Ciência eli
Julho 2004 • N° 101
Reposicão
hormona
I
AIMAGEM DO MÊS
A estudante de doutorado da Universidade de Cambrigde Ghim Wei Ho fotografou imagens de materiais, como silício, com o tamanho de um milionésimo da espessura de um fio de cabelo. A pesquisadora batizou o objeto acima de nanoárvore. PESQUISA FAPESP 101 • JULHO DE 2004 • 3
Peierecnologiaiiil FAPESP
www.revistapesquisa .fapesp .br
40
CAPA
Estudos indicam que terapia hormonal pode ser segura para tratar os sintomas da menopausa
12
ENTREVISTA
REPORTAGENS POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
24
BIOSSEGURANÇA
34
PEQUENAS EMPRESAS
PIPE, programa pioneiro de apoio à inovação, atinge a marca de 330 projetos
CIÊNCIA
46
GENÔMICA
Brasileiros criam estratégia de pesquisa genômica e completam a seqüência de 211 genes humanos
48
EPIDEMIOLOGIA
Cientistas mobilizam-se contra projeto de lei que restringe pesquisas
30 José Ellis Ripper Filho fala sobre inovação e universidade 4 • JULHO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 101
ENERGIA NUCLEAR
Marinha quer recursos para aprimorar tecnologia de enriquecimento de urânio
Identificados os roedores que disseminam o hantavírus no Distrito Federal
REPORTAGENS
52
74ANÁLISES CLÍNICAS
FÍSICA
Novos testes genéticos chegam a laboratórios especializados
Equipe de São Carlos crê ter obtido um Condensado de Base-Einstein
54
79
ECOLOGIA
AGRONOMIA
88
CULTURA
Coleção traz reviva/ de antropólogos franceses que trabalharam na América Latina
92
ARTES CÊNICAS
Florestas de terra firme e trechos alagados se comportam de modo diferente na Amazônia
58
USP 70 ANOS
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Pesquisadores brasileiros identificam plantas mutantes de café sem cafeína
80
TELECOMUNICAÇÕES
Empresa desenvolve componentes para transmissões via fibra óptica A trajetória da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
TECNOLOGIA
70
BIOTECNOLOGIA
82
NOVOS MATERIAIS
Grupo de pesquisa de São Carlos desenvolve peça-chave de laser compacto
HUMANIDADES
84
Tese analisa a relação entre passado e presente nas peças de Jorge Andrade
FICÇÃO
96
FICÇÃO
Passagem para o futuro, de Jorge Luiz Calife
SEÇÕES IMAGEM DO MÊS . ............... 3 CARTAS ....................... 6
MÍDIA
CARTA DO EDITOR ............... 9 MEMÓRIA ................... . 10 ESTRATÉGIAS ................ . 18 LABORATÓRIO ................. 36 SCIELO NOTÍCIAS .............. 64 LINHA DE PRODUÇÃO ........... 66 LIVROS ....................... 95 CLASSIFICADOS ............... 98
Bactéria produz membrana de celulose usada como curativo
Imprensa brasileira usou guerras da Ásia para falar de conflitos internos
Capa e ilustração: Hélio de Almeida Tratamento de imagem: José Roberto Medda
PESQUISA FAPESP 101 ·JULHO DE 2004 • 5
CARTAS cartas@fapesp.br
Revista no 100 Congratulações a toda a equipe da revista Pesquisa FAPESP pela edição no 100, comemorada com a belíssima edição de junho. O reconhecimento em nível nacional pelo trabalho da FAPESP em prol da ciência e tecnologia é conseqüência do empenho profícuo de divulgação iniciado em 1995, origem da atual revista Pesquisa FAPESP. A abertura para novos temas e pesquisadores que atuam fora do Estado de São Paulo só faz aumentar junto aos leitores o interesse por esta publicação.
bolsa de mestrado pela FAPESP e em 2002 uma bolsa de doutorado também pela FAPESP. Sinto que os avanços obtidos na minha carreira científica, propulsionados pelas bolsas, vêm acompanhando de alguma maneira a história da revista. F ABIO MARQ UES SIMOES DE S OUZA
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP Ribeirão Preto, SP
D ENISE Z EZELL
EMPRESA QUE APÓIA A PESQUISA BRASILEIRA
]OSlO ANTON IO BRUM
Diretor-geral da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron Campinas, SP Gostaria de dar os parabéns pela edição no 100 de Pesquisa FAPESP. A revista tem mostrado maturidade para noticiar com boa qualidade para o nosso país os avanços científicos que vêm sendo feitos não só em São Paulo, mas em todo o Brasil. Apesar do aumento no número de publicações no nosso país ainda ser modesto, certamente duplicar um número pequeno de publicações é muito mais fácil do que duplicar um número grande, já demonstram os resultados concretos do investimento da FAPESP e de outras instituições de amparo à pesquisa no desenvolvimento científico e também tecnológico do Brasil. De grande importância também é o aumento no número de patentes obtidas pelo Brasil como resultado direto do apoio da FAPESP. A revista Pesquisa FAPESP foi criada em 1995, no mesmo ano em que iniciei minha graduação na Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto em ciências biológicas. Em 1999 obtive uma bolsa de iniciação científica pela FAPESP, em 2000 uma 6 • JULHO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 101
apóia pelo menos dois projetos de pesquisa no uso de luz para o tratamento de herpes atualmente. Um deles é coordenado por Marcia Martins Marques, da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo, o outro está no Centro de Pesquisa em Optica e Fotônica. O Brasil é um dos pioneiros no uso clínico de luz para tratamento clínico do herpes labial e possui pelo menos seis empresas comercializando equipamentos para este fim.
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NOVARTIS Trop1Net.org
I pen/CNEN -SP
São Paulo, SP Meus cumprimentos pelo no 100 de Pesquisa FAPESP. A revista é hoje um orgulho de todos os pesquisadores de São Paulo. Quem a viu nascer como um folheto sentiu o seu crescimento, com certeza graças ao trabalho de toda uma equipe, entre os quais o saudoso professor Francisco Landi. Ü NDI NO C LEANTE B ATAG LI A
São Paulo, SP Quero cumprimentá-los pelo e"celente trabalho da revista. Esta destaca-se pela excelência do conteúdo e pelo cuidado gráfico da apresentação, tendo se tornado referência no campo da pesquisa em nosso país. MARIA ]OSlO R OSADO
PUC-São Paulo Coordenadora de Católicas pelo Direito de Decidir/Brasil São Paulo, SP Parabenizo a FAPESP e o corpo editorial da revista pelo importante trabalho de divulgação das atividades de pesquisa devenvolvidas. Nesse no 100 foi publicada a nota "Luz infravermelha contra o herpes': Com o intuito de divulgar o trabalho de pesquisadores brasileiros, assim como reconhecer a atividade de empresas nacionais, informo que a FAPESP
Gostaria de cumprimentar toda a equipe pelo trabalho que realiza na revista Pesquisa FAPESP. O n° 100 está primoroso não só pela qualidade do conteúdo como pela beleza visual da apresentação gráfica. Gostaria de sugerir que vocês enviassem, se não o fazem, um exemplar para as embaixadas em Brasília, pois será uma bela demonstração da capacidade nacional na área de C&T. G LACI Z ANCAN
Departamento de Bioquímica/UFPR Curitiba, PR Excelente o no 100 de Pesquisa FAPESP e apreciei particularmente a inserção de textos de ficção de vários dos nossos grandes escritores ao lado das já excelentes notícias e reportagens. Fiquei também honrado e en-
cantado em ver a imagem da bactéria Xylella, nos vasos lenhos de folha de laranjeira, reproduzida na página 75, como uma das melhores imagens publicadas em Pesquisa FAPESP e que foi por mim gerada, inclusive para ilustrar o site do programa do genoma da Xylella. E.W. KITAJIMA Esalq/USP Piracicaba, SP Acompanho de perto o trabalho de vocês desde o primeiro número no formato revista. Foi simplesmente emocionante. Trabalho com ensino e divulgação de ciências desde os bons tempos do meu curso no Instituto de Física da USP, 1964/70, com um ano de passagem pelo Instituto de Biologia, 1963. Calejado por eventos que podem ser chamados de trágicos - vi desaparecerem a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec), o Centro de Treinamento para Professores de Ciências de São Paulo (Cecisp ), o Instituto Brasileiro para a Educação, Ciência e Cultura (Ibecc) e o curso de pós-graduação em ensino de ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) -, confesso que temi pela existência de Pesquisa FAPESP a longo prazo. Que alívio. Vocês conseguiram. Dá para sentir que a publicação respira atualidade, qualidade, presença e força no meio científico e tecnológico brasileiro. Parabéns pela conquista, certamente irreversível. LUIZ ALBERTO DE LIMA NASSIF
São Paulo, SP
Ensino médio O Departamento de Ensino Médio da Secretaria de Estado da Educação do Paraná desenvolve, desde 2003, o Projeto RedeSaber, que tem por objetivo a formação continuada dos professores da rede estadual e cujas ações abrangem a formação de grupos de estudo e de listas virtuais
de discussões, a compra de títulos que compõem a biblioteca do ensino médio e do professor e a elaboração e publicação de material de conteúdos pedagógicos para os alunos de ensino médio das escolas públicas do estado. Este departamento está organizando a produção de material com subsídios para a fundamentação teórica dos professores da rede estadual envolvidos nestas ações, notadamente na elaboração de material com conteúdos das diversas disciplinas para os alunos de ensino médio das escolas públicas. Este material será, numa primeira etapa, disponibilizado na Internet e constará de um total de 10 a 15 artigos escolhidos entre aqueles publicados em cada uma das revistas de cunho acadêmico e que contemplem aspectos pedagógicos relacionados às disciplinas com tradição curricular no ensino médio. Estes artigos serão escolhidos pelos técnicos de nosso departamento. Numa segunda etapa, é possível que alguns dos artigos, selecionados de diferentes revistas e cedidos em iguais circunstâncias, integrem uma publicação, em forma de livro, que será distribuído aos professores do estado. Solicitamos, assim, a autorização para utilização de artigos de Pesquisa FAPESP. CARLOS ROBERTO VIANNA
Chefe do Depto. do Ensino Médio Curitiba, PR
Correção A legenda da foto das bactérias Xylella fastidiosa, na página 75 do no 100, refere-se ao primeiro seqüenciamento de uma bactéria que causa enfermidade em planta, e não ao primeiro seqüenciamento de uma planta no Brasil.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
PESQUISA FAPESP 101 • JULHO DE 2004 • 7
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Crédito pessoal com débito das prestações em holerite, taxas diferenciadas e prazo de até 36 meses para pagar.
Desconto de 25°/o na mensalidade do Programa de Tarifas, após o 6º mês.
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Financiamento de bens e serviços.
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CARTA DO EDITOR
Pesquisa CARLOSVOGT PRESIDENTE
A favor da mulher
PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO ViCE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORACIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO BRENTANI,VAHANAGOPYAN,Y0SHIAKINAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO E DIRETOR PRESIDENTE (INTERINO) JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO PESdUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO.WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICAC&T), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITOR ESPECIAL MARCOS P1VETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ALESSANDRA PEREIRA, ANA MARIA FERRAZ, BRAZ, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FABRÍCIO MARQUES, FRANCISCO BICUDO, JORGE LUIZ CALIFE, LAURABEATRIZ, LEDA BALBINO, MARCELO HONORIO (ON-LINE), MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, RUTH HELENA BELLINGHINI, ROBINSON BORGES COSTA, SABRINA DURAN, SAMUEL ANTENOR, SYLVIA LEITE, SÍRIO J. B. CANÇADO, THIAGO ROMERO (ON-LINE), YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MlDIA slngular@slng.com.br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br (PAULA ILIADIS) PRÉ-1MPRESSÃ0 GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, N' 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181
http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS ATRASADOS TEL. (11)3038-1438
Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
SECRETARIA DA CIÊNCIA,TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Em julho de 2002, um artigo no Journal of the American Medicai Association (Jama) teve suas conclusões reproduzidas pela imprensa de todo o mundo e deixou as mulheres perplexas - em especial as que tinham por volta de 50 anos. A revista trazia os resultados de ensaios clínicos realizados com 16.608 voluntárias saudáveis, na meia-idade, que impunham sérias restrições à terapia de reposição hormonal. A tal ponto, que os testes foram encerrados antes do término previsto. A perplexidade se deu porque o tratamento para repor hormônios que os ovários das mulheres maduras deixaram de produzir havia se tornado uma importante referência para a saúde feminina. Até a publicação da pesquisa norte-americana, acreditava-se que a reposição era uma boa maneira não só de diminuir o desconforto provocado pela chegada da menopausa, mas também de prevenir doenças cardiovasculares e mentais. O estudo publicado no Jama indicou o contrário: as mulheres que recebiam os hormônios corriam um risco maior de desenvolver câncer de mama e de ter problemas vasculares que afetam cérebro, coração e pulmões. Um horror, em suma. Dois anos e vários estudos depois, está mais claro que não há razões para preocupações excessivas. A própria equipe de norte-americanos que fez a pesquisa não descartava a reposição hormonal em casos específicos. O que houve, de fato, foi uma reação desproporcional à gravidade dos resultados. Hoje se sabe que a terapia é importante e funciona, desde que seja usada exclusivamente para amenizar os sintomas da menopausa, com acompanhamento constante e por curto tempo - e não para proteger contra doenças crônicas. A reportagem do editor assistente de Ciência Ricardo Zorzetto (página 40) mostra que o Brasil acompanha a questão de perto (há 14 milhões de mulheres candidatas à terapia no país). A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia divulgará nos próximos meses um documento para orientar a ação dos gi-
necologistas com relação à terapia. As pesquisas, naturalmente, continuam a serem feitas, aqui e no exterior. Ainda na área da saúde há outras duas reportagens importantes. O editor de Ciência Carlos Fioravanti descobriu que pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, conseguiram identificar os roedores silvestres que espalham os hantavírus e causam a epidemia recém-chegada ao Distrito Federal, após ter se instalado em dez Estados (página 48). A doença que assusta os moradores das cidades-satélites de Brasília não é, portanto, um fenômeno isolado. A outra reportagem é do repórter Samuel Antenor (página 74): trata-se de apresentar os novos testes que estão entrando no mercado, que ajudam a prevenir e tratar doenças hereditárias e no controle de infecções oportunistas. A metodologia dos exames estava, ainda há pouco, restrita à pesquisa laboratorial. Agora, a tecnologia começa a ser transferida para laboratórios especializados em exames clínicos por dois dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), financiados pela FAPESP. Por fim, esta revista não poderia deixar de acompanhar o movimento que os pesquisadores brasileiros fazem para mudar o projeto de lei que restringe a pesquisa com células-tronco e o poder da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) para decidir sobre a comercialização de organismos geneticamente modificados. A decisão está a cargo de 81 senadores que devem ratificar ou não o projeto aprovado na Câmara dos Deputados. O empenho dos cientistas não ocorre por capricho. A editora de Política Claudia Izique explica (página 24) que os estudos com células-tronco podem salvar vidas e ajudar a curar doenças crônicas. Ainda não há um tratamento que permita, por exemplo, reconstituir a medula de um paraplégico. Mas se as pesquisas forem paralisadas por força de lei, não será possível reunir conhecimento suficiente para avançar nessa linha de pesquisas no Brasil. NELDSON MARCOLIN
- EDITOR CHEFE
PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 9
MEMóRIA
Gravura de Froment, baseada em Guillon, mostra Newton (também abaixo) fazendo experiência com prisma
A luz do gênio Óptica, de Newton, completa 300 anos tão importante quando de seu lançamento NELDSON MARCOLIN
10 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQ.UISA FAPESP101
O fascínio que a luz sempre exerceu sobre o homem ganhou sua melhor tradução há 300 anos. O físico inglês Isaac Newton (1642-1727) publicou em 1704 Óptica: ou um tratado das reflexões, refrações, inflexões e cores da luz (Optiks: or, a treatise ofthe reflexions, refractions, inflexions and colours oflight, no original em inglês). O livro foi um marco divisor de águas para a óptica. "Após a sua publicação era possível encontrar uma explicação plausível para a maioria dos fenômenos ópticos e, mesmo, aprender sobre fenômenos nunca antes comentados", explica o físico Vanderlei Bagnato,
do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Newton já havia publicado em 1687 uma obra basilar para a matemática, Princípios matemáticos da filosofia natural, conhecida por seu primeiro nome em latim, Principia, cheia de fórmulas e figuras geométricas. Óptica segue um caminho diverso: foi publicado primeiro em inglês, em vez de latim, a língua culta da época, e a maior parte das figuras que aparecem são descrições de experiências e observações. Newton trata principalmente dos fenômenos da reflexão e da retração da luz,
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Printers to the Royal Society, at the Primeis Jrms in St. PaaPs Church-yard. MDCCIV*
da decomposição da luz branca no espectro ao atravessar um prisma, das cores dos corpos naturais, do arco-íris, do telescópio refletor, das cores produzidas por corpos transparentes e delgados e espessos e da difração da luz, entre outros estudos. A base da teoria de Newton era a natureza corpuscular da luz. "Sendo o fundador da mecânica moderna, era natural que ele procurasse entender os fenômenos luminosos por meio das leis da mecânica, que lida com corpúsculos de massa", diz Bagnato. Essa idéia batia de frente com a teoria do também físico e matemático holandês Christiaan Huygens (1629-1695), para quem a luz se propagava em ondas. Nenhuma das duas teorias se provou
totalmente correta, embora Huygens pareça ter chegado mais perto da verdade. As polêmicas nunca agradaram a Newton. Quando publicou seu primeiro artigo sobre luz e cores, em 1672, houve intensa controvérsia no meio científico, da qual participaram, além de Huygens, o astrônomo John Flamsteed (1646-1719) e, principalmente, o físico Robert Hooke (1635-1703). "Essa reação levou Newton a se fechar, e em trabalhos posteriores ele raramente voltou a se expor de forma tão aberta e franca como nesse primeiro artigo", conta o físico André Koch Torres Assis, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tradutor do Óptica (Edusp, 294 páginas) para o português. O livro foi
publicado 32 anos depois da polêmica, um ano após a morte de Hooke, seu principal crítico. Newton tinha então 62 anos, embora as teorias tenham sido criadas por ele aos 23 anos. "Esse livro continua tão importante hoje como quando foi publicado", acredita Assis. A questão central é o estudo da luz, mas há considerações sobre metabolismo e fisiologia, de como realizar experiências, de filosofia, do vácuo e do éter, de visão e dos sentidos, entre outros temas. "O Óptica, inclusive, deveria ser utilizado como ponto de partida para uma análise e reflexão sobre a interdisciplinaridade no ensino de física", sugere Assis. "O livro chega ao seu 300° aniversário tão sólido como quando foi concebido", concorda Bagnato. PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 11
Alternativas do
saber
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MARCOS DE OL
ma das biografias mais singulares do mundo da ciência e da tecnologia no Brasil, José Ellis Ripper Filho, 65 anos, é um empresário na área de telecomunicações, como presidente da empresa AsGa, que produz equipamentos para transmissões via fibra óptica. É para a iniciativa privada. Engenheiro eletrônico por formação, antes fessor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) quando voltou ao Brasil depois de passar alguns anos no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e como pesquisador do Laboratórios Bell (Bell Labs) da norte-americana AT&T (hoje Lucent), nos Estados Unidos. Essa experiência como pesquisador, professor, diretor de desenvolvimento de uma indústria eletrônica e, finalmente, empresário de sucesso levou Ripper a ser convidado para integrar conselhos de diversas entidades vinculadas ao setor, inclusive da Unicamp. Dono de uma visão ampla sobre alguns dos principais temas brasileiros ligados a universidade e sobretudo a produção de inovação e de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, o empresário tem opiniões que passam longe do senso comum tanto sobre a universidade brasileira quanto sobre a inovação. Nesta entrevista ele conta um pouco de suas idéias e fala de sua formação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), onde seu grupo de estudo construiu os primórdios do primeiro computador brasileiro como tarefa de final de curso.
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■ Gostaríamos de saber a sua opinião sobre a proposta dos professores José Fernando Perez e Fernando Reinach apresentada ao Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNTC), do qual o senhor faz parte, sobre desonerar as empresas que contratarem doutores como forma de incentivar a inovação empresarial. — Acho que ela é útil, mas relativamente colateral. É bom qualquer incentivo para as empresas. Mas a formação de doutor é para a pesquisa acadêmica. Na empresa se faz desenvolvimento. Isso não quer dizer que o doutor não sirva. Se ele for bom, rapidamente aprende a trabalhar de outra forma.
bilizamos P&D. Mas não é a melhor forma.
■ Na AsGa, o senhor emprega doutores? Quantos são? — Hoje são dois, já tivemos três. Mas, na verdade, as empresas brasileiras não têm porte para fazer pesquisa. Poucas empresas no mundo fazem pesquisa. Elas fazem desenvolvimento. E a maneira de fazer desenvolvimento é diferente da que se faz pesquisa. O que não quer dizer que um bom pesquisador não se adapte e seja muito útil. Mas a idéia de que é preciso doutor nas empresas não é realidade. Agora, qualquer incentivo que vier para as empresas, certamente darei todo o apoio. Eu não quero dizer que seja contra a proposta, muito pelo contrário. Ocorre que não é por falta de doutor que as empresas não estão fazendo pesquisa.
■ Mas o que fazem? Desenvolvimento? Um novo produto? — Fazem desenvolvimento, coisas que seriam consideradas como P&D, mas não interessam para as empresas. Fazem um produto novo, uma tecnologia nova de produção. Agora, existem outros problemas no Brasil: primeiro, mudanças constantes de lei, e segundo, as taxas de juro, que obrigam o empresário a ter uma visão de curto prazo. Claramente é muito difícil uma empresa, mesmo grande, chegar e dizer "eu vou fazer algo que talvez dê resultado daqui a dez anos". O que se faz nas empresas é desenvolvimento de produtos. Para isso, não é necessariamente preciso um profissional Ph.D Por exemplo, há dois anos, meu chefe da área de desenvolvimento tinha doutorado. Agora o profissional que chefia o desenvolvimento só tem graduação. E é excepcional, um dos melhores profissionais que fazem desenvolvimento no país, mas não tem um currículo acadêmico, não tem doutorado, não tem trabalho publicado.
■ Por que não fazem? — Primeiro ninguém sabe o quanto faz. Todos os números são absolutamente chutados. Não existe estatística no Brasil nessa área. Que dados existem? Levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)? Esse eu nem sei como é feito. Tem o questionário da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei) que vai para algumas empresas. O que acontece com esse questionário? Primeiro, grande parte não responde. O que acontece, por exemplo, com a AsGa? Pego esse questionário e mando para o meu contador. Se você perguntar exatamente quanto gasto em pesquisa e desenvolvimento (P&D), eu não sei. Talvez a AsGa tenha bons dados porque, como sempre trabalhamos com a Lei de Informática, conta-
■ É uma forma diferente de contabilizar? — A Lei de Informática considera que investimento em sistema de qualidade e em recursos humanos é investimento em P&D. A maioria das empresas do Brasil não tem incentivo para isso. Quer dizer, agora foi regulamentada uma lei permitindo que P&D seja considerada como despesa e possa ser descontada para efeitos contábeis. A maior parte das empresas do Brasil, mesmo as que fazem P&D, nem sabem que fazem P&D. Mas algumas, na verdade, fazem.
■ Fazer inovação nas empresas não é uma das saídas econômicas para o país? — Mas é evidente. Acho que o pessoal da universidade não entende o que é desenvolvimento industrial. Não entende e nem é para entender. Qual o produto da universidade? Gente. A pesquisa na universidade é meio, não fim. Eu diria que poucas pessoas da universidade percebem isso. Então, por que se faz pesquisa na universidade? Porque temos que formar gente que vai trabalhar a maior parte do tempo da vida com o conhecimento que não existe hoje. ■ Na área tecnológica somente? PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 13
— Em qualquer área. Até em direito. Tudo evolui. Passados 20, 30 anos, tudo muda. Por isso acho extremamente importante a pesquisa na universidade. ■ É um aprendizado do método de aprender? — Exatamente. Ao fazer os alunos participarem do processo de criação do conhecimento, a universidade faz com que esses cidadãos se imbuam do processo. O conhecimento é algo contínuo e eles vão ter de continuar nesse processo. Um exemplo disso eu tive na Unicamp, logo que voltei ao Brasil. nisso foi no início dos anos 1970, quando o senhor voltou do mestrado e do doutorado no MIT e do trabalho no Bell Labs? — Exatamente, voltei dos Estados Unidos em 1971. Logo em seguida, a Sociedade Brasileira de Física resolveu fazer um estudo sobre os físicos brasileiros e contrataram uma empresa de pesquisa de opinião. Veio uma mulher me entrevistar com um questionário padrão. Acho que fundi a cuca dela, porque havia duas perguntas seguidas. Uma, "a sua formação de graduação foi importante na sua vida profissional?". Aí existiam alternativas de resposta como "muito", "mais ou menos", e eu coloquei "muito". A seguinte pergunta era: "As disciplinas do seu curso de graduação foram importantes na sua vida profissional?". Nessa coloquei nota mínima, "não foi importante". Eu nunca estudei nenhuma disciplina da área de especialização que trabalhei. Agora, tive uma formação extremamente sólida na graduação em engenharia elétrica no ITA e na pós-graduação, no MIT. ■ Depois migrou para a física? — Na verdade eu nunca decidi ser físico. Fui trabalhar num laboratório do Bell Labs. Aí um grupo brasileiro radicado nos Estados Unidos, que estava mais ou menos ligado informalmente e tinha o Rogério [Rogério Cezar Cerqueira Leite] como uma espécie de líder, estava querendo voltar para o Brasil. mlsso começou em 1970. — Essa tentativa de voltar para o Brasil começou em 1968. Na primeira tentativa, o Rogério chega ao Rio, entusiasmado, num período de férias. "Vamos para a Universidade de Brasília", disse. Aí respondi: "Rogério, para a UnB eu não vou". 14 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
Ele perguntou: "Como não? É uma mentalidade nova, é formidável". Eu respondi: "Rogério, a UnB está muito perto da toca do leão". Passados alguns dias, o telefone toca em casa às 6 da manhã. Era o Rogério: "Já leu o jornal de hoje? Você tinha razão". [Em 1968 ocorreram invasões da polícia e uma séria crise institucional naquela universidade.] ■ Além do professor Rogério e do senhor, quem mais participava desse grupo? — Sérgio Porto, Paulo Sakanaka e o Nelson Parada. Quando voltamos, começamos a atrair muito mais gente do que esse núcleo original. ■ Por que decidiram voltar? — Já me fiz várias vezes essa pergunta e tenho uma resposta que é muito fácil fazer a posteriori, como tudo na vida. Existe uma expressão americana que fala de um grande peixe num lago pequeno, um pequeno peixe em um grande lago. Eu estava no Bell Labs na época - e só no prédio em que eu trabalhava, que não era o mesmo do Rogério, tinha 1.500 Ph.Ds. ■ O senhor era só mais um. — Se mais um Prêmio Nobel saísse do Bell não faria a menor diferença. Eu pensei: "O dia que eu sair, a sensação que tenho é que a faxineira vai perceber que a lata de lixo está vazia". Acho que o Brasil oferecia, como certamente ofereceu, uma oportunidade de fazer a diferença. Não sei se foi bom ou ruim, mas muita coisa não teria acontecido se eu não tivesse feito pessoalmente, se o Rogério não tivesse feito pessoalmente... Não que fôssemos menos ou mais importantes, é porque não existiam outros. Isso nos deu uma motivação profissional muito grande.
nha três títulos. O primeiro era: "Como tomar decisões certas pelas razões erradas". O segundo: "Como deixar que a vida tome decisões por você". E o terceiro: "Como virar empresário por acaso". Analisando as principais decisões profissionais que tomei na minha vida, elas deram certo não pelas razões pelas quais tomei a decisão. Menos de um ano antes de entrar no ITA eu nunca tinha ouvido falar do ITA. ■ O senhor morava no Rio de Janeiro? — Morava no Rio. Acho que a principal razão pela qual fui para o ITA é que eu queria sair de casa, queria ser independente. Mas isso olhando a posteriori. Escolhi eletrônica porque não queria aeronáutica, as duas únicas opções naquela época. Certamente foi uma das decisões mais importantes da minha vida. A formação do ITA, e principalmente a formação antes do movimento de 1964, era na verdade uma escola de lideranças. Depois, a instituição virou uma boa escola de engenharia porque tinha bons alunos, independentemente dos professores. ■ Depois de 1968 houve uma mudança de professores lá também? — Em 1964 coincidiu com a saída do marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho [idealizaâor do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e do ITA] que estava em via de se aposentar. O brigadeiro que chegou considerou aquele sistema uma loucura e entrou em conflito com os professores. Então, os de nível mais alto saíram. Em seis meses, de 25 saíram 22. E nunca o instituto se recuperou. O ITA ganhou fama porque possui alunos excepcionais, que ficam trancados por cinco anos, num regime puxado de estudos. Mas o que faz uma boa escola é aluno, professor é perturbação.
■ Como foi o começo na Unicamp? — Comecei a analisar e cheguei à conclusão de que eu fazia mais física que engenharia e resolvi vir para o Instituto de Física. Mas nunca tomei a decisão "vou ser físico". Se eu não viesse para a Unicamp talvez nunca assumisse a posição de físico.
■ Não é o contrário? — Não, é verdade. Essa é uma opinião que choca todo mundo. Eu considero que a coisa mais importante da minha formação profissional se chama Centro Acadêmico Santos Dumont. Mais importante que o doutorado no MIT
■ Quando o senhor entrou no ITA, tinha idéia de ser professor, empresário? — Não tinha muita, não. Pouco tempo atrás dei uma palestra lá no ITA, num seminário sobre inovação. A palestra ti-
■ Por quê? — Porque o centro acadêmico no ITA — e isso foi destruído pela revolução de 1964 - era o coração da instituição. Quando cheguei lá perguntei: "Onde
precisa de gente?". Disseram: "Lá na rádio". Os alunos haviam inventado e montado uma rádio, construindo boa parte dos equipamentos. Eles me colocaram para visitar as gravadoras pedindo doação de discos em troca de tocá-los na rádio. Eu tinha acabado de fazer 18 anos e fui para São Paulo, de gravadora em gravadora, conseguir doação de disco. Mais tarde fui presidente da Atlética e tive de gerenciar um orçamento. Precisava tomar cuidado porque aquilo era dinheiro público, tinha de fazer concorrência etc. Acho que essa experiência foi mais importante até do que o próprio curso. ■ Era uma questão de processo criativo também? — Tinha o processo criativo e o cultural. Toda segunda-feira nós tínhamos uma peça de teatro ou um concerto de primeiro nível. Isso é importante no começo da vida dos alunos. Além disso, existia o curso puxado. A nota mínima de aprovação era 6,5, entre 5 e 6,5 em qualquer matéria você ia para a segunda época, abaixo de 5 era desligado. Essa segunda parte se manteve. Com a fama que o ITA adquiriu, fazendo vestibular nacionalmente, ele começou a atrair os melhores alunos do Brasil e continua uma excelente escola apesar de não ter bons professores. Não dá para comparar o corpo docente do ITA com uma Unicamp ou com uma USP. ■ Eles sabem dessa sua opinião? — Sabem. Eu já disse isso lá. Nunca disse isso para falar mal dos professores, sempre disse que o papel do ITA era o dos alunos. Inclusive esse tipo de análise está ligado a meu trabalho na Unicamp, onde hoje estou no Conselho Universitário. Aliás, tenho uma profissão e um hobby. Meu hobby é ser presidente da AsGa, minha profissão é ser conselheiro de conselhos não remunerados. Estou na Unicamp, no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), no Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra), no conselho consultivo da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e no conselho científico do Instituto Uniemp. Até há um mês estava na
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). ■ O senhor disse que o grupo que estava nos Estados Unidos veio para a Unicamp. Como isso foi feito? — Tudo estava na cabeça do Zeferino [Zeferino Vaz, criador da Unicamp]. Ele, no início, teve dificuldades em atrair pessoas de primeiro nível para a Unicamp. Estava tudo mais ou menos certo para a gente ir para a USP, mas aí começaram resistências lá dentro e nós viemos para a Unicamp. O Zeferino percebeu que a vinda de um grupo de alto nível ajudaria a atrair gente de outras áreas. Mas ele já tinha também a idéia da universidade como centro de um pólo para a cidade de Campinas e isso nos entusiasmou. Ele nos ajudou e lembro que, alguns anos mais tarde, quando eu era diretor do departamento de física, soube que em Brasília estavam analisando a decisão do local para a instalação do CPqD e que Campinas estava em segundo lugar na lista. ■ Qual era o primeiro? — Era São José dos Campos. Aí eu fui para o Zeferino e disse: "Está acontecendo isso e o senhor precisa entrar na jogada, está na hora de conversar com o José Antônio de Alencastro e Silva", que era o presidente da Telebrás. Na mesma hora ele ligou para o Alencastro, convidando-o para uma visita à Unicamp. O Alencastro chegou e entrou para uma conversa com o Zeferino. Quando ele saiu de lá, o CPqD era de Campinas. ■ A Unicamp já tinha esse relacionamento com a Telebrás? — Não, não existia. A Telebrás resolveu entrar depois. O primeiro presidente da Telebrás, o Euclides Quandt de Oli-
veira, que depois foi ministro, quando da criação dessa estatal, no finzinho de 1972, percebeu que se ele criasse imediatamente o CPqD (fundado em 1976) não daria certo. Quem fazia pesquisa em telecomunicações era a universidade, e como ele não poderia matar a galinha dos ovos de ouro... Então a Telebrás adiou a criação desse centro, e o dinheiro que ela gastaria foi investido em projetos nas universidades para criar massa crítica. E um dos primeiros projetos aprovados foi com a Unicamp, no grupo que eu dirigia, para o desenvolvimento de comunicação via fibra óptica. Anos depois encontrei com o Quandt de Oliveira num aeroporto. Ele estava aposentado, e aí aproveitei e perguntei: "Ministro, quando o senhor aprovou aquele projeto, imaginava que a fibra óptica fosse tão importante quanto é hoje?" Ele disse: "Não, eu achava aquilo uma loucura completa". "Então por que o senhor aprovou esse projeto?" Ele respondeu: "Disseram que o senhor ia formar gente boa, isso é o que interessava". ■ Quando vocês fizeram o Zezinho, o primeiro projeto de computador no Brasil? — Isso foi em 1961. No ITA, o aluno precisa fazer um trabalho no último ano, que pode ser em grupo. Nas férias do quarto para o quinto ano fiz uma viagem à Europa com quatro colegas e dois professores do ITA. Estava na França, visitando algumas instituições, entre elas a estatal Companie des Machines Buli que o governo francês tinha criado. Lá eles nos apresentaram alguns computadores. "Se os franceses podem fazer, por que a gente não pode? Vamos fazer um computador", dissemos logo depois. Quando começamos a trabalhar ficou óbvio que não conseguiríamos nem recurso nem tempo para faPESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 15
zer a nossa idéia original, algo que pudesse ser industrializado depois. Mudamos o foco do projeto para fazer algo para uso em laboratório. Na época não existia software e a única solução foi fazer um programa muito simples. Ele apenas somava, subtraía, coisas que hoje uma maquininha de calcular das mais simples faz com uma capacidade mil vezes maior. ■ Quem estava nesse grupo? — Alfred Voeffher, André Massareli e Fernando Vieira de Souza. Aí vocês poderiam perguntar "qual foi a repercussão?". Nenhuma! Ninguém pensou naquilo, nenhum de nós tinha a idéia de que aquilo fosse algo pioneiro. ■ Diferente do Patinho Feio (considerado o primeiro computador brasileiro, finalizado na USP em 1972)? — Sim, mas o Patinho Feio foi feito em outro esquema, quase uma década depois, com a consciência de investimento nessa área. Além de mais recursos, já estava inserido num processo. Não era um trabalho de curso. ■ Por que o nome Zezinho? — Nunca foi o nome formal. Era o nome carinhoso. Nem pensávamos em siglas ou números. Era um computador didático, transistorizado. Quando chegou o final do ano, virou ponto de honra deixá-lo funcionando. Trabalhamos nos fins de semana, no Natal e até depois da formatura. Parece que dois anos depois um outro aluno - eu já estava nos Estados Unidos - pegou o Zezinho como trabalho individual para fazer uma série de melhorias, mas depois acho que ele foi canibalizado. ■ Como o senhor foi para o MIT? — Eu ganhei uma bolsa da fundação da GE (General Electric). A fundação da GE dava dez bolsas para dez países. Nunca estudei tanto como naquela época nos Estados Unidos. Como passei a me sair bem nos estudos, começaram a me pressionar para fazer doutorado. Envolvido por aquele ambiente, liguei para minha mulher, em novembro, e propus: "Topa casar no Natal?". Depois escrevi para minha mãe, dizendo que se ela me desse de presente de casamento uma passagem eu casava no Brasil, senão casava por procuração. Na volta, consegui uma bolsa do CNPq e 16 ■ JULHO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP 101
fiquei até o doutorado. Acho que eu deveria estar no Guinness. Fiz mestrado e doutorado em quatro anos. Comecei solteiro e terminei com três filhos. Depois fui trabalhar no Bell Labs, onde fiquei cinco anos. ■ Foi aí que conheceu a fibra óptica? — Exatamente. Em 1970 ocorreram dois desenvolvimentos fundamentais: o primeiro, o grupo da Bell de que eu participava conseguiu fazer um laser semicondutor que funcionou à temperatura ambiente. Antes, para ele funcionar era preciso refrigerá-lo a baixa temperatura. Isso não era prático. E o segundo, a empresa Corning Glass anunciou a primeira fibra óptica produzida em laboratório. Para a gente, que trabalhava na área, se tornou óbvio que esse sistema iria ser dominante. Mas isso levaria ainda muito tempo para ser economicamente importante. Depois que voltei ao Brasil comecei a vender a idéia de iniciar um programa nessa área para chegarmos junto dos outros porque tínhamos tempo e poderíamos formar gente. ■ Quer dizer: o desenvolvimento aqui no Brasil foi muito menos atrasado nessa área do que normalmente acontece? — O nosso laboratório na Unicamp foi o terceiro do mundo a fazer a segunda geração desse tipo de laser, antes do Bell Labs. Bom, por que fizeram antes, seria o caso de perguntar. Se eu quero falar de gozação, digo "eu tinha dois alunos que não sabiam que era difícil". ■ Mas, na realidade, como isso acontece? — Como o produto da universidade é gente, ela tem uma grande vantagem: abandonar um projeto praticamente sem trauma. O mesmo não acontece num centro de pesquisa de uma empresa, por exemplo, onde para começar um projeto é preciso muitas decisões e pará-lo torna-se um processo traumático. ■ Como o senhor largou a universidade e se tornou empresário? — Essa é das muitas decisões certas tomadas pelos motivos errados. Na época que começou a Lei de Informática, a Secretaria Especial de Informática (SEI) contratou a Unicamp para criar o Instituto de Microeletrônica, e eu iria dirigilo. Então comecei a me afastar aos poucos do meu laboratório na Unicamp.
