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VENDA PROIBIDA
ASSINANTE
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EXEMPLAR DE
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Ciência eTecnologia
no Brasil
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BRASIL PRODUZ ´ PLASTICO VERDE DE ETANOL
PESQUISA FAPESP
PAC AMPLIA RECURSOS PARA C&T ´ QUIMICO ˆ PROPOE FRANCES A REINVENCAO DA COZINHA A PERIFERIA SE MOVE NO HIP-HOP
Foco na dengue CIENTISTAS DÃO NOVAS PISTAS PARA O CONTROLE DA DOENÇA
A responsabilidade socioambiental tem raízes fortes na CAIXA. O dia-a-dia da CAIXA é tornar possíveis pequenos e grandes sonhos. E a CAIXA tem uma coisa que deixa todo brasileiro feliz: responsabilidade socioambiental. Um compromisso que possui diferentes faces. Investir em tratamento de água e esgoto é uma delas. Implementar ações dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é outra. Reduzir gastos e desperdícios internos é mais uma. São muitas e muitas faces. E cada uma delas busca, no fim das contas, melhorar a natureza e a sociedade em geral. E, assim, abrir um sorriso no seu rosto e nos rostos dos 190 milhões de brasileiros.
www.caixa.gov.br
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IMAGEM DO MÊS
JEAN LIVET
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Arco-íris cerebral Pesquisadores da Universidade Harvard desenvolveram uma combinação de proteínas fluorescentes, produzidas por meio de engenharia genética, que são capazes de colorir neurônios de camundongos com até 90 tonalidades diferentes. As experiências com a nova técnica, batizada de “arco-íris cerebral”, foram publicadas na revista Nature. O objetivo é auxiliar na visualização dos circuitos do sistema nervoso, permitindo que se enxerguem melhor as diferenças entre os cérebros sadios e os atingidos por certas doenças. O trabalho é liderado por Jean Livet, do Departamento de Biologia Molecular e Celular e do Centro de Ciência do Cérebro de Harvard.
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EDUARDO CESAR
CDC
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NATUREZA EQUATORIAL, JOSEPH LEONE RIGHINI
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> ENTREVISTA 10 Luiz Hildebrando
Pereira da Silva fala dos avanços das pesquisas com quimioterápicos que podem bloquear ação de parasitas
> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA 22 INVESTIMENTOS
Governo federal destinará R$ 42,1 bilhões para ciência, tecnologia e inovação
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CAPA
26 AVALIAÇÃO
USP e Unicamp galgam posições em ranking mundial de universidades 28 SAÚDE
Anvisa vai regulamentar importação e exportação de material para pesquisa 29 FOMENTO
Levantamento avalia a experiência do programa Apoio a Jovens Pesquisadores
> AMBIENTE 30 GEOGRAFIA
Especialistas criam índice que revela as áreas da Amazônia mais sujeitas a desmatamento
34 ENERGIA
Time escolhe José Goldemberg um dos “heróis do meio ambiente” por estudo sobre etanol
> CIÊNCIA 32 MUDANÇAS CLIMÁTICAS
Acidentes naturais exigem novas estratégias de comunicação de cientistas com gestores públicos
40 CAPA
Estudos buscam alternativas para combater o transmissor da dengue 46 Instituto Butantan
testará vacina contra a doença desenvolvida nos Estados Unidos
> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 16 ESTRATÉGIAS 36 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS ..............................
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> POLÍTICA C&T
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> AMBIENTE
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
MIGUEL BOYAYAN
> EDITORIAS
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JÚLIA CHEREM
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48 FÍSICA
56 QUÍMICA
A longa jornada dos raios cósmicos e dos cientistas que quiseram saber de onde poderiam vir
72 MICROBIOLOGIA
Francês que inventou gastronomia molecular quer mudar a forma como o homem cozinha
Enzimas degradam proteínas e garrafas PET e podem ter novos usos industriais 76 BIOCOMBUSTÍVEL
> TECNOLOGIA
52 EVOLUÇÃO
Comparando genes de diferentes povos, biólogos tentam explicar como os seres humanos surgiram
66 NOVOS MATERIAIS
55 NEUROCIÊNCIA
Comunicação entre cérebros e máquinas aproxima próteses robóticas da realidade
.............................. 62 LINHA DE PRODUÇÃO
94 RESENHA
Etanol e bactérias são as matérias-primas utilizadas por empresas para fabricar plásticos substitutos dos derivados de petróleo
95 LIVROS
96 FICÇÃO
Pesquisadores da USP utilizam lipase e etanol na produção de biodiesel
> HUMANIDADES 80 ANTROPOLOGIA
Hip-hop oferece aos jovens da periferia a chance de existência social 86 HISTÓRIA
Em pleno século XVIII, padre baiano quis unir judeus e cristãos
78 ENGENHARIA QUÍMICA
Equipamento recupera cobre e níquel descartados nos processos de recobrimento de peças metálicas
98 CLASSIFICADOS
90 SOCIOLOGIA
Relação entre aborto e criminalidade defendida por governador do Rio é condenada por estudiosos dos dois temas
CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO JAMES GATHANY/CDC
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CARTAS cartas@fapesp.br
As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução. ■
Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008
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Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418
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Assinaturas de pesquisadores e bolsistas Envie e-mail para rute@fapesp.br ou ligue (11) 3838-4304
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Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3838-1438
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Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.
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Opiniões ou sugestões
MIGUEL BOYAYAN
Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br
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Licença para ser mãe Gostaria de aproveitar a oportunidade concedida pela tímida nota “Licença para ser mãe”(Estratégias,edição 141) para solicitar uma análise profunda de quão injusta e cruel é a lei aplicada no meio acadêmico em relação às bolsistas de pós-graduação,em especial no doutorado.Ser ao mesmo tempo mulher,mãe e pesquisadora não é algo permitido em nosso meio.Alunas de doutorado bolsistas que engravidam sofrem por causa da insegurança do processo novo que a maternidade traz, sofrem pelo tempo que irão perder de pesquisa e de resultados que poderiam alcançar e ainda sofrem com a suspensão da bolsa no período de licençamaternidade. É preciso questionar esse sistema. Vamos transformar em nossos “ídolos”os responsáveis pela Conicyt do Chile que apóiam (apesar de tardiamente,mas numa iniciativa extremamente válida) a participação das mulheres na ciência e tecnologia,sem ceifar delas um direito de querer contribuir para evolução científica e poder ser mãe sem culpa.Esse é um questionamento de uma doutoranda,que sentiu o mal que o sistema imposto por essa regra absurda faz.Sou mãe e aluna bolsista de doutorado!
lógico pelo Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB) durante as obras de restauração da Igreja de Nossa Senhora do Carmo da Antiga Sé,nos preparativos da comemoração do bicentenário da chegada da família real ao Brasil.O arqueológo da fotografia chama-se Divino e chefiou a equipe durante a primeira etapa do projeto. PAULO CLARINDO CENTRO DE MEMÓRIA DA BAIXADA FLUMINENSE São João de Meriti,RJ
Cratera de Araguainha
SUÉLIA RODRIGUES Goiânia, GO
Os relevantes dados da cratera aberta por ummeteorito há 254 milhões de anos na divisa entre Mato Grosso e Goiás (edição 140), local onde ficam os municípios de Ponte Branca e Araguainha, representam informações que inspiramexplicações sobre a modelagem superficial da troposfera do planeta Terra, durante milhões de anos, pelos meteoros oriundos do espaço cósmico.A questão educacional impulsionada pelas informações geológicas,mais bem compreendidas na atualidade,podem realmente fomentar um crescimento do turismo sustentável na região,estimulando,por exemplo,a prática do chamado geoturismo e,por que não,o geoecoturismo,como formas de preservação das rochas,da fauna e flora da região.
Imagem do mês
MARTE FERREIRA DA SILVA Atibaia, SP
Fiquei muito contente ao depararme com a fotografia da seção “Imagem do mês”(edição 141) retratando o trabalho de salvamento arqueo-
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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CARTA DA EDITORA
Contra ciclos e círculos perversos
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO LAFER
PRESIDENTE
MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO
JOSÉ ARANA VARELA
VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, MARCOS MACARI, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI
DIRETOR-PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER
DIRETOR ADMINISTRATIVO
ISSN 1519-8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI
DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN
EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS
EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES),CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE)
EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES
REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO
EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA
ARTE ARTUR VOLTOLINI, MARIA CECILIA FELLI
FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN
SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201
COLABORADORES ABIURO, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), AZEITE DE LEOS, BRAZ, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JÚNIOR, JULIA CHEREM, LAURABEATRIZ, LUANA GEIGER, OLIVIA MAIA E YURI VASCONCELOS.
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br
GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3838-4304 e-mail: rute@fapesp.br
IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES
DISTRIBUIÇÃO DINAP
GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP
SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
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oa um tanto estranho,um tanto incômodo:começamos e encerramos o ano de 2007 com a dengue na capa da Pesquisa. A indagação incontornável que o fato propõe a posteriori é se essa doença tornou-se tão importante no panorama da saúde pública no Brasil,ou tão desafiadora para pesquisadores brasileiros envolvidos com epidemias e doenças tropicais,a ponto de justificá-lo plenamente em termos editoriais.Antes de uma resposta peremptória,vamos a alguns dados:em dezembro de 2006,com as estatísticas oficiais apontando 300 mil casos e 61 mortes registrados no ano,até o mês de outubro,antevia-se que janeiro de 2007 chegaria junto com o temor de uma nova epidemia de dengue no país. Certamente não tão violenta quanto a de 2002 – quando os casos notificados bateram em quase 800 mil –,mas uma epidemia de qualquer sorte.Em paralelo,o ano estava a se encerrar com belas notícias de caráter científico-tecnológico para o controle futuro e o combate frontal da doença. Por exemplo,um sistema de monitoramento do Aedes aegypti articulado com uma armadilha orientada para atrair fêmeas grávidas do mosquito e a expectativa de desenvolvimento de um Aedes transgênico estéril. Já em novembro último,as estatísticas oficiais mostravam para o período de janeiro a setembro de 2007 um aumento de 40% dos casos registrados de dengue em relação à totalidade do ano anterior.Aos números:2006 fechou com quase 346 mil casos do tipo comum,682 casos da forma hemorrágica e 76 mortes,enquanto 2007, até setembro,registrou pouco mais de 481 mil casos da forma comum da doença, 1.071 da forma hemorrágica e 121 mortes. O Ministério da Saúde comemorava,entretanto,uma redução das regiões mais suscetíveis à disseminação da dengue no país.Se em novembro do ano passado nessas regiões estavam 10,4 milhões de pessoas,agora elas diminuíram e são o território de vida de 3,8 milhões de brasileiros. É importante a essa altura saber que pesquisadores de várias especialidades trabalham nesse momento com afinco,muitas vezes em parceria com a equipe do Programa Nacional de Controle da Dengue
(PNCD),para fazer recuar a doença e não lhe deixar mais espaço do que tinha 20 anos atrás,ou seja,quase nada.São entomologistas,médicos,matemáticos e epidemiologistas que se unem,como conta a partir da página 40 a editora assistente de ciência,Maria Guimarães,na tentativa de conhecer melhor o comportamento do mosquito,encontrar compostos químicos mais eficientes para matar as larvas ou monitorar mais eficientemente as epidemias,entre outros caminhos.São outros profissionais que trabalham no desenvolvimento de vacinas,como relata a partir da página 46 o editor especial Fabrício Marques.Isso posto,dá para dizer que,sim,do ponto de vista de saúde pública é muito alto ainda o risco de agravamento do quadro da dengue no Brasil.E ela segue como uma doença cujo controle desafia imensamente os pesquisadores.Daí por que temos uma nova capa de dengue,apenas 11 meses depois de ter dado ao tema essa posição de relevo. Queria observar,no pouco espaço que resta,dado o tanto de palavras que gastei com a dengue,que não dá para deixar de ler nesta edição – surpreendente em termos plásticos – a reportagem da editora assistente de tecnologia,Dinorah Ereno, sobre o plástico ambientalmente correto à base de etanol que algumas grandes empresas instaladas no país já começam a produzir (página 66).Vale o mesmo para a reportagem do editor de humanidades,Carlos Haag,que mostra por que o hip-hop é uma expressão vigorosa de posiçõespolíticas e ideológicas dos jovens das periferias das metrópoles brasileiras e termina funcionando como uma via de afirmação de sua existência social efetiva (página 80). Também é imperdível a entrevista de Claudia Izique e Ricardo Zorzetto,editores respectivamente de política e de ciência,com o sanitarista Luiz Hildebrando Pereira da Silva (página 10).Faz tempo que devíamos aos leitores uma entrevista com esta bela personagem da cena científica e política deste país.E,para terminar,uma leitura deliciosa:a reportagem do editor Marcos Pivetta sobre o químico francês que quer mudar a forma como hoje cozinhamos (página 56). Um bom final de ano a todos! PESQUISA FAPESP 142
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TESOURO RESGATADO Filme de 1936 sobre o Rio de Janeiro mostra como a internet ajuda a recuperar o passado N ELDSON M ARCOLIN
O Imagens do Rio antigo extraídas do documentário: memória revalorizada
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que mais pode chamar a atenção na paisagem do Rio de Janeiro que já não seja suficientemente conhecido no mundo inteiro? A resposta é tão simples quanto surpreendente:o passado.Um documentário curto sobre a cidade filmado em technicolor em 1936 atrai a atenção de dezenas de milhares de visitantes ao site de vídeos gratuitos YouTube desde setembro.Rio de Janeiro: city of splendour tem 7 minutos e 54 segundos com produção e narração em inglês do diretor norte-americano James A.Fitzpatrick.Replicado por outros sites e blogs, o filme havia registrado quase 120 mil visitas até a terceira semana de novembro. O documentário sobre o Rio era parte dos filmes de viagem conhecidos na época como Fitzpatrick traveltalk e The voice ofthe globe , distribuídos pela Metro Goldwyn Mayer (MGM).Normalmente as películas mostravam cidades e lugares distantes ao redor do mundo antes do filme principal e ajudava
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a fechar a sessão nos horários certos. “A exibição dos filmetes, conhecidos como complementos, era uma praxe nas sessões de cinema e prática corrente dos produtores até os anos 1960 nos Estados Unidos e no Brasil”, lembra Marcos Palacios, pesquisador do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura
gente que essas pessoas gostariam de ter visto se pudessem viajar”, respondia o cineasta. De fato, o Rio de City of splendour é quase uma cidade européia com a vantagem extra de estar enfeitada pela natureza. A população era de 1,5 milhão de pessoas. As que surgem na tela estão bem vestidas. As ruas, praças, chafarizes e praias
arquivos de pouco acesso e dificilmente chegaria até nós sem os atuais recursos da digitalização e disponibilização em redes.” O pesquisador afirma que na web a memória tende a se tornar coletiva e permanente. O processo de digitalização é feito sobre algo produzido no passado (filmes, vídeos, fotos, textos etc.) para o uso no presente e no futuro.
“Além disso, a digitalização possibilita que se reúna em um único espaço (site) diversos formatos de diferentes autorias e procedências, permitindo a construção de uma memória multifacetada e plurivocal.” City of splendour tornou-se acessível aos brasileiros porque o alemão Martin Ottman, professor de inglês e de alemão
Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia. James Fitzpatrick (1894-1980) fez 150 documentários curtos, mas trabalhou como produtor, assistente de direção, diretor, ator, roterista e narrador, principalmente, em centenas de outros filmes. Ele chegou a ser criticado por mostrar apenas os aspectos positivos dos lugares que visitava. “Fiz meus filmes num tempo em que viajar era quase impossível para a média das pessoas. Acredito ter mostrado
aparecem muito limpos. Os prédios históricos – como o Palácio Monroe, já demolido – não brigam com a paisagem. Tudo é incrivelmente harmonioso. Quem vê o filme se encanta com uma cidade que parecia, de fato, maravilhosa. Marcos Palacios vê o documentário como um dos símbolos de uma reviralvolta cultural ainda pouco notada. “A internet potencializou a memória”, diz. “Esse passado esquecido de lugares, pessoas e coisas ficaria perdido ou enterrado em
O jornalismo é um dos principais produtores e beneficiários dessa prática. “O jornal The New York Times, por exemplo, digitalizou todo seu acervo desde 1851 e abriu para consulta na internet, indicando uma tendência da imprensa escrita no mundo”, conta. Isso vale também para ícones da cultura e da história, como os papiros antigos egípcios, os processos de Nuremberg ou a obra de Leonardo da Vinci, tudo digitalizado em altíssima resolução, quando necessário, e tornado virtualmente disponível.
radicado em Paris, descobriu o documentário de Fitzpatrick em um fórum da internet especializado em filmes cults e alternativos. “Coloquei o filme no YouTube para mostrar a amigos que moram em Belém”, conta Ottman. “Até a penúltima semana de outubro City of splendour havia recebido 150 visitas, mas alguém do Rio o achou e desde então muitas outras pessoas têm assistido.” Assista ao documentário no site de Pesquisa FAPESP: www.revistapesquisa.fapesp.br
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ENTREVISTA
Luiz Hildebrando Pereira da Silva Às margens do rio Madeira Sanitarista fala dos avanços das pesquisas com quimioterápicos que podem bloquear ação de parasitas
C LAUDIA I ZIQUE
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R ICARD O Z ORZET TO
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uiz Hildebrando Pereira da Silva deixou o Brasil em 1964. Na época, era livre-docente de parasitologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e organizava o laboratório de genética de microorganismos. Foi preso e demitido pelo Ato Institucional nº 1 em outubro de 1964. Buscou exílio na França, integrou-se aos quadros de pesquisadores do Instituto Pasteur e tentou regressar ao Brasil, mais precisamente na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em 1968. Um ano depois foi novamente demitido, desta vez pelo Ato Institucional nº 5. Retornou à França e reassumiu seu posto no Instituto Pasteur. Foi diretor do Departamento de Biologia Molecular e, em 1979, assumiu a direção da Unidade de Parasitologia Experimental do instituto, a convite do diretor do Pasteur, o prêmio Nobel Jacques Monod, com o objetivo de desenvolver pesquisas sobre biologia molecular de parasitas da malária em Caiena, na Guiana Francesa, Madagascar e Senegal, na África. Em 1990, ainda em Paris, em colaboração com Erney Camargo, do Departamento de Parasitologia da USP, organizou uma equipe de pesquisas sobre malária em Rondônia. Aposentouse no Instituto Pasteur, em 1997, e decidiu voltar ao Brasil. “Gosto de fazer o que sei fazer”, justifica. Instalou-se em Porto Velho, Rondônia, um estado que, como ele explica, não rejeita a presença de forasteiros. Montou o Centro de Medicina Tropical (Cepem), na Secretaria da Saúde de Rondônia, e criou o Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais (Ipepatro), com um grupo de médicos e biologistas do estado. As duas instituições contam hoje com uma centena de profissionais, entre médicos, pesquisadores, técnicos e estudantes de pós-graduação dedicados à investigação de doenças importantes na Amazônia – malária, doenças virais como hepatite e arboviroses. Ele prefere ainda guardar segredo, mas insinua que sua equipe está prestes
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a registrar a patente de um quimioterápico baseado em drogas desenvolvidas a partir da biodiversidade. Aos 80 anos, ao mesmo tempo em que organiza um plano de ação em saúde para a região onde serão construídas as hidrelétricas do rio Madeira, começa a fazer planos de aposentar-se, desta vez de verdade, e instalar-se com a família numa casinha “lá no Midi de la France”. Há quanto tempo o senhor está em Porto Velho? — Estamos em Porto Velho há dez anos, desde 1997. Concentramos de início nossa atividade em malária mas, pouco a pouco, estendemos isso para certas doenças virais como as hepatites virais e as arborviroses, causadas por vírus transmitidos por insetos e aracnídeos. Mais recentemente, iniciamos pesquisas sobre problemas relacionados à quimioterapia de doenças negligenciadas, como malária, leishmaniose e tuberculose. Estamos também procurando identificar fatores imunológicos para desenvolver soroterapias de doenças virais e de certas doenças emergentes.
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Qual é hoje o tamanho da equipe? — Somos uma centena de pessoas.Começamos com um grupo de dez. Em 2001, com a Universidade Federal de Rondônia, instalamos um programa de pós-graduação que se iniciou com o mestrado e depois incorporou o doutorado. Com isso, temos uma população de estudantes em formação. Ao mesmo tempo, estreitamos o relacionamento com os serviços de saúde federal, estadual e municipal e temos integrado pessoas ligadas à saúde pública local.
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Quem financia o centro? — Temos recursos públicos e privados. O Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento e Científico e Tecnológico]
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e da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], tem nos proporcionado recursos importantes. A Secretaria de Vigilância em Saúde e o Departamento de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Saúde, também. Conseguimos recurso internacional da Organização Pan-americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde e até do Instituto Pasteur, na França, além de contribuições de empresas como Furnas. Prestamos serviço de qualidade na área de diagnóstico, o que nos dá um retorno a partir do sistema SUS [Sistema Único de Saúde].Temos esperança de que, com o desenvolvimento das atividades em quimioterapia, teremos em breve algumas patentes que se converterão em mais recursos. ■ Essas patentes estão relacionadas a novos tratamentos? — Estamos pesquisando em quimioterapia e soroterapia com drogas desenvolvidas a partir de produtos vegetais extraídos da biodiversidade brasileira. Trabalhamos em associação com o grupo de química de produtos naturais da Universidade Federal de Rondônia, que já obteve alguns compostos químicos ativos a partir de produtos naturais. No caso da soroterapia, usamos uma tecnologia criada na Bélgica há cerca de dez anos, que utiliza anticorpos de camelídeos. No Brasil trabalhamos com anticorpos de alpacas. Melhoramos a tecnologia de purificação de produto e a definição de alvos metabólicos estratégicos dos parasitas que queremos combater. Atualmente a engenharia genética permite que se preparem e se purifiquem moléculas das vias metabólicas da bactéria da tuberculose ou dos parasitas da malária e da leishmaniose. Com o auxílio de equipamentos especiais, expomos essas moléculas a determinados extratos e frações purificadas de extratos obtidos a partir de produtos naturais a fim de identificar aqueles que aderem a elas. A partir daí pretendemos purificar esses produtos, identificar seus componentes essenciais e, posteriormente, realizar análises bioquímicas para ver se são capazes de bloquear a atividade biológica dos parasitas. Procuramos detectar alvos metabólicos precisos. Isso só é possível porque o parasita da malária está clonado e seqüenciado e já se conhece o genoma do mosquito que transmite a malária. Com a tuberculose é a mesma coisa. A literatura científica internacional permite identificar essas moléculas, prepará-las por meio de engenharia genética e procurar produtos naturais que sejam ativos contra elas.
E o que vem sendo feito com respeito à soroterapia? — No caso da soroterapia, nosso alvo são doenças graves na região amazônica que permanecem sem tratamento eficaz, como a febre amarela, a raiva e o tétano. É possível produzir anticorpos de camelídeos, mais específicos que os de roedores, para reconhecer estruturas moleculares dos agentes causadores dessas doenças. O anticorpo monoclonal do roedor tem uma estrutura molecular complexa, enquanto o anticorpo monoclonal do camelídeo tem uma estrutura muito simples, que, se manipulada por engenharia genética, pode interagir com vírus ou alvos moleculares considerados estratégicos para a
FOTOS EDUARDO CESAR
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inativação viral. Injetamos o vírus inativado em alpacas. Em seguida isolamos células do sistema imunológico, chamadas linfócitos, que são produtoras de anticorpos específicos e unimoleculares. As alpacas produzem três tipos de anticorpo. Apenas um deles é formado por uma única molécula, diferentemente dos anticorpos dos outros mamíferos, que são formados por dois pares de moléculas associadas. Desses anticorpos unimoleculares, isolamos a parte variável, que reconhece o antígeno, e a reproduzimos utilizando bactérias ou outros vetores usados em engenharia genética. Assim temos a fabricação sintética do anticorpo, que pode ser produzido em massa e depois purificado. ■ Em que estágio se encontra essa pesquisa?
— Estamos concentrados na febre amarela. Já temos anticorpos bastante eficientes no reconhecimento do vírus. Também estamos fazendo testes de inativação contra o vírus da raiva. ■ Há algum produto extraído da biodiversidade amazônica promissor contra a leishmaniose? — Começamos a pesquisa há uns dois anos. Ainda é recente e faz parte de um contrato com uma rede de dez laboratórios nacionais, localizados no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, na Bahia, no Ceará, no Amazonas e em Rondônia. Acreditamos que toda atividade científica em nossa área deve incluir a perspectiva de aplicação ou um programa que permita aumentar valor agregado aos produtos naturais. Nossa intenção é valorizar os produtos por meio da exploração da biodiversidade. Com isso esperamos um salto importante de visibilidade para o Ipepatro.
Como o senhor conseguiu colocar essas equipes para trabalhar em conjunto? — A iniciativa básica de nosso programa em quimioterapia foi de um grupo da Universidade Católica do Rio Grande do Sul, liderado por Diógenes Santiago Santos e Luiz Augusto Basso, que desenvolve pesquisas importantes na área de tuberculose. O Diógenes é um velho conhecido e colaborador, desde os primórdios da biologia molecular. Velhos pesquisadores como eu têm a vantagem de conhecer todo mundo, ou ao menos muita gente competente. ■
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O Diógenes, quando nos convidou para participar do programa, já tinha contato com o pessoal relacionado à biologia estrutural, como o Mario Palma, da Universidade Estadual Paulista em Rio Claro, o Walter Figueiredo, atualmente na Universidade Católica do Rio Grande do Sul, o grupo de João Batista Calixto, da Universidade Federal de Santa Catarina, e o de Ícaro de Sousa Moreira, da Universidade Federal do Ceará. Depois integrou o Ricardo Ribeiro dos Santos, da Fiocruz da Bahia. A iniciativa de propor a convergência das pesquisas em malária e tuberculose foi do Diógenes. O ponto de partida foi a descoberta de que a bactéria da tuberculose tem vias metabólicas muito próximas e equivalentes às do parasita da malária. Isso acontece porque o protozoário da malária inclui no seu genoma uma estrutura de origem bacteriana ou de algas unicelulares. Com base nessa semelhança das vias metabólicas, teoricamente, certos produtos que são ativos contra a tuberculose, devidamente adaptados, devem funcionar contra a malária. Atualmente estamos analisando os efeitos sobre o parasita da malária dos produtos derivados da isoniazida, a principal droga ativa contra a tuberculose, à qual a bactéria vem desenvolvendo resistência. E estão surgindo algumas pistas. ■ Quais
medicamentos ainda são usados hoje no tratamento da malária? — Atualmente, no Brasil, são utilizadas a cloroquina, a primaquina, a quinina, a mefloquina, a doxiclina, a clindamicina ou a artemisina. Mas aos poucos o parasita da malária vai desenvolvendo resistência a esses compostos. Houve um progresso bastante importante nos últimos dois anos, com a introdução de associações de artemisina e seus derivados. A malária mais importante no Brasil é a causada pelo Plasmodium vivax, e não pelo Plasmodium falciparum. Aqui a malária vivax ainda não desenvolveu resistência importante à cloroquina, usada desde a década de 1940, quando foi sintetizada pelos alemães. Até hoje ela é utilizada em campanhas de saúde pública com sucesso fantástico em relação à malária vivax. A campanha de controle, dirigida pelo Serviço Nacional de malária 1950-60, associando o tratamento pela cloroquina ao combate ao
mosquito transmissor da malária pelo DDT, um inseticida de ação residual, permitiu erradicar a malária em praticamente todo o território nacional, com exceção da Amazônia. ■ Mas se ouve falar que em várias regiões do mundo já existe resistência à cloroquina... — A resistência da malária falcípara à cloroquina apareceu na Colômbia, na Ásia e também no Brasil na década de 1960. Espalhou-se pelo mundo inteiro, inclusive pela África. Por isso no Brasil foi iniciado há uns dez anos um tratamento novo à base de quinina associado a um antibiótico do tipo tetraciclina. Estava dando bons resultados, mas nos últimos anos apareceram casos de resistência a essa associação. Coincidentemente, isso aconteceu no momento em que a artemisinina foi sintetizada. Hoje está sendo usado um análogo de quinina, denominado lumefantrina associado à artemisinina num medicamento chamado Coartem, com bons resultados contra a malária falcípara. O Ministério da Saúde avaliou a sensibilidade em toda área endêmica e não encontrou até o momento resistência ao Coartem. ■ Se a resistência aos medicamentos não é o principal problema da malária no Brasil, o que de fato preocupa? O acesso aos medicamentos? — A malária está concentrada na Amazônia, em lugares de difícil acesso aos serviços de saúde. Um dos problemas é a dispersão da população, sobretudo nas áreas rurais, onde há carência total de serviços públicos de saúde. O segundo problema é o das migrações. As populações amazônicas são de uma instabilidade total. Nos últimos 40 anos, com a abertura de estradas, é intensa a movimentação de pessoas e a concentração delas nas regiões periurbanas. O lugar de maior incidência hoje de malária no Brasil é Manaus, por conta da imigração; das invasões de terra em torno das áreas urbanizadas, que são extremamente insalubres; e das coleções de água estagnada, que dificilmente se tornarão alvo de algum processo de saneamento. Isso torna a população extremamente exposta ao mosquito vetor da malária. ■ Como a imigração influencia a dispersão da malária?
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— As migrações externas, que vêm de áreas onde não há malária, trazem para a área endêmica pessoas que não têm experiência de malária. Essa é a nossa maior preocupação em relação às usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira. O problema não é a população local que vai ser atingida com a instalação das hidrelétricas pelas barragens ou pelo reservatório de água. Essa é uma população pequena, que não chega a 10 mil pessoas, que sofrem de malária mas mantêm um certo equilíbrio com ela pelo desenvolvimento da imunidade. O que está crescendo rapidamente é a população imigrante. As empresas calculam que serão gerados 20 mil empregos diretos só na construção das barragens. Se contarmos também as famílias desses trabalhadores, esse número sobe para 60 mil. Essa população não será recrutada toda localmente, e a migração já aumentou. É claro que os empregados das usinas não formam a população de risco mais importante, já que eles poderão contar com a assistência das empresas construtoras, ficarão instalados em acampamentos e terão atendimento médico, até por determinação da legislação trabalhista. O problema será a população migrante secundária, que chegará à região atraída pela demanda por uma série de serviços que vão desde a alimentação até a prostituição. Esse é o grupo de risco, já que essas pessoas não terão o mesmo nível de assistência dos empregados das empresas. Esse grupo terá de ser assistido pelas estruturas locais de saúde pública, que são extremamente deficientes e não atendem sequer as necessidades locais de hoje. Como o senhor enxerga a construção dessas novas hidrelétricas? — As hidrelétricas do Madeira vão contribuir não apenas para ampliar a oferta de energia elétrica. Por meio de acordos com a Bolívia e o Paraguai elas criarão também condições, no futuro, para transporte fluvial de Belém a Manaus. Toda a atividade industrial e agroindustrial do Brasil Central e dos países limítrofes vai escoar por essa via. A perspectiva de abertura de estradas de rodagem de Porto Velho até o Pacífico, atravessando o Peru, deve facilitar o acesso da produção do interior da América Latina ao mercado asiático. Não estamos, portanto, falando só de hidrelétricas. Estamos pensando ■
em vários aspectos importantes para o desenvolvimento da região. No início desse ano fiz uma conferência no Instituto Pasteur que teve como título:“Como ir de Belém a Buenos Aires sem passar pelo oceano Atlântico e sem pegar malária”. ■ E qual é o segredo para não pegar ma-
lária? — Para que no futuro não se pegue malária tem que haver um trabalho de saneamento e a implementação de medidas de prevenção ao longo do vale do rio Madeira, particularmente nas áreas vizinhas de Porto Velho. O impacto socioeconômico das usinas e as perspectivas que elas abrem para o futuro justificam que o problema técnico-científico relacionado com a saúde também seja resolvido de modo exemplar, sobretudo agora que as condições de conhecimento científico e técnico não são as mesmas do início do século passado, quando se deu o drama da construção da ferrovia Madeira–Mamoré. Temos como criar uma obra exemplar em termos de serviços de saúde, capaz de conter a explosão da epidemia e também de promover a melhoria do nível básico de saúde das populações rurais da bacia do Madeira. ■ Quais devem ser as repercussões desse projeto? — Na área técnica há muita repercussão negativa. Está promovendo indiretamente o aumento do desmatamento em Mato Grosso e Rondônia. Amplia essa mania do tudo álcool, do tudo biocombustível, e também pelo aumento internacional do preço da soja e da carne bovina para exportação, acumulamse estímulos ao desmatamento. Esse domínio do mercado de consumo e exportação de produtos primários em áreas subdesenvolvidas do país é um problema. O capitalismo paulista, carioca e mineiro já sofre a pressão de opinião pública no que diz respeito ao equilíbrio ecológico e à proteção do meio ambiente. Mas na Amazônia muitos negócios e atividades econômicas ainda estão na mão de aventureiros. Em termos de saúde, o grande problema é a preocupação com a saúde rural. O meu velho mestre Samuel Pessoa já dizia na década de 40 ou 50 do século passado: “Por que existe malária na Amazônia?” E ele mesmo respondia: “Porque não existe um sistema estruturado de prestação de serviço
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No caso da soroterapia, nosso alvo são doenças graves na região amazônica que permanecem sem tratamento eficaz, como a febre amarela, a raiva e o tétano
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Os amazônidas acham que eles próprios têm que resolver seus problemas. Não precisam de paulista. Em Rondônia é diferente: todo mundo é forasteiro
em saúde rural”. Agora, com as duas usinas hidrelétricas, estão previstos investimentos de R$ 20 bilhões na região. Será possível realizar obras de saneamento e a implantação de estruturas básicas de atendimento à saúde da população rural. Isso é um dever não apenas da República, mas das empresas responsáveis pelas obras que vão aumentar sua rentabilidade. Depois de instaladas as usinas, só a capital, Porto Velho, vai receber royalties da ordem de US$ 60 milhões. Esse valor pode lastrear empréstimos de até US$ 600 milhões para o saneamento. Apenas com o saneamento é possível controlar essas doenças? — O saneamento é um dos fatores essenciais do controle. Também é necessário haver nelhoria da estrutura de atendimento básico à saúde. Com as obras, haverá facilidade de transporte fluvial e será possível navegar de Porto Velho até o sul do estado, no limite com a Bolívia e o Mato Grosso. Não estamos falando em ter um posto de saúde a cada 100 metros, mas em distribuir a estrutura de atendimento do SUS, com agentes comunitários, sistema de atenção à família e centros de tecnologia e ciência avançada. E isso nós sabemos fazer bem. ■
Já foi feita alguma avaliação dos riscos da doença na população? — Em relação a riscos de epidemias, começamos por uma avaliação da prevalência da malária assintomática na população que será atingida pela barragem da usina Santo Antônio. Fizemos um inquérito demográfico para atualizar dados do IBGE e chegamos a uma população total de 3 mil pessoas. Analisamos uma amostragem de 1.500 residentes e fizemos uma avaliação da prevalência da malária. Isso seria impossível se estivéssemos utilizando técnicas antigas. Seriam necessárias 1.500 horas de trabalho técnico especializado de microscopistas. Hoje fazemos isso por meio de uma técnica como PCR, que trabalha em tempo real e analisa cem reações por dia. Se o técnico for bem treinado, em duas semanas você faz a metade da população. ■
■ Qual a taxa da malária assintomática?
