Ciência e Tecnologia
Agosto 2004 • N° 102
FAPESP
A OUTRA CAUSA DOS TERREMOTOS CAl MITO DO POTENCIAL EMPREGADOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL
Plantas da mata para asaúde
IMAGEM oo MÊS
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PESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 • 3
PeiqeTec"üJS8 FAPESP
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66
CAPA
Projetes mostram como explorar plantas medicinais e bromélias sem danificar a Mata Atlântica
12
ENTREVISTA
REPORTAGENS POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
24
INDICADORES
30
INOVAÇÃO
Noventa empreendedores concluem treinamento para a gestão de negócios
CIÊNCIA
36
GEOFÍSICA
Tremores de terra no Brasil se explicam pela espessura de uma camada profunda, a litosfera
42
HEMATOLOGIA
Estudo mostra o lugar do Brasil no rol das nações que fazem pesquisa de qualidade
28 Bertha Becker propõe uma revolução científica e tecnológica na Amazônia 4 • AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
INVESTIMENTO
São Paulo prepara a licitação de uma fábrica de hemoderivados
Miscigenação intensa fez do país um campo fértil para anemias hereditárias
REPORTAGENS
46
TECNOLOGIA
FISIOLOGIA
A estratégia para recuperar movimentos após lesão de medula em animais
49
ECOLOGIA
Atlas da biodiversidade de Mi nas Gerais aponta 105 áreas prioritárias para pesquisa
54
HISTÓRIA
PECUÁRIA
FÍSICA
Equipe de Campinas detalha fenômeno que torna possível a criptografia quântica
52
72
88
USP 70 ANOS
Embrapa desenvolve bovinos mais precoces para o abate e mais eficientes na reprodução
76
MEDICINA
Protótipo garante sangue de melhor qualidade em transfusões para pacientes imunodeficientes
78
Pesquisadora analisa o período em que Portugal semeou no Brasil as especiarias perdidas das Índias
92 BIOGRAFIA A trajetória de Francisco Félix de Souza, ex-escravo baiano que se tornou mercador de escravos
SEÇÕES
ENGENHARIA ELÉTRICA
Empresa cria sistema digital que automatiza prédios e residências com custo baixo
A IMAGEM DO MÊS ............. .3 CARTAS ..... . ................. 6 CARTA DO EDITOR ............... 9
HUMANIDADES MEMÓRIA ................... . 10
82
PRODUÇÃO
ESTRATÉGIAS ................. 18 LABORATÓRIO ....... . ......... 32 SCIELO NOTÍCIAS .............. 60 LINHA DE PRODUÇÃO ........... 62 RESENHA ... . .............. .. . 96 LIVROS .... . ... .. ........... . . 97
A Faculdade de Direito do largo de São Francisco é referência acadêmica desde o Brasil Império
Indústria ainda é a grande fonte de expansão do crescimento, mostra pesquisa
Capa: Hélio de Almeida Foto da capa: Miguel Boyayan Tratamento de imagem: José Roberto Medda Folhas de cana- do-brejo
PESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 • 5
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CARTAS cartas@fapesp .br
Edição no 100 Acabo de receber a Pesquisa FAPESP, excelente revista que costumo folhear, pois há muitos artigos de interesse, mesmo não sendo eu pesquisador. Parabéns pelo no 100, principalmente pelo artigo "A Hollywood de Pernambuco", de autoria de Joana Monteleone, que resultou do projeto "Ciclo do Recife, os filmes, as histórias", com supervisão da excelente pesquisadora Lúcia Nagib. Muito bem-feita, a reportagem leva aos leitores mais interessados em ciências outra faceta das pesquisas patrocinadas pela FAPESP, bem publicadas. A Cinemateca Brasileira, da qual sou presidente do conselho, já foi e está sendo favorecida pela FAPESP. Publiquem mais. THOMAZ FARKAS São Paulo, SP
Recebemos há poucos dias o no 100, comemorativo da revista, e está simplesmente lindo! O que já vi me deu a certeza de que a equipe responsável pela arte é fantástica! A redação não fica atrás, pois a idéia de intercalar ficção com a pauta de C&T ficou incrível e absolutamente diferente! Mais uma vez, o meu afetuoso abraço a toda equipe da revista Pesquisa FAPESP por essa marca tão significativa, pois não são apenas cem números. Mas cem números de construção de uma marca, de uma identidade, junto com muita luta e empenho. REGINA Luz CPDOC-FGV Rio de Janeiro, RJ
Estava há muito tempo à procura de uma revista que me identificasse. Passava nas bancas e livrarias, encontrava sempre as mesmas coisas. Mas 6 • AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
no dia 19 de junho último entrei numa livraria e bati o olho, foi uma coisa incrível, uma paixão à primeira vista, até por ser especialmente a 100• edição. Parabéns a todos da redação e colaboração. Vocês produzem uma revista nunca vista antes, e de muita importância para os estudantes (como eu) e para a nação brasileira. WAN DERLEY SUSSA I DOS SANTOS São Paulo, SP
EMPRESA QUE APÓIA A PESQUISA BRASILEIRA
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NOVARTIS Trop1Net.org
Brilhante a edição n° 100. Patabéns a toda equipe de Pesquisa FAPESP. A matéria sobre a pesquisa nacional ("O salto quântico da ciência brasileira") faz um balanço otimista da pesquisa científica no país e nos mostra que, apesar dos problemas de financiamento principalmente -, a ciência avança no Brasil. PAULO MARCOS PIRES Uberlândia, MG
A pesquisa científica brasileira sai fortalecida e mostra sua importância quando um meio de comunicação competente divulga ao cidadão comum o complexo universo científico. A centésima edição de Pesquisa FAPESP é um momento de júbilo do jornalismo científico brasileiro. Parabéns à FAPESP e a toda equipe editorial de uma revista que marca um
novo alvorecer do jornalismo científico brasileiro. VANDERLAN DA SILVA BOLZANI Instituto de Química/Unesp Araraquara, SP
Gostaria de parabenizar o excepcional trabalho realizado no no 100 de Pesquisa FAPESP. Muito bem balanceada nas diversas áreas da C&T, excelentes entrevistas, notadamente com o nosso querido Roberto Salmeron, e a ótima reportagem sobre a Politécnica. MARCO GI ULI ETTI São Paulo
Parabéns à Pesquisa FAPESP, sua direção e colaboradores pela comemoração da edição n° 100. Que continuem publicando o que há de melhor na pesquisa brasileira. CHANA MALOGOLOWKIN-COHEN geneticista Tel-Avive, Israel
Agradeço a gentileza da remessa da excelente publicação Pesquisa FAPESP. Parabéns a São Paulo e ao Brasil pelo nível da referida revista. GERALDO LEITE Salvador, BA
Estou cursando o primeiro ano do curso de engenharia elétrica na Universidade Paulista (Unip ), em Ribeirão Preto. Dentre as disciplinas específicas do curso, neste primeiro semestre, tivemos aula de ciências humanas e sociais com Edilson Pedro, um excelente professor da Unip. Nessa aula estudamos como e o que fazer para ter um Brasil melhor, um dos grandes desafios dos governantes. Então eu o procurei para saber se existia alguma revista específica sobre ciência e tecnologia, ele indicou a revista Pesquisa FAPESP. Procurei um exemplar para
Ciência e Tecnologia
no Brasil
.
conhecer a revista e a achei muitíssimo interessante.
na verdade o floema conduz os nutrientes da copa para a raiz.
JOÃO M ANOEL SANTOS GARCIA
B ERENICE K USSUMOTO DE ALCÀNTARA
Ribeirão Preto, SP
Centro de Informática do Campus Luiz de Queiroz (Ciagri)/USP Piracicaba, SP
Parabéns a toda a equipe pela 100• edição da revista Pesquisa FAPESP. Tenho certeza que o sucesso será o mesmo nas centenas seguintes. SÉRG IO AD EODATO
São Paulo, SP
Livro de entrevistas Parabéns pelo livro Prazer em conhecer! Lindo título! A área de jornalismo científico no Brasil é carente de bibliografia. Portanto, o livro será muito importante e útil. M ARI A I MMACOLATA V ASSALLO DE LO PES
Escola de Comunicações eArtes/USP São Paulo, SP
Biossegurança Gostaria de cumprimentar toda a equipe pelo maravilhoso e educativo trabalho que desenvolve a maravilhosa revista Pesquisa FAPESP, em particular a reportagem "Campanha pelo conhecimento" (edição no lül). Sem dúvida, a reportagem é absolutamente verdadeira. Faltou acrescentar que a Leila Oda é uma das pioneiras nesta luta e na mobilização, desde a época da presidência da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
Em relação à seção de Cartas da edição no 99, gostaria de fazer uma correção a respeito do grupo do Streptococcus referendado (edição no 98). Após infecção aguda por algumas linhagens de Streptococcus pyogenes b-hemolítico do grupo A (e não do B), pode ocorrer o desenvolvimento de febre reumática, uma doença pósestreptocócica atribuída a uma resposta de hipersensibilidade, resultando em lesões do músculo e das válvulas cardíacas. L UZ IA T.A.S. SEMÉDO
Pesquisadora da UFRJ Rio de Janeiro, RJ
Edição em inglês Recebemos a edição em inglês de Pesquisa FAPESP e a achamos im- • pressionante. Parabéns a toda equipe da revista. Não imaginávamos que essa publicação cobrisse tal variedade de assuntos científicos - acreditávamos que o foco estivesse mais na área de medicina e saúde. Li especialmente a reportagem sobre os fósseis de dinossauros do Maranhão e gostei muito. Paleontologia é um assunto fascinante.
R O BERTO RAM OS
C ELIA BHATTACHARYA
Centro Internacional para Jornalistas Washington, DC Estados Unidos
Na edição no 99 (maio de 2004), página 59, ocorre um erro na explicação de floema. Na reportagem ''As pernas dos vírus" consta que o floema é o conjunto de vasos que conduzem nutrientes e água da raiz para a copa;
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Febre reumática
Rio de Janeiro, RJ
Vírus
Oque a ciência brasileira produz você encontra aqui.
Cartas para es ta revista devem ser enviadas para o e-mail car tas@fapesp .br, pelo f ax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, S P, CE P 05 468-90 1. As cartas poderão ser
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As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o. desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução sem perder nenhum movimento.
Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de pastagem. Tel. (11) 3038-1438
Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br
Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax ( 11) 3838-4181 ou pelo e-mail:
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Site da revista
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No endereço eletrônico www.revistapesqu isa. fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.
Para anunciar Ligue para: ( 11) 3838-4008
resumi das po r motivo de espaço e clareza.
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Aciência das Olimpíadas
Esporte e Ciência Esporte e Ciência, edição especial de Pesquisa FAPESP, conta a história do desempenho dos melhores atletas do mundo, que estarão presentes nas Olimpíadas de Atenas, sob o ponto de vista da ciência e da tecnologia. Não perca.
Nas bancas de todo o país
Ciência e Tecnologia
e no Brasil
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CARTA DO EDITOR
Pesquisa FAPESP CARLOSVOGT
Muito além da retórica
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, RICARDO RENZO BRENTANLVAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCN1CO-ADMINISTRATIVO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO E DIRETOR PRESIDENTE (INTERINO) JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO,WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (61ÊKCIA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (MLÍflC* C5J), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ANA MARiA FERRAZ,ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE IMAGENS), EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), EL1ZABETH TOGNATO, FRANCISCO BICUDO, JOANA MONTELEONE, LAURABEATRIZ, LAURA DE MELLO E SOUZA, LEDA BALBINO, MARCELO HONÓRIO (ON-LINE), MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÒ NEGRO, SABRINA OURAN, SAMUEL ANTENOR, SYLVIA LEITE, SÍRIO J. B. CANÇADO.THIAGO ROMERO (ON-LINE), YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. <11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA singular@sing.com.br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidatte@fapesp.br (PAULA ILIADIS) PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, N° 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181
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FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SAO PAULO
SECRETARIA DA CIÊNCIA,TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ETURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Com certa freqüência a expressão desenvolvimento sustentável soa como uma espécie de engodo retórico para recobrir o vazio de projetos práticos, bons e consistentes o suficiente para produzir alguma transformação econômica ou social e, ao mesmo tempo, preservar de modo desejável o ambiente em determinadas regiões. Mas é certamente uma noção inteiramente diversa que o conceito transmite ao ser relacionado a dois projetos de inovação tecnológica apresentados na reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP. Ambos estão sendo implantados pela mesma empresa no Vale do Ribeira, uma extensa região entre as cidades de São Paulo e Curitiba, em que se combinam, aliás, de forma nada rara no Brasil, precariedade das condições de vida da população local e riqueza notável de seu patrimônio natural. No Vale do Ribeira está a maior área remanescente de Mata Atlântica do país, ou seja, cerca de 600 mil hectares de floresta. O primeiro desses projetos, relata a partir da página 66 a editora assistente de tecnologia Dinorah Ereno, tratou de identificar e extrair da mata, com metodologia científica, plantas medicinais que começam a ser vendidas secas e embaladas. Registre-se que o extrativismo é atividade comum na região, em geral nociva à preservação das espécies nativas. Neste caso, essa prática corrente chega a resultados bem diferentes: além da regeneração garantida das plantas em seu hábitat e dos ganhos científicos, há evidentes benefícios econômicos e sociais. Entre outros, o conhecimento adquirido, tanto no que diz respeito à extração quanto ao processamento da matériaprima, está sendo repassado a comunidades quilombolas da região, num retorno justo das informações sobre as plantas que seus integrantes deram aos pesquisadores no início do trabalho. O segundo projeto, com uma técnica que se vale da utilização de pequenos pedaços de brotos das plantas, permite a reprodução em laboratório em larga escala das belas bromélias na-
tivas da região, sem destruição do espécime original usado e sem a retirada de exemplares da floresta. Ambos são exemplos de projeto a serem imitados por outras empresas preocupadas com o desenvolvimento e a questão da responsabilidade social. A propósito do desenvolvimento e seus caminhos, é leitura valiosa a reportagem sobre os primeiros (e ainda inéditos) resultados da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) 2001, elaborada pela Fundação Seade, que abre a seção de humanidades. Como relata a editora de política Claudia Izique, a partir da página 82, o estudo em questão indica que, apesar de todas as mudanças sofridas pelo universo produtivo nos últimos anos, a indústria ainda é o pólo dinâmico da expansão da economia paulista. E, entre outros dados surpreendentes, a pesquisa revela que o mercado de trabalho no setor de serviços cresce sim, mas nas grandes empresas do setor; sugere que a aposta na construção civil pode não produzir os efeitos desejados sobre o desemprego e que as políticas públicas voltadas para pequenas empresas de serviço talvez tivessem mais efeito se, em vez do emprego, focassem a competitividade do negócio. Conhecer esses dados obtidos com método rigoroso pode evitar terremotos desnecessários na gestão das políticas econômicas. Há, contudo, terremotos que não podem ser evitados. O editor de ciência Carlos Fioravanti explica a causa dos tremores em uma região do Brasil que deveria ser muito estável {página 36). Uma equipe do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo analisou quase um quarto do território nacional que se encontra no interior das placas tectônicas e não deveria tremer com freqüência. Os pesquisadores constataram que essas áreas estão sujeitas a tremores porque apresentam uma litosfera - camada de rochas com 100 a 200 quilômetros de profundidade - mais fina. MARILUCE MOURA
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DIRETORA DE REDAçãO
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 9
MEMóRIA
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Centenário
revigorado Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo completa 110 anos se renovando
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Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP) chega aos 110 anos cora uma excelente expectativa de viva. Dono de documentos únicos que contam e ilustram a história paulista com enorme riqueza de detalhes, nos últimos tempos seu acervo estava à beira do abandono total, sem a manutenção necessária para sua preservação e com pouquíssima segurança. O instituto nasceu da iniciativa do médico Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho, do engenheiro Antônio de Toledo Pisa e do advogado Estevão Leão Bourroul, em 1894. Os três publicaram anúncio no jornal O Estado de S. Paulo em que convidavam "todos os homens de letras" da capital para uma reunião na
Faculdade de Direito do largo de São Francisco para tratar da criação do IHGSP. Sessenta e seis personalidades atenderam ao convite e se tornaram fundadoras do empreendimento juntas com os três pioneiros. A missão da entidade, segundo o artigo Io do estatuto, é "promover o estudo e o desenvolvimento da história e geografia do Brasil e, principalmente, do Estado de São Paulo e bem assim ocupar-se de questões e assuntos literários, científicos, artísticos e industriais que possam interessar o país sob qualquer ponto de vista". Os paulistas não foram pioneiros. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro foi o primeiro a ser fundado, em 1838, por iniciativa de d. Pedro II, inspirado no Institut Historique, de Paris
10 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
Manuscrito original de exercícios caligráficos de d. Pedro II menino
Medalha-estojo com a Constituição do Império, de 1824, em 50 discos de papel
(de 1834). Os de Pernambuco (1862), de Alagoas (1869) e do Ceará (1887) vieram em seguida o da Bahia também é de 1894. Hoje esse tipo de instituição tornou-se comum nas principais cidades do país, depositárias de documentos que nem sempre encontram
guarida nos órgãos municipais. Eles também são um ponto de encontro de sociedades científicas e literárias. Em São Paulo, por exemplo, já em 1898 o engenheiro Euclides da Cunha (um dos sócios do IHGSP) fez a leitura pública do trabalho "Climatologia dos sertões da Bahia".
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Conde d'Eu e princesa Isabel, em cartão de 1919; agradecendo à revista A Cigarra {no verso)
Um dos desenhos do caderno de anotações e idéias de Santos Dumont
Tratava-se da apresentação de uma parte de Os sertões, lançada em forma de livro quatro anos depois. Aos poucos, o instituto transformou-se no guardião de parte da memória paulista e nacional em razão das doações de bibliotecas e arquivos pessoais. O acervo guarda documentação do pintor Benedito Calixto, sobre a vida privada do ex-presidente Washington Luís, assuntos relativos à história de cidades do interior e do litoral paulista, coleção de cartas dos chefes da Revolução de 1924, álbuns de música com hinos, marchas, concertos
e trechos de ópera do maestro Alexandre Levy e dezenas de outras coleções. Há peças raras da Marinha Imperial na Guerra do Paraguai, objetos que pertenceram a Santos Dumont, bilhetes e cartas de d. Pedro II, princesa Isabel e conde D'Eu. O salão dedicado à Revolução
Constitucionalista de 32 tem grande variedade de itens originais daquele período. Esse será o primeiro setor a ser revitalizado. Hoje instalado no quarto andar da sede do IHGSP, o acervo está em condições precárias, necessitando de reforma e do trabalho de
pesquisadores para reorganizar e colocar o material em condições de ser consultado sem o perigo de deteriorar ainda mais os raros documentos. A família de José Celestino Bourroul, sócio do instituto morto recentemente, doou a biblioteca de mais de 4 mil exemplares sobre a Revolução de 32. "Além disso, a família se propôs a fazer a reforma para a correta instalação dos livros, conjugada com o acervo já existente no instituto", afirma Nelly Martins Ferreira Candeias, presidente do instituto desde 2002, uma das responsáveis pelo arejamento da instituição e a primeira mulher a presidi-lo. A Federação Paulista de Filatelia deverá instalar lá o Centro de Memória Filatélica com parte da história das comunicações brasileiras. Além disso, o instituto está recebendo novos sócios, com interesses diversificados. "Convidamos pesquisadores, escritores e personalidades diversas para revigorar a instituição", conta Nelly. Entre eles estão Jorge Caldeira, autor de Mauá O empresário do Império, que já colabora com o instituto, Adriana Florence, pesquisadora e artista plástica descendente do naturalista e desenhista Hercule Florence, Maria Adelaide do Amaral e Alcides Nogueira, escritores, autores da minissérie televisiva Um só coração. "Com o renascimento do instituto, queremos atrair estudantes e pesquisadores dos colégios e faculdades do centro de São Paulo e torná-lo um irradiador de conhecimento."
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 11
sem extremismo CARLOS FIORAVANTI
I
epois de percorrer e estudar a Amazônia durante 30 anos, Bertha Koiffmann Becker propõe uma visão integrada, sem extremismos, como único caminho para conciliar a preservação e o desenvolvimento dessa região que cobre um pouco mais da metade do território brasileiro. Para essa geógrafa política de 73 anos, que lecionou durante 40 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e 18 no Instituto Rio Branco, grandes empreendimentos empresaíerada pelas experiências malsucedidas nos anos 1970, devem coexistir com pequenos projetos de produção familiar. "Não conseguiremos resolver o problema do desenvolvimento da Amazônia só com pequenos projetos de produção familiar", argumenta a pesquisadora, que coordena o subprograma Dimensões Humanas do Experimento de Larga Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), megaprojeto científico que reúne especialistas da América Latina, da Europa e dos Estados Unidos. Para ela, deve-se preservar, sim, mas também descobrir formas de atribuir valor econômico aos recursos naturais, com a participação dos moradores da região, porque, "caso contrário, a floresta não conseguirá competir com a exploração predatória da madeira, da pecuária e da soja". Na entrevista a seguir, concedida no espaçoso apartamento onde mora há seis anos, no 13° andar
de um edifício na avenida Atlântica, Rio de Janeiro, com uma deslumbrante vista para o mar, Bertha Becker desfaz muitos equívocos sobre a Amazônia: não, não se trata de um vazio demográfico, mas de uma região com cerca de 20 milhões de habitantes e uma surpreendente taxa de urbanização. ■ Por que a senhora chama a Amazônia de floresta urbanizada? 1985, por causa do processo de urbanização da Amazônia, que nas últimas décadas do século 20 acusou as maiores taxas no Brasil. Houve um afluxo enorme de gente de todos os estados, em grande parte induzido pelo governo federal, dentro do programa de integração nacional, em que a ocupação da Amazônia foi uma prioridade. E como nem todos conseguiram ter acesso à terra, e os que conseguiram depois perderam, por causa dos conflitos de terra, a população ia para os núcleos urbanos. Pelo Censo de 2000,69,07% da população se concentrava em núcleos urbanos. Há quem diga que isso não é urbano, mas um grande acampamento rural. Não importa, porque a urbanização se mede não só pelo crescimento e multiplicação das cidades, mas também pela difusão dos valores urbanos pela população rural, por meio das redes de telecomunicações e da mobilidade de trabalho. Quem faz trabalho na cidade e no campo, sazonalmente, se move daqui para lá, de lá para cá, e vai aprendendo,
vai absorvendo os valores urbanos. Estudei muito essa questão da mobilidade. O que os migrantes queriam era ir para a cidade para dar educação aos filhos. Esse é o nosso processo de urbanização. Alguns colegas não gostam dessa abordagem porque querem que nossa urbanização seja igual à da Europa e dos Estados Unidos - mas não é. ■ No estudo que fez para a Conferência do LBA, a senhora comenta que os núcleos urbanos são o maior problema da Amazônia hoje. Por quê? — Porque são inchados. Fica todo mundo falando só da destruição da floresta, mas os núcleos urbanos são hoje um dos maiores problemas ambientais da te sem acesso a nada, com problemas sérios de saúde e de saneamento. Não sei como, mas temos de dar um jeito ■ A senhora também sugere uma visão integrada da Amazônia, sem maniqueísmos... — Exatamente. Fala-se que o bom é o pequeno, ele é que não destrói, ele que é o coitado; o mau é a grande empresa... Todo mundo acha que não tem possibilidade de conciliar e não vê que cada um tem seu papel, com coisas boas e ruins. Esse é o maniqueísmo, que ainda impera, principalmente porque houve uma influência muito grande, na década de 1980 para 90, de uma visão, que na época era muito justa, de denún-
. , ?
Nem ambientalista, nem antiambientalista: preservação e desenvolvimento da Amazônia com inclusão social
cia de todo aquele movimento militar de ocupação da Amazônia. Eu mesma fiz um livro com essas denúncias, o Geopolítka da Amazônia, de 1982. Acontece que o mundo mudou e o Brasil mudou. Mas aí veio toda a esquerda festiva, achando que tudo o que é grande é ruim, tudo o que é governo é ruim, e foi uma tragédia para o Brasil. Depois, o Consenso de Washington, com a proposta do Estado mínimo, a história de que o Estado está acabando, e a gente, em vez de ver que isso era uma palavra de fora, entrou na guerra contra o Estado. Foi muito ruim, porque hoje está todo mundo querendo o Estado. Porque precisa do Estado, porque o discurso veio de fora, e os países, Estados Unidos, Inglaterra, nenhum deles acabou com seu Estado, era um discurso para a periferia. Aqui a academia também entrou nessa. Resultado: hoje, em qualquer lugar da Amazônia, com qualquer pessoa, agora estive em Altamira, no Pará, que é um núcleo político importantíssimo para a sociedade civil, e a primeira reivindicação é a presença do Estado. Para impedir que tomem as terras. Ao falar com um pecuarista, a primeira reivindicação também é a presença do Estado, mas por razões diferentes: acham que não é preciso haver tanta área mantida, com floresta, e querem reduzir, por causa do risco de invasão. E têm conflitos enormes nas fronteiras, os conflitos de soberania... ■ Quais são os conflitos de soberania? — Nesse processo de todo mundo ser contra o Estado e de ser a favor só do pequeno e do bom houve a penetração de uma ideologia ambientalista através de atores externos, por exemplo, algumas ONGs, que fazem mobilização política, organizações religiosas, principalmente os evangélicos, e cooperação internacional de pesquisa. A Amazônia ficou um terreno fértil para uma ação externa: o pessoal veio com dinheiro e ajudou os movimentos sociais, e os pequenos produtores, que estavam lutando pela sobrevivência e para permanecer na terra, se transformaram em sentinelas da floresta. Não sou antiambientalista, mas também não sou ambientalista. Não quero que se destrua a floresta, não quero, decididamente, e nem quero que se expulsem os grandes produtores, os seringueiros e os ribeirinhos. Mobilizar essa popu14 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
lação contra o Estado não é legal. Só fazer área protegida na Amazônia tampouco é legal. Tem que fazer área protegida, mas quando protege se retiram grandes porções de território do circuito produtivo. Não sou contra as unidades de conservação, só não quero que fique tudo só preservado. Porque, se não usar a terra para produzir, vai fazer o quê? Temos de respeitar a natureza, mas também usar o patrimônio e a terra. Temos de usar de modo que não seja destrutivo, mas temos que usar. ■ Parece que saímos traumatizados dos anos 1970 e não queremos pensar mais em grandes projetos para a Amazônia. — O que estou falando são dos traumas, mesmo. Não pode ter uma Petrobras atuando na Amazônia? Tem que ter. Há gente contra fazer o gasoduto... Tem um movimento muito hostil em relação às grandes empresas. Carajás foi um enclave, mas não é mais, está pagando royalties e beneficiando os municípios em torno. É importante desenvolver, com as populações locais, um modelo baseado na exploração dos recursos locais, mas não conseguiremos resolver o problema do desenvolvimento da Amazônia só com pequenos projetos de produção familiar. Alguns conseguiram ter sucesso, de escala inclusive, mas a maioria não tem escala, são pequenos demais, não têm acesso a estrada vicinal para escoar a produção. Deve ter os pequenos, a pequena empresa, a média empresa, o pequeno projeto de agricultura familiar, quero que os seringueiros se organizem, tudo isso, mas também temos que ter espaço para grandes projetos, projetos modernos de produção. Ainda tem minério para caramba por lá. Tem de ter as duas coisas, um não deve excluir o outro. ■ E como conciliar esses extremos? — Boa pergunta. Teria que ter primeiro de tudo um planejamento, começar a conciliação nas políticas públicas, com uma estratégia orquestrada, que leve em conta a diversidade dos recursos e a diversidade social. Aconteceu que cada um foi chegando e fazendo o queria, era a casa-da-mãe-joana. Nem foi uma zona assim tão grande porque o governo militar teve muito mais planejamento que se pensa. Passamos a década de 1990 com uma pressão fortíssima de preservação ambiental, que veio de duas lógicas
distintas, mas com o mesmo projeto. Uma lógica é a preocupação ambiental, que é legítima, sem dúvida. A natureza como fonte de vida. A outra veio com a revolução científico-tecnológica, no sentido de ver que a natureza se transformava num bem escasso, então era preciso fazer estoque de capital natural. Quer dizer, para as grandes potências. E onde é que estão os estoques de capital natural? Nos países periféricos, enquanto a tecnologia de uso da natureza sob novos moldes e tecnologias avançadas está nos países centrais. Temos então uma desigual distribuição de tecnologia e de natureza. E aí veio toda uma pressão preservacionista para manter áreas preservadas, para não destruir o capital natural... Para os ambientalistas, uma forma de garantir a vida. E para os interesses econômicos e geopolíticos, uma forma de fazer reservas de capital natural para uso futuro. ■ E um mecanismo capcioso, não? — Claro que é. Está havendo um processo de mercantilização dos elementos da natureza. O capital natural, que antes era capital natural de realização futura, agora está se realizando, está começando a ser explorado. Nos grandes fóruns globais, está havendo uma tentativa de regular mercados do ar, da biodiversidade e da água. O que é o Protocolo de Kyoto senão a regulação do mercado de ar, em que se vendem cotas de ar para outro país continuar poluindo? ■ Qual sua proposta para a Amazônia? — É uma revolução científico-tecnológica que utilize a biodiversidade em todos os seus níveis, desde os extratos e óleos até os fármacos, que é a tecnologia mais sofisticada, que requer grandes investimentos. Já existem algumas experiências que procuram agregar valores à biodiversidade: em Manaus, por exemplo, a Natura e a Croda, uma multinacional inglesa que já está explorando óleos. Temos de pensar na agregação de valor no âmago da floresta, com os ribeirinhos, com inclusão social. Assim haveria cadeias produtivas se formando desde as populações tradicionais até os centros de biotecnologia, onde é possível fazer extratos, xarope e fármacos. A pesca, uma parte da pesca é biodiversidade. Pode-se industrializar a pesca, é uma das maiores possibilidades da
Amazônia e ninguém usa. Está sendo depredada. A biodiversidade é o que permite gerar riqueza, fármaco dá riqueza, xarope e cosmético também. E o que pode gerar riqueza com inclusão social e sem depredar o ambiente? A tecnologia. É a única forma. ■ Em seus estudos, a senhora fala muito do desperdício na exploração da madeira. — A madeira é um desastre porque eles a exploram arrebentando a floresta. O problema é que as madeireiras são um dos setores que mais dão emprego na Amazônia. Então, é difícil parar, mas temos de inventar uma forma de aproveitar melhor. Já está havendo também processo de certificação da madeira, com manejo florestal, que é importante. Não pode mais ficar arrebentando a floresta para tirar madeira, também não pode deixar a soja entrar pela floresta. A soja tem muito espaço para avançar, nas áreas já desmaiadas, por exemplo. O que está havendo hoje na Amazônia é uma guerra entre os usos atuais e futuros do território. A soja é extremamente importante para o país e a floresta é uma riqueza potencial, enorme. No final do século 20 a fronteira agropecuária chegou na borda da floresta e destruiu a floresta de transição e também a floresta verdadeira. No começo da década de 1990 houve um movimento para barrar essa destruição, com a política de áreas protegidas, que ajudou a conter o ímpeto da soja, que se expande com base numa logística poderosa e uma agroindústria tecnificada. Há um risco grande de a soja se expandir ainda mais e derrubar a floresta com mais intensidade. Só as áreas protegidas não resolvem, talvez as áreas indígenas consigam barrar mais, porque são ocupadas. Temos de atribuir valor econômico aos recursos naturais, para enfrentar a competição com as commodities. Caso contrário, a floresta não conseguirá competir com a exploração predatória da madeira, da pecuária e da soja. ■ A Amazônia é um problema para o Brasil?