Quando finalmente o projeto foi aprovado, ocorreram injunções políticas e resolveram nomear outra pessoa para a direção. Aí me vi com a brocha na mão. Psicologicamente, eu já tinha saído da universidade e era muito difícil voltar a ter motivação, além de ter passado a chefia para outro colega. Nesse caso, tinha de decidir se mudava de profissão ou mudava de país. Com a família radicada aqui, resolvi mudar de profissão. ■ Começou por onde? — A minha idéia era ir para a área de microeletrônica. Eu estava nesse processo quando o presidente da Elebra me convidou para dirigir a área de desenvolvimento da empresa. Porém disse a ele que não entendia mais nada de eletrônica, nem de computador e nada de desenvolvimento industrial. O mais perto que já estive da indústria foi o Bell Labs, que não é tão perto assim. Aí a resposta dele me entusiasmou: "Sabemos disso. Chegamos à conclusão de que desenvolvimento como nós queremos fazer nunca ninguém fez no Brasil. E se trouxermos alguém de fora para trabalhar aqui, ele também não vai entender". Eu disse que, se o conceito era esse, então aceitava. ■ Isso foi em 1983. A Elebra produzia o que nessa época? — Equipamentos de telecomunicações e periféricos de computadores, impressoras, discos. Fui contratado para desenvolver outros equipamentos de telecomunicações, de transmissão etc. Depois a empresa foi reorganizada como uma holding com várias subsidiárias, inclusive uma empresa de componentes, a Elebra Microeletrônica, da qual passei a ser presidente, além de diretor de tecnologia da holding. Mas no fim do Plano Cruzado a Elebra estava muito endividada. Eles resolveram se desfazer da área de microeletrônica e me perguntaram se eu acreditava no projeto. Disse que sim e eles pediram para eu arranjar sócios. Depois de muito bater pernas, fui ao casamento de uma filha de um colega em São Paulo. Lá encontrei outros colegas de turma do tempo do ITA, começamos a beber e, depois de contar minha trajetória, um deles virou para mim e disse: "Quanto dinheiro você precisa?" Eu respondi que, se não tivesse no mínimo US$ 1 milhão, não daria para conversar. Isso
já era fim dos anos 1980. Aí ele falou: "Você não quer negociar comigo?". Foi assim que nasceu a AsGa. ■ Quem era o sócio? — João MacDowell. Ele tinha uma indústria de autopeças. Uma tia minha resolveu fazer um adiantamento de uma herança e nós pudemos fazer a AsGa. Ele foi muito importante não só pelos recursos, mas porque tinha experiência em tocar uma empresa. Depois, mais tarde, resolveu vender a parte dele no negócio. ■ A AsGa nasceu para fazer o quê? — Para fazer componentes, lasers e detectores. São coisas que vão na ponta da fibra óptica. O nome AsGa vem de arseneto de gálio, um composto usado como matéria-prima de semicondutores e de lasers. Na época, o nosso sonho era evoluir para fazer semicondutores. Mais tarde, durante o Plano Collor, o governo acabou com o mercado de componentes no Brasil. Quiseram acabar com a reserva e acabaram com o mercado. Porque nós não perdemos para o componente importado, nós perdemos para o equipamento importado. Ficou mais barato importar um kit para montar o equipamento aqui. Então começamos a migrar para fazer equipamento. ■ Como foi a mudança? — Quase falimos, mas estávamos com um projeto no BNDES que foi aprovado. Investiram US$ 1 milhão na AsGa. Metade em ações e metade em empréstimo. E aí conseguimos sobreviver e crescer outra vez com base nos multiplexadores, que fazem a transmissão de vários sinais elétricos ou de luz ao mesmo tempo. ■ Vocês quase atingiram os R$ 100 milhões de faturamento. — Com a regra de metas que fez as empresas de telecomunicações anteciparem os investimentos, aconteceu uma bolha muito grande entre o meio de 2000 e o de 2001. Todo mundo sabia que aquilo era uma bolha, só que a queda foi muito mais violenta do que se esperava quando ela estourou, porque o mercado de telecomunicações no mundo estava desabando, e isso criou uma
crise mais profunda. Caímos de R$ 90 milhões de faturamento, em 2001, para R$ 27 milhões em 2002, valor repetido em 2003. Mas dessa vez estávamos muito mais preparados. ■ E a questão da Lei de Inovação, do famoso pressuposto que um professor da universidade vai poder sair e montar sua empresa, trabalhar na indústria e continuar com um certo vínculo na universidade. O que o senhor acha disso? — Eu acho que a Lei de Inovação, além de trazer várias coisas muito boas, pode corrigir outras. Por exemplo, hoje um órgão do governo brasileiro não pode contratar uma empresa para desenvolver um produto. Porque pela lei atual o governo só pode emprestar dinheiro para as empresas, não pode fazer mais nada. Se, por exemplo, o governo quiser ter um produto que a AsGa vai ter de desenvolver, ele não pode me contratar para fazer esse desenvolvimento. Nenhuma Embraer seria possível hoje. mÉ o tal chamado poder de compra do governo? — Não, não é de compra, é de desenvolvimento. Nos Estados Unidos, o governo gasta, contratando desenvolvimento em empresas, duas vezes o que gasta em pesquisa na universidade. Esse é o principal instrumento de desenvolvimento dos países desenvolvidos e é permitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). ■ E o trabalho do professor? — Em todos os países do mundo, dar consultoria é parte do trabalho do professor. A consultoria é a maneira de a universidade entender a sociedade para a qual ela forma gente. Manter os professores trancados na universidade não
adianta. Quando estava na Unicamp, vocês sabem quais eram os professores mais bem remunerados? Os do departamento de música. ■ Porque tocavam por aí? — Porque na legislação da época a única coisa que se podia ganhar fora era direito autoral. Só que ela aceitava o cachê como um direito autoral. Então o músico ganhava a mesma coisa que eu ganhava como professor, além do cachê. Você vai querer que um aluno de música siga os ensinamentos de quem nunca se apresentou em um concerto na vida? Não defendo o caso do professor que trabalha meio período na universidade e meio fora. Isso não é bom. Ele está mais num e menos no outro. Mas, se ele for para fora e não der certo, volta com um aumento de conhecimento. Nos Estados Unidos, você não pode cobrar menos de xis por hora para não desmoralizar a universidade. ■ O senhor tem se manifestado contrário à expressão "fundo perdido". Por quê? — Odeio esse termo. Se você dá dinheiro para a universidade fazer pesquisa, para o bem público, não pode ser fundo perdido. É um investimento. Nos Estados Unidos, qualquer agência do governo que faz contrato com uma grande empresa tem que reservar, acho que é 2% ou 2,5% do seu orçamento, para micro e pequenas empresas. Se a Nasa contrata uma grande empresa para fazer um ônibus espacial, ela tem que arranjar contratos em pequenas empresas de 2,5% do custo daquele veículo. Não é financiamento, é contrato de desenvolvimento. E não é um dinheiro que é dado, é preciso apresentar resultados. Isso vale para a universidade e vale para a empresa. •
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I POLíTICA
CIENTIFICA E TECNOLóGICA
ESTRATéGIAS
MUNDO
0 Japão tenta compreender o genoma projeto. O CCG vai liderar o esforço, mas o governo japonês mobilizará especialistas de todo o país. Takehiko Sasazuki, do Centro Médico Internacional do Japão, em Tóquio, e presidente do comitê recém-formado, acredita que a escala gigantesca da empreitada garantirá seu sucesso. "Ao reunir essa quantidade de dados, deveremos descobrir e identificar fenômenos desconhecidos", diz. Dentro de um ano, quando estiver delineada a Rede Genoma, poderá ser aberta a participação de centros de outros países (Nature, 27 de maio). •
O Japão acaba de criar a Rede Genoma, uma iniciativa de cinco anos e investimentos de US$ 130 milhões que busca dar prosseguimento ao Projeto Genoma Humano. O objetivo é esquadrinhar o lado prático do DNA humano: a interação entre os genes e as proteínas conhecidas como fatores de transcrição, encarregadas de dar expressão às informações genéticas. "Vamos analisar dados de 30 mil genes", diz o pesquisador Yoshihide Hayashizaki, do Centro de Ciências Genômicas (CCG) de Yokohama e membro do comitê do
■ Acesso gratuito às pesquisas do CERN
■ Libertem os pesquisadores
O Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (CERN), de Genebra, um dos principais laboratórios de física do mundo, divulgou declaração comprometendo-se a divulgar suas pesquisas na Internet gratuitamente. Com isso, o centro ingressa no time das 38 instituições dispostas a disseminar sem restrições o conhecimento que produzem. Entre elas, há vários laboratórios alemães e a CNRS, o centro nacional de pesquisas francês. O CERN já franqueava suas pesquisas a internautas, mas, como disse o diretor do Instituto Max Planck, Jürgen Renn, que integra o grupo das 38, o apoio formal é um reforço significativo para a causa (Nature, 20 de maio). •
Biólogos iniciaram uma campanha internacional pela libertação de dois pesquisadores e um guia seqüestrados por guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs). Os três foram capturados quando par-
18 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
ticipavam de uma pesquisa ambiental no nordeste da Colômbia. A equipe, formada pelo ornitólogo Diego Calderón, da Universidade de Antioquia, em Medellín, pelo botânico Hermes Cuadros, da Universidade do Atlântico, em Barranquilla, e pelo guia José Saurith, de Manaure, chegou às monta-
nhas próximas à fronteira venezuelana no começo de abril. Segundo o biólogo Andrés Cuervo, da Universidade de Porto Rico em San Juan, os pesquisadores sabiam de rumores sobre a presença de guerrilheiros na região. A captura ocorreu no dia 17 de abril. Calderón, um dos fundadores da Associação Ornitológica da Colômbia, é pesquisador de renome internacional. Ele sofre de diabetes e é dependente de injeções de insulina duas vezes ao dia. Cuadros é especialista na flora colombiana e foi diretor do Jardim Botânico de Cartagena. Mensagens de instituições e pesquisadores de todos os cantos do mundo inundaram o web site das Farcs, condenando o seqüestro e pedindo a libertação imediata {Science, 28 de maio). •
■ O tigre prepara o salto da ciência Está na berlinda a ciência produzida num dos mais vigorosos tigres da Ásia, a Coréia do Sul. As queixas vêm de vários setores e envolvem desde a mediocridade da maioria das instituições de ensino até o excesso de burocracia governamental. Em maio, em seu primeiro discurso público desde que escapou de uma tentativa de impeachment, o presidente Roh Moo-hyun destacou a importância da inovação tecnológica na economia coreana e disse que a ciência é um dos setores que mais precisam de ajuda. Temas como a reforma educacional e o aumento de verbas para pesquisa estão na agenda do presidente. Koo Bom-jae, assessor científico do ministério, informou que o esforço do governo vai concentrar-se na biotecnologia e na nanotecnologia. Segundo o presidente da Academia Coreana de Ciência e Tecnologia, Chung Kun-mo, o objetivo é criar uma cultura científica moderna, "que não siga os outros, mas se aventure em novas áreas". Atingir esse patamar não será fácil. Embora o país apresente grande porcentagem de graduados em ciências e engenharia, ainda falta qualidade, alega Park Chanmo, presidente da Pohang Universidade de Ciência e Tecnologia, uma das principais instituições de ensino científico do país. Das cerca de 200 universidades, observa Chan-mo, apenas sete fazem, de fato, pesquisa. Para combater o problema, o governo vai dobrar as verbas para bolsas este ano, chegando a US$ 46 milhões. Num esforço para desfazer a imagem de que a carreira científi-
ca é mal paga e de pouco prestígio, serão oferecidas oportunidades de emprego para cientistas no governo. E as empresas receberão estímulos para contratar pesquisadores. Outra decisão política: o ministro da Ciência, Oh Myung, se tornará um dos três vice-primeirosministros, ampliando sua influência no governo {Science, 28 de maio). •
■ Ética abandonada no orfanato A denúncia de que pesquisadores britânicos agiram de modo antiético numa pesquisa envolvendo crianças de um orfanato em Nairóbi, Quênia, mobiliza o país africano. No dia 23 de maio, o jornal Sunday Nation, de Nairóbi, publicou reportagem denunciando irregularidades no uso das crianças em experimentos sobre Aids. O orfanato Nyumbani tem atraído a atenção da comunidade científica internacional porque muitas das crianças que vivem ali, embora sofram de Aids, parecem controlar a infecção sem medicamentos, sobrevivendo além das expectativas normais e com o sistema imunológico preservado. Na reportagem, o pesquisador da Universidade de Cambridge Eric Miller é acusado de ter conduzido um estudo no orfanato, em abril, sem ter autorização do governo. O jornal faz outra denúncia: um grupo da Universidade de Oxford que visitou o centro em 2001 teria enviado para o exterior amostras de sangue das crianças sem pedir permissão. O Conselho Nacional para Ciência e Tecnologia do Quênia está investigando o caso. O advogado do orfanato, Ababu Namwamba, diz que elas não fazem sentido e
têm origem em um ex-funcionário descontente com a demissão ocorrida em 2001. Numa declaração preparada por Namwamba, ele afirma que Miller não fez pesquisa alguma, apenas visitou a instituição com vistas a um futuro trabalho sobre o impacto de suplementos alimentares no avanço do HIV. Os pesquisadores de Oxford, que produziram dois trabalhos científicos sobre as crianças de Nyumbani, garantem que foram autorizados a realizar o estudo {Nature, 2 de junho). •
■ As idéias do ministro indiano O novo governo da índia escolheu o advogado formado em Harvard Kapil Sibal para assumir o Ministério da Ciência. Não terá os poderes do antecessor, Murli Manohar Joshi, e precisará de aprovação do gabinete para tomar certas decisões. Segundo o secretário de Ciência, Valangiman Ramamurthi, isso não significa que o primeiro-ministro, Manmohan Singh, esteja desprestigiando a área científica. A escolha de Sibal foi bem recebida pela comunidade acadêmica, apesar da inexperiência do advogado no setor que vai comandar. O ministro anunciou que irá simplificar as leis de biotecnologia e combater a fuga de cérebros do país. Também disse que o programa para enviar uma missão tripulada à Lua até 2015 não será tratado como prioridade. Ele informou que prefere utilizar a tecnologia espacial para identificar, com ajuda de satélites, locais para instalar depósitos de lixo, um enorme problema para um país com mais de 1 bilhão de habitantes {Nature, 3 de junho). •
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ESTRATéGIAS
MUNDO
■ Em inglês, para todo mundo ler Divulgar a própria produção científica numa revista de padrão internacional, editada em inglês, pode fazer toda a diferença. Depois de constatar a pouca visibilidade que os trabalhos científicos mexicanos apresentavam fora do país, os responsáveis pela publicação Archivos de Investigación Médica decidiram dar um salto de qualidade. Por meio de uma joint venture com a norte-americana Elsevier Science, a revista se transformou em Archives of Medicai Research. A produção é totalmente feita no México e a publicação, na Filadélfia, está a cargo da Elsevier. De acordo com o editor-chefe da revista, Luis Benítez-Bribiesca, o resultado da empreitada tem sido gratificante. Os cientistas mexicanos, que antes procuravam publicações internacionais para publicar seus trabalhos, agora disputam o espaço da revista do
país. Hoje, 35% do material científico vem de 30 países. A visibilidade da publicação, diz Bribiesca, triplicou e os leitores on-line aumentaram de modo estrondoso: em 2001, os textos requisitados via Internet foram 9.872; em 2003 saltaram para 53.453. Na avaliação do editor-chefe, a experiência mexicana é um exemplo a ser seguido por países que queiram dar visibilidade à produção científica. O segredo, diz, está no padrão de qualidade (SciDev.Net, 11 de junho). •
■ A eficiência custa mais caro O Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária aprovou uma radical reorientação em sua estratégia de combate à malária na África. A partir de agora, só receberão ajuda projetos que contemplem o tratamento contra a malária à base de artemisina, droga fabricada a partir de uma erva chinesa que cura 90% dos pacientes em apenas 90 dias. O problema é que a droga chinesa
é cara. Chega a custar US$ 2 por paciente adulto, ante apenas US$ 0,10 da cloroquina, remédio tradicional e cada vez menos eficiente. Já há cepas do Plamodium falciparum resistentes ao medicamento. Desde 2002, a Organização Mundial de Saúde (OMS) passou a recomendar a artemisina no combate à malária na África, mas pouquíssimos países a adotaram. Espera-se que a pressão feita pelo fundo ajude a mudar esse panorama. Noventa por cento das mortes de malária no mundo concentram-se na África {Nature, 10 de junho). No Brasil, pesquisadores financiados pela FAPESP foram buscar no conhecimento popular sobre a flora da Amazônia alternativas à ineficiente cloroquina e à cara artemisina. Já foram identificadas diversas plantas, utilizadas por vítimas da malária que habitam a calha do Solimões. Elas serão analisadas na procura por novas drogas (Pesquisa FAPESP, junho, n° 100). •
Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
www.propesq.ufpe.br/tropicaLoceanography Páginas de divulgação com artigos sobre oceanografia, com resumos e artigos completo
20 ■ JULHO DE 2004 ■ PES0UISA FAPESP 101
www.library.yale.edu/orbis/worldwidecats.html Uma interessante lista de links para catálogos de algumas das principais bibliotecas do mundo.
www.cpqba.unicamp.br/plmed/ Informações sobre plantas medicinais, com coleções, publicações, notícias e cursos.
ESTRATéGIAS
BRASIL
Premiados em cultura e divulgação científica O antropólogo Eduardo Batalha Viveiros de Castro e o físico Vanderlei Salvador Bagnato venceram dois dos prêmios mais prestigiados da comunidade acadêmica brasileira: respectivamente, o Erico Vannucci Mendes, para contribuições ao estudo da cultura nacional, e o José Reis de Divulgação Científica, ambos concedidos pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Viveiros de Castro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi escolhido pelo conjunto de estudos sobre a comunidade indígena, em especial os arawetés, do Pará. "Fico con-
■ 0 inventário dos bichos de Tucuruí Inaugurada em 1984 com 12 turbinas, a hidrelétrica de Tucuruí, no sul do Pará, passa por obras de expansão e terá 23 unidades geradoras até 2006. Para adequar-se à atual legislação ambiental, muito mais severa que a do início dos anos 1980, a Eletronorte en-
Viveiros de Castro estudou os índios arawetés
Bagnato ajuda a popularizar a física
tente porque foi o CNPq que financiou minha vida acadêmica e também porque, no passado, quem ajudou a conceber esse prêmio foi o grande mestre Roberto Cardoso de Oliveira", diz. Vanderlei Bagnato, pro-
fessor do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), ganhou o Prêmio José Reis de Divulgação Científica em reconhecimento a projetos de popularização do ensino da física, que vão
comendou uma grande pesquisa sobre a fauna na área de influência do reservatório, no sul do Estado do Pará. Serão investidos R$ 1,6 milhão nos próximos três anos. O trabalho teve início em junho e fará um inventário de mamíferos, aves, anfíbios e répteis que habitam o entorno da usina. É liderado pelo zoólogo Ulisses Galatti, do Museu
desde vídeos e CD-ROMs de cursos de física básica para universitários a programas em linguagem simples voltados para alunos do ensino médio e fundamental. Doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos Estados Unidos, Bagnato voltou ao Brasil no final dos anos 1980, já com a intenção de desenvolver projetos na área de divulgação científica, e assumiu a coordenação da Revista Brasileira de Ensino de Física. Bagnato coordena o Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados no ano 2000 pela FAPESP. .
olha para o futuro. "O objetivo é criar estratégias de conservação e avaliar o impacto da ação do homem, pois há áreas de caça e extrativismo nas redondezas", diz Ulisses Galatti. O estudo se somará a outros esforços, como os trabalhos sobre os primatas na região, feitos pela UFPA, e os trabalhos na área de botânica. •
Paraense Emílio Goeldi, em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA). O ponto de partida são os registros de animais resgatados em dois momentos - a inundação do reservatório, em 1985, e a recente elevação do nível de água de 72 metros para 74 metros, na expansão da hidrelétrica, que criou novas ilhas no lago. O trabalho
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■ Reconhecimento de território A missão militar brasileira que comanda as Forças de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti tem em mãos um retrato atualíssimo e detalhado da topografia do conflagrado país caribenho. A Embrapa Monitoramento de Satélites, de Campinas, preparou um conjunto de imagens que exibem os acidentes geográficos e a infra-estrutura do país e ajudam a orientar o patrulhamento. Os mapas utilizam dados e fotos colhidos por satélites e pela missão orbital Shuttle Radar Topography Mission (SRTM). Oferecem visões gerais do Haiti, com 15 metros de detalhe. "As imagens são um instrumento valioso de logística, pois não há cartografia do Haiti", diz Evaristo de Miranda, da Embrapa. •
■ 0 valor da pesquisa em cerâmica Edgar Dutra Zanotto, professor titular do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) foi eleito membro da Academia Internacional de Cerâmica. Entidade sem fins lucrativos, a academia foi formada em 1988. A escolha dos membros se baseia na vida acadêmica do candidato: pesqui-
motivos políticos. O episódio, conhecido como "o massacre de Manguinhos", foi relatado num livro escrito por Lent em 1978. Em agosto de 1985, foi o único dos cassados a não aceitar a reintegração no instituto. •
■ A física perde José Roberto Leite
Visão do aeroporto de Porto Príncipe, na foto de satélite sas, publicações, participação em reuniões e congressos. "Recebi a eleição com alegria, porque é dificílimo ser admitido", diz Zanotto. •
■ À memória de Francisco Landi O Fórum Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa tem novo presidente. É Jorge Bounassar Filho, diretor presidente da Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. Bounassar substitui Francisco Romeu Landi, diretor presidente do Conselho TécnicoAdministrativo da FAPESP, morto em abril. Numa homenagem, a entidade alterou seu nome. Passou a chamarse Fórum Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa Professor Francisco Romeu Landi. A eleição ocorreu no dia 15, em Salvador. •
■ Lembranças do massacre Herman Lent, um dos maiores especialistas brasileiros em insetos vetores da doença de Chagas, morreu no Rio de Janeiro, no dia 7 de junho, aos 93 anos. Em parceria com Peter Wygodzinsky, escreveu o livro mais completo sobre o assunto: Revision ofthe Triatominae (Hemiptera, Reduviidae) and their significance as vector ofChagas's disease. Formado em medicina pela Universidade do Brasil, ingressou na década de 1930 no Instituto Oswaldo Cruz, onde desempenhou as funções de pesquisador, professor, chefe da Seção de Entomologia e da Divisão de Zoologia. Publicou mais de 240 trabalhos científicos. Em 2 de abril de 1970, Lent e outros nove pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz foram cassados pelo Ato Institucional 5, por
José Roberto Leite, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e dirigente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), morreu aos 62 anos, em São Paulo, no dia 11 de junho, vítima de infarto. Iniciou a vida acadêmica em 1968 como professor assistente na USP, doutorando-se em ciências físicas em 1971. Em 1974 fez pós-doutorado no San José IBM Research Laboratory, nos Estados Unidos, na área de física da matéria condensada. Participou da formação do grupo teórico de estrutura eletrônica do Instituto de Física da USP e do grupo experimental no instituto na área de nanoestruturas semicondutoras. Professor titular desde 1986, foi chefe do Departamento de Física dos Materiais e Mecânica e chefe do Laboratório de Novos Materiais Semicondutores (LNMS). Desde 2003 era diretor de Programas Horizontais e Instrumentais do CNPq. •
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA BIOSSEGURANÇA
Campanha pelo,
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conhecimento Pesquisadores mobilizam-se contra projeto de lei que restringe pesquisa com células-tronco e poder da CTN Bio CLAUDIA IZIQUE
Cientistas de todo o país estão mobilizados em defesa das pesquisas com células-tronco embrionárias que, apostam, têm potencial para salvar milhões de vidas. Eles também não têm dúvidas de que as investigações com organismos geneticamente modificados (OGMs), desenvolvidas nos institutos de pesquisa, oferecem alternativas para reduzir custos e aumentar a competitividade da agricultura nacional. Querem que esse conhecimento seja rapidamente incorporado pelos setores produtivos e partilhado com a sociedade. Para tanto, pleiteiam que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) seja a única e definitiva instância para avaliar os riscos da pesquisa e produção de transgênicos, de forma a agilizar o licenciamento dos produtos e consolidar o interesse privado. O destino das investigações com células-tronco e o futuro das pesquisas com transgênicos dependem do voto de 81 senadores. Eles devem ratificar, ou não, o projeto de lei de Biossegurança aprovado pela Câmara dos Deputados que proíbe o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos e abre espaço para que as decisões da CTNBio sobre a comercialização de transgênicos sejam contestadas por outras instâncias de governo e julgadas por um conselho formado por ministros, adiando indefinidamente o licenciamento de produtos. Pesquisa estratégica - A mobilização dos pesquisadores se justifica. As células-tronco são células genitoras que mantêm a capacidade de se diferenciar em numerosos tecidos humanos. Podem ser obtidas por meio de transferência de núcleo ou clonagem terapêutica de cordão umbilical ou de embriões. A clonagem te24 ■ JULHO DE 2004 • PESUUISA FAPESP 101
rapêutica permitiria, por exemplo, reconstituir a medula de um paraplégico. Mas as células da própria pessoa não podem ser utilizadas em portadores de doenças genéticas. Daí a importância das pesquisas. Existem células-tronco em tecidos de crianças e adultos e no sangue do cordão umbilical. Mas os cientistas ainda não sabem o potencial de diferenciação dessas células em distintos tecidos. Se as pesquisas não derem resultado, a alternativa será o uso das células-tronco embrionárias, sabidamente totipotentes, ou seja, com capacidade de diferenciar-se em qualquer um dos tecidos humanos. A biotecnologia de plantas e /% animais, da mesma maneiL^^ ra, abre enormes possibilim m dades de desenvolvimen^L. .^L. to para a agropecuária com ganhos estratégicos para um país em cuja pauta de exportação destacam-se dez produtos agrícolas - já que permite melhorar a qualidade e a resistência de produtos e reduzir custos de produção. Por essas razões, e também porque o Brasil tem competência internacionalmente reconhecida nas duas áreas de pesquisa, a expectativa dos cientis26 ■ JULHO DE 2004 ■ PESdUISA FAPESP 101
tas é que o projeto seja modificado. "O que nós queremos é autorização para utilizar células-tronco embrionárias para finalidade terapêutica, obtidas a partir de embriões congelados descartados, ou porque foram abandonados pelos pais há mais de três anos, ou porque não têm qualidade para implantes nem chance de se transformar em vida", explica Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Centro de Estudos do Genoma Humano - um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) mantidos pela FAPESP. "Queremos que seja proibida a clonagem reprodutiva, a produção de embriões para fins de pesquisa, a manipulação genética dos embriões e a sua comercialização", esclarece Patrícia Pranke, especialista em células-tronco umbilicais, das faculdades de Farmácia e de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mayana e Patrícia - ao lado de Marco Antônio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador do Centro de Terapia Celular, outro Cepid patrocinado pela FAPESP, e Drauzio Varella, médico oncologista e diretor de pesquisa da Universidade Paulista (Unip) - assumiram a linha de frente na defesa das pesquisas na área
de genômica. Defenderam essa perspectiva da pesquisa em audiência pública promovida pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Educação do Senado, no dia 2 de junho. Varella chegou a comparar as células-tronco a "uma fábrica de tecidos" que pode representar para o século 21 revolução semelhante à descoberta dos antibióticos no século 20. Os argumentos, eles avaliam, parecem ter surtido efeito: a senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO), presidente da Comissão de Assuntos Sociais, comentou que o debate foi "proveitoso e útil" para que os parlamentares possam decidir sobre a matéria. No dia 23 de junho foi a vez de especialistas em biotecnologia e pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) argumentarem a favor dos benefícios socioeconômicos da produção de transgênicos. Francisco Aragão, da Embrapa, provou aos senadores que o Brasil está capacitado para utilizar com responsabilidade a biotecnologia e Aluízio Borém, presidente da Sociedade Brasileira de Melhoramento de Plantas, defendeu a manipulação genética de plantas. "As variedades transgênicas podem trazer significativa contribuição socioeconômica e também ambiental para o país,
assim como já ocorre em outros países", afirmou Borém.
mentos num país que tem na agricultura a sua principal pauta de exportação".