— Em algumas áreas encontramos prevalência de 50% entre adultos. Quando a Madeira–Mamoré começou a ser cons14
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truída, já existia ali o seringueiro, que era um reservatório de malária. Foi ele provalmente o responsável pela transmissão inicial que resultou em terrível epidemia com milhares de mortos. Pelo que se sabe, não existem reservatórios extra-humanos de malária falcípara. Talvez exista da vivax, mas ainda estamos investigando. A população assintomática é um reservatório: transmite o parasita ao mosquito. Os riscos aumentam com a ocupação humana desordenada, que provoca uma grande degradação ambiental fixa: cria alagadiços, derruba a mata e bloqueia os igapós. O resultado é que o vetor de malária se prolifera. É preciso sanear a água de superfície e tratar os portadores assintomáticos. Mas, para tratá-los, é preciso diagnosticar. E, para diagnosticar, não dá para usar mais microscópio, tem de usar tecnologia mais avançada. ■ Se os assintomáticos forem tratados, eli-
mina-se o parasita e evita-se a transmissão da doença? — A malária falcípara não tem reservatório hepático, já a malária vivax é mais complicada. Aliás, estamos estudando isso: quando se trata a malária vivax, ficam parasitas dormentes no fígado, que saem três meses mais tarde. Além de tratar o assintomático, precisa haver vigilância permanente. Todo mundo que teve malária vivax precisa ficar atento para o risco de recaídas do parasita. A estratégia é fazer uma intervenção maciça inicial, seguida de um sistema de vigilância permanente em nível qualificado. Estamos apresentando ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Ciência e Tecnologia uma proposta de organizar essa estratégia em consórcio. Não pode ficar só no âmbito das secretarias de Saúde da cidade de Porto Velho ou do estado de Rondônia. Tem que ser algo coordenado pelo Ministério da Saúde, já que é uma obra de interesse nacional, da qual devem fazer parte desde as secretarias locais até as empresas construtoras. A usina de Santo Antônio deve entrar em operação em 2012. Os próximos anos deverão ser de um dinamismo permanente. ■ Já foi avaliada toda a região que será afetada pelas usinas? — Fizemos uma análise global do vale do Madeira. São 250 quilômetros de rio. Já realizamos uma primeira análise do
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impacto da primeira barragem e um acordo de assistência técnica com a Fiocruz e com a universidade local. A intenção é organizar um centro de saúde modelo na área de impacto direto e pequenas unidades de atendimento e vigilância ao longo das áreas de impacto direto. Esse centro de saúde será modelo. Terá de cuidar não só de malária.Também terá de oferecer atendimento em saúde básica, saúde materno-infantil, desenvolver prevenção de doenças de transmissão hídrica e sexualmente transmitidas, sem esquecer de gravidez na adolescência, que é um problema enorme. É possível proteger essas pessoas? — Esse problema pode ser equacionado. Houve dois grandes acidentes na história de Rondônia. O primeiro foi durante a construção da estrada de ferro Madeira–Mamoré no início do século XX. Calcula-se que ali tenham morrido 20 mil pessoas, uma para cada dormente assentado. Mas nessa época a única droga existente contra a malária era a quinina, mal preparada e mal purificada, com alto efeito tóxico e utilizada como profilaxia. A quinina é péssima para a profilaxia porque tem um tempo de duração na circulação sangüínea muito curto. E é extremamente tóxica para pessoas com deficiência de glóbulos vermelhos, ou seja, as populações de origem africana. E, para a construção dessa ferrovia, vieram muitos trabalhadores de Barbados e das Antilhas, de origem africana. A mortalidade então foi elevada. É bom que se ressalve que se atribuíram à malária muitas mortes que, muito provavelmente, ocorreram em decorrência de doenças infecciosas como febre amarela e viroses hemorrágicas, entre outras. O outro acidente na história de Rondônia aconteceu nos anos 1960, com o garimpo. Hoje é diferente. Realizamos uma análise apurada das áreas que sofrerão impacto das barragens e constatamos que há níveis elevadíssimos de reservatório assintomático de malária. Em algumas localidades 50% dos adultos são portadores assintomáticos: eles têm o parasita, mas não desenvolvem a doença.
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■ Como conseguiram realizar esse levantamento? — Tivemos recursos do Ministério da Saúde e do Ministério da Ciência e Tecnologia para aprofundar a análise da si-
tuação de saúde relacionada à malária, a reservatórios de doenças transmissíveis sexualmente e às arboviroses. Furnas participou com um financiamento pequeno, mas importante, porque nos deu, por exemplo, condições de transporte. ■ Tratar pessoas com malária assintomática já deu resultados? — Temos uma experiência limitada. Numa determinada comunidade, tratamos só os reservatórios de malária falcípara. Constatamos que há redução na transmissão de malária falcípara. Mas se a infecção for mista, com Plasmodium falciparum e Plasmodium vivax, quando se trata a malária falcípara, a vivax recrudesce. Estamos repetindo esse experimento, tentando tratar as duas ao mesmo tempo. Em localidades onde há muita mobilidade como nas margens do rio Madeira, a população flutuante traz parasitas diferentes e o tratamento dos assintomáticos locais praticamente não tem efeito. Não existe medida milagrosa. Também é necessário acabar com os problemas de saneamento de águas de superfície, usar controle do vetor – ou seja, um inseticida bem direcionado – e fazer a vigilância epidemiológica das formas sintomáticas, para tratá-las precocemente. No nosso projeto propomos que realmente se faça um reforço acentuado de vigilância para evitar a explosão da doença. Isso é saúde pública. Não estamos inventando nenhum meio novo, a não ser um sistema de diagnóstico parasitológico mais eficiente, com metodologia molecular. Isso pode ser feito em regiões específicas e é possível, com recursos das construtoras, difundir essa estratégia em redes de diagnóstico epidemiológico eficientes em grandes áreas, sem que seja necessário multiplicar por cem ou por mil as unidades de diagnóstico. O segredo é centralizar e formar redes. A rede de vigilância é a mais complexa e envolve pessoas que trabalham em contato com a população.
Por que o senhor trocou as margens do Sena pelas do Madeira? — Gosto de fazer o que sei fazer. Trabalhei com malária no Instituto Pasteur durante 18 anos, com a perspectiva que se tinha na época de chegar a uma vacina eficaz. Com a estrutura do Pasteur, tínhamos competitividade para entrar nisso. Tive muito contato com o territó-
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rio africano, Dacar e Madagascar, e me interessei pelo controle não com vacinas, mas com os meios que estão disponíveis: fazer o controle por meio da saúde pública. Voltei ao Brasil com competência acumulada em malária e queria trabalhar na Amazônia. Rondônia foi o lugar que se mostrou favorável, porque lá havia menos resistência à chegada de forasteiros como eu. Os amazônidas, tanto os paraenses como os amazonenses, acham que eles próprios têm que resolver seus problemas. Não precisam de paulista. Em Rondônia é diferente: todo mundo é forasteiro. Eu era apenas mais um. Ninguém estranhou minha presença. E era um lugar que concentrava 40% dos casos de malária do país em uma população que representa 10% da população da Amazônia. Era realmente uma situação grave. Lá encontrei condições para trabalhar. Comecei a fazer ciência em epidemiologia e saúde pública com o Samuel Pessoa. Trabalhamos na Paraíba nos anos 1950 com esquistossomose e depois com doença de Chagas. Sempre me interessei pelo trabalho de campo, pelo contato direto com as vítimas dos processos de doenças parasitárias que não têm acesso aos progressos da ciência e aos conhecimentos novos que favorecem o controle dessas doenças. Para mim era um desafio montar um laboratório de fronteira, numa área de alta incidência de doença, para saber se era possível criar uma estrutura em que ciência e tecnologia modernas possam ter impacto sobre o ambiente de uma maneira positiva. Hoje o impacto é pequeno. Será de utilidade no futuro, mas não no curto prazo. O senhor pensa em se aposentar? — Não sei se ficarei muitos anos por aqui. Fico mais dois ou três anos. Depois preciso descansar. Sempre estarei por perto, ajudando. Tenho uma casinha lá no Midi de la France. Posso talvez ser mais útil na França do que aqui. Fiquei duas semanas em Paris há 15 dias e vi que era mais fácil falar com a administração federal e com os ministros brasileiros de Paris do que de Porto Velho. Basta anunciar às secretárias “aqui é o dr. Luiz Hildebrando, falando de Paris” para ser atendido. Agora com Skype ficou ainda mais fácil. Passei 15 dias na França ligando para o Brasil, resolvendo problemas. ■ ■
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> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS
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Legião estrangeira
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ao jornal The New York Times. A Índia é a nação que mais mandou alunos. Eles foram 83.833 no ano passado. As posições seguintes cabem à China (67.723 alunos), Coréia do Sul (62.391) e Japão (35.282). O Brasil aparece em 16º lugar, com 7.126 alunos, 2% a mais que no ano anterior.
> Doutores aborígenes Fundado em 2002 pelo governo da Nova Zelândia, o Centro de Pesquisas Maori, em Auckland, nasceu com a ambição de elevar de poucas dezenas para 500 o número
de nativos maoris com título de doutor. A meta, segundo reportagem da revista Science, foi atingida com antecedência, no ano passado. Mas fazer ciência e respeitar as tradições do povo aborígene produz tensões. A pesquisadora maori Melanie Cheung, por exemplo, esbarrou em barreiras culturais quando precisou cultivar neurônios para estudar a doença de Huntington, moléstia hereditária que causa degeneração cerebral. Ela foi consultar os anciãos de sua tribo sobre a possibilidade de usar neurônios extraídos de cadáveres. Primeiro ouviu um não como resposta. Para
> Novo sítio para lançar satélites
REGIS UNIVERSITY
O número de estudantes estrangeiros em instituições de ensino superior dos Estados Unidos alcançou o recorde de 582.984 pessoas no ano letivo 2006/2007, 3% a mais do que no período anterior. Com isso, o exército de alunos de graduação e pós-graduação oriundos de todos os cantos do planeta voltou ao patamar anterior aos ataques terroristas do 11 de Setembro, que levaram o governo norte-americano a restringir a entrada de estrangeiros. Os dados, divulgados pelo Instituto de Educação Internacional (IIE, na sigla em inglês), mostram que a contribuição desses alunos supera o caráter acadêmico e cultural e representa grande força econômica. Os estrangeiros injetaram nos Estados Unidos US$ 14,5 bilhões no último ano, em anuidades escolares, despesas com moradia e compra de livros, US$ 1 bilhão a mais que no ano anterior. “Educação superior é uma mercadoria escassa em vários lugares e o único país com capacidade de absorver mais e mais estudantes são os Estados Unidos”, disse Allan Goodman, presidente do IIE,
os maoris, os mortos são sagrados. Mas os anciãos aceitaram ouvir os argumentos de Richard Faull, orientador de Melanie. Acabaram convencidos da importância do trabalho, mas fizeram exigências, como a necessidade de fazer uma prece no laboratório em homenagem ao morto ou de cantar uma canção maori sobre a criação da vida.
Maoris: centro de pesquisa para formar membros da etnia
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A China vai começar a erguer o quarto centro de lançamento de satélites de seu território, numa área de 20 quilômetros quadrados na ilha de Hainan, ao sul do país. Segundo a agência de notícias Xinhua, serão construídos no local um centro de comando e uma plataforma de lançamentos, uma fábrica de foguetes e um parque temático de ciência espacial. A obra deverá ser concluída até 2013. O local foi escolhido por sua proximidade com o equador. Quanto mais próximo da linha imaginária que separa os hemisférios Sul e Norte, menor a viagem percorrida pelo foguete e maior a economia de combustível. Cerca de 6 mil pessoas que
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> Um ministério só para a ciência A Argentina terá pela primeira vez um ministério exclusivo para a área de Ciência e Tecnologia. A nova presidente do país, Cristina Fernández de Kirchner, indicou o biólogo molecular Lino Barañao como titular da pasta. Pesquisador do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (Conicet) e presidente da Agência Nacional de Promoção da Ciência, Barañao assume com a missão de pavimentar o caminho para a elevação dos gastos com ciência e tecnologia do atual 0,65% do PIB para 1% até 2010, sendo metade dos investimentos de origem pública e a outra metade de fontes privadas. “O objetivo é colocar a ciência e a tecnologia a serviço do desenvolvimento econômico, com ênfase para áreas como biotecnologia,
nanotecnologia e tecnologia da informação”, disse Barañao à agência de notícias SciDev.Net.
> Goteiras no monumento O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) está processando um renomado arquiteto e a construtora responsáveis pela construção do Stata Center, complexo futurista de laboratórios, salas de aula, auditórios e centros esportivos inaugurado em 2004, ao custo de US$ 300 milhões. A direção do instituto alega que houve falhas de projeto e de construção que resultaram em múltiplas infiltrações, rachaduras e problemas de drenagem. O idealizador da obra é o arquiteto Frank Gehry, que assina obras como a do Museu Guggenheim em Bilbao e ganhou o aclamado Prêmio Pritzker em 1989. A empreiteira de origem sueca Skanska diz que a culpa não é sua. Alega que recomendou mudanças no projeto, principalmente na drenagem de um anfiteatro de 350 lugares, mas Gehry não as acatou. “Não se trata de um problema de construção”, disse Paul
Hewins, vice-presidente da empreiteira, ao jornal The Globe. O MIT já gastou US$ 1,5 milhão em consertos no anfiteatro. Gehry, que recebeu US$ 15 milhões pelo projeto, alega que problemas são naturais em obras muito
complexas. “Essas coisas são complicadas, pois envolvem muitas pessoas e nunca dá para saber quem errou”, afirmou. “Esses prédios são feitos de 7 bilhões de peças que se conectam. As chances de que não ocorra nenhum problema são remotas.” JAMES MUSPRATT
habitam a região terão de ser removidas de Hainan até 2008. Os outros três centros de lançamento chineses ficam nas províncias de Sichuan, no sudoeste, de Gansu, no noroeste, e Shanxi, ao norte.
Stata Center: infiltrações, rachaduras e problemas de drenagem PESQUISA FAPESP 142
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PESQUISA FAPESP ONLINE Acesse nosso conteúdo exclusivo em www.revistapesquisa.fapesp.br
Pesquisa Brasil Toda segunda-feira a mais recente edição do programa semanal de rádio de Pesquisa FAPESP pode ser ouvida on-line ou baixada no computador.
As antenas de radiotelescópio irão espalhar-se por uma área de 1 quilômetro quadrado
Olhos voltados para o céu Só em 2010 será definido o local da construção do SKA (Square Kilometre Array), o maior radiotelescópio do mundo – uma floresta de numerosas antenas de 15 metros de diâmetro distribuída numa área de 1 quilômetro quadrado. Mas a África do Sul, que disputa com a Austrália a primazia de abrigar o projeto, está fazendo a lição de casa. Vinte bolsas nas áreas de física e eletrônica estão sendo oferecidas a estudantes de pósgraduação sul-africanos com o objetivo de formar recursos humanos para o projeto. Kim de Boer, gerente de desenvolvimento de recursos humanos para a SKA, disse à agência de notícias SciDev.Net que a meta do programa vai além 18
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do recrutamento de técnicos. “Queremos fomentar novos talentos. Não temos carência de cérebros”, diz. O radiotelescópio custará € 1 bilhão, bancado por um consórcio de 34 instituições de pesquisa da União Européia e de países como Austrália, China, Rússia, Estados Unidos, Brasil e África do Sul.
> Balanço da lei venezuelana Um primeiro balanço dos efeitos da nova Lei de Inovação da Venezuela mostra que 1.366 centros de pesquisa vão beneficiarse dos US$ 2,5 bilhões arrecadados das 6,8 mil empresas do país. A legislação determina que
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Nossas Colunas
Direto de Harvard
companhias com faturamento superior a US$ 1,6 milhão anuais invistam até 2% de seus ganhos em projetos de inovação. Cerca de 6,5 mil projetos foram cadastrados para receber aportes. Daissy Marcano, presidente do Observatório Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, instituição criada para monitorar o cumprimento da lei, informou que sua prioridade agora é criar uma unidade voltada para produzir estatísticas e indicadores. “Precisamos saber onde estão nossas competências quando precisarmos resolver alguma necessidade da sociedade venezuelana”, disse a pesquisadora à Agência Bolivariana de Notícias.
Antonio Bianco
> Conta como pesquisadores no Brasil podem obter financiamento dos National Institutes of Health (NIH)
Fiat lux Vanderlei Salvador Bagnato
> Comenta os desafios que o aumento da longevidade do brasileiro traz para a tecnologia nacional.
Neotrópicas Marcos Buckeridge
> Escreve sobre como as mudanças climáticas poderão afetar a biodiversidade marinha no Brasil.
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Governador nomeia dirigentes da FAPESP No sentido horário: Engler, Brito Cruz, Arana Varela e Ricardo Brentani
> Proteção da memória O Arquivo de Oswaldo Cruz, que traz o registro da atividade científica do pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil, é um dos dez acervos documentais brasileiros que farão parte do Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A lista com os arquivos contemplados foi divulgada pelo Ministério da Cultura (MinC) no início de novembro. O programa tem o objetivo de assegurar a preservação de conjuntos de documentos de importância mundial e democratizar o acesso a esses documentos. Também integram a lista os seguintes arquivos: Arquivo Machado de Assis; Fundo Novacap; Políticas no Estado do Rio de Janeiro; Arquivo Guimarães Rosa; Autos da Devassa – a Inconfidência em Minas, Levante de Tiradentes; Arquivo Getúlio Vargas; Filme Limite; Vereanças do Senado da Câmara; e Arquivo do Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os Países do Cone Sul.
FOTOS EDUARDO CESAR
ESTRATÉGIAS
BRASIL
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O governador de São Paulo, José Serra, nomeou no dia 22 de novembro o novo vice-presidente e os dirigentes da FAPESP para os próximos três anos. Os nomes foram escolhidos a partir de listas tríplices escolhidas pelo Conselho Superior da FAPESP. Ricardo Renzo Brentani foi nomeado diretor-presidente, em recondução a partir do término de seu mandato, em dezembro. Professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), é diretor-presidente do Hospital do Câncer A.C. Camargo e ex-coordenador do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer. Digiriu o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Carlos Henrique de Brito Cruz foi nomeado para o cargo de diretor científico da FAPESP, também em recondução a partir do término de seu mandato, em abril. Professor titular no Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
> O desafio do leite materno A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai coordenar uma rede de bancos de leite humano instituída no mês passado pela Cúpula Iberoamericana de Chefes de Estado e de Governo, ocorrida no Chile. Segundo a Fiocruz, o trabalho realizado pela Rede Brasileira de
foi presidente da FAPESP de 1996 a 2002 e reitor da Unicamp de 2002 a 2005. Joaquim José de Camargo Engler exercerá a função de diretor administrativo, em recondução, a partir de fevereiro, quando termina o seu atual mandato. Professor titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e presidente da Comissão de Orçamento e Patrimônio da USP, Engler foi diretor da Esalq, diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e chefe de gabinete do reitor da USP. O conselheiro José Arana Varela vai exercer a função de vice-presidente da Fundação. Professor titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, Varela foi diretor da Associação Brasileira de Cerâmica, da Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais e da Sociedade Brasileira de Materiais.
Bancos de Leite Humano (Rede BLH-BR) servirá de modelo e apoiará os países envolvidos no projeto, como Espanha, Paraguai, Argentina, Venezuela, Bolívia e Uruguai. A Rede BLH-BR conta com 190 unidades em funcionamento e 29 postos de coleta. Foi criada num centro de referência instalado desde 1943 no Instituto Fernandes Figueira
(IFF), unidade maternoinfantil da Fiocruz, e arrecada por ano cerca de 114 mil litros de leite humano, que passam pelo processo de pasteurização e são distribuídos a mais de 130 mil recém-nascidos. Conta com a participação de 90 mil mães, que contribuem voluntariamente com o programa de doação de leite humano.
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BRASIL
Vítima do próprio sucesso
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Um estudo feito por pesquisadores da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard mostra que a estratégia brasileira de produção de drogas contra a Aids levou o país a economizar US$ 1,2 bilhão entre 2001 e 2005. Cerca de 180 mil brasileiros vítimas da doença recebem tratamento de graça por meio de um programa considerado um dos mais avançados no combate à Aids. O artigo de Harvard diz, ainda, que a possibilidade de quebrar patentes de drogas anti-HIV tem servido para que laboratórios reduzam os preços de seus medicamentos. No início do ano, o Brasil quebrou a patente do Efavirenz, alegando medida emergencial de interesse público, e decidiu importar medicamentos mais baratos da Índia, que também fabrica drogas genéricas. Os pesquisadores de Harvard alertam, contudo, que o sucesso da estratégia pode terminar por sufocá-la: como faz as pessoas viverem cada vez mais, gera uma demanda contínua por medicamentos. A saída, dizem, é partir para uma política mais agressiva de produção de genéricos anti-Aids, que hoje custam caro no Brasil. Segundo a pesquisa, caso os custos dos genéricos brasileiros estivessem no mesmo nível praticado em países como a Índia, o custo total dos anti-retrovirais teria sido de US$ 367 milhões em 2005, quase US$ 50 milhões menos
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do que foi efetivamente gasto. A autora principal do estudo é Amy Nunn, que passou uma temporada de um ano no Brasil.
> Morre o professor Newton Bernardes O físico Newton Bernardes, professor da USP e da Unicamp, morreu em Campinas, no dia 25 de novembro, aos 76 anos de idade. Um dos físicos brasileiros mais citados em revistas internacionais, produziu contribuições originais, sobretudo em física do estado sólido, em publicações como Physical Review e Physical Review Letters. Graduado pela USP no início dos anos 1950, Bernardes passou uma temporada nos Estados Unidos, onde obteve o Master of Science na Universidade de Illinois e o título de doutor em 1959, pela Universidade de Washington, Saint Louis. Entre 1960 e 1962 chefiou o Grupo de Física dos Sólidos no Instituto de Pesquisa Atômica da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos. De volta ao Brasil, foi convidado pelo professor Mário Schenberg para ajudar na implantação e desenvolvimento do Departamento de Física do Estado Sólido da USP. Entre 1976 e 1982 afastou-se temporariamente da USP para exercer a função de professor colaborador no Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Aposentado na USP desde
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> Projetos selecionados A FAPESP e a Microsoft Research anunciaram os cinco projetos contemplados na primeira chamada do Instituto Microsoft Research-FAPESP de Pesquisas em TI, lançado em abril de 2007. Será investido R$ 1 milhão em um ano em estudos de aplicação das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Dois dos projetos têm como objetivo promover a inclusão social de portadores de necessidades especiais, analfabetos ou com baixa escolaridade. São coordenados por Sandra Aluisio, da USP em São Carlos, e Cecília Baranaukas, do Instituto de Computação da Unicamp. O terceiro, coordenado por Lúcia Filgueiras, da Escola Politécnica da USP, vai investigar formas de integrar meios eletrônicos na prestação de serviços
públicos. O quarto, coordenado por Fabio Kon, da USP, busca uma saída para agilizar a prestação de serviços de saúde por meio de um protótipo baseado em celulares inteligentes, PDAs, entre outros. O último projeto, coordenado por Claudia Bauzer, do Instituto de Computação da Unicamp, vai investigar alternativas de comunicação entre pequenas propriedades rurais e desenvolver modelos de gerenciamento de dados para o planejamento agrícola.
> Meio século de geologia Acaba de ser lançada uma obra que resgata os 50 primeiros anos do curso de geologia da Universidade de São Paulo. O livro Geologia USP 50 anos (Edusp) é composto de 17 capítulos e foi organizado por Celso de Barros Gomes, professor do Instituto de Geociências (IGC). Repletos de imagens históricas, os textos se dividem em três categorias. Primeiramente, estão agrupadas as lembranças do período
inicial do curso, entre 1957 e 1969, ainda na alameda Glete, no bairro de Campos Elísios. Só no início dos anos 1970 o curso passaria para a Cidade Universitária, vinculado ao IGC. Em segundo lugar, o livro trata das alternativas de trabalho para os geólogos. Por fim, aborda o futuro do curso de geociências da USP. “O Instituto de Geociências representa o fruto consolidado de uma cultura que se instalou ainda nas suas origens, na Alameda Glete, voltada para a busca permanente de padrão de excelência para as suas atividades primordiais, ensino e pesquisa”, escreveu Barros Gomes. EDUARDO CESAR
1993, era, nos últimos anos, professor colaborador da Unicamp, onde seguiu desenvolvendo pesquisas sobre fundamentos da física.
Geologia: imagens e história
> Parceria contra o câncer O Hospital do Câncer A.C. Camargo, de São Paulo, e o M.D. Anderson Cancer Center, dos Estados Unidos, assinaram um convênio que estabelece uma ampla parceria para a cooperação em pesquisa, ensino, inovação tecnológica e técnicas para tratamento oncológico. O convênio foi firmado no dia 12 de novembro numa cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, pelos cientistas John Mendelsohn e Ricardo Brentani, respectivamente presidentes do M.D. Anderson e da Fundação Antônio Prudente, mantenedora do Hospital A.C. Camargo, que também teve a presença do governador José Serra. “Há algum tempo, temos trabalhado com o M.D. Anderson. Ampliar esta parceria no ensino, pesquisa e tecnologia será um importante passo para o nosso objetivo final, que é aprimorar o tratamento de qualidade que pode ser prestado à sociedade”, explicou Ricardo Brentani.
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ELETRONUCLEAR
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INVESTIMENTOS
Um novo plano de crescimento Governo federal destinará R$ 42,1 bilhões para ciência, tecnologia e inovação C LAUDIA I ZIQUE
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Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007-2010, anunciado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 20 de novembro, tem uma meta audaciosa: aumentar os gastos nacionais em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) do atual 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) para 1,5% em três anos, um esforço adicional que corresponderia a investimentos da ordem de R$ 5,7 bilhões anuais, ou algo em torno de R$ 23 bilhões no período. Com esse incremento, o Brasil saltaria de uma posição próxima a de países do Leste Europeu e da África do Sul no ranking de dispêndio em P&D, em termos porcentuais, para alcançar a China e aproximar-se do Reino Unido e da Holanda. Com esse plano – batizado de PAC da Ciência e Tecnologia –, o governo federal promete patrocinar essa arrancada e destinar R$ 41,2 bilhões à ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) nos próximos quatro anos. Conta também com a contribuição das empresas privadas, cuja participação nos gastos em P&D quer ver ampliar do atual 0,51% para 0,65% até 2010. Os investimentos previstos vão financiar, além da expansão do sistema de C,T&I, outras três linhas de ação: inovação empresarial; formação de recursos humanos; pesquisa e desenvolvimento em áreas estratégicas; e implementação de centros vocacionais, telecentros, incubadoras de tecnologias sociais, entre outros. Incluem recursos do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), das agências de fomento, do Fundo Nacional
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de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e de outros ministérios. Os recursos destinados à inovação nas empresas saltarão de pouco mais de R$ 4,5 bilhões em 2007 para R$ 6 bilhões em 2010. Esse reforço de caixa será resultado do descontingenciamento acelerado da verba dos fundos setoriais nos próximos dois anos e da criação de novos fundos, anunciados pelo governo. O dinheiro chegará ao mercado na forma de recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis, fundos de capital de risco, incentivos fiscais e subvenção econômica. A meta é elevar a proporção do faturamento das empresas inovadoras de 0,8%, em 2005, para 1,2%, em 2010. Para estimular investimentos das empresas, o governo pretende subvencionar as empresas que investirem em P&D e oferecerá uma linha de crédito da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) – sem exigência de garantias reais
e a juro zero – àquelas que instalaremse em parques tecnológicos. A previsão é de que até 2010 serão destinados R$ 2 bilhões às subvenções, com contrapartidas. A medida representaria um reforço à Lei de Inovação, aprovada em 2004, e ampliaria os mecanismos de incentivos fiscais previstos na Lei do Bem. O PAC da Ciência e Tecnologia prevê também a criação do Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), uma rede formada por institutos de pesquisa, universidades federais, estaduais e privadas, que, segundo o ministério, destinará R$ 677 milhões para a organização de centros de inovação, institutos de serviços tecnológicos e extensão tecnológica. Essa rede, que será instalada até o final de 2008, será composta por pelo menos dez instituições que, em parceria com a iniciativa privada e recursos do BNDES, Finep, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), formarão recursos humanos, oferecerão programas de capacitação tecnológica,
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PETROBRAS
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serviços técnicos especializados – como calibração e ensaio, por exemplo –, investirão na modernização de laboratórios, entre outros. A meta é apoiar a criação de, no mínimo, dez empresas inovadoras por ano. O plano reitera a intenção do governo federal de mobilizar o poder de compra do setor público, previsto na Lei de Inovação, para promover o desenvolvimento tecnológico das empresas. Uma das primeiras áreas a ser favorecidas por essa política será a indústria farmacêutica. Formação de pesquisadores O plano
prevê aumento de quase 50% nos investimentos na formação de mestres e doutores entre 2007 e 2010 – que somarão algo em torno de R$ 6 bilhões no período. O número de bolsas concedidas pelo CNPq vai ser ampliado em 46%. O objetivo é aumentar em 60% o número de doutores formados anualmente. As novas bolsas serão destinadas principal-
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mente aos cursos de engenharia – identificada como uma das especializações mais demandadas pelo mercado – e às áreas definidas como prioritárias pela Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (Pitce).“O aumento na quantidade de bolsas é muito positivo, especialmente se focalizar a área de engenharia, onde é reconhecida a falta de profissionais qualificados”, afirma o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. Ele ressalva, no entanto, que é preciso ter cuidado para não se enfatizar demais os interesses em aplicações quando se trata da pesquisa acadêmica. “Na pesquisa industrial e na pesquisa em institutos com missão dirigida, a consideração sobre a aplicação é fundamental. Mas, nas universidades, a pesquisa precisa explorar as fronteiras do conhecimento humano em todas as áreas, e não somente naquelas para as quais se antevêem aplicações.” O valor das bolsas também será reajustado. As bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do CNPq terão um aumento de 20% a partir de 1º de março de 2008. Os investimentos na formação de recursos humanos devem obedecer à estratégia de descentralização da ciência e tecnologia, buscando eqüidade regional e social, em especial das regiões CentroOeste, Nordeste e Norte. A idéia é fortalecer os sistemas regionais e locais, por meio de reforço às instituições estaduais na promoção de P,D&I. Mas a medida mais aplaudida na cerimônia de apresentação do PAC da C&T à comunidade científica foi anunciada pelo próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o governo vai simplificar o processo de importação de insumos para a pesquisa. De acordo com o ministro Sérgio Rezende, a Receita Federal vai criar uma “linha verde”para esses produtos, acelerando o seu processo de ingresso no país.“Os fiscais da alfândega vão dar um tratamento diferenciado aos produtos para pesquisa”, prometeu o ministro. P&D estratégica A grande novidade do plano está no reforço à P&D em áreas estratégicas e que envolvem não apenas o MCT, mas diversos ministérios, o que reforça o orçamento do PAC da C&T. Essa decisão foi qualificada pelo próprio
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presidente como uma revolução de procedimentos: “Juntamos todos os setores do governo que, direta ou indiretamente, tratavam da questão da ciência e tecnologia, e resolvemos acabar com os programas individuais para tentar criar um programa para o Estado brasileiro”, explicou Lula na cerimônia de lançamento do plano. A intenção, ele sublinhou, é “acabar com aquela história de que cada centro do governo tinha um pedacinho de ciência e tecnologia”. Essa “revolução de procedimentos” transforma o MCT numa espécie de gestor da P&D de 13 setores intensivos de tecnologia que têm, na avaliação do governo federal,“transversalidade setorial, multidisciplinaridade técnico-científica”, grande potencial inovador e dinamizador da economia, peso significativo na balança de pagamentos e convergência com a Pitce. Os setores identificados são os de biotecnologia e nanotecnologia; tecnologia da informação e comunicação; insumos para a saúde; biocombustíveis; energia elétrica, hidrogênio e energias renováveis; petróleo, gás e carvão mineral; agronegócios; biodiversidade e recursos naturais; Amazônia e Semi-Árido; meteorologia e mudanças climáticas; programa espacial; programa nuclear; defesa nacional e segurança pública. “São temas estratégicos que exigem a articulação entre os setores do governo”, adiantou o ministro Sérgio Rezende, durante o VII Seminário de Estudos Estratégicos, realizado em Brasília entre os dias 6 e 8 de novembro, duas semana antes do anúncio do PAC da C&T. Para Brito Cruz, a iniciativa do governo de propor um plano “abrangente” e com metas estabelecidas é positiva, ainda que, reconheça, possam existir críticas quanto às áreas escolhidas.“A própria existência de um plano já representa um progresso importante do ponto de vista institucional”, enfatiza. Aponta, no entanto, dois pontos fracos que, na sua avaliação, deveriam ser corrigidos. “O plano não é nacional, é um plano federal, porque não incluiu discussão com os estados sobre suas prioridades estratégicas. Isso é uma limitação importante, pois, no Brasil, 65% dos recursos públicos para P&D vêm de fontes federais e 35% de fontes estaduais. Em São Paulo, 60% dos recursos são estaduais”, observa. O segundo ponto fraco é o fato de o plano, que pretende cobrir o período
2007-2010, ser anunciado em novembro. “Seria mais correto ser um plano para 2008-2010.” Brito elogiou ainda a meta de elevar os gastos do PIC para 1,5%.“É um bom objetivo, embora seja menor do que o aumento de 2% do PIB que o presidente Lula anunciou ao Conselho de Ciência e Tecnologia em 2003.” Reforço à educação básica O PAC da C&T tem pontos de convergência com um outro PAC, o da Educação. A intenção do governo é construir “pontes” entre as universidades públicas e o sistema de educação básica.“Apesar de ser o 15º no ranking da produção científica mundial, as universidades brasileiras não transportam esse conhecimento para o mundo do trabalho e nem para a educação básica. Trata-se de um conhecimento encapsulado”, afirmou o ministro da Educação, Fernando Haddad, em conferência durante Seminário de Estudos Estratégicos. O governo vai investir R$ 2 bilhões anuais, entre 2007 e 2010, na reestruturação das universidades públicas com o objetivo de criar um sistema nacional de formação de magistério. “Até agora 36 das 54 universidades públicas já apresentaram seu plano de reestruturação que inclui o estabelecimento de vínculos com a educação básica”, contabilizou o ministro. A “ponte” da universidade com o mundo do trabalho, como ele diz, começou a ser pavimentada com a aprovação da Lei 11.487, conhecida como Lei Rouanet da pesquisa (ver revista Pesquisa FAPESP, edição de agosto de 2007).“A educação profissional também precisa ser repensada para incorporar a ciência como fator de produção”, completou o ministro. Vanguarda emergente O PAC da Ciência e Tecnologia e o da Educação informam sobre as perspectivas de longo prazo para o país. A estratégia de crescimento, no entanto, ganham efetivamente luz sob as palavras do ministro Extraordinário de Planejamento Estratégico, Mangabeira Unger.“Precisamos pensar num novo modelo de desenvolvimento com mais oportunidades de educação e maior participação popular”, ele afirmou em conferência no Seminário de Estudos Estratégicos.