— É um problema e um potencial, porque do ponto de vista do governo há uma preocupação com a questão da soberania e dos agentes externos na Amazônia. Na fronteira política tem os contatos com as Farc {Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), o narcotráfico e o contrabando. Tudo isso em face da fragilidade das instituições do Estado, que não tem condição nem capacidade de controlar. Essa é uma das grandes questões do Brasil: ver como fortalecer as instituições, no Estado de direito, veja bem! Outra preocupação é a guerra entre, de um lado, produtores familiares (como produtor familiar entra seringueiro, índio e pequeno agricultor, todos os que vivem da terra) e os ambientalistas, que em geral estão juntos, em uma parceria que faz pressão para não mudar as coisas dentro da região. Por outro lado tem a soja, os grãos, que é uma das bases da economia do país, que está se estendendo brutalmente. Enquanto houver mercado e a China continuar comprando, a soja vai se expandir, porque é baseada numa logística poderosíssima. Logística não é só
transporte, é também armazenamento, redes de comunicação, cidades, mercados. Esse conjunto gera verdadeiros territórios corporatizados. Mas tem uma coisa, que pouca gente sabe: as grandes tradings, como a Bunge e a Cargill, não compram mais terra, agora terceirizam a terra. Dão semente, dinheiro e compram a safra antecipadamente. São espertos. Por que vão se envolver com problema de terra no Brasil? É uma forma de relação de trabalho, que a Sadia já fazia no Sul, e que lá se expandiu. Mas o Maggi - sabe quem é Blairo Maggi, o governador do Estado de Mato Grosso? - terceiriza e também compra terra. Temos então um problema de expropriação dos pequenos produtores, quando chegam as plantações. E o que está acontecendo? Os grandes produtores estão buscando saídas para exportar pelo norte para os portos de Roterdã e de Xangai. Estão até financiando uma parte do asfaltamento da rodovia Cuiabá-Santarém. Diante dessa guerra, o governo resolveu transformar a Cuiabá-Santarém, a BR-163, em um modelo novo de implantação de estrada na Amazônia. ■ Para evitar outra Transamazônica? — Exatamente. É uma tentativa de estabelecer um modelo novo para a abertura de estradas. O problema é o seguinte: temos de abrir estrada. Ou o Brasil não pode abrir estrada, para ampliar a circulação no território nacional? Todo mundo pode, só nós é que não podemos? Mas temos de fazer estrada sem destruir a floresta do jeito que está destruindo. Então estamos propondo, eu propus inclusive, zoneamentos: que se planejem os núcleos urbanos, porque vai haver migração; temos que ter base de apoio para sustentar a população, decente; áreas de agricultura familiar; áreas de soja, certamente vai ter; e áreas de manejo florestal, não é? ■ Quando a senhora entrou nessa história? — Em novembro de 2003. Agora temos um grupo de trabalho funcionando. São 14 ministérios, sob a liderança dos PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 15
ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente. Temos de fazer políticas concertadas. É muito, muito difícil, mas estamos tentando. Vamos fazer um planejamento para toda a área de influência da rodovia. ■ Quando começou o projeto dessa rodovia? — Foi na década de 1970, no governo militar. Abriram uma estrada de terra, mas nunca foi asfaltada. Aí começou a haver uma migração de Mato Grosso e do Sul, e os pequenos produtores foram para a Cuiabá-Santarém. Hoje a maioria é pecuarista. Os grandes produtores estão loucos para asfaltar, para a estrada servir para a exportação de soja. Sem pavimentação, só serve para passar gado. ■ E os pequenos produtores, como ficam? — Essa é uma sacanagem, desculpe a expressão, abrir estradas para ser corredor de exportação, enquanto a região continua com uma fraquíssima conectividade interna, inclusive entre os pequenos produtores, que precisam de estradas vicinais para escoar sua produção e não têm. ■ Quando a senhora entrou no LBA, em 2002, o projeto já estava correndo, não? — Havia muito tempo. O LBA é um projeto que está intimamente associado ao Global Environmental Change, que é o que eu chamo de um processo de globalização da pesquisa. Globalização da pesquisa por quê? Porque o Global Change é uma iniciativa do ICSU, International Council for Science, um conselho internacional de todas as uniões científicas, com uma preocupação global, portanto. A preocupação de que a natureza está sendo depredada, que o clima, com a poluição, o efeito estufa, tudo isso, vai mudar o planeta, e, evidente, com a produção de conhecimento, para usar melhor o que a gente tem na superfície da Terra e evitar catástrofes. O ICSU focalizou o conhecimento nas ciências naturais, clima, mares e oceanos, vegetação... a parte humana foi absolutamente negligenciada. O LBA se criou nessa mesma concepção, tanto que o problema central é a relação entre biosfera e atmosfera. De parte humana só tinha um subprograma, o Land Use and Land Cover Change, no próprio ICSU, com muita coisa de bioquímica, biofísica, bio... sei lá que mais. 16 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
Mas não existe natureza sem homem. Acho muito importante a questão global, mas não posso dar prioridade a questões globais porque os problemas no Brasil são enormes, sociais inclusive. Não posso pensar só nas gerações futuras, tenho de pensar nas gerações atuais também. Inclusive porque, se não resolver os problemas aqui, vai ter repercussão global. Não gosto dessa ênfase globalista, mas esse é um problema meu, não tem nada com o LBA. Quando o ICSU introduziu um subprograma de noções humanas na mudança ambiental global, o LBA achou bom fazer o mesmo. Quem me convidou foi o Carlos Nobre, que tem uma cabeça muito aberta, para eu implantar a pesquisa sobre a dimensão humana na mudança ambiental global. Ele propôs que inicialmente eu fizesse essa síntese, para ver como os cientistas humanos lidavam com a Amazônia. O tempo foi curto, o levantamento teve algumas falhas, mas passei a mensagem de que já existe uma produção significativa sobre a Amazônia, ainda que muito dispersa, e que há um grande debate, porque eles são muito assim das certezas. A turma estrangeira do LBA tem um enorme desprezo pela dimensão humana, sou obrigada a confessar. ■ A que a senhora atribui esse desprezo? — Eles acham que ciência humana não é ciência, que tudo tem de ser medido, com equações e modelos. Mas eu, que trabalho na Amazônia há 30 anos, não posso deixar de ir a campo para ver o que se passa. Porque ali muda todo ano, com uma dinâmica incrível. Tenho de ter cuidado com esses modelitos estratosféricos. Modelo é importante, mas tenho que ir a campo, preciso conhecer o que se passa em vários lugares da Amazônia para poder fazer uma generalização. Converso com diferentes atores sociais, desde o peão até o governador do estado, os pecuaristas e o produtor familiar. Não vejo como captar as tendências de mudanças na Amazônia se não for lá e reconhecer a diversidade. ■ Como tem sido o diálogo com os físicos, químicos e biólogos do LBA? — Difícil. Também tenho meus preconceitos, reconheço. Não gostei nada de que se fizesse parceria com a Nasa, porque o Brasil participa de programas multilaterais em que os estrangeiros
têm autonomia excessiva. Como eu trabalho com geopolítica, tenho minhas desconfianças das ajudas financeiras. Ajuda financeira vem com uma agenda de pesquisa, em que os processos globais têm uma importância muito grande, mas, como já disse, temos de pensar no regional e no nacional. É algo que acontece no mundo todo, mas temos de saber negociar. Não temos de nos submeter. ■ Quando a senhora foi à Amazônia pela primeira vez? — Quando era professora do Instituto Rio Branco, do Ministério das Relações Exteriores, foi aí que comecei a me interessar pela geografia política. Eu tinha de ensinar futuros diplomatas e comecei a procurar algo que servisse para eles. Eu vivia dizendo ao embaixador Antônio Corrêa do Lago, que era o chefe do Instituto, que os meninos deveriam conhecer o Brasil antes de representar o Brasil lá fora, porque vinham das elites urbanas e não conheciam nada do país. Fui com uns 60 alunos, de avião da FAB {Força Aérea Brasileira), e pousamos em todos os quartéis das proximidades das fronteiras. Foi o embaixador que escolheu visitar as fronteiras da Amazônia, isso em 1970, hein? Sabe que as populações da área de fronteira só escutavam rádio de Cuba e não a Rádio Nacional? Preparei os meninos durante algum tempo, com questionários, para verem qual a ligação dos moradores com o território nacional. Me baseei na questão da estrutura centro-periferia. Fomos a Corumbá, Cáceres - Cáceres já estava cheio de migrantes —, depois sobrevoamos o vale do Guaporé, pousando no Forte Príncipe da Beira, depois Guajará-Mirim brasileira, Guajará-Mirim boliviana, Porto Velho, Rio Branco, Cruzeiro do Sul e daí Manaus e Brasília. Eu não conhecia a Amazônia e nunca mais saí de lá. Depois fui numa excursão com o pessoal da Engenharia do Fundão (Universidade Federal do Rio do Janeiro), fui com eles de carro por toda a Belém-Brasília. A partir daí fiz meus projetos para o CNPq e desenvolvi um know-how de pesquisa de campo: eu pedia ajuda ao DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) e usava as casas dos engenheiros para dormir no meio da estrada. ■ E depois, por onde a senhora andou?
— Comecei pelo norte de Goiás, que depois virou Tocantins. Araguaína, Imperatriz, depois Rondônia, Mato Grosso, rodei Mato Grosso, fui a Sinop, tudo aquilo, Alta Floresta... Cada ano eu ia para um lugar, fiquei conhecendo quase tudo. ■ Quando é a próxima expedição? —Vou no começo de agosto para Sinop, Guarantã do Norte, em Mato Grosso, Novo Progresso, no Pará, e Apuí e Humaitá, no Amazonas. Vamos ver o que está acontecendo, porque a soja está entrando, e quero ver direitinho como é. Quero ver se essa área deve ou não fazer parte da área de influência da Cuiabá-Santarém. ■ Os geógrafos de modo geral não participam pouco dos debates sobre a Amazônia, enfim, sobre o uso do território brasileiro? — Os cientistas são muito voltados para o próprio umbigo. Têm suas preferências e querem pesquisar de acordo com essas preferências. Não se voltam para as demandas da sociedade. No caso da geografia tem outra coisa: a turma entrou naquele esquerdismo, num marxismo zarolho, só se preocupando em encontrar o marxismo nos problemas, só na denúncia. Mas não pode... Talvez estejamos precisando como nunca da contribuição da academia. Temos de dar um passo à frente, não ficar só pesquisando, pesquisando, pesquisando a vida inteira. É claro que é nossa função, mas não custa pensar nos problemas do país e tentar dar alguma sugestão. Confesso que hoje estou muito mais ligada a não-geógrafos do que a geógrafos. Sou muito mais transdisciplinar. ■ O que um brasileiro qualquer deveria saber sobre a Amazônia? — Que a Amazônia é parte do Brasil; que os conflitos que lá ocorrem são conflitos da sociedade brasileira, apenas aparecem com mais clareza lá, pelas próprias particularidades geográficas da área; que a Amazônia não é um vazio demográfico. ■ Não é um vazio demográfico?
— Não! Esse é outro mito. O mito de que a Amazônia é homogênea e vazia. Nunca foi vazia, porque já tinha os índios vivendo lá, depois os ribeirinhos, caboclos e as cidades. É uma região que no final do século passou por enormes transformações estruturais, na conectividade, pelas redes de telecomunicação; na economia, com a industrialização; no povoamento, que passou a se dar ao longo das estradas em vez de ao longo dos rios; e na sociedade. Houve uma migração intensa, de todo o país, e a sociedade civil se organizou como nunca antes. Há movimentos sociais no campo, por causa da terra, e na cidade, pela cidadania. Todos esses processos ocorreram de modo diferenciado, porque hoje existem três grandes macrorregiões na Amazônia, que eu distingo. A primeira é o chamado Arco do Fogo, acho ridículo chamar assim, para mim é o Arco do Povoamento Consolidado, porque está cheio de cidades grandes, estradas, soja, pecuária, Carajás... A outra macrorregião é a região central, o Pará, a mais vulnerável, por causa dos conflitos ambientais e sociais, é por
Talvez estejamos precisando como nunca da contribuição da academia. Temos de dar um passo à frente, não custa pensar nos problemas do país e dar alguma sugestão
onde vai a Cuiabá-Santarém, por isso que a gente está fazendo esse esforço todo. A outra macrorregião, a Amazônia ocidental, ainda a mais preservada, com os estados do Amazonas e Roraima e uma parte do Acre. É o reino das águas, com os rios Solimões e Amazonas, muita floresta, terras indígenas e unidades de conservação. Mas tem Manaus, um grande centro industrial, é bom não esquecer. Dentro dessas macrorregiões existem sub-regiões, são muitas. É importante frisar: não podemos mais pensar na Amazônia sem pensar na Amazônia Sul-americana como um todo. Temos de pensar na integração dos países da Amazônia. ■ Como está essa integração? — Existe agora em Brasília uma Secretaria Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica. No começo de julho fizeram a primeira oficina, já como Organização do Tratado de Cooperação Amazônica {OTCA, reunindo Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), para discutir um plano estratégico. Fiz uma conferência de abertura, foi o maior barato, falei essas coisas todas, eles adoraram. Só que o plano não falava na questão social. Disse que um dos desafios da integração continental é justamente o social, porque quero que resolva o problema social, detesto é ficar banalizando a questão social. Eu disse, "se não quiser atender a problemática social, não vai haver integração de nada". Outro desafio é como se inserir na globalização através do processo que está ocorrendo agora, de mercantilização da natureza, com um modelo que não deprede os recursos e faça a inserção social. E lá fui eu, por aí afora. Sugeri a revolução tecnológica, que, inclusive, podemos fazer conjuntamente. O governador da Amazônia colombiana veio falar comigo, temos idéias, temos idéias... ■ Por exemplo? — Ah, não vou dizer! Não posso, senão abro o jogo, dou o ouro todo para o bandido, não é você, não, mas quem ler já vai começar a brigar. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 17
I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
África produtiva Um novo horizonte se descortina para a agricultura da África. Pesquisadores de vários países do continente estão promovendo o casamento de cultivares locais com variedades trazidas de outros países, graças a acordos de caráter humanitário articulados pela Fundação Africana para a Agricultura e Tecnologia (Faat). O diretor da Faat, Eugene Terry, diz que o objetivo da iniciativa é usar conhecimento, contatos e boas práticas desenvolvidas por institutos de pesquisa de agricultura
■ Sinal verde para os jovens pesquisadores A vida dos cientistas argentinos promete melhorar. O governo revogou uma lei que atrelava a contratação de cada novo funcionário público, os cientistas inclusive, à chancela do presidente da República. A lei entrou em vigor em 2002, numa tentativa de conter gastos públicos em meio ao caos político e financeiro que o país enfrentava. Segundo Eduardo Charreau, presidente do Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecno-
de diversas nações em benefício do combate à fome na África. Variedades de mandioca resistentes a vírus já aumentam a produtividade agrícola no Quênia, enquanto em Uganda bananas livres de pragas garantiram colheita de 50 toneladas por hectare. Novos acordos estão a caminho. Outro projeto desenvolvido por uma fundação de Uganda busca produzir milho resistente a pragas e mais rico em betacaroteno, também por meio de parcerias internacionais. (Nature, Io de julho) •
lógica (Conicet), a legislação criou obstáculos ao trabalho de 500 novos pesquisadores 60 deles deixaram o país. "O sistema científico argentino está envelhecendo e precisamos de sangue novo", diz. O caso da bióloga Claudia Vassena é exemplar. Ela teve o aval do Conicet para dar o pontapé inicial na carreira. "Mas uma montanha de papéis atrasou tudo e a aprovação oficial nunca veio", disse Claudia. Agora espera que as novas regras ajudem-na a trabalhar no próprio país. {SciDev. Net, 6 de julho) •
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■ Mulheres distantes da ciência no Butão No pequeno Butão - país localizado na cordilheira do Himalaia, entre o Tibete e a índia - ciência é coisa de homem. Valores socioculturais contribuem para afastar as mulheres da vida acadêmica. Como são as filhas que herdam prioritariamente as propriedades da família, os pais acham desnecessário que as garotas estudem ou busquem uma carreira bem remunerada. Conservadora, a sociedade butanesa sempre relegou às mulheres as tarefas domésticas e os cuidados com os pais idosos. Um estudo de dois anos conduzido por Sonam Rinchen, cientista do Instituto de Educação em Samtse, evidenciou uma participação feminina na atividade científica praticamente nula. O problema começa na
escola, onde o desempenho das meninas é bem inferior ao apresentado pelos meninos (eles se saem até 38% melhor) e raramente os pais de garotas as encorajam a seguir uma carreira científica. Para o diretor do Centro de Pesquisa Educacional e Desenvolvimento, T S. Powdyel, a constatação é motivo de alarme. "Como quase a metade da nossa população é feminina, faria muita diferença para o desenvolvimento do país se elas seguissem uma carreira científica", observa. Na índia, ao contrário do Butão, a ciência atrai as meninas. Tashi Dema, arquiteta butanesa, tem a explicação: "Quanto melhor uma garota se sair academicamente na índia, mais propostas de casamento receberá". No Butão, diz ela, a lógica é outra. "Elas herdam propriedades, casamse e se acomodam." (Kuensel Online, 17 de junho) •
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■ Comitê japonês aprova clonagem O Japão está prestes a entrar na corrida internacional das pesquisas em clonagem terapêutica, ao lado da Inglaterra, China e outras nações. No dia 23 de junho, o comitê de bioética do Conselho de Política para Ciência e Tecnologia - a mais alta instância de decisão científica do país - aprovou a suspensão da moratória de três anos que pairava sobre os estudos com células-tronco de embriões. Foram 10 votos contra 5. Em breve, a decisão deverá ser endossada por um outro conselho governamental. Mas o efeito não será imediato. As regras que regerão o procedimento devem demorar pelo menos um ano para ser estabelecidas. A clonagem de embriões humanos para obtenção de células-tronco promete gerar tecidos e órgãos para transplantes e, assim, curar doenças. Apesar da aprovação, a polêmica persiste. O biólogo Shin-ichi Nishikawa, integrante do comitê e pesquisador do Centro de Desenvolvimento de Biologia Riken, em Kobe, votou pela mudança e lamenta que as pesquisas não comecem imediatamente. "Já perdemos muito tempo. O processo de decisão nos órgãos científicos japoneses infelizmente é muito demorado", afirma. Já para o em-
briologista Motoya Katsuki, que também é membro do comitê e diretor do Instituto Nacional de Biologia Básica de Okazaki, os problemas ético-científicos que levaram à moratória ainda não foram
resolvidos. "Do ponto de vista ético, o ideal seria evitar experimentos com seres humanos tanto quanto possível", diz Katsuki, que votou contra o fim da moratória. {Nature, Io de julho) •
Surto de demissões O recente surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) em território chinês derrubou cinco autoridades sanitárias do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). O diretor do CDC, Li Liming, e seu , vice-diretor, Yang Xiao-/ guang, pediram demis-l I são. O Ministério da Saú- \ de afastou de seus cargos outros três diretores. Uma investigação concluiu que houve falha na manipulação de vírus da doença no Instituto de Virologia do CDC - os micróbios não estavam inativos como se imaginava. A onda da doença começou em março, mas o CDC só divulgou o fato no dia 22 de abril. O governo chinês prepara novos regulamentos para manipulação de germes em laboratório. {SáDev.Net, 7 de julho) •
■ Genes organizados na Internet Dois cientistas espanhóis - Robert Hoffmann e Alfonso Valencia, do Centro Espanhol de Biotecnologia (CNB/CSIC), em Madri - desenvolveram uma ferramenta para a Internet chamada iHOP (Information Hyperlinked over Proteins) destinada a ajudar pesquisadores a explorar literatura científica e reunir informações de maneira ordenada. De acordo com os criadores da ferramenta, o iHOP converte milhões de dados bibliográficos da Biblioteca Nacional de Medicina (PubMEd) numa rede de referências interligadas sobre genes, proteínas, mutações, doenças e compostos bioquímicos. Basta digitar o nome do gene na página do serviço e esperar alguns segundos. Em seguida o usuário poderá conhecer, num universo de 14 milhões de trabalhos disponíveis, quais citaram a referência procurada. A dupla Hoffmann e Valencia espera que a Internet provoque uma revolução nas ferramentas de pesquisa capaz de aproximar mais a biomedicina da comunidade científica e também do público leigo. O novo serviço de busca pode ser encontrado no endereço www.pdg.cnb.uam.es/UniPub/iHOP. (Nature Genetics, Io de julho) •
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ESTRATéGIAS
MUNDO
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
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Discase, and History
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■ O isolamento dos colombianos Pesquisadores colombianos queixam-se de que estão cada vez mais isolados da comunidade científica internacional, pois enfrentam dificuldades em obter vistos para participar de congressos no exterior. Acredita-se que as restrições sejam alimentadas pela associação entre o país e o tráfico internacional de drogas. Recentemente, colombianos que estudam no Instituto de Física da Universidade de São Paulo não conseguiram visto de entrada na Itália e na Irlanda. Não são casos isolados. "Aqui, todo cientista tem uma história dessas para contar", diz Moisés Wasserman, presidente da Academia Colombiana de Ciências Exatas, Físicas e Naturais. No ano passado, Germán Poveda, pesquisador da Universidade Nacional, teve o visto de entrada no Canadá negado pela embaixada do país em Bogotá. Queria ir a um congresso em Montreal. Lá apresentaria sua pesquisa sobre a correlação entre as variações climáticas e os surtos de malária. O visto foi concedido depois que entidades
como a Academia Colombiana de Ciências e o Instituto Interamericano de Pesquisa de Mudanças Climáticas enviaram cartas de protesto. {SciDev.Net, 9 de julho) •
http://scarab.msu.montana.edu/historybug/ 0 site aborda o impacto que os insetos causaram na saúde humana, com referências históricas e artigos sobre doenças tropicais.
scirus
■ A vez dos cientistas negros Os negros finalmente conquistam espaço na ciência da África do Sul. A sexta edição do Prêmio do Fórum Nacional de Ciência e Tecnologia criou quatro categorias para homenagear cientistas africanos. Um dos ganhadores foi Mamokgethi Setati, primeira africana a obter Ph.D. em educação de matemática. O prêmio masculino dessa categoria foi concedido a Tshilidzi Marwala, da Escola de Engenharia Elétrica e de Informação de Wits. Os outros vencedores foram a bioquímica e ativista de uma ONG ligada à questão da Aids Debra Meyer, da Rand Afrikaans University - primeira mulher e primeira negra a lecionar na instituição -, e a bioengenheira Tânia Douglas, que realiza pesquisas sobre uma síndrome que causa retardo mental. {Science in África, 9 de julho) •
20 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
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http://www.scirus.com/srsapp/ Faz buscas em 167 milhões de páginas ligadas à ciência. Quando se digita Dolly, ele procura só a ovelha, não a cantora country homônima.
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http://www.phys.unsw.edu.au/-jw/thesis.html
Com versão em três idiomas (inglês, francês e espanhol), a página mostra como se deve organizar e escrever uma tese acadêmica.
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ESTRATéGIAS
BRASIL Atalho para importar equipamentos
Começou a funcionar o Ciência Importa Fácil, programa coordenado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelos Correios, que promete facilitar a vida dos pesquisadores que dependem da importação de equipamentos e insumos para trabalhar. Desde 1990, o CNPq avalia os pedidos de compra no exterior feitos por 350 entidades científicas, que gozam
■ Um celeiro de informações Um artigo publicado na revista científica The Lancet faz um balanço pouco animador dos esforços realizados nos últimos dez anos para ampliar o acesso dos profissionais de saúde no Terceiro Mundo a informações científicas fidedignas. Uma das raras exceções apontadas no trabalho funciona em São Paulo. É o Bireme - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informações em Ciências de Saúde (www.bireme.org), criado em 1967 pelo governo brasileiro em parceria com a Orga-
de um regime de isenção de imposto de importação e do IPI. O Ciência Importa Fácil, criado por uma medida provisória em junho, está ampliando essa prerrogativa para pessoas físicas. Em apenas um mês, 550 pesquisadores se credenciaram para integrar o programa, entre os 8,5 mil bolsistas do CNPq habilitados. Em breve sairão as regras para participação dos pesquisadores sem vínculo com o conse-
nização Pan-Americana de Saúde (Opas). Em colaboração com a FAPESP e o Conselho Nacional de Ciências do Chile, o Bireme mantém o SciELO - Scientifíc Electronic Library On Line (www.scielo. org), pioneira fonte de informação sobre pesquisas em saúde. "Iniciativas como essa mostram o que é possível fazer quando se tem apoio político, cooperação internacional, objetivos claros, boa administração e verbas adequados", registrou o artigo, escrito por um grupo liderado pela londrina Fiona Godlee, do qual fez parte Abel Parker, diretor da Bireme. O estudo será le-
lho. O novo programa oferece duas vantagens: permite que pesquisadores comprem equipamentos e insumos escapando da burocracia dos órgãos públicos (eles podem fazer o pagamento até com cartão de crédito) e ainda contem com a retaguarda dos Correios para ajudar a desembaraçar a carga aduaneira. Os critérios para autorizar as importações são rigorosos - o tipo de compra e seus volumes
vado para discussão na Conferência sobre Pesquisa Médica que a Organização Mundial de Saúde vai realizar no México, em novembro. •
■ Um passo para acelerar a inovação A Câmara dos Deputados aprovou, no dia 7 de julho, o projeto da Lei de Inovação, que estabelece estímulos a empresas que investirem em pesquisa científica e no desenvolvimento de novas tecnologias. O projeto está sendo apreciado pelo Senado. Um dos objetivos da legislação é facilitar a transferência de co-
devem ser compatíveis com a pesquisa em andamento. "O CNPq dispõe-se a analisar em apenas 24 horas os pedidos e dar um veredicto", diz Carlos Eduardo Costa Almeida, assessor da Diretoria de Administração do CNPq. Os pedidos podem ser aprovados, rejeitados ou devolvidos com solicitação de esclarecimentos. Outras informações podem ser obtidas no site www.cnpq.br/ importafacil. •
nhecimentos produzidos no ambiente acadêmico para o setor privado, permitindo, por exemplo, que pesquisadores se afastem das universidades para trabalhar em empresas. Também prevê autorizações para a incubação de empresas em espaços públicos e a possibilidade de compartilhamento de infra-estrutura, equipamentos e recursos humanos, públicos e privados, para a geração de novos produtos. O texto aprovado incluiu dispositivos que ampliam os benefícios a empresas que investem em inovação. Um novo regime de incentivos fiscais deverá ser proposto pelo go-
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 21
ESTRATéGIAS
BRASIL Guerra declarada ao intruso dos rios
A Embrapa-Pantanal, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, coordena um plano emergencial para combater a infestação de um molusco de água doce, o mexilhão-dourado, em Mato Grosso do Sul e na bacia do Alto Paraguai. O plano foi criado por determinação do Ministério do Meio Ambiente e repete a estratégia lançada na bacia do Paraná, através da Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Originário do Sudeste Asiático e trazido para o Brasil nos anos 1990 na água de lastro de navios, o mexilhão-dourado tornou-se um problema econômico e ambiental. Os
verno assim que a lei entrar em vigor. Mas foi reduzido o espectro de beneficiados. As subvenções serão concedidas, prioritariamente, a setores alvos da política industrial, como microeletrônica, softwares, remédios, máquinas e equipamentos pesados. "Com a nova lei, o país vai sair da estagnação. Faz 24 anos que estamos produzindo praticamente a mesma quantidade de patentes por ano, cerca de uma centena", disse o deputado Ricardo Zarattini (PTSP), relator do projeto. •
■ Soluções para os males amazônicos O governo federal lança neste segundo semestre editais em vários estados brasileiros para a realização de pesquisas na
moluscos formam grandes colônias que se acumulam, por exemplo, nos sistemas de saneamento. O problema é grave nas bombas de captação de água da cidade de Porto Alegre, e começa a
área de saúde. Começou pela Amazônia Legal, destinando R$ 500 mil para financiar ao menos dez projetos de pesquisa voltados para compreender e solucionar problemas de saúde na região. As inscrições para o Projeto Pesquisa para o SUS - Saúde Amazônia podem ser feitas pelo site www. saude.gov.br/sctie/decit, até 20 de agosto. O edital estabelece que os projetos devem enquadrar-se em temas considerados prioritários como malária, tuberculose, febre amarela, dengue, leptospirose; avaliação de programas e de serviços em saúde; nutrição e alimentação. O coordenador da pesquisa deve ter pelo menos o título de mestre e estar vinculado formalmente à instituição vencedora do edital. •
22 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
ter desdobramentos ambientais, como a destruição causada pelos intrusos da vegetação que protege leitos de rios e lagos. Eles também atingem os sistemas das usinas hidrelétricas - obrigan-
do empresas como a Cesp a fazer manutenção preventiva, sempre com a ajuda de mergulhadores. O plano emergencial capitaneado pela Embrapa prevê ações de educação das populações ribeirinhas, para tentar reduzir a acumulação do molusco. Também contempla a realização de pesquisas sobre a reprodução do mexilhão, além de testes de tintas que evitem incrustações nos cascos dos barcos. "Não dá para erradicar a espécie depois que ela se instalou, mas é preciso impedir que alcance outros rios", diz Márcia Divina de Oliveira, pesquisadora da EmbrapaPantanal. •
Estudantes disputam exemplares de Pesquisa FAPESP
■ Efervescência em Cuiabá Um dos pontos altos da 56a Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que se reali-
zou em julho em Cuiabá, foi a defesa da liberação do uso de células-tronco embrionárias em pesquisas feita pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos. "O ministério vai atuar firme-
mente em favor da liberação das pesquisas, que são essenciais para o avanço do Brasil", disse o ministro Campos, num forte contraponto à ação das bancadas religiosas, que conseguiram bloquear as pesquisas no projeto da Lei de Biossegurança já aprovado na Câmara. O texto está sendo avaliado pelo Senado, que pode modificálo. A tradicional reunião da SBPC, que teve o tema "A Ciência na Fronteira: Ética em Desenvolvimento", reuniu mais de 5 mil inscritos na capital mato-grossense. A defesa da Floresta Amazônica foi outra tônica do encontro. Ennio Candotti, o presidente da SBPC, deu o mote em seu discurso no teatro da Universidade Federal do Mato Grosso, na abertura da reunião. "Se o boi e a soja ganharem a guerra contra a Floresta Amazônica, a vida civilizada não será mais possível na mais importante região tropical do planeta", disse Candotti. A assembléia-geral da SBPC aprovou a mudança do nome da entidade para Associação Brasileira para o
param das atividades da 12a SBPC Jovem, um evento paralelo destinado a estimular os adolescentes a gostar da ciência. •
Fôlego para o foguete O programa espacial brasileiro lançará um foguete nacional até 2006 - três anos após a explosão do protótipo que matou 21 pessoas no Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. O compromisso foi assumido pelo governo federal na posse ao novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), o engenheiro Sérgio Gaudenzi, que substitui Luiz Bevilacqua. O Congresso Nacional aprovou no dia 13 de junho um crédito especial de R$ 36 milhões para o programa. O desenvolvimento do veículo
■ Contribuições reconhecidas
lançador de satélites receberá R$ 11,7 milhões desse montante. A reconstrução da torre móvel de integração do Centro de Lançamento levará R$ 5 milhões e a parceria com a Ucrânia para o lançamento do foguete Ciclone-4 ficará com R$ 15 milhões. •
L
Progresso da Ciência, com o objetivo de se ajustar às exigências criadas pelo novo Código Civil. Mas a sigla que a caracteriza desde sua fundação, há 56 anos, será preser-
vada. No estande da FAPESP, exemplares da revista Pesquisa FAPESP foram disputados por estudantes - cerca de 1.300 alunos do ensino médio e fundamental partici-
■ Curso de divulgação científica
Resgate da história da ciência O livro Prelúdio para uma história - Ciência e tecnologia no Brasil (Edusp/FAPESP, 518 páginas) resgata as contribuições de pesquisadores brasileiros ao longo dos últimos 500 anos. Organizado pelo historiador Shozo Motoyama, diretor do Centro Interunidade de História da Ciência da USP, o livro não se limita a reproduzir a saga de grandes cientistas como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Otto Gottlieb. Também re-
Livro rememora 500 anos de contribuições dos pesquisadores brasileiros
O presidente da FAPESP, Carlos Vogt, e o ex-diretor presidente do Conselho TécnicoAdministrativo da Fundação, Francisco Romeu Landi, que morreu de enfarte em abril, foram agraciados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe de comendador, pelas contribuições prestadas à ciência e tecnologia do país. Seus nomes integram a lista de homenageados divulgada em decreto de 28 de junho assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entre outros homenageados, também integram a lista a filósofa Marilena Chauí, a antropóloga Ruth Cardoso e o escritor Ariano Suassuna. A entrega das insígnias e dos diplomas aos laureados será feita numa solenidade em Brasília, em data a ser definida. •
memora fatos pouco conhecidos, como a participação do arquiteto Manoel Querino na fundação do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, em 1872, e a admissão da primeira mulher na Academia Imperial de Medicina, no século 19: a parteira Maria Josefina Duro cher. Repleto de fotos e ilustrações, o livro alcança a atividade científica atual, ao refazer os caminhos das pesquisas na área da genômica. •
Estão abertas até 15 de agosto as inscrições para o Curso de Especialização em Divulgação Científica do Núcleo José Reis, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Com aulas teóricas e práticas e aberto a profissionais de quaisquer formações, o curso oferece as disciplinas Filosofia da Ciência, História da Ciência e da Tecnologia, Ética da Ciência, Museologia e Divulgação Científica, Mídias e Linguagens da Divulgação da Ciência e do Jornalismo Científico. •
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 23
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INDICADORES
U ma prova de qualidade Estudo inclui o Brasil no ranking dos países que mais fazem pesquisa relevante FABRíCIO MARQUES
24 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
A té recentemente, o esforço dos /% pesquisadores brasileiros em É^^L publicar seus trabalhos e i M ampliar sua relevância na JLm. -A. ciência internacional podia ser medido por meio de dados quantitativos. Sabia-se, por exemplo, que entre 1981 e 2000 mais que quadruplicou o número de artigos científicos do país publicados em periódicos internacionais indexados (o salto foi de 2,6 mil para mais de 12 mil) - sendo o Brasil, hoje, responsável por cerca de 1,5% da pesquisa no planeta. Um estudo publicado na edição de 15 de julho da revista britânica Nature forneceu um inédito indicador de qualidade da pesquisa brasileira - com resultados bastante animadores. Assinado por David King, professor da Universidade de Cambridge e principal assessor científico do governo do
Reino Unido, o estudo The scientific impact ofnations fez uma análise peculiar dos artigos publicados ao longo de oito anos na base Thomson ISI (Institute for Scientific Information). A base indexa mais de 8 mil jornais e revistas científicos rigorosamente selecionados, referentes a 164 áreas do conhecimento, que mostra o vigor da atividade de pesquisa de cada país. King debruçou-se apenas sobre a nata desses artigos: o 1% mais citado em outros artigos e publicações no período de 1993 a 2001. Esse critério avalia a repercussão obtida por um trabalho científico e é considerado fidedigno para aferir sua importância. Quanto mais os artigos são citados, mais se convertem em dados de referência. O resultado da análise de King tomou a forma de um ranking dos 31 países que produzem 97,5% das pesquisas mais citadas do planeta. Nele o PES0UISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 ■ 25
Brasil aparece num honroso 23° lugar. O país teve cem artigos publicados entre os mais importantes, no período de 1993 e 1997, e ampliou essa participação para 188 artigos no período seguinte, de 1997 a 2001. "É um sinal de que a qualidade da nossa pesquisa, efetivamente, melhorou", diz Rogério Meneghini, coordenador de pesquisa do Laboratório Nacional Luz Síncroton (LNLS), um estudioso da cienciometria, área de pesquisa que busca gerar informações para estimular a superação dos desafios da ciência. Quando se avalia o total de trabalhos publicados, os resultados brasileiros também são bastante expressivos. O país publicou 27.874 artigos na base Thomson ISI, entre 1993 e 1997 (0,84% do total), e 43.971 artigos no período de 1997 a 2001 (1,21% do total). Entre os dois períodos avaliados no estudo, o Brasil foi ultrapassado pela Coréia do Sul, que com a marca de 55.739 publicados de 1997 a 2001 produziu mais que o dobro do período anterior. Mas ultrapassou países como Polônia, Dinamarca e Finlândia, ainda que os três continuem à frente no ranking dos artigos mais citados. Estranho no ninho - Os oito países líderes produzem 84,5% da produção científica contabüizada no ranking dos artigos mais citados. São, pela ordem, os Estados Unidos, o Reino Unido, a Alemanha, o Japão, a França, o Canadá, a Itália e a Suíça. Os nove países seguintes são responsáveis por 13% dos artigos (Holanda, Austrália, Suécia, Espanha, Bélgica, Dinamarca, Israel, Rússia e Finlândia). São nações pequenas, muitas delas com alto grau de desenvolvimento humano, e que conseguem manter um investimento em inovações tecnológicas - o estranho nesse ninho é a gigante Rússia, que ainda sofre as dores de ingressar no mundo capitalista. O Brasil está no terceiro pelotão de nações, grupo que responde por 2,5% das citações. O país figura na 23a posição no ranking, atrás da Áustria, da China, da Coréia do Sul, da Polônia e da índia, e à frente de Taiwan, Irlanda, Grécia, Singapura, Portugal, África do Sul (único país africano do ranking), Irã (única nação islâmica) e Luxemburgo. A primeira vista, pode parecer um lugar sem destaque - mas essa impressão não resiste a uma análise aprofún26 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
A nata da pesquisa mundial No ranking dos países que produziram o 1% de artigos científicos mais citados do mundo, o Brasil melhorou sua posição ao longo dos anos 1990 Número de artigos
Porcentagem
1993-1997 1997-2001 | 1993-1997 1997-2001 1) Estados Unidos 2) Reino Unido 3) Alemanha 4)Japão 5) França 6) Canadá 7) Itália 8) Suíça 9) Holanda 10) Austrália 11) Suécia 12) Espanha 13) Bélgica 14) Dinamarca 15) Israel 16) Rússia 17) Finlândia 18) Áustria 19) China 20) Coréia do Sul 21) Polônia
22) índia 23) 24) 25) 26) 27) 28) 29) 30) 31)
BRASIL Taiwan Irlanda Grécia Singapura Portugal África do Sul Irã Luxemburgo
22.710 23.723 3.853 4.831 2.974 3.932 2.086 2.609 2.096 2.591 2.002 2.195 1.630 1.151 1.557 1.196 1.111 1.435 852 1.049 748 930 467 785 482 639 445 570 449 568 366 501 308 416 250 383 153 375 97 294 170 231 112 205 ■íoo 188 91 151 86 196 76 113 97 39 43 96 51 81 14 5 2 2
Fonte: The sáentific impact ofnations, de David King/ Revista Nature
65,6 11,1 8,5 6,0 6,0 5,7 3,3 3,4 3,2 2,4 2,1 1,3 1,3 1,2 1,3 1,0 0,8 0,7 0,4 0,2 0,4 0,3 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1 0,1 0,01 0,01
62,7 12,7 10,4 6,9 6,8 5,8 4,3 4,1 3,8 2,7 2,4 2,0 1,6 1,5 1,5 1,3 1,1 1,0 0,9 0,7 0,6 0,5 0,5 0,4 0,3 0,3 0,2 0,2 0,2 0,04 0,01
§
| o
I
s
Porcentagem
Número de artigos 1993-1997
BRASIL 100 dada. O fato essencial é que o Brasil está incluído no ranking dos 31 países mais significativos para a ciência do planeta. Nenhum outro país latinoamericano faz parte dessa lista, nem mesmo nações como a Argentina e o México, com tradição em pesquisa e prêmios Nobel na bagagem. Eles integram o quarto e último pelotão, no qual se aglomeram todos os 162 demais países do planeta. Essas nações dividem os 2,5% restantes dos artigos mais citados e ficaram de fora do ranking de David King. A importância de cada uma delas na produção científica mundial só se torna visível após duas ou mais casas decimais. Outra ponderação necessária diz respeito à evolução do Brasil nesses indicadores. A posição do país no ranking está em franca expansão. Os números publicados na revista Nature mostram a produção dos 31 países em dois momentos - de 1993 a 1997 e de 1997 a 2001. Como já se viu, a comparação dos dois períodos mostra que o desempenho do Brasil apresentou um salto de qualidade. Foram 188 artigos entre os mais citados de 1997 a 2001 (ou 0,5% do total), ante cem no período anterior (0,29%). Os Estados Unidos, apesar da larga vantagem sobre os demais países, tiveram seu espaço relativo discretamente reduzido no ranking, de 65,6% no primeiro período para 62,7% no mais recente, espaço ocupado, em boa medida, pelos países da União Européia. Também chama atenção o desempenho de um clube de países emergentes na pesquisa, do qual o Brasil participa. Outros exemplos são a Coréia do Sul, que saltou de 97 artigos entre os mais citados entre 1993 e 1997 para 294 no período seguinte; a China (salto de 153 ci-
1997-2001
1993-1997
1997-2001
188
0,2
0,5
tações para um patamar de 375) e a índia (salto de 112 para 205). "Em caso de países como o Brasil, nos quais a produção é fortemente crescente, os efeitos de agregar dados de cinco anos escondem coisas importantes. Com certeza, o dado brasileiro de 2001 é muito melhor que o de 1997", afirma o reitor da Universidade Estadual de Campinas, Carlos Henrique de Brito Cruz, ex-presidente da FAPESP. O ranking não esmiuça as vocações da pesquisa de cada país, tampouco aponta as áreas vinculadas aos artigos publicados. Pode-se inferir, no caso brasileiro, que alguns campos do conhecimento tiveram peso específico no desempenho em alta. A pesquisa genômica certamente é uma delas. Uma análise recente feita por Rogério Meneghini mostrou que o número de artigos sobre pesquisa genômica publicados por brasileiros em periódicos científicos internacionais indexados cresceu 72,4% entre 1998 e 2003. O número de citações também é crescente. A conclusão do seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, que foi reportagem de capa da revista Nature em julho de 2000, já soma 200 citações, segundo contabilizou Meneghini. O seqüenciamento e a comparação dos genomas de outras duas bactérias, a Xanthomonas citri e a Xanthomonas campestri, também publicados pela Nature, em maio de 2002, tiveram boa repercussão entre os pesquisadores e contam com 60 citações. A maior parte das publicações brasileiras nessa área está relacionada às pesquisas desenvolvidas pela Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (Onsa), patrocinada pela FAPESP.
