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Os desafios tecnológicos na exploração do pré-sal O lado bom da fuga de cérebros
PESQUISA FAPESP
Bactérias ajudam o sistema de defesa
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A HORA DA
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política Como o horário eleitoral gratuito influencia a eleição
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FABIO MOTTA/AE
IMAGEM DO MÊS
Gigante
mineiro O maior dinossauro encontrado no Brasil, o titanossauro Uberabatitan ribeiroi, foi apresentado ao público pela primeira vez no Rio de Janeiro. Trata-se de um gigante de até 3,5 metros de altura, de 12 a 20 metros de comprimento e de 12 a 16 toneladas de peso. A descoberta deve-se a Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Leonardo Salgado, da Universidade Nacional de Comahue, da Argentina, e ocorreu a 30 quilômetros de Uberaba, em Minas Gerais, entre 2004 e 2006. Foram encontrados 298 fragmentos de ossos. Destes, 198 foram identificados como sendo de três dinossauros diferentes. O mais impressionante deles é o titanossauro, um herbívoro que viveu há 65 milhões de anos, no final do período Cretáceo. A reconstituição do esqueleto foi realizada por dois anos com a participação de dez paleoartistas. É possível visitá-lo na Casa da Ciência, em Botafogo, no Rio, até 24 de outubro.
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LÉO RAMOS
BUENO
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CAPA
LAURA DAVIÑA
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> CAPA
> POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
18 Ao contrário do mito,
o horário eleitoral gratuito funciona e ajuda o eleitor > ENTREVISTA
30 MIGRAÇÃO
Estudos mostram que a circulação de cérebros pode render benefícios para os países em desenvolvimento
12 O geógrafo Dieter
Muehe diz que é fundamental monitorar o litoral e o oceano para saber o que realmente vai mudar no clima
36 PLANEJAMENTO
Universidade discute estratégias para preservar a excelência em seu centenário, daqui a 25 anos
38 MEDICAMENTOS
Elaborar moléculas que mimetizam outras poderia facilitar a procura por fármacos realmente originais 42 DIFUSÃO
Exposição revela a vida e a contribuição de Albert Einstein, o cientista símbolo do século XX
> CIÊNCIA 48 IMUNOLOGIA
Sem bactérias, mamíferos não produzem a reação inflamatória essencial para combater lesões 52 EVOLUÇÃO
Expressão de um mesmo gene em tecidos distintos ou momentos diferentes do desenvolvimento contribui para a diversidade biológica das espécies
> SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 8 CARTA DO EDITOR 10 MEMÓRIA 24 ESTRATÉGIAS 44 LABORATÓRIO 64 SCIELO NOTÍCIAS ...........................
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> POLÍTICA C&T
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
REPRODUÇÃO
PETROBRAS
> EDITORIAS
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56 BOTÂNICA
Biólogos detalham a composição e o funcionamento do relógio biológico das plantas 60 METEOROLOGIA
Perigosos e raros, os raios positivos são cinco vezes mais freqüentes no Rio Grande do Sul 62 FÍSICA
Acelerador de partículas LHC cai no gosto da mídia, mas incidente paralisa os trabalhos
> TECNOLOGIA 70 INDÚSTRIA PETROLÍFERA
Exploração de petróleo e gás das novas reservas abaixo do pré-sal requer conhecimento e tecnologia 76 QUÍMICA
78 CONSERVAÇÃO
Sensor monitora processo de corrosão em órgãos históricos e obras de arte
84 HISTÓRIA
A polêmica “política do coração” da princesa Isabel
80 AGRONOMIA
Esterilizador dinâmico desenvolvido pela Fungibras inova no processo de cultivo de cogumelos
90 ANTROPOLOGIA
Estudo mostra que plásticos oxibiodegradáveis não se decompõem na natureza como esperado
........................... 66 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS
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> HUMANIDADES
CAPA MAYUMI OKUYAMA
Cientistas descobrem que primeiros habitantes formavam civilizações organizadas e complexas
ILUSTRAÇÃO © IMAGES.COM/CORBIS
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CARTAS cartas@fapesp.br
As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução. ■
solução para evitar que tenha trazido alguma praga. Dentro do avião também é passado um spray tanto no ambiente como nas pessoas. A Vigilância Sanitária brasileira, se concordar que é importante o controle dos veículos provenientes de zonas endêmicas, principalmente os caminhões ao passarem na balança para pesar, poderia aspergir neles algum produto que eliminasse os focos dos mosquitos que causam as várias doenças hoje em dia, como dengue e leishmaniose.
Para anunciar Ligue para: (11) 3838-4008
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Assinaturas, renovação e mudança de endereço Envie um e-mail: fapesp@teletarget.com.br ou ligue: (11) 3038-1434 Mande um fax: (11) 3038-1418
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Edições anteriores Preço atual de capa da revista acrescido do valor de postagem. Envie e-mail para rute@fapesp.br ou ligue (11) 3838-4304
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Site da revista No endereço eletrônico www.revistapesquisa.fapesp.br você encontra todos os textos de Pesquisa FAPESP na íntegra e um arquivo com todas as edições da revista, incluindo os suplementos especiais. No site também estão disponíveis asreportagens em inglês e espanhol.
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Opiniões ou sugestões
MIGUEL BOYAYAN
Envie cartas para a redação de Pesquisa FAPESP Rua Pio XI, 1.500 São Paulo, SP 05468-901 pelo fax (11) 3838-4181 ou pelo e-mail: cartas@fapesp.br
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Leishmaniose Excelente a reportagem “Uma doença anunciada” (edição 151). Só que o que está faltando para a saúde pública do Brasil (e para os cientistas também) é parar e pensar em coisas simples que existiam até recentemente quando as cidades eram menores e possuíam mata nativa em volta delas. Primeiro não podemos nos esquecer dos sapos que existiam aos montes, e como era bonito escutar o seu coaxar ao entardecer, e a ação benéfica para todos que era a eliminação de boa parte dos mosquitos e insetos em geral pela sua alimentação. Outra estratégia que o homem do campo usa na agricultura e funciona muito bem na cidade é a armadilha luminosa para aprisionar e matar pragas que incluem moscas, mosquitos etc. Hoje estão voltando a usá-la em alguns municípios para combater o mosquito da dengue. Sabemos que os insetos criam resistência rapidamente aos diferentes produtos químicos utilizados no seu combate. Quanto à vacina concordo que é a melhor maneira de prevenir da doença. Só estou lembrando como coisas simples podem resolver ou ajudar a combater o transmissor de doenças enquanto não se tem algo mais eficaz. Com relação à disseminação da doença pelo Brasil, não podemos esquecer dos caminhões que transitam pelo país inteiro. Em países que são ilhas, como Austrália e Nova Zelândia, quando o avião chega no aeroporto ele é lavado por fora com uma
Valquiria Alcântara Instituto de Zootecnia Nova Odessa, SP
Fogões Li, com interesse, a reportagem “Fogo limpo” (edição 151) sobre os tais eco stoves – fogões a lenha, carvão etc. –, ou seja, tecnologia a serviço dos pobres. Os tais fogões foram desenvolvidos pela ClimateCare, unidade do JP Morgan, segundo a reportagem e facilmente comprovado numa busca pela internet. Como em nosso país fogões a lenha são amplamente utilizados, procurei saber mais sobre essa inovação, para ver como se comparam com os nossos fogões tradicionais. Para minha surpresa, não consegui nenhuma informação sobre a tecnologia empregada. No sítio da ClimateCare há muita propaganda do tal fogão, mas nenhuma descrição mais detalhada do como fazê-lo. Tecnologia em geral é coisa guardada com muito segredo, mas para esse tipo espera-se muita divulgação, já que não se imagina que alguém faça isso buscando lucro. Entretanto, parece que nesse caso há interesse em dificultar que outros reproduzam a tal inovação. Espero que no futuro não tenhamos que pagar royalties para continuar a fazer nossos fogões a lenha, aliás parecidos com os que vi nas fotos e vídeos da ClimateCare. Roberto V. Ribas São Paulo, SP
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Goldemberg Bem oportuna a entrevista com José Goldemberg na edição 150, apresentando um resumo de sua vida acadêmica e a influência especial nas questões energéticas e ambientais, que se fundem no momento. Há uma correção a fazer na fala do professor José Goldemberg: na página 15 ele afirma que a “celulose é formada por uma longa cadeia de sacarose” – na verdade, a celulose é formada por cadeia de celobiose, que em essência é formada por duas moléculas de glicose. A sacarose, ou açúcar da cana, é um dímero formado pela união de uma molécula de glicose com outra de frutose. Pequena reparação feita, acho importante realçar o fato de que políticas energéticas em diversas áreas devem ser mantidas para não se perder o bonde da história. No momento, o Brasil passa a ter importância internacional em biocombustíveis sem deixar de investir na exploração e prospecção de petróleo. É um modelo que foi elogiado por autoridades mexicanas em evento recente de bioenergia naquele país e deve ser mantido e expandido. Adilson Roberto Gonçalves Escola de Engenharia de Lorena/USP Lorena, SP
Violência Gostaria de parabenizar a equipe da revista Pesquisa FAPESP por suas reportagens interessantes feitas de forma criteriosa. A apresentação gráfica bem
cuidada é outro ponto que deve ser observado.Trabalhei em sala de aula o tema efeitos da violência, capa da edição 150, utilizando a reportagem de Ricardo Zorzetto para levantar discussões, o que foi muito produtivo. Palmira Petratti Cedem/Unesp Marília, SP
Indicadores Gostaria de parabenizar a revista Pesquisa FAPESP pela excelente reportagem “O fôlego na berlinda” (edição 150) sobre o ranking de publicações científicas em nível mundial. A reportagem aponta algumas das possíveis causas para o baixo crescimento no número de publicações brasileiras nos últimos anos; contudo, um fator muito importante que não foi mencionado diz respeito à habilidade de nossos pós-graduandos e doutores de escreverem artigos científicos em inglês, que em muitos casos é precário. Esse fato tem sido evidenciado por mim e outros professores, após criarmos e ministrarmos um curso específico sobre técnicas de escrita científica em inglês no programa de pós-graduação em física do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo. Nesse curso, que tem tido elevada procura em todas as turmas (entre 60 e 80 alunos, incluindo ouvintes), nos deparamos com aspectos antagônicos interessantes: por um lado, a falta de preparo e de intimidade com a língua inglesa por parte de nossos pós-graduandos e pós-docs, no que tange à organização de idéias, argumentação etc., ou seja, à escrita, de maneira geral. Por outro lado, e bastante recompensador, é evidente o enorme interesse e força de vontade dos alunos em adquirirem independência na escrita de seus artigos, o que reflete o reconhecimento por parte deles da importância das publicações científicas. Acredito que uma das alternativas para estimular-
mos o efetivo aumento do número de publicações científicas no país a médio e longo prazos são nossos programas de pós-graduação incentivarem a implementação de cursos e oficinas voltados especificamente à escrita científica com ênfase na linguagem, a exemplo dos inúmeros writing-centers facilmente encontrados em universidades norte-americanas e européias. Valtencir Zucolotto Instituto de Física de São Carlos Universidade de São Paulo São Carlos, SP
Vargas A reportagem “Trabalhadoras do Brasil” foi por nós muito apreciada ao resgatar a memória da senhora Darcy Vargas, por sua atuação destacada no estabelecimento de ações sociais e definindo um patamar de influência da mulher na vida pública brasileira. A publicação foi também oportuna devido ao paralelo natural entre sua atuação e a da doutora Ruth Cardoso, recentemente falecida. Entretanto, o texto possui uma incorreção em relação ao número de filhos do casal Getúlio e Darcy, que tiveram cinco em vez dos quatro filhos informados. O texto se refere a três deles: Alzira, Jandira e Getúlio, este falecido prematuramente, mas já em idade adulta. Os outros dois filhos foram Lutero e Manoel Antonio, tendo este último se formado em engenharia agronômica na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo em Piracicaba, em 1936. Antonio Vargas de Oliveira Figueira Hedda Vargas de Oliveira Figueira Piracicaba, SP
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@fapesp.br, pelo fax (11) 3838-4181 ou para a rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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CARTA DO EDITOR FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO LAFER
Mitos desfeitos
PRESIDENTE JOSÉ ARANA VARELA
VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR
Luiz Henrique Lopes dos Santos Diretor de Redação em exercício
CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, JACOBUS CORNELIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI
DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
DIRETOR CIENTÍFICO
N
este mês de eleições a capa desta edição põe em questão uma opinião arraigada na população. O horário eleitoral gratuito interessa apenas aos próprios candidatos e é pouco visto pela população em geral? Pesquisas do Ibope indicam que a propaganda política alcança de 30% a 40% de audiência, números que desmentem a completa rejeição dos eleitores que assistem à TV e ouvem rádio. Cientistas sociais entrevistados pelo editor de humanidades, Carlos Haag, a partir da página 18, falam do poder efetivo que a informação passada diretamente pelos candidatos teria sobre o eleitor, o que seria comprovado pelos exemplos de políticos que saltam à frente dos adversários após terem a visibilidade das propostas ampliada pelos meios eletrônicos. Os pesquisadores lembram outro fator que consideram benéfico dos comerciais eleitorais: o fato de a propaganda não ser paga por políticos e partidos combateria, por tabela, o abuso do poder econômico. A Receita Federal dá isenção fiscal à mídia para fazer a transmissão e os candidatos têm de se adequar a um determinado tempo previamente estipulado. Ou seja, ter recursos não garante mais tempo de exposição. Embora muito criticada pela mídia eletrônica, pode ser que o eleitor saia ganhando com a oportunidade de conhecer um pouco mais em quem votará. A circulação de informações também está na raiz da expressão “fuga de cérebros”, utilizada desde a década de 1950 para descrever o êxodo de pesquisadores rumo às melhores condições oferecidas por países mais ricos. Normalmente o fenômeno é citado de modo pejorativo, como se o Brasil e outros países em desenvolvimento que investem em talentos promissores estivessem sendo roubados por aliciadores estrangeiros. Definitivamente, não é assim que tudo acontece. Há estudos indicando que a ida e a vinda de cientistas de todos os matizes podem trazer benefícios para as nações economicamente menos favoreci-
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das. No Brasil ainda há poucos trabalhos sobre o tema, mas dois deles, um de 1972 e outro de 1999, revelaram uma fuga de cérebros pequena. Algo em torno de 5% permaneceram trabalhando no exterior após completarem os estudos. O editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, explica como as redes de diáspora podem aproveitar, mesmo de forma remota, o capital humano dos profissionais que emigram (página 30). Na editoria de tecnologia, procuramos entender o tamanho do desafio que representam as reservas de petróleo e gás abaixo da camada de sal no mar. O editor Marcos de Oliveira conta que será preciso inovar desde a perfuração a uma profundidade máxima de 7 mil metros até o transporte da matéria-prima para terra firme (página 70). Esses novos estímulos à pesquisa tornam bem-vindas não apenas a riqueza disponível no pré-sal – o país ganha também com o desenvolvimento de tecnologias para sua exploração. Nas páginas de ciência, Francisco Bicudo e Maria Guimarães apresentam uma nova visão das bactérias (página 48). Sem elas, o sistema imunológico não funciona como deveria. Um grupo de Minas Gerais demonstrou que a total ausência de bactérias em mamíferos leva o organismo a deixar de produzir uma reação inflamatória essencial para combater lesões de vários tipos. Desde 2004 os pesquisadores trabalham para aprender mais sobre essa questão, que ajudará a entender alguns processos fisiológicos importantes. Por fim, não deixe de acompanhar Pesquisa FAPESP nos próximos meses. Tal qual aconteceu com a exposição Revolução genômica, a equipe da revista é a responsável, com o Instituto Sangari, pela programação cultural da exposição Einstein (página 42), em cartaz na capital paulista, e retratará em suas páginas as palestras e debates sobre a vida, obra e idéias de um dos grandes cientistas de todos os tempos.
JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER
DIRETOR ADMINISTRATIVO
ISSN 1519-8774
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTÍFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETOR EM EXERCÍCIO LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS
EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRÍCIO MARQUES (POLÍTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CIÊNCIA) EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA (EDIÇÃO ON-LINE) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGÔ NEGRO EDITORA DE ARTE MAYUMI OKUYAMA ARTE JÚLIA CHEREM RODRIGUES, LAURA DAVIÑA, MARIA CECILIA FELLI FOTÓGRAFOS EDUARDO CESAR, MIGUEL BOYAYAN SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS TEL: (11) 3838-4201 COLABORADORES ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS), BUENO, DANIEL DAS NEVES, DANIELLE MACIEL, FRANCISCO BICUDO, FURIO LONZA, GEISON MUNHOZ, GONÇALO JUNIOR, JAIME PRADES, EVANILDO DA SILVEIRA, LAURABEATRIZ, MANU MALTEZ, YURI VASCONCELOS
OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
PARA ANUNCIAR (11) 3838-4008 PARA ASSINAR FAPESP@TELETARGET.COM.BR (11) 3038-1434 FAX: (11) 3038-1418 GERÊNCIA DE OPERAÇÕES PAULA ILIADIS TEL: (11) 3838-4008 e-mail: publicidade@fapesp.br GERÊNCIA DE CIRCULAÇÃO RUTE ROLLO ARAUJO TEL. (11) 3838-4304 e-mail: rute@fapesp.br IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA TIRAGEM: 35.800 EXEMPLARES DISTRIBUIÇÃO DINAP GESTÃO ADMINISTRATIVA INSTITUTO UNIEMP FAPESP RUA PIO XI, Nº 1.500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA – SÃO PAULO – SP SECRETARIA DO ENSINO SUPERIOR GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO
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() MEMÓRIA
Dias ausculta mulher em Bambuí (1945): barbeiro (abaixo) infestava 80% das casas
Caça ao barbeiro Emmanuel Dias fez as primeiras campanhas para erradicar o mal de Chagas do país Neldson Marcolin
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m 1940 uma paciente com um sintoma característico da doença de Chagas – inchaço em um dos olhos conhecido como sinal de Romaña – levou Amílcar Martins, pesquisador do Instituto Ezequiel Dias, de Belo Horizonte, até Bambuí, oeste de Minas Gerais. Lá ele percebeu estar diante de um foco altamente endêmico da moléstia e avisou Emmanuel Dias e Cecílio Romaña, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), do Rio de Janeiro, que visitaram a localidade. Foi naquela cidade localizada próxima à nascente do rio São Francisco onde ocorreram as principais experiências que permitiram combater com grande sucesso o mal no Brasil. Emmanuel Dias (1908-1962) foi o principal personagem dessa segunda fase de descobertas sobre a transmissão da doença. Carlos Chagas causou espanto em abril de 1909 ao comunicar à comunidade científica que havia descoberto uma nova moléstia humana, seu agente (o protozoário Trypanosoma cruzi) e o vetor (o percevejo hematófago conhecido como barbeiro). É caso único da história da medicina brasileira de um mesmo cientista que tenha conseguido identificar os três fatores. A doença freqüentemente leva à morte em razão dos sérios distúrbios cardíacos provocados pelo T. cruzi. De 1908, quando Chagas começou seus estudos, até 1940 haviam sido identificados apenas 29 casos agudos,
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FOTOS ARQUIVO PESSOAL DE JCPD
Ferrovia e casas reformadas: Dias convenceu direção da rede a fazer reformas
todos no norte de Minas. Com a epidemia de Bambuí, Emmanuel Dias foi destacado para assumir as pesquisas na cidade onde identificou 80% das casas com infestação de barbeiros – na periferia, metade da população estava infectada. Em 1943 Dias instalou na cidade o Centro de Estudos e Profilaxia da Moléstia de Chagas, um posto avançado do IOC (atual Fiocruz). Mapeou o município e começou uma luta sem tréguas para eliminar o inseto. Na época, como hoje, não existia vacina ou tratamento eficaz para a doença. No total foram descritos 368 casos agudos e cerca de 10 mil crônicos da moléstia. O barbeiro chegou a Bambuí com a estrada de ferro e a imigração. Uma vez instalado, encontrou condições ideais para se procriar: as casas eram miseráveis, de taipa ou madeira. Dias sabia que a única chance de brecar a transmissão seria eliminar o vetor. Por isso experimentou todos os métodos – de lança-chamas
a gás cianídrico, de compostos de soda cáustica a querosene. “Chegou a tentar comprar barbeiros, mas eram tantos que faltou dinheiro”, conta João Carlos Pinto Dias, um dos cinco filhos de Emmanuel, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou, de Belo Horizonte, e hoje diretor do centro que o pai criou. Os melhores resultados foram conseguidos com o hexaclorocilo-hexano, o BHC, inseticida posteriormente proibido. Dias foi às escolas, escreveu artigos, trouxe autoridades federais para conhecer a cidade infestada e conseguiu melhorar o padrão de algumas casas, como a dos ferroviários da antiga Rede Mineira de Viação, por meio de alvenaria e caiação. Essas foram
as primeiras campanhas contra a doença, depois levadas adiante pelo próprio pesquisador para todo o Brasil, além de Chile, Uruguai, Venezuela, Costa Rica e Argentina, até sua morte em 1962, em um acidente de carro. “Hoje
a infestação em Bambuí é zero”, relata João Carlos. E, em 2006, a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) certificou o país pela interrupção da transmissão da doença de Chagas no território nacional. Em agosto de 2008 o presidente da Fiocruz, Paulo Buss, proclamou Emmanuel Dias, numa homenagem pública, como o cientista que produziu o maior impacto no enfrentamento da doença.
Pesquisadores Valdemar Versiani (esq.), Amílcar Martins e Dias à frente de cafuas melhoradas, em 1946
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ENTREVISTA
Dieter Muehe
Não esqueçam o mar Geógrafo diz que é fundamental monitorar o litoral e o oceano para saber o que realmente vai mudar no clima Neldson Marcolin
FOTOS LÉO RAMOS
A
resposta do geógrafo baiano Dieter Carl Ernst Heino Muehe ao pedido de entrevista de Pesquisa FAPESP soou quase como um blefe. “Venha até meu apartamento, em Niterói, para conversarmos. Estou aposentado e vou pouco ao Fundão”, disse ele se referindo ao campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é professor titular e ainda orienta doutorandos. Aos 70 anos, a voz baixa e aparentemente tímida ao telefone dava a impressão de que se tratava de um pesquisador cansado, dedicado, a essa altura da existência, apenas a criar netos. A realidade de Dieter Muehe é bem diferente do que sua discrição deixa ver. Durante a entrevista, este filho de alemães nascido em Maragogipe, no Recôncavo Baiano, colocou sobre a mesa dois livros da maior importância para quem estuda a costa do país e administra prefeituras no litoral brasileiro. O primeiro, Erosão e progradação no litoral brasileiro, foi feito para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e lançado no segundo semestre de 2007. Trata-se de estudo cuidadoso com indicações de onde a linha da costa está se retraindo, em razão da erosão, e onde está se expandindo, por causa da progradação (depósito excessivo de sedimentos). O outro foi publicado no mês passado: Rio, próximos 100 anos – O aquecimento global e a cidade. O objetivo é oferecer subsídios científicos para os administradores municipais enfrentarem as possíveis conseqüências das mudanças climáticas globais nas próximas décadas. Os dois livros tiveram a ativa participação de Dieter Muehe como coordenador dos numerosos pesquisadores das mais diversas áreas envolvidos. Na entrevista a seguir, ele fala de outros trabalhos, até de maior destaque, como a participação ativa na reivindicação brasileira dos direitos sobre as 350 milhas (650 quilômetros) a partir da linha da costa. Também ressalta a importância de se monitorar o mar continuamente e com método, utilizando equipamentos como medidores de marés e de ondas, entre outros. “Só com mais
informações é que saberemos, nos próximos anos, o que vai realmente mudar no clima e quais as conseqüências para as populações”, alerta. Ganhador do Prêmio Conrado Wessel 2003 na categoria Ciência Aplicada ao Mar, Dieter Muehe tem uma filha e dois netos. Mora com a mulher em Niterói, perto da praia. Nos finais de semana habituou-se a subir a serra de Itatiaia, onde tem um chalé, para descansar nas montanhas, longe do mar. Abaixo, os principais trechos da entrevista. ■ Um dos pontos mais polêmicos no debate e nas pesquisas sobre as mudanças globais climáticas tem girado em torno de um possível aumento do nível mar. Como especialista na costa litorânea, qual a sua opinião? — Essa é sempre uma boa questão, ainda com poucas respostas confiáveis. Temos visto todo tipo de estudos contra e a favor das previsões do IPCC [Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas]. Por exemplo, o efeito de correntes oceânicas no retardamento do aquecimento, a estabilidade do permafrost, isto é, a camada de solo congelado abaixo da superfície, mas também a descoberta recente de liberação de hidrato de metano do fundo oceânico na Sibéria, um efeito que, se for ampliado, aumentará significativamente o efeito estufa. O importante disso tudo é que, pela primeira vez, há um movimento
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realmente planetário de preocupação com o ambiente. Com relação ao mar, o único cuidado a tomar é que as observações têm de ser feitas com base em monitoramento contínuo. E este é o grande problema no Brasil. Aqui quase não temos monitoramento contínuo do comportamento da linha da costa ou do mar. Na área costeira, estamos no início da formação de uma rede para relacionar efeitos de erosão costeira com fenômenos oceanográficos. Se por um lado é a atmosfera que vai provocar mudanças, a resposta é o clima de ondas e a própria elevação do nível do mar. Ou seja, um dos principais mecanismos de controle da estabilidade da linha de costa é o mar e a maneira como ele se apresenta. ■ Por que o monitoramento ainda é um grande problema no Brasil? — Em relação ao monitoramento da mobilidade da linha de costa, este trabalho é geralmente feito por grupos de pesquisadores da universidade com o objetivo de desenvolver uma disserta-
Com relação ao mar, é importante que as observações sejam sempre feitas com base em monitoramento contínuo
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ção ou tese e é interrompido depois da conclusão do trabalho. A própria medição da maré, que hoje é muito importante, era feita tendo como objetivo a navegação, e não a indicação de tendências de elevação ou rebaixamento. A busca pela interpretação de maregramas [registro gráfico dos movimentos de elevação e abaixamento da maré] de longo prazo resulta na preocupação com a elevação do nível do mar, algo recente. É preciso que alguém tome conta, vigie, e não há gente para isso. O jeito de manter um marégrafo ou um ondógrafo [para medição de ondas] é fazer convênios com empresas para que elas assumam parte do problema. Por exemplo, os únicos marégrafos de longa duração estão em Cananéia (SP) e na Ilha Fiscal (RJ). Medições maregráficas começaram a ser feitas a partir de 1781, porém, de modo descontínuo, que não permitem uma definição de tendências. A partir de 1831começou o primeiro registro contínuo, no porto do Rio, que serviu de referência para a delimitação dos terrenos da Marinha. Tanto que esses terrenos são baseados no nível médio das marés mais altas desses primeiros registros. Em geral, apesar de hoje termos uma ampla rede de marégrafos ao longo da costa, são poucos os que permitem a determinação da variação do nível do mar ao longo do tempo por falhas de registro ou mudança de posição. A percepção da necessidade de realizar as medidas não apenas para a determinação da maré, mas também para a identificação do comportamento do nível do mar mudou, sendo necessária a obtenção de registros contínuos por várias décadas – 30, 40 ou 50 anos – para se ter uma tendência. Isso porque há variações de curto prazo, de alguns anos e mesmo uma ou duas décadas, que, se projetadas, para um período maior incorrem em erros muito grandes. Esse é um problema da informação de longo prazo. Quer dizer, a instabilidade é que é o normal? — É, e ela pode se transformar radicalmente em razão de uma mudança no clima. Quando se vêem nossas planícies costeiras, temos cristas de praia alinhadas paralelamente. Nas fotos de satélite pode-se ver muito bem isso. De repente há uma mudança de direção nessas ■
cristas, cada uma representando uma posição da linha de costa. O que acontece? Temos um registro de um passado de alguns milhares ou centenas de anos em que houve uma mudança na direção preferencial das ondas e a linha de costa mudou de direção para se adaptar à nova situação. Isso representa acumulação em um ponto e erosão no outro como resposta morfológica às mudanças do clima. É preciso estabelecer locais de registro contínuo. Pensando nisso acabamos de fazer um trabalho pioneiro na América Latina com a prefeitura do Rio com equipes de pesquisadores de geomorfologia, oceanografia, engenharia e saúde, entre outros. O objetivo foi obter um diagnóstico da vulnerabilidade potencial da cidade. O estudo foi patrocinado pelo Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos e chama Rio, próximos 100 anos – O aquecimento global e a cidade. Estudo semelhante foi realizado logo após para todo o estado do Rio por solicitação da Secretaria do Meio Ambiente. São trabalhos de avaliação de impactos devidos a mudanças climáticas do nível do mar. Um dos problemas encontrados foi a falta de cartas topográficas de detalhe para a demarcação das áreas sujeitas à inundação, um risco bem maior que a erosão costeira por afetar um número muito maior de pessoas. Por que esse estudo é importante? — Não é comum uma prefeitura se preocupar em consultar a academia para ter um diagnóstico sobre um problema de vulnerabilidade que só ocorrerá em um futuro mais ou menos distante. Existe algo feito em Nova York, em Londres, mas não de forma tão global. Hoje temos uma visão completa sobre vários aspectos das mudanças climáticas que poderão vir a ocorrer e afetar o Rio. Com os dados que existem agora, se tivermos a previsão de inundações que poderão ocorrer em 70 anos e esse cenário de fato ocorrer sem que o poder público tenha feito nada, os habitantes poderão até entrar na Justiça. Os prefeitos terão de assumir algumas responsabilidades, como evitar ocupações em áreas potencialmente de risco. ■
A erosão ajuda a causar a inundação? — A erosão é o recuo da linha de costa. Normalmente, a retaguarda da praia ■
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tem um cordão arenoso mais alto, muitas vezes há dunas. No Brasil tivemos duas elevações do nível do mar no passado. Uma, há 120 mil anos, para um nível do mar cerca de 6 metros mais alto, e outra com um máximo de 3 metros acima do mar atual, pouco menos de 6 mil anos atrás. Em cada uma dessas elevações o mar construiu cordões arenosos que funcionam como barreiras, aprisionando lagunas a sua retaguarda. Muitas desssas lagunas se preencheram de sedimentos, viraram planícies costeiras e estão sendo ocupadas pelo homem. O problema é que estão em um nível topográfico muito próximo ao nível do mar atual. Hoje, quando se tem uma chuva forte e o nível do mar sobe, não tem escoamento e ocorre a inundação. Fica muito pior quando se associa inundação com o transbordamento dos rios e chuvas fortes. Nós já temos isso no Rio e em outras cidades erguidas na beira de estuário. ■ Se houver a elevação do nível do mar prevista em alguns cenários, como as cidades mais vulneráveis ficarão? — A situação só vai piorar. Não só por causa da erosão costeira ou das inundações, mas também por intensificação de fenômenos meteorológicos extremos, como ventos muito fortes por causa da geração de ciclones. O oceano é fundamental, mesmo porque toda mudança climática maior tem muito a ver com a circulação oceânica, tanto a de superfície como a de fundo. Agora começamos a fazer monitoramento com bóias no mar. Existe um programa internacional chamado Goos [sigla em inglês para sistema global de observação dos oceanos] do qual o Brasil faz parte e tem, entre outros projetos, o lançamento e monitoramento de bóias oceanográficas. Outros projetos como o da criação de uma rede de ondógrafos em águas rasas e a expansão da rede de monitoramento do nível do mar estão sendo implementados.