Unger relacionou as prioridades do projeto estratégico que “começou agora a discutir com o presidente”. O primeiro ponto é o da Defesa Nacional, uma das ações previstas no PAC da C&T. “Não há estratégia de desenvolvimento nacional sem uma estratégia de defesa”, afirmou. Defendeu a reorganização e profissionalização das Forças Armadas, a recuperação de seu papel de vanguarda tecnológica e a constituição de uma indústria da Defesa Nacional.“A transferência de tecnologia de defesa entre países é acessória. Temos que ter capacitação e soerguer a indústria nacional com independência tecnológica.” O ministro se mostrou bastante preocupado com o futuro da Amazônia – região considerada prioritária também no PAC da C&T. Ele propõe a elaboração de um projeto nacional de desenvolvimento econômico e ecológico, que permita, por exemplo, o uso produtivo de determinadas áreas. “Mas, para ter uma atividade econômica avançada, como o aproveitamento da biodiversidade, por exemplo, é preciso ter quadros qualificados dispersos por todo o território.”“Esse é um problema sem solução conhecida.” Unger também tem refletido sobre a urgência de o país adotar o que chama de “política industrial de inclusão”. Explica: “A política tradicional é voltada para as grandes empresas e tem como instrumento o crédito subsidiado e favores fiscais”. Ele idealiza uma estratégia que leve em conta empreendimentos emergentes, que permita a disseminação de experiências locais “exitosas” e inclua aconselhamento gerencial para a formação de quadros e a formação de rede de apoio para a extensão tecnológica. Para o ministro, a base social do novo projeto de desenvolvimento do país deve ser a “pequena burguesia emergente e operosa”, formada por aquela parcela da população que estuda a noite, abre seu próprio negócio e que inaugurou no país uma cultura de auto-ajuda. “Essa é a vanguarda que a maioria quer seguir”, supõe. “É preciso usar recursos do Estado para fazer com que a maioria da população siga o exemplo da vanguarda emergente”, afirmou, defendendo políticas sociais orientadas para a capacitação, o ensino público de qualidade e a democratização da economia de mercado. ■ PESQUISA FAPESP 142
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No clube dos 200 USP e Unicamp galgam posições em ranking mundial de universidades
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uas instituições brasileiras,as universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp),despontam entre as 200 melhores no mundo,de acordo com a quarta edição do ranking anual feito pelo Higher Education Supplement,do jornal britânico The Times. A USP aparece em 175º lugar,empatada com a Universidade de Massachusetts,em Amherst,nos Estados Unidos – posição melhor do que as obtidas em 2006 (284º lugar) e em 2005 (196º lugar).O salto da Unicamp,que aparece em 177º lugar,foi ainda mais expressivo.Em 2006 estava na 448ª posição. Se tivesse obtido um conceito maiorem algum quesito,poderia ter ultrapassado a USP.A lista é elaborada a partir de diversos critérios reunidos.O principal é a análise por pares,que representa 40% da nota final.Um conjunto de 5,1 mil pesquisadores foi entrevistado,sendo 41% da Europa,África e Oriente Médio, 30% das Américas e 29% da Ásia e do Pacífico.Também tem peso a opinião de empresas que contratam recém-graduados,além de indicadores de produção acadêmica e de inovação, entre outros. Os dez primeiros lugares pertencem a universidades britânicas e americanas – Harvard,mais uma vez,é a primeira da lista,seguida por Cambridge,Oxford e Yale.Na relação das 200 melhores do mundo,a América Latina é representada apenas por mais uma instituição,a Universidade Nacional Autônoma do México,na 192ª posição.O mundo em desenvolvimento entra com apenas mais uma:a Universidade de Cape Town,na África do Sul,em 200º. É certo que a produção acadêmica das instituições brasileiras vem crescendo ano a ano,mas mudanças na metodologia do ranking também ajudam a
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explicar a boa evolução da USP e da Unicamp.Os organizadores do levantamento pediram que os acadêmicos entrevistados listassem 30 universidades que consideram líderes mundiais em seus campos do conhecimento – mas pela primeira vez proibiram que votassem em suas próprias instituições.“Isso certamente ajudou a abrir espaço para que o nome da Unicamp despontasse”, comemora José Tadeu Jorge,reitor da instituição. “Provavelmente, isso resulta de nossa estratégia de mandar cada vez mais alunos estudar um período da graduação em instituições do exterior,
principalmente da Europa e da América Latina.A qualidade desses estudantes deve ter servido para divulgar a Unicamp”, afirma. Já a reitora da USP,Suely Vilela,não crê que seja grande o impacto da mudança de metodologia no desempenho da instituição que comanda.“Nossa posição neste ranking oscilou bastante nos últimos anos,mas um outro ranking de universidades cujos critérios se mantiveram estáveis,feito pela Universidade de Xangai,mostra que nossos indicadores melhoram ano a ano.Saímos do 165º lugar em 2003,fomos para o 153º em 2004,para o 139º em 2005 e o 134º em 2006.Agora estamos na 128ª posição”, diz Suely.A reitora atribui o desempenho da USP a um conjunto de fatores, que vão da competência de seus recursos humanos à autonomia didático-financeira de que as universidades estaduais paulistas desfrutam. Outro fator favorável às brasileiras foi a utilização no ranking, pela primeira vez,da base de dados Scopus para medir as citações recebidas pelos artigos dos autores de cada universidade, indicador de qualidade da produção acadêmica.Comercializado pela editora Elsevier,a Scopus contém resumos e referências de 15 mil periódicos científicos revisados por pares,em substituição à base utilizada nas versões anteriores,a consagrada Thomson-ISI. A razão da troca,segundo os organizadores do ranking, é a maior presença de publicações em outras línguas além do inglês na base Scopus.USP e Unicamp também se beneficiaram da maior abertura na base Scopus a publicações em biologia e engenharias,áreas em que elas têm tradição. ■
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Com o Programa Luz para Todos, a família do José agora tem energia elétrica e pode investir na produção de polpa de frutas.
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Ele e outros comerciantes estão fazendo mais pedidos para as fábricas, como a do Cláudio.
Isso ajudou nas vendas de aparelhos eletrodomésticos e eletrônicos em lojas como a do Adelino.
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mais Brasil para mais brasileiros.
É assim que o Governo Federal leva
Que contrata mais pessoas. Como o Tiago, que é bolsista do ProUni e já conseguiu um emprego.
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4) ProUni: 300 mil jovens beneficiados em quatro anos.
3) De janeiro a agosto, a produção industrial cresceu 5,3%, comparado ao mesmo período em 2006.
2) Redução de impostos para produção de microcomputadores.
1) Programa Luz para Todos: 6,6 milhões de pessoas beneficiadas.
Investir em quem mais precisa é investir em um País mais justo e desenvolvido para todos.
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Novas regras da Anvisa pretendem reduzir trâmites da importação de insumos
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Receita para vencer Anvisa vai regulamentar importação e exportação de material para pesquisa
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próximo ano promete ser mais fácil para os pesquisadores em saúde no Brasil.A diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) colocou em consulta pública novos procedimentos para importação e exportação de material de pesquisa científica sem caráter comercial. A proposta,que foi apresentada em reunião na FAPESP,no dia 26 de novembro,integra o conjunto de medidas que o governo federal pretende adotar para facilitar a importação para pesquisa,anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva,no dia 20 de novembro, junto com o Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional 2007- 2010,em Brasília.“Uma das coisas que incomodavam o Sérgio [ministro Sérgio Rezende] e a mim era que muitas vezes,para liberar um material de pesquisa demorava de seis meses a um ano”, disse o presidente lembrando que na Europa e nos Estados Unidos demora uma semana. “Aqui era tratado como se fosse um automóvel,como se fosse um avião.Não tinha nenhuma definição de prioridade.Se nossos pesquisadores estivessem disputando uma maratona com os pes-
quisadores estrangeiros,nós não ganharíamos uma,porque,enquanto eles iam e voltavam,a gente ainda estava esperando a liberação de nossos produtos”, afirmou o presidente. As novas regras pretendem facilitar a importação e exportação por instituição de pesquisa,entidade de fomento ou cientista/pesquisador,devidamente credenciados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “O conselho fará o credenciamento para facilitar o reconhecimento da Anvisa”,explicou Moisés Goldbaum, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).A tramitação do pedido na Anvisa também será mais ágil e menos “burocrática”. A importação de mercadoria sujeita a controle especial – substâncias entorpecentes, psicotrópicos, anorexígenos, retinóicos,imunossupressores,entre outros – deve,obrigatoriamente,contar com registro de licenciamento de importação no Siscomex,antes de seu embarque no exterior.No caso de exportação desses produtos,a autorização será emitida pela Anvisa.O regulamento também estabelece exigências sanitárias para a liberação sanitária de material,padrões de embalagem e armazenagem. ■
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Grito de independência Levantamento avalia a experiência do programa Apoio a Jovens Pesquisadores
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são do caráter do programa dentro da comunidade científica que gerou essas demandas diferenciadas”,diz Pian,que trabalha há 27 anos na FAPESP. A característica mais inovadora do programa foi a possibilidade de o coordenador do projeto receber uma bolsa mesmo sem ter vínculo empregatício com alguma instituição.A idéia era que jovens pesquisadores pudessem receber um montante significativo – a maioria
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programa Apoio a Jovens Pesquisadores da FAPESP foi lançado em 1996 com a proposta pioneira de estimular a independência e o amadurecimento de doutores recém-formados naquela fase da carreira em que se enfrentam percalços como a falta de vínculo empregatício e as dificuldades materiais para liderar projetos robustos. Um levantamento realizado pelo pesquisador Carlos Alberto de Pian,que serviu de base para a dissertação de mestrado defendida por ele na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp),fez um balanço do programa e mostrou que a maioria de suas metas foi atingida,ainda que os cerca de 800 jovens pesquisadores beneficiados até hoje tenham enfrentado obstáculos não previstos. Segundo o estudo,o êxito do programa é mensurável por meio de diversos dados.Conforme estabelecia a proposta original,foram beneficiados apenas pesquisadores de alto nível,com produtividade acadêmica acima da média. Tanto que o grau de aprovação de projetos apresentados limitou-se a 27%,índice inferior ao de outros programas da FAPESP,como os de auxílio a pesquisa (57%) e os temáticos (45%).Também foi alcançada a meta de priorizar a ida dos jovens pesquisadores para universidades e centros de pesquisa não plenamente consolidados para,assim,elevar o padrão científico dessas instituições. Centros tradicionais,como USP e Unicamp,apresentaram projetos em porcentual bem inferior ao que acontece em outros tipos de programas.Em contrapartida,a Universidade Estadual Paulista (Unesp) foi responsável por 20% dos projetos concedidos e instituições particulares,como as universidades de Mogi das Cruzes,São Francisco,Vale do Paraíba e Paulista responderam por 18%. “Aparentemente houve uma compreen-
na faixa de R$ 100 mil a R$ 200 mil por um período de quatro anos – e negociálo com uma instituição para conseguir espaço e infra-estrutura para instalação de seu grupo,embora não ocupassem vagas efetivas nem recebessem salário além da bolsa da FAPESP.Entre os 114 projetos examinados por Pian,66 foram concedidos a doutores já estabelecidos em alguma universidade ou centro de pesquisa,enquanto 48 couberam a pesquisadores avulsos.Mas essa situação sui generis trouxe implicações não esperadas. Uma delas, segundo Pian, foi a dificuldade de os bolsistas efetivamente integrarem-se ao esforço de pesquisa das instituições que os abrigaram.Num sinal de falta de continuidade,os jovens pesquisadores sem vínculo empregatício exibiram produtividade inferior,medida em artigos científicos publicados, no período posterior ao final da bolsa, comparada ao desempenho de pesquisadores beneficiados pela linha de auxílio regular a pesquisa da FAPESP “Talvez alguns dos jovens pesquisadores tenham assumido uma postura vista na instituição como independente demais, pelo fato de terem seu mérito reconhecido por uma seleção muito rigorosa feita pela FAPESP”,diz Pian. Um dado curioso diz respeito aos campos do conhecimento que mais inspiraram projetos.A área da saúde,que em geral predomina em outros projetos,não teve tanto espaço na demanda dos jovens pesquisadores.Em contrapartida,houve uma procura maior do que a habitual em áreas como bioquímica e genética,muito ligadas à biotecnologia e à genômica, e botânica e zoologia, base para estudos de ecologia e biodiversidade.“Tais temas são muito contemporâneos e atraentes e se constituem em alvo de fascínio para os mais jovens”,afirma Pian. ■
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GEOGRAFIA
Mais gente, menos árvores Pesquisadores de Minas criam índice que revela as áreas da Amazônia mais sujeitas a desmatamento C ARLOS F IORAVANTI
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e os administradores e técnicos do governo federal decidirem trabalhar mais intensamente para conter o desmatamento, seguindo o que o presidente da República anunciou no final de setembro na Assembléia Geral das Nações Unidas,talvez se perguntem que áreas deveriam priorizar,já que as equipes são pequenas e o Brasil tão grande.Uma possibilidade seria os municípios do sul do Pará ao longo da rodovia Cuiabá–Santarém.Não se trata de uma escolha ao acaso,mas da aplicação de um mecanismo de detecção de transformações ambientais,o Índice das Dimensões Socioeconômicas (IDS),elaborado por geógrafos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse índice associa padrões socioeconômicos como educação,saúde e emprego,o crescimento das cidades e o ritmo da atividade econômica com a transformação do espaço.Quanto mais acelerada a expansão dos municípios e da economia,mais precárias as condições de vida e mais intensa a migração das populações,mais alto tende a ser o IDS e maior o risco de danos ambientais.De outro modo:mais gente em busca de empregos ou de empregos melhores, menos floresta em pé. Áreas com crescimento populacional intenso e com alto IDS poderiam receber mais atenção por serem focos potenciais de desmatamento.É o caso de Aripuanã, em Mato Grosso,dos municípios próximos a Santarém,no Pará,ao norte de Manaus,no Amazonas,e ao longo do rio Amazonas,além da faixa ao longo da rodovia Porto Velho–Manaus.
Ao elaborarem esse índice, Ricardo Garcia,Britaldo Soares-Filho e Diana Sawyer viram a Amazônia como um espaço sujeito a pressões de diferentes grupos sociais – um território.O desmatamento tornou-se então um fenômeno social e ganhou marcas próprias,de acordo com suas motivações locais.“A principal causa de desmatamento no sul do Pará é a expansão da pecuária,enquanto no Amapá é o crescimento das cidades”,exemplifica Garcia. O avanço da pecuária tem sido uma das explicações predominantes do desaparecimento da floresta desde que começou a ocupação da Amazônia,há pelo menos dois séculos,mas apenas em escala global.Em escalas maiores,quando cada estado é analisado separadamente, como nesse estudo,as migrações é que se tornavam uma razão mais forte para explicar o desaparecimento da vegetação natural.“A migração explica boa parte do processo de desmatamento porque antecede a expansão da agricultura e da pecuária”,diz Garcia.“As pessoas vão para onde esperam encontrar trabalho.” Entre 1995 e 2000,quase 50 mil pessoas deixaram Belém,a capital do Pará que exemplifica o adensamento populacional verificado em outras capitais da Região Norte.Na situação inversa, Manaus recebeu 40 mil novos moradores entre 1995 e 2000,que se somaram ao 1,4 milhão já estabelecido e acentuaram a transformação da paisagem natural em espaços urbanos.De acordo com esse trabalho,quanto maior a população,maior tende a ser o impacto sobre o ambiente.
DETALHE DE NATUREZA EQUATORIAL, ÓLEO SOBRE TELA DE JOSEPH LEONE RIGHINI
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Rumo a novas terras A expansão da rede urbana, os movimentos populacionais e o Índice de Dimensões Socioeconômicas ajudam a prever as áreas em que a floresta deve desaparecer
Densidade de desmatamento Alta Média Baixa Frentes de desmatamento Mesopólos (centros regionais) Estradas pavimentadas Estradas vicinais Limites nacionais e estaduais
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FONTE: RICARDO A. GARCIA, BRITALDO S. SOARES-FILHO E DIANA O. SAWYER/UFMG
Essa lógica explica por que os centros urbanos mais influentes da região amazônica – as capitais, que os autores desse trabalho chamaram de macropólos – exibem os IDS mais altos e apenas resquícios de florestas. Esses nove macropólos (São Luís, Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco, Manaus, Boa Vista, Belém, Macapá e Palmas) representam os nós de uma rede de 792 municípios, regidos também por 29 mesopólos (centros regionais) e 48 micropólos, assim definidos de acordo com a área de influência. Por serem os municípios de maior atividade econômica, os macropólos são os focos de irradiação do desmatamento. “A expansão da agricultura e da pecuária parte e depende dos centros urbanos, que fornecem mão-de-obra, ferramentas, frigoríficos e mercado consumidor, e se espalha por meio das estradas e hidrovias”, comenta Garcia.“O sul do Pará é um exemplo bastante claro de como os pólos urbanos estão orientando o desmatamento.” Detalhado em um artigo publicado na revista Ecological Indicators, o IDS considera cinco variáveis obtidas nos
censos populacionais ou econômicos. Quatro se referem diretamente ao desmatamento: quanto mais alto o valor que apresentarem, maior o risco de a floresta desaparecer. A primeira variável é a concentração e dinâmica populacional, que combina o total da população, a densidade e a taxa de crescimento. A segunda é o desenvolvimento econômico, que considera a renda bruta do município e o volume de dinheiro em circulação. A terceira é a infra-estrutura agrária, avaliada pela renda agrícola, área cultivada e número de tratores e caminhões, por exemplo. A quarta, a produção agrícola e madeireira, expressa as áreas de propriedades agropecuárias e de exploração de madeira. Só a quinta variável do índice representa uma força capaz de conter o desaparecimento da floresta: é o desenvolvimento social, medido por indicadores como anos de escolaridade e pelo número de médicos, postos de saúde, casas atendidas pela rede de água e ruas com iluminação elétrica. A lógica é simples: quanto maior o conforto e melhor a infra-estrutura, menos interesse os
moradores de uma cidade terão de se mudar para outros espaços. Esse índice também explica por que a mata se transforma em áreas agrícolas ou pastagens. De acordo com as estimativas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Mato Grosso respondeu por 48% dos 26 mil quilômetros de área desmatada nos últimos anos. Os municípios desse estado apresentam os IDS mais altos de toda a região. Por enquanto não há sinais de que o IDS possa se tornar conhecido rapidamente em Brasília, mas esse trabalho tem contribuído para outras pesquisas. Já foi uma das bases da divisão da Amazônia em regiões socioeconômicas, como parte de um estudo mais amplo, publicado na Nature em março de 2006. Esse estudo mostra que até 2050 metade dessa floresta pode desaparecer, dando lugar a pastagens, plantações e cidades, e alerta para a necessidade de ajustes na política ambiental. Somente as áreas protegidas de floresta podem não ser o bastante para manter a floresta e o ritmo da chuva que chega até as grandes cidades da Região Sudeste. ■ PESQUISA FAPESP 142
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MUDANÇAS CLIMÁTICAS
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geógrafo alemão Philipp Schmidt-Thomé concluiu comsua própria experiência que a melhor forma de comunicar os resultados de pesquisas a administradores de órgãos públicos é ser claro,direto e simples, evitar o catastrofismo e oferecer possibilidades de escolha sobre o que fazer.“Se as pessoas sentirem medo, podemperder a esperança e deixar de tomar as atitudes necessárias para evitar o pior”,comentou,ao apresentar na Universidade de Campinas (Unicamp) e na FAPESPo trabalho que faz desde 2002 para evitar desastres naturais na Europa. Schmidt-Thomé coordena uma rede que reúne especialistas de 29 países da Europa e produz mapas que indicam os riscos de desastres naturais.Alguns dos riscos são típicos do hemisfério Norte, como tempestades de neve.Outros, porém,podem ocorrer também no Brasil e se tornar mais severos à medida que as mudanças climáticas se intensifiquem, a exemplo de inundações, secas, erosão,degradação de solos,incêndios florestais e deslizamentos de encostas. Essa perspectiva deve forçar os governos a dar mais atenção à gestão do território,mas a comunicação entre cientistas e administradores públicos ainda precisa melhorar muito para que as medidas capazes de reduzir os impactos de um clima mais cruel sejam de fato implantadas,segundo Schmidt-Thomé,que trabalha desde 1998 no Serviço Geológico da Finlândia. Ele reconheceu que nem sempre essa comunicação é fácil,porque exige a identificação de uma linguagem comum e a seleção de informações que possam ser efetivamente úteis:“Os formuladores de políticas públicas não têm tempo de ler mais do que uma página de resultados”,disse.“Uma linguagem excessivamente científica pode afastar o interesse dos gestores,mas o catastrofismo é ainda pior,porque dá impressão de que nada mais pode ser feito.”
Acidentes naturais exigem novas estratégias de comunicação de cientistas com gestores públicos
Por essa razão,Schmidt-Thomé considera proveitoso contar com o apoio de cientistas sociais,mais hábeis em lidar com públicos diferentes do que os chamados cientistas da natureza.No Brasil parece haver um interesse crescente pelo diálogo.“É fundamental ouvir diferentes opiniões”,comentou Pedro Leite da Silva Dias,diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) e presidente do comitê executivo da 3ª Conferência Regional sobre Mudanças Climáticas:América do Sul, realizada em novembro em São Paulo. Mesmo que a comunicação funcione,algumas barreiras são insuperáveis. Schmidt-Thomé conta que os políticos às vezes querem uma resposta exata sobre,por exemplo,quantos centímetros o mar vai subir até uma determinada
data – algo impossível já que a ciência trabalha com cenários,não com certezas.Pode acontecer também que os políticos deixem os cientistas falar e entendam o que dizem,mas não aceitem as conclusões.Foi o que aconteceu no norte da Alemanha.Se reconhecessem que as mudanças climáticas representam efetivamente uma ameaça,os prefeitos teriam de promover profundas mudanças na região,que vive do turismo.Como algumas casas estão a meio metro abaixo do nível do mar,qualquer elevação no oceano seria desastrosa. Schmidt-Thomé mostrou uma série de mapas das áreas mais sujeitas a secas, inundações e outros acidentes naturais, já adotados como instrumentos de gestão e planejamento urbano em outras regiões da Alemanha,na Estônia,na Fin-
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RAFAEL ANDRADE/FOLHA IMAGEM
Sete mil toneladas de terra sobre um túnel no Rio questionam a gestão urbana
lândia ou na Polônia, para evitar episódios dramáticos como as enchentes de 2002 do rio Elba, na Alemanha. Um dos mapas, que sobrepôs os riscos de acidentes naturais, deixou claro que as áreas mais vulneráveis na Europa são as regiões mais populosas, que formam um triângulo delimitado pelas cidades de Londres, Munique e Milão. “Não temos nada no Brasil com uma abordagem tão abrangente”, comentou a geógrafa Lucí Hidalgo Nunes, professora do Instituto de Geociências da Unicamp, ao final de uma das apresentações do finlandês. Uma semana depois, após chuvas intensas, a cidade do Rio de Janeiro parou por causa do deslizamento de 7 mil toneladas de terra que fechou uma das vias do túnel Rebouças, uma das principais vias de ligação entre as zonas Norte e Sul da cidade. “Precisamos conhecer melhor os possíveis efeitos das chuvas intensas sobre as cidades”, alertou Carlos Eduardo Tucci, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
na conferência em São Paulo. Segundo ele, o cenário das águas nas cidades já era crítico antes mesmo de ganhar força com as mudanças climáticas. E são justamente países em desenvolvimento como o Brasil os que exibem as taxas mais altas de urbanização, lembrou a geógrafa Helena Ribeiro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Ilhas de calor - Helena considera as mudanças climáticas um problema de saúde pública, cujos sinais já podem ser detectados. Ela própria fez um estudo, publicado em 2005 na revista Critical Public Health, mostrando que os moradores das áreas mais quentes – as ilhas de calor – da cidade de São Paulo padecem de doenças cardiorrespiratórias com mais freqüência que os que moram em bairros com temperaturas mais amenas. Quais as soluções? Menos poluição, mais árvores e telhados mais claros, por exemplo. Poderia ser feita até mesmo uma revisão do Plano Diretor das cida-
des, na opinião de Humberto Ribeiro da Rocha, professor da USP. Até agora, porém, o ritmo de ação parece não acompanhar o ritmo das sugestões. “Não estou vendo nada em termos de política pública”, disse Rocha. O geógrafo Hugo Ivan Romero, da Universidade do Chile, foi mais incisivo: “A maneira como administramos as cidades em toda a América Latina é um fracasso”, sentenciou. Ele descreveu os contrastes da capital chilena, Santiago, que são os mesmos das grandes cidades do Brasil: os moradores mais ricos vivem em áreas mais arborizadas, que apresentam os melhores climas, enquanto os mais pobres moram nas áreas mais desprovidas de áreas verdes e mais sujeitas a inundações e a variações climáticas mais intensas. “O clima urbano é uma construção sociopolítica, que castiga principalmente os mais vulneráveis”, concluiu. “Será que temos forças para mudar essa situação?” ■
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ENERGIA
Uma voz pelo planeta
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um artigo publicado na edição de 8 de setembro de 1978 na revista científica norte-americana Science, o físico José Goldemberg,então no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF/USP),calculou a quantidade de energia que três plantas cultivadas,a mandioca,o sorgo-doce e a cana-de-açúcar,consumiam para produzir etanol.“A cana-de-açúcar é mais eficiente para a produção de álcool etílico,seguida do sorgo e da mandioca do ponto de vista do balanço energético”, escreveu então o pesquisador brasileiro no resumo do artigo.No trabalho,Goldemberg salientava também que entre 60% e 75% da energia necessária para a obtenção do etanol a partir das plantas era consumida na etapa industrial desse processo,tendo a fase agrícola um peso menor nesse quesito.Quase 30 anos depois,com seu preço competitivo e apelo ecológico, o etanol da cana-de-açúcar impulsiona a maioria dos novos carros flex feitos no Brasil e passou a ser visto pelos países desenvolvidos como um biocombustível que pode aliviar um pouco a dependência mundial do petróleo e o aquecimento global.Tudo indica que as contas de Goldemberg não estavam erradas. A revista semanal Time acaba de lembrar do trabalho pioneiro do físico brasileiro sobre o então apenas candidato a biocombustível.“Hoje,quando fazendeiros americanos estão gozando dos benefícios do etanol subsidiado,é fácil esquecer que a idéia de abastecer uma economia por meio de uma planta em vez do petróleo foi um dia uma noção marginal.Mas José Goldemberg se lembra”,escreve o periódico norte-americano.Por seu artigo de 1978 na Science, a Time escolheu o brasileiro como um dos “heróis do meio ambiente”num número especial lançado em outubro.“Hoje o país (Brasil) é líder global em biocombustíveis”,reconhece a revista,fazendo questão de dizer que a adoção do etanol reduziu anualmente em 20% as emissões brasileiras de carbono. Ao lado de pesos-pesados da política internacional, como o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev (um dos fundadores da Cruz Verde Internacional),o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore (que,por seu ativismo ambiental,dividiu o Nobel da Paz deste ano com os
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Time escolhe José Goldemberg como um dos “heróis do meio ambiente” por estudo sobre etanol
cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o IPCC) e a atual chanceler da Alemanha, Angela Merkel, Goldemberg foi destacado como um dos “heróis do meio ambiente” na categoria Líderes e Visionários. Aos 79 anos, o físico, que foi ministro de Estado e reitor da USP, entre outros cargos ocupados em sua longa carreira, continua ativo e dá expediente no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. “Fiquei surpreso com a lembrança da Time e por eles terem me incluído nessa categoria”, diz Goldemberg, que atualmente também é presidente da Comissão Especial de Bioenergia do Estado de São Paulo.“Outras pessoas contribuíram para o progresso da produção de etanol no Brasil.” Sustentabilidade premiada – Quando o Natal se aproxima, a Time costuma produzir uma edição especial com os chamados “heróis do ano”, pessoas, famosas ou não, das mais variadas profissões, que, aos olhos da publicação norte-americana, tiveram grande influência sobre o modo de vida da humanidade nos últimos meses. Em 2007, ano em que o aquecimento global entrou definitivamente para a agenda política das nações em razão dos preocupantes dados divulgados pelo IPCC, o periódico mudou um pouco os critérios usados para eleger as personalidades do momento e resolveu direcionar o foco de sua escolha sobre a questão da sustentabilidade da Terra. Neste ano, a Time optou por destacar 43 “heróis do meio ambiente” em quatro categorias: Líderes e Visionários, Ativistas, Cientistas e Inovadores e Magnatas e Empreendedores.
Os eleitos representam indivíduos de diferentes perfis e formas de atuação que, segundo a revista, são a voz de um planeta em desequilíbrio. Goldemberg é o único brasileiro da lista. O físico se recorda do ambiente em que os estudos sobre etanol começaram a ser feitos no Brasil há mais de três décadas. Após a primeira crise do petróleo em 1973, o governo brasileiro começou a procurar uma saída para reduzir a sua grande dependência do combustível importado. Desse esforço nasceu e germinou o etanol da cana-de-açúcar e o programa Proálcool. Um dos pontos altos do artigo de Goldemberg era mostrar que se gastava uma quantidade baixa de combustível fóssil, na forma de fertilizantes para a cana-de-açúcar crescer, na produção do etanol a partir dessa planta. Ou seja, não só era possível, mas viável economicamente (e bom para a natureza) usar o álcool da cana como fonte de energia. Hoje um dos grandes problemas da produção de etanol a partir do milho, como se faz nos Estados Unidos, é o gasto elevado de combustíveis fósseis nesse processo. “Precisamos continuar investindo para manter a liderança no setor”, afirma Goldemberg, que sempre foi um grande crítico da construção das usinas nucleares em Angra dos Reis. ■
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> CIÊNCIA
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MUNDO
> Olhe
MUSEO DE SAN PEDRO SULA
outra vez
Antes do chocolate Jarros de cerâmica com 3.100 anos de idade encontrados em Honduras continham bebidas à base de cacau, segundo estudo liderado por John Henderson, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Essa descoberta pode indicar que bebidas à base desse fruto eram consumidas 500 anos antes do que se pensava. Não se sabe se por ação do homem ou da natureza, o cacau, nativo da Amazônia, chegou à América Central e se tornou parte fundamental da cultura e da economia de sociedades pré-colombianas, como astecas e maias. Chocolatl, que na língua dos astecas significa água amarga, era uma bebida preparada com sementes de cacau fermentadas, torradas e moídas misturadas com água, usada extensivamente em rituais religiosos. O chocolatl é, segundo o artigo publicado em novembro na PNAS, um subproduto da primeira bebida derivada do cacau: um fermentado alcoólico da polpa do cacau parecido com a chicha, bebida em geral feita com mandioca ou milho e largamente consumida em toda a América do Sul. A partir da análise química dos fragmentos de cerâmica não é possível definir se a bebida armazenada nos jarros era feita de polpa ou de sementes, já que ambas contêm teobromina, a substância típica do cacau analisada por Henderson. Mas outros indícios apontam Cerveja prépara a solução: não havia nos jarros vescolombiana: tígios químicos de mel nem de pimentajarro usado vermelha, em geral usados no chocona produção latl. Além disso, pelo formato, os jarros de bebida de cerâmica seriam mais apropriados fermentada à para fermentar a chicha. base de cacau 36
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A principal razão de prisões por engano na Inglaterra é a identificação errônea dos suspeitos,afirma o psicólogo Daniel Wright,da Universidade de Sussex, Reino Unido.Em estudo publicado na Psychological Science, ele avaliou a capacidade das testemunhas de identificar corretamente um suspeito de crime e verificou que elas cometem erros em 20% dos casos. Segundo Wright,a simples avaliação do grau de confiança das testemunhas seria suficiente para reduzir os erros. Cerca de 40% das testemunhas se mostram bastante seguras ao identificar um suspeito. “A maior preocupação é com as pessoas que estão um pouco confiantes,mas não completamente seguras”, disse Wright à NewScientist. Há tempos os psicólogos britânicos sugerem que a polícia use métodos mais científicos na identificação de suspeitos,como a estratégia de duplo-cego,em que nem os organizadores nem as testemunhas sabem quem são os suspeitos.
> Os biocombustíveis e o efeito estufa Nos últimos meses os biocombustíveis produzidos a partir de cana-de-açúcar, milho e outras culturas ganharam destaque como alternativa ao petróleo para reduzir a emissão de gases que provocam o efeito estufa,ligado ao aumento da temperatura do planeta.Mas uma pesquisa coordenada
por Paul Crutzen,do Instituto Max Planck,na Alemanha,mostra que essa substituição nem sempre é vantajosa.Na verdade, depende da matéria-prima usada.A razão é que o uso de fertilizantes artificiais contribui para elevar os níveis atmosféricos de óxido EDUARDO CESAR
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Cana-de-açúcar: menos danos ambientais
nitroso,um dos gases causadores do efeito estufa. Crutzen calculou os níveis de óxido nitroso produzidos desde a Revolução Industrial, levando em conta o uso de fertilizantes artificiais e o desmatamento.Concluiu que os microorganismos do solo que convertem o nitrogênio dos fertilizantes em óxido nitroso são mais eficientes do que se imaginava (Atmospheric Chemistry and Physical Discurrions). Resultado: biocombustíveis feitos a partir de milho,canola e cevada podem lançar mais gases estufa do que os combustíveis fósseis. A exceção seria o álcool obtido da cana-de-açúcar.
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ANTONIO DE MACEDO
> Conflito de gerações
Cuidado ao respirar: poluição atmosférica danifica vasos sangüíneos
> Fumaça nas veias A poluição atmosférica não é nociva só para pessoas mais sensíveis, mas também para quem é saudável e não fuma. O grupo do francês Pierre Boutouyrie, do hospital europeu
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Nenhuma mulher grávida admitiria, mas, para seu organismo, o feto é um corpo estranho que deve ser combatido pelo sistema imunológico. Pesquisadores da Europa e da Argentina descobriram o papel crucial desempenhado pela proteína galectina-1 na manutenção da gravidez (Nature Medicine). Eles submeteram ratas prenhas a estresse sonoro, que tende a causar aborto, e observaram em seus úteros níveis mais baixos de galectina-1 do que o daquelas que não sofreram estresse. Os resultados mostram que a galectina-1 modula a atividade de células T do sistema imunológico, criando um equilíbrio que favorece a gestação. Acredita-se que, no futuro, essa proteína possa servir para tratar gestações de risco.
Georges-Pompidou, em Paris, avaliou 40 pacientes com idades entre 18 e 35 anos e verificou que a poluição normal urbana é suficiente para modificar a função das células dos vasos sangüíneos. Publicado em novembro na Hypertension, o trabalho mostra que poluentes gasosos afetam as grandes artérias e as partículas aumentam a dilatação das menores, o que pode causar danos cardíacos e pulmonares.
> Células embrionárias sem embrião
Estranho no ninho: proteína do útero evita ataque a feto
Em experimentos independentes, dois grupos de pesquisadores – um do Japão e outro dos Estados Unidos – conseguiram reprogramar células humanas adultas para se comportarem como células-tronco embrionárias, com capacidade de gerar diversos tecidos do corpo. Usando um retrovírus, a equipe de Kazutoshi
Takahashi, da Universidade de Kyoto, inseriu quatro genes bastante ativos em células-tronco embrionárias em células adultas extraídas da pele de uma mulher de 36 anos (Cell). James Thomson e seus colaboradores da Universidade de Wisconsin também trabalharam com quatro genes, dois deles diferentes dos usados pelos japoneses, para alterar o funcionamento de células adultas de pele. Em ambos os casos, o resultado foram células semelhantes, mas não idênticas, às célulastronco embrionárias. Os testes revelaram que elas são de fato pluripotentes, mas ainda não se sabe ao certo como se comportam. O sucesso foi bem recebido no mundo todo porque pode representar o fim dos problemas éticos com a chamada clonagem terapêutica. Mas os próprios pesquisadores afirmaram que não é possível abrir mão dos estudos com células embrionárias humanas.
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BRASIL
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> A redescoberta Yuri Leite,biólogo da Universidade Federal do Espírito Santo,festejou ao encontrar um jovem rato alaranjado no primeiro dia de uma expedição ao sudeste da Bahia,destinada justamente a procurar exemplares dessa espécie: o rato-sauiá (Phyllomys unicolor).Descrito em 1842, o roedor andava sumido e não havia sido mais observado na natureza, razão por que era considerado criticamente ameaçado de extinção – ou até mesmo extinto,segundo alguns especialistas. Finalmente reencontrado, o rato-sauiá – nome usado por moradores locais, que sempre souberam de sua existência – continua ameaçado.O roedor jovem do primeiro dia foi o único encontrado naquela expedição e em outras seis realizadas entre 2004 e 2005. “Se tem um animal jovem, tem de haver uma mãe,um pai e uma população”, pondera Leite,que ainda teme pela sobrevivência do raro roedor,uma vez que não há áreas de preservação nessa região da Mata 38
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de uma espécie
Diadema: bares fechados, menos mortes
Atlântica.Segundo o artigo publicado em novembro na Zootaxa, quase 7 milhões de anos de história evolutiva desse grupo se perderiam com a extinção de P. unicolor. Sem carne: vegetarianos têm coração mais saudável
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Desde julho de 2002 os bares de Diadema, na Grande São Paulo, fecham as portas às 11 da noite. A mudança foi uma resposta da prefeitura à violência na cidade, que em 1999 detinha o quarto lugar no ranking brasileiro dos municípios com maior taxa de homicídio – em grande parte ligada ao consumo de bebidas alcoólicas. Para descobrir se a medida surtiu efeito, Sérgio Duailibi, Ilana Pinsky e Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo, e pesquisadores norte-americanos, analisaram as taxas de homicídio entre 1995 e 2005, antes e depois da nova lei (American Journal of Public Health). A queda que observaram indica que basta fechar os bares mais cedo para evitar quase nove assassinatos por mês numa cidade de 360 mil habitantes. O número de ataques a mulheres também foi menor no período 2000-2005, mas os autores são cautelosos em atribuir a queda ao fechamento dos bares. O resultado foi sentido pela população. A medida, que parecia impopular, foi em parte responsável pela reeleição do prefeito José de Filippi Junior em 2004.