O objetivo do estudo de David King, além, é claro, de esquadrinhar o desempenho do Reino Unido, era medir o fosso de qualidade que separa as pesquisas dos países desenvolvidos e a dos países em desenvolvimento. O pesquisador britânico constata, com preocupação, que esse abismo é ainda mais expressivo do que fazem supor os indicadores de gastos em ciência de cada nação. Os países mais ricos, ele observa, consolidam sua dianteira em relação ao resto do mundo. China, Brasil, índia e Coréia do Sul, graças a investimentos feitos na última década, são honrosas exceções nesse panorama. Citando expressamente os casos da China e da índia, o pesquisador inglês afirma que o ranking das citações de artigos é insuficiente para dar a dimensão plena dos avanços alcançados. "Os principais centros científicos da índia formam massa crítica de qualidade que tem feito contribuições notáveis para o desenvolvimento do país", escreveu. Em relação à China, ele elogiou os investimentos feitos em infra-estrutura de pesquisa que atraíram de volta para o país pesquisadores que foram especializar-se no exterior. King afirma que um desenvolvimento econômico sustentável requer um compromisso mais efetivo com a geração de conhecimento. Lembra que "mesmo modestos avanços em saúde, saneamento, alimentação e transportes requerem competências em engenharia, tecnologia, medicina, economia e ciências sociais maiores do que as que muitos países conseguem alcançar". E conclui: "Os círculos viciosos de pobreza e dependência só serão quebrados através da colaboração na construção de competências entre países de maior e menor vigor científico". • PESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 ■ 27
I POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLóGICA INVESTIMENTO
Plasma , recuperado São Paulo vai licitar fábrica para a produção de hemoderivados CLAUDIA IZIQUE
O governo do Estado de São Paulo deve iniciar, nos próximos 60 dias, a licitação das obras da fábrica de hemoderivados para a produção de proteínas obtidas a partir do plasma. O projeto é do Instituto Butantan. A fábrica, que entrará em operação em um ano e meio, está orçada em R$ 100 milhões e será instalada em área próxima ao Paço das Artes, na Cidade Universitária da Universidade de São Paulo (USP). "O produto de maior interesse será a imunoglobulina, que representará 50% do faturamento. Também produziremos os fatores de coagulação VIII e IX, utilizados no tratamento da hemofilia A e B, e albumina", adianta Isaias Raw, do Centro de Biotecnologia do Butantan e presidente da Fundação Butantan. O início das operações dependerá de convênio a ser firmado entre o Estado de São Paulo e o Sistema Único de Saúde (SUS) para o fornecimento de matéria-prima - o plasma -, já que a compra de sangue e a venda dos derivados são proibidas no país por determinação constitucional. "A maior parte do sangue é recolhida pelo SUS, em São Paulo", justifica Raw. Ele é transportado congelado para ser processado na única fábrica brasileira de hemoderivados, em Pernambuco, que atualmente está parada. Quando em operação, produz apenas a albumina e em quantida28 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
de suficiente para atender a 7% da demanda nacional. Raw lembra, no entanto, que o mercado da albumina obtida a partir de plasma está em declínio, já que o produto está sendo substituído por polímeros sintéticos, livres de vírus, para o tratamento de choque. Outra parcela do plasma é processada por duas empresas - uma francesa e outra austríaca - selecionadas em 2002 por concorrência internacional para produzir parte das necessidades nacionais de imunoglobulina e os fatores VIII e IX. O déficit de abastecimento de hemoderivados - que exige que o país gaste algo em torno de US$ 150 milhões para atender a toda a demanda - e o fato de boa parte do plasma coletado ser descartado justificam investimentos na produção nacional, de acordo com Raw. Cromatografia - Os hemoderivados da fábrica do Butantan serão obtidos por cromatografia, método que utiliza uma coluna cilíndrica contendo resinas sintéticas que permitem a separação das proteínas. "Ao passar pela coluna, o processo de purificação se repete milhares de vezes e acaba separando de forma bastante purificada cada proteína", explica Raw. Esse procedimento utiliza resinas distintas para separar as proteínas por tamanho, carga elétrica, rejeição à água ou ainda por sua atividade biológica. A
cilíndricas contendo resinas sintéticas permitem separação de proteínas
cromatografia já é utilizada pelos pesquisadores do Instituto Butantan para produção de toxinas antitetânicas, vacina recombinante contra a hepatite tipo B e para a purificação de soros hiperimunes. Para garantir a qualidade dos hemoderivados, os produtos são tratados com um solvente orgânico e um detergente que decompõem o vírus da hepatite B e todos os demais vírus com uma cápsula lipoprotéica. "Todavia o detergente e o solvente também têm que ser removidos, o que só é possível usando a cromatografia", observa Raw. Um segundo procedimento é utilizado para remover vírus não encapsulados. A nova fábrica deverá incorpoi^L rar também a tecnologia de L^^ produção de fatores VIII e /m IX a partir da biotecnolo^L -A> gia que está sendo desenvolvida pela Rede Brasileira para Clonagem e Expressão de Fatores de Coagulação, formada por quatro laboratórios nacionais, entre eles o Hemocentro de Ribeirão Preto. Raw ressalva que a produção direta do fator IX a partir do plasma atenderia totalmente à demanda nacional, "uma vez que a hemofilia B é muito mais rara". O Hemocentro de Ribeirão Preto será responsável pelo controle do plasma processado e dos hemoderivados produzidos pela fábrica do Butantan, já que dispõe de um laboratório com alta tecnologia para analisar um grande número de amostras. Também está prevista a instalação de um laboratório - "uma fábrica dentro da fábrica", explica Raw - para a produção de soros hiperimunes. A idéia é vacinar doadores dos hemocentros com vacinas contra tétano ou hepatite B produzidas no Butantan e processar separadamente esse plasma para produzir soros antitetânico e anti-hepatite B. "Um centro especializado de coleta está sendo projetado para funcionar no Instituto Pasteur", afirma. Mais eficiência - A cromatografia, ele avalia, é mais eficiente que a tecnologia tradicional de produção de hemoderivados por fracionamento de plasma, utilizada desde a década de 1960, e que consiste na separação da massa de proteína precipitada no descongelamento da bolsa de plasma. "Essa tecnologia já está obsoleta. As velhas fábricas de he-
moderivados têm se mantido com a velha tecnologia, depois de adicionar etapas que têm como objetivo eliminar os vírus: aquecimento, tratamento com solvente-detergente, entre outros." "Há duas décadas tentamos implantar uma planta de hemoderivados", lembra Raw. Como o acesso ao plasma estava por lei bloqueado, o Butantan investiu na produção de hemoderivados a partir de pequenas quantidades de plasma disponíveis na placenta, tecnologia desenvolvida pela Merrieux, na França, mas que apresentava um problema: utilizava placentas congeladas com o conseqüente rompimento de hemácias contaminando, assim, o plasma. "O Butantan desenvolveu tecnologia para isolar simultaneamente das placentas a albumina, imunoglobulina, transferrina, catalase e superóxido dismutase", ele conta. A "colheita" de placentas e o isolamento de proteínas, no entanto, eram procedimentos muito mais caros que o uso de sangue de doadores. Esse desafio estimulou os pesquisadores a buscar soluções mais baratas e, ao mesmo tempo, seguras. "O Butantan desenvolveu e está patenteando uma tecnologia onde o plasma degelado passa diretamente numa coluna, separando e purificando cerca de cem vezes o fator de coagulação. Eliminando a separação por congelamento, o rendimento do fator VIII duplica. O concentrado permite separar os fatores e, depois do tratamento antiviral, chegar a um produto muito mais barato para tratar hemofílicos", afirma Raw. Hemobrás - A União também tem planos de construir a Empresa Brasileira para o Fracionamento de Plasma (Hemobrás), uma fábrica orçada em US$ 60 milhões, arquitetada para produzir hemoderivados a partir do fracionamento do plasma sangüíneo e que teria como objetivo atender parte da demanda do Sistema Único de Saúde. O projeto da Hemobrás, no entanto, está parado no Congresso Nacional. "A proposta paulista não pretende monopolizar o fracionamento do plasma. Muito pelo contrário: oferece todos os detalhes e treinamento para que seu projeto seja replicado em outros pontos do território nacional. Não se pode desperdiçar um salto tecnológico, repetindo instalações e processos obsoletos", conclui Raw. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 29
I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA INOVAÇÃO
Prontos
para a
Noventa empreendedores do PI PE se capacitam para a gestão de negócios
A o longo de cinco meses 90 emg^L preendedores com projetos É^^k financiados pelo Prograâ M ma Inovação Tecnológica ^L. J^. em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP reuniram-se oito vezes para se informar sobre marketing, logística, liderança, entre outros temas relacionados ao mercado. O objetivo era ampliar a visão de mercado, elaborar um plano de negócios e preparar suas empresas para investimentos de risco. Eles formaram a primeira turma do programa PIPE Empreendedor fruto de parceria entre a FAPESP, o Instituto Empreender Endeavor e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP). Os encontros foram coordenados pelo W. Institute. Os resultados do programa foram além dos objetivos e surpreenderam. Os "pipos" - como eles passaram a se autodenominar - identificaram sinergias entre suas atividades e produtos e iniciaram a articulação de parcerias consideradas estratégicas para a evolução de seus negócios. A Fumito, por exemplo, empresa que desenvolve equipamentos e métodos para a desidratação de frutas e legumes, está firmando parceria com a Enalta Inovações Tecnológicas, que produz plataforma tecnológica para irrigação de precisão em culturas perenes. "Vamos juntos desenvolver um controlador", diz Júlio Suzuki, da Fumito. A Fumito também vai assessorar a Orbital, empresa que produz geradores fotovoltaicos para aplicações aeroespaciais, na construção de "salas limpas" com baixa concentração de microorga30 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
nismos - para o desenvolvimento de novos produtos. As associações se multiplicam. A Orbital articula parceria com a ADTS, que desenvolve sensores inteligentes com aplicações no setor elétrico, para a construção de sistema de medição remota. E a ADTS, por sua vez, negocia projetos comuns com a Tecnima Imagem e Automação. A sinergia entre os "pipos" deverá até gerar uma nova empresa para a comercialização de cosméticos fitoterápicos, resultado de uma associação entre a Synergia, empresa de produtos de tecnologia para a área financeira, e a Multi Vegetal, fabricante do produto. "Já fizemos testes de venda e o cosmético teve boa aceitação", afirma Mamede Augusto Machado da Silveira, da Synergia. A meta é montar uma rede de vendas nacional do produto e, ao mesmo tempo, criar um mercado virtual. "E aí é que entra a expertise da Synergia", explica Mamede. Os "pipos" também se articulam para tentar contornar um problema comum e considerado crítico para a consolidação das empresas: estratégia de venda do produto. Planejam criar um consórcio de empresas PIPE com afinidades tecnológicas para bancar "vendedores qualificados, especializados em vender tecnologia brasileira", diz Arnaldo Sima, diretor da Sima, empresa de gerenciamento estratégico de negócios. "A idéia começou a ser discutida e está sendo muito bem recebida pelos 'pipos'" diz Sima. Investimento de risco - Além de promover a integração entre empreende-
dores, o programa ampliou a visão do negócio, na avaliação dos participantes. "O curso abriu nossa cabeça para a possibilidade do investimento de risco e nos fez pensar sobre o que significa ser proprietário de um negócio. Agora estamos preparados para conviver com estranhos", diz José Carlos Arruda Alves, diretor da Invernire, referindo-se à possibilidade de formar parceria com investidores privados. Ao final do programa, no dia 16 de julho, os empreendedores participaram de sessões individuais de aconselhamento com investidores e consultores que integram a rede de colaboradores do Endeavor, formada por profissionais de organizações de sucesso. Nesses encontros, os "pipos" puderam testar seu modelo de negócio. "Estamos mudando o perfil de venda de software para serviços", diz Sérgio Aramis, da Dentalis Software. Ele apresentou seu projeto a Mordejai Goldenberg, da Eccelera - que integra a rede de colaboradores do Endeavor -, que, segundo ele, validou seu projeto e sugeriu "que ajustássemos o foco" às demandas do mercado. Jadir Nogueira Gonçalves, presidente da Fibraforte - empresa que desenvolve ferramentas para a otimização de estruturas e que atua no segmento espacial -, também está redirecionando sua empresa. "Temos dificuldades de vender nossa expertise e esse encontro nos fez enxergar melhor a necessidade de ampliar a capacidade de venda por canais para não ficarmos cativos de um só setor", afirmou. A avaliação também foi positiva entre os empresários que integram a
rede de colaboradores do Endeavor. Martin Escobari, da consultoria financeira Orange Advisory, acredita que alguns empreendimentos já estejam prontos para investimentos de risco. Lamenta que ainda existam tão poucos angel investors, no país dispostos a aportar capital em empresas emergentes. "Precisamos divulgar os casos de sucesso para atrair esse tipo de investidor", sugere. Daniel Baldin, da Decisão - empresa que administra fundo de capital de risco formado com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Sebrae e ABN Amro Bank, num total de R$ 22 milhões -, aposta que "as chances de nascerem bons frutos é grande". Acredita, no entanto, que o empreendedorismo deve-
ria ser difundido e divulgado na universidade para que a oportunidade de iniciar um negócio fosse antecipada. Mario Bethlem - que foi gerentegeral da IBM no Brasil e hoje integra a GA Partners - também acredita no empreendedorismo. "A força da economia está mais nessas pequenas empresas do que na existência das grandes corporações." Na avaliação de Marilia Rocca, diretora-geral do Endeavor, o PIPE Empreendedor comprova uma tese: "O nivelamento do conhecimento técnico, somado ao aconselhamento por especialistas e a facilidades de acesso ao mercado resulta o amadurecimento do negócio e do próprio empreendedor". •
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tyWsb-V; AYYNV^' PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 31
■ CIÊNCIA
LABORATóRIO
BRASIL
Espionagem entre abelhas Parece mesmo que vale tudo na busca por alimento. O comportamento agressivo e a espionagem são estratégias usadas pelas abelhas na luta pela sobrevivência da colmeia, revela um estudo publicado nos Proceedings of the Royal Society. Vera Imperatriz Fonseca e Felipe Contrera, da Universidade de São Paulo, Lilian Barreto, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola, e James Nieh, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, acompanharam duas espécies de abelha sem ferrão, a Trigona spinipes e a Melipona rufiventris. Quando saem atrás de alimento as Trigona seguem as marcas olfativas deixadas por suas concorrentes, as M. rufiventris, em vez de procurar pelos sinais de suas companheiras. As Trigona atacam em grupo, muitas vezes deca-
Às vezes, elas cortam a cabeça das competidoras
pitando as adversárias. A descoberta reforça uma hipótese de Nieh: a dança que anuncia as fontes de néctar pode ter sido uma estratégia conservada durante a evolução desses insetos que garantiu o segredo sobre o lugar do alimento e evitou espionagem dos competidores. •
32 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
■ Taxas elevadas de epilepsia Em São José do Rio Preto (SP) vivem 336 mil pessoas. Delas, cerca de 6,2 mil sofrem de epilepsia, problema neurológico que pode causar convulsões e danos ao sistema nervoso central. "É uma taxa
bastante elevada, compatível com a de países em desenvolvimento que contam com um sistema de prevenção à saúde inadequado", diz Moacir Alves Borges, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista em São José do Rio Preto. Em estudo publicado nos Arquivos de Neuropsiquiatria, com equipes da Universidade Estadual de Campinas e da Universidade Federal de São Paulo, Borges avaliou 17.293 indivíduos e encontrou 18,6 casos para cada mil pessoas. O motivo, segundo Borges, são falhas no acompanhamento médico às gestantes, no combate a doenças infecciosas e no controle do diabetes e da pressão alta, uma vez que a irrigação sangüínea deficiente do cérebro é o principal fator de risco de epilepsia entre os idosos. •
Eta Carinae: enfim, provas de que são mesmo duas
A dança das estrelas
■ Os danos da chupeta Qualquer criança pára o choro ao receber a chupeta ou levar o polegar à boca. Comum na infância, esse hábito pode gerar problemas se não for abandonado até a troca dos dentes-de-leite pelos perma-
Risco de afetar até a fala
nentes, por volta dos 6 anos. Após essa idade, o uso da chupeta pode deformar a arcada dentária e prejudicar a mastigação, a fala e até a auto-estima, segundo Cíntia Katz, da Escola de Odontologia da Universidade de Pernambuco (UPE). Com Pedro Gondim e Aronita Rosenblatt, também da UPE, Cíntia analisou a mordedura de 330 crianças de 4 anos das pré-escolas do Recife. Publicado no American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, o estudo mostrou: quase 70% das crianças já haviam apresentado o hábito de sugar o dedo ou a chupeta. Dessas, metade tinha algum tipo de maloclusão, uma deformação na arcada dentária. A maioria dos casos foi corrigida com o simples abandono desse hábito. •
Surge por fim a mais contundente evidência científica de que Eta Carinae, a maior e mais luminosa estrela da nossa galáxia, não é uma, mas duas estrelas - uma maior e outra menor. Envoltas por imensas nuvens de gases e poeira, as duas estrelas giram juntas, como um casal que dança valsa e ora se aproxima, ora se afasta, em ciclos com cinco anos e meio de duração. Os astrofísicos João Steiner e Augusto Damineli, da Universidade de São Paulo, obtiveram a mais forte prova até o momento de que é assim que a Eta Carinae se comporta ao analisar a variação da tênue luz que chega à Terra, emitida por átomos de hélio no vento da estrela menor. Eles registraram essa luz durante três ciclos de aproximação e constataram: quando as estrelas se aproximam, os ventos lançados por elas colidem e geram raios X de alta intensidade. Essa radiação ioniza o hélio do vento da estrela menor, que então emite uma luz azulada típica. Em um estudo a ser publicado no Astrophysical Journal Letters, os astrofísicos mostram que a luz azulada vem de uma região bem próxima à atmosfera da estrela menor. Só a luz de hélio escapa das nuvens de gás, que aprisionam uma energia equivalente à de 10 mil sóis. "Essa é a ponta do iceberg", diz Damineli. "Eu sabia que algo importante ocorria ali, mas foi Steiner quem viu a montanha de energia por trás da luz de hélio." •
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LABORATóRIO
MUNDO
O Tâmisa volta à vida Há 150 anos, o rio Tâmisa, que corta a cidade de Londres, capital da Inglaterra, emanava tamanho mau cheiro que foi preciso fechar o Parlamento, a sede do Poder Legislativo. A poluição era tanta que cerca de 50 anos atrás o Tâmisa foi considerado oficialmente morto. Decididos a trazer o rio à vida, os ingleses se empenharam e hoje, em suas águas limpas, vivem 121 espécies de peixes, incluindo o salmão, que ali aparece para desovar, segundo o London Press Service. Um sinal aparente dessa revitalização surgiu recentemente, quando especialistas foram chamados para identificar um peixe jogado no convés de um navio por uma gaivota. Era nada menos que uma piranha, espécie nativa do rio Amazonas. Para os atônitos especialistas, provavelmente o peixe foi jogado no Tâmisa por alguém que não acreditou em sua capacida-
■ Dinossauro de cara enrugada O paleontólogo norte-americano Paul Sereno encontrou na África Saariana o crânio de um dinossauro devorador de carne e de cara enrugada, cujos primos viveram na América do Sul e na índia. Descrito nos Proceedings of the Royal Society of London, o fóssil foi batizado de Rugops primus, que significa primei-
0 rio e o Parlamento, ao fundo: salmão, piranhas, focas e garças no Tâmisa
de de sobreviver às baixas temperaturas. O fato é que hoje o rio tem uma profusa fauna, que inclui linguado, perca, arenque e lampreia sem falar das aves, como as garças, vistas com freqüência abocanhando seu alimento favorito, peixes pequenos, um indicativo claro de águas limpas. Este ano os ingleses celebram 30 anos da volta do
ra cara enrugada. A cabeça do animal era coberta por grossas escamas e marcada por veias e artérias, que deixaram estrias. "Não era o tipo de cabeça feita para lutar ou esmagar ossos", disse Sereno, que recebeu apoio das fundações Packard e Myhrvold. Ele acredita que o Rugops fosse um vasculhador, que consumia carniça. Com 1 metro de comprimento, era um carnívoro de dentes pequenos e perten-
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salmão ao Tâmisa, após uma ausência de 150 anos. Mais de cem salmões nadam rio acima todo ano para a desova, com uma mãozinha da tecnologia: uma série de escadas adaptadas no rio que auxiliam seu percurso. Junto com as espécies, floresce o comércio de peixes. O repovoamento aquático trouxe também 400 espécies
cia aos abelissauridos. Era uma espécie intermediária do grupo que mais tarde originaria os predadores com chifres. A equipe de Sereno descobriu outro dinossauro, o Spinostropheus gautieri, aparentado do Rugops. As descobertas indicam que a África e outros continentes que formaram Gondwana se separaram e ficaram à deriva por um período há 100 milhões de anos. •
de invertebrados. Pássaros diversos voltaram e até focas e golfinhos dão o ar da graça. "A recuperação do Tâmisa tem sido constante ao longo de quatro décadas como resultado do tratamento de resíduos", diz Steve Colclough, da agência ambiental britânica. "Todo o ecossistema está saudável e diversificado." •
■ Esperança contra Aids para bebês Uma abordagem terapêutica adotada na província sulafricana de KwaZulu-Natal para proteger recém-nascidos contra o vírus da Aids chamou a atenção da comunidade científica e em breve poderá passar por testes clínicos. O tratamento, criado na Universidade de KwaZulu-Natal, consiste em injetar nos bebês
anticorpos que se ligam ao HIV e impedem o vírus de entrar nas células do organismo {Scidev.net). Espera-se que os anticorpos protejam a criança, mesmo que mais tarde ela seja exposta ao vírus por meio do leite materno. Essa abordagem permite à mulher infectada amamentar o filho, como não se dá com o tratamento habitual, em que ambos tomam os medicamentos. Quando mãe e filho recebem uma dose do antiretroviral nevirapina, a taxa de transmissão cai para 2%, mas só se em vez do leite materno a criança tomar leite em pó. Na África e Ásia, porém, há um estigma social relacionado às mães que deixam de amamentar, além do custo do leite e da falta de água potável. Para avançar, o coordenador dos testes, Hoosen Coovadia, da Universidade de KwaZuluNatal, aguarda o aval dos Institutos de Saúde dos Estados Unidos. •
■ Revendo a teoria sobre galáxias Pensava-se que não existiam grandes galáxias quando o Universo era jovem. Mas astrônomos do Laboratório Astrofísico de Arcetri, Itália, identificaram quatro galáxias remotas, com uma massa muitas vezes maior que a da Via Láctea. Devem ter se formado há quase 12 bilhões de anos, quando o Universo tinha apenas 2 bilhões de anos. De acordo com a teoria mais aceita, esses vastos conjuntos de gás, poeira e estrelas resultam de um processo lento de fusão, em que as galáxias menores e com menos massa se fundem gradualmente. Dentro desse cenário, no início o Universo era povoado apenas por pequenas galáxias. Agora se pensa que a fusão das galá-
Galáxias antigas: em um Universo jovem
xias elípticas pode ter começado muito antes que o previsto. "Nosso estudo lança questões fundamentais sobre o conhecimento do processo que regula a gênese e a história evolucionária do Universo e suas estruturas", afirmou Andréa Cimatti, coordenador do trabalho. •
■ Um trânsito mais humano Os alemães já conseguem saber - e com uma hora de antecedência! - como anda o trânsito nas rodovias expressas, as autobahns. Após anos de tentativas, os pesquisadores chegaram a um programa de computador capaz de prever
com 90% de certeza o comportamento do tráfego. O modelo correu bem por incluir um fator difícil de avaliar: a maneira como as pessoas dirigem, com suas barbeiragens e imprudências habituais. Em geral, os engenheiros dividem o tráfego em três categorias: fluxo livre, engarrafado ou sincronizado, um estado intermediário entre os outros dois, no qual os carros circulam em harmonia, mas razoavelmente próximos uns dos outros. Era justamente o fluxo sincronizado que atrapalhava as previsões de congestionamento. Os programas anteriores levavam em conta que os carros podiam parar ou acelerar instantaneamen-
Congestionamentos: um pouco mais previsí
te, quando o veículo da frente freava bruscamente - ato suficiente para causar um congestionamento. No modelo de Michael Schreckenberg, da Universidade de DuisburgoHessen, os carros aceleram ou brecam de modo progressivo (NewScientist). E há dois tipos de comportamento dos motoristas: o agressivo, que troca de faixas muito rapidamente e dirige pressionando os carros da frente, e o defensivo, que trafega a uma distância segura dos outros veículos. Na cidade de Colônia, o programa é um sucesso, mas gerou um problema: o acesso à página da Internet anda congestionado, com quase 300 mil acessos diários. •
■ Correções, após 30 anos Foi um exemplo raro. Em 21 de julho, diante de um auditório lotado, o respeitado físico Stephen Hawkings, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, corrigiu uma teoria que havia proposto 30 anos antes: a informação da matéria e a da energia tragadas pelos buracos negros não se perdem, mas são devolvidas ao Universo em uma forma irreconhecível. Na primeira versão da teoria, a informação de tudo o que era consumido pelos buracos negros desaparecia para sempre. Mas a destruição da matéria e da energia era incompatível com outra teoria física, a mecânica quântica, segundo a qual nada pode desaparecer completamente. Agora o físico britânico acredita que, de alguma forma, essa informação retorna ao nosso Universo quando os buracos negros morrem. Muitos especialistas saíram da conferência em Dublin, Irlanda, sem compreender as explicações. •
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CIÊNCIA
GEOFÍSICA
O calor que faz o chão
II Variações na espessura da litosfera causadas por diferenças de temperatura esclarecem a origem de terremotos no Brasil CARLOS FIORAVANTI
a Xavantina, MT
Iporá, GO
Goiânia, GO
Uberlândia, MG
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ra impossível explicar por . que a terra treme algumas vezes por ano em regiões tão , distintas quanto o oeste de Goiás, o leste do Pantanal, o nordeste do Estado de São Paulo e o Triângulo Mineiro. Também era difícil entender por que reina uma calma quase eterna ao longo do rio Paraná, no norte de Minas, no leste de Goiás ou em quase todo o interior da Bahia. Todas essas áreas se encontram no interior dos vastos blocos de rocha que formam a superfície terrestre, as placas tectônicas - e deveriam ser igualmente estares de terra brotam apenas nos limites das placas tectônicas: a colisão de uma placa com outra, como um pedaço de
mármore empurrando outro, gera pressões enormes que deformam e quebram suas bordas, originando os tremores - a rigor, só quando são intensos é que deveriam ser chamados de terremotos. Tentou-se entender os tremores menores no interior das placas por meio de sinais aparentes que possam ter deixado, como rachaduras, desníveis de blocos de rochas e outras cicatrizes a céu aberto. Mas nenhuma explicação saltou à vista. A razão desses fenômenos parece estar mais embaixo, a centenas de quilômetros da superfície, na litosfera, a camada mais rígida e mais fria de rochas que recobre o planeta. Com base em informações colhidas nos últimos 12 anos, o geofísico Marcelo Assumpção, do Instituto de Astrono-
mia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), concluiu que as áreas mais sujeitas a tremores no interior das placas apresentam uma litosfera mais fina. Por essa razão, liberam mais facilmente a pressão resultante dos movimentos das placas, a origem dos terremotos. Contrariamente, nas regiões com litosfera mais espessa, também no interior das placas, a tensão se dilui e só mais raramente provoca os tremores. Em outras partes do mundo, a fragilidade da litosfera está diretamente associada à freqüência de terremotos, como no vale do Mississípi, nos Estados Unidos, em pontos dos Alpes, a extensa cadeia montanhosa do sul da Europa, e no norte da China.
