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Nº 151 ■
EXEMPLAR DE
Setembro 2008
Setembro 2008 Nº 151 ■
Leishmaniose visceral chega às cidades
PESQUISA FAPESP
Novo tomógrafo salva vidas na UTI A ciência que veio do Japao
Mudancas
climáticas Especialistas de várias áreas se organizam para entender e enfrentar os novos tempos capa pesquisa assina-151.indd 1
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EDUARDO BELESKE/ZERO HORA
IMAGEM DO MÊS
Em casa Os leões-marinhos e lobos-marinhos se divertem no quebra-mar da cidade de Rio Grande, no litoral gaúcho, sem se importar com o movimento de máquinas e operários. Embora a região esteja passando por obras para aprofundamento do canal de acesso aos terminais do porto, os animais ignoram o barulho e agem como se estivessem em casa. Toda essa harmonia é fruto de treinamento especial dado aos trabalhadores para que não causem nenhum estresse a eles. O Núcleo de Educação e Monitoramento Ambiental acompanha a situação e garante que a colônia tenha seus hábitos preservados.
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MIGUEL BOYAYAN
JORGE ARAÚJO/FOLHA IMAGEM
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CAPA BRAZ
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> CAPA
> ENTREVISTA
> POLÍTICA CIENTÍFICA
> CIÊNCIA
E TECNOLÓGICA 16 FAPESP lança
programa para amplificar a contribuição brasileira no estudo das mudanças climáticas globais 24 Organização Mundial
da Saúde prepara plano para evitar que desastres naturais piorem a vida de milhões de pessoas 28 Famílias de países
pobres da África e da Ásia adotam fogões que poluem menos
10 Especialista
em alergia infantil, Charles Naspitz fala sobre o desafio de compreender e tratar a asma
46 SAÚDE PÚBLICA 36 FOMENTO
Governo relança programa de redes temáticas de excelência, agora com mais recursos e articulação com os estados 40 CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
Dissertação premiada de aluna da Unicamp permite a biólogos manipular dados colhidos com metodologias diversas
Leishmaniose visceral avança sobre as cidades brasileiras 52 BOTÂNICA
Equipes de Brasília e Campinas identificam estratégias de árvores para garantir o suprimento de água 56 ECOLOGIA
Área de recifes de corais em Abrolhos é duas vezes maior do que se pensava
> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DO EDITOR 8 MEMÓRIA 30 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTÍCIAS ...........................
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> POLÍTICA C&T
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
RONALDO FRANCINI-FILHO/UEPB
REPRODUÇÃO
> EDITORIAS
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REPRODUÇÃO
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90 58 QUÍMICA
Nova levedura reduz a acidez do cacau fermentado e melhora a qualidade da matéria-prima nacional
73 ENGENHARIA MECÂNICA
Radiação ultravioleta desinfeta óleos lubrificantes usados na indústria
76 ANÁLISES CLÍNICAS
Aparelho portátil mede hemoglobina com diagnóstico instantâneo
> HUMANIDADES 80 EDUCAÇÃO
Estudo analisa perfil intelectual da classe dirigente brasileira
78 MICROELETRÔNICA
> TECNOLOGIA 68 ENGENHARIA BIOMÉDICA
Tomógrafo avalia em tempo real reação de pulmões submetidos à ventilação artificial nas UTIs
74 AGROINDÚSTRIA
Novos projetos de usinas de açúcar e álcool deixam de captar água de mananciais e até geram excedente
Pesquisadores de três universidades projetam e montam circuitos integrados de alta complexidade
......................... 64 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS
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86 HISTÓRIA
Como os japoneses contribuíram para a ciência brasileira 90 ARTES PLÁSTICAS
Nas páginas das revistas Fon-Fon e Careta o Carnaval carioca consolidou a contestação democrática
CAPA MAYUMI OKUYAMA
FOTO CARLOS SILVA/IMAPRESS/AE
LAGO GRANDE, EM SANTARÉM (PA), NA SECA DE 2005
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CARTAS cartas@fapesp.br
As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução. ■
Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008
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Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418
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Edições anteriores Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Envie e-mail para rute@fapesp.br ou ligue (11) 3838-4304
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Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis asreportagens em inglês e espanhol.
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Opiniões ou sugestões Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br
Pesquisadores Gostaria de agradecer e parabenizar Pesquisa FAPESP por nos trazer sempre prazerosas entrevistas e reportagens a cada edição. Mesmo fora do país posso acompanhar cada número integralmente, graças à disponibilização de seu conteúdo pelo site da revista. Em algum momento da entrevista com o professor José Goldemberg e das reportagens “Sob o sol da ciência” e “O fôlego na berlinda” (edição 150) foi abordado o tema da necessidade de alternativas para o incentivo em inovação tecnológica e a inserção de pesquisadores no setor empresarial. Os números mostram que pequena fração de teses e de doutores realmente culmina em retorno para a sociedade, seja via geração de inovação tecnológica ou pela inserção desses profissionais no mercado de trabalho especializado. Como graduado e doutorando por duas universidades estaduais paulistas, me surpreendo pelas raríssimas ocasiões em que abordamos esses temas. Não obstante, colegas pesquisadores de outras áreas em renomadas universidades brasileiras também compartilham da mesma situação. Me pergunto se são meras coincidências e casos isolados ou se realmente nosso sistema educacional, em especial o da pós-graduação, não está preparado para propor tal discussão.
MIGUEL BOYAYAN
Alex Rafacho Universidad Miguel Hernández Elche, Espanha
Parabéns à Pesquisa FAPESP por ser um manancial no deserto de revistas de divulgação científica. Gostei muito do 6
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artigo intitulado “Fôlego na berlinda” (edição 150). Concordo plenamente com a baixa inclusão de doutores, o que causa um desestímulo a quem quer seguir na carreira acadêmico-científica. Após a graduação, o tempo médio para se formar um doutor (mestrado e doutorado) é de aproximadamente seis anos, e somente após esse período é que o jovem doutor poderá ser inserido no mercado profissional. Mas qual mercado é esse? Ele realmente existe? Não são só os laboratórios que não absorvem esses doutores, mas as universidades e os centros científicos. Novas vagas são necessárias, não adianta lançar doutores como em um fordismo educacional, é acima de tudo necessário empregar e principalmente dignificar os novos varões de Plutarco da ciência. É imprescindível um novo fôlego para que as pernas da produção científica brasileira não venham a falhar. Daniel Cortes Beretta FCAV/Unesp Jaboticabal, SP
Pingüins A seção Imagem do Mês (edição 150) referiu-se à ocorrência de pingüins no litoral da Bahia. O texto menciona que as aves foram desviadas da sua rota migratória para a África do Sul e foram parar no litoral baiano. Os pingüins não são aves que fazem migração, mas sim aves de arribação. Os que habitam o sul da América do Sul podem ser acidentalmente transportados para o norte pela corrente das Malvinas e atingir o litoral brasileiro até o Rio de Janeiro. Foi um caso inusitado a ocorrência dessas aves na Bahia, mas não em razão do desvio de sua rota migratória, inexistente. Franciscco Manoel de Souza Braga Departamento de Zoologia/Unesp Rio Claro, SP
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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CARTA DO EDITOR FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO LAFER
PRESIDENTE
Entender para agir
JOSÉ ARANA VARELA
VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO
Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretor de Redação em exercício
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI
DIRETOR PRESIDENTE
O
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
DIRETOR CIENTÍFICO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER
DIRETOR ADMINISTRATIVO
ISSN 1519-8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETOR EM EXERCÍCIO LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRÍCIO MARQUES (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE JÚLIA CHEREM RODRIGUES, LAURA DAVIÑA, MARIA CECILIA FELLI FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201 COLABORADORES ALEXANDRE AMARAL RODRIGUES, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BRAZ, BUENO, DANIELLE MACIEL, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JUNIOR, HÉLIO DE ALMEIDA, LAURABEATRIZ, LUANA GEIGER, REINALDO JOSÉ LOPES E YURI VASCONCELOS
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
PARA ANUNCIAR (11) 3838-4008 PARA ASSINAR FAPESP@TELETARGET.COM.BR (11) 3038-1434 GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br
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FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
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tema “mudanças climáticas” entrou na agenda dos principais países do mundo há pelo menos duas décadas. Mas quase sempre como um assunto protocolar que pode ser adiado, jogado para ser decidido no futuro. O século XXI trouxe consigo um sentido de urgência maior, herdado da reunião de Kyoto em 1997, quando foram estabelecidos prazos para a diminuição de emissão de gases poluidores que provocam o efeito estufa. O fato é que as soluções para as questões que envolvem o assunto vão além das tentativas de poluir menos o ambiente. É essencial estudar mais o clima do globo e suas interações, ainda pouco entendidas, e não esquecer do aspecto humano presente em todas as ações que vierem a ser planejadas. Melhor compreender antes o que está acontecendo para evitar agir às cegas. Como é da natureza da FAPESP, a instituição não se omitiu sobre o tema. No final de agosto lançou o Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais com o objetivo de ampliar o conhecimento a esse respeito e propiciar a produção de mais estudos em assuntos nos quais o Brasil tenha interesse específico. O programa não se restringirá a uma ou duas áreas de pesquisa, como climatologia ou oceanografia. Pesquisadores das ciências físicas e naturais assim como os das ciências sociais trabalharão na articulação de estudos básicos e aplicados sobre as causas das mudanças no clima e seus impactos no mundo. Serão pelo menos dez anos de estudos financiados pela Fundação – parte deles custeada também pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Até agora, este é o maior esforço multidisciplinar já feito no país para colaborar no entendimento do que se passa com o clima. O editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, explica como o programa paulista foi planejado (página 16). E duas reportagens do editor especial Carlos Fioravanti mostram como o problema já afeta várias partes do mundo e quais as soluções imaginadas até agora para reduzi-lo (páginas 24 e 28).
Das questões globais para as locais. A leishmaniose visceral, doença antes restrita às áreas rurais do Brasil, está chegando às grandes cidades. Para os pesquisadores que acompanham essa infecção provocada por um protozoário, é apenas questão de tempo para que ela se instale em centros como São Paulo e Rio de Janeiro. A destruição das matas, ambiente natural do parasita presente em cachorros-do-mato e raposas-do-campo, levou a doença para perto dos grandes agrupamentos urbanos. O editor de ciência, Ricardo Zorzetto, conta como pesquisadores de São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Teresina trabalham em testes, vacinas e coleiras para cães na tentativa de evitar uma epidemia anunciada e as prováveis mortes que poderão ocorrer, caso nada seja feito (página 46). A bioengenharia, por sua vez, já ajuda a salvar vidas no Hospital das Clínicas (HC) e no Instituto do Coração (InCor), relata a editora assistente de tecnologia, Dinorah Ereno (página 68). Um tomógrafo novo, em pleno desenvolvimento por pesquisadores, médicos e engenheiros, permite controlar a injeção exata de ar nos pulmões de pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI), sem causar lesões desnecessárias. O equipamento partiu de um protótipo inglês, mas avançou e é considerado o mais desenvolvido até agora. Uma empresa privada trabalha com os pesquisadores no desenvolvimento da máquina com boa perspectiva para o futuro – se o tomógrafo for vendido comercialmente, como se espera, uma parte do dinheiro será revertida para outras pesquisas no HC e InCor. Por fim, Pesquisa FAPESP entra nas comemorações dos cem anos da imigração japonesa para contar qual a contribuição dos nikkeis (descendentes nascidos fora do Japão) à ciência e tecnologia no Brasil. O editor de humanidades, Carlos Haag, mergulhou na história e recuperou algumas das mais significativas colaborações da área de física, agricultura, medicina e engenharia (página 86). O legado dos imigrantes da Terra do Sol Nascente é muito maior do que a tão cantada culinária japonesa. PESQUISA FAPESP 151
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() MEMÓRIA
BELL LABS
Réplica do primeiro transistor: tosco e inovador
O DOMÍNIO DA ELETRÔNICA Há 60 anos, os Bell Labs apresentavam o transistor, base da revolução da informática Neldson Marcolin
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ogo depois da Segunda Guerra Mundial a norteamericana Bell Telephone Laboratories, ou Bell Labs, companhia com forte tradição de pesquisa básica orientada para tecnologia, decidiu aumentar o investimento para conhecer melhor os semicondutores. Em 1946 foi criado um grupo de física do estado sólido dentro da empresa, que reuniu especialistas de várias áreas. O físico William Shockley formou uma equipe para trabalhar em semicondutores acreditando que o investimento no setor traria avanços significativos para a tecnologia de telecomunicações. Walter Brattain e John Bardeen, também físicos, foram alguns dos talentos atraídos para o projeto. Em 1º de julho de 1948 a Bell anunciava que os três haviam inventado o transistor, dispositivo eletrônico que controla e amplifica sinais elétricos e viria a se tornar base de toda a revolução da informática. “Foi o mais importante invento do século XX”, crê Adalberto Fazzio, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo, diretor do Centro de Ciências Naturais e Humanas da Universidade Federal do ABC e atual reitor pro tempore da instituição. Naturalmente, tudo não se passou tão rápido como parece. “Os laboratórios da Bell já faziam pesquisas no
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(que permite a passagem da corrente numa única direção) já eram conhecidas desde o final do século XIX, descobertas por Ferdinand Braun, Nobel de 1909.” As motivações dos cientistas eram mais complexas que as da empresa. “Seus interesses intelectuais estavam focalizados quase exclusivamente na criação de mais conhecimento sobre semicondutores. Outros no grupo estavam preocupados tanto com as aplicações quanto com as disciplinas científicas adjacentes”, escreveu Richard Nelson. Uma teoria desenvolvida por John Bardeen em 1947 resolveu de forma efetiva alguns problemas que levaram ao primeiro transistor construído por ele, Brattain e Shockley em dezembro de 1947 e apresentado em julho de 1948. O trabalho
principal foi realizado pelos três, mas Richard Nelson frisa em seu ensaio que 13 outras pessoas tiveram participação nas pesquisas. O nome transistor surgiu porque é um resistor (apresenta resistência à eletricidade) que transfere elétron e amplifica sinais. O dispositivo, que nasceu com 1,5 centímetro, foi miniaturizado e se transformou no coração dos circuitos integrados e, conseqüentemente, dos computadores.
Shockley (1910-1989), Brattain (1902-1987) e Bardeen (1908-1991) ganharam o Nobel de Física em 1956. No ano seguinte, Bardeen publicou artigos com Leon Cooper e Robert Schrieffer explicando o fenômeno da supercondutividade – a capacidade que certos metais têm, em baixas temperaturas, de conduzir eletricidade sem nenhuma resistência. Depois deles, a teoria da supercondutividade tornou-se conhecida como teoria BCS (iniciais dos nomes dos físicos). “A explicação do fenômeno havia sido tentada sem sucesso por alguns dos grandes físicos do século XX, como Niels Bohr, Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli e Felix Bloch”, conta Fazzio. Em 1972, Bardeen se tornou o único cientista a ganhar o Nobel duas vezes na mesma área.
AMERICAN INSTITUTE OF PHYSICS
campo dos semicondutores bem antes da Segunda Guerra”, contou o economista Richard Nelson, da Universidade de Colúmbia, em um ensaio de 1960 sobre o transistor que integra o livro As fontes do crescimento econômico (Editora Unicamp, 2006). Semicondutores são elementos isolantes, como germânio e silício, que conduzem eletricidade quando dopados (enriquecidos) com outros elementos, embora não sejam tão bons condutores quanto os metais, como o cobre. Esses materiais, aquecidos, conduzem corrente elétrica mais facilmente que quando frios, o que os diferencia dos metais. Em 1931, Alan H. Wilson publicou um artigo com a maioria das informações necessárias para o entendimento dos semicondutores, mas mal foi notado. Os conceitos foram sendo gradualmente compreendidos. Nos Bell Labs os objetivos eram claros. A válvula a vácuo inventada por Lee De Forest em 1906 foi um grande avanço, mas se sabia que havia algo melhor do que ela, ainda por vir. “A válvula consumia muita energia, tinha pouca durabilidade, era cara e frágil”, diz Fazzio. “A idéia era criar um amplificador de sinais elétricos em estado sólido, ou seja, com semicondutores, já que as propriedades de retificador
ELETRONICS
Bardeen e Brattain (em pé) e Shockley: conhecimento compartilhado
Bardeen, Cooper e Schrieffer: teoria BCS
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ENTREVISTA
Charles Naspitz Especialista em alergia infantil fala sobre o desafio de compreender e tratar a asma
Nas últimas décadas a ocorrência de alergias, principalmente as respiratórias como asma e rinite, vem crescendo em todo o mundo. Por quê? ■
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— Nos últimos 30 ou 40 anos, em alguns países há uma epidemia que atingiu um platô. Não se sabe a causa, mas há algumas tentativas de explicação. Uma delas é a chamada hipótese da higiene, lançada pelo pesquisador inglês David Strachan em 1989. Ele dizia que o modo de vida ocidental fez com que a água fosse clorada e as comidas esterilizadas, houvesse o uso de antibióticos profiláticos e a construção de redes de esgotos. Enfim passamos a viver em um ambiente de higiene como nunca antes existiu. Muito provavelmente uma parte do armamento imunológico que era destinado à defesa contra as agressões do ambiente, eliminadas pela higiene, ficou solta, pronta para combater os alérgenos [substâncias que induzem a alergia], como o pólen e alguns alimentos. A hipótese diz que, ao se eliminar determinado número de microorganismos, libera-se o sistema imunológico para que se dedique a outras atividades. O senhor acredita nessa hipótese? — Ela pode ser válida para alguns países ocidentais. Na América Latina e no Brasil não há toda essa higiene, falta rede de esgotos e, no entanto, a prevalência de asma é muito alta – é a segunda ou terceira do mundo. Talvez a hipótese tenha aplicações regionais e não possa cobrir todas as variantes que estão acontecendo. É uma teoria engenhosa que abriu um campo de pesquisa grande. Alguns parasitas provavelmente acompanham o homem desde os primórdios da evolução e convivem com ele muito bem até hoje. Dizem que os parasitas são a vergonha do sistema imunológico, porque não podem ser eliminados por ele. ■
FOTOS MIGUEL BOYAYAN
E
m março de 2007 o médico paulistano Charles Naspitz recebeu uma surpreendente carta da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, a AAAAI, a entidade mais prestigiosa da área no mundo. A carta informava que um trabalho publicado por Naspitz em 1968 fora considerado um dos seis mais importantes – o único de um autor latino-americano – em alergia e imunologia nos últimos 40 anos. Nesse estudo desenvolvido durante o mestrado na Universidade McGill, no Canadá, Naspitz demonstrou pela primeira vez que grãos de pólen provocam alterações morfológicas nos linfócitos, células de defesa que identificam e ajudam a eliminar microorganismos infecciosos ou substâncias estranhas ao corpo. A descoberta do fenômeno levou a identificação de outros mecanismos celulares na resposta in vitro ao ragweed, pólen ao qual os pacientes estavam sensibilizados. De volta ao Brasil depois de dois anos muito produtivos, em que publicou um total de 17 trabalhos científicos, Naspitz assumiu provisoriamente a cadeira de imunologia na Escola Paulista de Medicina – atual Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) –, onde havia se formado em 1959. Depois de provar para si próprio que conseguia realizar um trabalho relevante se as condições necessárias lhe fossem dadas, mostrou também que é possível fazer muito mesmo quando essas condições não existem. Na Unifesp organizou a disciplina de alergia, imunologia clínica e reumatologia e ajudou a formar uma geração de especialistas na área. Publicou um total de 162 artigos científicos e quatro livros que são referência na área, três deles editados apenas em inglês. Pai de três filhos – e avô de cinco netos –, Naspitz completa este mês 73 anos. É considerado hoje um dos mais importantes especialistas em imunologia e alergia infantil no país. Oficialmente aposentado desde 2005, continua a freqüentar a universidade, mas de forma menos assídua do que nos 54 anos anteriores. Na entrevista a seguir, falou sobre a epidemia de alergias respiratórias que atinge o mundo todo, suas possíveis causas e os prejuízos que o tratamento inadequado acarreta às pessoas e à sociedade.
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Epidemia no ar Maria Guimarães e Ricard o Zorzet to
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No Brasil, a prevalência de asma entre crianças e adolescentes está em torno de 20% a 25% e varia muito conforme a região. Não há muitas explicações para isso
■ São organismos mais complexos do que uma bactéria. — Sim, e são estranhos. O sistema imunológico funciona dentro da lógica do self e do non-self, isto é, do próprio e do não-próprio. Ele tem a obrigação de reconhecer o que é não-próprio e eliminar. Por isso os transplantes são um problema. Quando se transplanta um rim de um indivíduo em outro, o rim é reconhecido como estranho e ocorre a rejeição. Os parasitas, entretanto, encontraram um modo de viver nos seres humanos. O corpo fabrica uma proteína chamada IgE. É uma imunoglobulina contra parasitas e alérgenos. Os parasitas praticamente desapareceram na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália. Trata-se basicamente do mundo de cultura anglo-saxônica. A Europa do Leste não primava pela higiene, mas agora as coisas estão mudando. A prevalência de alergias na África é baixa, provavelmente em razão da parasitose generalizada detectada na população. ■ Como a IgE funciona? — Ela apareceu há milhões de anos para proteger o homem contra os parasitas. Na verdade, trata-se de uma tentativa, porque ela não consegue destruí-los. Com a presença de qualquer parasita, aumenta a produção de IgE. O nível normal de IgE nos países avançados é de até 100 kU/L (mil unidades por litro). Nosso nível normal é mais alto do que nos outros países. No Brasil temos em torno de 300 a 400 kU/L como nível normal da população, por causa do grande número de indivíduos que têm parasitas. Quando fazemos a determinação da IgE total, não sabemos contra o que ela é dirigida, se a parasitas ou a outros alérgenos.
Existe uma proposta de usar parasitas como forma terapêutica. Ela não pode ser útil aqui? — Alguns centros têm apresentado essa proposta de tratamento. Nosso organismo fabrica anticorpos IgE contra o esquistossomo, o verme causador da esquistossomose, que é um problema de saúde pública no Brasil. Esse parasita, que é grande, está no intestino. A IgE gruda na parede do parasita e ocorrem fenômenos similares ao da eliminação de uma bactéria. Porém o esquistossomo é mais esperto. Quando a IgE “bate”, ele muda a estrutura de sua parede, de modo que o anticorpo original não vale mais. Um novo anticorpo se faz necessário e o processo se reinicia. O que acontece – e a gente esquece – é algo chamado pressão evolucionária. Essa pressão ■
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evolucionária também age sobre parasitas e bactérias, que aprenderam que quanto mais parecidos eles ficassem com o nosso organismo, menor seria a possibilidade de serem rejeitados. Existem teorias que podem explicar doenças como a colite ulcerativa, causada pela bactéria Escherichia coli, que não é eliminada porque cria uma capa com muitos antígenos humanos, de modo que o organismo não a reconhece como estranha, permitindo sua proliferação. Esse é o resultado da chamada pressão evolucionária nos seres unicelulares. A genética poderia explicar o aumento de incidência das alergias? — Não. Os fatores genéticos, por exemplo, não podem ser invocados para explicarmos alterações ocorridas em 30 ou 40 anos. Para a genética, isso são minutos. Alguns países, como os escandinavos, têm populações praticamente puras. O Brasil é um caldeirão genético sem igual no mundo, tem mistura de tudo, de modo que a genética do brasileiro é diferente da dos outros – diferente em termos, pois somos todos 99% iguais ao camundongo – e não houve grandes vantagens. Não sabemos o motivo da epidemia, não temos uma razão clara e transparente. ■
Como está a prevalência dos problemas alérgicos no Brasil? — Os últimos dados do SUS [Sistema Único de Saúde] mostram que ocorrem 350 mil internações por asma no país anualmente. É a quarta principal causa de internações no SUS, correspondendo a cerca de 2% ou 3% do total, sendo que ela ocupa o terceiro lugar quando se trata de crianças e jovens. Em 1996 os custos com internações por asma foram de R$ 76 milhões, ou seja, 3% dos gastos totais com internações. Em primeiro lugar estão os partos. Na verdade, nunca se soube direito a prevalência das doenças alérgicas até surgir um estudo chamado Isaac [International Study of Asthma and Allergies in Childhood]. Criado na Nova Zelândia, foi feito com base em um questionário padronizado que foi validado no mundo inteiro. Nesse estudo estabeleceu-se a prevalência de doenças alérgicas em crianças e adolescentes. Ele é feito em duas faixas etárias: de 7 e 8 anos e de 13 e 14. A prevalência da asma ia de 3% na Albânia a 30% na Inglaterra. ■
Esse questionário foi aplicado no Brasil? — O primeiro Isaac foi feito aqui há sete anos. Depois houve um segundo. É um levantamento mundial, realizado por ■
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pesquisadores de cada país. No Brasil, por exemplo, a prevalência varia muito conforme a região. Não há muitas explicações. Algumas cidades são costeiras, outras não, mas a prevalência de asma no Brasil está em torno de 20%, 25%, considerando-se crianças e adolescentes. Não temos dados sobre adultos. Não é um número muito elevado? — Sim. Em primeiro lugar estão Austrália, Nova Zelândia e Inglaterra, em segundo estão os Estados Unidos, em terceiro o Brasil e o Peru. Isso, considerando-se a prevalência de asma. A prevalência de rinite alérgica tem subido muito. Em algumas cidades, como Salvador, chega a 40%. ■
■ A causa pode estar relacionada a fatores
como a poluição? — Não se consegue saber. Na área rural a prevalência é menor do que na urbana. Mas a asma existe há mais de 2 mil anos, quando não havia poluição. Há alguns anos, quando da união das duas Alemanhas, houve uma oportunidade única para que epidemiologistas estudassem essa questão. Pela primeira vez havia populações geneticamente homogêneas que viveram em ambientes diferentes por mais de 50 anos. A Alemanha Ocidental tinha um padrão de vida alto e era limpa. A Alemanha Oriental era uma sujeira só, muito poluída. Os epidemiologistas fizeram um estudo sobre a prevalência e descobriram que na Alemanha Oriental a ocorrência de asma era mais baixa do que na Ocidental. A poluição como fator isolado não explicaria a prevalência.
redução da prevalência de dois sintomas da asma: sibilos [respiração com chiado] e tosse noturna. Mas a tendência não foi consistente nas cidades estudadas, em uma subiu, em outra desceu etc. Por que, afinal, a asma ainda desafia a medicina? — Porque é uma síndrome com dezenas de causas. Algumas são conhecidas, outras não. Além disso, um asmático é bem diferente de outro e nem todo asmático é alérgico. ■
O que muda de um para outro? — Alguns têm higiene normal e não conseguimos identificar nenhum alérgeno. É o chamado asmático não-atópico. Não se sabe o que causa a asma neles. Há rinite não-atópica. Há um trabalho no Rio Grande do Sul com uma população muito pobre, altamente parasitada, na qual a maioria dos asmáticos era nãoatópica. A conclusão deles foi de que a parasitose protegia contra o aparecimento de doenças alérgicas. Mas não significa que as doenças alérgicas sejam de fato alérgicas. Elas são chamadas alérgicas de um modo geral, mas muitas vezes não se encontram as causas. Por exemplo, no caso das urticárias crônicas, que ocorrem principalmente em mulheres, somente 30% têm sua causa diagnosticada. Em 70% dos casos não se tem a menor idéia do que está acontecendo. ■
Como tratar? — Tratam-se os sintomas. Usamos vários medicamentos e podemos controlar as doenças, mas não curá-las. ■
■ No Brasil a prevalência é um pouco mais
alta nas zonas urbanas do que nas zonas rurais e a asma afeta as camadas mais pobres. Não podemos enxergar um padrão nisso? — Fora do Brasil, as classes sociais mais altas são as mais afetadas, epidemiologicamente falando. Entretanto há um trabalho de Antonio Carlos Pastorino, do Hospital das Clínicas de São Paulo, feito na capital paulista, no qual ele mostra que a classe social não influencia a prevalência da asma. Há também o trabalho do Dirceu Solé, da Unifesp, encarregado do Isaac no Brasil. Em um artigo publicado em 2006, ele compara as fases 1 e 3 do Isaac – são sete anos de diferença. A prevalência de asma era de 27,7% há sete anos, agora é de 20%, uma diferença estatisticamente significante. Mas a asma grave continua igual, 5,2%, assim como a tosse noturna, 32%. Concluiu-se com o estudo que o Brasil teve uma pequena, mas significante,
Há algo em comum entre as doenças alérgicas “não-alérgicas”? — Há muita divergência entre os médicos. O processo inflamatório dentro do pulmão é igual, mas a causa não foi identificada. Classifica-se um indivíduo como atópico, ou como alérgico, quando ele tem um teste com resultado positivo para um alérgeno. Testam-se ácaros, pêlos de cães e gatos, enfim, faz-se uma bateria de testes e se um deles for positivo ele é considerado atópico. Quando colocamos o alérgeno na pele a IgE provoca uma reação local. Aquela reação local é semelhante ao que veríamos nas vias aéreas, no intestino. Mas podemos fazer 500 testes em um indivíduo e o alérgeno ao qual ele é sensível pode ser uma substância não incluída na bateria de testes. Esse paciente seria classificado como não-atópico. Mais recentemente, na Finlândia, identificaram
uma série de crianças que têm teste positivo para ácaro. No entanto, elas não têm nenhum sintoma e são chamadas pelos pesquisadores de “crianças expostas com resposta positiva”. Não significa que sejam alérgicas, pois elas têm apenas aquele marcador, sem nenhum sintoma. Pode ser que no futuro venham a desenvolver alergia, mas naquele exato momento não têm. Dizem eles que chamar esses indivíduos de alérgico é um pouco demais. Sabe qual é a definição de indivíduo normal? É aquele que não foi suficientemente investigado. Porque, de resto, não sabemos o que é normal ou não é. ■ Nos últimos tempos houve mudanças no
tratamento da asma e da rinite? — No Brasil, 90% da população brasileira é tratada pelo SUS, em hospitais totalmente falidos e desaparelhados. A asma, como toda doença crônica – úlcera, hipertensão –, exige o que chamamos de relacionamento médico-paciente. Estabelecemos um vínculo, que deve cobrir necessidades emocionais. Meus pacientes não têm internação por asma há muitos anos. Combinamos que, assim que aparecem os primeiros sinais, usaremos medicação precoce, impediremos de chegar à hospitalização. Mas na maioria dos casos isso não acontece. Cada vez que a criança ou o adolescente vai ao SUS, após ficar na fila, encontra um médico diferente que, se estiver bem disposto, dará a ela cinco minutos de atenção. Depois ela volta sempre em crise e encontra outro médico que dá outra orientação. Enquanto essas crianças não forem tratadas em uma relação médico-paciente consistente, não há como resolver o problema no Brasil.
■
Não há um modelo, uma alternativa dentro do sistema de saúde? — Nas clínicas que atendem pacientes particulares, sim. No SUS, não. A maioria dos médicos que têm consultórios atende aos convênios, que pagam, os melhores deles, em torno de R$ 20 ou R$ 30 por consulta; o médico precisa então atender um número grande de pacientes, o que não permite um tratamento adequado. ■
Essa situação tem conseqüência para a qualidade de vida das pessoas e afeta os gastos na área da saúde. — No mundo todo há 300 milhões de pessoas com asma. Nos Estados Unidos, mais de 16 milhões de adultos e 7 milhões de crianças têm asma e ocasionam 1,8 milhão de visitas ao pronto-socorro e meio milhão de hospitalizações por ano. ■
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Mais de 10 milhões de dias de trabalho e 3 milhões de dias de escola são perdidos em decorrência da asma. Os custos diretos envolvem médicos, medicamentos etc. Os custos indiretos são os dias de trabalho perdidos e os dias de escola. Somando-se os dois custos, gastam-se US$ 20 bilhões por ano com asma nos Estados Unidos. A prevalência varia entre as subpopulações. Por exemplo, entre os porto-riquenhos é de 20%, para as crianças norte-americanas é de 8%, para os afro-americanos é de 13%. O risco de uma criança afro-americana ou hispânica desenvolver asma é seis vezes maior do que a de uma criança branca. O senhor é conhecido por já ter publicado muito. — Nossa disciplina tem três setores: alergia, imunologia e reumatologia. Começamos com alergia e adicionamos as áreas afins, como a imunologia clínica e a reumatologia. Os três setores, até o momento, têm 450 trabalhos publicados. Eu participei em 162. ■
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■ Recentemente um deles foi especialmente
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citado nos Estados Unidos. — Esse eu fiz quando estagiei na Universidade McGill, em Montreal, Canadá, de 1965 a 1967, e trabalhei muito, feito um condenado, com uma bolsa de US$ 5 mil por ano, que não dava para nada. Fui com minha mulher e dois filhos, aos 30 anos. Publiquei 17 artigos nesses dois anos. Quarenta anos depois, em março de 2007, recebi uma carta da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, a AAAAI, que dizia terem selecionado um dos meus trabalhos e o consideraram um dos mais importantes apresentados naquela época. Em seguida me convidavam para escrever um comentário explicando onde meus achados se encaixam nos dias de hoje para que fosse exposto num grande painel durante o congresso anual. O artigo em questão foi publicado no Journal of Allergy em 1968, que posteriormente se transformou no Journal of Allergy and Clinical Immunology, o mais respeitado na área, com um fator de impacto acima de 8.
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Qual é a importância desse trabalho para a imunologia? — Quando cheguei a Montreal, o chefe da divisão, professor Bram Rose, disse para eu ficar três meses rodando por lá, escolher alguém para trabalhar e o tema a ser estudado. Escolhi um pesquisador, Maxwell Richter, que trabalhava com uma substância chamada fito-hemaglutinina, que, quando se junta in vitro aos linfócitos do sangue periférico, os transforma em células blásticas. Isto é, os linfócitos se desdiferenciam, tornam-se uma célula muito mais primitiva. Teoricamente, essa célula primitiva poderia ser comparada a uma célula-tronco, que por sua vez daria origem a várias outras células. Estudando crianças com imunodeficiências celulares, verificamos que seus linfócitos não respondiam à fito-hemaglutinina. Até hoje esse teste é usado como forma de diagnosticar imunodeficiências. Ele é chamado de transformação blástica com fito-hemaglutinina. Ele serve para identificar qual doença imunológica? — Nenhuma, porque a fito-hemaglutinina transforma o linfócito de qualquer pessoa, exceto o das que têm alguma imunodeficiência. Mas essa era só uma conseqüência do trabalho básico com a fito-hemaglutinina. Naquele tempo não se sabia que existiam linfócitos T ou B. Dizia-se linfócito apenas. Achávamos que, como os linfócitos haviam se desdiferenciado, poderiam se diferenciar novamente. Fizemos centenas de culturas e dominamos bem a técnica. Tínhamos um marcador radioativo e o laboratório tinha um contador de radiação. Deixávamos os tubinhos na máquina à noite e, na manhã seguinte, os resultados estavam impressos. A Guerra Fria estava no auge naquela época. Mandamos, então o projeto para o governo americano, para o Ministério da Aeronáutica, propondo tirar células do sangue dos soldados, fazer a cultura, transformá-las em blastos e guardá-las no congelador. Se explodisse uma bomba atômica e houvesse a destruição da medula óssea desses soldados, essa cultura de células primitivas seria reinjetada no indivíduo e essas células se diferenciariam em células sangüíneas mais uma vez. Naquela época queríamos apenas que elas se diferenciassem em células do sangue periférico, para que o indivíduo pudesse sobreviver. O projeto passou pelo Pentágono e eles mandaram um coronel para nos entrevistar em Montreal. Conversamos e ele disse gostar do projeto. Entre-
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tanto, cada um de nós deveria ser checado. Perguntou meu nome, onde nasci, onde morava. Quis saber quem estaria envolvido no projeto. Um dia ele voltou e contou que o projeto estava praticamente aprovado, mas que no terceiro ano primário eu tive uma professora comunista. Meu chefe disse: “Se não recebermos o dinheiro por causa disso eu te mato”.
