No Século XIX, um monge brincava com ervilhas nos jardins de um monastério. Cento e cinqüenta anos depois, o genoma humano é decodificado.
Em uma simples experiência que apresentaria
•
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DE DIONE
Dione, uma das luas de Saturno, foi descoberta em 1684 pelo genovês Giovanni Cassini. Em 14 de dezembro de 2004, a sonda espacial Cassini, homenagem ao astrônomo, registrou a imagem mais próxima do satélite, visto a 603 mil quilômetros de distância. Revelou um corpo gélido, com variações de brilho mas ausência de cor, em contraste com os matizes quentes da atmosfera de Saturno, ao fundo.
PESQUISA FAPESP 107 • JANEIRO DE 2005 • 3
PeiqeT~nüisa
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FAPESP
38
12
ENTREVISTA
31
José Fernando Perez faz um pequeno
PARCERIA
CAPA
balanço de seus
Falta de tratamento, estigmas e exclusão social marcam o quadro
11 anos à frente da Diretoria Científica
da Ciência e Tecnologia,
da saúde mental no mundo
da FAPESP
investimento
Eduardo Campos, ministro prevê maior em 2005
REPORTAGENS
32
AMBIENTE Inventário
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
52
FÍSICA Caos às vezes beneficia seres
de emissões
vivos e reações químicas
coloca o Brasil entre os maiores poluidores mundiais
24
BIOTECNOLOGIA
I
58
CIÊNCIA
Computador substitui neurônio de siris e lagostas
Acordo com o Instituto Pasteur e artigo em revista científica
mostram o vigor
44
TECNOLOGIA
ARQUEOLOGIA
da pesquisa nacional
84 28
FOMENTO
INOVAÇÃO Em um ano, agência da
Comissão Internacional
Unicamp fecha com empresas
inicia avaliação dos Centros de
contratos de licenciarnento
Pesquisa, Inovação e Difusão
de 26 patentes
29INFORMATIZAÇÃO
Dez crânios da Pré-história
70
ENGENHARIA CIVIL
Mudam os procedimentos
nacional reforçam teoria
Sistema de coleta projetado
de apresentação,
de que os mongolóides
na USP utiliza água
julgamento
análise e
de propostas de
bolsas e auxílio na FAPESP 4 • JANEIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 107
não foram os primeiros pisar na América
a
de chuva para regar plantas e lavar carros
72 48 78
OFTALMOLOGIA Equipamento permite exames rigorosos da curvatura da córnea
80
GENÉTICA Estudos em Minas Gerais e no Sul revelam descendentes de índios desaparecidos
NOVOS MATERIAIS Nanotecnologia e fotônica são base de sensores para áreas de saúde e ambiente criados em Pernambuco
rFOHl
HISTÓRIA Exposição reúne instrumentos científicos do século 18 e 19 da Universidade de Coimbra
SEÇÕES A IMAGEM
DO MÊS
~
CARTA DO EDITOR
6 7
MEMÓRIA
8
CARTAS
HUMANIDADES ESTRATÉGIAS
84
CULTURA Estudo analisa trajetória de Carmen M iranda no Brasil e nos Estados Unidos
88
Livro mostra a trajetória da orla carioca, das tangas indígenas às tanguinhas de Ipanema
.............•...
18
LABORATÓRIO
34
SCIELO
58
NOTÍCIAS
LINHA DE PRODUÇÃO
URBANISMO
3
60
LIVROS
.......................
92
FICÇÃO
.......................
94
Capa: Hélio de Almeida
Carmem: "embaixadora
do samba"
Ilustração:
Laurabeatriz
PESQUISA FAPESP 107 • JANEIRO DE 2005 • 5
CARTAS cartas@fapesp.br
Pesquisa Brasil
nv 106) estou convencido de que, desta vez, o Brasil abocanha o Ig Nobel. Há três chances: ou o pesquisador, pela pesquisa, ou a revista, pela reportagem, ou eu, pela crítica. É triste.
Grande iniciativa o programa de rádio Pesquisa Brasil, na rádio Eldorado AM. Gostei muito de ver que o interesse pela ciência está se espaVANDERLEI MARCOS DO NASCIMENTO lhando. Já era hora de mostrar que Unesp-Rio Claro ciência não é Rio Claro, SP coisa de maluco, mas algo lóPulmão EMPRESA QUE APóIA gico, muito inAPESQUISA BRASILEIRA teressante e que Parabéns pepode acomolo excelente artidar a todos. Se go "O alívio do sal" (edição nv algum dia vocês precisarem 104) que teve um de alguém paimpacto muito ra ajudar com grande. Nosso trabalho clínico perguntas cabeludas na área de nitrato de de imunologia, prata já está em via de ser publinão hesitem em contatar-me. cado. Terei prazer em FRANCISCO VARajudar. Que esGAS, LISETE TEIta seja a minha XEIRA E EVALDO TroplNet.org contribuição MARCHI VARGAS para o avanço Grupo de Pleura da ciência no - InCorpaís. FMUSP
NOVARTIS
EDUARDO
São Paulo, SP
FINGER
Boston, Massachusetts Estados Unidos
Parabéns pela iniciativa de divulgação da pesquisa por meio do rádio, um excelente órgão de comunicação, por sua praticidade, pois independe de termos que parar para ouvir. Eu, por exemplo, ouço rádio tanto em casa (preparando jantar) como no escritório. Que bom que agora todos podem ter acesso, numa linguagem acessível, às pesquisas científicas.
Correções Na edição 106, a foto do papagaio-de-ouvido-amarelo, na página 38, é da Fundación Proaves, e o autor da foto sapo-arlequim, na página 39, é de Robert Puschendorf. O filósofo francês Iacques Derrida morreu no dia 9 de outubro de 2004, e não no dia 11 de agosto, como foi publicado na página 22 da edição nO 105.
C. DA SILVA São Paulo, SP
ELIANE
Física e futebol Depois de ler a reportagem "Apequena pátria em chuteiras" (edição 6 • JANEIRO DE 2005 • PESQUISA FAPESP 107
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mau cartas@fapesp.br, pelo fax (l l) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
CARTA DO EDITOR
Pesquisa CARLOSVOGT PRESIDENTE
O poder, luminoso ou sombrio, da imaginação
MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO PESUUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTIFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTE RO, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÉNCÍA), CARLOS HAAG (HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (HllTICAClT), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOONLINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA! EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÂO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAVUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN COLABORADORES ANA LIMA.ANDRÉ SERRADAS, BRAZ, CAROL LEFÈVRE, DANIELA MACIEL PINTO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FRANCISCO BICUDO, JOÃO FILHO, JOCA REINERS TERRON, LAURABEATRIZ, MARCELO HONÓRIO (ON-LINE), MARCELO LEITE, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO, SAMUEL ANTENOR,THIAGOROMERO (ON-LINE) ASSINATURAS TELETARGET
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RUA PIO XI, N' 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP
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FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÉNCIAJECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SAO PAULO
Esta primeira edição de 2005 oferece um brinde aos leitores: dois belos contos, para ler na primeira vez de um fôlego só, e para reler depois com infinita calma, curtindo a delicadeza da relação entrevista no diálogo refinado que constitui o primeiro, deixando-se arrastar, no segundo, pelo denso mar de palavras que constrói uma fantasia poderosa em torno de um inventor real movido por convicções socialistas no século 19. Trata-se de ficção de alto nível, que a nosso ver agrega valor e uma sutil elegância à revista, fundada no equilíbrio entre múltiplas abordagens da nossa produção intelectual. Ciência, tecnologia, humanidades e - por que não? - um pouco de criação literária em primeira mão, em suma, conhecimento produzido sob muitas formas neste país, assim é Pesquisa FAPESP. Passo à reportagem de capa desta edição e me dou conta de que, se a ficção é narrativa que reinventa, violenta a realidade, descola-se dela ou a ultrapassa, de uma certa maneira permanecemos em seus arredores no texto que começa na página 38, embora de forma sombria em vez de luminosa, mais perto do pesadelo que do sonho. Nas seis páginas dedicadas a um levantamento mundial sobre os distúrbios psiquiátricos que vem sendo feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o editor de ciência, Carlos Fioravanti, informa que seus primeiros resultados revelam que mesmo nas cidades mais isoladas do mundo os transtornos mentais começam ainda na infância e geralmente apresentam os mesmos estágios de desenvolvimento, independentemente dos estilos de vida ou das condições econômicas em que vivem as populações, para criar, na vida adulta, o que ela chama de prisioneiros da própria imaginação descontrolada. Quer dizer, nos piores transtornos psiquiátricos, não há mais adesão à realidade e a mente cria suas trágicas ficções. Mas o que o estudo da OMS abre é a perspectiva de se detectar precocemente o processo de per-
da do controle emocional e assim evitar o surgimento de problemas mais graves. Notícia promissora no quadro desalentador da saúde mental no mundo. A boa imaginação do leitor, de todo modo, está agora convocada para acompanhar os novos resultados de uma pesquisa arqueológica, ou seja, o estudo de nove crânios na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, e um de Caatinga do Moura, Bahia, que sugerem com grande força que os primeiros habitantes da América não eram mesmo mongolóides. E que Luzia - personagem criada nos anos 1990 por cientistas brasileiros a partir do achado em 1975 do crânio de uma jovem que teria vivido há cerca de 11 mil anos na região -, com suas feições que lembram negros africanos e aborígines australianos, não seria exceção nem aberração, mas a regra. Esse novo e fascinante capítulo da Pré-história brasileira está relatado pelo editor especial Marcos Pivetta, a partir da página 44. E, para encerrar os destaques, recomendamos atenção especial à reportagem que abre a seção de Tecnologia, na página 64, em que a editora assistente Dinorah Ereno detalha como a Agência de Inovação da Unicamp, a Inova, em apenas um ano de atividade conseguiu fechar 13 contratos de licenciamento com empresas para a exploração de 26 patentes - todas relativas, aliás, a produtos de alta relevância social. No mais, toda a equipe de Pesquisa FAPESP deseja aos leitores um novo ano fecundo e prazeroso e promete também se esforçar por isso. O ano de 2004 viu alguns eventos importantes para a vida da publicação - a edição especial número 100, o lançamento do livro Prazer em conhecer, coletânea de entrevistas originalmente publicadas na revista, o lançamento do programa Pesquisa Brasil, resultado de parceria com a Rádio Eldorado, prêmios... Nossa expectativa é poder constatar no final de 2005 que continuamos fecundos. MARILUCE MOURA
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DIRETORA DE REDAçãO
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 7
Rara foto de Lutz (primeiro plano) quando à frente do Instituto Bacteriológico de São Paulo
MEMóRIA
Enfim, preto no branco Depois de décadas de tentativas são lançados os primeiros volumes da obra completa de Adolpho Lutz NELDSON MARCOLIN
8 • JANEIRO DE 2005 ■ PES0UISA FAPESP 107
Sessenta e quatro anos de planos e tentativas frustradas terminaram no final do ano passado em grande estilo. Os principais trabalhos, estudos, artigos e cartas de Adolpho Lutz (1855-1940), um dos mais talentosos e produtivos cientistas brasileiros, começaram a ser publicados na íntegra numa obra sem igual no Brasil. Em novembro foi lançada uma caixa com quatro volumes - Primeiros trabalhos: Alemanha, Suíça e Brasil (1878-1885); Hanseníase; Dermatologia e micologia; e um suplemento com glossário, índices e resumos. Até o final deste ano estão previstas mais quatro caixas, formando assim a Obra completa de Adolpho Lutz (Editora Fiocruz, R$ 150,00 a primeira caixa). Cada uma terá de três a cinco livros com resumos em português e inglês dos trabalhos reunidos, índices remissivos específicos para os três idiomas principais em que são apresentados (alemão, português e inglês) e glossário bilíngüe de termos técnicos e de nomes citados por Lutz. Os livros trazem a produção do cientista carioca relativa a um ou mais temas, com textos de apoio de especialistas das áreas em questão, que comentam a relevância dos trabalhos para a ciência moderna (muitos têm mais de cem anos). Estima-se que as cinco caixas terão em torno de 10 mil páginas impressas em um projeto que envolve pelo menos 50 pessoas, coordenadas desde 2000 pelo historiador Jaime Benchimol e pela bióloga
Adolpho Lutz e visitante observam insetos coletados no laboratório do pesquisador, em Manguinhos
e historiadora da ciência Magali Romero de Sá, ambos da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Os participantes dessa obra poderiam ser multiplicados se os desejos de Bertha Lutz, filha do cientista, tivessem começado a se realizar logo depois de outubro de 1940, quando Lutz morreu. Em janeiro de 1941, ela já manifestara a clara intenção de não deixar disperso ou engavetado o saber gerado pelo pai. Conhecida internacionalmente como líder feminista e zoóloga do Museu Nacional -, de 1941 até 1965 Bertha foi incansável na tarefa de coletar e organizar o material disponível em poder da família, de amigos e de cientistas que se relacionavam com o pai.
No início da carreira em Limeira, na década de 1880
Também se empenhava em criar e manter vínculos com instituições, políticos e intelectuais que pudessem ajudar a expor e publicar toda a produção reunida de Lutz. Durante esse período,
obteve alguns pequenos êxitos e grandes fracassos, sem conseguir a publicação da biografia nem a reimpressão dos estudos mais significativos. A pesquisadora ainda lutou por algum tempo, mas parece ter se cansado em 1965, quando contava 71 anos. "Seu arquivo pára por aí e não contém mais registro que indique se fez novas incursões nesse terreno", diz Magali Romero de Sá. Bertha morreu em 1976, mas cuidou de deixar todo o acervo reunido por ela depositado no Museu Nacional. Finalmente, em 2000, os pesquisadores da COC conseguiram unir recursos de várias fontes para financiar a publicação da obra e outros projetos. A Biblioteca Virtual Adolfo Lutz está em
desenvolvimento num trabalho conjunto com a Bireme (Centro LatinoAmericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde). "Além de terminar a publicação da obra completa, estão nos nossos planos fazer documentário, exposição, seminário e o que for necessário para divulgar o trabalho desse extraordinário cientista", diz Benchimol. O fascínio exercido por Lutz sobre outros pesquisadores e historiadores se explica, em boa parte, pela versatilidade como cientista. "Um dos traços característicos de sua personalidade é a combinação da cultura médica com a vocação de naturalista e o papel pioneiro que desempenhou ao aplicar os saberes dessas
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áreas diferentes à medicina tropical", explica Benchimol. Quais teriam sido os caminhos que o levaram a esse patamar como cientista? Adolpho Lutz nasceu no Rio em 1855, filho de pais suíços. Seu pai, Gustav, casou-se com Mathilde Oberteuffer em 1849 e imigrou para o Brasil logo depois da viagem de núpcias. No Rio, em sociedade com outro suíço, Gustav fundou uma loja para importação de "fazendas secas" e exportação de gêneros agrícolas, mas em 1857 deixou o negócio nas mãos do sócio e voltou com a família para Berna, talvez motivado pela insalubridade da capital imperial - além da febre amarela, o cólera explodiu na cidade em 1855, ano de nascimento de Adolpho, um dos dez filhos do casal. Em 1864, a família retornou ao Brasil, mas deixou na Basiléia os três filhos maiores para cursarem a escola, Adolpho entre eles. Mathilde, tão empreendedora quanto Gustav, criou no Rio o Colégio Suisso-Brazileiro. Enquanto isso, Adolpho mergulhou nos estudos interessado em história natural. Em carta enviada à mãe em fevereiro de 1871, quando tinha 15 anos, ele expunha seus planos: "O que sempre desejei em criança e, sem refletir devidamente, ainda o desejo agora, é ser pesquisador em ciências naturais. (...) Vou acumulando todos os conhecimentos de história natural que consigo adquirir, faço observações próprias, assisto a preleções públicas e, durante as férias, estudo todos os livros de biologia ao meu alcance". Aos 19 anos, em 1874,
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ingressou na Universidade de Berna para cursar medicina. Três anos depois mudou para a Universidade de Leipzig e fez cursos rápidos em Praga e Estrasburgo em diversas especialidades médicas. Ainda assim continuou trabalhando com história natural. Em março de 1878 foi apresentado seu primeiro trabalho na área sobre a descrição de uma nova espécie de microcrustáceo (Alona verrucosa) na Sociedade de Ciências Naturais de Berna. Um ano depois trabalhou em um hospital suíço, onde escreveu sua tese sobre os efeitos terapêuticos de um vegetal, o quebracho, e publicou um estudo clínico sobre um caso de bronquite fibrinosa aguda, hoje conhecida como pseudomembranosa. Aos 25 anos, formado, Lutz decidiu reencontrar a família no Brasil. Antes, deu mais um giro pela Europa fez cursos rápidos em Viena, assistiu a preleções e
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cirurgias em Londres e, segundo alguns biógrafos, conheceu Louis Pasteur em Paris. Em 1881 o jovem Adolpho chegava ao Rio. Em seus relatos, ele diz estranhar o "protecionismo e nepotismo" entranhado no povo brasileiro e a tremenda penetração da língua e cultura francesa na elite local. Depois de uma curta estada em Petrópolis estabeleceu-se em Limeira, interior de São Paulo, para onde havia mudado sua irmã Helena, recém-casada, e lá ficou de 1882 a 1885. Nos intervalos do trabalho como clínico, pesquisava e escrevia. Em 1885 publicou um estudo decisivo sobre a ancilostomíase numa série de artigos que saíram na coleção de lições de clínica médica de Volkman, editada em Leipzig. "Essa pesquisa representou contribuição tão importante que foi publicada na íntegra em português em
O Bnml-Medko (1888, 1887) e na Gazeta Médica da Bahia", conta
Bilhete da rainha do Havaí a Lutz, em abril de 1890: "Caro doutor Lutz. Senhor. Faria o grande obséquio de examinar Hahünaib Kaauwai para ver se apresenta sinais da lepra, e se algo puder ser feito pela pobre menina, por favor informe-me por intermédio do portador. S.M. Rainha Kapiolani. Palácio Iolani"
Benchimol. Em março de 1885 foi trabalhar por um ano na clínica do renomado dermatologista alemão Paul Gerson Unna, em Hamburgo, Alemanha, e enveredou pela bacteriologia, relacionada a várias doenças dermatológicas, principalmente a hanseníase. Quando voltou ao Brasil, o cientista mudou-se para São Paulo, mas, em seguida, foi indicado por Unna para o leprosário da ilha de Molokai, no Havaí, onde chegou em novembro de 1889. Foi naquelas ilhas da Polinésia que conheceu a enfermeira inglesa Amy
Lutz com Bertha, no centro, em frente à Câmara dos Deputados, quando ela tomou posse como deputada (1936)
Lutz (centro) no rio Paraná, em 1918
Marie Gertrude Fowler, com quem veio a se casar pouco depois. Ficaram por lá até meados de 1892 e, depois de uma passagem pelos Estados Unidos, regressaram ao Brasil em janeiro do ano seguinte. Em São Paulo, onde fixaram residência, nasceram os dois filhos do casal: Bertha, em 1894, e Gualter Adolpho, em 1903, futuro professor de medicina legal. Também em 1893, em março, Lutz foi nomeado subdiretor do Instituto Bacteriológico de São Paulo e, em outubro, diretor interino - a
efetivação se deu somente em 1895. Lutz exerceu o cargo por 15 anos. Com seus auxiliares, realizou investigações relevantes sobre as doenças infecciosas endêmicas e epidêmicas no estado e enfrentou controvérsias com parcela majoritária do campo médico e de outros setores da sociedade. A bacteriologia adquiria importância na saúde pública com os freqüentes surtos de cólera, febre tifóide, disenterias, febre amarela e outras doenças. Os diagnósticos de Lutz e de outros profissionais
mars jovens que começavam a se destacar como bacteriologistas no Rio estavam calçados em provas laboratoriais inacessíveis à maioria dos médicos. Lutz era o quadro tecnicamente mais qualificado entre os bacteriologistas brasileiros, com maior experiência, trabalhos publicados e relações com a comunidade científica internacional. Em 1908 transferiu-se para o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), no Rio, a convite do próprio Cruz. Ambos já haviam combatido uma epidemia de cólera no Vale
do Paraíba, anos antes. Lutz tinha grande autoridade e prestígio como cientista e exercia forte influência - até intimidatória - sobre aqueles que conviviam com ele. "Não é por acaso que as histórias do doutor Lutz continuam a ser contadas até hoje pelos corredores da Fiocruz. Ele continua fascinando", escreveu no primeiro livro da Obra completa Luiz Fernando Rocha Ferreira da Silva, professor titular da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. "Mas não era um timoneiro do porte de Oswaldo Cruz, não tinha as mesmas qualidades de chefe, de aglutinador e formador de discípulos, e parecia abominar a publicidade inerente à condição de homem público", analisa Benchimol. Quando chefiou o Instituto Bacteriológico, rebatizado de Adolfo Lutz depois de sua morte, deixou sempre para Emílio Ribas os encargos e louros das grandes ações públicas. Sua ida para o IOC parece estar relacionada à possibilidade de retomar as pesquisas em zoologia e botânica que haviam permanecido em segundo plano durante o tempo em que esteve imerso na bacteriologia e na linha de frente da saúde pública. Durante o período final de sua vida, teve produção relacionada a temas de interesse médico ou de importância puramente biológica, alheio aos conflitos da instituição. "A densidade da trajetória científica permitiu a Lutz que chegasse mais perto do que ninguém daquela miragem da torre de marfim onde tantos cientistas sonham em viver reclusos", conclui Benchimol.
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ENTREVISTA: JOSÉ FERNANDO PEREZ
Um roteiro de
abertura à sociedade MARILUCE MOURA E NELDSON MARCOLIN
O físico e engenheiro José Fernando Perez, 60 anos, casado, pai de dois filhos e avô orgulhoso de duas netas, uma na faixa de 1 ano e outra próxima dos 3, cujas fotos ele, entre enlevado e enternecido, costuma distribuir regularmente pela internet aos mais próximos, passou os últimos 11 anos à frente de um dos cargos executivos mais importantes na política de ciência e tecnologia de São Paulo: diretor científico da FAPESP. Nessa condição, desde dezembro de 1993 ele imantou a Fundação com seu estilo expansivo, seu entusiasmo e, principalmente, uma enorme capacidade de propor, acolher e realizar projetos novos. Tal competência entrou em cena impulsionada ao mesmo tempo por sonhos, quase visões particulares de futuro - não exatamente individuais, e sim comuns ao grupo de pesquisadores com o qual ele desde estudante mais se afinava - e por idéias, bem fundamentadas e bem discutidas no âmbito do Conselho Superior da FAPESP e mesmo da comunidade científica paulista polêmicas à parte. No percurso, Perez colheu, como seria de esperar, críticas, algumas acerbas, de setores tradicionalistas, mas amealhou em quantidade bem maior testemunhos valiosos - e públicos -, dentro e fora do país, de reconhecimento à qualidade de seu trabalho como dirigente da FAPESP e a seu papel de liderança no fortalecimento de 12 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESdUISA FAPESP 107
áreas-chave para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Uma liderança que, ele fez questão de enfatizar nesta entrevista em que examina o que mudou na FAPESP nesses 11 anos, só pôde ser exercida com o concurso de seus assessores diretos, os adjuntos da Diretoria Científica que ele sempre chamou carinhosamente de sua "armatta Brancaleone", numa referência ao delicioso filme de Mario Monicelli. Aliás, o professor Perez, que continuará a dar aulas no Instituto de Física, embora tenha se aposentado da Universidade de São Paulo (USP) como titular de física matemática, simultaneamente à colocação de seu cargo à disposição na FAPESP para enveredar por um novo e desafiante caminho, chega a ser engraçado em seu esforço por explicitar o reconhecimento à sua equipe em justa medida. Ele, por exemplo, insistiu para que nas páginas desta entrevista estivessem, em paralelo às suas fotos, as de seus assessores diretos. Por razões editoriais, não pudemos atendê-lo, mas fica o registro e, num destaque na página 17, sua citação aos adjuntos. ■ Em sua avaliação, qual a diferença essencial entre a FAPESP de dezembro de 1993 ea de hoje? — Há duas diferenças fundamentais. A primeira tem a ver com a questão da inovação tecnológica. A FAPESP transformou-se numa agência também de fomento à inovação tecnológica, e isso em atendimento ao que a Constituição paulista determinou na reforma de 1989, que definiu a missão da instituição. Até
esse ano prevalecia o enunciado de 1947, segundo o qual a FAPESP só era responsável pela pesquisa científica - em 1989, a Fundação passou a ser responsável pelo desenvolvimento científico e tecnológico. A partir de 1993 a FAPESP inseriu a inovação tecnológica como uma de suas prioridades. E outra característica importante, que diferencia a instituição de antes de 1993 em relação ao que ela é atualmente, é o fato de nós termos esse papel articulador de agência na geração de programas novos, dentro da linha que foi criada com o Genoma, Biota, Tidia, Cinapce... ■ Em vez de ouvir e receber propostas da comunidade a Fundação passou também a articular e propor novos programas. — Eu diria menos propor... Cada um desses projetos nasceu dentro da comunidade científica. É claro que numa interação com a Diretoria Científica, mas são propostas que vieram da comunidade. A FAPESP teve um papel de ajudar na organização em torno dessas metas. Essa é a famosa metáfora formulada no livro A catedral e o bazar-pelos antropólogos americanos Eric Raymond e Bob Young, que identificaram essa estratégia de bazar, possível de ser adotada como forma de organização. A FAPESP já era uma agência muito organizada, tinha uma imagem muito sólida, muito consolidada dentro da comunidade científica nacional e internacional, mas com uma característica de perfeição, de catedral. Uma coisa perfeita, mas ao mesmo tempo muito estática e pouco afinada, pouco sensível a identi-
ficar oportunidades e desafios. Quem me apresentou essa metáfora foi o Imre Simon (coordenador da Incubadora Virtual e do programa Tidia). Hoje, em paralelo à catedral, temos também uma característica de bazar, no sentido de que ficamos mais atentos ao tempo, às necessidades e oportunidades. Acho que isso caracteriza a nova FAPESP nesses últimos 11 anos. O livro de Raymond e Young contava a história do sistema operacional Linux, por isso o Imre Simon tinha conhecimento disso. Ele imaginava que um software só podia ser desenvolvido com uma estratégia de catedral, cada pedra sendo usada com uma idéia muito clara de onde seria colocada. Era um processo essencialmente solitário, mas com uma visão de perfeição: algo que, uma vez pronto, não há o que mexer. E ele ficou surpreso com o Linux, que foi feito com uma estratégia aberta, digamos, de bazar. ■ Quando o senhor assumiu, a idéia de inovação tecnológica já estava presente? — Já estava presente no processo de escolha do diretor científico há 11 anos. A questão já polarizava o nosso Conselho Superior. É preciso lembrar como foi o processo de indicação: em 1993, com a saída do professor Flávio Fava de Moraes, o conselho, depois de várias discussões, reuniões e propostas de listas que vieram de várias fontes, optou por convidar dez pesquisadores para entrevistas. ■ Quase sabatinas. — Exatamente. A questão de como financiar a inovação tecnológica na empresa preocupava o conselho. E acho que uma das razões pelas quais eu fui escolhido é porque levei uma proposta operacional, compatível com a missão institucional de financiamento à pesquisa, isto é, de geração de conhecimento. Essa proposta era algo que eu e o professor Coutinho (Francisco Antônio Bezerra Coutinho) já havíamos formulado quatro anos antes. O Coutinho dava uma assessoria periódica ao então secretário de Ciência e Tecnologia, Décio Leal de Zagottis, do governo federal, que tinha status de ministro. E sempre trazia essa preocupação: "Como é que nós vamos resolver essa questão de projetos com empresas?". Depois de várias conversas chegamos a esse conceito PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 13
de que se poderia financiar, desde que houvesse uma contrapartida real da empresa nesses projetos de pesquisa. É o conceito de machting fund, tão enraizado na sociedade norte-americana onde até a TV pública funciona com financiamento parcial do governo e tem, teoricamente, atividades de fund raising com a sociedade: para cada US$ 1 que a população dá resulta na colocação de US$ 1 do governo federal. ■ Isso então foi determinante para sua escolha. — Acho que foi um dos fatores determinantes. Foi no momento da discussão desse assunto que senti que havia uma chance real de ser indicado. Não sei como os outros responderam, mas tenho certeza de que o conselho percebeu que havia uma oportunidade ali, que havia uma resposta clara e operacionalmente viável. Embora estivesse na lei, havia um certo desconforto da comunidade científica, que até hoje persiste um pouco, de achar que a FAPESP ia acabar perdendo seus recursos para as empresas. Mas o fato de eu ser também um pesquisador da área básica, com uma proposta dessa natureza, eliminava qualquer percepção de conflito de interesses. Tinha outra questão que também polarizava o conselho - acho que era menos grave, mas estava presente. Era sobre como deveria se dar o processo de avaliação quando entrássemos no financiamento da inovação tecnológica. Em particular havia um questionamento sobre nossas coordenações de área ("qual é o papel delas?") e se era uma forma de organização adequada para ter a melhor avaliação. E também nisso minha resposta foi bastante operacional porque propus analisar como é que era feito esse processo de avaliação dentro da National Science Foundation (NSF). ■ A avaliação deles é um pouco mais complicada do que a da FAPESP, não é? — Em certos aspectos a nossa é melhor porque na NSF eles têm um diretor de programa para cada área e subárea. Ou seja, têm muitos diretores de programa e acho que tomam as decisões de forma isolada. Nas nossas coordenações de área é como se tivéssemos um conselho gestor de programas. Isso permite uma discussão maior. 14 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
■ Houve mudança entre o sistema que existia e o sistema de assessoria e de coordenações de áreas depois da sua entrada? — Não. Nós fizemos melhorias pontuais, aperfeiçoamos em muitos aspectos o sistema, mas a sistemática permaneceu a mesma. Às vezes aumentamos o número de coordenadores de área, mudamos o perfil de cada uma das coordenações. Acho que o papel dos assessores adjuntos da Diretoria Científica se diferenciou em relação ao papel que tinham anteriormente. Por exemplo: os adjuntos, no momento, têm um espaço de discussão maior com as coordenações de área. Anteriormente funcionavam mais como uma instância superior e, atualmente, quando há uma discrepância da coordenação de área com os adjuntos, existe uma discussão maior. Isso é bom porque permite que, às vezes, a riqueza da reflexão que foi feita dentro da coordenação possa ser compartilhada com as instâncias posteriores ao processo. Também modificamos muito os formulários para avaliação dos projetos apresentados aos assessores. Por exemplo: introduzimos esse conceito de conflito de interesses na avaliação. Exigimos do assessor que identifique se ele se enquadra nas circunstâncias de potencial conflito de interesses com o projeto que está analisando. Trabalhei na coordenação de área muitos anos e às vezes descobria, a posteriori, que tinha feito um erro na escolha do assessor porque havia um potencial conflito de interesses. Não era conhecido como tal, nós não sabíamos, o próprio assessor não sabia se ele iria considerar aquilo como impeditivo ou não. Formalizar isso foi um passo importante. ■ O senhor renovou todos os assessores? — Não. Alguns eu mantive, como o Luiz Henrique (Lopes dos Santos), em humanidades, e o Rogério Meneghini, em ciências biológicas. Os outros foram substituídos. Saíram Hugo Armelin, que virou pró-reitor de pesquisa da USP, e Fernando Galembek, da Unicamp. O Sylvio Ferraz Mello saiu e para a área de engenharia eu trouxe o Alcir Monticelli (morto em agosto de 2001). Convidei o Antônio Paiva para a área de saúde, o Coutinho para a de exatas (mas também preocupado com a questão tecnológica) junto com o Luiz Nunes de Oliveira. Na verdade, Alcir, Cou-
tinho e Luiz Nunes cuidavam de exatas. O Luiz Henrique continuou em humanidades, mas antes tinha também o Franklin Leopoldo, que saiu. Mais tarde eu trouxe a Paula Montero, no momento em que o Luiz Henrique viajou para o exterior. Quando ele voltou, mantive os dois. O Edgar Dutra Zanotto entrou mais tarde, quando o Alcir saiu para ir para o Conselho Superior. Mais recentemente saiu o Paiva e eu trouxe o Walter Colli, em 2002. Quando o Rogério também saiu veio o Luiz Eugênio de Moraes Mello, no mesmo período. Costumo brincar dizendo que eles formam a Incrível Armada de Brancaleone da Diretoria Científica. ■ A vinda de Coutinho teve influência na criação do Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)? — O conceito do PITE já estava presente nas conversas com ele. Havia um documento sobre o assunto aqui na Diretoria Científica que tinha sido elaborado anteriormente, mas ainda não havia sido colocado em prática. Estudamos o documento e decidimos repensar aquilo. Era uma boa base de reflexão, mas faltavam duas palavras mágicas. Tinha que ser financiamento a atividade de pesquisa, tinha que ter parceria com a universidade - ou seja, tinha que ter um pesquisador da universidade apresentando a proposta, além da contrapartida real. Esses foram os três ingredientes que viabilizaram o PITE. Quem deu uma contribuição importante foi o Carmine Taralli, diretor de tecnologia da Pirelli e um entusiasta desses programas de parceria. Fiquei muito contente quando ele viu o projeto e disse: "Essa é a fórmula correta". Na realidade os projetos anteriores de parceria universidade-empresa não tinham esse compromisso da empresa com o risco. Essa contrapartida e a participação no risco do projeto e nos custos, é claro, dão o grande testemunho do comprometimento da empresa com o processo de transferência de conhecimento. O que havia antes disso eram declarações vagas de interesse, sem nenhum significado. Começamos a trabalhar no projeto em 1994 e em 1995 o aprovamos. A FAPESP manteve claro que o que a instituição financia na inovação tecnológica é a atividade de pesquisa. Esse é o negócio da FAPESP. Essa abertura para a inovação tecnológica foi feita, mas com
um rigor muito grande, porque isso é o que permite estabelecer um recorte da atuação da agência. Se você tira a palavra "pesquisa", passa a financiar tudo o que seja relevante para o desenvolvimento científico, tecnológico e universitário, você não tem limite entre o que é e o que não é financiável. ■ Havia desconfiança da parte da empresa para com a universidade e vice-versa? — Sim, havia muita desconfiança, que continua, ainda que em escala menor. Muitas das coisas feitas aqui na Diretoria Científica foram para tentar contribuir em uma mudança cultural. Tanto do ponto de vista acadêmico, como dizer para o pesquisador que quer fazer tecnologia que ele precisa da empresa, quanto no campo empresarial, alertar a empresa sobre o grande potencial que existe para eles se desenvolverem, do ponto de vista tecnológico, numa relação com a universidade. Tudo foi muito devagar. No primeiro ano foram oito projetos, muitos com problemas, porque não havia essa cultura de apresentação de projetos dessa natureza. E as empresas relutavam muito em dar contrapartida. Nós também tivemos que aprender. No começo não julgávamos adequado que fosse considerada contrapartida qualquer forma de complementação salarial que as empresas dessem para os pesquisadores. Foi um purismo da nossa parte e depois revisamos isso. Não que fôssemos contra essa complementação, mas era uma questão de que isso não devia ser, digamos, o cerne da contrapartida da empresa. Atualmente estamos conscientes de que essa forma de contrapartida é reconhecida não só como legítima, mas também essencial para viabilizar o processo. ■ Veja se a coisa funciona assim: o pesquisador vai desenvolver um projeto, digamos, um pigmento para tinta para a empresa. Ele faz uma parte do projeto na universidade, mas está junto com a empresa. E aí ele pode, como está de certa maneira trabalhando para algo que vai beneficiar a empresa, além do salário da universidade, receber um pagamento extra enquanto estiver fazendo aquele projeto. — É, como um pró-labore. É um estímulo muito bom; nós sabemos muito bem como são os salários da universidade.
