Perigo subestimado

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VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

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EXEMPLAR DE

Abril 2008

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ALUNOS BENEFICIADOS POR ACOES AFIRMATIVAS TÊM BOM DESEMPENHO PROMESSAS DOS ´ NANOCOSMETICOS

PESQUISA FAPESP

CARAVELAS-DO-MAR ´ NO MISTERIO LITORAL BRASILEIRO

MAIS POTENTE, A TUBERCULOSE SE ESPALHA

ESPECIAL

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REVOLUCAO GENÔMICA OS DEBATES DA EXPOSICAO 28.03.08 19:54:50



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IMAGEM DO MÊS

SPATIAL AUTOMATION LABORATORY/ UNIVERSITY OF WISCONSIN-MADISON

O tempo

contra Davi Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564) levou 3 anos para esculpir seu célebre Davi. Retratou-o no momento imediatamente anterior à vitória contra Golias, quando ele se preparava para enfrentar aquela força que parecia indestrutível. Hoje o Davi ostenta fissuras, ainda que quase imperceptíveis, fruto da ação do tempo. Graças a um software batizado de Scan and Solve, desenvolvido por pesquisadores das universidades de Wisconsin-Madison e Internacional da Flórida, Estados Unidos, foi possível mostrar os pontos de fragilidade no mármore, concentrados nas pernas da estátua. Por meio de imagens tridimensionais e sem a necessidade de remoção da escultura, o software calculou onde o risco de desgaste é maior e revelou como esses locais são afetados pelas forças que incidem sobre ele.

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ACERVO HISTÓRICO DO INSTITUTO CLEMENTE FERREIRA

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MIGUEL BOYAYAN

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CAPA

MARCIA MINILLO

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> CAPA

> ENTREVISTA

> POLÍTICA CIENTÍFICA

> AMBIENTE

E TECNOLÓGICA 18 Nova linhagem de

bactéria, resistência a medicamentos, pobreza e interação com a Aids agravam quadro da tuberculose

12 A historiadora

Maria Luiza Tucci Carneiro fala sobre o anti-semitismo histórico e presente da sociedade brasileira

36 ENGENHARIA CIVIL 30 FOMENTO

Ampliação da produção de etanol no país dependerá de investimentos em ciência básica e aplicada

> ESPECIAL

Debates e embates da ciência

> CIÊNCIA 42 FARMACOLOGIA

34 BIOSSEGURANÇA 51 REVOLUÇÃO GENÔMICA

Resíduos agrícolas podem diminuir o uso de cimento e reduzir a emissão de CO2

Ministro do STF, em voto histórico, defende pesquisas com célulastronco embrionárias

Descobertas indicam rumos para auxiliar o sistema imunológico no combate a infecções generalizadas

> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 9 CARTA DA EDITORA 10 MEMÓRIA 24 ESTRATÉGIAS 38 LABORATÓRIO 74 SCIELO NOTÍCIAS .........................

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> POLÍTICA C&T

> AMBIENTE

> CIÊNCIA

> TECNOLOGIA

TUCA VIEIRA/FOLHA IMAGEM

ALVARO E. MIGOTTO

> EDITORIAS

WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR

ABIURO

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FUNDAÇÃO CASA DE JORGE AMADO

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> HUMANIDADES

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46 BIOLOGIA CELULAR

Identificados no núcleo das células compartimentos que desfazem proteínas 49 GENÉTICA

Ao interromper comunicação celular, RNA artificial mata verme causador da esquistossomose 69 ZOOLOGIA

Mistérios das caravelas-do-mar desafiam médicos e biólogos

> TECNOLOGIA 80 NANOTECNOLOGIA

Rede de pesquisa promove conhecimento e aplicações em nanocosméticos 86 FÍSICA

Nanotubo de carbono aumenta a resolução de microscópio 88 ENGENHARIA QUÍMICA

Empresa desenvolve sistema que recicla componentes das lâmpadas fluorescentes

92 METALURGIA

> HUMANIDADES

Reedição de obra completa de Jorge Amado propõe revisão crítica de um dos escritores mais populares do Brasil 106 ANTROPOLOGIA

94 POLÍTICA ACADÊMICA

Estudos comparam desempenho de alunos beneficiados por ações afirmativas e mostram como vários obtêm sucesso acadêmico

............................. 76 LINHA DE PRODUÇÃO 110 RESENHA 111 LIVROS 112 FICÇÃO 114 CLASSIFICADOS

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102 LITERATURA

Parceria entre Unicamp e siderúrgica cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço

Pesquisa coloca em xeque motivação real e resultados de políticas contra tráfico de mulheres

CAPA MAYUMI OKUYAMA

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CARTAS cartas@fapesp.br

As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

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Incubadoras Desapontou-me a matéria sobre as incubadoras de empresas (“Nascedouro de negócios”, edição 145). Dezoito das 20 pessoas entrevistadas estão ligadas a empresas incubadas ou a instituições que as patrocinam. Não surpreende, por isso, que o tom apologético da matéria não difira daquele da mídia comum. Esta despreza pesquisas científicas sobre o tema, produzidas no país e no estrangeiro e não está interessada em informar. Tampouco surpreende que só as vozes de duas daquelas 20 pessoas, as que tratam o tema sem conflito de interesse (para usar um termo conhecido entre nós), desafinem em relação ao tom da matéria e ao coro dos demais. Uma delas, a de quem escreve esta carta, foi apontada como uma das “pouquíssimas vozes” dissonantes. O fato de que existem muitos pesquisadores (críticos ou não) que tratam o tema cientificamente e sem envolvimento pode ser aproveitado pela revista para promover um debate qualificado, embasado e construtivo, que faça jus ao que dela espera a comunidade de pesquisa e a sociedade. Renato Dagnino Grupo de Análise de Políticas de Inovação/ Unicamp Campinas, SP

MIGUEL BOYAYAN

Experimentação animal Negar que os animais experimentais salvaram muitas vidas (e ainda o fazem) é, no mínimo, algo sem ética nenhuma (re6

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portagem “Sem eles não há avanço”, edição 144). Claro que algumas pessoas experimentaram em sua universidade e escolas sacrifícios de animais para alguns estudos fisiológicos e/ou anatômicos, e que este item deve ser repensado em dois termos básicos: o instrutor (docente) não era bem preparado para o procedimento ou o estudante não estava preparado psicologicamente para assistir ao sacrifício animal, e estes últimos acabaram por criticar esta experimentação, por falta de preparo, sem ao menos ter ciência do que é um biotério de instituições sérias de pesquisa e ensino. Mas como nos desvencilhar da experimentação? Estariam preparados os perenes defensores dos animais de experimentação a entregar seus animais de estimação para algum veterinário que jamais estudou na prática a anatomia de um canídeo? Estaria preparado, este fiel defensor dos animais de experimentação, para entrar em cirurgia com um médico que nunca viu o que era um coração em estado normal? Óbvio que serei indagado sobre os modelos em medicina, mas esses modelos têm a mesma cor ou textura de um órgão normal? Ah, mas e as peças anatômicas que estão formalizadas? Volto à mesma questão: são iguais a um órgão normal? Sem dúvida alguma que uma série de produtos finais não apresenta resultados satisfatórios para o uso em humanos, porém há uma forte tendência a se esquecer dos produtos finais que apresentaram resultados fabulosos para uso em humanos, como, por exemplo, o captopril (remédio usado contra a hipertensão) e que usou uma série de animais para o seu desenvolvimento (sem esquecer das jararacas, donas originais desta fantástica molécula). É necessário ainda lembrar que a experimentação animal é usada para uma série de práticas que muitos equipamentos não são capazes de detectar, como por exemplo avaliar a virulência de um vírus usado em vacinas para seres humanos. Gostaria ainda de dizer que com os animais de experimentação muitas vidas humanas foram salvas e que, quando um dado produto farmacêutico apresenta bons resultados, este passa a ser administrado também em animais. Então, podemos pensar que um animal sacrificado não salvou

apenas vidas humanas, mas muitas vidas animais também. É muito triste, mas os seres humanos quando não entendem e vivem algo tendem a frisar apenas os aspectos negativos, mas estou certo de que a literatura científica mostra que há muita coisa dando certo, e que estes fortes ativistas (políticos e não políticos também) farão uso destes, sem ao menos ter em mente quantos (e quais animais) foram usados. Mas será que se soubessem fariam uso do produto final? Luiz Felipe Domingues Passero Faculdade de Medicina da USP São Paulo, SP

Aquecimento global Odo Primavesi, em sua carta sobre aquecimento global (edição 144), explica ao leitor que as áreas degradadas pelo ser humano contribuem significativamente para as mudanças climáticas, com o que concordo plenamente. Em sua explicação, porém, emprega conceitos clássicos, de conhecimento consolidado, de forma a confundir o leitor. É óbvio que os gases em si não geram calor, mas seus efeitos na transmissividade atmosférica em relação às ondas longas (calor) levam a um desequilíbrio no balanço de energia da atmosfera cujo resultado é um aumento de temperatura. “A radiação solar na faixa do luminoso” que compreende as ondas curtas é a que aquece a superfície terrestre, sendo portanto “calorífica” sim, assim como a infravermelha, emitida pela superfície aquecida. Esta última não “é impedida de entrar pelos gases de efeito estufa”, mas, pelo contrário, é impedida pelos gases de estufa de SAIR , provocando assim o desequilíbrio do balanço energético. As áreas degradadas em si não “geram” calor, suas características de refletividade e de emissividade modificadas pelo homem alteram sua emissão de calor. Não podemos responsabilizar essas áreas degradadas por “todas as mudanças climáticas conseqüentes”. Klaus Reichardt USP Piracicaba, SP

Terra nua Relativo à reportagem “Os perigos da terra nua” (edição 143), realmente a fragmentação ou redução das matas e principalmente da vegetação ripária dos rios e lagos por atividades antropogênicas para fins de ocupação causam, muitas vezes, danos irreversíveis ao meio ambiente, o que dificulta a sobrevivência e o desempenho reprodutivo de muitas espécies locais. Os anfíbios do tipo sapos, rãs e pererecas são os que mais sofrem com essas alterações, pois, com a diminuição da umidade local, além de dificultar o processo reprodutivo na água, embora existam espécies vivíparas, a questão das trocas gasosas através do tecido cutâneo também fica bastante complicada, levando a uma redução drástica desses seres, provocando um desequilíbrio ecológico brutal, que pode ser percebido com o aumento da população de insetos voadores na região, uma vez que mosquitos e outras espécies do gênero fazem parte da dieta desses anfíbios. Marte Ferreira da Silva Atibaia, SP

Tradutores Leio há anos Pesquisa FAPESP e a cada mês me surpreendo pelo fato de esta publicação omitir sistematicamente, em sua seção de resenhas de livros traduzidos para o idioma português, o nome do profissional autor da tradução. É incompreensível que os editores da revista não estejam a par da necessidade imperiosa de indicar o nome do tradutor, afinal este é autor de um trabalho intelectual. Venho, pois, solicitar que se corrija este grave erro e adote de agora em diante, como norma, a indicação do nome do tradutor em suas resenhas e outras citações de obras traduzidas. Flávia Nascimento Rio de Janeiro, RJ

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.

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CARTA DA EDITORA

A doença crua e literal

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CELSO LAFER

PRESIDENTE

Mariluce Moura - Diretora de Redação

JOSÉ ARANA VARELA

VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI

DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER

DIRETOR ADMINISTRATIVO

ISSN 1519-8774

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE ARTUR VOLTOLINI, JÚLIA CHEREM, MARIA CECILIA FELLI FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201 COLABORADORES ABIURO, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), DANIELLE MACIEL, FERNANDO DE ALMEIDA, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR, LAURABEATRIZ, LEOZITO COELHO E YURI VASCONCELOS.

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br

GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3038-4304 FAX: (11) 3038-1418 e-mail: rute@fapesp.br

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP

FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP

SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

H

á coisa de 2 décadas ou pouco mais, sentíamo-nos perfeitamente confortáveis em imaginar a tuberculose como um mal que acompanhara a história humana, tornara-se por vias concretas e metafóricas a grande doença do século XIX, estendera sua gravidade até a primeira metade do século XX e, então, entrara na categoria dos flagelos vencidos – por obra e graça de uma criação da cultura, isso que inventa o ser humano que conhecemos e somos. A criação a que me refiro, nesse caso, é conhecimento científico traduzido em antibióticos que se disseminaram no pós-guerra e, desde então, articulados com outros produtos e fatores, alteraram profundamente as condições de saúde e as possibilidades de duração da vida humana. Ou conhecimento traduzido numa vacina como a BCG, de aplicação obrigatória para proteger os frágeis recém-nascidos de nossa espécie dos humores aterrorizantes do bacilo identificado pelo doutor Robert Koch em 1882. Claro que de vez em quando, dos anos 1960 aos 1990, tínhamos notícia de algum conhecido que contraíra tuberculose, doença ainda assinalada por um poderoso estigma social, mas estávamos prontos a confiar no poder da penicilina e assemelhados e a nos refugiar na certeza de que os casos que chegavam a nosso conhecimento faziam parte da exceção, jamais da regra. Assim, nesses muitos anos, podíamos partir para um encontro com a tuberculose de caráter muito mais estético e filosófico, vertiginoso, proposto por Thomas Mann, por exemplo, em seu extraordinário A montanha mágica, onde a doença examinada em Davos é também metáfora de um mal insidioso que confronta o homem com o mistério de si, com suas misérias e grandezas, seus limites e sua capacidade de transcender, corroa esse mal as vísceras de um corpo frágil e finito ou sacuda as entranhas de uma sociedade em transformação. Podíamos também tomar a via poética da coragem proposta por Manuel Bandeira em sua luta encarniçada e direta contra a doença que ameaça matá-lo ou a senda dos dramas tecidos por Dinah Silveira de Queiroz em Campos do Jordão no seu sensível Floradas na serra. Fosse qual fosse a escolha, a tuberculose tinha uma inequívoca dimensão literária para minha geração e outras próximas. A Aids mudou isso. E hoje, longe de literária, a tuberculose se apresenta literal em sua crueza de doença. O bacilo que a produz instala-se

anualmente nos pulmões de 9 milhões de pessoas em todo o mundo, do que resulta a morte de uma delas a cada 15 segundos. No Brasil, são 100 mil casos, com a morte de 5 mil pessoas por ano. É verdade que há 45 anos não se cria um medicamento novo para a doença e que cepas mais e mais resistentes da bactéria que a causa surgem ameaçadoras no horizonte. Mas – eis o dado fundamental – a tuberculose é curável, por que então ela está se transformando de novo num flagelo, inclusive no Brasil? É disso que trata a excelente reportagem do editor especial Carlos Fioravanti, a partir da página 18. É uma contribuição importante para os debates em torno da doença, que tem em 24 de março uma data especial para se refletir a seu respeito.

… Nas páginas de humanidades, esta edição oferece outra contribuição significativa, bem calcada em pesquisas, para o debate de questões essenciais à definição da sociedade que queremos ser e que estamos construindo neste país. Trata-se de uma bela reportagem do editor especial Fabrício Marques (página 94) sobre os resultados até aqui dos programas de ação afirmativa para ingresso de estudantes egressos de escolas públicas ou ligados a grupos étnicos socialmente desfavorecidos no ensino superior brasileiro. Há dados surpreendentes e vale a pena conferir.

… Há muito mais a descobrir nesta edição, inclusive em relação à beleza das páginas desenhadas por nossa editora de arte, Mayumi Okuyama (vejam, por exemplo, as páginas 69 a 73). Mas encerro com uma recomendação de atenção para o primeiro dos encartes especiais relativos às palestras e debates que Pesquisa FAPESP está organizando dentro da exposição Revolução genômica, que até 13 de julho está no Parque do Ibirapuera em São Paulo e depois percorrerá outras cidades do país. A exposição, trazida do Museu de História Natural de Nova York pelo Instituto Sangari, recebeu aqui acréscimos bem brasileiros e está encantando o público. Esperamos que as conferências e discussões paralelas, da lavra de brilhantes pesquisadores brasileiros e estrangeiros, possam ser uma contribuição consistente da FAPESP e desta revista para ampliar o contato da sociedade com os temas científicos. PESQUISA FAPESP 146

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() MEMÓRIA

Fungo no Há cem anos Adolpho Lutz publicava dois artigos descrevendo uma nova doença Neldson Marcolin

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FOTOS ARQUIVO DO CENTRO DE MEMÓRIA DO IAL

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o começo do século XX, o médico e pesquisador Adolpho Lutz estudou minuciosamente em dois pacientes de São Paulo uma doença diferente, causadora de graves lesões, que destruíam a mucosa da gengiva, com dolorosa repercussão nos gânglios. Após quase três anos de pesquisa, em abril de 1908 Lutz publicou dois artigos no Brazil-Medico – Revista Semanal de Medicina e Cirurgia, nos quais qualificava a moléstia como micose pseudococcídica, depois de identificar o fungo que a causava e descrever o modo característico de reprodução. “Lutz fez algo absolutamente notável e raro”, afirma o farmacêutico e bioquímico Cezar Mendes de Assis, pesquisador do Instituto Adolpho Lutz. “Ele descreveu a doença, observou em microscópio seu agente em material clínico, isolou-o em meio de culturas, demonstrou seu dimorfismo (duas formas distintas, bolor a 27ºC e leveduras a 36ºC), descreveu suas características, reproduziu a doença em diferentes animais de laboratório e reisolou o agente.” Além disso, preocupou-se em dizer que estava diante de uma nova doença e alertou sobre a dificuldade de diferenciá-la de moléstias semelhantes. O nome adotado para a doença desde 1971, após congresso de especialistas na Colômbia, é paracoccidioidomicose, embora tenha tido vários nomes desde 1908 – um

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Edição com o primeiro artigo de Lutz

deles foi “doença de Lutz”. Trata-se de micose causada pelo fungo Paracoccidiodes brasiliensis, presente na área rural, que penetra mais freqüentemente no organismo humano por via inalatória. Quando não diagnosticada e tratada no momento certo, provoca feridas na pele e lesões na boca, pode contaminar pulmões, baço e fígado, se infiltrar nos ossos, nas articulações e no

Lutz (acima) e com a filha, Bertha (na outra página), no laboratório. Ao lado, em campo, fazendo coleta de caramujos

sistema nervoso central. Algumas das atividades de risco são aquelas ligadas à agricultura, à prática de jardinagem e ao transporte de vegetais. O desmatamento e o preparo do solo para o plantio aumentam o número de partículas do fungo em suspensão. Como a notificação não é compulsória, faltam informações precisas sobre a incidência dessa micose

no Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram 3.181 mortes entre 1980 e 1995, resultando em taxa de mortalidade de 1,45 caso por milhão de habitantes. O consenso em paracoccidioidomicose, relatório técnico publicado em 2006 pela Revista da Sociedade de Medicina Tropical, mostrou que poucas pessoas, entre as expostas

ao fungo, desenvolvem a doença. Quando a micose se manifesta, no entanto, o problema ganha importância na saúde pública porque a mortalidade é alta – quem não morre freqüentemente fica incapacitado para o trabalho. Por enquanto não existe vacina eficaz. Depois dos artigos pioneiros de 1908, a micose continuou a ser estudada. O bacteriologista italiano Alfonso Splendore e o micologista paulista Floriano Paulo de Almeida deram contribuições importantes para o seu entendimento. No mesmo ano em que publicou a pesquisa, Lutz (1855-1940) deixou o Instituto Bacteriológico de São Paulo (atual Instituto Adolfo Lutz), que havia dirigido por 15 anos, e voltou para sua cidade natal, o Rio de Janeiro, para atuar exclusivamente como pesquisador. Afeito à solidão dos laboratórios e às coletas em campo, ficou até o fim da vida no Instituto Oswaldo Cruz, onde continuou estudando temas de interesse médico ou puramente biológico.

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ENTREVISTA

Maria Luiza Tucci Carneiro

A raça ‘indesejável’ Preocupação com racismo contra negros e índios esconde o anti-semitismo histórico e presente da sociedade brasileira Carlos Haag

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les se fingem de católicos, com cruzes e santinhos, tudo hipocrisia. Estou apavorado com o progresso dessa gente e revoltado com a displicência das autoridades, não só do Brasil como das Américas”, escreveu um cidadão comum ao Deops avisando sobre a presença de judeus no país. Detalhe: o ano da denúncia é 1947, dois anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e da derrocada do nazismo e do Estado Novo. Ainda assim, ajudar refugiados judeus era visto como “crime contra a nação”. Ao mesmo tempo, ao longo da guerra, figuras corajosas como o embaixador brasileiro em Paris, Luiz Martins Souza Dantas, ou a assistente da Embaixada do Brasil em Berlim, Aracy Carvalho (mais tarde, sra. Guimarães Rosa), desobedecendo ordens do regime varguista, liberaram centenas de vistos para que judeus pudessem vir ao Brasil e sobreviver ao holocausto. Pouco conhecido, em especial se comparado com a intensa preocupação com o racismo contra negros ou índios, o anti-semitismo brasileiro só aos poucos vem sendo trazido à luz. Uma das responsáveis por isso é a historiadora

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Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP, autora de Preconceito racial no Brasil Colônia: cristãos-novos (Brasiliense, 1982); O anti-semitismo na era Vargas: 19301945 (Brasiliense, 1988, 2ª edição, 1995); O racismo na história do Brasil: mito e realidade (Ática, 1994); O olhar europeu: o negro na iconografia brasileira do século XIX (co-autoria Boris Kossoy, Edusp, 1994). Agora, ela é a organizadora do recém-lançado estudo O anti-semitismo nas Américas (Edusp, 744 páginas, R$ 98), ao mesmo tempo que coordena o projeto Arquivo Virtual sobre o Holocausto e o Anti-semitismo no Brasil, que conta com apoio da FAPESP e está baseado no Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (Leer-USP), do qual ela é diretora. Milhares de documentos serão digitalizados e disponibilizados nesse banco de dados, que registrará depoimentos de sobreviventes dos campos de concentração. Leia, a seguir, trechos da entrevista. O Brasil foi um país racista ou ainda o é ? — O Brasil sempre foi e ainda é um país racista, apesar do “negacionismo” por parte de alguns segmentos da so-

ciedade brasileira, que insistem na veiculação da imagem do país como um “paraíso racial”. Exatamente por convivermos com um racismo camuflado (e eu entendo o anti-semitismo como uma forma de racismo) é que devemos estar atentos aos subterfúgios. Desinformação, interesses políticos, alianças de compadrio, pesquisas históricas distorcidas e a mídia têm contribuído para fortalecer o senso comum, dificultando o exercício da crítica e o respeito às diferenças. O fato de não observarmos em nosso cotidiano agressões físicas e públicas contra negros, judeus ou ciganos não quer dizer que não aja racismo no Brasil, que pode variar desde o mais sutil sentimento de desconfiança e de desprezo até o mais violento ato de hostilidade física. A existência em São Paulo de uma Delegacia de Crimes Raciais, de o Direito brasileiro condenar e repudiar a prática do racismo e de constatarmos, cada vez mais, a adoção de cotas para negros nas universidades demonstra que a nossa realidade, ainda que expressiva do fenômeno da mestiçagem, não é tão cordial assim. Temos o diagnóstico, mas não chegamos ainda à profilaxia adequada, pontual.

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FOTOS MIGUEL BOYAYAN

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Como analisar o desenvolvimento do anti-semitismo ao longo da história nacional, em especial se comparado ao ódio aos judeus em países do Primeiro Mundo, onde o sentimento é, em geral, mais “abertamente” declarado? A nossa “hipocrisia” racial também se repete no anti-semitismo? — Acredito que o anti-semitismo deve ser analisado a partir de três vertentes: das relações de interação/conflito entre judeus e não-judeus; enquanto um fenômeno psicológico-cultural característico dos tempos modernos; e em fases distintas cujas características, muitas vezes, se superpõem. Esta abordagem é válida para qualquer país, guardadas as devidas especificidades históricas. As formas e graus de manifestação do anti-semitismo variam de acordo com as visões de mundo herdadas de um passado remoto e da persistência dos mitos políticos que interferem nas formas de manifestação. É nos momentos de crise aguda que o anti-semitismo encontra condições para se manifestar, seja através de um

Mentira e dubiedade são componentes comuns aos discursos racistas, que transformam o ódio em normas que todos devem observar

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discurso forjado, seja explicitamente, como ocorre em alguns países do Primeiro Mundo. Em meus livros e pesquisas mais recentes tenho procurado demonstrar que o anti-semitismo é um fenômeno, por excelência, multifacetado, com capacidade de deformar realidades e de se metamorfosear como um camaleão. Mentira e dubiedade são componentes comuns aos discursos racistas, que transformam o ódio em normas que todos devem observar. É nesta camuflagem que vejo instalada a “hipocrisia”, atitude característica dos racistas em geral; sendo que a hipocrisia sempre se apresentou como uma ótima aliada da mentira. Quais são as peculiaridades do antisemitismo brasileiro e quais suas raízes? Como ele se desenvolveu do anti-semitismo colonial, calcado no catolicismo da Inquisição, até um modelo mais “moderno” de segregação? — Para entendermos as tais peculiaridades do anti-semitismo brasileiro considero importante ressaltar que nem sempre é necessário que haja segregação para caracterizarmos um fenômeno como anti-semita. A mentira, o exagero, a generalização e a deturpação dos fatos históricos se fazem sempre presentes quando o intuito é atiçar o ódio contra os judeus. Daí o emprego de múltiplos conceitos para se caracterizar o anti-semitismo como cristão, econômico, popular, científico, político etc. Quando endossado pelo Estado, o anti-semitismo presta-se como instrumento político, tendo condições até mesmo de subsidiar um plano de extermínio por métodos científicos, como aconteceu na Alemanha nazista entre 1933 e 1945, fato único na história da humanidade. No Brasil, essa modalidade – do anti-semitismo político – existiu enquanto política de bastidores nos governos Vargas (1937-1945) e Dutra (1946-1950), que consideravam o judeu como “raça indesejável” para compor a população brasileira. Para compreendermos o caso do Brasil devemos buscar as raízes deste fenômeno na península Ibérica do século XIV, tema que desenvolvo em meu livro Preconceito racial em Portugal e Brasil Colônia. Foi com o desejo de abortar o desenvolvimento da burguesia cristã-nova que, em 1449, foi proclamada a Sentencia

Estatuto de Toledo, que serviu de base para a construção do mito ariano, expressão da modernidade. Apoiado por homens letrados e pela Igreja Católica, institucionalizou-se o conceito de pureza de sangue responsável pela distinção entre “raças infectas” e “raças limpas de sangue”. Foi com base nesta crença que a Inquisição portuguesa e espanhola mandou prender e/ou queimar milhares de cristãos-novos alegando que esses descendentes de judeus eram perniciosos pelo “sangue que lhes corria nas veias”. Entre 1500 até 1774, portanto durante o período colonial, persistiu no Brasil esse anti-semitismo tradicional, de fundamentação teológica. Até 1808 percebemos uma retração deste discurso anti-semita sustentado pelo Estado absolutista e Tribunal da Inquisição portugueses, culminando com a diluição do mito da pureza de sangue. Considero o período de 1808 a 1860 como um estado de hibernação do anti-semitismo, que entre 1860 e 1916 reaparece na sua faceta “moderna”, subsidiado por obras teóricas européias que introduzem no Brasil o darwinismo social, o evolucionismo, o arianismo e a eugenia. Estes princípios serão retomados nas décadas de 19301940 sob a influência do ideário nazifascista. Podemos afirmar que entre 1937 e 1948 se processou a radicalização do pensamento anti-semita moderno no Brasil, adotado como instrumento de poder pelo Estado nacional. Este momento condiz, exatamente, com a adoção de circulares secretas pelos governos de Vargas e Dutra. ■ No livro Anti-semitismo nas Américas, a pesquisadora Pilar Rahola culpa a mídia e a universidade pelo que chama de “novo anti-semitismo”. Como entender essa culpa? — O anti-semitismo citado por Pilar Rahola deve ser interpretado como uma nova forma de intolerância, que se expande pela Europa, Oriente Médio e países das Américas. É um fenômeno distinto daquele sustentado pelos nazistas que propunham o extermínio das raças impuras fundamentados nos princípios da ciência moderna. Hoje fala-se numa Alemanha para os alemães e não mais, como nos anos de 1930 e 40, numa Alemanha para os arianos, símbolos da raça pura. Se pro-

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paga a idéia de uma França só de franceses, de uma Espanha sem africanos etc. O Irã propõe uma Palestina “livre de judeus”, ameaça que beira o genocídio político e cultural. Enfim, defende-se a exclusividade da região para um único grupo que não respeita as diferenças, sejam elas étnicas, religiosas ou políticas. Retoma-se, de certa forma, o antigo conceito romano de bárbaro: “Aquele que não pertence ao Império e por isso não tem direito de usufuir de seu convívio e de seus benefícios”: é um “invasor”. De que forma se organiza esse novo anti-semitismo e como ele se diferencia do tradicional? — Este é um racismo diferente daquele que norteou a escravidão colonial e o nazismo. O argumento utilizado não é mais o da preservação da raça pura ou superior. Defende-se o direito que cada um tem de ser diferente, mas com um sentido discriminatório: cada um no seu lugar, cada povo no seu país. Sob fundamentos étnicos-políticos argumenta-se que alguns grupos não têm direito ao território ou que são culpados pelas mortes e pela miséria do “outro”, como acontece nos atuais conflitos no Oriente Médio, onde esse novo antisemitismo (travestido de anti-sionismo) serve de argumento para atos terroristas. Nestes momentos o anti-semitismo emerge como reação e solução para a instabilidade política, para interesses de hegemonia na região e para a explosão demográfica. Como nos velhos tempos inquisitoriais ou nazistas, convém, para alguns poucos, manter viva a imagem de Israel como o “inimigo político”, apresentado como invasor, usurpador. Por trás está o comércio de armas, as propinas e outros expedientes lucrativos em tempos de guerra. Nem sempre a paz é interessante! Tanto é que algumas nações ocidentais e outras do Oriente Médio reabilitaram a imagem do judeu como eterno caminhante sem direito a um território, conceito interpretado à luz dos regimes antidemocráticos com conotações políticas. Portanto, é através da mídia e da educação que essa e outras tantas mentiras se multiplicam reafirmando a força que as imagens (mentais e visuais) e as palavras têm de interferir na realidade. É neste contexto que, como Rahola, vejo

a mídia, que, em muitos casos, expressa as condições limitadas de alguns. Podemos falar em “imagens negociadas” deturpadas pela ignorância, por interesses econômicos e políticos, implicando na parcialidade de julgamentos. Quanto à universidade, não podemos ignorar a postura de alguns intelectuais da academia que não conseguem separar anti-semitismo de antisionismo e antiamericanismo. Lembro que, no passado, os intelectuais alemães foram os primeiros a apoiar Hitler e que importantes institutos de pesquisa louvaram a expulsão dos judeus de seus cargos colocando a ciência a serviço do III Reich. ■ O Estado brasileiro foi o grande promo-

tor do anti-semitismo no Brasil. Podemos pensar que o anti-semitismo nacional é mais um produto estatal do que um genuíno sentimento difundido pelos indivíduos da população brasileira? — Podemos afirmar que a Igreja Católica e o Estado brasileiro foram realmente um dos promotores do anti-semitismo que, entre 1917 e 1932, extrapolaram as fronteiras do discurso lite-

rário folhetinesco e da doutrinação católica, alcançando o saber técnico dos burocratas brasileiros. Neste período autoridades do Estado republicano – preocupadas com os projetos de colonização judaica e com o crescente número de imigrantes judeus russos, tchecos e poloneses interessados em entrar no país – deram início a uma política restritiva anti-semita, mas ainda assistemática. Após 1937 esse anti-semitismo foi endossado pelas elites política e diplomática brasileiras que não se tornaram coniventes ou omissas fem face das práticas de extermínio nazista. Mas este, infelizmente, não era um “produto genuíno estatal”. O fel dessa intolerância brotava também do pensamento conservador e nacionalista da direita católica, que, através de seus escritos e sermões, alimentou o ódio contra a comunidade judaica brasileira. Inúmeros são os intelectuais católicos e também integralistas brasileiros que produziram uma larga literatura anti-semita de matrizes francesas, alemãs e portuguesas. Durante séculos a Igreja Católica pregou o anti-semitismo através de uma pedagogia própria e de uma literatura instigadora da desconfiança e do desprezo aos judeus. E quanto à população: expressivas são as cartas de delação contra os judeus refugiados do nazi-fascismo radicados no Brasil. Nem mesmo a comunidade judaica brasileira tem a devida dimensão do quanto ela foi discriminada, vigiada e excluída pelas autoridades do Deops/SP e da diplomacia brasileira. Muitos continuam ofuscados pelos mitos da cordialidade e da hospitalidade brasileira que, por sua vez, mantêm vivo o mito da democracia racial. Em síntese ao nível do imaginário coletivo, o anti-semitismo cristão e popular jamais deixou de se manifestar no Brasil. ■ O governo Lula foi sempre visto com desconfiança pela comunidade judaica por suas simpatias pelo movimento palestino. Como a senhora analisa as relações atuais entre Brasil e Israel? — A desconfiança da comunidade judaica tem razão de ser, pois o governo Lula tem se comportado com dubiedade em relação ao Oriente Médio e principalmente quando o tema diz respeito a Israel e aos países árabes, dentre os quais o Irã. Mas, para enten-

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dermos esta posição dicotômica do atual governo, devemos levar em consideração a posição histórica do Brasil ante o Estado de Israel. Um constante clima de tensão marcou, desde o início da Guerra Fria, a postura do governo brasileiro, comprometido, de um lado, com sua tradição anti-semita e, de outro, com os ideais democráticos defendidos pelos Estados Unidos. Era explícito que o governo do presidente Eurico Dutra (sucessor de Vargas) não via com bons olhos os rumos tomados pelo recém-criado Estado de Israel, candidato a “satélite comunista”. Incomodava-o a criação de kibutzim modelados pelas práticas socialistas, da mesma forma que estranhava o reconhecimento imediato da URSS a Israel, em 1948. A esses fatos somou-se o auxílio armamentista dado pela Tchecoslováquia, aliada dos israelenses contra os árabes insatisfeitos com a partilha da Palestina. Esse contexto pressionou o Brasil a retardar para 7 de fevereiro de 1949 seu reconhecimento oficial ao Estado de Israel e para 1952 o estabelecimento de delega-

ções diplomáticas. Em maio de 1949, durante a Assembléia-geral da ONU, o Brasil se absteve na votação pela Resolução nº 273, condicionando seu voto à “estrita implementação de Israel das resoluções relativas à internacionalização de Jerusalém e à questão dos refugiados árabes”. O Brasil, país católico por tradição, não estava interessado em se opor ao Vaticano, favorável à internacionalização de Jerusalém; da mesma forma que não pretendia desagradar aos países árabes, cujas relações comerciais seriam intensificadas ao longo dos anos 1960 e 70. Em 1975, diante da crise mundial do petróleo, optou por uma postura radical: votou na Assembléia da ONU a favor da Resolução nº 3.379, que qualificava o “sionismo como forma de racismo e discriminação racial”. O anti-semitismo diz muito sobre como uma nação vê o estrangeiro, o “outro”. A partir desse contexto, como a senhora avalia o Brasil? — Durante séculos o Estado brasileiro manteve uma postura xenófoba contra determinados grupos de estrangeiros que, por sua “raça” ou idéias políticas, eram considerados “indesejáveis” para compor a população brasileira. Dentre estes estavam os judeus, os negros, os ciganos e os japoneses, que, em distintos momentos da história republicana, enfrentaram uma política imigratória restritiva, de cunho racista, fundamentada nas teorias eugenistas que pregavam a homogeneização da população idealizada como branca e católica. Uma farta literatura antinipônica e antisemita foi produzida por intelectuais brasileiros entre 1917-1950, registrando a persistência de uma mentalidade intolerante por parte das nossas elites políticas e intelectuais. Esta documentação está sendo inventariada por pesquisadores do Leer e que dará origem ao dicionário histórico-biográfico de obras e autores racistas do Brasil. ■

Um brasileiro, Oswaldo Aranha, participou ativamente da criação do Estado de Israel. Quais eram as reais motivações por trás desse apoio brasileiro na ONU? — Oswaldo Aranha tem aqui um mérito: de ter garantido, enquanto americanófilo convicto, que o Brasil – durante a Segunda Guerra Mundial – não

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“caísse para o outro lado”, já que a maioria dos homens do governo Vargas, assim como o próprio Vargas, não ocultava suas simpatias pela política do III Reich e seu ideário anti-semita. Enquanto embaixador do Brasil em Washington (1934-1937), chanceler do Itamaraty (1938-1944), representante do Brasil na ONU (1947) e empresário da Gastal S.A. (desde 1946), Aranha foi um fiel aliado dos Estados Unidos. Tal postura talvez explique o fato de ele ter mantido secretas, enquanto ministro das Relações Exteriores, as circulares anti-semitas em prática desde 1937 a 1948. Não se esforçou para eliminá-las ou denunciá-las, nem favoreceu a ação humanitária daqueles que descumpriam tais regras anti-semitas. Haja vista que, durante a sua gestão, um processo administrativo “afastou” a bem do serviço público o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas, hoje reconhecido como um dos justos pelo Yad Vashem. Tanto Vargas como Dutra preferiram investir na imagem idílica da Palestina enquanto “Terra Prometida” do que favorecer o acolhimento de judeus no território brasileiro. Para o governo brasileiro, a formação de um Estado judaico na Palestina extrapolava a idéia de esta ser apenas uma solução para a questão judaica. Os benefícios eram múltiplos: além de expressar o endosso do Brasil às iniciativas humanitárias dos Estados Unidos, também se apresentava como uma solução para o fluxo de “judeus indesejáveis”, (re)direcionados para o novo lar judaico, o futuro Estado de Israel. ■ A senhora acredita no recrudescimento

recente do anti-semitismo global? A que atribuir esse incremento? Ao mesmo tempo, há um fascínio crescente pelo nazismo, por Hitler e seus símbolos. Como a senhora vê isso dentro do contexto do anti-semitismo crescente? — Nestas últimas décadas o mundo foi sacudido por novas ondas de anti-semitismo propagado amplamente através de sites na internet a serviço de grupos neonazistas que têm também seus representantes aqui no Brasil. A intolerância apregoada pelo nazismo foi redimensionada por grupos, partidos e organizações contemporâneas de extrema direita e ultradireita, colocando em perigo nossas conquistas democrá-

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ticas, ainda frágeis e em processo de afirmação. Enquanto partidários de um discurso nacionalista e racista fundado no culto à violência, no autoritarismo, na oposição à democracia e ao pluralismo racial devem ser vistos como um perigo real, e muito próximo de todos nós.

Podemos afirmar que a Igreja Católica e o Estado foram promotores do anti-semitismo que alcançou os burocratas brasileiros

■ Uma escola de samba, a Viradouro, ten-

tou levar para a avenida o tema do holocausto e foi proibida. Qual sua visão disso? Foi um ato de censura? Não seria importante levar o tema para mais pessoas? — Não concordo com a proposta da escola de samba Viradouro nem vejo a proibição como um ato de censura. A escola poderia ter pensado outras formas de divulgar o holocausto, cuja rememoração não cabe na alegria do sambódromo. Por que não financiar ações positivas como, por exemplo, promover cursos sobre o tema direcionados aos seus jovens sambistas ou financiar livros paradidáticos sobre o holocausto e racismo para serem distribuídos nas escolas da periferia do Rio de Janeiro?

