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Março 2009
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Gordura para desobstruir artérias Gel de seringueira contra as rugas
PESQUISA FAPESP
Nelson Rockefeller, o bom capitalista
Etanol,
Cada país procura sua receita energética para se adaptar às MUDANÇAS CLIMÁTICAS
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sol, vento...
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> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 28 SAÚDE PÚBLICA
Programa se diversifica para aproximar pesquisadores dos problemas do SUS
14 Cada país terá sua
própria combinação de fontes limpas de energia para enfrentar as mudanças climáticas, conclui workshop
> ENTREVISTA
Workshop do Bioen reúne especialistas que buscam usar fotossíntese como fonte de energia
>
ESPECIAL
37 Artigos de quatro
pesquisadores ajudam a refletir sobre as contribuições de Darwin no aniversário de 150 anos da publicação de A origem das espécies
80 ENERGIA
Testes da vacina contra HPV em homens acirram debate sobre quem deve recebê-la
Novas hidrelétricas de até 30 megawatts e recuperação de usinas desativadas ampliam capacidade de geração
60 BIOQUÍMICA
Insulina protege cérebro do mal de Alzheimer
84 ÓPTICA
Empresa brasileira desenvolve câmera que capta imagens em infravermelho
63 BOTÂNICA
Bromélias absorvem nitrogênio da urina de anfíbios arbóreos
86 NOVOS MATERIAIS
Película confere desgaste nulo a peças industriais e pode aposentar os óleos lubrificantes da planta pelo silício
32 FÍSICA
Projeto financiado pela FAPESP contribui para desvendar o comportamento de nanoestruturas
66 CIÊNCIAS DA TERRA
Resquícios de chuvas em cavernas ajudam a reconstruir o clima dos últimos milhares de anos >
34 AVALIAÇÃO
Índice para classificar revistas de humanidades provoca rebelião de editores
8 O professor Philip
Hanawalt, de Stanford, descobridor do mecanismo de reparo do DNA nas células, defende a criatividade na pesquisa
56 IMUNOLOGIA
36 DESENVOLVIMENTO
Capital paulista perdeu indústrias, mas inovação preservou sua importância econômica, segundo estudo
> TECNOLOGIA
A aventura brasileira de Nelson Rockefeller
76 FARMACOLOGIA
Gel feito de látex natural é a mais recente promessa para combater rugas
> CIÊNCIA 50 CARDIOLOGIA
Vista como inflamação, aterosclerose ganha novas possibilidades de tratamento
HUMANIDADES
88 HISTÓRIA
94 SOCIOLOGIA
REPRODUÇÃO JOHANNES VERMEER, MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA (1665)
SIEMENS
30 AMBIENTE
> CAPA
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
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As muitas dificuldades para o cinema nacional se transformar numa indústria 98 LITERATURA
Ensaios analisam cada um dos livros infantis da série do Sítio do Picapau Amarelo
> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 4 CARTAS 5 CARTA DA EDITORA 6 MEMÓRIA 22 ESTRATÉGIAS 46 LABORATÓRIO 70 SCIELO NOTÍCIAS 72 LINHA DE PRODUÇÃO 103 RESENHA 105 CLASSIFICADOS 106 LIVROS
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CAPA MAYUMI OKUYAMA | FOTO © JASON HOSKING/ZEFA/CORBIS
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MATTHEW BENNETT/UNIVERSIDADE DE BOURNEMOUTH
IMAGEM DO MÊS
Rastros
ancestrais Há 1,5 milhão de anos, ancestrais do homem moderno deixaram pegadas quando atravessaram um campo lamacento nas proximidades de Ileret, no norte do Quênia. Uma equipe internacional de pesquisadores descobriu essas marcas recentemente e mostrou que elas são muito parecidas com as do Homo sapiens. O arco do pé é alongado, os dedos são curtos, arqueados e alinhados. “Isto é muito sintomático do estilo moderno de andar”, disse Matthew Bennett, da Universidade de Bournemouth, do Reino Unido, que liderou os autores do artigo publicado na revista Science (27 de fevereiro). O tamanho, a profundidade das pegadas e o espaçamento entre elas refletem a altura, o peso e o modo de caminhar atual. Em 1978 foram descobertas na Tanzânia pegadas de 3,7 milhões de anos, mas com uma anatomia semelhante à de macacos. Os pesquisadores acreditam que as marcas recém-descobertas pertenceram ao Homo erectus.
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CARTAS cartas@fapesp.br
e conservadores desestabilizavam as tentativas de contato mais íntimo com outros países. Gabriel Terra Pereira FHDSS/Unesp Franca, SP
Zeev Maoz
Lincoln e o Brasil Muito oportuna a reportagem “O dia em que o Brasil disse NÃO aos Estados Unidos” (edição 156). Os projetos de se trazerem negros para o Brasil por parte dos norte-americanos e as ações da diplomacia brasileira que dificultaram e barraram o processo certamente estavam ligados à clássica diretriz da política exterior do Império de manutenção territorial. Para o enriquecimento dessa noção, penso que a referência ao paradigma civilizacional “adotado” pela elite política imperial pode ser útil. Voltado para os modelos políticos e econômicos das monarquias europeias, os homens que formulavam a política externa do Império procuravam se afastar das tentativas de aproximação dos países americanos. A postura brasileira de rechaço e “desconfiança” para com o estrangeiro republicano e de origem diversa à sua não permitia a aproximação política e social, a despeito de o comércio entre os países apresentar certo crescimento na segunda metade do século XIX. Penso que tal característica articula-se intimamente com o momento histórico vivenciado pelo país, de formação do Estado nacional, e para tanto a política interna não pode ser e estar desvinculada da política externa. O Brasil, exceção no continente, via-se capaz e superior aos vizinhos, decorrendo daí a negativa aos norte-americanos. Os problemas internos do Brasil, decorrentes da Guerra do Paraguai, que se iniciava em 1864, e as disputas entre liberais 4
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Li com interesse e surpresa a entrevista do professor Zeev Maoz sobre o conflito árabe-israelense (edição 156). Surpresa pelo cientista afirmar, logo no início, só ter estudado o lado israelense, uma vez que a documentação árabe não é aberta. Se orientando meu fizesse esta afirmação eu o mandaria imediatamente de volta à pesquisa. Como analisar um conflito sem estudar os dois lados? Curiosamente, apesar disso, ao final da entrevista Maoz resume em poucos parágrafos uma análise do lado árabe do conflito que mostra que sim, ele conhece este lado. Surpreende que não use este conhecimento em sua análise, que, como afirma novamente, está centrada no lado israelense. Análise, aliás, inexistente. Repetidas vezes Maoz afirma “meus estudos mostraram”, mas não detalha seus estudos, não mostra a análise, só as conclusões, todas críticas ao lado israelense. Parece mais um panfleto do que um estudo científico. Geraldo Coen Pontifícia Universidade Católica de São Paulo São Paulo, SP
das ao sentido do paladar são os gostos, sendo cinco os gostos primários, conforme citados no artigo. Já os sabores são resultantes das sensações de gosto e de aroma conjuntamente, isto é, da junção dos sentidos da gustação e do olfato. Romeu C. Rocha Filho Universidade Federal de São Carlos São Carlos - SP
África Gostaria de colocar minhas restrições parciais à reportagem “‘Mama’ África não pode ser mãe solteira” (edição 150), de Carlos Haag, quando se fala em afro-pessimismo e pede uma consciência acima de blood diamonds. O Ocidente, o mundo desenvolvido, inclusive o Brasil, tem agido na contramão com a África. Não há uma política de resgate de sua identidade africana, sua cultura e sua feição humana e quase todas as iniciativas trabalham abaixo do nível dos problemas daquele continente. Não se trata de um continente estagnado, mas de um continente que está exigindo uma postura digna de seus filhos ilustres muito bem colocados em todo o mundo e indiferentes à formação de uma política para retirar a África dessas condições. Francisco J.B. Sá Salvador, BA
Correções Gosto e sabor Achei muito interessante a reportagem “Os mistérios do cheiro” (edição 155), sobre as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas pela professora Bettina Malnic relativas às bases neurológicas e genéticas do olfato, escrita pela jornalista Maria Guimarães. Tenho, entretanto, um pequeno reparo a fazer: o uso errôneo do termo “sabor” para se referir ao “gosto” umami. Faço este reparo porque o erro está extremamente difundido (inclusive nos livros didáticos de ciências para o ensino fundamental): denominar um gosto de sabor. As sensações associa-
A foto na página 42 da seção Laboratório Brasil da nota “Paraíso maculado” (edição 156) é um botijão de gás refrigerante usado em geladeiras, e não um botijão de barco. No suplemento “Einstein, o Universo além da física”, no último parágrafo do artigo sobre a palestra de Luiz Davidovich, na página 10, onde se lê 10-35 e 1.026, leia-se 10-35 e 1026, respectivamente. Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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CARTA DA EDITORA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO LAFER
Modelos flexíveis e criativos
PRESIDENTE JOSÉ ARANA VARELA
VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO
Mariluce Moura - Diretora de Redação
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO
E
RICARDO RENZO BRENTANI
DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER
DIRETOR ADMINISTRATIVO
ISSN 1519-8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRÍCIO MARQUES (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE MARIA CECILIA FELLI JÚLIA CHEREM RODRIGUES FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201 COLABORADORES ALYSSON RENATO MUOTRI, ANA LIMA, ANNA CAROLINA REGNER, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, CÉSAR ADES, DANIEL DAS NEVES, DANIELLE MACIEL, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JUNIOR, LAURA BEATRIZ, MÁRIO DE PINNA, YURI VASCONCELOS
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
PARA ANUNCIAR (11) 3838-4008 PARA ASSINAR FAPESP@TELETARGET.COM.BR (11) 3038-1434 FAX: (11) 3038-1418 GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3838-4304 e-mail: rute@fapesp.br IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO
ntre as más notícias largamente difundidas em fevereiro, pelo menos duas referiam-se às mudanças climáticas globais. Eis a primeira, bem resumida: o polo Ártico e a Antártida estão esquentando mais rapidamente e seus mantos de gelo estão derretendo sob o aquecimento global. O efeito é especialmente notável na Groelândia, no hemisfério Norte. Segunda notícia: sob uma camada de gelo de espessura de 4 a 5 quilômetros, a Antártida oculta uma cadeia inteira de montanhas similar aos Alpes, cheia de picos e vales, que nenhum cientista sabe como se formou nem tem ideia de como o gelo a recobriu. E isso é mal? Sim. Por quê? A irregularidade extrema do relevo tornou claro que a camada gelada é mais nova e menos densa do que se supunha, portanto pode derreter mais rapidamente sob efeito do aquecimento global do que se pensava, influenciando o aumento do nível do mar na terra. Essa é uma conclusão de um estudo internacional capitaneado pelos Estados Unidos (ver nesta edição, página 46), enquanto os dados da primeira notícia são de um grande estudo da Organização Meteorológica Mundial (OMM), uma agência da ONU que articula quase 10 mil cientistas de 60 países. Notícias assim tornam sempre mais cruciais os debates sobre a necessidade premente de redução das emissões de gases causadores do efeito estufa, em todos os fronts, mas de forma especial naqueles – políticos, econômicos, científicos, sociais – em que se traça por diferentes meios o desenvolvimento das fontes de energia renováveis e limpas ou se reflete sobre o panorama real desse desenvolvimento. O workshop Physics and Chemistry of Climate Change and Entrepreneurship, realizado na FAPESP nos dias 26 e 27 de fevereiro, enquadra-se no segundo grupo, e a visão global, ricamente fundamentada, que ofereceu do estado da arte na pesquisa básica, aplicada e tecnológica voltada a essas fontes energéticas de importância capital para o planeta e a permanência da vida nele, justificou sua escolha para tema de capa desta edição. A reportagem a respeito assinada pelo editor de política, Fabrício Marques, mostra a partir da página 14 a diversidade de caminhos que os pesquisadores vêm perseguindo, ao mesmo tempo que assinala a improbabilidade de um modelo energético hegemônico no mundo capaz de mitigar os efeitos do aquecimento global. A tendência é que cada país crie seu próprio mo-
delo, e o grande desafio para o Brasil é liderar no campo do bioetanol, dos biocombustíveis, mas de olho atento no desenvolvimento da energia solar, da energia eólica e de outras fontes onde está bem atrás dos líderes na pesquisa. Em tempo: o workshop reuniu pesquisadores britânicos e brasileiros, foi organizado pela própria Fundação paulista e mais as instituições britânicas Institute of Physics (IOP) e Royal Society of Chemistry (RSC) e foi parte das atividades do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. Uma outra reportagem que disputou a capa da revista terminou merecendo a chamada “Gordura para desobstruir artérias”. Soa decerto um tanto provocativa, no mais legítimo sentido em que títulos no jornalismo devem atrair a atenção do leitor, ou seja, extraindo e dando destaque ao que há de mais insólito e surpreendente na informação sem falsear, entretanto, a verdade factual. E o leitor pode conferir: são mesmo esferas artificiais de lipídios que estão entre as novas possibilidades de tratamento da aterosclerose, todas baseadas na nova concepção de que essa doença é inflamatória, como relata a partir da página 50 o editor especial Carlos Fioravanti. Tem a assinatura também de Fioravanti, na seção de tecnologia, o texto sobre uma pesquisa que coloca agora o látex da seringueira, que já tinha um uso inovador na cicatrização de ferimentos da pele, na frente de combate às rugas (página 76). Imperdível. Nas humanidades, merece atenção especial a reportagem do editor Carlos Haag sobre Nelson Rockefeller (página 88). Novos estudos sobre a polêmica personagem permitem certamente classificá-lo entre os “fomentadores fáusticos” de Marshall Berman (Tudo que é sólido desmancha no ar, 1982), aqueles homens que aproveitaram um certo equilíbrio entre poder público e privado propiciado pela emergência de grandes autarquias públicas após a Segunda Guerra, “para tornar o capitalismo contemporâneo muito mais imaginativo e flexível” do que o de um século atrás. E para concluir, os quatro belos artigos de respeitados pesquisadores brasileiros que refletem sobre a força do legado de Darwin em seus campos de trabalho, a partir da página 37, compõem uma contribuição da revista para esse momento de intenso debate da teoria da evolução, aproveitando os 200 anos de nascimento de seu criador e 150 anos da publicação original de A origem das espécies. PESQUISA FAPESP 157
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FOTOS MUSEU HISTÓRICO DA FMUSP
MEMÓRIA
O antigo Hospital de Isolamento em 1899: palco das experiências
pele N Na própria
Há 106 anos, Emílio Ribas e Adolpho Lutz comprovavam a transmissão da febre amarela por mosquitos Neldson Marcolin
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o final de 1901 o presidente do estado de São Paulo, Rodrigues Alves, autorizou o Serviço Sanitário a repetir uma polêmica experiência médica realizada em Cuba. Na época, a ilha então dominada pelos Estados Unidos vivia uma grave epidemia de febre amarela, com alta mortalidade. As obras de saneamento não surtiam o efeito esperado e a doença resistia a ser erradicada. A voz corrente da medicina acreditava que a infecção era causada por microrganismos presentes em bolores e ares contaminados por outros doentes. O médico cubano Carlos Finlay, porém, desde 1881 vinha defendendo a teoria da transmissão por meio do mosquito Stegomyia fasciata (rebatizado de Aedes aegypti em 1926), mas nunca havia sido levado a sério pela comunidade científica internacional. Até que em 1900 uma comissão de sanitaristas do Exército norte-americano, chefiada pelo bacteriologista Walter Reed, foi enviada a Cuba e, diante da ineficácia dos métodos tradicionais, decidiu testar
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estado”, diz Marta. Mas sofria a oposição de parte dos médicos, que não acreditavam nessa forma de transmissão. Quando soube do caso cubano acreditou que poderia repetir em São Paulo o que havia sido feito em Havana como um modo de participar efetivamente das investigações sobre a febre amarela. Autorizado pelo governo, realizou a primeira etapa das experiências entre 15 de dezembro de 1902 e 20 de janeiro de 1903. Ao lado de Lutz, diretor do Instituto Bacteriológico, se deixou picar durante cinco sessões por mosquitos infectados de um caso leve. Outros quatro voluntários fizeram o mesmo (Oscar Moreira, Domingos Pereira Vaz, André Ramos e Januário Fiori). Os três primeiros
Ribas: caça ao mosquito
não apresentaram sintomas, provavelmente por já estarem imunizados – eles frequentavam regiões onde a doença era endêmica. Mas Vaz, Ramos e Fiori adoeceram. Em abril de 1903 ocorreu a segunda etapa das experiências. O grupo de controle, com três voluntários italianos, ficou fechado por 20 dias em quartos protegidos contra mosquitos, cheios de roupas e objetos sujos de urina, vômito e fezes de doentes da febre. Nenhum
adoeceu. Os trabalhos foram acompanhados por uma comissão médica que respaldou o resultado. As duas experiências ocorreram no Hospital de Isolamento de São Paulo, ao lado do Instituto de Bacteriologia (atual Instituto Adolpho Lutz). Posteriormente, o antigo hospital deu origem ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas. As experiências de Cuba e de São Paulo deram suporte para as campanhas profiláticas no país com enorme sucesso. Em 1936 os norte-americanos Max Theiler e Henry Smith desenvolveram uma vacina eficaz a partir de uma cepa do vírus atenuado e desde 1942 não são registrados casos de transmissão em áreas urbanas. Os casos noticiados recentemente referem-se todos às zonas silvestres.
CENTRO DE MEMÓRIA DO MUSEU DE SAÚDE/REPRODUÇÃO EDUARDO CESAR
a hipótese de Finlay. Ao certificar-se de que a tese era correta, o S. fasciata começou a ser combatido em toda a ilha. Em seis meses a epidemia foi debelada. O Brasil também sofria com epidemias de febre amarela. O médico Emílio Marcondes Ribas (1862-1925), diretor do Serviço Sanitário paulista desde 1898, era um leitor atento às novidades internacionais. “Ao contrário de Adolpho Lutz e de Oswaldo Cruz, que passaram temporadas de estudos no exterior, Ribas era um clínico que teve toda sua formação acadêmica feita no Brasil, mas sempre se correspondeu com autoridades sanitárias de fora”, conta Marta de Almeida, pesquisadora em história da ciência do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast). A cidade de São Paulo não foi atingida pela epidemia, mas algumas regiões importantes do estado não escaparam, como Santos e Campinas. No Rio de Janeiro, então capital da República, a infecção era um grave problema de saúde. Entre 1850 e 1902 foram registradas 58.063 mortes apenas na parte urbana do município. “Ribas era um defensor da tese de Finlay e já combatia o S. fasciata no
Emílio Ribas (cofiando o bigode) com colegas
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ENTREVISTA
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o aceitar falar para Pesquisa FAPESP, o geneticista Philip Hanawalt avisou: “Não saberei as respostas”. Não é uma recusa à conversa, muito pelo contrário. Para o professor da Universidade Stanford, na Califórnia, o que não se sabe é o que há de mais importante na ciência – foi a curiosidade pelo desconhecido que o conduziu à biologia molecular e é o que o mantém em plena atividade, aos 77 anos. Ele veio ao Brasil em setembro de 2008 a convite da Sociedade Brasileira de Genética para o congresso anual da entidade, realizado em Salvador, Bahia, onde apresentou os mais novos resultados de seu trabalho – sempre pioneiro, há meio século. Hanawalt começou a trabalhar com o DNA em 1953, o mesmo ano em que foi desvendada a estrutura em forma de escada em espiral dessa molécula que constitui os genes e descobriu, nos anos 1960, como funciona o mecanismo para consertar erros na duplicação do material genético da bactéria Escherichia coli. O material genético de qualquer organismo tem a propriedade de se autoduplicar, mas não o faz sem erros – origem de boa parte da variação genética que surge ao longo da evolução e também de muitos casos de câncer – que são automaticamente corrigidos por dispositivos internos das células. Ao longo de sua carreira, Hanawalt continuou a estudar esses dispositivos de correção dos erros, conhecidos como mecanismo de reparo. Demonstrou, entre outras coisas, que ele não é homogêneo no material genético de cada organismo. Sua apresentação no congresso em Salvador
mostrou que, ao longo da carreira, ele acompanhou os avanços tecnológicos e hoje consegue descrever a ação de moléculas quase como se as enxergasse. O convite para a visita científica coincidiu quase exatamente com um festejo afetivo. Trinta anos atrás ele se casou com Graciela Spivak, geneticista argentina que conheceu em 1977, durante um curso na Universidade de São Paulo. “O amor da minha vida”, declarou na palestra durante o congresso no qual ela, que é integrante de seu laboratório, também apresentaria os avanços em seu trabalho. “É muito especial que possamos voltar ao mesmo lugar onde nos conhecemos, assim como ter a maravilhosa oportunidade de interagir com o vivo e entusiasmado grupo de estudantes e colegas em seu adorável país”, disse Hanawalt, que tem dois filhos do primeiro casamento e dois do atual. Para ele, mais importante do que os avanços científicos é estimular os pesquisadores iniciantes a pensar, a ser criativos e a encontrar seus próprios caminhos. ■ Em 2009 o senhor celebra 50 anos da publicação de seu primeiro artigo. Do que se tratava? — Sim, meu primeiro trabalho foi publicado em 1959. Estava no doutorado em biofísica com Richard Setlow, na Universidade Yale, e precisava fazer um experimento para medir DNA, RNA e proteínas em células expostas à luz ultravioleta. Seria um estudo sobre o que acontece com essas moléculas depois de irradiar bactérias com radiação ultravioleta, e fiz esse
Philip Hanawalt
O que não se sabe é o mais importante na ciência Descobridor do mecanismo de reparo do DNA, professor de Stanford defende a criatividade na pesquisa Maria Guimarães, de Salvad or
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EDUARDO CESAR
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teste para encontrar um método mais sensível para detectar síntese de DNA e RNA. Sabíamos que a luz ultravioleta matava as células e que causava mutações, mas não o que acontecia com o DNA, embora já soubéssemos que a radiação ultravioleta interrompia a replicação do DNA. ■ Há 50 anos não existiam a tecnologia e
o conhecimento de hoje. Tenho a impressão de que era preciso certa fé para acreditar que os resultados dos experimentos realmente revelavam algo do material genético. Essa impressão é correta? — Eu não usaria a palavra fé. Diria que utilizamos a tecnologia disponível na época para responder à pergunta que queríamos responder. Hoje me preocupo com os pós-graduandos, que simplesmente vão a um catálogo para comprar kits para purificar e sequenciar DNA. Eles acabam não aprendendo detalhes do método, o que faz com que talvez errem na interpretação dos resultados. No início de meu curso sobre replicação de DNA falo de experiências
Sabia-se que o DNA sofria mutações, mas se acreditava que fossem raras. O fato é que, se não houvesse reparo de DNA, a vida não poderia existir
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clássicas muito simples que trouxeram respostas muito importantes. Acho preocupante que hoje os estudantes fiquem tão encantados com a tecnologia. Certa vez um aluno me procurou e disse, “Posso trabalhar em seu laboratório? Quero clonar alguma coisa”. Perguntei que questão biológica ele queria resolver e ele me disse que não sabia, só queria clonar um gene. Expliquei que há milhares de genes a serem clonados e que seria necessária uma razão para sua pesquisa. Talvez uma clonagem não responda à sua pergunta. Apesar dos avanços proporcionados pelas técnicas de sequenciamento, em seu discurso de abertura do congresso o geneticista brasileiro Fábio de Melo Sene comentou que a técnica acabou sendo um empecilho para os estudos da evolução. Os pesquisadores teriam deixado de distinguir entre padrões e processos evolutivos. O senhor concorda? — Sim, acho que a tecnologia é importante, mas é apenas uma ferramenta. É possível obter rapidamente informações que não podiam ser obtidas antes. Outra abordagem moderna maravilhosa são os microarranjos, técnica na qual podemos colocar 4 mil genes da bactéria Escherichia coli em uma lâmina e lavá-la com RNA produzido pela bactéria. Sempre que o RNA encontra um fragmento de DNA complementar, eles se ligam. Assim sabemos quais são as moléculas de RNA que a célula fez. Então podemos fazer uma série de experimentos e ver como o fenômeno funciona. Podemos fazer perguntas, como o que acontece quando lançamos luz ultravioleta sobre elas, quando as aquecemos etc. Há empresas que vendem as lâminas pré-fabricadas. O perigo é que isso faz com que o procedimento fique mais fácil e se gaste mais dinheiro com experiências sem pensar sobre seu significado. Minha mensagem para os alunos é que eles devem pensar no processo biológico que responde à sua pergunta, retornar a princípios básicos e procurar a forma mais simples de responder a uma pergunta. Não devem pular etapas para usar técnicas só porque estão na moda. Um estudante meu uma vez me disse que as bactérias de seu experimento haviam morrido. Perguntei como ele podia ter certeza se não havia tido ■
tempo para tentar cultivá-las. Ele me respondeu que tinha cheirado o tubo de ensaio. Eu não tinha pensado nisso! As bactérias E. coli exalam odor quando crescem – quando param de crescer, o cheiro some. Ele encontrou a resposta da forma mais simples, nada mais era necessário. Quando a estrutura do DNA foi descrita pela primeira vez, sugerindo um mecanismo para sua própria replicação, imaginava-se que o processo envolvesse tantos erros? — Fiz meu primeiro curso de biologia no final da graduação, em 1953, e aprendi que o DNA era um dos compostos químicos encontrados nos cromossomos. Foi no mesmo ano em que Watson e Crick publicaram seu primeiro artigo descrevendo a estrutura da molécula. Quando cheguei à pós-graduação em 1954, todos falavam sobre o DNA e como ele se replicava. Se duas fitas são complementares – vou chamar uma de Watson e a outra de Crick –, basta separar as fitas para fazer um novo Watson e um novo Crick. Ninguém pensava em reparo porque ninguém imaginava que o DNA se alterasse muito. Sabia-se que ele sofria mutações, mas se acreditava que fossem raras. O fato é que, se não houvesse reparo de DNA, a vida não poderia existir. Na verdade o DNA não é tão estável assim, ele passa por consertos constantes. O primeiro mecanismo de reparo devia ter a ver com ultravioleta, porque a vida evoluiu num planeta sem camada de ozônio, onde era preciso consertar os danos feitos ao material genético. ■
Como surgiu a ideia de que o DNA pode se danificar e cometer erros? — A primeira pista é que existem mutantes. Procurava-se identificar os agentes que danificam o DNA. Havia um interesse sobre o motivo por que algumas células são sensíveis à luz ultravioleta e outras não. Então os pesquisadores começaram a fazer culturas de mutantes mais sensíveis. Era preciso descobrir o que acontecia com o DNA para que ele sofresse esses danos causados pela radiação luminosa. Em nossos estudos usávamos células selvagens para descobrir como era a replicação de DNA depois de expostas à radiação ultravioleta, e descobrimos que a replicação dava ■
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origem a fragmentos bem pequenos. Ao fim do doutorado, consegui mostrar que a inibição da síntese de DNA é proporcional à radiação ultravioleta, mas a replicação se recupera. Alguma coisa acontece, as células conseguem lidar com o problema. Também houve um grande impacto do trabalho dos físicos na área. Na física, aprendemos a reduzir as perguntas ao modelo mais simples possível que possamos testar. Max Delbrück sugeriu estudar biologia analisando os vírus, que têm os genomas mais simples que se conhece, e prever o que cada pedaço do genoma faz [trabalho que lhe valeu o Prêmio Nobel em 1969]. ■ Então a perspectiva da física permeou o estudo da biologia? — Havia dois tipos de biofísico. Os que saíram da física e entraram na biologia, fundando o campo da biologia molecular. Eu estudei física na graduação e no mestrado. Tinha a intenção de chegar à biofísica, mas precisava estudar mais física antes. A outra classe de físicos eram os especialistas em cristalografia, que estavam interessados nas estruturas das proteínas. Watson e Crick não tiraram o modelo da dupla-hélice do nada. Essa descoberta dependeu acima de tudo do trabalho de uma cientista muito discreta chamada Rosalind Franklin, que estava estudando cristais de DNA e descobriu um padrão de difração por raios X. Quando Crick passou pelo laboratório e viu as imagens, sendo ele um físico e conhecendo difração por raios X, disse, “Isso é uma hélice!”. ■ Ninguém enxergava uma hélice ali? — Não. A difração por raios X é muito difícil de interpretar. Porém, se uma pessoa sabe como ela é gerada, vê uma configuração básica e sabe que se trata de uma hélice. Rosalind Franklin não recebeu o crédito que merecia. Isso acontece em ciência, infelizmente mais com mulheres do que com homens. As mulheres fazem trabalhos tão importantes quanto os homens nos laboratórios, mas os chefes geralmente são homens. Pelo menos eram até um tempo atrás. ■ Voltando ao tema do reparo, existe uma
estimativa dos danos causados ao nosso DNA todos os dias?
— Cada célula sofre ao menos entre 10 mil e 50 mil alterações por dia. Então o reparo deve funcionar constantemente. Durante uma palestra de uma hora, cada pessoa provavelmente terá cerca de 1 trilhão de depurinações, ou seja, 1 trilhão de guaninas [uma das moléculas que compõem o material genético] saem do seu DNA em uma hora. ■ É assustador. — É curioso e assustador, mas veja: se há perda de guanina no DNA, obviamente deve haver reparo. Não tínhamos tecnologia para fazer essas observações na época em que as pessoas achavam que o DNA era estável. Esses tipos de dano ocorrem espontaneamente porque o DNA é instável. Um trilhão parece muita coisa. Você tem 1014 células em seu corpo. Isso significa que perde 1 guanina a cada 100 células.
A falha no mecanismo de reparo é a principal causa de câncer? — Eu diria que o tema comum do câncer é a instabilidade genômica. A mutagênese é uma das causas do câncer. Estima-se que sejam necessárias ao menos umas 5 ou 6 mutações sucessivas para que se forme um tumor cancerígeno. Mas se trata de um número muito indefinido, podem ser 10 ou 12. Além disso, há várias formas de o câncer surgir. Há milhares de genes que, quando mutados, podem representar um minúsculo passo em direção ao câncer. Mas alguns representam um passo maior. O gene p53 aparece alterado em metade dos tumores humanos. Então é um gene que deve ser observado, é importante para que ocorra a apoptose em células com danos severos. Quando mutado, ele deixa de causar apoptose, de forma que o gene pode sofrer outras mutações e dar origem a um tumor. Adicione a isso substâncias ambientais importantes – no topo da lista estão os cigarros: o risco de um não fumante desenvolver câncer no pulmão é de 1 em 10.000, enquanto o de alguém que fuma três maços por dia é de 1 em 100. Não é um risco que alguém decida correr conscientemente. Há também variações entre as diferentes regiões do mundo. Em alguns países onde não há geladeiras os alimentos são armazenados em buracos no solo e acabam contaminados por um mofo que produz aflatoxina, ■
a substância química mais causadora de câncer no fígado que se conhece. A carcinogênese ambiental tenta entender com quais agentes precisamos nos preocupar. É uma área importante, mas às vezes superestimada. Em testes, geralmente se usam doses imensas de um produto químico para provocar câncer em um rato. Então passa-se a afirmar que ele provoca câncer em humanos. Não necessariamente! Há alguns anos se comprovou que o adoçante sacarina, que adicionamos ao café, causava câncer de bexiga em ratos machos. O mesmo não valeu para ratos fêmeas nem camundongos – machos ou fêmeas – e não havia estudos epidemiológicos comprovando que poderia causar câncer em humanos. ■ E davam aos ratos em doses incrivelmente elevadas? — Sim, doses elevadíssimas. Depois descobriu-se que, na verdade, o que ocorre é que se formam cristais na bexiga que, em associação com uma proteína encontrada ali, irritam as paredes da bexiga. Considerando-se a altíssima concentração, o câncer se desenvolve devido à irritação contínua, que causa a morte das células, uma proliferação excessiva, e isso é o que causa o câncer. E quanto mais as células proliferam, maior a probabilidade de sofrerem mutações. Quando isso foi descoberto, eu fazia parte de uma comissão na Califórnia para produzir uma lista com todos os carcinógenos, e a sacarina estava nessa lista. Depois que soube desses resultados, sugeri que retirássemos a sacarina da lista. “Não tiramos itens da lista”, me disse o coordenador do grupo. Levou três anos, porque essas coisas se tornam batalhas judiciais, para retirá-la da lista. Nesse meio tempo, descobriu-se que o ácido ascórbico – a vitamina C – produz os mesmos cristais em ratos. Deveríamos parar de tomar suco de laranja? Ficaríamos com escorbuto. Na verdade, é a dose que cria o veneno. ■ O conhecimento sobre reparo de DNA pode ajudar a desenvolver terapias contra câncer e envelhecimento? — Em princípio diria que sim. Mas a primeira coisa é descobrir as causas e distinguir entre as causas que podemos e as que não podemos controlar. São estudos desse tipo que estamos agora
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desenvolvendo. Em alguns tipos de câncer trechos do DNA se quebram e são transferidos de um cromossomo para outro. Isso não é causado por agentes químicos, mas por características naturais de nosso DNA. É bastante raro, do contrário todos teríamos problemas. Queremos estudar a contribuição dos aspectos intrínsecos do DNA para o desenvolvimento do câncer em comparação com agentes externos. Com relação aos agentes ambientais, temos de identificar as substâncias potencialmente problemáticas e depois determinarmos as doses com as quais devemos nos preocupar. Assim podemos reduzir a um nível razoável a exposição a algumas substâncias, ou não sermos expostos de todo, a começar por cigarros... … que é algo que se deve evitar. — Exatamente. O café, por exemplo, tem milhares de substâncias. Apenas 30 delas, até onde sei, foram testadas com relação à possibilidade de causarem câncer em ratos, sendo que metade delas teve resultado positivo – cerca de 13 ou 14 causam câncer em ratos, se consumidas em quantidades imensas. Não se deve mais tomar café? Se bebermos 15 mil xícaras de café, alguns elementos químicos podem provocar danos. Por outro lado, só para ilustrar a complexidade, há elementos químicos que têm efeito anticancerígeno. Não sabemos. Talvez haja 5 mil elementos que são anticancerígenos no café e que revertam de longe os efeitos das outras substâncias, mesmo que não se consumam todas as 15 mil xícaras. ■
■ Não se fazem listas de substâncias anticancerígenas? — Às vezes sim. Não sistematicamente, mas é algo interessante a ser feito. Com relação ao envelhecimento, não creio que exista muita informação. Não sabemos ainda se o envelhecimento se dá devido ao desgaste ou se está programado no relógio biológico. Certamente podemos acelerá-lo com danos ao DNA, há indícios recentes interessantes sobre como danos oxidativos contribuem para o envelhecimento. Também temos de considerar que se trata de um processo diferente em cada órgão, um único fator não é a causa de tudo. Sabemos, por exemplo, que a pele envelhece menos se a pessoa não toma
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sol. Então, cada órgão tem sua própria taxa de deterioração e envelhecimento. O verme C. elegans aparentemente tem envelhecimento programado, assim como as leveduras. Parece ser algo muito complexo. Talvez tenhamos um relógio global, que determina o tempo máximo que viveremos e sobre o qual não temos controle. Em sua palestra, o senhor comentou que algumas vezes os danos são parte integrante de como o DNA funciona. Como é isso? — O sistema imunológico tem de gerar 1 bilhão de tipos diferentes de anticorpos. Então, em um sistema biológico programado para fazer um erro a cada 10 bilhões de moléculas, como será possível projetar algo programado para cometer 1 bilhão de erros? ■
É dos erros que vem a diversidade? — É isso que a diversidade é: mutagênese. Além disso, trata-se de mutagênese dependente da transcrição. É interessante que se produza o máximo possível de erros no RNA mensageiro de um gene que produz um anticorpo, de modo que se tenha várias cópias diferentes com base em um único trecho de DNA. Não parece impossível? Então, primeiro é preciso mutar o DNA, mas tem que haver uma forma interna de fazer isso, já que não é possível fazer o DNA fumar cigarros. A maneira mais simples é a desaminação de citosina, que quando perde a amina vira uracila, que não existe no DNA – só no RNA. Quando isso acontece, o sistema de reparo remove a uracila, porque quer consertar o erro, mas ele foi projetado para errar quando conserta as coisas. ■
■ Ele substitui o erro por qualquer coisa,
não só pelo aminoácido original? — Isso. Além disso, para tornar ainda mais eficaz, há uma proteína chamada AID, que aumenta a deaminação cerca de meio milhão de vezes. Isso provocará bastante mutação. Durante a replicação, o DNA se abre para dar acesso à AID, e isso acontece na transcrição que é bem rápida. Se a transcrição for mais lenta, a AID poderá entrar e metralhar o DNA: bangbangbang, ao invés de bang...bang...bang. É como no filme O poderoso chefão, em que os gângsteres usaram um pedágio abandonado para
bloquear o carro de Sonny e metralhá-lo à vontade. ■ O senhor também foi um pioneiro ao mostrar que o reparo não é homogêneo no genoma inteiro. — Bem, isso surgiu a partir de estudos feitos por uma pós-graduanda, Mimi Zolan, que chegou ao meu laboratório por volta de 1978. Estávamos interessados nessa questão de o reparo do DNA ser ou não homogêneo, se havia regiões com melhor reparo do que outras. Ela analisou o DNA-alfa, que é uma sequência de 179 nucleotídeos repetidos várias vezes, e descobriu que ele não era reparado tão bem quanto o resto do DNA. Esse foi o primeiro exemplo de reparo diferencial. Não tem nada a ver com a transcrição, mas com a estrutura da cromatina. Quando Mimi saiu, acho que em 1982, ela disse, “Por que vocês não olham os genes ativos?”. Muitas vezes as pessoas têm a falsa impressão de que os professores têm as ideias e orientam os alunos. Certamente têm, mas muitas ideias importantes vêm de alunos criativos. Um de meus pós-graduandos recentes mais brilhantes, Justin Courcelle, teve a ideia “herege” de que alguns dos chamados genes de recombinação não estão lá para atuar na recombinação. Ele fez alguns experimentos e mostrou que poderia ser verdade, com relação ao bloqueio da replicação de DNA. Isso provocou raiva nos que vinham trabalhando com recombinação, que disseram, “Como ele ousa afirmar isso?”. Justin publicou o artigo na revista PNAS, um trabalho excelente na minha opinião. Mas de alguma maneira fui parar numa lista de discussão por e-mail e as pessoas diziam que o artigo era péssimo. O que era péssimo era ele desafiar as convenções. Você acha que os cientistas estão abertos às novas ideias? Não mais do que as outras pessoas.