■ Mas isso pegou mal, na comunidade científica? — Não, não pegou mal não. Não houve nenhuma reclamação nesse sentido. Agora, nesses projetos nós queríamos que ocorresse um ciclo virtuoso, em que houvesse geração de conhecimento que fosse transferido para a empresa -, mas que a universidade se enriquecesse nesse processo. Não queríamos criar um espaço para meras consultorias. Ouvi um depoimento muito interessante de um grupo da Unicamp, justamente sobre pigmentos de tinta, da Serrana. No fim do projeto os pesquisadores me disseram: "Aprendemos boa química". Eles geraram um pigmento, transferiram o conhecimento para a empresa, a empresa pagou royalties por isso - o que ajuda a financiar o laboratório - e foram taxativos em dizer que evoluíram com o projeto. Nesse caso, houve um ciclo virtuoso. Embora essas parcerias sejam importantes para a universidade e para a empresa, elas não resolvem nem o problema da universidade, de fontes alternativas de financiamento, nem o problema das empresas,
digamos, de dar saltos de desenvolvimento tecnológico. Porque a universidade tem o seu próprio ritmo de trabalho. O tempo acadêmico é diferente do tempo da empresa. ■ Quantos projetos foram financiados dentro do PITE? — Até 2004,87 projetos. Curiosamente, em vários momentos, o Coutinho achava que o programa iria terminar porque havia hiatos de demanda. Mas de vez em quando vinha um lote. E aí começaram a vir projetos em escala maior, empresas que começaram a buscar de forma mais sistemática essa parceria com a universidade, como a Embraer, a Rhodia e a Natura. É interessante que algumas dessas empresas, como a Natura, não querem transferir para a universidade o ônus de fazer inovação tecnológica. Eles sabem que essa relação com a universidade é enriquecedora para mantê-los informados com a fronteira do conhecimento na área deles. ■ Logo depois do PITE veio o PIPE, o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas. — O PIPE veio como uma conseqüência natural dessa reflexão. O programa foi pensado pela primeira vez quando o Alcir Monticelli entrou nesta sala com dois projetos da NSF que tinham sido enviados a ele para que desse um parecer. Isso porque ele era a principal referência bibliográfica apresentada dentro desses projetos, que tinham sido apresentados à NSF dentro da linha do SBIR (Small Business Inovation Research), um programa americano. Quando vimos aquilo ficamos fascinados e descobrimos que era objeto de uma lei aprovada pelo Congresso americano, que obrigava todas as agências federais de fomento com orçamento superior a US$ 100 milhões - e a Fapesp estaria no caso - a ter um programa que investisse cerca de 2,5% do seu orçamento nessa modalidade. ■ Foi a descoberta de um novo caminho. — Aquilo foi um novo mundo que se abriu. Era totalmente complementar ao PITE. Não tinha contrapartida porque a contrapartida era um dos fatores limitantes, pequenas empresas não tinham condições de dar. O Alcir preparou a nossa versão, discutimos, PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 15
aperfeiçoamos e lançamos em 1997, com o então governador Mário Covas aqui na FAPESP. Agora, havia dois tipos de objeção aqui dentro. A primeira era de natureza ideológica: pela primeira vez uma agência de fomento à pesquisa brasileira ia colocar dinheiro diretamente na empresa, no que se chama, na gíria, na área de investimento com retorno social ou de fundo perdido. ■ Como é que foram vencidas as resistências no conselho? — Explicamos que esse era um programa que é lei nos Estados Unidos e na França há programas similares. Essa resposta, digamos, que é até neoliberal, que o público não deve dar dinheiro para o privado, é do campeão do liberalismo econômico - teoricamente que são os Estados Unidos. Em 2002, houve um investimento de mais de US$ 2 bilhões no SBIR, uma coisa brutal. Essa objeção ideológica acaba também de ser superada no governo federal, com a Finep adotando o PAPPE (Programa de Apoio à Pesquisa em Empresas). É uma política de desenvolvimento tecnológico. A pequena empresa tem um papel importante nesse processo por causa desse caráter de flexibilidade, de agilidade... Bem, a outra objeção levantada no conselho da FAPESP é de que esse era um programa só para país desenvolvido, que exigir da pequena empresa um projeto de pesquisa que redunde numa inovação tecnológica de valor comercial e que ainda por cima tenha uma equipe competente para executar é uma equação que teria como universo-solução só o conjunto vazio. As apostas eram que teríamos meia dúzia de projetos apresentados. Qual não foi nossa surpresa quando recebemos 80 projetos no primeiro edital. Desses 80, 20 não tinham pesquisa, eram do tipo "me dá o dinheiro aí". Mas 60 foram mandados para dois assessores, que analisavam pesquisa tecnológica, mas em ambiente acadêmico. E, para nossa surpresa, 30 projetos tiveram dois pareceres favoráveis ou pelo menos um francamente favorável e outro com ressalvas que não seriam excludentes a um apoio, nessa estratégia de fases. O PIPE é genial como concepção. Eu posso dizer isso tranqüilamente porque nós copiamos, não foi inventado aqui. 16 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
■ Dividir o projeto em fases parece ter sido uma boa solução. — A concepção em fases é sábia, porque permite arriscar um pouco mais na fase 1, de estudo de viabilidade, com duração de seis meses, e depois ser mais rigoroso na fase 2, de execução do projeto. A fase 3 é a de produção e aí já não é financiada pela FAPESP. Em 2004 conseguimos essa parceria com a Finep com 20 empresas para a fase 3, por meio do PAPPE. Acho que foi um ato de sabedoria da Finep entender que o projeto aqui em São Paulo teria que ter características diferentes das que seriam utilizadas em outros estados, porque neles não havia o PIPE. Em São Paulo o PAPPE já é o PIPE 3, que é engenharia de produto e as empresas vão ser selecionadas com critérios com base em seu plano de negócios. É totalmente inovador. Outra coisa que também deu certo, sete anos depois, foi a parceria com o Sebrae e o Instituto Empreender Endeavor, porque permitiu o PIPE Empreendedor. Foi um passo importante dentro do PIPE essa idéia de as empresas, que são muito boas do ponto de vista tecnológico, mas muito carentes do ponto de vista de estratégia empresarial, terem um apoio de outra natureza. O PIPE Empreendedor é um programa notável no sentido de propiciar a capacitação das empresas, uma imersão numa reflexão bem prática de como ter sucesso como empresa. ■ Como se deu a reestruturação física nas universidades do estado com o Programa de Infra-Estrutura?. — O Infra-Estrutura começou em 1994. Reformamos bancadas que estavam totalmente sucateadas, assim como bibliotecas, infra-estrutura de rede e telecomunicações, a parte de equipamentos novos, equipamentos multiusuários... O sistema do Estado de São Paulo ficou muito bem equipado. O programa foi interessante porque, primeiro, fizemos um investimento emergencial pesado. Num segundo momento, passamos a entender esse problema da infra-estrutura no financiamento da pesquisa, por medidas que tratassem de se antecipar à repetição do problema. A partir daí criamos as reservas técnicas. A idéia é de garantir recursos - ao mesmo tempo que se
dá o apoio ao projeto de pesquisa que viabilizem a implantação, operação, manutenção dos equipamentos, coisas que tradicionalmente a FAPESP não financiava. A Fundação financiava o equipamento e dizia "virem-se para instalar, virem-se para manter". E sabemos muitc bem que, na realidade, não há sempre condições de fazer isso. Então passamos a ter esse investimento adicional. Logo, criamos condições para que o nosso investimento fosse mais fértil. Esse foi um conceito novo na história da FAPESP. ■ Como nasceu o Programa de Políticas Públicas? — Ele teve um precursor, que foi o programa de Ensino Público. A preocupação de fazer alguma coisa com ensino público começou muito cedo na gestão, quando fui provocado por algumas pessoas ligadas à questão do ensino de física no ensino médio: me perguntavam o que a FAPESP poderia fazer pelo ensino público. Aí nasceu essa idéia de fazer o programa de Ensino Público, que foi interessante porque começamos a ter essa experiência de como fazer programa junto com a comunidade. ■ Quem formulou o programa? — Luiz Henrique teve uma participação importante. A Maria Malta Campos, da Fundação Carlos Chagas, ajudou na discussão do programa e a Marília Spósito, que entrou depois, teve uma participação ativa na sua implantação. ■ E como se evoluiu daí para o Programa de Políticas Públicas? — O Programa de Apoio ao Ensino Público começou em 1996. Na verdade, a primeira pessoa que me falou de um projeto de políticas públicas foi Landi (Francisco Romeu Landi, então diretor presidente), depois de uma conversa com o secretário do Trabalho de Covas, Walter Barelli. Barelli, disse-me Landi, queria fazer um programa sobre empregabilidade e em razão disso eu recebi um grupo da secretaria. Depois, quem conversou muito com eles foi a Paula Montero, pessoa-chave nesse processo, já em 1998. Eu achei que não tinha sentido lançarmos um programa apenas sobre empregabilidade, era muito restrito. Decidimos então ampliar e aí nasceu o Políticas Públicas.
■ Quais os avanços que Programa Genoma trouxe? — Temos que cotejar objetivos com resultados, para fazer a avaliação. Os objetivos eram: primeiro, fazer ciência na fronteira do conhecimento. Segundo, formar recursos humanos altamente qualificados, em grande escala e em curto intervalo de tempo. Terceiro, mobilizar a comunidade científica do Estado de São Paulo para o estudo de problemas relevantes em termos socioeconômicos. Ora, todos esses objetivos foram alcançandos, é indubitável. Do ponto de vista científico, o volume, a qualidade e o impacto das publicações decorrentes do programa dão o testemunho de sua excelência. Além disso, temos mais de 60 laboratórios de pesquisa que trabalham com a técnica de genômica e de seqüenciamento genético no estado. Virou rotina. Todos se beneficiaram da incorporação dessas técnicas ao seu arsenal de ferramentas metodológicas. Parte dos recursos humanos formados se espraiou depois para a iniciativa privada, com a criação de pelo menos três empresas. Isso mostra que formar gente para depois gerar inovação tecnológica em empresa é um mecanismo usado no mundo inteiro que também funciona aqui. Por fim, a comunidade científica do Estado de São Paulo se preocupou em estudar os problemas socioeconômicos. Se olharmos todos os projetos genoma que fizemos, veremos que eles têm relevância para a agricultura, para a pecuária, para a saúde pública... ■ O Programa Genoma então demonstrou o vigor da capacidade de pesquisa quando mobilizada em torno de objetivos claros e definidos. — Sem dúvida. Os objetivos que eu mencionei estão claramente enunciados na proposta submetida ao Conselho Superior em 1997. Agora tivemos outros efeitos que, naquele momento, não se imaginava que fossem ocorrer. A visibilidade que o projeto adquiriu na mídia nacional e internacional é algo sem precedentes na história científica do país. Isso foi muito bom porque deixou claro que temos competência para fazer coisas muito ousadas, que conseguem chegar na capa da Nature. Muita gente, quando conheceu o projeto, achava que ia dar errado. Isso afãs-
Acho muito importante citar os pesquisadores que trabalharam como adjuntos na Diretoria Científica, cuja colaboração foi fundamental nesta minha passagem pela FAPESR São eles: Rogério Meneghini, Aicir Monticelli {in memoriam), Antônio Cechelli de Mattos Paiva, Francisco Antônio Bezerra Coutinho, Luiz Nunes de Oliveira, Paula Montero, Edgar Dutra Zanotto, Walter Colli, Luiz Eugênio de Moraes Mello e Luiz Henrique Lopes dos Santos
tou alguns setores da comunidade do projeto, por causa do risco de fracasso, o que traria conseqüências na imagem dos participantes. Esse Programa Genoma rompeu de forma definitiva a barreira que separava o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo da sociedade por meio da imprensa. ■ O senhor está deixando a FAPESP e se preparando para trabalhar na iniciativa privada. Qual é seu primeiro interesse nesse setor? — Essa empresa que criei, a PP&D Tecnologia, vai buscar mobilizar investidores para o desenvolvimento de inovação tecnológica decorrente da vitalidade do nosso sistema de pesquisa. Este é o principal foco. ■ Qual é a diferença entre uma empresa dessa e um fundo de capital de risco como a Votorantim Ventures, por exemplo?
— A atuação da PP&D é complementar. É diferente da empresa de capital de risco. Nós vamos identificar e oferecer oportunidades ao investidor. A PP&D pretende usar a minha experiência, e a de toda uma equipe aqui da FAPESP, o entendimento de todo o processo de inovação, as suas dificuldades e as oportunidades. ■ O senhor vai continuar dando aulas? — Vou sim, no Instituto de Física da USP, embora eu tenha me aposentado justamente no momento em que coloquei meu cargo à disposição na FAPESP. ■ Há pessoas que gostaria de citar, importantes no seu percurso aqui na FAPESP? — Há alguns que não posso deixar de mencionar. Na parte de genoma, tenho de agradecer ao Fernando Reinach, em especial, e ao Andrew Simpson. O Joly (Carlos Alfredo Joly) e o Vanderlei Canhos foram essenciais para o Biota. O Brito (Carlos Henrique de Brito Cruz) teve papel central em todas as nossas iniciativas da FAPESP, no período, porque era presidente da Fundação e do Conselho Superior na época. Outro integrante que deu um apoio importante no conselho foi o Jobson (José Jobson de Andrade Arruda), que ficou por dez anos como conselheiro e acompanhou toda minha trajetória na Diretoria Científica. Essa parceria com o conselho é fundamental porque muitas coisas ousadas foram feitas, que exigiam respaldo. E, mais do que isso, pediam estímulo. ■ Qual é a sua visão da FAPESP pensando no âmbito das instituições brasileiras? — A FAPESP tem uma responsabilidade muito grande porque é uma referência. Os nossos programas acabam virando paradigmas. Se tomarmos os projetos temáticos, eles se tornaram, no âmbito federal, o Pronex. Se tomarmos os nossos Cepids, eles viraram, no âmbito federal, os Institutos do Milênio. O genoma paulista inspirou um grande projeto genoma nacional. O nosso PIPE foi a referência para o PAPPE, da Finep. O fato de ser uma agência regional, com essas características de autonomia e com garantia de recursos, confere à instituição um papel muito importante. Permite explorar novos modelos, ter uma ousadia maior. A FAPESP vai ter importância crescente. • PESOUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 17
I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
0 virtual une o Sudeste Asiático
A Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean) saiu em busca de dinheiro privado para fortalecer o recém-criado Instituto Virtual de Ciência e Tecnologia. Trata-se de um centro voltado para fortalecer a formação de pesquisadores, que vai integrar pela internet universidades dos países-membros da Asean (Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mian-
■ Um novo debate sobre patentes A multinacional GlaxoSmithKline (GSK), maior companhia farmacêutica da Europa, quer que o governo do Reino Unido encampe sua idéia de promover uma mudança global nas normas sobre patentes - aproveitando a ascensão do primeiro-ministro britânico, Tony Blair, à presidência do G-8 (o grupo dos sete países mais industrializados do planeta mais a Rússia). A proposta da GSK é criar um sistema compensatório, pelo qual o desenvolvimento de remédios contra doenças do Terceiro Mundo seja premiado com a extensão das patentes de medicamentos de interesse do Primeiro Mundo. Em resumo: drogas contra o câncer custariam caro por mais tempo e esse dinheiro subsidiaria a pesquisa de remédios contra moléstias tropicais. Michael Bailey, conselheiro da organização nãogovernamental Oxfam, condenou a proposta da GSK e defendeu a manutenção das normas sobre patentes que, segundo ele, guardam con-
quistas importantes. Em 2001, a Organização Mundial do Comércio (OMC) autorizou países a quebrar temporariamente patentes em situações de emergência. A decisão da
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mar, Cingapura, Tailândia, Filipinas e Vietnã). A idéia é promover cursos on-line, em que estudantes e professores reúnam-se em classes virtuais e interajam por meio de softwares de voz e de vídeo. O instituto foi fundado em maio com verbas da Asean e da ONU, mas ainda engatinha. Em reunião realizada em novembro, ministros dos países-membros decidiram
OMC encerrou uma guerra entre laboratórios e governos que, num de seus rounãs, opôs o Brasil e multinacionais como a Glaxo. (The Independent, 29 de novembro) •
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18 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
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Laboratórios quase nao investem em remédios contra doenças dos pobres
alocar mais recursos no projeto. Com isso, os primeiros cursos serão ministrados neste mês, abordando temas como bioinformática, ecoturismo e inovação tecnológica. "É um projeto excitante, mas ainda precisa encontrar meios de se tornar sustentável", diz o ministro da Ciência da Indonésia, Kusmayanto Kadiman. (SáDev.Net, 6 de dezembro) •
■ Na cadeia, acusado de traição O físico russo Valentin Danilov, de 53 anos, foi sentenciado em novembro a 14 anos de prisão, acusado de passar segredos tecnológicos para a China. Em 2001, o FSB (Serviço Federal de Segurança), órgão de inteligência que sucedeu a extinta KGB, acusouo de vender o projeto de um equipamento capaz de medir os efeitos de ondas eletromagnéticas em satélites. O aparelho, diz a FSB, pode ajudar a China a desenvolver armas ameaçadoras para a Rússia. Ex-membro da Academia Russa de Ciências, afastado do comando do Instituto de
Termodinâmica de Krasnoyarsk, Danilov tornou-se um símbolo da ofensiva da FSB contra pesquisadores e ecologistas acusados de traição. É certo que a decadência do país na década passada desarticulou a infra-estrutura científica, abrindo espaço para a venda de segredos. Mas, para entidades de defesa dos direitos humanos, Danilov é um bode expiatório. Ele sempre admitiu que vendeu a tecnologia, mas argumenta que não se tratava de segredo. Em 1992, sua pesquisa chegou a ser publicada em jornais científicos. Ele foi absolvido em primeira instância, mas promotores recorreram e, agora, ele foi condenado. (Nature, 2 de dezembro) •
■ Veredas do sertão africano Uma parceria entre a Agência Espacial Européia (ESA) e a organização não-governamental Médicos sem Fronteiras produz mapas talhados para orientar voluntários de entidades humanitárias que atuam em regiões paupérrimas ou conflagradas. Trata-se do projeto Human (Medicai Humanitarian Disaster Mapping Service), que desde 2003 fornece sob encomenda mapas construídos com base em imagens de satélite. A novidade é que as próprias organizações não-governamentais agora podem produzir seus mapas, utilizando um banco de dados on-line da ESA. A princípio, a experiência se limita ao território africano, mas a idéia é estender a cobertura para a Ásia e as Américas Central e do Sul. Além das funções convencionais de navegação, como ampliação em detalhes, o usuário pode fazer buscas e identificar es-
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Banco de dados ajuda a levantar a topografia
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£t& ®. tradas, rios, cidades e aeroportos. Também pode personalizar o mapa, incluindo logotipos, anotações e pontos de interesse. Por um período de teste, o banco de dados oferece gratuitamente as informações para entidades humanitárias. No futuro, os custos deverão ser divididos entre todos os clientes do serviço. {ESA News, 30 de novembro) •
■ Encontro nas águas Vem aí a Escola de Oceanografia da Europa e da América Latina, uma iniciativa de universidades dos dois continentes. A coordenação caberá à Universidade de Concepción, no Chile. "Vamos promover cooperação internacional tanto em educação como
em pesquisa", diz Tarsicio Antezana, professor da universidade chilena. Fazem parte do projeto universidades da Costa Rica, Colômbia, Peru, Equador, Chile. Alemanha, Espanha, Suécia e Reino Unido. Enquanto os sócios europeus concentrarão suas investigações na Antártida e nas mudanças climáticas, os latinoamericanos investirão em temas como a pesca sustentável, a poluição marinha e a corrente de Humboldt, que traz nutrientes de águas profundas. O esforço internacional também é impulsionado por razões econômicas. "Iremos nos beneficiar da estrutura dos europeus, que têm dezenas de navios oceanográficos, enquanto nós, aqui no Chile, só dispomos de dois", afirma Antezana. (SciDev.Net, 22 de novembro) •
Um pioneiro se aposenta Aos 74 anos de idade e 42 de carreira, o astronauta norte-americano John Young anunciou sua aposentadoria, encerrando uma trajetória que se confunde com a aventura da conquista espacial. Membro da segunda turma de astronautas formados pela Nasa, o ex-piloto e engenheiro aeronáutico encontrou sua vocação ao ouvir o discurso do então presidente John Kennedy, propondo a ida à Lua e o retorno em segurança para a Terra. "Achei uma ótima idéia aquela parte de voltar em segurança para a Terra", disse Young. Tripulou as missões Gemini 3 e 10, participou de duas missões Apollo - numa delas, em
Young nos anos 1960 e hoje: 835 horas no espaço
1972, passou três noites na Lua. Em 1981 comandou o vôo inaugural dos ônibus espaciais, a bordo do Columbia, que voltaria a pilotar em 1983. Ao todo, foram 835 horas no espaço. Depois seguiu carreira executiva na Nasa. Sua apo-
sentadoria ganhou um ar nostálgico num momento em que o programa espacial está suspenso, em virtude da explosão do Columbia em 2003, e centenas de astronautas treinados pacientemente aguardar vez de ir ao espaço.
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ESTRATéGIAS
MUNDO
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
Operação resgate
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http://www.laciencia.org 0 portal vinculado ao Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências de Saúde (Bireme) reúne notícias de sites científicos selecionados.
A índia vai ressuscitar uma antiga estratégia para conter a fuga de cérebros e fortalecer a pesquisa nas universidades. Trata-se da reedição de um programa, criado em 1984 pela então primeira-ministra Indira Gandhi e desativado em 1992, cujo objetivo é atrair para o país jovens pós-doutores indianos em atividade no exterior. Eles terão a chance de escolher as universidades e laboratórios em que desejam trabalhar. E receberão salários equivalentes aos de docentes veteranos. Perto de cem cientistas de diversas disciplinas foram repatriados na experiência dos anos 1980, interrompida quando o partido de Indira perdeu a maioria no Parlamento. A iniciativa foi boicotada pelo governo seguinte. Com o fim do programa, boa parte dos cientistas recrutados perdeu regalias e vários acabaram demitidos. Processos por indenizações e recondução arrastamse na Justiça. Daksh Lohiya, um dos repatriados demitidos, faz um alerta: "Será difícil convencer pesquisadores
a voltar sem que antes se faça justiça aos cientistas que ficaram à míngua". (SciDev.Net, 29 de novembro) •
■ Impulso para a agricultura no golfo O Catar lançou duas iniciativas para aumentar a cooperação com pesquisadores de outras cinco nações do golfo Pérsico: Bahrain, Kuwait, Oman, Arábia Saudita, Emirados Árabes. Um dos projetos é a Rede de Pesquisa Agrícola do Golfo, um centro de informações on-line que vai divulgar dados sobre pesquisas e estratégias levadas a cabo nos países. Os pesquisadores poderão disponibilizar a íntegra de seus trabalhos no site e consultar a produção dos colegas. O segundo projeto é o Centro Agro-Biotecnológico do Catar, que vai criar um banco de variedades genéticas de plantas da região e promover pesquisas sobre resistência de cultivares à terra seca, alta salinidade e temperaturas elevadas. (SciDev. Net, 24 de novembro) •
20 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
http://www.ib.usp.br/limnologia/index/ Página sobre limnologia, o estudo científico das extensões de água doce, coordenado por um grupo de pesquisa do Instituto de Biociências da USP.
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http://gaiileo.rice.edu/ 0 site reúne dados sobre a vida e as descobertas do matemático, astrônomo e físico italiano Galileo Galilei (1564-1642), silenciado pela Inquisição.
ESTRATéGIAS
BRASIL
Competência para testar os satélites No mais tardar em outubro de 2006 entrará em órbita o novo Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (CBERS), fruto de uma parceria de 16 anos entre o Brasil e a China para realizar monitoramentos ambientais, urbanos e agrícolas. Uma novidade no CBERS 2B (os precursores são o CBERS 1 e o CBERS 2) é que ele será montado e testado integralmente no Brasil. O anterior, que entrou em órbita em 2003, teve de realizar testes acústicos na China. E a falta de uma grande câmara para ensaios térmicos fez com que o satélite tivesse de ser desmontado e testado em dois pedaços, procedimento não ideal. O problema dos testes acústicos foi resolvido em 2002, quando o Laboratório de Integração e Testes do Insti-
■ Macari vence eleição da Unesp Marcos Macari, professor da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV), campus de Jaboticabal, e Herman Voorwald, da Faculdade de Engenharia, campus de Guaratinguetá, foram os preferidos da comunidade universitária para ocupar os cargos de reitor e vice-reitor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (Unesp), no mandato de 2005 a 2008. A chapa vencedora teve 37,8% dos votos na eleição realizada em novembro,
Laboratório de Integração e Testes do Inpe: reequipado para testar o CBERS 2B
tuto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, passou a contar com uma câmara reverberante. E, até 2006, deverá dispor de uma grande câmara para ensaios térmicos no vácuo. O satélite começará a ser construído no
ante 28,7% da chapa Amilton Ferreira (Instituto de Biociências, campus de Rio Claro) e Neivo Zorzetto (Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília). A lista tríplice encabeçada por Macari foi enviada no dia 15 de dezembro ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, a quem cabe fazer a nomeação. Professor titular do Departamento de Morfologia e Fisiologia Animal da FCAV, Macari, de 54 anos, era pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Unesp. Em novembro, foi nomeado vicepresidente do Conselho Superior da FAPESP. Graduado
segundo semestre de 2005. Depois será levado ao Centro de Lançamento TSLC, na China. A construção do CBERS 2B não estava prevista no cronograma original. A idéia era substituir o CBERS 2, que ainda tem dois anos de vida útil, pelo
em Ciências Biológicas Modalidade Médica pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em fisiologia humana
Macari: 37,8% dos votos
CBERS 3, de tecnologia mais avançada. "Como o CBERS 3 só virá em 2008, optou-se por montar um satélite similar aos anteriores para dar continuidade ao programa", diz Carlos Lino, gerente de montagem, integração e testes do CBERS. •
pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, também da USP, fez pós-doutorado no Agricultural Research Council de Cambridge, Inglaterra, na Universidade de Yamagushi, Japão, e na Universidade de Lavai, em Quebec, Canadá. A Unesp, universidade estadual com maior presença em cidades paulistas, 23 ao todo, forma cerca de 4 mil estudantes todos os anos. Reúne 25.145 alunos de graduação e 9.621 alunos de pós. Seus 3.303 professores ministram um total de 166 cursos de graduação, 102 de mestrado e 88 de doutorado. •
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 21
0 expresso da arqueologia
■ Provocações intelectuais A Editora Unesp está lançando a Coleção Paradidáticos, com livros que abordam temas científicos e culturais, como reforma agrária, nanotecnologia, biodiversidade, energias de fissão e de fusão, planejamento urbano e biologia evolucionária, entre outros. A coleção é voltada a alunos do ensino médio, professores do ensino fundamental e ao público leigo em geral. Os assuntos foram escolhidos com base nos programas de ensino previstos no Ministério da Educação. A intenção é atingir todas as áreas do conhecimento. Numa primeira etapa, até setembro de 2005, serão publicados 49 títulos, escritos por professores de algumas das principais universidades e instituto de pesquisa do país. Os livros têm pouco mais de 100 páginas, oferecem sugestões de leitura e um glossário com os conceitos envolvidos na obra. Também propõem "questões para reflexão e debate" para provocar intelec-
Paulo Zanettini, dono de uma empresa de pesquisas arqueológicas que trabalha para governos e prefeituras, encontrou uma forma inusitada de envolver em seus projetos as comunidades dos locais onde trabalha. Um ônibus, que faz as vezes de museu e centro de exposições ambulante, acompanha os arqueólogos, divulga os achados e realiza atividades educativas. Nos últimos seis meses, o Arqueobus, como o ônibus é chamado, percorreu 15 mil quilômetros e aportou em quatro lugares: Campinas, no interior paulista, Vila Bela da Santíssima Trindade, no Mato Grosso, Alto Horizonte, em Goiás - cidades em que a empresa realiza projetos de resgate do patrimônio arqueológico e, por fim, Brasília, onde foi apresentado para auto-
tualmente o leitor. As seis primeiras obras já estão disponíveis: A persistência dos deuses: religião, cultura e natureza, A luta pela terra, Edu-
0 ônibus (ao lado) e seu público (acima): divulgação científica
ridades e a população. No périplo, 75 mil pessoas visitaram o ônibus. O veículo dispõe de computadores disponíveis para a realização de cursos gratuitos. Também é usado como suporte para escavações em lugares distantes - aliás, sua função
cação e letramento, Imprensa escrita e telejornal, O verbal e o não verbal e Planejamento urbano e ativismos sociais. Custam R$ 15 cada um E podem ser comprados na Editora Unesp (http://www. editoraunesp.com.br) •
■ Premiado na Itália o reitor da USP
Livros da coleção: público jovem
22 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
O reitor da Universidade de São Paulo, o professor de geologia Adolpho José Melfi, foi agraciado com o Prêmio da Academia de Ciências do Terceiro Mundo, categoria Ciências da Terra, por suas contribuições em campos do conhecimento
original. "O Arqueobus nasceu da idéia de disponibilizar tecnologia às equipes, mas logo ganhou uma outra dimensão", diz Paulo Zanettini. Em 2005 há viagens programadas para o Mato Grosso e a região do Arraial de Canudos, na Bahia. •
como o estudo de solos tropicais e a geoquímica da superfície. O anúncio foi feito em Trieste, na Itália, no dia 23 de novembro, na reunião anual da academia. Também foi agraciado, na categoria Biologia, o médico Jorge Kalil, diretor da Faculdade de Medicina da USP e do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração. Ao todo foram três os premiados na América Latina. Além de Melfi e Kalil, o argentino Miguel Angel Blesa, da Universidade Nacional General San Martin, foi agraciado na categoria Química. Os prêmios serão entregues na próxima reunião da academia, no final de 2005. .