Qual é o sentido da formação hoje de um arquivo brasileiro do holocausto, já que, para muitos, ocorreu há tanto tempo e em lugares distantes de nós? — Desde agosto de 2007 desenvolvemos, com recursos da FAPESP, o projeto de criação de um arquivo virtual sobre holocausto e anti-semitismo. A idéia é de disponibilizarmos on-line cerca de 10 mil documentos diplomáticos expressivos da postura do governo brasileiro diante do holocausto e dos judeus refugiados do nazi-fascismo (1933-1948). Pretendemos também registrar os nomes e as trajetórias daqueles que fizeram do Brasil a sua terra de acolhimento, registrando neste inventário os sobreviventes dos campos de concentração e refugiados radicados no Brasil. A reconstituição das rotas de fuga, das ações anti-semitas e genocidas praticadas pelos nazistas e países colaboracionistas, os livros de memórias dos sobreviventes podem nos ajudar a combater a ignorância, além de alertar para a fragilidade das democracias que, na contramão da história, se deparam, muitas vezes, com sistemáticas violações dos direitos humanos. Informações podem ser enviadas para o arqshoah@usp.br – um espaço on-line dedicado à história e à memória do holocausto a partir de documentos e testemunhos existentes no Brasil. ■ ■

■ Num outro registro, a senhora defende

a colocação do tema do holocausto na sala de aula. De que forma isso é importante e como se pode fazer isso sem misturas ideológicas? — Acredito na educação como forma de criarmos um mundo melhor e uma sociedade mais justa e pluralista. Daí a educação ser uma das frentes de luta para combater a ignorância, estágio da (des)razão propício à fomentação do ódio racial. Desde 2004 temos procurado introduzir a história do holocausto nas salas de aula através da realização de jornadas interdisciplinares em parceria com a B’nai B’rith do Brasil, o Programa de Estudos Judaicos da Uerj e as secretarias municipais de Educação de São Paulo, Rio de Janeiro e, dessa vez, somando com Curitiba. Através do Programa Educando para a Democracia e a Cidadania procuramos conscientizar diretores, professores e pais de alunos da necessidade emergente de incorporarmos o debate sobre racismo e anti-semitismo como temas transversais sugeridos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais. Temos sugerido conteúdos e material didático para subsidiá-los na criação

capitalistas e, até mesmo, com falsos atestados de batismo de católicos. Cabe aqui ressaltar alguns nomes cuja produção acrescentou créditos para a cultura brasileira: Alice Brill, Axl Leskoschek, Claúdia Andujar, Erick Brill, Ernesto de Fiori, Eva Lieblich, Fayga Ostrower, Frans Krajcberg, Franz Josef Weismann, Georg Rado, Gerda Bretani, Samson Flexor, Walter Lewy, Nydia Lícia Pincherle Cardoso, Curt Schulze, Fredi Kleemann, Hans Günter Flieg, Peter Scheier, Anatol Rosenfeld, Otto Maria Carpeaux, Hebert Caro, Stefan Zweig, Paulo Rónai, Paul Frischauer, Fritz Pinkuss, Mathilde Maier, Paula Ludwig, dentre outros. Outras centenas tiveram seus pedidos de entrada no Brasil indeferidos por serem da “raça semita” e como tais indesejáveis. Perdemos sempre que o anti-semitismo é acionado como instrumento de poder.

de seu planejamento de trabalho e de uma prática educativa coerente com o compromisso que as escolas têm de favorecer a construção da cidadania. Cabe, através dessas jornadas, eleger a dignidade da pessoa humana e a igualdade de direitos como princípios que devem orientar a educação escolar. Enfim, consideramos importante transformar a escola não apenas em um espaço de reprodução de conhecimentos, mas também em espaço de transformação social. Muitos intelectuais e cientistas judeus vieram (ou tentaram vir) para o Brasil durante o nazismo. Qual foi a contribuição do pensamento judeu à cultura e ciência nacionais por causa disso? O quanto também perdemos em razão do anti-semitismo velado do governo Vargas, que impediu a vinda de mais cabeças pensantes judaicas? — Centenas de judeus refugiados do nazismo conseguiram visto para o Brasil burlando as regras impostas pelas Circulares Secretas sustentadas pelo Itamaraty entre 1937 e 1948. Muitos entraram com vistos de turistas, vistos

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CAPA

Nova linhagem de bactéria, resistência a medicamentos, pobreza e interação com Aids agravam quadro da tuberculose Carlos Fioravanti

o mês passado ganharam o mundo dois estudos de que ele participou, exibem não só um dos mecanismos pelos quais a bactéria da tuberculose sobrevive e que mostram quão dramático é o quadro de ganha vigor, mas também o desamparo diante de uma uma das doenças mais temidas da humanidade, a tubercudoença que, quando não mata logo, torna a vida uma lose. Um deles descreve uma nova linhagem da principal sucessão de angústias e dores regidas pela sombra da espécie de bactéria causadora de tuberculose, o bacilo morte, como o poeta pernambucano Manuel Bandeira Mycobacterium tuberculosis, que apresenta uma perda do retratou nas cartas e nos poemas que ilustram esta regenoma uma vez e meia maior que a maior perda já enportagem. O Mycobacterium tuberculosis instala-se nos contrada em qualquer outra das seis espécies do gênero Mycobacterium que causam tuberculose. Mesmo assim pulmões de 9 milhões de pessoas a cada ano no mundo sobreviveu, reforçou a capacidade de escapar das células e mata um indivíduo a cada 15 segundos. de defesa do organismo e se tornou a responsável por um Combatida até 10 anos atrás por meio de campanhas em cada três casos de tuberculose registrados no Rio de públicas e de exames obrigatórios para ingressar na esJaneiro. A infecção por essa linhagem, chamada de RDcola ou em qualquer emprego, a tuberculose saiu do conRio por ter sido descoberta lá, está associada com emagretrole por causa da epidemia da Aids, que deixa o organiscimento mais intenso, mais escarro de sangue e mais permo mais sensível a microorganismos oportunistas, das furações no pulmão. O outro trabalho, com laboratórios variedades de M. tuberculosis que resistem a um ou mais de nove países, mostra que essa linhagem predomina sobre medicamentos e da falta de medicamentos mais eficazes centenas de outras nos Estados Unidos, na América Cenque os atuais. “Há 45 anos não temos nenhum fármaco tral e na África. Este mês deve sair um terceiro artigo mosnovo contra a tuberculose”, lamenta Marcus Vinícius trando que essa mesma variedade causa um terço da tuberNora de Souza, pesquisador do Instituto de Tecnologia culose registrada também em Belo Horizonte. em Fármacos (Far-Manguinhos), Rio de Janeiro. “Nossa hipótese é que essa linhagem pode passar desNovamente considerada uma das piores ameaças da percebida e se espalhar mais facilmente por ter perdido humanidade, tal qual havia sido no final do século XIX, parte dos genes que levam à produção de proteínas que a tuberculose avança à sombra da desarticulação entre a denunciariam ao organismo hospedeiro, mas aparencentros de pesquisa, empresas e poder público. Afrânio temente não apresenta mais resistência do que as outras Kritski, da UFRJ, coordenou uma análise das publicações ao tratamento com antibióticos”, diz Luiz Cláudio Lazzacientíficas sobre tuberculose no Brasil de 1986 a 2006 e rini de Oliveira, professor da Universidade Federal do Rio detectou o abismo entre pesquisa básica e pesquisa aplide Janeiro (UFRJ), que voltou ao Brasil no mês passado após 3 * Trecho de carta que Bandeira escreveu em 1914 em um sanatório da Suíça, anos na Universidade Cornell, citada por Ângela Porto e Dilene Nascimento no artigo “Tuberculosos e seus itinerários” (História, Ciências, Saúde-Manguinhos, jan-nov. 1994/fev. 1995) Estados Unidos. Esses estudos,

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Manuel Bandeira em 1966

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defesa do organismo das pessoas com Aids está muito debilitado”, observa Leda, “a tuberculose pode não se manifestar de forma evidente”. O exame de escarro pode levar facilmente a resultados negativos e criar uma dúvida que só poderá ser resolvida com outro tipo de exame, a cultura de bactérias, cujo resultado sai depois de 1 mês. Para complicar, um dos antibióticos mais usados, a rifampicina, pode reduzir a ação dos anti-retrovirais usados para tratar a Aids. Duas inovações da equipe do Núcleo de Doenças Infecciosas (NDI) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) talvez possam ajudar na luta para detectar a tuberculose mais cedo. A primeira é um método de dupla filtração do escarro que aumenta de 70% para 90% a sensibilidade do método mais rápido e barato de detectar a tuberculose. A segunda é uma adaptação do meio de cultura de Ogawa, de baixo custo, para utilização em maior escala no diagnóstico da tuberculose. “As cinco prefeituras da Região Metropolitana de Vitória adotaram como rotina a cultura de escarro para todos os pacientes com suspeita da doença”, diz Reynaldo Dietze, coordenador do NDI. “O percentual de detecção de casos da doença aumentou em 25%.” Governos, empresas e fundações internacionais gastaram US$ 413 milhões em 2006 na busCampanhas nacionais: antes, comuns

Infecção oportunista

Em um dos centros de atendimento a portadores de doenças sexualmente transmissíveis da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Leda Fátima Jamal luta para intensificar a quantidade e o ritmo dos diagnósticos de tuberculose entre pessoas especialmente suscetíveis: os portadores do vírus HIV, o causador da Aids. Em outro artigo da Revista de Saúde Pública, Leda e Fábio Moherdaui, do Programa Nacional de Tuberculose, afirmam que a interação entre as duas doenças ameaça as metas do governo para detectar e tratar os casos de tuberculose. “Quando o sistema de 20

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ACERVO HISTÓRICO DO INSTITUTO CLEMENTE FERREIRA

cada, que dificulta a busca de novos medicamentos, a escassa participação de empresas e a dificuldade, principalmente burocrática, em realizar testes clínicos que possam levar a novos tratamentos. Segundo ele, esse trabalho, publicado no final do ano passado em uma edição especial sobre tuberculose da Revista de Saúde Pública, “sinaliza para onde estamos indo como nação”. “Temos muito paper e pouca coisa de aplicabilidade”, diz. A Rede Brasileira de Pesquisa e Combate à Tuberculose (Rede TB) aflorou há 5 anos com o propósito de aproximar equipes de áreas variadas, evitar visões fragmentadas e deter uma doença que se espalha pelo ar, mas os resultados ainda são essencialmente acadêmicos. “Para controlar a tuberculose, temos de trabalhar todos juntos.”

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Pneumotórax, do livro Libertinagem

ca de novos diagnósticos, medicamentos ou vacinas para tuberculose, mas ainda não há nada chegando. Uma das dificuldades, explica Dietze, que participa de uma rede internacional de pesquisa clínica, é que os portadores de tuberculose que participam dos testes têm de ser seguidos por 2 anos depois do tratamento, que demora 6 meses, para verificar se a doença reaparecerá. No Brasil também surgem moléculas com ação contra o M. tuberculosis, a exemplo do composto IQG 607, de um laboratório da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul ligado à Rede TB, mas, por muitas razões, seu desenvolvimento dificilmente progride. Em um artigo publicado na Médicine Tropicale, Pascal Millet, da Universidade de Bordeaux 2, considera “hipocrisia, indiferença ou ausência de coordenação” a lentidão de instituições públicas, governos e empresas em desenvolver e testar novos medicamentos que possam deter a expansão mundial das doenças negligenciadas no mundo. O perigo mora ao lado

Novos medicamentos seriam bem-vindos para deter tanto as bactérias causadoras da tuberculose comum quanto as variedades resistentes a um ou mais medicamentos, que exigem tratamentos mais intensos e incertos. As indomáveis já ganharam o mundo, em especial a China, a Índia e a Federação Russa, que concentram 60% dos 300 mil novos casos de tuberculose multirresistente já registrados e correm também pelo Brasil: desde 2000 apareceram cerca de 2 mil casos de tuberculose resistente a rifampicina e isoniazina, os dois medicamentos mais usados contra a doença. “Temos bacilos multirresistentes porque os fabricamos, por meio de tratamentos errados ou interrompidos”, comenta Fernando Fiuza de Melo, diretor do Instituto Clemente Ferreira, centro médico pioneiro da cidade de São Paulo que detecta em média três novos casos de tuberculose por dia. Às vezes as bactérias multirresistentes moram ao lado. Joycenea Mendes, da UFRJ, esteve à frente de uma equi-

pe que examinou 63 pessoas com tuberculose, em outubro de 2000 e dezembro de 2002, e encontrou oito delas com cepas resistentes a uma ou mais drogas que viviam em alguma das 12 comunidades pobres do chamado Complexo de Manguinhos, ao lado da Fundação Oswaldo Cruz, onde ocorreram as análises laboratoriais. É uma taxa de tuberculose multirresistente semelhante à encontrada em Moçambique e uma das mais altas do Brasil. Segundo Draurio Barreira, coordenador-geral do programa nacional de controle da tuberculose do Ministério da Saúde, com base nos dados preliminares do segundo levantamento nacional sobre resistência ao tratamento contra tuberculose, os níveis de resistência no Brasil ainda são mais baixos que o padrão internacional, possivelmente porque o tratamento é gratuito e as doses dos medicamentos são maiores do que em outros países. Os resultados finais da análise de cerca de 10 mil amostras devem sair a partir de agosto deste ano. O bacilo identificado pelo bacteriologista alemão Robert Koch em 24 de março de 1882 desenvolveu variedades ainda mais perigosas, as extramultirresistentes. Capazes de sobreviver a qualquer medicamento, já infectaram quase 30 mil pessoas no mundo e apavoram os moradores de alguns países como a África do Sul. “A extramultirresistente ainda não chegou ao Brasil”, acalma Barreira. Tereza Cristina Scatena Villa, professora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), alerta: “Vai chegar”. Vários estudos mostram que as variedades multirresistentes antecipam a chegada das extramúltis, principalmente em países de atendimento médico precário em que podem faltar antibióticos adequados para essas situações. A antiga batalha entre a espécie humana e o bacilo de Koch não deve terminar tão cedo. Barreira assumiu em outubro do ano passado o programa nacional de controle da tuberculose e logo começou a batalhar para criar um consenso sobre como tratar desse problema. No final deste mês cada subgrupo de trabalho do comitê PESQUISA FAPESP 146

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brasileiros quando normalmente a tuberculose se encontra em estágio avançado e o bacilo possivelmente já infectou outras pessoas. Até ser medicado, um doente pode contaminar dez pessoas, das quais uma desenvolverá a doença anos depois, geralmente depois de passar por situações que impõem desgastes físicos ou emocionais intensos ou enfraquecem as defesas do organismo. O tratamento é barato, gratuito e, se seguido corretamente, eficaz: em 2 ou 3 semanas os sintomas mais notáveis, a tosse contínua e a perda de peso, desaparecem. O problema é que em média 12% das pessoas, principalmente entre as camadas mais pobres da população, abandonam o tratamento. Curar essa doença impõe sacrifícios como a abstinência alcoólica de 6 a 9 meses e a administração diária de diferentes combinações de remédios que podem causar náuseas, asma e perda de equilíbrio enquanto combatem bilhões de M. tuberculosis em reprodução, em circulação ou latentes no organismo. Embora mais comum entre os mais pobres, o bacilo instalou-se em outros territórios. “Os médicos normalmente escondem que tiveram tuberculose”, conta Lucia Penna, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Anos atrás, trabalhando em um hospital, ela contraiu tuberculose e sentiu o estigma e o isolamento social que perseguem quem carrega a doença. No entanto, os vírus

FOTOS ACERVO HISTÓRICO DO INSTITUTO CLEMENTE FERREIRA/REPRODUÇÃO EDUARDO CÉSAR

assessor que ele reavivou, com representantes de universidades e gestores públicos, deve apresentar as propostas para descentralizar o atendimento (quase metade dos novos casos aparece em hospitais, não em postos de saúde) e ampliar o acesso ao diagnóstico (o mesmo teste feito em 1 dia em alguns estados pode demorar 2 semanas em outros) e o tratamento, que muitas vezes só começa quando o portador do bacilo de Koch está eliminando sangue com a tosse e já emagreceu bastante. Barreira lembra que as taxas de incidência notificadas da tuberculose no Brasil caíram em média 1,8% ao ano durante os Participe: compre selos anos 1980 e seguiram estáveis no início da década de 1990. Continuaram a cair ainda mais, em média 2,8% ao ano, mesmo quando a Aids emergiu. “O bacilo causador da tuberculose não está ganhando, mas 5 mil mortes ao ano causadas por uma doença curável é inaceitável”, inquieta-se. Em paralelo a respeitáveis avanços científicos, a antes chamada peste branca, por causa da extrema palidez dos doentes, continua se espalhando. Por causa das deficiências do atendimento médico e da negligência dos possíveis portadores do M. tuberculosis, que preferem atribuir a tosse persistente ao hábito de fumar, o diagnóstico chega todo ano às mãos de quase cem mil PESQUISA FAPESP 146

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Itinerário de Pasárgada

do sarampo, da hepatite e da pneumonia são muito mais vorazes ao contagiar as pessoas que o bacilo da tuberculose, lembra Fiuza de Melo. Ele próprio passou por duas tuberculoses, uma na pleura, a membrana que protege os pulmões, e outra no pâncreas. Uma carta anônima

“Se os médicos de família e os agentes comunitários participassem mais”, sugere Lucia Penna, “o diagnóstico seria mais rápido e o tratamento seria acompanhado de perto, com garantia de cura”. Fiuza de Melo propõe uma descentralização hierarquizada: cada posto de saúde deveria descobrir e acompanhar os casos novos, que seriam tratados em unidades dotadas de equipes mais bem treinadas. Para ele, seria importante também buscar e tratar os portadores assintomáticos. “Quem transmite mais a doença não são os doentes, mas os indivíduos mais fortes, que tossem mais e emitem mais partículas ressecadas de escarro com bacilos.” “Dá para controlar a tuberculose desde que haja compromisso político de todos os níveis de governo, desde o ministro até secretários municipais de saúde”, diz Tereza Villa, uma das coordenadoras de um levantamento nacional sobre o tratamento supervisionado (os doentes têm de tomar os remédios na frente de um profissional da saúde). Mesmo um estado pobre como a Paraíba respondeu bem à implantação dessa forma de tratamento: a incidência da tuberculose caiu, mas depois, ao mudarem o governo e as equipes de trabalho em alguns municípios, voltou a subir. Barreira considera o momento favorável a uma ação intensiva contra a peste branca. Ao lado da dengue, da malária e da hanseníase, a tuber-

culose é hoje uma prioridade do atual governo federal. Desde o ano passado Barreira conta com o reforço de US$ 27 milhões do Fundo Global contra Tuberculose, a ser usado nos próximos 5 anos na expansão do tratamento supervisionado, do diagnóstico precoce e conjunto com o da Aids e da participação da sociedade civil. Outro ganho é a possibilidade de usar esse dinheiro extra com agilidade. Barreira conta que há pouco tempo, por causa das leis que regem os gastos do dinheiro público, a compra de uma estufa para diagnóstico de tuberculose no Rio demorou quase 1 ano. Talvez não seja fácil mudar rapidamente a história e os hábitos. Quando dois médicos especialistas em tuberculose se encontram, eles próprios dizem, surgem três propostas de trabalho. “Somos muito bons em diagnosticar problemas, mas nos perdemos ao tentar resolvê-los”, observa Dietze. Souza, da Fiocruz, alerta que, se a atual inércia se mantiver, “corremos o risco de voltar ao início do século XX, quando não havia tratamento eficaz e os doentes eram colocados em sanatórios para respirarem ar puro e repousarem”. Inicialmente os sanatórios eram distantes, já que eram construídos para sanear as cidades. Lá por 1908 o médico Clemente Ferreira recebeu uma carta anônima ameaçando-o de morte caso instalasse um hospital para tuberculosos na cidade de São Paulo. Ferreira guardou a carta e seguiu em frente. ■

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> Espaço para

LAURABEATRIZ

TOLERÂNCIA NA BERLINDA

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ESTRATÉGIAS MUNDO

Harvard, a mais prestigiada universidade dos Estados Unidos, mergulhou numa polêmica acerca dos limites da tolerância com tradições islâmicas. O imbróglio, descrito em reportagem do jornal The New York Times, começou em fevereiro, quando a direção da instituição acatou um pedido de seis alunas muçulmanas e reservou um dos três maiores ginásios do seu campus principal exclusivamente para uso de mulheres, durante quatro horas por semana. O grupo de alunas alegou que não se sentia à vontade usando roupas de ginástica na frente de homens, pois isso não é aceito pelos costumes muçulmanos. A temperatura subiu ainda mais quando, em comemoração à Semana da Consciência Islâmica, organizada pela associação de alunos muçulmanos, ecoou durante vários dias, nas escadarias da grande biblioteca Widener, a adhan, chamada para as orações usualmente recitadas na parte exterior de mesquitas ou do alto de seus minaretes. Três alunos de pós-graduação criticaram a prática num jornal da universidade. Classificaramna de proselitista e de intolerante com outras crenças, por anunciar Maomé como o mensageiro de Deus. Para Taha AbdulBasser, o capelão muçulmano de Harvard, os episódios decorrem do aumento da presença islâmica nos Estados Unidos. ”Causa desconforto o fato de os muçulmanos estarem cada vez mais visíveis”, disse. 24

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respirar

> Doenças negligenciadas O governo espanhol anunciou que irá destinar € 5 milhões para a Iniciativa de Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês), programa com sede na Suíça que estimula o desenvolvimento de remédios contra moléstias que afetam sobretudo os países pobres e, por isso, não despertam interesse das indústrias farmacêuticas. O dinheiro será liberado ao longo de 2 anos e representará 10% do orçamento da DNDi. “Isso permitirá que tratamentos efetivos estejam disponíveis para pacientes que precisam deles com urgência”, disse Bernard Pecoul, diretor executivo

da DNDi, segundo a agência SciDev.Net. A instituição mantém 18 projetos que devem resultar no lançamento de seis a oito medicamentos até 2014. Seus alvos são doenças como o mal de Chagas, a leishmaniose e a malária.

A Argentina vai investir US$ 150 milhões entre 2008 e 2011 num programa para reforçar sua infra-estrutura em ciência e tecnologia. Serão reformados ou construídos 140 mil metros quadrados de instalações destinadas à pesquisa e ao apoio de empresas de base tecnológica, num total de 50 obras espalhadas por 13 províncias. Deverão ser erguidos novos edifícios como o do Instituto de Pesquisa em Catálise e Petroquímica da Universidade Nacional do Litoral, o do Instituto de Astrofísica de La Plata e o do Centro Científico e Tecnológico Tucumán. No rol das reformas destacam-se a do Instituto de Pesquisas Bioquímicas de La Plata e a ampliação em 30% do Instituto de Biologia

A Universidade Européia em São INTERDIÇÃO À Petersburgo, na Rússia, foi reaMODA RUSSA berta em março, após seis semanas de interdição. Em janeiro, fiscais visitaram a instituição, denunciaram problemas de segurança e fecharam suas portas. Para os docentes, foi um pretexto para mascarar a perseguição política. Acontece que a universidade vinha sendo criticada por aceitar US$ 1 milhão da União Européia para abrigar um projeto de pesquisa sobre as eleições do país, disputadas em março, e a promoção de seminários para observadores do pleito. A instituição resistiu a pressões para suspender o projeto. Em junho, um parlamentar pediu a abertura de investigação, alegando interferência externa em assuntos domésticos – crítica disseminada a entidades internacionais que monitoram o respeito aos direitos civis na Rússia. “O governo quer a submissão do meio acadêmico”, disse Vladimir Gelman, professor de ciência política da instituição, ao jornal The Washington Post.

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KATHRYN D.WILSON

RADICALISMO EXPORTADO

Ataques e ameaças a laboratórios na Bélgica, na Espanha e na Holanda sugerem que os extremistas britânicos de defesa dos direitos dos animais estão descentralizando suas ações para fugir da pressão policial no Reino Unido. A favor dessa hipótese há duas evidências, segundo uma reportagem da revista Nature. De um lado, é fato que o cerco aos ativistas na Grã-Bretanha cresceu nos últimos anos, a ponto de uma grande operação ter levado 16 deles à prisão em maio de 2007. O grupo deve ser levado a julgamento neste ano. De outro, despontaram ameaças a pesquisaProtesto contra uso de animais em pesquisas dores e a empresas farmacêuticas em países europeus que nunca haviam enfrentado esse tipo de problema. Em janeiro, um laboratório holandês desistiu de investir € 60 milhões num novo centro de pesquisa biomédica na cidade de Venray, depois de receber centenas de ameaças de antivivisseccionistas. Um mês depois, o Instituto de Pesquisa Biomédica em Diepenbeek, na Bélgica, foi alvo de um incêndio criminoso. Também em fevereiro extremistas atacaram o escritório em Barcelona da farmacêutica Novartis. “A vida dos ativistas ficou complicada na Inglaterra, então eles resolveram atacar outros países da Europa”, acredita Simon Festing, diretor da Sociedade de Defesa da Pesquisa, grupo londrino que reúne pesquisadores da área médica.

> Paraguai mira biocombustível Autoridades e empresários do Paraguai querem investir no desenvolvimento de biocombustíveis para reposicionar o setor no mercado internacional. Os alvos são novas variedades de cana-de-açúcar e de sorgo, além da produção de biodiesel a partir de espécies nativas como o pinhão-manso e a macaúba. “A pesquisa também contemplará as misturas de etanol com biodiesel e a fabricação de biodiesel pela rota etílica”, disse à agência SciDev.Net Guillermo Parra, gerente da câmara de biocombustíveis da Rede de Importadores e

Exportadores (Rediex), vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio do país. Atualmente há nove instituições estatais e privadas

dedicadas ao estudo dos biocombustíveis no Paraguai, entre universidades, centros tecnológicos, empresas exportadoras e cooperativas. Parte dos estudos está sendo realizada no Departamento de Guairá, no sudeste do país, em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), graças a um acordo celebrado entre os dois vizinhos em 2007. BIFCP

e Medicina Experimental, em Buenos Aires. “As obras permitirão abrigar os pesquisadores que contratamos nos últimos anos”, disse ao jornal La Nación o ministro argentino da Ciência e Tecnologia, Lino Barañao. “Mas será necessário dobrar esses investimentos quando atingirmos o objetivo de investir 1% do PIB em ciência”, afirmou. Jorge Aliaga, professor da Universidade de Buenos Aires, fez críticas ao plano. Reclamou que apenas a infra-estrutura dos institutos do governo será beneficiada, embora as universidades também careçam de investimentos.

em Oxford, na Inglaterra

Pinhão-manso: alvo estratégico

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TIM BERENS

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ESTRATÉGIAS MUNDO

sobre a rotação da Terra em torno do Sol. Galileu foi condenado pelos inquisidores em 1633 e se viu obrigado a renegar seu achado para escapar da morte na fogueira. Em 1992, o papa João Paulo II reabilitou oficialmente o cientista, ao cabo de um processo de investigação que demorou 13 anos para ser concluído. Segundo a agência de notícias Ansa, uma fonte da Santa Sé classificou a iniciativa como “uma nova prova de que a Igreja não tem nada contra a ciência”.

> A fila anda na Coréia do Sul Poluição em Shenzou: desafio para o crescimento da China

PARA MUDAR O MUNDO

A China e a União Européia podem ajudar a mudar o modelo energético global se atuarem conjuntamente no desenvolvimento de tecnologias de baixa emissão de carbono. A proposta é o carro-chefe de um relatório apresentado pelo instituto britânico Chatham House e pela Academia Chinesa de Ciências Sociais. O documento destaca os desafios comuns enfrentados pela China e pela União Européia, a despeito das diferenças de suas economias. Para seguir crescendo, a China precisará produzir 1.260 gigawatts a mais até 2030, assim como os países da União Européia deverão substituir plantas obsoletas responsáveis pela geração de 862 gigawatts. Se as tecnologias convencionais forem usadas, os dois blocos ficarão presos a um modelo altamente poluente, diz o relatório. Mas, se trabalharem em colaboração, poderão criar oportunidades para a transição rumo a um modelo mais sustentável. Jiang Kejun, do Instituto de Pesquisa Energética de Pequim, disse ao site Chemistry World que a questão da propriedade intelectual é uma barreira para a colaboração. “Não é realista esperar que montadoras de automóveis européias nos repassem suas tecnologias de graça”, afirmou. “Mas o desafio pode ser superado se, desde o início, atuarmos em parceria para desenvolver a próxima geração de carros elétricos ou movidos a hidrogênio.”

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> O Vaticano se move O astrônomo italiano Galileu Galilei (1564-1642), perseguido pela Inquisição católica ao proclamar que a Terra não era o centro do Universo, nem sequer do Sistema Solar, ganhará uma estátua de mármore e tamanho natural nos limites do Vaticano. A obra ficará no alto da colina que aponta para a cúpula da Basílica de São Pedro. A homenagem é organizada pela Academia Pontifícia de Ciências, que teve Galileu em seus quadros até que ele, com a ajuda de telescópio revolucionário para a época, confirmou a teoria do polonês Nicolau Copérnico (1473-1543)

Ko San, especialista em inteligência artificial de 31 anos, perdeu a chance de se tornar o primeiro sulcoreano a ir ao espaço, depois de violar regras da agência espacial russa quando recebia treinamento nos arredores de Moscou. O governo da Coréia do Sul decidiu trocar seu aspirante a astronauta a pedido dos russos, que o denunciaram por levar material de leitura para casa, o que é proibido. No lugar de San, uma mulher irá à Estação Espacial Internacional a bordo de uma nave Soyuz em abril. Trata-se da engenheira Yi So-yeon, de 29 anos, solteira e praticante de tae-kwon-do. Yi já recebia treinamento, pois havia sido escalada como opção a San numa disputa que envolveu 36 mil candidatos.

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ESTRATÉGIAS BRASIL

B OLSAS REAJ USTADAS

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internacionais O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) prometeu disponibilizar R$ 100 milhões ao longo dos próximos 4 anos para investir em projetos de cooperação internacional voltados para fortalecer a pesquisa brasileira em áreas estratégicas como biotecnologia, biodiversidade e nanotecnologia. O anúncio foi feito no Rio de Janeiro pelo ministro Sérgio Rezende, ao empossar os representantes do Conselho Científico Consultivo sobre Assuntos de Cooperação Internacional, vinculado ao MCT. Rezende admitiu que são raros os exemplos bem-sucedidos de parceria com outros países. Em 2006, por exemplo, o MCT comprometeu menos de R$ 2 milhões em projetos científicos e tecnológicos de

parcerias externas. “Existem projetos em andamento, mas de forma desarticulada”, afirmou o ministro. Entre as prioridades, busca-se reforçar os acordos com

países da América do Sul e da África e ampliar as oportunidades de cooperação com a União Européia, Estados Unidos, China e Ucrânia.

> Constrangimento e protesto O presidente da FAPESP, Celso Lafer, encaminhou no dia 29 de fevereiro ofício ao embaixador da Espanha no Brasil, Ricardo Peidró Conde, protestando contra as circunstâncias da deportação da física brasileira Patrícia Camargo Magalhães, ocorrida no dia 12 de fevereiro, na Espanha. A aluna do curso de mestrado em física na Universidade de São Paulo e bolsista da FAPESP ficou presa por mais de 50 horas no aeroporto de Madri, quando se dirigia a Lisboa. Na capital portuguesa, Patrícia participaria do Workshop on Scalar Mesons and Related Topics (Scadron 70). “Além de ter sofrido grave constrangimento pessoal e significativa dor moral, [Patrícia] viu-se privada de contribuir para um evento cujo sentido, em evidente contraste com a decisão de sua inadmissão, é aproximar pessoas de diversas nacionalidades em favor do avanço do conhecimento humano”, destacou Celso Lafer. ILUST RAÇ Õ ES LAURABEAT RIZ

> Parcerias

Os valores de bolsas ofe recidas pela FAPESP foram reajustados. Os aumentos são da ordem de 7,25 % , abrangem as bolsas de Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, Doutorado Direto e PósDoutorado. Também serão reajustadas as bolsas de Capacitação de Recursos Humanos de Apoio a Pesquisa, J ovem Pesquisador, E nsino Público, Pipe e Jornalismo Científico. “A formação de recursos humanos para a pesquisa é estratégica para o desenvolvimento do estado de São Paulo”, disse Carlos Henrique de B rito Cruz, diretor científico da FAPESP. “De dezembro de 2005 a dezembro de 2007, o número de bolsistas de Mestrado apoiados pela FAPESP cresceu 67% , passando de 1.4 00 para 2.35 1. N o Doutorado, o crescimento foi de 31% , e no Pós-doutorado, de 4 0% . Ao mesmo tempo, é importante garantir os valores das bolsas oferecidas, daí a aprovação da nova tabela”, complementa. A tabela está disponível no endereço w w w .fapesp. br/materia.php?data(id_materia)=316 2

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ESTRATÉGIAS BRASIL

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CN Pq) lançou o edital do programa de apoio a centros liderados por jovens pesquisadores. Serão destinados R$ 36 milhões para financiar atividades de pesquisadores que estão iniciando a carreira científica em quaisquer áreas do conhecimento. Podem apresentar propostas pesquisadores que tenham obtido o título de Doutor a partir de 2000 e que tenham vínculo de emprego com instituições de ensino superior, institutos ou centros de pesquisa públicos ou privados, ou empresas públicas que realizam pesquisa. As propostas deverão ser enquadradas em uma das duas categorias do edital. A primeira, com um montante total de R$ 28 milhões, contemplará projetos de no máximo R$ 5 00 mil em áreas de ciências experimentais. A segunda categoria, com montante de R$ 8 milhões, destina-se a projetos em áreas não-experimentais, como matemática, física teórica, humanidades e ciências sociais aplicadas, com valores de até R$ 120 mil. Os recursos serão desembolsados ao longo de 3 anos. As propostas podem ser encaminhadas até as 18 horas do dia 16 de maio, por meio de um formulário online disponível no endereço http://efomento.cnpq.br/efomento.

> Mulheres na ciência

em 2001; a bióloga Lúcia Previato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2004; e a física Belita Koiller, também da UFRJ, em 2005. Elas também estavam em Paris onde participaram de debates na Academia Francesa de Ciência e no Collège de France e, na companhia das outras 37 mulheres já laureadas no programa, assinaram a carta

“For Women in Science”, em que se comprometeram a promover a ciência, apoiar a causa das mulheres, defender a diversidade e a igualdade e modificar a imagem da ciência no mundo.

> Morre W alter B orzani

FRANCESCA MONTOV ANI

Uma cerimônia na sede da Unesco em Paris, no dia 6 de março, marcou o 10º aniversário do prêmio L’Oréal/Unesco for Women in Science, que a cada ano reconhece o trabalho de cinco mulheres cientistas em todos os continentes. As laureadas de 2007, todas da área de Ciências da Vida,

foram as biólogas Ada Yonath, de Israel, e Narry Kim, da Coréia do Sul; a bioquímica Elizabeth Blackburn, dos Estados Unidos, e as geneticistas Ana Belén Elgoyhen, da Argentina, e Lihadh Al-Gazali, dos Emirados Árabes. Ao longo desses 10 anos, três brasileiras foram laureadas: a geneticista da Universidade de São Paulo (USP) Mayana Zatz,

LAURABEAT RIZ

APOIO A J OV ENS PESQUISADORES

L’Oréal também homenageou jovens pesquisadoras em Paris

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Morreu em São Paulo, no dia 28 de fevereiro, o engenheiro químico Walter Borzani, aos 83 anos de idade. Professor catedrático da Universidade de São Paulo (USP) de 1953 a 1982, onde atuou na Escola Politécnica, na Faculdade de Ciências Farmacêuticas e no Instituto de Química, Borzani também foi presidente da FAPESP de 1973 a 1975. O período em que esteve à frente da

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novos presidentes

PARA OLHAR A AMAZÔNIA

A reitora da Universidade de São Paulo (USP), Suely Vilela, foi eleita presidente da Rede de Macrouniversidades da América Latina e Caribe,

MIGUEL BOYAYAN

em debate

para cumprir mandato de 2 anos. A escolha aconteceu no dia 13 de março, durante a IV Assembléia Geral de Reitores da Rede de Macrouniversidades, realizada na Universidade Nacional da Costa Rica. A rede é composta por 32 universidades e tem como objetivo incentivar

o diálogo e a cooperação entre as instituições. Já o reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Macari, assumiu a presidência do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), em substituição ao reitor da Unicamp, José Tadeu Jorge. O mandato é de 12 meses.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Centro Espacial Alemão (DLR) assinaram no dia 10 de março, em Munique, na Alemanha, um acordo para dar continuidade dos trabalhos de desenvolvimento do sistema Mapsar, iniciado em 2001. O projeto conjunto busca criar um sistema de monitoramento ambiental baseado num satélite dotado de um radar. O documento foi assinado pelo diretor do Inpe, Gilberto Câmara, e pelo diretor do Instituto de Radar do DLR, Alberto Moreira. A nova etapa compreende o projeto detalhado do sistema, incluindo a configuração do satélite a ser fabricado, e deve durar um ano e meio. Segundo o Inpe, as vantagens da utilização de radares orbitais são a possibilidade de captura de imagens à noite ou através de nuvens e fumaça. Tais potencialidades tornam o Mapsar uma ferramenta importante para observação da Amazônia. Hoje o registro de informações na região é dificultado pela alta freqüência de nuvens e complexidade de clima. O custo previsto para o programa é de € 100 milhões, incluído o lançamento, previsto para 2013.

Foi definido o calendário da Semana Nacional da Ciência e Tecnologia, que chega a sua quinta edição em 2008. O evento vai ocorrer no período de 20 a 26 de outubro e será calcado no tema Evolução e Diversidade, em homenagem ao sesquicentenário da teoria do naturalista Charles Darwin. O evento congregará iniciativas espalhadas por todo o país realizadas em espaços variados, como centros culturais e museus, universidades e instituições de pesquisa e praças públicas. Entre as atividades previstas, há visitas a instituições de pesquisa e universidades, festivais e feiras de ciência, noites de astronomia, exibição de filmes e vídeos científicos em locais públicos, palestras e debates sobre temas como evolução da vida, entre outros. O evento é coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Mais informações podem ser obtidas no endereço semanact.mct.gov.br

INPE

> Instituições têm

> A evolução

Macari, da Unesp, e Suely, da USP

EDUARDO CÈSAR

Fundação foi marcado pelo estímulo a projetos como o Sistema de Recuperação de Informações, sobre auxílios a pesquisa e bolsas, e o Radasp I, que permitiu obter previsões do tempo e ajudou na programação do setor agrícola. Após a aposentadoria na USP, continuava trabalhando como pesquisador na Escola de Engenharia Mauá do Instituto Mauá de Tecnologia e como consultor da Bionext Produtos Biotecnológicos, em São José dos Pinhais (PR).

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P OLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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A mpliação da produção de etanol no país dependerá de investimentos em ciência básica e aplicada Cl audia Izique

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A

perspectiva de uma redução da oferta de petróleo – cujo preço já oscila acima da marca histórica de US$ 100 o barril –, associada ao esforço global de redução do uso de combustíveis fósseis, desencadeou uma corrida mundial em busca de novas tecnologias que possibilitem a produção eficiente de energia a partir de fontes renováveis com menor impacto sobre o meio ambiente. Nessa disputa, o Brasil entrou em campo com uma vantagem comparativa, já que domina a tecnologia de produção de etanol a partir da cana-de-açúcar desde a década de 1970, quando implantou o programa que ficou conhecido como Proálcool. Hoje, com uma produção anual de mais de 17 bilhões de litros, o país é o segundo maior produtor mundial, atrás dos Estados Unidos, com cerca de 20 bilhões de litros do biocombustível obtido a partir do milho. Tanto no caso do Brasil como no dos Estados Unidos, que juntos respondem por 70% da produção mundial, o consumo de etanol está restrito ao mercado interno. Parte da produção brasileira abastece uma frota de mais de 3 milhões de veículos flex fuel (bicombustíveis) e a outra parte é usada como aditivo na gasolina. No ano passado, as vendas externas não ultrapassaram US$ 1,4 bilhão, menos de 1% do total exportado pelo país. “O mercado internacional ainda não existe”, reconheceu recentemente Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-deAçúcar (Unica), entidade que, junto com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), promete iniciar este ano uma ofensiva internacional para divulgar as vantagens do etanol como substituto da gasolina.

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NONONONONONONON

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nos processos de destilação, entre outros. O problema é que a sacarose representa apenas um terço da energia potencial da cana-de-açúcar. “O grande desafio será utilizar também a celulose da cana-de-açúcar, onde se concentram dois terços da energia”, afirma o diretor científico da FAPESP, ressalvando, no entanto, que palha e bagaço não são de todo desperdiçados: queimados nas caldeiras, geram parte da energia consumida nas próprias usinas. Novas tecnologias - O domínio das tecnologias de utilização da celulose está no centro da corrida mundial pela produção de energia a partir de fontes renováveis. No caso do Brasil, o aproveitamento da celulose será a alternativa para consolidar posição de liderança mundial: um amplo estudo realizado por pesquisadores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Estratégico (Nipe), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por solicitação do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), concluiu que o país poderá, até 2025, atingir um patamar de produção de etanol de 200 bilhões de litros – volume suficiente para substituir algo entre 5% e 10% de toda a gasolina consumida no planeta –, desde que multiplique por sete a área plantada de cana-de-açúcar. Mas, para tanto, terá que ter dominado, num horizonte de no máximo 10 anos, a tecnologia de produção de etanol por rotas termoquímicas e a hidrólise enzimática do bagaço e da palha. “Sem a hidrólise seria necessário uma expansão de área muito maior para atingir o mesmo patamar de produção”, enfatiza Mirna Yvonne Gaya Sacandiffio, pesquisadora do Nipe que integrou a equipe de coordenação da pesquisa.