Então vocês estudaram os genes ativos? — Na verdade, a oportunidade para estudar alguma coisa também surge por acaso. No outro lado do prédio de biologia, em relação à minha sala, Robert Schimke está estudando a expressão de um gene em células ovarianas de um hamster chinês nas quais esse gene está amplificado 50 vezes. É como o DNAalfa, há múltiplas cópias da mesma coisa. ■
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Se estamos procurando por algo em um gene específico, é mais fácil encontrar em 50 cópias desse gene do que em uma. Medimos o reparo nesse fragmento, mas foi preciso uma combinação de pessoas e ideias para chegar a um experimento que funcionou e mostrou que o gene é reparado de maneira mais eficiente do que o restante do genoma, porque ele é transcrito. Submetemos o trabalho à revista Cell – achei importante enviar para uma publicação com alto fator de impacto – e foi rejeitado. Eu então telefonei ao editor da revista e disse que não teria enviado o artigo para a Cell se não estivesse convencido de que se tratava de uma descoberta importante – era o primeiro relato de reparo seletivo de um gene expresso. Ele ouviu e disse, “OK”! Nem todo mundo pode resolver essas coisas telefonando para o editor da revista, mas eu construí certa credibilidade, suponho. Isso volta àquele fato de que novas ideias, por mais empolgantes que sejam, não são necessariamente aceitas. As pessoas não gostam do que vai contra os seus modelos ou que, de alguma maneira, tira a glória desses modelos. Em minha opinião, é importante proteger os interesses dos estudantes com ideias, para que não sejam atropelados por egos e pessoas mais bem-estabelecidas, que podem suprimir o que eles fazem ou incorporar as ideias sem lhes dar crédito adequado. Essas atitudes vão contra a ciência? — Vão contra, claro. Outra coisa que me parece idiota é que algumas pessoas se sentem ameaçadas por seus ex-alunos, como se fossem competidores. Se os seus descendentes, os alunos que você formou, não forem bem-sucedidos, isso pega mal para você. Muito do que me entusiasma em ciência é ver pessoas treinadas em meu laboratório serem bem-sucedidas. É uma forma de um cientista atingir a imortalidade, já que não dá para ficar vivo por 50 anos além do normal. ■
■ O senhor também tem descendentes acadêmicos no Brasil, de certa maneira, não? — Rogério Meneghini [agora no Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde] foi meu único pós-doutorando brasileiro. Eu sistematicamente tentei ter alunos
Novas ideias, por mais empolgantes que sejam, nem sempre são aceitas. As pessoas não gostam do que vai contra os seus modelos ou tira a glória deles
do maior número possível de países, foram 34 países diferentes. Não só alunos, também teve gente que lavava vidraria no laboratório e secretárias. Enfim, Meneghini chegou ao meu laboratório em 1973, ficou por um ano – talvez um pouco mais – e fez um trabalho excelente. Depois ele voltou ao Brasil e passou a estudar reparo de danos oxidativos ao DNA e continuou a fazer um bom trabalho nessa área. Carlos Menck [agora na Universidade de São Paulo] foi seu aluno. Foi por causa dessa colaboração que, em 1977, Meneghini me convidou para dar palestras em um curso de seis dias. Foi lá que conheci Graciela, hoje minha mulher, que foi de Buenos Aires no lugar do chefe dela. Então agora vocês estão aqui numa missão tanto pessoal como científica... — Pois é, e foi por acaso. Claro que o Congresso Brasileiro de Genética não foi programado para celebrar nosso aniversário de casamento! ■
■ O senhor se manteve em contato com o que acontece aqui no Brasil na sua área?
— Na verdade, Menck é uma pessoa fora de série na área. Eu diria que ele é exemplar em sua habilidade de entusiasmar estudantes. Seus alunos escolhem bons problemas para trabalhar, muitas vezes com organismos pouco comuns. Dessa maneira eles conseguem informações importantes que contribuem muito para o conhecimento. É comum que todos trabalhem com a mesma bactéria, E. coli. A maior parte do que se sabe sobre reparo em bactérias foi feito com essa espécie. Mas ao examinar outros organismos, como ele fez, muitas vezes se descobre que nem todas as bactérias funcionam da mesma maneira que E. coli. Há outras maneiras de fazer a mesma coisa, podemos descobrir coisas novas com novos organismos. É esse o melhor caminho para fazer essas descobertas? — É: sendo criativo, saindo dos caminhos batidos. Menck faz isso bem, e se mantém atualizado em relação à tecnologia moderna. Eu virei cientista porque estava interessado em saber como as coisas funcionavam, e também porque queria ser professor. A biologia molecular se tornou meu foco porque era fascinante e avançava aos saltos. Quando eu fazia pós-doutorado na Dinamarca, meu orientador organizou um encontro internacional chamado Biologia Molecular e 40 pessoas participaram. Hoje, se você organizar um congresso de biologia molecular, terá 50 mil participantes. Eu realmente gostei de ter viajado pelo mundo todo para participar de congressos científicos internacionais. Ao entrar em mutagênese ambiental, acabei indo a países onde se organizavam congressos não porque a ciência fosse evoluída naquele lugar, mas porque há problemas ambientais nacionais. Então acabo viajando para lugares muito interessantes. Não há fronteiras nacionais na ciência, fazemos amigos no mundo todo, em países com culturas diferentes, e estabelecemos ligações e uma comunicação comum, mesmo que as línguas sejam diferentes. Seria ótimo se o modo como a ciência opera pudesse ser usado como modelo para o relacionamento entre as nações, mas vá dizer isso a políticos e advogados. ■ ■
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otencializado pela necessidade de reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa, o desenvolvimento de fontes de energia renováveis e limpas dificilmente resultará num modelo hegemônico. A tendência é que cada país crie uma combinação própria de matrizes, escolhida entre várias categorias de biocombustíveis, a energia solar ou a eólica e, mais tarde, provavelmente o hidrogênio, capaz de lhe garantir eficiência energética e ajudar o mundo a atenuar os efeitos das mudanças climáticas. O estado da arte na pesquisa básica e no desenvolvimento tecnológico aponta para esse caminho, como mostrou o workshop Physics and Chemistry of Climate Change and Entrepreneurship, que reuniu pesquisadores brasileiros e britânicos no auditório da FAPESP, na capital paulista, nos dias 26 e 27 de fevereiro. Organizado pela Fundação e pelas instituições britânicas Institute of Physics (IOP) e Royal Society of Chemistry (RSC), com apoio da Embaixada Britânica em Brasília, da Academia Nacional de Ciências do Reino Unido e da The Royal Society, o evento discutiu experiências levadas a cabo em várias partes do mundo, com destaque para o Brasil e o Reino Unido, países que recentemente tomaram decisões ambiciosas para enfrentar as mudanças climáticas. Enquanto o governo britânico comprometeu-se a reduzir nada menos do
que 80% das emissões de gases estufa até 2050, o brasileiro estabeleceu para o ano de 2020 o desafio de diminuir em 80% o desmatamento da Amazônia, responsável pela metade de sua contribuição para o aquecimento global. “Os compromissos são importantes, porque o planeta ficará mais quente por mais tempo se demorarmos a agir”, disse Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, que vai investir R$ 100 milhões nos próximos dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões anuais – na articulação de estudos básicos e aplicados sobre as causas do aquecimento global e de seus impactos sobre a vida das pessoas. As atividades do workshop integram os esforços desse programa. “Nossa intenção é impulsionar a mitigação das mudanças climáticas e promover o empreendedorismo no campo das tecnologias limpas, ao fazer um balanço dos progressos recentes nos dois países”, afirmou Nobre. Naturalmente, a experiência brasileira com biocombustíveis teve um espaço importante no workshop. O físico Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, fez uma apresentação sobre o sucesso da tecnologia de produção do etanol a partir de cana-de-açúcar, responsável atualmente pela metade do combustível consumido pelos automóveis brasileiros. Além de
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Cardápio energético EDUARDO CESAR
Cada país terá uma combinação própria de fontes limpas de energia para enfrentar as mudanças climáticas, conclui workshop Fabrício Marques
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Mudanças globais poderão aumentar o potencial da energia eólica
substituir parte do petróleo, o etanol tem a seu favor o fato de produzir menos dióxido de carbono (CO2) que a gasolina e parte significativa desse gás ser reabsorvido pela cana na safra seguinte. O aumento da produtividade da cana desde a década de 1970 tem sido de 4% ao ano, graças à pesquisa
que multiplicou o número de cultivares da planta, adaptando-a a diferentes realidades. Tais ganhos distanciam a tecnologia brasileira da utilizada nos Estados Unidos, que extraem etanol de milho e são os maiores produtores mundiais do combustível a poder de pesados subsídios. “A grande questão é
Potencial para crescer A área plantada para produção de etanol de cana equivale a apenas 0,5% do território nacional
Área total do Brasil (100%)
Área ocupada por propriedades rurais (42%)
Área usada para agricultura (9%) Plantações de cana para produção de etanol (0,5%) FONTE: HORTA NOGUEIRA E SEABRA (2008)
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até que ponto seguiremos ampliando a produtividade do etanol de cana”, disse Brito Cruz. Para preservar a liderança tecnológica do Brasil – em especial de São Paulo, que concentra a maior parte das plantações e do parque de usinas de álcool do país – foi lançado em junho do ano passado o Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), que tem a ambição de estimular e articular as atividades de pesquisa em instituições paulistas e aperfeiçoar a expertise que já existe nessa área. O Brasil é um país atípico em matéria de matrizes energéticas. Graças a investimentos em usinas hidrelétricas e em biocombustíveis, extrai 46% de sua energia de fontes renováveis, muito além da média mundial, de 13%, e da taxa de 6% dos países mais industrializados do planeta, aqueles que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O investimento na tecnologia do álcool combustível remonta ao final dos anos 1970, quando o país, abatido pelos choques do petróleo, começou a investir em tecnologias de exploração de petróleo em águas profundas e
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Com o advento dos carros flex, a gasolina é que se transformou no combustível alternativo do Brasil também na busca de combustíveis alternativos. Os carros a álcool tomaram as ruas do país na década de 1980, mas quase desapareceram nos anos 1990, com a queda do preço do petróleo. A partir de 2003, com o advento dos carros flex, que rodam com gasolina, etanol ou qualquer mistura dos dois, o álcool combustível recuperou o terreno perdido. Hoje cerca de 90% dos carros novos vendidos no Brasil são flexíveis. “A gasolina é que se tornou o combustível alternativo no Brasil”, observou Brito Cruz, ao lembrar que, se o álcool é vendido puro nas bombas dos postos, a gasolina é comercializada misturada a 25% de etanol. Brito Cruz destacou que a viabilidade da produção do combustível extraído da cana não deve ser encarada como uma saída obrigatória para outras nações. “As soluções serão peculiares em cada país e em cada região. Após a Segunda Guerra Mundial, todos os países passaram a perseguir a meta de gerar sua própria energia ou, quando isso não é possível, garantir o suprimento por fontes seguras vindas de outros países. E cada um seguiu esse caminho buscando estratégias viáveis para sua realidade”, afirmou. A ideia corrente de que o avanço da cana ampliaria o desmatamento da Amazônia foi contestada pelo diretor científico da FAPESP. “Por uma série de motivos, é uma má ideia plantar cana na Amazônia”, afirmou, mostrando, no mapa
brasileiro, que as principais áreas de plantio, em São Paulo e no Nordeste, situam-se a pelo menos 2 mil quilômetros da floresta. Também abordou a polêmica internacional segundo a qual o aumento da área plantada para produzir biocombustíveis resultaria numa oferta menor de alimentos. Pelo menos no caso brasileiro isso não
é verdade, pois apenas 1% da área agriculturável no Brasil (ou 0,5% do território brasileiro) é ocupada pela produção de cana para produção de etanol, enquanto 49% desse território é dedicado a pastagens. “É possível ampliar várias vezes a área plantada no Brasil sem causar impacto na produção de alimentos e sem a necessidade de desmatar novas áreas”, disse, mostrando que essa realidade pode reproduzir-se também no continente africano, dotado de áreas não utilizadas que poderiam ser direcionadas à produção de bioenergia. A polêmica havia emergido logo nas primeiras apresentações do workshop, quando Richard Pike, executivo-chefe da Royal Society of Chemistry, criticou a opção de investir em biocombustíveis para substituir os derivados de petróleo, sob o argumento de que isso colocaria em risco a segurança alimentar. E sustentou que, no caso da Grã-Bretanha,
Uma Itaipu de bagaço e palha A geração de eletricidade com a queima de bagaço e palha de cana poderá superar em 2013 a capacidade da maior hidrelétrica brasileira em 1.000 megawatts médios (MWm) 12
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Itaipu (9.699 MWm) 8
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bagaço (75%) + palha (50%) FONTE: ÚNICA
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Coletor na Alemanha: 40% do potencial fotovoltaico é aproveitado
a energia solar e o combate ao desperdício são as soluções mais sustentáveis para atingir a meta de cortar as emissões em 80%. “Se a diretriz da União Europeia de substituir 5,75% dos combustíveis fósseis por biocombustíveis até 2010 fosse aplicada, mais de 19% da área agriculturável da Europa seria comprometida”, afirmou. Na apresentação seguinte, Pike foi contestado pelo físico José Goldemberg, ex-reitor da Universidade de São Paulo, para quem o diagnóstico do britânico padece de uma “visão eurocêntrica”. “Aqui no Brasil há terra disponível para plantar cana. É só vocês importarem o etanol do Brasil em vez de produzi-lo”, afirmou. “A produção de chá da Inglaterra dependia da importação de matéria-prima das Índias no século XIX.” Sinergia - Fernando Galembeck, profes-
sor do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostrou que o contínuo investimento em ciência, tecnologia e inovação no âmbito da produção de cana-de-açúcar também resultou na produção de outros 18
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itens, além do açúcar e do etanol, como a lisina usada em suplementos alimentares, poliésteres, celulose, vitamina B, solventes, polietileno e energia elétrica com o bagaço, num exemplo de sinergia entre alimentos, combustíveis e produção de materiais. “A cana é um poderoso recurso de alimento, combustível e materiais. A área plantada em 2007 era de 2 mega-hectares (Mha), mas existem no Brasil cerca de 80 Mha de pastagem, grande parte subutilizados”, destacou.
Esforços de pesquisa básica e aplicada em busca do que se convencionou chamar de etanol de segunda geração, a ser extraído de lignocelulose, foram explorados pelo britânico Richard Templer, do Imperial College, e pelo brasileiro Elói Garcia, do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). O desenvolvimento de tecnologias para produzir etanol de lignocelulose abre a perspectiva de multiplicar a produção do combustível, extraindo-o de plantas e resíduos agroindustriais. No caso da cana, permitiria o aproveitamento do bagaço e da palha, que compõem dois terços da biomassa da planta. Templer mostrou o trabalho da Porter Alliance, rede de 130 pesquisadores de diversas instituições britânicas, para desenvolver opções sustentáveis de combustíveis renováveis a partir de lignocelulose. Entre as linhas de investigação há, por exemplo, estudos genéticos para obtenção de novas variedades de plantas ricas na matéria-prima, como o salgueiro, o álamo e gramíneas do gênero Miscanthus, e a otimização de processos que degradem as fibras e permitam a extração do combustível – com o uso, por exemplo, do fungo da podridão-parda (Gloeophyllum trabeum). “Nenhuma instituição de pesquisa sozinha conseguirá determinar quais serão as escolhas mais sustentáveis. Esse trabalho terá de envolver a cooperação do
Até 2020, cada país europeu deverá ter dez fontes renováveis a mais que as atuais
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bombeamento de água, na geração de eletricidade e na refrigeração. “As células fotovoltaicas terão de ser integradas ao design das construções. E os arquitetos precisarão ser treinados para isso”, afirmou Twidell, diretor do Centro Amset da Universidade de Montfort, no Reino Unido, que patrocina pesquisa e educação em energias renováveis e sustentabilidade. Para ele, o desenvolvimento da energia solar, que ainda carece de avanços tecnológicos para tornar-se mais eficiente e competitiva, depende da criação de políticas públicas que estimulem a mudança tecnológica. Citou o caso da União Europeia, que estabeleceu o ano de 2020 para que 20% da energia utilizada em seus países venha de fontes renováveis. Ainda de acordo com essas metas, para abastecer sua população e indústria em diferentes setores econômicos, cada um dos 27 países da União Europeia deverá ter, pelo menos, dez fontes de energias renováveis a mais do que as atuais. “Na
Grã-Bretanha, por exemplo, todos os novos edifícios deverão seguir o conceito de carbono zero até 2018. Se essas construções utilizarem energia que contribua para a emissão de carbono, por exemplo, elas terão que compensar com o uso de alternativas como células fotovoltaicas, energia eólica ou biocombustíveis”, explicou. Desinfecção - Entre as diversas aplica-
ções da energia solar, Patrick Dunlop, pesquisador da Universidade do Ulster, na Irlanda, apresentou o trabalho de seu grupo para desenvolver métodos de baixo custo para a desinfecção da água através de sua exposição ao sol, talhados para regiões pobres ou que vivam situação de emergência em relação ao tratamento da água. Em dias ensolarados, seis horas de exposição são suficientes para matar uma ampla gama de microrganismos. Crianças que recebem água tratada nesse esquema têm uma chance sete vezes menor de
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mundo inteiro”, afirmou Templer. Já Elói Garcia mostrou as pesquisas realizadas pelo Inmetro, em parceria com o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), utilizando o aparelho digestivo de animais e insetos alimentados com bagaço de cana como modelo para o estudo de microrganismos e enzimas capazes de degradar a lignocelulose. Os modelos estudados até agora envolvem ruminantes como bovinos e cabras, além de cupins, baratas e besouros. A energia solar é uma das grandes apostas da Europa na busca de matrizes energéticas renováveis. A Alemanha, por exemplo, se destacou por aproveitar 40% de seu potencial fotovoltaico, num esforço revelador de que, quando a produção industrial da tecnologia dobra, seu custo de produção cai em cerca de 20%. Com 20 anos de experiência, a Alemanha deve conquistar em uma década a paridade com a energia convencional, na casa do US$ 0,20 por quilowatt-hora (kWh). O custo atual da energia fotovoltaica na Alemanha é de US$ 0,43 por kWh. Ian Forbes, da Escola de Computação, Engenharia e Ciências da Informação da Universidade de Northumbria, apresentou no workshop os esforços de pesquisa da Inglaterra, que tem níveis de insolação apenas ligeiramente inferiores aos da Alemanha, na busca de novos materiais para aperfeiçoar a tecnologia das células fotovoltaicas. A segunda geração dessa tecnologia, que conseguiu reduzir custos substituindo as placas de silício por outros materiais semicondutores, esbarra na escassez de alguns de seus compostos, como o gálio e o índio. “Em congressos realizados na Europa, especialistas estimam que, até 2020, a energia solar fotovoltaica poderá suprir mais de 90% da demanda por eletricidade no continente”, disse. Design de construções - O pesqui-
sador britânico John Twidell também destacou que a energia solar terá utilidades diversas, no aquecimento e no
Protótipo que tira energia das ondas do mar
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Ideias para combater efeitos do aquecimento global sem reduzir as emissões de carbono ainda são inviáveis contrair cólera em relação às demais. “Se hoje 1,8 bilhão de pessoas não têm acesso a água adequadamente tratada, as mudanças climáticas podem deixar esse quadro ainda mais dramático”, disse Dunlop. As estratégias, que estão sendo testadas em países como Quênia, África do Sul e Zimbábue, envolvem desde a montagem de equipamentos portáteis de fotocatálise até a distribuição de sacos plásticos e garrafas especiais, destinadas a facilitar o armazenamento da água para sua purificação com a radiação solar. Se o Brasil avançou na tecnologia do etanol, não se pode dizer o mesmo em relação às energias solar e eólica. O Brasil dispõe do dobro dos níveis de insolação da Alemanha, que abriga o maior mercado no mundo de energia solar, mas ela se restringe ao aquecimento de água em residências e à geração de eletricidade em áreas remotas. O problema é alto custo dos equipamentos. A matriz nem sequer é citada no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), do governo federal. Em relação à energia eólica, a situação é um pouco melhor. Dados apresentados no workshop por Enio Bueno Pereira, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que, embora a capacidade instalada de geração de energia eólica tenha se multiplicado por oito entre 2005 e 2007, está ainda num patamar muito baixo: 20
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no ano passado, a capacidade instalada era de 247 megawatts (MW), ante 8 mil MW da China e 6 mil MW da Índia, países que vêm investindo pesadamente nessa matriz energética. Estima-se que o Brasil tenha potencial para 143,5 gigawatts de energia eólica, a metade disso apenas na Região Nordeste. De acordo com Pereira, modelos computacionais sugerem que o potencial da energia eólica do Brasil pode se ampliar com as mudanças climáticas, graças a um possível aumento do regime de ventos de alguns estados da Região Norte, como o Pará. O físico Luiz Pinguelli Rosa, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor de seu instituto de pesquisa e pós-graduação em engenharia (Coppe), criticou o avanço da termoeletricidade como matriz energética do Brasil e mostrou que o potencial de exploração da energia hidrelétrica, bem menos poluente, ainda é grande no país. “Na contramão da história, o governo brasileiro passou a apostar até em termoelétricas movidas a gás natural e a diesel”, disse o professor. Secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Pinguelli deu uma explicação para a opção brasileira. Segundo ele, enquanto é grande a resistência à criação de novos lagos e barragens, pouca gente enxerga os prejuízos, inclusive à saúde humana, de queimar óleo para produzir energia. “O movimento dos
atingidos por barragens é bastante articulado, e não sem razão, porque historicamente foram muito mal tratados pelas autoridades”, afirmou. O físico encerrou sua apresentação no workshop falando de oportunidades tecnológicas. Apresentou um filme mostrando o protótipo de uma usina, desenvolvido pela Coppe, que aproveita a flutuação das ondas do mar para gerar energia. A pesquisa no campo da biogeoengenharia, embora esteja longe de oferecer alternativas de curto prazo, obteve avanços nos últimos anos nos Estados Unidos, graças ao estímulo do governo George W. Bush, para quem o enfrentamento do aquecimento global se faria não por meio da redução do uso de combustíveis fósseis, mas da criação de um aparato de soluções tecnológicas capazes de amenizar os efeitos das mudanças globais. Entre as ideias em estudo, há desde expedientes como capturar o carbono da atmosfera por meio de “árvores artificiais” e confiná-lo no subsolo, bombeando dióxido de carbono em estado líquido no espaço que já foi ocupado por reservas de petróleo e gás exploradas, até mecanismos que já se aproximam das experiências de campo, como a fertilização dos oceanos por meio do lançamento de ferro solúvel ou o uso de bombas para trazer águas das profundezas para a superfície, ambos com potencial para estimular a produção de algas e aumentar a absorção de carbono pelo mar. De acordo com Paul Valdes, professor da Universidade de Bristol, muitas dessas ideias são economicamente inviáveis com base na tecnologia atual. “Mas elas tendem a parecer menos absurdas com a demora em fazer o que precisa ser feito, que é reduzir as emissões”, afirmou Valdes, no workshop realizado na sede da FAPESP. Raios refletidos - De acordo com o
professor, as soluções de biogeoengenharia soam mais factíveis quando se referem a estratégias para aumentar o
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refletir parte da radiação solar ou cobrir desertos com material refletivo, para reduzir a temperatura do planeta. Mas também há aplicações mais prosaicas, como o plantio de cultivares agrícolas com maior capacidade de refletir a radiação solar ou o uso em construções de materiais capazes de promover o mesmo efeito. Fernando Galembeck, da Unicamp, lembrou do pigmento que ele e sua equipe desenvolveram na Unicamp e com tecnologia transferida para a empresa Bunge. Usado nas tintas brancas, o pigmento branco nanoestruturado aumenta a refletividade da luz solar das paredes
e construções diminuindo o calor e o uso do ar-condicionado. Valdes citou pesquisas realizadas na Inglaterra segundo as quais certas variedades de sorgo, cevada e milho possuem albedo significativamente maior do que outras. Segundo ele, modelos climáticos sugerem que o uso dessas variedades com albedo maior poderia compensar os efeitos da elevação de 1 grau Celsius da temperatura, com efeitos potenciais mais significativos no hemisfério Norte. “Há muita pesquisa a se fazer nesse campo, mas esses esquemas soam mais realistas do que os que envolvem investimentos gigantescos”, disse Valdes. ■
BARRATT DEVELOPMENTS
albedo (a refletividade dos raios solares num objeto) da superfície terrestre – com a finalidade de resfriar o ambiente e contrabalançar os efeitos do aquecimento. “Observe-se que esses esquemas podem mitigar alguns efeitos das mudanças climáticas, mas não evitam, por exemplo, o processo de acidificação dos oceanos causado pelo aumento de carbono da atmosfera, que gera impactos na biodiversidade marinha como a morte de corais”, afirmou. É certo que, entre os esquemas para aumentar o albedo, figuram ideias que remetem à ficção científica, como instalar gigantescos espelhos em órbita destinados a
Casa ecológica do Reino Unido: emissão zero de carbono até 2016
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> Acaba a censura
AS DORES DA AUTONOMIA
Pesquisadores das universidades da França entraram em confronto com o governo. Uma greve que paralisou várias instituições e manifestações que duraram dois dias, com direito a arremessos de sapatos na fachada do Ministério da Educação Superior, marcaram a reação a um decreto do presidente Nicolas Sarkozy. Subproduto da lei de autonomia universitária aprovada em 2007, o decreto estabelece que a avaliação dos pesquisadores contemple as contribuições para o ensino e a administração, em vez de ser baseada exclusivamente no mérito da pesquisa. As universidades também ganham o poder de definir quanto tempo seu pessoal vai gastar em ensino e pesquisa. O problema não é o formato da avaliação, mas o fato de o decreto transferir para reitores a responsabilidade de avaliar os pesquisadores, até então a cargo de um conselho nacional. Numa carta que teve como principal signatário Albert Fert, Nobel de Física de 2007, cientistas expressaram preocupação quanto ao controle que os administradores acadêmicos passarão a ter sobre o trabalho dos pesquisadores. O geneticista Axel Kahn, reitor da Universidade de ParisDescartes e defensor das reformas, disse à revista Nature que a velocidade das mudanças assustou os cientistas. “Não acredito que se possa mudar um sistema consolidado e nacional tão rapidamente”, afirmou.
> A timidez do conselheiro John Beddington, o conselheiro científico do governo do Reino Unido, foi acusado por parlamentares de falhar em sua missão de defender o uso da ciência na formulação de políticas públicas. O comitê para ciência e inovação 22
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da Câmara dos Comuns divulgou um relatório criticando a postura tímida de Beddington frente à decisão do governo de fornecer remédios homeopáticos de graça à população. David King, que ocupou o cargo de conselheiro por sete anos no governo Tony Blair, atacou duramente a medida,
na Ucrânia
argumentando que ela pode colocar em risco a saúde dos ingleses. Beddington, que é professor de biologia populacional do Imperial College, alega que se opôs, sim, à decisão e expressou às autoridades sua convicção sobre a escassez de evidências científicas acerca da eficiência da homeopatia no tratamento de doenças. “Fico feliz em desafiar o governo quando isso for apropriado, mas preciso trabalhar dentro do governo para poder influir em suas políticas”, disse Beddington à revista Nature. Phil Willis, chefe do comitê que produziu o relatório, diz que continuará a acompanhar o trabalho do conselheiro. “Se Beddington não exigir que o governo baseie suas decisões em evidências científicas, quem mais irá fazer isso?”, indagou.
O ministro da Educação e da Ciência da Ucrânia, Ivan Vakarchuk, colocou um ponto final numa prática que remontava à época da ditadura soviética: a necessidade de submeter a uma espécie de censura prévia artigos acadêmicos das ciências naturais e engenharias. Especialistas contratados pelo governo ainda tinham o poder de controlar a divulgação do conteúdo do trabalho dos cientistas do país. De acordo com o site da Rádio Nacional da Ucrânia, o ministro Vakarchuk enviou recentemente uma carta a universidades, institutos de investigação e empresas que investem em pesquisa e desenvolvimento, na qual classificou a velha exigência de incompatível com o Estado democrático e declarou extinta a necessidade de obter uma autorização ao governo para submeter trabalhos acadêmicos à publicação. De acordo com sua resolução,
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> Doenças negligenciadas
O governo da Colômbia elevou a status de ministério sua agência de desenvolvimento da ciência, a Colciencias. Uma lei sancionada pelo presidente Álvaro Uribe em janeiro torna o titular da agência um subordinado direto do chefe do Estado e o habilita a participar do conselho ministerial quando houver temas científicos tecnológicos na pauta. A agência, que nos últimos 20 anos esteve sob o guarda-chuva do Ministério do Planejamento, também ganhará mais poder e flexibilidade para definir investimentos. Uribe disse que a ideia de equiparar a Colciencias a outras agências do governo era uma antiga reivindicação de parlamentares e pesquisadores do país. Mas a mudança não satisfez a comunidade científica, que vê pouca serventia no novo status da agência sem que o governo defina como cumprirá uma antiga promessa de elevar a 1% do PIB os investimentos em ciência, tecnologia e inovação até 2010. Atualmente esse quinhão é de 0,5% do PIB. Elizabeth Hoyos, diretora do Centro Interativo para a Ciência e Tecnologia, disse à agência de notícias SciDev.Net que a mudança é incompleta. “Uma lei de ciência e tecnologia do século XXI que não se preocupe em garantir recursos financeiros é um nonsense”, afirmou.
GUNNAR BACH PEDERSEN
ministério
ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
Um estudo feito pelo Instituto George para a Saúde Internacional, da Austrália, alerta para o risco de a crise financeira comprometer os esforços de pesquisa contra as chamadas doenças negligenciadas, aquelas que atingem os países pobres e não despertam interesse
> Status de
da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Um problema, segundo o instituto, é o número restrito de instituições que destinam recursos às pesquisas – se alguma delas parar de colaborar, o esforço será comprometido. De acordo com os autores, os 12 principais financiadores públicos das pesquisas anunciaram que reduzirão o montante de recursos em 2009. Um exemplo citado no estudo, cujos resultados foram divulgados num artigo da revista científica PLoS Medicine, é o do tracoma, infecção que pode levar à cegueira. Cerca de 90% do dinheiro destinado à pesquisa vem de uma única entidade, o Wellcome Trust. De todo o dinheiro investido em 2008 em 30 moléstias, 60% vieram de apenas duas fontes, os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos e a Fundação Bill e Melinda Gates. O estudo mostra que há uma hierarquia no rol das doenças negligenciadas. Enquanto a Aids, a tuberculose e a malária consomem 80% dos recursos, doenças como a úlcera de Buruli, que provoca necrose na pele, recebe só 0,1% dos investimentos.
BRIGA POR NEFERTITI
os editores de publicações científicas do país estão proibidos de solicitar quaisquer documentos oficiais para aceitar artigos. Caberá aos pesquisadores e suas instituições avaliarem se seus achados contêm informações que devam ser protegidas, por razões industriais ou de defesa.
O Egito ganhou novos argumentos para seu antigo pleito de reaver o busto da rainha Nefertiti (1380 - 1345 a.C.), descoberto em 1912 por arqueólogos alemães e levado a Berlim. De acordo com o site Spiegel Online, um documento encontrado nos arquivos do Instituto Alemão do Oriente sugere que, em 1913, o arqueólogo Ludwig Borchardt teria deliberadamente escondido o valor da peça a Gustave Lefebvre, então diretor do Conselho de Antiguidades do Egito, na hora de fazer a partilha dos achados de sua expedição. Além de ter escondido o busto no fundo de uma caixa, Borchardt teria apresentado uma foto ruim da peça e dito que se tratava de uma mera escultura de gesso. O governo alemão reagiu. A Fundação do Patrimônio Cultural Prussiano (SPK) disse que é falsa a afirmação de que a obra não teria sido transportada de forma legal para a Alemanha. A partilha das peças teria sido feita de forma equitativa através de fotos e tiragem de amostra dos objetos, segundo a SPK. O busto de Nefertiti, em exposição atualmente no Altes Museum de Berlim, é uma das principais atrações turísticas da capital alemã.
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Um espectrômetro que havia sido desenvolvido para estudar o solo de Marte numa missão europeia em 2016 irá primeiro à Lua. O grupo de pesquisadores holandeses que está construindo o instrumento anunciou que vai enviar um protótipo do equipamento, batizado de MoonShot, para a superfície lunar em 2011, em parceria com a empresa britânica Odissey Moon. “Vamos inaugurar uma nova era”, disse à revista Nature Alan Stern, diretor científico da missão e ex-cientista-chefe da Nasa. Segundo ele, trata-se de um primeiro teste de um esquema idealizado pela Odissey Moon para oferecer serviços de transporte de carga até a Lua para cientistas cujos experimentos foram cortados em missões oficiais ou para nações que não dispõem de tecnologia para mandar sondas ao espaço. O consórcio de empresas e instituições holandesas, que está desenvolvendo o espectrômetro, entre as quais a Philips e a Universidade Livre de Amsterdã, deverá pagar US$ 10 milhões à Odissey Moon para mandar o equipamento à Lua. “É um negócio que fará muito sentido num futuro próximo”, disse Stern. O aparelho foi desenhado originalmente para procurar compostos orgânicos no solo marciano usando dois tipos de espectrometria a laser. A versão que irá a Marte na missão Exomars, da Agência Espacial Europeia, foi reduzida e incluirá apenas um espectrômetro. Já a versão que vai à Lua também terá um segundo espectrômetro para escanear o solo lunar em busca de metais pesados.
> Festa
de doutoramento no país e no exterior, destinado a jovens pesquisadores. Também está prevista a criação de um fundo de apoio à publicação e edição de estudos de referência. “O nível científico já alcançado em Portugal exige um conhecimento sistemático do nosso próprio desenvolvimento científico e tecnológico, e das suas condições históricas”, informa um documento do Ministério da Ciência e Tecnologia. A programação terá início em julho.
lusitana O Ministério da Ciência e Tecnologia de Portugal lançou um programa para promover a difusão da história da ciência no país e valorizar o patrimônio cultural e científico. Batizada de “100 anos de República, 100 anos de Ciência”, a iniciativa terá como recorte os avanços e os cientistas que marcaram a modernização do país após 1910, ano da queda do rei D. Manuel II. O programa incluirá apoios à preservação, classificação e estudo de acervos documentais e arquivos de ciência. Serão lançados dois concursos, um para projetos de pesquisa em história da ciência em Portugal e outro para bolsas
> Missão completa
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PAGANDO PARA IR À LUA
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O Irã anunciou o lançamento de um satélite de coleta de dados ambientais por meio de um foguete de fabricação nacional, ingressando no restrito grupo de países capazes de lançar satélites com tecnologia própria. Segundo o chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, o satélite terá fins pacíficos. O anúncio foi recebido com preocupação por autoridades de países ocidentais. O temor não se vincula ao satélite, batizado de Omid (esperança, em persa), mas ao foguete Safir-2, cuja tecnologia revela a competência do país em produzir mísseis balísticos. A comunidade internacional já tentava cercear sem sucesso o programa nuclear iraniano, acusado de servir de fachada para objetivos militares – o que o país nega.
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O CRESCIMENTO DA USP
A Universidade de São Paulo (USP) foi considerada a 87ª melhor do mundo pelo ranking Webometrics, criado pelo Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC). O ranking mede a qualidade e a transparência das instituições, pois avalia os conteúdos disponibilizados na web, especialmente os relacionados à geração de conhecimento científico. Das 500 instituições citadas, a USP registrou o crescimento de 26 posições em relação à lista divulgada em julho de 2008 e está classificada em primeiro lugar entre as universidades brasileiras. A pró-reitora de Pesquisa da USP, Mayana Zatz, ressalta que a performance está relacionada ao crescimento de diversos indicadores da instituição. O número de artigos científicos de pesquisadores da USP publicados no banco de dados Web of Science subiu Universidade galga posições em ranking de 17.419, no quadriênio de 2001 a 2004, para 23.679, no período de 2005 a 2008. No mesmo período, o número de citações aumentou de 53.804 > Angola na rota para 83.861 e o índice médio de impacto dos artigos subiu de do BioTA 3,09 para 3,54. O grau de internacionalização também vem crescendo. Em 2008, a USP recebeu 402 pesquisadores visiO programa BioTA África, tantes, ante 188 em 2005. No mesmo período, o contingente que em 2009 dará início de alunos da USP que foram para o exterior registrou aumenà sua quarta fase, deverá to de 87,5% na graduação e de 39,2% na pós-graduação. A ser estendido para Angola, captação de recursos de fontes externas, como agências e e pesquisadores ligados ao empresas, avançou de R$ 370 milhões em 2005 para R$ 628 programa Biota-FAPESP milhões em 2008. “Essa captação reflete a qualidade da propoderão ter um papel dução científica”, afirma Mayana. Enquanto a produção ciencentral na articulação tífica aumentou em 58,1% no período de 2005 a 2008, o núnecessária para essa mero de vagas na graduação cresceu em torno de 7,6%. De integração. Em janeiro, acordo com Mayana, os dados contradizem a versão publicada Marcos Aidar, pesquisador na imprensa segundo a qual o aumento do número de alunos do Instituto de Botânica coincidiu com uma queda na produção. “Essa versão se baseou de São Paulo, representou em informações do Anuário da USP, sem levar em conta outros o Biota-FAPESP em uma bancos de dados”, explica. “Temos potencial para melhorar mas expedição a Angola, cujo os dados mostram que estamos indo na direção certa”, diz. objetivo foi treinar alunos
MIGUEL BOYAYAN
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da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, para iniciar o levantamento da biodiversidade em território angolano. De acordo com Aidar, a expedição, que também incluiu a Namíbia, teve a participação de pesquisadores do Instituto Nacional da Biodiversidade da África do Sul (Sanbi, na sigla em inglês), da Escola Politécnica da Namíbia e do BioTA África. O BioTA África, apoiado pelo Ministério da Educação e da Pesquisa da Alemanha (BMBF, na sigla em inglês), reúne mais de 400 pesquisadores de instituições africanas e alemãs que atuam numa rede multidisciplinar, em atividades espalhadas pelo continente. Na região meridional, o programa atuava, até agora, na África do Sul e na Namíbia. A inclusão de Angola no BioTA África foi priorizada porque o conhecimento sobre a biodiversidade local é precário, principalmente em decorrência dos 40 anos de guerra civil que devastaram o país. “Além de transmitir parte da experiência acumulada pelo Biota-FAPESP, também queremos entrar no processo de extensão do programa africano a Angola, participando da articulação entre alemães, sul-africanos e angolanos”, afirmou Aidar à Agência FAPESP.
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de animais e projeções de imagens. A exposição é patrocinada pela Fundação O Boticário de Proteção à Natureza.
> Pesquisas no pré-sal
> Cheiros da natureza A Estação Ciência, centro interativo de divulgação científica vinculado à Universidade de São Paulo, inaugurou uma exposição permanente sobre ecossistemas brasileiros. Batizada de Estação Natureza, a mostra está instalada em cinco vagões de trem logo na entrada
do centro, que fica no bairro da Lapa, na capital paulista, e traz informações audiovisuais sobre os ecossistemas costeiros, a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado e a Caatinga. Em cada um dos vagões as informações sobre as paisagens brasileiras serão apresentadas de forma lúdica e educativa, por meio de cheiros, simulações de temperatura, modelos
A Petrobras assinou um acordo de cooperação com a empresa franco-americana Schlumberger, que fornece tecnologias à indústria de petróleo e gás, para projetos de pesquisa conjuntos em exploração de óleo no pré-sal. Serão realizados quatro projetos, em tecnologias para melhorar a caracterização de reservatórios profundos; análises de dados sísmicos; de ressonância magnética nuclear; e de sensores
eletroquímicos. Outros seis projetos ainda estão em fase de negociação. A carteira de projetos estabelecida a partir do acordo entre as duas empresas resultará na implantação, em 2010, do centro de pesquisas da Schlumberger na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, onde a Petrobras tem o seu centro de pesquisa tecnológica.
> Novo comando na Unifesp O novo reitor da Universidade Federal de São Paulo, Walter Manna
A FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema) firmaram um convênio de cooperação científica e tecnológica. Serão investidos R$ 3 milhões, divididos entre as duas instituições, nos setores de engenharia espacial, saúde e ambiente, nanotecnologia, biotecnologia e biociências, biocombustíveis e agronegócios, arquitetura e urbanismo e área social, ao longo de cinco anos. A chamada de propostas deve ser lançada neste mês. “Já temos cooperação com instituições do estado de São Paulo, especialmente em engenharia espacial e neurociência”, disse o diretor presidente da Fapema, Sofiane Labidi. “Agora queremos ampliar esse contato que será muito útil para os pesquisadores dos dois estados.” Labidi foi recebido pelo presidente da FAPESP, Celso Lafer, pelo diretor presidente, Ricardo Brentani, pelo diretor científico, Carlos Henrique de Brito Cruz, e por Sedi Hirano, membro do Conselho Superior da Fundação. Celso Lafer destacou que a transferência de experiência às demais fundações de amparo à pesquisa é uma ação considerada importante pela FAPESP, instituição com 47 anos. “Hoje, de 18% a 20% dos pesquisadores que recebem apoio da Fundação vão trabalhar com ensino e pesquisa em outros estados”, disse. “É uma contribuição que temos muito prazer em dar.” Segundo Brito Cruz, o principal objetivo do convênio – criar condições para que os cientistas paulistas colaborem com os maranhenses – vai ao encontro das políticas da Fundação. “Nossa política na FAPESP é fazer com que os cientistas de São Paulo cooperem com os melhores pesquisadores de outros lugares. Tem-se falado muito na necessidade de criar redes. O melhor modo de fazê-las é articular convênios como esse”, afirmou.