Muitas crianças têm asma induzida pelo exercício. Na Olimpíada de 2004, 20% da delegação americana era de asmáticos
O projeto foi aprovado? — Quando tudo estava pronto para ser assinado aconteceram mudanças importantes no governo americano e todos os auxílios a outros países foram cancelados. ■
E vocês fizeram o quê? — Continuamos a trabalhar. Surgiu a idéia de que se juntássemos o alérgeno (antígeno) ao sangue de indivíduos que fossem sensíveis a este alérgeno e não somente a própria fito-hemaglutinina, poderíamos obter a transformação blástica, isto é, fazer os linfócitos regredirem ao estado primitivo de uma célula blástica, que é uma célula primordial. Estudamos a febre do feno, que ocorre quando determinada planta prolifera e produz o fungo anemófilo, que se espalha no ar levado pelo vento, é aspirado pelas pessoas e causa problemas alérgicos respiratórios. Ao sangue desses indivíduos que apresentavam hay fever [febre do feno], juntamos o antígeno e houve a transformação blástica. ■
A alergia também regredia? — Não. Era apenas um trabalho “in vitro”. Pensávamos que as doenças alérgicas eram somente doenças imediatas, isto é, o alérgeno entra no organismo e dispara a produção de IgE, que libera de mastocitos várias substâncias induzindo a uma ação alérgica. Aí se mostrou que não, a célula tinha um comportamento semelhante ao da fito-hemaglutinina. Existia uma imunidade mediada também por células. ■
■ Houve uma abertura na imunologia com
esse trabalho? — Em 1966, quando escrevemos o artigo, sabia-se muito pouco sobre os linfócitos T e B. Não se conhecia a IgE como anticorpo contra o alérgeno. O trabalho levou a todo um detalhamento do que é a resposta imunitária. Contribuiu para mostrar que a resposta alérgica não tinha somente um componente imediato, mas também havia um componente tardio, que era celular. Naquela época isso era muita coisa. Talvez o mérito do trabalho tenha sido o pioneirismo.
Houve alguma mudança na forma de tratar essas alergias nos últimos anos? Por exemplo, a asma e a rinite são vistas hoje como doenças relacionadas. — Provavelmente são uma afecção das vias aéreas unidas, ou seja, nariz e pulmão. Hoje tratamos os sintomas. Por exemplo, a causa mais comum de problemas respiratórios no Brasil são os ácaros da poeira domiciliar. Para tratar, usamos basicamente broncodilatadores e antiinflamatórios nasais e pulmonares, além da imunoterapia específica. Muitas crianças apresentam asma induzida por exercício. Na Olimpíada de 2004, 20% dos atletas americanos eram asmáticos. A maioria começou a praticar esportes para se superar e superar a própria doença. O mais famoso deles foi o Mark Spitz, um asmático. Mesmo assim, ganhou as sete medalhas de ouro em Munique, em 1972, superado agora em Pequim pelo Michael Phelps. ■
amostras de soro de crianças alérgicas, já me preparando para quando chegasse o equipamento necessário. Até que em uma segunda-feira pela manhã cheguei à universidade e descobri que a faxineira tinha desligado a tomada da geladeira para passar a enceradeira no final de semana e esquecido de religar. Tudo que estava guardado se perdeu. Minha sorte é que a janela estava fechada, porque quase me atirei do nono andar. Foi um dos maiores choques que tive na vida. Mesmo assim o senhor continuou lá? — Fiquei mais alguns meses. Havia uma cadeira de imunologia na Escola Paulista de Medicina (atual Universidade Federal de São Paulo), cujo professor era Otto Bier, um dos fundadores da escola. Ele se aposentou em 1967 e, na minha volta para o Brasil, fiquei regendo a imunologia até abertura de um concurso. Era para ser algo provisório, mas fiquei interino lá quase dez anos. Não tive interesse em me tornar regente definitivamente porque exigiam dedicação em tempo integral e o salário era muito baixo. A solução era atender no consultório. O meu último salário da Escola Paulista de Medicina, como professor pleno, com todos os qüinqüênios, dava R$ 3 mil, depois de 40 anos. Agora, estou aposentado e recebo esse mesmo valor por mês. ■
■ Quando o senhor criou o setor de alergia
na Unifesp? — Organizei o Setor de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia em 1978. Depois, em 1985, a congregação o transformou em disciplina de Alergia, Imunologia Clínica e Reumatologia, e passou a fazer parte do currículo dos alunos. Levou quase 20 anos para que eles reconhecessem o valor da disciplina. Cada vez que ia à congregação pedir, diziam que era coisa de feiticeiro, de quem faz testezinho, vacininha. Isso acontecia porque o conhecimento que se tinha no Brasil sobre alergia era muito baixo. Como foi engrenar novamente na pesquisa na volta para o Brasil? — Foi como uma paulada na cabeça. Em Montreal, em dois anos, publiquei 17 artigos. Aqui demoramos mais de dez anos para publicar alguma coisa. Mas, aos poucos, com a ajuda da FAPESP, conseguimos estruturar a pesquisa no setor e fomos trazendo mais gente para trabalhar. Os nossos projetos eram aprovados, recebemos dinheiro, compramos equipamento. Foi difícil, mas conseguimos avançar. ■ ■
■ A asma não tem um componente psico-
lógico também? — Como causa primária não, mas como um agravante sim. Como foi quando voltou ao Brasil? — Ganhei uma salinha onde fiquei sozinho por quatro ou cinco anos fazendo minhas coisas. Atendia pacientes, testava minhas vacinas, varria o chão, fazia tudo. Durante aqueles anos coletei umas 400 ■
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Caapiranga, no Amazonas, em outubro de 2005: o lago virou sertão
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Clima de união FAPESP lança programa e convoca pesquisadores de várias áreas, das ciências naturais às humanidades, para amplificar a contribuição brasileira no estudo das mudanças globais
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brasileira nesse tema garanta ao país um espaço maior no debate mundial sobre as mudanças climáticas”, disse. Foram lançadas duas chamadas de propostas, no valor total de R$ 16 milhões, divididos em partes iguais entre a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), por meio do Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex). Uma das chamadas, com um montante de R$ 13,4 milhões, abrange projetos em seis temas distintos. O primeiro é o funcionamento de ecossistemas, com ênfase na biodiversidade e nos ciclos de carbono e de nitrogênio. O segundo é o balanço da radiação atmosférica, em especial estudos sobre os aerossóis; os chamados gases-traço (monóxido de carbono, ozônio, óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, entre outros); e a mudança no uso da terra. O terceiro trata dos efeitos das mudanças climáticas sobre a agricultura e a pecuária. O quarto, da energia e do ciclo de gases de efeito estufa. O quinto aborda os impactos na saúde e o sexto, as dimensões humanas da mudança ambiental global. Como o objetivo do programa em sua
fase inicial é formar e articular redes de pesquisadores, a FAPESP optou por oferecer recursos para projetos temáticos, mas futuras chamadas de propostas poderão dispor de outras modalidades de financiamento, como Apoio a Jovens Pesquisadores. Convênios com fundações de amparo à pesquisa de três estados, Amazonas, Pará e Rio de Janeiro, serão contemplados em editais a serem lançados nas próximas semanas. A justificativa para o lançamento do programa vai além da premente necessidade de fazer avançar o conhecimento no Brasil nesse tema num momento em que há uma mobilização mundial de cientistas para compreender as mudanças climáticas e tomar atitudes para enfrentar suas conseqüências. Como há uma série de impactos e aspectos relacionados ao aquecimento global que afetam ou afetarão o Brasil de forma peculiar, cabe aos pesquisadores nacionais investigá-los e encontrar respostas sobre como enfrentá-los. “Os países desenvolvidos querem envolver todos os países em desenvolvimento na mesma grande batalha mundial para reduzir as emissões de gases estufa. Eles estão preocupados com a adaptação às mudanças climáticas, mas
RAIMUNDO VALENTIM/DIARIO DA AMAZONIA/AE
maior e mais articulado esforço multidisciplinar já feito no Brasil para ampliar o conhecimento a respeito das mudanças climáticas globais foi deflagrado no final do mês passado. Cientistas do estado de São Paulo de múltiplas áreas – das ciências físicas e naturais às humanidades – estão sendo convocados a participar do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, lançado oficialmente na manhã de 28 de agosto. Serão investidos R$ 100 milhões nos próximos dez anos – ou cerca de R$ 10 milhões anuais – na articulação de estudos básicos e aplicados sobre as causas do aquecimento global e de seus impactos sobre a vida das pessoas. “O objetivo é intensificar em quantidade e qualidade a contribuição dos pesquisadores de São Paulo no avanço do conhecimento sobre este tema complexo e temos expectativa de que o programa propicie a produção de mais estudos em assuntos nos quais o Brasil tenha interesse específico”, afirma o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Esperamos que o aumento da produção científica
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não com a nossa adaptação”, afirmou Carlos Nobre, coordenador do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais e do recém-criado Centro de Ciência do Sistema Terrestre (CCST) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
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omo é consenso entre a grande maioria dos cientistas, a ação humana está contribuindo decisivamente para as mudanças climáticas em razão da emissão de gases e aerossóis que provocam o efeito estufa. As contínuas alterações no padrão de cobertura vegetal do Brasil, por exemplo, são um importante fator regional do fenômeno. A queima de florestas, além de comprometer a qualidade do ar, é uma fonte relevante de aerossóis e gases-traço. A mudança no regime de chuvas, a que se atribui uma freqüência maior de eventos extremos como inundações e secas, promete ter efeitos econômicos na geração das hidrelétricas, na erosão e às vezes os sinais se confundem”, afirma Nobre. “Como políticas públicas do solo ou na oferta de água. A elevação da temperatura deverá ter impacto precisam de conhecimentos científicos na biodiversidade, especialmente em sólidos, é necessário investir em estuáreas em que a vegetação original já se dos capazes de atribuir as causas”, diz. fragmentou, ou na agricultura, com Um foco adicional será o mapeamento a possibilidade de eclosão de novas das vulnerabilidades do país às mudanpragas e a inviabilidade de manter em ças climáticas em campos como a saúsuas regiões atuais culturas agrícolas de, a agricultura, os recursos hídricos e dependentes de temperaturas amenas. as energias renováveis. “Temos pouco A provável elevação do nível do mar conhecimento dos impactos futuros traz riscos tanto para os milhões de na vida das pessoas e na sociedade. Ao brasileiros que vivem no litoral quanto levantarmos nossas vulnerabilidades, para os ecossistemas costeiros. No camconseguiremos também traçar polítipo da saúde, prevê-se um aumento da cas para a necessária adaptação.” incidência de doenças como a dengue O estreitamento de colaborações e a malária em regiões mais atingidas internacionais, a fim de colocar os pespelas chuvas e de moléstias cardíacas e quisadores brasileiros em contato com respiratórias agravadas pela poluição os melhores centros em estudos de muatmosférica. Essa perspectiva sombria danças climáticas do planeta, é outro coloca uma infinidade de perguntas ao objetivo do programa. A cooperação escrutínio dos pesquisadores. é fundamental – o Programa InternaCarlos Nobre enumera algumas cional da Geosfera-Biosfera (IGBP) ou ambições desse esforço de investigação. o Painel Intergovernamental das MuUma delas é reduzir as incertezas acerdanças Climáticas (IPCC), entre outros, ca das causas das mudanças climáticas estão na mira do programa lançado pela no Brasil. “Nós observamos as mudanFAPESP. Outra meta consiste em conheças, mas temos dificuldacer e desenvolver novas de em definir se são efeito tecnologias capazes de do aquecimento global amenizar os efeitos das Seca em Manaus ou do desmatamento. No emissões de gases estufa, e tornado em Florianópolis: Brasil há uma alteração no campo, por exemplo, eventos da vegetação significatidas energias renováveis, e extremos va que ocorre em paralelo tornar possível a adaptaaos fenômenos climáticos ção da sociedade às mu-
danças incluindo o estabelecimento de parcerias com o setor privado. Na área da agricultura existe uma série de desafios tecnológicos no horizonte, como, por exemplo, adaptar culturas a temperaturas mais elevadas. “Há boas idéias que merecem ser alvo de esforços de pesquisa, como os sistemas agrossilvopastoris, que conjugam pecuária de alta produtividade, culturas agrícolas e plantio de árvores, ou técnicas como a arborização de cafezais”, disse Eduardo Assad, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que também participa da coordenação do programa da FAPESP. “Também precisamos aperfeiçoar as medições sobre a capacidade da agricultura de seqüestrar carbono”, afirma.
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ma segunda chamada de propostas, com R$ 2,6 milhões, tem o propósito específico de escolher um grupo de pesquisadores incumbido de criar o primeiro modelo climático brasileiro, um software capaz de fazer simulações sofisticadas sobre fenômenos do clima. A necessidade de desenvolver competência nacional nesse campo se explica: hoje, para projetar os efeitos das mudanças climáticas, utilizam-se ferramentas computacionais inespecíficas que são, na verdade, recortes da previsão para o mundo inteiro. “Conquistar essa autonomia é estratégico pa-
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ra o país”, diz Carlos Nobre. “O Brasil é grande, diverso e dispõe de uma grande variedade de climas em seu território. A exploração econômica é muito ligada a recursos naturais, dependente em grande parte do clima. A capacidade de fazer simulações de maior interesse para Brasil e América do Sul nos dará garantias de que as projeções serão de boa qualidade.” De acordo com ele, o Brasil vai entrar no grupo seleto de países, como Estados Unidos, Japão e Inglaterra, que têm um modelo climático. Com isso, a comunidade científica dessa área vai crescer em importância. O pesquisador explica que para desenvolver e refinar o modelo climático o Brasil não irá começar do zero. “Faremos parcerias com dois ou três centros do melhor nível mundial e poderemos escolher alguns módulos dos modelos deles para agregar ao nosso. Mas pretendemos desenvolver um modelo competitivo e adequado para entender o que acontece num país de dimensões continentais como o nosso”, afirma Nobre, que vê um prazo de pelo menos quatro anos para alcançar esse 20
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objetivo. Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, expõe a expectativa da Fundação em relação ao modelo. “Gostaríamos que, em algum momento, um cenário climático gerado pelos pesquisadores de São Paulo fosse usado como base para as análises do IPCC”, diz ele, referindo-se ao colegiado de cientistas reunido pelas Nações Unidas, que a cada cinco anos atualiza o conhecimento sobre as mudanças globais. “Uma coisa boa da chamada de propostas é que serão contempladas bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Com isso, poderemos planejar formação de doutores em áreas de grande complexidade”, disse Nobre.
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criação do modelo climático brasileiro será possível graças a um investimento no valor de R$ 48 milhões, anunciado há cerca de dois meses. O Inpe vai abrigar um dos mais poderosos supercomputadores do mundo, com capacidade de processamento de 15 trilhões de operações matemáticas por segundo, para pesquisa de mudanças climáticas. Do total de R$ 48 mi-
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JORGE ARAÚJO/FOLHA IMAGEM
lhões, R$ 35 milhões vêm do Ministério criar competência em modelagem de da Ciência e Tecnologia (MCT) e R$ biodiversidade”, diz Carlos Alfredo Joly, 13 milhões da FAPESP. O investimento professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que coordenou conjuga a prioridade ao estudo das mudanças climáticas definido pelo MCT o Biota-FAPESP e participa da coorcom o programa da FAPESP. “Com esse denação do Programa de Mudanças tipo de instrumento computacional alClimáticas no capítulo relacionado à tamente potente será possível coordenar biodiversidade. “Temos competência o clima como ninguém imaginou há 60 para fazer inventários e para caracteanos”, afirmou o ministro da Ciência e rizar as paisagens e a perda de hábiTecnologia, Sérgio Rezende. tats. Agora precisamos integrar esses O Inpe se ofereceu para abrigar a dados em modelos capazes de simular secretaria executiva do novo programa o impacto das mudanças climáticas nos e já começa a se preparar para receber ecossistemas e nas espécies”, afirma. o supercomputador, que deverá operar Joly dá exemplos práticos de como a partir de 2009. A máquina será instaa modelagem pode alavancar a comlada no Centro de Previsão de Tempo e preensão sobre os efeitos das mudanEstudos Climáticos (CPTEC) no muniças climáticas. “As mudanças climáticas cípio de Cachoeira Paulista, no Vale do podem mudar o período de floração Paraíba. Trinta por cento do tempo do ou de frutificação de uma determinada espécie. A modelagem matemática persupercomputador será reservado para as redes de pesquisadores de todas as mitirá fazer uma previsão detalhada dos áreas vinculados ao programa, para impactos da mudança: se o inseto ou o que possam simular os efeitos do clima pássaro polinizador estará presente no na saúde humana, na biodiversidade, novo momento de floração, se haverá na agricultura e pecuária e assim por redução na produção de frutos e que diante. O diretor científico da FAPESP efeito isso terá na sobrevivência de espéchama a atenção para o apoio que o cies que dependem dos frutos como aliInpe dispôs-se a oferecer ao programa: mento”, explica. Outros alvos prováveis além de abrigar o supercomputador, o para simulações são insetos ou plantas instituto disponibilizará pessoal espeinvasoras, que podem se beneficiar de cializado para dar suporte ao uso da alterações nos ecossistemas provocadas máquina. Cinco pesquisadores serão pelas mudanças climáticas. contratados para essa tarefa, coordenaNo Brasil, a biodiversidade tem uma dos por um cientista-chefe. “Trata-se de interação aguda e complexa com as muum grau de apoio institucional especial danças climáticas: tanto afeta como é que poucas vezes obtivemos em nossos afetada pelo fenômeno. “A biodiversiprogramas”, afirma Brito Cruz. dade certamente sofre as conseqüências das mudanças climáticas, que provoO caráter multidisciplinar do programa impõe outros desafios. Uma cam alterações nos hábitats e podem das metas é garantir a articulação e a levar à perda de espécies em paisagens comunicação entre todos os pesquisafragmentadas”, diz Joly. “Por outro ladores envolvidos. “É necessário que os do, a biodiversidade também funciona resultados de uns ajudem os resultados como um amortecedor dos efeitos das de outros”, diz Brito Cruz. Essa estratémudanças. As florestas e o plâncton magia repete a experiência do Programa rinho, por exemplo, representam um Biota-FAPESP, responsável pela descrigrande estoque de carbono. Se a floresção de mais de 500 espécies de plantas ta desaparecer, as conseqüências serão e animais espalhados pelos 250 mil grandes. A umidade do Centro-Oeste quilômetros quadrados do território e do Sudeste vem da Amazônia. Se a paulista, que lançou mão de protocolos floresta desaparecer, isso vai afetar toda de integração de projetos a área agrícola dessas repara permitir que pesquigiões”, diz o pesquisador. sadores de diferentes áreas Entre os temas relacionaCheia do rio produzissem e compartidos à biodiversidade que Tocantins invade lhassem o acesso aos dao programa irá estudar, Marabá: impacto provável no dos coletados da biodiverdestacam-se questões regime de chuvas sidade paulista. “Um dos como a reconstrução dos nossos grandes desafios é padrões de ocorrência de
vegetação e da fauna no passado e suas ligações com eventos de mudanças climáticas; os efeitos da elevação da quantidade de CO2 na fisiologia das plantas nativas; o impacto do desmatamento em sistemas econômicos e ambientais; e um aumento da densidade dos estudos sobre sistemas aquáticos, entre outros.
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idéia de lançar um programa capaz de integrar aspectos múltiplos relacionados às mudanças climáticas surgiu da constatação de que a complexidade dos problemas envolvidos é incompatível com o recorte estanque e convencional das disciplinas. E, além disso, a adesão das ciências humanas ao esforço liderado pelas ciências físicas e naturais é vista como essencial para compreender causas e conseqüências de fenômenos que, afinal, são provocados pelo homem. “Nas discussões sobre o formato do programa trouxemos pessoas de várias áreas, como a economia, a saúde, a biologia ou a engenharia para garantir que ele fosse articulado, inclusivo e transversal”, diz Pedro Leite da Silva Dias, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica, que também participou da coordenação do programa. Outro diagnóstico levantado indica que o Brasil, embora disponha de massa crítica envolvida com o tema no campo das ciências naturais, carece de um esforço coordenado capaz de reunir seus cientistas e produzir resultados mais abrangentes. “O Brasil não faz pesquisa pequena nessa área. É um dos líderes, embora falte mais articulação entre os pesquisadores”, diz Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), coordenador do programa no capítulo que trata sobre o balanço da radiação atmosférica e o papel dos aerossóis. Artaxo se refere, por exemplo, à participação ativa de diversos pesquisadores brasileiros no IPCC – ele e Carlos Nobre são exemplos disso. A relevância da pesquisa brasileira também é ressaltada por Nobre. “Nas 20 principais revistas internacionais, 1,5% dos artigos sobre ciência do clima ou temas interdisciplinares ligados a ela são de brasileiros e dois terços deles foram feitos em
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São Paulo. Esse índice fica um pouco aquém da média da produção acadêmica brasileira em revistas indexadas internacionalmente, responsável por 2% do total, mas é significativo”, disse Nobre. Entre as raras exceções à regra da descoordenação, é possível apontar o Biota-FAPESP, que integrou pesquisadores de áreas diversas, e o Projeto de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera da Amazônia (LBA), que gerou uma enorme quantidade de informação sobre as interações entre a Amazônia e o sistema climático global. “Teremos a chance de usar dados colhidos pelo LBA e outros programas para usá-los em simulações computacionais que nos permitam realizar estudos sobre, por exemplo, a interação entre a Floresta Amazônica, o Pantanal e o clima”, diz Pedro Leite da Silva Dias.
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ma das inovações do programa é convocar pesquisadores das ciências humanas a se integrar ao esforço. “Estamos muito curiosos para ver as propostas que serão apresentadas”, diz o demógrafo Daniel Joseph Hogan, professor da Unicamp que trabalha no Núcleo de Estudos de População e de Estudos e Pesquisas Ambientais da universidade e coordena o capítulo das dimensões humanas das mudanças climáticas. Ele vaticina alguns temas que poderiam surgir. “Seria interessante termos, por exemplo, pesquisadores da área de relações internacionais apresentando projetos sobre os tratados e os organismos supranacionais envolvidos com as mudanças climáticas e como eles desafiam o conceito estabelecido de soberania nacional”, afirma. As questões da segurança alimentar, da urbanização e da transformação tecnológica da indústria em busca da sustentabilidade são outros assuntos emergentes. Hogan lembra que os cientistas sociais demoraram a se interessar pelos efeitos do aquecimento global e foram despertados pelo chamado dos colegas das ciências naturais. “Sociólogos e antropólogos têm dificuldade em abordar, com uma perspectiva de longo prazo, fenômenos que ainda vão acontecer. Eles estão mais habituados a fazer isso com fenômenos do passado”, afirma. Uma das referências do Programa de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais é o International Human Dimensions
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que tratavam de dimensões humanas, Program (IHDP), criado em 1990 para desenvolver programas de pesquisa eram menos contundentes”, afirma. Seem tópicos críticos para a compreensão gundo ele, há generalizações calcadas da influência do homem na mudança pelo senso comum, como a idéia de global e as implicações das mudanças que os mais pobres sofrerão mais com globais para a sociedade humana. as mudanças climáticas, que precisam ser investigadas. “Picos de calor afetam Embora outros países estejam bem à frente do Brasil no estudo das dimenprincipalmente as crianças pequenas sões humanas, Hogan observa que o e os idosos. É preciso criar estratégias, grau de sofisticação dessas pesquisas no campo das políticas públicas, para não está no mesmo patamar do de enfrentar esses eventos extremos. Isso áreas como a física ou a meteoroloimplica uma preparação para agir antes gia, por exemplo. “Basta comparar os e depois do evento. O Brasil ainda está engatinhando nisso”, diz o professor. quatro relatórios lançados pelo IPCC No capítulo da saúde humana, o deno ano passado. O primeiro texto, que safio de construir as redes trata da base científica acumulada sobre o tema, de pesquisadores será foi o que mais repercutiu, complexo, como prevê o Poluição em pois conseguiu definir as coordenador dessa área, São Paulo: risco de doenças causas e efeitos futuros Paulo Saldiva, professor respiratórias das mudanças climátida Faculdade de Medicipode aumentar cas com elevado grau de na da USP. “A abordagem certeza. Os outros textos, é bem diferente das pes-
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quisas tradicionais em saúde. Não estamos só interessados em levantar dados epidemiológicos ou avaliar riscos, mas também em integrar especialistas em antropologia, gestão de saúde ou urbanização”, diz Saldiva. “Estamos falando de fenômenos complexos. O aumento da temperatura terá impactos na saúde também por mudar a dinâmica das cidades. É possível que habitantes das áreas rurais tenham de se transferir para as cidades, com impacto na favelização e no custo da saúde. Comparo o desafio ao de enfrentar as doenças provocadas pela poluição em São Paulo. A medicina oferece ferramentas incompletas para lidar com o problema, que se tornou uma questão de planejamento urbano”, afirma. O professor espera que surjam projetos sobre vários desses tópicos. “Se forem propostas isoladas, trataremos de integrá-las e fazer os pesquisadores trabalhar em redes”, diz.
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coordenador do programa, Carlos Nobre, acredita que o projeto deslanchará com mais velocidade caso a maioria das propostas apresentadas já incorpore o espírito da interdisciplinaridade que permeia o programa. “Não há limites para as propostas. Elas podem se debruçar sobre pesquisa básica ou aplicada, sem restrições. O desafio é fazer os grupos conversarem. Quanto mais interinstitucionais forem os projetos, maior a chance de dar certo”, afirmou Nobre. No lançamento do programa, o secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano, anunciou que o governo estadual vai enviar à Assembléia Legislativa um projeto de lei sobre mudanças climáticas que proporá ações de redução da emissão de gases no estado. Presente à cerimônia, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso lembrou que o esforço dos
cientistas também deve ser direcionado a informar e envolver a sociedade, a fim de que o conhecimento gerado se transforme em ações concretas. “Sem a pressão da sociedade, não há cobrança e as coisas acontecem com mais dificuldade. Mesmo nos Estados Unidos, que têm uma postura reacionária, estados, municípios e empresas tomaram decisões para controlar as emissões de gases estufa na contramão de Washington, porque a base da sociedade participa do processo de compreensão dos efeitos do aquecimento global”, afirmou o ex-presidente. Fernando Henrique entregou uma cópia do programa da FAPESP ao ex-presidente chileno Ricardo Lagos, que atualmente é o representante da Organização das Nações Unidas (ONU) na questão de mudanças climáticas, com o objetivo de divulgar a iniciativa e estimular parcerias internacionais. ■ PESQUISA FAPESP 151
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As faces do tempo A prioridade agora é evitar que os desastres naturais piorem a vida de milhões de pessoas Carlos Fioravanti, de Genebra*
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aria Neira corre contra o tempo. À frente da equipe de saúde pública e ambiente da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, ela terá de concluir até o início do próximo ano o plano de ação solicitado por 193 ministros da Saúde para prevenir e conter os desastres naturais que devem se tornar mais intensos e mais freqüentes com as mudanças climáticas. Em junho, diante de representantes de 37 países, Alexandrer Bedritsky apresentou as propostas da Organização Meteorológica Mundial (OMM), que ele preside, para tornar as previsões do tempo mais precisas, rápidas e úteis para evitar as tragédias sociais causadas pelos cada vez mais prováveis e iminentes episódios climáticos extremos como secas, inundações e desertificações. Pouco antes, o ex-secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan, como presidente do Fórum Humanitário Global, havia reunido cerca de 300 líderes de instituições financeiras, governos e organizações internacionais, a quem apresentou a Aliança Global pela Justiça Climática, um plano para proteger especialmente os países mais pobres, que são também os mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas. A prioridade dessas e outras instituições agora é o que chamam de face humana das mudanças climáticas,
expressa pela perspectiva de furacões, Mostram também o que fazer – ou o secas e tempestades romperem as esque deveria ter sido feito – para evitar e truturas sociais e econômicas de cidaadministrar os estragos deixados pelos des ou de países, agravar a fome e a viodesastres naturais. lência no mundo, ampliar epidemias “Precisamos aprender com os dede doenças infecciosas como malária sastres”, sugere Maryam Golnaraghi, e dengue, aumentar a marginalização chefe da divisão de redução de riscos social e motivar migrações de milhões de desastres da OMM. “Por que os mode pessoas. “As mudanças climáticas radores de Nova Orleans não estavam representam um risco adicional para preparados? Poderíamos ter tido uma 600 milhões de pessoas em estado de boa previsão do tempo, as informações subnutrição crônica, podem aumentar deveriam ter ido para a comunidade e a em 400 milhões os casos de malária e área deveria ter recebido investimentos forçar o deslocamento de 332 milhões em infra-estrutura.” Todos os países de pessoas que vivem em áreas costeiagora são vulneráveis, em maior ou ras”, comentou Cecilia Ugaz, diretora menor escala. “Nova Orleans sofreu do Programa de Desenvolvimento das os mesmos problemas de Bangladesh”, Nações Unidas (UNDP) e coordenaobserva Suren Erkman, professor da dora do relatório de desenvolvimento Universidade de Lausanne, na Suíça. Cercado por montanhas ao norte e humano lançado no final do ano passado, que detalha a vulnerabilidade das pelo mar ao sul, Bangladesh tem sido populações humanas diante das transacossado pelas longas cheias dos rios formações do clima. A onda de calor que cortam o país de 150 milhões habitantes, alagam casas, cobrem cidades que matou 70 mil pessoas na Europa em 2003, o Catarina, o primeiro furae destroem plantações. cão registrado no Atlântico Sul que em “Temos de nos adaptar desde já às 2004 chegou de surpresa ao Sul do Bramudanças de curto prazo do clima, que sil, e o Katrina, que destruiu a cidade podem trazer impacto social muito de Nova Orleans e caugrande e já nos prepasou quase 2 mil mortos rar para as variações de em 2005, tendo sido ou longo prazo”, propõe Antonio Divino Moura, não causados pelo tempo Benin: pobreza, em mutação, agora reprediretor do Instituto Naplanos atrasados sentam exemplos do que cional de Meteorologia e vulnerabilidade pode acontecer com mais (Inmet) e terceiro viceassiduidade no futuro. presidente da OMM. “A
* Colaboraram Lina Sagaral Reyes, Naftali K. Mungai e Samuel Rodríguez (fotos), de Cotonu, Benin. Os autores desta reportagem viajaram a convite do Media21 Global Journalism Network. 24
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seca da Amazônia em 2005 foi previsdepois a resposta e a recuperação – ta, mas ninguém tomou uma atitude. exigem articulação institucional, do Os rios secaram e faltou comida para governo nacional ao local, e ação coora população. Temos de ser criativos e denada dos serviços de meteorologia, usar as informações para tomar decihidrologia, geologia, marinha e saúde, sões.” Como exemplo de ação contra as além da conscientização, participação variações do clima, Moura cita o trabae cooperação da sociedade civil, com lho de meteorologistas, antropólogos e base em um planejamento e uma lesociólogos que conversaram com agrigislação que funcione antes, durante e cultores e em conjunto encontraram depois das tragédias. formas de reduzir os efeitos da seca no alter Fust, diretor-geral do Fórum Ceará. Como resultado, desde 1992 o governo estadual acelera a construção Humanitário Global, organizacivil, promovendo obras que empreção não-governamental em fungam trabalhadores desalojados da agricionamento há um ano, sabe que não cultura, da qual depende quase metade será fácil ajudar os países pobres, que da população, diante da iminência de possivelmente serão os mais atingidos, uma seca intensa. a se precaverem contra as intempéries. Segundo ele, os formuladores de polítiCelebrados nos últimos anos, os modelos matemáticos que indicam cas públicas não se sentem responsáveis as tendências do clima nos próximos pelas tragédias econômicas e sociais, anos continuam importantes, mas as como a perda de moradia e de emprepreocupações se ampliaram. Hoje a gos, que acompanham os sobrevivenexpressão mudanças climáticas não tes dos desastres naturais. Argumentos inspira apenas cenas comoventes de urque poderiam convencer os políticos a sos-polares isolados sobre geleiras aos agirem é que não faltam. Alguns países como a Rússia podem ganhar áreas pedaços. Motiva também planos urgentes, que consideram os para a agricultura, mas os limites e as necessidades efeitos negativos devem de cada cidade ou região predominar. “A produção Planícies do e atribuem papéis claros agrícola deve cair mesmo oeste da África: às instituições e às pescom um pequeno ausob a ameaça de erosão e de soas. Segundo Maryam, mento, de 1 ou 2 graus, inundações na temperatura média a prevenção e a detecção anual”, afirma Mannava de desastres naturais – e
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Sivakumar, chefe da divisão de meteorologia agrícola da OMM. Com variações maiores, de até 5º Celsius (C), a produção de arroz e de trigo poderia cair à metade na Índia. “O que falta é organização social para lidar com esses problemas”, diz Wolfgang Grabs, chefe da divisão de recursos hídricos da OMM. A noção de perigo pode escapar não só entre os formuladores de políticas públicas como também entre agricultores de países pobres como Índia, Nepal e Bangladesh, que não querem deixar as terras que cultivam mesmo quando cobertas de água. Por não terem a propriedade legal, temem perder as terras para outros, caso saiam, e preferem acreditar que as previsões meteorológicas podem estar erradas. O Banco Mundial enfatiza a necessidade de ações locais e de cooperação internacional entre instituições públicas e privadas e grupos da sociedade civil em um documento que abriu para consulta pública e deverá votar este mês, propondo mecanismos inovadores para pôr em prática ações de adaptação às mudanças do clima. “Evitar o pior”, diz Cecilia Ugaz, “implica modelos de Estado e de desenvolvimento social e econômico mais descentralizados, com engajamento da sociedade civil”. Em Genebra não há sinais da crueldade do tempo a não ser um verão que começou de modo intenso e repentino e alguns dias depois chegaria aos 37º C. Mesmo assim os moradores se mobilizam – e não só para se banhar ou velejar no vasto lago de água fria que chega dos Alpes. “Todos podem participar”, diz Alexandre Epalle, coordenador do serviço de desenvolvimento sustentável da cidade. O guia de vida sustentável que ele ajudou a criar motivou os 180 mil residentes a mudarem os hábitos e a preferirem alimentos produzidos localmente, a comerem menos carne e a observarem o modo de produção do que consomem. Orientados por folhetos, livretos e manuais, dão também bastante atenção à reciclagem: do total de 600 mil toneladas de dejetos produzidos anualmente pela cidade, 350 mil (63%) são reciclados (no Brasil, apenas 12%) e 160 mil são incinerados e ajudam a produzir energia. “Todo mundo usa papel reciclado, incluindo o presidente da República”, comenta Martial Honsberger, responsável em gestão e
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reciclagem de dejetos de uma das usinas de reciclagem, que funciona nos finais de semana até as 21 horas e atende 25 mil pessoas. A Suíça conquistou o primeiro lugar no Índice de Desempenho Ambiental (EPI) das universidades de Yale e Colúmbia, dos Estados Unidos; entre os 149 países, o Brasil ganhou a 35ª posição, beneficiado pelo pioneirismo na produção de energia limpa, principalmente álcool combustível, mas prejudicado pela poluição das indústrias e pelos altos índices de destruição das florestas nativas. Para Maria Neira, da OMS, andar mais de ônibus ou de trem e menos de carro, outra recomendação adotada pelos moradores de Genebra, não ajuda só a adiar a fúria do tempo, já que o transporte responde por 25% do consumo de energia e das emissões de gases que contribuem para o aquecimento global, uma das causas das mudanças do clima. É também uma forma de beneficiar a saúde combatendo a obesidade e o sedentarismo e, com menos veículos nas ruas e menos poluição no ar, de reduzir a incidência de asma e de câncer. “Se a população souber dos benefícios para a saúde, vai fazer pressão para melhorar o ambiente urbano”, diz ela. As recomendações da OMS, voltadas principalmente a países pobres, incluem reforços nas equipes e na infra-estrutura de saúde para deter as epidemias que devem se intensificar. “Temos de nos mobilizar para fazer o que em qualquer caso teria de ser feito para evitar o agravamento de situações que já não estão muito boas.” Michel Jarraud, secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, enfatiza: “Devemos reduzir os impactos e ao mesmo tempo nos adaptar às mudanças climáticas”. A recomendação talvez seja mais bem recebida e implantada entre suíços do que entre os moradores de países pobres como Benin, no oeste da África. Antigo porto de onde partiram cerca de 2 milhões de negros para viverem como escravos no Brasil, Benin ocupa a 163ª posição entre os 177 países do Índice de Desenvolvimento Humano 2007-2008 das Nações Unidas: é um dos 40 países mais pobres do mundo. Juliette Koudenoukpo, ministra do Meio Ambiente, reconhece que o governo está atrasado no plano que poderia reduzir a vulnerabilidade
do país aos impactos das mudanças climáticas, já que a maioria dos 9 milhões de habitantes vive da agricultura de subsistência nas planícies costeiras, sujeitas à erosão e à elevação do nível do mar. A maioria dos agricultores já percebeu que o comportamento do tempo ao longo das estações do ano mudou e as chuvas diminuíram: onde antes colhiam duas safras de milho, hoje com sorte colhem apenas uma. Muitos agora preferem plantar pinhão-manso (Jatropha curcas), que ainda é colhido duas vezes por ano e serve para produzir biodiesel que abastece as casas. As mulheres plantam árvores para conter as transformações do clima, mas escolheram uma espécie pouco estimada entre os ecólogos por absorver muita água: o eucalipto.
