Reforma política pra quê?

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Ciência e Tecnologia

VENDA PROIBIDA

ASSINANTE

EXEMPLAR DE

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no Brasil

Agosto 2005 Nº 114 ■

AS INTRIGANTES DOENÇAS DO SANGUE PINÇA DE LASER CAPTURA CÉLULA VIVA

Reforma política para quê?


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NASA/JPL-CALTECH/UMD

A IMAGEM DO MÊS

EXPLODIR PARA ENTENDER O tradicional 4 de julho, dia da independência dos Estados Unidos, ganhou um pouco menos de atenção este ano. Nesse dia a sonda Deep Impact lançou contra o cometa Tempel 1 um projétil a 36 mil quilômetros por hora a 130 milhões de quilômetros da Terra. O objetivo da Nasa, a agência espacial norte-americana, é entender mais sobre a origem do sistema solar a partir da análise do impacto com o cometa. Foram registradas a colisão, o material expelido, a estrutura e composição do interior da cratera, além de mudanças no movimento do cometa. PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 3 ■


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BRAZ

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HÉLIO DE ALMEIDA

MIGUEL BOYAYAN

www.revistapesquisa.fapesp.br

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C T M CAPA

Em projeto temático, pesquisadores questionam a urgência de uma ampla reforma política no país

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REPORTAGENS POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PROPRIEDADE INTELECTUAL EDUARDO CESAR

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4

GOVERNO FEDERAL Sergio Rezende assume o Ministério da Ciência e Tecnologia e diz que não mudará estratégias

AGOSTO DE 2005 PESQUISA FAPESP 114 ■

PERFIL Com 93 anos, Walter Accorsi participa da vida da Esalq e continua a difundir a fitoterapia

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INDICADORES De acordo com o IBGE, retração da economia limitou avanço da inovação no país

CLIMATOLOGIA

CIÊNCIA

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Países da bacia amazônica articulam medidas conjuntas para proteger a biodiversidade

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ENTREVISTA O geneticista Oswaldo Frota-Pessoa, um cientista muito especial, fala de sua longa vivência como pesquisador, professor e divulgador de ciência

NOAA

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GENÔMICA Cientistas agora entendem melhor a biologia de três parasitas que infectam milhões de moradores de países pobres

VIROLOGIA HTLV-1 espalha-se como o vírus da Aids e causa disfunção erétil

Correntes de ar levam umidade ou fumaça da Amazônia até a bacia do Prata

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ZOOLOGIA Perereca exclusiva da Caatinga se defende de predadores usando o crânio com espinhos e glândulas de veneno


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Pa ge 5

EDUARDO CESAR

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MEDICINA

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ASTRONOMIA

BIOFOTÔNICA Pesquisadores unem pinça óptica e espectroscopia para facilitar os estudos com células vivas

Pesquisadores associam mutações genéticas à origem de doenças sangüíneas de idosos

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Regiões mais adensadas de galáxias similares à Via Láctea fornecem gás e poeira para a formação de estrelas

UFMG

QUÍMICA

Novos materiais magnéticos em escala molecular são desenvolvidos para uso na eletrônica e na medicina

ENGENHARIA BIOMÉDICA Sensor faz diagnóstico mais preciso das imperfeições visuais

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ENGENHARIA DE MATERIAIS

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RECICLAGEM

TECNOLOGIA

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REPRODUÇÃO/LEMBRANÇAS DE SÃO PAULO/VOL.I

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HÉLIO DE ALMEIDA

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Novo sistema melhora a produção de garrafas produzidas com polímeros

Grupo de empresas monta unidade para processar embalagens do tipo longa-vida

HUMANIDADES

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HISTÓRIA Estudo revela a vida em torno do rio Tietê no início do século 20

SEÇÕES

3 CARTAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 CARTA DO EDITOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 MEMÓRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 ESTRATÉGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 LABORATÓRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 SCIELO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58 LINHA DE PRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . .60 RESENHAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 LIVROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 FICÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 CLASSIFICADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 A IMAGEM DO MÊS . . . . . . . . . . . . . . . . . .

FILOSOFIA Projeto discute os perigos da mercantilização da ciência

Capa e ilustração: Hélio de Almeida

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CARTAS cartas@fapesp.br

As águas vão rolar Encaminho comentários sobre as afirmações de João Urbano Cagnin, coordenador técnico do projeto de transposição do São Francisco, publicadas na reportagem “As águas vão rolar”, Pesquisa FAPESP, nº 112, de junho de 2005: 1. A afirmação de que “a área do projeto atinge 37% da população do polígono das secas” mostra que o seu alcance é limitado. Como a população da área inclui os habitantes de Campina Grande e Fortaleza, concluímos que o benefício à população rural é menor do que o apregoado. Os autores do projeto escondem que as frentes de emergência empregaram nas últimas secas 2,05 milhões de trabalhadores e que os empregos gerados pela transposição ascenderão aos 540 mil, 180 mil dos quais diretos. Qual o destino dos trabalhadores restantes nas épocas das secas? 2. A afirmação de que entre os 70 mil açudes “só cem valem a pena”, e de que os demais são grandes evaporadores de água, é improcedente e até leviana. Não reconhecer a disponibilidade hídrica acumulada nos pequenos e médios açudes sem capacidade de regularização é um erro absurdo e não aproveitá-la, um desperdício inominável. A vocação do pequeno açude existe (como existe a dos médios e dos recursos hídricos subterrâneos contidos, principalmente, nos aqüíferos aluviais) e não está sendo aplicada: uso na irrigação de salvação – aquela que corrige as irregularidades pluviométricas da estação chuvosa – ou na irrigação de cultivos de pequeno ciclo. 3. O dr. Cagnin diz que o governo está implementando a construção de 1 milhão de cisternas que produzirão 1 metro cúbico por segundo (m3/s). Isso mostra que o coordenador técnico do projeto não tem idéia do que seja a relação reservatório/vazão produzida. Uma cisterna 6

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tem uma capacidade de 30, 40.000 litros. Um reservatório para produzir 1 m3/s, por ano, sem contar as perdas por evaporação, teria que ter 31.536.000 m3 de capacidade de acumulação. Uma cisterna abasteceria uma família de quatro pessoas, cada uma delas consumindo 50 litros por dia, durante 200 dias. Isso, se enchesse todos os anos, o que nem sempre acontece. As cisternas são, pois, medidas paliativas. Não resolvem, com segurança, o problema de suprimento hídrico. Sou favorável à sua construção, inclusive, por razões sanitárias. 4. Adicionalmente, tenho que fazer as seguintes considerações sobre o projeto: • Apregoa-se que os gastos de duas secas correspondem ao custo de execução do projeto, como se, após o mesmo, o problema da seca estivesse solucionado. O problema da seca se manifesta no abastecimento humano, urbano e rural e, principalmente, na produção agrícola, com a quebra da safra devido à ocorrência dos chamados “veranicos”. Este, sim, é o grande problema do semi-árido nordestino, não contemplado no projeto de transposição como se verá a seguir: • o projeto considera que os 300.000 hectares (ha) adjacentes aos 600 quilômetros (km) de canais (2,5 km de cada margem) são de interesse público, devendo desapropriar esta área para a promoção da reforma agrária e desenvolvimento da agricultura familiar; • a estrutura agrária da área a ser desapropriada é composta, predominantemente, de minifúndios; • nas bacias dos rios Taperoá e Alto Paraíba existem 2.805 imóveis com até 5 ha, 2.370 entre 5 e 10 ha, 7.395 entre 10 e 50 ha, totalizando uma área de 162.466 ha. Nas bacias do Alto e Médio Piranhas a situação é a seguinte: 2.959 até 5 ha, 1.774 entre 5 e 10 ha e 3.869 entre 10 e 50 ha,

total de 112.263 ha. São, portanto, 12.570 pequenos proprietários rurais naquela parte da bacia do rio Paraíba e 8.602 na parte paraibana do rio Piranhas que terão, em maior ou menor extensão de seus 274.829 ha, suas terras desapropriadas, exatamente em sua parte mais valiosa e produtiva, a que fica nas margens dos canais da transposição. Como uma boa parte da área será destinada a empresas, o que se pergunta é se todos esses pequenos proprietários serão reassentados ou se transformarão em novos sem-terras? • não há uma política de abastecimento urbano adequada (disponibilidades 100% garantidas) nem para o abastecimento humano rural; • não há uma política de irrigação condizente com a Lei 9.433/97, que estabelece “a adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país”; • não há um programa de mitigação dos efeitos das estiagens sobre a produção agrícola e, muito menos, uma política de aproveitamento hidroagrícola da estação úmida do semi-árido nordestino, integrando-a no espaço socioeconômico regional em termos de: • zoneamento do espaço produtor, com substituição gradativa de cultivos visando maior produtividade dos solos e agregação da produção; • preços mínimos dos produtos; • condições de armazenamento; • viabilização mercadológica (escoamento, comércio etc.); • finalmente, falta uma visão de desenvolvimento socioeconômico do futuro, nos espaços nordestinos, estaduais e de bacias hidrográficas. JOSÉ DO PATROCÍNIO TOMAZ ALBUQUERQUE Hidrogeólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Campina Grande Campina Grande, PB


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Pesquisa Brasil Somente posso ouvir o programa Pesquisa Brasil, em parceria com a Rádio Eldorado AM, por meio da internet. Gravo o programa no computador e depois converto em MP3 e ouço no meu player. O programa de vocês é excelente, pois me acrescenta muitos conhecimentos. EDGAR OSMAR GRAZEFFE Florianópolis, SC

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As reportagens de Pesquisa FAPESP retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.

gostaríamos de citar como colaboradores da pesquisa os seguintes pesquisadores: Guy Pannetier e Gérald Djéga-Mariadassou, da Universidade de Paris VI, Gilberto Marques da Cruz, da Faculdade de Engenharia Química de Lorena (Faenquil), Gustavo Torres Moure, do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras, Marisa Aparecida Zacharias e Turíbio Gomes Soares Neto, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Combustível na cerâmica

Na reportagem “Espaço para conquistas” (edição 113) que relata as nossas recentes conquistas no setor espacial junto com a empresa Fibraforte, constou um erro científico no trecho “A alumina é... para dar suporte ao catalisador e ao irídio...”. Na verdade, o conjunto alumina-irídio constitui o próprio catalisador. Também

Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis as reportagens em inglês e espanhol.

Acupuntura

Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008

EDUARDO CESAR

Conquista espacial

REGINALDO MUCCILLO Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) São Paulo, SP

Venho na condição de leitor da Pesquisa FAPESP e presidente da Sociedade Brasileira de Fisioterapeutas Acupunturistas (Sobrafisa) com o intuito de auxiliar e considerar alguns pontos importantes na informação em pesquisa fornecida pela revista na reportagem “A química da acupuntura” (edição 113) : 1) A Acupuntura no Brasil não é somente uma especialidade médica. Outros conselhos federais da área da saúde também a reconhecem como especialidade, a exemplo do de fisio-

Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br

Na reportagem “Combustível na cerâmica” (edição 112) faltou constar o nome dos seguintes pesquisadores que também colaboraram no projeto: Daniel Z. de Florio, Fábio C. Fonseca, Eliana N. S. Muccillo, Carlos M. Garcia, Marcos A. C. Berton, Yone V. França e Tatiane C. Porfírio.

SOLANGE SOUSA Instituto Karolinska Estocolmo, Suécia

Assinaturas, renovação e mudança de endereço Ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418 Ou envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br

Nota da Redação: veja nota no final desta seção.

Parabéns a Pesquisa FAPESP pela reportagem sobre a síndrome de Spoan (edição 113). A reportagem se mostra clara e objetiva, atingindo com maestria todas as classes de leitores.

Números atrasados Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Tel. (11) 3038-1438

DEMÉTRIO BASTOS NETTO Laboratório Associado de Combustão e Propulsão do Inpe Cachoeira Paulista, SP

Nova doença

NASA

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Oque a ciência brasileira produz você encontra aqui.

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CARTAS terapia, sendo o primeiro desde de 1980 a reconhecer a acupuntura como especialidade fisioterapêutica; 2) Consideramos importante o crescimento da acupuntura no Brasil por profissionais devidamente qualificados, mas os demais profissionais não-médicos também desenvolvem projetos de pesquisa por todo o Brasil; 3) O projeto “Acupuntura solidária”, desenvolvido em várias cidades e capitais do país, presta assistência em acupuntura a aproximadamente 30 mil pacientes desde 1990, sendo reconhecido em várias localidades com destaque pelo poder público e ainda mantém convênio com prefeituras e organizações não-governamentais; 4) Os alunos, na condição de pesquisadores, realizam trabalhos de cunho científico que são publicados na revista trimestral A Sobrafisa. JEAN LUIS DE SOUZA Presidente da Sobrafisa Brasília, DF

É surpreendente como mesmo uma revista de divulgação científica de uma fonte íntegra, como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), possa publicar matérias pseudocientíficas e superficiais. A reportagem “A química da acupuntura” (edição 113) da revista Pesquisa FAPESP faz afirmativas impressionantes sobre o efeito de agulhas enfiadas na pele, alterando neurotransmissores no cérebro, sem uma mínima evidência empírica. Não deveriam ter sido citados os tais artigos de pesquisas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)? Teriam sido pesquisas realizadas pelos mesmos cientistas que recentemente promoveram uma conferência sobre 8

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criacionismo? Não deveriam mostrar, numa matéria que alega coisas pouco críveis, alguma mínima evidência empírica? Há, ainda, mais na matéria: “... a energia vital Qi circula pelo organismo ao longo de meridianos que terminam em pontos específicos da

EMPRESA QUE APÓIA APESQUISABRASILEIRA

dor não favorece o debate de idéias. Por fim, a leitura feita pelo pesquisador não corresponde ao real conteúdo da matéria publicada.

Correções O porto de Huntington, onde funcionou efetivamente a primeira usina de ondas, fica nos Estados Unidos, e não na Inglaterra, como foi publicado no quadro “Sonho antigo” (edição 113). Na reportagem “Espaço para conquistas” (edição 113) está incorreta a frase “A alumina é extremamente difícil de ser obtida com as propriedades adequadas para dar suporte ao catalisador e ao irídio...”. O correto é: o conjunto alumina-irídio é extremamente difícil de ser obtido para funcionar como um catalisador.

pele. O bom funcionamento do corpo depende do equilíbrio entre as duas forças contrárias e complementares – yin e yang – que compõem Qi. Se esse equilíbrio se desfaz, o corpo adoece”. É um despropósito. Ensinam este tipo de medicina na Unifesp? É, de fato, constrangedor que o dinheiro público (da FAPESP) seja usado para editar uma matéria tão precária em cientificidade.

Na reportagem “Duro de matar” (edição 113) os desenhos de Henfil, tirados do livro Ubaldo, o paranóico, saíram sem a sua assinatura.

RENATO ZAMORA FLORES Instituto de Biociências, UFRGS

Resposta do pesquisador Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello: Os trabalhos referidos no artigo foram objeto de publicação em periódicos internacionais indexados e podem ser facilmente encontrados em diversas bases de dados. A acupuntura é prática médica reconhecida por entidades médicas no país e no exterior. O tom adotado pelo pesquisa-

Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.


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CARTA DO EDITOR

ISSN 1519-8774

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FAPESP

Reflexões longe da turbulência

CARLOS VOGT PRESIDENTE MARCOS MACARI VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, HUGO AGUIRRE ARMELIN, JOSÉ ARANA VARELA, MARCOS MACARI, NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTÍFICO

PESQUISA FAPESP CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO ), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA), CARLOS HAAG( HUMANIDADES), CLAUDIA IZIQUE (POLÍTICA C&T), HEITOR SHIMIZU( VERSÃO ON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA( TECNOLOGIA) EDITORES ESPECIAIS FABRÍCIO MARQUES, MARCOS PIVETTA EDITORES ASSISTENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS DIAGRAMAÇÃO JOSÉ ROBERTO MEDDA, MAYUMI OKUYAMA FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUELBOYAYAN COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, DANILO VOLPATO, EDUARDO GERAQUE (ON-LINE), FRANCISCO BICUDO, LAURABEATRIZ, MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO, RENATA SARAIVA, SÉRGIO L. OLIVEIRA, THIAGO ROMERO (ON-LINE) E YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 – FAX: (11) 3038-1418

e-mail: fapesp@teletarget.com.br APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MÍDIA singular@sing.com.br PUBLICIDADE TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br (PAULA ILIADIS) IMPRESSÃO PLURALEDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.700 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO) TEL: (11) 3865-4949 atendimento@lmx.com.br GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP TEL. (11) 3838-4000 – FAX: (11) 3838-4181

http://www.revistapesquisa.fapesp.br cartas@fapesp.br NÚMEROS ATRASADOS TEL. (11) 3038-1438

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTALOU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

E

m meio a turbulências violentas que a partir das Comissões Parlamentares de Inquérito instaladas em Brasília vêm sacudindo a República nas últimas semanas,pode até soar como provocação a afirmação de que o país não tem nesse momento nenhuma necessidade urgente de uma ampla reforma política – bem ao contrário do julgamento do senso comum. Não se trata,no entanto,de provocação,e sim de conclusão pensada,fruto de pesquisa longamente maturada ao largo e a salvo das imagens reiteradas da mídia que propõem,dia após dia, que uma corrupção sistêmica e invencível invadiu o país e hoje corrói seu corpo e sua alma inteiros.A reiteração midiática,sabemos,costuma ser mais apta para espalhar sentimentos do que para produzir boas reflexões. Infensos a ela,os pesquisadores que se dedicaram a examinar as estruturas e a ambiência políticas nacionais no projeto Instituições políticas,padrões de interação Executivo-Legislativo e capacidade governativa,seguros de que n ão são as instituições que criam os corruptos,avisam que o Brasil precisa de alguma mudança na área política,sim,mas nada radical,sob pena de se cortar canais importantes de acesso da população ao sistema político.Feito isso,os quatro pontos recorrentes na atual discussão sobre reforma política – fidelidade partidária,lista fechada de candidatos para as eleições,cancelamento de registro do partido que não conseguir eleger pelo menos um representante para o Congresso Nacional e financiamento público das campanhas eleitorais – recebem uma análise acurada dos pesquisadores que termina por demonstrar que há algo de ingênuo e de falacioso na ânsia de alguns por tudo reformar para ampliar a eficiência governamental.E é essa análise,extremamente oportuna nos dias que correm,que é relatada entre outros pontos,na reportagem de capa desta edição,pelo editor de humanidades,Carlos Haag,a partir da p ágina 80.

A população brasileira,al ém de calejada em escândalos que só a democracia destampa,tem se tornado mais velha,com o aumento cont ínuo da expectativa de vida no país. Infelizmente isso se faz acompanhar da incidência crescente entre nós de doenças típicas dos idosos,caso das mielodisplasias, sobre as quais os clínicos que atendem usualmente as pessoas mais velhas até aqui sabem muito pouco.Na verdade, mesmo os hematologistas,especialistas em doenças que afetam o sangue, só recentemente começaram a ter informações mais precisas sobre os defeitos genéticos,produzidos autonomamente pelo próprio corpo ou resultante de agressões ambientais,que provocam as mielodisplasias.Dessa forma,a reportagem do editor assistente de ciência,Ricardo Zorzetto,a partir da página 38, é uma contribuição importante de Pesquisa FAPESP para disseminar um pouco mais o que já se sabe sobre mielodisplasias.Afinal, ante uma anemia intrigante num idoso,acompanhada de queda no n úmero de células brancas do sangue e de plaquetas,o cl ínico cada vez mais precisará pensar em mielodisplasias para encaminhar o paciente ao tratamento correto – que nem sempre, é verdade, terá bons resultados. Nos domínios da tecnologia,vale destacar nesta edição a reportagem do editor Marcos de Oliveira sobre um novo instrumento que põe feixes invisíveis de laser para trabalhar como pinças ópticas que capturam células e microorganismos vivos e,aliados a um sistema de espectroscopia,permitem examiná-los em seu funcionamento pleno e normal,analisando prote ínas, lipídios, aminoácidos e outros componentes. É claro que essa novidade tecnológica terá aplicação relevante na medicina,possivelmente no campo alimentar e em outras áreas onde se mostre relevante o exame da célula viva. MARILUCE MOURA – DIRETORA DE REDAÇÃO PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 9 ■


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MEMÓRIA

COLEÇÃO CHRISTINE MILLER

Difícil de domar Desde o século 18 tenta-se gerar energia a partir do mar

N ELDSON M ARCOLIN

A

s tentativas de tirar energia do mar aproveitando o movimento das ondas ou das marés não são mero reflexo da busca incessante por fontes baratas e nãopoluentes, intensificada nos últimos 35 anos. A idéia é secular e está registrada em documentos, desenhos e fotos em vários países do mundo. Dois franceses do século 18 – Phillip Girard e seu filho, cujo primeiro nome se perdeu – depositaram a primeira patente que se tem notícia de um motor movido por ondas. O texto francês é datado de 12 de julho de 1799, mas não se sabe se os dois Girard tentaram colocar em prática o próprio invento. Essa, aliás, é a regra para as patentes de máquinas pensadas para funcionar como usinas marítimas. Entre 1855 e 1973, os ingleses contaram 340 patentes

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AGOSTO DE 2005 PESQUISA FAPESP 114 ■

apenas na Grã-Bretanha sobre o mesmo assunto. Nos Estados Unidos também houve numerosos registros de patentes, boa parte deles ainda no século 19. Lá é possível encontrar coleções de fotos com as diversas experiências de inventores diletantes. A que ilustra esta página é de um motor construído em 1891 por Henry P. Holland instalado em um grande rochedo na praia de San Francisco, Califórnia. As ondas movimentavam uma grande bóia, que ativava uma bomba para fazer passar a água do mar por mecanismos que deveriam gerar eletricidade. Foi provavelmente o primeiro motor construído naquela região com uma proposta comercial, mas não funcionou como o planejado e o projeto foi abandonado nos anos seguintes. A estrutura perdurou encravada na rocha por 59 anos antes de ser definitivamente destruída por uma tempestade. “A primeira usina a realmente funcionar foi instalada


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CHRISTINE MILLER

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Fac-símile da primeira patente, de 1799: trabalho conjunto de pai e filho

no porto de Huntington, também na Califórnia, em 1909”, diz o engenheiro Eliab Ricarte Beserra, do Laboratório de Tecnologia Submarina da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade do Rio de Janeiro (Coope/UFRJ). Esse maquinário terminou também destruído pela força do mar. Depois da atividade intensa no final do século 19 e começo do 20, o problema só foi retomado com força

ENERGY FROM THE WAVES/DAVID ROSS/REPRODUÇÃO EDUARDO CESAR

Motor de Holland instalado em San Francisco (em foto de 1895, na página anterior) e patente de Charles Buckner, de 1873 (ao lado): dificuldade em sair do papel

durante a crise do petróleo dos anos 1970. “Nesse período, o engenheiro britânico Stephen Salter, da Universidade de Edimburgo, Escócia, chamou para a academia a responsabilidade de projetar uma usina de ondas eficaz, duradoura e viável comercialmente.” Graças em boa parte às experiências bem-sucedidas de Salter, por volta de 20 países investem hoje em usinas de ondas, embora apenas Escócia, Portugal e Holanda tenham modelos comerciais em operação. No Brasil, ainda este ano começará a funcionar uma usina piloto no Ceará, a cargo de pesquisadores da UFRJ. PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 11 ■


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ENTREVISTA FROTA PESSOA

Cientista M ARILUCE M OURA

D escanear a partir de cópia fotográfica.

25.500 po em que era estudante na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), no final dos anos 1940, Isaias Raw conviveu com dois tipos de fama: a de empreendedor e a de brigão. Ao unir os dois qualificativos, ele se transformou num extraordinário agitador educacional, com idéias e projetos dirigidos a professores e alunos que iam do ensino médio ao curso superior – no caso, medicina. Até ter seus direitos cassados pelo regime militar, por meio do Ato Institucional nº 5, Raw foi responsável por grande movimentação nesse setor. A nomeação para o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (Ibecc), em 1952, o liberou para organizar pioneiramente feiras, clubes de ciência e museus, a elaborar currículos, treinamento de professores e produção de equipamentos de laboratórios. Raw também criou e liderou a fabricação ratórios. Raw também criou e liderou a fabricação dos famosos kits de química, eletricidade e biologia, caixas repletas de experiências que podiam ser realizadas em casa por estudantes comuns. Ainda nessa primeira fase, entre os anos 1950 e 1969, Isaias Raw manteve um ritmo alucinante de atividades. Fundou a Editora da Universidade de São Paulo e a da Universidade de Brasília, unificou os exames vestibulares de São Paulo (junto com o professor e sanitarista Walter Leser), dirigiu a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (Funbec), criou a Fundação Carlos Chagas e o Curso Experimental de Medicina da FMUSP. Em meio a gestões de programas e fundações, continu-


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bom de briga ou um pesquisador atuante em bioquímica, publicando em revistas especializadas no exterior. Quando de sua cassação, trabalhou em Israel e em universidades norte-americanas. Nos anos 1980 em diante, de volta ao Brasil, Raw instalou-se no Instituto Butantan e ajudou, de modo decisivo, a transformá-lo no maior centro produtor de vacinas do país, com 200 milhões de doses anuais – hoje é o presidente da Fundação Instituto Butantan. Este ano ganhou o Prêmio Conrado Wessel de Ciência e Cultura, edição 2004, na categoria Ciência Geral. Aos 78 anos, casado, com os três filhos divididos entre os Estados Unidos e Israel. e três netos, ele ri quando percebe a quantidade de informação que despejou sobre os entrevistadores: “Sei que é impossível enquadrar, em uma única entrevista, uma vida de 65 anos, contando o laboratório na garagem, de atividades, onde me diverti fazendo ciência”. Como o senhor se interessou por educação científica? — Comecei estimulando a observação em análise experimental, criando uma feira de ciências em São Paulo nos anos 1950. A idéia era ocupar um salão da Galeria Prestes Maia com uma exposição a cada três ou quatro meses. A feira de ciências, naquele tempo, era uma forma de estimular a criançada a fazer e apresentar seus trabalhos. Depois inventei de levar dez estudantes selecionados, do ensino médio, para a reunião da SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] e eles se apresentavam como se fossem pesquisadores que mostram seus resultados. A coisa começou nos anos 1950 também porque existia um organismo chamado Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, o Ibecc. Era a tradução do nome Unesco e representava esse organismo no Brasil.

FOTOS MIGUEL BOYAYAN


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O objetivo era atrair o jovem para a ciência desde cedo? — Se não atraíamos os jovens no equivalente, naquele tempo, ao colégio, para se dirigir a uma carreira científica, já perdíamos o aluno. Tem que começar muito cedo. Colocávamos dez ou 20 jovens escolhidos por nós para fazer experiências – construir aparelhos, por exemplo, com um torno que era da Escola Politécnica num tempo em que não tinha motor, que era com pedal, e iam fazer a experiência. Mas rapidamente ficou claro para mim que 20 pessoas não iam mudar o Brasil. Tínhamos que achar um outro jeito de multiplicar esse processo. E esse processo era o clube de ciência – que foi redescoberto muitos anos depois, no Rio de Janeiro, pelo bioquímico Leopoldo de Meis, da UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]. O problema é que nossos clubes eram muito modestos em termos de número. Achei que, em vez de investir na formação de uma elite, deveria intervir na escola secundária e partir para a massificação usando os kits e minikits de química, eletricidade e biologia. ■

Como surgiram os kits de ciência? — Eu tinha um laboratório no quintal da minha casa. Naquele tempo se comprava ácido na esquina, na loja de ferragens. Tive a idéia de fazer algo mais organizado, que as pessoas pudessem comprar – um pacote de material, com reagentes e o que fosse necessário para trabalhar em casa, que pudesse ser fechado e guardado. Isso já existia comercialmente na Alemanha nos anos 1930. Criei uma mala, na verdade um caixote de madeira com uma alça. Aí surgiram os kits de química, de eletricidade, de biologia e até de matemática. ■

■ O senhor bolou os kits, mas quem financiava a fabricação? — Fazíamos na Faculdade de Medicina, primeiro no 4º andar, depois ocupamos a garagem. Quando o Ulhôa Cintra foi reitor da USP, de 1960 a 1963, ganhamos um galpão na Cidade Universitária e tudo passou a ser industrializado. Chegamos a ter 650 operários. Quando saí do projeto, a Editora Abril topou fazer isso comercialmente. Inicialmente recebíamos doação da Fundação Rockefeller e, logo após, da

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Fundação Ford. Depois fui ao Ministério da Educação e vendi a idéia para o Anísio Teixeira, um educador brilhante. A cada 15 dias eu ia lá, para conversar. O problema era que o Anísio não era cientista, mas filósofo. Tudo o que ele dizia numa semana desdizia 15 dias depois, com a mesma tranqüilidade.

Ele mandou construir o Instituto de Química, que era diretamente ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Depois que eu mudei para lá, com o tempo, mudou a Farmácia, praticamente inteira, e as outras. Houve uma evolução clara da universidade depois dessas mudanças. O senhor sempre quis ser pesquisador? — Eu entrei na faculdade definitivamente interessado em fazer pesquisa, não em ser médico. A Faculdade de Medicina era um dos poucos lugares onde havia tempo integral, laboratórios e permitia fazer pesquisa. Eu tinha um tio que era um médico “de massa”, atendia mil pessoas por mês. Ele tinha alguns livros de química farmacêutica que me interessavam. Meu interesse e vontade de pesquisar surgiram quase por geração espontânea. ■

O que é um defeito grave, diga-se de passagem. — Não é não, porque era uma conversa lógica, encadeada. O Anísio Teixeira foi o primeiro sujeito que concebeu a escola como deveria ser: pública, gratuita e universal. ■

O senhor geria a fábrica de kits e fazia pesquisa ao mesmo tempo? — Ao mesmo tempo. Fazia pesquisa em bioquímica. O foco da pesquisa foi mudando. Antes da genômica o importante era entender metabolismo e enzima. Naquele tempo a grande promessa era que, se se conhecia a diferença entre, digamos, o homem e um parasita, você era capaz então de identificar uma droga que ia inibir a enzima do parasita, que difere da do homem, e curava a doença. Foi naquele momento que se começou a fazer bioquímica. Comecei com o Tripanossoma cruzi quando era aluno, nos anos 1940. Vi que aquela área do conhecimento estava vazia e comecei a trabalhar nisso. ■

Como o senhor foi parar no Instituto de Química? — Havia a necessidade de criar massa crítica, com gente de todas as áreas conversando e trocando experiências. A Faculdade de Medicina era muito fechada e não deixava contratar profissionais não-médicos. Aí veio a idéia, ainda no tempo do Ulhôa Cintra, de pegarmos o Departamento de Bioquímica, que eu chefiava, pôr no caminhão e levar para o Instituto de Química, cujo prédio nem estava completamente construído. A Faculdade de Medicina reagiu extremamente mal a isso. Mas foi essa ação que levou a criação, na prática, da USP. Até então a universidade era apenas um condomínio. Mesmo já implantada, a Cidade Universitária era um condomínio, as faculdades eram isoladas e ninguém falava com ninguém. O Cintra me deu cobertura naquela ocasião. ■

■ Mas foi a partir dessas leituras que o seu entusiasmo cresceu, não foi? — É. De alguns livros, um em especial sobre o Louis Pasteur, que ficou obsoleto, obviamente, ninguém tinha descoberto uma porção de coisas na época. Mas era um livro muito bom, contava as histórias do Pasteur, que foi outro sujeito que surgiu assim, quase por acaso, também. Toda a ciência do século 19 surgiu desse jeito, alguém que se interessou por alguma coisa e foi fazer. O Pasteur inventou um modelo, que acho que é o modelo que tentei ressuscitar no Butantan. O Pasteur dizia “vou fazer pesquisa, fazer desenvolvimento, produzir o produto, ganhar dinheiro e financiar minha pesquisa”.

Seus caminhos como pesquisador não são nada convencionais. — Vou dizer uma coisa: me diverti muito na minha vida. Eu assisti a poucas aulas na Faculdade de Medicina, sabe por quê? Porque eram sempre as mesmas aulas. Nada mudava. E você, em metade do tempo, lê um livro sério e aprende mais do que ouvindo um professor às vezes não muito competente. Meu grande problema era saber que matéria tinha sido dada, para poder estudar para o exame. Olhando os cadernos dos meus colegas da primeira fila, que enchiam páginas e páginas, descobri que não chegava à conclusão sobre qual era o tema da aula. Quer di■


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zer, esse sujeito, por mais que ele estudasse aquele maldito caderno, não podia ter uma nota adequada porque não tinha a visão do que foi ensinado.

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■ Em 1964 o senhor foi preso acusado de subversão. Como foi esse episódio? — Fui preso como um sujeito altamente periculoso. Vinte e cinco soldados vieram me prender às 11 horas da noite, quando estava entrando em casa. Foi um momento terrível porque, naquela época, minha sogra estava morrendo e meus três filhos eram pequenos. E há algo muito sério: como é que você explica para os seus filhos pequenos que a polícia está errada e você certo? Não existe isso. Não tem explicação.