O oceano é fundamental porque toda mudança climática maior tem muito a ver com a circulação oceânica, tanto a de superfície como a de fundo
agricultura do continente. Mesmo nos países desenvolvidos era assim. Ouvi reclamações na Alemanha, nos anos 1970, de que o país estaria de costas para o mar. A preocupação maior era com a geologia. Havia, evidentemente, institutos de pesquisa oceanográfica renomados. Mas a tradição de pesquisa no mar foi interrompida durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje a pesquisa oceanográfica, em todas as suas especialidades, é amplamente desenvolvida nesses países, mas o monitoramento ao qual me refiro é o costeiro. Isto é, o monitoramento contínuo de variáveis oceanográficas e meteorológicas capazes de detectar mudanças de padrão e a identificação de tendências. É uma preocupação moderna... — Sem dúvida. Vamos pegar o exemplo das plataformas de petróleo do mar do Norte. A energia da onda varia em função do quadrado de sua altura. Se uma onda de 1 metro tem energia 1, uma onda de 2 metros tem o dobro. Mas uma onda de 4 metros tem 16 vezes mais energia. Ou seja, depois de um ■
Falta de monitoramento do mar é um problema apenas brasileiro? Ingleses, portugueses e espanhóis, com muitos séculos de tradição em navegação, por exemplo, monitoram o mar? — Não se olhava o mar com atenção porque éramos naturalmente voltados para os recursos minerais e para a ■
pequeno patamar, o incremento é exponencial. Aumentos de 30 centímetros nas alturas máximas de ondas geram um esforço que implica pensar em uma estrutura mais forte para as plataformas. É isso que se tem percebido com as medições. Agora estamos falando em termos operacionais de gerenciamento costeiro e de planejar o que fazer no caso de mudança climática em termos da orla costeira. Para tomar uma decisão precisamos de informação. A informação passada não há como recuperar, porque não existia seqüenciamento de dados. Temos que fazer isso agora, para daqui a 20 ou 30 anos vislumbrar uma tendência. No Rio houve um consenso sobre a necessidade de criar organismos para fazer coleta de dados. ■ Quem se responsabilizará pelas medições no Rio? — Ainda não sabemos. Não avançamos nesta questão por falta de tempo. ■ Esse monitoramento seria feito melhor se estivesse a cargo de um instituto? — No Rio achamos que deveria ter uma instituição para fazer a coordenação, assim como o gerenciamento costeiro, que deveria se estender por toda a costa do estado. Essa é uma ação administrativa complicada. Há órgãos que já têm a função de fazer uma série de tarefas. Para dar certo teria de ser feita uma costura harmoniosa. E é uma decisão política. São esses organismos que poderão gerar as informações que necessitamos. ■ Como foi o trabalho com o MMA sobre
uso e ocupação da orla marítima? — Fiz um trabalho global como abordagem preliminar de delimitação da orla. É uma idéia muito simples que considera a declividade do fundo marinho. O que acontece com o recuo da linha de costa quando o mar subir tantos centímetros? É algo em torno de 30 a 40 metros em lugares no Sudeste e no Sul. Para o Norte e Nordeste tende a aumentar, porque a plataforma de fundo marinho é muito rasa e o declive, mais suave. O mar avançaria mais lá. Essas discussões foram feitas no MMA com o pessoal do gerenciamento costeiro. Meu trabalho é apenas um dos pontos do Projeto Orla, que tende a se preocupar mais com o que acontece nessa faixa litorânea. Até tem uns limites: a PESQUISA FAPESP 152
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partir de 10 metros de profundidade e de 50 a 200 metros a partir do final da praia, ou a partir do final das dunas, deve ser estabelecida uma distância mínima de não-construção. O projeto está sendo implantado em vários municípios dos estados costeiros. Tudo leva tempo, porque em alguns lugares é mais difícil atuar. A maioria das prefeituras não tem sequer uma equipe técnica para fazer a avaliação correta. A posição do Estado tem que ser muito mais forte. Voltando ao caso da cidade do Rio: temos aqui uma linha de costa barrada. As praias têm muros atrás delas, não têm como se ajustar. Agora, se o nível do mar sobe em uma área não ocupada, sem muros, a linha de costa vai recuar e criar uma praia mais atrás. Não há problema nenhum. Como hoje a ocupação avançou muito, cresceu a percepção da erosão. ■ Quais os pesquisadores que trabalham
com esse tipo de problema hoje? — Há um pessoal da área de geologia marinha integrado em um Programa de Geologia e Geofísica Marinha. São grupos de pesquisa marinha costeira que estão em praticamente todas as universidades federais. Tais grupos se
juntaram nesse programa que é, na verdade, uma associação informal de pesquisadores que começou a fazer geologia marinha no Brasil. A primeira excursão ocorreu em 1969, quando descobriram que o Amazonas tem um cânion no talude continental. Havia trabalhos antes disso afirmando que no Brasil não teria um cânion. Isso mostra que a nossa margem continental era praticamente desconhecida. Nesse grupo trabalham também oceanógrafos e geógrafos, eu entre eles, desde o início. Os oceanógrafos também começaram a se interessar muito pela parte de praias e não somente pelos oceanos. Essa turma começou com a pesquisa sistemática com ajuda da Marinha, que, junto com o CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], motivou os estudos no sentido de criar laboratórios ao longo do litoral e cedeu navios. Todo ano havia uma reunião para se definir as áreas a serem levantadas, principalmente para coleta de sedimentos, testemunhagem, geológica, análise de minerais pesados etc. Isso se tornou tão importante que resultou na criação do Projeto Remac – Reconhecimento da Margem Continental Brasileira. Aí entraram a Pe-
trobras, o Departamento da Produção Mineral, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais e a universidade, por meio do CNPq. Esse pessoal ficou em tempo integral trabalhando nisso, com o navio oceanográfico da USP e do Woods Hole, e fez o levantamento global da margem, isto é, a plataforma, o talude e a elevação continental, incluindo geofísica, geomorfologia e sedimentologia. O resultado foi um novo patamar de conhecimento da nossa margem continental. O que é elevação continental? — Temos a plataforma continental e depois o fundo abissal. A transição entre os dois planos é o talude. Muitas vezes, entre o talude e a região abissal, temos ainda uma transição chamada elevação. É com base nessas unidades geomorfológicas que o Brasil defende a ampliação dos seus limites no mar para além das 200 milhas, segundo as normas da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. ■
Se refere as 350 milhas marítimas para exploração de recursos naturais e minerais? — Sim, até mais, dependendo da situação. ■
A questão já foi resolvida? — Faço parte do grupo e grande parte do que propusemos foi aceito. As propostas foram apresentadas à comissão de limites da ONU e eles acham que a gente está pedindo demais em algumas áreas. Acreditamos que podemos convencê-los do contrário. ■
As 350 milhas, ou um pouco mais ou menos do que isso, ficarão definitivamente sob o domínio do Brasil? — Domínio relativo. O Brasil domina os recursos minerais do fundo marinho. Na zona econômica exclusiva que vai até 200 milhas domina a pesca e os recursos minerais no leito e subsolo marinho. Se o Brasil não tiver capacidade de explorar os estoques de pesca, outro país terá o direito de fazê-lo. A mesma regra não vale para os recursos minerais. A exploração pode até passar das 200 milhas quando a margem continental for larga o suficiente para estender a plataforma jurídica para além desse limite. Por isso pode che■
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gar no máximo a 350 milhas. A importância da extensão da nossa fronteira marítima é bem percebida quando verificamos que as perfurações para explorar petróleo já se aproximam das 200 milhas – ou seja, o limite da nossa Zona Econômica Exclusiva.
as ondas começam a mobilizar os sedimentos e também para impedir que nesta faixa sejam realizadas dragagens que, ao modificar a morfologia do fundo, alteram a propagação das ondas e o balanço dos sedimentos. ■ Uma parte importante de seu trabalho
O que falta para as Nações Unidas aceitarem a reivindicação brasileira? — O limite é definido a partir do pé do talude continental. O problema é definir onde está o pé do talude, que nem sempre é muito claro. Há também feições geomorfológicas, como cadeias de montanhas submarinas, que, em determinadas situações, permitem estender o limite mar a fora. Isso, no entanto, exige uma argumentação geomorfológica e geológica fortemente baseada em dados geofísicos e topográficos. O que está faltando é a apresentação dos resultados de novos levantamentos para esclarecer os pontos controversos. Então teremos definitivamente fixados os nossos limites marítimos. ■
■ O senhor é geógrafo, mas seu trabalho abrange todas as frentes de pesquisa? — Sim. Dentro da geografia existe a geografia marinha. Na realidade, a oceanografia nasceu dentro da geografia, mas foi se distanciando à medida que aumentava a especialização dos diversos ramos da oceanografia. A relação que a geografia sempre teve com o mar foi a morfologia costeira. A própria geomorfologia é uma especialidade que é desenvolvida tanto na geografia física como na geologia e engenharia. O que é a geomorfologia? É a compreensão dos processos responsáveis pela elaboração das formas de relevo, e não apenas sua descrição. A praia é a ponta de um prisma sedimentar que vai até 10 a 20 metros de profundidade, dependendo da energia das ondas. O que acontece nessa faixa está completamente ligado a sua morfologia. Tanto que sugeri a profundidade de dez metros como limite oceânico da orla. ■ E foi aceito? — Sim, a adoção desse limite ocorreu nos grupos de discussão na época da definição do Projeto Orla. Precisávamos saber tanto o limite oceânico como o limite interno. Sugeri dez metros porque geralmente é a parte na qual
se refere ao cuidado com as populações costeiras. — A inclusão da realidade social nos estudos da parte física é algo complicado. Quando a erosão de praia atinge um lugar onde não mora ninguém, não tem problema. Ocorre que o risco maior da mudança climática atinge as populações. É fundamental ver onde elas estão localizadas e qual sua capacidade de reagir, que diminui com a pobreza. Quanto maior a pobreza, menor a chance de se defender. Agora estamos fazendo um estudo de vulnerabilidade física e socioeconômica da região costeira da Região dos Lagos (RJ) que inclui a parte física e a socioeconômica. O fator socioeconômico é sempre difícil porque as estatísticas são apresentadas por unidades espaciais de baixa resolução. A menor unidade é a área que o censor do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística] pode percorrer. Só que essas células não são fixas, elas podem mudar, mas é o mais próximo que podemos chegar até o momento. Atualmente tenho uma aluna de doutorado trabalhando nisso. No ano passado o senhor participou de um minucioso estudo sobre erosão. Do que se trata? — Coordenei um trabalho grande do grupo ligado ao Programa de Geologia e Geofísica Marinha, que resultou no livro Erosão e progradação no litoral brasileiro. Ele mostra que o litoral não tem processos apenas de erosão. Há setores que estão nitidamente avançando. Tudo começou com a idéia de fazer um estudo sobre a erosão no nosso litoral, mas não tínhamos dinheiro. Consegui então a aprovação do projeto pelo comitê executivo do Goos. Eles viram que esse tipo de levantamento está dentro da filosofia do programa porque aquilo é uma base para monitoramento. A proposta foi levada à Comissão Interministerial de Recursos do Mar, em Brasília. No final, liberaram R$ 47 mil, que foram distribuídos aos diversos grupos de acordo ■
com a necessidade de cada um. Na verdade, e isso tem que ser dito, o trabalho foi resultado de anos de investimento do CNPq, de órgãos de fomento à pesquisa dos estados e, mesmo, de recursos dos próprios pesquisadores. Conseguimos ter em mãos o estado-da-arte do conhecimento sobre o litoral de cada estado. Isso vai se tornar obsoleto rapidamente, mas é o que serve para abalizar como se deve agir hoje. Precisamos de mais equipamentos, que vão do sensoriamento remoto à geofísica, oceanografia e geofísica. Para, por exemplo, recuperar uma praia precisamos de areia apropriada, que está na plataforma continental. Temos de saber por que está acontecendo a erosão. É preciso conhecer os processos, que são aquele conjunto de forças que levam os sedimentos a ficarem ou saírem do local. Recuperar praia significa pegar areia que foi para o mar e devolver para a praia? — É isso. Mas custa caro. Em Cuba tem praias que são refeitas todos os anos, mas a quantidade de turistas que freqüentam o local compensa. ■
■ Aqui também recuperamos praias? — A praia do Leblon, no Rio, já foi recuperada várias vezes. Às vezes, a areia fica muito tempo de um lado só e pode ir para o Arpoador. A solução é jogar areia de novo. Às vezes, com as tempestades – não é só uma questão de ir de um lado para o outro –, a areia vai para o oceano aberto, para muito longe, e não volta. Aí precisa pegar de outro lugar. Em Copacabana a reposição deu certo em termos de alargamento. Mas a qualidade da praia não é a mesma que tinha antes. Primeiro porque boa parte da areia que está lá veio da enseada de Botafogo, então não é aquela areia redondinha típica de praias oceânicas. Isso nem dá para perceber, mas a zona de surfe diminuiu. A onda quebra mais perto da praia. Mas se resolveu um problema muito maior, que foi a falta de espaço para o trânsito.
Pelo exposto nesta entrevista, aos 70 anos o senhor continua com múltiplas atividades. — Continuo a fazer o que vinha fazendo, pesquisa de campo com alunos e alguma consultoria. Não penso em parar. ■ ■
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Palanque eletrônico Ao contrário do mito, o horário eleitoral gratuito funciona e ajuda o eleitor Carlos Haag | ilustrações Bueno
I
nterrompemos nossa leitura para um aviso importante: pesquisa recente feita pelo Datafolha revela que 45% dos eleitores não têm nenhum interesse em assistir na TV ao Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) e 38% dos espectadores afirmam que o horário eleitoral não terá nenhuma importância na hora de definir o seu voto para prefeito. Ao mesmo tempo, o programa custará aos cofres públicos cerca de R$ 242 milhões, valor que a Receita Federal deixará de arrecadar em razão da isenção fiscal concedida às emissoras de rádio e TV para transmitir propaganda partidária, que não é paga nem pelos candidatos, nem pelos partidos políticos. Nos últimos sete anos a perda de arrecadação chegou a quase R$ 2,1 bilhões. O HGPE entra nas casas dos eleitores no horário mais nobre do dia, na hora do descanso, na hora da família e, é claro, antes da novela, obrigando os espectadores a esperar 30 minutos, recheados de promessas de campanha e muitos “vote em mim”, antes de ver as mais recentes maldades da vilã Flora. Num país em que 90% dos domicílios (segundo a Media Dados) possuem televisão, meio que é o principal canal de informação para a grande maioria dos brasileiros, essa meia hora de interrupção do lazer cotidiano com a propaganda política não seria um “sacrifício” demasiado e inútil? “A análise das pesquisas de intenção de voto correlacionada com o horário político mostra que os programas possuem um alto nível de efetividade,
ainda que contrarie o senso comum de que eles têm baixa audiência e reduzido impacto político. A campanha eleitoral de fato só começa a se definir após a entrada do horário”, afirma Fernando Antônio Azevedo, coordenador do programa de pós-graduação em ciência política da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e diretor da Associação Brasileira em Comunicação Política. “Em quase todas as capitais brasileiras temos exemplos de candidatos que estavam atrás na corrida eleitoral antes do HGPE e que passaram a liderar as pesquisas, ou cresceram expressivamente, após ter sua visibilidade aumentada na mídia eletrônica, via programas políticos, via veiculação de suas peças publicitárias”, observa. Afinal, segundo o pesquisador, o candidato entra “virtualmente” na casa de cada eleitor e mesmo que o eleitor não veja todos os programas ou que a propaganda não seja uma experiência prazerosa como uma novela, nos seus 45 dias de veiculação, nota, “em algum momento o eleitor estará exposto ao horário e pesquisas do Ibope revelam que o HGPE atinge audiências em torno de 30% a 40%, o que é um número altamente expressivo e desmente a suposta rejeição do eleitor”. Para ter uma idéia, um líder do horário nobre, o Jornal Nacional, festeja ao atingir uma média de 37 pontos de audiência e uma novela das oito está indo muito bem ao chegar aos 40 pontos. “O tempo da campanha não se mede mais em dias, mas em intensidade de exposição na mídia. O palanque
decisivo não é físico, mas eletrônico. Em alguns anos, será virtual”, avalia o cientista político Sérgio Abranches, para quem a campanha na TV é fundamental na conversão de indecisos (que, em inícios de corrida eleitoral, podem significar uma oferta de 60% de eleitores disponíveis) e na consolidação das intenções mais firmes de votos. Tempo – “Acima de tudo, o horário po-
lítico demarca com nitidez o tempo da campanha eleitoral e coloca essa questão na agenda do debate público. Ela destaca o ‘tempo da política’ na consciência pública”, analisa o cientista político Afonso de Albuquerque, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Mas a visão comum não costuma dissociar o entretenimento televisivo da reflexão, ainda mais a política? “Justamente porque o Brasil tem tantos domicílios com TV é que se faz necessário reconhecer a centralidade da mídia na política. As campanhas dos últimos 20 anos encontraram na televisão um lócus privilegiado e estratégico para comunicação com eleitores e de debate com os adversários”, analisa o cientista político Cloves Oliveira, pesquisador do Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública (Doxa-Iuperj). Assim, as campanhas dialogam com o eleitor a fim de persuadi-lo a votar em determinado candidato e a rejeitar seus adversários. O instrumento central dessa “conversa” é a informação, um santo remédio para um fator “desvirtuante” do processo eleitoral: a pouca importância dada ao assunto “política” no PESQUISA FAPESP 152
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cotidiano das pessoas comuns. “Ao se perceberem alijadas do processo decisório da política pública, as pessoas não vêem utilidade em inserir esse tema na sua pauta de interesses, o que faz com que a alienação política seja um grande obstáculo para a mobilização de eleitores”, analisa Luciana Veiga, do Doxa. Nesse contexto, o horário eleitoral ativa o eleitor para a política. “A propaganda eleitoral tem a importante função de reduzir o custo da informação, facilitando o acesso do eleitor comum aos temas relevantes para a decisão do voto.” Descrente dos políticos e com poucas informações, o eleitor, diante da obrigatoriedade da escolha do voto, usa o horário político, avalia a pesquisadora, motivado pela expectativa de maximizar suas oportunidades, ou seja, “errar menos”, votando em alguém que “faça pelo menos um pouco do que prometeu”. “Com a propaganda as pessoas recebem informações que as deixam mais seguras sobre a decisão e suprem uma demanda pessoal. Os eleitores ainda buscam, na propaganda, argumentos que possam ser usados nas conversas do cotidiano, pois a política, no período eleitoral, faz parte dos assuntos que são debatidos em bares, no ponto de ônibus ou em conversas de colegas de trabalho e vizinhos. Ela, dessa forma, supre também uma demanda de interação social. Por isso o eleitor se expõe à propaganda eleitoral”, nota Luciana. Daí a notável incoerência do raciocínio dos votantes, detectada por uma pesquisa do Ibope (e que responde aos números recentes citados no início, de um suposto desinteresse pelo horário gratuito): a maioria dos eleitores considera os programas eleitorais inúteis e sem influência no próprio voto, porém os mesmos entrevistados acham que eles têm grande influência na decisão de voto da população. “Ele se apresenta como crítico o suficiente para não se deixar convencer por aqueles políticos que aparecem no comercial, mas é obrigado a aceitar que a população, incluindo ele mesmo no frigir dos ovos, dá muita importância àquela mesma propaganda na hora de escolher o seu candidato.” Dessa maneira, o horário político permite: vigiar e saber o que pensam os políticos; é um guia para votar, já que ordena as idéias na decisão do voto; uma comunicação antecipatória, ou seja, traz 20
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argumentos para uma discussão com os outros, fator importante na escolha de muitos eleitores; a abertura de uma especulação sobre qual candidato tem mais chances de ganhar; o reforço da exposição àquelas mensagens que consolidam as posições defendidas pelo candidato em quem já se decidiu votar. “Em suma, o eleitor, a partir de escassos recursos cognitivos, enfrenta o problema do alto custo do voto, pois, mesmo descrente, ele busca se informar a fim de ‘errar menos’, o que faz com que a propaganda eleitoral ocupe o local por excelência da discussão sobre a disputa”, resume Luciana. O acesso gratuito à mídia eletrônica também seria um santo remédio para o abuso do poder econômico. “Ele reduz a influência do dinheiro, pois desvincula, ainda que parcialmente, o acesso à mídia da posse do poder econômico. Exterior – Em outros países, como os
EUA, o espaço para que partidos e candidatos se apresentem ao público precisa ser comprado, como as propagandas comerciais”, afirma o cientista político Luis Felipe Miguel, professor do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas (Ceppac), da Universidade de Brasília. “A desvinculação é apenas parcial, porque o que a propagada eleitoral faz é proporcionar uma janela gratuita na mídia. Isso, no entanto, não garante os meios para produzir seus programas, o que resulta num profundo desequilíbrio na qualidade das mensagens, em benefício das campanhas mais ricas”, adverte.
Entram em cena, então, os chamados “marqueteiros”. A novidade criou raízes sólidas na eleição de 1989. “A partir da eleição de Collor, começa-se prestar atenção a três novos aspectos: ao desempenho performático do candidato vitorioso, à influência dos programas eleitorais na formação e intenção de voto e à interferência da mídia no processo eleitoral”, analisa o cientista político Marcus Figueiredo, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). “Em todo o planeta, nenhuma democracia reserva tanto tempo à propaganda eleitoral gratuita dos partidos na TV como o Brasil. Nos EUA, Finlândia e Itália há apenas propaganda eleitoral paga. Na Dinamarca, na França e em Israel somente há acesso público. Na Alemanha, Holanda e Inglaterra a propaganda eleitoral paga convive com o acesso público. No Brasil a obrigatoriedade do HGPE reside no entendimento de que rádio e TV são veículos insubstituíveis na irradiação de informações, por sua popularidade e abrangência”, afirma a cientista política Maria Helena Weber, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Daí a grande vantagem obtida por Collor em sua campanha eleitoral, considerada pelos pesquisadores como um divisor de águas do horário eleitoral. “Pela primeira vez se fez uma campanha profissional, mobilizando intensamente a pesquisa de opinião, tanto qualitativa quanto quantitativa, bem como as técnicas de marketing político e uma produção publicitária de alto nível pa-
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ra o horário eleitoral. Hoje qualquer campanha para ser competitiva exige uma equipe de marqueteiros, publicitários etc. Como conseqüência, elas se tornaram muito caras e demandam forte financiamento”, avisa Fernando Azevedo. Segundo o professor, toda eleição é uma competição retórica e a função do marqueteiro é vender seu candidato ao eleitor, o que ele faz, na campanha pela TV, por meio de argumentos e pela persuasão. No primeiro caso, ele usa uma estratégia próxima ao ideal do debate público, a “troca pública de razões” de que falava Habermas. No segundo, ele usa técnicas publicitárias em que predominam emoção e sentimento. “É por essa razão que os críticos falam que os candidatos são vendidos como uma mercadoria e que há uma ‘americanização’ da campanha eleitoral. Em verdade, o que há é uma modernização da forma, por conta da centralidade da televisão. Nos EUA o grande peso está nos debates entre candidatos, fundamental para a definição do voto. Aqui o debate influi menos e o HGPE possui um peso bem maior. É uma especificidade nacional, como a gratuidade da propaganda eleitoral”, explica Azevedo. Mas candidatos “bem embalados” no programa de TV ganham eleições com certeza? “Tenho minhas dúvidas. Muitas dessas campanhas parecem feitas para o público das classes A e B. Isso ganha eleição? Não sei. O efeito mais concreto da atuação dos marqueteiros é tornar proibitivamente caro aquilo que deveria ser muito barato, afinal o elemento mais custoso, que é o acesso ao canal de TV, é subsidiado pelo Estado”, avalia Albuquerque, para quem o modelo brasileiro, apesar disso, é uma alternativa muito melhor ao modelo americano. “Se ele fosse mais bem administrado, permitiria campanhas mais baratas e uma melhor qualidade da informação oferecida ao eleitor.” Em 1996, porém, surgiu uma novidade promissora. Além do fim das proibições de externas e outros recursos, o Brasil passa a ter um novo produto de propaganda eleitoral: os spots, programas de 30 a 60 segundos veiculados nos intervalos comerciais e ao longo da programação normal das emissoras, uma idéia já experimentada no plebiscito de 1993 sobre a forma e o sistema
de governo. “O recurso a spots curtos é comum nos EUA desde a década de 1970. Como a propaganda americana é pouco regulamentada, os candidatos adquirem o espaço comercialmente das emissoras, das quais se exige apenas que dêem iguais oportunidades de compra para todos os candidatos. Também não há limites legais para o conteúdo das peças publicitárias”, explica a cientista política Alessandra Aldé, do Doxa-Iuperj. O pesquisador lembra dados do Ibope, que revelam ter a audiência do programa eleitoral a forma de um sino invertido, mais alta no início do horário eleitoral, caindo progressivamente até atingir baixos níveis, e voltando a crescer quando se aproxima do fim, momento em que os telespectadores, na expectativa da próxima atração da programação normal, voltam aos televisores. Central – Não obstante, no jogo eleitoral
brasileiro, o horário político tornou-se um elemento central, altamente valorizado nos cálculos dos agentes políticos, quando projetam os lances seguintes de suas carreiras ou procuram alianças. “Ele é, nas circunstâncias atuais da nossa política, o grande mecanismo de valorização das hierarquias partidárias”, acredita Miguel. O horário gratuito, então, estaria na contramão do senso comum, que questiona se a campanha televisiva não provocaria uma “personalização” das eleições em detrimento dos partidos, já que, no centro de todo o aparato midiático, está a figura a ser
“vendida”: sua excelência, o candidato. “Isso não procede. O uso dos meios de comunicação eletrônicos, em verdade, é um fator de fortalecimento dos partidos, e não o contrário. Afinal, é aos partidos, e não aos candidatos, que a legislação concede tempo gratuito na televisão, o que faz com que os partidos se convertam em mediadores indispensáveis do acesso dos candidatos à mídia”, analisa Albuquerque. “Mais do que refletir uma estratégia eleitoral consistente e unificada dos partidos políticos, a distribuição de tempo entre os candidatos às eleições proporcionais resulta de um arranjo que visa conciliar os interesses das facções e lideranças políticas dos partidos. Garantir a ordem ‘intrapartidária’ é, assim, um objetivo primário da distribuição de tempo, tanto ou maior do que conquistar os votos do eleitorado.” Segundo ele, o modelo nacional é um reforço dos partidos que parte de um subsídio do Estado, antes que do seu vínculo com setores da sociedade. “No mesmo sentido, mesmo que não seja um modelo de virtude, as barganhas que se estabelecem entre os partidos políticos em torno da divisão de tempo televisivo dão conta de uma evidência suplementar da importância destes no jogo político”, nota. Isso, observa, ressalta a idéia de que o público do HGPE não seja necessariamente o eleitor, mas também a imprensa, as campanhas adversárias e o próprio partido. “Nem sempre a PESQUISA FAPESP 152
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questão é ganhar a eleição. Outras vezes o ponto é conquistar influência para negociar cargos ou mesmo manter a paz dentro do partido, fazer-se conhecido.” Nesse sentido, surge um ponto importante: o horário eleitoral, afirma Miguel, ajudaria a reduzir a influência das empresas de comunicação de massa no resultado das eleições. “É a principal medida para contrabalançar o poderio da mídia eletrônica na formação da opinião pública, garantindo um espaço na programação sob controle direto dos partidos”, explica. Isso, observa o pesquisador, permitiria aos partidos se libertarem dos constrangimentos impostos pelos meios de comunicação. “A propaganda eleitoral livra a comunicação política da ditadura do sound bite de poucos segundos, dando a chance de serem apresentados discursos mais longos, complexos e aprofundados e, em especial, permite que os partidos e candidatos proponham sua própria agenda temática.” Isso seria uma atenuante para uma das limitações atuais do horário político que seria sua incapacidade de alterar a agenda da mídia. “A relativa incapacidade do horário eleitoral em afetar a agenda da mídia, porém, não significa sua irrelevância na construção da agenda pública. Isso ocorreu com grande força em 1989, quando Collor conseguiu emplacar a temática dos ‘marajás’. A receptividade à agenda do HGPE limitou-se àquela eleição. Nas seguintes, a mídia estava mais bem preparada para conter as influências sobre a pauta dos noticiários e impor sua própria primazia”, afirma Miguel. “No entanto, o fracasso em sensibilizar a mídia é um indício importante de que o horário gratuito não está conseguindo cumprir satisfatoriamente sua missão. Aos olhos do público, há uma importante diferença de legitimidade entre a propaganda política e o telenoticiário. Este está revestido pelos valores da imparcialidade, próprios do jornalismo. Já aquele não pode negar seu caráter de discurso interessado”, analisa. No entanto, para o pesquisador, a compreensão dos limites da campanha televisiva não implica descartá-lo como desnecessário. “Apesar de todas as suas imperfeições, e de ser incapaz de dar à democracia brasileira tudo o que se esperava dele, trata-se de um instrumento raro voltado à geração de condições mais equânimes na disputa eleitoral. Diante 22
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Com a emergência de novos segmentos sociais a configuração eleitoral no Brasil se alterou, porque cresceu o peso econômico da chamada classe C
dos problemas que ele não resolve, porém, impõe-se a necessidade de buscar novas medidas que contrabalancem, no campo da política, os poderes do dinheiro e da mídia.” Isso adquire um caráter ainda mais importante e emergencial diante das pesquisas recentes que refletem o novo caráter adquirido pela chamada classe C em termos econômicos e políticos. “Com a emergência de novos segmentos sociais a configuração eleitoral no Brasil se alterou. Não que a classe C tenha se transformado numa nova formadora de opinião, mas ela se deslocou da influência exercida pela classe média tradicional, e isso ocorreu porque ela tem uma agenda política diversa em vários pontos das classes A e B”, diz Azevedo. “Nas últimas eleições de 2006, por exemplo, a questão ética teve um peso considerável nestas duas classes, mas um peso relativo na agenda das classes C e D, que tinham na estabilidade econômica, no aumento da renda e do emprego e nos programas sociais os principais pontos de sua agenda.” Além disso, fala o pesquisador, o resultado eleitoral mostrou também que o peso e a influência dos jornais e revistas, que foram fortemente críticos no episódio do “mensalão” e do “dossiê”, se restringiram ao público leitor, essencialmente composto pelas classes A e B. “Na televisão, embora os noticiários também fossem críticos, havia o horário eleitoral que permitia ao PT, ao governo
e ao presidente Lula estabeleceram o contraditório, falando diretamente para o eleitor. Em síntese, somos uma sociedade segmentada e socialmente heterogênea e isso é bom para a consolidação da nossa democracia e da pluralidade política. E também mostra a utilidade e poder do horário gratuito.” Mas será que o horário político está sabendo dar conta dessas mudanças? “O horário gratuito está capitalizando isso, em minha opinião, de forma insuficiente. A idéia de que a campanha é um assunto técnico, da competência de profissionais ultra-especializados me parece essencialmente antidemocrática na sua essência, é uma ‘aristocracia da técnica’ que não está sabendo levar essas alterações em consideração com a rapidez e eficiência necessárias”, pondera Albuquerque. “Afinal, esse viés técnico, na maioria das vezes, implica construir a campanha em padrões de gosto e discurso que são profundamente elitistas. No caso do Rio de Janeiro, cidade em que resido, isso se reflete, por exemplo, em um discurso de campanha televisiva que naturaliza a cidade nos termos de sua Zona Sul, ‘maravilhosa’, em detrimento do conjunto.” Seja de que classe for o eleitor, é certo, avisam os pesquisadores, que a propaganda política marca o real início do “tempo da política”, fazendo com que a população fique mais atenta à política, às eleições e que comece a buscar alternativas para o seu voto, bem como, numa etapa posterior, se configure num catalisador para cristalizar escolhas, ao longo do período em que a propaganda política vai ao ar. “Alguns poderiam perguntar se o voto obrigatório não seria uma ferramenta institucional que garantiria automaticamente o reforço e a cristalização das candidaturas, independentemente da propaganda eleitoral. A resposta lógica é não”, avalia o cientista político Luiz Claudio Lourenço, pesquisador do Doxa-Iuperj. “A obrigatoriedade não aponta a direção do voto. Essa pode até colocar a demanda de uma escolha, mas não o influencia sobre qual escolha fazer. A propaganda eleitoral não só ativa e reforça o processo decisório, mas sobretudo mostra quais são as opções que devem ser tomadas e tenta influenciar a escolha do eleitor.” Continue, agora, com a sua leitura normal. ■
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A Comunidade Andina de Nações vai patrocinar um programa para ajudar três de seus países membros, a Bolívia, o Equador e o Peru, a se adaptarem a um fenômeno ligado às mudanças climáticas globais. Trata-se do derretimento definitivo dos glaciares tropicais, geleiras formadas em altitudes elevadas, que ameaça a oferta de água para consumo doméstico, irrigação e geração de energia elétrica. No caso da cordilheira dos Andes, elas ocupam uma área de 2,7 mil quilômetros quadrados, da Bolívia até a Venezuela. O programa receberá US$ 10 milhões do Banco Mundial e outros US$ 22 milhões dos países andinos e prevê a implantação de uma rede de monitoramento para acompanhar a velocidade do recuo dos Geleira nos Andes peruanos: derretimento gera déficit hídrico glaciares. A situação é pior no Peru, que sofre com déficit hídrico nos rios amazônicos pelo > China faz aposta Academia Chinesa de quarto ano consecutivo. “O Peru já perdeu 22% de sua massa nos transgênicos de glaciares e isso está se acelerando”, disse à agência SciDev. Ciências Agrícolas, em Pequim. “Os transgênicos Net o ministro do meio ambiente peruano Antonio Brack Egg. Com 1,3 bilhão de pessoas podem converter a “Há previsões sugerindo que em 2050 só haverá glaciares para alimentar, a China vai acima dos 6 mil metros de altitude”, afirmou. A altitude méagricultura chinesa num dia da cordilheira gira em torno de 4 mil metros e seu ponto ampliar sua aposta nos modelo mais intensivo culminante é o pico do Aconcágua, com 6.962 metros. transgênicos na esperança e avançado”, disse Dafang.
AS ÁGUAS VÃO ROLAR
STEVE SCHMIDT/UNIVERSITY OF COLORADO
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de multiplicar a produção agrícola. O governo chinês anunciou em agosto investimentos de US$ 3,5 bilhões em pesquisa e desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas. O objetivo é colocar a China na corrida mundial para identificar genes de plantas de alto valor comercial, segundo disse à revista Science Huang Dafang, ex-diretor do Instituto de Pesquisa Biotecnológica da 24
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Das seis espécies transgênicas autorizadas no país, apenas o algodão resistente a pragas disseminou-se e ocupa 70% da área dedicada a essa cultura. Cientistas chineses já desenvolveram variedades transgênicas do arroz. Mas como se trata do mais importante cultivo do país, o governo foi cauteloso e vem adiando sua comercialização, devido aos temores da população em relação à biossegurança.