■ Pólo aerospacial de empresas Foi lançada no dia 31 de novembro a Incubadora Aeroespacial (IncubAero), pólo de micros e pequenas empresas de base tecnológica em São José dos Campos, Vale do Paraíba, vinculado ao Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA) e a Fundação Casimiro Montenegro Filho, ligada ao ITA. Com um espaço de 900 metros quadrados, poderá abrigar, numa primeira etapa, até dez empresas de áreas consideradas prioritárias, como instrumentação, nanotecnologia
aeroespacial, eletrônica, laser, materiais especiais, mecânica/mecatrônica, meio ambiente e telecomunicações. O objetivo é aproveitar o potencial do conhecimento acadêmico gerado pelo ITA para a formação de novos empreendedores em áreas de alta tecnologia. A idéia é ambiciosa. O modelo em que a incubadora se inspira é o da Nasa, a agência espacial norte-americana, cujos fornecedores são, na maioria (80%), pequenos empresários. As inscrições de empresas interessadas para participar do projeto foram abertas no dia 6 de dezembro. Está definido que, após o período de incubação, as em-
presas receberão incentivos da prefeitura de São José dos Campos para permanecer na cidade. •
■ Centenário de uma revolução Os trabalhos de Albert Einstein no prolífico ano de 1905 e suas conseqüências para a ciência dos séculos 20 e 21 serão o mote do Convite à Física 2005, programa de colóquios promovido pelo Departamento de Física Matemática do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Os colóquios são abertos ao público em geral, mas voltados aos estudantes de gra-
duação da USP em particular. A meta é apresentar a física e suas aplicações em linguagem acessível. A programação começa no dia 9 de março, com o colóquio "Einstein 100", do professor Moysés Nussenzveig, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e segue até 30 de novembro, com "Um sonho de Einstein: a unificação das leis da física", do professor Victor Rivelles, do Instituto de Física. Os colóquios serão realizados às quartas-feiras, às 18 horas, no Auditório Abrahão de Moraes, no Instituto de Física. A entrada é livre e não é necessário se inscrever previamente. •
Governador nomeia Engler; Brentani toma posse O governador Geraldo Alckmin nomeou Joaquim José de Camargo Engler para ser diretor administrativo do Conselho TécnicoAdministrativo da FAPESP no período de 2005 a 2008. Será o quinto mandato consecutivo de Engler à frente da diretoria. Engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), na qual é professor titular, Engler era o primeiro nome da lista tríplice elaborada pelo Conselho Superior da Fundação,
Engler: novo mandato
Brentani: empossado
no dia 8 de dezembro, e encaminhada ao governador. O diretor administrativo da FAPESP é doutor em agronomia pela Esalq, Master of
Science (MS) e Doctor of Philosophy (Ph.D.) em Economia Agrícola pela The Ohio State University, nos EUA. No dia 16 de dezem-
bro tomou posse o novo diretor-presidente do Conselho Técnico-Admistrativo (CTA) da FAPESP, o médico Ricardo Renzo Brentani. Professor titular da Faculdade de Medicina da USP, Brentani assumiu o cargo que estava vago desde o falecimento de Francisco Romeu Landi, em abril. "É uma felicidade muito grande passar a integrar a família da FAPESP. Espero corresponder à confiança que foi em mim depositada", disse Brentani, após assinar o contrato correspondente ao mandato de três anos. •
PESUUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 23
POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA
BIOTECNOLOGIA
Sinais de
vigor
Acordo com Instituto Pasteur e artigo em revista internacional evidenciam os avanços brasileiros
FABRíCIO MARQUES
A competência que o Brasil acumuã^L lou em biotecnologia aplicada ÉmJL à saúde pôde ser vislumbrada ã M em dois acontecimentos re^L M> centes e sem aparente ligação. Um deles foi a assinatura de um acordo entre o Instituto Pasteur, de Paris, e a FAPESP, por meio do qual um grupo de pesquisadores brasileiros vai participar do esforço internacional para seqüenciar o genoma do mosquito Aedes aegypti, vetor de moléstias como a dengue e a febre amarela. Ao grupo brasileiro, encabeçado por Sérgio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, caberá a tarefa de identificar fragmentos de genes ativos do mosquito, chamados tecnicamente de ESTs (etiquetas de seqüência expressa). Esses pedaços de genes, que carregam a receita a ser usada pelas células para fabricar suas proteínas, podem ser de grande utilidade para o de-
senvolvimento de formas de prevenção das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti. "Ainda é raro o Brasil ser convocado a participar de uma iniciativa como essa", diz Verjovski, que em 2002 liderou um esforço semelhante para mapear os fragmentos de genes ativos do Schistosoma mansoni, parasita causador da esquistossomose. O convite ao grupo brasileiro é importante porque reconhece a contribuição ao mapeamento do Schistosoma e parte de uma instituição, fundada na França em 1887, que é referência planetária em pesquisa de saúde. A segunda boa notícia foi um artigo de cinco páginas a respeito do Brasil, publicado num suplemento especial da revista Nature Biotechnology sobre sete países em desenvolvimento (África do Sul, Brasil, China, Coréia do Sul, Cuba, Egito e índia) que vêm obtendo avanços na biotecnologia aplicada à saúde. A inclusão do PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 25
Precursor do salto O artigo sobre os avanços da biotecnologia no Brasil, publicado na Nature Biotechnology, resgatou a contribuição do pesquisador e empresário Marcos Luiz dos Mares Guia (1935-2002). Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ele criou no final dos anos 1960 a Biobrás, fábrica de enzimas na cidade de Montes Claros, norte do estado, erguida com apoio financeiro da Sudene. O tino para os negócios surgira dois anos antes. Em parceria com o irmão, o atual ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, o pesquisador criou em 1966 o curso pré-vestibular Pitágoras, em Belo Horizonte. A Biobrás foi crescendo graças à integração com a universidade e o aproveitamento de estudantes de pós-graduação. Nos anos 1980 começou a roduzir insulina por meio de um
Brasil nesse time não chega a ser uma novidade. Em meados da 2002, um relatório da Organização Mundial da Saúde sobre os benefícios da pesquisa genética na saúde pública já apontava a contribuição de quatro países (Cuba, índia, China e Brasil) como exceções à supremacia do Primeiro Mundo. O suplemento da Nature Biotechnology foi adiante e deu nome aos bois. Destacou, entre outros, o sucesso na índia na produção de remédios baratos, a proeza cubana de desenvolver uma vacina contra meningite B, a capacidade do Egito de produzir insulina recombinante e o êxito da Coréia de Sul na transferência de tecnologia para o setor privado. África do Sul e Brasil chamaram a atenção também por publicar os resultados de suas pesquisas em revistas científicas de grande impacto, comparados a outros países do estudo. Algumas contradições foram identificadas. No Brasil, o acesso da população pobre a medicamentos é relativamente baixo, 26 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
acordo de transferência tecnológica com a multinacional Lilly. Quando o acordo foi rompido, Mares Guia saiu em busca de uma nova tecnologia de produção, que culminou com a obtenção de uma das quatro patentes do mundo de insulina humana recombinante. "Em 1990, quando transformamos a insulina de porco em humana por via química, ganhamos o prêmio IBM de Desenvolvimento Tecnológico", lembrou o cientista e empresário em depoimento registrado pelo site Galeria dos Inventores Brasileiros (http://inventa brasilnet.t5.com.br) "Conseguimos desenvolver a tecnologia por via enzimática com muita eficiência e a par-
ao contrário do que ocorre na China, no Egito, na África do Sul, em Cuba e na Coréia do Sul. O artigo sobre o Brasil foi escrito por um grupo de pesquisadores do Chile e do Canadá que entrevistou 33 pessoas no Brasil ao longo dos últimos três anos. O texto faz um inventário das contribuições a partir dos anos 1970, quando o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) lançou programas pioneiros em biotecnologia, até a recente criação de um banco de DNA de espécies ameaçadas no Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Entre um feito e outro são relembrados êxitos de empresas como a mineira Biobrás, que nos anos 1990 passou a produzir insulina humana recombinante, e a FK Biotecnologia, de Porto Alegre, na área de imunodiagnóstico. Ou a excelência na fabricação de vacinas colecionadas por instituições públicas, como o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. O artigo destaca, apesar das mudanças de governo, o investimento con-
Mares Guia: insulina recombinante tir daí fazer.... < nnante. tica recombii Quem atuou foi a equipe da Biobrás, eu fui o general.' Entre 1991 e 1993, Mares Guia presidiu o Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Depois mudou-se para Miami para cuidar dos negócios internacionais da empresa, que, em 2001, acabou sendo vendida para o grupo dinamarquês Novo Nordisk. Até o fim da vida manteve o vínculo com a academia, como chefe do Laboratório de Enzimologia e Físico-Química de Proteínas da UFMG. Mares Guia morreu em agosto de 2002 em Belo Horizonte, aos 67 anos, em conseqüência de complicações no pâncreas.
sistente em biotecnologia, mas pondera que, embora tenha se traduzido num notável aumento da publicação de artigos científicos, o esforço não se materializou numa quantidade equivalente de patentes. Pioneiros - Nenhum dos avanços, afirma o texto da Nature Biotechnology, foi tão notável no Brasil quanto o seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, um programa coordenado pela FAPESP. "Atuando como plataforma de lançamento, essa iniciativa pública instilou a confiança nacional e trouxe reconhecimento internacional à competência da genômica brasileira. Mais importante, está catalisando a pesquisa pós-genômica em males como a doença de Chagas e o câncer, com vacinas e células-tronco", diz o texto. Nos parágrafos finais, o artigo faz referência a dois pioneiros que, segundo os entrevistados, tiveram papel fundamental no desenvolvimento do setor. Um deles é Marcos Luiz dos Mares Guia (19352002), professor da Universidade Federal de Minas Gerais e fundador, nos
anos 1990, da Biobrás (leia quadro). O outro é o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, pela coordenação de esforços no projeto da Xylella fastidiosa. "Estamos num momento de grande ebulição da biotecnologia e a musculatura brasileira nesse campo não pode ser considerada episódica", afirma Perez. "O papel da FAPESP foi central e a instituição sempre será reconhecida como grande catalisadora." E nesse ponto que o artigo da Nature e o acordo FAPESP-InstitutoPasteur convergem e se misturam. Para mapear o genoma da Xylella fastidiosa, a FAPESP organizou a rede ONSA, na sigla em inglês, consórcio virtual de laboratórios ge0 Schistosoma, causador nômicos do Estado de São da esquistossomose, e o Aedes, Paulo formado inicialmente transmissor da dengue: por 30 instituições. Foi no em busca dos genes ativos âmbito desse consórcio que, nos últimos anos, diversos programas foram deflagrados, entre credenciou o grupo de Verjovski a pareles a identificação dos fragmentos de ticipar do mapeamento do Aedes aegypgenes expressos do Schistosoma mansoti, no âmbito de um programa do Insni, sob a liderança de Sérgio Verjovskitituto Pasteur para a América do Sul, o Almeida. O grupo gerou 163 mil seAmsud-Pasteur. O objetivo geral é o qüências parciais de genes ativos nos mesmo do estudo do Schistosoma: seis principais estágios do ciclo de vida identificar fragmentos de genes do Aedo parasita da esquistossomose, desde des aegypti que tenham papel na disseas formas que vivem livremente na minação da dengue e da febre amarela. água doce até as que habitam seu hosO grupo terá a tarefa de gerar 100 mil pedeiro intermediário, o caramujo, e as ESTs, que se somarão a outras 170 mil que infestam o homem. Antes da publietiquetas geradas por outros grupos. O cação dos resultados da rede ONSA, processo gera uma infinidade de sehavia só 16 mil fragmentos de genes, ou qüências repetidas - mas, quanto maior etiquetas de seqüência expressa (ESTs), o número de etiquetas geradas, maior a do verme da esquistossomose nas bases chance de encontrar fragmentos de gepúblicas de dados, 75% delas derivadas nes ainda desconhecidos. O Instituto do estágio adulto do parasita. "Antes Pasteur fornecerá a matéria-prima para eram conhecidas as seqüências coma pesquisa: bibliotecas de cDNA - banpletas de apenas 163 genes do verme. cos de seqüências estáveis de DNA obElevamos esse número para 510 genes tidas do RNA mensageiro, corresponcompletos e 14 mil com seqüências pardentes aos genes em atividade. ciais", diz Verjovski. Para ter uma idéia do ineditismo Esse trabalho, publicado em setemdessa iniciativa, pode-se lembrar de um bro de 2003 na revista Nature Genetics, raríssimo precedente que foi a cola-
boração entre brasileiros e norte-americanos no estudo da Xylella fastidiosa. O patógeno que ataca os citros no Brasil tem linhagens que causam prejuízos em videiras, espirradeiras e amendoeiras nos Estados Unidos. "Esses grupos são extremamente fechados, daí a importância de nos integrarmos ao esforço internacional do Aedes aegypti) diz a pesquisadora Ana Lúcia Tabet Oller Nascimento, do Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan, que participa do projeto. Além dela e de Verjovski, o grupo é composto por Carlos Menck, geneticista do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Suely Lopes Gomes e Hamza El Dorry, ambos do Instituto de Química. Verjovski, Ana Lúcia e Menck trabalharam juntos no projeto do Schistosoma mansoni. Bioterrorismo - O seqüenciamento dos fragmentos gênicos do Aedes aegypti deve começar em janeiro e promete estar concluído no ano que vem. A parceria entre o Brasil e a França fará parte do projeto internacional do genoma do mosquito, coordenado pelo The Institute for Genomic Research (TIGR), dos Estados Unidos. Esse estudo teve início em 2004, sob a liderança de David Severson, da Universidade Notre Dame, Indiana, que participou do mapeamento do mosquito Anopheles gambiae, transmissor da malária. O projeto recebeu financiamento do governo norte-americano porque integra a rede Microbial Sequencing Center, força-tarefa científica incumbida de pesquisar patógenos e vetores potencialmente utilizáveis como armas de bioterrorismo. Nem é preciso recorrer a teorias conspiratórias para perceber a ameaça que o Aedes aegypti encarna. As cíclicas epidemias de dengue no Brasil e a ameaça de retorno da febre amarela aos grandes centros urbanos já são evidências contundentes. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 27
I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA FOMENTO
O desafio de ousar Comissão internacional avalia os dez Cepids Os dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), criados pela FAPESP em 2000 com a missão de desenvolver pesquisas multidisciplinares na fronteira do conhecimento, transferir conhecimento para os setores público e privado e promover atividades educacionais, passam por um importante processo de avaliação. A primeira fase do programa se encerra em 2005. Ao longo dos últimos quatro anos, os centros apresentaram relatórios anuais de atividades, mas a renovação dos contratos, por um período de três anos, depende dos resultados de avaliação realizada por uma comissão internacional formada por especialistas em cada uma das áreas de atuação dos centros. No segundo semestre de 2004 essas comissões realizaram várias visitas a cada um dos centros, entrevistaram pesquisadores e alunos, conforme a praxe internacional, e formularam uma série de recomendações, inclusive à própria FAPESP, que deverão ser contempladas nas propostas para a fase II do programa a ser apresentadas à FAPESP até o dia 31 de março. Os projetos aprovados serão novamente reavaliados em 2008 antes de renovação contratual por um período de mais três anos. O rigor se justifica especialmente nesta fase de implantação. "O programa foi a primeira linha de financiamento de pesquisa de longo prazo adotada pela Fundação. Envolve um volume expressivo de recursos e exige contrapartidas das instituições às quais os Cepids estão vinculados", afirma José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. 28 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Centro Antônio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural Centro de Estudos da Metrópole Centro de Estudos da Violência Centro de Estudos do Genoma Humano Centro Centro Centro Centro
de de de de
Estudos do Sono Pesquisa em Óptica e Fotônica Terapia Celular Toxina Aplicada
Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos
Os pareceres expressaram entusiasmo com as propostas desenvolvidas nos Cepids e houve unanimidade no julgamento de manter e até ampliar o programa. "Os integrantes das comissões ficaram encantados com o sistema de avaliação e com a dedicação dos pesquisadores com as atividades de transferência de conhecimento. Temiam que esses fossem aspectos superficiais", revela Perez. "Surpreenderam-se também com a disposição dos pesquisadores de dedicar parte substancial de seu tempo para as atividades de ensino." Para os avaliadores internacionais, o grande desafio para os Cepids está em conferir mais ambição aos projetos e uma maior focalização das atividades de pesquisa. "Isso, naturalmente, implica desenvolver projetos de maior risco", salienta Perez. Proposta ampliada - O programa Cepids inspirou-se no modelo norteamericano adotado por 11 Centros de Ciência e Tecnologia da National Science Foundation. O programa da FAPESP estabeleceu um novo paradigma para a atividade científica, já que integra a pes-
quisa, a transferência do conhecimento para a sociedade e a educação. É corolário de vários programas: congrega um perfil multidisciplinar, representado pelos projetos temáticos; a transferência de conhecimento, que caracteriza os programas de Políticas Públicas, Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE) e Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) - e programas de educação, como o de Ensino Público. Por tudo isso os Cepids são mais complexos e se constituem num desafio para todos os atores envolvidos. Para conferir mais ousadia aos projetos, consolidar a equipe e atender à demanda dos coordenadores, a Fundação criou comissões de supervisão que incluem, além das lideranças dos centros, pesquisadores externos. Adotou também uma série de medidas "facilitadoras", como a concessão de uma cota de bolsas de pós-doutoramento e de treinamento técnico e de dois auxílios em nível de pós-doutoramento - no âmbito do Programa Jovens Pesquisadores para cada centro. Essa medida poderá se estender também para os projetos temáticos, adianta Perez. •
I POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INFORMATIZAÇÃO
Processos eletrônicos SAGe agiliza a apresentação, análise e julgamento de pedidos de bolsas e auxílios a pesquisa Este ano de 2005 é um ano de mudanças significativas na FAPESP. Entra em funcionamento o Sistema de Apoio à Gestão de Fomento (SAGe), que irá informatizar os procedimentos de apresentação, análise e julgamento de propostas de financiamento, gestão de contratos, acompanhamento e avaliação dos programas da Fundação. Em outras palavras, isso significa que, a partir deste ano, a FAPESP só receberá solicitações de bolsas e auxílios a pesquisa se apresentadas eletronicamente. Na opinião do presidente da FAPESP, Carlos Vogt, o programa de informatização da Fundação, o SAGe, vem ao encontro de duas necessidades reconhecidas amplamente pela comunidade de usuários da Fundação e pela comunidade interna de servidores. "Ele atende, de um lado, à agilização e à visibilidade, facilitando o acesso aos diferentes programas que a instituição oferece para a comunidade científica e, ao mesmo tempo, cria condições para um atendimento cada vez melhor por parte dos servidores que fazem a interface com esses usuários." A data de deflagração desse processo foi o dia 3 deste mês de janeiro. Nesse dia teve início o processo de cadastramento pessoal de todo pesquisador, no endereço do SAGe: www.fapesp.br/sage. Ao longo deste mês, quando a FAPESP estará em férias coletivas, o cadastramento poderá ser feito, havendo, inclusive, um plantão para atendimento de dúvidas (pelo www.fapesp.br/converse ou pelo telefone 3838-4000). E, a partir de Io de fevereiro, quando é retomado o atendimento ao público, as solicitações já
zação como forma de reduzir custos e tempo de tramitação dos processos. "A virtualidade estará totalmente a serviço das finalidades maiores da Fundação, que é atender bem a ampla comunidade acadêmica e científica do Estado de São Paulo." A informatização da gestão de programas e processos vem sendo conduzida desde 1993 pela FAPESP em conjunto com o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (César). Dentro desse processo, em julho de 2004, a Fundação passou a aceitar, de forma opcional, a súmula curricular solicitada em pedidos iniciais de auxílios e bolsas a partir da base de dados da Plataforma Lattes, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
poderão ser encaminhadas eletronicamente. Essas novas solicitações serão avaliadas também eletronicamente, assim como todas as demais etapas dos processos: pareceres, relatórios, prestação de contas etc. A administração dos processos vigentes antes da informatização seguirá da forma tradicional até a sua conclusão. "A FAPESP tem uma circulação anual de 17 mil processos de bolsas e auxílios a pesquisa. Não poderia continuar na dependência da circulação física e material de papéis", assinala Vogt, para justificar a adoção da informati-
Avaliação interna - A FAPESP concluiu ainda no mês passado o primeiro processo avaliatório interno, um importante instrumento de política de recursos humanos que, junto com outros instrumentos como o estímulo à educação e à capacitação interna, visa qualificar a estrutura de apoio ao sistema de fomento. No processo de avaliação foram feitas adequações de funções e as avaliações de mérito, beneficiando 70% dos servidores. Ressalte-se que o gasto da FAPESP com pessoal é de 3,4% do seu orçamento, pagos com recursos próprios da Fundação. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 29
AS PESQUISAS NO BRASIL ACABAM DE GANHAR UM MERECIDO LUGAR DE DESTAQUE.
Novidades
na área de pesquisa, ciência e tecnologia.
Entrevistas com pesquisadores,
fatos científicos
da semana,
notas sobre estudos recentes e o quadro Memória, relembrando
momentos
históricos da ciência. E o que não
poderia faltar: sua participação
na seção Pesquisa-
responde, através do site www.radioeldoradoam.com.br
Apresentação:Tatiana Ferraz. Comentários: Mariluce Moura, diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp. Sábados, às 12h30. Reprise aos domingos, às 20h30.
LIOERANOO
TENotNCIAS
I POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA
PARCERIA
Incentivo para a inovação Ministro Eduardo Campos prevê maior investimento em 2005 O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) pretende enviar ao Congresso Nacional - provavelmente na terceira semana de fevereiro, quando termina o recesso do Legislativo - o projeto de lei de incentivos fiscais para estimular investimentos em inovação no país. "Estamos colhendo subsídios com várias entidades e negociando com os ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior", adiantou o ministro Eduardo Campos. Ele acredita que, a exemplo do que aconteceu ao longo da votação da Lei de Inovação, o Congresso será "um grande parceiro" e deverá "melhorar" a proposta apresentada pelo Executivo. "Antes disso, a Lei de Inovação, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 2 de dezembro, será regulamentada por decreto", afirmou. O ministro acredita que 2005 será um "bom ano" para a ciência e tecnologia no país. A proposta orçamentária para o MCT, encaminhada pelo governo para aprovação do Congresso, era 20% maior que a de 2004. Além disso, as emendas apresentadas por parlamentares e pelas comissões ao longo da
votação do orçamento, no final do ano passado, se aprovadas, somariam mais R$ 3 bilhões aos recursos previstos pelo Executivo. "O orçamento da ciência e tecnologia deverá ser melhorado e receberá uma contribuição importante do Parlamento brasileiro, o que não acontecia antes", acreditava o ministro antes da votação da proposta. Essas modificações favoráveis, ele analisou, foram resultado da articulação de institutos de pesquisas, fundações, secretarias estaduais de ciência e tecnologia e do próprio MCT. "Conseguimos chamar a atenção dos parlamentares para esse tipo de investimento." Outra boa notícia, ele adiantou, é que sete dos 15 fundos setoriais não sofrerão nenhum tipo de contingenciamento no próximo ano: os de Biotecnologia, Amazônia, Espacial, Hídricos, Informática, Mineral e Transportes. "Nós conseguimos que o volume de recursos liberados crescesse 19,9% e os valores contingenciados aumentaram apenas 6%", contabilizou o ministro. Os fundos setorias foram criados em 1999 para financiar projetos de pesquisa e inovação no país. São formados pelas contribuições incidentes sobre o faturamento de empresas dos diversos
setores envolvidos e por meios oriundos de taxas de exploração de recursos naturais pertencentes à União. Em 2005 deverão aportar cerca de R$ 720 milhões no mercado de pesquisas. Outros R$ 729 milhões, de acordo com proposta orçamentária, deverão permanecer contingenciados por decisão do Ministério da Fazenda. Prêmio Conrado Wessel - Campos participou da cerimônia de lançamento da edição 2004 do Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura, no dia 14 de dezembro, na FAPESP. "É preciso animar outros empreendedores a tomar iniciativas como essa", disse o ministro. O prêmio foi criado em 2002 com o objetivo de incentivar atividades relacionadas a arte, ciência e cultura. Os vencedores em cada categoria recebem um prêmio no valor de R$ 100 mil. No evento, o ministro assinou com a FAPESP protocolo de intenções para a criação do programa Ciência Nossa de Cada Dia, que prevê a utilização de material de divulgação científica produzido pela revista Pesquisa FAPESP no ensino médio e na formação continuada dos professores na área de ciências da natureza e suas tecnologias. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 31
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
AMBIENTE
o preço do
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Inventário coloca o Brasil entre os maiores poluidores mundiais
CLAUDIA
IZIQUE
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Brasil estava entre os cinco maiores emissores de gases de efeito estufa entre 1990 e 1994, segundo o inventário divulgado no final do ano passado pelo governo federal. Nesse período, a emissão de gás carbônico aumentou de 976 milhões de toneladas para 1,03 bilhão. Mais de 70% dessas emissões estão relacionadas a mudanças no uso da terra e à conversão de florestas para uso agrícola. As emissões de dióxido de carbono por consumo de combustíveis fósseis, especialmente no setor de transportes e na indústria, vêm em segundo lugar, já que a participação de energia renovável na matriz energética brasileira é elevada. As emissões de gás metano são também significativas, sobretudo na agropecuária, que, em 1994, somavam 13,2 milhões de toneladas. E, por último, as emissões de óxido nitroso que são cau-' , sadas pelo uso de fertilizantes em solos agrícolas. O primeiro inventário brasileiro foi divulgado no Brasil e apresentado na 10· Conferência das Partes da Convenção - Quadro da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-lO), em dezembro, em Buenos Aires. Seus resultados não surpreenderam os especialistas. O problema está no futuro que eles projetam. «Sabemos que o número de focos de queimadas aumentou bastante nos últimos dez anos e é possível que o país ocupe hoje uma posição ainda pior entre
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os emissores globais de gases de efeito estufa", calcula Paulo Artaxo, coordenador do Instituto do Milênio do experimento Large Scale Biosphere - Atmosphere Experiment in Amazonia (LBA). Os Estados Unidos, responsáveis por 36,1 % das emissões de gases de efeito estufa, são o campeão entre os países poluidores, seguidos pela China, com 18%, e a Rússia, com 17%. Apesar da posição desconfortável do Brasil nesse ranking, a maior parte das emissões de gás carbônico no país não resulta da queima de combustível fóssil pela indústria, que, perversamente, é um fator de geração de riqueza e bem-estar da população. «Ao contrário, as emissões de dióxido de carbono são resultado da destruição da Amazônia", compara Artaxo. Vantagens relativas - O Protocolo de Kyoto, que entra em vigor no dia 16 de fevereiro, prevê redução de 5,2%, até 2012, das emissões de gases de efeito estufa registradas em 1990. As nações industrializadas são as principais responsáveis pelo cumprimento dessa meta. O Brasil, assim como outras nações em desenvolvimento, não faz parte desse grupo, mas os resultados do inventário colocam o país numa posição delicada a partir de 2013, quando entrará em vigor um segundo período de reduções que será negociado nos próximos anos. O fato de ser o desmatamento o principal responsável pela emissão do dióxido de carbono confere ao
Mais de 70% das emissões de dióxido de carbono estão relacionadas a queimadas e a mudanças no uso do solo
Brasil uma "vantagem relativa",afinal o controle de emissões de queimadas não requer altos investimentos e traz enormes benefícios ambientais ao país. "Nos Estados Unidos ou na Europa, a redução de emissões tem que ser obtida por meio de cortes no consumo e na produção, em geral com custos significativos':observa Artaxo. Junto com o relatório de emissões, o governo brasileiro publicou um conjunto de medidas mitigadoras. De acordo com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o Brasil vem conseguindo reduzir, por exemplo, o ritmo de destruição das florestas. Em 2003, ela afirmou, o ritmo de crescimento do desmatamento recuou 2% e em 2004 ela projeta um cenário de estabilidade e, em seguida, redução. O lançamento do programa de uso comercial do biodiesel e o uso do etanol como combustível nos automóveis, de acordo com a ministra de Minas e Energia, Dilma Roussef, também deverão contribuir para a redução das emissões no Brasil. "O Brasil tem que explorar de modo adequado todas as possibilidades de redução das emissões, e o jogo está nas mãos do governo, que tem ferramentas estratégicas para rapidamente reduzir as emissões de gases de efeito estufa': enfatiza Artaxo. Desenvolvimento limpo - O Protocolo de Kyoto prevê que os países desenvolvidos podem trocar a redução das emissões de gases em seus territórios por investimentos em projetos de absorção de carbono em países em desenvolvimento, por meio dos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL). Podem, ainda, financiar projetos de energia renovável, para mitigar efeitos poluidores. A medida beneficiará países como o Brasil que, segundo Artaxo, tem grande potencial de exploração de seqüestro de dióxido de carbono. • PESQUISA FAPESP 107 • JANEIRO DE 2005 • 33
1 CIÊNCIA
Crianças estrangeiras na ilha de Ellis, Nova York, em 1908: adaptação difícil, mas vínculo maior com os pais
■ Ameaça à fertilidade masculina Esta é para os homens: é melhor não deixar o laptop esquentando sobre o colo. Especialistas da Universidade Estadual de Nova York, Estados Unidos, aconselham a limitar o uso de laptops, cujo uso prolongado pode afetar a fertilidade: a elevação da temperatura escrotal causada pelo contato com o computador pode alterar a produção de espermatozóides. Segundo esse estudo, feito com 29 voluntários de 21 a 35 anos e publicado na Human Reprodution, o uso contínuo de laptop pode aumentar em 2,6°C a temperatura do escroto esquerdo e em 2,8°C a do direito. Outros estudos já haviam associado danos na formação dos espermatozóides e na fertilidade com aumentos de temperatura de 1°C a 2,9°C. Dessa vez, a equipe de Yefim Sheynkin ve34 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
rificou que após quinze minutos de uso do computador a temperatura escrotal aumenta 1°C, o suficiente para danificar os espermatozóides, já que o organismo precisa manter uma temperatura testicular adequada para manter o desenvolvimento normal das células reprodutoras masculinas. Com esse aumento de temperatura, estima-se que a concentração de espermatozóides possa cair em 40%. •
■ 0 impacto da raiva sobre o cérebro Raiva, medo, irritabilidade, nervosismo e mudanças bruscas na posição do corpo podem provocar os coágulos que reduzem o fluxo de sangue ao cérebro - o derrame. Quase um terço das 200 pessoas que participaram de um estudo realizado por uma equipe da Universidade TelAviv, em Israel, havia sentido emoções negativas duas ho-
Conselho para quem planeja herdeiros: pôr sobre a mesa
Imigração fortalece laços de família Os filhos de imigrantes sofrem tanto quanto seus pais os problemas de adaptação aos costumes e ao novo estilo de vida do país para onde se mudaram. De acordo com um estudo recente da Universidade Estadual de Saratov, na Rússia, é difícil para essas crianças e adolescentes lidar com os novos espaços e vizinhos, mas suas relações com os pais tornam-se melhores que as estabelecidas nas famílias que permanecem em seus países nativos. A despeito do estresse psicológico gerado pela perda do antigo modo de viver e dos amigos da terra natal, os fi-
ras antes do derrame ou reagido rapidamente a situações que as surpreenderam, como levantar-se da cama em um instante ao ouvir o neto cair e chorar no quarto ao lado. De acordo com esse estudo, publicado em dezembro na Neurology, qualquer um desses fatores pode aumentar 14 vezes o risco de derrame, embora os pesquisadores ainda não saibam ao certo como essas emoções podem interferir no funcionamento do organismo. "É possível que episódios breves de estresse mental alterem temporariamente a capacidade de coagulação do sangue e o funcionamento das células que revestem os vasos sangüíneos", comentou Silvia Koton, coordenadora da pesquisa. Reações bruscas poderiam também causar uma resposta exagerada do sistema nervoso simpático, que regula os batimentos cardíacos e a pressão sangüínea. •
lhos dos imigrantes se adaptam mais facilmente às novas regras. Podem, porém, desenvolver um complexo de inferioridade que se expressa na forma de agressividade e conflitos com os novos amigos. Nesse estudo, um grupo de psicólogos entrevistou 300 crianças e adolescentes de 10 a 17 anos de Saratov. Metade eram filhos de imigrantes russos e outra metade de moradores nativos. Os filhos de imigrantes se mostram menos felizes com suas vidas que os nativos da mesma idade. Estavam também menos satisfeitos com sua situação na
■ Plante árvores e evite inundações Era intuitivo, mas faltava provar. Os primeiros resultados de um estudo realizado por pesquisadores britânicos indicam que áreas plantadas com árvores são bastante eficazes para controlar a drenagem de água e conseguem reduzir bastante o impacto das inundações (The Economist, 23 de outubro). Trabalhando
escola e com suas casas, mas tinham relações mais tranqüilas e próximas com os pais - resultado que pode ser explicado por meio da necessidade de dividir problemas comuns relacionados à adaptação social. Indagados sobre o futuro, os dois grupos se mostraram bastante semelhantes. Dos filhos de imigrantes, 63% vêem o futuro como promissor e favorável, enquanto 37% esperam problemas previsíveis, mas superáveis. No outro grupo, 70,9% nutrem sentimentos positivos sobre o futuro e 36,7% esperam problemas. •
em uma área de criação de ovelhas, Howard Wheater, do Imperial College, de Londres, verificou que nas pastagens intensamente pisadas pelos animais a taxa de absorção era nula: toda a água da chuva que caía seguia adiante. Até aí, nada de novo. Mas Wheater constatou também que em pastagens menos pisoteadas mais permeáveis - a taxa de absorção era de 10 centímetros por hora. Melhor ainda:
Niederwerth, Alemanha: luta contra as águas do rio Reno
áreas com arvores jovens, com poucos anos de idade, sem que o solo tenha sido amassado pelas patas dos animais, apresentaram uma impressionante taxa de 80 centímetros por hora. O Reino Unido gasta cerca de U$ 700 milhões por ano para defender as cidades das águas dos rios e do mar. •
■ As marcas profundas do envelhecimento O estresse psicológico pode agir sob a pele e promover o envelhecimento celular. Mulheres submetidas a estresse contínuo têm telômeros - as estruturas que recobrem o final dos cromossomos - mais curtos que os das que experimentam menos estresse, conclui estudo da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, publicado no Proceedings ofthe National Academy of Sciences (PNAS). Mulheres sob estresse prolongado apresentam também menos telomerase, enzima que protege os telômeros. Elissa Epel, responsável por esse trabalho, avaliou o estresse em dois grupos de mulheres saudáveis: um com 19 mães de filhos saudáveis e outro com 39 mães de filhos com doenças crônicas, dos quais tinham de cuidar continuamente. O encurtamento dos telômeros foi maior quanto mais anos foram dispensados aos cuidados com os filhos com problemas de saúde. Foram medidos os telômeros de células mononucleares do sangue, que exibiram o equivalente a dez anos de envelhecimento adicional, explicando por que, no nível celular, o estresse pode promover a instalação precoce de doenças relacionadas com o envelhecimento. •
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Uma proteína com duplo papel
■ As cores da morte Homens e mulheres brancos morrem geralmente de doenças crônicas como câncer ou das que acometem os aparelhos circulatório, respiratório, digestivo ou endócrino, além das congênitas ou relacionadas à nutrição, aos ossos ou à pele. Já a morte dos negros está associada a causas externas, como doenças infecciosas, problemas na gravidez ou no parto, além de transtornos mentais, de acordo com um estudo conduzido por Luís Eduardo Batista, do Instituto de Saúde, de São Paulo, e publicado na Revista de Saúde Pública. Esse trabalho, feito em conjunto com Maria Mercedes Escuder e Júlio César Pereira, da Universidade de São Paulo, mostrou também que o risco de uma mulher negra morrer em conseqüência de doença infecciosa ou parasitária é 1,6 vez maior que o das mulheres brancas, enquanto a mortalidade na gravidez, no parto e no puerpério é 6,4 vezes maior entre as mulheres negras que entre as brancas. Já entre os homens negros, a mortalida-
Sementes de pau-brasil: ação antiinflamatória e anticoagulante Primeiro os portugueses extraíram do tronco do pau-brasil um pigmento vermelho-vivo usado para tingir roupas dos nobres europeus. Agora, cinco séculos depois, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo encontraram na semente dessa árvore uma proteína que interfere na coagulação do sangue e também em processos inflamatórios. É a CeKI, sigla de proteína inibidora de calicreína, extraída das sementes de Caesalpinia echinata por uma equipe da Universidade Federal de São Pau-
de por causas externas - acidentes, atropelamentos, homicídios e suicídios - é duas vezes maior que entre os homens brancos. As conclusões se baseiam na análise das causas básicas de mortalidade em 647.321 registros de óbitos no Estado de São Paulo entre 1999 a 2001 nos quais
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lo (Unifesp) e Universidade de São Paulo (USP). Nos testes feitos em laboratório, eles constataram que a CeKI impede a ação de duas das 13 proteínas envolvidas na coagulação sangüínea: a calicreína e o fator XII. Quando inibe a atividade do fator XII e da calicreína, essa proteína impede a formação do coágulo. Desse modo, poderia exercer um controle fino sobre a coagulação e auxiliar no diagnóstico e no tratamento de doenças hematológicas, segundo Mariana Araújo, pesquisadora da
o item raça ou cor estava preenchido (77,7% eram brancos, 5,4% pretos e 14,3% pardos). "As principais razões dessa situação", diz Batista, "talvez sejam a falta de acesso a serviços de saúde, a forma como os médicos tratam os pacientes ou a própria exclusão social". •
Uniesp e integrante da equipe responsável pelo trabalho publicado na Biological Chemistry. Indiretamente, a CeKI inibe também a ação da bradicinina, uma importante proteína que participa do processo inflamatório. Se tudo der certo, podem sair daí alternativas aos antiinflamatórios e anticoagulantes atuais. Não se sabe ao certo a função da CeKI nas sementes do paubrasil. Provavelmente ela auxilie a germinação e a maturação das sementes ou exerça um papel protetor contra insetos predadores. •
■ A primavera dos besouros Após um inverno mais quente e seco que o de anos anteriores, cidades como Araçatuba, Ribeirão Preto e São Carlos, no interior paulista, foram tomadas em setembro por nuvens de besouros pre-
tos ou marrom-escuro, de 2,5 centímetros de comprimento. Chegavam aos milhares e cobriam os terraços das casas, formando um tapete de bolinhas pretas como jabuticabas - só que andavam. "A seca prolongada no inverno retardou a eclosão dos ovos, que se deu com as primeiras chuvas", explica Odo Primavesi, pesquisador da Embrapa em São Carlos. Segundo ele, os besouros dessas revoadas - de espécies originárias da região, como Dichotomius anaglipticus, Eurystemus ssp., Ataenius sculptor e Isocropis ssp. - se reproduzem o ano todo, com menor intensidade nos meses de seca. Marcado pela volta das chuvas, o início da primavera representou um momento de concentração dos insetos, inofensivos à saúde. "Não houve mais besouros que em anos anteriores", diz Primavesi. "A eclosão dos ovos é que se concentrou em um período curto." •
Adolescentes com excesso de peso Quando o Brasil decidir conter a obesidade com campanhas públicas, a Região Sudeste deverá ser tratada com ênfase. É a mais populosa e a que abriga a maior porcentagem de jovens com excesso de peso, comparada à Região Nordeste, segundo estudo de Gloria Veiga, da UFRJ, publicado no American Journal of Public Health. Na Região Nordeste, a mais pobre do Surpresa: sobrepeso entre as país, o sobrepeso triplicou: atingiu 5% entre os garo1975,1989 e 1997 e em uma tos e 12% entre as meninas. amostra de 50 mil adolesNa Sudeste, a mais rica, centes, ela constatou que a 17% dos adolescentes dos prevalência de sobrepeso dois sexos estão com o pepassou de 2,6% para 11,8% so superior ao recomendaentre os meninos e subiu do para a idade e a altura. de 5,8% para 15,3% entre "São resultados alarmanas garotas. "As políticas de tes", diz Gloria. Com base combate à obesidade no em pesquisas nacionais de Brasil ainda são tímidas,
garotas triplicou
mas alguns passos já foram dados", afirma Gloria. No Rio, em Curitiba e em Florianópolis há leis proibindo a venda de alimentos considerados inadequados em cantinas de escolas. Há 40 milhões de adultos com excesso de peso no país. •
Os suspeitos do desaparecimento dos caranguejos Acredita-se agora que possa ser um fungo ou um protozoário o responsável pela morte em massa dos caranguejos-uçá, que começou em 1998 no Ceará e se espalhou até a Bahia. Dois estudos independentes - um feito no Paraná e outro em São Paulo - indicam que uma infecção pode estar causando a morte dos caranguejos Ucides cordatus. Sérgio Bueno, da USP, detectou no coração e em outros órgãos de caranguejos doentes um microorganismo semelhante ao protozoário Hematodinium sp., que
0 uçá: vítima de infecção ou da degradação ambiental
ataca caranguejos no hemisfério Norte. Já o Grupo Integrado de Aquicultura e Estudos Ambientais da
Universidade Federal do Paraná encontrou um fungo do filo Ascomicota (subfilo Pezizomycotina) no co-
ração e na hemolinfa - fluido que faz o papel de sangue - dos crustáceos afetados. Mas não é possível apontar qual deles provoca a morte dos caranguejos até que seja verificado em laboratório se esses microorganismos realmente deixam os animais doentes. Não está descartada uma causa ambiental. Já havia se falado que a morte dos caranguejos poderia resultar de transformações do mangue causadas por cultivo de cana, criação de camarões ou extração de petróleo. Mas também faltam provas. •
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S達o Paulo: uma em cada quatro pessoas sofre de depress達o ou iedade intensa os uma vez na vida
Levantamento mundial mostra que os distúrbios psiquiátricos são freqüentes e pouco tratados CARLOS FIORAV ADE
DO l'AN
esmo nas cidades mais isoladas do mundo os transtornos mentais começam cedo, ainda na infância, e geralmente apresentam os mesmos estágios de desenvolvimento, independenteta. mente dos estilos de vida ou das condições econômicas em que vivem as populações, de acordo com os primeiros resultados do mais amplo estudo já feito nessa área. ) nos países ricos quanto nos menos afortunados os desa,~o.es emocionais persistentes podem emergir a partir dos 15 anos, por meio de medos intensos - de espaços abertos ou fechados, de altura ou de escuro -, de uma ansiedade sem razão concreta ou de uma depressão leve, às quais geralmente se dá pouca importância. Progridem lentamente e, lá pelos 20 anos, x)dem se expressar na forma de dependência de álcool, de nicoina ou de drogas ou ainda como uma depressão grave, que dejilita a ponto de superar a vontade de comer ou mesmo de viver. Ao revelar essa seqüência, essa etapa inicial do World Menal Health Survey (Levantamento Mundial sobre Saúde Mental), coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), abre a perspectiva de detectar e conter o processo de perda contínua de controle emocional ainda no início, durante a vida escolar, e assim evitar o surgimento de problemas mais graves - o Brasil integra esse estudo, mas o levantamento, aqui, ainda se encontra na fase inicial de coleta de informações. A delimitação dessas fases é também uma notícia promissora no desalentador quadro da saúde mental no mundo: parcelas variáveis de 4,3% a 26% da população nos 14 países já avaliados ;sentam algum tipo de transtorno psiquiátrico.