O que alegaram para o senhor? — Que eu era um violento e subversivo comunista. Fiquei 13 dias preso e fui libertado por dois motivos. O primeiro deles é que eu iria para um congresso de bioquímica em Nova York e uns 12 professores, incluindo sete ganhadores de Prêmio Nobel, escreveram um telegrama de protesto para o presidente da República, o marechal Castello Branco, e isso foi notícia na Folha de S.Paulo. Então criou-se um caso. O segundo motivo é que o então diretor de ensino de ciências da Unesco, Albert Baez, estava no Brasil e tinha uma hora marcada para conversar comigo sobre ensino de ciências. Como estava preso, ele foi ao quartel. Esses dois fatos ajudaram a me libertar. Na verdade, minha prisão ocorreu porque o Exército era ignorante, malinformado e foi enrolado. Na USP tinha professores importantes que formaram uma comissão de extrema direita e envolveram o Exército. Eu era candidato imbatível para professor catedrático da Faculdade de Medicina e essa comissão envolveu meu nome em atividades subversivas para me tirar do páreo. ■

■ O senhor participava de organizações de esquerda? — Não. Uma vez a antiga TV Record noticiou que eu era chefe de uma célula comunista que se reunia em Washington. O que houve é que o programa de ensino de ciência do qual eu estava à frente foi assimilado pela Unesco, que tinha interesse muito grande pelo tema. Durante algum tempo houve uma série de reuniões internacionais financiadas

pela Opas [Organização Pan-americana de Saúde] para rever o ensino de física, de química, de biologia, assim por diante, algumas delas em Washington, no fim dos anos 1950. E eu era o denominador comum, porque a Funbec [Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências], que eu dirigia, trabalhava em todas essas áreas. Como foi sua cassação? — Em 1969 já foi diferente. Quando me soltaram, em 1964, minha vida continuou normalmente. Fiz o concurso para catedrático, embora tentassem me impedir, assumi meu posto e continuei trabalhando. Em 1969 fui aposentado pelo o AI-5 [Ato Institucional nº 5]. Mas entre 1964 e 1969 surgiu uma porção de coisas. O Ibecc tinha virado Funbec, uma fundação muito importante, não só para o ensino de ciência – era a primeira indústria de eletrônica médica. No Brasil ninguém tinha equipamento médico. Só se tirava eletrocardiograma quando o médico tinha relho de eletrocardiograma. Monitor, desfibrilador, não tinha nada disso. Eu também estava profundamente envolvido com o vestibular unificado, que era feito pela Fundação Carlos Chagas.

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Uma vez cassado o senhor fez o quê? — Fui embora do Brasil. Primeiro, para a Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel. Eles estavam atrás de mim havia muito tempo por causa do ensino em ciências. Mas não funcionou. Independentemente do problema de língua, que não é fácil, é muito difícil interferir na educação de um outro país, se você é estrangeiro. Não tem jeito. ■

■ Isso foi na época que o senhor era presidente da Fundação Carlos Chagas? — É. Havia todo um complexo relacionado à educação e ao ensino de ciências que funcionava harmonicamente. No fundo, isso representava poder. Em 1969 eu tinha a soma desse poder todo e não era submisso. Era um peão que tinha que ser removido do caminho.

E para onde o senhor foi? — Entrei no MIT [Massachusetts Institute of Technology] primeiro, nos Estados Unidos. A vida lá foi conturbada porque caí de pára-quedas e sem minha equipe de pesquisa. Pesquisa não é uma atividade individual, mas de um grupo que trabalha harmonicamente. Pensei, vou fazer aquilo que sei, que é trabalhar com ensino em ciências. Era um negócio que nós tínhamos começado no Brasil, onde éramos pioneiros. Nos Estados Unidos se dizia o seguinte: o ensino de ciências é muito sério para se deixar nas mãos de um professor. É a comunidade científica que tem de dizer para onde vai a ciência. No MIT tinha algo parecido com a Funbec e começamos um projeto, que chegou a ter um impacto muito grande e era o reverso do que eu fazia no Brasil: como é que você ia ensinar ciência para quem não quer aprender ciência? Então nós inventamos um projeto. Como o americano é louco para saber o que come, decidimos que cada estudante juntaria tudo o que comia num dia dentro de um único saco: Coca-cola, hambúguer, tudo. E depois passamos meio ano analisando com método o que ele tinha comido ■

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naquele dia. Esse programa teve grande impacto e me deu a capa do Chemical News, o que naquela época era um brutal prestígio. Esse trabalho acabou saindo em livro em 1972. ■ Quanto tempo o senhor ficou no MIT? — Quatro anos. Quando o programa morreu, fui convidado para ir para a Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, no Departamento de Nutrição. Lá fiz um outro negócio que foi muito importante na época e hoje voltou a ter importância. Recentemente foi feita uma análise das escolas de medicina, das inovações do ensino médico e quem ganhou primeiro lugar? Londrina. O que Londrina fez? De certa forma repetiu o Curso Experimental de Medicina que fiz em 1969 na Cidade Universitária. Naquela época havia duas idéias em jogo: trazer o curso de medicina para a Cidade Universitária e inovar. Não era para repetir a mesma coisa. Então nós conseguimos aprovar na congregação da faculdade o curso experimental, que preparava os alunos para o estudo de uma medicina científica. ■ Qual era o conceito do Curso de Medicina Experimental? — Acabar com a separação das disciplinas e tentar integrar ciência básica, clínica e medicina social desde o primeiro dia do curso. As matérias do curso médico são totalmente artificiais, porque cresceram além dos limites delas. Também tinha um segundo porém: naquele tempo, 40% do curso médico era de anatomia descritiva, do mesmo jeito que se ensinava no século 18. Hoje isso mudou, naturalmente. Nossa idéia era misturar a medicina logo no primeiro ano com as outras coisas de ciência básica. Nós, os professores que davam o curso, nos reuníamos uma vez por semana para decidir o que ensinar. “Hoje eu tenho que ensinar citologia do fígado, você fala sobre mitocôndria...” Funcionou tão bem que, no primeiro ano, escolheram Experimental. Mas, assim que eu saí, durou mais um ano e a faculdade acabou com o curso.

Depois das experiências bem-sucedidas nos Estados Unidos, por que voltou para o Brasil? — Porque o sistema americano de pesquisa foi pervertido. Deixou de ter uma

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estrutura mais ou menos permanente para ter uns tantos líderes geniais que fazem pesquisa e um exército de escravos, que trabalham sete dias por semana, 18 horas por dia. Quando acaba a bolsa, se o pesquisador quiser ter família, horários menos ruins, um ordenado mais decente, tem de ir embora. O pesquisador é temporário. Fazer propriamente a pesquisa não é mais uma atividade permanente de ninguém, a não ser de 1% que está no topo. O resto é um exército de escravos. Isso ocorre por causa da máquina poderosa que eles têm montada lá, da quantidade de dinheiro existente. Agora, ninguém interfere na pesquisa, a liberdade é total. O problema é que há uma estrutura em que se tem de trabalhar muito, ser muito bom e correr à beça para ficar no mesmo lugar. E é impessoal, totalmente impessoal. ■ Na volta para o Brasil o senhor fez o que da vida? — Tentei voltar para a Funbec, mas também lá o processo havia se pervertido, num outro sentido. Eles estavam sem uma boa administração e haviam perdido a inovação. Depois de uns dois anos surgiu a oportunidade de ir para o Instituto Butantan e começar do zero. Na época, começo dos anos 1980, não havia permeabilidade entre o Butantan e a USP e o instituto não tinha pesquisa nem aluno. Nesse momento, o Willi Beçak era o diretor da instituição e pediu a contratação de dez professores da universidade. Eu já estava aposentado e não havia voltado para o Instituto de Química por dois motivos. O primeiro era que a condição da Anistia, dos militares, era de perdoar, não de reintegrar. Tinha de assinar um documento dizendo que você aceitou o perdão e eu não aceitei o perdão de ninguém. O segundo e o Ricardo Brentani, diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa contra o Câncer e diretor presidente da FAPESP. ■ O Butantan começou a ser recomposto com esses dez professores? — Sim. Entrei em uma área diferente dos outros, porque eu já tinha conseguido que a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] me desse um pouquinho de dinheiro para fazer biotecnologia na Funbec. Só que lá não havia mais condições. Quando vim para cá a coisa mudou. O mundo desabou em 1985 quando o

pouco soro antiofídico que o Butantan fazia foi testado em um laboratório central de controle de qualidade, no Rio de Janeiro, e descobriu-se que era inativo. Então, o Brasil não tinha soro. A essa altura, eu já estava tentando resolver o problema dentro do Butantan. Isso começou a abrir os caminhos e fui reconstruindo instalações e comprando máquinas com a ajuda do governo federal. Da FAPESP nós conseguimos muita ajuda com auxílios pontuais, individuais, para os pesquisadores. ■ Mas como o instituto se tornou um grande centro de produção de vacinas? — O orçamento para fazer vacinas imunobiológicas no Butantan era zero. O governo do estado não financia conscientemente a produção de vacina. Se antes era zero e agora produzimos 200 milhões de doses de vacina, de onde veio esse dinheiro? Tivemos que criar uma estrutura onde esse dinheiro se retroalimentasse. Essa era uma parte do problema. A outra era desenvolver tecnologia. O pesquisador da universidade imagina que desenvolve tecnologia. Na verdade, ele desenvolve uma idéia de bancada. O pesquisador está sempre sonhando com uma coisa que mesmo no Primeiro Mundo leva muitos anos. Na área de medicamento e vacina leva dez anos depois de o produto estar estabelecido para se chegar no mercado. Outro conceito fundamental é que, se você não faz o produto aparecer, não se realizou nada. Quer dizer, a medida de tecnologia não é o trabalho publicado, muito menos a discussão interna. Se não tem um produto, você pouco fez do ponto de vista industrial. E, se em uma instituição pública esse produto não é da sociedade como um todo, você não fez saúde pública. Para fazer saúde pública tem que ter um custo que o país comporte. Há um outro problema: no Brasil, aceitou-se a idéia americana de que se o cientista tem uma participação nos lucros ele tem mais interesse em criar tecnologia.

Isso não é verdade? Pode até ser. O negócio é que, se for assim, ninguém vai fazer nada que não tenha perspectiva de lucro. Você mata a pesquisa. Não dá para imaginar que a solução de todos os problemas passa pela empresa lucrativa. Acredito que o ■


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Brasil está, na área de motivo era que eu tinha deixado cinco ótimos professores lá que não precisavam mais de mim – eles eram melhores do que eu. Os mais conhecidos são o Walter Colli, hoje também assessor adjunto da diretoria científica da FAPESP, saúde, na contramão dessas idéias. Por quê? — Houve uma evolução considerável da tecnologia, do controle da qualidade, para fazer um produto como vacina. Quando descobriram que não tinha soro bom aqui e não dava para importar porque não era produzido usando veneno extraído das cobras brasileiras criou-se um programa de auto-suficiência de vacinas. Esse programa derivou para um monopólio estatal. Quando a instituição pública faz a vacina, o governo compra sem questionamento, não entra em licitação. Claro que ele paga o preço mais baixo possível e atrasado, ainda por cima. Freqüentemente tenho de comprar matéria-prima previamente, antes da encomenda do governo para dar tempo de produzir a vacina. No momento, estou devendo US$ 30 milhões usados para fabricar a vacina da gripe. ■

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ginado pelo menos um ano antes, se não dois anos antes, então, se vem dinheiro, é como se o governo dissesse: “Não tenho nada previsto no meu orçamento, portanto não aceito o dinheiro”. É completamente esquizofrênico. Então, a Fundação Instituto Butantan, criada em 1985, resolveu esse problema. A fundação opera como uma empresa privada, mas de modo muito mais flexível. Apesar de andar na contramão, esse parece ser o caminho certo... — É o que acho. Dentro do modelo econômico atual nós estamos na contramão. Qual o país que dá remédio para Aids gratuitamente? O Brasil criou uma estrutura que permite fabricar o produto que precisa para a saúde pública a um preço que pode pagar. Aqui na Fundação Instituto Butantan eu cuido mais do preço do que o Ministério da Saúde. Nós estamos testando uma forma de usar um quinto da dose da vacina da gripe para o ano que vem, o que permitirá, com o mesmo dinheiro, baixar a vacinação para 50 anos para cima. Hoje vacinamos de 60 para cima. ■

Isso vale para todas as vacinas? — Não. As outras nós também fazemos, mas sempre tem que ter dinheiro. Criamos uma estrutura que é pública, mas não pode ser pública, porque se for pública, stricto sensu, quando o dinheiro volta, volta para o Tesouro e desaparece. O governo pensa – por causa da regulamentação e não por causa de vacina em especial – que, se ele está financiando o instituto, se houver lucro, é natural que vá para o Tesouro. O drama é que aí o dinheiro desaparece, não é reinvestido no instituto.

Também desenvolvemos, com a ajuda da FAPESP, o surfactante para proteger crianças prematuras. O governo vai distribuir para todas as maternidades públicas de graça. Isso porque conseguimos tecnologia para fabricar a um preço muito baixo. O Brasil é o único país da América Latina que produz vacina publicamente. ■ A inovação torna-se, então, essencial dentro desse processo? — Sem dúvida. E para ter inovação é preciso ter pesquisador que faz pesquisa básica. A convivência entre pesquisa básica e pesquisa aplicada é fundamental. A indústria faz de conta que inventa tudo. Ora, quem inventa é o governo americano, o governo inglês, o francês e assim por diante. O grande financiamento para desenvolvimento de medicamento é público, não privado. E para se receber dinheiro público é preciso uma estrutura que funcione para fazer a pesquisa, que a indústria privada não tem. O mundo não vai ser mais social ou socialista, mas precisa ser socialmente responsável de algum jeito. A relevância social foi trocada pela filantropia – uma concepção americana do tipo “eu fiquei rico, fiz uma estrada de ferro, vou fazer um museu também”.

Precisamos de um novo modelo? — Eu acho que sim. Não diria que o modelo do velho Pasteur seja um bom modelo, mas funciona. Tenho 25 doutores aqui na fundação e eles têm o direito de fazer a pesquisa que querem, desde que façam, em uma parte do tempo, o que foi definido como prioridade. Ele acaba descobrindo que faz tão boa pesquisa trabrelevância social foi trocada pela filanalhando nas prioridades do Butantan como nas idéias dele.

Como defensor dos alimentos geneticamente modificados, o que o senhor pensou quando viu a notícia, em maio, sobre estudo da Monsanto relativo a anormalidades nos rins e no sangue de ratos alimentados com milho transgênico? Ora, quem inventa é o governo americano, o governo inglês, o francês e assim por diante. O grande finandesenvolvimento de medicamento é público, não privado. E para se receber dinheiro público é preciso uma estrutura que funcione para fazer a pesquisa • ■

O dinheiro nunca fica no Butantan? — Não, não. O instituto pode ter esse dinheiro, mas desde que o governo não o enxergue. Se enxergar o dinheiro, no dia seguinte ele é recolhido ao Tesouro. É uma questão de legislação. Até os primeiros auxílios grandes que o Ministério da Saúde nos deu desapareceram no Tesouro. A Secretaria Estadual da Saúde e o Butantan nunca receberam nada. Precisa ser muito burro para inventar uma lei desse tipo. O orçamento é ima■

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I POLÍTICA CIENTIFICA E TECNOLÓGICA

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A China volta ao espaço

Liwei: em treinamento

A China deve colocar dois astronautas em órbita entre setembro e outubro, numa nova etapa do programa espacial que busca levar o homem à Lua. A dupla será escolhida num grupo de seis astronautas em treinamento. Huang Chunping, artífice do primeiro vôo tripulado da China em 2003, disse que os astronautas estão treinando em pares. A dupla com melhor desempenho será esco-

O rio Bramaputra, entre a índia e Bangladesh, em maio de 2004.

lhida para viajar na nave Shenzhou VI. Chunping anunciou que a China vai acelerar seu programa espacial e pretende construir sua própria estação orbital em 2010. "Até lá a idéia é lançar um vôo tripulado a cada ano", disse Chunping. Em outubro de 2003 a China mandou seu primeiro homem ao espaço. Yang Liwei, hoje com 40 anos, deu 14 voltas ao redor da Terra a bordo da nave Shenzhou V. Segundo Huang Chunping, Liwei é um dos seis astronautas em treinamento. A China é o terceiro país, depois da Rússia e dos Estados Unidos, a enviar com sucesso um astronauta ao espaço. O programa chinês é fruto de um esforço de pesquisa de uma década, que mandou ao espaço quatro cápsulas não tripuladas. Com finalidades comerciais e militares, também lançou 70 satélites. (Chinanews. com, 5 de julho) •

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Previsões censuradas O Departamento de Ciência e Tecnologia da índia decidiu que apenas uma de suas agências, o Departamento Meteorológico, tem autoridade para divulgar previsões anuais sobre as monções, estação de chuvas torrenciais que vai de junho a setembro. O alvo da decisão é o Centre for Mathematical Modelling and Comde Pesquisa Científica e Industrial, que foi proibido de divulgar as previsões que realiza a cada ano. O motivo da discórdia é a divergência entre os prognósticos do CMMACS e os oficiais, o que estaria causando "confusão" na opinião pública, segundo o governo. As discrepâncias são naturais, uma vez que os dois órgãos valem-se de metodologias diferentes. A CCMACS utiliza redes neurais, em oposição à abordagem estatística do Departamento Meteorológico. Tais descompassos, comuns em previsões climáticas, costumam ajudar pesquisadores a aperfeiçoar os modelos e alcançar prognósticos mais fidedignos. "A índia resolveu a divergência calando uma das instituições de pesquisa", diz R. Ramachandran, editor de ciência da revista Fronlíine. Curiosamente, as previsões do Departamento Meteorológico têm alto índice de erro, em torno de 65%. Se o os resultados para si. (The Hindu, 5 de julho)


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... e dois meses depois, na enchente causada pelas chuvas das monções

■ Veredas livres para os elefantes Uma população de 130 mil elefantes africanos vai recuperar um antigo corredor migratório que corta países como Angola, Zâmbia e Botsuana. Duas entidades norte-americanas, a Roots of Peace (RoP) e a Conservation International, patrocinam a retirada de minas terrestres numa região de 1.500 quilômetros quadrados no sudeste de Angola. As minas foram instaladas durante a guerra civil angolana e criaram uma

barreira mortal para a população. Ao mesmo tempo, os elefantes que habitam o norte de Botsuana foram impedidos de voltar a tradicionais áreas de caça em Angola e Zâmbia. A RoP vai contratar empresas especializadas em retirada de minas, com financiamento do Departamento de Estado norte-americano. O Conservation International vai criar programas de exploração sustentável, para garantir renda aos angolanos e um ambiente saudável para os elefantes. (Eurekalert, 5 de julho) •

■ O homem que contava o carbono O cientista norte-americano Charles Keeling, que morreu de enfarte aos 77 anos no dia 22 de junho, dedicou a carreira a fazer medições da quantidade de gás carbônico na atmosfera. Na década de 1950 postou-se numa montanha no Havaí, o pico do Mauna Loa, com um aparelho que media continuamente a quantidade de CO2. Descobriu que a concentração aumentava no inverno e diminuía no verão, como resultado da fotossín-

tese. Dez anos mais tarde, após realizar medições contínuas, observou que o pico de quantidade de carbono aumentava a cada ano, na primeira evidência de que a queima de combustíveis fósseis inpulsionava o fenômeno. Professor do Centro de Pesquisas de Oceanografia Scripps, vinculado à Universidade da Califórnia, San Diego, Keeling deflagrou a preocupação com o aquecimento global, que daria lastro à assinatura do Protocolo de Kyoto. Entre 1958, quando ele iniciou suas pesquisas, e hoje, a quantidade de CO2 aumentou 17%. Embora os Estados Unidos, seu país natal, reneguem os esforços internacionais para reduzir as emissões de gás carbônico, Keeling aceitou receber do presidente George W. Bush, em 2002, a Medalha Nacional das Ciências, maior condecoração dada a um cientista no país. •

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ESTRATéGIAS

MUNDO

Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

O sonho da fusão nuclear

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www.agencia.cnptia.embrapa.br A Agência de Informação Embrapa é um sistema de dados científicos sobre temas de interesse do agricultor, como o cultivo de feijão e a produção leiteira.

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O projeto do reator, que será construído na França

Os países participantes do projeto Iter (sigla em inglês para Reator Experimental Termonuclear Internacional) superaram um impasse que durou um ano e meio e escolheram o lugar onde será erguido o primeiro reator de fusão nuclear, tecnologia que encarna a promessa de produzir energia limpa e em quantidade infinita. Cadarache, no sul da França, venceu a cidade japonesa Rokkasho na disputa para abrigar a planta, que ficará pronta em dez anos. Enquanto a fissão nuclear é controlada há décadas, a fusão é uma técnica ainda em desenvolvimento. Por meio dela busca-se fundir núcleos de hidrogênio, produzindo um átomo de hélio e uma enorme quantidade de energia. Para obter tais reações, é necessário alcançar temperaturas supe-

riores a 100 milhões de graus Celsius, muito mais quente que o núcleo do Sol. Os desafios tecnológicos para controlar a reação são gigantescos. Mas os benefícios, caso o projeto dê certo, são extremamente atraentes. O Iter é o mais caro programa de cooperação depois da Estação Espacial Internacional. Dispõe de um orçamento de 10 bilhões de euros. Quarenta por cento serão bancados pela União Européia e 10% caberão à França. Cada um dos outros membros (Estados Unidos, Rússia, Japão, Coréia do Sul e China) deve contribuir com 10% dos custos. Para abrir mão da candidatura, o Japão recebeu benefícios. Terá direito a 20% dos contratos de construção e a 20% dos mil postos de trabalho em Cadarache. (BBC News, 28 de junho) •

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www.ucar.edu/imagelibrary Centenas de imagens sobre clima, desastres naturais, poluição e assuntos afins estão disponíveis no site da University Corporation for Atmospheric Research.


ESTRATéGIAS

BRASIL

FAPESP é premiada A revista Pesquisa FAPESP mais uma vez teve destaque no Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica concedido pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica, uma parceria entre as organizações não-governamentais Conservação Internacional e a Fundação SOS Mata Atlântica. O editor especial Marcos Pivetta recebeu menção honrosa com a reportagem "Encruzilhada genética", capa da edição de fevereiro deste ano (ao lado). O vencedor na categoria Impresso foi Reinaldo José Lopes, com a matéria "Diversidade aos pedaços", publicada na Sàentific American Brasil. Em segundo lugar ficou Luiz Antônio Figueiredo com "Jóias de um reino (quase) oculto", publicada em Terra da Gente. Maristela Machado Crispim ficou em terceiro lugar com "Mata Atlântica", que saiu

■ Sol, calor e ciência A 57a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Fortaleza, contou com a participação de 6.894 pessoas em 54 conferências, 72 minicursos, 94 simpósios e 14 encontros científicos. A SBPC avalizou o nome de Sérgio Rezende para a pasta de Ciência e Tecnologia. "Ele fez um trabalho muito importante

no Diário do Nordeste. Na categoria Televisão, o primeiro lugar ficou com José Raimundo Oliveira e equipe, pela reportagem "Mata Atlântica, soluções e projetos - Corredores ecológicos", do Jornal Nacional, exibida na TV Bahia e Rede Globo. Ernesto Paglia e equipe ficaram em segundo lugar e Sandro Dalpícolo e equipe em terceiro ambos também da TV Globo. Os vencedores em cada categoria participarão da Cúpula Internacional de Mídia e Meio Ambiente, entre 30 de novembro e 2 de dezembro, em Kuching, na ilha de Bornéu, na Malásia. A FAPESP também se destacou na internet: seu portal (www.fapesp.br) venceu a etapa brasileira do World Summit Award (WSA) na

categoria e-Science. No Brasil, o WSA é organizado pela Associação Mídia Interativa e a Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. A etapa mundial ocorrerá entre os dias 16 e 18 de novembro em Túnis, na Tunísia. O prêmio é uma iniciativa da Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, realizada pela Organização das Nações Unidas e pela União Interna-

DO SERTÃO OLHANDO O MAR CULTURA & CIÊNCIA

Reunião de Fortaleza, no Ceará, reuniu 6.894 pessoas em 54 conferências, 72 minicursos, 94 simpósios e 14 encontros científicos.

57J REUNIÃO ANUAL DA SBPC 17 a 22 de Julho de 2005

cional de Telecomunicações. Na etapa classificatória brasileira, a Camara-e.net recebeu a inscrição de mais de 400 sites e projetos digitais nas categorias e-Learning, e-Culture, e-Science, e-Government, e-Health, e-Business e e-Inclusion. O portal da FAPESP reúne diversos serviços e sites: o da revista Pesquisa FAPESP (www.revistapesquisa.fapesp.br), com o conteúdo completo de suas edições; a Agência FAPESP (www.agencia. fapesp.br), um boletim diário enviado a 46 mil pesquisadores; a biblioteca virtual BV-CDi (www.bv.fapesp.br), que reúne variadas fontes de informações sobre ciência, tecnologia e inovação; e o FAPESRIndica (www. fapesp.br/indicadores), serviço que disponibiliza um conjunto de informações sobre a produção e a análise de indicadores de ciência, tecnologia e inovação. •

à frente da Finep", disse Ennio Candotti, presidente da SBPC, reempossado na reunião em Fortaleza. A chapa eleita para o próximo biênio conta ainda, nas duas vice-presidências, com Dora Fix Ventura, da Universidade de São Paulo, e Celso Pinto de Melo, da Universidade Federal de Pernambuco. "Uma de nossas missões é trabalhar para que os doutores consigam ser fixados em suas próprias áreas de atuação", disse Melo. • PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 ■ 21


0 impacto do asfalto Numa parceria com o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai lançar um edital que destinará R$ 2,5 milhões para pesquisas em saúde na área da BR-163, rodovia que liga Cuiabá, em Mato Grosso, a Santarém, no Pará. A estrada foi aberta há três décadas e mobilizou milhares de brasileiros para o plano do governo militar de ocupar a Amazônia. Em 2007, segundo os planos do governo federal, a Cuiabá-Santarém deverá ser asfaltada, dentro do programa de parcerias público-privadas. A obra terá grande impacto econômico, pois irá facilitar o escoamento da soja na fronteira agrícola do Mato Grosso. Certamente também terá um impacto ambiental ao atrair mais pessoas para a região. Projeções feitas por ecologistas sugerem que,

■ Recursos para o café O governo federal liberou R$ 5,2 milhões - bloqueados desde o início do ano - para dar continuidade aos trabalhos de pesquisa e desenvolvimento do café brasileiro. Os recursos - provenientes do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé) - foram repassados para o Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café (CBP&D/Café), coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Segundo o gerentegeral da Embrapa Café, Gabriel Bartholo, os recursos permitirão o desenvolvimento

de 28 projetos de pesquisa nas áreas de produção sustentável do café e transferência de tecnologia e comunicação integrada, entre outros. Outro projeto de grande importância e que não pode parar, segundo Bartholo, é o do Genoma Café, cujos resultados já colocaram o Brasil na liderança das pesquisas sobre as características genéticas da planta. Cientistas brasileiros, trabalhando desde fevereiro de 2002 no projeto, concluíram recentemente o primeiro seqüenciamento mundial do genoma do cafeeiro, construindo um banco de dados com 200 mil seqüências de DNA. Isso permitiu a identificação de mais de 30 mil genes res-

22 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

num espaço de duas décadas, poderá provocar um desmatamento de 30% a 40% da Amazônia. O edital do CNPq vai financiar pesquisas que reduzam os prejuízos à saúde da população local causados pela obra. Serão apoiados projetos em várias linhas, como avaliação das políticas, programas e serviços; endemias; saúde e ambiente; prejuízos associados a traumas e violências; segurança alimentar; e saneamento ambiental. A seleção dos projetos será feita em duas etapas. A primeira prevê a avaliação de um plano de trabalho preliminar, que deverá ser apresentado pelos candidatos até 26 de agosto. Num segundo momento serão avaliadas as versões completas dos projetos selecionados. A contratação deles está programada para acontecer na primeira quinzena de dezembro. •

ponsáveis pelos diversos mecanismos de crescimento e desenvolvimento da planta. Com esse resultado, os pesquisadores brasileiros estão, no momento, trabalhando na decodificação do genoma do cafeeiro. •

■ Relações de gênero O governo federal lança neste mês um pacote de incentivos à produção de pesquisas sobre a desigualdade entre homens e mulheres. A principal iniciativa será um edital de seleção de projetos de pesquisa sobre relações de gênero, no valor de R$ 1,2 milhão, sob a responsabilidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Também será lançado um concurso de redações e monografias, aberto Genoma do Café: o Brasil na liderança


Mais espaço para a flora

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0 herbário mais tradicional da Amazônia modernizouse e conquistou mais espaço. Com 600 metros quadrados de área, foi inaugurado em julho o novo prédio do Herbário João Murça Pires, do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA). Criada em 1895 com o nome Herbarium Amazonicum Musei Paraensis pelo botânico suíço Jacques Huber, a instituição agora está equipada para armazenar 300 mil amostras botânicas. Celeiro de amostras da flora

a estudantes de ensino médio ou superior. As redações dos estudantes secundaristas deverão abordar temas como feminismo, homofobia e paternidade. Já as monografias dos universitários devem tratar de assuntos como direitos sexuais e reprodutivos, masculinidade e arranjos familiares. A terceira iniciativa é a realização de um Encontro Nacional de Núcleos e Grupos de Pesquisa sobre a desigualdade de gênero. Previsto para o final de setembro, irá mapear o campo de pesquisas sobre gênero e ciências no Brasil e propor ações que contribuam para a promoção das mulheres no campo das ciências e na carreira acadê-

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mica. O pacote é uma iniciativa do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República. •

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■ Produção científica cresce 15% A produção científica brasileira cresceu 15% em 2004, o país passou a responder por

nativa da Amazônia, seu acervo foi recolhido principalmente nos estados e países vizinhos, como Peru, Colômbia, Venezuela, Equador, Guianas, e América Central. As primeiras coleções foram adquiridas por Huber na Europa. Hoje acumula coleções de plantas superiores - angiospermas dicotiledôneas e monocotiledôneas e gimnospermas - e pteridófitas (samambaias), com cerca de 174 mil exemplares, além de 6 mil amostras de briófitas (musSos e hepáticas), 3.778 de fungos e líquens e uma carpoteca com 7.500 frutos preservados para fins científicos. •

1,7% da produção mundial de artigos publicados em revistas indexadas e assumiu a 17a posição entre os países com atividade científica mais intensa, de acordo com o Institute for Scientific Information. Os dados foram divulgados pelo presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), Jorge de Almeida Guimarães, durante a 57a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Apesar de ter se colocado em situação de vantagem em relação a países europeus como Bélgica e Áustria, o Brasil foi ultrapassado pela China e Coréia do Sul. •

PESQUISA FAPESP 114 ■ AGOSTO DE 2005 • 23


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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA INDICADORES

Acidente de percurso Retração da economia limitou avanço da inovação no país, constata pesquisa do IBGE C LAUDIA I ZIQUE

A

inovação tecnológica pouco avançou no país entre 2000 e 2003, embora tenha crescido o número de empresas que realizam pesquisa e desenvolvimento (P&D) de forma contínua. Nesse período, o número de indústrias que investiram no desenvolvimento de novos produtos e processos cresceu, respectivamente, de 31,5% para 33,3% entre as empresas consultadas na primeira e segunda edição da Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (Pintec), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além de registrar uma taxa de inovação baixa, a Pintec 2003 – divulgada no final de junho – credita esse incremento exclusivamente às pequenas empresas, com 10 a 49 pessoas ocupadas, que, no intervalo desses três anos, desenvolveram inovações “de caráter imitativo”, de menores custos e


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BRAZ

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riscos. Nas demais, constatou-se, houve queda nos gastos com a inovação. “A retração econômica de 2003 prejudicou muito a capacidade inovadora das empresas no Brasil”, analisa Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. A primeira edição da Pintec, em 2000, mapeou a inovação num cenário de ampliação de 4,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e de expansão de 4,8% no setor industrial. Os dados da segunda edição da Pintec foram coletados três anos depois, quando a economia refletia os resultados de políticas fiscais e monetárias restritivas, crescimento de 0,5% do PIB e de 0,1% da indústria. Apenas as exportações tiveram performance favorável, impulsionadas pelo câmbio depreciado e pela queda da demanda doméstica. “Foram anos difíceis”, observa André Tosi Furtado, professor do Depar-

tamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Quase a metade das 28 mil empresas inovadoras identificadas pela Pintec afirmou ter tido dificuldades para viabilizar o desenvolvimento de projetos. Em 2000 esse porcentual era maior, de 54,7%. Mas entre 2000 e 2003 os principais obstáculos à inovação seguem os mesmos: elevados custos, riscos econômicos excessivos, escassez de financiamento, falta de pessoal qualificado e de informação sobre tecnologia. A diferença entre as duas pesquisas é que, em 2000, a dificuldade para se adequar aos padrões ocupava a décima posição entre as justificativas das empresas e, em 2003, passou para a sexta posição. O cenário econômico negativo neutralizou as medidas de incentivo à ino-

vação. “Não adianta ter políticas de estímulo quando o comportamento da economia é de instabilidade”, pondera Furtado. Os dados da Pintec 2003 revelam que as empresas assumiram posição mais cautelosa em relação a essa modalidade de investimento. Os gastos com inovação, que representavam 3,8% do faturamento das indústrias em 2000, caíram para 2,5% em 2003. A queda foi ainda mais acentuada nas despesas com aquisição de conhecimentos externos, compra de máquinas e equipamentos e nos investimentos em projetos industriais. A exceção ficou por conta de uma faixa muito pequena de empresas, com 10 a 49 pessoas ocupadas, entre as quais a taxa de inovação cresceu de 27% para 31%. Na avaliação de Furtado, elas teriam sido “obrigadas a adotar a inovação para sobreviver”. Por representaPESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 25 ■