Passos, MG Angra dos Reis, RJ SUDESTE
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Fragilidades encobertas A litosfera (acima da linha tracejada) é mais fina onde a parte superior do manto é mais quente
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No Brasil, muita gente acha que não, mas há, sim, terremotos - melhor dizendo, muitos sismos, o nome técnico que designa os tremores em geral. São cerca de 80 a 90 por ano, a maioria com magnitude inferior a 4, numa escala que vai até 9 - são, portanto, relativamente fracos, sobretudo quando comparados com os violentos tremores que ocorrem, por exemplo, no Japão, onde um dos terremotos mais intensos já registrados destruiu em 1923 cerca de 440 mil casas e matou 100 mil pessoas. Situado na parte continental da placa Sulamericana, o Brasil é uma região considerada estável, ainda que sujeita às pressões da placa de Nazca, a oeste, que constitui o fundo do Pacífico e gera os abalos nos Andes, e da cadeia submarina Meso-Atlântica, a leste. 38 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
É justamente o mergulho da placa de Nazca sob a placa Sul-americana que causa os intensos tremores no Acre: o mais recente, às 3h24 da madrugada de 20 de junho do ano passado, atingiu magnitude 7, mas por ter sido profundo quase não foi sentido pelos moradores de Cruzeiro do Sul - no último século, houve na região cinco sismos com magnitude acima de 7. Os maiores sismos do interior das placas tectônicas foram um pouco mais amenos e chegaram à magnitude 6, liberando, mesmo assim, energia correspondente à de 30 bombas atômicas como a lançada sobre Hiroshima no final da Segunda Guerra Mundial. Em geral, esses tremores ocorreram nas regiões Central e Sudeste, acompanhadas pelos pesquisadores há mais tempo que as outras. Foi essa tam-
bém a área estudada pela equipe do IAG, em conjunto com cientistas da Universidade de Brasília (UnB). Com sua equipe, Assumpção analisou uma área de quase 2 milhões de quilômetros quadrados, equivalente a um quarto do território nacional - um retângulo delimitado ao norte pelas cidades de Cuiabá, em Mato Grosso, e Milagres, a cerca de 150 quilômetros de Salvador, na Bahia, e ao sul por Assunção, no Paraguai, até um ponto no oceano Atlântico situado a cerca de 300 quilômetros da cidade paulista de Santos e a 150 quilômetros de Cabo Frio, no litoral do Rio de Janeiro (veja mapa). Nesse espaço afluem por ano cerca de dez tremores com magnitude igual ou superior a 3, suficiente para serem percebidos sem o auxílio dos sismógrafos, os
aparelhos que detectam as ondas sísmicas, como são chamadas as vibrações causadas pelos abalos. Os pesquisadores determinaram a espessura da litosfera de maneira indireta, por meio de sismógrafos espalhados em 59 localidades que desde 1992 registram as ondas sísmicas. Há dois tipos de ondas geradas pelo sismo e ambas, como a luz do sol mergulhando em uma piscina, sofrem reflexão e refração ao passarem por rochas mais ou menos duras: as ondas P (primárias) que atravessam qualquer parte do interior do planeta e chegam primeiro à superfície, enquanto as S (secundárias) propagam-se em velocidade menor e apenas em rochas sólidas. A análise dos tempos de chegada das ondas P e S à superfície, após terem
sido geradas por um terremoto do outro lado do mundo, tem sido o meio pelo qual avança o estudo das camadas mais profundas da Terra. Foi por meio dessas vibrações que se deduziu, em 1906, como deveria ser o centro do planeta - uma imensa e compacta esfera de ferro que permanece líquido a uma temperatura próxima a 3.500°C. Foi também com elas que se pôde mapear as regiões sísmicas ao redor do globo mais sujeitas aos tremores, que coincidem com os limites das placas tectônicas, por onde a energia interna da Terra escapa mais facilmente. Agora, devidamente interpretadas pela equipe de Assumpção, as ondas P revelam onde é mais provável a terra tremer - são as regiões em amarelo e em vermelho no mapa. "Nesses pontos,
os sismos não resultam do encontro de placas, mas da fragilidade interna das placas", diz Assumpção. Nas regiões de litosfera mais fina, mais sujeitas ao acúmulo de tensões, o ponto de origem dos tremores - o hipocentro - encontra-se a menos de 5 quilômetros da superfície. "Os sismos são superficiais, mas as causas são profundas." Os pesquisadores fizeram uma tomografia da litosfera, do mesmo modo que os médicos examinam o interior do corpo. Analisaram a constituição das profundezas do planeta de 50 em 50 quilômetros, até chegarem, evidentemente com uma definição menor, a 1.300 quilômetros, quase um quinto da distância até o centro da Terra. Foi também por meio da tomografia das camadas mais profundas do planePESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 39
ta que Assumpção, anos atrás, apresentou a hipótese de que as placas tectônicas não se movem à deriva, como uma jangada sem vela. Segundo seu modelo, esses imensos blocos de rocha se afastam ou colidem, fazendo os continentes vagarem muito lentamente ao redor do globo e às vezes causando terremotos, em conseqüência dos movimentos de uma grande parte do manto, a camada abaixo da crosta, em profundidades que no Brasil podem chegar a 700 quilômetros. Antes desse estudo, publicado na Nature em 1995, imaginava-se que apenas a camada superior do manto, a no máximo 200 quilômetros, fosse capaz de empurrar as placas (veja revista Pesquisa Fapesp n" 53, de maio de 2000). A ssumpção, desta vez, acom/^ panhou 10 mil registros de ^m^^ ondas P, cuja velocidade È W pode variar de 6 a 13 qui^L -St. lômetros por segundo, com o propósito de analisar o perfil da litosfera - a dura casca de rochas que inclui a crosta, a camada de até 40 quilômetros que recobre a superfície, e uma faixa mais externa do manto, com 100 a 200 quilômetros de profundidade. Por fim, ele concluiu que a maior atividade sísmica ocorre preferencialmente em regiões nas quais essas ondas eram até 2% mais lentas em profundidades de 150 a 250 quilômetros. A velocidade menor foi interpretada como resultado de temperaturas mais altas, já que as ondas se propagam mais lentamente em rochas mais quentes. De acordo com essa abordagem, as regiões mais quentes correspondem aos limites mais elevados da astenosfera, a parte maleável do manto, com temperaturas próximas a 1.300°C, que ocupa os primeiros 200 quilômetros abaixo da litosfera. Depois de descobrir onde a astenosfera estava mais próxima da superfície, foi fácil determinar a espessura da litosfera: com uma temperatura média de 1.000°C, a extensão dessa camada correspondia à distância que faltava para chegar à crosta. Portanto, se a astenosfera fosse pouco profunda, a litosfera seria mais fina. Foi nascendo assim um conjunto de mapas que indicam que a espessura da litosfera no Brasil pode variar de cerca de 100 quilômetros, exatamente onde há mais tremores, a cerca de 300 quilômetros, onde os abalos são bastante raros. 40 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
saàSB/gf De acordo com esse estudo, que será publicado no Geophysical Journal International, o ponto mais fino da litosfera, com uma profundidade de 100 a 150 quilômetros, encontra-se na região de Iporá, município a oeste de Goiás, onde se registram em média dois tremores por ano de magnitude igual ou superior a 3. O que parece pouco é na verdade bastante quando confrontado com as vizinhanças de Goiânia, o sul de Goiás e a região de Belo Horizonte, em Minas, onde a litosfera é mais espessa - de 250 a 300 quilômetros - e se tem notícia de apenas um ou outro tremorzinho a cada 200 anos. Esse estudo elucida as razões pelas quais ocorreram alguns dos maiores terremotos no Brasil. Um deles, com magnitude 5,4, ocorreu em 1964 na região de Miranda, leste do Pantanal, no Mato Grosso do Sul - Assumpção verificou que se trata de outra área em que a espessura da litosfera não deve ultrapassar 150 quilômetros. Deve ter sido também esse o motivo do tremor de magnitude 6,2 registrado em 1955 em
Porto dos Gaúchos, município a 300 quilômetros ao norte de Cuiabá, que se encontra no limite da área analisada nessa pesquisa. Provas na superfície - Na região Nordeste os tremores são mais freqüentes, mas não tão fortes quanto na região central do país. No final da década de 1980, durante quatro anos, de 1986 a 1989, houve uma sucessão de tremores em João Câmara, no Pdo Grande do Norte, os mais fortes com magnitude 5, danificando centenas de casas. Dois meses atrás, em junho, na região de Belo Jardim, a 50 quilômetros de Caruaru, em Pernambuco, houve uma série de tremores pequenos, de magnitude 3. "Ainda não temos medições precisas, mas nas regiões mais ativas do Nordeste, no Rio Grande do Norte e no Ceará, possivelmente a litosfera é mais fina também", comenta Assumpção. Mesmo centrado no comportamento das ondas a centenas de quilômetros abaixo da superfície, seu estudo não está desvinculado dos contornos da pai-
Morro do Engenho: resquícios de rochas derretidas na base da litosfera há 80 milhões de anos
sagem, porque as regiões de litosfera mais fina, por serem mais frágeis, são também por onde pode escapar mais facilmente o magma produzido pelo calor da astenosfera. Originam-se assim as chamadas intrusões, que são rochas derretidas da base da litosfera que sobem à superfície - é o mesmo material que, em quantidades muito maiores, formam os vulcões. O pico de Agulhas Negras, no Parque Nacional de Itatiaia, na divisa dos estados de São Paulo, Rio e Minas, com 2.787 metros de altitude, é um desses pontos de litosfera mais frágeis em que a lava encontrou por onde vazar, há cerca de 60 milhões de anos. Em Goiás, algo mais modesto e mais antigo: o morro do Engenho, de 200 metros, em Iporá, constitui os resquícios de intrusões ocorridas 80 milhões de anos atrás. Assumpção pretende ampliar a área estudada e concluir o mapeamento da litosfera de todo o país. Feito hoje no ritmo possível, o trabalho conta com a colaboração de um conjunto de instituições nacionais - entre elas, as universidades federais de Mato Grosso do
Sul e Rio Grande do Norte, além do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo - e de parceiros internacionais, como o Instituto de Ciências de Ia Tierra, da Espanha, e a Northwestern University, dos Estados Unidos. Não é fácil: só as áreas Central e Sudeste consumiram quase dez anos de trabalho. Mas Assumpção espera ainda contar com a participação de empresas, porque esse tipo de mapeamento - já concluído em países como Estados Uni0 PROJETO Estrutura Crustal e Sismicidade do Sudeste MODALIDADE Linha Regular de Auxílio a Pesquisa COORDENADOR MARCELO SOUSA DE ASSUMPçãO
IAG/U SP INVESTIMENTO R$ 89.141,42 (FAPESP)
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dos, Rússia, China e Austrália, entre outros - facilita a busca de minérios: é mais provável encontrar jazidas de diamante, por exemplo, em regiões antigas com litosfera mais espessa. Talvez ainda mais difícil seja descobrir de onde vem o calor que torna a astenosfera mais rasa, afina a litosfera e abre as brechas para o magma passar. Os especialistas estão longe do consenso. Assumpção acredita que esses fenômenos possam estar ligados à Pluma de Trindade, uma coluna de rochas muito quentes do manto e relativamente fina (cerca de 100 quilômetros de largura). Proposta há 30 anos por geoquímicos para explicar a ocorrência de intrusões, como o morro do Engenho e o pico de Agulhas Negras, no Brasil, a pluma seria formada por rochas quase fundidas provenientes de um ponto fixo da base do manto, nas proximidades do núcleo, a cerca de 3 mil quilômetros de profundidade, que sobem e esquentam a litosfera. Há milhões de anos, parte dessa pluma que chegou à superfície pode ter formado a cadeia de montes submarinos próxima a Vitória e o arquipélago de Trindade, na costa brasileira. Como a fonte de calor próxima ao núcleo não deve ter apagado, mais rocha quente continua subindo e provocando vulcanismo e intrusões na crosta, enquanto a superfície se desloca com as placas tectônicas. Se fosse assim - eis o primeiro problema dessa idéia -, as dezenas de intrusões atribuídas à pluma deveriam estar, de algum modo, alinhadas de acordo com a idade. Mas não: parecem misturadas, as mais antigas e as mais recentes juntas, sem uma ordem clara. O segundo problema é que a pluma é fina e profunda o bastante para escapar dos exames de tomografia e seu efeito sobre as ondas sísmicas é quase imperceptível. Há quem prefira acreditar que o magma não provém de regiões tão profundas, mas de porções mais rasas, a até 700 quilômetros. Neste caso, as elevações da astenosfera seriam causadas por correntes de convecção, como as que movem a água fervendo numa panela, confinadas na parte superior do manto. Também não é fácil provar. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 41
CIÊNCIA
HEMATOLOGIA
Efeitos da diversidade Intensa miscigenação faz do Brasil um campo fértil para as anemias hereditárias CARLOS FIORAVANTI
Há uma gota de sangue em cada poema, disse uma vez o poeta Mario de Andrade. Há também uma gota de sangue - no sentido real e metafórico - em cada descoberta conduzida ou orientada pelo médico Fernando Ferreira Costa, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Sua equipe tem chegado a conclusões que expressam e procuram tratar as conseqüências da intensa miscigenação da população brasileira: a contínua interação entre os descendentes de africanos, europeus e asiáticos - grupos originalmente pouco habituados a relacionamentos inter-raciais - favoreceu a concentração de genes alterados, responsáveis pelo aparecimento de formas modificadas de hemoglobina, a proteí42 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
na que faz do sangue um líquido vermelho e distribui oxigênio para todas as células do corpo. Em conseqüência, à medida que a mistura racial se intensifica, aumentam as possibilidades de ocorrerem algumas anemias hereditárias. De 2000 para cá, esse grupo da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp - formado pelas equipes de Costa e da médica Sara Saad, no Hemocentro, e da bióloga Maria de Fátima Sonati, no Departamento de Patologia Clínica - identificou seis novas variantes, como são chamadas as formas anormais da hemoglobina, resultado de sutis deformações da estrutura dessa proteína. Seguindo uma tradição nessa área, essas variações ganharam os nomes das cidades do interior paulista ou do sul de Minas Gerais de onde emergiram: Joanópolis,
Pais e filhos: diferenças entre hemobloginas
Paulínia e Campinas, só encontradas em recém-nascidos e descritas em novembro na revista Haematologica, e Rio Claro, Poços de Caldas e Campinas, exclusivas de adultos. Em fase de publicação há outras duas, também de adultos, encontradas em Itapira, interior paulista, e em Boa Esperança, sul de Minas. O mesmo grupo detectou ainda outras 37 variantes - muito raras, com um ou dois casos descritos no mundo dessa proteína, predominante nas células vermelhas do sangue, as hemácias: há cerca de 600 milhões de moléculas de hemoglobina em cada uma dos 5 milhões de hemácias em circulação pelas veias e artérias. A hemoglobina é também uma das proteínas humanas mais estudadas, com 882 variações já identificadas. Formas alteradas - Nos adultos, cada molécula de hemoglobina é formada por quatro subunidades, produzidas normalmente em quantidades iguais: são duas cadeias alfa e duas beta, enquanto no feto há uma estrutura levemente diferente, com duas cadeias alfa e duas gama. Em cada uma das cadeias há um átomo de ferro, que se liga temporariamente com o oxigênio toda vez que as hemácias passam pelos pulmões - o ferro faz parte de uma estrutura conhecida como grupo heme, que dá a cor vermelha ao sangue. O encontro de genes alterados, facilitado pela miscigenação, e mutações genéticas originam
defeitos nas cadeias ou fazem o organismo produzir mais uma delas do que outra. O desequilíbrio entre as quantidades de cadeias alfa e beta é fatal: determina a destruição das hemácias e pode provocar anemia - há também outros tipos de anemia, como as resultantes de uma dieta deficiente em ferro, vitamina B12 ou ácido fólico, problema relativamente comum no Brasil, que muitas vezes pode ser eliminado com o acréscimo desses nutrientes à alimentação. A s formas modificadas de heg^L moglobina às vezes perma/ ^ necem silenciosas, sem cau/M sar sintomas aparentes, a A J^. exemplo das oito variantes recém-encontradas. Mesmo assim, identificar o defeito de modo preciso esclarece sua gravidade e evita exames desnecessários e tratamentos equivocados, já que muitas alterações silenciosas podem ser confundidas com as que levam a quadros mais graves. Algumas dessas mutações, porém, são perigosas e podem até inviabilizar uma gestação, se não diagnosticadas a tempo. Em 2003, a equipe da Unicamp encontrou em uma grávida de oito semanas uma forma silenciosa e extremamente rara de hemoglobina chamada Indianápolis, que até então não havia se manifestado nem sido detectada pelos exames usuais de laboratório. Para tratar uma infecção urinaria, a mulher havia tomado um medicamen-
to que, muito provavelmente, causou uma crise hemolítica aguda - destruição maciça das hemácias. "Curada a infecção e suspensa a medicação, a situação voltou ao normal", conta Maria de Fátima, responsável pelo laboratório de diagnóstico das alterações da hemoglobina, situado no segundo andar do Hospital das Clínicas. Muitas vezes um defeito de hemoglobina só se manifesta quando se combina com outro, igual ou não. Esse é o risco vivido, sem saber, pelos filhos de casais portadores de mutações silenciosas e assintomáticas. Foi o que aconteceu com dois irmãos, encaminhados no ano passado ao hospital da Unicamp com uma anemia classificada como moderadamente grave. Como costuma proceder nesses casos, Maria de Fátima pediu exames de sangue de toda a família. O pai era chinês e a mãe baiana, com provável ascendência africana. Nenhum deles relatava problemas relacionados à hemoglobina, mas três dos quatro filhos do casal apresentavam uma forma incomum de talassemia, a doença da hemoglobina H, por terem herdado do pai um gene com uma mutação mais grave, comum na população chinesa, e da mãe outro gene, com uma mutação silenciosa, encontrada em um em cada quatro descendentes de negros no Brasil. No início deste ano surgiu um caso - provavelmente o primeiro documentado no país - da forma mais grave de PESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 ■ 43
talassemia alfa: todas as moléculas de hemoglobina do feto são defeituosas e deixam de irrigar com oxigênio o organismo em formação, com chances remotas de sobrevivência. Estudadas há mais de 20 anos na Unicamp, desde que Costa criou o primeiro laboratório do grupo que hoje lidera, as hemoglobinas que fogem do padrão expressam a trajetória da miscigenação racial, iniciada há cinco séculos com a chegada dos europeus e a prática do que o antropólogo Darcy Ribeiro, em O povo brasileiro, chama de cunhadismo - hábito de os nativos incorporarem estranhos a seu grupo familiar. Ainda no século 16 começaram a chegar os escravos e, com eles, o gene da hemoglobina S, que, em dose dupla, causa a anemia falciforme, uma doença mais comum entre os descendentes de africanos, marcada por destruição intensa de hemácias, febre e dores musculares. Quase 300 anos depois, já no final do século 19, aportaram os navios com imigrantes da Europa, da Ásia e do Oriente Médio, que ampliaram a diversidade étnica do país e ajudaram a formar o povo brasileiro. Foi também nessa época que desembarcaram no país os genes responsáveis pela talassemia, outra forma de anemia hereditária, que causa uma destruição também bastante intensa de células vermelhas, repostas, nos casos mais graves, por meio de transfusões regulares de sangue. Pouco a pouco, a diversidade étnica e a intensa miscigenação da população produziram doenças com manifestações similares à anemia falciforme mesmo em pessoas de pele branca, resultado da associação entre o gene da hemoglobina S e o da talassemia. Na Patologia Clínica, a bióloga Elza Kimura e a técnica Sirley Gervásio cuidam de 150 a 200 diagnósticos por mês de pessoas com suspeita de alterações de hemoglobina. Em paralelo, esse mesmo laboratório conduz há cinco anos um programa de triagem de va44 ■ AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
li ma das etapas dos testes: em busca de formas alteradas de hemoglobina
riantes raras, com mais de cem amostras de sangue examinadas por dia, escolhidas aleatoriamente entre os pacientes do hospital da Unicamp sem sintomas relacionados a alterações da hemoglobina. Formou-se assim a maior base de dados do país, com cerca de 100 mil pessoas analisadas até agora. O olhar apurado da equipe de Campinas detectou no ano passado uma nova mutação causadora de talassemia do tipo beta e um caso de uma forma incomum de talassemia do tipo alfa, a chamada doença da hemoglobina H, descrita antes uma única vez, na Ilha dos Açores, em 1991. Também em 2003 os pesquisadores identificaram uma mutação assintomática e bastante rara da hemoglobina, a variante Osu-Christiansborg, descrita pela primeira vez há 13 anos em Gana, na África. O caso brasileiro, noticiado em fevereiro deste ano na revista Hemoglobin, foi causado por um tipo de mutação conhecida como de novo: não foi trazida de outros povos ou terras, mas originada no próprio menino de 10 anos, sem que nenhum dos pais carregasse os genes que a pudessem causar.
As mutações de novo também podem causar anemia, como aconteceu com uma menina tratada na Unicamp há alguns anos. O pai era portador de uma variante assintomática chamada Porto Alegre, enquanto a mãe não tinha alteração nos genes da hemoglobina. A filha herdou do pai o gene da hemoglobina Porto Alegre e sofreu uma mutação de novo, que gerou a hemoglobina Santa Ana, que, sozinha, é assintomática. Mas a soma das duas formas provocou uma anemia grave a ponto de os médicos optarem por um tratamento radical para evitar a destruição contínua das células vermelhas: a retirada do baço, o órgão do tamanho de uma mão fechada em que as hemácias velhas ou defeituosas são eliminadas. Atenta aos problemas que resultam dessa história, a equipe da Unicamp pode ter lançado as bases para novos tratamentos da anemia falciforme, que no Brasil assume proporções semelhantes à de alguns países da África: de 6% a 8% dos descendentes de africanos nascidos no país são portadores do gene que leva à produção de hemoglobina S - é preciso que uma pessoa tenha os dois genes para a doença aparecer. Na população em geral - miscigenada -, segundo um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais, a anemia falciforme ocorre em uma criança em cada grupo variável, de acordo com a região, de 1.500 a 5 mil nascimentos. Em busca de alternativas - Atualmente, uma das únicas alternativas para combater essa enfermidade é a hidroxiuréia, medicamento usado também contra o câncer, com efeitos colaterais graves: se a dosagem não for controlada com rigor, a droga pode danificar a medula óssea, afetando a produção das células sangüíneas vermelhas e brancas, que compõem o sistema imunológico. No ano passado, Nicola Conran, da equipe do Hemocentro, descobriu um dos possíveis mecanismos de ação desse composto. Após comparar as reações químicas de pessoas saudáveis com as
Causa e conseqüência: defeitos em genes deformam as moléculas de hemoglobina (á direita), que se aglomeram e destroem as hemácias (acima)
de dois grupos de portadores de anemia falciforme - um tomava a medicação e outro não -, ela concluiu que a hidroxiuréia age por intermédio do oxido nítrico e eleva em até cinco vezes a quantidade de monofosfato cíclico de guanosina (cGMP, na sigla em inglês) no interior das células. O cGMP intensifica a produção da hemoglobina fetal, predominante no período intra-uterino, que mantém separadas as hemoglobinas anormais do tipo S. Caso não sejam contidas, as hemoglobinas S aglomeram-se em fibras que fazem a hemácia perder sua forma habitual, que lembra um damasco seco, e a tornam semelhante a uma foice. Vem daí o nome da anemia falciforme e uma de suas conseqüências mais graves: as hemácias não conseguem mais atravessar os vasos de menor calibre e oxigenar os tecidos. Segundo Costa, que orientou esse estudo, publicado em fevereiro no British Journal of Haematology, há ao menos cinco compostos químicos que aumentam a produção de cGMP e talvez sejam menos tóxicos e mais efica-
Cadeias alfa
zes que a hidroxiuréia. Mas todos precisam passar por mais testes antes de serem liberados para tratar a anemia falciforme. Outro estudo, publicado também em fevereiro na Experimental Hematology, ajuda a entender a origem e o desenvolvimento da talassemia, mais freqüente em populações de origem mediterrânea, como os italianos, espanhóis, gregos e árabes - no Estado de São Paulo, 6% dos descendentes de italianos são portadores do gene da talassemia do tipo beta, que, em dose dupla, 0 PROJETO Alterações Hereditárias das Hemoglobinas: Genética Molecular, Aspectos da Evolução Clínica e Produção de Animais Transgênicos MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR FERNANDO FERREIRA COSTA
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Unicamp INVESTIMENTO R$ 1.333.900,00 (FAPESP)
causa anemia grave, aumento do baço e do fígado, entre outros sintomas. Camila Santos, aluna de doutorado de Costa, demonstrou pela primeira vez em seres humanos o papel de uma proteína conhecida pela sigla ahsp, que mantém separadas as cadeias alfa que se formam em excesso na talassemia beta e podem gerar quadros clínicos mais leves ou mais severos. "A ahsp, cuja produção é proporcional à das cadeias alfa em células humanas, talvez seja importante para entender por que a talassemia gera formas mais ou menos graves de anemia", comenta Costa, atual pró-reitor de pesquisa da Unicamp. A análise das variações nos genes da hemoglobina revela tamÁtomo bém a história remota de ferro de alguns grupos étnicos. Anos atrás, as análises genéticas confirmaram a origem dos negros brasileiros - Angola ou Moçambique, no caso dos que vivem em São Paulo, ou Benin, nos casos dos que moram na Bahia, conforme os historiadores já haviam documentado. Em um estudo publicado em 2003 no American Journal of Physical Anthropology, Daniela Ribeiro, aluna de Maria de Fátima, confirmou a origem asiática dos nativos brasileiros atuais. Ela analisou a seqüência de DNA que controla a expressão dos genes das cadeias alfa da hemoglobina - o elemento regulatório maior - de dois grupos indígenas da Amazônia, os parakanãs e os xikrins. A partir do estudo dessa seqüência de DNA, Daniela verificou que os parakanãs possuem afinidade genética tanto com povos da Ásia quanto da Oceania, enquanto os xikrins apresentam maior similaridade com as populações da Oceania. São mais parecidos com os povos mais distantes do que com os grupos vizinhos, numa indicação de que entre esses dois grupos brasileiros a miscigenação é quase nula. Entre eles, o problema é outro: os casamentos consangüíneos, entre tios e sobrinhas, que aumentam os riscos de surgimento de problemas hereditários. • PESOUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 45
CIÊNCIA FISIOLOGIA
Dogma derrubado Pesquisadores recuperam movimentos e reduzem perda de neurônios em ratos com a medula lesada
Em fevereiro de 1996, dez meses após ter sofrido uma queda de um cavalo que o deixou imobilizado em uma cadeira de rodas, sem poder movimentar o corpo do pescoço para baixo, o ator norteamericano Christopher Reeve comentou, em uma entrevista à rede norte-americana de televisão CNN: "Qualquer coisa pode acontecer a qualquer um. Por que eu deveria ser exceção?" O comentário do ator, conhecido no mundo todo por ter representado o Super-Homem no cinema, escapando ileso de prédios que caíam sobre ele, alimentou o medo de as pessoas comuns enfrentarem um destino semelhante após um acidente de carro ou um passeio malogrado de ultraleve que resulte em um golpe sério na coluna. Outro efeito foi cristalizar a idéia de que a medula espinhal não se regenera - um dos dogmas da medicina. Não é bem assim, ao menos no laboratório. "É só haver um ambiente favorável que os neurônios do sistema nervoso central conseguem se recuperar das lesões", atesta Francisco Carlos Pereira, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) que ajudou a descobrir uma forma de conter as lesões na medula espinhal, como é chamado o conjunto de feixe de fibras e células nervosas - os neurônios - que percorre o interior da coluna vertebral e conduz os estímulos ligados aos movimentos, às sensações e às reações do corpo. Em ratos submetidos a lesões controladas de medula espinhal foi possível recuperar 70% dos movimentos e induzir a regeneração de 50% dos neurônios com o uso combinado de três substâncias: um medicamento antidepressivo chamado rolipram, já em uso em seres humanos; uma solução com células de Schwann, que formam a bainha de mielina, camada que recobre as fibras nervosas de modo semelhante à capa de plástico dos fios de telefone; e outra solução com monofosfato cíclico de adenosina (cAMP), um composto que funciona como mensageiro químico no interior das células. 46 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
Foi um experimento sofisticado e trabalhoso, realizado no Projeto Miami para a Cura da Paralisia, que ocupa um prédio de seis andares instalado na Universidade de Miami, nos Estados Unidos. Pereira chegou lá como professor do Departamento de Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP em fevereiro de 2000 para um estágio de pós-doutoramento que terminaria em fevereiro de 2002. Nos seis primeiros meses, ele trabalhou com o cultivo de células de camundongos, ratos e seres humanos, incluindo as células de Schwann. Só então começou o trabalho com os animais. A equipe coordenada por Mary Bunge, da qual também fazia parte o australiano Damien Pearse, bolsista da Christopher Reeve Paralysis Foundation, utilizou 150 ratos, submetidos a uma contusão na medula espinhal na altura do tórax. Para garantir que o grau de lesão fosse semelhante em todos os animais, um aparelho ligado a um computador controlava a intensidade da contusão, que provocou a perda de movimento das coxas, das pernas e dos pés. Terapia múltipla - Em seguida, os roedores foram divididos em sete grupos, dos quais apenas um não foi tratado com nenhuma substância. Os outros receberam um, dois ou três compostos, com uma diferença sutil: mesmo entre os animais que receberam as três medicações o rolipram foi usado de duas formas, logo após a lesão ou uma semana mais tarde, sempre liberado continuamente por uma minibomba colocada sob a pele do animal. Uma semana depois do início do experimento os ratos tomaram injeções com 2 milhões de células de Schwann no centro da lesão e de cAMP a alguns milímetros das extremidades do ferimento. De acordo com os resultados, publicados em junho na Nature Medicine, oito semanas depois do início do estudo, os roedores que receberam os três medicamentos (rolipram logo após a lesão e as células de Schwann com cAMP) apresentaram o me-
Das Leben des Menschen, de Fritz Kahn, 1926: esquema de caminhos percorridos pelos estímulos nervosos
lhor desempenho: num teste de avaliação da capacidade motora, que vai de 0 (nenhum movimento) a 21 (movimento normal), ganharam nota 14, equivalente a 70% de recuperação dos movimentos. Conseguiram firmar os pés no chão mais facilmente que os animais do grupo controle, que tiraram nota 9 e andavam puxando a perna, sem apoiar a sola dos pés. O estudo ganhou repercussão: foi noticiado por cerca de 120 emissoras de televisão e 600 de rádio nos Estados Unidos, enquanto, no Brasil, apareceu no Jornal Hoje e no Jornal Nacional, ambos da TV Globo. De repente, a perspectiva de andar de novo voltou a brilhar na mente de quem sofreu um acidente grave e está imobilizado em uma cadeira de rodas. No entanto, a aplicação em seres humanos ainda é
uma possibilidade um tanto distante, que exige testes mais refinados. Das três substâncias adotadas no experimento, só o rolipram "pode rapidamente se tornar uma ferramenta terapêutica a mais, a ser empregado logo após a lesão medular ter ocorrido", afirma Pereira. Por enquanto, segundo ele, não há evidência de que o cAMP e as células de Schwann cultivadas em laboratório possam ser usados sem prejudicar outras funções do organismo. Estratégias complementares - No caso dos pacientes crônicos, o mais provável é que tenham de ser adotadas ainda outras estratégias, como a estimulação elétrica dos músculos e a reposição celular, alternativas que ainda se encontram em fase experimental. "Não será uma estratégia isolada que levará à cu-
ra das lesões na medula", afirma o pesquisador da USP. Cientificamente, os resultados desse estudo são notáveis por atestarem o papel do cAMP na regeneração dos neurônios. Uma das integrantes da equipe, a bióloga Marie Filbin, do Hunter College, em Nova York, já havia demonstrado que esse composto ajudava na recuperação de alguns tipos de neurônios dos nervos espinhais - conjuntos de fibras nervosas que unem o sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal) ao resto do corpo e são responsáveis pela transmissão dos estímulos associados à sensibilidade e à movimentação das pernas, do tronco, dos braços e também da cabeça. Mas os nervos espinhais fazem parte do sistema nervoso periférico (SNP). Faltava provar se o cAMP, relativamenPESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 ■ 47
Conexão restaurada // ' te ■ myf'.. "j&ff 'Jfth* t<
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Células de Schwann (em i/erc/e): um dos componentes do tratamento combinado para evitar a morte de neurônios da medula espinhal
te abundante no interior das células em geral, teria a mesma importância no caso dos neurônios da própria medula espinhal, com feixes de fibras nervosas que se ligam ao encéfalo e fazem parte do sistema nervoso central (SNC). A té esse momento, pareciam /^ dois mundos com comporL^^ tamentos bastante diferenm m tes. Nas fibras nervosas do ^L -A- sistema nervoso periférico, a remoção dos fragmentos de mielina destruídos - realizada por células do próprio organismo e pré-requisito para a regeneração dos neurônios - tomava cerca de duas semanas. Nas fibras nervosas do sistema nervoso central, a limpeza da área lesada é mais lenta: estudos feitos por outros grupos demonstraram que nove meses depois de uma lesão de fibras do SNC ainda havia pedaços de mielina. Essa degeneração leva ao acúmulo de uma proteína conhecida como MAG, glicoproteína de mielina, que inibe o crescimento do axônio, um dos tipos de ramificações dos neurônios. O espanhol Santiago Ramon y Cajal, considerado um dos fundadores da neurologia e ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 1906, junto com o italiano Camillo Golgi, já havia proposto há 80 anos que os neurônios do sistema nervoso central poderiam voltar, sim, a crescer. O problema, segundo ele, é que algo impedia esse crescimento. Como outras pesquisas mostraram, além de muita MAG, molécula que atrapalha a regeneração das células da me48 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PES0.UISA FAPESP 102
dula espinhal, havia muito pouco cAMP na área da lesão. Logo, pensaram os pesquisadores, por que não temperar os neurônios destruídos com cAMP? Aproveitando o experimento, adicionaram o antidepressivo, que havia se mostrado um potente inibidor de uma molécula conhecida como fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa), que dispara o processo de morte das células próximas à lesão. Esperava-se que a lesão não se expandisse tanto com menos TNF em circulação - essa propriedade do rolipram tem sido aproveitada em estudos com seres humanos para deter também o avanço do vírus da Aids e o desenvolvimento da esclerose múltipla, doença degenerativa do sistema nervoso central. Já se sabia também que esse medicamento impede a destruição do cAMP, que, assim, permanece mais tempo em ação. Deu certo: o rolipram permitiu que a quantidade de cAMP se mantivesse alta na região próxima à contusão, evitando que mais neurônios morressem. 0 PROJETO Regeneração da Medula Espinhal MODALIDADE
Bolsa no Exterior (Pós-doutorado) COORDENADOR FRANCISCO CARLOS PEREIRA
ICB/USP INVESTIMENTO
R$ 91.358,94 (FAPESP)
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A aplicação de 2 milhões de células de Schwann uma semana após a lesão provocada nos animais foi um reforço a essa estratégia, porque se sabia que essas células produzem substâncias capazes de manter os neurônios vivos. Porém essas células só existem nos nervos periféricos - fora da medula. "Essa é a melhor estratégia (de tratamento) que encontramos até agora, após 15 anos de trabalho árduo", comentou Mary Bunge, a coordenadora da pesquisa, em uma das entrevistas que concedeu após a publicação dos resultados na Nature Medicine. Mais recentemente, em outro experimento realizado também com ratos, a equipe de Marie Filbin obteve resultados animadores, que reforçam o papel do rolipram no auxílio à recuperação da lesão na medula espinhal. Em uma abordagem um pouco diferente, os pesquisadores do Hunter College enxertaram um pedaço de medula espinhal de embrião de rato logo após causarem uma contusão na medula de roedores adultos. Dessa vez, no entanto, aplicaram o rolipram somente duas semanas mais tarde - tempo considerado bastante longo. Os animais recuperaram em grande parte a capacidade de controlar e movimentar as patas antes paralisadas, como revela o estudo, publicado na edição de 8 de junho dos Proceedings of the National Academy of Sciences. De acordo com os autores do trabalho, esse é um sinal de que o rolipram pode ajudar na regeneração da medula mesmo passado algum tempo da lesão. •
CIÊNCIA FÍSICA
Ação fantasmagórica Equipe de Campinas detalha fenômeno que torna possível a criptografia quântica RICARDO ZORZETTO