> Internet em todas as escolas Um programa lançado pelo governo de Portugal vai investir € 400 milhões na modernização tecnológica das escolas públicas do país. O Plano Tecnológico da Educação vai levar internet de banda larga a 30 mil salas de aula de 1.200 estabelecimentos
e também prevê a instalação de lousas interativas e sistemas de videovigilância. “Não quero que digam, uma vez mais, que o mundo mudou, a sociedade evoluiu, houve uma revolução tecnológica mas a escola ficou para trás”, disse o primeiro-ministro José Sócrates ao lançar o programa, segundo o jornal on-line IOL PortugalDiário.
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JON EPSTEIN / CENTER FOR CONSERVATION MEDICINE
> Windows no lugar do Linux
À MEMÓRIA DO DIVULGADOR
O governo do Peru começou a distribuir 100 mil laptops de baixo custo nas áreas mais pobres do país, dentro do programa internacional Um laptop por criança (OLPC, na sigla em inglês). Mas resolveu desafiar um dos ícones do programa, que é o uso da plataforma de software livre Linux, voltada tanto para baratear o custo dos
A National Science Foundation (NSF) e os National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, vão destinar US$ 16 milhões para oito novos projetos no âmbito de seu programa de Ecologia das Doenças Infecciosas, que já existe há nove anos. Os projetos vão estudar como as mudanças no clima e na biodiversidade podem estar aumentando o risco de emergência ou re-emergência de doenças causadas por vírus, bactérias e parasitas. Seria o caso, por exemplo, da expansão do letal vírus Nipah em Bangladesh, transmitido por morcegos – entre as vítimas destacam-se catadores de tâmaras que, por subirem nas árvores, têm contato com o vírus propagado pelos mamíferos voadores. “Num tempo de rápidas mudanças globais, o surgimento de moléstias infecciosas tende a ser mais comum”, disse James Collins, diretor da NSF para ciências biológicas. “Os projetos vão realizar os estudos básicos necessários para antever a iminência da eclosão dessas doenças, assim como a sua virulência e a velocidade de disseminação.”
ECOLOGIA DAS DOENÇAS
Catador de tâmaras em Bangladesh: elo
equipamentos quanto para estimular o aperfeiçoamento do programa pelos próprios estudantes. No lugar do Linux, os computadores
portáteis são abastecidos com o programa Windows XP, da gigante Microsoft. O ministro da Educação peruano, Jose Antonio
Um dos mais famosos divulgadores da história da ciência, o astrônomo norte-americano Carl Sagan (1934-1996) recebeu uma homenagem da Nasa só antes conferida ao gênio Albert Einstein e ao astrônomo Edwin Hubble. Com a criação do Programa de Bolsas de Pós-doutorado Carl Sagan em Exploração de Exoplanetas, a agência espacial norte-americana reconhece o trabalho de um pesquisador que, além de ter escrito obras que popularizam a ciência, como o livro Cosmos, transformado em premiada série de televisão nos anos 1970, também foi um dos pioneiros na busca científica pela vida que poderia existir nos planetas além do Sistema Solar, os chamados exoplanetas – pelo menos 300 deles foram identificados nos últimos anos. “Queremos investir nas melhores e mais brilhantes mentes em um campo emergente que é muito inspirador para o público em geral”, disse Jon Morse, diretor da Divisão de Astrofísica da Nasa. Segundo a agência Reuters, a bolsa Sagan se somará à bolsa Einstein em física e à bolsa Hubble em origens cósmicas. Elas representam uma nova abordagem temática da agência, na qual bolsistas direcionam seus trabalhos para focos considerados desafiadores, como na busca por planetas semelhantes à Terra em órbita de outras estrelas. “Há uma explosão de interesse nesse campo. Vamos seguir a trilha científica que Sagan foi um dos primeiros a explorar”, disse Charles Beichman, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa.
Chang Escobedo, justificou a mudança. “Nossos alunos precisam usar as ferramentas mais modernas e de uso mais disseminado”, afirmou.
MICHAEL OKONIEWSKI
Ele advertiu, contudo, que a tecnologia não faz milagres nem substitui o engajamento de pais e professores na educação das crianças e jovens. “Não há nenhum programa governamental, nada que substitua os pais, a quem cabe desligar a televisão ou impedir o acesso a jogos de computador quando os filhos têm trabalhos da escola para fazer”, afirmou.
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BALANÇO DE MEIO SÉCULO
NASA
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Alguns dos astronautas mais célebres da história da corrida espacial estiveram juntos na celebração do 50º aniversário da Nasa, a agência espacial norte-americana. John Glenn, 87 anos, o primeiro norteamericano a orbitar a Terra (dez meses depois do soviético Yuri Gagarin); Neil Armstrong, 78, o primeiro homem a pisar na Lua; Jim Lovell, 80, veterano de duas missões Apolo; e Kathryn Sullivan, 57, que em 1984 se tornou a primeira mulher a caminhar no espaço, reuniram-se com outros 15 Armstrong e Glenn (sentados ao centro) com outros astronautas colegas na celebração. Longe de ser um evento nostálgico, o encontro foi marcado pela > Polêmica justificou-se dizendo que, crítica ao programa da Estação Espacial Internacional, que embora não veja sentido no britânica obrigou a Nasa a reestruturar seu orçamento em prejuízo da pesquisa na exploração de outros planetas. “Nosso conhecicriacionismo, a discussão O biólogo Michael Reiss ajudaria a evitar que filhos mento sobre o Universo cresceu mil vezes ou mais nos últimos renunciou ao cargo de famílias religiosas 50 anos”, disse Armstrong. “Nossa responsabilidade agora é desenvolver novas opções para as futuras gerações: opções se distanciassem da ciência. de diretor de educação da Royal Society, a academia “O criacionismo se baseia capazes de expandir o conhecimento humano e de levar os de ciências da Grã-Bretanha. na fé e não tem nada a homens além do universo que nos rodeia”, afirmou.
ver com a ciência”, diz Lewis Wolpert, da University College, de Londres.
> Estrutura para pesquisa O Iraque terá uma estrutura específica para promover a pesquisa e criar políticas
públicas voltadas para estimular a ciência e a tecnologia. O anúncio foi feito por Abd Dhiab al-Ajili, ministro iraquiano para a Educação Superior e a Pesquisa Científica. Segundo a agência de notícias SciDev.Net, a estrutura vai
funcionar de forma independente do ministério e terá orçamento próprio. Entre diversas funções, irá supervisionar e avaliar a qualidade dos centros de pesquisa universitários, além de distribuir recursos. LAURABEATRIZ
Ele foi pressionado a deixar o cargo depois de manifestar-se a favor da discussão de todas as idéias sobre a origem do Universo nas aulas de ciências, até mesmo o criacionismo, segundo o qual o mundo foi criado por um ser superior. Reiss, que também é sacerdote anglicano,
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MARCELLO CASAL JR/ABR
DESMATAMENTO EM DETALHES
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Queimada no interior do Pará: avaliação em campo
> Congresso aprova Lei Arouca Após 13 anos de tramitação no Congresso, foi aprovado pelo Senado no dia 9 de setembro o projeto de lei que regulamenta o uso de animais em experimentos científicos. Conhecida como Lei Arouca, em alusão a seu autor, o sanitarista e ex-deputado federal Sérgio Arouca (1941-2003), a proposta estabelece, entre outros dispositivos, a criação do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), responsável por estabelecer normas éticas e credenciar as instituições que poderão utilizar animais para fins científicos. A nova lei terá pouco impacto nas universidades e grandes centros de pesquisa, que já mantêm comitês de ética
para evitar abusos, mas permitirá punir pesquisadores e instituições que não respeitem as normas do Concea, o que não era possível até então. As penalidades previstas vão de advertências e multas à suspensão de financiamentos oficiais e à interdição definitiva. Setores da comunidade acadêmica
Pesquisa FAPESP abordou o tema na capa de fevereiro
liderados pela Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea) e a Sociedade Brasileira de Biofísica (SBBF) promoveram uma forte mobilização junto aos parlamentares pela aprovação do projeto depois que leis municipais em cidades como Rio de Janeiro e Florianópolis impuseram restrições ao uso de animais de laboratório (ver Pesquisa FAPESP nº 144). A lei, com abrangência federal, vai tirar o efeito de dispositivos aprovados pelas câmaras de vereadores. “A lei passou exatamente da forma que a comunidade científica esperava e atende às necessidades do país em relação às pesquisas com animais”, diz Marcelo Morales, presidente da SBBF.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) vão atuar em conjunto para garantir a fidedignidade das informações sobre desmatamento no Brasil. Segundo o acordo, os dados gerados pelo Inpe agora serão confirmados em campo pela Embrapa, que também identificará as atividades causadoras da derrubada da floresta. A parceria é concebida nove meses depois de o Inpe fazer um alerta sobre o recrudescimento do desmatamento da Amazônia e ver sua metodologia questionada por políticos, embora o aumento da devastação no começo do ano tenha sido confirmado em medições recentes de melhor resolução. A partir do estudo das áreas já desmatadas em anos anteriores, será gerado um histórico do uso e ocupação da Amazônia, avaliando a eventual ocorrência de regeneração florestal. Segundo a Embrapa Monitoramento por Satélite, unidade da Embrapa sediada em Campinas, a intenção do projeto é contextualizar os dados de desmatamento. Atualmente, já é possível saber o local e a intensidade do desmatamento. A parceria permitirá avançar na compreensão das atividades promotoras da devastação.
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Um aparelho seqüenciador de genoma de alto desempenho foi instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ). O Ministério da Saúde investiu R$ 2,1 milhões no Genome Sequencer FLX Instrument, adquirido do grupo Roche Diagnostics Brasil, que tem capacidade de seqüenciar até 500 milhões de pares de bases de DNA em dez horas. A criação da unidade genômica no LNCC permitirá a realização de estudos nas áreas de genética animal e vegetal, de microorganismos e da saúde humana, entre outras. Os primeiros projetos estão dirigidos para a área de câncer, que envolve o Instituto Ludwig de Pesquisa contra o Câncer, de São Paulo, e o Instituto Nacional de Câncer (Inca), do Rio de Janeiro. Há outros programas em articulação, como o do seqüenciamento parcial do Trypanosoma cruzi, aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), e o de estudos da biodiversidade brasileira, em negociação com a Petrobras.
ALTO DESEMPENHO
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francesa O Comitê Francês de Avaliação da Cooperação Universitária e Científica com o Brasil (Cofecub, na sigla em francês) pretende criar projetos que ajudem a formar recursos humanos para as novas universidades federais brasileiras. De acordo com o presidente do comitê, Pierre Jaisson, os projetos ainda não foram formalizados, mas poderão ser a principal novidade do Cofecub para 2009, quando o comitê completará 30 anos. Jaisson visitou a sede da FAPESP, no dia 18 de setembro, e foi recebido pelo presidente da Fundação, Celso Lafer. “Uma forma interessante de ampliar nossa colaboração com as 28
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instituições brasileiras seria voltar a atenção para as novas universidades federais, que terão necessidade de muitos jovens professores. Poderíamos implementar projetos triangulares entre elas, as universidades francesas e as universidades brasileiras já consolidadas”, disse Jaisson à Agência FAPESP. Sediado na Universidade Paris 13, o comitê avalia e coordena três acordos franco-brasileiros. O mais antigo tem como parceira a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e envolve a formação de doutores. Também há acordos com a Universidade de São Paulo (USP) e com a FAPESP. “O USP-Cofecub é um
acordo de pesquisa entre pesquisadores seniores. Já o FAPESP-Cofecub é um acordo de mobilidade especialmente voltado para estudantes franceses de pós-doutorado”, explicou Jaisson.
> Denúncia anônima O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, mandou uma carta para o colega Carlos Minc, da pasta do Meio Ambiente, pedindo
ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
> Cooperação
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RUMO À ANTÁRTIDA
sua intervenção num episódio que contrapôs, em Rondônia, autoridades ambientais do estado e dois pesquisadores, Luiz Hildebrando Pereira da Silva e Rodrigo Stabeli, ambos do Instituto de Patologia Tropical de Rondônia (Ipepatro). Segundo o relato de Rezende, Hildebrando e Stabeli foram procurados por funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que lhes entregaram uma intimação relacionada a uma denúncia anônima em que são acusados de biopirataria. A reação à carta foi imediata: o Ibama voltou atrás e suspendeu as intimações. O Ipepatro desenvolve pesquisas em doenças como a malária em colaboração com a Universidade Federal de Rondônia (Unir) e Centro de Pesquisas em Medicina Tropical (Cepem), ligado ao governo do estado. Um manifesto em defesa dos pesquisadores chegou a ser lançado pelo cientista Sergio Mascarenhas. “O absurdo é que os trabalhos se referem a pesquisas autorizadas e são realizados em difíceis condições e com muito idealismo”, disse Mascarenhas.
> Ciência no ensino médio Foi lançado no final de setembro o Programa de Pré-iniciação Científica da Universidade de São Paulo (USP), uma iniciativa da pró-reitoria de Pesquisa da universidade apoiada pela Secretaria Estadual de Educação. A proposta é oferecer a alunos de escolas públicas do primeiro e do segundo ano do ensino médio, com idade entre 15 e 18 anos, a oportunidade de entrar em contato, nos laboratórios e junto a grupos de pesquisa da USP, com procedimentos e metodologias adotados em estudos científicos de diversas áreas do conhecimento. A partir desse mês, 380 alunos vão dedicar oito horas semanais, durante o período letivo, para o desenvolvimento
A Marinha do Brasil vai receber R$ 69 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) a fim de comprar um novo navio polar para o Programa Antártico Brasileiro (Proantar). A embarcação norueguesa Ocean Empress, construída em 1988 e reformada em 2001, está sendo reequipada num estaleiro em Bremerhaven, na Alemanha, para dar suporte a pesquisas oceanográficas e deverá entrar em operação no início de 2010. Entre as inovações incorporadas ao navio, há um conjunto de sensores que permite captar imagens do fundo do mar e processá-las de maneira tridimensional. O navio, com capacidade para 106 pessoas e autonomia de 90 dias em alto-mar, contará com cinco laboratórios para pesquisa, sendo dois “molhados”, que poderão receber amostras retiradas do mar. Neles poderão ser realizadas pesquisas em meteorologia, geologia, oceanografia, biologia, astrofísica, geomagnetismo e geofísica nuclear. Atualmente a Marinha dispõe apenas do navio de apoio oceanográfico Ary Rongel para dar suporte às atividades do Proantar. Construído em 1981 e adquirido pela Marinha em 1994, o Ary Rongel deve ser aposentado em 2016.
de atividades científicas. Nas férias e em períodos de recesso escolar os trabalhos ocuparão 16 horas por semana. A seleção dos alunos foi realizada pela Secretaria Estadual de Educação, que teve como critério o desempenho escolar dos estudantes. Eles receberão uma bolsa de estudo de R$ 150 mensais durante um ano.
> Os 75 anos da Unifesp O lançamento de dois livros, no dia 25 de setembro, marcou o aniversário de 75 anos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), fundada em junho 1933
como Escola Paulista de Medicina. Fruto da pesquisa de um grupo de professores do curso de história da Unifesp campus Guarulhos, o livro A Universidade Federal de São Paulo aos 75 anos: ensaios sobre história e memória apresenta reflexões de intelectuais sobre a trajetória da instituição. A obra é assinada pelos docentes Jaime Rodrigues, Ana Lúcia Nemi, Karen Macknow Lisboa e Luigi Biondi. Já o livro 75 x 75: EPM/ Unifesp, uma história, 75 vidas, de Dante Claramonte Gallian, reúne fatos narrados por professores, alunos, funcionários que atuaram ou atuam na instituição.
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
MIGRAÇÃO
Talentos em
trânsito Estudos mostram que a circulação de cérebros pode render benefícios para os países em desenvolvimento Fabrício Marques | ilustrações Jaime Prades
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anhou novos contornos o debate sobre a “fuga de cérebros”, expressão utilizada desde a década de 1950 para descrever o êxodo rumo a nações ricas de talentos formados a duras penas por países pobres. Nos últimos anos, com o aprofundamento da integração econômica entre os países e o barateamento dos meios de transporte e de comunicação ligados ao processo de globalização, acentuou-se de tal modo a mobilidade internacional de profissionais bem formados que a academia passou a compreender o fenômeno como algo bem mais complexo e multifacetado, capaz eventualmente de trazer compensações e benefícios para os países atingidos. O termo original desdobrou-se em outros, como “intercâmbio de cérebros” (brain exchange), para designar o que ocorre em países como a Inglaterra, a Alemanha e o Canadá, capazes de atrair pessoal qualificado mas também de perdêlo, sobretudo para os Estados Unidos. Ou ainda “ganho de cérebros” (brain gain), vinculado a países que obtiveram sucesso em atrair de volta profissionais perdidos para outras nações. Já o conceito de “fuga de cérebros ótima” (optimal brain drain) refere-se a nações que conseguiram manter a saída de talentos em níveis toleráveis e, no longo prazo, ainda extraíram algum benefício da expertise obtida no exterior por seus cidadãos desgarrados. A lista de expressões derivadas é extensa. Num relatório produzido sob encomenda
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da Organização Internacional do Trabalho, o norte-americano Briant Lindsay Lowell, professor da Universidade Georgetown, e o escocês Allan Findlay, da Universidade de Dundee, descreveram uma coleção de subfenômenos. Um seria o brain waste (“desperdício de cérebros”), a exportação de profissionais para trabalhar em ocupações bem remuneradas, mas pouco qualificadas, que não exploram ou valorizam a formação obtida no país de origem. Já a “exportação de cérebros” (brain export) serviria para qualificar o êxodo de talentos que conseguem compensar sua ausência de formas variadas, seja fazendo remessas de dinheiro para a família, seja propiciando transferência de tecnologia para seu país de origem, como no caso da Índia, que criou uma pujante indústria de software graças, em boa medida, às legiões de estudantes de computação que foram estudar nos Estados Unidos. As expressões “globalização de cérebros” (brain globalisation) e “circulação de cérebros” (brain circulation) seriam talhadas para definir a mobilidade internacional de talentos que se tornou parte natural da vida das grandes corporações, em particular o rodízio de executivos voltado para garantir vantagens competitivas em mercados globais. Já a fuga de cérebros em seu sentido tradicional atingiria países em desenvolvimento do Sul e do Leste da Ásia, como Indonésia, Paquistão, Bangladesh e Sri Lanka, da África e da América Latina – a Argentina é o caso mais lembrado – , que continuam a
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perder pessoal bem formado sem conseguir reavê-los nem beneficiar-se de sua circulação internacional. “Como muitos processos sociais, o impacto da saída de talentos dos países em desenvolvimento depende de efeitos diretos e indiretos”, escreveram Lowell e Findlay. “Um efeito direto e imediato é a redução do número de trabalhadores bem formados, perda difícil de reparar no curto prazo, mas também existem efeitos indiretos com força para incentivar o crescimento econômico.”
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árias estratégias foram concebidas ou testadas para enfrentar a fuga de cérebros. Curiosamente, elas pouco têm em comum além de nomes que, em inglês, começam pela letra R. Uma delas, a “reparação”, foi abandonada. Consistia na idéia, lançada na década de 1970 pelo economista indiano Jagdish Bhagwati (1934- ), de criar um imposto cobrado dos países ricos para compensar a predação de talentos do mundo em desenvolvimento. Outra que anda em desuso é a que estabelece “restrição” à saída de pessoal qualificado, pela incompatibilidade desse tipo de iniciativa com o respeito a direitos civis em regimes democráticos. Há, ainda, as políticas de “recrutamento”, em que um país tenta oxigenar seu ambiente acadêmico e produtivo atraindo talentos de fora; e as de “retenção”, voltadas para desestimular a evasão pelo fortalecimento dos setores científico e produtivo ou do desenvolvimento econômico. Por fim, há as opções de “retorno”, que busca atrair de volta parte dos profissionais perdidos, e a resourcing option, também
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conhecida como “opção de diáspora”, que busca mobilizar pesquisadores radicados no exterior para que ajudem a fortalecer conexões da academia e da indústria de seu país de origem com o mundo desenvolvido. O Brasil, que no passado recorreu à opção de recrutamento para dar consistência à sua comunidade científica – a fundação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, é o principal exemplo dessa estratégia –, seguiu nas últimas quatro décadas uma opção de retenção, ao patrocinar o desenvolvimento de um forte sistema nacional de pós-graduação. As pesquisas sobre a mobilidade internacional de talentos brasileiros, embora escassas, mostram que o país não sofreu prejuízos significativos. Um estudo liderado pelo sociólogo Simon Schwartzman em 1972 constatou que o Brasil tinha uma fuga de cérebros pequena: apenas 5% dos brasileiros de sua amostra ficaram trabalhando no exterior após completarem os estudos. Uma pesquisa feita em 2002 por Reinaldo Guimarães, professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), chegou a resultados semelhantes. Sua análise abrangeu o período de 1993 a 1999 e envolveu a consulta a 2.769 líderes de grupos de pesquisa em todo o Brasil. Ele constatou que 966 cientistas brasi-
leiros migraram para o exterior nesses anos, sendo 443 para trabalhar e 523 para estudar. O resultado representa também 5% do total de 18.180 doutores envolvidos em atividades de pesquisa que se formaram no período. O país também ostenta uma capacidade apreciável de atrair cientistas de outros países. Um levantamento feito pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 2005 mostrou que havia 2.145 estrangeiros com vínculos permanentes nas universidades brasileiras. Isso não significa, contudo, que a aparente imunidade do Brasil ao problema não possa ser revertida. Existe a tendência de o mundo desenvolvido recorrer crescentemente aos países do Sul e do Leste Europeu para suprir suas carências de profissionais de alto nível. Em 2000, a Alemanha ofereceu 20 mil vistos de permanência para especialistas em tecnologia de informação e em pouco mais de um ano conseguiu recrutar a metade desse contingente, principalmente do Leste Europeu. Uma acentuada tendência de voltar ao país separa os pesquisadores brasileiros no exterior de colegas de outras nacionalidades. Maria Luiza Lombas, que em 1999 defendeu uma dissertação de mestrado na Universidade de Brasília sobre as expectativas de retorno de doutorandos brasileiros em quatro países, lembra que as agências de fomento têm políticas rigorosas no sentido de exigir o retorno de seus bolsistas ao Brasil, sob pena de devolverem o dinheiro investido
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em sua formação. Em sua pesquisa, ela constatou que 84% dos 346 doutorandos entrevistados planejavam retornar ao Brasil imediatamente após o curso. Dos 16% restantes, a imensa maioria desejava ficar apenas por alguns meses, para complementar o seu treinamento em pesquisa. Desse conjunto, apenas 2% declararam a intenção de estender a sua permanência no exterior por mais de um ano, para exercer, inclusive, alguma atividade profissional. A pesquisadora, que atualmente é coordenadora-geral de bolsas no exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), observa ainda que a consolidação da pós-graduação brasileira fez com que as agências repensassem a oferta de bolsas para doutorado no exterior. Elas passaram a priorizar modalidades como o doutorado sanduíche ou o pós-doutorado, de permanência bem mais curta, que expõem menos os bolsistas a convites para permanecer no exterior, ainda que a intenção da estratégia não seja essa. “As bolsas estimulam a interação de nossos pesquisadores com o ambiente acadêmico internacional. E eles, quando voltam ao Brasil, retroalimentam o nosso sistema com sua experiência”, afirma. Léa Velho, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp, crê que outros fatores influenciam na tendência de retorno. “O Brasil, apesar das dificuldades, ainda oferece chances de trabalho na área acadêmica para esses pesquisadores. Eles têm para onde voltar, o que faz a diferença”, afirma. Léa acrescenta alguns
dados culturais. Diz que os brasileiros são avessos à mobilidade até mesmo dentro do território nacional e, quando dizem que querem voltar ao Brasil, estão falando de grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. E acrescenta: “Os bolsistas no exterior pertencem a um estrato social que dispõe, aqui no Brasil, de regalias inexistentes em países desenvolvidos, como a possibilidade de ter empregados ou famílias que ajudam na educação dos filhos. O choque cultural é forte e acho natural que muitos deles não queiram ficar no exterior definitivamente”, afirma. A bióloga Marcia Triunfol, que retornou ao Brasil há dois anos depois de trabalhar por mais de uma década nos Estados Unidos, concorda com a análise de Léa Velho. “A cultura é muito diferente. Senti que aquele compromisso com o trabalho que os brasileiros têm no exterior fica mais relaxado quando eles retornam ao Brasil, talvez pelas condições nem sempre favoráveis ou por viverem sob a asa do financiamento público”, diz. Marcia havia trabalhado na revista Science e nos Institutos Nacionais de Saúde. Uma razão pessoal marcou sua decisão: ela, que se casara nos Estados Unidos, ficou viúva. “Tinha um bom emprego e podia continuar lá por muitos anos, que provavelmente ninguém me mandaria embora. Mas queria fazer coisas que não estavam ao meu alcance nos Estados Unidos.” Hoje ela vive em Itaipava, no Rio de Janeiro, abriu uma
empresa de comunicação científica e peregrina pelo país fazendo workshops que orientam pesquisadores a escrever trabalhos científicos – em inglês. Para Elizabeth Balbachevsky, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), da USP, a opção brasileira de investir no fortalecimento de seu sistema de pósgraduação, embora bem-sucedida, produziu um efeito colateral importante, que é a baixa inserção internacional da pesquisa brasileira. Ela participa de uma rede que estuda a profissão acadêmica em 19 países. Segundo os dados que obteve no Brasil, apenas 21,8% dos profissionais brasileiros entrevistados declararam ter participado de colaborações de pesquisa internacionais nos últimos três anos, índice considerado baixo. Esse índice sobe para 37,6% entre os professores ligados às grandes universidades de pesquisa, onde a pós-graduação é forte, mas que responde por apenas 18 instituições no Brasil. “Embora um número crescente de artigos de pesquisadores brasileiros seja publicado em revistas indexadas internacionalmente, o trabalho em rede ainda é restrito. Se houvesse uma mobilidade de talentos mais acentuada, provavelmente isso seria diferente”, afirma.
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m desses efeitos benéficos registrados em alguns países tradicionalmente atingidos pela fuga de cérebros é a ampliação do investimento das famílias em educação. Há indícios de que a perspectiva da obtenção de um visto de permanência num país desenvolvido estimula mais pessoas
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em países pobres a investir em educação. Como nem todos os aspirantes efetivamente vão embora, o saldo final é positivo para o país. Num artigo publicado em 2006 numa revista da britânica Royal Economic Society, o trio de economistas Michel Beine, Frederic Docquier e Hillel Rapoport apresentou os resultados de um modelo matemático abastecido por taxas de imigração e pelo nível educacional de vários países. Eles fizeram as contas e chegaram à conclusão de que, quando se dobra a propensão de migração de pessoas bem formadas num determinado país, observa-se um aumento de 5% na proporção com elevado nível de escolaridade entre a população nativa. No caso da Índia, segundo artigo publicado em 2007 pelos economistas Chengze Fan, da Universidade Lingnan, em Hong Kong, e Oded Stark, a chance de migrar para os Estados Unidos para estudar engenharia de computação teria levado muitos jovens indianos a aprender programação, criando uma plataforma de competências que permitiu ao país criar um forte setor de software. Mas esse efeito dependeria de um nível de imigração “ótimo”, além do qual as perdas causam prejuízos difíceis de compensar e abaixo do qual não se geraria o estímulo a ampliar a formação geral da população.
quais são ligadas”, diz Meyer. De acordo com ele, isso é facilmente observado nos exemplos de cientistas que voltam aos países de origem para amargar o sucateamento de suas competências, pois suas habilidades estão desconectadas do ambiente em que obtiveram seu desempenho máximo. Cálculos feitos por Meyer e pela socióloga sul-africana Mercy Brown mostram que a produtividade do setor de pesquisa e desenvolvimento da chamada Tríade (Estados Unidos, Europa Ocidental e Japão) era 4,5 vezes maior em termos de artigos publicados e dez vezes maior em termos de patentes do que o mesmo setor no mundo em desenvolvimento. “Esse é um grande problema do conceito de fuga de cérebros”, diz Elizabeth Balbachevsky, da USP. “Ele parte do princípio de que a formação de um doutor é uma aquisição estática, que o profissional conquistou um pacote estanque de conhecimento e de competências. Na verdade, esse patrimônio é dinâmico. Para mantê-lo e aperfeiçoá-lo, é preciso estar num ambiente de pesquisa favorável, caso contrário aquela competência se perderá”, afirma. Jean-Baptiste Meyer tornou-se um dos principais defensores das poten-
cialidades das opções de retorno, que busca atrair de volta profissionais emigrados, e de diáspora, que tenta engajar a distância os pesquisadores dispersos no exterior com o sistema de ciência e tecnologia de seu país de origem. “Como a capacidade dos emigrados é privilegiada, eles representam um enorme potencial de adicionar recursos para o país de origem”, conclui Meyer. “Isso caso se consiga trazê-los de volta em condições favoráveis ou aproveitá-los de alguma outra forma. Nesse caso, a perda de cérebros se converteria em ganho, pois o país em desenvolvimento se apropriaria de um capital humano cujo treinamento foi feito e financiado em outro país, que seria capaz, eventualmente, de se tornar um multiplicador do conhecimento de ponta que obteve no exterior”, afirma. Países como Cingapura, Coréia do Sul e Índia conseguiram atrair de volta uma parte dos cérebros perdidos. Programas de repatriação de talentos foram deflagrados desde os anos 1980, que criaram redes locais nas quais os egressos puderam efetivamente encontrar um lugar e se tornarem operacionais. Os exemplos de maior êxito são o de nações que investem quantias significativas em ciência e tecnologia e dispõem de infra-estrutura capaz de abrigar os egressos. O problema é que tais requisitos não se reproduzem em
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idéia de que a fuga de cérebros seria inapelavelmente prejudicial partia da premissa de que cada talento representa um ativo de capital humano, cuja formação e qualificações resultam de investimentos feitos por um país. A migração, segundo tal perspectiva, aborta irremediavelmente a expectativa de retorno do investimento realizado. De acordo com o sociólogo francês Jean-Baptiste Meyer, um destacado especialista em mobilidade de talentos, a abordagem do capital humano é falha por contemplar apenas uma das variáveis do fenômeno. Ele lembra que a sociologia da ciência desenvolveu uma concepção dos processos de criação, transmissão e aplicação do conhecimento que é calcada no trabalho coletivo, com ênfase no papel das redes e das comunidades científicas. “As atividades e habilidades individuais apenas fazem sentido ou geram resultados quando vinculadas às comunidades às
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países mais pobres. Para estes, haveria a opção da diáspora, baseada na estratégia de envolver pesquisadores radicados no exterior em redes voltadas para ajudar o desenvolvimento da ciência e da economia de sua terra natal. As redes de diáspora baseiam-se na premissa segundo a qual é possível aproveitar, mesmo que de forma remota, o capital humano dos profissionais que emigraram. A vantagem é que elas não dependem de um investimento em infra-estrutura, mas de utilizar recursos já existentes. Seu objetivo é criar elos através dos quais elas consigam se conectar com o país de origem sem que precisem voltar de modo temporário ou permanente. Esse tipo de parceria a distância é hoje possível, como demonstra a proliferação de projetos de pesquisa colaborativa transnacionais, envolvendo tanto instituições acadêmicas como corporações industriais. A South African Network of Skills Abroad (Sansa), criada em 1998, é um exemplo de rede ativa. Seu objetivo é conectar sul-africanos altamente qualificados radicados no exterior com seus conterrâneos a fim de criar um ambiente para colaboração e transferência de conhecimento. Tem mais de 2,2 mil mem-
bros espalhados por 60 países. A rede foi criada pelo Science and Technology Policy Centre na Universidade de Cape Town e é hoje gerenciada pela National Research Foundation, organização de pesquisa mantida pelo governo.
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á diversos outros exemplos como a Chinese Scholars Abroad (Chisa), a Red Caldas, rede colombiana de cientistas e profissionais de pesquisa, a Arab Scientists and Technologists Abroad (Asta) e a Silicon Valley Indian Professionals Association (Sipa). Embora geralmente se apresentem como independentes, muitas delas têm ligações com instituições do governo. Mas Meyer e Brown advertem que há poucos exemplos de redes remotas criadas por países em desenvolvimento que conseguiram alcançar uma consolidação. A hipótese mais provável é que pesquisadores e cientistas, atuando lado a lado num mesmo laboratório ou trabalhando remotamente por meio de uma rede internacional, precisam identificar relevância na pesquisa colaborativa para começar a interagir, o que nem sempre acontece com as heterogêneas redes de diáspora. Por isso, países em desenvolvimento devem ser realistas acerca do impacto e usar essa opção de diáspora de forma combinada com outras políticas.