I
* CARLOS FIORAVANTI esteve na Cidade do Panamá a convite dos Institutos Nacionais de Saúde (N1H) e do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ).
Além do impacto social, com a erosão das relações familiares e sociais, os problemas psiquiátricos repercutem também economicamente. Estudos anteriores da OMS demonstraram que os transtornos psiquiátricos estão entre as principais causas de perda de dias de trabalho. De acordo com esse novo estudo, na Itália, o país em que essas perdas se mostraram maiores, os portadores de distúrbios leves perdem em média quatro dias de trabalho por ano, enquanto os acometidos por formas graves ficam 200 dias sem trabalhar a cada ano. Os transtornos mentais colocam em risco a própria vida: estão associados a cerca de 870 mil suicídios registrados todo ano no mundo, uma média de três mortes a cada dois minutos. A análise das 60.463 entrevistas f^L realizadas nessa primeira L^^ parte do estudo mostra que È ^k os distúrbios mentais ain^L. JL. da são subdiagnosticados, pouco tratados e negligenciados pelos planejadores das políticas públicas de saúde, mesmo que geralmente possam ser controlados. Sutis no início, mas corrosivos ao longo do tempo, criam prisioneiros da própria imaginação descontrolada. É o caso - extremo e bastante raro - de Dom Quixote, o cavaleiro criado pelo escritor espanhol Miguel de Cervantes há quatro séculos. No final de uma vida tranqüila, Dom Quixote começou a sofrer delírios e alucinações, a ponto de ver formosas donzelas em pobres camponesas e palácios em humildes hospedarias. Mundo afora, os transtornos mentais ainda estão associados a estigmas e à exclusão econômica e social. Tais preconceitos aproximam o século 21 da Idade Média, quando a loucura, então um termo usado para explicar o comportamento de qualquer pessoa que não se encaixasse nos modelos socialmente aceitos, era vista como uma manifestação do demônio. Loucura é hoje uma palavra de uso restrito, aplicada apenas aos extremos das psicoses, os estados mais graves de perda da capacidade de julgamento. Mesmo assim, em qualquer um persiste o medo atávico da perda definitiva da razão e do controle emocional, talvez por serem desconhecidos os limites entre o equilíbrio mental e a insanidade. 40 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Contrastes - O fato é que, como esse estudo da OMS demonstrou, ainda persistem contrastes tremendos no acesso ao tratamento. Em países como Bélgica, Estados Unidos e França, pelo menos metade dos portadores de problemas sérios é tratada - na Espanha, que desponta em primeiro lugar, a taxa de atendimento é de 65%. A situação é mais alarmante nos países menos desenvolvidos, onde a maior parte das pessoas que sofrem alguma forma grave de doença mental não tem acesso a medicamentos ou a tratamentos adequados. Na Colômbia, no Líbano, no México e na Ucrânia apenas um em cada quatro indivíduos com transtorno obsessivo-compulsivo ou depressão avançada são medicados e acompanhados pelos serviços de saúde. O cenário mais desalentador é o do Líbano: apenas 14,6% das pessoas com casos graves de problemas mentais recebem algum tipo de atendimento e acompanhamento médicos.
"As desordens mentais são um problema de saúde pública que não pode mais ser ignorado", comenta Sérgio Aguilar-Gaxiola, professor da Universidade Estadual da Califórnia e um dos coordenadores desse trabalho, apresentado em um seminário promovido em outubro pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos na Cidade do Panamá. Segundo ele, uma das razões mais fortes para se dar mais atenção às doenças mentais é sua elevada prevalência, como é chamado o percentual de pessoas atingidas. De acordo com esse estudo, publicado em junho do ano passado no Journal of American Medicai Association, o país com maior prevalência de problemas mentais são os Estados Unidos. Quase 80 milhões de norte-americanos - ou 26,4% da população - apresentaram algum tipo de distúrbio psiquiátrico. Desse total, 7,7% são consideradas formas graves, como o transtorno obsessivo-compulsivo ou depressão in-
Ucrânia: maior taxa de dependência de álcool, de nicotina ou de drogas entre os 14 países já avaliados
tensa. Com a segunda maior prevalência está a Ucrânia, o segundo maior país da Europa, atrás apenas da porção européia da Federação Russa. Quase 9 milhões de pessoas, o equivalente a 20% da população, exibiram desordens mentais leves, moderadas ou graves - e 3 milhões, ou 6,4% desse total, a mais alta taxa nessa amostra inicial de países, sofrem de dependência química. Entre os dois países latinoamericanos já avaliados, a Colômbia tem a prevalência mais alta: 17,8% dos colombianos, ou cerca de 8 milhões de pessoas, têm algum tipo de distúrbio mental. O México vem em seguida com 12,2%, quase 12 milhões de pessoas. "Um dos maiores problemas da América Latina", diz AguilarGaxiola, "é que as pessoas não têm acesso a medicamentos nem a tratamentos". Eis o mais dramático: a falta de tratamento, mais do que a prevalên-
cia elevada, já que qualquer um pode passar por um problema psiquiátrico em algum momento da vida, do mesmo modo que corre o risco de contrair uma gripe ou quebrar um braço. Mas o que poderia ter uma solução simples continua causando sofrimento. No extremo oposto destaca-se Xangai, cidade da China com 15 milhões de habitantes, dos quais apenas 4,3% com distúrbios mentais. O segundo país com a menor prevalência é a Nigéria (4,7%), ex-colônia britânica do centro-oeste da África, com 100 milhões de habitantes agrupados em cerca de 250 etnias. A Itália aparece em terceiro, com 8,2% dos 56 milhões de habitantes com distúrbios mentais. Estigmas - Os dados sobre o Brasil ainda não estão prontos, mas já se pode ter uma idéia do que será encontrado. Sob a coordenação de Laura Andrade, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), e de Maria
Carmen Viana, da Escola de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Espírito Santo, devem começar em fevereiro deste ano as entrevistas com 5.500 moradores da Região Metropolitana de São Paulo, onde vivem 18 milhões de pessoas, quase 10% da população do país. A coleta e análise de dados devem tomar dois anos de trabalho, mas estudos anteriores sugerem que a prevalência de problemas psiquiátricos no país deve situar-se mais próxima dos 26% dos Estados Unidos do que dos 8,8% do Japão. Laura Andrade faz essa aproximação com base em um levantamento que ela própria coordenou em 1998. Foram entrevistados 1.464 moradores de dois bairros de São Paulo - a Vila Madalena, uma espécie de Ipanema paulistana, com um barzinho em cada esquina, e o Jardim América, mais aquietado, com seus casarões ajardinados. Dos cerca de 100 mil habitantes dessas duas regiões, quase metade (45,9%) apresentou algum tipo de distúrbio psiquiátrico, incluindo a dependência de nicotina quando uma pessoa não consegue ficar sem fumar mesmo dentro do cinema porque precisa manter estável o nível de nicotina no organismo. Excluindo o tabagismo, o percentual cai, mas não muito: um em cada três moradores desses dois bairros apresentou algum tipo de transtorno mental em algum momento de suas vidas. Isoladamente, o episódio depressivo, caracterizado por uma tristeza sem razão que se prolonga por duas semanas ou mais, foi o problema mais comum, cujos sintomas foram relatados por 17% dos entrevistados. A depressão, somada à distimia, uma de suas formas mais leves, porém crônica, atinge um em cada quatro habitantes desses dois bairros da maior cidade do país. "Começamos a ter consciência desses problemas também no Brasil", diz Laura. Os resultados a que chegou impressionam também porque se trata de bairros com escolaridade e renda média altas, próximos a serviços de saúde ou hospitais públicos de referência. Mesmo assim, seus habitantes procuram pouco os médicos ou os serviços de saúde. Nessa região, como o grupo da USP verificou em outro estudo, menos da metade dos acometidos por depressão procura ajuda médica. PESUUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 41
Os preconceitos ajudam a entender essa distância dos médicos. Há estigmas sobre os próprios transtornos mentais, já que as pessoas temem ser rotuladas como mentalmente debilitadas - nem acham que esses problemas possam ser tão comuns quanto uma gripe. Persistem também idéias equivocadas a respeito do tratamento: os portadores desses distúrbios temem se tornar dependentes da medicação, algo que nem sempre acontece. Por fim, sobrevive uma visão arcaica sobre os próprios psiquiatras, ainda vistos como médicos de loucos, não como profissionais geralmente aptos a tratar desequilíbrios emocionais comuns e persistentes. Esses estigmas foram dimensionados em um estudo coordenado por Gregory Simon, do Centro de Estudos da Saúde do Group Health Cooperative, de Seattle, Estados Unidos, com a participação de Marcelo Fleck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foram acompanhados 968 portadores de depressão atendidos em 34 centros de saúde de seis cidades - do Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Israel e Rússia. Pouco menos da metade (42%) dos moradores da cidade norte-americana de Seattle, 37% dos residentes em Melbourne, no Canadá, e um em cada três habitantes de Porto Alegre contaram que temem os efeitos colaterais dos medicamentos. Em Seattle e na capital gaúcha, na mesma proporção, um em cada cinco entrevistados teme também que a procura por tratamento possa comprometer as novas oportunidades de emprego. Outras vezes, são os próprios amigos que desencorajam o início do tratamento. Mas, de acordo com esse mesmo estudo, publicado em setembro no American Journal ofPsychiatry, a maior barreira ao tratamento não é a perspectiva de discriminação, mas sim os custos dos medicamentos ou da locomoção até os centros de atendimento médico. Em São Petersburgo, a segunda maior cidade da Rússia, 75% dos entrevistados se queixaram dos gastos que têm de fazer para se cuidarem. Porto Alegre aparece em segundo lugar, com duas em cada cinco pessoas relatando o mesmo problema. Béatrice Alinka Lépine 42 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
mostrou exatamente o quanto se gasta em um estudo que fez na Faculdade de Saúde Pública da USP: em média R$ 4.300,00 por ano em consultas, exames e medicamentos no caso das depressões comuns e R$ 6.100,00 com as formas de depressão resistentes, para as quais nem os medicamentos nem as psicoterapias habituais são eficazes. No Brasil, com uma renda per capita de quase R$ 7 mil e um terço da população em estado de pobreza, certamente não será fácil enfrentar os distúrbios mentais persistentes, em especial sua forma mais comum, a depressão. Para complicar, aproximadamente metade dos casos de depressão detectados na população em geral é crônica, segundo estudo publicado em 2003 no International Journal of Methods in Psychiatric Research, comparando os dados de dez países, com uma amostra de 37 mil pessoas. Nesse trabalho, a porcentagem da população brasileira com depressão crônica em relação ao total de deprimidos é próxima à do Japão (42%), mas inferior à da Turquia (72%) ou do Chile (62,6%). Esse levantamento mostrou que a depressão é mais comum nas mulheres do que nos homens em todos os países avaliados - ou, como os próprios pesquisadores se perguntam, não seriam os homens que demoram mais para reconhecer essa fragilidade e buscar ajuda? Até agora, a depressão se mostrou mais freqüente em jovens que em velhos, nos não-casados que nos casados, nas camadas de rendas mais baixas da população que nas mais altas e entre os moradores de países de clima frio que nos de clima quente. 0 PROJETO Estudo epidemiológico dos transtornos psiquiátricos na Região Metropolitana de São Paulo: prevalência, fatores de risco e sobrecarga social e econômica MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADORA LAURA HELENA SILVEIRA GUERRA DE ANDRADE
- USP
INVESTIMENTO
R$ 810.624,00 (FAPESP)
Mas por que há no mundo tanta gente com problemas mentais, especialmente depressão? Segundo Laura Andrade, a primeira razão é que existem hoje mecanismos precisos de diagnosticar essa enfermidade, que há meio século não contava com uma definição exata nem com medicamentos com que pudesse ser tratada. "A elevada prevalência é também uma conseqüência da falta de suporte emocional das pessoas, que pode levar à desesperança e à falta de vontade de viver", comenta a médica da USP. Segundo ela, pelo menos uma parte dos casos de depressão pode ser entendida por meio da Teoria do Apego, criada há 50 anos pelo psicanalista inglês John Bowlby. "Nas pessoas que sofrem de falta de amparo", diz ela, "as conexões neuronais são diferentes e os centros ligados ao prazer e à afetividade positiva podem não estar inteiramente acionados, como se o cérebro tivesse poucos recursos para evitar os quadros depressivos". Pobreza - Já se sabia que os transtornos mentais podem ser gerados por alterações genéticas, pressões ambientais, desequilíbrios bioquímicos ou geralmente por combinação desses fatores. O levantamento da OMS acentua o peso da pobreza, expressa por meio do desemprego, do baixo nível de educação e de privações de toda ordem que criam um abismo entre os cidadãos de alguns países e os medicamentos que os aliviariam das angústias da vida. "Qualquer estresse externo intenso pode ter um impacto na prevalência das doenças mentais", diz Aguilar-Gaxiola. Segundo ele, as guerras internas que atormentam os colombianos há décadas, motivadas sobretudo pelo interesse de grupos guerrilheiros no controle do comércio de drogas, roubam a tranqüilidade da população e ajudam a explicar por que esse país detém a quarta maior prevalência de problemas mentais. Há também razões mais sutis, ligadas às condições de trabalho. "A tensão, a angústia, a competitividade ou a rejeição, quando excessivas e duradouras, favorecem o surgimento dos distúrbios mentais", comenta Aguilar-Gaxiola. Seria uma forma de entender por que um em cada quatro norte-americanos convive com uma ansiedade que parece que nunca vai passar.
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Perdi interesse em brincar com as crianças... ir ao cinema, coisas que as famílias fazem
Quando for concluído, em alguns anos, esse trabalho da OMS vai expor a prevalência, a gravidade, o acesso ao tratamento, os impactos sociais e econômicos e os fatores de risco ou de proteção da saúde mental em 28 países. Desde já, porém, emergem algumas formas de aplacar esse problema. Já que agora se sabe como os transtornos mentais podem progredir, poderiam ser realizadas ações preventivas, principalmente junto às crianças mais vulneráveis e às suas famílias para amenizar o impacto das fontes de estresse. "Não é preciso necessariamente tratar com medicamentos nem considerar como doença as manifestações precoces dos distúrbios psiquiátricos", sugere Laura. Campanhas - A primeira parte do estudo da OMS acentua a importância de preparar melhor os clínicos-gerais dos centros de saúde para diagnosticar os distúrbios psiquiátricos, já que eles são os primeiros a ser procurados por quem suspeita que uma tristeza ou uma ansiedade persistentes possam representar algo mais grave. Mas não bas-
ta apurar o olhar desses médicos, alerta Aguilar-Gaxiola: "O público em geral tem de se conscientizar, por meio de campanhas, de que os distúrbios mentais são comuns e debilitantes, reconhecer os sintomas dos problemas mais freqüentes e saber que há tratamentos e serviços com que pode contar". Ele cita como exemplo uma campanha que o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), uma das unidades dos NIH, lançou em 2003. Intitulada Real men, real áepression (Homens reais, depressão real), a campanha motivou a busca de tratamentos por meio de informações médicas apresentadas em linguagem simples e de anúncios como os reproduzidos nesta página, com resultados considerados positivos. Mas é preciso pensar sempre em ações integradas. "Seria uma atitude irresponsável apenas buscar os portadores de distúrbios mentais e não os tratar adequadamente", diz Aguilar-Gaxiola. No mundo inteiro, busca-se a reinclusão social dos portadores de transtornos mentais. O Brasil segue nessa linha por meio da desativação progres-
siva dos asilos para doentes mentais, os antigos hospícios, e da criação de hospitais-dia ou dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), nos quais os portadores de distúrbios mentais, que moram com suas famílias, são tratados e medicados. Casos mais graves tendem a ser atendidos nos hospitais gerais. Ocorre, assim, uma revisão da história. Até o final da Idade Média, os indivíduos mentalmente desajustados andavam livremente pelas cidades - as alucinações eram até mesmo valorizadas como fontes de inspiração artística. Só no final do século 16, com a separação entre corpo e mente, é que o louco foi considerado como um ser desprovido de razão e surgiram os primeiros asilos. É também dessa época a nau dos insensatos, como eram chamados os barcos que circulavam pelos portos europeus recolhendo loucos, prostitutas, vagabundos e criminosos, que depois ficavam à deriva até morrerem e serem jogados ao mar. O que já se descobriu indica que é possível reduzir esse persistente abandono sem medidas tão radicais. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 43
■ CIÊNCIA
ARQUEOLOGIA
o Novo Mundo Dez ossadas da Pré-história brasileira sugerem que os primeiros habitantes das Américas não eram mongolóides
MARCOS PIVETTA
Boa parte dos arqueólogos norte-americanos costuma dizer que Luzia é uma aberração. Uma exceção, e não a regra entre os primeiros habitantes das Américas, os chamados paleoíndios, normalmente descritos como mongolóides, com traços orientais, semelhantes aos asiáticos e aos indígenas de hoje. Luzia é o nome dado ao crânio de uma jovem que viveu (e morreu) há cerca de 11 mil anos na região de Lagoa Santa, nos arredores de Belo Horizonte, rica em sítios pré-históricos. A polêmica ossada mineira choca os tradicionalistas por não apresentar características cranianas compatíveis com populações mongolóides. Suas feições lembram as dos atuais aborígines australianos e negros africanos. Essa discrepância levou os pesquisadores Walter Neves, do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de São Paulo (USP), e Hector Pucciarelli, da Universidade de La Plata, Argentina, a proporem ainda no final da década de 1980 uma teoria alternativa para explicar a colonização das Américas. Segundo Neves e Pucciarelli, há pelo menos 12 mil anos teriam posto pé no Novo Mundo as primeiras levas de indivíduos semelhantes a Luzia, vindas da Ásia. Os mongolóides, também oriundos da Ásia, dos quais descendem todas as tribos indígenas ainda hoje encontradas entre a Patagônia e o Alasca, só teriam atingido o continente algum tempo depois. Ambas as populações utilizaram a mesma via de entrada para as Américas, o estreito de Bering. Carregando nas tintas, os críticos desse modelo dizem que os sulamericanos construíram uma tese a partir de um só crânio. Mas novos estudos publicados por Neves e colaboradores a partir de 1999 vêm demonstrando que populações humanas pré-históricas similares a Luzia não eram raridades nas Américas e sua distribuição geográfica não estava restrita às cercanias da capital mineira. Agora acabam de sair dois trabalhos que dão amparo à teoria alternativa sobre a colonização das Américas. Num artigo impresso na última edição da revista britânica World Archaeology, uma equipe de pesquisadores coordena-
Crânio de Cerca Grande: como Luzia, tem anatomia similar à dos atuais africanos e aborígines australianos
Vista externa e interna do complexo de sítios funerários de Cerca Grande: ossadas de 9 mil anos
da por Neves apresenta nove crânios encontrados em Cerca Grande, um complexo de sete sítios pré-históricos situado na região de Lagoa Santa. Todas as ossadas ostentam características afro-aborígines e idade estimada em cerca de 9 mil anos. "Luzia não é uma anomalia", afirma Neves, cujos estudos são financiados por um Projeto Temático da FAPESP. Em outro trabalho, publicado em dezembro no periódico norte-americano Current Research in the Pleistocene, o arqueólogo da USP analisa um crânio, também de aproximadamente 9 mil anos e traços negróides, oriundo da Toca das Onças, um sítio rico em material pré-histórico localizado em Caatinga do Moura, na Bahia. Em oposição à anatomia típica dos povos mongolóides, os crânios dos paleoíndios brasileiros são mais estreitos e longos, com os maxilares projetados para a frente, e as faces baixas e não muito largas. A existência de uma ossada tão g^L antiga associada a populações ÍJ^ não-mongolóides originám ^ rias de uma região distan^L. A. te de Lagoa Santa sugere que esse tipo físico esteve disseminado por outras partes do país durante algum momento da Pré-história. "Sua distribuição geográfica era mais ampla do que se pensava", comenta Castor Cartelle, do Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), co-autor do artigo sobre o crânio de Toca das Onças. "Talvez a presença de indivíduos do tipo negróide tenha ocorrido ao longo de toda a bacia do rio Francisco, chegando até o Piauí." Cartelle, aliás, coordenou a equipe que encontrou o crânio humano de Toca das Onças numa expedição à região baiana no fim dos anos f970. Hoje esse material arqueológico faz parte do acervo do museu da PUC/MG. Os nove crânios de Cerca Grande foram coletados há ainda mais 46 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
tempo, numa viagem a Lagoa Santa realizada em 1956 pelo norte-americano Wesley Hurt e o brasileiro Oldemar Blasi, ambos arqueólogos. Esses fragmentos de esqueletos integram atualmente as coleções do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "O sítio de Cerca Grande está todo destruído devido à retirada de calcário e calcita da região", comenta Blasi, hoje com 86 anos, que retornou ao local com a equipe de Neves em 2001. Neves resolveu estudar em detalhes os crânios de Cerca Grande e da Toca das Onças na esperança de obter mais subsídios para sua tese sobre a colonização das Américas. Conseguiu. "Como enfrento muitas críticas de colegas, em especial dos Estados Unidos, resolvi publicar análises sobre o maior número 0 PROJETO Origens e microevolução do homem na América MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADOR WALTER NEVES - Instituto de Biociências da USP INVESTIMENTO
R$ 538.172,80 e US$ 76.000,00
possível de crânios pré-históricos de diferentes sítios de Lagoa Santa, de outros lugares do Brasil e até do exterior", diz o arqueólogo da USP. A rigor, ele iniciou pra valer essa cruzada acadêmica em prol de suas idéias em 2003, com um artigo no Journal ofHuman Evolution em que analisa seis crânios paleoíndios (também de cerca de 9 mil anos) provenientes de Santana do Riacho, na serra do Cipó, região não muito distante de Belo Horizonte. E pretende prosseguir durante todo o ano de 2005 nessa estratégia de salientar que Luzia não estava sozinha. Neves promete publicar em breve evidências de que também havia paleoíndios similares aos aborígines australianos no Estado de São Paulo e até mesmo no México. Não é fácil encontrar evidências para a controversa tese de que os primeiros habitantes das Américas não eram mongolóides. Um esqueleto humano, ou parte dele, precisa preencher dois requisitos para ser classificado como pertencente a um paleoíndio de traços negróides: ser alvo de alguma forma de datação minimamente confiável (o que custa muito caro) e passar por uma análise estatística rigorosa a respeito de sua conformação anatômica. Neves acredita ter vencido essas duas etapas de maneira satisfatória em seus trabalhos recentes com as ossadas humanas de Lagoa Santa.
