu e um japonês. Será a segunda temporada em órbita da astronauta, que em 2002 passou seis meses na estação. Bioquímica de formação, Peggy é casada e não tem filhos.

> Compara o potencial da cana-de-açúcar, do milho e da mandioca para a produção de energia.

Fiat lux Vanderlei Salvador Bagnato

> Afirma que a biofotônica pode mudar a atuação profissional dos dentistas nos próximos anos.

Direto de Harvard Antonio Bianco

> Escreve sobre as regras para utilização de animais em experimentos de laboratório em sua universidade.


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ESTRATÉGIAS

LAURABEATRIZ

BRASIL

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Capes dá nota à pós-graduação científico Ricardo Renzo Brentani, diretor presidente da FAPESP e do Hospital do Câncer A.C. Camargo, recebeu a GrãCruz da Ordem do Mérito Científico. A insígnia foi entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto, no dia 10 de outubro. Outras 34 personalidades receberam a comenda, entre eles Jorge Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), e Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica (CNPq). Vahan Agopyan, diretor presidente do Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT) e membro do Conselho da FAPESP, e Paula Montero, coordenadora adjunta de Ciências Humanas e Sociais da Fundação e diretora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), foram admitidos na classe Comendador. A Medalha Nacional do Mérito Científico coube à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ao Instituto

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) concluiu a avaliação do desempenho de 2.266 programas de pós-graduação entre 2004 e 2006. Dos cursos analisados, 35,3% tiveram conceito 4, equivalente a bom; 21,1% receberam nota 5, que indica um alto nível de desempenho; e 9,7% obtiveram notas 6 e 7, que identificam programas de excelência com padrão semelhantes ao dos mais importantes centros internacionais de ensino e pesquisa. “O Brasil está em 15º lugar no mundo na produção científica, tendo ultrapassado muitos países com maior tradição na pesquisa e formação de recursos humanos. Há uma correlação absoluta entre esse crescimento e a formação

Butantan, pela prestação de serviço relevante para o desenvolvimento científico e tecnológico do país entre 2005 e 2006.

> Um laboratório para febre aftosa A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vai construir um laboratório de nível 3 de sanidade animal para a realização de exames de alto risco, como o da febre aftosa e de outras doenças infecciosas e parasitárias como a vaca louca, gripe

de doutores”, afirmou Jorge Guimarães, presidente da Capes. Apesar dos resultados em grande parte positivos, 29,9% dos cursos tiveram um desempenho considerado regular, recebendo nota 3; e 4% – mais exatamente 91 cursos – obtiveram conceito 1 e 2, considerados insuficientes. As universidades e institutos responsáveis por esses cursos podem, no entanto, recorrer da decisão da Capes. Essa foi a 15ª avaliação realizada depois da implantação do Sistema de Avaliação da PósGraduação Nacional, em 1976. Na análise são levados em conta aspectos relacionados à produção científica dos cursos, a formação de mestres e doutores e o impacto social dos programas oferecidos pelas instituições.

aviária e brucelose. manuseio de organismos O laboratório, o primeiro que podem ter riscos de da empresa a realizar esse escape, de acordo com tipo de análise, será o diretor executivo da construído na Embrapa Embrapa, Kepler Euclides Filho.As obras terão início Gado de Corte, em Campo Grande, Mato Grossodo ainda este ano e devem estar Sul, e contará com o apoio concluídas no final de 2008. do governo do estado. A intenção é que também sirva de apoio às ações de controle de zoonoses na região. O laboratório estará equipado para realizar pesquisas para o desenvolvimento de novas vacinas, mantendo controle total e absoluto no Febre aftosa: ameaça ao rebanho PESQUISA FAPESP 141

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EDUARDO CESAR

> Mérito


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DANIEL LAVENERE/MCT

ESTRATÉGIAS

Semana de C&T: novos desafios

Ciência e tecnologia mobilizaram 1.400 universidades e escolas em todo o país

> Cooperação internacional A FAPESP e o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França, abriram novo processo de seleção pública de projetos de intercâmbio de pesquisadores, no âmbito do convênio de cooperação científica firmado entre as duas agências em 2004. Poderão se inscrever pesquisadores com bolsas de Auxílio a Pesquisa, Projetos Temáticos, ou que integrem programas de Apoio a Jovens Pesquisadores e os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid). Serão selecionados projetos nas áreas de astrofísica e astronomia, biologia molecular e genômica, geociências, informática, entre outros. Cada projeto terá duração de 36 meses. As propostas serão recebidas até 26 de novembro. 22

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A IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (C&T), promovida pelo MCT, mobilizou 1.400 universidades, institutos de pesquisa e escolas em 390 cidades em todo o país. Ao todo, foram 9.700 atividades realizadas com o objetivo de promover a aproximação entre o sistema de C&T e a sociedade e despertar o interesse de crianças e jovens para temas relacionados à ciência. Em 2006 participaram do evento 363 cidades e 8.650 instituições. Nesse ano, a semana de C&T teve como tema a Terra. Milhares de pessoas puderam conhecer melhor os problemas e desafios do planeta por meio de exposições, palestras, vídeos, experimentos, excursões científicas, feiras e

> Pernambuco, entre os grandes O estado de Pernambuco vai investir R$ 100 milhões em pesquisa até 2010. O orçamento da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) saltará de R$ 6 milhões, em

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oficinas, entre outros. Em Brasília, uma grande feira de ciência ocupou o Museu Nacional e a Esplanada dos Ministérios; em São Paulo, a ciência ocupou o Parque do Ibirapuera, o Metrô e a Praça do Relógio, na Universidade de São Paulo (USP); e no Rio, foi o mote da Olimpíada Ibero-americana de Química. A interiorização foi o ponto alto da Semana de C&T no Nordeste. Na avaliação de Ildeo de Castro Moreira, diretor de Difusão e Popularização da C&T, do Ministério da Ciência e Tecnologia, o evento ainda precisa superar alguns desafios: atrair a participação das empresas, ampliar o número de escolas envolvidas e desenvolver estratégias para atingir o público jovem.

2007, para R$ 20 milhões em 2008; R$ 30 milhões em 2009; e R$ 40 milhões em 2010. O dinheiro será repassado à fundação na forma de duodécimos. “Assumimos um compromisso que já está no nosso Plano Plurianual e na Lei Orçamentária de 2008. Estamos trabalhando

para que isso se torne lei”, afirmou o governador Eduardo Campos, ex-ministro da Ciência e Tecnologia. “Esses números vão transformar Pernambuco em liderança, em condições de brigar com eixos como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, no que diz respeito


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MARCELLO CASAL JÚNIOR / AB R

ao fomento da ciência e tecnologia.” Entre 2002 e 2005, com um orçamento médio de R$ 2,5 milhões, a Facepe mergulhou numa crise institucional “desastrosa”, lembrou seu presidente, Diogo Simões. Agora a fundação poderá “dar respostas aos desafios e terá segurança para se articular com instituições de fomento”, enfatizou.

> Capacitação em O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinará R$ 500 mil para projetos de capacitação de recursos humanos em biossegurança de organismos geneticamente modificados (OGMs). Serão apoiados até dez cursos de curta duração no valor máximo de R$ 50 mil cada um, em nível de pós-graduação, direcionados a estudos básicos e aplicados na área. As propostas já estão sob análise do CNPq. Serão apoiados projetos na área de saúde humana, animal, vegetal, meio ambiente, fluxo gênico e medidas de manejo e procedimentos de descarte de OGMs.

Inpe registra aumento no desmatamento em três estados

> IBI prepara novo ranking Estão abertas as inscrições de empresas interessadas em participar da segunda edição do Índice Brasil de Inovação (IBI), que mede o esforço e os resultados das empresas em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para a construção de um ranking das companhias mais inovadoras (ver Pesquisa FAPESP, edição 136). O índice traz duas importantes novidades: a criação do Manual do IBI, com definições conceituais sobre inovação tecnológica e informações a respeito da metodologia desenvolvida para análise da capacidade

inovativa do setor produtivo, e a inclusão de empresas do setor de serviços e de extração mineral, que se somam à indústria de transformação, que formou o ranking na primeira edição. Os cálculos serão realizados com base em dados divulgados em julho pela Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec 2005) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Índice Brasil de Inovação é uma iniciativa do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e do Instituto de Geociências, ambos da Unicamp, em parceria com a revista Inovação Uniemp e com a FAPESP.

desmatamento Satélites do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), detectaram um aumento do desmatamento no Centro-Oeste e no Norte do país, entre os meses de junho e setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Em Mato Grosso, o crescimento foi de 107%; em Rondônia, de 53%; e no Acre, de 3%. O Ministério do Meio Ambiente já anunciou que vai reforçar a fiscalização e as operações de combate à devastação de áreas de floresta. O secretárioexecutivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, atribui essa alta a três fatores: a seca prolongada nas duas regiões; o aumento do preço internacional da soja; e a proximidade das eleições municipais, período em que as prefeituras costumam afrouxar o combate ao desmatamento. Ele, no entanto, está otimista em relação ao balanço de 2007, que será divulgado em dezembro e, segundo ele, deve registrar a maior queda no desmatamento da Amazônia desde o início das medições anuais por satélite, em 1988.

LAURABEATRIZ

biossegurança

> Cresce o

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COOPERAÇ Ã O

Inovação em grupo Instituições do Nordeste se articulam para registrar patentes e partilhar experiências F ABRÍCIO M ARQUES

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provada em 2004, a Lei de Inovação obrigou universidades e institutos de pesquisa a criarem os chamados Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT), voltados para administrar sua política de inovação e proteger a propriedade intelectual de modo a garantir que os resultados de suas pesquisas alcancem a sociedade. Pois um grupo de instituições da Região Nordeste liderado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) decidiu enfrentar esse novo desafio de uma forma cooperativa. O resultado é a Rede NIT-NE, que já reúne 15 universidades públicas, escolas técnicas, institutos de pesquisa e incubadoras de empresas em seis estados nordestinos. Tais entidades atuam conjuntamente em vários pontos da cadeia da propriedade intelectual, como a formação de recursos humanos especializados no assunto, a prospecção tecnológica, a articulação para multiplicar os registros de patentes, marcas e softwares e as negociações com empresas para licenciamento de tecnologias. Nesta rede cada instituição desenvolve uma expertise conforme sua vocação – e a partilha com os outros membros. A UFBA especializou-se, por exemplo, na formação e treinamento de recursos humanos, com a oferta de cursos de graduação e de pós-graduação em prospecção tecnológica e propriedade intelectual, e monitora também

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C LAUDIA I ZIQUE

um calendário de eventos de interesse comum – nos quais, em geral, os membros da rede se encontram pessoalmente. Já a Federal de Sergipe (UFS) mergulhou no universo da legislação sobre tais assuntos e forneceu aos parceiros seu modelo de resolução que dispõe sobre titularidade, os direitos dos inventores e outros aspectos que dizem respeito à produção intelectual na instituição. A Federal da Paraíba compilou os tipos de formulários de avaliação do potencial de apropriação dos produtos dos pesquisadores, de pedidos de marcas, depósito de patentes e de softwares. Exceto a propriedade intelectual, que pertence a cada instituição, tudo o mais é partilhado entre os núcleos. Entre as tarefas realizadas em conjunto, destacamse ainda uma cartilha sobre os passos para o registro de propriedade intelectual e um jornal eletrônico de periodicidade mensal com notícias de interesse dos membros da rede. M arcas e patentes - No plano interno,

cada membro cuida de promover cursos e workshops, cujos materiais didáticos são compartilhados, capazes de sensibilizar seus estudantes e pesquisadores para a importância de proteger a propriedade intelectual e para os meios de alcançar esse objetivo. “Nosso objetivo é disseminar a cultura da inovação, a transferência da tecnologia e o desenvolvimento concatenado das várias re-

giões e postura empreendedora do empresariado, além de colocar cada elo da cadeia da propriedade intelectual em funcionamento. Queremos que as pesquisas possam sair das bancadas dos laboratórios e chegar à sociedade”, diz Cristina M. Quintella, professora do Instituto de Química da UFBA e uma das fundadoras da Rede NIT-NE.“Trata-se de uma iniciativa inédita que está facilitando a interação com setores de governo e empresarial”, diz Reinaldo Dias Ferraz, coordenador-geral de Serviços Tecnológicos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Um dos mantras seguidos pela teia de instituições é a idéia de que seus pesquisadores, no lugar de se preocupar exclusivamente com a publicação de artigos científicos, devem primeiro avaliar o potencial de apropriação dos seus achados (obtenção de patentes, marcas, depósito de softwares, por exemplo) – e tratar de protegê-los, se for o caso.“O Brasil precisa dar um salto quântico nos registros de patentes e isso passa pelas universidades, pois, ao contrário do que acontece em outros países, a academia vem se ocupando da missão que deveria caber às empresas”, diz Ana Eleonora Paixão, coordenadora da rede na Universidade Federal de Sergipe (UFS).“No Brasil, mais de 70% dos pesquisadores se encontram nas universidades.” São prolíficos os primeiros resultados da rede, multiplicada graças a recurPESQUISA FAPESP 141

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sos da Fundação de Amparo à Pesquisa da Bahia (Fapesb), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A meta de alcançar 52 processos envolvendo propriedade intelectual foi superada: chegou a 62 processos de depósito de softwares, de marcas e, principalmente, solicitações de patentes – em áreas como revestimentos epóxi, gás liquefeito, biodiesel, equipamentos agrários e produtos odontológicos, entre outros. Foram feitas mais de 20 prospecções tecnológicas pelas instituições. Ministraram-se cursos para cinco turmas de graduação, em que os estudantes aprenderam a avaliar o potencial comercial de tecnologias nascentes, e três de pós-graduação, nos quais os alunos souberam como escrever uma patente – além de 11 cursos itinerantes de curta duração sobre propriedade intelectual. O objetivo de celebrar parcerias com fundações de amparo à pesquisa e secretarias estaduais foi atingido no Ceará, na Bahia e em Sergipe e está engatilhado na Paraíba e no Piauí. “Os núcleos de inovação praticamente não existiam na nossa região. Estávamos muito atrás dos esforços feitos por grandes centros como a Unicamp e as federais de São Carlos, Santa Catarina e Minas Gerais”, diz Maria Rita de Morais Chaves Santos, coordenadora do Núcleo de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Nos anos 1980 e 1990 várias universidades do Nordeste chegaram a criar núcleos de inovação, mas eles acabaram morrendo por falta de estrutura e, sobretudo, de experiência no assunto. “A rede nos deu uma oportunidade ímpar de montar nossos núcleos, que não dependem apenas da estrutura física, mas da existência de recursos humanos bastante treinados”, afirma Maria Rita. Parceiros privados - Pontes com o se-

tor empresarial foram construídas. Integraram-se à estrutura da rede quatro incubadoras de empresas e o Senai-Cimatec (Centro Integrado de Manufatura e Tecnologia), braço para apropriação de tecnologia da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb). Uma postura assertiva das instituições com as empresas interessadas em licenciar tecnologias é outro ganho. “Até recen26

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As entidades atuam conjuntamente em vários pontos da cadeia da propriedade intelectual, como a formação de recursos humanos, prospecção do mercado, pedidos de patentes e licenciamento de tecnologias

temente, os contratos e convênios de pesquisa e desenvolvimento com as empresas previam cláusulas de sigilo, confidencialidade, uso e titularidade da propriedade intelectual incompatíveis com o crescimento conjunto da pesquisa e da sua transferência para a sociedade em bases justas e concretas”, diz Cristina M. Quintella.“Hoje já existe o resultado da primeira rodada de negociação com a Petrobras que está sendo utilizada como modelo por outras empresas”, afirma ela, referindo-se a um grupo incumbido de negociar novos termos para transferências de tecnologia com a Petrobras, liderado pelo reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Ivonildo Rego, que é vicepresidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). O advento da Rede NIT-NE permitiu que a região se integrasse ao Fórum Nacional de Gestores de Inovação e Transferência de Tecnologia (Fortec). Criado em maio de 2006, o fórum reúne os responsáveis nas universidades e institutos de pesquisa pelo gerenciamento das políticas de inovação e das atividades relacionadas à propriedade inte-

lectual e à transferência de tecnologia. “Conseguimos rapidamente nos juntar a este esforço nacional da gestão da propriedade intelectual e estamos dando uma contribuição significativa”, diz Cristina M. Quintella, que é coordenadora do Fortec na Região Nordeste. O embrião da rede surgiu em agosto de 2004, quando os professores Cristina M. Quintella e Ednildo Torres, que à época era coordenador de tecnologia e inovação da UFBA e hoje é coordenador do Laboratório de Energia e Gás (LEN) e da Planta Piloto de Biodiesel da UFBA, interessaram-se num edital lançado pelo CNPq, com recursos do Fundo Verde e Amarelo, voltado para estimular a formação de núcleos de apoio ao patenteamento e escritórios de transferência de tecnologia. Com grande experiência em pesquisa cooperativa – seu grupo integra redes de pesquisadores das regiões Norte e Nordeste ligadas a materiais avançados e ganhou o Prêmio Petrobras de Tecnologia por quatro anos consecutivos (2003 a 2006) em três temas distintos –, Cristina chamou a atenção de alguns colegas, vinculados às redes do Norte e do Nordeste do Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural (CTPetro-Finep), para a oportunidade de montar uma rede capaz de ajudar núcleos de inovação de várias instituições a multiplicarem seus esforços. O professor Ednildo Torres ajudou a propagar estas idéias. A existência dessas redes, algumas delas ligadas ao desenvolvimento de tecnologias nas áreas de petróleo e gás, foi fundamental para que a teia de núcleos de inovação se viabilizasse. “As redes atuavam com foco na obtenção de produtos, como requerem os fundos setoriais, o que ajudou a amadurecer em conjunto a importância de proteger a propriedade intelectual”, afirma um dos fundadores da Rede NIT-NE, o professor Carlos Antônio Cabral dos Santos, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), que responde pela coordenação geral da Rede Cooperativa de Pesquisa Norte Nordeste do Gás Natural (Recogás). A proposta apresentada ao CNPq, contudo, não foi contemplada no edital. O grupo, no entanto, não abandonou a idéia e continuou a trabalhar mesmo sem recursos. Apresentou-a ao diretor presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), Jorge Ávila,


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que se interessou pelo projeto e prontificou-se a ajudar. Assim, foram lançados os alicerces do primeiro contrato guarda-chuva do INPI com os estados. Em 2005, com o descontingenciamento de verbas do CNPq, a proposta do grupo foi reavaliada e acabou contemplada com R$ 200 mil para um período de 24 meses, sendo R$ 80 mil em bolsas.“Na primeira vez que recebemos dinheiro, pegamos um avião e fomos passar três dias no INPI. Depois partimos para conhecer a experiência da Inova Unicamp”, diz Cristina, referindo-se ao trabalho pioneiro da Agência de Inovação da Universidade Estadual de Campinas no estímulo a parcerias com empresas e órgãos do governo e na busca de aplicações práticas para o conhecimento científico. A experiência teve início com as universidades federais da Bahia, de Sergipe e da Paraíba, e do Cefet-BA. Recebeu, em 2006, R$ 46 mil para a UFBA e o Cefet-BA de um edital lançado pela Fapesb, em parceria com o INPI, o Serviço de Apoio às Pequenas e Micro Empresas (Sebrae) e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), ligado à Confederação Nacional da Indústria (CNI). No ano passado, a ampliação da Rede NIT-NE foi contemplada com R$ 1,2 milhão concedido pela Finep, passando a atingir cinco estados (Bahia, Sergipe, Paraíba, Ceará e Piauí). Hoje a rede incorporou a Universidade Federal de Alagoas e um Cefet de outra região, o Espírito Santo, e se articula com estados como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Maranhão. Resultados positivos - Desde que se juntou à rede, a Universidade Federal do Ceará (UFC) já viabilizou, por exemplo, cinco solicitações de patentes, nas áreas de química, farmacologia e tecnologia de alimentos – sendo duas em parcerias com outras instituições – além de um registro de software.“Há muito tempo tínhamos esse tipo de demanda, mas não sabíamos como ajudar e os pesquisadores acabavam registrando patentes por sua conta ou com a ajuda de uma empresa especializada nisso”, diz Antônio Aritomar Barros, coordenador do Núcleo de Propriedade Intelectual da UFC e responsável pela Rede NIT-NE no estado. A instituição beneficiou-se da estrutura criada pelas federais da Bahia, Sergipe e Paraíba.“Ficou muito mais fá-

Unesp cria Núcleo de Inovação

cil solicitar uma patente depois que os nossos parceiros começaram a compartilhar conosco a documentação necessária. Agora basta fazer alguns ajustes na redação do pedido”, afirma. Há evidências de que a expertise gerada na Rede NIT-NE começa a permear outras estruturas. O braço sergipano da rede, sediado na UFS, já perdeu dois de seus membros. O ex-coordenador José Ricardo de Santana, professor do Departamento de Economia da UFS, foi alçado ao cargo de diretor presidente da Fundação de Apoio à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (Fapitec) e a bolsista Sudanes Barbosa Pereira foi convocada a assumir um cargo na Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia. O professor Carlos Antônio Cabral dos Santos se tornou coordenador de tecnologia e inovação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). “Espera-se que, com os esforços continuados para a criação de pós-graduações de qualidade no Nordeste e de radicar pesquisadores de qualidade na região, a apropriação e a transferência dos produtos gerados pelos programas e pelos pesquisadores aumentem e se tornem uma rotina”, diz Cristina Quintella. ■

A Universidade Estadual Paulista (Unesp) lançou no final de setembro seu Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT), voltado para depositar os pedidos de proteção intelectual dos resultados de pesquisa produzidos na universidade, direcionar sua política de inovação, gerenciar a transferência de tecnologia para as empresas e facilitar o diálogo entre pesquisadores e o setor empresarial. “O núcleo já está em funcionamento, com cinco projetos de transferência de tecnologia em andamento. A Unesp tem uma pesquisa consolidada, de excelência, que exigia uma iniciativa como essa”, disse a coordenadora do NIT, Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara. Dos cinco projetos de transferência de tecnologia, quatro já têm contratos assinados. Há um em Sorocaba, na área de nanotecnologia, um em São José do Rio Preto, em agricultura, voltado para pesticidas, e dois em Araraquara, no setor farmacêutico – um fitoterápico e outro em cosméticos. Segundo o pró-reitor de Pesquisa da Unesp, José Arana Varela, o NIT pretende garantir a propriedade intelectual e a geração de novas tecnologias e renda. “O ambiente acadêmico brasileiro exige uma mudança cultural em relação a patentes e inovação”, afirma Varela. O NIT vai atuar junto aos pesquisadores para auxiliá-los a direcionar seus trabalhos, na medida do possível, para o setor produtivo. O órgão também garantirá o suporte jurídico no processo de pedido de patente. A expectativa é que o núcleo, quando estiver consolidado, transforme-se numa agência de inovação nos moldes das que já existem na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). PESQUISA FAPESP 141

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> INTEGRIDADE

Buracos na rede Conferência em Lisboa discute o desafio de prevenir fraudes em pesquisas feitas em cooperação internacional

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erca de 300 pessoas de 52 países, entre cientistas,editores de periódicos acadêmicos,autoridades e gestores de universidades, reuniram-se durante três dias em Lisboa no final de setembro para discutir o desafio de combater a desonestidade no ambiente de pesquisa,com destaque para plágios, fraudes e falsificações em artigos científicos.Patrocinada pelo Escritório de Integridade da Pesquisa dos Estados Unidos e a Fundação Européia da Ciência (ESF,na sigla em inglês),a Primeira Conferência Mundial de Integridade na Ciência teve o mérito de colocar o problema numa nova perspectiva.É certo que episódios de desonestidade científica estão longe de ser novidade.Mas num mundo em que se multiplicam as investigações realizadas por grandes redes envolvendo gente de vários países questões como a importância de preservar os dados primários de estudos, de prevenir conflitos de interesses ou de garantir padrões éticos e de respeito aos direitos humanos e dos animais nas experiências deixaram de ser um problema apenas da agenda paroquial das instituições. Houve consenso entre os participantes de que a desonestidade acadêmica é subestimada.Citou-se,por exemplo,o escasso hábito de promover a retratação de artigos fraudulentos publicados em revistas científicas.A taxa de retratação de artigos na base PubMed,por exemplo,está estacionado em apenas 0,02% desde 1994.“O que ouvimos aqui confirma que as condutas impróprias estão muito mais disseminadas do que se imagina,ainda que nem sempre se configurem crimes”, diz Ian Halliday,presidente da ESF.A

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pressão para que os pesquisadores publiquem a qualquer custo foi a causa mais mencionada para o avanço das fraudes. Enquanto o número de publicações dos Estados Unidos está estagnado,países como China,Coréia do Sul,Cingapura, Hong Kong e Taiwan vêm ampliando anualmente em 15% sua produção,segundo dados apresentados por Ovid Tzeng,da Universidade National Yang Ming,em Taiwan.“Os sistemas de ranqueamento são muito severos em Taiwan, Hong Kong e outras localidades da Ásia. Os governos destinam fundos de acordo com o ranking e perguntam apenas: quantos artigos você publicou? Quem consegue publicar um paper na Nature recebe US$ 1 mil em dinheiro vivo”,afirmou Tzeng.“Devemos pedir às agências de fomento,governos e instituições que revisem suas regras para reduzir a pressão por aumentar a quantidade de artigos publicados,especialmente para os pesquisadores muito jovens.Isso pode ser feito sem comprometer a qualidade e pode até realçá-la”,disse Peter Tindemans,da Fundação Européia da Ciência. Melissa Anderson,da Universidade de Minnesota,apresentou os resultados de um estudo de sua autoria segundo o qual não é suficiente bombardear os estudantes com conhecimentos teóricos sobre condutas éticas se isso não vier acompanhado por atitudes concretas.“Esse tipo de treinamento simplesmente não faz efeito se o estudante for formado num ambiente de pressão e competitividade exageradas”,afirmou Melissa,que durante três anos acompanhou 3.300 estudantes de universidades norte-americanas.Mas o ponto de maior destaque da conferência foi a palestra de Herbert Gottweis,pro-

fessor de política científica da Universidade de Viena,sobre o caso do sul-coreano Hwang Woo-Suk,que enganou o mundo durante um ano e meio com resultados fabricados em pesquisas de células-tronco publicadas entre 2004 e 2005 na revista Science. Gottweis visitou Hwang na Coréia do Sul três semanas antes de o escândalo explodir.Concluiu que o sul-coreano blindou-se com uma rede composta por entidades acadêmicas respeitadas de seu país e parceiros no exterior, além de setores da indústria e da mídia.“O fato de Hwang ter conseguido enganar a tantos,inclusive seus parceiros de outros países,tem muito a ver com uma certa cegueira que atingiu pesquisadores de células-tronco,ansiosos demais por transformar em realidade a obtenção de células de embriões clonados”,afirmou Gottweis.“A lição que se tira desse caso é que a revisão feita pelos pares não substitui a boa governança e que a honestidade na ciência depende da garantia de integridade de redes científicas.”

