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12 O virologista Edison Durigon fala da ameaça
fortalecem a perspectiva de controlar,
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ENTREVISTA
do A H1Nl e das mutações contínuas de vírus que produzem
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os tumores
CAPA
CLIMÁTICAS
Painel discute impactos
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CIÊNCIA
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~ MEDICINA
Os pilotos de avião
do aquecimento
erram quase 50%
global nas regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo
a mais nos voos da madrugada do que nas demais horas do dia
doenças respiratórias 38 PRODUÇÃO CIENTfFICA
24 Rádio e quimioterapia podem reduzir a necessidade de cirurgia radical para tratar tumores de reto ;-
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POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA
34 ENERGIA Especialistas
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Terapia alternativa
correlação entre produtividade dos
reduz em 60% os sintomas de distúrbio
pesquisadores
respiratório
e
sua competência unem-se
do sono
em
escrever em inglês
NEUROLOGIA
para discutir o futuro dos biocombustíveis
Dieta rica em ácidos graxos ômega 3
de sementes
em busca de estratégias
pode proteger contra
e fios radioativos
que permitam a produção em escala
a epilepsia
26 Ipen desenvolve técnica de produção
,"
Estudo sugere
contra tumores
mundial
I
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SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS
7 CARTA DA EDITORA
8 MEMÓRIA
28 ESTRATÉGIAS
42 LABORATÓRIO
60 SCIELO NOTíCIAS
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EDITORIAS
POLíTICA
C&T
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CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR
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FíSICA MATEMÁTICA
Colaboração internacional
Simulação em
Próteses ortopédicas
computador
dá início ao
espécies podem se formar sem isolamento
mostram mais eficientes e biocompatíveis
sequenciamento detalhado da
72
indica que
geográfico
76
cana-de-açúcar do dia
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FISIOLOGIA
lbio
ao
Lagarto brasileiro e esquilo-do-ártico lidam
TECNOLOGIA
BIOMATERIAIS
de modo diferente
Os estudos e as
com as variações
soluções para combater o greening, doença
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para reduzir o gasto de energia com
as sutilezas da banalidade do mal
do revelam
eletrônicos
em modo de espera
86
LITERATURA
Cartas de Sade foram 78
laboratório em que o marquês engendrou
ENGENHARIA AEROESPACIAL
Nova câmera de
brasileira desde 2004
monitoramento
sua filosofia libertá ria feita
pela Opto para o Cbers-3 será testada
brasileiros observam
na China
e revelam atualidade 90
URBANISMO
Reunião de ensaios em livro ressalta a essência do pensamento humanista de Lina Bo Bardi
fenômeno quântico
DE PRODUÇÃO
Estudos sobre a "diplomacia dos campos" Holocausto"
Pesquisadores
62 LINHA
HISTÓRIA
e a "economia
nova versão de
OTíCIAS
80
ENGENHARIA
que ataca a citricultura
FíSICA
HUMANIDADES
se
Surge uma alternativa
aparelhos 66 AGRICULTURA
bruscas de oxigênio típicas da hibernação
ra
>
GENÔMICA
94 RESENHA
95 LIVROS
96 FiCÇÃO
98 CLASSIFICADOS
CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO STEVE GSCHMEISSNER/SCIENCE SPL DC/LATlNSTOCK
PHOTO lIBRARY/
PeiaqeTecnüisa
CARTAS cartas@fapesp.br
fUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE ~
FAPESP
As reportagens de Pesquisa FAPESP mostram a construção do conhecimento essencial ao desenvolvimento do país. Acompanhe essa evolução.
CELSO lAFER PRESIDENTE
PeCII"".T.",,,,, •• ,,,,,,,,,
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6 • AGOSTO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 162
Revista Quero parabenizar Gonçalo Iunior pela bela reportagem "Quem disse que os quadrinhos são inimigos dos livros?" (edição 161). Foi um prazer voltar a ver publicado por Pesquisa FAPESP um artigo a respeito desse tema. Tenho as três revistas cujas capas ilustram o texto (Ciência em quadrinhos, Menino do engenho e Escrava Isaura), todas da década de 1950. O que já foi tão combatido por tanta gente hoje é visto com outros olhos, afinal, sempre existiram as boas e más revistas em quadrinhos, como nas outras artes. De minha parte, só tenho a agradecer. Leio quadrinhos até hoje e guardo com carinho as 10 mil revistas da minha coleção. ANTONIO AMARO
exemplo atual é a tentativa de outra igreja, a Católica Apostólica Romana, em forçar a aprovação de seu estatuto jurídico, que poderá acabar com a laicidade do Estado. Que a leitura da reportagem nos traga reflexão para atuarmos em oposição a um retrocesso para o qual caminhamos, evidenciado por alguns exemplos, como as escolas que não ensinam a teoria da evolução, os templos religiosos que são construídos e operam sem estudos de impactos ambientais e urbanos, além de serem isentos em vários impostos, e a ostentação de símbolos e ritos religiosos em repartições e eventos públicos. ADILSON ROBERTO GONÇALVES
Escola de Engenharia de Lorena/USP Lorena, SP
Pesquisa FAPESP presta um grande serviço aos leitores ao trazer resultados de pesquisas sérias sobre o comportamento religioso do brasileiro ("Não há céu sem inferno", edição 161). É fato que as religiões sempre estiveram intimamente ligadas a poder, dinheiro e prosperidade, pelo menos dos que as conduzem. Ver como isso opera e circula pelos fiéis nos serve também de alerta em outras esferas, ao constatarmos as insistentes investi das das igrejas para ocupar espaços políticos em nosso país. O poder econômico é irmão do poder político. Forte
CONSELHO SUPERIOR CELSO lAFER, EDUARD( HORÁCIO LAfER PIVA, H VOORWALO, JOSÉ ARAN MARTINS, JOSÉ TADEU. BELLUZZQ, SEDI HIRANC VAHAN AGOPYAN, YOSHlI CONSELHO RICARDO
Correções
TtCNICO-J RENZO BRENl