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Participação p0rcentual do número de empresas inovadoras, segundo faixa de pessoal ocupado – Brasil 2000 e 2003 Pessoal ocupado

Taxa de inovação

Produto

Produto novo para o mercado nacional

Processo

Processo novo para o setor no Brasil

2000 2003

2000 2003

2000 2003

2000 2003

2000 2003

Total

31,5

33,3

17,6

20,3

4,1

2,7

25,2

26,9

2,8

1,2

de 10 a 49

26,6

31,1

14,1

19,3

2,5

2,1

21,0

24,8

1,3

0,7

de 50 a 99

43,0

34,9

24,5

19,1

6,3

2,3

33,6

28,6

4,4

0,8

de 100 a 249

49,3

43,8

30,0

25,3

9,0

3,9

41,4

37,7

7,2

1,7

de 250 a 499

56,8

48,0

34,4

28,4

10,6

5,8

48,6

38,8

9,7

3,4

de 500 a mais

75,7

72,5

59,4

54,3

35,1

26,7

68,0

64,4

30,7

24,1

Fonte: IBGE, Pintec

presarial ainda é muito pequeno. “Infelizmente a Pintec não levantou o indicador efetivamente relevante, o número de pesquisadores, que é menor que o número total de pessoas ocupadas em P&D. É uma pena porque continua sendo impossível comparar adequadamente a situação brasileira com a de outros países. Sabemos apenas que é menor que 21,8 mil”, afirma Brito, lembrando que na Coréia o número de pesquisadores nas Pessoas ocupadas nas atividades empresas é de 128 mil, nos Estados Unidos, de 800 mil e de P&D por nível de qualificação – na Espanha, 20 mil. “É inteBrasil 2000 e 2003, em% ressante notar que, com esse número de pesquisadores em % empresas, a Espanha regis2000 2003 tra anualmente 440 patentes 60 no United States Patents and Trademark Office (USPTO), 48,5 50 41,4 enquanto o Brasil, com menos de 21,8 mil pesquisado40 35,9 res, conta com pouco mais 31,9 30 de 100. Para Furtado, o cresci20 15,6 mento do número de pes11,5 soas com dedicação total à 10 7,1 8,1 P&D demonstra que as empresas entenderam que a re0 cessão da economia era conjuntural. “Os custos foram Pós-graduados Graduados Nível médio Outros cortados, os salários caíram e as empresas mantiveram Fonte: IBGE, Pintec suas equipes”, analisa. As em-

rem 79,7% das empresas pesquisadas na Pintec 2003, essas pequenas empresas afetam fortemente os indicadores nacionais. Ele ressalva que a taxa de inovação medida pela Pintec é um indicador de difusão tecnológica. “No atacado, houve uma adesão maior das pequenas. Mas as grandes empresas é que são responsáveis pelo maior investimento em inovação.” Boa notícia - A boa notícia da Pintec 2003 é que o número de empresas que realizam pesquisa e desenvolvimento de forma contínua cresceu de 42,9%, em 2000, para 49,2%, em 2003. Essa mudança repercutiu nas estatísticas sobre pessoal ocupado. Em 2000, o IBGE constatou que 31,4 mil pessoas se ocupavam integralmente das atividades de P&D, enquanto outras 32,9 mil o faziam de forma ocasional. Essa proporção agora inverteu: 32,6 mil pessoas estavam exclusivamente envolvidas com atividade de P&D e apenas 19,4 mil dedicavam-se parcialmente a essa atividade. O fenômeno foi observado em todas as categorias de empresas. 26

AGOSTO DE 2005 PESQUISA FAPESP 114 ■

Cresceram também o número de pós-graduados e de graduados nas empresas. Em 2000, entre as 41,5 mil pessoas ocupadas com P&D, 20 mil tinham nível superior. Em 2003, os pós-graduados e graduados representavam 21,8 mil, num contingente de 38,5 mil pessoas. Mesmo assim, na avaliação de Brito Cruz, o número de pessoas em P&D em-


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Importância dos parceiros nas relações de cooperação – Brasil 2000 e 2003, em % 6,7

Concorrentes

2001-2003 1998-2000

15,4 11,5

Empresas de consultoria

15,2

É interessante observar, para além desses resultados negativos, que as empresas consultadas colocaram as universidades e institutos de pesquisa em terceiro lugar no ranking de seus parceiros privilegiados, atrás apenas dos fornecedores e dos clientes e consumidores. “A universidade brasileira já tem um papel importante na pesquisa e desenvolvimento”, observa Furtado. Apoio governamental - Para avaliar o

Centro de capacitação profissional e assistência técnica

15,1 14,4

Outras empresas do grupo

22,8 20,8

Universidades e institutos de pesquisa

29,7 25,6

42,4 45,1

Clientes ou consumidores

55,6 55,4

Fornecedores 0

10

20

30

40

50

60

Fonte: IBGE, Pintec

presas que não tinham equipe fixa – e que mantinham pessoal ocupado com a inovação apenas parte do tempo – optaram por realocar esses funcionários para outras atividades. Aprendizado e difusão - Outro indicador importante para avaliar o avanço da inovação empresarial são as fontes de informação e relações de cooperação entre os agentes de inovação. Afinal, o fortalecimento da interação no âmbito do sistema nacional de inovação tem papel fundamental no desenvolvimento tecnológico: facilita o fluxo de informações e promove o aprendizado e a difusão de novas tecnologias. A estratégia de inovação adotada pela empresa se reflete na hierarquia das suas fontes de informação. Nos dois períodos avaliado, a situação das empresas brasileiras pouco mudou: as fontes

mais citadas seguem sendo as áreas internas à empresa (62,7%), fornecedores (59,1%), feiras e exposições (58,4%) e clientes ou concorrentes (53,4%). A aquisição de licença, patentes e knowhow está entre as menos utilizadas. Mas cresceu significativamente – de 33,1% para 46% – a importância das redes informatizadas na busca de informações. O número de empresas que operam em cooperação também refletiu os tempos de recessão. A primeira edição da Pintec identificou 2,5 mil empresas com práticas cooperativas. Em 2003 esse número caiu para menos da metade: cerca de mil. No conjunto das indústrias inovadoras, o porcentual de empresas cooperativas despencou de 11% para 3,8%. Esse porcentual cresceu apenas entre as grandes, com 500 ou mais pessoas ocupadas, que têm maior capacidade de operar em rede.

impacto dos programas oficiais de incentivo à inovação e conhecer o perfil das empresas que utilizam recursos públicos para a P&D, a pesquisa do IBGE incluiu perguntas sobre a aplicação de financiamentos, bolsas, aporte de capital de risco, entre outras. Constatou-se que, no período analisado, o porcentual de empresas que receberam apoio do governo cresceu de 16,9% para 18,7%. Em 2003 esses incentivos oficiais beneficiavam cerca de 5 mil empresas, pelo menos um terço delas com 500 ou mais empregados. Essa relação diretamente proporcional entre o tamanho da empresa e o uso de incentivos pode ser observada em todos os tipos de programas ou linhas de financiamento. As linhas de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, entre outros, para a compra de máquinas e equipamentos lideram o ranking dos programas mais demandados. São utilizadas por 13,4% das pequenas empresas inovadoras e por 24,5% das grandes. Em segundo lugar estão os recursos de programas oferecidos pelas Fundações de Amparo à Pesquisa, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), entre outros. Em terceiro lugar encontram-se os financiamentos a projetos de pesquisa desenvolvidos em parceria entre empresas e universidades, realizados por meio dos fundos setoriais. Essa modalidade de apoio, no entanto, é utilizada apenas por 1,4% das empresas inovadoras. Esse porcentual, no entanto, é maior do que o 0,7% que se beneficia dos incentivos fiscais para P&D. “Isso mostra como os instrumentos de apoio à P&D em empresas são ineficazes”, diz Brito. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 27 ■


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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PROPRIEDADE INTELECTUAL

A união faz a força Países da bacia amazônica articulam medidas conjuntas para proteger a biodiversidade C LAUDIA I ZIQUE

P

aíses da bacia amazônica resolveram juntar forças para harmonizar suas legislações sobre propriedade intelectual, proteger recursos genéticos e os conhecimentos tradicionais a eles associados, e ainda combater a biopirataria. Representantes do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela reuniram-se pela primeira vez, no dia 26 de junho, no Rio de Janeiro, para avaliar estratégias de atuação, num encontro articulado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA). “Se não adotarmos um enfoque regional convergente, não teremos resultados”, diz o embaixador Roberto Jaguaribe, presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e secretário de Tecnologia Industrial do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior, que participou da reunião. A OTCA foi criada em 2003 para implementar o Tratado de Cooperação Amazônica, assinado pelos oito países em 1978, com o objetivo de implementar medidas para preservar o ambiente e os recursos naturais da região, que abriga umas das maiores biodiversidades do planeta. “Todos temos problemas com biopirataria”, diz a equatoriana Rosalia Arteaga, secretária-geral da organização. No encontro do Rio de Janeiro foi definida uma lista de oito ações conjuntas, entre elas a de cooperação para a identificação de mecanismos que impeçam o registro indevido de nomes e expressões utilizadas por comunidades locais. No ano passado, por exemplo, organizações não-governamentais brasileiras, capitaneadas pelo Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), tiveram que se mobi-

28

AGOSTO DE 2005 PESQUISA FAPESP 114 ■

lizar para resgatar o nome cupuaçu – Theobroma grandiflorum, uma árvore da mesma família do cacau e cuja semente é fonte de alimento na região –, registrado como marca pelas empresas transnacionais Asahi Foods e Cupuaçu International em 1998. Mais recentemente, a mesma Asahi Foods perdeu o registro da patente do Cupulate, uma espécie de chocolate feito a partir de sementes do cupuaçu com tecnologia patenteada pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Apropriação indébita - Os países que integram a

OTCA têm, isoladamente, tomado uma série de medidas para proteger a sua biodiversidade de ações de apropriação de marca. No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente concluiu um amplo mapeamento das denominações e usos conhecidos de cerca de 9 mil espécies animal e vegetal. Essa lista foi encaminhada ao Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (Gipi), será analisada pelo INPI e vai compor um banco de dados que servirá de fonte de consultas e orientação para escritórios de patentes em todo o mundo. Apesar de não existir nenhum tratado internacional estabelecendo critérios para registro de marcas, faz parte das regras internacionais rejeitar denominações conhecidas – como é o caso do cupuaçu –, já que não teriam um requisito essencial: a capacidade distintiva. Não se registram, por exemplo, marcas com os nomes laranja, mamão ou banana. Não é o caso do cupuaçu. A denominação desses produtos da biodiversidade brasileira e seu uso, no entanto, têm que estar disponíveis num banco de dados acessível aos escritórios de marcas e patentes de todo o mundo. A lista com as várias denominações da biodiversidade brasi-


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EDUARDO CESAR

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O nome da planta Phyllantus niruri, conhecido no Brasil como quebra-pedra, aparece na denominação de 42 produtos registrados nos Estados Unidos, União Européia e Japão

leira e suas utilizações nas comunidades locais vai integrar um banco de dados ainda maior com a listagem de produtos de outros países que está sendo organizada pela OTCA. Quebra-pedra - A iniciativa brasileira não é um caso isolado. O Peru, além de montar um banco de dados semelhante, criou uma comissão para investigar registros de patentes de produtos da biodiversidade regional na Europa, Japão e Estados Unidos. Foram identificados cerca de 500 registros de produtos relacionados a espécies autóctones em escritórios de patentes dos Estados Unidos, da União Européia e do Japão, segundo informou Santiago Roca, presidente do Instituto Nacional de Defesa da Competição e da Proteção da Propriedade Intelectual do Peru, aos participantes da reunião da OTCA no Rio de Janeiro. A denominação chancapiedra ou Phyllanthus niruri, por exemplo – que no Brasil é matéria-prima do chá de quebra-pedra, utilizado no tratamento de problemas renais –, aparece mencionada 26 vezes na pesquisa realizada no escritório de patentes norte-americano, 11 vezes na Europa e 15 no Japão, onde, aliás, está relacionado, desde 1991, ao registro de um agente antiretroviral e, desde 1996, à patente de um tônico capilar. Os outros produtos pesquisados foram o hercampuri (GenPESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 29 ■


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Medida restritiva - O Peru

tem uma das legislações para a defesa da biodiversidade mais avançadas entre os oito países que integram a OTCA. Em 2002 foi promulgada uma lei estabelecendo regime de proteção para o conhecimento tradicional e dos povos indígenas associado ao patrimônio genético. No Brasil, o patrimônio genético é protegido pela Medida Provisória nº 2.186, de 2001, que reconhece o direito das comunidades indígenas e locais de decidirem sobre o uso de seu conhecimento associado aos recursos genéticos e prevê a repartição de benefícios, se houver uso e comercialização. A medida provisória, no entanto, é considerada “muito restritiva”, segundo Jaguaribe, e até o final do ano o governo federal pretende encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de lei que, ao mesmo tempo que combata a biopirataria, incentive o desenvolvimento da capacitação tecnológica e industrial para o aproveitamento da biodiversidade. “Medidas restritas apenas à defesa do patrimônio genético são contraproducentes e a fiscalização é complicada. O melhor mecanismo de proteção da propriedade intelectual é a capacitação científica e acadêmica. Isso sim tem capacidade exponencial de produção.” Enquanto a nova lei não vem, o governo busca amenizar o caráter draconiano da medida provisória por meio de resoluções, como a de número 18, publicada em 2003, que permitiu o acesso de pesquisadores aos componentes do patrimônio genético até então vetado pela legislação. Essa flexibilização, no entanto, não impediu a edição, no dia 7 de junho último, do Decreto nº 5.459 disciplinando sanções às atividades lesivas ao patrimônio ge30

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secretária-geral da OTCA. “Os países com legislação mais avançada podem ajudar. Também será importante que estas afinidades estejam presentes nos tratados de livre comércio, como o que está sendo preparado pela Colômbia, Peru e Equador. Se a iniciativa partir de um conjunto de países, será mais eficaz. O intercâmbio de normas, práticas e políticas nacionais sobre direitos da propriedade intelectual e sistemas nacionais de inovação encabeçam a lista de ações conjuntas que os oito países desejam implementar e que será apresentada numa reunião de chanceleres convocada pela OTCA, em Iquitos, no Peru. A coordenação de posições e harmonização normativa será uma medida estratégica. “Está havendo uma evolução da globalização. Há uma tendência de centralização e homogeneização de normas da propriedade intelectual ditada pelos países mais ativos e desenvolvidos”, analisa Jaguaribe. As medidas de proteção da propriedade intelectual nos países em desenvolvimento, continua, dependem de uma estreita cooperação e a convergência da legislação será “um passo inevitável”.“Deveríamos nos mirar no exemplo europeu, que tem escritório de patentes conjunto.” Entre as medidas comuns a serem adotadas pelos oito países está prevista a criação e a valorização de indicações geográficas amazônicas que agreguem valor à produção regional. Já existem no mercado global produtos, como ervas e fitoterápicos, apresentados como tendo origem na Amazônia. “Queremos evitar que isso ocorra”, explica Jaguaribe. A idéia é criar uma indicação de procedência, uma espécie de selo como o que já é utilizado para identificar vinhos do Vale do Vinhedo, o café do Cerrado ou a cachaça de Minas Gerais. “Depois disso estabeleceremos um conjunto de normas padrão”, diz o presidente do INPI. • ED FERREIRA/AE

tianella alborosea fabris); o camu-camu (Myrciaria dubia); o yacon (Smallanthus sonchifolius); caigua (Cylanthera pedata L); e o sacha inchi (Phyllantus niruri).

O cupuaçu foi registrado como marca pela japonesa Asahi Foods

nético previstas na medida provisória. De acordo com o decreto, são consideradas infrações: o acesso a patrimônio genético para fins de pesquisa sem autorização do órgão competente; remessa ilegal de amostras para o exterior; omissão de informações sobre as atividades de pesquisa, bioprospecção ou desenvolvimento tecnológico relacionados à biodiversidade; e a não repartição dos benefícios decorrentes da exploração econômica de produtos desenvolvidos a partir dos recursos da biodiversidade ou dos conhecimentos tradicionais associados. Intercâmbio de práticas - Os países in-

tegrantes da OTCA não têm a pretensão de fazer uma legislação comum. “A homogeneização é impossível, mas a harmonização é concebível”, afirma a


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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GOVERNO FEDERAL

Um físico à frente do ministério Sergio Rezende assume a Ciência e Tecnologia e garante que não mudará estratégias do antecessor

manas,o Programa Juro Zero,que destinará R$ 100 milhões para pequenas empresas inovadoras que não têm garantias reais para contrair financiamentos no mercado.Os recursos ter ão origem numa parceria com o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).As empresas,ele adiantou,j á foram selecionadas e cada uma delas receberá empréstimos de até R$ 900 mil ou o equivalente a 1/3 do faturamento do ano anterior a serem pagos em cem parcelas. Vice-presidente da International Union for Pure and Applied Physics desde 1977,ele prometeu também envolver “mais fortemente” o setor empresarial no esforço da pesquisa,desenvolvimento e inova ção, conforme afirmou em seu discurso de posse,no dia 21 de julho. “A Lei da Inovação,as medidas da pol ítica industrial e tecnológica e a Medida Provisória do Bem,s ão importantes instrumentos de incentivos às empresas”, disse. Rezende aposta que a a regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT),j á aprovada pela Câmara dos Deputados e em apreciação pelo Senado,garantir á mais recursos para os investimentos em inovação no país. “Os fundos setoriais são instrumentos importantes para financiar ações de ciência e tecnologia. Há uma evolução grande na disponibilidade dos recursos desses fundos,que em 2002 contavam com R$ 32 milhões e agora,em 2005, têm R$ 750 milhões para serem utilizados”, avaliou. • MARCELLO CASALJR./ABR

S

prioridades”e nem a equipe de seu anergio Rezende,fítecessor no MCT.Prometeu manter,e sico pernambucase possível intensificar,a articulação e parno,é o novo micerias com entidades dos governos fedenistro da Ciência e ral e estaduais como o Banco Nacional Tecnologia. Doude Desenvolvimento Econômico e Sotor em Física Aplicial (BNDES) e a Caixa Econômica Fecada pelo Massachusetts Institute of deral,entre outras,de forma a sintoniTechnology (MIT) e graduado em enzar as políticas de ciência e tecnologia. genharia eletrônica na Pontifícia UniNa sua primeira entrevista como miversidade Católica do Rio de Janeiro,Renistro,por exemplo,Rezende anunciou zende é um intelectual respeitado e que a Finep vai lançar,nas próximas sereconhecido em todo o país por seus esforços em defesa de um sistema nacional de ciência e tecnologia no país.Sua atuação foi fundamental, por exemplo,nas articulações que levaram à criação da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe),em 1989,a primeira entre as agências estaduais de fomento no Nordeste.No último governo Miguel Arraes,entre 1995 e 1998,foi secretário estadual de Ciência,Tecnologia e Meio Ambiente. Entre janeiro de 2001 e janeiro de 2003,foi secretário do Patrimônio, Ciência e Cultura da Prefeitura de Olinda,até assumir a presidência da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),agência criada em 1967 com o objetivo de financiar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas. Rezende,que é membro titular da Academia Brasileira de Ciências, substitui o ex-ministro Eduardo Campos,que volta à Câmara dos Deputados para reforçar a base parlamentar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.Rezende já anunciou que não mudará as “estratégias e Sergio Rezende e Eduardo Campos (ao fundo)

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PERFIL

O mestre

de muitas gerações Com 93 anos, professoremérito da Esalq participa da vida da universidade e continua a difundir a fitoterapia

A

os 93 anos,o professor Walter Radamés Accorsi continua ostentando boa saúde e a freqüentar quase diariamente o campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba.O mestre de várias gerações de agrônomos prossegue com uma ação a que se dedica desde a década de 1920:a divulgação dos benefícios das plantas medicinais brasileiras.Aposentado da Esalq em 1982,aos 70 anos,pela compuls ória,como gosta de ressaltar,ele passa os dias no conjunto de salas intitulado Setor de Plantas Medicinais,cedido pela instituição assim que deixou de dar aulas e recebeu o título de professor emérito.Ali ele continua estudando e atendendo as pessoas que o procuram em busca de conhecimento sobre as ervas medicinais. “Eu não sou médico, não posso receitar nada,mas sou um divulgador da fitoterapia”,diz ele. “Considero a medicina popular,que é o conhe-

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cimento das plantas sob o ponto de vista prático,como fundamental para a fitoterapia.” A fitoterapia de fato é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS),desde 1978,como uma modalidade terapêutica. “A medicina popular indica ao fitoterapeuta a parte da planta que é boa para determinado problema”, diz. “Então ele vai examinar em laboratório e verificar se de fato é uma planta medicinal.Se come çasse a estudar a planta sem referência nenhuma,o trabalho de pesquisa deveria ser iniciado pela raiz e ir até a flor.” Para ele só um médico ou fitoterapeuta formado pode receitar os preparados com plantas. “O Brasil é detentor da flora medicinal mais rica e diversificada do planeta,e isso n ão é dito por nós.” O gosto de Accorsi pelo estudo das plantas medicinais começou na faculdade onde entrou,em 1929,para cursar engenharia agronômica.Foi o pai quem o induziu a estudar agronomia. Além de uma propriedade em que predominava o cultivo de café,em Dobrada,uma localidade,hoje munic ípio,

perto da cidade de Matão,no centro do Estado de São Paulo,a fam ília possuía uma serraria,um curtume e uma oficina mecânica.Antes de entrar na Esalq, o pequeno Accorsi foi enviado a São Paulo,onde concluiu o col égio em 1927,e j á em 1928 estava em Piracicaba para fazer o curso preparatório para a faculdade,que ainda n ão pertencia à USP.Recebeu o t ítulo de engenheiro agrônomo em 1933, “como o terceiro aluno da turma”,e o diploma recebido em 1934 já tinha a rubrica da USP que acabara de nascer e acolher a Esalq.Recém-formado,foi convidado para ser professor assistente na terceira cadeira denominada Botânica Geral e Descritiva do professor Pedro Moura de Oliveira Santos.Em 1936,fez a livre-doc ência, e,em 1942,o concurso para catedr ático. “Eu era professor de botânica. Naquele tempo dávamos uma noção de tudo:fisiologia,anatomia e sistem ática. Tinha queensinar um pouquinho de cada,o que,para mim,foi muito bom. Hoje é tudo separado.Al ém da aula,eu também passava informações terapêuticas das nossas plantas.”


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MIGUEL BOYAYAN

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Professor Accorsi: paixão, estudo e divulgação das plantas medicinais

Ao longo de todos esses anos, Accorsi nunca deixou de considerar como muito importante a farmacologia, que estuda a extração dos princípios ativos das plantas. Mas acredita que as plantas in natura têm muito a contribuir com a saúde pública. “A Alemanha tem uma fitoterapia avançada, como a Rússia, os Estados Unidos e a China.” Para o Brasil, o professor Accorsi diz que é preciso instalar vários laboratórios no país para estudo da biodiversidade e produção de fitoterápicos. Ipê-roxo - De sua agenda cheia de convites para palestras, especialmente para um homem de 93 anos, destacou-se no ano passado uma visita ao Japão. O convite e a homenagem vieram da empresa que produz o chá de ipê-roxo ou pau-d’arco (Tabebuia avellanedae), árvore encontrada em vários pontos da América do Sul cuja casca é usada para tratamento de tumores cancerígenos, anemia, problemas estomacais e como analgésico. Essas propriedades do ipêroxo tornaram-se populares e rodaram o mundo quando a revista O Cruzeiro

divulgou, em 1967, uma entrevista com o professor Accorsi. Depois disso, a planta foi alvo de vários estudos no exterior. “No Japão, eles me homenagearam porque dei todas as orientações sobre a planta quando representantes da empresa estiveram no Brasil.” Alguns dias antes da homenagem, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, aluno de Accorsi no início dos anos 1960, ficou sabendo do evento e ligou para a embaixada brasileira em Tóquio para que ela enviasse um representante ao evento com uma mensagem especial para o professor Accorsi. “Fiquei muito emocionado porque o texto foi lido em japonês e em português diante de mais de mil pessoas”, conta. Era a quarta vez que o professor ia ao Japão. Nas vezes anteriores, ele fizera palestras nas universidades de Tóquio e de Kyoto. Nascido em Taquaritinga (SP) em 9 de outubro de 1912, o professor Accorsi não come carne há 60 anos. “Sou herbívoro.” A filha Walterli Accorsi, administradora e farmacêutica que comanda a farmácia de manipulação e produtos naturais em Piracicaba que leva o nome

do professor, diz que ele toma muita sopa de aveia, come várias sementes, girassol entre elas, e, às vezes, come peixe. Vinho ele tomava regularmente mas... “um médico me proibiu e o outro liberou”, diz o professor, que ainda não sabe se segue um ou outro. A proibição é porque um dos médicos prefere que o professor se livre primeiro de uma forte dor de cabeça, que lhe acompanha há muitos anos. Para se manter em forma, Accorsi faz ginástica na academia da universidade. Como professor, ele chegou a ocupar os cargos de diretor e vice-diretor da Esalq entre 1951 e 1954. Ao longo de mais de 70 anos de vida acadêmica participou e ainda continua participando das reuniões da congregação, que elabora as diretrizes normativas da Esalq e apresenta as listas tríplices para diretor da instituição, e principalmente das formaturas. Em uma delas, em 1964, ele foi convidado na última hora para presidir a cerimônia da turma que estava recebendo o diploma. “Era a nossa formatura e o governador do estado, Carlos Alberto de Carvalho Pinto, estava em Piracicaba como paraninfo, mas o diretor não estava na cidade para presidir a solenidade”, conta o professor da Esalq, Joaquim José de Camargo Engler, diretor administrativo da FAPESP e ex-aluno de Accorsi. O diretor, Hugo de Almeida Leme, havia sido nomeado ministro da Agricultura, e o vice-diretor não pôde comparecer ao evento.“Aí, o resultado foi ligar para o decano da escola – o professor mais antigo – que já era o professor Walter Accorsi. Ligamos para ele, que já estava de pijama, quase pronto para dormir”, diz Engler. “Mas ele foi e presidiu a cerimônia. Depois, muitas vezes quando nos encontramos, ele diz ‘lembra daquele dia que salvei vocês’?” Accorsi é o ex-aluno e o ex-professor mais antigo da escola.“É muito especial, dedicado e, ao longo desses anos, contribuiu para a melhora da qualidade de ensino na Esalq”, diz Engler. Com duas filhas, dois netos e cinco bisnetos, Accorsi segue bradando neste início de século 21 em favor de sua causa: “A planta sustenta a vida biológica no planeta. Se ela tem os alimentos, por que não teria os medicamentos?” •

M ARCOS

DE

O LIVEIRA

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CIÊNCIA

O cheiro da mãe A habilidade de encontrar a mãe pelo odor - essencial para os recém-nascidos se alimentarem e se protegerem - desenvolve-se lentamente, assim como a de reconhecer o mundo pela visão: poucas semanas depois do nascimento começa a se formar a rede de circuitos neurais ligados ao olfato, como resultado do treino de sentir a fragrância materna. Alterações nessa circuitaria tendem a, mais tarde, tornar menos perceptíveis e relevantes o registro de odores, concluíram Kevin Franks e Jeffry Isaacson, da Universidade de Califórnia, em San Diego, Estados Unidos, por meio de um estudo publicado na Neuron. Os pesquisadores identificaram no cérebro de ratos duas proteínas essenciais da rede de neurônios ligados à percepção olfativa: os receptores Ampa e NMDA, que são ativados por mensageiros químicos chamados neurotransmissores - nesse caso, o glutamato. Nesse experimento, o grupo da Califórnia desativou uma narina de ratos recém-nascidos, deixando-lhes sem estímulos olfatórios em um lado do cérebro. No lado do cérebro que não recebeu estímulos, houve uma queda na atividade dos receptores NMDA. Essa redução fez com que os neurônios se tornassem mais ativos, em conseqüência da interferência dos outros receptores, os Ampa. •

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■ Benefícios do Viagra para as plantas

extra de oxido nítrico e então, removendo-o, notou que a reorientação do tubo polínico foi bloqueada. Essa propriedade, acredita a pesquisadora, poderia ser usada para bloquear o acesso de duas ou mais células sexuais masculinas a um só óvulo. •

Margarida Prado, do Instituto Gulbenkian de Ciência, em Portugal, descobriu que os tubos polínicos dependem de oxido nítrico, que os guia até o lugar certo - e assim podem levar a fertilização adiante. Em meio a substâncias como o princípio ativo de medicamentos como o Viagra, que inibem as enzimas que destroem o oxido nítrico, a sensibilidade das plantas ao oxido nítrico eleva-se bastante, influenciando o encurvamento do tubo polínico, essencial ao encontro das células masculinas e femininas das plantas. Margarida ofereceu aos tubos polínicos do lírio branco (Lilium longiflorum) uma dose Lírio tubos polínicos mais ativos


Idéias novas contra o HIV "Ficarei desapontado se em cinco anos não surgirem novas formas de tratamento contra a Aids", comentou Robert Gallo, diretor do Instituto de Virologia Humana da Universidade de Maryland, Estados Unidos. Co-descobridor do vírus HIV, no mês passado ele participou em São Paulo do Fórum Aids: as novas descobertas e o modelo brasileiro de assistência. Uma das novas possibilidades são as quimiocinas, peptídeos fragmentos de proteínas produzidos naturalmente em resposta a processos inflamatórios. São também liberadas por um dos tipos de células do sangue, os linfócitos, ativados mas não infectados pelo HIV. As três quimiocinas já identificadas bloqueiam a entrada do vírus ao se ligarem ao receptor CCR5, uma molécula da superfície dos linfócitos. Segundo Gallo, podem surgir fármacos não das próprias quimiocinas, mas a partir da habilidade, já testada por indústrias farmacêuticas, de bloquear esse receptor. A CCR5 parece ter pouca importância para os seres humanos, mas é essencial para o HIV, que se liga nesse receptor antes de despejar seu material genético nas células do sangue. Outros medicamentos podem emergir a partir de uma molécula que inibe a transformação de um dos tipos do vírus, o HIV-1, em partículas infecciosas. Essa molécula, descrita este mês em dois artigos científicos publicados na revista Nature Structural & Molecular Biology, sugere que as formas imaturas do vírus podem ser vistas como outro alvo a ser combatido. •

essa síndrome: reuniu especialistas em solo, em vírus, em fisiologia e em doenças de plantas de 12 países, incluindo o Brasil, com coordenação do Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRF) da França. •

■ Cidades interferem no clima e no tempo

0 vírus: pequena esfera sobre a superfície de um linfócito

■ As causas da necrose da seringueira A seringueira {Hevea brasiliensis) é freqüentemente abalada pela síndrome da necrose da casca, que reduz a produção de látex e atinge um terço das árvores na África, na Ásia e nas Américas. Cogitou-se que essa doença, diagnosticada pela primeira vez em 1983, fosse causada por um agente patogênico específico - fungo, vírus ou bactéria -, mas um grupo internacional de pesquisas concluiu que se trata do resultado da combinação de muitas causas, que

desregulam o funcionamento da planta. Uma delas é a compactação do solo, que reduz a absorção de água pelas raízes. Como se observou, as seringueiras atacadas pela necrose têm, de fato, raízes atrofiadas e a síndrome se desenvolve especialmente em plantas com deficiência de água, especialmente durante as épocas de seca. O estresse hídrico induz à morte das células e à conseqüente liberação de compostos químicos que causam o espalhamento da necrose para as partes superiores do tronco. Este é um dos primeiros estudos abrangentes sobre

Nova York: prédios mudam os ventos e o regime de chuvas

Os loteamentos e a construção de prédios e de estacionamentos alteram dramaticamente a rugosidade da superfície, o fluxo de calor e de água, a reflexão de luz e a cobertura vegetal das cidades, de modo mais intenso em metrópoles como São Paulo, Nova York, Paris ou Tóquio, com impactos sobre o clima. Ainda que a interferência das cidades não seja considerada na maioria dos modelos de previsão de clima, edifícios como o Empire State Building, em Nova York, podem alterar a qualidade do ar, a temperatura, a distribuição de nuvens e os padrões de chuva, de acordo com um estudo publicado no Bulletin of the American Meteorological Society. "Para qualquer pessoa", comentou Marshall Shepherd, pesquisador da Nasa e um dos autores desse estudo, "é importante saber que a urbanização afeta coisas com que todos nos preocupamos, como a quantidade e a freqüência de chuvas e quão fria ou quente a temperatura da rua pode ser." As mudanças atmosféricas próximas às cidades já podem ser registradas por satélites da própria Nasa, como o Aqua, Landsat e o Terra. Atualmente, as áreas urbanas cobrem somente 0,2% da superfície terrestre, mas abrigam aproximadamente a metade da população mundial. •