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encontro rendeu bons debates e,de concreto,pelo menos uma proposta consistente foi apresentada.O Fórum Global da Ciência (GSF,na sigla em inglês),vinculado à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),levou um rascunho do que pretende se tornar um guia das melhores práticas para assegurar a integridade científica e prevenir condutas impróprias.Escrito a partir da contribuição de 52 representantes de 23 países que participaram de workshop da OCDE em Tóquio no início do ano,o relatório apresenta uma série de recomendações.Parte delas apela ao bom senso.Sugere-se,por exem-


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HÉLIO DE ALMEIDA

plo, que cada instituição disponha de um canal específico pelo qual uma suspeita de má conduta possa ser denunciada e uma estrutura capaz de analisar de forma discreta, justa e eficiente. Parece elementar, mas não são muitas as instituições que dispõem de tal estrutura, o que desestimula as denúncias. A discrição é fundamental para evitar injustiças como a cometida pelo Escritório de Integridade da Pesquisa dos Estados Unidos, um dos organizadores da conferência, contra a brasileira Thereza Imanishi-Kari, cujo caso foi lembrado no evento. Ela foi acusada, no final dos anos 1980, de falsificar dados de uma pesquisa feita em parceria com o vencedor do Nobel David Baltimore e perdeu o cargo na Universidade Tufts. Em 1996 acabou absolvida das acusações e pôde retomar a carreira. De acordo com o documento da OCDE, não há um sistema ideal de avaliação. Alguns países preferem comitês designados com o propósito de avaliar casos específicos, outros prevêem escritórios incumbidos de avaliar condutas impróprias em cada instituição, e também há os que dispõem de comitês nacionais, em geral nações com comunidades científicas pequenas. Qualquer sistema é válido, afirma o relatório, desde que existam parâmetros claros e conhecidos por toda a comunidade científica para as investigações, além de amplo direito de defesa e tipos de punição previamente definidos. Um objetivo a ser perseguido é o aumento da cooperação entre organismos de combate a condutas impróprias de vários países, a fim de enfrentar o problema em colaborações internacionais, propõe o relatório.“Precisamos de informações muito simples. Se eu suspeitar que um pesquisador de outro país teve uma conduta imprópria, como posso denunciá-lo? Qual é o sistema daquele país?”, propôs Nicolas Steneck, do Escritório de Integridade da Pesquisa dos Estados Unidos. Enviada a Lisboa pela revista Nature, a editora e comentarista Sarah Tomlin registrou no blog da revista os bastidores e as piadas contadas na hora do cafezinho. “Sabe qual é a melhor desculpa que um autor pode dar ao editor de uma publicação que requisita os dados originais de seu trabalho? Formigas brancas comeram meus dados”, escreveu Sarah. ■

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Conhecimento no cotidiano Entre os laureados de 2007, há pesquisas de grande aplicação prática

canismos comerciais eficientes,esquemas regulatórios e procedimentos de votação”,segundo destacou o comitê da premiação.Hurwicz,90 anos,nasceu em Moscou e é professor da Universidade de Minnesota.Maskin,56 anos, é professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton.Myerson,56,é professor da Universidade de Chicago. A escritora Doris Lessing foi a ganhadora do Nobel de Literatura de 2007, tornando-se aos 87 anos a pessoa mais velha a receber o prêmio nesta categoria.A academia destacou o caráter épico da experiência feminina descrita pela autora que,“com ceticismo,paixão e poder visionário,submeteu uma civilização dividida ao escrutínio”.Doris Lessing é autora de dezenas de livros,entre os quais O carnê dourado (1962), Memórias de um sobrevivente (1974), Shikasta (1979), O sonho mais doce (2001) e os autobiográficos Debaixo da minha pele (1994) e Andando na sombra (1997). A autora nasceu em Kermanshah, na então Pérsia e atual Irã,e aos 6 anos de idade foi morar numa fazenda na África. Em 1949 mudou-se para Londres,onde se estabeleceu como escritora. ■

DIVULGAÇÃO

CNRS

INSTITUTO FRITZ-HAVER

te genético,que possibilita desativar ou modificar genes específicos em camundongos,permitindo identificar como eles causam doenças.Para desenvolvêla,os ganhadores do Nobel introduziram uma alteração genética em célulastronco embrionárias de camundongos. As células foram injetadas em embriões e os animais nascidos foram cruzados com outros,de modo a produzir crias com genes alterados. Gerhard Ertl,professor do Instituto Fritz Haber da Sociedade Max Planck, na Alemanha,ganhou o Nobel de Química.Segundo os organizadores da distinção,Ertl foi escolhido por “seus estudos nos processos químicos de superfícies sólidas”.A química de superfície ajudou a entender os mais diversos fenômenos,de como o ferro oxida à destruição da camada de ozônio,e foi fundamental no desenvolvimento de sistemas como células combustíveis ou catalisadores veiculares. Os norte-americanos Erik Maskin, Leonid Hurwicz e Roger Myerson foram laureados com o Nobel de Economia.Os premiados são criadores da teoriado desenho de mecanismos,que tem “ajudado economistas a identificar me-

TIM KELLY

Algumas das descobertas científicas homenageadas com o Prêmio Nobel 2007 suplantaram o interesse acadêmicoe revelaram um notável apelo ao público leigo. O francês Albert Fert e o alemão Peter Grünberg foram os ganhadores do Nobel de Física,concedido pela descoberta da magnetorresistência gigante.Essa tecnologia tornou possível a radical miniaturização nos discos rígidos ocorrida nos últimos anos que ajudou a popularizar os microcomputadores.Fert,de 69 anos,é diretor da Unidade Mista de Física do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França.Grünberg,68,é professor do Centro de Pesquisas de Jülich,na Alemanha. O trabalho realizado no laboratório de Fert teve a colaboração de Mario Baibich,professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (leia reportagem na página seguinte). Os geneticistas Mario Capecchi,da Universidade de Utah,Oliver Smithies, da Universidade da Carolina do Norte, e o inglês Martin J.Evans,da Universidade de Cardiff,venceram o Nobel de Medicina ou Fisiologia.Seus trabalhos levaram à criação da técnica do nocau-

Albert Fert

Mario Capecchi

Doris Lessing

Gerhard Ertl

Francês ajudou a miniaturizar HDs

Nocaute genético para estudar doenças

Caráter épico da experiência feminina

Processos químicos de superfícies sólidas

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LLOYD DEGRANE

Os prêmios IgNobel reconhecem pesquisas que “primeiro fazem a pessoa rir e depois pensar”, conforme propõe a organizadora da honraria, a revista Annals of Improbable Research. Neste ano, o grande destaque entre as dez categorias foi o vencedor do IgNobel da Paz: uma pesquisa do laboratório da Força Aérea norteamericana para desenvolver uma bomba gay, arma química que provocaria comportamento homossexual nas hostes inimigas. Na categoria lingüística venceu uma equipe da Universidade de Barcelona por mostrar que ratos não conseguem distinguir a diferença entre uma pessoa que fala japonês de trás para frente e outra que fala holandês do mesmo jeito. Na categoria nutrição, o vencedor foi Brian Wansink, da Universidade Cornell. Ele avaliou os limites do apetite ao alimentar voluntários com um prato que jamais se esvaziava. Entre os vencedores também figuram o uso de remédios contra impotência para combater jet-lag em roedores e a extração de baunilha de esterco.

Roger Myerson Teoria do desenho de mecanismos

NECO VARELLA/AE

Os vencedores do IgNobel 2007

Mario Norberto Baibich: o primeiro pesquisador a medir o fenômeno

Autor principal Físico radicado no Brasil foi co-autor de experimentos que renderam Nobel a francês O físico Mario Norberto Baibich, argentino radicado no Brasil e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi o autor principal do artigo pioneiro, publicado em 1988 na revista Physical Review Letters, cujas descobertas e desdobramentos renderam o Nobel de Física ao francês Albert Fert. Trabalhando no laboratório de Fert na França, na Universidade Paris-Sul, Baibich realizou uma experiência que constatou a existência de um fenômeno chamado magnetorresistência gigante, que abriria caminho para a miniaturização de discos rígidos e a popularização dos microcomputadores. O alemão Peter Grünberg, que dividiu o Nobel com Fert, havia proposto o fenômeno em 1986. A idéia de medir a magnetorresistência em amostras de cromo e ferro foi feita em conjunto por Baibich e Fert, que também assinou o artigo pioneiro. “No laboratório estavam fazendo testes com multicamadas de materiais magnéticos e não-magnéticos e me interessei, estimulado por Fert, em medir a magnetorresistência dessas camadas”, lembra Baibich. Ele identificou o potencial de multicamadas magnéticas ao utilizar 40 minúsculas placas empilhadas de ferro, um ma-

terial magnético, e de cromo, não-magnético. Percebeu então que o material escolhido e a distribuição em paralelo e alternada das camadas, submetidas a um campo magnético, reduziam em até 100% a resistência às correntes elétricas – a redução conseguida até então não chegava a 5%. “Mostrei os resultados ao Fert e ele, em uma noite, teve a idéia de como explicar aquilo. Ele desenvolveu o modelo e fez as perguntas certas”, explica o físico da UFRGS, que não se sente injustiçado por não dividir o Nobel com o francês e o alemão.“O prêmio não é só pela descoberta, é por tudo que se fez em volta para levar a descoberta adiante. Eles mereceram mais do que eu, pois continuaram nessa linha de pesquisa e empurraram a coisa mais adiante.” Quando voltou ao Brasil, Baibich conseguiu prosseguir nas pesquisas – até hoje ele investiga a magnetorresistência gigante – mas não na velocidade que almejava.“Não havia equipamentos para fazer os filmes nanométricos e as pessoas acharam que eu estava querendo coisas muito dispendiosas. Meus pedidos de auxílio sempre encontraram muitas reticências. As coisas ficaram mais difíceis do que estavam sendo na França.” ■ PESQUISA FAPESP 141

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A paz dos cientistas Com participação de cientistas brasileiros, o IPCC, painel da ONU sobre mudanças climáticas, divide com Al Gore o Nobel da Paz Já se cogitava que o Nobel da Paz de 2007 poderia ser concedido ao ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore,no ano em que ele divulgou pelo planeta afora seu documentário vencedor do Oscar Uma verdade inconveniente e traduziu para os leigos as conseqüências do aquecimento global.Mas causou certa surpresa,no anúncio do Comitê Nobel da Noruega,a partilha do prêmio entre Gore e o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC,na sigla em inglês),composto por cientistas de 40 países,inclusive do Brasil.Não que faltem méritos ao painel,um órgão assessor para assuntos do clima criadopelas Nações Unidas em 1988 que,a cada cinco aos,avalia o conhecimento científico sobre o aquecimento global. Entre fevereiro e abril deste ano,o IPCC divulgou uma nova safra de relatórios que reuniu as evidências científicas colhidas desde 2002.Cerca de 600 cientistastrabalharam na elaboração ou na revisão dos relatórios e estima-se que outros 2 mil deram alguma contribuição para a iniciativa.Frutos de um esforço colossal da comunidade acadêmica internacional para avaliar a literatura cien32

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tífica e comunicar os efeitos das mudanças climáticas,os documentos mostraram que praticamente não há dúvidas sobre as causas do progressivo aumento da temperatura média do planeta (o despejo de carbono na atmosfera por atividades humanas) e seus efeitos deletérios (modelos apontam para a elevação do nível do mar,o surgimento de legiões de refugiados do clima e a extinção de espécies),mas apontou medidas para reduzir os danos.“Trata-se de um reconhecimento especial para a comunidade científica que deveria ser partilhado também com os governos que nos apoiaram”, diz Rajendra K.Pachauri,climatologista indiano que comanda o IPCC e personificou a conquista do Nobel. Causas humanitárias - A surpresa com a premiação do IPCC prende-se ao fato de que o trabalho do painel,apesar do impacto político que desencadeou,é eminentemente científico e não faz parte da rotina do Nobel da Paz que pesquisadores sejam premiados nesta categoria apenas por fazer seu trabalho direito – uma rara exceção foi o microbiologista norte-americano Norman Bourlag,vencedor em 1970,cujas pesquisas

no campo da agricultura resultaram num aumento da produção de alimentos.Militantes de causas humanitárias e políticos envolvidos em negociações de paz são os laureados mais freqüentes. Os recentes relatórios do IPCC foram escritos com a participação direta de 12 brasileiros,num universo de cerca de 600 pesquisadores.Oito deles atuaram como autores principais:Paulo Artaxo,professor do Instituto e Física da Universidade de São Paulo (USP),José Antônio Marengo,meteorologista do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Cptec/Inpe) e Pedro Dias Leite,diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC),no grupo I,que avaliou as bases físicas do sistema climático;Carlos Nobre,também do Cptec/Inpe,e Ulisses Confalonieri,da Fundação Oswaldo Cruz,no grupo II,que analisou os impactos,adaptações e vulnerabilidades ao aquecimento global;Emílio La Rovere, Suzana Khan e Roberto Shaeffer,da Universidade Federal do Rio de Janeiro,no grupo III,que levantou os meios de mitigar as mudanças globais.Outros três pesquisadores atuaram como revisores:


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SAEED KHAN/AFP

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tica a qualquer pesquisa. Esse processo se repete a cada período de cerca de cinco anos. “Não há nada parecido com isso no sistema tradicional de revisão de pares”, diz Carlos Nobre.“Nas revistas científicas, os editores fazem esse papel ao pedir complementos e explicações aos autores de artigos, mas não precisam prestar contas sobre a resposta às críticas.” Na fase final, todo esse conhecimento revisado dá origem a um grande relatório, acompanhado de um curto sumário de recomendações para os tomadores de decisão. Só neste apêndice é que há interferência política, uma vez que os textos são aprovados por representantes dos países membros. Mas o pano de fundo, que é o estado da arte da pesquisa climática analisada por cientistas de primeiro time, é intocável. Estima-se que a produção científica mundial dos últimos cinco anos, que serviu de base para a atual fornada de relatórios, supere a soma dos estudos que lastrearam os relatórios de 2001, 1995 e 1992. ■ PARAMOUNT

Antonio Rocha Magalhães, assessor do Banco Mundial; José Roberto Moreira, professor da USP, e Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Já Thelma Krug, secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, trabalhou como executiva do IPCC. Além deles, 16 outros pesquisadores brasileiros colaboraram de alguma forma com os relatórios de 2007. “O prêmio é um reconhecimento à ciência climática e ao trabalho de centenas de cientistas, alguns deles do Brasil, cujas pesquisas integram a compilação realizada pelo IPCC”, diz Paulo Artaxo. Para Carlos Nobre, a participação brasileira poderia ser maior.“Em vez dos 12, temos pelo menos 20 pesquisadores com competência para participar diretamente do painel”, diz. “Mas não houve nenhum tipo de discriminação. Talvez ainda falte aos mais jovens se tornarem um pouco mais conhecidos internacionalmente”, completa. Os pesquisadores do IPCC reúnemse em grandes plenárias ao longo de três anos para discutir a validade de estudos

Uma das reuniões do IPCC e Al Gore: esforço para comunicar o perigo

científicos ligados ao clima e os compilam em relatórios de milhares de páginas. Os três grupos de trabalho são compostos por dois tipos de membros. Há os pesquisadores principais, incumbidos de escrever os relatórios. E também há os revisores, cuja tarefa é garantir a transparência. Eles checam se cada observação sobre os estudos científicos apresentados foi ponderada e respondida pelos autores principais, evitando que se deixe de levar em conta qualquer crí-

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CAPA

ECOLOGIA

Manual de emergência Mapas definem diretrizes para preservação da vegetação nativa, restauração das áreas degradadas e pesquisa ambiental em São Paulo C ARLOS F IORAVANTI

Prepare-se para algumas surpresas. A menos de 300 quilômetros da capital do estado mais industrializado do país, simbolizado pela metrópole barulhenta, pelo povo estressado e pelos infinitos canaviais das planícies interioranas, ainda vivem onças-pardas e pintadas. Cervos-dopantanal e tuiuiús também, nas terras alagadas a oeste, em meio a novateiros, árvores de troncos sempre cheios de formigas, e buritis, palmeiras altas e elegantes. Já a sudoeste cresce em inexplicável abundância uma mata de pitangueiras, jabuticabeiras, cambuís, araçazeiros, uvaias e outras árvores da família das mirtáceas, incluindo as menos conhecidas gabirobeiras e piúsaros e macacos com frutos suculentos e carnosos e formam um imenso e perfumado pomar.

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FABIO COLOMBINI

nas, que na primavera e no verão alimentam pás-


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Onรงa-pintada: mal-afamada por atacar o gado desprotegido quando seu prรณprio ambiente nรฃo mais lhe oferece alimento


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Os biólogos resolveram abrir o baú e compartilhar essas raridades. Em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente, 160 pesquisadores do Programa Biota-FAPESP elaboraram três mapas gerais e outros oito temáticos, por grupos de animais e plantas, para apresentar o estado de riqueza ou de destruição das matas e Cerrado paulistas – como mostrado no pôster que acompanha esta edição e no site www.biota.org.br/info/wap2006. Resultado de quase dez anos de pesquisas, esses mapas devem direcionar o trabalho de conservação e ampliação das matas que concentram a autêntica vida selvagem em São Paulo. Ainda que poucos, os remanescentes de vegetação formam ambientes tão diferentes entre si quanto as florestas úmidas do litoral, que lembram a Amazônia, e as matas secas do interior, aparentadas da Caatinga nordestina. Elaborados a partir do estudo da distribuição de 3.326 espécies de plantas e animais consideradas estratégicas para manter os espaços naturais do estado, os mapas intitulados Diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade no estado de São Paulo propõem duas linhas de ação simultâneas. A primeira é a criação de 10 a 15 unidades de conservação de proteção integral em áreas de elevada riqueza biológica, indicadas em um dos mapas. É o caso de um exuberante trecho de Mata Atlântica entre três parques estaduais nos arredores do município de Itapeva, sul do estado, hoje nas mãos de proprietários particulares. É também o caso da serra do Japi, corroída pela expansão de cidades próximas à capital e agora vista como estratégica para unir as matas já legalmente protegidas da serra da Mantiqueira e do sul de Minas. Essas novas áreas poderiam acrescentar até 25 mil hectares aos 800 mil já preservados em 28 unidades de conservação de proteção integral (100 hectares equivalem a 1 quilômetro quadrado). É, porém, o caminho mais difícil, caro e demorado de manter o verde. O Estado teria de comprar as terras de proprietários particulares e indenizar os moradores locais antes de implantar e efetivamente administrar essas novas áreas. O outro caminho, proposto no segundo mapa geral, pode ser mais rápido: incentivar os donos das terras a proteger as matas de suas propriedades.“Se todos os 36

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Muito menos protegido que a Mata Atlântica e espalhado em milhares de fragmentos, o Cerrado é o ambiente do qual menos resta e que mais se perde em São Paulo

proprietários rurais seguissem a lei e mantivessem os 20% de vegetação nativa obrigatórios por lei, já haveria um salto monumental de áreas verdes”, diz Marco Aurélio Nalon, vice-diretor-geral do Instituto Florestal e um dos coordenadores desse trabalho. Hoje as áreas de mata nativa, chamadas de Reservas Legais, correspondem a 10% em média das propriedades rurais do estado. “Para tomar boas decisões e determinar que áreas devem ser protegidas na forma de Reservas Legais, precisamos de boas informações”, comenta Helena Carrascosa von Glehn, engenheira agrônoma que coordena as equipes de licenciamento ambiental e de proteção de recursos naturais da Secretaria do Meio Ambiente.“Agora conseguiremos trabalhar melhor, com mais argumentos.” Sua equipe de 320 técnicos, em conjunto com os 2.200 homens da polícia ambiental, poderá finalmente contar aos fazendeiros e pecuaristas mais turrões o que podem ou não fazer em suas terras com base não só na lei, mas também no mapa de áreas prioritárias para a criação de reservas particulares, para preserva-

ção ou restauração. Assim poderiam crescer corredores ecológicos que conectassem os remanescentes de matas com pelo menos mil hectares, como proposto em um dos mapas-síntese. Os mapas se tornam assim uma espécie de Constituição Verde, a ser adotada também por outras secretarias para evitar que projetos de construção de estradas ou de linhas de transmissão de eletricidade, por exemplo, sejam vetados na Secretaria do Meio Ambiente se não seguirem as recomendações do mapa. Outros usuários prováveis são os integrantes da Câmara de Compensação Ambiental, que obriga empresários a investirem em unidades de conservação pelo menos 0,5% do valor global de obras potencialmente lesivas ao ambiente.“Os mapas serão a base de todo o planejamento estratégico ambiental do estado”, diz o biólogo Carlos Alfredo Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e primeiro coordenador do Programa Biota-FAPESP. Joly conta que começou a batalhar pelo uso de informações científicas na gestão ambiental há dez anos com o então secretário estadual do Meio Ambiente, Fábio Feldmann. Mas avançaram pouco, principalmente porque o conhecimento sobre a diversidade de animais e plantas no estado ainda era muito limitado, além da dificuldade de pesquisadores e órgãos de administração do estado afinarem prioridades e ritmos de trabalho. A partir de março de 1999 os pesquisadores paulistas reunidos no Programa Biota-FAPESP começaram a suprir essa lacuna e a transformar a base de dados que utilizavam em uma ferramenta a ser empregada também para a formulação e aperfeiçoamento de políticas públicas no estado de São Paulo. Nesse tempo muito verde se foi. “Muitas áreas naturais foram e continuam sendo destruídas pelo fogo, pela extração de madeira ou pela caça e têm pouco papel na conservação da biodiversidade, por serem muito pequenas e estarem muito isoladas”, comenta Ricardo Ribeiro Rodrigues, atual coordenador do Biota e professor da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba. “Precisamos reverter esse quadro.” Eliminada ao longo de dois séculos principalmente pela expansão do café e das cidades, a vegetação natural cobre hoje apenas 13,9% do território paulista, o


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EDUARDO CESAR

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equivalente a 3,5 milhões de hectares, dos quais 77% pertencem a proprietários particulares de terras e 23% ao Estado. As matas nativas deveriam cobrir pelo menos 20% do território paulista para que pudessem manter não só a diversidade de animais e plantas, mas algo que interessa mais de perto aos moradores das cidades – os chamados serviços ambientais, como o abastecimento de água.

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enos matas implica também mais calor. Não é por acaso que a região a noroeste do estado, entre os rios Tietê e Grande, seja a mais pelada, com menos de 5% de cobertura natural, e ao mesmo tempo a mais quente e seca. É o deserto paulista. Por sorte, nem tão deserto assim. Em um pequeno riacho correndo junto a um remanescente florestal no município de Planalto uma equipe de Lilian Casatti, do laboratório de ictiologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto, encontrou pela primeira vez na região a espécie Tatia neivai, um bagre colorido de 4 centímetros que vive entre troncos e galhos caídos das margens dos

Frutos de palmeira em restinga do litoral sul paulista: ambiente para o qual os biólogos recomendam maior proteção legal

rios. Em uma poça na borda de uma mata cercada de canaviais no município de União Paulista, outro grupo da mesma unidade da Unesp coordenado por Denise Rossa-Feres encontrou também pela primeira vez uma perereca-verde, a Phyllomedusa azurea. “Em uma mesma noite”, conta ela,“encontrei 14 espécies de sapos, rãs e pererecas cantando ao mesmo tempo, logo depois das primeiras chuvas, em outubro”. Tanto o noroeste quanto o oeste do estado representam lacunas do conhecimento científico, de acordo com o terceiro mapasíntese, que estabelece prioridades para as pesquisas a serem realizadas pelas equipes de pesquisadores do Programa Biota e dos institutos de pesquisa da Secretaria do Meio Ambiente.

Os contrastes entre os ambientes naturais do estado também se tornaram evidentes. Até agora só um dos tipos de Mata Atlântica, a floresta ombrófila densa, está biologicamente bem representada em blocos extensos protegidos por lei, principalmente ao longo do litoral, e conta com uma estrutura razoável de parques e de fiscalização. Na situação oposta, o Cerrado ainda passa ao largo das leis de proteção ambiental e se espalha pelo interior do estado em milhares de fragmentos em meio a propriedades particulares – só um deles, na Estação Ecológica do Jataí, com mais de 2 mil hectares. O Cerrado é o ambiente do qual menos resta e que mais se perde: em boas condições de conservação resta menos de 7% da área original, menos de 1% da área do estado. A fragmentação, que isola as populações de animais e plantas e dificulta a dispersão de sementes, é apenas uma das ameaças à sobrevivência do Cerrado paulista. Uma análise de 81 fragmentos feita por Giselda Durigan e Geraldo Franco, do Instituto Florestal, e Marinez Siqueira, do Centro de Referência de InPESQUISA FAPESP 141

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formação Ambiental (CRIA), expôs outros perigos, como as gramíneas invasoras e o fogo, em especial nas proximidades das rodovias e das cidades, mais danosos que o alargamento das plantações de cana-de-açúcar e a formação de florestas para exploração comercial. Não é só o Cerrado que merece atenção redobrada. É preciso também proteger devidamente dois ambientes litorâneos muito visados por loteamentos, a restinga e o mangue, alerta Kátia Pisciota, técnica da gerência de conservação ambiental da Fundação Florestal, que pretende usar os mapas como argumento para acelerar a aprovação dos pedidos de criação de reservas naturais em propriedades particulares. Nem as prioridades de conservação nem as lacunas de conhecimento teriam surgido de modo tão claro sem a capacidade de articulação do próprio Joly, de seu sucessor, Ricardo Rodrigues, e de 38

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pesquisadores como Vera Lúcia Ramos Bononi, diretora do Instituto de Botânica e profunda conhecedora dos meandros da Secretaria do Meio Ambiente – entrou lá como estagiária em 1968. Por conhecer os planos da equipe do Biota de selecionar as áreas prioritárias para conservação e restauração no estado, ela convidou Rodrigues, como coordenador do Biota, para uma reunião no dia 5 de abril deste ano, em que Francisco Graziano Neto, como novo secretário do Meio Ambiente, apresentaria o programa de pesquisas a ser realizado durante sua gestão. Ao ver que uma das prioridades era o estudo da biodiversidade paulista, Rodrigues descreveu o Biota, um levantamento da flora e fauna do estado que hoje reúne 1.200 pesquisadores. Em seguida, contou do interesse em organizar as informações já obtidas para auxiliar na formulação de políticas ambientais e em estabelecer estratégias de

conservação dos remanescentes de vegetação em parceria com a Secretaria do Meio Ambiente.“Neste momento”, conta Vera,“as prioridades da Secretaria do Meio Ambiente casaram-se com as dos pesquisadores”.

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uase seis meses depois, no dia 3 de outubro, Graziano observou os mapas prontos e surpreendeu-se com a riqueza de detalhes. Animado com as possibilidades de uso desses mapas, ele já havia assinado uma resolução suspendendo por seis meses, a partir de setembro, a concessão de autorizações para desmatamento. Ao apresentar os mapas publicamente, na manhã de 10 de outubro, Graziano disse que seu plano era reorganizar os procedimentos de autorização para corte das matas: as áreas mais delicadas ou prioritárias para conservação devem ganhar leis mais severas. Segundo ele, as informações dos pes-


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INSTITUTO GEOLÓGICO

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2003). Continuamente atualizado – este mês, por sinal, saiu uma versão mais detalhada apenas sobre os 27 municípios litorâneos –, o Inventário se tornara uma referência para órgãos públicos de controle ambiental. Desde que fora lançado, em 2005, havia alertado para o assoreamento dos rios paulistas, por causa da perda de matas ciliares, elevando o risco de faltar água nas cidades e no campo, e ajudado a identificar as áreas de reabastecimento do aqüífero Guarani que recebiam fertilizantes ou com mata escassa no município de Ribeirão Preto.