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DISPUTA POR ALCÂNTARA
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Albertoni, tomou posse no dia 11 de fevereiro e anunciou sua equipe de pró-reitores. Arnaldo Lopes Colombo, professor do Departamento de Medicina, é o novo pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa. Miguel Roberto Jorge, professor livre-docente do Departamento de Psiquiatria, assumiu a Pró-Reitoria de Graduação. Eleonora Menicucci de Oliveira, professora do Departamento de Medicina Preventiva, é a pró-reitora de Extensão. Vilnei Mattioli Leite, professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia, foi designado para a Pró-Reitoria de Administração. O mandato de Albertoni, que é professor do Departamento de Ortopedia e Traumatologia, vai até 2013.
> Mais institutos para avançar a ciência Foram criados mais nove Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) no estado de São Paulo. As áreas contempladas foram a Neurociência Translacional, Fluidos Complexos, Ciências dos Materiais em Nanotecnologia, Fotônica Aplicada à Biologia Celular, Tecnologias Analíticas Avançadas, Estudos do Meio Ambiente, Materiais Complexos Funcionais, Bioanalítica e Estudos do Espaço. Com essas, serão 44 as redes temáticas de pesquisa instaladas no estado por meio do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, cujo objetivo é estabelecer parcerias entre pesquisadores de vários estados e fazer avançar o conhecimento em áreas consideradas vitais para o desenvolvimento do país ou em temas de fronteira nos quais a pesquisa nacional tem alto desempenho. A iniciativa é do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
Prevista para sair neste mês uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os critérios para demarcação de terras de quilombos no país é aguardada com ansiedade por autoridades e pesquisadores vinculados ao programa espacial brasileiro. Em novembro, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) delimitou o território da comunidade remanescente do Quilombo Alcântara, no Maranhão. Foram reservados para os descendentes de quilombolas 78,1 mil hectares de terra, deixando apenas 9,3 mil hectares para o centro de lançamento de foguetes de Alcântara. O espaço restrito bloqueia os planos de expansão do centro. O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, chegou a criticar a “intransigência” dos movimentos sociais ligados aos quilombos, que se recusam a rediscutir a partilha. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, chegou a anunciar que havia solicitado à Advocacia-geral da União a criação de uma câmara de conciliação para discutir o impasse. Mudou de ideia ao saber que os magistrados do STF irão julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o decreto do governo que regulamentou o artigo da Constituição sobre a questão quilombola.
e Tecnológico (CNPq), em parceria, em São Paulo, com a FAPESP, cuja participação permitiu a duplicação dos recursos federais investidos nos institutos paulistas.
> Inscrições para o Prêmio José Reis Estão abertas até o dia 11 de maio as inscrições para o 29º Prêmio José Reis de Divulgação Científica de 2009. Concedido anualmente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT), o prêmio reconhece contribuições de instituições, pesquisadores
e jornalistas para tornar a ciência, a tecnologia, a pesquisa e a inovação conhecidas do grande público. Neste ano, o prêmio será atribuído à categoria Instituição e premiará a entidade ou veículo de comunicação que tenha tornado acessível ao público conhecimentos sobre ciência e tecnologia a seus avanços. O prêmio é uma homenagem ao médico, pesquisador, jornalista e educador José Reis, falecido em 2002, aos 94 anos. Mais informações podem ser obtidas no endereço www.cnpq.br/ premios/josereis. O vencedor será anunciado pelo CNPq no dia 19 de junho.
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
SAÚDE PÚBLICA
Espectro mais amplo Programa se diversifica para aproximar pesquisadores dos problemas do SUS Fabrício Marques
O
Programa de Pesquisa para o Sistema Único de Saúde em São Paulo (PPSUS-SP) lança uma nova chamada de projetos no dia 9 de março com uma novidade em relação aos editais anteriores, de 2005 e 2007. Dessa vez os projetos de pesquisa não ficarão restritos a tópicos relacionados à operação ou ao aperfeiçoamento do sistema, como a gestão ou avaliação de tecnologias da saúde. “O espectro do programa será bem mais amplo. Vai ser possível analisar projetos envolvendo doenças de grande incidência na população, como câncer, diabetes, doenças cardíacas e infecciosas, que têm impacto peculiar no SUS”, diz Mário Saad, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e representante da FAPESP no comitê gestor do programa. A ampliação do foco deveu-se à quantidade restrita de projetos apresentados em versões anteriores. “Principalmente no edital de 2007, a resposta da comunidade científica ficou aquém do que esperávamos. Precisamos atrair mais pesquisadores e sensibilizar a comunidade científica paulista para interagir com os gestores da saúde e investigar as questões de saúde da população”, diz Luiza Heimann, diretora do Instituto de Saúde de São Paulo, órgão da Secretaria de Estado da Saúde, que participa do programa, ao lado da FAPESP, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde.
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O edital oferece R$ 6 milhões para projetos de pesquisa em seis grandes temas: doenças transmissíveis, doenças não transmissíveis, mortalidade materno-infantil e neonatal, causas externas, saúde e meio ambiente e gestão e gerenciamento do SUS. Os temas foram definidos com base em prioridades da saúde pública definidas no Plano Estadual de Saúde e também pelo Pacto pela Vida, um conjunto de compromissos sanitários assumido pelos governos federal, estaduais e municipais. No caso das doenças, o critério é a incidência elevada. No caso do câncer, para citar um exemplo, a prioridade de pesquisa é para estudos sobre tumores gastrointestinais, de mama, de próstata, de pulmão e colo do útero. As inscrições para o PPSUS paulista, que faz parte do Programa de Políticas Públicas da FAPESP, ficarão abertas por 60 dias e devem ser encerradas no início de maio. O PPSUS tem caráter nacional e envolve uma articulação entre o Ministério da Saúde, as secretarias estaduais de saúde e as fundações estaduais de amparo à pesquisa, responsáveis pelo lançamento dos editais. Apesar do foco mais restrito, os dois primeiros editais do PPSUS contemplaram um conjunto consistente de projetos. O Instituto Butantan, por exemplo, obteve apoio para duas iniciativas. Uma delas, iniciada em 2006, foi o desenvolvimento de um surfactante pulmonar de origem suína e a criação de uma planta para a produção do medicamento, essencial para salvar a vida de
recém-nascidos que padecem de SRD, a chamada síndrome do desconforto respiratório (ver Pesquisa FAPESP nº 147). O segundo projeto, iniciado em 2008, envolve ensaios clínicos no país com uma vacina contra as quatro cepas do vírus da dengue (ver Pesquisa FAPESP nº 147). Em ambos os projetos o Butantan também obteve apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP. Em outro projeto apoiado pelo programa, a pesquisadora Hiro Goto, do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, vinculado à USP, lidera uma equipe que busca desenvolver um teste sorológico mais ágil para detectar a infecção por Leishmania em cães, alvo principal do controle de transmissão do agente da leishmaniose visceral. “Atualmente o teste realizado utiliza parasito cultivado e o resultado depende da leitura no microscópio de fluorescência, que implica subjetividade na avaliação, além do tempo despendido”, diz a professora. Os estudos buscam como alternativa um teste tipo Elisa de leitura automatizada. Um projeto levado a cabo pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRPUSP) conseguiu propor alternativas para um tradicional gargalo da operação do SUS. Um estudo patrocinado pelo PPSUS comparou os dados sobre o atendimento em dois momentos: em 2001, quando o próprio hospital fazia a triagem de seus pacientes (e se ressentia de atender casos simples que,
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FOTOS MILTON MICHIDA, WIKIMEDIA COMMONS E GILBERTO MARQUES
pela filosofia do SUS, deveriam caber a postos de saúde e hospitais descentralizados), e em 2005, depois que a triagem foi extinta, quando o hospital estabeleceu uma cota de atendimentos para cada cidade da região e delegou às Direções Regionais de Saúde (DRS) a tarefa de selecionar os casos mais complexos para encaminhá-los ao HC. Um dos problemas de organização do SUS ficou evidente no resultado da pesquisa: apesar de delegar a triagem às DRS, não houve redução do número de pacientes que, por não sofrerem de enfermidades graves, deveriam ter sido tratados em postos de saúde ou hospitais municipais, não no HC. E ainda foi constatada ociosidade no atendimento, por dois motivos: as DRS não encaminhavam casos em número suficiente para preencher a agenda e muitos pacientes agendados faltavam à consulta. Formulário - A solução apontada não
foi voltar à situação anterior, mas aperfeiçoar o sistema, informatizando-o. O encaminhamento inadequado de pacientes vem se reduzindo paulatinamente graças a uma medida simples: médicos e funcionários das DRS precisam preencher todos os campos de um formulário on-line para encaminhar um paciente ao HC – sem isso, o pedido não é processado. Isso também propiciou maior velocidade no atendimento. “É comum que o paciente chegue ao hospital, precise fazer uma série de exames essenciais, e demore para ter seu caso resolvido”, diz Marcos Felipe Silva
de Sá, diretor da Faculdade de Medicina e coordenador do projeto. “Agora as DRS são instadas a mandar os pacientes já com os exames feitos e em mãos para agilizar o atendimento”, afirma. Outro estudo de impacto foi coordenado por Luciane Cruz Lopes, professora da Universidade de Sorocaba (Uniso). Seu grupo fez uma análise das sentenças judiciais que obrigam o SUS a fornecer sete tipos de medicamentos de alto custo contra o câncer. Constatou distorções, como a falta de evidências científicas para o uso indicado pelos médicos. “Houve sentenças que obrigaram o SUS a fornecer um determinado medicamento para tratar o câncer de pâncreas, sem que o remédio fosse indicado para esse tipo de neoplasia”, diz Luciane. “O juiz parte do princípio de que o SUS tem a obrigação de fornecer o remédio e não questiona o pedido do médico”, afirma. De acordo com o estudo, o prejuízo ao SUS no fornecimento de remédios sem que houvesse base científica para receitá-los chegou a R$ 6,8 milhões. Mais de 50% das ações judiciais eram provenientes do setor privado e estão concentradas nas mãos de poucos médicos e advogados. “Essa constatação é suficiente para justificar uma auditoria, de modo a investigar as relações entre os prescritores e os advogados com a indústria ■ farmacêutica”, diz. PESQUISA FAPESP 157
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AMBIENTE
Sol na planta e no tanque Workshop do Bioen reúne especialistas que buscam usar fotossíntese como fonte de energia | Maria Guimarães
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om o aumento de gás carbônico (CO2) no ar, que é consequência das mudanças climáticas globais, a cana-de-açúcar se torna mais eficiente em transformar energia solar em biomassa. Esses resultados foram apresentados pelo biólogo Marcos Buckeridge, da Universidade de São Paulo (USP), durante o workshop Bioen/PPP Ethanol on Sugarcane Photosynthesis. O encontro aconteceu na FAPESP no dia 18 de fevereiro como parte do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), que fomenta a investigação científica relacionada a encontrar maneiras mais eficientes de produzir energia a partir de processos biológicos, e reuniu pesquisadores brasileiros e suecos para discutir a busca por fontes limpas de energia e procurar caminhos para parcerias científicas. Para além de usar a cana-de-açúcar como reator biológico, os suecos da Universidade de Uppsala investigam formas de reproduzir as reações da fotossíntese sem ajuda de plantas, como contou o bioquímico Stenbjörn Styring. A iniciativa de organizar o workshop veio do engenheiro agrícola Luis Augusto Cortez, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo ele, a produção da cana-de-açúcar representa 70% do custo total da de etanol, daí o imperativo de se melhorar a produtividade. “Entre 2005 e 2025 será possível praticamente dobrar a produtividade unicamente com melhorias tecnológicas no cultivo e nas plantas”, disse. Ironicamente, as mudanças climáticas globais podem contribuir para essa busca, conforme mostra o trabalho de Buckeridge e sua doutoranda Amanda Pereira de Souza. “Queríamos encontrar maneiras de combater o aumento de CO2 na atmosfera e descobrimos que a cana tira proveito disso”, diz ele. Buckeridge e Amanda chegaram a essas conclusões cultivando cana-de-açúcar dentro de câmaras transparentes em que podem manipular a concentração de gás carbônico e comparar como as plantas crescem em ambiente normal e na presença de ar com o dobro de CO2. Os resultados, publicados na revista Plant, Cell and Environment, mostram que plantas que cresceram por 50 semanas em ambiente rico em gás carbônico realizaram em média 30% mais fotossíntese, ficaram 17% mais altas, usaram água de maneira mais eficiente e ganharam 40% mais biomassa total, o que inclui caules, raízes e folhas. Esse aumento é precioso para a produção do etanol celulósico, obtido a partir
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da parede celular dos vegetais, uma das apostas para aproveitar melhor a cana-de-açúcar como combustível. Para entender as transformações que tinham levado a cana a produzir mais, os dois biólogos estabeleceram uma colaboração com Glaucia Souza, do Instituto de Química da USP. Juntos, eles examinaram a atividade genética das plantas cultivadas nas duas condições e encontraram diferenças na expressão de 36 genes: 14 estavam reprimidos e 22 mais ativos nas plantas que receberam mais CO2. Quatro desses genes têm relação conhecida com a fotossíntese, a maior parte deles com o transporte de elétrons, uma parte importante das reações químicas desse processo biológico que está na base de toda a vida deste planeta. Buckeridge e Amanda repetiram em 2008 o experimento nas câmaras de gás carbônico e verificaram que de fato o transporte de elétrons é 43,5% mais eficiente nas altas concentrações do gás. Como essa segunda fase do experimento se concentrou em uma época com temperaturas mais altas, os resultados foram ainda mais marcantes: 60% de aumento na fotossíntese, dando origem a uma biomassa 60% maior do que as plantas cultivadas em ar normal. Para direcionar o aumento na produtividade mesmo que as mudanças climáticas globais sejam revertidas e a composição do ar não sofra as alterações agora previstas, resta compreender exatamente como o gás carbônico atua para melhorar a eficiência da fotossíntese em capturar luz, tarefa em que o encontro na FAPESP pode ter
ajudado. Enquanto seu colega Fikret Mamedov descrevia a fotossíntese em detalhes, Styring apontava a Buckeridge proteínas que podem ser responsáveis por suas observações. “Ele me mostrou coisas em que eu nunca tinha pensado”, contou o pesquisador da USP. Movido a sol - Styring mostrou que
é preciso ser ousado para fazer frente à ameaça da crise energética. Para ele, apenas melhorar tecnologias já existentes de produção de energia, como a queima de combustíveis, não vai salvar o mundo. E considera primitivos os painéis solares atuais, que são ineficientes – simplesmente modificá-los não representará um aumento substancial na energia que produzem. “É preciso fazer hidrogênio para combustível diretamente com a luz do sol”, disse. Segundo o bioquímico sueco, muita energia é perdida quando se usam plantas para transformar luz solar em combustível. A solução, para ele, é a fotossíntese artificial: desenvolver biorreatores que imitem o essencial das reações que acontecem dentro das plantas para produzir energia. O pesquisador sueco acredita ser possível, mas ainda não tem como dizer quando nem quanto custará. O primeiro problema é selecionar o que copiar, já que a fotossíntese inclui uma série complexa de reações. “Quando os gregos queriam aprender a voar, olharam para as aves”, comparou. Depois de muito experimentar, descobriram que asas eram de fato úteis, mas outras características dos animais voadores não eram úteis. “Aviões não põem ovos, e as pessoas que tentaram voar batendo as
asas morreram”, brincou. Na fotossíntese também é preciso descobrir o que importa, daí a necessidade de conhecer o processo em todos os seus detalhes. Mamedov mostrou que o grupo da Universidade de Uppsala tem os meios para desvendar esses detalhes, e já o fez. Agora eles vêm experimentando com o que Styring chama de Lego químico, referindo-se aos brinquedos produzidos no país vizinho, a Dinamarca: montar conjuntos de moléculas para chegar a um reator biológico. Para isso, sua equipe liga enzimas naturais a átomos de manganês, ferro e rutênio, por exemplo. Já conseguiu um complexo capaz de gerar energia, mas o pesquisador não canta vitória. “Os sistemas artificiais são uma solução conceitualmente nova e original, que tem grande potencial, mas não há como saber quando conseguiremos”, disse. Por enquanto, Buckeridge comemora as sementes lançadas pelo encontro: Mamedov deve vir a São Paulo ainda este ano para isolar cloroplastos da cana-de-açúcar, onde se dá a fotossíntese, para depois examinar os dados na Suécia e ampliar o conhecimento sobre como essas plantas captam luz. Além disso, duas alunas de mestrado devem ir à Suécia para estudar captação de luz em duas espécies amazônicas. ■ > Artigo científico SOUZA, A.P. et al. Elevated CO2 increases photosynthesis, biomass and productivity, and modifies gene expression in sugarcane. Plant, Cell and Environment. v. 31, n. 8, p. 1.116-1.127. ago 2008.
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FÍSICA
Bandoneón
atômico Projeto financiado pela FAPESP ajuda a desvendar o comportamento de nanoestruturas Ricard o Zorzet to
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nteressado em desvendar como a natureza funciona em seu nível mais íntimo – a escala dos átomos, os blocos formadores da matéria –, o físico argentino Daniel Ugarte teve de fazer mais do que planejar seus experimentos. Precisou aprender a montar e a ajustar os microscópios superpotentes que utiliza e até mesmo a projetar os edifícios do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) que abrigam esses aparelhos, sensíveis a sutis vibrações no solo causadas pela passagem dos carros na rua. Em pouco mais de 15 anos no Brasil, Ugarte publicou uma série de descobertas fundamentais para a compreensão de como a matéria se comporta nessa escala tão reduzida e para o desenvolvimento da eletrônica do futuro. O mais recente desses achados, descrito em janeiro na Nature Nanotechnology, é a identificação de uma estrutura atômica totalmente inesperada: um tubo quadrado com menos de 0,5 nanômetro (milionésimos de milímetro) de espessura, a menor estrutura tridimensional oca formada pela prata, o mesmo material usado na confecção de joias e moedas há milhares de anos. A descoberta de que a prata naturalmente assume esse formato é mais um caso de sucesso do mais completo laboratório de microscopia eletrônica do país, que Ugarte começou a montar em 1998 no LNLS. Hoje integrado ao Centro de Nanociência e Nanotecnologia Cesar Lattes – construído com R$ 6 milhões
PAUL KROK/WIKIMEDIA COMMONS
Maleável: como um fole, nanotubo, abaixo, estica sem se romper
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FERNANDO SATO/UNICAMP
da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e inaugurado em março de 2008 –, o Laboratório de Microscopia Eletrônica (LME) tem seis salas de alto desempenho, que ocupam 600 metros quadrados, e cinco poderosos microscópios adquiridos a um custo de R$ 8 milhões financiados pela FAPESP. São três microscópios eletrônicos de transmissão, destinados a analisar o arranjo atômico dos materiais em diferentes níveis de resolução, e dois microscópios eletrônicos de varredura, que produzem imagens tridimensionais. De todos, o mais poderoso é o microscópio de transmissão analítica, comprado em 2005 e em fase final de instalação, capaz de identificar os elementos químicos componentes do material estudado. Em dez anos de atividade, completados neste mês, o laboratório recebeu cerca de 400 pesquisadores de diferentes instituições, ali treinados para usar esses microscópios e fazer as medições de que necessitavam, e gerou centenas de artigos científicos. No experimento que revelou o novo formato de nanotubo, Ugarte e o físico peruano Maureen Lagos, aluno de doutorado de Ugarte na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), colocaram uma finíssima lâmina de prata, com dezenas de átomos de espessura e milhares de largura, em um miscroscópio de transmissão de alta resolução. Esse microscópio gera imagens ampliadas milhões de vezes, o suficiente para discernir os átomos. Em seguida, os físicos bombardearam a folha de prata com feixes de elétrons (partículas de carga elétrica negativa), expulsando milhares de átomos e deixando-a como um queijo suíço. Ao esburacar a folha, eles esculpiram bastões ultramicros-
cópicos que, ao ficar com oito átomos de espessura, começavam a se alongar espontaneamente até romper, como um chiclete puxado pelas extremidades. Como o estiramento completo ocorre em poucos segundos – e os átomos não estão imóveis, ainda que resfriados a 150 graus negativos –, Ugarte e Lagos, com a ajuda dos físicos Jefferson Bettini e Varlei Rodrigues, filmaram a transformação dos bastões para analisá-la quadro a quadro. À medida que o metal espichava e afinava na região central, seus átomos se reorganizavam até formarem um fio de um átomo de espessura e arrebentar. Entre a forma de bastão e a de colar de pérolas, os físicos de Campinas viram surgir a menor estrutura tridimensional e oca que a prata consegue assumir: um tubo cuja base era formada por quatro átomos. Tensões e giros - Não foi fácil iden-
tificar essa estrutura. As imagens em duas dimensões mostravam só o perfil do tubo: sequências de dois átomos, intercaladas por outros três, que se empilhavam como bolas de gude. Como sabiam que os átomos de prata tendem a se organizar com uma estrutura tridimensional em forma de cubo, os físicos logo imaginaram que onde enxergavam dois átomos deveria haver quatro. “Dois estavam ocultos”, explica Ugarte. O problema era saber quantos existiam nas camadas em que enxergavam três átomos. Inicialmente Ugarte e Lagos pensaram que elas também ocultassem outros dois – e essa camada contivesse um total de cinco, como sugeriam outros modelos. Se isso de fato ocorresse, o miolo do tubo seria maciço, em vez de oco. Reavaliando as distâncias entre os átomos, Ugarte e Lagos concluíram que havia algum erro. Na realidade, as camadas com três átomos também continham quatro, só um a mais do que haviam imaginado. Essas camadas apareciam com três átomos porque haviam girado 45 graus sobre o eixo central, encobrindo um deles. “Sabíamos o que havia ocorrido, mas não entendíamos o porquê”, conta o físico argentino. Com base nessas informações, os físicos Douglas Galvão e Fernando Sato, ambos da Unicamp, criaram um programa de computador que simula o movimento dos átomos e as forças que os mantêm unidos. Concluíram que
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OS PROJETOS 1. Centro de microscopia eletrônica de alta resolução. 2. Analytical transmission electron microscope for spectroscopic nanocharacterization of materials. 3. Manutenção e reparo de equipamentos. 4. Bolsas de mestrado e doutorado.
MODALIDADE
1. Programa Infraestrutura 3 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 3. Reparo de Equipamentos 4. Bolsa de mestrado e doutorado COORDENADOR
DANIEL UGARTE – Unicamp E LNLS INVESTIMENTO
1. R$ 2.621.484,09 (FAPESP) 2. R$ 5.241.219,61 (FAPESP) 3. R$ 189.298,06 (FAPESP) 4. R$ 602.737,95 (FAPESP)
os nanotubos ocos surgiam quando o bastão de prata era submetido a tensões elevadas e a distância entre os átomos de uma das fileiras diminuía ligeiramente enquanto os da fileira seguinte giravam 45 graus, alongando a estrutura como o fole de uma sanfona que enche de ar – ou, como prefere Ugarte, um bandoneón, acordeão usado pelos conjuntos de tango. Nesse alongamento, o nanotubo oco alcançou um comprimento quase duas vezes maior do que o bastão tinha inicialmente. “Esperamos que essas estruturas se formem também em fios de cobre, que devem constituir os condutores elétricos nos nanocircuitos do futuro”, diz Ugarte. Caso se formem, os nanoarames de cobre devem ganhar elasticidade e resistência. “Conhecer como essas estruturas se deformam”, comenta Ugarte, “é essencial para entender duas propriedades fundamentais para a manipulação de nanomateriais ainda pouco conhecidas: o atrito e a adesão”. ■ > Artigo científico LAGOS, M.J. et al. Observation of the smallest metal nanotube with a square cross-section. Nature Nanotechnology. www.nature.com/nnano
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AVALIAÇÃO
a i u q r a r e i h à o ã N Índice para classificar revistas de humanidades provoca rebelião de editores
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ditores de revistas acadêmicas de disciplinas ligadas às humanidades insurgiram-se contra uma tentativa de enquadrá-los em critérios consagrados na avaliação das ciências e engenharias. Um manifesto conjunto assinado pelos responsáveis por 61 periódicos de história e de filosofia da ciência, entre outras disciplinas, propôs um boicote ao European Reference Index for the Humanities (ERIH), um índice criado pela European Science Foundation que pretendia graduar cerca de 12 mil publicações do velho continente em três categorias, de acordo com seu impacto e disseminação: A (alto nível internacional), B (nível internacional padrão) e C (publicações de importância regional). Segundo um dos signatários, Michael Lynch, da revista Social Studies of Sciences, a adoção do índice é imprópria por dois grandes motivos. Um deles seria a baixa representatividade dos quatro acadêmicos que seriam encarregados de classificar os jornais. “Não foi consultada nenhuma das organizações disciplinares que atualmente representam nosso campo, tais como a European Association for the History of Medicine and Health, a Philosophy of Science Association ou a Society for Social Studies of Science”, afirma Lynch. Mas a grande questão tem a ver com o estrago que a iniciativa teria, segundo os signatários, sobre a diversidade das revistas científicas europeias. “Nossos periódicos são diversos, heterogêneos e distintos. Alguns se dirigem a conjuntos amplos, gerais e internacionais de leitores, outros são mais especializados em seus conteúdos e audiência implícita. O ERIH confunde internacionalidade com qualidade de uma forma particularmente prejudicial a periódicos especializados e publicados em outras línguas que não o inglês”, diz o editorial conjunto assinado pelos editores das 61 publicações. “Iniciativas como o ERIH podem tornar-se profecias autorrealizáveis. Se forem adotadas como base para as decisões de
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agências de financiamento, muitos pesquisadores concluirão ter pouca escolha e limitar suas publicações a periódicos da primeira divisão. Existirão menos periódicos, com muito menor diversidade, empobrecendo assim nossas disciplinas.” Segundo Robin Osborne, professor de história da antiguidade da Universidade de Cambridge, o modelo do ERIH prejudicaria também os jornais de nível A, ao inundar as mesas de seus editores com um número desproporcional de submissões de artigos. “A sobrecarga de artigos tornaria mais difícil o trabalho de submetê-los a uma adequada análise por pares”, afirma. Pressionada, a European Science Foundation viu-se forçada a recuar. No final de janeiro, anunciou que abria a classificação em três níveis para desenvolver um modelo mais flexível. Michael Worton, membro do comitê diretor do ERIH e vice-reitor da University College London, disse que a iniciativa está sendo alvo de um grande mal-entendido. “Não havia a intenção de criar uma hierarquia de jornais, mas apenas distinguir as grandes características. Essa mudança tornará as coisas mais claras”, afirmou. Segundo ele, o fato de um periódico ter alcance apenas regional não implica um juízo de valor sobre a qualidade do que divulga, uma vez que há boa pesquisa divulgada regionalmente. Worton defende o ERIH como uma forma de mensurar a diversidade do conjunto das pesquisas no
campo das humanidades, fragmentado pela publicação em várias línguas e mais de 12 mil periódicos e pela adoção de metodologias e práticas variadas. “O objetivo do ERIH é aumentar a visibilidade do trabalho dos pesquisadores europeus”, afirma. Boicote retórico - Os editores exigiam,
no manifesto, que suas publicações fossem retiradas das listas do ERIH. Trata-se de um boicote apenas retórico. Como os periódicos são de domínio público, o máximo que os signatários poderiam fazer seria não cooperar com o projeto, recusando-se a prestar informações complementares. O recuo da European Science Foundation se explica não apenas pela ameaça de boicote, mas pelo golpe que o manifesto pode ter produzido na credibilidade do índice. “As agências financiadoras não vão colocar em risco a relação de confiança que têm com a comunidade acadêmica para adotar um índice polêmico”, disse John MacColl, da Universidade St. Andrews, na Escócia, membro de uma organização de pesquisa voltada para conectar bibliotecas e reduzir os custos da informação acadêmica, a OCLC. Segundo MacColl, também há o temor de que o imbróglio do ERIH contamine o debate sobre as mudanças previstas na avaliação das universidades do Reino Unido, que em 2011 adotará um conjunto maior de critérios bibliométricos, em substituição ao esquema atual, no
qual o Research Assessment Exercise (RAE) se baseia preponderantemente em revisão por pares (ver Pesquisa FAPESP nº 156). A resistência europeia à adoção de critérios bibliométricos nas humanidades não chega a ser surpreendente. Em muitos países do continente os pesquisadores preservam o costume de publicar seus textos em livros e anais, não em revistas acadêmicas – algo que também acontece no Brasil. “Nos Estados Unidos essa resistência é muito menor entre os pesquisadores de disciplinas como a sociologia e a antropologia, que publicam bastante em revistas científicas”, diz Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica SciELO Brasil e especialista em cienciometria, disciplina que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência. “Entre os pesquisadores das humanidades da Europa, é persistente uma visão segundo a qual os critérios bibliométricos, como números de artigos e citações, não são seguros para atestar a qualidade de sua produção acadêmica”, afirma. O texto assinado pelos 61 editores deixa transparecer essa desconfiança, ao falar de uma “contabilidade supostamente precisa” ou dizer que “o ERIH baseia-se numa incompreensão fundamental da conduta e da publicação da pesquisa nas humanidades em geral”. ■
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DESENVOLVIMENTO
Vitória na adversidade Capital paulista perdeu indústrias, mas inovação preservou sua importância econômica, diz estudo
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ideia de que a economia paulista perde importância para as de outros estados está sendo matizada pelos resultados de um estudo capitaneado por Aurílio Caiado, professor da Universidade de Sorocaba (Uniso). Financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a pesquisa Performance Econômica das Regiões Brasileiras (Perb) compara dados relacionados à inovação em empresas nos principais estados brasileiros, mas, no caso de São Paulo, consegue distinguir o que está acontecendo na capital, na Região Metropolitana de São Paulo e no interior do estado. Os resultados mostram que a saída de indústrias restringiu-se ao município de São Paulo e seu entorno. Se em 1985 a capital abrigava 15% de toda a indústria de transformação do país, o índice em 2005 caiu para 6,1%. No caso da Região Metropolitana, excluindo a capital, a queda foi de 14,2% para 10,5%. Mas o desempenho do interior foi crescente: de 22,7% de toda a indústria nacional de transformação em 1985 para 27,2% em 2005. A pesquisa mostra que a perda de indústrias na capital paulista nem de longe é sinônimo de decadência, pois a cidade consolida-se como o grande polo brasileiro de empresas que investem em inovação, aquelas cujos produtos têm mais valor agregado. “O Brasil tem uma peculiaridade: a terceira revolução industrial acontece no mesmo lugar onde havia ocorrido a segunda revolução”, diz Caiado. “São Paulo perde para outros estados indústrias tradicionais, intensivas em mão de obra
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ou em recursos naturais e que utilizam tecnologia já madura, mas atrai atividades intensivas em tecnologia” Com base numa análise inédita dos dados da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), do IBGE, sobre o conjunto de empresas brasileiras que implementaram inovações entre 2003 e 2005, a equipe de Caiado constatou que 6,32% das empresas industriais localizadas na capital paulista lançaram produtos novos para o mercado nacional, ante 4,79% do estado e 3,25% da média nacional. A cidade só perde para o Amazonas, que teve 7,96%, graças à Zona Franca de Manaus.
As empresas inovadoras paulistanas são as que têm maior porcentual no Brasil de atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de alta complexidade (28%, diante de 23,5% da média estadual e 16,6% da média nacional). Dos 47.628 brasileiros ocupados em atividades de P&D em empresas em 2005, 26.517 estão no estado de São Paulo e 8.865 na capital paulista. Segundo Caiado, o estado de São Paulo deverá seguir como principal polo de inovação do Brasil. Séries estatísticas mostram que, desde 2000, cresce a concentração no estado de pesquisadores contratados por empresas industriais. Naquele ano estavam em São Paulo 57,8% das pessoas com nível superior ocupadas nas atividades de P&D das empresas inovadoras. Em 2005 esse porcentual cresceu para 61,1% do total do Brasil. De acordo com o pesquisador, os dados da Perb sugerem que a política industrial de São Paulo deve seguir num trilho próprio, diferente do brasileiro, de modo a reforçar o vínculo entre a pesquisa e o setor produtivo e a estimular a criação de empresas de base tecnológica. “É um erro imaginar que São Paulo deva disputar todo tipo de empresa. O estado não tem o que ganhar entrando na guerra fiscal”, afirma. ■
Fabrício Marques
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Darwin Impactos
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no conhecimento e na cultura
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Entendendo Darwin Mário de Pinna*
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m 2009 celebramos 150 anos da publicação de A origem das espécies, assim como os 200 anos do nascimento de seu autor, Charles Darwin. Todos já ouviram falar do nome de Darwin, um dos cientistas mais biografados de toda a história. Até crianças são capazes de identificar a figura do ancião barbudo de olhar triste. Suas ideias, porém, permanecem menos conhecidas pelo público que o personagem. Esta situação é indesejável, pois evolução biológica não é assunto de interesse apenas para especialistas. Pelo contrário, é talvez o tema científico que tenha maior importância para cidadãos de um modo geral. Através do entendimento da evolução, podemos entender o que é a vida, nosso papel e posição no mundo. Darwin entendeu que a vida em nosso planeta está unida por uma rede de relações genealógicas, criada por um processo de descendência com modificação. Assim, todos os seres vivos são relacionados por descendência comum, em graus variados de parentesco. A diversidade da vida é uma função do tempo: os seres vivos são diversos porque se tornaram diversos ao longo do tempo, e não porque foram criados diversos. É inegável mérito de Darwin ter conseguido reunir evidências além de qualquer dúvida demonstrando a realidade da evolução da vida. Isso o distingue de vários notáveis predecessores que flertaram com a ideia de evolução antes dele. Mas Darwin foi além. Também idealizou um mecanismo através do qual a evolução opera: seleção natural. A ideia de que complexidade e design possam se formar por processos puramente naturais, sem planejamento, é o cerne da seleção natural. A ideia vai contra nossas percepções triviais de como o mundo opera. Não por outra razão, sua concepção demorou mais que todo o desenvolvimento da física clássica. Mas esta força, sutil no campo das ideias, é poderosa no mundo real e construiu a diversidade da vida que conhecemos. Ela atua constantemente, em todas as espécies, sem necessidade de uma força motriz externa ou implementação consciente. Tanto em bactérias que se apressam em três gerações por hora, como em sequoias que podem consumir mais de mil anos entre uma geração e outra. Somente uma força tão generalizada, incansável e onipresente pode explicar o refinamento extraordinário dos seres vivos em todos os níveis, onde quer que existam. É assim em nosso planeta e assim será em qualquer outro em que haja vida. A ideia de árvore da vida sempre atraiu a atenção dos pensadores. Muito antes do advento da evolução, já havia o reconhecimento de que a diversidade de seres vivos pode ser organizada de forma hierárquica, como um vasto sistema de grupos dentro de grupos. Isso é o que permite a classificação biológica. Mais importante: o reconhecimento destes grupos não é arbitrário.
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São as próprias características dos organismos que evidenciam tal organização. Isso ocorre porque as características dos seres vivos não estão distribuídas de forma aleatória, mas sim em um esquema claramente hierarquizado. O sistema classificatório de Lineu, já bastante sofisticado e de cunho sintético, precede a publicação da Origem em quase exatamente cem anos. Quando Darwin desenvolveu suas ideias, portanto, alguns grandes padrões de classificação orgânica já estavam bem reconhecidos. O sinal evidenciando tais padrões já era tão claro que era reconhecido como um padrão da natureza, e não como um artifício humano. Grupos de organismos não são inventados – eles são descobertos. Darwin, que já tinha experiência de primeira mão com a taxonomia (estudo das classificações), entendeu que uma tal organização não poderia ser desprovida de significado em sua teoria. Para ele esta hierarquia certamente significava algo, mas não relacionado à criação divina, e sim ao processo de diversificação e ramificação da vida – resultado do processo evolutivo. Imediatamente, identificou uma tremenda concordância entre os padrões de classificações de seres vivos e a evolução: os padrões eram o resultado da história evolutiva. Aliás, a importância dos padrões filogenéticos para sua teoria era tamanha que um diagrama filogenético é a única ilustração da Origem das espécies. Hoje o estudo das relações de parentesco entre os seres vivos
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constitui uma subdisciplina biológica chamada reconstrução filogenética, atualmente uma área particularmente dinâmica da biologia evolutiva. As ideias sobre parentesco são expressas em diagramas ramificados chamados cladogramas, ou árvores filogenéticas. A estrutura filogenética é a pedra fundamental no entendimento da evolução. Ela nos permite compreender a ubiquidade da evolução na estrutura da vida na Terra. Não existem organismos mais ou menos evoluídos. A linhagem que chegou até nós tem exatamente o mesmo tempo de evolução que a que gerou as bactérias em nosso intestino. Apenas ocorre que algumas linhagens divergiram mais, outras menos. Umas se tornaram mais complexas ou maiores, outras trilharam caminhos diferentes. Mas todas são produtos igualmente refinados pelos mesmos bilhões de anos de evolução. Este panorama é mais válido que nunca hoje, quando se sabe que a mesma ordem hierárquica detectada já há séculos na morfologia dos organismos também ocorre em outros planos, como sua estrutura de DNA, sua fisiologia, seu comportamento e onde quer que se tenha investigado. Esta ordem é resultado da história evolutiva. Seja ela na forma de uma árvore ou de uma teia, os métodos de análise filogenética já dispõem do arsenal necessário para desvendar esta história. Mas igualmente importante na contribuição de Darwin foi a proposta de um mecanismo operacional que estaria por trás de alguns grandes padrões da história dos seres vivos. A seleção natural é uma ideia simples, de natureza algorítmica. Mas simplicidade não implica superficialidade. A seleção natural é uma força profundamente poderosa, tendo moldado a vida como a conhecemos. A compreensão que Darwin teve do assunto é de abrangência surpreendente, considerando o quase nada que se sabia de genética na sua época. Darwin entendeu que a seleção natural não deve ser entendida como um processo absoluto ou invariante. Adaptação e reprodução diferencial são contexto-dependentes, de forma que as circunstâncias ambientais determinam quais variantes são favoráveis (e portanto positivamente selecionadas) e quais são desfavoráveis (e portanto negativamente selecionadas). Como o ambiente muda, também pode mudar a direção de seleção. Características favoráveis aos indivíduos em uma situação podem ser desfavoráveis em outra e vice-versa. Hoje muitos fatos biológicos aparentemente contraditórios com a lógica de seleção são perfeitamente compreendidos, como o comportamento altruísta, socialidade etc. Enquadrar
os multifacetados caminhos da seleção natural na infeliz colocação “sobrevivência do mais forte” é erro grosseiro. No mundo seletivo real, os favorecidos frequentemente estão entre os mais “fracos”. De grande sutileza foi a subsequente concepção por Darwin de seleção sexual, capaz de explicar vários fenômenos do mundo vivo que simples seleção natural não poderia. A aceitação desta outra força evolutiva foi demorada na comunidade científica. Pode-se especular quanto tempo teria se passado até a ideia de seleção sexual ser concebida por outro pensador, caso Darwin não o tivesse realizado. Mesmo quando não evidentes, as forças que moldam sistemas biológicos são incansáveis, ainda que sem provocar mudança aparente. Sistemas com alto grau de complexidade invariavelmente tendem à desorganização, a menos que haja forças continuamente reparando os defeitos e corrigindo os desvios. Isso ocorre especialmente quando estes sistemas produzem cópias de si mesmos, ou se reproduzem, como sistemas biológicos. Para manter o nível de organização dos sistemas orgânicos, mecanismos ativos são necessários. Estes mecanismos nada mais são que as mesmas forças clássicas da evolução. A seleção natural atua constantemente na manutenção da organização dos seres vivos ao longo do tempo, não somente na sua mudança. Ao contrário do que poderia se pensar, a própria existência continuada dos seres vivos é evidência de forças evolutivas em ação. A atuação da seleção é necessária não apenas para construir complexidade biológica, mas também para mantê-la. A evolução rege todas as dimensões do universo vivo. É impossível entender qualquer fenômeno da vida sem a perspectiva evolutiva. Nós, como parte da grande teia da evolução, não somos exceção, nem no passado e nem hoje. O entendimento de nossa própria espécie, da natureza humana, passa pelo caminho da compreensão de nossa evolução biológica. Devemos isso a Darwin. Pelo mesmo caminho devem passar nossos esforços para a construção de uma moral e ética construtivas, tanto para nós mesmos como para o planeta. * Mário de Pinna é biólogo evolutivo, com especialidade em zoologia. É atualmente professor titular e vice-diretor do Museu de Zoologia da USP, sendo também pesquisador associado do American Museum of Natural History e da Smithsonian Institution. PESQUISA FAPESP 157
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Darwin e uma nova visão de ciência Anna Carolina Regner*
origem das espécies, cuja primeira edição aparece em 1859,1 teve um impacto não somente no estudo da história natural e nas disciplinas do que hoje chamamos de ciências biológicas, mas no nosso próprio modo de ver e conceber a atividade científica. Na Inglaterra, a história natural que Darwin encontrou confundia-se com uma “teologia natural”, quando os naturalistas (muitas vezes pacatos párocos) tomavam a aparente perfeição de adaptações e coadaptações como evidências de desígnio divino, enfatizando a harmonia de toda a natureza. O pano de fundo das indagações vinha marcado por grandes polêmicas, a respeito das quais o pensamento de Charles Darwin será decisivo. No plano dos debates geológicos e paleontológicos, a grande polêmica era a do “catastrofismo versus uniformitarismo”. Os uniformitaristas defendiam um “gradualismo”, a ocorrência de mudanças lentas e graduais, segundo uma uniformidade na operação das leis da natureza pela ação, através do tempo, de causas observáveis e ainda hoje responsáveis pelo curso fenomênico, sem recorrer a eventos incomuns ou poderes extraordinários para explicá-las. Os catastrofistas admitiam a ocorrência de catástrofes, cataclismos, que alteravam radicalmente a face da Terra e suas condições de vida e requeriam a intervenção restauradora de uma força extraordinária. Tal atitude casava perfeitamente com a visão “criacionista”, no que tange à origem das espécies. A respeito dessa última questão, a grande polêmica foi a do “criacionismo versus evolucionismo”, exibindo fortes tons locais, marcados, na Inglaterra, pela influência da “teologia natural”. Ambos os termos sofreram diferentes determinações. No que concerne ao “evolucionismo”, as diferenças foram, sobretudo, referentes ao mecanismo da mudança. Quanto ao “criacionismo”, o termo comportou diferentes níveis de comprometimento com a ideia de intervenção divina para a explicação dos fenômenos naturais. O criacionismo contra o qual Darwin claramente se coloca tem um sentido bem técnico: trata-se da visão de que cada espécie seja fruto de um ato especial de criação. A grande contribuição de Darwin à questão da origem das espécies foi o mecanismo de sua teoria da seleção natural (da preservação e acúmulo na direção requerida das variações úteis a seu portador e a eliminação das injuriosas), pela qual se dá a produção de novas e “mais aperfeiçoadas” formas orgânicas. Darwin, em sua Introdução à Origem, disse que à defesa do evolucionismo não basta admitir a evolução sem mostrar seu mecanismo. (Por isso, em Darwin, é discutível distinguir-se uma teoria da evolução de sua teoria da seleção natural.) Esse novo modo de ver a questão-chave da Origem
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1. Aqui serão utilizadas referências da 6ª edição inglesa (1872), a última revisada pelo próprio Darwin (The origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life. London: John Murray, 1872).