ças deverão compartilhar - digamos, É mais fácil explicar o entrelaçaEm um espaço milhões de veque as faces voltadas para cima somem mento quando se deixam as partículas zes menor que a ponta de sempre 7, depois de jogados os dados. de lado e, como costuma fazer o físico uma agulha, a natureza se Digitado o programa, gira-se a maniveDaniel Turolla Vanzella, da Universidacomporta de um modo muila e... voilà um par de dados emaranhade de São Paulo (USP), pensa-se em um to curioso. Nesse mundo uldos. Em um teste, rola-se o primeiro dapar de dados - desses de seis faces, usatramicroscópico, duas ou mais partícudo sobre uma mesa e a face superior dos nos jogos de tabuleiro. Primeiro é las - ou mesmo dois ou mais conjuntos mostra 2. O entrelaçamento ajustado preciso torná-los entrelaçados. Imagidistintos de partículas - podem comgarante que, ao ser lançado, o segundo ne-se então uma máquina de emarapartilhar uma propriedade peculiar que dado só pode dar como resultado a sunhar dados. Com os dados no interior desafia a intuição e, às vezes, lembra a perfície com o número 5. desse aparelho fictício, o próximo pastelepatia. Prevista em 1935 e comproSe novamente um deles for jogado so é escolher a característica que as pevada experimentalmente na década de e parar com a face 6 para o 1960, essa propriedade esalto, o outro certamente exipecial chamada emaranhabirá o número 1. Mais curiomento ou entrelaçamento so: antes de lançar qualquer quântico - em inglês, quanum dos dados, não é postum entanglement - é uma sível saber qual será o núespécie de pacto selado que mero que cada um deles as partículas ou os conjunmostrará individualmente tos de partículas mantêm cada dado pode cair com entre si para cumprir uma qualquer das seis faces para determinada condição. cima. Apenas depois que um Sem um correspondente dos dados é lançado é que o no mundo macroscópico outro torna-se obrigado a governado pelas leis da física exibir a face que, somada à propostas por Isaac Newton, anterior, dê como resultado que explicam, por exemplo, o número 7. a queda de uma manga maQuem não se convencer dura da árvore rumo ao sode que as partículas possam lo -, essa propriedade parece se comportar dessa forma um tanto obscura até para os não será exceção. O físico físicos, que ainda não a comAlbert Einstein, que previu preendem por inteiro. Mas esse fenômento em 1935 o apoio de uma analogia em um estudo com Boris ajuda entender esse fenôPodolsky e Nathan Rosen, meno, cujos detalhes começam agora a ser conhecidos, também via o emaranhacom a contribuição de físicos mento com desconfiança. Embora seja impossível da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). os dados de tabuleiro - asFótons emaranhados: propriedades compartilhadas PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 49
sim como todos os objetos macroscópicos - apresentarem esse comportamento na realidade, os experimentos realizados em laboratório confirmam que é assim mesmo que a natureza se comporta no mundo das partículas, no qual as distâncias são medidas em nanômetros (milionésimos de milímetro), explica o físico Antônio de Toledo Piza, da USP. Em dois estudos teóricos publicados no início deste ano, os físicos Carlos Escobar e Daniel Rigolin, da Unicamp, ajudam a desvendar sutilezas do emaranhamento quântico. Em linhas gerais, eles verificaram que a intensidade do emaranhamento entre dois componentes de um sistema - sejam duas partículas distintas, sejam dois conjuntos de partículas - diminui conforme aumenta a distância entre um componente e outro. De volta aos dados, é como se o emaranhamento enfraquecesse à medida que um dado é levado para longe do outro, reduzindo a certeza de que a segunda peça ficará com a face 5 para o alto assim que a primeira revela o número 2. Outra descoberta é que a intensidade ou o grau do entrelaçamento entre componentes com níveis de energia diferentes é menor que entre componentes com níveis de energia semelhante. Talvez outra comparação ajude. A confiabilidade de que o pacto entre os dados se concretizará fica menor quando um deles é chacoalhado com maior energia - e o outro, com menos força - do que quando ambos são agitados com a mesma intensidade. Assim, a certeza de que os dados apresentarão o resultado programado soma 7 - é maior quando ambos são agitados muito intensamente ou com intensidade menor, desde que se mantenha o mesmo vigor. Num laboratório de física, claro, não há pesquisadores atirando dados sobre a mesa. Em vez disso, eles trabalham com conjuntos distintos de partículas de carga elétrica negativa (elétrons), que se movimentam ao redor dos núcleos dos átomos, ou ainda com feixes de laser, conjuntos de bilhões de partículas de luz, os fótons. O comportamento das partículas, porém, não difere daquele dos dados dotados dessa propriedade quase mágica. 50 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
Complicado? Talvez. Mas é essa propriedade física que torna viável o desenvolvimento de tecnologias futuristas como o teletransporte quântico, como é chamada a transferência de informações próprias de uma partícula para outra, distante - nada a ver, ao menos por ora, com a confortável forma de viajar do seriado Jornada nas estrelas porque a partícula não é transmitida no processo, apenas suas características. Acredita-se ainda que essa propriedade permita a produção comercial de sistemas ultra-seguros de codificação de informações, a criptografia quântica. Os sistemas de criptografia atuais, como os usados pelos bancos, baseiamse no embaralhamento dos dados a serem transmitidos, que só podem ser lidos por quem conhece uma chave numérica, um número com milhares de dígitos que dá acesso à informação correta. Já a criptografia quântica se aproveita de propriedades das partículas para codificar a informação. Assim, a mensagem se torna inviolável, já que a mais sutil tentativa de espionagem altera a informação - como garante o Princípio da Incerteza, formulado pelo físico Werner Heisenberg - e denuncia o gatuno. Aos poucos, a teoria chega à prática, ainda que de forma experimental. O primeiro físico a demonstrar em 1997 o teletransporte quântico, o austríaco Anton Zeilinger, da Universidade de Viena, conseguiu em abril outro feito notável: usou fótons entrelaçados para codificar informações durante a transferência de uma doação de€ 3 mil (cerca de R$ 12 mil) da prefeitura de Viena para a conta do laboratório no banco Áustria Creditanstalt, em vez do sistema de criptografia usual do banco. Os dois estudos brasileiros contribuem para a compreensão desse fenômeno por mostrar como o entrelaçamento quântico deve se comportar em condições mais próximas às reais. Publicados na Physical Review A, os trabalhos ganharam destaque em duas publicações virtuais de referência nessa área, o Virtual Journal of Quantum Information e o Virtual Journal ofNanoscale Science and Technology. No artigo de 13 de janeiro, Escobar e seu aluno de doutorado Gustavo Rigolin avaliaram a intensidade do emaranhamento entre conjuntos de partículas com padrão distinto de energias, por exemplo, feixes
de laser de cores diferentes, como vermelho e azul - as cores são determinadas pelo nível de energia com que vibram os fótons, como os dados agitados com intensidades distintas. Por causa da dificuldade dos cálculos, não se chegou a valores exatos do grau de emaranhamento nesse caso. Mas Escobar e Rigolin apresentaram duas formas diferentes de calcular o limite mínimo a partir do qual pode se considerar que esses conjuntos de partículas estão entrelaçados. Nesse estudo, verificaram ainda que o nível de entrelaçamento entre conjuntos de partículas com níveis de energia distintos - ou que se encontram em estados não-simétricos, como dizem os físicos - é inferior ao alcançado por conjuntos de partículas com mesmo nível de energia (estados simétricos). De outro modo, os físicos ajudaram a determinar a intensidade mínima dessa conexão tão diáfana quanto íntima, classificada pelo próprio Einstein, há quase 70 anos, como uma ação fantasmagórica a distância. É um avanço considerável em relação ao obtido pela equipe de Reinhard Werner, da Universidade Técnica de Braunschweig, Alemanha, que em 2003 determinou o grau de entrelaçamento para conjuntos de partículas em estados simétricos, como dois feixes de laser de mesma cor. Os resultados da equipe de Campinas são importantes por significarem um passo em direção ao que ocorre na realidade. De modo distinto do que se passa nas previsões teóricas - que levam em conta condições ideais -, na prática há interferências de todo tipo e até mesmo a qualidade da fibra óptica pode alterar o padrão de energia do laser que transporta. Por essa razão, conhecer o limite a partir do qual conjuntos de partículas em estados não-simétricos compartilham essa propriedade é essencial para a criação de sistemas verdadeiramente eficientes de criptografia, teletransporte ou computação quântica. Além disso, quanto mais emaranhados os conjuntos de partículas, mais úteis são do ponto de vista tecnológico, pois o grau de entrelaçamento está diretamente relacionado à facilidade de manipular a informação por exemplo, para cálculos em um fu-
turo computador quântico - ou à probabilidade de fazê-la chegar íntegra ao seu destino no teletransporte quântico, explica Rigolin. No segundo artigo, publicado em 9 de abril, Escobar, Rigolin e Lea Ferreira dos Santos, hoje pesquisadora da Universidade do Estado de Michigan, Estados Unidos, analisaram como o grau de entrelaçamento varia em um sistema que simula um processador quântico. Em vez de fótons, os físicos adotaram como modelo o controle de características de elétrons por meio da alteração do campo magnético. Em uma fileira única de elétrons dispostos lado a lado a distâncias iguais um do outro, como as contas de um colar esticado, o grau de entrelaçamento diminui conforme aumenta a distância. Talvez seja mais fácil pensar em uma série de bolas de sinuca dispostas ao longo de uma linha nesta ordem: branca, marrom, verde, amarela, azul, rosa, vermelha e preta. A equipe da Unicamp viu que a intensidade dessa interação entre o elétron na posição da bola branca e o na posição da marrom pode atingir 80% do grau máximo de entrelaçamento possível, enquanto esse nível fica em torno de 60%, entre o elétron no lugar da branca e o situado na posição da bola verde - e assim por diante. Nesse mesmo trabalho, surgiu um resultado inesperado. Os físicos constataram que, em alguns casos, a intensidade do entrelaçamento alcança os graus mais baixos quando o campo magnético próximo de cada elétron varia de modo aleatório (regime caótico) do que na situação em que os campos magnéticos são homogêneos - justamente o contrário do que indicavam estudos anteriores. Além disso, os níveis máximos de entrelaçamento surgiram na transição entre o regime caótico e o homogêneo (não-caótico). É um detalhamento fundamental para determinar quão confiável seria um processador quântico real construído segundo esse modelo em um material semicondutor - como elétrons aprisionados em pontos quânticos (pirâmides de poucos nanômetros de altura) de arseneto de índio depositado sobre arseneto de gálio. "O ideal é manter o campo magnético homogêneo, mas, em sistemas como esse, qualquer imperfeição no material torna o regime caótico", diz Rigolin. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 51
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■ CIÊNCIA
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ECOLOGIA
Atlas indica 105 áreas de alta riqueza biológica como alvo de pesquisas e conservação
Mais parecido com um pequeno urso que vive pendurado nas árvores, o macaco-danoite reapareceu em Minas Gerais, entre as árvores de um trecho de Mata Atlântica, na divisa com o Rio de Janeiro. Também chamada de jupará ou de Potos flavus, essa espécie havia permanecido quase 60 anos no completo anonimato, sob o risco de desaparecimento, motivado pela caça: sua carne é bastante apreciada. Boas notícias como essa, ao lado de outras nem tão boas, marcam a segunda edição do Atlas da biodiversidade de Minas Gerais, coordenado por duas organizações nãogovernamentais, a Fundação Biodiversitas e a Conservação Internacional. Patrocinada pela Companhia Vale do Rio Doce, a obra leva à principal conclusão: pouco se avançou em termos de conservação ambiental desde 1998, quando saiu a primeira edição. A destruição dos ambientes naturais, alimentada pela expansão das cidades, da agropecuária, da mineração e do turismo, ainda faz parte do cotidiano dos mineiros. Diante dessa situação, a Biodiversitas propõe a ampliação do número de áreas consideradas prioritárias para conservação: das 86 listadas no primeiro Atlas para 105. Definidos pelo tamanho ou grau de conservação das áreas e pela ocorrência de espécies endêmicas (exclusivas) ou ameaçadas de extinção, esses espaços correspondem a cerca de 20% da área do estado, o equi52 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
valente a pelo menos o dobro da área já protegida em unidades de conservação, que cobrem quase 8% do território de Minas. Situados às vezes dentro de fazendas ou próximos a cidades, representam os remanescentes de Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, os grandes ecossistemas de Minas. Manter essas áreas com a menor intervenção humana possível significa preservar espécies ameaçadas de extinção, como os macacos muriquis {Brachyteles hypoxanthus), o maior primata do Brasil, típico da Mata Atlântica. Há espécies endêmicas mesmo nos arredores das cidades, como a libélula Aeshna eduardoi, de abdômen com manchas azuis e tórax com faixas amarelas, encontrada no Morro do Ferro, em Poços de Caldas, e no Parque Estadual do Rola-Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No Cerrado, é cada vez mais difícil encontrar o pato-mergulhão {Mergus octosetaceus), 0 PROJETO Atlas para Conservação da Biodiversidade do Estado de Minas Gerais COORDENADORES Gláucia Moreira Drummond e Cássio Soares Martins - Biodiversitas INVESTIMENTO
R$ 300.000,00
ave de bico longo e fino que vive nas águas limpas da Serra da Canastra, a arara-azul grande {Anodorhynchus hyacinthinus), de até 1 metro de comprimento, ou a abelha-uruçu {Melipona rufiventris), vítima do desmatamento e da exploração exagerada do mel. Entre as árvores com risco de desaparecer estão o jacarandá-da-baía (Dalbergia nigra), na Mata Atlântica e na Caatinga, pressionadas pela agricultura de subsistência e a pecuária extensiva, a aroeira-do-sertão {Myracrodruon urundeuwa) e a embaré (Cavanillesia arbórea). Resultado do trabalho de 197 especialistas de 56 instituições de pesquisa, o Atlas classifica as áreas prioritárias em quatro grupos, de acordo com a riqueza biológica. Há 16 áreas especiais, de beleza ou importância sem equivalentes, como o Vale do Peruaçu, a norte de Minas, com cavernas de interesse arqueológico, a Serra da Mantiqueira, remanescente da Mata Atlântica ao sul, e a Área Peter Lund, de interesse paleontológico. Outras 35 são classificadas de extrema importância, com alta incidência de espécies de animais e vegetais em ameaça de extinção - a exemplo da região do Cariri, a norte, onde vivem o muriqui e anfíbios raros. Há também 36 de importância muito alta e 18 de alta relevância, como o rio São Francisco e seus principais afluentes, cercados por pecuária, siderurgia e agricultura. Há uma perspectiva de que esses espaços mais delicados sejam
Lobo-guará: raridade do Cerrado
levados a sério nas políticas públicas: o Conselho de Política Ambiental (Copam) incorporou o Atlas à legislação ambiental oficial de Minas Gerais. "Na prática", comenta Yasmine Antonini, consultora da fundação, "o Atlas tornou-se um instrumento cujas recomendações podem nortear, por exemplo, a análise de projetos de empresas que possam trazer impactos negativos ao ambiente." Onicóforos - Elaborado com apoio da Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais e da unidade estadual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibamá), o
Atlas reflete os ganhos do conhecimento científico acumulado em cinco anos. O Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu, classificado há cinco anos como de importância potencial, já que não se conhecia ao certo sua riqueza biológica, é hoje visto como de extrema importância, em conseqüência de pesquisas realizadas nesse tempo. No Cerrado de Peruaçu vivem espécies ameaçadas de desaparecimento, a exemplo do lobo-guará {Chrysocyon brachyurus), da onça-pintada (Panthera onça) e do veado-catingueiro (Mazama gouazoubira). O Atlas expressa também o quanto Minas ainda tem para contar. A região
de Novo Oriente de Minas, nordeste do estado, próxima ao município de Teófilo Otoni, por exemplo, ingressou na lista de prioridades por abrigar uma caverna de granito com espécies raras e pouco estudadas, como o onicóforo, espécie de lesma com patas, aparentada do Peripatus acacioi, um raro animal de corpo alongado e pele úmida, situado na transição entre minhoca e inseto. Já as áreas das bacias dos rios Araguari, a oeste do estado, e do Alto Rio Grande, ao sul, não são mais prioritárias, como em 1998: elas simplesmente desapareceram, cobertas pelas águas das represas formadas por hidrelétricas. "Foram impactos irreversíveis", lamenta Yasmine. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 53
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O Brasil que as Arcadas vislumbraram Na série de reportagens sobre os 70 anos da Universidade de São Paulo, a marca da Faculdade de Direito do largo de São Francisco, formadora das elites no Império e na República FABRíCIO MARQUES
Faculdade de Direito do largo de São Francisco, a mais antiga das unidades que há sete décadas deram origem à Universidade de São Paulo ■
que a transformaram em paradigma do ensino superior já nos tempos em que o Brasil era um império dos trópi^ cos e a cidade de São Paulo não passava de burgo bucólico e provinciano. No último ranking do Provão, a faculdade aparecia em primeiro lugar, seguida por escolas jurídicas de Minas Gerais, do Paraná, do Espírito Santo, da Bahia, do Rio de Janeiro, de Brasília e da cidade paulista de Franca. Pode-se afirmar que todas essas escolas alcançaram excelência mirando-se no exemplo da instituição paulistana. Também é certo que elas aliviaram de responsabilidades históricas a "velha e sempre nova" Academia, como gostam de tratá-la seus bacharéis. Aberta em 1828 nas instalações de um antigo convento franciscano no centro de São Paulo, a faculdade por muito tempo representou uma das escassas i
54 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
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O poeta Castro Alves, num jornal abolicionista que circulou na Academia
opções da oligarquia nacional para ilustrar seus filhos. Alunos de toda parte aportavam em São Paulo. Dos 33 inscritos na primeira turma, só nove moravam na capital; oito vieram do rico interior agrícola da província, dez do Rio, quatro de Minas Gerais e dois da Bahia. Essas levas pioneiras de estudantes seriam as primeiras a acalentar o sonho cosmopolita da futura metrópole. A cidade fora escolhida para acolher o curso jurídico com o argumento de que não oferecia diversões a distrair os estudantes e o custo de vida era baixo. Isso não durou muito tempo. Entre as décadas de 1830 e 1870 - antes que a riqueza do café e o advento das ferrovias transformassem a cidade - São Paulo foi um território de estudantes e a presença deles estimulou a construção dos primeiros hotéis, teatros e casas de diversão. faculdade foi criada, pouco mais de cinco anos após a proclamação da Independência, com a missão de forjar uma elite de homens públicos capaz de gerir a nação - a Universidade de Coimbra passara a hostilizar os aspirantes a bacharéis oriundos da colônia desgarrada. Se a meta era preparar os "homens hábeis" que comandariam o país, se a intenção era conferir base intelectual à elite governante, pode-se dizer que o objetivo rendeu 56 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESHUISA FAPESP 102
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Ruy Barbosa (o segundo da dir. para a esq.), na foto de Militão de Azevedo, em 1879
frutos fartos e duradouros. Até pelo menos a Segunda Guerra Mundial, a Academia foi o principal pólo de formação de quadros para a política, a Justiça e o jornalismo no país. Em março de 1868, o vapor Santa Maria desembarcou no porto de Santos trazendo dois estudantes baianos mal saídos da adolescência que marcariam a trajetória da faculdade e a história do Brasil. Um deles era Ruy Barbosa, o jurista que moldaria a Constituição republicana, o poliglota que representaria o Brasil na Conferência de Haia. O outro era o poeta Castro Alves - que morreria de tuberculose três anos mais tarde, mas formou o trio de poetas românticos com os colegas Fagundes Varella e Álvares de Azevedo. O jovem fluminense Jucá Paranhos também estudou lá. Filho de um ministro do Império, o aluno Jucá, o lendário barão do Rio Branco, seguiria carreira política e diplomática e teria um papel na delimitação das fronteiras brasileiras no sul, no extremo norte e no extremo oeste do país. No final do século 19, estima-se que sete em cada dez deputados brasileiros haviam passado pelas Arcadas - outro apelido da faculdade, referência aos sustentáculos da construção de taipa do convento franciscano, reconstituídos no novo prédio, erguido na década de 1930. A República Velha (1889-1930) foi, antes de tudo, uma República de bacharéis do largo de São Francisco. Oito presidentes dessa fase formaram-se nas Arcadas:
Estudantes das Arcadas visitam, em 1908, o barão do Rio Branco (ao centro), ex-aluno
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0 novo prédio, erguido nos anos 1930, refez as arcadas do velho convento
Prudente de Moraes, Campos Salles, Afonso Pena, Rodrigues Alves, Delfim Moreira, Venceslau Brás, Arthur Bernardes e Washington Luís. Também sairiam da instituição 45 governadores da Província e do Estado de São Paulo. No início do século 20, a Academia passaria a dividir com outras instituições, como a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica, a primazia de formar a elite de São Paulo. Igualmente, os bacharéis foram cedendo espaço na gestão pública para a tecnocracia (as demandas do país tornavam-se mais complexas) e para os militares (seus antagonistas, que chamavam os políticos de "casacas"). Curiosamente, a faculdade só voltou a produzir outro chefe da nação - mesmo assim, em experiência fugaz - nos anos 1960: foi na militância estudantil das Arcadas que Jânio Quadros ensaiou sua retórica. A massificação do ensino superior não ofuscou a importância da faculdade, que continuou a atrair a elite dos candidatos no vestibular e é um raríssimo exemplo de aprovação maciça nos exames da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O país hoje tem mais de 700 escolas de direito e 400 mil advogados. A efervescência do largo de São Francisco deixou marcas até onde menos se imagina. O sanduíche bauru ganhou esse nome porque era o preferido do estudante de direito Casemiro Pinto Neto no restaurante Ponto Chie, centro de São Paulo. Casemiro, conhecido como Bauru - a cidade paulista onde nasceu -, cedeu o apelido ao sanduíche. O bordão "é pique, é pique, é hora, é hora, é hora, rá-tim-bum", incorporado no Brasil ao Parabéns a você, é uma colagem de bordões dos pândegos estudantes das Arcadas da década de 1930. "É pique, é pique" era uma saudação ao estudante Ubirajara Martins, conhecido como "pic-pic" porque vivia com uma tesourinha aparando a barba e o bigode pontiagudo. "É hora, é hora" era um grito de guerra de botequim. Nos bares, os estudantes eram obrigados a aguardar meia hora por uma nova rodada de cerveja - era o tempo necessário para a bebida refrigerar em barras de gelo. Quando dava o tempo, eles gritavam: "É meia hora, é hora, é hora, é PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 57
USP hora". "Rá-tim-bum", por incrível que pareça, referese a um rajá indiano chamado Timbum, ou coisa parecida, que visitou a faculdade - e cativou os estudantes com a sonoridade de seu nome. O amontoado de bordões ecoava nas mesas do restaurante Ponto Chie, com um formato um pouco diferente do que se conhece hoje: "Pic-pic, pic-pic; meia hora, é hora, é hora, é hora; rá, já, tim, bum". Como isso foi parar no Parabéns a você7. "Os estudantes costumavam ser convidados a animar e prestigiar festas de aniversário. E desfiavam seus hinos", conta o atual diretor da faculdade, Eduardo Marchi, de 44 anos, que relembrou a curiosidade em seu discurso de posse, dois anos No vitral das escadarias, alegoria atrás. Em 1934, a faculdade inspirada em pintura de Rafael deixou de ser uma escola federal, foi incorporada à Universidade de São Paulo - mas manteve-se ciosa das tradições. As tentativas de Na história recente, bacharéis do largo de São Frantransferir a sede para a Cidade Universitária foram recisco tiveram papel importante na redemocratização do chaçadas - os alunos chegaram a arrancar a pedra funpaís - Ulysses Guimarães, o artífice da Constituição de damental do que seria o novo prédio. 1988, e o ex-senador e governador André Franco Montoro são egressos da instituição. O corpo docente também defesa do ideal da liberdade é uma marca teve nomes como Goffredo da Silva Telles, que, em 1977, da instituição - e também a origem de um ousou exigir a volta do Estado de direito na comemoraparadoxo histórico. Os estudantes do ção dos 150 anos dos cursos jurídicos do país. Mas allargo de São Francisco e seu combativo guns professores emprestaram seu brilho acadêmico a Centro Acadêmico 11 de Agosto engacausas liberticidas, caso dos ex-diretores da faculdade jaram-se em boa parte das lutas deLuiz Antônio da Gama e Silva, ministro da Justiça do mocráticas, do abolicionismo à marechal Costa e Silva e redator do Ato Institucional 5, Revolução Constitucionalista de 1932, da liberdade de e Alfredo Buzaid, que sucedeu Gama e Silva no goverimprensa ao movimento pelos direitos humanos, da no do general Emílio Mediei, o mais opressivo do peoposição ao Estado Novo à campanha pelas eleições diríodo militar. Independentemente das divergências retas e pela Constituinte com participação popular, nos doutrinárias ou ideológicas, os professores sempre cultianos 1980. O alemão Júlio Frank e o italiano Libero Bavaram os civilizados preceitos do respeito e da tolerândaró, ativistas liberais e professores do curso preparatócia. "Há muito se diz que a congregação da faculdade é rio para a faculdade no Primeiro Reinado, tornaram-se o lugar onde se aprende a divergir polidamente", diz o ícones das primeiras gerações de alunos. "Mas a origem professor aposentado e ex-diretor da faculdade Dalmo elitista transformava boa parte dos alunos inflamados de Abreu Dallari, ativista dos direitos humanos desde os anos 1970. em ardentes defensores da ordem quando alçavam carreira na política e na magistratura", diz a historiadora Ana A presença de alunos e mestres da faculdade no ceLuiza Martins, autora do livro Arcadas — História da Fanário jurídico sempre foi marcante - Clóvis Bevilacqua, culdade de Direito do largo de São Francisco, em parceria João Mendes Júnior, Teixeira de Freitas e Vicente Rao com a também historiadora Heloísa Barbuy. são exemplos. O Código Civil brasileiro, criado em 1916 58 ■ AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
O que também atrapalha a pesquisa é a pouca adesão dos docentes da Faculdade de Direito ao regime de dedicação exclusiva. Apenas 10% dos 130 professores trabalham em tempo integral. A tradição brasileira é a dos docentes com pés fincados no mercado de trabalho - juizes, promotores, donos de escritórios de advocacia -, capazes de mostrar a realidade da profissão aos estudantes. A dupla müitância é uma realidade desde que a faculdade foi fundada. Na década de 1860, apenas dois terços dos 17 professores encontravam-se sempre em São Paulo - magistrados ou políticos, vários deles estavam desempenhando funções de ministro do Império ou de governador O vermelho do Salão Nobre homenageia d. Pedro II, de províncias. Em países referência ao papel da faculdade durante o Império como os Estados Unidos e a Alemanha, um dos alicerces mais importantes da pesquisa jurídica é a dedicação integral dos docentes. sob a presidência de um aluno das Arcadas, Venceslau É certo que as Arcadas estão empenhadas em transBrás, foi reformado sob a coordenação de um jurista forformar progressivamente esse panorama. Cresce o númejado na instituição, Miguel Reale. Na década de 1970, ro de convênios com instituições estrangeiras, como a com a criação dos cursos de pós-graduação, a faculdade Università degli Studi di Roma "La Sapienza" e Universassumiu a missão de produzir pesquisa. Não é uma taretà Statale di Milano, na Itália; Université de Lyon II, na fa simples - e nessa dificuldade a instituição tem a comFrança; Universidade de Lagos, na Nigéria; University of panhia dos demais cursos do país. Texas, Austin, nos EUA, entre outras. Até dez anos atrás, praticamente não havia estudantes de graduação realiBoa parte da pesquisa em direito no zando projetos de iniciação científica. Hoje 2% dos aluBrasil e na faculdade ainda se debrunos já têm bolsas. ça sobre a análise de doutrinas e de A partir de 2005, os estudantes de graduação serão questões de jurisprudência, sem uma obrigados a produzir uma tese para obter o grau de pesquisa de campo ou base filosóbacharel. A idéia da chamada Tese de Láurea, inspirada fica ou sociológica", diz o professor no ensino superior italiano, busca, entre outras finaliAntônio Luis Chaves Camargo, predades, combater um efeito nocivo que o mercado de sidente da Comissão de Pesquisa da faculdade. Eduardo trabalho tenta impor à faculdade. Os estudantes hoje Bittar, professor associado do Departamento de Filososão convidados a cumprir estágios em escritórios de adfia e Teoria Geral do Direito - e um estudioso da questão vocacia cada vez mais precocemente, alguns até no seda pesquisa jurídica -, complementa: "As pesquisas empíricas, os estudos de caso, as pesquisas documentais, as gundo ano de curso - comprometendo o tempo de estudo. A obrigação de fazer a tese vai reforçar o vínanálises sociológicas ainda são esteios negligenciados culo dos alunos com a instituição, tornando a formapela cultura jurídica nacional". Não deixa de ser curioso, pois o direito compreende uma forte atividade intelecção menos prática e mais reflexiva. Continua valendo tual, como se pode perceber no vigoroso mercado de liuma máxima que todos os dirigentes das Arcadas repetiram orgulhosamente: o objetivo da Faculdade de Divros jurídicos (muitos deles escritos por docentes do largo de São Francisco). reito da USP é formar juristas, não bacharéis. •
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org
■ AGRICULTURA
Qualidade das sementes brasileiras Nos últimos anos, a produtividade e a produção de soja no Brasil têm apresentado desempenho crescente. Todavia, alguns estudos mostram que a falta de controle de qualidade na produção tem comprometido a germinação e o vigor de parte significativa das sementes de diferentes genótipos. Com base nesse contexto é que se desenvolveu o estudo "Qualidade fisiológica, física e sanitária de sementes de soja produzidas no Brasil". O objetivo principal da pesquisa é avaliar os aspectos da qualidade de sementes da soja em diferentes regiões produtoras do país. Foram coletadas 331 amostras nos estados do Paraná, de Minas Gerais, Goiás e do Rio Grande do Sul. Para a análise da qualidade, foram empregados parâmetros como germinação, vigor, deterioração por umidade, lesões por percevejos, sementes quebradas, ruptura de tegumento e dano mecânico. "A análise estatística dos resultados mostrou redução acentuada da germinação e do vigor, em função dos altos níveis de deterioração por esses fatores no norte e oeste do Paraná, de Goiás e de Minas Gerais, quando comparados com o sul do Paraná e Rio Grande do Sul", apontou o artigo, conduzido por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa-Soja). REVISTA BRASILEIRA DE SEMENTES - VOL. LOTAS - JUL. 2003
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■ EDUCAÇÃO
Um mapa para o ensino Desenvolver uma metodologia que possa auxiliar as autoridades públicas no momento de expandir a rede de ensino é um dos objetivos do trabalho "Localização de escolas do ensino fundamental com modelos capacitado e não-capacitado: caso de Vitória (ES)". Para mostrar que o método funciona, os autores do estudo simularam três situações possíveis de ser encontradas
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no campo. Na primeira, se utilizou um procedimento de avaliação de escolas públicas com respeito à atual localização e a capacidade das instituições de ensino. O objetivo, neste caso, foi identificar regiões onde há excesso ou escassez de vagas. Foram usados os setores censitários do IBGE e informações de população escolarizável em cada setor. Na segunda simulação, os autores estudaram uma proposta da localização ideal das escolas. O resultado dessa análise foi uma proposta de relocalização geográfica. O terceiro estudo de caso refez o estudo de relocalização da segunda simulação, mas supondo unidades escolares com capacidades preestabelecidas. O estudo foi conduzido em escolas públicas do ensino fundamental na cidade de Vitória (ES), que possui cerca de 300 mil habitantes, 271 setores censitários e 45.766 escolares na idade de 7 a 14 anos. A metodologia aplicada supõe que toda a população nesta faixa etária deve estar matriculada no ensino fundamental, seja numa escola municipal, estadual ou federal. "Esse estudo, apesar de técnico, pode ser usado para ratificar os dados rotineiros sobre planejamento de expansão da rede escolar", dizem os autores do artigo, Fabrício Barcelos e Nélio Pizzolato, ambos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUCRio), e Luiz Lorena, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). PESQUISA OPERáRIA - VOL. JAN./ABR. 2004
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www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010174382004000100007&lng= pt&nrm=iso&tlng=pt
■ SAÚDE
Os riscos da internação hospitalar A infecção hospitalar é uma importante causa de morbidade e mortalidade na população idosa. Por conta disso, o estudo "Ocorrência de infecção hospitalar em idosos internados em hospital universitário", de Paulo Villas Boas e Tânia Ruiz, da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, procurou avaliar a ocorrência e os fatores de risco da infecção hospitalar em uma população de idosos internados em um hospital universitário. O estudo prospectivo analisou uma amostra de 322 idosos com mais de 60 anos, internados entre setembro de 1999 e fevereiro de 2000. "O Ministério da Saúde define 'infecção hospitalar' como aquela adquirida após a admissão do paciente e cuja manifestação ocorreu durante a inter-
nação ou após a alta, podendo ser relacionada com a internação ou procedimentos hospitalares", alertam os pesquisadores. O estudo verificou que a taxa de infecção hospitalar encontrada foi de 23,6%. Os idosos com maiores riscos de desenvolverem o problema foram os portadores de diabetes melito, doença pulmonar obstrutiva crônica e infecção comunitária no momento da internação. REVISTA DE SAúDE PúBLICA - VOL. LO - JUN.2004
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www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102004000300006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ ODONTOLOGIA
Mercado desanimador O estudo "A força do trabalho feminino na odontologia", de Suzely Moimaz, Nemre Saliba e Mikaela Blanco, da Faculdade de Odontologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araçatuba, analisou o exercício da odontologia por profissionais do sexo feminino. O objetivo foi conhecer a renda mensal estimada, o grau de satisfação e os problemas enfrentados na prática profissional. Foram entrevistadas cem cirurgiãs-dentistas da cidade de Araçatuba, interior de São Paulo, utilizando-se um formulário com 30 perguntas. Os resultados mostraram que para 87% das entrevistadas a odontologia não é a principal fonte de renda para o sustento de suas famílias. Além disso, 44% afirmaram que a renda obtida com o exercício profissional "não é suficiente". Apesar do quadro desanimador, 78% consideram-se satisfeitas com a profissão, porém 58,2% não incentivariam seus filhos a cursarem odontologia. As principais queixas apontadas foram a baixa remuneração que a profissão proporciona e a saturação do mercado de trabalho. JOURNAL APPLIED ORAL SCIENCE - VOL. RU
11 - N° 4 - BAU-
- OUT./DEZ. 2003
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167877572003000400005&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
> ÉTICA
Direito de matar ou morrer
morte. Apresenta uma reflexão bioética sobre temas como qualidade de vida, dignidade no processo de morrer e autonomia nas escolhas em relação à própria vida nos seus momentos finais. "O avanço da tecnologia médica favoreceu a cura de doenças e o prolongamento da vida, porém, levada ao exagero, pode fazer com que o sofrimento seja adicionado ao que se propõe ser um benefício, estimulando a discussão sobre questões relativas ao direito de decidir sobre o momento da morte, eutanásia, suicídio assistido e distanásia", esclarece o estudo. Tem a pessoa o direito de decidir sobre sua própria morte, buscando dignidade? Pode-se planejar a própria morte? Os profissionais de saúde podem atender um pedido para morrer? Podem ser interrompidos tratamentos que têm como objetivo apenas o prolongamento da vida, sem garantia da qualidade da mesma? Todas essas questões são discutidas no texto. A autora acredita que essas possibilidades devem ser analisadas cuidadosamente, em especial quando se pensa em pessoas que estão sob grande sofrimento. PSICOLOGIA
USP- VOL. 14 - N° 2 - SãO PAULO 2003
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010365642003000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ TRABALHO
Acidentes em conjuntos tratorizados Determinar as causas genéricas e específicas dos acidentes de trabalho envolvendo conjuntos tratorizados, no intuito de subsidiar a tomada de medidas mais efetivas de prevenção, é o objetivo do estudo intitulado "Acidentes de trabalho envolvendo conjuntos tratorizados em propriedades rurais do Rio Grande do Sul", de autoria de Henrique Debiasi, da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), e José Schlosser e Jorge Willes, ambos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Segundo a pesquisa, o Brasil passou de uma frota de tratores de 60 mil unidades em 1960 para quase 500 mil unidades em 2002. "O aumento do número de conjuntos tratorizados trouxe alguns aspectos negativos, como o surgimento de uma nova fonte de acidentes de trabalho, que se torna importante tanto pelos danos físicos que causa ao operador como pelos prejuízos financeiros ocasionados à sociedade e aos empregadores", alerta o texto. A pesquisa foi realizada em 21 municípios do Rio Grande do Sul. Foram estudadas aleatoriamente 114 propriedades e, dentro desse total, 141 operadores foram entrevistados. A pesquisa revelou que 82% dos acidentes de trabalho envolvendo conjuntos tratorizados foram causados por "atitudes" inseguras e 18% por "condições" inseguras. CIêNCIA RURAL
O artigo "Bioética nas questões da vida e da morte", de Maria Julia Kovács, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), discute questões fundamentais sobre o fim da vida e da aproximação da
MAIO/JUN.