Na prática, a distinção entre as opções de retorno e de diáspora nem sempre respeita limites traçados pela teoria e aparecem em formas combinadas. Num artigo publicado no início deste ano, Anna Lee Saxenian, professora da Universidade da Califórnia, Berkeley, explora o exemplo dos pesquisadores formados no Vale do Silício, nos Estados Unidos, e mostra que é possível, através da mobilidade de talentos, transferir know how técnico e institucional entre economias distantes de modo rápido e flexível. Em 2000, cerca da metade dos cientistas e engenheiros do Vale do Silício era estrangeira – juntos, eles somavam 40 mil profissionais em 2000, segundo o Censo norte-americano daquele ano. Segundo Anna, existem exemplos de pesquisadores formados no Vale do Silício que foram responsáveis por contribuições notáveis no estreitamento de laços tecnológicos entre seus países e as economias mais avançadas. Muitos desses talentos viajam regularmente entre os Estados Unidos e sua terra natal e há os que se tornaram “transnacionais” e mantêm endereço em mais de um lugar. No início dos anos 1980, israelenses e taiwaneses que se formaram no Vale do Silício retornaram a seus países e começaram a transferir o modelo norte-americano de investimento de risco em empresas nascentes. Eles tinham experiência técnica, conhecimento em modelos de negócio e redes de contato – que se somaram à vantagem de conhecer a cultura desses mercados. Israel tornou-se conhecido por criar empresas de software e de internet. Taiwan tornou-se um centro de produção de computadores pessoais e de circuitos integrados. Não por acaso, esse processo foi mais rápido em países pequenos do que em economias mais complexas, como as da China e da Índia. Contudo, segundo a pesquisadora, a partir de 2004 fundos de venture capital e private equity começaram a investir mais de US$ 1 bilhão anualmente em empresas localizadas nos dois grandes países emergentes. “Embora seja apenas uma fração do capital de risco investido anualmente nos EUA, isso fomenta o empreendedorismo local e vem criando uma trajetória competitiva para empresas domésticas e corporações multinacionais”, diz a professora. ■ PESQUISA FAPESP 152
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MIGUEL BOYAYAN
PLANEJAMENTO
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A USP do futuro
Universidade discute estratégias para preservar a excelência em seu centenário, daqui a 25 anos
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eve ser apresentado em janeiro de 2009, nas comemorações do 75º aniversário da Universidade de São Paulo (USP), um documento com um diagnóstico dos desafios que a instituição terá nos próximos 25 anos além de reflexões e propostas para enfrentá-los. Sugestões para o documento foram discutidas num workshop aberto ao público realizado no início de setembro e será complementado com um novo evento em meados de outubro. No encontro inaugural, uma das discussões principais girou em torno das estratégias para manter a USP como universidade de classe mundial. “As condições que permitiram à universidade conquistar essa posição estão mudando. Ela precisará enfrentar vários desafios para não correr o risco de perder relevância”, diz Glaucius Oliva, diretor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e coordenador da Comissão de Planejamento da USP, a instância incumbida de refletir sobre os próximos 25 anos da instituição. “Temos como meta atingir a faixa das 50 melhores universidades do mundo em 2034”, afirma. Atualmente, rankings internacionais situam a USP no rol das cem melhores do planeta. Para Glaucius Oliva, o planejamento da USP nos próximos anos deve levar em conta o papel que a instituição tem no sistema de ensino superior do
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estado de São Paulo e do Brasil, além de buscar responder a demandas da sociedade, embora uma coisa nem sempre seja compatível com a outra. “Há uma crescente pressão para ampliar o número de vagas, mas a característica de universidade de pesquisa com ensino de excelência impõe limites a isso”, diz Oliva. O professor observa que, além de a USP oferecer formação acadêmica de nível internacional e realizar intensa atividade de pesquisa na fronteira do conhecimento, um maior engajamento da universidade no desenvolvimento econômico, com uma preocupação maior com as necessidades das indústrias e no apoio à formulação de políticas públicas, ajudará a mostrar à sociedade o papel diferenciado que ela é capaz de cumprir. “A USP não pode se fechar e pensar seu futuro de forma isolada. Ela integra uma engrenagem complexa que congrega mais de 2 mil instituições de ensino superior do país e o que ela faz tem repercussão em vários pontos do sistema. Precisa se comunicar melhor com a sociedade para garantir respaldo e manter sua excelência”, sustenta Oliva. O diagnóstico preliminar feito no primeiro workshop apontou um calcanhar-de-aquiles da instituição, que é a sua ainda restrita inserção internacional. “As melhores universidades do mundo estão bastante integradas internacionalmente. Brigam para trazer alunos e recursos de fora para reforçar sua competitividade. A USP precisa entrar nessa briga”, diz Oliva. Ele cita o exemplo de seu instituto, que há alguns anos celebrou uma parceria com a Escola Politécnica de Paris para intercâmbio de estudantes. “Sete brasileiros já foram estudar na França, mas nenhum francês veio para cá. Isso acontece porque nós ainda não vamos nos expor no exterior, como a maioria das instituições faz hoje”, diz o professor. A comissão presidida por Glaucius Oliva estava prevista no estatuto da universidade, em vigor desde 1988,
mas só na gestão atual foi constituída. Se o planejamento de curto e de médio prazo vem sendo garantido pelos planos de metas das unidades e pela comissão permanente de avaliação, faltava uma instância que pensasse o futuro da instituição. “O aniversário de 75 anos despontou como uma boa oportunidade para fazer uma prospecção sobre o que a USP planeja ser em seu centenário”, diz a reitora Suely Vilela. Ela ressalta que o documento a ser compilado pela comissão busca dar subsídios para auxiliar os próximos dirigentes. Mas se propõe a enfrentar logo pelo menos um grande desafio da universidade: a burocracia concentrada na reitoria. “Eu defendo o modelo atual da USP em vários aspectos. Creio que a instituição deve prosseguir como uma universidade de classe mundial, com pesquisa de fronteira, e que o modelo acadêmico dividido em pró-reitorias é o mais adequado. Mas é preciso descentralizar”, afirma a reitora. “Temos seis campi no estado. Qualquer obra que precise ser feita em algum deles tem de passar pela reitoria. Acontece o mesmo com a assessoria jurídica, fortemente concentrada em São Paulo. Qualquer problema se transforma num processo que precisa viajar até São Paulo. A saída é definir normas para orientar a ação dos dirigentes e delegar a eles a tarefa de resolver diversos problemas”, afirma. Entraves legais - A Comissão de Pla-
nejamento não está se furtando a discutir nenhum tema, embora se saiba que vários deles são de difícil solução. Há entraves legais, por exemplo, para reduzir barreiras burocráticas ou oferecer pacotes variáveis de remuneração para professores. “Um primeiro passo é ampliar a transparência nos gastos”, diz Oliva. “Se eu preciso comprar um reagente sem fazer licitação para minha pesquisa não parar, eu devo fazê-lo e logo tornar público porque isso é necessário. Se formos firmes e transparentes, teremos respaldo para
propor a mudança de normas legais que embaraçam a pesquisa”, diz Oliva. Para Carlos Antônio Luque, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e membro da Comissão de Planejamento, a USP deveria tomar a iniciativa de propor uma lei que regulamente a autonomia universitária, prevista na Constituição, mas jamais esmiuçada na legislação comum. “Apesar de a autonomia estar garantida, temos de nos adequar ao regimento do funcionalismo público e à Lei de Responsabilidade Fiscal. A falta de uma legislação faz com que o Ministério Público e o Tribunal de Contas estejam sempre nos interpelando”, afirma Luque. O ensino a distância é outro tópico em aberto. A comunidade acadêmica da USP resiste em incorporá-lo às suas práticas, por considerar difícil manter a mesma qualidade do ensino presencial. A comissão está discutindo, contudo, a oportunidade de investir no ensino a distância de forma delimitada pelo menos para garantir o desenvolvimento de expertise na universidade, que pode ter utilidade no futuro. A busca de novas fontes de financiamento é outra questão polêmica, embora haja consenso na comissão sobre a necessidade de buscar também fontes privadas. “A autonomia universitária nos garantiu recursos públicos que são absolutamente indispensáveis para manter a excelência da universidade”, diz a reitora Suely Vilela. “Todas as universidades de classe mundial dependem fortemente de recursos públicos, mas também se abastecem de fontes privadas.” De acordo com a reitora, a interação com o setor privado é necessária para enfrentar uma dificuldade da instituição, que é transferir conhecimento para a sociedade. “Há um descompasso entre o aumento da produção científica e a estagnação dos indicadores ligados à transferência tecnológica”, diz a reitora. ■
Fabrício Marques
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> MEDICAMENTOS
Cópias criativas savitairc saipóC Elaborar moléculas que mimetizam outras poderia facilitar a procura por fármacos realmente originais
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ez anos atrás uma indústria farmacêutica multinacional, a Pfizer, começava a vender o primeiro medicamento contra impotência sexual, o Viagra, descoberto por pesquisadores ingleses e inicialmente imaginado como alternativa para tratar doenças do coração. As pílulas azuis chegavam com a iminência de lucros rápidos e um mecanismo de ação já esclarecido, que permitiu a duas outras representantes da big pharma, a Bayer e a Lilly Icos, lançarem nos anos seguintes moléculas similares com o mesmo efeito. Agora é uma indústria nacional, o laboratório paulista Cristália, que entrou no páreo com uma molécula que tem o mesmo modo de ação que as outras três. Sua história pode ter o que ensinar a quem pesquisa, desenvolve ou simplesmente consome fármacos no Brasil. Ainda que não seja um primor de originalidade, por reproduzir em outra molécula o mesmo mecanismo de ação que o Viagra, esse fármaco é o primeiro a percorrer no Brasil o percurso completo de desenvolvimento de novos medicamentos – a concepção, os testes em modelos animais e em seres humanos e a aprovação nos órgãos regulatórios. Moléculas desse tipo, chamadas de metoos por conterem inovações menores ou incrementais, nascidas a partir de um medicamento com inovações radicais, sugerem que seguir caminhos já abertos pode ser uma forma de ganhar fôlego e experiência que poderiam
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levar a projetos mais longos, caros e realmente originais. Podem, ainda, representar uma nova estratégia de ação para a indústria farmacêutica nacional, que sobreviveu da cópia livre de medicamentos até 1997, quando a lei de patentes começou a vigorar também para fármacos, e desde 1999 vem enfatizando a produção de genéricos. Os me-toos representam um caminho rápido e de custos relativamente baixos. A cópia criativa do Viagra, que ganhou o nome comercial de Helleva, consumiu sete anos de trabalho e um investimento em reais não divulgado. Mas certamente menos que os 15 a 20 anos e os US$ 800 milhões que as empresas farmacêuticas consideram como o mínimo atualmente necessário para descobrir, testar e aprovar um novo remédio. Fazer moléculas não exatamente iguais, mas estruturalmente muito semelhantes a outras já conhecidas, não é, porém, tão simples, principalmente para quem as faz pela primeira vez. Implica capacidade de planejamento, habilidade para encontrar brechas nas patentes das moléculas originais e muito suor para identificar e reunir pesquisadores, médicos e estatísticos aptos a fazer todos os testes que a autoridade regulatória – no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – exige para liberar para venda. “Algumas indústrias e grupos de pesquisa querem fazer moléculas revolucionárias, mas não dá”, diz o farmacologista Gilberto De Nucci, professor da Universidade de São Paulo (USP) e
da Estadual de Campinas (Unicamp), que selecionou a molécula brasileira que mais se assemelhava ao Viagra. “Temos de aprender a fazer me-toos antes de fazer compostos efetivamente novos”, acredita. Essas moléculas oferecem poucos riscos de fracasso ao tomar forma a partir de mecanismo de ação já comprovado e entram em mercados já formados. “Os me-toos chegam com pedigree, porque já foram selecionados.” A expressão me-too (“eu também”) carrega uma conotação negativa, embora as moléculas desse gênero possam também incentivar a competição e fazer os preços caírem, como se passou com o Ciallis, da Lilly, e o Levitra, da Bayer, que derrubaram as vendas do Viagra à metade, depois de terem atingido US$ 1 bilhão entre 1999 e 2001. Ogari Pacheco, presidente do conselho de administração do Cristália, discorda do conceito de me-toos, diz que não chamaria o Ciallis e o Levitra de metoos, por serem moléculas originais, mas concorda que seguir a estrutura de um composto mais conhecido é “o caminho mais fácil, mais rápido e mais lógico” para a indústria farmacêutica nacional criar reservas financeiras e investir em coisas realmente novas: “É impossível para qualquer laboratório ter só produtos inovadores”, afirma. Ele sabia que nem tudo seria tão fácil e rápido ao decidir em 2001 “mimetizar o efeito da droga-mãe”, como diz. Era a primeira vez na história da empresa que ajudou a criar em 1974 que ele se dispunha a seguir todas as etapas do desenvolvimen-
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to de um fármaco – concepção, testes pré-clínicos e clínicos, patenteamento e aprovação pelos órgãos regulatórios. Pacheco e sua equipe de desenvolvimento tiveram de aprender as regras do jogo e encontrar especialistas para fazer os testes que demonstrassem que a molécula sintetizada por eles era segura e eficaz contra disfunção erétil. Sobrevivência - Antonio Carlos Mar-
tins de Camargo, diretor do Centro de Toxinologia Aplicada (CAT), sediado no Instituto Butantan, classifica as empresas farmacêuticas em dois tipos: as que inovam e as que copiam. A equipe que ele dirige descobriu e patenteou 12 moléculas que poderiam ajudar a tratar doenças cardiovasculares, hipertensão pulmonar, pré-eclâmpsia e Alzheimer, se passarem por todos os testes em modelos animais e em seres humanos. Camargo reconhece, porém, que as cópias criativas têm valor do ponto de vista prático, por favorecer a sobrevivência das empresas. “Enfrentamos muitos preconceitos”, conta Jorge Afiune, diretor médico da Cristália. “Durante boa parte do desenvolvimento fomos vistos como uma versão tupiniquim de um laboratório que se pretende capaz de fazer alguma coisa nova.” Alba Brito, farmacologista da Unicamp que participa há quase 30 anos das etapas iniciais do desenvolvimento de novos medicamentos, enumera quatro dogmas: fazer medicamentos é coisa para multinacionais; é caro; não é para amador; não temos experiência. “Os dogmas barram qualquer iniciativa independente e na indústria nacional não há quem banque a briga, porque pode ser que dê em nada”, diz. Rahim Rezaie e Sarah Frew, pesquisadores da Universidade de Toronto, Canadá, que visitaram o Brasil para examinar as perspectivas de interação entre empresas e centros de pesquisa públicos, contam em artigo publicado em junho na Nature Biotechnology que os próprios empresários atribuíam os escassos projetos conjuntos à idéia de que tudo que era bom era feito fora do país. Rezaie considera esse preconceito compreensível, “em vista da natureza crescentemente global da biotecnologia e das especialidades exigidas”, mas também estranhou, porque, para ele, os empreendedores poderiam buscar 40
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soluções primeiro na própria vizinhança. Dar mais atenção ao global que ao local é uma das características do que o historiador norte-americano George Basalla chamou de “cientista colonial” em artigo na Science sobre a produção de conhecimento científico. Rezaie acredita que a permanência dessas idéias contribui para a divergência dos setores público e privado: “Há núcleos de excelência, que permanecem desconhecidos, principalmente pela comunidade empresarial”. Em 2001, no mesmo ano em que farmacologistas do Cristália e da USP selecionaram o carbonato de lodenafila como a molécula que mais se assemelhava ao sidenafil do Viagra, começaram os testes em camundongos, ratos e cães que mostraram que o novo composto apresentava uma toxicidade aceitável, além das propriedades farmacológicas desejadas. Uma das lições aprendidas dessa fase inicial: “Nem tudo precisa ser feito no Brasil”, diz De Nucci, que coordenou parte desses estudos, feitos parcialmente na França. Em outubro de 2004 começou uma etapa mais difícil, a dos testes clínicos (em seres humanos), carente de profissionais experientes. Marco Antonio Zago, professor da USP e presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), defendia já em 2004, em um artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, o fortalecimento da pesquisa clínica no Brasil, por meio da criação, expansão ou recuperação de centros de pesquisa médica. “Certamente as instituições médicas e universitárias precisam reavaliar suas relações com a indústria, no sentido de atender ao interesse público”, comentou. Foi De Nucci quem coordenou a primeira fase dos testes com o espelho brasileiro do Viagra em 33 voluntários saudáveis. A etapa seguinte, que avaliou a eficácia do composto em 72 homens com disfunção erétil, ocorreu em três hospitais públicos, sendo dois deles universitários, sob a coordenação da equipe do Cristália. Para conquistar os médicos que haviam avaliado medicamentos criados em outros países e poderiam também participar desse novo teste, Afiune podia agora argumentar, não apenas pedir ou contratar os serviços, mostrando os resultados dos
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testes que já haviam sido feitos com a molécula que inibia a mesma enzima, a fosfodiesterase-5, sobre a qual o Viagra atua. O equivalente nacional começava a acumular credibilidade científica. Já os testes da fase seguinte, com 350 portadores de disfunção erétil atendidos em 12 centros médicos, sob a coordenação de uma empresa brasileira especializada em testes clínicos, terminaram em dezembro de 2006 com resultados positivos. Mostraram que a molécula nacional tinha os mesmos efeitos colaterais que o Viagra e seus equivalentes, com vermelhidão na face e leve obstrução nasal. Competências - Os testes clínicos
também deixaram lições. A primeira e mais óbvia é que existem competências dispersas nos centros de pesquisa nacionais, embora seja necessário “mais rigor documental”, sugere Afiune: “Diferentemente de uma pesquisa puramente acadêmica, a pesquisa clínica de um candidato a medicamento precisa ser muito bem documentada, deve ter uma rastreabilidade absoluta”. Mais uma lição? Planejar os testes em conjunto com todos os profissionais envolvidos ajuda a evitar erros. Por fim: para não colher dados a mais ou a menos e prejudicar as análises, “é muito importante ter um estatístico ao lado desde a concepção do protocolo”. Durante a etapa final, a análise e aprovação do novo medicamento na Anvisa, Pacheco conta que notou o “descompasso entre a demanda e a capacidade de resolução de problemas” ao longo de um processo que fez a empresa enviar 70 quilos de documentos à agência. “É despreparo da agência regulatória em julgar esse tipo de processo, não creio que seja má-fé”, observa De Nucci. “Tem pouca gente qualificada para avaliar medicamento novo no Brasil.” Pacheco recebeu em 2006 a patente do novo fármaco nos Estados Unidos, em 2007 a da Europa e continua à espera da brasileira, solicitada em 2003, como a dos Estados Unidos. O laboratório paulista pretende agora disputar a preferência do 1,7 milhão de homens que tomam medicamentos contra disfunção erétil com um medicamento nacional que deverá custar 30% menos (a versão indiana do Viagra custa 10% da original). Não há, porém, garantia de lucros fáceis.
Em um estudo publicado em 2001 na Research Policy, Basil Achilladelis e Nicholas Antonakis, da Universidade de Atenas, Grécia, estudaram a origem e o resultado comercial de 1.736 novos medicamentos lançados de 1800 a 1990. Verificaram que 65% das inovações radicais são um sucesso comercial, as inovações intermediárias (me-better, algo como “cópia melhorada”) apresentam um desempenho também intermediário e que a maioria das inovações incrementais (me-toos) fracassam comercialmente por não conseguirem espaços próprios em mercados competitivos. As reais inovações analisadas nesse trabalho concentravam-se em cinco países (Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Reino Unido e França), que respondem por 80% das novidades que fazem diferença. Outro ganho da empresa ao fazer o Helleva é o fato de, agora, se tornar modelo para si própria. “O que aprendemos poderá ser usado em outros projetos”, diz Afiune. Segundo ele, a empresa trabalha no desenvolvimento de 26 novas moléculas, das quais 14 são incrementais ou me-better, com melhorias em relação à original, e 12 radicais, incluindo uma contra enfarte. “O pessoal de pesquisa do Cristália gosta de desafios, porque veio da universidade”, afirma a farmacologista Regina Scivoletto, professora aposentada da USP e presidente do conselho científico da companhia. No início deste ano a empresa sediada em Itapira (SP) foi uma das ganhadoras do Prêmio Finep de Inovação Tecnológica. As lições podem servir para outras empresas criarem me-toos e ganharem fôlego para tentar moléculas originais, afirma Henry Suzuki, diretor técnico da Incrementha, laboratório que reúne os esforços de pesquisa e desenvolvimento de duas empresas nacionais, a Biolab e a Eurofarma. “Existe agora um esforço para desenvolver um portfólio próprio, com pesquisa e desenvolvimento mais consistentes e titularidade da propriedade intelectual”, diz. Poderia também ser uma estratégia para desenvolver medicamentos contra doenças negligenciadas, como malária, tuberculose, leishmaniose e hanseníase, cuja incidência ainda é elevada no Brasil. “Se houver garantia de escoamento”, diz Pacheco, “posso produzir, sem problemas”. ■ PESQUISA FAPESP 152 OUTUBRO DE 2008 ■
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> DIFUSÃO
O espectro do
gênio Exposição revela a vida e a contribuição de Albert Einstein, o cientista símbolo do século XX
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epois da exposição Revolução genômica, que esteve em cartaz entre fevereiro e julho, o Pavilhão Armando de Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, abriga até dezembro mais uma mostra do Museu Americano de História Natural. Agora é a vez da vida, das teorias e do universo de um dos maiores cientistas de todos os tempos, o físico alemão radicado nos Estados Unidos Albert Einstein (1879-1955). Inaugurada em Nova York em 2002 e vista por mais de 2 milhões de pessoas em vários países, a exposição Einstein apresenta objetos pessoais, fotos, cópias de cartas e manuscritos do pai da Teoria da Relatividade. O Instituto Sangari, responsável pela vinda da exposição, espera uma audiência entre 300 e 400 mil visitantes apenas na capital paulista. A mostra deve percorrer várias cidades brasileiras. O roteiro da exposição contempla dez blocos temáticos, em que se mesclam aspectos biográficos e acadêmicos do cientista. A seção “Vida e tempo” aborda a vida pessoal e a carreira de Einstein . Em “Luz” o destaque é uma instalação que desafia o visitante a atravessar uma sala cortada por feixes de luz sem tocá-los – Einstein ganhou o Nobel da Física de 1921 em reconhecimento à explicação do efeito fotoelétrico. O bloco “Tempo” é dotado de instalações que exploram o conceito de relatividade do tempo. “Átomos” traz as idéias que abriram as portas da física quântica. Em “Energia” o mote é a equação (E = mc2) com a qual Eins-
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tein no Brasil” narra a sua viagem à América Latina em 1925, expõe objetos pessoais e ainda mostra um retrato pintado por Candido Portinari e um boneco do Carnaval pernambucano representando o cientista. Trechos dos diários de Einstein são apresentados, incluindo anotações sobre sua visita ao Rio de Janeiro: “Deliciosa mistura étnica nas ruas. Portugueses, índios e negros em todos os cruzamentos. Espontâneos como plantas, subjugados pelo calor. Experiência fantástica. Uma indescritível abundância de impressões em poucas horas”, escreveu. De passagem pelo Jardim Botânico, ele fez o seguinte comentário: “O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil”. Referiase a uma observação do eclipse solar registrada na cidade cearense de Sobral por equipe de cientistas ingleses. A observação mostrou que a gravidade do Sol agia como uma lente, desviando a
luz das estrelas distantes que apareciam no céu em posições diferentes das originais. Era a confirmação de uma previsão feita por Einstein no ano de 1916, corroborando a Teoria da Relatividade Geral. As seções “Átomos” e “Einstein no Brasil” são exclusivas da versão brasileira da mostra. Segundo o coordenador-geral da exposição, Marcelo Knobel, professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor científico do Instituto Sangari, a exposição recebeu outras adaptações e acréscimos. “Os painéis interativos foram elaborados pela equipe brasileira. Além disso, praticamente todos os textos foram recriados”, afirmou. “A exposição é voltada não só para quem gosta de física, mas também para quem se interessa por saber mais sobre o mundo em que vivemos. A idéia não é levar o visitante a dominar conceitos da física, mas que saia com número ainda maior de perguntas, estimulado a saber mais”, destacou Knobel. A comissão científica incumbida da adaptação foi formada por Carmen Pimentel Cintra do Prado, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), Nelson Studart, do Departamento de Física na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e Alfredo Tomalsquim, diretor do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio de Janeiro. Escolas e grupos de estudantes poderão agendar visitas monitoradas por educadores. A exposição oferece um curso gratuito para professores, no qual são fornecidos subsídios teóricos para
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a preparação das visitas com os alunos e para o trabalho em sala de aula. No percurso da mostra foram montados dois Laboratórios do Aprendizado, nos quais os estudantes poderão participar de atividades que abordam alguns dos conceitos apresentados. Um dos laboratórios permite ver, com o auxílio de microscópios, o movimento browniano, evidência experimental da existência dos átomos descrita por Einstein em 1905. No outro laboratório são exploradas as propriedades da luz, por meio de experimentos de espectroscopia óptica. Em colaboração com o Instituto Sangari, a revista Pesquisa FAPESP está responsável pela programação cultural paralela à exposição. Serão palestras e debates com físicos e pesquisadores de outras áreas. Os sábados trarão mesasredondas com o tema “O tempo em dois tempos”. Nelas, um físico e um pesquisador de diversas áreas de humanas falarão sobre a noção do tempo em sua especialidade. Na série “Muito além da relatividade”, aos domingos, físicos e escritores especializados em física nacionais ou internacionais abordarão aspectos pouco conhecidos sobre a vida, o contexto histórico ou a obra de Einstein. As palestras e debates acontecerão no auditório junto à exposição, nos sábados às 15h e nos domingos às 11h. Assim que definida, a programação será anunciada no endereço www.revistapesquisa.fapesp.br. A partir de novembro, Pesquisa FAPESP trará reportagens sobre as palestras e os debates, cujas íntegras também estarão disponíveis no site da revista. ■ PESQUISA FAPESP 152
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> Um teste para príons Sabe-se que o príon – forma alterada de uma proteína encontrada principalmente no cérebro dos mamíferos – pode ser transmitido entre animais de espécies aparentadas e causar uma doença progressiva que mata as células do sistema nervoso e leva a uma morte trágica. Claudio Soto e sua equipe na Universidade 44
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do Texas em Galveston verificaram que, misturados em tubos de vidro, os príons de hamster convertem a versão normal da proteína de camundongo em uma nova forma de príon. Algo parecido ocorre quando se adicionam príons de camundongo à proteína normal de hamster, segundo artigo publicado em setembro na Cell. “Isso é preocupante”, disse Soto ao site NatureNews.
“O universo de príons pode ser muito maior do que imaginávamos.” A equipe de Soto desenvolveu um método chamado amplificação cíclica do enovelamento errado de proteínas (PMCA) que permite os príons de hamster converter as proteínas de camundongo em poucas semanas, fenômeno que geralmente leva anos nos animais vivos. A descoberta pode gerar um teste para identificar formas de príon transmissíveis entre espécies – nos seres humanos o príon provoca a doença de Creutzfeldt-Jakob, que deixa o cérebro como um queijo suíço.
> Bach, para ser visto Foi necessário um século para que a música do maior compositor do período barroco – e, para muitos, o maior de todos os tempos – se tornasse conhecida. E mais tempo ainda para que se tivesse uma idéia mais precisa da aparência de Johann Sebastian Bach, o gênio das fugas e cantatas. Nascido em 1685 em Eisenach, na Alemanha, Bach compôs cerca de 1.100 obras, mas, dizem, deixou-se retratar só uma vez. Agora especialistas em arte forense desvendaram sua provável aparência. O grupo de Caroline Wilkinson, da Universidade de Dundee, na Escócia, reconstituiu a face de Bach a partir de um molde em bronze do crânio do compositor cedido pelo Museu Bachhaus. “Fizemos varreduras do crânio com
UNIVERSIDADE DE DUNDEE/BACHHAUS EISENACH
Quando o time sofre uma derrota, a torcida pede a cabeça do técnico. Nem sempre adianta. A entrada de um novo treinador raramente resolve os problemas, segundo estudo conduzido por pesquisadores da Mid Sweden University. A equipe de Leif Arnesson analisou a substituição de treinadores e os resultados dos jogos da série de elite sueca de hóquei sobre o gelo em 360 temporadas, entre 1975 e 2006. No período, 128 técnicos foram substituídos. “Em todos os casos foi um erro trocar o técnico”, diz Arnesson. De acordo com o pesquisador, a substituição raramente resolve o problema. A mudança prejudicou os times quando era feita no decorrer do campeonato, pois custa à equipe se adaptar ao novo treinador. “Quando se pensa em contratar um novo técnico, deve-se ao menos evitar mexer durante a temporada”, afirma. Segundo os pesquisadores, os achados também se aplicam a outros esportes praticados em equipe, como o futebol (Swedish Research Council).
LAURABEATRIZ
LABORATÓRIO MUNDO
NÃO ADIANTA MUDAR O TÉCNICO
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Face reconstruída: exposta no Museu Bachhaus
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laser, o que nos permitiu recriar em computador a musculatura e a pele da face”, disse Caroline. “Até onde se pode assegurar, essa foi a aparência de Bach”, disse a coordenadora do grupo, que se baseou ainda no retrato original de Bach e em documentos de época descrevendo os problemas que deixaram as pálpebras do compositor inchadas (London Press Service).
Eva de Naharon, que viveu há 13.600 anos, segundo datação por carbono radiativo. Se a idade estiver correta, ela será a mais antiga habitante das Américas. “Não sabemos como chegaram nem se vieram pelo Atlântico, pela floresta ou pelo interior do continente”, disse González à National Geographic. A análise dos crânios sugere que eram de indivíduos com
Quem toma o caminho mais curto nem sempre chega mais rápido. Físicos da Coréia do Sul e dos Estados Unidos avaliaram o que aconteceria se os motoristas usassem diferentes rotas para se deslocar entre dois pontos de Nova York, Boston ou Londres. Resultado: se todos pegassem as rotas mais curtas, o trânsito se tornaria mais complicado. O afluxo de carros obstrui essas rotas, deixando livres as mais longas, segundo estudo a ser publicado na Physical Review Letters. Para escapar, parte dos motoristas faria meia volta atrás de alternativas até que o sistema atingisse um ponto de equilíbrio no qual não se consegue reduzir o tempo até o destino. Nos horários de pico o tráfego obrigaria os motoristas a percorrerem caminhos 30% mais extensos que a menor rota possível (Economist).
traços típicos de povos do Sul da Ásia e não do Norte, origem dos primeiros colonizadores, segundo a teoria dominante.
ANDRÉ KÜNZELMANN/UFZ
> Os primeiros americanos? Uma caverna submarina no Sul do México guardou por milhares de anos os restos mortais dos que podem ter sido os mais antigos habitantes das Américas. A equipe do arqueólogo Arturo González, diretor do Museu do Deserto, em Santillo, encontrou perto da cidade de Tulum, na península de Yucatán, no mar do Caribe, esqueletos de quatro pessoas que viveram há mais de 11 mil anos. O mais antigo é de uma mulher, a chamada
Conyza canadensis: natural da América do Norte
> As invasoras da Europa Em 25 anos passou de 580 para 2.843 o número de espécies de plantas originárias de outras partes do mundo (exóticas) na Europa. Bélgica e Reino Unido concentram a maior parte das espécies exóticas, como a erva Conyza canadensis, natural da América do Norte. Segundo os autores do estudo, publicado na Preslia, seis novas espécies de plantas chegam todos os anos à Europa, a maior parte trazida de modo não-intencional em viagens. A entrada dessas plantas preocupa porque pode afetar a biodiversidade local. Nessa invasão, as plantas não são as únicas ameaçadas: o pólen liberado no ar pode causar alergias.
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NEM SEMPRE MAIS RÁPIDO
RICARDO ZORZETTO
Nova York: trânsito embaralhado
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Após quase dois anos de trabalho, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) produziram a primeira linhagem brasileira de células-tronco embrionárias humanas. No final de setembro chegaram ao laboratório da geneticista Lygia da Veiga Pereira os resultados de testes mostrando que as células cultivadas por ela eram de fato pluripotentes, ou seja, matinham-se capazes de se dividir indefinidamente e de originar células de diferentes tecidos do corpo – como pele, músculos e neurônios. Lygia e a bióloga Ana Maria Fraga obtiveram essas células-tronco a partir de um embrião que estava congelado havia mais de três anos, como exige a legislação brasileira, e foi doado por uma clínica de fertilização in vitro com autorização dos pais. Para chegar a essa linhagem batizada de BR-1, no entanto, foi preciso descongelar cerca de 250 embriões, dos quais apenas Neurônios gerados a partir de células-tronco embrionárias 35 se desenvolveram até o quinto dia, estágio em que as células são extraídas. É um passo importante para a ciência nacional que ocorre dez anos depois de James Thomson, da Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos, ter criado a > Desmemoriados primeira linhagem de células-tronco extraídas de embriões humanos. “Esse resultado na floresta nos dá autonomia”, afirma o biólogo Stevens Rehen, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que trabalha com Lygia. “A partir de agora os pesquisadores brasileiros não A vida urbana exige muito dependerão apenas de células importadas para trabalhar.” O trabalho de Lygia e Rehen do cérebro. Dirigir, ouvir correu risco de ser paralisado até maio passado, quando o Supremo Tribunal Federal julgou música, falar ao telefone, improcedente a ação que contestava o uso de células-tronco embrionárias em pesquisa. listar afazeres profissionais Na próxima edição Pesquisa FAPESP trará reportagem detalhada sobre o assunto. e domésticos – às vezes,
> Veneno contra protozoários Em suas andanças pela Caatinga o biólogo Carlos Jared, do Instituto Butantan, já encontrou sapos que sobreviveram três anos enterrados no leito seco de rios. Com base no que conhece da biologia desses animais e dos parasitas que podem atacá-los em ambiente úmido, Jared suspeitou que a pele dos anfíbios deveria produzir potentes antimicrobianos. Com André Tempone, do Instituto Adolfo Lutz em São Paulo, Jared isolou da secreção de glândulas 46
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da pele do sapo-cururu (Rhinella jimi) dois esteróides: a telocinobufagina e a helebrigenina. Em testes em laboratório, ambos mataram a Leishmania chagasi, parasita causador da leishmaniose visceral, que atinge 2 milhões de pessoas no mundo. A helebrigenina eliminou o Trypanosoma cruzi, causador do mal de Chagas. Os esteróides não danificaram células de mamíferos, Sapo-cururu: esteróides eliminam parasita da leishmaniose
segundo artigo publicado na Toxicon. “Estamos estudando a possibilidade de síntese dessas moléculas, para fazer ensaios em animais infectados com os parasitas”, diz Tempone, que tenta desenvolver fármacos contra doenças negligenciadas.
tudo ao mesmo tempo –, uma correria que leva a culpa pela memória que falha. Talvez seja um vilão injusto, segundo Sonia Brucki e Ricardo Nitrini, da Universidade de São Paulo. Eles avaliaram a saúde física e mental e a memória de 163 habitantes das Reservas de Desenvolvimento Sustentável de Amanã e Mamirauá, na Amazônia, com idades entre 50 e 94 anos (International Psychogeriatrics). São pessoas que vivem em casas de palafitas, caçam, pescam e cultivam mandioca. Mesmo com estilo de vida mais simples, 70% das pessoas examinadas relataram ter
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ANA MARIA FRAGA/USP
CÉLULAS-TRONCO MADE IN BRAZIL
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problemas de memória, índice superior ao observado em outros estudos. A surpresa foi verificar que o problema não está associado à idade ou à escolaridade. Pessoas com falhas de memória apresentaram mais sintomas psicológicos como distúrbios de humor. Pelo visto, depressão afeta muito mais a memória do que a correria urbana.