UNICA

O grande desafio brasileiro é o de aumentar a produção de etanol, ganhar escala e convencer o mercado internacional de que a expansão da oferta não comprometerá a produção de grãos, tampouco o meio ambiente. Num país com uma área agricultável de 152,5 milhões de hectares – correspondentes a 18% do território nacional –, dos quais pouco mais da metade é utilizada, há a alternativa de ampliar as lavouras de cana-de-açúcar que ainda ocupam 6 milhões de hectares. “Dá para expandir as lavouras sem deslocar a produção de alimentos”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. Mas será preciso muita ciência para obter melhores resultados tanto na área agrícola como na industrial. Ao longo de 30 anos, os investimentos em pesquisa realizados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC), pelo Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) – que teve origem no centro de pesquisa da Coopersucar – e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), entre outros, permitiram que a produtividade brasileira saltasse de 3 mil litros de etanol por hectare para 6 mil litros por hectare. “Esse avanço reduziu os custos do etanol em relação aos da gasolina”, lembra Brito Cruz. Em 2000, esses custos estavam equilibrados e hoje o etanol já leva vantagem em relação ao combustível produzido a partir do petróleo. A pesquisa agrícola avança – inclusive com o auxílio da genômica – e deverá ampliar ainda mais a quantidade de energia extraída por processo de fermentação da sacarose da planta. Há boas perspectivas de ganho de produtividade também com o desenvolvimento de tecnologias de mecanização da colheita, na agricultura de precisão,

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Colheita mecanizada de cana-de-açúcar: novas tecnologias para solucionar obstáculo dos solos em declive

As regiões de expansão das lavouras de cana-de-açúcar já foram mapeadas. Pesquisadores do Nipe perscrutaram 80 milhões de hectares do território nacional e concluíram que em pouco mais da metade – precisamente 42 milhões de hectares em 17 áreas nas regiões do norte do Tocantins, sul do Maranhão, Mato Grosso, Goiás e Triângulo Mineiro – a cana cresceria com índices de produtividade semelhantes à média nacional. “Desconsideramos as áreas protegidas, reservas indígenas, a bacia amazônica, a região do Pantanal, entre outras. Priorizamos as áreas onde não há concentração de cana, como São Paulo e a Zona da Mata, assim como as regiões com declive de solo maior que 12%, o que impediria a colheita mecanizada. Em nenhum momento pensamos em substituição de cultura”, enfatiza Mirna. Para garantir um aumento sustentável da produção de etanol, os pesquisadores do Nipe conceberam “usinas modelo”, intensivas de tecnologia, organizadas em clusters para aproveitar ao máximo os alcooldutos que começam a ser projetados pela Petrobras, ou instaladas em áreas que permitissem o uso dos transportes ferroviário e hidroviário para o escoamento da produção. “Não faz sentido transportar combustível renovável em caminhões”, ela observa. Esse cenário deixa claro que, se o Brasil quiser ocupar pelo menos 5% do mercado mundial de energia renovável, terá que investir pesado em pesquisa básica e aplicada. Silvio Crestana, presidente da Embrapa, calcula que esse valor teria que se aproximar de R$ 1 bilhão nos próximos 5 anos. O Plano de Ação do Ministério da Ciência e Tecnologia para o período 2007-2010 – co32

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nhecido como PAC da C&T – destina R$ 196,90 milhões para o Programa de C,T&I do Etanol no período. Nesse esforço de pesquisa, São Paulo pode ter uma participação importante: o estado é, ao mesmo tempo, responsável por 63% da produção do etanol brasileiro e por 55% da produção científica nacional. As três universidades estaduais públicas – Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) – e 19 institutos de pesquisa reúnem 40% dos principais pesquisadores brasileiros e foram, em boa parte, responsáveis pelos avanços que garantiram competitividade à cadeia produtiva de etanol no país. O diretor científico da FAPESP sublinha que não se trata de ampliar a produção de etanol no estado, uma vez que a terra disponível para cana já está ocupada, “mas sim reconhecer que essa é uma excelente oportunidade para a indústria produzir equipamentos e tecnologia que serão utilizados em usinas de todo o país”. Acrescenta, ain-

da, que o etanol só ganhará o mercado – e status de commodity, como é o caso do petróleo – se tiver a adesão de produtores de outros países. “Só assim o combustível será viável, ainda que outros países tenham dificuldades de produzir a custos tão competitivos”, diz Brito Cruz. Essa perspectiva, segundo ele, abre um novo mercado também à tecnologia brasileira, desde a fabricação de equipamentos até a de produção do combustível. Energia x alimento – As perspectivas

de ampliação da produção de etanol no Brasil foram apresentadas durante o workshop sobre bioenergia, organizado pela FAPESP em parceria com a Embaixada Britânica e do Biotechnology and Biological Science Research Council do Reino Unido (BBSRC), no encerramento do Ano Brasileiro-Britânico de Ciência e Inovação. “O Brasil é o único país que tem condições de produzir etanol em escala para atender à demanda mundial”, reconheceu John Beddington, conselhei-

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UNICA

ro-chefe para Assuntos Científicos do governo britânico. Ressalvou, no entanto, que o país também tem que investir na ampliação da produção de alimentos e completou: “Isso só será possível se houver pesquisa científica”. O seu principal argumento é o de que a população mundial deverá crescer 50% nas próximas 3 décadas e pressionar não apenas a produção de energia, mas também a de alimentos, especialmente a de grãos. “A demanda global por alimentos vai crescer, sobretudo nos países que começam a investir na redução de seus índices de pobreza”, alertou, incluindo nessa lista o Brasil. Lembrou que, atualmente, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de £ 0,50 por dia. “Se essas pessoas tiverem dinheiro, a dieta muda”, sublinhou. Apresentou resultados de estudos que mostram que, com uma renda equivalente a até £ 1 por dia, é possível ter acesso apenas a produtos agrícolas “básicos”. Mas se a renda aumentar 50% – passando a £ 1,5 diária – cresce o consumo de produtos lácteos e carnes e aumenta a de-

manda por grãos utilizados em ração animal. “Com mais de £ 5, é possível começar a consumir commodities e aí os preços sobem”, advertiu Beddington. A demanda por alimentos será ainda mais forte se a temperatura do planeta aumentar 2ºC. “As culturas serão afetadas pela falta de água, sobretudo na África e em alguns países da América Latina”, diz o conselheiro-chefe. Esse cenário, observou, coloca um desafio para o Brasil. “Será preciso ciência para responder à demanda por alimentos e por mais energia.” Steve Visscher, chefe executivo interino do BBSRC, também presente ao encontro, sublinhou que o governo britânico quer ampliar os investimentos em pesquisa na área de agricultura sustentável, que, segundo ele, esteve em queda nos últimos anos, em função da retração da demanda. “Bioenergia também é um tema novo”, acrescentou. Os dois temas estarão na lista de prioridades dos investimentos britânicos em pesquisa. “Reconhecemos a expertise do Brasil e poderemos ter colaboração futura. Haverá oportunidades de financiamento se pudermos identificar áreas de interesses comuns.” Centro de Pesquisas - O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) anunciou que pretende implantar o Centro de Pesquisas em Bioetanol em Campinas, na mesma área onde está instalado o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS). A iniciativa está prevista no PAC da Ciência e Tecnologia. “O centro realizará pesquisa básica e aplicada nos campos em que temos deficiência de conhecimento”, afirmou Rogério Cerqueira Leite, coordenador do projeto. A inauguração está prevista para o final desse ano.

A idéia, segundo Cerqueira Leite, é criar uma plataforma de pesquisa básica, com capacidade de abrigar entre 150 e 200 pesquisadores, que vai operar em moldes semelhantes aos do LNLS. “Em todo o país, tem muita gente trabalhando, por exemplo, com hidrólise enzimática. Seremos o centro de uma rede de pesquisas com acesso aos nossos laboratórios”, diz o coordenador do centro. Na avaliação de Cerqueira Leite, o Brasil avançou muito na área de melhoria agrícola. “Mas fizemos muito pouco para entender o que acontece na planta quando ela converte a energia solar em energia química”, exemplificou. O centro contará ainda com um “conjunto de laboratórios para pesquisa aplicada” que serão instalados num terreno de 25 mil metros já desapropriado pela Prefeitura Municipal, próximo ao LNLS. “Nesse local ficarão as máquinas mais pesadas como um grande reator de hidrólise enzimática”, exemplificou. Ali, por exemplo, será montado e testado o projeto de uma nova colheitadeira, já desenhado por uma equipe de pesquisadores ligados à Unicamp e que está sendo desenvolvido por uma empresa privada. “Queremos introduzir tecnologias avançadas em todas as fase da produção. Na agricultura, por exemplo, será preciso mudar a maneira como se faz o plantio e a colheita, adotando muita informática e controle automático para uma produção mais adequada.” “Estamos começando a contratar pessoas”, adiantou Cerqueira Leite. O orçamento do centro ainda não está definido. “Não teremos uma estrutura muito grande. “Um valor entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões anuais seria satisfatório.” ■ PESQUISA FAPESP 146

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> BIOSSEGURANÇA

Em compasso de e s p e r a …

O

Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou em março o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) proposta em 2005 pelo ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, que contesta o uso em pesquisa de células-tronco embrionárias. Na Adin, Fonteles argumenta que a Lei de Biossegurança, promulgada há 3 anos, ao autorizar o uso em pesquisa de embriões em estágio de blastocisto – com até 5 dias de fecundação –, fere o artigo 5º da Constituição Federal que garante o direito à vida. O ministro relator, Carlos Ayres Brito, e a então presidente do STF, Ellen Gracie, votaram a favor das pesquisas, que, assim, já conta com dois votos dos 11 ministros do tribunal. O julgamento foi, no entanto, interrompido por pedido de vista do ministro Carlos Alberto Direito. “A matéria é extremamente controvertida, de alta complexidade. É preciso fazer uma reflexão mais profunda para que possam ser sopesados todos os argumentos”, justificou Direito. Pelo regimento do STF, quem pede vista tem prazo de 10 dias, prorrogáveis duas vezes por igual período, para devolver o processo, que poderá ter que enfrentar fila antes de ser concluída a votação. … Quando começa a vida?

A contestação do ex-procurador-geral da República suscitou a primeira audiência pública da história do STF, que, em maio do ano passado, convidou 22 cientistas para responder à pergunta que está no cerne do questionamento de Fonteles ao tribunal: quando começa a vida? A audiência, de caráter “instrutório”, teve como objetivo subsidiar o voto que o ministro relator apresentou, em março, aos demais membros da Corte, proferido a partir de um documento com 74 páginas. 34

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Ministro do STF, em voto histórico, defende pesquisas com células-tronco embrionárias

O ministro Celso de Mello considerou a Adin a causa mais importante já julgada pelo STF e o ministro Ayres Brito suspeita que é a primeira vez que um tribunal constitucional enfrenta o questionamento do uso científico-terapêutico de células-tronco embrionárias, o que confere à decisão um caráter de “interesse de toda a humanidade”. Em seu voto, Ayres Brito sublinhou, desde logo, que a Constituição brasileira guarda “um silêncio de morte” sobre quando começa a vida humana. “Quando fala da ‘dignidade da pessoa humana’, é da pessoa humana naquele sentido ao mesmo tempo notarial, biográfico, moral e espiritual. E quando se reporta aos ‘direitos da pessoa humana’... está falando de direitos e garantias do indivíduopessoa. Gente. Alguém. De nacionalidade brasileira ou então estrangeira, mas sempre um ser humano já nascido e que se faz destinatário dos direitos fundamentais à vida.” Para o ministro, a questão está em saber que “aspectos ou momentos” dessa vida estão efetivamente protegidos pelo direito infraconstitucional, e “em que medida”. Reporta-se ao Código Civil, que protege, desde a concepção, os direitos do nascituro – definido como “ser já concebido, mas que ainda se encontra no ventre materno” –, à proibição do aborto e à legislação que autoriza o

aborto terapêutico – nos casos em que a gravidez, por exemplo, resulta de estupro – para demonstrar que, do ponto de vista da lei, o bem jurídico a ser tutelado está sempre no interior do corpo feminino. “Não em placa de Petri, cilindro metálico ou qualquer outro recipiente mecânico de embriões que não precisaram de intercurso sexual para eclodir”, enfatizou Ayres Brito. Reconhece que a possibilidade de “algo” se tornar uma pessoa humana já é suficiente para “acobertá-lo, infraconstitucionalmente, contra tentativas esdrúxulas”. Mas sublinha: “O embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana. Esta não se antecipa à metamorfose dos outros dois organismos. É o produto final dessa metamorfose”. … A aritmética do amor

Em seu argumento, não nega o que qualifica de desconcertante aritmética do amor, em que um mais um é igual a um: o início da vida humana coincide com o “preciso instante da fecundação” de um óvulo por um espermatozóide. Mas destaca o papel definitivo do útero materno para garantir o futuro do novo ser: “Se toda gestação humana principia com um embrião igualmente humano, nem todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente humana”. É o caso dos embriões a que se refere a Lei de Biossegurança, derivados da fertilização sem o acasalamento humano – “fora da relação sexual” –, do lado externo do corpo da mulher, e do lado de dentro de provetas ou tubos de ensaio. Não se trata, portanto, de interromper uma gravidez humana – “já que nenhuma espécie feminina engravida a distância” –, o que descaracterizaria crime de aborto. “Esse modo de irromper em laboratório e permanecer confinado in vitro é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodutiva.” Assim, o embrião viável, obtido pela fecunda-

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ção in vitro, “empaca nos primeiros degraus do que seria a sua evolução genética... por se achar impossibilitado de experimentar as metamorfoses de hominização que adviriam de sua eventual nidação”. Concluída essa parte de sua argumentação, Ayres Brito invoca uma série de artigos da Constituição para afirmar que há base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodução assistida e que a lei também prevê o planejamento familiar fundado nos princípios da dignidade humana e da paternidade responsável. “Não importa para o direito o processo pelo qual se

“A vida humana é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral”

viabilize a fertilização do óvulo feminino. O que importa é possibilitar ao casal superar os percalços de sua concreta infertilidade e, assim, contribuir para a perpetuação da espécie humana.” Acrescenta ainda que, tendo em vista o “inexcedível modelo jurídico de planejamento familiar”, o recurso da fertilização in vitro não obriga a nidação no corpo da mulher de todos os óvulos fecundados. “Até porque tal aproveitamento, à revelia do casal, seria extremamente perigoso para a vida da mulher que passasse pela desdita de uma compulsiva nidação de grande número de embriões. Imposição, além do mais, que implica-

ria tratar o gênero feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do artigo 5º da Constituição.” E completa: “O grau de civilização de um povo se mede pelo grau de liberdade da mulher”.

“O embrião é o embrião, o feto é o feto, e a pessoa humana é a pessoa humana”

… Regra constitucional solidária

À luz desses limites legais, o ministro argumentou que restariam à Lei de Biossegurança três alternativas: condenar os embriões “à perpetuidade da pena de prisão em congelados tubos de ensaio”, deixar que os estabelecimentos médicos de procriação assistida “prosseguissem em sua faina de jogar no lixo tudo quanto fosse embrião não requestado para o fim da procriação humana”, ou autorizar o seu uso em pesquisa, conforme previsto em seu artigo 5º. Lembra a regra constitucional – de “inspiração fraternal ou solidária, prevista no parágrafo 4º do artigo 199 da Constituição federal – que transfere para a lei ordinária a possibilidade de sair em socorro da preservação da saúde do indivíduo, “primeira das condições de qualificação e continuidade de sua vida”. Socorro que se traduz na legislação que dispõe sobre a morte encefálica para autorizar doações de órgãos. O cérebro humano, para a lei, é uma espécie de divisor de águas: aquela pessoa que preserva as suas funções neurais permanece viva para o direito. Quem já não o consegue transpõe de vez as fronteiras desta vida de aquém-túmulo”, afirmou, citando Mário de Andrade. A legislação que autoriza as doações de órgãos e o artigo 5º da Lei de Biossegurança, que dispõe sobre o uso de células-tronco embrionárias, formam, segundo o ministro, o paralelo perfeito. Ao embrião, “faltam-lhe todas as possibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas que são o anúncio biológico de um cérebro humano em gestação. Numa palavra, não há cérebro.

Nem concluído, nem em formação”. E, finalmente, em resposta à indagação suscitada pelo ex-procuradorgeral – Onde começa a vida? –, afirma, “e já agora não mais por modo conceitualmente provisório, porém definitivo, a vida humana já rematadamente adornada com o atributo da personalidade civil é o fenômeno que transcorre entre o nascimento com vida e a morte cerebral”. Para Ayres Brito, a escolha da Lei de Biossegurança não significa desprezo ou desapreço pelo embrião in vitro, “menos ainda um frio assassinato”. Trata-se de uma “firme disposição” de superar o infortúnio alheio. Nesse ponto, em que ele invoca as conquistas do “constitucionalismo fraternal”, o seu voto ganha um tom comovente: as vítimas de síndromes ou distrofias, que depositam esperanças de futuro nas pesquisas com células-tronco, ganham nome. “Como se não bastasse toda essa argumentação em desfavor da procedência da Adin sub judice, trago à ribalta mais uma invocação de ordem constitucional”, afirmou. Invocou mais uma vez a Constituição para lembrar que a saúde é “direito de todos e dever do Estado” e que a ciência também faz parte do “catálogo” dos direitos fundamentais da pessoa humana. E cita o parágrafo 1º do artigo 218 da Constituição: “A pesquisa científica básica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências”. ■

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FOTOS LÉO RAMOS

A

s cinzas do bagaço de cana, da casca de arroz e os resíduos da indústria cerâmica são candidatos para entrar na preparação do concreto e diminuir a presença do cimento na elaboração desse produto. A redução do uso e a conseqüente limitação de sua industrialização são um fator importante para o ambiente porque, além de aproveitar esses materiais que muitas vezes são de difícil descarte e reutilização, contribuem para diminuir a emissão de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. A indústria cimenteira é responsável por 7% das emissões de CO2 no mundo. Segundo dados utilizados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), para cada tonelada (t) de cimento produzido sobra para a atmosfera 1 t de CO2. “No Brasil esse dado corresponde a 0,67 t porque parte da matéria-prima usada no país para produção de cimento é obtida com o aproveitamento da escória (argila separada do material ferroso) de alto-forno das siderúrgicas, e a matriz energética, ou a energia elétrica gasta no processo, é renovável, de hidrelétricas”, explica o professor Romildo Toledo Filho, da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharias (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador da equipe que desenvolveu estudos para a incorporação dos resíduos ao cimento. Em 2007 foram produzidos 44 milhões de t de cimento no Brasil que resultaram em 29,4 milhões de t de CO2. Toledo calcula que com a incorporação dos resíduos será possível reduzir a emissão brasileira em quase 6 milhões de t ao substituir 20% da produção de cimento. Os dados levantados pelo grupo da Coppe indicam a existência de cerca de 10 milhões de t de resíduos disponíveis para a utilização pela indústria cimenteira. Cerca de 1,5 a 2 milhões são de cinzas da queima do bagaço de cana que sobram de caldeiras e geradores para a produção de energia elétrica para abastecimento das próprias usinas. “As cinzas do bagaço são ricas em sílica amorfa, diferente da forma cristalina encontrada, por exemplo, na areia. Na forma amorfa, ela pode reagir, em temperatura ambiente, com o hidróxido de cálcio, um dos produtos de

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Resíduos agrícolas podem diminuir o uso de cimento e reduzir a emissão de CO2 Marcos de Oliveira

hidratação do cimento.” Essa mesma estrutura é encontrada na casca de arroz calcinada. De cada 1 t de arroz colhido sobram 200 quilos de casca. No Brasil, a produção atingiu 11 milhões de t de arroz na safra 2006-2007, portanto produziram-se 2,2 milhões de t de casca. “Tanto a cinza do bagaço de cana como a da casca do arroz precisam, para integrar o concreto, passar por um processo de micronização quando o material é reduzido a partículas bem menores.” A indústria brasileira de cerâmica produz cerca de 5 a 6 milhões de t de resíduos na produção de telhas, tijolos e pisos. Esse material, depois de calcinado e moído, pode substituir até 20% do total de cimento. Um estudo específico sobre o aproveitamento dos resíduos dessa índústria foi realizado pelo grupo da Coppe e apresentado na edição de setembro de 2007 da revista científica Cement and Concrete Research. Outro produto não aproveitável que se apresenta como alternativa, mas atinge um índice menor de substituição do cimento, de 5% a 10%, são as cinzas resultantes do lodo sanitário queimado obtidas das estações de tratamento de lixo sólido urbano.

O concreto de desenvolvimento sustentável é fruto das preocupações mostradas tanto no IPCC como nos mecanismos de desenvolvimento limpo apresentados no Protocolo de Kyoto e aparece num momento em que cresce o consumo de cimento no mundo, principalmente na China, que utiliza 43% do cimento mundial. “Cálculos de pesquisadores da área, baseados no crescimento dos grandes países emergentes, indicam que, se o consumo de cimento é de 2,5 bilhões de t por ano, ele saltará para 6,5 bilhões de t em 50 anos, porque é, e continuará sendo, o material mais usado do mundo em infra-estrutura”, diz Toledo. Elemento ligante - O principal pro-

blema da indústria cimenteira é a liberação de CO2 durante a queima do carbonato de cálcio (CaCO3) para transformá-lo em óxido de cálcio, que representa 65% da composição do cimento. Também entram como ingredientes óxido de ferro, alumínio e gesso. O cimento funciona como elemento ligante entre os componentes do concreto, como água, areia e brita. A incorporação dos resíduos ainda não tem perspectivas de ser absorvida pela indústria cimenteira. “Nosso trabalho é acadêmico e está buscando soluções. Cabe à indústria implementar essas soluções.” A Região Sudeste é o maior centro consumidor de cimento e também o maior produtor de resíduos. “Nesse momento estamos realizando um estudo para identificar as áreas produtoras de cinza de bagaço e casca de arroz, da indústria de cerâmica e onde estão localizadas as cimenteiras. Ao final teremos um mapa que poderá facilitar a parte logística de aproveitamento de resíduos.

A importância dos estudos realizados na Coppe pode ser medida por uma notícia divulgada recentemente no jornal francês Le Monde (13 de março). Várias cimenteiras do mundo estão desenvolvendo soluções para diminuir a produção de cimento e a conseqüente liberação de CO2 na atmosfera. O grupo francês Lafarge, que produziu 135 milhões de t de cimento em 2007, já conseguiu diminuir em 16% as emissões de dióxido de carbono de um total de 20% previsto entre 1990 e 2010. Além de fábricas ultramodernas e de melhor desempenho, inclusive na China, a Lafarge, como outras cimenteiras, está diminuindo o uso de combustíveis fósseis para aquecer os enormes fornos onde o cimento é produzido. Para isso, as indústrias utilizam óleos usados variados, solventes, pneus, plásticos, casca de noz de palmeiras da Malásia e casca de arroz das Filipinas, na Ásia, casca de café de Uganda, na África, além de farinha animal. A empresa francesa também introduziu na fabricação do cimento, na substituição de parte do carbonato de cálcio, as cinzas das centrais termelétricas e as escórias provenientes de usinas siderúrgicas. ■

Corpo-de-prova de concreto (à esquerda) utiliza casca de arroz (ao lado) na forma de sílica (acima)

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LABORATÓRIO MUNDO

DE PAIS PARA FILHOS

LAURABEATRIZ

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> Mais cedo sobre as pernas Seis milhões de anos atrás não existiam pessoas como as que vivem no mundo hoje. Mas nossos ancestrais Orrorin tugenensis já andavam de pé por onde agora é o Quênia, diz um artigo publicado em março na Science. A espécie fóssil foi descoberta há 8 anos e descrita como bípede, mas muitos antropólogos não ficaram convencidos com as evidências. Agora os norte-americanos Brian Richmond, da Universidade George Washington, e William Jungers, da Universidade Stony Brook, analisaram a forma do fêmur de Orrorin

> Genética da ponta Redondos ou ovais, grandes ou pequenos, amarelos ou vermelhos. Foi preciso muito investimento e esforço de agrônomos para criar a grande variedade de tomates que incrementa saladas e molhos. Muitas

MIGUEL BOYAYAN

Há tempos se conhecem os danos que o estresse provoca no organismo – por períodos prolongados favorece o surgimento de diabetes, doenças cardiovasculares, depressão e outros males. Agora se encontraram evidências de que o estresse também prejudica a saúde de outras pessoas, além do próprio estressado. Durante 3 anos, pesquisadores da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, submeteram os pais de 169 crianças a testes psiquiátricos semestrais para avaliar indicadores de estresse, como ansiedade e depressão. Também pediram aos pais que mantivessem registros semanais da saúde dos filhos, com idade entre 5 e 10 anos. As crianças cujos pais apresentavam níveis mais elevados de estresse adoeceram mais vezes que as demais, constatou a equipe de Mary Caserta. Exames de sangue também registraram índices de atividade mais elevados no sistema imunológico dos filhos de pais altamente estressados, sinal de que o organismo dessas crianças tentava combater infecções, segundo artigo publicado na Brain, Behavior and Immunity. Na opinião de David Jessop, da Universidade de Bristol, na Inglaterra, estudos futuros deveriam investigar quais fatores estressantes provocam maior impacto sobre o sistema imunológico das crianças.

e pretendem pôr fim na controvérsia sobre a postura desses pré-humanos. Os pesquisadores viram que o osso da coxa de Orrorin é muito semelhante aos de Australopithecus e de Paranthropus, já consagrados bípedes entre os humanóides. Os ossos mostram também que Orrorin era polivalente. Com braços longos como chimpanzés e dedos fortes, ele provavelmente também freqüentava o alto das árvores. Primeiro bípede de que se tem notícia, a descoberta mostra que andar sobre os pés precedeu em cerca de 4 milhões de anos o aparecimento de indivíduos do gênero Homo, ancestrais diretos dos seres humanos modernos.

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ESTHER VAN DER KNAAP

Um gene e duas formas: ovais ou redondos

desligado em tomates redondos. Em tomateiros com frutos redondos, bastou inserir o gene Sun para alongá-los. Em plantas que dão tomates ovais, os pesquisadores fizeram o oposto: inativaram o gene Sun e obtiveram frutos redondos. Na opinião de Esther, a identificação do gene que determina a forma do tomate pode ser um primeiro passo para moldar outros vegetais como pimentas, pepinos e cabaças. O artigo foi capa da revista Science em 14 de março.

> Continente partido Um estudo feito pelos geólogos da Universidade de Londres, Inglaterra, e do Instituto de Pesquisa Polar e Marinha Alfred Wegener, na Alemanha, indica que o supercontinente Gondwana, que dominou o hemisfério Sul do planeta entre 500 milhões e 180 milhões de anos atrás, rompeu-se inicialmente em apenas duas partes antes de originar o que hoje são América do Sul, África, Madagascar, Arábia, Índia, Antártida e Austrália. Eles reuniram informações de anomalias magnéticas e gravitacionais observadas na bacia de Moçambique (África) e no mar RiiserLarsen (Antártida), os pontos iniciais de ruptura de Gondwana, e simularam a separação usando um programa de computador (Geophysical Journal International). A dupla sugere que continentes tão vastos como Gondwana são inerentemente instáveis.

> Assumir o erro com estilo Em mensagem à Nature, a pesquisadora Linda Buck, que dividiu com Richard Axel o Nobel de Medicina de 2004, pediu a anulação de um artigo de 2001 do qual foi co-autora. Ela e os outros quatro autores afirmaram ter encontrado falhas que abalaram a confiança nas conclusões do trabalho, elaborado quando atuavam na Escola Médica de Harvard. Hoje no Centro Fred Hutchinson de Pesquisa

EDUARDO CESAR

delas foram encontradas por técnicas tradicionais de melhoramento de plantas, baseadas em tentativa e erro e seleção das características desejadas. Vasculhando o DNA do tomate, a equipe de Esther van der Knaap, do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Agrícola da Universidade Estadual de Ohio, nos Estados Unidos, descobriu que um gene batizado de Sun determina as formas alongadas. Ele é muito ativo nas variedades pontudas e aparece

Medo inato: crianças são ágeis em ver cobras

Num passeio pelo campo, muita CUIDADO COM gente se encanta com as flores do AS SERPENTES caminho. E de repente estaca, com o corpo inundado pela adrenalina que avisa: perigo, fuja! Uma cobra serpenteia adiante. Se for venenosa, avistá-la o quanto antes pode significar a diferença entre vida e morte. Pensando nisso, as psicólogas Vanessa LoBue e Judy DeLoache, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, testaram a rapidez de adultos e crianças em apontar cobras em fotografias numa tela de computador sensível a toque. Surpresa: tanto as crianças com idades entre 3 e 5 anos como seus pais são mais rápidos em reconhecer cobras na grama do que imagens não ameaçadoras como flores, sapos e taturanas. Os resultados mostram que o golpe de vista certeiro para evitar o perigo não depende de idade ou experiência. O trabalho, publicado na edição de março da revista Psychological Science, discute a importância evolutiva do temor inato. Nos primórdios da humanidade todos viviam em contato com a natureza. Os distraídos que pisassem em serpentes não sobreviveriam para deixar descendentes.

do Câncer, Linda vem tentando sem sucesso reproduzir o trabalho. No estudo de 2001 ela e seus colaboradores à época informavam ter mapeado em camundongos as vias neurais do olfato, do nariz ao córtex cerebral. Linda atribui dados e figuras de 2001 ao primeiro autor do estudo, Zhihua Zou, hoje na Universidade do Texas em Galveston. Segundo o site NatureNews, Zou não respondeu aos pedidos de explicação da Nature. “É claro que é desapontador”,

disse Linda. “O importante é corrigir a literatura.” Harvard vai analisar a retratação, e Linda pediu ao Centro Fred Hutchinson que avalie outras publicações de Zou. Uma das mais prestigiosas publicações científicas do mundo, a Nature tem quatro tipos de reparação: errata, notificação de erro cometido pela revista; correção, quando o erro é dos autores; retratação, no caso de resultados inválidos; e adendo, acréscimo de informação ao artigo.

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LABORATÓRIO BRASIL

Os pequenos fazendeiros do interior do Pará encontram-se vulneráveis e desamparados diante das mudanças climáticas, a julgar pelos eventos dos últimos anos, atestaram os antropólogos Eduardo Brondizio e Emilio Moran, da Universidade de Indiana, Estados Unidos. Em 6 anos de levantamentos de campo, eles verificaram que anomalias climáticas como o El Niño podem arruinar pequenos fazendeiros e forçá-los a migrar para as cidades. Sem recomendações sobre como agir nem informações sobre as variações locais do tempo, já que as previsões meteorológicas só chegam ao nível regional, esses fazendeiros não mudam suas práticas agrícolas, ainda que acompanhem as discussões sobre as mudanças climáticas. Outra constatação: como o clima se altera muito e rapidamente na Região Norte, eles logo apagam da memória até os eventos climáticos extremos. Mais da metade dos entrevistados em 2002 não se lembrava da seca causada pelo El Niño de 1997-1998, uma das piores já registradas (Philosophical Transactions of the Royal Society B). Esses agricultores precisam de quem transforme as tendências do clima em informações que os ajudem a tomar decisões e a prever secas.

> Cantoria interativa Na tela do computador, sapos, rãs e pererecas cantam e declaram seus costumes no CD Guia interativo dos anfíbios anuros do Cerrado, Campo Rupestre & Pantanal, produzido pelo grupo do zoólogo Célio Haddad,

da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro. Cada foto representa uma das 63 espécies incluídas no CD, um terço do total de anfíbios desses ecossistemas. “As espécies mais comuns, que uma pessoa encontrará em seu jardim ou numa caminhada, estão ali”, afirma Haddad. Ao ouvir um canto,

El Niño (no alto) e La Niña afetam clima na Amazônia

basta selecionar opções de busca. O som vem do chão, das árvores ou da água? O cantador é grande ou pequeno? É dia ou noite? Ao passar o cursor sobre as possibilidades que se destacam, é possível ouvir os bichos cantarem. Cada faixa do CD traz o canto de uma espécie, recurso valioso para

NASA

O TEMPO FOGE À MEMÓRIA

>>

pesquisadores no campo: a gravação atiça os machos, que respondem, denunciando sua localização. A não perder: “Brejileirinho”, cantoria da Mata Atlântica em forma de rondó que abre o CD. O grupo lançou, também pela editora Neotropica, o livro Anfíbios da Mata Atlântica.

CÉLIO HADDAD/UNESP

Cerrado e Campo Rupestre: guia sonoro traz rã-de-vidro e rãzinha-colorida

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vasos sangüíneos Pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), demonstraram que as paredes dos vasos sangüíneos de mais de dez tecidos do corpo humano são fontes para obtenção das chamadas células-tronco mesenquimais, um tipo de célula-tronco adulta com potencial para se diferenciar e formar os tecidos gordurosos, ossos ou músculos. Usualmente, a medula óssea e o cordão umbilical são citados como as fontes por excelência das células mesenquimais. Mas, de acordo com o trabalho da equipe do hematologista Dimas Tadeu Covas, essas células podem ser encontradas também na periferia da parede dos microcapilares sangüíneos, denominados pericitos, que estão distribuídos por todo o organismo humano. Os principais tecidos em que os cientistas identificaram as células mesenquimais foram:

Outra fonte: a parede dos capilares

artéria carótida, testículo, fígado, pulmão, timo, tecido adiposo, veia safena, veia e artéria umbilicais e medula óssea. O estudo dos brasileiros foi publicado no dia 4 de março na versão eletrônica da revista científica Experimental Hematology.

> Efeitos da falta de água tratada Ainda que o número de casos varie de uma região para outra, a infestação por parasitas intestinais ainda é muito comum no Brasil. Em casos raros essas parasitoses chegam a matar, mas geralmente prejudicam o desenvolvimento físico

e mental das crianças. Havia tempos não se conhecia a situação específica em Belo Horizonte. Para sanar a falta de informação, Aline Menezes, Edward Silva e Silvio Dolabella, da Universidade Federal de Minas Gerais, avaliaram no final de 2006 a saúde de crianças das unidades municipais de ensino infantil da capital mineira. Realizaram exames de fezes em 472 meninos e meninas com 3 e 6 anos e constataram que um em cada quatro estava contaminado com pelo menos um tipo de parasita (6,6% traziam o ventre infestado com diferentes microorganismos). O mais comum foi o protozoário Entamoeba coli,

Entre 100 milhões e 65 milhões de anos atrás, uma grande diversidade de crocodilos primitivos povoava Gondwana, o supercontinente que reunia as terras da América do Sul, da África, da Antártida, da Austrália e da Índia. Um desses répteis era Mariliasuchus amarali, que, com crânio alto e estreito e focinho curto, era bem diferente dos jacarés atuais. Uma equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro examinou crânios fósseis encontrados nos arredores de Marília, interior de São Paulo, e desenterrou os hábitos alimentares dos animais. Eram predadores de mordida forte que usavam grandes incisivos para dilacerar presas ou carcaças, mas provavelmente também cavoucavam o chão como os porcos fazem, em busca de outros tipos de alimento como insetos ou raízes. Além disso, mastigavam a comida, ao contrário de jacarés e crocodilos atuais, que engolem nacos de carne inteiros. O grupo examinou também fezes fósseis desses animais, os coprólitos, e encontrou depósitos de potássio, indicação de uma dieta que, além de carne, incluía vegetais. Esses achados, publicados em janeiro na revista Gondwana Research, ajudam a reconstruir a ecologia de uma região que inclui América do Sul, África, Madagascar e Índia no período geológico chamado Cretáceo Superior.

que não afeta diretamente a saúde, mas indica que as crianças vivem em áreas contaminadas e sem higiene. Em segundo lugar apareceu outro protozoário, Giardia lamblia, que provoca cólica e diarréia intensa. A solução para reduzir a ocorrência de parasitoses vale tanto para Minas quanto para o resto do país: oferecer melhores condições de moradia e acesso a água e esgoto tratados, além de, claro, educação. Mas esta parece uma meta distante. “Inquestionavelmente, o tratamento de parasitas intestinais ainda recebe pouca atenção dos programas de saúde pública”, escreveram os autores do estudo, feito em parceria com Miriam Rocha e Mayrce Freitas e publicado na Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo.

PEDRO HENRIQUE NOBRE/UFRJ

DIMAS TADEU COVAS/USP-RP

> Células-tronco nos

UM CROCODILO QUE CHAFURDAVA

Mariliasuchus: dieta à base de carne e vegetais

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CIÊNCIA

FARMACOLOGIA

Guerra nas células Descobertas indicam rumos para auxiliar o sistema imunológico no combate a infecções generalizadas Mar ia Guimarães

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uidado ao virar a página. Se cortar o dedo na borda do papel, bactérias entrarão pela ferida e ali se desencadeará uma batalha. Nessas situações, as células de defesa dos tecidos, como os macrófagos, detectam as bactérias invasoras, as englobam e as matam. Esse processo libera em torno das células uma série de substâncias que indicam – como as migalhas de pão da história João e Maria – o caminho da lesão para os leucócitos, células de defesa que patrulham o corpo pela corrente sangüínea. Se tudo der certo, a infecção será controlada e passará despercebida. Mas às vezes – porque há bactérias demais ou porque o sistema imunológico está comprometido – não basta. As bactérias e a inflamação se espalham pelo organismo e causam infecção generalizada, ou sepse. É a segunda causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) dos Estados Unidos, onde mais de 700 mil casos são registrados a cada ano – cerca de 30% destes levam à morte. A equipe do farmacologista Fernando de Queiróz Cunha, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP-RP), está desvendando a batalha do sistema imunológico contra a sepse e indica rumos para elaborar medicamentos.

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Macrófago (verde) captura bactérias no pulmão

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DENNIS KUNKEL

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O trabalho de Cunha revela detalhes de como funciona a resposta imunológica: numa reação inflamatória, as substâncias sinalizadoras avançam até o vaso sangüíneo mais próximo, se ligam às células da parede e mandam sinais para o interior. Os leucócitos então rolam por dentro da parede do vaso até achar uma brecha, por onde saem. Em seguida seguem a trilha química até o front e juntam-se aos macrófagos para combater as bactérias, que matam com substâncias como o óxido nítrico. As substâncias liberadas nesse processo também causam uma reação inflamatória que agride os próprios tecidos. Quando as bactérias ganham a batalha, se disseminam pelo corpo e geram um quadro de sepse, o sistema imunológico vai atrás. Num esforço extremo para conter a infecção, a própria inflamação se torna generalizada, causa queda de pressão arterial e, ao fim, falência múltipla de órgãos. Esse é o quadro hoje conhecido como sepse – o termo septicemia está caindo em desuso pelos especialistas. Pelo menos metade das pessoas que chegam a esse estado morre. grande surpresa para a comunidade científica internacional, por volta de 10 anos atrás, foi descobrir que as bactérias invasoras não são o problema mais sério. O grande estrago acontece porque o processo inflamatório, arma valiosa quando se trata de combater bactérias, se volta contra o próprio organismo – o mesmo descontrole que causa doenças como gota, artrite e esclerose múltipla. Parecia óbvio, bastava bloquear a inflamação para conter a sepse. Pesquisadores norte-americanos tentaram, mas sem a reação inflamatória cessa também o combate ao foco infeccioso e as bactérias se espalham sem resistência. Para encontrar uma forma eficaz de combater a sepse, o grupo de Ribeirão Preto montou um projeto de pesquisa com três vertentes. O médico farmaco-

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logista Sérgio Henrique Ferreira, coordenador do projeto, é responsável por investigar os mecanismos que causam dor diante de um processo inflamatório. Detalhar o processo da sepse e a migração de leucócitos para o foco infeccioso estão a cargo de Cunha.

o que leva à queda drástica na pressão arterial. Descobrir isso sugeriu um tratamento: inibir a produção de óxido nítrico no paciente. O que parecia mais uma boa idéia, porém, deu origem a novos problemas. Sem óxido nítrico, os neutrófilos perdem seu principal agen-

Segunda causa de morte nas Unidades de Terapia Intensiva nos Estados Unidos, a sepse também é um problema sério no Brasil. Em 2003 o sistema de saúde brasileiro destinou mais de R$ 17 bilhões aos 400 mil pacientes sépticos. Com resultados insatisfatórios, já que cerca de 227 mil desses pacientes morreram devido à sepse grave.

Ele descobriu que o papel do óxido nítrico, que os leucócitos usam para matar as bactérias, é central no choque séptico. Dentro dos vasos, essa substância contribui para os mecanismos de defesa, pois induz o relaxamento dos músculos vasculares – assim o maior volume de sangue nos vasos leva mais leucócitos para o foco infeccioso. Mas numa situação de sepse a produção de óxido nítrico fica descontrolada e chega a ser mil vezes maior do que o normal,

te microbicida e já não conseguem combater a infecção. Cunha descobriu mais: óxido nítrico em excesso também inibe a migração das células. “Os leucócitos não aderem à parede dos vasos, não rolam e não respondem ao gradiente de mediadores inflamatórios”, conta. O grupo de Cunha detalhou, em artigos de 2006 nas revistas internacionais Shock, Blood e Critical Care Medicine, como isso acontece. As vias bioquímicas e proteí-

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nas – que dão às células um movimento semelhante ao das lesmas – não funcionam na presença de altos teores de óxido nítrico. A equipe de Ribeirão Preto demonstrou também, em artigo publicado em 2007 no American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, que o óxido nítrico inibe a expressão de receptores na superfície dos neutrófilos, que por isso perdem a sensibilidade aos mediadores inflamatórios. O sistema imunológico fica assim paralisado e põe a vida do paciente em risco. Essa descoberta sugeriu rumos à equipe de Cunha. “Se restabelecermos os mecanismos de migração, a infecção é controlada”, diz ele. É o que seu grupo busca fazer agora. Eles verificaram que uma substância essencial nessa cadeia bioquímica é o ácido sulfídrico, também conhecido como sulfeto de hidrogênio (H2S), o gás que dá mau cheiro a ovos podres. Quando se inibe sua síntese dentro dos leucócitos, a migração celular se paralisa; ao devolver H2S ao meio celular, os pesquisadores viram que as células de defesa voltam a rolar por dentro das paredes dos vasos sangüíneos. A estratégia é nova e o farmacologista de Ribeirão Preto está agora preparando o artigo para publicação. Para ele, os resultados são motivo para otimismo. Talvez agora a compreensão da sepse esteja mais próxima de permitir salvar vidas. nquanto isso não acontece, o choque séptico permanece um problema de saúde pública sem solução. Ao contrário, com o envelhecimento da população, a cada ano uma proporção maior dos pacientes de UTIs entra em sepse. Um artigo publicado em 2006 na Endocrine, Metabolic & Immune Disorders – Drug Targets, coordenado por Eliézer Silva, médico do Centro de Terapia Intensiva do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo e presidente do Instituto Latino-americano para Estudos da Sepse (Ilas), compara o impacto

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da sepse em diversos países e mostra que, a cada cem pessoas admitidas numa UTI norte-americana, por volta de dez entram em choque séptico. o Brasil, Silva coordenou o estudo conhecido como Bases (Estudo epidemiológico de sepse no Brasil), que avaliou 1.383 pacientes internados em cinco UTIs brasileiras e foi publicado em 2004 na Critical Care Medicine. O estudo, um dos mais amplos no país, verificou que por volta de 30% desses pacientes entraram em sepse e metade evoluiu para choque séptico. Os intensos cuidados médicos só conseguiram salvar metade dos pacientes com sepse. A Associação Brasileira de Terapia Intensiva promoveu um outro estudo, conhecido como Sepse Brasil, que examinou mais UTIs e obteve resultados semelhantes ao Bases. Segundo dados divulgados pelo Ilas, em 2003 o sistema de saúde brasileiro gastou R$ 41 bilhões com terapia intensiva. Desse montante, mais de R$ 17 bilhões foram destinados aos 400 mil pacientes sépticos. Com resultados insatisfatórios, já que cerca de 227 mil desses pacientes morreram devido à sepse grave, levando para o túmulo um investimento de quase R$ 10 bilhões. Para reduzir esses números, em 2005 o Ilas aderiu à campanha internacional Sobrevivendo à Sepse. Com o objetivo de reduzir a mortalidade por choque séptico em 25% até 2009, 48 países estão implementando diretrizes internacionais de atendimento a pacientes sépticos. Para controlar e otimi-

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O PROJETO Mediadores envolvidos na gênese da dor e na migração de leucócitos e na sepse

MODALIDADE

zar os resultados da campanha, os participantes enviam informações para um banco de dados internacional. O Brasil, com 50 instituições integradas ao programa, é um dos países que mais contribuíram com dados. “A principal dificuldade é a mudança cultural”, explica Eliézer Silva, que em 2006 publicou pela editora Atheneu um manual para treinamento de profissionais dentro do novo conceito que tem o tempo como ponto central. As novas diretrizes determinam que quando um paciente com sepse grave chega ao pronto atendimento de um hospital é preciso imediatamente colher uma amostra de sangue para identificar o germe causador da infecção. Em seguida já nas primeiras 6 horas é essencial dar ao paciente antibióticos, soro fisiológico em grande quantidade e medicação para estabilizar a pressão arterial. Conforme a progressão nesse período, uma outra série de providências são necessárias até a 24ª hora de tratamento: medicar com corticóides e proteína C ativada, controlar a glicemia e, quando o paciente está com dificuldades respiratórias, fornecer ventilação para manter a pressão de oxigênio em nível adequado. Os dados mais recentes, que ainda não foram publicados, indicam que ao longo da campanha a mortalidade por sepse já diminuiu cerca de 7%, no mundo todo. Pelo menos no que pode ser facilmente medido. Segundo Fernando de Queiróz Cunha, dar alta ao paciente não equivale a um suspiro de alívio. Ele mostrou, em pesquisa com ratos ainda não publicada, que a sepse deixa o sistema imunológico debilitado. O farmacologista verificou que, passados 15 dias da crise séptica, basta borrifar bactérias perto do focinho do animal – uma situação não muito diferente de conversar com alguém resfriado – para causar a morte das cobaias. Os trabalhos de Silva e de Cunha deixam clara a necessidade de aliar pesquisa básica, clínica médica e políticas públicas para vencer a batalha ■ contra a sepse.