Reconstituição de homem de Lagoa Santa: sem traços orientais
Dos nove crânios de Cerca Grande analisados no artigo científico da World Archaeology, dois tiveram sua idade determinada de forma direta, pelo método do carbono 14. Esse tipo de medição, mais confiável e alvo de menos críticas, só é possível de ser feito quando existe colágeno preservado no esqueleto, algo difícil de acontecer na região de Lagoa Santa. Luzia, por exemplo, não tinha esse elemento indispensável para o teste de carbono 14. Sua antigüidade foi estabelecida de forma indireta, abordagem que também foi empregada para situar no tempo os outros sete crânios de Cerca Grande. Por esse método, os pesquisadores associam o seu objeto de estudo - um esqueleto humano ou de animal - a algum elemento do sítio préhistórico cuja idade seja conhecida ou estimada, como rochas, artefatos ou camadas sedimentares. "Não é o ideal, mas muitas vezes temos de recorrer às datações indiretas", comenta Neves. Para dizer se um crânio pré-histórico é similar a um determinado grupo biológico, os pesquisadores recorrem à
anatomia comparativa. Neves faz questão de ele mesmo realizar as medições nos crânios que são alvo de seus artigos científicos. Assim garante a padronização de procedimentos na execução da tarefa. As medidas dos ossos são submetidas a modelos computacionais que as confrontam com dezenas de parâmetros físicos - no caso de Cerca Grande, 27 variáveis para os crânios de mulheres e 43 para os de homens - exibidos pelos principais grupos biológicos exis-
tentes hoje em dia no mundo. Terminada a comparação, o programa posiciona o material analisado em relação aos padrões físicos contemporâneos. Segundo Neves, os modelos computacionais colocam os nove crânios de Cerca Grande, a exemplo de Luzia e do material baiano da Toca das Onças, ao lado dos africanos do Subsaara e dos aborígines da Austrália - e longe dos mongolóides (asiáticos e ameríndios atuais). Isso não quer dizer necessariamente que o povo de Luzia tinha a pele escura, como as pessoas tendem a pensar ao olhar para as reconstituições artísticas dos antigos habitantes de Lagoa Santa. Como as figuras são feitas de argila escura, e seus traços remetem a populações que hoje são negras, essa impressão, talvez errônea, se difundiu. "A cor da pele é uma característica que pode mudar rapidamente, em poucas gerações", comenta Neves. Há alguns pontos de difícil compreensão na tese alternativa advogada por Neves e seus colaboradores sobre a chegada dos primeiros Homo sapiens no Novo Mundo. O principal deles é por que não sobrou aqui nenhum descendente desses pioneiros não-mongolóides. Ninguém tem uma resposta totalmente satisfatória a essa pergunta, mas talvez o tempo e novas evidências arqueológicas se encarreguem de resolver a controvérsia. Em setembro do ano passado, por exemplo, correu a notícia de que um crânio de cerca de 11 mil anos, do México, conhecido como a Mulher de Penon, também exibe traços físicos semelhantes aos do povo de Lagoa Santa. Em 2003 saiu um artigo na revista Nature em que são descritos 33 esqueletos, também oriundos do México, que exibem características anatômicas não-mongolóides, similares às de Luzia. Não são crânios de povos préhistóricos, mas de uma tribo mexicana, a pericu, que viveu isolada até o século 16 na Baixa Califórnia, quando se extinguiu após o desembarque dos espanhóis. Se a teoria de Neves estiver correta, talvez os pericus tenham sido os últimos remanescentes das primeiras linhagens não-mongolóides que ocuparam as Américas. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 47
I CIÊNCIA GENÉTICA
O resgate dos botocudos Estudos em vila de Minas Gerais e no pampa gaúcho revelam descendentes de índios desaparecidos, como aimorés e charruas
MARCELO LEITE
JA genética nacional, ao garimpar tes/^L temunhos no sangue de brasileiros / m de hoje, está contribuindo para I ^k rastrear as conseqüências popula-i— M cionais de uma injustiça antiga, consagrada numa carta regia de d. João VI, em 13 de maio de 1808, que não deixava dúvidas sobre as intenções da Coroa quanto ao destino dos índios pejorativamente alcunhados de botocudos, que na realidade seriam bravos aimorés do nordeste mineiro:
"[...] Sendo-me presente as graves queixas que da Capitania de Minas Geraes tèm subido á minha real presença, sobre as invasões que diariamente estão praticando os Índios Botocudos, antropophagos, em diversas e muito distantes partes da mesma Capitania [...] sou servido por estes e outros justos motivos que ora fazem suspender os effeitos de humanidade que com elles tinha mandado praticar, ordenar-vos, em primeiro logar: Que desde o momento, em que receberdes esta minha Carta Regia, deveis considerar como principiada contra estes índios antropophagos uma guerra offensiva que continuareis sempre em todos os annos nas estações seccas e que não terá fim". Não é de espantar, diante de tanta prontidão para o genocídio, que hoje os aimorés de Minas sejam dados por exterminados. Seus parentes sobreviventes mais próximos - além dos moradores da localidade de Queixadinha, no nordeste pobre de Minas Gerais, cujo parentesco 48 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PES0UISA FAPESP 107
com os trucidados vem agora à luz no estudo de geneticistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - são os krenaks, um contingente de cerca de 500 índios que nem querem ouvir falar da extinção dos botocudos. "Uma vez mencionei em uma entrevista que os botocudos estavam extintos e os krenaks ficaram muito irritados", conta Sérgio Danilo Pena, que liderou a pesquisa. "A identificação como descendentes dos botocudos, que eles efetivamente são, é politicamente muito importante para eles, principalmente quanto a terras, e aprendi a respeitar isso." Mesmo aimorés, ou gueréns, eram denominações dadas pelos brancos no período colonial, ensina Pena. Quando ainda habitavam os vales dos rios Jequitinhonha, Mucuri e Doce, área hoje dividida pelos estados da Bahia, Minas e Espírito Santo, esses índios se referiam a si mesmos pelos nomes de suas tribos: engereckmoung, cracmun, nak-nanuk, pejaurum e djioporoca. Além da suposta ferocidade, tinham em comum o apreço pelos apliques de discos de madeira - os botoques, palavra que originariamente designava os tampões de toneis de vinho - no lábio inferior ou nos lóbulos das orelhas. O resgate dos botocudos ao qual Pena se dedica é derivado de um de seus trabalhos mais conhecidos, a constatação de que a população atual do Brasil, ao menos no que se refere às linhagens maternas, é uma das mais miscigenadas do mundo: 39% de contribuição européia, 33% índia e 28% africana. O trabalho, publicado em 2000 no American Journal ofHuman Ge-
Botocudos do rio Doce, Minas Gerais, 1920: descendentes reencontrados
netics, se baseava na análise de DNA das mitocôndrias (mtDNA), organela celular que se transmite só da mãe para os filhos e filhas (cujos padrões e mutações permitem, assim, reconstituir as chamadas matrilinhagens). A o estudo de 2000 se seguiu i^L outro, publicado em 2003 / m no Proceedings of the NatiI ^k onal Academy of Sciences. 1 » Pena demonstrava a total desvinculação entre a atribuição de raça com base em características físicas, de um lado, e marcadores genéticos de ancestralidade africana, de outro (nesse caso foram usados trechos de DNA nuclear autossômico, que não se envolvem na determinação do sexo). Dito de outro modo, uma pessoa identificada como negra não tem necessariamente genes típicos de ancestrais africanos e tampouco a presença desses marcadores garante a classificação social como integrante da raça negra. O estudo deu o que falar, pois viera a público logo depois de o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmar em debate na TV que a ciência tinha instrumentos para distinguir negros de brancos. Um dos grupos de amostras usados nesse trabalho provinha de Queixadinha, distrito de Caraí, cidade com 20 mil habitantes, localizado na mesma região dos botocudos. Trata-se de uma vila esquecida, com poucas centenas de moradores e acesso difícil por estradas de terra. Pena viu nesse isolamento a oportunidade de pôr em prática o que chama de garimpagem homopátrica, ou seja, a busca de pistas genéticas dos botocudos entre os habitantes atuais da mesma área que eles ocupavam. Se existissem vestígios de DNA botocudo na população atual, é certo que estariam no mtDNA - e não nos cromossomos Y, que passam de geração a geração apenas entre homens (e são por isso úteis para reconstituir patrilinhagens). Afinal, o padrão consagrado de genocídio e limpeza étnica implica exterminar os homens e absorver as mulheres. Nas linhagens masculinas brasileiras, a contribuição é quase exclusivamente do colonizador europeu (98% do total): a pesquisa no cromossomo Y de brasileiros de hoje vai revelar sobretudo marcadores herdados dos 50 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESHUISA FAPESP 107
senhores portugueses, enquanto no mtDNA é possível encontrar a herança genéticas, das mulheres índias e negras que os colonizadores tomavam para seu desfrute. Foram analisadas amostras de 274 pessoas sem parentesco materno por três gerações, divididas em três grupos: 74 de Queixadinha, 100 de outras cidades dos vales do Jequitinhonha, do Mucuri e do Doce, e 100 de cidades da Zona da Mata mineira, região mais ao sul onde não há registro de aimorés, só das etnias puri e coroado, também elas desaparecidas. Participaram desse trabalho Flávia Parra, também da UFMG, hoje fazendo pós-doutorado na Southwest Foundation for Biomedical Research, nos Estados Unidos, e HansJürgen Bandelt, matemático alemão da Universidade de Hamburgo que começou a lidar por hobby com questões estatísticas de análise de DNA e se tornou um colaborador assíduo de Pena e de outros geneticistas. Resultados inesperados - A análise tomou por base a seqüência de trechos específicos dos cerca de 16 mil nucleotídeos que compõem o mtDNA, assim como mutações características adquiridas por populações ameríndias após a principal entrada de seres humanos no Novo Mundo, vindos da Ásia, em algum momento (ou mais de um) entre 12 mil e 18 mil anos atrás. A análise do número e do tipo de diferenças encontradas permite aglomerar as amostras em grupos chamados de haplótipos. Entre índios das Américas, os haplótipos mais comuns são designados como A, B, C e D. Pena, Flávia e Bandelt encontraram coisas intrigantes em Queixadinha. Em primeiro lugar, a predominância do haplótipo C, quando o mais comum no mtDNA de origem ameríndia de Minas Gerais são os haplótipos A e B. Além disso, duas linhagens encontradas na vila, uma em três indivíduos e outra em cinco, nunca haviam sido descritas em populações atuais de índios das Américas. A alta freqüência sugere que essas matrilinhagens sejam características dos botocudos que habitavam a região. O interesse na história dos botocudos tem um componente adicional. Relatos históricos e restos preservados no Museu Nacional (RJ) indicam que essa
etnia possuía a morfologia craniana mais similar à dos esqueletos conhecidos como homens de Lagoa Santa, grupo do sítio em Minas Gerais que inclui os restos de Luzia, os mais antigos de um ser humano nas Américas. Essa morfologia, de tipo negróide, destoa da predominante entre ameríndios de origem inequivocamente asiática, um dos enigmas por solucionar sobre o povoamento das Américas. "Com sorte, essa estratégia poderia nos levar a algumas inferências genéticas sobre o Homem de Lagoa Santa, mas isso ainda é altamente especulativo", ressalva Pena. "Nosso objetivo primordial era testar uma estratégia do uso de populações modernas como repositório de seqüências mitocondriais de grupos conquistados e extintos", afirma o geneticista da UFMG. "A primeira etapa é o uso de populações modernas com localização geográfica apropriada para identificar seqüências mitocondriais candidatas. A segunda etapa, que estamos fazendo, é de tentativa de validação dos resultados da primeira." Em outras palavras, os geneticistas ainda pretendem obter uma confirmação direta de que as matrilinhagens identificadas em Queixadinha são de fato fósseis de genes botocudos soterrados nas células de descendentes vivos. Para consegui-la, estão preparando a análise de DNA de duas dezenas de dentes de botocudos cedidos pelo Museu Nacional. No pampa gaúcho - "Trata-se de um enfoque histórico muito interessante. É o mesmo que estamos fazendo aqui no Sul com os charruas", afirma Francisco Mauro Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pioneiro no estudo genético de populações indígenas. Salzano se refere ao trabalho de sua colaboradora Maria Cátira Bortolini, que coordena um mapeamento similar do mtDNA no pampa gaúcho com a colaboração de Andréa Marrero. A região foi escolhida por Salzano e Maria Cátira por ser a origem do elemento étnico-cultural gaúcho (ponchos e boleadeiras, por exemplo), que muito deve a povos indígenas extintos como os minuanos e os charruas. Falantes de dialetos compreensíveis para uns e outros, esses povos são enfeixados no que
Família de botocudos: vítima de genocídio autorizado pelo rei
Maria Cátira chama de grande etnia charrua. Ela acredita que essa assimilação foi mais do que cultural, por ter encontrado sua marca genética distintiva entre os sul-rio-grandenses que hoje habitam o pampa. Mais uma vez, na forma de haplótipos C do mtDNA muito raros entre os outros povos indígenas do Sul do Brasil, como os guaranis, mas abundantes entre índios da Patagônia e da Terra do Fogo, no extremo sul do continente. Maria Cátira, como Pena, também está em busca de uma comprovação direta de que seus haplótipos C são testemunhos genéticos de antigos charruas. Para isso, ela conta com a ajuda de um padre e arqueólogo, Pedro Ignacio Schmitz, do Instituto Anchietano de Pesquisas da Universidade do Valde do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, de uma geneticista uruguaia, Monica Sans, da Universidade Nacional de Montevidéu, e de um chefe
charrua morto há mais de um século e meio de inanição e depressão, Vaimacá Peru. De Schmitz, Maria Cátira obteve partes da mandíbula e do crânio de um enterramento arqueologicamente caracterizado como charrua. Sua maior expectativa está na colaboração com Monica, porém. A colega uruguaia obteve amostras de ossos de Peru depois que eles foram repatriados da França para o Uruguai em 1998, mas antes que fosse aprovada no vizinho austral legislação proibindo o estudo dos restos de Vaimacá Peru. "É uma história extraordinária", diz ela sobre a vida de Peru, reconstituída num livro do antropólogo francês Paul Rivet, Les derniers charruas (Os últimos charruas). O chefe Vaimacá Peru se encontrava preso em Montevidéu, no ano de 1832, depois de seu povo participar de várias escaramuças regionais, ora no lado brasileiro, ora na banda uruguaia. Um cidadão francês conhecido somente como Monsieur de Curei pediu autorização para levar espécimes charruas para exposição pública na França
e foi presenteado com Peru, o guerreiro Tacuabé e sua mulher Guyunusa e o xamã Senaqué. Levados em 1833 para Paris, não duraram muito. O casal teve uma filha, Michaela, mas não se sabe o que foi feito dela nem do pai. Os outros três morreram em menos de um ano de cativeiro e seus restos foram mantidos no Museu de História Natural de Paris até 1998, quando gestões do governo uruguaio conduziram o seu repatriamento. Segundo Maria Cátira, Monica já teria feito a análise do DNA e confirmado preliminarmente os mesmos haplótipos C similares aos do pampa brasileiro. O ideal, diz a brasileira, seria que os resultados pudessem ser replicados em um laboratório independente fora do Uruguai. Entretanto, devido a leis proibindo estudos com os restos de Peru, essa parte do trabalho pode ser prejudicada. A geneticista gaúcha lamenta esse tipo de restrição à pesquisa. "A maior homenagem que se poderia fazer a Vaimacá Peru", diz Maria Cátira, "é resgatar a memória e a história de seu povo". • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 51
I CIÊNCIA
O caos amigável Comportamentos aparentemente desorganizados podem beneficiar seres vivos e reações químicas FRANCISCO BICUDO
A camada mais superficial dos oceanos abriga #M uma elevada variedade de organismos mi/ ^ croscópicos, continuamente transportados J^^L pelas correntes marítimas. Em seu camiM. _^^ nho pelos mares, essa rica mistura que compõe o plâncton - algas, bactérias, protozoários, crustáceos e moluscos - depara com obstáculos como ilhas, montanhas submersas ou mesmo barcos. Homogêneas a olho nu, essas extensas manchas de plâncton obrigatoriamente se dividem e contornam a barreira em um abraço envolvente, reencontrando-se em seguida. Mas, superado o obstáculo, a mancha antes compacta sofre distorções e se transforma em uma complexa rede de 52 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Engenho e arte: formas sinuosas resultam de rigor matemático e solucionam antigos desafios da biologia
filamentos muito delgados. É que próximo a essas barreiras existem turbilhões na água que forçam esses organismos a percorrer trajetórias complicadas e aparentemente irregulares, num movimento classificado pelos físicos como caótico, repetido a cada novo obstáculo. Uma equipe de físicos da Universidade de São Paulo (USP) estudou em detalhe a estrutura dos filamentos que se formam após o obstáculo e constatou que suas formas aparentemente irregulares podem ser descritas com precisão por fórmulas matemáticas da Teoria de Sistemas Dinâmicos - mais conhecida como Teoria do Caos, já aplicada no estudo de fenômenos tão distintos quanto o sobe-e-desce do mercado financeiro, as incertezas da meteorologia e até mesmo o ritmo dos batimentos cardíacos. Ao empregar a Teoria do Caos para prever a dispersão das espécies de plâncton, os físicos da USP encontraram uma possível solução para um dilema que inquieta os biólogos há quase meio século, o chamado Paradoxo de Hutchinson: por que o plâncton é formado por cerca de 8 mil espécies de organismos? Segundo teorias clássicas da biologia, esse número não deveria superar uma dezena por causa da competição por recursos naturais como oxigênio, luz e nutrientes. Casos como esse mostram que nem sempre o caos é sinônimo de confusão e desordem, portanto, indesejável. "Em situações como a da mancha de plâncton se dispersando no mar", explica o físico Celso Grebogi, "o caos aparece como algo benéfico, favorecendo a sobrevivência de um número maior
de espécies". Pesquisador do Instituto de Física da USP, Grebogi é o principal autor de uma teoria que ajuda a entender - e prever - não só a proliferação de espécies de plâncton. Fundamentado na Teoria do Caos, esse modelo pode auxiliar também na explicação de outros fenômenos biológicos e químicos, como a formação do buraco na camada de ozônio que envolve a Terra. Grebogi e sua equipe na USP desenvolveram essa nova teoria, chamada de Caos Ativo, em parceria com especialistas da Universidade de Eõtvõs, na Hungria. Nela, os pesquisadores lançaram uma idéia inovadora: em situações específicas o caos pode representar mais que um conjunto de expressões matemáticas capaz de descrever o comportamento de um sistema que se modifica com o tempo - por exemplo, o gotejamento de uma torneira que se fecha aos poucos. No caso de partículas sólidas diluídas em um fluido, sejam plânctons no oceano, sejam moléculas de poluentes no ar, o caos pode desempenhar um papel ativo e funcionar como catalisador, acelerando reações químicas ou interações biológicas, revelaram os pesquisadores no primeiro artigo sobre o assunto, publicado em 1998 na Physical Review Letters. O caos atuaria assim de modo análogo às enzimas produzidas pelo estômago ou pelo intestino, que aumentam a velocidade das reações que quebram os alimentos em partículas menores. Aqui novamente o exemplo dos plânctons, responsáveis pela produção de cerca de metade do oxigênio do planeta, ajuda a compreender essa atividade catalisadora do caos. Há organização por trás dos filamentos sinuosos, formados por esses organismos marinhos após superar o obstáculo. A estrutura PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 53
Ao sabor das correntes marinhas: microorganismos do plâncton (linha preta) encontram um obstáculo (em vermelho), se dispersam em movimentos turbulentos e se reorganizam em filamentos que permitem a coexistência de milhares de espécies
desses filamentos é regida por leis matemáticas muito precisas: cada um deles apresenta uma forma complexa que se repete em escalas menores. Ampliados, esses filamentos se revelam formados por outros mais finos, que, por sua vez, são compostos por outros ainda mais finos - a mesma organização que se observa na pena de uma ave. É o que os físicos chamam de estrutura fractal. Nesse como em outros casos essa estrutura fractal surge em conseqüência do afastamento rápido e intenso de partículas antes muito próximas, provocado pelo movimento caótico do fluido que as arrasta. Extinção amenizada - Em sua sala no Instituto de Física, Grebogi ilustra sua teoria com uma seqüência de imagens de computador e explica como tantas espécies distintas de plâncton conseguem conviver, em vez de as mais aptas levarem as outras à extinção. Ao se formarem, os filamentos segregam as diferentes espécies. Naturalmente, espaços vazios - sem plâncton - surgem entre esses filamentos e tornam a competição entre as espécies menos direta: as regiões sem plâncton funcionam como uma área de escape para as espécies menos adaptadas. "Essa forma de organização permite a todas as espécies conseguirem alimento, luz e oxigênio, ainda que algumas predominem sobre outras", diz Grebogi. Quando a população de um determinado tipo de plâncton torna-se muito reduzida, a área de escape torna-se 54 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
proporcionalmente maior e essa espécie ganha mais espaço para se expandir, explica o físico, neto de poloneses nascido há 57 anos em Curitiba, Paraná. "Assim ela consegue se reproduzir e voltar aos níveis normais", afirma. "Ao acelerar a reprodução dessas espécies, o caos evita a extinção das menos eficientes e a conservação da diversidade", diz o físico Alessandra Moura, do Instituto de Física da USP e integrante da equipe de Grebogi nesse projeto. Os artigos mais recentes do grupo sobre o caos ativo foram publicados em 2004, na edição de março da revista Chãos e na de abril da Physical Review Letters. Mas a idéia de relacionar plâncton e Teoria do Caos havia surgido muito antes, cerca de dez anos atrás, quando Grebogi e seus colaboradores, conversando com amigos biólogos, descobriram que havia mais dúvidas do que explicações a respeito da existência das cerca de 8 mil espécies de animais e plantas do plâncton, com ciclos de vida que variam de dois minu0 PROJETO Dinâmica caótica MODALIDADE Projeto Temático
COORDENADOR CELSO GREBOGI
INVESTIMENTO R$ 682.179,67
-IF/USP
tos a dois dias. Na década de 1960, o inglês George Evelyn Hutchinson tentou compreender o paradoxo que depois receberia seu nome. Especialista em ecossistemas aquáticos, ele pensou, evidentemente, como biólogo, destacando as variações anuais de temperatura e o ciclo verão-inverno como argumentos para justificar a sobrevivência de tantas espécies. Embora válidos, esses argumentos parecem ser insuficientes. Grebogi começou então a considerar a ação do caos como uma possibilidade de explicação, com base em alguns indícios. O oceano, afinal, é um fluido repleto de partículas carregadas por correntes marítimas, com muitos obstáculos - em vez disso, as teorias biológicas supunham que o plâncton se distribuísse de modo homogêneo pela superfície dos mares, o que não ocorre de fato. O primeiro artigo com os fundamentos dinâmicos que levariam a uma solução para o Paradoxo de Hutchinson saiu em janeiro de 1998 na Physical Review Letters, assinado por Grebogi e seus colaboradores. O físico paranaense trabalhava então na Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e já era reconhecido como uma autoridade internacional nessa área. Foi também em 1998 que ele se tornou diretor científico externo vitalício do Instituto Max Planck para a Física de Sistemas Complexos em Dresden, Alemanha, onde passa dois meses por ano. Só três anos depois, em 2001, é que o físico elegante e de hábitos refinados, apaixonado por óperas - Mozart
Curvas da fertilidade: após vencerem a barreira, microorganismos de espécies distintas (vermelho e verde) se misturam em filamentos (detalhe ampliado ao lado). Os espaços livres favorecem a reprodução das espécies menos abundantes
ou Verdi para se distrair, Wagner ou Strauss quando deseja algo estimulante -, foi contratado pela USP. Este ano, de acordo com a Academia Brasileira de Ciências, ele se tornou o primeiro brasileiro cujos artigos científicos receberam mais de 10 mil citações, acompanhadas pelo Science Citation Index. CFC e ozônio - Grebogi separa de uma pasta-arquivo outra figura - uma imagem de satélite -, com a qual demonstra que seu modelo pode também ajudar a compreender o processo de destrui-
ção da camada de ozônio na alta atmosfera terrestre, a cerca de 20 quilômetros da superfície. Gás composto de moléculas formadas pela união de três átomos de oxigênio, o ozônio funciona como um escudo que impede a passagem dos raios ultravioleta do Sol, apontados como um dos principais responsáveis por queimaduras e pelo câncer de pele. Em 1985, pesquisadores da British Antarctic Survey constataram pela primeira vez uma redução de 30% na camada de ozônio sobre a Antártida. Em agosto de 2003, o buraco se esten-
dia por 17,4 milhões de quilômetros quadrados - mais de duas vezes a área ocupada pelo Brasil. As moléculas de ozônio se desfazem em contato com o cloro de gases conhecidos como clorofluorcarbonetos (CFC), os mesmos usados em alguns refrigeradores para esfriar o ar. Na alta atmosfera, sob a ação dos raios ultravioleta, o CFC se quebra e os átomos de cloro se soltam: cada cloro pode desfazer mais de 100 mil moléculas de ozônio. É nesse momento que a Teoria do Caos surge como aliada para explicar a PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 55
destruição irregular da camada de ozônio. Caso a distribuição do CFC fosse homogênea e regular, os átomos de cloro que se desprenderiam na alta atmosfera provavelmente atuariam sobre uma área específica e determinada da camada - e o buraco corresponderia a uma pequena região aproximadamente circular. Mas as moléculas de CFC descrevem trajetórias caóticas e formam filamentos fractais, semelhantes aos que se observam no plâncton. A dispersão do gás em filamentos amplia a área de contato entre as moléculas de CFC e as de ozônio e acelera a destruição do gás que protege os seres vivos contra a radiação ultravioleta do Sol. Como regra geral, quanto maior a superfície de contato entre dois compostos químicos, maior será a velocidade de reação - basta comparar a rapidez com que se dissolve uma pedra de sal em um copo de água com o mesmo volume de sal em pó. "Essa constatação nos permite direcionar melhor os esforços para compreender a destruição da camada de ozônio", comenta Moura. É uma amostra de que o mesmo caos visto como fonte de vida ou como elemento imprescindível para a compreensão de cenários até então confusos pode ser, às vezes, indesejado. Em aplicações industriais como a produção de tintas, os pigmentos devem ser misturados da forma mais homogênea possível. O problema surge quando os movimentos caóticos dos misturadores de pigmentos resultam na formação de filamentos indesejáveis por não serem homogêneos. "Se formos capazes de eliminar o caos", pondera Grebogi, "essa teoria poderia ter aplicações industriais". Sua equipe estuda também os fluidos turbulentos, definidos pelo comportamento aleatório e extremamente complexo, a exemplo dos torvelinhos que se formam em um riacho ou do movimento do ar causado pela decolagem de um avião. Por ocorrer na atmosfera, nos mares e em outras situações nas quais os fluidos se movimentem com alta velocidade, a turbulência é um fenômeno de extrema importância prática, em especial para a aviação e a navegação. "Para fluidos com turbulência", diz Moura, "suspeitamos que o efeito catalisador do caos talvez seja até mais poderoso". • 56 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQ.UISA FAPESP 107
Neurônios
artificiais
Computador substitui células nervosas de siris e lagostas
Durante meia hora o siriazul permanece coberto por gelo em uma caixa de isopor no laboratório do físico Reynaldo Daniel Pinto, da Universidade de São Paulo (USP). Quando é retirado de lá, já está anestesiado pela temperatura baixa. Sobre a bancada, o pesquisador abre a carapaça desse crustáceo chamado de Callinectes sapidus e o examina por dentro. Entre os olhos está o cérebro e, logo abaixo, o estômago. Daniel Pinto identifica os 30 neurônios que controlam o sistema de digestão e de mastigação do siri, isola-os cuidadosamente e inicia uma operação delicada: com o auxílio de um microscópio, implanta em uma dessas células nervosas um eletrodo de vidro preenchido com uma solução de cloreto de potássio, cuja ponta é mais fina que um fio de cabelo. Fios de cobre conectam esse eletrodo a um circuito eletrônico que converte os impulsos nervosos em números digitais, que podem ser entendidos por um computador comum, que agora cumpre um papel especial: substitui uma das células extraídas e atua como um neurônio artificial. Eis um siri biônico. Nesse experimento, o físico avalia a capacidade do computador de executar a mesma função de um neurônio chamado disparador anterior, uma das 14 células nervosas que compõem o circui-
to pilórico, que comanda o transporte de alimento do estômago para o intestino. Se um desses neurônios é destruído ou se interrompe a comunicação com os centros nervosos no cérebro, os demais passam a emitir sinais elétricos desordenados e a digestão pára. É aí que o computador entra no jogo: devidamente programado, transforma-se em um neurônio virtual que se comporta como seu similar biológico, de modo semelhante a um marca-passo. Outro eletrodo espetado no neurônio injeta uma corrente com íons partículas atômicas carregadas eletronicamente - de potássio e de cloro que migram para a célula. Recria-se assim na célula o ambiente químico necessário à transmissão do impulso nervoso. Tão logo recebe o estímulo, a célula nervosa do siri reage e transmite a informação para os neurônios seguintes. 0 PROJETO Dinâmica não-linear MODALIDADE Projeto Temático
COORDENADOR IBERê LUIZ CALDAS
de Física da USP INVESTIMENTO R$ 476.477,50
- Instituto
Siri-azul: mastigação auxiliada por eletrodos
Em menos de dois segundos, uma mensagem chega ao estômago e os movimentos da musculatura voltam a empurrar o alimento rumo ao intestino. Com essa mesma técnica é possível estudar como diferentes tipos de sinapses, as conexões entre os neurônios, atuam no processamento de informação, como relatado em um artigo publicado em junho na Neuroscience. "É um jogo de perguntas e respostas em que tentamos compreender a linguagem usada pelos neurônios", diz Daniel Pinto. O desenvolvimento desses neurônios artificiais é um desdobramento do Projeto Temático coordenado pelo físico Iberê Luiz Caldas, que já resultou em um modelo de previsão do comportamento das bolsas de valores (veja Pesquisa FAPESP n° 65). Se ainda não compreendem a linguagem dos neurônios, os físicos conseguem ao menos decifrar algumas de suas respostas. Em outro experimento, a equipe da USP simulou o funcionamento de um grupo de neurônios que integra o conjunto de 30 células nervosas do circuito nervoso ligado à mastigação e digestão do siri-azul, espécie encontrada no litoral brasileiro e apreciada por sua carne saborosa. Associados ao controle da mastigação, 11 desses 30 neurônios transmitem as informações em um ritmo muito mais lento que os do circuito pilórico. Quando se interrompe a comunicação entre essas
células e o gânglio central, o grupo todo de neurônios pára de funcionar: os músculos que movimentam os dentes, localizados no estômago do siri, ficam paralisados. Dessa vez o computador não age apenas como um marca-passo que dispara sinais elétricos num ritmo constante: também recebe e interpreta sinais emitidos pelas células nervosas antes de enviar outro pulso elétrico. As quatro equações - Devidamente programado, o computador envia estímulos elétricos para um neurônio específico do circuito desligado - o gástrico lateral - e volta a ficar silencioso. Ao ser provocado, o gástrico lateral reage com um rebote e devolve o impulso elétrico ao neurônio artificial, antes de ficar novamente inativo. Cria-se um ciclo de estímulos, rebotes e silêncios que afeta os demais neurônios do grupo. O resultado final é que o ritmo de funcionamento do circuito é recuperado - e a mastigação volta a se manifestar. "A simples presença do rebote e o ciclo de respostas e ausências de atividade que ele acaba criando parecem ser suficientes para que o circuito volte à normalidade, sem a necessidade de um neurônio marca-passo", diz Daniel Pinto. Ele não imaginava que teria de estudar o comportamento dos neurônios. Durante o doutorado, trabalhou com a Teoria do Caos e explicou os compor-
tamentos de gotas d'água que pingam de uma torneira semi-aberta. A convivência com equações que procuram prever o desdobramento de fenômenos complexos foi fundamental para a guinada em sua carreira. Durante seu pósdoutoramento na Universidade da Califórnia, em San Diego, Estados Unidos, Daniel Pinto aplicou a física ao estudo da atividade dos neurônios de outro crustáceo, as lagostas espinhosas californianas (Panulirus interruptus), que medem até 40 centímetros. Foi quando desenvolveu o programa que faz um computador comum atuar como um neurônio. Daniel Pinto resgatou um modelo matemático de neurônio que trabalha com três equações da Teoria do Caos e acrescentou uma quarta equação. Pôde assim construir um circuito eletrônico capaz de emitir sinais elétricos e atuar como um neurônio artificial. Mas havia limitações. Quando queria mudar a mensagem enviada às células biológicas, tinha de recomeçar do zero e construir outro circuito. Com o aumento da velocidade e da capacidade de memória dos computadores, criou um programa baseado naquelas quatro equações que permite à máquina atuar como um neurônio digital. Agora ele consegue alterar as variáveis das equações e fazer uma mesma máquina enviar ordens diferentes para os neurônios verdadeiros. Esse programa poderia levar à produção de próteses anatômicas contendo neurônios artificiais. Aprimorado, poderia também auxiliar no tratamento de pessoas com paralisia nos braços e nas pernas. Mas ainda é futurologia. O físico Antônio Carlos Roque da Silva Filho, da USP de Ribeirão Preto, mistura otimismo e cautela ao explicar o estágio atual das pesquisas nessa área. "Nas últimas três décadas produziu-se grande quantidade de informações sobre o funcionamento do cérebro humano", diz ele. O desafio ainda é construir modelos matemáticos e computacionais que interpretem os dados gerados. "Fenômenos ligados à percepção e às emoções, como a memória e a consciência", afirma Silva Filho, "ainda permanecem ilustres desconhecidos". • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 57
Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
O site SciELO Brasil disponibiliza dados que permitem a análise das revistas da coleção. As informações podem ser consultadas a partir do módulo Relatório na página principal do site. Estão disponíveis as opções "Uso do site, Citações de revista, Co-autoria".
■ Fruticultura
■ Violência
Goiaba sustentável
As causas do crime
O Brasil é um dos maiores produtores de goiaba do mundo, com um volume estimado de 390 mil toneladas em 2002. A produção concentra-se nas regiões Sudeste e Nordeste do país e o Estado de São Paulo é responsável por mais de 60% do total. A partir desse contexto, o artigo "Uso fertilizante de resíduo da indústria processadora de goiabas", de pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista, oferece uma avaliação dos efeitos da aplicação do resíduo da indústria processadora de goiabas na fertilidade do solo. O estudo é de José Mantovani, Márcio Corrêa, Mara Cristina da Cruz, Manoel Ferreira e William Natale. Além do consumo in natura, produtos industrializados são a principal forma de consumo da fruta no Brasil. Durante o processamento da goiaba, após o despolpamento e a lavagem com água clorada, o resíduo que sobra do processo é composto principalmente por sementes. Como apenas no Estado de São Paulo são produzidas 230 mil toneladas por ano da fruta, a produção anual de resíduo é de 10 mil toneladas. "Este resíduo tem sido descartado pela indústria a céu aberto ou, raramente, em aterros sanitários, e, com isso, grande quantidade de nutrientes, que poderiam ser reciclados, não é aproveitada", acreditam os pesquisadores. Os experimentos, que tiveram como plantateste o milho, combinaram cinco doses do resíduo da indústria de goiabas. Os resultados são promissores: a adição de resíduo da indústria processadora de goiabas propiciou aumento nos teores de fósforo (P) e potássio (K) do solo, tanto na ausência quanto na presença do adubo mineral. REVISTA BRASILEIRA DE FRUTICULTURA
■ VOL. 26
"Entender o que leva as pessoas a cometer crimes é uma tarefa árdua. Afinal, não há consenso sobre uma verdade universal, mesmo que esta se refira a uma determinada cultura, em um dado momento histórico." Esta frase no início do artigo "Determinantes da criminalidade: arcabouços teóricos e resultados empíricos" mostra o desafio proposto por Daniel Cerqueira e Waldir Lobão, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Segundo o estudo, vários autores procuraram até hoje elaborar um modelo integrado para explicar a violência, com enfoques nos níveis estrutural, institucional, interpessoal e individual. "Tais anseios decorreram da percepção empírica de que a violência e a sua tolerância variam significativamente entre as sociedades, entre as comunidades e entre os vários indivíduos." Principalmente a partir do início do século 20, os criminólogos começaram a estudar o assunto e identificaram uma série de fatores que, combinados em proporções e situações específicas, poderiam explicar a causa dos crimes. Por conta disso, o objetivo do estudo foi investigar, com base na literatura, as várias teorias que explicariam o comportamento criminoso. O apanhado de algumas das mais substantivas contribuições, com orientações metodológicas retiradas das ciências sociais e da antropologia, passando pela economia e psicologia, está reunido no trabalho dos pesquisadores do Ipea. O estudo conta com uma descrição da lógica por trás de dez conjuntos distintos de teorias que, por certo, não esgotam o universo das teorias de causação do crime. "Fica evidente, a partir da exposição dos vários modelos que explicam os determinantes da criminalidade, tratar-se de um fenômeno complexo e multifacetado, mas que possui determinadas regularidades estatísticas que variam conforme a região e a dinâmica criminal, em particular", avaliam os autores do estudo. 47 - N° 2 - Rio DE JANEIRO - 2004
- N° 2 - JABOTICABAL - AGO. 2004
DADOS- VOL.