> Vantagens de uma dieta verde Vegetarianos correm menos risco de desenvolver problemas cardiovasculares do que as pessoas que
comem carne – branca ou vermelha.A equipe de Maria del Carmen Molina,da Universidade Federal do Espírito Santo,recrutou voluntários em restaurantes vegetarianos e em igrejas
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Noitadas mais curtas
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adventistas de Vitória e Vila Velha. Os pesquisadores selecionaram 67 voluntários que havia pelo menos cinco anos não comiam nenhum tipo de carne. Os indicadores de saúde de cada vegetariano foram comparados ao de pessoas do mesmo sexo, idade, classe socioeconômica e raça que consumiam carne, sorteados entre participantes do estudo de saúde pública Projeto Monica/Vitória. Os pesquisadores avaliaram parâmetros como pressão arterial, idade e teor de colesterol para calcular o risco de problemas cardíacos e vasculares dos dois grupos. Os resultados mostram que onívoros correm mais risco de ter problemas cardiovasculares do que vegetarianos, diferença que se torna mais acentuada com o aumento da idade. A dieta vegetariana mostrou-se, segundo os autores, particularmente benéfica para mulheres por volta da menopausa (Arquivos Brasileiros de Cardiologia).
> O genoma das moscas-da-fruta Uma equipe internacional que incluiu pesquisadores do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Sul e de Pernambuco completou o seqüenciamento do material genético de dez espécies de drosófila, a mosca-da-fruta, inseto usado como modelo na maior parte dos laboratórios de biologia. Em seguida, o grupo comparou esses dados com as seqüências já publicadas de duas outras espécies – a Drosophila melanogaster, estrela dos laboratórios,
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> Desenvolver com cuidado
e a Drosophila pseudoobscura (Nature). Essas 12 espécies se destacam pela diversidade ecológica: ocupam áreas frias ou quentes e altas ou baixas do planeta. Também vivem tanto em florestas como em cidades. Por isso, os pesquisadores acreditam que comparar os genes relacionados a funções como reprodução, resistência a substâncias tóxicas e sistema imunológico trará grandes avanços para compreender como a natureza regulou esses processos biológicos ao longo da evolução.
> Como melhorar a saúde infantil Reduzir pela metade o número de pessoas sem acesso a água e esgoto tratados é um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio da Organização das
Drosophila melanogaster: genes comparados aos de outras espécies
Nações Unidas (ONU). O médico da Universidade Federal da Bahia Mauricio Barreto acaba de mostrar que acesso a saneamento básico tem efeito importante em saúde pública ao reduzir a incidência de diarréia em crianças. Ele avaliou, em estudo publicado na Lancet, o impacto do projeto Bahia Azul, que conectou mais de 300 mil casas à rede de esgoto em Salvador. O grupo baiano acompanhou 944 crianças entre 1997 e 1999, antes da intervenção de saneamento, e 1.127 crianças depois, a partir de outubro de 2003. A incidência de diarréia infantil caiu em 22% como conseqüência da ampliação da rede de esgoto.
Pela primeira vez na história mundial, neste ano o número de habitantes das zonas urbanas ultrapassou o de zonas rurais no planeta. Para permitir a toda a população acesso ao padrão de consumo dos países industrializados, seriam necessários mais dois planetas iguais a este. Mas, ao menos por enquanto, não há outro. O Almanaque Brasil Socioambiental, lançado em novembro pelo Instituto Socioambiental (www.socioambiental.org), pretende contribuir para o debate sobre o futuro da vida no Brasil e no planeta trazendo informações sobre questões bastante atuais como o aquecimento global e a transposição do rio São Francisco. Com 552 páginas, o almanaque apresenta dez ensaios fotográficos e 85 verbetes, com aspectos culturais e dados atualizados sobre os diferentes ambientes brasileiros – Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal, Pampa e Zona Costeira. PAULO BACKES
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Pampa: progresso ameaça natureza e cultura tradicional da região gaúcha PESQUISA FAPESP 142
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Estudos buscam alternativas para com bater o transm issor da dengue
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o final de novembro o Ministério da Saúde anunciou um resultado potencialmente animador no combate à dengue: há muito menos áreas com risco iminente de novos surtos da doença. De acordo com levantamento do ministério, entre a última semana de outubro e a primeira de novembro 3,8 milhões de brasileiros viviam em regiões suscetíveis à disseminação da dengue, ante 10,4 milhões no mesmo período do ano anterior. Apesar da diminuição das áreas mais críticas, estima-se que 32 milhões habitem regiões com algum nível de risco, concentradas nas regiões Norte e Nordeste. Gerson Penna, secretário nacional de Vigilância em Saúde do ministério, atribuiu a redução das áreas mais graves às campanhas de conscientização da população e ao trabalho dos governos estaduais e municipais para controlar o transmissor da doença, o elegante mosquito de pernas listradas Aedes aegypti. Até o momento, porém, os esforços não foram suficientes para evitar o aumento no último ano de 40% dos casos de dengue, que provoca febre alta, dores pelo corpo, em especial nos músculos e nas articulações, e em alguns casos pode matar. Apenas de janeiro a setembro deste ano 481.316 pessoas contraíram um dos três sorotipos do vírus da dengue existentes no país, 1.071 desenvolveram a forma hemorrágica da doença e 121 morreram – em todo o ano de 2006 registraram-se 345.922 casos de dengue comum, 682 de febre hemorrágica e 76 óbitos. “Não podemos relaxar nem descartar uma nova epidemia de dengue”, reconheceu Penna.“Se relaxarmos, o quadro pode piorar em apenas uma semana. O que temos a fazer é manter um rígido combate aos criadouros do mosquito transmissor”, disse. Diante da dificuldade de eliminar a transmissão da dengue, que a cada ano infecta cerca de 50 milhões de pessoas no mundo todo, pesquisadores de diversas instituições brasileiras trabalham em parceria com a equipe do Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), do Ministério da Saúde, em busca de formas mais eficazes de controlar as populações do Aedes aegypti. Entomologistas, médicos, matemáticos e epidemiologistas se unem para tentar conhecer melhor as características e o comportamento do mosquito, encontrar compostos químicos alternativos e mais eficazes para matar as larvas ou o inseto adulto, além de formas mais eficientes de monitorar as epidemias. Trabalham também no desenvolvimento de vacinas que sejam capazes de proteger simultaneamente contra os quatro sorotipos do vírus (leia reportagem na página 46). Toda a atenção é necessária para evitar o agravamento da dengue no país e a entrada do sorotipo 4 do vírus, considerado o mais letal, que já se encontra em alguns países da América Latina. PESQUISA FAPESP 142
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Como ainda não existem formas efetivas de combater o vírus, a saída é tratar os sintomas da doença e centrar fogo no mosquito – tanto na larva como no adulto. E alguns resultados obtidos até o momento indicam que, embora as diretrizes de controle da dengue sejam nacionais, ações a serem adotadas devem se basear na especificidade de cada região ou, em última instância, município.“São quase 5.600 realidades no país”, afirma a bióloga Denise Valle, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, em referência aos 5.564 municípios brasileiros.
Os caminhos da dengue Uma das razões por que o controle da dengue deve ser regionalizado é a baixa mobilidade do Aedes. Ao longo de seu ciclo de vida, que dura aproximadamente dez dias, o mosquito não voa muito além de um raio de 500 metros do lugar onde nasceu. A conseqüência é que as populações de Aedes de áreas distantes algumas centenas ou mesmo dezenas de quilômetros podem ser bastante distintas do ponto de vista genético, com diferentes suscetibilidades a inseticidas e larvicidas e também aos quatro sorotipos do vírus da dengue. Os entomologistas Ricardo Lourenço de Oliveira e Magda da Costa Ribeiro, da Fiocruz, estudaram a variabilidade genética do Aedes aegypti em localidades com diferentes incidências de casos de dengue e densidades populacionais humanas nas regiões Sudeste e Sul do país. Oliveira e Magda estavam interessados em descobrir como os mosquitos colonizam outras áreas.“Queríamos investigar a dinâmica da dengue em relação à dispersão do mosquito”, conta Magda. Imaginava-se que o Aedes pudesse pegar carona em carros, ônibus, trens ou aviões e percorrer longas distâncias. Para verificar se os mosquitos de fato se aproveitavam dos meios de transporte usados pelos seres humanos, 42
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os pesquisadores usaram armadilhas de ovos em 11 municípios e nos principais eixos viários que ligam os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul para capturar exemplares de Aedes nos períodos secos e chuvosos – comparar a Região Sudeste à Sul era importante porque na época em que o estudo foi feito, entre 2002 e 2003, não havia casos de dengue contraídos no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Magda avaliou as características genéticas de cada população de mosquito e viu que eram distintas umas das outras. Descrito em um artigo no American Journal of Tropical Medicine and Hygiene de agosto deste ano, esse resultado indica que os mosquitos praticamente não viajam de carona – ao menos não nessas regiões do país e no período estudado. Em determinadas localidades os mosquitos migram menos na estação chuvosa, quando as poças d’água são comuns e as fêmeas têm de voar pouco para encontrar um bom local para pôr seus ovos. Já na seca elas até vão mais longe, mas nunca o suficiente para explicar a dispersão da doença de um estado para outro. Se os mosquitos não viajam tanto, quem espalha a dengue? Muito provavelmente as pessoas infectadas. O Aedes é imprescindível para transmitir o vírus da dengue de uma pessoa a outra, uma vez que ele não se dissemina nem pelo contato nem pelo ar. Mas quem leva o vírus de uma cidade a outra ou para outros estados são as pessoas que contraem dengue e viajam na fase transmissível da infecção, que dura cerca de uma semana. Essa forma de disseminação do vírus é importante por causa da facilidade atual que as pessoas têm em percorrer grandes distâncias de carro ou avião em pouco tempo. Hoje o Aedes aegypti pode até não pegar carona para percorrer longas distâncias, mas não foi assim no passado. Calcula-se que esse mosquito originário da África tenha chegado ao Brasil nos séculos XVII e XVIII a bordo de navios negreiros e tenha se espalhado por todo o continente americano, com exceção do Canadá. No Brasil foi exterminado em 1955 – e mais tarde em alguns outros países do continente –, como resultado de uma campanha iniciada no começo do século passado pela Fundação
Rockefeller e mantida durante algumas décadas pela Organização Pan-americana da Saúde. Anos mais tarde, porém, voltou a se disseminar por aqui. O entomologista José Eduardo Bracco, da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e atualmente pesquisador visitante na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), investigou o parentesco genético entre populações de Aedes aegypti de cinco países das Américas (Brasil, Peru, Venezuela, Guatemala e Estados Unidos), três da África (Guiné, Senegal e Uganda) e três da Ásia (Cingapura, Camboja e Taiti). A partir dos resultados, construiu dois cenários possíveis para explicar a reinfestação das Américas, em especial do Brasil, pelo Aedes: alguns exemplares do mosquito sobreviveram à tentativa de erradicação e voltaram a se espalhar pelo país ou entraram novamente no Brasil a partir de algum país vizinho, como a Venezuela ou os Estados Unidos, que não conseguiu eliminá-lo completamente. Nesse estudo, publicado na edição de agosto das Memórias do Instituto Oswaldo Cruz e realizado em colaboração com Ricardo Oliveira, da Fiocruz, e Maria Anice Sallum e Margareth Capurro, da USP, Bracco concluiu também que uma linhagem asiática do Aedes aegypti chegou ao Brasil na década de 1980, possivelmente em conseqüência da intensificação do comércio nacional com a Ásia.
Focos ocultos Desde o ressurgimento da dengue no país, a principal estratégia adotada pelos municípios brasileiros para controlar a proliferação do mosquito tem sido a fiscalização das residências por agentes de saúde em busca de criadouros, para combater os focos de reprodução do Aedes aegypti. Quando encontram criadouros, aplicam inseticida para eliminar larvas ou mosquitos. Mas esta não é a única es-
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Resistência: larvas se mantiveram imunes a inseticida usado anos antes
tratégia, nem necessariamente a mais eficaz. Em novembro um fiscal que analisava um bairro de classe média alta em Campinas, interior de São Paulo, relatou ter encontrado poucas latas com larvas de Aedes. Após terminar uma vistoria em que não encontrou criadouros, não soube explicar por que o interior da casa estava repleto de mosquitos adultos da espécie transmissora da dengue. Alvaro Eiras, biólogo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), tem a resposta: “Na estação seca, os mosquitos se reproduzem em galerias de água subterrâneas e em esgotos”. Na opinião de Eiras, o monitoramento apenas das larvas da dengue é ineficaz, além de ultrapassado – foi implementado nos anos 1920 para combater a febre amarela e nunca mais foi modernizado. Uma das razões da falha dessa estratégia é que nem sempre a quantidade de larvas corresponde à concentração, num determinado momento, de insetos adultos em fase reprodutiva, quando as fêmeas saem atrás do sangue necessário ao desenvolvimento da sua prole. Para ter uma idéia mais precisa do problema em tempo real, Eiras desenvolveu uma armadilha chamada MosquiTRAP, que captura tanto as larvas quanto os mosquitos adultos (ver Pesquisa FAPESP no 131). É um cilindro preto de plástico com capacidade de 1 litro que libera um composto químico
atraente para as fêmeas que buscam onde depositar seus ovos. Elas entram na armadilha e acabam presas a um cartão adesivo. O método é eficaz porque mosquitos adultos são melhores indicadores de infestação, e por permitir a identificação das espécies de mosquito que vivem em uma determinada área já durante a inspeção da armadilha – as larvas só podem ser identificadas em laboratório, num processo que leva cerca de duas semanas. Em um teste realizado entre março e junho de 2003 no bairro de Itapoã, em Belo Horizonte, Eiras comparou a ação da MosquiTRAP à de uma armadilha que coleta apenas os ovos do inseto (ovitrampa) e à inspeção visual de possíveis criadouros. A ovitrampa detectou a presença do Aedes aegypti durante as 17 semanas que durou o estudo, enquanto a MosquiTRAP capturou exemplares do mosquito em 13 semanas. A inspeção visual, no entanto, só foi capaz de identificar larvas em duas semanas, segundo resultados publicados no início do ano na Neotropical Entomology. Apesar de a ovitrampa ter sido mais sensível para detectar ovos do Aedes aegypti, a MosquiTRAP é mais precisa, pois captura fêmeas adultas, melhor indicador de infestação, e também outras espécies de mosquito, como a Aedes albopictus, transmissor de outros tipos de vírus.
Eiras transferiu sua tecnologia para uma empresa mineira, a Ecovec, que já implantou o monitoramento inteligente da dengue com sucesso em 15 municípios brasileiros – entre eles, cidades de maior porte como Vitória e Belo Horizonte. O fiscal percorre as casas onde foram depositadas as armadilhas, em geral 16 por quilômetro quadrado, e, caso encontre o Aedes aegypti, digita no telefone celular dados de localização do inseto que são imediatamente transmitidos para a empresa e postos na internet. O sistema gera mapas do município com manchas coloridas – vermelha onde há maior densidade de mosquitos e verde onde quase não existem insetos. Os gestores de saúde têm acesso a esses dados e podem concentrar esforços nas áreas de maior risco. “O que para nós é praticamente instantâneo para o Ministério da Saúde demora um mês”, compara Eiras. “Enquanto isso o mosquito se reproduz.” O biólogo da UFMG afirma que os níveis de infestação vêm diminuindo nas cidades que adotaram esta estratégia de monitoramento. Os resultados parecem tão promissores que o Ministério da Saúde se mostrou interessado em testar a MosquiTRAP e verificar a possibilidade de utilizar em escala nacional essa armadilha, que no final de 2006 recebeu o Tech Museum Award por ter sido considerada uma das cinco melhores invenções do mundo na área da saúde.
Contra-ataque Segundo Eiras, o monitoramento mais eficaz das populações do mosquito é essencial para evitar o uso indiscriminado de inseticidas, contra os quais o Aedes vem se tornando resistente nos últimos tempos. “Perdemos inseticidas mais depressa do que ganhamos”, afirma Denise Valle, da Fiocruz. Integrante da Rede Nacional de Monitoramento da Resistência de Aedes aegypti a Inseticidas (MoReNAa), o maior programa de monitoramento de resistência a inseticidas do mundo, que orienta o PESQUISA FAPESP 142
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controle do transmissor da dengue no país, seu laboratório avaliou entre 2001 e 2004 populações do mosquito de diversos municípios brasileiros nos estados de Alagoas, Pará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Goiás, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em muitos deles o mosquito já não era mais sensível ao efeito do temefós, um larvicida organofosforado amplamente utilizado no país entre 1967 e 2000. Embora seu uso tenha sido substituído por inseticidas piretróides contra o inseto adulto e bioinseticidas à base de Bacillus thuringiensis contra as larvas, a resistência ao temefós persistia até três anos atrás. Investigando os mecanismos bioquímicos que conferem ao Aedes resistência a inseticidas, Denise identificou nas larvas de todas as regiões estudadas um aumento na atividade da enzima glutationa-S-transferase (GST), que neutraliza o efeito tanto de temefós como de piretróides.“Esse aumento coincide com o período em que se começou a usar piretróide no país, mas ainda não po44
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demos dizer que a enzima seja responsável”, explica Denise. Publicado na edição de setembro do American Journal of Tropical Medicine and Hygiene, esse resultado preocupa porque indica que o uso de uma série de inseticidas ainda está comprometido. Em busca de alternativas para combater o mosquito, alguns grupos de pesquisa se dedicam a desenvolver inseticidas com princípios ativos extraídos de plantas.“É preciso explorar a biodiversidade brasileira”, diz Antônio Euzébio Goulart Sant’Ana, do Instituto de Química e Biotecnologia da Universidade Federal de Alagoas. Sua equipe testou a ação larvicida de extratos de 51 espécies da flora brasileira contra o Aedes aegypti – e também o efeito tóxico desses extratos contra outros animais, na tentativa de garantir que o composto escolhido não seja nocivo ao ambiente. Os resultados mais promissores foram obtidos com extratos das folhas do arbusto araticum (Annona glabra e Annona crassiflora), segundo artigo publi-
cado este ano na revista Bioresource Technology.“Estamos agora refinando os preparos mais eficazes”, conta Sant’Ana. Para ele, há ainda outra vantagem em se desenvolver inseticidas de origem vegetal: pode gerar um mercado adicional para os agricultores que cultivam essas plantas. A bióloga Onilda Santos da Silva, da Universidade do Sul de Santa Catarina, trabalha com outras candidatas. Ela analisou o efeito sobre o Aedes de sementes e do óleo de andiroba (Carapa guianensis), usado como repelente por caboclos na Amazônia, e constatou que são capazes de eliminar larvas do inseto resistentes ao temefós, como descreveu em artigos do Journal of the American Control Association. Onilda também já obteve bons resultados com o cinamomo (Melia azedarach) e o pinheiro Pinus caribaea e afirma que terá o larvicida pronto no final do próximo ano. Ainda que se obtenha um larvicida de origem vegetal eficaz, será necessário primeiro produzi-lo em
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trolado.“A transmissão, que antes acontecia dentro das residências, passou a se dar fora delas”, explica Massad. Foi preciso então uma mudança de estratégia, pois já não bastava fiscalizar casa a casa, como se faz no Brasil. O governo passou então a monitorar as regiões infestadas por mosquitos, verificar quais apresentavam casos de dengue e a combater a epidemia usando uma combinação de larvicidas nos criadouros, inseticidas contra os mosquitos adultos e quarentena para reduzir o contato de pessoas doentes com as saudáveis. E funcionou. Implantadas durante um pico de 697 casos de dengue na última semana de setembro de 2005, em aproximadamente dois meses essas medidas reduziram a incidência para cerca de cem novos casos por semana. Mas o trabalho por ali está longe de terminar. Este ano, apesar de mantidas as medidas de controle, há muito mais casos de dengue do que o modelo previa. “Estamos pesquisando quais fatores podem ser responsáveis por esse aumento”, diz Massad, que tem uma hipótese: no ano passado uma grande queimada na Indonésia causou a mortalidade em massa dos mosquitos. Os que restaram talvez estejam mais robustos. Diante desses resultados, o Mi-
Da teoria à ação Inseticidas mais eficientes, porém, não bastam para conter o mosquito que há décadas dribla as autoridades sanitárias no país. Cada vez mais se torna evidente que é preciso agir não apenas contra as larvas, mas também contra os insetos adultos e eliminando os possíveis criadouros, como atesta o trabalho que vem sendo desenvolvido em Cingapura, no Sudeste Asiático, pela equipe do pesquisador Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da USP. Usando um modelo matemático que integra vários parâmetros – número de pessoas infectadas, recuperadas ou imunes à dengue, número de mosquitos suscetíveis a contrair o vírus e de insetos e ovos infectados –, Massad chegou a uma representação realista de como a doença se espalha em Cingapura, país de apenas 4 milhões de habitantes ao sul da Malásia. Com base nos dados da epidemia de 2004 e 2005, Massad simulou quais as melhores estratégias para enfrentar a dengue em Cingapura. Apresentados este ano na Epidemiology and Infection, os resultados indicam que são necessárias duas ações simultâneas: reduzir a população de mosquitos e de larvas à metade, ao mesmo tempo que se eliminam os focos de reprodução. E não é preciso um esforço contínuo para controlar a transmissão da doença. Basta concentrar as ações de controle em um dia a cada cinco semanas. O modelo confirma ainda que, uma vez instalada a epidemia, o melhor a fazer é matar os mosquitos adultos. Mas combater as larvas e eliminar os criadouros é essencial para evitar a ressurgência da dengue. Apesar de o governo de Cingapura adotar essas medidas, uma nova epidemia de dengue surgiu dois anos atrás, quando o problema parecia estar con-
nistério da Saúde manifestou interesse em aproveitar no Brasil a experiência de Cingapura, conta Marcelo Burattini, integrante da equipe de Massad e co-autor do estudo de Cingapura, que em novembro participou de uma reunião com as coordenações nacional e paulista de combate à dengue. Por aqui o problema é a ausência de dados que detalhem para o território nacional onde estão os mosquitos e onde se concentram os casos de dengue, além de outros parâmetros necessários para simular as melhores estratégias de ação. “É prioridade para o próximo ano melhorar os parâmetros de vigilância entomológica usando novos recursos como armadilhas para capturar mosquitos adultos”, diz Burattini. Mesmo assim não deve ser fácil.“Há uma diferença entre o que se faz num ambiente de pesquisa e as ações que se tomam na realidade”, comenta o pesquisador da USP. Além disso, as ações recomendadas pela coordenação do PNCD devem ser adaptadas à realidade das diferentes regiões brasileiras. Mais complicado: se não for executada com a mesma eficácia em todos os municípios, a estratégia perde força. Como diz Denise Valle, é um trabalho de formiguinha. ■
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grande escala antes que possa ser usado no combate à dengue. O Ministério da Saúde, que vem investindo em novos inseticidas, recomenda também que sejam aprovados para uso em água potável.
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Instituto Butantan começa a fazer em 2008 os ensaios clínicos de uma vacina contra a dengue,cuja eficácia será conhecida até 2010.O produto vem sendo desenvolvido há sete anos pelo National Institute ofAllergy and Infectious Diseases (NIAID),um dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH,na sigla em inglês) dos Estados Unidos,e está pronto para ser avaliado em seres humanos.Experiências feitas com macacos sugerem 100% de eficiência contra os quatro tipos de vírus que causam a dengue.A tecnologia é muito semelhante à utilizada nas vacinas de raiva e rotavírus,também produzidas pelo Instituto Butantan,nas quais o material genético do vírus é modificado e a versão atenuada do agente infeccioso permanece capaz Instituto Butantan fará ensaios de estimular a produção de anticorpos, mas não de causar a doença nem de ser clínicos de vacina contra a dengue transmitida pela fêmea do mosquito desenvolvida nos Estados Unidos Aedes aegypti. Numa primeira fase,que deve durar cerca de dois meses,a vacina será aplicada em cerca de 30 adultos para avaliarse representa algum perigo à saúde humana.O antígeno já teve sua seguranF ABRÍCIO M ARQUES ça assegurada nos Estados Unidos – mas a repetição dessa análise no país é uma exigência de legislação sanitária brasileira. As fases 2 e 3,em que a eficácia da vacina vai ser efetivamente avaliada,contarão com um número bem maior de voluntários,distribuídos por municípiosonde há grande incidência da moléstia.Várias instituições participarão do esforço,como a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), por meio do Instituto da Criança,o Hospital Universitário da USP e a Faculdade de Medicina da Santa Casa,além do Instituto Adolfo Lutz,encarregado dos ensaios laboratoriais. Embora a dengue não represente hoje uma ameaça à população norteamericana,a pesquisa de uma vacina mobilizou as autoridades sanitárias dos Estados Unidos,preocupadas com o contágio de cidadãos que viajam ao exterior e de soldados em missões em outros países.Além do NIAID,outras duas vacinas contra a moléstia estão sendo testadas pelo Centro de Pesquisas Médicas da Marinha dos Estados
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Unidos e pelo Centro Médico Walter Reed, instituição de pesquisa do Exército dos Estados Unidos – que também investe pesadamente em investigações de vacinas e terapias contra a malária, outro pesadelo dos militares. Pelo menos três outros imunizantes vêm sendo desenvolvidos na Universidade Mahidol, da Tailândia, e pelas empresas de biotecnologia norte-americanas Acambis e Hawaii Biotech. Rotavírus – Na ausência de vítimas em seu território, era natural que o NIAID buscasse parcerias com países atingidos pela doença para testar sua vacina. A escolha do Butantan se deveu, em boa medida, a sua notável experiência neste campo.“Trata-se do reconhecimento de nossa competência para desenvolver a tecnologia de produção e construir fábricas comparáveis às melhores do mundo”, diz Isaias Raw, presidente da Fundação Butantan e responsável técnicocientífico por seu Centro de Biotecnologia. O Instituto Butantan é credenciado pelo Unicef e pela Organização Panamericana de Saúde (Opas) como fornecedor de vacinas para países em desenvolvimento. O acordo com os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos repete os termos de uma parceria celebrada no ano passado para testes e produção de um antígeno contra o rotavírus, que já está disponível e é fabricado em escala industrial pelo Butantan.“É na esteira do Butantan que Índia e China irão produzir a mesma vacina de rotavírus, que tem um custo menor e uma eficiência maior do que as importadas”, afirma Raw. A preparação dos ensaios clínicos no Brasil, que deverá ser financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), terá a ajuda de epidemiologistas da Pediatric Dengue Vaccine Initiative (PDVI), com sede na Coréia do Sul. A instituição é financiada pela Fundação Bill & Melinda Gates, que doou US$ 55 milhões para acelerar o desenvolvimento de várias vacinas contra a dengue. A missão da PDVI ao Brasil que celebrou a parceria com o Butantan foi chefiada por Donald Francis, pesquisador conhecido por combater a Aids, o sarampo e o ebola na África. “Estamos falando há umas três décadas
que uma vacina contra a dengue deverá estar disponível nos próximos dez anos. Agora finalmente parece que isso vai tornar-se realidade”, disse à revista Science Duane Gubler, especialista em dengue da Universidade do Havaí, Manoa, em Honolulu, que pertence ao painel de consultores da PDVI. A vacina testada no Brasil será tetravalente, capaz de imunizar contra quatro sorotipos da dengue: 1, 2, 3 e 4. Chegar a um produto desse tipo foi uma tarefa que durou mais de 50 anos. Até os anos 1990, os testes feitos com vacinas de vírus atenuados enfrentaram obstáculos severos. Duas dessas iniciativas obtiveram sucesso contra os subtipos 1, 2 e 4, mas naufragaram na tentativa de acoplar o vírus 3: os voluntários acabaram pegando a doença, em vez de ganhar imunidade contra ela. O advento da manipulação genética do vírus permitiu que os pesquisadores modulassem melhor a resposta imunológica do organismo às quatro cepas do agente infeccioso. Outro desafio para a vacina antidengue era garantir que ela não provocasse a chamada dengue hemorrágica, que pode levar à morte. Noventa por cento dos casos de dengue hemorrágica ocorrem em indivíduos que já haviam contraído um subtipo da doença e se recontaminam com outro subtipo. O grande temor era que o antígeno, uma vez aplicado a pessoas que já tivessem tido a doença, causasse uma resposta exagerada que levasse ao choque hemorrágico. No caso da vacina a ser testada no Brasil, esse risco não existe. Segundo Isaias Raw, dados do NIH mostram que a imunização não produz o mesmo efeito do contágio com vírus selvagens. Caso a eficácia da vacina seja comprovada num horizonte de dois ou três anos, como espera Isaias Raw, já está acertado com o NIH que o Butantan será autorizado a produzi-la para toda a América Latina. O poder público participará desse esforço, financiando a criação de fábrica no terreno do Butantan. O governo do estado de São Paulo será responsável pela construção e o Ministério da Saúde já concordou em fornecer os equipamentos, numa estratégia semelhante à realizada na produção de vacina contra a gripe. ■
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A longa jornada dos raios cósmicos C ARLOS F IORAVANTI
Mapa celeste mostrando as direções de chegada dos 27 raios cósmicos de energia mais alta detectados pelo Pierre Auger (círculos brancos) e os Núcleos de Galáxias Ativas mais próximos (asteriscos vermelhos). O asterisco branco representa a galáxia Centauro A
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ma dúvida antiga sobre os raios cósmicos pode ter sido resolvida. Há quase 70 anos o físico francês Pierre Auger identificou essas partículas – as mais energéticas do Universo – se desfazendo em bilhões de outras ao colidir com a atmosfera terrestre, mas não tinha nenhuma certeza sobre dois pontos aparentemente simples: de onde poderiam vir e o que exatamente eram. Agora uma equipe de 370 pesquisadores de 17 países, incluindo o Brasil, tem uma resposta para a primeira pergunta (a segunda continua no ar). Como detalhado na Science de 9 de novembro, os raios cósmicos de energia mais alta devem se formar nas proximidades de buracos negros – sorvedouros de matéria e energia – encontrados nos núcleos de galáxias ativas das vizinhanças de nossa própria galáxia, a Via Láctea. Os raios cósmicos de energia mais alta nascem em meio a uma mistura de partículas eletricamente carregadas que os buracos negros mais ativos liberam depois de se saciarem de gases, poeira cósmica e estrelas. Essa situação dantesca se passa em galáxias ativas como a Centauro A, a mais próxima, a 12 milhões de anos-luz da Via Láctea, ou em outras a até 300 milhões de anos-luz – não é lá tanto se lembrarmos que o Universo se estende por 13 bilhões de anos-luz. Os raios cósmicos de energia mais alta que chegaram hoje à Terra podem portanto ter se originado às vésperas de uma superextinção ter apagado 95% das formas de vida em nosso planeta (há 250 mi-
lhões de anos) ou de os répteis terem gerado os rascunhos dos dinossauros (por volta de 230 milhões de anos atrás). Os físicos dessa área se interessam pouco pelos raios cósmicos de energia mais baixa. São mais comuns e de origens ainda mais incertas, mesmo que sejam os que podem interromper a conversa no celular ou o filme na TV quando formados nas explosões solares mais intensas. Os de alta energia são mais atraentes, em primeiro lugar, por carregarem uma energia quase inconcebível, de até 60 x 1018 elétron-volts (1 elétron-volt, a unidade de energia das partículas, corresponde à energia do elétron, a menor partícula elementar). Em segundo lugar, por serem muito raros: deve chegar à Terra apenas um raio de energia mais alta em cada quilômetro quadrado a cada século (o nome dessas partículas sugere que chegam em feixes, mas não: são viajantes solitários). Em terceiro lugar, porque podem se tornar outra forma de ver o céu. “Este artigo da Science abre a possibilidade de estudarmos os objetos celestes também por meio dos raios cósmicos”, celebra o físico Carlos Escobar, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador da participação brasileira. Desde os tempos de Galileu os astrofísicos contam somente com a luz – inicialmente só a luz visível e mais tarde em vários comprimentos de onda, do infravermelho até os raios gama – para observar o Universo. Os raios cósmicos poderiam ajudar a estudar inicialmente os fenômenos que ocorrem nas centenas de galáxias ativas, cujos núcleos emitem uma PESQUISA FAPESP 142
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e dos cientistas que quiseram saber de onde poderiam vir
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De onde vêm
> 18 pesquisadores de dez instituições de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, além de alunos de mestrado, doutorado e iniciação científica > Cinco empresas: Alpina Termoplásticos, Rotoplastyc Indústria de Rotomoldados, Equatorial Sistemas, Schwantz Ferramentas Diamantadas e Acumuladores Moura > Investimentos: FAPESP: US$ 2,5 milhões Finep/MCT: US$ 1 milhão CNPq: US$ 300 mil FAPERJ: R$ 200 mil
Um dos berçários de raios cósmicos, a 12 milhões de anos-luz: o núcleo de Centauro A, uma das galáxias mais próximas da Via Láctea. As partículas mais energéticas do Universo podem vir de núcleos de galáxias situados a até 300 milhões de anos-luz
quantidade de energia milhares de vezes superior à produzida em toda a Via Láctea. Os núcleos dessas galáxias muitas vezes abrigam buracos negros de massa respeitável – milhões de vezes maior que a do Sol – que absorvem tudo ao redor. Os raios cósmicos de energia mais alta resultam dessa voracidade insaciável, como as migalhas de um pão comido às pressas, e são depois impulsionados por meio de turbulências dos campos magnéticos do espaço. Em um trabalho recente publicado na Nature, físicos do Japão, Irlanda, Alemanha e Estados Unidos mostraram que raios cósmicos com energia 10 mil vezes mais baixa que os apresentados na Science podem ser acelerados por explosões conhecidas como estrelas supernovas, que podem liberar em pouco tempo a mesma energia que o Sol emitiria em 10 bilhões de anos. Esse estudo confirmou um fenômeno previsto há décadas pelo físico italiano Enrico Fermi, mas deixava no ar a dúvida sobre onde essas partículas poderiam se formar.
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equipe de que o Brasil fez parte conseguiu detectar a origem dos raios cósmicos mais energéticos porque contou com um aparato monumental: o Observatório de Raios Cósmicos Pierre Auger, que ocupa 3 mil quilômetros quadrados, o dobro da área da cidade de São Paulo, em uma região semidesérti-
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A participação brasileira
ca do oeste da Argentina próxima a Malargüe, uma cidade de 20 mil habitantes. O que hoje é o maior observatório do mundo em sua modalidade começou a ser planejado em 1992 pelo físico norte-americano James Cronin, professor da Universidade de Chicago premiado com o Nobel de Física em 1980, e pelo escocês Alan Watson, da Universidade de Leeds, Inglaterra. Como a necessidade de cooperação internacional se tornava clara em vista das proporções que o projeto original assumia, eles convidaram uns poucos colegas interessados e experientes na área de física de partículas para uma primeira conversa, em junho de 1995. Um dos participantes era Escobar, na época professor da Universidade de São Paulo (USP). Em uma reunião realizada na sede da Unesco, em Paris, em novembro de 1995, Escobar, Ronald Shellard, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), e Armando Turtelli, da Unicamp, e os colegas argentinos Alberto Etchegoyen e Alberto Filevicvh defenderam arduamente a possibilidade de o novo observatório ser construído na Argentina. “Esse foi um momento crucial”, conta o físico Marcelo Leigui, que participou dessa pesquisa como pós-doutor pela Unicamp e agora a acompanha como professor da Universidade Federal do ABC.“A participação brasileira teria sido menor se tivesse sido escolhi-
do um dos outros dois países candidatos, a África do Sul e a Austrália.”A participação brasileira, oficializada em 17 de julho de 2000 na Unicamp, traduziuse em investimentos de cerca de US$ 4 milhões, na forma de equipamentos comprados de indústrias nacionais e no custeio de bolsas de pós-graduação e de despesas de viagens.