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Caçadores no noroeste paulista em 1910: ritmo intenso de ocupação do território deixou no estado apenas 13,9% de vegetação nativa

quisadores tornaram-se “fundamentais para a gestão ambiental em São Paulo”. Os homens da ciência não imaginavam as dificuldades, impasses e conflitos que teriam de enfrentar entre um encontro e outro com o secretário. O começo foi tranqüilo. Os novos mapas teriam como base o Inventário florestal de São Paulo, um levantamento de uma equipe do Instituto Florestal que mostra como se distribuem os 13,9% sobreviventes da cobertura vegetal nativa do estado (ver Pesquisa FAPESP nº 91, de setembro de

s problemas brotaram no momento de determinar a riqueza biológica e a prioridade de conservação das áreas delineadas no Inventário. Os biólogos haviam se organizado em grupos de trabalho de aves, peixes, mamíferos, répteis e anfíbios, aracnídeos e insetos, paisagens, criptógamas (plantas sem flores) e fanerógamas (plantas com flores). Para avaliar a diversidade e distribuição das espécies, haviam se apoiado nas coletas que eles próprios ou outras equipes tinham feito e constavam do SinBiota, a base de dados do Biota, e de outros bancos de dados científicos do estado de São Paulo. Reuniram assim cerca de 220 mil registros de coletas, incluindo as que haviam sido feitas décadas antes. Ao abrirem esse banco de informações, porém, surgiram muitos nomes científicos errados, registros inválidos de plantas comuns que apareciam como raras e um excesso de informações genéricas, principalmente as mais antigas, remetendo apenas ao município em que a amostra havia sido coletada. Por causa de limitações técnicas e da dificuldade de registrar com precisão os locais de coleta (os aparelhos que indicam as coordenadas geográficas não funcionam bem dentro das matas), muitas plantas e animais pareciam ter sido coletados fora do estado de São Paulo. Na prática pôde-se aproveitar bem menos informações do que o esperado. O esforço de filtrar e organizar essas informações, que havia começado no final do ano passado, intensificouse depois da reunião de abril, mobilizando equipes do Instituto Florestal, do Instituto de Botânica, USP, Unicamp, Unesp e a organização não-governamental Conservação Internacional. Foi quando cada um teve de mostrar o pró-

prio talento. Nalon, um físico de formação que trabalha há 15 anos com mapas no laboratório de geoprocessamento do Instituto Florestal, reunia as informações de cada grupo de trabalho e as aplicava sobre os mapas de vegetação, bacias hidrográficas, estradas e cidades. O professor de ecologia da USP Jean Paul Metzger reuniu cerca de 100 mil fragmentos de vegetação nativa do estado e teve de descobrir quais poderiam ser conectados, dependendo da forma, tamanho e proximidade. Nos bastidores, uma rapaziada incansável levantava informações e editava os mapas: Milton Cezar Ribeiro, Giordano Ciocetti e Leandro Tambosi, da USP, trabalharam nas versões finais dos mapas até cinco minutos antes de Metzger e Rodrigues subirem ao palco do auditório da secretaria na noite do dia 10 de outubro para mostrar o que haviam feito à seleta platéia de 150 pessoas. O final feliz desta rara história de integração entre pesquisa científica e interesse público pode ainda se perder em uma selva de preconceitos culturais. Muitos fazendeiros e pecuaristas vêem a mata como mato – algo desprezível. Além disso, muita gente pensa que animais silvestres como a onça devem ser eliminados, já que atacam bois, galinhas e cães.“Onça só come o rebanho que estiver maltratado, doente, desprotegido e próximo à mata e se não tiver mais alimento em seu próprio ambiente”, observa Beatriz de Mello Beisiegel, pesquisadora do Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação dos Predadores Naturais (Cenap), de Atibaia. Quando os agricultores ligam apavorados por terem visto uma onça, a equipe do Cenap conta que podem se proteger adotando medidas simples como deixar uma luz acesa perto de onde os animais dormem ou soltar um rojão ao anoitecer. Um avanço, porém, é inegável: a demonstração de que especialistas de universidades e de órgãos públicos podem trabalhar em objetivos comuns, de interesse social.“Parece difícil para os pesquisadores entenderem nossa premência de respostas rápidas”, comenta Helena von Glehn.“Eles têm de ser rigorosos e perfeccionistas, mas mesmo informações incompletas, que podem não valer muito para o trabalho científico, podem ajudar bastante a resolver problemas ambientais urgentes.” ■ PESQUISA FAPESP 141

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HOMENAGEM AOS PESCADORES DE BÚZIOS

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VIAGEM

A bordo do Mar sem fim Jornalista percorre litoral brasileiro e retrata suas mazelas

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eus quer,o homem sonha,a obra nasce/ Deus quis que a terra fosse toda uma/ Que o mar unisse,já não separasse”,escreveu Fernando Pessoa,poeta de uma das nações mais marítimas do globo.Com as caravelas lusitanas, chegou ao Brasil essa paixão pelo mar,a ponto de toda uma nação ser construída à beira do oceano.Mas infelizmente esse é um amor platônico:“As pessoas conhecem muito pouco da costa brasileira.Somos filhos de navegadores e perdemos um pouco disso.Não houve um navegador dos séculos XVIII e XIX que não tenha pirado quando chegou aqui,mas essa beleza está sendo dilacerada de maneira acintosa”,avisa o jornalista e músico João Lara Mesquita,que acaba de lançar O Brasil visto do Mar Sem Fim, obra belíssima com mais de 600 fotos e o texto integral de seu diárioquando,entre abril de 2005 e 2007,desceu a costa nacional a bordo do seu veleiro Mar Sem Fim,para produzir uma série de 90 documentários para a TV Cultura.Foram 11 mil quilômetros percorridos entre

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o Oiapoque e o Chuí.A passagem das imagens da telinha para as páginas do livro apenas deu um sabor maior à aventura. Diretor da Rádio e Estúdio Eldorado,criador do Prêmio Eldorado de Música,do Prêmio Visa de MPB e um dos fundadores do Núcleo União Pró-Tietê,ligado à Fundação SOS Mata Atlântica,João Lara,de uma longa linhagem de jornalistas de O Estado de S.Paulo, não saiu mar adentro apenas para se divertir.Em verdade,misturou o tino pela notícia com a experiência náutica de quem já percorreu 30 mil milhas de navegação,quase uma volta ao mundo,para mostrar as mazelas que afetam o litoral brasileiro e alertar a sociedade antes que seja tarde demais para que o mar nos una.“As pessoas demonstram uma intensa preocupação com o meio ambiente, as crianças aprendem isso na escola, muitos lutam pelo rio Tietê,pelo Cerrado,pela Amazônia,mas vão à praia e jogam cigarro no mar,sem noção da importância do espaço marítimo como ecossistema fundamental para a vida humana”,explica.Para João Lara,


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RIO DA ALDEIA MANGA, EM OIAPOQUE, AMAPÁ

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O Brasil visto do Mar Sem Fim João Lara Mesquita Editoras Albatroz, Loqüi e Terceiro Nome 2 volumes com 312 páginas cada um R$ 198,00

“é preciso mostrar para as pessoas que não adianta salvar o continente e deixar o mar morrer, na medida em que 71% do globo terrestre é formado por oceanos”. Os dois volumes, além de belos, portanto, são um alerta de que, se continuarmos a usar o mar como a grande lixeira, estamos condenados a naufragar no futuro. “Em especial com a ocupação desordenada da costa brasileira.” A obra tem ainda um viés inusitado ao mostrar o litoral brasileiro na perspectiva do mar para a terra, e não o contrário. “Essa ótica invertida revela praias, enseadas e baías, normalmente vistas pela ótica de quem está no continente, em tomadas onde esparsas áreas verdes convivem com prédios, avenidas e imensos complexos turísticos”, observa o autor, para quem está na hora de as crianças estudarem mais os oceanos, em particular quando se discute tanto a questão climática global de forma tão aterrorizante.“A comunidade científica já sabe dessa importância. Agora só falta comunicar ao leigo. Sou otimista. Estamos no caminho certo.” Que o mar, então, nos una e não nos separe. ■ PESQUISA FAPESP 141

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> Um vírus muito agressivo O vírus da gripe do frango pode ser muito mais agressivo do que se imaginava.Causador de uma doença respiratória bastante letal que atinge aves e seres humanos, o vírus H5N1 matou 200 das 328 pessoas infectadas em dez países,segundo a Organização Mundial da Saúde.Agora pesquisadores da Universidade de Pequim constataram que ele não atinge apenas os pulmões das vítimas.A equipe de Jiang Gu avaliou os tecidos de duas pessoas – um homem e uma gestante – que morreram em conseqüência da infecção pelo vírus.Encontraram material genético e proteínas do vírus nos pulmões,na traquéia,nos linfonodos e no cérebro dos adultos.Já no feto,havia material do H5N1 nos pulmões,além de inflamação no fígado,sinal de que o vírus é capaz de superar a proteção imunológica oferecida pelo 42

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Em 1999 quatro múmias incas congeladas, com idades entre 6 e 15 anos, foram encontradas no cume do vulcão Llullallaico, no Peru. Agora a equipe de Andrew Wilson, do departamento de ciências arqueológicas e de biomedicina científica, da Universidade de Bradford, na Inglaterra, ajudou a explicar os sacrifícios incas e a terrível história dessas crianças (PNAS). Eles estudaram os isótopos estáveis – átomos com um número de nêutrons diferente da versão mais comum – nos cabelos das múmias, que preservam informações detalhadas sobre suas dietas. Como o cabelo cresce 1 centímetro por mês e não se degenera, é possível analisar o que essas crianças comeram durante um longo período antes de morrer. Concluíram que elas eram pobres mas que, depois de escolhidas, passaram a consumir alimentos exclusivos dos ricos, como carne de lhama e milho. Foram levadas a Cuzco, capital do Império, e de lá fizeram uma longa peregrinação até os altos picos dos Andes, a 6.700 metros de altitude. Lá foram sacrificadas com golpes na cabeça ou abandonadas, para que fossem atingidas por raios,comuns na região, ou morressem por doenças da altitude, como edemas pulmonares e cerebrais.

organismo materno (Lancet, 29 de setembro). Segundo Gu,acreditava-se que o H5N1 não infectasse a traquéia e esse fato era usado para afirmar que ele só atingiria as vias aéreas inferiores.“Nosso estudo mostrou que não é isso que ocorre”,diz.

Rituais sagrados: múmias de crianças incas revelam elaborada preparação

> Quando as baratas aprendem Há quem aprenda melhor nas primeiras horas da manhã e também pessoas que memorizam melhor e trabalham com mais eficiência à tarde.Estudos já mostraram que entre os CYNTHIA GOLDSMITH/CDC

LABORATÓRIO

Sacrifício eterno

Alastrado: vírus da gripe do frango não pára nos pulmões

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mamíferos – seres humanos inclusive – a capacidade de aprender varia ao longo do dia,assim como os batimentos cardíacos e a liberação de hormônios, seguindo os ritmos circadianos,que oscilam em períodos de um dia. Agora um estudo feito na Universidade Vanderbilt, Estados Unidos,mostrou que também entre os insetos a capacidade de aprendizado varia no decorrer do dia. Em diferentes períodos do dia,o biólogo Terry Page e sua equipe ensinaram baratas a associar o aroma de hortelã,repulsivo para esses insetos repulsivos,a água com açúcar.Assim,as baratas passaram a escolher o aroma

MUSEU DE ARQUEOLOGÍA DE ALTA MONTAÑA

MUNDO

> CIÊNCIA


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LAURABEATRIZ

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é feita e podemos estudar como funciona”, diz o geólogo Mark Zoback, integrante do projeto que está criando o primeiro observatório subterrâneo de terremotos. O programa deve investigar as forças físicas que

> Na raiz dos terremotos Pela primeira vez geólogos norte-americanos conseguiram extrair amostras de rocha de quase 3 quilômetros de profundidade na falha de San Andreas, uma gigantesca fratura da crosta terrestre com 1.300 quilômetros de extensão na Califórnia, Estados Unidos. Com 1 tonelada, os cilindros de rocha de 10 centímetros de diâmetro que, juntos, medem quase 45 metros devem revelar aos pesquisadores a composição das rochas e as propriedades das falhas de San Andreas, onde a placa tectônica do oceano Pacífico comprime a que forma a América do Norte, originando freqüentes tremores de terra. “Agora podemos segurar em nossas mãos a falha de San Andreas. Sabemos do que ela

> Mais do que

moldam a América do Norte e os processos que controlam os terremotos e as erupções vulcânicas. Até agora os geólogos trabalhavam com amostras desenterradas pela erosão ao longo de milhões de anos.

energia

ROBERT WALLACE/USGS

de hortelã, em vez do de baunilha. As baratas treinadas à tarde e à noite eram capazes de se lembrar dessa associação após dias, enquanto as que aprenderam pela manhã não guardaram a informação. A pesquisa deve permitir conhecer melhor a interação entre os ritmos circadianos, memória e aprendizado (PNAS).

San Andreas: amostras revelam segredos da falha

Mais que nutrir, os alimentos industrializados podem alterar o comportamento das crianças, deixando-as mais desatentas, impulsivas e ativas. A mudança de comportamento está associada à adição de compostos químicos para conservar os alimentos ou bebidas, como o benzoato de sódio, ou de corantes artificiais, comprovaram pesquisadores ingleses (Lancet). Num experimento em Southampton, Inglaterra, a equipe de Donna McCann convidou 153 crianças com 3 anos de idade e 144 com 8 ou 9 anos para avaliar os efeitos causados à saúde por benzoato de sódio e corantes artificiais, normalmente adicionados a alimentos infantis. Por seis semanas, metade das crianças recebeu porções diárias de suco com corante artificial e benzoato de sódio, enquanto a outra metade tomou o suco sem esses compostos. As que receberam suco com os aditivos químicos se mostraram mais ativas, impulsivas ou desatentas, segundo avaliação feita por pais e professores, efeito que pode comprometer o desempenho escolar.

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LABORATÓRIO

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BRASIL

São Paulo das flores

GOERGE SHEPHERD/UNICAMP

A exuberante bromélia ao lado (Bromelia antiacantha) não é apenas uma planta ornamental. Seus frutos amarelos e arredondados são usados para fazer compotas e um xarope para tratar resfriados e bronquites. É uma das espécies descritas no quinto volume da obra Flora fanerogâmica do estado de São Paulo. Coordenado pelos botânicos Maria das Graças Wanderley e Therezinha Sant’Anna Melhem, do Instituto de Botânica de São Paulo, George Shepherd, da Universidade Estadual

Bromelia antiacantha: contra resfriados e bronquite

na Patagônia Um dinossauro de mais de 30 metros de comprimento, morto às margens de um rio na Patagônia argentina, foi despedaçado por outros dinossauros.A cena era certamente comum cerca de 90 milhões de anos atrás. Mas só agora foi descrita por uma equipe que reuniu paleontólogos brasileiros e argentinos.A partir de fósseis encontrados perto do lago Barreales,eles acabam de descrever uma nova espécie: Futalognkosaurus dukei. O nome é um misto da língua mapuche,grupo indígena que habitou a região (futa significa gigante e lognko, chefe) e uma homenagem à empresa que patrocinou parte dos estudos,a Duke Energy Argentina Company. No sítio arqueológico foram encontrados também fósseis de outros animais,como 44

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pterodáctilos,peixes e antepassados de jacarés,e de plantas,provável alimento do Futalognkosaurus. As folhas fósseis mostram que ali não predominavam coníferas – pinheiros e araucárias –,como se pensava.A paisagem daquela época começa finalmente a se desenhar com mais clareza (Anais da Academia Brasileira de Ciências).

> Vôos sem rumo Um pequeno aparelho amarrado ao pé de um albatroz registrava o tempo que ele passava imerso na água.A ave era uma das cinco integrantes de um estudo que,em 1992,verificou que seu vôo seguia o padrão de Lévy – com propriedades fractais e caracterizado por MUSEU NACIONAL/UFRJ

> Gigantes

de Campinas, e Ana Maria Giulietti, da Universidade Estadual de Feira de Santana, esse projeto vem mapeando todas as espécies de plantas com flores (fanerógamas) no estado de São Paulo. Lançado em outubro, o volume apresenta a descrição de 536 espécies de plantas de 117 gêneros e 12 famílias distintas, incluindo as rubiáceas, a mesma do café, e as cactáceas. Somados, os cinco volumes da Flora fanerogâmica já publicados reúnem informações sobre 2.366 espécies de plantas com flores, cerca de 32% das espécies que, calcula-se, existam no estado de São Paulo.

Gigante desenterrado: bacia e vértebra de F. dukei

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conjuntos de vários passos curtos unidos por raros longos.Um grupo de físicos, que inclui pesquisadores radicados no Paraná, Pernambuco e Alagoas,acaba de reavaliar esses dados e não está de acordo com as conclusões (Nature). Quando os pesquisadores levaram em conta o tempo que os albatrozes passam no ninho – não estavam no ar nem na água –,os dados deixaram de se encaixar no comportamento típico dos vôos de Lévy.O mesmo aconteceu com gamos e mamangavas:análises mais cuidadosas derrubaram o padrão de Lévy encontrado por outros pesquisadores e mostram que são necessários métodos mais precisos de avaliar o movimento dos animais, assim como análises estatísticas mais rigorosas. Talvez assim seja possível encontrar vôos de Lévy.


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> Nas teias do fascínio

> O retorno da talidomida Dois anos atrás a geneticista clínica Lavinia Schüler Faccini, especialista em casos de malformação congênita, surpreendeu-se ao deparar com um problema que há mais de uma década não via: crianças com defeitos congênitos provocados pelo uso da talidomida por suas mães. Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lavinia descreveu recentemente o caso de três dessas crianças – duas nascidas em 2005 e uma em 2006 (Birth Defects Research). A talidomida já foi usada como sedativo e também medicamento

A arte da teia: aranhas capturam presas em refinadas estruturas geométricas

contra enjôos, sobretudo por gestantes. Até que começaram a nascer bebês com graves defeitos em braços e pernas. No Brasil, o medicamento saiu de circulação em 1965, mas voltou a ser usado mais tarde para tratar hanseníase, câncer, doenças auto-imunes e alguns efeitos da infecção pelo HIV. Hoje remédios à base de talidomida são produzidos por um único laboratório brasileiro e distribuídos pelo governo federal. Seu uso é proibido para mulheres em idade fértil. “Se não houver um controle muito rígido, além da educação das pessoas, a síndrome que se considerava extinta pode voltar com toda a força”, alerta Lavinia.

Norte como delícia culinária? Bom para quem é da gastronomia, mas um desastre para a região que concentra a maior diversidade mundial de sapos, rãs e pererecas. João Giovanelli e colaboradores, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, elaboraram um modelo ecológico que previu em que locais da Mata Atlântica a espécie tem maiores chances de se estabelecer. E, quando se trata da rã-touro, dar cabo

> Temíveis invasores E se os charcos da Mata Atlântica fossem tomados pelas rãs-touro (Lithobates catesbeianus) – aquelas trazidas da América do

da saparia nativa comendo girinos e competindo por alimento. O maior potencial de invasão é na região Sul/Sudeste, onde a rã já existe, resquício de criações comerciais. Mas o modelo indica que a rã-touro pode vicejar em parte da Região Nordeste. Segundo Giovanelli, existem ali condições ecológicas parecidas com as da área nativa das rãs. Ele deixa um aviso aos criadores: é melhor não levá-las para o litoral nordestino.

CÉLIO HADDAD/UNESP

Elas tecem complexas estruturas com a seda que expelem de glândulas fiandeiras; são predadoras engenhosas; as fêmeas, muito maiores que seus parceiros, por vezes os devoram após a cópula; podem ser usadas no combate a pragas agrícolas. Motivo de fobias e curiosidade, as aranhas agora têm menos segredos. Um livro escrito por 13 especialistas do Brasil e de outros países versa sobre temas como ecologia, comportamento e classificação, sobretudo de aranhas sul-americanas. O resultado está no livro Ecologia e comportamento de aranhas, publicado este ano pela Editora Interciência, que promete ser um recurso valioso para especialistas, aspirantes e curiosos.

Invasão anfíbia: modelo prevê áreas propícias para rã-touro


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CIÊNCIA

EVOLUÇÃO

De galho em galho Seleção natural favoreceu diversificação por tamanho e gerou variedade de macacos na América M ARIA G UIMARÃES

O

lhar para o alto numa floresta tropical pode ser tão frustrante quanto deslumbrante. As copas das árvores abrigam cores, formas, sons e vidas de todos os tipos. Vidas que ora saltam aos olhos, ora se impõem aos ouvidos, ora se escondem. Em meio ao que as folhas ocultam, na América estão por volta de 130 espécies de macacos, raramente vistos por visitantes curiosos. Macacos-prego se penduram pelas caudas e com elas também manuseiam os insetos e frutos que compõem sua dieta, que incorpora uma ampla gama de petiscos como folhas, flores, pequenos vertebrados e até casca de árvores indigestas como eucalipto ou pinheiro. Esses macacos que vivem em bandos de até 35 indivíduos costumam defender seu território, mas curiosamente admitem nos mesmos galhos exemplares de uma espécie menor, o mico-de-cheiro, com quem disputam os mesmos frutos e insetos.“É como se os micos-de-cheiro fossem filhotes dos macacosprego”, explica o biólogo da Universidade de São Paulo (USP) Gabriel Marroig. Ele analisou a variedade de macacos que povoam as árvores da América e concluiu que entre as características favorecidas pela seleção natural – como força física e capacidade de se reproduzir – a que mais conta é o tamanho do animal. Em artigo recente na BMC Evolutionary Biology, Marroig compara as proporções em crânios de macacos-prego, do gênero Cebus, e micos-de-cheiro (Saimiri) ao longo do crescimento. São dois gêneros aparentados com tamanhos bem diferentes, o que os destaca dos outros macacos do Novo Mundo. Crânios são as partes do corpo mais usadas nos estudos de zoologia como fonte de informação, porque as distâncias entre pontos de referência como reentrâncias, orifícios e junções entre ossos permitem caracterizar espécies e comparar animais diferentes. Nas mãos do biólogo ajudam a contar o que aconteceu desde que os macacos chegaram à América, 30 milhões de anos atrás.

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Muriqui: para o maior macaco brasileiro, folhas são um banquete


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Micos-de-cheiro partilham รกrvores e alimento com macacos-prego


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A equipe do Laboratório de Evolução de Mamíferos da USP transforma as medidas em imagens tridimensionais dos crânios analisados – uma técnica conhecida como morfometria geométrica. Com o crânio apoiado em uma plataforma, o pesquisador toca nos pontos de referência com algo que se parece com uma caneta metálica que pende de um braço articulado. Os movimentos desse braço, ligado a um computador, são armazenados como distâncias em três dimensões. O computador então gera imagens que lembram cristais lapidados, mas são uma versão simplificada dos crânios medidos. Em seguida, os pesquisadores podem encolher ou inflar os crânios digitais de maneira que o macaco-prego e o mico-de-cheiro fiquem do mesmo tamanho – o primeiro é na realidade duas a três vezes maior do que o segundo. Dessa forma eles podem ignorar as diferenças de tamanho e comparar as proporções entre as medidas e o formato do crânio em animais de várias idades. As imagens digitais mostram que o mico-de-cheiro nasce com o crânio quase esférico. À medida que cresce, seu crânio se achata como se algo pressionasse o cocuruto para baixo enquanto o focinho se alonga. Marroig mostrou que, ignorando-se as diferenças de tamanho, o crânio de um mico-de-cheiro adulto é muito semelhante ao de um macacoprego filhote – que passará pelo mesmo processo de achatamento numa direção e alongamento na outra.

FOTOS EDUARDO CESAR

Adultos precoces - Esse padrão de di-

versificação se encaixa na teoria que descreve a evolução, que pode dar origem a novas espécies, como resultado de mudanças nas taxas de desenvolvimento de um organismo. Esse mecanismo evolutivo, conhecido como heterocronia, foi por muito tempo cogitado para explicar como os seres humanos teriam evoluído: é como se o feto do chimpanzé se tornasse adulto sem perder sua aparência infantil. Segundo Marroig, essa hipótese já não é aceita. “A diferenciação da espécie humana é mais complexa, envolveu muitas outras características além de taxas de desenvolvimento”, diz. Apesar de não ser mais visto como central para diferenciar o homem de seus parentes primatas, o desenvolvimento continua a ser cotado como for-

Insetos e resina das árvores são parte da dieta variada dos pequenos sagüis

ça evolutiva importante. “Existem evidências de que alterações no desenvolvimento ocorreram em momentos marcantes da história evolutiva de diversos grupos”, conta a bióloga Tiana Kohlsdorf, do campus de Ribeirão Preto da USP. Quando não é possível encontrar embriões para analisar a ação dos genes ao longo do desenvolvimento, Tiana explica que o jeito é analisar as seqüências do DNA dos genes relacionados ao desenvolvimento da característica em questão. Em seu trabalho ela compara, entre lagartos e cobras, genes que atuam na formação das patas. No caso da diferenciação entre os macacos da América, o alvo das análises genéticas tem sido o hormônio do crescimento. Durante seu doutorado sob orientação de Marroig, Elytânia Menezes decifrou a seqüência do gene que comanda a síntese desse hormônio e encontrou evidências de evolução adaptativa – variações na ação do hormônio do crescimento entre gêneros teriam sido causadas por seleção natural e seriam responsáveis pela diferença de tamanho entre os macacos desses gêneros. Elytânia deve defender seu doutorado no início de 2008 e está preparando o artigo para publicação. Para mais detalhes, portanto, é preciso esperar.

Marroig comparou aspectos relacionados ao desenvolvimento entre todos os 16 gêneros de macacos das Américas. Ele viu que, em relação a seu tamanho, os macacos-prego demoram mais do que seria esperado para chegar à idade reprodutiva, o que lhes dá mais tempo para atingir um tamanho maior. Já os micos-de-cheiro nascem maiores em relação ao tamanho da mãe do que se observa em outros macacos. “Eles nascem cabeçudos, com o cérebro mais desenvolvido do que outras espécies”, conta Marroig. É em parte graças a isso que são desmamados mais depressa do que outros macacos com tamanho parecido. Essas correlações reforçam a idéia de que foram alterações de tamanho que geraram os diferentes gêneros. O trabalho não permite dizer com segurança como era o ancestral comum aos gêneros Cebus e Saimiri. Marroig acha mais provável, porém, que o macaco-prego seja uma versão crescida do mico-decheiro, e não o contrário. É mais do que intuição. O tempo mais longo que o Cebus leva para chegar à maturidade é uma pista. Outra é a árvore genealógica dos macacos deste continente: o ramo onde estão esses dois gêneros abriga somente primatas pequenos. PESQUISA FAPESP 141

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Macaco-prego é versão aumentada do mico-de-cheiro

Fósseis e estudos genéticos contam que há 30 milhões de anos, no período geológico Oligoceno, chegaram ao Novo Mundo os primeiros primatas.“Nessa época”, Marroig explica, “penínsulas ligavam a África à América do Sul”. Não eram pontes completas entre os dois continentes, mas as distâncias eram curtas o suficiente para que os ancestrais dos primatas que hoje vivem aqui pudessem transpô-las de carona em troncos ou outros materiais flutuantes. O mapa do fundo do oceano Atlântico milhões de anos atrás foi elaborado por Felipe Bandoni, aluno de doutorado de Marroig, para o livro South american primates, no prelo pela editora Springer. 50

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Os imigrantes símios, animais com cerca de 1 quilograma (como os micosde-cheiro, que têm 40 centímetros de altura), encontraram uma terra cheia de possibilidades. “Eles não tinham competidores; os marsupiais eram os únicos mamíferos relativamente arborícolas, mas usavam os recursos de maneira diferente”, conta Marroig. As árvores estavam desimpedidas, com repastos para todos os gostos. Aconteceu então, entre 20 e 16 milhões de anos atrás, o que os evolucionistas chamam de radiação adaptativa explosiva: rapidamente surgiu uma grande variedade de macacos capazes de explorar os mais diversos nichos ecológicos, definidos pelas dietas.