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otonu, cidade portuária e centro financeiro do país, com 800 mil habitantes, é uma das cidades mais poluídas do mundo, envolta pelo clima quente e úmido e pela fumaça de milhares de mototáxis em permanente movimento (não há ônibus). Os motoqueiros usam camisas amarelas, nem pensam em usar capacetes, dis-
pensáveis também nos passageiros, e compram gasolina de baixa qualidade contrabandeada da vizinha Nigéria e vendida em garrafas em bancas improvisadas nas ruas. “Dirigir mototáxi é só um emprego temporário, enquanto não consigo algo melhor”, comenta Sebastien Djossa, de 32 anos, diante da falta de empregos mesmo para quem passou pela universidade. “Não é um trabalho vergonhoso e é melhor do que passar fome.” Um dos raros a falar inglês em um país de língua francesa, Djossa conta que toda noite sente dores nos ossos e reza para não sofrer acidentes no dia seguinte. Hamsah Fatay, de 52 anos, revende motos chinesas que compra de um distribuidor na Nigéria e ainda não sabia que o presidente de Benin havia conseguido um empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) para subsidiar a agricultura e conter a alta do preço dos alimentos. “Espero que esse dinheiro seja usado também na educação de adultos, assim eu poderia voltar à escola e a aprender inglês”, comentou. Seu sonho era obter um visto e encontrar um emprego melhor em outro país. “Não há futuro para mim aqui.” ■
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E Fogo limpo
m janeiro deste ano, ao percorrer pela primeira vez a periferia de Daca, capital de Bangladesh, o biólogo Eduardo Ferreira conheceu comunidades muito mais pobres, amplas e quentes que as favelas da cidade de São Paulo que havia visitado 15 anos antes, como voluntário do Colégio Santa Cruz, para ensinar a ler, a escrever e a evitar Aids. Dessa vez seu propósito era convencer os moradores de Bangladesh a trocar fogões rudimentares, constituídos de pedras arrumadas em um canto da cozinha, por modelos mais eficientes, que queimam metade da madeira e produzem menos fumaça prejudicial à saúde. Se as negociações com produtores locais de fogões derem certo, nos próximos anos talvez sejam instalados 1 milhão de fogões em Bangladesh e mais 400 mil em comunidades igualmente pobres de um país vizinho, o Camboja, onde a ClimateCare, uma unidade do banco de investimento americano JPMorgan na qual Ferreira é gerente de projetos, já financiou a instalação de 230 mil fogões. Mais do que simplesmente vender fogões subsidiados para pobres, o biólogo formado pelo Mackenzie com mestrado em Oxford ajuda a implantar uma nova abordagem – com a participação de famílias e comunidades de países pobres – do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que promove investimentos em projetos capazes de redução de emissão de gases que contribuem para o aquecimento global. Por falta de
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Famílias de países pobres da Ásia e África adotam fogões que poluem menos
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capacidade institucional e da escassez de oportunidades, países pobres, pequenos ou essencialmente agrícolas quase não têm acesso aos benefícios do MDL, que beneficiam essencialmente empresas dos setores industriais e energéticos, observou Teodoro Sanchez, consultor da organização não-governamental inglesa Practical Action, em um artigo recente da revista Boiling Point, que apresenta alternativas energéticas para países pobres. Respeito aos hábitos - “Quando um fogão deixa de queimar 50% do combustível necessário para cozinhar a mesma quantidade de alimento, deixa de emitir até 50% dos gases que eram liberados antes”, conta Ferreira. “Geralmente, um fogão mais eficiente gera de meia a duas toneladas de crédito de carbono, que corresponde à quantidade equivalente de gás carbônico que deixou de emitir.” A ClimateCare,
que financia fabricantes locais para que vendam fogões a preços mais baixos, ganhará um ou dois anos depois da instalação negociando os créditos de carbono. As perspectivas de ganhos são claras – em 2007 o comércio internacional de carbono dobrou e chegou a U$ 60 bilhões, e até 2012 as empresas européias devem comprar o equivalente a U$ 25 bilhões em créditos de carbono –, mas o impacto real desse mecanismo para reduzir emissões ainda é incerto. Em um artigo de Fred Pierce publicado em abril na New Scientist, Ian Rodgers, diretor da UK Steel, comentou que os negócios com carbono não irão reduzir as emissões, mas apenas movê-las para outro lugar. Pierce ressaltou: a poluição poderia ser contida mesmo sem o MDL se as indústrias tivessem tomado cuidados ambientais prévios. Ferreira argumenta que os benefícios do MDL comunitário poderiam ser mais amplos que os MDL industriais, já que fogões mais eficientes reduzem o desmatamento, permitem às Uma dona-de-casa famílias gastar em Bangladesh: menos com mamenos madeira deira ou carvão e e menos fumaça reduzem a quantidade de fumaça negra dentro da casa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o excesso de fumaça pode causar asma, bronquite e outros problemas respiratórios graves a ponto de matar 1,5 milhão de pessoas, principalmente mulheres e crianças. Nos países mais pobres da Ásia e da África, 2,4 bilhões de pessoas utilizam fogões de pedra abastecidos com combustível sólido – madeira, restos de alimentos, resíduos agrícolas ou estrume animal –, cozinhando por horas seguidas todos os dias. Desenvolver esses fogões implica, primeiramente, respeito aos hábitos culturais. “Em Bangladesh e na Índia as mulheres estão acostumadas a cozinhar agachadas, em vez de sentadas ou em pé”, diz Ferreira. “O fogão deve ser desenvolvido de forma a que elas não precisem alterar esse costume.” Também na Boiling Point, Lisa Feldmann e Verena Brinkmann, da GTZ, uma agência de cooperação internanacional, lembram que um fogão novo, para ser aceito, tem também de ser efi-
ciente, permitindo uma economia de pelo menos 40% de combustível, além de ser moderno e de preço acessível. Os 200 mil fogões instalados desde 2003 em Uganda com apoio da GTZ evitaram o corte de 200 mil toneladas de madeira por ano e geraram uma economia de €140 mil à rede de saúde pública, com a redução de doenças causadas pela fumaça preta, além de €1,7 milhão (R$ 4 milhões) em créditos de carbono. Ferreira integrou a equipe da ClimateCare que encontrou na China fabricantes de fogões que incluem uma serpentina que esquenta água, segue para radiadores e, desse modo, ajuda a esquentar a cama em que dorme toda a família, “pais, filhos e netos, de três a dez pessoas, todos juntos”, conta ele. “Os fogões que escolhemos para trabalhar na China são altamente eficientes e muito interessantes do ponto de vista ambiental, porque os moradores da área rural podem usar palha, bagaço e resíduos das plantações de milho como fonte de energia, em vez de carvão.” Os moradores rurais levam caule, folhas secas e espigas de milho para uma fábrica do governo que prensa os resíduos em blocos, usados para manter os fogões acesos. Há, porém, uma deficiência energética: os resíduos de milho queimam mais rapidamente e produzem metade da energia resultante da mesma quantidade de carvão. Outra possibilidade de cozinhar e aquecer a casa com menos fumaça e menos desmatamento são os biodigestores, tanques fechados cavados no jardim, revestidos de plástico e abastecidos com esterco animal ou humano. Da tampa sai um cano com gases, principalmente metano e CO2, produzidos com a fermentação dos resíduos, que servem como combustível para cozinhar sem fumaça e para gerar eletricidade para aquecer a casa – o resto do material orgânico pode ser utilizado como adubo. “Um biodigestor de três metros de diâmetro poderia abastecer até uma família que antes tinha de comprar gás ou madeira para cozinhar e aquecer a casa”, diz ele. Cada um dos cerca de 150 mil biodigestores já em funcionamento em Bangladesh e no Nepal abastece de uma a cinco famílias. ■
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ESTRATÉGIAS MUNDO
Um estudo clínico para avaliar a eficiência de uma terapia de célulastronco contra a incontinência urinária, realizado na Universidade Médica de Innsbruck, na Áustria, foi publicamente desqualificado porque os autores cometeram erros primários e falhas éticas em sua execução. De acordo com a revista Nature, a Agência para Saúde e Segurança de Alimentos da Áustria descobriu que o estudo, coordenado pelo urologista Hannes Strasser, nem sequer passara pelo crivo de um comitê de ética, assim como falhou ao não informar os pacientes sobre a natureza dos procedimentos. Foram encontrados erros metodológicos envolvendo impropriedades na seleção dos pacientes. Como se fosse pouco, os responsáveis pelo estudo forjaram e-mails supostamente trocados com editores da revista The Lancet para escamotear a fraude dos inspetores. Strasser está proibido de atender pacientes, mas o documento isentou Georg Bartsch, chefe do Departamento de Urologia e co-autor dos artigos. Já o reitor da instituição, Clemens Sorg, está ameaçado de demissão pelo conselho universitário, ainda que fosse um defensor de punições a falhas de conduta acadêmica. Ele, aliás, pediu à Academia de Ciências da Áustria para investigar o caso.
LAURABEATRIZ
FALHAS GROSSEIRAS
a ficção Há tempos a Agência Espacial Européia (ESA) começou a desenvolver robôs semi-inteligentes com vocação para auxiliar astronautas no espaço. Esse projeto, que deve demorar alguns anos para render protótipos, estimulou a agência a adotar WALL-E, o curioso e irrequieto robozinho da ficção científica infantil dos estúdios Disney Pixar, como mascote de seu novo site para professores e crianças (www.esa.int/walle). O portal reúne recursos educativos, DVDs, quebra-cabeças e diversões on-line. Seu conteúdo (em inglês) é organizado em quatro temas: Nosso Lugar no Universo, que descreve 30
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missões como as das sondas Soho, rumo ao Sol, e Huygens, que pousou em Titã, a lua gigante de Saturno; Cuidando da Terra, com imagens do nosso planeta e informações sobre satélites da ESA;
DISNEY PIXAR
> A vida imita
Vida no Espaço, com um kit educacional sobre a Estação Espacial Internacional; e Exploração e Robótica, sobre os planos de ir a Marte e os robôs que auxiliam os homens na aventura espacial.
WALL-E: mascote de site educacional
> Alemães exorcizam a burocracia O governo da Alemanha anunciou a adoção de um conjunto de regras flexíveis que promete tornar mais simples a rotina dos pesquisadores dos laboratórios e universidades públicas, que hoje são submetidos às mesmas regras da burocracia estatal. Entre outras novidades, a ministra da Pesquisa Annette Schavan autorizou as instituições a oferecer suplementos salariais variáveis para atrair ou manter cientistas de primeira linha. O novo esquema começa a funcionar a partir de janeiro de 2009. A Alemanha ressente-se de perder pessoal qualificado para outros países europeus
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na ciência
disseminar informações sobre como obter recursos para projetos de pesquisa. A Rede Islâmica de Mulheres Cientistas também vai criar um banco de dados com suas participantes e pretende cooperar com programas regionais bem-sucedidos, ACU
Dos 381 pesquisadores vinculados a comitês científicos da Organização da Conferência Islâmica (OIC, na sigla em inglês), que reúne 56 países muçulmanos, menos de 5% são mulheres. Num esforço para ampliar a participação feminina, a OIC acaba de criar uma rede voltada para conectar as mulheres à base acadêmica do mundo islâmico, estimular a sua participação em programas de treinamento e prêmios internacionais, além de
como a Rede Árabe de Ciência e Tecnologia para Mulheres, sediada em Bahrein. “As mulheres representam a metade da capacidade intelectual das nações, mas poucos países muçulmanos encorajam-nas a seguir carreira científica”, disse à agência SciDev.Net Syeda Tanvir Naim, membro do comitê das Nações Unidas para mulheres e ciência.
> Vietnã contra a fuga de cérebros
Muçulmanas admitidas em universidade australiana
O Vietnã está preparando um plano para atrair cientistas que deixaram o país a fim de reforçar a capacidade científica do país. O esquema deverá ser baseado na oferta de pacotes salariais vantajosos, além de
nos próximos oito anos. O dinheiro será direcionado para as 20 principais universidades e institutos de pesquisa do país, concentrados nas cidades de Hanói e Ho Chi Minh. O governo do Vietnã estima que cerca de 300 mil cidadãos com formação acadêmica trabalhem no exterior, com experiência em setores que vão da microeletrônica à aviação. Nguyen Quoc Binh, diretor do Centro de Tecnologia Biológica em Ho Chi Minh City, disse à agência SciDev. Net que, para o programa dar certo, é necessário que o salário oferecido aos expatriados seja de pelo menos US$ 1 mil mensais, o equivalente ao pago por países vizinhos como a Malásia e a Tailândia para atrair de volta pesquisadores radicados no exterior.
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IAN REDMOND/UNEP
> Mais mulheres
Um congresso da Sociedade Internacional de Primatologia, realizado no mês passado em Edimburgo, na Escócia, atualizou o panorama mundial dos primatas ameaçados de extinção. A metade das 634 espécies ou subespécies vive o risco de desaparecer na próxima década, sendo que 70% delas habitam a Ásia. Segundo a revista Nature, o Camboja, o Vietnã e a Indonésia são os países em situação mais dramática, com mais Gorilas no Congo: mais animais do que se imaginava de 70% dos primatas ameaçados. A melhor notícia do congresso veio de um país novos fundos para projetos africano, o Congo, onde uma subespécie do gorila-do-ocidente classificada como ameaçada teve sua população de pesquisa, equipamentos reestimada em 225 mil animais, diante de menos de 100 e laboratórios. O Ministério da Educação vietmanita mil de um censo anterior. A reavaliação desmanchou uma especulação de que a subespécie estaria ainda mais reduplaneja investir US$ 8 milhões na fase inicial do zida devido a um surto do vírus Ebola na região em que programa, mas a previsão vivem. A boa situação dos gorilas do Congo foi atribuída ao sucesso no gerenciamento de áreas protegidas, que têm é que sejam aplicados US$ 40 milhões na iniciativa fartura de alimentos e estão em lugares de acesso difícil.
SOS PRIMATAS
por conta, entre outros fatores, do engessamento dos salários nas universidades. A construção de novos laboratórios e de outras obras de infra-estrutura acadêmica também poderá ser feita dispensando o crivo de uma seqüência de instâncias burocráticas. Os chefes dos laboratórios terão liberdade de executar as obras de que precisarem, bastando que se comprometam a respeitar as normas estabelecidas pelas autoridades.
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ESTRATÉGIAS MUNDO
RHETT A. BUTLER/MONGABAY.COM
> Politicamente incorreto Um estudo publicado no jornal Trends in Ecology & Evolution propôs uma idéia polêmica e politicamente incorreta: a exploração de florestas feita por indústrias madeireiras ou grandes corporações agrícolas e mineradoras oferece melhores oportunidades de conservação do que a exploração feita por pequenos agricultores. Ambos os tipos causam impactos deletérios à floresta, dizem os autores Rhett Butler, do site conservacionista Mogabay-com, e William Laurance, do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian, no Panamá. Mas é bem mais fácil para entidades ecológicas pressionar e obter concessões de um punhado de grandes grupos econômicos do que de milhões de camponeses pobres. “Os grupos ambientalistas estão aprendendo a usar recursos como boicotes e protestos para atingir a imagem de corporações que se comportam mal”, disse Butler. Segundo ele, a mudança de comportamento de setores como a indústria madeireira e a de óleo de palmito mostra como a pressão funciona bem. “Até mesmo grupos financeiros, como o JP Morgan e o Citigroup, mudaram suas práticas depois que se tornaram alvo de ambientalistas”, afirma. 32
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Garimpo na Amazônia peruana: pressão sobre empresas funciona
> Telescópio vendido O Observatório David Dunlap, que pertencia à Universidade de Toronto desde 1935, foi vendido para uma empresa privada por US$ 68 milhões. O valor inclui um parque de 77 hectares que abriga um dos maiores telescópios canadenses, além de uma
sede administrativa e uma casa de fazenda construída há mais de 150 anos. O complexo é situado em Richmond Hill, província de Ontário. A universidade planeja usar o dinheiro para criar um novo instituto de astronomia e astrofísica. “O telescópio perdeu a serventia para o tipo de pesquisa que fazemos hoje”, disse à revista Nature
Robert Steiner, vice-presidente da universidade. Nos últimos anos, apenas dois pesquisadores seguiam usando as instalações. A Metrus Development, empresa que adquiriu o observatório, promete preservar as instalações históricas e procura um parceiro interessado em explorar o telescópio.
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ESTRATÉGIAS BRASIL
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai criar uma unidade em Curitiba para trabalhar em pesquisa, desenvolvimento e produção de vacinas, em parceria com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). O centro regional, batizado de Instituto Carlos Chagas, será instalado na Cidade Industrial, bairro da capital paranaense, e aproveitará a infra-estrutura do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP). Criado em 1999 por meio de uma associação entre a Fiocruz e o Tecpar, o IBMP se tornou referência em desenvolvimento de antígenos recombinantes como reagentes para diagnóstico e de vacinas contra a raiva e a brucelose. “Já existe um patrimônio grande aqui no Paraná e a Fiocruz vem se somar ao Instituto de Tecnologia do Paraná e às universidades do estado”, disse o presidente da Fiocruz, Paulo Buss. A instituição também planeja montar um programa de pós-graduação em parceria com o Tecpar, para formar mestres e doutores que possam contribuir com a pesquisa da nova unidade. Há 108 anos a Fiocruz tem sua base no bairro de Manguinhos, zona Norte carioca, mas ao longo do tempo montou centros regionais em Belo Horizonte, Salvador, Recife e Manaus, além de uma filial na própria cidade do Rio. A sucursal de Curitiba será a primeira no Sul do país. Até o ano que vem, a fundação deverá abrir um outro centro regional em Campo Grande (MS), a Fiocruz Pantanal.
ILUSTARÇÕES LAURABEATRIZ
RAÍZES NO PARANÁ
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> Posições no ranking As universidades brasileiras defenderam suas posições no mais recente ranking internacional de instituições de ensino superior, divulgado desde 2003 pela chinesa Shanghai Jiao Tong University. A Universidade de São Paulo (USP) aparece entre a 101ª e a 151ª posições da lista – a organização optou por divulgar faixas em vez de posições exatas. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) ficou cotada entre as 201ª e 301ª melhores instituições do mundo, seguida pela Federal
de Minas Gerais (UFMG) e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), cotadas entre as 301ª e 400ª melhores. Na faixa seguinte, entre as 401ª e 500ª melhores, aparecem a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A instituição gaúcha foi a surpresa do levantamento, pois não constava da lista em 2007. Os Estados Unidos seguem campeões do ranking. As três primeiras posições são ocupadas, pela ordem, pelas universidades Harvard, Stanford e Califórnia, Berkeley. A britânica Cambridge é a quarta colocada. A metodologia
do ranking leva em conta o número de ganhadores do Nobel e vencedores de outros prêmios que se formaram
em cada instituição, além de índices institucionais e individuais de produtividade acadêmica.
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ESTRATÉGIAS BRASIL
> Desempenho olímpico Guilherme Victal Alves da Costa, de 16 anos, aluno do 3º ano do ensino médio no Colégio Objetivo, em São Paulo, conseguiu um feito inédito na Olimpíada Internacional de Física (IPhO, na sigla em inglês). Ganhou a primeira medalha de prata de um estudante brasileiro na competição. A 39ª edição da IPhO ocorreu em Hanói, Vietnã, no final de julho. Até então, o melhor desempenho de estudantes brasileiros havia sido um bronze em 2007. O Brasil participa da competição desde 2000 por iniciativa da Sociedade Brasileira de Física. Outros estudantes brasileiros também tiveram êxito em 2008. O paranaense Alex Atsushi Takeda, do Colégio Universitário, de Londrina, ganhou medalha de bronze, enquanto André Agostinho, do Colégio Gênese, no 34
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Recife, e Rafael Carvina, do Colégio Objetivo, de São Paulo, receberam menções honrosas. A equipe brasileira foi chefiada pelo professor Euclydes Marega Júnior, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).
> Novo reitor da UFABC Adalberto Fazzio, professor titular do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), tomou posse no dia 13 de agosto como novo reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC), em substituição ao engenheiro Luiz Bevilacqua, no cargo desde dezembro de 2006. De acordo com Fazzio, suas metas são a conclusão do processo que resultará no estatuto definitivo da UFABC, a elaboração de um Programa de Desenvolvimento Institucional e a consolidação do projeto pedagógico
CAPITAIS VISTAS DO ESPAÇO
Brasília, Belém e Rio de Janeiro em imagens dos satélites Cbers
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) disponibilizou gratuitamente na internet uma coleção de fotos em alta resolução registradas pelos três Satélites Sino-brasileiros de Recursos Terrestres (Cbers), que exibem panoramas vistos do espaço de todas as capitais de estados brasileiros. Também são oferecidas fotos de capitais latino-americanas, como Buenos Aires, Santiago, Lima e Montevidéu. A intenção da Divisão de Geração de Imagens do Inpe, responsável pela iniciativa, é fornecer material de apoio para meios de comunicação, professores e estudantes de ensino fundamental e médio, entre outros interessados. Em 2004 o instituto deixou de cobrar pelo fornecimento de imagens dos Cbers, intensificando a distribuição gratuita para empresas públicas, universidades, pesquisadores de diversas áreas e agricultores. O objetivo agora é estender também para o público leigo o alcance às fotos dos satélites. A galeria de imagens das capitais pode ser baixada no endereço www3.dgi.inpe.br/pesquisa2007/ galeria/linux_E_galeria/galeriaCD.html.
da universidade. Criada em 2005, a UFABC tem 100% dos professores com doutorado e se diferencia de outras universidades públicas pelo foco em ciência e tecnologia e pelo projeto pedagógico peculiar. Todo aluno faz um módulo básico com as disciplinas de
sociologia, ética, filosofia e história da ciência. As engenharias são voltadas para a inovação, com ênfase em especialidades como engenharia aeroespacial, de automação e robótica e em bioenergia. A universidade tem hoje 2 mil alunos fazendo o módulo básico.
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> Pesquisa FAPESP
> Propostas
Mundial de Conservação (IUCN World Conservation Congress), em Barcelona, na Espanha, em outubro deste ano, junto com os ganhadores dos outros países onde o prêmio é realizado. Os segundos e terceiros colocados receberam R$ 5 mil e R$ 2.500, respectivamente.
O Programa de Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) pré-qualificou 801 empresas para a próxima fase do processo de seleção – 232 a mais do que em 2007 – depois de analisar um total de 2.612 propostas de companhias interessadas em investir em produtos e processos inovadores. As empresas selecionadas irão encaminhar à Finep um projeto detalhado e aguardar a divulgação da lista de contempladas, no dia 17 de outubro. Ao todo são disponibilizados R$ 450
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) vai investir R$ 30 milhões no estímulo a parcerias entre grupos de pesquisa e programas de mestrado e doutorado ainda em consolidação (com conceitos 3 e 4 na avaliação da Capes) com grupos já consolidados (conceitos 6 e 7). Podem apresentar projetos pesquisadores vinculados a programas de pós-graduação de universidades ou de institutos de pesquisa das regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste, e do estado do Espírito Santo. A colaboração pode envolver como contraparte grupos consolidados localizados em qualquer região do país. O programa, apelidado de Casadinho, conta com recursos dos fundos setoriais de Infra-estrutura (CT-Infra) e de Petróleo e Gás (CT-Petro) e tem como objetivo aperfeiçoar a distribuição regional dos núcleos de pesquisa no país. Cada curso pode apresentar uma única proposta. A novidade da edição deste ano do edital é que cursos já beneficiados anteriormente poderão apresentar pedidos de suplementação. As propostas devem ser apresentadas até 9 de outubro. O edital está disponível no site www.cnpq.br
milhões em recursos nãoreembolsáveis para apoio a projetos em todo o país. Esse é o terceiro ano consecutivo que o governo oferece essa linha de investimentos. Antes da Lei de Inovação, sancionada em 2004, a aplicação de recursos públicos não-reembolsáveis em empresas não era permitida. O valor mínimo de cada projeto será de R$ 1 milhão. Haverá uma contrapartida entre 5% e 20% do valor total no caso de empresas menores e entre 100% e 200% para empresas de médio e grande porte. De acordo com o edital, 40% dos recursos vão apoiar pequenas empresas.
LAURABEATRIZ
EDUARDO CESAR
A reportagem “Semeadores de florestas”, publicada em fevereiro deste ano na revista Pesquisa FAPESP, conquistou o segundo lugar na categoria mídia impressa do 8º Prêmio de Reportagem sobre a Biodiversidade da Mata Atlântica, organizado pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica (parceria entre as ONGs Conservação Internacional e Fundação SOS Mata Atlântica). Assinada pelo editor especial Carlos Fioravanti, a reportagem expôs iniciativas de recuperação de trechos perdidos da Mata Atlântica. É a quarta vez que a revista ganha um dos três principais prêmios do concurso. Mauri König, da Gazeta do Povo, de Curitiba (PR), conquistou o primeiro lugar com a reportagem “A última testemunha: cem anos de resistência”. Herton Escobar, do jornal O Estado de S. Paulo, com “A caminho da praia, serra do Mar guarda riqueza em flora e fauna”, ficou em terceiro lugar. Na categoria televisão os vencedores foram: Bianca Vasconcellos e equipe do SBT Brasil, com a reportagem “Mata Atlântica: reserva sem lei” (primeiro lugar); Aline Resende de Carvalho e equipe da Rede Minas de Televisão, com a reportagem “Riquezas da serra do Brigadeiro” (segundo lugar); Beatriz Castro e equipe do programa Nordeste, Viver e Preservar, com “Assentamentos versus Mata” (terceiro lugar). O vencedor do primeiro lugar em cada categoria vai participar do Congresso
qualificadas
PARCERIAS ASSIMÉTRICAS
INPE
entre os premiados
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
FOMENTO
A evolução
de uma idéia Governo relança programa de redes temáticas virtuais, agora com mais recursos e articulação com os estados Fabrício Marques | ilustrações Braz
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ma abrangente parceria entre o governo federal e cinco fundações estaduais de amparo à pesquisa (FAPs) vai destinar R$ 475 milhões nos próximos três anos para a criação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, redes temáticas de excelência incumbidas de fazer avançar o conhecimento em áreas consideradas vitais para o desenvolvimento do país ou em temas de fronteira nos quais a pesquisa nacional tem alto desempenho. Do total de recursos, que constituem o maior valor já concedido a uma chamada pública de apoio à pesquisa no país, a metade será vinculada a 19 áreas definidas como estratégicas no Plano de Ação de Ciência, Tecnologia e Inovação do governo federal, tais como biotecnologia, nanotecnologia, biocombustíveis, agronegócio, Amazônia, programa espacial e mudanças climáticas. A outra metade apoiará as melhores propostas apresentadas por pesquisadores de quaisquer áreas. O número exato de institutos dependerá da qualidade das propostas apresentadas e da decisão do comitê científico incumbido de selecioná-las, mas a previsão é de que sejam contemplados até 65 projetos. Os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia vão substituir os Institutos do Milênio, um programa ambicioso lançado em 2001, no final do governo Fernando Henrique Cardoso. O modelo inspirava-se em
programas semelhantes lançados no Chile, na China e na Índia, que buscavam, de um lado, articular grupos de pesquisa potencializando a base de laboratórios já instalada e, de outro, produzir conhecimento que contribuísse para o aumento da competitividade da economia brasileira ou para a solução de grandes problemas nacionais. O Banco Mundial foi decisivo para o lançamento ao emprestar R$ 90 milhões ao Brasil para estabelecer seus projetos. Os projetos contemplados foram submetidos a uma avaliação em 2003, já no governo Lula, que recomendou a continuidade do programa. Uma nova chamada de propostas foi lançada em 2004. Num indicador que dá a medida do desempenho dos contemplados na primeira chamada, dez dos 17 Institutos do Milênio aprovados em 2001 foram renovados em 2004, ligados a temas como pesquisa básica em nanociência e desenvolvimento de vacinas e testes de diagnóstico de tuberculose. Foram distribuídos R$ 90 milhões em cada um dos dois editais, mas o dinheiro acabou diluído na chamada de 2004, quando foram contempladas 34 propostas, o dobro do total da chamada anterior. “Os atuais Institutos do Milênio ainda vão funcionar até o final do ano e passarão por uma avaliação, mas a sensação que temos é de que, com a fragmentação dos recursos, o impacto ficou aquém daqueles do primeiro edital”,
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O APRENDIZADO COM LIMITAÇÕES E ÊXITOS DOS INSTITUTOS DO MILÊNIO AJUDOU O CNPq A MOLDAR O EDITAL DOS INSTITUTOS NACIONAIS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA
diz Marco Antonio Zago, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O aprendizado com erros e acertos dos Institutos do Milênio ajudou o CNPq, responsável pelos programas, a moldar o edital dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia. A idéia original mantém-se: busca-se alavancar a fronteira do conhecimento em áreas vitais e estimular a formação de redes de pesquisadores, liderados por um coordenador com reconhecida competência na área. Mas há mudanças nas exigências e na operacionalização do programa. A principal delas tem a ver com a ampliação dos recursos oferecidos e com a articulação com os estados. O MCT destinará R$ 270 milhões, três vezes mais do que o disponibilizado para os Institutos do Milênio. Cada projeto poderá receber de R$ 3 milhões a R$ 9 milhões por um período de três anos, diante de R$ 500 mil a R$ 2 milhões nas versões anteriores.
O
investimento será de responsabilidade do CNPq, com R$ 110 milhões, e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com R$ 160 milhões oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Além do esforço do ministério, outros R$ 175 milhões virão de cinco fundações estaduais de amparo à pesquisa, para aplicação nos projetos contemplados em seus estados, sendo R$ 75 milhões da FAPESP, R$ 30 milhões da Fapemig (Minas Gerais), R$ 30 milhões da Faperj (Rio de Janeiro), R$ 30 milhões da Fapespa (Pará) e R$ 10 milhões da Fapeam (Amazonas). A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), vinculada ao Ministério da Educação, colaborará com mais R$ 30 milhões, na forma de bolsas em diferentes modalidades. “Os Institutos do Milênio conseguiram excelentes resultados, mas têm recursos muito limitados. Os Institutos Nacionais vão substituí-los com mais sustentabilidade”, afirmou o
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ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, ao anunciar o programa em julho. Marco Antonio Zago destaca outras mudanças, como a proibição de que um mesmo pesquisador esteja vinculado a mais do que uma rede. “Um cientista pode até colaborar com mais de um instituto, mas só poderá estar vinculado a um deles. Isso vai impedir que dessa vez se criem redes com a participação de um número exagerado de pesquisadores nas quais muitos têm um papel apenas honorário”, disse. A distribuição de responsabilidade e de recursos entre os associados será definida de forma mais clara, segundo Zago. Cada laboratório associado deverá ter um pesquisador responsável. “A idéia é que as instituições participem das redes porque o financiamento fará diferença para elas. Por isso precisa ficar claro qual é a meta dos participantes e de quanto dinheiro cada um disporá para que possamos cobrar resultados depois”, afirma o presidente do CNPq. “A disponibilidade de mais recursos nos permitiu ser mais ambiciosos e exigentes em relação aos institutos.