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refletirá decisivamente na pesquisa das várias áreas da história natural, com vários departamentos novos sendo criados e reorganizados: “Quando as visões desenvolvidas por mim neste volume e por Mr. Wallace, ou quando visões análogas sobre a origem das espécies forem geralmente admitidas, podemos divisar que haverá uma considerável revolução na história natural”. (1872, p. 425). “Os outros e mais gerais departamentos da história natural crescerão em interesse enormemente. Os termos usados pelos naturalistas de afinidade, relação, comunidade de tipo, paternidade, morfologia, caracteres adaptativos, rudimentares e órgãos abortados etc. cessarão de ser metafóricos e terão plena significação. Quando não mais olharmos a um ser orgânico como um selvagem olha a um navio, como algo totalmente fora de sua compreensão; quando considerarmos cada produção da natureza como uma que teve uma longa história; quando contemplarmos cada estrutura complexa e instinto como o somatório de muitas engenhosidades, cada uma útil a seu possuidor, do mesmo modo que qualquer grande invenção mecânica é o somatório do trabalho, experiência, razão e mesmo dos erros de numerosos trabalhadores; quando assim virmos cada ser orgânico, quão mais interessante – falo de minha própria experiência – torna-se o estudo da história natural! Um grande e quase impenetrado campo de investigação será aberto sobre as causas e leis da variação, sobre correlação [...] O estudo das produções domésticas aumentará de valor imensamente.” [...] – grifo nosso (1872, p. 426) Além de responder à questão da evolução e responder às objeções que lhe eram levantadas, o trabalho de Darwin trouxe-nos, entre outras mudanças, uma nova visão de padrões de procedimentos científicos. A relação da “explicação” darwiniana com os critérios e procedimentos “científicos” de sua época é tão rica, multifacética e, por vezes, tão ambígua quanto tais padrões de cientificidade o são. Mas as conotações que Darwin empresta ao que seja a tarefa explicativa representam um dos mais fortes indicadores de sua presente contemporaneidade. Em todos os momentos
da sua tarefa explicativa, Darwin está atento ao fato de que “explicar” sempre depende de uma determinada visão teórica ou suposição e, em particular, da comparação de visões diferentes, sobretudo em casos como o seu, quando, segundo suas palavras, não há um único dos fatos arrolados que não possa ser visto de uma maneira diferente da sua. Comparar a acuidade e maior alcance de sua visão com a visão adversária será uma das estratégias básicas de Darwin ao construir e defender a sua própria teoria. Um resultado importante dessa estratégia é que “explicar” resulta em apresentar a melhor alternativa explicativa possível – que acontece ser a teoria darwiniana – e que, mais adiante, se torna a única explicação (racional) possível. Ao comparar a sua teoria com a de seus oponentes, por meio da resposta a objeções, Darwin normalmente faz uso de vários procedimentos reconhecidos como “científicos”: observação sistemática, experimento, subsunção de fatos sob regras, estudo de casos exemplares, classificação, uso de diagramas, ilustrações, discussões, tábuas comparativas e analogias. Alguns outros procedimentos são bastante inovadores, como a rede de informações que criou em sua correspondência, o tratamento de dificuldades e objeções à teoria, o jogo do atual (o que está dado) e do possível (do que pode ser dado, sem impossibilidade lógica ou fática) ao explicar e avaliar os méritos de nossas explicações, sua solicitação de que seja considerado o poder explicativo da teoria “como um todo”, o uso que ele faz de imaginação, metáforas, e seus apelos ao poder explicativo como um todo, à extensão de nossa ignorância apesar de nossos esforços, à autoridade da comunidade científica, seus valores e ideais, às condições psicológicas de investigação científica e ao avanço da pesquisa que uma teoria permita. Tais procedimentos “inovadores” encontram eco em muitas das recentes análises da atividade científica, que ressaltam seja as relações entre teoria e “modelos”, atentas às complexidades das relações entre a unidade teórica e a testabilidade empírica, seja o papel substantivo das estratégias argumentativas. * Anna Carolina Krebs Pereira Regner é professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Unisinos, Rio Grande do Sul, com vários trabalhos publicados sobre a teoria darwiniana. PESQUISA FAPESP 157
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Darwinismo cerebral Alysson R. Muotri*
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credita-se que a complexidade do cérebro humano, com milhares de tipos de neurônios diferentes, tenha permitido o surgimento de sofisticados repertórios comportamentais, como a linguagem, uso de ferramentas, percepção do “eu”, pensamento simbólico, aprendizado cultural e consciência. Dessa complexidade emergiram obras de extraordinário conteúdo tecnológico e artístico numa, relativamente curta, história cultural de nossa espécie. Isso parece indicar que a complexidade cerebral tem um propósito criativo, ao contrário de outros sistemas amplamente mais complexos porém brutos, como as galáxias e os milhares de estrelas que as compõem. Entender como a complexidade neuronal é moldada durante o desenvolvimento é mergulhar em questões fundamentais da origem da nossa espécie.
A formação do cérebro humano não é um processo otimizado. Pelo contrário, a maioria das células geradas será descartada e apenas uma pequena fração será usada. O mecanismo por trás dessa seleção é obscuro e existem evidências sugerindo que fatores extrínsecos e intrínsecos contribuam para a sobrevivência ou morte celular. Apenas as células precursoras com as propriedades corretas, no momento e local ideais, irão florescer e amadurecer em neurônios funcionais, contribuindo para a formação das redes nervosas. Nessa competição, forças de variação e seleção atuam para esculpir cada cérebro humano, cada rede neural, neurônio por neurônio, gerando a verdadeira individualidade na forma como cada um de nós recebe, processa e interage com o mundo exterior. Vale lembrar que a seleção natural precisa de variação para gerar os diferentes tipos neuronais no cérebro. Inicialmente, cogitou-se que a variação estaria contida nos genes codificantes para proteínas. No entanto, com o sequenciamento do genoma humano, ficou claro que a quantidade de genes não seria suficiente para justificar tamanha complexidade neuronal. Com menos de 2% de genes codificantes para proteínas no genoma, fica difícil gerar informação suficiente para os milhares de tipos celulares contidos no cérebro humano. Mesmo considerando eventos moleculares como o processamento alternativo do RNA ou modificações pós-traducionais, não existe variação suficiente. A variação deve residir em outro lugar. A falta de uma função óbvia para os outros 98% do genoma inspirou o conceito de DNA-lixo, ilustrando a 42
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ideia de que essas sequências seriam resquícios evolutivos, acumulados ao longo de milhares de anos no genoma. Como uma garagem cheia de tranqueira, o genoma parece lidar muito bem com o excesso de sequências, mas parece difícil compreender por que não se livra dele, economizando energia celular. Parte desse DNA-lixo é composta de elementos transponíveis, ou genes-saltadores, capazes de produzir cópias de si próprios, inserindo novas cópias no genoma e, eventualmente, alterando a expressão de genes próximos. A atividade desses elementos foi flagrada durante a evolução e esses parasitas genômicos ficaram conhecidos como genes-egoístas, com a única finalidade de se manterem vivos para as próximas gerações através da replicação em células germinativas dos indivíduos. A replicação em células não germinativas, somáticas, que não formarão um novo indivíduo, não seria uma estratégia de sobrevivência, pelo menos até agora... Em 2003, durante meu período de pós-doutoramento no Instituto Salk de pesquisas na Califórnia, fizemos uma curiosa observação. Estudando como os genes eram regulados durante a especialização neuronal a partir de células-tronco, notamos que havia uma ativação dos elementos transponíveis tão logo a célula optasse pela diferenciação neuronal. Ao induzir as
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células-tronco a se diferenciarem em outros tipos celulares nada era detectado, indicando que o fenômeno era específico dos neurônios. O achado confrontava tudo que sabíamos sobre o comportamento desses elementos e sua “vontade” de passar para as futuras gerações. Afinal, o que estariam fazendo ao proliferar no cérebro? Dois anos depois, após lutar contra a resistência natural do paradigma vigente, conseguimos demonstrar que os neurônios possuíam genomas únicos. Ao contrário do atraente conceito de que todas as células do corpo possuem o mesmo genoma, e que as diferenças seriam meras consequências da regulação gênica, havíamos juntado evidências fortes o suficiente para demonstrar que isso não era o caso no cérebro. Cada neurônio parecia ser único, cada um apresentava novas inserções no genoma, impactando genes próximos. Essa atividade amplificaria o efeito da regulação gênica, gerando uma enorme variação celular e aumentando o repertório de tipos celulares capazes de serem formados por um dado grupo de genes. Esse mecanismo de variação e flexibilidade parece contribuir para a originalidade de cada cérebro, explicando por que mesmo gêmeos geneticamente idênticos apresentam personalidades características. Filosoficamente, os dados estariam apontando para uma parcela de “acaso” na formação de cada personalidade. Novos dados do nosso laboratório mostram que a atividade dos elementos transponíveis está alterada no cérebro autista ou em síndromes com o espectro autista. A visão de mundo é diferente em pessoas portadoras de autismo, sugerindo uma alteração nas redes neuronais. Ora, o aumento da variabilidade neuronal seria capaz de produzir indivíduos fora da curva normal, com qualidades diferentes. Organismos fora da curva teriam mais chances de se adaptar a novos ambientes ou de reagir contra mudanças drásticas no ambiente. Além disso, existiriam eventuais indivíduos prodígios na população, com uma capacidade cognitiva superior. E talvez sejam indivíduos assim que aumentem a capacidade criativa da espécie humana, favorecendo a dominação de novos territórios, por exemplo. Nesse sentido, os elementos transponíveis continuariam sendo genes-egoístas, pois ao manipular a mente humana acabam por aumentar as chances reprodutivas da espécie.
Curiosamente, durante a evolução dos primatas, observa-se uma impressionante correlação entre a adaptação humana e o surgimento de novas sequências transponíveis. Evidências de alterações climáticas globais sugerem que ambientes mais frios, secos e com maiores variações devem ter ocorrido cerca de 3 milhões de anos atrás. As alterações bruscas acabaram por diminuir o suprimento de comida e água, pressionando fortemente a adaptação de nossos ancestrais a novos ambientes. Interessantemente, novas famílias de elementos transponíveis no genoma surgem na mesma época em que os humanos adquirem o bipedalismo, apresentam um aumento da massa cerebral e apresentam as primeiras evidências de uso de ferramentas, consciência ou motivação artística. Por outro lado, o fenômeno de inserções somáticas no cérebro pode não passar de um resquício evolutivo. Tanto o cérebro como o sistema reprodutivo passaram por grandes modificações durante a evolução. A expressão genética desses dois órgãos é relativamente parecida e os dois possuem diversas vias de sinalização em comum. Nesse contexto não parece novidade encontrar fenômenos moleculares presentes somente nesses órgãos. Se esse for realmente o caso, a atividade dos elementos transponíveis no sistema nervoso é descartável e não possui contribuição alguma para as redes neuronais, cognição ou comportamento. É plausível, mas fica faltando responder por que o genoma ficaria carregando essa tranqueira toda a troco de nada. Qualquer que seja a função do mosaicismo genético dos neurônios, é preciso cautela no desenho dos experimentos que permitirão investigar o fenômeno. Atualmente é impossível usar técnicas clássicas de nocaute genético para eliminar os genes saltadores do genoma. São vários deles que estão ativos no genoma. Além disso, estão espalhados pelos cromossomos. Vai ser preciso bastante criatividade para buscar situações experimentais onde a hipótese possa ser testada. Qualquer que seja o resultado encontrado, só vai ser real se fizer sentido sob a ótica evolucionária. * Alysson Renato Muotri é neurocientista, professor da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia, San Diego (UCSD). PESQUISA FAPESP 157
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Darwin, instinto e mente César Ades*
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á em 1837, no Caderno B, um caderno de notas onde registrou ideias e observações diversas a respeito de evolução, Darwin notava que “mesmo a mente e o instinto” são influenciados pela adaptação a novas circunstâncias. Sua correspondência da época e de mais tarde também indica seu interesse por questões psicológicas: numa carta de Edward Blythe a Darwin (1855) encontramos longamente debatida a questão do instinto e da razão nos animais e nos seres humanos. No final de A origem das espécies (1859), Darwin previu que a psicologia encontraria “uma base segura [...] no fundamento [...] da aquisição necessária de cada poder mental e de cada capacidade mental de forma gradativa” (isto é, através da seleção natural). T. H. Huxley, numa palestra de 1863, afirmou que o trabalho de Darwin “estava destinado a ser o guia da especulação biológica e psicológica para as próximas três ou quatro gerações”. Huxley subestimou o impacto das ideias darwinianas: elas continuam relevantes até hoje em várias áreas científicas e, em particular, na área de estudo do comportamento. Uma primeira, e notável, contribuição de Darwin reside na generalização dos princípios da seleção natural ao comportamento instintivo. O princípio é simples: os traços comportamentais, como os anatômicos e fisiológicos, variam entre indivíduos, transmitem-se por hereditariedade e tornam-se mais frequentes na medida em que proporcionem aos indivíduos uma capacidade maior para enfrentar os desafios ambientais e para se reproduzir. Darwin (1859) aplica a ideia a instintos impressionantes como a tendência do cuco europeu em colocar seus ovos em ninhos alheios, o comportamento das formigas que usam formigas de outras espécies como escravas para a realização das tarefas do ninho e a perfeição hexagonal dos alvéolos nos favos de abelhas. Em cada caso, variantes individuais poderiam ter sido selecionadas, ao longo das gerações, em função da vantagem reprodutiva, ganhando predominância na população. Darwin não elimina do instinto a operação de fatores de cognição, sua concepção se aproxima bastante do modo atual de considerar o comportamento animal como produto de fatores de prontidão e de plasticidade. A ideia de situar o comportamento num quadro evolutivo permite que se comparem e classifiquem as espécies a partir de sua interação viva com o ambiente, que se entenda melhor as funções das estratégias comportamentais e também (uma ideia perigosa) que se tome o ser humano como mais uma espécie, aparentada na maneira de ser a outros animais considerados inferiores. A teoria da evolução começou com Darwin, mas não terminou com ele. Houve mudanças marcantes, depois dele,
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no estudo do comportamento animal. Elas não eliminam o princípio geral: o refinam e desvendam novas hipóteses. A teoria darwiniana se apresenta como um esquema aberto e versátil do qual não é possível prever o desenvolvimento, adaptado passo a passo às evidências e refutado em alguns de seus desdobramentos. Uma retomada importante das ideias de Darwin foi a etologia, proposta por Konrad Lorenz e seu colega Niko Tinbergen, na década de 1930. Partiam ambos da ideia de que há elementos comportamentais herdáveis desencadeados automaticamente por estímulos do ambiente. Lorenz, levando adiante uma linha implícita em Darwin, usou os comportamentos de espécies de aves aquáticas, os anatídeos, para reconstituir o seu parentesco e seu desenvolvimento filogenético. Hoje está em plena efervescência a análise evolucionária comportamental, com aplicações importantes à compreensão da origem do ser humano. Tinbergen inaugurou estudos de campo em que testava o valor adaptativo de padrões comportamentais. Por que será que, logo após a eclosão de um ovo, a mãe gaivota apanha e leva a casca para longe do ninho? A pergunta não tem resposta óbvia nem antropomórfica e é esclarecedor descobrir o jogo evolutivo subjacente, feito de custos e benefícios: ao jogar a casca, o adulto diminui a probabilidade com a qual o ninho será detectado por predadores. Dessa linha toma seu ponto de partida uma abordagem vigorosa
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ao comportamento animal, a ecologia comportamental. Além de promover a inserção do comportamento na matriz ecológica, formula hipóteses baseadas em mecanismos diferenciais de transmissão genética. Contribuições importantes foram as de W. D. Hamilton a respeito da aptidão abrangente – que parece solucionar a questão das castas estéreis em insetos sociais, tão problemática para Darwin, e fornece uma base para entender por que a entreajuda ocorre mais frequentemente e de forma preferencial entre indivíduos aparentados; e de R. Trivers sobre investimento parental, que explica por que, em geral, as fêmeas são mais seletivas em relação aos seus parceiros reprodutivos e por que os machos são mais promíscuos. O princípio envolvido é a seleção sexual, postulado por Darwin, durante muito tempo negligenciada. A segunda contribuição de Darwin às ciências do comportamento tem a ver com a compreensão do comportamento humano. Ela é essencial. Não se trata, como muitas vezes é alegado, de uma perspectiva reducionista, avessa a levar em conta as características de cognição e cultura que tornam o ser humano distinto. Darwin (The descent of man, 1871) escreve, nesse sentido: “Um macaco antropoide, se pudesse julgar a si próprio com imparcialidade, admitiria que [...], embora capaz de utilizar pedras para brigar ou para quebrar nozes, estaria totalmente sem condições de ter a ideia de transformar uma pedra para dela fazer uma ferramenta [...]. Também reconheceria que não lhe está dado seguir um raciocínio metafísico até o fim, ou de resolver um problema de matemática, ou de refletir a respeito de Deus, ou de admirar uma paisagem grandiosa”. As diferenças entre homem e animal seriam contudo, segundo ele, de grau, não de natureza. Darwin estudou, num contexto comparativo, a expressão das emoções humanas. Seu livro (A expressão das emoções no homem e nos animais), um best-seller na época do lançamento, em 1872, não teve impacto sobre a pesquisa. Sua proposta foi retomada pelo psicólogo P. Ekman, quase um século depois. Ekman, como Darwin (com métodos bem mais sofisticados), descreveu como a face espelha a raiva, a alegria, o medo e outras emoções e demonstrou, como ele, o valor transcultural das expressões. São notáveis as descrições de Darwin. Ele demonstra ser, antes de Desmond Morris, um man watcher, um observador agudo do ser humano e sua minúcia foi legada à perspectiva etológica. Paradoxalmente,
não foi darwiniano niano ao o pender peend der er para par par a a a “herança “h her e an nça ç do do us u uso”, so” o”, ”, uma versão daa hipótese d dee tr transmissão dos tran ansm an smis sm mis i sã são o do d os ca ccaracteres ract ra rac cteres adquiridos, para ra explicar a origem d daa expr expressão pressão humana pr das emoções. Os desenvolvimentos olvimentos mais recentes da abordagem evolucionista ao comportamento humano retornam aos princípios do próprio Darwin: o da seleção natural e da seleção sexual. Depois das propostas da etologia humana e da sociobiologia, estamos hoje presenciando o desenvolvimento da psicologia evolucionista que busca, de forma arrojada, uma síntese entre os aportes darwinianos e os propriamente psicológicos (Cosmides e Tooby, 1999). Essa abordagem coloca em conjunção cognição e processos pré-programados e descreve a mente humana, herdada de contextos evolutivos prévios, como composta por um conjunto de competências naturais, que são adaptações produzidas por seleção natural e sexual e que decorrem de interação entre genes e fatores ambientais. A partir desse arcabouço, as abordagens biológicas ao comportamento humano proporcionam novas hipóteses e resultados não triviais a respeito de aspectos variados do comportamento humano, desde as preferências sexuais até a competição, altruísmo e comportamento agressivo. A recepção imediata das ideias de Darwin no campo psicológico não foi sempre entusiástica. “Quantas ideias obscuras, quantas ideias falsas!... que linguagem pretensiosa e vazia!”, escreve em 1864 J. P. Flourens, que tinha livros publicados sobre instinto animal, a respeito de A origem das espécies. Numa resenha de The descent of man, na revista The Lancet (1871), lemos: “Aos que [...] exigem as provas as mais conclusivas [a respeito] dos atributos mentais e morais do ser humano... o conjunto de fatos apresentado pelo Sr. Darwin deve parecer bastante inadequado e seu raciocínio a partir deles inconclusivo, senão totalmente falso”. Estas opiniões apressadas contrastam com a impressionante vitalidade das ideias darwinianas na psicologia e nas ciências do comportamento de hoje, não só em centros tradicionais de pesquisa como no Brasil. São muitas as promessas de avanço na compreensão tanto do instinto como da mente. * César Ades é psicólogo, especialista em comportamento animal e professor da Universidade de São Paulo. PESQUISA FAPESP 157
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LABORATÓRIO MUNDO
pele de formiga
MUSEU DE GIBRALTAR
As lagartas da borboleta Maculinea rebeli, da Europa Ocidental, são mestras do disfarce. Ainda pequenas são carregadas pelas formigas Myrmica schencki para o formigueiro, onde recebem proteção, alimento e outros cuidados. Estudando como as lagartas conseguem ser tratadas como larvas de formigas, pesquisadores de Turim, na Itália, e de Oxford, na Inglaterra, descobriram que as taturanas imitam o som produzido pela rainha, fazendo-se passar por integrantes essenciais da colônia (Science, 6 de fevereiro). Tocando gravações, eles viram que as operárias reagem de modo similar ao som da rainha e ao das lagartas, que soam distintos ao ouvido humano. Um mês antes, também na Science, uma equipe da Dinamarca e do Reino Unido mostrou que as larvas da borboleta Maculinea alcon são recobertas por substâncias químicas que
as lagartas emitem cheiro para atrair as formigas e som quando já estão no formigueiro. JEREMY THOMAS
Maculinea: criada por formigas 46
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Mais de 14 mil anos atrás, quando a maior parte da Europa estava debaixo de gelo, os homens de Neandertal sobreviviam no sul da península Ibérica. A revelação vem de fósseis encontrados na caverna de Gorham, em Gibraltar, que indicam que entre 32 mil e 10 mil anos atrás havia nessa região uma grande diversidade de formações vegetais típicas de um clima ameno (Quaternary Science Reviews). Mais informações sobre esses hominídeos vêm de seu material genético. Um grupo liderado pelo paleogeneticista Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, anunciou em fevereiro ter completado um rascunho grosseiro – cerca de 60% – do genoma desses parentes próximos dos humaGibraltar: hoje (no alto) e há 30 mil anos nos modernos. Os resultados preliminares indicam que os homens de Neandertal tinham levam as formigas Myrmica a mesma versão do gene FOXP2, ligado à linguagem, que rubra e M. ruginodis a cuidar seus primos atuais, sugerindo que tinham capacidade de das futuras borboletas. desenvolver a linguagem – talvez até falassem. O grupo ainda No artigo de fevereiro, não encontrou indícios de cruzamento entre neandertais e os autores sugerem que humanos modernos, que alguns acreditam ter ocorrido.
OÁSIS NA ERA DO GELO
> Borboleta em
> Os Alpes da Antártida Picos e vales com a dimensão dos Alpes se escondem embaixo da camada de mais de quatro quilômetros de gelo na província de Gamburtsev, na Antártida. Resultado de um estudo internacional
coordenado por norte-americanos, essa descoberta pode ajudar a compreender como nasceram as geleiras que e estendem por mais de 10 milhões de quilômetros quadrados na parte oriental do continente. O relevo acidentado sugere que a camada de gelo se formou rapidamente, sem tempo para erodir a rocha. Como isso aconteceu ainda é mistério. As imagens
obtidas por aviões munidos de radares e sensores sísmicos também revelaram um sistema de lagos e rios, com água líquida, embaixo do gelo antártico. Com esse achado, os pesquisadores esperam contribuir para aprimorar as previsões de como o derretimento das geleiras pode influenciar o aumento do nível do mar previsto para as próximas décadas (National Science Foundation).
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> A rota do
Cacos reunidos: jarras continham bebida achocolatada
> Os riscos da
decidiu fazer o teste depois de saber que o povo maia, da América Central, usava recipientes semelhantes para beber chocolate em rituais. A descoberta leva a crer que tenha existido uma longa rota de comércio, de uns 2 mil quilômetros, entre o atual Novo México e a América Central, usada pelos anasazis para importar araras e peças de cobre. Como foram achados poucos recipientes – e em poucos lugares –, Patricia acredita que pertencessem à comunidade.
Em torno da mesa, os integrantes COM AS MÃOS E de uma família italiana falam todos COM A VOZ ao mesmo tempo. A explicação para essa grande capacidade de comunicação pode estar em outra característica típica dos italianos: o hábito de gesticular. É o que sugere o trabalho das psicólogas Meredith Rowe e Susan Goldin-Meadow, da Universidade de Chicago (Science). Elas filmaram as atividades de 50 famílias, representantes das diversas classes sociais da região de Chicago, para analisar como os pais se comunicam com suas crianças de 14 meses. Descobriram nessa idade uma correlação positiva entre os tipos de palavras que as crianças conseguem pronunciar e os tipos de gestos que usam, e que os pais que gesticulam mais têm filhos com um repertório de gestos mais ricos. As pesquisadoras ainda não investigaram as causas dessa correlação, mas para elas é uma explicação plausível para o fato de que crianças oriundas de segmentos socioeconômicos mais altos têm vocabulários mais variados e se saem melhor na escola: adultos dessas classes usam mais gestos para se comunicar com seus filhos.
reposição hormonal As mulheres que fazem reposição dos hormônios estrogênio e progesterona para restabelecer o equilíbrio desfeito com a menopausa têm mais um motivo para rediscutir o assunto com seus médicos. O risco anual de desenvolver câncer de mama dobrou entre as que consumiram os dois hormônios por mais de cinco anos, segundo estudo coordenado por Marcia Stefanick, da Universidade
Stanford, Estados Unidos, que acompanhou 55 mil norte-americanas. A boa notícia é que um ano após interromper o tratamento esse risco cai para níveis semelhantes aos de quem não faz a terapia. Apresentado em fevereiro no New England Journal of Medicine, esse trabalho é continuação de um projeto mais amplo, o Women’s Health Initiative (WHI), cujos resultados indicaram em 2002 que o uso dos dois hormônios aumentava também o risco de problemas cardiovasculares. “Essa é uma forte evidência de que o uso de estrogênio e progesterona causa câncer de mama”, disse Marcia, presidente do comitê executivo da WHI. Nem todos concordam. Alguns especialistas atribuem a taxa de câncer maior observada à realização de mais mamografias. O risco de câncer de mama não aumentou entre as mulheres que consumiam apenas estrogênio.
SCIENCE AAAS
Não foram os imigrantes europeus que levaram o chocolate para a região onde hoje ficam os Estados Unidos. Cerca de cinco séculos antes de seus navios atravessarem o Atlântico e aportarem por ali, o povo anasazi, que habitava uma região desértica do atual estado do Novo México, já consumia chocolate – não os tabletes marrons que se conhecem hoje, mas uma bebida feita com a semente do cacau, milho, pimenta e água fria. Patricia Crown, arqueóloga da Universidade do Novo México, analisou pequenos jarros descobertos em Pueblo Bonito, no noroeste do Novo México, e constatou que continham resquícios de teobromina, alcaloide encontrado no chocolate, que datavam de um período entre os anos 1000 e 1125, segundo artigo publicado em fevereiro nos Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Patricia
MARIANNE TYNDALL/AMNH
chocolate
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Em alguns anos, talvez seja possível usar um perfil genético para prever quem corre maior risco de sofrer um infarto e para determinar maneiras mais eficientes de evitar esse problema cardíaco. É o que espera Mario H. Hirata e seu grupo da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo. Em colaboração com pesquisadores do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, e da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, ele está analisando o nível de atividade dos genes (transcriptoma) em busca de uma assinatura para o infarto – e já encontrou alguns genes mais ativos e outros menos ativos no sangue de dez pacientes com diagnóstico de infarto agudo. “É importante descobrirmos que o problema cardíaco aconteceu porque determinadas proteínas não funcionaram de forma adequada”, conta o pesquisador, que não pode dar detalhes do trabalho até a sua publicação. Outro resultado é que o transcriptoma de quem sofre o primeiro infarto é diferente do apresentado por aqueles que já passaram pelo segundo. Se a equipe desvendar a rota que leva ao segundo infarto, talvez seja possível encontrar um tratamento específico para evitar que o problema se repita. Para Hirata, a prevenção é essencial porque 20% dos infartados morrem antes de chegar ao hospital e porque internações representam o maior gasto do Sistema Único de Saúde.
LEONARDO DA VINCI/REPRODUÇÃO
A GENÉTICA DO INFARTO
mais versátil Uma equipe de físicos da Universidade Federal do ABC (UFABC), de Santo André, demonstrou em teoria que o grafeno, um filme formado exclusivamente por átomos de carbono arranjados em hexágonos, pode ser quimicamente modificado por meio de um processo espontâneo e, dessa forma, aumentar suas aplicações. Candidato a substituto do silício nos nanotransistores do futuro, 48
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o grafeno foi usado para separar dois meios distintos, um rico em boro e outro em nitrogênio. Por ser extremamente fina,
Migração: nitrogênio (azul) e boro (verde) reagem com grafeno UFABC
> Uma membrana
a membrana de grafeno permite que os átomos localizados de um lado sintam a presença dos átomos do outro elemento, situados do outro lado. Em razão dessa particularidade, ocorre uma reação interessante. “Os átomos de boro migram e são espontaneamente
incorporados à membrana”, explica Gustavo Dalpian, da UFABC, um dos autores do trabalho ao lado de Renato B. Pontes e Adalberto Fazzio. “A possibilidade de aplicações da membrana de grafeno é enorme, variando de dispositivos eletrônicos a nanobalões [para levar medicamentos ao interior de um organismo].” Modificado, o grafeno, que antes tinha seis carbonos, fica com cinco carbonos e um boro. No final do experimento, simulado num supercomputador, os átomos de nitrogênio são eliminados do sistema por meio de outra reação. O trabalho foi publicado em 26 de janeiro na revista científica Physical Review B.
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LEITE AMARGO
insuficiência renal crônica humana, a perda progressiva da capacidade dos rins de filtrar o sangue, que atinge cerca de 70 mil pessoas no Brasil. No experimento coordenado pela nefrologista Lúcia Andrade, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o grupo aplicou duas estratégias de tratamento aos roedores que mantinham 20% da função renal – um rim inteiro e dois terços do outro haviam sido extraídos por meio de cirurgia para simular o problema. Duas semanas depois da cirurgia um grupo de ratos recebeu a injeção de 2 milhões de células-tronco no sangue. No outro grupo foram feitas três aplicações. No quarto mês após o início do experimento o primeiro e o segundo grupos tinham recuperado 50% da capacidade de filtração, segundo artigo publicado on-line em dezembro na
normal, desde que haja acompanhamento médico.
> Para entender o passado O sul da Bahia é uma das áreas mais importantes para a conservação da Mata Atlântica, de acordo com um novo método usado pela bióloga Ana Carolina Carnaval, da Universidade da Califórnia em Berkeley, para definir regiões capazes de abrigar a maior variedade
de plantas e animais em períodos de variações climáticas intensas. Em parceria com outros pesquisadores de Berkeley, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro e da Universidade de São Paulo, ela sobrepôs a distribuição geográfica de três espécies de anfíbios – o sapo-ferreiro (Hypsiboas faber), a perereca-verde (H. albomarginatus) e a perereca-cacarejo ANA CAROLINA CARNAVAL/UC BERKELEY
B.NAVEZ/WIKIMEDIA COMMONS
O uso de pesticidas ao longo do século passado foi importante para aumentar a produção agrícola mundial e torná-la grande o suficiente para alimentar a população do globo. O problema é que os efeitos desses compostos não se restringem às plantações em que foram aplicados – e muitas vezes atingem locais muito distantes e por muito tempo. Nos últimos anos a equipe do oceanólogo Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande, detectou a presença de praguicidas onde eles jamais foram aplicados: na Antártida. Analisando a gordura de elefantes-marinhos (Mirounga leonina) da Ilha Elefante, na península antártica, próximo ao extremo sul da América do Sul, Elefante-marinho: também vítima de agrotóxicos Bianchini e Kleber Miranda Filho encontraram níveis elevados de diferentes componentes dos agrotóxicos – como o DDT, cujo uso foi abolido Stem Cells, com pesquisadores > Rins ativos em boa parte do mundo – tanto no organismo de fêmeas adultas da Universidade Federal de como de seus filhotes. O teor desses produtos químicos era novamente São Paulo. “Em humanos, maior nas mães, que pesam quase uma tonelada e medem 20% da capacidade renal três metros de comprimento, do que em suas crias, às quais Células-tronco extraídas da corresponde à necessidade os transmitem pelo leite, segundo artigo a ser publicado na medula óssea ajudaram a de diálise”, explica Lúcia. Já Chemosphere. O efeito tóxico desses compostos, suspeitos de restaurar o funcionamento com metade da função renal contribuir para a redução das populações de elefantes-maridos rins de ratos com um nhos, é mais importante nos primeiros anos de vida. é possível levar uma vida problema semelhante à
Termômetro: anfíbios orientam conservação
(H. semilineatus) – com modelos ecológicos que buscavam reconstruir as condições climáticas 21 mil e 6 mil anos atrás (Science). Considerando os anfíbios como indicadores de mudanças ambientais válidos para outras espécies, os resultados indicam três áreas que se mostraram estáveis nesse período: a menor em Pernambuco, uma intermediária em São Paulo e a maior no sul da Bahia. Segundo os autores, as conclusões reforçam a urgência de estudar e preservar as florestas baianas, cuja fauna é menos conhecida e potencialmente mais rica que a do Sudeste. Para o coautor Célio Haddad, da Unesp, esse resultado não tira a importância de outras áreas nem elimina a necessidade de estudar mais espécies.
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CIÊNCIA
CARDIOLOGIA
Fluxo livre Vista como inflamação, aterosclerose ganha novas possibilidades de tratamento Carlos Fioravanti
SUSUMU NISHINAGA/SCIENCE PHOTO LIBRARY
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urante décadas a aterosclerose era definida como o acúmulo gradativo de gorduras nas paredes das artérias. Um tipo de gordura, a lipoproteína de baixa densidade (LDL), ganhou fama como colesterol ruim e responsável por esse mecanismo que pode levar a infartos e doenças cardiovasculares, a principal causa de morte no mundo. Nos últimos anos as explicações ganharam refinamentos e a aterosclerose começou a ser vista como um processo inflamatório crônico, que alimenta e é alimentado pela deposição de gorduras nas paredes das artérias. Essa abordagem frutifica agora no Brasil na forma de três novas possibilidades de tratamento que apresentaram resultados positivos nos testes preliminares realizados em animais. A que se encontra mais avançada foi desenvolvida no Instituto do Coração (InCor), ligado à Universidade de São Paulo (USP), e consiste de medicamentos antitumorais que devem funcionar também contra processos inflamatórios, podendo começar a ser testada em seres humanos ainda este ano. Outro tratamento experimental, nessa mesma abordagem – a aterosclerose vista como inflamação –, emerge de pesquisas da UniversiPESQUISA FAPESP 157
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Artérias bloqueadas Como começa a inflamação que barra o sangue
O LDL ou colesterol ruim (esferas verdes) penetra nas paredes das artérias e sofre uma reação química chamada oxidação
dade Estadual de Campinas (Unicamp) que mostraram resultados promissores a ponto de atrair uma empresa farmacêutica nacional, interessada em participar dos testes, cercados por sigilo contratual. A terceira possibilidade, também do InCor, adota o pressuposto de que a aterosclerose poderia ser gerada ou agravada por grupos de microrganismos, com a participação das arqueas, representantes das primeiras linhagens de microrganismos a surgir na Terra. Essa perspectiva embasou o uso experimental de uma enzima do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, para eliminar bactérias e arqueas encontradas nas placas de gordura que bloqueiam a circulação do sangue.