Projeto Temático COORDENADOR

SERGIO HENRIQUE FERREIRA – USP/ Ribeirão Preto INVESTIMENTO

R$ 2.277.550,31

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> BIOLOGIA CELULAR

A turma do desmanche

Identificados no núcleo das células compartimentos que desfazem proteínas Carlos Fioravanti

Durante os 4 anos em que trabalhou na Escola de Medicina da Universidade Harvard, em Boston, Estados Unidos, e, mais tarde, como professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, Marcelo Damário Gomes mergulhou em uma linha de pesquisa que mostrou que o núcleo celular – e não só o citoplasma, a porção da célula que envolve o núcleo – abriga compartimentos responsáveis pela destruição de proteínas que não deram certo ou já cumpriram seu papel, antes que levem o organismo ao caos. Com trabalhos como esse, Gomes construiu uma trajetória pessoal que conciliou a exploração de espaços científicos e existenciais, ora ínfimos, ora amplos, e lhe permitiu contribuir tanto para o refinamento da imagem do núcleo celular quanto para o sonho de uma viagem tripulada a Marte. O empenho desse e de outros grupos de pesquisa desfaz a imagem mais conhecida do núcleo como o território exclusivo dos cromossomos, as longas estruturas de proteínas e de DNA, cujas seqüências, os genes, regulam a produção de proteínas que formam os organismos. Não está por lá apenas o nucléolo, uma central de produção de um dos tipos da molécula de RNA que permite a produção de proteínas. Estão por lá também pelo menos dez outros compartimentos – ou organelas. Gomes desco46

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briu um deles, o fand. Apresentado em fevereiro na Molecular Biology of the Cell, o fand, curiosamente, limita-se por si mesmo, sem uma membrana externa como a que separa o núcleo do citoplasma. Nos fands encontram-se as proteínas chamadas ubiquitinas que, em conjunto com outras, desfazem as que não servem mais ao organismo. “É uma linha de desmontagem”, compara Gomes, ao explorar a trilha aberta há 3 séculos pelo naturalista, astrônomo e arquiteto inglês Robert Hooke, o primeiro a observar uma célula sob um rudimentar microscópio. “Nada está parado no núcleo”, assegura. Proteínas que chegam ou saem a todo momento controlam a divisão dos cromossomos, a qualidade e a recombinação dos genes e a formação de outras células – em síntese, a continuidade ou o fim dos seres vivos. Seis anos atrás uma equipe da Universidade de Lisboa havia identificado o primeiro desses compartimentos do núcleo com proteínas que eliminam outras proteínas, chamado de clastossoma e ocupado por proteínas específicas. Até então subestruturas semelhantes haviam sido encontradas apenas no citoplasma, que envolve o núcleo e outros compartimentos da célula. Conduzido sob o olhar, as recomendações e os palpites de Alfred Lewis Goldberg, um bioquímico norteamericano que há 2 décadas descobriu um dos mecanismos essenciais de destruição seletiva de proteínas, o

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MICROGRAPHIA/ROBERT HOOKE

Primeira imagem: desenho das células de cortiça vistas por Hooke e publicadas em 1664 no livro Micrographia

trabalho conjunto de Gomes e de dois médicos – o norte-americano Stewart Harris Lecker e o inglês Thomas Jagoe – ecoou também em outros campos. Em paralelo a um grupo de uma indústria farmacêutica que chegou aos mesmos resultados de modo independente, eles identificaram a enzima atrogina 1, que liga as ubiquitinas às proteínas do músculo, levando à perda da massa muscular, comum em alguns tipos de câncer, doenças renais, diabetes e mesmo quando o braço ou a perna permanecem engessados durante semanas. Em 2001, quando esse trabalho saiu em uma revista científica, Goldberg e sua equipe já haviam ganho um prêmio da Nasa, a agência espacial norte-americana, por terem mostrado a origem de um problema cuja solução poderia facilitar os almejados vôos tripulados para Marte, que tomam 1 ano para ir e outro para voltar. “Por causa da ausência de gravidade no espaço”, conta Gomes, “um astronauta perde 5% da massa muscular por semana”. Os estudos sobre esses mecanismos de degradação de proteínas se intensificaram especialmente depois de 2004, quando dois cientistas de Israel e um dos Estados Unidos compartilharam o Prêmio Nobel de Química por terem evidenciado o papel da ubiquitina na destruição seletiva de proteínas de plantas e de animais. Chamado de proteassoma, esse mecanismo de limpeza só entra em ação

ao identificar proteínas que carregam pelo menos quatro ubiquitinas encadeadas. As ubiquitinas, assim chamadas por serem ubíquas ou onipresentes, funcionam como etiquetas que marcam quem deve morrer (uma animação sobre esse mecanismo, intitulada Beijo da morte, encontra-se em nobelprize.org/nobel_prizes/chemistry/ laureates/2004/animation.html). Gomes já havia saído de Harvard quando soube que Goldberg, um dos fortes candidatos ao Nobel por ter ajudado a identificar a ubiquitina, não estava entre os escolhidos. Ubiquitina e genes - Formadas no citoplasma, as ubiquitinas espalham-se e circulam o tempo todo por todas as células dotadas de núcleo, como a maioria das que formam o corpo humano, com exceção das hemáceas, as células vermelhas do sangue. Algumas ubiquitinas que atravessam a membrana do núcleo se convertem em personagens-chave da limpeza do organismo ao formarem o fand. “O proteassoma só reconhece as proteínas que ganharam uma cadeia de pelo menos quatro ubiquitinas”, diz Gomes. Mas as ubiquitinas não representam apenas o carrasco que leva pela mão os condenados à morte a uma espécie de triturador. São também essenciais no controle dos genes e das próprias células. Segundo Gomes, proteínas conhecidas como fatores de transcrição suicida, que PESQUISA FAPESP 146

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Limpeza contínua

FOTOS ADRIANA OLIVEIRA MANFIOLLI/FMRP-USP

O núcleo celular abriga pelo menos dois tipos de compartimentos especializados na destruição seletiva de proteínas: os clastossomas (ao lado, em vermelho) e os fands (à direita, mancha verde maior), cada um com grupos específicos de proteínas

regulam a atividade dos genes, só funcionam depois de ganharem ubiquitinas. “Essa é uma forma de assegurar que os fatores de transcrição terão uma vida curta e serão destruídos depois de cumprirem seu papel apenas uma vez”, diz ele. “Tudo no interior da célula é extremamente regulado.” A interação entre ubiquitina e proteassoma, o conjunto de proteínas que limpam o organismo do que não serve mais, explica um pouco melhor o desenvolvimento de doenças causadas pelo acúmulo de proteínas malformadas. É o caso, lembra Gomes, da coréia de Huntington, que se agrava à medida que se acumulam os resíduos que o proteassoma não consegue nem reconhecer nem desfazer. Em um artigo de revisão publicado em fevereiro deste ano na Cellular & Molecular Biology Letters, Halina Ostrowska, bióloga da Universidade de Bialystok, Polônia, mostra como esse mecanismo, por estar ligado à degradação da maioria das proteínas intracelulares, incluindo as que controlam a multiplicação e a morte das células, representa também um valioso alvo para novos medicamentos contra câncer e doenças inflamatórias. Parece uma possibilidade real: em menos de 10 anos o trabalho de Goldberg e de outros pioneiros nessa área levou ao desenvolvimento de um composto conhecido como Bortezomib, aprovado em 2005 para uso contra mielomas múltiplos. A história pessoal de Gomes guarda semelhanças com seus objetos de estudo. Impulsionado pelo pai, descendente das primeiras famílias de espanhóis e portugueses que espantaram os índios coroados, derrubaram as matas a machado e iniciaram o plantio de café no noroeste 48

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paulista, Gomes deixou Penápolis, uma cidade que este ano completará cem anos, ao terminar o antigo colegial. Estudou em Londrina, no Paraná, e depois na cidade de São Paulo, mas não se aquietou. O senso atávico de explorador ibérico o levou em seguida ao mais antigo e um dos mais ambiciosos centros de pesquisa biomédica dos Estados Unidos, a Escola de Medicina da Universidade Harvard, em Boston, uma metrópole de quase 5 milhões de habitantes. Labirintos ubíquos - Gomes voltou de Harvard em abril de 2003 ao lado da mulher, Munira Baqui, então grávida de 3 meses de Olivia, rumo a outros espaços: instalaramse em Ribeirão Preto, interior paulista, ele como professor recém-contratado, ela como pós-doutora na USP. Gomes, ainda hoje um dos poucos no Brasil a estudar os mecanismos de funcionamento da ubiquitina, novamente não se aquietou nem se recusou a navegar em mares desconhecidos. Aos poucos cercou-se de jovens pesquisadores como Adriana Oliveira Manfiolli, Sami Yokoo e Felipe Roberti Teixeira, que conduziram o trabalho que levou à identificação dos reservatórios de proteínas conjugadas à ubiquitina no núcleo celular, e de outros mais experientes como Eduardo Brandt de Oliveira, bioquímico que ajudou a planejar e a interpretar os experimentos, e Roy Edward Larson, à frente de dois microscópios confocais. Eles sabem que trabalham em uma área de pesquisa extremamente competitiva, ainda mais depois do Nobel de 2004, e labiríntica: conhecemos não mais de uma dúzia das 500 a mil enzimas que regulam a atividade da ubiquitina. ■

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GENÉTICA

O seqüestro do carteiro Ao interromper comunicação celular, RNA artificial mata verme causador da esquistossomose | Ricard o Zorzet to

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Risco na água: larvas do parasita penetram no corpo através da pele

RAFAEL OLIVEIRA

omo em um jogo de espiões em que o objetivo é interceptar a comunicação do inimigo e evitar que suas mensagens cheguem ao destino, pesquisadores paulistas bloquearam o mecanismo celular responsável pela produção de uma proteína essencial à vida do parasita Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose. Com uma sessão de tratamento, eles eliminaram um quarto dos vermes que infestavam camundongos e, assim, podem ter apontado um novo caminho para combater uma das mais graves verminoses conhecidas, que atinge 200 milhões de pessoas no mundo e vem se tornando resistente à ação dos remédios disponíveis. A principal diferença entre os medicamentos usados para tratar a esquistossomose e a terapia experimental desenvolvida pelos pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) está na forma de aniquilar o parasita. O praziquantel e a oxamniquina abrem buracos

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em suas células, enquanto o tratamento proposto pela equipe paulista é semelhante a um serviço de inteligência: como quem seqüestra o carteiro e rasga suas cartas, captura e destrói a receita que orienta tanto a geração de energia necessária para a sobrevivência do Schistosoma quanto a multiplicação de suas células. Assim, o parasita se torna incapaz de repor as células que se deterioram com o tempo e morre. A geneticista Iscia Lopes Cendes teve a idéia de adotar essa estratégia de ataque ao Schistosoma em 2002, quando começou a trabalhar com uma técnica de biologia molecular criada por Andrew Fire e Craig Mello, dos Estados Unidos. Estudando o verme Caenorhabditis elegans, eles observaram que era possível interferir na cadeia de comando das células e impedir a produção de uma determinada proteína usando moléculas de ácido ribonucléico (RNA) produzidas em laboratório. Nas células da maior parte dos seres vivos, vermes inclusive, a informação de como fazer uma proteína está armazenada no gene, um pequeno segmento da molécula de ácido desoxirribonucléico (DNA), composta por duas cadeias paralelas de bases nitrogenadas que assumem a forma de uma escada em caracol. Sempre que a célula necessita de uma proteína, sua receita é copiada por uma molécula mais simples – o RNA mensageiro, composto de uma só fileira de bases nitrogenadas – e transportada para a região em que se fabricam as proteínas. Genes em silêncio - Em 1998 Fire e Mello identificaram uma forma de impedir o RNA mensageiro de completar o seu serviço. Eles nutriram os vermes com moléculas artificiais de RNA, formadas por duas fitas em vez de uma. Ao penetrar nas células, o RNA de dupla fita se une a um complexo de proteínas e intercepta o RNA mensageiro. Como resultado, a receita da proteína é destruída, silenciando o gene. A descoberta desse fenômeno, que Craig e Mello chamaram de interferência por RNA ou RNAi, rendeu-lhes o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 2006. “Se funcionou com um verme de vida livre, que absorve as moléculas de RNA através de uma cutícula bastante resistente, pensei, deve dar certo com 50

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Ainda são necessários mais testes para comprovar que a estratégia é viável e segura para seres humanos

vermes de cutícula mais delgada que vivem no organismo de hospedeiros, como o Schistosoma”, diz Iscia. Com os biólogos Tiago Campos Pereira, Vinícius Bittencourt e Rafael Marchesini, ela procurou uma proteína vital para o Schistosoma, mas cujo RNA mensageiro fosse diferente do existente no camundongo. Identificou a hipoxantina-guanina fosforribosil-transferase (HGPRTase), essencial para a divisão celular e a produção de energia. Com um programa de computador desenvolvido por Pereira e Ivan de Godoy Maia, da Unesp de Botucatu, a equipe de Campinas desenhou e produziu moléculas de RNA de dupla fita específicas para impedir a produção dessa proteína. O passo seguinte foi testá-las contra o Schistosoma. Iscia queria verificar o efeito da interferência por RNA sobre o parasita da esquistossomose em seu ambiente natural, os vasos sangüíneos dos animais que os abrigam, e não nas condições artificiais criadas em laboratório. Como ela própria não trabalha com animais de laboratório, procurou o casal de parasitologistas Eliana e Luiz Augusto Magalhães, que anos antes haviam desenvolvido um modelo de esquistossomose em camundongos. Nesse experimento, os pesquisadores separaram os camundongos infestados pelo Schistosoma em quatro grupos. O primeiro recebeu uma injeção na veia de 5 microgramas de moléculas de RNA desenhadas para bloquear a

produção da HGPRTase. Outro grupo tomou uma injeção contendo moléculas de RNA semelhantes à anterior, mas com pequenas modificações. O terceiro foi tratado com RNA incapaz de identificar a receita de qualquer um de seus genes, enquanto o último grupo recebeu uma solução de água com sal. Como já era esperado, apenas o primeiro tratamento surtiu efeito contra o Schistosoma: matou 27% dos vermes adultos. Mas era preciso saber se a morte dos vermes havia de fato sido provocada pelo RNA desenhado pela equipe de Iscia. Ela, então, aplicou as moléculas que havia fabricado sobre parasitas mantidos em placas de vidro e observou uma redução de 60% na fabricação da HGPRTase, segundo artigo publicado este mês na Experimental Parasitology. “Pode parecer pouco, mas não é”, diz a geneticista da Unicamp. “Nesse teste inicial usamos a dosagem mais baixa capaz de produzir algum efeito sobre o parasita.” Segundo Iscia, é possível melhorar esse desempenho com aplicações repetidas ou aumento da dose, que pode ser até dez vezes maior. Embora os resultados sejam promissores, ainda são necessários muitos outros testes – e anos de trabalho – até que se comprove que essa estratégia é viável e segura para tratar a esquistossomose. “Não identificamos efeitos indesejados nos camundongos”, afirma Iscia, “mas ninguém sabe as conseqüências da terapia de RNAi no longo prazo”. Até o momento não se conhecem os resultados de testes clínicos com seres humanos. Diante dessas dúvidas, vale a pena investir nesse caminho? Para Iscia, vale, pois o potencial terapêutico dessa estratégia vai além do tratamento da esquistossomose. Em princípio, pode-se usar o RNAi para combater qualquer doença provocada pelo hiperfuncionamento de um gene ou pela ação de um gene defeituoso. Além disso, é mais fácil e rápido desenhar moléculas de RNA para silenciar um gene e impedir a produção de uma proteína do que buscar na natureza ou desenhar moléculas que bloqueiem a ação dessa proteína depois de pronta. E não pode surgir resistência às terapias com moléculas de RNA? “Pode”, afirma Iscia, “mas em menos de 2 dias conseguimos desenhar e produzir moléculas de RNA que impeçam a produção de outra proteína”. ■

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especial: revolução genômica i

Ciência, embates e debates

52 Apresentação 56 Oliver Smithies A experiência de ser geneticista durante 60 anos 60 Niles Eldredge Biodiversidade e a sexta extinção 63 Miguel Nicolelis Genes, circuitos e comportamentos: navegando na fronteira da neurociência

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66 Mesa-redonda A contribuição da exposição Revolução genômica para a divulgação da ciência

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EDUARDO CESAR

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REINALDO BRITO

EDUARDO CESAR

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Um tempo e um lugar para debates fundamentais

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Pesquisa FAPESP traz nesta edição de abril de 2008 o primeiro de uma série de encartes especiais relativos às palestras, às mesas-redondas e aos debates organizados pela revista como programação cultural paralela à exposição Revolução genômica, cuja realização é de responsabilidade do Instituto Sangari, com apoio de várias empresas e instituições, inclusive a FAPESP. Vale registrar que até 13 de julho essa mostra ficará em cartaz em São Paulo, no Parque do Ibirapuera, dentro de um dos vários prédios ali projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer – o recém-reformado Pavilhão Engenheiro Armando Arruda Pereira –, e em seguida, irá percorrer outras cidades brasileiras. Como relatamos no mês anterior (ver edição 145), a exposição foi montada em 2001 pelo Museu de História Natural de Nova York e chega ao Brasil depois de ter sido vista por 800 mil pessoas nos Estados Unidos, China e Nova Zelândia. Ressalte-se que aqui, com uma co-curadoria local, ela ganhou importantes acréscimos referentes tanto à biodiversidade brasileira quanto às contribuições do país à pesquisa em genômica, incluindo as que se referem à genética dos alimentos. Enquanto segue a mostra que num total de 2 mil metros quadrados encanta os visitantes de todas as idades, em boa parte das manhãs de domingo, tardes de sábado e final da tarde das terçasfeiras, no auditório montado no térreo do Pavilhão Engenheiro Armando Arruda Pereira, personagens fascinantes, como Oliver Smithies, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina do ano passado, relatam o que fizeram para que seus pares tenham considerado sua contribuição tão decisiva para o avanço do conhecimento. Outros contextualizam socialmente, culturalmente, ou põem em perspectiva histórica conquistas de cientistas que entendemos que moldaram ou estão moldando o conhecimento acumulado pela humanidade. Na verdade, as palestras e debates que constituem a programação paralela da Revolução genômica se ordenam por quatro eixos pensados conjuntamente pela equipe da revista, mais o coordenador científico do projeto geral de Pesquisa FAPESP e desse projeto específico ligado à exposição, Luiz Henrique Lopes dos Santos, professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP), e as co-curadoras brasileiras da exposição, a geneticista Eliana Dessen e a jornalista Mônica Teixeira. Esses eixos têm por título: “Genômica: modelando a biologia do século XXI”; “As ciências do século XX e as novas fronteiras do conhecimento no século XXI”; “Os desafios da divulgação de ciência” e “Tecnologias genômicas”. É importante ressaltar que todas as conferências e debates são abertos ao público, portanto com entrada livre e gratuita (vale conferir a programação no site da revista: www.revista pesquisa.fapesp.br). Pois bem, nos encartes especiais que iniciamos agora, o que vamos procurar pôr em cena é a palavra dos respeitados cientistas, dos pesquisadores

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parceria entre a revista Pesquisa FAPESP e a Rede Eldorado, que já entrou no quarto ano de vigência. Para encerrar, gostaria de observar que esse front novo de atuação proposto à revista pelo diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, ou seja, organizar um ciclo extensivo de palestras e debates sobre questões fundamentais relativas ao conhecimento científico e à reflexão a seu respeito, cuidando inclusive da vinda de pesquisadores estrangeiros a São Paulo, tem se mostrado, além de estimulante, uma fonte preciosa de aprendizado sobre as muitas vias possíveis de circulação e difusão social da informação sobre ciência. E é notável, nesse sentido, a disponibilidade dos pesquisadores convidados para o encontro direto com o público, sua visível vontade de cooperar com um projeto de difusão científica, a despeito das agendas apertadas. Como é igualmente notável uma predisposição à colaboração nesse âmbito da difusão, por diferentes atores. Foi assim, por exemplo, que o professor João Bosco Pesquero, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que já estava trazendo Oliver Smithies para um simpósio sobre tecnologias transgênicas em São Paulo, imediatamente se dispôs a falar com ele sobre fazer uma outra conferência no âmbito da programação da Revolução genômica, quando manifestei meu interesse por isso. Assim, se é verdade que a ciência avança não só via pesquisa incansável, mas também por meio do debate sem concessões a seu respeito, como nos repete sempre o professor Brito Cruz, é igualmente verdade que a boa difusão ou divulgação científica às vezes depende de muitos sins, de muita convergência de propósitos. E aqui fica um agradecimento verdadeiro a todos que estão criando a cada semana a programação paralela da exposição Revolução genômica, dos palestrantes à equipe do Instituto Sangari.

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WILSON DIAS/ABR

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MIGUEL BOYAYAN

ligados a múltiplas áreas e dos variados especialistas que estão fazendo essas palestras e debates. Palavra de quem tem algo significativo a dizer quando o que está em questão são as fronteiras do conhecimento e o lugar da ciência e da tecnologia – ou da tecnociência contemporânea, se preferirem – na construção das culturas e das sociedades nas quais já estamos imersos ou que estamos projetando para um lugar chamado futuro. É também a palavra sensível e bem fundamentada de pensadores num tempo em que ante nossos olhos se põem delicadas questões éticas e espinhosas questões filosóficas, abertas, às vezes, por um cientificismo absoluto, por um “biologismo” excessivo ou um tanto reducionista. Dito de outra forma, esses encartes pretendem abrir espaço para a palavra que se refere diretamente aos avanços do conhecimento científico, proferida por seus protagonistas, e para a palavra que põe em debate a natureza, os limites e o caráter relativo desse conhecimento, dita por seus analistas. Insisto tanto em dizer “palavra” porque o desafio aqui é, muito mais do que dar notícia das palestras e dos debates, deixar vazar, num texto que necessariamente será muito cortado em relação à fala original dos conferencistas, o pensamento, as idéias, a reflexão que cada um apresentou. Não é desafio pequeno, dado que ao jornalista que edita o texto cabe aqui uma sombra mais espessa que de hábito para que brilhe o que disse o outro. E ainda bem que os leitores mais sequiosos desse exato espírito das coisas vão poder contar com a íntegra de todas as falas transcritas na versão on-line da revista, assim como vão ter ali mesmo pequenas amostras visuais de como eles falaram, nos vídeos de 2 a 4 minutos que estamos disponibilizando. Vale dizer que as palestras também são objeto da cobertura do programa radiofônico Pesquisa Brasil, resultado de uma

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Exemplares da biodiversidade brasileira – o homem entre eles (dir.) – são atrações à parte na entrada da exposição

Cenas da exposição Espalhada por 2 mil metros quadrados, a grande mostra Revolução genômica encanta um público curioso, interessado em entender um pouco mais o DNA. Os visitantes podem assistir a palestras de cientistas e filmes de ficção científica

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Instrumentos de pesquisa genĂŠtica (esq.), uma dupla hĂŠlice gigante e alimentos usados para explicar conceitos

Monitores ajudam estudantes a extrair DNA de morango

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Oliver Smithies Para biólogo ganhador do Nobel, sucesso na carreira científica exige paixão pelo que se faz, muito trabalho e persistência diante dos maus resultados

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Mariluce Moura

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Oliver Smithies dividiu com Martin Evans e Mario Capecchi o Nobel de Fisiologia e Medicina de 2007 por sua “demonstração de que era possível alterar um gene através da introdução de um DNA exterior”. Sem dúvida dá para dizer isso de forma um pouco mais detalhada, ou seja, que esse cientista de 82 anos, hoje professor de patologia e medicina laboratorial na Escola de Medicina da Universidade da Carolina do Norte, Estados Unidos, conquistou o prêmio junto com os dois colegas por ter desenvolvido um método para introduzir modificações genéticas específicas em camundongos usando células-tronco embrionárias, o que possibilitou a criação de animais geneticamente modificados, que funcionam como modelos experimentais de doenças. A explicação mais simples e sintética, entretanto, foi oferecida pelo próprio Smithies a um público em grande parte leigo, que o ouvia fascinado no final de uma manhã ensolarada no domingo, 12 de março. O local do encontro era o auditório do recém-reformado Pavilhão Armando Arruda Pereira, um dos prédios projetados por Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera em São Paulo. E já se aproximava das 13 horas quando o bem-humorado pesquisador exortou seus mais jovens ouvintes a escolherem uma área da qual gostassem apaixonadamente, a trabalharem muito, inclusive domingos e feriados, e a serem persistentes, se quisessem ter de fato sucesso na carreira científica. Entre a palestra que preparara, “A experiência de ser geneticista durante 60 anos”, e as respostas às perguntas do público, o professor Oliver Smithies falara por quase 2

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horas sobre os momentos mais marcantes de sua trajetória científica, seus métodos de pesquisa, os grandes desafios que enfrentara, os equipamentos que inventou, e ainda fez breves referências a aspectos mais pessoais de sua vida. Era como se virasse páginas de seus cadernos de anotações, comparou, e de fato ele apresentou algumas essenciais, como a que resumia os dados do trabalho que levou até o Nobel. Mostrou no final uma foto sua em frente a um pequeno avião – pilotálos é seu grande hobby – e uma outra de sua mulher, a cientista Nobuyo Maeda, muitos anos mais jovem do que ele, depois de dizer que “um sábado perfeito inclui pilotar o avião, almoçar com a mulher e, à tarde, trabalhar no laboratório”. O ponto de partida da fala de Smithies foram as três diferentes formas pelas quais, em sua visão, ocorrem as descobertas científicas: por acidente, oportunidade ou planejamento. “Às vezes, descobrese algo acidentalmente. Isso ocorre freqüentemente em ciência. Ao se fazer essa descoberta, surge a oportunidade para outras, decorrentes do acidente que propiciou a primeira. Por fim, embora raramente, se consegue fazer algo que foi planejado.” O pesquisador mostrou alguns exemplos dessas situações em seu trabalho, começando por apresentar sua tese de doutorado, publicada em 1952. “Fiquei muito orgulhoso dela. Vejam que minhas experiências são bastante precisas. Mas ninguém jamais utilizou o método que inventei. Eu não o utilizei. Provavelmente, ninguém leu o texto, o que acontece freqüentemente, mas aprendi a fazer boa ciência.”

O pós-doutoramento, “etapa seguinte da vida de um cientista”, Smithies passou em um laboratório na Universidade de Wisconsin, onde ficou por dois anos trabalhando na aplicação de quatro métodos para analisar proteínas. O artigo relativo a essa experiência, ele diz, tampouco foi lido ou utilizado por alguém. Ele não relatava ali nenhuma descoberta, entretanto aprendeu, “assim, a fazer boa ciência”. E alguns fundamentos dos métodos que experimentava serviram, em 1972, quer dizer, quase 20 anos mais tarde, para Warren Gilson inventar uma pipeta de precisão que o tornou milionário. Pouco tempo depois viria uma descoberta acidental em filtração molecular. “Aqui está a primeira página de um de meus cadernos, com anotações a lápis. Vejam a data, era 1º de janeiro. Vocês não podem dormir, devem trabalhar”, insistiu Smithies. Ele estava enfrentando problemas com medições de uma proteína (“vejam como ela se parece com um tapete sendo desenrolado”), e lá para as tantas decidiu se valer de um método que alguns pesquisadores tinham criado com amido em pó, e que permitia à proteína se movimentar pela água em torno dos grãos. “Mas era muito difícil determinar até onde a proteína tinha se deslocado. Havia que fatiar o amido, separá-lo em muitas fatias para medir em cada uma delas a quantidade de proteína”, explicou. As vivências extra-acadêmicas o ajudaram a encontrar um caminho: “Lembro-me de ajudar minha mãe a lavar roupas quando criança. Antes de lavar peças coloridas, ela cozinhava o amido e preparava uma substância que todos vocês devem conhecer: goma. Depois de preparada, essa goma tinha consistência de gel. Pensei que poderia cozinhar o amido para preparar um gel que poderia ser tingido, e assim não teríamos o trabalho de fazer essas 50 fatias”, disse. Foi exatamente essa experiência que Smithies fez, ele contou enquanto exibia imagens da proteína que se movimentava numa finíssima faixa ou banda. Ele fizera um grande avanço, “mas algo inesperado aconteceu”. Ocorre que é necessária uma grande quantidade de amido para transformá-lo em gel e, dessa for-

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Recombinação não-homóloga Um dia – era março de 1954 – , ele abandonou o estudo que vinha conduzindo com aquela proteína e decidiu usar o mesmo procedimento para analisar uma amostra de seu próprio sangue. Conseguiu identificar 11 bandas distintas na amostra de sangue. Os métodos disponíveis até então permitiam identificar só cinco bandas. “Compreendi que meu método era bom. Passei a estudar proteínas sangüíneas, já que eu sabia que havia descoberto algo inédito.” Smithies mostrou à platéia imagens das proteínas sangüíneas de dois amigos – e suas fotos – para que se observasse a similaridade dos padrões obtidos. Amostras de outras pessoas, incluindo uma mulher, foram analisadas e, observando os resultados, ele imaginou que deparara com uma importante diferença entre homens e mulheres. Tanto que durante alguns dias testou diariamente amostras deles e delas. Aparentemente foi um tiro n’água: não havia diferença no sangue de homens e mulheres. No entanto, Smithies chegara no final de 1954 à conclusão de que a diferença estava na genética, “isto é, tratava-se de uma diferença herdada”, um achado científico importante. Continuou nessa linha de trabalho junto com Norma Ford-Walker ao longo de 1955 e concluíram que o padrão mais simples encontrado indicava que havia duas cópias do gene 1, o mais complexo, duas cópias do gene 2, enquanto o padrão misto indicava que havia uma cópia de cada um dos genes. “Entendemos bastantes aspectos dessa diferença”, ele disse. A próxima etapa era descobrir as diferença herdadas em proteínas do plasma – e qualquer bom achado aí estaria no âmbito daquelas

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descobertas que resultam de uma oportunidade. Smithies juntou-se a George Connel e Gordon Dixon em 1961 e primeiro trataram de simplificar o padrão complexo. “Não vou entrar em detalhes porque isso envolve muita química, mas tivemos que usar uma substância com péssimo odor”, ele contou. Era betamercaptoetanol. Espirituoso, o pesquisador lembrou que deixou cair um frasco com a substância sobre seus sapatos – um desastre para quem só tinha dois pares. “Eu os coloquei na janela para que o cheiro saísse e, após uma semana, resolvi calçá-los. Tive que ir à delegacia de polícia para resolver um assunto e lá duas senhoras conversavam. De repente uma delas disse: ‘Você está sentindo esse cheiro?’, e a outra respondeu: ‘Sim, sim! Você acha que é um cadáver?’. Deixei meus sapatos na janela mais um tempo, depois continuei a usá-los.” Foi usando essa substância malcheirosa que os pesquisadores puderam mostrar que a diferença genética que haviam descoberto era mais simples do que parecia. Entretanto, descobriram também que havia três, e não só dois genes implicados na questão que investigavam. “Fizemos achados interessantes, ainda que não pudéssemos compreender nossos resultados”, disse Smithies, deixando claro o quanto é freqüente no processo da pesquisa científica esse não-saber o que se tem em mãos. Entretanto, as coisas avançam também por entre o desconhecimento. “Um dia, repentinamente, descobri o que havia acontecido. Percebi que os dois genes da haptoglobina com que trabalhávamos de algum modo se uniram e formaram um gene mais longo. É o que chamamos de recombinação.” E nesse ponto ele chamou a atenção para algo que teria relação no futuro com o prêmio Nobel que iria conquistar: o que haviam observado era uma recombinação não-homóloga – assim eles a nomearam –, dado que os dois genes haviam se unido por locais diferentes. Àquela altura, bastante satisfeitos com seus resultados, os três decidiram ir ao Segundo Congresso Internacional de Genética Humana, que aconteceria em Roma de 6 a 12 de setembro de 1961,

Smithies com João Bosco Pesquero; no estádio do Morumbi, com a camisa do Corinthians; e durante entrevista

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ma, o produto terminava ficando muito denso. Um dos resultados disso foi que as moléculas pequenas passaram a se mover rapidamente, enquanto as maiores se moviam mais lentamente, e as proteínas que ele estava pesquisando separaramse de acordo com seu tamanho. “Acidentalmente, inventei a peneira molecular por eletroforese”, Smithies resumiu em meio a um largo sorriso.

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e lá apresentar o trabalho “Genetic and chemical aspects of the haptoglobins” e falar de suas hipóteses. Tinham concordado em fazer um teste antes para determinar o tamanho das proteínas, imaginando que seriam menores nos genes menores e maior no G2, que era maior, e não observaram nenhuma diferença. Ainda assim decidiram “fazer algo que os cientistas fazem com certa freqüência”, ou seja, expor os resultados, a hipótese, a idéia de que os dois genes estavam unidos fazendo um gene maior, comentar os resultados dos testes que indicavam que eles não eram diferentes e finalmente dizer que não acreditavam nos resultados. “Acreditávamos que os resultados é que estavam errados, não nós”, Smithies disse com graça, expondo um pouco mais as mal conhecidas entranhas do fazer científico.

Moscas e homologia Eles fizeram exatamente o planejado em Roma e Smithies assegurou que trabalharia em um modo de evidenciar as tais diferenças no tamanho das proteínas. Em 8 de outubro, considerando a hipótese de que num gel mais concentrado as duas moléculas menores iriam aumentar a velocidade e se movimentariam ambas da mesma forma, enquanto a molécula maior se movimentaria de forma diferente, mais lentamente, ele traçou um diagrama do resultado que esperava encontrar. Na manhã seguinte, seu resultado era exatamente o previsto. “Meu novo método mostrou que estávamos corretos e conseqüentemente descobri por que o outro estava errado. Então, entendemos o que estava acontecendo e qual era o processo para não ter as proteínas colando umas nas outras.” Oliver Smithies lembrou a essa altura que fazia parte do departamento de genética da Universidade de Wisconsin. E o chefe do departamento lhe falou sobre um trabalho com moscas-das-frutas. Os pesquisadores que se dedicavam a experiências genéticas com elas trabalhavam há cerca de 20 anos para solucionar o seguinte problema: descobrira-se uma mutação que alterava o formato dos olhos da mosca, do oval para uma forma de

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barras, fenômeno que foi chamado de bar mutation. Mais tarde, outro pesquisador descobriu que algumas das moscas que tinham olhos estranhos eventualmente melhoravam, pois tinham filhotes de olhos normais, e outras pioravam. Isso ocorria repetidamente pelo seguinte: olhando-se para o cromossomo da mosca vê-se em determinado ponto que as normais têm duas bandas, as de olhos estranhos quatro e as que têm os olhos ainda piores têm seis bandas, e pode ocorrer uma variação de duas para até seis bandas e vice-versa, num fenômeno previsível. Mas o fenômeno a que Smithies quer chegar com esse relato é o da recombinação homóloga e ele se vale do movimento de unir as mãos pelas palmas, com diferentes posições dos dedos, para dar uma idéia ao público: “Vejam, ao tentar unir os genes que tenho em minha mão direita com os que tenho em minha mão esquerda, vocês podem observar que de determinada forma eles não combinam, numa segunda forma também não, mas agora combinam. Isso é o que chamamos de homologia. Quando

isso ocorre, tem-se algo previsível”. Os pesquisadores passaram a compreender, ele disse, que havia algo que podiam prever muito bem, ou seja, a ocorrência da recombinação homóloga. “Conseguimos observar nas amostras que alguns indivíduos possuíam a mesma proteína duplicada e entendemos a diferença.” A conclusão mais importante foi a de que se poderia utilizar essa previsibilidade, a recombinação homóloga, para alterar um gene. E daí surgiu a pergunta crucial: qual gene escolher para pesquisar isso? Oliver Smithies se detém em algumas considerações sobre a anemia falciforme, uma condição em que as hemácias apresentam formas diferentes e que ocorre especialmente em afrodescendentes na África, devido a uma mutação no gene que produz a hemoglobina. “É interessante notar que tal mutação serve como uma proteção contra a malária, que causa milhões de mortes todos os anos. Dessa forma, a freqüência de ocorrência do gene da anemia falciforme nessa população aumenta bastante, pois os indivíduos que o têm estão protegidos,

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sobrevivem, enquanto os outros morrem.” Mas há uma penalidade: quando existem duas cópias do gene, há um resultado negativo, que são essas células deformadas, descoberta feita em 1910. Aprendido o isolamento de genes do DNA e o seqüenciamento de genes, os pesquisadores descobriram que a diferença entre a hemoglobina normal e a da anemia falciforme estava na mudança de uma única letra. E a questão que Smithies se propôs foi: “Se a alteração de uma única letra faz a diferença entre um gene normal e um que pode causar problemas, não seria interessante fazer a troca do gene defeituoso por uma cópia correta?”. Foi aí que ele teve a idéia de corrigir o gene por meio do que hoje se chama targeting (direcionamento). “Aqui temos o gene errado, com a letra errada, e aqui temos uma parte do gene correto. Se aproximarmos o gene correto, ele pode identificar o local exato para se unir. É o que chamamos cruzamento de homólogos”, ele ilustra com as mãos, antes de exibir suas anotações da época. Oliver Smithies acreditava que se pudesse provocar o cruzamento homólogo conseguiria de fato corrigir o gene errado. Ele mostra suas anotações numa página de 1982 e em outra de 1985, na verdade as páginas cruciais para a conquista do Nobel. “Aqui havia uma idéia, e eu sabia como testá-la”, ele diz. “Minha idéia era a seguinte: retirar o gene bom de uma célula normal e inseri-lo em uma célula com o gene errado, observando se poderia alterá-lo. Precisaria colocar algo no DNA entrante que não estivesse presente no local de inserção, um fragmento recombinante. Se os dois se juntassem, teríamos a recombinação homóloga. Eu conseguiria fazer o direcionamento dos genes se conseguisse descobrir em que parte da seqüência os dois se combinavam.” Foi exatamente o que ele tentou nos três anos seguintes, ou seja, de 1982 a 1985.