DIRETOR PRESlDENTI CARLOS
HENRIQUE
DE
DIRETOR CIENTfFICO JOAOUIM DIRETOR
J_ DE (AMAR< ADMINISTR
Pes~
CONSELHO EOITORIJ LUIZ HENRIQUE LOPES (COOROENAOORCIENT{FICO CARLOS HENRIQUE DE FRANCISCO ANTONIO B JOAQUIM J_ DE CAMARI MÁRIO .ost ABDALLA PAULA MONTERO, RICA WAGNER DO AMARAL, \ DIRETORA DE REDAI MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELOSON MARCOUN
EDITORES EXECUTll CARLOS HAAG (HUIoIANI[ FABR{Cl0 MARQUES (fi ~I~~~~~
~~~~~VT
EDITORES ESPECIA CARLOS FlORAVANTl. EDITORAS ASSISTE DINORAH ERENO, MAr
Na reportagem "Menores e mais eficientes" (edição 161), o nome do professor José Alexandrino de Souza constou erroneamente como pesquisador principal do Projeto Temático coordenado pela professora Rosario Bretas. Os pesquisadores principais do projeto são os professores Elias Hage Iúnior, citado no texto, Ademar Rúvolo, Luís Pessan e Sebastião Canavarolo [únior,
São Paulo, SP
Pentecostais
JOSÉ ARANA VARElA VleE-PRESIDENTE
REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES! EDITORA DE ARTE MAYUMIOKUYAMA ARTE MARIA CECILIA FELU JÚllA CHEREM Roor; fOTÓGRAfOS EOUARDO CESAR, MI SECRETARIA DA R ANORESSA MATIAS T COLABORADORES ANA UMA, ANDRt SE DANIELLE MACIEL, G' LAURA DAVINA, LEAl REINALDO Jost LOF
os ARTIGOS
ASSI NECESSARIAMEN
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A Estratégia Nacional de Defesa cita a mudança da Escola Superior de Guerra do Rio de Janeiro para Brasília, e não a da Academia Militar das Agulhas Negras, como consta na reportagem "Futuro, volver" (edição 161). Na reportagem "Procura-se um ar mais limpo" (edição 160), o benzeno é o principal representante da classe dos aromáticos, e não dos poliaromáticos, como deu a entender o texto publicado.
PROIBIDA A REI DE TEXTOS E FOT
PARA ANUNCIAR (11)3838-4008 PARA ASSINAR FAPESP@TELETAF (11) 3038-1434 FAX: (11)3038-141f GER~Ne'A DE OP PAULA IUADlS TEI e-meu. pubHcidild~ GER~NCIA DE eu RUTE ROLLO ARAI e-mail:rute@fapes IMPRESSÃO PLURAL EDITORA TIRAGEM:
36_90C
DISTRIBUiÇÃO OINAP GESTÃO ADMINI INSTITUTO UNIEI FAPESP RUA PIO XI, NQ 1. ALTO DA LAPA -
SECRETI
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GOVERN
INSTITU1
carta da editora fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo
Convivência não saudável, mas inevitável
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Presidente josé arana varela
vice-Presidente
Conselho Superior Celso Lafer, Eduardo MOacyr Krieger, Horácio Lafer Piva, herman jacobus cornelis voorwald, josé arana varela, josé de souza martins, JOSÉ TADEU JORGE, Luiz gonzaga belluzzo, sedi hirano, Suely Vilela Sampaio, Vahan Agopyan, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo Ricardo Renzo Brentani
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Secretaria do ensino superior Governo do estado de São Paulo
instituto verificador de circulação
Mariluce Moura - Diretora de Redação
N
a experiência já razoavelmente longa de Pesquisa FAPESP, que completará 10 anos no começo de outubro – tempo ao qual se pode adicionar, claro, para a inteireza da história da revista, os 4 anos da infância que o boletim Notícias FAPESP representa –, apenas uma capa foi dedicada a estudos do câncer. Além de ser um tema de tratamento visual difícil, as notícias referentes a avanços terapêuticos são em geral restritas a algumas manifestações da doença, sem peso para justificar uma reportagem de fôlego. E aquelas relativas ao maior conhecimento científico do câncer, com frequência recheadas de dados novos e estatísticas cada vez mais precisas sobre as probabilidades de grande parte das pessoas desenvolverem uma das formas da moléstia, em algum momento da vida, trazem uma carga dramática que dificulta imensamente reservar-lhes uma capa simultaneamente sóbria e atraente. Assim, a reportagem de capa desta edição (página 18), elaborada pelo editor especial Carlos Fioravanti, pode ser tomada como uma exceção a essa regra geral. Ela aborda uma nova visão sobre o câncer, evidenciada por estudos recentes – alguns feitos no Brasil ou com colaboração de brasileiros –, segundo a qual talvez seja possível controlar o crescimento dos tumores e aprender a conviver com eles, em vez de tomar o câncer como uma ameaça de morte que exige extirpação imediata via cirurgias radicais ou tratamentos extremamente agressivos. As bases dessa visão fundam-se na análise da interação entre células do tumor e os tecidos saudáveis a seu redor e no teste de várias estratégias novas para deter o avanço das células malignas, em paralelo aos tradicionais tratamentos por quimioterápicos e fontes de radiação. A reportagem principal é complementada por duas outras: uma apresenta uma estratégia pioneira do Brasil no tratamento do câncer colorretal. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), acompanhando casos da doença por mais de uma década, tiveram a ideia de esperar um pouco mais antes de fazer uma cirurgia que era considerada inevitável. Resultado? Em 25% dos casos tem se tornado possível adiar ou mesmo evitar a operação, porque os efeitos da quimioterapia e da radioterapia