À A oxidação atrai células de defesa do sangue (esferas azuis) e desencadeia um processo inflamatório
Uma placa de gordura e células sanguíneas mortas se forma e começa a crescer sobre a parede da artéria
DANIEL DAS NEVES
À medida que cresce, a placa (amarela) pode bloquear o fluxo do sangue e causar infarto e derrames cerebrais
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medida que amadurecerem, essas alternativas poderão complementar o tratamento atualmente mais adotado, à base de medicamentos conhecidos como estatinas, que reduzem a quantidade de colesterol e podem ter um efeito extra, ajudando a controlar inflamações, de acordo com estudos recentes. Novos tratamentos poderão também deter o impacto da aterosclerose, que pode levar a doenças cardiovasculares, a primeira causa de mortes no mundo, principalmente quando associada à hipertensão arterial e ao tabagismo. As placas de gordura com células sanguíneas mortas que se depositam lentamente nas paredes das artérias podem obstruir a passagem do sangue que distribui oxigênio às células de todo o corpo. Chamadas de ateromas, essas placas podem prejudicar o funcionamento de órgãos vitais, como o coração, causando infarto, ou o cérebro, provocando um acidente vascular cerebral (AVC), também conhecido como derrame. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças cardiovasculares matam todo ano cerca de 15 milhões de pessoas, o equivalente a 30% do total. Só no Brasil cerca de 350 mil pessoas todo ano sofrem infarto agudo do miocárdio, o mais grave dos problemas do coração. “Faltam medicamentos novos contra aterosclerose”, comenta o médico endocrinologista Raul Maranhão, pesquisador do InCor e professor das faculdades de Medicina e Ciências Farmacêuticas da USP. A possibilidade de
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tratamento a que ele chegou concilia as esferas artificiais de lipídios (gordura) com 20 a 60 nanômetros de diâmetro que ele começou a desenvolver há 15 anos com medicamentos usados contra câncer que devem servir também para conter a proliferação de células de defesa nas paredes inflamadas das artérias. Chamadas de LDE, sigla de emulsão rica em colesterol, essas esferas simulam o LDL, produzido naturalmente pelo organismo. Depois de verificar que essas partículas de gordura artificial paravam nos locais onde havia células em proliferação acelerada, como tumores e tecidos inflamados, Maranhão colocou nas esferas de gordura um fármaco que detém a multiplicação celular, o paclitaxel, usado habitualmente contra câncer. Em seguida as injetou em coelhos, que durante dois meses comeram à vontade alimentos ricos em gordura. De acordo com o artigo publicado em abril de 2008 no ano passado na revista Atherosclerosis, a esfera com o fármaco reduziu em 60% as lesões nas artérias, geradas por versões alteradas de colesterol, mesmo que os coelhos apresentassem uma concentração de colesterol no sangue 200 vezes acima do normal. A partícula reduziu também a migração de células de defesa que intensificam o processo inflamatório, conhecidas como macrófagos, para as paredes das artérias. “Consegui a chave para entrar na célula”, comenta Maranhão. Para avaliar se as esferas de colesterol artificial seguiam realmente para os locais de intensa multiplicação celular, ele adicionou a elas um elemento químico radioativo chamado tecnécio e as injetou em pessoas. Como esperado, os tumores absorviam mais colesterol que as células normais, em uma proporção até duas vezes maior. Em 2002 o pesquisador fez os primeiros testes de segurança em 46 pessoas usando as esferas com antitumorais. Segundo ele, em razão da afinidade das células em crescimento acelerado com gordura, de que necessitam intensamente, o fármaco envolto pela cápsula de gordura tornava-se de cinco a oito vezes menos tóxico que o fármaco isolado. Os testes feitos em cerca de cem indivíduos indicaram que se tratava de um procedimento seguro e os feitos em coelhos reforçaram sua argumentação para propor o uso das
esferas com um medicamento utilizado normalmente contra câncer para tratar também aterosclerose. Maranhão comenta calmamente em sua sala de trabalho no InCor que um tratamento que começou a ser avaliado contra câncer pode agora ser testado contra aterosclerose porque as duas doenças são igualmente caracterizadas pela intensa proliferação de células. Essa aproximação entre duas enfermidades apoia-se em uma linha de pesquisa aberta com um artigo publicado em janeiro de 1999 na revista New England Journal of Medicine pelo médico patologista Russell Ross, professor da Universidade de Washington, Estados Unidos. “A aterosclerose é uma doença inflamatória”, afirmava Ross, único autor desse trabalho. Em seguida ele argumentava: “Por causa das altas concentrações do LDL, visto como um dos principais fatores de risco para a aterosclerose, o processo de aterogênese [formação das placas de gordura] tem sido considerado como resultado do acúmulo de lipídios na parede das artérias; porém é muito mais que isso”. Ross mostrou que a elevação dos níveis de lipídios e de lipoproteínas alteradas, além de outras moléculas do sangue como a homocisteína, infecções e hipertensão, pode induzir ou promover inflamações associadas à aterosclerose. “Esse trabalho mudou a visão sobre a aterosclerose, hoje considerada como uma inflamação crônica”, comenta Maranhão.
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oss morreu dois meses depois, aos 69 anos, sem ver que seu trabalho motivou também as equipes de pesquisa da indústria farmacêutica a buscarem novos medicamentos contra aterosclerose. Uma das empresas que entraram nessa corrida, a norte-americana AtheroGenics, anunciou em março de 2008 o início da etapa final dos testes clínicos de seu principal candidato a medicamento, o AGI-1067, que pode ajudar a deter o acúmulo de açúcares e gorduras; por essa razão é que esse composto deve também ser testado contra diabetes a partir deste ano. As pesquisas conduzidas por empresas correm normalmente sem alarde, mesmo quando os trabalhos contam com a participação de universidades.
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OS PROJETOS 1. Nanopartículas lipídicas: aplicações no estudo da fisiopatologia, diagnóstico e terapêutica das doenças degenerativas. 2. Patogênese da hipertrofia e insuficiência cardíaca: mecanismos ativados por estímulo mecânico. 3. Estudo biomolecular de produtos de Chlamydia pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae na progressão das valvopatias crônicas humanas.
MODALIDADE
1 e 2. Projeto Temático 3. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADORES
1. RAUL CAVALCANTE MARANHÃO – InCor 2. KLEBER GOMES FRANCHINI – Unicamp 3. MARIA DE LOURDES HIGUCHI – InCor INVESTIMENTO
1. R$ 1.401.712,38 2. R$ 996.638,13 3. R$ 100.882,40
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Esse é também o caso, no Brasil, de um composto com uso potencial contra doenças inflamatórias, como aterosclerose e artrite, que emergiu há seis anos da pesquisa de doutorado de Silvana Rocco na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Sintetizado no Instituto de Química da Unicamp, esse composto atua sobre um grupo específico de enzimas que participam do processo inflamatório. Testes preliminares atestaram seu potencial terapêutico e atraíram uma indústria farmacêutica nacional, que deve participar das avaliações finais do composto, conduzidas sob sigilo contratual. Segundo o médico Kleber Franchini, que coordena a equipe da Unicamp, a empresa é que está custeando as solicitações de patente do composto em outros países e deve também financiar os testes em seres humanos, que podem começar ainda este ano ou no próximo.
A terceira possibilidade de tratamento remete a origens mais profundas da aterosclerose. O problema começa quando uma molécula de colesterol se infiltra nas paredes das artérias e sofre uma reação química – uma oxidação – que atrai os macrófagos, um tipo de células de defesa. Os macrófagos engolfam o colesterol oxidado e formam as chamadas células espumosas, que atraem mais lipídios. Forma-se assim um corpo estranho dentro do organismo que outras células de defesa tentarão desfazer, por meio de processos inflamatórios que inflam as paredes das veias e artérias e bloqueiam a passagem do sangue. A gordura pode também começar a se acumular como resultado de lesões físicas nas paredes dos vasos sanguíneos. A médica patologista Maria de Lourdes Higuchi, pesquisadora do InCor e professora da Faculdade de
Medicina da USP, apresenta outra possibilidade: para ela, a inflamação associada à aterosclerose pode ser gerada por grupos de microrganismos com a participação das arqueas. Ela utilizou essa hipótese, ainda não inteiramente demonstrada, para desenvolver um tratamento experimental, a partir de uma enzima do protozoário Trypanosoma cruzi.
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hipótese de associações de microrganismos originando a aterosclerose emergia quando Maria de Lourdes procurava entender por que uma mesma pessoa pode ter dois tipos de placas de aterosclerose nas paredes das artérias. Um tipo de placa cresce, se rompe e libera blocos de gordura que fecham os vasos sanguíneos e causam infarto, enquanto outro tipo consiste essencialmente de placas estáveis, com menos gordura e mais fi-
A chave das células Uma estratégia para desobstruir artérias
> O QUE ACONTECE NORMALMENTE
2. As apoE conectam o LDL às células de tecidos inflamados e ampliam a obstrução arterial
> O QUE PODE SER FEITO
1. As partículas artificiais de gordura (LDE) retiram proteínas apoE do colesterol ruim
FONTE: RAUL MARANHÃO/INCOR, ILUSTRAÇÃO: DANIEL DAS NEVES
1. Proteínas chamadas apoE cobrem o colesterol ruim (LDL)
2. As LDE aderem às células por meio das apoE. As células engolfam as partículas, que se desfazem e liberam fármacos anti-inflamatórios
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esistentes a ponto de sobreviverem em condições ambientais extremas como águas oceânicas muito ácidas ou em meio à lava de vulcões, as arqueas ainda não haviam sido associadas a doenças em pessoas. No entanto, segundo Maria de Lourdes, elas podem produzir enzimas que anulam as ações das células de defesa. Desse modo, diz ela, “as arqueas conseguem sobreviver e também permitem a sobrevivência e a multiplicação de bactérias que estejam ao redor”. As outras também poderiam contribuir com o bem-estar do grupo, formando um consórcio de bactérias: as Chlamydophila pneumoniae inibindo a morte programada das células hospedeiras e as Mycoplasma pneumoniae, por mecanismos próprios, também driblando as defesas do organismo. O raciocínio que ela e sua equipe do InCor apresentaram em 2006 na revista científica brasileira Clinics ajudava a explicar outras coisas. Maria de Lourdes acredita que uma das enzimas produzidas pelas arqueas, a superóxido dismutase, pode ser a responsável pelo rompimento da camada externa de colágeno da placa, liberando blocos de gorduras que podem entupir artérias, como as que irrigam o coração, e provocar infarto. Tornavam-se um pouco mais claras as razões da movimentação de células de defesa para o tecido inflamado e da baixa eficácia de antibióticos para reduzir a incidência de infartos de pessoas com aterosclerose. “Os antibió-
ticos não eliminam as arqueas”, observa Maria de Lourdes. A partir dessas evidências ela criou uma saída inusitada para acabar com o clube dos micróbios. Inusitada porque implica a utilização de uma enzima chamada transialidase, produzida pelo protozoário Trypanosoma cruzi. Maria de Lourdes verificou que as artérias das pessoas que morreram de doença de Chagas normalmente não apresentam ateromas. Depois de constatar que os micoplasmas aderem em regiões da parede arterial ricas em ácido siálico, o mesmo que essa enzima transfere para o protozoário, ela preparou uma solução com a enzima e outros compostos capazes de inibir também a ação das arqueas e a injetou em coelhos que haviam recebido uma alimentação rica em gordura. “A transialidase reduziu o número de placas de gorduras e, com outros compostos, normalizou os níveis de colesterol no sangue”, diz. Segundo ela, os resultados, detalhados em 2004 na revista Medical Hypotheses, abrem a possibilidade de usar essa estratégia também em outras doenças. “Muitas células tumorais parecem ricas em arqueas e micoplasmas”, comenta Maria de Lourdes. Outros especialistas observam o trabalho dela com expectativa. “Causas novas não excluem as antigas”, comenta Maranhão. Quem descobre novas possibilidades de tratamento enfrenta dois desafios: convencer os exigentes colegas de que chegaram a algo relevante e produzir os compostos que, eles acreditam, resolverão muitos problemas. Maranhão passou anos em busca de empresas que pudessem produzir as esferas artificiais de gordura capazes de levar medicamentos contra tumores e inflamações. Diante de acordos infrutíferos, ele concluiu que ele próprio teria de ampliar a escala de produção. Maranhão trabalhou dois anos com sua equipe para sair do método artesanal de produção para o atual – um compressor que em meia hora produz 50 doses da solução com as esferas já com os fármacos. É o bastante para realizar com relativa folga uma avalia-
ção da eficácia de sua abordagem em 40 pessoas, desde que seus planos sejam aprovados pelas comissões do InCor. Franchini teve mais sorte e há quatro anos, ao sair em busca de parceiros, encontrou colegas e empresas dispostos a ajudar. “Aprendemos o caminho”, diz ele. “Hoje temos aqui na Unicamp um pessoal que faz pesquisa e está atento também ao desenvolvimento de fármacos. Começamos a ver que podemos fazer outras coisas novas.” Maria de Lourdes, por sua vez, ainda procura interessados.
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esmo que em alguns anos surjam novos anti-inflamatórios capazes de deter a aterosclerose, as estatinas devem continuar a ser usadas. Uma das razões é que as estatinas, além de reduzir os níveis de colesterol, podem diminuir a quantidade da proteína C
Arquea
Chlamydophila pneumoniae
Associação de bactérias: possível causa da inflamação das artérias
reativa, associada a inflamações, de acordo com estudo com quase 18 mil pessoas (homens com pelo menos 50 anos e mulheres com pelo menos 60 e níveis normais de colesterol), patrocinado por uma empresa que produz estatinas, a AstraZeneca, e divulgado no ano passado. Altos níveis de colesterol continuam a ser o principal fator de risco para a aterosclerose, mas outros indicadores começam a ganhar atenção. “Níveis elevados de homocisteína no sangue estão ligados à aterosclerose”, diz Franchini, “mas não sabemos se é causa ou consequência”. ■ PESQUISA FAPESP 157
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ML HIGUCHI/INCOR
bras, que não se rompem. Examinando fragmentos de 13 artérias coronárias com placas que se rompem, Maria de Lourdes detectou, por meio de análises de genoma, microrganismos do grupo das arqueas vivendo entre bactérias – principalmente Chlamydophila pneumoniae e Mycoplasma pneumoniae, que têm esse nome porque podem causar pneumonia. Outros pesquisadores já haviam encontrado Chlamydophila e Mycoplasma nas placas de gordura, mas não era claro que papel poderiam ter. Maria de Lourdes acredita que esses microrganismos, uma vez associados, podem causar a inflamação ao interagir com a gordura por meio de uma reação química conhecida como oxidação, que leva ao maior acúmulo de gordura.
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Proteção ampliada Testes da vacina contra HPV em homens acirram debate sobre quem deve recebê-la Marcos Pivet ta
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HERCULES E ANTAEUS, LUCA SIGNORELLI, 1490
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o final do ano passado surgiram os primeiros indícios mais concretos de que os homens também poderiam se beneficiar das vacinas contra o papilomavírus humano (HPV), hoje aprovadas em muitos países, Brasil inclusive, apenas para uso em jovens do sexo feminino como uma das armas contra o câncer de colo do útero, o segundo tipo de tumor mais letal em mulheres de todo o mundo. Resultados preliminares de testes clínicos que estão sendo realizados desde 2005 em 3 mil heterossexuais com a vacina Gardasil, nome comercial do imunizante desenvolvido pelo laboratório Merck Sharp & Dohme contra quatro tipos de HPV, sugerem que o produto também confere uma boa proteção ao sexo masculino. “Em 90% dos casos, a vacina preveniu o aparecimento de verrugas genitais e em 86% evitou o surgimento de infecções”, afirma Luisa Villa, diretora da filial brasileira do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, que já coordenou estudos do imunizante em mulheres e atuou como consultora científica dos testes em homens no Brasil. “Os dados ainda não são definitivos e temos de esperar mais um ou dois anos até termos uma análise mais detalhada.” Financiados pela Merck, os testes clínicos, feitos em indivíduos sem infecção prévia pelo HPV e com idade entre 16 e 26 anos, são também realizados em vários países do mundo, inclusive no Brasil. Homossexuais também participam do estudo, mas ainda não foram divulgadas informações específicas da ação da vacina sobre essa parcela da população masculina. Até agora as caras vacinas contra o HPV, administradas em três doses ao longo de seis meses a um custo total no Brasil frequentemente acima de R$ 1 mil, faziam parte do universo médico feminino. Eram um tema quase marginal entre os homens. Era natural que fosse assim. Como está bem demonstrado na literatura médica, as infecções e lesões causadas pelo papilomavírus
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CDC
humano dos tipos 16 e 18, dois dos quatro tipos de HPV presentes no imunizante da Merck, estão associadas ao surgimento de 70% dos casos de câncer de colo do útero (a vacina ainda contém o HPV-6 e o HPV-11, ligados ao aparecimento de verrugas genitais). Esse tipo de tumor aparece anualmente em mais de meio milhão de mulheres de todo o mundo, sendo que 80% dos casos estão concentrados em países pobres ou em desenvolvimento. Estima-se que 290 mil mulheres morram a cada ano devido ao câncer de colo do útero. Na população masculina, as infecções por HPV ainda são pouco estudadas, mas podem levar à ocorrência de cânceres bem mais raros, como os tumores no pênis (2% dos casos de neoplasias entre homens no Brasil) e no ânus, este último mais comum em homossexuais. Diante dos primeiros estudos que mostram, também no homem, a relação do HPV com o surgimento de tumores nos órgãos genitais e dos resultados preliminares da vacina quadrivalente em testes clínicos com indivíduos do sexo masculino, a Merck requereu recentemente a autorização do Food and Drug Administration (FDA), o órgão do governo norte-americano que controla a venda de alimentos e remédios, para administrar a Gardasil em meninos e jovens de idade entre 9 e 26 anos a fim de prevenir verrugas e outras lesões genitais. A aprovação ainda não saiu. Embora a discussão no meio médico sobre a eficiência e o alto custo de se imunizar milhões de mulheres com vacinas contra o HPV ainda esteja longe de terminar, os homens passaram recentemente a ser o mais novo foco de trabalhos sobre o papilomavírus. Estudo publicado em agosto do ano passado na revista Cancer Epidemiology Biomarkers & Prevention mostrou que 65% dos homens carregavam alguma forma de HPV. Quase metade dos participantes infectados abrigava tipos do vírus capazes de causar câncer, às vezes de maneira isolada, mas frequentemente misturados a formas não oncogênicas do HPV. Entre os tipos de papilomavírus que predispõem
Partículas semelhantes ao HPV na vacina: contra câncer de colo do útero
ao aparecimento de tumores, os mais encontrados nos homens do estudo foram o HPV-16, HPV-51 e HPV-59. O trabalho procurou pela presença do vírus nos órgãos genitais de 1.200 homens dos Estados Unidos, México e Brasil, de idade entre 18 e 70 anos, sem histórico de doenças sexualmente transmitidas ou infeção pelo HPV. A prevalência total do vírus foi maior no Brasil (72,3%) do que nos Estados Unidos (61,3%) e no México (61,9%). Fatores de risco - Promiscuidade se-
xual, falta de higiene íntima e de acesso à rede pública de saúde são fatores que aumentam o risco de a população masculina (e também feminina) contrair o HPV. “Talvez o fato de haver mais homens circuncidados nos Estados Unidos seja um fator de proteção para aquela população contra o vírus”, comenta Luisa Villa, uma das autoras do estudo ao lado de colegas mexicanos e norteamericanos. Prática comum entre os judeus por motivos religiosos, a retirada
do prepúcio, dobra de pele que reveste a extremidade (glande) do pênis, facilita a limpeza do órgão sexual masculino e parece reduzir os níveis de infecção por HPV. Procedimento altamente recomendável, usar preservativos nas relações sexuais diminui a chance de pegar e de disseminar o vírus, mas não elimina totalmente o risco. O HPV é transmitido por meio do contato direto com a pele infectada e o vírus se esconde em locais não cobertos pela camisinha, como a bolsa escrotal. Há cerca de 200 tipos de HPV, dos quais 15 estão associados ao surgimento de tumores. Ninguém questiona que a associação entre HPV e câncer de colo do útero é realmente muito forte e está presente em quase 100% das ocorrências. No caso dos homens, também há forte ligação entre o vírus e tumores no pênis e no ânus. Um trabalho do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e da Fiocruz do Rio de Janeiro, divulgado em outubro passado, contribui para delinear o papel do HPV em tumores típicos dos homens. PESQUISA FAPESP 157
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Os pesquisadores cariocas mostraram que o papilomavírus estava presente em 75% dos 80 casos de câncer de pênis analisados. “Trabalhos anteriores mostravam uma associação do vírus e desse tipo de câncer em apenas 40% das ocorrências”, comenta Antônio Augusto Ornellas, urologista do Inca, um dos autores do estudo. “Hoje temos técnicas refinadas, como o PCR, que possibilitam encontrar mais facilmente o DNA do vírus nos tecidos cancerosos.” Segundo Ornellas, há poucos trabalhos sobre HPV e câncer de pênis justamente devido à raridade desse tipo de tumor, mais comum em países subdesenvolvidos. “Demoramos quatro anos para conseguir esses 80 casos”, diz o urologista. De posse desses dados, o pesquisador se diz favorável à imunização de mulheres e de homens com vacinas contra o HPV. Além da Gardasil, da Merck, também está disponível em vários países, entre eles o Brasil, a Cervarix, vacina da GlaxoSmith Kline, que confere imunidade contra o HPV-16 e HPV-18, os dois tipos mais ligados ao câncer de colo do útero. “O problema das vacinas é o preço”, comenta o médico do Inca. O preço é o problema mais evidente. Mas não o único. Os críticos da prescrição em massa da cara vacina contra o HPV exibem uma série de argumentos em defesa de sua posição, mais cautelo58
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sa do que a exibida por outros médicos e pesquisadores. As versões do imunizante, seja a da Merck ou a da Glaxo SmithKline, são teoricamente capazes de evitar no máximo 70% dos casos de câncer de colo do útero, mas não eliminam a necessidade de as mulheres fazerem periodicamente o Papanicolau, tradicional e eficaz exame preventivo desse tipo de câncer. Também não se sabe por quanto tempo dura a proteção imunológica oferecida pela vacina, em teste há no máximo dez anos. Não está ainda totalmente claro se o imunizante é realmente eficiente na população feminina mais velha, já exposta ao papilomavírus, embora haja dados nesse sentido, provenientes de estudos com mulheres de 26 e 45 anos. Custo-benefício - Num ponto há
grande consenso: jovens que ainda não iniciaram sua vida sexual ou estão no início dela devem ser o público prioritário para receber a vacina. Um estudo publicado na edição de 21 de agosto do New England Journal of Medicine, uma conceituada revista médica dos Estados Unidos, questiona a imunização generalizada da população feminina com as atuais vacinas contra o HPV. “O custobenefício da vacinação contra o HPV dependerá do tempo de duração da proteção oferecida pelas vacinas e será mais bem otimizado por meio da imunização
de garotas pré-adolescentes, centralizando os esforços iniciais em mulheres de até 18 ou 21 anos”, escreveram Jane J. Kim e Sue J. Goldie, da Universidade Harvard, autoras do artigo. Se for necessária uma nova dose de reforço da vacina ao longo da vida, a imunização talvez seja cara demais para ser bancada por um sistema público de saúde e o mais recomendável seria investir ainda mais no Papanicolau. “Apesar das grandes expectativas e dos resultados promissores em estudos clínicos, ainda não temos evidência suficiente de que haja uma vacina eficiente contra o câncer de colo do útero”, opinou a pesquisadora Charlotte J. Haug, editora do Journal of the Norwegian Medical Association, em editorial publicado na edição já citada do New England Journal of Medicine. Há também reportagens na imprensa, como a assinada por Elisabeth Rosenthal em 21 de agosto passado no New York Times, descrevendo as táticas de propaganda e pressão da indústria farmacêutica junto a médicos, políticos, meios de comunicação e público em geral para promover a vacina contra o HPV. Além de falar das dúvidas sobre a real eficácia dos imunizantes e de possíveis efeitos colaterais, o texto da repórter menciona médicos e enfermeiras que teriam ganho US$ 4.500 da Merck para dar palestras promocionais sobre a vacina e o câncer de colo do útero e pesquisadores que fazem trabalhos científicos sobre a Gardasil e recebem honorários ou ganhos de consultoria do fabricante. Ainda bem que hoje em dia as melhores revistas científicas pedem aos autores de trabalhos aceitos que explicitem os casos de conflito de interesse. A reportagem termina dizendo que os laboratórios agora querem ampliar o público-alvo da vacina: conseguir sua aprovação para mulheres mais velhas e meninos e jovens do sexo masculino. Ainda assim, a despeito das dúvidas e limitações da vacina, muitos pesquisadores sérios no exterior e no Brasil defendem a imunização de mais mulheres, talvez até dos meninos antes da iniciação sexual. Aqui o sistema público
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A busca da injeção que cura Vacina candidata a debelar o câncer de colo do útero deverá ser testada em São Paulo no próximo ano não adotou a vacina contra o HPV em seu calendário, mas o produto está disponível nas clínicas particulares para quem pode pagar o seu preço. “Vacinar os homens também é uma forma de proteger as mulheres do contágio com o vírus”, afirma Edison Fedrizzi, professor de ginecologia e obstetrícia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e chefe de um dos centros no país que testa a vacina quadrivalente em ambos os sexos. “Dessa forma, obtemos a chamada imunização de rebanho.” Ele ainda argumenta que algumas dúvidas que hoje cercam o imunizante contra o HPV também rondaram outras vacinas, como a da hepatite B, e foram dirimidas com o tempo. “As vacinas hoje existentes não são perfeitas, mas não podemos simplesmente esperar pela vacina ideal”, diz Luisa Villa, que vai chefiar o recém-criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) das Doenças do Papilomavírus, agraciado com uma verba de R$ 7 milhões (metade oriunda da FAPESP e metade do governo federal). “Há mulheres morrendo por causa do câncer de colo do útero.” Em 2008, quase 19 mil novos casos da doença devem ter surgido no Brasil, segundo o Inca. Para lutar contra a associação papilomavírus e tumores, há algumas iniciativas em curso. Vacinas capazes de conferir imunidade a até nove tipos de HPV estão em teste. Em São Paulo, o Instituto Butantan, um dos principais centros de produção de vacinas no país, também trabalha há quatro anos no projeto de uma versão nacional de imunizante contra o HPV. “A vacina contra o papilomavírus tem semelhanças com a da hepatite B, que já fabricamos”, comenta Paulo Lee Ho, diretor do centro de biotecnologia do Butantan. “Já conseguimos produzi-la na bancada do laboratório, mas o problema é fazer isso em escala comercial.” Enquanto um imunizante nacional não fica pronto, uma nova vacina internacional deverá ser testada no Brasil em 2010. A formulação tem um objetivo ambicioso: não apenas prevenir, mas também curar o câncer de colo do útero (ver ao lado). ■
Em 2010 o Brasil deverá ser o primeiro lugar do mundo a testar uma candidata a vacina contra o HPV com características muito particulares: o imunizante tentará não só prevenir as infecções pelo vírus, evitando assim o surgimento do câncer de colo do útero em mulheres não infectadas, mas também erradicar o patógeno e os tumores em pacientes que já manifestaram a doença. Desenvolvida com verba da Fundação Bill & Melinda Gates pela equipe do pesquisador Robert Garcea, da Universidade do Colorado, a nova vacina tem a ambição de ser, ao mesmo tempo, uma ferramenta preventiva e curativa – e que deverá ter um preço muito baixo (alguns poucos dólares por dose), diferentemente dos caros imunizantes lançados pelos laboratórios comerciais. Afinal, seu público-alvo são os países em desenvolvimento, onde as condições de higiene e os serviços médicos precários fazem do HPV um enorme fator de risco para a ocorrência de câncer, e onde não há dinheiro suficiente para bancar as atuais vacinas. “A vacina atualmente está sendo produzida pela empresa BioSidus em Buenos Aires e provavelmente estará pronta para os testes clínicos em São Paulo em 2010”, diz Garcea, em entrevista por e-mail a Pesquisa FAPESP. Os testes iniciais, a cargo da equipe de Luisa Villa, do Instituto Ludwig, vão averiguar se a vacina é segura para mulheres com infecções persistentes por HPV-16 em lesões de baixo grau do colo de útero. Esse tipo de papilomavírus é responsável por uma série de lesões precursoras e por 50% dos casos do câncer de colo do útero. A vacina pode ser uma evolução das hoje existentes no mercado.
Para induzir a resposta do sistema imunológico ao HPV, os imunizantes atuais injetam no organismo uma formulação muito parecida com o próprio vírus, denominada virus-like particles, VLP, na sigla em inglês. Faz parte do VLP a proteína L1, principal constituinte da “capa” que envolve o genoma do HPV. O preparado, no entanto, não contém o DNA do patógeno. Dessa forma, ao ser inoculada no organismo, a vacina, composta de um vírus vazio, sem material genético, provoca a mesma reação imunológica que o contato com o próprio HPV ocasionaria. O organismo produz anticorpos específicos contra o tipo de HPV usado para fabricar o imunizante. Nas vacinas comerciais, a proteína L1 é obtida, com auxílio da engenharia genética, em leveduras ou células de insetos. No caso da nova vacina, os cientistas acreditam ter desenvolvido uma forma mais eficaz e barata de obter uma boa imunização. Usam a conhecida bactéria Escherichia coli como meio de síntese da proteína L1 fusionada com uma outra proteína, a E7. O método teria duas grandes vantagens: redundaria numa vacina mais fácil de ser purificada, que poderia ser armazenada na forma de pó, dispensando os gastos com refrigeração em sua conservação; a combinação das duas proteínas na vacina geraria uma resposta imunológica capaz até de debelar infecções já instaladas. Testada em roedores, a vacina funcionou bem. Se funcionar contra o HPV-16, a vacina terapêutica desenvolvida com dinheiro doado pelo dono da Microsoft poderá rapidamente incorporar mais formulações para atacar todos os tipos de papilomavírus que causam câncer. Pelo menos essa é a esperança dos pesquisadores.
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Memórias preservadas
BIOQUÍMICA
Insulina protege cérebro do mal de Alzheimer Ricard o Zorzet to
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os últimos tempos a neurocientista Fernanda De Felice e o bioquímico Sergio Teixeira Ferreira tiveram de aguçar duas habilidades que sempre ajudaram o meticuloso detetive Sherlock Holmes a solucionar seus casos: observação e raciocínio dedutivo. O casal de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, claro, não tentava resolver crimes. Sem lupa nem cachimbo, eles perseguiam algo possivelmente mais complicado. Buscavam desvendar os mecanismos bioquímicos pelos quais o mal de Alzheimer, uma das doenças mais devastadoras descobertas no último século, danifica os neurônios, as células cerebrais responsáveis por transmitir e armazenar informações, levando à perda definitiva da memória. A partir do trabalho em seu próprio laboratório e de pistas levantadas por outras equipes, Fernanda e Ferreira confirmaram no ano passado a existência de uma conexão até pouco tempo atrás insuspeita entre Alzheimer e outra doença comum em idosos, o diabetes tipo 2. Em ambos os casos o problema surge porque as células se tornam incapazes de reagir adequadamente ao hormônio insulina, que desempenha funções distintas em diferentes regiões do corpo – nos músculos facilita a absorção da glicose, principal fonte de energia do organismo, enquanto no cérebro favorece a formação da memória. Agora, em parceria com uma equipe dos Estados Unidos, os pesquisadores do Rio demonstraram que essa mesma insulina, que passa a ser mal aproveitada no Alzheimer, pode prevenir os danos aos neurônios. E, ao menos nos testes em laboratório, esse efeito protetor é intensificado quando a insulina é associada ao medicamento rosiglitazona, usado no tratamento do diabetes tipo 2, relata o grupo em artigo publicado em fevereiro no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Esses resultados permitem uma compreensão mais clara e detalhada de como surge e avança o Alzheimer, que nos estágios iniciais se manifesta na forma de pequenos esquecimentos, como o local em que se colocou a carteira, e ao longo de décadas corrói até as lembranças mais
profundas, apagando o passado por completo. Também criam a oportunidade de que se desenvolvam alternativas mais eficazes e menos agressivas de tratamento dessa doença que vem se tornando mais comum à medida que mais pessoas vivem mais tempo – segundo a Organização Mundial da Saúde, há no mundo 18 milhões de pessoas com Alzheimer, número que deve dobrar em 15 anos. “Apesar desses avanços, estamos longe de oferecer uma nova terapia para os pacientes”, afirma Ferreira. Primeiro será preciso verificar se o efeito protetor da insulina que ele e Fernanda observaram em neurônios isolados em uma placa de vidro ocorre em seres vivos. Se os testes que pretendem iniciar este ano com animais forem bem-sucedidos, aí sim será possível avaliar essa estratégia de tratamento em seres humanos. Antes, porém, será preciso encontrar uma forma eficiente de fazer a insulina chegar ao cérebro. É que apenas parte do hormônio injetado no sangue atravessa a membrana que protege o cérebro e outros órgãos do sistema nervoso central. “Temos anos de trabalho pela frente”, diz o bioquímico. Os primeiros sinais de uma ligação entre Alzheimer e diabetes surgiram cinco anos atrás. Nos Estados Unidos, uma equipe coordenada por Juliette Janson, da Clínica Mayo, e Peter Butler, da Universidade do Sul da Califórnia, analisou amostras do cérebro e do pâncreas de 105 pessoas – um grupo portador de Alzheimer, outro de diabetes tipo 2 e um terceiro formado por indivíduos saudáveis. Eles viram que o diabetes era duas vezes mais comum entre os portadores de Alzheimer do que entre as pessoas saudáveis. Também constataram que quem tinha Alzheimer apresentava no pâncreas lesões semelhantes às que essa doença neurodegenerativa deixa no cérebro, embora não tenham encontrado mais danos em neurônios dos portadores de diabetes tipo 2 do que nos indivíduos sem esse problema, segundo artigo publicado em 2004 na Diabetes. Aparentemente, o diabetes e a morte das células produtoras de insulina surgiriam como consequência do Alzheimer. No ano seguinte o grupo de Suzanne de la Monte, da Universidade Brown,
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MONTAGEM COM FOTOS DE EDUARDO CESAR E MIGUEL BOYAYAN
também nos Estados Unidos, apresentou resultados reforçando essa conexão, mas apontando para o sentido contrário. Já se sabia que o cérebro de portadores de Alzheimer apresentava maior dificuldade em utilizar glicose, açúcar convertido em energia pelas células. Suzanne constatou que o problema não estava na carência de glicose nem da insulina. No cérebro com Alzheimer, a insulina não produzia os efeitos desejados porque encontrava o caminho bloqueado. Produzida por um grupo especial de células do pâncreas e liberada no sangue, a insulina precisa aderir a uma proteína na superfície das células, o chamado receptor de insulina, para abrir a passagem para a glicose ou, no cérebro, disparar as reações químicas fundamentais para a aquisição e a consolidação da memória. Se a insulina não encontra o tal receptor, nada feito. Antenas recolhidas - A equipe da Uni-
versidade Brown observou ainda que os genes que contêm a informação para produzir os receptores de insulina eram menos ativos nos neurônios de pessoas com Alzheimer do que nos de indivíduos saudáveis. Por um mecanismo ainda desconhecido, o cérebro com Alzheimer deixava de produzir esses receptores, que funcionam como antenas de rádio captando os sinais químicos trazidos pela insulina e os retransmitindo para o interior das células. A produção dos receptores de insulina diminuía ainda mais com a progressão da doença. Diante dessas pistas, Fernanda e Ferreira decidiram descobrir o que estaria desligando o gene do receptor de insulina e fazendo os neurônios recolherem essas antenas que os mantêm em contato com o seu exterior. Tinham até um palpite. Apostavam que a redução dos receptores estava associada à presença de aglomerados de um fragmento de proteína – o peptídeo beta-amilóide – que se formam no cérebro dos portadores de Alzheimer. Produzido pela degradação anormal de uma proteína importante para o funcionamento dos neurônios, esse peptídeo se liga a outras moléculas iguais a ele no exterior das células, formando os chamados oligômeros. Mas seriam, de fato, os oligômeros que causavam a redução dos receptores
Sopro de esperança: hormônio pode prevenir doença que apaga o passado
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MARCELO VIEIRA/UFRJ
Sem insulina: aglomerados de peptídeos, em vermelho, aderem a neurônio e eliminam sinapses (pontos verdes)
de insulina? No período que passou no laboratório de William Klein, na Universidade Northwestern, em Chicago, de 2005 a 2007, Fernanda preparou um teste simples para tirar a dúvida. Colocou neurônios de camundongo em uma placa de vidro e acrescentou um composto vermelho que aderia aos receptores de insulina. Em seguida, acrescentou os oligômeros de beta-amilóide marcados com uma proteína verde e aguardou para ver o que acontecia. Ela notou que os aglomerados aderiam à superfície do neurônio bem próximo aos receptores de insulina. Meia hora depois do início do experimento 22% desses receptores haviam sido recolhidos pela célula e, três horas mais tarde, 70% haviam desaparecido. Como consequência, os neurônios se tornaram imunes à ação da insulina ou, como dizem os médicos, resistentes à insulina, apresentando o mesmo sintoma que caracteriza o diabetes tipo 2. Mesmo em um meio com altos teores desse hormônio, as células se tornaram incapazes de interpretar os comandos da insulina – absorver glicose nos músculos ou transformar uma experiência em lembrança nos neurônios. O efeito mais grave surgiu no dia seguinte. Depois de 24 horas na presença 62
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Com insulina: aglomerados (pontos vermelhos) desaparecem e neurônio preserva sinapses ativas
dos oligômeros, os prolongamentos que conectam um neurônio a outro perderam a maior parte dos seus pontos de contato (sinapses) com as células vizinhas, relataram os pesquisadores no PNAS. “Esse dano gradual aos neurônios pode explicar o que se observa nos estágios iniciais do Alzheimer, em que as pessoas começam a apresentar falha de memória antes de haver morte de células cerebrais”, diz Fernanda. Se os oligômeros comuns no Alzheimer levam os neurônios a se comportarem como as demais células do corpo no diabetes, o que aconteceria se as células cerebrais recebessem o mesmo tratamento dado aos diabéticos? De volta ao Brasil com essa questão em mente, Fernanda e Ferreira retomaram os testes em laboratório. Dessa vez deram aos neurônios três tratamentos – insulina, o medicamento rosiglitazona ou uma mistura de ambos – usados no controle da resistência à insulina antes de acrescentar ao meio de cultura os aglomerados de beta-amilóide. O resultado surpreendeu. O banho de insulina evitou que oligômeros aderissem aos neurônios e disparassem a morte celular. No trabalho, feito com Marcelo Vieira, Theresa Bonfim e Helena Decker, Ferreira e Fernanda viram ainda que o efeito
protetor da insulina foi amplificado pela rosiglitazona. Mas nem a insulina nem a rosiglitazona preveniram a adesão dos oligômeros quando os receptores não estavam funcionando adequadamente, afirmou a equipe do Rio no trabalho publicado com a equipe de William Klein. Para Ferreira, essa constatação sugere que a insulina pode ser eficaz apenas nos estágios iniciais do Alzheimer ou mesmo antes de a enfermidade se instalar. Ainda que sejam necessários testes em animais e em seres humanos para confirmar esse papel protetor da insulina, essa nova possibilidade terapêutica anima Ferreira. É que as duas classes de medicamentos disponíveis contra Alzheimer – os inibidores de acetilcolinesterase e os inibidores do receptor de glutamato – não impedem a morte dos neurônios. Eles ajudam a reduzir a perda da memória e funcionam em uma proporção pequena das pessoas com a doença. E por poucos meses. ■ > Artigo científico 1. DE FELICE, F. G. et al. Protection of synapses against Alzheimer’s-linked toxins: insulin signaling prevents the patogenic binding of Abeta oligomers. PNAS. v. 106, n. 6, p. 1971-1976. 10 fev. 2009.