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s leitores desta revista puderam acompanhar os principais momentos da lenta e suada construção do Pierre Auger. Já em agosto de 2000 a matéria de capa de Pesquisa FAPESP contava dos bastidores das negociações e do início da construção. Em abril de 2002 outra matéria descrevia o ritmo das obras:“Neste momento, num espaço que às vezes lembra o refinamento de uma nave espacial e outras, as obras robustas de uma hidrelétrica, dezenas de operários, técnicos e pesquisadores trabalham intensamente na montagem dos equipamentos de medição dos raios cósmicos”. Então já operavam 40 dos 1.600 detectores de superfície, os chamados tanques Cerenkov, cada um com 11 mil litros de água puríssima, que captam a radiação azulada produzida quando um raio cósmico colide com a água. Os tanques funcionam em conjunto com 24 telescópios de fluorescência, que registram a luz produzida quando os raios cósmicos colidem com a atmosfera. O Pierre
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Onde chegam
Auger foi o experimento pioneiro em integrar os dois métodos de observação, até então adotados isoladamente em observatórios menores nos Estados Unidos e no Japão. A engenhosidade dessa construção, retratada já na etapa final em uma reportagem de agosto de 2003, resulta também da colaboração de empresas de 19 países. Do Brasil participaram a Alpina e a Rotoplastyc, que fabricaram os tanques Cerenkov, a Schwantz, com as lentes corretoras dos telescópios, a Equatorial, que montou dispositivos de regulagem dos telescópios, e a Moura, com as baterias dos painéis solares dos detectores de superfície. O físico Vitor de Souza conta que aprendeu “a superar as barreiras de entendimento entre o pensamento acadêmico e o industrial”à medida que ajudava a construir e a instalar os equipamentos. Pesquisa FAPESP acompanhou também a chegada dos raios cósmicos. Em outubro de 2005, data de outra reportagem, havia registros de 3 mil partículas, das quais 20 eram preciosas: estavam na faixa de energia mais alta. Este ano os físicos reuniram as 27 partículas com energia superior a 57 x 1018 elétron-volts registradas de 2004 a 2007 e verificaram que elas vinham de direções específicas, relacionadas aos núcleos de galáxias ativas próximos da Via Láctea. A conclusão descartou a possibilidade de as
OBSERVATÓRIO PIERRE AUGER
Tanque com 11 mil litros de água pura de um dos 1.600 detectores do maior observatório de raios cósmicos do mundo: experimento pioneiro em integrar dois métodos de estudo, os detectores de superfície como este e 24 telescópios de fluorescência
partículas virem da própria Via Láctea ou de regiões mais distantes (neste caso se distribuiriam de forma homogênea no céu em vez de se agruparem de acordo com as prováveis origens). “Mostramos que é possível executar um projeto de grande porte com um orçamento inferior ao planejado”, avalia Escobar. Os investimentos dos 17 países chegaram a US$ 54 milhões, US$ 6 milhões abaixo do previsto, apesar dos imprevistos de todo tipo. “O aprendizado em administração de projetos foi imenso.” Os brasileiros também apertaram o cinto. Há dois anos, por exemplo, Escobar decidiu que todos os integrantes da equipe brasileira deixariam de ir para o Pierre Auger por meio de dois vôos e começariam a ir de avião só até Buenos Aires, de onde poderiam tomar um ônibus e chegar a Malargüe depois de 16 horas de viagem. “Além do conhecimento em si, aprendemos a conviver com diferentes formas e ritmos de trabalho”, reconhece Sérgio Carmelo Barroso, que em um ano teve de ir dez vezes a Malargüe para montar e testar equipamentos – e ainda participa desse trabalho, agora como professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).“Aprendi como se projeta, constrói e testa um experimento, como se analisam seus dados e finalmente como extrair os resultados científicos de interesse”, acrescenta Sou-
za, que desde janeiro trabalha na Universidade de Karlsruhe, Alemanha. “Ainda não chegamos aonde queríamos”, inquieta-se Leigui. Para começar, falta confirmar se os raios cósmicos de ultra-alta energia são mesmo prótons – um dos componentes do núcleo atômico, quase 2 mil vezes maior que os elétrons – ou núcleos de oxigênio ou de carbono ou qualquer outra coisa. “Os resultados que temos são coerentes com a idéia de que os raios cósmicos sejam realmente prótons, de baixa carga elétrica”, afirma Escobar.
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om esse trabalho, os físicos testam a validade de algumas teorias. Haveria um limite máximo de energia que os raios cósmicos poderiam apresentar ao chegar à Terra, o chamado corte GZK, próximo a 60 x 1018 elétronvolts, mas, claro, era preciso confirmar. Segundo Escobar, o fato de só terem obtido correlações com objetos extragalácticos próximos indica que o corte GZK está funcionando. Como o fim de uma jornada pode marcar o início de outras ainda mais longas, a equipe do Auger se atém também ao plano de construir nos Estados Unidos uma versão similar do observatório da Argentina, que poderá revelar mais alguns segredos do céu do hemisfério Norte. Depois, claro, que estiver funcionando, daqui a pelo menos dez anos. ■
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Pelo mundo afora
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ão faz tanto tempo assim o mundo era um verdadeiro deserto humano. Cerca de 200 mil anos atrás, quase nada ante os 4,5 bilhões de anos da Terra, os continentes já ocupavam a posição em que se encontram atualmente e a maior parte das espécies de plantas e animais existentes hoje vivia em florestas e savanas praticamente intocadas. Os primeiros seres humanos a apresentar traços semelhantes aos nossos – pernas mais longas que o tronco, face achatada e crânio maior e mais arredondado – habitavam uma pequena área do noroeste da África, formando grupos que não deveriam somar mais do que algumas dezenas ou centenas de indivíduos. A esse cenário, delineado no último século por arqueólogos e paleoantropólogos, somam-se as tentativas recentes de geneticistas e biólogos evolutivos de reconstruir o passado da humanidade e, assim, tentar esclarecer como um pequeno grupo de macacos quase sem pêlos conseguiu se multiplicar e se espalhar pelo mundo com tamanho sucesso a ponto de hoje ser capaz de influenciar o destino do próprio planeta. Esse esforço para explicar algumas das dúvidas mais primitivas do ser humano – de onde veio nossa espécie e como se tornou o que é? – sempre gera um debate fervoroso como o que ocorreu no início de novembro no Primeiro Simpósio de Evolução Biológica, realizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Nesse encontro, que reuniu alguns dos mais destacados especialistas em genética e biologia evo-
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Comparando genes de diferentes povos, biólogos tentam explicar como e quando os seres humanos surgiram e se espalharam pelo planeta | R ICARD O Z ORZET TO
lutiva do mundo, ficou evidente que ainda está longe o dia em que se ouvirá uma resposta única e conclusiva para perguntas aparentemente simples como essas. E não faltam argumentos para justificar os resultados, muitas vezes distintos e quase opostos, a que têm chegado os pesquisadores que optam por diferentes estratégias para escarafunchar o passado da humanidade que permanece registrado nos genes das populações atuais. Um rápido resumo do que paleontólogos e antropólogos descobriram no último século ajuda a compreender a polêmica atual. As evidências mais contundentes de que o Homo sapiens surgiu na África são fragmentos de ossos encontrados em Herto e em Omo Kibish, na Etiópia. O primeiro é um crânio com idade estimada em 160 mil anos e o segundo, um crânio de 195 mil anos. Também são os fósseis encontrados em outras partes do mundo que indicam que os seres humanos modernos permaneceram por ali por quase 100 mil anos, antes de arriscar os primeiros passos fora da África. E numa primeira tentativa não foram muito longe. Chegaram apenas ao atual Oriente Médio, como sugerem restos de esqueletos com idade entre 120 mil e 90 mil anos encontrados em Israel. Mais tarde, entre 70 mil e 50 mil anos atrás, outra leva originária de africanos teria se espalhado por todo o sul do continente asiático, alcançando a Austrália. Somente o terceiro grupo a deixar o continente africano teria alcançado também o centro e o norte da Ásia e finalmente chegado à Europa, onde viviam os atarracados Homo neandertalensis, espécie de
hominídeo adaptada ao clima frio e considerada a mais próxima do Homo sapiens. Por alguma razão ainda não compreendida, os neandertais desapareceram gradualmente pouco depois da chegada do Homo sapiens à Europa, que coincide com o seu domínio de técnicas mais refinadas de produzir roupas, utensílios e ferramentas.
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que acontece daí em diante todos sabem: o homem moderno ocupou os demais continentes e povoou até mesmo as mais inóspitas regiões do planeta, deixando marcas por onde passou. O mais complicado é resgatar a história do que ocorreu antes, em um período sobre o qual os registros fósseis e arqueológicos são insuficientes para explicar em detalhes como a espécie humana emergiu e sobreviveu à extinção dos hominídeos. Nas duas últimas décadas, a análise de características genéticas compartilhadas ou não por populações de diferentes regiões do planeta vem oferecendo pistas que podem ajudar a desfazer essas dúvidas sobre o homem moderno – teria surgido entre 200 mil e 150 mil anos atrás só na África ou existiria também na Ásia? Teria eliminado outras espécies de hominídeos, como os neandertais, ou convivido e procriado com elas? A visão mais polêmica sobre como a espécie humana evoluiu até adquirir as características atuais e colonizar o planeta foi apresentada em Porto Alegre pelo biólogo e estatístico norte-americano Alan Templeton, da Universidade de Washington em Saint Louis, Missouri. Inicialmente especialista em genética de doenças coronarianas, Templeton passou a estudar evolução humana cerca de
20 anos atrás, quando foi convidado por um amigo, Robert Sussman, editor da revista American Anthropologist, a escrever um artigo de revisão sobre o assunto. Analisando tudo o que havia sido publicado sobre o tema, Templeton encontrou graves falhas metodológicas nos artigos que ajudam a fundamentar o que hoje é a mais aceita teoria de como a espécie humana se tornou o que é – a chamada hipótese da substituição ou teoria de saída da África. De acordo com essa teoria, os seres humanos teriam deixado o continente africano entre 60 mil e 50 mil anos atrás e se espalhado pela Ásia e pela Europa, eliminando as outras espécies de hominídeos que encontrava pelo caminho como o Homo neandertalensis, seu contemporâneo. Também conhecida como out-of-Africa, essa teoria ganhou força com a publicação na Nature em 1987 de um artigo escrito pelos biólogos Rebecca Cann, Mark Stoneking e Allan Wilson. Usando ferramentas da genética molecular, eles analisaram um tipo específico de material genético – o DNA mitocondrial, transmitido aos descendentes apenas pela mãe – de 147 pessoas de diferentes regiões geográficas do mundo. Concluíram que a mulher que teria dado origem à parte dos seres humanos atuais seria uma africana que teria vivido 150 mil anos atrás, que se tornou conhecida no mundo todo como a Eva mitocondrial. A principal crítica de Templeton a esse trabalho é que, ao identificar a origem do homem moderno na África, os autores assumiram que esse resultado justificava a hipótese de substituição. Assim, excluíram outras possibilidades
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Ontem e hoje: Homo erectus, ancestral do homem moderno (centro) e do neandertal (direita), que podem ter se relacionado
– como a do surgimento simultâneo do Homo sapiens também na Ásia, conhecido como modelo multirregional – sem seguir os preceitos mais básicos do método científico e realizar testes estatísticos que permitissem eliminar as hipóteses alternativas. Segundo Templeton, agindo desse modo Rebecca, Stoneking e Wilson apenas demonstraram que a teoria out-of-Africa era compatível com os dados, mas não comprovaram que os outros modelos não eram.
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ncomodado com essa escolha arbitrária, Templeton, que havia desenvolvido uma forma de análise genética que reúne grupos por proximidade genética e geográfica, imaginou uma forma de tentar eliminar os modelos que não fossem compatíveis com os dados genéticos. O raciocínio é simples: se após deixar a África entre 100 mil e 50 mil anos atrás o Homo sapiens tivesse eliminado as outras espécies sem deixar descendentes com elas, o material genético dos seres humanos atuais teria origem exclusivamente africana. “Se isso fosse verdade, a contribuição genética de populações humanas de outros continentes teria sido eliminada”, explica o biólogo Reinado Alves de Brito, da Universidade Federal de São Carlos, ex-aluno de doutorado de Templeton. Não foi o que se encontrou. Analisando 25 trechos do material genético de populações atuais de diferentes partes do mundo, Templeton constatou que alguns desses trechos apresentavam contribuição de ancestrais que viveram na
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Ásia em um período anterior a 130 mil anos atrás, antes de o Homo sapiens deixar a África pela primeira vez, como descreve em uma série de artigos publicados nos últimos anos na Evolution. O que teria então se passado? Para Templeton, os dados mostram que a colonização dos outros continentes começou muito antes, cerca de 1,9 milhão de anos atrás com um ancestral da nossa espécie – o Homo erectus, que o biólogo norte-americano Jared Diamond classificou como sendo mais que um macaco, mas menos que um humano – deixando a África rumo à Ásia. A essa primeira saída teriam se seguido duas outras: uma há 650 mil anos e a mais recente há 130 mil anos. Cada vez que esses ancestrais humanos com características um pouco menos arcaicas deixavam a África e topavam com um grupo que havia saído antes, eles cruzavam e deixavam descentes. “Quando se encontravam, eles faziam amor e não guerra”, diz Templeton, para quem o gênero Homo é uma linhagem contínua que se diferenciou aos poucos. Muitos não concordam. “Do ponto de vista teórico, é possível que esse cruzamento tenha de fato ocorrido. Mas, avaliando a distribuição dos fósseis e dos registros arqueológicos, não parece tão verossímil”, comenta o paleoantropólogo Danilo Bernardo, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP). Um dos pesquisadores que discordam frontalmente de Templeton é o biólogo suíço Laurent Excoffier, da Universidade de Berna, autor de um programa de computador de análise de genética de populações usado no mundo todo. Em Porto Alegre, Excoffier apresentou os resultados de seu trabalho mais recente, feito em parceria com Nelson Fagundes
e Sandro Bonatto, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e publicado em outubro nos Proceedings of the National Academy of Sciences. Nesse estudo, eles seqüenciaram 50 trechos do material genético extraído de 30 indivíduos da África, da Ásia e da América do Sul. Usando um método que eles próprios desenvolveram, calcularam como cada um desses trechos se modificou ao longo de milhares de anos e tentaram ver qual entre oito modelos de evolução humana explicaria melhor as diferenças genéticas entre as populações atuais. Concluíram que o mais provável era justamente o modelo out-of-Africa, rejeitado por Templeton. De acordo com os cálculos do grupo, o Homo sapiens teria surgido há 140 mil anos e um grupo de 600 indivíduos teria deixado a África há 50 mil anos. “Esses resultados estão de acordo com o que a maior parte dos pesquisadores acredita ter ocorrido”, diz Bonatto. Como explicar resultados tão discrepantes? Na opinião do pesquisador gaúcho, Templeton teria partido de um pressuposto errado. Mesmo que o Homo sapiens tenha eliminado completamente as outras espécies de hominídeos que encontrou sem deixar descendentes em comum, uma parte do seu material genético deve ser muito antiga, herdada da espécie ancestral africana. Já Templeton critica a amostra de apenas 25 pessoas analisada por Excoffier e o grupo gaúcho. Ao menos em um ponto Templeton e Excoffier concordam. Com mais informação genética de mais pessoas ao redor do globo, como a que vem sendo coletada no projeto Genográfico humano, seus resultados devem se tornar mais precisos e, talvez, revelar quem está certo. ■
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> NEUROCIÊNCIA
Muito além dos cyborgs
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onhar pequeno e sonhar grande tomam o mesmo tempo”,dizia a avó de Miguel Nicolelis, hoje neurocientista radicado na Universidade de Duke,nos Estados Unidos.Ele segue o ensinamento à risca e sonha grande. Entre outras coisas,em anos recentes ensinou macacos a reagir a sinais que recebem de um computador diretamente no cérebro e a controlar um braço mecânico sem mover um dedo. É o caminho para devolver a mobilidade a pessoas que sofreram lesão na medula espinhal. As perspectivas que surgem da interação entre cérebros e robôs mostram por que a neurociência é uma das áreas de pesquisa mais fervilhantes do momento.É por isso que Nicolelis foi convidado a apresentar seus resultados no prestigioso Fórum Nobel do Instituto Karolinska,na Suécia,sede do Prêmio Nobel.Em sua palestra,o brasileiro recapitulou os avanços da neurociência nos últimos 20 anos e mostrou como ele empurra as fronteiras da ciência.
Um experimento programado para o final de novembro pretende literalmente derrubar fronteiras.Os mesmos impulsos cerebrais que comandam as pernas de um macaco andando em Duke percorrerão uma conexão de internet ultra-rápida até o Laboratório de Robótica ATR em Kyoto,no Japão,onde guiarão os passos de um robô.Este,por sua vez,enviará informações do percurso de volta para o macaco. “É um ciclo fechado”,resume Nicolelis,que tem em mente uma aplicação muito menos remota:uma estrutura de metal que vestiria o paciente com deficiência e seria controlada por seu próprio cérebro.O retorno de informações da prótese robótica para o cérebro recriará uma situação natural,em que o caminhante ajusta seu movimento de acordo com desníveis que sente no solo. O experimento ainda está por acontecer, mas testes preparatórios deixam seu idealizador confiante.Parte da preparação foi treinar os macacos para reagir a uma mensagem artificial gerada pelo computador,bem diferente dos impulsos naturais do cérebro.Os computadores,por sua vez,precisaram ser programados para traduzir a atividade cerebral em comandos que controlem braços ou pernas mecânicas. Em 1989 Nicolelis chegou aos Estados Unidos,onde desenvolveu uma técnica para monitorar a atividade de até 500 neurônios de uma vez.“Assim conseguimos demonstrar de maneira categórica que o cérebro funciona pela ação de populações de neurônios,não células isoladas”, conta.Essa visão integrada do sistema nervoso provocou um salto conceitual na área e difundiu a técnica pelo mundo todo.
O pesquisador passou então a aplicar a técnica em ratos,macacos,depois macacos maiores e finalmente em pacientes com mal de Parkinson.Além de ensinar o cérebro a comunicar-se com um computador,seus experimentos têm ajudado a entender – e contornar – os danos que a doença causa no cérebro.Em ratos transgênicos com sintomas semelhantes ao mal de Parkinson em humanos,várias células do córtex motor cerebral enviam impulsos ao mesmo tempo,em vez de alternadamente.O resultado é que os ratos tremem e não conseguem andar.Nicolelis descobriu que é possível estimular regiões do sistema nervoso periférico e dessincronizar os impulsos nervosos, que deixam de ser simultâneos.“O animal começa a tremer menos e volta a conseguir andar”,conta.O artigo com esses resultados deve ser enviado para publicação em dois meses,mas o autor já adianta que deverá ser possível usar o método em grande parte dos pacientes humanos. Outra boa notícia é que o trabalho de Nicolelis nos Estados Unidos resulta em transferência de tecnologia para o Brasil.Em 2008 o Hospital Sírio-Libanês,em São Paulo,começará a usar um método que permite monitorar a atividade dos neurônios durante cirurgias em pacientes com Parkinson.O dispositivo permite detectar os neurônios com funcionamento anômalo e implantar microeletrodos para corrigir o problema.Além disso,a tecnologia que permite grandes avanços em Duke está chegando ao Instituto Internacional de Neurociências de Natal Edmond e Lily Safra,no Rio Grande do Norte,que Nicolelis fundou e preside. ■
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O homem que descozinhou o
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Pesquisador francês que inventou a gastronomia molecular quer mudar a forma como o homem cozinha
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ervé This é francês, mora nos arredores de Paris e sabe de coisas que muitos chefes de cozinha estrelados nem desconfiam. Pratos à base de ovos são uma de suas especialidades. Aliás, sua vocação para trabalhar com alimentos foi despertada há 27 anos quando resolveu não seguir à risca uma receita de suflê de roquefort tirada de uma revista feminina e adicionou todos os ovos de uma vez em sua preparação. Não deu certo. Na semana seguinte repetiu o prato, só que acrescentou os ovos um a um. Ficou melhor, mas não perfeito. Na terceira tentativa, finalmente cedeu às dicas do periódico. Colocou os ovos de dois em dois e – voilá! – não é que o suflê saiu realmente bom? This então se perguntou por que a maneira de juntar os ovos à receita fazia tanta diferença no resultado final. Desde então, ele estuda esse e outros pequenos mistérios envolvidos nas receitas culinárias, algumas tendo como ingrediente principal ou secundário a melhor iguaria que a galinha fornece à humanidade, excluindo-se, claro, ela mesma. Entre suas descobertas destacam-se, por exemplo, uma forma de se “descozinhar” um ovo (uma pitada do agente redutor boroidreto de sódio, NaBH4, e três horas de espera dão conta da excêntrica tarefa) e a determinação da temperatura ideal para se aquecer um ovo a fim de que a clara fique com a máxima maciez possível sem endurecer a gema (uma série de testes lhe mostraram que 65°C é a melhor alternativa). O primeiro erro de quem vê o trabalho de This é confundi-lo com um cozinheiro moderno, daqueles que fazem sorvete quente de parmesão ou usam nitrogênio líquido em pratos minúsculos de aparência futurista. Embora admire esses inventivos profissionais do fogão e os influencie com seus estudos, ele não é chef de cuisine. Físico-químico de formação, This não dá expediente em nenhum restaurante parisiense. Bate cartão nos laboratórios do Institute Nationale de la Recherche Agronomique (Inra) e do prestigioso Collège de France, onde, a convite do prêmio Nobel de Química JeanMarie Lehn, ministra cursos e faz experimentos desde 1995 na área em que é referência internacional, a gastronomia mo-
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Duas visões de dentro de uma emulsão de água, gelatina e óleo: antes (esquerda) e depois de a preparação se tornar um gel
lecular. Ao lado do físico húngaro Nicholas Kurti, que fez carreira na Universidade de Oxford e morreu em 1998, This é visto com o fundador da gastronomia molecular, expressão cunhada por ambos no final da década de 1980. O segundo erro é não compreender o significado dessa disciplina dentro de sua área-mãe, a ciência dos alimentos. “A gastronomia molecular estuda preferencialmente as transformações culinárias feitas em casa e nos restaurantes e os fenômenos ligados ao ato de comer”, explica o físico-químico, que esteve no Brasil no final de outubro para dar palestras e lançar três números especiais da edição brasileira da revista Scientific American dedicados à sua especialidade.“Não estou interessado em entender a cozinha industrial.” Nem todo mundo concorda com a expressão gastronomia molecular para descrever o tipo de pesquisa feita por This. Alguns cientistas argumentam que, diferentemente dos biólogos moleculares, o físico-químico francês não estuda a interação entre moléculas individuais durante a preparação de pratos culinários. Apenas se ocuparia de um ramo da química dos alimentos. Estrelas e suflê - Polêmica à parte, This e seus seguidores explicam que seu trabalho não consiste em investigar de forma isolada os componentes de uma fruta, vegetal ou carne, como fazem os cientistas dos alimentos. Dedicam-se a escrutinar, com a metodologia científica, os fenômenos que ocorrem durante a execução de uma receita e tentam entender o papel de cada ingrediente – e dos constituintes desse ingrediente – e decifrar a relevância (ou não) dos pro58
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cedimentos envolvidos na preparação de um prato. Em poucas palavras, são pesquisadores do fazer culinário, da comida elaborada artesanalmente pelas pessoas, permeada de preceitos (pretensamente) técnicos, da cultura local e, em alguns casos, crendices. Nessa busca por explicações do que ocorre com os alimentos no interior das panelas ou nos fornos, fazem a eles mesmos questões que podem parecer tolas para outros cientistas, mas que são dúvidas eternas de quem lida com as caçarolas, de forma amadora ou profissional. É verdade que, como muita gente acredita na França, a maionese feita por mulheres menstruadas desanda? Cortar a cabeça de um porco assado logo após retirá-lo do forno realmente ajuda a manter a pele do suíno crocante? Respostas para esse tipo de indagação – respectivamente, não e sim para as duas perguntas acima formuladas – é que movem o trabalho dessa nova frente de pesquisa.“É uma triste reflexão sabermos mais sobre a temperatura dentro das estrelas do que dentro de um suflê”, disse Kurti, numa célebre palestra filmada pela BBC em 1969, ainda na, digamos, pré-história da gastronomia molecular. Na ocasião, além de literalmente verificar que a temperatura dentro de um suflê oscilava entre 20 e 70°C, o físico húngaro causou sensação ao fazer um tipo de sobremesa num novo aparelho, um forno de microondas. Para os cientistas da cozinha, a arte de transformar produtos de origem vegetal ou animal em alimentos comestíveis parou no tempo e se encontra presa a receitas que, não raro, usam ingredientes desnecessários ou promovem procedimentos inúteis ou de função ig-
norada. “É uma loucura, mas ainda cozinhamos como na Idade Média”, afirma This, que em sua passagem por São Paulo encontrou tempo para visitar o Mercado Municipal e se deliciar com cores e sabores de várias partes do Brasil. “Somos muito apegados à tradição e seguimos livros antigos com receitas que deveriam estar em museus.” Ingrid Schmidt-Hebbel, coordenadora do curso de Tecnologia em Gastronomia do Centro Universitário Senac, também mete a colher nesse tema.“Nada de realmente novo aconteceu na gastronomia no século XX”, diz Ingrid, especializada em bioquímica de alimentos. “A incorporação de novos equipamentos movidos à eletricidade apenas tornou mais fácil a execução de tarefas manuais, mas os procedimentos não mudaram em sua essência.” Ao aumentar o conhecimento sobre os procedimentos culinários, o físicoquímico francês acha que pode contribuir para que a humanidade coma melhor no século XXI. Ele não chega a acreditar que as refeições diárias do homem do futuro serão parecidas com a comida desidratada dos astronautas, mas gosta de estimular os chefs modernos a empregar moléculas específicas, em vez de ingredientes tradicionais, para alcançar melhores resultados em seus pratos. Em vez de, por exemplo, espremer o clássico suco de limão sobre os vegetais para evitar seu escurecimento, por que não usar simplesmente o ácido ascórbico, a popular vitamina C? Afinal, o ácido é a substância do sumo cítrico responsável por tal efeito protetor. Muitos cozinheiros clássicos ainda torcem a caçarola para as idéias da gastronomia molecular. Mas alguns chefs de renome, co-
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mo o catalão Ferran Adrià, do famoso restaurante El Bulli, se tornaram expoentes desse novo fazer culinário, que se utiliza, ainda que parcialmente e a seu modo, das experiências e descobertas de This e de outros cientistas. Sob a ótica da ciência, cada parte de um prato culinário pode ser descrita esquematicamente como um sistema disperso ou coloidal, uma mistura homogênea na qual uma substância se divide em partículas diminutas e se espalha em meio a uma segunda substância. Não é um jeito muito apetitoso de lançar o olhar sobre um pudim ou uma lasanha, mas ajuda a entender a arquitetura interna de uma receita. Por esse prisma, três fases da matéria podem estar envolvidas num prato (os sólidos, os líquidos e os gasosos). Esses estados podem estar dispersos, misturados, introduzidos um no outro ou superpostos. Raramente uma preparação culinária é totalmente sólida, o que seria difícil de engolir, ou líquida (nesse caso, seria uma bebida, não uma comida). This desenvolveu até uma forma de notação com letras e umas poucas palavras para representar os tipos de ingredientes e procedimentos que entram na execução de um prato.
Por ser um dos alimentos mais básicos da cozinha, presente como protagonista ou coadjuvante em um semnúmero de receitas doces ou salgadas, o ovo é uma vedete dos estudos de This. Por que o ovo perfeito deve ser cozinhado ou frito em torno dos 65°C, com a aplicação de menos calor do que comumente se faz nas cozinhas? A essa temperatura, a clara coagula de forma delicada, pois apenas uma de suas proteínas, a ovotransferina, se denatura. Os efeitos sobre a gema são ainda menores. Ela permanece praticamente crua e, de novo, somente uma de suas proteínas, a gama-livetina, se enrijece. Para chegar a essa conclusão, o pesquisador cansou de preparar ovos em seu laboratório, variando levemente a temperatura a cada tentativa e vendo os efeitos sobre os constituintes do alimento. Dessa forma, determinou a temperatura de coagulação de cada uma das pro-
teínas da gema e da clara. “O que realmente importa é a temperatura em que se faz o ovo, e não o tempo de cozimento”, assegura This. Numa outra linha de estudo, ainda no terreno das gemas e claras, o francês mostrou também que os ovos nem sempre são indispensáveis em algumas receitas. Bolou um chantilly de chocolate que não necessita do ingrediente para a criação dessa emulsão cremosa (ver a receita no site da revista). O renomado chef Pierre Gagnaire, que todo mês cria uma receita em seu restaurante parisiense a partir dos estudos de This, chegou até a incorporar a novidade em seu cardápio alguns anos atrás. Trocando o chocolate por outro produto, pode-se fazer chantilly de queijo, manteiga ou até foie gras. É estranho, mas talvez a comida nos próximos anos junte cada vez mais formas e gostos aos quais o homem não estava acostumado. ■
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Receitas robustas - Talvez sua contri-
buição mais interessante na análise de preparações culinárias seja a formulação de uma equação que tenta quantificar a robustez de uma receita. Uma receita robusta é aquela que tem poucas chances de dar errado. A fórmula leva em conta vários parâmetros, como a massa dos ingredientes, o tempo e a temperatura empregados em cada etapa da receita e demais instruções para execuções do prato. Depois de fazer cálculos e coletar informações sobre mais de 25 mil receitas em livros culinários, This concluiu que a robustez de uma receita é inversamente proporcional à quantidade de instruções de preparo existentes em seu enunciado. Ou seja, receitas mais simples tendem a dar mais certo. A regra geral parece fazer sentido para a preparação de cenouras grelhadas, suflês, ovos cozidos, maionese e carne assada. “Uma exceção são as sopas e os molhos, que dificilmente dão errado, mas apresentam muitas variações em suas receitas devido à sua grande importância culinária”, comenta This.
This em sua visita ao Mercado Municipal de São Paulo: receitas de livros de culinária deveriam ser peças de museu PESQUISA FAPESP 142
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias ■
Sociologia rural
Propriedade intelectual O artigo “Propriedade intelectual e organização da P&D vegetal:evidências preliminares da implantação da Lei de Proteção de Cultivares”, de Sergio Medeiros Paulino de Carvalho,do Instituto Nacional da Propriedade Industrial,e Sergio L.M.Salles-Filho e Sonia R.Paulino,da Universidade Estadual de Campinas,discute como o processo de reconhecimento de direitos de melhoristas, na forma de proteção de cultivares,no Brasil se fez a partir de uma estratégia nacional de articular propriedade intelectual e desenvolvimento tecnológico nacional.A proteção intelectual é entendida como mecanismo de articulação e coordenação entre os agentes envolvidos no processo de inovação.A metodologia de coleta de dados consistiu na análise dos titulares de cultivares protegidas no Brasil disponibilizados pelo Serviço Nacional de Proteção de Cultivares,cruzando esses dados com os constantes do relatório de acompanhamento da produção de sementes no Brasil,elaborado pela Embrapa em parceria com o Ministério da Agricultura e a Associação Brasileira de Sementes e Mudas (Abrasem).Entre as principais conclusões está a de que o processo de reorganização da pesquisa pública,por meio de parcerias estruturadas em torno do desenvolvimento de novos cultivares,contribuiu fortemente para a manutenção da presença pública no mercado de sementes,mas varia entre as espécies pesquisadas. REVISTA DE ECONOMIA E SOCIOLOGIA RURAL – 45 – Nº 1 – BRASÍLIA – JAN./MAR. 2007
V.
www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/sociologiarural.htm
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Entomologia
Importância da polinização Tecoma stans (L.) Kunth é uma espécie vegetal introduzida no Brasil,comumente encontrada em áreas urbanas e considerada invasora de
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DIVULGAÇÃO
Foram selecionados mais três periódicos científicos brasileiros para inclusão na coleção SciELO Brasil que passará a disponibilizar 216 títulos em acesso aberto. Os títulos aprovados que estarão em breve no site são: Journal of the Brazilian Computer Society, Cadernos EBAPE.BR e Revista de Administração Contemporânea.
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ambientes cultivados e áreas de pastagem.No trabalho “Diversidade de abelhas em Tecoma stans (L.) Kunth (Bignoniaceae):importância na polinização e produção de frutos”foram estudados aspectos da biologia floral, diversidade e comportamento de coleta das abelhas em flores de T. stans em três áreas urbanas no Sudeste do Brasil.Nas três áreas, T. stans mostrou-se importante fonte de recursos alimentares utilizados por 48 espécies de abelhas. Centris tarsata Smith e Exomalopsis fulvofasciata Smith (Hymenoptera:Apidae) foram os polinizadores efetivos mais abundantes e Scaptotrigona depilis Moure (Hymenoptera:Apidae) a espécie pilhadora mais freqüente.A grande maioria (87,5%) dos visitantes de T. stans coletou exclusivamente néctar.Em todos os estágios florais,as maiores concentrações médias de néctar ocorreram entre 10 horas e 14 horas. A maior abundância de polinizadores ocorreu nos períodos de maior disponibilidade de pólen e estigmas receptivos, fato esse que pode ser determinante para o sucesso reprodutivo de T. stans.De acordo com os autores, Cláudia I. Silva e Solange C. Augusto, da Universidade Federal de Uberlândia,Silvia H.Sofia,da Universidade Estadual de Londrina,e Ismar S.Moscheta,da Universidade Estadual de Maringá,os resultados do trabalho indicam ainda maior produção de frutos em plantas que receberam o número maior de polinizadores efetivos. NEOTROPICAL ENTOMOLOGY – V. 36 – Nº 3 – LON– MAIO/JUN. 2007
DRINA
www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/entomologia.htm
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Fotografia
ses intelectuais daquela época sem ter presente que União Soviética, Cuba e China constituíam um contraponto ao estilo de desenvolvimento do capitalismo ocidental.
ANAIS DO MUSEU PAULISTA: HISTÓRIA E CULTURA MATERIAL – V. 15 – Nº 1 – SÃO PAULO – JAN./JUN. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/fotografia.htm
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Memória
Recordações de Enzo Faletto Revendo a tese defendida em Dependência e desenvolvimento na América Latina, escrita em colaboração com Enzo Faletto, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso mostra no texto “Análise e memória (recordações de Enzo Faletto)” como o raciocínio econômico da Cepal nada tinha do simplismo da versão vulgar da teoria do imperialismo, e que o estruturalismo latino-americano, ao combinar sempre análise econômica com análise política, revelou que em nenhum país da região havia a inevitabilidade de uma forma específica de dependência, mas a variabilidade das formas de integração ao mercado mundial e, portanto, das alternativas para o seu crescimento econômico. Isso, com a exceção de Cuba, isolada na sua ligação com o bloco soviético. No mundo de hoje, transformado pela globalização, essa nova forma de relação capitalista, não se pode entender a conjuntura política nem as posições e análi-
JOSHUA BENOLIEL
O trabalho “Construindo imagens, fazendo clichês: fotógrafos pela cidade”, de Eliana Almeida de Souza Rezende, da Universidade Estadual de Campinas, parte da análise de duas coleções de fotografias, uma paulistana e outra lisboeta, produzidas nas duas primeiras décadas do século XX, que se articulam através de suas semelhanças temáticas.A pesquisa apresentada não pretende ser nem a somatória das diferentes imagens nem a segmentação das mesmas por agência produtora, mas, antes de tudo, um discurso sobre a cidade, onde cada imagem dialoga com as demais produzidas sobre o mesmo tema. O eixo de construção deste diálogo entre as diferentes imagens está no discurso sanitário e pretende contribuir com um dos muitos olhares possíveis sobre a cidade.