www.scielo.br/scielo.prip?script=sci_arttext&pid=S0100-29452004000200037&lng=pt&nrm= iso&tlng=pt
www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0011 -52582004000200002&lng=pt&nrm= iso&tlng=pt
58 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
■ Nutrição
A genética dos obesos De acordo com o artigo "Aspectos genéticos da obesidade", de Iva Marques Lopes, Amélia Marti, Maria Aliaga e Alfredo Martínez, todos do Departamento de Fisiologia e Nutrição, da Universidade de Navarra, na Espanha, o componente genético constitui um fator determinante e um elemento de risco para diversas doenças crônicas como diabetes, osteoporose, hipertensão, câncer e obesidade. A partir de modelos animais os pesquisadores conseguiram identificar o comportamento de vários genes implicados no excesso de peso. Seguindo o princípio de que os genes intervém na manutenção de peso e gordura corporal estáveis ao longo do tempo, os autores descobriram que "o balanço energético, do qual participam a energia ingerida e a energia gasta, parece depender cerca de 40% da herança genética". A pesquisa revela a existência confirmada de pelo menos 30 genes envolvidos na obesidade. Os genes que atraíram maior atenção nos últimos tempos foram: o da leptina (LEP) e seu receptor (LEPR), as proteínas desacoplantes (UCP2 e 3) e moléculas implicadas na diferenciação de adipócitos e transporte de lipídios (PPAR, aP2). A análise também ratificou a hipótese de que filhos de pais obesos têm de 50% a 80% de chance de apresentar o mesmo problema. REVISTA DE NUTRIçãO
- VOL. 17 - N° 3 - CAMPINAS -
JUL./SET. - 2004 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141552732004000300006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Indicadores
Mercado de trabalho Analisar a evolução do mercado de trabalho na cidade de São Paulo utilizando indicadores gerados a partir da base de dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). Esta é a proposta do artigo "O mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo", de Sérgio Mendonça, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), e Marise Hoffmann, analista técnica do mesmo órgão e consultora da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade). A PED, realizada pelo Dieese e pela Seade, é uma pesquisa domiciliar que produz indicadores estatísticos sobre a inserção da população no mercado de trabalho. Trata-se de um levantamento que identifica a situação de desemprego e as formas de trabalho geralmente consideradas como mais vulneráveis. As evidências estatísticas apresentadas no artigo indicam que, na década de 1990 e no início da atual, "o mercado de trabalho na Região Metropolitana de São Paulo vem sofrendo um processo acentuado de deterioração, tanto na capacidade de atender às demandas da população como nas características dos pos-
tos de trabalho gerados e nos valores dos rendimentos auferidos". Segundo o estudo, a indústria foi a principal responsável pela perda de dinamismo do mercado de trabalho na região. "Coube aos setores de serviços e comércio compensar, em parte, a queda absoluta do nível de ocupação industrial", dizem os autores. "Acompanhando esta situação, cresceu o número de trabalhadores ocupados como autônomos e empregados domésticos, bem como o de assalariados sem carteira de trabalho assinada." ESTUDOS AVANçADOS
- VOL. 17 - N° 47 - SãO PAULO -
2003 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340142003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
■ Saúde
Lixo e trabalho "O cotidiano dos sujeitos que vivem da reciclagem do lixo ainda é pouco trabalhado pela saúde pública brasileira." Esta foi a justificativa para a elaboração do artigo "Lixo, trabalho e saúde: um estudo de caso com catadores em um aterro metropolitano no Rio de Janeiro", que apresenta os resultados de uma investigação sobre as condições de vida de 218 catadores de materiais recicláveis da capital carioca. O texto é de autoria de Marcelo Porto, da Escola Nacional de Saúde Pública, Denise Juncá, da Universidade Federal Fluminense, Raquel Gonçalves, da Secretaria Municipal do Bem-Estar Social da Prefeitura de Rio das Ostras (RJ), e Maria Filhote, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com base em um inquérito semi-estruturado, os pesquisadores ouviram os catadores no que diz respeito às percepções de suas condições de trabalho e saúde. A proposta do questionário foi construir um perfil geral dessas pessoas e, dessa forma, possibilitar maior aproximação com o "mundo do lixo". "Os trabalhadores entrevistados percebem o lixo como fonte de sobrevivência, a saúde como capacidade para o trabalho e, portanto, tendem a negar a relação direta entre trabalho e problemas de saúde", revela o estudo. Os riscos levantados pelos pesquisadores apontam para a elevada periculosidade dessa atividade, agravada pelas condições de vida que apresenta, inclusive no que se refere aos locais de moradia. CADERNOS DE SAúDE PUBLICA JANEIRO
- VOL. 20 - N° 6 - Rio DE
- NOV./DEZ. - 2004
www.scielo.br/scielo.php?script=scLarttext&pid=S0102311 X2004000600007&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 59
I TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUçãO
MUNDO
A fotografia entre a ciência e a arte Um grupo de artistas e pesquisadores reuniu-se na Universidade de Nova York para trabalhar no desenvolvimento de um sistema fotográfico capaz de capturar e exibir um gigapixel - um bilhão de pixels - de informação visual em uma única imagem. O evento, realizado no início de dezembro nos Estados Unidos, foi organizado pelo artista fotográfico Clifford Ross e teve como parceiros os laboratórios Sandia, corporação do grupo Lockheed Martin, e o Programa Interativo de Telecomunicações da Tisch School of the Arts, da universidade nova-iorquina. O projeto de Ross, que recentemente patenteou a câmera RI, que atinge uma das mais altas resoluções já al-
■ Minúsculas esculturas A tecnologia para produzir curiosas miniaturas esculpidas em silício é a mesma que está sendo usada para desenvolver minúsculas antenas das próximas gerações de telefones celulares. A fabricação de micropeças é um desafio atual da atividade industrial, como provam os estudos da organização ligada à Universidade de Newcastle, na Inglaterra, chamada de Utilização da Inovação na Nanotecnologia, ou Innovation in Nanotechnology Exploitation (Inex). Fundada em outubro 2002 como braço de negócio do
Imagens de altíssima resolução produzidas nos laboratórios Sandia
cançadas, está dividido em duas partes. A primeira consiste em projetar e construir uma nova câmera, expandindo o conceito incorporado na RI, de modo a capturar um gigapixel de
Instituto para a Ciência e Tecnologia de Nanoescala da universidade, a Inex transformou-se em uma organização independente de pesquisa e desenvolvimento, em junho
informação digital na velocidade de 1/15 de segundo ou mais rapidamente. A segunda parte tem como objetivo criar um sistema de vídeo capaz de dispor de uma visão de imagens em larga
de 2004, fornecendo soluções integradas para microssistemas e em aplicações de nanotecnologia para empresas. Para demonstrar o que é possível fazer no âmbito dos mí-
escala enquanto o visor capta pequenos detalhes. O projeto poderá ser aplicado em várias áreas, entre as quais ciência ambiental, exploração espacial, telecomunicações e segurança. •
crons (1 mícron eqüivale a 0,001 milímetro), uma área que antecede em escala a nanotecnologia, os pesquisadores do instituto fizeram micropeças com imagens bem conhecidas na Inglaterra: a estátua do Anjo do Norte e da ponte Tyne, ambas no nordeste daquele país. Cada imagem tem 400 mícrons de largura e os detalhes só podem ser vistos com microscópio. •
■ Sensor mede a glicose com luz
Micropeças: de miniaturas a antenas de celulares
60 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Retirar sangue para medir a taxa de glicose é um procedimento que está com os dias contados se depender de um
grupo de pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, liderados por Micheal Strano. Eles inventaram um sensor formado por um nanotubo de carbono que contém uma proteína encapsulada em seu interior e pode ser implantado, por sua vez, dentro de uma fina agulha sob a pele. A monitoração dos níveis de glicose é feita por meio de um aparelho de laser simples que detecta a radia-
ção infravermelha do nanotubo de carbono. Isso é possível porque a molécula de proteína junto com outros componentes químicos reage com a glicose e altera a fluorescência dos nanotubos. Os pesquisadores receberam financiamento da Fundação Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês. O trabalho foi publicado na versão on-line da revista Nature Materials, em 13 de dezembro. •
BRASIL
Uva para suco adaptada aos trópicos
Escada abaixo Uma cadeira de rodas capaz de descer escadas pode salvar pessoas com problemas de mobilidade em situações de emergência, já que nessas circunstâncias a primeira providência recomendada é evitar os elevadores (London Press Service). Dotada de um sistema de esteira rolante na parte dianteira, utilizado para controlar o deslocamento escada abaixo, e uma rotação tripla, composta
Esteira rolante na parte dianteira da cadeira controla a descida
por três rodas maiores, que permite a descida de cada degrau sem necessidade de ajuda, a cadeira foi criada por Simon Kingston, que a apresentou em seu projeto de conclusão do curso de desenho industrial na Universidade Northumbria, em Newcastle, Inglaterra. 0 braço trabalha de forma semelhante a uma pequena alavanca que aciona o mecanismo de funcionamento. •
y^ ^^
A T
BRS Cora: 30 toneladas de uva por hectare a cada safra
Se depender dos esforços da Embrapa Uva e Vinho, as terras do Brasil central, onde a soja e a pecuária avançam, poderão abrigar também extensos vinhedos. A unidade da Embrapa, situada em Bento Gonçalves, Rio Grande de Sul, lançou recentemente uma variedade de uva para suco, a BRS Cora, adaptada para as regiões tropicais, onde a viticultura é uma atividade agrícola emergente. A nova cepa é fruto de 12 anos de pesquisas com melhoramento genético clássico e foi obtida a partir do cruzamento de duas variedades, a Muscat Belly A e a H 65.9.14. Além de ser rica em açúcar, é muito produtiva em zonas quentes. A cada safra, seu rendimento chega a 30 toneladas por hectare, um terço a mais do que o desempenho da Bordo, uma das principais cepas cultivadas no Sul para fazer suco. "A BRS Cora já começou a ser plantada em áreas comerciais de Goiás, do Vale do São Francis-
co e do Mato Grosso, onde fizemos a sua validação", afirma o pesquisador Umberto Almeida Camargo, da Embrapa, coordenador da equipe que desenvolveu a variedade. "Essas regiões são novas fronteiras na produção de uva para suco." Hoje o Rio Grande do Sul, estado de clima semitemperado, é o principal fornecedor desse tipo de uva. Em geral, esse produto é uma mistura do sumo das variedades Isabel, Condord e Bordo. A Isabel responde pelo maior volume do blend, sendo a sua base. A Concord melhora o aroma e o sabor da mistura, e a Bordo lhe dá mais cor. Também rica em pigmentos, a BRS Cora, cujo plantio também é recomendado em áreas da Serra Gaúcha e do noroeste paulista, foi criada para substituir a Bordo no blend de suco de uva originário de zonas quentes. A Bordo e a Concord não se adaptam ao cultivo em regiões tropicais. •
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 61
grupo de pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, liderados por Micheal Strano. Eles inventaram um sensor formado por um nanotubo de carbono que contém uma proteína encapsulada em seu interior e pode ser implantado, por sua vez, dentro de uma fina agulha sob a pele. A monitoração dos níveis de glicose é feita por meio de um aparelho de laser simples que detecta a radia-
ção infravermelha do nanotubo de carbono. Isso é possível porque a molécula de proteína junto com outros componentes químicos reage com a glicose e altera a fluorescência dos nanotubos. Os pesquisadores receberam financiamento da Fundação Nacional de Ciência, NSF na sigla em inglês. O trabalho foi publicado na versão on-line da revista Nature Materials, em 13 de dezembro. •
BRASIL
Uva para suco adaptada aos trópicos
Escada abaixo Uma cadeira de rodas capaz de descer escadas pode salvar pessoas com problemas de mobilidade em situações de emergência, já que nessas circunstâncias a primeira providência recomendada é evitar os elevadores (London Press Service). Dotada de um sistema de esteira rolante na parte dianteira, utilizado para controlar o deslocamento escada abaixo, e uma rotação tripla, composta
Esteira rolante na parte dianteira da cadeira controla a descida
por três rodas maiores, que permite a descida de cada degrau sem necessidade de ajuda, a cadeira foi criada por Simon Kingston, que a apresentou em seu projeto de conclusão do curso de desenho industrial na Universidade Northumbria, em Newcastle, Inglaterra. 0 braço trabalha de forma semelhante a uma pequena alavanca que aciona o mecanismo de funcionamento. •
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BRS Cora: 30 toneladas de uva por hectare a cada safra
Se depender dos esforços da Embrapa Uva e Vinho, as terras do Brasil central, onde a soja e a pecuária avançam, poderão abrigar também extensos vinhedos. A unidade da Embrapa, situada em Bento Gonçalves, Rio Grande de Sul, lançou recentemente uma variedade de uva para suco, a BRS Cora, adaptada para as regiões tropicais, onde a viticultura é uma atividade agrícola emergente. A nova cepa é fruto de 12 anos de pesquisas com melhoramento genético clássico e foi obtida a partir do cruzamento de duas variedades, a Muscat Belly A e a H 65.9.14. Além de ser rica em açúcar, é muito produtiva em zonas quentes. A cada safra, seu rendimento chega a 30 toneladas por hectare, um terço a mais do que o desempenho da Bordo, uma das principais cepas cultivadas no Sul para fazer suco. "A BRS Cora já começou a ser plantada em áreas comerciais de Goiás, do Vale do São Francis-
co e do Mato Grosso, onde fizemos a sua validação", afirma o pesquisador Umberto Almeida Camargo, da Embrapa, coordenador da equipe que desenvolveu a variedade. "Essas regiões são novas fronteiras na produção de uva para suco." Hoje o Rio Grande do Sul, estado de clima semitemperado, é o principal fornecedor desse tipo de uva. Em geral, esse produto é uma mistura do sumo das variedades Isabel, Condord e Bordo. A Isabel responde pelo maior volume do blend, sendo a sua base. A Concord melhora o aroma e o sabor da mistura, e a Bordo lhe dá mais cor. Também rica em pigmentos, a BRS Cora, cujo plantio também é recomendado em áreas da Serra Gaúcha e do noroeste paulista, foi criada para substituir a Bordo no blend de suco de uva originário de zonas quentes. A Bordo e a Concord não se adaptam ao cultivo em regiões tropicais. •
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Matemática com madeira e rebites
'Multiplano: método simples que auxilia deficientes visuais
■ O primeiro vôo do maior avião O quarto e último representante da nova geração de jatos da Embraer decolou pela primeira vez no dia 7 de dezem-
bro da pista da empresa em São José dos Campos. O Embraer 195 é o maior avião construído no país com 10,52 metros de altura e 38,52 m de comprimento. Ele poderá levar até 110 passageiros, completando assim a família 170190 projetada para oferecer aviões de 70 a 110 passageiros. A certificação da nova aeronave deve acontecer no segundo semestre de 2006. •
Com materiais bem simples, como placas de madeira compensada, rebites, elásticos e varetas metálicas, deficientes visuais podem aprender desde simples operações matemáticas, como somar, subtrair, dividir e multiplicar, além de reconhecer formas geométricas, entender conceitos aplicados à trigonometria e ainda fazer cálculos de gastos mensais. Para os cálculos são utilizados reachatada,
■ Programa organiza projetos de pesquisa Um novo software, desenvolvido na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), tem como proposta ajudar os pesquisa-
62 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
percepção com o tato de números escritos em algarismos arábicos e em braille. Batizado de Multiplano, o método começou a ser desenvolvido pelo professor de matemática Rubens Ferronato em 2000, ao perceber que um aluno cego do primeiro ano do curso de Ciência da Computação da Faculdade União Pan-Americana de Ensino, de Cas-
195: 38 metros de comprimento e 110 passageiros
dores a organizar e sistematizar seus estudos. O programa, chamado de Qualiquantsof, foi baseado no Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), uma técnica de pesquisa qualitativa em que a matéria-prima
cavel, no Paraná, perdeu o interesse pelas aulas por não compreender certos conteúdos dados em sala de aula. Como parte do projeto, foi criado por Ronaldo Fernandes, ex-aluno de Ferronato, um programa de computador, chamado de Multiplano Virtual, com interface de voz que possibilita ao deficiente visual criar figuras ou mesmo gráficos de estatística. Um sistema de voz informa ao usuário a posição em que ele se encontra. •
são depoimentos, de onde se extraem as idéias centrais e as correspondentes expressõeschave. A metodologia pretende fazer uma coletividade falar como se fosse um só indivíduo. O programa foi desenvolvido por Fernando Lefevre e Ana Maria Lefevre, ambos do Departamento de Prática de Saúde Pública da universidade, em parceria com a empresa Sales e Paschoal Informática. O programa pode ser aplicado em várias áreas, como pesquisa social, de opinião e de mercado. •
■ Inovação distribui prêmios de categoria Entre os prêmios destinados a empresas e instituições de base tecnológica em 2004, um dos destaques foi a premiação na categoria ecologia, para a modalidade micro e pequena indústria da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A ganhadora foi a Electrocell, incubada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), de São Paulo. A empresa produz células a combustível que geram energia elétrica a partir do hidrogênio com poluição zero. Outra empresa, a Adespec, também do Cietec, ga-
gre, que congrega 27 empresas, uma incubadora e oito centros de pesquisa e desenvolvimento. A empresa incubada do ano é a Natupol, da incubadora da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos, que produz polímeros com óleo de mamona. Na categoria projeto inovador, o Instituto Gênesis, da PUC do Rio de Janeiro, ganhou com o projeto "Atração de recursos humanos para as empresas residentes da incubadora". Em outro prêmio, o de Inovação Tecnológica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), na categoria produto, a vencedora foi a Mecat, em-
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
Feijão sem caruncho com a ajuda da pata-de-vaca
Ganhos das plantas e do homem
Célula a combustível da Electrocell: prêmio da CNI
nhou na categoria graduada (que deixou a incubadora) no prêmio da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec). A empresa criou uma série de adesivos industriais. A incubadora de empresa de base tecnológica do ano foi a Biominas, de Belo Horizonte, Minas Gerais. As empresas incubadas faturaram, em 2003, R$ 7 milhões, enquanto as graduadas, R$ 42,6 milhões. A categoria de melhor parque tecnológico é da Tecnopuc, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em Porto Ale-
presa da cidade de Abadia de Goiás, que desenvolveu um filtro industrial. Na categoria processo, a empresa Endoview, de Recife, Pernambuco, produziu um endoscópio mais barato. A Bematech, de Curitiba, Paraná, ganhou na categoria média-grande empresa pela produção de impressoras para pontos-devenda. A pequena empresa vencedora foi a Pipeway, do Rio de Janeiro, que faz inspeção de oleodutos. O título da instituição de pesquisa do ano ficou com o Centro de Estudo e Sistemas Avançados do Recife (César). •
Um pesticida natural que pode ser aplicado em sementes e plantações de feijão para eliminar bactérias, fungos e, principalmente, inibir o aparecimento do caruncho que traz sérios prejuízos a essa cultura agrícola. Inerte aos humanos e ao ambiente natural, o princípio ativo desse pesticida foi desenvolvido pela equipe da professora Maria Luiza Vilela Oliva, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a partir da extração de um peptídeo (proteína pequena) da árvore pata-de-vaca {Bauhinia sp.), da flora brasileira. Essa proteína, além de eliminar os insetos e microorganismos por meio tradicional (pela respiração), aciona mecanismos que inibem a atividade de enzimas digestivas dos carunchos. Ela induz também a uma resistência orgânica da
planta contra os predadores. Outra reivindicação da patente é a eficiência do peptídeo no bloqueio da adesão celular, característica que o leva a ser indicado para uma possível composição farmacêutica para prevenir e tratar doenças que envolvem inflamação e crescimento de células tumorais, inclusive melanomas. A aplicação dessa patente depende agora de licenciamento para empresas dispostas a investir em novos testes e no desenvolvimento final dos produtos agrícolas e farmacêuticos. Título: Peptídeo YLEPVARGDGGLA e seus derivados Inventores: Maria Luiza Vilela Oliva, Cláudio Sampaio e Misako Sampaio Titularidade: FAPESP/Unifesp
PESOUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 63
TECNOLOGIA INOVAÇÃO
Garantia
de origem Em um ano, Unicamp fecha com empresas contratos de licenciamento de 26 patentes DlNORAH ERENO
Crianças transportadas com mais segurança em automóveis e um novo método para testar a surdez congênita em recém-nascidos são alguns dos novos produtos prontos para entrar no mercado originados de projetos de pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para sair dos laboratórios, as descobertas passaram pelo crivo da Agência de Inovação (Inova) da universidade, que, em apenas um ano de atividade, conseguiu fechar 13 contratos de licenciamento com empresas para exploração comercial de 26 patentes. Além dos contratos já assinados, alguns por um período de mais de dez anos de duração, outros 17 estão em negociação. Cada um deles deve gerar, em média, R$ 200 mil por ano para a universidade assim que as empresas começarem a vender os produtos, segundo projeção feita pela Inova. Os resultados obtidos pela agência em tão curto período de tempo ultrapassam, e muito, a meta inicial de licenciar dez patentes por ano. Para ter idéia do que esses números representam, basta fazer uma retrospectiva. Antes da criação da agência, apenas quatro contratos de licenciamento, referentes a seis patentes, haviam sido fechados pela Unicamp em dez anos (veja Pesquisa Fapesp n° 97). Criada em julho de 2003, a agência começou a funcionar efetivamente em outubro do ano passado. "Inicialmente organizamos as patentes em um banco de dados na internet para as empresas poderem ter acesso a essas inovações tecnológicas", conta | Rosana Di Ceron Giorgio, diretora de Propriedade Intelectual da | Inova. "Apenas em janeiro começamos a abordar as empresas." A i resposta a essas visitas foi quase imediata. De janeiro a julho de I 2004 foram assinados nove contratos de licenciamento de patentes. Um deles refere-se ao novo método Formulações aplicadas para diagnosticar a surdez genética, deno revestimento senvolvido pela professora Edi Lúcia de stents impedem Sartorato, do Centro de Biologia Molenova obstrução do cular e Engenharia Genética (CBMEG) vaso sangüíneo da Unicamp, e financiado pela FAPESP.
No início de novembro, o teste foi lançado comercialmente pela empresa DLE - Diagnósticos Laboratoriais Especializados, do Rio de Janeiro, especializada em exames para recém-nascidos. "O grande diferencial dessa metodologia é que o teste foi adaptado para a técnica de coleta de amostra de sangue em papel de filtro, onde é feito o teste do pezinho. Essa é a grande revolução do processo", diz o patologista clínico Armando Fonseca, diretor-geral da empresa. Até agora, o diagnóstico da doença era feito por um exame de sangue comum. "Como se trata de uma amostra seca, ela pode ser transportada sem refrigeração", diz Fonseca. O teste pode ser associado ao do pezinho, obrigatório no Brasil para identificar pelo menos três tipos de doenças (hipotireoidismo, anemia falciforme e fenilcetonúria), ou aplicado sozinho em recém-nascidos e também em crianças e adultos com surdez sem causa definida. "A surdez congênita não tem cura, mas existe um consenso mundial de que o diagnóstico deve ser feito até os 3 meses de idade, com intervenção até os 6 meses, para garantir melhor qualidade de vida para a criança", diz Edi. O teste de surdez genética adaptado ao do pezinho custa em torno de R$ 65,00 para o consumidor, enquanto o tradicional fica em cerca de R$ 300,00. O projeto também resultou em uma segunda patente - um kit de diagnóstico molecular para surdez congênita -, negociada pela Inova com a empresa Feldmann Wild Leitz, da Amazônia. Outra inovação tecnológica gerada na universidade, prevista para chegar ao mercado ainda neste mês de janeiro, é um assento para carros com cinto de segurança destinado a transportar crianças acima de 3 anos, fabricado pela empresa Safe Kid, de Senador Canedo, em Goiás. A idéia é simples e funcional. A cadeirinha, chamada pelos pesquisadores de placa de retenção, é afixada no banco traseiro do veículo pelo próprio cinto de segurança. Para chegar ao novo assento, que se adapta à estrutura anatômica das crianças, o professor Antônio Celso Arruda, da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM), da Unicamp, e coordenador da pesquisa, contou com a colaboração de engenheiros, pediatra, ortopedista e psicólogo. "O assento atende a todos os requisitos da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)", relata Peixoto Bueno de Camargo, diretor comercial da empresa. "Resiste a chamas e é também antialérgico." Quando ainda na fase de protótipo, o produto foi testado e aprovado em dois testes: em colisão de automóvel com um caminhão a 50 quilômetros por hora e contra barreira rígida em condições de impacto superiores às exigidas pela norma brasileira de trânsito. Peixoto ressalta que a fivela do equipamento permanece sempre no mesmo lugar, mesmo que a criança se movimente, porque foram colocadas fitas tensoras tanto nas faixas de proteção que descem pelos ombros como no cinto que passa pela região pélvica. Além da questão da segurança, o preço do assento, em torno de R$ 150,00, é um grande atrativo para o produto, que, além de ser lançado no mercado nacional, deverá ser exportado inicialmente para Argentina, Canadá e Europa. Em outro segmento, o de fitoterápicos, outra patente gerou um produto que também está pronto para disputar o mercado. São cápsulas de isoCápsulas de isoflavona flavonas de soja, obtidas por uma nova de soja, fabricadas pela técnica, para tratamento de reposição empresa Steviafarma, hormonal em mulheres, fabricadas pela usadas para reposição empresa Steviafarma, de Maringá, no hormonal
Paraná. A pesquisa que resultou na patente, a primeira licenciada pela Inova, foi conduzida pelo professor Yong Kun Park, do Laboratório de Bioquímica de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), e financiada pela FAPESP. O processo de extração converte as isoflavonas glicosiladas de soja em agliconas. Esse processo ocorre normalmente no aparelho digestivo, quando enzimas digestivas produzidas pela microflora intestinal transformam as isoflavonas glicosiladas em agliconas, absorvidas pelo organismo. "O fitoterápico de isoflavona aglicona já está na concentração ideal para ser absorvido pelo organismo", diz Fernando Meneguetti, diretor da empresa que tem como carro-chefe um adoçante natural extraído da planta estévia. Na mesma área da saúde, duas novas formulações para princípios ativos consagrados usados em anestésicos, desenvolvidas no Instituto de Biologia, estão sendo testadas pela Cristália Produtos Químicos e Farmacêuticos, laboratório brasileiro com unidades de produção na capital paulista e na cidade de Itapira, em São Paulo. "Mudanças na tecnologia farmacêutica utilizada resultaram em formulações com características inovadoras, como menor toxicidade, maior segurança e efeito mais duradouro em comparação com os produtos disponíveis atualmente", diz Roberto Debom Moreira, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento de Novos Produtos da empresa, que tem em seu portfólio mais de 150 produtos. Como se trata de uma nova tecnologia, o caminho a percorrer até chegar ao mercado é mais demorado. "A fase de desenvolvimento e registro pode se estender de três a cinco anos", relata Debom. A parceria da empresa com a universidade começou assim que a pesquisa, coordenada pela professora Eneida de Paula e com financiamento da FAPESP, teve início. Ao ser procurada pelos pesquisadores da Unicamp, que buscavam obter o princípio ativo do medicamento para começar um novo projeto, a Cristália vislumbrou a possibilidade de associação para transformar a pesquisa em produto, o que acabou se concretizando. 66 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Ainda na área de novas formulações, dessa vez aplicadas a biomateriais para revestir stents, um dispositivo inserido em veias ou artérias em cirurgias de angioplastia para desobstruí-las, foram licenciadas seis patentes pela Scitech, de São Paulo. Os novos compostos, que têm como matéria-prima o oxido nítrico (NO), uma das menores moléculas produzidas pelo organismo, possuem propriedades antitrombóticas, antiinflamatórias e antiproliferativas, atividade que impede o crescimento celular. As pesquisas, coordenadas pelo professor Marcelo Ganzarolli de Oliveira, do Instituto de Química, receberam apoio financeiro da FAPESP. Fase embrionária - Rosana destaca que mais de 90% das tecnologias patenteadas pela universidade precisam ser desenvolvidas dentro das empresas, porque elas ainda estão em uma fase embrionária da pesquisa. Por isso todos os contratos assinados pela Inova são compostos por três documentos: um convênio de cessão de propriedade intelectual, um aditivo visando ao desenvolvimento do produto (fase que será totalmente custeada pela empresa) e um
contrato de licenciamento. Se durante a fase de desenvolvimento for gerada uma nova patente, a propriedade intelectual é dividida em partes iguais entre a Unicamp e a empresa. No aditivo está previsto que, se no final do desenvolvimento ficar evidente que a tecnologia não é viável de ser produzida em larga escala, por motivos técnicos ou econômicos, a empresa pode rescindir o contrato. "Mas se for concluído que a tecnologia vai ser bem-sucedida em escala industrial o contrato de licenciamento já começa a vigorar", relata Rosana. Nesse contrato está previsto um prazo para que a empresa comece a fabricar o produto quando terminar a fase de desenvolvimento. E também como serão pagos os royalties para a Unicamp, que variam de 2% a 10% sobre as vendas. "Trabalhamos sempre para viabilizar o negócio", diz a diretora. Por isso a porcentagem é estudada caso a caso. Todos os instrumentos jurídicos são assinados no mesmo dia. "Não adianta esperar para ver se a tecnologia é bem-sucedida para negociar os royalties, porque aí não se consegue negociar mais." Os últimos contratos assinados tratam de quatro inovações, duas delas saí-
soja composta por agentes probióticos, que são microorganismos vivos, como as bactérias do gênero Lactobacillus, e prebióticos (substrato para os agentes probióticos, como as fibras solúveis alimentares). "O produto é um alimento funcional, que tem o benefício multiplicado por conta da simbiose entre os microorganismos e o componente prebiótico", diz o professor Francisco Maugeri Filho, coordenador da pesquisa. "O efeito é mais imediato e eficaz para manter o equilíbrio da flora intestinal." Assim, o organismo se beneficia com a redução do colesterol e dos triglicérides, além das demais vantagens obtidas com os microrganismos. O desenvolvimento da bebida, conduzido pela empresa Proceedings, de São Paulo, e pelo Laboratório de Engenharia de Bioprocessos, da FEA, está na fase final.
Assento para transportar crianças com mais de 3 anos foi aprovado em testes de colisão de carro
das dos laboratórios do Departamento de Tecnologia de Alimentos da FEA. Uma refere-se a um cereal matinal altamente nutritivo, baseado na dobradinha castanha-do-brasil, nome oficial da castanha-do-pará, e mandioca, desenvolvido pela professora Hilary Castle de Menezes e financiado pela FAPESP. O produto, com baixo teor de gordura porque não utiliza o óleo da castanha, é rico em fibras, selênio, elemento essencial para o funcionamento do cérebro, e proteínas vegetais. A empresa escolhida para fabricar o cereal foi a Ipixuna, de Porto Velho, Rondônia. A escolha das empresas que vão assinar os contratos de licenciamento leva em conta vários critérios. No caso do cereal, a localização, perto das cas-
tanheiras, contou pontos na hora da seleção. O fato de a empresa ter uma extrusora, equipamento necessário para o processo de produção, também. "Quando o negócio dá certo, todos ganham", diz Rosana. Essa é a meta da Inova ao analisar as empresas candidatas. O processo de seleção ocorre de várias maneiras. No início a equipe da agência saía a campo para fazer os contatos. "Chegamos a contatar umas 500 empresas", diz Rosana. "Atualmente, a demanda está tão alta, até em função dos resultados, que quase não conseguimos mais sair daqui." Outra patente negociada recentemente, também fruto de pesquisa desenvolvida na FEA, é uma bebida fermentada a partir de extrato hidrossolúvel de
A s duas outras inovações tecg^L nológicas negociadas são JL^M um novo processo de fabriÈ M cação de nanocompósitos <JL* «^^ de termoplásticos com argilas intercaladas, criado no Instituto de Química sob a coordenação do professor Fernando Galembeck, e um sistema de identificação por radiofreqüência, conhecido pela sigla em inglês RFID, de Radio Frequency Identification, desenvolvido pelo professor Hugo Figueroa, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec), e utilizado para monitorar o armazenamento e o tráfego de produtos. A aplicação do processo na fabricação de nanocompósitos, licenciado pela empresa EF Engenharia, de São Paulo, modifica várias propriedades dos polímeros e permite sua utilização em plásticos destinados à indústria de calçados, construção civil e de luvas cirúrgicas. As etiquetas RFID incorporam um minúsculo microchip e uma antena de rádio a produtos compactos. Depois cada código é digitalizado por um equipamento de leitura automática. Eles servem para rastrear embalagens, equipamentos de produção e até gado. A patente foi licenciada pela STP Teleinformática, de São Paulo. Além dos contratos de licenciamento, a agência também trabalha com contratos baseados em demandas. São desenvolvimentos novos, em que as empresas querem um fármaco ou alimento e, para isso, procuram a univerPESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 67
Kit de diagnóstico molecular para testar surdez congênita
sidade. Muitos desses contratos envolvem novas tecnologias que geram propriedade intelectual. "Quando isso ocorre, a patente é dividida entre empresa e universidade", relata Rosana. Até o início de dezembro de 2004 a Inova já havia fechado 61 contratos baseados em demandas e outros 77 estavam em negociação. A equipe comandada por Rosana, engenheira eletrônica que escolheu a área de negócios como campo de trabalho, é formada por seis pessoas denominadas agentes de parcerias.
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A Inova tem sido bastante procurada por universidades, centros de pesquisa e instituições, interessados em conhecer o modelo adotado. O Exército brasileiro, por exemplo, procurou a agência porque queria ajuda para comercializar seus produtos, já que muitas tecnologias desenvolvidas para a área militar podem ter aplicação na área civil. A forma encontrada para atender ao pleito foi colocar duas pessoas remuneradas pela instituição para trabalhar junto com a equipe da agência durante
um ano. Depois desse período, elas estarão capacitadas a prospectar os nichos de mercado em que se encaixam as inovações e negociar o licenciamento das patentes. Atualmente a Unicamp tem cerca de 340 patentes depositadas, o que significa que ainda há muito a fazer. Como não há recursos disponíveis para contratar novos agentes de parcerias, para continuar a crescer a Inova pretende contratar bolsistas que serão trazidos do mercado. Com mais colaboradores, a agência vai setorizar seus agentes de parcerias. Cada um ficará encarregado de uma área, como por exemplo fármacos e alimentos, mobilidade que engloba os setores automotivo, naval e aeroespacial, Lei de Informática, instituições públicas e leis de incentivo para a área cultural. Rosana diz que a setorização vai permitir que os agentes conheçam as medidas de governo relacionadas a cada setor, além das necessidades e demandas específicas. "Vamos poder gerar soluções que serão multiplicadas. E os resultados deverão ser melhores ainda", acredita. •
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Patentes licenciadas Produto
Empresa
Origem na Unicamp
Teste de surdez congênita
DLE - Diagnósticos Laboratoriais Especializados, Rio de Janeiro, RJ
Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG)
Kit de diagnóstico de surdez congênita
Feldmann Wild Leitz, de Manaus, AM
CBMEG
Assento de segurança para crianças
Safe Kid, de Senador Canedo, GO
Faculdade de Engenharia Mecânica
Cápsulas de isoflavona de soja
Steviafarma, de Maringá, PR
Faculdade de Engenharia de Alimentos
Anestésicos (duas patentes)
Cristália, São Paulo, SP
Instituto de Biologia
Revestimento de stents (seis patentes)
Scitech, São Paulo, SP
Instituto de Química
Cera de cana-de-açúcar
Usina São Francisco, Sertãozinho, SP
Faculdade de Engenharia de Alimentos
Sistema para tratar efluentes (oito patentes) TechFilter, Indaiatuba, SP
Faculdade de Engenharia Mecânica
Automação de análises químicas
TechChrom, Campinas, SP
Instituto de Química
Cereal matinal
Ipixuna, Porto Velho, RO
Faculdade de Engenharia de Alimentos
Bebida fermentada de soja
Proceedings, São Paulo, SP
Faculdade de Engenharia de Alimentos
Nanocompósitos de termoplásticos
EF Engenharia, São Paulo, SP
Instituto de Química
Identificação por radiofreqüência (RFID)
STP Telefinformática, São Paulo, SP
Faculdade de Engenharia Elétrica
68 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
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Economia nas torneiras Água de chuva aproveitada em sistema de coleta serve para regar plantas e lavar carros m
DlNORAH ERENO
A
A CCllí cena é bastante conhecida dos
paulistanos. As chuvas de verão provocam alagamentos em vários pontos da cidade, mas muitos bairros não têm água nas torneiras por conta da escassez nos reservatórios. Se parte desse líquido, em vez de escorrer para as galerias pluviais, for coletada, armazenada e utilizada para regar plantas, lavar calçadas, pátios e veículos ou ainda como descarga em vasos sanitários, o fluxo de água para os córregos e rios vai diminuir, contribuindo para reduzir as enchentes e os alagamentos. Partindo desse princípio, pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), coordenados pelo professor Racine Tadeu Araújo Prado, sentiram-se motivados a projetar e montar um sistema de coleta e aproveitamento de água de chuva no Centro de Técnicas de Construção Civil da universidade que pode ser usado em vários tipos de construção, com poucos investimentos. Um dos sistemas recomendados para eliminar a primeira água de lavagem do telhado possui dois reservatórios, um pequeno, que coleta e despreza automaticamente a chuva que cai 70 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
nos primeiros minutos por ser muito suja, e um grande, utilizado para armazenar efetivamente o líquido. Assim que o pequeno fica cheio é fechado por uma bóia, semelhante às utilizadas em caixas-d'água residenciais, e o maior começa a receber a água. Um filtro colocado nas calhas retém folhas, galhos e outras sujeiras e impede o entupimento das tubulações. Se não for possível colocar os reservatórios diretamente no forro do edifício, é necessário a instalação de um reservatório no térreo, que fica enterrado, e outro no forro, para bombear a água. O emprego de dois reservatórios aumenta a capacidade de suprimento ao longo da estação seca. E a energia despendida para o bombeamento é muito pequena e não onera o sistema. Para analisar a qualidade da água da chuva, foi instalado um coletor automático de amostras seqüenciais que mantém o líquido a 5°C para facilitar a avaliação. Esse coletor foi desenvolvido especialmente para o projeto financiado pela FAPESP com o objetivo de obter parâmetros físicos, químicos e biológicos do líquido coletado. Para avaliar as condições da água, de novembro de 2003 a março de 2004, os pesquisadores
coletaram amostras enviadas posteriormente para análise no Instituto Adolfo Lutz. Uma das descobertas feitas é que antes de passar por áreas impermeáveis, como o telhado, a água de chuva é ácida, com um pH de 4,9. Mas à medida que vai incorporando os sais e outras substâncias que estão no telhado ela vai se tornando mais alcalina e fica com o pH em torno de 7, portanto dentro das recomendações de potabilidade de água do Ministério da Saúde, que vai de 6 a 9,5. "Mas constatamos alguns problemas", relata o professor Racine Prado. "Além de todo o material particulado emitido pelos veículos e indústrias que está no ar e se deposita nos telhados, também encontramos folhas % de árvores, galhos, fezes de pássaros e pequenos animais mortos." Toda essa sujeira acumulada, principalmente depois de um longo período de seca, desce com a água. Por isso uma das recomendações dos pesquisadores para a coleta, baseada nos resultados das análises das amostras, é descartar a água proveniente dos primeiros quinze minutos de chuva, tempo necessário para que seja feita a limpeza do telhado. Por isso é importante que o sistema seja composto por dois reservatórios. «
as análises realizadas, o parâmetro odor esteve ausente em todas as amostras. Na avaliação de Racine Prado, os dados coletados e analisados mostram que dá para aproveitar a água de chuva, mas é necessário ter alguns cuidados. "Encontramos coliformes fecais, provenientes de animais de sangue quente, como pássaros, gatos e ratos, em 50% das amostras, além de outras bactérias que impedem sua utilização para higiene pessoal ou lavagem de roupas." Para esses usos, é necessário que ela seja tratada. Já para as plantas, quintais, calçadas e carros, não há maiores problemas, ressalta o pesquisador, porque normalmente eles recebem essa água.