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Encontrado fungo letal no Brasil Agora há evidências de que chegou ao Brasil um fungo que em outros países da América Latina e da Ásia eliminou populações de anfíbios e, em conseqüência, quebrou o equilíbrio ecológico, favorecendo a multiplicação de insetos, dos quais esses animais se alimentam, e prejudicando a alimentação de aves, de répteis e de mamíferos, pelos quais são predados. Zoólogos da universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e do Museu de Zoologia de Vertebrados, de Berkeley, Estados Unidos, encontraram pela primeira vez o fungo Batrachoclytrium dendrobatidis na rã-de-corredeira (Hylodes magalhaesi), uma espécie de 3 centímetros, pele castanho-escuro e ventre escuro com pintas brancas, que

A rã-de-corredeira, que vive em riachos na Serra da Mantiqueira: provável reservatório de um fungo que devastou populações de anfíbios em outros países

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vive em riachos no alto de morros da Serra da Mantiqueira cobertos por Mata Atlântica, na divisa entre São Paulo e Minas Gerais. Identificado na fase larval dessa espécie por meio de seqüências específicas de DNA, esse fungo causa deformações na boca dos girinos e, supõe-se, prejudica a metamorfose, a ponto de levar os animais à morte. "O Hylodes magalhaesi pode ser um reservatório do fungo, que assim pode contaminar outras espécies", diz Célio Haddad, pesquisador do Instituto de Biociências da Unesp e um dos autores da descoberta. Segundo ele, os dados são preocupantes também porque a rã-decorredeira é uma espécie ameaçada de desaparecimento por causa da fragmenta-

ção de seu hábitat natural. Já houve relatos de extinção local de outra espécie do mesmo gênero, o Hylodes asper, a 300 quilômetros do ponto de coleta do H. magalhaesi. Embora esse episódio tenha sido atribuído às mudanças climáticas, os pesquisadores não descartam a hipótese de que possa tratar-se de um impacto desse fungo, que se propaga por meio das águas frias dos riachos que correm nas montanhas. Essa espécie de fungo, embora tenha sido detectada só agora, pode ter se instalado no país há muito tempo. "Desde 1980, quando eu ainda fazia estágio na graduação", conta Haddad, "já encontrava girinos com a boca deformada, um dos sinais mais característicos deixados por esse fungo." •


■ Uma cratera em Santa Catarina Nunca viu um astroblema? Não, não é um problema astronômico, mas gigantescas crateras deixadas pelo impacto de meteoritos na superfície da Terra. No Brasil, o mais recente é o Domo de Vargeão, no oeste de Santa Catarina, com cerca de 12 quilômetros de diâmetro e um desnível de até 150 metros. Descrito pela equipe do geólogo Álvaro Crósta, da Universidade Estadual de Campinas, o Domo de Vargeão integra a lista dos 60 principais sítios paleontológicos e geológicos mapeados pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (Sigep). Os sítios dessa lista - como o Arenito Mata, no Rio Grande do Sul, com fósseis de troncos de coníferas com 30 metros de comprimento, ou a Toca da Boa Vista, na Bahia, com 84 quilômetros de extensão - são candidatos a integrar o Patrimônio Mundial da Humanidade da Unesco. •

A água extinta de Marte Hoje uma poeira fina e brilhante cobre a superfície marciana, espalhada por ventos constantes, mas já houve água por lá, embora nem sempre abundante, de acordo com seis artigos de pesquisadores da Nasa publicados na Nature. Outra novidade é que a cratera Gusev, onde pousou o jipe-robô Spirit, nunca foi um imenso lago, como se pensava. Abaixo da poeira o solo é escuro, de origem vulcânica, e as rochas contêm oxido de ferro e enxofre, incorporados em um processo que necessita de pouca água, segundo a equipe da Nasa, da qual participa o físico brasileiro Paulo de Souza Júnior, da empresa de mineração Vale do Rio Doce. Do outro lado do planeta, os dados do jipe Opportunity indicam que o Meridiani Planum já foi um mar: ali há hematita, mineral que só se forma com água. Os jipes também seguiram a órbita das duas luas marcianas: Deimos, que está se afastando de Marte, e Phobos, que deve se chocar com Marte em 40 milhões de anos. •

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CIÊNCIA MEDICINA

Estudos em vermelho Defeitos genéticos começam a explicar a origem de doenças sangüíneas de idosos R ICARD O Z ORZET TO F OTOS H ELIO DE A LMEIDA

V

inte anos atrás alguns casos incomuns de anemia começaram a chamar a atenção no Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em vez de adultos jovens, como habitualmente, eram os idosos que apresentavam uma expressiva redução na taxa de hemoglobina, molécula encontrada no interior das células vermelhas responsável pelo transporte de oxigênio e pelo vermelho vivo do sangue. Mais intrigante: a anemia dos idosos não cedia ao tratamento convencional, à base de vitaminas e suplementos de ferro. As médicas hematologistas Irene Lorand Metze e Sara Saad, que trataram esses casos, constataram: a causa dessa anemia não era a carência de nutrientes essenciais à produção das células vermelhas ou hemácias como o ferro e as vitaminas do complexo B. A origem do problema era bem mais complexa: estava nas célulastronco da medula óssea, da qual se originam as três famílias de células sangüíneas – as vermelhas, as brancas e as plaquetas. Não se tratava, portanto, de anemias resistentes a tratamento, mas de uma das formas de um grupo de doenças raras chamadas síndromes mielodisplásicas ou mielodisplasias, cujo

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tratamento até hoje desafia a ciência médica, embora suas causas sejam mais bem conhecidas. Com características semelhantes às da leucemia mielóide aguda – a forma mais freqüente de leucemia aguda em adultos –, as mielodisplasias alteram a composição sangüínea por dois mecanismos opostos. Ambos ocorrem na medula óssea, o tecido que preenche os grandes ossos do corpo, no qual as células do sangue se formam e se desenvolvem antes de serem lançadas às veias e artérias. O primeiro mecanismo provoca a morte em massa das células precursoras do sangue. O segundo leva essas células a se multiplicarem de modo descontrolado – e as células da geração seguinte chegam à corrente sangüínea imaturas e incapazes de funcionar como deveriam. O efeito é o mesmo: o sangue contém células vermelhas maduras em número insuficiente para abastecer os tecidos com oxigênio; também não há a quantidade adequada de células brancas, que combatem microorganismos invasores; nem de pedaços de células conhecidos como plaquetas, que bloqueiam hemorragias. É por isso que quem desenvolve mielodisplasia sente-se cansado e apresenta infecções freqüentes ou sangramentos de difícil contenção.


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A análise dos mais de 200 casos já atendidos no Hemocentro da Unicamp está ajudando a compreender como esses problemas surgem e evoluem. Em testes de laboratório com medula óssea de portadores de mielodisplasia, Irene e Sara descobriram alterações na expressão de três genes que controlam a morte programada – ou apoptose – das células do sangue. Por esse motivo, no início da doença a taxa de apoptose geralmente é elevada e impede a produção de células vermelhas, brancas e plaquetas em níveis adequados ao funcionamento normal do organismo. Nos estágios mais avançados, porém, ocorre o oposto: a apoptose diminui e são as células precursoras do sangue chamadas blastos que alcançam a circulação – ainda há casos em que os blastos são produzidos em quantidade adequada, mas não geram células maduras do sangue. “Não se sabe se esse desequilíbrio na mortalidade celular é conse-

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qüência apenas de distúrbios genéticos nas células doentes ou se, ao menos em parte, é decorrente da atuação do sistema de defesa do organismo, voltada à eliminação dessas células”, comenta Sara, que detectou outro comportamento anormal das células na mielodisplasia: cultivadas em laboratório, as células brancas eram capazes de se multiplicar mesmo na ausência de sinais químicos que induzem à divisão celular, diferentemente das células sadias. Resistência à morte - Enquanto essa dúvida permanece, o certo é que há uma redução dos sinais químicos que disparam a morte programada dos blastos e um aumento dos comandos que a impedem, como constataram Irene, Elisangela Ribeiro, Carmen Lima e Konradin Metze, em um estudo publicado em 2004 na Leukemia & Lymphoma. “À medida que a doença progride essas células contendo alterações se tornam

menos suscetíveis à apoptose”, explica Irene, uma das principais pesquisadoras brasileiras que estudam as síndromes mielodisplásicas. Num trabalho que deve sair em breve na Leukemia Research – desenvolvido com pesquisadores espanhóis da Universidade de Salamanca e do Hospital Miguel Servet, em Saragoça –, Irene e sua equipe detectaram indícios de que as alterações no desenvolvimento celular características da mielodisplasia podem ocorrer até mesmo em um estágio anterior aos blastos, nas próprias células-tronco pluripotentes. É um achado que ajuda a explicar por que tanto a taxa das células vermelhas e das plaquetas como a das células brancas podem se encontrar abaixo dos níveis normais nessas síndromes. Ainda não se conhecem todos os defeitos genéticos associados às mielodisplasias, mas estima-se que essas alterações – como a perda de parte dos croPESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 39 ■


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mossomos 5, 7 e 20 ou a presença de uma cópia extra do cromossomo 8 – contribuam para quase metade dos casos dessas doenças. Em geral, as lesões no material genético das células não surgem de uma hora para outra.“Esses defeitos genéticos, detectados em 40% a 50% das mielodisplasias, são fruto de uma série de lesões que se acumulam ao longo da vida e se manifestam por volta dos 60 anos”, explica a hematologista Maria de Lourdes Chauffaille, da Universidade Federal de São Paulo e do Instituto Fleury, que investiga as características genéticas dessas doenças. Hoje se sabe que alguns medicamentos utilizados no tratamento de câncer podem danificar o material genético (DNA) das células e levar ao desenvolvimento de mielodisplasia. Também se suspeita que a exposição prolongada à fumaça do cigarro, a agrotóxicos, a solventes como o benzeno e à radiação danifiquem o DNA das células precursoras do sangue e, em 10% dos casos, originem essas síndromes.

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ce”, afirma Sara, da Unicamp. Estimativas do IBGE apontam que nos próximos 15 anos a população brasileira maior de 60 anos deve crescer 74% e passar dos atuais 16,3 milhões para 28,3 milhões de pessoas.

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Depois dos 60 - Esses efeitos cumulati-

vos explicam por que as mielodisplasias são mais comuns após os 60 anos. Estima-se que, antes dessa idade, cinco adultos em cada grupo de 100 mil desenvolvam uma das formas de mielodisplasia. Apartir dos 60 anos, essas síndromes se tornam de quatro a dez vezes mais freqüentes: atingem de 20 a 50 indivíduos em cada grupo de 100 mil. Segundo especialistas, nos Estados Unidos surgem 15 mil novos casos de mielodisplasia por ano, uma indicação de que essas síndromes são tão freqüentes quanto a forma mais comum de leucemia nos países ocidentais, a leucemia linfocítica crônica. Ainda que de modo indireto, a etnia e as condições socioeconômicas e ambientais parecem influenciar a idade de início da doença. Na Europa e nos Estados Unidos as mielodisplasias se manifestam por volta dos 70 anos, enquanto no Brasil elas surgem mais cedo, antes dos 60. “A tendência é que o número de casos aumente à medida que nossa população envelhe40

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as nem sempre o problema está com as células precursoras do sangue. O grupo coordenado por Maria Mitzi Brentani, da Universidade de São Paulo, Radovan Borojevic, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Luiz Fernando Lopes, do Hospital do Câncer AC Camargo, em São Paulo, investigou outro conjunto de células encontradas no interior dos ossos: a células do estroma, o tecido nutritivo no qual estão mergulhadas as células precursoras do sangue. Como a terra que sustenta e nutre uma árvore, o estroma fixa essas células e regula o desenvolvimento delas. A conclusão é que a saúde do estroma pode fazer toda a diferença, de acordo com o estudo publicado em agosto de 2004 na Leukemia Research. Em uma placa de vidro com estroma de portadores de mielodisplasia células precursoras do sangue saudáveis passaram a se comportar como as células mielodisplásicas: proliferavam-se sem controle e não amadureciam – possivelmente pela produção de sinalizadores químicos que induzem à apoptose, como o fator de necrose tumoral alfa e o interferon gama. Também se verificou o oposto: células da medula de pessoas com mielodisplasia apresentaram desenvolvimento saudável quando cultivadas em estroma de pessoas sem a doença. Analisados em conjunto, os estudos dos últimos dez anos ajudam a entender por que em alguns casos de mielodisplasia os exames, feitos com sangue colhido de uma veia do braço, apresentam contagem baixa das células maduras, enquanto em outros aparece um número elevado de blastos. Esse desajuste reprodutivo que pode surgir em umas poucas células se amplifica du-

rante a fabricação do sangue. Formado por cerca de 20 tipos de células distintas, diluídas em uma sopa de água e proteínas, o sangue está em constante renovação. Quando tudo vai bem no organismo, 1% das células sangüíneas são substituídas diariamente. A cada 24 horas a medula dos ossos fabrica cerca de 200 bilhões de células vermelhas, 10 bilhões de células brancas e 400 bilhões de plaquetas, em substituição àquelas que se tornaram velhas e foram destruídas pelo baço. Nesse processo natural de reposição, as células-tronco da medula óssea se dividem sucessivas vezes, produzindo inicialmente cópias idênticas de si mesmas. Mas em determinado ponto desse processo reprodutivo essas células deixam de se autocopiar e passam a gerar células especializadas em uma determinada função, mas com menor capacidade de se reproduzirem e de originarem outros tipos de células. É que a capacidade de gerar qualquer tipo de célula sangüínea, a pluripotência, é privilégio das células-tronco mais primordiais. À procura de saídas - Diante das des-

cobertas recentes sobre a origem e a evolução das mielodisplasias, as alternativas de tratamento continuam restritas, motivo de desconforto entre os médicos. A única maneira de curar a mielodisplasia é o transplante de medula óssea, procedimento em que as células-tronco extraídas do osso do quadril de um doador sadio são injetadas no esterno do portador da doença. Após a eliminação das células anormais por quimioterapia, as células saudáveis repovoam o sangue. Mas o uso de medicamentos altamente tóxicos e de radiação para eliminar as células anormais da medula limitam a aplicação do transplante, em geral realizado em pessoas com menos de 60 anos – os resultados são melhores antes dos 40 anos. É que depois dos 60 anos as pessoas não resistem aos efeitos indesejáveis do tratamento feito antes de receber a medula. Mesmo quando o transplante é possível, a taxa de sucesso é baixa: em apenas 40% dos casos a pessoa permanece livre da doença por cinco anos. Nem entre as crianças os resultados são animadores. “Nesses casos, a maior dificuldade é encontrar doadores com medula compatível em uma popula-


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ção miscigenada quanto a nossa”, diz o oncologista pediátrico Luiz Fernando Lopes, do Hospital do Câncer, que no final da década de 1980 identificou os primeiros casos de mielodisplasia infantil no país e coordena o grupo que já atendeu quase 250 crianças com o problema. Muito raras até os 18 anos – afetam quatro crianças e jovens em cada milhão –, as síndromes mielodisplásicas são mais agressivas nessa faixa etária: oito em cada dez casos evoluem em meses para a leucemia mielóide aguda, em que uma torrente de células brancas imaturas chega ao sangue e deixa o organismo vulnerável a infecções. “Hoje conhecemos razoavelmente bem as causas e a evolução das mielodisplasias”, diz Lopes. “Mas ainda não sabemos como tratá-las de modo eficiente.” Nos casos em que o transplante não é viável, a saída é combater as manifestações graves da enfermidade, que variam segundo o tipo de mielodisplasia – há sete tipos de mielodisplasia, segundo a classificação mais recente. Quando o principal efeito dessa reprodução celular anormal é o aumento da quantidade de células imaturas no sangue, os médicos administram medicamentos capa-

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zes de eliminá-las, como a citarabina e a daunoblastina, usadas no tratamento das leucemias. Com a diminuição das células vermelhas do sangue, uma das opções é tratar o portador da mielodisplasia com um hormônio de crescimento celular chamado eritropoietina, produzido por bactérias Escherichia coli que receberam uma cópia do gene dessa proteína. Outro hormônio é o fator estimulante de colônias de granulócitos, utilizado para estimular a produção de células brancas. Dependendo do

O PROJETO Estudo da fisiologia do sistema imune nas neoplasias, na auto-imunidade e nas imunodeficiências por citometria de fluxo MODALIDADE

Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADORA

IRENE LORAND METZE – Unicamp INVESTIMENTO

R$ 1.345.226,42

grau de anemia, transfusões de sangue mensais – ou mesmo semanais – podem se tornar necessárias. Atualmente, dezenas de medicamentos que combatem as células doentes ou estimulam a proliferação das células sangüíneas saudáveis encontram-se em avaliação em ensaios clínicos feitos principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Mas ainda não se chegou a um remédio que reúna três qualidades fundamentais: ser eficaz, pouco tóxico e barato. “Nos últimos 20 anos, vários meteoros terapêuticos atravessaram os negros céus dos tratamentos das síndromes mielodisplásicas, mas apenas para desaparecer em seguida”, escreveram os hematologistas italianos Mario Cazzola e Luca Malcovati, em um comentário publicado em fevereiro deste ano no New England Journal of Medicine sobre a mais recente promessa de medicamento capaz de aumentar as células vermelhas, a lenalidomida, um derivado da talidomida menos tóxico e mais eficaz. Os resultados animam, mas ainda é cedo para comemorar. “Esperamos que outros estudos clínicos confirmem os efeitos promissores da lenalidomida”, concluíram. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 41 ■


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CIÊNCIA

GENÔMICA

Fascínio e terror Cientistas detalham as estratégias de sobrevivência de três parasitas que infectam milhões de moradores de países pobres C ARLOS F IORAVANTI F OTOS R ENATO M ORTARA

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bioquímica Santuza Teixeira teve de interromper por duas vezes suas férias no mês passado e correr ao seu laboratório no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por sorte, não para resolver problemas, mas para comemorar com sua equipe dois acontecimentos que fogem da rotina. No dia 5 Santuza soube que sua proposta de estudar a variabilidade genética do protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas, foi selecionada pelo Instituto Howard Hughes, dos Estados Unidos, e receberá um financiamento de US$ 70 mil por ano, nos próximos cinco anos – privilégio concedido a poucos grupos de pesquisa no Brasil. Dez dias depois saía na revista Science um artigo científico de amplo interesse médico e científico, do qual seu grupo havia participado, esmiuçando o conjunto de genes – o genoma – do parasita retratado ao lado. O genoma do Trypanosoma cruzi é o mais complexo entre os três descritos na edição de 15 de julho da Science – lá estavam também o Trypanosoma brucei, causador da doença do sono, e a Leishmania major, responsável por um dos tipos de leishmaniose. Resultado de um esforço internacional de pesquisa liderado por especialis-


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tas norte-americanos, ingleses e suecos, com a participação de grupos de Minas, de São Paulo e do Rio de Janeiro, esses trabalhos devem nortear, daqui para a frente, os estudos dedicados a esses protozoários, já que uma série de semelhanças, de peculiaridades e de prováveis vulnerabilidades de cada um deles se tornaram mais claras. Essas descobertas podem acelerar a busca de métodos e reagentes diagnósticos ou de medicamentos que reduzam o alcance das doenças causadas por esses parasita o T. cruzi, transmitido pelo inseto conhecido como barbeiro, infecta 18 milhões de pessoas na América Latina, podendo provocar problemas cardíacos; o T. brucei, que se espalha por meio da mosca tsé-tsé, instalou-se no organismo de 500 mil pessoas de 36 países africanos, causando febre, dor de cabeça, distúrbios do sono e problemas neurológicos; já a Leishmania major, igualmente transmitida por mosquitos, serviu como modelo de estudo para as cerca de 30 espécies que afetam 12 milhões de moradores de 88 países, entre os quais o Brasil, e podem provocar lesões desfigurantes ou atacar as vísceras. Juntas, as três doenças matam cerca de 150 mil pessoas por ano no mundo. “O fato de os genes desses parasitas terem sido identificados é um incentivo para que as companhias farmacêuticas e mesmo as empresas estatais de medicamentos invistam no desenvolvimento de novas drogas antiparasitárias, porque poderiam começar em um estágio mais avançado”, diz José Franco da Silveira Filho, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que trabalhou na identificação dos telômeros – as pontas dos cromossomos – do Trypanosoma cruzi. Justamente nos telômeros é que se concentram os genes responsáveis pela produção de proteínas de superfície, que facilitam a invasão das células de mamíferos e ajudam a burlar as defesas dos organismos em que se instalam. Os três parasitas, embora tenham se separado de um ancestral comum há cerca de 200 milhões de anos, apresentam 6.158 genes em comum, associados

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a funções metabólicas e estruturais básicas – os genes exclusivos de cada espécie são relativamente poucos, variando de 910 na Leishamia major a 3.736 no Trypanosoma cruzi. “A partir desse núcleo comum, é possível começar a pensar em compostos que sirvam para os três”, diz Angela Cruz, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), que participou do seqüenciamento e da análise do cromossomo 2 da Leishamia major. “Mas o maior problema”, acrescenta, “é que estamos falando de doenças negligenciadas, de países pobres”. Até agora as indústrias farmacêuticas têm mostrado pouco interesse em desenvolver medicamentos mais eficazes e menos tóxicos que os raros hoje em uso porque os ganhos poderiam não cobrir os gastos, já que os compradores seriam os governos ou os habitantes de países pobres. De acordo com uma reportagem publicada em 3 de julho no jornal New York Times, os custos de desenvolvimento de um novo medicamento passaram de US$ 800 milhões em 2000 para quase US$ 1 bilhão. O salto nas despesas está fazendo com que as indústrias se concentrem na busca de variações de produtos nos quais já tenham experiência ou que contem com um mercado assegurado, como diabetes, câncer, distúrbios mentais e alguns problemas cardíacos.

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ntre os pesquisadores é diferente. “Para nós, e para muitos outros cientistas que trabalham com tripanossomas, há um interesse genuíno em engajar-se na luta contra as doenças negligenciadas”, comenta a esta revista Najib El-Sayed, biólogo molecular do Instituto de Pesquisa Genômica (Tigr), dos Estados Unidos, que nessa edição da Science assinou dois artigos como primeiro autor e outro como pesquisador sênior – além dos três estudos descrevendo os genomas, havia outro comparando-os e mais dois comentando as descobertas. “Essa pesquisa é impor-

tante do ponto de vista médico, porque não existem bons medicamentos disponíveis”, diz Bjorn Andersson, do Instituto Karolinska, da Suécia, que estuda a doença de Chagas desde 1996.“Tenho esperanças de que realmente surjam novos fármacos.” Dessa empreitada participaram 235 pesquisadores de 21 países – não só do Brasil, Argentina e Venezuela, onde esses problemas são antigos, mas também da França, Escócia, Estados Unidos ou Cingapura, nos quais um caso de leishmaniose causaria mais espanto que a chegada de um marciano. Esse consórcio de instituições começou a se formar em 1994 quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovou um financiamento modesto, de US$ 20 mil, o chamado seed money, para a proposta de seqüenciamento do genoma de parasitas causadores de doenças tropicais, apresentada por Carlos Morel, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, que liberou outros US$ 20 mil. A partir daí o desafio foi agregando mais cientistas e em 1998 seduziu a Tigr, que se tornaria uma das instituições líderes do consórcio. Ao receber um financiamento estimado em US$ 32 milhões, essencialmente dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos, e do Wellcome Trust, do Reino Unido, o trabalho deslanchou. Seres de transição - Tamanha mobili-

zação deve-se também, é verdade, ao interesse pela biologia desses microorganismos unicelulares. “Alguns fenômenos, como a edição de RNA e a variação antigênica, foram identificados ou bem caracterizados em tripanossomas”, exemplifica El-Sayed, com quem trabalha a brasileira Daniela Bartholomeu. Embora sejam eucariotos (células dotadas de núcleos, como os animais e as plantas superiores), eles apresentam algumas características dos procariotos, como são chamados os organismos unicelulares sem núcleo, mais primitivos, como as bactérias. “Esses parasitas são extremamente fascinantes”, diz Franco da Silveira, que trabalha em colaboração com outros grupos da Unifesp, como o de Nobuko Yoshida e Renato Mortara. “São uma espécie de fósseis vivos, como se fossem experiências da natureza que tenham


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sobrevivido e originado seres muito mais refinados.” Nos três, mostrou-se bastante conservada a ordem dos genes – ou sintenia –, em escala mais acentuada na L. major, como se ela fosse o organismo mais antigo e de seus cromossomos, devidamente embaralhados ou segmentados, tivessem se originado as outras duas espécies de protozoários. Um dos achados surpeendentes no Trypanosoma cruzi é uma família de genes chamada Masp, sigla de proteínas de superfície associadas à mucina, já com 1.300 integrantes, mas cujas funções ainda são desconhecidas. Esse foi, por sinal, o mais indomável dos três parasitas, a ponto de ter exigido modificações nos programas de montagem e análise de genes. “O genoma do T. cruzi é altamente complexo e repetitivo, mais que o usual”, reconhece Andersson. Pelo menos metade das seqüências genéticas tem uma cópia e a outra metade pode ter mais de duas cópias. “Por causa dessas seqüências repetitivas”, conta Santuza, “não foi possível fazer a montagem completa do genoma”. Outra razão pela qual não se pôde dar ao genoma a forma de uma longa fita é que não se sabe ao certo quantos são os

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cromossomos – as estruturas que contêm os genes – do T. cruzi: deve ser algo próximo a 28; o problema é que alguns cromossomos têm só uma cópia e outros, duas ou mais. Driblando anticorpos - Essas repetições de genes e de cromossomos, cogita Santuza, devem facilitar a recombinação genética e o aperfeiçoamento de artifícios que permitem a esses parasitas escapar das defesas dos organismos que invadem – mesmo com um vasto trecho do genoma em comum, os tritryps, como foram chamados, guardam diferenças sutis, mas essenciais. O Trypanosoma brucei vive no sangue de mamíferos e escapa dos anticorpos produzindo diferentes proteínas de superfície – é a variação antigênica: os anticorpos reconhecem os invasores que tenham uma proteína A, digamos, mas deixam escapar os que já trocaram a proteína A por uma B qualquer. Curiosamente, os genes ligados às proteínas de superfície são geralmente truncados – só 7% funcionam direito. Já o T. cruzi invade as células – primeiro as da pele e depois as do coração – e se vale da chamada variabilidade

Momento inicial da infecção: T. cruzi invadem uma célula de mamífero

antigênica: o causador da doença de Chagas produz, ao mesmo tempo, dezenas de variantes de proteínas de superfície, que lhe permitem não só driblar os anticorpos como também se ligar com as células de mamíferos nas quais vive ao longo de seu ciclo de vida. “Talvez estejamos mais perto de entender como esses parasitas têm tanto sucesso e sobrevivem em organismos tão diferentes”, comenta Angela Cruz, da USP de Ribeirão Preto, “mas temos de usar esse conhecimento para algo útil. Quem trabalha com a genética desses organismos deveria se unir com aqueles que trabalham com estrutura de proteínas ou fazem desenhos de medicamentos, para otimizar a busca de melhores alvos nos parasitas e gerar compostos para serem testados. Temos de fazer um esforço concentrado e concertado para chegar a medicamentos ou a métodos preventivos factíveis no combate a essas doenças”. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 45 ■


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CIÊNCIA

VIROLOGIA

Golpes abaixo da cintura HTLV-1 espalha-se como o vírus da Aids e causa disfunção erétil F ABRÍCIO M ARQUES

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alvador,a capital da Bahia, amarga a maior incidência de portadores do vírus HTLV-1 no Brasil.Em cada grupo de mil habitantes,20 estão contaminados com o vírus linfotrópico de células T humanas, um mal silencioso que,em 5% dos casos,causa um tipo gravíssimo de leucemia ou uma mielopatia,doença neurológica que provoca problemas de locomoção e perda de controle muscular.A incidência da moléstia em Salvador é cinco vezes maior do que a observada em São Paulo e sete vezes superior à do Rio de Janeiro.No Brasil,estima-se que 2 milhões de pessoas estejam contaminadas.Tais números têm o aval dos bancos de sangue do país,que desde 1993 realizam obrigatoriamente testes anti-HTLV-1 em todo o sangue doado.Tamanha expressão da moléstia transformou a capital baiana num ambiente propício para pesquisas sobre o HTLV-1,um retrovírus que tem parentesco distante com o HIV,causador da Aids. Um estudo publicado na edição de março do International Journal ofImpotence Research dá conta de que o comprometimento da atividade sexual entre as vítimas da doença em Salvador é mais comum do que se calculava e que a disfunção erétil, associada a outros sintomas urinários, é um importante marcador do início da moléstia.Assinado pelo urologista Neviton Castro,do Servi ço de Imunologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos, vinculado à Universidade Federal da Bahia (UFBA),a pesquisa acompanhou um grupo de 79 pacientes atendidos no Ambulatório Multidisciplinar de HTLV-1 da instituição,por onde j á passaram mais de 800 vítimas da doença desde 2000.O índi-

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ce dos que não conseguiram ereções satisfatórias em mais da metade das tentativas de fazer sexo chegou a 36,7% e 45,5% responderam que tiveram pouca ou nenhuma satisfação sexual, levando-se em conta o espaço de tempo de 30 dias anteriores à pesquisa. A maioria das vítimas tinha de 35 a 50 anos. Em 95% dos indivíduos infectados o HTLV-1 não apresenta nenhum sintoma, embora os portadores do vírus continuem espalhando a doença. Nos 5% restantes, depois de um período de latência que pode durar até 20 anos, podem eclodir duas moléstias distintas. Uma é a leucemia das células T, que, uma vez instalada, implica uma sobrevida de no máximo 24 meses. Graças a uma enzima, a transcriptase reversa, o genoma do HTLV-1 se integra ao da célula hospedeira. Essa integração faz com que, em alguns casos, a célula infectada sofra processo de malignização. O linfócito T, responsável em grande parte pela imunidade mediada por via celular, é o alvo do vírus. A disfunção erétil e a dificuldade de controlar a micção estão associadas a uma das manifestações da moléstia, a mielopatia chamada paraparesia espástica tropical. Conduz a um processo inflamatório que leva à destruição da bainha de mielina, isolante das célu-

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las nervosas. Outros sintomas observados são a perda progressiva dos movimentos dos membros inferiores, inflamações do globo ocular e até uma forma grave de escabiose, a sarna. “Temos casos raros em que pacientes jovens pararam de andar e passaram a ter problemas de ereção e de controle do ato de urinar”, diz o médico Castro. “Trata-se de uma doença incapacitante, para a qual há poucas opções de tratamento”, afirma. Não existe cura. As terapias para impedir a proliferação do vírus e reduzir a velocidade degenerativa reúnem corticosteróides, vitamina C e interferon. Também não há vacina contra esse retrovírus, que sofre constantes mutações. Os remédios da família do Viagra são eficientes para amenizar boa parte dos casos de disfunção erétil, mas a estratégia não funciona para os pacientes mais graves. Escravos - Tanto o HTLV-1 como o HIV são transmitidos por via sexual, sangue contaminado, compartilhamento de seringas ou por amamentação. As coincidências terminam aí. O HIV infecta os linfócitos T e os destrói, provocando uma severíssima imunodepressão. Já o HTLV-1 causa uma multiplicação anômala dos linfócitos, associada à eclosão de processos inflamatórios.

Atleta em descanso, João Batista Ferri

Também provoca depressão do sistema imunológico, embora de forma bem mais amena que o HIV. Uma tese de doutoramento a ser defendida por Rita Mascarenhas, da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública e do Laboratório Avançado de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Salvador, evidenciou uma queda na resposta imunológica mesmo em vítimas do HTLV-1 que não tinham sofrido a proliferação anômala dos linfócitos T. Rita pertence a um outro grupo de pesquisadores, liderado pelo patologista Bernardo Galvão, com um trabalho destacado na análise do HTLV em Salvador. Eles também criaram, em 2002, um ambulatório que acompanha cerca de 400 pacientes, o Centro HTLV, e se dedicam a pesquisas no campo da imunologia e do estudo da origem do vírus. “Cada vez mais, o HTLV-1 é visto como uma síndrome com indícios de imunossupressão e diferentes manifestações clínicas inflamatórias”, diz Fernanda Grassi, médica e pesquisadora da Fiocruz em Salvador. As pesquisas realizadas pelos grupos da Fiocruz e da UFBA complementam-se. O caráter imunossupressor do HTLV-1 já havia sido evidenciado em pesquisas do médico Edgar Carvalho, da UFBA, mostrando que as vítimas são mais suscetíveis a moléstias como tuberculose e esquistossomose e sofrem o agravamento do quadro provocado pela parasitose intestinal estrongiloidíase. Um trabalho realizado por Luiz Carlos Alcântara, pesquisador do Laboratório Avançado de Saúde Pública e professor da Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública, encontrou respostas para a prevalência exagerada de HTLV-1 em Salvador. O fenômeno, que mescla genética e história, resultaria de múltiplas introduções de linhagens do vírus provenientes do sul da África. Escravos bantos trazidos de Angola e Madagascar entre os séculos 17 e 19 teriam trazido os subtipos mais disseminados em Salvador. Da mesma forma, o vírus é especialmente prevalente no sudeste dos Estados Unidos onde há agrupamento de negros. Não se trata, contudo, de uma doença vinculada à etnia africana. A infecção pelo HTLV-1 é endêmica nas ilhas do sul do Japão, com 40% da população contaminada, e no Caribe, onde o contágio chega a 10%. •

ACERVO PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO/REPRODUÇÃO EDUARDO CESAR

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CLIMATOLOGIA

O mapa dos ventos Correntes de ar levam umidade ou fumaça da Amazônia até a bacia do Prata F RANCISCO B ICUD O

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ntre dezembro de 2002 e fevereiro de 2003, os pesquisadores que participaram da etapa brasileira do projeto SALLJEX (South American LowLevel Jet Experiment) lançaram nos céus da Amazônia cerca de 700 balões semelhantes aos usados para decorar festas infantis. Alguns deles, em uma caixa, transportavam sensores que mediam a pressão atmosférica, a temperatura, a umidade do ar e a velocidade dos ventos. A análise dos dados – armazenados em computadores no Brasil, na Bolívia, na Argentina e no Paraguai – está detalhando as características e as trajetórias dos chamados jatos de baixos níveis da América do Sul (South American Low-Level Jet, ou SALLJ), além de apontar os fenômenos que ajudam a desencadear. Identificados na década de 1960, os jatos nascem na Região Norte e cruzam o país em direção ao sul, estabelecendo uma relação direta entre os ventos que sopram na Amazônia para o sul, ao leste dos Andes, e as chuvas que caem na bacia do Prata, vasta área que, além de São Paulo e dos estados do Sul, abrange o Uruguai e o norte da Argentina e do Paraguai.