Os argumentos apresentados ganharam um reforço de peso: uma semana antes, a Food and Agricultural Organization (FAO), Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, divulgou um relatório em que reconhece que a biotecnologia é uma grande promessa para países em desenvolvimento. O relatório constata que nos países em desenvolvimento onde as culturas transgênicas foram introduzidas os pequenos agricultores tiveram ganhos econômicos e reduziram o uso de agroquímicos tóxicos. "As culturas transgênicas proporcionaram grandes benefícios econômicos a agricultores em algumas áreas do mundo nos últimos sete anos", diz o relatório. A FAO recomenda, no caso dos OGMs, uma avaliação caso a caso que considere os potenciais benefícios e riscos das culturas transgênicas, individualmente. Para Elíbio Rech, pesquisador da Embrapa que também participou da audiência pública, "os senadores já têm uma visão clara da importância do uso da biotecnologia para a produção de ali-
Marco regulatório - Uma eventual aprovação no Senado do texto enviado pela Câmara, sem alterações - além de interditar pesquisas na área de genômica e restringir aos laboratórios as investigações da biotecnologia -, pode trazer sérios prejuízos para o Brasil, avaliou Leila Oda, presidente da Associação Nacional de Biossegurança (Anbio) em entrevista à Agência FAPESP. "O texto, principalmente em relação às tomadas de decisão, inviabiliza a pesquisa científica." O projeto, ela afirma, conseguiu misturar as duas formas possíveis de modelos regulatórios existentes no mundo. "Alguns países optaram por uma câmara multidisciplinar, como é a própria CTNBio. Em outros, os processos passam, caso a caso, por órgãos decisórios diversos." O texto que está sendo analisado pelo Senado prevê que as ações envolvendo OGMs passem pela CTNBio e, depois, pelos ministérios, gerando uma burocracia excessiva e desnecessária. Se aprovada, a lei vai suspender mais de 200 certificados de biossegurança emitidos pela CTNBio que estão em vigor. "As decisões tomadas na comissão, quando não apresentam novidades cien-
tíficas que comprometam a segurança, precisam ser validadas", explica Leila. Os senadores também ouviram, do próprio presidente da CTNBio, Jorge Guimarães, que é essencial que a comissão tenha autonomia para tomar decisões em caráter terminativo para liberar pesquisas e decidir sobre a comercialização ou não do produto. "Tenho a convicção de que, se a CTNBio não tiver bastante liberdade institucional, continuaremos na mesma situação de hoje, ou seja, com restrições à liberação de projetos, apesar de eles serem analisados com cuidado e rigor", afirmou Guimarães à Agência Senado. A repartição do poder de decisão da CTNBio, uma comissão técnica, com duas instâncias de governo, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), deverá provocar forte impacto nos investimentos das empresas de biotecnologia no país, prevê Eduardo Emrich, presidente da Fundação Biominas. "Ninguém vai investir na incerteza, o que é péssimo quando sabemos que temos competência para competir com outros países e num momento em que tentamos reerguer o setor." PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 27
A Biominas e a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) foram signatárias de um Manifesto pela Ciência, divulgado durante o II Congresso Internacional de Biotecnologia, em Minas, em que exigem o estabelecimento de um marco regulatório claro em relação à biossegurança, definindo "com precisão" as atribuições e responsabilidades dos diversos órgãos governamentais envolvidos com a área de biotecnologia. "A indústria e os setores científicos e acadêmicos prevêem sérias dificuldades em desenvolver pesquisas com organismos geneticamente modificados, caso se mantenha esta redação para o projeto de lei. Como está, a proposta provocará um recuo nos investimentos para novos estudos, pois pode inviabilizar a liberação comercial de produtos transgênicos", consta no documento. Além da pressão de pesquisadores e empresários, os senadores vão examinar o artigo que limita o poder da CTNBio sob o peso de uma decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) de Brasília, que, depois de dois anos de silêncio, decidiu, por dois votos a um, que a comissão tem competência constitucional para decidir sobre a introdução de OGMs no meio ambiente. "Quando forem identificados riscos, aí então o Ibama poderá pedir estudos de impacto ambiental (EIA-Rima)", explica Reginaldo Minaré, advogado especialista em biotecnologia. A competência da CTNBio foi colocada sob suspeita pelo Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) em 1998, logo após a comissão ter liberado o plantio comercial da soja RR, da Monsanto. A decisão do TRF ainda pode ser contestada. Debate confuso - A estranha conjugação de debates sobre duas áreas de pesquisa distintas, a genômica e a biotecnologia de OGMs - ainda que ambas relacionadas a investigações estratégicas na fronteira do conhecimento deve ser creditada à Câmara dos Deputados que, às vésperas da votação da matéria, inseriu a interdição das investigações com células-tronco no projeto de lei de Biossegurança de OGMs. "Os dois assuntos são totalmente diferentes", reconhece Walter Colli, professor titular de bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), mas pondera que, na presente circunstância, é melhor fazer um debate conjunto. No Senado houve quem pleitea28 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
sse, no âmbito da Lei de Biossegurança, o divórcio entre as duas matérias. Mas a prudência prevaleceu: "Se desmembrarmos o debate, a questão das células-tronco será adiada e corre o risco de se perder de vista", teme Mayana. A melhor saída, concluíram os cientistas, foi bancar a confusão promovida pelos deputados e reivindicar aos senadores que não separassem as duas propostas do projeto. No Senado o clima é de cautela. Apesar da polêmica suscitada pelo debate, até o final de junho - a uma semana da data prevista para o recesso parlamentar - nenhum senador tinha apresentado emendas ao projeto de lei aprovado pela Câmara. Buscava-se um acordo que permitisse às lideranças fecharem posição em torno de um substitutivo ao projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados. Se o projeto de lei de Biossegurança for alterado, a matéria volta à Câmara para nova votação. O senador Tasso Jereissati, por exemplo, já tinha pronta - e reservada - uma emenda ao projeto que previa a inclusão de um parágrafo ao artigo 5o da lei - sobre a interdição das pesquisas - que exclui da "vedação" a obtenção de células-tronco, "para fins de pesquisa ou tratamento de doenças e lesões, a partir de embriões produzidos para reprodução, por fertilização in vitro" desde que estes não possam ser utilizados para a reprodução, não estejam implantados e "estejam congelados por mais de três anos", desde que com o consentimento dos pais biológicos. Também prevê o consentimento dos pais biológicos para a utilização de embriões fertilizados in vitro, não implantados e congelados. O texto de Jereissati proíbe a clonagem reprodutiva, a produção de embriões para serem usados exclusivamente em pesquisa e o seu comércio. A emenda foi elaborada com a assessoria de pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano e de Patrícia Pranke. Obscurantismo e bruxaria - Enquanto os pesquisadores faziam seu périplo pelo Senado, assistiu-se, nas últimas semanas, a uma intensa mobilização da mídia em torno da votação do projeto de lei de Biossegurança, sobretu-
do no que diz respeito à proibição das pesquisas com células-tronco. O Fantástico, da Rede Globo, exibiu, por três domingos consecutivos, desde 30 de maio, programa da série How to build a human, comprada da BBC de Londres, abordando os benefícios da utilização de células-tronco no tratamento de doenças. A série da BBC tem ao todo 16 capítulos, mas a direção do Fantástico optou por iniciá-la pelo assunto que, no momento, estava sendo discutido pela sociedade e comunidade científica, de acordo com a Central Globo de Comunicação. O programa do dia 13 de junho, por exemplo, contou com a participação de Mayana e Varella. Mostrou as perspectivas das pesquisas, desde as que utilizam células adultas, passando pelas células-tronco extraídas do cordão umbilical, até as embrionárias. "Mas no Brasil o Congresso ainda não liberou a utilização terapêutica de células-tronco de embriões", esclareceu o Fantástico. A mídia impressa foi mais incisiva, principalmente nos editoriais. O
lobby evangélico, responsável pela vitória do obscurantismo", alertou.
Projeto de lei mistura as duas formas possíveis de modelo regulatório adotado por outros países
de O Globo, do dia 27 de maio, afirmou que o projeto de lei de Biossegurança é "um verdadeiro modelo obscurantista". O editorial de O Estado de S.Paulo, em Io de junho, alertou: "A bruxaria não pode vencer a ciência também no Senado"; e a Folha de S.Paulo, também em editorial publicado no dia 7 de junho, já apostava que os senadores vão modificar o projeto. "Mas uma eventual modificação dos senadores levaria o texto de volta à Câmara, onde é especialmente forte a influência do
0 mais importante evento do gênero, da América Latina. Dirigido aos profissionais que atuam em Assessoria de Comunicação, Relações Públicas, Publicidade e Recursos Humanos
4° CONGRESSO BRASILEIRO DE C0MUNIDAÇÃ0 NO SERVIÇO PUBLICO '1 '/-, P Vn íl
ntro de Convenções Reboliças, São Pa. ERNACI • A imagem do governo americano depois da Guerra do Iraque Com Ríssig Licha - Fleishman-Hillard para Miam] e América Latina • Como o BID orienta sua estratégia de comunicação Com Glancârlo Summa - Banco Interamericano de Desenvolvimento
Material importado - Enquanto aguardam o desenrolar dos debates, as pesquisas continuam. O Centro de Estudos do Genoma Humano, da USP, importou, no final de junho, uma linhagem de células-tronco embrionárias dos Estados Unidos. O material foi doado por um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard que desenvolvem pesquisas com células-tronco patrocinadas pela iniciativa privada. Nos Estados Unidos é proibido o uso de recursos oficiais nesta linha de investigação. Os senadores, no entanto, já se mobilizam para alterar essa situação. "A parte polêmica, que é a destruição de embriões, foi feita lá", diz a pesquisadora Lygia da Veiga Pereira. O material será utilizado na comparação de diferentes tipos de células embrionárias. "Trabalhamos nessa linha de investigação desde 1999, quando estabelecemos uma linhagem de células embrionárias de camundongo", ela conta. •
PALESTRANTES REN0MAD0S
■ Ministro Nilmário Miranda, Secretário Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal • Roger Ferreira, Secretário de Estado de Comunicação do Governo do Estado de São Paulo • Mauro Lopes, Diretor de Relações Institucionais - Área Serviço Público da Associação Brasileira das Agências de Comunicação - ABRACOM • Wilson Santa Rosa, Superintendente de Comunicação da Petrobras • José de Sá, Assessor-Chefe de Imprensa da Procuradoria Geral de Justiça - Ministério Público Estadual (SP) 1 Órjan Olsén, Diretor Geral da Ipsos-Opinion Brasil ■ Alexandre Pinheiro, Diretor de Publicações e Internet do Governo Federal 1 Eugênio Bucci, Presidente da Radiobrás i ■* 1 Bernardo Kucinski, Assessor da Presidência da República ■ Santiago Farrell, Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira no Rio de Janeiro
TEMAS ATUAIS • A imprensa estrangeira, a pauta Brasil e o day-afterúo caso Larry Rohter (NYT) • Informação ou propaganda? - Os limites e responsabilidades da divulgação em tempos de eleição • A revolucionária experiência de Ipatinga (MG) em inclusão digital e participação popular • Como lidar com as denúncias no Serviço Público • Estimando o impacto de políticas públicas sobre a intenção de voto • Como se comunicam as metrópoles brasileiras • Resgate de uma imagem - OTRT de São Paulo
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Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ e Conselho Federal de Profissionais de Relações Públicas - CONFERP promovem reuniões plenárias de suas categorias para discutir mercado, carreiras, problemas e reivindicações de cada uma das categorias profissionais. As propostas servirão de subsídios para as ações das duas entidades. Apoio Institucional
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ITICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA ENERGIA NUCLEAR
) desafio da competitividade Marinha pleiteia recursos do BNDES para aprimorar tecnologia de enriquecimento de urânio
Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) vai encaminhar ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) proposta de financiamento de projeto de aprimoramento tecnológico das máquinas ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio. O projeto, orçado em R$ 60 milhões, será financiado com recursos do Fundo Tecnológico (Funtec), criado em abril último, para apoiar a inovação (veja quadro na página 32). As ultracentrífugas, desenvolvidas pelo CTMSP e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), estão sendo instaladas no primeiro módulo da Fábrica de Enriquecimento de Urânio (FEU), da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB), em Resende, no Rio de
Janeiro. As máquinas vão produzir urânio enriquecido para abastecer 60% das necessidades das usinas nucleares Angra I e II, de acordo com contrato firmado entre a Marinha e a INB. A primeira cascata de enriquecimento formada por ultracentrífugas nacionais deverá entrar em operação em outubro deste ano. As ultracentrífugas instaladas em Resende têm desempenho competitivo em relação a equipamentos similares utilizados na União Européia e Rússia. Com o apoio do BNDES, os pesquisadores do centro querem reduzir a relação entre o custo do equipamento e a sua capacidade de produção.
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os países que detêm a tecnologia de ultracentrifugação, a redução de custos é obtida por meio do aumento do tamanho da máquina. Se o BNDES aprovar a proposta, o aprimoramento da tecnologia de ultracentrifugaçâo estará concluído em um ano e meio. O Funtec - que deverá patrocinar o empreendimento - conta com R$ 180 milhões, correspondentes a 10% do lucro líquido do BNDES em 2003, para apoiar a inovação empresarial. A aprovação de projetos no âmbito do novo fundo prevê, entre outros critérios, a participação do banco nos resultados do empreendimento. O formato dessa participação, no caso das ultracentrífugas, ainda está sob análise, mas não está descartada a hipótese de se patentear a tecnologia brasileira de ultracentrifuga-
Prioridades do governo - "Os projetos que integram o programa nuclear da Marinha estão entre as prioridades do governo", afirma o contra-almirante Ricardo Torga, presidente da Comissão Assessora de Ciência e Tecnologia para a Defesa, órgão vinculado ao Ministério da Defesa. Entre estes projetos está o da construção de um reator nuclear para a geração de energia elétrica e da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), para a conversão do minério no gás - atualmente importado -, que é enriquecido nas ultracentrífugas. "A tecnologia do reator
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está pronta", afirma Torga. Faltam as obras de construção civil e a montagem dos equipamentos que exigem investimento total de US$ 145 milhões. A expectativa da Defesa é concluir o empreendimento em 2012, com recursos do orçamento da Marinha, se o projeto for contemplado nos próximos planos plurianuais. O projeto da Usexa - que será construída no Centro Experimental de Aramar, do CTMSP, está em fase mais adiantada: as obras civis estão concluídas e pelo menos 75% dos equipamentos já estão comprados e entregues. Falta a montagem eletromecânica e dos sistemas de controle. A conclusão do projeto demanda R$ 19 milhões, parte deles - R$ 3 milhões - já obtida junto ao Fundo Setorial de Energia, administrado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Pronta, a Usexa processará 40 toneladas de urânio por ano, ou 10% das necessidades de Angra I e II. Com pequenas alterações, no entanto, a produção poderá chegar a 120 toneladas. Se for mantido o cronograma de liberação de recursos, a Usexa estará pronta em um ano e meio. "A nossa expectativa é repassar a tecnologia de produção de hexafluoreto de urânio à Indústrias Nucleares do Brasil para que ela tenha auto-suficiência na produção do gás", diz Torga. No ciclo do combustível nuclear, o custo de produção do hexafluoreto de urânio representa 8%. O maior custo é o de enriquecimento realizado por meio de tecnologia de ultracentrifugação. De qualquer forma, o domínio da tecnolo-
po de trabalho rminjsterial vai izar, até agosto, tudo abrangente" será a base para a são da política nuclear brasileira
gia é estratégico, já que as usinas similares em operação nos demais países estão velhas e, a médio prazo, é possível prever carência na oferta de serviços de conversão de yellow cake e hexafluoreto de urânio. Acordo com a China - O Programa Nuclear da Marinha ganhou a atenção do governo federal nos últimos meses. No dia 19 de maio, os ministros da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, e da Defesa, José Viegas, acompanhados do presidente do BNDES, Carlos Lessa, visitaram o Centro Experimental de Aramar, em Iperó (SP), unidade de pesquisa do CTMSP. Levaram consigo uma mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em que ele reafirma apoio "ao pleno desenvolvimento do Programa Nuclear" e enaltece "duas significativas realizações": o desenvolvimento das ultracentrífugas de enriquecimento de urânio e o projeto de construção de reatores nucleares para aplicações em ge-
ração elétrica e de propulsão naval. Na ocasião, Campos reafirmou que o programa estava entre "os pontos estratégicos" do seu ministério. No final de maio, o ministro acompanhou o presidente Lula à China. Os chineses manifestaram interesse em ampliar a cooperação com o Brasil na área nuclear, conhecer a tecnologia brasileira de enriquecimento de urânio e em adquirir urânio brasileiro na forma de yellow cake, notícia que provocou polêmica em todo o país. Em nota divulgada à imprensa, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) esclareceu que o Brasil não participa do comércio internacional de urânio. "Uma revisão dessa política", consta na nota, "dependeria dos resultados de estudo abrangente, de nível interministerial, que deverá ser coordenado pelo MCT nos próximos três meses." A nota, emitida no dia 26 de maio, não descarta a cooperação na área nuclear, desde que respeitadas as normas internacionais supervisionadas pelas agências multilaterais. E adianta que "uma posição governamental sobre o tema" será anunciada em agosto, quando está prevista a visita ao Brasil do presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia para a Indústria da Defesa Nacional da China (Costind), Zhang Yunchuan. O governo federal, de acordo com assessores do MCT, está constituindo um grupo de trabalho formado por representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Defesa e das Relações Exteriores, que ficará encarregado da tarefa de realizar estudos que servirão de base para a revisão da política nuclear brasileira. •
BNDES investe na inovação O Fundo Tecnológico (Funtec), lançado em maio deste ano, é resultado de uma parceria entre o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Tem como objetivo financiar a transformação do conhecimento em inovação, desde que esteja assegurada a utilização comercial dos resultados.
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Conta com um patrimônio inicial de R$ 180 milhões para apoiar o desenvolvimento de produtos e processos no âmbito da empresa e a pesquisa básica ou aplicada de caráter tecnológico implementada por instituições públicas ou privadas. O Fundo Tecnológico poderá financiar a pesquisa e desenvolvimento (P&D), a importação de P&D e de máquinas e equipamentos para a
inovação, treinamento de pessoal Dal, projetos industriais, entre outros. -os. O BNDES terá participação no resultado dos projetos, por meio de participação societária no capital da empresa, aquisição de partes beneficiárias emitidas pela empresa em favor do banco, ou por compartilhamento de receita proveniente da cessão de direito de uso de patentes ou royalties.
POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA
PEQUENAS EMPRESAS
A vitória
PI PE, programa pioneiro no país de apoio à inovação tecnológica, atinge a marca dos 330 projetos
O Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), iniciativa inédita no país implementada pela FAPESP em 1997, ultrapassou a marca dos 330 projetos. Ao longo deste período, a Fundação investiu R$ 55,1 milhões na pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos em ambiente empresarial e no financiamento de bolsas para pesquisadores envolvidos no empreendimento. Os recursos do PIPE permitiram a criação e consolidação de 287 empresas em 63 municípios do Estado de São Paulo. Os resultados alcançados estimularam a Fundação a ampliar os recursos para o programa. Os limites de financiamento da Fase 1 - período em que se verifica o caráter inovador do projeto, a metodologia e o potencial comercial do novo produto - passaram de R$ 75 mil para R$ 100 mil. Na segunda fase, de desenvolvimento do projeto propriamente dito, o apoio saltou de R$ 300 mil para R$ 400 mil. Um exemplo emblemático do sucesso do programa é o da Hormogen Biotecnologia, constituída por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas 34 ■ JULHO DE 2004 ■ PES0UISA FAPESP 101
e Nucleares (Ipen) e pioneira na produção do hormônio do crescimento (hGH) no país. O PIPE patrocinou o desenvolvimento do medicamento até a produção-piloto, atraindo o interesse do mercado. Em 2002, o controle acionário da Hormogen foi adquirido pela indústria farmacêutica nacional Biolab-Sanus, que planeja iniciar a produção do hGH em 2005. A meta é conquistar, em um estágio inicial, 10% do mercado nacional de 1 milhão de doses com preço 20% inferior ao similar importado. O caso da Hormogen descreve perfeitamente a trajetória projetada para o programa: a de análise de viabilidade técnica da idéia e a do desenvolvimento efetivo da pesquisa - ambas apoiadas pela FAPESP - e a, terceira, de desenvolvimento de novos produtos, sob auspício de parceiro privado. "Foi o programa mais ousado da FAPESP. Demonstra de forma paradigmática o compromisso da Fundação com a inovação tecnológica no Estado de São Paulo", avalia José Fernando Perez, diretor científico da Fundação. O PIPE inspirou-se no Small Business Inovation Resource (SBIR), programa mantido com 2,5% do orçamen-
to das agências governamentais norteamericanas com orçamento superior a US$ 100 milhões. A sugestão visionária, de criar um programa semelhante em São Paulo, foi de Alcir José Monticelli, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Superior da FAPESP, falecido em 2001. À época, Monticelli era assessor direto da diretoria científica. "Em 1996 ele analisava dois projetos de inovação tecnológica em pequenas empresas que lhe foram encaminhados pela National Science Foundation (NSF). Sua escolha como assessor se deveu ao fato de que artigos seus apareciam como referência nos projetos. Foi quando percebeu que o programa poderia ser adaptado ao Brasil", lembra Perez. Nessa mesma época, em Michigan, Perez comentou a idéia do PIPE com Marcos Mares Guia, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e fundador da Biobrás, empresa nacional precursora na produção de insulina, que se entusiasmou com a proposta. Mares Guia, que na época morava em Miami, para surpresa de Perez, contou que tinha um pro-
PIPE beneficia 287 empresas em 63 municípios de São Paulo
jeto do programa SBIR financiado pelos National Institutes of Health (NIH). Monticelli e Mares Guia - o primeiro, referência para agência internacional, e o segundo, um empreendedor nacional em migração para os Estados Unidos - eram, eles próprios, a prova concreta de que o país já tinha competência instalada para bancar uma proposta de inovação. "Estávamos exportando gente para tocar projetos e tínhamos gente competente para avaliar projetos", sintetiza Perez. Bancada a aposta, Monticelli e Francisco Antônio Bezerra Coutinho, assessor da Fundação, ficaram responsáveis por elaborar as normas para o programa nos mesmos moldes e com as mesmas exigências da NSF. Os projetos, apresentados por pesquisadores ligados a pequenas empresas, são analisados por dois assessores ad hoc, pesquisadores da área relacionada ao projeto. O PIPE foi lançado em julho de 1997, na FAPESP, com a presença do então ministro da Ciência e Tecnologia, Israel Vargas, e do governador Mário Covas. "O ceticismo quanto à viabilidade de aplicação do modelo da SBIR no Brasil resultou em alguma resistência para a sua aprovação", lembra Perez. "Alguns
achavam que não teríamos demanda e os mais otimistas apostavam em, no máximo, 20 projetos." Oitenta projetos foram apresentados em resposta ao primeiro edital. Destes, 30 foram excluídos e os demais foram submetidos à avaliação mais refinada. Dos 50 analisados, 32 receberam parecer favorável. Os primeiros contratos foram assinados no Palácio dos Bandeirantes, a pedido do próprio governador, que ficara impressionado com o sucesso da iniciativa. Gestão do negócio - Para consolidar a inserção das empresas do PIPE no mercado e apoiar a gestão do negócio, a FAPESP, em parceria com o Instituto Empreender Endeavor e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), criou, em 2003, o programa PIPE Empreendedor de capacitação de empresários. Uma avaliação do Endeavor revelou que muitas das empresas do PIPE têm foco excessivo no produto e reduzido no negócio como um todo. Para superar essa limitação idealizou-se uma série de atividades presenciais e a distância, reuniões de aconselhamento estratégico com executivos da rede Endeavor, desenvolvimento de projetos específicos
em conjunto com estudantes de pósgraduação, entre outras atividades. Os cursos são conduzidos pelo W-Institute, parceiro educacional contratado. A contribuição do PIPE para a inovação tecnológica estimulou a criação de projeto semelhante, de âmbito nacional, o Programa de Apoio à Pequena Empresa (Pappe), lançado no ano passado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A meta da FAPESP agora é articular parcerias que garantam a essas empresas recursos para financiar a produção. "Não cabe à Fundação, enquanto agência de fomento, financiar a produção", diz Perez. As empresas, nesta fase, deveriam contar com o apoio do capital de risco ou de organismos como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). As empresas que integram o PIPE e o Pappe, segundo Perez, formam um capital precioso que a nação tem obrigação de apoiar. "Investiu-se muito na geração da inovação e é preciso, agora, viabilizar a produção. O fato de essas empresas já terem contado com o apoio de agências de fomento na fase de pesquisa já deveria torná-las prioritárias para apoio pelo banco." • PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 35
Os sobreviventes do Caribe À primeira vista, os solenodons - mamíferos de aspecto primitivo, que lembram um gambá e pesam no máximo 1 quilo - parecem frágeis. Mas uma longa história prova exatamente o contrário: ao menos duas espécies desse grupo de animais provavelmente sobreviveram às profundas transformações climáticas pelas quais a Terra passou há 65 milhões de anos, no final da era Mesozóica, causadas ao menos parcialmente pelo impacto de um asteróide. Alguns grupos de mamíferos não foram dizimados pela catástrofe, que levou à extinção grandes répteis como os dinossauros. "Os solenodons foram possivelmente os únicos mamíferos que sobreviveram na região do Caribe, onde teria caído o asteróide, causando efeitos mais violentos do que em qualquer outro lugar", explica Eduardo Eizirik, pesquisador do Centro de Biologia Genômica e Molecular da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul e um dos autores de estudo sobre esses animais publicado na edição de 10 de junho na Nature. Eizirik, em conjunto com uma equipe do Instituto Nacional do Câncer, dos Estados Unidos, colheu amostras de sangue e tecido de duas espécies atuais de solenodons, uma da ilha de Cuba
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{Solenodon cubanus) e a outra de Hispaniola (S. paradoxus), para descobrir como se originaram e evoluíram. As análises de DNA indicaram que esses animais - aparentados dos musaranhos, das toupeiras e dos ouriços europeus - se separaram de seus parentes atuais mais próximos há cerca de 76 milhões de anos, "antes, portanto, da extinção em massa que marcou o fim da era Mesozóica", observa o biólogo da PUC. Não se sabe ao certo como é que sobreviveram. "Pode-se apenas especular, com base em algumas características da história de vida desses animais", diz Eizirik. O fato de viverem em florestas montanhosas, em altitudes de até 2 mil metros, teria permitido aos solenodons escapar dos maremotos e do afogamento, quando o nível do mar esteve mais elevado. Outra vantagem: cavam fossas e túneis subterrâneos e se alimentam de insetos e outros invertebrados. "Esses fatores podem ter contribuído para que se mantivessem abrigados durante a intempérie e continuassem encontrando alimentos", diz ele. Mas hoje os animais que sobreviveram ao cataclismo, que mantêm hábitos similares aos dos mamíferos primitivos, são caçados e perdem espaço para as atividades humanas. •
Solenodon: em tocas, no alto das montanhas, livre dos cataclismos
■ Sobrevida dobra em hospital em Recife O Instituto Materno-Infantil de Pernambuco, em Recife, conseguiu aumentar o índice de sobrevida de crianças com leucemia linfóide aguda (LLA), o câncer mais comum entre a população infantil, de 32% para 63%. O resultado impressiona não só porque praticamente dobrou a taxa de crianças que sobrevivem por
cinco anos além do tratamento, mas também pelo fato de o índice de cura desse tipo de câncer não ultrapassar os 35% em regiões com poucos recursos, contra 80% em áreas desenvolvidas. O avanço resultou da criação, em 1994, de uma unidade especializada em oncologia pediátrica, aliada ao treinamento dos médicos e dos enfermeiros com base em planos de tratamento do Hospital de Pesquisa Infan-
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til de St. Jude, de Memphis, Estados Unidos. Raul Ribeiro, um dos autores do estudo e diretor do programa do St. Jude, conta que a cooperação com o hospital de Recife vai além da mera cessão de planos de tratamento: "O St. Jude suplementa o salário de vários profissionais que são considerados essenciais para a operação, e a grande maioria deles se dedica exclusivamente ao programa". As con-
clusões, publicadas em maio no Journal ofthe American Medicai Association, se apoiam nos registros médicos de 375 crianças diagnosticadas com LLA entre 1980 e 2002, mas os ganhos parecem prosseguir. "Já existem evidências de que a sobrevida nos últimos dois anos se aproxima dos 70%, mas precisamos acompanhar os pacientes por mais tempo", diz Ribeiro, médico brasileiro que se fi-
Cicatriz na borda da metrópole Ao lado de Parelheiros, bairro do extremo sul da ci.dade de São Paulo, há uma depressão circular de pouco
ções rochosas de cerca de 150 metros: é a cratera de Colônia, mesmo nome da pequena localidade situada interior da depressão, antes ocupado pelo cultivo de verduras e hortaliças, vivem hoje cerca de 30 mil pessoas. Para Cláudio Riccomini, geólogo do Instituto de Geociéncias da Universidade de São Paulo (USP), a cratera deve resultar do imum meteonto ou ate mesmo um fragmento de cometa. "Conseguimos refu-
xou em Memphis há 15 anos. Em paralelo, o Núcleo de Apoio à Criança com Câncer fez o índice de abandono do tratamento cair de 16% para 0,5% ao criar um espaço para as famílias permanecerem mais tempo com as crianças internadas. •
■ A provável volta da febre amarela A dengue pode em breve perder a exclusividade nas propagandas que recomendam a eliminação de vasos, potes e pneus com água parada, berçários para as larvas do mosquito transmissor dessa doença, o Aedes aegypti. A mais
Cratera de Colônia: efeito provável da queda de um meteorito ou de um cometa
tar todas as outras alternativas sobre a origem da cratera, menos a de que possa ter se formado por um impacto", diz ele. Além disso, Colônia obedece à relação empírica entre o diâmetro e a profundidade, seguida pela maioria das crateras
nova motivação é a provável volta da febre amarela urbana, registrada pela última vez em 1942. Ricardo Lourenço de Oliveira, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), che-
Aedes aegypti: mosquitos com mais alta afinidade aos vírus devem ter migrado da Venezuela e do sul dos Estados Unidos
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conhecidas. Existem no Brasil cerca de de/, crateras - a maior delas, Araguainha, na fronteira entre Goiás e Mato Grosso, com 40 quilômetros de diâmetro. Colônia é uma das menores e pode ter se formado há relativamente pouco tempo,
gou a essa conclusão após analisar a suscetibilidade de 23 amostras de A. aegypti de 13 estados para os vírus da febre amarela e da dengue tipo 2. Os insetos com a mais
talvez menos do que 10 milhões ou 15 milhões de anos atrás. Riccomini vai apresentar suas conclusões na reunião anual da Meteoritical Society, que pela primeira vez se realiza no Brasil - de 2 a 8 de agosto, no Rio de Janeiro. •
alta afinidade aos vírus teriam migrado da Venezuela e do sul dos Estados Unidos, de onde nunca se eliminaram os focos de A. aegypti. "É provável que as colônias de mosquitos que se restabeleceram no Brasil nos anos 1970, depois de o país as ter erradicado em 1955, sejam provenientes desses lugares", diz ele. O mosquito também não foi erradicado de outros dois países vizinhos, Suriname e Guiana, o que faz da Amazônia uma das portas de entrada do vírus. Outra, por causa da alta densidade populacional, é a cidade do Rio de Janeiro, onde já se encontraram os três tipos de vírus da dengue. •
PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 37
■ Número primo de 7 milhões de dígitos
Como o gelo derrete
Um recorde no mundo da matemática: o norte-americano Josh Findley descobriu o maior número primo conhecido, com 7 milhões de dígitos. Seu computador Pentium de 2,4 gigahertz ficou 14 dias analisando o número, checado depois na França e no Canadá {New Scientist, 4 de junho). Além de curiosos, os números primos - números inteiros que só podem ser divididos por si mesmos e por 1 - são importantes para a criptografia, a linguagem cifrada que garante a segurança de dados confidenciais que precisam ser expostos virtualmente, como senhas de cartões bancários e de cartões de crédito. Quanto maiores os fatores primos de um número muito grande, maior a dificuldade em decifrá-lo. Findley, um dos 200 mil donos de PCs que dedicam o tempo livre de suas máquinas à procura de números primos, participa do projeto Grande Busca da Internet por Primos de Mersen-
Físicos alemães e franceses descobriram como se liqüefazem as geleiras do alto de montanhas como os Andes {acima): o gelo começa a virar água em temperaturas tão baixas quanto -17° Celsius quando entra em contato com um composto comum no solo, o dióxido de silício (SÍO2), de acordo com um estudo feito por especialistas do Instituto Max Planck de Pesquisas de Materiais, em Stuttgart, Alemanha, e do Laboratório Europeu de Radiação Síncrotron (ESRF), publicado na Physical Review Letters. Abaixo da temperatura de derretimento, entre o gelo e o SÍO2 forma-se uma finíssima camada de água com densidade de 1,2 grama por centímetro cúbico, mais compacta que a normal. Esses achados ajudam a explicar o deslocamento das geleiras, antes visto apenas como resultado de uma deformação causada pela força da gravidade. •
ne, assim chamados em homenagem ao monge francês que os descobriu, no século 17. Os Primos de Mersenne seguem a fórmula 2P -1, em que P também é um número primo. O novo número é o 41° primo de Mersenne e é representado por 224036'583 -1. O feito vai estimular a competição: o grupo norte-americano Electronic Foundation anunciou um prêmio de US$ 100 mil para quem encontrar
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o primeiro numero primo com mais de 10 milhões de dígitos. •
■ Nova terapia contra a malária A artemisinina, o princípio ativo da tradicional erva chinesa Artemisia annua, usada na China no combate a febres há mais de mil anos, está ajudando ainda mais a província africana de KwaZulu-Natal a
lutar contra a malária, que neste ano pode matar 1 milhão de africanos, a maioria na África subsaariana e com menos de 5 anos. Em 2001 foi feita uma mudança simples na combinação dos medicamentos: uma terapia baseada na artemisinina (artemetherlumefantrina) substituiu a que vinha sendo adotada, chamada SP (sulfadoxina-pirimethamina), por recomendação das autoridades sanitárias. Em conseqüência, os casos de malária em KwaZulu-Natal caíram 78%, despencando de 41.768 em 2000 para 9.473 em 2001 {Science in África). Em 2002 registrouse um decréscimo adicional de 75% nas notificações, o que significa apenas 2.345 casos documentados. Diferentemente da medicação anterior e de quase todos os outros tratamentos, os derivados da artemisinina parece ter um efeito direto na redução da transmissão da malária, de acordo com a médica Karen Barnes, integrante de uma força-tarefa, a South East African Combination Anti-Malarial Therapy, desti-
Atestado de pureza Classe é classe, vem de berço, mesmo que o bebê tenha o hábito de latir e abanar a cauda. Especialistas do Centro de Pesquisa de Câncer Fred Hutchinson em Seattle, nos Estados Unidos, colheram amostras da mucosa da boca de cerca de 400 cães de 85 raças diferentes, compararam os respectivos DNAs e concluíram que os de raça pura têm padrões genéticos distintos. Em outros termos: agora é fácil saber se o animal é de uma nobre estirpe ou não passa de um autêntico vira-lata, por mais que queira disfarçar. "Uma amostra permite dizer com 99% de segurança para que tipo de cão você está olhando", diz Elaine Ostrander, pioneira do estudo dos genomas dos cachorros que conduziu a pesquisa, publicada na Science de 20 de maio. Com base nas análises genéticas, os animais foram agrupa-
nada a controlar a doença. Segundo ela, a terapia SP, implantada na região há 12 anos, estava falhando em 88% dos casos. •
■ A fadiga está no cérebro Não é mais necessário beber água antes e durante uma maratona - basta líquido apenas quando tiver realmente sede. E nada de soro após um esforço extenuante: coloque as pernas para cima, permitindo que o sangue volte para o coração. A anticartilha da fisiologia do exercício foi criada por Tim Noakes e seus colegas da Universidade da Cidade do Cabo, da África do Sul. Os pesquisadores argumentam que o modelo de fa-
dos em raças afins, confirmando algumas suposições e derrubando outras. Uma das surpresas: pastores alemães são parentes próximos de bullmastiffs, rottweilers e boxers. Um dos mitos derrubados: o ibizan hound e o pharaoh hound, considerados raças mais antigas, foram provavelmente recriados a partir de outras raças, nos tempos modernos. O estudo classificou os cães em
diga proposto em 1923 por Archibald Vivian Hill, ganhador do Nobel de Medicina em 1922, está totalmente equivocado. Algumas conclusões da equipe de Noakes: nem sempre o cansaço muscular está associado ao aumento do ácido lático; o corpo não usa to-
quatro grupos. Um inclui mastiffs, bulldogs e pastores alemães. Outro tem colhes, shetland sheepdogs, greyhounds e são-bernardos. O maior grupo engloba cães de origem européia recente, como terriers, pointers e retrievers. O quarto, que reúne os animais de raças mais antigas e de provável origem comum na Ásia e África, traz chow-chows, huskies siberianos e lhasas apso. •
Não dá para confiar na aparência: para saber se é de raça pura, só com o teste de DNA
das as fibras musculares disponíveis durante exercício prolongado; e as reservas de glicogênio (carboidrato armazenado no fígado usado pelo organismo para obter energia imediata) e ATP (adenosina trifosfato, molécula que constitui a principal fonte de
Cansaço muscular: o cérebro avisa quando é hora de parar
energia para as células) caem durante competições de resistência. A principal conclusão da pesquisa: não são os músculos que estabelecem quando há fadiga, mas o sistema nervoso central, que por meio de "pistas fisiológicas, conscientes e subconscientes, leva os músculos a parar antes da exaustão", de acordo com as explicações do próprio Noakes, Alan Clair Gibson e Vicki Lambert (New Scientist). De acordo com o modelo elaborado, o cérebro, ao sentir que o atleta está passando do limite, provoca uma série de sensações que o corpo traduz como sintomas de fadiga. O cérebro age assim para proteger a si mesmo, assim como poupar o coração e o resto do corpo. •
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CAPA MEDICINA
delimitado
Desfeita a confusão, terapia hormonal mostra-se segura para tratar apenas as alterações típicas da menopausa por períodos curtos RICARDO ZORZETTO
Mundo afora, milhões de mulheres de meia-idade se sentiram desamparadas diante das notícias dos últimos dois anos sobre a terapia hormonal, o uso de hormônios sexuais para restabelecer o equilíbrio desfeito com a menopausa, quando os ovários param de funcionar. De 2002 para cá, jornais, revistas e programas de rádio e televisão difundiram os resultados inesperados de dois dos mais importantes estudos sobre a saúde da mulher, dos quais participaram quase 30 mil voluntárias saudáveis. Realizados pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), o maior centro de pesquisas médicas dos Estados Unidos, ambos os ensaios clínicos foram encerrados antes do previsto. O primeiro a ser interrompido tratou as voluntárias com doses diárias de estrogênios e progesterona e indicou: o uso prolongado desses hormônios para repor os que deixam de ser produzidos pelos ovários pode gerar mais prejuízos que benefícios à saúde. Já o tratamento apenas com estrogênios, avaliado no segundo experimento, não mostrou ação preventiva contra doenças cardiovasculares. A sensação de traição desvelada atingiu em especial as candidatas a usuárias desse tratamento, que somam meio bilhão de mulheres no mundo - cerca de 14 milhões no Brasil. As conseqüências do exagero inicial não são de todo ruins. Se, por um lado, as informações divulgadas aumentaram a insegurança ante a angustiante escolha - tomar ou não os hormônios? -, por outro, tornaram mais claro o papel da terapia hormonal nessa etapa de transição na vida da mulher, em que o organismo sofre alterações comparáveis apenas às do início da idade fértil, marcado pela primeira menstruação por volta dos 12 anos. Hoje se sabe: a terapia hormonal é indicada para tratar os desagradáveis sintomas da menopausa, mas não para prevenir doenças cardiovasculares e mentais, como se acreditava. "Uti40 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQ.UISA FAPESP 101
lizada com precaução, a terapia hormonal continua segura", afirma Edmund Chada Baracat, ginecologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). A conclusão antecipada desses trabalhos gerou um vigoroso debate entre médicos e pesquisadores, a ponto de provocar a manifestação das associações de profissionais que tratam da saúde da mulher. Embora a controvérsia pareça estar só no começo, a previsão é que nos próximos três meses sejam divulgados documentos que deverão orientar a ação dos ginecologistas com respeito à terapia hormonal. Em síntese, a tendência é confirmar: a terapia hormonal é importante e funciona sim. Mas em casos específicos, com a finalidade de amenizar os sintomas da menopausa, e não para proteger contra doenças crônicas. Seleção rigorosa - No Brasil, a Febrasgo pretende lançar em três meses um manual com recomendações médicas sobre o uso dos hormônios sexuais femininos no período que antecede e compreende a menopausa - o climatério, quando os níveis de estrogênios e progesterona no sangue começam a diminuir e oscilam bastante. Nos Estados Unidos, a Sociedade Norte-americana da Menopausa (NAMS, na sigla em inglês), uma das associações mais respeitadas nessa área, prepara um documento com sua posição oficial sobre esse assunto, que será anunciada no encontro anual da sociedade em outubro, na capital norte-americana, Washington. Enquanto isso, claro, não é preciso atirar ao lixo as cartelas com as pílulas de hormônio. Segundo Baracat, o documento brasileiro não descarta a terapia hormonal. Em vez disso, adota critérios mais rigorosos para a indicação desse tratamento, visão compartilhada por outros especialistas. Há uma orientação geral: os ginecologistas devem analisar, caso a caso, a necessidade e a segurança dessa terapia antes de re-
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comendá-la. A decisão deve ser tomada em conjunto com as pacientes, comparando as vantagens aos riscos do uso desses hormônios, que, segundo evidências científicas, ajudam a prevenir a osteoporose - o enfraquecimento dos ossos, acelerado após a menopausa - e a amenizar as alterações nos órgãos genitais. A diminuição dos hormônios femininos reduz a lubrificação natural da vagina e causa a atrofia dos músculos desse órgão, motivo de dores durante as relações sexuais.