eliminam completamente o tumor. O outro texto trata do desenvolvimento de sementes e fios radioativos para tratamento do câncer de próstata aqui no país. Na seção de tecnologia vale destacar os estudos e as soluções apontadas até aqui para combater o greening, uma doença identificada em 2004 que ataca 18% dos pomares paulistas e já levou à erradicação de 4 milhões de árvores. A reportagem assinada pelo editor Marcos de Oliveira (página 66) mostra que, graças à competência da pesquisa brasileira em citricultura, testada muitas vezes no combate a pragas dos laranjais, como a tristeza dos citros, o amarelinho e o cancro cítrico, e fortalecida em projetos pioneiros como o do genoma da X.fastidiosa, os pesquisadores conseguiram desenvolver testes moleculares para identificar as plantas doentes e estabelecer formas de controle. Indispensável também nesta edição é a leitura da reportagem assinada pelo editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques, sobre um estudo que examina a relação entre a competência dos pesquisadores brasileiros na escrita do idioma da ciência, o inglês, e sua produtividade científica, medida em artigos publicados em revistas indexadas internacionalmente. Os que podem exibir uma elevada proficiência no inglês escrito, de acordo com essa pesquisa, também têm uma maior produção científica. Ora, como o domínio do inglês tornou-se simplesmente uma questão de sobrevivência no ambiente acadêmico, seja pela necessidade de publicar em revistas de repercussão, seja pelo trabalho em redes internacionais, essencial agora é que o país encontre meios efetivos para reforçar a formação linguística dos estudantes de pós-graduação, observa o estudo. Para completar, destaco nesta edição a entrevista do virologista Edison Durigon, professor da USP, sobre o A H1N1 e outros vírus que atacam o sistema respiratório. Vale a pena ler o que ele diz sobre os vírus influenza, sua evolução e suas mutações desde a gripe espanhola de 1918, a primeira epidemia da doença efetivamente documentada, e a tal ponto que permitiu desde então aos cientistas procurar entender mais e mais a relação bem pouco saudável entre seres humanos e vírus. PESQUISA FAPESP 162
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() memória
Da Lua
para a Terra
Programa que levou o homem ao satélite terrestre há 40 anos gerou tecnologias em múltiplos campos para a sociedade Neldson Marcolin
Aldrin caminha na Lua, em foto tirada por Armstrong: missão bem-sucedida
SPIN-OFFs 8
N
✴ Espuma viscoelástica Desenvolvida pela Nasa em 1966 para absorver impacto, equipa os assentos dos ônibus espaciais. É uma espuma com “memória”, que afunda de acordo com o peso de cada parte do corpo e depois volta ao normal. É utilizada em travesseiros e produtos ortopédicos.
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eil Armstrong pisou na Lua no dia 20 de julho de 1969 já com a famosa frase na ponta da língua: “Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade”. Atônito, o mundo percebeu naquele momento que acabava de assistir a uma das maiores realizações científicas de todos os tempos além do ápice da corrida espacial entre os Estados Unidos e a então União Soviética. Nos anos seguintes outros homens andaram sobre o satélite terrestre até o cancelamento das missões Apollo, em 1972, para se investir nos ônibus espaciais. À medida que o tempo passa, porém, a importância inicial da
Aparelho de ginástica Em 2000 foi criado um aparelho de ginástica simples, possível de ser manipulado nas shuttles, com fios de náilon resistentes que permitem exercícios versáteis. O equipamento se tornou popular.
✴
Pasta para engolir Junto com médicos pesquisadores, desenvolveu-se um creme dental comestível. O produto é útil na área da saúde, para pacientes incapacitados.
não aderia. A roupa possuía controle de temperatura para proteger os astronautas do calor e do frio extremo (entre 117°C de dia e -173°C à noite) e tecido não inflamável. As botas foram moldadas a ar em material rígido para evitar o desgaste muito rápido, mas com juntas que as deixavam flexíveis. Os alimentos eram liofilizados. A técnica consiste em desidratar a comida por congelamento a -50°C e armazená-la a vácuo, o que evita a contaminação e conserva 98% do valor nutritivo com apenas 20% do peso original. O purificador de água desenvolvido para os módulos utilizava íons de prata e cobre.
O isolamento era feito com poliéster de politereftalato de etileno (PET) com uma superfície metálica usada para refletir o calor e raios infravermelhos. Essas tecnologias foram desenvolvidas dentro do projeto espacial liderado pela Nasa, a agência espacial norte-americana, a partir de 1958. E todas se tornaram produtos. O material usado nas roupas teve vários destinos: a fibra de vidro com teflon virou cobertura de ginásio
esportivo; o controle de temperatura é usado nos trajes de quem trabalha em ambientes com temperaturas muito altas em indústrias; o tecido não inflamável está no uniforme de bombeiros; o sistema de fabricação das botas resistentes foi adaptado aos tênis. Os alimentos liofilizados estão nos supermercados há 30 anos e os purificadores de água fazem parte dos lares. O poliéster isolante tem múltiplas aplicações em residências, para não deixar passar calor ou frio. Esses exemplos foram tirados apenas das missões até 1969 (conheça outros nos quadros abaixo). Dois produtos, o teflon e o velcro, se tornaram sinônimos de spin-offs da Nasa. Na verdade, a agência apenas deu novo
fotos nasa
viagem à Lua vem sendo gradualmente revista. Hoje pesquisadores e especialistas do setor aeroespacial debatem a real necessidade das missões tripuladas e se perguntam se existe alguma razão científica em voltar ao satélite terrestre, como foi programado pelo governo norte-americano para 2020. O que não se discute são os spin-offs, benefícios que os programas espaciais trouxeram para a sociedade. Spin-off é um termo em inglês que tem o significado de desdobramento. Ele é utilizado para designar criações que viram produtos ou uma nova empresa que nasce a partir de grupos de pesquisa acadêmicos ou de outra empresa. Quando Neil Armstrong desceu na superfície lunar seguido por Edwin Aldrin – Michael Collins ficou no módulo de serviço, em órbita –, eles vestiam trajes desenvolvidos especialmente para aquela missão. O tecido tinha uma cobertura de fibra de vidro resistente (não dilatava nem encolhia) e não requeria limpeza por ter um revestimento de teflon em que a sujeira
Foguete Saturno sobe com os astronautas; abaixo, a Terra crescente no horizonte lunar
Diagnóstico a distância Experimentos na ISS permitiram o desenvolvimento do diagnóstico com ultrassom a distância. Na Terra, ele pode ser usado por pessoas em lugares longe de hospitais.