É aí que entra o tamanho como motor evolutivo fundamental, pois é o que permite a especialização alimentar.“Não existe nenhum macaco grande que se alimente de insetos, e nenhum pequeno que sobreviva à base de folhas”, diz Marroig. Isso ocorre porque mamíferos pequenos precisam de nutrientes que possam ser rapidamente transformados em energia, o que obtêm de frutos e insetos. Para sobreviver com uma dieta desse tipo, animais maiores precisariam consumir uma quantidade muito grande de insetos.“Para isso”, explica o biólogo,“eles teriam que se especializar em insetos sociais que podem ser encontrados em grandes densidades, como fa-


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zem os tamanduás, ou tornar-se predadores eficazes”.Nenhum macaco sul-americano desenvolveu essas características. Mas comer folhas também não é fácil: são repletas de substâncias que não podem ser digeridas e por isso só podem se alimentar delas animais com intestinos longos, capazes de extrair nutrientes e depurar as toxinas com que as plantas se defendem dos herbívoros. Os integrantes dos gêneros Cebus e Saimiri têm dietas semelhantes: sobretudo frutos e insetos. A diferença está na capacidade dos macacos-prego de completar sua dieta com quase qualquer coisa que lhes apareça pela frente, e nas proporções que representam. Insetos são 50% da dieta de Cebus, macacos de 2 a 3 quilogramas, e chegam a 75% do que comem os Saimiri, cujos adultos pesam por volta de 1 quilograma. Rumos evolutivos - Não chega a ser

O PROJETO Evolução morfológica, biogeografia e sistemática em mamíferos neotropicais MODALIDADE

1. Jovem Pesquisador 2. Auxílio a Pesquisa - Regular COORDENADOR

GABRIEL MARROIG ZAMBONATO – IB/USP INVESTIMENTO

R$ 170.487,26 R$ 65.124,88

surpreendente que variação em tamanho seja o caminho para a diversificação dos macacos. “Mas ninguém fala nisso”, diz Marroig. É previsível porque a seleção natural age sobre a diversidade genética – se um gene for sempre idêntico, não existe a possibilidade de evolução. E tamanho é uma característica marcada por enorme variabilidade – basta correr os olhos por uma sala cheia de pessoas para ter uma noção de como os tamanhos são diversos. Em artigo publicado em 2005 na revista Evolution, Marroig analisou todos os 16 gêneros de macacos deste continente e mostrou que o tamanho é, no jargão evolutivo, uma via de menor resistência evolutiva. Ou seja, é por esse leito que a evolução tende a correr. Tal diversidade de tamanhos poderia ter surgido por acaso, ou de carona com outras características, como dentes maiores ou caudas mais longas. Mas Marroig mostrou, em artigo publicado em 2004 na revista The American Naturalist, que na maior parte dos macacos americanos foi a seleção natural, e não o acaso, que gerou a diversidade. “Hoje temos ferramentas estatísticas para distinguir sobre qual característica a seleção agiu”, explica o biólogo. Diz a contagem mais recente que são 129 as espécies de macacos das Américas – com tamanhos que vão dos 100 gramas do mico-leãozinho (Cebuella pygmaea) aos 10 quilos do muriqui

(Brachyteles arachnoides e B. Hypoxanthus). Todos eles consomem frutos, uma fonte fácil de açúcares, e adotam estratégias de vida distintas para completar sua dieta com proteínas e vitaminas. O muriqui freqüenta as copas das árvores da Mata Atlântica, onde se refestela com folhas. Mais abaixo vivem os macacos-prego e em seguida os micos-decheiro, com suas dietas variadas. No estrato mais próximo ao chão vivem os pequenos sagüis, que pesam por volta de 400 gramas e têm incisivos alongados e estreitos com os quais escavam os troncos das árvores e obtêm seiva. Comem também frutos, insetos e néctar. Comparadas aos seus parentes americanos, as mais de 150 espécies de macacos do Velho Mundo exibem pouca diversidade em termos de formas, tamanhos e comportamentos. Devem isso, em parte, à sua diversificação mais recente. Embora o Velho Mundo tenha mais espécies que o Novo Mundo, Marroig defende que não é possível comparar números, não só por serem histórias evolutivas separadas. De acordo com ele, as escolas científicas são muito diferentes e resultam em estratégias distintas de classificação dos animais. “No Brasil os pesquisadores descrevem espécies novas com maior facilidade do que no Velho Mundo, onde os especialistas são mais conservadores e tendem a classificar variedades que encontram como subespécies em vez de espécies.” Para entender com maior detalhe o que aconteceu ao longo da evolução dos nossos macacos, seria preciso enveredar por análises de desenvolvimento, como as que Tiana usa para desvendar a evolução da ausência de patas em cobras, para averiguar como alterações no crescimento podem dar origem a tal diversidade. Mas enquanto não aparecer um especialista em desenvolvimento interessado em aprofundar o que ele já descobriu sobre os macacos-prego e os micos-de-cheiro, Marroig se dá por satisfeito e parte para novos desafios – outros animais, outros continentes. Integrantes de seu laboratório estão recolhendo dados sobre outros grupos de mamíferos para fazer análises semelhantes às que ajudaram a contar a história dos macacos. Ele aposta que a importância do tamanho para a evolução seja generalizada. E pretende demonstrar isso nos próximos anos. ■ PESQUISA FAPESP 141

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> FISIOLOGIA

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recuperar o f 么 l e g o Atividade f铆sica leve e moderada tem efeito antiinflamat贸rio que reduz os sintomas da asma FOTOS

M IGUEL B OYAYAN

MIGUEL BOYAYAN

G IOVANA G IRARDI |


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N

os Jogos Pan-americanos deste ano a nadadora brasileira Rebeca Gusmão, vencedora da medalha de ouro nos 50 metros livre, saiu cambaleando da piscina ao terminar a prova de revezamento 4 x 100. Ao se esforçar além dos seus limites, ela teve uma crise de asma e precisou ser amparada até o ambulatório, onde fez inalação e retomou o fôlego. Foi a natação, no entanto, que ajudou Rebeca a sofrer menos com os sintomas da doença. Aos 6 anos ela começou a nadar, seguindo uma recomendação que muitos médicos já deram algum dia: exercícios aeróbicos podem melhorar a qualidade de vida do paciente. É uma dica que vai contra o senso comum, que diz que asma e atividade física não combinam. Não são raras, por exemplo, as escolas que dispensam seus alunos asmáticos das aulas de educação física para evitar crises de falta de ar. Agora uma equipe de pesquisadores de São Paulo jogou a pá de cal nessa crença ao mostrar que o efeito das atividades físicas sobre a doença é muito mais benéfico do que se podia imaginar. A prática de exercícios leves e moderados é capaz de diminuir a inflamação pulmonar típica da doença. “Muitos estudos já mostraram que a atividade física pode piorar a asma. Mas o que vimos foi o outro lado dessa história. Se a pessoa asmática está medicada e a doença está sob controle, o exercício moderado pode beneficiá-la”, explica o clínico-geral Milton de Arruda Martins, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, um dos líderes do grupo multidisciplinar de estudo. Sem condicionamento físico (ou em situações extremas, como ocorreu com Rebeca), o asmático que se aventura a uma corrida pode sim passar mal. É o que os médicos chamam de hiper-responsividade brônquica ao esforço. As vias aéreas do paciente se fecham e o resultado é falta de ar, tosse e chiado no peito. Os pesquisadores trabalharam com camundongos, mas também com crianças e adultos, e observaram em todos eles sinais de diminuição da inflamação após o treinamento com exercícios. Nos animais, uma biópsia nos pulmões forneceu a demonstração. Nos seres hu-

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manos, a avaliação foi indireta, por meio de testes clínicos. Nas crianças, conta o fisioterapeuta Celso Carvalho, outro líder dos estudos, um dos primeiros indicativos de que o condicionamento físico estava produzindo resultados favoráveis foi a observação de que o fechamento das vias aéreas – comum após uma atividade física inadequada – começou a diminuir. “Antes de iniciarmos o treinamento, das 21 crianças que participaram do estudo, 17 tinham essa reação ao exercício. Ao final do treinamento (meia hora de atividade física, duas vezes por semana, sobre a esteira ou a bicicleta ergométrica), só quatro tinham”, afirma. Sintomas minguados – Outro sinal de melhora foi verificado pela pneumologista infantil Ana Lúcia Cabral, que acompanhava o estado clínico das 38 crianças participantes da pesquisa. Todas elas estavam medicadas e com a doença sob controle, mas só 21 fizeram o treinamento. As demais, que compunham o grupo controle, continuavam freqüentando o Hospital Infantil Darcy Vargas, na Zona Sul de São Paulo, onde os trabalhos foram conduzidos, mas não se exercitavam. “Enquanto fazíamos o estudo, Ana Lúcia continuou com o acompanhamento normal sem saber se a criança era do grupo que se exercitava ou não. Ela foi tratando de acordo com os sintomas

O PROJETO 1. Mecanismos de inflamação pulmonar na asma 2. Efeito do treinamento físico aeróbio na asma MODALIDADE

1. Auxílio a Pesquisa – Temático 2. Auxílio a Pesquisa – Regular COORDENADORES

1. MILTON MARTINS – FM/USP 2. CELSO CARVALHO – FM/USP INVESTIMENTO

1. R$ 854.112,17 (FAPESP) 2. R$ 93.264,37 (FAPESP)

que elas apresentavam e sem saber acabou diminuindo a medicação nas crianças que eram treinadas”, conta Carvalho. “A necessidade de menos medicação mostra que de fato elas estavam melhores.” Os resultados foram publicados no começo deste ano na revista Medicine and Science in Sports and Exercise. Tanto Martins quanto Carvalho alertam que se o asmático não estiver bem medicado a atividade física pode provocar uma piora. Eles acreditam que os benefícios à saúde observados nas crianças e, posteriormente, nos adultos ocorrem não somente por uma melhora na qualidade de vida provocada pelo fato de eles estarem se exercitando, mas por uma ação direta da atividade física na inflamação dos pulmões. Com a inalação de um alérgeno, os pesquisadores induziram nos camundongos uma inflamação pulmonar semelhante à asma. Feito isso, eles foram postos para treinar no que Martins chama de “academia de camundongos” – uma esteira na qual se exercitavam cinco vezes por semana, por uma hora, com intensidade leve e moderada, equivalente para humanos a caminhar e a correr. Depois de quatro semanas de exercícios, foram analisados os pulmões dos camundongos para ver o que havia acontecido. Um dos indicadores examinados foi a presença de eosinófilos, uma célula inflamatória característica da asma. Em condições normais, essa célula ocorre em quantidades bem reduzidas no pulmão, mas em asmáticos ela aparece em grande quantidade. Ao compararem os pulmões dos animais asmáticos que tinham se exercitado com os dos sedentários, os cientistas observaram que nos primeiros a quantidade de eosinófilos era menor. Os pesquisadores mediram ainda a quantidade de interleucinas secretadas pelos linfócitos TH2, células do sistema imunológico envolvidas na asma. Os TH2 produzem as interleucinas 4 e 5, que têm a função de convocar os eosinófilos que circulam na corrente sangüínea para dentro do pulmão. Mais uma vez foi observada, nos animais asmáticos que se exercitaram, uma quantidade menor dessas interleucinas, em comparação com os asmáticos que não fizeram atividade física.


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“A partir do estudo com animais podemos supor que o exercício físico inibe a ação das células TH2 e a produção de interleucinas 4 e 5. Além disso, aumenta a interleucina 10, que tem um efeito antiinflamatório. Mostramos alguns detalhes sobre como funciona esse mecanismo, mas ainda faltam muitas peças no quebra-cabeça”, comenta Martins. Pulmões em forma – Por último, a equi-

pe notou ainda que uma outra característica comum da asma também foi reduzida após a atividade física nos camundongos. Trata-se do chamado remodelamento do pulmão. Com o passar do tempo, as vias aéreas dos asmáticos costumam sofrer alterações estruturais – aumentam, por exemplo, as quantidades de músculo liso e de colágeno. Mas nos animais que se exercitaram essa deformação diminuiu. Esses resultados já foram aprovados para publicação no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. “Até começarmos esses trabalhos, a maioria das revisões sobre outros estudos com asma dizia que o treinamento físico era bom para o asmático porque melhorava o condicionamento físico e assim ele teria a possibilidade de lidar melhor com a crise, apesar de não ter nenhum efeito na asma. O novo do nosso trabalho é o efeito na inflamação”, explica Martins. Com seres humanos é mais complicado descobrir esse efei-

to porque não vale a pena fazer algo invasivo como uma biópsia pulmonar. Por isso foi preciso procurar índices indiretos. Se nas crianças, com as quais foram conduzidos os primeiros levantamentos, a melhora era medida com base no comportamento clínico delas, com os adultos a equipe usou técnicas mais específicas. Foram selecionados 42 pacientes estáveis tratados no Núcleo de Assistência e Pesquisa em Asma (Napa) do Hospital das Clínicas de São Paulo, coordenado pelo pneumologista Alberto Cukier. Metade do grupo se exercitou por 30 minutos, duas vezes por semana, ao longo de três meses. Ao final a equipe coletou o escarro dos participantes e mediu as células expelidas do pulmão. Mais uma vez notou-se uma menor quantidade de eosinófilos. Na comparação com os pacientes que não se exercitaram, a queda foi de cerca de 50%. “Em média um adulto não treinado apresenta, a cada dois dias, mesmo tomando a medicação, um dia de sintomas de asma, seja tosse, seja irritação, seja chiado no peito, ou falta de ar. Depois do treinamento físico, passa a ter sintomas somente em um a cada cinco dias”, comenta Carvalho. É mais uma evidência de que a atividade física para esse indivíduo traz um benefício direto para quem tem asma. “Provavelmente isso está relacionado com o mecanismo da inflamação, embora não esteja provado.”

Outro indicador utilizado foi a avaliação dos níveis de óxido nítrico exalado, gás que normalmente aparece em altas concentrações no ar expirado por asmáticos e que é produzido por células inflamatórias que chegam ao pulmão. Também por esse marcador houve queda de 40% a 50% após a atividade física.“Esses números sugerem que é recomendado incentivar os asmáticos a fazerem uma atividade física aeróbica”, afirma Martins. O que não quer dizer que esse seja o tratamento para a asma. “É só um tratamento adjunto. A asma tem de continuar sendo tratada da forma que é recomendada, com broncodilatadores e/ou antiinflamatórios.” Os próximos passos da equipe do HC/USP serão observar se a atividade física tem efeitos similares em outras doenças pulmonares, particularmente a doença pulmonar obstrutiva crônica, também conhecida como mal do fumante. Muitos fumantes, como lembra Martins, costumam chegar ao médico pedindo alguma alternativa para o problema que não o simples fato de parar de fumar. Os pesquisadores vão então testar se o exercício pode diminuir essa lesão provocada pelo fumo nos pulmões. “Talvez não seja capaz de diminuir a inflamação, como ocorre com a asma. Ao menos não quando a doença já estiver instalada”, comenta Carvalho. Mas talvez seja possível que o exercício tenha um papel preventivo. ■

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ASTROFÍSICA

Poeira de estrelas Distribuição de elementos químicos revela detalhes sobre a estrutura e a evolução da Via Láctea R ICARD O Z ORZET TO

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onge dos centros urbanos se pode ver nestes meses de primavera, pouco depois do pôr-do-sol, uma vasta faixa muito brilhante acima do horizonte. Esse rastro luminoso no céu é um trecho da Via Láctea, a galáxia que abriga o Sol e os planetas que giram ao seu redor. Com quase 200 bilhões de estrelas, ela tem a forma de um imenso polvo girando, como um redemoinho cósmico. Mas nem sempre foi assim. No início do Universo, 14 bilhões de anos atrás, a Via Láctea não passava de uma gigantesca nuvem de gás que pouco a pouco foi se adensando aqui e acolá e gerando estrelas e planetas. Mesmo com o avanço da astronomia no último século e a produção de telescópios cada vez mais potentes, ainda hoje astrônomos do mundo todo tentam compreender como essa transformação ocorreu e a Via Láctea alcançou sua forma atual, com três regiões bastante distintas: o bojo, zona central em forma de globo que concentra centenas de milhões de estrelas; um vasto disco achatado de estrelas, gás e poeira; e uma terceira estrutura esférica que envolve as outras duas, o halo, onde as estrelas são mais raras e o gás e a poeira escassos.

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Na tentativa de compreender como se originaram esses alicerces da galáxia, a equipe do astrônomo Walter Junqueira Maciel, da Universidade de São Paulo (USP), há mais de uma década investiga a composição química de diferentes pontos da Via Láctea. Nos últimos anos o grupo chegou a conclusões que, obviamente, não explicam tudo, mas permitem ter uma idéia mais precisa de como essas três estruturas se formaram e evoluíram desde o seu surgimento – cerca de 1 bilhão de anos depois do Big Bang, a explosão que teria gerado o Universo. Como se deu essa evolução? “Em princípio, de maneira bastante distinta para essas três regiões da galáxia”, diz Maciel. As esparsas estrelas que hoje povoam o halo se formaram muito rapidamente há cerca de 13 bilhões de anos, extinguindo quase todo o gás que havia no entorno da Via Láctea. Quase ao mesmo tempo o bojo começou a se estruturar. Centenas de vezes menor que o halo mas com densidade de gás muito mais elevada, o bojo possivelmente apresentou dois períodos de formação de estrelas: o primeiro com alguns milhões de anos de duração e o segundo, bem mais longo. Só alguns bilhões de anos mais tarde é que iniciou o aden-

samento de gás que daria origem ao disco, concluíram os pesquisadores a partir de observações da composição química da galáxia. A razão por que os pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP decidiram medir a concentração e a variedade de diferentes elementos químicos é simples. Tudo o que existe no Cosmo e pode ser observado – os planetas, as estrelas, as nuvens de gás e poeira e também os seres vivos – é formado por diferentes combinações dos 116 elementos químicos que se conhecem e estão organizados na tabela periódica apresentada nas aulas de química do colégio. Esses elementos não surgiram todos ao mesmo tempo. Nos primeiros instantes após o Big Bang formaram-se os átomos de hidrogênio,o elemento químico mais abundante da natureza e também o mais simples, composto por uma partícula de carga positiva (próton) e uma de carga negativa (elétron). Essa explosão primordial também gerou parte do hélio, composto por dois prótons, dois elétrons e duas partículas sem carga elétrica (nêutrons), além de uma quantidade infinitamente pequena de lítio-7 (três prótons, quatro nêutrons e três elétrons). Os demais elementos químicos nasceram muito lentamente sobretudo por fusão nuclear, recombinação forçada de prótons que só ocorre a pressões e temperaturas elevadíssimas como as alcançadas no interior ou em explosões de estrelas. Como nas outras galáxias, também na Via Láctea centenas de bilhões de estrelas funcionam como reatores nucleares que em suas entranhas transformam


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ROGER SMITH/AURA/NOAO/NSF

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Branco como leite: trecho da Via Láctea (à direita) visto a partir do Observatório Interamericano de Cerro Tololo, nos Andes chilenos

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VLT/ESO

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o Sol incham rapidamente e lançam suas camadas mais externas para o meio interestelar, liberando uma nuvem de gás e poeira rica em carbono, nitrogênio e oxigênio. Geradas a partir de estrelas com massa semelhante ou um pouco superior à do Sol, as nebulosas planetárias exibem elementos produzidos pela estrela que as formou. Os demais elementos que lançam ao espaço foram produzidos pela geração anterior de estrelas, que viveram até 10 bilhões de anos antes.“Analisar a composição das nebulosas planetárias é olhar para o passado distante da galáxia, próximo ao início de sua formação”, diz o astrônomo gaúcho Roberto Dias da Costa, do IAG, que desde 1987 trabalha em parceria com Maciel. sando o telescópio de 1,60 metro do Laboratório Nacional de Astrofísica, em Brasópolis, Minas Gerais, e dados de catálogos, Maciel e o astrônomo Hélio Rocha Pinto iniciaram há dez anos a busca dessas fábricas de elementos químicos na vizinhança do Sistema Solar, localizado no disco da galáxia a pouco mais de meio caminho entre o centro e a extremidade. Mais recentemente, com o apoio de um telescópio do Observatório Europeu do Sul (ESO), no Chile, Maciel, Costa e os astrônomos Monica Uchida, André Escudero, Leonardo Lago e Cíntia Quireza expandiram essa procura para toda a região do disco da Via Láctea que pode ser observada do hemisfério Sul. De cerca de 2 mil nebulosas planetárias conhecidas na galáxia, conseguiram determinar com bastante precisão a concentração dos elementos químicos oxigênio, enxofre, neônio e argônio em 240 delas, espalhadas desde o bojo até quase a extremidade do disco. Mas as concentrações ou abundâncias químicas reveladas pelas nebulosas referem-se a períodos que variam de 10 bilhões a 2 bilhões de anos atrás. Para saber como são hoje, a equipe do IAG comparou os dados das nebulosas planetárias com os de outras estruturas da galáxia chamadas regiões HII.“Do ponto de vista físico, as nebulosas planetárias e as regiões HII são muito parecidas, já que ambas são nuvens de gás aquecidas por estrelas”, conta Maciel. Mas as semelhanças acabam aí. De 20 a 40 vezes mais extensas que as nebulo-

U Longe de casa: galáxia espiral semelhante à Via Láctea, abrigo do Sistema Solar

átomos de hidrogênio e de hélio em elementos mais pesados. A conseqüência desse processo ininterrupto é o aumento progressivo da quantidade desses elementos na galáxia, produzindo matériaprima para mais estrelas, planetas e a vida que alguns deles possam abrigar. Desse modo, sabendo a quantidade desses elementos mais pesados em diferentes pontos da galáxia e em momentos distintos de sua vida, é possível descobrir como a composição e a forma da Via Láctea evoluíram através dos tempos, uma vez que se conhece a velocidade em que nascem e morrem as estrelas. Na saga de reconstruir o passado da Via Láctea, Maciel precisava, então, encontrar as fontes de elementos químicos pesados mais adequadas entre os 200 bilhões de estrelas da nossa galáxia, que no céu facilmente se confundem com as de galáxias próximas. Esses elementos químicos são abundantes nas nebulosas planetárias. De rara beleza, esses objetos, que podem assumir a forma de olho, de ampulheta ou de arraia, são o registro da agonia final de uma estrela que já transformou todo o 58

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hidrogênio de seu núcleo em elementos químicos mais pesados. Assim chamadas pelo astrônomo inglês William Herschel porque ao telescópio lembram o planeta Urano, as nebulosas planetárias nada têm a ver com planetas. São importantes porque guardam informações de um passado distante do Universo. Depois de queimar o seu estoque de hidrogênio por períodos que em geral variam de 1 bilhão a 10 bilhões de anos, estrelas como

O PROJETO Nebulosas fotoionizadas, estrelas e evolução química de galáxias MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR

WALTER JUNQUEIRA MACIEL – IAG/USP INVESTIMENTO

R$ 95.194,57


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sas planetárias, as regiões HII abrigam dezenas de estrelas em formação e mostram como é a composição química da galáxia nos últimos milhões de anos, tempo recente para os astrônomos. Analisadas em conjunto, as informações das nebulosas planetárias e das regiões HII revelam detalhes sobre a evolução química da galáxia, apresentados em uma série de artigos publicados nos últimos anos, vários deles na revista Astronomy and Astrophysics. Avaliando a composição de quase 500 nebulosas planetárias do bojo – cerca de 100 observadas por eles e outras 400 por outros pesquisadores –, Escudero, Costa e Maciel constataram que nessa estrutura com diâmetro correspondente a um décimo da extensão da galáxia surgiram famílias de estrelas muito mais variadas do que se imaginava, com idades bastante distintas – daquelas com massas dezenas de vezes mais elevadas que a do Sol e ciclos de vida de uns poucos milhões de anos a estrelas de massa muito pequena e evolução lenta, quase contemporâneas ao início do Universo. Hábil em informática, Escudero desenvolveu um programa de computador capaz de simular como essa região da galáxia teria se desenvolvido. O cenário que correspondeu melhor às concentrações de elementos químicos observadas é o que indica o desenvolvimento do bojo em dois estágios principais. Inicialmente houve um colapso rápido de gás que em poucos milhões de anos originou um número grande de estrelas com massa elevada. Calcula-se que parte dessas estrelas evoluiu rapidamente e explodiu, lançando elementos químicos pesados em direção ao halo e ao disco da galáxia, ainda em estágio embrionário. Entre 1 bilhão e 3 bilhões de anos mais tarde, parte desse material ejetado é atraída de volta ao bojo, alimentando a formação mais lenta de uma nova geração de estrelas, mais enriquecida em elementos químicos que a geração anterior, sugerem os pesquisadores em artigo a ser publicado em breve na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. “Mas esse modelo do bojo não permite saber quanto gás foi ejetado do bojo nem quanto durou essa fase. Isso só poderá ser definido com dados mais precisos e modelos mais realistas”,

escreve Escudero. Maciel espera conseguir dados mais precisos assim que o aparelho usado para identificar os elementos químicos (espectrógrafo) do telescópio Soar, no Chile, entre em funcionamento.