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BOTÂNICA
Bromélias absorvem nitrogênio da urina de anfíbios arbóreos
Uma outra forma
de se alimentar
Maria Guimarães
Água do tanque nutre planta e abriga animais
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FOTOS LIA CHAER/USP
A
s bromélias Vriesea gigantea vivem no alto de árvores e acumulam água entre suas folhas – por isso são chamadas de epífitas com tanque. Até onde se tem notícia, as plantas desse tipo são as únicas que de preferência extraem nitrogênio diretamente da ureia, abundante na urina das pererecas que usam a água empoçada para se abrigar e depositar seus ovos. O grupo coordenado pela botânica Helenice Mercier, da Universidade de São Paulo (USP), recentemente descobriu que essas bromélias têm duas estratégias para captar a ureia e desvendou mecanismos fisiológicos únicos. Em busca de esmiuçar a descoberta de Helenice de que as bromélias de tanque utilizam ureia, Cassia Takahashi picou muitas folhas de vríseas em busca de detalhar como elas absorvem nitrogênio, elemento químico essencial para construir as proteínas, fundamentais para crescer e se reproduzir. Observou em detalhes, ao microscópio, que a base de cada folha tem uma maior densidade de pequenos pelos que funcionam como raízes em miniatura, os tricomas. Já a ponta das folhas, com 70% do número de tricomas encontrados na base, tem o dobro de estômatos, as estruturas que se abrem e fecham para permitir a respiração e a fotossíntese, segundo relata o artigo publicado em 2007 no Brazilian Journal of Plant Physiology. A morfologia externa indica que a base das folhas funciona como raiz, absorvendo água e nutrientes, e as pontas como folhas propriamente ditas, onde acontece a maior parte da fotossíntese. Mas Cassia estava interessada na fisiologia, no que acontece dentro da planta que lhe permite absorver esse nitrogênio orgânico. Era preciso localizar
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Berçário estéril: no laboratório, bromélias crescem longe de bactérias
e quantificar as enzimas responsáveis pelo processamento da ureia e seus subprodutos. Quando essa substância encontrada na urina dos animais entra na planta, a enzima urease a quebra em amônio e gás carbônico (CO2). Em seguida entram em ação outras enzimas, sobretudo a glutamina sintetase (GS), que tem grande afinidade por amônio e o integra no aminoácido glutamina. No início a jovem botânica se concentrou na base das folhas, que fica submersa na água onde estão os nutrientes, e jogava fora todo o resto. Parecia um desperdício. “Resolvi ver se a folha era toda igual para saber se seria possível usá-la por inteiro, e descobri que estava procurando no lugar errado”, conta. A maior parte da glutamina sintetase estava nas pontas das folhas, mostrando que o nitrogênio é na verdade assimilado ali. A surpresa deu novo ímpeto à pesquisa. “Foi a primeira vez que se mostrou uma divisão funcional, fisiológica, numa folha”, conta Helenice. Uma organização que faz sentido: o nitrogênio é assimilado onde acontece a fotossíntese e há energia de sobra para alimentar esse processo e se fazem proteínas. O resultado sugere também que o amônio é transportado da base para a ponta das folhas, outra surpresa. “O amônio é uma substância muito tóxica que as plantas costumam assimilar em moléculas orgânicas assim que o absorvem”, explica Helenice. Em grande concentração, o amônio pode pa64
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rar a cadeia respiratória das plantas, um problema sério nas folhas, responsáveis justamente pela fotossíntese e respiração. Ela ainda não sabe como a Vriesea gigantea evita esses problemas. Ambiente controlado - Um problema
que as pesquisadoras encontraram é que as bactérias, habitantes naturais dos tanques das bromélias, também precisam de nitrogênio e o transformam em diferentes compostos, por isso é preciso cultivar as plantas em frascos esterilizados. O grupo descobriu também que é preciso conhecer a idade das plantas. Aos 2 anos de idade, as bromélias dessa espécie têm cerca de dois centímetros de altura e só então suas folhas se alargam e formam o tanque. Nesse momento a distribuição dos tricomas e a fisiologia se modificam, de maneira que misturar plantas de idades diferentes num mesmo experimento conduz a erros. Além disso, para se ter controle sobre o aporte de nitrogênio na casa de vegetação, é preciso também não permitir que pererecas se instalem. O mesmo vale para aranhas, cujas fezes também são fonte de nitrogênio para as bromélias. Em 2006 o ecólogo Gustavo Romero, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto, mostrou que 18% do nitrogênio consumido pela espécie Bromelia balansae vem da aranha Psecas chapoda. Por isso a equipe da USP tenta manter
suas plantas impecáveis. Cassia chegou a lavar folha por folha das centenas de bromélias que mantém na casa de vegetação com uma escova de dentes, para combater uma praga. E no laboratório elas são cultivadas em ambiente estéril que exclui bactérias. Na natureza a água acumulada na bromélia é um cenário de competição entre planta e bactérias. Em artigo publicado em 2007 na New Phytologist, o austríaco Erich Inselsbacher, que fez parte de seu mestrado no laboratório da USP, mostrou que as vríseas têm duas maneiras de tirar vantagem da urina dos anfíbios. Na presença de ureia, a planta libera urease para o tanque e em seguida absorve o amônio produzido pela reação, que é então processado por enzimas internas. “Quem tiver a enzima mais ávida por amônio ganha”, diz Helenice. A glutamina sintetase da vrísea é ávida, mas o visitante da Áustria mostrou que a bromélia também absorve ureia inteira de maneira muito mais eficiente do que se observa com outras substâncias nitrogenadas. As plantas costumam ter um ponto de saturação na capacidade de absorver substâncias, mas não é o que acontece com a ureia. Quanto mais os pesquisadores põem no tanque, mais a V. gigantea absorve. A observação levou a equipe da USP a inferir que existe um poro proteico especializado em absorver o composto nitrogenado da urina. Durante o doutorado, Camila Cambuí procurou um candidato entre os genes das aquaporinas, proteínas que formam poros para entrada de água e outras substâncias. Em colaboração com a botânica Marília Gaspar, do Instituto de Botânica de São Paulo, ela encontrou a porta de entrada da ureia nas vríseas, uma aquaporina nova que agora busca produzir em laboratório para fazer experimentos e detalhar seu funcionamento. Por enquanto, parte do mistério está elucidado: “A ureia parece entrar inteira na folha e ser diretamente assimilada, além de poder ser quebrada em amônio”, explica Helenice. Para ela, essa aquaporina da vrísea deve ter surgido nessas bromélias que coevoluíram com os anfíbios que ali depositam ovos e urina. As plantas desenvolveram também estratégias para usar ao máximo essa fonte de nutrição: quando o tanque da bromélia recebe
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FOTOS MIGUEL BOYAYAN
uma dose de ureia, nas primeiras 24 horas a planta dá preferência a essa substância, mesmo que outras fontes de nitrogênio como amônio ou nitrato estejam presentes. Essa preferência é importante porque a ureia é um recurso inconstante, as pererecas procuram os tanques das bromélias quando chove mais e bastante água se acumula. Nessa época a planta precisa absorver o máximo possível, competindo com as bactérias. Em períodos mais secos, as fontes de nitrogênio passam a ser restos vegetais e insetos em decomposição. Em artigo a ser publicado em breve na revista Physiologia Plantarum, Camila detalhou um pouco mais como a ureia é processada quando entra na planta: 40% da atividade da urease em V. gigantea acontece fora das células, nas paredes e membranas celulares, ao contrário de espécies sem tanque, onde a urease se concentra dentro delas. Além de mais rica em nitrogênio, a ureia processada também dá origem a gás carbônico. Camila mostrou que esse carbono imediatamente se agrega aos cloroplastos, onde acontece a fotossíntese, e é logo usado para construir celulose, que faz a planta crescer. Por isso, bromélias de tanque fertilizadas com ureia crescem mais depressa – observação que já tinha sido feita por produtores comerciais dessas plantas. Saber, por exemplo, que basta pôr ureia no tanque das bromélias, e não no resto das folhas ou nas raízes, ajuda a reduzir exageros no uso de nitrogênio no cultivo comercial. Em parceria com Helenice, Gustavo Romero agora busca comprovar que a ureia absorvida pelas bromélias na natureza vem de fato da urina das pererecas. ■
> Artigos científicos 1. CAMBUÍ, C.A. et al. Detection of urease in the cell wall and membranes from leaf tissues of bromeliad species. Physiologia Plantarum. No prelo. 2. INSELSBACHER, E. et al. Microbial activities and foliar uptake of nitrogen in the epiphytic bromeliad Vriesea gigantea. New Phytologist. v. 175, n. 2, p. 311-320. jul. 2007. 3. TAKAHASHI, C.A. et al. Differential capacity of nitrogen assimilation between apical and basal leaf portions of a tank epiphytic bromeliad. Brazilian Journal of Plant Physiology. v. 19, n. 2, p. 119-126. abr.-jun. 2007.
Terreno fértil: folhas da Vriesea gigantea guardam surpresas
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Resquícios de chuvas em cavernas ajudam a reconstruir o clima dos
Chuvas intensas como as que no início deste ano tumultuaram deze nas de cidades em Santa Catarina podem estar conectadas a fenômenos climáticos em regiões distantes, com chuvas fortes também na Amazônia ou frio rigoroso no hemisfério Norte. Em um período relativamente recente da história da Terra, de 100 mil anos até os dias atuais, oscilações abruptas de temperatura no hemisfério Norte, que se repetem em média a cada 3 mil anos, correspondiam a variações de chuva em regiões tropicais em uma dimensão ainda maior que os El Niño ou La Niña, causados pelo aquecimento ou resfriamento das águas do Pacífico a cada dois a sete anos. Geólogos e climatologistas do Brasil, dos Estados Unidos e da Alemanha chegaram a essas conclusões analisando rochas que antes atraíam essencialmente pela beleza – as estalactites e as estalagmites, colunas de rochas que crescem, respectivamente, a partir do teto ou do solo das cavernas e ganharam valor científico nos últimos anos por preservarem resquícios das águas de chuvas que caíram há milhares de anos. Os resultados das análises do oxigênio do carbonato de cálcio de estalagmites de cavernas brasileiras estão colocando os trópicos na história do clima do planeta nos últimos 500 mil anos,
EDUARDO CESAR
últimos milhares de anos
Estalagmite e vista interna da caverna Abissal, interior do Rio Grande do Norte: ...
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> CIÊNCIAS DA TERRA
Histórias de águas antigas compor a história mais antiga do clima no território brasileiro e delimitam os momentos de mudanças mais intensas. Um deles é o início do clima semiárido no Nordeste, há cerca de 4 mil anos, em razão de um deslocamento periódico do eixo de rotação da Terra que fez com que o hemisfério Sul começasse a receber mais radiação solar do que o hemisfério Norte. “Há 6 mil anos o clima do Nordeste era muito diferente”, afirma Cruz, que nasceu em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Os registros da composição química das rochas de cavernas do Nordeste dos últimos 26 mil anos sugerem que o clima nordestino começou a assumir
as características atuais a partir de 4 mil anos atrás. Segundo ele, o sertão do Nordeste nunca foi tão úmido quanto o litoral nordestino, mas as chuvas no interior eram mais bem distribuídas ao longo do ano: provavelmente caíam ao longo de seis meses, de outubro a abril, em vez de se concentrarem em três, de março a maio, como hoje. Essa mudança deve ter contribuído para a substituição de florestas relativamente encorpadas para a atual caatinga. Quando começou o período mais seco, a maioria das estalagmites parou de crescer. “A água evaporava antes de chegar às cavernas”, afirma Cruz. A chuva escasseou a ponto de a equipe
FRANCISCO CRUZ/USP
antes contada somente por meio das amostras de gelo retiradas de regiões polares e de sedimentos do fundo do mar. Os registros de chuvas obtidos por instrumentos meteorológicos, que também indicam as tendências do clima, raramente recuam além de 150 anos. “Estamos completando o quebra-cabeça do clima global do passado”, diz o geólogo Francisco Cruz, pesquisador do Instituto de Geociências (IG) da Universidade de São Paulo (USP). Ele é o primeiro autor de uma pesquisa com estalagmites de cavernas do Rio Grande do Norte publicada no final de fevereiro na Nature Geoscience, que reuniu pesquisadores da USP, da Universidade de Minas Gerais, de Albany, Massachusetts e Minesotta, Estados Unidos, e do Instituto para Pesquisa Marinha e Polar, da Alemanha. Tomadas em conjunto, as pesquisas com estalagmites de cavernas do Brasil e da China acentuam os contrastes climáticos a sul e a norte do Equador, mostrando que, em consequência desse ciclo de 3 mil anos, havia épocas de intensa umidade no Brasil, enquanto em um país vizinho, a Venezuela, e em outro bem distante, a China, o clima era mais seco. Os estudos das cavernas nordestinas e os anteriores, em cavernas de São Paulo e de Santa Catarina, mesmo que retratando variações climáticas em pontos ou regiões específicas, ajudam a re-
... 26 mil anos de variações climáticas gravadas nas rochas
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de que Cruz faz parte, depois de explorar dezenas de cavernas, ter encontrado apenas uma estalagmite com camadas de carbonato de cálcio formadas nos últimos 4 mil anos. A testemunha única da mudança de clima estava a 15 metros de profundidade, isolada em uma das galerias da caverna Furna Nova, uma caverna a 300 quilômetros de Natal descoberta anos atrás por Jocy Cruz, técnico do Centro Nacional de Estudo, Proteção e Manejo de Cavernas (Cecav), do Instituto Chico Mendes, que acompanhava as equipes das universidades e definia, sem contestação, o que poderiam ou não retirar para análises laboratoriais.
E
xaminando outro tipo de material – grãos de pólen de plantas preservados em pântanos e fundos de lagoas –, o botânico Paulo Eduardo de Oliveira, pesquisador da Universidade de Guarulhos, em São Paulo, havia chegado antes a conclusões semelhantes: até 4 mil anos atrás a caatinga se misturava com outros tipos de vegetação, formando matas mais abertas, com árvores, arbustos e cactos, sem análogos hoje. Na Amazônia a história é outra. “A leste da Amazônia há indicações de que houve momentos mais secos, mas não tão secos a ponto de eliminar a floresta, enquanto a oeste não há nenhum sinal de mudança no clima nos últimos 40 mil anos”, diz Oliveira. Polens e sedimentos antigos ajudam também a reconstruir a história da ocupação humana, indicando que os antigos habitantes da Amazônia, por exemplo, cultivavam milho e mandioca, de acordo com um estudo de Oliveira em conjunto com pesquisadores da Flórida, Estados Unidos, e do Rio de Janeiro, publicado em 2007 na Philosophical Transaction of The Royal Society B. Desenhos sobre rochas, ainda pouco estudados, evidenciam a ocupação humana no Nordeste antes da fase semiárida no Lajedo de Soledade, a 30 km da caverna Rainha, uma das principais cavernas estudadas, no município potiguar de Felipe Guerra, descoberta também há poucos anos pelo espeleólogo Ariosvaldo Araújo da Silva, um dos fundadores de um grupo de espeleologia em Natal. Há 4 mil anos, enquanto o Nordeste começava a se tornar mais seco, começava a chover mais no Sul e Sudeste.
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A razão era a mesma: o aumento na intensidade de radiação solar no hemisfério Sul, como resultado da oscilação do eixo de rotação da Terra, que obedece a ciclos de cerca de 23 mil anos. Dependendo da inclinação do eixo de rotação da Terra pode haver mais sombra no hemisfério Norte e maior cobertura solar no hemisfério Sul – ou o contrário. Quatro anos atrás, após examinar estalagmites de uma caverna de São Paulo e outra de Santa Catarina (Pesquisa FAPESP nº 111, maio de 2005), Cruz verificara que a insolação mais forte faz com que os verões no litoral da Região Sul se tornem mais chuvosos – e agora ajudam a explicar parte do impacto dos aguaceiros que deixaram 80 mil pessoas desabrigadas em 63 municípios catarinenses. Ao apresentar os resultados desse trabalho, publicados em maio de 2005 na Nature, Cruz comentou que a insolação e as chuvas mais intensas no Sul eram uma tendência natural que deveria se manter nos próximos mil anos, “sem considerar as intervenções humanas sobre o clima”. “Hoje todo o hemisfério Sul está sujeito a uma insolação mais intensa”, observa Cruz. Por estar mais aquecido, o continente atrai os ventos úmidos do Atlântico chamados de alísios. Vindos do leste, provocam chuvas que se propagam da Amazônia para as regiões Sudeste e Sul do Brasil. O calor liberado com a formação de chuvas na região amazônica origina um movimento de ar que atinge altas altitudes e se desloca para leste, no sentido inverso ao dos alísios, e mergulha nas proximidades do litoral do Nordeste. “Essa massa de ar mais seco e frio inibe a entrada de umidade que alimentaria as chuvas no interior do Nordeste”, observa Cruz. “Os dados de estalagmites podem servir para avaliar a capacidade dos modelos computacionais de reproduzir a variabilidade climática do passado na América do Sul”, comenta Mathias Vuille, climatologista da Universidade de Albany, Estados Unidos, que participou desse estudo. Segundo ele, as estalagmites indicam variações reais de chuva nos trópicos, mas não explicam por que choveu mais ou menos, enquanto as simulações computacionais, obtidas por meio de modelos matemáticos, informam sobre mecanismos at-
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O PROJETO Paleoclima do Quaternário tardio brasileiro a partir das razões isotópicas de oxigênio e carbono em espeleotemas
MODALIDADE
Programa Jovens Pesquisadores COORDENADOR
FRANCISCO WILLIAM DA CRUZ JUNIOR – IG/USP INVESTIMENTO
R$ 104.113,80
mosféricos que causaram as mudanças do clima, mas não podem ser consideradas reais até serem comparadas com registros materiais. José Marengo, climatologista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, tem se utilizado de registros geológicos ou botânicos para obter uma primeira visão de climas passados. Tais materiais, segundo ele, podem também levar a conclusões arriscadas: “Para demonstrar com mais precisão como o clima do passado deve ter sido”, diz ele, “precisamos de mais pontos”. Os climatologistas reconhecem que, apesar das limitações, os estudos com polens e rochas de cavernas ajudam a diferenciar os efeitos marcadamente naturais, numa época em que a civilização humana era incipiente, dos que possam sofrer influência da ação humana. Nos últimos 100 mil anos, por causas essencialmente naturais, durante séculos nas regiões polares a temperatura deve ter permanecido alguns graus acima ou abaixo dos patamares anteriores, enquanto nos trópicos chovia de duas a três vezes mais.
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o início deste ano os argentinos assistiram à seca mais intensa dos últimos 50 anos e os australianos viram as cidades serem consumidas por incêndios enquanto os termômetros chegavam ao recorde de 46,6º Celsius. Em Santa Catarina fortes chuvas causavam inundações que tumultuaram dezenas de cidades; os ingleses deixaram de lado os planos imediatos diante de nevascas igualmente intensas. Os especialistas no estudo do clima
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não dizem que os extremos climáticos do início deste ano já refletem mudanças climáticas permanentes, mas haviam alertado que essas situações poderiam ocorrer no futuro com mais frequência. Climatologistas observaram em um relatório de 2007 que incêndios de dimensões mais amplas que as habituais poderiam se tornar mais frequentes na Austrália. Marengo coordenou a elaboração de cenários climáticos derivados de modelos regionais que projetavam episódios de chuvas mais intensas ou de variações mais acentuadas de temperaturas no Brasil na segunda metade do século XXI (Pesquisa FAPESP nº 130, dezembro de 2006). Ou talvez não tão longe. Na semana anterior ao Carnaval ele viu o rio que corta a cidade de Guaratinguetá, entre o Rio de Janeiro e São Paulo, transbordando e alagando avenidas e casas. “Nunca vi o rio tão alto”, abismou-se. Segundo ele, ali e em outras cidades brasileiras “o clima agrava a crise já existente de falta de planejamento urbano”. Também a
Lajedo de Soledade: sinais da ocupação humana de milhares de anos atrás
Argentina pode passar nos próximos anos por oscilações maiores de chuvas e de temperatura, como a registrada este ano, de acordo com um estudo coordenado por Marengo, que deve ser publicado em breve no International Journal of Climatology. Cruz corre contra o tempo para descobrir um pouco mais dos segredos do clima. Sobre uma de suas mesas de trabalho no Instituto de Geociências descansam muitas estalagmites – as preferidas por apresentarem camadas nítidas e relativamente regulares – para serem analisadas. Vieram de cavernas de São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Bahia e Tocantins. Uma das peças mais valiosas é uma estalagmite de quase 2,5 metros de comprimento, encontrada em 13 pedaços na Caverna do Diabo, sul paulista, que registra as variações do clima nos últimos 600 mil anos. Segundo Cruz, só o Brasil e a China possuem registros tão longos e contínuos. ■
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias ■
Agrotecnologia
contínua. A indústria é o principal agente das mudanças do setor, apoiada pelo comprometimento da organização humana que promove a adaptação da empresa aos novos requisitos e tendências do ambiente tecnológico e competitivo. Para tanto, a indústria prioriza o desenvolvimento das competências técnicas, mercadológicas e empresariais, por meio da capacitação contínua.
Avaliação sensorial do café O trabalho “Avaliação sensorial do café cereja descascado, armazenado sob atmosfera artificial e convencional”, de Flávio Meira Borém, Gilberto Westin Nobre, Simone Miranda Fernandes, Rosemary Gualberto F. A. Pereira e Pedro Damasceno de Oliveira, da Universidade Federal de Lavras, avaliou sensorialmente a popular bebida e classificou quanto ao tipo o café cereja (foto) descascado submetido a diferentes acondicionamentos, ao longo do armazenamento. Foram testados cinco acondicionamentos, com e sem modificação de atmosfera, em cinco épocas de avaliação, em dois lotes de café cereja descascado, sendo um em pergaminho e o outro beneficiado. Os acondicionamentos em embalagens impermeáveis (sacos de náilon, sacos de náilon com 40% de CO2 e sacos aluminizados a vácuo) apresentaram capacidade de preservar a qualidade da bebida do café cereja descascado, na duração e nas condições do experimento. O café acondicionado em embalagens permeáveis (sacos de juta e sacos de juta com casca de café picada) apresentou alterações sensoriais que depreciaram a qualidade do café. Já na classificação física, o tipo do café não sofreu alteração nos diversos acondicionamentos usados durante o experimento.
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Sociologia
O comércio do sexo
Gestão do conhecimento
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EMBRAPA AGROBIOLOGIA
Tecnologia
O problema investigado no estudo “Gestão do conhecimento em indústria de alta tecnologia”, de Isabel Cristina dos Santos, da Universidade de Taubaté, e João Amato Neto, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, refere-se a como uma indústria de alta tecnologia gera conhecimento. Observou-se no estudo que as inovações estão limitadas aos conteúdos conhecidos das ciências e suas aplicações e são fortemente orientadas à melhoria
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Feministas e acadêmicos vêm debatendo teoricamente o que exatamente é comprado numa transação de prostituição e se o sexo pode ser “um serviço como qualquer outro”, mas raramente lidam empiricamente com essas questões. O artigo “O significado da compra: desejo, demanda e o comércio do sexo”, de Elizabeth Bernstein, da Universidade Columbia, Estados Unidos, se baseia em observações de campo e entrevistas com clientes masculinos de trabalhadoras do sexo comercial e com agentes do Estado encarregados de regulá-las para investigar os significados dados a diferentes tipos de trocas sexuais comerciais. Manifestados por detenção e reeducação de clientes, apreensão de veículos, leis mais estritas sobre a prostituição de menores e a posse de pornografia com crianças, recentes esforços do Estado para problematizar a sexualidade masculina nos Estados Unidos e na Europa Ocidental se desenvolveram ao lado de uma ética de consumo sexual descontrolada, evidenciada pela imensa demanda por pornografia, clubes de strip-tease, lap-dancing, acompanhantes, sexo por telefone e turismo sexual em países em desenvolvimento. Ao situar a troca sexual comercial, dentro do contexto mais amplo das transformações pós-industriais da cultura e da sexualidade, é possível começar a desvendar esse paradoxo.
Ciência e Agrotecnologia – v. 32 – nº 6 – Lavras – nov./dez. 2008 ■
Produção – v. 18 – nº 3 – São Paulo – set./dez. 2008
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Cardiologia
Animais de experimentação O tratamento da doença cardiovascular mudou radicalmente nas últimas duas décadas, proporcionando aos pacientes uma sobrevida maior e melhor qualidade
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Arquivos Brasileiros de Cardiologia – v. 91 – nº 5 – São Paulo – nov. 2008 ■
Saúde pública
Situações de risco Nos últimos anos tem havido uma maior preocupação internacional com a disseminação ou propagação de agentes etiológicos e doenças de natureza infecciosa, química e radionuclear. Visando adequar os conceitos e as medidas para evitar ou reduzir o risco dessa disseminação, foi adotado pelos países o novo conceito de emergência de saúde pública e implementadas novas estratégias. Com base em análise de risco contextualizada sobre eventos de saúde que podem se disseminar internacionalmente, busca-se contar com instrumentos mais oportunos que permitam a identificação e a atuação precoce sobre esses eventos. A adaptação desse conceito, para o propósito da vigilância em saúde e rede de atenção dos serviços de saúde nacional, tem permitido um melhor gerenciamento dos eventos de saúde que constituem risco de disseminação ou propagação de doenças. A análise sobre esses eventos, feita no artigo “Emergências de saúde pública: conceito, caracterização, preparação e resposta”, de Eduardo Hage Carmo, da Universidade Federal da Bahia, Gerson Penna, da Universidade de Brasília, e Wanderson Kleber de Oliveira, do Ministério da Saúde, indica que a ocorrência de desastres ambientais coloca em situação de risco a população ou gera danos à saúde
em um contingente populacional maior. Por sua vez, os eventos de natureza infecciosa, que em sua maioria ocorrem sob a forma de surtos ou epidemias, acometem um maior número de municípios. MIGUEL BOYAYAN
de vida. Grande parte desse sucesso deve-se à introdução de novas terapias. Em nenhuma outra área essa mudança foi mais evidente do que na cardiologia intervencionista, pois nos últimos 20 anos as operações cardiovasculares percutâneas saíram do terreno experimental para formar a base terapêutica dos portadores de doença cardiovascular sintomática. O desenvolvimento dessas tecnologias, desde os primeiros estágios, requer a realização de estudos pré-clínicos com modelos animais (foto). É possível compreender os mecanismos terapêuticos desses dispositivos, uma vez introduzidos na esfera clínica, comparando-se os achados das pesquisas realizadas em modelos animais com amostras de exames anatomopatológicos. A análise “Importância dos estudos pré-clínicos em animais de experimentação para a cardiologia intervencionista”, de Yoriyasu Suzuki, Alan C. Yeung e Fumiaki Ikeno, da Faculdade de Medicina da Universidade Stanford, Califórnia, apresenta uma visão geral do papel emergente dos estudos pré-clínicos, bem como dos resultados, do desenvolvimento e da avaliação de modelos animais, nas tecnologias de intervenção cardiovascular percutânea.
Estudos Avançados – v. 22 – nº 64 – São Paulo – 2008 ■
Psicologia
Vulnerabilidade social No artigo “Meninas: vidas em devir nos circuitos de vulnerabilidade social”, de Denise Cordeiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e Eduardo Antônio de Pontes Costa, da Universidade Federal Fluminense, pretende-se discutir, a partir do filme Meninas, de Sandra Werneck, as trajetórias de vida e de trabalho de jovens pobres no Rio de Janeiro, nos circuitos de vulnerabilidade social. As aproximações do olhar cinematográfico vão expressar um “tempo comum”, presente no documentário, que se materializa nos estudos dos pesquisadores: gravidez precoce, violência, desemprego, baixa escolaridade, pouca qualificação e inserção no tráfico de drogas, por exemplo. Fractal, Revista de Psicologia – v. 20 – nº 1 – Rio de Janeiro – jan./jun. 2008 ■
Ciências sociais
Os militares e os franceses Com base em documentos de Estado-Maior, o artigo “A influência doutrinária francesa sobre os militares brasileiros nos anos de 1960”, de João Roberto Martins Filho, da Universidade Federal de São Carlos, analisa a importação pelos militares brasileiros de um corpo de ideias gerado na França na segunda metade dos anos 1950. Trata-se da doutrina conhecida como guerre révolutionnaire, voltada para a derrota do movimento marxista-leninista e desenvolvida no contexto da Guerra da Argélia. Trazidas para a América do Sul, inicialmente por militares argentinos, as ideias francesas chegaram ao Brasil em 1959 numa conferência feita na Escola Superior de Guerra. A partir de então foram adotadas como doutrina oficial pelo Estado-Maior das Forças Armadas, ajudaram na campanha de ideias que precedeu o golpe de 1964 e continuaram influentes depois da ruptura do processo constitucional. Ao contrário do que aparece na literatura sobre o tema, autores franceses, e não norteamericanos, teriam sido a fonte principal do pensamento militar brasileiro nos anos 1960. Revista Brasileira de Ciências Sociais – v. 23 – nº 67 – São Paulo – jun. 2008
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
Maior produtor mundial de etanol de cana-de-açúcar, o Brasil pode sair ganhando com um catalisador desenvolvido por pesquisadores do Laboratório Nacional Brookhaven, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, em parceria com as universidades de Delaware e Yeshiva. O novo material torna a célula a combustível, equipamento que gera eletricidade, capaz de ser abastecida diretamente com etanol de forma prática para suprir de energia laptops e telefones celulares, substituindo as baterias, e até automóveis. Formado por átomos de platina e ródio depositados sobre nanopartículas de carbono e dióxido de estanho, o catalisador consegue quemolecular do catalisador brar as ligações de carbono e oxidar de forma eficiente o etanol, gerando dióxido de carbono e liberando elétrons em quantidade suficiente para gerar corrente elétrica. Outros catalisadores elaborados anteriormente para converter etanol produzem ácido acético e acetaldeído, o que os tornam inviáveis para a geração de energia. O etanol poderá levar vantagem sobre o hidrogênio que não existe de forma isolada na natureza e é a opção primordial das células a combustível, porque o álcool pode ser mais facilmente produzido e estocado.
CÉLULA COM ETANOL
> Sensor para salvar vidas
LABORATÓRIO NACIONAL BROOKHAVEN
Motoristas e passageiros vítimas de acidentes automobilísticos com capotamento do veículo tornam-se muitas vezes incapazes de acionar o resgate porque ficam inconscientes ou muito machucados. Quando o acidente ocorre em estradas movimentadas, o resgate leva um bom tempo para chegar, o que pode levar os ocupantes à morte. Foi pensando nessas situações que pesquisadores do Departamento de Ciências da Computação da Universidade da Georgia Southern desenvolveram um sistema baseado em sensores sem fio que, acoplado ao automóvel, comunica aos serviços de emergência o capotamento ou outro tipo de acidente do veículo. Batizado de Save (sigla em inglês de Sun-java-based Automatic Vehicular), o dispositivo pode monitorar a inclinação
Representação
do veículo, a temperatura, a taxa de desaceleração e o acionamento do airbag. Dotado de um aparelho de GPS (Global Positioning System), o sistema permite que as equipes de resgate localizem rapidamente o automóvel acidentado. As motocicletas também poderão usar o sistema.
> Energia do
LAURABEATRIZ
buraco das ruas
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Ruas e estradas esburacadas, com lombadas e paralelepípedos, tão comuns em países como o Brasil, podem ser um importante e inusitado ambiente de produção de energia, segundo um
experimento realizado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). É um amortecedor automotivo capaz de gerar energia a partir dos solavancos que carros, ônibus e caminhões sofrem quando passam por buracos ou imperfeições no asfalto. O protótipo usa um sistema que pressiona um fluido hidráulico contra uma turbina acoplada a um
gerador. A eletricidade gerada pelo amortecedor, batizado de GenShock, pode ser usada para recarregar as baterias do carro ou operar outro aparelho eletrônico qualquer. Carros elétricos ou híbridos, movidos a gasolina, usam um sistema parecido para recuperar a energia gerada pelos freios. Os pesquisadores estimam que o dispositivo possa proporcionar economia
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NANODETECÇÃO DE GLICOSE
janelas, com vidraça tripla, e de troca de calor com o ar que entra e o que sai para manter uma boa ventilação e conforto para os moradores. A principal utilidade da casa é diminuir o consumo de energia
elétrica durante o inverno em até 85%, principalmente com o sistema de calefação, que pode ser desligado. A casa, quase hermética, aproveita o pouco calor PROJECT PASSIVE-ON
JEFF GOECKER/UNIVERSIDADE DE PURDUE
de 10% no gasto de combustível do veículo com acionamento de motores elétricos. Outra vantagem do GenShock é que ele torna o sistema de amortecimento mais eficiente, proporcionando um deslocamento mais suave. O projeto nasceu do interesse de alguns alunos de graduação de engenharia em descobrir quanta energia é desperdiçada por um veículo. Os bons resultados dos testes feitos até o momento levaram os estudantes a solicitar uma patente do dispositivo e abrir uma empresa, a Levant Power, para comercializar seu invento. O interesse maior veio da empresa American Motors, que fabrica os jipes Humvees do Exército norte-americano.
Uma boa notícia para pacientes que sofrem de diabetes: pesquisas conduzidas pela equipe do professor Timothy Fischer, da Universidade Purdue, nos Estados Unidos, resultaram no desenvolvimento de um biossensor para detecção dos níveis de glicose no sangue muito mais sensível do que os atualmente existentes. O dispositivo funciona numa faixa bem mais ampla de concentração de glicoSensores na forma de cubos interligados por nanotubos se no sangue e precisa de cinco vezes menos dessa substância para tem feito expandir na fazer a medição. Com potencial para acusar a presença de Europa o conceito da casa várias outras moléculas biológicas no organismo humano, passiva, ou Passivhaus, em o biossensor utiliza nanotubos de carbono ocos de parede alemão. Já são mais de simples ancorados em “nanocubos” revestidos com ouro. 15 mil casas, principalmente Ele se assemelha a um minúsculo sensor na forma de um na Alemanha. Elas são cubo. Cada sensor é ligado a um circuito eletrônico por um nanotubo de carbono, agindo simultaneamente como um fio construídas com paredes ultrafino para conduzir os sinais elétricos. O dispositivo tem bem espessas, com materiais cerca de 2 nanômetros de diâmetro, cerca de 25 mil vezes que proporcionam um alto mais fino do que um fio de cabelo, sendo 1 nanômetro igual grau de isolamento térmico a 1 milímetro dividido por 1 milhão. e complexos sistemas de
> Isoladas do frio A busca por redução de gastos energéticos em aquecimento de residências
Casa passiva em Ganderkesee, norte da Alemanha
do sol que penetra pelas janelas, além do gerado pelas pessoas e pelos eletrodomésticos. Na Alemanha, o custo das casas supera em até 7% as construções convencionais. O conceito da Passivhaus foi elaborado pelos professores Bo Adamson, da Universidade de Lund, na Suécia, e Wolfgang Feist, do Instituto para Edificações e Meio Ambiente, da Alemanha, que agora dirige o Instituto Passivhaus. O Parlamento europeu propôs em 2008 que as novas construções adotem o sistema Passivhaus ou equivalentes a partir de 2011.
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LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL
Sem necessidade de trilhos e rodas, um trem de levitação magnética com tecnologia nacional irá percorrer um trecho de 100 metros durante a fase de testes no campus da Ilha do Fundão, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Batizado de Maglev-Cobra, o veículo que começou a ser projetado em 1998 pelos pesquisadores do Laboratório de Aplicações de Supercondutores da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe), em parceria com a Escola Politécnica e o Instituto de Física da UFRJ, utiliza uma tecnologia baseada na formação de um campo magnético de repulsão entre os trilhos e os módulos de levitação, formados por pastilhas supercondutoras compostas de ítrio, bário e cobre. Para criar esse campo, que faz o trem levitar, os pesquisadores resfriam os supercondutores a uma temperatura negativa de 196ºC, utilizando nitrogênio líquido. Coordenado pelo professor Richard Stephan, da Coppe, o projeto tem financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), no valor de R$ 4 milhões.
COPPE
LEVITAÇÃO MAGNÉTICA
Protótipo do trem nos laboratórios da UFRJ
> Origem e uso dos elementos Cheia de mistérios para os não iniciados, a Tabela Periódica de Elementos Químicos trata das matérias-primas do Universo e as pessoas mais curiosas sempre se perguntam para que serve e quem descobriu, por exemplo, o rutênio, o tálio ou o lantânio. Pensando nas dificuldades de muitos alunos e profissionais de várias áreas, o químico Nílton Pereira Alves, sócio da empresa Quimlab, produtora de padrões químicos para controle de qualidade em processos industriais (ver Pesquisa FAPESP n° 156), escreveu e editou um livro com uma tabela periódica encartada em forma de cartaz e está distribuindo gratuitamente para quem solicitar. 74
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Amplamente ilustrado, o livro Guia dos elementos químicos – Uma fascinante viagem pela descoberta dos blocos que constituem nosso Universo conta a história da organização da tabela e traz as origens de cada elemento, os seus descobridores e o uso que se faz deles na indústria. “Levei um ano de pesquisa para desenvolver o livro, principalmente porque
pretendia ensinar química por imagens”, diz Alves. O endereço para quem quiser pedir o livro e o cartaz é Quimlab, rodovia Geraldo Scavone, 2.300, Jardim Califórnia, CEP 12305-490, Jacareí, São Paulo, SP, ou pelo e-mail quimlab@quimlab.com.br. O solicitante paga apenas o custo do correio.
Guia: muito além da tabela periódica
> Insulina brasileira Os cristais de insulina, que são a matéria-prima para a produção de medicamento para o tratamento de diabetes, passarão a ser produzidos no Brasil por meio de um acordo entre a empresa mineira de biotecnologia Biomm, de Belo Horizonte, e a paulistana União Química. A fábrica deverá ser instalada no Distrito Industrial JK, em Brasília, com investimento entre R$ 150 milhões e R$ 200 milhões e ficará pronta em dois anos. Apenas o Ministério da Saúde, em 2008, importou 12,6 milhões de frascos de insulina ao custo de R$ 69 milhões. A tecnologia é da Biomm, na linha de DNA recombinante, em que bactérias modificadas geneticamente produzem
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IMPACTO MENSURADO
LAURABEATRIZ
a insulina. A empresa desenvolveu um processo de produção próprio e tem patentes no exterior. Apenas quatro empresas no mundo, incluindo a Biomm, possuem tecnologia para produzir o hormônio que processa a glicose no sangue. A brasileira surgiu de outra empresa, a Biobrás, que fabricou insulina no país desde 1990 e vendeu a fábrica em 2001 para a dinamarquesa Novo Nordisk, que junto com a norte-americana Eli Lilly domina o mercado mundial desse tipo de medicamento.
> Módulos contra o desperdício em qualquer região onde exista madeira de reflorestamento. A pesquisa faz parte do Programa de Tecnologia de Habitação (Habitare), coordenado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
> Computação musical Tecnologia para o aprendizado musical. Foi com a proposta de fornecer
ferramentas e aplicações multimídia para o aprendizado de instrumentos como violão, guitarra, bateria e cavaquinho que a pernambucana D’Accord
FOTOS EDUARDO CESAR
Construir casas de madeira com material de florestas plantadas, de forma mais fácil, com mais qualidade e sem desperdícios é o objetivo de um projeto desenvolvido na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A tecnologia usada é de plataformas em que a casa sai da fábrica em partes para ser montada no local da construção. “Criamos um sistema baseado em painéis modulares padronizados que evitam o desperdício de material e de tempo na obra, porque eles não precisam ser recortados no ato da construção e são fáceis de montar”, diz a pesquisadora Luciana da Espíndola, que realizou o estudo com a professora Poliana de Moraes, da UFSC. Embora em muitos municípios catarinenses exista a tradição de casa de madeira, o projeto pode ser utilizado
Um novo método para avaliar os impactos das inovações tecnológicas em diversas áreas do conhecimento foi criado pela pesquisadora Katia de Jesus-Hitzschky, da Embrapa Meio Ambiente, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Jaguariúna, no interior paulista. A ferramenta possui 61 indicadores nas áreas ambiental, social, econômica, entre outras, nas quais os impactos das tecnologias podem ser mensurados. Ela permite ainda a inserção de indicadores que sejam mais representativos da tecnologia analisada, possibilitando uma avaliação caso a caso. Além de analisar o impacto real de uma nova tecnologia no mercado, como o retorno financeiro que pode ser obtido, é possível monitorar quais os indicadores que podem causar problemas para o ambiente e a saúde das pessoas. O Inova-Tec tem sido utilizado na avaliação de programas e projetos da Embrapa e está disponível gratuitamente no endereço eletrônico www. cnpma.embrapa.br/forms/inova_tec.php3
Software ensina iniciantes a tocar violão
Music Software foi fundada em 2000. Uma das aplicações que faz sucesso e recebeu vários prêmios como tecnologia inovadora é o iChords, software que abre arquivos de áudio como o MP3 e mostra no violão ou teclado virtual os acordes que estão sendo tocados. Em 2008 a empresa faturou R$ 400 mil, crescimento de 60% em relação ao exercício anterior. Contribuiu para esse resultado a criação em 2007 da MusiGames Studio, unidade de desenvolvimento de games musicais, que hoje exporta para mais de 85 países.