abituadas a ouvir maravilhas sobre esse tratamento, as mulheres no início da etapa madura da vida - por volta dos 50 anos, quando os filhos já estão criados e se espera que as preocupações comecem por fim a se dissipar - viram-se ainda mais apreensivas. Qual a melhor opção? Correr os riscos e aderir à terapia hormonal, com chance de melhorar a disposição física, manter o sono em dia e a pele mais firme? Ou atravessar a menopausa sem a ajuda dos hormônios, enfrentando por três ou quatro anos os sintomas que surgem com o fim da atividade dos ovários e do incômodo das menstruações? São escolhas difíceis enfrentadas por muitas, pois quatro em cada cinco mulheres apresentam ao menos um dos sintomas da menopausa, em especial, alterações fisiológicas como os fogachos, as súbitas ondas de calor que, várias vezes ao dia, surgem como uma pressão na cabeça e descem pelo rosto até o peito, queimando feito fogo. Provocados pela falta de estrogênios, os fogachos despertam alterações psicológicas. É que ao ocorrerem na madrugada causam insônia e irritabilidade, além de contribuírem para o surgimento de depressão. Detalhados em dois artigos do Journal ofthe American Medicai Association, um de julho de 2002 e outro de abril deste ano, os resultados dessas pesquisas abalaram - talvez em um grau superior ao que se pode explicar - a confiança feminina na terapia hormonal, até então considerada a alternativa mais segura e eficiente para combater os sinais da menopausa. Não é para menos. O primeiro ensaio clínico contou com 16.608 voluntárias com idade entre 50
e 79 anos e apontou, por exemplo, um risco de desenvolver câncer de mama 26% maior entre as mulheres tratadas com estrogênios e progesterona - os dois tipos de hormônios sexuais que deixam de ser produzidos na menopausa - em comparação com as que receberam um composto inócuo (placebo). Chamado de terapia combinada por reunir os dois tipos de hormônios, esse tratamento é indicado só para as mulheres que mantêm o útero, pois o progesterona protege o órgão contra os efeitos dos estrogênios, que elevam o risco de câncer de útero. Além de aumentar a vulnerabilidade ao câncer de mama, o uso dos dois hormônios elevou em 40% o risco de acidente vascular cerebral e em um terço o de infartos, embora tenha reduzido em 37% a probabilidade de câncer no intestino e em 33% a de fratura no quadril. Já o segundo teste, que, como o primeiro, integra a Iniciativa pela Saúde das Mulheres (WHI, na sigla em inglês), programa lançado em 1991 para investigar as doenças comuns após a menopausa, apontou: o emprego isolado de estrogênios aumentou em 33% o risco de formação de coágulos em vasos sangüíneos profundos e a conseqüente probabilidade de problemas no coração (infarto), nos pulmões (embolia pulmonar) e no cérebro (acidente vascular cerebral). Por outro lado, o tratamento com estrogênios diminuiu a possibilidade de fraturas em decorrência da osteoporose e não alterou a de desenvolver câncer de mama. É bom lembrar: nenhuma dessas duas formas de tratamento aumentou a taxa de mortalidade, segundo os coordenadores do WHI, projeto que já acompanhou a saúde de 160 mil mulheres. 0 PROJETO Percepção e Atitude das Mulheres frente ao Climatério e a Menopausa MODALIDADE Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADOR AARãO MENDES PINTO NETO
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Unicamp INVESTIMENTO R$ 16.942,00 (FAPESP) R$ 8.000,00 (FAE/Unicamp)
Da forma como foram apresentados, os dados assustaram. Mas uma avaliação minuciosa sugere que a reação parece desproporcional à gravidade dos resultados. Na realidade, a equipe que coordenou os estudos apresentou uma opinião cautelosa, que não descarta a terapia hormonal em casos específicos, selecionados com rigor. "As mulheres com útero que atualmente tomam estrogênios e progesterona devem conversar com seus médicos para avaliar se devem continuar o tratamento", afirmou na época Jacques Rossouw, diretor do WHI. "Se estiverem consumindo essa combinação de hormônios por um período curto para aliviar os sintomas (da menopausa), pode ser sensato continuar a terapia, desde que os benefícios superem os riscos." Rossouw aconselhou ainda a reavaliação do uso prolongado desses hormônios para prevenir doenças e o mesmo tom prudente apareceu na apresentação do trabalho com os estrogênios. Hábitos alterados - É um posicionamento bastante distinto do adotado no mundo todo nos últimos 15 anos, período em que a prescrição dos hormônios femininos cresceu de modo acelerado. Desde a década de 1950, estudos sugeriam que os hormônios sexuais em particular, os estrogênios - exerciam uma ação protetora sobre o coração. Em reforço a essa hipótese, os dados epidemiológicos mostravam que até por volta dos 50 anos, quando em geral ocorre a menopausa, o número de mulheres com problemas cardíacos e vasculares é muito menor que o de homens. Dessa idade em diante, os níveis de estrogênios e progesterona baixam e os problemas cardiovasculares tornamse mais freqüentes. Assim, passou-se a associar o aumento do risco de doenças cardiovasculares à redução da taxa desses hormônios no sangue. Em 1966, pesquisadores norte-americanos elaboraram um teste em que aplicaram diferentes tratamentos - entre eles, estrogênios - a homens com problemas cardíacos. O objetivo era verificar a influência dessas medidas sobre o reaparecimento de complicações no coração. Seis anos depois, os organizadores interromperam a parte do estudo com os estrogênios, em decorrência do alto índice de problemas cardíacos recorrentes. Mas nesse caso os voluntáPESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 43
rios eram mais propensos a ter problemas nesse órgão. Em meados da década de 1990, outro ensaio clínico - desta vez com mulheres que haviam sofrido problemas cardíacos, como infarto - procurou avaliar se a associação de estrogênios e progesterona diminuiria o risco de a enfermidade reaparecer. Conhecido pela sigla Hers (The Heart and Estrogen/ Progestin Replacement Study), esse trabalho apresentou novamente resultado desfavorável à terapia hormonal. Mas não era suficiente para desaboná-la, já que esse estudo também contava apenas com pessoas com risco maior de sofrer distúrbios cardiovasculares. Outros trabalhos continuavam a indicar que o uso de estrogênios diminuía em até 50% o risco de pessoas saudáveis desenvolverem doenças cardíacas. Todos, porém, apresentavam o mesmo ponto frágil: só incluíam mulheres que já tomavam esses hormônios, sem confrontar os resultados com os de quem não se tratava. Era preciso comparar os benefícios e os danos da terapia hormonal em pessoas com a saúde em ordem, selecionadas de modo aleatório para receber os hormônios ou placebo, como ocorreu agora no WHI, cujos resultados não alcançam em importância a proporção do susto que causou. Efeito imediato - Randall Stafford, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, estimou a prescrição e o consumo de hormônios femininos pelas norte-americanas entre 1995 e 2003. Em um artigo do Journal ofthe American Medicai Association de 7 de janeiro, mostrou que os efeitos da divulgação do WHI e do Hers não foram pequenos. Os cálculos apontam: o número de prescrições de terapia hormonal nos Estados Unidos subiu de 58 milhões, em 1995, para 90 milhões, em 2002. Mas despencou em seguida à publicação dos estudos, atingindo um patamar inferior ao inicial, cerca de 57 milhões de receitas. Como era de esperar, as quedas mais representativas ocorreram com as formulações indicadas com mais freqüência nos Estados Unidos e, por essa razão, adotadas no WHI: o Premarin (estrogênios conjugados de origem eqüina) e o Prempro (estrogênios eqüinos e progestagênio, composto com ação semelhante à do progesterona), ambos produzidos pelo laboratório Wyeth. 44 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
O temor despertado parece ser excessivo. Nos comunicados em que anunciaram a suspensão das pesquisas, os coordenadores do WHI deixam claro: não é possível generalizar os dados. "Esse estudo não tinha por objetivo analisar os riscos e os benefícios do uso desses hormônios por períodos curtos para tratar os sintomas da menopausa", informa o texto, disponível na página da Internet do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue, um dos 27 centros dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos. Ambos os experimentos foram planejados com a finalidade de dimensionar, caso existam, os benefícios desse tratamento contra as doenças cardiovasculares, uma aplicação bem distinta da indicação principal dessa terapia - abrandar os sintomas da menopausa. Como objetivo secundário, tentou-se ainda verificar se o consumo de hormônios femininos por períodos superiores a cinco anos (longo prazo) influencia de modo positivo a saúde dos ossos e do sistema nervoso. No artigo sobre o uso dos estrogênios, publicado em abril no Journal of the American Medicai Association, os autores do estudo afirmam: "Os dados corroboram as recomendações atuais da Food and Drug Administration (FDA, a agência norte-americana de controle de medicamentos) para as mulheres que já passaram pela menopausa: devem-se utilizar os estrogênios conjugados apenas para aliviar os sintomas da menopausa, na dosagem mais baixa e pelo menor tempo possível". Na realidade, a FDA indica ainda o uso da terapia para prevenir a osteoporose. Além disso, houve exageros de parte a parte. Os artigos e as notícias destacaram os riscos relativos. "Na área clínica, o mais importante é saber o risco absoluto", comenta o ginecologista Aarão Mendes Pinto Neto, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um exemplo ajuda a compreender a diferença. No estudo com estrogênios e progesterona, as mulheres que receberam a terapia hormonal correram um risco 26% maior de desenvolver câncer de mama do que as que tomaram placebo - eis o dado relativo, que indica uma proporção elevada. Em termos absolutos, esse número representa oito casos a mais de câncer de mama em um grupo de 10 mil mulheres por ano de
tratamento. Ou seja, enquanto a cada ano foram detectados 31 casos de câncer por grupo de 10 mil mulheres que usaram placebo, no mesmo período essa taxa foi de 40 casos por 10 mil entre as tratadas com hormônios. "O risco absoluto não é tão elevado assim", comenta Baracat, da Unifesp.
A epidemiologista Deborah #m Grady, da Universidade i ^^ da Califórnia em São ^"^^k Francisco, uma conceiÈ ^k tuada especialista na ^^L. JBk. análise de riscos e benefícios da terapia hormonal, publicou no New England Journal of Medicine de 8 de maio um comentário comedido sobre os resultados do WHI. Segundo Deborah, o balanço entre as perdas e os ganhos se equilibram. Os riscos proporcionados por esse tratamento com o objetivo de prevenir doenças crônicas, como a osteoporose, são pequenos. Mas também o são os benefícios, que não justificam sua indicação para mulheres saudáveis que não apresentam fogachos, por exemplo. Na essência, Deborah reforça a posição da FDA - o uso da terapia hormonal apenas para combater os sintomas da menopausa. Por sorte, os incômodos físicos e psicológicos da menopausa são os principais motivos que levam as mulheres no climatério ao ginecologista ao menos no Brasil. Pesquisadores da Unicamp entrevistaram em domicílio 456 mulheres de Campinas, interior de São Paulo, com idade entre 45 e 60 anos. O objetivo era descobrir por que iam ao médico. Publicado em 2002 na Revista de Saúde Pública, o trabalho revelou que os sintomas da menopausa haviam levado 63% delas ao ginecologista. Do total, 82% afirmaram sentir nervosismo, 70% fogachos, 68% dor de cabeça e 59% suores intensos, segundo outro artigo, publicado em dezembro de 2003 na mesma revista. Uma em cada cinco mulheres na menopausa disse ainda sentir redução do desejo sexual. "A amostra estudada é representativa das regiões Sul e Sudeste do país", afirma Aarão Pinto Neto, um dos autores da pesquisa. Mas não se aplica a todas, pois as características das mulheres do Norte e do Nordeste são distintas. A análise do perfil das mulheres que fa-
zem terapia hormonal, realizada por Renata Aranha e Eduardo Faerstein, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mostrou: em geral, elas estudaram mais tempo, pertencem a classes sociais mais altas e cuidam melhor da vida reprodutiva do que as que não o fazem. Em um ponto todos parecem concordar. As pesquisas do WHI responderam a questões importantes, mas não são a palavra final. Dúvidas permanecem, e o principal mérito desses estudos talvez seja também seu ponto frágil. O WHI é a maior avaliação sobre o impacto do uso dos hormônios femininos após a menopausa feita com amostra e tratamento tão homogêneos - Premarin comparado com placebo, e Prempro versus placebo. Mas os questionamentos surgem ao se examinar a idade das participantes. Dois terços delas tinham mais de 60 anos quando começaram a tomar os hormônios, idade considerada avançada. Em geral, a menopausa ocorre por volta dos 50 anos, quando os riscos de problemas cardiovasculares são menores e seus sintomas duram dois ou três anos. Além disso, 35% das voluntárias eram obesas, fator que eleva ainda mais a probabilidade de surgirem doenças cardíacas e vasculares. Estudos com animais de laboratório sugerem que os estrogênios podem exercer um efeito protetor sobre o sistema nervoso central se administrados o mais cedo possível após a menopausa, como observaram Edmund Baracat, Ivaldo Silva e Luiz Eugênio Mello, todos da Unifesp, em um artigo publicado no final de 2003 na revista Menopause. Mas os dados ainda não permitem conclusões, pois as pesquisas com seres humanos mostram resultados controversos. Uma amostra menor dos dados do WHI, analisada em artigo do Journal of the American Medicai Association de 23 de junho, por exemplo, não recomenda a terapia hormonal para prevenir doenças no sistema nervoso central, pois aumenta o risco de demência e do mal de Alzheimer. Na Science de 28 de maio especialistas norte-americanos publicaram um artigo de revisão sobre terapia hormonal no qual chamam a atenção para outro detalhe do WHI. Nesse projeto, os pesquisadores avaliaram apenas um tipo de formulação. As mulheres sem útero receberam 0,625 miligrama de
estrogênios eqüinos, enquanto aquelas com o útero preservado tomaram 0,625 miligrama de estrogênios eqüinos e 2,5 miligramas de acetato de medroxiprogesterona - níveis elevados para a idade das voluntárias. Outro ponto importante: os estrogênios do Premarin e do Prempro são de origem animal, extraídos de éguas, que, de acordo com os especialistas, podem funcionar no corpo humano de modo diferente dos estrogênios femininos. Acredita-se ainda que a forma como os hormônios são administrados interfiram na sua eficácia. Nos testes do WHI, os hormônios foram consumidos por via oral e, por esse motivo, são processados pelo fígado antes de caírem na corrente sangüínea - diferentemente do que ocorre naturalmente no organismo. Em busca de alternativas - A equipe da endocrinologista Poli Mara Spritzer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, testou em 20 mulheres com níveis moderados de pressão alta outra forma de administração de progesterona e de estrogênios ao longo de um ano. Descrito em 2003 em dois artigos - um na Experimental and Clinicai Endocrinology & Diabetes e outro na Gynecological Endocrinology -, o experimento mostrou que a terapia hormonal pode ser segura para tratar mulheres com hipertensão por esse período, desde que se usem hormônios naturais, mais semelhantes aos produzidos pelas mulheres dos que os eqüinos, em doses menores e aplicados por outras vias. Em vez de comprimidos, a equipe gaúcha usou estrogênios na forma de gel, espalhado na pele, e progesterona aplicado na vagina. Alternativas para combater os sintomas da menopausa, como o uso de isoflavona, composto extraído da soja, ou de medicamentos que agem sobre o sistema nervoso central, como os antidepressivos, ainda não se mostraram muito eficazes contra os fogachos. Além disso, nenhum outro tratamento foi tão estudado quanto a terapia hormonal. Enquanto isso, os pesquisadores afirmam: é necessário planejar estudos mais apropriados para avaliar a terapia hormonal em mulheres mais jovens, com menores riscos de doenças em geral, além de, claro, buscar novos tratamentos. •
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I CIÊNCIA
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BIOLOGIA MOLECULAR
Preenchendo as lacunas
Brasileiros criam estratégia de pesquisa genômica e completam a seqüência de 211 genes humanos
Em fevereiro de 2001, ao ser apresentado publicamente, o genoma humano foi comparado a uma paisagem com extensos desertos entremeados por esparsas cidades. Os desertos representavam os longos trechos do DNA, tecnicamente chamados de íntrons, que aparentemente não faziam nada - não levavam à produção de proteínas que formam os seres vivos. As cidades seriam os trechos funcionais do DNA, chamados éxons. Mas ainda havia muita neblina e, num primeiro momento, era impossível saber o que era deserto e o que eram as cidades, nem quantas eram, nem onde estavam. Tamanha era a incerteza que as estimativas do número de genes variavam de 35 mil a 120 mil. Em uma corrida internacional em busca de um número exato, da localização precisa, do tamanho e da estrutura dos genes, grupos de pesquisa dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha lotaram salas com dezenas de seqüencia46 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
dores de DNA, que funcionavam dia e noite. Mesmo sem tantos equipamentos, os pesquisadores de universidades e institutos paulistas não se deixaram abater. Adotaram uma estratégia própria e ambiciosa - com uma análise exaustiva dos dados públicos sobre o genoma aliada a testes de laboratórios - e, quatro anos depois, conseguiram completar a seqüência de 211 genes, dos quais antes só havia fragmentos, além de mostrar onde eles se encontram no genoma - as cidades ganharam uma localização exata no meio da paisagem desértica. Os quase cem pesquisadores de 31 laboratórios de universidades paulistas e do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer também descobriram cerca de 40 genes novos, que ainda não haviam sido descritos por nenhum outro grupo. Os resultados desse trabalho, coordenado por Anamaria Camargo, do Ludwig, e por Mari Cleide Sogayar, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), foram publicados on-line no final do
mês passado e saíram no dia Io deste mês na versão impressa da revista Genome Research. "Essa é a ciência que resulta de uma parceria entre a FAPESP e o Instituto Ludwig", comenta José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP. A Fundação e a filial paulista do Ludwig conduziram durante dois anos, de 1999 a 2001, o Projeto Genoma Humano do Câncer, para o qual cada instituição destinou o equivalente, hoje, a R$ 30 milhões. O trabalho conjunto terminou com o saldo de aproximadamente 1,2 milhão de seqüências de genes associados a vários tipos de câncer - eram trechos centrais dos genes, caracterizados por meio de uma metodologia criada no país, a Orestes, sigla de Open Reading Expressed Sequence Tags, que em português significa algo como etiquetas da fase aberta de leitura de seqüências expressas. Em uma abordagem complementar, outros grupos de pesquisa haviam seqüenciado os extremos dos trechos de genes, com outra técnica, a EST, de
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piExpressed Sequence Tags ou etiquetas de seqüências expressas. Por meio do Projeto Transcriptoma do Câncer, que começou no final de 2000, com investimentos de cerca de R$ 4 milhões da FAPESP e R$ 1,5 milhão do Ludwig, os pesquisadores tentaram unir os dois conjuntos de seqüências, as do meio e as dos extremos dos genes. Ambos eram formados apenas por éxons, as partes ativas dos genes, mas nem sempre eram o bastante para completar os genes - restavam muitos espaços vazios. "A princípio qualquer grupo de pesquisa poderia ter feito esse trabalho, já que todos os dados eram públicos", afirma Sandro José de Souza, coordenador da equipe de bioinformática do Ludwig. "Nossa vantagem foi unir grupos com vocações diferentes." A empreitada começou oficialmente em 2001 e mobilizou cinco equipes de bioinformática do Ludwig, da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e do Instituto do Coração, ambos da Universidade de São Paulo (USP). Candidatos a genes - Os bioinformatas, como são chamados, sobrepunham as seqüências do miolo e dos extremos dos genes com as informações que chegavam dos projetos internacionais de seqüenciamento do genoma humano eram longas listas de nucleotídeos, as unidades do DNA, sem que ninguém tivesse a menor idéia de onde estavam os íntrons e os éxons. "Centramos a atenção nos genes incompletos, reunindo as seqüências de Orestes e de outras ESTs", conta Souza. Saíam daí listagens com candidatos a genes, selecionados com a ajuda de programas de computador,
que eram testados experimentalmente pelas equipes de 31 laboratórios do Instituto Ludwig, da USP, da Unifesp, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), da Universidade de Campinas (Unicamp) e da Universidade do Vale do Paraíba (Univap). Os primeiros resultados demonstrando a viabilidade da técnica saíram em outubro de 2001 no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) e, em um comentário de duas páginas, ganharam o reconhecimento de duas autoridades mundiais em genoma humano, Robert Strausberg e Gregory Riggins, ambos do Instituto Nacional do Câncer (NCI em inglês), dos Estados Unidos. Ter encontrado o caminho tornou as coisas apenas um pouco mais fáceis. Luciana Oliveira Cruz, pesquisadora da equipe de Mari Cleide, trabalhou muito, durante meses, cultivando 20 linhagens de tecidos humanos - de útero, 0 PROJETO Caracterização de Genes Humanos Completos - Uma Extensão do Genoma Humano do Câncer MODALIDADE
Projeto Especial COORDENADORAS ANAMARIA ARANHA CAMARGO
Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer e MARI CLEIDE SOGAYAR - Instituto de Química da USP
INVESTIMENTO
R$ 540.000,00 e R$ 550.000,00
testículo, fígado, entre outras -, preparando amostras de DNA complementar (cDNA), que corresponde aos genes ativos em cada tecido, e as distribuindo aos laboratórios que testavam os 488 candidatos a genes previamente selecionados para ver se eram realmente genes. Cada gene era submetido à reação em cadeia de polimerase, técnica conhecida pelas iniciais PCR, com dois primers específicos. Primers são seqüências de nucleotídeos sintéticos, feitas, no caso, a partir de dois trechos conhecidos de DNA (Orestes ou ESTs) são os primers que delimitam os extremos de um fragmento de DNA a ser copiado milhares de vezes. "Sabemos que os dois trechos antes descritos como seqüências individuais pertencem a um só gene quando, a partir dos primers, se obtém a cópia do cDNA, numa demonstração de que se tratava de pedaços de uma única molécula", diz Luciana. Essa estratégia - alinhamento dos trechos de DNA e teste com primers - foi chamada de Iniciativa de Finalização de Transcritos (TFI, de Transcript Finishing Initiative) e determinou o que era íntron e o que era éxon nos genes incompletos. Com uma eficiência de 43%, revelou 211 novos genes, muitos deles descritos por outros grupos de pesquisa, com outras técnicas, no transcorrer do projeto. Restaram cerca de 40 inéditos, apresentados no artigo da Genome Research. O Projeto Transcriptoma terminou no final do ano passado, embora restem milhares de brechas a serem preenchidas no genoma humano. Ainda não há um consenso sobre o número total de genes, mas já foram descritos cerca de 25 mil genes completos - ou quase completos. • PESaUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 47
CIÊNCIA EPIDEMIOLOGIA
Os espalha-vírus Identificados os roedores silvestres que propagam os vírus da epidemia recém-chegada ao Distrito Federal
CARLOS FIORAVANTI
cões azuis e luvas duplas - enquanto, ao Durante os feriados de Corpus lado, policiais cumpriam mais uma etapa de Christi, há poucas semanas, um treinamento de tiro-ao-alvo -, os pesbiólogos do Instituto Adolquisadores paulistas coletaram sangue e pho Lutz, de São Paulo, espaamostras de vísceras dos animais, para análharam centenas de armadilise em laboratório. Mas o fato de terem enlhas um pouco menores que uma caixa de contrado o rato-de-rabo-peludo é um forte sapato nos arredores das casas da periferia indício de que provavelmente o vírus que de São Sebastião, cidade vizinha de Brasília, circula no Distrito Federal é o Araraquara, já onde no início de maio surgiram casos noque cada tipo de hantavírus está associado a vos de hantavirose - forma grave de infecção uma espécie de roedor silvestre. Além disso, causada por um tipo de vírus, o hantavírus, o Bolomys, animal de cerca de 12 centímeque mata em dois ou três dias em média metros de comprimento, sem contar a cauda de tade das pessoas contaminadas. Em três noi5 centímetros, vive principalmente no Certes, atraídos pelo cheiro da isca - aveia em rado, vegetação do Distrito Federal, do oesflocos misturada com pasta de amendoim -, te paulista e de outros três estados - Minas 510 animais caíram nas gaiolas de chapas de Gerais, Mato Grosso e Goiás - onde houve alumínio. Pelo menos um terço era o ratocasos de hantavirose em seres humanos caude-rabo-peludo (Bolomys lasiurus), o transsados pela variedade Araraquara. missor de um dos tipos brasileiros de han"Em julho do ano passado", conta Akemi tavírus, o Araraquara, assim chamado por Suzuki, bióloga do Lutz que participou da ser essa a cidade do interior paulista em que captura, "trabalhamos em Campo Alegre de foi encontrado pela primeira vez, em 1995. É Goiás, a 220 quilômetros de Brasília, e eno mesmo roedor de pêlo pardo-escuro que contramos o Bolomys e o vírus Araraquadissemina o protozoário Leishmania (Vianra." Agora as amostras nia) braziliensis, caude sangue dos animais sador da leishmaniose recém-coletadas estão tegumentar americasob os cuidados da na, a forma mais copesquisadora Ivani Bimum de leishmaniose em seres humanos no sordi, que em algumas semanas dirá se são território nacional. mesmo esses animais Instalados em um os hospedeiros do vígalpão anexo ao Comrus da cidade onde já plexo Penitenciário da Hantavírus: nas houve oito casos conPapuda e protegidos firmados de hantaviAméricas, 15 tipos com máscaras, maca48 ■ JULHO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP 101
Hospedeiros: o rato-de-rabo-peludo (.acima) e o ratinho-do arroz
rose e quatro mortes. Nesse tempo, outra equipe da Virologia do instituto, referência nacional em diagnósticos nessa área, faz os testes com amostras de sangue de pessoas com suspeita de terem sido contaminadas com hantavírus no Brasil todo. O grupo paulista apresenta publicamente o Bolomys em um artigo científico prestes a ser publicado, junto com outro hospedeiro-reservatório, como são chamados os animais que carregam os hantavírus sem ficar doentes. Tratase do ratinho-do-arroz (Oligoryzomys nigripes), um roedor de pêlo cor de ferrugem e uma cauda de 11 centímetros, maior que o próprio corpo, de 8 centímetros. Esse roedor vive na Mata Atlântica, às vezes carregando o hantavírus Juquitiba, identificado em 1994 nos arredores da cidade de São Paulo, que depois despontou no Paraná - atualmente o estado com mais casos regis-
trados (92) -, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Mais dois tipos de vírus - Em paralelo, uma equipe do Instituto Evandro Chagas, de Belém, identificou dois novos tipos de hantavírus encontrados no Maranhão, onde a hantavirose emergiu em 2000 e atingiu sete pessoas, das quais cinco morreram - até agora havia apenas um hantavírus amazônico, o Castelo dos Sonhos, mesmo nome da cidade na divisa do Pará com Mato Grosso onde o vírus apareceu há dez anos, com um hospedeiro ainda não identificado. Um dos vírus novos é o Anajatuba, o mesmo nome do município situado numa área alagada conhecida como Baixada Maranhense, semelhante ao Pantanal Mato-grossense, a 100 quilômetros ao sul da capital São Luís. Seu transmissor é o Oligoryzomys fornesi, um roedor do mesmo gênero
que o hospedeiro do hantavírus típico da Mata Atlântica. O outro vírus encontrado no Maranhão é o Rio Mearim, nome do principal rio da região, que corta a área central do estado, e se propaga por meio do Holochilus schiureus, um pequeno roedor aquático - é a primeira demonstração de um roedor aquático abrigando hantavírus, de acordo com o virologista Pedro Vasconcelos, coordenador da equipe do Evandro Chagas que identificou as novas variedades, descritas em um artigo a ser publicado em breve. "Em vista da elevada diversidade de roedores no Brasil", afirma Vasconcelos, "podemos imaginar que ainda vamos encontrar novos tipos de hantavírus em outros estados." As descobertas mais recentes colocam o Distrito Federal, com quatro casos confirmados até o final de junho, como o mais novo território de uma PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 49
Batatais, nordeste do Estado de São Paulo: proximidade com as plantações facilita o contágio
doença emergente que surgiu no país em 1993 e já havia se espalhado por dez estados, com 158 mortes - este ano houve 12 casos, sete deles fatais. Há seis anos, quando a hantavirose chegou ao município de Guariba, no noroeste paulista, deixando um saldo de 16 mortes, o médico Luiz Tadeu Figueiredo, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), perguntou-se se esse vírus causaria apenas casos devastadores. "Não deve ser verdade", pensou. Figueiredo começou há cinco anos um inquérito sorológico em Jardinópolis, cidade de cerca de 30 mil habitantes próxima a Ribeirão Preto, e colheu amostras de sangue de 880 moradores. Ao analisar os resultados, publicados no início deste ano no Journal of Medicai Virology, ele ficou surpreso ao ver que 14,3% das pessoas tinham anticorpos contra os vírus, numa indicação de que já haviam tido contato com o agente causador da hantavirose, embora não apresentassem nenhum sintoma. "A doença grave é rara, mas a infecção é comum", afirma o pesquisador. Sua equipe também descobriu que mesmo quem sobrevive aos ataques mais severos dos hantavírus apresenta seqüelas, anos depois, como in50 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
disposição física, fraqueza e cicatrizes fibrosas no pulmão. "Sempre haverá casos novos de hantavirose, porque é impossível eliminar todos os ratos da natureza", comenta Luiz Eloy Pereira, pesquisador científico que coordenou a equipe do Lutz na expedição a São Sebastião, integrada também pelos biólogos Renato Pereira de Souza e Matheus Ferroni. Mas a doença é transmitida apenas por meio de roedores silvestres - e não por meio da água contaminada, como se comentou quando a epidemia apareceu em São Sebastião. "Nem as ratazanas de cidades nem os camundongos das casas transmitem os hantavírus", afirma Pereira, que passou boa parte dos últimos
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25 anos - ele tem 54 - no meio do mato, em busca de aranhas, insetos, carrapatos, aves, macacos ou ratos que possam espalhar vírus prejudiciais à saúde humana: no final de junho ele estava nas matas de Foz do Iguaçu, oeste do Paraná, atrás de aves migratórias que podem propagar o vírus do Nilo Ocidental, outra doença emergente grave cuja chegada ao país os especialistas consideram certa. Pode-se a princípio deter o vírus do Nilo, mantendo-se distância das aves que o transmitem, mas parece difícil fugir dos hantavírus: as hantaviroses se devem sobretudo à expansão das cidades sobre os espaços dos ratos silvestres. Perdendo espaço, os animais que
OS PROJETOS Diversidade Genética do Genoma de Vírus (H antavírus) MODALIDADE
Projeto Especial COORDENADOR
Luiz TADEU MORAES FIGUEIREDO FMRP/USP
Epidemiolog a das Febres Hemorrágicas Virais Causa ias por Arbovírus, Hantavírus e Arenavíruse Estudos da Associação Vírus-hospedeiro em Investigações de Hantavírus associados a SPH no Município de Anajatuba COORDENADOR PEDRO VASCONCELOS
- IEC
INVtbllMtNIU INVESTIMENTO R$ 1.557.340,73
R$ 500.000 00 (CNPqe Ministério da Saúde)
Nas Américas, os hantavírus - já foram identificados cerca de 15 tipos, cada um conduzido por espécies próprias de roedores - causam a chamada síndrome pulmonar por hantavírus (SPH), que conduz ao colapso dos pulmões e do coração, diferentemente das variedades européias, que danificam os rins. O problema é que a hantavirose, por provocar febre, dores nas costas, náuseas e vômitos, é facilmente confundida com gripe, dengue ou leptospirose, ampliando o risco de transmissão entre pessoas, uma possibilidade ainda remota, apenas com um caso confirmado na Argentina em 1996. Como não há medicamentos específicos, só podem ser tratados os sintomas. Em caso de dúvida os especialistas recomendam aos médicos: não peçam para os pacientes tomarem muito líNo campo - Ahanquido - a hidratatavirose está tamção pode ser fatal bém associada às Primeiros sinais se confirmada a plantações de soja, hantavirose. Não milho e feijão ou a da hantavirose se sabe ainda muipastos com capim podem ser to bem por quê, braquiária, de que mas, depois de se os roedores se aliconfundidos alojarem nos pulmentam. Em Cacom os da gripe mões, os hantavíjuru, no norte pauou da dengue rus aumentam a lista, só havia uma permeabilidade rua asfaltada sepacelular, permitinrando um pasto de do que a água do um condomínio de interior das células casas populares, se acumule nos pulmões. onde em 1999 duas pessoas se contamiMas há formas de deter o avanço naram com o Araraquara. Outras vezes dos roedores, que é impossível erradia causa é o desmatamento. Há quatro car, por serem abundantes e viverem anos, em General Carneiro, sul do Paespalhados. De acordo com a equipe do raná, os ratos entraram nas casas imLutz, quem mora próximo a mata, a provisadas dos camponeses que derruplantações ou a pastos deve tapar as bavam a mata de araucárias. frestas das casas para impedir a entrada De modo geral, os roedores com dos animais, além de guardar alimentos seus vírus aparecem quando há algum desequilíbrio, incluindo momentâneas em locais fechados e não deixar restos de comida espalhados. Outra medida alterações climáticas, como se deu em simples e eficaz: deixar as plantações a 1993 numa área desértica dos Estados pelo menos 60 metros de distância da Unidos. Por ter chovido além do habicasa e de seus anexos. tual, as plantas cresceram bastante e os É importante também manter os animais, com alimento em abundância, se proliferaram. Mas depois voltou a ariarredores da casa sem mato, até mesmo sem grama ou arbustos. Pereira conta dez e os ratos esfomeados se aproximaque esses roedores silvestres são ágeis ram das casas: em menos de um ano quando estão no mato, desviando-se cerca de 180 pessoas foram contaminahabilmente até mesmo dos galhos medas. "Os hantavírus são um problema nores, mas quando se encontram sobre no mundo inteiro", diz Akemi, do Adola terra nua ficam abobalhados, ansiopho Lutz. "Por sorte, no Brasil, os casos sos em busca de um refúgio. • são isolados e esporádicos." convivem com os hantavírus sem nenhum problema se aproximam das casas e dos depósitos de alimentos atrás de comida e de abrigo. Mesmo quando não os encontram, os animais deixam fezes, urina ou saliva com partículas dos vírus, que podem contaminar os seres humanos quando inaladas junto com a poeira levantada com o movimento dos tapetes ou de embalagens com comida. Foi assim que a hantavirose chegou aos municípios vizinhos a centros urbanos em crescimento contínuo como Uberaba e Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Foi também desse modo que apareceu no posto de pedágio de uma rodovia próxima a Sertãozinho, no interior paulista: os ratos se enfiaram nos buracos dos postes de iluminação e deixaram fezes que contaminaram uma das atendentes.