✴
A cratera Dedalus vista do módulo que ficou na órbita da Lua, em foto de Collins
status a ambos porque o primeiro foi criado pela empresa Dupont em 1938 e o segundo é uma invenção suíça dos anos 1940 – antes, portanto, do programa espacial. Grande parte do desenvolvimento das
tecnologias para solucionar problemas em ambientes extraterrestres era encomendada a grupos de pesquisa de universidades e de empresas. Já em 1962 a Nasa deu início ao Programa de Utilização Tecnológica do qual
surgiram os Centros de Aplicações Industriais (IACs). Para informar a comunidade científica sobre as tecnologias disponíveis, criou-se a publicação Tech Briefs e, a partir de 1973, foi feito o relatório Technology
Utilization Program Report, publicado uma vez por ano. O objetivo é informar sobre os benefícios para a sociedade do programa espacial e combater a ideia de que a agência desperdiça o dinheiro do contribuinte norte-americano com projetos inúteis. “Os spins-offs se tornaram um grande diferencial do programa norte-americano, se compararmos com o programa soviético”, diz Silvio Roberto Macera, pesquisador do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Comando Geral de Tecnologia Aeroespacial (CTA). “Os soviéticos se contentavam em criar a tecnologia para um único fim sem se importar com o cunho comercial, o que foi um erro.” Nos Estados Unidos, grande parte da pesquisa e desenvolvimento (P&D) era feita pelas empresas a pedido da Nasa e havia a visão de que aquilo deveria ser útil também para a sociedade. Os spin-offs demonstraram ter outras vantagens:
✴ Óculos com proteção As lentes de proteção contra raios ultravioleta A e B (UVA/UVB), criadas pela Nasa e já usadas por soldadores, equipam óculos de sol.
Febre em segundos A mesma tecnologia que captura o calor das estrelas foi aplicada a um termômetro que mede a energia a partir do tímpano humano e dá a temperatura do corpo em dois segundos.
✴ 10
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criavam novos empregos e obrigavam as empresas a trabalhar com um nível de qualidade impensável até então. “Quando se trata de mandar gente para o espaço, não dá para utilizar uma invenção que não seja plenamente confiável. Essa é uma precondição imposta pela Nasa”, explica Macera. Talvez o maior benefício de P&D na área espacial não seja exatamente um produto palpável, como, por exemplo, os monitores cardíacos não invasivos, desenvolvidos desde 1965, que acompanham o desempenho dos astronautas em órbita nos ônibus espaciais a partir de 1983. “Nenhum dos produtos lançados no mercado chega perto da importância do sistema de informações criado a partir dos satélites artificiais”, avalia Petrônio Noronha, chefe do Laboratório de Integração e Testes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No começo, colocar satélites no espaço tinha um objetivo apenas militar, para espionagem. Com o avanço dos projetos espaciais, percebeu-se logo que eles poderiam ter um papel cada vez maior no sistema global de comunicação, a partir de meados dos anos 1970.
Hoje o mundo é completamente dependente dos satélites para áreas como a de telecomunicações e a ambiental. “Toda a parte de observação da Terra, como vigiar os desmatamentos e as queimadas e verificar o uso do solo e do espaço urbano, é feita com eles”, diz Noronha. Embora os spin-offs representem um avanço inegável, o programa espacial que os gerou está
Suplemento alimentar Um experimento feito com algas para se tornar um alimento de longa duração no espaço resultou em um nutritivo suplemento lácteo para bebês.
longe de ser uma unanimidade entre os cientistas. “Quando se faz um esforço concentrado com muito dinheiro, talento e infraestrutura, normalmente saem coisas boas, como já ficou demonstrado durante a Segunda Grande Guerra”, comenta Gilberto Câmara, diretor do Inpe. “Ocorre que foram investidos cerca de US$ 150 bilhões nos 11 anos do programa Apollo. Se os Estados Unidos
tivessem gastado todo esse dinheiro apenas na criação de materiais compostos ou em produtos para a medicina será que não teríamos obtido resultados até mais expressivos?”, pergunta ele, um crítico dos voos tripulados. Câmara não tem a resposta para essa questão. Mas acha saudável tê-la em mente nas comemorações dos 40 anos da chegada do homem à Lua.
Aldrin com experimento perto do módulo Eagle, em foto de Armstrong
Aço de alta resistência O programa espacial brasileiro também tem alguns spin-offs. Um dos mais conhecidos é o aço de alta resistência e baixo peso, desenvolvido conjuntamente pelo CTA, Eletrometal, Usiminas, Acesita e Wotan como um dos componentes do Veículo Lançador de Satélites. Atualmente o 300M é utilizado nos trens de pouso de aviões comerciais.