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Impacto remoto: massas de ar próximas à superfície transportam gases de desmatamentos como este que podem reduzir as chuvas ao sul


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“Esses jatos são como rios voadores, que carregam umidade do norte para o sul”, explica José Antonio Marengo Orsini, do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do trabalho. “Os jatos se localizam nas camadas mais baixas da atmosfera, a até 3 quilômetros de altitude, e viajam com velocidades que podem atingir 50 quilômetros por hora”, acrescenta Maria Assunção Faus da Silva Dias, pesquisadora do CPTEC e integrante desse estudo. “Quando chegam ao Prata”, completa Carolina Vera, da Universidade de Buenos Aires, outra participante do projeto, “os jatos são um dos responsáveis pela ocorrência de fortes chuvas, especialmente no verão”. Marengo, Assunção e Carolina integraram uma equipe de cerca de 50 pesquisadores de oito países: Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Chile, Peru e Estados Unidos. O SALLJEX integra o Programa Internacional de Variabilidade do Sistema de Monção da América (Vamos, Variability of American Monsoon System), patrocinado pelo Programa Internacional de Variabilidade e Previsibilidade de Clima (Clivar, Climate Variability and Predictability), associado à Organização Meteorológica Mundial. Para Marengo, esse trabalho ajuda a estimar os possíveis impactos causados pelo desmatamento da Floresta Amazônica sobre o clima na porção sul da América Latina, além de contribuir para melhorar a previsão do tempo para essas áreas. A origem dos jatos de baixos níveis está associada aos ventos alísios vindos do oceano Atlântico, que invadem o território brasileiro pela ponta superior da Região Nordeste. Quando chegam à Amazônia, absorvem muito vapor d’água, liberado pelas folhas da floresta por meio da transpiração. Já na fronteira do Estado do Acre com a Bolívia encontram a cordilheira dos Andes. As montanhas funcionam simultaneamente como um acelerador e uma barreira, já que aumentam a velocidade de circulação dos jatos e os desviam rumo ao sul. Os jatos passam então pelos esta-

dos de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Ao chegar à bacia do Prata, interagem com o relevo e com frentes frias nascidas no pólo Sul, fazendo surgir os Complexos Convectivos de Mesoescala. São nuvens extremamente espessas, que atingem até 18 quilômetros de altitude e mil quilômetros de diâmetro, com ciclo de vida que pode durar até 36 horas.

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ormadas normalmente durante a noite e principalmente no verão, essas nuvens são responsáveis por tempestades e por descargas elétricas verificadas no sul do país e no norte da Argentina e do Paraguai. “Graças aos jatos de baixos níveis, quando começa a ventar lá, é bom já se preparar para chuvas bem fortes por aqui”, compara Pedro Leite da Silva Dias, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) e participante do projeto. Dias lembra que a influência dos jatos é mais evidente durante o verão, quando a umidade é intensa; no inverno, estação mais seca, o impacto tende a diminuir. Os jatos que representam as fontes de chuvas, no entanto, podem servir como meio de deslocamento para elementos nem tão bem-vindos. “O pro-

O PROJETO Componente Brasileira do Experimento de Campo do Jato de Baixos Níveis a Leste dos Andes: Interações em Meso e Grande Escala entre as Bacias Amazônica e do Prata (Salljex-Brasil) MODALIDADE

Projeto Temático COORDENADOR

JOSÉ ANTONIO MARENGO ORSINI – CPTEC/Inpe INVESTIMENTO

R$ 1.150.742,09 (FAPESP)

blema é que os jatos também podem transportar a fumaça das queimadas”, alerta Marengo, principal autor dos artigos científicos que detalham esses resultados, publicados na revista Climate Dynamics em janeiro deste ano e na Journal of Climate em junho de 2004. “Com o desmatamento aumentando”, diz ele, “supõe-se que a redução da contribuição do vapor d’água da vegetação da Amazônia para a atmosfera afete sensivelmente o transporte de umidade para a bacia do Prata, com conseqüências diretas sobre as estações chuvosas, embora ainda não seja possível quantificar essa mudança”. O alerta faz sentido. Entre 2003 e 2004, o Inpe registrou o segundo maior índice de desmatamento da Floresta Amazônica, desde que a série de acompanhamento foi criada, em 1988. Foram 26.130 quilômetros quadrados de árvores destruídas, uma área semelhante ao Estado de Alagoas. Fumaça e poeira - O impacto das queimadas, uma das principais estratégias utilizadas para a expansão das fronteiras agrícolas, é bem conhecido: ameaça de extinção de espécies de animais e de plantas e erosão do solo, que fica menos protegido. A fumaça e os gases liberados – como o monóxido de carbono e o ozônio – concentram-se no ar e tornam o clima mais seco e as temperaturas, mais altas. Por causa dos jatos de baixos níveis, é possível afirmar que mesmo quem vive nas regiões Sul ou Sudeste do país e mesmo em países vizinhos não está livre dessas conseqüências. Embora a emissão de fumaça seja localizada, seu impacto é global. Com as queimadas, os jatos tornam-se menos caudalosos e, em vez do vapor d’água, ajudam a transportar poeira e gases poluentes para o Prata. As alterações sobre o clima da Região Sul podem ser significativas. Segundo o Inpe, em janeiro de 2002 a quantidade média de chuvas nos estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina foi de 100 a 150 milímetros; em 2003, no mesmo período, a média foi mantida – com a diferença que, em uma longa faixa territorial localizada no sul gaúcho, esse valor caía para 50100 milímetros. No ano seguinte, os dois estados registraram chuvas totais de 50-100 milímetros, sendo que, no


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NOAA

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A dupla função da cordilheira dos Andes: barreira e aceleradora dos ventos rumo ao sul

noroeste gaúcho, a quantidade chegava a apenas 25-50 milímetros. A situação melhorou em janeiro último, quando Rio Grande do Sul e Santa Catarina voltaram a anotar quantidade de chuvas entre 100 e 150 milímetros. É verdade que os jatos de baixos níveis não são os únicos responsáveis pelas chuvas, associados também às massas de ar frio que partem do pólo Sul e às correntes marítimas, além do El Niño, que esquenta as águas do oceano Pacífico. Menos chuva - “A economia da bacia do Prata depende basicamente da agricultura e da pecuária, que por sua vez dependem das estações chuvosas”, diz Tercio Ambrizzi, professor do IAG da USP que participou do projeto. Essa preocupação também se justifica. A safra da Região Sul em 2003/2004 foi de aproximadamente 49 milhões de toneladas, mas a previsão é que caia para 45 milhões em 2004/2005. Os especialistas especulam que a alteração no perfil das chuvas, causada pela variabilidade na-

tural de clima e pela ação humana, especialmente as queimadas da Amazônia, pode ser uma das responsáveis por essa queda da produtividade, já que a área cultivada manteve-se estável. Esse tipo de transporte de umidade começou a ser estudado há quatro décadas, quando o norte-americano William Bonner estabeleceu a relação entre os jatos de baixos níveis nascidos no golfo do México e o clima úmido das planícies centrais dos Estados Unidos. Depois o alemão Gordon Gutman, que vivia na Argentina, identificou ventos semelhantes que caminhavam ao longo dos Andes, mas foi o tanzaniano Hassan Virji, radicado nos Estados Unidos, quem demonstrou a existência dos jatos também na América do Sul, já no início dos anos 1980. Vinte anos depois, no dia 19 de janeiro de 2003, em Santa Cruz, na Bolívia, o avião emprestado pelo National Oceanic and Atmospheric Administration, dos Estados Unidos, usado com os balões na coleta de dados, detectou jatos

de baixos níveis em quantidade elevada, viajando a uma velocidade próxima a 40 quilômetros por hora. No dia 20 atingiam 50 km/h. Um dia depois enormes nuvens cobriam os céus da Argentina e do Paraguai – eram os Complexos Convectivos de Mesoescala. Fortes tempestades atingiram esses dois países nos dias 22 e 23 de janeiro. “Acompanhamos todo o processo, desde a formação dos jatos na Amazônia até as tempestades do Prata”, comemora Maria Assunção. Mas nem sempre os jatos de baixos níveis aparecem nos boletins de previsão do tempo. O problema não está na resolução dos modelos meteorológicos, mas no fato de haver poucas estações de observação na Região Norte do país. A Organização Meteorológica Mundial recomenda uma estação a cada 500 quilômetros, mas na Amazônia a distância pode chegar a mil quilômetros. Por isso, os jatos muitas vezes passam despercebidos e as tempestades no Prata não são previstas com tanta antecedência. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 51 ■


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CIÊNCIA

ZOOLOGIA

chuva

Enquanto a

não chega

Perereca exclusiva da Caatinga vive em buracos de árvore que fecham com sua cabeça dura e espinhosa C ARLOS F IORAVANTI F OTOS C ARLOS J ARED

A

o sentir os primeiros sinais de que a terra está esquentando e a água escasseando,a jia-de-parede se enfia de costas num estreito buraco de árvore e se fecha usando como tampa sua cabeça chata e ossuda em forma de escudo.Essa perereca de pele lisa e úmida,que mede de 10 a 15 centímetros de comprimento com as patas esticadas,pode ficar alojada ali dentro durante meses ou anos,dependendo da intensidade da seca,praticamente sem perder água,até a chuva voltar. Passa os dias imóvel,meio zonza de sono,e só acorda à noite,caso detecte algum inseto por perto.Nesse caso, rapidamente o abocanha e,saciada,retorna ao estado de dormência,com o organismo funcionando lentamente.A Corythomantis greeningi é um exemplo notável de adaptação de anfíbios à crônica falta d’água do sertão nordestino. Por décadas se pensou que sua habilidade de poupar água se devesse somente à sua cabeça seca e dura como uma pedra,que fecha a entrada do buraco ou das fendas de rochas em que se esconde.

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Mas uma equipe do Instituto Butantan coordenada pelo biólogo Carlos Jared demonstrou que a cabeça por si só,mesmo funcionando como tampa, colabora pouco para a economia de água. “O próprio ato de esconder-se e de criar uma barreira com parte do corpo permite uma brutal economia hídrica”,diz.Em um artigo publicado na revista inglesa Journal ofZoology , Jared e outros pesquisadores do Butantan,da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) demonstram que essa cabeça rara tem um papel muito mais importante:proteger a perereca contra predadores. Além de ser um capacete, é coberta por espinhos e glândulas de veneno,liberado por meio de protuberâncias semelhantes a verrugas escuras, bem maiores na cabeça que no restante do corpo. Mesmo sabendo do veneno,Jared,com o propósito de mostrar quão dura e magra é a cabeça dessa perereca,segura com a m ão um dos 16 exemplares trazidos de Angicos, no Rio Grande do Norte,e mantidos no biot ério do Butantan.Sentindo-se preso,o animal imediatamente come ça a girar e a esfregar o crânio entre os dedos de Jared,


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liberando um líquido esbranquiçado e viscoso, cuja letalidade se aproxima à do veneno da jararaca, como uma equipe do Butantan atestou. “Dói um pouco, mas foi superficial, não entrou na corrente sangüínea”, diz o biólogo antes de lavar as mãos apressadamente. Jared havia sugerido em um estudo publicado em 1999 que a secreção da pele dessa espécie teria também uma ação antibiótica, já que o animal permanecia muito tempo fechado em um ambiente úmido, provavelmente povoado por fungos e bactérias. Como outra equipe do Butantan comprovou, há de fato um antibiótico nessa secreção da pele. Camuflagem natural - Na luta contra os predadores, a jia-de-parede conta também com os espinhos que formam uma camada óssea na pele e cobrem toda a cabeça, até mesmo as pálpebras. “Com esses espinhos”, diz Jared, “fica muito difícil para os predadores abocanhar a perereca ou tirá-la de seu esconderijo”. Ele acredita que os espinhos e as glândulas de veneno funcionem até contra animais pequenos como os insetos hematófagos que tenham descoberto sua camuflagem – a cabeça tem a mesma textura e cor das cascas de árvore – e queiram tirar-lhe algum sangue. Identificada em 1896 pelo biólogo belga George Albert Boulanger a partir de exemplares mantidos no British Museum, em Londres, essa espécie exclusiva da Caatinga ganhou o nome popular de jiade-parede porque às vezes aparece grudada nas paredes dos banheiros das casas do norte de Minas Gerais até o Maranhão. É também uma forma de diferenciar da jia verdadeira, também chamada de rã-pimenta (Leptodactylus labyrinthicus), de porte mais impressionante, dez vezes mais pesada que a jia-de-parede e capaz de comer dois camundongos inteiros com uma só abocanhada.

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Outros anfíbios se valem de artifícios até mesmo opostos que lhes permitem resistir ao atordoante calor do semi-árido. É o caso do sapo-cururu (Bufo jimi), um grandalhão exibido: pode ser visto caçando insetos até mesmo sob um sol intenso. Ele resiste porque, segundo Jared, sua pele é constituída por uma espessa camada de grânulos de cálcio que barra a saída de água. Essa armadura parece estar ausente só na região da virilha, intensamente vascularizada, por onde a água penetra no corpo dos anfíbios. “Um sapo sentado sobre uma região úmida pode estar bebendo água à sua maneira”, diz o biólogo do Butantan. Já as rãs Proceratophrys cristiceps, outra espécie exclusiva da Caatinga, abrem caminho à procura de umidade com as patas traseiras na areia do leito de rios temporários, cuja superfície já secou. Podem ficar enterradas em uma coluna de até 1 metro de areia e ressurgir adormecidas quando os mora-

dores locais cavam um poço nos rios secos em busca de água. O estado de torpor com que a Proceratophrys se exibe nessas horas é o equivalente dos trópicos à hibernação – é a chamada estivação, acionada pela seca ao invés do frio, quando o metabolismo dos animais praticamente pára. Quando a chuva volta, nos primeiros meses do ano, as plantas renascem de um dia para o outro, a terra se cobre de verde e as pererecas, as rãs e os sapos saem do estado de torpor: começa então o roc-roc-roc dos machos à procura das fêmeas para o acasalamento. As Proceratophrys machos cantam em uníssono e criam um som forte que mesmo as fêmeas mais distantes conseguem escutar. Não se pode perder tempo: é preciso reproduzir-se e alimentar-se com rapidez, antes que a época das chuvas termine e a seca volte a assolar o sertão. •

Fugindo da seca: a jia-de-parede passa meses escondida (à esquerda), protegend0-se com sua cabeça cheia de espinhos (no detalhe). Só reaparece com as primeiras chuvas do ano


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CIÊNCIA

ASTRONOMIA

Fermento cósmico Regiões mais adensadas de galáxias similares à Via Láctea fornecem gás e poeira para a formação de outras estrelas

R

onaldo de Souza e Dimitri Gadotti, astrônomos da Universidade de São Paulo (USP), dispuseram-se nos últimos cinco anos a investigar como e quando se formaram as galáxias.Hoje não têm todas as respostas,claro,mas conseguem explicar melhor a formação e o desenvolvimento de cerca de um terço do 1 bilhão de galáxias existentes no Universo.A observação de quase uma centena desses aglomerados de estrelas,aliada à perspicácia de recorrer a um antigo teorema da mecânica clássica,permitiu aos dois astrônomos elaborar um programa de computador que calcula a idade e as dimensões de estruturas peculiares de galáxias similares à Via Láctea,que abriga o Sistema Solar.Souza e Gadotti constataram que essas estruturas com a forma aproximada de retângulos – ou barras – podem ser relativamente recentes ou,nos casos extremos, quase tão antigas quanto as próprias galáxias chamadas de barradas.São as barras,como eles verificaram,que alimentam a região central dessas galáxias com poeira e gás que formarão novas estrelas.O modelo matemático que criaram está ajudando a reclassificar até mesmo outros tipos de galáxias.

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As galáxias barradas são similares à Via Láctea,classificada como gal áxia espiral,porque tamb ém apresentam centenas de milhões de estrelas na região central em forma de esfera – o núcleo – e outras centenas de milhões dispersas em um fino disco de gás e poeira semelhante a um redemoinho cósmico. Uma característica das barradas é que,naquela faixa luminosa em forma de retângulo,a densidade de estrelas é maior que no disco,mas inferior à do núcleo, também chamado de bojo. Uma série de estudos teóricos atribuía às barras o papel de fermento galáctico.Formadas em regi ões de maior concentração de estrelas no disco,essas estruturas crescem como um pão no forno,mas muito lentamente – em até bilhões de anos. À medida que se tornam mais espessas que o disco,as barras alimentam o bojo das galáxias com poeira e gás, matérias-primas para a produção de estrelas,contribuindo para o acúmulo de matéria no núcleo. Mas esse era um panorama construído a partir de simulações em computador. Faltavam dados de observação direta para confirmar se o comportamento do Cosmo era mesmo esse. “Cinco anos atrás,quase nada se sabia sobre a idade, as dimensões e a evolução das barras”, comenta Souza,coordenador dessa linha de estudos que integra um projeto

temático sobre a evolução de galáxias, conduzido por Sueli Viegas,do Instituto de Astronomia,Geof ísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Os primeiros sinais de que o modelo estava certo surgiram em 2001.Em parceria com a astrônoma Sandra dos Anjos, também do IAG,Gadotti analisou imagens de 257 galáxias espirais. Constatou que realmente há uma concentração maior de estrelas jovens no bojo das galáxias barradas – como a NGC 4314 à direita – do que no núcleo daquelas sem barra.Era um ind ício de que as barras alimentam a região central dessas galáxias,uma vez que as estrelas em geral se formam em regiões distantes dali,no disco. Medidor de galáxias - Com o auxílio de um telescópio no hemisfério Norte e de outro no hemisfério Sul,os astr ônomos da USP observaram as características de 14 galáxias que aparecem no céu próximas à projeção da linha do Equador,o chamado Equador Celeste. Ao longo de dez noites de 1999,2000 e 2002,Souza e Gadotti registraram em pontos do disco,da barra e do bojo de cada galáxia a média das velocidades com que as estrelas se deslocam,aproximando-se ou se afastando do observador em Terra – medida conhecida como dispersão de velocidades.Desco-


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briram que, no disco, as estrelas se movimentam a velocidades que, em média, variam de 5 a 20 quilômetros por segundo (km/s), enquanto esses valores são próximos a 100 km/s no bojo. Foram essas medidas que permitiram aos pesquisadores estimar a idade das barras. “Identificamos barras bastante jovens, formadas há 1 bilhão de anos, e outras mais evoluídas, quase tão antigas quanto as próprias galáxias, formadas cerca de 10 bilhões de anos atrás”, afirma Gadotti, atualmente no laboratório da astrônoma grega Lia Athanassoula, no Observatório Astronômico de Marselha-Provença, na França. Isolados, porém, esses dados eram insuficientes para determinar a espessura e o tempo de formação dessas estruturas. Para definir a espessura das barras, os astrônomos recorreram a um antigo teorema da mecânica clássica – o Teorema de Virial, proposto em 1870 pelo físico alemão Rudolf Clausius –, por meio do qual associaram a dispersão das velocidades das estrelas à massa das diferentes regiões das galáxias. Feitos os cálculos, concluíram: a formação das barras dura de 1 a 2 bilhões de anos, quando elas atingem sua espessura máxima, correspondente a duas ou três vezes à do disco. Em uma galáxia barrada com a dimensão da Via Láctea, a espessura do disco seria de cerca de 9,5

quatrilhões de quilômetros e a da barra, de 19 a 27 quatrilhões de quilômetros – o tripulante de uma nave capaz de viajar a velocidades próximas à da luz levaria entre 19 mil e 27 mil anos para percorrer a espessura da barra. Também observaram que essas barras podem desaparecer e depois ressurgir, num processo cíclico que alimenta continuamente o bojo da galáxia. Novas formas - Outro achado surpreen-

dente: duas galáxias com uma barra bastante desenvolvida, mas sem o disco que a teria originado – uma estrutura inusitada. Uma avaliação mais detalhada revelou que, na realidade, a região interna do disco havia desaparecido, restando apenas seu resquício: um anel que envolvia a barra e o bojo. Ainda não existe uma explicação consensual para a ausência de disco. Em um artigo publicado no Astrophysical Journal em 2003, Souza e Gadotti propuseram duas possibilidades: ou essas galáxias são exemplos extremos em que a formação da barra consumiu quase todo o disco, ou estariam envoltas em um halo ligeiramente achatado de uma forma de matéria que não emitiria luz e, portanto, não poderia ser observada pelos telescópios – a chamada matéria escura. “Testamos o modelo da matéria escura e constatamos que o

halo com forma elíptica pode induzir à formação das barras mesmo sem a existência do disco”, explica Gadotti. O programa de computador que ele, Souza e Sandra criaram deve também facilitar a vida dos astrônomos que se dedicam à classificação das galáxias segundo sua forma. Esse método, criado pelo astrônomo Edwin Hubble em 1926, separa as galáxias em dez categorias, que incluem das esferóides, com bojo semelhante a uma esfera perfeita e sem disco, às elípticas e às espirais com ou sem barras. Chamado Budda (sigla em inglês para Análise da Decomposição Bojo/Disco), o programa usa equações desenvolvidas pela equipe do IAG para analisar 11 parâmetros relacionados à luminosidade e à geometria do disco e do bojo da galáxia – antes observavam-se só três parâmetros. No primeiro teste foram examinadas imagens de 51 galáxias observadas no Laboratório Nacional de Astrofísica, em Minas Gerais. E o Budda impressionou ao identificar estruturas ocultas – como discos que não podiam ser observados ou a existência de barras secundárias – e detectar incorreções na classificação de 15 galáxias. Estima-se que de 10% a 15% das galáxias estejam classificadas em categorias erradas. •

R ICARD O Z ORZET TO PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 55 ■

RONALDO DE SOUZA / IAG-USP

Sementes de estrelas: faixa luminosa de poeira e gás alimenta a região central da galáxia NGC 4314


Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org

Notícias O Comitê Consultivo SciELO Brasil aprovou o pedido de inclusão de quatro novos títulos que, em breve, estarão disponíveis no site SciELO Brasil. Em Ciências Biológicas entrou Entomologia y Vectores e, em Ciências Humanas, Kríteríon: Revista de Filosofia, RAE Eletrônica e Revista Brasileira de Educação. Informação complementar sobre o processo de seleção e avaliação de periódicos da coleção SciELO Brasil pode ser acessada a partir do endereço: www.scielo.br/avaliacao/ avaliacao_pt.htm

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História

Paixão pela ciência A relevância do arquivo de Carlos Chagas Filho para os estudos da história da ciência no século 20 é o mote do artigo "Ciência, política e paixão: o arquivo de Carlos Chagas Filho", de Ana Luce Girão Soares de Lima, Francisco dos Santos Lourenço e Ricardo Augusto dos Santos, da Casa de Oswaldo Cruz (COC), e Cecília Chagas de Mesquita e Leonardo Arruda Gonçalves, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro. O estudo tem como base documentos referentes às instituições em que Chagas Filho atuou, tais como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano, além daquelas em que ele foi o criador, como o Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A intenção desse trabalho é resgatar facetas da trajetória do cientista dentro dos processos de formulação de políticas públicas de desenvolvimento e valorização da prática científica no Brasil e no exterior. "Vivemos um período em que, com a valorização da história cultural, os pesquisadores debruçam-se cada vez mais sobre as biografias, entendidas não apenas como um gênero literário, mas também como aquelas que nos são descortinadas pelos arquivos, esses nossos velhos conhecidos", afirmam os pesquisadores. O estudo defende que um arquivo pessoal está longe de ser uma biografia, mesmo porque lhe falta a retórica, inerente ao trabalho do historiador, ou o estilo literário do escritor. "Entretanto, não pode ser tratado como um mero vestígio à espera de quem lhe dê sentido, pois é rico portador de uma infinidade de registros, a verdadeira dimensão material da memória." Chagas Filho nasceu no Rio de Janeiro em 12 de setembro de 1910. Médico, formado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro, teve como legado uma fortíssima herança científica, carregada até mesmo no nome. Dentre os grandes blocos

temáticos presentes no arquivo, destacam-se: a fundação do Instituto de Biofísica em 1945, matriz para a elaboração de uma política científica no Brasil, e as pesquisas com o peixe-elétrico ou poraquê, Electrophorus electricus, e o curare, substância com ação farmacológica comprovada, extraída de várias espécies de vegetais, ambos originários da região Amazônica. HISTóRIA, CIêNCIAS, SAODE-MANGUINHOS VOL. 12 - N° 1 - Rio DE JANEIRO - JAN./ABR. 2005

www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=Soi045970200500oioooio&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Educação

Análise crítica da psiquiatria A alegria de passar na residência médica de psiquiatria talvez seja comparável, em intensidade, ao desespero sentido pelo residente quando se dá conta da quantidade de informação que o espera. E pior: terá apenas dois anos para absorver tudo. "É difícil entender como uma das especialidades que mais crescem com a medicina pode ser assimilada em tão curto período de tempo", dizem os autores do artigo "Residência em psiquiatria no Brasil: análise crítica", Bruno Coelho, Marcus Zanetti e Francisco Lotufo Neto, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). "A psiquiatria evoluiu muito nas últimas décadas e seu estudo tornou-se, conseqüentemente, mais complexo", explica o estudo. "Os avanços em neurociências, aliados aos estudos clássicos de psicopatologia, psicofarmacologia, psicoterapia e neurologia, influenciaram grandemente o diagnóstico e o tratamento psiquiátricos. Apesar disso, a residência em psiquiatria no Brasil não se adequou a essa nova realidade", apontam os pesquisadores. Partindo das recomendações da World Psychiatry Association (WPA), o artigo compara diversos programas de residências brasileiros com os de países das Américas e Europa. A idéia foi propor um currículo mínimo para a residência em psiquiatria no Brasil. Segundo o estudo, alguns pontos se destacam na maioria dos programas pesquisados. Entre eles: duração mínima de três anos, estágio integral em neurologia por no mínimo um mês, ensino e prática das diversas


linhas psicoterápicas e abrangência das várias etapas da vida (crianças, adultos e idosos). "Porém, o modelo brasileiro de residência em psiquiatria encontra-se defasado em relação à formação proposta pela WPA. A residência necessita, respeitando as diferenças regionais de cada escola, prover o mínimo para uma boa formação do psiquiatra", citam os autores. Levando em consideração as atuais limitações do modelo pedagógico e curricular, o artigo propõe uma reestruturação dos programas de residência médica em psiquiatria no Brasil, a começar pelo tempo de formação mínimo exigido. "A especialização é fruto do desenvolvimento, mas, como o paciente é um todo, é necessária a integração. Para isso é preciso tempo."

giões como Bangladesh, África do Sul e Brasil. Segundo o artigo, a facilidade de implantação deste protocolo, que pode ser efetuado em cerca de uma semana, justifica sua utilização em larga escala. REVISTA DA ASSOCIAçãO MéDICA BRASILEIRA N° 2 - SãO PAULO - MAR./ABR. 2005

- VOL. 51 -

www.scielo.br/scielo. prip?script=sci_arttext&pid=Soio4423020050oo20ooi8&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Agronegócio

Os poderes da soja REVISTA DE PSIQUIATRIA DO RIO GRANDE DO SUL 27 - N° 1 - PORTO ALEGRE - JAN./ABR. 2005

- VOL.

www.scielo.br/scielo.ph p?script = sci_a rttext&pid = Soioi8io820050ooioooo2&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Protocolo

Combate à desnutrição infantil Avaliar a evolução antropométrica, terapia nutricional e mortalidade de crianças desnutridas hospitalizadas em um centro de referência da cidade de São Paulo. Este foi o objetivo do estudo "Tratamento da desnutrição em crianças hospitalizadas em São Paulo". "Tem sido observada uma significativa redução na prevalência da desnutrição energético-protéica em diversas partes do mundo, incluindo o Brasil. Apesar disso, tal doença ainda se configura como importante problema de saúde pública, especialmente em crianças menores de 5 anos", apontam os pesquisadores. Por conta disso, o estudo retrospectivo avaliou 98 prontuários de crianças desnutridas, sem doença crônica associada. Foram coletadas informações como diagnóstico e tempo de internação, tipo, via e tolerância da dieta, além de peso e estatura na internação e na alta. O artigo alerta para os elevados índices de letalidade, inalterados nas últimas décadas, ocorrendo especialmente nas formas graves de desnutrição. "Uma das causas prováveis para esse fato reside no desconhecimento dos profissionais de saúde com relação à fisiopatologia da desnutrição energético-protéica (DEP) grave. E, conseqüentemente, a instituição aplica terapias inadequadas que resultam em sérias complicações logo nos primeiros dias da internação hospitalar, culminando com a morte." Tendo em vista a necessidade de atualização e adequada capacitação dos profissionais de saúde envolvidos na assistência a crianças gravemente desnutridas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou e divulgou, em 1999, um manual com essa finalidade. "O protocolo da OMS é efetivo no tratamento de crianças gravemente desnutridas, propiciando recuperação nutricional satisfatória com baixo índice de letalidade", conclui o estudo. Experiências positivas dessa redução já foram observadas em re-

O consumo de soja tem sido associado à redução do risco de doenças crônicas. As isoflavonas, compostos fenólicos encontrados na soja, estão envolvidas em atividade anticarcinogênica, redução da perda de massa óssea e diminuição do colesterol do sangue. O artigo "Isoflavonas em produtos comerciais de soja" mostra que no Brasil, o segundo produtor mundial de soja, cerca de 70% do farelo de soja é destinado à exportação e os 30% restantes utilizados em ração animal. Com o crescente aumento da procura por alimentos à base de soja no país, diversos produtos têm sido lançados no mercado e pouco se conhece quanto à presença e a concentração das isoflavonas. Por conta disso, o estudo, assinado por Silvana Favoni e Adelaide Beléia, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), e Mercedes Panizzi e José Mandarino, ambos do Centro Nacional de Pesquisa da Soja (Embrapa Soja), procurou identificar a concentração de isoflavonas em produtos à base de soja produzidos no Brasil. Foram analisados cinco tipos de farinha de soja, quatro tipos de proteínas texturizadas, dois extratos hidrossolúveis em pó e quatro tipos de formulados infantis. A distribuição do teor total de isoflavonas nos produtos analisados variou em função das condições de processamento, sendo a temperatura durante o desenvolvimento do grão o fator mais importante. Em farinha de soja e em proteína texturizada, por exemplo, predominaram os compostos malonil-conjugados, enquanto em extratos hidrossolúveis e formulados infantis predominaram os b-glicosídeos. Em formulados infantis à base de soja, o teor de agliconas foi proporcionalmente superior ao apresentado pelas farinhas analisadas. CIêNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS

- VOL. 24 - N° 4

- CAMPINAS - OUT./DEZ. 2004 www.scie lo.br/scielo. php?scri pt=sci_arttext&pid=Soioi2o6i200Z)0004oooi7&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

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I TECNOLOGIA

■ Um laptop barato e revolucionário O laptop popular, de US$ 100, que seria capaz de revolucionar o ensino público em países pobres, ainda não existe. Mas o idealizador da versão supereconômica de um PC portátil, Nicholas Negroponte, fundador e coordenador do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), não se cansa de procurar parceiros de peso dispostos a abraçar a idéia. Sobretudo os governos de países em desenvolvimento, como a China e a índia, que, em tese, poderiam comprar milhões de máquinas para seus alunos e, assim, dar economia de escala ao projeto. No final de junho, Negroponte esteve no Brasil, onde foi recebido pelo presidente Lula. O professor norte-americano, que lançou o projeto do laptop popular em janeiro

passado, durante o Fórum Mundial Econômico na cidade suíça de Davos, explicou como seria o microportátil e propôs ao governo brasileiro a aquisição de 1 milhão de unidades da engenhoca para uma experiência piloto. Enquanto o Brasil e outros gigantes subdesenvolvidos não respondem se aderem ou não à iniciativa, os pesquisadores do MIT garantem que a tec-

nologia para construir o PC de US$ 100 já está disponível. Sem fios e com conexão para celulares, o laptop popular, segundo Negroponte, não teria "gorduras", mas faria quase tudo o que um laptop bem mais caro faz. Somente sua capacidade de armazenar dados seria bem menor do que a dos micros atuais. Seu disco rígido teria cerca de 1 gigabyte, pouco mais do que o con-

teúdo de um CD-ROM. Essa característica, no entanto, não afetaria o desempenho da máquina, que viria equipada com um microprocessador de 500 megahertz (MHz). Sua tela de 12 polegadas custaria no máximo US$ 25 e usaria uma forma alternativa - e barata - de projetar imagens. Apenas programas de uso livre e gratuito seriam usados no laptop. •