Queremos impacto maior”, diz Zago. Nos Institutos do Milênio, ele observa, era possível contemplar projetos que não promovessem intensa articulação de pesquisadores. “Agora a necessidade de criar redes é mais valorizada”, diz. A inclusão entre os laboratórios associados de grupos de pesquisa localizados em novos campi universitários ou em regiões com baixa densidade de doutores é considerada vantagem no processo seletivo. Para garantir o caráter nacional dos institutos, os recursos serão distribuídos de forma a aproveitar a massa crítica concentrada nas regiões Sudeste e Sul sem prejudicar os demais estados. A distribuição de recursos determina que o Sudeste fique com 50% do bolo, o Sul, com 15%, e os estados do Norte, Nordeste, Centro-Oeste, além do estado do Espírito Santo, com 35% das verbas. Tal distribuição tem sido criticada por violar o princípio do mérito científico, visto que os três maiores estados da Região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) são responsáveis por 80% da produção científica nacional, medida em artigos publicados em revistas indexadas internacionalmente.
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A articulação com as fundações estaduais de amparo à pesquisa, diz Zago, será importante não apenas para ampliar o volume de recursos, mas também para adicionar ao programa a expertise que as FAPs dispõem na seleção e avaliação de propostas.
O
s Institutos Nacionais, conforme estabelecido no edital lançado em agosto, terão de se preocupar em produzir não apenas pesquisa de ponta mas também na formação de recursos humanos e na transferência de conhecimento para o setor produtivo e para a sociedade. Para os projetos com aplicações tecnológicas ou de inovação, deve ser atendida uma quarta missão, que é a transferência de conhecimentos para o setor empresarial ou para o governo. Os centros também deverão ter programas de educação em ciência e difusão de conhecimento, conduzidos por seus pesquisadores e pelos bolsistas, focalizados no fortalecimento do ensino médio e na educação científica da população em geral. Zago observa que esse caráter mais abrangente, cujos componentes apareciam de forma tênue nos Institutos do Milênio, inspirou-se no sucesso do modelo dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), criados pela FAPESP em 2000 – um deles, o Centro de Terapia Celular (CTC), é comandado pelo próprio Zago, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. “Fui muito influenciado pela experiência dos Cepids, que garantem recursos vultosos e de longo prazo para alguns grupos concedendo um grau de liberdade que não é comum. Somos oito pesquisadores principais no centro e não precisamos ficar elaborando projetos o tempo todo para garantir recursos – o canal para pedir e receber recursos é bem mais simples”, afirmou. O trabalho de difusão praticado pelos Cepids inclui a oferta de cursos para estudantes e professores do ensino médio e o estímulo à formação de pequenas empresas que incorporem os resultados das pesquisas.
O programa dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia terá cinco anos de duração. Ao final dos primeiros três anos, período coberto pela atual chamada de propostas, os institutos deverão ser avaliados e os que estiverem funcionando bem poderão ganhar recursos para mais dois anos de operação. “O ideal seria dar um fôlego mais longo aos institutos, mas não podemos nos comprometer com um período mais longo do que três anos. Além do mais, outros gestores estarão encarregados de cuidar da política de ciência e tecnologia dentro de três anos”, afirma Zago. Na avaliação de Hernan Chaimovich, professor do Instituto de Química da USP que participou do Comitê Científico Internacional incumbido de selecionar as propostas vencedoras dos Institutos do Milênio, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia têm potencial para cumprir os objetivos ambiciosos traçados em 2001 que não se concretizaram com o vigor esperado. “Os Institutos do Milênio integravam um novo paradigma para o sistema de financiamento de ciência e tecnologia, baseado também na ampliação dos recursos por meio dos fundos setoriais, mas o governo mudou e a idéia não seguiu o caminho original”, explica. Ele lembra que o comitê científico do primeiro edital chegou a ser recebido pelo presidente da República, tal era a aposta no programa. “No segundo edital isso não aconteceu.” Chaimovich avalia,
contudo, que a importância e a responsabilidade atribuídas aos Institutos Nacionais superam as metas dos Institutos do Milênio. “O documento que justifica a criação dos institutos descreve um sistema de ciência e tecnologia inédito, sofisticado e com metas claras, como não acontecia em 2001. E o papel dos institutos nesse sistema ocupa uma posição alta de uma pirâmide em cuja base estão os grupos de pesquisa e os núcleos de excelência. Se vai dar certo, só com bola de cristal, mas as chances de êxito são maiores até mesmo porque aprendemos muito com a experiência dos Institutos do Milênio e dos Cepids da FAPESP”, diz Chaimovich, que é coordenador do programa dos Cepids. Essa expectativa é compartilhada por grupos de pesquisa que estiveram vinculados aos programas dos Institutos do Milênio. O pesquisador Marcos Antônio Machado, do Centro de Citricultura do Instituto Agronômico (IAC), coordenou entre 2001 e 2004 o Instituto do Milênio de Integração de Melhoramento Genético, Genoma Funcional e Comparativo de Citrus. Para ele, o lançamento dos Institutos Nacionais de Tecnologia consolida um modelo essencial para ampliar o impacto da pesquisa feita no Brasil. “No nosso caso, a participação no programa permitiu um enorme salto de qualidade e uma abertura de novas frentes de trabalho. Deixamos de ser um grupo de que fazia pesquisa aplicada na área agrícola para nos integrarmos a uma rede que produziu contribuições em ciência básica. O grande impacto foi termos, pela primeira vez, uma produção conhecida internacionalmente”, afirma ele. A rede contou com 48 pesquisadores de seis instituições envolvidas no trabalho de mapear frutas cítricas, identificando os genes resistentes a doenças. O CNPq recebe propostas de grupos interessados até 18 de setembro. A seleção deve ser concluída em novembro. ■ PESQUISA FAPESP 151
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> CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
Diálogo
possível
Dissertação premiada de aluna da Unicamp permite a biólogos manipular dados colhidos com metodologias diversas
A
capixaba Jaudete Daltio, de 25 anos, conquistou o primeiro lugar, na categoria dissertação, de um concurso anual promovido pela Sociedade Brasileira de Computação (SBC) que premia os melhores trabalhos brasileiros de iniciação científica, mestrado e doutorado nessa área do conhecimento. Trata-se de uma competição bastante disputada, na qual centenas de candidatos submetem artigos resumindo suas contribuições e os dez melhores de cada categoria vão defender seu trabalho para uma banca de cinco professores. Bolsista da FAPESP, Jaudete concorreu com 70 dissertações, num universo de cerca de 800 defesas de mestrado em 2007. Sua premiação, anunciada no 28º Congresso da SBC, realizado em Belém (PA) em julho, chamou atenção por duas circunstâncias. A primeira foi, naturalmente, a qualidade da dissertação. Orientada por Claudia Bauzer Medeiros, do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Jaudete propôs e implementou um conjunto de algoritmos que resultaram em uma ferramenta capaz de ajudar biólogos a manipular bancos de dados sobre biodiversidade. Existe uma dificuldade natural em usar tais informações, porque elas são fornecidas por grupos de pesquisa distintos, que as coletam usando diferentes vocabulários e metodologias. Para ampliar a capacidade de fazer correlações entre informações de fontes diferentes, Jaudete vinculou os dados a ontologias, que, numa perspectiva computacional, representam conjuntos de conceitos de um domínio e seus relacionamentos. O sistema, batizado de Aondê (“coruja”, em tupi, uma referência à linguagem de representação de ontologias OWL, “coruja” em inglês), é um serviço web que oferece operações para armazenamento, gerenciamento, busca, ranking, análise e integração de ontologias. Suponha-se que um biólogo
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queira saber as interações entre o inseto A e a planta B. Pois o sistema rastreia as informações e interações existentes levando em conta não apenas os termos A e B, mas também o conjunto de conceitos pertinentes àqueles assuntos. “O trabalho de Jaudete permite que se descubram novas noções, correlacionando o trabalho de vários grupos de pesquisa, mesmo que usem vocabulários diferentes”, diz Claudia Bauzer Medeiros. Antes de desenvolver o servidor de ontologias, Jaudete foi pesquisar algoritmos e sistemas existentes para entender por que não satisfaziam os biólogos. “Num trabalho de fôlego, ela mostrou todos os defeitos que encontrou, em geral relacionados com promessas que as ferramentas não conseguiam cumprir”, diz Claudia. A premiação de Jaudete também se destacou por um mérito involuntário. Ela foi a única mulher entre os 28 finalistas nas três categorias do concurso da SBC, em mais um sintoma do crescente e preocupante desinteresse das mulheres pela computação. “Não consigo compreender por que isso acontece, pois, para mim, a área é extremamente atraente”, diz Jaudete. “O intrigante é que o desinteresse vem aumentando nos últimos anos. Atualmente estou trabalhando numa empresa, entre profissionais mais experientes, e a proporção de mulheres é maior do que a que eu encontrei na graduação”, afirma.
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BUENO
O fenômeno é mundial e não tem explicações simples. Segundo dados compilados pela SBC, a participação das mulheres na pós-graduação em ciência da computação atinge cerca de 30% do total de alunos, um índice razoável quando comparado ao padrão mundial. Já na graduação estima-se que a participação das mulheres tenha baixado de 30% há 15 anos para menos de 10% atualmente. Segundo Claudia Medeiros, umas das hipóteses mais corriqueiras é que as meninas sejam direcionadas pelos pais para outras carreiras. “A computação, na visão de muitos pais, não seria uma área muito interessante”, diz. Outra hipótese é que a mulher se interessa menos por atividades que não envolvem pessoas. “Se ela acha que trabalhar com computação é mexer apenas com computador ou desenvolver programas, surge o desinteresse”, crê a pesquisadora. “Ocorre que essa imagem é falsa. A computação permeia todas as nossas atividades e é reconhecida como o ‘terceiro pilar’ de sustentação da pesquisa científica, junto com os pilares da teoria e da experimentação. Daí a
necessidade de mostrar para os jovens o que é a carreira”, afirma. Empresas como a Intel, a Microsoft e a HP consideram fundamental garantir a diversidade de gêneros na pesquisa em alta tecnologia para se manterem competitivas globalmente. “Estatísticas norte-americanas indicam que patentes propostas por equipes mistas têm geralmente maior impacto”, diz Claudia Medeiros. Bolsa - Natural de Cachoeiro do Itape-
mirim (ES), Jaudete Daltio graduou-se em ciência da computação na Universidade Federal de Viçosa, em 2005, e, influenciada por seus professores, inscreveu-se para o mestrado da Unicamp. Com dificuldades para se manter em Campinas, procurou definir seu tema de pesquisa para concorrer a uma bolsa da FAPESP, que foi concedida. O servidor de ontologias já era previsto num projeto de sistemas de biodiversidade, capitaneado pela professora Claudia e
co-coordenado por Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Unicamp, financiado a partir de 2005 pela Microsoft. Após a defesa da dissertação, em agosto de 2007, Jaudete começou a fazer algumas disciplinas do doutorado e ainda está envolvida com a produção científica vinculada a sua pesquisa – que já lhe rendeu dois artigos em congressos e um artigo em um periódico internacional importante. Mas tem dúvidas se seguirá carreira acadêmica. Recentemente aceitou uma oferta de emprego na fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD) e está entusiasmada com o trabalho. “É interessante trabalhar com grandes equipes e acompanhar o ciclo de vida completo dos produtos que desenvolvemos”, afirma. A orientadora lamenta, mas admite que a escolha da aluna faz sentido. “O mercado está aquecido, pagando mais a quem tem uma experiência profissional do que a quem fez doutorado mas nunca trabalhou numa empresa”, diz Claudia Medeiros. ■
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RICARDO ZORZETTO
no fundo do mar Diamantes brasileiros – de Juína, em Mato Grosso – ajudaram a mostrar o que se passa a 700 quilômetros abaixo da camada superficial de rochas (a crosta) que ampara os oceanos. A crosta oceânica pode absorver minerais, como os carbonatos. Caso a crosta afunde e chegue a regiões mais profundas e mais quentes, po deriam surgir outros minerais e mesmo diamantes. Para demonstrar essa teoria, um grupo liderado pela Universidade de Bristol, com a participação da Rio Tinto Desenvolvimentos Minerais, de Brasília, observou os diamantes de Juína, que contêm quantidades ínfimas de minerais, e tentaram produzir outros iguais – ao menos, por enquanto, um deles, a perovsquita, que se forma em grandes profundidades (Nature de 31 de julho). Em laboratório, raios X ajudaram a criar a perovsquita e a entender melhor fenômenos que se passam no interior da Terra.
Os prótons – partículas que compõem o núcleo atômico – começaram a fluir pelos túneis do Large Hadron Collider (LHC), laboratório internacional de física coordenado pelo Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern). Nos dias 9 e 10 de agosto, físicos e engenheiros dispararam um feixe de prótons para sincronizar os equipamentos de transferência no sentido horário de partículas para os túneis principais com os outros aparelhos do LHC. Nos dias 23 e 24, em outro teste, avaliaram os equipamentos de transferência de prótons no sentido anti-horário. Os dois testes deram certo. Os físicos esperam que, em breve, os prótons começarão a colidir e a mostrar características inusitadas do comportamento da matéria.
TESTES FINAIS DO LHC
> Diamantes
LHC: expectativa de boas colisões entre partículas
> Chances iguais de perpetuar os genes Homens poderosos e ricos não têm mais chances de perpetuar sua linhagem genética por muitas gerações do que seus contemporâneos com menor proeminência social. A conclusão é do matemático Joseph Watkins, da Perovsquita: agora também em laboratório
Universidade do Arizona, em Tucson, Estados Unidos, que publicou artigo sobre o tema na revista científica PNAS de 19 de agosto. Com a ajuda de geneticistas e antropólogos, o pesquisador analisou o cromossomo Y – parte do genoma que apenas os homens passam para os filhos e que sofre poucas mutações de geração em geração – de 1.269 homens de 41 comunidades da Indonésia. Sua conclusão não bate com o mito de que
os genes dos machos mais fortes persistem ao longo do tempo: apenas em cinco comunidades foram encontradas poucas linhagens masculinas que se mostraram prevalentes por inúmeras gerações, nos últimos 3 mil anos. Nas demais esse padrão não foi detectado. “A evolução é um sistema de oportunidades iguais”, diz Michael Hammer, outro autor do estudo. “Nenhum grupo vai ser o dominante por muito tempo.”
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SCIENCE/AAAS
> O cheiro do perigo
LAURABEATRIZ
Cientistas suíços da Universidade de Lausanne decifraram um mistério que já durava 35 anos. Identificaram uma região no nariz dos mamíferos que desempenha uma função vital para a sobrevivência de certos animais: sentir, literalmente, o cheiro de perigo. Esse papel é desempenhado pelos gânglios de Grueneberg, uma estrutura descoberta em 1973 em roedores que permaneceu esquecida por décadas, à qual ainda não se tinha atribuído nenhuma
chegar a essa conclusão, os pesquisadores retiraram a estrutura de roedores e os colocaram em um ambiente cheio de feromônios de alarme. Nesses casos era de esperar que os animais se mantivessem paralisados ou tentassem fugir do lugar, em resposta ao cheiro do perigo. Mas, por não terem os gânglios, os bichos simplesmente ignoraram os sinais de ameaça no ar e se comportaram de forma normal. Aparentemente, a estrutura só é responsável por detectar os feromônios de alarme, visto que as demais funções olfativas se mantiveram intactas nos roedores sem os gânglios (Science).
> Vírus são seres vivos?
função. Os gânglios, que formam um amontoado de células nervosas, são especializados em reconhecer feromônios de alarme, moléculas odoríferas emitidas por animais diante de uma situação ameaçadora. Para
Jean-Michel Claverie, virologista de um laboratório público francês, não tem mais dúvidas: os vírus são realmente seres vivos. O fato de que eles podem adquirir doenças causadas por outros vírus é um de seus argumentos para contestar a antiga afirmação de que os vírus eram inanimados. Em estudo publicado na Nature de 7 de agosto, precedido por um artigo que inclui o comentário de Claverie, equipes de quatro centros de pesquisa francês e de um norte-americano mostraram, por meio de microscopia eletrônica, como vírus gigantes que infectam bactérias, conhecidos como mimivírus, podem ser, eles próprios, infectados por outros vírus chamados Sputinik, de apenas 21 genes.
Estrelas nascem também perto de buracos negros
Estrelas podem nascer em amPANQUECAS bientes hostis como os arredores DE ESTRELAS de buracos negros, que engolem tudo o que estiver por perto. A conclusão nasceu de simulações feitas em computador e ajuda a explicar a origem das populações de estrelas jovens ao redor do centro da Via Láctea, onde deve haver um desses buracos com uma massa 3,6 milhões de vezes maior que a do Sol. Nuvens de gás em rota de colisão com um buraco negro poderiam sobreviver à intensa força gravitacional que transformaria as nuvens em discos achatados como panquecas, dos quais as estrelas se formariam. No início, porém, esse processo inibiria a formação de estrelas, porque o buraco negro aqueceria e rasgaria as panquecas de futuras estrelas, segundo estudo da Universidade de Saint Andrews, Reino Unido. Depois, as pequenas porções de gás atrairiam mais gás, em quantidade suficiente para iniciar a formação de novas estrelas (Science). PESQUISA FAPESP 151
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Psiquiatras do mundo todo enfrenOS ANTIDEPRESSIVOS tam um dilema quando têm de tratar E A GRAVIDEZ uma grávida com depressão, um dos problemas mais freqüentes de saúde mental, que atinge as mulheres principalmente no auge da idade reprodutiva, entre os 25 e os 44 anos. É que não se conhecem ao certo os danos que os medicamentos antidepressivos podem provocar nos filhos – seja durante a gestação, seja depois de adultos. A fim de identificar esses efeitos, Daniela Ceccatto Gerardin, da Universidade Estadual de Londrina, e colaboradores trataram camundongas prenhes com fluoxetina, um dos antidepressivos mais usados no mundo. No experimento, as roedoras receberam o medicamento durante a gestação e a amamentação da prole. Os pesquisadores constataram que não houve mudanças nos órgãos sexuais dos filhotes machos na vida adulta, sugerindo que a exposição à fluoxetina no útero não afetaria o funcionamento dos hormônios sexuais masculinos. No entanto verificou-se que filhotes machos de camundongas tratadas com fluoxetina apresentavam alterações na motivação sexual. Guardadas as diferenças entre os roedores e os seres humanos, esses resultados sugerem que antidepressivos como a fluoxetina podem afetar de modo duradouro a libido (Pharmacology, Biochemistry and Behavior).
> Grupos pequenos e cooperativos Crianças em idade escolar tendem a ser mais altruístas e cooperativas quando colocadas em grupos pequenos, de no máximo 7 colegas, do que em equipes grandes, compostas de pelo menos 13 membros. Em grupos menores os alunos têm maior controle sobre o comportamento de seus pares e podem retaliar mais facilmente ações negativas
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dos demais participantes da equipe. Essa é a principal conclusão de um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e da Universidade de São Paulo, que analisaram o comportamento de 232 estudantes de cinco escolas públicas de Natal. Com idade entre 5 e 11 anos, as crianças foram divididas em grandes e pequenos grupos e participaram de um jogo em que eram estimuladas a doar,
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Depressão: problema comum na gestação
anonimamente, doces que seriam posteriormente partilhados com os demais integrantes da equipe. Entre as variáveis analisadas no trabalho, publicado em janeiro deste ano na Evolution and Human Behavior, apenas o tamanho do grupo produziu resultados estatisticamente significativos no grau de altruísmo das crianças. Meninas e meninos exibiram o mesmo grau de cooperação no experimento.
> Livre do barbeiro, não de Chagas Em 2006 o Brasil foi considerado pela Organização Pan-americana da Saúde o primeiro país da América Latina a eliminar o transmissor da doença de Chagas, o inseto Triatoma infestans, mais conhecido como barbeiro por picar no rosto de quem dorme. Foi um passo importante e digno de reconhecimento rumo
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> Fauna
LUIZ ERNESTO COSTA SCHMIDT/UFRGS
à erradicação da doença de Chagas no país, mas apenas um primeiro passo. Apesar da eliminação do barbeiro, pelo uso de inseticidas, hoje, quase um século após Carlos Chagas ter identificado o ciclo completo da doença que leva seu nome, o país ainda não está livre da enfermidade. Tomando por base os 3,5 milhões de portadores da doença atualmente e considerando que não ocorrerá mais transmissão da enfermidade, o médico Eduardo Massad, da Universidade de São Paulo, calculou quanto tempo será necessário para erradicar o mal de Chagas. Resultado: ainda se passarão décadas até que o país esteja livre da doença (Epidemiology and Infection). Massad chama a atenção para o maior desafio que há pela frente: o próprio sucesso. Os resultados já alcançados podem reduzir o interesse político e o orçamento para combater o problema. Não se deve brincar. Existe no país uma centena de espécies de animais que abrigam o parasita e a negligência das autoridades de saúde pode ser suficiente para a doença reaparecer em níveis elevados.
emplumada
Macho de Paratrechalea: pronto para a corte
> Presente de núpcias
REPRODUÇÃO DO LIVRO AVES DE GOIÁS
LAURABEATRIZ
Uma presa – geralmente um inseto – envolvida em fios de seda é um ótimo presente para compor a corte nupcial de aranhas do gênero Paratrechalea. Um macho carrega a presa até encontrar uma fêmea e oferecer o presente. Encantada, ela aceita a ambos. Começa então a cópula. É ela que geralmente decide quando começar e quando terminar, quase sempre segurando o presente nupcial. Luiz Ernesto Costa-Schmidt e Aldo Mellender de Araújo, do Núcleo de Aracnologia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e James Edwin Carico, do Lynchburg College, Estados Unidos, observaram durante um total de 180 horas os encontros sexuais de machos e fêmeas de Paratrechalea azul e Paratrechalea ornata. Eles descreveram em detalhes em um estudo recém-publicado na Naturwissenschaften o que acontece pouco antes e depois do presente. Esses observadores de aranhas acreditam que esse seja o primeiro registro de presentes nupciais oferecidos por espécies neotropicais.
Quando choca, o macho da ema acaba quebrando alguns ovos. Não é desastrado: o ovo derramado atrai insetos que serão a primeira fonte de alimento dos filhotes ao saírem do ovo. Os pequenos mergulhões navegam nas costas dos pais e assim não molham sua delicada penugem. Essas e outras curiosidades recheiam o livro Aves de Goiás, de José Hidasi. O livro, editado por Horieste Gomes e publicado pelas editoras da Universidade Católica de Goiás e Kelps, traz fotografias de cerca de 500 espécies de aves, identificadas pelos nomes científico e popular (em português e inglês), por seu tamanho e acompanhadas por um mapa com a distribuição no estado. É um registro do acervo de aves empalhadas que o ornitólogo húngaro Hidasi recolheu e produziu ao longo dos mais de 50 anos radicado em Goiânia e que se torna uma referência preciosa para quem se interessa pela fauna emplumada da região.
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CIÊNCIA
Ameaça às metrópoles: cidades como São Paulo podem viver epidemia nos próximos anos
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SAÚDE PÚBLICA
Uma doença anunciada Infecção letal causada por parasita de uma só célula, a leishmaniose visceral avança sobre as cidades brasileiras Ricard o Zorzet to
EDUARDO CESAR
E
stá chegando às grandes cidades brasileiras uma doença altamente letal, que atinge cerca de 3.100 pessoas por ano no país e mata em mais de 90% dos casos se não tratada de modo adequado: a leishmaniose visceral. Causada por um parasita de uma só célula – o protozoário Leishmania chagasi, que se aloja no interior das células de defesa do organismo e danifica o baço, o fígado e a medula dos ossos –, a leishmaniose visceral foi considerada por muito tempo um problema exclusivamente silvestre ou restrito às áreas rurais do Brasil. Não é mais. Nas últimas três décadas as autoridades da saúde começaram a identificar os primeiros casos contraídos nas próprias cidades, inicialmente no Nordeste. De lá para cá, por razões ainda não bem compreendidas, a leishmaniose visceral urbanizou-se e se nacionalizou: atingiu cidades do Norte, do CentroOeste e do Sudeste. Já se espalhou por 20 dos 26 estados brasileiros – só a Região Sul parece livre do problema – e bate à porta das cidades de médio e grande porte. Pode chegar a metrópoles como Rio de Janeiro e São Paulo, que à semelhança das cidades medievais fortificadas podem não conter o avanço da leishmaniose com suas muralhas de casas e prédios. Pouco mais de sete décadas depois de ter sido descrito pelo médico Evandro Chagas em um artigo na Science como o causador de uma nova forma de leishmaniose visceral, distinta da observada na Europa e na Índia, o parasita Leishmania chagasi e o inseto que o transmite aos seres humanos no Brasil continuam a desafiar pesquisadores e autoridades públicas da saúde. Nesse período a população brasileira, que até o início do século passado era eminentemente rural, tornou-se urbana – hoje oito de cada dez brasileiros vivem na cidade – e migrou de uma região a outra atrás de trabalho. Para que as cidades surgissem foram consumidas 30% das matas do país, ambiente natural do parasita da leishmaniose, encontrado em animais como o cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e a raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), e de seu transmissor, o inseto Lutzomyia longipalpis.
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Analisando a dispersão da leishmaniose visceral, Vera Camargo constatou que a cada ano o parasita migra 30 quilômetros em direção a São Paulo, transportado por um inseto de apenas três milímetros e pernas e asas peludas: o Lutzomyia longipalpis, conhecido como mosquito-palha, birigüi, cangalha ou tatuquira. Diante desses dados, a previsão de que cedo ou tarde a doença alcance a maior metrópole da América do Sul, onde vivem 19 milhões de pessoas, não é tão absurda quanto pode parecer. Há dois anos o sistema de vigilância identificou uma criança com leishmaniose visceral na Vila Prudente, bairro da zona paulistana. Pouco divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde, o caso permanece sob investigação, pois ainda não se sabe como surgiu. Não foi o primeiro. Outros dois foram detectados 30 anos atrás por Lygia Iversson, na época pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Em 1979 Lygia identificou um portador de leishmaniose visceral em Diadema, na Grande São Paulo. Dois anos antes ela havia registrado outra infecção, dessa vez em um menino de 2 anos que jamais tinha deixado a capital. Até o momento, os três casos permanecem sem explicação, uma vez que nos 39 municípios da Região Metropolitana de São Paulo não foi encontrado o inseto transmissor, embora em 2002 tenha sido registrada a transmissão de Leishmania chagasi entre cães nos municípios de Cotia e Embu. Nesses casos foram capturadas outras espécies de insetos do gênero Lutzomyia, portadores do parasita Leishmania braziliensis, causador da forma mais comum e menos grave da doença: a leishmaniose cutânea, que deixa lesões e úlceras de aspecto desagradável na pele. “Existe a suspeita de que o inseto capturado na Grande São Paulo seja de uma espécie que só transmite a leishmaniose entre cães”, diz o epidemiologista Luiz Jacintho da Silva, superintendente da Sucen à época em SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Como resultado, a doença se espalhou e o número de casos aumentou. Em 1985 o parasitologista paraense Leônidas Deane, que integrou a comissão chefiada por Chagas, contabilizou 8.959 registros de leishmaniose visceral no Brasil desde os primeiros casos identificados por Henrique Penna em 1932. Esse quadro se agravou. O Ministério da Saúde registrou 53.480 casos de 1990 a 2007 – e 1.750 mortes. A leishmaniose visceral também está mais agressiva. Matava três de cada cem pessoas que a contraíam em 2000. Hoje morrem sete. “Nos próximos cinco anos pode haver uma epidemia na cidade de São Paulo”, alerta o médico saHora do lanche: Lutzomyia se alimenta de sangue nitarista Carlos Henrique Nery Costa, da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Em seu avanço, acompanhou o camiCosta fala com a experiência de quem estuda a transmissão da leishmaniose nho do gasoduto Brasil-Bolívia, que segue o traçado do rio Tietê rumo à visceral há quase 20 anos e investigou a fundo as causas da epidemia que marcou capital paulista, e da rodovia BR-262, a urbanização recente da doença: os mil que liga Corumbá ao Espírito Santo, casos registrados em Teresina entre 1981 constatou a equipe da epidemiologista Suely Antonialli, da Escola de Saúde e 1985 – essa epidemia foi seguida de outra quase dez anos depois, com mais Pública Jorge David Nasser, em Campo 1.200 casos. Grande, em artigo publicado em 2007 no Journal of Infection. Ao mesmo tempo que a capital piauiense tratava seus doentes e buscava De Três Lagoas, não demorou para entender as causas do problema, cidades que cruzasse o rio Paraná e se espalhasa centenas de quilômetros dali – como se pelo noroeste paulista rumo à capiSão Luís, no Maranhão, Santarém, no tal. Desde a identificação da presença Pará, Montes Claros, em Minas Gerais, do inseto em 1997, da doença em cães e Corumbá, no Mato Grosso do Sul – em 1998 e do primeiro caso humano assistiam à emergência da leishmaniose em Araçatuba em 1999, a leishmaniose visceral se estabeleceu no estado e vem visceral. “A enfermidade surgiu nesses lugares como se brotasse do chão, sem se alastrando silenciosamente, seguindo um padrão definido”, diz Costa. o trajeto da rodovia Marechal Rondon (SP-300), a principal via de conexão o Centro-Sul do país foi diferenentre o Mato Grosso do Sul e a capital te. Pouco depois de aumentarem paulista. Em quase dez anos o Centro os casos urbanos de leishmaniode Vigilância Epidemiológica (CVE) de se visceral em Corumbá, no oeste do São Paulo registrou 1.258 casos em 79 Pantanal sul-mato-grossense, fronteira municípios paulistas – e 112 mortes. com a Bolívia, a doença atravessou ra“No estado de São Paulo a doença pidamente o estado em direção a leste. vem descendo da região oeste para a No final dos anos 1990 já havia atingido leste e pode chegar à capital”, comena capital, Campo Grande, e chegado a ta a epidemiologista Vera Lucia CaTrês Lagoas, na divisa com São Paulo. margo-Neves, pesquisadora do CVE. PESQUISA FAPESP 151
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que foram detectados os primeiros casos no estado e que desde então acompanha o problema. “Não há certeza de que a leishmaniose visceral chegará à cidade de São Paulo”, diz. Ainda que não alcance a capital, a disseminação da enfermidade em cidades de médio e grande porte, como Bauru, no interior de São Paulo, e Belo Horizonte, em Minas, preocupa as autoridades da saúde. É que quanto maior o número de pessoas na região em que há o parasita e seu transmissor, maior o risco de contrair a doença. E as três principais medidas de controle adotadas há meio século – uso de inseticidas, eliminação de cães doentes ou suspeitos de estarem infectados e tratamento dos casos humanos – não têm se mostrado capazes de conter a expansão da doença. “A leishmaniose visceral mata cerca de 200 pessoas por ano, mais do que a malária e a dengue juntas, e é mais difícil controlá-la do que havíamos imaginado”, diz Costa, da UFPI.
S
uspeita-se de que as migrações internas – em especial do Nordeste para o Sudeste – tenham favorecido o espalhamento da leishmaniose visceral no país. Mas outros fatores podem ter colaborado. O parasitologista inglês Jeffrey Jon Shaw, que há 43 anos mora no Brasil e estuda o ciclo de vida dos protozoários do gênero Leishmania e de seus transmissores, acredita que o inseto transmissor da leishmaniose visceral se adaptou muito bem às cidades. “Estamos criando ambientes propícios à proliferação do vetor, como umidade e muita comida”, afirma Shaw, professor aposentado da USP e hoje pesquisador da Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia André Tosello, em Campinas. Ainda não é possível identificar um padrão de disseminação para todas as áreas do país. Não se sabe se as populações de insetos que hoje estão na periferia de muitas cidades já existiam nessas áreas ou se migraram de regiões com vegetação mais bem preservada. Shaw acredita em ambas as possibilidades. “Em Belo Horizonte é quase certo que houve uma invasão de mosquitos na periferia, mas em outros estados pode ter ocorrido a expansão de populações que viviam nas matas que margeiam os rios”, comenta o parasitologista, que investiga a dinâmica das populações de Lutzomyia em São Paulo, Mato Grosso do Sul e Pernambuco.