N

o disco, o desenvolvimento parece ter sido bem mais lento, mas contínuo. Monica, Costa e Maciel compararam a concentração de elementos químicos pesados de nebulosas planetárias com tempos de evolução variados – cerca de 10 bilhões, 6 bilhões e 1 bilhão de anos. Verificaram que a concentração dos elementos mais pesados diminui progressivamente à medida que se vai do centro para a periferia da galáxia. Também a taxa em que ocorre essa redução mudou com o tempo: foi mais intensa no passado do que mais recentemente. A partir do que se passou com essa população de estrelas, os astrônomos imaginam que o disco foi se formando do centro rumo à periferia. Essa idéia é compatível com a observação das nebulosas. As mais antigas se concentram mais próximas ao centro, enquanto as mais jovens são encontradas perto do bojo, mas também muito distantes dali. “Nessa região mais distante do centro

galáctico, a formação de estrelas deve ter sido mais lenta”, comenta Costa. Esses dados corroboram as previsões feitas por dois modelos matemáticos de evolução da Via Láctea – um desenvolvido por astrônomos franceses, que atribui à evolução química da galáxia um peso maior para determinar sua estrutura atual, e outro criado por italianos, segundo o qual a Via Láctea alcançou a forma que tem em decorrência da movimentação de estrelas, planetas e nuvens de gás e poeira. Todos estão de acordo, mas apenas até a vizinhança do Sistema Solar. A principal dúvida é como o disco se comporta a partir daí, em direção à extremidade da galáxia. “Precisamos de informação sobre mais nebulosas planetárias dessa região, que é mais facilmente observada do hemisfério Norte”, comenta Costa. Enquanto esses dados não se tornam disponíveis, Monica Uchida tentará compreender o que se passa nessa região da galáxia usando outra estratégia. Em 2008 ela passará uma temporada com a equipe de Francesca Matteucci, em Trieste, Itália, estudando a composição química de galáxias espirais semelhantes à Via Láctea. Tentará, assim, descobrir a partir da observação de outras galáxias como a Via Láctea atingiu seu estágio atual. ■

Nebulosa da hélice: em azul, nuvem de poeira expulsa por estrela em estágio final de vida

JPL/NASA

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias

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Educação

Manuais pedagógicos O trabalho “Saberes em viagem nos manuais pedagógicos:construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970)”incorpora resultados de uma pesquisa realizada no doutorado,que examina,numa perspectiva sócio-histórico-comparada,manuais pedagógicos publicados em Portugal e no Brasil entre 1870 e 1970.O corpus é composto por 80 títulos sobre didática,pedagogia,metodologia e prática de ensino,dos quais 25 são portugueses e 55 são brasileiros.Esses livros resumiram a bibliografia educacional e explicaram aos futuros professores os vários elementos da cultura escolar,difundida em diferentes partes do mundo.O intuito da autora Vivian Batista da Silva,da Universidade São Francisco,é comparar referências mencionadas nas páginas dos manuais para compreender como elas foram usadas na construção das concepções sobre o magistério e conhecer,assim, modalidades de circulação e apropriação de conhecimentos produzidos em diversos lugares, épocas e áreas de saber.A história dos manuais pedagógicos proposta enfatiza,portanto,os modos pelos quais esses livros colaboraram com a difusão de um modelo de escola que hoje é conhecido mundialmente. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO – V. 12 – Nº 35 – RIO DE JANEIRO – MAIO/AGO. 2007

e em residências próximas.A pesquisa é de autoria de Cynara M.Rodovalho,Ana L.Santos, Marcus T.Marcolino,Ana M.Bonetti e Malcon A.M.Brandeburgo,da Universidade Federal de Uberlândia.As formigas coletadas foram identificadas como Tapinoma melanocephalum (Fabricius) e Camponotus vittatus (Forel) (Hymenoptera:Formicidae) e as cepas bacterianas encontradas pertenciam ao grupo dos estafilococos coagulase positivos, estafilococos coagulase negativos e bacilos gram negativos,tendo sido encontradas cepas resistentes a antimicrobianos. O estudo mostrou que algumas formigas carreavam bactérias não isoladas do mesmo ambiente e com níveis de resistência mais elevados,evidenciando o potencial transmissor desses insetos. NEOTROPICAL ENTOMOLOGY – V. 36 – Nº 3 – LONDRINA – MAIO–JUN. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/entomologia.htm

Saúde coletiva

História de um conceito

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/educacao.htm

Entomologia

Formigas de hospital Muitas espécies de formiga que tiveram sucesso na dispersão em áreas urbanas podem causar problemas em hospitais ao atuarem como vetoras,transportando bactérias.No estudo “Formigas urbanas e o transporte de bactérias nosocomiais”foram encontradas bactérias em formigas coletadas no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia,no campus

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Os conceitos de saúde e de doença são analisados em sua evolução histórica e em seu relacionamento com o contexto cultural,social,político e econômico no artigo “História do conceito de saúde”,do escritor Moacyr Scliar,também professor da Fundação Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre. O trabalho evidencia a evolução das idéias nessa área da experiência humana. PHYSIS: REVISTA DE SAÚDE COLETIVA – V. 17 – Nº 1 – RIO DE JANEIRO – JAN./ABR. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/saudecoletiva.htm

FOTOS EDU ARDO CESAR

O Sistema SciELO de Publicação contempla todo processo de publicação de periódicos, desde a submissão de artigos até a publicação on-line e envio de metadados. A característica principal do sistema é racionalizar a gestão e operação do processo de publicação e baixar os custos por meio da operação de serviços públicos de publicação eletrônico, prevendo que o periódico em papel seja um subproduto do eletrônico. Essa nova implementação da Metodologia SciELO, que se baseia na utilização intensiva de tecnologias de informação para a publicação on-line de periódicos científicos na internet, visa à melhoria dos procedimentos desenvolvidos pelos autores, revisores e editores relacionados ao processo de submissão de manuscritos e sua publicação, permitindo uma maior transparência no processo editorial.


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Psiquiatria

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Médicos e álcool O estudo “Uma experiência pioneira no Brasil: a criação de uma rede de apoio aos médicos dependentes de álcool e drogas. Um relatório preliminar” pretende apresentar a criação e o funcionamento de serviço específico para médicos no Brasil, descrever o perfil sociodemográfico, prevalência de transtornos mentais e dependência química entre médicos que buscaram o serviço. Foram realizadas entrevistas clínicas semi-estruturadas para diagnóstico de dependência de álcool/drogas e comorbidade psiquiátrica. Um perfil sociodemográfico e ocupacional foi obtido. Como resultado, 247 contatos foram feitos e 192 pacientes compareceram ao primeiro atendimento. Destes, 158 eram homens, a maioria casados (55%), com idade média de 42 anos. As causas de procura por atendimento foram: comorbidade entre transtorno mental e dependência química (67,7%), dependência química (20,8%), transtornos mentais (7,8%), burnout (4,2%). O intervalo médio entre a identificação do problema e a busca de tratamento foi de 7,5 anos. Desemprego (21,6%), problemas no exercício profissional (63,5%), problemas no Conselho Regional de Medicina (13%), internação psiquiátrica pregressa (31,2%) e automedicação (71,8%) associaram-se à gravidade dos problemas. A mudança de especialidade ocorreu em 9,3% da amostra. Os autores da pesquisa, Hamer Nastasy Palhares-Alves; Ronaldo Laranjeira; Luiz Antônio NogueiraMartins, da Universidade Federal de São Paulo, observaram uma prevalência alta de transtornos psiquiátricos bem como problemas psicossociais e profissionais nessa amostra. Serviços específicos de atenção à saúde mental dos médicos podem ter efeito catalisador nas mudanças culturais quanto à procura de ajuda, favorecendo a detecção precoce e tratamento. REVISTA BRASILEIRA PAULO – SET. 2007

DE

PSIQUIATRIA – V. 29 – Nº 3 – SÃO

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/psiquiatria.htm

Endocrinologia

Tireóide e câncer Os nódulos tireoidianos constituem a principal manifestação clínica de uma série de doenças da tireóide com uma prevalência de aproximadamente 10% na população adulta. O maior desafio é excluir o câncer da tireóide, que ocorre em 5 a 10% dos casos. Os carcinomas diferenciados respondem por 90% dos casos de todas as neoplasias malignas da tireóide. A maioria dos pacientes com carcinoma diferenciado apresenta, geralmente, um bom prognóstico quando tratada adequadamente, com índices de mortalidade similares à população geral. No entanto, alguns indivíduos apresentam doença agressiva, desafiando o conhecimento atual e ilustrando a complexi-

dade do manejo dessa neoplasia. No estudo “Nódulos de tireóide e câncer diferenciado de tireóide: consenso brasileiro”, os autores reuniram oito membros do Departamento de Tireóide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia & Metabologia, para elaborar, por consenso, as diretrizes brasileiras no manejo dos nódulos tireoidianos e do câncer diferenciado da tireóide. Os pesquisadores foram Ana Luiza Maia, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Laura S. Ward, da Universidade Federal de Campinas, Gisah A. Carvalho e Hans Graf, da Universidade Federal do Paraná, Rui M. B. Maciel, da Universidade Federal de São Paulo, Léa M. Zanini Maciel, da Universidade de São Paulo, Pedro W. Rosário, da Santa Casa de Belo Horizonte, e Mario Vaisman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os membros participantes representam diferentes centros universitários do Brasil, refletindo diferentes abordagens diagnósticas e terapêuticas. Inicialmente, cada participante ficou responsável pela redação de determinado tema a ser enviado ao coordenador, que, após revisão editorial e elaboração da primeira versão do manuscrito, enviou ao grupo para sugestões e aperfeiçoamentos. Quando concluído, o manuscrito foi novamente enviado e revisado por todos. A elaboração dessas diretrizes foi baseada na experiência dos participantes e na revisão pertinente da literatura. ARQUIVOS BRASILEIROS DE ENDOCRINOLOGIA & METABOLO– V. 51 – Nº 5 – SÃO PAULO – JUL. 2007

GIA

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/endocrinologia.htm

Física

Bola, taco, sinuca A sinuca é um jogo familiar entre os estudantes. Por isso é conveniente utilizá-la como exemplo no estudo do movimento de um corpo rígido, e não apenas nos problemas de colisões, frontais e laterais, como quase sempre aparece nos textos dos livros didáticos de física básica. No artigo “Bola, taco, sinuca e física”, de Eden V. Costa, da Universidade Federal Fluminense, se analisam os efeitos da tacada. São discutidas a tacada alta, a tacada baixa e se analisa o movimento da bola-projétil e da bola-alvo. Verifica-se que a altura do ponto onde o taco atinge a bola determina o tipo de movimento executado. O artigo mostra que o jogo de sinuca é um exemplo bastante útil para o estudo da dinâmica do corpo rígido. REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FÍSICA – V. 29 – Nº 2 – SÃO PAULO – 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo141/fisica.htm

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> TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

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MUNDO

> Mapeando genes de oleaginosas Um grupo de pesquisadores norte-americanos recebeu, em outubro, auxílio financeiro da Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, no valor de US$ 4,6 milhões para dar continuidade a pesquisas que empregam a genômica bioquímica para revelar componentes e caminhos da biossíntese necessária à produção de novos ácidos graxos em sementes oleaginosas. Os tipos e a quantidade de ácidos graxos em óleos vegetais possuem relação direta com as propriedades combustíveis do biodiesel. O objetivo básico do estudo, que congrega pesquisadores das universidades do Estado de Michigan, do Estado de Montana e da Stony Brook, de Nova York, é o desenvolvimento de uma nova geração de sementes especializadas que, no futuro, funcionem como

KEITH DRAKE

Material feito de semicondutores modifica refração da luz

Microscópios mais potentes

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explica por que as lentes precisam ser curvas, uma característica que limita a resolução das imagens. O novo material abre a possibilidade de desenvolvimento de lentes planas, que, teoricamente, permitiriam a construção de microscópios mais potentes, capazes de capturar imagens de objetos tão minúsculos quanto um DNA. Outros grupos de pesquisa já haviam criado um material que modifica a forma como a luz sofre refração, mas esta é a primeira vez que se consegue esse efeito com uma estrutura tridimensional e um material constituído unicamente por semicondutores (Nature Materials).

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> Mochila para resgates Um dos principais desafios enfrentados pelas equipes que atuam em locais de desastre, como terremotos, desabamentos ou avalanches, é o rápido atendimento às vítimas. Pensando nisso, os técnicos envolvidos no projeto Rescue (sigla em inglês para resposta a crises e eventos inesperados), liderado pela Universidade da Califórnia, criaram uma mochila high tech que agiliza a comunicação entre as pessoas envolvidas nesse tipo

Comunicação via satélite e rede sem fio em locais de desastres

UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA

Enquanto pesquisavam o desenvolvimento de lentes para uma nova geração de sensores, pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, criaram um material inédito que provoca a refração da luz de uma maneira jamais imaginada. A refração – passagem da luz de um meio para outro – sempre desvia a luz de uma forma única, enquanto o novo material, feito de camadas alternadas de semicondutores formados por grupos de três elementos químicos (índio-gálio-arsênio e alumínio-índio-arsênio), age como uma lente que refrate a luz numa direção oposta da usual. O fenômeno da refração

“fábricas verdes”, úteis para a produção de lubrificantes industriais, óleos solventes e biodiesel. Para atingir esse objetivo, os pesquisadores usaram os conhecimentos da genômica para acessar uma rede de genes e proteínas que sintetizam e acumulam novos ácidos graxos em sementes.


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de ação. Projetado a partir de informações de técnicos que integram equipes de resgate, o equipamento tem como diferencial o fato de proporcionar acesso a uma rede sem fio via satélite no local da ocorrência. Segundo a equipe que a desenvolveu, a mochila é fácil de usar e compatível com a maioria dos equipamentos wireless, o que dispensa o uso de aparelhos adicionais. Outra ferramenta que está em desenvolvimento é uma complexa plataforma de simulação de desastres chamada MetaSim, que permite pela combinação de diferentes situações planejar quais as melhores ações a serem tomadas antes e depois de acidentes.

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Pequeno notável no Japão Os salões de automóvel em todo o mundo são uma porta para as montadoras de veículos mostrarem o que de mais criativo estão produzindo em seus laboratórios para o futuro. São os carros conceito que muitas vezes surpreendem, como o Puyo, da Honda, mostrado no Tokyo Motor Show 2007, no Japão, em outubro. Ele possui uma carroceria sem canto, arredondada, feita de um material macio semelhante a um gel, que também reduz os efeitos de um acidente. O ruído provocado ao se tocar esse veículo resultou numa onomatopéia japonesa que deu o nome de Puyo

ao veículo. A carroceria também brilha na falta de luminosidade, proporcionando maior segurança e visibilidade a pedestres e outros veículos. Dentro da filosofia de veículo limpo que não emite poluentes, o Puyo é um automóvel com propulsão elétrica por meio de uma célula a combustível, equipamento que transforma hidrogênio em eletricidade. Outras novidades do carrinho são as portas abrindo como tesoura, para cima, e as quatro rodas dotadas de giro de 360 graus, o que facilita o ato de estacionar. Dentro do veículo um joystick está no lugar do volante.

Carroceria feita de material macio reduz efeitos de acidentes

> Novidades

totalmente flexíveis, o que permitiria a criação de displays luminosos e eletrônicos em qualquer material. Com isso, roupas LAURABEATRIZ

Uma drástica mudança na forma como são fabricados os tecidos de nossas roupas e na maneira que iluminamos nossa casa e escritório poderá ocorrer em breve por meio do uso de um filme plástico ultrafino que conduz eletricidade e, ao mesmo tempo, produz energia solar. Tais filmes seriam desenvolvidos com Oleds, sigla em inglês para diodos orgânicos emissores de luz. Esses dispositivos seriam

HONDA

orgânicas

ou embalagens poderiam mostrar informações eletrônicas a toda hora. Esses super-Oleds também poderiam nos avisar que a comida na geladeira estragou ou está dentro da validade e, numa emergência, o uniforme do policial seria capaz de emitir mensagens de alerta para o público. As pesquisas para esses tipos de Oleds estão sendo realizadas por um consórcio internacional liderado pela Universidade de Bath,

no Reino Unido, e com a participação de instituições e empresas dos Estados Unidos, China, Bélgica, Itália e Dinamarca. Atualmente essa tecnologia já é usada em pequenas telas, como as de celulares e tocadores de MP3. Em outubro a Sony apresentou em uma feira em Tóquio, no Japão, a primeira televisão produzida com Oleds. Ela possui 11 polegadas e apenas 3 milímetros de espessura, além de gastar menos energia elétrica.

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BRASIL

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LINHA DE PRODUÇÃO

Limpeza a seco no campo Uma nova tecnologia para limpeza de canade-açúcar cujo princípio de funcionamento é um processo a seco, que dispensa a utilização de água e outros insumos, foi desenvolvida pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) de Piracicaba, no interior paulista. O sistema de limpeza a seco tem como principal finalidade separar as impurezas vegetais, como a palha, e resíduos de terra que vêm junto com a cana colhida e pode ser empregado tanto para processar a planta inteira como a picada. A terra e outras impurezas minerais removidas são devolvidas para as lavouras enquanto os resíduos vegetais podem ser reaproveitados como combustível para a ge-

ração de energia elétrica, complementar ao bagaço, para as caldeiras. Outras vantagens decorrentes da nova tecnologia são o aumento da capacidade de moagem das usinas e da extração de açúcar da cana, além da diminuição do desgaste de equipamentos. O processo é estudado desde 1995 com o objetivo inicial de levar menor volume de matéria orgânica e minerais para a indústria com a implantação do corte mecanizado e o transporte de cana picada. A tecnologia foi desenvolvida em parceria com o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos, e a usina Equipav, de Promissão, do interior de São Paulo.

Sistema separa impurezas vegetais e terra da cana

> Videogames

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e minimizar os efeitos colaterais a partir do desenho de novos compostos com atividade anestésica. Os cálculos são feitos pelo chip Cell, que tem seis elementos de processamento extremamente rápidos. Com o chip, os pesquisadores conseguiram montar um cluster (conjunto) com 72 processadores, cada um com memória de 256 megabytes. Cada máquina, lançada há um ano pela Sony, foi comprada por cerca de R$ 1,58 mil.

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> Bambu em detalhes Chamado de “planta dos mil usos”, o bambu recebe uma minuciosa análise das suas espécies, formas de propagação, colheita MIGUEL BOYAYAN

Do universo de jogos a um aliado da ciência, um papel realmente inusitado para o videogame. Desde junho, uma rede com 12 PlayStation 3 interligados, com capacidade de realizar bilhões de cálculos por segundo, roda o sistema operacional Linux 24 horas por dia para auxiliar pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) a estudar a interação de anestésicos locais utilizados em odontologia com membranas celulares. O objetivo do trabalho coordenado pela pesquisadora Monica Pickholz, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biologia da Unicamp, com financiamento da FAPESP, é entender o mecanismo de ação desse tipo de fármaco para melhorar sua eficácia

CTC

na pesquisa

Usos diversos

e manejo, assim como suas múltiplas aplicações, tanto na forma natural como processada, no livro Bambu de corpo e alma, dos engenheiros agrícolas e professores Marco Antonio dos Reis Pereira, da Universidade Estadual Paulista, campus da cidade de Bauru, e Antonio Ludovico Beraldo, da Universidade Estadual de Campinas, lançado pela editora Canal 6 Projetos Editoriais. O livro, dividido em quatro capítulos, tem nas páginas finais indicações


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> Aprendizado

muito úteis para uma pesquisa ampla do assunto pela internet. Na contracapa um CD-ROM, com 1.500 imagens, mostra o bambu como matéria-prima em alimentos, artesanato, construções, além de produtos industrializados e paisagismo. LAURABEATRIZ

lúdico

> Horta e plantas medicinais

MIGUEL BOYAYAN

Cultivo prático

> Processamento concentrado Um supercomputador com 136 processadores e a maior memória compartilhada do Brasil, instalado na Universidade Federal do ABC, em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo, está sendo utilizado para pesquisas nas áreas de física, energia, nanociências, engenharias e matemática. A tecnologia desenvolvida pela empresa norte-americana Silicon Graphics permite tanto usar toda a memória compartilhada em um único projeto como rodar ao mesmo tempo diversos pequenos projetos. O supercomputador tem 272 gigabytes de memória RAM e mais de 15 terabytes de espaço disponível em disco.

do fungo Mycosphaerella fijiensis por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e de instituições dos Estados Unidos, Holanda, França e México. A próxima etapa é cruzar as informações resultantes do estudo do genoma do fungo, que deu origem a 5 mil genes seqüenciados, com os dados obtidos a partir do seqüenciamento do genoma da banana, concluído em 2005 pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, em parceria com outras instituições.

THURSTON/EMBRAPA

Ensinar como cultivar hortaliças, plantas medicinais, aromáticas e condimentares em pequenas áreas é o objetivo do boletim técnico Hortaliças e plantas medicinais: manual prático, lançado pelo Instituto Agronômico (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Produzir mudas, fazer a correção do solo, controlar doenças e pragas são informações encontradas no boletim com 72 páginas, que tem tabelas com dados que vão desde o valor nutricional das hortaliças a medidas para monitoramento e controle fitossanitário alternativo para pequenas hortas. A parte destinada às plantas medicinais conta também com uma tabela para cultivo com nome popular e científico, uso medicinal, época de plantio e de colheita.

Um jogo milenar de origem japonesa chamado Sudoku, que tem como base os algarismos de 0 a 9, serviu de inspiração para o desenvolvimento de uma versão educativa com elementos químicos. Dessa forma é possível estudar de forma diferente uma parte importante da química, a tabela periódica e suas propriedades. O Chemical Sudoku foi desenvolvido pelo Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, em parceria com a empresa Aptor Software, de São Carlos, no interior paulista. A regra é simples, basta inserir os elementos nas linhas e colunas sem que se repitam, mas para encontrar a solução é preciso usar a lógica. Para jogar, basta acessar o endereço www.cmdmc.com.br/sudoku.

> Fungo seqüenciado Um importante passo no combate à sigatoka negra – uma doença devastadora para a cultura da banana, que causa manchas escuras na superfície superior da folha e, com o crescimento delas, a queima da planta – foi dado com o seqüenciamento

Mancha nas folhas, sintoma típico da sigatoka negra PESQUISA FAPESP 141

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TECNOLOGIA

Luma: pequenas modificações para ser levado ao mar da Antártida

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RO B Ó T IC A

Robôs aquáticos Cinco veículos desenvolvidos no país exploram por operação remota o fundo do mar, rios, lagos e represas M ARCOS

LEO RAMOS

E

les não falam e passam longe da imagem humana com um tronco, dois braços e duas pernas, mas servem para ir onde o homem nunca esteve ou tem muita dificuldade em chegar, como no fundo do mar ou em áreas alagadiças da Amazônia. Por essa capacidade de substituir o homem, cinco máquinas desenvolvidas por pesquisadores brasileiros, que vão atuar essencialmente na água, podem ser chamadas de robôs. Um deles foi concebido para inspecionar dutos na Floresta Amazônica, para onde segue neste mês de novembro, e se locomover por meio de rodas especiais em rios e lagoas. Outro serve para inspeção de represas e do ambiente marinho e deve ser levado, também neste mês, para a região polar Sul para colaborar no levantamento da fauna, das algas e dos microorganismos que vivem no mar da baía do Almirantado onde está localizada a estação de pesquisa brasileira na Antártida. Dois deles, quando estiverem totalmente finalizados, poderão ser guiados, de forma remota, por um sistema de software e sensores, para inspecionar dutos marinhos, explorar a topografia do fundo do mar e colaborar na prospecção de petróleo. O último passa pelos retoques finais para inspecionar, principalmente, o fundo de rios e vistoriar a fundação de pontes. Os cinco são

DE

O LIVEIRA

os mais recentes representantes desse tipo de tecnologia que está em pleno crescimento no mundo. Poucas empresas, entre norueguesas, canadenses e japonesas, produzem tais robôs, mas várias universidades e centros de pesquisa mundo afora estão desenvolvendo esses artefatos aquáticos e robóticos. O brasileiro que será levado para a Antártida foi concebido inicialmente para inspecionar túneis subaquáticos de usinas hidrelétricas que levam a água das barragens até as turbinas. O robô foi elaborado e construído na Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharias (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para a Ampla, empresa distribuidora de energia elétrica, antiga Companhia Elétrica do Estado do Rio de Janeiro (Cerj), usar na inspeção de suas hidrelétricas. Munido de câmeras fotográficas, o robô já foi usado em inspeção de barragens. Ele foi finalizado em 2006, depois de três anos de desenvolvimento.“Depois disso surgiu o interesse dos colegas da biologia marinha da UFRJ sobre minha sugestão de usar o robô para exploração do mar antártico durante o Ano Polar Internacional (API), de março de 2007 a março de 2009. Pedimos uma licença de uso para a Ampla e começamos a adaptar o Luma (o nome do robô) para o ambiente polar Sul”, diz o professor Liu Hsu, coordenador do

projeto. O nome Luma, de acordo com Hsu e outro pesquisador,Ramon Romankevicius Costa, se deve ao fato de só existirem homens na equipe. Eles contam que a referência a Luma de Oliveira, madrinha de bateria de várias escolas de samba do Rio de Janeiro, pode ter sentido, mas desconversam. O principal desafio dos pesquisadores agora é adaptar o Luma para mergulhar na Antártida até a profundidade de 500 metros, porque o robô foi construído para operar, no máximo, a 50 metros.“Para isso trocamos a estrutura, que era de alumínio, para um material plástico, um polímero chamado de acetal, muito denso e resistente a deformações”, diz Costa. Outra adaptação é a substituição de um criativo sistema de flutuadores com garrafas PET, as garrafas plásticas usadas em refrigerantes e água mineral. Elas, por serem muito resistentes, fazem o papel de compensadores em relação ao motor que empurra o robô para o fundo do mar. “Qualquer problema de mau funcionamento do motor, o Luma volta à superfície e bóia”, diz Costa. “Elas são pressurizadas e recebem até 80 libras, algo como três vezes mais que os pneus de um carro de passeio.” Mas na Antártida, com pressões maiores no fundo do mar, as garrafas PET não vão agüentar. Em outubro, eles testavam garrafas de alumíPESQUISA FAPESP 141

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LÉO RAMOS

CENPES/PETROBRAS

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Chico Mendes: testes na Amazônia e detalhe do braço mecânico no laboratório do Rio de Janeiro

nio e espumas sintéticas muito rígidas no lugar do plástico. No mar antártico o Luma vai participar da identificação da diversidade de organismos marinhos.“Colaboramos com o Censo de Vida Marinha Antártica (CAML, na sigla em inglês), que inclui projetos de vários países, inclusive 30 da América do Sul, que possuem programas antárticos (Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Peru e Equador). O Brasil lidera quatro projetos do API para conhecer melhor a biodiversidade da Antártida, e, a longo prazo, averiguar se aqueles seres marinhos têm relação com os existentes na margem continental brasileira”, diz a professora Lúcia de Siqueira Campos, do Instituto de Biologia da UFRJ, que participa do comitê científico do CAML.“O robô vai nos ajudar a conhecer melhor o fundo do mar, por meio de coleta de amostras e do registro de organismos marinhos via câmera fotográfica e sensores capazes de medir características ambientais como temperatura e quantidade da luz solar que chega até o fundo, por exemplo”, diz Lúcia. No mar da baía do Almirantado, um mergulhador pode ir até, no máximo, a 30 metros de profundidade e consegue ficar na água, com roupas apropriadas, por 15 a 20 minutos. Para os testes de adaptação do Luma à Antártida, foram usadas câmaras fri68

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goríficas, principalmente para os componentes eletrônicos, sensores para navegação e câmeras fotográficas e de vídeo, que serão três. “Uma delas será capaz de tirar fotos e filmar em alta resolução”, diz Costa. Ele ressalta que toda a tecnologia de navegação e softwares de controle foram desenvolvidos na Coppe. Com 90 centímetros (cm) de comprimento, 60 cm de altura e 70 cm de largura –, ele carrega quatro propulsores, ou motores elétricos, que movem duas hélices –, o robô estará ligado a um barco por dois cabos. Um serve para levar a energia elétrica aos motores e o outro para a transmissão de dados de controle, de navegação e de imagens. Robôs aquáticos ligados a cabos nos barcos são chamados de ROVs, sigla em inglês para veículos remotamente operados.

O PROJETO Desenvolvimento de tecnologia para inspeção de túnel de adução com robô subaquático COORDENADOR

LIU HSU – Coppe-UFRJ INVESTIMENTO

R$ 380.000,00 (Ampla-Aneel)

Embora não mergulhe, outro veículo com controle remoto é o Chico Mendes, nome em homenagem ao líder seringueiro e ambientalista do Acre morto em 1988. Ele foi produzido pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), no Rio de Janeiro. “Ele vai flutuar sobre a água, na lama, andar sobre vegetação flutuante, terra e pedras e por isso é chamado de Robô Ambiental Híbrido”, diz o pesquisador e coordenador do projeto Ney Robinson Salvi dos Reis.

O

projeto nasceu da necessidade da empresa quando da aprovação do gasoduto Coari–Manaus, com uma extensão de 420 quilômetros, em grande parte de mata nativa entrecortada por rios. O robô faz parte do projeto Piatam, sigla de Potenciais Impactos e Riscos Ambientais da Indústria do Petróleo e Gás no Amazonas, mantido pela Petrobras.“A pergunta que nos fizemos foi como chegar nos pontos de interesse dentro desse complexo ecológico sem provocar maiores danos. Precisávamos de um artefato que andasse sobre aqueles terrenos e nos mostrasse o que estava lá”, diz Reis. “Mas o principal objetivo do robô é rodar sobre um gasoduto e verificar possíveis problemas de vazamento.” A monitoração começa quando ele estiver pronto em 2008.