entrevista
Edison Durigon
Intimidade de alto risco Os vírus causadores de doenças respiratórias mudam de tempos em tempos e forçam uma convivência prejudicial aos homens, diz virologista Mariluce Moura e Neldson Marcolin
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pragmáticas que lhe são apresentadas por médicos, jornalistas e outros profissionais empenhados em explicar as origens, a evolução e os perigos de uma gripe que inicialmente se chamou de suína. E ele parece dar conta da tarefa com gosto. Um dos mais respeitados virologistas do país, coordenador da Rede de Diversidade Genética de Vírus (VGDN), montada em 2000 com o apoio da FAPESP, Durigon dedica-se desde os anos 1980 à pesquisa de vírus. Primeiro, seu grupo se debruçou sobre os rotavírus causadores de diarreia, e ele está seguro de que contribuiu para a clara noção, preciosa para salvar tantas vidas, de que as diarreias infantis eram prioritariamente causadas por vírus, e não por bactérias. Depois, nos anos 1990, ele se voltou para os vírus relacionados a problemas respiratórios, incluindo os influenza. Os avanços obtidos nessa área o capacitaram a montar uma série de incursões pelo país, já na presente década, para monitorar nas aves migratórias o risco de entrada da chamada gripe aviária no Brasil. Nesta entrevista Edison Durigon, que tem um pós-doutorado pelo Centro de Controle de Doenças Infecciosas (CDC), de Atlanta, nos Estados Unidos, fala sobre o A H1N1, a gripe que ele provoca, e trata de muitos outros vírus, com suas mutações, incertezas e ameaças. n O que há de específico no vírus da gripe suína, o A H1N1, e o que o diferencia dos outros tipos de vírus influenza? — Ele é diferente. Temos dois vírus que
circulam há bastante tempo na população humana. São o H3N2 e o H1N1. Todos são descendentes do vírus da gripe espanhola, de 1918. Eles vão se modificando, se atenuando no homem e causam a gripe conhecida como sazonal. Anualmente temos gripe no mundo todo causada por esses dois tipos de vírus. Afora esses dois, que são da influenza A, há outros, da influenza B, que nunca causaram nenhuma pandemia. Por isso, em termos de saúde pública, a preocupação é sempre com os vírus da influenza A. n Existem, entre o A e o B, diferenças de gravidade? — Há dois tipos de vírus da influenza A. Um que tem a mesma gravidade do B, com baixa patogenicidade, e outro que tem alta patogenicidade e é muito perigoso. Ele se replica muito mais rápido, causa hemorragia pulmonar e pode infectar outros órgãos. Isso aconteceu em 1918 com o H1N1. Ele veio direto da ave para o homem e causou a pandemia em que morreram pelo menos 50 milhões de pessoas, conhecida como gripe espanhola. n A gripe asiática de 1957 não foi causada
pelo mesmo vírus? — Não, foi por um descendente dele, uma mistura com vírus de outros animais, geralmente da ave e do porco. A ave é o reservatório natural do vírus da gripe, o homem é contaminado por ele e, com o passar do tempo, fomos nos adaptando. A mortalidade foi grande na
fotos eduardo cesar
O
vírus, dissílabo que soa muito familiar à maior parte das pessoas e que desde abril, na sua vestimenta A H1N1, tornou-se personagem diária, às vezes de visibilidade escandalosa, na mídia de todo o planeta, ainda é capaz de intrigar, e muito, os cientistas que dedicam a vida a decifrá-lo. Para começar: trata-se de um organismo vivo? Não, ele não é classificado como ser vivo. Quando está fora da célula, é só um elemento químico. Mas, dentro dela, torna-se uma partícula infecciosa com enzimas e sequências de nucleotídeos que fazem com que se replique e se comporte como ser vivo. Quem explica assim o caráter ambíguo e ambivalente do vírus é Edison Luiz Durigon, 53 anos, professor titular e chefe do Laboratório de Virologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP). Outra questão: há vírus benéficos para o organismo humano, da mesma forma como há bactérias fundamentais para o metabolismo adequado do corpo do Homo sapiens? Não, ao que se sabe até aqui, nos diz Durigon. Nem todos produzem patologias, há os que permanecem inertes pela vida inteira até, mas não se conhecem benefícios de sua lavra. Com a pandemia da gripe A H1N1 que começou entre março e abril passados no hemisfério Norte, e que a essa altura ainda está se alastrando no hemisfério Sul, o professor Durigon tem se visto à volta com essas e outras perguntas mais
gripe espanhola porque ela era provocada por um vírus de alta patogenicidade, que foi naturalmente se atenuando e se tornou de baixa patogenicidade. É o que está entre nós até hoje, depois de muitas recombinações. Ele se recombinou com suíno, depois de novo com ave, deu no H3N2, aí voltou para o H1N1... n Como se sabe que a primeira vez que o H1N1 migrou diretamente da ave para o homem foi em 1918? Não pode ter havido muitas gripes parecidas antes? — A de 1918 é a primeira que temos documentada. Há, claro, relatos de epidemias graves de gripe de muito antes, de 100, 200, 300 anos atrás. Mas não se sabe o que circulou. Já de 1918 para cá temos muitos relatos, soro de doentes da época, e ainda há pessoas vivas que se lembram do que aconteceu e de quem conseguimos examinar o sangue para comprovar qual foi o vírus causador da epidemia. n Ou seja, há uma comprovação empírica
segura. — Seguríssima. Agora, o vírus que causa a gripe atual é uma combinação de quatro vírus: o suíno, o humano e o de aves, sendo que do suíno, há duas cepas de vírus: o H1N1que circula normalmente em suínos nas Américas, chamado de cepa americana, e o vírus também H1N1 que circula na Eurásia (Ásia e Europa), conhecido como cepa eurásica. Ambos se chamam H1N1 suíno, porém, geneticamente, eles são diferentes. Portanto, o vírus atual da gripe suína que atinge os seres humanos é uma mistura desses quatro: dois suínos – o americano e o eurásico –, um humano e um de aves. Em 2005 isolaram nos Estados Unidos um vírus de um rapaz de 17 anos que teve uma gripe forte. E perceberam que era um novo vírus, que já tinha uma mistura de outros três: influenza suína americana, influenza humana e influenza de ave. Só que isolaram em apenas uma pessoa, não teve outros casos. Acredita-se que esse mix de três evoluiu para o atual, de quatro vírus. Podemos dizer então que a gripe atual deriva das mudanças no vírus pelo menos desde 2005? — Nos Estados Unidos há relatos de que o H1N1 suíno circulou na epidemia sazonal do ano passado. Atualmente estamos testando aqui amostras de crianças internadas na Santa Casa de São Paulo em 2008 e temos fortes evidências de que o H1N1 da chamada gripe suína já estava circulando entre nós no ano passado. n