- VOL. 34
N°
3 - SANTA MARIA
2004
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010384782004000300019&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 61
Endereço via satélite Até o final de 2005 deverá estar no espaço o primeiro satélite de um novo sistema de localização que está sendo elaborado pela Comunidade Européia e pela Agência Espacial Européia (ESA). Será o primeiro sistema desse tipo - capaz de fornecer as coordenadas (latitude e longitude) em qualquer ponto do planeta - controlado por civis, ao contrário dos dois outros sistemas,
o famoso Sistema Global de Posicionamento (GPS, na sigla em inglês), criado pelos militares norte-americanos, e o Sistema Global de Navegação por Satélite (Glonass), de origem russa. Chamado de Programa Galileo, ele vai operar com 27 satélites e terá três de reserva em volta do globo, a uma altitude de 23.222 quilômetros. O novo sistema, segundo os idea-
lizadores, vai trazer mais qualidade e confiabilidade, complementando os atuais. Além do transporte aéreo e marítimo, as aplicações se estendem para as telecomunicações, agricultura e pesca. Outra possibilidade é o uso de telas de mapas eletrônicos nos automóveis para a elaboração de rotas em ruas e estradas e visualização de alternativas para o trânsito. •
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O Programa Galileo terá 30 satélites em volta da Terra
■ Roteador vai parar no Guinness book Imagine toda a população do mundo (6,4 bilhões de pessoas) falando ao mesmo tempo em uma ligação telefônica via Internet. Ou uma multidão de 1 bilhão de pessoas participando de um jogo online simultaneamente, usando voz em tempo real. Outros
15 milhões de pessoas assistindo a vídeo no mesmo minuto. E outro 1,3 milhão de internautas baixando quatro músicas de 4 megabits (MB) instantaneamente. Com a tecnologia disponível hoje, por exemplo, apenas 9.200 pessoas conseguiriam fazer esse download de uma só vez. A novidade que permite todas essas proezas informáticas é
62 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
um roteador - equipamento que gerencia, direciona o tráfego e compartilha conexões dentro da Internet - lançado em julho pela empresa norteamericana Cisco Systems, especializada em tecnologia para o funcionamento da rede mundial. Chamado de Carrier Routing System (CRS-1), o roteador já entrou para o Guinness book, O livro dos re-
cordes. A distinção se deve porque o equipamento é possuidor da mais alta capacidade de processamento do mundo. O CRS-1 usa 92 terabits, ou seja, 92 trilhões de bits por segundo, o que significa potência cem vezes superior à dos demais existentes. O roteador foi criado para serviços de telecomunicações e em aplicações de banda larga. •
BRASIL
Silício eletrônico
Bateria recebe recarga com metanol: prático e rápido
■ Metanol para portáteis Recarregar a bateria de celular, de laptop ou de um aparelho portátil de áudio com metanol (um álcool que pode ser extraído da madeira ou do gás natural) deixou de ser uma prática tão improvável ou futurista. A japonesa Toshiba e a finlandesa Nokia estão testando protótipos de células a combustível com metanol, equipamentos que retiram hidrogênio desse combustível e, junto com o oxigênio do ar, produzem energia elétrica. A Nokia anunciou esse tipo de bateria para fones de ouvido sem fio. Com 2 mililitros de metanol, ele funciona por até dez horas seguidas. O fabricante japonês mostrou à imprensa, em julho, a tecnologia de célula de combustível de metanol compacta e direta (DMFC, do inglês Direct Methanol Fuel Cell). O protótipo atende pelas medidas de 22 por 56 por 4,5 milímetros, equivalentes ao comprimento de um polegar feminino, com peso de 8,5 gramas. Essas características o tornam adaptável para fones de ouvido sem fio e garantem 20 horas de funcionamento para um aparelho de áudio de MP3 com uma carga de 2 centíme-
tros cúbicos de metanol. A nova célula fornece 100 miliwatts de energia. Além da praticidade, a nova tecnologia elimina o gasto de energia elétrica no recarregamento e dispensa pilhas, tornando-se uma forma de energia renovável. •
■ Nanocircuitos para rede de transistores O universo da eletrônica enfrenta um paradoxo: embora os pesquisadores encolham componentes de circuitos até nanoescalas, não conseguem conectá-los sem os recursos convencionais, que são centenas de vezes maiores que os próprios componentes. De posse desse dilema, pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, liderados por Charles Lieber, desenvolveram uma técnica que permite criar nanocircuitos prontos para conexão {Nature, Io de julho). O segredo consiste em transformar trechos do nanocabo de silício semicondutor em siliceto de níquel, um bom condutor elétrico. A equipe de Lieber cobriu um finíssimo fio de silício de 10 nanômetros de largura com uma máscara de vapor de níquel, que transformou as partes descobertas no siliceto de níquel. •
A principal matéria-prima para a fabricação de chips e demais componentes da indústria eletrônica, o silício grau eletrônico, vai ser produzida em Minas Gerais. A importância dessa iniciativa pode ser medida pelo fato de somente Estados Unidos, Alemanha e Japão fabricarem o produto, além de ser um atrativo, se produzido no Brasil, para a instalação de indústrias de componentes semicondutores no país. Para os países produtores, Minas exporta o silício metálico
que, por sua vez, e a matéria-prima do silício grau eletrônico. O material exportado volta ao país, em forma de produto final, com valor agregado 60 vezes superior. A perspectiva é de que a produção mineira comece em 2007, quando estarão finalizados os estudos tecnológicos. A produção de silício grau eletrônico reúne a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que vai investir no projeto RS 5 milhões, e a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais. •
Em Minas, matéria-prima para semicondutores
■ Centro tecnológico estuda o camarão Camarões graúdos, nutritivos e mais baratos estão na mira do recém-formado Centro Tecnológico do Camarão (CTC), que será destinado ao melhoramento genético das espécies cultivadas no país. Ele será instalado em Natal, no Rio Grande do Norte. O CTC estudará tratamentos para doenças dos crustáceos,
impacto ambiental das fazendas de criação e novas técnicas de fertilização que podem aumentar a produtividade. O projeto é uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o governo do estado. O convênio prevê investimento de R$ 2 milhões no período de dois anos. •
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BRASIL
Silício eletrônico
Bateria recebe recarga com metanol: prático e rápido
■ Metanol para portáteis Recarregar a bateria de celular, de laptop ou de um aparelho portátil de áudio com metanol (um álcool que pode ser extraído da madeira ou do gás natural) deixou de ser uma prática tão improvável ou futurista. A japonesa Toshiba e a finlandesa Nokia estão testando protótipos de células a combustível com metanol, equipamentos que retiram hidrogênio desse combustível e, junto com o oxigênio do ar, produzem energia elétrica. A Nokia anunciou esse tipo de bateria para fones de ouvido sem fio. Com 2 mililitros de metanol, ele funciona por até dez horas seguidas. O fabricante japonês mostrou à imprensa, em julho, a tecnologia de célula de combustível de metanol compacta e direta (DMFC, do inglês Direct Methanol Fuel Cell). O protótipo atende pelas medidas de 22 por 56 por 4,5 milímetros, equivalentes ao comprimento de um polegar feminino, com peso de 8,5 gramas. Essas características o tornam adaptável para fones de ouvido sem fio e garantem 20 horas de funcionamento para um aparelho de áudio de MP3 com uma carga de 2 centíme-
tros cúbicos de metanol. A nova célula fornece 100 miliwatts de energia. Além da praticidade, a nova tecnologia elimina o gasto de energia elétrica no recarregamento e dispensa pilhas, tornando-se uma forma de energia renovável. •
■ Nanocircuitos para rede de transistores O universo da eletrônica enfrenta um paradoxo: embora os pesquisadores encolham componentes de circuitos até nanoescalas, não conseguem conectá-los sem os recursos convencionais, que são centenas de vezes maiores que os próprios componentes. De posse desse dilema, pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, liderados por Charles Lieber, desenvolveram uma técnica que permite criar nanocircuitos prontos para conexão {Nature, Io de julho). O segredo consiste em transformar trechos do nanocabo de silício semicondutor em siliceto de níquel, um bom condutor elétrico. A equipe de Lieber cobriu um finíssimo fio de silício de 10 nanômetros de largura com uma máscara de vapor de níquel, que transformou as partes descobertas no siliceto de níquel. •
A principal matéria-prima para a fabricação de chips e demais componentes da indústria eletrônica, o silício grau eletrônico, vai ser produzida em Minas Gerais. A importância dessa iniciativa pode ser medida pelo fato de somente Estados Unidos, Alemanha e Japão fabricarem o produto, além de ser um atrativo, se produzido no Brasil, para a instalação de indústrias de componentes semicondutores no país. Para os países produtores, Minas exporta o silício metálico
que, por sua vez, e a matéria-prima do silício grau eletrônico. O material exportado volta ao país, em forma de produto final, com valor agregado 60 vezes superior. A perspectiva é de que a produção mineira comece em 2007, quando estarão finalizados os estudos tecnológicos. A produção de silício grau eletrônico reúne a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), que vai investir no projeto RS 5 milhões, e a Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais. •
Em Minas, matéria-prima para semicondutores
■ Centro tecnológico estuda o camarão Camarões graúdos, nutritivos e mais baratos estão na mira do recém-formado Centro Tecnológico do Camarão (CTC), que será destinado ao melhoramento genético das espécies cultivadas no país. Ele será instalado em Natal, no Rio Grande do Norte. O CTC estudará tratamentos para doenças dos crustáceos,
impacto ambiental das fazendas de criação e novas técnicas de fertilização que podem aumentar a produtividade. O projeto é uma parceria entre o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e o governo do estado. O convênio prevê investimento de R$ 2 milhões no período de dois anos. •
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■ TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUçãO
DRASIL
Bactéria aumenta produção de feijão Agricultores do Nordeste brasileiro, principalmente da região do semi-árido, têm uma nova opção para aumentar a produção de feijão-caupi, também conhecido como de corda ou fradinho. A incorporação no solo de uma linhagem de bactéria - pertencente a um grupo chamado rizóbio - muito resistente a altas temperaturas e a deficiência de água podem aumentar em 50% a produção dessa leguminosa sem a utilização de nenhum adubo. Para chegar a essa bactéria, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) realizou experimentos com cerca de 600 tipos diferentes desse microorganismo durante dez anos. Quatro foram gastos em experimen-
■ Processo industrial mais econômico A hidrólise (quebra) industrial da sacarose, que dá origem ao açúcar invertido (frutose + glicose) utilizado como adoçante em formulações alimentícias e de medicamentos, poderá ficar mais barata. O professor Michele Vitolo, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo, e a pós-graduanda Ester Junko Tomotani desenvolveram um método para imobilizar a invertase - enzima que acelera a hidrólise da sacarose - e torná-la reutilizável. Isso significa que uma mesma quantidade de invertase poderá agir em um grande volume de sacarose e ser
Plantação em Petrolina, no semi-árido: colheita 50% maior
tos de campo na zona rural de Petrolina, em Pernambuco. Conhecidas pela habilidade em fixar nitrogênio nas raízes, tornando-se um fertilizante natural, essas bac-
recuperada no fim do processo, resultando em economia para a indústria. O método de imobilização consiste em ligar por adsorção (fixação de moléculas de uma substância na superfície de outra substância) a invertase a uma resina de troca iônica (enzima e suporte mantidos unidos através de cargas eletrostáticas). O método rendeu o depósito de uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). •
térias são levadas ao solo por um inoculante (líquido) também desenvolvido na pesquisa, que foi, na totalidade, realizada pelas unidades Embrapa-Agrobiologia, localiza-
Pantanal, será utilizado como material didático em escolas do Mato Grosso do Sul. "É uma forma de mostrar para os alunos o estado drástico em que se encontra a região", explica João Vila, pesquisador da Embrapa-Informática Agropecuária, de Campinas, um
da na cidade de Seropédica, no Rio de Janeiro, e EmbrapaSemi-Árido, de Petrolina. Chamada de estirpe BR 3267, ela já está disponível para as indústrias de inoculantes. •
dos autores do projeto com Myrian Abdon e Rozely dos Santos. Vila organizou imagens e dados sobre relevo, solo, ocupação, vegetação das quatro sub-bacias do Taquari: Jauru, Coxim, Alto e Baixo Taquari. De acordo com os pesquisadores, a bacia hidrográ-
■ Rio do Pantanal em CD didático Um CD-Rom com 320 fotos e textos explicativos sobre a bacia hidrográfica do rio Taquari, o segundo maior do
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Rio Taquari, no Pantanal: problemas ambientais
fica do Taquari, com seus 28.046 km2 localizados nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, é uma das mais afetadas por problemas como desmatamento, erosão, assoreamento e inundação, que interferem no ecossistema. A pesquisa que deu origem ao CD Mapeamento fotográfico da bacia hidrográfica do rio Taquari MS/MT levou seis anos para ser concluída. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
■ Sensor detecta microorganismos Um sensor dotado de fibra óptica e luz laser capaz de detectar microorganismos no ar ou na água foi desenvolvido na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e já recebeu patente nos Estados Unidos. O equipamento e a metodologia são do pesquisador da Ensp, Aldo Pacheco Ferreira, que desenvolveu o protótipo na sua tese de doutorado realizada no Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a parceria dos pesquisadores Marcelo Werneck e Ricardo Ribeiro, da mesma universidade. O sensor foi testado, principalmente, em hospitais para a verificação da presença de bactérias relacionadas à infecção hospitalar, como a Staphylococcus aureus. A monitoração é feita com a captura de uma porção de ar ou de água (onde pode ser detectada, por exemplo, a bactéria Escherichia coli) em um pequeno compartimento que recebe o laser. A luz mede o comprimento de onda dos microorganismos existentes naquela porção, identificando de forma instantânea a espécie da bactéria. •
Microcistinas no microscópio: contaminação fatal ■ Método identifica hepatotoxinas
Um novo processo para detectar cianobactérias presentes em águas de reservatórios, com potencialidade genética para produzir microcistinas, que são toxinas nocivas para o fígado e causam envenenamento. Pesquisadoras da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo desenvolveram um método de marcadores moleculares baseado na técnica de PCR (reação em cadeia da polimerase) que amplifica um dos genes da síntese da microcistina. O novo método é mais barato e rápido que as análises convencionais que utilizam camundongos. Ele poderá ser usado em estações de tratamento de água e em criadouros de peixes e camarões. A portaria 518 do Ministério da Saúde de março de 2004 obriga a análise periódica de microcistinas ou comprovação de toxicidade na água bruta.
Título: Método de Identificação de Microcistinas in situ através do Uso de Marcadores Moleculares Inventores: Maria do Carmo Bittencourt de Oliveira e Mariana Cabral de Oliveira Titularidade: USP/ FAPESP ■ Nanossensor para substâncias químicas
Um novo material baseado na porfirina, um agrupamento químico presente em enzimas biológicas e nos pigmentos vermelhos que transportam oxigênio no sangue, foi obtido por meio de uma reação química com compostos do metal rutênio. Esses compostos contêm grupos orgânicos eletropolimerizáveis (polimerização produzida com a aplicação de diferenças de voltagem elétrica) e permitem a obtenção de polímeros funcionais - também chamados de polímeros inteligentes, que, neste caso, incorporam as características químicas da por-
firina e do rutênio. Por meio das propriedades químicas e catalíticas (que aceleram uma reação) dos dois componentes, esse tipo de polímero pode ser usado em sensores que detectam substâncias como nitritos e sulfitos usados como conservantes em alimentos e bebidas, mas que são prejudiciais à saúde, quando em excesso. A polimerização é feita pela passagem de corrente elétrica, permitindo o seu posicionamento em pontos específicos de micro e nanocircuitos. A análise pode ser feita em cinco segundos com maior precisão, enquanto a análise química convencional demora mais de duas horas. O material foi desenvolvido no Instituto de Química da Universidade de São Paulo. Título: Nanomateriais Porfirínicos Poliméricos para Uso em Detectores de Nitrito Inventores: Henrique Eisi Toma, Koiti Araki e Herbert Winnischofer Titularidade: USP/ FAPESP
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 65
CAPA ENGENHARIA FLORESTAL
Natureza.
preciosa
Especialistas conseguem exploração econômica da Mata Atlântica sem dano ambiental
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região do Vale do Ribeira, situada entre as eidades de São PauIo e de Curitiba, abriga a maior área remanescente de Mata Atlântica do país. São aproximadamente 600 mil hectares , de floresta, em grande parte preservados em unidades de . conservação como parques e áreas de proteção ambienuu. i. nienso patrimônio natural que contrasta com a precária situação econômica vivenciada por muitos de seus habitantes. Fora o cultivo da banana e do chá-mate e, em menor escala, a prática da pecuária, a falta de alternativas leva uma parte dos moradores à extração ilegal de madeira, palmito, plantas medicinais e ornamentais, contribuindo assim para a diminuição das populações naturais de espécies nativas da região. Uma das saídas para esse problema é o implemento do chamado desenvolvimento sustentável, em que a exploração econômica da nature/.a possa ser feita sem a destruição de florestas e de qualquer outro tipo de ambiente natural, trazendo benefícios sociais e ecológicos. Um bom exemplo da implantação desse sistema está em dois projetos desenvolvidos nos últimos quatro anos pela empresa Atlântica Assessoria Agroambiental, da cidade de Registro, em São Paulo. O primeiro tratou de identificar e extrair da mata, com metodologia cientíO outro projeto utiliza, por exemplo, gemas (pequenos pedaços do broto) das belas bromélias nativas tia região e as reproduzem em laboratório, em milhares de indivíduos idênticos, sem destruição da planta original ou retirada de exemplares da floresta. Além dos ganhos ambiental, científico e econômico desses dois projetos, há ganhos sociais: a população da região é diretamente beneficiada. O conhecimento adquirido com o projeto de plantas medicinais, tanto no que diz respeito à extração como no processamento da matéria-prima, está sendo repassado a comunidades quilombolas da região, populações formadas por descendentes de escravos. Na verdade, no caso das plantas medicinais, esse processo é um retorno, em forma de novos benefícios, das informações que esses moradores haviam, no início do projeto, repassado aos pesquisadores da Atlântica. O conhecimento tradicional das comunidades quilombolas sobre o uso
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Bromélia (Nidularíum sp.) nativa da Mata Atlântica: multiplicação comercial sem ameaças à espécie
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dessas plantas como remédio deu origem à escolha das espécies retiradas da mata. O trabalho dos pesquisadores foi dar garantias da regeneração natural das plantas dentro de um ciclo programado de extração. Para executar os projetos, a Atlântica contou com financiamento do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. O coordenador do projeto de plantas medicinais foi o engenheiro agrônomo Alexandre Mariot, que iniciou alguns trabalhos com a Atlântica há oito anos, quando fez um estágio de conclusão do curso de graduação realizado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Fundada em 1996, a Atlântica tem como principal atividade desenvolver tecnologia de manejo de espécies nativas da Mata Atlântica com uso sustentável. Um de seus clientes é o Grupo Agroindustrial Eldorado, para o qual a empresa presta consultoria em um trabalho de manejo de palmitosjuçara (Euterpe edulis) em 18 mil hectares da Fazenda Colônia Nova Trieste, no município de Eldorado, distante 259 quilômetros da capital paulista. Floresta preservada - Como a parceria entre a Atlântica e o grupo empresarial permite o desenvolvimento de pesquisas no local, o levantamento de campo das plantas medicinais escolhidas para serem estudadas no projeto foi feito em 2.500 hectares da área reservada para o manejo de palmito. A fazenda, que tem no total 30 mil hectares com cobertura florestal - correspondentes a 30 mil campos de futebol -, foi comprada na década de 1950 por uma siderúrgica do grupo como reserva de madeira, que seria queimada nos altos-fornos durante uma das etapas do processo de transformação do minério de ferro em aço. As novas técnicas utilizadas na produção de aço dispensaram a madeira e contribuíram para manter preservada a propriedade. A seleção das espécies começou com visitas aos moradores dos quilombos de Pedro Cubas, Nhungara, Ivaporunduva e São Pedro, localizados em Eldorado, pelo coordenador do projeto. Mariot perguntava quais plantas eram utilizadas, quais as áreas de ocorrência e com que finalidade eram usadas. O 68 ■ AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
Cana-do-brejo (Costus sp.): propriedades diuréticas
reconhecimento de cada uma delas foi feito em volta da casa dos moradores, que as cultivam, e nas áreas de florestas. O coordenador classifica seu trabalho como um resgate do conhecimento tradicional, porque a região concentra o maior número de comunidades remanescentes de quilombos do Estado de São Paulo. São 52, algumas já com direito à posse definitiva da terra. Com a abolição da escravatura, muitos escravos que trabalhavam na mineração, atividade predominante na região no século 18, permaneceram na área como lavradores. "As comunidades são importantes para a preservação da Mata Atlântica, porque são vizinhas das unidades de conservação", diz o engenheiro agrônomo Ronaldo José Ribeiro, um dos sócios da Atlântica. Os outros dois sócios são o também engenheiro agrônomo Joanir Odorizzi e o técnico agrícola Jefferson Viana do Nascimento. Durante as entrevistas, os moradores apontaram 137 espécies de plantas
- nativas e exóticas (não-originárias) da Mata Atlântica - utilizadas e, em alguns casos, comercializadas pelas comunidades. Dessas foram escolhidas inicialmente 14 para estudos. Os critérios de escolha tiveram como base as plantas que as comunidades usam há bastante tempo, as espécies conhecidas pelo mercado e aquelas cujos estudos farmacológicos sustentam os seus usos. A eficácia, a segurança de uso e o controle de qualidade de algumas plantas foram confirmadas e outras continuam em estudo, por meio de testes farmacológicos, toxicológicos e químicos realizados no Laboratório de Fitomedicamentos coordenado pelo professor Luiz Cláudio Di Stasi, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Botucatu, que atuou no projeto como consultor. Ele participa de estudos de plantas medicinais na região desde 1986. No decorrer da pesquisa, os estudos concentraram-se em oito plantas: pari-
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:3 Pata-de-vaca (Bauhinia forficata): caracterizada como medicinal
paroba (Piper cernuum), cana-do-brejo (Costus spimlis), jaguarandi {Pipergaudichaudianum), apepa-juan (Piper Ihotzkianum), embaúba (Cecropia pachystachya), espinheira-santa (Sorocea bomplandii), avenca {Adiantum sp.) e cipó-abuto (Cissampelos sp.). Essas plantas são usadas pelos quilombolas para tratar dor de dente (jaguarandi), dores estomacais (espinheira-santa), bronquite e resfriado (embaúba) e até como diurético (cana-do-brejo). Os pesquisadores também caracterizaram a distinção da pata-de-vaca verdadeira da falsa, porque uma tem valor medicinal (Bauhinia forficata) e a outra não (Bauhinia candicans). Outras plantas estudadas foram o guaco (Mikania glomerata), usado nas afecções respiratórias, e outra espécie de espinheira-santa (Maytenus ilicifolia), também para problemas estomacais.
Guaco (Mikania glomerata): tradição nas afecções respiratórias
Na fazenda do Grupo Eldorado foi realizado um levantamento para avaliar a quantidade e o potencial de exploração de cada espécie. Mesmo sendo uma propriedade particular, a pesquisa foi feita com autorização do Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais (DEPRN), vinculado à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo e responsável pelo licenciamento ambiental de espécies nativas. Autorização necessária para qualquer trabalho que tenha como objeto a vegetação nativa da Mata Atlântica no Estado de São Paulo. O estudo foi efetuado por amostragem no campo, onde são montadas parcelas (quadrados) na floresta para estimar a quantidade de plantas das espécies selecionadas que estarão disponíveis para exploração, de acordo com os critérios estabelecidos. Vários parâmetros da planta são avaliados, como diâmetro e altura, para verificar a dinâmica de crescimento e de reposição da
biomassa explorada (folhas, caule, raízes). O objetivo é determinar os ciclos de corte ideais para cada espécie e, com isso, estabelecer a melhor forma de exploração da área. Também foi feito um acompanhamento do comportamento ecológico das plantas na mata, identificando as fases de crescimento e como elas se multiplicam, além da relação delas com outras espécies. Um dos critérios adotados para a colheita da pariparoba, uma espécie arbustiva com vários ramos por planta, foi manter sempre os de maior diâmetro, porque eles possuem melhor capacidade de produção de sementes. Mariot afirma ser necessário conservar plantas reprodutivas na área que serão as responsáveis pelas futuras gerações a serem exploradas. É preciso também ter um ciclo definido de corte, para ser possível prever em quanto tempo e em que quantidade a floresta poderá repor o que foi retirado. "O manejo sustentado baseia-se no caráter cíclico da exploração", diz. PESOUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 69
O projeto criou também um padrão de qualidade para as plantas medicinais, que inclui uma unidade de beneficiamento e armazenagem. Nesse local é feita a secagem do material, de acordo com normas de processamento que garantam a qualidade do produto, como a padronização do material vegetal a ser dessecado e os cuidados básicos de higiene e manipulação da matériaprima. Antes de serem embaladas, as plantas primeiro passam por um processo de desidratação, que consiste em retirar a água dos tecidos vegetais. Isso garante a conservação do produto por um período de tempo maior, evitando a sua deterioração em razão do ataque de fungos e de bactérias.
A
lgumas plantas com maior teor de umidade passam por um processo de présecagem em um ambiente ventilado e protegido do sol antes de ir para o secador a gás, desenvolvido especialmente para essa etapa do processo. Depois de secas, elas são armazenadas em sacos fabricados com papel de cor parda, revestidos internamente com sacos plásticos de polietileno atóxico. A escolha da embalagem teve como objetivo proteger o produto da luz, responsável pela alteração da cor, do ataque de pragas e garantir o teor de umidade e de princípios ativos da matéria-prima. Com essas técnicas o tempo de armazenagem pode chegar a um ano. O conhecimento adquirido com o projeto, iniciado em 2001 e encerrado em fevereiro deste ano, vai beneficiar imediatamente quatro comunidades quilombolas (Ivaporunduva, São Pedro, Pedro Cubas e Sapatu). Juntas, elas possuem mais de 5 mil hectares de terras, dos quais mais de 4 mil ainda com floresta. Mariot foi contratado pelas comunidades para fazer planos de manejo de plantas medicinais, em um projeto financiado pelo Fundo da Biodiversidade (Funbio), associação civil sem fins lucrativos que opera a partir dos recursos doados pelo Fundo para o Meio Ambiente Global (GEF, do inglês Global Environmental Facility) sob a administração do Banco Mundial. A Atlântica também está fazendo parcerias com moradores da região para o manejo de plantas nas terras deles, ou em áreas arrendadas, dentro dos 70 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
padrões estabelecidos no projeto. Para colocá-las no mercado, ela tem procurado grandes revendedores de chá a granel e fabricantes de fitoterápicos. Biofábrica de flores - Dentro da mesma estratégia de trabalhar com desenvolvimento sustentável, a empresa também preparou, nos últimos três anos, um projeto de produção de bromélias, coordenado pelo agrônomo Lírio Luiz Dal Vesco. Como resultado desse projeto, a empresa montou uma biofábrica '
e já está colocando no mercado plantas cultivadas em laboratório a partir de matrizes coletadas na Mata Adântica com autorização do DEPRN. O grande número de espécies de bromélias, que chega a cerca de 2.500 no planeta, garante uma ampla diversidade de flores e formas dessas plantas ornamentais, embora o abacaxi tenha sido transformado no membro mais famoso da família botânica das bromeliáceas. Nas últimas décadas, o aumento da demanda, resultado da escolha de di-
OS PROJETOS Levantamento de Param etros Técnicos para o Manejo Sustentável de Espécies de Plantas 1 Cativas da Floresta Tropical Ath Intica com Potencial Medicina MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR ALEXANDRE MARIOT-Atlântica
INVESTIMENTO
R$ 148.185,00 (FAPESP)
Estudo de V 'iabilidade Técnica par 3 a Instalação de Biofábric a de Bromélias no Vale do Ribeira MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR LíRIO LUIZ DAL VESCO
-Atlântica
INVESTIMENTO
R$ 175.880,00 (FAPESP)
Mudas de bromélias em viveiro no laboratório da Atlântica, em Registro (ao lado). Flor de bromélia (Quesnelia sp.) comum na Mata Atlântica
versas espécies ornamentais para projetos paisagísticos, levou também à retirada ilegal de grandes quantidades de espécies nativas da Mata Atlântica. E motivou a empresa a implantar a biofábrica, porque na região não existe nenhum projeto de produção de bromélias de caráter comercial. Assim, depois da coleta na mata das plantas matrizes, elas são selecionadas e multiplicadas. Para fazer o processo de micropropagação das mudas de bromélias, os pesquisadores utilizam duas formas: pela extração de sementes ou por multiplicação por gemas, que são os brotos das plantas recém-nascidas, método mais utilizado pela Atlântica. Com luvas e bisturi, as gemas são extraídas e levadas para um ambiente totalmente esterilizado no laboratório, onde são colocadas em um meio de cultura com nutrientes. Quando os brotos começam a se desenvolver, é feita a separação por tamanho e as novas plantas seguem para um ambiente com temperatura, umidade e luminosidade controladas. Depois que atingem cerca de 7 centímetros de altura, são transferidas para
ambientes adequados com condições controladas e irrigação intermitente. Grande escala - Conforme vão crescendo, as bromélias são transferidas para vasos pequenos e para viveiros em ambiente externo. A partir daí as mudas estão prontas para serem vendidas a produtores, que somente as revendem ao consumidor final quando já estão floridas. Um dos clientes da empresa é a prefeitura de Ilha Comprida, que utiliza as bromélias em projetos de paisagismo. Para multiplicação em grande escala, as gemas são repicadas a cada dois meses, o que permite a proliferação de brotos múltiplos. "Com apenas uma muda é possível produzir outras 50 mil mudas", diz Dal Vesco, que deve finalizar o projeto neste mês de agosto. A importância das bromélias como plantas ornamentais não foi abalada nem durante as campanhas contra a dengue, em anos anteriores, quando foram associadas aos nascedouros do mosquito Aedes aegypti, principal difusor da doença. Dizia-se que as larvas se proliferavam na água da chuva acumulada entre as folhas da planta. Essa ligação está sendo agora rebatida pelos especia-
listas na fisiologia das bromélias com o argumento de que na base de suas folhas são liberadas enzimas que tornam a água não receptiva para o desenvolvimento das larvas. Esse líquido, portanto, torna-se uma fonte de nutrientes de "água suja", ao contrário da preferência do Aedes por água límpida. Isso não significa que as larvas do mosquito não proliferem nas bromélias, mas, segundo pesquisa realizada pela Comissão Executiva do Plano Municipal de Erradicação do Aedes, da cidade do Rio de Janeiro, esse tipo de depósito representa cerca de 10% dos focos ante 70% das larvas encontradas nos pratos que servem de suporte às plantas. A exploração da Mata Atlântica de forma racional, tanto com o manejo de plantas medicinais como de bromélias reproduzidas em laboratório, possibilita ao Vale do Ribeira utilizar seus recursos naturais sem devastar o ambiente. Mariot acredita que a manutenção do que sobrou dos remanescentes da Mata Atlântica do Brasil só será possível com o manejo sustentado de um conjunto de espécies. "O dono da terra pode obter renda da própria floresta e por isso terá interesse em mantê-la de pé." • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 71
ITECNOLOGIA PECUÁRIA
Rebanho de
fino trato Pesquisadores produzem bovinos mais precoces para o abate e para a reprodução YURI VASCONCELOS
O Brasil possui o maior rebanho bovino comercial do planeta, com cerca de 167 milhões de cabeças de gado, e é o país líder em exportação de carne. São posições de liderança que não demonstram exatamente uma excelência nesse setor. Apesar do sucesso, a produtividade do rebanho brasileiro ainda deixa a desejar. Enquanto nos Estados Unidos e países europeus o gado de corte já está pronto para o abate com menos de 2 anos de idade, no Brasil os animais são abatidos, em média, com 3,5 anos para atingir o peso exigido pelos frigoríficos [de 240 quilos (kg) a 330 kg]. São distorções como essa que levaram duas dezenas de pesquisadores de quatro instituições de pesquisa mergulharem de cabeça num projeto financiado pela FAPESP e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Depois de cinco anos, eles alcançaram alguns bons resultados, entre eles o abate de animais com 244 kg de peso de carcaça (esqueleto com a carne) em um ano e quatro meses e também conseguiram reduzir o tempo do início do primeiro parto das novilhas, de até 4 anos, para a média de 29 meses. São ganhos econômicos para a pecuária que ainda não estão totalmente mensurados. Os pesquisadores estão na fase de coleta e análise de dados. Outra contribuição é o software Ração de Lucro Máximo gerado a partir 72 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
de um modelo matemático desenvolvido pelos pesquisadores. Com ele, o produtor descreve o animal e entra com os dados dos alimentos. A partir daí, o programa dá orientações sobre a dieta ideal para a produção de um bovino com as características desejadas. Cerca de 300 criadores, empresas agropecuárias e fábricas de rações já utilizam o programa. Ciclo completo - "Fizemos um amplo projeto de produção animal, que envolve melhoramento genético, reprodução, nutrição, sanidade, pastagem e genética molecular", afirma o coordenador do projeto, o engenheiro agrônomo Maurício Mello de Alencar, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, sediada na Fazenda Canchim, no município de São Carlos, em São Paulo. "Vários pesquisadores brasileiros já haviam trata-
do dessa questão, mas normalmente em trabalhos que focavam fases isoladas do sistema de produção. A novidade desse projeto é que ele procura avaliar o ciclo completo de vida do gado, do momento do nascimento até quando ele está pronto para o abate." Os pesquisadores avaliaram animais de diferentes grupos genéticos nascidos do cruzamento de vacas da raça nelore com touros da mesma raça e de outras como canchim, angus e simental. O nelore é um zebuíno (Bos taurus indicus) de origem asiática que domina a pecuária nacional. Estima-se que mais de 80% do rebanho brasileiro seja constituído de animais desta raça e mestiços surgidos a partir dela. Canchim, por sua vez, é uma raça criada no Brasil a partir de zebuínos nelore, indubrasil e guzerá, com touros da raça charolesa, de origem européia (Bos taurus taurus).