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ETTORE BARROS/POLI-USP

EDUARDO CESAR

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Pirajuba: protótipo para estudos e imagem de computação gráfica mostrando o comportamento do veículo na água

O Chico Mendes também tem potencial para colaborar em pesquisas ambientais e de saúde pública e até mesmo como transporte para os habitantes locais. Para se movimentar, o Chico Mendes possui rodas e suspensão que reconhecem o tipo de terreno. Um sistema computadorizado no próprio veículo processa as informações dos sensores de navegação e configura automaticamente o conjunto de tração. Ele é teleoperado a distância por um sistema de rádio e se move com energia elétrica fornecida por baterias de níquel e painéis solares. A concepção e o desenvolvimento do Chico Mendes renderam três patentes, uma do design do veículo, outra da suspensão e, a terceira, do tipo da roda. “Reinventamos a roda”, brinca Reis. Para ele o sucesso do projeto está na multidisciplinaridade da equipe composta por vários alunos, da graduação ao doutorado, e técnicos de universidades e outros centros de pesquisa como UFRJ, Universidade Federal de Santa Catarina, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Amazonas. Reis conta que os maiores desafios para adaptar o veículo ao ambiente amazônico são a umidade e o sinal de rádio que é atenuado pela floresta. Depois de levar o segundo protótipo teleguiado para a região do gaso-

duto Coari–Manaus, este mês, Reis pretende ampliar ainda mais o Chico Mendes, agora transformando-o numa unidade tripulada. “O que vai em novembro para a Amazônia, pela segunda vez, para teste de sensores e controle de navegação é o modelo M, de médio, o G, de grande, está em fase de desenho industrial.” Um outro robô aquático brasileiro desenvolvido na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) não poderá levar tripulantes porque se tiver o tamanho para isso será um submarino. Foi planejado para ser um robô autônomo, que não precisa de cabos de energia e controle ligando-o ao barco.

O PROJETO Desenvolvimento de veículos autônomos submarinos de baixo custo. Parte A: manobrabilidade e sistema de propulsão MODAL IDADE

Linha Regular de Auxílio a Pesquisa COORDENADOR

ETTORE APOLÔ NIO DE BARROS – USP INVESTIMENTO

R$ 78.75 0,00 (FAPESP)

Trata-se de um robô conhecido por AUV, sigla em inglês de veículo autônomo submerso, que cumpre missões nos oceanos no levantamento de atividades geológicas do fundo do mar e no auxílio à prospecção de petróleo, atividade que cresce em todo o mundo.

O

veículo leva o nome de Pirajuba, do tupi “peixe amarelo” e já foi testado nos tanques de prova do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, em relação aos estudos hidrodinâmicos, que se referem a como a forma do veículo é afetada pelas forças de resistência da água e qual o comportamento das manobras. O coordenador do projeto é o professor Ettore Apolônio de Barros, do Laboratório de Veículos Não-Tripulados do Departamento de Mecatrônica da Poli. Ele explica que robôs desse tipo navegam sozinhos por meio de um computador de bordo que leva instruções em um software. É preciso programar o percurso, profundidade e outros parâmetros para ele ir a um determinado lugar e voltar. O sistema de navegação pode, inclusive, se basear em sinais de sonares, equipamentos que emitem ondas sonoras em ultra-som. Com o sonar, é possível fazer os cálculos da distância entre o emissor e o receptor. Os resultados nos estudos hidrodinâmicos também são úteis para dimi-

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JUAN Á VILA/POLI-USP

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L aurs: configuração para descer até 2 mil metros de profundidade, testada em piscina na U S P

nuir o consumo de energia, que nesses robôs é suprido por baterias como as de lítio, similares às usadas em telefones celulares, e as de chumbo ácido, iguais às dos automóveis. “Estamos estudando uma combinação entre baterias de chumbo e de lítio.” As baterias fazem funcionar um propulsor dotado de hélices. Barros trabalha em conjunto com o Instituto Superior Técnico, da Universidade Técnica de Lisboa, em Portugal, e o Instituto Oceanográfico de Goa, na Índia. “Os indianos têm o veículo e eu peguei o modelo, em que fazemos estudos sobre hidrodinâmica, e me baseei em sua geometria para um outro projeto e construção do nosso AUV”, diz ele. “Os experimentos com o AUV português acontecem normalmente no arquipélago dos Açores para verificação de vulcões, levantamento topográfico do fundo do mar e coleta de plâncton.”Barros explica que esses robôs marítimos têm um histórico militar, com desenvolvimentos na antiga União Soviética e nos Estados Unidos, com uso inclusive na Guerra do Golfo, em 1991. “Os AUVs atuais se beneficiam da experiência militar, além de os custos dos computadores terem caído. Mas é difícil obter no mercado os chamados sistemas inerciais de alto desempenho para navegação, baseados em sensores como acelerômetros e giroscópios (que fornecem parâmetros 70

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de velocidade e inclinação do veículo) porque podem ser utilizados também em aplicações militares e ao conseqüente embargo a que o Brasil é submetido nesta área.” O jeito é combinar sensores baseados em outras tecnologias mais acessíveis como os sonares. Atualmente várias empresas estão com protótipos ou AUVs comerciais nos Estados Unidos, Noruega e Japão. Os AUVs são uma opção aos ROVs mais difundidos comercialmente porque não têm a limitação de cabos que precisam ser longos, além de a operação ser prejudicada pela ondas e correntes marítimas mais próximas da superfície. Entretanto, a falta de cabos do AUV não permite que as imagens captadas no fundo do mar sejam imediatamente vistas pela equipe do barco – eles podem gravar as imagens para posterior análi-

O PROJETO Robô subaquático Laurs COORDENADOR

JULIO CEZ AR ADAMOW SK I – USP INVESTIMENTO

R$ 300.000,00 (CTPetro-Finep) R$ 15 0.000,00 (CTPetro-CNPq)

se. No projeto de Barros está previsto que o robô navegue a uma velocidade máxima de 2 metros por segundo (m/s). Os valores dos AUVs em operação variam de 1 a 2,5 m/s. O casco do modelo é de fibra de vidro, mas pode ser feito de alumínio, aço ou titânio, desde que o material seja leve e resistente. O robô mede 1,8 metro de comprimento e tem diâmetro de 0,24 metro.

E

m outro laboratório da engenharia mecatrônica da Poli, um grupo coordenado pelo professor Julio Cezar Adamowski realiza a integração e os testes em outro protótipo de robô submarino, projetado para atuar em águas profundas. É o Laurs, sigla do Laboratório de Ultra-som e Robótica Submarina da USP, que pode ser considerado um ROV porque possui um cabo fino para o controle remoto do veículo e sinais de vídeo. Ou ainda como um AUV, por levar baterias. “Com um cabo fino só para transmissão de dados, a movimentação do Laurs é mais simples que um ROV convencional”, diz Juan Pablo Julca Ávila, doutorando do grupo. O Laurs foi pensado inicialmente para recuperar transponders em águas profundas, em torno de 2 mil metros de profundidade. Esses equipamentos fazem a sinalização acústica para o posicionamento de navios de perfuração de


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FOTO E IMAG EM DE ANTÔ NIO AMORIM/FATE-JAÚ

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Jaú I e II: o primeiro, em barragem do rio Tietê, e o segundo, em protótipo e desenho esquemático

poços de petróleo. O projeto começou em 2000, a partir de uma iniciativa do Cenpes da Petrobras e uma equipe de pesquisadores do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Poli-USP com apoio financeiro do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural (CTPetro). Além da recuperação de transponders, o Laurs pode também ser adaptado para outras funções como coletar animais e plantas marinhas. Ele mede 1,2 metro (m) de largura, 0,8 m de altura e 1,4 m de comprimento. O veículo já passou por testes no tanque de provas do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli e na piscina do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) para identificação dos parâmetros hidrodinâmicos e teste do sistema de controle. Neste ano ainda serão instalados novos sensores para a navegação do robô e novos testes experimentais serão realizados antes de ser levado para o mar. Entre tantos veículos avançados, provavelmente, o decano dos robôs aquáticos brasileiros é o Jaú, que já está na segunda versão em preparo na Faculdade de Tecnologia (Fatec) de Jaú. O Veículo Submersível Não-Tripulado (VSNT)-Jaú I foi desenvolvido entre 1995 e 1998, sob a coordenação dos professores Antônio Eduardo Amorim e Luís Alberto Sorani. A nova versão, o Jaú-II, já passou pelos primeiros testes

de análise hidrodinâmica nos tanques de prova do IPT. Desde o primeiro modelo, o objetivo dos Jaús é operar em atividades subaquáticas para análise e vistoria de obras como pontes, barragens, além de verificar o casco de embarcações, cabos submersos e condições do leito de rios. “O Jaú I foi feito com verba de cerca de R$ 5 mil doada pelo Consórcio Intermunicipal do Vale dos Rios Tietê–Paraná e conta com dois alternadores de trator convertidos para motor elétrico. Não tinha computador de bordo, mas chegou, em 1998, a uma profundidade de 30 metros na eclusa do rio Tietê na cidade de Barra Bonita e obteve imagens com uma câmera de videocassete”, lembra. Ele tinha um cabo

O PROJETO Veículo submersível VSNT-Jaú II MODAL IDADE

Programa de Apoio a Jovens Pesquisadores COORDENADOR

ANTÔ NIO EDUARDO ASSIS AMORIM – Fatec-Jaú INVESTIMENTO

R$ 55.5 6 0,00 (FAPESP)

de dados e outro para as imagens.“Agora o Jaú II terá apenas um cabo, para transmissão de imagens, via câmera digital, e para a transmissão de dados e comandos. Terá um computador de bordo para torná-lo autônomo, além de baterias a bordo”, diz Amorim. O Jaú II conta também com a colaboração do professor Hélio Morishita, do Departamento de Engenharia Naval da PoliUSP, e do professor Humberto Ferasoli Filho, da Ciência da Computação da Unesp de Bauru. Nos sistemas eletrônicos que estão sendo integrados está incluso um sistema de sonar e outro de laser para ser acoplado às câmeras e determinar a distância de obstáculos durante a navegação. O veículo terá seis motores.“Utilizamos um tipo de motor elétrico, o de corrico, usado em pescaria, que faz deslizar o barco quando o motor principal é desligado ao se aproximar de um cardume. Nosso robô é feito com o maior número de peças adaptáveis e baratas disponíveis no mercado brasileiro.” O primeiro teste do VSNT-Jaú II deverá ser feito em algum rio da região central do estado no início de 2008. Os pesquisadores acreditam que quando estiver pronto uma empresa possa se interessar na transferência de tecnologia ou os próprios alunos possam montar uma empresa e prestar serviços com o robô. ■ PESQUISA FAPESP 141

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> IN F O R M Á T ICA

Controle de perdas Softw are ajudará distribuidoras de energia elétrica a reduzir desperdícios Y URI VASCONCELOS

O

sistema elétrico brasileiro,baseado principalmente em hidrelétricas,gerou 416 mil gigawatts/hora em 2006.Desse total,cerca de 21% perderam-se durante as etapas de geração,transmissão e distribuição. Parte desse desperdício poderia ser evitada se as 64 empresas de distribuição que operam no país contassem com softwares mais sofisticados que as auxiliassemna rápida tomada de decisões,revertendo falhas técnicas e operacionais do sistema.A boa notícia é que,desde julho deste ano, a Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico,empresa de base tecnológica de São Carlos,no interior paulista,oferece um novo aplicativo capaz de ajudar as concessionárias a planejar e gerenciar melhor suas operações. Trata-se de um sistema computacional que mostra imagens em três dimensões,com base na tecnologia SIG (sistemas de informação geográfica),que cria um ambiente virtual,interativo e georreferenciado na tela do computador dos operadores responsáveis pela gestão do sistema elétrico nacional.SIG são sistemas automatizados utilizados para armazenar,analisar e manipular dados geográficos. Batizado de ENS3D (de energy network system 3D), o software fornece três ambientes de visualização.O primeiro,chamado de diagrama unifilar ou temático,é uma representação do sistema elétrico de determinada região.Ele dá uma visão precisa de todos os elementos da rede (postes,transformadores,chaves,cabos e linhas de transmissão),que são expressos por meio de círculos,quadrados e traços.O segundo ambiente é um mapa de navegação em duas dimensões da cidade, que permite a localização geográfica do que está sendo representado no diagrama temático.O fundo desse mapa é uma foto do satélite norte-americano QuickBird,que oferece imagens de alta resolução da superfície da Terra.O terceiro ambiente de visualização,o SIG 3D,é uma maquete tridimensional da cidade.Com ela,o técnico tem uma representação real do lugar analisado.Além de contar com informações como latitude e longitude,ele consegue visualizar detalhes de sua topografia (elevações, depressões etc.) e das construções

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na área.Uma inovação do aplicativo está na adoção de uma interface homemcomputador (IHC) integrada.A IHC é a área da computação que estuda a melhor forma de se relacionar com o computador e interagir com o software. Os três ambientes são sincronizados e ao se movimentar um dos ambientes os outros dois também se deslocam de forma georreferenciada. “A grande vantagem de nosso aplicativo é que ele facilita a visualização de situações complexas,cuja representação só seria possível por meio de um grande volume de mapas ou documentos.E, ao possibilitar uma melhor compreensão das relações espaciais existentes entre os elementos do sistema elétrico analisados,permite,de forma interativa,que o usuário faça uma interpretação mais ágil e precisa de uma grande quantidade de informações”,explica Antônio Valério Netto,fundador da empresa e líder do grupo que criou o aplicativo.Com isso é possível poder tomar decisões mais contextualizadas e com menos riscos de erro.“Errando menos,tem-se custos menores”,diz Valério. Fluxo e fraudes - Um exemplo de de-

cisão a ser tomada com base nas informações do ENS3D é o fechamento ou abertura das chaves que controlam o fluxo de energia elétrica pela rede.“A identificação rápida do contexto espacial onde estão os elementos elétricos do sistema de distribuição de energia na cida-


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CIENTISTAS ASSOCIADOS

Imagem da cidade de São Carlos em 3D, acima, e do satélite: perspectivas diferentes

de, como nome de ruas ou prédios importantes existentes na região, é essencial para uma decisão sem erros. Os softwares convencionais utilizados atualmente pelas concessionárias não fornecem a riqueza de dados geográficos que o nosso oferece”, explica Valério Netto. O aplicativo também poderá ajudar as distribuidoras de energia no trabalho de inspeção da rede e no combate às fraudes. “O aplicativo cria mapas temáticos com a representação dessas fraudes de modo que o gestor pode definir um plano de ação mais eficiente e de menor custo, considerando a distribuição espacial das ocorrências.” O software, ressalta Valério Netto, é inédito em sua concepção (três interfaces integradas, georreferenciadas e com ambiente tridimensional) e não tem concorrentes no Brasil. De acordo com ele, boa parte dos programas utilizados pelas empresas do setor elétrico foi desenvolvida nas décadas de 1980 e 1990 e, por isso, possui uma interface com limitações para exposição de conteúdo.“Apenas um número reduzido de distribuidoras conta com soluções que envolvem o SIG 2D, mas nenhuma utiliza o SIG 3D. A grande dificuldade de implantação de um sistema SIG está nos custos e prazos envolvidos. Normalmente, é uma decisão de alto escalão, da presidência ou da diretoria”, diz o dono da Cientistas Associados, empresa instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cinet) da Fundação Parqtec

e que agrega profissionais das áreas de software e hardware em projetos distintos com o objetivo de produzir inovação (ver Pesquisa FAPESP n° 118). O ENS3D levou dois anos para ficar pronto e seu desenvolvimento foi realizado por uma equipe multidisciplinar composta por pesquisadores da computação das áreas de engenharia de software, sistemas inteligentes e IHC, além de engenheiros (elétrico e cartógrafo) e arquiteto. O projeto viabilizou-se com o apoio financeiro da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe). O modelo de negócio adotado pela Cientistas Associados tem como objetivo vender o

O PROJETO Sistema computacional para redução de perdas em redes de distribuição de energia com interface em realidade virtual MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) COORDENADOR

ANTÔNIO VALÉRIO NETTO – Cientistas Associados Desenvolvimento Tecnológico INVESTIMENTO

R$ 264.328,90 (FAPESP)

serviço de consultoria e implantação da tecnologia. Até o final de outubro, foram realizados alguns eventos de apresentação da tecnologia para as concessionárias do país. Além de auxiliar o gerenciamento do setor elétrico, o software também pode ser usado para outras finalidades, como planejamento urbano, otimização do sistema viário, análise de impacto ambiental, planejamento de infra-estrutura e monitoramento de sistemas de água e esgoto. “Já apresentamos nosso produto para três empresas de distribuição de água no estado de São Paulo e para várias secretarias municipais de desenvolvimento urbano e de habitação. Também fomos sondados por grandes condomínios de casas de alto padrão”, diz Valério. O pesquisador e empresário está otimista quanto ao sucesso do produto e estima que, até o final de 2008, o software e o pacote de serviços vendidos em conjunto proporcionem receitas da ordem de R$ 1,2 milhão.“Detectamos um nicho de mercado não explorado no Brasil e na América Latina, que é o SIG 3D, e decidimos apostar nele”, diz Valério Netto.“Temos trabalhado na divulgação da tecnologia 2D e 3D para que ela represente pelo menos 40% do nosso faturamento nos próximos dois anos. Os projetos SIG possuem um valor agregado alto e podem ser integrados com outros aplicativos de gestão que já existam em empresas privadas e instituições governamentais”, explica. ■ PESQUISA FAPESP 141

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> NOVOS MATERIAIS

Leve e resistente Curauá substitui fibra de vidro em peças de carro e entra na composição de vigas à prova de terremotos D INORAH E RENO

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fibra de curauá, uma bromélia de grande porte da região amazônica, pelas suas propriedades mecânicas de alta resistência, baixa densidade – capaz de conferir leveza ao produto final – e potencial para reciclagem, está cotada para substituir a fibra de vidro empregada como reforço ao plástico na fabricação de peças com características reduzidas e detalhadas, produzidas pelo processo de moldagem por injeção, como botões do painel de carros, maçanetas e dobradiças de quebra-sol. Peças de grandes dimensões, como a parte interna das portas e a tampa do compartimento de bagagem de alguns modelos de carros, já são fabricadas por um outro processo com a fibra vegetal como parte de sua composição, mas a demanda tem crescido rapidamente, muito além do que é produzido atualmente no país, reflexo do interesse despertado pela possibilidade de vários usos, com resultados comprovados, da matéria-prima extraída das folhas do curauá (Ananas erectifolius), que pertence à mesma família do abacaxi. Entre os usos estão caixas-

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d’água, piscinas, tecidos antialérgicos e até a utilização da fibra vegetal como material substituto para as vigas de ferro usadas no lugar de concreto em países como o Japão, que enfrentam problemas de tremores de terra de alta intensidade, pela sua alta resistência mecânica e leveza. A sobra da moagem da folha resulta em um produto chamado mucilagem, que pode ser usado tanto para ração animal, porque contém 7% de proteína, como na fabricação de papel pela indústria de celulose e adubo orgânico.“Existe hoje uma demanda da indústria automobilística e têxtil em torno de mil toneladas de fibra por mês”, diz o pesquisador Osmar Alves Lameira, da Embrapa Amazônia Oriental, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Belém, no Pará, que estuda o curauá. A produção atual brasileira, concentrada em Santarém, no Pará, é de 20 toneladas. Mas é uma cultura que está começando a se expandir, em razão do interesse despertado pelas pesquisas feitas com o material. “Agricultores de regiões localizadas na rodovia Belém–Brasília e em municípios como Santo Antônio do Tauá e Vigia, próximos à baía do Marajó, estão começando a se organizar e plantar o curauá”, diz Lameira. “A idéia é formar grupos para plantar em escala maior.” Os estudos que resultaram no compósito feito de plástico e fibra de curauá, cotado para substituir a fibra de vidro

em peças fabricadas pelo processo de moldagem por injeção não só na indústria automobilística como também na eletroeletrônica, como revestimento externo de gravadores, capas de celulares e de ferramentas elétricas, foram coordenados pelo professor Marco-Aurélio De Paoli, diretor do Laboratório de Polímeros Condutores e Reciclagem, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com a empresa multinacional GE Plastics South América, hoje Sabic Innovative Plastics, instalada no Distrito Industrial de Campinas, no interior paulista. “A fibra de vidro é uma matéria-prima que requer um alto consumo de energia para ser produzida e, além disso, os produtos feitos com esse material não podem ser reciclados por nenhum processo conhecido atualmente”, diz De Paoli.Ao término de sua vida útil, o destino final do plástico reforçado com a fibra de vidro é o aterro sanitário. Reciclagem térmica - A fibra do cu-

rauá é produzida com baixo consumo energético, necessário apenas no processo de extração e moagem da planta. Outra vantagem é que ela tem uma densidade menor que a de vidro, o que significa produtos mais leves. No caso do mercado automobilístico, essa é uma característica interessante, porque representa menor consumo de combustível. A reciclagem também conta pontos a favor da fibra vegetal. Os produ-

tos feitos com esse material podem ser reciclados pelo processo térmico.“Sem contar que, durante a queima da fibra, é produzido menos monóxido de carbono do que a planta consumiu durante o seu crescimento”, diz De Paoli. O compósito, que tem um pedido de patente nacional e outro internacional, é fruto do desdobramento de uma pesquisa iniciada em 2000 pelo grupo de pesquisa liderado por De Paoli, que tinha como objetivo investigar se a fibra vegetal seria uma boa alternativa para substituir a de vidro no reforço de termoplásticos – os plásticos moldados a quente, como polietileno, polipropileno, policarbonato e náilon, entre outros. O interesse pela fibra surgiu durante um congresso em 2000, quando De Paoli conheceu os resultados de estudos conduzidos pelo professor Alcides Lopes Leão, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu com o curauá (ver Pesquisa FAPESP nº 104). A diferença entre as duas linhas de pesquisa é que o professor da Unesp desenvolve compósitos da fibra com materiais que têm como base o polipropileno por um processo conhecido como termoformagem, que utiliza o calor para fazer a mistura e prensá-la, enquanto o da Unicamp usa o sistema de extrusão e moldagem das peças por injeção, o que resulta em um produto final com aplicação bastante distinta. “O primeiro trabalho desenvolvido pelo nosso grupo misturava por extru-

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Fibra seca de curauá usada no compósito com plástico


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EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL

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Plantio de curauá com espécie usada em reflorestamento e fruto da planta (no detalhe)

são a fibra vegetal com o polipropileno reciclado, plástico usado para produzir embalagens, caneta e cestos de lixo”, relata De Paoli. E resultou em um registro de patente depositado pela Unicamp em março de 2002. Alguns meses depois, o pesquisador foi procurado por Paulo Santos, gerente de tecnologia aplicada da América do Sul da empresa GE Plastics, comprada em maio deste ano pela Sabic, da Arábia Saudita, que se interessou pelos resultados obtidos. A empresa não trabalha com o polipropileno, mas com os chamados plásticos de engenharia, utilizados em peças de automóveis, eletroeletrônicos e peças estruturais devido a características específicas como apresentar grande resistência a impactos e não se deformar quando expostos a altas temperaturas. “Ficamos interessados na pesquisa porque a indústria automotiva, principalmente a japonesa e a européia, está em busca de peças que possam ser recicladas”, diz Santos. Entre os plásticos de engenharia foi escolhido o náilon 6, 76

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que já é fabricado com reforço de fibra de vidro há muito tempo. O agente de reforço é um aditivo usado para modificar as propriedades mecânicas do termoplástico, que são de resistência a impacto ou a fricção. A escolha do náilon 6 foi estratégica para o sucesso da pesquisa. “Como ele tem um ponto de fusão baixo, menor do que o da degradação da fibra vegetal, achamos que não haveria problemas de compatibilidade na temperatura de fusão dos materiais”, diz Santos. Um fator limitante na mistura de plásticos com a fibra vegetal é que ela começa a se decompor termicamente por volta de 220ºC e muitos termoplásticos são processados a temperatura mais elevada. Boa interação - O convênio firmado

com a Unicamp, no início de 2003, previa o fornecimento do produto pela empresa e a contratação de um aluno de química como estagiário, no caso a contratada foi Karen Fermoselli, o financiamento de material de consumo e a ma-

nutenção dos equipamentos. A universidade, em contrapartida, entrou com o laboratório e o conhecimento científico. A fibra de curauá foi cedida pela empresa Pematec, que cultiva a planta no Pará. A obtenção de um compósito formado pelo náilon 6 e a fibra vegetal com as mesmas propriedades encontradas na mistura que leva a fibra de vidro só foi possível depois que o material foi processado em uma extrusora dupla rosca da empresa, que trabalha em escala piloto. “Para obter o compósito é preciso promover uma boa interação entre o termoplástico e a fibra”, diz De Paoli. Para isso, pode-se recorrer a várias estratégias. A fibra de vidro, por exemplo, recebe um tratamento químico prévio. Com o náilon é necessário tomar algu-


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mas precauções porque, na presença de umidade, ele sofre uma reação de hidrólise que pode alterar a composição química do material. No caso da fibra vegetal, os pesquisadores testaram vários tratamentos, muitos deles relatados na literatura científica. “No final chegamos à conclusão de que não tratando e nem secando conseguíamos uma melhor adesão entre a fibra e o náilon”, diz De Paoli. Com isso, obteve-se uma substancial economia de energia. O uso da extrusora dupla rosca permitiu desfibrar a fibra, que originalmente é um feixe de microfibrilas, ou seja, são fibras pequenas e delgadas, visíveis apenas com o microscópio eletrônico. “Isso significa que estamos reforçando o plástico com microfibrilas e, com isso, a resistência é maior”, relata De Paoli. Tudo isso é feito em uma única etapa, dentro da extrusora. A empresa ainda não definiu a data de lançamento do produto, pois não terminou de adaptar as suas máquinas extrusoras e os equipamentos que vão misturar a fibra ao plástico. A maior dificuldade enfrentada hoje no processo refere-se à alimentação da fibra na extrusora. A baixa densidade do material, que é uma vantagem para dar leveza ao produto final, gera um volume grande para o manuseio e complica a alimentação na rosca. “Estamos trabalhando com várias alternativas para equacionar isso”, diz Santos. Uma possibilidade em estudos é preparar previamente a fibra, transformando-a em um aglomerado antes de ser colocada no alimentador. Outra é trabalhar com um dosador específico para cargas mais leves. Para isso, a Sabic está projetando, em parceria com uma pequena empresa do interior paulista, um dosador, já que os existentes hoje destinam-se a materiais mais pesados, como fibra de vidro, talco, carbonato de cálcio ou fibra de carbono. Transposto esse obstáculo, outra questão que precisa ser equacionada é o fornecimento da fibra a preços competitivos.“Inicialmente tínhamos a expectativa de que a fibra de curauá fosse mais barata que a de vidro”, diz Santos. Isso ainda não ocorre por conta da baixa oferta da matéria-prima para atender à demanda. Estudos realizados no Pará mostraram que o plantio do curauá consorciado com espécies utilizadas em reflorestamento, como paricá, mogno e

a madeira clara usada em cabos de facas, tábuas para cortar carne, cabos de martelos e enxadas produzidos pela empresa. Os resultados dos estudos animaram os produtores em volta da área, que começaram a aumentar a área plantada. “Essa movimentação chegou ao Banco da Amazônia, o agente financeiro, que está analisando projetos para plantação em grande escala”, diz Lameira.