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PONTIFíCIA UNIVERSIDADE CATóLICA DE SãO PAULO
Você com todo o respeito.
■ CIÊNCIA FÍSICA
Quinto estado ,
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Equipe de São Carlos acredita ter criado um Condensado de Bose-Einstein, com átomos quase parados
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m meio a uma nuvem gasosa com 10 mil partículas elementares de sódio, lá estavam eles: aproximadamente mil átomos, empilhados uns em cima dos outros, a uma temperatura de 70 bilionésimos de grau acima do zero absoluto, 0 Kelvin (equivalente a -273,15 °C). Esse milhar de átomos hiperfrios é o primeiro indício de que o quinto estado da matéria pode ter sido criado num laboratório nacional. Físicos da Universidade de São Paulo (USP) acreditam ter produzido um Condensado de Bose-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos (ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única. É como se, de tão juntos, os átomos nessa fase da matéria formassem, na verdade, apenas um superátomo, estando praticamente imóveis e ocupando o mesmo espaço físico. "Ainda não detectamos diretamente o condensado", afirma Vanderlei Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP, coordenador do experimento, realizado no âmbito de um projeto temático financiado pela FAPESP. "Mas as evidências indiretas são convincentes." Estado da matéria previsto na década de 1920 pelo físico indiano Satyendra Bose e por Albert Einstein (daí o seu nome), o condensado abre as portas para um mundo ainda não muito bem compreendido. Nele, todos os átomos se movem a uma mesma velocidade, a mais baixa possível - ou, numa 52 ■ JULHO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 101
definição mais técnica, ocupam o mesmo nível basal de energia quântica. Essa propriedade não é encontrada em outros estados da matéria (sólido, líquido, gás ou plasma), nos quais os átomos apresentam variados níveis de energia. Os físicos especulam que tal característica pode ser útil para futuras aplicações em campos como a computação quântica ou novas formas de lasers. Durante sete décadas, esse estado da matéria foi apenas um conceito. Em 1995, dois grupos independentes, um da Universidade do Colorado e outro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, criaram os primeiros condensados, de rubídio e sódio. O feito levou-os a dividir o prêmio Nobel de Física em 2001. Por enquanto, o sinal mais confiável de que uma parte da fria nuvem de sódio criada em São Carlos deixou a física clássica e penetrou no mundo quântico é o espaço ocupado por uma fração de seus átomos - a fração que os
0 PROJETO Átomos Frios no Regime Quântico e Não Quântico: Colisões Atômicas e Outros Experimentos MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR - Instituto de Física de São Carlos/USP VANDERLEI BAGNATO
INVESTIMENTO
R$ 1.188.917,18
cientistas julgam compor o condensado. A medida da chamada densidade no espaço de fase é um parâmetro usado pela física para classificar a matéria quântica. "Segundo esse parâmetro, nossa amostra apresenta o condensado", diz Bagnato. Quanto menor o tamanho de uma nuvem gasosa confinada, menor a sua quantidade de energia e, portanto, mais baixa a sua temperatura. Os pesquisadores tiraram, então, uma espécie de fotografia digital dos átomos do condensado e mediram o seu tamanho? Não exatamente. Na verdade, eles iluminaram com um laser a nuvem de átomos de sódio e observaram a formação de penumbras. Onde havia átomos ocorreram a absorção de luz e a geração de sua respectiva sombra. Em seguida, obtiveram um registro dessa sombra em sensores eletrônicos similares aos de uma câmera digital. Dessa forma indireta, mediram o tamanho da nuvem de átomos e de um eventual condensado que pudesse estar ali. Depois de ter realizado os procedimentos descritos acima, a equipe do IFSC concluiu que o tamanho de todos os 10 mil átomos da nuvem de sódio produzida em seu laboratório alcançava em média 6 micrômetros (um metro dividido em um milhão de pedaços é um micrômetro). Já o tamanho específico dos mil átomos que formam o aparente condensado era em torno de 2 micrômetros. De acordo com as medidas feitas pelos pesquisadores, um agrupamento de átomos de sódio de tal grandeza está a uma temperatura de 70
Temperatura em nanoKelvin
Número de átomos
500 mil
100 milhões
200 mil
20 milhões
40 mil
1 milhão
4 mil
100 mil
70
10 mil dos quais mil átomos no condensado
0 caminho do condensado A nuvem gasosa de sódio é resfriada até restarem os átomos com menor nível de energia quântica
nanoKelvin, os tais 70 bilionésimos de grau acima do zero absoluto. Nas condições do experimento levado a cabo, átomos nessa temperatura e com a densidade medida já atingiriam a degenerescência quântica, formando um Condensado de Bose-Einstein. Eles não sabem ao certo quantos átomos chegaram a esse estado da matéria. Calculam que sejam cerca de mil. Problema: esse tipo de evidência não basta para provar que ali havia um condensado. "É necessário ver explicitamente a fração de átomos condensados", explica Bagnato. Devido ao reduzido número de átomos utilizados no experimento (hoje há grupos no exterior fazendo condensados com bilhões de átomos) e a limitações próprias das máquinas usadas pelos pesquisadores paulistas, não foi possível observar de forma direta os átomos do condensado, medição que comprova, inequivocamente, a sua existência. Faltou fazer o chamado teste do tempo de vôo dos átomos, que, dentro da nuvem gasosa, permite separar as partículas que atingiram a degenerescência quântica - e formam um condensado - das que não chegaram a esse ponto. "Fomos até o limite dos equipamentos, mas não deu para fazer o tempo de vôo", afirma Luis Gustavo Marcassa, outro pesquisador do IFSC. Em que consiste esse teste? Os cientistas desligam toda a parafernália que resfria a nuvem de átomos de sódio e têm entre 5 e 15 milissegundos para registrar a energia cinética (a velocidade) das partículas presentes no gás diluído. A partir dessa medição, inferem a sua temperatura. Quando existe um condensado em meio a uma nuvem gasosa, o teste de tempo de vôo resulta numa figura que lembra uma montanha com um pico bem agudo. Tal figura ainda não foi gerada. "Algum tipo de contaminação do meio externo deve ter interferido no experimento deles", opina o físico teórico Mahir Saleh Hussein, da USP da capital paulista. Bagnato acredita que as limitações se devem a campos magnéticos externos que deslocam os átomos. O problema deverá ser contornado se os pesquisadores conseguirem fazer um condensado com mais átomos, provavelmente com outro tipo de equipamento, já em construção. • PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 53
Floresta alagada: quantidade liberada de metano ĂŠ oito vezes maior do que se imaginava
CIÊNCIA
ECOLOGIA
da
As faces ^
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Amazonia
Florestas de terra firme e trechos alagados se comportam de modo diferente ALESSANDRA PEREIRA
lguns trechos da Floresta Amazônica funcionam de modo inverso do que se pensava: a Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, por exemplo, libera mais dióxido de carbono i (C02) do que consome, de acordo com estudos recentes realizados no Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), projeto multinacional que aos poucos elucida o funcionamento climático e bioquímico da floresta que cobre pouco mais da metade do território brasileiro. Mais conhecido como gás carbônico, o C02, produzido pela respiração dos seres vivos e pela queima de combustíveis fósseis como o petróleo, é o principal gás que regula a temperatura da atmosfera terrestre. Outra descoberta da equipe do LBA: uma área correspondente a um quinto da Amazônia - as florestas alagadas, sujeitas à inundação durante o período das chuvas - emite uma quantidade elevada de metano (CH4), outro gás associado ao aquecimento da Terra, o efeito estufa. Um dos 27 estudos sobre o LBA publicados em maio, numa edição especial da revista Global Change BioPESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 • 55
logy, mostra que o volume de metano liberado para a atmosfera por essas áreas situadas perto de rios e igarapés (riachos), na parte baixa da Bacia Amazônica, é até oito vezes maior do que se pensava. Análises feitas pela equipe coordenada por John Melack, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, indicam que as florestas inundadas próximas a Manaus, no Amazonas, liberam também uma quantidade de C02 equivalente a 40% à que é absorvida em terra firme.
mais intensamente. O fato novo é que ocorre o inverso nas de áreas inundadas, que crescem mais durante a seca, segundo Humberto Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Provavelmente esse fenômeno está associado ao excesso de água que limita a fotossíntese, processo pelo qual as plantas sob a luz solar transformam o carbono absorvido da atmosfera em longas moléculas de açúcar (celulose), o principal componente da madeira. O projeto LBA derrubou outro conceito antigo sobre a "ão imaginávamos valores tão altos de Amazônia: a floresta sofre por falta de nutrientes. Pensava-se emissões de metano e de C02 nessas áreas que somente a falta do fósforo limitava o crescimento das áralagadas", comenta Paulo Artaxo, do Insvores. De fato, o fósforo é o principal nutriente nas matas intituto de Física da Universidade de São tocadas ou primárias. Mas um estudo realizado nas matas do Paulo (USP), um dos coordenadores do Pará mostrou que em áreas degradadas é a deficiência de ouLBA, projeto orçado em US$ 80 mitro nutriente, o nitrogênio, elemento lhões que reúne cerca de mil pesquisaquímico abundante na floresta, que lidores da América Latina, dos Estados mita o crescimento da vegetação. "As Unidos e da Europa. Mas essa emissão sucessivas queimadas diminuem a de metano, mesmo em uma quantiquantidade de nitrogênio, que se transUm estudo feito dade tão elevada, não contribui para forma em gás com o calor do fogo", cono Pará mostrou agravar o aquecimento global, pormenta um dos organizadores da conque nas áreas que, no balanço geral, a Amazônia ferência do LBA, Michael Keller, está em equilíbrio, de acordo com cálpesquisador do Instituto Internacional degradadas é culos recentes. Ou seja, a quantidade Estudos das Florestas Tropicais, lio nitrogênio de de gases associados ao efeito estufa gado ao Departamento de Agricultura emitidos pela floresta, por queimadas, dos Estados Unidos. "O nitrogênio li- e não o fósforo, pelo solo e por partes alagadas, é prateralmente vai embora com a fumacomo nas matas ticamente o mesmo que a absorvida ça", diz ele. Essa descoberta tem uma intocadas pelo ecossistema como um todo, seaplicação: para recuperar as áreas degundo cálculos publicados por Artaxo gradadas pela agricultura ou pecuáque limita e Eric Davidson, do Centro de Pesquiria, possivelmente será preciso adio crescimento sas Woods Hole, nos Estados Unidos. cionar ao solo fertilizantes à base de Em termos práticos, a Amazônia não nitrogênio, em quantidades elevadas. das plantas é nem a grande fonte de oxigênio do Somente na porção brasileira da Floplaneta, nem a grande poluidora. resta Amazônica, 25 mil quilômetros quadrados são desmaiados por ano. Interações - Os achados sobre a emisCuriosamente, em outra evidênsão de metano constituem apenas uma cia de como os trechos da Floresta amostra dos 700 estudos que serão apresentados na 3a ConAmazônica se comportam de modo diferente, a velocidade ferência Científica do LBA, a ser realizada em Brasília de 27 a do crescimento da mata varia ao longo de sua extensão les29 deste mês - é a primeira vez que tantas novidades sobre a te-oeste, desde o Pará até a Colômbia. De acordo com um esAmazônia serão divulgadas simultaneamente. O conhecitudo do grupo de Yadvinder Malhi, da Universidade de Oxmento acumulado desde o início do projeto, em 1998, permiford, na Inglaterra, a floresta tende a crescer e a morrer três te agora aos especialistas ter uma idéia mais precisa de como vezes mais rapidamente na porção oeste - abrangendo os esa vegetação interage com a atmosfera e ajuda a dimensionar tados de Rondônia e Amazonas e trechos da Bolívia, do Peru, o impacto da presença do homem na floresta: estima-se que da Colômbia e da Venezuela - do que na parte leste. Como 24 milhões de pessoas vivam na Amazônia, que se estende explicar? Uma das hipóteses é que as taxas mais altas de crespelo Brasil, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. cimento se devem à fertilidade do solo nas áreas próximas à O funcionamento da Floresta Amazônica, que de maneiCordilheira dos Andes, aparentemente maior do que nos sora geral parece homogêneo, revela-se muito complexo em um los do leste. olhar detalhado, a ponto de variar bastante de uma região para outra. A Amazônia não é uma floresta uniforme, do Uso da terra - Se a falta de nitrogênio no solo gera probleponto de vista da paisagem e do comportamento químico e mas para as plantas da floresta, o excesso desse elemento na físico, mas um mosaico de paisagens distintas, que, no conatmosfera também provoca mudanças negativas, como se junto, formam um desenho único. De acordo com os trabapode observar em fazendas de gado em Rondônia. Uma lhos a serem apresentados em Brasília, as florestas de terra equipe formada por pesquisadores brasileiros e norte-amefirme, que ocupam cerca de 80% da área total da Amazônia, ricanos coletou águas das chuvas em Balbina, no Amazonas, e as florestas alagadas se desenvolvem em épocas distintas. uma das áreas em que a floresta está mais preservada, e tamNa estação chuvosa, entre novembro e abril, as árvores das bém em Rondônia, onde a vegetação já sofreu sucessivas florestas de terra firme absorvem mais carbono e crescem queimadas para dar lugar às pastagens. 56 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
Floresta de terra firme: plantas absorvem mais carbono e crescem mais rapidamente que as de áreas alagadas
A análise das amostras de água de chuva dessas duas regiões mostrou resultados muito distintos. Enquanto a chuva em Balbina contém uma pequena quantidade de nitrogênio - 2,9 quilos por hectare -, encontrado na forma de nitrato, nutriente essencial para o crescimento das plantas, em Rondônia a chuva traz em média 5,7 quilos de nitrogênio por hectare. Segundo Luciene Lara, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, a quantidade de nitrogênio em Rondônia é similar à de áreas desenvolvidas do Estado de São Paulo. Vêm daí alguns problemas: gerados a partir do nitrogênio, os nitratos tornam o solo mais ácido, diminuindo a produtividade das plantas e aumentando a proliferação de algas em rios e lagos. Ainda não há como mensurar o impacto do acúmulo de nitrogênio nas florestas brasileiras, pois os danos ao ecossistema só aparecem em 20 ou 30 anos. Mas é possível, sim, ter uma idéia do tamanho do potencial estrago. Durante a década de 1960 a destruição de florestas na Suécia e na Alemanha foi causada por quantidades elevadas de nitratos e sulfatos. "Na Europa é mais simples medir o impacto na vegetação, pois existem pouquíssimas espécies de vegetais nas florestas", afirma Paulo Artaxo. "Na Amazônia, a enorme biodiversidade dificulta os estudos de impactos na vegetação." Um dos maiores desafios da Amazônia e outro tema a ser debatido na conferência do LBA é como conciliar preservação da natureza com as necessidades das populações que vivem na floresta. O governo federal anunciou que pretende asfaltar a BR-163, rodovia que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Santarém, no Pará, para escoar a produção agrícola e pecuária, mas cientistas e membros de organizações nãogovernamentais temem o desflorestamento da Amazônia Central, que costuma acompanhar a construção de estradas. O receio é justificado: cerca de 14% da Floresta Amazônica já foi devastada e 10% dessa área, equivalente ao Estado de São Paulo, está abandonada porque o solo se tornou pobre em nutrientes ou com erosão acentuada ou ainda porque os pequenos agricultores não tinham mais recursos para investir no plantio. Britaldo Soares, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do LBA, acredita que seja possível reduzir pela metade o desmatamento ao longo da estrada se antes de sua construção for adotada uma nova estratégia de ocupação, incluindo incentivos fiscais para preservação, organização das redes de produtores rurais, medidas regulatórias de ocupação e uma rígida e efetiva fiscalização. Outra participante do projeto, a geógrafa Bertha Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também trabalha nessa área. "Podemos estabelecer um novo modelo de povoamento, criar unidades de conservação e capacitar a população local para o manejo florestal com certificação da madeira", comenta ela. "É necessário criar na Amazônia oportunidades de crescimento econômico com compromisso social e ambiental." • PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 57
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USP
O molde da
excelência acadêmica Na série de reportagens sobre os 70 anos da Universidade de São Paulo, a trajetória da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, laboratório de idéias que transformou o ensino superior FABRíCIO MARQUES
Universidade de São Paulo (USP) tornou-se o grande paradigma brasileiro em excelência acadêmica graças a um modelo semeado pioneiramente na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). A USP foi criada em 1934, incorporando notáveis escolas superiores que já formavam profissionais da elite paulista brasileira, como a Faculdade de Medicina, a de Direito do largo de São Francisco e a Politécnica. Mas na Faculdade de Filosofia, nascida em conjunto com a universidade para servir de amálgama interdisciplinar entre as unidades já existentes, aplicaram-se conceitos que moldariam o ensino superior nacional, como a indissociabilidade do ensino e da pesquisa, o rigor científico como método e o investimento na pesquisa básica, aquele conhecimento desinteressado que empurra as fronteiras do saber e produz contribuições surpreendentes. Até a criação da USP, os catedráticos da Faculdade de Medicina, por exemplo, eram grandes clínicos e 58 ■ JULHO DE 2004 ■ PESUUISA FAPESP 101
Estudantes no prédio da Geografia e da História, departamentos que permaneceram na faculdade após a reforma universitária
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us cirurgiões que, na maior parte do tempo, salvavam vidas. Só alguns poucos faziam pesquisa de qualidade. A Politécnica e a Faculdade de Direito abasteciam o país de engenheiros e advogados, mas seus professores dividiam-se entre a formação dos alunos e suas atividades profissionais particulares. Com honrosas exceções, destacavam-se mais por transmitir um saber tecnológico do que por produzir conhecimentos básicos. "Até o advento da Faculdade de Filosofia e da USP, não era muito claro o limite entre o cientista e o erudito, entre o pesquisador e o diletante", diz o professor de sociologia Sedi Hirano, atual diretor da FFLCH. "Até mesmo a idéia de que a atividade científica é uma vocação, uma profissão com dedicação exclusiva, só se consolidou no país a partir da experiência da Filosofia", afirma. Hoje a FFLCH tem 10.235 estudantes de graduação e 2.117 de pós-graduação e congrega 11 departamentos da área de Humanidades: Letras Clássicas, Letras Modernas, Letras Orientais, Lingüística, Teoria Literária, Filosofia, História, Geografia, Antropologia, Sociologia e Ciência Política. Mas, em seus primórdios, praticamente todo o conhecimento cabia dentro da instituição. Ela surgiu em 1934 com um nome abrangente, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), reunindo também os núcleos de Ciências Naturais, Química, Física e Matemática. Era uma "universidade em miniatura", como definiu o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995) no livro A questão da USP (1984). Sob os auspícios da oligarquia paulista, a nascente Faculdade de Filosofia foi beber diretamente da fonte européia. O primeiro diretor da instituição, Theodoro Augusto Ramos, matemático da Escola Politécnica, foi encarregado de contratar dezenas de professores da França, da Itália, da Alemanha e de Portugal. As missões estrangeiras trouxeram hábitos que marcariam a cultura universitária do país, como a renovação anual dos cursos e o planejamento rigoroso das aulas. Havia professores já consagrados e jovens talentos que construíram reluzentes carreiras acadêmicas nas décadas seguintes. A maioria veio da França, como o antropólogo Claude Lévi-Strauss, o historiador econômico Fernand Braudel, o sociólogo Roger Bastide ou os professores de filosofia Martial Guéroult e Jean Maugüé, um grande influenciador do estudo da psicologia. A Itália mandou, entre outros, seu grande poeta Giuseppe Ungaretti e o físico Gleb Wataghin, russo de nascimento, um dos responsáveis pelo estabelecimento da física experimental como atividade científica no Brasil. A Alemanha compartilhou com o Brasil sua base teórica em química, enviando professores como Heinrich Rheinboldt. O português era idioma raríssimo nas salas de aulas, ministradas, em geral, em francês ou italiano. Parecia uma missão colo60 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
nizadora, mas a realidade era mais complexa que as aparências. O fato é que a sociedade e a comunidade acadêmica de São Paulo mostraram-se maduras para absorver a contribuição européia. O escritor modernista Mário de Andrade, por exemplo, associou-se a Claude LéviStrauss na fundação da Sociedade de Etnografia e Folclore. Logo os mestres europeus estariam cercados de discípulos brasileiros, como o professor francês de geografia humana Pierre Monbeig e o estudante Caio Prado Júnior, ou o físico ítalo-russo Gleb Wataghin e os jovens Mário Schenberg e Marcelo Damy. Alguns mestres europeus passaram poucos anos no Brasil, outros permaneceriam até meados dos anos 1960 - inaugurando uma tradição de intercâmbio internacional de professores e estudantes que é forte até hoje (a faculdade mantém 40 convênios com instituições no exterior). Mas, como estava previsto, os docentes estrangeiros cederiam espaço paulatinamente para os brasileiros que ajudaram a formar, caso do físico Oscar Sala, do geneticista Crodowaldo Pavan, do sociólogo Florestan Fernandes ou do geógrafo Aziz Ab'Saber.
No dia 3 de outubro de 1968, a batalha entre estudantes da Faculdade de Filosofia e adeptos do Comando de Caça aos Comunistas instalados na Universidade Mackenzie deixou um aluno morto e causou a depredação do prédio da rua Maria Antônia
Ousado e grandiloqüente, o projeto da Faculdade de Filosofia sofreu, é certo, turbulências na decolagem. Nos idos de 1936 e 1937, chegou-se a discutir o fechamento da instituição, uma vez que os aspirantes a uma vaga na USP continuavam tomando o caminho da Faculdade de Medicina, da Escola Politécnica e da Faculdade de Direito, provavelmente assustados com a exótica experiência em curso na Faculdade de Filosofia. Nos dois primeiros anos de existência da instituição, era moda entre a elite paulistana freqüentar as aulas da Filosofia, para melhorar o quorum das salas. Deve-se à engenhosidade do educador, sociólogo e historiador Fernando de Azevedo, que fora diretor da Instrução Pública de São Paulo e viria a comandar a faculdade nos anos 1940, a solução que resgatou a instituição das dificuldades iniciais. Em vez de formar a elite, como faziam as unidades da USP mais antigas, a nova faculdade voltou-se para a classe média. Um decreto determinou que professores de escolas primárias que passassem no vestibular dos cursos da Filosofia e tivessem sempre nota superior a 7 poderiam afastar-se das salas de aulas e continuariam a receber o
salário de docente enquanto estudavam, artifício conhecido como comissionamento. Dessa forma, a faculdade encheu-se de ex-normalistas para formar bons professores secundários. "Foi graças a esse decreto que eu pude me formar", recorda-se o historiador José Sebastião Witter, professor-emérito da FFLCH. Em 1953, Witter formara-se numa Escola Normal de Mogi das Cruzes e, depois de trabalhar cinco anos como professor primário, ingressou na Faculdade de Filosofia em 1958. "A situação do ensino era completamente diferente. As escolas normais davam uma excelente formação e tinham mestres competentíssimos", diz Witter. A vocação de formar professores mantém-se até hoje, sobretudo em carreiras como letras, história e geografia, embora a figura do comissionamento tenha sido abandonada. As décadas de 1950 e 60 foram a época de ouro da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, convertida no centro do pensamento brasileiro. Em 1941, a efervescência ganhou um endereço: a Faculdade de Filosofia, que vagara por diversos prédios, alguns emprestados, fixouse no lendário edifício da rua Maria Antônia. Nos correPESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 61
USP
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dores, cruzavam-se as grandes referências acadêmicas como Antônio Cândido, que se tornaria o patrono da teoria literária no Brasil, o sociólogo Florestan Fernandes, além de Sérgio Buarque de Holanda, o historiador que criou o conceito do homem cordial e se incorporou à faculdade no final dos anos 1950. Orbitavam ao redor de dona Floripes, funcionária que anotava recados para todos na portaria da Maria Antônia. A época é marcada pelos trabalhos sobre relações raciais no Brasil, liderados por Florestan, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, que refutaram a idéia do paraíso racial brasileiro, ou do livro Os parceiros do Rio Bonito, de Antônio Cândido, um clássico da sociologia brasileira a respeito dos caipiras marginalizados do interior paulista. Também foi nessa fase que a faculdade transformou-se num caldeirão de efervescência política. Vicejava entre professores e alunos o que ficaria conhecido como "pensamento radical", com base no qual os intelectuais, na maioria de orientação marxista, viamse numa esfera à parte dos políticos e do povo e reivindicavam para si a missão de comandar as mudanças da sociedade. O primeiro grande movimento ocorreu entre 1955 e 1962, quando a Faculdade de Filosofia foi o principal pólo de debates e críticas à privatista reforma do ensino proposta pelo político Carlos Lacerda. O bastião em defesa da escola pública era o prédio da rua Maria Antônia, Florestan Fernandes à frente. Após a deposição de João Goulart, os militares encontraram na Faculdade de Filosofia, com seus professores e alunos com forte in-
Os professores europeus que fundaram a faculdade (ao lado) e a primeira turma de alunos, formada em 1936 (página ao lado). Nos primeiros anos, a instituição não atraiu um contingente expressivo de alunos. A solução foi oferecer vantagens para que professores primários fizessem curso superior
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Em 17 de março de 2004, a comemoração dos 70 anos da FFLCH reuniu os mestres Octavio Ianni (que morreria três meses depois), Alfredo Bosi, Antônio Cândido, Sedi Hirano e Marilena Chauf
clinação esquerdista, um aguerrido foco de desafio à ditadura. "A faculdade se distanciou muito daquilo que as oligarquias pensaram para ela", disse, num recente discurso nas comemorações dos 70 anos da faculdade, o professor Antônio Cândido. "Em 1964, todas as congregações da USP apoiaram o golpe militar, menos a Faculdade de Filosofia. E não porque era de esquerda, mas porque era contra a opressão." O resultado desse embate entrou para os livros de história: no dia 3 de outubro de 1968, uma batalha campal entre lideranças estudantis da Faculdade de Filosofia e seguidores da organização direitista Comando de Caça aos Comunistas instalados na vizinha Universidade Mackenzie terminou com a morte de um estudante secundarista, três universitários baleados, dezenas de feridos e
a depredação da sede da FFLCH. Mas o maior golpe viria em seguida, com a aposentadoria compulsória, com base no Ato Institucional 5, das vozes mais prestigiadas da faculdade, como José Arthur Giannotti, Emília Viotti da Costa, Octavio Ianni, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, entre outros. A FFLCH sofreu uma mudança de perfil. Com a reforma universitária, perdeu os últimos departamentos ainda ligados à área de ciências, fixando-se nas humanidades. Também foi expulsa do ambiente integrador da Maria Antônia para dispersar alunos e professores num conjunto de prédios com 41 mil metros quadrados na Cidade Universitária. Destituída de suas cabeças mais famosas e distante do modelo original, a FFLCH mostrou, nos anos 1970 e 80, que continuava capaz de produzir massa crítica de primeirís-
sima linha e seguiu como um pólo importante do pensamento acadêmico. Recentemente, foram aprovados vários projetos temáticos da FAPESP, sob coordenação dos professores da Faculdade de Filosofia, tratando de temas como a filosofia do século 17, filosofia e história da ciência e moral, política e direito. A faculdade que se notabilizou pela efervescência política dos anos 1960 forneceu quadros para o poder após a redemocratização. Nos anos 1990, com a ascensão do professor de sociologia cassado pelo AI-5, Fernando Henrique Cardoso, à Presidência da República, egressos da FFLCH ocuparam cargos importantes, desde o Ministério da Cultura (Francisco Weffort) à formulação de políticas de educação. A circunstância se repete, com outros nomes, naturalmente, no governo Lula - do porta-voz André Singer ao presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Glauco Arbix. A produção dos mais de 300 alunos de graduação com projetos de iniciação científica abastece uma coleção de livros, batizada de Primeiros Estudos, editada pela própria faculdade. "São trabalhos de qualidade, que orgulham a faculdade", diz o presidente da Comissão de Pesquisa, Moacyr Novaes. O primeiro volume, publicado em 2001, reúne uma coleção de textos sobre as políticas de industrialização em São Paulo nos anos 1990, coordenado pelo professor de sociologia Glauco Arbix. O segundo, lançado em 2003, discorre sobre o pensamento de Jean-Paul Sartre. Dos 24 programas de pós-graduação, 16 têm ótimo conceito, sendo que três têm a nota máxima da avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pesssoal de Nível Superior (Capes): Literatura Brasileira, Semiótica e Lingüística Geral, e Sociologia. O rigor metodológico e a curiosidade científica semeados pelas missões européias, como se vê, não perderam o fôlego ao longo dos 70 anos de existência da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. •
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org
■ Economia
■ Sociologia
A cor da literatura
Causa do desmatamento Entender as forças determinantes do desmatamento que ocorre em áreas de colonização ao longo da rodovia Transamazônica é a essência do artigo "Ciclo de vida da família e desmatamento na Amazônia: combinando informações de sensoriamento remoto com dados primários", de Marcellus Marques Caldas (Universidade Harvard), Robert Walker e David Skole (ambos da Universidade Estadual de Michigan), Ricardo Shirota (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e Stephen Perz (Universidade da Flórida). O estudo examina as relações entre as características sociodemográficas das famílias de pequenos produtores na Amazônia e o ciclo de vida no processo de tomada de decisão de desmaiar. O estudo de análise foi conduzido combinando informações de sensoriamento remoto e de sistema de informações geográficas com dados primários de 153 pequenos produtores estabelecidos ao longo da rodovia Transamazônica. Os resultados levaram à conclusão de que as características sociodemográficas das famílias, bem como fatores institucionais e de mercado, influenciam a tomada de decisão de uso da terra. Isso sugere que os efeitos observados são explicados pela mudança para pastagens, no momento em que há transição de sistemas agrícolas de subsistência para sistemas mais orientados para o mercado. Além disso, a demanda de consumo da família exerce notável efeito, indicando que este tipo de abordagem, isto é, modelos que consideram a agricultura familiar, é importante em análises de processos de desmatamento em áreas de colonização. Segundo o estudo, o desmatamento tem várias causas, entre elas as políticas governamentais para a região, abrangendo a construção de estradas, a extração madeireira, a mineração, a criação de fazendas agropecuárias e a migração de pequenos produtores. REVISTA BRASILEIRA DE ECONOMIA RIO DE JANEIRO - OUT./DEZ. 2003
VOL.