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Fazenda Canchim da Embrapa, em São Carlos: cruzamento de raças européias e zebuínas
Ela foi criada no início dos anos 1950 e tem como característica a precocidade de ganho de peso dos novilhos. O angus e o simental também são animais de origem européia. rocuramos utilizar raças que representam tipos biológicos distintos para produzir animais diferentes e, a partir daí, poder estudar a fundo suas características", afirma Alencar. No total, foram usadas no experimento 600 vacas nelores. Com os cruzamentos, feitos por inseminação artificial ou monta natural, procurou-se unir as melhores características das raças zebuínas, conhecidas por sua rusticidade e por se adaptarem facilmente às condições de clima e pastagem do Brasil, e as européias, que sob condições favoráveis de ambiente - cli-
ma ameno, baixa infestação parasitária e boa nutrição - são mais produtivas. Os pesquisadores também decidiram experimentar modos de criação e de alimentação (manejos) diferenciados. Ao invés de adotarem o sistema extensivo de produção, com pequeno número de animais no pasto (média de uma vaca ou boi adultos por hectare), eles optaram pelo regime intensivo, com lotação de cinco cabeças por hectare. Na pecuária extensiva, a mais utilizada no Brasil, os animais ficam no pasto alimentado-se de plantas forrageiras, principalmente das chamadas braquiárias. Trata-se de um sistema que não sofre manejo, adubação ou correção adequados de solo. "Cerca de 40% a 50% dessas pastagens apresentam algum nível de degradação", diz o agrônomo Luciano de Almeida Corrêa, da equipe de pesquisadores da Embrapa.
Para suportar um número mais elevado de animais no pasto, os pesquisadores precisaram fazer adubação e correção do solo e utilizaram outras espécies forrageiras para a alimentação do gado, como o capim-tanzânia e o capim-braquiarão. "Essas forrageiras apresentaram bons resultados no desempenho animal e na quantidade de animais por área. Dependendo da fertilidade do solo e do nível de adubação, conseguimos colocar até dez animais por hectare durante o período das chuvas", conta Corrêa. No período da seca, como a produção de forragem é cerca de 10% a 20% da produção total anual, é feita a suplementação a pasto com silagem de capim. Para aproveitar melhor a forragem produzida, os pesquisadores também empregaram um sistema de pastejo rotacionado. A pastagem é dividida em áreas menores, PES0UISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 73
chamadas de piquetes, fazendo-se a mudança periódica dos animais entre essas marcações. Esse sistema mostrouse mais indicado porque garante, principalmente sob adubação intensiva, maior uniformidade e maior eficiência de pastejo do que o sistema contínuo. Além disso, o pastejo rotacionado impediu que o solo fosse compactado com o intenso pisoteio dos animais. "A compactação é eliminada pela adubação e pelo descanso do pasto por cerca de 30 dias", conta Odo Primavesi, especialista em solos e em nutrição de plantas da Embrapa Pecuária Sudeste. Para conferir se o manejo diferenciado estava resultando num animal com melhores características de produção, os pesquisadores avaliaram a taxa de crescimento e a composição corporal dos quatro grupos genéticos (nelore, e os cruzamentos canchim-nelore, angus-nelore e simental-nelore). Para isso, foram feitos estudos de conversão alimentar, que é a relação da quantidade de alimento ingerido pelo animal por quilograma de ganho de peso. A composição desse crescimento foi determinada ao longo da vida do bovino. Essa análise é importante porque a composição do peso - quanto o animal ganha em músculo ou gordura - define as exigências nutricionais do rebanho. "Com essas informações, orientamos os criadores e os fabricantes de rações sobre a composição do alimento que o rebanho precisa receber", explica o engenheiro agrônomo, especializado em bioquímica nutricional, Dante Pazzanese, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Para chegar aos resultados, foram abatidos mais de 300 animais. Todos os seus tecidos (gordura, músculos etc.) foram analisados. Como os animais foram estudados em diferentes idades, foi possível fazer as curvas de crescimento para cada tecido corporal e a proporção deles no animal em cada idade ou peso. "Estabelecemos um rico conjunto de dados para determinar qual grupo genético é melhor para deposição de gordura ou de músculo e, ao mesmo tempo, geramos informações preciosas sobre a dieta alimentar de cada grupo genético", afirma Pazzanese. Os animais resultantes de cruzamentos com a raça 74 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
Nelore: 600 vacas foram usadas nos experimentos: procriação antecipada
angus apresentaram as maiores taxas de ganho e maior precocidade na deposição de gordura. Outro aspecto interessante é que os animais cruzados com angus depositaram gordura intramuscular (marmoreio) mais cedo, sendo que esta carne marmorizada é a que alcança os maiores preços no mercado internacional. O experimento também mostrou-se útil para os exportadores de carne, uma vez que podem produzir um animal com as características de composição corpórea exigidas por cada país - os japoneses gostam de uma carne extremamente gorda, enquanto os americanos preferem uma carne considerada pelos nossos padrões como gorda e os europeus, uma carne mais magra. "Com os nossos estudos, definimos o peso de abate para cada cruzamento avaliado conforme o mercado para o qual ele se destina. Com isso, os exportadores de carne podem tecer estratégias para atender aos diferentes países compradores", diz Pazzanese. Eficiência reprodutiva - Um dos subprojetos da pesquisa refere-se à eficiência reprodutiva das vacas. No Brasil, o início da procriação é inferior à dos animais criados em países com pecuária mais desenvolvida. O objetivo dos pesquisadores, então, foi antecipar a entrada das novilhas na puberdade, a
idade do primeiro parto, e reduzir o intervalo entre a primeira e a segunda cria. "Na pecuária de corte, a eficiência da produção está ligada à eficiência reprodutiva", explica o agrônomo Armando de Andrade Rodrigues, responsável por esse subprojeto. Segundo o pesquisador da Embrapa, as vacas nelores no Brasil têm o primeiro parto, em média, aos 4 anos de idade, período considerado muito tardio. "Nos Estados Unidos e na Europa, as vacas dão a primeira cria por volta dos 2 anos", diz. "As duas principais variáveis que determinam a entrada da novilha na puberdade são idade e peso. A alimentação, portanto, tem um papel muito importante na redução do início da idade reprodutiva", diz o pesquisador. "Verificamos que as fêmeas nascidas de cruzamentos de vacas nelore com touros de outras raças são mais precoces do que as nelores puras. Enquanto essas tiveram, na média, o primeiro cio aos 16,5 meses, as cruzadas de canchim e nelore atingiram a idade reprodutiva aos 14,5 meses, as filhas de simental e nelore, aos 13,4 meses, e as de angus e nelore, aos 12,3 meses", conta Rodrigues. Todos os animais receberam o mesmo regime alimentar. No período das chuvas, foram mantidos em sistemas de pastagem rotacional e adubada com forrageiras chamadas de capim-coastcross
finar os bezerros e dar alimentação no cocho ou fornecer uma pequena suplementação no próprio pasto. No caso dos animais que foram direto para o confinamento, a média dos quatro grupos genéticos foi de 15,6 arrobas (234 kg) aos 13 meses. Entre os que foram mantidos no pasto, 16,7 arrobas (250,5) aos 20 meses. "Em todas as situações, a melhora da idade de abate é evidente."
Novilhos ganharam peso mais rápido com alimentação e pastagem controladas
{Cynodon dactylon) e na época da seca os animais foram suplementados com cana-de-açúcar e uréia. Outro aspecto avaliado pelos pesquisadores foi a idade do primeiro parto. Nesse quesito, observou-se que as vacas nascidas a partir do cruzamento de angus com nelore e simental com nelore foram as mais precoces. Elas deram cria, em média, aos 29 meses. Os animais canchim-nelore tiveram o primeiro parto aos 32 meses e os nelores puros com quase 37 meses. Os oito meses de diferença entre o nascimento da primeira cria dos animais cruzados e dos nelores puros representam um ganho considerável na eficiência repro0 PROJETO Estratégias de Cruzamentos, Práticas de Manejo e Biotécnicas para Intensificação Sustentada da Produção de Carne Bovina MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR MAURíCIO MELLO DE ALENCAR
Embrapa Pecuária Sudeste INVESTIMENTO R$ 433.333,20 (FAPESP)
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dutiva e, ao mesmo tempo, uma substancial redução nos gastos do criador com o rebanho. Estudo semelhante ao realizado com as fêmeas foi feito com os machos. Nesse caso, o que se buscou foram alternativas para produzir, mais cedo, carne de qualidade a partir de bovinos jovens. "Para reduzir a idade de abate no Brasil, é fundamental melhorar a nutrição dos animais, seja por meio da qualidade da pastagem, seja do alimento fornecido no cocho nos meses de seca", explica o pesquisador Geraldo Maria da Cruz, da Embrapa, especialista em nutrição animal. O padrão médio de abate de bovinos no país é de 3,5 anos (cerca de 42 meses) e 17 arrobas (255 kg) - os frigoríficos exigem de 16 a 22 arrobas (de 240 a 330 kg). "No nosso projeto houve uma melhora muito grande em relação à média nacional", conta Cruz. Os bois nelores puros atingiram 16,3 arrobas (244,5 kg) aos 16 meses e os canchins-nelores chegaram a 19,3 arrobas (289 kg) com 16 meses. Já os angus-nelores estavam pesando 20 arrobas (300 kg) aos 15 meses e os simentais-nelores, 21 arrobas (315 kg) aos 16 meses. Os pesquisadores também avaliaram duas alternativas de manejo: con-
Genética molecular - O projeto também incluiu pesquisas genéticas com os animais dos quatro grupos. "Fizemos estudos de DNA dos animais usados como reprodutores para tentar identificar quais gerariam filhotes heteróticos ou mais heteróticos para as características desejadas", afirmou a médica veterinária Luciana Correia de Almeida Regitano, da Embrapa. Filhotes heteróticos são aqueles que têm peso de abate, ganho diário de peso, início da idade reprodutiva ou peso ao desmame superiores às médias dos pais. Nesse estudo foram analisados dez marcadores moleculares de cerca de 730 animais. "Trabalhamos com um número restrito de animais e marcadores moleculares, mas obtivemos bons indicativos de que existe uma relação direta entre a distância genética dos pais e a heterose dos bezerros", afirma a pesquisadora. Assim, quanto mais diferentes forem os perfis genéticos da vaca e do touro (como diferenças raciais e de linhagens), maior é a probabilidade os bezerros terem melhor desempenho do que os pais. Além de todos esses resultados, o projeto foi importante na difusão de tecnologias e na formação de recursos humanos. Durante os quatro anos de atividade, mais de uma centena de estudantes de cursos médios e universitários, ligados às áreas biológicas e de ciências agrárias, realizaram estágios nos vários experimentos desenvolvidos na pesquisa. Foram também realizados dias de campo e palestras para produtores. O projeto contou ainda com os pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal e do Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo de Nova Odessa e de Sertãozinho, da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo de Pirassununga e a colaboração da Prefeitura Municipal de São Carlos. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 75
TECNOLOGIA
Transfusão mais segura Equipamento garante sangue de melhor qualidade para pacientes imunodeficientes
m equipamento desenvolvido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo é capaz de assegurar a qualidade do sangue usado nas transfusões para pessoas imunodeficientes, que podem apresentar incompatibilidade com as células de defesa imunológica do doador. O equipamento é resultado do estudo de pósdoutoramento do biofísico Evamberto Garcia de Góes, com orientação do professor Dimas Tadeu Covas. O protótipo que está instalado na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (FHRP) protege o sangue da temperatura ambiente (ele precisa ficar sob refrigeração) e promove uma melhor exposição do produto quando acoplado aos aparelhos que fazem a irradiação de raios gama ou X. Atualmente o procedimento ideal é o uso dos irradiadores específicos, criados para esse fim, que utilizam fontes de césio 137 para produzir os raios gama. Ocorre que eles custam mais de US$ 100 mil. Como a maioria dos bancos de sangue não pode adquirir o aparelho, a irradiação é feita em equipamentos de cobaltoterapia, que usam cobalto 60 para emitir raios gama, ou em aceleradores lineares, que emitem raios X ambos planejados, originariamente, pa76 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
ra irradiar pacientes com câncer. "O problema é que nos dois casos a irradiação leva de 30 minutos a duas horas para ser concluída e, nesse período, o sangue fica exposto à temperatura ambiente, o que pode comprometer sua qualidade", explica Góes, desde 2001 professor do Centro Universitário Franciscano, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. "A função principal do nosso protótipo é permitir a utilização dos dois equipamentos com a mesma eficiência do irradiador específico, mas livre da exposição à temperatura ambiente. Tudo isso com um custo de R$ 10 mil (valor financiado pela FHRP)", diz o pesquisador. O protótipo desenvolvido por Góes é um vasilhame térmico com dois compartimentos: um para bolsas de plaquetas, com temperatura de 22°C, e outro para hemácias, com temperatura entre 2°C e 4°C. Um motor acionado por computador faz com que o vasilhame gire em frente ao feixe de radiação, permitindo a distribuição uniforme dos raios e garantindo doses adequadas para cada bolsa. Isso é importante, segundo Evamberto, porque tanto as doses insuficientes como as excessivas podem comprometer a eficiência do processo. O giro também se destina a manter os derivados do sangue em agitação,
condição indispensável às plaquetas. "Fizemos uma série de estudos físicos e biológicos para encontrar uma freqüência de rotação para o vasilhame que fosse capaz de homogeneizar as doses de radiação nas bolsas de sangue e oferecer um grau de agitação ideal para as plaquetas sem comprometer a qualidade das hemácias", diz o professor Góes. "A irradiação do sangue é necessária para evitar uma reação rara, mas fatal, conhecida como doença enxertoversus-hospedeiro associada à transfusão (DEVH-AT), que ocorre em pacientes com deficiência imunológica, como é o caso das pessoas que receberam transplantes ou que têm algum tipo de leucemia", diz Góes. Os agentes da reação são os linfócitos T, que atuam na defesa orgânica. Quando essas células, presentes no sangue do doador, identificam uma eventual incompatibilidade com o sangue do paciente, começam a se multiplicar e a atacar de maneira direta ou indireta alguns sistemas no organismo do receptor. Em poucos dias, elas provocam necrose dos tecidos e falência da medula. Em pacientes com defesa orgânica normal, um eventual ataque seria neutralizado pela ação eficiente do seu sistema imunológico, mas isso não ocorre com os pacientes imunodeficientes", explica Góes. O professor esclarece que o tipo de incompatibilidade que desencadeia o ataque não decorre das diferenças de tipo sangüíneo ou de fator RH, mas sim por disparidade gênica associada ao sistema de histocompatibilidade (capacidade genética de um tecido ou de um órgão ser aceito por um receptor). Quebra da molécula - A DEVH-AT pode ser devastadora porque não responde a nenhum tipo de tratamento e é fatal na maioria dos casos. A irradiação, segundo Góes, é a forma mais segura de evitar a doença porque ela quebra a molécula de DNA do linfócito T, impedindo a sua divisão e eliminando sua capacidade de proliferar-se no organismo do paciente. O ideal, segundo Góes, é que o sangue a ser utilizado em pacientes com deficiência imunológica não tivesse uma só dessas células em condição de montar uma resposta imunológica contra o paciente. Mas, de acordo com a literatura
médica atual, considera-se seguro o sangue que possui até 10 mil linfócitos T viáveis por cada quilo do paciente. Se o doente pesa 70 quilos, por exemplo, só pode haver 700 mil linfócitos T no volume total de sangue que ele vai receber.
econômica e de produção. Caso decida produzir o equipamento, pretende colocá-lo no mercado no prazo de seis meses a um ano. Segundo Rocha, as análises devem ser concluídas nos próximos meses e tudo indica que a emrelho. "Nós temos todo interesse em
m sua pesquisa de doutorado, realizada no Instituto Alberto Luiz de Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), antes do desenvolvimento do protótipo, Góes, Covas e a bióloga Maristela Delgado Orellano implementaram uma técnica na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto que permite a identificação de uma célula T viável em um universo de 1 milhão de células, aumentando significativamente a segurança do paciente. É essa técnica que também faz parte da metodologia usada no protótipo desenvolvido no projeto de pós-doutorado. A importância de melhorar a qualidade da irradiação do sangue em equipamentos não específicos para esse fim, segundo Góes, é a comprovação, por meio de pesquisas, de que a maioria das instituições brasileiras irradia o sangue em equipamentos de radioterapia. No Brasil, um levantamento feito pelo próprio Góes e por José Carlos Borges, da UFRJ, seu orientador de doutorado, em 1996, mostrou que apenas 10% dos bancos de sangue do país possuíam o irradiador específico. A situação não é tão diferente nos Estados Unidos, onde, segundo artigo publicado na revista Blood, em 1991, uma pesquisa feita com 99 hemocentros, 397 bancos de sangue de hospitais e 948 serviços de transfusão indicou que 87,7% dessas instituições não dispunham de facilidades no local para irradiar sangue por meio do uso do irradiador específico e usavam, como as brasileiras, equipamentos de radioterapia. O protótipo desenvolvido por Góes atraiu o interesse da MGM Indústria e Comércio de Equipamentos Médicos, de Ribeirão Preto. Segundo o diretor comercial da empresa, Marcos Rocha, sua equipe já constatou a viabilidade técnica do aparelho. A MGM analisa agora a adequação do protótipo às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sua viabilidade
vido na universidade", diz ele, lembrando que a tradição da MGM é produzir equipamentos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros. A empresa entrou no mercado há dez anos lançando um colposcópio de baixo custo de colo de útero.
ITECNOLOGIA ENGENHARIA ELÉTRICA
Casa sob
controle Empresa de São Carlos desenvolve equipamento de baixo custo para automação predial
SAMUEL ANTENOR
A automação das funções de uma casa g^L está sempre nas imagens de moderni^^A dade e de futuro que fazemos do È % nosso cotidiano. Embora a tecnolo^L -^L. gia nessa área já possibilite a concretização de muitas funções de automação em residências, ambientes industriais e escritórios, os sistemas ainda são, muitas vezes, impeditivos devido ao alto custo. Esse problema começa a ser reduzido no Brasil com uma novidade desenvolvida pela Sensis Equipamentos Eletrônicos, de São Carlos, em São Paulo. A empresa disponibilizou no mercado um sistema digital que permite, entre outras funções, acender, apagar e controlar a intensidade das luzes, abrir e fechar portas e cortinas, acionar motores, aquecedores e aparelhos de ar condicionado a um custo de apenas 30% dos equipamentos similares importados. A chave da redução de preço e da economia do sistema da Sensis está em módulos com linguagem digital, criados para permitir a utilização de um microprocessador central de baixo custo. Esse microprocessador efetua a comunicação entre os teclados de comando e os módulos de execução, ligados por meio de um cabo usado em redes de computadores. O novo sistema pode ser utilizado tanto em residências quanto em edifícios comerciais porque tem capacidade de incorporação de até 30 mó78 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
dulos e 90 teclados, além de controles remotos e sensores de presença. Esses sensores são acionados quando uma pessoa entra ou se movimenta no ambiente, ligando a iluminação automaticamente e desligando após um intervalo de tempo programado. No caso das lâmpadas incandescentes, halógenas e fluorescentes, existe ainda a possibilidade de regular a intensidade da luz, deixando o ambiente mais ou menos iluminado, conforme o gosto do usuário ou da necessidade do trabalho ou do bem-estar. Para que as funções sejam acionadas em horários previamente determinados, tudo pode ser programado utilizando-se um temporizador. A tecnologia de automação predial realizada pela Sensis, de acordo com João Jorge de Faria Gomes, sócio da empresa, já existe no exterior, mas foi desenvolvida no Brasil seguindo as especificidades do mercado local. "A inovação está nas características do circuito e nas informações digitais processadas e armazenadas nos microprocessadores. Além disso, o equipamento e todo o sistema de automação empregam componentes disponíveis no mercado, o que diminui seu custo de fabricação. Essa combinação é o grande diferencial do nosso sistema", diz. O primeiro dos equipamentos com essa tecnologia a chegar ao mercado foi o Scenario SDM-8 para a automação predial com o aciona-
mm
Sistema acende, apaga e controla a intensidade da luz com hora marcada por meio de um temporizador
mento de lâmpadas, persianas, portas, portões etc. O projeto desse equipamento recebeu financiamento da FAPESP por meio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e foi coordenado pelo analista de sistemas Luiz André Melara de Campos Bicudo, que também é sócio da empresa. Ele explica que a tecnologia por fio de rede foi adotada por ser a de maior confiabilidade e permitir uma troca efetiva entre os componentes do sistema. "Ao se apertar um botão no teclado do quarto para apagar uma luz na sala, por exemplo, recebe-se na hora um retorno visual com um sinal luminoso no próprio teclado. A diferença é que desenvolvemos um protocolo específico para a utilização de processadores de baixo custo", afirma.
Integração e segurança - Além do conforto e da praticidade, outra vantagem apontada por Bicudo é que o equipamento também pode ser facilmente integrado a sistemas de segurança e centrais de alarmes, porque todos os circuitos podem ser programados e acionados ao mesmo tempo. Para garantir os
direitos sobre o invento, a empresa fez o depósito da patente do equipamento no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), incluindo o módulo e o protocolo do sistema. Para industrializar o produto, a empresa terceirizou a fabricação de itens plásticos e metálicos, optando por fazer apenas a montagem dos componentes eletrônicos e os testes finais. "A Sensis é uma pequena empresa com apenas oito funcionários, cinco deles diretamente 0 PROJETO Pesquisa e Desenvolvimento de Rede Digital de Baixo Custo para Automação Predial MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR
Luiz ANDRé MELARA DE CAMPOS BICUDO - Sensis INVESTIMENTO
R$ 84.440,00 eUS$ 7.000,00 (FAPESP)
ligados à produção do equipamento, que chega a 40 módulos mensais. Para viabilizar a comercialização, temos representantes em todas as regiões do país e, por enquanto, não há intenção de exportá-lo porque seria necessária uma adequação às especificidades de cada mercado", finaliza Gomes. Desde o ano passado foram comercializadas cerca de 300 unidades do sistema, vendidas a empresas localizadas em 14 estados brasileiros. Os pesquisadores da Sensis iniciaram suas atividades no Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Escola de Engenharia Mecânica da Universidade de São Paulo, em São Carlos. De 1995 a 2001, a empresa esteve hospedada no Parque de Alta Tecnologia (Parqtec). Atualmente trabalha com automação industrial e residencial, além de produzir um torno para utilização no ensino, em universidades e escolas técnicas, menor e mais barato que os equipamentos industriais. A função dele é demonstrar uma programação com Comando Numérico Computadorizado (CNC), técnica usada para repetir a fabricação de uma peça metálica idêntica ao molde. • PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 79
HUMANIDADES PRODUÇÃO
Bula do
crescimento Estudo indica que indústria ainda é fonte de expansão da economia paulista CLAUDIA IZIQUE
Políticas de estímulo à indústria da construção civil são historicamente invocadas como uma fórmula infalível de geração de empregos. Também é recorrente a idéia de que o apoio à pequena empresa, sobretudo as prestadoras de serviços - consideradas por alguns analistas como celeiro da mão-de-obra excedente da indústria -, tem efeito positivo sobre as taxas de desemprego. Essas estratégias de intervenção, no entanto, podem estar perdendo eficácia. As primeiras informações da Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) 2001, realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) com o apoio da FAPESP, indicam que a indústria ainda é o pólo dinâmico da expansão da economia paulista. E que o mercado de trabalho no setor de serviços cresce sim, mas nas grandes empresas do setor. As pequenas empregam menos e geram pouco valor. Esse novo cenário, que emerge da comparação com a pesquisa realizada em 1996, também apoiada pela FAPESP, sugere que a aposta na construção civil pode não produzir os efeitos desejados sobre o desemprego e que as políticas públicas voltadas para pequenas empresas de serviço talvez tivessem mais efeito se, em vez do emprego, focassem a competitividade do negócio. A favor dessas hipóteses existem as informações da Paep: apesar de crescer em número de empresas - em geral, de pequeno porte - e em valor adicionado, a indústria da construção reduziu o número de empregos no período de 407 mil para 378 mil. "Os dados demonstram que, mesmo que fosse possível dobrar o emprego na construção civil - que responde por 5% do número da força de trabalho -, o número total de vagas não chegaria a um terço das oferecidas pela indústria", afirma Miguel Matteo, chefe da divisão de estudos econômicos da Fundação Seade. O crescimento do setor, ele constata, deveu-se principalmente à privatização das empresas estatais de energia, gás e água, que são classificadas na indústria da construção. E, considerando os requisi82 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
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tos de contratação registrados pela pesquisa, o aumento do emprego na construção civil poderia ser alternativa de colocação para trabalhadores de nível baixo de escolaridade, com ensino fundamental incompleto. A Paep reconhece que a oferta /% de emprego no setor de serL^^L viços é significativa: responÈ % de por 46,29% do pessoal ^L ^^w ocupado. Mas as contratações crescem nas empresas constituídas para atender a nova demanda da estrutura produtiva e entre as prestadoras de serviços de educação e saúde, que, na maior parte das vezes, têm mais de cem empregados."A pequena empresa emprega pouco, adiciona pouco valor e tem menor competitividade", constata Matteo. Celeiro de dados - A Paep contém informações estratégicas para pautar políticas públicas, subsidiar pesquisas de desenvolvimento econômico, análises regionais e avaliações de desempenho setorial, apenas para citar alguns exemplos. Os dados foram coletados entre julho de 2002 e junho de 2003 em 36.615 empresas dos diversos setores - que, expandidos, representam um universo de 794.283 - por um batalhão de mais de 1.500 entrevistadores treinados pela equipe técnica da Fundação Seade. Compõem uma radiografia completa da atividade econômica paulista, com informações sobre pessoal ocupado, valor adicionado, custos, salários, investimentos, inovação tecnológica, terceirização, distribuição espacial das atividades, inserção na cadeia produtiva, entre outros, explica Vagner de Carvalho Bessa, chefe da divisão de produtos da Fundação Seade. Os resultados permitem diversos padrões de análise e podem ser comparados com as informações coletadas pela Paep 1996, o que possibilita observar a evolução e as tendências da estrutura produtiva no estado. As informações também podem ser cotejadas com a pesquisa anual da indústria, comércio e serviços e a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), ambas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Todos os dados coletados - divididos em três blocos temáticos: mensuração econômica, reestruturação pro84 ■ AGOSTO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 102
dutiva e dinâmica territorial - estão à disposição dos pesquisadores. "Podem ser consultados por meio da Internet ou na própria Fundação Seade, onde temos instalada uma sala de acesso aos microdados. Os interessados fazem a pesquisa que quiserem e podem até solicitar a produção de tabelas específicas" diz Bessa. As Paeps 1996 e 2001 contaram com o apoio da FAPESP, na forma de projetos temáticos, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Educação (MEC), das secretarias de Estado de Economia e Planejamento e da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo. Efeitos do "apagão" - Entre 1996 e 2001 não foram registradas diferenças significativas do ponto de vista da distribuição regional da indústria paulista. Ou seja: a atividade produtiva se man-
teve concentrada na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e nas principais regiões administrativas em seu entorno: Santos, Campinas, São José dos Campos e Sorocaba. O que se altera, no período, é a distribuição da indústria no interior dessa mancha industrial, com redução da participação da RMSP e de Sorocaba (veja quadro abaixo). Comparando-se os dados da Paep 1996, um ano bom para a economia, com os de 2001, o ano do "apagão", ficam evidentes os efeitos da retração sobre a indústria, principalmente na RMSP. No período a sua participação no valor adicionado das empresas industriais do estado caiu de 60,4% para 52,6%. "Todas as empresas que dependiam do consumidor interno sofreram redução: confecção, móveis, indústria gráfica, automobilística, entre outras", analisa Matteo. Como a indústria da RMSP é fortemente integrada, a quebra no ritmo da
Participação do valor adicionado das empresas industriais Regiões administrativas do Estado de São Paulo 19% - 2001
Participação em% ^
Total (___
1996
2001
100,0
Metropolitana de São Paulo
60,4
100,0 52 6
Município de São Paulo
33,1
28,8
Municípios do ABC Demais municípios da RMSP
13,8 13,5
11,5 12,3
16,1 6,5 5,2 2,2
19,6 11,0
Campinas São José dos Campos Sorocaba Ribeirão Preto Santos Central Bauru São José do Rio Preto Barretos Franca Araçatuba Marília Presidente Prudente Registro
<
2,1 1,9 1,4 1,0 0,8 0,6 0,6 0,6 0,4 0,2
Fonte: Fundação Seade. Pesquisa da Atividade Econômica Paulista - Paep 2001
4,1 2,1 2,8 1,8 1,6 1,0 0,7 0,8 0,6 0,9 0,4 0,1
D
atividade comprometeu toda a cadeia produtiva, e com igual força. "O primeiro setor a ser afetado foi o de máquinas e equipamentos, o mesmo que agora dá sinais de recuperação, o que pode estar sinalizando uma recuperação da indústria como um todo", observa. Essa integração revela, atualmente, o seu lado positivo. "Quando a economia retoma o ritmo de atividade, a região responde. Em 2004 a indústria pode ter um novo salto, desde que cresçam a renda da população e as vendas internas", prevê Matteo. A retração também teve impacã^L to no emprego: o total de pes^^^ soai ocupado na indústria Ê M diminuiu de 2,18 milhões, -X. Xem 1996, para 1,92 milhão, em 2001. Mas o setor não reduziu o papel estrutural que tem no conjunto das atividades do estado: em 2001, a in-
dústria era responsável por 26,85% do pessoal ocupado e por 52,17% do valor adicionado gerado no conjunto da economia. E, apesar da preponderância das empresas de pequeno porte, quase dois terços do pessoal ocupado trabalhavam em indústrias com mais de cem empregados. A maior contribuição no que se refere ao valor adicionado é das indústrias com mais de 500 funcionários. "Apesar da queda no ritmo da atividade, a indústria consolidou a sua modernização no período", observa Bessa. Diferentemente das indústrias da RMSP, as demais, com produção voltada para o mercado externo, tiveram um desempenho estável no período. Foi o caso da indústria de alimentos, cuja participação foi mantida pelas exportações de açúcar e laranja, e das metalúrgicas, pelas vendas de aço. As exportações contribuiriam para melhorar a participação de regiões no
conjunto do estado. O valor adicionado das indústrias de São José dos Campos, por exemplo, saltou de 6,5% para 11%, impulsionado pela Embraer, que, no período, consolidou sua presença no mercado internacional, e pelos resultados das vendas externas das metalúrgicas de Pindamonhangaba e Taubaté. "É preciso levar em conta também a desvalorização do real, em 1999, que permitiu que as exportações crescessem em função da liberação do câmbio", acrescenta Matteo. Alguns setores da indústria paulista também não foram afetados pela retração, no caso, por causa do reajuste de preços de seu produto no período, como a indústria química e de petróleo e álcool. Essa vantagem de mercado foi fundamental para o crescimento registrado em regiões como a de Campinas, cuja participação no valor agregado do estado cresceu de 16,1% para 19,6%, entre 1996 e 2001.