freijó, pode ser uma boa saída para expandir a plantação. Duas teses de doutorado orientadas por Lameira, da Embrapa Amazônia Oriental, mostraram a viabilidade econômica desse tipo de plantio e a qualidade da fibra obtida com o consorciamento. “Quando o curauá é cultivado com outras espécies vegetais, o rendimento da fibra aumenta porque é beneficiado com o sombreamento”, explica o pesquisador. Existe uma simbiose entre elas, porque uma planta aproveita o que a outra produz. “A grande vantagem desse plantio é que, além de o produtor ganhar com o cultivo do curauá, a espécie florestal terá custo zero”, diz Lameira. A pesquisa mostrou ainda que a planta crescida na sombra de árvores produz maior quantidade de fibras por quilo de folha do que a planta crescida a céu aberto. O trabalho experimental foi feito em uma área pertencente à Tramontina, fabricante de ferramentas, utensílios domésticos, materiais elétricos e outros produtos, que cultiva em mil hectares o paricá, uma espécie florestal que produz

INSTITUTO DE QUIMICA/UNICAMP

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Adesão da fibra no material vista com microscópio eletrônico de varredura

Fila de espera - O reflexo da expansão do plantio é a falta de mudas de curauá.“Em outubro, um empresário procurou por mudas para plantio de 400 hectares, mas ficou na fila de espera”, relata Lameira. São 25 mil mudas para cada hectare. A tecnologia de produção está plenamente dominada. Prova disso é que, em 2003, a Embrapa Amazônia Oriental ganhou o Prêmio Finep na etapa regional e menção honrosa na nacional, concedidos pela Financiadora de Estudos e Projetos do Ministério da Ciência e Tecnologia (Finep/MCT), pelo desenvolvimento de um processo de produção por meio de micropropagação para mudas de curauá. A técnica permite obter rapidamente grande quantidade de mudas clonadas de alta qualidade. Desde então, algumas biofábricas se instalaram na região para produzir curauá e outras espécies. “Todas as plantas que estão na área da Tramontina nasceram em laboratório”, diz Lameira. O material é selecionado para ter altura média de 1,60 metro. No plantio consorciado, com o auxílio da sombra, pode atingir 1,70 metro ou mais. O curauá não exige solos muito férteis e pode ser plantado em qualquer época. Na região da Amazônia onde a floresta foi removida ele pode se desenvolver muito bem, desde que receba adubação orgânica no início. Uma das vantagens agronômicas do curauá é que a mesma planta pode ficar de cinco a oito anos no campo dependendo da forma como foi cultivada consorciada com a espécie florestal. Um ano após o plantio, atinge a fase adulta, em que as folhas já podem ser colhidas para uso, procedimento que pode se repetir até quatro vezes por ano. “Hoje temos cerca de 800 hectares plantados com curauá em todo o estado do Pará”, diz Lameira. Para atender à demanda, são necessários, no mínimo, 5 mil hectares plantados com curauá. ■ PESQUISA FAPESP 141

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HUMANIDADES

SOCIOLOGIA

A cor do sal da terra Quilombolas buscam proteção legal para garantir propriedade e resgatam tradições com apoio de antropólogos G ONÇALO J UNIOR |

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M IGUEL B OYAYAN


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m tipo novo de guerra no campo parece não ter despertado ainda o merecido interesse da grande imprensa: a luta de comunidades quilombolas pela propriedade da terra em todo o país. Talvez pela relativa novidade. Embora com a Constituição de 1988 (artigo 68 do Capítulo das Disposições Constitucionais Transitórias) tenha se criado uma ferramenta legal de posse,somente a partir do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, a questão se tornou conflituosa. Seu artigo 2º estabelece critérios mais completos para conceituar o termo e considera os remanescentes das comunidades dos quilombos e os grupos étnico-raciais segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória

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histórica própria,presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. O processo de certificação de propriedade, no entanto, é burocrático e demorado.A Fundação Cultural Palmares analisa atualmente processos de regularização de terras para os remanescentes dos quilombos que deverá beneficiar 500 comunidades de 300 territórios. A meta é, até o fim do próximo ano, certificar 22.650 famílias de 969 comunidades quilombolas em todo o território nacional. Estão identificadas oficialmente mil localidades em condições de serem atendidas, espalhadas por todos os estados brasileiros, de norte a sul – as maiores concentrações estão na Bahia e no Maranhão.

Com o início das demarcações, a polêmica se ampliou entre proprietários, prefeituras e entidades ruralistas. Do outro lado, as comunidades quilombolas contam com entidades de direitos humanos, principalmente a Pastoral da Terra. O Legislativo federal, então, tem sido a arena da briga entre lobistas dos dois lados. Como resultado, já tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 44/2007, do deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), que, se aprovado, torna sem efeito a aplicação do decreto de 2003. Enquanto isso, os quilombolas e sua rica história têm se tornado cada vez mais objeto de interesse de teses de mestrado e doutorado em todo país. Na verdade, o próprio debate para lhes dar proteção da lei e aplicação contou com a presença ativa da academia, como revela uma das pioneiras no assunto, Neusa Maria Mendes de Gusmão, antropóloga e professora associada do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Fruto da luta social dos movimentos negros, explica ela, a discussão envolveu também desde os anos 1970 pesquisadores e acadêmicos preocupados com a questão racial no Brasil. Entre eles os antropólogos.“Muitos passaram, nos anos 1990, a ser sistematicamente solicitados a tomar posição diante da conquista do dispositivo legal ou mesmo a fornecer seus préstimos à exigência de laudos territoriais necessários nos processos de reivindicação das terras quilombolas.” Havia, porém, uma polêmica instaurada em relação ao enunciado da lei em torno dos termos “remanescentes” e “quilombos”. Um remetia a alguma coisa que “sobreviveu” e outro consolidado pela historiografia conservadora e de domínio do senso comum a grupo ou coletivo de negros fugidos (da escravidão). “A questão se tornou alvo de debates acirrados não só entre acadêmicos, mas entre juristas e políticos.” O impasse, prossegue ela, acabou por mobilizar os antropólogos e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) a fim de rever a significação possível desses termos, de modo a viabilizar o direito desses grupos à sua terra. Isso aconteceu não apenas pela natureza do envolvimento do antropólo-


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go brasileiro com as populações que estuda, mas em razão da demanda do próprio Estado, que requereu à ABA sua experiência na realização e emissão de laudos periciais de terras indígenas e outras, visando viabilizar os princípios contidos no artigo 68. A designação de “quilombo” como de “grupos negros fugidos”, afirma ela, poderia sugerir no processo jurídico que as atuais comunidades seriam “resquícios” do passado e que teriam que comprovar essa origem. “No entanto, a constituição dessas realidades negras rurais obedeceram a determinações históricas diversas e não se deram por um caminho único e homogêneo, como bem mostra a história de Campinho da Independência.”Assim, as múltiplas formas de acesso à terra, historicamente constituídas, não poderiam ser reconhecidas na concepção tradicional de quilombo. Com isso, a lei, mais que beneficiar os grupos como pretendido, poderia ser um limite à própria conquista da terra. esse contexto, o GT da ABA, na busca da abrangência conceitual para a efetiva aplicação da lei, passou a designar o termo “remanescente de quilombos” como um legado, uma herança cultural e material que dá aos grupos negros em contexto rural uma referência própria de um modo de ser e pertencer a um lugar específico (Doc. da ABA, 1994). Nesse sentido, explica Neusa Gusmão, fica claro que esses grupos não são resquícios, sobrevivências ou o que quer que seja. “Trata-se de grupos com práticas cotidianas de resistência, o que permite que eles se mantenham e se reproduzam por meio de modos de vida específicos e vinculados a um território que consideram seu, bem como através de regras de pertencimento e de uso coletivo da terra. São organizados e orientados pelo parentesco comum e em laços de solidariedade e reciprocidade.” Para a antropóloga, duas décadas depois da promulgação da lei, o cenário ainda é composto de muitos desafios.“Os debates que envolvem os muitos agentes e agências, órgãos públicos e outros na definição e titulação das terras quilombolas ainda enfrentam muitos limites.”A indefinição dos parâmetros jurídicos e políticos persiste, afir-

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ma, em razão de diferentes entendimentos e devido a novas demandas que dizem respeito aos interesses em jogo nos espaços ocupados pelos grupos negros, numa ou noutra realidade particular. “Há conflitos entre órgãos responsáveis pela aplicação da lei (o caso das comunidades do Vale do Ribeira em São Paulo é emblemático) e também entre órgãos civis e associações que se criam com a finalidade de conduzir a luta no campo institucional.” Por outro lado, acrescenta ela, é inegável que houve avanços significativos.

“Não só a maior visibilidade da existência desses grupos e a constatação de que não são poucos, mas também o fato de que reconhecidos (em maior número) ou já titulados (poucos dentre os reconhecidos) e com registros efetivos de uma terra própria (pouquíssimos) passam a ter acesso a benefícios vários.” Aconteceu igualmente um processo de fortalecimento da história comum e de novas formas de organização visando agora não apenas a um “viver para dentro”mas também para o mundo exterior e, nele, uma série de direitos que PESQUISA FAPESP 141

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vão do atendimento à saúde e educação ao de obtenção de financiamento para projetos de desenvolvimento locais e cooperação com órgãos públicos, entre outros. Ocorreu ainda o fortalecimento de redes de apoio e constituem-se outras fontes de renda com base em atividades familiar e/ou grupal. Contudo, os entendimentos diversos das diferentes agências a respeito da condução dos processos afetam o cotidiano dos grupos pela persistência da indefinição e constante reavivar das ameaças sobre as terras (ainda que reconhecidas como quilombolas – o que acontece na primeira fase do processo). “Por vezes, mesmo quando já tituladas, as comunidades quilombolas não conseguem registrar seus títulos em cartório e ficam à mercê de novos conflitos com os que se opõem ao seu direito.” Isso significa que de 1988 até o presente muitas foram as conquistas, mas nem todas encontram-se consolidadas. “Esse fato exige muita mobilização por parte de todos os envolvidos e solidários à causa quilombola.” Portanto, o reconhecimento age no sentido de dar visibilidade e legitimidade ao grupo para impetrar o processo jurídico de direito à terra, porém não define esse direito. Para tal, é necessário cumprir as quatro fases do processo de regularização das terras, ou seja, identificação e demarcação dos limites, reconhecimento oficial, outorga do título e registro no cartório de imóveis. utora da tese de doutorado “Bairros negros do Vale do Ribeira: do ‘escravo’ ao ‘quilombo’”, Maria Celina Pereira de Carvalho acredita que o isolamento dos quilombolas no começo do século XXI não é tanto geográfico, mas político. “Existem projetos para ajudá-los, o problema é que tudo chega pronto de fora, não é discutido com a comunidade para melhor atender as suas necessidades. É preciso consultar cada grupo e debater com eles o que deve ser feito.” Mesmo assim, a luta pela terra trouxe uma nova mentalidade aos moradores das comunidades.“Antes alguns não sabiam que viviam em quilombos nem gostavam de ser chamados de negros. Atualmente isso mudou muito, existe uma clara autovalorização e melhora da auto-estima.”

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Nos quilombos paulistas vê-se o surgimento de uma “consciência política” explorada pela atuação da Pastoral da Terra e outros movimentos sociais

A mobilização na região que ela estudou teve início em 1994, com a chegada da Pastoral da Terra, que levou para os moradores a idéia de como os quilombolas poderiam se proteger de invasores e obter o título de suas propriedades.Hoje muitos são organizados politicamente. Sabem também que precisam agir assim para impedir que suas casas sejam cobertas pelas águas das barragens. Aliás, tem sido muito forte o papel das mulheres nesse sentido. Maria Celina se aproximou do tema em 1997, quando participou de um seminário sobre a ameaça aos quilombos com as construções de barragens no Vale da Ribeira. Ela entrou em contato com as comunidades e decidiu estudálas como tese de doutorado na Unicamp. Por coincidência, dois anos depois, começou a trabalhar no Instituto de Terras de São Paulo, onde ficou encarregada de elaborar relatórios técnico-científicos para efeito de reconhecimento e titulação. Ela focou os povoados de Galvão e São Pedro e deparou com a fascinante história de Bernardo Furkin, que montou o quilombo com um grupo de fugitivos perto da nascente do rio Bocó por volta de 1830. Aos poucos, Furkin conseguiu estruturar com os vizinhos uma eficiente rede de informação que permitiu a defesa e a chegada de novos

fugitivos. Ao mesmo tempo, formaram alianças por meio de casamentos. A educadora mineira Ana Luiza de Souza, que defendeu a tese de mestrado “História, educação e cotidiano de um quilombo chamado Mumbuca (MG)”, na Unicamp, passou a interessar-se pela questão dos quilombolas ao se mudar para a região do Vale do Jequitinhonha, quando manteve contato com comunidades lá existentes. Ela revela um aspecto interessante de Mumbuca: havia uma tradição estabelecida por seu fundador, José Cláudio de Souza, de que todos os moradores recebessem educação escolar. Souza era instruído e, após deixar o garimpo, onde supostamente acumulou uma pequena fortuna, comprou em 1862 uma área bastante isolada, que deu origem a um quilombo. Foi essa curiosa característica que despertou a atenção da pesquisadora, que reconstituiu sua história, com ênfase na educação. A área do antigo quilombo é atualmente disputada por um fazendeiro que usa uma certidão de propriedade do ex-escravo para alegar direito ao usucapião. Ana Luiza conta que, durante muito tempo, até a década de 1960, Mumbuca viveu com prosperidade, graças ao cultivo do café. Nas cidades vizinhas, seus moradores eram respeitados como “negros trabalhadores e letrados”. O declínio começou quando a política de proteção à exportação do café determinou que todas as plantações antigas fossem destruídas. Para sobreviver, os quilombolas recorreram à mandioca, cujo rendimento é bem menor. Hoje, enquanto disputam na Justiça a posse da terra, eles e um grupo de educadores, do qual Ana Luiza faz parte, lutam para recuperar suas tradições, como a Festa do Rosário. A relação dos quilombos do Vale do Ribeira com o movimento social também foi o tema da tese de mestrado do sociólogo Leandro Rosa pela Unesp.Assessor de cultura para Gêneros e Etnias da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, Rosa se debruçou sobre as mudanças trazidas aos quilombolas pela Constituição de 1988. Segundo ele, tanto nos quilombos paulistas como em outros estados vê-se o surgimento de uma “consciência política”explorada e potencializada sobretudo pela atuação da Pastoral da Terra e outros movimentos so-


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ciais, dos ameaçados ou atingidos por barragens, que passam a incorporar as terras protegidas pela Constituição para reforçarem seus discursos.“Portanto, devemos desmistificar algumas coisas. A primeira é a de dizer que não existe (ou é exceção) encontrar uma consciência política entre os quilombolas.” ssa “consciência”, acredita ele, sempre existiu nessas comunidades.“O que veio de novo foram novos elementos de luta e que por se tratar de uma questão fundiária grave vem à tona agora com mais visibilidade.” O pesquisador defende em sua dissertação que uma comunidade quilombola é, antes de mais nada, um movimento social.“É um movimento histórico e portanto sua mobilização de resistência é política e imanente a ela. Logicamente, a atuação dentro da comunidade e em seu entorno sempre passou despercebida da dita ‘história oficial’, salvo em questões de conflito ou guerra (vide Palmares).”Portanto, hoje em dia essa atuação é mais bem qualificada porque tem mais elementos – proteção da lei e outras bandeiras, como a questão ecológica, das mulheres quilombolas, a agrária, a étnica etc. Carmem Lúcia Rodrigues, professora do Departamento de Ciências Florestais da Universidade de São Paulo (Esalq), acredita que não há preconceito detalhado que justifique a carência de certas comunidades, como em geral acontece quando se trata da cultura negra no Brasil. “No caso dos quilombolas, suas áreas transformaram-se, curiosamente, em atrativo turístico – caso da comunidade do Mandira perto de Cananéia.” Autora da tese de doutorado “Limites do consenso: territórios polissêmicos na Mata Atlântica e a gestão ambiental participativa”, ela sugere observar duas comunidades bastante divergentes quanto à sua integração e ao desenvolvimento: a do Mandira, em Cananéia – que tem o apoio de diversos projetos governamentais e de ONGs e criou uma depuradora de ostras com sucesso – e a do Cambury, localizada no interior do parque estadual da serra do Mar, Núcleo Picinguaba, município de Ubatuba, que, na sua opinião, teve pouco apoio do poder público até o momento, à exceção da construção de equipamentos de saneamento básico. ■

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> MÚSICA

O duro fardo de ser

símbolo nacional REPRODUÇÃO DO LIVRO CARLOS GOMES - UMA OBRA EM FOCO

Biografia mostra que celebração de Carlos Gomes fez mal ao compositor | C ARLOS H AAG


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POR VÁRIOS ANOS ELE GEROU MAL-ESTAR PARA MUITOS BRASILEIROS, SINÔNIMO DA HORA DE DESLIGAR O RÁDIO QUANDO SE INICIAVAM OS ACORDES DA SUA OBRA MAIS CONHECIDA, A ÓPERA O GUARANI, QUE ABRIA, DESDE O ESTADO NOVO, A FAMIGERADA HORA DO BRASIL (HOJE ELA

continua lá, mas em versão “moderninha”). Infeliz o país que precisa de heróis, ainda mais infeliz aquele que não sabe o que fazer deles: “nosso” Carlos Gomes (1836-1896) foi o primeiro músico brasileiro erudito a conquistar platéias internacionais, o compositor de óperas italianas mais representado no Teatro alla Scala, de Milão, depois de Verdi, entre 1870 e 1879. Ligado, por laços de amizade e gratidão, a Pedro II, foi colocado no ostracismo pela República, retirado do limbo por Vargas e, pobre Nhô Tonico, elevado a símbolo pátrio nos anos 1970. Não se pode negar que o Brasil gosta de se lembrar dele, de quando em quando, mas, ao contrário de Villa-Lobos (um notório colaborador do Estado Novo), o nosso “maestro soberano”, Carlos Gomes é, observa o professor de história da música da ECA-USP, Lorenzo Mammì, autor de “uma música famosíssima e, ao mesmo tempo, quase desconhecida”. No universo cultural da República Velha ele era a nostalgia do antigo regime e também sintoma de “mau gosto”de uma pequena burguesia de imigração recente, os italianos “carcamanos”. Para os modernos de 22, era o exemplo da decadência da arte tradicional em oposição direta à música de Villa. Mesmo quando o elogia, com parcimônia, Mário de Andrade avisa que “representar uma obra sua seria proclamar o bocejo uma sensação estética”. Foi preocupada com essas camadas de desprezo que surrupiaram o compositor que Lenita Waldiges Nogueira, professora de música do Instituto de Artes da Unicamp, resolveu se dedicar a resgatar o maestro de Campi-

nas da sua ambígua qualidade de “ilustre desconhecido”.“A obra de Carlos Gomes foi deixada de lado não por sua qualidade musical, mas em razão de uma imagem pública criada à sua revelia e para a qual ele certamente nada colaborou”, explica a pesquisadora, que acaba de lançar Nhô Tonico e o burrico de pau: a história de Carlos Gomes por ele mesmo, um livro, diz, “escrito a quatro mãos”. Afinal, desejando fugir a uma biografia tradicional, a professora optou por retratar o compositor de Fosca a partir de suas cartas, numerosas, trocadas com familiares, amigos, colegas, editores, entre outros, em que, conta, “ele revela diversos aspectos de sua vida, desmistificando e humanizando a figura do músico”. A primeira edição do livro, feito com apoio da Prefeitura Municipal de Campinas, será apenas para distribuição em escolas, museus e universidades. Surge o homem Carlos Gomes, com suas misérias cotidianas em busca eterna de dinheiro para saldar suas dívidas crescentes, o depressivo que se sentia incompreendido entre os europeus e ainda mais no seu país natal, que, efetivamente, amava, a ponto de gastar fortunas em uma vila nos arredores de Milão, a Villa Brasília, em que exibia orgulhosamente cores e símbolos nacionais. Há detalhes tocantes, como a carta enviada, em 1860, ao pai, o também músico Maneco Gomes, em que tenta ganhar o perdão paterno falando de seu sucesso inicial: “Meu bom pai, escrevo para não demorar uma boa notícia. Afinal tenho um libreto, A noite do castelo, e começo a trabalhar hoje mesmo na composição da ópera. Prepare-se para vir ao PESQUISA FAPESP 141

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Rio. Saudades muitas às manas e aos manos, abençoe-me como a seu filho muito grato. Carlos”. O original da partitura desta primeira obra lírica de Carlos Gomes, aliás, foi resgatado, em 1999, pela USP, com apoio da FAPESP, que, em 2003, também financiou a edição crítica de outra ópera sua, Joana de Flandres, feita por Lenita Waldiges.“Fala-se muito dele, mas pouco se escuta do que ele criou. Sua reabilitação como herói nacional causou mais danos do que benefícios à sua imagem”, reitera a pesquisadora. “As falsificações da biografia de Carlos Gomes são tão reveladoras quanto os fatos”, concorda Mammì. De tez escura, sempre se considerou descendente de índios, e não mulato, cercando-se, em sua Villa Brasília, de objetos indígenas, que dizia pertencerem à tribo de seus antepassados. Mania curiosa, repetida, em outro contexto, em outros tempos, por Villa, que adorava contar, em Paris, que fora prisioneiro de índios canibais e, com eles, aprendera os sons primais do Brasil.“No

era atacado por uma jovem intelligentsia que falava em “lavar o altar da arte, sujo como uma parede de lupanar”, como observa o musicólogo Marcus Góes em A força indômita, estudo definitivo sobre Carlos Gomes. “O guarani foi estreado no Scala em 1870 e causou estupefação. Os intelectuais e quase todos os músicos queriam algo novo e, ali, de repente, um estrangeiro aparece no palco com uma obra que tinha, ainda que rudimentarmente, o que todos queriam: maior unidade dramática, continuidade do discurso musical, não insistência em números fechados, adequação da música à cena, novos ritmos e harmonias ousadas”, nota Góes. Com o maior sucesso lírico dos palcos italianos desde Il trovatore, de Verdi, Carlos Gomes viu seu projeto colocado de cabeça para baixo: “Ele deixou de ser o jovem bacharel encarregado de importar a linguagem musical européia para o teatro brasileiro e se tornou, muito antes do esperado, o representante brasileiro entre as nações líderes da produ-

O original da partitura da primeira obra lírica de Carlos Gomes foi resgatado em 1999 pela USP, com apoio da FAPESP, que também financiou a edição crítica de Joana de Flandres caso de Carlos Gomes, esse indianismo é mais do que um disfarce oportuno, pois comporta uma identificação profunda.‘Eu sou de uma raça bárbara, mas reconhecida até a morte a quem saiba prezá-la’, escreveu numa carta. Peri não teria dito melhor”, observa Mammì. PÓS O SUCESSO COM A NOITE do castelo, estreada no aniversário de casamento do imperador, o músico muda-se para Milão com uma bolsa de estudos obtida por mérito próprio, que, ao contrário da lenda, não foi concedida por Pedro II, mas por dom José Amat, o criador da Ópera Nacional, um projeto que pretendia promover o canto em língua portuguesa. Tampouco, como se pensa, foi aluno regular do Conservatório de Milão, dada a sua idade mais avançada, mas teve aulas particulares como “compositor em aperfeiçoamento”. Chegou na Itália num momento crítico, em que o melodrama italiano

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ção cultural européia”, nota Mammì. Em vez das “farolices” de Villa, que adorava dizer que fora à Europa ensinar, e não aprender, Carlos Gomes efetivamente conseguiu ser um marco na música internacional de sua época. E, ao mesmo tempo, de seu país. “Se o Segundo Reinado se caracteriza justamente pela tentativa de construir um perfil cultural nacional, cimentando traços locais com uma linguagem internacional, pode-se dizer que O guarani é seu produto artístico mais bem-sucedido”, completa o pesquisador. Isso, porém, não trouxe nada de bom ao compositor. No dia 15 de novembro de 1889 ele estava de passagem por Campinas, ainda morando em Milão.“O choque foi de tal natureza contra meu coração de amigo da Augusta Família Real, que fiquei até hoje pasmado. A minha saúde tem sofrido muito, pois sinto até faltar o equilíbrio corporal. Deus perdoe aos autores de semelhante ato brutal e


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proteja a terra e o povo brasileiro”, escreveu, em 20 de novembro, a um amigo. “Antes mesmo da queda do Império, já em 1888, Carlos Gomes havia tido problemas na apresentação da ópera O escravo, cuja estréia, no Rio de Janeiro, causou polêmica nos círculos abolicionistas por ter transformado os escravos do texto original de Taunay em índios, dedicando a obra à princesa Isabel, representante do regime que se esfacelava”, observa Lenita.A pesquisadora lembra que em nenhuma de suas cartas o compositor toca na questão da monarquia de forma ideologizada. “Não havia engajamento político por parte dele, mas gratidão e amizade pela família real. Nunca manifestou simpatia pelo regime.”