EDUARDO CESAR
Arara-azul-grande: capaz de usar ferramenta para obter comida
macacos e corvos, já mostraram que esses animais são capazes de lidar com varetas e pedras para se alimentar. Mas será que os outros bichos entendem para que servem as ferramentas? Estudos com corvos e papagaios da Nova Zelândia sugerem que sim. Agora os biólogos Cynthia Schuck Paim, Andressa Borsari e Eduardo Ottoni, da Universidade de São Paulo, mostraram que algumas espécies de araras e papagaios originais das Américas também
Nas várzeas do Amazonas e do Pará vivem 3 milhões de pessoas, quase 1 milhão em áreas rurais que geram por ano R$ 2,5 bilhões (14% da renda desses estados). Ocupadas antes da chegada dos europeus, as várzeas poderiam produzir mais, sem agredir o ambiente. Mas o apoio institucional recente, que favorece a pecuária e a produção intensiva de arroz e soja, ameaça várzeas e rios. No livro Agropecuária na economia de várzea da Amazônia, publicado pelo Ministério do Meio Ambiente, Francisco de Assis Costa e Tomas Inhetvin investigam os processos produtivos nas várzeas e identificam deficiências e potenciais.
> Os meios e os fins Usar apetrechos para conseguir comida não é habilidade exclusiva do Homo sapiens. Experimentos com grandes primatas como os chimpanzés, além de
C. GOLDSMITH/CDC
na Amazônia
identificam a utilidade das ferramentas. Os biólogos submeteram dois casais de arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus), dois de arara-azul-de-lear
A variedade do vírus da Aids que nos últimos anos mais cresce no Brasil e no mundo – o HIV do subtipo C – chegou ao país a partir do Leste da África, provavelmente vinda da Etiópia ou do Quênia. Foi trazida por uma única pessoa ou por um pequeno grupo de portadores de cepas próximas do ponto de vista genético, afirmam pesquisadores do Rio de Janeiro em estudo na AIDS. Rachel Fontella, do Laboratório Nacional de Computação Científica, e Marcelo Soares e Carlos Schrago, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, compararam a seqüência de dois genes do HIV em 51 amostras do vírus coletadas na América do Sul e 46 de outras regiões do mundo. Refazendo o percurso do HIV na América do Sul, viram que do Brasil essa variedade se espalhou para o Uruguai e a Argentina. Antes comum no Leste da África, na Índia e na China, essa cepa vem se disseminando pelo mundo e se sobrepondo às outras. É uma informação relevante. O que se sabe sobre resistência a medicamentos se baseia em testes com o subtipo B, o mais comum no país. HIV: cópias do vírus (em verde) se multiplicam em cultura
OS CAMINHOS DO HIV
> Agropecuária
(Anodorhynchus leari) e um de papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) a testes complexos em que tinham de puxar um barbante, prendê-lo e voltar a puxar até recuperar um amendoim. Baterias feitas com e sem amendoim amarrado ao barbante deixaram claro que as aves perceberam que o barbante era um meio de alcançar uma recompensa. São resultados consistentes com a expectativa de que essas aves, por terem cérebros proporcionalmente grandes à semelhança dos primatas, conseguiriam resolver tarefas complexas (Animal Cognition).
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CIÊNCIA
IMUNOLOGIA
Aliados
inesperados Sem bactérias, mamíferos não produzem a reação inflamatória essencial para combater lesões
Francisco Bicud o e Maria Guimarães | ilustrações Laura Dav iña
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amundongos visivelmente sentem dor quando recebem injeções de uma substância irritante nas patas. Lambem os membros inchados e evitam usá-los para caminhar, reação que não causa espanto a quem já sentiu inflamar um corte na mão ou no pé. Mas não é sempre assim. No laboratório do imunologista Mauro Teixeira, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alguns camundongos passam incólumes por essas injeções e custam a sentir dor quando suas patas são cutucadas por um objeto pontiagudo. Aparentemente são super-roedores imunes à dor. Mas o que há de especial neles é a ausência dos micróbios que habitam o corpo de qualquer mamífero – inclusive dos seres humanos –, essenciais para que o sistema imunológico funcione de maneira adequada. O grupo mineiro descobriu que, além de menos sensíveis à dor, os camundongos sem germes não têm meios de combater uma infecção causada por microorganismos nocivos nem o reflexo de proteger uma pata ferida. Manter esses roedores livres de bactérias que normalmente habitam o organismo, a microbiota, requer muito cuidado e um aparato complexo. Eles vivem dentro de bolhas de plástico e tudo o que consomem – ar, água e comida – é esterilizado e entregue por passagens especiais. Monitorados 24 horas por dia, não podem ter contato com o mundo exterior. Em vez de causar doenças, as espé-
cies de bactérias que integram a microbiota ajudam em diversas funções essenciais à vida como a digestão de alimentos, a produção de vitamina K, essencial para a coagulação do sangue, e o controle do armazenamento de gordura. Além disso, a microbiota compete por um espaço que, de outra maneira, estaria disponível para invasores nocivos ao organismo. Qualquer pessoa costuma ter em seu corpo dez vezes mais bactérias do que células humanas – a maior dessas bactérias se encontra nos intestinos, onde convivem em equilíbrio com o corpo. Camundongos livres de bactérias existem há décadas em laboratórios que pesquisam a ação de micróbios no organismo. A abordagem inovadora do grupo de Teixeira foi usá-los não para estudar doenças, mas para desvendar como a microbiota contribui para amadurecer o sistema imunológico. Um artigo publicado este ano na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) explica o segredo dos supercamundongos. Quando recebem injeções de substâncias irritantes como as carragenanas, extraídas de algas-vermelhas, o organismo desses roedores produz uma proteína chamada interleucina-10 (IL-10), com potente ação antiinflamatória. É o contrário do que acontece nos camundongos normais, nos quais as carragenanas desencadeiam uma cascata de reações bioquímicas que provoca a inflamação, essencial para chamar a atenção do animal para a lesão e para recrutar as células de defesa para o local da ferida. Quando bactérias
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nocivas aproveitam um ferimento para invadir o organismo, são essas células de defesa que as eliminam, evitando maiores danos. Até 2004 não se conhecia essa reação antiinflamatória apresentada pelos animais sem microbiota. Naquele ano o grupo de Teixeira publicou no Journal of Immunology os resultados de um experimento em que ele e seus colaboradores interrompiam momentaneamente o fluxo de sangue em uma artéria importante do intestino de dois grupos de camundongos – um deles livre de bactérias e o outro com a microbiota normal. Quando o sangue volta a fluir com força, geralmente causa uma lesão no intestino. Nos camundongos normais essa lesão originou uma inflamação generalizada que matou todos os animais. “A resposta à inflamação no intestino era tão intensa que atacava células e tecidos sadios em todo o corpo”, explica Flávio Almeida Amaral, integrante do grupo mineiro que atualmente faz parte da pesquisa de seu doutorado no William Harvey Research Institute, na Inglaterra. Com os animais sem bactérias, lembra Amaral, ocorreu algo diferente: eles venceram a inflamação e sobreviveram.
O
que aconteceu com os camundongos normais foi um descontrole de um processo corriqueiro. Geralmente acompanhada de inchaço, aumento da temperatura no local atingido e dor, a inflamação induz o corpo a produzir substâncias químicas chamadas mediadores. Essas moléculas disparam mensagens para o sistema imunológico, que, por sua vez, envia células de defesa como os macrófagos e os leucócitos para o local lesionado, onde combatem microorganismos nocivos. Nos camundongos normais dos experimentos de Teixeira essa resposta era tão exagerada que não se restringia ao intestino. Células de defesa em grande quantidade caíam na circulação sangüínea, combatendo bactérias e, como balas perdidas, agredindo também as células de tecidos sadios. Em órgãos sensíveis como os pulmões esse processo causa mais danos e pode levar à morte. O grupo da UFMG descobriu que os animais que nunca tiveram contato com bactérias reagem à lesão pro-
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duzindo o antiinflamatório natural interleucina-10. Mas perdem essa capacidade antiinflamatória ao adquirir uma microbiota – para isso, basta terem contato com fezes de camundongos normais. “É como se as bactérias inofensivas deixassem o organismo do mamífero em estado de alerta, pronto para combater invasores com uma inflamação”, explica Teixeira.
A
descoberta representou um avanço importante na compreensão de como se desenvolve a imunidade, mas não bastava. Era preciso entender em detalhes como os camundongos sem germes produzem interleucina e assim, quem sabe, chegar a alguma estratégia que auxilie no tratamento de doenças inflamatórias agudas e crônicas como artrite reumatóide, asma e esclerose múltipla. Em 2007 o grupo publicou mais detalhes, outra vez no Journal of Immunology. Surgiram então na trama as anexinas e as lipoxinas, proteínas responsáveis por ativar o sistema imunológico. Em seguida à lesão no intestino, os pesquisadores detectaram níveis até três vezes maiores de lipoxinas no sangue dos camundongos sem germes. Eles também tinham teores mais altos de anexinas do que o detectado nos roedores normais. Foi a primeira vez que se demonstrou que as lipoxinas e anexinas são essenciais para estimular a produção de interleucina-10. Como são moléculas menores, talvez sejam boas candidatas a servir de base para medicamentos com ação antiinflamatória. A esperança do grupo da UFMG é que compostos derivados dessas proteínas possam substituir os antiinflamatórios atuais à base de corticóides, que geram efeitos colaterais como aumento de peso, perda de massa muscular e maior propensão ao diabetes e à osteoporose. De fato, a equipe da UFMG mostrou que injetar lipoxina e anexina no sangue de camundongos com microbiota protege o organismo das lesões no intestino causadas pela interrupção temporária do fluxo sangüíneo. O tratamento é eficaz em reduzir significativamente a hemorragia local e em combater a inflamação, devolvendo as propriedades características e o bom funcionamento do tecido intestinal dos animais. A lipoxina e a anexina também diminuem em
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50% a mortalidade dos animais. Esses benefícios decorrem da forma de ação dessas proteínas, que atuam local, direta e independentemente, impedindo os tecidos de acumular líquido demais e formar edemas típicos da inflamação. Evitar a inflamação não é sempre bom, porém. Danielle da Gloria de Souza, colega de Teixeira na UFMG, alerta que os mecanismos antiinflamatórios podem atrapalhar quando a inflamação é acompanhada por uma invasão de bactérias, ou seja, uma infecção. É que as substâncias antiinflamatórias bloqueiam a comunicação da área lesionada com os leucócitos, células de defesa que englobam e destroem bactérias prejudiciais ao organismo. Sem o recrutamento dos leucócitos, o organismo fica vulnerável, um terreno fértil para infecções. “É uma desvantagem. A proteção acontece pela metade”, admite Danielle. “Por outro lado, é uma novidade a ser mais bem estudada e que abre horizontes promissores, pois há uma resposta pontual eficiente para combater a inflamação”, reforça.
envolvidos no processo de produção e resistência à dor”, diz Amaral, sem descartar que algum dia esse conhecimento possa contribuir para o arsenal de analgésicos nas farmácias. “A relação da microbiota com a proteção do organismo já era conhecida”, conta Teixeira. “O que fizemos foi dar um passo adiante e refinar o conhecimento a respeito dessa colaboração que se dá entre as bactérias e o sistema de defesa, trazendo à tona informações mais precisas sobre etapas e substâncias que ajudam a organizar essa relação.” Para ele, as descobertas têm abrangência muito maior do que as conseqüências práticas que poderão ter no desenvolvimento de fármacos. O trabalho mostra que a convivência pacífica com bactérias é na verdade o que nos permite sobreviver num mundo onde esses minúsculos organismos se revelam cada vez mais dominantes e numerosos. ■
O
s pesquisadores da UFMG afirmam que ainda é preciso compreender de que maneira as bactérias influenciam a produção de determinados mediadores e por que, na ausência delas, o organismo secreta outros mediadores. Uma explicação possível deve envolver o que chamam de programação gênica: a microbiota ativa no organismo que a hospeda genes ligados à estimulação do sistema imunológico; sem essas bactérias, o organismo precisa organizar outras estratégias de defesa. O mais recente desdobramento do estudo revela que os camundongos sem germes têm também quase 50% a mais de resistência à dor, em relação àqueles com microbiota. “Não se trata da dor normal”, ressalta Teixeira, “se espetarmos a pata, eles sentem dor. Estamos falando da sensibilidade exagerada que a inflamação causa”. Os pesquisadores identificaram a interleucina-10 como responsável pelo efeito analgésico, mas resta detalhar os processos de resistência à dor para entender como acontece o efeito analgésico. “Por enquanto são apenas suspeitas e hipóteses. Com os dados que temos, vamos novamente investigar quais os sinalizadores e mediadores químicos diretamente
> Artigos científicos 1. SOUZA, D. G. et al. The essential role of the intestinal microbiota in facilitating acute inflammatory responser. The Journal of Immunology. v. 173, n. 6, p. 4137-4146. set. 2004. 2. SOUZA, D. G. et al. The required role of endogenously produced lipoxin A4 and annexin-1 for the production of IL-10 and inflammatory hyporesponsiveness in mice. The Journal of Immunology. v. 179, n. 12, p. 8533-8543. dez. 2007. 3. AMARAL, F. A. et al. Commensal microbiota is fundamental for the development of inflammatory pain. PNAS. v. 105, n. 6, p. 2193-2197. fev. 2008.
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EVOLUÇÃO
Um molde e muitas
formas Expressão de um mesmo gene em tecidos distintos ou momentos diferentes contribui para a diversidade biológica das espécies Maria Guimarães
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FUSÃO DAS IMAGENS DE ASA DE MORCEGO (JOHN ZOOK/UNIVERSIDADE DE OHIO) E MÃO (EDUARDO CESAR)
A
mão de uma pessoa e a asa de um morcego exercem funções tão distintas que parecem ser projetos diferentes. Mas é só olhar de perto para ver as semelhanças. São formadas pelo mesmo número de ossos, segundo instruções dos mesmos genes. Durante o desenvolvimento, basta que um gene central na formação da mão esteja mais ativo na pata dianteira do embrião do morcego para criar uma asa. Usar o desenvolvimento embrionário para entender como alterações mínimas no mesmo projeto criam boa parte da diversidade biológica do planeta é tarefa de uma área da biologia apelidada de evo-devo, resultado da fusão de duas outras – evolução e desenvolvimento – e tema central do 54o Congresso Brasileiro de Genética, realizado em setembro em Salvador, na Bahia. Pesquisas apresentadas no congresso mostram que muitas vezes pequenas diferenças no momento ou no local em que um gene é ativado determina a origem de novidades evolutivas. “Se você tem o rosto diferente de quem está ao lado, isso se deve às células da crista neural – é melhor saber alguma coisa sobre elas”, disse a norte-americana Marianne Bronner-Fraser, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech). As células da crista neural surgem no início da formação do sistema nervoso dos vertebrados, animais com coluna vertebral como peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Essas células migram para a periferia do embrião, onde originam o sistema nervoso periférico, a cor do rosto de alguns animais, parte dos ossos faciais e o bico das aves. São pequenas variações nesse processo que
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As aparências enganam: mão e asa têm a mesma origem genética
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tornam os rostos humanos diferentes uns dos outros. Marianne estuda os genes que coordenam a formação e a migração dessas células para responder a uma pergunta básica: como um tipo de célula que não existia surgiu junto com os vertebrados. O primeiro desafio foi descrever os genes que regulam o desenvolvimento embrionário da lampreia, um peixe alongado de consistência gelatinosa que se alimenta do sangue de outros peixes. Pouco atraente, a lampreia representa o ramo mais antigo dos vertebrados, razão por que compará-la aos outros animais dá pistas de como o grupo surgiu. A equipe de Marianne examinou cerca de 50 genes ativos no embrião da lampreia e, em artigo de 2007 na Developmental Cell, mostrou que alguns dos genes mais importantes para formar uma lampreia adulta são semelhantes aos que controlam o desenvolvimento embrionário de outros vertebrados. Em muitos casos, a diferença principal é que alguns genes que entram em ação no início do desenvolvimento desses animais só são ativados mais adiante nas lampreias. Com isso, a pesquisadora mostrou que a parte inicial do circuito de genes que regula o desenvolvimento existe há mais de 500 milhões de anos.
O
argentino Pablo Wappner, da Universidade de Buenos Aires, também investiga genes que cumprem funções distintas em organismos diferentes. Ele estuda a formação do sistema respiratório nas drosófilas. Diferentemente dos vertebrados, os insetos não têm sistema vascular e respiram por traquéias, tubos ramificados que levam oxigênio para diversas partes do corpo e se formam segundo instruções dos mesmos genes que constroem o sistema vascular em mamíferos. Wappner vem mostrando por que as traquéias das drosófilas e os vasos sangüíneos de mamíferos se tornam mais ramificados em situações de baixo oxigênio, aumentando a eficiência de transporte do gás para os tecidos. Em artigo da Methods in Enzymology de 2007, Wappner descreveu a cascata de genes ativada na falta oxigênio que leva à ramificação das traquéias. Ele aposta que seja possível aplicar ao sistema vascular humano o que se aprende sobre as drosófilas. Quem avançou na compreensão de como se forma o coração humano é o médico José Xavier Neto, do Instituto do Coração (InCor) da Universidade de
São Paulo. O que há de especial no coração de vertebrados é a arquitetura em câmaras: uma recebe o sangue e outra se contrai e lança o sangue adiante. Em outros animais, exceto moluscos, os vasos sangüíneos empurram o sangue por meio de constrições das paredes – um método que tem o defeito de criar movimento nos dois sentidos, como quando se aperta um tubo de pasta de dentes pelo meio. Xavier vem mostrando que a formação das câmaras depende dos níveis de ácido retinóico no embrião. “Se tratamos o embrião com altas doses de ácido retinóico, o coração vira um grande átrio; se inibimos a produção do ácido, só o ventrículo se desenvolve.” Xavier mostrou que durante o desenvolvimento do embrião o ácido retinóico se espalha como uma onda: começa a ser produzido na cauda e aos poucos avança em direção à cabeça. Como o coração está alinhado com o eixo do corpo, no início as enzimas que produzem o composto só são produzidas nas células do átrio. Quando a onda chega aos ventrículos, seu desenvolvimento já está definido e não é alterado. O pesquisador do InCor comprovou que a onda de ácido retinóico também existe em anfíbios, aves, mamíferos e peixes, inclusive lampreias. O anfioxo produz enzimas semelhantes às que fazem o ácido retinóico, mas o composto não se dissemina como uma onda. Em congressos, Xavier tem discutido a síntese de seu trabalho. Ele reuniu os dados que obteve até agora e sugere que a onda de ácido retinóico já existia antes do surgimento dos vertebrados e do coração dividido em câmaras. O grupo estuda agora os genes que comandam a produção do ácido retinóico. Enten-
MATTHIAS GERBERDING/INSTITUTO MAX PLANCK
Para entender a origem desse circuito, Marianne comparou o desenvolvimento das lampreias com o dos anfioxos – representantes vivos dos ancestrais dos vertebrados que parecem filhotes de peixes, mas não têm coluna vertebral nem crista neural. Marianne vasculhou o genoma do anfioxo e encontrou genes semelhantes aos que regulam a formação da crista neural em vertebrados, segundo artigo deste ano na Genome Research. “No anfioxo há ao menos uma cópia de todos os genes que existem em várias cópias nos vertebrados”, conta, sugerindo que já existiam em ancestrais dos vertebrados genes que foram cooptados para uma nova função nesses animais: fabricar a crista neural.
Material genético corado em azul marca diferentes estágios de desenvolvimento no embrião de crustáceo
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der como o coração se desenvolve pode nortear o diagnóstico e o tratamento de defeitos cardíacos congênitos. Outra fonte de diversidade é a expressão de genes que dão origem a segmentos do corpo de insetos – os mesmos genes que determinam as diferentes seções na coluna vertebral de um camundongo. Como todas as moscas, as drosófilas têm um par de asas e um par de pequenos apêndices chamados halteres. O biólogo Nipam Patel, da Universidade da Califórnia em Berkeley, relatou que, ao inativar o gene ultrabitórax (ubx), surgem asas no lugar dos halteres. Com quatro asas a mosca fica parecida com borboletas e abelhas, outra indicação de que pequenas mudanças geram diversidade de formas. Mas o desenvolvimento das asas ainda não está plenamente desvendado: nas borboletas, Patel encontrou grande atividade do ubx nas asas de trás, mas não nas da frente, que são maiores. A evolução parece ter recurso a mecanismos alternativos na construção das asas dos insetos.
P
atel também investiga a função do ubx em crustáceos, que têm uma diversidade incomum em termos de desenvolvimento e de arquitetura. A parte anterior desses animais é composta por diversos segmentos – cada um dos quais pode ter patas, pinças ou apêndices especializados em alimentação chamados maxilípedes. O pesquisador de Berkeley constatou que nos camarões do gênero Periclimenes o gene ubx só entra em ação a partir do quarto segmento, onde começam as patas. Patel desenvolveu um método de ativar o gene nos primeiros segmentos e diminuir sua expressão nos posteriores. Assim, fez nascerem patas onde deveriam estar os maxilípedes e vice-versa. Ele também investiga outra questão de simetria: as diferenças entre os lados direito e esquerdo dos organismos. Nos seres humanos, o coração e o estômago ficam mais para o lado esquerdo e o fígado à direita. Quando essa assimetria falha, os órgãos ficam mal encaixados, uma condição geralmente fatal. O principal gene responsável pela assimetria é o Nodal, expresso no lado esquerdo dos vertebrados. Patel mostrou que esse mesmo gene determina a torção da concha de caramujos, em algumas espécies
para a direita e em outras para a esquerda. Se o Nodal for inibido no início do desenvolvimento, a concha se forma esticada. Mas por que o gene só é expresso num lado do corpo? Patel ainda não sabe dizer. Ele não é o único a se interessar por asas de drosófilas. A geneticista Blanche Bitner-Mathé, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estuda a diversidade de formas e tamanhos das asas dessas moscas. Ao contrário dos outros especialistas em evo-devo que estudaram a embriologia antes de chegar aos genes, Blanche partiu de uma abordagem de genética evolutiva e agora busca no desenvolvimento a explicação para suas descobertas. Ela criou drosófilas da espécie Drosophila melanogaster em temperaturas diferentes (16,5˚ C e 22˚ C) e a cada geração selecionava as dez com asas mais alongadas e as dez com asas mais arredondadas. Essas moscas dariam origem à geração seguinte, sempre à mesma temperatura. O grupo carioca verificou que a resposta à seleção varia conforme o ambiente. A 22˚ C, ao fim de 50 gerações, a equipe obteve moscas com asas alongadas e outras com asas quase redondas, formato não observado na temperatura mais fria nem na natureza. “O genoma tem potencial para criar formas que não necessariamente existem”, resume a pesquisadora, que investiga o gene rotund, que ganhou esse nome por gerar asas mais redondas quando alterado. O trabalho de Blanche vai além de evolução e desenvolvimento. “Nossos resultados reforçam a importância de estudar a interface entre ecologia, evolução e desenvolvimento”, conta, definindo a eco-evo-devo. Em colaboração com o Laboratório de Biologia Molecular de Insetos da Fundação Oswaldo Cruz, o grupo observou que as asas alongadas produzem um som diferente das redondas – e que as fêmeas preferem machos de asas longas. O sucesso entre as fêmeas talvez ajude a explicar por que na natureza as drosófilas sempre têm asas longas.
Klaus Hartfelder, do campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), também se concentra em uma única espécie: busca explicar como duas larvas de abelhas geneticamente iguais se diferenciam em rainha ou operária. Ele observou que genes ligados ao metabolismo da insulina são mais ativos durante o desenvolvimento de operárias do que o das rainhas, segundo artigo publicado este ano no Journal of Insect Physiology. É o que o pesquisador chama de paradoxo das abelhas, porque em outros insetos a insulina promove o crescimento. Nas abelhas parece ser o contrário: as rainhas são muito maiores, mas têm esses genes inativados durante o desenvolvimento. Hartfelder verificou também que os teores de hormônio juvenil são mais altos no início do desenvolvimento das larvas das rainhas. Esse hormônio protege os ovários da morte celular, fazendo com que rainhas adultas tenham cerca de duzentas estruturas que produzem óvulos, enquanto operárias só têm entre 2 e 12 em cada ovário. O grupo de Hartfelder analisa agora quais são os genes mais ativos nos ovários de rainhas e operárias, para esmiuçar melhor como as duas castas se formam. A solução para o enigma das abelhas? O rosto de Hartfelder se ilumina: “Não sei!” Mistérios como esse, que atiçam a curiosidade dos pesquisadores, tornam a eco-evo-devo uma das áreas mais badaladas da biologia no momento. ■ PESQUISA FAPESP 152
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BOTÂNICA
Engrenagens
do tempo
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m 1729 o astrônomo francês Jean Jacques d’Ortous de Mairan fez uma descoberta importante em biologia. Ao lado da luneta que usava para observar os astros, ele mantinha um vaso com a planta Mimosa pudica, a popular sensitiva ou dormideira, que fecha suas folhas miúdas quando alguém as toca. De Marian notou que nem sempre era preciso roçar suas folhas para que se recolhessem – à noite se fechavam naturalmente e voltavam a abrir-se quando o dia clareava. Por curiosidade, ele colocou a planta em baú fechado, que guardou em um porão escuro. Para sua surpresa, mesmo sem luz ela continuava a abrir e fechar suas folhas como se preservasse uma memória da duração do dia e da noite. Um século e meio mais tarde o botânico alemão
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Wilhelm Pfeffer concluiria que os movimentos da Mimosa pudica na escuridão constante tinham origem em um mecanismo interno da planta: o chamado relógio biológico, um conjunto de genes, proteínas e outras moléculas que regula o ritmo de fenômenos físicos e químicos – a exemplo do movimento das folhas, a abertura das flores ou a produção de açúcares (fotossíntese) – e os mantém em sincronia com mudanças no ambiente como a duração do dia ou a mudança das estações do ano. Séculos depois dos primeiros experimentos, uma série de estudos recentes conduzidos na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, com a participação de um pesquisador brasileiro, traz uma nova compreensão sobre o funcionamento e a composição do relógio biológico das plantas.
Com hora marcada: folhas abrem em ciclos de 24 horas
EDUARDO CESAR
Evanild o da Silveira
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Biólogos do Brasil e da Inglaterra detalham a composição e o funcionamento do relógio biológico das plantas
Até pouco tempo atrás se pensava que o funcionamento do relógio biológico fosse regulado apenas por um conjunto de cerca de dez genes e as proteínas por eles produzidas. Experimentos liderados por Alex Webb, do Departamento de Ciências das Plantas, de Cambridge, mostraram que não é bem assim. O grupo, do qual fez parte o biólogo brasileiro Carlos Hotta, descobriu que na verdade o relógio biológico dos vegetais é ajustado por moléculas muito menores, como a adenosina difosfato ribose cíclica (ADPRc), já conhecida por sinalizar para as plantas situações ambientais extremas como escassez de água, falta ou excesso de luz solar, ausência de nutrientes no solo e frio ou calor intensos. “Já sabíamos que a ADPRc era responsável por ativar parte dos mecanismos de proteção da planta, entre
eles o fechamento de pequenos poros existentes nas folhas para evitar a perda de água”, diz Hotta, que teve papel fundamental no planejamento, na condução e na análise dos resultados da pesquisa realizada durante seu doutorado em Cambridge entre 2003 e 2007. “Agora vimos que a ADPRc também pode incorporar informações sobre mudanças ambientais ao relógio biológico que regula a fisiologia das plantas”, afirma o biólogo, que faz pós-doutorado no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), um dos autores do artigo que descreveu o achado em dezembro passado na Science. Esse trabalho altera de modo importante a compreensão de como funcionam os relógios biológicos, com possíveis implicações até na agricultura. “Demonstramos que uma parte PESQUISA FAPESP 152
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Moléculas muito menores que as proteínas fazem o ajuste fino do ritmo de fenômenos físicos e químicos nos vegetais do mecanismo de marcação do tempo depende de moléculas pequenas como a ADPRc e não apenas de genes ou proteínas”, afirma Hotta. “É uma pequena mudança de paradigma.” Se antes os pesquisadores prestavam atenção apenas aos níveis de atividade dos genes, de agora em diante terão de aprender também como essas moléculas se comportam no interior das células vegetais e contribuem para o ajuste do relógio biológico.
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EDUARDO CESAR
participação da ADPRc como engrenagem desse mecanismo de medição do tempo permite, por exemplo, compreender por que as plantas se adaptam tão rapidamente a alterações no ambiente como variação na temperatura ou na luz solar. Por ser muito pequena a ADPRc é produzida pelas células em questão de minutos, enquanto a fabricação de uma proteína, milhares de vezes maior, consome horas. “Essa molécula parece atuar na regulação fina do relógio biológico”, comenta Hotta. Já se sabia que, em mamíferos, a ADPRc se liga a canais de organe-
las celulares que armazenam cálcio, abrindo-os. Como um interruptor, o cálcio liberado ativa e desativa uma série de proteínas, funcionando como uma espécie de mensageiro químico. Também havia evidências de que funcionava da mesma forma nas plantas, controlando a abertura e fechamento dos poros (estômatos) das folhas, o crescimento dos pêlos das raízes e a fecundação das flores. Hotta, aliás, iniciou seu doutorado interessado em investigar a função do cálcio, e não da ADPRc, nas células vegetais. “Meu objetivo era descobrir se esse elemento químico influenciava o funcionamento do relógio biológico”, explica. Estudos anteriores mostraram que os níveis de cálcio nas células das plantas variam no decorrer do dia, aumentando no período de luz e baixando no escuro, em um padrão que se repete a cada 24 horas – razão por que esse ritmo é conhecido como circadiano, ou seja, que oscila no período de aproximadamente um dia. Mas não se conhecia o efeito provocado por essa variação. “Até então se pensava que o relógio
Produção de frutos: em sincronia com mudança na duração do dia
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biológico mandava informações para as células, usando o cálcio como mensageiro”, conta o biólogo. Para surpresa do grupo, os experimentos revelaram que a função do cálcio não é regular a fotossíntese ou outros processos. Esse elemento químico integra o próprio relógio biológico, como se fosse uma engrenagem do centro desse mecanismo de marcação do tempo. “Há uma retroalimentação nesse processo, isto é, a ADPRc controla o relógio e ao mesmo tempo é controlada por ele”, diz Hotta. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores usaram drogas que bloquearam a produção do ADPRc na Arabidopsis thaliana, erva da família das mostardas adotada como modelo para estudar diversos fenômenos em biologia. A ausência de ADPRc retardou o mecanismo de marcação do tempo. Os ciclos de movimentação das folhas, o uso de açúcares na produção de energia ou a abertura e fechamento dos estômatos, que antes se repetiam a cada 24 horas, passaram a durar até 27 horas. “Todos os ritmos dependentes do relógio que medimos se tornam mais lentos”, afirma Hotta. “Isso nos ajudou a concluir que a ADPRc é parte desse sistema de medição do tempo que ajuda a otimizar o crescimento da planta.” O ajuste rápido do sistema permite à planta se preparar de antemão para mudanças no ambiente e estar pronta, por exemplo, para capturar gás carbônico e iniciar a fixação de açúcares (fotossíntese) antes do amanhecer, em vez de pôr esse processo em andamento só depois de perceber os primeiros raios de sol. Esse mesmo mecanismo torna possível a produção de moléculas que protegem as folhas da radiação ultravioleta antes que o sol esteja mais forte no meio do dia. Como a ADPRc ajusta o que os biólogos chamam de período do relógio – tempo que um fenômeno leva para se repetir –, acredita-se que essa molécula influencie todos os ritmos biológicos controlados pelo relógio da planta, a
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MIGUEL BOYAYAN
Sem demora: regulagem rápida do relógio prepara planta para a fotossíntese antes do primeiro raio de luz
exemplo da floração, da fotossíntese, da síntese e da quebra de amido. Tamanha influência estimula os pesquisadores a buscar estratégias de ajustar o relógio de plantas usadas na agricultura e aumentar a produtividade. Embora o estudo tenha sido feito com a Arabidopsis thaliana, Hotta acredita que muitas das descobertas devem valer para outras espécies. “Trabalhos feitos com outras plantas têm revelado que vários dos componentes do relógio são os mesmos”, diz.