■ Papel eletrônico flexível e colorido

Eficiência com eletrônica simples e pouca memória

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A empresa japonesa Fujitsu desenvolveu um papel eletrônico flexível e colorido que possui memória para armazenar as imagens mostradas. O novo papel, que funciona com baixo consumo de energia elétrica, constitui-se de um filme de polímero superfino, formado por três camadas nas cores vermelha, azul e verde e recoberto com circui-


Hidrogênio no ar As pesquisas para uso de hidrogênio nos motores de aviões começam a crescer. A primeira foi a Boeing, que anunciou os primeiros estudos de células a combustível nas turbinas dos aviões. Esses geradores semelhantes a bateria de carros transformam hidrogênio e oxigênio em energia elétrica produzindo menos poluição, além de serem mais silenciosos e mais eficientes, como mostram as provas de quase todas as montadoras de automóveis que testam esse equipamento. Agora foi a vez da empresa norte-americana AeroVironment, que construiu e testou com sucesso um avião não-tripulado com 15 metros de envergadura chamado de Global Observer Hale. O protótipo da empresa funciona com hidrogênio líquido, embora a empresa não revele se o propulsor é uma célula a combustível. Isso provavelmente acontece porque o avião faz parte de um projeto confidencial e poderá ser usado pelo governo norte-americano em missões militares. Mas o equipamento, que poderá voar na altitude de 19 quilômetros, também servirá para monitorar furacões, tempestades, incêndios florestais e áreas de agricultura e pecuária, além de fazer imagens aéreas. •

tos eletrônicos. Ao anunciar a nova tecnologia, a empresa informou que, como não é necessário o uso de filtros de cores, elas são reproduzidas de maneira mais intensa que nas telas convencionais de cristal líquido. Entre as aplicações previstas para o novo papel, que a empresa pretende colocar no mercado até 2007, está o uso em painéis publicitários, além de transferência de textos ou imagens de telefones celulares ou outros dispositivos portáteis para telas

Superfino, o novo papel eletrônico possui memória para armazenar imagens

maiores, sem a necessidade de cabos. Outras aplicações do papel eletrônico incluem os cardápios de restaurantes, cartazes em lojas e manuais. A memória desenvolvida permite que uma mesma imagem seja mostrada continuamente, sem consumo de eletricidade. Além de superar todas as mídias utilizadas atualmente, a maioria baseada em LEDs, ou diodos emissores de luz, o papel eletrônico também pode ser aplicado sobre superfícies curvas. •

BRASIL Cores precisas no consultório

Refletor com luz fria e baixo consumo de energia

Um novo refletor desenvolvido para o mercado odontologia), em fase final de testes, permitirá aos dentistas enxergar as cores exatas de dentes e gengivas. O equipamento utiliza a tecnologia chamada LED, sigla em inglês para diodo emissor de luz, que produz uma luz totalmente branca. "O LED permite revelar com bastante fidelidade o que o dentista está vendo", diz o professor Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, que desenvolveu o novo aparelho em parceria com a empresa Gnatus, fabricante de equipamentos médico-odontológicos. As lâmpadas halógenas usadas atualmente nos refletores dos consultórios têm uma tonalidade mais amarelada e, por isso, dificultam a visualização. Como o diodo emissor tem um princípio de produção de luz diferente da lâmpada de filamento, ele não emite calor e, portanto, não causa descon-

forto ao paciente. Outra vantagem é que, como se trata de uma luz fria, é baixo o consumo de energia, sem contar que a lâmpada tem uma vida útil muito maior. •

■ Prêmio incentiva a inovação A Siemens lançou a primeira edição do Prêmio Werner von Siemens de Inovação Tecnológica, para comemorar os cem anos em que está instalada no Brasil. A iniciativa abre espaço para projetos de estudantes e pesquisadores das áreas de telecomunicações, tecnologia da informação, automação e controle, geração, transmissão e distribuição de energia, soluções eletromédicas, transporte metroferroviário, iluminação e técnica automotiva, as mesmas em que a empresa atua. Os primeiros colocados receberão R$ 15 mil e um troféu. As inscrições, que se encerram no dia 2 de setembro, podem ser feitas pelo site www.siemens.com.br. •

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Hidrogênio no ar As pesquisas para uso de hidrogênio nos motores de aviões começam a crescer. A primeira foi a Boeing, que anunciou os primeiros estudos de células a combustível nas turbinas dos aviões. Esses geradores semelhantes a bateria de carros transformam hidrogênio e oxigênio em energia elétrica produzindo menos poluição, além de serem mais silenciosos e mais eficientes, como mostram as provas de quase todas as montadoras de automóveis que testam esse equipamento. Agora foi a vez da empresa norte-americana AeroVironment, que construiu e testou com sucesso um avião não-tripulado com 15 metros de envergadura chamado de Global Observer Hale. O protótipo da empresa funciona com hidrogênio líquido, embora a empresa não revele se o propulsor é uma célula a combustível. Isso provavelmente acontece porque o avião faz parte de um projeto confidencial e poderá ser usado pelo governo norte-americano em missões militares. Mas o equipamento, que poderá voar na altitude de 19 quilômetros, também servirá para monitorar furacões, tempestades, incêndios florestais e áreas de agricultura e pecuária, além de fazer imagens aéreas. •

tos eletrônicos. Ao anunciar a nova tecnologia, a empresa informou que, como não é necessário o uso de filtros de cores, elas são reproduzidas de maneira mais intensa que nas telas convencionais de cristal líquido. Entre as aplicações previstas para o novo papel, que a empresa pretende colocar no mercado até 2007, está o uso em painéis publicitários, além de transferência de textos ou imagens de telefones celulares ou outros dispositivos portáteis para telas

Superfino, o novo papel eletrônico possui memória para armazenar imagens

maiores, sem a necessidade de cabos. Outras aplicações do papel eletrônico incluem os cardápios de restaurantes, cartazes em lojas e manuais. A memória desenvolvida permite que uma mesma imagem seja mostrada continuamente, sem consumo de eletricidade. Além de superar todas as mídias utilizadas atualmente, a maioria baseada em LEDs, ou diodos emissores de luz, o papel eletrônico também pode ser aplicado sobre superfícies curvas. •

BRASIL Cores precisas no consultório

Refletor com luz fria e baixo consumo de energia

Um novo refletor desenvolvido para o mercado odontologia), em fase final de testes, permitirá aos dentistas enxergar as cores exatas de dentes e gengivas. O equipamento utiliza a tecnologia chamada LED, sigla em inglês para diodo emissor de luz, que produz uma luz totalmente branca. "O LED permite revelar com bastante fidelidade o que o dentista está vendo", diz o professor Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, que desenvolveu o novo aparelho em parceria com a empresa Gnatus, fabricante de equipamentos médico-odontológicos. As lâmpadas halógenas usadas atualmente nos refletores dos consultórios têm uma tonalidade mais amarelada e, por isso, dificultam a visualização. Como o diodo emissor tem um princípio de produção de luz diferente da lâmpada de filamento, ele não emite calor e, portanto, não causa descon-

forto ao paciente. Outra vantagem é que, como se trata de uma luz fria, é baixo o consumo de energia, sem contar que a lâmpada tem uma vida útil muito maior. •

■ Prêmio incentiva a inovação A Siemens lançou a primeira edição do Prêmio Werner von Siemens de Inovação Tecnológica, para comemorar os cem anos em que está instalada no Brasil. A iniciativa abre espaço para projetos de estudantes e pesquisadores das áreas de telecomunicações, tecnologia da informação, automação e controle, geração, transmissão e distribuição de energia, soluções eletromédicas, transporte metroferroviário, iluminação e técnica automotiva, as mesmas em que a empresa atua. Os primeiros colocados receberão R$ 15 mil e um troféu. As inscrições, que se encerram no dia 2 de setembro, podem ser feitas pelo site www.siemens.com.br. •

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LINHA DE PRODUçãO

DRASIL A prova da economia

^^^^ÍB

1

■SaànÇ-

Wlackenzie, com o Evolution (à esq.), ficou em primeiro na pista da GM, e a UFMG, com o CEA M-i, em segundo

É difícil imaginar um carro capaz de percorrer 396,5 quilômetros com apenas 1 litro de gasolina. O desafio de projetar um veículo tão econômico foi vencido por estudantes de engenharia mecânica da Universidade Mackenzie, com o projeto Evolution, coordenado pelo professor José Pucci. A equipe vencedora da Maratona da Economia para Carros, realizada no mês de julho no campo de provas da General Motors, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, concorreu com outros 12 grupos, representantes de oito instituições de ensino superior. A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), segunda colocada, levou para a pista o protótipo CEA M-l, que atingiu a marca de 227,6 quilômetros por litro. O terceiro lugar coube ao protótipo Revolution, também do

Mackenzie, com 186,5 quilômetros. A prova consiste de quatro voltas na pista circular de 4.300 metros, no total de 17.200 metros, com um tanque abastecido com 200 mililitros de gasolina. Na direção, pilotos com estatura média de 1,45 metro e peso máximo de 45 quilos. Completado o percurso, os tanques são removidos e o combustível restante é pesado em uma balança de precisão. Com base nesses dados, é feita uma projeção de quanto o veículo percorreria com 1 litro de gasolina. Esta é a segunda edição da prova, realizada pela primeira vez em 2004 e vencida também pelo Mackenzie. "O carro, feito com fibra de vidro e alumínio, foi montado com pneus de bicicleta de 26 polegadas, com pressão bastante alta para diminuir a resistência ao rolamento", diz Pucci. •

■ Simbiose entre pessoas e máquinas Dentro de um museu os visitantes correm os olhos sobre uma pintura ou escultura e imediatamente recebem informações relacionadas à obra que podem ser compartilhadas e debatidas com outras pessoas que se encontrem a quilômetros de distância, pois elas podem ver e ouvir a mesma coisa. Para adentrar esse cenário futurista basta colo-

Capacete capta imagens 62 ■ AGOSTO DE 2005 ■ PESQUISA FAPESP 114

car um capacete, equipado com duas câmeras e dois microfones, que captam imagens e sons. Os dados são processados e transmitidos por um laptop carregado em uma mochila pelo usuário que está presente no museu. No protótipo desenvolvido no projeto de doutorado de Glauco Todesco, do Laboratório de Sistemas Integrados (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), ele é carregado em uma mochila pelo usuário. "Informações relacionadas à obra, como mapas indicativos de outras obras do mesmo artista, aparecem projetadas na tela de óculos especiais usados pelo usuário", diz Todesco. O sistema, chamado de simbiose digital, possibilita explorar novas formas de interação entre homens e máquinas e pode também ser configurado para vários tipos de espectadores, com informações adaptadas a públicos específicos. Um professor, por exemplo, teria aces-


so a um conteúdo diferente do destinado a uma criança. Essa aplicação está sendo estudada pela Petrobras, para ser utilizada nas plataformas de extração de petróleo. Dessa forma, o técnico especializado em manutenção não precisa se deslocar até alto-mar, em locais de difícil acesso. •

O programa prevê a criação de 25 fundos de capital semente em todo o Brasil, cada um com montante inicial de R$ 12 milhões. E pretende apoiar cerca de 340 empreendimentos em seis anos. A proposta é que os fundos sejam organizados por cidades, privilegiando aquelas com vocação tecnológica. O Rio de Janeiro e São Paulo terão seus fundos, mas também Santa Rita do Sapucaí (MG), Petrópolis (RJ), São José dos Campos (SP), Campinas (SP), Campina Grande (PB), Londrina (PR), Caxias do Sul (RS), São Carlos (SP), entre outras. Cada fundo vai apoiar entre 12 e 15 empresas, com investimentos entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. Os recursos têm como objetivo viabilizar a construção de protótipos e a contratação de executivos, entre outras ações necessárias para empresas em estágio préoperacional, muitas das quais se encontram em incubadoras e universidades. •

■ Caça a vírus de computadores Um laboratório criado especialmente para analisar vírus desenvolvidos na América Latina, que infectam os computadores de empresas e usuários comuns, foi inaugurado no mês de julho pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e pela empresa Hauri do Brasil, subsidiária da sul-coreana Hauri, especializada no desenvolvimento de softwares de segurança. Qualquer pessoa que tenha um arquivo suspeito poderá acessar o sfewww.laboratorioantivirus.com.br, preen-

cher o cadastro e enviá-lo para que seja analisado, sem custo algum. Uma rede fechada e isolada da internet, composta por oito máquinas, vai rodar os arquivos e verificar os efeitos causados. O acesso às instalações do laboratório, que fica dentro do IPT, na Cidade Universitária, em São Paulo, será restrito exclusivamente aos pesquisadores, para evitar

que os arquivos com vírus se espalhem para outros computadores. •

■ Apoio para empresa de base tecnológica O Inovar Semente, programa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vai investir R$ 300 milhões em empresas nascentes de base tecnológica.

Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br

Limpeza com ultra-som Desenvolvimento de um transdutor bifreqüencial para sistemas de limpeza ultra-sônicos. Esse dispositivo converte energia elétrica em energia mecânica na forma de ultra-som, em freqüências inaudíveis para o ouvido humano. Emitido pelo transdutor num líquido, o ultra-som induz o fenômeno da cavitação, que gera diferenças de pressões e temperaturas capazes de promover a limpeza de su-

jeiras em instrumentos laboratoriais, equipamentos de dentistas e de médicoscirurgiões. Também podem ser usados na área industrial, na limpeza de placas eletrônicas e de peças automobilísticas. A novidade desenvolvida no Grupo de Cerâmicas Ferroelétricas do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) tem como inovação a geração de duas freqüências de ultra-som, 25

kilohertz (kHz) e 40 kHz, com um único transdutor. A maioria dos equipamentos existentes no mercado apresenta apenas uma freqüência, o que limita a faixa de tamanho de partículas que são eficientemente removidas pelo ultra-som. O aparelho multifreqüencial de limpeza que será desenvolvido para o mercado terá os mesmos custos de produção dos existentes atualmente.

Título: Transdutor ultra-sônico de potência tipo Langevin bifreqüencial otimizado para operar nos modos de ressonância lambda/2 e lambda para aplicações em sistemas de limpeza por ultra-som Inventores: José Antônio Eiras e Antônio Henrique Alves Pereira Titularidade: UFSCar e FAPESP

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TECNOLOGIA BIOFOTÔNICA

Espectros da vida Pesquisadores unem pinça óptica e espectroscopia para facilitar os estudos em células vivas

M ARCOS

DE

O LIVEIRA

N

a tela de uma televisão no meio de um laboratório apinhado de lasers microscópios e computadores, é possível ver uma hemácia, a célula vermelha do sangue, sendo esticada, e até um parasita vivo, o protozoário Leishmania amazonensis, que provoca a doença leishmaniose, se debatendo para escapar de uma armadilha invisível que o impede de continuar se movimentando em uma placa de cultura de microorganismos. O que faz esticar a hemácia e prender o microorganismo unicelular são feixes invisíveis de laser que trabalham como pinças ópticas. Um equipamento montado no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) usa essas pinças num trabalho que está em desenvolvimento desde o início da década de 1990. A mais recente inovação do Laboratório de Aplicações Biomédicas de Lasers do instituto foi unir a pinça óptica com um sistema de espectroscopia para análise de proteínas, lipídios, aminoácidos, cálcio e outras substâncias químicas existentes em células e em microorganismos. Tudo isso como


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se fosse um filme e com as análises sendo realizadas em tempo real nos organismos vivos capturados e se mexendo. A diferença com os sistemas atuais de espectroscopia é comparável a uma fotografia que congela um determinado momento, enquanto o filme mostra o processo ao longo de um determinado tempo. “Nossa intenção foi juntar pinça óptica, lasers e espectroscopia para que vários tipos de análise sejam realizados de forma simultânea sem destruir o material analisado”, diz Carlos Lenz Cesar, coordenador do grupo que desenvolve as pinças ópticas. Ele descobriu a pinça óptica por meio do seu criador, o físico Arthur Ashkin, quando fazia pós-doutorado nos laboratórios Bell da empresa de telecomunicações AT&T, no período 1988 a 1990, nos Estados Unidos. Os trabalhos com armadilhas ópticas começaram no início dos anos 1970. No início, Ashkin usava o laser para movimentar e estudar partículas sólidas, primeiro com microesferas de látex e depois com átomos. Os primeiros estudos com material biológico em nível celular também foram feitos por Ashkin com a bactéria Escherichia coli e hemácias e publicados em 1987 na revista Nature.

O sistema de espectroscopia vem complementar com sua capacidade de microanálise as propriedades mecânicas de manipular microorganismos e células vivas da pinça óptica. Dessa forma, a força de adesão entre um parasita e a superfície de uma célula no exato momento da infecção pode ser observada tanto do ponto de vista mecânico quanto bioquímico. Outros exemplos de medidas mecânicas com pinças ópticas são a análise de forças de impulsão dos microorganismos, a viscosidade de fluidos e a elasticidade de membranas celulares. O trabalho de junção da espectroscopia com a pinça óptica fez parte da tese de doutorado da física Adriana Fontes e foi aceito para publicação na revista Physical Review E. O trabalho também rendeu uma premiação de melhor pôster apresentado no Congresso Photonics West, nos Estados Unidos, que reuniu, em janeiro deste ano, 15 mil participantes das áreas de fotônica e biofotônica. Adriana, hoje pós-doutoranda no IFGW, trabalha há oito anos, desde a iniciação científica, com lasers no mesmo laboratório e está vinculada, como toda a equipe do professor Lenz, ao Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. Na prática, os pesquisadores uniram um microscópio óptico convencional, que possui uma câmera de vídeo acoplada e é usado para observação de microorganismos, com um espectrômetro instalado ao lado desse instrumento clássico de laboratório. A pinça consiste de um feixe de laser focalizado pela objetiva em um ponto da imagem. Pela tela do monitor é possível observar partículas sendo aprisionadas no foco do laser e movidas com grande precisão, sem danos celulares. O feixe de laser é invísivel, operando no infravermelho, exatamente para evitar a absorção da luz e a produção de calor, que causaria danos térmicos. O laser usado como pinça no IFGW é à base de neodímio, um dos elementos conhecidos como terra raras, cuja luz é emitida no comprimento de onda de 1.064 nanômetros (nm). A absorção é necessária, por outro lado, quando se deseja destruir corpúsculos ou furar paredes celulares através de um bisturi óptico. Nesse caso, os pesquisadores utilizam outro laser à base de neodímio com luz emitida na metade do compri-

EDUARDO CESAR

IFGW/UNICAMP

Ao lado, nanocristais quantum dots dissolvidos em água. Abaixo, protozoário Leishmania fluorescente pela acão dos quantum dots e por feixes de laser


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mento de onda infravermelho, 532 nm, que danifica a célula apenas na região desejada.

A

o se comportar como uma partícula, a luz transfere impulso sempre que o feixe luminoso é desviado ou absorvido, permitindo que um cone de raios de luz capture outra partícula. Esse comportamento da luz foi descoberto por Albert Einstein em 1905 no estudo sobre efeito fotoelétrico. Ele chamou essas partículas luminosas de fótons (do grego photos, luz) e mostrou que elas transportam energia, além de impulso. Foi com esse trabalho que Einstein ganhou o Prêmio Nobel em 1921, e não pela famosa teoria da relatividade. As forças geradas por essa armadilha óptica são muito pequenas. Uma excelente pinça óptica é capaz de gerar forças com valores máximos em torno de 200 picoNewtons (pN), equivalente a 1 bilionésimo de 1 peso de 1 quilo. Nessas dimensões, as pinças ópticas são capazes de capturar partículas com tamanhos de 40 e 50 nanômetros (1 nanômetro é 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes) até 20 ou 30 micrômetros (1 micrômetro é igual a 1 milímetro dividido por mil). Para capturar um microorganismo vivo, com força motora própria tentando escapar da armadilha, uma pinça deve ser capaz de fornecer, no mínimo, forças de 50 pN. Um excelente teste da qualidade de uma pinça óptica é mostrar que ela é capaz de capturar um espermatozóide vivo. Embora essas forças ópticas sejam muito pequenas, elas são da mesma ordem de grandeza das forças que atuam nas células e microorganismos. Por isso, a pinça óptica é a ferramenta ideal para medir intensidades de forças, além de outras propriedades mecânicas, no universo microscópico. No âmbito da espectroscopia, o trabalho foi realizado com várias técnicas, mas sempre com o mesmo objetivo de

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IMAGENS IFGW/UNICAMP

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Na pinça óptica, hemácia esticada em teste de flexibilidade por meio de feixes de laser invisíveis. Na outra página, hemácias fluorescentes na cor vermelha por meio de quantum dots. Ao lado, células cerebrais chamadas de glias marcadas por quantum dots na cor verde

descobrir as “assinaturas” ou “impressões digitais” que cada substância ou molécula emite quando interage com a luz. Uma dessas assinaturas resulta das vibrações moleculares, cuja freqüência depende das massas e das forças entre os átomos de uma molécula. O resultado é um espectro no qual se observa a intensidade das ondas eletromagnéticas emitidas em cada freqüência. “Descobrimos a presença de uma determinada molécula através do pico de intensidade da sua freqüência de vibração”, diz Lenz. Vibrações visíveis - Como materiais biológicos possuem muitas moléculas que, por sua vez, apresentam muitos picos, a identificação das substâncias é feita por meio de uma comparação com uma biblioteca de espectros. “Essas vibrações moleculares também aparecem como uma modulação em um feixe espalhado de luz vísivel e pode ser detectada por meio da chamada espectroscopia Raman.” Esse é um processo de espalhamento com um fóton incidente e um fóton espalhado, mas também é possível ocorrer processos com dois fótons incidentes e um fóton espalhado, chamados de espalhamentos ou espectroscopia hiper Rayleigh. Processos multifotônicos como esses só acontecem se todos os fótons envolvidos colidirem com a mesma partícula ao mesmo tempo. Por isso esses processos necessitam de lasers pulsados, nos quais os fótons são emitidos ao mesmo tempo em lu-

gar da emissão constante de fótons dos lasers contínuos. A luz espalhada pelos processos de espectroscopia é capturada na mesma objetiva da pinça óptica e enviada para o espectrômetro, onde será decomposta e analisada para se descobrir as vibrações moleculares.“Assim, sabemos quais as moléculas que estão naquela célula ou ser vivo”, diz Adriana. “É uma informação química.” Com esse sistema é possível coletar os espectros de um parasita, como o protozoário Leishmania, por exemplo, enquanto a pinça óptica o mantém capturado em uma mesma posição, mas vivo e se mexendo. Também seria possível acompanhar modificações bioquímicas que ocorram quando outra pinça o aproximar da célula que gosta de infectar. Para espectroscopias de um fóton, como Raman, os pesquisadores utilizaram um laser contínuo de titânio-safira, cuja emissão pode ser selecionada na região do infravermelho entre 780 e 1.000 nm. Já para as espectroscopias multifótons, utilizaram um laser de titânio-safira com pulsos de duração tão curta quanto 100 femtossegundos (fs), tempo para a luz percorrer uma distância de apenas um terço do diâmetro de um fio de cabelo. Um femtossegundo é igual a 1 segundo dividido por 1 quatrilhão de vezes. Outra assinatura de moléculas muito utilizada é a fluorescência, um processo no qual certas moléculas emitem


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uma luz típica quando iluminadas por fótons com maior energia do que os fótons emitidos. Entretanto, como são poucas as substâncias com fluorescência eficiente, é comum a introdução de corantes como marcadores. “O problema é que esses corantes tendem a ser tóxicos, ou citotóxicos, e a emitir luz por pouco tempo devido à fotodegradação”, diz Adriana. Uma solução para esses problemas é o chamado ponto quântico, ou quantum dot, que são nanocristais de semicondutores, chamados de sulfeto, seleneto e telureto de cádmio indicados nas aplicações biológicas. A maior vantagem do ponto quântico em relação aos corantes é sua grande fotoestabilidade, que permite aquisição de imagens por horas seguidas sobre iluminação intensa. Além disso, apresenta citotoxicidade muito baixa. Outra grande vantagem é que o tamanho do ponto quântico controla a cor da fluorescência emitida por ele. É possível obter fluorescência de pontos quânticos de telureto de cádmio, por exemplo, em azul, verde, amarelo e vermelho variando seu diâmetro entre 1 e 5 nanômetros. O grupo da Unicamp produz pontos quânticos desde 1989, mas em vidros, visando ao desenvolvimento de dispositivos ultra-rápidos para comunicações ópticas. O trabalho com pontos quânticos em soluções começou na Unicamp em 1999, inicialmente para uma comparação com pontos quânticos produzidos em vidro, e, simultanea-

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mente, no Departamento de Química da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Estudo amplo - Atualmente, os trabalhos científicos e acadêmicos levaram a uma colaboração mais ampla com a UFPE, envolvendo no IFGW os professores Lenz e Luiz Carlos Barbosa, além de Selma Giorgio, da Biologia, Sara Saad e Fernando Costa, do Hemocentro, todos da Unicamp. Na UFPE participam Ricardo Ferreira e Gilberto Sá, do Departamento de Química Fundamental, Beate Santos, da Farmácia, e Patrícia Farias, da Biofísica. Também colaboram, os professores Vivaldo Moura Neto e Jane Amaral, do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A colaboração com

O PROJETO Pinças ópticas e espectroscopia MODALIDADE

Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR

HUGO FRAGNITO – IFGW, Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePof ) na Unicamp INVESTIMENTO

R$ 1.000.000,00 por ano para todo o CePof (FAPESP)

a UFRJ envolve estudos com neurônios e glias, que são células do cérebro, enquanto estudos com o protozoário Leishmania amazonensis são feitos em conjunto com o Instituto de Biologia da Unicamp. As aplicações das pinças ópticas na Unicamp se iniciaram na colaboração com o Centro de Hematologia, com a equipe da médica Sara Saad, para caracterizar as propriedades mecânicas das hemácias, relacionando-as com doenças como a anemia falciforme e tempo de estocagem em bancos de sangue (veja Pesquisa Fapesp nº 58). A integração da pinça óptica com espectroscopias de um ou mais fótons e com o uso de pontos quânticos como marcadores unifica quase todas as técnicas mais modernas de biofotônica em um só sistema e abre vários novos campos de pesquisa. “É um mar de possibilidades”, diz Lenz. “São processos biológicos que podem ser observados com a manipulação em nível celular. Por exemplo, um pesquisador norte-americano ganhou um financiamento de quase US$ 1 milhão para auxiliar uma indústria de laticínios na determinação, com pinça óptica, das forças com que bactérias existentes no leite se ligam nas paredes de embalagens tipo longa-vida e quanto tempo lá permanecem. Com o sistema integrado, é possível observar, além das forças, quais as substâncias são liberadas no leite.” Tudo isso sem matar a bactéria ou destruir as substâncias que se deseja estudar. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 67 ■


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TECNOLOGIA

QUÍMICA

Nano

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A

primeira vista,as matérias-primas utilizadas por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) não poderiam ser mais prosaicas.São ferritas,basicamente o mesmo tipo de composto metálico presente nos ímãs e usado há milênios pela humanidade.Há, no entanto,uma diferença fundamental.A pesquisadora Nelcy Della Santina Mohallem e seus colegas do Departamento de Química estão usando esses velhos conhecidos,mas em escala nanométrica,medida equivalente a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes. Nesse tamanho,as ferritas podem gerar materiais e dispositivos inovadores em campos tão diversos como a eletrônica, a química industrial e a medicina. Nelcy explica que o principal interesse dos pesquisadores ao manipular as ferritas – óxidos de ferro que também podem incluir outros metais, como zinco,níquel e cobalto,em sua composição – se deve à rapidez da resposta das suas propriedades magnéticas.É por isso que,há várias décadas,os

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Novos materiais magnéticos em escala molecular serão úteis na eletrônica e na medicina

ímãs são muito utilizados em motores, sistemas de radar e de telecomunicações.“Ao longo do tempo,o tamanho dos dispositivos foi diminuindo”,conta a pesquisadora.No entanto,abaixo de um certo limite,a utilização das ferritas começa a enfrentar problemas devido à sua resistência elétrica,que limita uma maior miniaturização de equipamentos eletrônicos.É aí que entra a nanotecnologia. Nelcy e colegas como Juliana Batista da Silva,do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear (CDTN), de Belo Horizonte,e Miguel Novak,da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),com suporte do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas,estão desenvolvendo nanocompósitos que são materiais híbridos,com tamanho variando entre 5 e 100 nanômetros.Eles combinam um “núcleo”de ferrita com uma matriz inerte,que pode ser composta de sílica ou alumina,por exemplo.A matriz,chamada de densa pelos pesquisadores,cria vários nanoímãs separados.“Dessa forma,é possível eliminar a interferência e as perdas e aumentar a resistência elétrica,além de produzir um acoplamento

entre as nanopartículas vizinhas,criando melhores propriedades magnéticas”, explica a pesquisadora. Memória turbinada - Uma das aplicações promissoras desse tipo de nanopartícula é o disco rígido dos computadores:usar unidades nanom étricas para armazenar informação em forma magnética aumenta o potencial de miniaturização dos computadores,e o material também poderia turbinar a rapidez com que a memória é acessada.Nesse caso, o nanocompósito estaria disposto em forma de filme ou película. “Nós também somos capazes de moldar a microestrutura desses compósitos em peças de alguns milímetros,conforme a necessidade de cada aparelho”,diz Nelcy. É uma vantagem quando se considera que hoje a maioria desses compósitos só existe em forma de pó. Alterações na estrutura da matriz permitem que os nanocompósitos sejam utilizados para um fim completamente diferente:facilitar rea ções químicas. Esse é o papel dos chamados catalisadores,e a escala nanom étrica,mais uma vez,ajuda a tornar esse trabalho mais eficiente.Para fins de cat álise,a equipe


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da UFMG montou as nanopartículas de ferrita dentro de uma matriz extremamente porosa, e não densa como no caso dos discos de computadores. “Poderíamos dizer que 95% da matriz é ar”, afirma Nelcy. Isso significa que as partículas ganham um volume proporcionalmente muito grande. A superfície de contato que esse volume expandido proporciona faz com que elas promovam reações químicas com maior eficiência. “Usando muito menos material do que usaria normalmente, é possível manter e até aumentar a velocidade das reações químicas catalisadas pelo nanocompósito”, explica a pesquisadora. Contra o câncer - Outra das idéias do grupo envolve um ambiente ainda mais delicado que o interior dos computadores ou a química industrial: o corpo humano. Assim como outros pesquisadores no Brasil e no exterior, Nelcy e seus colegas estão explorando a possibilidade de que nanoímãs ataquem doenças como câncer e infecções. Funcionaria assim: partículas magnéticas em forma de fluido, envoltas por um material biocompatível, seriam injetadas na corrente sangüínea do doente.