GERALDO HORÁCIO DE PAULA SOUZA
São Paulo e Lisboa
TEMPO SOCIAL – V. 19 – Nº 1 – SÃO PAULO – JUN. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/memoria.ht
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Identidade social
Imagens do malandro O texto “‘Navalha não corta seda’: estética e performance no vestuário do malandro”, de Gilmar Rocha, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, explora as imagens do malandro, tendo como foco de análise sua indumentária e suas performances corporais. As imagens são veiculadas nos livros de memórias, na imprensa, nas músicas, no cinema, na literatura, no discurso malandro e sobre o malandro, convergindo para a construção de uma representação estética de uma personagem que tem no vestuário um dos principais mecanismos de eficácia simbólica de sua identidade social. TEMPO – V. 10 – Nº 20 – NITERÓI – JAN. 2006 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/identidadesocial.htm
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Literatura
Quatro amigos EDITORA RECORD
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Fernando Sabino (foto), Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos traçaram retratos de pessoas com as quais conviveram ao longo de suas vidas por meio de perfis concisos, seja na forma de elegias, seja mesmo de necrológios. Embora esses textos sejam imprescindíveis para fundamentar o estilo de cada um dos escritores mineiros, eles também carregam a síntese de cada experiência pessoal, que é fundamental para a análise da crônica, gênero que o quarteto praticou e no qual podem ser enquadrados os perfis examinados neste ensaio. Este foi o tema do artigo “‘Os quatro cavaleiros de um íntimo apocalipse’ e suas biografias vicárias: Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Hélio Pellegrino e Paulo Mendes Campos na escrita de perfis”, de Gabriela Kvacek Betella, da Universidade de São Paulo. ESTUDOS AVANÇADOS – V. 21 – Nº 60 – SÃO PAULO – MAIO/JUL. 2007 www.revistapesquisa.fapesp.br/scielo142/literatura.htm
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> TECNOLOGIA
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MUNDO ZETTL RESEARCH GROUP/UNIVERSITY OF CALIFORNIA AT BERKELEY
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Nanorrádio de carbono A nanotecnologia surpreende a todo momento. Físicos da Universidade da Califórnia, em Berkeley, conseguiram criar um rádio nanométrico, 100 bilhões de vezes menor do que um rádio comercial fabricado em 1931. Para funcionar, o dispositivo utiliza apenas um nanotubo de carbono, que é semelhante a uma folha enrolada com a finura de átomos de carbono. Na estrutura do dispositivo já estão integrados antena, sintonizador, amplificador e demodulador, que tanto pode receber freqüências de FM como de AM. Só precisa de bateria e fones de ouvido. Segundo seus inventores, o nanorrádio é extremamente eficiente do ponto de vista energético e poderá ser usado em uma grande gama de aplicações, de telefones celulares a sensores microscópicos. No futuro, poderá também ser empregado em dispositivos nanométricos radiocontrolados que “viajam” pela corrente sangüínea para levar medicamentos. A forma que o nanorrádio detecta os sinais de radiofreqüência é muito particular. Ele vibra milhões ou bilhões de vezes por segundo em ressonância com a onda que está sendo recebida. Nos rádios convencionais as ondas das diferentes estações chegam à antena, gerando pequenas correntes elétricas de diferentes freqüências.
> Fonte tripla de energia Os habitantes da remota ilha chinesa de Dagan, no mar da China, serão os primeiros a experimentar um sistema integrado de geração de energia que utiliza, simultaneamente, a radiação solar, a força dos ventos e das marés. A ilha tem apenas 13,2 quilômetros quadrados e seus 300 moradores utilizam hoje geradores a óleo diesel para abastecer as casas com energia elétrica. Com um investimento de US$ 913 mil, a usina de energia renovável terá capacidade instalada de 200 quilowatts (kW) e será dimensionada para produzir 10 mil quilowatts-hora (kWh) de energia por ano, segundo comunicado da Academia de Ciências Chinesa. O maior desafio 62
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do projeto, financiado pelo governo chinês, é empregar três fontes instáveis de energia, que dependem das condições do tempo. Os autores estão confiantes no sucesso do sistema, que começa a ser construído neste final de ano, e acreditam ainda ser possível gerar eletricidade para produzir 10 mil toneladas de água doce por ano, a partir da dessalinização da água do mar.
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Simulação do campo elétrico do nanotubo durante a transmissão
> Hidrogênio na Europa Impulsionar o mercado energético do hidrogênio estabelecendo o seu uso já na próxima década é a proposta da União Européia (UE), que quer investir € 470 milhões em pesquisa tecnológica nessa área. Para isso, ela está criando a Fuel Cells and Hydrogen Joint Technology Iniciative (JTI), ou Iniciativa
Tecnológica Conjunta para Células a Combustível e Hidrogênio, uma parceria público-privada de pesquisa e desenvolvimento. A intenção é que se acelere o desenvolvimento de obtenção de hidrogênio e a evolução das células, equipamentos que transformam esse gás em energia elétrica. As células podem ocupar o lugar dos motores automotivos atuais
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ou serem geradores estacionários. No primeiro caso, a proposta da UE é facilitar a entrada de carros a hidrogênio no mercado, eliminando os gargalos tecnológicos e burocráticos, além de tornar a indústria capaz de produzir em larga escala, alcançando o mercado de massa entre 2015 e 2020. Para geradores, tanto comerciais como residenciais, o JTI espera o desenvolvimento inicial de mercado entre 2010 e 2015. O principal objetivo da UE é diminuir de forma considerável a emissão de gases nocivos ao ambiente. Células a combustível processando hidrogênio puro emitindo apenas vapor d’ água.
> Proteção ultrafina Um novo acabamento para as placas de circuito impresso, base do controle eletrônico em computadores, celulares, impressoras e televisores, com espessura de apenas 55 nanômetros (1 nanômetro é igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão), foi desenvolvido pela empresa Ormecon, da Alemanha. O nanoacabamento
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é composto por nanopartículas de polianilina, um polímero condutor, e prata (em proporção abaixo de 10% do total). Os polímeros condutores são isolantes elétricos, mas quando submetidos à dopagem química funcionam como condutores. A camada ultrafina do composto proporciona maior proteção contra a oxidação e preservação da soldagem, responsável pela conexão estável entre centenas de pontos microscópicos de cobre do circuito, do que os outros acabamentos metálicos disponíveis no mercado, embora eles sejam de seis a cem vezes mais espessos que o nanoacabamento, que será produzido pela empresa YooJin, da Coréia do Sul. O consumo de energia será de apenas 10% a 30% em comparação com os processos convencionais de acabamento de superfície.
ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
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> Carros flex na África Para livrar o país da dependência dos combustíveis fósseis, o governo da República do Malawi, país do sudeste da África, anunciou em outubro o interesse de incentivar o uso de carros movidos a álcool. Para isso, o Departamento de Ciência e Tecnologia do país, em cooperação com a Ethanol Company of Malawi (ETHCO), está promovendo a importação de veículos brasileiros com motor flex, que podem rodar com álcool, gasolina ou uma
mistura em qualquer proporção dos dois combustíveis. Os primeiros veículos desembarcaram no país africano em outubro. Henry Mbedza, diretor de Ciência e Tecnologia de Malauí, afirmou que a escolha pelos carros com motor flex é resultado de testes conduzidos durante um ano, dentro de um
programa maior, de cinco anos, voltado à pesquisa de biocombustíveis. Segundo dirigentes da ETHCO, Malauí produz cerca de 18 milhões de litros de etanol por ano, mas com o aumento da área de plantio de cana-deaçúcar poderá elevar esse volume para 30 milhões de litros (SciDev.Net).
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BRASIL EMBRAER
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Vitaminas preservadas A professora Adriana Zerlotti Mercadante, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descobriu uma técnica que impede a degradação das vitaminas do leite quando submetido à luz. Ela obteve os resultados quando avaliava o potencial do licopeno na proteção contra esse tipo de alteração. Sua equipe acondicionou cristais de licopeno, substância carotenóide antioxidante que dá a cor avermelhada ao tomate e à goiaba, em microcápsulas de goma-arábica e dispersou pequenas quantidades da cápsula em amostras de leite desnatado. Esperava-se encontrar uma preservação dos níveis de vitamina A e D de cerca de 3,5%, em comparação ao leite sem a mistura. Mas o efeito revelou-se muito maior: da ordem de 45%. “Colocamos uma pequena quantidade de licopeno para evitar a cor vermelha no leite. Ficou claro que o carotenóide não era o único responsável por tamanha proteção”, diz Adriana. A conclusão da equipe é que o efeito antioxidante não provinha do conteúdo, mas do invólucro – no caso, as cápsulas de goma-arábica, resina natural composta por polissacarídeos e gliciproteínas largamente utilizada como espessante ou estabilizante de alimentos, portanto a descoberta não rende patente. O estudo teve a participação de dois pesquisadores argentinos, Mariana Montenegro e o professor Claudio Borsarelli, da Universidade Nacional de Santiago del Estero, além de Adriana e a doutoranda Itaciara Nunes, também da Unicamp. Eles acreditam que a novidade pode ter impacto na preservação da qualidade nutricional e no prolongamento do prazo de validade do leite.
Cabine de pilotagem com monitores avançados
> Jatos luxuosos
MIGUEL BOYAYAN
da Embraer
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Terceira maior fabricante mundial de aviões comerciais, a Embraer revelou recentemente o conceito de sua futura geração de jatos midsize (MSJ), com capacidade para oito passageiros, e midlight (MLJ), para quatro pessoas. As principais características desses aviões serão o conforto superior ao de aeronaves similares, o alto desempenho e o reduzido custo de operação. Projetado pela BMW Group DesignworksUSA, o interior de ambos os jatos terá 1,82 metro de altura de cabine, amplo bagageiro e lavatório traseiro com manutenção externa. O MSJ está sendo projetado para ter alcance de 5.186 quilômetros (km), o que permitirá vôos sem escala entre Nova York e Los Angeles, dentro dos Estados Unidos, ou Moscou, na Rússia, e Nova Délhi, na Índia. O MLJ, por sua vez, terá autonomia de 4.260 km, suficiente para vôos sem escala entre Rio de Janeiro e Bariloche, na Argentina, ou Nova York e Cidade do
México, a capital mexicana. Esses dois novos conceitos de aeronaves ainda precisam ser aprovados pelo Conselho de Administração da empresa e, no portfólio de produtos da companhia, se situarão entre os jatos Phenom 300, lançado recentemente, e o Legacy 600.
> Álcool do bagaço de cana Uma fábrica piloto para produzir etanol a partir de resíduos agroindustriais, como bagaço de cana, foi instalada no Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobras (Cenpes), na ilha do Fundão, no Rio de Janeiro. A tecnologia utilizada para a quebra de moléculas do vegetal é a enzimática. O processo começa com um pré-tratamento do bagaço, para que ocorra uma quebra da estrutura cristalina da fibra. Em seguida é retirada a lignina, complexo que dá resistência à fibra e protege a celulose da ação de microorganismos, mas inibe o processo fermentativo. Na terceira fase, o líquido
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POLI/USP, ULBRA E UFSM
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Maratona didática Uma conjunção criativa de projetos de engenharia automotiva com o objetivo de economizar combustível esteve presente, no início de novembro, no Cartódromo de Interlagos na cidade de São Paulo. Foi a Maratona de Eficiência Energética que reuniu 19 universidades dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Três categorias estiveram em disputa. A de veículos a gasolina foi vencida pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com a incrível marca de 367,05 quilômetros (km) por hora com 1 litro do combustível. A carenagem do carro foi construída com fibras e resinas de bananeira. Na categoria de propulsão elétrica, o carro vencedor, da gaúcha Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), também teve fibras vegetais na carroceria. No caso, a estrutura foi feita de bambu. Ele percorreu 24,35 km com a bateria de uma motocicleta de 125 cilindradas. A média mínima de velocidade foi de 24 km por hora. A também gaúcha Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) foi a campeã na categoria projeto com o primeiro lugar nas duas subcategorias, gasolina e elétrica. Os campeões e vices de cada categoria ganharam um carro Fiat para uso didático e os terceiros colocados, motores flex e diesel para equipar seus laboratórios. A competição também teve patrocínio da Petrobras, Michelin e NSK Rolamentos.
A planta experimental tem capacidade para produzir cerca de 220 litros de etanol por tonelada de bagaço de cana. Os pesquisadores estão trabalhando na otimização do processo de produção para alcançar a marca de 280 litros por tonelada de bagaço.
pedestres e banhistas. Batizado de Ozon-in, foi desenvolvido pela Spherical, empresa do Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), incubadora da Fundação Centros de SPHERICAL/CELTA
proveniente do prétratamento ácido, rico em açúcares, é fermentado por uma levedura adaptada. O sólido proveniente da retirada da lignina também passa por um tratamento, que consiste em um processo de sacarificação (transformação em açúcares) por meio de enzimas e fermentação pela levedura Saccharomyces cerevisiae. Na etapa final, ambos os líquidos provenientes das diferentes fermentações são destilados e resultam no álcool. O projeto foi desenvolvido pela Petrobras em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e outras universidades brasileiras (leia em Pesquisa FAPESP nº 133).
> Medição dos raios solares Um equipamento que aponta o nível de radiação de raios ultravioleta momentâneo e o fator de proteção solar recomendado para cada índice encontra-se instalado em Florianópolis, Santa Catarina, na avenida Beira-Mar, onde pode ser visto por motoristas, ciclistas,
Acima, veículo da USP. Abaixo, dois ganhadores: o de design da Ulbra, à esquerda, e o de bambu da UFSM
Nível de radiação e fator de proteção recomendado
Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi), uma instituição de pesquisa e desenvolvimento tecnológico. O equipamento tem quatro modelos: externo, interno, de parede e portátil. O externo e o interno funcionam como um painel eletrônico, com espaço para publicidade e informações sobre a influência dos raios sobre os diferentes tipos de pele. O modelo de parede foi projetado para instalação em farmácias, clínicas, hospitais e hotéis. O portátil pode ser comprado na versão sem fio ou com conexão a cabo e deverá ser utilizado em pontos-de-venda de protetores solares, como farmácias e supermercados.
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TECNOLOGIA
N OV OS M ATERIAIS
Plástico renovável Etanole bactérias são as m atérias-prim as utilizadas por em presas para fabricar produtos substitutos dos derivados de petróleo D INORAH E RENO polietileno verde a partir do álcool de cana”, relata Antônio Morschbacker, gerente de tecnologia de Polímeros Verdes do Pólo Petroquímico de Triunfo, no Rio Grande do Sul, responsável pelo desenvolvimento do projeto. As informações disponíveis apontavam que a empresa poderia chegar a um produto competitivo. “Ao longo de 2005, depois de estimativas de custos, vimos que seria viável fabricá-lo e, em 2006, decidimos construir a planta piloto e paralelamente fizemos um estudo mais aprofundado do mercado mundial”, diz Morschbacker.“O processo, bastante eficiente, transforma 99% do carbono contido no álcool em etileno, matéria-prima do polietileno.” O principal subproduto é a água, que pode ser purificada e reaproveitada. D esidratação do etanol - Na planta pi-
loto, que começou a funcionar em junho de 2007, é feita a transformação do etanol – obtido por um processo bioquímico de fermentação do caldo, centrifugação e destilação – em etileno. A conversão ocorre por meio de um processo de desidratação, no qual são adicionados catalisadores – compostos que aceleram as reações químicas – ao etanol aquecido, que permitem a sua transformação em gás etileno. A partir daí, para chegar ao polietileno, o plástico de maior utilização no mundo, o processo de fabricação é igual ao em-
Polímero biodegradável produzido por bactérias
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EDUARDO C ESAR
O
forte aquecimento do mercado consumidor e a pressão nos custos das matérias-primas originadas do petróleo têm levado as indústrias de plástico a buscar, em fontes renováveis, matérias-primas substitutas para seus produtos. Plásticos feitos a partir do etanol de cana-de-açúcar, que podem ser reutilizados num processo de reciclagem, além de polímeros biodegradáveis produzidos por bactérias alimentadas por sacarose e outras substâncias estão na linha de frente de pesquisas e investimentos anunciados por gigantes petroquímicas como Dow Química, Braskem e Oxiteno, fabricantes de resinas plásticas feitas a partir da nafta e de outras matérias-primas derivadas do petróleo. A Braskem, líder latino-americana em produção de resinas, investiu US$ 5 milhões em pesquisa e desenvolvimento para chegar a um polietileno certificado a partir de álcool da cana, chamado de “polímero verde”. As pesquisas que resultaram no novo produto tiveram início em 2005, embora desde 1998 a empresa já avaliasse as propriedades de outros polímeros de matérias-primas renováveis existentes no mercado. Como naquela época não havia ainda um mercado efetivo interessado em um produto desse tipo, o assunto não prosperou. “Ao retomar as discussões, avaliamos as opções existentes e começamos a trabalhar com o
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PHB INDUSTRIAL
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Plásticos rígidos fabricados pela PHB a partir do açúcar
previsto para o final de 2009. Por enquanto a empresa ainda não definiu onde será instalada a fábrica destinada à produção do novo polímero, que deverá demandar investimentos de cerca de US$ 150 milhões. O produto, que deverá custar entre 15% e 20% a mais do que os polímeros tradicionais, será destinado, principalmente, aos mercados asiático, europeu e norte-americano. Antes mesmo de ser lançado em escala comercial, o polietileno verde já faz sucesso. Na Feira Internacional do Plástico e da Borracha - K 2007, o maior evento da indústria petroquímica, realizada no final de outubro em Düsseldorf, na Alemanha, Morschbacker fez dez concorridas apresentações do produto em oito dias e atendeu um grande número de interessados no produto e no projeto.
pregado para as matérias-primas provenientes de fontes fósseis, ou seja, o etileno polimerizado resulta no polietileno. A polimerização é uma reação em que as moléculas menores (monômeros) se combinam quimicamente para formar moléculas longas e ramificadas. Com o etileno produzido por essa tecnologia é possível fazer qualquer tipo de polietileno. Inicialmente a Braskem pretende produzir resinas de alta densidade e de baixa densidade, para aplicações rígidas e flexíveis em setores como o automotivo, empacotamento de alimentos, embalagem de cosméticos e artigos de higiene pessoal. Alguns clientes, do Brasil e do exterior, já estão recebendo amostras do polímero verde produzido em escala piloto. O início da produção em escala industrial, que deverá chegar a 200 mil toneladas anuais, está
O polietileno de etanol foi certificado pelo laboratório Beta Analytic, dos Estados Unidos, pela técnica do carbono-14, como um produto feito com 100% de matéria-prima renovável. A matéria-prima utilizada, no caso o etanol, é renovável, mas o produto final não é biodegradável.“O produto possui propriedades idênticas aos polietilenos produzidos a partir do petróleo. Como é um plástico bastante resistente e estável, ele pode ser reciclado e reutilizado várias vezes e, no final da vida útil, pode ser incinerado sem causar nenhum problema ambiental”, diz Morschbacker. A grande vantagem ambiental do polietileno do álcool é que, para cada quilo de polímero produzido, são absorvidos em torno de 2,5 quilos de gás carbônico, o dióxido de carbono, da atmosfera pela fotossíntese da cana. Pólo alcoolquímico - A Dow Química também prepara-se para produzir polietileno a partir do etanol. Em julho, a empresa anunciou uma joint-venture com a brasileira Crystalsev, trading brasileira de açúcar e álcool controlada pelas usinas Vale do Rosário, de Morro Agudo, e Santa Elisa, de Sertãozinho, ambas no interior paulista, para criação de um pólo alcoolquímico integrado, que deverá iniciar suas operações em 2011 e terá capacidade para produzir 350 mil toneladas por ano de polietileno de baixa densidade, chamado comercialmente de Dowlex, destinado à fabricação de embalagens flexíveis, filmes industriais e artigos injetados. A princí-
Integração 1. Durante o crescimento da cana-de-açúcar há a absorção de gás carbônico da atmosfera pela fotossíntese. A vinhaça, resíduo líquido gerado no processo de moagem e fermentação, será usada como fertilizante no cultivo da cana. 2. A transformação do etanol em etileno é feita pelo processo de desidratação, com a adição de catalisadores. A água liberada durante o processo será utilizada no sistema de produção de vapor para geração de energia. 68
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2 1 cana FONTE: DOW Q UÍMIC A
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O PR O J ETO Obtenção e caracterização de polímeros ambientalmente degradáveis (PAD) a partir de fontes renováveis: cana-de-açúcar MO D AL ID AD E
Program a de Inovação Tecnológica em Pequenas Em presas (Pipe) C O O R D EN AD O R
J EFTER F ERNANDES DO NASC IMENTO – PHB Industrial IN V EST IMEN TO
R$ 338 .6 8 6 ,30 (FAPESP)
cido levando-se em consideração as mesmas forças de oferta e demanda que afetam o preço do polietileno produzido a partir da nafta”, diz Diego Donoso, diretor de Plásticos da Dow para a América Latina. “O cliente final irá receber um produto com as mesmas características técnicas e de performance do polietileno convencional, mas irá ganhar no valor agregado da produção.” H idrólise ácida - A Oxiteno, do Grupo Ultra, tem projeto similar ao da Dow para construir uma biorrefinaria que produzirá açúcar e álcool a partir de bagaço, palha e pontas da cana-de-açúcar, por meio de uma tecnologia chamada de hidrólise ácida, ainda não dominada
em escala comercial e cujo fundamento é a quebra das moléculas de celulose por meio da adição de ácido sulfúrico aos resíduos. A futura unidade vai fabricar também produtos alcoolquímicos a partir de tecnologias não-convencionais. Desde novembro de 2006 a empresa tem parceria com a FAPESP para desenvolvimento de projetos de pesquisa na área de tecnologia de produção de açúcares, álcool e derivados. Na primeira fase, em janeiro de 2007, foram escolhidos 23 projetos em parcerias com institutos de pesquisa e universidades, dos quais foram aprovados sete na segunda fase, em julho. Enquanto as petroquímicas apostam nos plásticos a partir do etanol, a PHB Industrial, pertencente ao Grupo Pedra Agroindustrial, de Serrana, e ao Grupo Balbo, de Sertãozinho, ambos no interior paulista, tem fabricado desde dezembro de 2000, em uma planta piloto, um plástico biodegradável produzido por bactérias naturais, que está sendo vendido em pequenas quantidades, com o nome comercial de Biocycle, para Estados Unidos, Japão e países da Europa. A matéria-prima tem sido empregada principalmente na fabricação de plásticos rígidos produzidos pelo processo de injeção e também em espumas para substituição do isopor. O Biocycle também se aplica à produção de substitutos de poliuretanos, além de chapas bioplásticas e produtos termoformados. A planta industrial para produção em grande escala, prevista para ficar pronta em 2010, será instalada na região
ABIURO
pio, o produto será vendido no mercado interno, que tem crescido de 6% a 7% ao ano. O material já é produzido pela Dow a partir da nafta de origem petrolífera em unidades industriais localizadas na Ásia e na Europa. Para transformar o etanol em polietileno, a Dow também utiliza o processo de desidratação. Modernos catalisadores permitem obter um etileno tão puro quanto o produzido a partir do petróleo. A água liberada durante o processo de transformação do etanol em etileno será utilizada no sistema de produção de vapor para geração de energia elétrica. As estimativas são de que o empreendimento gere cerca de 3.200 empregos diretos, além de centenas de indiretos nos setores agrícola, industrial e de manufatura. A fábrica de polietileno vai consumir 700 milhões de litros de álcool por ano, o que corresponde a 8 milhões de toneladas de cana-de-açúcar. As duas empresas participarão como sócias em todas as etapas, a começar pela formação de um canavial de 120 mil hectares até a fabricação e comercialização do plástico. A integração completa do ciclo fará com que o pólo seja auto-suficiente do ponto de vista energético e gere excedente de energia suficiente, proveniente do bagaço da cana, para atender a uma cidade de 500 mil habitantes. Por enquanto ainda não foi definido o local em que o pólo petroquímico será instalado, mas estão sendo analisadas localidades na região centrosul do país.“O preço do polietileno produzido a partir do etanol será estabele-
5 4 polietileno
etileno
energia para a comunidade
produtos finais
3. O etileno é convertido em polietileno em processo semelhante ao empregado para a fabricação da matéria-prima a partir de fontes de origem fóssil. 4. Pólo alcoolquímico será auto-suficiente do ponto de vista energético e vai gerar excedente para atender a uma cidade de 5 00 mil habitantes. 5. Com o polietileno produzido é possível fabricar produtos plásticos variados. PESQUISA FAPESP 142
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de Ribeirão Preto.“A produção do plástico biodegradável deverá ficar entre 10 mil e 30 mil toneladas por ano”, diz o físico Sylvio Ortega Filho, diretor executivo do desenvolvimento do plástico biodegradável na PHB, que teve participação do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC) e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo e financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP (leia em Pesquisa FAPESP nº 80). Poliéster natural - A produção do po-
límero é feita pelo cultivo da bactéria Alcaligenes eutrophus, atualmente chamada de Cupriavidus necator, em um meio de cultura com a sacarose presente no açúcar. A sacarose é transformada em glicose para alimentar as bactérias. “A cadeia de carbono da glicose é transformada pela bactéria no polihidroxibutirato (PHB)”, explica a professora Elisabete José Vicente, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que participou dos estudos que resultaram no plástico biodegradável e atualmente orienta algumas linhas de pesquisa para a produção de polímeros a partir de bactérias. O PHB pertence ao grupo de polímeros denominados polihidroxialcanoatos (PHA), que são poliésteres acumulados por microorganismos na forma de grânulos intracelulares. Suas propriedades termoplásticas permitem que, depois de extraídos do interior da célula produtora com o uso de solventes orgânicos, sejam purificados e processados, gerando um produto biodegradável, compostável e biocompatível. Esses polímeros podem ter aplicações diversas, como produção de filmes ou estruturas rígidas, além de usos médicos e veterinários, como confecção de suturas, suportes para cultura de tecidos, implantes, encapsulação de fármacos para liberação controlada e outras, utilizando-se da nanotecnologia. “Até hoje já foram identificadas mais de 150 diferentes bactérias que acumulam naturalmente esse grânulo citoplas-
Planta piloto da PHB onde são fabricados produtos vendidos com o nome de Biocycle (à direita) 70
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mático”, diz Elisabete. A bactéria C. necator se destaca porque consegue acumular grande quantidade de polímero, entre 80% e 90% do seu peso seco. Para crescer, ela precisa de frutose ou glicose. “O primeiro melhoramento genético da bactéria, realizado há muitos anos, obteve um mutante capaz de crescer em glicose, matéria-prima mais barata que a frutose”, diz Elisabete. No Brasil, as pesquisas iniciadas em 1992 pela pesquisadora em parceria com a professora Ana Clara Guerrini Schenberg, também do ICB, resultaram em uma nova bactéria mutante capaz de crescer em sacarose da cana e em outra bactéria recombinante com melhor rendimento de produção do co-polímero PHB-V, que é mais maleável. Modificações genéticas - A bactéria fabrica naturalmente o polímero, mas os melhoramentos genéticos permitem que ocorra um aumento considerável da produção. No projeto desenvolvido entre a empresa PHB e as instituições parceiras foram desenvolvidas e patenteadas algumas bactérias geneticamente modificadas. “Estamos usando apenas a bactéria natural para produzir o biopolímero, porque a Europa proíbe organismos geneticamente modificados”, diz Ortega. A demanda para os polímeros de fontes renováveis concentra-se basicamente em três grandes aplicações no mercado mundial. A primeira é o mercado de embalagens. A segunda é a indústria automobilística, que está em busca de substitutos para os produtos utilizados nos carros por outros que não contribuam para o aquecimento global, exigência dos mercados europeus. E a terceira aplicação é na área médica (ver quadro na página 68). A parceria com a PHB resultou não apenas em um produto que já está no mercado como também na continuidade das pesquisas na universidade. O grupo coordenado pela professora Elisabete, do ICB da USP, trabalha em duas frentes. Em uma delas, os pesquisadores procuram bactérias que consigam produzir polímeros a partir de outras fontes de carbono que não a sacarose, como os resíduos produzidos pela indústria.“Essa seria uma forma de baixar o custo da produção do biomaterial, que chega a três vezes o do plástico derivado do petróleo”, diz Elisabete. Paralelamente, o grupo estuda aplicações do biopolímero, depois de purificado, como substra-
to para o crescimento de células-tronco, linha de pesquisa conduzida em parceria com o professor Radovan Borojevic, diretor do programa avançado de Biologia Celular Aplicada à Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Outra linha estuda o emprego do biopolímero para a imobilização de enzimas e fármacos, numa parceria com os professores Mário Politi, do Instituto de Química da USP e coordenador do Grupo de Pesquisas em Nanotecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e Carlos Alberto Brandt, integrante do mesmo centro de pesquisa. No ICB da USP, outro grupo coordenado pela professora Luiziana Ferreira da Silva, que também participou do desenvolvimento da produção do plástico biodegradável da PHB, mas vinculada ao IPT, trabalha em linhas de pesquisa que envolvem a produção de materiais biodegradáveis. Em 2002 Luiziana concluiu um processo para utilização do bagaço da cana-de-açúcar para produção de PHB. Foram selecionadas bactérias capazes de crescer no bagaço da cana, e não no caldo onde está a sacarose, depois de ser quebrada em moléculas menores por meio de hidrólise ácida. Uma outra linha de pesquisa estuda o desenvolvimento de um plástico híbrido produzido por bactérias. Só que em vez de serem alimentadas com o açúcar da cana, elas recebem um ácido graxo de seis carbonos. “Na medida em que se oferece óleo para as bactérias, elas começam a produzir um elastômero bastante parecido com a borracha”, diz Luiziana. O objetivo desse estudo é obter um outro tipo de material plástico, que pode ser utilizado, por exemplo, para recobrimento de fraldas, tapetes descartáveis e outras aplicações. ■
Aplicações médicas Fios de sutura para cirurgias, malhas para reforço na cirurgia de correção de hérnias, membranas para remendos de lesões venosas e artérias e tubos para enxertos arteriais são alguns dos produtos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisas Biopolímero de Canade-Açúcar, uma parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). “Todos esses produtos foram aplicados em pesquisas experimentais com excelentes resultados”, diz o professor José Lamartine de Aguiar, coordenador do grupo. As pesquisas tiveram início em 1990, quando Francisco Dutra, engenheiro químico da UFRPE, identificou formações poliméricas no processo de fermentação para a produção de álcool. O biopolímero é obtido a partir de subprodutos da cana-de-açúcar, como o melaço. As características físicas e químicas do biopolímero após a sua purificação despertaram o interesse de pesquisadores de várias áreas. “Inicialmente o material foi aplicado em animais de experimentação, após os testes de citotoxicidade e biocompatibilidade”, diz Aguiar. A produção do biopolímero, patenteado pela UFPE, ficará a cargo de uma biofábrica que está em fase final de instalação na Estação Experimental de Cana-de-Açúcar de Carpina, campus avançado da UFRPE na região da mata pernambucana.
PHB INDUSTRIAL
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> MICROBIOLOGIA
BACTÉRIAS DO BEM Y URI VASCONCELOS
Enzimas degradam proteínas e garrafas PET e podem ter novos usos industriais
Embora úteis e participantes do nosso dia-a-dia, as embalagens PET, que acondicionam água e refrigerantes, provocam um sério problema ambiental. Todos os anos, mais de 50% da produção nacional, estimada em cerca de 380 mil toneladas, é depositado em lixões onde permanece durante anos e anos até sua completa decomposição. O restante é aproveitado em processos variados de reciclagem, resultando em outros produtos como cordas, carpetes e peças de artesanato. Uma boa notícia vinda do Japão aponta que, dentro de pouco tempo, pode tornar-se realidade uma nova forma de degradação dessas embalagens por uma via microbiológica. Estudos nesse sentido são conduzidos pelo pesquisador Kohei Oda, professor emérito do Instituto Tecnológico de Kyoto, no Japão, e um dos precursores do descobrimento, na década de 1970, de um inibidor de proteases, um tipo de proteína com a função de quebrar outras proteínas para ativá-las ou desativá-las, conhecido como pepstatina, que, anos depois, serviu para inibir uma enzima proteolítica (formada por proteases) do HIV. Ele conseguiu que embalagens PET, polímero fabricado a partir da resina poli (tereftalato de etileno), fossem degradadas em apenas oito semanas por um consórcio de bactérias e, na metade desse tempo, por uma bactéria específica isolada desse consórcio. Esses microorganismos, que não são patogênicos, secretam para o meio externo uma variedade de enzimas que decompõem o polímero. As características das bactérias e das enzimas responsáveis pela rápida degradação são guardadas em segredo por força de contrato com o Instituto de Tecnologia de Kyoto. “A degradação microbiana oferece a possibilidade de recuperar locais onde as embalagens estão enterradas ou acumuladas ao longo dos anos e é uma alternativa capaz de competir, em nível econômico, com a degradação química”, diz Oda. Ele esteve em São Paulo, entre abril e outubro deste ano, como professor visitante na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e fez palestras e reuniões em outros institutos de pesquisa paulistas. As bactérias identificadas por ele em lixões no Japão metabolizam poliésteres, tais como o PET. Poliésteres são polímeros cujas ligações químicas resultam da união de um ácido com um álcool. Essas ligações, chamadas ésteres, podem se desfazer por tratamento ácido ou ainda por meio de enzimas. “Se a degradação ocorrer por meio de um grupo de bactérias ou por uma única bactéria, são produzidas enzimas, as proteases ou proteolíticas, que hidrolisam – PESQUISA FAPESP 142
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Hipopótamos e outros bichos do zoológico podem ser fontes de bactérias úteis
quebram a ligação na presença de água – as ligações ésteres e depois degradam os monômeros, que são as unidades que compõem os plásticos, formando dióxido de carbono e água”, explica Luiz Juliano, professor do Departamento de Biofísica da Unifesp. O maior desafio para tornar comercialmente viável o processo descoberto pelo microbiologista japonês – já existem conversações com algumas empresas do Japão – é resolver a quebra da cristalinidade do PET, sem a qual as bactérias não conseguem fazer a decomposição das embalagens. Quando o poli (tereftalato de etileno) é processado para formar as garrafas, ele adquire uma consistência cristalina que impede qualquer interação das paredes da garrafa com a água. Essa propriedade é benéfica, porque permite o uso da embalagem PET na preservação e no acondicionamento de bebidas, mas, ao mesmo tempo, dificulta sua degradação. Segundo Oda, a saída para quebrar a estrutura cristalina do PET é submetêlo a um aquecimento de 260° Celsius (C) em autoclaves ou por tratamento por mi74
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croondas. O calor quebra a cristalinidade do material e deixa as ligações ésteres mais expostas à hidrólise, tornando possível o processo de decomposição. Múltiplas aplicações – O uso de microorganismos para degradação de produtos que poluem o ambiente – um processo conhecido como biorremediação – é apenas uma das áreas da microbio-
logia aplicada. Esse ramo da ciência visa à prospecção e utilização de microorganismos que produzam enzimas ou outras substâncias para uso nos mais diversos ramos de atividade, como na medicina, na indústria alimentícia, de curtume, cosmética, de tecelagem, sucroalcooleira e de papel e celulose, entre outros. Hoje, um dos focos da microbiologia é a fermentação de açúcares para biocombustíveis. “O Brasil também tem contribuições em microbiologia de patologias humanas, como doença de Chagas, leishmaniose, tuberculose e dengue, mas, por sua biodiversidade, oferece muitas possibilidades para o avanço da microbiologia em outras áreas”, afirma Juliano. “O Brasil está acordando para esse potencial”, diz o pesquisador brasileiro, coordenador de um projeto temático sobre o tema, que tem o objetivo de identificar enzimas de humanos, fungos, bactérias e venenos de animais com alguma utilidade industrial ou farmacológica. Ele aponta o trabalho da professora Maria de Lourdes Teixeira de Moraes Polizeli, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP). Ela isolou de compostagem de cogumelos uma variedade de fungo, Rhisopus microsporus, que se mostrou um excelente produtor de amilase. Essa enzima é usada na produção de adoçantes, xarope de glicose para as indústrias de cerveja e de medicamentos. O mais interessante é que esses fungos crescem em suportes sólidos muito baratos como sabugo de milho e bagaço de cana e em temperaturas acima de 45°C, facilitando a produção industrial.