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m outra série de experimentos com Arabidopsis thaliana, Hotta constatou que a oscilação dos níveis de cálcio é controlada pelo gene TOC1 (sigla em inglês de regulador da proteína que se liga às clorofilas A e BL). Uma alteração específica – a TOC1-2 – nesse gene reduziu o período de variação dos níveis de cálcio e outros ritmos para 21 horas. Mudanças em outras regiões do
gene deixaram ritmos biológicos como o da abertura dos estômatos ou de movimento das folhas com 21 horas, enquanto o da variação de cálcio permaneceu com 24 horas, segundo estudo publicado em novembro do ano passado na Plant Cell. “Esse é um indício de que existem dois tipos de relógio na planta, ambos dependentes da TOC1, mas com características diferentes”, diz Hotta, que investiga a existência e o funcionamento de relógios biológicos na cana-de-açúcar no pós-doutorado que desenvolve com financiamento da FAPESP no Laboratório de Sinalização Celular do IQ-USP. O primeiro passo é verificar se o relógio da cana é similar ao da Arabidopsis para depois saber o seu papel no controle de características como o acúmulo de açúcar e resistência à seca. Essas informações podem, no futuro, levar ao melhoramento e ao aumento de produtividade da cana. ■
> Artigos científicos 1. DODD, A.N. et al. The Arabidopsis circadian clock incorporates a cADPR-based feedback loop. Science. v. 318, p. 1789-1792. 14 dez. 2007. 2. XU, X.; HOTTA, C.T. et al. Distinct light and clock modulation of cytosolic free Ca2+ oscillations and rhythmic chlorophyll A/B binding protein2 promoter activity in Arabidopsis. The Plant Cell. v. 19, p. 34743490. nov. 2007.
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> METEOROLOGIA
Relâmpago nos pampas Perigosos e raros, os raios positivos são cinco vezes mais freqüentes no oeste gaúcho do que no resto do país | Marcos Pivet ta
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ais raros e mais destrutivos, os raios positivos respondem por apenas 5% do total de descargas elétricas que saem das nuvens e atingem algum ponto da Terra. No Sudeste, a região do território nacional mais bem monitorada, essa também é a sua prevalência. Mas dados coletados nos últimos três anos pelos sensores da Rede Brasileira de Descargas Atmosféricas (BrasilDat) e medições de campo realizadas nos dois últimos verões esboçam um quadro bastante distinto e preocupante num outro canto do país. No oeste e norte do Rio Grande do Sul e no oeste de Santa Catarina, a formação de raios positivos é até cinco vezes mais freqüente e as descargas desse tipo representam 25% do total. “Índices semelhantes são conhecidos apenas em duas áreas do planeta, no
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centro dos Estados Unidos e no Japão”, compara Osmar Pinto Junior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, interior paulista, que está à frente dos estudos sobre raios. “Precisamos prestar atenção a essa situação distinta do Sul.” Incêndios florestais e danos na rede de força elétrica causados por raios são geralmente debitados na conta das descargas positivas. Algumas particularidades tornam os raios positivos potencialmente mais perigosos. Embora não seja uma regra absoluta, a intensidade de sua corrente elétrica tende a ser mais elevada do que nas descargas negativas. Em casos extremos, pode ser até dez vezes maior e chegar a 300 mil ampère. Se o valor da corrente não é necessariamente maior, o tempo de duração da descar-
ga sobre o chão é sempre mais longo. “Os raios positivos tocam o solo e se mantêm conectados por centenas de milissegundos”, comenta o físico Marcelo Saba, do Elat, que participa dos trabalhos de campo de caça às descargas elétricas. Nos municípios gaúchos de Uruguaiana e Santa Rosa, os pesquisadores flagraram raios positivos que permaneceram transferindo eletricidade para o ambiente terrestre por mais de 500 milissegundos, o dobro do tempo médio de um raio negativo. Descargas duradouras são mais destrutivas do que as mais breves, ainda que ambas apresentem a mesma corrente elétrica. O ar em torno de um raio dessa magnitude pode atingir, por frações de segundo, temperaturas cinco vezes maiores do que na superfície do Sol. Compostas de gotículas de água e partículas de gelo de várias dimensões, as nuvens de tempestade do tipo cúmulo-nimbo, que originam a maioria dos relâmpagos, e podem ser comparadas a uma pilha. Em razão da ação de correntes ascendentes e descendentes de ar e também da gravidade, essas partículas se chocam, tornam-se carregadas eletricamente e se separam em dois pólos: no topo, ficam as partículas menores (cristais), de carga positiva, e na base se encontram as maiores (granizo), Raio positivo carregadas negatiobservado em vamente. Esse sisUruguaiana: tema se encontra 25% das em equilíbrio, pois descargas vale lembrar que elétricas cargas elétricas de na região são polaridade distinta desse tipo
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se atraem. As nuvens de tempestade originam raios quando algum desequilíbrio nesse sistema faz com que o campo elétrico produzido por todas essas cargas ultrapasse a capacidade isolante do ar num dado ponto dentro da nuvem. Nesse momento surge um raio. Cerca de 70% dos raios permanecem dentro da nuvem ou na própria atmosfera e apenas 30% rumam para o solo. Se o relâmpago que desce para a Terra é dotado de corrente negativa, esse raio vai procurar o melhor caminho na atmosfera que o conduza a um ponto do solo carregado de corrente positiva – e vice-versa. Como se sabe, os pólos opostos se atraem.
ELAT/INPE
Sem ramificações - Dada essa bre-
ve explicação sobre a distribuição das cargas elétricas nas nuvens do tipo cúmulo-nimbo, fica relativamente fácil de entender por que a ocorrência de raios positivos que tocam o solo se mostra, em qualquer parte do globo, bem menos freqüente do que a dos negativos. Como o setor inferior das nuvens está mais próximo da superfície da Terra, as descargas com corrente negativa são mais fáceis de observar e tornam-se quase corriqueiras em dias de forte chuva. Já boa parte dos raios originados no topo das nuvens, onde estão as cargas positivas, permanece dentro dessas próprias formações, entre 5 e 20 quilômetros acima do nível do solo. Algumas dessas descargas originadas no andar superior das tempestades, no entanto, escapam da formação chuvosa e atingem o chão. Em sua descida, os raios positivos costumam queimar
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O PROJETO Programa nacional de monitoramento de raios (Pronar)
MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADOR
OSMAR PINTO JUNIOR - Inpe INVESTIMENTO
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o ar como se fossem um único fio de luz e eletricidade, quase sempre sem as ramificações comumente observadas em torno das descargas negativas. Podem percorrer trajetos relativamente longos na atmosfera e cair a mais de dez quilômetros de distância da nuvem que o gerou. Não há nenhuma evidência científica de que a maior incidência de raios positivos no Sul do país seja um fenômeno atmosférico recente ou esteja ligado às tão decantadas mudanças climáticas aparentemente em curso na Terra. “Não temos uma série histórica da ocorrência dessas descargas no Rio Grande do Sul, mas acho que não se trata de algo realmente novo”, comenta Pinto Junior, cujos estudos foram, em parte, financiados por um projeto temático da FAPESP. Provavelmente, a região exibe a peculiaridade há décadas, talvez séculos, e simplesmente ninguém a percebeu. Não é de estranhar que isso tenha ocorrido. Até o final de 2006, não havia meios confiáveis de medir esse ti-
po de ocorrência na porção meridional do país. Desde então, a abrangência da BrasilDat, que se limitava aos estados do Sudeste, passou a incluir todos os estados do Sul. Só então as primeiras informações mais detalhadas sobre os raios dessa parte do Brasil começaram a ser geradas. Os pesquisadores suspeitam que a maior ocorrência de descargas positivas na região de Uruguaiana e Santa Rosa possa estar ligada a uma característica climática local: ali ocorre com freqüência o choque de massas de ar frias e secas, vindas da Argentina, e massas de ar quentes e úmidas originadas na Amazônia. O produto dessas colisões, que também acontecem na Argentina, Paraguai e Uruguai, são fortes tempestades, que, em tese, podem originar a porcentagem anormal de descargas positivas. Há alguns indícios de que nos últimos dez anos as tempestades no Sul estão se tornando mais intensas, com grande quantidade de chuva e raios concentrados em poucas horas, mas ainda é cedo para relacionar uma coisa à outra. Agora, em plena primavera, munida de sensores de campo elétrico e câmeras de vídeo que produzem 8 mil quadros por segundo, uma equipe do Elat faz uma campanha em Santa Maria, município no centro do Rio Grande do Sul, para observar in loco mais raios positivos. “Desde 2003 filmamos cerca de 1.500 raios no país”, afirma Saba. “Mas apenas 50 eram positivos.” ■ Ver vídeo de raio positivo em www.revistapesquisa.fapesp.br
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> FÍSICA
na internet: nesse dia a página inicial do buscador Google, uma parada quase obrigatória para quem usa cotidianamente o computador, estampava um desenho do megaacelerador. Tamanha publicidade em torno do LHC rendeu também algumas notícias que desagradaram à comunidade científica. Disseminada por alguns meios de comunicação, a hipótese, absurda, de que a operação do equipamento poderia criar um buraco negro capaz de sugar a Terra primeiro irritou os físicos e depois foi motivo de piadas. Mas em 19 de setembro houve um revés bastante concreto que colocou novamente o LHC no centro das notícias: um vazamento de gás hélio no setor 3-4 de seu túnel, desencadeado provavelmente por uma falha elétrica que levou ao derretimento de dois eletroímãs, interrompeu os trabalhos e provocou a interdição da megaestrutura erigida nos arredores de Genebra. O conserto deverá demorar meses e o equipamento está previsto para voltar a funcionar no primeiro semestre de 2009, após o fim do inverno no hemisfério Norte. “Por ter acontecido imediatamente depois do grande sucesso que foi a entrada em
O LHC é POP Acelerador de partículas cai no gosto da mídia, mas incidente paralisa os trabalhos até 2009
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operação do LHC, o incidente é sem dúvida um golpe psicológico”, disse, num comunicado à imprensa, Robert Aymar, diretor-geral do Cern. “Não tenho dúvida, no entanto, de que vamos superar esse obstáculo com o mesmo grau de rigor e aplicação que empregamos na construção e operação do complexo que abriga o acelerador.” Respostas para o Big Bang - O LHC
é uma obra que consumiu quase duas décadas, contando planejamento, construção e atrasos, e custou perto de US$ 10 bilhões. O equipamento, onde pesquisadores esperam provocar e observar as tão aguardadas colisões de prótons, se propõe a investigar o Universo frações de segundo após a explosão primordial (Big Bang) que o teria criado e os misteriosos bósons de Higgs, hipotéticas partículas elementares da matéria que seriam as responsáveis por dar massa às demais partículas, mas cuja existência nunca foi comprovada. Ou seja, respostas para a física do muito pequeno e do muito grande. Quase 10 mil pesquisadores, dos quais cerca de 70 brasileiros, devem produzir algum tipo de trabalho científico no LHC nos próximos anos. Os eletroímãs são peças fundamentais na estrutura do LHC. Quando resfriados a temperaturas absurdamente baixas, assumem propriedades supercondutoras e servem de guia para os prótons em suas viagens pelo enorme túnel subterrâneo. Com auxílio do gás hélio, trabalham resfriados a -271,3° C no megaacelerador do Cern. Para consertar os dois eletroímãs que apresentaram falha e derreteram no mês passado, será necessário esquentar o local onde eles estão instalados, fazer as trocas e reparos e, em seguida, resfriar novamente todo o ambiente. Todo esse processo deverá se estender por dois meses e terminar perto de dezembro, à beira do inverno europeu. Como o Cern fecha na estação fria para a realização de manutenções periódicas, o LHC só deverá voltar a funcionar em 2009, na primavera do hemisfério Norte. O contratempo não deve abalar a confiança da comunidade científica no LHC ou a popularidade do acelerador
FOTOS CERN
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etembro de 2008 pode entrar para a história como o mês em que a física de partículas, tema tão fascinante quanto complexo, esteve no topo de todos os noticiários como raramente se viu. O primeiro assunto do período foi, claro, a crise na economia americana, que ameaça provocar uma recessão de proporções mundiais e imprevisíveis. O segundo, a esperada entrada em funcionamento do Large Hadron Collider (LHC), o maior acelerador de partículas do planeta, montado pelo Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) 100 metros abaixo da superfície, nos arredores de Genebra, bem na fronteira da Suíça com a França. Em 10 de setembro, quando o primeiro feixe de prótons percorreu o túnel circular de 27 quilômetros de extensão do LHC, uma audiência televisiva estimada em 1 bilhão de pessoas, um sexto da população do planeta, assistiu a reportagens sobre o início dos trabalhos da maior e mais complexa estrutura científica edificada pelo homem. Mais uma prova de que o LHC era o destaque do momento apareceu
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CRISTINA JIMENEZ REPRODUÇÃO
Página do Google sobre o acelerador e Katherine McAlpine, autora do rap sobre o LHC: grandes hits na internet
entre o público leigo. “A causa específica do vazamento de hélio é atípica, mas podem ocorrer problemas no início do funcionamento de uma máquina tão complexa”, pondera o físico brasileiro Roberto Salmeron, radicado há mais de 30 anos em Paris e que fez parte da primeira turma de pesquisadores contratados pelo Cern, ainda na década de 1950. Para o veterano pesquisador, o retardo no início do funcionamento do LHC devido ao incidente não chega a representar realmente um atraso no cronograma de trabalho do acelerador de partículas. “Nem tem sentido se falar de atraso, tudo ocorreu como previsto”, diz Salmeron. A grandeza e o ineditismo da missão científica do LHC, a excelência da pesquisa européia em estrutura
da matéria, o prestígio da ciência produzida no Cern, tudo isso fez com que o megaacelerador tenha sido alvo de uma publicidade excepcional nos meios de comunicação, mas mais do que justificada na opinião do físico brasileiro. “No passado, quando não era conhecido do grande público, o Cern obteve resultados que produziram verdadeiras revoluções na física, mas o público nem percebeu”, comenta Salmeron. “Essa foi uma grave falha dos cientistas, que não mantiveram com o público o contato que deveriam ter tido.” Dessa vez os físicos europeus contaram com um reforço inusitado para difundir o seu trabalho. O vídeo de um rap de quase cinco minutos sobre o megaacelerador, produzido e estrelado por
uma jornalista norte-americana de 23 anos, Katherine McAlpine, tornou-se um hit na internet. O Large hadron rap foi acessado quase 3,5 milhões de vezes no You Tube, o site mais popular de hospedagem de vídeos na rede mundial de computadores, e virou tema de reportagens na imprensa internacional. O sucesso do vídeo musical, amador, mas bem-feito, transformou Alpinekat, nome artístico da rapper encarnada pela jovem comunicadora, numa pequena celebridade do mundo digital. “Achava que, com toda a badalação em torno do LHC, o vídeo seria visto por umas 10 mil pessoas”, disse à Pesquisa FAPESP Katherine, que se formou no ano passado em física e jornalismo pela Universidade Estadual de Michigan. “Mas, depois de alguns dias, os acessos dispararam.” Sua previsão inicial se baseava na audiência obtida por seu rap de estréia na área de divulgação científica. Seu vídeo sobre um neurochip desenvolvido por pesquisadores israelenses foi inicialmente visto por 600 pessoas. No geral, as reações provocadas pelo rap sobre o LHC foram positivas entre os pesquisadores, segundo Katherine. “A maioria dos cientistas do Cern encarou o rap como uma forma nova, ainda que boba, de chamar a atenção para o acelerador”, afirmou a jornalista. “Uns poucos cientistas que levam a física de partículas a sério demais me censuraram. Acham que eu fiz papel de boba e embaracei a área de trabalho deles.” Vale lembrar que a world wide web – o famoso www, a face da internet usada pela maioria das pessoas, onde está inclusive o Large hadron rap – foi inventada em 1989 por Tim BernersLee, um físico então a serviço do Cern. Quando o LHC finalmente estiver a pleno serviço no próximo ano, é provável que os físicos do Cern produzam muito mais do que boa ciência sobre a origem do Universo. De quebra, pode surgir algum invento tão revolucionário quanto a web. ■
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias ■
Economia
valorizadas na explicação do sucesso escolar. Por outro lado, os rapazes parecem recorrer mais à capacidade para explicar o seu sucesso, e as meninas mais ao esforço e às bases de conhecimento. Na explicação do insucesso, a falta de esforço e de método de estudo surge mais valorizada que a capacidade conforme se avança na escolaridade, o que parece proteger a auto-estima dos alunos.
Modelos para o PIB
Economia Aplicada – v. 12 – nº 2 – Ribeirão Preto – 2008
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Educação
Sucesso e fracasso escolares A Teoria da Atribuição de Causalidade representa um interessante corpo teórico para analisar como os alunos explicam as suas situações de sucesso e de insucesso escolar. O artigo “Atribuições causais para o sucesso e fracasso escolares”, de Leandro da Silva Almeida e Lúcia Miranda, da Universidade do Minho, em Braga, Portugal, e María Adelina Guisande, da Universidade de Santiago de Compostela, de Santiago de Compostela, Espanha, analisa se essas atribuições causais se diferenciam de acordo com o gênero e o ano escolar dos alunos. A amostra foi composta por 868 alunos do 5º ao 9º ano de escolaridade. A avaliação recorreu ao Questionário de Atribuições de Resultados Escolares, no qual os alunos ordenam seis causas possíveis (esforço, método de estudo, bases/conhecimentos, ajuda dos professores, sorte e capacidade) consoante a sua importância na explicação dos seus sucessos e dos seus insucessos escolares. Os resultados sugerem que os alunos, independentemente do sexo e do ano escolar, associam os seus resultados acadêmicos (sucesso e fracasso) ao esforço, surgindo ainda para explicar o insucesso à falta de métodos apropriados de estudo. À medida que se avança na escolaridade, as bases de conhecimento surgem mais
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Estudos de Psicologia (Campinas) – v. 25 – nº 2 – Campinas – abr./jun. 2008
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Literatura
Machado e a Abolição
ABL
O objetivo central do artigo “Prevendo o crescimento da produção industrial usando um número limitado de combinações de previsões”, de Gilberto Hollauer, do Ministério das Minas e Energia, e João Victor Issler e Hilton H. Notini, da Fundação Getúlio Vargas, é o de propor e avaliar modelos econométricos de previsão para o PIB industrial brasileiro. Para tanto, foram utilizados diversos modelos de previsão como também combinações de modelos. Foi realizada uma análise criteriosa das séries a serem utilizadas na previsão. Os autores concluíram que a utilização de vetores de co-integração melhora substancialmente a performance da previsão. Além disso, os modelos de combinação de previsão, na maioria dos casos, tiveram uma performance superior aos demais modelos, que já apresentavam boa capacidade preditiva.
“O Memorial de Aires e a Abolição”, artigo de Pedro Coelho Fragelli, da Universidade de São Paulo, sugere que o último romance de Machado de Assis tem na conivência de classe do narrador seu princípio de composição fundamental. O autor procura demonstrar que, longe de ser obra de um escritor absenteísta, o livro registra uma visão desencantada da Abolição – mais lúcida e profunda que a dos apologistas do 13 de Maio. Novos Estudos - Cebrap – nº 79 – São Paulo – nov. 2007
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Ginecologia
Síndrome dos ovários A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a principal endocrinopatia ginecológica na idade reprodutiva, com incidência de 6% a 10% das mulheres no menacme. A resistência insulínica e a hiperinsulinemia compensatória permanecem como os elementos mais importantes na etiopatogenia da SOP. A revisão “Tratamento da infertilidade em mulheres com síndrome dos ovários policísticos”, de Laura Ferreira Santana, Rui Alberto Ferriani, Marcos Felipe Silva de Sá e Rosana Maria dos Reis, da Faculdade de Medicina de Riberão Preto da Universidade de São Paulo, teve como objetivo discutir as controvérsias no tratamento de mulheres com SOP nos diferentes contextos da infertilidade feminina e gestação, à luz das evidências atuais, com ênfase no consenso de 2008 proposto pelas sociedades
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Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – v. 30 – nº 4 – Rio de Janeiro – abr. 2008
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Sono
Distúrbios noturnos O artigo “Sintomas da síndrome de apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono em crianças” investigou os sintomas mais freqüentes encontrados em crianças com diagnóstico polissonográfico de síndrome da apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono (Sahos). Os autores são Paloma Baiardi Gregório e Francisco Hora, do Instituto Cardiopulmonar, de Salvador, Rodrigo Abensur Athanazio, da Universidade Federal de São Paulo, Almir Galvão Vieira Bitencourt, da Universidade Federal da Bahia, Flávia Branco Cerqueira Serra Neves, da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, e Regina Terse, da Fundação Bahiana para Desenvolvimento das Ciências. Foram avaliadas 38 crianças consecutivamente encaminhadas ao laboratório do sono com suspeita de Sahos no período de junho de 2003 a dezembro de 2004. Os pacientes foram submetidos a um questionário pré-sono e à polissonografia. A idade média foi de 7,8 ± 4 anos (variação, 2-15 anos), sendo 50% das crianças do sexo masculino. Observou-se maior freqüência de casos severos de apnéia entre crianças menores de 6 anos (idade pré-escolar). Dentre as crianças com Sahos, os sintomas mais citados foram ronco e obstrução nasal, presentes em 74,3% e 72,7% das crianças, respectivamente. Sonolência excessiva e bruxismo ocorreram em, respectivamente, 29,4% e 34,3% dos casos e doença do refluxo em apenas 3,1%. Agitação das pernas e dificuldade para iniciar o sono foram encontradas em, respectivamente, 65% e 33% dos avaliados. Todas as crianças que apresentaram Sahos de grau severo tinham queixa de ronco e bruxismo. Os autores mostraram que os sintomas mais freqüentes em crianças e adolescentes com Sahos são ronco e obstrução nasal. Além disso, quadros mais graves da Sahos estão associados à menor faixa etária. Jornal Brasileiro de Pneumologia – v. 34 – nº 6 – São Paulo – jun. 2008
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Agronomia
Proteína na semente de arroz O trabalho “Teor de proteína e qualidade fisiológica de sementes de arroz”, de Rafael Pivotto Bortolotto, Nilson Lemos de Menezes, Danton Camacho Garcia e Nilson Matheus Mattioni, da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, teve como objetivo avaliar o teor de proteína como elemento auxiliar na determinação da qualidade fisiológica de sementes de arroz, além de correlacioná-la com a emergência em campo. Foram utilizados seis lotes de sementes
de arroz, sendo três lotes da cultivar IRGA 417 e três lotes da cultivar IRGA 422 CL, submetidas ao conjunto de testes, para caracterizar o potencial fisiológico dos lotes: germinação, primeira contagem de germinação, envelhecimento acelerado, frio sem terra, comprimento de plântula e massa seca de plântula. Após a determinação da qualidade inicial dos lotes foi aplicado novo conjunto de testes, composto pelo teor de proteína bruta e pelas avaliações das plântulas e plantas em campo. Conclui-se que o teor de proteína bruta é capaz de identificar diferenças entre lotes de arroz, em razão da qualidade das sementes, e correlacionar-se com a emergência em campo, quando ocorre em condições desfavoráveis; portanto, trata-se de uma determinação promissora para associação aos testes convencionais a fim de avaliar o potencial fisiológico das sementes de arroz. Bragantia – v. 67 – nº 2 – Campinas – 2008
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Gastroenterologia
Efeitos perversos da pimenta A pimenta-vermelha e outras especiarias têm sido responsabilizadas por agravar a sintomatologia das doenças anais, tais como fissuras e hemorróidas. O objetivo do estudo “Efeito da pimenta-vermelha nos sintomas de pacientes com fissuras anais agudas”, de Pravin J. Gupta, do Fine Morning Hospital and Research Center, Nagpur, Índia, foi o de determinar se o consumo desse produto acarreta problemas físicos. Pacientes foram recrutados e randomizados para receber cápsulas contendo pimenta ou placebos por uma semana, somadas a analgésicos e suplementos de fibras. Foi solicitado que anotassem um escore de sintomas, tais como dor, queimação anal, prurido, durante o período de estudo. Após uma semana o tratamento foi cruzado e administrado ao mesmo grupo de pacientes com a mesma metodologia e os resultados foram anotados ao final de duas semanas. Cinqüenta pacientes foram selecionados e 43 completaram o estudo (22 no grupo pimenta e 23 no grupo placebo). O escore médio diário de dor foi significativamente mais baixo (2,05 no grupo pimenta e 0,97 no grupo placebo). A sensação de queimação foi sentida de modo significativo no grupo pimenta (1,85 para o grupo pimenta versus 0,71 para o grupo placebo). O escore de melhora dos sintomas foi significantemente alto após tomar o placebo; 81,3% dos pacientes preferiram tomar placebo ante 13,9% que preferiram pimenta. Dois pacientes não referiram preferências. A conclusão da pesquisa é que o consumo de pimentas agrava os sintomas de fissuras anais agudas. Arquivos de Gastroenterologia – v. 45 – nº 2 – São Paulo – abr./jun. 2008
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
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européia (European Society of Human Reproduction and Embryology) e norte-americana (American Society for Reproductive Medicine) de reprodução.
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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
Se, por um lado, os espectadores de grandes shows ou acontecimentos esportivos têm a chance de ver de perto seus ídolos em ação, por outro deixam de apreciar muitos detalhes dos eventos ocorridos longe de seu campo de visão – e que são acompanhados por quem está assistindo ao espetáculo em casa pela televisão. Para “corrigir” essa falha, um grupo de pesquisadores britânicos trabalha em estreita cooperação com parceiros industriais a fim de criar um aparelho que permita ver todas as cenas dos eventos. Batizado de Visualise, o projeto prevê o uso de terminais móveis como telefones celulares e minicomputadores do tipo PDA (sigla em inglês para Assistente Digital Pessoal) para visualizar todo o evento com imagens captadas por redes de TV e por câmeras próprias do sistema. Um primeiro teste da tecnologia já foi feito durante uma etapa do campeonato mundial de rally realizada no final de 2007. Na ocasião, os espectadores, munidos de celulares e PDAs, puderam acompanhar trechos da corrida que aconteciam fora de sua área de visão por meio de vários canais de imagem nesses aparelhos. O projeto, avaliado em € 1,3 milhão, é patrocinado pelo governo britânico e executado pela Universidade de Bristol (London Press).
LONDON PRESS
VISÃO COMPLETA DA CORRIDA E DO SHOW
Aparelho de mão para não perder cenas de um evento
> A vida com os robôs Será que um dia os robôs farão parte do nosso dia-a-dia, nos ajudando em tarefas triviais como atender ao telefone, levar o cachorro para passear ou lembrar a hora do remédio?
Para responder a questões como essa, uma equipe de pesquisadores europeus está à frente do Projeto Lirec, sigla em inglês para vivendo com robôs e acompanhantes interativos. Seu objetivo é criar uma nova geração de tecnologia robótica que permita o desenvolvimento
de acompanhantes socialmente inteligentes e interativos, capazes de se relacionar com humanos. O primeiro passo da pesquisa é examinar a percepção que as pessoas têm dos robôs. Os pesquisadores também irão avaliar como as pessoas
reagem quando esses seres robóticos de companhia familiar se transferem em forma virtual para telas de computador assumindo as mesmas ou outras funções. O projeto conta com a participação de nove instituições acadêmicas do continente (London Press).
> Cinema para lá de real Se uma das mais recentes inovações criadas no Media Lab do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) ganhar corpo e for adotada pelas salas de cinema, assistir a filmes como Missão impossível ou Indiana Jones vai ser uma experiência ainda mais eletrizante. 66
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e intensidade da iluminação em volta do objeto retratado. O conceito fundamental da tecnologia é similar ao da produção de imagens 3D: a superposição de um conjunto de lentes, em paralelo, a fim de criar uma série de linhas verticais sobre a imagem. A diferença é que as lentes lineares da produção 3D dão lugar a uma variedade de minúsculos quadros que facilitam a reprodução de movimentos a partir da alteração do ângulo de visualização.
> Hidrogênio
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Pesquisadores do MIT desenvolveram uma tecnologia de imagem 6D, que torna as projeções ultra-realistas. O novo sistema tem a aparência das imagens tridimensionais, mas incorpora também sombras naturais, dependendo da direção
Pesquisadores da Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, desenvolveram um método para converter etanol e outros biocombustíveis em hidrogênio, facilitando o uso das células a combustível que são geradores de energia elétrica a partir desse gás. O pulo-dogato foi a descoberta de um novo catalisador, substância que acelera a reação química, capaz de fazer a conversão com 90% de rendimento. Na produção do catalisador
> Vem aí a gasolina verde No futuro, se as pesquisas realizadas pela empresa Virent Energy, da cidade de Madison, nos Estados Unidos, derem certo, o abastecimento dos carros poderá contar também com biogasolina ou gasolina verde. Esse combustível resulta da conversão direta de açúcares vegetais em gasolina, sem precisar passar pela fase de refino como
no petróleo. O novo combustível tem alto valor energético, o que lhe confere mais eficiência quando comparado à gasolina comum ou à mistura gasolina-etanol. Outro diferencial desse biocombustível feito do açúcar é que ele pode ser obtido a partir de fontes não-alimentares, como resíduos de milho, palha de trigo ou bagaço de cana-de-açúcar. O processo de produção é inovador e prevê a transformação, a partir de manipulações bioquímicas, das moléculas de açúcares em um produto com propriedades similares à gasolina produzida a partir do petróleo. Pesquisas semelhantes também são realizadas por outras empresas e instituições, como a Universidade de Wisconsin e a companhia química Dupont.
Um tipo de tinta é o mais novo aliado contra as superbactérias resistentes a antibióticos, imunes aos sistemas de esterilização e, por isso, responsáveis por milhares de mortes todos os anos em hospitais. Pesquisadores da Universidade Metropolitana de Manchester, na Inglaterra, desenvolveram uma nova família de tintas para paredes, tetos e outras superfícies com nanopartículas de dióxido de titânio capazes de eliminar tais microorganismos quando expostas a lâmpadas fluorescentes comuns. O grupo analisou a reação da bactéria Escherichia coli a diversas formulações da nova tinta sob diferentes tipos e intensidades de luz e concluiu que aquelas com maiores concentrações de dióxido de titânio foram mais eficientes na eliminação do microorganismo. O dióxido de titânio já é usado nas tintas atuais, mas a presença de outros componentes, como o carbonato de cálcio, segundo os cientistas ingleses, reduz sua eficiência na Esterilização possível com tinta contendo nanopartículas luta contra as superbactérias.
TINTA IMUNE
ILUSTRAÇÕES LAURABEATRIZ
do etanol
foram utilizados pó de óxido de cério, um ingrediente comum e barato encontrado em cerâmicas, e cálcio recoberto com partículas de cobalto. O catalisador deverá ser usado em aparelhos chamados de reformadores nos postos de combustível, fazendo a conversão do etanol em hidrogênio.
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Um som que imita o canto de acasalamento do macho é o principal atrativo de uma armadilha, que já está sendo fabricada pela Idéia, da cidade de Jaboticabal, para acabar com as cigarras adultas da espécie Quesada gigas, que causa sérios danos às plantações de café. Nessa fase, que dura 40 dias, ocorre o acasalamento e cada fêmea põe cerca de 300 ovos. Assim que as ninfas (forma juvenil do inseto) nascem, elas se alojam nas raízes da planta e sugam a sua seiva. “A armadilha é composta por um sistema de som acoplado a um de pulverização, que funciona em circuito fechado”, diz o biólogo Douglas Henrique Maccagnan, que desenvolveu a armadilha como tema da sua tese de doutorado, orientada pelo professor Fábio de Melo Sene, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e pela professora Nilza Maria Martinelli, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista de Jaboticabal. Atraídas pelo som em um raio de 80 metros, as fêmeas são mortas por jatos de inseticida.