T)
s postos de gasolina podem também utilizar I essa água, porque o contato humano é muito pequeno e os carros não têm grandes exigências", cüz Racine Prado. Nesse caso, é mais fácil colocar o reservatório enterrado no chão do posto, porque não ocupa área de terreno. De qualquer forma, o pesquisador alerta que é necessário primeiro fazer o cálculo da necessidade de consumo antes de iniciar qualquer obra. Para um posto,
por exemplo, esse cálculo deve considerar o período do ano em que a água será usada. Também é preciso levar em conta que um reservatório enterrado, ou não, exige uma obra de construção civil. Por isso ele ressalta que a viabilidade do sistema coletor depende basicamente de três fatores: precipitação, área de coleta e demanda. Se os três forem altos, o prazo de recuperação do investimento para algumas finalidades, como postos, lavanderias e indústrias, é reduzido. Na USP, a água captada pelo sistema coletor foi distribuída para dois pequenos reservatórios de 2 mil litros e uti0 PROJETO Estudo da viabilidade técnica e econômica do aproveitamento de água de chuva para consumo não potável em edificações MODALIDADE Linha Regular de Auxílio à Pesquisa
COORDENADOR RACINE TADEU ARAúJO PRADO
Politécnica/U SP INVESTIMENTO R$ 119.650,00 (FAPESP)
-
lizada em duas bacias sanitárias instaladas no prédio do Centro de Técnicas de Construção Civil. Quando acaba a água de chuva, automaticamente é acionada a rede de abastecimento. "As pessoas nem percebem quando é uma ou outra, já que no nosso caso a cor da água é idêntica", diz Racine Prado. A composição da água de chuva, inclusive parâmetros como a cor e o odor, varia de acordo com a localização geográfica do ponto de amostragem, as condições meteorológicas, a presença ou não de vegetação e também de poluentes. Racine Prado diz que a legislação precisa ser aprimorada para incentivar a utilização da água de chuva para usos não tão nobres, já que a proveniente do abastecimento público é tratada e tem alto custo. A cidade de São Paulo já tem uma lei municipal, aprovada pela Câmara dós Vereadores em janeiro de 2002, que torna obrigatória a construção de reservatórios para coletar água em novas edificações com mais de 500 m2 de área impermeabilizada. São iniciativas como essa e a desenvolvida na Poli-USP que contribuem para diminuir o fluxo que congestiona os bueiros e os rios, alagando a cidade a cada temporada de chuvas mais intensas. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 • 71
f
Ceratômetro automático: aparelho mais barato e mais rápido para fazer medições oculares
OFTALMOLOGIA
Precisão no olhar Equipamento desenvolvido pela US P e por pequena empresa permite exames rigorosos da curvatura da córnea
tes de contato e para verificação de cicatrização c de distorções após cirurgias de catarata e de transplantes de córnea ganharam um mentos médicos mais fáceis, precisos e com custo menor em relação aos aparelhos atuais. Chamado de ceratômetro, ele foi desenvolvido numa cooperação entre pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), ambas da Universidade de São Paulo (USP), e da empresa Calmed, de São Carlos. O aparelho que mede os raios de curvatura da córnea já teve seu pedido de patente requerido no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. A previsão de lançamento comercial é para o primeiro semestre de 2005. Para isso, a Calmed acaba de firmar um acordo de licenciamento da patente e de produção com a Apramed Aparelhos Médicos, empresa de São Carlos especializada na fabricação, importação e exportação de aparelhos oftalmológicos. A parceria garante uma maior infra-estrutura industrial e uma rede de distribuição adequada para a comercialização do equipamento, tanto no Brasil quanto no exterior. A física Liliane Ventura está à frente do projeto na EESC, onde é professora, e na FMRP, como a coordenadora do Laboratório de Física Oftálmica (LFO). Na Calmed, empresa da qual foi fundaciamento do Proara
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 73
senvolvimcnto comercial do produto. Ela diz que entre as vantagens do novo equipamento está a projeção de um anel luminoso com 72 pontos de luz na córnea do paciente, na região de 3 milímetros (mm) da pupila. Os ceratômeanel contínuo de luz no olho, com grande precisão, porém a medida é limitada, geralmente até 26 dioptrias, ou 26 graus de astigmatismo, enquanto o equipamento nacional mede até 60 graus de astigmatismo, um problema oriundo da córnea ovalada que pode surgir como conseqüência de cirurgias de catarata, impedindo a percepção de contrastes e dificultando a leitura, por gerar imagens sem nitidez, tanto para suírem a automação, as medidas realidemoradas. )á os automatizados, que fazem parte dos auto-refratores (medem miopia, astigmatismo e hiperme-
tando peças desenvolvidas especificamente durante as pesquisas, obtendo um aparelho preciso e de baixo custo", explica Liliane. A opção para o mesmo grau de rapidez e precisão do ceratômetro, que será fabricado pela Apramed, só existe nos equipamentos chamados de topógrafo de córnea. Fies são mais caros e medem os raios de curvatura de Ioda a pontos diferentes. Esse volume de informações é bem maior, porém desnecessário para ações pontuais, como a medidas suficientemente realizadas por um ceratômetro. O equipamento nacional foi desenvolvido especificamente para medir o raio de curvatura da córnea para a adaptação de lentes de contato, embora tenha emprego também em exames pós-operatórios. Função objetiva - O funcionamento do ceratômetro nacional é relativamente simples. O sistema aproveita a própria
de, em função da irregularidade dos pontos de luz. refletidos. Em seguida, essa imagem ampliada e capturada e um software desenvolvido no projeto realiza todos os cálculos. A imagem também é mostrada em um monitor, com mapas e gráficos, disponibilizados em apenas três segundos. A tela informa o quanto a córnea é esférica, seu raio de curvatura, eixo e grau de astigmatismo. C) sucesso no desenvolvimento do equipamento é creditado por um dos pesquisadores envolvidos no projeto, o médico oftalmologista Sidney Julio de Faria e Sousa, coordenador da parte médica do LFO, ao caráter multidisciplinar do projeto que envolveu profissionais de áreas diferentes como física, medicina e engenharia. "As discussões foram feitas entre pesquisadores nas duas faculdades. Com isso, criamos algo inédito, eficiente, extremamente necessário do ponto de vista clínico, com aplicação garantida e acessível em
2 graus de astigmatismo. ceratômetro brasileiro tem também suas partia outros equipamentos desse tino. Ele surgiu a partir do desenvolvimento de um anel criado para ser adaptado a uma Lâmpada de Fenda, aparelho comum nos consultórios oltalmológicos, utilizado durante ante vários tipos de exame ocular para projetar luz nos olhos dos pacientes e ampliar seu reflexo por meio de um microscópio. A maioria das clínicas utiliza esse aparelho e um ceratômetro manual, separadamente. Um
da de Fenda e lazer a integração desse equipamento a um computador para os cálculos das medidas do olho que antes eram feitas por aparelhos diferentes. Um software específico desencálculos, medindo a curvatura da córnea com grande velocidade. "A parte óptica da Lâmpada de Fenda é muito eficiente. Buscamos associar a esse aparelho algumas peças que permitissem ampliar seu uso, transformando-o em um ceratômetro automático, adap74 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
tindo uma luminosidade homogênea do olho. Durante o exame, duas superfícies cônicas são espelhadas por meio nho bastante reduzido que perpassam o anel. Essa peça funciona como um dispositivo c topografia de superfície que remia luz. podendo ser utilizado também em microscópios cirúrgicos. Ao projetar o anel de luz, na superfície ocular do paciente, a Lâmpada de ca a imagem em 25 vezes. Dessa forma,
(■
bém é diretor clínico do Banco de Olhos do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP-USP), onde coordenou os testes do aparelho durante dois anos e meio. Até chegar ao modelo final foram desenvolvidos quatro protótipos. A versão atual foi testada durante um ano e meio. Ao todo, 420 pacientes foram selecionados e submetidos ao sistema, incluindo casos pós-operatórios, de astigmatismos altos, médios e baixos, entre idosos, crianças c pacientes com catarata e ceratocone, doença caracterizada por Lima córnea em formato de cone
OS PROJETOS
Sistema de medidas automáticas de raios de curvatura da córnea em Lâmpada de Fenda - ceratômetro automático em Lâmpada de Fenda MODALIDADE
Mira luminosa anelar para medidas de precisão de topografia de superfície refletoras esféricas e não-esféricas MODALIDADE
Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADORA LILIANE VENTURA SCHIABEL
Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) COORDENADORA
-
LILIANE VENTURA SCHIABEL
USP/Calmed
USP/Calmed
INVESTIMENTO
INVESTIMENTO
R$ 215.878,00 (FAPESP)
1
R$12.500,00 (FAPESP)
-
sa). Ainda que destinado a mercados menores, países que detêm tecnologia na área também deverão receber o produto. "Como este ceratômetro é um
Anel luminoso com 72 pontos para projeção na córnea do paciente
dade de visão, podendo levar à cegueira. Os resultados apontaram 98% de concordância entre o equipamento e os demais atualmente em uso. A diferença de medida de 2% deve-se ao fato da dificuldade de alinhamento ao centro óptico do olho do paciente, apresentada por alguns equipamentos comerciais. Para evitar esse problema, os pesquisadores desenvolveram um dispositivo para fixação do olhar do paciente. O local da mira no olho é mostrado na tela do computador, em tamanho ampliado, o que facilita a exatidão do posicionamento da mira de luz durante o exame. Um dispositivo para calibração, posicionado no local de aferição do foco da Lâmpada de Fenda, é acionado ao se capturar a imagem, para manter o equipamento sempre bem aferido. Também um sensor que indica o olho do paciente (direito ou esquerdo) que está sendo medido foi desenvolvido no projeto. Outra inovação é um sistema de geração de voz que emite, em português ou inglês, as medidas captadas pelo equipamento. De acordo com Wilson Marcos Mazari, diretor da Apramed, o ceratômetro, apresentado em setembro durante o XVI Congresso Brasileiro de Prevenção à Cegueira, no Rio de Janeiro, deverá ter boa aceitação tanto no mercado
brasileiro quanto fora do país. "O custo de produção ainda não foi definido, mas pretende-se fazer com que o preço final do produto seja bastante acessível. Para se ter uma idéia do quanto o custo é menor, basta mencionar o anel de mira, que pode ser produzido a R$ 150,00 a unidade, algo impensável até há pouco tempo", revela. ora do Brasil, duas grandes empresas desse segmento já se mostraram interessadas na
no mercado brasileiro e, em seguida, no internacional, a começar por países latino-americanos. Outra grande vantagem é que este ceratômetro é de fácil montagem e operação", conta. Embora o equipamento nacional ainda não tenha um valor definido para venda, a estimativa é que ele deva ser comercialimil, algo próximo do custo dos ceratômetros manuais. Os equipamentos automáticos importados custam cerca de US$ 10 mil. O equipamento, que ainda não tem um nome comercial definido, está agora em fase final de design e sua produpendem de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvi-
rio oftalmológico e também para a adaptação de lentes de contato, as possibilidades de ganhar projeção para o produto são grandes. Vale lembrar que, apesar do aumento no número de cirurgias que dispensam as lentes de contato, o custo desse tipo de operação ainda é considerado alto, além de as intervenções não se aplicarem a todos os casos", avalia Liliane. A trajetória do ceratômetro nacional começou quando a pesquisadora recebeu financiamento, na época que fazia pós-doutorado na FMRP, em 1997, para um projeto do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da FAPESP. "Depois, o PIPE tornou possível tanto o financiamento para que a Calmed desenvolvesse o aparelho quanto o envolvimento de balharam no projeto, viabilizando a colocação da tecnologia no mercado. Com o apoio, conseguimos fazer tudo mais rapidamente e gerar um produto brasileiro de alta performance. Mais que isso, criamos também uma sintonia em pesquisas e desenvolvimento de tecnologia, importantíssima na área oftalmológica, na qual o Brasil conta com cerca de 10% dos profissionais de todo o mundo", explica. Além dos dois laboratórios da USP, uma outra instituição também está coquisas, por meio dos pesquisadores Luimar Cavalcanti de Oliveira e Orlando Di Lorenzo Filho, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com a finalidade de ampliar a aplicação imediata dos conhecimentos obtidos também no Nordeste do país. É o Laboratório de Instrumentação Oftálmica da UFPB, em João Pessoa, que está incentivando a produção de equipamentos oftalmológicos por empresas já estabelecidas na to e médios prazos. "Os resultados alcançados motivaram a parceria com a UFPB para formarmos uma nova unidade de instrumentação oftálmica no país. O objetivo é desenvolver pesquisas locais que se apliquem à realidade econômica do Nordeste", explica Liliane. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 75
I TECNOLOGIA
NOVOS MATERIAIS
Pequenas soluções Em Pernambuco, nanotecnologia e fotônica são a base de sensores nas áreas ambiental e de saúde MARCOS DE OLIVEIRA
U
m dos primeiros produtos desenvolvidos no Brasil com tecnologia nanométrica está pronto para deixar o laboratório e se incorporar ao dia-a-dia. É uma molécula que tem a função de dosar a intensidade dos raios solares de acordo com a sensibilidade da pele humana. Ela é instalada em um crachá, por exemplo, e ajuda os trabalhadores que têm o sol como companheiro, como os guardas de trânsito, a não se exporem em demasia à radiação solar. Um problema a ser evitado porque o excesso pode resultar em câncer de pele, uma doença causada pelos raios ultravioleta (UV), que chegam à Terra junto com a luz solar, e provoca mais de 100 mil casos por ano no país, segundo o Instituto Nacional do Câncer. Chamada de n-Domp (nanodosímetro molecular de uso pessoal), a molécula é um dos muitos projetos na área de nanotecnologia liderados por Petrus D'Amorim Santa-Cruz, coordenador do Laboratório de Nanodispositivos Fotônicos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para o desenvolvimento e o formato final do n-Domp e de outros futuros produtos, Santa-Cruz formou com mais sete alunos, responsáveis pelas pesquisas, a empresa Ponto Quântico, que está instalada na incubadora da UFPE. Tanto o laboratório como a empresa fazem parte da Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Renami), uma 76 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESUUISA FAPESP 107
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II No centro do crachá, nanossensor de luz solar
das redes de nanotecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Avalia riscos - O nanodosímetro instalado em um crachá é o primeiro nanodispositivo da empresa. Ele foi mostrado na Brasiltec 2004, a feira de inovação tecnológica realizada em novembro em São Paulo no estande da empresa. O público-alvo do n-Domp são empresas que contratam guardas de trânsito, tra-
balhadores da construção civil e das plataformas de petróleo, e mesmo para funcionários de indústrias de polímeros usuárias de UV artificial na preparação de superfícies de embalagens e outros produtos. "Ele serve para avaliar os riscos dos usuários", diz Santa-Cruz. O dispositivo funcional é instalado em um crachá de plástico na forma de uma película (filme) que mede entre 40 e 50 nanômetros de espessura (l nanômetro corresponde a l milímetro dividido por 1 milhão). A molécula é "nanomontada" em três partes. A primeira mimetiza (imita) a pele humana e se degrada sob ação dos raios UV, guardando a informação da dose. A segunda, que inclui o elemento químico európio na forma de íon (átomo que perdeu um ou mais elétrons), permite a leitura da dose por emissão de luz, e a última parte bloqueia interações com moléculas de água, que poderiam interferir no funcionamento do dispositivo. "A própria molécula é o dispositivo", diz Santa-Cruz. O crachá serve como um suporte, que facilita a leitura posterior da dose, com o auxílio de um leitor ligado a um computador, que armazena em um banco de dados o quanto de UV a que cada pessoa foi exposta. Santa-Cruz e seus alunos já possuem cinco protótipos na área de nanotecnologia com patentes depositadas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Um deles é uma evolução do n-Domp. Trata-se de um sensor pro-
No processo de produzido com Oled, sigla dução do material nade Organic Light Emitnoestruturado, íons de ting Diodes, ou diodos prata ganham elétrons orgânicos emissores de e em seguida formam luz. Ao contrário dos nanoesferas metálicas LEDs comuns, produque migram para a suzidos com semiconduperfície do implante. tores inorgânicos, coNo meio biológico, a mo silício e gálio, eles liberação da prata, na são fabricados com forma iônica (com permoléculas com proda ou ganho de elépriedades elétricas que trons), acontece de forgeram luz própria, ma lenta e gradual. quando da passagem de corrente elétrica. ChaLuz rara - A utilização mado de n-Domoled, de materiais nanoeso dispositivo é produzitruturados também do como um sanduíche resultou em um disde nanofilmes. A parte positivo para mapear ativa desse produto é a temperatura em amconstituída da mesma bientes biológicos como molécula projetada pano interior do corpo ra o dispositivo anterior, humano ou na água. que se degrada com a Utilizando um nanopó radiação UV. Como o à base de túlio e térbio, sensor emite luz quanduas terras-raras (do do recebe pulso elétrico, grupo dos lantanídeos o acúmulo de ultraviona Tabela Periódica), leta diminui pouco a os pesquisadores conpouco a intensidade do seguem fazer o mapeaefeito luminoso do dismento da temperatura positivo. "Essa é a própor meio fotônico, com xima geração de dosíprecisão nanométrica. metros pessoais que Além da forma de naestamos desenvolvennopó, o mesmo matedo", conta Santa-Cruz. rial foi desenvolvido Outra patente do em fibras ópticas biogrupo de pesquisadores compatíveis, para conserve ao campo da saútrole de temperatura de. É uma contribuiao longo da fibra. O ção para a produção sistema também pode de vitrocerâmicas, um ser utilizado em locais material que se origina que não podem recedo vidro em um proVitrocerâmicas para uso ber os termômetros cesso de cristalização em próteses: ação usuais, como nos transcontrolado sob altas bactericida com prata formadores e áreas com temperaturas e se toraltos campos magnéticos. A intensidade na bem resistente, servindo para uso da luz emitida por esse dispositivo é coem próteses de ossos e dentes, por letada por um sensor portátil que mede exemplo. "O que fizemos foi induzir a a intensidade relativa de luz azul proformação de uma nanoestrutura de prata nesse material, possuidor de produzida pelo túlio em relação à luz verde do térbio. A razão entre a intensidade priedades bactericida e antiinflamatória, para diminuir a possibilidade de das luzes desses elementos é que resulta na temperatura. Essa relação de intensiinfecções no local do implante." A pradades varia de forma linear com as temta é milenarmente conhecida pelas peraturas, na faixa de -210°C até 720°C. propriedades bactericidas e só foi toNa área ambiental, os pesquisadotalmente abandonada para esse fim res do Departamento de Química Funapós o aparecimento dos antibióticos.
damental da UFPE desenvolveram um inovador sensor de poluentes metálicos em água. Um produto que agora está em fase de automação na Ponto Quântico. Chamado de SPA-Foton, o sensor é composto de um polímero superabsorvedor, da mesma família dos usados em fraldas, dotado de uma sonda fotônica. Colocado na água que se quer analisar, o polímero absorve o líquido em até 200 vezes o seu peso e concentra o poluente. A análise, que pode ser feita no local da medição com palmtop, é feita pela medição da radiação luminosa da sonda num software. O resultado aparece conforme o espectro de luz é modificado pelo tipo de metal. "Não medimos o espectro do poluente, mas sim o espectro da luz da sonda." Além disso, o aumento da concentração de metal no polímero é que faz a amostrasensor detectar quantidades muito pequenas do poluente. "Sabemos que esse sensor é viável economicamente, mas precisamos automatizá-lo, por isso estamos desenvolvendo um software mais avançado que fará a interpretação automaticamente." Resíduo poluente - A equipe de Petrus mostrou na Brasiltec 2004 que é capaz de formular novos materiais que fogem ao alvo principal do trabalho em fotônica e nanotecnologia. Em um trabalho de doutorado no Programa de Ciência de Materiais da UFPE, um resíduo poluente oriundo do polimento do porcelanato, denominação de um tipo especial de piso cerâmico polido, foi usado para o desenvolvimento de compósitos para tornar o gesso mais compacto e resistente. O experimento resultou em uma vitrocerâmica e um vidro que estão em fase de testes para recobrir a cerâmica. Tudo com a vantagem de retirar o resíduo do ambiente, agregando valor ao subproduto. Como todos esses trabalhos e outros que estão em formatação, Santa-Cruz tem um firme propósito na universidade. "Nossa idéia é formar alunos, mas também desenvolver o espírito de empreendedorismo na área de nanotecnologia", diz. Ele faz isso com a mesma disposição que dá aulas de nanotecnologia na pós-graduação pela manhã, e duas vezes por semana, à noite, na licenciatura, para professores da rede pública pernambucana de ensino. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 77
MUNDO
RGs, que serão :007 e tomados 012. Prevalecia tradição de que ama visão coledos cidadãos. n os defensores ele terá instru.antar mecanisdividual. a a grudar um na pele de cada ark Littlewood, reitos civis. l-VOZ dos conestar claro que xío ao terrorisuinho por parte sesperado". de Blair sinaliar o foco na seo governo dilui ides no lraque, anhar-de-aquibalhista. continuará a do Iraque, em ter segurança e ;egurar as eleidisse a rainha,
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:Confe xuária está é as pessoas percebem qUMria. pouquinho de reservas n p querem estourar". Defenpelo s ponsabilidade fiscal: "O ~ bilhõ pode contrair as dívidas para Estado, tiver condições demtía Lula, que estuda altenl!merc' sua equipe com uma refaeses d nisterial que vai aumentarnão a cipação do PMDB e do P1) país que o seu governo está de) mai abertas, receptivo à convlto 0''' das forças democráticas sadas em construir ,próspera e justa".
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apenas fez referência de ilhões), e a sada há vánão deixará de2005,coresidente do eira. o que vem ouvir proigente. ualmente de e Robinhoe negociações eus -PSV, entus já tente santista. 'a vaga de n~-LL..
Críticas Ao fazer a defesa da g loco, não faltaram crític vemos passados. "Em rn cruciais, em que o gove ria tomar decisões mui duras, vacilou. Ou porq velmente tivesse uma elei xima, ou porque a seus rios não interessava do vista n " complet
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HUMANIDADES
HISTORIA
O saber
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Exposição reúne instrumentos científicos do século 18 e 19 da Universidade de Coimbra NELDSON MARCOLIN
Na Europa do século 18, as demonstrações de física experimental se faziam não só nas universidades, mas também em clubes e sociedades, salas alugadas pelos chamados físicos demonstradores - que viajavam com sua coleção de instrumentos - e nas residências. Não por acaso, essas experiências ganhavam ares cênicos e o termo teatro era freqüentemente associado a eventos do tipo. Havia o Teatro das Experiências, o Teatro das Máquinas, o Teatro da Phisica Experimental e o Teatro de Poleni, entre outros. "Já em meados do século 17 a prática experimental, como meio de descoberta e de validação do conhecimento, começara a criar raízes firmes", diz Ermelinda Antunes, pesquisadora do Departamento de Física da Universidade de Coimbra (Portugal). Com esse forte componente de entretenimento na física da época, a Pinacoteca do Estado de São Paulo tornou-se o lugar ideal para a exposição Laboratório do mundo - idéias e saberes do século XVIII, que vai até o dia 13 de março e da qual Ermelinda é a curadora. Trata-se de uma reunião de 212 80 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
Quadrante móvel usado para medir a distância entre o ponto de partida e o lugar onde está a embarcação
Modelo didático de pára-raios: proteção aos armazéns de pólvora
peças: instrumentos científicos e livros do século 18 e 19 cerca de 110 deles pertencentes ao Museu de Física e ao Observatório Astronômico da Universidade de Coimbra -, mapas, quadros, gravuras e pinturas do acervo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. O evento integra as comemorações dos 450 anos de São Paulo e resulta de uma parceria entre o Gabinete das Relações Culturais Internacionais do Ministério da Cultura de Portugal e a Pinacoteca. A mostra é o centro de várias atividades sobre história do século 18. No começo de dezembro ocorreu o seminário internacional Luzes nos trópicos: a capitania de São Paulo no século XVIII, coordenado por professores da Cátedra Jaime Cortesão, órgão da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), associada ao Instituto Camões do Ministério dos Negócios Estrangeiros português. E em 25 de janeiro será aberta a exposição Cartografia de uma história, em conjunto com o Museu
Primeiro livro em português a divulgar as idéias de Newton, em 1737
Trono acústico de d. João VI, de 1819: o som entra pelos braços e sai por um tubo levado ao ouvido
Paulista da USP, sobre os mapas relativos ao território da Capitania de São Paulo. De todos os eventos, Laboratório do mundo é o que mais expressa a mudança de paradigmas e a adoção de novas idéias numa época em que se começava muito lentamente a abandonar as antigas teorias sobre o mundo natural, baseadas em Aristóteles. "A valorização da
experiência tinha sido defendida por Francis Bacon na sua obra Novum Organum, publicada em 1620, em que ele afirmava que 'o progresso só poderia advir de uma união próxima e estrita das faculdades racionais e experimentais, que até ali nunca se uniram'", conta Ermelinda. No século 18 os fenômenos naturais passaram a ser vistos como um misto de matéria e forças e a ser descritos em linguagem matemática. Os instrumentos ganharam grande importância na tarefa de interrogar a natureza, e não apenas como uma amostra da capacidade criadora dos homens. "Utensílios como bombas de ar, vasos comunicantes ou aparelhos de elevação de água, usados desde a Antigüidade, foram aperfeiçoados e viraram instrumentos científicos, articulados com a resolução de problemas fundamentais." É no século 17 que aparecem os gabinetes de curiosidades e os teatros das máquinas. Foram eles que deram origem, no século seguinte, aos gabinetes de física dentro das universiPESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 81
Corte do laboratório de química da Universidade de Coimbra: novidades trazidas pela reforma pombalina
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dades. Há, então, um desenvolvimento natural da construção dos chamados instrumentos filosóficos, feitos com a finalidade de produzir e demonstrar os vários efeitos da física. A exposição da Pinacoteca con/% ta parte dessa história. Há L^^ instrumentos simples, coÈ % mo a alavanca de Muss^L. JL. chenbroek, usada para erguer fardos pesados, e outros mais sofisticados, como a luneta paralática, destinada a seguir o paralelo de astro ou o seu movimento diurno de oriente para ocidente, descrevendo o mesmo paralelo deste. Há peças que, de tão prosaicas, arrancam um sorriso do visitante. É o caso de um modelo didático de parafuso com porca enrascada, que podia ser dividida em duas partes, ou uma prensa usada para verificar a compressibilidade da água. Aquela era a época de estudar o movimento simples e o composto, a trajetória dos projéteis, as diferentes forças e seus efeitos. Na coleção da Universidade de Coimbra há também curiosidades famosas, como o "poderoso magneto oculto numa coroa". Trata-se simplesmente de um grande ímã - no caso, "vestido" com uma coroa real - com o qual se demonstrava a força das pedras magnéticas. Esse, especialmente, era capaz de sustentar 93,7 quilos. Na exposição há um móvel que não pertence à Universidade de Coimbra, mas chama muito a atenção: o trono acústico feito para mitigar a surdez de d. João VI, em 1819, uma das peças mais engenhosas já construídas para esse fim. Algumas demonstrações feitas dentro ou fora da universidade encantavam o público. As que envolviam a eletricidade, com as experiências eletrostáticas luminosas e barulhentas, eram as mais apreciadas. Ou a bomba que retirava o ar e criava o vácuo dentro de duas semi-esferas de cobre, inventada por Otto de Guericke no século 17. A famosa experiência feita por ele com esses dois hemisférios em 1657, 82 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
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que só conseguiram ser separados pela força de oito parelhas de cavalos, teve grande difusão por toda a Europa (a réplica dos chamados hemisférios de Magdeburgo estão na exposição). De outro tipo de experiência conseguiase tirar proveito prático imediato, como o modelo de pára-raios, feito entre 1790 e 1824. Num livro explicativo cujo autor é o professor italiano Giannantonio dalla Bella, Notícias históricas e praticas acerca do modo de defender os edifícios dos estragos dos raios, mostra-se como pro-
teger armazéns de pólvora e a melhor maneira de fazer a instalação da peça. Dos 110 instrumentos que vieram de Portugal, Ermelinda Antunes arrisca um palpite sobre a que considera mais valiosa do ponto de vista da história da ciência: a pilha de Volta, de 1800, o primeiro gerador de corrente elétrica. Mas há outras importantes. "O esforço do homem na elaboração do saber envolve gerações", diz a pesquisadora portuguesa. "Note três peças presentes na mostra: a eolípila, a máquina rotativa de
Modelo didático de parafuso com porca desmontável: estudo detalhado de peças e instrumentos
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Botelho Lacerda e a locomotiva", exemplifica. A eolípila é uma bola oca de metal com água montada em um carrinho. Aquecida, a água vaporiza e faz mover o carro. A máquina rotativa de Botelho Lacerda demonstra a ação dos vapores ser usada como força mecânica. E a locomotiva é conhecida. "Todas fazem parte da história do aproveitamento dos efeitos motrizes do jato de vapor, já conhecidos na Grécia Antiga. Não dá para dizer qual é a mais importante." Esses instrumentos começaram a ser mais estudados em Portugal na segunda metade do século 18. An-
Luneta paralática: inovação para o astrônomo seguir #7 o movimento do astro
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tes, a ciência se encontrava em situação precária no país. É certo que havia intelectuais portugueses esclarecidos e conhecedores dos recentes avanços científicos. O médico de origem judaica Jacob de Castro Sarmento, por exemplo, radicado em Londres, publicou Teórica verdadeira das marés, o primeiro livro em português a divulgar as idéias de Newton, em 1737. Mas Ermelinda Antunes conta que dentro da universidade, dominada por jesuítas, as obras e idéias de Galileu Galilei, Isaac Newton e Pierre Gassendi tinham sido proibidas de circular em 1746 por edital do rei-
Prensa destinada a comprimir a água: pesquisas nas diversas áreas do conhecimento
tor do Colégio das Artes de Coimbra, padre José Veloso. Quando Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro marquês de Pombal, foi nomeado ministro do rei d. José I em 1750 já estava consciente do atraso português. A controversa administração de Pombal tocou em todos os setores da vida nacional e a educação não ficou de fora. Uma de suas iniciativas foi a criação do Real Colégio de Nobres da Corte e Cidade de Lisboa, em 1761, que admitia estudantes da nobreza portuguesa entre 7 e 13 anos. Lá foram ensinadas pela primeira vez disciplinas científicas, como matemática, astronomia e física experimental. E foi para lá que Pombal convidou Dalla Bella, então professor da Universidade de Pádua, na Itália, a dar aulas e o encarregou de adquirir os necessários instrumentos científicos - a maioria construída por artesãos portugueses entre 1766 e 1768 e alguns comprados dos ingleses. "O Colégio dos Nobres acabou não dando certo quanto ao estudo das ciências devido, principalmente, a pouca idade dos estudantes e à falta de base necessária para entender as matérias", observa Ermelinda. Todos os instrumentos usados nas aulas e experiências de física do Colégio dos Nobres foram transferidos para o Gabinete de Física da Universidade de Coimbra em 1773 (um ano antes começara a grande reforma da universidade), onde ganharam organização e uso sistemático em aulas e experiências também comandadas por Dalla Bella, convidado a assumir a cadeira de física experimental. Parte desse material está presente na exposição Laboratório do mundo. "O Gabinete de Física usado nas aulas em Coimbra, a partir de 1773, estava perfeitamente equipado para demonstrar a física que era, na época, ensinada na França, Inglaterra ou Itália", afirma Ermelinda. Com a reforma da universidade e a introdução do debate sobre as novas teorias científicas e filosóficas, Portugal ganhou novo status. E penetrou no mundo de idéias e saberesdo século 18. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 83
I HUMANIDADES
CULTURA
Mais notável do que pequena
Estudo analisa trajetória de Carmen Miranda no Brasil e nos Estados Unidos CARLOS HAAG
Como a ressaltar que ela era mais notável do que pequena, num artigo que escreveu para o jornal norte-americano The New York Times sobre a cantora e atriz Carmen Miranda (1909-1955), Caetano Veloso analisou-a como um ícone do dilema de toda uma geração quando o assunto era a imagem que o Brasil tinha lá fora: "Ela foi, primeiro, motivo de orgulho e vergonha, depois símbolo da violência intelectual com que queríamos encarar a nossa realidade, do olhar implacável que queríamos lançar sobre nós mesmos. Tínhamos descoberto que ela era nossa caricatura e nossa radiografia". Até hoje a "embaixadora do samba" habita, como as calçadas em ondas de Copacabana, o imaginário ianque sobre o país. A trajetória da portuguesinha que virou baiana estilizada, conquistou o Brasil de Vargas e depois a América é o tema de O Ht verde e amarelo áe Carmen Miranda, tese de doutorado de Tânia da Costa Garcia, agora transformada em livro com apoio da FAPESP. "A polêmica sobre a baiana estilizada é reveladora da crise que temos com nossa identidade. Carmen é uma caricatura, mas é, ao mesmo tempo, o que somos: subdesenvolvidos, tropicais, mestiços, dionisíacos", explica. Segundo Tânia, apesar do tamanho diminuto, ela foi, desde o início de sua carreira, uma "arma cultural" 84 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
usada tanto pelo Estado Novo varguista como pelo pan-americanismo de cunho expansionista dos norte-americanos, cuja pílula foi dourada com a política de boa vizinhança. Com razão Hollywood a chamava de "brazilian bombshell", tamanho o seu poder de fogo em servir, mesmo que de forma inconsciente, a interesses ideológicos. De início, no Brasil, ela foi a catalisadora do movimento oficial de nossa transformação em "terra do samba". Arrancado do morro, o samba, antes "coisa de marginal", foi entronizado, em meio ao debate sobre a identidade brasileira dos anos 1930, como símbolo da nacionalidade em oposição à crescente influência da cultura estrangeira trazida, se acreditava, com a chegada do cinema falado (basta lembrar do samba Canção para inglês ver, de Noel Rosa, com suas alusões a "I love you/ To via steven Via-Catumbi" etc). A própria Carmen cantava em Eu gosto da minha terra que "sou brasileira/ e o meu sabor denuncia/ que sou filha desse país/ o fox-trot/ não se compara/ com o nosso samba, que é coisa rara". "A carreira de Carmen se estrutura num período em que os meios de comunicação passam a ter um papel significativo na capital da República. Isso coincide com a política nacionalista do governo Vargas, que, atento ao poder dos veículos de comunicação, fez questão de se aproximar do universo simbólico das camadas