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Persistência e vitória O primeiro experimento não deu certo. Foi num 23 de junho, “dia de meu aniversário”, Smithies comenta. Para continuar o trabalho ele inventou junto com seus colaboradores

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Anotações que levaram ao Nobel

novos equipamentos. Ainda estava procurando o fragmento recombinante. “Havia um gene que nos ajudaria a realizar a experiência. Tínhamos que usar células com o gene betaglobina, e era muito difícil penetrar neles. Para que fosse possível inserir o DNA, era necessário pulsos de alta voltagem. As células eram colocadas em uma pequena câmara onde se fazia a passagem de corrente elétrica para abrir pequenos buracos na superfície da célula, e assim fazer penetrar o DNA.” Se hoje compram-se facilmente os equipamentos para esse gênero de experiência, naquele momento havia que fabricá-lo. Smithies exibe uma foto de seu equipamento, cuja base era uma banheira para bebê, a que se juntam um suporte para pequenos tubos e alguns dispositivos eletrônicos comprados em lojas especializadas. A experiência funcionou. Uma página de caderno atesta o primeiro momento no qual Smithies e sua equipe conseguiram dois resultados positivos. Depois, ao tentar repetir a experiência, ela não deu resultado. Isso aconteceu mais uma vez. “Deveria existir algo diferente nessas duas experiências comparando-as com as que havíamos feito anteriormente e há uma pequena anotação no pé da página indicando isso”, ele diz, e imediatamente recomenda: “Como cientistas, vocês devem fazer boas anotações, pois pode haver um momento em que estejam repetindo uma experiência sem resultados

e então será necessário procurar o que está sendo feito de modo diferente”. Eles continuaram com a experiência e terminaram obtendo o resultado esperado. “Com os resultados corretos, deveríamos encontrar algumas células em que o DNA tivesse um comprimento de 8 mil bases. Com os resultados incorretos, o comprimento seria de 11 mil bases” , Smithies explica e mostra a página de 1985. “Levamos 3 anos entre a primeira página e esta página, que é a que explica por que eu recebi o Prêmio Nobel, pois pude demonstrar que era possível alterar um gene através da introdução de um DNA exterior.” Oliver Smithies fala em seguida sobre a percepção de que a técnica deveria ser utilizada para outros fins que não a terapia genética, porque nesse âmbito era pouco eficiente e muito complicada. É nesse momento que começa a se articular sua pesquisa com os trabalhos das células-tronco embrionárias descobertas por Martin Evans e Matt Kaufman em 1981. “Ele descobriu que ao se fertilizar um óvulo – de rato neste caso, mas isso ocorreria da mesma forma com humanos – e deixá-lo crescer, essa célula primeiramente se divide em duas, depois em oito, 16 e continua a aumentar em número. Então, elas começam a sofrer alterações.” A maior parte das células permanece em uma estrutura que se parece com uma bola de

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tênis oca. Essas células embrionárias, ao serem retiradas do embrião e colocadas em uma placa de cultura com algo que possa nutri-las, formam pequenas colônias. “Essa foi a descoberta de Evans, com seus estudantes e ele demonstrou que, com aquelas células, era possível criar um novo rato.” Smithies explicou que se as células forem retiradas da placa de cultura e, em seguida, implantadas nos blastos de um outro animal e, depois, recolocadas no animal como em uma fertilização in vitro, este animal produzirá filhotes a partir dessas células Tais filhotes serão “misturados”, uma parte dos genes virá daqui e a outra parte virá da célula injetada. “Temos, então, ratos criados a partir dessas células-tronco.” Dessa forma, é possível alterar os genes dessas células e criar ratos geneticamente modificados. Martin, segundo Smithies, levou suas células dentro de um tubo de ensaio no bolso, em novembro de 1985. “Passamos a utilizar essas células para provocar mutações nos ratos. Não entrarei em detalhes, mas gostaria de dizer que, para tanto, tivemos de inventar novos equipamentos, inclusive de PCR (reação em cadeia da polimerase)”, ele relatou. Um dos primeiros modelos que eles criaram foi o da fibrose cística. Depois, ratos com aterosclerose, “que mata cerca de um terço das pessoas nas sociedades modernas”. Smithies continuou seus estudos pesquisando pressão arterial e vieram os modelos hipertensos. Ele chega ao final, conservando a imagem das muitas páginas percorridas. “O que há na próxima página? Eu não sei, e é isso que torna a ciência algo tão excitante.” Encerra lendo uma frase escrita por seu professor Sandy Ogston em um de seus artigos: “Porque a ciência não é somente a procura pela verdade, não é somente um jogo desafiador, ou uma profissão. Ela é uma vida levada por diversas pessoas, coletivamente, como em uma escola onde se aprende a viver em sociedade, da forma mais coletiva possível, onde somos membros uns dos outros”. Acrescenta: “Essa foi sua mensagem para mim como um jovem cientista, e essa é a mensagem que deixo para vocês, como um velho cientista”. ■

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Niles Eldredge Paleontólogo diz que homem é patrocinador e talvez vítima da sexta grande extinção das formas de vida da Terra Marcos Pivetta

Pela primeira vez na história das espécies, o desaparecimento em massa de várias formas de vida na Terra não será resultado de eventos físicos, de perturbações nos ecossistemas derivadas de fenômenos de causa natural. Diferentemente das cinco grandes extinções que ocorreram nos últimos 420 milhões de anos, a sexta será essencialmente creditada na conta de um agente biológico: o homem. “Somos o equivalente atual do meteoro que matou os dinossauros”, comparou o paleontólogo e biólogo evolucionista Niles Eldredge, um dos curadores do Museu de História Natural de Nova York, em palestra realizada no dia 1º de março, dentro do ciclo de eventos culturais organizados por Pesquisa FAPESP para a exposição Revolução genômica. Até agora, as grandes extinções, eventos ainda não totalmente compreendidos, foram debitadas na conta de enormes ocorrências naturais, como o movimento das placas tectônicas, a intensa atividade vulcânica ou a queda de corpos celestes na Terra, que mudaram rápida e drasticamente o clima e as condições de vida no planeta. A mais mortífera, a terceira grande extinção, varreu do globo 54% das famílias de organismos vivos há 245 milhões de anos, mas perde em fama para a mais recente, a que dizimou os dinossauros 65 milhões de anos atrás. Com o falecido paleontólogo e biólogo evolucionista Stephen Jay Gould, Eldredge formulou a teoria do equilíbrio pontuado, segundo a qual a evolução das espécies não se dá de forma constante, mas alternando longos períodos de poucas

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mudanças com rápidos saltos transformativos. Transformações foram, aliás, o tema central de sua palestra. “Quando há mudanças muito repentinas, as espécies desaparecem”, disse o pesquisador, que, no verão de 1963, morou por três meses na praia de Arembepe, a cerca de 60 quilômetros de Salvador, onde estudou a economia da vila local de pescadores. “Gosto de pensar as espécies como participantes do jogo da vida.” Didático, o pesquisador se deu ao trabalho de traduzir para o português alguns termos importantes de sua apresentação e estabeleceu uma ponte entre o tema da palestra e o assunto central da exposição. Explicou uma série de conceitos à platéia. Afirmou que a biodiversidade pode ser entendida como todas as espécies presentes em todos os ecossistemas do mundo. Segundo Eldredge, o conceito de espécie pode ser resumido como um grupo de animais, plantas ou outros seres vivos que partilham um genoma comum. Ecossistemas, nas palavras do paleontólogo, são formados pelos grupos de espécies que moram numa região e trocam matéria e energia. “Todos os ecossistemas do mundo estão também interconectados por fluxos de matéria e energia”, comentou. Para ilustrar esse ponto, Eldredge disse que o funcionamento do canal do Panamá, na América Central, depende da manutenção das florestas tropicais em sua área de captação de águas. A interdependência também vale, claro, para o Brasil, um país enorme com vários biomas também interligados por essa troca de matéria e energia. Lembrou também que, em última instância, todas as espécies do planeta derivam de um longínquo ancestral comum, que viveu há 3,5 bilhões de anos.

se viu e numa rapidez sem precedentes. Passou a explorar em excesso as espécies da natureza, poluir o ambiente, desorganizar os biomas ao introduzir formas de vida de um ecossistema em outro. Desde então, a população humana não parou de crescer, aumentando ainda mais a pressão sobre os recursos globais. “Ninguém quer destruir o planeta, mas estamos destruindo-o rapidamente”, afirmou Eldredge, curador da exposição Darwin, hoje em cartaz no Rio de Janeiro depois de ter sido exibida em São Paulo.

Segundo o pesquisador, a sexta extinção – um tema, sem dúvida, sujeito a controvérsias – entrou em sua segunda fase há 10 mil anos, quando o homem, após ter fincado pé nos principais pontos do globo, inventou a agricultura, tornou-se sedentário e mudou drasticamente sua relação com os biomas. Em vez de ser apenas um caçador-coletor, dependente do que a natureza lhe oferecia, como ainda são hoje os índios ianomâmis na Amazônia, o homem começou a plantar os alimentos de que necessitava. “Saímos dos ecossistemas locais e passamos a não depender deles para comer”, disse Eldredge. “Começamos a produzir nosso alimento. Não comemos mais frutas das árvores.” Um dos principais efeitos do sucesso desse modelo humano de

“Somos o equivalente atual do meteoro que matou os dinossauros. Mas ninguém está desistindo. O primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo”

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MARCIA MINILLO

O avanço sobre a natureza Eldredge estabeleceu um paralelo entre a história evolutiva de nossa espécie e a ameaça que hoje paira sobre boa parte das formas de vida da Terra. Após o surgimento dos primeiros humanos modernos na África há cerca de 100 mil anos, o Homo sapiens começou a se espalhar por todos os continentes e a alterar a paisagem do planeta como nunca

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“O primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo”, salientou. “Ninguém está desistindo e há motivos para esperanças.” Há pelo menos três razões para a humanidade trabalhar pela preservação das espécies, de acordo com Eldredge: os organismos vivos prestram serviços aos ecossistemas; muitas espécies podem ser diretamente utilizadas pelo homem; e, por fim, há os “motivos estéticos”. O pesquisador comentou que, ao ver um animal ou uma planta bonita, “lembramos que também viemos da natureza”. Pode parecer um argumento frágil, mas, sem dúvida, verdadeiro. Afinal, quem nunca se comoveu diante de uma bela paisagem da natureza? Para minorar a ameaça às formas de vida da Terra, o paleontólogo defendeu a adoção urgente de medidas para conservar os biomas e estabilizar a população do planeta. “Precisamos tratar o vizinho como se a nossa vida dependesse dele”, afirmou. No entanto, ele reconheceu que o eventual desaparecimento do Homo sapiens não deverá representar literalmente o fim do mundo. Alguma forma de vida, como sempre, escaparia à hipotética sexta extinção em massa. ■ MARCIA MINILLO

O maior aspecto negativo da supremacia do Homo sapiens como espécie dominante na Terra é a crise atual da biodiversidade, que, de acordo com algumas estimativas, pode estar levando ao desaparecimento de 30 mil espécies por ano – e à sexta grande extinção, da qual nossa espécie talvez não escape, segundo Eldredge. Mas extinções não fazem parte da história evolutiva, pode-se contra-argumentar? É verdade. O sumiço de algumas espécies abre caminho para o surgimento ou a ascensão de outras. Os mamíferos sempre viveram na sombra dos dinossauros – ambos os grupos de animais surgiram mais ou menos ao mesmo tempo – e só passaram a ocupar lugar de destaque no planeta com o desaparecimento dos grandes répteis. Mas também é verdade, como lembrou o paleontólogo, que as extinções em massa somente terminam quando a causa central delas desaparece. No caso da sexta extinção, o fator primordial que a impulsiona seria o próprio homem. Logo... Mas não se deve pensar que tudo está perdido, como fez questão de lembrar o próprio pesquisador.

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ocupação de espaços é o aumento da população do planeta. Hoje há mais de 6 bilhões de pessoas na Terra. Mas quantos indivíduos o planeta pode suportar? “Depende do padrão de vida que escolhermos”, afirmou o paleontólogo. “Se pensarmos num padrão de classe média, mais ou menos confortável, acho que a Terra tem condições de suportar apenas 2 bilhões de pessoas.” Nesse contexto, cidades ganham cada vez mais importância. O homem vive cada vez mais distanciado dos ecossistemas, em cidades que ele construiu. “O Rio de Janeiro é uma beleza de cidade, mas também é um choque entre a natureza e a humanidade. Aliás, como toda cidade”, comentou. Com o passar do tempo, muitos animais passaram a temer a presença destruidora do homem em suas redondezas. Tanto que é comum hoje um elefante, apesar de seu porte avantajado, ter medo de humanos, segundo Eldredge. Em raros lugares do mundo, onde a presença do Homo sapiens ainda não fez história, os bichos não temem quase que instintivamente a incômoda visita de nossa espécie.

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Eldredge: planeta comporta apenas 2 bilhões de pessoas com padrão de vida de classe média

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Miguel Nicolelis Neurocientista desvenda linguagem do cérebro e transcende limitações do corpo Maria Guimarães

Miguel Nicolelis guarda com carinho a memória dos jogos de futebol e brincadeiras no parque paulistano do Ibirapuera quando menino. No dia 11 de março ele voltou ao Ibirapuera, desta vez como neurocientista consagrado, para apresentar a palestra “Genes, circuitos e comportamentos: navegando na fronteira da neurociência”. Ao longo de 1 hora, o professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos, recapitulou as contribuições de sua carreira à neurociência, contou como a genética é uma das ferramentas que o ajudam a entender circuitos neurais e os comportamentos que se baseiam neles e incitou a platéia a imaginar-se em outro planeta sem sair do lugar. A pesquisa desenvolvida por Nicolelis está na linha de frente da neurofisiologia atual. Suas técnicas, que permitem medir a atividade elétrica de centenas de neurônios, vêm mostrando que o cérebro é capaz de uma enorme plasticidade na associação entre visão e movimento – o sistema visomotor. Ele verificou também que o aprendizado é capaz de alterar os circuitos cerebrais associados a esse sistema.

Orquestra A idéia não é nova. Em 1949, o psicólogo canadense Donald Hebb publicou Organização do comportamento, segundo Nicolelis um dos livros mais citados e menos lidos da neurociência – é presença quase obrigatória em listas de referências bibliográficas de trabalhos da área, mas as citações se referem sempre a um mesmo parágrafo sobre a “lei do aprendizado”. Mas a contribuição de Hebb foi imensamente maior. “Ele foi o primeiro a declarar

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que não existe a ditadura do neurônio único”, conta Nicolelis. O que existem são circuitos. Como Hebb não tinha provas experimentais de suas teorias, porém, a publicação não teve impacto imediato. “Ele criou uma nova era sem que ninguém percebesse”, diz o neurocientista brasileiro. Hebb plantou a idéia de que sonhar, lembrar, ouvir, falar, prever o futuro, mexer-se – tudo depende de um conjunto de neurônios que atuam como uma orquestra, não uma coleção difusa de células. “Funciona como uma democracia: todos os neurônios votam mas cada voto vale pouco.” Mesmo assim, entre os anos 1950 e 1970 todos os pesquisadores da área ainda investigavam o funcionamento do cérebro registrando a atividade elétrica das células cerebrais uma a uma. Nicolelis explica as limitações do método: “Era como ir à ópera e só ouvir a voz da Maria Callas, ou tentar entender a Amazônia olhando uma única folha de cada vez”. Hebb argumentava que era preciso ouvir mais vozes e deixou várias perguntas por serem respondidas. Qual é o número mínimo de neurônios necessários para realizar uma ação? São sempre as mesmas células para cada atividade? Quais fatores influenciam a dinâmica desse sistema? Quais são os parâmetros que os regem? Será que uma população de neurônios pode realizar múltiplas tarefas ao mesmo tempo? Há quase 20 anos Nicolelis deu um passo essencial para responder a essas perguntas. Durante um pósdoutorado, que iniciou em 1989 nos Estados Unidos, desenvolveu uma técnica para monitorar popu-

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lações de até 500 neurônios de uma só vez em tempo real. Ele implanta no cérebro de animais centenas de eletrodos que não interferem nas atividades normais e por anos passam a fazer parte do organismo. Enquanto isso pesquisadores registram sua atividade neural. E fez mais. O neurocientista instalado na Duke desde 1994 desvendou a linguagem dos neurônios e conseguiu transformar impulsos elétricos em comandos entendidos por computadores. Essa interface cérebro-máquina, que mostra uma imagem dinâmica de toda a população do circuito neuronal, surgiu como uma maneira de testar hipóteses para chegar às respostas que Hebb procurava. As descobertas deram origem, em 1995, a um artigo na prestigiosa revista Science, no qual Nicolelis analisou populações de neurônios e revelou um funcionamento inverso do que ao olhar um neurônio de cada vez. “Foi um rebuliço”, lembra. Ele também estava criando uma nova era, mas dessa vez a comunidade científica percebeu. A linguagem dos neurônios é mais uma no repertório lingüístico de Nicolelis. Ele lê uma imagem com inúmeros quadrados coloridos que ilustram a atividade de 50 neurônios de um camundongo por 10 segundos. “Aqui ele dormiu, depois entrou em sono profundo... aqui acordou”, aponta. Os eletrodos monitoravam a região do cérebro responsável por completar o ciclo vigília-sono. “Olhando um neurônio de cada vez seria impossível reconstruir essa dinâmica.”

Trabalho de equipe Com essas técnicas, Nicolelis já pode escrever uma continuação para o livro de Hebb, onde descreveria em detalhe a dinâmica dos circuitos neurais e decodificaria a linguagem cerebral que gera comportamentos. A compreensão de como funcionam esses circuitos, que Hebb baseava sobretudo na intuição, já está refinada o suficiente para distinguir como o cérebro lida com situações diferentes. Nicolelis mostra – mais uma vez com os inúmeros quadrados coloridos – a atividade de dezenas de neurônios de camundongos enquanto eles sabem que vão ganhar água açucarada, depois bebem a água e registram a memória da experiência. Em outro momento, os pesquisadores frustraram a expectativa e ofereceram quinino, que tem gosto amargo em vez de adocicado. Depois da experiência os roedores também formaram uma memória, desta vez um alerta: “Não volte a tomar isso”. De maneira geral o padrão de atividade cerebral é semelhante, mas segundo Nicolelis os detalhes são diferentes. Basta aos especialistas analisar a atividade do cérebro dos camundongos para distinguir entre expectativa, aporte sensorial, memória e experiência em si. Para demonstrar a capacidade que o cérebro de camundongos tem de adaptar-se a novas situações, os pesquisadores desenvolveram uma roda que gira a uma aceleração cada vez maior, batizada de Rotarod. Para não perder o equilíbrio, o roedor precisa constantemente alterar o próprio ritmo de corrida. “O ca-

mundongo, que não é corintiano nem nada, ao longo de 1 dia aprende a calcular as mudanças em aceleração”, conta o pesquisador palmeirense. Durante todo o tempo, eletrodos acompanham a ação do cérebro: alguns neurônios não tomam parte no desafio, outros começam a disparar mais e mais impulsos elétricos até acertar o ritmo e outros exageram nas descargas elétricas, mas depois reduzem. Mais do que demonstrar a plasticidade, o experimento detalha como o cérebro vence os desafios. “O que não se sabia”, conta Nicolelis, “porque ninguém até então tinha registrado tantas células ao mesmo tempo, é até que ponto o cérebro do animal pode aprender a calcular a fração de aceleração”.

Curto-circuito Com essa abordagem, o neurocientista da Duke pretende ajudar a aliviar sintomas neurológicos de doenças como o mal de Parkinson. Ele já conseguiu testar a capacidade de prever os efeitos da atividade neuronal durante cirurgias em pacientes. Anestesiada, mas consciente, a pessoa fala com a equipe médica ao mesmo tempo que eletrodos medem a atividade elétrica em regiões específicas do cérebro. A equipe de Nicolelis verificou que consegue prever com grande confiança as conseqüências da ativação de cada neurônio. “É como ouvir a mesma coisa em duas línguas: a voz do paciente e o cérebro que criou a voz.” Mas para descobrir os fundamentos da doença é preciso mais. Aí entram os genes do título da pa-

Nicolelis: DNA é instrumento para estudar o cérebro e ampliar seu alcance

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ta estimular um nervo periférico, no pescoço, e o camundongo começa imediatamente a caminhar em busca de algum objetivo – no vídeo demonstrado pelo neurocientista, direto para uma garrafa com água doce. Os resultados mostram que a genética somada à análise de circuitos pode levar a um tratamento inesperado, sem medicamentos, para o mal de Parkinson. Além disso, não tem efeitos colaterais e por isso pode ser usado desde o início da doença. Não se trata de cura, entretanto.

Sem fronteiras Outro grupo que deve se beneficiar com o trabalho de Nicolelis são pessoas que perderam o movimento por acidente. “Num futuro muito próximo”, prevê, “poderemos fazer vestes robóticas para devolver o movimento”. Para desenvolver a comunicação entre o cérebro e a prótese, Nicolelis conta com a assistência de macacos como Aurora, que se especializou num jogo de computador em que usava um joystick para movimentar um ponto que ao atravessar discos que apareciam no monitor os fazia desaparecer. A destreza era bem paga: suco de laranja brasileiro, guloseima altamente apreciada por primatas residentes nos Estados Unidos. Numa madrugada em 2003, um espanhol, um russo e um brasileiro observavam a reação de Aurora quando foi posta diante do jogo sem o joystick. A equipe internacional se surpreendeu com a rapidez da adaptação: a macaca manteve a des-

treza no jogo mesmo sem usar as mãos. Ela pensava os movimentos e um braço robótico comandado por seu cérebro executava a ação. Enquanto jogava, Aurora usava seus braços biológicos para se coçar ou agarrar o pesquisador incauto que passasse por perto. “Em breve a interface com máquinas permitirá ao cérebro libertar-se dos limites do corpo”, resume Nicolelis, que compara a situação à de um tenista que, depois de treinado, passa a considerar a raquete uma extensão da representação do próprio corpo. O neurocientista parece decidido a estender cada vez mais as fronteiras do corpo. No final de 2007, a macaca Idoya aprendeu a caminhar numa esteira rolante instalada no laboratório de Nicolelis em Duke (veja Pesquisa FAPESP, nº 142). Não era uma academia símia qualquer. Do outro lado do mundo, no laboratório de robótica ATR em Kyoto, no Japão, o robô CBI reproduzia os passos de Idoya, cuja atividade cerebral era transmitida por uma conexão ultra-rápida – mais rápida do que demoraria para que as instruções chegassem do cérebro às próprias pernas de Idoya. Sensores nas pernas de CBI, que segundo Nicolelis será em breve mais famoso na história da robótica do que robôs de filmes de Steven Spielberg, remetiam as sensações da caminhada de volta para Idoya, que sentia como é andar num laboratório japonês. “CBI podia estar em Vênus ou Marte”, imagina o pesquisador. “E Idoya podia estar sentada na praia de Ponta Negra em Natal, no Rio Grande do Norte, olhando o

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lestra. A relação de Nicolelis com a genética é de cliente: ele compra camundongos sem o gene responsável por produzir uma proteína transportadora de dopamina, substância cuja escassez é característica do mal de Parkinson. A dopamina é essencial na transmissão de informação entre neurônios, mas sem as proteínas transportadoras ela não é reabsorvida depois de lançada para fora do neurônio e se perde. Esses camundongos são, para o palestrante do Ibirapuera, “um modelo maravilhoso para estudar Parkinson”. Ele mostra um vídeo em que o camundongo geneticamente modificado está completamente imóvel, um sintoma de Parkinson em estágio avançado. Os animais se recuperam lentamente se tratados com L-Dopa, o tratamento comum em pacientes humanos. Mas o efeito do remédio tem duração limitada e não satisfaz o pesquisador. Depois de 2 anos imerso no problema, o grupo de Nicolelis entendeu por que Parkinson causa paralisia. Segundo ele, o importante não é quantos disparos elétricos acontecem, mas quando. “O camundongo parkinsoniano na verdade sofre uma crise epiléptica de baixa intensidade” – os movimentos são bloqueados porque neurônios disparam ao mesmo tempo. É como se tanto os músculos que levantam o braço quanto os que o abaixam se contraíssem ao mesmo tempo. O braço ficaria parado, sem conseguir subir nem descer. Nicolelis descobriu que é possível dessincronizar a atividade neural. Bas-

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mar e ao mesmo tempo sentindo como é caminhar em Vênus.” As aspirações científicas do brasileiro vão além deste planeta, mas ao imaginar a sensação de ter um cérebro que se libertou do corpo ele também sonha com aplicações mais cotidianas. “Seria fantástico poder chamar meu filho do outro lado da casa e ele chegar empurrado por um braço mecânico!” Mais do que um avanço científico, ele vê a possibilidade de próteses cerebrais como uma evolução da espécie humana. Nossos ancestrais inventaram ferramentas, começando pela pedra lascada. A tecnologia aos poucos se sofisticou a ponto de agora ser possível incorporar a tecnologia – próteses robóticas, por exemplo – ao corpo. Pode parecer divagação evolucionista, mas as aplicações clínicas são reais e estão quase ao alcance das mãos. Nos experimentos durante cirurgias para o mal de Parkinson, a equipe de Nicolelis conseguiu reproduzir com um braço robótico os movimentos das mãos dos pacientes.

O IINN-ELS é também um dos maiores esforços privados de educação extracurricular no Brasil. São mil crianças que, depois das aulas na escola pública, à tarde aprendem como a ciência funciona na prática. Pelo microscópio ou pelo telescópio, elas descobrem mundos novos e compreendem os fundamentos das ciências. “Não queremos necessariamente formar cientistas, mas pessoas mais preparadas de maneira geral”, explica o idealizador.

Olhos no futuro

O conjunto de técnicas que permitiram seqüenciar o DNA teve grande importância para a biologia, abriu um vasto campo de pesquisa, mas seu impacto se deu com maior intensidade na vida cultural. “A mídia apresentou uma versão dos fatos que encantou as pessoas, embora em uma versão muito simplificada e muito simplificadora”, afirmou a co-curadora da exposição Revolução genômica, a jornalista Mônica Teixeira. Ela participou do debate com a outra co-curadora, Eliana Dessen, geneticista do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo, e com Juliana Estefano, gerente de Relacionamento do Instituto Sangari, no sábado (8 de março), cujo tema era “A contribuição da exposição Revolução genômica para a divulgação da ciência”. Mônica lembrou que a mídia abraçou o assunto com entusiasmo e transformou o DNA em uma imagem comum. “Isso acabou por se tornar algo que suporta uma fantasia, um grande sonho contemporâneo”, disse. Mas, ao mesmo tempo, nos desobriga de muita coisa. “Dizemos ‘tal característica está

Essa tecnologia deverá em breve tomar forma no Instituto Internacional de Neurociências de Natal – Edmond e Lily Safra (IINN-ELS), o centro de pesquisa, educação e saúde que Nicolelis fundou e preside (veja Pesquisa FAPESP, nº 132). E do qual tem motivos para se orgulhar. As instalações de pesquisa que ele criou, com 70% do orçamento proveniente de fundos privados, não devem nada ao laboratório da Duke. A força de trabalho vem de pesquisadores brasileiros, alguns dos quais esperavam no exterior uma chance de retornar, e estrangeiros que buscam aqui novas oportunidades. “É preciso ir ao exterior para ouvir que o momento é do Brasil, tanto econômica como cientificamente”, conta. Essa percepção fica clara no concurso aberto recentemente para preencher vagas de pesquisadores no IINNELS, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Candidatos do mundo todo se inscreveram para concorrer às 11 vagas de docentes que fundarão o Departamento de Neurociência da universidade potiguar.

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Crianças curiosas e capazes de entender o Universo, deficientes físicos caminhando com próteses robóticas, a paralisia causada pelo mal de Parkinson como um pesadelo do passado, o corpo liberto de seus limites. Nicolelis não tem medo de transcender barreiras: “Sonhos assim hoje soam como delírios, alucinações científicas. Quero fazer com que novos sonhadores nasçam em áreas onde não havia tradição científica”. ■

Os desafios da popularização Co-curadoras da exposição debatem melhor forma de divulgar a ciência Neldson Marcolin

no DNA’. E, se alguma coisa está no DNA, há uma impossibilidade de ser modificado.” A idéia equivocada de que a vida parece predeterminada a ocorrer de uma única maneira acabou se tornando corriqueira. Para ela, esse é um aspecto complexo que deveria ter sido contemplado na exposição. A Revolução genômica foi montada originalmente em 2001, quando tudo relacionado à genética tinha uma dimensão maior do que hoje. “A exposição tem um teor elogioso”, diz Mônica. “Nada contra, mas ela poderia instilar algumas dúvidas nas pessoas.” Não se trata de afirmar que a exposição não faz pensar. “Ela provoca algumas reflexões, especialmente no campo do Centro de Estudos do Genoma Humano, nessa área em que as pessoas fazem testes para saber se desenvolverão alguma doença específica ou se o feto carrega também algum problema que os pais têm”, diz Mônica. “Mas acho que esse é um passo que é mais do indivíduo e menos do conjunto da sociedade.” Eliana Dessen falou da dificuldade de transpor o saber do cientista para a divulgação científica, uma missão freqüentemente associada

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aos museus de ciência. No Brasil, talvez essa dificuldade seja um pouco maior. “Grande parte dos museus de ciência foi instalada no Brasil na década de 1990 e hoje o papel desses centros de ensino e divulgação científica ainda é razoavelmente incipiente”, disse. A exposição atual veio do Museu de História Natural de Nova York e tem uma pedagogia tradicional, embora não dispense a pedagogia construtivista e moderna nas partes interativas, de acordo com Eliana. Durante o debate com o público que assistiu à mesa-redonda surgiu a questão sobre como se dão as experiências de divulgação científica em museus. Eliana lembrou que os museus tradicionais, como o de Nova York, têm a pesquisa atrelada a eles, além do empenho na popularização da ciência. “O cientista não é um especialista em divulgação”, ressalvou Eliana. “Ele tenta, embora isso funcione mesmo quando entra em contato com profissionais da área e com outros pesquisadores.” No Brasil, ela citou o Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio de Janeiro, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, como um bom exemplo brasileiro de instituição que tem pesquisa e cuidado com a educação do público. Da platéia, o professor da Unesp de Araçatuba Roelf Rizzolo lembrou que o Museu da Vida, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), também no Rio, é uma boa referência. E Mônica falou do museu da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como sede de boas experiências na área. “Não va-

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Juliana (esq.), Mônica e Eliana: museus do exterior são atrelados

mos esquecer que os grandes museus do exterior investem em exposições também para captar dinheiro e reinvestir o lucro em pesquisa e na criação de mais e mais exposições”, afirmou Rizzolo. “Acredito ser possível fazer pequenas exposições sobre temas específicos, com pouco dinheiro, mas inteligentes”, propôs Mônica. “Não é preciso ser uma megaexposição para ser boa.”

O DNA na mídia Juliana disse que as exposições científicas atraem bom público – a sobre Darwin, no ano passado, levou em 10 semanas 175 mil pessoas ao Museu de Arte de São Paulo. “Por mais que a Revolução genômica pareça complexa, na verdade é um tema simples de entender”, falou Juliana. As co-curadoras discordaram. “Não basta ler uma das informações presentes na exposição, como, por exemplo, ‘todo ser vivo tem DNA’”, disse Eliana. Isso todos sabem, leram e ouviram em alguma época. Mas será que foi incorporado na rede cognitiva do indivíduo? “Podemos fazer como teste uma pergunta manjada, ‘Você come DNA?’”. A maioria dos alunos de biologia dizem “não”, embora saibam que o ser vivo tem DNA. Isso ocorre porque aquilo não está incorporado como um significado, embora ele coma alface, tomate, carne. É importante o indivíduo

entender esse significado – é só a partir dele que se pode dizer que a informação foi compreendida. Equívocos como esse exemplo dado por Eliana ocorrem com a biologia – e com a genética em particular – em razão de essa ser uma área que trata de coisas abstratas, que estão na escala do nãovisível. Há pesquisas indicando que dentro da biologia a área da genética é a mais difícil para o professor ensinar e a mais complicada de o aluno entender. Para Mônica, a exposição combina informações básicas de genética, exemplos e explicações sobre genômica com a vida contemporânea. “Mas não há uma tentativa de tornar essas questões simples. Isso ocorre, basicamente, porque elas não são simples”, afirmou. Da platéia surgiu a pergunta de como se ter na exposição um quadro cultural sobre a noção de DNA. Para Mônica, um modo de se fazer isso seria criar uma seção que mostrasse a trajetória do DNA na mídia. “A simples abordagem desse assunto já indicaria uma diferença entre o que é o DNA de fato e o DNA que aparece nos jornais, revistas e TVs”, afirmou. Ao explicitar isso, seria criado um distanciamento crítico. “Uma exposição é algo motivador, que lança uma isca para fazer o visitante pensar”, explicou. “É genial quando alguém morde essa isca.” ■

à pesquisa

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R EVO LUÇÃO GENÔMICA programação cultural | organização PESQUISA FAPESP Genômica: modelando a biologia do século XXI

DEBATE

CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ ROBERTO FREIRE

ALAN TEMPLETON

08/04, terça-feira, às 17:00

29/03, sábado, às 15:00, e 30/03, domingo, às 11:00

(Brito Cruz é físico, diretor científico da FAPESP. Freire foi senador da República e é presidente do PPS)

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(Pesquisador da Universidade de Washington, Estados Unidos. Usa conceitos evolutivos para estudar desde biologia básica até usos aplicados como genética clínica)

> A evolução humana nos últimos 2 milhões de anos: genes (sábado) > Usando a biologia evolutiva para estudar doenças arteriais coronarianas (domingo) FERNANDO REINACH

13/04, domingo, às 11:00 (Pesquisador em bioquímica e biologia molecular da USP e diretor executivo da Votorantim Novos Negócios. Foi um dos coordenadores do Projeto Genoma da Xylella fastidiosa)

> Impactos da genômica na agricultura brasileira JAN HOEIJMAKERS

JOSÉ FERNANDO PEREZ

15/04, terça-feira, às 17:00 (Presidente da Recepta Biopharma, ex-diretor científico da FAPESP e articulador de projetos em genômica no Brasil)

> Samba, futebol e genômica – a saga do Projeto Genoma brasileiro LUIZ HILDEBRANDO PEREIRA

22/04, terça-feira, às 17:00 (Parasitologista, criou e dirige o Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais em Rondônia)

> Revolução genômica e saúde pública CARLOS JOLY

(Pesquisador de genética molecular, professor da Universidade Erasmus, em Roterdã, Holanda. Fez estudos importantes sobre os princípios básicos de organização e processos de reparo de DNA em células vivas)

29/04, terça-feira, às 17:00

nonnonononoo de 2008

18/05, domingo, às 11:00

> O avanço da ciência faz a humanidade melhor? Por quê?

> O Programa Biota-FAPESP: uma referência para estudos de biodiversidade

(Biólogo, pesquisador da Unicamp. Foi o idealizador e primeiro coordenador do Programa Biota-FAPESP)

> Envelhecimento e longevidade: quanto duram seus genes?

NIÉDE GUIDON

As ciências do século XX e as novas fronteiras do conhecimento no século XXI

ESPER ABRÃO CAVALHEIRO

01/04, terça-feira, às 17:00 (Neurocientista, é assessor do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, CGEE)

> Tecnologias convergentes e a construção do novo homem

As vagas para assistir às apresentações são limitadas e as inscrições devem ser feitas pelo telefone (11) 3468 7400.

06/05, terça-feira, às 17:00 (Arqueóloga e diretora-presidente da Fundação Museu do Homem Americano, no Piauí)

> Primeiros habitantes do Brasil: as descobertas de São Raimundo Nonato DEBATE

MARIO EDUARDO COSTA PEREIRA SIDARTA RIBEIRO

13/05, terça-feira, às 17:00 (Costa Pereira é psiquiatra, professor do departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Unicamp. Ribeiro é neurocientista e diretor científico do Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra)

> Novos fundamentos neurológicos para a teoria freudiana

Outras apresentações e debates que vão ocorrer de março a julho serão divulgados no site de Pesquisa FAPESP: www.revistapesquisa.fapesp.br A íntegra das palestras também estará disponível no site.

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ZOOLOGIA

Naus inesperadas Mistérios das caravelas-do-mar desafiam médicos e biólogos Mar ia Guimarães | fotos Alvaro E. Migot to

Tentáculo principal debruado de baterias de nematocistos PESQUISA FAPESP 146

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Arsenais em fios e bocas amarelas: predadores em forma de jóias

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Muita gente que foi comemorar a entrada de 2008 no litoral paulista teve de trocar a praia pelo pronto-socorro para tratar os vergões causados por bolhas flutuantes repletas de tentáculos. Jornais logo noticiaram uma invasão de águas-vivas, dando início ao alarmismo que se espalhou pelo país. Não houve invasão nem eram águas-vivas, especialistas contestam. Eram caravelas-do-mar, colônias que também incluem águas-vivas. A parte inflada, o flutuador, é a base da colônia. Desse indivíduo brotam todos os outros, os zoóides, com formas tão belas e diversas que o conjunto lembra um carro alegórico de Carnaval. O zoóide parecido com um saca-rolhas é o tentáculo principal, que esticado pode alcançar presas – ou banhistas – a 20 metros de distância. Visto de perto, inúmeras contas ovaladas bordejam uma membrana quase transparente pregueada a ponto de lembrar os babados que adornavam nobres da Corte francesa no século XVI. Cada uma dessas contas abriga de centenas a milhares de minúsculas cápsulas de veneno, os nematocistos. Mais numerosos, tentáculos delicados parecidos com fios de pérolas formam uma cortina de nematocistos que imobilizam e matam peixes que passem por perto, consumidos em seguida pelos gastrozoóides, fios cacheados com uma boca amarela na ponta. No meio dessa multidão se escondem os reprodutores da colônia, num aglomerado que lembra uma couve-flor. Essas alegorias viajam mar afora carregadas por ventos e correntes marítimas, e por uma conjunção de acasos às vezes formam esquadras e aportam em praias cheias de gente. O médico Vidal Haddad Júnior é enfático: não houve invasão. Professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu e responsável do Instituto Butantan pelo atendimento a vítimas de acidentes com animais aquáticos, ele explica que a densidade de caravelas aumentou apenas em algumas praias paulistas, como as de Praia Grande e Mongaguá, e é um acontecimento periódico normal. Para Haddad, o problema foi humano, não zoológico. Trazidas por uma corrente oceânica, as flotilhas de caravelas chegaram a praias apinhadas, onde encontros eram inevitáveis. Mesmo assim os acidentes foram poucos ante o número de pessoas que lotavam a região. O médico fincou base em Praia Grande, onde em meio a 1 milhão de banhistas registrou cerca de 300 acidentes. “Agora sabemos que 99% deles não foram graves, pois não causaram mais do que uma irritação superficial da pele”, diz Haddad. Apenas em raros casos o efeito tóxico do veneno dos nematocistos provoca conseqüências graves, como arritmia cardíaca e parada respiratória. O alarmismo não era justificado, mas rendeu frutos. “Recolhemos todas as fichas de atendimento clínico de Praia Grande. Foi a primeira vez que PESQUISA FAPESP 146

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uma série de acidentes foi acompanhada e documentada em detalhes”, conta Haddad, que está analisando os dados para publicá-los em breve. Ele espera padronizar o atendimento e beneficiar também áreas onde reclamações são menos freqüentes, como o Nordeste brasileiro. Quem freqüenta praias nordestinas não se espanta com as flotilhas de caravelas trazidas do sudeste Atlântico pelos ventos alísios. Mesmo assim, acidentes lá são menos comuns do que no Sudeste, onde as alegorias flutuantes são aparições esporádicas. Para entender por quê, os zoólogos Juliana Bardi e Antonio Carlos Marques, da Universidade de São Paulo, examinaram exemplares coletados ao longo de mais de 3 mil quilômetros da costa – do Ceará até São Paulo. Não encontraram diferenças. O comprimento e a quantidade dos tentáculos das caravelas, além da densidade e distribuição dos nematocistos, são semelhantes em qualquer praia brasileira. A disparidade de acidentes continua sem explicação. O mistério não acaba aí. Até recentemente ninguém tinha investigado qual das duas espécie conhecidas de caravelas, Physalia physalis e P. utriculus, freqüenta nossas praias. Elas são reconhecidas pelos tentáculos principais, aqueles em forma de saca-rolhas: utriculus só tem um, enquanto physalis traz sempre mais. Marques e Juliana identificaram os espécimes brasileiros como P. physalis. As conclusões, assim como a descrição detalhada da espécie, foram publicadas em dezembro na revista gaúcha Iheringia, especializada em zoologia. Além de identificar a espécie brasileira, Marques põe em dúvida a classificação tradicional. “Quando jovem, physalis também pode ter só um tentáculo”, explica. Ao longo de seu desenvolvimento, a colônia vai aumentando e mais tentáculos surgem. Em sua opinião, o que é tradicionalmente reconhecido como duas espécies distintas não passa na verdade de fases de vida de uma mesma espécie.

Não toque em caravelas-do-mar, elas têm veneno até no flutuador. Em raríssimos casos essas toxinas podem causar arritmia cardíaca e insuficiência respiratória. Em acidentes normais basta aplicar água do mar ou gelo e vinagre.

> O PROJETO Biodiversidade, evolução, endemismo e conservação dos medusozoa do Atlântico sul-oriental modalidade Projeto Temático coordenador ANTONIO CARLOS MARQUES – USP investimento R$ 570.194,96

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Caravelas (ao lado) capturam peixes na rede de tentáculos venenosos (acima)

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias Atualmente, o Sistema SciELO de Publicação é utilizado por 27 periódicos da Coleção SciELO Brasil. Desde o início de 2008, nove cursos de capacitação foram realizados. Dez periódicos adotaram o sistema de forma oficial e divulgam os links para submissões de artigos no site de suas sociedades e institutos. O sistema foi aplicado de forma piloto para a BVS Psicologia a partir de janeiro de 2008. Já para os países participantes da Rede SciELO, SciELO Cuba está em fase de implantação e SciELO Chile, SciELO Venezuela e SciELO Colômbia estudam a viabilidade de adoção.