No caso de um tumor, por exemplo, haveria dois modos de levar os ímãs nanoscópicos a seu destino. Um campo magnético poderia conduzi-los “manualmente” até o tecido afetado pelo câncer, ou a eles seriam acoplados anticorpos específicos para o tipo de tumor que se deseja atacar, de forma que os nanoímãs aderissem ao tecido doente. Terminada essa fase do processo, a idéia é aplicar de forma rápida e alternada o campo magnético externo. O movimento das partículas geraria calor suficiente para matar as células cancerígenas. Outros trabalhos do grupo sugerem que um sistema como esse seria particularmente útil para tratar tumores em fase inicial, ainda pequenos. A cobertura dos nanoímãs para torná-los biocompatíveis é feita com um tipo de açúcar chamado de ciclodextrina. Essa composição foi desenvolvida junto com o professor Rubén Sinisterra, do mesmo Departamento de

Química da UFMG, dando origem a uma patente. “Temos o material muito bem caracterizado quimicamente”, diz Nelcy. A intenção agora é fazer parcerias que permitam, no âmbito científico, testar o produto em seres vivos. Segundo Nelcy, é grande a corrida no mundo todo para transformar materiais como esses nanocompósitos em componentes de equipamentos usados no dia-a-dia. Governos como os dos Estados Unidos reconhecem que o potencial deles é estratégico. “As nossas propostas não ficam nada a dever ao que é feito fora do Brasil. Quando as apresentamos em congressos científicos, é comum o pessoal ficar impressionado”, diz a pesquisadora da UFMG. “Mas, com os problemas de financiamento que enfrentamos, muitas vezes acabamos não sendo os primeiros a publicar em revistas científicas.” Ela cita o interesse, ainda um tanto incipiente, de empresas brasileiras pela incorporação de algum componente nanotecnológico em seus produtos e sugere que elas poderiam ser mais ousadas.“Eles estão interessados em coisas que fazíamos há dez anos, e não na nanotecnologia de ponta”, relata. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 69 ■

IMAGENS UFMG

Imagens de nanocompósitos de ferrita com distribuição de átomos de ferro e cobalto (acima), e envoltos em uma matriz de sílica (ao lado)


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TECNOLOGIA

ENGENHARIA BIOMÉDICA

Olhar aguçado Sensor faz diagnóstico mais detalhado das imperfeições visuais D INORAH E RENO

A

s cirurgias para corrigir problemas de visão, como astigmatismo, miopia e hipermetropia,são uma prática corriqueira nos consultórios oftalmológicos brasileiros.Essas intervenções são feitas hoje com a ajuda de medidas personalizadas de cada olho do paciente,baseadas em informações obtidas nos exames préoperatórios por meio de aparelhos chamados de wavefront – ou frente de onda – que analisam a luz que atinge o globo ocular.Atualmente,todos os aparelhos desse tipo usados no Brasil são importados.Mas em pouco tempo isso pode mudar,porque a Eyetec Equipamentos Oftálmicos,uma empresa de São Carlos (SP),prepara-se para disputar esse mercado com um novo aparelho,também baseado na tecnologia wavefront,mas com um sensor que utiliza um princípio diferente dos outros. “Em vez de várias pequenas lentes quadradinhas,simétricas,uma ao lado da outra,foi criada uma lente circular, com foco contínuo que aponta a deformação do olho ponto a ponto”,diz o oftalmologista Paulo Schor,chefe do Setor de Bioengenharia Ocular da Universidade Federal de São Paulo (Uni-

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fesp).“O mapeamento feito pelo novo sensor,em cada ponto do olho,possibilita fazer diagnósticos mais detalhados, o que aumenta a precisão e a flexibilidade nas cirurgias.” Schor e o também oftalmologista Wallace Chamon levaram a proposta de desenvolver o equipamento no Brasil ao professor Jarbas Caiado de Castro Neto,do Grupo de Óptica do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos e um dos sócios da Eyetec.A empresa recebeu financiamento da FAPESP na modalidade Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE),projeto que tem Castro Neto como coordenador.O novo aparelho foi patenteado no Brasil e no exterior e recebeu informalmente o nome de sensor Castro,em homenagem ao professor da USP responsável pela solução tecnológica inovadora. Estrelas e galáxias - O sistema wave-

front foi usado inicialmente,e durante muito tempo,na astronomia para an álise e correção das distorções da luz das estrelas e galáxias,permitindo que,mesmo a milhares de anos-luz,sejam vistas na Terra com excelente qualidade.Em 1994 vislumbrou-se a possibilidade de a tecnologia wavefront ser usada também na oftalmologia.Nesse ano,um

grupo de pesquisadores da Universidade de Heidelberg,na Alemanha,publicou um primeiro trabalho que tratava do uso de sensores ópticos para medir as deformidades visuais.Foi o pontap é inicial para os instrumentos oftalmológicos baseados nessa tecnologia começarem a ser desenvolvidos por europeus e norte-americanos. Os sensores de frentes de onda disponíveis comercialmente são compostos por centenas de pequenas lentes,chamadas de lentículas,similares ao olho de um inseto.Uma microc âmera atrás das lentículas produz pontos espaçados, distribuídos de forma regular.A regularidade determina se a imagem que chega à retina e,conseq üentemente, forma a visão é ou não normal,porque para um olho sem problemas é possível identificar a distribuição regular dos pontos.Mas nos olhos com defeitos ou irregularidades não é possível identificar essa regularidade.C álculos e gráficos feitos por um software apontam a forma exata da frente de onda que sai do olho e,com isso, é possível fazer as medidas de astigmatismo,miopia e hipermetropia e também das irregularidades mais sutis.“Nós partimos do princípio de que as irregularidades do olho têm uma simetria circular”,diz Castro.Por isso foram criadas várias lentes circulares para


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mapear os problemas ponto a ponto. Quando a luz é jogada no fundo do olho durante o exame, ela acompanha a simetria e pega todas as nuances, apontando para o local exato em que se encontra a irregularidade. “A inovação tecnológica é a capacidade de mapear os defeitos oculares em cada ponto com alta precisão e simplicidade”, diz Schor. Visão ideal - Antes de a técnica de frente de onda ser utilizada em cirurgias refrativas, assim chamadas porque mudam o grau, ou refração do olho do paciente, a única possibilidade era corrigir problemas como miopia, astigmatismo e hipermetropia pela mudança da curvatura ocular para mais ou para menos. “Hoje, muda-se a forma da córnea para melhorar a qualidade e a quantidade da visão”, diz Castro. O analisador da frente de onda define e corrige o grau do paciente de forma muito mais precisa do que os tradicionais aparelhos utilizados para dar as medidas das receitas de óculos mensuradas em múltiplos de 0,25 grau. Como o sensor óptico captura e quantifica as deformidades que as imagens dos objetos sofrem ao serem observadas por cada ponto no olho, a correção feita na cirurgia pode melhorar em alguns pacientes a visão noturna, porque as pupi-

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las se dilatam no escuro e as irregularidades existentes na periferia da visão tornam-se mais evidentes nesse período. Realizado no período pré-operatório, o exame reproduz um mapa tridimensional das irregularidades ópticas que é transferido para o laser no momento da cirurgia. Como resultado da utilização do wavefront, as imagens passam a ser captadas sobre a retina com maior resolução e nitidez, sem irregularidades ou aberrações sutis, antes não detectadas nem corrigidas. E muitos pacientes, após a cirurgia refrativa, podem ter uma qualidade de visão superior ao da cirurgia convencional.

O PROJETO Desenvolvimento de um equipamento para determinação de aberrações oculares utilizando a medida de wavefront MODALIDADE

Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR

JARBAS CAIADO DE CASTRO NETO – Eyetec INVESTIMENTO

R$ 325.750,00 e US$ 12.250,00 (FAPESP)

Os avanços obtidos com o equipamento wavefront nacional, que mapeia as irregularidades em cada ponto do olho, fruto da parceria entre pesquisadores da Unifesp e da USP, não são o único resultado do trabalho conjunto dos dois grupos de pesquisa. O primeiro foi o desenvolvimento de um aparelho para medir a curvatura da córnea, o topógrafo corneano, lançado pela Eyetec em 1998 para uso nas cirurgias de miopia. “Naquela época só existiam similares importados que eram muito caros para o padrão brasileiro”, diz Schor. O topógrafo vendeu cerca de 400 unidades no mercado nacional. “Se importado, cada topógrafo custaria ao país cerca de US$ 20 mil. Portanto a economia de divisas foi de aproximadamente US$ 8 milhões”, contabiliza Castro. O trabalho que resultou no aparelho foi também uma das bases para se estabelecer há seis anos na Unifesp o Setor de Bioengenharia Ocular, criado para desenvolver tecnologia multidisciplinar. Com o novo sensor, em fase de testes pré-clínicos, os parceiros esperam também bons resultados, já que, além da inovação, pelo produto não estar associado a um tipo de laser específico, como os outros aparelhos em uso atualmente, pode ser vendido para diagnósticos e utilizado nos consultórios e nas clínicas oftalmológicas. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 71 ■

EDUARDO CESAR

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ENGENHARIA DE MATERIAIS

Plástico sob controle Sistema desenvolvido na UFSCar melhora a produção de garrafas feitas com polímeros Y URI VASCONCELOS

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m novo processo industrial irá permitir que garrafas descartáveis para refrigerantes e água mineral, entre outros produtos fabricados com polímeros, possam ser produzidas em menor tempo, reduzindo os custos industriais e, quem sabe, o preço final ao consumidor. A inovação que está prestes a sair dos laboratórios do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (DEMa/UFSCar) é formada por um sistema óptico para monitorar e controlar a cristalização de materiais poliméricos durante o processo de produção. O sistema poderá trazer ganhos importantes de produtividade para as indústrias especializadas na fabricação de garrafas produzidas com o polímero poli (tereftalato de etileno), mais conhecido como PET, além de outras peças moldadas por injeção, a técnica de moldar algo plástico a partir de matéria-prima fundida que é empregada na produção de pára-choques de automóveis, carcaças de computadores, de impressoras e de celulares. O processo, segundo os pesquisadores, permite identificar o momento exato em que o polímero é cristalizado dentro do molde, levando à economia de preciosos segundos no processo de fabricação. Estimativas feitas pelos pesquisadores do DEMa revelam, por exemplo, que uma fábrica com capacidade para produzir anualmente 160 milhões de garrafas PET poderia ter um ganho adicional de US$ 600 mil, caso o sistema reduzisse em 1 segundo parte do ciclo de moldagem das garrafas de 2 litros de PET, que dura, em média, 22 segundos.


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A grande novidade do sistema, cujo registro de patente já foi encaminhado ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), é conseguir fazer o monitoramento da cristalização do polímero e, ao mesmo tempo, o controle de produção de cada peça, independentemente de seu tamanho, volume ou forma. A cristalização é um mecanismo físico pelo qual um polímero semi cristalino no estado fundido se solidifica. Atualmente, o monitoramento da cristalização não é feito ao longo do processo de moldagem por injeção do polímero, mas somente depois de sua conclusão, com o uso de várias técnicas como microscopia óptica e eletrônica. Segundo a engenheira química Rosario Elida Suman Bretas, coordenadora das pesquisas que resultaram no desenvolvimento da nova tecnologia, o estudo da cristalização do polímero é importante porque todas as propriedades mecânicas, ópticas e elétricas desse material dependem de sua cristalinidade. “É por meio da morfologia e do volume de cristalinidade existente no polímero, desenvolvidos durante o processo de cristalização, que se determinam as características de rigidez, flexibilidade, resistência mecânica e transparência”, diz a pesquisadora.

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ções revelam o momento exato da cristalização. Hoje não há exatidão do momento em que a garrafa de PET, por exemplo, está pronta.

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Laser na safira - Composto por um molde metálico, um laser, duas fibras ópticas, um detector e um atenuador de laser, o sistema pode ser adaptado a qualquer máquina injetora, que molda as peças, possibilitando a redução do tempo de trabalho do equipamento e do processo. Ele funciona assim: dentro da cavidade do molde da garrafa ou de qualquer outra peça é inserida uma fibra óptica que envia, através de uma janela de safira, um feixe de laser. A safira é usada porque é transparente ao laser e suporta as altas temperaturas e pressões existentes dentro do molde. O feixe atravessa o polímero, que é injetado no estado fundido, e o sinal é coletado do outro lado do molde por outra fibra óptica. O resultado é mostrado por meio de um software que analisa a intensidade da luz, a pressão e a temperatura dentro da cavidade. Essas informa74

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esmo quando o polímero não cristaliza ou quando os seus cristais são muito pequenos, como no caso do PET sob algumas condições de produção, o novo sistema permite que se detecte o momento do descolamento da peça dentro do molde ou então falhas no preenchimento de pontos específicos da cavidade, evitando assim defeitos no produto. O processo, desenvolvido no DEMa pela professora Rosario e dois alunos de doutorado, Marcelo Farah e Alessandra Marinelli, poderá em breve estar disponível para o mercado. “A empresa Quantum Tech, de São Carlos, se mostrou interessada em desenvolvê-lo para uso comercial em indústrias de transformação. É importante dizer que não existem sensores iguais no Brasil ou no exterior e mesmo os similares ainda não são empregados comercialmente”, diz Rosario.

OS PROJETOS 1. Estudo e simulação do desenvolvimento da microestrutura de blendas e compósitos poliméricos durante o processamento 2. Invenção de um método e sistema para monitorar a cristalização de materiais poliméricos durante a moldagem por injeção MODALIDADE

1. Projeto Temático 2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI) COORDENADORA

ROSARIO ELIDA SUMAN BRETAS – UFSCar INVESTIMENTO

1. R$ 183.578,92 e US$ 80.698,52 (FAPESP) 2. R$ 6.000,00 (FAPESP)

O desenvolvimento do sistema óptico para a indústria de moldagem por injeção de polímeros foi apenas um dos avanços conseguidos pela equipe de Rosario durante a realização de um projeto temático financiado pela FAPESP. O grupo também realizou dentro desse projeto um estudo centrado na viabilidade de incorporar borracha desvulcanizada por meio de ultra-som ao poliestireno, outro tipo de polímero, para produzir blendas. Blenda é o nome dado a um material polimérico feito a partir da mistura de dois ou mais polímeros. Um dos usos mais comuns desse tipo de material é a fabricação de boxes de banheiro, que são conhecidos popularmente como boxes de “plástico ou acrílico”. A finalidade da pesquisa foi adicionar a borracha desvulcanizada, oriunda de pneus usados e descartados, ao poliestireno para melhorar sua resistência ao impacto. A desvulcanização por ultra-som da borracha foi realizada na Universidade de Akron, nos Estados Unidos, por outro aluno de doutorado do grupo, Carlos Scuracchio. “Normalmente, utiliza-se uma borracha sintética de polibutadieno virgem para reforçar o poliestireno, o que dá origem a uma blenda conhecida como poliestireno de alto impacto. A vantagem de usar a borracha desvulcanizada por ultra-som é conferir um fim nobre aos pneus usados, que constituem um grave problema ambiental”, afirma Rosario. “Nossas pesquisas ainda estão em andamento, mas já sabemos que a mistura da borracha desvulcanizada com o polímero aumentou sua resistência, embora não no mesmo nível da mistura com borracha de polibutadieno. Acreditamos que o tamanho das partículas de borracha desvulcanizada misturada ao poliestireno não foi ainda suficientemente pequeno para elevar de forma significativa sua resistência ao impacto.” Outra pesquisa relacionada à morfologia de polímeros envolveu o uso de redes neurais artificiais, um conceito de inteligência artificial que visa trabalhar de forma semelhante ao cérebro humano, acumulando informações, processando-as e tomando decisões. Neste trabalho foram investigadas blendas formadas por poli (sulfeto de parafenileno), conhecida como PPS, e um elastômero ou borracha termoplástica.


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FOTOS MIGUEL BOYAYAN

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Monitoramento da cristalização do polímero por meio de laser (acima). Ao lado, material fomado pelos polímeros PET e LCP

O PPS é normalmente usado na fabricação de conectores elétricos de computadores e de certos componentes da indústria automobilística. Por ser muito rígido, esse material tem baixa resistência ao impacto, mas, em compensação, suporta temperaturas muito elevadas, de até 250°C. A doutoranda Cybele Lotti misturou ao PPS uma borracha termoplástica, conhecida como Sebs, um terpolímero, ou polímero formado por três monômeros, feito de estireno, etileno e butadieno. “Nosso objetivo foi melhorar a flexibilidade e a resistência ao impacto da blenda polimérica”, explica Rosario. Com o auxílio de redes neurais artificiais, os pesquisadores conseguiram predizer propriedades como a morfologia, a quantidade ou volume de cristalinidade da blenda, resistência ao impacto e as propriedades mecânicas em situação de tração. “No processo convencional, teríamos que injetar e testar

uma enorme quantidade de peças para conseguir informações sobre essas propriedades, o que consumiria tempo e dinheiro. Com o uso do sistema de redes neurais, o número de peças injetadas e testadas caiu para 5% do que seria necessário em um processo tradicional”, afirma Rosario. “As redes neurais nunca antes haviam sido usadas para relacionar os parâmetros do processo de moldagem por injeção com a

microestrutura e as propriedades de blendas poliméricas.” Tigela de cobras - Outra vertente do te-

mático envolveu o estudo da orientação molecular em blendas formadas por PET e vários cristais líquidos poliméricos, conhecidos pela sigla LCP (de Liquid Crystal Polymer), que são materiais resistentes a altas temperaturas e usados na produção de bobinas, conectores elétricos, sensores, equipamentos cirúrgicos, embalagens de líquidos corrosivos, vestuário de astronautas etc. O LCP também possui como característica uma relativa organização molecular quando fundido, ao contrário da maioria dos polímeros tradicionais que não têm nenhuma organização no estado líquido. Para usar uma metáfora, os polímeros fundidos se assemelham a uma tigela cheia de cobras de diferentes tamanhos, em permanente movimento, enquanto o LCP mantém-se organizado, com estruturas retas e paralelas, na forma de uma caixa de lápis. O objetivo dessa pesquisa foi melhorar a propriedade de impermeabilidade da blenda, porque o LCP possui baixíssima taxa de permeabilidade, uma das menores entre os polímeros, sendo impermeável à maioria dos gases. O problema, no entanto, é que ele é ainda muito caro, cerca de US$ 25 o quilo. “Entender a orientação molecular dessa blenda foi fundamental para compreendermos as propriedades mecânicas e de permeabilidade desse material”, diz Rosario. Para compreender essas características, as blendas poliméricas foram submetidas a estudos de orientação molecular na UFSCar e no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, pela pós-doutoranda Marcia Branciforti. Para produzir as blendas de PET e LCP, o grupo superou outro desafio: construir um acessório que confere o formato final a um produto, porque não existiam no mercado equipamentos específicos para essa finalidade. Essa matriz foi construída pela doutoranda Lucineide da Silva. “Percebemos que a nossa matriz proporcionou orientação molecular ao PET e melhorou a do LCP”, diz Rosario. Agora a equipe do DEMa está realizando estudos de permeabilidade para melhorar essa propriedade das películas de PET e LCP. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 75 ■


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RECICLAGEM

Aproveitamento total Grupo de empresas monta unidade para processar embalagens do tipo longa-vida

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odos os anos cerca de 160 mil toneladas de embalagens longa-vida são produzidas no Brasil para acondicionar leite,sucos,massa de tomate e até água-decoco.Desse total,apenas 25% é reciclado num processo que aproveita apenas o papel e direciona para os aterros sanitários os dois outros componentes dessas pequenas caixas,o plástico e o alumínio.Um cenário que começou a mudar a partir de maio deste ano com a inauguração em Piracicaba (SP) de uma unidade fabril para o processamento total desses materiais.A fábrica é dotada de um processo tecnológico inédito no mundo capaz de fazer a separação total do alumínio e do plástico que fazem parte das paredes das embalagens longa-vida,também chamadas de cartonadas.O desenvolvimento da nova técnica foi possível com a união de quatro empresas:Alcoa,que produz alumínio,a TSL,de engenharia ambiental,a Klabin,produtora de papel,e a Tetra Pak,fabricante das embalagens.Elas esperam que o porcentual de reciclagem aumente, inicialmente,para 65% do total produzido no país. “Foram sete anos de pesquisa e desenvolvimento para chegarmos a esse novo processo”,diz Nelson Findeiss,presidente da Tetra Pak.Para ficar pronta,a nova fábrica de Piracicaba consumiu investimentos de R$ 12 milhões,divididos entre as quatro empresas da parceria.A TSL,que construiu e opera a unidade de 2,2 mil metros quadrados,tem quatro anos para devolver o dinheiroinvestido pelas outras três empresas.Ela é a responsável pelo processamento do material e pela venda dos produtos resultantes como lingotes de alumínio,papel e parafina obtida do plástico.A fábrica é capaz de

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processar 8 mil toneladas de plástico e alumínio por ano,o equivalente a 32 milhões de toneladas de embalagens longa-vida.Segundo Fernando von Zuben,diretor de meio ambiente da Tetra Pak,com o início de operação da planta será possível elevar o volume desse tipo de reciclagem,incrementando a cadeia que participa dessa atividade,com geração de emprego e de renda.“Acreditamos que,com a implantação da reciclagem total,o valor das embalagens longa-vida recolhidas pelos catadores,hoje em cerca de R$ 250 a tonelada,aumentará 30%”,diz Von Zuben.A unidade de reciclagem em Piracicaba será abastecida com material coletado por cooperativas de catadores,pequenos sucateiros e pelos programas municipais de coleta seletiva de lixo. Plasma na matéria - Baseada no desenvolvimento sustentável,a tecnologia criada pela TSL utiliza o plasma como principal agente da reciclagem.O plasma é um gás produzido em alta temperatura,parcialmente ionizado,com perda de el étrons e modificações moleculares e atômicas. São características que o deixam diferente dos demais estados existentes,como o s ólido,o l íquido e o gasoso.Portanto, umquarto estado da mat éria.O g ás indutor do plasma,nesse caso, é o argônio. Também conhecido como plasma químico ou industrial,ele age em temperaturas elevadas,de cerca de 15.000 °C, geradas pelo uso de eletricidade nas chamadas tochas de plasma,presentes num reator. Para entender como funciona o processo de reciclagem ao plasma, é preciso saber que as embalagens longa-vida,compostas por papel (75%),pl ástico do tipo polietileno (5%) e alumínio (20%),s ão inicialmente processadas em um equipamento conhecido como hydra-pulper,que faz a separação do


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HÉLIO DE ALMEIDA

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papel. Depois de separadas, as fibras de papel são recicladas e utilizadas na fabricação de papelão. Essa primeira etapa da reciclagem é feita por uma fábrica da Klabin, localizada ao lado da unidade de reciclagem a plasma. A empresa possui capacidade para produção de 400 mil toneladas de papel reciclado por ano. Na segunda etapa do processo, o alumínio e o plástico resultantes da separação são encaminhados para o reator de plasma térmico da TSL Ambiental. Os compostos plásticos são quebrados em cadeias menores e volatilizados, deixando o reator na forma de vapores. Depois esses vapores de hidrocarbonetos gerados no processo a plasma são condensados, gerando um composto de

parafina, que pode ser vendido para indústrias petroquímicas, onde é utilizado como aditivo para lubrificante, entre outros usos. O alumínio presente no material, constituído por filmes de 6 micra de espessura (1 micra corresponde à milésima parte do milímetro), é derretido e recuperado na forma de lingotes de alta pureza. Ele é vendido à Alcoa, que o reemprega na produção das folhas de alumínio das novas embalagens longa-vida. Além de fazer a reciclagem total, com inegáveis ganhos ambientais, sociais e econômicos, a tecnologia a plasma tem outra vantagem: o processo é limpo, porque não há emissão de nenhum tipo de poluente. Isso acontece porque o processamento do plástico e o

alumínio no reator é feito sem uso de oxigênio e de qualquer tipo de queima. Os eventuais efluentes líquidos resultantes do processamento, por sua vez, são tratados para remoção de impurezas e a água pode ser reutilizada na mesma fábrica. A eficiência energética do processo, de quase 90%, é outro atrativo da tecnologia.“A transferência de calor da chama de plasma para os produtos que estão sendo reciclados (plástico e alumínio) é de 90%. Para ter uma idéia de como essa transferência é alta, basta saber que quando esquentamos água no fogão a eficiência energética é de apenas 30%”, explica Fernando von Zuben. Segundo o engenheiro Roberto Szente, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), contratado para avaliar a nova tecnologia, o processo de reciclagem a plasma é uma variante do processo de tratamento de borras de petróleo e solos contaminados com hidrocarbonetos, desenvolvido há cinco anos pela TSL Ambiental. A adaptação para o tratamento de material plástico e alumínio foi analisada e comprovada pelo Grupo de Plasma do IPT. “Depois que o uso da tecnologia para o processamento do plástico e do alumínio das embalagens cartonadas mostrou-se técnica e economicamente viável, foi feita a parceria entre as quatro empresas para a construção e instalação da unidade de reciclagem no interior de São Paulo”, afirma Szente. A TSL possui a patente do processo nos Estados Unidos e já deu entrada de pedido idêntico em vários países europeus. O sucesso da tecnologia já despertou interesse no exterior e, até o final do ano, deverá ser inaugurada a primeira planta industrial fora do Brasil. A TSL está construindo uma unidade em Valência, na Espanha, em parceria com a fabricante de papel Nessa, que realiza a reciclagem do papel das embalagens longa-vida. Além disso, missões de diversos países, como Suécia, China e Índia, já visitaram a unidade industrial de Piracicaba e a planta piloto da TSL Ambiental em Osasco, na Grande São Paulo, demonstrando interesse em associar-se à empresa para construção de novas unidades de reciclagem em seus respectivos países. •

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CAPA

A ‘ soneto

POLÍTICA

Aemenda do

Será que o país precisa mesmo de uma reforma de seu sistema eleitoral? C ARLOS H AAG I LUSTRAÇÕES H ÉLIO

DE

A LMEIDA

reforma política é a mãe de todas as reformas”, afirmou o presidente do Senado, Renan Calheiros. A partir da recente CPMI dos Correios, o apreço filial por mudanças no sistema político nacional está presente no discurso de acusados e acusadores, incluindo-se o polêmico deputado Roberto Jefferson, que, em seu depoimento, a invocou como panacéia para a corrupção. “Instituições não criam corruptos. Precisamos de algumas mudanças, mas nada radical, sob pena de, na contramão do esperado, cortarmos canais de acesso importantes da população ao sistema político”, avisa Argelina Figueiredo, coordenadora do projeto Instituições políticas, padrões de interação Executivo-Legislativo e capacidade governativa (que tem apoio da FAPESP), em parceria com Fernando Limongi. “A performance do sistema político brasileiro não é tão negativa e não justifica propostas de reforma política, ao menos não com esta urgência e/ou profundidade com que o tema é tratado ante a opinião pública. Reformas não são antídotos para as crises e seu efeito sobre a composição da classe política é duvidoso e incerto”, diz. A discussão sobre uma reforma política é multifacetada, mas tem quatro pontos recorrentes e sobre os quais não existe consenso: a fidelidade partidária, a fim de diminuir a migração entre partidos; a adoção de uma lista fechada, ou seja, os partidos ordena-


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riam a lista de seus candidatos antes das eleições, restando ao eleitor apenas votar na legenda, o que supostamente terminaria com o “individualismo” eleitoral; a cláusula de barreira, que prevê o cancelamento do registro do partido que não conseguisse eleger ao menos um representante para o Congresso Nacional, ou que não obtivesse ao menos 50 mil votos; um sistema de financiamento público de campanhas, que poria fim ao chamado caixa dois. “Precisamos tomar cuidado com o hiperinstitucionalismo ingênuo que acredita que tudo pode ser modificado por instituições públicas, apenas pela existência de regras”, analisa Limongi. Para os autores, a emenda poderia sair pior do que o soneto: “Em nome da ‘governabilidade’ e da eficiência governamental não é necessário mudar o sistema de governo e restringir ainda mais os direitos parlamentares e, muito menos, estabelecer barreiras de entrada no sistema político, impedindo que demandas sociais sejam canalizadas pelo Legislativo”, dizem os pesquisadores. “Não há razão para diminuir o número de partidos e dar maiores vantagens aos líderes partidários. As reformas restringiriam o papel do Congresso na definição da agenda governamental e sua influência autônoma na formulação de políticas públicas”, observam. As críticas ao sistema atual são conhecidas: a democracia brasileira ainda estaria em processo de consolidação e se veria sempre ameaçada por uma “crise de governabilidade” por causa do multipartidarismo e da representação proporcional. Para os reformis-

tas, a incorporação crescente das massas ao processo político resultaria num excesso de demandas que, não atendidas, levariam a um radicalismo que minaria as bases da democracia. Seria preciso sacrificar as muitas escolhas possíveis em nome da criação da maioria, da convergência da vontade do eleitor para o centro. “O metro usado para distinguir a vitalidade das instituições é dado pelo grau de restrição imposto às preferências dos eleitores. Segundo esse raciocínio, são fracas as instituições que espelham ou refletem essas preferências. São fortes as que atuam sobre os eleitores, impedindo que estes levem à polarização e à radicalização”, analisa Limongi. Poucos partidos e partidos fortes: diminuindo as opções dos eleitores e restringindo suas vontades, a democracia sairia fortalecida. Os pesquisadores discordam. “Não é verdade que o governo brasileiro se encontra imobilizado por excessivas demandas da sociedade que se expressam sem filtros no sistema político”, asseguram. Os autores também discordam das críticas a uma suposta fraqueza do presidencialismo, que, num regime de muitos partidos, acabaria sempre gerando governos minoritários que se veriam obrigados a barganhas individuais com membros do Legislativo, fazendo concessões em detrimento do bem-estar geral e da agenda governamental. “Essas críticas equivocadas partem do princípio de que o presidencialismo de coalizão, ao contrário do parlamentarismo, é impossível”, diz Limongi. “Mas as evidências não sustentam a afirmação de que o apoio obtido pelo Executivo tenha resultado PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 81 ■


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fundamentalmente da barganha individual com parlamentares. Os partidos se comportam disciplinadamente, na contramão do que se afirma, e como atores coletivos. Verificamos que os presidentes do período pós 1988 comandaram coalizões partidárias que foram responsáveis pela aprovação da agenda legislativa do governo”, avisam os autores. Segundo eles, o sistema político brasileiro não opera de forma muito diferente do parlamentarismo, pois os presidentes formam o governo da mesma maneira que os primeiros-ministros: distribuindo ministérios aos partidos e formando uma coalizão que asseguraria os votos necessários no Legislativo. “Temos um presidente forte e um sistema decisório fechado que impede o individualismo congressual”, observa Argelina. As exceções confirmariam a regra. Lula - “Collor estava em minoria e acreditava que po-

deria enfrentar o Congresso com o apoio popular. Lula, no seu primeiro ano de governo, também optou por um governo minoritário, chegando a desautorizar José Dirceu a negociar uma coalizão efetiva com o PMDB. Ele pensava que conseguiria apoio apenas em função de sua agenda, sem ceder espaço no governo”, avalia a autora. E nisso, completa ela, aproximou-se da política parlamentarista, até porque, de início, contou com o apoio dos partidos de oposição. Foi, porém, obrigado a voltar atrás. “A coalizão de Lula é diferente da feita por FHC. Em seus mandatos, a união entre PSDB e PFL funcionou bem, até porque o governo soube controlar os parti82

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dos, que se reuniram em torno da agenda de estabilização monetária e da inserção no mercado internacional.” Já a relação do PT de Lula com o PL, de organização mais fraca do que o PFL (inserido há um longo tempo na engrenagem governamental), é delicada. “Ao contrário do PSDB, o PT tem em seu interior vertentes ideológicas muito diferentes, o que dificulta o controle do partido pelo presidente. A resultante desses fatores foi a necessidade de agregar muitos parceiros numa coalizão heterogênea que complica a vida política do governo”, fala Argelina. Para ela, independentemente do sistema de governo, uma coalizão funciona melhor quanto menor for o número de parceiros e a diversidade entre eles. Segundo os resultados da pesquisa, isso poderia ser diferente, pois, afirmam os autores, “os nossos partidos são atores coletivos e as bancadas, ao contrário do mito tão propalado, são disciplinadas”. De 1989 a 1999, nas 675 votações acontecidas na Câmara dos Deputados, observou-se a indicação do líder partidário e nove em cada dez parlamentares votou com o seu partido. Assim, cada vez mais, o governo se vê obrigado a conversar com o partido em vez do deputado individual. “O sistema político brasileiro não gera as condições motivacionais e nem mesmo institucionais para que políticos baseiem suas carreiras políticas exclusivamente em vínculos pessoais e apartidários com os eleitores e com o Executivo”, revelam os autores. Mais um fator que, asseveram os professores, vai de encontro à necessidade de uma “lista fechada”, como a preconizada pelos re-


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M formistas. “Se os partidos agem disciplinadamente no Congresso, a lista aberta é um falso problema. Além disso, a lista fechada eliminaria a participação do eleitor na competição intrapartidária, diminuindo sua chance de intervenção. O sistema atual é melhor, pois se dá em dois estágios: uma eleição no interior do partido e depois a escolha do candidato pelo eleitor”, observa Limongi.