Lax resinannn especial utilizada en la fabricación de hilos y fibrnn de colchones Ao lado do perigo: população elevada de cães aumenta risco de transmissão
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RAFAEL TEIXEIRA NETO/CPQRR/FIOCRUZ
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Costa, da UFPI, tem um zem. Em artigo publicado palpite diferente. Para ele, a em 15 de agosto na Science, a equipe de Sacks chamou a disseminação do inseto transmissor da doença está associaestratégia de cavalo-de-tróia, da ao uso de árvores exóticas em referência à tática usada como as acácias, de folhas pelos gregos para transpor miúdas e flores amarelas, nos as muralhas de Tróia, na projetos de urbanização das guerra narrada por Homero. cidades. Há motivos para a É provável que esse mesmo suspeita. Teresina havia sido disfarce permita ao Leisharborizada com acácias na mania chagasi penetrar nos macrófagos do ser humano época da primeira epidemia, nos anos 1980. Nessa época e de outros mamíferos e outra epidemia arrasadora, gerar danos no fígado, no que deixou 100 mil mortos no baço e na medula óssea, deSudão, afetou principalmente bilitando o sistema de defesa as famílias que moravam em e provocando os sinais típibosques de acácias, possível cos da leishmaniose viscefonte de néctar para os insetos. ral – febre intermitente que Também há indícios de que o dura semanas, inchaço do néctar de certas plantas favorebaço e do fígado, perda de ça a proliferação dos parasitas apetite e fraqueza. “Em todo no intestino dos insetos. o país, os médicos têm de esAinda é preciso provar se tar atentos a esses sintomas”, de fato isso ocorre no Brasil, afirma Costa. “Se o paciente mas é certo que, com a reduapresenta febre prolongada sem razão aparente, palidez ção das áreas de vegetação natural, os insetos se adaptaram e baço aumentado, deve-se aos parques e aos quintais de pedir um exame de medula casas, comuns no interior. Dióssea para eliminar a suspeiLeishmania chagasi: forma encontrada no inseto (no alto); ferentemente do mosquito da ta de leishmaniose.” acima forma (pontos escuros) que se aloja nos macrófagos dengue (Aedes aegypti), que Do ponto de vista da saúde pública, a saída é precisa de água para se reproduzir, a fêmea do Lutzomyia longipalpis A equipe de David Sacks, dos Institutentar controlar a população do mospõe seus ovos em superfícies úmidas, tos Nacionais de Saúde dos Estados Uniquito-palha por meio da aplicação do como pedras e folhas em contato com dos, colocou fêmeas do inseto Phlebotoinseticida deltametrina nos focos de a terra. Depois que os ovos eclodem, as mus duboscqi portadoras de Leishmania leishmaniose. Mas nem sempre essa melarvas se alimentam de matéria orgânica major, capaz de infectar animais de labodida, hoje a cargo dos municípios, é efiencontrada no solo até se transformaratório, para se alimentarem na orelha de caz. Com ação de três meses, o inseticida rem em insetos adultos. Já com asas e camundongos. Com o um microscópio tem de ser aplicado parede por parede o resto do corpo formados, os adultos que permite fazer imagens dos tecidos de das casas e nem sempre os insetos morrem. Às vezes, só tombam no chão para se alimentam do néctar das plantas e animais vivos, acompanharam o commais tarde levantarem vôo novamente. pousam, sempre com as asas levantabate aos parasitas. Tão logo o sistema “Não se conhece uma forma de aplicar das, em áreas úmidas e sombreadas. Ao imunológico dos roedores identificou entardecer as fêmeas saem em busca do a invasão, células de defesa chamadas o inseticida que atinja maior número de sangue necessário para colocarem seus neutrófilos se deslocaram até a região da insetos”, conta Vera Lúcia, do CVE. A chegada do mosquito-palha às ciovos. Fazem vôos curtos, aos saltos, e picada. Em pouco mais de meia hora os dades foi acompanhada de um complipicam as partes descobertas do corpo. neutrófilos já haviam engolfado a maior Na dolorosa picada, a fêmea faz um parte dos parasitas e tentavam destruícador. Com a sombra e a terra fresca dos pequeno corte na pele e injeta saliva e los com um banho de enzimas digestivas. quintais, o inseto encontrou uma forsubstâncias que aumentam o calibre dos Como vivem por apenas umas poucas midável fonte de sangue que as pessoas vasos sangüíneos e impedem a coagulação horas, os neutrófilos são depois digerigostam de manter ao seu lado: o cão, que dos por uma segunda leva de células de do sangue. Durante a refeição, regurgita contrai a infecção facilmente e se torna tão debilitado quanto seus donos. formas do parasita que só se reproduzem defesa, os macrófagos, uma espécie de Para controlar o avanço da leishmaem seu aparelho digestivo. Uma vez no turma da limpeza. niose, o Ministério da Saúde determina sangue, o parasita se aproveita do próprio Os pesquisadores observaram que, após a morte dos neutrófilos, parasitas mecanismo de ação do sistema de defesa e a eliminação dos cães infectados. É uma vivos se aproximavam dos macrófagos, medida polêmica que, isolada, não é suse oculta antes de invadir outras células e se reproduzir, segundo descoberta recente. células nas quais se alojam e se reproduficiente. Em vários estados a população 50
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studos feitos em diferentes cidades indicam que cerca da metade dos cães identificados com leishmaniose é eliminada. Veterinários e grupos protetores dos animais criticam a estratégia porque os testes diagnósticos podem falhar em algumas situações. “O teste não permite distinguir leishmaniose visceral de cutânea ou se o cão foi vacinado contra a doença”, diz a parasitologista Célia Gontijo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Belo Horizonte. “O teste ainda pode sugerir que o animal está com leishmaniose quando, na realidade, pode ter doenças curáveis, como a babesiose.” Na tentativa de reduzir os enganos, Olindo Martins Filho e Renata Andrada, da Fiocruz mineira, desenvolveram um teste que permite diferenciar o resultado positivo provocado pela infecção do causado pela vacina, descrito em 2007 na Veterinary Imunology and Immunopathology. Atualmente eles tentam usá-lo para distinguir a forma visceral da cutânea. A própria Célia obteve resultados mais precisos que os de testes tradicionais, usando a técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR), que identifica o DNA do parasita. Outros grupos testam o uso de coleiras com deltametrina, que manteriam os insetos longe dos cães por meses. A coleira custa cerca de R$ 60 e precisa ser trocada de tempos em tempos. Em 2004, Richard Reithinger, da Fiocruz em Minas, comparou o uso da coleira com a eutanásia. Mostrou que a coleira é uma alternativa viável, se as pessoas a usarem corretamente. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a equipe de Clarisa Palatnik de Sousa desenvolveu uma vacina com base em antígenos do parasita que
vem sendo usada apenas em clínicas particulares. Em 2003 a vacina recebeu liberação do Ministério da Agricultura – o Ministério da Saúde, responsável pelo controle da leishmaniose, ainda não autorizou seu uso como medida de proteção em massa. A principal crítica à vacina era ter sido testada apenas em pequenos grupos de animais. A decisão das autoridades da saúde pode mudar agora com a publicação dos testes mais recentes na Vaccine de agosto. Clarisa acompanhou por dois anos dois grupos de cães (550 vacinados e 588 não-vacinados) em Andradina, cidade no interior de São Paulo onde a leishmaniose visceral é endêmica. A vacina protegeu os animais em 99% dos casos. Alguns especialistas vêem na vacina preventiva uma saída para proteger os cães, uma vez que o Ministério da Saúde proibiu em julho o uso de medicamentos humanos para tratar a leishmaniose canina. Há motivos para a precaução. Embora melhorem clinicamente, os cães não são curados e podem continuar a transmitir o parasita para os insetos que o picam. Também há o risco de o tratamento promover a seleção de cepas do Leishmania chagasi resistentes aos medicamentos humanos – antimonial pentavalente, anfotericina B e pentamidina. Após décadas sem novos compostos para tratar seres humanos, um estudo publicado em junho na Plos Neglected Tropical Diseases mostra um avanço importante. Na USP, os parasitolo-
gistas Silvia Uliana e Danilo Miguel comprovaram que o tamoxifeno, usado na terapia e na prevenção do câncer de mama, é eficaz no combate à infecção por Leishmania amazonensis em camundongos. Agora eles se preparam para repetir os testes contra a Leishmania chagasi em hâmsters, antes de avaliar os efeitos em um pequeno número de pacientes. A vantagem do tamoxifeno sobre drogas novas é que seu mecanismo de ação já é conhecido e sua segurança já foi demonstrada. “Ainda assim”, afirma Silvia, “são necessários três anos de estudos”. Entre os compostos em teste contra a leishmaniose, pelo menos um foi desenvolvido inteiramente no Brasil pela rede de pesquisas Farmabrasilis. É o P-MAPA, sigla de anidrido polimérico de fosfolinoleato de magnésio e amônio protéico, que em testes no Brasil e nos Estados Unidos mostrou ser eficaz contra a bactéria Listeria monocytoges, cujo mecanismo de sobrevivência no organismo é semelhante ao dos protozoários do gênero Leishmania. ■ > Artigos científicos 1. CHAGAS, E. Visceral leishmaniasis in Brazil. Science. v. 84 (2183), p. 397-398. 30 out. 1936. 2. PETERS, N.C. et al. In vivo imaging reveals an essential role for neutrophils in leishmaniasis transmited by sand flies. Science. v. 321. p. 970-974. 15 ago. 2008.
Evandro Chagas: investigação de casos em 1936, no Pará
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ACERVO DA CASA DE OSWALDO CRUZ/DEPTO. DE ARQUIVO E DOCUMENTAÇÃO/IMAGEM: IOC (P) CHAGAS, E.9.
de cães é alta – em São Paulo há um para cada quatro pessoas, enquanto a Organização Mundial da Saúde sugere que a relação ideal é de um para dez – e a taxa de infecção chega a 20% dos animais em alguns municípios. Há ainda a resistência dos donos a entregar o amigo fiel para o sacrifício. “As pessoas só dão os cães quando descobrem que alguém na vizinhança morreu com leishmaniose visceral”, conta a veterinária Maria Cecília Luvizotto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araçatuba, que identificou o primeiro cão infectado em 1998.
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Mata Atlântica: árvores absorvem pelas folhas a umidade da neblina
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BOTÂNICA
Equipes de Brasília e Campinas identificam estratégias de árvores para garantir o suprimento de água | Reinald o José Lopes
FOTOS RAFAEL SILVA OLIVEIRA/UNICAMP
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m dias de neblina intensa ou umidade do ar muito elevada, certas árvores usam um mecanismo diferente para extrair do ambiente a água de que necessitam para se manterem vivas, crescerem e se reproduzirem. Em vez de absorverem apenas pelas raízes a água disponível no solo, também retiram vapor d’água da atmosfera por meio de suas folhas. “Esse recurso pode permitir às plantas sobreviver a períodos em que a água disponível é pouca”, explica o biólogo Rafael Silva Oliveira, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Recentemente ele identificou essa capacidade de sorver água pelas folhas em árvores da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica que florescem a mais de mil metros acima do nível do mar no litoral de São Paulo. Até então desconhecido entre espécies da flora brasileira, esse fenômeno não é novo. Em 2004 o biólogo Todd Dawson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos, havia descrito essa estratégia de hidratação em uma das árvores mais altas do mundo: a sequóia (Sequoia sempervirens), que alcança até 115 metros de altura e vive mais de 2 mil anos. Embora ainda não se saiba ao certo como ocorre a absorção pelas folhas – que não são impermeáveis como se imaginava –, Dawson demonstrou que elas captam até 30% da água que as sequóias consomem ao longo do ano. Na Califórnia as florestas formadas por essas árvores possivelmente nem existiriam caso as folhas das sequóias não fossem capazes de extrair da neblina parte da água de que precisam. “Lá chove pouco, num nível parecido com o da Caatinga no Brasil”, afirma Oliveira, especialista em ecologia vegetal da Unicamp que há quase uma década trabalha em parceria com Dawson. Folhas que funcionam como esponjas não são o único recurso que permitiram às plantas se adaptarem
ao longo de milhares de anos aos diferentes ambientes do planeta. Em estudos em paralelo desenvolvidos nos últimos anos, Oliveira e o biólogo Augusto Cesar Franco, da Universidade de Brasília (UnB), identificaram em árvores do Cerrado, da Floresta Amazônica e da Mata Atlântica outras estratégias que lhes permitem lidar com a escassez ou a abundância de água. “O Cerrado, por exemplo, é um ecossistema com grande biodiversidade. Há de 60 a 70 espécies de árvore em uns poucos hectares”, diz Franco. “Cada espécie pode ter desenvolvido estratégias diferentes para captar água.” Nos ambientes com escassez de chuva durante alguns meses do ano a estratégia aparentemente mais interessante desenvolvida pelas árvores é a redistribuição hidráulica: as raízes extraem água das camadas mais úmidas do solo e a depositam nas mais secas. Descrito por Martyn Caldwell e James Richards no final dos anos 1980 em plantas de regiões desérticas, esse fenômeno foi observado recentemente por Oliveira e Franco em árvores de ecossistemas brasileiros. Na estação seca algumas espécies de árvore do Cerrado e da Floresta Amazônica sorvem água das camadas mais profundas – e também mais úmidas – do solo e a depositam perto da superfície. Além das próprias árvores que fazem esse transporte de água, outras plantas com raízes mais curtas também são beneficiadas por terem acesso à umidade que não conseguiriam alcançar. “Na estação seca, os primeiros 50 centímetros de solo se tornam quase muito secos após um mês sem chuva, enquanto as áreas mais fundas permanecem relativamente mais úmidas”, afirma Franco, cujo trabalho de campo envolve principalmente o Cerrado do Distrito Federal, em áreas como a Reserva Ecológica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Franco explica que, no Cerrado, onde são comuns solos profundos e pouco pedregosos, nos quais a planPESQUISA FAPESP 151 SETEMBRO DE 2008 ■
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Cerrado: umidade acumulada em solos profundos ajuda a sobreviver à seca
ta consegue penetrar mais facilmente, as raízes de certas árvores podem descer cerca de 10 metros em busca da água que sobrou da estação chuvosa mais recente. A essa profundidade, a diferença de umidade entre a raiz e o solo é tal que o líquido naturalmente passa para a planta como uma esponja seca mergulhada em uma bacia de água. No solo raso a situação se inverte e são as raízes que perdem água para a terra. Funcionando como uma bombad’água natural, esse mecanismo de distribuição de água depende de dois tipos de raiz, que desempenham tarefas complementares. A raiz principal – em geral mais espessa, com diâmetro semelhante ao do caule – pode crescer vários metros abaixo da terra na vertical em busca da água depositada nas camadas profundas do solo. Já as raízes superficiais se espalham como os braços de um polvo a poucos centímetros de profundidade.
ciais absorvem a água das chuvas e a transferem para a raiz principal, que a armazena vários metros abaixo da superfície. “As raízes das árvores são condutos passivos”, comenta Oliveira. “Elas exercem um controle no transporte de água e nutrientes que varia de acordo com as condições do ambiente.” É relativamente fácil determinar de onde a água da seiva da planta vem por meio da medição das proporções de duas formas do hidrogênio encontrado na água: o deutério, que apresenta no núcleo uma partícula de carga elétrica
Sol e chuva - Durante o período mais
seco a raiz principal de árvores do Cerrado e da Amazônia mergulha fundo em busca da água que sobrou da chuva mais recente e a leva até as raízes superficiais, que, por sua vez, a depositam nas camadas menos profundas do solo. Com a chegada da estação chuvosa a situação se inverte: as raízes superfi54
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Ação integrada: raiz principal coleta água e distribui para as superficiais
positiva (próton) e outra sem carga (nêutron), e o hidrogênio comum, o elemento químico mais abundante no Universo, formado por apenas um próton. Se a planta sorve preferencialmente água do solo profundo, pobre em deutério, sua seiva conterá teores mais baixos desse elemento. Também é possível determinar se o fluxo de água se dá do solo para as raízes ou das raízes para o solo usando uma técnica que mede a dispersão do calor por meio de sensores instalados nas raízes das árvores. “Chegávamos a cavar até 50 centímetros em volta das raízes laterais ou da raiz principal para instalar um aquecedor alguns milímetros abaixo da casca”, conta Oliveira. O aquecedor é colocado entre dois sensores de calor, um deles disposto um pouco acima e o outro um pouco abaixo das raízes verticais. A maneira como o pulso de calor se propaga pela raiz (aquecendo mais o sensor de cima ou o de baixo) permite estabelecer a direção predominante do fluxo de seiva. A repetição desse procedimento a cada meia hora revela um retrato da redistribuição hidráulica ao longo do ano. Embora a redistribuição hidráulica tenha sido elucidada há mais de uma década, a vantagem adaptativa que ela proporciona às plantas que têm esses dois sistemas de raízes permanece um
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tanto nebulosa. “Ainda estamos testando hipóteses”, afirma Franco, cujo trabalho mais recente sobre o tema foi publicado em janeiro deste ano na revista Tree Physiology. A principal delas é que, embora o transporte de água das regiões mais profundas para a superfície faça a planta perder alguma umidade, ele ajuda a manter vivas e funcionais as raízes que estão poucos centímetros abaixo do chão. Benefício duplo - A saúde dessas raí-
zes é importante porque são elas que fazem a maior parte do trabalho de absorção de nutrientes, em especial num solo relativamente pobre, como o do Cerrado – quando mais fundo, há menos nutrientes disponíveis. “Mesmo na seca essas raízes teriam acesso à água e à atividade de microorganismos do solo, indispensáveis para a fixação de nutrientes”, diz o pesquisador da UnB. Uma possível desvantagem é que, ao umedecer o solo superficial, as árvores também podem favorecer espécies competidoras. “Temos evidências de que algumas plantas sem o sistema duplo de raízes usam a umidade trazida para o solo superficial pela redistribuição hidráulica. Mas ainda não se pode dizer se a sobrevivência delas depende dessa água”, diz Oliveira. Estratégias mais eficientes de busca por água se justificam não apenas no Cerrado, caracterizado por uma estação seca que vai de maio a setembro na qual é comum não chover durante três meses. Também são necessárias na Amazônia. “Na Amazônia quase metade das florestas cresce sob um clima com estação seca bem definida”, afirma o biólogo da Unicamp. Cinco anos atrás Oliveira analisou na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, região que recebe 2 mil milímetros de precipitação anual (500 milímetros a mais que o Cerrado do Distrito Federal), o transporte de água em três espécies de árvore representantes da estrutura da Floresta Amazônica: a caferana (Coussarea racemosa), que cresce à sombra das árvores mais altas; o breu (Protium robustum), que chega a 20 metros de altura e integra a parte média do dossel, onde as copas das árvores se encontram; e a maçaranduba (Manilkara huberi), que alcança mais de 40 metros e pode ultrapassar o dossel. As três espécies realizavam redistribuição
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Amazônia: vapor d’água liberado pela floresta influencia o clima regional
hídrica como as árvores do Cerrado – das zonas profundas para a superfície na estação seca e da superfície para o fundo na chuvosa –, segundo estudo publicado em 2005 na Oecologia. Na Amazônia a redistribuição hídrica permite que as árvores eliminem água pelas folhas – ou transpirem, como dizem os botânicos – a uma taxa tão elevada que influencia até mesmo o clima da região. “Na estação seca, a redistribuição hídrica leva a transpiração a aumentar cerca de 30%. Isso faz com que a temperatura do ar na Amazônia seja bem mais baixa que a esperada para essa época do ano”, afirma Oliveira, que descreveu esses resultados em 2005 em um artigo dos Proceedings of the National Academy of Sciences. Franco e Oliveira também estão ajudando a desfazer o mito de que as plantas não realizam trocas de gases à noite. Eles encontraram evidências de que, na estação seca, árvores do Cerrado, da Amazônia e da Mata Atlântica mantêm parcialmente abertas durante à noite os estômatos, estruturas microscópicas das folhas responsáveis pela absorção de gás carbônico do ambiente e pela liberação de oxigênio para a atmosfera. É uma observação inesperada, uma vez que os estômatos abertos deixam escapar água e o gás carbônico absorvido só é utilizado para a fotossíntese na presença de luz. “Por estarem com os estômatos abertos, podem iniciar a fotossíntese mais rapidamente quando o dia começa”, diz Franco. Como a abertura dos estômatos controla o fluxo de água na planta, outra possível explicação é que mantê-los abertos à noite favoreça a obtenção de nutrientes em regiões onde o solo é pobre. ■ > Artigos científicos 1. OLIVEIRA, R. S. et al. Hydraulic redistribution in three Amazonian trees. Oecologia. v. 145, n. 3, p. 354-363. set 2005. 2. SCHOLS, F. G. et al. Hydraulic redistribution of soil water by neotropical savanna trees. Tree Physiology. v. 22, p. 603-612. 2002.
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ECOLOGIA
Nonono on de Nonononon
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esquisadores que estudam os recifes de corais do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, a mais antiga reserva natural dos mares brasileiros, acreditavam conhecer bem a área, até que em 2000 pescadores locais avisaram que havia recifes profundos fora dos mapas. Foram ver e encontraram novas terras submarinas: a área de recifes conhecida em Abrolhos dobrou e vem permitindo conhecer como aquele trecho do litoral se formou ao longo dos últimos milênios. “Essa descoberta casual gerou um projeto ambicioso”, conta o biólogo Rodrigo Moura, coordenador do programa Marine Management Area Science da Conservação Internacional (CI) do Brasil. Formado por cinco ilhotas de origem vulcânica a 70 quilômetros da costa no sul da Bahia, o parque abriga mais do que as baleias-jubarte, que atraem turistas entre julho e novembro. Ali estão os chapeirões, estruturas em forma de cogumelo cujos topos às vezes se unem e formam colunatas por onde circulam barracudas, garoupas, moréias e pequenos peixes coloridos. Das 16 espécies de coral de Abrolhos, metade é exclusiva do Brasil, como o coral-cérebro (Mussismilia braziliensis), principal construtor de recifes na região. O banco dos Abrolhos, maior conjunto de recifes do Atlântico Sul, é maior que os 900 quilômetros quadrados preservados. No total são 40 mil quilômetros quadrados, área semelhante à do Espírito Santo, que só agora começa a ser investigada a fundo. O grupo de Moura explorou o fundo do mar ao longo de 100 quilômetros da costa – entre a foz do rio Jequitinhonha, sul da Bahia, e a do rio Doce, norte do Espírito Santo –, em 19 linhas que partiam do litoral mar adentro, até a queda da plataforma continental, onde a profundidade aumenta subitamente. “Percorrer cada uma dessas linhas demorava dois dias”, lembra o geólogo Alex Bastos, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que participou de algumas expedições no barco equipado com um sonar que produzia imagens tridimensionais do fundo do oceano.
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submarinas
Novas terras
Área de recifes de corais em Abrolhos é duas vezes maior do que se pensava Maria Guimarães
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O geólogo da Ufes se surpreendeu por encontrar, a profundidades de até 50 metros, paleocanais formados há cerca de 15 mil anos, quando o que hoje é coberto por mar era terra. “Esses canais indicam por onde os rios passavam naquela época”, explica. Como estão preservados, sugerem que o nível do mar subiu rapidamente na região. O grupo selecionou pontos de destaque nas imagens do sonar e retornou com um robô capaz de filmar locais a que um mergulhador teria dificuldade de descer. As imagens do robô mostraram corais-negros, típicos de águas profundas, pela primeira vez registrados na região, e algas calcáreas, com um esqueleto de carbonato de cálcio que lembra seixo. Em setembro os pesquisadores pretendem usar o robô para investigar outras áreas dos recifes e mergulhar a 90 metros, a fim de verificar se há corais por ali. Paulo Sumida, oceanógrafo da Universidade de São Paulo (USP) que coordena a análise dos dados biológicos, deve instalar nos recifes câmeras que automaticamente registram uma imagem por hora, a fim de estudar a dinâmica da vida marinha ali.
Florestas submersas: recifes abrigam grande variedade de peixes, como o budião (à esquerda), hoje comercializado por pescadores
FOTOS RONALDO FRANCINI-FILHO/UEPB
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mbora o levantamento ecológico esteja no início, Rodrigo Moura e o biólogo Ronaldo Francini-Filho, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), já constataram que os recifes profundos abrigam uma biomassa de peixes com valor comercial 30 vezes maior do que os rasos. Em artigo a ser publicado na Aquatic Conservation: Marine and Freshwater Ecosystems, eles compararam a população de peixes de recifes profundos e rasos – alguns protegidos e outros com acesso livre para pescadores. Viram que áreas com restrição à pesca são mais ricas em peixes carnívoros de grande porte, como a garoupa, em geral os primeiros a desaparecer das áreas de pesca, que demoram até 40 anos para chegar à idade adulta. Com o escasseamento dos grandes carnívoros , os pescadores passam a capturar os herbívoros, como os budiões. O problema é que, sem budiões, as algas cobrem os recifes e os corais morrem. Hoje menos de 1% da área de Abrolhos está protegida. E não há planos de preservação dos recifes profundos. Segundo Francini-Filho, seria preciso preservar 20% de cada zona para manter a biodiversidade. As reservas marinhas beneficiam todos. Como os limites só valem para as pessoas, a população de peixes aumenta rapidamente e muitos migram até 1.200 metros fora das reservas, de acordo com publicado on-line na Fisheries Research. Mesmo em áreas protegidas, parte dos corais de Abrolhos se encontra ameaçada. Francini-Filho constatou que uma bactéria – provavelmente do gênero Vibrio, que chegou a Abrolhos em 2005 – está matando sobretudo o coralcérebro. Os pesquisadores estimam que, se nada for feito, em cem anos só restarão 40% dos corais dessa espécie em Abrolhos. É uma estimativa otimista. Se a temperatura da água subir 1° Celsius por causa do aquecimento global, bastarão de 50 a 70 anos para extinguir os corais de Abrolhos. Com mais calor as bactérias proliferam mais depressa e surgem outros problemas como o branqueamento, decorrente da morte de microalgas que vivem no interior dos corais. Conter o aquecimento global requer ação de todos os países, mas é possível reduzir o nível de bactérias com a coleta e o tratamento do esgoto das cidades costeiras. ■ PESQUISA FAPESP 151
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> QUÍMICA
Mais sabor no chocolate Marcos Pivet ta
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ma receita criada no interior paulista pode melhorar a qualidade final do cacau nacional destinado à fabricação de chocolate. Uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba acredita ter encontrado uma forma de reduzir um dos traços menos atraentes das sementes desse fruto plantado em solo brasileiro: sua elevada acidez. A característica indesejada deriva da fermentação incompleta das amêndoas de cacau, processo que normalmente ocorre de maneira espontânea nas próprias fazendas produtoras, desencadeado por fungos naturalmente presentes nos frutos. Para contornar esse problema, os cientistas criaram um kit de fermentação, do qual faz parte uma levedura híbrida da espécie Kluyveromyces marxianus. Dessa forma obtiveram um maior controle dessa etapa produtiva e diminuíram em cerca de 25% a acidez da massa de cacau. “O kit é simples, mas funciona bem”, diz o engenheiro agrônomo Flavio Tavares, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), especialista em genética de microorganismos e criador da nova levedura. O kit foi testado em pequena escala em duas fazendas da região de Ilhéus, no sul da Bahia, tradicional zona cacaueira, e a qualidade do chocolate obtido a partir do cacau fermentado com a cepa K. marxianus foi, segundo testes feitos pelos cientistas com 30 consumidores, superior ao do chocolate produzido com cacau fermentado de forma natural. Os resultados do trabalho estão relatados na edição de agosto da revista científica FEMS Yeast Research. Para proteger seu método de fermentação, os pesquisadores pediram uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Etapa que antecede a conhecida secagem das amêndoas de cacau, a fermentação é responsável por gerar precursores dos aromas, sabores e até da cor associados ao chocolate. Sem uma fermentação adequada, não se obtém uma boa massa de cacau, ingrediente indispensável num chocolate de nível superior. Cacau não plenamente fermentado costuma resultar em chocolates com sabor mais verde, mais ácido, pouco Cacau: apreciado pelo consumidor. A nova levedura parece sementes ser benéfica porque ataca a causa que faz as sementes fermentadas não fermentarem em sua plenitude: reduz o excesso de produzem polpa que reveste os grãos do fruto. Essa mucilagem, aroma e sabor que pode responder por cerca de 40% do peso fresco associados ao chocolate das sementes, impede a plena aeração das amêndoas
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de cacau, dificultando assim o processo de fermentação. Em tese, contornar o empecilho é fácil. Basta remover mecanicamente ou com o auxílio de agentes químicos, como certas enzimas, a quantidade extra de polpa das sementes. “O problema é que fazer isso em larga escala custa caro para os produtores de cacau”, explica Antonio Figueira, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CenaUSP), de Piracicaba, outro autor do trabalho. A saída foi procurar por uma alternativa eficiente, mas de custo reduzido. Originalmente desenvolvida na Esalq para clarear sucos e xaropes de frutose feitos de tubérculos, a variedade híbrida da levedura K. marxianus revelou-se útil no processo de fermentação das sementes de cacau devido à sua alta atividade pectinolítica. Em bom português, isso quer dizer que o fermento é capaz de degradar de forma eficaz a pectina, um polissacarídeo abundante na parede celular da polpa. A levedura transforma a pectina em açúcares menores, mais fáceis de serem fermentados. “Com a levedura, tentamos degradar rapidamente a polpa, para aerar a massa de cacau, e favorecer a fermentação”, afirma Tavares. Nos experimentos que fizeram numa fazenda de cacau na Bahia, os pesquisadores observaram uma evidência bastante palpável da ação da levedura híbrida: houve um aumento de um terço na produção do chamado mel de cacau, um líquido rico em açúcares derivado da polpa, nas fermentações induzidas pela K. marxianus quando comparadas às fermentações naturais. Outro indício foi a maior presença de amêndoas marrons no final das fermentações estimuladas pela levedura híbrida do que nas naturais. A cor mais escura é uma prova informal de que a fermentação ocorreu nas sementes. Quimicamente, os pesquisadores obtiveram outro dado que comprova os efeitos benéficos da K. marxianus: mediram a menor presença de ácidos (sobretudo o lático e o acético) nas amêndoas fermentadas. Não é qualquer levedura que atua na fermentação do cacau. É preciso ter em mãos um microorganismo capaz de se manter ativo nas condições em que se dá esse processo. Empírica e complexa, a fermentação costuma durar de cinco a sete dias, envolve várias reações químicas (algumas só ocorrem na presença de oxigênio enquanto outras dispensam sua companhia) e pode elevar a temperatura da massa de cacau a 50°C. Para complicar mais a situação, uma série de microorganismos naturalmente presentes no ambiente da fermentação – leveduras de várias espécies, outros tipos de fungos e bactérias láticas e acéticas – costuma iniciar espontaneamente o processo. Portanto, para se mostrar efetiva, uma levedura introduzida pelo homem na fermentação precisa lidar com essas variáveis e ainda manter o controle do processo. A nova cepa da K. marxianus parece dar conta dessas tarefas. “Agora queremos testá-la numa escala maior, em grandes fazendas, para ver se os resultados se mantêm”, diz Figueira. ■
EDUARDO CESAR
Nova levedura reduz a acidez do cacau fermentado e melhora a qualidade da matéria-prima nacional
> Artigo científico LEAL JR., G. A., et al. Fermentation of cacao (Theobroma cacao L.) seeds with a hybrid Kluyveromyces marxianus strain improved product quality attributes. FEMS Yeast Research. v. 8, p. 788-798. ago. 2008.
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias ■
Pneumologia
se pacientes idosos e diabéticos pelas suas características individuais, assim como adotado para crianças, talvez merecessem protocolos mais apropriados; c) questionar a reação inflamatória sistêmica causada pela exposição do sangue à superfície não endotelizada do circuito de CEC diante da importância crescente do contato do sangue com a ferida cirúrgica; d) em relação ao tratamento da síndrome vasoplégica, o azul de metileno continua sendo a melhor opção terapêutica, embora muitas vezes não seja eficiente pela existência de uma “janela terapêutica” embasada na dinâmica da ação da guanilato ciclase (saturação e síntese “de novo”); e) razão da escolha do título, ressaltando que, em seus moldes atuais, a CEC seria conseqüência do empirismo, da arte ou da ciência? Os autores acreditam que tanto o empirismo, a arte e a ciência são muito fortes em se tratando da CEC.
Tratamento da tuberculose Apesar da existência de tratamentos efetivos o percentual de cura da tuberculose no Brasil gira em torno de 72% e a taxa de mortalidade atinge 3,5 óbitos por 100 mil habitantes. Taxas elevadas de abandono do tratamento para tuberculose são um problema global. Em uma estratégia proposta para enfrentar a questão, denominada Directly Observed Treatment (DOT), um supervisor observa o paciente ingerir todas as doses das medicações, ao longo de todo o curso do tratamento. A implantação do DOT enfrenta barreiras, tais como incompatibilidades entre o horário de trabalho dos pacientes e o das unidades e agentes comunitários de saúde, número inadequado de funcionários, carência de veículos oficiais, entre outros. No estudo “Tratamento supervisionado em pacientes portadores de tuberculose utilizando supervisores domiciliares em Vitória, Brasil”, de Ethel Leonor Noia Maciel, Ana Paula Silva, Waleska Meireles, Karina Fiorotti, David Jamil Hadad, do Hospital Universitário, Cassiano Antônio de Moraes e Reynaldo Dietze, da Universidade Federal do Espírito Santo, investigaram a efetividade do emprego de um familiar como supervisor, no tratamento de 94 pacientes com tuberculose pulmonar. Essa nova estratégia cursou com percentual de cura de 99%, revelando-se altamente eficaz e de baixo custo.
Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular – v. 23 – nº 1 – São José do Rio Preto – jan./mar. 2008
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Brincadeira de aves
Cirurgia cardiovascular
Circulação extracorpórea A revisão “Circulação extracorpórea em adultos no século XXI: ciência, arte ou empirismo?”, de André Lupp Mota, Alfredo José Rodrigues e Paulo Roberto Barbosa Évora, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, tem por objetivo ressaltar alguns aspectos pouco discutidos da circulação extracorpórea (CEC), levando-se em consideração fisiologia, fisiopatologia e algumas novas tecnologias de perfusão. Assim, alguns aspectos, até certo ponto filosóficos, motivaram a elaboração desta revisão: a) preservar e atualizar os conhecimentos do cirurgião sobre a CEC, pelo simples fato de manter a sua liderança pedagógica sobre a sua equipe; b) questionar
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IVAN SAZIMA
Jornal Brasileiro de Pneumologia – v. 34 – nº 7 – São Paulo – julho 2008
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Zoologia
Brincadeira é um comportamento conhecido principalmente em mamíferos, embora aves também brinquem. Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas, registra no artigo “Aves brincalhonas: biguás e garças brincam com objetos e treinam suas habilidades” a atividade lúdica em duas espécies de aves, o biguá (Phalacrocorax brasilianus) e o socozinho (Butorides striata), no Sudeste do Brasil. Biguás jovens e adultos foram registrados manipulando gravetos, raízes, folhas e fragmentos vegetais quando em terra. Também brincavam com gravetos, folhas e fragmentos vegetais, além de peixes, quando na água. Durante o nado, as aves apanhavam e afundavam o objeto repetidamente. Quando o objeto era um peixe, também o jogavam para cima. Socozinhos jovens brincavam com pequenos pedaços de madeira, frutos e objetos flutuantes, que apanhavam e largavam na água repetidamente. Os comportamentos registrados para os biguás e os socozinhos são classificados como brincadeira com objetos, isto é, entretenimento com um objeto inani-
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Biota Neotropica – v. 8 – nº 2 – Campinas – abr./ jun. 2008
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Metodologia
Estudos qualificados A busca do conhecimento científico cada vez mais tem sido norteada por orientações metodológicas que têm por objetivo fornecer diretrizes para a execução e posterior análise dos resultados obtidos. A padronização desta metodologia está sendo cada vez mais discutida e avaliada, contribuindo para a melhora da qualidade dos estudos publicados. O artigo “A importância da qualidade dos estudos para a busca da melhor evidência”, de Fernando Baldy dos Reis, Andréa Diniz Lopes, Flávio Faloppa e Rozana Mesquita Ciconelli, da Universidade Federal de São Paulo, tem por objetivo apresentar essas diretrizes, sugeridas por grupos internacionais para autores e editores que orientam a avaliação crítica de ensaios clínicos controlados e randomizados. Revista Brasileira de Ortopedia – v. 43 – nº 6 – São Paulo – jun. 2008
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Enfermagem
Morte de jovens O trabalho “A morte de um filho jovem em circunstância violenta: compreendendo a vivência da mãe”, de Ana Carolina Jacinto Alarcão, Maria Dalva de Barros Carvalho e Sandra Marisa Pelloso, da Universidade Estadual de Maringá, teve como objetivo compreender a vivência da mãe na perda de um filho jovem em circunstâncias violentas. O procedimento metodológico foi apoiado na fenomenologia. A população de estudo foi constituída por cinco mães que perderam seus filhos jovens por homicídio. Esses homicídios aconteceram em épocas distintas, com intervalo de tempo entre 50 dias e 10 anos. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados a entrevista aberta do método fenomenológico, norteado por uma questão orientadora. A análise fenomenológica dos discursos desvelou a compreensão das significações essenciais sistematizadas nas categorias: mumificação do filho na memória; dois caminhos trilhados pela publicidade frente à morte; apego à espiritualidade para suportar a dor da morte de um filho; cumplicidade materna e impunidade dos assassinos. Os resultados deste estudo podem contribuir para a elaboração de propostas de intervenção junto às mães no sentido de ajudá-las na reorganização de suas vidas após a morte de um filho. Revista Latino-Americana de Enfermagem – v. 16 – nº 3 – Ribeirão Preto – maio/jun. 2008
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Engenharia agrícola
Sincronismo no campo Um dos problemas encontrados na colheita mecanizada da cana-de-açúcar é a falta de sincronismo entre a colhedora e o transbordo, ocasionando perdas tanto de material como de capacidade operacional. A pesquisa “Sistema de sincronismo entre a colhedora de cana-de-açúcar e o veículo de transbordo”, de Paulo S. G. Magalhães, Rodrigo F. G. Baldo e Domingos G. P. Cerri, da Universidade Estadual de Campinas, teve como objetivo desenvolver um sistema capaz de auxiliar esse sincronismo por meio de comunicação sem fio. Dois sensores de ultra-som acoplados ao elevador e um microprocessador gerenciam tais informações, gerando correta sincronia entre as máquinas. O sistema foi testado em laboratório e em campo, cumprindo corretamente a função, indicando e alertando aos operadores as suas posições relativas. O sistema desenvolvido reduziu as perdas. Engenharia Agrícola – v. 28 – nº 2 – Jaboticabal – abr./jun. 2008
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Ciências sociais
Antonio Candido O texto “A sociologia clandestina de Antonio Candido”, de Rodrigo Martins Ramassote, do Instituto do Patrimônio Histórico Nacional, procura discutir as relações entre crítica literária e ciências sociais em alguns dos principais ensaios de Antonio Candido. Por meio da análise de “Dialética da malandragem” (1970) e “De cortiço a cortiço” (1993), pretende-se identificar e demonstrar a procedência e a inspiração de certos modelos sociológicos subjacentes a esses ensaios, buscando por essa via articulá-los, respectivamente, com preocupações derivadas da produção sociológica do próprio autor e com certos núcleos temáticos desenvolvidos pela chamada Escola Paulista de Sociologia. Na parte final, o autor sugere a possibilidade de apreender parte substantiva da produção crítica de Antonio Candido a partir de um diálogo estreito e criativo com questões relacionadas com o temário do pensamento social brasileiro, remetendo a uma dupla inserção de tradições disciplinares, responsáveis pela composição de um projeto autoral cujas principais coordenadas articulam ensaísmo social e crítica literária, ciências sociais e análise estética. Tempo Social – v. 20 – nº 1 – São Paulo – 2008
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
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mado, incluindo manipulação exploratória. Este comportamento é considerado como tendo função importante no desenvolvimento motor e prática de habilidades específicas, principalmente alimentação e reprodução.