História da ciência

Mulheres na agronomia Em quatro escolas superiores de agricultura estudadas o porcentual de mulheres no corpo discente ou no corpo docente é estatisticamente desprezível nas décadas de 1930 e 1940. Apesar disso, do ponto de vista dos estudos de gênero e da história das ciências, é importante compreender essa presença para entender e reconhecer o papel das mulheres na sociedade e em particular no meio científico. O propósito do artigo “Ceres, as mulheres e o sertão: representações sobre o feminino e a agricultura brasileira na primeira metade do século XX”, de Graciela de Souza Oliver e Silvia F. de M. Figueirôa, da Universidade Estadual de Campinas, não foi o de realizar um balanço aprofundado sobre a carreira seguida pelas engenheiras agrônomas. Mas reunir o que falavam sobre elas as poesias, os ofícios, algumas fotos e figuras, relacionando essas representações ao processo de institucionalização das ciências agrícolas no Brasil no período. Cadernos Pagu – nº 29 – Campinas – jul./ dez. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/historia.htm

Agricultura

Raios X na semente Entre os problemas envolvidos na produção de sementes de soja destacam-se os danos por umidade, que resultam em perdas de germinação e de vigor. A técnica de análise de imagens, por meio do teste de raios X, é um método de precisão que possibilita examinar, com detalhes, a região danificada ou alterada, sua localização e extensão. Por ser um método não destrutivo, as sementes em análise podem ser submetidas a testes fisiológicos e, dessa forma, é possível estabelecer as relações de causa e efeito. O trabalho “Avaliação de danos por umidade, em sementes de soja, utilizando a técnica da análise

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de imagens”, de Taís Leite Ferreira Pinto, Sílvio Moure Cícero e Victor Augusto Forti, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP), teve como objetivo avaliar a eficiência da técnica de análise de imagens, por meio do teste de raios X, na identificação dos danos por umidade em sementes de soja, comparativamente ao teste de tetrazólio. Sementes de diferentes lotes de um mesmo cultivar (BRS 184) foram submetidas ao teste de raios X e, posteriormente, destinadas ao teste de primeira contagem de germinação, de forma a relacionar os danos com os possíveis prejuízos proporcionados às sementes. Paralelamente, foi realizado o teste de tetrazólio visando a comparação com o teste de raios X. Para a análise interpretativa do teste de raios X foram consideradas a severidade e a localização dos danos, juntamente com as fotografias digitais das plântulas ou sementes mortas resultantes do teste de primeira contagem de germinação. Com os resultados obtidos, pode-se afirmar que a análise de imagens mostrou-se eficiente na detecção dos danos por umidade em sementes de soja. Revista Brasileira de Sementes – v. 29 – nº 3 – Pelotas – 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/agricultura.htm

Ensino de medicina

Transtornos em estudantes Transtornos mentais comuns (TMC) possuem alto impacto nos relacionamentos interpessoais e na qualidade de vida, sendo potenciais substratos para o desenvolvimento de transtornos mais graves. Estudantes de medici-

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na vêm sendo apresentados como população de risco para o desenvolvimento de TMC. O objetivo do estudo “Transtornos mentais comuns entre estudantes de medicina”, de Alessandro de Moura Almeida, Tiana Mascarenhas Godinho, Almir Galvão Vieira Bitencourt, Marcelo Santos Teles, André Sampaio Silva, Dayanne Costa Fonseca, Daniel Batista Valente Barbosa, Patrícia Santos Oliveira, Eduardo Costa-Matos, Cíntia Rocha e Rocha, Alan Miranda Soares, Bárbara Abade e Irismar Reis de Oliveira, é estimar a freqüência de TMC em acadêmicos de medicina da Universidade Federal da Bahia e identificar fatores relacionados. Realizou-se estudo transversal entre uma amostra de estudantes de medicina – 223 alunos no total. A prevalência dos transtornos foi de 29,6%, sendo independentemente associada a alterações do padrão do sono, não possuir transporte próprio, não trabalhar e não realizar exercício físico. Estes dados demonstram uma elevada prevalência de TMC na amostra pesquisada e são importantes para subsidiar ações de prevenção de transtornos mentais entre futuros médicos e reflexões sobre o modelo curricular vigente nas escolas médicas. Jornal Brasileiro de Psiquiatria – v. 56 – nº 4 – Rio de Janeiro – 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/medicina.htm

Cardiologia

Corações partidos

Administração pública

Empreendimentos sociais O artigo “Mudança social: uma arte? Empreendimentos sociais que utilizam a arte como forma de mudança”, de Marcelo Tyszler, da Fundação Getúlio Vargas, se propõe a conhecer, analisar e sistematizar, crítica e estrategicamente, o que diferencia os empreendimentos sociais que atuam por meio da arte para obter mudança social, a partir de um estudo qualitativo. A parte inicial aborda a fundamentação teórica, enfocando prioritariamente o conceito de empreendedorismo social. Em seguida, o artigo apresenta o segmento a ser estudado, trazendo as principais sistematizações e constatações feitas a partir do estudo do material inicialmente apresentado, em conjunto com uma série de entrevistas realizadas com gestores desses empreendimentos e agentes de instituições de apoio. As principais características desses empreendimentos são: apelo diferenciado, audiência ampliada, concretização, crença e formação dos gestores, preservação/identidade cultural. Por outro lado, os principais desafios são: consolidação da arte como forma de mudança social, mensuração de resultados e atuação em rede. Revista de Administração Pública – v. 41 – nº 6 – Rio de Janeiro – nov./dez. 2007

FOTOS EDUARDO CESAR

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/administracao.htm

A cardiopatia induzida por estresse (precipitada por estresse emocional), também chamada de balonamento apical transitório do ventrículo esquerdo, síndrome do coração partido e, no Japão, síndrome de takotsubo, é caracterizada pela presença de movimento discinético transitório da parede anterior do ventrículo esquerdo, com acentuação da cinética da base ventricular. O curso clínico da cardiomiopatia de takotsubo pode se assemelhar ao do infarto agudo do miocárdio, com dor torácica típica e alterações eletrocardiográficas, sendo a cineangiocoronariografia realizada para distinguir as duas condições na fase aguda. O estudo de caso “Síndrome do coração partido”, de Alessandra Edna Teófilo Lemos, Antonio Luiz Junior Araújo, Michely Teófilo Lemos, Lucia de Souza Belém, Francisco Juarez C. Vasconcelos Filho e Raimundo Barbosa Barros, do Hospital de Messejana, de Fortaleza, tratou de uma paciente do sexo feminino, com 62 anos, admitida com dor precordial típica iniciada após forte estresse – presenciou o homicídio do marido –, dispnéia grave e sinais de baixo débito (palidez e hipotensão). A despeito da gravidade da doença aguda, a síndrome é transitória e o tratamento é essencialmente baseado em medidas de suporte hemodinâmico.

Psicologia social

Pesquisador e informantes A construção do campo de estudo em pesquisas que envolvem relações humanas exige mais que técnicas de pesquisa. As relações entre pesquisador e seus informantes precisam ser construídas no desenvolvimento do estudo, exigindo sensibilidade e flexibilidade para possibilitar o diálogo entre as partes e o sucesso da pesquisa de campo. O texto “Construindo o campo da pesquisa: reflexões sobre a sociabilidade estabelecida entre pesquisador e seus informantes”, de Silvana Nair Leite e Maria da Penha Costa Vasconcellos, da Universidade de São Paulo, propõe discutir a experiência desenvolvida no campo de estudo de itinerário terapêutico no âmbito familiar em Itajaí-SC, abordando a construção na perspectiva antropológica, bem como a inserção no universo familiar e a relação com os informantes. Para apreender a complexidade das significações e das ações construídas no cotidiano, conclui-se ser fundamental a disposição do pesquisador em estar aberto para apreender “de dentro” as categorias culturais manifestadas pelos sujeitos no campo.

Arquivo Brasileiro de Cardiologia – v. 90 – nº 1 – São Paulo – jan. 2008

Saúde e Sociedade – v. 16 – nº 3 – São Paulo – set./dez. 2007

www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo146/cardiologia.htm

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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO

Um belo carro esportivo movido a hidrogênio, que possui autonomia para 400 quilômetros, foi apresentado em Genebra, em março, durante o salão do automóvel daquela cidade suíça. O Lifecar é um veículo conceito desenvolvido pela empresa Morgan Motor Company, tradicional montadora britânica de carros, em conjunto com as universidades Oxford e Cranfield, além de outras empresas inglesas, como a RiverSimple e QinetiQ, e a alemã Linde. No lugar do motor convencional existe uma célula a comLifecar: parceria para emitir zero de poluição bustível, equipamento que converte o hidrogênio em eletricidade e faz o veículo se locomover com emissão zero de poluentes, expelindo apenas vapor-d’água pelo escapamento. Mais eletricidade é produzida sempre que o sistema de frenagem é acionado, ao transformar a energia cinética em elétrica e recarregar as baterias. O projeto, segundo a rede de comunicações BBC, custou cerca de US$ 3,7 milhões e foi parcialmente financiado pelo governo britânico. Outro carro a hidrogênio também foi lançado recentemente, mas numa feira de brinquedos na Alemanha. Para funcionar, o carrinho da empresa Corgi precisa apenas de água. Desse líquido, uma minúscula célula a combustível retira o hidrogênio para gerar eletricidade.

> Ventilação mais eficiente

Um novo sistema para refrigeração de chips criado pela empresa norte-americana Thorrn Micro Technologies deve revolucionar a maneira como laptops e computadores são resfriados internamente. O dispositivo, um exaustor de estado sólido, não tem partes móveis e produz uma corrente de ar de duas a

três vezes maior do que um cooler convencional mecânico, mesmo tendo apenas um quarto do tamanho dessa espécie de ventilador. Além disso, ele é altamente silencioso – por

não possuir partes móveis –, apresenta baixo consumo energético e quase não necessita de manutenção. A corrente de ar gerada pelo aparelho chega a 2,4 metros por segundo, enquanto a

O sonho de todo motorista em reverter facilMETAL COM mente pequenos amassados na lataria do carro BOA MEMÓRIA pode estar próximo de se tornar realidade. Pesquisadores norte-americanos das universidades Northwestern e Boise State anunciaram um novo material metálico capaz de voltar à forma original depois de deformado. O retorno é feito com uma força física ou magnética. O metal, formado por uma liga de níquel, magnésio e gálio, é chamado de espuma porque sua estrutura possui pequenos buracos ou bolhas. A estrutura pode também ser alongada e esticada quando um campo magnético rotativo é aplicado. O material se mostra potencialmente importante para situações que exigem deformação e baixo peso como a indústria automobilística e nas aplicações espaciais. Lideradas pelos pesquisadores Peter Mullner e David Dunant, as equipes acreditam que é possível fazer mais com menos material de ligas espumosas e com isso promover um desenvolvimento sustentável de novos materiais. 76

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eficiência de ventilação de exaustores mecânicos é de 0,7 a 1,7 metro por segundo. A nova tecnologia, batizada de RSD5, tem potência para resfriar um chip de 25 watts usando

P. MÜLLNER/UNIVERSIDADE BOISE STATE, D. DUNANT/UNIVERSIDADE NORTHWESTERN

MORGAN MOTOR COMPANY

CARROS A HIDROGÊNIO

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Metal espuma: estrutura que lembra bolhas

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LASER DA ALQUIMIA

RANDY MONTOYA/SANDIA

RICHARD BAKER/UNIVERSIDADE DE ROCHESTER

um dispositivo com menos de 1 centímetro cúbico. A empresa, que recebeu financiamento do programa Small Business Innovation Research (Sbir) de apoio a pequenas empresas da Fundação Nacional de Ciência (NSF), conta que, no futuro, o dispositivo poderá ser integrado ao silício dando origem a chips auto-refrigerados.

Com a aplicação de pulsos de laser muito curtos, pesquisadores da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, conseguiram criar alumínio dourado, platina dourada, titânio e prata azuis. O método, desenvolvido pelo professor do Instituto de Óptica, Chunlei Guo, e seu assistente, Anatoliy Vorobyev, permite fabricar metais de todas as cores. Isso é possível porque Alumínio dourado, titânio azul e platina dourada a aplicação de pulsos de laser muito curtos, mas de alta energia, cria nanoestruturas e microestruturas sobre a superfície do metal que se quer colorir. Essas estruturas podem ser trabalhadas de maneira a refletir determinados comprimentos de onda, fazendo com que o metal fique com uma única cor ou uma combinação de cores. A vantagem é que as cores não desbotam com o tempo, porque o processo altera as propriedades da superfície do material sem utilizar nenhum tipo de revestimento. A técnica é a mesma anunciada há pouco mais de 1 ano pelo mesmo grupo de pesquisa, que resultou na criação de um metal negro, capaz de absorver a luz em todos os comprimentos de onda do visível. Desde então ela vem sendo aperfeiçoada para chegar a um metal que reflita praticamente qualquer cor.

> Nova definição do quilograma O quilograma, a unidade internacional de massa, poderá, em breve, ser redefinido. Hoje a medida de 1 quilo é definida pela massa de uma liga de platina-irídio armazenada na Agência Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, da sigla em francês), na cidade de Sèvres, perto de Paris. Vários países têm suas próprias cópias desse protótipo. O problema é que até mesmo a limpeza desses cilindros retira

No Sandia, amostra de 1 quilograma

átomos de sua superfície, alterando seu padrão. Pesquisadores de várias partes do mundo argumentam que o ideal seria redefinir o quilograma tendo por base constantes

universais, e não um artefato que pode sofrer algum tipo de dano. O objetivo de redefinir o quilograma, portanto, tem como base a redução de riscos. Existem várias propostas

para uma nova definição do quilograma, como o watt balance, um método complexo de comparação de forças elétricas e mecânicas de alta exatidão, ou a contagem do número exato de átomos de um cristal de silício. Segundo pesquisadores do Laboratório Nacional Sandia, nos Estados Unidos, a adoção de uma unidade baseada em constantes físicas permitirá melhores medidas no futuro. Eles afirmam que o quilograma permanecerá valendo a mesma coisa – o que estará em questão é a maneira como ele será definido. E isso deve acontecer, na melhor das hipóteses, até 2011.

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LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL

Blocos nutricionais impermeáveis à BLOCOS PARA base de melaço e outras fontes de O REBANHO energia, que podem ser deixados no pasto para suplementar a alimentação dos rebanhos, foram desenvolvidos e estão sendo produzidos pela Neoagri – Nutrição Animal, criada em julho de 2006 como empresa de consultoria em agronegócios e desenvolvimento de produtos. Durante 10 meses, a empresa ficou hospedada na Incubadora de Empresas e Projetos Tecnológicos de Botucatu, instalada na Fazenda Experimental Lageado da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Para viabilizar a produção dos suplementos nutricionais para animais num ambiente industrial, a Neoagri transferiu-se para a Incubadora Tradicional de Botucatu, onde está caracterizada como empresa residente, mas permaneceu como associada da incubadora tecnológica. Os blocos nutricionais, além de oferecer uma dieta mais rica, composta de óleos essenciais e ácidos graxos essenciais como ômega 3 e 6, ajudam a diminuir o estresse do animal confinado. A linha de produtos para ruminantes é constituída por blocos cilíndricos de 10 quilos para serem colocados em pastagens e blocos de cerca de 2 quilos para animais que vivem em baias.

> PVC de etanol

Bovinos ganham nova opção de alimentação

> Transformação

10 anos, prevê a entrega de cerca de 150 milhões de litros por ano de etanol. O investimento na nova tecnologia faz parte do plano de expansão da empresa, fabricante de PVC e soda cáustica, iniciado em 2006, e prevê a ampliação da capacidade de produção das unidades de Santo André e de Bahía Blanca, na Argentina, da ordem de US$ 300 milhões

da glicerina

ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ

A Solvay Indupa vai começar a fabricar o PVC (ou policloreto de vinila), obtido atualmente da nafta, um derivado do petróleo, e utilizado em aplicações nas mais diversas áreas, a partir de etileno, extraído do etanol proveniente da canade-açúcar. Para viabilizar a nova linha de produção,

a empresa vai construir uma planta de etileno via etanol, com capacidade de produzir 60 mil toneladas por ano, na fábrica que a empresa possui em Santo André, na Grande São Paulo. O fornecimento de etanol está garantido por um acordo assinado com a Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). O acordo, com duração de

EDUARDO CESAR

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Um projeto de pesquisa realizado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) poderá transformar a glicerina, produzida como subproduto na industrialização do biodiesel, em gás metano, também conhecido como biogás, combustível usado da mesma forma que o gás natural na indústria e na cozinha. A equipe de pesquisadores do Departamento de Engenharia Química da UFPE identificou um consórcio de bactérias anaeróbicas, que não utilizam oxigênio na reação química, extraídas do esterco bovino. Elas se alimentam de glicerina e produzem o gás num biodigestor. A novidade

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poderá ser útil num futuro próximo porque de cada litro de biodiesel produzido sobram 300 mililitros (ml) de glicerina, produto que pode ser vendido para as indústrias química, farmacêutica ou de cosméticos. Mas, com o aumento esperado da produção de biodiesel, o nível de glicerina deve aumentar.

> Alimento funcional Um novo processo para produção de frutooligossacarídeos (FOS), alimento prebiótico utilizado como ingrediente ou complemento de vários produtos, como barras de cereais, derivados lácteos, sucos, doces, preparados em pó e até na formulação de rações para alimentação animal, foi desenvolvido por pesquisadores da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os FOS são açúcares

de fungos filamentosos. O processo desenvolvido e patenteado pela Unicamp utiliza enzimas de leveduras que normalmente são relacionadas à produção de lipídeos e carotenóides.

> Mudanças em premiação classificados como alimento funcional prebiótico por apresentar diversas propriedades benéficas ao organismo. Como são fibras solúveis, ajudam a reduzir os níveis de colesterol e

glicemia do sangue. O FOS é utilizado principalmente nos Estados Unidos, Europa e Japão, onde muitos dos processos de produção são desenvolvidos a partir de enzimas provenientes

COMPANHIA DE IMPRENSA

BERÇO DE CARROS

As competições de carros tipo baja já se tornaram uma tradição nas escolas de engenharia do país. Esses veículos, dotados de soluções técnicas para competir em circuitos fora-de-estrada ou off-road, são há muitos anos um verdadeiro laboratório para futuros engenheiros de montadoras automobilísticas e da indústria de autopeças do país. A mais recente aconteceu em março na XIV Competição Baja SAE Brasil-Petrobras realizada no Esporte Clube Piracicabano de Automobilismo, em Piracicaba, São Paulo. A competição mobilizou 800 estudantes de engenharia e a participação de 59 veículos baja construídos por eles, representando 48 centros universitários de 12 estados brasileiros. O vencedor foi da equipe Mitsubishi da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP) com 936,34 pontos, em segundo veio o carro da equipe Poli Arsenal, da Escola Politécnica (Poli) da USP. As duas equipes ganham o direito de participar da competição promovida pela SAE Internacional, Sociedade de Engenheiros da Mobilidade, que será realizada em junho em Montreal, no Canadá. A terceira colocada, a equipe FEI Baja 2, do Centro Universitário da FEI, de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, também poderá participar porque foi a campeã da competição interBaja da USP vencedor da competição nacional do ano passado.

A 11ª edição do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), foi anunciada com novidades. A primeira é a mudança de nome para Prêmio Finep de Inovação. Na edição 2008, além do troféu, os vencedores poderão ter acesso a financiamentos para implementação de projetos que variam de R$ 500 mil a R$ 10 milhões. Para ter acesso à linha de financiamento, os vencedores precisam apresentar um projeto, que será analisado em até 90 dias após ser apresentado. As categorias do prêmio também foram modificadas. Nas categorias Produto e Processo, a disputa passará a privilegiar o perfil inovador de empresas e de instituições de ciência e tecnologia. Na categoria Inventores Inovadores, os vencedores serão selecionados pelo banco de dados do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No total, seis categorias vão disputar a premiação: Média Empresa, Pequena Empresa, Instituição de C&T, Tecnologia Social, Grande Empresa e Inventor Inovador. As inscrições começam no dia 28 de abril.

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TECNOLOGIA

NANOTECNOLOGIA

Beleza fundamentada Dinorah Ereno | ilustrações Abiuro

O

caminho para os nanocosméticos no mercado mundial foi aberto há 15 anos pela empresa francesa Lancôme, divisão de luxo da L’Oréal, com o lançamento de um creme para o rosto transportado por nanocápsulas de vitamina E pura para combater o envelhecimento da pele. O desenvolvimento nanotecnológico foi feito na Universidade de Paris 11, que patenteou a inovação, licenciada pela empresa. Desde então vários gigantes do setor de cosméticos mundial investiram em pesquisa para desenvolver produtos nessa linha. No Brasil, o interesse pela nanotecnologia aplicada aos cosméticos é recente, mas tem envolvido cada vez mais empresas e pesquisadores das principais universidades brasileiras. Para um produto cosmético ser classificado como nanocosmético é necessário que contenha estruturas organizadas e menores que 999 nanômetros (1 nanômetro equivale a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes). “A identificação de que a cosmética é uma área portadora de futuro para a nanotecnologia levou o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a criar e implementar, em 2005, a Rede de Nanocosméticos”, diz a coordenadora Silvia Guterres, professora do Departamento de Produção e Controle de Medicamentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Essa rede faz parte de um pacote de estímulos à nanociência e nanotecnologia implementado em 2001. A Rede de Nanocosméticos é formada por pesquisadores de universidades e centros de pesquisa brasileiros que também mantêm colaborações científicas com estrangeiros. Entre os parceiros

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brasileiros estão, além da UFRGS, a Universidade de São Paulo (USP), campus de São Paulo e de Ribeirão Preto, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os colaboradores internacionais estão vinculados a universidades da França, Suíça, Suécia, Alemanha, Inglaterra e Holanda. “Nós voltamos o nosso olhar para a cosmética pela oportunidade. Mas a minha formação, como a da maioria dos membros da rede, é na área de medicamentos”, diz a coordenadora. Silvia participou do desenvolvimento do primeiro medicamento de base nanotecnológica brasileiro, um nanoanestésico para a pele da empresa paulistana Incrementha, formada pelas indústrias farmacêuticas Biolab e Eurofarma (leia nas edições 135 e 143 de Pesquisa FAPESP). Atualmente, a nanotecnologia voltada para a cosmética tem como foco sobretudo os produtos destinados à aplicação na pele do rosto e do corpo, com ação antienvelhecimento e de fotoproteção. “As nanoestruturas são verdadeiros reservatórios que controlam a profundidade de penetração do cosmético na pele e a velocidade com que o ativo será liberado”, explica Silvia. “Concentrações dos ativos liberadas gradualmente não vão atingir limites tóxicos e permitem um fornecimento

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Grupo de pesquisadores em conjunto com empresas prepara nanocosméticos com aplicações variadas

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constante às diferentes camadas da pele.” A conseqüência dessa forma de ação é mais eficácia com menores doses. O interesse das empresas fabricantes de cosméticos pela nanotecnologia pode ser medido pelo sigilo que cerca os contratos e convênios fechados com as universidades brasileiras. Aqui, a máxima de que o segredo é a alma do negócio é realmente levada a sério. Não é para menos, porque este é um setor em franca expansão no Brasil. Hoje, o país ocupa a terceira posição no ranking mundial de cosméticos, atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. Em apenas 2 anos, 2005 e 2006, deixou para trás mercados tradicionais como França, Alemanha e Inglaterra. “Isso dá uma idéia da importância que o cosmético tem em um país que não é rico”, diz Silvia. Em 2007 o faturamento das indústrias do setor de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos no mercado interno chegou a R$ 19,6 bilhões, representando um aumento de 11,5% em relação a 2006. “Estudos mostram que o consumo de cosméticos no Brasil não se diferencia entre os vários estratos sociais”, diz Silvia. “A parcela que um consumidor da classe A, B, C, D ou E investe do seu montante financeiro em cosmético é basicamente igual. O que muda é o valor investido.” O mercado cosmético é muito dinâmico e renova constantemente os seus produtos, uma realidade bastante diversa da área de medicamentos, em que um produto demora muito tempo para ser desenvolvido e se estabelecer no mercado, onde permanece por muitos anos. “A área cosmética está nos ensinando muito, porque na medida em que conseguimos chegar mais perto do final de um ciclo tecnológico isso se torna muito útil também para o desenvolvimento de medicamentos”, diz Silvia. “As duas áreas se nutrem uma da outra.” No Brasil, a primeira empresa a desenvolver e colocar no mercado um nanocosmético foi O Boticário, com um creme anti-sinais para a área dos olhos, testa e contorno dos lábios chamado Nanoserum. A composição nanoestruturada leva ativos como vitamina A, C e K e um produto para clareamento. A tecnologia, desenvolvida em parceria com o laboratório francês Comucel, teve investimentos de R$ 14 milhões e faz parte da linha Active, que começou a ser vendida em 2005. 82

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A Natura lançou em 2007 um produto para hidratação corporal, chamado Brumas de Leite, com partículas da ordem de 150 nanômetros. Sistema biocompatível - A tendência é a expansão desse mercado. Para isso, as empresas estão sempre antenadas com as inovações desenvolvidas nas linhas de frente de pesquisa. O grupo da professora Maria Helena Andrade Santana, da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp e participante da Rede de Nanocosméticos, por exemplo, trabalha em parceria com a Chemyunion, fabricante nacional de matériasprimas para produtos cosméticos e farmacêuticos, no desenvolvimento de produtos de base nanotecnológica. A Agência USP de Inovação está negociando com uma empresa a transferência de tecnologia de um sistema nanotecnológico inovador e biocompatível, desenvolvido pelo grupo coordenado pela professora Maria Vitória Lopes Badra Bentley, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP e também integrante da rede, que recebeu em 2006 o Prêmio Capes de Tese na área de farmácia, dado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. “O sistema desenvolvido, além de carrear, aumenta a penetração cutânea de princípios ativos”, diz a pesquisadora. Como o processo legal ainda não foi finalizado, ela não dá detalhes sobre a inovação desse sistema, mas adianta que não se trata de lipossoma (nanoestrutura semelhante a pequenas esferas

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O PROJETO Laboratório multiusuário de caracterização de sistemas de liberação micro e nanodispersos de fármacos

MODALIDADE

Programa Equipamentos Multiusuários COORDENADORA

MARIA VITÓRIA BENTLEY - USP INVESTIMENTO

R$ 364.287,32 (FAPESP)

de gordura) nem de nanopartícula sólida. E dá algumas pistas da inovação. “Conseguimos uma taxa de penetração muito boa na pele utilizando esse sistema com peptídeos, que são moléculas relativamente grandes para a penetração cutânea”, diz. “Ele tem uma aplicação muito interessante para produtos tanto de ação dermatológica como cosmética”, completa Maria Vitória, sem poder revelar mais sobre o assunto. O grupo da pesquisadora também mantém convênios de cooperação com algumas empresas para desenvolver e avaliar a eficácia de novos produtos. “Somos pioneiros no desenvolvimento de metodologia in vitro para avaliação da penetração cutânea de fármacos, cujos resultados podem refletir a segurança e a qualidade de um produto tópico”, diz. Os testes são feitos com pele de orelha de porco, material muito semelhante à pele humana. As peles são dissecadas, montadas em peças de vidro, chamadas células de difusão, e a formulação é colocada sobre as mesmas. “Avaliamos a difusão do fármaco através da pele e também em qual camada ficou retido”, explica. Com esse método é possível trabalhar com várias preparações e ter maior reprodutibilidade nos resultados. “É mais fácil do que trabalhar com vários animais, já que há menos interferência como estresse e outras reações fisiológicas, e facilita para identificar a rota de penetração do produto”, diz Maria Vitória. “Sem contar que qualquer produto cosmético que tenha utilizado animais não pode ser registrado na Europa”, ressalta a pesquisadora, que já fez testes de permeação cutânea para a Natura. Outra área que começa a despontar como promissora em nanocosméticos é a capilar. A pesquisadora Valéria Longo, do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), integrante do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos e vinculado à Universidade Federal de São Carlos, teve aprovado um projeto pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) para desenvolver, em parceria com a empresa Kosmoscience, de Valinhos, uma nanoemulsão para alisamento de cabelos. “Pelo tamanho reduzido das partículas, é possível obter uma emulsão que, além de manter a propriedade constante em toda a exten-

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são do cabelo, vai recobrir com mais eficiência as fibras capilares”, diz Valéria. “A vantagem é que a nanoemulsão, diferentemente dos alisantes comuns, não precisará destruir a estrutura externa das fibras capilares, chamada de cutícula, para penetrar nos fios.” Isso porque a fibra tem naturalmente microcanículos que permeiam moléculas pequenas como água. O produto no nível nano aproveitaria essa passagem natural que a fibra possui. O grupo da professora Maria Helena, em parceria com a Chemyunion, desenvolveu uma tecnologia de produção de nanopartículas de sericina (proteína originária da seda), utilizada para fabricação de um produto que proporciona selagem das cutículas dos fios danificados, chamado Seriseal. “O produto devolve aos cabelos a aparência saudável”, diz a pesquisadora. O lançamento está previsto para ocorrer até a metade do ano. Novas nuances - Os caminhos para utilização das nanopartículas apontam para várias direções. Empresas como a L’Oréal apostam que, no futuro, seu portfólio de produtos de maquiagem será baseado em nanopigmentos. “Serão obtidas tonalidades de cores nunca vistas antes, com muito mais nuances”, diz Silvia. O desenvolvimento brasileiro na nanotecnologia passa pela Rede de Nanocosméticos, grupo de pesquisa virtual que tem como objetivo transitar por todos os ciclos de desenvolvimento de um produto, gerando competência brasileira. O modelo escolhido para estudo da rede é um filtro solar. “Um grupo na UFRJ, por exemplo, trabalha com alergenicidade de produtos cutâneos utilizando o modelo de estudo. Dois outros grupos, do IPT e da UFRGS, na outra ponta do ciclo de produção, trabalham com produção em escala”, relata Silvia. A rede funciona como catalisadora para impulsionar a aproximação universidade e empresa. Quando a rede surgiu, ela agregou pesquisadores que faziam pesquisas na área de nanotecnologia e poderiam ter aplicação na área de cosmética”, diz Maria Vitória. O grupo coordenado pela pesquisadora já trabalhava, antes de integrar a rede, no desenvolvimento de produtos tópicos para aplicação na pele com finalidade dermatológica e cosmética. Maria Vitória, que há 17 anos se dedica à área

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de permeação cutânea, explica que não há diferença entre encapsular um ativo para uma inflamação cutânea e uma vitamina com ação cosmética. No entanto, antes de escolher o sistema nanotecnológico mais adequado para transportar um princípio ativo, é necessário saber qual o local de entrega do produto, o tamanho da molécula ativa e outras variáveis. “Existem fatores químicos, biológicos, físicos e tecnológicos que estão envolvidos para finalizar um produto com qualidade”, diz Maria Vitória, que recebeu financiamento da FAPESP para compra de equipamentos utilizados em nanotecnologia. Ação diferenciada - “A definição tradicional de cosmético é de um produto que não penetra na pele e tem principalmente atividade sensorial”, diz Maria Helena. Quando as moléculas dos princípios ativos dos cremes possuem tamanhos maiores, elas ficam só na superfície da pele, protegendo-a da perda de água. Portanto, têm efeito puramente cosmético. “Só que atualmente está se dando muita ênfase aos dermocosméticos, com ação diferenciada na aplicação.” É exatamente essa a atuação que se procura para os nanocosméticos. Uma ação mais eficaz em rugas e preenchimentos pela penetração mais profunda das partículas na pele, sem o risco de alcançar a corrente sangüínea. “No nosso laboratório estamos trabalhando também com nanopartículas poliméricas de ácido hialurônico e lipossomas do tipo elástico, ambas com maior poder de penetração na epiderme, mas que não deixam o cosmético atingir a derme, região mais profunda das camadas de pele”, diz.

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Os lipossomas funcionam nas modernas estratégias utilizadas em nanotecnologia como uma cápsula transportadora de princípios ativos. O componente estrutural dos lipossomas são os fosfolipídeos, o mesmo das células do nosso organismo. Para que possam penetrar pelos poros da pele, eles têm a superfície modificada com polímeros biocompatíveis, de forma a se tornar flexíveis ou elásticos. Isso ocorre porque, para carrear uma quantidade significativa de princípio ativo de creme para uma camada abaixo da pele, é necessário construir partículas de cerca de 100 nanômetros. Como a maioria dos poros da pele tem 30 nanômetros, para o lipossoma passar por eles e penetrar na epiderme tem que se deformar, mantendo a sua integridade. O polímero colocado na superfície deve ser altamente hidrofílico, ou seja, captar muita água, estabilizando e protegendo os lipossomas do atrito ao passar pelo poro. “Esse é um diferencial em relação a outras nanopartículas e exige conhecimento de engenharia da permeação da partícula em nanoporos, para obtenção do resultado desejado”, diz Maria Helena. Além dos lipossomas, as nanoestruturas mais utilizadas para encapsular ativos são as nanopartículas poliméricas e as lipídicas sólidas. As nanopartículas poliméricas compreendem dois tipos: as matriciais ou nanoesferas, compostas só de polímeros, e as vesiculares ou nanocápsulas, feitas de óleo e recobertas com polímero. Ambas são empregadas para encapsular ativos lipofílicos, que apresentam grande afinidade química com gorduras. As nanopartículas lipídicas sólidas também se destinam a trans-

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portar compostos lipofílicos. “O grande apelo desse tipo de nanopartículas é a técnica de produção, de fácil escalonamento para rápida aplicação industrial”, diz a professora Adriana Pohlmann, do Instituto de Química da UFRGS e vicecoordenadora da rede. “Perfumes como o Allure, da Chanel, contêm nanoestruturas do tipo micelares, que controlam a liberação gradual de alguns aromas e a sua manutenção por mais tempo”, exemplifica Silvia. As nanopartículas utilizadas nos produtos cosméticos são divididas em dois grupos: lábeis e insolúveis. As lábeis são as que se dissolvem física ou quimicamente após a sua aplicação sobre a pele, caso dos lipossomas e das nanopartículas biodegradáveis, enquanto as partículas insolúveis, como fulerenos e nanotubos – estruturas nanométricas feitas de carbono – e pontos quânticos – minúsculas partículas semicondutoras – são incapazes de se desestruturar nos meios biológicos. Essa classificação, proposta pelo Comitê Científico de Produtos para Consumo da União Européia, em 2007, foi criada para diferenciar os riscos das diferentes nanoestruturas e surgiu depois dos questionamentos feitos em relação à segurança do uso de óxidos metálicos, como o dióxido de titânio e óxido de zinco, em protetores solares. “A escolha da partícula lábil ou insolúvel é feita no início do processo porque é preciso prever como ela vai entrar na formulação, de que forma vai liberar os ativos e o que vai ocorrer depois de completar sua função”, diz Adriana. Produto seguro - A maioria dos produ-

tos que estão no mercado é composta basicamente por nanoestruturas à base de polímeros biodegradáveis ou de fosfolipídeos como a lecitina da soja, biocompatíveis e biodegradáveis. Quando o produto tem nanopartículas insolúveis, como ocorre com alguns filtros solares, é preciso verificar a segurança, principalmente nos casos em que as partículas têm menos de 100 nanômetros de diâmetro. “Acima disso, a tendência é de que fiquem retidas no estrato córneo, camada superior da epiderme. No processo de renovação da pele elas são eliminadas”, diz Adriana. Os filtros solares podem ser químicos ou físicos. Para a obtenção de filtros solares com fator de proteção mais alto, é comum a associa-

ção dos dois. Os químicos são moléculas orgânicas que absorvem a radiação ultravioleta. Os físicos são partículas inorgânicas, portanto insolúveis, que refletem os raios UV. “Quando a partícula é muito grande e o objetivo é bloquear a radiação solar, o protetor aplicado no corpo cria uma camada esbranquiçada”, diz Adriana. Para conseguir a mesma proteção e um efeito mais transparente, é necessário diminuir o tamanho das partículas. É isso o que as empresas estão fazendo, diminuindo as partículas da escala micrométrica para a nanométrica, mas mantendo a mesma proteção. “Muitas vezes essas partículas estão abaixo dos 100 nanômetros e podem entrar na corrente sangüínea”, diz Adriana. Ela ressalta que é possível fazer formulações com menos de 100 nanômetros, desde que sejam feitos ensaios que provem a segurança do produto. O assunto segurança foi tema do III Diálogo Internacional em Pesquisa Responsável e Desenvolvimento de Nanotecnologia, realizado nos dias 11 e 12 de março deste ano, em Bruxelas, na Bélgica, que contou com a participação de representantes de países da Comunidade Européia, dos Estados Unidos, Japão, Austrália, Brasil e outros. “A posição mais responsável é considerar o

fato de que há possibilidade de algum risco na utilização de qualquer produto novo, seja ele nanotecnológico ou não”, diz o professor Mario Baibich, coordenador-geral de Micro e Nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia. Na reunião também foi ressaltada a importância de verificar quanto efetivamente um novo produto tem de nanotecnologia. “Muitos cosméticos são lançados com apelo nanotecnológico quando na verdade possuem tamanho em micrômetro”, ressalta Baibich. Além dessa verificação, é preciso avaliar, pelo tamanho e composição das partículas, se o produto tem ou não capacidade de penetrar no organismo humano pelas paredes celulares. “Isso torna a nanotecnologia mais cara, porque quem for responsável vai seguir todos os parâmetros científicos antes de fazer marketing de um novo produto”, diz o professor. Uma das formas de ter controle sobre o tamanho das partículas que estão sendo fabricadas é pela nanometrologia, trabalho que começou a ser feito recentemente no Brasil pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). É difícil fazer uma estimativa de quantos produtos com nanotecnologia existem atualmente no mercado cosmético mundial, porque não há obrigatoriedade legal de informar a presença de nanopartículas em cosméticos. Também pode ocorrer de a empresa indicar na embalagem que o produto contém partículas de dimensão nanomérica, sem, contudo, verificar o tamanho da partícula. “No Brasil fizemos um levantamento de produtos que faziam menção à nanotecnologia e verificamos que alguns traziam nas embalagens referências que induziam a acreditar que tinha um componente nanotecnológico, mas pelo preço dava para perceber que isso não era possível”, diz Silvia. “Nanotecnologia impõe certo custo ao produto.” O creme Primordiale, o primeiro com nanotecnologia lançado pela Lancôme para combater os sinais de idade, custa R$ 289,00 no site da empresa. Um produto semelhante da Anna Pegova, chamado Akinésine, fica em R$ 378,00. Preços bem maiores do que os cremes anti-sinais sem nanotecnologia das mesmas empresas são vendidos, em média, por R$ 80,00 a R$ 120,00. ■ PESQUISA FAPESP 146

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DANIEL U G ART E/U NIC AM P

N a ponta da ponta: nanotubo soldado sobre base de silício

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> FÍSICA

PARA ENXERGAR O INVISÍVEL Nanotubo de carbono aumenta a resolução de microscópio Ricard o Zorzet to

urante meses Denise Nakabayashi e Alberto Moreau passaram várias horas por dia manuseando uma alavanca de joystick como a de um videogame em uma pequena sala do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. Quem os via até podia pensar que estivessem brincando. Não estavam. Com o joystick conectado a um cubo de metal um pouco menor que uma caixa de sapatos, eles controlavam duas pequeníssimas barras usadas para manipular um cilindro formado por alguns milhares de átomos de carbono. O objetivo era fixar esse tubo – chamado nanotubo de carbono por ter uns poucos nanômetros de diâmetro – ao ápice de um cone de silício centenas de vezes maior e, desse modo, aumentar ainda mais a resolução de um microscópio de força atômica. Esse equipamento torna possível produzir imagens tridimensionais da matéria na escala do nanômetro (milionésimos de milímetro) e ainda manipular átomos e moléculas, já que mapeia as superfícies de modo semelhante ao dedo de uma pessoa que lê braile. Quanto menor o diâmetro da ponta, mais detalhes detecta. Foram necessárias dezenas de tentativas, cada uma consumindo de 5 a 6 horas de trabalho, antes que desse certo. Denise e Alberto aproximavam o nano-

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tubo que prontamente aderia ao cone de silício, atraído pelas forças elétricas de Van de Waals, observadas apenas na escala de átomos e moléculas. Mas não funcionava. Extremamente flexível, o nanotubo se dobrava facilmente caso eles o encostassem na superfície a ser mapeada. Mesmo no interior de uma câmera de vácuo, o nanotubo passava a vibrar como uma corda agitada nos ares em conseqüência da energia térmica, quando ficava muito longo, com mais de mil nanômetros de comprimento. Outras vezes esse tubo aparentemente delicado, mas tão resistente à tensão quanto a seda ou o fio da teia de aranha, descolava-se do cone de silício. Denise e Alberto, então, decidiram soldá-lo ao cone, usando o feixe de elétrons do próprio microscópio. Apontado para a região em que o nanotubo toca o cone de silício, esse feixe faz átomos de carbono dispersos no vácuo – quase sempre restam impurezas no vácuo criado em laboratório – se acumularem no ponto de contato. Mas nem sempre o resultado era bom. “O nanotubo continuava a vibrar e, às vezes, se soltava”, conta Denise. saída foi melhorar a solda. Denise e Alberto aumentaram o tempo de soldagem de 20 para 60 minutos. Quando olharam novamente a ponta, viram que uma crosta havia se formado em torno do nanotubo. A um só tempo, solucionaram dois problemas: fixaram o nanotubo e eliminaram a vibração indesejada. “O resultado foi semelhante ao que se consegue com o concreto usado na construção civil, que é flexível e resistente”, diz o físico Daniel Ugarte, que orientou o trabalho de Denise e desenvolve instrumentos nanométricos no LNLS e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Depois de preparar três pontas, Alberto, aluno de doutorado da física Mônica Cotta, da Unicamp, as utilizou para fazer imagens da superfície de materiais semicondutores. Para a surpresa