57 - N° 4
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-7140 2003000400002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
64 • JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
O artigo "A trajetória do negro na literatura brasileira", de Domício Proença Filho, da Universidade Federal Fluminense, tem o objetivo de traçar o percurso do negro no discurso literário nacional sob dois posicionamentos: a condição negra como objeto, numa visão distanciada, e o negro como sujeito, numa atitude compromissada. São destacados textos literários "sobre" o negro, de um lado, e a literatura "do" negro, de outro. O estudo identifica, ao longo do processo literário brasileiro, estereótipos da visão preconceituosa, explícita ou velada. O autor destaca o negro como sujeito do seu discurso e de sua ação em defesa da identidade cultural. Nessa direção, seleciona autores e textos representativos produzidos a partir dos anos 1970, momento de efervescência dos movimentos de auto-afirmação da etnia. "A presença do negro na literatura brasileira não escapa ao tratamento marginalizador que, desde as instâncias fundadoras, marca a etnia no processo de construção da nossa sociedade", diz o pesquisador no artigo. Entretanto, segundo ele, tal imagem está se diluindo diante dos posicionamentos daqueles que seguem se empenhando na luta pela afirmação cultural e pela legítima e devida integração do negro à sociedade brasileira, para além dos estereótipos e das distorções. "É importantíssima a ocupação pelos negros e seus descendentes de espaços literários e de outros espaços igualmente culturais até então timidamente freqüentados." ESTUDOS AVANçADOS
- VOL. 18 - N° 50 - SãO PAULO •
2004 www.scielo.bi7scielo.php?script=scLarttext&pid=S010340142004000100017 &lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Psicologia
Para abrir horizontes O estudo "A psicologia no novo contexto mundial", de Carla Faria Leitão e Ana Maria Nicolaci-da-Costa, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), analisa algumas reflexões recentes desenvolvidas nas ciências sociais e na filosofia que compõem as teorias pós-modernas, as da modernização reflexiva e as da revolução da tecnologia da informação. O artigo segue o princípio de que as recentes e radicais alterações do cenário mundial vêm gerando impactos
profundos na produção científica contemporânea. "Recentemente, em boa parte dos trabalhos sobre sociologia e filosofia, antigas referências teóricas foram abandonadas e novos conhecimentos foram construídos para compreender o mundo globalizado e seus laços de coesão social", afirmam elas no artigo. A autora observaram, contudo, que o mesmo parece ainda não ocorrer no campo psicológico. "Grande parte dos trabalhos da psicologia continua a utilizar exclusivamente teorias tradicionais para interpretar os impactos psicológicos gerados pelo novo contexto social." Por meio da análise de três correntes teóricas da atualidade, o objetivo do estudo é munir os psicólogos de conhecimentos advindos de outros campos disciplinares que sirvam como ponto de partida para a análise das mudanças subjetivas introduzidas pelo novo cenário mundial. "Torna-se fundamental que os psicólogos conheçam com maior profundidade as transformações sociais em curso para que sejam capazes de rever suas antigas certezas a respeito do homem e a aventurar novos olhares sobre os novos fenômenos humanos". ESTUDOS DE PSICOLOGIA (NATAL) NATAL - SET./DEZ. 2003
de alto potencial produtivo", segundo o artigo. Foram introduzidos ainda novos métodos de manejo na cultura, incluindo técnicas mais eficientes de irrigação associadas a novas fórmulas para nutrição de plantas. Outro fator favorável foi a melhor integração entre os setores agrícola e industrial. As importações reduziram-se significativamente em 1999, cedendo maior espaço para a produção interna. As indústrias inovaramse com o lançamento de embalagens mais práticas e novos produtos menos concentrados e de maior valor agregado. HORTICULTURA BRASILEIRA
- VOL. 22
N°
1 - BRASíLIA
- JAN./MAR. 2004 www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0102-053 62004000100033&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Agropecuária
Similaridade genética
- VOL. 8 - N° 3 -
www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S1413-294X 2003000300009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Agricultura
Fonte de riqueza A cadeia agroindustrial do tomate posiciona-se entre as mais importantes no contexto do agronegócio. Segundo o artigo "Desempenho da cadeia agroindustrial brasileira do tomate na década de 90", de Paulo César de Melo, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, e Nirlene Vilela, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Hortaliças), o mercado de derivados de tomate para processamento industrial fechou a década de 1990 com um faturamento de US$ 500 milhões. Por conta disso, a idéia do estudo foi analisar o desempenho da cadeia agroindustrial do tomate naquela década. "Esta cadeia apresenta elevada importância socioeconômica no contexto do agronegócio, principalmente por sua elevada capacidade de geração de emprego e renda em todos os setores da economia", afirmam os pesquisadores. O artigo mostra que, no ano 2000, comparado a 1990, apesar da redução de 45% na área plantada, a produtividade aumentou mais de 93%. "Diversos fatores contribuíram para elevação da produtividade, entre eles a concentração da produção em áreas de Cerrado favorecidas pelo solo e clima, além da adoção de tecnologias avançadas substituindo cultivares de polinização aberta por híbridos
O artigo "Similaridade genética entre raças bovinas brasileiras", das pesquisadoras Priscila Rangel e Márcio Ferreira, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e Maria Zucchi, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), procurou estimar a similaridade genética entre animais das raças bovinas crioulo lageano e Junqueira. O objetivo foi conhecer a diversidade das raças nacionais com o intuito de contribuir para a definição de estratégias de conservação e uso do patrimônio genético no melhoramento de bovinos no Brasil. A comparação, que teve como referência animais de diferentes raças comerciais das espécies bos taurus e bos indicus, foi realizada por meio da análise de polimorfismo de DNA, com base em marcadores Rapd. "Acredita-se que as raças Junqueira e crioulo lageano possam apresentar uma alta similaridade genética, oriunda de um processo de domesticação e formação racial comum, por possuírem semelhanças fenotípicas específicas, tais como formato da cabeça, tamanho dos chifres e porte", dizem os pesquisadores. Porém o estudo revelou que ao contrário do que era previsto os animais das raças crioulo lageano e Junqueira não apresentaram similaridade elevada entre si quando comparados com animais de outras raças comerciais. Os dados mostraram que as duas raças sofreram contribuições genéticas distintas no processo de formação racial. "A divergência genética apresentada indica que elas foram submetidas a um processo de formação independente. Isto sugere que animais dessas raças sejam conservados em rebanhos independentes e utilizados como fontes distintas de alelos de interesse em programas de melhoramento genético", aponta o artigo. PESQUISA AGROPECUáRIA BRASILEIRA BRASíLIA - JAN. 2004
- VOL. 39 - N° 1 -
www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0100-204X 2004000100015&lng=pt&nrm=iso&ting=pt
PES0UISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 65
■ TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUçãO
MUNDO
Aumenta a definição, diminui a espessura Toda novidade costuma abalar o mercado. E com o diodo de emissão de luz orgânica (Oled) não foi diferente. A tecnologia para telas de televisão, celular e computador, baseada no uso de polímeros com propriedades elétricas - um tipo de plástico que emite luz quando uma corrente elétrica passa por ele -, já nasce com uma série de vantagens sobre a rival, que usa cristal líquido: ângulo de visão lateral mais amplo e rapidez de resposta, com imagens mais nítidas. Além de contraste com mais qualidade e espessura de tela muito mais fina. Em maio, algumas empresas apresentaram no Simpósio Internacional da Society
■ Locomotiva com célula a combustível O maior veículo do mundo movido a célula a combustível já está em desenvolvimento. Trata-se de uma locomotiva destinada a cumprir funções comerciais e de defesa, que dispõe de fundos de US$ 1 milhão para o primeiro ano de produção. A célula a combustível converte hidrogênio em eletricidade baseada na eletroquímica, como uma bateria, e não na combustão. É eficaz, silenciosa e não pro- g duz emissões poluentes. g O projeto avalia dois tipos ° de combustíveis capazes de § fornecer hidrogênio. Um que utiliza hidridos (composto químico que contém hidrogênio) de metal possível
Telas mais nítidas e brilhantes: até no relógio
for Information Display, em Seattle, nos Estados Unidos, as novidades do setor. Entre as empresas que levaram inovações em Oled para Seattle está a Philips, que demonstrou o primeiro protótipo da PolyLed TV de 13 polegadas. A previsão
de ser armazenado a bordo e outro que usa hidrido de amônia para geração de hidrogênio fora da composição. No primeiro caso, os testes demonstraram a segurança do armazenamento. No caso do uso de uma célula a combustível com amônia, trata-se de uma substância que produz uma mistura de 75% de hidrogênio e 25% de nitrogênio. O nitrogênio é separado e evapora para a
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do fabricante é colocar no mercado as TVs de Oleds com telas de finíssima espessura (equivalente à de um vidro de janela) em no máximo cinco anos. Outro sinal de que os Oleds estão chegando com força no mercado foi o anúncio de uma
atmosfera sem causar danos. O projeto foi concebido e é coordenado pela empresa Vehicle Projects LLC de Denver, nos Estados Unidos. O financiamento e a administração são do Centro Nacional Automotivo de Comando e Engenharia, Desenvolvimento, Pesquisa e Armamentos dos Estados Unidos. A locomotiva vai operar por 30 a 40 horas seguidas e deverá ficar pronta em cinco anos. •
joint venture entre a Cambridge Display Tecnology (CDT), de Cambridge (Reino Unido), e a Sumitomo Chemical, de Tóquio (Japão), empresa que também apresentou um protótipo de tela Oled no simpósio. Ambas trabalharão para desenvolver aparelhos que usam emissão de luz orgânica em aparelhos eletrônicos. •
■ Nanotubos para um megaprojeto Os nanotubos de carbono são a nova promessa para a fabricação de semicondutores. A novidade, que deverá melhorar o desempenho desses dispositivos presentes em todos os tipos de equipamento eletrônico, foi anunciada pelas empresas norte-americanas Nantero, de Massachusetts, e LSI Logic, da Califórnia. Elas vão desenvolver uma tecnologia própria de processamento de semicondutores utilizando nanotubos de carbono com a tecnologia CMOS (complementary metal oxide semiconductor ou metal oxido semicondutor complementar), que responde por mais de 85% dos chips
fabricados no mundo. A Nantero também desenvolve um chip de memória (NRAM nonvolatile random access memory) baseado em nanotecnologia que deverá substituir as tradicionais memórias de acesso aleatório que armazenam dados e programas que estão em uso momentâneo no computador. O projeto já obteve US$ 6 milhões em investimentos. •
■ Robô cirurgião entra no corpo do paciente Administrar a dose exata de medicamentos em pacientes com problemas nos olhos, como glaucoma, é um desafio que a medicina começa a superar. O cirurgião ocular Baljean Dhillon, do Princess Alexandra Eye Pavilion em Edimburgo, Escócia, e o professor de microeletrônica Anthony Walton, da Universidade de Edimburgo, criaram um robô cirurgião menor que um grão de areia. A missão do microchip é tratar os pacientes no interior de seus corpos. Inicialmente o robô minúsculo vai se concentrar em pessoas com doenças oculares. Implantado no olho, vai monitorar alterações e administrar medicamentos. Depois ele será usado em outras partes do corpo, incluindo o cérebro, onde poderá liberar medicamentos exatamente na área
necessitada. Os chips serão produzidos em silicone ou plástico. Os robôs serão implantados no olho do paciente, por meio de um corte mínimo, podendo permanecer alguns meses até serem substituídos. Os criadores da engenhoca esperam colocar o aparelho no mercado dentro de, no máximo, seis anos. •
BRASIL
Empresa lança curativo de látex
■ Sem intrusos na Internet Uma campanha mundial para tornar a Internet mais segura para os usuários foi organizada pela Associação de Usuários da Internet, com sede na Espanha, e pela empresa norte-americana Panda Software. Informação, treinamento e soluções para proteger os computadores contra vírus, intrusos e mensagens não solicitadas estão no site www.worldwidesecure.org. A campanha termina em 31 de julho e está disponível em oito dos idiomas mais utilizados na rede mundial, que representam 86,4% dos 729,2 milhões de seus usuários, segundo a Global Reach, empresa norte-americana especializada em comunicação via Internet. Esses idiomas são inglês (35,8%), chinês (14,1%), japonês (9,6%), espanhol (9%), alemão (7,3%), francês (3,8%), português (3,5%) e italiano (3,3%).
Primeiros protótipos da biomembrana Biocure
Pessoas com feridas crônicas, como escaras, úlceras na pele e lesões causadas por traumas ou cirurgias, contam com um novo produto que tem como matéria-prima o látex extraído da seringueira {veja Pesquisa FAPESP n° 88). Produzido pela empresa brasileira Pelenova Biotecnologia e lançado em junho, o Biocure ativa a vascularização e acelera a cicatrização da ferida. "Testes com o produto mostraram que feridas abertas há mais de uma década cicatrizaram em três meses", informou a nefrologista e coordenadora do Departamento Médico da Pelenova, Eleonora Silva Lins. A técnica de produção da biomembrana, patenteada pela empresa, preserva a proteína de origem vegetal presente no látex responsável por induzir e acelerar a vascularização. Criada pelos pesquisadores brasileiros Joaquim Coutinho Netto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), e
Fátima Mrué, do Centro de Oncologia do Hospital das Clínicas de Goiânia, após dez anos de estudos, a membrana de látex que deu origem ao Biocure tem ainda outras frentes de aplicação. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto cerca de 600 pessoas já receberam enxertos do biopolímero em cirurgias para reconstrução de tímpanos perfurados. "A biomembrana permite uma eficiente regeneração do tímpano", explica Eleonora. No fim deste ano, a invenção brasileira terá um novo campo aberto. "Pretendemos realizar estudos com o material em pessoas queimadas", adianta a nefrologista. Segundo a Pelenova, o produto, que começou a ser fabricado em Terenos, Mato Grosso do Sul, chegará ao mercado por R$ 28,50. Por enquanto apenas hospitais, clínicas e distribuidoras podem adquiri-lo, apresentado em caixas com 20 unidades. Ainda não há previsão para venda em farmácias. •
PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 67
fabricados no mundo. A Nantero também desenvolve um chip de memória (NRAM nonvolatile random access memory) baseado em nanotecnologia que deverá substituir as tradicionais memórias de acesso aleatório que armazenam dados e programas que estão em uso momentâneo no computador. O projeto já obteve US$ 6 milhões em investimentos. •
■ Robô cirurgião entra no corpo do paciente Administrar a dose exata de medicamentos em pacientes com problemas nos olhos, como glaucoma, é um desafio que a medicina começa a superar. O cirurgião ocular Baljean Dhillon, do Princess Alexandra Eye Pavilion em Edimburgo, Escócia, e o professor de microeletrônica Anthony Walton, da Universidade de Edimburgo, criaram um robô cirurgião menor que um grão de areia. A missão do microchip é tratar os pacientes no interior de seus corpos. Inicialmente o robô minúsculo vai se concentrar em pessoas com doenças oculares. Implantado no olho, vai monitorar alterações e administrar medicamentos. Depois ele será usado em outras partes do corpo, incluindo o cérebro, onde poderá liberar medicamentos exatamente na área
necessitada. Os chips serão produzidos em silicone ou plástico. Os robôs serão implantados no olho do paciente, por meio de um corte mínimo, podendo permanecer alguns meses até serem substituídos. Os criadores da engenhoca esperam colocar o aparelho no mercado dentro de, no máximo, seis anos. •
BRASIL
Empresa lança curativo de látex
■ Sem intrusos na Internet Uma campanha mundial para tornar a Internet mais segura para os usuários foi organizada pela Associação de Usuários da Internet, com sede na Espanha, e pela empresa norte-americana Panda Software. Informação, treinamento e soluções para proteger os computadores contra vírus, intrusos e mensagens não solicitadas estão no site www.worldwidesecure.org. A campanha termina em 31 de julho e está disponível em oito dos idiomas mais utilizados na rede mundial, que representam 86,4% dos 729,2 milhões de seus usuários, segundo a Global Reach, empresa norte-americana especializada em comunicação via Internet. Esses idiomas são inglês (35,8%), chinês (14,1%), japonês (9,6%), espanhol (9%), alemão (7,3%), francês (3,8%), português (3,5%) e italiano (3,3%).
Primeiros protótipos da biomembrana Biocure
Pessoas com feridas crônicas, como escaras, úlceras na pele e lesões causadas por traumas ou cirurgias, contam com um novo produto que tem como matéria-prima o látex extraído da seringueira {veja Pesquisa FAPESP n° 88). Produzido pela empresa brasileira Pelenova Biotecnologia e lançado em junho, o Biocure ativa a vascularização e acelera a cicatrização da ferida. "Testes com o produto mostraram que feridas abertas há mais de uma década cicatrizaram em três meses", informou a nefrologista e coordenadora do Departamento Médico da Pelenova, Eleonora Silva Lins. A técnica de produção da biomembrana, patenteada pela empresa, preserva a proteína de origem vegetal presente no látex responsável por induzir e acelerar a vascularização. Criada pelos pesquisadores brasileiros Joaquim Coutinho Netto, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), e
Fátima Mrué, do Centro de Oncologia do Hospital das Clínicas de Goiânia, após dez anos de estudos, a membrana de látex que deu origem ao Biocure tem ainda outras frentes de aplicação. Na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto cerca de 600 pessoas já receberam enxertos do biopolímero em cirurgias para reconstrução de tímpanos perfurados. "A biomembrana permite uma eficiente regeneração do tímpano", explica Eleonora. No fim deste ano, a invenção brasileira terá um novo campo aberto. "Pretendemos realizar estudos com o material em pessoas queimadas", adianta a nefrologista. Segundo a Pelenova, o produto, que começou a ser fabricado em Terenos, Mato Grosso do Sul, chegará ao mercado por R$ 28,50. Por enquanto apenas hospitais, clínicas e distribuidoras podem adquiri-lo, apresentado em caixas com 20 unidades. Ainda não há previsão para venda em farmácias. •
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LINHA DE PRODUçãO
BRASIL
Sistema de segurança evita troca de bebês Um sistema eletrônico de segurança, batizado de Baby Trace, monitora a "movimentação" de recém-nascidos nos hospitais com o objetivo de evitar o roubo e a troca de bebês. Desenvolvido pela empresa brasileira Telemática, o software consiste em um banco de dados instalado no hospital que armazena informações sobre a mãe - inclusive foto e impressão digital - logo que ela chega. O recém-nascido recebe uma pulseira de plástico com um microchip na qual são registrados seus dados e, posteriormente, cru-
■ Empresa exporta pontas para brocas A Clorovale Diamantes, de São José dos Campos (SP), fez sua primeira exportação de pontas recobertas com diamante sintético usadas em brocas de tratamento dentário. "A H.A. Systems, de Israel, comprou mil pontas para brocas de ultra-som que já estão sendo usadas por dentistas em caráter experimental", informou o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos sócios da Clorovale. Dentro de um ano, a H.A. emitirá um parecer com os resultados do uso das pontas. "Já sabemos que muitos dentistas estão tendo sucesso", adianta Airoldi. A empresa faturou cerca de US$ 60 mil com a venda. Segundo o diretor de comércio exterior da Clorovale, Marcos Alves, empresas da Alemanha, dos Estados Unidos, do Mé-
Computador portátil faz leitura de pulseira com microchip
zados com os da mãe. "A grande novidade não é a pulseira, mas cruzar os dados do bebê com a impres-
xico e da Itália já mostraram interesse no produto, que não tem concorrentes. O processo para revestir as pontas com diamante sintético é o que faz o desenvolvimento da clorovale ser mais eficiente que as pontas existentes no mercado. Com a técnica de CVD (Chemical Vapor Deposition ou Deposição Química na Fase Vapor), uma mistura gasosa faz crescer na haste metálica da broca uma camada de diamante. "A tecnologia antiga usa solda galvânica para fixar pó de diamante na ponta. Com a CVD, a aderência do diamante é mais durável", compara Airoldi. Além de não emitir o som de "motorzinho" como a broca de rotação, a de ultra-som com ponta de diamante tem a vantagem de remover cáries com precisão, sem dor para o paciente. A FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica
68 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
são digital da mãe", informa o gerente de mercado internacional da Telemática, Raul Pereira. A atualização
em Pequenas Empresas (PIPE), financiou a criação da ponta e firmou com a empresa contrato de licenciamento da patente, pelo qual recebe um terço dos royalties. "Até agora repassamos à Fundação cerca de R$ 20 mil", calcula Airoldi. •
■ Capital de risco na produção Os fóruns de aproximação entre investidores de capital
de informações sobre mãe e filho é feita por meio de um hand held (computador de mão) e de dois aparelhos de leitura, um para a impressão digital e outro para a pulseira. Se houver alguma incompatibilidade entre os dados, o Baby Trace acusará. "O Baby Trace é um sistema, e não só o hand held. Ele dispõe ainda de outros itens de segurança, como circuito interno de TV, por exemplo. Isso vai depender das necessidades do hospital, que pode agregar ou retirar componentes", esclarece Raul Pereira. •
de risco e empresas de base tecnológica promovidos pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), chegaram à décima edição em uma reunião em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em junho. Dez pequenas empresas apresentaram-se para 30 representantes de investidores empresariais e individuais. No evento foi anunciada a 18a empresa que
Broca de ultra-som com ponta de diamante: exportação
conseguiu firmar um acordo de investimento depois de se apresentar nas reuniões chamadas de Fórum Brasil Capital de Risco. Foi a Novo Filme, de Americana, em São Paulo, que desenvolve células a combustível (equipamentos que transformam hidrogênio em energia elétrica). A empresa receberá investimentos da Idee Tecnologia em valores não divulgados. No total, a Finep anuncia investimentos de mais de R$ 100 milhões nas 18 empresas. O próximo fórum será em novembro, em Recife, Pernambuco. •
■ Fibra vegetal bem reforçada Uma planta da mesma família do abacaxi, o curauá, está sendo utilizada por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para substituir a fibra de vidro no reforço de materiais poliméricos. As aplicações da fibra vegetal são variadas. Pode ser usada tanto em pára-choques de carros como na confecção de componentes de aparelhos eletroeletrônicos. A nova técnica, já patenteada, resulta de uma pesquisa coordenada pelo professor Marco Aurélio De Paoli, do Instituto de Química da universidade. A compatibilidade da fibra de curauá com a matriz polimérica foi obtida por meio do tratamento com plasma a frio, método de baixo custo e que não gera resíduos. Durante experimentos em laboratório, os pesquisadores constataram que a fibra vegetal apresentou propriedades mecânicas comparáveis às de fibra de vidro. O curauá, uma planta da região amazônica, custa bem menos que a fibra de vidro, além de ser biodegradável. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
Cássia spectabilis: ação no sistema nervoso central ■ Medicamentos para tratar Alzheimer
Novas composições farmacêuticas resultam de substâncias isoladas de Cássia spectabilis, árvore brasileira conhecida como cássiado-nordeste ou tula-de-besouro. Derivados semi-sintéticos desses compostos demonstraram ser capazes de inibir a acetilcolinesterase (enzima que destrói a acetilcolina, substância que faz a comunicação entre os neurônios), sendo úteis no tratamento de distúrbios da memória e de doenças neurodegenerativas, como o mal de Alzheimer e o mal de Parkinson. As composições obtidas mostraram ação similar ao da galantamina, único medicamento seletivo e de baixa toxicidade disponível no mercado para tratar Alzheimer. Os derivados do alcalóide natural spectalina, em experimentos de laboratórios e testes com ratos, apresentaram ações bastante específicas. No sistema nervoso,
dois desses derivados impedem a eliminação da acetilcolina e, como conseqüência, melhoram a capacidade de reter informação sem interagir com outras substâncias do sistema nervoso central. A descoberta foi feita no Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Título: Novos Derivados Piperidínicos, Composições Farmacêuticas Contendo os Mesmos e Processos para Sua Preparação Inventores: Carlos Alberto Manssour Fraga, Maria Claudia Young, Cláudio Viegas Júnior, Eliezer Barreiro, Newton Castro, Mônica Rocha e Vanderlan da Silva Bolzani Titularidade: Unesp/UFRJ/ FAPESP ■ Novo material para fios ortodônticos
Processo de fabricação de fios com aço inoxidável austeno-ferrítico para aplicação em ortodontia de-
senvolvido por pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Eles produziram um aço contendo ferro, cromo, níquel, molibdênio, cobre e nióbio, que apresenta na microestrutura duas fases distintas com diferentes percentuais, conforme o balanceamento químico dos elementos. Os fios foram obtidos por meio dos processos convencionais de forjamento (forma como é trabalhado o metal) e trefila (fabricação por estiramento) e, segundo testes já realizados, podem ser utilizados na confecção de componentes para correção dos dentes. O material diminuirá os efeitos alérgicos dos pacientes hipersensíveis ao níquel, pois o teor deste elemento nesse aço é inferior ao dos materiais usados na ortodontia. A adição de nióbio mostrou ser uma solução inovadora para fabricar fios. Resultados experimentais mostraram que a liga apresenta resistência mecânica suficiente para suportar tensões envolvidas nos movimentos das articulações. • Título: Processo de Fabricação de Fios com Aços Inoxidáveis Düplex para Aplicação em Ortodontia Inventores: João Manuel Domingos de Almeida Rollo, Sérgio Mazzer Rossitti e André Itman Filho Titularidade: USP/ FAPESP
PESOUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 69
TECNOLOGIA BIOTECNOLOGIA
Celulose
Bactéria produz substância usada para tratar queimaduras e no revestimento de coletes à prova de balas DlNORAH ERENO
Um curativo biocompatível para substituir, de forma temporária, a pele humana e um material para revestir coletes à prova de balas são dois novos produtos que estão para chegar ao mercado. Em comum, eles possuem a mesma origem, a celulose produzida pela bactéria Acetobacter xylinum, um microrganismo encontrado na natureza, principalmente nas frutas em decomposição. Mais importante componente da madeira, a celulose é conhecida por sua origem vegetal e pelo uso na fabricação de papel. Mas ela é obtida também de bactérias, algas e até de animais marinhos invertebrados. A vantagem da celulose bacteriana, principalmente a produzida pela A. xylinum, é que após uma série de procedimentos industriais ela passa a ter grande resistência mecânica e se torna impermeável a líquidos, mantendo a permeabilidade a gases. Para conhecer melhor as propriedades desse material e descobrir novas formas de aplicá-lo, a empresa Bionext Produtos Biotecnológicos, de São Paulo, fez parcerias com pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, e do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP). 70 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
A empresa e os pesquisadores passaram a estudar as características e a melhor forma de aproveitar a celulose bacteriana, um produto já conhecido da ciência, porém muito pouco utilizado comercialmente. Sabia-se que a bactéria, para captar melhor o oxigênio, produz longas microfibras de celulose que se aglutinam na superfície de um meio líquido formando uma zoogléia (uma espécie de capa de consistência gelatinosa formada por bactérias). Depois de retiradas desse meio, purificadas, secas e compactadas, essas microfibras transformam-se em finíssimas películas de celulose pura com potencial para uso em múltiplas aplicações nas áreas médica e industrial. Na avaliação do cirurgião plástico e diretor da área médica da Bionext, Lecy Marcondes Cabral, a película de celulose pode ser usada em queimaduras e em outros procedimentos médicos das áreas de cardiologia, neurologia e odontologia. Em perdas de pele causadas tanto por trauma mecânico ou por úlceras crônicas, a película funciona como um substituto temporário desse tecido. "É um curativo biocompatível que soma na nossa busca por um substituto de pele ideal", diz Cabral. O curativo, também chamado de pele artificial, é colocado sobre a lesão após a assepsia. Ele gruda no local e, quando a pele
nova cresce, cai como se fosse uma crosta. Tanto o banho de chuveiro como a exposição ao sol podem ser liberados para os pacientes em tratamento. Permeável a gases e impermeável a líquidos, a pele artificial forma uma barreira bacteriológica, deixando o ferimento respirar. Outra vantagem é a possibilidade de atenuação ou mesmo a eliminação da dor nesses pacientes. Segundo o cirurgião plástico, o curativo reduz o tempo de tratamento e, com isso, diminui também o custo das internações de doentes com queimaduras e com feridas crônicas. Blindagem e documentos - Para o desenvolvimento de materiais para a fabricação de placas blindadas e compostos utilizados em coletes à prova de balas, a Bionext conta com a orientação de uma empresa especializada em blindagem. "Testes de balística mostraram que o material é altamente resistente", diz o professor Bernhard Joachim Mokross, do IFSC, coordenador do projeto nas universidades. Outra espécie de utilização é a produção de papéis especiais que podem contribuir para a preservação de documentos históricos. Até o momento foram feitos testes físicos com a película, que avaliam a resistência e a transparência do material. "Para comprovar se efetivamente resiste à
Membrana de celulose bacteriana usada como substituto temporรกrio da pele humana
ação do tempo, é necessário testar o comportamento de certos processos químicos", diz Norma Cassares, especialista em conservação e restauração de papel, que está avaliando o material para essa aplicação. Só depois de ser submetido a testes de envelhecimento rápido para ver como se comporta e analisado por laboratórios especializados em papel é que poderá começar a ser usado para restaurar documentos históricos. A s aplicações na área Í^L médica não se limiL^^ tam ao curativo. È ^ Estudos apontam -AJL. que a celulose bacteriana tem potencial para substituir, em casos de traumas ou tumores, a dura-máter, a membrana externa, espessa e fibrosa que envolve o cérebro e a medula espinhal. As pesquisas começaram a ser feitas em 1990 por Luís Renato Mello, da Fundação Universidade de Blumenau, em Santa Catarina, quando fazia sua tese de doutorado em neurocirurgia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na época, ele trocou a dura-máter de 21 cães por películas de celulose, comparando as reações com a fáscia muscular (membrana fibrosa que recobre os músculos do crânio), outro substituto de membrana externa empregado em neurocirurgia. "Obtive bons resultados e, com autorização do Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, empreguei-a em 25 pacientes como estudo clínico fase 1", relata. As pesquisas foram interrompidas porque, naquela época, ele utilizava uma membrana semelhante produzida de forma não-sistemática pela empresa BioFill. Como a fase 1 é a primeira das quatro etapas necessárias para os estudos com seres humanos, os testes precisam recomeçar. Para isso, Mello conta com o apoio dos pesquisadores de Araraquara, que estão à procura da melhor forma de produzir a membrana substituta da dura-máter. A película também está sendo testada para revestir o stent, uma pequena malha metálica usada como sustentação mecânica para impedir que a artéria volte a se fechar durante a angio72 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
plastia, procedimento utilizado para desobstruir as artérias coronárias em processo de aterosclerose (formação de placas na parede das artérias). "A celulose bacteriana é usada com o objetivo de envolver a malha metálica", diz o cardiologista Ronaldo Loures Bueno, professor da Universidade Federal do Paraná, que também participa do grupo multidisciplinar de pesquisa. O stent é introduzido fechado na artéria coronária e só quando atinge o ponto exato da estenose (local do estreitamento da artéria) o balão que está dentro dele é inflado. Assim, o stent envolvido com celulose é liberado contra a parede da artéria. Dessa forma, ele atua contra um dos processos que causam a reestenose (uma complicação tardia do procedimento), que é a migração de células musculares lisas da parede do vaso para dentro da artéria. Os testes in vitro e também com coelhos e porcos foram feitos durante três meses nos Estados Unidos e Canadá. Foram avaliadas a reação inflamatória e a de hemocompatibilidade (compatibilidade com o sangue). "O material tem enorme potencial para revestimento de stenf, diz Bueno. Segundo o cardiologista, se for aprovado em todos os testes pré-clínicos e clínicos na circulação coronariana, poderá ser usado com segurança em todos os tipos de vaso (artéria aorta, das pernas, dos braços) e no
sistema tubular (tubo digestivo, estruturas tubulares do pulmão, brônquio, traquéia e uretra). As aplicações do material apontam para as mais variadas áreas. Uma das mais recentes, estudada pelos professores Younes Messaddeq e Sidney Ribeiro, do Instituto de Química da Unesp de Araraquara, são as membranas de celulose para telas flexíveis luminescentes (que poderão servir a computadores, televisores, DVDs) com a espessura de uma folha de papel. "Estamos avaliando as propriedades físicas e químicas da membrana para diferentes aplicações", diz Messaddeq. Os estudos envolvem a estrutura molecular do material, por meio de microscopia eletrônica, difração de raios X, análise térmica, além das propriedades mecânicas (resistência a tração, dureza, permeabilidade a líquido e a gases), propriedades dielétricas (isolantes de eletricidade) e luminescentes (de emissão de luz). Polímero cristalino - A versatilidade da celulose bacteriana, em comparação com a vegetal, deve-se ao fato de que ela é quimicamente pura. Isso significa que ela não vem acompanhada de nenhum outro composto orgânico, como ocorre com a vegetal. "O mais complicado para a indústria do papel é separar a celulose da lignina e da hemicelulose", diz Ribeiro. Já a bacteriana só tem
o que interessa, ou seja, a celulose. Além disso, é um polímero cristalino, o que a distingue de outras formas de celulose. A pesquisa sobre a celulose bacg^L teriana envolve o processo de L^^ produção e para isso conta È ^ com a consultoria de um ^L -^L. especialista em fermentação, o engenheiro químico Walter Borzani, do Instituto Mauá de Tecnologia, de São Caetano do Sul, em São Paulo. "Estudamos a influência de vários fatores na fermentação, no rendimento, na velocidade do processo e na qualidade do produto", diz Borzani. Entre esses fatores encontram-se a concentração de nutrientes, a temperatura, a acidez e o fornecimento de oxigênio. A fermentação para a produção de películas de celulose é feita em meio líquido. Dependendo do produto final, todo o processo, que envolve fermentação, coleta de celulose, lavagem e secagem, demora até duas semanas. Todos os produtos obtidos até agora resultam de estudos pioneiros feitos com a bactéria A. xylinum no Brasil por
Luiz Fernando Farah, diretor científico da Bionext. Filho de médico e ex-estudante de direito e de psicologia, Farah diz que identificou esse microrganismo quando estava trabalhando com plantas ornamentais. Seus estudos de botânica o conduziram para a microbiologia, na qual encontrou citações da bactéria produtora de celulose como curiosidade de laboratório. "Era uma forma de demonstrar a atividade bacteriana", conta. Segundo Farah, os textos diziam ser a celulose um material abundante no reino vegetal, mas que não existia interesse econômico no produto bacteriano, apesar de ser a forma mais pura encontrada na natureza. Essa contradição aguçou sua curiosidade. As primeiras cepas da bactéria foram trazidas da Alemanha por um amigo. A cultura do microrganismo foi feita em casa, porque na época ele não era ligado a instituições de pesquisa ou empresas. Até chegar à membrana, dedicou bastante tempo e estudo ao seu projeto. Para resguardar sua descoberta, já que na época a legislação brasileira não contemplava proteção para produtos médicos e alimentícios, a
membrana foi patenteada como um curativo, ou uma órtese de pele, em 1985. As pesquisas de Farah, por meio da BioFill, receberam o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia. Como reconhecimento por sua invenção, em 1996 o pesquisador foi premiado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi), com sede em Genebra, na Suíça. Durante algum tempo, o curativo foi fabricado pela BioFill e vendido para hospitais. Por conta de uma associação da empresa com uma multinacional que não tinha o produto em seu foco de negócios, a produção foi descartada. Em 2002, a Bionext entrou no circuito e resolveu investir não só no curativo, mas em todas as possíveis aplicações da membrana. Além de formar uma equipe muldisciplinar, desenvolveu equipamentos destinados ao aprimoramento da produção, à purificação e secagem da membrana, já patenteados, para melhorar o processo produtivo. A patente da membrana também já foi depositada no Brasil e está sendo estendida para Estados Unidos, Ásia e Comunidade Européia. Os planos da Bionext mostram que ela almeja ir muito além. "Queremos ter a maior e mais eficiente indústria de celulose bacteriana do mundo", diz Nelson Luiz Ferreira Levy, diretor da empresa. • PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 73
■ TECNOLOGIA
ANALISES CLINICAS
Diagnóstico antecipado Novos testes ajudam na prevenção e tratamento de doenças hereditárias e no controle de infecções oportunistas SAMUEL ANTENOR
Descobrir com antecedência a possibilidade de um problema genético ou a incidência de um vírus oportunista pode ser a chave para tratamentos adequados, prevenção de doenças futuras ou de rejeição de órgãos em pacientes transplantados. A metodologia para isso, como a medição de cargas virais e testes genéticos, até há pouco tempo restrita à pesquisa laboratorial, começa a chegar à população por meio da transferência para laboratórios especializados em exames clínicos da tecnologia desenvolvida em dois dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) financiados pela FAPESP. O primeiro dos Cepids a transferir esse tipo de tecnologia é o Centro Antônio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer, vinculado ao Hospital do Câncer AC Camargo e ao Instituto Lud74 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
wig de Pesquisas sobre o Câncer, que firmou parceria com a Diagnósticos da América (Dasa), empresa responsável pelos laboratórios Delboni Auriemo, Lavoisier e Elkis e Furlanetto, em São Paulo, Lâmina e Bronstein, no Rio de Janeiro, além do Laboratório da Santa Casa de Curitiba. Carga viral - Com base no acordo, a Dasa já disponibiliza ao público dois tipos de exame, um para medição da carga viral de dois tipos de vírus - o citomegalovírus (CMV) e o EpsteinBarr vírus (EBV), que podem provocar infecções em vários órgãos de pessoas imunodeprimidas - e outro para testes genéticos. Os testes para medição de carga viral visam diminuir a rejeição e as complicações em pacientes transplantados. Já os genéticos destinam-se a identificar indivíduos com probabilidade de desenvol-
vimento de tumores de origem hereditária. O teste de carga viral, desenvolvido pelo grupo do Hospital do Câncer/Instituto Ludwig, é diferente dos exames usuais, que apenas constatam a presença dos vírus. Com essa nova metodologia é possível não apenas saber se há ou não partículas virais, mas também conhecer a quantidade dessas partículas presentes. Esse diferencial pode ser mais bem entendido tomando como exemplo o EBV, presente em 80% da população, mas geralmente sem atividade no organismo. No entanto, quando o indivíduo portador do EBV torna-se imunodeprimido, em decorrência de enfermidades como câncer ou Aids, por exemplo, ou porque passou por um transplante que o obrigue a um tratamento com drogas para diminuir os níveis de rejeição do órgão transplantado,
USP, Hospital do Câncer e Instituto Ludwig desenvolvem metodologia para detectar problemas genéticos e quantificar vírus oportunista
ministrados, muitas vezes, somente depois de constatada sua absoluta necessidade. "A vantagem do teste e do monitoramento está em o médico saber com maior antecedência qual é a necessidade do paciente, aumentando a rapidez do diagnóstico e a precisão do acompanhamento, mesmo com uma carga viral mais baixa." Ele ressalta que, no caso do CMV, foram feitos estudos em pacientes transplantados de medula e de rim, enquanto o EBV teve seu comportamento monitorado em pacientes com doença linfoproliferativa póstransplante. O desenvolvimento dos testes e sua avaliação em mais de 400 pacientes duraram cerca de um ano. A pesquisa sobre o EBV foi parte de um artigo baseado na tese de doutorado do pesquisador Otávio Baiocchi, da Unifesp, publicado na revista norte-americana Haematologica. Outros dois trabalhos, desta vez sobre o CMV, também deverão ser publicados.