ARMADILHA SONORA
DOUGLAS HENRIQUE MACCAGNAN
Cigarras adultas são atraídas pelo som da armadilha
> Promotores da inovação Santa Catarina foi o estado que mais forneceu vencedores para a 12ª edição do Prêmio Nacional de Empreendedorismo Inovador promovido pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) que reúne as incubadoras de empresas do país. Duas empresas catarinenses, a Pixeon e a Automatisa, ambas de Florianópolis, foram as ganhadoras, respectivamente, nas categorias Empresa 68
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Graduada, que já deixou a incubadora, e Empresa Incubada. A Pixeon se destacou pelo desenvolvimento de soluções para o setor de radiologia e de diagnóstico de imagens médicas em formato digital. A Automatisa, instalada no Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), desenvolve tecnologia para máquinas de corte e gravação a laser e já atua
nos segmentos da indústria têxtil, calçadista e cerâmica e decoração. Em Florianópolis também está localizada a Incubadora de Empresas Midi Tecnológico, ganhadora na categoria Melhor Programa de Incubação de Empreendimentos Inovadores Orientados para o Desenvolvimento de Produtos Intensivos em Tecnologia. Ao completar dez anos, ela já graduou 41 empresas, inclusive a
ganhadora Pixeon, e apóia outras 19. O quarto prêmio foi o da categoria Melhor Projeto de Promoção de Cultura do Empreendedorismo Inovador. A ganhadora foi a Rede InovaPUC, que congrega os mecanismos relativos aos processos de inovação e empreendedorismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Ela reúne, entre outras instituições, uma agência de gestão tecnológica, um escritório de transferência de tecnologia e uma incubadora de empresas.
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> Prêmio Jabuti para a UFSCar
Didatismo em 13 capítulos
Corte de granito gera impacto ambiental
Também foram premiados na mesma categoria os livros Enciclopédia de automática – Controle e automação, de Luís Antonio Aguirre, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, e Introdução ao teste de software, de Márcio Eduardo Delamaro, do Centro Universitário Eurípedes de Marília, José Carlos Maldonado, da Universidade de São Paulo, e Mario Jino, da Universidade Estadual de Campinas.
> Do pó para a construção Os resíduos gerados na extração e corte de rochas ornamentais, como granitos e mármores, podem substituir parte do cimento utilizado na produção de blocos construtivos e de pisos para pavimentação. A estimativa é que o Brasil produza cerca de 800 mil toneladas de pó de pedras por ano. Espírito Santo, Bahia, Ceará e Paraíba são
Produtos sintetizados em medidas nanoméPATENTES tricas menores que 1 milímetro dividido por 1 NANOMÉTRICAS milhão de vezes estão começando a se tornar importantes para as várias áreas industriais. Duas patentes depositadas pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) mostram o potencial dessas tecnologias. Uma delas trata do uso de argilas na preparação de polímeros nanoestruturados para a obtenção de compósitos com mais elasticidade, resistência e redução de permeabilidade, formando uma barreira para gases e aromas. Esses polímeros poderão ser usados em celulares, canetas, copos plásticos, embalagens e partes de veículos. A segunda patente trata da preparação de nanopartículas revestidas com dióxido de titânio e de outros óxidos metálicos também para uso em polímeros. Com esses nanocompósitos aplicados a um produto pode-se obter propriedades de fotodegradação, processo que dilui o produto quando descartado à luz do sol, e função biocida, capaz de eliminar bactérias, por exemplo. Eles podem ter aplicação em vários setores como em produtos para agricultura, embalagens de alimentos e sensores. As patentes são resultado de trabalhos dos pesquisadores Suel Eric Vidotti, Paulo Rodrigo Alves Bernardo e Antonio José Felix de Carvalho coordenados pelo professor Luiz Antônio Pessan, do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar.
FABRÍCIO MAZOCCO – FAI/UFSCAR
Introdução à engenharia de produção foi escolhido como Melhor Livro de Ciências Exatas, Tecnologia e Informática do Prêmio Jabuti 2008. Coordenado pelo professor Mário Otávio Batalha, do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o livro lançado pela Elsevier Editora apresenta de forma didática, em 13 capítulos, a engenharia de produção e suas principais áreas de conhecimento e atuação.
os estados que mais vendem rochas ornamentais e, portanto, mais sentem o impacto ambiental com o descarte. Um projeto desenvolvido pela Universidade Estadual de Feira de Santana, na Bahia, em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo e apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), permitiu estudar o resíduo de quatro empresas de beneficiamento de rochas, duas baianas e duas capixabas. Foram avaliados diferentes teores de substituição de cimento por resíduo e realizados testes de resistência à compressão e à absorção de água, além de análises de custos de produção. Os resultados apontaram que os resíduos do Espírito Santo podem substituir até 10% de cimento nos blocos de vedação e 5% nos estruturais, enquanto os da Bahia podem chegar a 15% na produção de pisos e 10% nos blocos de vedação.
Nanocompósito preparado com argila e polímero PESQUISA FAPESP 152
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TECNOLOGIA
INDÚSTRIA PETROLÍFERA
A exploração de petróleo e gás abaixo da camada de sal no mar gera demanda de conhecimento e tecnologia | Marcos de Oliveira
xa pressão. Todo o sistema e o duto de transferência da plataforma que fará o transbordo para o navio precisarão estar a uma temperatura de -120° a -160° Celsius (C). O tanque também deverá ser resfriado. O problema é que o metal quando muito frio se torna frágil e pode trincar”, diz Nishimoto, que é do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli. Outro desafio é fazer o transbordo em condições críticas, com o movimento do mar e das plataformas, que podem ser as semi-submersíveis ou navios-tanques fundeados, conhecidos por FPSOs, sigla de Floating, Production, Storage and Offloading, ou sistema flutuante de produção, armazenamento e descarga, e do navio de GNL, que terá comportamento diferente com os tanques cheios e vazios. O TPN, que faz parte do grupo de desenvolvimento de sistemas da Petrobras, produz cálculos e simula situações sobre esses futuros eventos considerando as diversas variáveis do ambiente marinho e dos equipamentos envolvidos. Ele foi montado com recursos da Petrobras e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do Ministério da Ciência e Tecnologia em 2002. Dele fazem parte também pesquisadores da Coordenação dos Programas de Pós-
PETROBRAS
DO INTERIOR DE UM CONJUNTO DE SALAS NO PRÉDIO DA ENGENHARIA MECÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA (POLI) DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, NA CAPITAL PAULISTA, ESTÁ SAINDO PARTE DAS SOLUÇÕES que vão permitir o transporte do gás natural extraído das profundezas da camada pré-sal na bacia de Santos, nas novas reservas petrolíferas confirmadas pela Petrobras desde o final de 2007. A equipe do professor Kazuo Nishimoto, coordenador do Tanque de Provas Numérico (TPN), um laboratório especializado em hidrodinâmica formado por aglomerados ou clusters de computadores, desenvolve sistemas para simular o futuro transbordo do gás natural das plataformas para os navios, uma das alternativas levadas em conta pela Petrobras para transportar esse tipo de recurso mineral. A outra opção seria fazer grandes tubulações ao longo do fundo do mar, mas essa é uma solução cara e de difícil execução, com a necessidade de dutos com diâmetro muito grande e de longa distância no ambiente marinho. O produto que está associado ao petróleo deverá ser transformado do estado gasoso para o líquido em plena plataforma petrolífera para facilitar o transporte em um navio especializado em gás liquefeito. Um sistema para funcionar em pleno alto-mar, a mais de 300 quilômetros da costa, num ambiente hostil em meio a ondas e ventos fortes e a uma profundidade, da superfície até o chão do mar, de 2.200 a 3.000 metros, a chamada lâmina d’ água, fator que dificulta a ancoragem e a estabilidade dos risers, que são as tubulações presas a equipamentos no fundo do oceano que levam petróleo e gás para a plataforma na superfície. “Não existe no mundo um sistema em funcionamento em alto-mar para transformar o gás em líquido. Nesse estado, o gás natural líquido (GNL) tem que estar preservado a baixas temperaturas, num ambiente criogênico e de bai-
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QUÍMICA
Degradação difícil Estudo revela que plásticos oxibiodegradáveis não se decompõem na natureza como esperado Yuri Vasconcelos
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s consumidores mais atentos já devem ter notado que certas sacolas plásticas, dessas utilizadas para embalar produtos comprados em supermercados, drogarias e lojas as mais diversas, trazem a informação de que são confeccionadas com plástico oxibiodegradável. Esse tipo de plástico começou a ser produzido no final dos anos 1980 e, segundo seus fabricantes, são ambientalmente corretos porque se decompõem rapidamente na natureza. Com isso minimizariam uma série de riscos ambientais decorrentes do descarte desses produtos, como a impermeabilização do solo e a contaminação de lençóis freáticos. Agora uma pesquisa concluída recentemente por um pesquisador brasileiro mostra que não é bem assim. O engenheiro de materiais Guilherme José MacedoFechine, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, realizou uma bateria de testes com um tipo de plástico oxibiodegradável vendido no mercado nacional e constatou que, apesar de ele se fragmentar e virar pó, não é consumido por fungos, bactérias, protozoários e outros microorganismos – condição necessária para ser considerado biodegradável e desaparecer do solo ou da água. De acordo com o pesquisador, que não quer falar os nomes comerciais dos produtos porque as empresas não foram consultadas, não é de hoje que a biodegradabilidade dos polímeros oxibiodegráveis é considerada um assunto polêmico na comunidade científica internacional. Uma corrente de estudiosos duvida se eles
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são, de fato, biodegradáveis. No início do ano, o governador José Serra vetou um projeto de lei da Assembléia Legislativa paulista que tornava obrigatório o uso de sacolas plásticas com o aditivo oxibiodegradável porque havia dúvidas sobre o real benefício ao ambiente. “Meu estudo comprovou que não são biodegradáveis”, afirma Fechine, que acaba de retornar da Bélgica, onde participou de um congresso internacional sobre modificação e degradação de polímeros, o Modest 2008 na sigla em inglês. Para entender a controvérsia sobre os polímeros oxibiodegradáveis, é importante, primeiro, compreender como ocorre o processo de biodegradação desses plásticos e, em seguida, saber como eles são produzidos. A oxibiodegradação acontece em dois estágios. No início o plástico é convertido, pela ação de oxigênio, temperatura ou radiação
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O PROJETO Fotodegradação e fotoestabilização de blendas e compósitos poliméricos
MODALIDADE
Programa Apoio a Jovens Pesquisadores COORDENADOR
GUILHERMINO JOSÉ MACEDO FECHINE – USP e Mackenzie INVESTIMENTO
R$ 59.645,00 e US$ 48.470,55 (FAPESP)
ultravioleta em fragmentos moleculares menores. Em seguida esses fragmentos se biodegradam, o que significa que são convertidos em dióxido de carbono, água e biomassa por microorganismos decompositores. Para fomentar tal característica, os fabricantes misturam um aditivo pró-oxidante a polímeros convencionais, como polipropileno, polietileno ou outros. Esses polímeros são os mais usados para confecção de sacos e outros produtos plásticos. O aditivo pró-oxidante acaba por tornar o polímero supostamente biodegradável. Quando descartado em aterros ou lixões, o aditivo quebraria as longas cadeias moleculares que formam os polímeros, conferindo-lhe as características necessárias para ser consumido pelos microorganismos presentes no solo. “Segundo meu estudo, a única diferença dos polímeros oxibiodegradáveis é que o tempo de fragmentação é muito mais rápido do que o dos polímeros convencionais”, afirma Fechine. “As empresas que comercializam esse tipo de aditivo pró-oxidante deveriam alertar que apenas sua presença não tornará o plástico biodegradável. Para que isso ocorra, o polímero precisaria passar por uma forte degradação prévia, causada por radiação ultravioleta ou temperatura, por exemplo, e ser descartado em solo apropriado, com pH, umidade, temperatura e presença de microorganismos que permitissem a ocorrência da biodegradação.” Nem todos concordam com as limitações do aditivo. “Não conheço o trabalho, não sei se foi feito com o aditivo que represento, nem sei que metodologia o
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Restava saber se, além de fragmentado, ele se tornara biodegradável”, conta o professor Fechine. As duas amostras foram, então, submetidas a testes de biodegradabilidade em um terreno previamente preparado. Foram enterradas e, de tempos em tempos, coletadas para pesagem e avaliação de perda de massa. “Depois de quase dois meses constatamos que não houve perda significativa de massa para ambas as amostras. Isso quer dizer que nenhuma das duas foi consumida pelos microorganismos do solo durante esse tempo”, diz Fechine. “Nosso expe-
rimento mostrou que o aditivo acelera a fragmentação do polímero, mas não o torna biodegradável.” Um artigo com os resultados dos ensaios já foi aceito para publicação pela revista Polymer Engineering and Science, uma das mais conceituadas na área de polímeros. Intitulado Effect of UV radiation and pro-oxidant biodegradability, o artigo foi escrito em parceria com os pesquisadores Nicole Demarquette, da Poli-USP, Derval dos Santos Rosa e Marina Rezende, da Universidade São Francisco, em Itatiba, no interior paulista, responsáveis pelos ensaios de biodegradação em solo. ■
FOTOS MIGUEL BOYAYAN
pesquisador utilizou. Mas posso garantir que testes conduzidos pela Ecosigma, empresa com sede em Campinas especializada em compostagem e gestão de resíduos, e com participação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto Agronômico de Campinas (IAC), demonstraram que os plásticos oxibiodegradáveis fabricados com o aditivo d2w, que representamos no Brasil, são, de fato, biodegradáveis, compostáveis e não ecotóxicos para plantas superiores, minhocas e microorganismos metanogênicos [que produzem metano]”, afirma Eduardo van Roost, diretor-superintendente da Res Brasil, que comercializa o aditivo d2w para mais de 160 fabricantes brasileiros de embalagens plásticas. “Uma prova da eficiência, desempenho e segurança do nosso aditivo é o fato de ele estar presente em mais de 60 países”, complementa. Comparação de amostras - O expe-
rimento conduzido por Fechine, que há três anos está à frente de um projeto Jovem Pesquisador da FAPESP, realizado no Departamento de Engenharia de Materiais da Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) antes de ele se tornar professor do Mackenzie, comparou a degradação de duas amostras de polipropileno, uma delas contendo o aditivo pró-oxidante e outra sem essa substância. Na primeira etapa do trabalho, as duas amostras foram previamente fotodegradadas numa câmara de envelhecimento acelerado com emissão de radiação ultravioleta. “Com isso simulamos a fotodegradação que os plásticos sofrem num aterro sanitário ou lixão em função da radiação solar que incide sobre eles”, explica o professor. As amostras foram submetidas a diferentes tempos de radiação, sendo que a mais longa exposição correspondeu a 480 horas (ou 20 dias) na câmara de envelhecimento. Ao final desse período o polímero com aditivo pró-oxidante encontrava-se em avançado estado de decomposição. “Medimos a massa molar (mede quantidade de moléculas) das duas amostras antes e depois do ensaio na câmara de envelhecimento e constatamos que o aditivo pró-oxidante realmente acelerou a fotodegradação de forma intensa, quando comparado à amostra com polímero convencional.
Representação da degradação e da decomposição de plásticos no solo
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> CONSERVAÇÃO
Preservação sob medida Sensor monitora processo de corrosão a que estão submetidos órgãos históricos em igrejas e obras de arte em museus Dinorah Ereno
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m órgão do período barroco instalado na Catedral da Sé em Mariana, cidade histórica de Minas Gerais, foi monitorado durante um ano e quatro meses com um sensor desenvolvido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), como parte de um projeto de preservação de órgãos históricos chamado Sensorgan, financiado pela Comunidade Européia. A técnica permite avaliar a influência da umidade, da temperatura e de vapores de ácidos orgânicos liberados pela madeira no processo de corrosão dos tubos de emissão do som. “Com base nesse monitoramento, podemos definir melhor, por exemplo, a que horas as janelas e portas da catedral devem ser abertas e fechadas para colaborar com a manutenção do metal, para que tenha uma sobrevida mais longa”, diz a organista Elisa Freixo, curadora do órgão de Mariana, fabricado em 1700 pelo construtor Arp Schnitger e um dos mais bem preservados fora da Europa. “O monitor é uma combinação de sensores de temperatura, umidade relativa e luminosidade e de um dosímetro baseado em uma microbalança com um disco de cristal de quartzo de 0,5 centímetro de diâmetro por 0,1 milímetro de espessura, ligado a dois eletrodos de ouro que registram alterações de peso sutis que ocorrem em qualquer material depositado na superfície do quartzo”, explica o professor Andrea Cavicchioli, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, que participa do projeto europeu. Uma camada fina da substância investigada – no caso dos órgãos, óxido de chumbo – é depositada no disco de quartzo, em forma de filme de espes-
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Sensor detecta substâncias liberadas pela degradação da madeira
sura nanométrica. Quando o sensor é colocado no microambiente em que se encontra o órgão, ele consegue medir a velocidade do processo de desgaste porque o disco registra a corrosão do metal como uma mudança de peso. Antes de ser usada na avaliação de órgãos históricos, a técnica da micro-
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O PROJETO Impacto de microambientes na conservação de bens culturais
MODALIDADE
Programa Apoio a Jovens Pesquisadores COORDENADOR
ANDREA CAVICCHIOLI – USP INVESTIMENTO
R$ 201.187,36 (FAPESP)
balança de quartzo já era empregada em sensores ambientais para monitoramento de gases presentes na atmosfera. Cavicchioli, também químico, resolveu adaptar a metodologia para monitorar a resposta de materiais pictóricos em ambientes fechados que abrigam obras de arte, como museus e galerias, baseado no conhecimento de que o processo de degradação de substâncias como tintas, vernizes e colas ocorre com a variação de massa. “Quando um filme de verniz colocado na microbalança é atacado por fatores ambientais ele se oxida, sofrendo uma transformação irreversível, fica um pouco mais pesado e isso pode ser registrado pela microbalança”, relata. A técnica, que hoje pode ser aplicada com o auxílio de um dispositivo automático desenvolvido pelo grupo, permite avaliar a qualidade do ambiente onde as obras estão expostas, já que registra os efeitos oxidantes da atmosfera na decomposição de materiais orgânicos usados em quadros.
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FOTOS EDUARDO CESAR
Tubos emissores de som no órgão do Mosteiro de São Bento, em São Paulo
Esse trabalho resultou em um convite para participar do projeto europeu, liderado pela Göteborg Organ Art Center, instituição sueca dedicada à conservação da arte organística. O projeto, que tem como objetivo desenvolver tecnologias para detectar se as condições ambientais onde o órgão se encontra são favoráveis ou não à sua degradação, reuniu sete instituições parceiras. Além da USP e do centro de conservação sueco, participam pesquisadores da Universidade de Londres, do Instituto de Catálise e Química de Superfície na Polônia, do Instituto de Ciências Atmosféricas e Clima de Padova, na Itália, do Centro Municipal de Cultura de Olkusz, na Polônia, e da Universidade de Tecnologia Chalmers, da Suécia. As pesquisas foram iniciadas em janeiro de 2006 e, desde então, as técnicas de monitoramento desenvolvidas estão sendo testadas em instrumentos do patrimônio europeu, além do órgão de Mariana. O grupo da USP desenvolveu protótipos automáticos para detectar a ação de substâncias gasosas dentro do órgão. Essas substâncias, principalmente o ácido acético e o ácido fórmico, são liberadas pela degradação da madeira. Em combinação com fenômenos de condensação, criam condições favoráveis para causar sérios danos às partes metálicas dos órgãos. “Embora pareça um material inerte, a madeira é o principal inimigo dos tubos de chumbo”, diz Cavicchioli. Paralelamente à colaboração com o programa europeu, ele iniciou um projeto Jovem Pesquisador, financiado pela FAPESP, para avaliar como a combinação de diferentes fatores ambientais leva à degradação de vernizes em obras de arte. ■ PESQUISA FAPESP 145
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AGRONOMIA
Esterilização dinâmica Equipamento desenvolvido pela Fungibras inova no processo de cultivo de cogumelos
MIGUEL BOYAYAN
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Shiitake com o chapéu aberto: ponto ideal de colheita
limento rico em proteínas, vitaminas, sais minerais, carboidratos e com baixo teor de substâncias gordurosas, os cogumelos comestíveis têm gradativamente conquistado novos consumidores brasileiros. Mesmo assim, o consumo em torno de 30 gramas por pessoa ao ano ainda está muito distante dos dois quilos consumidos pelos franceses e dos oito quilos utilizados pelos chineses no mesmo período. O preço é certamente um dos obstáculos para a ampliação do mercado desses fungos, que têm alto custo pela complexidade do cultivo. A preparação do substrato, composto à base de serragem e farelo de cereais que precisa passar por cuidadosa esterilização para evitar futura contaminação por outros fungos e bactérias, é uma das etapas desse processo quando o cultivo é feito em câmaras de cultivo climatizadas (com temperatura, umidade e aeração controladas). Um sistema inovador de esterilização dinâmica foi desenvolvido na empresa Fungibras, de Botucatu, no interior paulista, pelo pesquisador Augusto Ferreira Eira, professor aposentado da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Em vez das tradicionais autoclaves – equipamento que utiliza vapor d’água sob pressão –, onde o substrato é colocado em pequenos sacos plásticos de polipropileno para ser esterilizado a 120º Celsius, Eira criou uma máquina
cilíndrica com 2,5 metros de altura que gira no sentido horizontal, com capacidade para abrigar de uma única vez 1,5 tonelada do composto. O esterilizador foi desenvolvido com o apoio da FAPESP por meio do programa Pesquisa Inovativa na Pequena e Microempresa (Pipe). “Como é um equipamento dinâmico, a massa entra constantemente em contato com o vapor em alta temperatura, ou seja, a esterilização ocorre no substrato inteiro”, diz Eira. “Na autoclave, como o processo é estático, a esterilização demora cerca de duas horas para a parte externa do substrato e pode chegar a várias horas para atingir o centro, principalmente no caso de sacos com grandes quantidades do composto.” Um parafuso grande em formato helicoidal de rosca sem-fim, colocado no centro do equipamento, permite tanto tirar o substrato pronto de dentro do esterilizador como prepará-lo, depois de frio, para a inoculação de cogumelos. Tudo feito por uma escotilha, sem contato externo e, portanto, sem risco de contaminação para o material. O tempo total para aquecimento da massa de 1,5 tonelada é de cerca de três horas, o mesmo gasto para o resfriamento. Os dois ciclos são completados em seis horas, no máximo. “Para esterilizar a mesma quantidade na autoclave, seriam necessárias cinco máquinas com volume de 10 mil litros cada uma”, compara. Ou seja, mais gasto de tempo e da energia necessária para produzir o vapor. PESQUISA FAPESP 152
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Bloco de shiitake em câmara de cultivo climatizada
se aposentar, criou a empresa Fungibras com os filhos Guilherme e Frederico Castilho da Eira, ambos engenheiros agrônomos. “Antes de dar início ao projeto, fiz um levantamento de equipamentos para esterilização patenteados no mundo e descobri a existência de alguns que procuram fazer a mesma coisa, mas trabalham de maneira totalmente diferente”, relata o professor Augusto. “Nenhum deles executa todas as operações em um único equipamento: homogeneização, esterilização, resfriamento, inoculação e extrusão do substrato.” Os detalhes construtivos que permitem todas as operações constam do pedido de patente da máquina. Na primeira fase do projeto foi construído um protótipo do esterilizador. Os testes mostraram que os pesquisadores estavam no caminho certo. Na segunda etapa foi construída a máquina que hoje está em uso na Fungibras, usada tanto para a produção de substrato pelo método chamado axênico – que significa livre de outros organismos, por passar por um 82
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processo de esterilização que impede o aparecimento de pragas e doenças até a fase da frutificação – como para a produção de matrizes (sementes) de cogumelos. Essas matrizes são originadas a partir de pequenos filamentos finos, chamados hifas ou micélios, retirados do chapéu do cogumelo. O substrato sai do esterilizador por uma porta que se abre dentro de um laboratório com ar estéril. Para a produção das sementes, basta colocar o micélio na quantidade desejada no substrato pronto. Feito isso, a massa inoculada é colocada em galpões cli-
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O PROJETO Processo para operações múltiplas de esterilização, homogeneização, inoculação e ensacamento, visando à produção de inoculantes e substratos para cultivo de cogumelos comestíveis e medicinais
MODALIDADE
Pesquisa Inovativa na Pequena e Microempresa (Pipe) COORDENADOR
AUGUSTO FERREIRA DA EIRA – Fungibras INVESTIMENTO
R$ 371.058,87
MIGUEL BOYAYAN
Empresa familiar - Em 2004, depois de
matizados e, após 50 a 60 dias, os cogumelos estão prontos para serem colhidos. Esse método é bem diferente da técnica chamada in natura, ainda bastante usada em algumas regiões do Brasil, em que os micélios são inoculados diretamente em troncos de madeira ou em substratos compostados e pasteurizados. Mas como é uma técnica muito rudimentar, a primeira colheita em toras inoculadas pode demorar de seis meses a um ano depois da semeadura. No cultivo axênico em substrato estéril, os cogumelos crescem sem competição em um meio com mais nutrientes, equilíbrio de pH e umidade controlada. A Fungibras já está produzindo shiitake (Lentinula edodes) e shimeji (Pleurotus ostreatus) em câmaras de cultivo climatizadas e também micélio semente para vários cogumelos, incluindo o cogumelo-do-sol (Agaricus blazei) sob encomenda para produtores. A empresa, que começou suas atividades incubada no Núcleo de Desenvolvimento Empresarial de Botucatu, cresceu e, desde setembro de 2006, está instalada em uma área de 3 mil metros quadrados no Distrito Industrial da cidade. As pesquisas com o esterilizador dinâmico ainda não foram encerradas. “Só vamos pensar em efetivamente maximizar o uso do equipamento, com uma estratégia de marketing, quando todas as variáveis da produção de cogumelos estiverem definidas”, diz Eira. “A literatura científica cita em torno de 2 mil espécies de cogumelos comestíveis”, relata a pesquisadora Arailde Urben, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, uma das 41 unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Dessas, só dez se tornaram populares comercialmente. Embora não existam FUNGIBRAS
O desenvolvimento do esterilizador dinâmico é um desdobramento da trajetória acadêmica do pesquisador. Formado em agronomia, Eira dedicouse à microbiologia desde o início de sua carreira, quando ainda era estagiário bolsista, em 1965. O interesse pelos fungos resultou na criação do Módulo de Cogumelos na Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em 1985, e na realização de um projeto temático financiado pela FAPESP, para estudar a tecnologia de cultivo, a caracterização bioquímica e os efeitos protetores dos cogumelos comestíveis e medicinais (leia matéria na edição nº 100 de Pesquisa FAPESP).
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dados oficiais relativos à quantidade produzida no Brasil, porque as vendas são feitas em muitos casos diretamente do produtor para o consumidor, principalmente para os restaurantes e a rede hoteleira, as estimativas são de que em 2004 foram produzidas cerca de 8 mil toneladas no Brasil, divididas entre champignon, cogumelo-do-sol, shimeji e shiitake. Clima favorável - Os produtores brasileiros estão concentrados principalmente no Sul e Sudeste. A região de Mogi das Cruzes, no interior paulista, onde existe uma grande comunidade japonesa, responde por 70% da produção de cogumelos comestíveis no Brasil. “As condições climáticas daqui, como temperatura amena e alta umidade, são favoráveis ao cultivo”, explica o engenheiro agrônomo Renato Augusto Abdo, coordenador de agronegócios do Sindicato Rural de Mogi das Cruzes. Condições ideais para o cultivo do champignon, produzido principalmente na região do Alto Tietê, que engloba, além de Mogi das Cruzes, as cidades de Salesópolis, Biritiba Mirim e Suzano.
A Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia possui um banco de germoplasma de cogumelos com 321 espécies de interesse alimentar e medicinal, organizado por meio de coleta de espécies nativas em diversas regiões brasileiras e também de outras que foram introduzidas aqui no Brasil. “Quando encontramos espécies com bom potencial terapêutico, peço para uma bioquímica analisar”, relata Arailde. Nos últimos anos várias pesquisas têm sido feitas por pesquisadores brasileiros, japoneses e norte-americanos para testar alegados efeitos terapêuticos dos cogumelos, principalmente do cogumelo-do-sol. “Eles são estudados como possíveis aliados no tratamento complementar de doenças como câncer, lúpus, papilomavírus humano (HPV) e aids”, diz Arailde, que acompanha de perto esses estudos. Não há consenso entre os pesquisadores sobre os reais efeitos protetores para esses casos. O que se sabe com certeza é que eles funcionam como um excelente complemento alimentar. ■
Dinorah Ereno
Cogumelo-do-sol em várias fases de maturação
Cultivo tropicalizado Uma técnica de origem chinesa para o cultivo de cogumelos, que tem o capim como principal matéria-prima do composto, tem sido disseminada no Brasil pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. “Chamada de Jun-Cao (fungo-gramínea em tradução literal), usa capim desidratado, triturado em pequenos fragmentos de cerca de dois a três centímetros, misturado com farinha de arroz e trigo”, explica a pesquisadora Arailde Urben. Para neutralizar o pH do composto utiliza-se gesso agrícola, que funciona como um elemento de ligação entre as partículas do grão e do farelo. A esterilização do material pode ser feita em uma panela de pressão comercial, em autoclave ou também pelo processo de pasteurização. “A técnica Jun-Cao foi desenvolvida pelos chineses em 1983 e, em apenas quatro anos, permitiu à China aumentar em 250% a sua produção”, diz a pesquisadora formada em biologia e especialista em fungos, que participou em 1995 do primeiro curso internacional de difusão do método para países em desenvolvimento. “Essa técnica evita a derrubada de árvores, o preço do capim é bem mais barato que o de toras e o tempo de cultivo é de cerca de 40 dias.” O tema será tratado no 4º Simpósio Internacional sobre Cogumelos no Brasil, a ser realizado em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, entre os dias 27 e 30 de outubro.