OS PROJETOS 1. Substratos e inibidores peptídicos para enzimas proteolíticas MODALIDADE
Projeto Temático
2. Kohei Oda, Kyoto Institute of Technology, Japão MODALIDADE
Auxílio à vinda de Pesquisador Visitante
COORDENADOR
LUIZ JULIANO NETO – Unifesp INVESTIMENTO
R$ 376.320,26 e US$ 111.757,59 (FAPESP)
COORDENADOR
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R$ 41.193,00 (FAPESP)
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Um dos trabalhos do grupo de Juliano está relacionado à doença celíaca, caracterizada pela intolerância das pessoas ao glúten. Esse problema decorre de o glúten ter uma proteína denominada gliadina, que é muito rica em prolina, um dos 20 aminoácidos naturais que compõem as proteínas. Isso torna a gliadina pouco suscetível à digestão, dificultando a hidrólise pelas enzimas digestivas do estômago e do intestino. Os fragmentos dessa proteína não digeridos podem ser absorvidos e desenvolver em muitas pessoas (numa proporção de uma para 200, nos países ocidentais) um quadro clínico de intolerância.“Estamos sintetizando centenas de substratos peptídicos (fragmentos de proteínas) contendo prolina para examinarmos enzimas proteólicas com preferência por prolina. Isso nos permitirá buscar proteases de alta eficiência na degradação dos fragmentos de gliadina”, diz o pesquisador da Unifesp. O objetivo final do projeto, portanto, é descobrir enzimas que possam ser usadas no tratamento do glúten ou administradas, na forma de cápsulas, em pacientes que sofrem de intolerância ao produto. Outro projeto importante que conta com a participação do grupo da Unifesp tem como foco uma enzima proteolítica isolada de bactérias que crescem em fermentados de peixe na Tailândia. Essa pesquisa conta com a colaboração do professor Oda e de cientistas tailandeses. E qual a importância dessa enzima? “A fermentação de sardinhas é feita em altíssimas concentrações de sal de cozinha, substrato onde vivem as bactérias”, responde Juliano.“As proteases secretadas por essas bactérias também operam em altas concentrações salinas, superiores a 20%. E a indústria requer enzimas desse tipo, que suportem salinidade e temperaturas altas”, ressalta. O Brasil tem plantas que crescem à beira de salinas e o pesquisador João Lúcio de Azevedo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), já acenou com a possibilidade de bactérias endofíticas (que vivem no interior de tecidos vegetais) dessas plantas expressarem proteases que operem em alta concentração de sal. Para encontrar microorganismos como os que atuam na fermentação de sardinhas ou que tenham outras aplicações médicas, bio-
lógicas ou industriais, os pesquisadores fazem um verdadeiro trabalho de detetive. Eles vão a campo e vasculham diferentes ambientes em busca desses seres microscópicos. Riqueza animal – A prospecção de mi-
croorganismos foi um dos motivos da visita que Luiz Juliano e Kohei Oda fizeram à Fundação Parque Zoológico de São Paulo em outubro passado. Há pouco tempo, Oda conseguiu isolar em fezes de animais de zoológicos do Japão cerca de 500 cepas de bactérias que têm em comum a produção de ácido láctico ou ácido acético. Em geral, essas bactérias não são patogênicas nem tóxicas e podem produzir enzimas ou outras substâncias de interesse biológico. Juliano acredita que material igualmente rico, diverso e abundante possa ser encontrado no zôo paulistano, onde as fezes dos bichos são misturadas a cavacos de madeira e outros restos de vegetação e são compostados. “No processo de compostagem, a temperatura chega a 70°C. Podemos encontrar fungos e bactérias crescendo em condições extremas de temperatura”, diz ele. “Creio que temos uma oportunidade de prospectar uma variedade imensa de microorganismos vindos de diferentes espécies de animais.” Tudo isso sem precisar tocar ou importunar os animais. Além do zoológico, Juliano e Oda visitaram outras instituições de pesquisa em microbiologia da capital e interior paulista para propor o estabelecimento de uma rede de cooperação na área, como a USP de Ribeirão Preto, Universidade Estadual Paulista de São José do Rio Preto e de Rio Claro, e Universidade Estadual de Campinas, e da unidade da Unifesp em Diadema. A associação dos grupos de pesquisa do profes-
sor Juliano e do professor Oda incrementará os estudos das proteases já descobertas e, ao mesmo tempo, será uma oportunidade para disseminação, também para outros grupos interessados, das experiências em prospecção de microorganismos de uso prático. “Queremos também oferecer a nossa contribuição na área de enzimas proteolíticas, disponibilizando a plataforma de estudo das proteases que o nosso grupo montou nos últimos 27 anos”, conta Juliano. ■
MARIA DE LOURDES TEIXEIRA POLIZELI/USP
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Formações do fungo Rhisopus microsporus, um produtor de amilase, enzima usada na produção de adoçantes
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> BIOCOMBUSTÍVEL
Proteína no
óleo
Pesquisadores da USP utilizam lipase e etanol na produção de biodiesel M ARCOS
DE
O LIVEIRA
O
crescimento esperado da demanda de biodiesel no mercado nacional para os próximos anos passa por uma evolução no sistema de produção de forma a torná-lo mais eficiente e ambientalmente favorável. Entre os atuais entraves industriais estão o uso do metanol, um produto tóxico derivado do gás natural que ainda não tem similar comercial produzido de biomassa. Outro problema está em deficiências no processo de transesterificação, para transformar o óleo vegetal em biodiesel, que resultam em resíduos não aproveitáveis e de baixa qualidade no produto final, independentemente do grão oleaginoso utilizado. Um caminho para a evolução desse sistema está nos estudos realizados por pesquisadores da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da Universidade de São Paulo (USP). Eles trazem novas contribuições para a transformação do óleo vegetal em combustível. Em vez do metanol, eles usaram etanol da cana-de-açúcar, um ingrediente renovável, mais a lipase, uma enzima que age na função do catalisador da reação, quebrando e transformando as moléculas do óleo em biodiesel e glicerina. Para funcionar bem nos motores, o óleo vegetal precisa passar por uma reação química alcoólica, a transesterificação, que resulta, como subproduto, na glicerina, substância usada na indústria química. O que os pesquisadores fizeram foi mudar os ingredientes desse processo sem alterar a essência dos produtos finais, o biodiesel e a glicerina, e conferindo-lhes maior qualidade. A enzima usada pelos pesquisadores da USP está presente naturalmente no pâncreas e no intestino humano, onde atua no processo da digestão de alimentos gordurosos. Mas ela também é produzida por fungos, leveduras e bactérias, o que viabiliza o uso industrial da lipase a partir do cultivo desses microorganismos em substratos apropriados. Ela é usada em diferentes campos industriais como farmacêutico, química fina, cosméticos, oleoquímica, couros, polpa de celulose e papel e no tratamento de resíduos de fábricas. Na indústria alimen-
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Óleo de dendê: alto rendimento para produção de biodiesel
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tícia, por exemplo, ela pode ser usada na produção de margarinas e cremes vegetais isentos da chamada gordura trans, substância que provoca uma série de problemas à saúde, incluindo o aumento na quantidade de LDL, o colesterol ruim, e a redução na quantidade de HDL, o colesterol bom. “No caso do biodiesel, o uso do etanol e da lipase é uma relação atrativa ambientalmente, porque, além de utilizar um reagente e um catalisador renováveis, ela diminui os resíduos de todo o processo”, diz a professora Heizir Ferreira de Castro, coordenadora dos estudos. Ela trabalha há cerca de 15 anos com a chamada química verde em processos que minimizam o impacto ambiental de processos industriais químicos. “Nosso grupo trabalha principalmente com biocatálise em meios não convencionais, em estudos relacionados à aplicação de enzimas para o desenvolvimento de novas rotas de processos para obtenção de produtos inovadores ou já existentes a custos mais competitivos”, diz Heizir. Os trabalhos com biodiesel começaram em 2003 quando essa unidade da USP na cidade de Lorena era autônoma e pública, chamada de Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil). Os resultados apontam para uma rota alternativa às técnicas atuais no sentido de prover a produção de biodiesel de procedimentos que tragam menos danos ao ambiente, com tecnologia limpa.
EDUARDO CESAR
N
o trabalho que resultou na produção de biodiesel com lipase, os bolsistas da USP Ana Moreira e Victor Perez, além da pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá, professora Gisella Zanin, sob a coordenação de Heizir, publicaram um trabalho na revista científica Energy & Fuels em que descrevem o uso de lipase na transesterificação do óleo de palma com etanol para produzir biodiesel. Esse óleo, também conhecido como dendê, é oriundo da planta que melhor rende matéria-prima para esse fim com cerca de 4 mil litros por hectare (l/ha), enquanto a soja, que possui o óleo mais usado atualmente, rende cerca de 400 l/ha. Os pesquisadores usaram lipases produzidas por diferentes fontes de microorganismos: duas espécies de fungo, Thermomyces lanuginosus e Penicillium camembertii,uma de levedura,Candida antarctica, e duas de bactérias Pseu-
domonas fluorescens e Burkholderia cepacia, além de lipase extraída do pâncreas de suíno. A enzima mais eficiente para a produção do combustível foi a da P. fluorescens, que converteu 98% do óleo em biodiesel. Soma-se a esses resultados o fato de o combustível ser de alta qualidade em relação ao processo tradicional, principalmente em relação à viscosidade e à umidade, e de atender às especificações da Sociedade Americana de Testes e Materiais,ASTM na sigla em inglês. O tempo da reação com a lipase na produção de biodiesel foi de 24 horas. Essa ainda é uma desvantagem em relação ao processo estritamente químico que usa catalisadores como hidróxido de sódio (NaOH), a popular soda cáustica, e hidróxido de potássio (KOH), carbonatos e alcóxidos com duração de quatro a cinco horas. Mas o tempo poderá ser compensado pela maior facilidade em recuperar a glicerina e o catalisador no final do processo para reúso. No caso da lipase, os pesquisadores desenvolveram um método em que ela pode ser reciclada para reúso por meio da imobilização dessa enzima em uma matriz sólida, chamada de suporte híbrido de polissiloxano-polivinilálcool constituída de sílica e PVA (álcool polivinílico). A lipase é um pó e, quando está presa a um substrato, ela não se dissolve no líquido. O mesmo tipo de matriz foi usada em outra seqüência de experimentos para imobilizar uma preparação de lipase de baixo custo, extraída do pâncreas de porco, para produzir biodiesel a partir do óleo extraído do fruto do baba-
O PROJETO Produção integrada de biodiesel e emulsificantes a partir de óleo de babaçu usando derivados estabilizados de lípase pancreática e microbiana MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio a Pesquisa COORDENADORA
HEIZIR FERREIRA DE CASTRO – Unicamp INVESTIMENTO
R$ 58.843,75 (FAPESP)
çu, palmeira típica da Amazônia e da Região Nordeste brasileira. Foram usados três tipos de álcool: etanol, da canade-açúcar, butanol e propanol, provenientes do refino do petróleo. O rendimento de biodiesel chegou a 75% com etanol, 80% com propanol e 95% com butanol.“Cada tipo de enzima é sensível a um meio e produz um resultado. No caso, a produção de biodiesel com lipase de origem suína mostrou-se factível e indiferente quanto ao tipo de álcool, embora o de butanol tenha sido um pouco mais produtivo”, explica Heizir. Os estudos também mostraram que a lipase utilizada serve para a produção de surfactantes, compostos químicos utilizados na fabricação de detergentes e outros materiais. O trabalho foi publicado na revista Journal of Chemical Technology and Biotechnology na edição de janeiro de 2007, assinado pelos alunos de pós-graduação Ariela Paula, Daniele Urioste e pelo professor Julio Santos, da EEL, também integrante do grupo.
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pesar dos bons resultados nos trabalhos laboratorais, a professora Heizir acredita ser ainda prematuro transpor os dados experimentais para uma escala ampliada. Antes é preciso efetuar um estudo técnico-econômico para contabilizar o custo global do processo enzimático. Um dos gargalos é referente ao elevado custo das lipases que ainda não são produzidas industrialmente no país. Os principais produtores são empresas da Dinamarca, Estados Unidos e Japão. Mas ainda existem muitas alternativas a serem testadas. Uma delas é o uso de microondas para acelerar a reação de catálise no processo de produção de biodiesel, promovendo um consistente aumento da produtividade. Nesse sentido, uma pesquisa em fase de desenvolvimento pelo grupo da professora Heizir, principalmente com o trabalho da mestranda Patrícia Caroline, estuda a aplicação de campos eletromagnéticos de alta freqüência em processos enzimáticos, particularmente na síntese de biodiesel, a partir de óleos vegetais de baixo custo como óleo de babaçu e de palma,empregando lipase como catalisador. Reações influenciadas por microondas ainda estão em fase inicial de investigação também em muitos países. ■ PESQUISA FAPESP 142
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> ENGENHARIA QUÍMICA
Menos resíduos Cobre e níquel descartados no recobrimento de peças metálicas são recuperados
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UNICAMP
ma segunda fase os pesquim equipamento prosadores concluíram que seria jetado e desenvolvinecessário instalar quatro do por pesquisadoequipamentos,um para cares da Universidade da metal depositado nas peEstadual de Campiças durante o processo de renas (Unicamp) para cobrimento metálico.Os recuperação de meprocessos de eletrodeposição tais encontrados na água utiiniciam como níquel.Em lizada nos processos de galvaseguida,a peça passa pela noplastia – um sistema de reágua para retirar o excesso cobrimento metálico de peças de metal.A próxima etapa é de automóveis e de bijuterias, o recobrimento com cobre, por exemplo – resultou em e novo banho.A seguir ela menor quantidade do resíduo é recoberta com níquel,e final,em forma de lodo,nesnova lavagem é feita.Por úlsa água.Além disso,houve Metais ficam retidos em uma esponja de carbono poroso timo acontece a cromação. substancial economia da água No processo tradicional, utilizada nos banhos de lima água corrente entra limpa e sai conpeza.“Um processo eletroquímico transaltos de metais pesados,chegava a até taminada com os metais.No final do forma os resíduos metálicos novamente 1 grama por litro.Após alterações feitas processo sobra um caldo que,quando o em metais”,diz Christiane de Arruda Rono processo industrial,a concentração volume é reduzido,vira lodo.“O equidrigues,professora da Faculdade de Ende metais foi reduzida para em torno de pamento projetado funciona como um genharia Química da Universidade Fe- 100 miligramas por litro.“Com essa filtro,que retém o metal”,explica Chrisderal de São Paulo (Unifesp),campus de quantidade,o processo tornou-se viável tiane.Ele possui basicamente anodos e Diadema,e coordenadora do projeto fipara a tecnologia que tínhamos desencatodos,que são eletrodos de carga elénanciado pela FAPESP na modalidade volvido”,relata a pesquisadora. trica positiva e negativa que fazem,por Programa Inovação Tecnológica em PeInicialmente foi feito o teste com o exemplo,uma bateria funcionar,além quenas Empresas (Pipe).O desenvolviequipamento na água de lavagem do code uma membrana polimérica,que ajumento do equipamento ocorreu na Fabre,mais fácil de ser monitorada.Nuda na otimização do processo. culdade de Engenharia Mecânica (FEM) Os anodos são placas de titânio reda Unicamp,em parceria com a emprevestidas com óxidos metálicos nobres e sa Super Zinco,de Campinas. O PROJETO os catodos são esponjas de carbono poO projeto teve início a partir de uma roso,que apresentam excelente conduconsulta da empresa,em 1999,que proProdução de equipamentos para tividade elétrica.“A esponja de carbocurou a universidade para saber se haremoção eletroquímica de íons no vítreo funciona como uma supervia alguma tecnologia para remover os metálicos de efluentes aquosos fície carregada negativamente para metais das águas utilizadas nos banhos. atrair os íons (elementos com perda de “Como desde 1997 o professor Rodnei MODALIDADE elétrons) de cobre e níquel e retê-los”, Bertazzoli,da FEM,estava desenvolvenPrograma Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) diz Christiane.Conforme a água passa do um projeto nesse sentido e eu tamdentro dessa esponja,o metal fica aderibém estava envolvida na construção de COORDENADORA do a ela.“Com o tratamento eletroquíum equipamento em escala piloto,reCHRISTIANE DE ARRUDA RODRIGUES mico,houve economia de 46 mil litros solvemos entrar com o Pipe para avaUnicamp/Super Zinco de água limpa em apenas um dos tanliar se o processo era viável dentro das ques de lavagem das peças.” condições da indústria”,relata Christia■ INVESTIMENTO R$ 342.999,98 (FAPESP) ne.Os resultados mostraram que sim. Na época a empresa tinha níveis muito D INORAH E RENO ■
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r a ç dançar n a d iimprovisa mprovisa Hip-hop oferece aos jovens da periferia a chance da existência social | C ARLOS H AAG
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m rapper, tão anônimo quanto sábio, afirmou que o hip-hop era “a CNN da periferia” (apesar da insistência da mídia, em especial a brasileira, em associar o movimento à violência e ao crime), ou seja, uma forma de a periferia expressar suas necessidades de classes excluídas. O hip-hop teria nascido em 1968, baseado em dois movimentos: a maneira como se transmitia a cultura dos guetos americanos e, daí o nome, no jeito da dança popular da época, que reunia saltar (hop) e movimentar os quadris (hip). Ao chegar ao Brasil, nos anos 1980, a ligação entre cultura, dança e lazer se estreitou a ponto de deixar no ar a pergunta: é um movimento cultural ou político? “Hiphop é teres direito de discordares do que quiseres/ de certa forma é estar na política/ não aceitar tudo calado nem desenvolver consciência crítica/ o som que analisa, critica, contesta/ não te esqueças que hip-hop também é festa/ ritmo e poesia é o que nos caracteriza/ e quem não sabe dançar improvisa!”, define, com precisão, a letra de Hip-Hop, do Boss AC. “É por meio do canto, da dança e do grafite que os participantes do hip-hop demonstram suas posições políticas e ideológicas. Para eles, o fazer político não está reservado somente para os que se especializam nessa área. Com suas rimas no rap, seus passos no break e imagens transmitidas em seus desenhos reproduzidos nos grafites, estão assumindo uma posição política e fazendo aliança com outras formas de expressão que são, a um só tempo, políticas, sociais e culturais”, explica João Batista de Jesus Felix, autor da tese de doutorado Hip-Hop: cultura e política no contexto paulistano, orientada por Lilia Schwarcz e defendida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Para o pesquisador, o hip-hop é um degrau a mais alcançado pela população negra e pobre brasileira que fez do seu lazer uma forma de protesto contra a violência e as condições a que são submetidos pela sociedade. “Ao saírem dos bailes e irem para as ruas, os espaços públicos, eles estavam rompendo o tênue ‘pacto social brasileiro’. A presença deles na praça era uma afronta ao nosso ‘racismo cordial’ e à idéia de que se toleram (ou não) as demonstrações deste tipo no espaço privado”, observa o pesquisador, cuja preocupação central era justamente descobrir o que esse movimento social entende por política e o que estava por trás de declarações polêmicas como do rapper Mano
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Brown, do Racionais MC’s, que resumiu seu trabalho de forma inusitada:“Eu não faço arte. Artista faz arte, eu faço arma. Sou terrorista”. Assim, entender essa divisão ou dialética é essencial para a compreensão do hip-hop, para além do que retrata a mídia.“Os meios de comunicação construíram imagens e representações de uma forma muito negativa, do delinqüente juvenil, como se eles fossem uma espécie de inimigo número um das cidades”, analisa Micael Herschmann, da UFRJ, autor de O funk e o hip-hop invadem a cena. Para o professor, o divisor de águas para o movimento foram os arrastões ocorridos em Ipanema, no Rio, entre 1992 e 1993.“A partir daquele momento, com a intensa veiculação na mídia, o hip-hop adquire uma nova dimensão, colocando em discussão o ‘lugar do pobre’ no debate político e intelectual do país.” As cenas mostrando conflitos entre jovens policiais despertaram curiosidade e preconceito na sociedade sobre os movimentos da juventude da periferia.“Optou-se, em muitos casos, pelo medo, quando o lado político do hiphop é de conscientização, de criação de alternativas para os jovens da periferia não caírem no crime e nas drogas.” Ou, nas palavras do antropólogo Luiz Eduardo Soares, “o hip-hop acena com a paz politizada, que se afirma com a agressividade crítica, isto é, com estilo afirmativo do orgulho reconquistado”. Para muitos, porém, essa postura radical fez com que fosse visto como violento. “O hip-hop surgiu no Brasil de maneira ‘parcelada’, isto é, seus diferentes elementos foram sendo adotados por pessoas que não viam maiores ligações com a dança que praticavam nos bailes black, que, antes do surgimento do movimento, não assumiam posição política contestadora explícita”, avalia Felix. “O que não significa que eram ações sociais simplesmente com a função de divertir, sem outra conseqüência. Afinal, em nosso país, o break e o rap surgiram em locais de lazer e distração da população negra e pobre, que ia a esses lugares porque se sentia entre iguais, sem se preocupar em ser tratada como inferior pelos demais.” Essa junção entre divertimento e contestação foi fundamental para a escalada do movimento negro, cujas raízes remontam à Frente Negra Brasileira (FNB), fundada em 1931, que de-
fendia que “os negros deveriam assumir as etiquetas comportamentais da ‘boa sociedade’, o que equivalia a dizer ‘branca’, para que pudessem ser incorporados ao social brasileiro”. Os bailes da FNB, observa Felix, complementavam as atividades políticas de defesa da comunidade negra, embora fossem vistos como “apêndices”, e não como instrumentos na construção da identidade dos negros. O lazer, para eles, não contava na luta contra a discriminação.
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urgido nos anos 1940, o Teatro Experimental do Negro (TEN) era o seu oposto, apostando no resgate dos valores da cultura negro-africana como remédio contra o racismo. É com esse espírito que surgiram, nos anos 1960, o Aristocrata Clube, freqüentado pela classe média negra, e o Clube 220, para os trabalhadores e funcionários públicos.“O fato de tanto a FNB como o Aristocrata e o Clube 220 usarem os bailes em suas atividades mostra como o lazer tinha um significado para a população negra e que esses bailes serviam como veículo para reflexão, isto é, ‘eles são bons para pensar’, componentes interessantes no processo de criação da identidade negra”, explica o pesquisador. Outro exemplo de arte mobilizada politicamente foi o samba cuja nacionalização, na contramão do esperado,“foi um processo de manipulação das elites e contou com a participação de vários sambistas conscientes das vantagens sociais que poderiam obter”. Assim, a elevação do samba ao trono de “ritmo nacional” só ocorreu porque fazia parte da lógica de que no Brasil existia, de fato, uma “democracia racial”. Assim, nota o pesquisador, se o uso da cultura afro-brasileira em termos políticos não é novidade na nossa história recente, o hip-hop inova pela forma e pelo paradigma que adotou já nos bailes black, dos anos 1970, muitos artistas como Tim Maia e Jorge Benjor, após viajar aos EUA e ver como os cantores negros aproveitavam as manifestações artísticas para “fazer discursos a seu público”, passaram também a falar sobre questões raciais, embora centrando em temas menos contundentes do que o racismo, como a beleza negra etc. “Esses espaços foram locais de práticas políticas, pois neles as pessoas podiam construir suas identidades, mesmo que, ape-
nas dançando e ouvindo músicas, se sentissem menos discriminadas, numa alternativa ao racismo cotidiano, pois nesse lugar não se reporia a hierarquia racial presente no dia-a-dia”, analisa o pesquisador. Segundo ele, no início do século XXI, vê-se que tanto o samba como a música negra internacional tocada nos bailes black se prestam à construção de uma identidade negra contemporânea entre jovens da cidade de São Paulo.“À primeira vista, parece que o público estava nos bailes black totalmente alienado sobre as lutas pela democratização da nossa sociedade. Uma análise mais minuciosa revela que eles procuravam, de outra forma, encontrar condições para aumentar a inclusão dos negros na mesma sociedade.” Mas não é tão fácil dançar essa música, por melhor que ela soe aos ouvidos dos excluídos.“É conflitante para um jovem da periferia abraçar o discurso ‘consciente’, pacifista, antidrogas do hiphop e viver em situações concretas de extrema violência policial, de convivência com traficantes e de puro e simples desespero existencial”, conforme citação de Arnaldo Contier, professor de história da USP, em seu artigo “O rap brasileiro e os Racionais MC’s”. Contier lembra que o hip-hop chegou ao Brasil em inícios da década de 1980 por meio do break, paradoxalmente trazido por agentes sociais das camadas mais ricas da sociedade.“Alguns brasileiros que viajavam para o exterior ao retornarem ao Brasil introduziram o break nas danceterias dos bairros nobres de São Paulo, logo transformado em modismo entre os jovens de classe média”, conta. Posteriormente, continua, é que o break conquistou as ruas e as camadas dos excluídos da cidade por meio da formação de grupos de baile, que se reuniam na praça Ramos e, depois, nas proximidades das galerias de lojas de discos da rua 24 de Maio. O ideal do rap politizado foi apresentado pelo Racionais em janeiro de 1988 num show no Parque do Ibirapuera. O movimento se expandiu pela cidade e surgiu, ainda naquele ano, a primeira posse, na praça Roosevelt, no centro de São Paulo. O termo se refere a organizações que congregam grupos e pessoas que praticam algum dos quatro elementos do hip-hop: a presença dos DJs, os responsáveis pela base musical na manipulaPESQUISA FAPESP 142
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ção das velhas pick-ups (os toca-discos desprezados pela elite com a chegada do CD); o MC, a pessoa que fala ou canta a poesia (ao lado do DJ, ele desenvolve o rap, abreviação de rhythm and poetry); o break, dança que, reza a lenda, foi inspirada nos movimentos dos mutilados do Vietnã e que, observa o pesquisador, mostra como os praticantes “usam seu corpo como se ele fosse seu único capital cultural”; e, por fim, o grafite, expressão de arte de rua explícita cuja proposta é a divulgação, da maneira mais ampla, dos ideais do movimento. A primeira posse foi batizada de Sindicato Negro, o que, afirma Felix, demonstra a preocupação mais direta com a questão racial. “Com o surgimento do Sindicato tem início,de fato,o hip-hop no Brasil.Antes dele o rap, o break e o grafite eram praticados somente quando havia uma ligação orgânica entre eles. A possibilidade de ‘amarrar’ essas expressões culturais só surgiu com essa primeira posse.” Antropofagicamente, o movimento de raízes americanas ganhou novo espírito no Brasil. “Nos EUA, o hip-hop surgiu nos bairros e depois ganhou lugares mais privilegiados das cidades, enquanto em São Paulo ocorreu o oposto: primeiro ele acontece nos bairros da periferia, posteriormente se organiza no centro e depois vai para os bairros e lá cresce e conquista sua legitimidade social e política. Atualmente abre, cada vez mais, espaços entre as classes média e alta.” O hip-hop igualmente inova na forma em que pretende quebrar paradigmas.“Depois que o ‘choque de gerações’ foram superados e os ‘rebeldes sem causa’ foram pacificados pelas tentações da sociedade de consumo, eles se levantam para apresentar ao mundo uma nova pauta de exigências que querem ver materializada imediatamente”, observa o historiador Rafael Lopes de Sousa, que está terminando seu doutorado na Unicamp sobre a “República dos manos”. “Reivindicar mudanças imediatas requer organização e pensar em modelos a serem seguidos. Mas no caso do hip-hop, o engajamento não foi tutelado por nenhum modelo cêntrico, mas, ao contrário, pela arte da dispersão e pela capacidade de desfazer aparências que os jovens criaram em suas manifestações, a fim de escapar do controle.”Assim, é justamente o isolamento social
que tem, paradoxalmente, se transformado em estimulantes poderosos para uma criatividade emancipatória sem precedentes na periferia de São Paulo. “Se, nos anos 1970, os agrupamentos juvenis se dividiam entre os engajados políticos e os espontâneos das comunidades hippies, nos dois casos jovens de classe média, a partir do hip-hop o desejo de mudança, em oposição às dimensões políticas que orientavam as gerações anteriores, centra-se no aparecimento espetacular no espaço público, que envolve uma estratégia de choque pela apresentação do inusitado e da agressão”, observa. Desenvolve-se, assim, nota o historiador, uma nova modalidade de resistência dos indivíduos que, descrentes das utopias e alijados da participação cívica, forjam práticas desviantes e “subversivas” dos caminhos propostos à integração social. É a legítima ira social que canta e exige mudanças, uma cobrança, nota Micael Herschmann, que “abandona a costumeira cordialidade do homem brasileiro”. São jovens, sim, mas não adolescentes típicos.“Essas experiências de jovens organizando movimentos sociais se contrapõem à idéia de adolescência como uma fase de rebeldia que antecede a entrada no mundo adulto. No caso dos ‘manos’, são mais experiências educativas e formativas, como muitas outras que os sujeitos vivenciam na sua trajetória de vida”, explica Rosangela Carrilo Moreno, do Grupo de Pesquisa sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares, da Faculdade de Educação da Unicamp, e autora do artigo “Práticas educativas de protesto na adolescência”.
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anos unidos em tribos de criatividade. “A partir do hip-hop as ‘culturas das favelas’ aparecem não simplesmente como um subproduto da violência social do país, mas como uma produção e um discurso capazes não só de espelhar a realidade dura, mas que também exprimem a reivindicação da ampliação da cidadania ao segmento social que habita essas áreas urbanas”, observam Ivana Bentes e Micael Herschmann, ambos da UFRJ, no artigo “O espetáculo do contradiscurso. Espetáculo?” .“Da moda ao ativismo, da atitude à música e ao discurso sociopolítico, vemos emergir novos sujeitos do dis-
curso, que saem de territórios estigmatizados da cidade e ascendem à esfera midiática, trazendo um discurso renovado, distante das instituições políticas mais tradicionais e próximo da esfera da cultura.” É preciso aparecer para apresentar, como diz o nome do rapper MV (mensageiro da verdade) Bill. “Após a crise das vanguardas artísticas e intelectuais dos anos 1970, os protagonistas do hip-hop emergiram com os novos intelectuais locais, orgânicos, forjados ao longo dos anos 1980 e especialmente dos anos 1990, no bojo de uma cultura popular ou minoritária já não idealizada pelas vanguardas e com maior autonomia”, avaliam os autores. Em resumo, notam, assistimos à emergência de um discurso sociopolítico nascido na própria cultura da periferia e “traficado” crescentemente pelo mercado. “Portanto, essa manifestação assume um caráter político, pois é por meio dela que a juventude periférica se mostra e representa discursivamente a forma pela qual entende a si própria e a realidade na qual está inserida. Desse modo, retira da invisibilidade pública inúmeros jovens, ‘olhados sem ver’ como ‘perigosos’”, afirma a doutora em lingüística da Unicamp Adriana Carvalho Lopes em seu artigo “A transgressão do sujeito racializado no discurso do hip-hop brasileiro”. Para ela, essa incapacidade de “ver” fundamenta-se num argumento que encontra na “cor da pele” a sua principal justificativa. “O hip-hop reinventa a negritude, transgride as imagens opressoras atribuídas pela sociedade à juventude periférica e, assim, lhe oferece possibilidade de existência social. Daí o movimento ter como objetivo uma transformação simbólica da sociedade, alterar algumas representações que definem a realidade social e os sujeitos que dela fazem parte.”A oferta é irrecusável: novas possibilidades de interpretação do mundo e das identidades e uma cidadania conseguida por esforço próprio. Tudo fruto de uma notável aliança entre cultura e política.“Procure a sua paz. Não se acostume ao cotidiano violento, que esta não é a minha vida, esta não é a sua vida. Cheguei aos 27 anos, sou um sobrevivente. Vinte sete anos contrariando as estatísticas”, avisa Mano Brown em Fórmula mágica da paz. Quem não sabe dançar improvisa. ■ PESQUISA FAPESP 142
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Manuscrito do índice do 14º Livro do Códex de Maimônides, que contém as leis dos reis (Colônia, 1295)
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Do ventre da baleia para a fogueira
REPRODUÇÕES DO LIVRO BANDEIRANTES ESPIRITUAIS DO BRASIL - SÉCULO XVII
Em pleno século XVIII, padre baiano quis unir judeus e cristãos
A PALAVRA PODERIA ATÉ SER A SEMEN TE DE D EUS , MAS A I GREJA DOS SÉCU LOS XVII E XVIII NÃO APRECIAVA QUE a cabeça de seu rebanho fosse arada em demasia. O próprio Antônio Vieira, que usou a citação de Lucas acima em seu Sermão da sexagésima (1655), logo aprendeu que a “agricultura”eclesiástica tinha limites muito estreitos: preso pela Inquisição, o Tribunal do Santo Ofício cassoulhe a palavra em 1667 por causa de suas idéias milenaristas e por sua defesa da causa dos judeus, vistos na então anti-semita Portugal como “perversa gente”. Vieira se retratou e sobreviveu. Menos afortunado foi um seu discípulo baiano, o padre Manoel Lopes de Carvalho, nascido em Salvador em 1682 e queimado vivo, num auto-de-fé, em 1726, após anos nos cárceres da Inquisição. “Profundamente influenciado pelo pensamento do Padre Vieira, que havia prognosticado um Terceiro Estado, no qual o uso das cerimônias judaicas seria permitido, a Igreja reverteria suas posições e concederia aos judeus convertidos ao catolicismo o uso de seus ritos, ele tentou criar um sistema teológico em que judeus e cristãos se tornariam um só povo em uma só religião no reino de Portugal e suas possessões, o chamado judeu-cristianismo”, explica Adalberto Gonçalves Araújo Júnior, autor da tese de doutorado “No ventre da baleia: o mundo de um padre judaizante no século XVIII”, orientada por Anita Novinsky e defendida recentemente no Departamento de História da USP.“Sua vida, marcada por uma atitude questio-
nadora diante das principais instituições do seu tempo, o Estado, a Igreja e a Inquisição, foi uma saga que nos revela uma época em que liberdade e consciência eram privilégios de poucos.” O notável no processo do padre Manoel é que seu caso contém um sistemático tratado teológico, em que o réu fundamenta suas proposições, material inflamável nas mãos do inquisidor Thomas Feio Barbuda, para quem o padre era uma perigosíssima ameaça ao reino, tamanha a sua “contaminação pelo judaísmo”. Mas qual a razão para tanta celeuma se ele provinha de uma região da colônia tão distante da metrópole? “A Bahia, ao longo dos séculos XVI a XVIII, foi um centro judaizante com ambiente onde pairavam o judaísmo e o sincretismo judaico-cristão em razão dos muitos cristãos-novos e criptojudeus” , observa Anita Novinsky em seu livro Cristãos-novos na Bahia. Eles também eram conhecidos como “marrano”, expressão depreciativa que significa “porco” e lhes era imputada pela Igreja. Neste ano, aliás, completam-se os 500 anos da chegada desses grupos ao Brasil, quando sua emigração da metrópole lusitana foi permitida.“Gente da nação”,“confessos”, “conversos”,“judaizantes”,“os batizados em pé”, todos epítetos usados para designar os judeus obrigados a abrir mão de suas crenças e tradições, os criptojudeus surgiram após serem expulsos da Espanha em 1492 pelos Reis Católicos, Fernando e Isabel, indo se refugiar em Portugal apenas para em 1497 novamente depararem com o anti-semitis-
mo hispânico. Dom Manuel, embora admirador dos judeus, que considerava essenciais para o progresso da ciência e da economia lusitanas, ao se casar com uma princesa espanhola, recebeu dos sogros a ordem de expulsar todos os judeus de suas terras. O rei português, porém, optou por uma solução com “jeitinho brasileiro”. Sabedor da importância dos judeus para Portugal, fingiu marcar uma data na Páscoa para a expulsão dos hebreus que se recusassem a se converter ao catolicismo (os cristãos-novos). Quando chegou a hora do embarque, alegou-se não haver navios suficientes e se determinou então um batismo em massa dos que tinham se concentrado no porto lisboeta à espera de transporte para outros países, em particular os Países Baixos, que eram tolerantes com os judeus. Surgiu aí a expressão “ficar a ver navios”; o rei decretou não haver mais hebreus em terras lusas e muitos foram arrastados até a pia batismal pelas barbas e pelos cabelos. A esperança de dom Manuel era que, cristianizados, em algum tempo eles se aculturariam e permaneceriam em Portugal. “Mas isso não se deu com facilidade e nasceu o conceito do criptojudeu, aquele que fingia ter aceito o cristianismo apenas para continuar praticando, em segredo, o judaísmo, logo tachado pela Igreja de heresia a ser punida com a morte”, afirma Anita Novinsky em Inquisição, prisioneiros do Brasil. Em 1531, com a nomeação do primeiro Inquisidor de Portugal, começaram as perseguições. PESQUISA FAPESP 142
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A “descoberta” de novas terras no Brasil deu chance aos criptojudeus de se livrarem da morte certa e de poderem praticar, com relativa liberdade, suas crenças. Ao menos até 1591, quando um visitador inquisitório foi enviado às novas terras para recolher indícios sobre os suspeitos de judaísmo. Antes disso, porém, a colônia era um espaço privilegiado para a resistência criptojudaica, motivada pela relativa harmonia e cumplicidade no convívio entre cristãos-novos e velhos, possível devido a uma ainda pálida estrutura eclesiástica (sem um tribunal da Inquisição), bem como pelo cotidiano duro para todos os credos. Havia doenças, índios hostis, falta de comida e água e problemas em demasia para que os colonos se dessem ao luxo de perder tempo e energia em querelas religiosas que só tinham sentido (se é que o tinham...) na Europa, tão distante do Novo Mundo. Ao mesmo tempo, por autorização de dom Manuel, os ju88
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Antiga rua dos Judeus, em Pernanbuco
deus convertidos puderam adotar nomes cristãos como os da população efetivamente católica ou, então, adotar sobrenomes ligados ao local onde moravam, à fauna e à flora, bem como a designação de sua ocupação profissional. Tradições - O tempo, no entanto, fez
com que várias das tradições fossem esquecidas ou reinterpretadas, seja por necessidade, seja pela ausência de rabinos e de livros sagrados, fundamentais numa religião intelectualizada como a judaica. Sabia-se algo sobre o shabat, sobre feriados, sobre a proibição de comer carne de porco ou de peixe sem escamas, mas a maior parte dos preceitos foi esquecida ou observada erradamente. Ainda assim, os criptojudeus mantiveram o hábito de “fazer esnoga” (sinago-
ga em português arcaico), ou seja, se reunir para as celebrações religiosas judaicas. Em geral, os “templos” eram improvisados nos engenhos mais distantes ou mesmo em casa, à porta fechada. Era preciso cuidado para não ser notado e denunciado pelos vizinhos. No engenho de Camarajibe, em Pernambuco, por exemplo, havia a figura do “campainha”: uma pessoa andava pela vila descalço com um pano amarrado ao dedão do pé, sinal de que a reunião estava para começar. Nas “esnogas secretas” havia um revezamento: enquanto alguns rezavam outros vigiavam a entrada para anunciar a chegada de estranhos. Houve mesmo um casamento judaico nessa sinagoga. Mais fácil de preservar era o shabat e entre os que o faziam estava o poeta Bento Teixeira, autor de Prosopopéia. Ainda assim, nem tudo eram flores. Professor, o poeta sempre estava ausente das aulas nos sábados, o que lhe rendeu acusação de atos “judaizantes”.