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m outro bom exemplo de que é exagerada a visão pessimista sobre o sistema político nacional é o novo processo orçamentário, que conseguiu minorar as chances de corrupção. “As emendas individuais não são privilegiadas pelo Legislativo. Os regulamentos internos ao Congresso garantem às emendas coletivas a apropriação da maior parcela dos recursos alocados. Tudo ocorre sem a intervenção do Executivo. Isso coloca sob suspeição a noção de que o processo orçamentário é orientado basicamente para atender interesses locais ou particularistas de clientelas dos parlamentares”, avaliam os pesquisadores. Para eles, a soma desses e outros fatores é uma prova de que o “voto pessoal” está sendo gradativa-

mente neutralizado, seja pela concentração dos poderes nas mãos do Executivo, seja pelo aumento do poder das lideranças partidárias. Mas o excesso de certos remédios pode provocar outras doenças. “Algumas propostas de reforma política sugerem elevar ainda mais o poder das lideranças. Hoje a força desses líderes no Congresso é tão grande que os deputados são obrigados a obedecê-los totalmente para poder atuar. São esses dirigentes que definem a participação dos parlamentares em mesas, secretarias etc. e, dessa forma, controlam a atuação dos colegas de bancada”, nota Argelina. Se, por um lado, observa, isso garante uma atuação partidária coesa, por outro, estimula a mal-afamada troca de siglas, o “troca-troca” partidário. “As trocas, por paradoxal que possa parecer, não são provas do individualismo da nossa classe política. Antes o contrário. O estímulo para as migrações no período recente vem das lideranças partidárias. São os líderes partidários que têm incentivos para atrair deputados para suas siglas”, afirma Limongi. Seria preciso, então, “amarrar as mãos deles, retirar-lhes a tentação de atrair quadros para o partido. É preciso outros incentivos para que o deputado fique no partido em que foi eleito, mais do que a fidelidade artificial por força de lei”, reforça Argelina. Efetivamente, não há lógica em forçar um deputado a permanecer no seu partido como forma de coibir a migração entre partidos por parlamentares que buscam interesses particulares. Afinal, alguém que supostamente se venderia no PL continuaria PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 83 ■


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panhas.“Há um novo mito no mercado: diz-se que as aberto a negociações caso debandasse para o PFL, campanhas brasileiras são as mais caras do mundo. por exemplo. O problema, como notam os autores, Não creio que saibamos qual o custo real das campaparece mesmo estar nos líderes. Hoje, lembram, eles nhas em todos os países do mundo. Os dados sobre e o presidente da Mesa estabelecem a pauta dos trao Brasil vêm de estimativas, quando não de puros chubalhos e têm direitos procedimentais que lhes pertes”, pondera Limongi. Dessa forma, nada garante que mitem controle estreito sobre o processo legislativo a proposta do financiamento público de campanhas e sobre o comportamento do plenário. Do outro laseja uma medida eficaz contra o mal maior e atual do do da Esplanada, o Executivo tem a seu favor o poder caixa dois. “Público ou privado, não será com esse da edição de medidas provisórias. A MP é capaz de tipo de alteração que acabaremos com essa prática. modificar a estrutura da escolha parlamentar e faz Adotar o caixa um não garantiria o fim do dois. “O do presidente o principal legislador da nação. Ainda que é necessário é incentivar os financiadores a fazer que as MPs precisem ser aprovadas pela maioria dos doações legais por meio de incentivos fiscais. Podeparlamentares, o Executivo consegue uma alta taxa se também fazer uma previsão de gastos dos partidos de sucessos na aprovação de seus projetos, não só e exercer maior fiscalização determinando a pauta dos sobre eles. Mas levando em trabalhos legislativos como conta um teto de financiainfluindo em seus resultados. O PROJETO mento realista, não ideal”, diz “O padrão de produção legisArgelina. O que, talvez, evilativa observado no Brasil não Instituições políticas, padrôes tasse os embates atuais no se encontra muito distante de interaçâo Executivo-Legislativo Congresso, em que deputada performance dos regimes e capacaidade governativa dos e senadores acusam uns parlamentaristas, seja pelo aos outros de subestimar no prisma da iniciativa, seja em MODALIDADE Projeto Temático Tribunal Superior Eleitoral relação ao grau de sucesso (TSE) os gastos reais feitos das proposições do chefe do COORDENADORES em suas campanhas. “Os 20 Executivo”, afirmam os pesFERNANDO LIMONGI – Cebrap anos de autoritarismo, em quisadores. Assim, o que ree ARGELINA FIGUEIREDO – USP que a sociedade foi proibida formar? de se expressar, contribuíram Um dos pontos em disINVESTIMENTO para a ampliação da corrupR$ 228.739, 26 (FAPESP) cussão a favor das mudanças ção”, acredita a pesquisadora. é o financiamento das cam84

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inda assim, ela não acredita no chamado “mensalão. “Seria um procedimento irracional e sem garantias para o governo. O sistema não é movido a corrupção e patronagem. Se há algo, não ocorre entre governo e deputados em particular, mas via partidos. O que pode ter ocorrido foi a distribuição de dinheiro para alguns partidos que, por sua vez, o repartiram entre os seus membros.” O mais razoável, segundo a professora, é que houve um imenso caixa dois feito com base em doações ilegais de empresas, no superfaturamento dos contratos do governo ou ainda por meio dos bônus de veiculação, o dinheiro de campanhas publicitárias devolvido para as agências de publicidade como forma de atrair anúncios. “É bom que essas práticas estejam sendo julgadas nesse momento, o que pode levar a uma mudança no controle do financiamento dos partidos e das licitações do Executivo.” No caso específico das acusações feitas ao PT, Argelina afirma ainda não ser possível avaliar o impacto da revelação de um suposto caixa dois do partido. “Mas muitos petistas estão satisfeitos com

esse processo, pois ele pode ajudar a consolidar o partido. Ele cresceu muito e rapidamente e seria idealismo imaginar que não fosse afetado por algum tipo de corrupção.” A exposição positiva das mazelas do PT não deve, no entanto, ser comparada, diz a pesquisadora, com o “sucesso” midiático de Roberto Jefferson. “O único objetivo das suas denúncias é tentar emplacar a idéia de que todos os políticos são corruptos como ele. Isso desanima a população, que é tomada por um cinismo, um ceticismo sobre os políticos e o sistema político. Jefferson não cumpre nenhum papel importante para nossa democracia. Apenas é um corrupto que não recebeu o que queria e sentiu-se inseguro com o seu esquema nos Correios”, alerta. Outro aviso importante da pesquisadora para a opinião pública é exercer o direito de controle sobre a CPMI em curso. “Não é verdade que todas as CPIs ‘acabem em pizza’. Muitas foram fundamentais e efetivas, apenas não viraram manchete dos jornais. No caso da atual, está havendo um grande jogo de cena e, se não existir uma pressão da sociedade, os parlamentares não irão aos fatos, mas se perderão em exibições para seus eleitores.” Mas, lembra a autora, o sistema sobreviveu ao affair Collor e vai sobreviver à crise atual com a mesma força. “Deveríamos estar comemorando o sucesso de nossa democracia, e não nos lamentando”, diz Limongi. “Não há sistemas políticos a salvo de crises. Não é reformando o sistema que se resolvem conflitos e desavenças. Eles ocorrem e são normais.” • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 85 ■


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HUMANIDADES

FILOSOFIA

Natureza

atormentada Projeto discute os perigos da mercantilização da ciência

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o cunhar a frase “natureza atormentada”, no início do século 17, numa referência ao objeto do conhecimento científico, Francis Bacon não imaginou que esse ideal iria, no século 21, atormentar filósofos e cientistas. O “tormento” do mundo natural, para ele, significava conhecê-lo, não pelo saber desinteressado, mas para dominar, transformar e, então, utilizar esse universo da maneira mais eficiente. E de forma precisa. O instrumento eleito para essa tarefa foi dado por outro pensador daquele tempo, Galileu, que assegurou serem as qualidades dos objetos naturais redutíveis à matemática e à mecânica. O berço da ciência moderna trazia a estrutura para que o ideal de controle da natureza pudesse ser realizado. À frente do italiano surgiu a Igreja, com suas superstições e obscurantismos, e logo foi preciso separar fato, privilégio do pensamento científico, dos valores, ligados à autoridade e ao social. O recém-nascido seria imparcial, neutro e autônomo. “A ciência precisa assumir que possui também o seu lado engajado, pois, apesar de se declarar desprovida de valores, traz em si o ideal do controle do natural, que já é um valor. Nada contra, pois essa vontade faz parte intrínseca do ser humano. Mas é preci-

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ILUSTRAÇÕES M. C. ESCHER/REPRODUÇÕES

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so sempre levar em conta que, às vezes, há um problema: como controlar quem controla a natureza”, afirma Pablo Ruben Mariconda, coordenador do Projeto Temático Estudos de filosofia e história da ciência, apoiado pela FAPESP, um espaço de discussão e análise, histórica e filosófica, dos caminhos trilhados pela ciência, dos seus primórdios no século 17 até o momento atual. O projeto já resultou numa revista, a Scientia Studia (versão on-line www. scientiaestudia.org.br), que traz textos críticos e analíticos de vários pesquisadores e também obras científicas históricas (cartas, tratados etc.), traduzidas e comentadas. Além do foco histórico, a pesquisa se debruça sobre a chamada polêmica da tecnociência, a união de ciência e tecnologia. “A tecnociência, por vezes, une a supervalorização do aspecto aplicado do conhecimento com a desvalorização da pesquisa pura e do conhecimento como um fim em si mesmo”, diz Mariconda. O princípio da difusão por toda a sociedade dos produtos teóricos e intelectuais pode, em alguns casos, dar lugar a uma intensa privatização do saber em troca de lucros. “Hoje, em vários setores, é quase impossível separar pesquisa científica de interesses e não se cumprem mais os valores de eqüidade e benefício geral, atributos natos da ciência”, diz Mariconda. “Esse estado de mercantilização pode colocar em risco a ciência como a entendemos e desejamos.” Foi, no entanto, um processo lento. O ideal de dominação da natureza nasceu no século 17, mas não se realizou a não ser na geração do conceito de ciência útil. Era a resolução de um impasse iniciado no Humanismo renascentista, que preconizava o poder do homem em conhecer e dominar a realidade. Havia então duas formas de pensar o valor da ciência. Uma entendia a teoria científica como a busca do conhecimento pelo conhecimento, pela ampliação do saber sobre o desconhecido, sem que isso implicasse a aplicação prática das descobertas. Ao lado disso estava o utilitarismo, que defendia a valoração da ciência em função da quantidade de aplicações práticas que uma dada descoberta pudesse permitir. Não se podia perder tempo, pois era preciso dar ordem ao mundo e controlá-lo praticamente. A decisão mais acertada dentre 88

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várias escolhas possíveis num experimento seria aquela com a maior eficiência de garantir uma finalidade pragmática. No século 17, o julgamento de Galileu foi um ponto nevrálgico dessa mudança pois, fato e valor foram enfim dissociados. No tribunal, de um lado estava um homem da razão que viu seu pensamento ser confrontado com a fé. Naquele momento foi necessário então que a incipiente ciência fosse totalmente desprovida dos chamados valores sociais para distanciar-se ao máximo do que não fosse racional, cognitivo. A ciência adotou a matematização, mas a realização do paradigma do controle só se daria no século 19, com o surgimento das condições sociais e econômicas necessárias. A Primeira Revolução Industrial reuniu, pela primeira vez, produção de conhecimento e produção de mercadorias. A partir de então, essa relação entre ciência e técnica foi naturalmente se estreitando. O fim da Segunda Guerra Mundial marcou ainda mais a confluência entre ciência e tecnologia que, em tempos mais recentes, desembocou na chamada tecnociência. Negação - A reação, afirma Mariconda,

foi excessiva, a ponto de inspirar críticas radicais, pós-modernistas, que condenam a ciência e as patentes na sua totalidade, sem racionalização. O projeto de Mariconda não caminha no sentido dessa negação total, mas, dentro do melhor espírito científico, defende a validade das pesquisas científicas, apenas prefere avisar sobre o perigo da valoração excessiva do controle da natureza sobre outras formas de relacionamento com os objetos naturais. Nesse contexto, a ciência moderna seria uma abordagem possível entre outras tantas, sem radicalização dos elementos de neutralidade e autonomia, preservando a sua imparcialidade. Mas, reconhece o pesquisador, está cada vez mais complicada essa ampliação do leque de escolhas, na medida em que, de forma crescente, a pesquisa migrou das universidades para as corporações econômicas, que também aplicam recursos no desenvolvimento de novos conhecimentos. O número de patentes revela a desproporção: no mundo todo, apenas 3% delas são concedidas a pesquisadores vinculados a uma


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instituição acadêmica. “Essa questão é um ponto nevrálgico, pois restringe o acesso de procedimentos biológicos a um grupo de pessoas que tem a patente. No longo prazo, isso pode acarretar o retalhamento do campo científico em um sem-número de patentes, o que impossibilitaria o conhecimento universal. Esse ficaria limitado pelas áreas reguladas pelas patentes e será difícil fazer pesquisa independente”, avisa Mariconda. “Precisamos nos conscientizar de que não se pode ficar apenas na pesquisa aplicada.” Felizmente, alerta Mariconda, o Brasil é um dos poucos países da América Latina que não abriu mão da pesquisa básica. Conhecimento - “Temos muitos institu-

tos que, embora de ponta para a pesquisa aplicada, canalizam esforços na busca de conhecimento científico que solucione problemas fundamentais da sociedade brasileira”, elogia o pesquisador, que ressalta o valor do trabalho de fundações de fomento à pesquisa, como a FAPESP, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Comissão de Aperfeiçoamento do Ensino Superior (Capes), entre outras. Um dado novo a se analisar verifica-se na polêmica da quebra das patentes, em especial das drogas usadas no tratamento da Aids. “O governo tem suas razões para tanto, mas apenas em casos extremos como esse, pois se trata de uma situação em que os produtos são caros e deveriam estar beneficiando a todos. Em casos de vida e morte, o lucro não pode se sobrepor às necessidades da população”, defende. “A propriedade difusa, pública e coletiva, associada ao conhecimento dos povos e das comunidades em geral e mesmo da comunidade científica em particular, começa a competir de modo perigoso com a propriedade privada, associada a um conhecimento tecnológico avançado, cujo desenvolvimento dependerá cada vez mais de grandes investimentos que só existirão com a garantia de retorno ainda maior”, avalia o pesquisador. Para Mariconda, no âmbito da ciência, pode-se, no limite, estabelecer que há um empobrecimento cultural e intelectual: a tecnociência contemporânea,

O PROJETO Estudos de filosofia e história da ciência MODALIDADE

Projeto Temático SUPERVISÃO

PABLO RUBEN MARICONDA – USP INVESTIMENTO

R$ 116.332,00 (FAPESP)

se predatória, leva o conhecimento público, ideal da ciência moderna, a tornar-se conhecimento privado. “Ao defendermos a imparcialidade da pesquisa científica, como a feita nas fundações e nas universidades, falamos a favor de um conhecimento livre de ingerências externas que se mascaram de humanistas e progressistas para impor uma ideologia que se volta contra o homem e inibe a liberdade de pensamento”, avalia o pesquisador. Afinal, advoga Mariconda, a presença de valores não impede a ciência de atingir um conhecimento objetivo e imparcial. “Ter a chance de conhecer a fundo os fenômenos e, dessa forma, controlar a natureza em si não é um mal. O problema é a utilização estritamente materialista dessa conquista. O mesmo conhecimento pode ser usado de várias formas”, avalia. Já controlar os cientistas é uma questão delicada. “Muitos insistem na tese da neutralidade e na idéia de que o mau uso de suas descobertas é responsabilidade do capitalismo e do Estado, e não deles. Essa não é uma atitude saudável. Sempre que produzimos conhecimento somos responsáveis pelos efeitos colaterais dessa criação”, avisa o autor. Mariconda lembra o exemplo de Einstein, que, apesar de ciente das conseqüências de suas descobertas, não parou as suas pesquisas. O que não o impediu de usar a sua figura pública para propagar o pacifismo. Afinal, naquele dia do julgamento, apesar da violência com que era ameaçado, Galileu não se deixou levar. O eppur se muove era totalmente verdade. •

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HISTÓRIA

Em busca do

Tietê perdido Estudo revela a vida em torno da principal via hídrica de São Paulo no início do século 20 R ENATA S ARAIVA

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magine chegar bem perto das águas do rio Tietê, ver seus peixes abrindo espaço para uma embarcação e crianças nadando enquanto, ao fundo, dois clubes disputam uma regata. Cena impossível de se ver hoje, mas que pode ser vislumbrada, por meio da história, nas páginas da tese de doutorado O rio que a cidade perdeu – O Tietê e os moradores de São Paulo 1890-1940, defendida por Janes Jorge no Departamento de História da USP em abril. Bolsista da FAPESP de 1999 a 2003, Jorge enfrentou o desafio de realizar um trabalho de história social do cotidiano que dialogasse com os estudos sobre a urbanização de São Paulo e com a nascente história ambiental, fórmula inevitável perante as profundas discussões contemporâneas sobre o papel do Tietê na vida da metrópole. “Parti do pressuposto de que não é possível ter idéia dos custos sociais e ambientais da urbanização paulistana no século 20 sem que a pesquisa histórica nos informe, ainda que parcialmen-

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REPRODUÇÃO/ICONOGRAFIA PAULISTANA

HUMANIDADES

Aquarela de Chanderlain (1820) mostrando ao longe o pico do Jaraguá e, no primeiro plano, a várzea da Lapa

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te, sobre o que existia antes disso”, diz o pesquisador. Também a experiência pessoal contou para a escolha do tema. Como sua família vive na Vila Maria, um dos bairros vizinhos ao Tietê, Jorge tinha na memória relatos sobre transformações drásticas do ambiente em torno do rio ocorridas na simples passagem de uma geração para a outra.

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rocurei dar uma visão abrangente das relações sociais entre os diversos grupos sociais paulistanos e o rio naquele período, investigando diferentes dimensões da vida social. A documentação pesquisada, no entanto, possibilita inúmeras pesquisas específicas, como a história da pesca em São Paulo ou o impacto social das grandes obras urbanas na vida dos moradores e no meio ambiente”, afirma Jorge. Pois a pesca foi apenas uma das atividades desenvolvidas pelas populações estudadas por Jorge. “O que se vê nesse período é que se trata do momento em que o rio foi mais utilizado, por conta do rápido crescimento da cidade e dos inúmeros recursos que oferecia. Ao mesmo tempo, ele já está caminhando para a sua triste condição atual”, diz o historiador. Propostas de intervenção geral no curso do Tietê na cidade de São Paulo ganharam força a partir de 1890, data

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que dá início ao período estudado por Jorge. “O governo do estado instituiu uma comissão de saneamento com o objetivo de evitar, principalmente, as epidemias que ameaçavam a expansão da economia cafeeira”, conta o pesquisador. “Na época havia controvérsias científicas sobre a origem das doenças e acreditava-se que muitas delas eram causadas por miasmas, que se formavam devido à umidade excessiva e às águas estagnadas.” “Em 1893, um projeto de retificação do rio foi apresentado, mas não foi levado adiante devido a problemas políticos e econômicos enfrentados pela elite cafeeira”, diz Jorge. Mas as discussões

sobre o que fazer com o rio permaneceram nos anos seguintes até que, no final dos anos 1930, o então prefeito Prestes Maia deu início ao processo de retificação que deu origem à forma que o Tietê tem hoje. “Nos anos 1920, ganhou força a idéia de que as margens dos rios deviam acolher grandes vias de circulação da cidade. E, ao contrário de alguns planos que antecederam o seu, o de Prestes Maia não contemplava áreas de lazer no entorno do Tietê”, conta Jorge. Enquanto Prestes Maia queria que as laterais do rio fossem grandes avenidas, a Light and Power Co., empresa que detinha o monopólio da eletricidade e transportes em


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REPRODUÇÃO/LEMBRANÇAS DE SÃO PAULO/VOL.I

Clube de Regatas à beira do rio Tiête numa vista tomada por volta de 1905: na mensagem lê-se “O pequeno Tâmisa de São Paulo”

São Paulo, tratava de afastar o poder público da administração efetiva do Tietê e seus afluentes, como forma de evitar concorrentes no uso das águas ou restrições ao seu modo de operar. O poder público e a Light não eram os únicos interessados no potencial econômico do Tietê. Ao lado deles, outros agentes da frenética urbanização exploravam sua bacia, extraindo areia e pedregulho para a construção civil ou usando as águas para o transporte das cargas que chegavam à metrópole em formação. Houve uma exploração intensa do Tietê no período analisado por Jorge. E se o Tietê era um grande negócio para muitos, no extremo oposto, para os tra-

balhadores pobres, era o local de onde se tirava sustento, fosse por meio da pesca e da caça, da retirada de areia e pedregulho ou do trabalho em chácaras às margens do rio e seus afluentes. Predatória - Era inevitável que tal cenário resultasse em todo tipo de conflito, como entre chacareiros e loteadores urbanos; entre barqueiros novos e antigos; entre pessoas que praticavam pesca predatória e aquelas que condenavam essa atividade ou aqueles referentes às desapropriações que precisavam ser feitas para as obras de retificação. Os rios eram tão importantes para a vida da cidade que uma das figuras que

se destacavam no cenário urbano no início do século 20 era a do fiscal de rios. A ele eram atribuídas diversas funções. De verificar e regulamentar as condições de pesca e da extração da areia a prestar socorro às populações ribeirinhas nos casos de enchentes – sim, já naquela época elas existiam. A análise de alguns relatórios deixados por esses fiscais permite identificar a realidade ambígua das condições ambientais e sociais no entorno do Tietê. E é nas palavras de um deles, José Joaquim de Freitas, em carta ao prefeito Antonio Prado, em 1903, que se pode ter a dimensão exata de quanto o Tietê já estava condenado a ser o que é hoje: “Esta corrente é de importância vital para a cidade de São Paulo. Do seu leito extraem a areia e o pedregulho; das margens, o tijolo e a telha; das várzeas, muita da hortaliça que abastece o mercado; dá o transporte mais econômico a todos esses produtos. (...) O Tietê, puro, capaz de transportar as imundices que lhe são confiadas, é o saneamento, poluído, sobrecarregado de detritos que se vão sedimentando e putrefando (...). De há muito me arreceio pela poluição do Tietê, e espero pelo remédio contra esse mal. Mas há dois anos que esse receio se tornou pavor, e hoje sinto necessidade de chamar a zelosa atenção do sr. Dr. Prefeito, para que reclame dos poderes competentes a solução desse problema de vida ou morte para S. Paulo”. Pelo mesmo esperam, até hoje, os paulistanos, não só os que vivem às margens do rio, mas em todas as áreas prejudicadas cada vez que seu leito decide reapropriar-se do espaço que suas águas perderam com a urbanização da cidade. • PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 93 ■


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LIVROS Uma velha história sem final feliz

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s militares,mesmo com o fim do regime de exceção, ainda se mantêm como um estigma dentro da sociedade brasileira.Para muitos, eles seriam inúteis nesses novos tempos,sem guerras frias ou ameaças externas ao Brasil.Para outros,eles são lembrados com uma ponta de saudosismo,responsáveis por um país “pleno de ordem,disciplina e progresso”.A verdade é que,apesar do papel fundamental que sempre exercitaram na história nacional, pouco sabemos sobre os militares. Esse novo estudo de José Murilo de Carvalho é uma honrosa exceção, em especial por reunir textos compostos pelo historiador ao longo de

historiador, de “corrermos o risco de sermos surpreendidos pelos acontecimentos José Murilo de Carvalho como em 1964 e sermos, Jorge Zahar Editor novamente,atropelados pe224 páginas / R$ 38,00 la roda da fortuna”.O que esperar do Exército hoje? O perigo mora no desinteresse por esse dilema,tanto do Executivo quanto do Legislativo.Murilo de Carvalho observa que o episódio recente do pronunciamento militar favorável à repres30 anos.Dessa forma,escritos de são,e que levou à queda do ministro 1964,em que o autor se perguntava da Defesa, é uma prova de que nem “por que não estudamos os militatudo foi resolvido.Para Jos é Murilo res”antes que eles fizessem o golpe, de Carvalho,as manchas do passado são complementados por outros,reforam,cedo demais,esquecidas. centes,que nos avisam da necessidade de rediscutir o papel dos militares Jorge Zahar (21) 2240-0226 nos novos tempos,sob pena,alerta o www.zahar.com.br Forças Armadas e política no Brasil

Cordialmente, Carlos Lacerda

E

m período de crises políticas,um fantasma ronda o imaginário de todos:Carlos Lacerda.O inventor do chamado “mar de lama”, apesar de polêmico, não pode ser comparado com a boçalidade dos denunciantes e moralistas de plantão dos tempos atuais.Uma boa prova de seu talento aparece nessa interessante coleção de cartas escritas por ele e para ele num período que se estende de 1939 até 1968,incluindo,a parte mais saborosa,todo um volume dedicado às epístolas que falam de sua relação com o regime militar. Nisso,temos direito mesmo a surpresas,como um telegrama em que o defensor ferrenho do golpe de 1964

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Minhas cartas e as dos outros Carlos Lacerda UNB/Fundamar 2 volumes R$ 54,00 (cada)

se transforma em crítico da ditadura,pregando a anistia aos cassados daquele ano. “Respondendo ao seu telegrama entendo tema deve abranger,segundo penso,exame.Revolução em face tentativa dividir-nos. Promover restauração.Processar volta de homens banidos pelo movi-

mento.” Mas nem tudo é política e há várias cartas para escritores e intelectuais,como Carlos Drummond de Andrade,JK,Erico Verissimo, Gilberto Freyre,M ário de Andrade. Editora UnB (61) 3035-4200 www.unb.br


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LIVROS A história do diabo Vilém Flusser Annablume 214 páginas, R$ 38,00

“É possível a afirmativa de que o tempo começou com o Diabo,que o seu surgir ou a sua queda representam o início do drama do tempo,e que diabo e história sejam dois aspectos do mesmo processo”,afirma Flusser no seu delicioso e pol êmico livro,um elogio ao “príncipe das trevas”, escrito com paródias a textos sagrados.Para Flusser,influ ência divina é tudo o que procura superar o tempo e influência diabólica,tudo o que quer preservar o mundo no tempo. Annablume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br

Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional Gilberto Agostino Mauad/Faperj 272 páginas, R$ 38,90

Esporte capaz de arrebatar paixões e também de fazer história.Nessa obra,Gilberto Agostino mostra o futebol por um ângulo diferenciado: a interação do jogo com os modelos e sistemas políticos,bem como sua participa ção no processo de construção de identidades nacionais no Brasil e no globo.O t ítulo remete a uma frase de Mussolini, dita aos seus soldados antes de entrarem em batalhas. Mauad (21) 2533-7422 www.mauad.com.br

De perto e de longe O Brasil e a economia internacional Paulo Nogueira Batista Jr. Editora Campus 162 páginas, R$ 35,00

Didier Eribon/Claude Lévi-Strauss Cosac Naify 272 páginas, R$ 26,90

Um livro importante nesses tempos em que o quadro econômico varia com grande velocidade,em especial no terreno internacional.Nogueira Batista discute a dimensão cambial e financeira do relacionamento externo da economia brasileira.Ao mesmo tempo, o pesquisador avalia as negociações comerciais do Brasil, em especial a delicada questão da implementação da Alca,tema que gera um debate intenso entre governos.

Uma conversa imperdível em que o grande antropólogo francês conta a sua trajetória,definindo-se como um “Dom Quixote da antropologia”. A entrevista traz em cena as grandes figuras intelectuais e artísticas do século 20,como Lacan,Duchamp, Ernst, Jakobson, Braudel, Boas, Merleau-Ponty, amigos e influências de Lévi-Strauss.Partindo da sua infância, o antropólogo conta a sua formação acadêmica, a descoberta de Marx,os tempos passados no Brasil com Braudel e Bastide,na fundação da USP em 1935.

Editora Campus (11) 5105-8555 www.campus.com.br

Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br

A hidra e os pântanos: mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX) Flávio dos Santos Gomes Editora Unesp 464 páginas, R$ 58,00

Identidades, discurso e poder: estudos da arqueologia contemporânea Pedro Paulo Funari, Charles Orser Jr. e Solange Nunes de Oliveira (org.) Annablume/FAPESP 246 páginas, R$ 40,00

O Brasil pode se orgulhar de ter na história da resistência escrava nas Américas o maior número de povoamentos de cativos fugidos.Segundo o autor, assenzalados e aquilombados trabalharam juntos numa inusitada e pouco conhecida resistência contínua contra o sistema de escravidão.

Uma interessante e importante coletânea de artigos que mostra a dimensão e o trabalho da arqueologia brasileira.Entre os temas tratados nessa reunião de textos: “Os espaços da resistência escrava em Cuba”,de Gabino Cozo; “Questão étnica no discurso arqueológico”,de Oliveira.

Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editora.unesp.br

Editora Annablume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 95 ■


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omecei a me afeiçoar a esse lugar no dia em que derrubei quase meia xícara de café sobre um dos meus cadernos.Quando terminei a última linha da décima folha,meu braço tremia tanto que acabei esbarrando na xícara e derrubando o café.O líquido – quase meia xícara de café! – cobriu as palavras e,quando eu tive certeza de que não conseguiria ler nada por baixo da mancha escura,até porque meia xícara de café não é pouca coisa,comecei a chorar.Na mesma hora,a moça do caixa veio me consolar:fazia questão de trazer para mim outra xícara de café.Aliás,eu não precisaria pagar de novo.O problema era o caderno,expliquei.A garota pediu desculpas e disse que esse problema ela não tinha como resolver,já que vendiam café,café com leite,leite e até mesmo refrigerante,mas não cadernos.Não devia custar grande coisa,continuou,um caderno,só que talvez seja mais caro que uma xícara de café,ou meia,já que eu tinha tomado uma parte,possivelmente um pouco mais da metade,muito embora tenha sobrado café suficiente para cobrir a folha e deixar tudo completamente ilegível. Se eu tivesse escrito a caneta,talvez conseguisse ler alguma coisa,já que o café,mesmo se for muito,quase meia xícara,costuma fazer contraste com a tinta azul.Finalmente ela compreendeu,mas mesmo assim,talvez porque fosse do caixa e não trabalhasse no balcão (e,portanto,não estava cansada,o que lhe dava mais energia para consolar os clientes, principalmente aqueles que derrubam meia xícara de café em cima do rascunho de sua tese de doutorado,motivo mais do que suficiente para tomar muito café,o que é um paradoxo,já que se tomasse menos café possivelmente haveria mais líquido na xícara e o estrago seria maior e talvez até cobrisse as anotações para as notas de rodapé,fato mais desesperador,porque banca alguma aceita uma tese de doutorado com menos de trezentas notas,não por nada,mas porque as notas demonstram o conhecimento bibliográfico indispensável para qualquer um que esteja querendo ostentar o título de doutor),o que a deixava mais disposta para consolar os clientes que,por qualquer motivo,derrubam quase meia xícara de café em cima de um caderno com dez folhas de anotações a lápis,sim,porque se fosse a caneta,a cor do café se misturaria ao azul da tinta e o efeito seria muito bonito:até mesmo as notas de rodapé ficariam elegantes,o que é um sinal valioso para a banca,principalmente porque isso,a elegância da nota de rodapé e não o contraste da cor do café com o azul da tinta da caneta,demonstra horas de estudo,o que é indispensável para qualquer um que deseje ostentar o título de doutor.Para não perder o fio,é importante lembrar que se aquela moça trabalhasse no balcão,possivelmente estaria cansada e sem nenhuma disposição para consolar os clientes que,por motivos variados,derrubam quase meia xícara de café sobre um caderno com dez folhas escritas a lápis.Se estivessem a caneta,possivelmente a moça que trabalha no balcão também não se animaria a consolar o fulano,mas ocorre que o fulano,por sua vez,também não começaria a chorar,porque o café,mesmo que seja quase meia xícara,não esconde palavras escritas a caneta,pelo contrário,acaba tornando o tom do azul mais bonito.É que se o fulano,no caso eu,tivesse escrito a caneta o café não teria coberto as palavras e ele,muito possivelmente,não começaria a chorar,já que o conhecimento novo que é uma das principais exigências para uma tese de doutorado,além das seiscentas notas de rodapé,não seria destruído por causa de meia xícara de café que acabou virando por-

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que o fulano, no caso eu mesmo, estava muito emocionado por ter finalmente escrito dez folhas com um conhecimento genuinamente novo, um dos pré-requisitos para a aprovação de uma tese de doutorado, além das novecentas notas de rodapé, que demonstrariam que o candidato tinha pleno domínio da bibliografia referente ao assunto da sua tese. Só que como o fulano, ou, o que me dói muito ter que admitir, eu mesmo, tinha escrito a lápis e nada mais lhe restava do que chorar em cima do café derramado sobre o conhecimento novo que eu, ou melhor, o fulano, tinha acabado de perder. O que me afeiçoou a esse lugar não foi a atitude da garota que trabalha no caixa – eu tenho certeza de que se ela trabalhasse no balcão a coisa teria sido muito diferente, ainda que eu admita claramente que sua gentileza é rara nos dias de hoje: ninguém mais quer saber da tragédia dos outros, nem mesmo quando o fulano perde mil e duzentas notas de rodapé, praticamente uma livre-docência! Eu sei que ninguém está a salvo de derrubar quase meia xícara de café em cima de dez páginas de sua (ou, no caso, minha) tese de doutorado. Aliás, pode até acontecer com a própria banca, bem no momento em que ela, a banca, e não a moça que trabalha no balcão (sim, porque se fosse a do caixa), vai lembrar o candidato de que o conhecimento novo, e não um amontoado sem nexo de notas de rodapé, só pode ser obtido a partir da combinação de determinados fatores diferentes na forma de um texto qualquer, por mais que ele, o texto qualquer e não o conhecimento novo, esteja embasado por mil e quinhentas notas de rodapé. Nesse momento, se o membro da banca não tiver escrito uma tese com mil e oitocentas notas de rodapé, ele pode vacilar, já que seu argumento será mais frágil e portanto sujeito à fácil refutação pelo candidato, e terminar derrubando meia xícara, ou mesmo uma inteira, sobre a tese. Evidentemente que nesse caso não há motivo para choro, já que o conhecimento novo não estará perdido, pois o membro da banca pode muito bem pedir emprestado para o colega de argüição (esse um pouquinho mais seguro, pois fez uma tese com duas mil e cem notas de rodapé) seu exemplar para continuar desenvolvendo o raciocínio. Claro que daí em diante tudo ficará prejudicado, pois o candidato já não terá ânimo nenhum para ouvir as considerações do membro da banca, que sequer teve o cuidado de deixar a xícara de café longe do exemplar da tese, prevenção básica para qualquer um que sabe que não é todo texto que constitui um conhecimento novo, muito menos os que terminam manchados por quase meia xícara de café, mesmo que ela tenha sido derrubada por um professor que redigiu, à sua época, uma tese de doutorado com duas mil e quatrocentas notas de rodapé, o que demonstra indiscutivelmente um conhecimento novo, mas não a segurança para tomar direito um gole de café, até porque o colega de banca que vai falar logo a seguir escreveu uma tese, por sua vez, com duas mil e setecentas notas de rodapé, o que demonstra que seu conhecimento novo é mais genuíno que o do outro, coisa que naturalmente deixa todo mundo inseguro, a ponto de derrubar o café. A menos, é claro, que a pessoa tenha, ela mesma, escrito uma tese com três mil notas de rodapé. Mas aí é pedir demais. RICARDO LÍSIAS é escritor, autor de, entre outros, Duas praças (Editora Globo). PESQUISA FAPESP 114 AGOSTO DE 2005 97 ■


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