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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
A fotografia sempre persegue a perfeição do olho humano, e inovações, como o lançamento das câmaras digitais, promoveram revoluções tecnológicas recentes nesse setor. Mas um novo dispositivo criado nos Estados Unidos pode trazer novidades. Desenvolvida por um grupo de engenheiros das universidades de Illinois e de Northwestern, a tecnologia consiste em usar no lugar dos sensores ópticos planos, que têm um campo de visão estreito, um sensor digital curvo, inspirado no olho humano, que consegue capturar imagens em grandes ângulos Circuitos de silício sobre substrato flexível sem apresentar qualquer distorção. O avanço, divulgado na revista Nature (7 de agosto), só se tornou posConhecida pela sigla FSB sível em função do desenvolvimento da eletrônica flexível, um (do inglês Fruit and Shoot conjunto de técnicas que permite a construção de circuitos Borer), a praga provoca eletrônicos tradicionais, feitos de silício, sobre substratos perdas de produtividade flexíveis. Esse primeiro sensor possui apenas 256 pixels, e redução do número de mas, como sua tecnologia é baseada em materiais e processos já conhecidos, os pesquisadores acreditam que poderão frutos comercializáveis. A Mahyco espera que o construir em pouco tempo sensores mais sofisticados e com plantio transgênico reduza maior densidade de pixels.
INSTITUTO BECKMAN/UNIVERSIDADE DE ILLINOIS
COMO O OLHO HUMANO
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> Berinjela transgênica Agora é a vez da berinjela. Os indianos estão perto de produzir em grande escala esse vegetal na sua forma transgênica. No início de agosto, o governo da Índia deu aval à empresa Maharastra Hybrid Seed Company (Mahyco) para produzir experimentalmente sementes híbridas da berinjela Bt, que é resistente à lagarta da mariposa Leucinodes orbonalis.
a quantidade de pesticida usada pelos agricultores para controle da praga. A liberação, concedida pelo Comitê de Aprovação de Engenharia Genética (Geac), é o penúltimo passo para a regulamentação da comercialização de cultivos geneticamente modificados no país. As novas variedades Bt – são sete, no total – contam com
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Companhia indiana produz berinjela resistente à lagarta
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o gene cry1Ac e já foram avaliadas quanto à sua eficiência agronômica, segurança e eficácia no controle da FSB. A produção experimental será supervisionada pelo Diretório de Pesquisa em Horticultura da Universidade Estadual de Agricultura.
> Frota de carros a hidrogênio Uma das primeiras montadoras de automóveis a lançar veículos movidos a célula a combustível, a norte-americana Ford
decidiu estender seu programa por mais dois anos em razão dos bons resultados atingidos. Esse equipamento, no lugar do motor a combustão, produz eletricidade com hidrogênio no próprio veículo e não emite gases poluentes. Segundo a empresa, a frota composta por 30 unidades do modelo Focus acumulou, desde o lançamento, em 2005, mais de 1,5 milhão de quilômetros rodados sem apresentar problemas significativos de manutenção e quase nenhuma perda em termos de desempenho. O programa da Ford inclui, ainda, 20 ônibus com
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> Robô usa
UNIVERSIDADE DE WASHINGTON
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o cérebro
motores de combustão interna a hidrogênio, além de outros veículos, como um modelo Fusion e um Explorer. Graças ao sucesso da experiência, o Departamento de Energia dos Estados Unidos, que financia parte do programa, concordou em continuar com o apoio até que a próxima geração de veículos da Ford movidos a célula a combustível seja lançada, o que deve ocorrer em 2010. O programa também conta com apoio de agências governamentais de países como Canadá, Alemanha e Islândia.
> Energia solar do asfalto Depois de apresentadas, algumas idéias até parecem óbvias, como o uso do asfalto das estradas e estacionamentos para gerar eletricidade e aquecer água com a luz solar. A tecnologia que torna essa idéia possível foi apresentada em agosto no Simpósio Anual da Sociedade Internacional para Pavimentos Asfálticos, realizado na Suíça, por pesquisadores do Instituto Politécnico Worcester, dos Estados Unidos,
coordenados pelo professor Rajib Mallick. Por meio de condutores termoelétricos misturados ao asfalto, o calor é captado e conduzido até tubulações de cobre com água para uso em edifícios, residências e também em usinas termoelétricas. Entre as vantagens estão o fato de o asfalto continuar quente após o pôr-do-sol, o que não acontece com os atuais sistemas de energia solar, e a retirada do calor esfriar o ambiente das áreas urbanas. O projeto é uma parceria com a empresa norte-americana Novotech, que já requisitou a patente.
Um pequeno robô poderá ajudar, no futuro, os cientistas a entender melhor como nosso cérebro funciona. A particularidade do artefato, criado por pesquisadores da Universidade de Reading, na Inglaterra, é que ele possui um cérebro biológico artificial. No lugar do tradicional “cérebro eletrônico”, formado por um programa rodado em um microprocessador, a engenhoca possui um conjunto de neurônios de rato cultivados em laboratório e colocados sobre uma rede de eletrodos. No formato de um disco, o robô tem 60 eletrodos que coletam os sinais gerados pelos neurônios. Toda vez que o robô se aproxima de um objeto, sensores enviam sinais por meio dos eletrodos aos neurônios. Em resposta, cérebro artificial comanda as rodas da máquina, fazendo-as girar para esquerda ou direita para evitar a colisão.
Para conhecer os efeitos do aquecimento global sobre a vida marinha, entender em que medida tensões no solo oceânico provocam terremotos e tsunamis e saber qual a capacidade dos oceanos de absorver os gases do efeito estufa, oceanógrafos norte-americanos planejam construir uma rede de laboratórios submarinos na costa dos estados de Washington e Oregon, na costa do Pacífico. A fim de encontrar os melhores lugares para as instalações, eles contam agora com a ajuda do robô Sentry (sentinela, em inglês), o mais novo integrante de um grupo de elite de submersíveis não-tripulados desenvolvido pelo Woods Hole, um centro de pesquisas oceanográficas dos Estados Unidos. Capaz de desviar de obstáculos de forma autônoma, mergulhar automaticamente, sem estar ligado a cabos, em depressões de até 5 mil metros de profundidade e fazer levantamentos cartográficos com precisão de um metro, ele já mapeou 53 quilômetros quadrados do solo oceânico. Projetados para coleta de dados que hoje são apenas inferidos estatisticamente, os laboratórios submarinos serão conectados a estações terrestres por meio de cabos.
DETALHES DO FUNDO DO MAR
Sentry: autônomo até 5 mil metros de profundidade
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PADRÃO EM BIOCOMBUSTÍVEIS
Estabelecer padrões internacionais de garantia de qualidade para o etanol da canade-açúcar (etanol anidro e hidratado) e o biodiesel produzido a partir de óleo de soja e de sebo bovino é o objetivo do acordo de cooperação firmado em 2005 entre o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos Estados Unidos (Nist, da sigla em inglês). Para isso, os dois parceiros estão elaborando materiais de referência com parâmetros físico-químicos, que serão distribuídos Etanol brasileiro terá garantia de qualidade para laboratórios do setor industrial. “Os laboratórios vão calibrar os equipamentos com base nesses materiais de referência”, explica Romeu Daroda, que, desde 1995, o MIT coordenador do projeto Biocombustíveis do Inmetro. Além do promove três prêmios Brasil e dos Estados Unidos, a Comunidade Européia também anuais: um de US$ 500 mil, vai ter acesso a esses padrões de qualidade. Um outro acordo para qualquer inventor dos firmado entre as três partes prevê a distribuição desse mateEstados Unidos, e outros rial para 35 laboratórios, para que seja testada a capacidade dois, de US$ 100 mil de analisar biocombustíveis. A estimativa é que os padrões e US$ 30 mil, para de referência do etanol estejam prontos em dezembro deste pesquisadores e estudantes ano e os de biodiesel até o final de janeiro de 2009. da universidade. Existe
inventores Incentivar alunos, desde o ensino médio, a tomar conhecimento do que é uma patente e como solicitá-la foi um dos temas do diretor executivo do Programa Lemelson do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Joshua Schuler, em visita ao Brasil no mês de agosto. Ele veio a convite da Embraer para conhecer o colégio Engenheiro Juarez 66
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Wanderley, de São José dos Campos, no interior paulista, que ensina gratuitamente alunos vindos da escola pública. Na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) ele falou da generalizada pouca valorização dos inventores em todo o mundo. Fundamental para ele é dar maior visibilidade para esses inventores. Uma das formas é por meio de premiações. Schuler contou
vantajosa As vantagens do resveratrol, uma substância encontrada no vinho tinto e no suco de uva e apontada em estudos científicos como auxiliar na prevenção de doenças cardiovasculares, neurológicas e endócrinas, poderão ser encontradas em medicamentos se for concluída com sucesso uma parceria entre a Eurofarma, indústria farmacêutica brasileira, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). A equipe liderada pelo professor André Souto, da Faculdade de Química, licenciou, por meio do Escritório de Transferência de Tecnologia da universidade, duas patentes para a empresa. Uma trata da descoberta do resveratrol
também um prêmio de US$ 10 mil para estudantes do ensino médio. O resultado desses programas é o mesmo dos novos negócios financiados por empresas de capital de risco: de cada dez projetos premiados, três fracassam, três geram um pouco de dinheiro, três um pouco mais e só um se torna um estouro comercial.
Raiz de planta tem mais resveratrol que o vinho
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> Premiação para
> Parceria
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> Biodiesel de
Imagens que mostram a beleza existente nas formas e composições de materiais nanométricos, captadas com equipamentos especiais no Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC), podem ser vistas pela internet no endereço eletrônico www.cmdmc. com.br/nanoarte e em DVD. Alumina porosa, óxido de ferro, Composto de óxido de estanho em detalhes nanométricos de estanho e de zinco são algumas das substâncias presentes nas imagens, coloridas com recursos computacionais > Investimento para ressaltar detalhes e diferenciar as estruturas, permide peso tindo uma melhor visualização do conjunto. Antes da versão digital, as imagens foram ampliadas em papel fotográfico A empresa brasileira Spring para compor a mostra Nanoarte: uma viagem pelo mundo da Wireless, eleita a melhor tecnologia, apresentada em vários eventos. O DVD, chamado empresa de software do Nanoarte – Da colméia às flores, faz parte de uma série sobre Brasil em 2007 pela nanotecnologia produzida pelo Centro Multidisciplinar, ligado revista Exame, recebeu à Universidade Estadual Paulista (Unesp) e à Universidade um aporte no valor de Federal de São Carlos (UFSCar). US$ 56 milhões da empresa
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óleo de algas As algas, que compreendem mais de 100 mil espécies conhecidas, são o novo foco de interesse do governo para obtenção de biocombustível. Em agosto, os ministérios da Ciência e Tecnologia e da Pesca e Aqüicultura lançaram o primeiro edital para seleção de projetos de pesquisa que contemplem a aqüicultura
e o uso de microalgas para a produção de biodiesel. As propostas, que receberão R$ 4,5 milhões no total, devem ser encaminhadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela internet até 25 de setembro. Vários grupos na Europa e nos Estados Unidos pesquisam a viabilidade
de uso de espécies de algas para produção de biodiesel. Na Argentina, na região da Patagônia, a empresa Oil Fox fez um acordo com o governo local para cultivar algas marinhas em grandes piscinas. A matéria-prima é promissora: algumas espécies identificadas têm teor de óleo superior a 50%.
brasileira Ideiasnet, do Banco Goldman Sachs e da empresa norte-americana de capital de risco New Enterprises Associates. A Spring Wireless foi criada em 2001 no Núcleo de Manufatura Avançada (Numa) da Universidade de São Paulo, de São Carlos, que deu origem ao Instituto Fábrica do Milênio (ver matéria na edição 133 da revista Pesquisa FAPESP).
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RORIVALDO CAMARGO E RICARDO TRANQUILIN/UFSCAR
NANOARTE DIGITAL
na raiz de uma planta chamada de azeda, que possui maior quantidade da substância que o vinho e cujo nome científico os pesquisadores preferem não revelar. A outra trata da tecnologia de retenção do resveratrol no organismo porque ele é facilmente eliminado. “O resveratrol atua no sistema das sirtuínas, enzimas que promovem o equilíbrio do sistema celular, e ele só atua quando a célula está com problemas”, diz Souto. Isso poderá reverter problemas de envelhecimento e diabetes, inicialmente. Com o medicamento, previsto para 2013, ficará mais fácil absorver essa substância porque são necessárias várias taças de vinho ou de suco para se obter uma boa quantidade de resveratrol.
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TECNOLOGIA ENGENHARIA BIOMÉDICA
{ } Proteção em tempo real
Ramificações da árvore bronquial, que leva o ar da traquéia aos alvéolos pulmonares
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Equipamento avalia continuamente como reagem os pulmões submetidos à ventilação artificial nas UTIs | Dinorah Ereno
REPRODUÇÃO DO CATÁLOGO DA EXPOSIÇÃO BODIES - THE EXHIBITION
U
m tomógrafo inovador, que monitora em tempo real a condição dos pulmões, já está sendo usado por pacientes das unidades de terapia intensiva (UTIs) do Hospital das Clínicas e do Instituto do Coração (InCor) de São Paulo submetidos à respiração artificial. O equipamento ajuda o médico a calibrar e controlar as três variáveis básicas utilizadas quando se injeta ar dentro do pulmão com o ventilador mecânico: volume, pressão e fluxo. Esse controle ajuda a reduzir o número de mortes nas UTIs, porque permite visualizar a reação do órgão enquanto ele recebe o ar. “O pulmão tem vários lobos e, em alguns casos, um está doente e o outro saudável. Isso faz com que, sem esse acompanhamento, haja uma distribuição desigual do ar dentro do órgão, extremamente prejudicial”, explica o professor Marcelo Amato, responsável pelo Laboratório de Pneumologia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenador da pesquisa. “Além de um desperdício da ventilação artificial, essa má distribuição do ar causa uma lesão extra, que começa literalmente a rasgar o pulmão.” Como a criação de equipamentos e dispositivos na área de bioengenharia aplicada à medicina exige, além do conhecimento da mecânica dos materiais utilizados, um entendimento profundo do complexo sistema biológico que rege o corpo humano, foram necessários dez anos de pesquisas para chegar ao tomógrafo de impedância elétrica, uma cinta com 32 eletrodos que, colocada no tórax do paciente e ligada a um monitor,
indica continuamente as reações do órgão por meio de imagens captadas pela emissão de pulsos elétricos de alta freqüência e baixa intensidade. Atualmente não existe nenhum tomógrafo comercial para monitoramento de pulmão em tempo real. “Existe um outro protótipo usando os mesmos princípios, desenvolvido por pesquisadores de uma universidade alemã, só que eles ainda estão usando 16 eletrodos em vez de 32”, diz Amato. O número de eletrodos faz a diferença na nitidez e na visualização das imagens. “Isso significa que eles estão cerca de três a cinco anos atrasados em relação ao nosso equipamento”, compara. Entre os planos dos pesquisadores brasileiros consta a ampliação dos 32 eletrodos para 64 ou 128, mas apenas futuramente, porque essa modificação vai encarecer bastante o custo. O pesquisador estima que ainda faltam pelo menos dois anos para os ajustes finais, necessários para deixar o equipamento pronto para ser usado por qualquer médico intensivista, sem grandes instruções prévias. Desde 2006, dois tomógrafos estão sendo usados em pacientes no Hospital
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Implicações futuras - Foi durante
uma visita ao laboratório do professor Bruchard Lachmann na Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, em 1997, que Amato começou a planejar a construção de um tomógrafo desse tipo. Um estudante apareceu no laboratório com um protótipo da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, que utilizava o mesmo princípio de injetar correntes elétricas e medir as voltagens. “Era um protótipo bem primitivo, que nunca tinha sido usado em doentes ou experimentos de ventilação artificial”, relembra Amato. “Mas quando eu vi os resultados dos experimentos em porquinhos percebi que era justamente aquilo que eu estava procurando. Um monitor que conseguisse enxergar dentro do pulmão, capaz de observar fenômenos distintos e simultâneos acontecendo em diferentes regiões pulmonares, durante a ventilação artificial.” As imagens não eram nítidas e nem dava para vê-las em tempo real, mas já era um começo bem animador para o pesquisador, que no início da década de 1990, ao tratar na UTI pacientes de leptospirose com hemorragia nos pulmões, percebeu que dava para estancar a hemorragia com alguns ajustes na pressão e no volume de ar do res70
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OS PROJETOS 1. Novas estratégias em ventilação artificial: diagnóstico e prevenção do barotrauma/ biotrauma através da tomografia de impedância elétrica (TIE) 2. Inteligência clínica para tomografia por impedância elétrica
MODALIDADES
1. Projeto Temático 2. Cooperação ICTS Empresas COORDENADOR
MARCELO BRITTO PASSOS AMATO – USP INVESTIMENTO
1. R$ 4.947.662,98 (FAPESP) 2. R$ 898.600,00 (Finep)
pirador artificial. “Percebemos que a mortalidade dos pacientes submetidos à ventilação artificial poderia cair pela metade se conseguíssemos diminuir os problemas de heterogeneidades e estresses excessivos dentro do pulmão, com manobras especiais e um tratamento ventilatório mais gentil”, explica Amato, que na época era médico assistente na Pneumologia e trabalhava na UTI respiratória do Hospital das Clínicas. A técnica, sobre estratégias protetoras pulmonares, foi tema de um artigo publicado na revista The New England Journal of Medicine em 1998. “O artigo está com mais de mil citações e tornou-
se referência na área”, diz o pesquisador. A partir dos dados desse trabalho, que foram confirmados por um estudo feito em 2000 por um grupo de pesquisadores da rede ARDSnet (Acute Respiratory Distress Syndrome Network) patrocinados pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, não se usam mais os mesmos volumes utilizados até então. “Era comum colocar 1 litro de ar dentro do pulmão a cada respirada do paciente, hoje em dia isso é impensável”, diz o pesquisador. De volta ao Brasil após a visita à Holanda, Amato entrou em contato com a Universidade de Sheffield e conseguiu comprar o último protótipo disponível, que chegou aqui praticamente quebrado. Foi quando decidiu começar a desenvolver um equipamento que pudesse monitorar o paciente na beira do leito. O primeiro desafio era conseguir produzir uma imagem a partir de correntes elétricas passando pelo tórax. Enquanto no tomógrafo de raios X o detector capta emissões lineares de raios X, medidas seqüencialmente após mudanças no ângulo de emissão menores que um grau, no tomógrafo de impedância a corrente elétrica chega ao detector de forma difusa, com mudanças no ângulo de emissão a intervalos maiores. “Um problema difícil, mas não impossível de resolver”, diz Amato. Na Escola Politécnica da USP, Amato encontrou no professor Raul Gonzalez Lima um dos parceiros para a empreitada, que começava com a resolução de um problema
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das Clínicas e um no InCor. Em um dos estudos realizados, o aparelho possibilitou a detecção de problemas que acontecem durante o transplante pulmonar. “Em casos de transplante unilateral de pulmão, vimos que o pulmão remanescente apresenta um comportamento paradoxal que atrapalha o processo de ventilação alveolar, diminuindo a eficiência ventilatória e de trocas gasosas”, relata Amato. A descoberta pode ter implicações nos procedimentos cirúrgicos a serem adotados no futuro. É possível que um transplante unilateral de pulmão seja mais bem-sucedido quando acompanhado de uma remoção total dos pulmões doentes, em vez de deixar um dos pulmões dentro do tórax. “Da mesma forma que a ressonância magnética funcional possibilitou entender como o cérebro processa informações, a tomografia de impedância elétrica está permitindo observar a ventilação e perfusão pulmonar em tempo real, revelando fenômenos até então desconhecidos”, compara.
Distribuição do ar nos pulmões submetidos a ventilação mecânica
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matemático. Algum tempo depois, juntou-se ao grupo a professora Joyce Bevilaqua, do Instituto de Matemática e Estatística, também da USP. O tomógrafo ganhou impulso com a aprovação do projeto temático da FAPESP em 2002. Aí teve início o desenvolvimento da parte eletrônica com o apoio do pesquisador Harki Tanaka, que estava terminando a graduação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, mais de duas décadas depois de se formar como engenheiro de eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica. “Fazíamos reuniões duas a quatro vezes por semana com vários engenheiros, até conseguirmos montar um protótipo”, conta Amato. Bem diferente do tomógrafo atual, esse primeiro protótipo era meio desajeitado, mas funcionou muito bem em um porquinho. Como ainda faltavam várias etapas para aprimorar o equipamento, e uma delas dizia respeito à área médica, Amato apresentou em 2004 o projeto à empresa brasileira Dixtal Biomédica, que se tornou inicialmente uma parceira sem vínculo oficial. Em 2007, quase na etapa final do temático, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) aprovou um projeto na mesma linha de pesquisa, uma parceria entre a universidade, representada pela Fundação Faculdade de Medicina, e a Dixtal, recentemente incorporada pela Philips. ruídos e interferências eletromagnéticas de outros equipamentos da UTI não comprometessem a precisão da medida de voltagem de cada eletrodo, os pesquisadores desenvolveram uma cinta de eletrodos em que os cabos são completamente blindados. “Cada cabo tem um circuito eletrônico interno para anular o ruído eletromagnético individual”, diz Amato. O custo atual dos componentes utilizados no tomógrafo é de cerca de R$ 10 a R$ 15 mil. “A principal vantagem do equipamento é que ele não necessita de nenhum componente de hardware caro.” Duas patentes foram depositadas para o equipamento. Uma delas, em nome do médico e engenheiro Tanaka, sobre configurações eletrônicas. A outra, em nome da Dixtal, sobre configurações da cinta de eletrodos. “Existe um acordo de repasse de royalties firmado entre
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Blindagem individual - Para que os
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a empresa e a Fundação Faculdade de Medicina”, ressalta Amato. “Ou seja, se a indústria vender o tomógrafo, teremos mais verbas para pesquisa.” Antes do tomógrafo, Amato esteve à frente de outras pesquisas na área de ventilação artificial. Uma das tecnologias desenvolvidas por ele e adotadas na prática médica é a ventilação com suporte pressórico e volume assegurado (VAPSV), incorporada aos ventiladores artificiais da Intermed, empresa paulista fabricante de produtos de ventilação mecânica para UTI e anestesia, e a três ventiladores de empresas internacionais. A técnica consiste em otimizar a oferta de fluxo ao pulmão do paciente quando ele acorda da anestesia e começa a respirar. “Com essa tecnologia, o ventilador percebe o ritmo de respiração do paciente e faz uma calibragem para trabalhar em sincronia, ajustando a oferta à demanda de fluxo, ao mesmo tempo que assegura a manutenção de um volume mínimo de ventilação.” ■ > Artigos científicos
Desenvolvimento de circuito integrado teve participação de quatro universidades
N
a área de bioengenharia com foco na cardiologia, o projeto de desenvolvimento de um marca-passo com tecnologia nacional reuniu o Genius Instituto de Tecnologia e o Instituto do Coração (InCor) de São Paulo, com apoio da empresa Dixtal. O equipamento é indicado para pessoas com problemas de arritmia cardíaca, alteração na freqüência dos batimentos do coração que pode causar desde malestar até parada cardíaca. Na primeira etapa do projeto, iniciado em 2005, os pesquisadores desenvolveram o circuito integrado do equipamento, o primeiro chip comercial brasileiro para marcapassos cardíacos. Pesquisadores de várias universidades participaram do desenvolvimento do chip. A Universidade Federal de Santa Catarina ficou responsável pelos circuitos de baixo consumo, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul pelo circuito de alta-tensão – até 7 volts, mas uma tensão considerada alta para o universo da microeletrônica –, a Universidade Federal da Paraíba por parte da integração do chip e a Universidade Católica do Uru-
GENIUS INSTITUTO DE TECNOLOGIA
1. AMATO, M. B. P. et al. Effect of a protective-ventilation strategy on mortality in the acute respiratory distress syndrome. The New England Journal of Medicine. v. 338, n. 6, p. 347-354. 5 fev. 1998. 2. COSTA, E. L. V. et al. Real-time detection of pneumothorax using electrical impedance tomography. Critical Care Medicine. v. 36, n. 4, p. 1230-1238. abr. 2008.