esse vírus pode se multiplicar no organismo, causando infecções que podem ser fatais se não detectadas no início. De acordo com André Luiz Vettore, coordenador do laboratório de genética do câncer do Instituto Ludwig, a eficiência desse exame está em medir a carga viral, revelando se ela está aumentando ou não. "Se um paciente com determinada carga viral sofre um transplante e esta carga continua a mesma, monitorada em curtos intervalos de tempo, não há perigo. Mas, se existir um aumento, o paciente precisará ser tratado com drogas antivirais o quanto antes, aumentando suas chances de recuperação", diz. O teste que está sendo oferecido pela Dasa pode medir e monitorar a carga viral por dias, semanas ou meses, conforme a necessidade. Vettore conta que a idéia de desenvolver exames de carga viral do EBV e do CMV surgiu da colaboração com
pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo. Ambos os testes utilizam a técnica de avaliação em tempo real da reação em cadeia da polimerase, conhecida como Real Time-PCR, do inglês Real Time Polymerase Chain Reaction. As amostras de DNA são obtidas a partir dos linfócitos do sangue, coletado dentro do processo comumente utilizado para a simples detecção de carga viral. A novidade está na adaptação da técnica para medir e acompanhar a presença do EBV e do CMV. "Trata-se de um exame que não estava disponível no Brasil, cuja importância é a de poder monitorar o paciente, impedindo o desenvolvimento de infecções que podem matá-lo", afirma Vettore. Para ele, a importância dos testes é ressaltada pelo fato de que, devido ao custo, os medicamentos antivirais são
Mapas genéticos - Outra tecnologia desenvolvida no Hospital do Câncer e que também passa por um processo de transferência é a de testes genéticos, utilizados para diagnósticos de pessoas que nascem com algum tipo de síndrome hereditária, ou seja, com alterações em alguns genes, o que aumenta a possibilidade de desenvolver um ou mais tumores ao longo da vida. Ainda que apenas 5% a 10% dos casos de câncer sejam hereditários, a importância dos testes genéticos está em poder detectar a alteração no paciente e acompanhar outras pessoas da mesma família antes de surgir a doença. Em alguns casos já é possível saber quais genes estão relacionados a determinadas síndromes, como nos tumores hereditários de mama, cujos genes associados são o BRCA1 e o BRCA2. O teste genético consiste em fragmentar o gene do paciente em pedaços pequenos e avaliá-los em um equipamento de cromatografia líquida de alta performance, que revela quais fragmentos podem conter alteração. Os pedaços "suspeitos" são encaminhados para outro PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 75
aparelho, o seqüenciador de DNA, onde suas seqüências são decifradas e comparadas com uma normal para verificar se realmente existe alteração. Selecionando previamente os pedaços que podem apresentar alteração, diminui-se o custo do exame, pois, em média, apenas 10% do gene precisa ser seqüenciado. Mesmo assim, a presença de alterações genéticas na família não significa que todos os indivíduos venham a desenvolver o mesmo tipo de mal, já que o câncer é muito ligado ao envelhecimento natural do organismo. "Por isso é preciso atentar para a idade em que os tumores aparecem", observa Vettore. Ele avalia que o diagnóstico precoce facilita o tratamento da doença. Atualmente esses testes são feitos apenas fora do país, por laboratórios que recebem o material coletado aqui. Estimativas do pesquisador apontam para um custo de até R$ 10 mil nesse procedimento, podendo cair para um terço desse valor quando disponibilizado comercialmente. "Hoje esses exames são caros e não são cobertos pelos planos de saúde, mas isso vai valer a pena com o tempo, pois os custos para um diagnóstico precoce são menores do que as despesas com o tratamento das doenças." Esse raciocínio é partilhado com Nelson Gaburo Júnior, coordenador do laboratório de diagnósticos moleculares da Dasa. Para ele, a metodologia obtida /
Dezenas de testes genéticos são feitos semanalmente na USP
com as pesquisas centralizadas no Hospital do Câncer deve alcançar grande aplicabilidade, pois poderá, além de beneficiar pacientes, aumentar o nível de conhecimento sobre doenças e possíveis tratamentos. "Para a prestação do serviço, a Dasa pretende envolver tantos técnicos quantos forem necessários. Os testes já estão sendo oferecidos e nossa expectativa é de que o número de pedidos cresça rapidamente." Custos menores - Diminuir os custos dos testes genéticos e torná-los acessíveis à
OS PROJETOS Centro de Estudos do G enoma Humano
Centro Anto lio Prudente para Pesquisa e 7 'ratamento do Câncer MODALIDADE
MODALIDADE
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids)
Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) COORDENADOR
COORDENADORA MAYANA ZATZ-
USP
INVESTIMENTO
R$ 1.000.000,00 por ano
76 ■ JULHO DE 2004 • PESUUISA FAPESP 101
RICARDO BRENTANI - Hospital do Câncer/Instituto Ludwig
INVESTIMENTO
R$ 1.100.000,00 por ano
população também é a expectativa dos pesquisadores de outro Cepid, o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP (CEGH-USP). Para tanto, o centro busca firmar um convênio com o Ministério da Saúde, para que os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) possam realizar testes genéticos em doenças neuromusculares e outras doenças genéticas sem custos adicionais. Enquanto não se estabelece um convênio nacional, o CEGH já realiza testes gratuitos, graças a um acordo firmado com a Secretaria da Saúde de São Paulo em parceria com a Associação Brasileira de Distrofia Muscular (Abdim). Além disso, já se articula parceria com o Laboratório Fleury, também de São Paulo, que passará a oferecer os testes aos seus conveniados. Com isso, busca-se obter recursos financeiros que ajudem na manutenção do centro, onde são realizados estudos moleculares há 15 anos, com apoio da FAPESP. Semanalmente, entre 50 e 100 consultas são realizadas pelo CEGH, além de dezenas de testes genéticos, número que, a partir de agora, tende a aumentar, de acordo com Mayana Zatz, coordenadora do centro. "O convênio com o Fleury prevê que o laboratório colete as amostras e as encaminhe ao centro, onde serão feitos os testes. A transferência de tecnologia se dará por meio de cursos, mas os resultados dos testes, em um primeiro momento, continuarão sendo feitos aqui no centro de genoma", conta a pesquisadora, para quem o maior benefício dessa metodologia será a redução dos custos dos exames, que podem cair mais de 50%. Referência internacional - Atualmente estão em atividade no CEGH dez grupos de pesquisa, dos quais resultaram exames específicos para mais de 30 doenças. Entre eles está o de doenças neuromusculares, que se tornou referência na América Latina. O grupo desenvolveu testes genéticos aplicados a dezenas de doenças neuromusculares. Uma delas é a distrofia muscular Duchenne, doença provocada por um gene que causa fraqueza muscular progressiva e se manifesta nos primeiros anos de vida, levando à impossibilidade de locomoção.
Localizado no cromossomo X, o gene que provoca a doença só é encontrado em mulheres, podendo ou não ser repassado aos filhos. Ao detectar uma alteração genética em um menino, o exame revela se a mãe da criança é portadora do gene (o que ocorre em dois terços dos casos) e se existe risco de transmissão hereditária para outros filhos. O teste utiliza um equipamento de PCR para analisar o DNA e localizar o ponto exato onde acontece a mutação que causa a doença. Na maioria dos casos trata-se de uma deleção, ou seja, a falta de um pedaço no gene, defeito molecular mais comum neste caso de distrofia muscular. Além da distrofia de Duchenne, o grupo também pesquisa dezenas de outras formas de distrofias musculares (são mais de 30) e outras doenças neuromusculares, como a neuropatia de Charcot-Marie, que provoca atrofia dos membros inferiores. Diferentemente da distrofia de Duchenne, a causa mais freqüente da doença de Charcot-Marie, que geralmente acomete adultos, é uma
Cerca de 80% a 90% dos casos de doenças neuromusculares podem ser diagnosticados com exames moleculares
duplicação de um gene, ou seja, há excesso de material genético. Isso acontece porque, em vez de ter duas cópias do gene (uma herdada da mãe e outra do pai), a pessoa afetada fica com três cópias. Essa cópia a mais altera a bainha de mielina (que envolve os nervos), causando uma atrofia secundária do músculo. Outra doença neuromuscular pesquisada é a atrofia espinhal progressiva, que nas formas mais graves provoca dificuldade para manter a cabeça ereta, para sugar, deglutir e até respirar, devido à fraqueza da musculatura respiratória.
Todos os exames disponíveis no Centro de Estudos do Genoma Humano foram desenvolvidos a partir de projetos de pesquisa, o que funciona como uma espécie de controle de qualidade. Cerca de 80% a 90% dos casos de doenças neuromusculares podem ser diagnosticados com exames moleculares, o que é extremamente importante para o tratamento precoce e a prevenção de novos casos a partir do aconselhamento genético. Além disso, o diagnóstico molecular evita a realização de procedimentos invasivos e pouco informativos. A perspectiva da coordenadora agora é de que os testes sejam oferecidos à população sem custos adicionais. "A viabilização da contratação de técnicos pela universidade veio em decorrência do apoio da FAPESP aos projetos. Já conseguimos descobrir quais são as mutações mais freqüentes na população e desenvolver exames para detectá-las, mas, para que estes benefícios cheguem a todos, ainda é preciso que o SUS decida oferecê-lo em seu programa de atendimento público." •
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■ TECNOLOGIA
AGRONOMIA
Naturalmente
descafeinado Pesquisadores brasileiros descobrem plantas mutantes de café sem substância estimulante
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ma mutação ocorrida em plantas silvestres da espécie Coffea arábica resultou em um café naturalmente descafeinado, com aroma e sabor preservados. A descoberta dessa alteração natural em algumas plantas, feita por três pesquisadores brasileiros, foi relatada com destaque na edição de 24 de junho da revista britânica Nature. A busca pelo café sem cafeína tem mobilizado estudiosos do mundo inteiro para atender à demanda crescente de pessoas que querem se livrar dos efeitos colaterais provocados por essa substância estimulante, como insônia e aumento da pressão arterial. Hoje o descafeinado responde por cerca de 10% do mercado mundial de café. A retirada da cafeína é feita por três processos diferentes. Mas em todos eles, junto com a cafeína, são removidos outros compostos responsáveis pelo sabor e aroma da bebida. Para chegar às três plantas com quantidades insignificantes de cafeína nas sementes, Paulo Mazzafera, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Bernadete Silvarolla e Luiz Carlos Fazuoli, ambos do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), analisaram, uma a uma, 3 mil plantas de café. As sementes foram coletadas na Etiópia, na África, por pesquisadores brasileiros que lá estiveram em 1964 a convite da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Na época, a instituição se preocupava com a erradicação de áreas de florestas onde cafeeiros cresciam espontaneamente. Por isso patrocinou pesquisadores de vários países para que resgatassem esse material genético, antes que se perdesse.
"Quando se quer encontrar variabilidade genética é necessário ir ao centro de origem", diz Mazzafera. Os brasileiros trouxeram sementes de 300 plantas, que depois deram origem a outros exemplares que passaram a fazer parte do Banco de Germoplasma do IAC. Longo percurso - O processo para encontrar as plantas com menos cafeína é descrito por Mazzafera como "procurar agulha no palheiro". Essa comparação sintetiza o longo caminho iniciado em 1987 no IAC, quando teve início um programa de melhoramento genético do cafeeiro. "Havia cruzamentos entre espécies selvagens de café com baixo teor de cafeína com variedades de C. arábica, mas algumas características que não interessavam eram passadas para as plantas filhas", relata. Como viram que seria praticamente inviável conseguir progressos dessa forma, os pesquisadores passaram a analisar as representantes de C. arábica presentes
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no banco genético de sementes, entre elas o material da Etiópia. Estas começaram a ser analisadas em 1996. A identificação foi feita no final do ano passado. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP, do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, coordenado pela Embrapa Café, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Para ser chamado de descafeinado, um café tem de ter mais de 97% de sua cafeína retirada. As três plantas identificadas, batizadas de AC1, AC2 e AC3, apresentam 0,07% de cafeína, enquanto o café comum tem cerca de 1,2%. A designação AC é em homenagem ao geneticista de café do IAC Alcides Carvalho, falecido em 1993. A próxima etapa da pesquisa consiste em adotar dois caminhos. Um deles é avaliar como plantas produzidas por semente e estaquia (clones produzidos a partir de partes de ramos destas plantas) se comportam em campo. A produtividade e o preço que o mercado poderá pagar por esse produto diferenciado serão avaliados. Com esses dados, as sementes serão ou não liberadas, em cinco ou seis anos, para serem plantadas pelos agricultores. O outro caminho, é transferir as características da AC1,2 e 3 para variedades comerciais altamente produtivas da arábica. Esse processo pode demorar até 15 anos, mas é um prazo considerado curto porque os cruzamentos serão feitos apenas entre C. arábica. Mazzafera diz que algumas plantas de café, para chegar ao mercado, são fruto de até 35 anos de cruzamentos. Para os consumidores que não dispensam uma xícara de café com aroma e sabor, mas têm de ficar longe dos efeitos da cafeína, a espera parece ser compensadora. • PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 79
I TECNOLOGIA
TELECOMUNICAÇÕES
Conexão
na medida certa
Empresa ganha mercado ao desenvolver componentes para transmissões via fibra óptica SYLVIA LEITE
Componentes ópticos usados nas conexões telefônicas e de dados, via fibra óptica, desenvolvidos por uma pequena empresa de Campinas, a Fotônica, começam a substituir os produtos importados a preços 30% mais baixos e com melhor desempenho. São peças conhecidas como atenuadore usados na adequação do nível de potência dos transmissores aos receptores dos sinais luminosos que levam as informações de um lado para outro, tanto entre cidades como dentro de uma empresa. Os dois primeiros modelos de atenuadores já garantiram à Fotônica mais de 30% do mercado nacional. Dentro de dois meses, quando ficar pronto o terceiro modelo, a empresa pretende ampliar essa participação para 80%, além de vender os produtos em países como Equador, Paraguai, Argentina e Uruguai, onde ela comercializa outros produtos como conectores ópticos. "O diferencial dos atenuadores da Fotônica em relação aos importados é que desenvolvemos um produto estável em qualquer situação", diz o físico e presidente da empresa, Walter de Andrade Carvalho. Como as redes ópticas percorrem, em geral, longas distâncias, os equipamentos de transmissão possuem altas potências para que a luz chegue ao receptor em nível suficiente, mesmo depois das perdas sofridas durante o trajeto. Os atenuadores são usados para fazer essas perdas arti80 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
ficialmente, quando as duas pontas da transmissão encontram-se a pequenas distâncias e, a depender do projeto, podem ser colocados na saída do transmissor, na chegada ao receptor ou no meio do trajeto. "Os produtos importados que nós examinamos tinham variação de desempenho, se estavam em uma ou outra posição", diz o pesquisador. A estabilidade de desempenho dos novos atenuadores foi obtida, de acordo com Carvalho, por meio de mudanças no projeto e na matéria-prima utilizada. Já os preços são mais baixos pelos motivos clássicos. Por um lado, o produto nacional é obtido com menores custos de mão-de-obra e desenvolvimento, por outro, o estrangeiro tem custos onerados pelas taxas de importação. Além da estabilidade e do preço,
a produção nacional traz ainda outra vantagem para as companhias de telecomunicações que utilizam atenuadores: poder comprar apenas o que necessitam. O tempo que se leva para importar - no mínimo dois meses - faz essas empresas emitirem pedidos antes de saber qual o valor da atenuação que vão precisar em cada componente e se vejam obrigadas, com isso, a comprar uma grande variedade de opções. "Trazem até 20 peças para cada transmissor, quando precisam de uma só. Dezenove são jogadas no lixo", diz Carvalho. Linha completa - O mercado brasileiro de atenuadores ópticos, segundo o pesquisador, gira hoje em torno de R$ 2 milhões. Cerca de 40% do total corresponde aos atenuadores de fibras ópti-
cas dopadas e de emenda deslocada, como os que a Fotônica já colocou no mercado. Os 60% restantes cabem aos atenuadores de plugue, que só começarão a ser produzidos nos próximos meses, motivo pelo qual as expectativas da empresa estão voltadas para este segundo semestre. Os três modelos desenvolvidos pela Fotônica constituem uma linha completa de atenuadores. O de plugue é o mais usado, por sua praticidade, mas possui limitações espaciais porque aumenta muito o volume físico da conexão. Os outros dois modelos oferecem maior flexibilidade por terem a forma de cordões, como se fossem extensões de energia elétrica. No atenuador de fibra dopada, o valor de atenuação é condicionado pelo tamanho ou tipo de fibra usada no cordão, enquanto no atenuador de emenda deslocada é possível acertar o comprimento do cordão e o local da emenda de acordo com a necessidade do cliente. Para desenvolver os atenuadores ópticos, a Fotônica recebeu apoio da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Contou também com apoio do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF), um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP que possui um de seus grupos de pesquisa no Instituto de Física, da Universidade Estadual de Campinas (IF/Unicamp).
0 PROJETO Desenvolvimento de Tecnologia de Atenuadores Ópticos MODALIDADE Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
Fotônica da Unicamp. "Era uma idéia nova e me interessava muito, mas a gente não sabia se ia resultar em produto, se ia gerar valor, ou se ia ser apenas uma curiosidade acadêmica", diz o pesquisador. O doutorado foi feito logo depois, no Instituto de Óptica da Universidade de Paris, com foco também em fibras ópticas.
COORDENADOR WALTER DE ANDRADE CARVALHO
-
Fotônica INVESTIMENTO
R$ 11.000,00 e US$ 114.000,00 Com o CePOF, a empresa mantém parceria permanente para a resolução de problemas técnicos. "Lá existem máquinas de centenas de milhares de dólares que não se justificaria ter na empresa, então a gente usa e, da mesma forma, os problemas de conectividade deles são resolvidos pela Fotônica." O conhecimento gerado no projeto está servindo também para a realização de treinamentos fora da empresa. "No faturamento da Fotônica isso representa pouco, mas no trabalho de nossos clientes agrega um valor muito grande", diz Carvalho, que realiza todo esse trabalho com uma equipe de dois físicos e dois técnicos. A pesquisa e o desenvolvimento fazem parte da história profissional de Carvalho, que foi o primeiro a defender tese de mestrado no Laboratório de
Atenuadores produzidos em Campinas: substituição de importação com melho
Começo da produção - A Fotônica nasceu como consultoria, em 1991, mas já nos primeiros meses de experiência Carvalho identificou a necessidade de desenvolver conectores ópticos para produzir cabos conectorizados, atualmente o principal produto da empresa. "Eu fiz um trabalho para um fabricante de equipamentos de comunicação que estava com problemas de conectores e nós desenvolvemos a tecnologia de montagem desses componentes. Eles tinham uma perda de 50% e nós conseguimos elevar o aproveitamento a 96%", conta o físico. Entre a produção dos componentes de conectividade óptica, atividades de engenharia e projetos de redes ópticas, a Fotônica fatura hoje cerca de R$ 3 milhões ao ano."Já chegamos a R$ 15 milhões, antes da crise das empresas de telecomunicações, com exportações de até US$ 500 mil. Agora estamos vivendo um momento de recuperação", diz o diretor da empresa, que aposta nos atenuadores para ampliar suas exportações na América Latina, hoje um mercado estimado por ele em US$ 30 mil ao ano. "Vamos fazer uma campanha focada na qualidade e no preço", anuncia. A equipe de pesquisa da Fotônica prepara agora outro projeto - desta vez totalmente inovador - de desenvolvimento de conectores destinados a sistemas ópticos de alta potência. Segundo Walter, existe hoje uma fragilidade na estrutura desses sistemas em todo o mundo porque as conexões são feitas com peças projetadas para potências menores, que queimam com freqüência por não suportarem a carga utilizada. O desafio é desenvolver o produto antes do Japão, Estados Unidos e alguns países da Europa que já iniciaram pesquisas em busca de soluções para o mesmo problema. • PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 81
TECNOLOGIA NOVOS MATERIAIS
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cristalina
Brasil poderá dar, em breve, um salto tecnológico na produção de lasers. A novidade está num cristal usado na geração do feixe de luz que foi desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP). Essa laser e poderá levar o país a ingressar no seleto grupo de nações fabricantes de componentes usados em aparelhos compactos que possuem um forte interesse comercial. Esse tipo de equipamento é utilizado em cirurgias oftalmológicas, tratamentos dentários e outras intervenções médicas, como a retirada de marcas de expressões faciais e tatuagens. "Nossas pesquisas abrem sers compactos , atirma o tísico Luiz Antônio de Oliveira Nunes, coordenador do Laboratório de Lasers e Aplicações (LLA) do IFSC. Para considerar a importância da pesquisa feita em São Carlos, é necessário entender que um laser - palavra formada pelo acrônimo cm inglês de Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, ou amplificação
82 ■ JULHO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 101
Pesquisadores desenvolvem protótipo de laser compacto para amplo uso comercial
cão - é constituído por um meio ativo (nesse caso um cristal, mas poderia ser um gás ou um líquido) adaptado a uma cavidade óptica (espaço entre dois espelhos onde a luz é confinada e passa várias vezes pelo cristal) onde acontece a geração de luz. Para tanto, é necessário que o meio ativo receba uma fonte de energia externa como uma lâmpada de flash ou um outro laser (de diodo, menor e mais barato). Quanto maior a energia luminosa da fonte externa de luz laser, mais eficiente é o meio ativo. No caso do laser desenvolvido pelos fibra monocristalina. Isso significa que ela não é um agregado de pequenos cristais como no caso, por exemplo, das cerâmicas. Trata-se de apenas um grão crescido em três dimensões. Para obter o cristal, os pesquisadores usaram compostos químicos com óxidos dos YV04:NdM. "A fibra monocristalina com formato de um cilindro e medindo cerca de 0,5 milímetro de diâmetro e 1 milímetro de comprimento pode substituir os chamados cristais bulk- peças maiores obtidas por técnicas de crescimento de
cristais sofisticadas e de alto custo - utilizados normalmente para a produção de aparelhos de laser compactos", explica a química Andréa Simone Stucchi de Camargo, da equipe de pesquisadores. Os dois materiais, a fibra e o cristal bulk, têm propriedades ópticas, físicas e mecânicas idênticas, só diferindo no tamanho. "Nosso trabalho consistiu no estudo das características ópticas e do comportamento dos íons ativos nessa fibra para otimizar os processos de absorção e de emissão de luz", conta Andréa. O laser com a fibra emite um feixe de luz na região do infravermelho, com comprimento de onda de 1.064 nanômetros (nm), que corresponde a uma freqüência invisível. Adaptado a um outro tipo de cristal, esse laser dobra de freqüência, para 532 nm, e apresenta luminosidade verde. Cooperação fundamental - A fibra no seu formato bruto foi desenvolvida pelo Crupo de Crescimento de Cristais do mesmo IFSC, sob supervisão do físico José Pedro Andrceta. "Nós preparamos o material, mas não tínhamos como medir todas as suas propriedades. O trabalho cooperativo com o Laboratório de Lasers e Aplicações foi
Cristal desenvolvido em São Carlos emite um feixe invisível, mas se acoplado a um outro cristal produz luz verde
lho", afirma Andreeta. As informações trocadas entre os pesquisadores permitiram que a fibra fosse aprimorada e se tornasse tão eficiente quanto um cristal bulk comercial. "Levamos quatro anos para conseguir um bom resultado." Além do tamanho menor, uma das vantagens da fibra monocristalina em comparação aos cristais bulk é que sua produção é muito mais rápida e bem mais barata. As fibras ficam prontas em cerca de minutos ou horas, enquanto o bulk demora dias ou semanas para atingir o tamanho ideal. Para sua obtenção, os pesquisadores recorreram a um processo chamado Crescimento Pedestal
por Aquecimento a Laser, conhecido em inglês como Laser Heated Pedestal Growth Technique (LHPG). "Essa técnica já era conhecida há alguns anos, mas ninguém havia conseguido desenvolver uma fibra como a nossa com as características ideais do cristal bulk", conta Andréa. "Esse cristal é muito difícimento freqüentemente ocorre a formação de defeitos estruturais." O processo LHPG dura cerca de 40 a 50 minutos para fazer crescer uma fibra com aproximadamente 3 cm. "O equipamento para crescimento da fibra foi desenvolvido por nós com recursos da
OS PROJETOS " avaliação das rrufjrietmueò risicas de Fibras Monocristalinas Preparadas em Atmosferas Controladas
Espectroscopia Óptica de Fibras Monocristalinas MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio a Pesquisa
MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio à Pesquisa COORDENADOR JOSE PEDRO ANDREETA
- IFSC/USP
INVESTIMENTO
RS 47.967,60 e USS 59.919,00
COORDENADOR Luiz ANTôNIO DE OLIVEIRA NUNES IFSC/USP INVESTIMENTO
RS 36.327,5!