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Tal qual na maioridade judaica, o criptojudeu era informado de sua ancestralidade aos 13 anos e, ao mesmo tempo, avisado dos perigos de praticar sua religião abertamente. Tudo podia levar uma denúncia. Fazer refeições em mesa baixa em sinal de luto indicava um cristãonovo. A mesma mesa, porém, ao ser dotada de gavetões, em Minas Gerais, disfarçava a religião do morador, pois se acreditava que elas serviam para esconder a comida e, dessa forma, não precisar dividi-la com estranhos, símbolo de sovinice. Em verdade, esconder a comida nas gavetas era uma forma de não levantar suspeitas sobre a dieta específica que seguia os mandamentos dietéticos judaicos. Até mesmo na morte era preciso atenção. O moribundo, ao sentir a chegada do fim, chamava o “abafador”ou “afogador”, figuras que asfixiavam os doentes a fim de que, em sua inconsciência, não traíssem suas raízes judaicas ou revelassem nomes de outros criptojudeus. Externamente eram cristãos exemplares. Aliança - Em 1643, Vieira chegou a enviar ao rei dom João IV uma proposta, em que advogava uma aliança com os mercadores e financistas cristãos-novos como forma de tirar Portugal da linha do desastre econômico a que se dirigia, permitindo o retorno deles à metrópole. Mas o anti-semitismo do senso comum estava muito incrustado na mentalidade lusitana do tempo. “Daí a medida da ousadia do padre Manoel em tentar ir a Roma e propor ao papa Clemente XI um projeto de reforma da Igreja à luz do judeu-cristianismo”, nota o pesquisador. Segundo ele, as principais teses preconizadas pelo padre eram: a observância do shabat no lugar do domingo cristão; a reforma do calendário litúrgico cristão, para dar maior atenção à Páscoa, de acordo com o calendário judaico; a observância das leis dietéticas judaicas; a circuncisão; a dúvida sobre a messianidade de Jesus.“Ele se refere também, no tratado, à situação dos cristãosnovos portugueses; o sofrimento como provação divina aos eleitos; e, horror, a responsabilidade do apóstolo Paulo na deformação dos ensinamentos de Jesus e na difusão destes no mundo gentílico.” “A separação entre judeus e cristãos começou pouco depois do ano 70 d.C. Paulo de Tarso, fariseu convertido ao cristianismo, no esforço de ‘autocom-
preensão’ da Igreja primitiva, desconsiderou o judaísmo como caminho para chegar a Deus. Para isso bastava a fé em Cristo”, explica. Essa pregação paulina, continua o professor, era herética para os judeus, porque Paulo sustentava que Cristo havia ab-rogado a lei mosaica para todos, estabelecendo uma nova aliança em que só deviam conservar as observâncias mosaicas na medida em que serviam ao proveito das almas. O judaísmo de Cristo precisava sair de cena para o cristianismo vingar como religião. O padre Manoel foi mexer exatamente nesse vespeiro eclesiástico. “Assim como a lei é o fundamento da fé de Israel, para ele ela é a base, o alicerce da fé cristã, não sendo possível conceber um cristianismo desprovido da observância da Torá judaica.” Não contentes em ter as idéias “heréticas”do padre por escrito, os inquisidores foram atrás das “raízes judaicas” do réu.“Os prisioneiros da Inquisição eram qualificados segundo a quantidade de sangue judaico que tinham nas veias, presumindo-se a heresia proporcional a essa porcentagem”, lembra o pesquisador. No futuro, outros iriam se basear nesse mesmo paradigma nefasto. Até a avó do padre Manoel foi usada como prova de que ele tinha sangue judeu. Ele não se abalou. “A grande afinidade do padre
com o judaísmo o fez reivindicar sua condição judaica, chegando mesmo a convidar os inquisidores a confirmarem, por exame, que ele era circuncisado.” Porém meses nos cárceres do Santo Ofício tiraram dele a agudeza e a lucidez.“Após seis meses preso, ele começou a se autodenominar o Messias. Para sustentar sua messianidade em detrimento da de Jesus, afirmou que o Messias cristão não tivera humanidade real, como exigiam as profecias bíblicas, mas que foi espécie subalterna de homem, porque não foi propagado do sêmen de Adão.” Para o pesquisador, é difícil saber se o padre perdera a razão ou se adotara uma lógica messiânica, em que a restituição da harmonia côsmica só ocorreria com um mediador terrestre. Eis o “ventre da baleia”. “Engolido por uma baleia, todos deram Jonas por morto, mas que importava que ele tivesse morto no conceito dos homens se ele estava vivo (ainda que encoberto) no ventre da baleia. Para Araújo Júnior, “a história do padre representa a corrente de pensadores que defendiam uma transformação radical para uma sociedade mais justa”. Coisa, ainda hoje, de difícil digestão para a maioria dos cetáceos. ■
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Ketub, contrato judaico de casamento, de 1714
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O ABORTO e a origem do mal Relação entre interrupção da gravidez e criminalidade defendida por governador do Rio causa polêmica e é condenada por acadêmicos que estudam os dois temas G ONÇALO J UNIOR
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idéia partiu do governador Sérgio Cabral Filho, no final de outubro: legalizar o aborto como forma de combater a violência no Rio de Janeiro. “Tem tudo a ver com violência. Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal”, disse ele em entrevista exclusiva ao site G1. Para fundamentar sua afirmação, Cabral Filho recorreu aos norte-americanos Steven Levitt e Stephen J. Dubner, autores do livro Freakonomics, no qual defendem a tese que liga aborto com a redução da criminalidade nos EUA. Se a interrupção da vida no útero costuma provocar debates enfurecidos num país de maioria católica como é o Brasil, sugerir que a violência está relacionada à pobreza e pode ser combatida na “origem” deu ainda mais o que falar. Na universidade, então, especialistas da área alertam para que se tenha cuidado ao tomar esse tipo de posição. Mestre pela Faculdade de Educação e advogado, Edison Prado de Andrade avalia que tratar dois graves problemas da sociedade contemporânea dessa forma é uma interpretação reducionista da realidade social e seu efeito mais nefasto é impedir que se compreendam os verdadeiros motivos pelos quais existem nas proporções que se tem observado. Autor da dissertação “Gestão pública municipal e o problema do ato infracional”, Andrade afirma que “seguramente”essa abordagem representa uma forma ideológica, no sentido marxista do termo, de explicar a realidade e propor mudanças sociais, pois é um meio de ocultação do real. Assim como acontece com a redução da maioridade penal que, para parte significativa da sociedade brasileira, seria uma forma extremamente eficaz para reduzir drasticamente os índices de criminalidade. O binômio criminalidade-aborto, prossegue ele, também está eivado de conteúdo ideológico e desvia o foco para as análises e mudanças que se fazem necessárias. Uma vez que a sociedade atual capitalista “é extremamente complexa”, explica ele, não existem respostas fáceis para solucionar seus problemas.“Apenas se nos debruçarmos com vontade para as verdadeiras causas de nossas mazelas e desenvol-
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vermos a coragem e determinação para seu enfrentamento, seremos capazes de fazer com que a criminalidade subsista apenas dentro de seus parâmetros aceitáveis e normais.” Na opinião do pesquisador, dentre os aspectos que devem ter relevância na discussão estão o tráfico de entorpecentes e o desemprego.“E muitos outros que são temas que só podem ser analisados sob uma perspectiva real se compreendermos a crise fundamental existente.”
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ara Andrade, o problema do ato infracional e da criminalidade – que se dá não apenas entre os mais pobres, como geralmente se pensa ou afirma, mas também entre os provenientes de classes mais privilegiadas da população – não pode ser reduzido a uma fórmula jurídica pura que o concebe apenas em termos de vontade de praticar o ato contrário ao direito e à lei, e que exclui inteiramente os fatores sociológicos e psicológicos ligados ao problema. “O preconceito existe na medida em que é fruto do desconhecimento, mas, na verdade, há mais do que preconceito.” A criminalização da pobreza, acrescenta ele, é um fenômeno tradicional e reacionário da sociedade brasileira.“Esta vive comprometida com a manutenção das estruturas sociais vigentes e que argumentam em favor das políticas retributivas do tipo lei e ordem fundadas na repressão dos crimes e na aplicação rigorosa das leis penais, e fazem vista grossa para a quase que total ausência de reais políticas redistributivas.” Aborto e criminalidade devem ser discutidos separadamente para a socióloga e doutora em saúde pública Kátia Cibelle Machado Pirotta, autora de uma tese de doutorado sobre o comportamento reprodutivo e de seu universo simbólico entre jovens universitários da Universidade de São Paulo (USP). “A proposta de legalização do aborto para diminuir a criminalidade não ajuda no debate sobre essas questões”, enfatiza. Do ponto de vista histórico, a descriminalização do aborto, lembra ela, é uma demanda do movimento feminista e de alguns setores da saúde, que vem sendo defendida através de uma extensa agenda de mobilização. Um dos pilares dessa mobilização, afirma Kátia, é o tratamento do aborto provocado como uma questão de saúde pública. “A interrupção da gravidez
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não é um fato novo, essa prática sempre existiu nas sociedades em diferentes tempos históricos. Os estudos sobre a magnitude do aborto provocado estimam em mais de 1 milhão o número de abortos por ano, no Brasil. No entanto, realizados clandestinamente, sem nenhum tipo de responsabilização sobre as condições das clínicas ou sobre danos à saúde da mulher.” Assim, as seqüelas do aborto realizado em condições inadequadas incluem infecções, infertilidade e até a morte de milhares de mulheres todos os anos. “São as mais pobres as que mais se sujeitam a essa situação, pois contam com menos recursos para realizar um aborto em melhores condições.” Discutir a legalização do aborto como forma de diminuir a criminalidade, destaca Kátia, é o mesmo que tratar da esterilização de mulheres para diminuir a pobreza. Esse tipo de discurso, na sua opinião, está sempre presente no imaginário social – a idéia era que se as mulheres pobres tivessem menos filhos a pobreza reduziria.“Ora, a taxa de fecundidade na
sociedade brasileira caiu fortemente nas últimas décadas, sendo hoje de dois filhos por mulher. Estamos próximos do nível de reposição da população. Se a pobreza reduziu, é outra história. Dependendo-se do que se considera como pobreza, que afinal é uma construção social e não pode ser definida por critérios fixos e imutáveis.”
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m vez de ligar aborto com criminalidade, Kátia sugere que seja dada ênfase à questão dos direitos reprodutivos. Trata-se, observa ela, de um conjunto de direitos e princípios que orientam o tratamento das questões ligadas à vida reprodutiva, formulados na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, ocorrida no Cairo, em 1994, e na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz, em Pequim, em 1995. “Essas conferências representam um importante avanço para o tratamento das questões ligadas à reprodução e sexualidade, considerando-se o princípio do Estado laico, a defesa da cidadania e o aprofundamento das relações democráticas.” Os direitos sexuais e reprodutivos, ressalta a pesquisadora, são uma conquista da humanidade e representam um marco ético nas questões ligadas a gênero, reprodução, aborto, planejamento familiar, entre outros. “O reconhecimento da autonomia da pessoa para tomar decisões sobre as questões relativas à sua vida reprodutiva e sexual é o ponto-chave das Plataformas do Cairo e de Pequim. Essas plataformas foram reconhecidas pela comunidade internacional e o Brasil é um dos países signatários – que se comprometeram a incorporar esses princípios na sua agenda social e política, e no seu ordenamento jurídico.” A questão da criminalidade envolve variáveis importantes, muitas das quais relacionadas como a ineficácia de ações estatais diversas, na opinião da socióloga e professora Maria Inês Caetano Ferreira, que fez doutorado sobre homicídios na região do bairro de Santo Amaro, São Paulo.“O discurso do governador carioca, infelizmente, contribui para a disseminação do preconceito contra populações residentes em favelas e bairros de população empobrecida. Fato que não procede, pois a maioria dos moradores dessas localidades não é criminosa”, avalia. Para Maria Inês, é difícil e perigoso estabelecer também uma conexão direta
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entre desemprego e/ou pobreza com a criminalidade. A pobreza tradicional, diz ela, bastante comum no Brasil rural décadas atrás, por exemplo, não remete a cenários de violência como atualmente se nota em metrópoles como a do Rio de Janeiro e de São Paulo.“Há variáveis que devem ser consideradas nesse tema. Porém, não parece difícil concluir que o combate ao tráfico de armas e drogas, por exemplo, remete diretamente ao fenômeno da violência nos tempos atuais.” Violência e criminalidade são temas muito próximos, mas não idênticos, segundo ela. Em sua tese, buscou compreender os motivos das elevadas taxas de homicídio na região da periferia da Zona Sul da capital paulista. Investigou as mortes entre família, amigos, vizinhos. Enfim, os vários tipos de motivos que provocam o homicídio. Concluiu que o o modo precário de inserção material e legal dessa população contribui para as altas taxas de homicídio. “Isso porque a inserção precária resulta em um viver instável e vulnerável, contra o qual a população tem como alternativa a organização de redes de solidariedade ancoradas em uma ordem incapaz de responder aos prejuízos dessa precariedade.” A pesquisadora ressalta que a interpretação sobre a violência se relaciona com a posição dos grupos na sociedade. Porém, no caso do governador carioca, ele não representa apenas um grupo mas toda a sociedade do estado do Rio de Janeiro.“A sua posição é bastante conservadora, atribuindo ao uso da força como a estratégia mais eficaz no combate ao crime. Uso da força, claro, contra as populações de determinadas regiões. Talvez a defesa dessa posição agrade a uma ampla população. O problema é se o uso da força implicar abuso de poder e desrespeito à lei.”
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omo sugestão para reduzir a criminalidade, Maria Inês prefere indicar “o mínimo”, que talvez já contribuiria bastante: o emprego eficaz da força policial, dentro dos limites da lei, no combate ao tráfico e, sobretudo, estabelecer uma relação positiva do Estado com a população. Desse modo, justifica a pesquisadora, busca-se que espaços, como favelas, por exemplo, não se tornem lugares onde grupos que usam da força se tornem “donos”, impondo as suas próprias “leis”, uma ordem hierárquica, de-
no âmbito das políticas públicas de saúde e dos direitos das mulheres, e não da segurança pública. Em sua pesquisa, observa ele, não há nenhum dado específico em relação à questão do aborto, porém existe um dado quantitativo relacionado à questão que acredita ser importantíssimo numa análise qualitativa e que indica o número de filhos das 353 mulheres da amostra (então, encarceradas). estudo revela que 46,17% das presidiárias ouvidas têm apenas até dois filhos, e que 21,25% não têm filhos. Somente 13,03% das entrevistadas tinham quatro ou mais filhos. Outros dados considerados por ele importantes apontam que 61,48% delas já haviam exercido alguma atividade profissional antes de ir para a prisão, e que 25,21% trabalharam precocemente antes dos 14 anos. A experiência profissional por mais de 15 anos de atuação em instituições penais para adultos e adolescentes e, principalmente, a pesquisa por ele realizada indicam para Braunstein que as maiores causas da criminalidade no Brasil estão relacionadas às ausências consistentes e permanentes de políticas públicas integradas nas esferas da educação, da saúde, da cultura, do esporte, da justiça, da economia, do trabalho, do bem-estar social e da segurança pública. “Como no caso do governador do Rio, as propostas são pontuais e emergenciais, fragmentadas e inconsistentes.” O combate à criminalidade, explica ele, deve ser feito em dois níveis. Primeiro, remediativo e emergencial, precisa conter políticas públicas consistentes e permanentes de repressão ao tráfico, ao porte de armas e à corrupção nas mais diferentes esferas. Depois, o de policiamento. Além disso, é preciso uma política adequada de punibilidade com vistas à reintegração social, e não meramente punitiva e reprodutora da violência. Outro aspecto importante que deve ser priorizado, destaca Braunstein, seria o tratamento de dependentes químicos como parte de uma política pública de saúde além de ações de empregabilidade para a população. Deve-se também, num segundo nível, que ele coloca como principal, buscar algo preventivo, de médio e longo prazo, que se faz com políticas públicas de Estado consistentes, permanentes e integradas. Nesse discurso não cabe falar em aborto. ■
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FOTOS LUIZ PAULO LIMA/FOLHA IMAGEM
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sigual e violenta para os moradores em geral. “Para tanto, a oferta de serviços e equipamentos públicos é essencial.” Autor de uma tese sobre mulheres encarceradas, o sociólogo Hélio Roberto Braunstein teme que a proposta de legalização do aborto feita pelo governador carioca possa desencadear uma política pública aos moldes da eugenia,“em que a lógica subliminar estaria calcada no controle de natalidade das famílias pobres, talvez encaradas como ameaçadoras, criminogênicas, segundo o pensamento positivista, e atualmente em alta no Brasil e no mundo, diga-se de passagem”. Portanto, algo que poderia ser adequado enquanto política de saúde e respeito aos direitos das mulheres na verdade pode revelar e desencadear uma estratégia de dominação sobre as famílias e as mulheres cariocas mais pobres. Braunstein observa que existe “claramente” uma confusão nessa proposta de debate, pois a questão da legalização do aborto está ou deveria estar em discussão
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RESENHA
Rumo à frátria racial brasileira M ARILUCE M OURA
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escancaradamente polêmico,pensado para produzir debates,o novo livro do antropólogo e poeta Antonio Risério, A utopia brasileira e os movimentos negros. E é ao mesmo tempo denso,erudito,refinado nas construções de um pensamento que faz um percurso fecundo do reconhecimento,da reafirmação,da mestiçagem no Brasil – em sua existência real e cultural – à postulação da efetiva possibilidade de montagem de uma democracia racial verdadeira neste país.Aí estaria a utopia a que se refere o título do livro,numa dimensão que ultrapassa de muito a questão racial propriamente para se apresentar como pilar fundamental de um projeto de civilização brasileira.“Muitos acreditaram que aqui existia,de fato,uma democracia racial.Outros,não.Entre um extremo e outro,a sociedade brasileira,de um modo geral,passou a querer ser essa democracia exemplar,radicalmente oposta ao cruel e vergonhoso apartheid norte-americano.E assim a democracia racial acabou se convertendo numa espécie de desejo coletivo ou de sonho central da mitologia nacional brasileira”,diz Risério no “toque final”que nos oferece (p.422).Tudo indica,acrescenta ele,que “é possível caminhar para sua realização mais plena.Para a passagem da ‘democracia racial’à democracia racial”, mesmo que de forma lenta e gradual e atravessando ainda muitas batalhas.“Utopia?”,interroga-se,para responder imediatamente:“Sim.Mas utopia realista”. Não há ingenuidade intelectual nessa afirmação.Ela enfatiza uma idéia sofisticada que só se apresenta por inteiro depois que o autor completou sua bem embasada investida,em termos teóricos e práticos,contra o rígido binarismo importado nas últimas décadas do padrão norte-americano,aquele da one drop rule que transforma em negro todo mundo que não seja totalmente branco,que tenha uma gota que seja de “sangue negro” correndo em suas veias.Nessa investida com perspectiva histórica,Risério examina por dentro e com rara riqueza de informação em relação aos ensaios brasileiros que examinam o tema,como se construiu o apartheid nos Estados Unidos e como os deuses africanos, digamos assim,“morreram”em terras norte-americanas,abrindo um espaço descampado para que sua po-
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A utopia brasileira e os movimentos negros
pulação negra construísse ali seu próprio cristianismo protestante.Toma as indicaAntonio Risério ções de outros autores de que os escravos negros nos EUA Editora 34 encontraram em Jesus uma 440 páginas identificação,antes de dizer R$ 54,00 que “podemos falar da releitura da Bíblia a partir de uma perspectiva negro-escrava”,e concluir que “logo procedimentos de extração africana vieram à luz.No canto,na dança,no transe.Nas palmas, na cadência marcada com os pés,nos movimentos corporais.Na veemência expressiva do culto”(p.142).É assim que “negros e negromestiços norte-americanos foram extraordinariamente inventivos,sim – mas na criação de uma variante religiosa do cristianismo:o cristianismo protestante negro dos EUA”(p.144). Totalmente diversa é a experiência brasileira,a prática da construção religiosa e cultural,para falar de forma mais ampla,dos escravos negros no Brasil.E Risério devassa essa experiência,vai às fundações dos terreiros de candomblé,para encontrar,entre muitas outras,as evidências de que o panteão de seus orixás é uma construção inteiramente brasileira,sincrética e,em larga medida,mestiça.Os deuses africanos não se encontravam reunidos lá, a priori. Em seu percurso rumo à utopia que vislumbra,manejando transdisciplinarmente noções de ciência política,lingüística,semiótica,antropologia,estética e o que mais lhe pareça necessário para chegar ao fim do caminho,Risério reexamina os movimentos negros mais remotos da experiência brasileira,da resistência dos escravos pela fuga,pelo suicídio,revoltas organizadas e formação de quilombos às lutas abolicionistas.Detém-se a seguir nos traços dos movimentos negros mais recentes,reconstituindo como eles se desdobram desde a década de 1920 até os nossos dias,com o largo interregno dos anos mais duros da ditadura militar.Em todo esse percurso,ele não cessa de insistir que “somos uma gente mestiça sim.Mas fruto de uma mestiçagem entre desiguais.O negro foi recuperado no plano do pensar brasileiro.Mas não no plano da prática.Enquanto tais planos não se corresponderem,haverá razão para a crítica,a condenação e o protesto”(p.387).Uso do regime de cotas? Talvez,mas sem essa do binarismo do preto e branco. De qualquer sorte,Risério pensa que já nos encontramos na estrada,“rumo à frátria racial brasileira”.
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LIVROS
Fazer roupa virou moda
Entre o coração e a técnica
Wanda Maleronka Editora Senac 232 páginas, R$ 45,00
Gerson Ferreira Filho Editora Annablume 170 páginas, R$ 25,00
Wanda Maleronka faz uma espécie de viagem no tempo e na literatura trazendo de volta os costumes,a estética e os valores de décadas passadas a partir de uma aprimorada pesquisa que tem como pano de fundo a indústria da costura em São Paulo. O universo feminino,sociologia e moda misturam-se a diversas fotos de época e uma linguagem clara abordando a vida de mulheres ligadas aos apelos da moda.
O livro é um saboroso estudo de casos de projetos tecnológicos que tiveram a marca do autor entre 1970 e 1980, quando ocupou,entre outros cargos, a presidência da Finep.Num momento em que o Brasil precisa tanto de uma base de ciência e tecnologia para o seu crescimento,a experiência passada de Gerson é uma bússola para que não se repitam erros antigos e que os acertos sirvam de inspiração aos governantes atuais.
Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br
A passagem do três ao um: crítica literária, sociologia, filologia Leopoldo Waizbort Cosac Naify 352 páginas, R$ 49,00
A partir do conceito de Mimesis do filólogo Auerbach que trata a realidade exposta na literatura ocidental e a sua influência no conjunto da obra do crítico brasileiro Antonio Candido, o autor dedica-se ao realismo peculiar de Machado de Assis,analisando as interpretações clássicas de Raymundo Faoro em A pirâmide e o trapézio e de Roberto Schwarz em Ao vencedor as batatas. Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br
Editora Annablume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil 1930-1970 Wilson Cano Editora Unesp 384 páginas, R$ 48,00
Desde a década de 1960,Wilson Cano, doutor em ciências econômicas pela Unicamp,tem-se dedicado ao exame da questão regional brasileira.A tese de doutorado já clássica Raízes da concentração industrial no Brasil, sobre o período 18501929,tem continuidade neste livro que traz a sua tese de livre-docência (1982),que tem por eixo a integração do mercado nacional e as relações inter-regionais. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
Oswald de Andrade: biografia
FOTOS EDUARDO CESAR
Maria Augusta Fonseca Editora Globo 392 páginas, R$ 33,00
Elos partidos: uma nova visão do poder militar no Brasil Oliveiros S. Ferreira Editora Harbra 594 páginas, R$ 65,00
Reedição da biografia de um dos maiores nomes do modernismo brasileiro.Maria Augusta não só desenha um perfil individual de Oswald,como faz um retrato do Brasil.O livro esmiuça vida e obra do poeta traçando seu percurso entre sucessivas crises econômicas e encontros e desencontros amorosos.Traz também o mérito de explicar o silêncio na produção poética do modernista até os anos 1960.
Os elos entre civis e militares no Brasil são traçados nesse livro através de inúmeros depoimentos,transcrição de memórias e diários dos personagens,além de narrativas de observadores que viveram o período até março de 1964.Confrontando visões de mundo parecidas mas diferentes versões dos fatos,o autor expõe a história para que o leitor faça seu próprio juízo.
Editora Globo (11) 3767-7880 www.globolivros.com.br
Editora Harbra (11) 5549-2244 www.harbra.com.br
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FICÇÃO
Devir
O LIVIA M AIA
Para o professor Heitor Megale
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ais de vinte anos fugindo de tudo que poderia trazer de volta a academia.E então era preciso voltar,pisar outra vez sobre aquilo que sempre desprezei e me dedicar a estudos em uma biblioteca de livros velhos e cansados.Mas Bernardo sabia como chamar minha atenção.“É um desafio, Michel”,disse,e tinha-me à sua disposição. Bernardo estendeu sobre sua mesa um mapa do Brasil gasto e apontou o dedo em um canto do estado do Mato Grosso,fronteira com o Mato Grosso do Sul.“Preciso de sua ajuda.Só há um documento,um relato do jesuíta João Carlos Fernandes de Toledo,que se perdeu da missão.Começo do século XVIII.” Lembrei a história do caminho de Peabiru.Que poucos aceitam essa expansão inca rumo ao Atlântico,e o possível contato com os índios brasileiros.E era o que Bernardo propunha:um relato feito de enigmas sobre uma comunidade indígena,intocada pela civilização branca e enfiada em um espaço ao norte do Pantanal,protegida por uma queda de rio e um paredão rochoso.E que fosse então um povo guaraniinca, um povo que se fazia no encontro das duas culturas, e que por certo desapareceu sem deixar rastros. Bernardo me conhecia,e por isso chamou a mim.E quem mais daria crédito a manuscrito assim tão improvável? Sabia de minhas manias,e que isso sempre me interessou,por seu teor de fantástico impossível;o que será para sempre hipótese de trabalho.Ele não sabia de incas e eu fazia de enigmas insolucionáveis um refúgio.Mas o ponto era outro,sobre o qual Bernardo tinha o dedo no mapa: ao norte do que seria o tal caminho inca,para acima do rio Paraná.A geografia do Peabiru me escapava.Era? Senti arrepiar os cabelos na nuca.
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Encontrara o documento em viagem ao Rio de Janeiro, na casa de família descendente de um qualquer título de nobreza.Concederam-lhe aqueles papéis velhos em que há muito ninguém mexia,em uma linguagem que ninguém da casa compreendia. E não seria impossível pensar que um grupo de incas houvesse escapado do conflito com os espanhóis,tomado o rumo do Atlântico,e.Mas os guaranis? Aceitei ajudar.Que fosse essa busca pelo inimaginável,capaz de me atirar fora da rotina. Foram semanas em livros e antigas anotações.As descrições que Bernardo me transcrevia e enviava,diariamente, faziam crescer uma alegria perturbadora.Era possível? Incas e guaranis.Buscava inconscientemente uma qualquer incoerência.Buscava? Bernardo preparava o texto para publicação,confiante com todas as minhas confirmações.Ligava-me todos os dias pedindo informações sobre esse ou aquele detalhe,e buscava me alegrar com as promessas do nome na capa do livro,e as glórias da academia. Interessava-me a academia? Formado em antropologia, por mais de vinte anos dava aulas de história para a quinta série em uma escola municipal.Divertiam-me os livros exagerados sobre conspirações e os documentários sobre enigmas da humanidade.A História me aborrecia,a incredulidade da academia e os métodos científicos. Então à noite enchia-me de vodca,e era quando me punha a tentar justificar minhas desconfianças.Quando inventava de questionar “e se...”,porque de certa forma doía-me esse choque com uma civilização que nunca mais.E acho que sentia raiva desse jesuíta,que burlou a cronologia e topou com o passado,e ousou responder ao meu questionamento. E deixou para trás um manuscrito. Sabia que precisava verificar a coerência histórica do manuscrito,e pensar nisso parecia ir contra qualquer princípio meu que eu desconhecia. Século XVIII. Era ilusão, mas.
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LUANA GEIGER
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A família que antes o guardava nada sabia. Fui ao Pateo do Colégio. Conversei com um senhor sorridente, que me explicou dos problemas que haviam sido criados com a expulsão da ordem, e porque o próprio Pateo só havia sido devolvido em 1953. Repeti-lhe o nome do jesuíta. O padre prometeu que ficaria com o nome para investigar. No mesmo dia Bernardo enviou-me uma cópia fac-símile do manuscrito, mais o que já tinha de sua transcrição. Estava pronto para divulgar sua descoberta. Não tardaram os jornalistas e as especulações, e repórteres de televisão que procuravam Bernardo para uma prévia exclusiva do que havia descoberto. Era essa busca desesperada por uma Atlântida, uma descoberta mirabolante quando o homem já havia ocupado todos os cantos mais obscuros do planeta. Bernardo fazia-se de desentendido, dizendo que muito ainda precisava ser pesquisado e confirmado. Uma matéria com a imagem de um fólio do manuscrito estava para sair no jornal.A comunidade científica era um murmúrio de incertezas. Minha alegria escondia-se. Passaram-se duas semanas e a desconfiança virou um incômodo crescente. Era incompatível aquele tempo perdido estampado em uma folha do jornal, feito tão realidade. Incas e guaranis? O padre entrou em contato e fui ao seu encontro. Descobrira não o jesuíta do século XVIII, mas um historiador do XIX. Juan Carlos Fernandez. Um espanhol que veio ao Brasil por volta de 1820. Dele tinham documento porque doara quantia alta, e era amigo de certo bispo. Desconcertado, fui à descoberta. Dele havia registros e artigos pretensiosos em uma publicação carioca pequena. Falava de regiões de refúgio inca em território brasileiro, onde haveria muito ouro e outras riquezas jamais imaginadas por Pizarro. O que senti foi um alívio. João Carlos Fernandes de Toledo. O espanhol, Juan Carlos, nascera em Toledo, Espanha. Qual o limite de uma coincidência?
Seria possível forjar um manuscrito dessa forma? Mas bastaria uma análise química do papel. Tive certeza. Peguei o carro e segui rumo à universidade. Eis o que Bernardo tinha: um documento oficial com assuntos imaginários. Um texto de ficção, como aqueles franceses da década de sessenta que alardeavam teorias de conspiração. As pirâmides construídas por alienígenas. Mas o que nos restava? Parei em frente do prédio da faculdade, sentindo de repente tudo o que senti quando o olhei aquela última vez, aos 22 anos, certo que nunca mais voltaria. O que eu estava fazendo? Estava cansado das dúvidas, da investigação e do questionamento das fontes. Antes ainda as certezas cegas dos que falam bobagens e inventam o que nunca existiu. Que me importavam as verdades? Porque História é religião; é preciso fé. E Schiller, sobre a religião, disse: quadros de fantasia, enigmas sem solução, engodos do remoto. O remoto se faz quase o que nunca existiu. O remoto é nosso deus sublime e intangível. Então acho que sorri, e senti fugir-me o peso de uma qualquer coerência histórica. Tinha o remoto em minhas mãos. Não me interessavam as verdades, enquanto tão mundanas e óbvias. Era o óbvio? Nunca os incas e os guaranis; mas por que não? Por que diabos não? O tempo cuidaria de derrubar as mentiras, ou, então, diluí-las. OLIVIA MAIA é escritora e estudante de Letras da USP. Publicou a novela policial Desumano, em 2006, e seu segundo livro, Operação P-2, será lançado em dezembro de 2007 por um selo independente. Escreve sobre literatura em seu blog Forsit (www.verbeat.org/blogs/forsit). PESQUISA FAPESP 142 DEZEMBRO DE 2007 ■
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ENCERRAMENTO DAS INSCRIÇÕES 26/12/2007 Publicado no Diário Oficial do Estado, dia 28/09/2007, Seção I, Pág.123 e 124, pelo prazo de 90 dias, para as inscrições ao concurso público de títulos e provas para o provimento de dois cargos de Professor Doutor, em RDIDP, referência MS-3, com salário de R$ 5.850,92, com base na disciplina de Protozoologia, Helmintologia e Artropodologia. Mais informações: http://www.icb.usp.br/~svacadem/concursos/Editais/edi-par.html, através do e-mail svacadem@icb.usp.br, ou pelo telefone (0xx11) 3091-7395.
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