{
Marca-passo nacional
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guai pela consultoria em marca-passo. O Genius coordenou o desenvolvimento do software, da parte eletrônica e dos circuitos integrados, enquanto o InCor ficou responsável pela validação funcional do dispositivo. “Fizemos testes em suínos como, por exemplo, o bloqueio atrioventricular, distúrbio da condução do estímulo elétrico no coração”, diz Idagene Cestari, diretora de pesquisa e desenvolvimento da Divisão de Bioengenharia do InCor. Essa etapa foi concluída com sucesso. “A tecnologia do marca-passo é antiga, mas atualmente é dominada por poucas empresas”, diz Mario Ferreira Filho, gerente executivo de pesquisa e desenvolvimento do Genius. Atualmente apenas cinco empresas, uma delas no Uruguai, atendem a toda a demanda mundial do produto. Em 2006, somente com importação de marcapassos o Brasil gastou US$ 134 milhões. Na década de 1970, o InCor desenvolveu os primeiros marca-passos brasileiros, encapsulados em epóxi. Uma empresa foi criada para fabricá-los e 700 deles foram implantados em pacientes. A produção parou porque a empresa não conseguiu apoio financeiro para dar continuidade ao desenvolvimento tecnológico. Desde então a tecnologia evoluiu com a microeletrônica, que consegue integrar várias outras funções em uma peça de tamanho reduzido. Na primeira fase, o projeto recebeu R$ 800 mil da Dixtal e R$ 1,6 milhão da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “Na próxima etapa, que está sendo negociada, iremos trabalhar na miniaturização do atual protótipo até chegar a um protótipo pré-industrial e começar os testes clínicos para confirmação de sua eficácia”, explica Ferreira Filho. A estimativa é que serão necessários mais dois anos e meio para os primeiros marca-passos ficarem prontos, período necessário inclusive para registro do produto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). ■
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Óleo
mais limpo Criado processo que usa radiação ultravioleta para desinfetar fluidos da indústria
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O PROJETO Utilização da radiação ultravioleta no controle da contaminação microbiana dos fluidos de corte
MODALIDADE
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADOR
EDUARDO CARLOS BIANCHI – Unesp INVESTIMENTO
R$ 46.188,10 (FAPESP)
P
rodutos indispensáveis em processos de usinagem e retificação de peças em indústrias de manufatura, os óleos lubrificantes de corte também representam um risco para a saúde humana e o ambiente. Os fluidos, responsáveis por lubrificar e reduzir o desgaste das ferramentas de corte, como tornos, fresadoras e furadeiras, implementam um melhor acabamento superficial na peça e, se não descartados adequadamente, se tornam poluidores. Eles possuem em sua composição um material orgânico, chamado emulgador, que os deixa suscetíveis ao ataque de fungos e bactérias. Esses microorganismos são fonte de contaminação para os operadores das fábricas e, ao mesmo tempo, reduzem a vida útil dos fluidos, acelerando seu descarte. Um problema que pode ser resolvido com um sistema de desinfecção dos fluidos com radiação ultravioleta (UV) elaborado por pesquisadores do Laboratório de Usinagem por Abrasão da Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Bauru, no interior paulista. “Os raios UV penetram na parede celular dos microorganismos presentes no fluido, atingindo o núcleo onde estão as informações genéticas. Essa absorção provoca um rearranjo na cadeia de DNA, interferindo na capacidade de reprodução desses seres. Assim, os microorganismos atingidos pela radiação tornam-se inativos”, explica o engenheiro Eduardo Carlos Bianchi, líder da pesquisa, que contou com a parceria do Laboratório de Imunopatologia Experimental da Faculdade de Ciências da Unesp em Bauru e do Instituto Fábrica do Milênio (IFM), além dos pesquisadores Olavo de Arruda, Paulo de Aguiar e Francine Piubeli. Para combater esse problema as indústrias têm adicionado biocidas aos fluidos, substâncias que exterminam ou inibem o crescimento de microorganismos. Segundo Bianchi, uma vantagem da desinfecção por UV é a sua atuação sobre bactérias e fungos, enquanto os biocidas atingem apenas as bactérias. A tecnologia criada na Unesp possui um reservatório de fluido com um
Torno em ação: fluido lubrifica e evita o desgaste das peças
tampo onde são acopladas lâmpadas ultravioleta de 20 watts cada uma. Durante o processo de usinagem, esse óleo é impulsionado por uma bomba até o local de corte, onde é lançado de encontro à peça e à ferramenta. Em seguida, o lubrificante volta ao reservatório por um sistema coletor. A contaminação do produto ocorre de diferentes formas, sendo que a fonte primária pode ser o próprio operador de máquina por contato físico ou via gotículas de saliva ou suor. Além disso, fungos e bactérias atingem o lubrificante no momento em que é lançado contra a peça, no reservatório e no trajeto percorrido sobre a superfície da máquina ou na tubulação de volta ao reservatório. “Quando é feita a substituição do fluido contaminado por um novo este rapidamente se contamina com restos do anterior”, alerta Bianchi. “Embora grandes indústrias tenham tecnologias de tratamento prévio e façam o descarte correto, sabe-se que pequenas empresas seguem o caminho mais simples, jogando o fluido na rede de esgotos.” Segundo Bianchi, a tecnologia está pronta para ser repassada à indústria, faltando alguns detalhes que podem ser solucionados com a parceria entre a universidade e o setor produtivo. ■
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ENGENHARIA MECÂNICA
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uitas das usinas de açúcar e álcool produzem como subproduto energia elétrica em caldeiras e geradores a partir da queima do bagaço de cana. Elas se tornam auto-suficientes e ainda conseguem vender parte da eletricidade produzida no campo para companhias distribuidoras de energia. Dentro em breve elas poderão não apenas fornecer luz, mas água também, conforme prevêem dois novos projetos de usinas concebidos pela empresa Dedini, tradicional fabricante de equipamentos e instaladora de unidades sucroalcooleiras e de outros setores fabris. As usinas que adotarem tais projetos não precisarão mais captar água dos mananciais ou de poços para o processo produtivo. A água que elas vão utilizar, segundo José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia e desenvolvimento da empresa, está contida na própria cana. Em 1 tonelada (t) de cana é possível obter 700 litros de líquido. São dois projetos, um de uma usina auto-suficiente em água e outro em que a unidade industrial, além de ter a mesma característica da anterior, vai disponibilizar água extra para a própria usina, como na irrigação, ou para outras empresas, e assim se tornar uma exportadora. Na média do consumo do estado de São Paulo, as usinas consomem 1.830 quilos (kg) – equivalente a 1.830 litros (L) de água – por tonelada de cana, de acordo com dados de 2005 do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação mantida por usineiros e associações de produtores. “Além desse volume entram na produção mais os 700 L de cada tonelada de cana que totalizam 2.530 L de água. Com a mudança de processos ao longo do sistema produtivo do álcool ou do açúcar nós conseguimos não só evitar o uso de água pura como também recuperar grande parte do líquido usado no processo. No caso da usina exportadora, aproveitamos apenas 400 L de água da cana, disponibilizando 300 L como excedente”, diz Olivério. Para eliminar a captação de água por parte das usinas, um produto cada vez mais escasso e valorizado em todo o mundo, o grupo de pesquisa e desenvolvimento da empresa fez uma revisão nos projetos atuais em setores onde existe a integração com a água para
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Mais que sustentável
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AGROINDÚSTRIA
Novos projetos de usinas de açúcar e álcool eliminam o gasto de água na produção e geram até excedente
Marcos de Oliveira
tornar esses ambientes mais perto de uma total sustentabilidade. “Adotamos outros tipos de tecnologia como a troca da tradicional lavagem da cana com água por um sistema a seco com tecnologia já disponível”, diz Olivério. Para cada t de cana, gasta-se em média 694 L. A estratégia se estende para recuperar o vapor d’ água de vários equipamentos como os cozedores da cana. “O novo sistema recupera e condensa a água da evaporação. O trabalho de condensação é eficiente nesse caso porque estamos trabalhando com conceitos mais avançados na fermentação que resultam em um mosto, o caldo de cana fermentado, em que é adicionada a levedura para produção de álcool, mais concentrado, com menos água e mais sacarose”, explica o vice-presidente da empresa. Somente na evaporação as usinas tradicionais perdem, em média, 1.052 L de água. “Não é possível recuperar tudo isso, sempre há perdas.” Mesmo assim, segundo cálculos da empresa, as perdas com evaporação diminuem drasticamente para 136 L no novo sistema. Olivério acredita que o sistema auto-suficiente, que levou dois anos de estudos na empresa, é inédito no mundo, pelo menos em relação à cana-deaçúcar. “É difícil dizer o mesmo para outros ramos industriais.” O novo sistema de usinas apresentado pela Dedini possui duas opções, uma para instalação de usinas auto-suficientes em água e outra para aquelas que também possam produzir esse líquido, chamadas de exportadoras. A diferença das duas está no aproveitamento da vinhaça, um resíduo da destilação do álcool na forma de um líquido malcheiroso e poluente, principalmente se lançado em rios e lagos, mas que é aproveitado pelas usinas para produção de fertilizantes, muitas vezes, para uso próprio, porque é rica em sais minerais, como o potássio. No sistema auto-suficiente o processo de evaporação consegue um teor de sólido da vinhaça de 8% a 9%, enquanto normalmente este índice chega a 3% ou 4% no sistema tradicional. No processo exportador a vinhaça chega ao teor de sólido de 65% por evaporação e gera mais água doce. Segundo Olivério, numa usina capaz de processar 12 mil toneladas de cana por dia é possível produzir um excedente de 3,6 milhões
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de litros por dia de água não-potável, embora sistemas de purificação também possam ser acoplados à usina. Com a vinhaça concentrada a 65% é possível produzir também um biofertilizante organomineral que a empresa deu o nome comercial de Biofom. Na preparação do fertilizante entram a vinhaça concentrada e mais outros resíduos da usina, como as cinzas das caldeiras onde é queimado o bagaço da cana, e ainda a torta dos filtros, que são os resíduos do tratamento do caldo. Para cada tonelada de cana é possível obter 4,66 kg de Biofom. A principal vantagem desse produto anunciada pela empresa está no aumento da produtividade agrícola, porque ele tem 90% de conteúdo fertilizante, enquanto a vinhaça líquida in natura ou mesmo concentrada possui apenas 10%. Outros benefícios do Biofom são a possibilidade de usá-lo em outros tipos de cultura, a capacidade de perder menos
nutrientes pela chuva, penetrar no solo e atingir o lençol freático e substituir em parte o uso de fertilizantes minerais tradicionais, além de não possuir o odor desagradável da vinhaça. Uma análise agrícola do Biofom em relação ao aumento de produtividade da cana está sendo realizada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq USP) e deverá ser finalizado até o início do próximo mês de outubro. Uma macromáquina - Os novos pro-
jetos de usina que a Dedini apresentou poderão viabilizar mais rapidamente a instalação dessas unidades industriais no estado de São Paulo. “Para instalar e construir uma fábrica sucroalcooleira é preciso demonstrar a disponibilidade e como vai ser a captação de água na região”, diz Olivério. As usinas já existentes podem se transformar, mas o processo é mais difícil porque as instalações e os
equipamentos são mais antigos. Uma usina nova, totalmente instalada, varia de R$ 300 milhões a R$ 360 milhões com os processos tradicionais, uma variação de preço que depende de ela produzir apenas etanol ou açúcar também. Segundo Olivério, no sistema auto-suficiente os investimentos custarão 10% a mais e, no tipo exportadora de água, entre 15% e 20%. Lançados em julho deste ano no Simpósio e Mostra de Tecnologia da Agroindústria Sucroalcooleira (Simtec 2008), os novos projetos não tiveram uma planta piloto instalada porque, segundo Olivério, para concebê-los, foram usados conhecimentos de engenharia já comprovados e em uso. Até agosto nenhuma nova usina foi instalada ou foram firmados contratos de construção. Mas apenas a possibilidade de elas existirem já fortalece a idéia de que a usina sucroalcooleira é uma macromáquina capaz de transformar a cana-de-açúcar, cada vez mais, em outros produtos. ■
Para ser auto-suficientes em água, as usinas devem recuperar o vapor e lavar a cana a seco
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ANÁLISES CLÍNICAS
Resposta rápida Aparelho portátil mede hemoglobina e permite diagnóstico da anemia em tempo real
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m método simples e prático para avaliação de anemia, composto de um aparelho portátil que mede a concentração de hemoglobina no sangue e instantaneamente dá o resultado, está em fase final de validação. A hemoglobina, proteína existente nas hemácias e no plasma, responsável pelo transporte de oxigênio, é o principal parâmetro utilizado para indicação da falta de ferro no organismo, chamada de anemia ferropriva. O aparelho foi desenvolvido para atender aos programas de saúde pública, mas também poderá ser usado em clínicas. Uma picada no dedo é suficiente para retirar o sangue com uma pipeta, que em seguida é transferido para uma ampola com reagente. Depois de o conteúdo líquido estar homogêneo, a ampola é encaixada em um espaço apropriado no equipamento. A leitura é feita por um fotômetro, composto por um diodo emissor de luz, ou LED (da sigla em inglês light emitting diode), na cor verde – comprimento de onda que a molécula de hemoglobina absorve – e de um detector de luz do outro lado. “O feixe de luz mede a fração de energia luminosa absorvida pela amostra”, explica Paulo Alberto Paes Gomes, físico de formação e coordenador do projeto apoiado pela FAPESP por meio do Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe). Pela quantidade de luz que é absorvida é possível dosar a quantidade de hemoglobina na amostra. Basta apertar um botão que o resultado aparece em um
mostrador. A leitura dos padrões de hemoglobina, que correspondem a valores normais ou baixos, é feita por um chip previamente programado. “A estimativa é que cerca de 17% das crianças brasileiras de 4 a 6 anos tenham anemia ferropriva, o que configura um grave problema de saúde pública, porque é a idade em que o sistema nervoso está se desenvolvendo e, com isso, o aprendizado fica prejudicado”, diz o professor Jair Ribeiro Chagas, do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que participa da pesquisa. Um equipamento sueco portátil é atualmente a principal referência para medição de hemoglobina. Só que, em vez da ampola, uma pequena lâmina transporta a gota de sangue para dentro do aparelho que faz a leitura. O novo método de leitura e medição da proteína possibilitou um pedido de patente, depositado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio da FAPESP. O preço do aparelho e o custo dos exames são citados pelos pesquisadores como pontos a favor do aparelho nacional. “O equipamento importado custa cerca de R$ 4 mil, enquanto o que desenvolvemos deverá ficar no máximo em R$ 2 mil, com impostos inclusos”, diz Chagas. “O exame com a ampola e o reagente fica em cerca de R$ 1,50, mesmo em pequena escala, enquanto outros métodos custam entre R$ 5,00 e R$ 7,00”, ressalta Gomes. A primeira idéia dos pesquisadores era trabalhar no desenvolvimento de
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Avaliação tecnológica - A idéia inicial
foi ampliada para medição de outros parâmetros, como hemoglobina, sódio, potássio, glicose e colesterol, todos em um único equipamento. No final de 2006, durante o desenvolvimento do projeto, surgiu uma chamada de propostas para incorporação de novas tecnologias ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma parceria entre o Ministério da Saúde, a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e a FAPESP. Como as pesquisas estavam adiantadas e um primeiro protótipo para medição de hemoglobina já estava pronto, os pesquisadores apresentaram o equipamento para Mário Maia Bracco, médico responsável pelo Centro Assistencial Cruz de Malta, organização não-governamental que atua na região do Jabaquara, zona Sul de São Paulo, para que avaliasse a tecnologia empregada e a possibilidade de aplicação no SUS. A Cruz de Malta, conveniada com a Unifesp nas áreas de enfermagem, oftalmologia e pediatria, conta com um ambulatório clínico que
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um equipamento para medir a enzima conversora de angiotensina, uma proteína importante no tratamento da hipertensão. “Queríamos um equipamento que facilitasse a medida dessa enzima no laboratório”, conta Chagas, que trabalha com enzimas proteolíticas. Nessa mesma época, em 2004, o pesquisador exercia o cargo de pró-reitor de pesquisa e graduação da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), após se licenciar na Unifesp. Foi na universidade que conheceu Gomes, que, após cursar física e concluir o doutorado em engenharia biomédica na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), formou um grupo de pesquisa em engenharia biomédica na área de eletrofisiologia do coração com apoio do Programa Jovens Pesquisadores da FAPESP. Quando efetivamente decidiram dar início ao desenvolvimento, Gomes, que já estava afastado da universidade, ficou responsável pelo projeto na empresa Sépia, abrigada na Intec, incubadora de base tecnológica de Mogi. O terceiro sócio na empresa, Maurício Marques de Oliveira, formado em veterinária pela Universidade de São Paulo e com mestrado em engenharia biomédica pela UMC, juntou-se ao grupo no início de 2006.
Medidor portátil de hemoglobina
atende mães e crianças do bairro. O projeto foi aprovado pela FAPESP e pelo comitê de ética da universidade. “Na validação foram avaliadas mais de cem crianças entre 4 e 6 anos, com o nosso aparelho, o importado, comprado para a avaliação, e o equipamento normal de laboratório que eles já usavam no ambulatório”, relata Chagas. Participaram dessa etapa agentes do Programa de Saúde da Família da Unifesp. Além do
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OS PROJETOS 1. Fluorímetro simplificado para medição da atividade da enzima conversora de angiotensina (ECA) em fluidos biológicos 2. Solicitação de auxílio para registro de patente para o hemoglobinômetro portátil HB-010 e método associado 3. Avaliação da tecnologia empregada no hemoglobinômetro HB-010 e possibilidade de aplicação pelo Sistema Único de Saúde convênio FAPESP-CNPq-SUS
MODALIDADES
1. Programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa (Pipe) 2. Programa de Apoio à Propriedade Industrial 3. Programa Pesquisa para o SUS Políticas Públicas COORDENADORES
1 e 2. PAULO PAES GOMES - Sépia 3. MÁRIO BRACCO - Cruz de Malta INVESTIMENTOS
1. R$ 326.778,35 (FAPESP) 2. R$ R$ 6.000,00 (FAPESP) 3. R$ 178.185,00 (FAPESP)
exame de sangue, foram feitas medidas de peso e altura das crianças. “Elas apresentaram uma prevalência muito alta de anemia, entre 20% e 21%”, ressalta. Após a comprovação de que o equipamento efetivamente funcionava, foi feito um acordo com a prefeitura de Ilhabela, no litoral norte paulista, para avaliação de crianças também em idade pré-escolar. Nessa etapa foram avaliadas 670 crianças. “Dessas, 18% apresentaram anemia”, relata Chagas. Todas as famílias de crianças que apresentaram anemia receberam uma carta com recomendações alimentares e após 45 e 90 dias foram feitos novos exames para avaliação do nível de hemoglobina no sangue. Encerrada essa etapa, os pesquisadores propuseram ampliar o estudo para outras localidades, como Santa Luzia do Itanhi, cidade no litoral de Sergipe, foz do rio Amazonas e para outras periferias de São Paulo. “Nosso objetivo era avaliar a utilização do equipamento em cenários e condições ambientais e sociais diversos”, diz Oliveira. Em julho deste ano uma equipe composta pela médica pediatra Juliana Teixeira e por pesquisadores do grupo passou dez dias no município sergipano, avaliando todas as crianças em idade pré-escolar. “Foram 230 exames, com diagnóstico de anemia em 22% das crianças”, relata Gomes. Na segunda semana de agosto Bracco visitou de barco comunidades ribeirinhas na foz do rio Amazonas, no Amapá, para testar a eficácia do equipamento. Nesse caso foram avaliadas 370 pessoas, entre adultos e crianças, amostragem que apresentou mais de 40% de incidência de anemia. Pelos resultados apresentados, o equipamento respondeu bem a todas as demandas em diferentes ambientes. “Embora seja um efeito colateral do projeto principal, este aparelho é muito interessante do ponto de vista da saúde pública”, diz Chagas. Quanto ao equipamento multifunção para medir potássio, sódio e outros parâmetros, está pronto um primeiro protótipo, mas ainda falta a validação, que engloba dez diferentes exames. ■
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MICROELETRÔNICA
PADRÃO INTERNACIONAL Projeto de circuitos integrados de alta complexidade é executado por um grupo de pesquisadores de três universidades
m grupo de pesquisa formado por quatro professores e 23 alunos de graduação e mestrado de três universidades nacionais fez o projeto e montou com sucesso três circuitos integrados de alta complexidade que já são amplamente difundidos no mundo da eletrônica como peças-chave na composição de vários sistemas utilizados na área de multimídia e TV digital. Os chips são um processador 8051, um decodificador MP3 e um decodificador MPEG4. A eleboração de todos seguiu padrões internacionais de qualidade. Embora essas tecnologias não sejam novidade – a Intel, por exemplo, fabrica desde o início dos anos 1980 o processador 8051 –, o trabalho se reveste de importância porque contribui para a formação de recursos humanos que possam integrar futuras empresas de fabricação de chips no Brasil. Até o momento, apenas a norte-americana Freescale, com sede em Jaguariúna, interior paulista, desenvolve projetos de circuitos integrados com complexidade semelhante no país. Um circuito integrado é tanto mais complexo quanto maior é o número de transistores que possui – quanto maior esse número, mais complexo ele é. O processador 8051, por exemplo, tem 187 mil transistores, enquanto o decodificador MP3 tem 308 mil transistores e o MPEG4, 430 mil transistores. “Conseguimos desenvolver esses circuitos numa parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Cam-
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UFPE
pina Grande (UFCG) e o Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)”, conta a engenheira Edna Barros, coordenadora do curso de engenharia da computação do Centro de Informática da UFPE. Uma inovação importante do trabalho dos pesquisadores é a implementação dos circuitos em módulos que permitem a incorporação a sistemas maiores, inclusive aqueles que possam ser integrados em um único chip. Como eles usaram técnicas modernas de projeto, os módulos podem ser integrados em um único chip. “Isso abre uma grande perspectiva para agregar valor aos módulos e viabilizar sua utilização no desenvolvimento de produtos eletrônicos mais eficientes, de menor custo e com maior qualidade”, diz a pesquisadora da universidade pernambucana. Os circuitos projetados são usados hoje em vários equipamentos de eletrônica de consumo e na área de automação industrial em todo o mundo. O decodificador MP3 está presente em aparelhos celulares e na maioria dos tocadores de música com o formato de arquivo em MP3, enquanto o decodificador MPEG4 é largamente usado em máquinas fotográficas, câmeras de vídeo e telefones celulares. Uma versão ampliada desse circuito faz parte de todo sintonizador de TV digital fabricado no Brasil. O processador 8051, por sua vez, é um dos mais usados por empresas que fabricam máquinas e equipamentos voltados para automação industrial. Os circuitos do grupo funcionaram na primeira vez em que foram testados. “A qualidade do projeto e também o nível da metodologia utilizada ficaram assim demonstrados. A obtenção da taxa de 100% de situações em que os circuitos funcionaram bem na primeira vez é fundamental na área de microeletrônica, porque o custo de um erro é muito alto, tanto
Layout do MP3, à esquerda, um circuito com o MPEG4, ao lado, e o 8051, abaixo
financeiramente como de credibilidade e tempo”, conta Edna Barros. O desenvolvimento dos três chips faz parte do projeto Brazil-IP, financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e administrado pelo Centro de Informática da UFPE. O Brazil-IP foi iniciado em 2003 por Edna e mais os professores Guido Araújo (Unicamp) e Elmar Melcher (UFCG). A finalidade do programa, do qual participam 16 universidades, é, além de formar recursos humanos para projetar circuitos integrados, criar uma base para a área de design de módulos que possam atuar em outros chips e obtenham propriedade intelectual. As instituições participantes do Brazil-IP, atualmente orçado em R$ 3 milhões, recebem equipamentos, licenças de software e bolsas para alunos de graduação e pós-graduação. Os recursos também são empregados no treinamento de professores e alunos e em viagens de intercâmbio. Licença universitária - O principal
foco do projeto encabeçado pela UFPE, Unicamp e UFCG são os alunos de graduação dos cursos de engenharia eletrônica, engenharia da computação e ciência da computação. Embora tenham sido projetados no Brasil, eles foram fabricados na Áustria, porque nem as instituições de pesquisa envolvidas nem as empresas instaladas no país
contam com a estrutura necessária para produção desses chips. Segundo Edna Barros, essa situação está com seus dias contados porque, provavelmente a partir de 2010, o país deverá, enfim, ter infra-estrutura para produção de uma classe de circuitos integrados no Centro de Excelência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), localizado em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (ver Pesquisa FAPESP nº 137), e que, no final de julho, foi transformado em Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec S/A), uma empresa pública vinculada ao MCT. “A fase de projeto, no entanto, é a principal atividade de desenvolvimento do chip. Em média, 60% de seu preço corresponde ao valor do projeto”, diz Edna, que também é a coordenadora do BrazilIP. Ela explica, ainda, que os circuitos desenvolvidos foram projetados usando licenças universitárias. Por isso só podem ser usados para uso acadêmico em instituições brasileiras. Planejado inicialmente para ter quatro anos de duração, o projeto começou em 2003 e os chips foram enviados para fabricação em maio de 2006. Nos dois anos seguintes, os professores e alunos envolvidos na pesquisa fizeram a implantação dos circuitos como chips. “Nosso próximo desafio é repassar essa metodologia de projeto para outras instituições de ensino”, conta Edna Barros. “Temos um déficit enorme de profissionais na área e a experiência tem revelado que quanto mais cedo o aluno tiver contato com o setor de microeletrônica, mais facilmente ele terá interesse em atuar nessa área e será um profissional mais capacitado.” ■ PESQUISA FAPESP 151
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HUMANIDADES
EDUCAÇÃO
A elite do saber Estudo analisa perfil intelectual da classe dirigente brasileira Carlos Haag | ilustrações Hélio de Almeida
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ste é o século da elite do saber, e não apenas da elite do berço e sobrenome”, disse, recentemente, o presidente Lula, anunciando planos futuros para a educação. A frase é de uma correção impecável, mas não anuncia nenhuma novidade, pois há várias décadas o Estado brasileiro vem se esforçando para que o novo século ganhe esse status. “As análises de nosso trabalho revelam que o campo do poder no Brasil se diversificou com os investimentos intelectuais, os quais ganharam uma autonomia em relação aos recursos econômicos, sociais e políticos das famílias de origem dos estudantes. Há tempos o Estado cria oportunidades para que os universitários de origem mais modesta possam ascender ao mundo internacional do saber e ganhar instrumentos que permitam a eles rivalizar com as elites tradicionais”, afirma a historiadora Letícia Bicalho Canêdo, professora da Faculdade de Educação da Unicamp e diretora do Focus (Grupo de Estudos sobre Instituição Escolar e Organizações Familiares), onde coordena o projeto temático Circulação internacional e formação dos quadros dirigentes brasileiros, com apoio da FAPESP. O projeto pretende conhecer quem são os formadores de políticas públicas e como são alocados
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os recursos sociais e institucionais que capacitaram esses indivíduos a participar das práticas de negociação do mundo globalizado. “Sabemos que a maioria dos altos postos políticos de hoje são ocupados por pessoas que estudaram no exterior e em universidades de ponta. Basta lembrar nomes como Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Marta Suplicy, para citar alguns, e verificar que boa parte da nossa elite dirigente passou por uma especialização internacional.” A pesquisadora explica que o estudo pretende se juntar àqueles que desejam compreender o sentido do “projeto universalista”, ou “globalização”, em particular no estabelecimento de princípios de ação e modos de governo “universalistas”. “Queremos investigar os ‘tradutores desse universo’, os indivíduos e redes que operam para a concretização desse projeto universalizante nos organismos intergovernamentais, associações internacionais, ONGs, universidades e sociedades profissionais.” Assim, ao circular internacionalmente e trazer visões e princípios para o seu país de origem, esses quadros difundem esses valores universais e os adaptam aos sistemas locais. “A idéia é analisar tanto a elite que ascende pela ‘grande porta’ de um título internacional, e com isso reivindica para si cargos de autoridade, como todos que, com um diploma local, estariam sendo colocados, por essa razão, em carreiras de segunda classe”, analisa. A partir desse viés, será possível, acredita a pesquisadora, entender a participação das elites na construção e modernização do Estado brasileiro a partir de suas experiências individuais. “Estamos falando de uma competição baseada não em países, mas em pessoas de carne e osso. Isso é fundamental quando se vive um momento de globalização que visa estabelecer modos de governo com pretensões planetárias, um dispositivo hegemônico que vai ser o centro da reprodução das elites nacionais dos países periféricos.” Ou seja, será possível saber como títulos universitários, conhecimentos técnicos, contatos, recursos, prestígio e
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legitimidade adquirida no exterior para construir carreiras no país de origem reforçam, no campo nacional, a posição dominante dos que podem valorizar o seu pertencimento às redes internacionais do establishment (entenda-se: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional etc.). Missão - Mas, a se acreditar na sabe-
doria popular do “é de pequenino que se torce o pepino”, o início desse macroprocesso global se dá no mundo “micro” das escolas e das famílias. “A escola é investida de uma dupla missão: gerar a força de trabalho demandada pelo espaço de produção econômica e também os agentes socialmente inseridos, ou seja, inseridos numa cultura demandada pelos grupos familiares”, explica Ana Maria Fonseca de Almeida, pesquisadora do projeto. Dessa maneira, a escola tem um papel não apenas técnico, mas simbólico, pois será nesse ambiente que os jovens formam um círculo de amizades que será uma rede de apoio, bem como aprendem saberes outros que os escolares, ligados ao social: como gerenciar um grupo e liderá-lo. “Nossa preocupação não é ter a educação das elites como modelo, mas saber como ela é usada para manter as posições de poder na sociedade e estudá-la para observar as desigualdades sociais. Afinal, cada país ‘inventa’ a sua tradição de educação”, observa. Daí, por exemplo, lembra a pesquisadora, a nova visão da competência em língua portuguesa, hoje menos ligada à gramática e mais à capacidade do aluno de interpretar o mundo. O que não impede, é claro, o interesse sempre renovado no inglês, idioma fundamental na circulação internacional. Mas qual é a novidade? As elites nacionais sempre deram valor ao aprendizado de línguas e às estadias no exterior para criação de uma educação cosmopolita. “A partir dos anos 1950, mais intensamente nos anos 1980, se desenvolveu uma política voluntarista de apoio aos intercâmbios com a concessão de bolsas por agências de financiamento à pesquisa, que alterou de forma radical o recrutamento social dos efetivos que partem para o exterior. Viagens internacionais de estudo, hoje, não são apanágios apenas de elites familiares endinheiradas”, analisa Letícia. 82
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O Estado vai-se impondo como garantia do desenvolvimento científico, visto como fundamental para a busca da autonomia nacional
A educação cada vez mais foi se consolidando em “questão de Estado”. “A qualificação de professores e pesquisadores num país como o Brasil, de formação colonial peculiar que não estimulou a formação autóctone de intelectuais, não pôde ser realizada plenamente com os meios internos”, observa Carlos Roberto Jamil Cury, também do Focus. “Portanto, a tradição de formação de elites intelectuais fora do país não é tão recente assim. O que vem sendo feito nos últimos 35 anos é, de certo modo, a ampliação consciente e programada de uma tradição antiga por meio da qual o poder público sempre buscou a qualificação de professores e pesquisadores no exterior.” Esse processo se consolida a partir de 1946, quando a Constituição estadual paulista torna gratuito todo o ensino público, inclusive o superior. “Assim, a partir dos anos 1950, verificou-se uma expansão das instituições e, acima de tudo, um papel mais forte do Estado na sua manutenção. É o período da federalização das escolas superiores e sua aglutinação em universidades.” É a quebra do poder familiar, cujos filhos, agora, são levados à escola para receber uma educação dada por especialistas certificados pelo Estado. Dois movimentos externos se juntariam a esse impulso interno. O primeiro é o surgimento da teoria do capital humano, de 1960, que sugere que investimentos na educação geram benefícios para indivíduos e sociedades, o que transforma o ensino em fator de desenvolvimento econômico, o que eleva o interesse do saber pelo Estado, que, por essa razão, passa cada vez mais a colocar economistas como os novos gestores da educação. O outro, mais prosaico, foi a Guerra Fria, que, nota Letícia, “reforçou a concorrência entre as nações pelo monopólio dos avanços científicos, o que hierarquizou os países que possuíam menos ou mais
inserções em cada domínio do saber na cena internacional”. O poder político nacional e internacional não era mais completo se não fosse fundamentado num sistema de produção e transmissão de conhecimentos científicos e tecnológicos. “No Brasil, a criação, em 1951, das primeiras agências nacionais de apoio à pesquisa, o CNPq e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), permite aos brasileiros participar do curso científico induzido e acelerado pela Guerra Fria.” No caso do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) , nota Letícia, sua criação ligou-se diretamente ao uso da energia nuclear, o que explica por que seus primeiros dirigentes foram escolhidos dentre as Forças Armadas. Já a Capes deveu-se à iniciativa do educador Anísio Teixeira, pessoalmente um adepto das viagens de saber internacionais, que pretendeu com isso diminuir o atraso do sistema educativo nacional ante as grandes potências científicas por meio da cooperação internacional. Na prática escolar, nota a pesquisadora, isso significou uma ruptura com o sistema brasileiro de formação tradicional, calcado em escolas católicas, para assumir, a partir de então, um caráter associado aos paradigmas externos. “Além disso, a criação das instituições aumentou a possibilidade da formação no exterior, inaugurando uma política pública de atribuição de bolsas determinada a dotar o Brasil de recursos humanos de alto nível”, observa a pesquisadora. O Estado coloca sob sua responsabilidade a formação da nova elite científica, não mais apenas restrita a elites familiares. “Isso também se consolida com a criação, em 1962, da FAPESP, um organismo estadual a se juntar aos esforços dos dois outros, federais, visando a possibilitar uma experiência direta dos pesquisadores com as práticas culturais e científi-
cas de vanguarda internacional.” Ao mesmo tempo, incentivou-se, nos anos 1950 e 1960, com a implantação de mestrados e doutorados, a criação de um corpo permanente de cientistas no país. “Os inícios da pós-graduação associavam o Estado, o progresso da ciência e a busca de referências internacionais de conhecimento. O Estado vai-se impondo como garantia do desenvolvimento científico, visto como fundamental para a busca da autonomia nacional”, nota Cury. Autônomo - Esse movimento se man-
tém, ou mesmo cresce, até durante períodos de exceção, como a ditadura militar, afinal o “Brasil potência” deveria ser visto como tal por brasileiros e estrangeiros. A teoria do capital humano foi levada ao pé da letra. “A modernização conservadora pretendida exigia urgência por determinadas áreas que só poderiam se consolidar com doutores formados no exterior. A pós-gradução assume uma posição estratégica no âmbito educacional e também nos termos do modelo de desenvolvimento do país”, nota Cury. “Nessa ação deliberada do Estado, o envio de professores para o exterior constitui um patamar básico para a disseminação endógena de programas de mestrado e doutorado no país e para sua consolidação qualificada. Assim, o papel da pós-gradução no exterior ganhou um papel importante: a de ser um momento formativo, a fim de possibilitar o desenvolvimento autônomo da pós no país.” Hoje, continua o pesquisador, passada a necessidade do impulso inicial, há um recuo das agências em financiar doutorados plenos no exterior, com preferência por pós-doutorados e por “bolsas-sanduíches”, mais curtas e, em geral, menos dispendiosas. Ampliou-se igualmente o espectro de auxílios. “Como as agências progressivamente incorporaram todas as PESQUISA FAPESP 151
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Seleção dos candidatos a sair do país passa para a comunidade científica, diminuindo o clientelismo
disciplinas científicas e culturais aos seus programas, para além das chamadas ciências ‘duras’ ou exatas, a intervenção delas abriu a oportunidade de carreiras de substituição para novas gerações de pesquisadores, dentre os quais boa parte deles não tem um capital social equivalente àquele das elites tradicionais”, completa Letícia. Logo, a seleção dos candidatos a sair do país passa a ficar sob o controle da comunidade científica, diminuindo o clientelismo político, fato de importância decisiva na mudança da composição social dos universitários em circulação internacional e no desenvolvimento científico e político do Brasil. “Foi graças a essa política que o Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantaneamente uma tecnologia relativamente nova, ao menos para o país, a saber, aquela do seqüenciamento genético”, elogiou André Goffeau, pesquisador do Instituto Curie e diretor do projeto de seqüenciamento do genoma da levedura. “O Estado brasileiro, por meio desses mecanismos, vem sustentando, desde 1970, a reconversão das elites dirigentes”, afirma Letícia. Que não se restringem apenas ao espaço acadêmico, mas saem dele para levar suas idéias à sociedade. “Basta ver como essa nova reserva de professores universitários vai contribuir, a partir do mesmo período, para o reforço de uma elite política interessada na construção de um novo espaço de poder. A intenção deles é determinar como deve ser a sociedade brasileira e, para tanto, escolheram representantes ativos em diferentes setores sociais aptos a fornecer um projeto de sociedade”, analisa Ana Paula Hey, outra das pesquisadoras do temático. Segundo ela, o grupo se concentrou, inicialmente, em torno da USP e, dentro da universidade, do Nupes (Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior), que, em comum, têm o fato de serem altamente qualificados e terem passado 84
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à ação no espaço político, beneficiandose das diversas formas de capital adquirido, reconvertido em benefício da produção e da concretização de suas idéias no mundo social. “É importante lembrar também o grupo do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), de onde saíram políticos de primeiro nível, como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Paulo Renato Souza, Luis Carlos Bresser Pereira, entre outros, ligados ao PSDB.” Intelectual - Esse grupo, em especial,
vai participar, a partir dos anos 1980, período de abertura política, ativamente da vida política, seja abertamente, seja como ideólogos de uma nova visão da sociedade. “O Cebrap tinha uma visão diversa da carreira acadêmica, considerada como um ‘modo de vida’, em oposição ao intelectual que não sabia negociar suas opiniões e suas propostas”, nota Ana Paula. O ideal desse conjunto de intelectuais era elaborar um projeto de sociedade e seguir pela via eleitoral, tendo sempre em vista a divisão da política em um “baixo clero”, desqualificado, e o “alto clero”, composto por intelectuais e universitários que concebem o saber como um estilo de viver, dispondo de todos os meios necessários para a elaboração e consecução de um projeto social de mundo. “A idéia reforçava a produção de uma ideologia fundamentada sobre uma concepção da ciência, vista como a única habilitada a falar do mundo social, já que produzida pelo único grupo legitimado.” Segundo a pesquisadora, tratava-se de colocar em prática algumas estraté-
gias. “Na medida em que muitos pesquisadores são convidados para postos do governo federal, uma estratégia eficaz consiste em introduzir uma concepção do sistema de ensino superior como se ele fosse expressão do universo acadêmico; em outras palavras, tratava-se de traduzir esse programa efetivamente político como expressão da vontade acadêmica”, afirma Ana Paula. “O programa acadêmico de ensino superior foi elaborado, assim, no espaço político. A regra era pertencer a uma elite que se diferencia pela posse de um capital cultural específico. Esse capital se constitui também em capital social, instituído ao longo de uma trajetória de formação acadêmica e profissional, a qual se reúne à circulação internacional.” Para a autora, o que se verifica é a construção de um novo espaço de poder, onde os experts pertencem a um mercado internacional, impondo orientações políticas sobre o plano local, trabalhando ao lado de técnicos saídos do universo acadêmico e científico nacional. “O reconhecimento acadêmico tem um papel central nessa luta, já que ele confere uma legitimidade às ações políticas práticas.” Assim, o capital cosmopolita das elites engajadas na luta pela construção de um espaço internacional de conhecimento de Estado propiciaria que elas se afirmassem num papel-chave para a definição de modelos institucionais nacionais. “Investir no espaço internacional para reforçar suas posições no campo de poder nacional e, simultaneamente, fazer valer sua notoriedade nacional para se fazer entender na cena internacional. Isso porque as estratégias cosmopolitas nesses fenômenos têm se apresentado como servindo ao interesse nacional, enquanto, inversamente, as estratégias nacionais se reivindicam de valores universais. Afinal, são as idéias que esses ex-bolsistas trouxeram de suas viagens que nos permitem apreender um novo posicionamento do Brasil no cenário mundial”, nota Letícia. ■
Viagens que nos permitem apreender um novo posicionamento do Brasil no cenário mundial
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REPRODUÇÕES DO LIVRO CEM ANOS DA IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL ATRAVÉS DE FOTOGRAFIAS
Plantação de chá em Registro: japoneses trouxeram sementes do Ceilão
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HISTÓRIA
A terra da ciência
nascente
A contribuição nipônica para a pesquisa brasileira
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m antigo ditado japonês ensina: “Ouça uma palavra, entenda dez”. Não sem razão, a palavra que designa “ciência”, kagaku, é a união de dois ideogramas que significam “estudo, aprendizado” e “categoria, distinção”. Se, por décadas após a sua chegada ao Brasil, em 1908, eles se mantiveram “presos” à terra e à agricultura, no momento em que os nikkei (descendentes nascidos fora do Japão) descobriram que sua passagem tropical não era temporária, mas efetiva, muitos dentre eles deixaram o campo e foram para as cidades. “Os agricultores abandonaram as lavouras para que seus filhos estudassem, vendo nisso seu caminho para continuar o processo de ascensão social. Na cidade acentuou-se a valorização da escolaridade, único canal de ascensão aberto aos japoneses”, escreveu Ruth Cardoso em seu doutorado Estrutura familiar e mobilidade social: estudos dos japoneses no estado de São Paulo. A ciência e o saber passaram a significar, num país que demorou a aceitá-los, uma forma de distinção. “As famílias nikkeis valorizam mais a formação escolar do que a aquisição de bens materiais de ostentação econômica e social. A educação é um valor perseguido por várias famílias de nikkeis, desde a era Meiji, quando o Japão já tinha resolvido o problema do analfabetismo antes da Europa e dos Estados Unidos”, explicou no livro O nikkei no Brasil o sociólogo Sedi Hirano. “Apesar disso, as pessoas diziam, em tom de piada: ‘Você já matou um japonês para poder entrar na medicina ou na engenharia da USP?’ É
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um sintoma claro de discriminação.” Que a notável sabedoria oriental soube desprezar. “Pela própria característica dos imigrantes nipônicos (68% no caso do Kasato-Maru), atividades culturais da chamada colônia japonesa iniciaram-se cedo e as investigações científicas não fugiram à regra. Muita gente duvida, porém, quando se afirma que os japoneses imigrados ocuparam-se das ciências exatas e naturais já na década de 30 do século passado, antes mesmo do surgimento da USP, como, por exemplo, o Instituto Kurihara de Ciência Natural Brasileira, fundado em 1931, auto-intitulado o ‘menor observatório astronômico do mundo’”, observa Ana Maria Kazue Miyadahira, professora titular da Escola de Enfermagem da USP e coordenadora do projeto Encontros e memórias: a inserção nikkei na USP e na sociedade brasileira, a ser publicado em livro. No início, o intercâmbio científico entre os dois países era, naturalmente, pequeno. “Sendo um país primário-exportador, de parca industrialização, praticava-se pouca ciência no Brasil e o Japão, por sua vez, não era ainda uma potência na área científica, já que seu desenvolvimento fora apressado e calcado na importação de know-how”, explica o historiador Shozo Motoyama, da USP. Pesquisadores brasileiros preferiam manter contatos com a comunidade científica européia, em particular a francesa. Para complicar, nas décadas de 1920 e 1930 recrudesceram as campanhas antinipônicas no Brasil, cuja comunidade científica, em boa parte, estava envolvida no ideal da eugenia. Daí o fenômeno notável do Instituto
Educadores japoneses em 1940 (esquerda); médicos pesquisam mosquito da malária (centro); hospital japonês, de 1939 (direita)
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GILBERTO PAULO ARRUDA/FT
taketani Físicos brasileiros recebem colegas nikkeis (Taketani ao centro, de capa)
Kurihara, criado em Mirandópolis pelo lavrador Shihishi Kamiya e um grupo de amadores, que desenvolveu estudos não desprezíveis na área de astronomia, meteorologia, zoologia, botânica, arqueologia, antropologia e história. Kamyia e seus amigos transformaram um velho galinheiro em observatório astronômico enviando dados para o Observatório de Kwazan, no Japão, e para o Observatório Nacional, no Brasil.