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HISTÓRIA
REPRODUÇÕES DO LIVRO COLEÇÃO PRINCESA ISABEL, EDITORA CAPIVARA
HUMANIDADES
A polêmica “política do coração” da princesa Isabel |
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Carlos Haag
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m A mão e a luva (1874), de Machado de Assis, a heroína, Guiomar, na contramão do comportamento esperado de uma boa mocinha de romance romântico, “experimenta” o namorado antes de cogitar aceitálo. Enquanto isso, Luís Estevão, o mocinho, sofria horrores, contorcendo-se no leito e suspirando o nome da amada entre lágrimas e ranger de dentes. Guiomar, porém, pensava pragmaticamente, ou, nas palavras de Machado, fazia um “cálculo, um bom cálculo, nesse caso todo filho do coração”. Nisso, ela se aproxima muito de outra figura do século XIX, que igualmente representou, por toda a sua vida, o papel de “heroína” (ou, no seu caso, de “redentora”), que vivia pelo coração, sem, no entanto, abrir mão do cálculo. Isabel Cristina Augusta Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon, a princesa Isabel (1846-1921), herdeira do trono de dom Pedro II, passou à história como a “libertadora” dos escravos, fascínio dos monarquistas de ontem e de sempre e terror dos republicanos de primeira hora, que penaram para dissociar a sua imagem dinástica da abolição do escravismo em 1888. “Ela foi uma mulher do século XIX, marcada por uma visão católica reacionária-aristocrática que, de alguma forma, contribuiu para a modificação do cenário imperial brasileiro. Não foi tão abnegadamente altruísta em sua política, nem tão responsável pela farsa de uma abolição incompleta da miséria, nem tão imobilizada pelas estruturas patriarcais machistas, nem tão rebelde e revolucionária. Ela sempre buscou pavimentar o caminho para o trono por meio do que chamei de ‘política do coração’”, explica Robert Daibert Júnior, autor da tese de doutorado Princesa Isabel: a “política do coração” entre o trono e
o altar, defendida recentemente na Universidade Federal do Rio de Janeiro sob orientação de José Murilo de Carvalho. “Sua luta antiescravista é a ponta de um iceberg, cujas bases giravam ao redor de um abolicionismo católico, afinado com a visão do papa e dos bispos. Ou seja, estavam baseadas num abolicionismo redentor, doador da liberdade, previdente, previsível, pacífico. E, acima de tudo, esse abolicionismo deveria garantir a formação de libertos ordeiros, catolicamente civilizados e fiéis à Igreja e à sua concepção de sociedade e política”, analisa. Segundo o pesquisador, manteve sempre os olhos fixos no Brasil, que, por décadas, no exílio, planejou governar. “Mas sempre olhou para o país debruçada da janela do Vaticano.” A pecha de “princesa carola”, que enfurecia os liberais e os republicanos, porém, não deve ser entendida como apenas um sentimento sincero de religiosidade e de obediência conservadora à Igreja, mas como “um cálculo”, ainda que “filho do coração”. Ainda assim, um “cálculo” que seria a base de um futuro terceiro reinado, que saberia aproveitar as benesses da modernidade em nome
de um passado reacionário e católico que ela gostaria de fazer presente. Uma metáfora notável disso está na sua paixão pela fotografia, herdada do pai, dono de mais de 2.500 imagens. No exílio, Isabel, conta Daibert, lançava mão de um “recurso iconográfico”, sempre pedindo para que lhe enviassem fotos em que aparecia com os filhos e o imperador. “Provavelmente, queria demarcar a legitimidade da linha sucessória que ia do pai, passava por ela e chegava até o filho. Marcava com isso seu território, mandava seu recado e costurava alianças a favor de si, do filho e contra os sobrinhos que queriam usurpar a sucessão.” A modernidade a serviço do mais antigo dos desejos de poder. Seu amor pela imagem, aliás, acaba de render um belíssimo livro, Coleção princesa Isabel (Editora Capivara, 423 páginas, R$ 190), com mais de 1.200 fotografias de nomes como Ferrez, Stahl, Henschel, Leuzinger, Malta, entre outros (algumas delas ilustram esta reportagem). Ao lado da beleza estética, há fotos de valor histórico e jornalístico, como a série de 13 imagens, até então desconhecidas,
Isabel observa experiência de Santos-Dumont com balões (esq.); ao lado, a familia imperial no exílio, em 1920
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Aprovação da Lei Áurea, 1888 (Luiz Ferreira)
que mostram o 13 de Maio “ao vivo”, da votação no Senado à celebração nas ruas. Ou, ainda, o Te Deum, na catedral do Rio, de Ferrez, quando a princesa foi aclamada regente, em 1887, pela terceira e última vez. Revelação – As fotos estavam guardadas
num baú em posse de Thereza Maria de Orleans e Bragança, última neta viva de dona Isabel, e foram resgatadas por Pedro e Bia Corrêa do Lago. “A descoberta e a revelação da coleção operam uma revolução no campo da fotografia oitocentista. A princesa e o conde d’Eu prepararam um festim iconográfico e póstumo para historiadores do Brasil e da fotografia”, observa o historiador José Murilo de Carvalho. São paisagens, retratos da intimidade da nobreza, mas, sintomaticamente, há pouquíssimas imagens de negros. “Apesar de a imagem da princesa ter ficado ligada à Abolição, são poucas as fotos de negros, salvo uma foto de Ruy Santos, Congada em Minas Gerais, e o retrato inédito de dom Obá II d’África, em verdade o baiano Cândido da Fonseca Galvão, neto de um soberano africano que era reverenciado como príncipe real pelos escravos e que participava das audiências com Pedro II vestindo fraque, cartola e pince-nez”, conta Corrêa do Lago. 86
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Esse amor pela imagem é uma das poucas características do pai que Isabel parece ter herdado, apesar dos cuidados do imperador em criá-la em condições de ser a futura herdeira do reinado. “O caráter das princesas deve ser formado tal qual convém a senhoras que poderão ter que dirigir o governo constitucional de um império como o do Brasil”, escreveu Pedro II para regulamentar o estudo das filhas. Nem tudo funcionou como o esperado. “Diferente do pai, Isabel encarava os inventos e as tecnologias como bênçãos divinas oferecidas aos homens. Enquanto o imperador recomendava à filha honrar os que se aplicam às ciências naturais, a princesa atribuía responsabilidade, honra e valor a Deus por ter permitido aos homens tal conhecimento”, nota Daibert. Sua perspectiva sobre o modelo do “príncipe virtuoso” era bem diverso do que lhe era oferecido pelo pai e pelos mestres, quase todos antigos professores de dom Pedro. “Os governantes exemplares para dona Isabel eram aqueles que exercitavam a prática da caridade e trabalhavam em favor da expansão do cristianismo e apresentavam respeito à Igreja e seus ministros, esforçando-se por favorecer a esfera de ação do clero católico na sociedade. Seus santos de devoção eram
Te Deum, 1887 (Marc Ferrez)
aqueles que ocuparam uma posição política como reis e rainhas. Era assim que entendia o papel dos governantes e concebia sua própria posição.” Diante de uma sociedade cada vez mais secular, marcada por problemas modernos sociais e disputas políticas, Isabel imaginava que uma sociedade melhor seria alcançada por meio da readoção de valores cristãos católicos e, assim, se espelhava em governantes devotos para achar suportes que, na sua visão, eram estáveis o bastante para mantê-la, futuramente, à frente do governo monárquico. “Por sua própria condição de herdeira do trono, ela provavelmente ambicionava tornarse o instrumento de propagação das prerrogativas católicas nos quadros do Estado imperial brasileiro”, explica. Esse “cálculo do coração” foi reforçado com seu casamento, em 1864, com Gaston de Orleans, o conde d’Eu, um príncipe católico e francês de 22 anos, exilado na Inglaterra desde a revolução de 1848. “O catolicismo de Isabel trazia-lhe à memória lembranças de sua mãe, morta quando ele era adolescente. Sua preparação e educação, a partir do casamento, passaram a ser assumidas por Gaston, que buscou situá-la dentro do cenário oitocentista no qual ela precisava se mo-
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ver. Lia livros indicados pelo marido e se inteirava dos conflitos entre capital e trabalho que assombravam a Europa, em especial a respeito das ‘ambições perigosas’ das classes trabalhadoras.” O conde, por sua parte, passou a atrair a simpatia dos liberais que, por ocasião da Guerra do Paraguai, o tinham como aliado, vendo nele um representante possível de seus interesses, capaz de tirá-los do ostracismo em que viviam nas disputas pelo gabinete. “Dona Isabel não encontrava segurança na postura liberal do marido e suas supostas posturas liberais haviam causado sérios problemas. Ela não podia se transformar em fantoche dos partidos se quisesse manter a questionada neutralidade do poder moderador, base do regime.” Além disso, a politização a afastava mais do trono, pois não era essa a política que aprendera e que desejava, não encontrando na realidade expressões de seus santos heróis e heroínas medievais. “Não se identificava com aquele mundo e, pior, quanto mais investia na aquisição de certa visibilidade, mais era intimada a mostrar sua cara, a se posicionar, a mostrar sua política”, analisa o pesquisador. Os jornais liberais, que defendiam uma maior secularização da sociedade, noticiavam, com desconfiança, a sua ligação estreita com o Vaticano e o conde parecia, a cada dia, uma aposta frustrada. Para piorar, durante a Questão Religiosa, conflito entre a maçonaria e a Igreja, que culminou com a prisão de dois bispos a mando de Pedro II, a princesa tomou as dores eclesiásticas contra o pai. “Devemos defender os direitos dos cidadãos brasileiros, os da Constituição, mas qual a segurança de tudo isso se não obedecemos em primeiro lugar à Igreja?”, questionou ao pai, em carta, solicitando ao imperador que o Estado favorecesse a Igreja. “O pensamento de Isabel parecia preocupar o próprio imperador, que, antes de se ausentar, deixa registradas as diretrizes a serem seguidas, embora, posteriormente, tente negar interferências no governo regencial da filha.” Isabel chega ao extremo de condenar a visita do pai, na Europa, a uma sinagoga e sua visita ao rei italiano Vittorio Emanuelle, a quem não perdoa ter unificado o país com a submissão do Vaticano e do papa ao novo Estado. “Ela começa ser desqualificada em sua capacidade de go-
Congada em Minas Gerais, 1876 (Ruy Santos)
vernar futuramente o país. Preocupada, passou a ir à missa apenas aos domingos e deixou de ter confessor efetivo. Sem sucesso. As críticas ganharam repercussão intensa”, conta Daibert. A carta guardada na manga nesse momento era o seu abolicionismo “caridoso” e de forte cunho católico. Roupagens – Ao encontrar-se com um
padre negro, no Recife, o conde d’Eu deu à esposa mais argumentos. “Ele viu naquilo uma solução à brasileira: os brancos poderiam contribuir para que membros das raças ‘inferiores’ superassem a sua condição. O padre era isso, um negro com novas roupagens concedidas pelos brancos, típicas da civilização européia representada pelo catolicismo.” Vivendo no mundo das elites deslumbradas com a Europa, mo-
delo a ser repetido nos trópicos, Isabel percebeu que o combate à escravidão no “mundo civilizado” ganhava força, informando disso o imperador, um monarca preocupado com sua imagem no exterior. Num baile à fantasia oferecido pela rainha Vitória, Isabel vestiu-se de preta baiana e o marido de mouro. “Na festa, Isabel naturaliza para si e para os outros a posição de seu país crioulo, diante das luzes do velho, uma declaração de um princípio não racista”, avalia o autor. “Quanto gostaria que o nosso bom Brasil estivesse tão adiantado como a Inglaterra. Ele é muito moço ainda, o mundo não se fez em um dia. Já ele tem feito bastante e espero que ainda fará mais”, escreveu ao pai, revelando sua crença na superação do atraso nacional. Nisso as crenças de Isabel a ajudavam a ir além de muitos PESQUISA FAPESP 152
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Ouro Preto, 1880 (Marc Ferrez)
de seus contemporâneos. “O pessimismo científico do conde Gobineau, amigo de Pedro II e adepto de teorias sobre a degeneração das raças nos trópicos, em relação aos negros brasileiros não convencia dona Isabel. Seu catolicismo, nesse caso, servia-lhe de argumento na crença de que poderia favorecer a integração do negro livre na sociedade.” Eficiência – Em 1887, com o pai grave-
mente adoentado, assumiu pela terceira vez a regência do Império e já se falava num Terceiro Reinado próximo. A ação abolicionista, acreditava, fora uma “política do coração” eficiente. “Essa ação a colocava em sintonia com expectativas gerais da população, desvinculada de uma minoria de proprietários agrários. Esse pequeno, mas poderoso segmento sentia-se cada vez mais insatisfeito com a coroa que feria seus interesses. Ao se 88
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afastar deles, a Monarquia precisou construir uma nova base de legitimidade junto aos grupos econômicos emergentes”, avalia o pesquisador. Aproximar-se dos abolicionistas foi um bom caminho. “Tratava-se de empreender a modernização do país sem aderir aos radicais. O abolicionismo de Isabel e o teor liberal, ambos moderados e pragmáticos, tinham elementos em comum que permitiram, a partir de certa afinidade programática, um maior fortalecimento de suas propostas e uma relativa unidade de ação.” O que a princesa queria evitar era a solução violenta da questão servil, o temor de uma “onda negra” de vingança geral contra os brancos. Daí a boa aceitação de seu abolicionismo paternalista, pacífico, moderado e dirigido a garantir os interesses materiais dos grandes proprietários. “A abolição sonhada por ela era fruto de uma ação
caridosa, uma doação oferecida por um governo benfeitor, com os motivos religiosos destacados como fundamento de sua atitude. Essa, ao menos, foi a forma com que Isabel tentou registrar para a posteridade a sua ação.” O papa Leão XIII, mais esperto, entendeu melhor a atitude da princesa, vista por ele como uma expressão de dedicação às orientações da Sé Apostólica, o que fazia com a Lei Áurea prenunciava a obediência do Terceiro Reinado às prerrogativas católicas. Isso não a ajudou em nada junto aos republicanos. No exílio, após a morte de Pedro II, já convertida em imperatriz, viveu a fantasia de que seria chamada de volta ao Brasil a qualquer momento para assumir o poder, desdobrando-se em articulações com monarquistas e inimigos da República. Há uma curiosa troca dupla de correspondências que dá uma visão de como Isabel agia. Numa carta enviada à cúpula monarquista carioca, Isabel afirmava: “Repugna-me a idéia da guerra civil” como meio de voltar ao Brasil, um modelo de virtude do poder moderador imparcial. Em outra carta, datada do mesmo dia, mas destinada a um amigo, o tom é outro, mais sutil e revelador: “Lamento sempre as circunstâncias que armam irmãos contra irmãos. De forma alguma desejo animar tal guerra, tanto mais que não vejo nela base segura e nem êxito muito provável. O senhor, porém, conhece meus sentimentos de católica e brasileira. Não duvidarei, pois, que uma vez que a nação se pronunciar por convicção geral pela monarquia, para lá voltaremos”. Daí a necessidade, observa Daibert, de entender a religiosidade e o sentimento humanitário e piedoso de Isabel dentro do contexto de sua época e classe social, bem como de seus planos futuros de poder. “As práticas de piedade, aparentemente restritas à esfera privada, ganhavam significação política na medida em que se constituíam espaços de gestação de identidades, ações e reações ao mundo em sua volta.” Sua prática era acompanhada por uma visão intransigente, que rejeitava o mundo moderno em suas expressões de secularização. “De modo reacionário, acreditava que o retorno a valores antigos seria a garantia de suportes estáveis para o seu governo”, ■ afirma o pesquisador.
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Ao lado, Hotel Bragança, Petrópolis, 1874 (Klumb); abaixo, praia do Diabo, 1889 (Marc Ferrez)
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ANTROPOLOGIA
Amazônia perdida e achada Cientistas descobrem que primeiros habitantes formavam civilizações organizadas e complexas Gonçalo Junior
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TIAGO QUEIROZ/AE
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ma ironia das mais cruéis: o desmatamento descontrolado e criminoso da Floresta Amazônica tornou possível uma das mais importantes descobertas arqueológicas do Brasil em todos os tempos. Por meio de imagens de satélite e pesquisas de campo, cientistas brasileiros e finlandeses estão descobrindo e mapeando geoglifos, gigantescos desenhos geométricos de até 350 metros de extensão, construídos pelos primeiros grupos organizados de homens que habitaram a região há cerca de 13 mil anos. “Sem o desmatamento, talvez ainda nem soubéssemos de sua existência”, reconhece a professora Denise Pahl Schaan, vice-coordenadora do programa de pós-graduação em ciências sociais, coordenadora do curso de especialização em arqueologia da Universidade Federal do Acre (Ufac) e presidente da Sociedade de Arqueolo-
gia Brasileira. Denise ainda comanda o grupo de pesquisa Geoglifos da Amazônia, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), juntamente com Miriam Bueno, geógrafa da Ufac. Trata-se de uma investigação que deve mudar boa parte do que se tinha estudado sobre a ocupação da região amazônica. De imediato, desmente que o lado oeste da Amazônia é uma vasta área estéril de cultura humana complexa, como se pensava. Trabalhos de terraplenagem enigmáticos deixados por sociedades organizadas mostram que elas viveram e cultivaram ali. São indícios que podem levar a descobertas importantes no alvorecer do século XXI, quando não se acreditava em maiores novidades nessa área. “A ocorrência dos geoglifos no Acre põe por terra o paradigma de que as sociedades complexas da Amazônia tenham se desenvolvido apenas nas zonas de várzea dos grandes rios”, obser-
va Alceu Ranzi, do Instituto Histórico e Geográfico do Acre e que fez parte da equipe comandada por Ondemar Dias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que em 1977 descobriu os primeiros vestígios desses sinais. Ranzi explica que os geoglifos ocorrem principalmente em áreas de interflúvios – terras altas que dividem as águas dos rios Acre, Iquiri, Abunã. Ou seja, em terra firme. A descoberta da equipe de Dias só foi comunicada oficialmente à comunidade científica em 1988, sem nenhuma repercussão, em um artigo publicado pela antropóloga Eliana de Carvalho. Nos últimos nove anos, porém, os trabalhos na região ganharam uma repercussão internacional. No momento, equipe de antropólogos comandada por Denise está fazendo um grande levantamento regional dos geoglifos. “Se olharmos pelo lado do domínio da geometria, círculos, octógonos e ângulos perfeitos, PESQUISA FAPESP 152
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de trabalho e de planejamento, o que só existe em sociedades complexas. “A distribuição bastante extensa dos geoglifos por uma área de mais de 250 quilômetros de extensão indica padronização de práticas culturais monumentais sobre vastas regiões, o que só acontece em sociedades complexas”, acrescenta. “É preciso lembrar que as transformações da paisagem realizadas através dos geoglifos também só existem em sociedades complexas.”
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Escavações reveladoras: pesquisadores encontram novas evidências
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Não existem, porém, informações sobre quando e por que esses povos desapareceram. “Estamos atualmente fazendo o levantamento dos sítios em todo o estado do Acre e adjacências, realizando escavações em alguns e coletando amostras de solo e matéria vegetal para datação para descobrirmos qual era a cobertura vegetal na época de sua construção. Assim será possível saber se a floresta foi derrubada para a construção dos geoglifos ou se a área era aberta, uma savana. Quando comparados aos índios que vivem na Amazônia hoje, esses antigos povos eram mais numerosos e possuíam uma organização social mais complexa. Segundo Denise, os geoglifos representam uma população considerável vivendo na terra firme. As obras de terra apontam mobilização de força
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percebe-se a complexidade que envolvia a construção desses gigantescos geoglifos”, acrescenta o professor Ranzi. O projeto Geoglifos da Amazônia nasceu em 2007. No ano anterior, em associação com pesquisadores finlandeses, foi criado um projeto para estudo de cinco geoglifos considerados de grande importância. Denise Pahl Schaan conta que as informações dos viajantes nos últimos séculos falavam de grandes sociedades vivendo ao longo do Amazonas e seus afluentes mais importantes. Da mesma forma as primeiras pesquisas arqueológicas privilegiaram as áreas de várzea. Uma vez que as populações indígenas remanescentes da época colonial se refugiaram nos interflúvios, foram lá encontradas pelos etnógrafos, que descreveram seu modo de vida. Na década de 1950 alguns pesquisadores propuseram que o modo de vida indígena (pequenas aldeias, mudança de aldeia a cada cinco anos, em média) conhecido pelos etnógrafos refletia o modelo de vida típico da terra firme em todas as épocas. “Os geoglifos mostram que essa noção estava errada, a construção dos gigantescos desenhos indica organização de força de trabalho e planejamento, existência de hierarquia social e provavelmente conflitos armados, uma vez que as trincheiras escavadas podem ter sido construídas para defesa.” A pesquisadora destaca que sua geometria é perfeita e denota uma preocupação com o simbólico. “O estágio de desenvolvimento cultural desses povos que se encontravam seria dos cacicados, sociedades regionais com estratificação social.”
entre os pesquisadores que fizeram parte da equipe de Ondemar Dias estava o hoje doutor em antropologia Franklin Levy. Por e-mail, o pesquisador finlandês recorda que depois da descoberta da primeira estrutura de terra do Acre, em 1977, nos anos seguintes ele assumiu as pesquisas da frente oriental, de Cruzeiro do Sul até a divisa com o Peru. “Lá ainda não foram localizadas estruturas de terra.” Durante esse tempo, observa Levy, desconhecia-se esse lado oeste da Amazônia. “Dados esparsos e achados fortuitos não compunham um conhecimento arqueológico organizado, permitindo que esse vazio fosse preenchido pela imaginação de cada um e, ocasionalmente, como extensão do conhecimento etnológico moderno.” Para o antropólogo, a preconcebida observação de culturas modernas calcada na idéia de evolução linear, acreditando que cada povo galga patamares evolutivos de fácil observação – ou seja, progressos materiais –, criou distorções tanto de avaliação quanto de interpretação de outros pensadores e teóricos.
Círculo da civilização: encontros inesperados
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MARISA CAUDURO/FOLHA IMAGEM
Visão atual da aldeia: antropologia revê conceito de povos primitivos
“Mas essa confusão, aos poucos, vai sendo esclarecida e dando lugar a uma nova visão, que fala de culturas complexas no sentido organizacional, chefias e cacicados. Entender como compreenderam internamente esse fenômeno sem tentar explicá-lo pelo tamanho de suas empreitadas é trabalho do arqueólogo.”
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ode dizer com convicção, afirma Levy, que, pelas evidências arqueológicas, uma sociedade permaneceu nos seus geoglifos, mesmo com idas e vindas, por mais de 2.500 anos. Assim teve tempo de desenvolver uma cultura tão complexa que jamais será possível resgatá-la em todas as suas nuances. “Esses povos dominaram o ambiente com os inúmeros recursos técnicos que dispunham e venceram as vicissitudes do clima, mantendo a produção em todas as estações do ano.” Também habitaram savanas nos interflúvios mais altos. Como as águas impediam habitar e plantar, cavavam grandes valas envolventes ao lugar a ser beneficiado, rebaixando o lençol freático insurgente, desafogando as raízes, e conseguiram manter o chão das casas mais seco na estação das chuvas. Quando as chuvas cessassem e fosse necessário queimar a palhada dos
campos, prossegue Levy, as valas se tornavam refúgios seguros e preservavam o ambiente doméstico. Assim seguros, também controlavam o avanço da floresta pelo fogo. “Eles diversificavam a economia com os recursos das várzeas que, a descoberto, no fim das chuvas forneciam o que faltava nas terras altas.” Lá permaneciam por rápidas temporadas, como provado pelos restos arqueológicos. “O perfeito domínio das condições climáticas e ambientais, explorando produtivamente até as formas de interação entre os diversos povos que compunham essa cultura, denota um grau de evolução incompreensível para o observador atual”, avalia Levy. “Atribuímos intencionalidade e inventividade a essas tecnologias de sobrevivência, descartando a casualidade no processo e nas intenções.” O também finlandês Martti Pärssinen, diretor científico do projeto Man and Nature in Western Amazonian History, financiado pela Universidade de Helsinque, ressalta que Alceu Ranzi é a alma da investigação dos geoglifos porque foi ele quem mobilizou todos os pesquisadores a formarem um grupo de investigação. Pela ordem de importância, ele enumera os principais objetivos do projeto que coordena: (1)
reconstruir a história, a cultura, a economia, a etnia e a distribuição demográfica dos povos que habitaram a região localizada na fronteira entre Brasil e Bolívia antes e depois da chegada dos europeus; (2) prover as autoridades dos dois países de informações que ajudem a proteger os sítios arqueológicos, além de um rigoroso controle do turismo na região, de modo sustentável. Pärssinen foi convidado por Ranzi em 2002 para conhecer os geoglifos no Acre, quando ele estudava uma fortificação inca perto de Riberalta, na Bolívia, a 200 quilômetros de Rio Branco. “Até meados do século XX os povos da Amazônia pré-europeus eram geralmente interpretados por uma perspectiva etnográfica contemporânea. As sociedades amazônicas eram principalmente vistas como grupos primitivos vivendo em pequenos grupos hostis e sem uma complexa organização social.” Ele cita o que Julian H. Steward escreveu em 1948: “A cultura da floresta tropical foi adaptada numa região extremamente quente, úmida e densamente arborizada. A caçada, a pesca e as queimadas produziram uma densidade baixa de população e comunidades pequenas”. Hoje as evidências demonstram exatamente o contrário. ■ PESQUISA FAPESP 152
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.. .. LIVROS
Mas afinal... o que é mesmo documentário? Fernão Pessoa Ramos Editora Senac 448 páginas, R$ 60,00
Através de uma abordagem histórico-fenomenológica, Mas afinal... o que é mesmo documentário? proporciona fundamentos teóricos àqueles interessados na sétima arte. Traçando a evolução desse gênero constantemente em inovação, o livro discute as definições, a prática documental no Brasil e aponta as tendências dessa forma particular de ver e retratar a realidade. Editora Senac (11) 2187-4450 www.editorasenacsp.com.br
Espelhos deformantes: fontes, problemas e pesquisas em história moderna Rodrigo Bentes Monteiro (org.) Alameda Casa Editorial 336 páginas, R$ 42,00
FOTOS EDUARDO CESAR
A fim de questionar o “quanto de nós é refletido nos processos históricos”, Rodrigo Monteiro lança hipóteses como a de Carlo Ginzburg, em que os espelhos deformariam seus objetos, ou a de Umberto Eco, segundo quem as diferenças dos reflexos seriam causadas pelas posições dos ângulos. O livro fala sobre a necessidade de interpretar as imagens distorcidas do passado que, se não trabalhadas, se perdem ao longo do tempo.
A Abolição Emília Viotti da Costa Editora Unesp 144 páginas, R$ 27,00
Publicado originalmente em 1982 e acrescido de mais um capítulo nessa reedição, o livro da historiadora Emília Viotti da Costa é uma poderosa síntese do processo de abolição da escravatura no Brasil. As lutas políticas e parlamentares e a discussão das leis emancipacionistas são esmiuçadas pela autora, o que torna acessível ao público leigo as complexidades políticas, econômicas, sociais e ideológicas desse processo histórico. Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
Mulheres viajantes no Brasil (1764-1820) Jemima Kindersley, Elizabeth Macquarie, Rose Freycinet José Olympio Editora 98 páginas, R$ 20,00
Mulheres viajantes no Brasil, organizado e traduzido pelo historiador Jean Marcel Carvalho França, reúne as impressões de viagem de três estrangeiras que acompanharam seus maridos em peregrinações, atividades comerciais, militares ou diplomáticas no Brasil Colônia. Duas inglesas e uma francesa retratam sob um ponto de vista inusitado cidades como Salvador e Rio de Janeiro no século XIX.
Alameda Casa Editorial (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br
José Olympio Editora (21) 2585-2060 www.record.com.br
Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios
A Constituição brasileira de 10 de novembro de 1937
Gláucio Ary Dillon Soares Editora FGV 200 páginas, R$ 35,00
Paulo Sérgio da Silva Editora Unesp 200 páginas, R$ 35,00
Gláucio Soares utiliza múltiplos pontos de vista, teóricos e metodológicos, para entender os contextos em que se enquadram os diferentes tipos de homicídio. O livro aborda desde a história da violência, o caráter estrutural das mortes, até a correlação entre as variáveis econômicas, sociais e culturais. Além disso, aponta a necessidade de se construírem teorias do crime e do homicídio.
Com o suporte político de Getúlio Vargas, a Constituição de 1937 foi resultado concreto da imposição de um poder político que subverteu e reformulou o jurídico, recolocando e redesenhando a legalidade. O livro está dividido em duas partes: a primeira contextualiza a história do processo político de implantação do Estado Novo; e a segunda analisa normativamente o documento jurídico em questão.
Editora FGV (21) 2559-4427 www.fgv.br/editora
Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
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... FICÇÃO
A última comédia em preto & branco
Furio Lonza
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oram duas batidas na porta: a primeira, viril; a segunda, um pouco mais prudente, como se o visitante quisesse neutralizá-las. Dois toques espaçados por segundos infinitos de tempo. Alguém queria me ver, conversar comigo, eventualmente trocar idéias, mas denotava receio. Cinco horas da tarde. Sexta-feira. 30 de setembro. Fim do dia. Fim da semana. Fim do mês. Essa espécie de cronometragem arbitrária, no entanto, para mim, não tem o menor sentido: meus dias são todos iguais: acordo invariavelmente às sete da manhã, tomo um café puro e venho para a universidade. Às terças e quintas dou aula; o resto da semana fico aqui no gabinete, conversando com as aranhas, que tecem suas infindáveis teias pelos cantos. Mesmo que fossem vinte e três horas e cinqüenta e nove minutos do dia 31 de dezembro, em que isso me afetaria? A essa altura do campeonato, um novo ano, para mim, significa apenas uma possibilidade maior de ficar sem próstata. Minha vida como acadêmico foi metódica: no começo, era o verbo. Depois, vieram os eufemismos. Em seguida, as elipses – minha memória tinha mais buracos que um queijo suíço. Hoje, não passo de um vulgar estereótipo. Não ligo. A vida não é mais do que isso. Me disseram que a resignação é um sinal de maturidade e eu acreditei. Entra, eu disse. Ele entrou. Como professor de literatura durante mais de trinta anos, aprendi a tomar muito cuidado com as palavras. Como descrever o sujeito? Quais adjetivos usar? Carcomido pelo tempo. Jubilado pela vida. Desesperançado. Pela bola sete. Aparentava mais que sessenta. Beiraria os setenta? Quais parâmetros empregar? Senta. Ele sentou. Silêncio. Ele me olhou. Eu olhei para ele. As aranhas ficaram de sobreaviso. Partículas de antimônio pairaram pelo ar denso e decantaram. Algo estava para acontecer. A vigília era latente. Iniciei uma hipotética contagem regressiva no intuito de testar minha paciência. Por fim, ele disse: Professor, tenho uma tese. 96
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Todos têm uma, retruquei, mais para marcar presença do que para dar prosseguimento à conversa. É sobre Jayme Fusco. Não conheço, eu disse, mentindo. Sabia quem era o sujeito: um escritor mineiro de Cataguases. Não tinha lido nada dele mas sabia que fizera um barulho com suas transgressões literárias lá pela década de 60. Resumindo: ele queria um orientador. Podemos conversar, eu disse, lacônico. Fazia tipo: um homem de poucas palavras, um mestre acima do Bem e do Mal, categórico, disciplinado, ciente de suas responsabilidades. Um cara que já viu e ouviu de tudo na vida e anda cético. As aranhas adotaram uma atitude de prudência que me pareceu exagerada. Quem é ele?, perguntei. Um escritor importante, ele disse. Assumi meu já característico tom blasé e retruquei em cima: Meu amigo, existem parâmetros subjetivos para medir isso. E outra coisa: há todo um processo seletivo para que eu aceite orientar quem quer que seja. A fila é grande! Ouvi distintamente risadas de galhofa provenientes de um dos cantos do gabinete, onde duas aranhas se cutucavam. O visitante recuou mas percebi que era apenas um artifício para tomar um impulso maior. Não captei qualquer traço de contrariedade em sua fisionomia diante de minhas palavras duras. Pelo contrário: ele riu. Estávamos falando a mesma língua. O sujeito jogava no meu time. E botou em cima de minha mesa dois exemplares bastante (agora sim) carcomidos pelo tempo. Folheei ao acaso. Eram dois livros porcamente editados: capas toscas, revisão descuidada, tipos evanescentes. Um inferno. Por que ele é importante?, perguntei. Ele disse. “Explanou” seria um termo mais adequado. Falou por dez minutos sem parar. Seu discurso tinha uma lucidez de arrepiar. Forma e conteúdo. Verossimilhança. Narração sólida e diálogos certeiros. Ficção e realidade. Transgressão técnica. Método. Engenhosidade. Quando parou, eu disse: Topo. Ele riu de novo. E me apertou a mão, despedindo-se. As aranhas, então, deram início a uma espécie de dança tribal
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MANU MALTEZ
que (pelo que pude deduzir) representava um tipo exótico de rito de passagem. Afinal, já lá iam pelo menos sete anos que eu não orientava ninguém. Com toda razão, elas comemoravam o desenlace feliz do inusitado encontro. Mas fingi não prestar atenção à festinha. Tinha que manter meu distanciamento crítico a todo custo. São bichos matreiros & oblíquos. Não se deve confiar em quem anda de lado. Muito bem. Daquele dia em diante, novos encontros se sucederam em avassaladoras sessões de análise da obra de Fusco. A essa altura, eu já tinha lido os dois romances, percebera a genialidade do autor, sua filosofia de vida, sua rebeldia, sua crítica voraz às instituições. Nasceu daí minha simpatia por seus livros e por sua atitude diante da injustiça humana. Em seu estilo ácido, denunciara hipocrisias, arrivismos, picuinhas & todo tipo de preconceito. Mas o autor se metera em inúmeras intrigas de salão, ironizando vaidade e mediocridade. Rompera com tudo, brigara com todos, fora (em seu tempo) uma autêntica usina de metáforas, beleza & sarcasmos. Mas percebi que, com seu cinismo, cavara sua própria ruína. Mais: segundo as próprias informações do meu ilustre orientando, a Academia o tinha esnobado solenemente. Era hora de reparar esse equívoco. Mergulhei no trabalho: dei dicas, sugeri atalhos, instiguei sua imaginação e criamos juntos um esqueleto prévio da tese. Os dias passaram rapidamente, algumas semanas, meses. O ano terminou com pendências. Em março, elas persistiam. Mas abril me deixou claro o que eu já suspeitava: meu orientando não estava fazendo nada, não tinha escrito sequer uma linha. Queria conversar, trocar dedos de prosa. A situação era francamente bizarra: enquanto meu entusiasmo pela obra de Fusco crescia, ele estagnava numa perigosa inércia absolutamente incompreensível. Perguntei o que estava acontecendo. Ele me respondeu de forma enigmática: Tenho a impressão que já cheguei a um bom termo. Percebi que, enquanto minúsculas bolhas de antimônio estouravam no teto, no canto esquerdo de meu gabinete, duas aranhas se entreolharam de forma suspeita. E estacaram. Como assim?, perguntei, horrorizado. Ostentando um sorriso franco de felicidade em seu rosto, meu orientando se levantou da cadeira, esticou a
espinha, assumindo uma jovialidade inédita em todo nosso relacionamento, e rodeou minha mesa. Vamos colocar as coisas da seguinte maneira: apesar de sempre ter me orgulhado das atitudes distanciadas e quase nobres com que me relacionava com as pessoas, nunca tive a certeza absoluta de que isso poderia me trazer algum bem-estar. Isso ficou límpido como água mineral quando ele me deu um abraço bem apertado. Deduzi que aquela era sua melhor maneira de demonstrar gratidão mas não entendi toda a extensão daquele gesto. Contrariando completamente minha tão arraigada discrição, não negligenciei essa velha forma de contato humano: o abraço durou uma eternidade. Em seguida, ele se despediu, me deixando sozinho com minhas aranhas contorcionistas. No dia seguinte, acordei como sempre às sete horas da manhã, e meus pés me dirigiram ao bar próximo de casa. Uma voz surgiu de dentro de mim: E aí, qual a boa? Mesmo estranhando aquela intimidade toda, o atendente disse: Tudo nos conforme, doutor. O que vai ser? Uma média e pão com manteiga. Adotei aquilo para os dias que se seguiram. O ser humano pode demorar bastante tempo para descobrir a felicidade mas chega o dia em que ele acorda para sempre: felicidade é tomar café e pão com manteiga no bar da esquina. Até as aranhas sabem disso. Chegou o sábado. Atiraram o jornal na porta, como sempre – identifiquei o estrondo com nitidez. Peguei e comecei a ler. De repente, no fim do segundo caderno, uma foto. Li o necrológio ao mesmo tempo em que uma pontada aguda atingia o lado esquerdo de meu peito. Era breve: Escritor mineiro de Cataguases, radicado no Rio de Janeiro desde a década de 70, Jayme Fusco morreu ontem de embolia pulmonar. A foto era de meu orientando. Furio Lonza é escritor, jornalista e dramaturgo, tendo publicado, entre outros, Eric com o pé na estrada, Máquina de fazer doidos, As mil taturanas douradas e História impossível. PESQUISA FAPESP 152
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OUTUBRO DE 2008
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