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TECNOLOGIA
FARMACOLOGIA
Marcas esmaecidas
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Gel feito de látex natural é a mais recente promessa para combater rugas Carlos Fioravanti
látex da seringueira, do qual é feita a borracha natural, pode agora levar a um gel antirrugas, como resultado do trabalho integrado de especialistas de laboratórios de universidades e de empresas nacionais. Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, interior paulista, e as equipes de desenvolvimento de duas empresas, a paulista Pele Nova Biotecnologia e a paranaense O Boticário, identificaram, isolaram e testaram uma proteína extraída da seiva bruta da Hevea brasiliensis que aparentemente dilui os sinais da passagem do tempo sobre a pele: um teste preliminar realizado com 60 mulheres com idade próxima a 50 anos indicou uma redução de 80% das rugas na região da testa e dos olhos, após quase um mês de uso diário. Uma avaliação mais ampla, com quase 300 mulheres de Curitiba, levou a resultados próximos. Se correrem sem problemas as etapas finais de desenvolvimento tecnológico e de produção, um novo gel antienvelhecimento, capaz de restabelecer a produção de colágeno e a elasticidade da pele, pode estar à mão das mulheres (e dos homens, claro) ainda este ano.
O novo creme representa uma das aplicações mais recentes do látex da seringueira, um líquido esbranquiçado leitoso estudado na USP de Ribeirão Preto desde 1994. Ali, apoiados pelo químico Antonio Cesar Zborowski, de uma indústria de borracha natural da região de São José do Rio Preto, dois médicos da universidade, Joaquim Coutinho Netto e Fátima Mrue, criaram próteses de esôfago com borracha natural e as implantaram em cães. Concluíram que esse material deveria conter substâncias que estimulavam o crescimento de vasos sanguíneos e de tecidos ao verem que depois de quase um mês os animais expeliam as próteses e
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REPRODUÇÃO JOHANNES VERMEER, MOÇA COM BRINCO DE PÉROLA (1665)
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o esôfago havia se reconstituído. Os resultados atraíram Ozires Silva, ex-presidente da Embraer e da Varig, então à frente da Pele Nova, que em 2002 licenciou a patente e dois anos depois começou a produzir a membrana de látex. Seu primeiro uso foi a cicatrização de feridas, principalmente em pés, de portadores de diabetes. Esse é também o único uso da biomembrana, chamada comercialmente de Biocure, já aprovado pelos órgãos reguladores do governo. “Reconhecemos que não tínhamos competência para cuidar bem de todas as áreas”, conta Marcos Silveira, diretor-presidente da Pele Nova. Ele repassou as tarefas de venda e distribuição para uma empresa especializada em produtos farmacêuticos e concentrou os esforços no departamento de pesquisa e desenvolvimento, instalado em Ribeirão Preto, próximo à USP. Coutinho e Silveira seguiram juntos (Fátima Mrue voltou para a Universidade Federal de Goiás depois de concluir o doutorado em Ribeirão Preto) e concordaram que deveriam encontrar os componentes do látex para evitar que a membrana fosse tratada como uma combinação de ingredientes cujos efeitos não podem ser explicados.
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á dois anos, extraindo e analisando os compostos das diferentes frações do látex, Coutinho chegou a uma proteína que chamou de F1 e a apresentou a Silveira, que perguntou se não poderia servir como cosmético. A conclusão, depois de muitos testes e desafios – por exemplo, para fazer a proteína atravessar as camadas mais externas da pele –, é que a molécula poderia, sim, desfazer rugas, além de estimular a formação de vasos sanguíneos. Silveira fez a parte dele, reunindo a equipe de desenvolvimento da Pele Nova, que já havia solicitado o registro de outras seis patentes a partir da patente inicial, licenciada pela USP. O farmacêutico e bioquímico Luiz Kosmiskas recebeu a tarefa de desenvolver técnicas de purificação da proteína e a engenheira Katherine David, que já havia trabalhado na indústria de cosméticos na França, de orientar a produção da F1 em grande escala na fábrica da Pele Nova em Ribeirão Preto.
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Diante das limitações financeiras, já que a pesquisa de um novo medicamento custa centenas de milhões de dólares, de acordo com as estimativas apresentadas pelas indústrias farmacêuticas, Silveira saiu em busca de outras empresas com quem pudesse dividir os riscos e os resultados de desenvolvimento de produtos com látex. Por fim chegou a O Boticário, que avaliou a proteína F1 in vitro e em pessoas. “Comprovamos a segurança e
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Da árvore ao corpo humano: a seringueira produz o látex (à esquerda), matéria-prima para uma versátil membrana
Combater rugas não é o único destino da F1. Com outra empresa, com quem se aliou apresentando parte dos dados cedidos pela Boticário, Silveira pretende usar essa molécula para estimular a produção de cabelos. Segundo ele, os primeiros testes feitos com 30 homens durante seis meses mostraram que essa proteína pode favorecer o ressurgimento e o espessamento do cabelo. Coutinho Netto cogita ainda a possibilidade de uma das proteínas do soro do látex servir para estimular o crescimento de células-tronco que beneficiem a reconstituição de tecidos ou de órgãos. “O látex da seringueira é um material poderoso”, diz Coutinho Netto. Caracterizada como uma longa cadeia de compostos químicos chamados isoprenos que sustenta proteínas que se soltam aos poucos, a membrana já foi utilizada para substituir tímpanos destruídos por infecções em cerca de 300 pessoas. Serviu também como matéria-prima para regenerar esôfago, bexiga, nervos, tecidos de dente e artérias com pelo menos 0,5 centímetro de diâmetro em animais de laboratório. “O que falta são especialistas em projetar e construir próteses”, conta. “Temos de fazer tudo aqui no laboratório.” Tantos
usos são possíveis por duas razões: a própria versatilidade do material e o esforço de Coutinho em conciliar pesquisa básica e aplicada. “A membrana entrou no mercado, mas não saiu da universidade.”
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omo resultado, a membrana é hoje uma inovação aberta – explorada por muitos especialistas de diferentes modos ao mesmo tempo, com resultados e benefícios compartilhados. Na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas Gerais, o farmacêutico Pablo Gomes Ferreira demonstrou que a membrana estimula a proliferação de vasos sanguíneos, o aumento de fibras musculares e de colágeno, a regeneração de tecidos e a produção de moléculas que estimulam o crescimento das células. Esses resultados explicam seu próprio experimento – uma avaliação do efeito da membrana de látex para induzir a recuperação da parede abdominal de ratos – e reforçam a argumentação para usos emergentes como o gel antirrugas ou potenciais como estímulo à produção de células-tronco.
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a eficácia de uso”, diz Carlos Praes, gerente de tecnologia de produtos da empresa. “Foi a primeira vez que desenvolvemos um material novo com um parceiro.” A rigor, dois, porque os especialistas das empresas e da USP, conversando, concordaram sobre detalhes relevantes – por exemplo, que não era bom purificar demais a proteína para evitar a perda de outras propriedades úteis. Segundo Praes, a formulação final contém cerca de 30 outros componentes que contribuem para a eficácia, a proteção contra o sol e a espalhabilidade, além de propiciarem um cheiro agradável do gel feito a partir da seiva da seringueira. O próximo passo será a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os autores do gel sabem que não criaram um produto de vida longa e lucros incessantes como a aspirina ou a caneta BIC. “Cosméticos têm vida curta, em média de cinco anos, enquanto medicamentos duram em média dez”, diz João Batista Calixto, pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Calixto identificou substâncias anti-inflamatórias em uma espécie de maracujá, a Passiflora alata, que inspiraram a Natura a criar um composto que detém os sinais do envelhecimento. “Dos 750 produtos no portfólio”, diz Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Natura, “um terço se renova todo ano”. Segundo ele, produtos como esse, que chegou às mãos e rostos das mulheres em 2007, podem tomar de três a quatro anos de trabalho, custar de R$ 3 milhões a R$ 4 milhões e abrir outras perspectivas de uso. “A Passiflora poderia ser muito mais explorada pelas indústrias farmacêuticas, por causa do mecanismo de ataque às inflamações”, diz Gonzaga. A Natura licenciou da UFSC apenas o uso cosmético.
Em Goiânia, na Universidade Federal de Goiás (UFG), em um estudo preliminar com 12 pessoas, a enfermeira Geovana Eloisa Quege verificou que a película de látex de borracha natural funcionou de modo similar ao medicamento mais usado, à base de ácidos graxos, para tratar feridas crônicas infectadas em pessoas que tiveram hanseníase. Esse trabalho deixou claro também um inconveniente da membrana: a ausência de porosidade, que pode dificultar a saída dos líquidos liberados pelas feridas. “Nenhum curativo resolve tudo”, diz a professora da UFG Maria Márcia Bachion, que orientou Geovana. Silveira reconhece que a falta de porosidade é uma limitação da membrana, que ele pretende resolver por meio de um gel com as mesmas propriedades, cujo desenvolvimento a equipe da Pele Nova deve concluir este ano. ■
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Pequenas em expansão Novas hidrelétricas de até 30 megawatts e recuperação de usinas desativadas ampliam capacidade de geração Dinorah Ereno
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Usina Luiz Dias, na mineira Itajubá: laboratório em escala real
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aixo impacto ambiental e redução de perdas na transmissão de energia elétrica, pela proximidade dos centros consumidores, fazem das pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) um empreendimento atraente para ampliar a capacidade de geração do país. Além do interesse de grandes grupos brasileiros na construção de usinas desse tipo por conta de isenção na tarifa de transmissão e garantia de venda de energia por 30 anos, elas também estão no foco dos pesquisadores, que avaliam um grande potencial energético a baixo custo na recuperação de hidrelétricas desativadas, como mostrou um recente estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O princípio de funcionamento de uma pequena central é o mesmo de uma usina convencional – a força da água gira pás de turbinas que, ligadas a geradores, produzem eletricidade. Mas enquanto as grandes se baseiam no represamento de rios com a formação de lagos enormes, as pequenas operam sem reservatórios, apenas com a água corrente, e geram no máximo 30 megawatts (MW), suficientes para iluminar 6 mil residências de classe média. Apesar de esse poder de geração parecer insignificante, a análise dos números da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aponta que o mercado das PCHs está em expansão. Atualmente 67 pequenas centrais estão sendo construídas no país e irão agregar mais 1.112 MW à potência de 2.489 MW de geração das 333 em operação. Ou seja, quando esses empreendimentos estiverem prontos, as PCHs responderão por uma quantidade de energia equivalente à da usina Jirau, que está sendo construída no rio Madeira, em Rondônia, com polêmicas que atrasaram o início das obras e envolvem o alagamento de florestas, impacto na flora e fauna, além de deslocamento das pessoas que moram no entorno. “Considerando que a atual demanda energética do país é de cerca de 70 gigawatts, essas pequenas centrais respondem por cerca de 5% da necessidade total”, diz o professor José Luz Silveira, do departamento de energia e do programa de pós-graduação de energia da Faculdade de Engenharia da Unesp de Guaratinguetá, no interior paulista. Dados de fevereiro da Aneel mostram que outros 152 pequenos empreendimentos, com potência de 2.255 MW, já foram outorgados pela agência governamental, mas ainda não começaram a ser construídos. Um estudo sobre a PCH Sodré de Guaratinguetá, inaugurada em 1912 e desativada desde 1992, mostra que é possível aumentar substancialmente a capacidade de produzir energia elétrica de pequenas centrais sem grandes reformas estruturais. “Com o levantamento do potencial hidráulico do rio Piagui, que alimenta a usina, verificou-se a possibilidade de elevar a capacidade de geração em cerca de 75%”, diz Silveira, um dos orientadores
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de pesquisa sobre o tema, junto com o professor Oscar Maldonado Astorga, também da Unesp. Nesse estudo foi feita ainda uma avaliação dos componentes que precisavam ser substituídos para adaptar a usina às novas condições de geração, como máquinas geradoras, transformadores e reguladores de tensão e velocidade. Todas essas intervenções, no entanto, levaram em conta a preservação das características atuais da usina, para que não houvesse impacto ambiental significativo. A partir desses dados foi elaborada a análise de viabilidade econômica do projeto, que considerou, além dos custos da obra e preços da energia elétrica, os benefícios ambientais referentes à comercialização dos créditos de carbono que podem ser obtidos com a repotenciação de PCHs, ou seja, com o aumento da capacidade de produzir energia elétrica pela troca de equipamentos ou modernização de componentes e sistemas. Quando os créditos pela emissão de 1.919 toneladas de carbono entram na conta, há uma redução no tempo de amortização do investimento. “Em vez de quatro anos e quatro meses, o tempo de retorno passa a ser de três anos e seis meses, aumentando a atratividade econômica do empreendimento”, diz Dinara Silva Gyori, responsável pela pesquisa. Pelos cálculos feitos, o repotenciamento da usina Sodré aumentaria a capacidade de geração para 2 MW diariamente. Embora tímida, perto da demanda de 40 MW total de Guaratinguetá, cidade com 100 mil habitantes, 82
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essa energia seria suficiente para as necessidades de cerca de 400 residências de classe média. “Apesar de representar um potencial pequeno, se as PCHs que estão paradas por problemas técnicos não forem reformadas e reativadas, o país terá que investir em novas usinas geradoras”, diz Silveira. “Como a principal atividade de investimento hoje são as usinas térmicas movidas a gás natural, poderemos ter sérios problemas pela frente.” Atualmente estão sendo construídas 34 usinas termelétricas de energia, com potência de 3.383 MW no total, e outros 156 empreendimentos do mesmo tipo foram outorgados pela Aneel, com potência de 11.215 MW. Silveira lembra que o Brasil depende de outros países para comprar gás natural, como a Bolívia, que por conta de uma crise política interrompeu o fornecimento desse insumo no ano passado. Na falta dele, as termelétricas têm que usar diesel, altamente poluente. “Movidas a gás natural, as usinas emitem uma grande quantidade de dióxido de carbono, mas quando queimam diesel elas poluem várias vezes mais, com a liberação de grandes quantidades de dióxido de carbono, dióxido de enxofre, óxidos de nitrogênio e material particulado”, diz Silveira, que tem um trabalho publicado sobre a eficiência ecológica das usinas termelétricas. Além do menor impacto ambiental provocado pela construção de PCHs, já que elas não podem formar lagos com mais de 13 quilômetros quadrados, as perdas de 3% na transmissão
de energia elétrica, desde a geração até o consumidor final, são inferiores aos 10% que ocorrem nos grandes sistemas de transmissão energéticos brasileiros. Pelo padrão internacional, o limite de perdas deve ficar em torno de 6%. Uma estimativa feita pelo Centro Nacional de Referência em PCH (CERPCH), vinculado à Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de Minas Gerais, mostra que se as mais de mil PCHs desativadas registradas fossem colocadas novamente em operação poderiam gerar cerca de 300 MW, o que daria para suprir a demanda de 60 mil casas. “Na época em que essas usinas foram construídas, há cerca de 80 anos, não havia dados hidrológicos disponíveis”, diz o professor Geraldo Lúcio Tiago Filho, secretário executivo do CERPCH. “Como a demanda era pequena, as usinas eram feitas sob medida para a carga exigida.” Gargalo ambiental - O interesse pela
reativação dessas usinas tem crescido porque o processo de licenciamento ambiental é mais simples. “Hoje o grande gargalo para construção de uma nova PCH é o licenciamento ambiental”, diz Tiago. “É mais fácil licenciar uma usina térmica nova do que uma PCH.” O menor tempo para repotenciar uma usina também é uma vantagem para os investidores. “Enquanto uma nova PCH demora até dois anos para ficar pronta, o repotenciamento pode ser feito na metade do tempo”, diz Silveira. O primeiro aproveitamento hidrelétrico do Brasil ocorreu na mineração
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JULIO DAMATO E PAULO ARMANDO PANUNZIO/UNESP
Santa Maria, em Diamantina (MG), em 1883. O processo teve uma rápida expansão nas décadas de 1920 a 1930, quando o número de PCHs passou de 186 para 519 e a potência de 310 para 655 MW. Historicamente, o país cresceu com geração em sistemas isolados. Esse movimento perdurou até 1960, quando começaram a ser construídas as grandes hidrelétricas, dentro de um modelo mais centralizador. Para gerenciá-las, foram criadas companhias energéticas nacionais e estaduais, que absorveram as gerações isoladas, desativadas posteriormente. “No início da década de 1980, quando praticamente todas essas pequenas centrais estavam fora de operação, começou um primeiro movimento para reativá-las”, relata Tiago. Uma das ações do governo nesse sentido foi a criação de um laboratório na Unifei para desenvolvimento de máquinas hidráulicas, cursos de especialização na área de pequenas centrais e elaboração de manuais, com regulamento para construção de pequenas, micro e minicentrais. “Esse programa não foi adiante porque na época só existia um comprador para a energia, o governo, que fazia o controle da inflação pelo congelamento de tarifas”, explica Tiago. Esse modelo desestimulava a iniciativa privada a investir nas pequenas centrais. Mas a criação do laboratório na Unifei abriu espaço para que em 1998 a universidade ficasse responsável pela operação e manutenção da PCH Luiz Dias, operada comercialmente pela Companhia Energética
de Minas Gerais (Cemig). A usina funciona como um laboratório em escala real para estudos e pesquisas na área de geração de eletricidade. Somente no final da década de 1990, com a criação da Aneel e a reestruturação do setor energético, com liberdade para negociação de consumo dentro do mercado, as PCHs começaram novamente a ganhar fôlego. Algumas vantagens, como a isenção na tarifa de transmissão e de pagamento de áreas alagadas, foram fundamentais para a expansão do mercado. “Elas foram concedidas porque o custo operacional da PCH é mais alto do que de uma hidrelétrica de grande porte”, diz Tiago. A criação do Programa de Apoio Financeiro em Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) em 2002, que teve como objetivo aumentar a participação de biomassa, eólica e PCHs na matriz brasileira, foi importante para consolidar o mercado das pequenas centrais. “Mas o grande agente do desenvolvimento das PCHs é o setor privado”, ressalta Tiago. De acordo com dados do governo, o Brasil dispõe de 17 mil MW em usinas já projetadas e inventários de PCHs, ou seja, potenciais detectados, avaliados e registrados na Aneel. Estudo feito pelo CERPCH estima um potencial teórico para pequenas centrais, ainda não inventariado, em torno de 14, 8 mil MW. A Região Sudeste, o maior mercado consumidor, é onde se concentra o maior potencial hídrico disponível, seguida pelas regiões Sul e Centro-Oeste. ■
Turbina de geração, tubulação e captação da PCH Sodré de Guaratinguetá (SP), desativada em 1992
> Artigo científico SILVEIRA, J. L.; VILELA, I. A. C. Ecological efficiency in thermoelectric power plants. Applied Thermal Engineering. v. 27, p. 840-847, 2007.
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ÓPTICA
Visão noturna
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No escuro, homem acende fósforo e câmera capta a imagem por meio de diferenças de temperatura
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Empresa desenvolve câmera que capta imagens em infravermelho | Yuri Vasconcelos
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âmeras de vídeo de visão noturna, dessas mostradas em cenas de filmes de guerra quando soldados, geralmente do Exército dos Estados Unidos, invadem redutos inimigos à noite guiados por tais equipamentos, são consideradas uma tecnologia altamente restrita em razão de seu uso militar. Os fabricantes norte-americanos têm muita dificuldade em exportar produtos que explorem toda a potencialidade dessa tecnologia, útil também nas áreas de segurança patrimonial, medicina e na verificação da qualidade de produtos. Difícil de importar, esse tipo de equipamento poderá estar disponível no mercado brasileiro em seis meses, quando acabar o trabalho de desenvolvimento de uma câmera de imagem infravermelha pela Optovac, uma pequena empresa de Osasco, na Região Metropolitana de São Paulo. A empresa é especializada na fabricação de componentes e sistemas ópticos de alto desempenho, tais como lentes especiais asféricas (para algumas aplicações, como microscópios e lupas, são mais eficientes do que as lentes esféricas tradicionais), microscópios, lentes objetivas e, agora, câmeras de visão noturna. Diferentemente das câmeras convencionais, que captam a imagem à sua frente no espectro eletromagnético visível pelo olho humano, o equipamento desenvolvido pela Optovac é uma câmera que detecta a radiação eletromagnética no infravermelho. Com isso, permite a obtenção de imagens por meio da discriminação de pequenas diferenças de temperatura entre os objetos e o meio onde se encontram. “Tudo na natureza que está a uma temperatura superior a zero absoluto [-273°C] emite radiação eletromagnética”, explica o físico Sérgio Nobre, sócio-gerente da Optovac. “Em um ambiente completamente escuro, a câmera criada por nós gera imagens de uma pessoa a partir do calor irradiado por ela própria, sem necessidade de iluminação externa.” A região do espectro escolhida para a captação de imagens, na faixa de comprimento de onda entre 8 e 12 mícrons, corresponde à baixa absorção de radiação infravermelha. A 36ºC, o corpo humano normalmente emite radiação com pico de emissão na região de 10 mícrons. O equipamento da Optovac é compacto, mede 11 centímetros de largura por 23 de comprimento e 7 de altura. Segundo Sérgio Nobre, essa primeira versão da câmera, batizada de Modelo 1, é perfeitamente operacional e incorpora recursos que serão implementados nas diversas versões de câmeras a serem produzidas. “Vamos utilizar o Modelo 1 para avaliação dos novos softwares de processamento de imagem a serem incorporados nas versões seguintes. Também faremos uma busca constante de miniaturização”, diz. Com exceção do sensor, componente que corresponde ao filme de uma câmera cinematográfica convencional, o equipamento foi desenvolvido completamente na Optovac. Entre eles, vale destacar a
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FOTOS EDUARDO CESAR
lente da câmera, produzida com germânio, material semicondutor que não é transparente para a luz visível, mas deixa passar a radiação infravermelha. O imageamento termal encontra muitas outras aplicações. Câmeras dotadas dessa tecnologia podem ser empregadas em ações de vigilância e controle de fronteiras, para detectar intrusos, prestando auxílio à navegação noturna de barcos, aviões e helicópteros e dando proteção a aeroportos e grandes áreas. Na área médica-veterinária, o imageamento termal pode ser usado na realização de diagnósticos de processos patológicos em seres humanos ou animais por meio da detecção de diminutas diferenças de temperatura corporal produzidas por variações no fluxo sanguíneo. A tecnologia também pode ser utilizada em aplicações industriais, como a checagem de aquecimento anormal de partes móveis de equipamentos industriais, a verificação de distribuição de calor em caldeiras e vasos de processamento químico e a avaliação preventiva de redes de energia elétrica. Para o desenvolvimento de sua câmera termal, a Optovac contou com auxílio financeiro da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Minis-
tério da Ciência e Tecnologia. O órgão destinou ao projeto, em 2007, R$ 2,5 milhões por meio do Programa de Subvenção Econômica à Inovação. Antes desse financiamento, a Optovac já havia obtido, em 1999, recursos do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP, visando ao desenvolvimento de lentes especiais asféricas (ver Pesquisa FAPESP n° 88). “Com o Pipe, a empresa gerou o embrião do nosso centro de pesquisa, que atualmente tem seis pesquisadores, sendo dois doutores e dois mestres”, diz Sérgio Nobre. Sensor de estrelas - Criada em 1986,
a Optovac iniciou sua atuação criando válvulas para alto-vácuo e controle de fluxo para hexafluoreto de urânio utilizadas no desenvolvimento do ciclo do combustível nuclear brasileiro. Em seguida, passou a projetar e construir equipamentos especiais para universidades e centros de pesquisa. Mais recentemente desenvolveu e produziu kits para ensino de ciência em escolas de nível médio e fabricou telescópios para astrônomos amadores. No ano passado, a empresa foi qualificada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para desenvolver e fabricar uma lente
objetiva com nove elementos de vidro óptico de alta qualidade e resistentes à radiação cósmica para ser utilizada em sensores de estrelas para satélites. Esses sensores são equipamentos que, apontados para as estrelas, permitem que os computadores dos satélites definam com exatidão a posição em que ele – o ■ satélite – se encontra no espaço.
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O PROJETO 1. Componentes ópticos em plástico injetado com superfícies não esféricas 2. Câmera de observação passiva de imagem termal multipropósito
MODALIDADE
1. Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) 2. Subvenção Econômica à Inovação COORDENADOR
1. e 2. SÉRGIO NOBRE - Optovac INVESTIMENTO
1. R$ 33.000,00 e US$ 156.236,00 (FAPESP) 2. R$ 2.510.640,00 (Finep)
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NOVOS MATERIAIS
Sem atrito Película confere desgaste nulo a peças industriais e pode aposentar os óleos lubrificantes Marcos de Oliveira
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ma finíssima película de um material nanoestruturado à base de carbono amorfo, conhecido como carbono diamante, apresentou um bom desempenho em reduzir o atrito e o desgaste de peças industriais, no caso anéis de cerâmica. A simples aplicação desse filme, com alguns mícrons de espessura, medida equivalente a 1 milímetro dividido por mil, desenvolvido na Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), produziu desgaste nulo depois de 419 horas em funcionamento. O experimento foi realizado com um anel funcionando contra o outro em uma bancada de testes e os dois foram submetidos a movimentos de 1 mil e 2 mil rotações por minuto (rpm), equivalente ao percurso de 4.300 quilômetros se os anéis rodassem em uma estrada. “Medimos o coeficiente de atrito e obtivemos um valor menor que 0,001, considerado extremamente baixo, e desgaste virtualmente nulo, de forma semelhante ao que acontece em sistemas onde se utiliza lubrificação de óleo”, diz o professor Sérgio de Souza Camargo Júnior, do Programa de Engenharia Metalúrgica e de Materiais da UFRJ. Com esse experimento e outros semelhantes realizados em vários laboratórios ao redor do mundo com carbono amorfo (que não possui estrutura química cristalina), também conhecido pelo nome de Diamond-like Carbon (DLC), é possível pensar, num futuro próximo, na existência de máquinas e equipamentos industriais e até mesmo motores de veículos que funcionem sem óleo lubrificante desde que as partes internas estejam recobertas por películas que evitem o desgaste de peças cerâmicas, metálicas ou até de borracha. O DLC já é usado na indústria para tornar mais resistentes desde instrumentos médicos e odontológicos a lentes oftálmicas e até discos rígidos de computador. Reduzir o atrito em peças de máquinas e motores faz diminuir a perda de energia e melhora a eficiência de todo o sistema. É um dos principais objetivos da tribologia, ciência que estuda os fenômenos de atrito, desgaste e lubrificação em vários tipos de material. Outro fator importante que pode levar também à adoção, por parte da indústria, da pelí-
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cula nanoestruturada é a sensível diminuição de ruído resultante da redução do atrito. “Além disso existe também o problema do descarte do óleo, depois de usado, que pode se transformar num problema ambiental”, diz Camargo. O experimento realizado contou com dois anéis de nitreto de silício (Si3N4), produzidos por pesquisadores da Universidade de Aveiro, em Portugal, sob a coordenação de Rui Silva e a colaboração de pesquisadores do Instituto Superior de Engenharia de Coimbra e da Universidade do Minho. A película foi desenvolvida e aplicada na UFRJ e as peças recobertas enviadas para Portugal para realizar os ensaios tribológicos. Esses filmes foram produzidos em condições especiais que não podem ser descritas em detalhe. “É a nossa receita do bolo que não podemos revelar”, conta Camargo, que ainda não definiu se vai registrar uma patente da película. Prova da balança - Os anéis usados
possuem cerca de 4 centímetros de diâmetro e 7 milímetros de espessura cada um, sendo idênticos aos usados em sistemas de vedação de fluidos como nas bombas d’água e sistemas de refrigeração e diversas outras aplicações. Camargo conta que outros autores obtiveram resultados semelhantes em condições muito especiais, como, por exemplo, em atmosfera inerte ou mesmo no vácuo. “No nosso caso, obtivemos desgaste nulo em condições reais de operação.” Para avaliar o desgaste das peças após o teste, os pesquisadores pesaram os dois anéis em balanças
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com precisão em microgramas (10-6), antes e depois do experimento. Como as peças apresentaram exatamente a mesma massa, concluiu-se que não existiu desgaste. As possíveis aplicações comerciais da película desenvolvida são variadas e abarcam inicialmente as bombas d’água ou equipamentos industriais como compressores. “É um material muito versátil que pode ser empregado em vários tipos de aplicação”, diz Camargo. “Estamos em contato com uma empresa, para uma possível transferência de tecnologia, que fabrica e utiliza anéis de vedação. O contato partiu de uma palestra minha sobre o assunto na Nanotec [Congresso Internacional de Nanotecnologia realizado em São Paulo em novembro de 2008] em que a empresa tinha um representante na plateia.” Enquanto as negociações com a empresa, que não pode ter seu nome revelado, avançam para possíveis testes de viabilização do produto, os pesquisadores da UFRJ trabalham no desenvolvimento de recobrimentos semelhantes, agora para materiais metálicos. Se os resultados forem positivos, abrem-se novas fronteiras na engenharia de materiais. ■ > Artigo científico VILA, M.; CARRAPICHANO, J.M.; GOMES, J.R.; CAMARGO JR., S.S.; ACHETE, C.A.; SILVA, R.F. Ultra-high performance of DLC-coated Si3N4 rings for mechanical seals. Wear. v. 265, p. 940-944, jan. 2008.
Proteção contra desgastes em peças industriais
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HUMANIDADES
HISTÓRIA
O CAPITALISTA MISSIONÁRIO WIKIMEDIA COMMONS/DAVID HUME KENNERLY, CORTESIA DA BIBLIOTECA GERALD R. FORD
A aventura brasileira de Nelson Rockefeller |
Carlos Haag
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os “anos de chumbo” brasileiros o diabo tinha nome e sobrenome, embora nem todos soubessem direito como escrevê-los: Nelson Aldrich Rockefeller (1908-1979), o neto de um dos mais famigerados robber barons do capitalismo americano, John D. Rockefeller (1839-1937), o criador da petrolífera Standard Oil. O historiador Antonio Pedro Tota, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, lembra-se da sua reação, ainda estudante, com a passagem do “tinhoso ianque” pelo Brasil, em junho de 1969, e do grupo de estudantes que pichou no muro da Igreja do Calvário, em São Paulo, os dizeres: “Rockfeller (sic) go home” (ele não participou porque estava ocupado tentando depredar o logo da Esso, da família Rockefeller, num posto de gasolina próximo). “Eles com certeza não sabiam que, graças a Nelson, na festa junina que acontecia todos os anos naquela igreja se podia degustar uma espiga de milho verde cozido. Pois foi por meio da atuação de empresas como a Agroceres, associada a ele, que o Brasil pôde contar com a cultura do milho híbrido de alta produtividade. Não sabiam também que, sem ele, não teriam a ajuda de bolsas da FAPESP para desenvolver pesquisas em diversas áreas e que a Empresa Brasileira de Pesquisa PESQUISA FAPESP 157
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RA UM CRENTE CALVINISTA, E A FORÇA DA CRENÇA NÃO PERMITE DÚVIDAS
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Agropecuária (Embrapa) não teria a sua atual excelência, porque foi Nelson que estabeleceu bases para a pesquisa agronômica tropical”, explica Tota, que está escrevendo uma biografia da aventura brasileira de Nelson Rockefeller. “Podemos acrescentar à lista das contribuições de Nelson o frango e o porco que compramos no supermercado. Ele foi responsável, de certa forma, pela criação extensiva de ambos e não há como negar que foi por iniciativa sua que o país começou a ter supermercados e shopping centers. Rockefeller também trouxe para São Paulo, nos anos 1950, o engenheiro americano Robert Moses, que remodelou Nova York e deixou um Programa de Melhoramentos Públicos para a Cidade de São Paulo, que resultou, mais tarde, nas atuais marginais dos rios Tietê e Pinheiros. Ele igualmente lançou no país o Fundo Crescinco de Investimento, considerado um dos primeiros atos para a instituição de mercados de capitais mais modernos por aqui. A sua Ibec Housing trouxe soluções de moradias populares nos moldes americanos e sua empresa de máquinas agrícolas proveu o meio rural com tratores, arados, colhedeiras e créditos para os agricultores. No Programa de Metas de Juscelino Kubitschek há uma referência a Nelson como inspirador da ideia do crédito rural”, elenca o pesquisador. Talvez o poeta inglês Samuel Butler (1612-1680) não estivesse apenas fazendo graça quando escreveu: “Um argumento a favor do diabo: é preciso recordar que nós ouvimos só uma versão da história. Deus escreveu todos os livros”. “Ele é um grande exemplo da visão preconceituosa e pouco sutil de muitos, inclusive no meio universitário, sobre os Estados Unidos, a cujo entendimento, entre nós, se dá pouca importância e, em geral, fica restrito ao conceito estéril de ‘imperialismo’. Nelson foi imperialista, foi o filantropo em busca da
remissão dos pecados de sua família e de sua classe social e, acima de tudo, se considerava o instrumento da transformação e modernização na construção de nações modernas na América Latina, o que via como sua ‘missão’, tendo como paradigma o padrão americano de vida. Ele era tudo isso junto.” Saudável - Tota passou seis meses es-
carafunchando o Rockefeller Archive Center, nos EUA, para sair de lá com outra versão, documental, da história de Nelson. “Ele tinha como pressuposto básico a ideia de que a sociedade americana era saudável, democrática, estável e, logo, inquestionável. Acreditava que a época do capitalismo selvagem, exercido por seu avô, fora superada durante o governo de Franklin Roosevelt, a sua grande referência. Era um curioso caso de ‘republicano new dealer’ e não tinha dúvida de que esse sistema americano deveria ser partilhado com outros povos, os quais respeitava, e não ser privilégio único dos Estados Unidos. Era um crente calvinista, e a força da crença não permite dúvidas. Tinha a fé de um missionário”, analisa. A América Latina, para Rockefeller, fazia parte de uma tentativa de reencontrar aqui a frontier que estava esgotada na América. Era o “homem branco” que pretendia civilizar como “salvação”. “Ele estava imbuído de sua missão salvacionista de tirar o subcontinente da América do atraso e indicar o caminho da civilização. Não veio à América do Sul para fundar uma Nova Jerusalém, que já estava fundada na parte Norte do continente, mas para falar da existência do novo Éden, construído em parte por sua família e por outros iguais, que deveria servir como êmulo a ser estendido por toda a América Latina.” Isso, é claro, não o impediu de pensar, e muito, nos lucros, lição aprendida com o pai, Rockefeller Jr. (1874-1960), que tentava limpar a mácula dos excessos cometidos pelo
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Nelson, na Casa Branca, entre Kissinger (à esq.) e o presidente Gerald Ford
pai, mas por meio da filantropia “pragmática e de resultados”. “A chave para entender as relações de Nelson com o Brasil talvez esteja numa passagem de A democracia americana, de Alexis de Tocqueville (18051859): ‘Nos Estados Unidos, a virtude quase nunca é bela. Afirma-se que ela é útil. Os moralistas americanos não pregam o sacrifício por outros porque é um ato de nobreza fazer sacrifícios. Mas dizem ousadamente que tais sacrifícios são tão necessários para os que se beneficiam dele como para aqueles que os fazem. É a doutrina do interesse próprio bem entendido’. Para ele, no fim da década de 1930, as grandes empresas americanas, em especial nos países estrangeiros, estavam desviando-se da tradição dessa doutrina tão cara ao espírito calvinista. Nelson achava que tinha vindo ao mundo para repor os homens de negócio no seu lugar tradicional, com mais responsabilidade social, fazer sacrifícios pelo ‘interesse próprio, bem entendido’.” O interesse de Rockefeller pela América Latina começou em 1935, quando ele tentou achar um nicho para si, em meio aos negócios da família, trocando ações da Standard Oil pelas da Creole Petroleum,
baseada na Venezuela. “Ele ficou chocado, conversando com a mulher de um executivo americano, em Caracas há mais de oito anos, que não sabia falar nada em espanhol. Diante do espanto de Nelson, ela explicou: ‘Afinal, com quem eu falaria em espanhol?’. Para Rockefeller isso era um exemplo grotesco da falta de responsabilidade dos americanos no exterior que, para ele, deveriam se comportar como missionários, para implantar uma sociedade mais justa no globo e para recuperar o bom nome dos Estados Unidos”, avalia a historiadora Darlene Rivas, da Pepperdine University, nos EUA, e autora de Missionary capitalist: Nelson Rockefeller in Venezuela. “Nelson preconizava um capitalismo reformado e regulado e esperava criar um modelo baseado nessa sua visão de comportamento capitalista ‘progressista’, que reuniria investidores americanos, brasileiros e venezuelanos. Sabia que se podia ser responsável e, ainda assim, ou por causa disso, fazer bons negócios e lucrar.” Após dar um “pito” na diretoria da empresa, pela forma como tratavam os locais e pelo seu desinteresse generalizado, trouxe para a Venezuela um exército de professores de espanhol da Berlitz.