67.250,00
FAPESP e apresenta resultados melhores do que o existente em muitos países", afirma o físico José Andreeta. meditismo da pesquisa rendeu a divulgação de artigos em publicações científicas internacionais, como a revista Optics Letters, em janeiro deste ano. Em fevereiro, o trabalho também foi alvo de uma reportagem publicada na revista norte-americana Photomcs Spectra, especializada na área comercial de lasers. Mas a maior prova do sucesso do trabalho, segundo os pesquisadores, foi a apresentação dos resultados na Conference on Lasers and Electro Optics (Cleo2003) realizada na cidade de Baltimore, nos Estados Unidos, em junho do ano passado. "A minha apresentação despertou grande interesse, tanto que fui convidada pelo pesquisador norteamericano Steve Payne, um dos mais renomados nessa área, para repetir a apresentação no Lawrence Livermore National Laboratories, um centro de pesquisa de temas de segurança nacional localizado no Estado da Califórnia", conta Andréa. Apesar do sucesso e da viabilidade comercial do equipamento - embora ainda necessite de novos desenvolvimentos para chegar ao mercado -, o grupo ainda não requisitou patente do dispositivo nem da fibra monocristalina, mas mantém conversações com empresários interessados em industrializar e vender a novidade. O próximo desafio dos pesquisadores do Laboratório de Lasers e Aplicações é o estudo de uma cerâmica chumbo, lantánio e zircónio, chamada PLZT, para ser usada como meio ativo para geração de laser. Essa cerâmica é conhecida desde os anos 1960 por suas propriedades elétricas, mas até pouco tempo não havia preocupação em estudar suas propriedades ópticas. O interesse por esse novo material é que, depois de dominado o processo de fabricação, ele será mais barato e mais rápido de ser produzido do que os cristais. Além disso, não haverá limitação de tamanho - nem os cristais bulk nem as fibras monocristalinas podem ser crescidos em proporções muito grandes, ao contrário da cerâmica, que pode ser fabricada, a princípio, em qualquer dimensão. • PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 83
HUMANIDADES MÍDIA
Imprensa brasileira usou guerras na Ásia para falar de conflitos internos
RUTH HELENA BELLINGHINI
Adécada era a de 1950: os aparelhos de TV começam a invadir as casas nos Estados L Unidos, na França e na W Grã-Bretanha. O impacto das imagens transmitidas pela televisão foi tão grande que provocou uma mudança radical na mídia impressa. Num momento que era dos mais delicados, pois o mundo presenciaria, num pequeno intervalo de tempo, conflitos na Coréia e no Vietnã, cujas imagens, nas telas das televisões e na mídia impressa, iriam marcar para sempre corações e mentes norte-americanas. Mas as marcas dessa mudança na imprensa não tardariam a chegar aqui, embora, na época, a guerra em curso no Brasil fosse outra, com nacionalistas, que queriam a industrialização do país com recursos próprios, e liberais, que sonhavam com uma potência agrícola e a inserção do Brasil no cenário mundial. A imprensa nacional iria se apropriar da Guerra da Coréia para fortalecer um lado e outro da discussão. Anos mais tarde, em plena ditadura militar, o mesmo vai ocorrer com o confronto do Vietnã, usado pela grande imprensa para reforçar o mito externo PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 85
Coréia: notícia da morte de soldado dos EUA gerou comoção
e interno do "perigo comunista" e pelos jornais de esquerda para denunciar o imperialismo e a tortura. Essa é a análise defendida em O imaginário e as guerras da imprensa (Papel Virtual Editora, 293 páginas), tese de doutorado transformada em livro de Orivaldo Leme Biagi, que estuda como se deu a apropriação desses dois conflitos pela mídia brasileira. Ele aproveitou o trabalho para mostrar também como a televisão acabou por mudar o jornalismo impresso, nos Estados Unidos e depois aqui. A da Coréia foi a primeira guerra acompanhada pela TV, e a do Vietnã, a primeira guerra ao vivo. Esse novo elemento revolucionou a forma de cobrir uma guerra. Na Coréia, por exemplo, o apresentador Walter Cronkite, diante de uma câmera de TV, usa um mapa das Coréias, lousa e giz para mostrar o avanço das tropas e faz enorme sucesso. Suas transmissões e a notícia da morte do primeiro soldado norte-americano estimulam o alistamento de jovens. No Vietnã, as imagens do conflito teriam o efeito oposto, alimentando a contracultura e os protestos contra a intervenção dos EUA. 86 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
E por causa do peso das imagens do cinema e da TV que a imprensa norte-americana corre para se adaptar e investe pesado na modernização gráfica e, principalmente, no uso de fotografias. Por lá surgem revistas como Life, por aqui, O Cruzeiro, Fatos & Fotos e, principalmente, Manchete. Os jornais brasileiros, que seguiam o modelo francês, abandonam as longas reportagens com textos rebuscados e partem para matérias menores, com mais fotos. "Quem conhece as redações de jornais hoje sabe que a grande discussão nem sempre é qual matéria vai ser a manchete, mas qual foto sairá na primeira página", diz. O pesquisador observa que, com o início da Guerra da Coréia, as diferenças entre nacionalistas e liberais se acentuaram, inclusive nos círculos militares. A eleição de Getúlio Vargas jogou mais lenha na fogueira. "A disputa foi feia. Havia, inclusive, uma discussão sobre se o Brasil deveria ou não enviar tropas para apoiar os Estados Unidos em sua ação na Coréia, com os nacionalistas se posicionando contra e vendo no conflito a opressão do governo norte-americano", diz Biagi, para quem a
grande imprensa decidiu simplesmente não noticiar os fatos do governo. Vargas foi identificado com os nacionalistas e, estes, por causa de suas posições, com os comunistas. Biagi lembra que só Samuel Wainer noticiava as decisões do governo. O debate entre nacionalistas e liberais só teve fim com a queda de João Goulart. Segundo o pesquisador, antes de oficializar sua presença militar no Vietnã, os EUA suprimiram todos os governos que, por linha política ou econômica, pudessem contestar de alguma forma seu ideário. "Não é coincidência que o golpe militar no Brasil tenha ocorrido em 31 de março e que a intervenção militar no Vietnã tenha início em agosto. Eles primeiro resolveram a situação da América Latina e partiram para a guerra aberta na Ásia." Osasco - Em seu livro, o pesquisador mostra como a mídia norte-americana imediatamente abraçou a causa e a brasileira seguiu seu exemplo. Aos poucos, porém, isso foi mudando. Se a direita usava a Guerra do Vietnã para mostrar os heróicos norte-americanos na luta contra o comunismo internacional, a esquerda usava a tortura de
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Vietnã: tão popular que virou palavra de ordem nas greves
vietcongues para dizer que a prática era corriqueira por aqui também. Mas esse cenário mudaria rapidamente em 1968, com a ocupação da embaixada norte-americana, na ofensiva de Tet. "O Vietnã passou a ser tão popular que nas greves em Contagem e Osasco o nome do país era palavra de ordem, as imagens da guerra apareciam até no Canal 100 nos cinemas, que só mostrava futebol", conta Biagi. 0 Vietnã foi a primeira e última guerra a ser mostrada com sangue e dor pela TV E o resultado foi mobilizar a opinião pública, nos EUA e no resto do mundo, contra a ofensiva militar. Existem, segundo o pesquisador, três imagens marcantes do conflito: a foto do monge budista imolando-se em protesto em 1963; a do agente americano explodindo com um fuzil a cabeça de um vietcongue ajoelhado a seus pés e a inesquecível foto, de 1972, da menina nua correndo queimada por napalm. A mídia e o governo norte-americanos aprenderam a lição. Na primeira Guerra do Golfo, nos anos 1990, as TVs transmitiram imagens coloridas dos cha-
mados bombardeios cirúrgicos, que supostamente só atingiam alvos militares. Desta vez, no Iraque, a mesma coisa. Mas parece que não está mais dando certo. "Existe um fato novo, que é a Internet e a pluralidade de opiniões e informações que ela torna disponíveis", diz o historiador. A cobertura da imprensa foi favorável à ação no Vietnã de 1964 até 1971, só então a maré começou a virar. "Pas0 PROJETO 0 Imaginário e as Guerras da Imprensa: Estudo das Coberturas Realizadas pela Imprensa Brasileira da Guerra da Coréia (1950-1953) e da Guerra do Vietnã na Sua Chamada "Fase Americana" (1964-1973) MODALIDADE Bolsa de Doutorado ORIENTADOR
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/U nicamp ÍTALO ARNALDO TRONCA
BOLSISTA Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/U nicamp
ORIVALDO LEME BIAGI
saram-se apenas três anos desde o 11 de Setembro e a própria imprensa norte-americana já começou a fazer seu mea-culpa e aponta problemas graves tanto na decisão de ir à guerra quanto na ocupação militar do Iraque." Multiplicidade de fontes e velocidade da informação fazem a diferença. "O governo Bush foi à guerra prometendo acabar com um regime ditatorial que fazia uso da tortura, mas não conseguiu nem transformar o Iraque em democracia e, pior, recorreu também à tortura", diz. No livro, Biagi relata as ascensões e quedas da imprensa brasileira: como a tecnologia determinou a sobrevivência da Manchete e a decadência de O Cruzeiro, tudo por causa da qualidade das imagens. Como as alianças com o governo e fontes de financiamento, como o Banco do Brasil, por exemplo, foram fundamentais para a sobrevivência de um ou outro veículo. Como investimentos faraônicos no momento errado levaram as empresas de mídia a dificuldades financeiras. Sua pesquisa é uma boa análise de como as guerras de papel e de imagens podem ser quase tão violentas como as de verdade. Afinal, como já se dissse: numa guerra, a primeira baixa é a verdade. • PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 87
I HUMANIDADES
CULTURA
d a sociedade alternativa Coleção traz revivalàe antropólogos franceses que trabalharam na América do Sul, em especial Pierre Clastres
ROBINSON BORGES COSTA
88 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
Considerado um dos antropólogos políticos mais respeitados nas décadas de 1960 e 70, o francês Pierre Clastres (1934-1977) tem agora um revival de suas obras no Brasil. Dois de seus livros seminais, A sociedade contra o Estado (1974) e Arqueologia da violência (1980), acabam de ser relançados pela Editora Cosac & Naify, numa coleção dedicada à antropologia. Os livros têm como eixo a proposta de Pierre Clastres, antes de tudo um anarquista e liberal, que pregava uma sociedade alternativa que não se dividia entre opressor e oprimido e que renegava de forma absoluta a presença do Estado. "Seu projeto era de refundação radical da antropologia. A obra de Clastres permite ao mesmo tempo perceber que a expressão 'antropologia política' é pleonástica e fornece um sentido novo ao conceito de 'político'", analisa Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional do Rio de Janeiro e autor de A inconstância da alma selvagem, livro que inaugurou a coleção de ensaios da Editora Cosac & Naify. A tese clastriana presente nas duas obras foi formulada a partir de observações de tribos indígenas na América do Sul, no Paraguai e Venezuela, que viviam sem liderança hierárquica, com um modelo de sociedade sem a figura coercitiva do Estado. "A partir destas análises, Clastres passou a refutar a visão negativa relacionada a uma sociedade tribal e fez uma crítica extremada ao poder do Estado no Ocidente. Nas sociedades primitivas, ou indígenas, Clastres encontrava os instrumentos necessários para defender uma sociedade diferente, aquela em que o poder do Estado é essencialmente negado", afirma Florência Ferrari, antropóloga e responsável pela linha de publicações de antropologia da Cosac & Naify, que tem outros títulos publicados, como Sociologia e antropologia, de Mareei Mauss, e O cru e o cozido - mitológicas I, de Claude Lévi-Strauss. Libertário - O filósofo Bento Prado Jr., que assina o prefácio de Arqueologia da violência, diz que a obra de Clastres deve ser analisada no contexto do pensamento ocidental pós-1968, pois seu impacto não se limita à antropologia e recorre a fundamentos interdisciplinares, como a filosofia, a ciência política e a sociologia. Com a união desses elementos, Clastres mostrava uma nova maneira de pensar o poder político, que deixava de ser considerado como algo necessário à sociedade para ser visto como raiz de desigualdades sociais. "Não sei se se pode interpretar a obra de Clastres como um argumento a favor da dispensabilidade do Estado em qualquer tempo e lugar. Certamente Clastres não é um ultraliberal, no sentido norte-americano do termo, mas um anarquista, um libertário no sentido europeu. Sua tese é que o Estado não é intrínseco à vida social, como tampouco o é a coerção. Daí não se segue nenhum laissez-fairé", afirma Castro. Para muitos estudiosos de Clastres, que foi diretor da Escola de Altos Estudos em Paris por seis anos, sua crítica ao modelo político do Estado é mais atual do que nunca. Poderia ser estendida à crítica do modelo econômico da globalização, análise em voga na esquerda atual. O antropólogo considerava que o que a sociedade ocidental via como algo inerente a qualquer sociedade, como mercado e economia, deveria ser desmitificado, abrindo novas possibilidades para outros modos de organização sociopolítica. No entanto, esta ponte entre seus estudos e o presente deve ser vista com cuidado. "A atualidade do trabalho de Clastres PESQUISA FAPESP 101 ■ JULHO DE 2004 ■ 89
Aldeia bororó de Kejara, em foto de Lévi-Strauss, e imagens de seu livro, 0 cru e o cozido - mitológicas I
Suçuarana
não tem nada a ver com as louvações atualmente entoadas à sociedade civil. Essa noção só faz sentido como acompanhamento obrigatório da de Estado, e falar de sociedades contra o Estado é, simultaneamente, livrar-se do conceito de sociedade civil", afirma a antropóloga do Museu Nacional do Rio de Janeiro Tânia Stoltze Lima. Poder - O mais radical no pensamento de Clastres reside na idéia de que há meios para a sociedade negar o poder político, representado no Estado, combinando mando e coerção. E estes meios se encontrariam nas sociedades indígenas. No caso das sociedades com Estado, Clastres dizia que um tipo de guerra era alimentado, o que sufocaria qualquer diferença social e cultural, como ele escreve no ensaio "Sobre o etnocídio". Neste texto, o autor analisa a conquista européia e os genocídios produzidos ao longo desse período. Isto é, se o genocídio mata pessoas, o etnocídio extermina culturas e modos de pensar. Para Clastres, o Estado poderia ser definido como movimento violento de subordinação das diferenças ao primado da unidade, mas essa unidade seria sempre artificial. 90 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 101
Arara
A reedição das duas obras revela a passagem do tempo de uma para a outra. Em A sociedade contra o Estado, Clastres defendia a oposição entre sociedades que aceitavam ou não o Estado. Já em Arqueologia da violência a oposição toma outro lugar, o da guerra primitiva e da guerra de conquista. O primeiro não implicaria a violência, pois seria um movimento pela liberdade. O segundo estaria fundido na aniquilação e na subordinação do outro. Pierre Clastres aponta, assim, para uma espécie de genealogia do poder numa sociedade. Para ele, a sociedade tribal recorreria à prática sistemática da violência para se precaver do Estado. Somente com as guerras contra outras tribos seria possível manter a dispersão e autonomia de cada grupo. Ao guerrearem entre si, os homens não submeteriam suas diferenças a um aparelho estranho (no caso, o Estado) e manteriam um espaço político autônomo, onde todos poderiam ser iguais. "O antropólogo também observou que os chefes existem, mas não são tão poderosos, eles têm obrigações e são relativamente fracos em suas comunidades", diz Florência Ferrari.
Macaco-aranha
No livro é possível se encontrar também a versão Clastres cronista. No primeiro capítulo, "O último círculo", o antropólogo narra sua experiência entre os ianomâmis da Venezuela, e no segundo, "Uma etnografia selvagem", comenta o livro de Ettore Biocca sobre as memórias de Elena Valero, mulher branca raptada pelos mesmos índios. "Arqueologia da violência é uma retomada da grande tradição européia, principalmente francesa, de reflexão sobre os fundamentos da vida social a partir do 'selvagem'. É também uma das raras contribuições diretas e explícitas do pensamento ameríndio à filosofia ocidental, mediante um esforço radical de interlocução realizado por Clastres", comenta Castro. "Contém também uma teoria da máquina de guerra primitiva que permite apreciarmos a distância verdadeiramente infinita que separa a 'violência' dos povos contra o Estado da violência do Estado contra o(s) povo(s)." No ensaio "Mitos e ritos dos índios da América do Sul", Clastres também afirma que a sociedade primitiva não é apenas contra a institucionalização do poder político, mas também contra a institucionalização do religioso e do econômico. No prefácio do livro de Mar-
lévi-straussiana, desenvolvendo e modificando idéias seminais de Lévi-Strauss", comenta o antropólogo. Pierre Clastres morreu em um acidente de carro em 1977, deixando muitos ensaios publicados em revistas variadas, bem como reflexões inacabadas, que estão reunidos nesta obra. Sua morte prematura interrompeu o amadurecimento de idéias, que já ecoavam fortemente pelos círculos intelectuais dos anos 1970 e 1980. Para o antropólogo Márcio Goldman, o legado de Clastres no Brasil se deu em três dimensões igualmente importantes.
Lévi-Strauss (acima) e seu discípulo Pierre Clastres
shall Sahlins, A economia primitiva, o antropólogo francês observou que a idéia de "sociedades de afluência" para contrapor-se a idéias da economia política clássica, como a de escassez, caminha na contramão do pensamento marxista e evolucionista que via na economia precária dessas sociedades a razão da ausência do Estado. Desigual - Para ele, não é a base econômica que determina o político, mas o contrário. Seria a luta contra o Estado, guiada pela vontade de permanecer em liberdade, que impediria a emergência da desigualdade econômica. Mas o marxismo é mesmo questionado em "Os marxistas e sua antropologia", no qual afirma que não é a economia que dita as bases, mas a política, e a política, em seu ponto de vista, depende de vontade, de filosofia e de cultura. Outro destaque do livro é o questionamento do porquê de os homens se subordinarem a um único soberano. A resposta estaria no fato de que o homem se deixa subjugar. A emergência do poder político do Estado é pensada como acidente, não imprescindível para a vida social. Nas sociedades primitivas o Estado é negado pela escolha da liberdade.
Este foi o caminho de Clastres, uma bússola para o pensamento criativo e original. Uma prova de seu temperamento intelectual está no fato de ter rompido com o papa da antropologia, Lévi-Strauss, para colaborar com Gilles Deleuze e Felix Guatari, em seus estudos Anti-Édipo. "As relações com Clastres me parecem muito próximas. O Anti-Édipo teve uma óbvia influência sobre algumas das idéias mais importantes de Clastres, e, reciprocamente, A sociedade contra o Estado está na origem de capítulos cruciais dos Mil platôs (de Deleuze e Guatari). O anarquismo conceituai de Deleuze está em ressonância com a antropologia política clastriana", continua Castro. Discípulo de Lévi-Strauss, Clastres desenvolveu uma das poucas antropologias que se pode chamar com propriedade de pós-estruturalista, na análise de Eduardo Viveiros de Castro. Isso porque ele dá testemunho de um esforço de ir adiante em relação ao estruturalismo, de indicar seus limites sem deixar por isso de incorporar suas realizações intelectuais. "Clastres pode ser visto como o pensador que formulou a antropologia política que faltava ao estruturalismo em sua versão 'clássica' ou
Resistência - "Primeiro, inspirando, direta ou indiretamente, uma série de trabalhos no campo da etnologia indígena. Segundo, fornecendo a antropólogos que trabalham em campos que não da etnologia indígena uma série de idéias acerca da natureza do poder e das formas de resistência. Terceiro, oferecendo uma via de acesso clara, rigorosa e perturbadora a estudantes que se iniciam na antropologia ou nas humanidades em geral", afirma. Na avaliação de Castro, o trabalho de Clastres é importante para os especialistas nas culturas tupi-guaranis, em razão de sua etnografia em forma de "crônica" sobre os aché-guayakis do Paraguai, povo caçador de origem ou, pelo menos, de forte influência cultural guarani. "As estadas de Pierre e Hélène Clastres, sua mulher, entre os mbyá-guaranis, e a atenção que souberam prestar aos trabalhos sobre a religião e a mitologia deste povo, estão na origem de algumas das reflexões antropológicas e filosóficas mais estimulantes de Pierre, bem como do ensaio fundamental de Hélène, Terra sem mal'' Para o autor de A inconstância da alma selvagem, a reflexão clastriana sobre a sociedade primitiva teve maior impacto sobre alguns filósofos brasileiros que sobre os antropólogos. "Mas sua influência difusa sobre toda uma geração, aquela de que faço parte, foi enorme influência conceituai, estilística, ética, cultural mesmo, eu diria. Para mim e alguns de meus colegas, como Tânia Slotze Lima e Márcio Goldman, a obra de Clastres teve um papel de referência. Papel este que, após alguns anos de relativo eclipse, ela está, me parece, voltando a assumir", diz Castro. • PESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 91
I HUMANIDADES ARTES CÊNICAS
A
F
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memória como missão CARLOS HAAG
Tese analisa a relação entre passado e presente nas peças de Jorge Andrade
Vereda da salvação, em montagem recente: mudar dogma por outro não era tarefa fácil
Num momento em que todos os modernos estavam de olho no Brasil do futuro, ele ousou levar à cena o passado para pensar o presente do país. "Tudo o que há de melhor ou pior no Brasil de hoje nasceu no de ontem", escreveu o dramaturgo paulista Jorge Andrade. A história acabou por lhe dar razão: não se podia construir uma nação nova sem levar em conta que o Brasil urbano ainda convive com a sua cara-metade rural. Quando perguntavam a fonte de inspiração de peças como Os ossos do barão, A moratória ou A escada, o escritor nem titubeava: "Fui à história procurar". Era um bom manancial. Prova disso está na tese de doutorado Do passado ao presente: história, textos e cenas no teatro de Jorge Andrade, de Luiz Humberto Martins Arantes, que contou com o apoio da FAPESP. "Em depoimentos, o dramaturgo dizia que 'o passado é um monstro que nos persegue'. 92 ■ JULHO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 101
Foi o incômodo com esse passado que provocou a escritura de suas peças e, ao encontrar-se com esse tempo longínquo, no qual está uma coletividade que também viveu essa temporalidade, Jorge Andrade faz um exercício referenciador de identidade do sujeito, agora em meio à grande metrópole", explica o pesquisador. No caso de Andrade, então, era memória a matéria de que os sonhos eram feitos. E, por muitas vezes, desfeitos. Sim, pois boa parte de sua obra, escrita entre os anos 1950 e 60 e reunida em Marta, a árvore e o relógio, trata justamente da transição que a família paulista fez do rural ao urbano, mostrando os impactos dessa mudança nas décadas de 1950 e 60, quando essa família já estava ambientada no meio urbano. "O instigante nos personagens de Andrade é a sensação de inadaptação e desconforto à vida na cidade, tal como se vê em A moratória e A escada", explica o pesquisador. Baseado em memórias pessoais (lembranças da ruína de seu avô
e de sua infância, vivida na fazenda da família), Jorge Andrade faz uma catarse dessa elite que perdeu suas raízes rurais e, com elas, o referencial para continuar a viver num triste mundo novo. "O que se destaca é a melancolia ante as inúmeras perdas provocadas pelas mudanças históricas", nota Arantes. Teatro não é palanque - Num trabalho notável de carpintaria teatral, o dramaturgo conseguiu reunir em suas obras lembranças pessoais, retrabalhadas como coletivas, e história para tentar compor um retrato do homem e da sociedade brasileira. "Na palavra, o escritor marca seu encontro com a 'verdade', trata seu teatro como uma cerimônia fúnebre, mas, ao mesmo tempo, uma libertação dos mortos e uma partida para a vida em busca de si e da brasilidade", observa o pesquisador. E fazia isso sempre relembrando a todos que seu "teatro não era palanque". "Isso o distanciava de alguns setores das es-
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querdas, que acreditavam ser 'vanguardas revolucionárias"', diz Arantes. Na contramão, por exemplo, do teatro de transformação social de um Vianinha, o dramaturgo preferia exibir no palco as mazelas humanizadas da história recente brasileira e a degradada família paulista do pós-1930, o que incluía, aliás, a sua. "Penso que passei a vida tentando enterrar meus mortos (são tantos!), sem conseguir", confessou. Esse passado, "um monstro que nos persegue" (sua definição), permitia que pudesse promover o reencontro do indivíduo com o tempo e o espaço, e, talentoso, sabia como, ao rememorar o momento passado, eleger momentos de vivência individual que tivessem um sentido para outros, para a coletividade, deixando-os presentes para qualquer platéia de qualquer tempo. Não é sem razão Antunes Filho ter se interessado em montar Vereda da sal-
vação tanto em 1964 (quando foi proibida após algumas sessões) quanto em 1997. A peça traz uma mudança de foco temático em relação às anteriores e fala não da decadência das elites rurais, mas de trabalhadores rurais, agregados, que vivem numa fazenda e se vêem envolvidos num movimento de messianismo religioso. Ainda assim, embora o enfoque seja diferenciado, está presente, como em toda a sua dramaturgia, a questão, central, da liberdade. "Ele foi um homem de seu tempo. Num primeiro momento usando personagens metalingüísticos que argumentam em favor da liberdade de criação para, depois, enfrentar os dogmas da esquerda ortodoxa que entendia que o teatro deveria ser um mero instrumento de conscientização para a futura revolução. E, por fim, posicionou-se contra os entraves colocados pela censura instituída pela ditadura militar. A dimensão política de sua obra passa pela valorização da memória, da necessidade do
coletivo", analisa o pesquisador. "Em tempos de globalização, Jorge Andrade chama para a necessidade de pensar e valorizar o local, o que hoje pode parecer meio conservador, diante da crise da nacionalidade", defende Arantes. Para o dramaturgo, texto e palco são formas de esclarecer um passado pouco valorizado e fundamental para se movimentar o presente. "O artista só tem validade quando se situa dentro de um processo histórico que se desenvolve numa caminhada pela libertação do homem", advertia Jorge Andrade. Modernização conservadora - Essa valorização das dores do passado tinha bases históricas muito claras, em especial no diálogo do escritor com Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Gilberto Freyre. "Diante da constatação de que a 'passeidade' convive com o presente histórico, há, tanto em Prado Júnior como em Andrade, a certeza de que a modernização brasileira é conservaPESQUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 93
dora e que não ocorreu nem ocorrerá por momentos de saltos e rupturas", avalia Arantes. Com um detalhe: mais que um mero olhar para trás, o dramaturgo se interessa pela noção de passagem, da permanência das relações sociais de um Brasil escravista que ainda persiste nas relações do presente, e o quanto de ruralidade ainda resiste num país que, nos anos 1950 e 60, se esforça para se urbanizar e industrializar.
ÜSSnS^Jf! — : «ML Vereda..., filme de Anselmo Duarte: dilema dos conflitos
No eixo desse descompasso, fonte primordial de matéria-prima para o seu ciclo da história paulista, está a temática da família brasileira. "O tema da família traz as tensões presentes na historiografia. Ele soube tematizar o esfacelamento, a mobilidade das famílias de São Paulo e a perda de status. Ao trazer uma representação de indivíduo, recupera o grupo e insere-se no projeto de construção da brasilidade. Em Jorge Andrade, a 'família brasileira' conflita com a crescente aceleração do mundo urbano e com a produção da vida sendo conduzida por máquinas e por um projeto industrializador vencedor após os anos 1930", explica. Isso permeia A escada, peça em que um casal de velhinhos quatrocentões, agora sem posses, se vê obrigado a viver, de mês em mês, na casa de um dos filhos, sempre com a matriarca a reclamar do "mundo que se encheu de vulgaridades". De forma matizada, a idéia se renova em Os ossos do barão, em que se entrelaçam interesses das elites falidas, que querem dinheiro para voltar a viver bem, e das novas classes ascendentes, dos imigrantes italianos, que almejam reunir seu presente endinheirado com a tradição dos quatrocentões a quem serviram no passado. É assim o personagem de Egisto, que quer casar sua prole com a do barão de Jaraguá. No fim da peça, o imigrante "carcamano" mostra o "bambino" resultante do casamento das classes sociais e o apresenta ao re94 ■ JULHO DE 2004 ■ PESQ.UISA FAPESP 101
trato do barão como fruto do futuro, da união das tradições, velhas e novas. "Se o homem novo das utopias revolucionárias' é decidido e está pronto para, se necessário, pegar em armas, o de Jorge Andrade titubeia entre o passado e o presente, ao duvidar da tradição e não vislumbrar que o novo se aproxima, deixando florescer toda sua humanidade, o que o faz pensar e pesar as perdas de suas decisões", observa Arantes. O lembrar se transforma em missão. "Nesse sentido, libertar significa compreender as dinâmicas da história, uma das missões do teatro daquele período." O pesquisador enfatiza que não se engane quem vê em Andrade apenas um olhar para trás, melancólico como o de seus personagens, por um tempo que não volta mais. "Olhar para o passado não significou falta de compreensão ou de intervenção no presente." 0 PROJETO Do passado ao presente: história, textos e cenas no teatro de Jorge Andrade MODALIDADE Bolsa de Doutorado ORIENTADORA MáRCIA BARBOSA MANSOR D'ALéSSIO
- Ciências Humanas e Sociais/ PUC-São Paulo BOLSISTA Luiz Humberto Martins Arantes Ciências Humanas e Sociais/ PUC-São Paulo
Novamente, o grande exemplo é Vereda da salvação. "Se, no país, o debate se dava em torno das ligas camponesas e da reforma agrária, Jorge Andrade terminara de escrever, em 1963, Vereda, em que tematizava uma comunidade de trabalhadores envolvidos com fanatismo religioso. Essa situação desagradou tanto à direita quanto à esquerda, principalmenagrários te à esquerda do PCB, que entendia que seria o homem rural o agente da transformação social", lembra Arantes. Mas o homem rural de Andrade tinha história de vida e, assim, o elemento religioso tinha uma grande força de ação. Hoje é fácil ver quem estava certo. "Mas, naquele período, o dramaturgo já parecia anunciar que a substituição de um dogma por outro não era fácil. Assim, chamá-lo de conservador depende da perspectiva que se olha e também do que se considera como progressista naquele contexto histórico e ideológico específico." Nascido em 1922 (morto em 1984), modernista sui generis, Andrade quis, ao escarafunchar a história brasileira (dialogando com os três ciclos históricos: mineração, cafeicultura e industrialização), dar uma resposta para as incertezas do futuro experimentadas por seu tempo, que ainda permanecem pairando nos ares atuais. "Para ele, somos um país que arrasta um passado rural e dificilmente nos livraremos dele, pois os tempos continuarão a conviver neste Brasil, que rapidamente se urbaniza e se industrializa." Mas teatro é cena, e não apenas leitura. Quem se interessar em assistir ao drama brasileiro na escrita de Andrade pode conferir Vereda da salvação, no Teatro Kaus Cia. Experimental, com direção de Reginaldo Nascimento, em cartaz no Espaço Galpão 5, em São Paulo (113159-1822), em agosto. Se o dramaturgo procurava seus temas na história, sua dramaturgia não se converteu em história. Continua viva, como os dilemas do Brasil que ele quis entender. •
LIVROS
Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e o conflito Luiz César de Queiroz Ribeiro (org.) Fase / Fundação Perseu Abramo 432 páginas / R$ 45,00
Que as metrópoles brasileiras são caóticas e fonte de problemas quase insolúveis, ninguém duvida. Mas é preciso pensar em soluções e é justamente isso a que esse estudo se propõe por meio de um grupo de artigos que discutem exatamente como se pode tornar governáveis as nossas metrópoles. Os artigos apontam para o futuro, mas igualmente discutem o passado. Editora Fundação Perseu Abramo (11) 5571-4299 www.fpa.com.br ou editora@fpabramo.org.br
São Paulo: a construção da cidade (1872-1914) Paulo Xavier Pereira RiMa/FAPESP 174 páginas / R$ 27,90
Uma análise sociológica do intervalo de tempo em que a cidade de São Paulo definiu sua feição moderna. Os parâmetros temporais delimitam, de início, o fim da escravidão e a entrada dos imigrantes no mercado de trabalho e, depois, a substituição da mão-de-obra estrangeira pelos migrantes nacionais. Para o autor, a modernização implicou a aceitação, pelos trabalhadores, da desqualificação do seu métier. No meio tempo, houve a especulação imobiliária. Editora Ri Ma (16) 272-5269 www.rimaeditora.com.br
Manual de identificação dos Brachyura (caranguejos e siris) do litoral brasileiro ..„!.„,.«LI.,.......■«.■
Gustavo Augusto Schmidt de Melo Editora Plêiade/ FAPESP 603 páginas / R$ 70,00
Um guia para estudiosos dessas espécies, fartamente ilustrado, ideal para a consulta aprofundada. Além do presente volume, o pesquisador Gustavo Augusto Schmidt de Melo também está lançando outros manuais de interesse correlato para os especialistas marinhos: Manual de identificação dos Crustácea decapoda do litoral brasileiro (163 descrições e ilustrações, mapas e chaves de identificação); e Manual de identificação dos Crustácea decapoda de água doce do Brasil. Contato (11) 6165-8122 gasmelo@usp.br
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Ética e finitude Zeljko Loparic Editora Escuta 114 páginas / R$ 23,00
A segunda edição do livro de Loparic, professor de filosofia na PUC-RS, PUC-SP e Unicamp, levanta questões interessantes sobre partes que não foram trabalhadas da obra de Heidegger, em especial a idéia de que existiria nela uma ética que não preconiza a eliminação da finitude, mas que, ao contrário, se caracteriza por uma aceitação incondicional da finitude, o chamado finitismo. Nesse movimento, é uma ética inovadora e ousada. Editora Escuta (11) 3865-8950 / 3675-1190 / 3672-8345 www.editoraescuta.com.br ou escuta@uol.com.br
Estação Ecológica Juréia-Itatins: ambiente físico, flora e fauna Otávio Marques e Wânia Duleba Holos Editora / FAPESP 384 páginas / R$ 60,00
São Paulo de Piratininga: de pouso de tropas a metrópole 0 Estado de S.Paulo Editora Terceiro Nome / OESP 256 páginas / R$ 130,00
O autores advertem os leitores sobre uma conta temporal temerária: foram necessários 80 milhões de anos para a formação da grande diversidade da Mata Atlântica e em apenas cinco séculos boa parte dela foi devastada pelo homem. Um dos oásis restantes é a Estação Ecológica JuréiaItatins, descrita em detalhes nessa obra. Um aviso para a sua preservação.
Um livro delicioso que traz fotos de São Paulo, tiradas entre 1860 e 1930, exatamente o período em que se operou a transição da cidade para a sua modernidade e status de metrópole. As fotos foram descobertas apenas em 2000, durante uma reforma do Centro de Documentação e Informação do jornal O Estado de S.Paulo.
Holos, Editora (16) 639-9609 www.holoseditora.com.br ou holos@holoseditora.com.br
Editora Terceiro Nome (11) 5093-8216 www.terceironome.com.br PESOUISA FAPESP 101 -JULHO DE 2004 ■ 95
Passagem para o futuro JORGE LUIZ CALIFE
Vocês já ouviram essa história antes. Carlos amava Lena, que amava Bruno, que amava... sei lá quem e espero nunca ficar sabendo. Acho que só o contexto muda, a espécie humana é a mesma, infelizmente. Lena tinha passagem e passaporte para o nosso vôo rumo ao futuro. Só que ela preferiu não embarcar. Para ela um futuro sem o Bruno não era futuro e o Bruno não fora sorteado. Ela ia ficar na Terra, com todos aqueles infelizes desafortunados que tentariam sobreviver, de algum modo, à fúria esterilizadora de Nova Carina. Há muito tempo que os geólogos e os paleontólogos vinham falando em extinções em massa. Eventos que acabam com quase toda a vida em nosso planeta, fazendo a evolução começar de novo a partir das criaturas pequenas e insignificantes. Acontecera com os dinossauros, há 75 milhões de anos, permitindo a ascensão da era dos mamíferos. E agora ia acontecer de novo. Os atuais senhores do planeta iam sair de cena, dando lugar a um novo conjunto de atores no velho palco da vida. Dizem que os dinossauros foram extintos pelo impacto de um cometa. O mundo para eles acabara com um estrondo. Para nós ia acabar com um soluço, como sonhara o poeta. Com a supernova na constelação de Carina transformando nossas noites num crepúsculo azulado e mortal. Inundando o Sistema Solar com raios cósmicos que queimariam o nitrogênio da atmosfera da Terra. Produzindo os óxidos que deixariam o planeta sem a sua camada protetora de ozônio. Transformando o mundo num deserto como Marte. É claro que a humanidade sempre dá um jeito de trapacear. Somos mais inteligentes do que os dinossauros e não vamos deixar que uma estrela acabe com a nossa espécie, assim sem mais nem menos. Um bocado de gente vai sobreviver ao desastre em nossas colônias no fundo do mar e no subsolo da Lua. Infelizmente não há lugar para todo o mundo nesses postos avançados. Toda a humanidade que ficou na superfície da Terra, aqueles cujos antepassados não emigraram para o espaço ou para o fundo do mar, para estes só há uma chance. A Loteria do Futuro. Não é um jogo de pura sorte. Os computadores são programados com o nosso perfil psicológico, habilidades profissionais e herança genética. E a partir daí sorteiam os casais que poderão atravessar o Portal, rumo a uma vida nova num mundo 2 milhões de anos no futuro. Esse mundo é a Terra, totalmente modificada pela tormenta de radiação. Um mundo bizarro e selvagem, cheio de espécies de vegetais e animais exóticos. Já vimos imagens deste mundo, transmitidas pelas sondas que nos precederam através do portão do Tempo. É um mundo incrivelmente belo, a natureza é sábia e só as mutações mais adequadas sobreviveram às mudanças. Parece uma terra de fadas, com montanhas escarpadas, esculpidas por uma nova era glacial. Há florestas de cogumelos do tamanho de árvores e coisas que parecem pássaros coloridos voando. Mas não são pássaros nem mamíferos ou répteis voadores. Parecem moluscos. Moluscos adaptados ao vôo e à vida no céu. Coloridos feito bandeiras. Este é o mundo do futuro aonde vamos viver. Nossa nave, a Herbert George, é uma antiga nave de cruzeiros interplanetária, modificada para voar através do Portal do Tempo, ancorado no ponto Lagrange entre a Terra e a % ■ JULHO DE 2004 • PESHUISA FAPESP 101
Lua. Vamos levar mudas de plantas e um estoque de animais na forma de óvulos fertilizados e congelados. Herbert George é nossa arca de Noé. Nossa carga inclui todo o equipamento de construção robótica necessário para começar uma colônia, mas uma coisa me preocupa. Em parte alguma, nas imagens que os robôs exploradores enviaram do futuro, aparecem vestígios de seres humanos. Por que será que os colonos espaciais não repovoaram a Terra? Será que tem alguma coisa lá que impede a colonização humana? Nossos emissários não encontraram nenhum sinal de micróbios patogênicos nem gases venenosos. Os níveis de radiação são compatíveis, por isso vamos arriscar. A Herbert George leva 350 casais escolhidos para recomeçarem a aventura humana no ano 2.000.680. d.C. Lena foi sorteada e podia estar aqui comigo, mas preferiu ficar com o Bruno. No seu lugar colocaram a Giovana, uma moça bonita e saudável, mas que eu mal conheço. Talvez acabe gostando dela, quem sabe? Às vezes eu olho para os moluscos voadores do ano 2 milhões 680 e sinto um arrepio. Eles podem ser o resultado das mutações sofridas pelos seres que ficaram na Terra. Aqueles lençóis coloridos, voando entre os cogumelos gigantes, podem ser os descendentes da Lena, do Bruno e... é melhor nem pensar nisso. O Portal se aproxima e a contagem regressiva chega aos momentos finais. Houve muita discussão na hora de batizar a nave, afinal tantos cientistas do passado contribuíram para que pudéssemos abrir esta porta para o futuro. Albert Einstein mostrando que espaço e tempo são coisas interligadas, Edward Teller, Enrico Fermi e todos aqueles físicos que criaram a bomba atômica. Townes e o seu raio laser. Basicamente o Portal do Tempo usa bombas de hidrogênio para gerar raios laser de altíssima potência que criam um anel de luz coerente capaz de agitar a curvatura do tempo-espaço ligando o presente ao futuro. Mesmo assim acabamos batizando a nave com o nome de um escritor que sonhara com esse tipo de excursão quando Einstein ainda era um bebê. E lá vamos nós. O céu do futuro parece estranho, as constelações parecem distorcidas. Olho para a poltrona ao meu lado. Lena, você podia estar aqui... O meu amor se foi, perdeu-se nas brumas do tempo. Ah Lena, por que você tinha que amar o Bruno, que amava sei lá quem, que não tinha uma passagem para o futuro? E nem se importava...
é jornalista, tradutor e autor de três romances e uma coletânea de contos (Editora Record) sobre o futuro da colonização espacial
JORGE LUIZ CALIFE
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