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Uma equipe australiana publicou um comunicado dizendo que o vírus pode ser similar ao que já circulava em 2007. Se vocês identificarem de fato o H1N1 suíno nessas crianças em 2008, diriam se tratar de casos isolados? — Não dá para saber. No Brasil, não é comum identificar vírus de gripe. Temos três centros de referência para gripe: o Instituto Adolfo Lutz, de São Paulo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio, e o Instituto Evandro Chagas, em Belém. Quando começa uma epidemia, os laboratórios estaduais fazem um teste rápido de imunofluorescência para ter certeza se é influenza A ou B. Isso é o que dá para fazer e são os dados que a gente tem. Uma amostragem bem pequena desse material – do Adolfo Lutz, da Fiocruz e do Evandro Chagas – vai para o CDC para eles fazerem a tipagem [identificação]. E todos os anos eles nos avisam qual tipo de vírus circulou em São Paulo, no Rio e em Belém. Mesmo aqui na USP, onde desde 1995 temos como rotina com o nosso Hospital Universitário, o HU, colher amostras das crianças internadas com bronquiolite e doenças agudas e testar para influenza, paramos nisso porque, para o médico, basta saber se é influenza ou não. Quando surgiu o H1N1 suíno, se implementou um teste diagnóstico novo, tanto nos três institutos que citei como em laboratórios privados. E fazemos testes aqui, no ICB. n
Em 2005 fomos a vários estados para capturar aves migratórias. O objetivo era procurar o vírus da gripe aviária
Por que vocês trabalham mais com crianças? — Temos uma pediatria eficiente no HU e eles têm interesse acadêmico. Com a pediatria da Santa Casa é a mesma coisa. Note que usamos a palavra gripe de modo genérico. A gripe não é causada apenas pelo influenza A ou B, há outros vírus, como o respiratório sincicial, o parainfluenza, o metapneumovírus, o adenovírus. Todos esses causam uma sintomatologia que, para o médico, é muito difícil saber o que é. Eles não têm como saber e nem têm a quem recorrer para descobrir. Quando temos uma gripe, o médico diz para voltarmos se piorarmos porque o quadro pode evoluir para pneumonia. As mortes que temos hoje são todas por pneumonia. n
n Todas? — Quase todas. Uma ou outra pode ter origem em outras complicações, mas o vírus influenza de baixa patogenicidade, por si só, não mata – o que mata são as complicações. Ele pode causar uma inflamação nos pulmões que predispõe à instalação de bactérias no local. Muitas pessoas têm a garganta colonizada por pneumococos e, numa gripe, eles podem migrar para os pulmões e provocar uma pneumonia letal se não for tratada com antibióticos. Às vezes, a pessoa está com sintomas de gripe, não vai ao médico e acha que está tudo bem. Se fosse, talvez uma radiografia revelasse a gravidade do problema e uma internação e medicamentos resolvessem tudo. Vejam-se os casos de morte por gripe suína em Osasco. Se fosse em 2008, as quatro pessoas internadas com sintomas de gripe e pneumonia também morreriam, porque já estavam em um estágio muito ruim, mas os atestados de óbito apontariam como causa da morte pneumonia por streptococcus e não ficaríamos sabendo que houve casos de gripe suína lá. Como ocorreu neste ano em que há uma gripe com grande destaque na mídia, quando chegam pacientes com quadro respiratório grave são colhidas amostras para análise. No caso de Osasco, comprovou-se que era gripe suína, quando a primeira pessoa já tinha morrido.
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n A revista britânica The Lancet publicou
na última semana de julho um estudo com 34 ocorrências da gripe A H1N1em gestantes entre abril e maio, e seis mortes de grávidas entre abril e junho. Ou seja, em um total de 45 mortes examinadas para o período, seis foram de grávidas. Como os pesquisadores estimaram a população de grávidas em 1% da população americana, essas seis mortes compõem um percentual acima do padrão encontrado para os demais adultos. — Tudo é muito novo e os dados estão sendo produzidos. O fato de o vírus ser mais complexo faz com que ele infecte mais pessoas ao mesmo tempo. A gripe ocorre geralmente no inverno. Porém o que vimos no hemisfério Norte foi uma epidemia de gripe fora do inverno – quando deveria estar desaparecendo, ela começou de novo porque infectou muita gente suscetível ao vírus. No Brasil a gripe deveria acabar em agosto, mas, pelo jeito, está começando. E, se seguir o mesmo padrão do hemisfério Norte, nós vamos com ela até outubro. Agora é que começaram a aumentar os casos. n Com relação à mutação do vírus, essa é uma preocupação apenas para 2010? — Sim, porque o atual nós conhecemos um pouco melhor. Sabemos que é de baixa patogenicidade e que não vai se comportar muito diferente do vírus da gripe sazonal. A mortalidade da gripe suína é abaixo da sazonal, mas não dá para dizer que ele é menos patogênico do que o sazonal.
n Na verdade, as mortes ocorrem em razão
da pneumonia. — Essa gripe não está causando mais mortes do que as outras. Pelo contrário, estão morrendo menos pessoas. n Voltando à origem do H1N1: o fato de ser
uma combinação de quatro outros vírus o 14
torna mais complexo, seja para se entender sua estrutura, seja para uma vacina? — Torna, claro. Ninguém sabe ainda o quanto a vacina atual contra a gripe sazonal protege contra o vírus novo. Por ser novo, vai infectar muito mais gente porque ninguém tem anticorpos contra ele. Há uma teoria de que como ele é muito parecido com o H1N1 que circulou em 1978, na gripe russa, quem foi infectado naquela época não pega ou tem uma doença mais branda. Por isso quase não estamos vendo casos em pessoas acima de 50 anos nem em idosos. Os mais atingidos são os adultos jovens, até 35 anos, gestantes e crianças pequenas.