REPRODUÇÃO DO LIVRO CARLOS GOMES - UMA OBRA EM FOCO

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ARLOS GOMES DESCREVEU em carta seu credo político: “Todos sabem que eu não tenho política, que não me meto em barulho (a não ser o da música), mas que como brasileiropatriota tenho o direito de censurar ou aplaudir os atos e procedimentos de quem governa a nossa terra, do mesmo modo que qualquer politicote diletante da música está no direito de gostar ou não de minha música. Cada vez me convenço ainda mais de que a arte e os artistas de algum merecimento, todos reunidos, nada valem, em comparação a um só da política”. Problemas à vista. Aos quais se somavam as crises pessoais e financeiras por que passava na Itália. “Apesar da boa recepção de Condor, em 1891, o músico começava a se sentir desconfortável em Milão, pois era estrangeiro e não era visto com bons olhos pelos compositores italianos, que não queriam um selvagem de pele morena ocupando seu espaço”, conta a professora. Lorenzo Mammì lembra que o compositor daqueles anos era um homem dividido entre dois mundos: de um lado, a Itália, que significava glória, mas desgaste emocional e físico, bem como uma concorrência crescente. Do outro, o Brasil, onde as perspectivas eram limitadas e ele achava que seria tratado como herói e não teria rivais. Ledo engano. “A frieza de uma resposta dessa ordem é de truncar o arrojo de um buscapé na noite de São João! Pois um RAPAZ como eu pode ter tempo para esperar? Até quando? Até que a preguiça ou tamanduá vá subindo até apanhar o talo da embaúva?”, escreveu em 1893, após uma

Carlos Gomes (ao centro), entre as principais figuras do elenco de Fosca, no Scala de Milão

mal-sucedida tentativa de criar um conservatório musical em Campinas. Foi preterido em favor de Leopoldo Miguez, ligado aos republicanos, como diretor do Conservatório do Rio de Janeiro:“Lá não me querem nem para porteiro do conservatório”, lamentou o compositor, cada vez mais cheio de dívidas, envelhecido, com uma doença grave na língua, desempregado e tendo de cuidar de um filho tuberculoso. No fim da vida, em 1895, recebeu o convite para dirigir o Conservatório de Belém do Pará, onde morreu em 1896.“Em 1905 é inaugurado o monumento-túmulo no centro de Campinas, com a presença de autoridades da República. Esta estava consolidada e não havia razão para que Carlos Gomes fosse rejeitado. Ao contrário, era o exemplo de um brasileiro humilde que venceu no exterior”, observa Lenita. Durante o governo Vargas a figura (e não o músico) virou vulto da pátria.“No Museu Carlos Gomes em Campinas podem ser encon-

tradas fotos em que corporações e políticos prestam homenagem a seu túmulo. Uma das mais curiosas é a de um grupo de integralistas perfilados, com a já idosa Anna Gomes, irmã do compositor, tendo ao fundo sua estátua portentosa.” Por fim chegou ao dial dos rádios, levado pela ditadura varguista, prática continuada na ditadura militar. “Se há algo incompleto em sua vida, não é por não ter conseguido se ligar com a verdadeira natureza de sua nação. É, ao contrário, ter ficado inevitavelmente ligado a ela, sua situação histórica e seus limites”, analisa Mammì. Não sem razão, no fim da vida, observa Lenita, novamente Nhô Tonico escreve uma carta na qual fala de sua infância, da saudade dos cambuís floridos e das brincadeiras na rua das Casinhas, onde participava das procissões e, depois, com amigos, corria atrás do judas, quando não empinava papagaios por Campinas. Nem sonhava em ser herói. ■ PESQUISA FAPESP 141

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Jogadas N ESPORTE

País do futebol é cruel com mulheres que querem jogar,

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o mundo encantado dos clichês, se hoje há controvérsias sobre o fato de “Deus ser brasileiro”, ninguém ousa pôr em dúvida o maior dentre eles: o Brasil é o país do futebol. “Entretanto, alvo do interesse e preocupação de milhões, nesta terra futebol é coisa de homem. Não tem conversa. Quando a mulher sabe o que é lei do impedimento, palmas para ela”, afirma Jorge Dorfman Knijnik, professor da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo e autor da tese de doutorado “Femininos e masculinos no futebol brasileiro”, apresentada ao Instituto de Psicologia da USP e orientada por Esdras Vasconcellos. O pesquisador entrevistou 33 atletas que disputaram o campeonato paulista feminino de futebol de 2004 e traçou um perfil de suas alegrias e angústias. Que, aliás, não são poucas: 57,4% das jogadoras, entre 16 e 21 anos, apontaram o preconceito como causa de estresse no futebol; naquelas entre 22 e 27 anos o valor sobe para 50%. Apesar disso, 61% das meninas foram enfáticas em afirmar que “a vontade de jogar e o amor pelo esporte são mais fortes do que qualquer pressão ou discriminação”. A própria legislação esportiva não as ajudou: apenas em 1979 foi revogada uma lei do antigo Conselho Nacional de Desportos, datada do Estado Novo, que proibia as mulheres de jogar futebol no país.“Pela importância e magnitude que possui o futebol no Brasil, que vai muito além dos estádios e campos, atingindo até nossa comunicação cotidiana, este deveria ser um fenômeno em que todos, sem distinções, pudessem fazer parte, o que não acontece, quando as meninas

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e mulheres se vêem sistematicamente alijadas da prática futebolística”, avisa o pesquisador. Afinal, se intelectuais do presente e do passado (entre eles, Gilberto Freyre) atribuem ao futebol a capacidade de gerar a identidade nacional brasileira, excluir o sexo feminino do jogo é, nesse contexto, o mesmo que deixá-las fora dessa nação “clube do bolinha”. Se muita gente ficou ligada na TV para acompanhar o time brasileiro lutando contra as alemãs, na Copa Feminina de 2007, na China, esse é um “passatempo” recente, surgido, nota o professor, a partir do vice-campeonato alcançado pelo futebol feminino nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004. Neles, o técnico brasileiro, René Simões, pediu desculpas para as filhas, diante das câmeras de televisão, por nunca tê-las presenteado com uma bola ou as ensinado a jogar.

Brecha - Já foi complexo às mulheres entrarem no esporte, obrigando-as a usar a brecha aberta pelos Jogos Olímpicos modernos, apesar da desaprovação de seu criador, Pierre de Coubertin, para quem elas “eram imitações imperfeitas e trabalhavam para a corrupção do esporte”. “O esforço físico, a rivalidade, os músculos, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas, pensavase, eram fatores que abrandariam os limites de uma imagem ideal de ser feminina e também colocavam em xeque o mito da fragilidade feminina. O copo feminino só deveria ser preparado fisicamente para uma boa maternidade”, explica Silvana Goellner, professora da Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O “esporte bretão” era, nesse sentido,


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femininas

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mas fogem ao estereótipo erotizado feminino

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ainda mais condenável, pela sua suposta violência, caracteristicamente viril. Daí que uma das primeiras partidas de futebol no Brasil, em 1913, destinada a arrecadar fundos para a construção de um hospital infantil, ter sido na verdade um “futebol travestido”: a maioria dos jogadores eram homens com vestidos e perucas, misturados a poucas senhoritas da sociedade. O preconceito tem história. “O preconceito, mostram os nossos dados, aparece desde o início, revelando que masculinos e femininos no futebol existem desde a infância das jogadoras. As meninas encontram dificuldades para jogar ou são estereotipadas como homossexuais. Aprisionados em uma ordem de gênero estreita e excludente, meninos e meninas enxergam a atividade pelo prisma masculino”, nota Knijnik. Mas toda ação tem uma reação.“Por causa da rigidez que pesa sobre a atividade, é exatamente nela que muitas meninas começam uma ‘carreira’ de questionamentos da ordem de gênero instituída, a qual resulta numa identificação com o mundo masculino e, logo, com o futebol, símbolo da masculinidade em nossa cultura.”Assim, para o pesquisador, é fundamental que se abram as fronteiras do futebol nas escolas e programas esportivos, favorecendo a vivência do jogo entre meninos e meninas, o que diminuiria o preconceito e faria do “esporte bretão” uma prática de todos, e não de poucos. “Outro ponto importante que descobri ao longo da pesquisa foi a inexistência de uma mulher futebolista brasileira. O que existe é uma diversidade de possibilidades de ser mulher e, ao mesmo tempo, jogar futebol, ou sePESQUISA FAPESP 141

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ja, uma grande variedade de vivências do feminino também no interior do jogo. Logo, quando se estigmatiza a atividade a ponto de gerar preconceitos contra as praticantes, isso reforça uma única forma de feminilidade possível no futebol, dificultando a elaboração de identidades próprias”, observa. Isso, nota o pesquisador, confirma a presença de femininos e masculinos no futebol, com avanços de novas formas de feminilidade, por vezes transgressoras das normas ditadas pela conduta social, bem como as feminilidades que se guiam pelas normas, em que companheiras de esporte criticam as que vivem além destas.“Mulheres futebolistas ainda procuram se ‘refeminizar’ para se adequar às expectativas sociais sobre seus corpos. Outras fogem disso. Para as atletas fica claro que aquelas que não se submetem aos desejos masculinos, mais preocupadas em jogar do que usar calções apertadinhos, são as maiores vítimas de preconceito”, nota. Paulistana - Basta lembrar a reedição,

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em 2001, do Paulistana, campeonato paulista feminino de futebol, em que as atletas não poderiam ter mais de 23

anos, usar cabelos compridos para que se tivesse “um campeonato bonito, unindo futebol e feminilidade”.“O apelo à beleza e a erotização de seus corpos eram baseados no argumento de que se as moças fossem bonitas atrairiam público aos estádios e, assim, patrocinadores”, lembra Silvana Goellner. As esportistas que se entregam ao jogo, e não a esse jogo, acabam por questionar, completa Knijnik, conscientes ou não, o status quo corporal. “O corpo que não se mostra disposto a aparentar heterossexualidade ou aquele que mostra sua opção homossexual sofre grande preconceito e estresse negativo, pois o masculino predominante e os controles sociais de gênero e sexualidade não aceitam revolta contra esses domínios”, revela o pesquisador. O preconceito leva ao extremismo: se há as que se hiperfeminizam, há as que se masculinizam, “virando homens” na aparência e no juízo social. “O futebol feminino organiza-se não apenas em grupos e subgrupos héteros e homos, mas também porque as atletas sofrem coações para manter a aparência normatizada como adequada a uma mulher. Muitas jogadoras se queixam de que as ‘rebeldes’ atrapa-

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lham o futebol feminino e que é preciso uma ‘limpeza’ para adequar o esporte ao rótulo histórico.” O fim de tudo? Patrocínio. “Para muitas, é preciso acompanhar a retórica da sociedade e se conformar às normas de gênero para que o dinheiro apareça e assim as atletas devem deixar os cabelos longos, entre outras atitudes que provem ao mundo que ali estão mulheres que jogam, nada de sapatonas”, afirma o professor. Ainda segundo a pesquisa, as jogadoras vivem a difícil e dolorosa contradição de serem másculas para jogar o esporte e, ao mesmo tempo, serem femininas para agradar às políticas de gênero, sempre atuante para vetar, barrar, excluir. Curiosamente, nota Knijnik, em todo esse debate há uma ausência gritante: as feministas, para quem os projetos esportivos parecem não interessar na formulação de políticas públicas. “O futebol feminino, que, em princípio, eu negava por pensar que só havia um futebol, jogado por pessoas diferentes, mas com mesmas regras, na verdade está sendo

criado e minha pesquisa mostra isso: não há apenas um futebol, mas múltiplos e variados ‘futebóis’, e o feminino aqui não deve ser usado para justificar preconceitos, mas como projeto de justiça social.” Para o pesquisador, é possível se criar um universo futebolístico e social diverso do já conhecido (que acumula preconceitos e desigualdades) com novos valores, de respeito e cooperação, superiores aos de competitividade e mercantilismo. “O futebol não é apenas masculino, mas pode ser de e para todos, fazendo com que meninos e meninas possam incorporá-lo em seu universo cultural e corporal, construindo novas possibilidades para que esse jogo maravilhoso não seja mais um a castrar tipos de masculinidades e feminilidades que não se ajustem à sua prática.” E para que o Brasil seja o país do futebol, na amplitude da acepção de país, nem é preciso que Deus seja brasileiro. Basta compreensão e boa vontade. ■

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ARTES

Ciência com

humor

Obra do cartunista norte-americano Sidney Harris retrata de modo divertido a vida em laboratórios

idney Harris jamais teve educação formal em ciência e também não costuma manter contato com cientistas.Mas os desenhos de humor que vem produzindo nos últimos 40 anos capturam a alma de questões com que os pesquisadores de diferentes áreas lidam todos os dias. Nascido em 1933 no Brooklyn,o bairro mais populoso de Nova York,Harris não sabia qual profissão seguir durante a faculdade e resolveu tentar ganhar algum dinheiro fazendo humor.No que considera um golpe de sorte,descobriu que algumas revistas compravam trabalhos de freelancers. “Para minha surpresa,havia muitas publicações que compravam cartuns e me ocorreu que eu podia desenhar um cartum mais rapidamente do que escrever um artigo ou uma história humorística”,contou Harris anos atrás,em entrevista à revista Ciência Hoje. Parece que a estratégia funcionou.Afinal de contas,de lá para cá já produziu mais de 27 mil cartuns,vários deles publicados nos mais importantes jornais e revistas norte-americanos como The Wall Street Journal e The New Yorker. Por muitos anos seus desenhos não abordaram especificamente ciência.Por volta de 1970 ele topou com o endereço da American Scientist, uma revista de divulgação científica,e decidiu mandar alguns cartuns para a avaliação dos editores.Em quase quatro décadas,Harris emplacou seus desenhos em revistas de divulgação científica,a exemplo da Discover e da Physics Today, e também em revistas científicas como a Science, uma das mais respeitadas do mundo,que publicou seus cartuns por quase cinco anos até 1992. “Ouvi um rumor de que um editor de lá não gostava de cartuns e decidiu que eles deveriam ser eliminados da revista. Espero agora pelo dia em que também ele será eliminado da revista”,disse Harris à Ciência Hoje. Agora o trabalho de Harris chega ao Brasil na coletânea A ciência ri, lançada em outubro pela Editora da Unesp.A idéia de produzir uma versão em português foi do editorJesus de Paula Assis,que anos atrás seencantou com o trabalho de Harris depois de ler um de seus livros e comprar todos os que estavam disponíveis pela internet.“Apesar de não ter formação científica”,comenta Assis,“Harris identifica problemas de história, método e de sociologia da ciência melhor do que muito sociólogo de carteirinha”. ■

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REPRODUÇÕES DO LIVRO A CIÊNCIA RI

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A ciência ri Sidney Harris Editora da Unesp 245 páginas R$ 38,00

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Às vésperas de Canudos Estudo recupera história do epicentro da revolta de Antonio Conselheiro P EDRO P UNTONI

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ção de um cotidiano marcado pela escravidão,pelo domínio político dos grandes proprietários e,também,pela solidariedade e Mônica Duarte Dantas pela mobilidade. Como afirma Maria Editora Hucitec/FAPESP Odila Leite da Silva Dias,no 470 páginas prefácio do livro,Mônica R$ 50,00 nos ajuda a suprir uma lacuna importante da historiografia de Canudos.Apresenta “uma contribuição original para o estudo do sertão do Conselheiro,mostrando as tensões sociais e os conflitos que levaram ex-escravos errantes,índios sem terras,agregados,roceiros e pequenos posseiros e comerciantes a se refugiarem no arraial do Belo Monte”.Apoiada em uma vasta e densa pesquisa nos arquivos,a historiadora se utiliza de modernos recursos para,por meio da quantificação e da utilização de imensa quantidade de informações,produzir análises qualitativas que ajudam a revelar personagens silenciados pela história e pelas fontes.Seguindo a estrada aberta pela renovação da historiografia nas últimas décadas,o trabalho de Mônica permite um resgate luminoso dos silêncios da nossa história social.No capítulo inicial (“A lavoura invisível”),acompanhamos a revelação meticulosa das atividades e da vida dos “vaqueiros,ociosos e muitos outros”,habitantes do sertão,homens cujas vidas moldaram a sociedade local.Mas para além desse “inorgânico”(para usarmos os termos de Caio Prado Jr.),a autora nos oferece uma abordagem mais ampla que dá conta da variedade dos grupos sociais presentes em Itapicuru,nestes 70 anos que precederam a fundação do arraial de Belo Monte.As formas de acesso à terra,a importância do trabalho dos escravos nos canaviais e nos engenhos,a presença e atividades dos grandes fazendeiros são abordadas nos capítulos seguintes.Por fim,a autora recupera os costumes e práticas do cotidiano dos pequenos sitiantes, roceiros, vaqueiros, índios e escravos. Estratégias de sobrevivência definidas num espaço de auxílio mútuo, mobilidade e de fronteiras movediças. Fronteiras movediças: a comarca de Itapicuru e a formação do arraial de Canudos

PEDRO PUNTONI é professor de História do Brasil na Universidade de São Paulo (USP),pesquisador do Cebrap e diretor da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin.

EDUARDO CESAR

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uando foi criada a vila de Soure,na comarca de Itapicuru,sertão da Bahia,o intendente resolveu afixar as novas posturas em papéis colados em tabuletas no mercado. De pronto,um certo José Honorato de Souza Netto passou a concitar seus companheiros a destruir as tabuletas que,para ele,sujeitavam abusivamente o povo ao pagamento de taxas.No dia 10 de abril daquele ano de 1893,com efeito,um grupo formado por mais de 40 pessoas, armadas “de cacetes, facas e facões, dando vivas e morras e sob o troar de foguetes, fizeram as tabuletas em migalhas”.As autoridades policiais tentaram,dois dias depois,controlar esta reação popular...sem sucesso. Até que,no dia 27,chegando à vila uma força policial mais preparada,os levantados fugiram.Fato interessante,no dia 17,consta ter chegado em Soure um certo Antonio Vicente Santos Maciel,o Antonio Conselheiro,acompanhado de alguns dos seus seguidores.Como ficaria provado no inquérito,o beato não teve participação no levante.Pelo contrário,acabou ajudando a pacificação e,por fim,levou consigo uma parte dos levantados. Formava-se, assim, nessas e noutras situações, o contingente que ia,aos poucos,encher o arraial em Canudos.Na proximidade das vilas de Soure e Itapicuru,e de outras regiões,as gentes que saíam das roças,fazendas e povoados aderiam a um movimento cujo trágico destino é fundamental para se compreender o nascimento da República.De alguns anos para cá,muito tem se escrito e reescrito sobre a Guerra de Canudos,seus motivos e inspirações,sua organização e modo de vida.Novos documentos foram encontrados,por vezes publicados. Narrativas escritas,tendo em vista um interesse cada vez maiorentre o grande público.A prop osta do livro de Mônica Dantas é justamente dar alguns passos atrás e estudar estas populações sertanejas às vésperas da guerra. O livro tem como ponto de chegada justamente o ano 1893,ocasião da quebra dessas tabuletas em Soure e momento de “confluência de uma série de transformações,tendo sido a fundação do arraial tributária dessas mudanças”(p.26). O objetivo desse estudo é entender a formação social na região de Itapicuru.Os mecanismos de produção e reprodu-


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LIVROS

João Cabral: a máquina do poema Benedito Nunes; Adalberto Müller (org.) Editora UnB 174 páginas, R$ 30,00

Mónica Vermes Ateliê Editorial / FAPESP 184 páginas, R$ 36,00

O conjunto de ensaios de Benedito Nunes em torno da obra do poeta João Cabral de Melo Neto está reunido neste livro organizado por Adalberto Müller. Para Nunes,“nunca são diretas e sim transversais as relações entre poesia e filosofia”;a partir dessa perspectiva o ensaísta lê a obra poética de Cabral por um prisma filosófico,conciliando elementos do new criticism, do estruturalismo e da fenomenologia.

A musicóloga Mónica Vermes faz um estudo sobre a obra para piano de Schumann,emblemática do romantismo.A Kreisleriana Op.16, composta em 1838,foi inspirada no personagem Johannes Kreisler do escritor E.T.A.Hoffmann.A autora explora a relação entre música e literatura,situando o diálogo entre a composição de Schumann e o contexto dos artistas e filósofos do romantismo alemão.

Editora Universidade de Brasília (61) 3035-4211 www.editora.unb.br

Ateliê Editorial (11) 4612-9666 www.atelie.com.br

Rádio MEC – Herança de um sonho e TVE Brasil – Cenas de uma história Liana Milanez (org.) Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto (Acerp) 236 e 224 páginas. Interessados devem acessar o site www.tvebrasil.com.br

FOTOS EDUARDO CESAR

Crítica e criação: um estudo da KreislerianaOp. 16 de Robert Schumann

Intolerância religiosa: impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro Vagner Gonçalves da Silva (org.) Edusp 328 páginas, R$ 48,00

A TVE Brasil e a Rádio MEC reunidas em dois livros que recuperam a trajetória das duas emissoras.Num processo de implantação da TV digital no Brasil,os livros também surgem com o intuito de resgatar o papel desempenhado pelo rádio,como instrumento de educação e do sentimento nobre da TV pública,permitindo a fruição e o acesso ao saber num país de distâncias continentais.

Intolerância religiosa traz a contribuição de diversos pesquisadores sobre o tema,num esforço coletivo de analisar,sob vários pontos de vista,o impacto do crescimento das igrejas neopentecostais sobre o campo religioso afro-brasileiro.Os autores analisam as estratégias de ataque utilizadas contra a fé afro-brasileira e também as reações que têm provocado entre os fiéis dessas e de outras religiões.

Acerp (21) 2117-7853 www.radiomec.com.br www.tvebrasil.com.br

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

A sociedade da decepção

Carnaval em branco e negro

Gilles Lipovetsky Manole 84 páginas, R$ 44,00

Olga Rodrigues de Moraes von Simson Edusp 396 páginas, R$ 90,00

Para o filósofo Gilles Lipovetsky,“a política e as relações pessoais são as maiores frustrações da sociedade moderna”. Baseado em idéias como a submissão dos indivíduos ao consumismo e o enfraquecimento da religião,o autor aborda em seu livro uma sociedade que vive de excessos,que tem mania de consumo e que ao mesmo tempo desperdiça tudo que é possível.

O livro aborda o panorama do Carnaval na cidade de São Paulo entre 1914 e 1988.Por meio de belas fotos e depoimentos,a autora recupera lembranças da folia nos bairros paulistanos,abordando a questão da segregação racial,que separava a comemoração em dois tipos:o Carnaval dos brancos,considerado legítimo; e o Carnaval dos negros,de formas populares.

Editora Manole (11) 4196-6000 www.manole.com.br

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

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FICÇÃO

O destino bate à porta

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izem que ninguém foge ao destino, porque ele sempre bate à nossa porta – mas juro que nem pensava nisso naquela manhã chuvosa de sábado,quando fui atender a campainha da porta e vi pela frente aquele homem magro, de terno surrado e encharcado,sorrindo para mim,em meio ao aguaceiro.Ele parecia faminto,e acima de tudo cansado,velho de séculos:alguma coisa além do terno já desbotado e dos cabelos completamente brancos denunciava sua ruína.Impressionado com seu estado,convidei-o a entrar e repartir comigo o café da manhã,que eu ainda não tinha tomado. Enquanto devorava três panquecas,duas baguetes e meio pote de geléia de morango (acompanhado de muito café-comleite),o estranho e voraz visitante contou-me que vendia sapatos masculinos importados (e apontou a mala molhada que descansava no saguão) e conseguia sustentar a família oferecendo seu produto de porta em porta,nos bairros de classe média alta como o meu.Num país de funcionários públicos e economia acanhada,não havia muitas alternativas para homens de sua idade,justificou-se. Comovido com sua história,cheguei a elogiar seu empenho,sua dignidade de ancião,e até me dispus a comprar dois ou três pares de seu produto,antes mesmo que ele os tirasse da mala para me mostrar.Foi quando a expressão de seu rosto mudou – e ele então me pareceu outro homem,na verdade mais velho e ainda mais cansado do que o primeiro: “Tem certeza de que está mesmo interessado em comprar meus sapatos?”,ele me perguntou sustentando no ar a caixa retangular de papelão,sem abrir.“O senhor me acolheu tão bem em sua casa que vai ser impossível,para mim,insistir nesta farsa...” Convidei-o então a se sentar comigo no sofá mais confortável da sala de estar,e deixei que falasse.E ele falou:

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“Sou capaz de enganar o demônio, mas nunca faria isso com um moço gentil e generoso que me deu acolhida,como o senhor.” Fez uma brevíssima pausa e prosseguiu: “Na verdade,meu jovem,eu não vendo sapatos – e,se permitir que eu conte minha história terrível,logo irá entender.Sou biólogo,ou pelo menos pretendi ser um dia.Alguém com uma inteligência imerecida e uma vaidade sem limites, que pensava poder brincar de Deus,manipulando a vida humana.Cometi o pecado imperdoável de achar que o ser humano era uma criação imperfeita,e pretendi que poderia melhorá-lo... “Numa época em que experiências assim eram coisa de ficção científica,ousei fazer de meu laboratório de pesquisas a sucursal do Inferno.Não pretendo cansá-lo com detalhes:digo-lhe apenas que nossas experiências envolviam o código genético humano,aqueles famosos 23 pares de cromossomos (o senhor deve ter ouvido falar,nas aulas de biologia do ginásio),onde está contida toda a informação para a construção e funcionamento do organismo humano.Já dá para imaginar minha ousadia,não é? “Foram anos de pesquisas em surdina, interferindo como um demiurgo na estrutura em dupla hélice do DNA,manipulando cada uma de suas bases.Enfim,sem detalhes técnicos...Para ser breve,posso lhe garantir que a sandice logo envolveu também a manipulação de espermatozóides e óvulos...Deus do céu! Tenho até vergonha de me lembrar, mas sei que a memória é um castigo implacável que vai me seguir até o fim. “Em resumo,meu caro:depois de anos de experiências malditas naquele laboratório de trevas,criei (ou julguei ter criado) a matriz aperfeiçoada do Homem,a ponte para o Super-Homem – como queria aquele pensador alemão deliran-


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te, devorado pela sífilis. Um Homem novo, superior, mais inteligente e provavelmente destinado a grandezas inéditas... Não era pouco, convenhamos, para um pesquisador como eu, sempre rejeitado pelas Academias de Ciência do país.” Percebendo minha indisfarçável impaciência, o homem procurou ser ainda mais sintético: “Que destino dar àquela descoberta? Como eu tinha que ser rápido, contei com a conivência de um ginecologista amigo, acostumado ao uso de hipnose nas consultas e exames de suas clientes mais difíceis. O senhor já deve ter imaginado: consegui inocular nada menos do que dez mulheres casadas, com a dezena de ‘matrizes avançadas’ que consegui produzir, antes que a suspeita (nunca a certeza!) dos decanos da universidade levasse à destruição de meu laboratório e à minha sumária demissão. Nunca se soube, oficialmente, quem afinal invadiu meu gabinete na calada da noite e em questão de hora, incendiou minhas anotações, minhas pesquisas, minhas matrizes ainda embrionárias, meus sonhos, minha arrogância... O fato é que, da noite para o dia, vi-me privado de tudo – menos da curiosidade obstinada de tentar acompanhar o destino das minhas Novas Criaturas. “Pois ali começou também meu castigo! Nove meses depois, lá estava eu tentando acompanhar, a distância, o nascimento de cada uma de minhas crias diabólicas. Mas não ousei ir além da terceira, depois de constatar toda a extensão do meu crime: por algum erro de cálculo, todas aquelas criaturinhas, aparentemente saudáveis, vinham ao mundo com o defeito aberrante de seis dedos em cada pé! Na época (já faz tanto tempo...), os jornais chegaram a noticiar a coincidência, mas não foram além de atribuir a alguma fatalidade divina ou a especulações em torno do uso de algum medicamento indevido durante a gravidez. Mas eu, que sabia a origem daquilo, não pude suportar a culpa sem tama-

nho – e literalmente enlouqueci. Saí pelas ruas aos gritos, avançando em todas as mulheres grávidas que encontrava no caminho. Pelo menos foi o que me contaram mais tarde os psiquiatras da Casa Verde, no dia em que finalmente pareci retornar à consciência. Tinham-se passado vinte anos!” O velho engoliu em seco e continuou, ainda mais sintético: “Nunca soube como reparar o meu erro. Sei, simplesmente, que hoje é tarde demais! Por isso, à falta de outra idéia, e sem coragem para qualquer iniciativa mais prática, saio todos os dias disfarçado de vendedor de sapatos, na esperança de encontrar afinal, diante de mim, um pé com seis dedos – um de meus filhinhos monstruosos. Confesso que não sei o que faria: ainda não consegui encontrar nenhum deles... Estou vendo sua expressão incrédula, e não posso culpá-lo por isso...” Aproveitei seu silêncio e pedi licença para me retirar por um instante. Fui até meu quarto e, na segunda gaveta da cômoda, peguei o pequeno revólver até aquele dia ainda sem uso... Eu não sabia no que acreditar de tudo aquilo. Sentado na beira da cama, sabia apenas que, se tirasse os tênis e as meias, iria ver mais uma vez (embora dessa vez com outros olhos) meus absurdos pés, cada um com seis dedos – fontes de meus complexos infantis, de minha vergonha de adolescente e de minha solidão de adulto. Fiquei ali um bom tempo, alisando a arma, confrontando idéias de vingança, entendimento e perdão, sem saber ainda o que fazer... ANTONIO FERNANDO BORGES é escritor, autor de Que fim levou Brodie? (Editora Record, 1996 / Prêmio Nestlé de Literatura de 1997), Braz, Quincas & Cia. (Companhia das Letras, 2002), Não perca a prosa (Versal Editores, 2003) e Memorial de Buenos Aires (Companhia das Letras, 2006). PESQUISA FAPESP 141

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