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de todos, a mesma ponta produziu mais de 400 imagens, sem sofrer danos nem perder resolução. É uma durabilidade pelo menos 20 vezes superior à das pontas de microscópio de força atômica comercialmente disponíveis, feitas com silício, que se quebram depois de10 ou 20 imagens. “As pontas de silício são frágeis e se partem se tocam por acidente a superfície analisada. Já as pontas de nanotubos, que são flexíveis, dobram e retornam à posição original”, diz Mônica, que agora começa a usar esses equipamentos para investigar sistemas biológicos, como as bactérias Xylella fastidiosa e o biofilme que formam no interior dos vasos das laranjeiras. “As pontas de nanotubo reforçadas não danificam as células”, diz Mônica. omo não entendiam ao certo por que a ponta de nanotubo soldada com carbono se tornava mais estável, Mônica, Alberto, Ugarte e Denise tiveram de pedir ajuda a físicos teóricos. Procuraram Douglas Galvão e Vitor Coluci, também da Unicamp, que usam programas de computador para tentar compreender o que acontece no nível dos átomos. Em uma série de simulações, eles notaram que a camada extra de carbono ao redor do nanotubo absorve o impacto do choque contra os obstáculos, como descrevem os pesquisadores em artigo a ser publicado na Nano Letters. Como conseqüência, a ponta reforçada é mais estável – e produz imagens mais bem definidas – do que as pontas que outros grupos já construíram apenas com nanotubos. Se o resultado é tão bom, não valeria a pena patentear o método de produção? Para Ugarte, não. “O mercado para esses objetos é restrito e o investimento para produzi-los em escala maior, muito alto”, diz. Além do mais, comenta, caso consigam pontas que aumentem ainda mais a resolução desses microscópios, seria mais vantajoso usá-las em suas próprias pesquisas. “Assim”, diz Ugarte, “conseguiríamos uma vantagem durante algum tempo”. ■

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ENGENHARIA QUÍMICA

Empresa desenvolve sistema que recicla componentes das lâmpadas fluorescentes Yuri Vasconcelos

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EDUARDO CESAR

Iluminação limpa

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NONONONONONONON

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Brasil é um dos campeões mundiais em reciclagem de latas de alumínio com um índice na faixa dos 90% de reaproveitamento. Com as lâmpadas fluorescentes ocorre o contrário. Dos cerca de 100 milhões de lâmpadas produzidos anualmente no país, apenas 6% são reciclados ou descartados em locais apropriados. Na Holanda, o índice de reciclagem chega a 83% e na Alemanha, a 50%. A quase totalidade das lâmpadas velhas do Brasil é depositada de forma inadequada em lixões e aterros sanitários. Para tentar reverter essa situação, que provoca sérios danos ao ambiente em razão da contaminação pelo mercúrio presente nas lâmpadas, a Tramppo Recicla desenvolveu uma tecnologia que faz a descontaminação e a reciclagem dos componentes da lâmpada, possibilitando a volta das matérias-primas para as indústrias. Em julho do ano passado, a empresa, criada em 2003 no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), sediado no prédio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) na Cidade Universitária da USP, conseguiu sua licença de operação da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb). No final de março, estava para concluir uma ampliação de suas instalações em São Paulo, para iniciar o processamento de 90 mil unidades por mês. O sistema de descontaminação e reciclagem de lâmpadas da Tramppo obedece aos princípios de sustentabilidade e de produção mais limpa. O equipamento, totalmente projetado e desenvolvido na empresa, separa os componentes da lâmpada – vidro, mercúrio, pó fosfórico e terminais de alumínio – e os torna disponíveis como matéria-prima para reutilização em vários tipos de indústria. A reciclagem ocorre de forma completa sem a necessidade de descartes em aterros, reduzindo o volume de lixo gerado e, principalmente, evitando a contaminação do meio ambiente. A qualidade do processo é garantida por testes feitos na própria empresa e também conta com a validação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), parceiro estratégico da Tramppo. Para cada lote de lâmpadas destinadas à reciclagem, a empresa

Na Tramppo: fardo de lâmpadas fluorescentes usadas

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Mercúrio condensado depois de ser extraído na forma gasosa das lâmpadas fluorescentes

fornecedora das lâmpadas usadas recebe um Certificado de Descontaminação, Reciclagem e Descarte Correto. Entre os principais clientes da Tramppo estão o Hospital do Servidor Público (Iamspe), com um volume anual de 40 mil lâmpadas, Hospital Israelita Albert Einstein, 18 mil, a Universidade de São Paulo (USP), 15 mil, e o Shopping Center Paulista, 12 mil, todos em São Paulo. O mercado nacional de reciclagem de lâmpadas fluorescentes ainda é tímido e disputado por poucas empresas. Segundo a engenheira eletrônica Elaine Menegon, uma das sócias da Tramppo, antes de decidir pelo desenvolvimento de seu próprio sistema operacional, a empresa analisou o custo da máquina de reciclagem da empresa sueca MRT System, uma das líderes mundiais desse setor, e teve a certeza de que a única forma de ser uma empresa de gestão de lâmpadas fluorescentes usadas era desenvolver a sua própria tecnologia. “A máquina sairia por cerca de € 1 milhão, já instalada. Era muito dinheiro. Vimos, então, a necessidade de desenvolver nosso próprio equipamento”, conta. Para isso, a empresa obteve recursos no valor de R$ 450 mil do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) da FAPESP. Outros R$ 100 mil 90

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em bolsas do Programa de Capacitação de Recursos Humanos (Rhae) para técnicos foram financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Ministério da Ciência e Tecnologia. “Nossa máquina é diferente da sueca, que tem capacidade de processamento de quase 1 milhão de lâmpadas por mês. O equipamento que desenvolvemos é mais compacto e pode ser montado em vários locais, com distribuição em vários pontos do território nacional”, diz Elaine. De acordo com o

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O PROJETO Descarte adequado de lâmpadas fluorescentes que contenham mercúrio

MODALIDADE

Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) COORDENADORA

ATSUKO KUMAGAI NAKAZONE – Tramppo INVESTIMENTO

R$ 440.362,00 (FAPESP)

plano de negócios da Tramppo, aprovado no final de 2007, seis novas unidades deverão entrar em operação até o final de 2011, sendo a maior parte delas nas regiões Sul e Sudeste do país. “Nosso objetivo é abrir unidades perto dos centros geradores de resíduos, uma vez que o principal custo do processo é a logística para coleta das lâmpadas a serem recicladas”, explica Elaine. O equipamento desenvolvido pela empresa é composto por três partes principais: uma seção de corte das pontas da lâmpada, um reator de descontaminação, similar a um forno elétrico, que recebe o pó fosfórico, componente que confere a cor esbranquiçada às lâmpadas, e um triturador de vidro. Logo que a lâmpada é colocada no equipamento, uma lâmina separa suas duas extremidades, isolando os terminais de alumínio. Em seguida, um êmbolo é introduzido dentro do tubo de vidro e através de um movimento de sopro e sucção do ar é feita a retirada do pó fosfórico. “A maior parte do mercúrio, o elemento mais tóxico da lâmpada, encontra-se aderido a esse pó”, afirma a farmacêutica e bioquímica Atsuko Kumagai Nakazone, pesquisadora científica do projeto Pipe. “Somente quando a lâmpada é acesa o mercúrio passa ao estado gasoso, servindo como elemento de condução da luminosidade, como se fosse o filamento das lâmpadas incandescentes”, diz ela. Nesse estágio o vidro já está limpo e segue, automaticamente, para o triturador, enquanto o pó fosfórico é recolhido e encaminhado para um reator onde será feita a descontaminação propriamente dita por meio da separação e retirada do mercúrio. “Essa etapa é realizada por um processo de sublimação, onde ajustamos os parâmetros de temperatura e pressão dentro do reator. O mercúrio sublimado (que passou do estado sólido para o gasoso) é condensado, num condensador especialmente projetado, em temperatura

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Poder poluidor - Além do mercúrio, vidro, alumínio e pó fosfórico, cerca de outros 20 elementos fazem parte da composição das lâmpadas fluorescentes, entre eles chumbo, argônio, zinco e silício, com diferentes graus de toxicidade. O que mais preocupa no descarte inadequado desse tipo de lâmpada é mesmo o mercúrio, um metal pesado com alto poder poluidor. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux), apenas 8% dos municípios brasileiros contam com aterros licenciados para depósito de resíduos tóxicos preparados para receber lâmpadas fluorescentes. Quando descartadas de forma inadequada, elas podem causar sérios danos à saúde humana. Isso porque a degradação ambiental do metal é lenta e persiste por muitas décadas. Ele pode poluir lençóis freáticos, rios, lagos e represas, contaminando a água, o solo, as plantas e os peixes do lugar. O consumo desses animais pode acarretar danos irreversíveis aos sistemas cardiovascular e nervoso, como paralisia, perda de memória, dor de cabeça, fraqueza muscular, dificuldade de fala e distúrbios emocionais, entre outros. Dependendo da gravidade, pode levar à morte. Por conta de seus efeitos tóxicos, existem iniciativas em âmbito global para pôr fim à utilização do mercúrio em processos industriais. Além de utilizá-lo como matéria-prima para fabricação de lâmpadas fluorescentes, a substância também é empregada na produção de termômetros e na amalgamação do ouro por garimpeiros.

Apesar de ser uma excelente iniciativa do ponto de vista socioambiental, o sucesso comercial da Tramppo vai depender do interesse das empresas, prefeituras e demais instituições em reciclar suas lâmpadas usadas. O objetivo da empresa é oferecer um serviço de logística para viabilizar o atendimento a empresas que possuam pequenos volumes dessas lâmpadas. O sistema funciona assim: a Tramppo retira as lâmpadas queimadas no cliente, que paga R$ 0,60 a R$ 0,85 por unidade, e vende a ele lâmpadas novas a preço de mercado. Esse modelo de negócios, já em atividade, valeu à empresa o prêmio de destaque no II Fórum de Investidores em Negócios Sustentáveis do Programa New Ventures Brasil em 2005. O prêmio é uma iniciativa do World Resources Institute (WRI), um centro de análise de assuntos ambientais com sede em Washington representado no país pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os sócios da Tramppo estão finalizando a ampliação das instalações da empresa dentro do Cietec, para uma área de 250 metros quadrados, e já planejam construir uma nova unidade no Parque Tecnológico de São Paulo, quando ele for inaugurado. “Aqui, no Cietec, vamos centralizar a etapa de descontaminação do pó fosfórico. Para lá, vamos transferir a operação comercial, a limpeza da lâmpada e a trituração do vidro”, diz o administrador de empresas Carlos Alberto Pachelli, sócio-executivo da Tramppo. Por enquanto, a empresa só recicla lâmpadas fluorescentes tubulares, mas, no futuro, pretende processar também as de bulbo, de iluminação pública, e compactas, que ficaram populares na crise energética nacional no início desta década. “A tecnologia para descontaminação e reciclagem desses produtos é a mesma. Serão necessárias algumas adaptações na máquina e reestruturação dos procedimentos de limpeza”, diz Pachelli. ■

As lâmpadas são desmontadas, descontaminadas e cada componente é separado para venda a outros setores industriais

FOTOS EDUARDO CESAR

ambiente e armazenado para posterior comercialização”, conta Atsuko. Por enquanto, a empresa ainda não está vendendo o mercúrio retirado das lâmpadas, porque a quantidade é muito pequena. “O mínimo para comercialização é de 1 quilo, sendo que a cada mil lâmpadas só retiramos 8 gramas de mercúrio, em média.” O vidro triturado é vendido para uma grande fabricante nacional de vidros e o pó fosfórico está sendo negociado para utilização na produção de tintas. Os terminais de alumínio, separados no início do processo, são destinados para uma cooperativa de um conjunto habitacional popular de São Paulo e depois para uma empresa recicladora da matéria-prima.

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Máquina de lingotamento da Villares: temperatura estável METALURGIA

Têmpera superior Parceria entre Unicamp e siderúrgica cria tocha de plasma para melhorar a qualidade do aço Fabrício Marques

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linha de produção da Villares Metals, em Sumaré, na Região Metropolitana de Campinas, foi o cenário de um teste, realizado no ano passado, que coroou um projeto de pesquisa iniciado no final dos anos 1990 voltado para aperfeiçoar a qualidade do aço produzido no país. Uma tocha de plasma, capaz de gerar temperaturas elevadíssimas transformando energia elétrica em calor transportado por um gás, foi testada na aciaria da empresa para retardar o processo de resfriamento do aço durante a fase em que o metal, recém-fundido, é convertido em lingotes contínuos.

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A experiência em outros países mostra que a tocha de plasma pode ser usada numa máquina de lingotamento contínuo para melhorar a qualidade do aço. Ela permite manter a temperatura estável no reservatório intermediário, ou distribuidor, da máquina. A temperatura estável neste processo, que dura cerca de 2 horas, garante a produção de aço com menor risco de formação de fragmentos cerâmicos, que podem surgir quando o metal esfria. Também previne a segregação de ligas que ocorre quando o metal está superaquecido. Sem o uso do plasma, o superaquecimento é necessário para evitar a solidificação do aço no distribuidor.

Esse tipo de tecnologia é utilizada em siderúrgicas de países desenvolvidos, mas quem quiser usá-la aqui precisa comprar no exterior. “O sucesso da experiência mostrou que é possível instalar uma tocha de plasma numa linha de produção siderúrgica sem a necessidade de contratar uma empresa internacional especializada nessa tecnologia, o que deve baratear custos”, diz Aruy Marotta, coordenador do projeto e pesquisador do Grupo de Física e Tecnologia de Plasma (GFTP) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp. Celso Barbosa, gerente de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento da Villares Metals, destaca os ganhos que a tocha de plasma pode propiciar. “Essa tecnologia nos interessa porque permitirá aperfeiçoar a produção de aços especiais de alta liga, como os usados em válvulas de motores e na indústria aeronáutica”, afirma. “Temos a expectativa de que, com os ganhos de resistência mecânica, seja possível, por exemplo, diminuir o grau de laminação do aço (mais fino e com a mesma dureza)”, afirma. As tochas de plasma funcionam como uma espécie de resistência capaz de produzir temperaturas elevadíssimas, de até 70 mil graus Celsius. Na tocha, o plasma é gerado pela formação de um arco elétrico, como uma espécie de relâmpago contínuo, através da passagem de corrente num gás ionizado – formado por íons (átomos com perda ou ganho de elétrons). Entre as vantagens da tocha de plasma destacam-se a alta eficiência na conversão de energia elétrica em térmica, que pode chegar até 95%, e a possibilidade de uso de qualquer tipo de gás. “Ao contrário da combustão, a energia térmica independe da vazão de gás, há rapidez de resposta e altíssima densidade de potência, resultando em equipamentos mais eficientes”, diz Marotta. Tochas de plasma são utilizadas desde a década de 1960 na metalurgia, para cortar, soldar ou fundir. Também são fundamentais para promover a deposição de camadas metálicas e cerâmicas – turbinas de aviação são revestidas com superfícies cerâmicas com a ajuda dessa tecnologia. Nos últimos tempos, ganharam importância em processos de destruição de resíduos tóxicos e na síntese de novos materiais nanométricos. O projeto de pesquisa originou-se de uma necessidade da indústria. Uma

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carta enviada em 1997 pela Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais (ABM) à professora Cecília Zavaglia, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, fazia uma espécie de chamada a pesquisadores da instituição cujas investigações pudessem resultar em ganhos de competitividade para a indústria. O professor Marotta apresentou um conjunto de três projetos sobre uso de plasma térmico, mas o interesse inicial da ABM acabou não se materializando. Convencido de que seu projeto poderia ter interesse na indústria, Marotta apresentou à Villares Metals uma versão mais específica de seu projeto e indagou se não havia interesse em que participassem do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) da FAPESP. A parceria, celebrada em 1998, dependia da construção do Laboratório de Plasma Industrial (LPI) da Unicamp, que só ficou pronto em 2001, graças a recursos da Finep, CNPq, Unicamp e principalmente da FAPESP. “Em um esforço de 1 década foi construída uma estrutura única para pesquisa e desenvolvimento de tecnologias a plasma de interesse da indústria brasileira, área em que o país tem grande carência”, diz Marotta. Bielo-Rússia - A fase inicial da pesquisa, entre 1999 e 2001, apoiou-se na Bielo-Rússia, país da Europa Oriental e ex-república soviética, em laboratórios do Instituto de Transporte de Massa e Calor da Academia de Ciências (HMTI, na sigla em inglês). Marotta, pioneiro nessa linha de investigação no país, mantinha desde meados dos anos 1980 uma produtiva colaboração com pesquisadores da antiga União Soviética, onde estudou. Essa proximidade impulsionou a parceria brasileira com vários pesquisadores soviéticos, que rendeu intenso intercâmbio científico e tecnológico. A segunda fase do projeto, já na Unicamp, transcorreu entre 2001 e 2003, com o desenvolvimento no LPI de uma fonte de plasma com 500 quilovolts-ampère (kVA) de potência, tochas de plasma e equipamentos correlatos – talhados para o projeto Pite com a Villares. A última fase previa a montagem e teste de todo o sistema industrial a plasma na linha de produção da Villares Metals. Ocorre que, quando o

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O PROJETO Aplicação das tochas de plasma em processos siderúrgicos

MODALIDADE

Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) COORDENADORES

ARUY MAROTTA – Instituto de Física – Unicamp INVESTIMENTO

R$ 371.403,00 (Villares) R$ 310.500,00 e US$ 305.000,00 (FAPESP)

camp para uma planta piloto”, diz Barbosa. “A instalação e operação de uma tocha de plasma, desenvolvida por uma equipe brasileira, numa indústria de grande porte é fato inédito no país”, diz Aruy Marotta. Marotta e sua equipe trabalham atualmente no LPI em um projeto do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) com a empresa Siderol, na reciclagem de aço rápido contido em resíduos de lama oriunda da indústria de ferramentas. Esse aço, que possui alto valor agregado devido aos elementos de liga, é atualmente descartado como rejeito. Em um forno a plasma, o aço é separado da lama que contém óleo e cerâmica abrasiva. Esse projeto é um desdobramento da tecnologia gerada no projeto Pite. “É de vital importância a continuação e o crescimento das atividades do LPI, com criação de recursos humanos e novas tecnologias para a indústria brasileira”, ■ afirma o pesquisador.

projeto estava próximo de sua conclusão, a empresa decidiu adiar sua implantação, pois isso requereria investimentos elevados na alteração da configuração da planta industrial. “Temos a expectativa de realizar essa etapa a partir de 2010”, diz Celso Barbosa, da Villares Metals. Enquanto o projeto era desenvolvido, a empresa brasileira, que pertencia à família Villares, foi vendida ao grupo espanhol Sidenor. Atualmente pertence à multinacional austríaca Böhler-Uddeholn. A empresa dispõe de apenas uma máquina de lingotamento contínuo de aços em produção industrial. Por isso, o sistema foi instalado e testado em condições reais de operação, mas fora da linha de produção, usando o mesmo distribuidor de 3 toneladas de aço líquido. Apesar do adiamento na implantação, a Villares avalia que o projeto foi encerrado com êxito tecnológico. “Trata-se de um projeto tecnológico industrial de grande porte. Foi um grande desafio desenvolvê-lo e transferi-lo da bancada dos laboratórios da UniInteresse industrial: resistência mecânica PESQUISA FAPESP 146

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HUMANIDADES

POLÍTICA ACADÊMICA

Limites desafiados Estudos comparam desempenho de alunos beneficiados por ações afirmativas e mostram como vários obtêm sucesso acadêmico Fabrício Marques PESQUISA FAPESP 146

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á uma novidade no debate sobre os programas de ação afirmativa para ingresso no ensino superior brasileiro. Um conjunto de estudos acadêmicos sobre o desempenho dos estudantes beneficiados, notadamente egressos de escolas públicas e grupos étnicos socialmente desfavorecidos, começa a avaliar a eficiência das iniciativas adotadas por mais de 40 universidades brasileiras. Os programas se dividem em dois grandes grupos. De um lado há os sistemas de cotas, que em geral reservam porcentuais de vagas nos processos seletivos para alunos pobres e/ou negros e índios. Inaugurados entre 2002 e 2003 em universidades estaduais do Mato Grosso do Sul e do Rio de Janeiro, hoje vigoram em dezenas de instituições, sobretudo universidades federais. De outro há um sistema de bonificação de pontos no vestibular para alunos de escolas públicas e também os autodeclarados negros, pardos e indígenas, instituído em 2004 pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e adotado, com variações, pela Universidade de São Paulo (USP), pelas universidades federais Fluminense (UFF), do Rio Grande do Norte (UFRN) e de Pernambuco (UFPE) e pelas faculdades de tecnologia paulistas, as Fatecs. Tal sistema não estabelece uma quantidade mínima de vagas, mas amplia as chances de ingresso desses grupos via vestibular. Do ponto de vista do desempenho dos alunos, os resultados mais expressivos foram os obtidos no sistema da Unicamp. Um artigo publicado em edição recente da Higher Education Management and Policy, publicação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apresenta os dados que embasaram a criação da bonificação de pontos e também seus primeiros resultados. O estudo mostra que para os estudantes que entraram na Unicamp entre 1994 e 1997 aqueles oriundos de escolas públicas tiveram desempenho acadêmico superior aos egressos de colégios privados, considerando-se para ambos os grupos

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jovens que entraram na universidade com notas no vestibular na mesma faixa. O fenômeno, chamado de “resiliência educacional”, é conhecido dos educadores e indica a capacidade do aluno de obter sucesso acadêmico e social apesar da exposição a adversidades pessoais e sociais. Entre as explicações possíveis destaca-se o traquejo especial dos alunos pobres, porém bem formados, para enfrentar situações desfavoráveis, uma qualidade valiosa no ambiente competitivo de uma universidade de pesquisa que nem sempre é compartilhada com os colegas de classe média, em geral poupados das adversidades por suas famílias. As evidências sobre esse comportamento ajudaram a moldar o Paais (Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social), que a partir de 2004 passou a beneficiar com 30 pontos os egressos de escolas públicas e em mais 10 pontos os negros e índios – esse bônus é aplicado sobre um referencial de 500 pontos, atribuído à média do desempenho de todos os alunos em cada prova. A escolha dessa faixa de pontuação não foi casual. Trata-se de uma espécie de zona de empate técnico do vestibular, dentro da qual a oscilação de desempe-

nho dos candidatos não indica propriamente uma vantagem – caso os mesmos candidatos submetam-se a sucessivos exames, suas colocações costumam variar dentro dessa área cinzenta. A idéia, portanto, era privilegiar alunos de escolas públicas, negros e índios apenas como critério de desempate dentro de uma amostra de candidatos com rendimentos acadêmicos muito semelhantes. “O que os nossos dados mostravam é que, para além da questão da inclusão social e da promoção da diversidade, essa fórmula também interessava à Unicamp do ponto de vista acadêmico, uma vez que historicamente os alunos oriundos da escola pública apresentavam um desempenho crescente em relação aos do ensino privado com nível equivalente de conhecimento”, diz Renato Pedrosa, autor principal do artigo e professor do Instituto de Matemática, Estatística e Computação Científica (Imecc) da Unicamp. m 2005, primeiro ano de implantação do programa, a admissão na Unicamp de alunos oriundos de escolas públicas cresceu de 29,6% do total para 34,1%. E a participação não se limitava aos cursos de baixa procura, co-

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que beneficia estudantes de alto potencial e garante a diversidade no ambiente acadêmico”, diz Renato Pedrosa. m 2006, a Universidade de São Paulo decidiu adotar modelo semelhante ao da Unicamp, batizado de Inclusp, que confere um bônus de 3% nas notas das duas fases do vestibular para candidatos que fizeram todo o ensino médio em escolas públicas. Das matrículas feitas em 2007, 2.719 foram de alunos vindos do ensino público, o equivalente a 26,7% do total. O índice superou o dos últimos anos – em 2006 foi de 24,7%, o equivalente a 2.448 alunos. No curso de direito da USP, por exemplo, o número de alunos egressos da escola pública saltou de 43 em 2006 para 76 em 2007. No curso de medicina foram 28 em 2007, diante de apenas 9 em 2006. Dados sobre o desempenho após o primeiro ano de faculdade mostram que os dois grupos, os que receberam bônus e os que não receberam, tiveram rendimento acadêmico equivalente. No curso de medicina, a média da turma do Inclusp foi de 7,2, idêntica à dos demais estudantes. No de direito também houve empate: a nota média dos dois grupos foi de 7,2. Já no desem-

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mo é habitual. Trinta e quatro dos 110 estudantes admitidos nos cursos mais seletivos, como o de medicina, vieram do ensino público. O ingresso de negros e índios cresceu 44% em relação aos 2 anos anteriores, subindo de 10,9% para 15,7% do total – um índice, porém, ainda abaixo dos 23% de matriculados do ensino médio do estado de São Paulo que pertencem a essas etnias. O dado mais significativo foi o desempenho dos egressos de escolas públicas no primeiro ano de faculdade. No ranking do vestibular, eles tiveram médias superiores às de colegas formados em escolas privadas em apenas quatro dos 56 cursos. Mas, ao cabo de 1 ano de estudo, as médias desses mesmos jovens já eram superiores em 31 dos cursos quando comparados ao grupo vindo do ensino particular. No curso de medicina os egressos da escola pública tiveram 7,9 de média, enquanto a nota de seus colegas ficou em 7,6. Resultados preliminares do ano de 2006 e 2007 indicam rendimento equivalente. “Do ponto de vista da formulação de políticas públicas, nossa abordagem é uma clara alternativa aos sistemas de cotas adotados por muitas universidades, pois desenvolve um novo conceito de mérito

penho geral dos alunos da instituição em 2007 os beneficiados pelos bônus tiveram nota média de 6,3, ante 6,2 dos demais. “Esses resultados mostram que as hipóteses que nortearam o programa fazem sentido, mas ainda precisamos avaliar mais anos para tirar conclusões de uma série histórica”, diz Selma Garrido Pimenta, pró-reitora de Graduação da USP. “O Inclusp está aproximando a universidade da rede pública de ensino como queríamos. Muitos alunos de escolas públicas nem sequer cogitavam de participar do nosso vestibular, como se não tivessem chance. Os primeiros resultados mostram que não apenas eles conseguem entrar como têm oportunidade de se adaptar ao ambiente competitivo que rege a universidade.” A USP, que optou por não oferecer bônus para minorias étnicas, vai reforçar ainda mais sua ação afirmativa. No mês passado foi aprovada a criação de uma avaliação seriada dos alunos dos 3 anos do ensino médio de escolas públicas paulistas. Os estudantes que quiserem participar dessas provas anuais e tiverem bom desempenho irão ganhar um bônus extra no vestibular regular, além dos 3% concedidos atualmente. Tanto a USP como a Unicamp evitaram adotar sistemas de cotas, por considerá-los inconciliáveis com o consagrado conceito do reconhecimento por mérito que permeia suas relações acadêmicas. O temor é que o ingresso de estudantes com formação deficiente beneficiados por reservas fixas de vagas cause prejuízos à excelência do ensino e da pesquisa – USP e Unicamp são responsáveis por mais de um terço da produção acadêmica do país. “No debate sobre ações afirmativas há uma discussão de fundo, que é o papel que universidades de pesquisa como a Unicamp devem desempenhar na sociedade”, afirma Leandro Tessler, coordenador executivo do vestibular da Unicamp e professor do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW). “Tem gente que acha que essa função é promover inclusão social. Nós achamos que o objetivo deve ser atrair os jovens PESQUISA FAPESP 146

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mais talentosos, tanto que realizamos o vestibular em 20 cidades em nove estados do país, e garantir a sua diversidade”, afirma Tessler. Os simpatizantes das cotas, naturalmente, têm outro ponto de vista. “As experiências com cotas e outras iniciativas parecem mostrar que é possível atrair alunos vindos de escolas públicas com qualidade semelhante aos oriundos de escolas privadas, mesmo que eles não estejam listados no topo do vestibular”, diz Antonio Sergio Alfredo Guimarães, professor da USP, que é um estudioso das ações afirmativas e especialista em sociologia das relações raciais. “Em muitos casos, não falta capacidade de aprender, pois a motivação e o desempenho durante o curso compensam deficiências de formação. Nossa sociedade está cada vez mais democrática e há uma questão de princípio: a finalidade é aumentar a inclusão e fazer com que a elite intelectual não se confunda com a elite econômica, que pessoas talentosas mas pobres não sejam simplesmente barradas. Essa perversão do sistema é o que se busca corrigir.” Se há um consenso entre os que defendem e os que se contrapõem às cotas, é que a raiz do problema está na péssima formação oferecida pela maioria das escolas públicas de ensino fundamental e médio. Mas os defensores 98

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não vêem sentido em esperar para que essa mazela histórica seja resolvida. “As estatísticas são eloqüentes. O ingresso ao ensino superior brasileiro é alcançado por apenas 7,1% dos brasileiros entre 18 e 25 anos, mas entre os brancos nessa faixa de idade o acesso à universidade chega a 11,2%, enquanto entre os negros não passa de 2,3%”, diz André Brandão, professor da Universidade Federal Fluminense e organizador do livro Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação, compilação de artigos com experiências de várias universidades, lançado em 2007. desempenho no vestibular dos estudantes beneficiados por sistemas de cotas sociais ou raciais é, na maioria dos exemplos já estudados, inferior ao obtido pelo sistema de bônus adotado na Unicamp, com destaque para os chamados cursos de alto prestígio, em que a disputa por uma vaga é mais acirrada. Mas as avaliações disponíveis não chegam a confirmar o temor de que os cotistas seriam incapazes de acompanhar o ritmo dos demais estudantes ou de que haveria um impacto imediato na qualidade do ensino. Um grupo liderado pelo professor Jacques Velloso, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, acompanha desde 2004 o desempenho de cotistas (20% das vagas são reserva-

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das para negros e pardos) e de nãocotistas na instituição e já produziu um robusto conjunto de estudos sobre o tema. A análise da evasão de alunos no ano de 2005 mostra que, ao contrário do esperado, o índice de beneficiados por cotas que abandonaram o curso foi de 9% do total, diante de 16% entre os não-cotistas – o que também pode ser interpretado como uma manifestação da resiliência educacional. “Uma possível explicação é de que o baixo rendimento nas disciplinas, em geral a causa da evasão, esteja mais relacionado à desmotivação do aluno do que a uma presumida incapacidade acadêmica para concluir o curso”, diz Claudete Batista Cardoso, em sua dissertação de mestrado que avaliou o sistema de cotas da UnB, orientada por Velloso. Paradoxalmente, o abandono é maior nos cursos de menor prestígio social, justamente aqueles procurados pelos negros e pardos, provavelmente pelo escasso retorno financeiro conferido pela carreira. Nos cursos de menor prestígio (as licenciaturas), a evasão chegou a 17%, ante 10% nos cursos mais valorizados (os bacharelados). Na UnB, o índice de rendimento acadêmico dos estudantes que haviam ingressado no segundo semestre de 2004 revelou que o rendimento dos cotistas é, de modo geral, menor que os de não-cotistas. “Mas igualmente mostrou que em todos os grupos de cursos há estudantes negros com elevado rendimento e que, na maioria dos grupos, entre um terço e quase metade dos cotistas tiveram rendimento superior à mediana do curso, atingindo excepcionais 70% na medicina”, sustenta Velloso. “Os dados surpreendem, mas nem tanto, quando se considera que os cotistas aprovados constituem uma elite social em seu segmento, ainda que uma segunda elite quando comparada à dos não-negros universitários”, diz. Os negros, como se sabe, abandonam a escola antes dos brancos e apenas uma parte deles conclui o ensino médio e se habilita a ingressar na universidade. Segundo dados de 2001 do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), os negros são 12% dos alunos que concluem a 4ª série em escolas públicas e privadas. Mas, entre os que concluem o 3º ano do ensino médio, há apenas 6% de alunos que se declaram negros.

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Em 2004 o desempenho médio dos candidatos do sistema de cotas da UnB no vestibular foi inferior ou bastante inferior ao dos demais nas três áreas do conhecimento – Humanidades, Ciências e Saúde. Considerando os grupos de prestígio social mais alto dos cursos em cada uma dessas áreas, as diferenças ficaram em torno de 25%. Nos grupos de baixo prestígio das três áreas as distâncias foram menores, abaixo de 20%. O panorama do desempenho se alterou drasticamente no vestibular de 2005. As maiores distâncias entre candidatos de ambos os segmentos passaram a ser iguais ou menores que apenas 10%. “Nos cursos de alto prestígio das Humanidades as médias das notas dos cotistas foram apenas 1% inferiores às de seus colegas do sistema universal, ou seja, não houve diferenças com significado substantivo entre ambos os grupos”, diz Velloso. Uma possível explicação para a mudança foi a

As avaliações não confirmam o temor de que os beneficiados por cotas seriam incapazes de acompanhar o ritmo acadêmico. A evasão, ao contrário do esperado, foi menor entre cotistas da UnB, em relação aos demais estudantes

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atração de negros com padrão socioeconômico mais elevado, que se animaram a disputar o vestibular estimulados pela cobertura da mídia sobre o programa de cotas. s dados disponíveis mostram uma variabilidade de desempenho muito grande entre as universidades que adotaram cotas raciais ou sociais, mas a esperada deterioração do nível acadêmico parece não ter ocorrido na maioria das instituições. É certo que há dados preocupantes: no vestibular de 2003 da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em dez cursos, ingressaram cotistas (cotas para escola pública e, dentro desta, para negros) que obtiveram entre 4 e 7 pontos nos exames, de um total de 110 possíveis. Um estudo feito em 2006 pelo historiador Wilson de Mattos na Universidade do Estado da Bahia (Uneb) chegou a um resultado mais animador ao comparar médias de rendimento no curso dos que optaram pela reserva de vagas para negros com médias dos demais estudantes. Numa amostra de 11 departamentos dos diversos campi da instituição, considerando as médias por departamento e o rendimento no primeiro e segundo semestres de 2003, as notas dos cotistas geralmente se diferenciavam das dos demais estudantes por apenas alguns décimos de pontos a menos. Em dois departamentos as médias dos negros foram superiores às dos demais alunos também por alguns décimos. Uma pesquisa de opinião feita com 557 docentes de quatro universidades que adotaram cotas, a UnB, a Federal de Alagoas (Ufal), a Estadual da Bahia (Uneb) e a Uerj, sugere que o sistema foi bem aceito entre os professores. Apenas 9,7% consideraram que o nível acadêmico piorou. A maioria, de 79,6%, disse que permaneceu igual e 10,7% acharam que melhorou. A pesquisa foi feita pelos pesquisadores André Brandão, José Luís Petruccelli e Renato Ferreira, do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj. Os exemplos de sistemas de cotas que privilegiam prioritariamente os alunos de escolas públicas despontam como os mais bem aceitos, enquanto os que instituem cotas raciais estão mais sujeitos a controvérsias. Um dos modelos mais polêmicos é o de cotas raciais

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minense (Uenf) modificaram seus sistemas no ano seguinte à implantação, transformando as cotas de negros em subcotas dos alunos de escolas públicas e exigindo comprovação de carência dos candidatos – houve a percepção de que, no primeiro vestibular, apenas negros de origem socioeconômica privilegiada haviam obtido êxito no vestibular. As experiências variam de acordo com necessidades regionais. A Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Uems) reserva 20% de vagas para negros e 10% para indígenas. A Universidade Federal de Alagoas também instituiu uma divisão peculiar. Há reserva de 20% das vagas para estudantes negros e pardos que estudaram em escolas públicas, mas há um crivo de gênero – desse total, 60% cabem a mulheres afrodescendentes e 40% a homens. experiência internacional mostra que não existe um modelo ideal de ação afirmativa. As cotas raciais estão cristalizadas em países com forte desigualdade social e tensão racial, caso da África do Sul e da Índia. Tratamentos preferenciais e reservas de vagas existem em Israel, na China, na Austrália, nas Ilhas Fiji, no Canadá, no Paquistão, na Nova Zelândia e nos Estados sucessores da União Soviética. Em Israel, medidas especiais foram adotadas para acolher os falashas, judeus de origem etíope. Na Alemanha e na Nigéria existem ações afirmativas para as mulheres; na Colômbia para os de origem indígena; no Canadá para indígenas, mulheres e negros. Em Portugal há reserva de vagas em universidades para estudantes oriundos das antigas colônias portuguesas da África. Na África do Sul a Constituição de 1996 determina a utilização das políticas de ação afirmativa para garantia de acesso às diversas instâncias para os negros vítimas do regime do apartheid. “Por mais que sejam freqüentes, os programas de ação afirmativa surgem com um caráter provisório, não sendo desejável, para a maioria de seus promotores, proclamar ações afirmativas como um princípio ou um aspecto permanente da sociedade”, observou Eglaisa Pontes Cunha, autora de uma dissertação de mestrado sobre o desempenho de cotistas da UnB, defendida na instituição em 2006.