No Brasil se considera normal que as pessoas trabalhem com gripe. Não deveria ser o contrário? — Na verdade, ir para o trabalho com gripe é uma falta de respeito com os outros. As pessoas gripadas espalham o vírus para todos. Um indivíduo conn
c.s.goldsmith e a.balish/cdc
tamina uns 10% do grupo com o qual ele trabalha. Esses 10% vão contaminar outros 10%. Em pouco tempo está todo mundo infectado. Mas, se o brasileiro não for trabalhar mesmo gripado, o chefe acha que ele é muito mole. O ideal é ficar em casa. A criança gripada não deveria ir para a escola, mesmo que esteja se sentindo bem, porque ela ainda está eliminando vírus. Por quanto tempo se elimina vírus? — Por até sete dias, quando se está gripado. A transmissão pelo ar se dá quando espirramos. Mas essa não é a principal forma. Como eliminamos muita secreção, é inevitável colocar a mão no nariz, coçar, pôr o dedo na boca. É um hábito que temos como primatas, muito difícil de controlar, que favorece uma transmissão maior. E estamos sempre tocando nas coisas, indo trabalhar, estudar, encontrar pessoas. O ideal seria ficar em casa por 10 ou 15 dias, até ficar curado. n
No trabalho que a sua equipe fez em 2005, de captura de aves na Floresta Amazônica, o objetivo era procurar o H5N1 nas aves migratórias. Achou-se algo? — Achamos bastante influenza de aves, mas não o H5N1, que era o pavor do Ministério da Saúde e da Agricultura porque se trata de um vírus muito perigoso tanto para aves quanto para gente. Ele mata mais de 50% das pessoas que infecta. Mas só é transmitido de aves para seres humanos, não entre as pessoas. O que faz um vírus infectar o homem é o contato que ele tem com a célula superficial, com as células do nariz, da boca... Para que haja adesão do vírus e infecção, a célula tem de ter um receptor específico para o vírus em questão. As espículas que se encontram na parte mais superficial do vírus da gripe suína são reconhecidas pelo receptor específico das células para ele, neste caso o ácido siálico. E uma determinada conformação nas espículas permite o encaixe vírus-célula. O vírus aviário não se encaixa bem na célula humana em razão de sua conformação. Até agora as infecções aviárias se deram por meio do contato direto com secreção de ave, pela qual a pessoa recebeu uma grande quantidade de vírus que chegaram até as células mais baixas de brônquios ou de pulmão. n
n Ainda se teme esse tipo de transmissão na gripe aviária? — Ah, sim! A conformação depende de apenas três mutações no genoma do vírus, e uma já ocorreu. Faltam duas. Estamos com 486 casos de influenza aviária,
H1N1 isolado de um paciente brasileiro
com 260 mortes [dados de junho] na Ásia e Europa. É muito, mais de 50%. Na China é de quase 100%. Este ano eles tiveram sete casos com cinco mortes. No caso da gripe aviária, havia a perspectiva de desenvolvimento de uma vacina eficaz, que não ocorreu. — Como o vírus ainda não sofreu a mutação que precisa para passar de pessoa para pessoa, não adianta fazer uma vacina para o que está ocorrendo agora. Ela não funcionará quando ele sofrer a mutação. É o caso semelhante ao do H1N1 suíno. Na vacina contra gripe sazonal que as pessoas tomaram este ano tem o H1N1, só que ele não funciona 100% contra o vírus suíno, embora talvez proteja algumas pessoas. n
n Então temos mais um problema: a mutação que o A H1N1 ainda pode sofrer no próximo ano. Portanto, as vacinas teriam de prever essa mutação. — Já tem algumas vacinas feitas para esse H1N1 suíno que devem estar no mercado em setembro. Os grandes laboratórios privados estão correndo porque a epidemia de gripe vai começar novamente no hemisfério Norte mais ou menos em outubro e novembro e todos querem ter a vacina à mão antes. Mas elas estão sendo feitas para combater a versão atual do vírus. Não dá
para fazer vacina para o próximo se não sabemos como vai ser a mutação. n Se ocorrer de o vírus da gripe aviária mutar,
dá para fazer uma vacina rapidamente? — Um dos grandes medos que todos tinham quando surgiu o H1N1 suíno é que ele entrasse na China porque lá ainda está tendo casos de H5N1. Haveria o risco de o mesmo paciente ser infectado com os dois vírus e criar um mutante. A China tomou medidas muito mais rígidas que no resto do mundo, como impedir a entrada de pessoas ou fazer quarentena. Só que é muito difícil criar barreira para vírus. Eles têm muitos casos da gripe suína e alguns poucos da gripe aviária. A China vai ser nosso grande problema, porque o H1N1 já recombinou de todos os lados. O risco de fazer isso mais uma vez não é pequeno. n Parece que esta é a primeira vez em que
é possível acompanhar o surgimento de um novo vírus desde o começo. Não é uma vantagem? — É um vantagem, lógico. Mas está todo mundo muito assustado, inclusive os médicos nos hospitais aqui de São Paulo. Chega uma pessoa com uma gripe forte, fez o teste, deu H1N1 suíno, eles têm de isolar o paciente. Mas isolar onde? Se voPESQUISA FAPESP 162
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cê chega com algum outro problema, os médicos não têm como internar porque está cheio de gente com a gripe.
— Não tem como saber. Nem os médicos sabem. Os sintomas de gripe são comuns a vários vírus.
n Mas o Adolfo Lutz poderia ajudar e dar um resultado em algumas horas, em vez de gastar sete dias. — Só o Adolfo Lutz não tem condições de fazer os testes para o Brasil todo, para o estado todo ou para a cidade toda. O que tem de ser feito é distribuir os testes para todos os laboratórios, sejam eles públicos ou privados. Os Estados Unidos são o país do qual temos mais dados porque quando a epidemia começou, em março, o governo produziu kits de diagnóstico e distribuiu para os laboratórios americanos que tinham competência para isso, públicos e privados. Para os que não tinham o equipamento, o CDC comprou e distribuiu. Em qualquer estado americano há laboratórios capazes de fazer o diagnóstico no mesmo dia. O nosso HU tem um excelente laboratório e poderia estar fazendo o diagnóstico. O paciente chegaria com os sintomas, faria o teste, que sai em três horas e, se estivesse com o vírus, já tomaria o medicamento indicado, que é o oseltamivir, que tem o nome comercial de Tamiflu. É uma droga que funciona apenas se for tomado nas primeiras 72 horas. O problema é que não tem Tamiflu suficiente.
n E os chamados resfriados de inverno em que as pessoas não têm febre? — Esse é outro tipo de vírus chamado de rinovírus. O sintoma é coriza, um pequeno problema respiratório, alguma indisposição, mas sem febre. O influenza geralmente dá febre, e alta, com outros sintomas. Dos testes que temos feito para o HU, quase 100% é H1N1 suíno. Não estamos tendo nem H3N2 e nem H1N1 sazonal. Isso vale para as últimas duas semanas de julho. Em junho, estava entre 30% e 50%. A época do H3N2 e do H1N1 sazonal começa em maio, vai até o começo de agosto e desaparece. Não que não tenha gripe durante o ano inteiro, tem, mas o pico é no período junho-agosto, quando mais circulam os dois vírus. Este ano eles circularam junto com o H1N1 suíno e pararam de circular porque estão dentro da sazonalidade. Ocorre que a transmissão do suíno começou agora. Por isso daqui para a frente só deveremos ter um tipo de vírus, o suíno. Aconteceu o mesmo nos outros países.
n Por que não há Tamiflu suficiente? — Quem fabrica é o laboratório Roche. Ocorre que a demanda no mundo inteiro é tamanha que eles não estão dando conta de fabricar. Essa é uma droga muito específica. E o Brasil nunca usou muito o Tamiflu porque o paciente normalmente chega ao hospital com mais de três dias de infecção e aí não adianta mais. Além disso, se o médico não está seguro de que o paciente tem influenza, não adianta dar essa droga. n Como a população pode saber se está in-
fectada pelo H1N1 suíno ou por influenza sazonal?