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menos favorecidas para se tornar o governante das massas", analisa Tânia. O samba vira assunto de Estado, ou melhor, o samba carioca, difundido como o samba brasileiro pelas ondas do rádio. "O samba, eleito como símbolo do 'povo novo', tornava transparente as fronteiras sociais que a política populista insistia em esconder atrás da unidade nacional", observa a autora. Getúlio chega mesmo a intercalar seus discursos oficiais na Hora do Brasil com números de compositores e intérpretes populares. Houve mesmo o caso de um programa transmitido para a Alemanha de Hitler diretamente da Estação Primeira de Mangueira. Claro que não se queria o samba "de morro, com seus ritmos negróides", como anotou um jornal da época. A batucada tinha a cadência da política cultural estado-novista, idealizando a "democracia social e racial" do Brasil e o trabalho. Até mesmo o "malandro" Wilson Batista escreve sambas que exaltavam o trabalho. Apesar disso, mais de 300 canções foram censuradas pelo regime e mesmo Carmen, com suas interpretações marotas e brejeiras (plenas de duplos significados que desafiavam a moral vigente), foi patrulhada ideologicamente. A inda assim, a atmosfera do I^L momento permitiu que Car^^A men, em fins de 1938, se È ^ vestisse pela primeira vez JL. JL. de baiana no filme Banana da terra, que previa cenários com casarios baianos e coqueiros. O problema é que o produtor não aceitou os preços pedidos por Ary Barroso para as duas canções da película e optou por O que é que a baiana tem, de Dorival Caimmy, mais em conta e adequada aos sets. Carmen se inspirou na letra para criar seu visual, meio-termo entre a cultura nativa e o glamour das estrelas de cinema americanas. "Durante os anos 1930, a canção popular urbana foi eleita pela imprensa e pelo Estado como uma das representações do nacional e Carmen, estando entre as intérpretes mais populares, tornou-se a cantora do 'it verde e amarelo'", observa Tânia. A mistura do chiclete com banana deu-se definitivamente um ano depois, quando o empresário Lee Schubert viu Carmen de baiana num show no Cassino da Urca e resol86 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
A "embaixadora do samba": ida aos EUA foi motivo de orgulho e, no fim, de preconceito
veu levá-la para os Estados Unidos. "A indústria cinematográfica norte-americana foi responsável pela difusão da imagem da baiana estilizada que imortalizou a artista", diz a pesquisadora. Lá e aqui. "Diversa da baiana do nosso cancioneiro, a de Carmen, híbrida e cosmopolita, aproximou essa personagem das camadas populares de outros setores da sociedade. O exotismo, ao ser veiculado nacional e internacionalmente pelos meios de comunicação, deixava de ser uma exclusividade da negra do tabuleiro, passando a compor, contra a vontade de muitos, a identidade da nação", avalia a pesquisadora. Boa vizinhança - Mais: ao emigrar para a América, a baiana de Carmen ganhou pedaços característicos de outras culturas latino-americanas, bem ao gosto da política da boa vizinhança ianque. Não se queria uma brasileira (ainda mais
portuguesa), mas um símbolo de todos os povos latinos que, para a maioria dos norte-americanos, não tinham lá grandes diferenças. "Que justamente uma cantora do único país de língua portuguesa da América Latina tinha sido eleita a representante desse conjunto de comunidades de língua espanhola não trouxe poucas dificuldades estilísticas a suas performances", avalia com precisão o artigo de Caetano Veloso. A pequena tinha um trabalho notável: se transformar em metáfora frutada e sorridente do pan-americanismo pretendido pelo Office of Coordinator of Inter-American Affairs do governo Roosevelt. Eram tempos de guerra e toda a ajuda, mesmo aquela abaixo do Equador, era necessária. Não era uma inovação: já em 1860 Napoleão III advogava uma tradição cultural latina comum, embora cheio de más intenções expansionistas. O novo registro se dá
pela divisão entre uma América do Norte civilizada (apolínea) e outra, Latina, wild e dionisíaca, com seus pampas e seus mestiços irracionais. "Carmen, na pele de suas Rositas, Doritas, Chitas e Chiquitas da 20th. Century Fox, representa exatamente esta América Latina difundida pelo cinema americano. Comporta-se como um animal selvagem, sua libido é descontrolada, é indolente e malandra, prefere os prazeres da vida e também é grotesca, na interpretação caricatural de suas personagens, no inglês mal falado, uma outsider frente ao mundo civilizado americano", analisa Tânia. Transformada em "totalidade latino-americana", Carmen marca a diferença entre o mundo selvagem, o south american way, e o american way oflife. Depois de conquistarem com violência o far west, estava na hora de conseguir, com sutileza, a far América Latina. "O ideal propaga-
do pelo pan-americanismo é interpenetração desses dois universos (apolíneo e dionisíaco), sob o domínio do primeiro. Em Hollywood, o pan-americanismo reinventado advogava, em última instância, a subordinação de uma América Latina inferior à 'superior' nação do Norte", observa a autora. "Ela é o fruto saboroso que a perfumada e cálida zona tropical do sul enviava para reanimar os sisudos homens de negócio da Quinta Avenida", escreveu um jornalista norte-americano. Carmen era perfeita para mostrar a subordinação natural à civilização e os aspectos periféricos positivos dos atrasados. Cassino da Urca - De início, o sucesso de Carmen na América pegou bem por aqui. Quando retornou ao país, em 1940, foi recebida com um banquete por Lourival Fontes, diretor-geral do DIP (Departamento de Imprensa e Pro-
paganda). No entanto, no show que deu no Cassino da Urca, após cumprimentar o público em inglês, viu que não era fácil contentar os brasileiros. "Carmen estragou a nossa música impregnando-a de coisas americanas. Ora o brasileiro quer que o samba seja puramente seu, nacional e sem mistura", criticou o jornal carioca A Notícia, e não foi o único nem o pior. O dilema estava posto: a cultura popular era a cultura oficial e desejável e havia que se festejar que os estrangeiros reconhecessem a nossa riqueza. "O Brasil tropical representado por Carmen não era todo o Brasil, todavia era este o Brasil que se destacava no exterior", observa Tânia. "O que estava em jogo não era a artista, mas as representações em torno da música que interpretava, o samba, e a personagem que inventara, a baiana. Ambos referências da cultura afro-brasileira que não interessava ser propagada como símbolo da nação." A "embaixadora do samba" vira colaboracionista do imperialismo norte-americano e, pior, uma artista que denegria, literalmente, a imagem da nação junto aos admirados ianques. "Quando a consagrada cantora do 'it verde e amarelo' foi para a América do Norte, carregava consigo os anseios e os desejos de uma nação. Durante o período em que ficou no Brasil, ela foi motivo de polêmica em virtude da atmosfera nacionalista da época. Com sua partida para os Estados Unidos difundiu-se no exterior uma determinada imagem do Brasil: assim nos fazíamos reconhecer frente o outro. E um outro que, por sua vez, se apresentava como a nação mais moderna do Ocidente", avalia. "Os filmes de Carmen conseguiram um consenso, antes impossível de ser imaginado, entre aqueles que aprovavam o samba como representação nacional e aqueles que recusavam esta imagem de Brasil propagada pela artista nos Estados Unidos." A radiografia da caricatura. • PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 87
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HUMANIDADES
URBANISMO
Programa de índio
Banhistas na praia do Flamengo, início do século 20
Livro mostra a trajetória da orla carioca, das tangas indígenas às tanguinhas de Ipanema
No princípio dos tempos nacionais ir à praia era, literalmente, um programa de índio: "Metidos nas águas como caniços, às vezes, mais de dozes vezes por dia, os índios andam nus, porque assim se poupam da canseira de tirar a roupa toda a hora", observou o viajante francês quinhentista, Jean de Léry. "Certo domingo, vimos virar uma canoa com mais de trinta selvagens. Fomos correndo socorrer os náufragos, mas estavam todos rindo e nos perguntaram: para onde ides tão apressados, Mair (como os nativos chamavam os franceses)7." O que os da terra aprenderam cedo demorou a virar hábito para os conquistadores europeus, que apenas no reinado de d. João VI descobriram o banho do mar. Durante todo esse tempo viveram apertados e insalubres no centro do Rio de Janeiro. A história de como demorou essa passagem da tanga dos índios para a tanguinha de Ipanema está deliciosamente contada em Orla carioca: história e cultura, de Claudia Braga Gaspar, lançamento da Metalivros. "O carioca original, por longa abstinência, que atravessará dois séculos inteiros de apego à terra firme e resistirá às priPESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 89
meiras décadas de mudança repentina da cidade oitocentista, nem pensava em banho de mar", explica Claudia. E quando começou a pensar foi em termos medicinais e não para se divertir. Com uma inflamação na perna, provocada pela picada de um carrapato, d. João VI, enfiado dentro de um caixote, foi o pioneiro europeu a se arriscar a mergulhar nas águas cariocas. A praia, imitando o que se fazia no exterior à colônia, se transforma num "pequeno hospital" e como tal exigia-se decoro: "As moças devem usavar longos calções presos ao tornozelo e encimados por blusões do mesmo tecido, além das toucas à Maria Antonieta. Nos pés, sapatos de lona e por cima de tudo, amplos roupões", conta uma revista da época. Para evitar maiores perigos, havia uma equipe de italianos e portugueses que se encarregavam de levar as moçoilas no colo para molharem os pezinhos delicados na água. Todo cuidado era pouco. O Dicionário de sciencias eclesiásticas, de 1760, recomendava o "uso do banho, desde que não se o tome por volúpia. Permitirse-há banhos aos doentes todas as vezes que se julgar necessário, mas aos de boa saúde, em especial os jovens, tais banhos devem ser concedidos muito raramente". ■■A passagem do uso terapêutico /% da praia para o uso social e L^^ de lazer liga-se às transfori M mações urbanas por que ^L JL» passava o Rio na virada do século, com as grandes avenidas e a chegada dos bondes, fazendo nascer uma nova cidade, trazendo modernidade e avançando seus limites urbanos à Zona Sul, até então um vasto e deserto areai." Mas tudo caminhou, como andar na areia, em passos lentos. De início, ia-se à praia de madrugada, entre 3 e 4 horas. O banhista chegava cedo, trocavase nas cabines de vestuário, em moldes europeus, e após apenas cinco minutos dentro da água, então o que se julgava recomendado, e um pouco de ar e sol saía da orla às 8 para tomar o café, já que jejum era necessário para se entrar no mar. Surgem, para matar a fome dos banhistas, cafés, logo convertidos nos quiosques atuais. Mas liberdade tem preço e o Estado viu por bem regular a
Avenida Delphin Moreira, com nova iluminação pública, c. 1919 Helô Pinheiro, musa inspiradora da música Garota de Ipanema, de Tom e Vinícius, em anúncio de bronzeador, praia de Ipanema, década de 1960 Capa da Revista da Semana, 10 de junho de 1916
nova mania. Em 1917 o decreto 1.143 avisava que só se podia ir à praia entre Io de abril e 20 de novembro, das 6 às 18 horas. Além de descrever o tipo de vestuário adequado e outras particularidades, a nova lei proibia expressamente "quaisquer ruídos e vozerios na praia ou no mar durante todo o período do banho". Um ano depois, para sossego geral, foram construídos, ao longo de Copacabana, seis postos da Sauvatage, com salva-vidas. As pessoas passaram então a tomar seus banhos tendo como referência esses postos, hábito que permanece até hoje, ainda que por outras razões, ligadas a que "tribo" de praia o banhista pertence. "A Primeira Guerra Mundial trouxe mudanças comportamentais de peso que irão refletir no vestuário da época. O que se queria era uma vida mais saudável, ao ar livre, onde os esportes fossem mais
presentes, como o remo, o salto ornamental e a natação", observa a autora. "Acompanhando essa evolução, os trajes de banho se modernizaram, surgindo traje de peça única. A praia ganha popularidade. Surgem os hotéis balneários da costa francesa e o Rio, aproveitando a carona, inaugura uma série de balneários na orla: Hotel Glória, Hotel Sete de Setembro, Copacabana Palace, entre outros." "A carioca se adestrou a caminhar na praia com a mesma airosa elegância com que caminha no asfalto. A vida da praia exerce sobre ela uma influência que se faz sentir em suas idéias, sentimentos, na sua compleição física e moral. A praia, desviando para o convívio da natureza a população da cidade, a está poderosamente vitalizando e insuflando-lhe alegria", anunciava com precisão a revista O Cruzeiro. E os ba-
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nhistas vão ficando mais ousados, deixando a calma das águas da baía de Guanabara para a orla das praias oceânicas. "A praia vai se popularizando e ganhando status de área social. A cidade em movimento vai conquistando espaços e ampliando o lazer do carioca na orla da cidade. O culto ao corpo, cada vez mais exacerbado, alia-se aos avanços dos materiais usados na confecção dos trajes de banho: o látex, nos anos 1940, a helanca, nos anos 1960 e 70, e a laicra, nos anos 1970 e 80", lembra Claudia. O hábito do banho de mar também se modifica. "Os horários praianos vão se estendendo e se, no início do século, tudo se limitava a uma permanência restrita de poucas horas, a partir dos anos 1930 o gosto pela praia fará com que o desejo seja usufruir desse espaço da melhor forma possível." Com a menor quantidade de
tecido possível. Em 1948 uma alemã, Miriam Etz, exibia-se todos os dias com o recém-criado biquíni na praia do Diabo, juntando multidões para ver o vestuário que era uma bomba atômica moral. Em 1960 ele deixa de ser novidade e se consagra como o uniforme da carioca. Uma curiosidade: foi o progresso da modernidade que, em boa monta, ajudou a unir o carioca à sua natureza. Não era fácil chegar até a Zona Sul vindo das regiões centrais, onde morava a população. Daí a forcinha extra dada pelos bondes. Os primeiros trilhos chegaram a Copacabana no fim do século 19 e em 1894 é inaugurada a linha Igrejinha—Ipanema, ainda que a contragosto dos acionistas da empresa, que achavam uma idiotice levar o bonde até "um deserto arenoso, sem habitações e cujo progresso será lento".
ais tarde, nos anos 1960, a abertura do túnel Rebouças, ligando diretamente a Zona Sul com a Norte, acelera a integração da cidade em crescimento, flexibilizando o fluxo de banhistas da Zona Norte para as praias da Sul. Antes as praias oceânicas eram basicamente freqüentadas por moradores locais e turistas ou por quem tinha um automóvel", explica Claudia. Com o tempo, a praia vira lazer irrestrito de todos os cariocas e os tabus são quebrados: o bonito é ficar bronzeado. As oportunidades do novo, porém, não são gratuitas. Para construir a cidade de seus sonhos, o prefeito Pereira Passos inicia a prática dos aterros, que engolem e geram novas praias. "Quem anda hoje pelo centro do Rio pisa, sem saber, em praias aterradas", diz a autora. O "bota-abaixo" dizimou as casas balneárias para formar a linha do cais e separou a cidade do seu oceano. Hoje entre o Rio e o mar corre a avenida beira-mar. Em 1952 o prefeito Dulcídio Cardoso empurrou as águas para ainda mais longe, estendendo, entre o passeio público e o morro da Viúva, o aterro do Flamengo, construído entre 1953 e 1962. Sete praias sumiram para dar lugar ao cais do porto; quatro para o Arsenal da Marinha; nove foram aterradas com o desmonte do morro do Castelo e do Santo Antônio. Até o mar foi invadido: em 1944, com restos do Castelo, foi criado o aeroporto Santos Dumont. Os índios não mais reconheceriam a orla onde se divertiam tanto para horror dos europeus. Ainda assim ficariam à vontade com as "tribos" nascentes, que passam a dividir os espaços na areia em função dos comportamentos, em geral concentradas no entorno dos postos de salvamento, como a dos surfistas, no Posto 7; a GLS, no Posto 8; a juventude mais descontraída e artística no Posto 9; e os "mauricinhos e patricinhas", comportados e abastados do Posto 10. "A expressão 'esta não é minha praia' tem, com certeza, nas tribos nela presentes um status de união e pertencimento, comprometer-se com comportamentos específicos", nota Claudia. O resto é mar. • CARLOS HAAG
LIVROS
A guerra silenciosa Ligamos a televisão e, com horror, vemos imagens da guerra civil nos Bálcãs ou mesmo a situação caótica do Iraque sem nos darmos conta de que, ao nosso lado, já há cinco séculos, o Brasil vive uma guerra civil aberta e que atinge a todos. Essa é a tese apresentada por Luís Mir nas quase mil páginas de seu novo livro, um impressionante estudo sobre o problema da violência cotidiana no país. Os números são atordoantes: aproximadamente 150 mil pessoas morrem violentamente no Brasil por ano e, desses óbitos, cerca de 56 mil são vítimas de assassinatos. Com apenas 3% da população do globo, o país abriga 13% dos homicídios mundiais. E os custos dessa tragédia não são apenas humanos: o atendimento a essas pessoas consome cerca de R$ 21 bilhões anuais,
empilhados, a montanha da morte teria uma base e uma altura de muitas centenas de metros", escreve Luís Mir em Guerra civil. E ele não tira suas conGuerra civil: clusões do acaso. A primeiestado e trauma ra parte do livro é dedicada Luís Mir a analisar as raízes históriGeração Editorial cas dessa violência, iniciada 962 páginas / R$ 79,00 com o genocídio dos índios, passando pela exploração escravagista, a segregação territorial e econômica da República 40% de tudo o que se gasta com saúe acabando no apartheid econômide (em torno R$ de 52 bilhões anuco, social e racial da atualidade. Para ais). No Rio de Janeiro e e, São PauMir, o responsável pela manutenção lo, os dados são ainda mais graves: desse estado de coisas é sempre o os Governos Estaduais vêem-se obrigados a usar 60 % do seu já diminumesmo: o Estado. "Ele sempre foi o maior promotor de violência e nunto orçamento com saúde apenas paca funcionou como vetor pacificara dar conta do atendimento com as vítimas dessa violência cotidiana. "Se dor" avalia o autor.
GUL iA
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0 vizinho muy amigo de Mário de Andrade Curioso paradoxo o presente neste belo estudo, fruto de uma tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo, em 2000, por uma respeitada intelectual argentina: como um escritor que pouco deixou a capital paulista poderia ter influenciado, ao longo de quase 20 anos, uma geração de escritores e pensadores argentinos e, no contrapelo, como foi possível que ele tivesse igualmente sido tocado, profundamente, pelo que faziam os seus companheiros portenhos de letras? Leitor curioso, Mário de Andrade sempre estava em busca de novas tendências literárias para conhecer e logo cedo tomou consciência do poder das letras argentinas, em especial a vanguarda portenha, a que ele chamava de "literatura modernista". Lia sempre que podia as revistas lite92 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
gentina servia, na comparação entre os dois mune a Argentina: dos, brasileiro e portenho, para que ele avaliasse como um país e a sua andava a cultura no Brasil produção cultural vis-à-vis o vizinho mais decomo espaço senvolvido. De início, nos de reflexão anos 1920, essa referência se Patrícia Artundo resumia a acompanhar os EDUSP/FAPESP estudos folclóricos dos ar232 páginas / R$ 39,00 gentinos para usar por aqui, nos tempos do Modernismo nacional em formação. Depois, nos anos 1940, na maturidarárias da Argentina e conhecia bem a de intelectual de Mário, a influência obra de Guiraldes, Oliverio, Leopolmudou de rumo e foram os nossos do Marechal, entre outros. E, pasme, vizinhos que passaram a se apropriar Borges, a quem chamou de "a personalidade mais saliente da geração dos pensamentos andradinos, em especial sobre como um intelectual moderna argentina" e pode mesmo precisa se comprometer com a realiter sido o pioneiro a reconhecer, em dade social de seu tempo. Enfim, texto, o talento borgiano. Para Máuma boa rua de mão dupla. rio, olhar a produção intelectual arMário de Andrade
LIVROS
O Brasil de Rosa: o amor e o poder
A produção do real em gêneros do jornal impresso
Luiz Roncari Editora Unesp / FAPESP 352 páginas / R$ 45,00
Sheila Vieira de Camargo Grillo Associação Editorial Humanitas/ FAPESP 248 páginas / R$ 25,00
O caráter de inovação literária da prosa de João Guimarães Rosa já foi estudado à exaustão pela academia. Daí o pioneirismo de Roncari ao analisar a literatura rosiana em seus aspectos mais realistas, mostrando de que maneira o escritor conseguiu, em Sagarana, Corpo de baile e Grande sertão: veredas, realizar também um retrato sutil da vida social e política do Brasil da República Velha. E de que forma ele pode ser lido como um dos intérpretes do Brasil. Editora da Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
Acreditar em tudo o que está escrito nos jornais: esse é um ditado norte-americano que revela um dilema a que poucos dão atenção. A partir da avaliação da cobertura jornalística da greve dos petroleiros de 1995 em dois jornais, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo, a pesquisadora fala da luta ideológica dentro do movimento operário e como a imprensa oscilou entre o respeito pela política do novo governo, de Fernando Henrique Cardoso, e a luta contra a quebra do monopólio do petróleo. Associação Editorial Humanitas (11) 3091-2920 www.fflch.usp.br/humanitas
Antonin Artaud: teatro e ritual
Enciclopédia da língua de sinais brasileira: o mundo do surdo em libras
Cassiano Sydow Quilici Annablume/FAPESP 212 páginas / R$ 35,00
O ator, escritor e encenador francês Antonin Artaud é o tema deste estudo que pretende revelar, por meio da análise dos muitos textos escritos pelo dramaturgo, de que forma ele almejava um teatro que não apenas instigasse a imaginação do público, mas, acima de tudo, que também fosse uma maneira de o ator realizar uma reconstrução radical de si mesmo. A chave do enigma é a retomada do evento teatral como um ritual. Annablume Editora (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Política em pedaços ou política em bits Gustavo Steinberg Editora UnB 276 páginas / R$ 38,00
Fernando César Capovilla e Walkiria Duarte Raphael (organizadores) Edusp / 2 volumes 682 páginas / R$ 72,00 (cada volume)
Aprovada pelas comunidades dos surdos e pelos acadêmicos, esta obra é uma contribuição fundamental para o ensino brasileiro, que nem sempre leva em consideração o universo dos surdos na educação. Os livros são um belo produto do Plano Nacional de Educação, que prevê como alvo a generalização do ensino da língua de sinais brasileira para alunos surdos. Edusp (11) 3091-2911 www.usp.br/edusp
Aplicações ambientais brasileiras dos satélites NOAAeTIROS-N Nelson Jesus Ferreira Oficina de Textos 272 páginas / R$ 45,00
Uma análise inovadora da internet, vista e dissecada em seu viés político e nas conexões de poder. Gustavo Steinberg usa teorias de Foucault e as moderniza para se instrumentalizar e avaliar as conseqüências da construção da internet como um exemplo de uma nova forma de discurso e de pensamento, no qual a grande questão é a interconexão dos pedaços esparsos da rede de computadores e, logo, das pessoas.
Além do conhecimento científico puro, o sensoriamento remoto, atualmente, é visto também como de interesse empresarial, por dar um alto valor agregado a produtos e serviços ao municiar os investidores com informações preciosas. A obra traz todos os vetores desse sensoriamento, desde os aspectos técnicos aos materiais.
Editora UnB (61) 226-6874 www.editora.unb.br
Oficina de Textos (11) 3085-7933 www.ofitexto.com.br
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Tempoé JOãO FILHO
A zul amanhece, vamos comprar frutas num feirão aqui perto. Ela acordou virada: ZA — Se a eternidade sempre existiu, então matéria é tempo? E o que não é tempo? — Analee in-
JL \_ daga. — Não sei se o tempo passa, mas que a vida vai, vai. O único real tangível é o corpo presente se ainda respira. — Como? — Faça uso da faca, se sangrar... é filosofia crítica. — E se não? — Aí é cética. — Qual o moto-contínuo do eterno? O que se autogera-devora? — O Incriado nos observa e ri, Analee. A física é poesia pura, minha querida. Não foi Pessoa-Campos que disse que "o Binômio de Newton é tão belo como a Vênus de Milo? O que há é pouca gente para dar por isso". — Então o maior poeta do finado século XX foi Einstein? — Talvez. Os pregões dos hortifrutigranjeiros retinem. Ela apalpa uns tomates, cata uns caquis, xinga o abacaxi por tê-la espetado pela coroa, lembra e zomba do verso dum contemporâneo ao ver a berinjela. "A berinjela irradia um sol às avessas", puáh - Cita e cospe. — Assim você limita a imaginação dos poetas e dá corda prós físicos. Ela coca a cuca e volta à carga: — Well, poetas deliram demais, inventam mundos particulares. Idealistas pela causa perdida: dizer o indizível. Coitados. — E o que fazem físicos, astrofísicos e afins? Buracos negros? Big Bang? Universo que se expande e se retrai feito cloaca? — Sempre achei que imaginação fértil era a que dava conta de tudo isso. Não entendo o vazio-vazio apenas. Mesmo no lugar do oco tem que haver... algo. O que havia antes da tal explosão (poetas e físicos adoram detonar, né)? — Razão teve seu Zé. — Quem? — Brincadeira. É esta minha falsa intimidade com Aristóteles, que dizia que há algo de irracional nas ciências da natureza. E também que o infinito quantitativo é só potencial, nunca atual. "Uma esfera cujo centro está por toda parte e cuja circunferência está em parte alguma." — Isto é Nicolau de Cusa, seu espertinho. — Hãããü Espertinha é você, uma menina de 13 anos e já com essas bizarrices na cachola. Não deve ter dormido. Passou a noite lendo novamente, né? Olha, olha! Eu tomo os livros, tranco a biblioteca, te sapeco um castigo. — A biblioteca não, pai, por favor! — Como é que pode? Eu sei, eu sei. Você não é mais um desses cérebros podres aos bilhões que cabeceiam por aí. Mas não exagera, né, Analee? Metafísica logo de manhã? E ainda nomeia minhas citações? — Por que nomeamos tanto? 94 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 107
— Para não nos perdermos. Muito. Fim de feira, sacola cheia, sol a pino, voltamos pra casa. Almoço no pique, ela calada, mas inquieta. Quem esta menina puxou? A mãe não foi, que era uma fútil. O avô tampouco, um bruto. — Puxei você, pai. — 'Tá lendo pensamento agora é? — Não. Causa e efeito: conheço este enrugar de testa. Well, é preciso uma impulsão ou combustível. Grosso modo, nós temos o almoço. Mas e o eterno? — Não sei, minha querida. O que sei é que o homem é apenas incerteza. — Hei! Isto é Heródoto. — Eu já te disse, sapeco um castigo. — Pois para mim a ciência só será perfeita, como dizem, quando inventarem o teletransporte. — Analee, haverá sempre o Grande Mistério. Aquele algo que nem ciência, filosofia e derivados irão penetrar. — Mas vamos chegando bem perto, né? — Não. Acho que nunca estivemos tão longe. — Quem lavará os pratos? — Causa e efeito, mocinha: eu lavo, você enxuga. Clima ameno, brisa mansa, ótima pra digestão: — E o depois, do depois, do depois? É o que diz aqui este livro? A hipótese Deus? — Analee, Sir Richard Burton que andou pelo mundo e passou pela Terra dos Glúteos Avantajados. -Hã?! — Digo, pelo Brasil, no século XIX, estudioso das religiões, dizia que quanto mais se aprofundava em suas pesquisas percebia que o homem só adora a ele mesmo. — É, prefiro ficar com o teletransporte. Tardinha toda assim, inquirindo o que é ser-estar no mundo, matéria-tempo-espaço o que são etc. etc. Noite avança, Analee, sonolenta no sofá com um livro aberto no colo, enquanto a coloco na cama, cubro com lençol, beijo de boa-noite, entre bocejos ainda indaga: — Pai? — Que é? — Primeiro foram os dinossauros, depois e até agora somos nós, humanos, será que as baratas vão dominar a terra depois que tudo explodir? — Amanhã eu respondo. — E se tudo explodir nessa madrugada?
é poeta e prosador, nasceu em 1975 em Bom Jesus da Lapa, BA, onde mora até hoje. Foi vendedor de biscoito, de leite, balconista, carregador, oficce-boy. Publicou em 2004 o livro de contos Encarniçado.
JOãO FILHO
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Sonho em forma de peixe JOCA REINERS TERRON
Não pode ter sido um sonho, não. Porém agora este mar de 1885 me parece um lugarejo ínfimo demais para abarcar ambições passadas. Terá sido tudo um pesadelo? Não... As águas arrebentam nos troncos do píer como se ameaçassem destruir Barcelona e seus cidadãos enfurnados nos cetins e poltronas de suas casas burguesas, como se fosse para ruir toda a mesquinharia dos nobres e os excessos de palacetes de veraneio do rei e de todos os seus automóveis, essas máquinas sem originalidade alguma a trilhar a poeira batida e recorrente das estradas de sempre e sempre, em direção ao lugar nenhum demarcado por pontos invisíveis nos mapas, latitudes iluminadas por qual estrela senão a escuridão de uma estrela morta? Transformar Barcelona numa Atlântida, é esse o sonho do Mediterrâneo. Ou não? E o rimbombar de ondas até atingir meus tornozelos, gotas frias deixadas pelo inverno que se arrasta e se extingue em direção ao final do ano, rumo às bodas otimistas de sempre e sempre. Só eu não estou otimista, mas como poderia estar? Fui o primeiro homem a navegar o fundo do oceano, mas quem se importa com isto? O mar arrasta seus turbilhões prata e soma o horizonte ao final de tudo, uma mistura que não almeje o infinito. Uma explosão muda de finitude e nada, isto sim. Mas eu não, comigo não. Não. Nada acabará comigo ou me resgatará de sentar aqui nessas tábuas e de gemer com elas, muito menos minhas lembranças das expressões entusiasmadas de Misse e Oliu ao receberem os respingos dos vagalhões depois de lançarmos o Ictíneo ao Mediterrâneo soçobrarão, não no oceano de minha memória, onde não alcançam galochas muito menos arpões. Nesse dia nossos olhos devolviam efusivos os reflexos metálicos daquele peixe armado máquina, daquela fantasia tornada matéria mecânica e desparafusável e nos abraçamos aqui mesmo, neste píer, e entornamos a champagne em cima da estrutura da nave e eu berrei para os céus de Barcelona, para quem quisesse ouvir: eu, Narcís Monturiol i Estarriol inventei o submarino. Não pode ter sido um sonho. Eu não, comigo não. E agora estou aqui, à espera do filho do rajá, e deixo as ondas ensoparem a barra de minhas calças e continuo esperando ele que virá do fundo de um maêlstrom, de uma ilha perdida ou dos mares das índias, estou à espera do príncipe dakkar e de sua pele negra cor de musgo estorricada pelos sete mares. Ele pagará pelo meu resgate, pois somos da mesma raça, somos do mesmo sangue, temos a mesma inteligência e a mesma revolta contra os poderosos. Não, nada dos desprezíveis Fulton e seus afogamentos bisonhos no Sena, nada da água sem luz de Le Havre, a grande glória subaquática refulgiu sob o sol mediterrâneo, sobre as espáduas fulgorosas deste mar, e nem Payerne, Petit, Villeroi e seus embustes ou os rabiscos fraudulentos de Brun e Bourgeois com seus cavalos de Tróia submergidos pelo fracasso e pela ignomínia dos armadores de quinta categoria, não. Pois tudo aquilo não pode ter sido um sonho. Comigo não. Um sonho. Talvez um pesadelo? Depois de apresentar minha tese científica "Ictíneo, o peixe-barco" em 1858, fui apresentado ao senhor que seria o meu grande mecenas, Josep Misse, ilustrado armador catalão que compartilhava dos mesmos sonhos de igualdade que eu e Étienne Cabet e que por fim se interessou em financiar minha luta (até então precária e sem escudo ou adaga ou elmo que a protegesse) para ajudar os pescadores de ostras. E não como Fulton, Bourgeois e os outros, não pelo dinheiro, não pela glória, não. Nossos sapatos com os cromos ensopados em cima do assoalho úmido e balouçante deste cais, diante do mar de Barcelona dia 96 ■ JANEIRO DE 2005 ■ PESUUISA FAPESP 107
e noite, nossos suores mais febris despejados madrugadas adentro e afora, noites sem sono à luz dos lampiões de gás e depois às conversas animadas nas tavernas, ao som de nossas vozes impregnado de entusiasmo e vida preenchendo os ares das cantinas pelas manhãs e pelo início de novos dias e novas chances de sucesso. Nelas tomávamos o repasto para logo voltarmos, eu, Oliu e Misse, nossos braços doloridos de esforço e luta, nossos cérebros doentes de sonho. E não por conta de escudos ou a posteridade, não. Tudo pelo esforço da felicidade comum e para diminuir os riscos desnecessários sofridos pelos catadores de conchas na costa de Cadaques, para permitir aos seus filhos que conhecessem os pais com saúde e integridade física, os pais trabalhadores que arriscam suas vidas precárias e descartáveis para levar à mesa da burguesia desta cidade os mariscos com os quais eles se empanturram. Uma irmandade trabalhadora subaquática, sob as luzes da vida justa e coberta pelas águas do oceano, era isto o que ansiávamos, Misse, Oliu e eu, para fora dos muros opressivos e sombrios desta Barcelona burguesa e enriquecida pelo trabalho operário sob o jugo de patrões e capatazes. Imaginávamos uma Barcelona futura sob os mares, uma Atlântida socialista livre da pestilência do ar inundado pela luta de classes, nós, um cardume laborioso e harmônico sob o Mediterrâneo, nós em busca da paz. E não como Payerne ou Villeroi ou Fulton, não nós. Mas teria sido tudo apenas um sonho? Por isto espero aqui o príncipe dakkar, ele saberá me entender, ele virá me resgatar da fúria dos capitalistas que destruíram nosso Ictíneo, que arruinaram meus sonhos e os sonhos de Oliu, Misse e Cabet, que pisaram nossa imaginação como se pisa um tonei de uvas, esmagando com os dedos dos pés a vinha e extraindo dela o sumo para destruí-lo, para misturá-lo e assim retirar suas forças e sua identidade, assim destruindo nossa imaginada sociedade trabalhista subaquática, assim submergindo nossos sonhos sem nos deixar respirar, nos matando por afogamento como se mata um peixe na nascente. Eu sei que morro, agora em 1885, mas o meu príncipe submarino, meu brônzeo dakkar de mares secretos e obscuros, de vinte mil léguas sob os oceanos, sim, o meu capitão virá me resgatar da morte, e eu, Narcís Monturiol i Estarriol, eu que sou seu igual, eu que inventei o submarino, mesmo nesta Catalunha depauperada pelos ricos, nesta Espanha roubada pelos nobres, neste século inglório de lutas, misérias e doenças, mesmo assim, mesmo assim e por tudo isto, ele virá me buscar. Em 21 de fevereiro eles nos destruíram. Nesse dia Misse, Oliu e eu fomos destruídos pela força abominável do capital, por nossos credores, pelos bancos que não nos permitiram mais crédito. Eles, malditos, destruíram a nós e ao Ictíneo, o nosso submarino a vapor, fabricado às custas de tanto suor e tanto sonho, eles o fizeram em pedacinhos, eles, os malditos! Suas dezenove escotilhas de cristal, por ironia, foram enfeitar as paredes do banheiro de um milionário qualquer. As janelas por onde veríamos os homens fortes e válidos colherem ostras em barreiras de corais do fundo do mar para assim sustentarem suas famílias com justiça, saúde e merecimento, foram ornar a banheira de um salafrário! O destino é um palhaço com cores demasiado fortes pintadas no rosto, por vezes. Embargado, o Ictíneo foi destruído e com ele nossos sonhos socialistas. É por isto que estou aqui, à espera. Terá sido tudo um sonho? Mas não, e afinal o mar se levanta e então posso vê-lo, não ainda em sua totalidade, não em sua inteireza, uma fortaleza ascendente, com seus canos soltando ar e água, com os metais de seus pistons e vapores empurrando algas e rochas, subindo em direção à superfície, é ele quem chegou, meu nobre Nemo, meu príncipe dakkar surgido de continentes desaparecidos, Capitão Nemo e o Náutilus em direção ao céu, superando as escarpas para me resgatar deste pesadelo onde aferrei meu desejo criador, onde sacrifiquei minha imaginação a troco de vê-la destroçada, assim como Misse e Oliu, e então eis que vem a mim o meu capitão, o negro que sai à luz do dia e me cumprimenta, de dentro de sua túnica hindu, sob seu turbante com esmeraldas, é ele, Capitão Nemo e seu Náutilus, que veio me resgatar deste fracasso e me levar para o fundo mar, deixando o espectro de um submarino e de meus sonhos para trás. Para trás e sobre a terra, enquanto desaparecerei em meio às ondas e cardumes, dentro de vagas e plânctons, até membranas interligarem meus dedos, até Netuno me coroar, fundo em direção ao fim do oceano, meus sonhos transmutados em água, eu, enfim, tornado peixe. PS. Narcís Monturiol i Estarriol (1819-1885) foi o engenheiro e inventor espanhol que criou o primeiro submarino a vapor. Movido por convicções socialistas, Monturiol inventou o aparelho para servir às comunidades pescadoras catalãs que sofriam com as más condições trabalhistas.
mora em Sao Paulo, é editor, poeta, contista e romancista, e publicou, entre outros, Eletroencefalodrama, Não há nada lá e Curva de rio sujo.
JOCA REINERS TERRON
PESQUISA FAPESP 107 ■ JANEIRO DE 2005 ■ 97
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