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da UnB, que, em vez de adotar o critério da autodeclaração de etnia, empregava até o ano passado um sistema de avaliação de fotos de candidatos a cotas. O sistema de fotos foi abolido em 2008, mas vigora a ameaça de desclassificação para candidatos cuja declaração de etnia seja considerada fraudulenta, decisão especialmente difícil num país miscigenado como o Brasil. A Ufba optou por colocar os autodeclarados negros como uma subcota dentro da cota de 45% de alunos de escolas públicas – e não tem tido dificuldade de ocupar as vagas com esse duplo crivo. “Como estão recrutando pessoas de um mesmo estrato, faz pouca diferença se há exageros na autodeclaração”, afirma o professor Antônio Guimarães, da USP. A Uerj e a Universidade Estadual do Norte Flu100

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Nos Estados Unidos, país usualmente apontado como patrono de cotas, a situação é bem mais complexa do que sugere o senso comum. A rigor, a reserva de vagas para minorias étnicas está proibida desde 1978, quando a Suprema Corte julgou o rumoroso caso Bakke vs. diretores da Universidade da Califórnia. Depois de ter sido recusado pela escola de medicina da Universidade da Califórnia, em Davis, Allan Bakke, um homem branco, moveu ação judicial alegando que sofreu discriminação racial. Venceu na Justiça comum e a universidade recorreu. Em 1978, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu em favor de Bakke e classificou como inconstitucionais os programas de admissão que reservam vagas com base na raça. Mas a decisão favoreceu as ações afirmativas, permitindo que as escolas considerem a raça como um dos fatores contemplados nos processos de admissão. Os sistemas de seleção norteamericanos, que variam de estado para estado e de instituição para instituição, admitem o exercício de uma série de ações afirmativas. Boa parte dos estados concede benefícios a seus próprios cidadãos, na forma de pontos e de um preço acessível das mensalidades (lá, o ensino é pago), e mantém esquemas para garantir a diversidade étnica em seus campi. As universidades estaduais da Califórnia, por exemplo, são obrigadas por lei a receber os 12% de estudantes formados com as melhores notas em suas escolas públicas estaduais. No caso brasileiro, uma avaliação mais efetiva de programas de ação afirmativa só será possível no horizonte de alguns anos. Ocorre que, nos últimos 2 anos, vêm sendo detectadas transformações no perfil da demanda cujos efeitos ainda não são claros. Os dados da Universidade de Brasília sobre o ano de 2006, compilados na dissertação de mestrado defendida no mês passado por Claudete Batista Cardoso, mostram que o porcentual de inscritos para as cotas evoluiu de 15% do total em 2004 para 17% em 2005, caindo abruptamente para apenas 10% em 2006. Segundo Claudete, uma possível explicação para esse comportamento é que ele tenha sofrido influência da forte expansão de vagas no ensino privado no Distrito Federal, associado ao advento do Programa Universidade para Todos

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(ProUni), que distribui bolsas no ensino privado para alunos carentes. “Como entre os cotistas uma parcela ponderável tem nível social bem inferior ao dos não-cotistas, o que influi negativamente nas suas chances de aprovação em exames muito competitivos, é possível que muitos dos que pensavam em se inscrever nas cotas da UnB tenham passado a procurar bolsas do ProUni”, afirma Claudete. No vestibular da USP, a despeito do advento do programa de ação afirmativa Inclusp, o número de alunos oriundos da escola pública caiu de 49.340 em 2006 para 46.309 em 2007 – resultado atribuído ao aumento da oferta de vagas na rede privada de ensino superior e ao sucesso do ProUni. utras evidências sugerem, contudo, que os programas de ação afirmativa não sofrerão abalo em suas premissas. Estudos feitos por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da UnB sugerem que uma eventual multiplicação do número de vagas nas universidades federais, como promete o Ministério da Educação para os próximos anos, teria pouco efeito na redução da desigualdade racial. As simulações mostram que, se o número de vagas oferecidas pelas duas instituições dobrasse repentinamente e não houvesse cotas, a proporção de negros aprovados praticamente não sofreria alteração. “Essa evidência obtida indica claramente que, mesmo com uma forte

candidatos interessados nas ações afirmativas caiu no ano passado em várias universidades públicas. Uma explicação possível é a concorrência do ProUni, que oferece bolsas de estudo em faculdades privadas

ampliação das vagas, as chances de ingresso de jovens negros pouco se alterariam”, afirma o professor Jacques Velloso, da UnB . “A evidência também contribui para situar as cotas em sua perspectiva, que tem dois lados. Primeiro, elas consistem num ajuste marginal, embora necessário, de desigualdades sociais e raciais pregressas. Segundo, a de que é indispensável democratizar efetivamente a educação básica pública, oferecendo um ensino de qualidade a todos os que, em virtude da cor da pele e de seu estrato social, não costumam ter acesso a ela.” Como observa o sociólogo José de Souza Martins, professor titular aposentado da USP e um crítico de ações afirmativas, cotas e bônus estão longe de tocar no problema principal. “Justiça se faz melhorando a qualidade do ensino e dando oportunidades igualitárias para todos, não só para alguns. Expedientes como cotas remendam a desigualdade e não resolvem problema algum”, afirma Martins. “A Lei de Diretrizes e Bases da Educação estabeleceu que o Brasil devia instituir a partir de 2002 a escola em tempo integral até o ensino médio. Não aconteceu. No lugar disso, fizeram a discussão sobre cotas. O que se propõe é recrutar estudantes com menor potencial e deixar de fora os com maior potencial. O que a sociedade ganha com isso? Não ganha nada. Ela faz de conta que fez justiça”, diz o professor. ■

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lançamento em março dos seis primeiros volumes da reedição completa da obra do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) pela Companhia das Letras – prevista para ser concluída em 2012, com 32 títulos – não é só o mais ambicioso projeto editorial da empresa como também o mais desafiador. Pretende ser uma bandeira a favor de uma releitura crítica e para dar ao pai de Gabriela, Tieta e Dona Flor, entre tantos outros personagens, o valor literário que acredita merecer. Depois de 33 anos, Amado deixa a carioca Record e migra para São Paulo. Sua nova editora venceu em agosto do ano passado a disputa pela obra, cobiçada por outras seis concorrentes. Atrair a inteligência brasileira custará um investimento paralelo em promoções que vão de palestras e seminários com respeitados escritores e artistas a shows, exibições de filmes e até versões em histórias em quadrinhos de alguns romances – no momento, o cartunista Spacca prepara “Jubiabá”, em parceria com Lilia Schwarcz. Lilia, aliás, é a coordenadora editorial da empreitada, ao lado do diplomata e escritor Alberto da Costa e Silva, considerado a maior autoridade viva em África no Brasil e um dos mais importantes intelectuais do país. A estratégia é ambiciosa. Desde meados de março, grandes livrarias foram ocupadas por expositores de chão e de balcão, além de livretos com trechos dos primeiros livros distribuídos como cortesia aos clientes. A frente de ataque inclui campanha publicitária em jornais, revistas e internet, com fotos e depoimentos de quem admira seus livros. A editora recorreu ao aval às vezes entusiasmado de nomes como Rubem Fonseca: “Suas esplêndidas histórias retratam de maneira comovente o nosso país e o nosso povo, com uma universalidade capaz de encantar leitores de todo o mundo”. Ao seu estilo, José Saramago observa: “Em Jorge, a arte de fazer-se amar era espontânea, nunca premeditada”. O editor Thyago Nogueira observa com entusiasmo: “Queremos fazer com que as pessoas leiam seus livros, vamos estimular o debate, por isso também estamos produzindo posfácios especiais para cada livro”. E acrescenta: “Faremos capacitação de professores pelo Brasil, material de apoio escolar, shows etc. Vamos buscar novos leitores entre os jovens e não tão jovens. Daí atividades como concurso para professores e alunos”. Na verdade, os desafios são dois. Além do respeito crítico, tornar Amado um bom negócio outra vez – embora suas vendas continuem expressivas – junto aos leitores mais jovens, como a editora conseguiu fazer com Nelson Rodrigues na década de 1990. Alberto da Costa e Silva sabe que vender o escritor para os formadores de opinião exigirá persistência. Para ele, o aspecto político de seus livros foi importante somente em determinada época, bem específica, o que não justifica o rótulo de autor engajado. “Sua criação sobrevive às vicissitudes da política.” Ele prefere lembrar que existe uma aceitação muito grande em determinados setores e épocas. “Sua obra é estimada e admirada por companheiros de sua

Jorge? Reedição de obra completa propõe revisão crítica de um dos escritores mais populares do Brasil Gonçalo Junior

Jorge Amado: ligação eficiente entre literatura e público leitor

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ge é antiformalista por natureza. Do mesmo modo que é difícil estudar a poesia de Manuel Bandeira e de Cecília Meireles, é mais fácil se ater a João Cabral de Melo Neto, porque ele tem características formais muito claras. Ou seja, há mais chances de se fazer um trabalho brilhante com pouco esforço de um autor de altíssima qualidade e com originalidade como Guimarães Rosa.” Jorge entra nesse segundo grupo. “No seu caso, é preciso ter profundos conhecimentos de sociologia e antropologia. Em seus livros sobressai o Brasil feérico, duro, de encontro de misturas a partir de seus desencontros. Os que implicam e até desprezam seus livros não têm a sensibilidade especial que se precisa ter com a vida em si e não exclusivamente com a literatura.” crítico e escritor José Castello concorda que Amado pagou um preço alto pela sua militância. “Até hoje, mesmo morto, continua a pagar. É um caso parecido com o de Saramago, outro comunista declarado. Os dois sofrem a força de preconceitos extraliterários que machucam e diminuem suas literaturas. É muito injusto isso. É claro que se pode não gostar do Amado, ou do Saramago, mas não porque sejam comunistas. Ou porque sejam cristãos, ou islâmicos, ou ateus, ou conservadores, ou até fascistas. Céline foi fascista e, apesar disso, um gênio.” Castello diz que ocorre que o meio literário, ainda hoje, está muito contaminado por questões e birras ideológicas que se disfarçam sob a capa luxuosa das “posições teóricas”. “As pessoas andam em grupos fechados, só consideram seus pares, só buscam o igual e a repetição.” Na academia há também defensores entusiasmados do escritor baiano. O alemão Claudius Armbruster, professor de filologia romanística e diretor do Instituto Português-Brasileiro da Universidade de Colônia, focou em seu pós-doutorado sobre literatura brasileira – defendida na Universidade Federal da Bahia (UFBA) – o papel da miscigenação na obra de Jorge Amado. Ele considera exagerada a tese do preconceito a Amado por causa de sua militância comunista. “Na realidade, apesar do seu envolvimento com a política, ele sempre foi um escritor de muito êxito, tanto em relação à crítica quanto financeiramen-

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Caneta mágica: em seus livros sobressai o Brasil feérico. Ao lado, Jorge e a mulher, a também escritora Zélia Gattai

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geração e pelos mais importantes autores das duas gerações seguintes.” O diplomata admite que existe sim certa resistência da universidade e de parte da crítica a escritores que fazem sucesso popular. “Sua obra é rica de matizes, cores e até mesmo serve como exemplo de determinada interpretação do Brasil.” A academia, afirma Costa e Silva, tem, na verdade, dificuldade em se debruçar sobre a obra de Amado. “Acontece que determinados setores intelectuais têm fascínio pelo formalismo e JorPESQUISA FAPESP 146

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te.” O pesquisador aponta de relevante na obra do escritor o fato de expressar seu valor literário por meio da mistura de cultura popular, vozes orais, contextos políticos e “legibilidade”. Mara Rosângela Ferraro Nita, que desenvolve o doutorado “Jogo de espelhos: A ilustração e a prosa de ficção de Graciliano Ramos, José Lins do Rego e Jorge Amado” no Instituto de Artes da Unicamp, tem como objeto central a ilustração literária. Ela conta que havia lido algumas obras de Jorge Amado antes de iniciar a pesquisa e sabia do descaso de grande parte da crítica para com a produção do escritor baiano. “Talvez esta opinião desfavorável não tenha me afetado porque sou uma leitora comum, sem formação na área de estudos literários. Confesso ainda que o meu interesse inicial era voltado para as magníficas edições ilustradas do autor publicadas pelas editoras Ariel, Record e Martins, especialmente.” No entanto, ao longo do trabalho foi se afeiçoando à prosa de ficção de Jorge Amado. Em Jorge Amado: romance em tempo de utopia – tese que virou livro pela editora Record, em 1996 –, Eduardo de Assis Duarte faz uma reflexão sobre o contexto de produção das obras de Amado e, principalmente, analisa em que medida o pensamento de esquerda interferiu na escrita dos primeiros romances, de País do Carnaval (1931) a Os subterrâneos da liberdade (1954). Ele destaca as nuances existentes quanto ao acatamento (ou não) das diretrizes da chamada “estética de partido”. Nos anos 1930, explica ele, a radicalização ideológica impunha aos artistas e intelectuais o desafio de se posicionarem politicamente. Esse engajamento está presente tanto na crítica social quanto em termos de idealização do povo e da militância, sobretudo seus líderes, como Prestes, O Cavaleiro da Esperança. Ele mostra que Amado não faz “realismo socialista” strictu senso. Em Seara vermelha, por exemplo, há fortes críticas à auto-suficiência e aos equívocos dos dirigentes na condução da chamada intentona comunista de 1935. Jorge Amado, observa Ilana Seltzer Goldstein, seja como militante político no início da carreira, seja como romancista que cantava o povo mestiçado, suas festas e seus sabores, sempre discutiu questões ligadas à identidade na-

cional. “Foi essa a motivação que me levou a realizar um estudo sobre ele no âmbito das ciências sociais, enfocando a imagem de Brasil que o escritor baiano ajudou a construir.” Para sua surpresa, encontrou “pouquíssimas” teses e dissertações de sociólogos, antropólogos e historiadores brasileiros sobre ele, talvez duas ou três. “Isso só aumentou meu interesse”, observa ela, que, no momento, é consultora da Companhia das Letras para a coleção de Amado. e acordo com dados que a editora enviou a Ilana, somente entre 1975 e 1995, o total de exemplares vendidos no Brasil chegava a 20.050.500. Ela ressalta que, além dos romances, Jorge Amado escreveu mais de uma centena de artigos sobre temas os mais variados, como jornalista e colaborador de periódicos, e ocupou diversas posições no campo intelectual, entre as quais a de crítico, prefaciador e membro de academias de letras. Sem mencionar as adaptações de sua obra para a televisão, bem como as homenagens e conferências fora do país, em que o romancista baiano era como uma espécie de embaixador simbólico do Brasil.Tudo isso fez de Jorge Amado um grande formador de opinião, um homem público cujas idéias tiveram grande penetração em várias camadas da população e em várias regiões do Brasil e do mundo. O preconceito em relação a Jorge Amado não existe, na opinião da dou-

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tora em história Ana Paula Palamartchuk, autora de Os novos bárbaros: escritores e comunismo no Brasil (19281948). Ela admite, no entanto, que há uma memória construída da sua trajetória que lida mal com sua fase de militância comunista, ora atribuindo um valor excessivo, ora subestimando o papel da militância na sua experiência literária. O próprio Amado corroborou nesse sentido, diz ela. O mundo da paz (1952), relato de viagem à URSS, foi publicado “como uma contribuição à luta pela paz. Eu o escrevi como homenagem de um escritor brasileiro ao camarada Stalin, no seu 70º aniversário, sábio dirigente dos povos do mundo na luta pela felicidade do homem sobre a terra”, como escreve o autor. Anos mais tarde, em seu livro de memórias, Navegação de cabotagem (1992), ele comenta: “Retirei O mundo da paz de circulação, risquei-o da relação de minhas obras, busco esquecêlo...”. “A militância política, porém, é ato contínuo à sua criação literária, especialmente no período entre 1933, com a publicação de Cacau, e 1954, quando publicou a trilogia Os subterrâneos da liberdade. “No período posterior, quando se afasta do Partido Comunista, essa militância política aparece em sua obra como ausência, em uma tentativa de dar outro sentido à sua trajetória anterior. Essa ausência é compensada pelo povo e pelo popular que tentam articular o conjunto de sua obra.” ■

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ANTROPOLOGIA

Pátria, substantivo feminino Pesquisa coloca em xeque motivação real e resultados de políticas contra tráfico de mulheres Carlos Haag

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uma sintomática analogia com as relações cotidianas de gênero, milhares de homens se armam até os dentes e entram em guerra para defender a pátria, curiosamente um substantivo feminino, não apenas em português, tantas vezes retratada em vários países como uma mulher. Infelizmente, o mesmo entusiasmo dos campos de batalha é repetido em casa quando a guerra termina, num registro análogo das divisões sexuais do dia-a-dia. Basta lembrar como, após a Segunda Guerra Mundial, na França (para citar apenas um exemplo), milhares de mulheres que haviam se relacionado com soldados alemães foram humilhadas em praça pública pelo simples fato de terem amado o inimigo. No entanto a maioria dos homens sérios que fizeram negócios lucrativos com os invasores escaparam ilesos. Era mais fácil e “lógico” jogar a ira pela pátria ofendida sobre as mulheres que haviam “maculado” a honra do Estado. Hoje esse padrão parece estar se repetindo em outras searas, dessa vez sob o manto de preocupações humanitá-

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rias. De novelas globais até manchetes contínuas na mídia, o tráfico de mulheres está provocando um pânico moral e real. Mas qual será a dimensão desse fenômeno e qual o interesse subjacente a essa questão? Longe de negar a existência do tráfico, um casal de pesquisadores, um americano e uma brasileira, Ana Paula da Silva e Thaddeus Blanchette, ambos doutores pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foram a campo para trazer novos pontos de vista à discussão, com resultados inovadores. “A mulher solteira, em especial a jovem, ocupa um espaço privilegiado nos discursos sobre os perigos da imigração. Ela costuma ser apresentada como alguém que seria exposta aos perigos da escravidão sexual, uma vez esteja fora da rede protetora da família e longe do olhar do governo de seu país de nascimento”, observam os autores, mais conhecidos pelo seu artigo “Nossa Senhora da Help: sexo, turismo e deslocamento transnacional em Copacabana” e que, agora, estão com dois novos artigos, ainda inéditos, fruto de novas pesquisas que problematizam ainda mais a trama que reúne temas

como turismo sexual, prostituição e tráfico de mulheres. Segundo eles, é preciso cautela e rigor científico para tratar do assunto, e não sensacionalismo ou paixão sem bases no real, sob pena de transformar luta por direitos humanos em preconceito e repressão. “Muitas vezes, os projetos imigratórios dessas mulheres é tido como algo que representa um perigo a sua pureza e liberdade. Além disso, a jovem imigrante também é entendida como um perigo à nação”, avisam. “Seu deslocamento internacional representa uma ameaça tanto para o país de recepção quanto para o país de origem, em que ela é vista ora como fonte de possíveis ‘maus costumes’ e/ou ameaças biológicas, ora como ameaça em potencial ao status de seu país de origem, alguém cujo comportamento pode macular a reputação de sua terra natal. Com destaque nesse quadro encontra-se a prostituta”, analisam. Proibida de deslocar-se, ela atrai todo tipo de vigilância e repressão, afirmam. “Mas em suas tentativas de controlar as fronteiras, proteger seus cidadãos e salvaguardar a nação, como é que o Estado pode determinar quem é prostituta e

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LASAR SEGALL, 1891 VILNA – 1957 SÃO PAULO. INTERIOR NO MANGUE, 1949, ÓLEO SOBRE TELA, 71 X 58 CM, COLEÇÃO PARTICULAR, SÃO PAULO

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quem não é. Assim, ao que parece, em vez de descobrir prostitutas em trajetórias de imigração, o Estado as inventa, aplicando um conceito moral e político, previamente formado, a uma grande gama de mulheres que podem ou não estar se prostituindo.” ara os pesquisadores, a discussão perdeu o rumo e se transformou em pânico moral semelhante àquele que tomou conta dos EUA no início do século XX sobre a escravidão branca, por sua vez calcado numa fantasia racial vitoriana que se horrorizava em imaginar mulheres brancas do Império em mãos e camas de colonizados “inferiores”. “Esses discursos têm renascido porque provêm de uma maneira relativamente não contestada de construir filtros adicionais contra o movimento indesejado de imigrantes aos países da Europa Ocidental e América do Norte.” Assim, avisam, a narrativa brasileira do tráfico de mulheres parece estar mais calcada em mitos e estereótipos do que em realidades, já que não existem estatísticas confiáveis ou nenhuma indicação de que uma quantidade assustadora de brasileiras está sendo ludibriada. “Os principais estudos do tráfico no Brasil indicam que a participação de estrangeiros no aliciamento é relativamente baixa. Os mesmos números revelam que se confunde esse problema com a imigração de prostitutas, em que se computam casos de imigração voluntária dessas profissionais como casos de tráficos de mulheres, mesmo quando estes não envolvem violações de direitos humanos.” Os autores advertem que existe uma tendência nesse debate a utilizar termos de denúncia ou acusação como se fossem categorias de análise, uma visão que, ressaltam, está longe de considerar essas mulheres como agentes ativas na construção de seus destinos. “Essa procura de vítimas e vilões oculta o funcionamento das relações que constituem os nexos entre turismo internacional, migração e sexo operando na maioria das grandes cidades brasileiras.” A nota triste nessa possível visão enganadora e enganosa é que “o grosso dos esforços do governo brasileiro, na luta contra o tráfico, parece ser concentrado em impedir ou desincentivar as viagens de pessoas consideradas como ‘vulnerá-

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veis’ ao tráfico e não habilitar essas pessoas a viajar com segurança”. Nesse contexto é possível que “a preocupação com a escravidão sexual feminina esteja sendo mobilizada não para proteger as mulheres em questão, mas para reprimir seus movimentos e proteger a reputação da nação”. Essa visão pode tanto prejudicar a leitura efetiva do tráfico como das supostas conseqüências sempre daninhas do turismo sexual. Para os pesquisadores, nos discursos produzidos por órgãos do governo sobre o fenômeno, é comum observar o conceito de turismo sexual como se fosse sinônimo de abuso de menores sempre ligado à extradição de mulheres para trabalhos forçados como prostitutas, cuja solução seria a repressão das mulheres e a expulsão dos homens. O lócus de pesquisa inicial para os autores foi a boate Help, em Copacabana, no Rio de Janeiro, ponto de encontro entre garotas de programa e “gringos”. A casa, aliás, acaba de fechar suas portas e será “purificada” com sua transformação, pelo governo do estado carioca, em sede de um novo Museu da Imagem e do Som. O casal de pesquisadores observou e conversou com clientes e garotas da Help para fazer um retrato mais realista do turista sexual e suas razões, descobrindo as motivações que fazem estrangeiros, diante da oferta atual de tantos países, procurar o Brasil. Primeiro, afirmam, há a idealização de que as brasileiras seriam dotadas de uma sexualidade natural acentuada, com um detalhe notável e que faria Gilberto Freyre rir-se de gosto, já que, para os turistas, a mistura racial do país seria a razão para essa sexualidade supostamente “à flor da pele”. “Vir ao Rio é como ir a uma daquelas lojas de sorvetes dos mil e um sabores, sabia? É muito mais excitante vir para cá do que ir para o México ou Cuba, onde vou encontrar uma mistura mais restrita das mulheres”, disse um dos entrevistados. Outra “quimera” dos turistas é a idéia de que as relações expostas na cidade, em especial sobre o papel da mulher na família e na sociedade, são típicas de um outro tempo, o passado dos países de origem dos gringos. “Aqui as mulheres sabem tratar um homem e são como eram na Europa anos atrás”, afirmou outro turista. Por fim, uma vi-

são da cidade do Rio e do Brasil como “perdedores”, espaços socioeconômicos incapazes de prover adequadamente a maioria de seus habitantes, particularmente as mulheres, enquanto os estrangeiros teriam dinheiro e status, tendo portanto a capacidade, por meio do noivado e do casamento, de conseguir vistos permanentes para seus pares, tornando-se muito atraentes para as mulheres brasileiras, prostitutas ou não. A partir disso, os pesquisadores foram observar a outra ponta dessa relação, a fim de problematizar o discurso estereotipado sobre turismo sexual e tráfico de mulheres e descobriram que “as mulheres são ativas na manutenção de uma visão de Brasil como campo para as realizações de fantasias sexuais e afetivas”, já que (para dar um exemplo apenas) as prostitutas que fazem o gênero “namoradas” são mais bem-sucedidas que suas contrapartidas imediatistas de satisfação sexual. “Longe de serem simples vítimas, elas detêm controle notável sobre suas ações e representações, lançando mão de artifícios para construírem uma almejada ascensão social por meio do forjamento de ligações com estrangeiros itinerantes, sem que isso se configure uma visão simplista dessas mulheres como mercenárias calculistas.” udo é bem mais sutil do que o surrado chavão do “o que uma moça como você faz num lugar como este?”, e os pesquisadores questionam o artigo 231 do Código Penal Brasileiro, que define como crime de tráfico de mulheres ajudar qualquer mulher que vá exercer a prostituição no exterior a sair do território nacional. “Tal definição ignora o habitus da prostituição em lugares como Copacabana, em que o amor e o sexo comercializado são duas faces da mesma moeda. Assim, parecenos muito pouco provável que essa legislação possa prevenir o tráfico de mulheres, desde que isso continue a ser definido como sinônimo de viagem internacional de prostituta.” Os pesquisadores lembram que, após adesão do Brasil ao Protocolo de Palermo, em 2004, que trata da questão do tráfico, houve poucas e pequenas discussões internas públicas sobre a nova política de enfrentamento da questão, que preferiu não ouvir a voz das prostitutas. “O

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enfrentamento parece que vai ficar restrito ao artigo 231, que estipula que qualquer prostituta em movimento é, ipso facto, uma traficada. Um projeto político de orientação democrática, que supostamente luta contra o tráfico de mulheres, tem sido configurado como um programa autoritário de repressão à prostituição e que busca sua legitimidade popular no apelo às ‘responsabilidades internacionais do Brasil’ .” palavra-chave nesse discurso é a vulnerabilidade, como se as mulheres que se deslocam internacionalmente fossem incapazes, sempre, de tomar uma decisão racional e é preciso reprimi-las, impedir seu direito de ir e vir, “para seu próprio bem”. Nesse sentido, notam os autores, a prostituta é vista como uma espécie de mulher inferior, incapaz, cuja atividade é articulada com a ilegalidade, com a ligação com máfias criminosas, ainda que o seu trabalho seja, segundo leis brasileiras, legalmente aceito. “Podemos formular a hipótese de que, na luta para o acúmulo de status entre as nações, uma das atribuições do Estado é zelar pela pureza de ‘suas’ cidadãs quando essas viajam além de suas fronteiras, pois o comportamento delas, uma vez identificadas étnica ou nacionalmente no exterior, pode ser facilmente atribuível a todas as mulheres daquela sociedade”, advertem. Haveria, então, um complexo de valores morais e interesses que subjazem e informam as ações do Estado, fazendo com que suas ações de “proteção” sejam pouco funcionais no combate do tráfico real, já que centradas nos discursos de valorização da nação no mundo globalizado. “Mais: é importante lembrar que hoje sabemos muito pouco sobre a prostituição e suas possíveis ligações com o tráfico de mulheres. Portanto, as narrativas hegemônicas no universo antitráfico não se fundamentam em lógica científica, e sim numa ordem moral e política que se apresenta, enganadoramente, como fruto de pesquisa sociocientífica.” Como resultado, notam, surgem narrativas hegemônicas duvidosas. A primeira salienta a necessidade de o Brasil demonstrar que é membro responsável da comunidade de nações. A segunda separa as brasileiras em deslocamento internacional entre as que “po-

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dem viajar” e as que “são vulneráveis e não podem viajar, pelo menos por enquanto”. Por fim, a que situa a prostituição, em geral, como trabalho excepcionalmente degradante e perigoso, equiparado ao tráfico de drogas. “Esses dados levantam dúvidas sobre um Estado que, por um lado, reconhece como seu dever a repressão das violações dos direitos humanos das mulheres e, por outro, é servido por funcionários públicos que entendem as prostitutas como seres essencialmente criminosos e destituídos de direitos.” Logo, a repressão policial antitráfico continua orientando-se pela proibição do movimento de prostituta e não pelo desejo de garantir a essas mulheres (e homens) seus

direitos humanos. Na base de tudo, novamente, a ligação entre pureza sexual feminina, Estado e status relativo de grupos sociais. “Numa sociedade onde os símbolos de ‘pureza’ são legíveis para a maioria é fácil dizer quem é ou não ‘pura’. Quando as alianças matrimoniais acontecem entre sociedades, a possibilidade de discernir a pureza relativa de uma mulher é reduzida, sendo a etnicidade ou nacionalidade lida como ‘marca’ da qualidade feminina.” Vale recordar, dizem os autores, que a palavra “francesa”, no Rio do início do século XIX, era sinônimo de prostituta, da mesma forma que hoje o mesmo parece estar acontecendo com a palavra “brasileira” na Europa e nos EUA. ■

LASAR SEGALL, 1891 VILNA – 1957 SÃO PAULO. GRUPO DO MANGUE NA ESCADA, 1928, PONTA-SECA, 24 X 18 CM, MUSEU LASAR SEGALL, SÃO PAULO

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RESENHA

Uma intelectual chamada Gilda Livro reúne acadêmicos para homenagear pesquisadora Salete de Almeida Cara

cada página da leitura do livro publicado pela Editora Ouro sobre Azul em parceria com a FAPESP, organizado por Franklin de Mattos e Sergio Miceli, mais se fortalece uma impressão inteiramente confirmada ao final: Gilda de Mello e Souza teria gostado muito deste livro. Não simplesmente porque ele seja uma homenagem a ela, mas porque é, de fato, muito mais do que isso. Ela tomaria do livro antes os assuntos do que a sua própria figura, aqui de corpo inteiro, e sobre eles discorreria entre encantada e distanciada. E o faria com o rigor e a discrição característicos da grande intelectual que, do mais miúdo ao mais complexo, da observação mais cotidiana à reflexão mais elaborada, procurava sempre pelos fios retos e enviesados que se cruzam nas tramas dos tecidos, das roupas e seus usos, dos modos de ler, escrever, fazer cinema e pintura ou, para ser definitiva, de enfrentar a vida. O livro fala de Gilda e também de cada um dos seus interlocutores, pois é o que eles continuam sendo. De um modo ou de outro e de muitos modos em cada um deles, a convivência com os ensaios, livros, e com o jeito muito próprio com que a professora de estética do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo se integrava na sua geração fizeram parte de sua formação. Os enfoques escolhidos e as obras comentadas, as análises que essas obras instigam, as histórias particulares que guardam sempre um sentido que vai além do caráter episódico meramente bio-

A Gilda A paixão pela forma Organização Sergio Miceli e Franklin de Mattos FAPESP/ Ouro sobre Azul 252 páginas R$ 39,00

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gráfico deixam claro o lugar de Gilda para os interlocutores. E os ensaios debruçados sobre seus interesses, métodos, resultados críticos e produção de contista dão conta, na verdade, do que ela ainda tem a ensinar. É duplo, portanto, o privilégio do leitor em cada um dos textos deste belo volume que, no conjunto, traça uma história comum (e também diferenciada), que tem a presença irradiante de Gilda reunindo Bento Prado Júnior, Marilena Chaui, Walnice Nogueira Galvão, Otília Fiori Arantes, Paulo Eduardo Arantes, Heloisa Pontes, Joaquim Alves de Aguiar, Vilma Arêas, Ismail Xavier, Eduardo Escorel, Roberto Schwarz, Davi Arrigucci Jr., Modesto Carone, Nelson Aguilar, José Miguel Wisnick, Laura de Mello e Souza, e trazendo uma entrevista que concedeu a Nelson Aguilar. “Nossa mestra de estética”, resume Bento Prado Júnior. Tal como o livro nos mostra, enfatizo sua tarefa formativa muito maior do que a permitida pelo contato institucional e acadêmico junto aos alunos, amigos e a quem conviveu com ela. Tarefa que vinha do empenho vital também exigido pelos seus ensaios, e que se mantinha inteiro em conversas onde ela dava a ver seu espírito de indagação constante e permanente, sua disponibilidade para compartilhar a mescla decantada de experiência pessoal, profundo enraizamento no particular brasileiro e atenção às teorias e histórias da arte que ajudassem a compreendê-lo melhor. A consideração dos conteúdos inalienáveis da forma permitiu que Gilda desse conta de modo preciso, abrindo conversas que por certo virão e entre outras questões da maior importância, do período de formação da pintura brasileira, da negatividade dilacerada de Macunaíma, do lugar da mulher no mundo da produção e da arte ou, ponto dos mais altos, dos impasses do cinema nacional. Para quem não a conheceu, além de tudo o que ela escreveu e dos diálogos abertos neste volume instigando ainda outros, fica a belíssima imagem de Gilda aqui referida por Heloisa Pontes, na entrevista concedida a Carlos Augusto Calil e disponível como extra no DVD do filme de Luchino Visconti, Violência e paixão. Salete de Almeida Cara é professora livre-docente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (USP) e doutora em Teoria Literária e Literatura Comparada (USP).

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LIVROS

Machado de Assis: o romance com pessoas

O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos

José Luiz Passos Edusp, Nankin Editorial 296 páginas, R$ 35,00

Walter Alves Neves, Luís Beethoven Piló Editora Globo 336 páginas, R$ 32,00

Para José Luiz Passos, os romances de Machado de Assis são sobre a formação da pessoa moral, e seu objetivo é desvendar o modo pelo qual o romancista compõe as ações de seus protagonistas. O livro aponta um diálogo com Shakespeare, através de diversos personagens complexos e marcados pelo desacordo consigo mesmos.

A partir da narrativa de achados paleontológicos feitos por brasileiros em Lagoa Santa, MG, o livro traz a saga da ocupação humana nas Américas e os embates científicos sobre o tema. Através de desenhos, mapas, fotos, aborda uma síntese da origem do homem e da teoria darwinista até uma descrição da fauna e da flora antigas do continente, bem como discussões sobre os possíveis modos de vida de nossos ancestrais.

Edusp (11) 3091-4008 www.edusp.com.br

Uma colônia entre dois impérios: abertura dos portos brasileiros (1800-1808) José Jobson de Andrade Arruda EDUSC 192 páginas, R$ 29,00

Considerado pela tradição historiográfica brasileira o marco inicial da construção do Estado nacional brasileiro, o livro foca a abertura dos portos do Brasil. Além dessa perspectiva, Uma colônia entre dois impérios aborda o choque franco-britânico, a Convenção Secreta de Londres e a colônia entre imperialismos do mercantilismo ao livre-cambismo. Edusc (14) 2107-7111 www.edusc.com.br

Napoleão Bonaparte: imaginário e política em Portugal (c. 1808-1810)

FOTOS EDUARDO CESAR

Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves Alameda Casa Editorial 364 páginas, R$ 48,00

Quando só se fala da vinda da família real portuguesa para o Brasil, a proposta deste livro é outra. A autora retrata um Portugal abandonado, à mercê dos franceses, sacudido pelas insatisfações populares, em protestos contraditórios ou polarizados, mas enraivecidos contra os ocupadores e seu líder maior, Napoleão Bonaparte. A opção metodológica parte do povo como seu objeto. Alameda Casa Editorial (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br

Editora Globo (11) 3767-7400 www.globolivros.com.br

Na arena de Esculápio: a sociedade de medicina e cirurgia de São Paulo (1895-1913) Luiz Antonio Teixeira Editora Unesp 296 páginas, R$ 49,00

O período efervescente do final do século XIX e início do XX, no qual o crescimento de São Paulo se traduziu em espanto, vertigem e deslumbramento, envolve esta arena. O livro destaca o papel da sociedade na institucionalização da medicina na capital paulista em uma pesquisa sobre sua organização, funcionamento e atuação. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br

Einstein Michel Paty Editora Estação Liberdade 152 páginas, R$ 29,40

Einstein dispensa apresentações e esse livro da coleção Figuras do Saber se propõe a falar mais sobre o físico, sua vida e teorias. Michel Paty coloca em evidência a dimensão “artística” da invenção científica e mostra como surgiram, entre outras, a idéia da curvatura do espaço, as teorias da relatividade restrita e da relatividade geral. Editora Estação Liberdade (011) 3661-2881 www.estacaoliberdade.com.br

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FICÇÃO

Antes e depois de C.

Leozito Coelho

inha vida divide-se em a.C e d.C. A fase de assustar gente passou, agradeço a Deus. Foi ele quem posicionou o filho da dotôra aquele dia. Eu aterrorizei o menino, fiz ele espernear de pavor – nenhuma novidade até aí. E o que seria motivo de humilhação para minha surpresa acabou se tornando o estopim da redenção. Tudo isso devo a Carola. Como eu disse, minha vida é antes de Carola e depois de Carola. Valha-me Senhor. Eu amedrontava as pessoas antes de Carola. Mas este não é o verbo adequado. Eu metia susto, é isso. Eu metia susto quando golpeava o crânio. Medo é exagero. O primeiro sinal veio aos treze. Eu assistia à novela com a família. Era o último capítulo, iam desvendar a trama. A favela estava muda. Os barracos reluziam o azul da tevê. Quando senti a fisgada no pescoço. A cabeça virou todinha pra esquerda. Foi um golpe automático e súbito, não tive controle. A mãe pulou do chão, que disgreta! Marinéia, Josinéia, Dulcinéia, Jocimar, Ribamar e Itamar se amontoaram pra rir de mim. Irmão é cruel. Imagine multiplicado por seis. Eles falaram em possessão. A mãe disse que era dívida com o passado. Quê qui se anda aprontando, fia? Mas permaneci calada, com a região doída. A confusão nos fez perder o assassino. Só soubemos na noite seguinte, quando repetiu o final. O pai tinha um ditado: o pobre são dois braços fortes. Eu não fujo à regra. Sou empregada doméstica desde os dezoito. Na verdade, diarista. Diarista é um termo mais profissional pra dizer a mesma coisa. Ou seja, a quase-escrava que madruga, toma dois ônibus, varre e encera assoalho, lava privada, limpa janela, lustra móveis, passa roupa, faz almoço e volta feliz com uns trocados a mais. O ditado é válido, mas é preciso força além dos braços para ser pobre. Eu sou uma fortaleza.

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Antes de Carola, era um martírio. Eu metia susto nos passageiros, no trocador, no motorista e nos proletários que aguardavam no ponto de ônibus. Havia pouco mercado para mim. Arranjava serviço somente em casas sem criança. Criança é um bichinho sensível. Vê no meu cacoete uma ameaça. Mas nunca tive intenção de assustar ninguém. Carola sempre soube disso, nem precisei falar. Você sofre de distonia focal, explicou ela, do tipo torcicolo espasmódico expandido ao movimento mandibular. Eu ouvia com atenção. O consultório da dotôra ia me engolindo. Quanto tempo me resta?, perguntei já pingando lágrima, tremendo toda. Carola me deu água com açúcar. Mulher benta que dói. Não domino este corpo, é isso. Meu pescoço repuxa a cada meio minuto. A cabeça chicoteia para um lado. A mandíbula, para o outro. O rosto contorce mais que os joelhos. Os dentes avançam para fora da boca, como um gorila enfezado. Daí por que meto susto nos outros. Ninguém está apto a enfrentar essa careta no meio da rua. Mas isso era antes de Carola, repito. O pai também dizia: acaso é a pior crendice. A Josinéia, que Deus a tenha, partiu três dias após contar a piada do vinho branco. Ela se estrepou exatamente como a anedota. Escapou do carro vermelho para não ser atropelada quando, então, “vinho branco”. Foi uma lição pra família. A gente é marionete do Senhor. Melhor não duvidar. Toquei nesse assunto de propósito. Pois foi destino, e não acaso, quando Marquinhos trepou naquele banco do Parque Municipal. Ele se apavorou comigo ali. Seu berreiro atraiu a mãe e minha salvadora: dotôra Carola. Começou assim a fase d.C. Ela adulou o Marquinhos até ele quietar. Abriu um estojinho metálico e me deu o cartão. Nele estava grafado: Maria

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quinhos não ia comigo. Por causa do trauma. Além disso, havia muita coisa pra limpar: a casona, o consultório, janelas e janelas ainda maiores. Mas, como já disse, sou uma fortaleza. Acabei superando as dificuldades com o tempo. Se bem utilizado, o tempo é uma bênção. Mesmo com a mãozinha do botox. Hoje dou conta da arrumação, faço o trabalho voluntário e estudo à noite. A Carola quer me ver enfermeira. Paga o supletivo com satisfação. Santa Carola, Deus conserve. Durmo a semana inteira na casa dela. Depois que o pai e a mãe se foram, tudo ruiu lá no barracão. Ribamar e Itamar se aliaram a uns rapazes de cabelo oxigenado. As meninas andam parindo pelas esquinas. E não importa a hora, há sempre alguém gritando. Aqui é diferente. Marquinhos vem e dá boa noite. Seu Edu me ajuda na matemática. Ele é bom de números, constrói pontes com os danados. A Carola também chega perto. Fala dos artigos que tem publicado em revistas científicas. E do novo gene da distonia que encontrou no interior de Minas Gerais. Aí ela se empolga toda. Diz que se não fosse a ciência eu e Geninho mal cruzaríamos um olhar. Pois torço o pescoço pra esquerda e ele pra direita: íamos sempre nos desencontrar. Agora, não mais. Se a gente quisesse, poderia até beijar demorado. Sem interrupção. Mas essa já é outra história. Ou quem sabe, outra fase. Vai depender do que decidirem lá em cima. É isso. Leozito Coelho é jornalista e escritor. Já publicou seus contos nas coletâneas Entre duas mortes, Sombras e contos de algibeira. Em 2008, lança seu primeiro livro: Curto-Circuito – Narrativas mínimas para almas transitórias. PESQUISA FAPESP 146

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FERNANDO DE ALMEIDA

Carola Bustamante, médica neurologista, especialista em distúrbios do movimento do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas de Belo Horizonte. Daí a vida mudou. Fiz um montão de exames. A dotôra analisou tudo no consultório dela. Um lugar branco de doer a vista. Sem um grão de poeira. A diarista devia ser de boa qualidade. Carola foi bem direta: você é distônica, ponto final. Ela trouxe água com açúcar pra mim. Eu não ia morrer, longe disso. Deus dá a vida, brincou ela, e o médico a mantém. Hoje sou filiada à Associação Brasileira dos Portadores de Distonias. Ajudo nas campanhas nacionais. A gente distribui folhetos ao povo que passa. Às vezes até arrisco uma explicação. Se a pessoa se interessa, disparo toda metida: “Distonia é uma doença neurológica caracterizada por contrações musculares repetitivas. Já foi chamada de coréia tetanóide, espasmo histérico, cãimbra tônica, neurose de torção. É mais conhecida por tique nervoso, mania, trejeito ou cacoete. O tratamento se faz por toxina botulínica”. Não gaguejo sequer uma vez. Meus colegas admiram isso. Especialmente o Geninho. Ele é um doce. Sorri o tempo todo. Sorri todo pra mim. A cada três meses, compareço ao Hospital das Clínicas. Lá, o pessoal aplica a toxina nos músculos afetados. Assim eles não mexem sozinhos. E eu não meto susto em ninguém. A dotôra conta que muita mulher injeta aquilo na cara. Só pra ficar menos velha. Então aproveito e tiro onda de madame. Que felicidade é essa?, perguntam os amigos. “É nada não, só aplicamento rotineiro de botox, dá aquela renovada...” Carola é nome de mulher devota e boa. Eu bem o sei. A diarista dela, a “cobrona”, pediu a conta. A dotôra me chamou na hora. O começo foi difícil, é verdade. O Mar-

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A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra (IINN-ELS) têm o prazer de anunciar a abertura de 11 vagas de docência para constituir o novo Departamento de Neurociência da UFRN/IINN-ELS. Em 2008 a UFRN celebra 50 anos de compromisso com a pesquisa e a educação no Nordeste brasileiro (www.ufrn.br). O IINN-ELS é um centro de pesquisa biomédica e educação científica mundialmente reconhecido, com a missão de utilizar a ciência de ponta para promover mudanças sociais no Nordeste (www.natalneuro.org.br). Serão realizados concursos públicos para recrutar 4 Professores Titulares e 7 Professores Adjuntos. Cada candidato selecionado participará na alocação de uma verba de 500 mil reais, provida pelo Governo Federal para a compra de equipamentos e suprimentos. Neurocientistas com produção científica de impacto, idealistas e arrojados, com iniciativa e liderança marcantes são requisitados nas seguintes áreas da Neurociência: Neurociência de sistemas (1 Titular, 4 Adjuntos): Fisiologia de multieletrodos (extracelular e intracelular), microestimulação, imageamento óptico, fotoliberação de compostos neuroativos, camundongos transgênicos de rodopsina; Neurociência molecular (1 Titular, 1 Adjunto): RNAi, hibridização in situ, matrizes de DNA, células-tronco, modelos transgênicos; Neurociência celular (1 Titular, 1 Adjunto): Neurogênese e migração celular, sinaptogênese, células-tronco, modelos transgênicos; Imageamento por ressonância magnética funcional (1 Adjunto): Física e computação analítica, imageamento cerebral humano; Neurociência computacional (1 Adjunto): Redes neurais, sistemas complexos, modelagem de circuitos. Prazos para inscrições: Concursos para vagas de Titular: 17 de março a 02 de maio de 2008. Concursos para vagas de Adjunto: 07 de abril a 06 de junho de 2008. As inscrições podem ser feitas na Secretaria da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFRN ou por via postal expressa. As normas dos concursos e seus respectivos Editais estão disponíveis no site www.natalneuro.org.br Para mais informações, escrever para ciencia@natalneuro.org.br

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DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS Concursos / Professores Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, não constituindo texto oficial, o qual se encontra publicado no Diário Oficial do Estado indicado. Informações detalhadas poderão ser obtidas nos e-mails descritos. Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto - FCFRP fcfrp@edu.usp.br 01 Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Análises Clínicas, Toxicológicas e Bromatológicas, na área: Saúde Pública. Inscrições abertas pelo prazo de 60 dias, a partir da publicação. Diário Oficial de 04/03/2008. Edital 016/2008 Faculdade de Medicina - FM fm@edu.usp.br 01 Professor Titular, referência MS-6, em RTC (24 horas) junto ao Departamento de Pediatria, disciplina de Cirurgia Pediátrica. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 08/02 a 05/08/2008. Diário Oficial de 1º/02/2008 Edital 42/2008 01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva) junto ao Departamento de Clínica Médica. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 14/03 a 09/09/2008. Diário Oficial de 14/03/2008. Edital 81/2008

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