Composição do setor da indústria no valor adicionado - Estado de São Paulo 1996 - 2001 Reciclagem Fumo Indústria extrativa Máq. escrit. e equip. informática Madeira Couro e calçados Equip. médicos, óticos, de automação e precisão Vestuário e acessórios Móveis e indústrias diversas Minerais não-metálícos Têxtil Material eletrônico e equip. comunicação Outros equip. de transporte Produtos de metal (exclusive máq. e equip.) Papel e celulose Borracha e plástico Edição, impressão, gravações Materiais elétricos Metalurgia básica Máquinas e equipamentos Refino de petróleo e álcool Automobilística Alimentos e bebidas Produtos químicos
I
I 1 |
0,00 Fonte: Fundação Seade, Pesquisa da Atividade Econômica Paulista - Paep 2001
2,00
4,00
6,00
■■1996
8,00
10,00
■■2001
12,00
14,00
16,00
18,00
Participação (%)
PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 85
A expansão dos serviços - A Paep 2001 também revelou uma notável participação dos serviços no emprego. O setor responde por quase a metade do pessoal ocupado no conjunto da economia (46,29%) e registra valor adicionado significativo de 38,86%. É, no entanto, extremamente heterogêneo e concentrado: mais da metade dos serviços está na capital, onde se destaca a prestação de serviços diretamente ligados à demanda das empresas, como os de telecomunicações, informática, propaganda, contabilidade, entre outros. Os segmentos mais importantes cresceram junto com o processo de terceirização implementado pela indústria e cumprem papel crucial na gestão da atividade empresarial. Os serviços auxiliares às empresas e os serviços técnicos, por exemplo, já representam, juntos, cerca de 27% do emprego e do valor adicionado gerado pelas atividades de serviços em todo o estado. "É interessante observar que o valor adicionado que antes era medido numa indústria passa à empresa terceirizada", afirma Matteo. Entre os serviços também se destacam os setores de educação formal e não-formal e de saúde, que, juntos, respondem por 21,6% do emprego e 18,3% do valor adicionado. "Se fizermos um ranking das 30 maiores empresas de São Paulo teríamos que incluir as três universidades estaduais - Universi-
dade de São Paulo (USP), Universidade de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) - e o Hospital das Clínicas", diz Bessa, lembrando que o valor adicionado das universidades é, basicamente, o pagamento de salário. "Elas têm a mesma dimensão - em termos de valor adicionado - das empresas de comunicação e de energia elétrica, pelo fato de serem intensivas de inovação e conhecimento, o que implica receitas altas e consumo intermediário relativamente baixo." Ao contrário dos serviços associados à empresa e os de educação e saúde, as atividades que atendem à demanda das famílias, como lazer, cultura, alojamento e alimentação, apesar de registrarem participação expressiva no número de ocupações - 17,6% -, pouco contribuíram para o valor gerado no setor: 8%. A atual estruturação dos serviços, na avaliação de Matteo, se assemelha à da indústria e se distancia cada vez mais do modelo do comércio. "Não dá mais para delimitar com clareza onde acaba a indústria e onde começa o serviço", ele afirma. Retração no comércio - A exemplo da indústria, o comércio também perdeu postos de trabalho: 2,07 milhões de empregados contabilizados em 1996, ante 1,92 milhão em 2001. Essa queda deve ser atribuída à retração da atividade
econômica, redução da renda e elevação da taxa de juros, fatores que incidiram negativamente sobre o desempenho do setor. Um bom exemplo disso é o comércio de alimentos em pequenos estabelecimentos, cuja participação no valor adicionado do setor caiu de 7,7% para 2,0%. Além da conjuntura difícil, tiveram de enfrentar a concorrência acirrada dos super e hipermercados, que, no período, aumentaram a sua participação no conjunto de vendas do varejo de 9,7% para 11,9%. Ao contrário da indústria, a atividade comercial na RMSP cresceu de 51,6%, em 1996, para 55,9%, em 2001. Mas registrou queda significativa, e generalizada, nas demais regiões, notadamente na baixada santista, na região de São José dos Campos e na região oeste do estado. O conjunto de informações da Paep 2001 inclui uma pesquisa sobre a inovação tecnológica nas empresas de Serviços Intensivos em Informação e Conhecimento (SIICs), que engloba as áreas de telecomunicações, informática e atividades conexas, pesquisa e desenvolvimento, serviços técnicos às empresas e serviços audiovisuais. Apesar de representar apenas 8% das empresas do setor, elas contribuíram com 27% do valor adicionado. Entre elas, 24,4% tinham investido em inovação de produto ou processo entre 1999 e 2001.
Economia retoma o fôlego Nos primeiros meses deste ano, a economia brasileira - e a paulista, em particular - começou a dar sinais de recuperação. A produção industrial cresceu, em maio, pelo terceiro mês consecutivo. O IBGE registrou expansão na atividade de 18 dos 23 setores pesquisados, com destaque para material eletrônico e de comunicações (6,4%), veículos automotores (4,7%) e máquinas e equipamentos (4%). Cresceram as indústrias com produção voltada para o mercado interno, como a farmacêutica (4,1%), têxtil (2,6%) e vestuário (0,9%). No mesmo período, as vendas da indústria paulista registraram um aumento de 4,9% em comparação com
86 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
o mês de abril. No acumulado do ano, esse crescimento chega a 20,4%. As empresas exportadoras dos setores metalúrgico, mecânico, químico e de autopeças cresceram com mais intensidade, de acordo com estatísticas da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). No mercado interno começam a ser percebidos sinais de alguma recuperação. Essa retomada tem reflexos positivos na oferta de empregos em todo o país, sobretudo no mercado formal. No primeiro semestre foi criado 1 milhão de novos empregos, um recorde em matéria de contratação com carteira assinada na última década, segundo cálculos do governo federal.
Mas em São Paulo os setores ligados à exportação seguem sendo os principais responsáveis pela criação de emprego: dos seis setores que mais contribuíram para a geração de 12.124 vagas em junho, quatro tinham atividades relacionadas ao mercado externo. De acordo com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o setor calçadista representou 0,20 ponto percentual positivo no crescimento de julho, com a recuperação de cerca de 3,5 mil postos de trabalho. O setor alimentício apresentou o mesmo desempenho, seguido das indústrias têxteis, que geraram 2,4 mil vagas.
Estrutura do setor de serviços, segundo porte de empresa Estado de São Paulo 2001 90 Unidades locais Pessoal ocupado (em 31/12)
80
Valor adicionado 70
60
50
40
30
~
20
ire
I 10 Até 9 pessoas
10 a 49 pessoas
50 a 99 pessoas
100 e mais pessoas
Fonte: Fundação Seade, Pesquisa da Atividade Econômica Paulista - Paep 2001
A pesquisa sobre inovação também avaliou o uso da tecnologia da informação entre as empresas de todos os setores. Constatou que 80% dos computadores estavam nas empresas do setor terciário, sobretudo no de serviços. Mas, apesar de dispor de apenas 2,1% do parque de computadores, a indústria da construção era a que apresentava a maior difusão de máquinas (87,1%), seguida pela indústria (73%). Esses dois setores, aliás, também ganharam destaque no quesito acesso à Internet e páginas na Web. O comércio eletrônico, no entanto, registrou baixo nível de difusão no conjunto da estrutura econômica paulista. A pedido do MEC, a Paep também realizou um levantamento da demanda da mão-de-obra pelas empresas, buscando identificar critérios para sua seleção. As informações foram produzidas para subsidiar o Programa de Expan-
são da Educação Profissional (Proep) do governo federal. Os resultados são surpreendentes. Para a indústria e os serviços, a escolaridade mínima exigida para o empregado semiqualificado era o ensino 0 PROJETO Pesquisa da Atividade Econômica Paulista (Paep) MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR Luiz HENRIQUE PROENçA SOARES Fundação Seade INVESTIMENTO R$ 2.848.000,00 (FAPESP) R$ 1.700.000,00 (Finep) R$ 1.800.000,00 (Sec. Economia) R$ 100.000,00 (Sec. C&T) R$ 1.984.579,00 (MEC)
fundamental completo e pelo menos 21% das empresas consultadas dos dois setores exigiam o ensino médio concluído. Na categoria trabalhador qualificado e auxiliares administrativos, a maioria das empresas exigia o ensino médio. Os requisitos de contratação aumentavam ao longo da escala de ocupações. Dos empregados semiqualificados, os três setores analisados exigiam capacidade de trabalho em grupo e experiência profissional. As maiores deficiências apontadas pelas empresas estavam na dificuldade dos empregados de aprender novas habilidades, de trabalhar em equipe e de comunicação verbal. "Essas deficiências sugerem lacunas graves no processo de formação e escolaridade da mão-de-obra", observa Bessa. A força dos bancos - A Paep 2001 analisou, separadamente, o desempenho do setor financeiro, de longe o que apresenta maior grau de concentração: os 90 bancos instalados em São Paulo empregam 170 mil pessoas. "É a metade dos empregos gerados nas 8 mil empresas de construção civil", compara Matteo. O estado possui aproximadamente 4.500 agências - um terço de todo o país - e emprega 40% das pessoas ocupadas no setor bancário nacional. Os 11 maiores bancos respondem por 91% do emprego. O período analisado foi de grande movimentação no setor financeiro, marcado por intenso processo de fusões e aquisições. Essa reestruturação patrimonial resultou no fortalecimento de grandes bancos privados nacionais, por meio de aquisição de ativos. A entrada do capital estrangeiro com investimento direto no setor teve participação secundária. A Fundação Seade promete divulgar, em agosto, um novo "pacote" de informações da Paep com dados que permitirão conhecer melhor a estrutura produtiva de cada uma das regiões administrativas do estado. • PESQUISA FAPESP 102 • AGOSTO DE 2004 ■ 87
■ HUMANIDADES
HISTORIA
Em se plantando,
dinheiro dá Após perder fontes do Oriente portugueses recuperaram, no Brasil, as lucrativas especiarias JOANA MONTELEONE
O mundo das descobertas: trânsito intenso de navios possibilitou a entrada de plantas e especiarias no país
O historiador francês Fernand Braudel (1902-1985) costumava contar a história da humanidade através das trocas, da economia, entre os povos. "Desde sempre houve economias-mundo, ou pelo menos desde há muito tempo. Assim como sempre, pelo menos desde há muito tempo, houve sociedades, civilizações, Estados e até impérios", escreveu Braudel em O tempo do mundo. Mas se essa economia sempre regulou os destinos do mundo, há 500 anos ela se acelerou. Depois da viagem de Cristóvão Colombo à América as coisas nunca mais foram as mesmas. Homens, doenças, animais e plantas ultrapassaram a barreira física da evolução e pularam continentes em navios comandados por destemidos desbravadores. Braudel também dizia que depois da descoberta da América os europeus ficaram um bom PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 89
tempo sem saber o que fazer com aquela imensidão de terras. Foi somente nos séculos 17 e 18 que a colonização começou a valer. As trocas se intensificaram, as cidades começaram a se formar. E, no esforço de transformar aquelas terras inóspitas num paraíso lucrativo equivalente às índias, Portugal passou a trazer em seus navios, de forma constante, árvores, sementes, estacas e sábios conhecedores dos segredos das plantas. A historiadora Márcia Moisés Ribeiro, ligada ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP), estuda esse tempo de mudança, quando ocorreram na América portuguesa as tentativas de plantar as especiarias do Oriente: o cravo, o gengibre, a canela, a pimenta. II A freqüência de contatos entre /^ as colônias portuguesas do L^^ mundo, e mais especificai m mente entre o Brasil e o ^L. -^. Oriente, tornou-se mais intensa a partir do fim do século 17. Como a viagem do Oriente até Portugal era longa, a escala de alguns dias no Brasil era inevitável. Mesmo assim as autoridades de Lisboa tentavam proibir a parada para evitar o contrabando, que acabava acontecendo de qualquer maneira", diz Márcia. Em 1672 uma ordem do rei passou a permitir a escala em Salvador, na Bahia. Com isso aumentou a freqüência dos navios que, vindos do Oriente, paravam no Brasil para desembarcar alguma carga, quase sempre ilegalmente, e receber mercadorias para serem transportadas à Europa. "Foi esse trânsito intenso de navios que possibilitou a entrada de plantas, especiarias e gêneros úteis às boticas brasileiras", conta a pesquisadora. As trocas entre os continentes começaram poucos anos depois de os portugueses desembarcarem no Brasil. "O coqueiro chegou aqui por volta de 1553 a bordo de embarcações vindas de Cabo Verde, mas procedentes do Leste Asiático. Hoje a árvore tornou-se um 90 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
não só da América portuguesa como também de outros domínios com o fim de classificá-las dentro do sistema de Lineu e, principalmente, descobrir seus usos medicinais, tecnológicos e alimentares", analisa Márcia. Paulatinamente, o governo português passou a incentivar de maneira explícita a troca de plantas entre os continentes numa tentativa de diversificar as culturas e salvar a balança comercial, que já começava a preocupar os governantes portugueses. Márcia recupera um estudo pioneiro da historiadora Maria Odila da Silva Coco (.por Eckout): símbolo nacional Dias, editado em 1969, que só chegou aqui em 1553, em embarcações ficou escondido na revista procedentes do Leste Asiático do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Intitulado "Aspectos da ilustração no Brasil", o trabalho conta dos símbolos do país", explica a historiaque em 1796 d. Rodrigo de Sousa dora. No rastro da palmeira, aportaram Coutinho, absolutista ilustrado e mino Brasil a manga, a jaca, a canela, o nistro de dona Maria I, começou uma açúcar, o algodão. Mas, para além do política de renovação da agricultura e anedotário de quais plantas vieram para da introdução de novas técnicas rucá, a pesquisa de Márcia está preocuparais. Pedia aos governadores das capida em analisar o papel do Estado portanias relatórios sobre os processos tuguês como mediador das atividades empregados no preparo e cultivo dos científicas relativas ao aproveitamento gêneros exportáveis; ordenava que se dos recursos naturais das vastas regiões procedessem a levantamentos de plando império ultramarino. tas nativas a serem remetidas para o reino e a explorações mineralógicas; Estudo da natureza - "Durante o sécuprometia prêmios aos lavradores mais lo 18, o estudo da natureza passou a industriosos; tratava de promover a ser justificado na medida em que esta introdução do arado e a cultura de nofoi geradora de benefícios às sociedavos gêneros. des. O governo metropolitano buscava E não apenas isso. Dentro dessa poconhecer todas as espécies botânicas, lítica oficial de promover trocas de plantas e conhecimentos, o governador da capitania de São Paulo recebia "folhetos 0 PROJETO e memórias sobre as árvores açucareiras em geral, sobre os tipos de açúcar faJornadas no Ultramar, bricados no Rio, sobre a cultura da baa Circulação do Conhecimento tata, do anil, do café, da canela de Goa, Científico no Império Colonial Português 1650-1800 do cravo Girofle, da urumbeba; sobre o algodoeiro, a cultura do linho e do câMODALIDADE nhamo; sobre as variedades da quina, Programa Jovem a respeito de álcalis fixos e iluminados; Pesquisador/FAPESP sobre os métodos agrícolas usados na América do Norte e livros de natureza BOLSISTA mais técnica sobre processos de estamMáRCIA MOISéS RIBEIRO - Instituto paria, construção de prédios rurais, e de Estudos Brasileiros/USP preparo do queijo Roquefort; a arte de
fazer cola; o preparo do fumo; tratados de mineralogia e sobre o extrato e preparo de salitre; estudos de botânica, tratados de medicina", escreveu Maria Odila. Peritos orientais - "Embora o tema da natureza venha recebendo uma maior atenção por parte dos historiadores brasileiros e portugueses nas últimas décadas, ela nunca esteve ausente das preocupações da historiografia de cunho mais tradicional", diz a pesquisadora. Contudo, a maior parte dos estudos volta-se com maior intensidade para as décadas de 70 e 80 do setecentos, quando então se deu a fundação da Academia das Ciências de Lisboa, ficando o período que antecede este fato carente de análises mais aprofundadas. E é justamente nesse período que Márcia foca sua atenção. De pouco adiantaria o envio das plantas para o Brasil se junto não fosse importada a tecnologia de cultivo. "Ciente da falta de pessoal habilitado ao manejo na América portuguesa, o governo metropolitano cuidou de mandar ao Brasil diversos peritos orientais", conta a pesquisadora. Em uma dessas viagens, na mesma nau que trazia d. Pedro de Almeida de Portugal, que acabara de deixar o cargo de vice-rei da índia, embarcou um grupo de goenses com a missão de cumprir as ordens reais de difundir entre os habitantes do Brasil técnicas de cultivo de plantas orientais. Em outra ocasião, mais precisamente em 1692, uma correspondência anônima dirigida ao vice-rei da índia comenta a multiplicação das caneleiras na Bahia e afirma que elas não eram tão boas quanto as da índia, pois no Brasil faltavam indivíduos especializados no cultivo daquela planta. Outro exemplo da importação de técnicas agrícolas da índia aparece na correspondência trocada em 1694 entre o governo português e o governador do Maranhão, Francisco de Sá Menezes. Otimista com as plantações de cravoda-índia no Maranhão, o rei de Portugal ordena ao governador o plantio de
(1750-1777) quem mais incentivou esse tipo de prática.
Especiarias (por Eckout): investindo na América para compensar a perda das especiarias do Oriente
mais cem pés de cravo e determina que siga à risca os conselhos dos peritos indianos.
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árcia descobriu inclusive quanto ganhavam os canarins (termo usado em Portugal para designar os habitantes de Goa vindos para o Brasil). "Eles recebiam um ordenado de oito vinténs por dia para realizar muitas tarefas, entre elas ensinar o modo correto de semear o linho de diversas qualidades, repassar as técnicas de beneficiamento e cuidar do plantio das amoreiras, que não davam frutos", diz a pesquisadora. As amoreiras eram importantes para que o bicho-da-seda começasse a produzir. Preocupado com a baixa produção das amoreiras, Diogo de Mendonça Corte Real, então governador da Bahia, mencionou o problema ao vice-rei do Brasil, conde de Atouguia, e atribuiu aquela situação também à falta de indivíduos especializados no Brasil, o que só poderia ser resolvido com o auxílio de pessoas que tivessem "inteligência na cultura dessas árvores". Embora o governo de d. João V (1706-1750) tenha sido marcado pelas importações de espécies asiáticas para a América portuguesa, foi d. José
Adaptação - Para que as plantas pudessem ser adaptadas no Brasil o governo português contou com um aliado poderoso: a Igreja Católica. Por todo território brasileiro existiam fazendas experimentais, em que os jesuítas adaptavam as plantas. Uma delas ficou mais conhecida, tanto pela quantidade de cartas que recebia de fazendeiros preocupados com pragas e formigas como pela quantidade de jesuítas sábios que ali habitavam. Era chamada de Quinta do Tanque e ficava no interior da Bahia. "Os jesuítas foram agentes importantes no processo de transmissão do saber médico e botânico pelos diversos pontos do Império português. Através das cartas, espécie de relatório das atividades desenvolvidas pelos inacianos, e das farmacopéias, coleção de receitas de remédios, a Companhia de Jesus funcionou como um elo entre os diversos povos do Império colonial português no que diz respeito à cultura e à prática científica", explica a pesquisadora. Ao investir na América, Portugal estava tentando compensar economicamente a perda das especiarias no Oriente. Mas o país acabou acertando num alvo em que não mirou. Graças a esse incentivo comercial, o cultivo de drogas da índia no Brasil contribuiu para promover a circulação de uma cultura científica entre seus diferentes domínios do ultramar, a aventura das plantas pelo mundo, como costuma falar a pesquisadora. "O espírito expansionista assentava-se sob princípios contraditórios. Por um lado estava ele ávido por novidades, ansioso em desvendar a diversidade do mundo, mas por outro era dominado pela tradição que o conduzia a enquadrar o desconhecido nos padrões já familiares", explica Márcia. Desvendar esses saberes nos ajuda a entender a mentalidade científica da época e a compreender o papel fundamental assumido pelos portugueses, como transportadores primários e secundários, na difusão global de plantas. • PESOUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 91
I HUMANIDADES
BIOGRAFIA
Os escravos do
escravo
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Vida de Francisco Félix de Souza revela como negros negociavam negros
CARLOS HAAG
Em Quincas Borba, Machado de Assis conta a história de Prudêncio, o escravo vítima de maus-tratos que, tão logo se vê liberto, compra seu próprio escravo para, ato contínuo, surrá-lo. Em tempos politicamente corretos, de idealização das vítimas, esse parece mais um exemplo do eterno niilismo do Bruxo. Infelizmente, a história mostra que a arte copiava a vida, como revela Francisco Félix de Souza, mercador de escravos (Nova Fronteira/Ed. Unerj, 208 páginas, R$ 29), do diplomata e historiador Alberto da Costa e Silva, a biografia do ex-escravo baiano mercador de escravos. Mais: o livro é um painel, cruel, de como negros africanos lucravam, e muito, traficando escravos para viver como reis e comprar armas. A vida de Félix virou filme, Cobra verde, nas mãos de Werner Herzog, e um romance, O vicerei de Udá, de Bruce Chatwin. Mas, graças a Costa e Silva, pela primeira vez o tema é tratado com apuro historiografia). Sem deixar de lado o fascínio rocambolesco da sua vida: o pobre de Salvador que, na África, conseguiu poder, nobreza e uma fortuna calculada em US$ 120 milhões, que fez dele um dos três homens mais ricos do globo. Ao morrer, com 94 anos, ele deixou 53 mulheres, 80 filhos e 12 mil escravos. Nascido provavelmente em 1768, Félix chegou à África em 1788 para ser comandante da fortaleza de São João Batista de Ajuda, que, no século 18, era o epicentro do mercado exportador de escravos do golfo do Benim (40% dos cativos que cru92 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 102
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zaram o Atlântico vieram daquela região), o que lhe rendeu o epíteto de Costa dos Escravos. O tom trágico disso era que os responsáveis pela manutenção desse comércio eram outros negros que vendiam prisioneiros de guerra e condenados pela Justiça para mercadores europeus e brasileiros. Da elite africana a ex-escravos com espírito de aventura, é inegável a participação efetiva de irmãos de cor na comercialização de seres humanos em condições desumanas para trabalhos forçados. "O rei Guezo, por exemplo, recusou-se a assinar com os ingleses um tratado de abolição de escravos em Daomé, alegando que 'fazê-lo seria mudar a maneira de sentir do seu povo, acostumado desde a meninice a considerar aquele comércio justo e correto'. Ele acrescentou que havia mesmo canções de ninar sobre a redução dos adversários ao cativeiro", conta Costa e Silva. Apesar da carência de recursos, Félix beneficiava-se de um esquema comercial comum a outros
Cativos vigiados por negros: reis da África lucravam com tráfico
atravessadores de escravos: recebia-se o pagamento em negros adiantado dos africanos para entregar, no futuro, armas e outros artigos. O tempo dava a chance para o giro de capital com o agenciamento de cativos. "A correspondência dos traficantes quase não nos deixa perceber que a mercadoria de que trata são seres humanos", explica o historiador. Diante de um mercado organizado como aquele, o brasileiro prosperou em Ajuda como intermediário e armazenador de negros, prática que agilizou a compra de escravos, pois esses eram embarcados no maior número possível e no menor tempo possível. Lucros certos e fartos. Félix contou ainda com a sorte: se a proibição do tráfico para as colônias britânicas e os Estados Unidos reduziu o preço dos cativos, a liberalidade dos portos brasileiros permitia cobrar valores cada vez maiores por escravos. E o baiano era o fornecedor principal para o Brasil. Em pouco tempo o brasileiro percebeu que poderia ganhar
ainda mais se aventurando no transporte de negros: comprou vários navios (inclusive os negreiros que eram leiloados pelos britânicos após terem sido apresados) e chegou a encomendar fragatas aos EUA. Envolvido numa disputa dinástica entre dois irmãos pelo poder do reino de Abomé, Félix escolheu o lado do meio-irmão do rei, Guezo, que não apenas o livrou da prisão (o rei Adandozan decidira perseguir os mercadores estrangeiros) como, após assumir o trono, concedeu-lhe o título honorífico de Chachá (ainda hoje concedido aos descendentes do brasileiro), vice-rei de Ajuda e o monopólio na exportação de escravos. Félix era nobre e rico. Em Ajuda construiu sua casa-grande assobradada num bairro que, pouco depois, passou a ser conhecido como Quartier Brésil. Quando saía pelas ruas, tinha direito a um escravo que o protegia do sol com um pára-sol, guarda armada, tamborete e uma escolta de músicos. Esperto, PESQUISA FAPESP 102 ■ AGOSTO DE 2004 ■ 93
constuiu uma rede de alianças com os microestados que povoavam a costa africana e chamou outros mercadores brasileiros de escravos em operação para sócios. Dessa forma, conseguiu vencer em tempos difíceis, com os ingleses policiando a costa em busca de depósito de negros. Os europeus passaram a ver nele um interlocutor de prestígio e importância. Mesmo o vice-cônsul britânico no Daomé, John Duncan, ainda que lamentando o fato de Félix se dedicar ao comércio de escravos, chamava-o de "o homem mais generoso e mais humano das costas da África". O Chachá queria se europeizar e mandou o filho caçula estudar em Portugal, anos após ter enviado o primogênito para o Brasil. Em sua casa reinava o luxo: a mesa era adornada com talheres de prata e louças monogramadas. Ao receber o príncipe de Joinville para um almoço, saudou o nobre com salvas de 21 tiros de canhão. Certos costumes, porém, não perdia: adorava servir feijoada, feijão de leite de coco, sarapatel, moqueca de peixe e cozidos. Em 1846 foi condecorado por Portugal com a Ordem de Cristo como "benemérito patriota". Félix foi o mercado negro mais bemsucedido, mas não foi um caso isolado. Há muitos exemplos de brasileiros, vários negros, que, na esteira do Chachá e aprendizes do seu método de trabalho, se deram bem como escravagistas, como Domingos José Martins, rei do tráfico 94 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP 102
Armazenados e surrados: escravos eram negociados como se fossem um tipo qualquer de mercadoria
em Lagos, ou João José de Lima, comandante do mercado em Lomé, entre tantos outros. Mas Félix era ainda o mestre. "Quando assinava uma letra, esta era aceita sem hesitação em Liverpool, Nova York, Marselha e outras praças. Dele dizia-se que a palavra bastava, não sendo necessário documento escrito para firmar um compromisso", conta Costa e Silva. Apenas a velhice corroeu o seu poder. Em 1844, aos 90 anos, com reumatismo, ele parecia, ao rei Guezo, ter perdido a antiga força mercantil e, aos poucos, foi deixado de lado no comércio de escravos. Mas teve tempo ainda de ser quase um dos pioneiros na substituição lucrativa do tráfico de negros pela exportação do óleo de palma ou azeite-de-dendê, que cada vez mais era usado como lubrifi-
cante e também como matériaprima da incipiente mania européia de usar sabonetes para higiene pessoal. O dendê sempre esteve associado aos negreiros, pois era um dos alimentos dados aos cativos durante a travessia do Atlântico. "Vendia-se azeite aos britânicos e franceses e, muitas vezes, era com mercadorias apuradas nesse comércio que se adquiriam escravos no interior para embarque nos navios negreiros", explica o historiador. Félix logo percebeu o alcance dessa hipocrisia e o potencial da mudança de um pólo de comércio, que em breve seria ilegal (sem falar nos riscos crescentes inerentes ao tráfico como doenças, perda de escravos, apreensão de navios etc.) para outro, ligado e inócuo. "Os mesmos grandes portos negreiros e as mesmas empresas dedicadas ao comércio de gente continuaram a comandar as transações com a África. Os navios negreiros foram readaptados para receber os barris de óleo e os seus capitães eram os mesmos que antes negociavam com escravos", observa o autor. Félix deixa de ser símbolo do "comércio odioso" para se transformar em capitalista empreendedor e criativo. A raiz dos dois homens é, infelizmente, a mesma. •
RESENHA
Painéis da Colônia Livro publicado em Portugal traz ensaios sobre o Brasil colonial LAURA DE MELLO E SOUZA
Publicado há alguns meses em Lisboa, Da América portuguesa ao Brasil dá ótima idéia do historiador magnífico que é Stuart B. Schwartz. Dos sete ensaios que compõem o livro, quatro são inéditos no Brasü, e dois dos outros três que já tinham sido aqui publicados desempenharam papel decisivo em algumas das discussões mais "quentes" da historiografia brasileira contemporânea: a da importância da escravidão indígena para o desenvolvimento da produção açucareira na Colônia e a do papel de uma agricultura de subsistência na vida econômica de então. No primeiro caso, trata-se do capítulo I, "Trabalho indígena e grande lavoura no Novo Mundo"; no segundo, do capítulo III, "Camponeses e escravatura: alimentando o Brasil no fim do período colonial", onde está talvez a melhor crítica feita até hoje aos limites da "teoria" da brecha camponesa. Numa sociedade escravista e colonial, voltada para a produção de gêneros comerciáveis no mercado externo, a agricultura de subsistência se desenvolveu articulada à de exportação e tinha, irremediavelmente, de assentar-se na mão-de-obra escrava: quando bem-sucedidos, os setores do campesinato não constituíram uma alternativa econômica distinta, mas se voltaram para a utilização do trabalho compulsório de africanos. Os outros três capítulos aqui traduzidos pela primeira vez constituem uma contribuição oportuna para o estudo dos impérios ibéricos, cada vez mais em voga no Brasil e em Portugal. Em "A jornada dos vassalos: poder real, deveres nobres e capital mercantil antes da Restauração, 1624-1640", Schwartz trata da expedição enviada em 1625 para libertar a Bahia, então sob controle holandês, e mostra que foi um ponto de viragem na história do Atlântico ibérico, "uma última representação dos velhos laços entre a nobreza e a coroa". Quinze anos depois, com a Restauração dos Braganças no trono de Portugal, esboroariam os sonhos de uma monarquia ibérica integrada e de um império unificado. "Pânico nas índias: a ameaça portuguesa ao Império espanhol, 1640-1650" é uma análise notável do papel do medo e dos rumores na desestabilização da grande política. A partir de 1640, quando Portugal re96 ■ AGOSTO DE 2004 ■ PESduTSA FAPESP 102
cobrou a independência com relação à Espanha, o medo de que os portugueses residentes nas conquistas espanholas se Stuart B. Schwartz unissem aos negros (internamente) ou aos concorrentes esTradução portuguesa trangeiros (holandeses, ingleses de Nuno Mota e franceses) varreu os domínios de Castela, do México a Buenos Difel (*) Aires. Schwartz mostra com 324 páginas/€ 20 euros maestria como, naquele momento, nada indicava que as possessões do Império português - entre elas o Brasil - aderissem à nova monarquia: nós é que naturalizamos o argumento, vendo como obrigatório que, uma vez Portugal independente, todas as colônias o acompanhassem. Quando chegou a Madri a notícia de que o Brasil aderira ao novo rei Bragança, o fato foi considerado como traição e doeu mais do que a perda da Catalunha. Em "A formação de uma identidade colonial no Brasil", Schwartz lida com o difícil assunto enunciado no título e traz contribuição significativa. A hipótese mais ousada do capítulo é a de que a consciência da distinção e da diferença dos colonos ante os reinóis surgiu primeiro entre grupos mestiços - as elites continuavam muito ligadas a Portugal - e sobretudo no nível regional: não houve, por muito tempo, o sentimento de pertencer a uma totalidade chamada Brasil. O último capítulo do livro, "Depois da dependência", faz um balanço da produção historiográfica brasileira voltada para o período colonial e constata que, dos anos 1980 para cá, diminuiu o interesse por assuntos de conteúdo mais econômico - tributários, em grande parte, da teoria da dependência - e aumentou o apreço pelas análises de cunho cultural. Faltaria acrescentar que, na história recente de nossa historiografia, Stuart Schwartz brilhou sempre: consagrou-se como historiador do Nordeste açucareiro, mas o que vem mostrando sobre as dinâmicas do Império merece ser examinado com atenção e constitui um antídoto saudável contra os modismos que atacaram esses domínios nos últimos anos. Da América portuguesa ao Brasil Estudos Históricos
é professora titular de História Moderna do Departamento de História da Universidade de São Paulo
LAURA DE MELLO E SOUZA
(*) Mais informações sobre o livro, editado em Portugal, podem ser conseguidas pelo e-mail difel@difel.pt
LIVROS
Enciclopédia agrícola brasileira - vol.V
Genômica Luís Mir (organizador) Editora Atheneu 1.288 páginas / R$ 197,00
O estudo imenso funciona como uma iniciativa enciclopédica de integrar a questão genômica a questões básicas de natureza médica, agrária e ambiental. Reunindo os maiores especialistas brasileiros na complexa área, traz artigos como: "O Projeto Genoma Humano", "Fundamentos de biologia molecular", "Aconselhamento genético na era genômica", "Genômica e erros inatos do metabolismo", entre muitos outros. O livro deverá ser lançado nas próximas semanas. Editora Atheneu (11) 3331-9186 www.edathe@terra.com.br
Globalização e estrutura urbana
ENCICLOPÉDIA AGRÍCOLA BRASII.tIRA
Um trabalho impressionante, que foi iniciado em 1989, por determinação do professor Humberto de Campos, e que reuniu um grupo de pesquisadores e professores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba. Editada agora pela Editora da Universidade de São Paulo, traz uma súmula do conhecimento sobre a agronomia brasileira, uma iniciativa pioneira que, além de elencar os principais saberes internacionais, traz os nacionais. Edusp - Editora da Universidades de São Paulo (11) 3091-4150 edusp@edu.usp.br
Sueli Schiffer Hucitec/FAPESP 308 páginas / R$ 55,00
O livro é uma reunião de textos resultantes da pesquisa São Paulo: Globalização da Economia e Impactos na Estrutura Urbana, que teve como objetivo revelar a extensão do papel da Região Metropolitana paulistana na inserção nacional do processo de internacionalização da economia. Entre os textos: "Globalização e trabalho", de Jacob Gorender; "O mercado de trabalho sob a globalização", de Maria Cristina Cacciamali; "Guerra fiscal entre estados" etc. Editora Hucitec (11) 3083-7419 www.hucitec.com.br
Aristeu Mendes Peixoto (coord.), Júlio Inglez de Souza, Klaus Reichardt, José Molina Filho, Francisco Ferraz de Toledo Edusp/FAPESP 512 páginas / R$ 72,00
Curso básico de terminologia Lidia Almeida Barros Edusp 296 páginas / R$ 35,00
Um trabalho inédito em língua portuguesa, o livro reúne os conhecimentos fundamentais da terminologiaa, área do saber que estuda como se desenvolve o vocabulário dos setores científicos e técnicos, fornecendo os subsídios necessários para o entendimento da matéria nos países lusófonos. A obra analisa os fundamentos da terminologia até o estado atual, ajudando na compreensão do tema e na aquisição do saber. Edusp - Editora da Universidade de São Paulo (11) 3091-4150 edusp@edu.usp.br
Introdução à química ambiental
Neuropsicologia hoje
Júlio César Rocha, André Henrique Rosa, Arnaldo Alves Cardoso Bookman 160 páginas / R$ 44,00
Vivian Maria Andrade, Flávia Heloísa Dos Santos, Orlando Bueno Artes Médicas 456 páginas / R$ 68,50
Neuropsicologia Hoje
Tomando um caminho inovador, ou seja, a análise descritiva da chamada química ambiental, os autores ensinam os leitores a entender a composição e o comportamento do solo, da água e do ar, as interações entre esses sistemas e de que forma, o mais importante, eles são influenciados pelas atividades humanas. Um lançamento que supre uma lacuna importante desse novo ramo de estudos.
Um livro referencial para os estudiosos do assunto, mostrando, de forma abrangente, os principais momentos da evolução humana (infância, adultez e envelhecimento), trazendo protocolos de avaliação, estudos de casos e um rol dos testes padronizados para as especificidades da população brasileira. Entre os temas, a questão da memória.
Artmed Editora (11) 3062-3757 www.artmed@artmed.com.br
Editora Artes Médicas (11) 221-9033 www.artesmedicas.com.br
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