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fim do conflito permitiu a retomada das atividades científicas entre japoneses e brasileiros, em especial no campo da física, área que teve um progresso notável graças ao investimento militarista do império nipônico, tendo como figuras centrais Hideki Yukawa e Sin-Itiro Tomonaga, grupo interessado na física quântica, então vista com pouco interesse no Japão. “Em 1934, contrariando essa corrente majoritária, Yukawa propôs a existência de uma partícula chamada méson, mas suas descobertas foram recebidas com frieza pela comunidade dos físicos”, conta Shozo. Em 1947, César Lattes foi um dos cientistas que observou empiricamente a partícula atômica méson-pi, ajudando assim Yukawa a conquistar o reconhecimento de suas teorias. No Brasil, porém, a colônia nipônica passava por momentos delicados com a derrota japonesa na guerra, que enterrou os sonhos dos imigrantes em retornar ao Japão. A comunidade dividia-se entre
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os katigumis, que acreditavam na vitória imperial e queriam voltar para casa, e os makegumis, vistos como “derrotistas”, uma minoria (20%) que reconhecia a derrota para os aliados. Interessados em manter a verdade e, ao mesmo tempo, manter o moral dos conterrâneos, os makegumis decidiram trazer Yukawa, o primeiro Nobel japonês, em 1949, ao Brasil para que falasse do fim do império. Arrecadaram quase 1 milhão de ienes, mas o físico, adoentado, não pôde vir (vindo a fazê-lo posteriormente, em 1958). O dinheiro, então, foi doado à Universidade de Kioto, que passava por sérias dificuldades no pós-guerra. “O dinheiro vindo do Brasil estimulou a formação de um grupo de pesquisas experimentais pioneiras com emulsão nuclear. Esse grupo, formado por Yukawa, Sin-Itiro Tomonaga e Masatoshi Koshiba (vencedores do Nobel de Física em 1949, 1965 e 2002, respectivamente), além de Mituo Taketani, mais tarde propôs ao cientista brasileiro César Lattes a colaboração entre físicos teóricos e experimentais de ambos os países”, explica o físico Edison Shibuya, da Unicamp, que trabalhou com Lattes. “O gesto da colônia, convidando Yukawa para auxiliar nos problemas enfrentados no Brasil, contribuiu diretamente para a criação da CBJ e, indiretamente, para a consolidação da física das partículas elementares.” Em 1958, os físicos Roberto Salmeron e Paulo Leal Ferreira estavam em busca de um diretor para o Instituto
de Física Teórica (IFT), criado em 1952, em São Paulo, nos moldes do Instituto Max Planck, da Alemanha. “Lembreime de conversas com um amigo, Hiroomi Umezawa, jovem físico japonês, da Universidade de Tóquio, que havia me contado que, depois da Segunda Guerra Mundial, havia poucos empregos para físicos nas universidades japonesas. Pedi uma recomendação a ela e semanas depois tive a surpresa de saber do interesse de Taketani, um dos big four da física japonesa, em dirigir o IFT”, conta Salmeron num artigo recente sobre o instituto. “Ele afirmou publicamente que viera ao Brasil como agradecimento à doação feita dez anos antes pela colônia japonesa ao Grupo de Partículas Elementares”, explica Shibuya. Se a física foi um campo importante para a colaboração entre os nikkeis e os brasileiros, não se pode negar a presença massiva de japoneses em conquistas médicas. Em 1923, o Ministério do Interior do Japão concedeu um subsídio de 23 mil ienes para a instalação de serviços de assistência médica. “A dificuldade de comunicação (por causa dos problemas da língua) entre os imigrantes e os serviços médicos da comunidade levou as autoridades a estabelecer um convênio entre os dois países para que médicos japoneses pudessem atender no Brasil. Eram os chamados haken-i, facultativos que podiam atender apenas os japoneses”, conta o médico Renato Yamada, professor da Faculdade de Medicina da USP. “A carência de médicos fez com que se formasse alta porcentagem de nisseis em medicina, pois muitos pais japoneses queriam que pelo menos um de seus filhos fosse médico, prova da situação terrível vivida pelos imigrantes. Assim, a partir de 1939, se formam muitos nisseis na USP.” E, desde então, 20% dos alunos que ingressam nas melhores faculdades de medicina do país são nikkeis. Além de ajudar seus compatriotas, muitos deles vitimados por malária, tuberculose e outras doenças tropicais e por doenças causadas pela mudança de hábitos alimentares, ser médico fazia parte do projeto de ascensão social que, nos anos 1950 e 1960, privilegiava profissões como medicina e engenharia. Em 1926 é criada a Dojinkai, sociedade japonesa de beneficência, que trouxe ao país médicos japoneses e teve, entre
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as suas conquistas: a detecção e tratamento de tracoma e verminoses (particularmente o amarelão), a pesquisa para controle da malária e a difusão de conhecimentos sobre a leishmaniose americana, tuberculose etc. Mas a grande contribuição tecnológica e técnica, da vinda dos imigrantes nipônicos até a Segunda Guerra Mundial, deu-se no campo da agricultura, onde os nikkeis revolucionaram a produção agrícola brasileira, contando, de início, com a assistência técnica do governo japonês, que colocou à disposição dos imigrantes agrônomos, técnicos e maquinário. Digno de nota é que, nesse mesmo período, a agricultura era um dos domínios prioritários da nossa economia e os imigrantes foram responsáveis pela introdução de tecnologia e melhoramento genético, bem como de novas espécies de frutas e vegetais (no Brasil, nos anos 1900, os produtos agrícolas cultivados não passavam de 20); novas técnicas de comercialização, aprimoramento de técnicas de cultivo, difusão e importação; e, mais importante, foram os responsáveis pela criação em terras brasileiras de uma cultura de “associativismo” por meio das cooperativas, a primeira delas criada em 1913, no Triângulo Mineiro, muito antes da existência da lei de cooperativismo. Mais tarde a experiência da Cooperativa de Cotia marcaria época na tentativa de desen-
volver a comercialização de produtos. “Os produtores sentiam que eram explorados pelos atacadistas e vendedores de insumos e equipamentos e iniciaram um movimento para se organizarem de produtores e vendas de compras em comum”, analisa o engenheiro agrônomo Isidoro Yamanaka, assessor especial do Ministério da Agricultura.
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ma importante contribuição dos agricultores japoneses foi a diversificação de culturas, em especial a partir da década de 1930, e são obra desses pioneiros, entre muitos outros, o abacaxi sem espinho, o caqui e o mamãopapaia. A sericultura iniciou-se, ainda que sem sucesso, em 1912 com Ikutaro Aouagui, fundador da colônia de Iguape e um passageiro do Kasato Maru, que tentou implementar a criação do bichoda-seda. Após vários esforços, em 1938 surgiu a Bratac (Sociedade Colonizadora do Brasil), que deu o impulso necessário, em tecnologia, para a criação do bichoda-seda. Até mesmo o desenvolvimento da matriz de ovos brancos deveu-se ao esforço de nikkeis, também os responsáveis, em 1926, pela comercialização de ovos, antes restrita à criação feita em quintais familiares. A modernização da avicultura nacional é fruto dos técnicos formados pelo Instituto de Práticas Agrícolas, administrado pela KKKK, que recebeu do consulado do Japão de São Paulo as primeiras matrizes de aves.
O Nobel nipônico no Brasil: chegada do físico Hideki Yukawa em São Paulo
Nas várias embaixadas e consulados espalhados pelo Brasil, adidos agrícolas, do quadro do Ministério da Agricultura do governo japonês, atendiam os imigrantes na orientação técnica de suas lavouras, bem como no beneficiamento e processamento de produtos agropecuários produzidos. Em 1927, o início da Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Limitada dos Produtores de Batata em Cotia, a futura CAC, trouxe práticas inéditas no país de correção do solo para melhoria de qualidade e produtividade, com a utilização de adubos químicos e orgânicos. Nos seus 70 anos de existência, a CAC aprimorou a agricultura com seu corpo técnico, por meio de pesquisas internas e pela importação de conhecimento de outros países. Devemos a eles a plantação de hortaliças em estufas, os enxertos para melhoria de qualidade, criação de novas variedades etc. A colaboração tecnológica e científica se manteve nos anos seguintes, gerando programas como o Cedaval (Centro de Desenvolvimento do Vale do Ribeira), o Centro de Pesquisa do Cerrado (a partir de 1975, em parceria com a Embrapa), o Prodecer (Programa de Cooperação Nipo-Brasileira no Desenvolvimento da Agricultura dos Cerrados), a instalação do Laboratório de Hidrologia Florestal, em Cunha, entre outros. Hoje o agronegócio é responsável por 33% do nosso PIB, 42% das nossas exportações e 37% dos empregos no país. “Parte desse sucesso é mérito de nossos imigrantes. Foi com a chegada deles que Brasil e Japão acertaram convênios de cooperação agrícola e pudemos usufruir de alta tecnologia e experiências muito válidas, que têm grande importância para a agricultura brasileira ser o que é hoje”, afirma Bonifácio Nakasu, ex-diretor executivo da Embrapa. “A lição deixada pelos imigrantes japoneses de respeito à natureza e do sacrifício em prol dos jovens não pode ser esquecida. Atuando como intérpretes e elementos de ligação, eles facilitaram a execução de uma filosofia baseada no espírito japonês cujos frutos são inegáveis”, observa Ana Miyadahira. Afinal, a palavra kagaku, “ciência” em japonês, também pode significar poesia. ■
Carlos Haag
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Nas páginas das revistas Fon-Fon e Careta o Carnaval carioca consolidou a contestação democrática
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Gonçalo Junior
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IMAGENS REPRODUÇÃO
humor é, sem dúvida, a maior das subversões. O riso sempre desconcertou e desafiou regimes totalitários ou sociedades mais conservadoras. Pela charge e pela caricatura na imprensa ou por meio de programas de rádio e TV, muito se tem dito e criticado nos dois últimos séculos com mais eficiência até do que um sisudo editorial de jornal ou revista. Muito menos que no passado, o Carnaval ainda serve também para protestar com blocos de foliões que usam fantasias e carregam faixas. Caricaturas carnavalescas: Carnaval e humor no Rio de Janeiro através da ótica das revistas ilustradas Fon-Fon e Careta (1908-1921), tese de Fabiana Lopes da Cunha, volta aos primórdios do século XX para resgatar um dos períodos mais fascinantes e participativos da imprensa de humor e do Carnaval carioca. A partir da análise de textos e ilustrações elaborados por grandes nomes da caricatura e da literatura e de jornalistas que ficaram no anonimato, explica Fabiana, é possível perceber a importância do Momo na vida desses homens de letras e pincéis e quão importante foi a contrapartida que eles forneceram não apenas ao público leitor. É possível também, acrescenta ela, resgatar e reconstruir através dessas publicações não apenas a história da festa, mas compreender o contexto do período, os problemas políticos, a moda, as inovações e as mudanças na vi-
da da população carioca. “O Carnaval e o humor eram importantes não apenas para a saúde financeira das empresas jornalísticas e editoriais, pois a abordagem e o tema agradavam o público leitor, mas, em especial, na vida de escritores e artistas que escreviam com irreverência e participavam ativamente de cordões. Portanto, eles mesmos eram também artífices dessa história.” Um exemplo da utilização da folia como negócio para a imprensa era o Jornal do Brasil, que possuía um elenco talentoso de ilustradores como Julião Machado, Raul Pederneiras e Amaro Amaral. O diário, diz a pesquisadora, auxiliou na popularização e no consumo das charges, sendo o responsável pela divulgação de um determinado tipo de Carnaval entre a população de nível social mais baixo. “As tiragens nos dias de festa aumentavam extraordinariamente.” A cobertura era completa e entusiasmada. Os repórteres e redatores, conta Fabiana, empenhavamse ao máximo para pegar informações. Faziam a ronda entre blocos e cordões, publicavam os nomes de seus diretores e dos carnavalescos que os freqüentavam, estampavam em suas páginas a gravura dos estandartes dessas agremiações e, ainda, promoviam concursos para
premiar essas manifestações carnavalescas mais populares. Professora assistente doutora da Unesp-Ourinhos, Fabiana defendeu mestrado e doutorado na linha de história social na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP. Ela faz ressurgir com sua meticulosa e reveladora pesquisa os nomes de literatos, jornalistas, caricaturistas e de alguns músicos como Olavo Bilac, Artur Azevedo, Calixto Cordeiro, J. Carlos, Raul e Mário Pederneiras, Martins Fontes, Emílio de Menezes, José do Patrocínio Filho, Olegário Mariano, João do Rio, Coelho Neto, Bastos Tigre, Lima Barreto, Luiz Edmundo, Luiz Peixoto, Eduardo das Neves e Xisto Bahia, dentre outros colaboradores de Fon-Fon e Careta. Outro ponto que a autora considera curioso foi o fato de que, apesar de ter lido em um livro recente onde se afirmava que Bilac tinha aversão ao Carnaval, ela concluiu que o jornalista e poeta, ao menos durante certo período de sua vida, foi um folião ativo e um escritor freqüente de crônicas relacionadas à folia momesca. Apesar das duas revistas terem sido em parte responsáveis pela propagação e inserção de novas formas de brincar e de “ver” o Carnaval carioca e em todo país, estimuladas pela importação de “estrangeirismos” e pelos modismos provenientes de países como a França ou a Itália, principalmente durante a belle époque, Fabiana percebeu que a realidade muitas vezes traduzida na irreverência da própria festa ou por meio de textos e caricaturas impressas nas rePESQUISA FAPESP 151
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vistas se transformava em comédia. “O Carnaval e o humor difundidos através de seus carros de crítica ou nas fantasias de mascarados avulsos que insistiam em brincar pelas ruas da cidade traduzem uma identidade com a nação e com seu cotidiano e política muito peculiares e que são muitas vezes traduzidas através do sarcasmo e da irreverência de críticas feitas em momentos de festa”, observa a pesquisadora. Assim, ela mostrou como os caricaturistas e articulistas acabavam expressando, nas revistas ilustradas, não apenas suas opiniões, mas também aquilo que já era um consenso pelas ruas da cidade e, por conta disso, tornavam-se motivo para a confecção de fantasias e máscaras sobre o assunto. Tais sátiras estavam, portanto, associadas a uma forma carnavalesca de representar estes temas que faziam parte do cotidiano da população ou de parte da intelligentsia, que contribuía com textos humorísticos para as duas publicações. “Des-
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sa forma, parece-nos que esse tipo de humor se manifestava principalmente em momentos de lazer, diversão e em tempos de festa. Talvez porque nesses a crítica feita de forma irreverente fosse mais palatável, momentos em que certas posturas eram dilatadas e o riso fluía mais facilmente.” Em certas situações, ressalta Fabiana, as brincadeiras momescas, aliadas a sentimentos de contrariedade e de insatisfação de parte da população, acabavam extravasando com o próximo. No caso, com desafetos que faziam parte de um grupo carnavalesco rival e quando estes se encontravam pelas ruas. Então as grosserias verbais muitas vezes extrapolavam para a agressividade física. A pesquisadora afirma, porém, que não quer com essas observações insinuar que o riso e a sátira fossem formas típicas de o brasileiro se manifestar política e socialmente. “Mas o fato é que, ao menos durante a belle époque, a representação humorística foi extremamente usada e importante para a comunidade e também para a elite intelectual expressar seus anseios de modernidade.” No primeiro momento, observa Fabiana, sua tarefa foi analisar os dois periódicos até o ano 1930. Deparouse com um material mui-
to rico e revelador sobre a vida cotidiana e política da capital do Brasil. Em especial, quanto à postura que as duas revistas tomavam com relação à política e a certas práticas relacionadas ao Carnaval. Outra fonte documental importante para ela foram as próprias canções da época, que possuem material rico em humor e sátira, apesar de a pesquisadora não se propor a analisá-las em sua forma como fez em seu mestrado. “Sabemos que muitas dessas composições não eram feitas especificamente para o Carnaval, mas a sátira política e a de costumes faziam muito sucesso pelas ruas da cidade, principalmente nestes dias de festa em que a liberdade e os excessos possibilitavam e estimulavam a crítica e o riso.”
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documentação impressa foi utilizada por Fabiana para mostrar como os caricaturistas e articulistas acabavam expressando nas revistas ilustradas tanto suas opiniões quanto aquilo que já era um consenso na cidade. Por conta disso, tornavam-se motivos para a confecção de fantasias e máscaras sobre o assunto. “Tais sátiras estavam, portanto, associadas a uma forma carnavalesca de representar esses temas que faziam parte do cotidiano da população ou de parte da intelligentsia que contribuía para estas edições.” Além de Fon-Fon e Careta, ela recorreu a algumas revistas ilustradas como O Mequetrefe, Revista Ilustrada e o diário Gazeta de Notícias, entre outros. “Através de uma charge em que K.lixto retrata o Barão do Rio Branco como um cozinheiro que prepara uma omelete, cujo fogo é alimentado por sacos de dinheiro, é possível saber que além de muito popular o ilustre ministro também era famoso por seus banquetes e pela grande quantidade de dinheiro despendida em tais recepções.” Através desta caricatura, prossegue Fabiana, associada a várias outras que tratam da personalidade política e de sua famosa política de diplomacia, juntamente com textos, músicas e peças de teatro que são publicados ou propagandeados, pode-se compreender a importância que o Barão do Rio Branco e sua política possuíam para a população carioca. Tais documentos denotam também que essas referências humorísticas possuíam
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um misto de indignação com os gastos e de admiração pelas sucessivas vitórias diplomáticas que teve o barão em sua vida pública. “É o que percebemos no final do texto: ‘Ao frigir dos ovos, eu passo a perna fraternal nos povos’.”
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estudo de Fabiana identificou vários outros exemplos de imagens e textos que revelam as diversas facetas com que a sociedade carioca, durante a belle époque, via os festejos de Momo e como estes eram representados em duas das principais revistas semanais do período. “A ótica mostrada foi principalmente aquela elaborada pelos literatos e caricaturistas do período, que retratavam tais festejos com grande dose de humor e crítica.” A pesquisadora trata de vários aspectos dessa sociedade que foram “carnavalizados” pelos colaboradores das revistas. Foi possível para ela ver as mudanças ocorridas na cidade: as reformas, a introdução dos bondes elétricos, dos automóveis, dos cafés e seu deslocamento em freqüência para os salões literários, o teatro e sua popularização com a implementação das sessões, a moda, com seus chapéus, entravées e jupes-coulottes. Foram identificadas também as modificações que aconteceram na política e no Carnaval. Fabiana estudou ainda como este último foi utilizado de forma pedagógica pelos literatos, através dos desfiles e dos temas dos carros de crítica que difundiam seus ideais. “Com a proclamação da República e a desilusão de grande parte dos literatos frente a ela, os mesmos carros que antes eram usados para imprimir uma ideologia à população, objetivando a abolição e o fim da monarquia, seriam utilizados num primeiro momento para elogiar as reformas implementadas com uma rapidez e um autoritarismo sem precedentes.” No entanto, observa a pesquisadora, tal sentimento de euforia duraria muito pouco. Logo o humor e a sátira passariam a se voltar novamente para as personalidades políticas e para certos modismos que então imperavam. Tudo dentro do espírito e da irreverência que fizeram da folia momesca uma grande celebração das liberdades. ■
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.. .. RESENHA
A fé não costuma falhar A santidade antropológica do Padre Cícero Carlos Haag
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necessidade é a mãe da invenção, reza o dito popular. E tanto necessidade quanto invenção são constantes no sertão nordestino. Nesse caso, não é de estranhar que a “santidade” e o culto ao Padre Cícero (1844-1934) possam ser igualmente fruto dessa confluência de fatores. As secas do século XIX foram determinantes na história do Ceará, terra natal do “padim”, verdadeiros marcos na vida dos sertanejos. Mais do que meros fenômenos climáticos se transformaram em questões sociais. “Cícero emerge como líder religioso e político, já que, naquele momento, a maior parte da população mais pobre do Ceará e do Nordeste se via entregue à própria sorte, retirando-se em busca de esperança, socorro e solução para todo o sofrimento. Falava-se, então, numa cidade santa, Juazeiro, onde vivia um padre santo, disposto a acudir e proteger os mais pobres, como um verdadeiro padrinho cuida de seus afilhados”, explica Antônio Mendes da Costa Braga em Padre Cícero: sociologia de um padre, antropologia de um santo, tese de doutorado defendida na UFRGS que acaba de sair em livro pela Edusc. Nela é possível verificar-se que, se não existisse, seria preciso inventar um “padim Cícero”. O estudo de Braga trabalha com conceitos sociológicos e antropológicos a trajetória de Cícero Romão Batista, evitando se posicionar sobre a real dimensão do personagem, concentrando-se, com justeza, na sua simbologia. Em especial, é fascinante como desvela
Padre Cícero: sociologia de um padre, antropologia de um santo Antônio Mendes da Costa Braga Edusc 362 páginas R$ 41,00
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as complexas relações entre Cícero e um novo projeto de Igreja para o Nordeste, baseado na romanização do clero, e sua tranformação de líder religioso em político, indo ao encontro das lideranças eclesiásticas a quem inicia sua carreira, submisso. “Nunca quis ser político”, escreveu em seu testamento. Difícil acreditar nas palavras de um líder do porte do “padim”, que foi prefeito de Juazeiro, deputado federal e vice-governador (responsável, aliás, pela deposição futura do governador). A grande questão é saber se o padre mudou seu curso por desejo de poder ou por realmente querer mudar a vida miserável de seu rebanho. Nisso o milagre de Juazeiro tem um papel determinante: durante uma novena para acabar com as secas, a hóstia dada por Cícero a uma lavadeira teria se transformado, na boca da moça, em sangue. A partir de então o “padim” inicia uma lida contra a Igreja, que não aceitava o suposto evento santo. “A ocorrência do milagre se deu dentro de um ambiente, de um contexto e de um conjunto de crenças e práticas religiosas que favoreciam o acontecido de forma propícia, mais do que o seu descrédito, tanto para o padre como para os habitantes de Juazeiro”, escreve Braga. “Ele acreditava ser aquele um tempo de arrependimento; era preciso pedir perdão a Deus por tantas ofensas. Ele via no flagelo que assolava o Cariri sinal de castigo divino para um mundo entregue ao pecado. Ao mesmo tempo, efetivamente se compadecia daquela gente sofredora.” Assim surge o mito milenarista do “padim”, que deixa de atuar como o valioso intermediário entre a Igreja “culta” e a religião popular, uma necessidade premente num Ceará que via com desconfiança a Igreja oficial. A grande novidade é a escolha feita pelo padre: usar, para o bem ou para o mal, a política para garantir seu espaço. A necessidade paria a invenção do mito do santo. A política atual aprendeu muito com o milagre do “padim”.
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.. .. LIVROS
Ciência ambiental: questões e abordagens
Sociedade de classes e subdesenvolvimento
Marta Dora Grostein (org.) Annablume Editora/FAPESP 456 páginas, R$ 56,00
Florestan Fernandes Global Editora 256 páginas, R$ 39,00
Os artigos reunidos nesta coletânea contribuem para o avanço da construção de uma ciência ambiental. O livro alerta para o tratamento das questões ambientais, sua articulação e reflexão acadêmica, além da implementação de políticas definidas em diferentes instâncias do poder público, e aposta na conscientização da sociedade sobre a importância dessas questões para as condições de vida no planeta.
Aqui temos o relançamento de ensaios escritos entre 1965 e 1967 por um dos maiores clássicos da sociologia brasileira. A singularidade do nosso capitalismo é amplamente tematizada pelos olhos críticos deste grande pensador, o qual defendeu, até o fim da vida, que a condição de dependência do país, em seus aspectos econômico e cultural, só poderia ser efetivamente superada com democracia e socialismo.
AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Global Editora (11) 3277-7999 www.globaleditora.com.br
Geografia política da água
Os escritores da guerrilha urbana: literatura de testemunho, ambivalência e transição política (1977-1984)
Wagner Costa Ribeiro Annablume Editora 162 páginas, R$ 32,00
Wagner Ribeiro propõe em seu livro ampliar o debate sobre a geopolítica da água. Chamando atenção para o cenário de crise dos recursos hídricos e sua lógica de governança, o autor discorre sobre a necessidade de uma nova ética para gestão e uso da água, reduzindo o desperdício e estabelecendo mecanismos de controle quanto a sua mercantilização. AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
O mundo e o homem: uma agenda do século XXI à luz da ciência
FOTOS EDUARDO CESAR
José Goldemberg Editora Perspectiva 248 páginas, R$ 45,00
Mário Augusto Medeiros da Silva Annablume Editora 296 páginas, R$ 35,00
O significado político, social e literário das obras de Renato Tapajós, Fernando Gabeira, Alfredo Sirkis e Reinaldo Guarany é analisado neste livro sob uma perspectiva que entrelaça estudos da memória, ficção literária e sociologia. Mário Medeiros da Silva possibilita ao leitor traçar um resgate histórico do período ditatorial brasileiro em contraposição à tão naturalizada prática do esquecimento. AnnaBlume (11) 3812-6764 www.annablume.com.br
Fotografia de palco: 25 anos
O livro reúne artigos que José Goldemberg escreveu para o jornal O Estado de S. Paulo sobre temas instigantes como ciência, meio ambiente, energia, Amazônia e universidade em que o cientista expõe didaticamente suas posições. O mundo e o homem sintetiza o acúmulo de experiência do professor de física nuclear, precursor no estudo de produção de energia, reitor, secretário de Estado e ministro.
Lenise Pinheiro Editora Sesc/Editora Senac 456 páginas, R$ 135,00
Editora Perspectiva (11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br
Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br
Nos últimos 25 anos a fotógrafa paulista Lenise Pinheiro acompanhou os principais espetáculos, nacionais e estrangeiros, e retratou instantâneos de ação e dos bastidores em suas lentes. O resultado é um belíssimo livro que, além da estética, faz um retrato histórico do que ocorreu nos palcos brasileiros.
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... FICÇÃO
Emulação
Alexandre Amaral Rodrigues
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onheci Péricles quando ingressamos na faculdade de letras. Eu namorava Samira, uma morena bonita e um tanto pueril. Para mim, a gente de Péricles parecia de outro planeta: cultos e um tanto formais, tinham, no entanto, opiniões e hábitos próprios de bichos-grilo, o que não deixava de ser uma novidade atraente, um discreto charme. Logo Péricles passou-me em um ano na faculdade. Fiz menos matérias que ele, para alcançar a excelência – mal sabia que isso valeria tanto! No mais, dividíamo-nos entre os nossos interesses comuns e a intimidade. Samira achava Péricles divertido, e a presença dele arejava a vida de casal. Em 1994 Péricles ingressou no mestrado. Um ano depois igualei-o. Essa diferença me incomodava, confesso, mas era inveja benigna, emulação entre amigos. Além disso, consegui um bom emprego numa universidade privada. Na mesma época, convidei Péricles a juntar-se a mim na cadeira de literatura brasileira, cujo titular era meu orientador, que havia me prometido a coordenadoria para breve. Algum tempo depois, Péricles chamou-me em particular. Estava em sua sala, esbaforido e suarento, e desviava o olhar. Após algum prelúdio, foi ao ponto: — Escuta, eu termino o mestrado no semestre que vem. Falei com o seu orientador, que disse que não consegue me manter aqui, a não ser que eu assuma a coordenadoria. Pois bem, você disserta daqui a um ano, por isso pensei em assumir o cargo, garantir você aqui e, depois do seu mestrado, colocar você de vice-coordenador. Em dois anos vou para a Europa e lhe passo o cargo. Assim, um segura a barra do outro. Que acha? Eu estava meio chocado. Manifestei que eu já contava com o cargo. — Olha, eu sei – retrucou Péricles –, mas as coisas se precipitaram e... Pense no caso, depois a gente conversa. Agora tenho de ir.
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Mais tarde, soube que já estava tudo acertado. Seria a melhor solução. De que nos serviria a demissão de Péricles? Deveriam ter discutido a questão comigo, mas, paciência, isso não devia apoquentar-me. A perda era pouca. Se tudo corresse bem, assumiria a coordenação em um ano. Eu me tornara parte da equipe de Péricles. Enquanto isso, Samira tornava-se cada vez mais inoportuna, e pouco depois do mestrado separamo-nos. Péricles foi para a França, de onde voltaria com a tese qualificada. Assumi a coordenação, e o salário era maior do que imaginava. Além disso, tinha liberdade. Péricles era impositivo, não fazíamos as coisas de forma partilhada. Depois de um ano licenciei-me do cargo. Entrara para o doutorado e viajaria para o velho continente. Tivemos bons momentos por lá. A amizade com Péricles se renovara. Quando ele voltou para o Brasil, senti-me só. Mas no fim de minha residência estava não só com a tese pronta, como também apto para prestar concurso para a universidade pública. Ao retornar, soube que Péricles concorreria à vaga de professor adjunto na nossa velha universidade pública. Surpreendi-me. Sabia que cedo ou tarde haveria um concurso, porém não tão cedo. Pretendia concorrer ao cargo, mas naquele momento seria impossível. Todos apostaram em Péricles; ele fez jus às apostas. Senti-me traído, mas sob exame sereno o sentimento mostrou-se injustificado. Como ainda não defendera a tese, eu não poderia candidatar-me. Quem poderia? Melhor que fosse Péricles. Fazíamos parte de um mesmo projeto. Sim, fazíamos. E logo haveria nova oportunidade. Só estranhei que não fosse o próprio Péricles a me contar as novas. Mas ele era assim mesmo: nunca alardeava seus planos mais ousados, e quando os atingia, pouco se gabava. Verdade que às vezes eu tendia irracionalmente a
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LUANA GEIGER
me irritar com essa modéstia. Por sorte, a irracionalidade, em mim, é passageira. Um mês depois defendi minha tese. Um novo concurso só se abriu em um ano. No departamento queriam uma guinada para outra linha, que não a nossa. Arejar o pensamento, diziam. Chegou-se a um acordo: nem tanto ao céu, nem tanto à terra. Mas em conversa privada garantiram-me que eu teria grandes chances. O departamento era predominantemente ortodoxo, e meu orientador presidiria a banca. Tudo era favorável. O concurso foi difícil. Meu concorrente era forte. No fim de quatro dias extenuantes, saíram os resultados: não fora reprovado, mas estava em segundo lugar. “Foi a nota da banca”, disse-me o orientador. Fiquei chateado. Todos sabiam que as notas eram influenciadas pela tendência do presidente da mesa. Como era possível que meu orientador e Péricles, que ciceroneara professores da banca, não houvessem conseguido assegurar-me melhor situação? — Entenda, Jacinto – explicou-se Péricles –, o concurso não pode ser parcial. Seria um escândalo. — Uma pinóia! Vocês asseguraram que eu passaria. E agora? Como virar essa página? — Você é injusto. Dissemos que havia grandes chances, não que era garantido. Deu zebra. Eu tentei... — Então por que paparicar os professores? — Olha, todos sabem que somos do mesmo grupo. Inclusive mencionei você algumas vezes. Aparentemente, você se daria bem. Mas eu também preciso, se o senhor não achar ilegítimo, ganhar prestígio. — Sabe o que eu acho? Acho que vocês quiseram aparecer bem, mostrar que estão abertos às novas tendências. Acho que fui traído, usado. — O quê? – Péricles estava vermelho. – Eu nem vou co-
mentar isso! Melhor parar por aqui. A banca achou o outro melhor e ponto. Sinto muito. – E virou as costas. Conformei-me. Pelo menos tinha dinheiro bastante. Procurei Samira para chorar as mágoas. Ela não me estendeu o ombro. Fez-me ver que eu agira mal com Péricles. Examinando de perto, nada me certificava que houvesse manipulação do processo. E como suspeitar dele, que sempre se mostrara excelente amigo? Como eu, que sempre militara pela lisura nos concursos universitários, poderia reclamar por não ter sido beneficiado? Não era de espantar que ele se irritasse. Certa vez fui com uma aluna não brilhante, mas muito atraente, a um restaurante no largo do Arouche. Samira e Péricles estavam lá. Achei melhor ser discreto, e apenas acenei-lhes. Observei que gargalhavam às vezes. De que riam? Aquele jantar não me fez bem. E, francamente, a menina me aborreceu. Soube depois que Samira ingressara no mestrado e conseguira ser professora em uma universidade privada, bem melhor, diga-se, que aquela em que se graduara. Admirável superação. Uma semana mais tarde soube que Péricles assumiria a chefia de todo o departamento na universidade em que eu lecionava. Agora sou seu subordinado. Não tenho como participar de um projeto comum. Sim, talvez seja uma felicidade ser subordinado de um amigo, e poder confiar que, acima de tudo, nossos interesses comuns estão assegurados na universidade. É um modo de pensar. As aulas que sigo dando como autômato e o diagnóstico da depressão pus na conta dos contratempos acadêmicos. Grande amigo, o Péricles. Ele saiu na frente. Estou sereno. Confio na ciência. Alexandre Amaral Rodrigues é mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo e tradutor de obras filosóficas. PESQUISA FAPESP 151
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