Com o conhecimento adquirido no contato com os latino-americanos, Rockefeller, aos 32 anos, com o mundo às portas da guerra, propôs ao presidente Roosevelt uma política econômica para o hemisfério. Foi aceito e convidado a dirigir o Office of Inter-American Affairs que iria implementar algumas de suas ideias para o estreitamento de laços com as repúblicas do Sul, seja na propaganda, na cultura ou, o que mais o interessava, no estímulo ao aumento da produtividade agrícola. Afinal, tropas precisam de comida. Mas também se interessou pelo desenvolvimento de setores industriais e até mesmo por aspectos de higiene e saúde. “Ele tinha certeza de que estava plantando ‘sementes’, pois não via razão para os EUA mudar sua política na América Latina com o fim da Segunda Guerra Mundial e da necessidade da política de boa vizinhança de Roosevelt. Quando o presidente morreu e a guerra acabou, em 1945, ele ficou estarrecido com o total desinteresse do governo americano pela região e pela troca da boa vizinhança por um universalismo baseado no monopólio da maioria votante das Nações Unidas”, explica a brasilianista Elizabeth Cobbs-Hoffman, da San Diego State PESQUISA FAPESP 157
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sil, país que visitou pela primeira vez em 1937. “Mas não em busca de petróleo, que na época não existia, como muitos de seus críticos afirmam, mas pelas oportunidades”, avisa Tota. Minas - “Voltou em 1946, já como cida-
dão comum, para lançar a AIA, tentando fazer, no plano privado, o que o governo americano não se interessava em pôr em prática. Em 1948 encontrou-se com o governador de Minas, Milton Campos, desejoso de implementar um New Deal mineiro. Repetiu a parceria quando JK assumiu como o novo governador do estado. Juscelino levou muito das ideias de Nelson para a sua Presidência, entre elas a necessidade de adentrar o Brasil e não se concentrar apenas no litoral, um gargalo detectado pela equipe de Nelson”, observa o pesquisador. “Rockefeller via a democracia como uma questão de dinheiro (riqueza e industrialização), ou seja, o desenvolvimento econômico era
o primeiro tijolo de uma sociedade estável e livre. Da mesma forma, via a classe média com grande entusiasmo, como a vanguarda dessa democracia. Por isso não estava feliz com a guinada americana da transferência de poder de Wall Street para a burocracia de Washington. Vestiu, então, a ‘roupa’ de ‘homem de negócio como diplomata’ para suprir a falta de ação do governo que, para ele, punha a perder todas as oportunidades de investimento que a América Latina oferecia, em especial o Brasil, a que via como a nação mais importante e preparada para estabelecer uma parceria com os homens de negócio da América”, conta Elizabeth. Tota vai ainda mais longe. “Nelson sonhava em fazer do Brasil uns Estados Unidos abaixo do Equador e, com isso, impedir que o país se transformasse numa cabeça de ponte para o comunismo, um perigo que veio à tona após Cuba. Queria, no fundo, trazer para cá o sonho americano, que, para ele, era uma sociedade de consumo, o acesso mais direto à felicidade, como acreditava”, diz o historiador. “Acho que o sonho dele, de Brasil do agronegócio, das grandes empresas petrolíferas, de populares lotando os supermercados e lojas, é meio parecido com essa política ‘Casas Bahia para todos’ do governo Lula. Até o Bolsa-família se parece com o Food Stamp, programa do New Deal que Nelson retomou quando foi governador de Nova York, nos anos 1960. Lula e Nelson Rockefeller se dariam muito bem, tenho certeza.” Nelson queria, acima de tudo, educar americanos e latinos. “Os executivos americanos iriam aprender que era lucrativo investir no desenvolvimento básico de outros países e não apenas se FOLHA IMAGEM
University, autora de The rich neighbor policy. “O Brasil, em especial, se sentia abandonado, como o aliado mais constante dos EUA durante a guerra. Mas a nova política privilegiava a Europa, vista, no contexto da Guerra Fria, como mais importante política e economicamente. Sua resposta a essa negligência foi a criação da American International Association (AIA), uma organização sem fins lucrativos, e a International Basic Economy Corporation (Ibec), o braço de negócios da operação.” Por meio das duas organizações, Nelson concentrou-se na tarefa de aumentar a produtividade agrícola, o que impediria o êxodo rural, e na modernização das cidades. A partir de 1950 seu interesse focou-se no desenvolvimento da classe média desses países, com planos como o Fundo Crescinco e outros, cujo objetivo era a oportunidade de crescimento para essa camada social e estimular seu interesse pelo desenvolvimento do Bra-
Com Ciccillo Matarazzo, de óculos, e Yolanda Penteado falando sobre arte
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concentrar na espoliação de matérias-primas, e que esse tipo de investimento podia ser feito de maneira a também beneficiar os interesses locais”, nota Elizabeth. “Os latino-americanos, por sua vez, iriam aprender que a cooperação com negócios americanos poderia facilitar o seu desenvolvimento nacional e não apenas roubá-los. No processo, Nelson iria se estabelecer como a figura de proa da expansão econômica externa e do desenvolvimento e, com isso, criar seguidores nos EUA tanto nos negócios como na política.” No espírito do business is business, Rockefeller não deixava de negociar por questões políticas e deuse muito bem com ditaduras, incluindose a brasileira. “A sua experiência de vida no Brasil pós-64 e pós-milagre revelou a ele que o crescimento econômico não produz sempre prosperidade duradoura e que a classe média nem sempre é a vanguarda democrática. Acima de tudo, com os lucros que teve quando o Brasil tinha inflação de vários dígitos, mostrou a ele que um mercado monetário pode existir, paradoxalmente, com grande pobreza, quebras financeiras e falências de indústrias e cidades”, avalia a brasilianista. Era o início da versão conservadora do “republicano de esquerda”, como era conhecido nos meios políticos americanos. “Ele foi se esquecendo do Brasil e de seus planos de reforma, cada vez mais desgostoso ao entender que nunca iria conseguir ser presidente dos EUA, o seu sonho”, completa Tota. O ponto mais baixo de sua carreira como “diplomata da iniciativa privada” aconteceu em 1969, quando, representando o presidente Nixon, voltou ao Brasil e sua presença causou tumultos e revoltas estudantis. “Pouco importou o que ele havia feito para promover o desenvolvimento agrícola, as pesquisas científicas, a extensão rural e as oportunidades de investimento para a classe média. Os jovens não sabiam ou não queriam saber disso”, diz Elizabeth.
Acadêmicos e liberais latino-americanos e norte-americanos tampouco se interessaram pelo relatório trazido por Nelson de sua viagem, já que reiterava ao governo americano que não deveria dar as costas a regimes ditatoriais, apenas continuando o velho espírito não intervencionista da boa vizinhança. “Entre 1968 e 1969, essa postura não se sustentava mais. Seguindo o desmanche dessa política na década anterior, revolucionários e reformistas latino-americanos não mais acreditavam na possibilidade de uma não intervenção. A questão era simplesmente saber de que lado os EUA iriam se posicionar. As palavras de Rockefeller então apenas legitimavam relações econômicas e diplomáticas normais com ditaduras”, explica a brasilianista. Não se pode negar, porém, que Nelson já fizera boa parte de sua lição de casa. “ONGs e outras organizações sem fins lucrativos preocupadas com o desenvolvimento econômico estrangeiro se proliferaram, afirmando o seu direito de representar, como Rockefeller fizera no passado (os Peace Corps e a Aliança para o Progresso, de Kennedy, também serão herdeiros de Nelson), a ‘missão’ americana no globo, tendo, frequentemente, pontos de vista bem críticos da política externa de Washington”, avalia Elizabeth. Era a diplomacia privada seguindo a “doutrina do interesse próprio, bem entendido”. “O governo, agindo só, não consegue competir com os recursos e a expertise da iniciativa privada. Um empreendimento privado responsável pode ajudar a construir o tipo de mundo em que violência e turbulências sociais não tenham mais função. Para economias subdesenvolvidas, a iniciativa privada é como uma grande força galvanizadora, liberando ideias, injetando capital, reunindo talentos e criando incentivos”, escreveu Nelson. ■
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ELSON SONHAVA EM FAZER DO BRASIL UNS ESTADOS UNIDOS ABAIXO DO EQUADOR
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tográfica, hoje ela está próxima de acabar figurando como maneira decorativa entre as razões eternamente arroladas pelas quais o Estado deve apoiar o cinema nacional.” Afinal, para a corporação, desde os anos 1950, o Estado ganhou um papel central como principal vetor que possibilitaria a industrialização do cinema, já que o produto importado (norte-americano) impediria que a produção nacional competisse em igualdade e se tornasse economicamente viável. “Mas a cinematografia nacional nunca se industrializou efetivamente, apesar de tentativas de vulto, como quando se pretendeu copiar o modelo americano de produção (cujo grande exemplo foi a Vera Cruz) ou quando o Estado assumiu a tarefa de financiar o processo de industrialização, como foi o caso da Embrafilme, nas décadas de 1970 e 1980”, observa o pesquisador. Sem negar as obrigações sociais e econômicas que o Estado tem de manter para ajudar o desenvolvimento do cinema, Autran nota nisso uma perversão: a total dependência da atividade como vemos hoje. Assim, analisa, se a política de fomento do período 1990-2005, a tal “retomada do cinema nacional”, aumentou a produção de longas, a possibilidade de o produto ter retorno financeiro em salas de exibição, na TV ou no DVD continuou pequeno. “Agora o industrialismo não tem mais a força ideológica de antes e sua resistência se deve mais à tradição de quase oito décadas. Até porque não houve industrialização, mas capitulação, já que o projeto industrialista de base nacionalista não faz mais sentido diante da configuração do resto do audiovisual brasileiro, totalmente envolvido no jogo complexo da mundialização. Resta ao cinema fraca participação no mercado e há a inviabilidade econômica na maior parte dos casos, o que leva a uma total dependência estatal”, observa. “Abdicar de refletir seriamente sobre como o cinema pode se inserir de forma minimamente viável do ponto de vista econômico na constelação audiovisual, o que significa ir muito além das leis de incentivo, traduziu-se também em recusar a busca de uma relação artística mais complexa entre cinema
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e ganha dinheiro, o cinema é uma indústria. Se perde, é uma arte.” Ainda que curta, a frase de Millôr é um bom trailer da longa metragem dos muitos e desencontrados discursos feitos sobre a formação de uma indústria cinematográfica no Brasil. “Desde os primórdios, entre anos 1920 e 1940, quando ainda se debatia a existência ou não de um cinema nacional digno do nome, o discurso industrialista permitiu que meio aceitasse a ‘mediocridade do presente’ em nome do futuro brilhante que viria com a afirmação industrial. A industrialização, assim, transformou-se em objetivo central a ser alcançado, porque, insistia a corporação, sem ela não haveria continuidade na produção de filmes”, explica o historiador da Universidade Federal de São Carlos, Arthur Autran, que desenvolve, com apoio da FAPESP, pelo Programa Jovens Pesquisadores, o estudo O pensamento industrial e a política cinematográfica brasileira (1990-2005), continuação de seu doutorado, defendido em 2004 na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que cobriu o período entre 1924 e 1990. Essa questão, após todos esses anos, ainda permanece em cartaz. “Como entender que um país, cuja industrialização teve sucesso em campos mais complexos do que o cinema, tais como o petrolífero, o automobilístico ou o aeronáutico, não conseguiu desenvolver adequadamente do ponto de vista econômico uma atividade em que o México, um país com problemas estruturais semelhantes aos nossos, teve êxito mesmo com percalços?” Segundo Autran, ainda que a corporação cinematográfica repise o discurso de que o objetivo do apoio estatal é fazer com que a atividade alcance a idealizada autonomia econômica via industrialização, nunca como hoje a produção dependeu tanto do Estado para existir. Velhos problemas continuam: fraca participação do produto brasileiro no mercado interno; o aviltamento mercadológico desse produto na televisão aberta e fechada, com a qual o cinema não consegue fazer as pazes; a visão romantizada e ideológica do que seria o público. “Se a industrialização já foi o laço ideológico da corporação cinema-
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LUZ. CÂMERA. ONDE ESTÁ A AÇÃO?
As muitas dificuldades para o cinema nacional se transformar numa indústria
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Cinema Novo levou ao enfrentamento concreto de problemas que iam das dificuldades de lançar os filmes no exterior, passando pela resistência da exibição nacional, até o crescente endividamento dos produtores. “Os cineastas ligados ao grupo do Cinema Novo perceberam que era impossível brigar por um cinema transformador da sociedade financiado pelo Estado se o aparelho estatal estava dominado por uma ideologia conservadora. Restou, então, a eles refazer sua proposta de política cultural por meio de delicadas démarches ideológicas, buscando, ao mesmo tempo, abrir diálogo com o Estado e se autojustificar por estar fazendo isso.” Foi nesse espírito que o grupo passou a dominar, nos anos 1970, a Embrafilme, tendo diante de si a inglória tarefa de legitimar um conceito que não fazia mais sentido: a luta contra o imperialismo, já que o Estado ditatorial apropriou-se do discurso, que transformava a argumentação da corporação em “mera justificativa ideológica”. O desgaste do órgão, ao lado da crise econômica quase permanente do cinema brasileiro, facilitou para o governo Collor extingui-lo em 1990. “A sobrevivência pífia da produção brasileira durante o governo Collor
levou a corporação a se voltar novamente para o Estado, mas dessa vez por meio das leis de incentivo (como a Lei do Audiovisual, criada em 1993, no governo Itamar Franco) para o setor, e não mais por meio de um órgão estatal”, analisa. “O dinheiro público continua a financiar a produção, mas gerido de forma privada. Isso se reflete ainda hoje, apesar de discursos corporativos em contrário, já que nunca antes a produção brasileira de longas teve tanta sustentação por fundos públicos e a maioria delas depende das leis de incentivo.” O então cineasta Arnaldo Jabor chegou a elogiar a criação da Lei do Audiovisual como “a Carta Magna do cinema, moderna, sem dependências do Estado”. “Falar em independência do Estado quando se tem que esperar por todas as assinaturas de pessoas ligadas ao governo para que o nosso cinema pudesse ‘sair do labirinto’ é no mínimo incoerente, sem falar que se trata de renúncia fiscal, ou seja, dinheiro público.” Batalhão - Onde, em meio a essa que-
rela sobre as várias faces da indústria cinematográfica, está sentado o espectador? “Nos anos 1920, o público era visto como um ‘batalhão patriótico’ que tinha a obrigação de prestigiar o cinema nacional em nome do amor ao Brasil; nos anos 1950, ele passou a ser visto tanto como consumidor como sinônimo de povo, vertente ligada a Nelson Pereira dos Santos; a partir dos anos 1970, na construção de cinema-novistas, ele se transforma no ‘público popular’, alvo de conscientização política orientada pelo cineasta intelectual, e, depois, entendido como a massa cuja cultura seria resgatada e transformada para o seu consumo pelo
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e sociedade”, alerta. Segundo o historiador, a única forma de a atividade cinematográfica se tornar independente das injunções do Estado é ter alguma autonomia econômica via sua industrialização. “O problema é que, a partir da década de 1990, há uma descrença da própria corporação em relação ao Estado como vetor de industrialização, sem que, no entanto, se avance em direção a nenhuma plataforma nova.” É história pura. Entre 1924 e 1954, a corporação flertou com Hollywood como o modelo de industrialização a ser seguido, diretamente ou temperado com a realidade nacional; eram tempos cujos grandes marcos foram a criação da Atlântida e a ascensão e queda da Vera Cruz. A partir de 1955, não há mais ilusões em cartaz e surgem outras propostas de industrialização: o cinema independente e autoral, a necessidade “patriótica” da intervenção do Estado e, para alguns menos à esquerda, a associação com o capital externo. “O Cinema Novo surge, de início, em extrema oposição à industrialização, num tom em que não faltou mesmo um viés religioso na necessidade de ‘purificar’ o cinema do comércio. Tanto ele como o cinema independente dos anos 1950 foram importantes na definição do papel do Estado como motor da industrialização, porque ambos associaram a luta contra a invasão cultural estrangeira com a luta econômica pelo mercado, gerando um amálgama entre as duas visões a partir de um ideário político de esquerda.” Essa oposição, avalia Autran, teve vida curta, pois o lançamento comercial das primeiras obras do
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cineasta atento à opressão e às mazelas dos deserdados.” Essa “construção” abstrata do público, continua Autran, só servia para reafirmar as posições de cineastas e críticos no campo cultural. Ou, mais recentemente, se transformou em nova justificativa para a manutenção do apoio estatal, já que, segundo alguns cineastas e produtores, as classes mais baixas, que seriam o público do filme brasileiro, teriam abandonado os cinemas por causa da crise econômica que elevara o preço dos ingressos. A solução, então, defendem, seria a construção, pelo governo, de uma enorme rede de salas com preços populares. “São medidas inviáveis para o governo e nada atrativas para a iniciativa privada. A meu ver, o primeiro passo para se pensar melhor a questão do público no cinema, ou da sua ausência, é encarar a mundialização da cultura. Negar isso ou querer voltar ao tempo no qual o Estado possuía importância central na vida social é uma forma de impedir o aprofundamento da reflexão e da discussão”, avisa Autran. “Há muito tempo que o espectador do cinema nacional não tem mais nenhuma relação com a simpática figura do caipira que quer ver uma fita de Mazzaropi, ao qual chama de ‘nosso filme’, como representado no filme Tapete vermelho, de Luiz Alberto Pereira, forma de insinuar uma identificação direta entre espectador e povo brasileiro. Este personagem é mero desejo saudosista de parcela da corporação.” Um desejo útil: confundir espectador e nação implicaria, nesse sentido, que defender (apoiar financeiramente) o cinema brasileiro seria defender o próprio interesse popular.
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O PROJETO Pensamento industrial e a política cinematográfica brasileira (1990-2005)
MODALIDADE
Programa Jovens Pesquisadores COORDENADOR
ARTHUR AUTRAN INVESTIMENTO
R$ 217.229,25 (FAPESP)
Mas quem afinal mais chegou ao público foi a televisão. “Enquanto o cinema preferiu continuar desvinculado das pesquisas empíricas, já que a noção de público era uma criação intelectual dos cineastas, a televisão optou por uma noção de espectador em consonância com a modernização conservadora do capitalismo brasileiro, buscando vincular sua programação a tendências captadas pelos gostos e desejos do público. A televisão, na maior parte dos casos, era vista como “a grande inimiga do cinema”, tendência que ainda se mantém em alguns círculos da corporação, para os quais a TV é algo sem significação intelectual, já que ao cinema estaria reservada a “fruição qualificada”. Quando essa postura mudou e o cinema tentou se aproximar da televisão, qualquer negativa gerava lamúrias contra a suposta má vontade das emissoras com o cinema nacional. “Em verdade, o cinema tentou penetrar num mercado já ocupado e,
ao contrário do que ocorria nas salas de exibição, quando se podia invocar o discurso nacionalista como forma de luta, na TV não há espaço ou razão para isso.” Assim, o futuro tampouco parece salpicado de “poeira das estrelas”. “O governo Lula não avançou muito, pois se havia a previsão de a agência Ancine ficar ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o que reforçaria o aspecto industrial, ela acabou subordinada novamente ao Ministério da Cultura.” Assim, historicamente, num notável paradoxo, os maiores defensores do cinema brasileiro é que colocaram sobre a sétima arte brasileira suas piores pechas: atividade cara e atrelada eternamente às benesses governamentais; tendência ao encarecimento exagerado da produção; despreocupação em relação ao público etc. “Diante desse quadro, é preciso verificar se existe pertinência em ainda pensar uma indústria cinematográfica brasileira, já que o que existe é uma quase total incapacidade da área para organizar sua atividade de forma minimamente ■ autossustentável.”
Carlos Haag
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LITERATURA
O latifúndio de
Lobato Ensaios analisam cada um dos livros infantis da série do Sítio do Picapau Amarelo
AS IMAGENS QUE ILUSTRAM ESTA MATÉRIA SÃO UMA REPRODUÇÃO DA COLEÇÃO CENTENÁRIO DE MONTEIRO LOBATO DA EDITORA BRASILIENSE/ ILUSTRAÇÕES: MANOEL VICTOR FILHO
Gonçalo Junior
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m junho de 1941 o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de repressão da ditadura do Estado Novo, de Getúlio Vargas (1882-1954), viu-se diante de um “grave” fato que vinha recebendo generosa cobertura da imprensa paulistana. Segundo os jornais, o Departamento de Ordem Política e Social (Deops) estava investigando uma denúncia feita pelo procurador do estado de São Paulo, Clóvis Kruel de Morais, contra o escritor Monteiro Lobato (18821948), autor de Urupês, Negrinha e América e uma série de livros dirigidos às crianças, escritos ou traduzidos por ele. Morais pediu ao Tribunal de Segurança Nacional (TSN) a apreensão imediata em todo o estado de Peter Pan, história do menino que não queria crescer contada por Dona Benta, uma adaptação livre do texto do escritor inglês James Matthew Barrie (1860-1937), publicada pela primeira vez em 1930. Na verdade, a “denúncia” contra o livro partiu do diretor da Recebedoria Federal do Ministério da Fazenda, em São Paulo, Tupi Caldas, que acusou o escritor de ter acrescentado conteúdo subversivo no texto original. Pela queixa formalizada por Morais, de número 4.180, de 20 de junho de 1941, a versão “alimentava nos espíritos infantis, injustificadamente, um sentimento errôneo quanto ao governo do país”. O procurador afirmou que havia na obra um “confronto premeditado” quando se referia às diferenças de vida entre crianças da Inglaterra e as do Brasil com o propósito de incutir nos brasileiros “nossa inferioridade, desde o ambiente em que são colocadas até os mimos que se lhes dão”. Para ele, o brasileiro agiu “insidiosamente” quando explicou o motivo da desigualdade entre os dois povos, aproveitando-se para criticar as autoridades nacionais. Ao dizer às crianças como eram arrecadados e aplicaPESQUISA FAPESP 157
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dos os impostos no país, acrescentou ao texto o seguinte comentário: “Há no Brasil uma peste chamada Governo que vai botando impostos e selos em todas as coisas que vêm de fora, a torto e a direito, só pela ganância de arrecadar dinheiro do povo para encher a barriga de parasitas”. O procurador concluiu que a causa para o desrespeito do autor estava justamente na liberdade “excessiva” dada pelo regime aos escritores, numa época em que o livro estava entre os mais importantes veículos de comunicação para as crianças.
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mbora o caso seja brevemente citado num dos capítulos, esses detalhes do processo para apreensão e destruição de todos os exemplares da adaptação de Peter Pan não aparecem em destaque em Monteiro Lobato, livro a livro – Obra infantil, de Marisa Lajolo e João Luís Ceccantini, que acaba de ser lançado pela Editora Unesp e
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Imprensa Oficial. Não tira, de forma alguma, claro, a grandiosidade e o valor do volume. São citados aqui apenas como um detalhe revelador ainda hoje de dois aspectos: o quanto o escritor era popular e reinava soberano na época em sua faixa de público e, em segundo lugar, até que ponto ele levava a sério sua obra e seu público mirim. Embora continue a ser lido, nos últimos 40 anos, sua obra infantil perdeu muito espaço nas livrarias graças a uma briga judicial entre os herdeiros do escritor e a Editora Brasiliense, que ficou proibida de fazer qualquer atualização editorial e gráfica nas edições – que se tornaram pouco interessantes. Mesmo assim as gerações mais velhas continuam a citá-lo como uma referência fundamental para desenvolver o hábito pela leitura e parte integrante do universo de imaginação quando criança. As versões das histórias do Sítio do Picapau Amarelo para a televisão, a partir de 1978, também ajudaram a perpetuar o legado do escritor. E é essa produção o objeto de análise deste interessante volume de 512 páginas, que trata de aspectos como linguagem, ilustrações e práticas editoriais do escritor. “Uma das novidades deste livro é apresentar o percurso cumprido por cada obra lobatiana – desde, muitas vezes, a discussão de seu projeto original até as alterações perceptíveis em suas diferentes edições”, observa Marisa. O conjunto do livro é o que ela chama de “uma história da leitura do Brasil de Lobato”. Todos os convidados são pesquisadores da obra lobatiana –
entre mestres e doutores. Há, explica ela, um grande esforço de pesquisa nesse sentido. Para análise da obra do escritor, os autores recorreram a documentos inéditos até então, como as cartas enviadas ao escritor por seus leitores, documentos editoriais e escolares. “Nunca se sabe exatamente como nasce uma ideia. No caso deste livro, rolavam conversas entre pesquisadores de leitura e literatura infantil da necessidade de um estudo mais aprofundado da obra de Monteiro Lobato”, recorda, em entrevista à Pesquisa FAPESP. Em uma Jornada Lobatiana na Unicamp, que reuniu pesquisadores seniores e juniores de todo país, surgiu a expressão “livro a livro” como um modo interessante de abordagem. “A ideia ficou em circulação, até que Ceccantini e eu a transformamos em um projeto, preto no branco, roteiro dos capítulos etc.”
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arisa concorda que, do ponto de vista histórico ou crítico, os livros infantis de Monteiro Lobato foram realmente subestimados, apesar de terem sempre sido bastante populares no decorrer de todo o século XX. “Lobato ainda é muito lido, felizmente! E creio que também a perspectiva crítica com que ele é visto está mudando.” Ela acha que o conjunto de artigos do livro monta um Monteiro Lobato muito rigoroso na construção de seu texto. “Seus livros são constantemente reescritos e é, na comparação entre as várias versões deles, que podemos ir percebendo a concretização do projeto
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literário lobatiano: o humor cada vez mais refinado, a linguagem cada vez mais simples, o respeito cada vez maior pelo seu leitor.” A pesquisadora, porém, não crê em “retratos acabados” de obras ou de autores. “Cada livro sobre um autor abre um feixe de caminhos a serem trilhados por outros pesquisadores, e com isso a imagem que se tem de um autor e de sua obra é sempre meio caleidoscópica, isto é, sempre cambiante, embora as peças sejam as mesmas.” Monteiro Lobato, livro a livro, acrescenta ela, é uma espécie de “amostra” do resultado a que é possível chegar quando se trabalha com uma noção de literatura que inclui na discussão a materialidade do objeto livro e sua dimensão comercial. “Nesse sentido, tenho certeza de que nosso trabalho pode gerar outras pesquisas que irão aprofundar e complementar esta visão do artista da palavra enquanto trabalhador.” O material de que se vale Lobato na construção de sua obra é, em sua opinião, muito variado: o folclore brasileiro, clássicos da literatura universal, conteúdos escolares. Nesse sentido, seu conteúdo é bastante representativo do caráter plural e mestiço da cultura brasileira. “A sua vasta correspondência, quer com outros escritores e amigos, quer com seus leitores, parece sugerir que ele – à medida que foi amadurecendo como escritor – trabalhou em um projeto cada vez mais articulado. A reescritura de suas primeiras publicações, livrinho muito curto que em 1931 foi reunido em Reinações de Narizinho, pode representar uma espécie de modelo do modo de trabalho do escritor, isto é, alguém sempre voltado para o que se poderia chamar de unificação de sua obra, unificação esta internamente garantida pela constância das personagens e do espaço.”
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ada autor escolheu uma abordagem para tratar do escritor. Maria Alice de Oliveira Faria, professora titular de Literatura Brasileira da Unesp e que faleceu antes de ver o livro pronto, optou por falar das ilustrações de Belmonte (1896-1947), um dos mais importantes cartunistas brasileiros da primeira metade do século XX. A verve crítica de Lobato, escreveu ela, seu temperamento polêmico, a participação em grandes
discussões políticas e educacionais de seu tempo e a vertente educacional e pedagógica de seus livros encontraram no traço do artista a transposição ideal das palavras para a linguagem visual. E um dos livros em que a dupla realiza um dos melhores trabalhos em parceria, para Maria Alice, foi Emília no país da gramática, publicado em 1934. “Quanto ao texto de Lobato nesse livro, dois aspectos se contrapõem: de um lado, a paródia, a gozação da gramática escolar do tempo; e, num campo mais amplo, a sua entrada na polêmica sobre a simplificação ortográfica do português, na qual tomou partido pela grafia fonética contra os partidários da grafia etimológica.” O outro organizador do livro, João Luís Ceccantini, preferiu escrever sobre a contribuição de Lobato para o universo editorial brasileiro no papel de editor – que desenvolveu na década de 1920, quando se tornou um nome importante na modernização do livro como produto de consumo, na sua divulgação e promoção. De acordo com o pesquisador, só é possível compreender esse aspecto de sua vida “por meio do esforço contínuo em perceber a sobreposição dos papéis de escritor e editor, nessa mesma figura humana, em que se dá ênfase sucessiva de um ou de outro desses dois aspectos, mas
ambos sempre em estreita relação de complementaridade”. Para ele, esse aspecto constituiria apenas uma dentre as outras muitas facetas de um fenômeno maior, ligado à personalidade de Lobato, que teria permitido a convivência, no mesmo homem, entre o humanista engajado socialmente e cheio de ideais e seu lado de empresário plenamente alinhado à lógica do capital. Ou entre o literato lusitanizante, vinculado a modelos estéticos do século XIX, com o escritor afeito ao coloquialismo, aos neologismos e à metalinguagem, do admirador da cultura greco-latina com o apreciador de inúmeros produtos da indústria cultural, nas suas várias vertentes. E, ainda, “do publicista de agudo senso do concreto e atento às mazelas do país com o artista livre, imaginativo e amante da fantasia desbragada”. Enfim, conclui ele, do artista que, entre o início da década de 1920 e meados da década de 1940, criou as narrativas do Sítio do Picapau Amarelo, as quais, seguramente, configuram o que Ceccantini chamou de “o mais alentado e consciente projeto literário nacional para crianças de que se tem notícia, seduzindo até hoje não apenas os pequenos, mas também jovens e adultos, e revelando-se como objeto de maior interesse para os estudiosos de nossa cultura”. ■ PESQUISA FAPESP 157
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.. .. RESENHA
A Inquisição entre os cariocas Como a Igreja agiu na repressão aos hereges do Rio Léa Vinocur Freitag
O A Inquisição no Rio de Janeiro no começo do século XVIII Gilberto de Abreu Sodré Carvalho Editora Imago 124 páginas R$ 25,00
tema Inquisição tem estado presente em diversos estudos nos últimos anos, na esperança de que esses períodos de trevas nunca mais se repitam. O livro A Inquisição no Rio de Janeiro no começo do século XVIII, de Gilberto de Abreu Sodré Carvalho, publicado pela Editora Imago, trata do assunto com sólida documentação. Sodré Carvalho, advogado e professor, iniciou as pesquisas há mais de 25 anos e mostra que “o sobrenome Abreu Sodré assevera o berço marrano e seus portadores se ramificam com muita gente originária da terra fluminense, como os de nome Sodré, Pereira, Silva Pereira, Sodré Pereira, Macedo Soares, Azevedo Sodré, Abreu Rangel, Rangel de Macedo, Sodré de Macedo, Azeredo Coutinho”. O autor afirma que a Inquisição no Rio de Janeiro, no início do século XVIII, impossibilitou a estruturação de uma comunidade judaica. “Houvesse o retorno à Lei Mosaica, de tantas pessoas organizadas, comunitariamente, contaríamos milhões de judeus sefarditas no Brasil hoje. No meu sonho e gosto, eu seria um deles.” A atividade da Inquisição aumentou de 1580 a 1640, inclusive no período dos reis espanhóis – eram necessários os “estatutos de pureza de sangue” para o acesso aos cargos no governo. Entretanto, para a carreira religiosa, as exigências eram menores. Muitos cristãos-novos em Portugal encaminhavam os filhos ao sacerdócio católico, o que proporcionava independência econômica, além de servir
como proteção para a prática da fé mosaica pela família e pelo próprio sacerdote. Havia ainda a possibilidade de possuir terras e engenhos no espaço colonial luso-americano, como também de obter mercês régias, que mascaravam o marranismo. A obra de Sodré Carvalho, além da documentação detalhada, bibliografia abrangente e consulta a pesquisadores, como Anita Novinsky, Alberto Dines, Paulo Valadares, Faiguenboim e Campagnano, Wiznitzer, Lina Gorenstein, entre outros, prende a atenção pelo estilo fluente. Sodré Carvalho nos contou que quando completou 13 anos, a idade da “maioridade” judaica, sua avó, carinhosamente, aconselhou que, nessa nova etapa da vida, tivesse mais responsabilidade – não era mais uma criança. Comentou ainda que era costume, em sua família, escolher a esposa cristã-nova em Portugal, pois à mulher cabia transmitir valores nos primeiros anos da criança. Referindo-se à concepção judaica em contraposição à cristã, o autor ressalta que o judaísmo é otimista, alegre e desinibido, ao contrário do catolicismo repressor, em que a carne é vista como fonte de todo mal. Lembra ainda que a língua hebraica conta com uma grande quantidade de sinônimos para “alegria”. Sodré Carvalho estuda a formação de uma aristocracia açucareira marrana no Rio de Janeiro e sua derrocada, ocasionada pela Inquisição. Na genealogia de sua família, mostra que até Vasco da Gama foi um Sodré. E não se pode esquecer do grande historiador Nelson Werneck Sodré. Na sua conclusão, ele enfatiza que a pesquisa genealógica abre as portas para uma viagem ao fundo de nós mesmos. “Creio que todos os que lidaram com a pesquisa de suas origens ou conhecem de algum modo as suas raízes têm a mesma sensação de enriquecimento pessoal.” Léa Vinocur Freitag é professora titular da Escola de Comunicações e Artes (USP) e doutora em ciências sociais. PESQUISA FAPESP 157
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WORKSHOP BIOEN ON SUGARCANE IMPROVEMENT PROGRAMA FAPESP DE PESQUISA EM BIOENERGIA | BIOEN
São Paulo, 18 e 19 de março de 2009 das 9h às 17h INSCRIÇÃO ELETRÔNICA
http://www.fapesp.br/sugarcane_inscricao
INFORMAÇÕES
(11) 3838-4216 / 3838-4006
PROGRAMA
March 18th Wednesday
March 19th Thursday
9h00 Abertura
9h00 Coffee
Glaucia Souza (IQ-USP, Coordenadora da Divisão de Pesquisa em Biomassa do Programa FAPESP em Bioenergia BIOEN) Biotechnological Roadmap for Sugarcane Improvement
[section ] Photosynthesis, Sucrose Metabolism, Drought and Sugar Physiology
9h15 Opening Conference
Paul Moore (USDA, USA) Sugarcane Biology and Yield 10h00 Coffee
[section ] Gene Discovery and Sugarcane Genomics 10h30 Rosanne Casu (CSIRO, Australia)
Gene Discovery as an Aid to the Understanding of Agronomically Important Metabolic Processes of Sugarcane 11h00 Derek Watt (SASRI, South Africa)
Gene Discovery: Approaches, Developments and Applications to Sugarcane Improvement at the South African Sugarcane Research Institute 11h30 Glaucia Souza (IQ-USP) The SUCEST-FUN Project: Identifying Genes Associated to Agronomic Traits of Interest in Sugarcane 12h00 Debate
[debate leaders] Marie-Anne Van-Sluys (IB-USP), Manuel Sainz (Syngenta), Paulo Arruda (Allelyx) 12h30 Lunch
[section ] Transgenics and Controlled Transgene Expression 14h00 Helaine Carrer (ESALQ)
Biotechnology Applications of Sugarcane Genetic Transformation 14h30 Robert Birch (University of Queensland, Australia) Can We Deliver Controlled Transgene Expression in Sugarcane? 15h00 João Carlos Bespalhok (UFPR, Brazil)
When We Will Have a Transgenic Sugarcane? 15h30 Debate
9h30 Rowan Sage (University of Toronto)
Mechanisms Controlling the Response of C4 Photosynthesis to Temperature 10h00 Marcos Buckeridge (IB-USP) Photosynthetic Responses of Sugarcane to Elevated CO2 Concentration 10h30 Graham Bonnett (CSIRO, Australia) Environmental and Genetic Manipulation of Carbon Partitioning Between Growth and Storage in Sugarcane 11h00 Laurício Endres (UFAL) Ecophysiology Applied to Sugarcane 11h30 Debate
[debate leaders] Rejane Mansur (UFRPE), Paul Moore (USDA), Katia Scortecci (UFRN) 12h30 Lunch
[section ] Breeding and Statistical Genetics 14h30 Marcos Sanches (UFSCAR) Development of Sugarcane Cultivars by the RIDESA Breeding Program 15h00 Augusto Garcia (ESALQ) Genetic Architecture of Quantitative Traits in Sugarcane 15h30 Robert Henry (Southern Cross University) Genomics Based Approaches to Genetic Improvement in Sugarcane 16h00 Debate
[debate leaders] Anete de Souza (CBMEGUNICAMP), Jorge da Silva (TAMU), Walter Maccheroni (Canavialis), Marcos Landell (IAC), William Burniquist (CTC)
[debate leaders] Marcelo Menossi (IB-UNICAMP), Eduardo Romano (EMBRAPA), Eugenio Ulian (Monsanto) Apoio
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CLASSIFICADOS
» Anuncie você também: tel. (11) 3838-4008 | vwww.revistapesquisa.fapesp.br
DEPARTAMENTO DE RECURSOS HUMANOS CONCURSOS / PROFESSORES Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, não constituindo texto oficial, o qual se encontra publicado no Diário Oficial do Estado indicado. Informações detalhadas poderão ser obtidas nos e-mails descritos.
DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA CONCURSO PARA DOCENTE
| UFMG
Os dados abaixo destinam-se exclusivamente à divulgação, o texto oficial encontra-se publicado no Diário Oficial da União do dia 29 de janeiro de 2009, seção 3, páginas 40-41 (seguido de errata publicada em 05/02/2009, seção 3, pág. 39). UFMG, Instituto de Ciências Biológicas, Departamento de Botânica
Escola de Comunicações e Artes - ECA
CARGO:
eca@usp.br
ÁREA DO CONCURSO:
01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Comunicações e Artes, área “Comunicação e Educação”. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, no período de 05.01.2009 a 03.07.2009. Diário Oficial de 24.12.2008. Edital 172/2008
Escola de Enfermagem - EE
01 Professor Adjunto em regime de dedicação exclusiva. Fisiologia Vegetal/Criptógamas. TITULAÇÃO: Doutor em Botânica ou áreas afins. PERÍODO DE INSCRIÇÕES: 75 dias a partir da publicação do edital. Edital 48 de 28/01/2009
Anuncie nos Classificados
ee@usp.br 01 Professor Titular, referência MS-6, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva, área de Enfermagem em Saúde Coletiva. Inscrições abertas pelo prazo de 180 dias, a partir da publicação. Diário Oficial de 06/01/2009. Edital 001/2009
Ligue 3838-4008 ou acesse www.revistapesquisa.fapesp.br
Escola Politécnica - EP svorcc@usp.br 01 Professor Doutor, referência MS-3, em RDIDP (dedicação exclusiva), junto ao Departamento de Engenharia de Estruturas e Geotécnica, especialidade “Teoria das Estruturas”. Inscrições abertas pelo prazo de 90 dias, no período de 07.01 a 06.04.2009. Diário Oficial de 18.12.2008. Edital 240/2008.
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.. .. LIVROS
Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro Cristina Costa (Org.) AnnaBlume Editora / FAPESP 146 páginas, R$ 21,75
Christine Mello analisa e investiga o processo de transformação da linguagem do vídeo, entendendo-a como manifestação híbrida que estabelece contatos com outras práticas artísticas. A autora partiu desse ponto de expansão com múltiplas linguagens, o qual denomina “extremidades do vídeo”, e fez um levantamento da produção videográfica brasileira, desde o início até os primórdios do século XXI.
AnnaBlume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br
Psicanálise com as crianças: clínica e pesquisa
Viver por um fio: pobreza e política social
Rogério Lerner, Maria Cristina Machado Kupfer (Orgs.) Editora Escuta / FAPESP 240 páginas, R$ 41,00
Anete Brito Leal Ivo AnnaBlume Editora 258 páginas, R$ 49,00
Editora Escuta (11) 3865-8950 www.editoraescuta.com.br
Subjetividades antigas e modernas
FOTOS EDUARDO CESAR
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Viver por um fio aborda a evolução da questão social no Brasil a partir da década de 1970. Para isso a autora dialoga com autores clássicos importantes para explicar a construção social, a responsabilidade do Estado na organização da proteção social e o papel da sociologia de racionalizar a estruturação das sociedades urbano-industriais. AnnaBlume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Política, história e método em Joaquim Nabuco Izabel Andrade Marson Editora da Universidade Federal de Uberlândia 310 páginas, R$ 35,00
As diferentes temporalidades históricas compõem o objeto do estudo comparativo de críticos multidisciplinares envolvidos no projeto Gênero, subjetividades e sexualidade na Antiguidade e na (pós) modernidade.
O livro tem o intuito de levantar questões como as contradições em torno da personalidade polêmica de Joaquim Nabuco e relacioná-las com os fatos e as tendências de seu tempo, meados do século XIX e início do XX. A autora se orienta pelas concepções de Joaquim Nabuco a respeito da revolução e da escravidão desenvolvidas em suas obras Um estadista do Império (1899), O abolicionismo (1883) e Minha formação (1900).
AnnaBlume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Edufu (34) 3239-4293 www.edufu.ufu.br
Margareth Rago e Pedro Paulo A. Funari (Orgs.) AnnaBlume Editora 254 páginas, R$ 34,50
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Christine Mello Editora Senac 256 páginas, R$ 49,00
Entre 1930 e 1970, o Departamento de Diversões Públicas (DPP) censurou a produção teatral apresentada em território paulista. A partir do arquivo Miroel Silveira desenvolve-se um extenso projeto de pesquisa que visa resgatar a história do teatro e da realizacão cultural de São Paulo. Este livro traz depoimentos que reconstituem a trajetória desses 40 anos de censura.
“Em que medida a psicanálise pode ser considerada uma concepção científica de pesquisa?” É pesquisando sobre o tema que os organizadores deste livro intentam discutir essa questão. O livro marca a trajetória de trabalho de profissionais das áreas de psicanálise, pediatria, nutrição, fonoaudiologia e psiquiatria articulados no projeto: Pesquisa Multicêntrica de Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI).
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Extremidades do vídeo
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