Até quando esse o H1N1 vai dominar este ano? — Acredito que até outubro. Em agosto e setembro, seguramente. n
n E nesse período dá para que as pessoas sai-
bam mais sobre ele para tentar evitá-lo? — Acho que sim. As pessoas estão assustadas, mas não há uma grande neurose, com todos andando de máscara. No México, por exemplo, entraram em desespero e botaram máscara na população. E usar máscara não reduziu a epidemia, embora eles digam que sim. Além disso, é preciso saber usar máscara. Num voo de Porto Alegre para cá vi um passageiro que tirou a máscara para comer e colocou no assento do lado, no braço da poltrona onde as pessoas colocam a mão. Do que adianta? Lavar as mãos ajuda muito, é uma das melhores medidas que existem. Mas no dia a dia é difícil fazer isso o tempo todo porque estamos sempre tocando em objetos que outros tocaram. Enfim, lavar as mãos ajuda, mas o vírus vai continuar sendo transmitido, causando 10% das infecções, vão continuar ocorrendo alguns casos de gravidade e algumas mortes. Como é o trabalho de seu laboratório na investigação sobre o influenza em aves migratórias? n
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— Em 2000, nosso grupo montou um projeto com apoio da FAPESP, a Rede de Diversidade Genética de Vírus, a VGDN, chamado de Rede Vírus, do qual fui um dos coordenadores. Estudamos vários vírus como HIV, o da hepatite C, o vírus respiratório sincicial, o hantavírus – que é altamente patogênico –, entre outros. Montamos uma equipe de campo para ir à Amazônia capturar aves migratórias. Vocês fizeram um safári à procura de vírus... — Exatamente. Fizemos várias expedições para passar um mês em vários estados. Foi todo um trabalho para monitorar a possibilidade do vírus da influenza viária, o H5N1, entrar no Brasil. Não havia nada sendo feito na época. A primeira expedição foi em 2005. Antes tivemos de criar a infraestrutura para isso, a partir de 2001, como montar um laboratório de segurança máxima, o NB3+, e transporte seguro, dentro de todas as normas de segurança internacionais. Não dava para ir colher vírus na Amazônia de ave migratória e trazer para uma região com 20 milhões de habitantes sem segurança. Seria uma irresponsabilidade enorme. n
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Rede Vírus criou outros laboratórios? — Montamos seis deles no estado de São Paulo só para diagnóstico desses vírus. Hoje estão todos funcionando com capacidade para fazer os testes de H1N1. Nesse período surgiram algumas epidemias que assustaram a todos, como a Sars [Síndrome respiratória aguda grave]. Quando ela surgiu, em 2003, só tínhamos o meu laboratório de segurança para trabalhar com o coronavírus, da Sars. Na época, peguei os dados de tudo o que estava acontecendo no mundo e levei para o professor José Fernando Perez, o diretor científico da FAPESP na ocasião. Disse para ele que tínhamos uma rede para estudar vírus, mas se o Sars chegasse ao Brasil não teríamos laboratório
suficiente para fazer diagnóstico. Sugeri então a criação de pelo menos seis laboratórios de segurança que pudessem manusear as amostras. Reuni quem tinha competência para isso dentro da Rede Vírus e criamos os laboratórios.
Nos anos 1980 estudávamos diarreia infantil. Da década de 1990 para cá, mudamos o foco para os vírus que causam doença respiratória
Onde estão esses laboratórios? — Temos o Laboratório de Virologia do ICB/USP, o do Adolfo Lutz, o do Instituto de Medicina Tropical/USP, do professor Cláudio Pannuti, o de Botucatu, do professor João Candeias, o da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, do professor Eurico Arruda, e o da Unesp de São José do Rio Preto, da professora Paula Raw. Esses seis estão capacitados com estrutura física de pressão negativa para que o vírus não escape, com proteção para os vizinhos e para quem está trabalhando, com cabines de fluxo de segurança máxima e com equipamento para fazer testes rápidos que identifiquem o influenza. n
n Quem coordenava a Rede Vírus? — Éramos três coordenadores centrais: os professores Paulo Zanotto, Eduardo Massad e eu. O projeto terminou em 2007 e chegamos a ter 22 laboratórios em rede. Hoje eles continuam ativos e equipados, mas não mais em rede. Agora estamos tentando retomar a rede dos seis de segurança máxima. E queremos montar mais seis, não de segurança máxima, mas que possam manipular os vírus influenza. Quando surgiu a Sars os Estados Unidos criaram em cada estado uma rede com laboratórios desse tipo. n Há quanto tempo o senhor trabalha com
vírus? — Desde 1980. Começamos um grande estudo em 1981 com vírus da diarreia, o rotavírus. Os médicos achavam que a maioria dos casos era causada por bactéria. Fizemos vários estudos com o professor José Alberto Neves Candeias, pioneiro nesses trabalhos. Fomos os seguidores dele. Com os trabalhos, feitos com o HU e com o Hospital das Clínicas, ajudamos a diminuir a diarreia.
e não por bactéria. Os médicos também mudaram a conduta e começaram a internar as crianças que apareciam com diarreia. Foi uma confusão na época, os pais não podiam ficar com os filhos, mas a mortalidade despencou. Por que precisava internar a criança? — A criança ia para casa e não era hidratada, mas no hospital sim. Quando se viu que a internação funcionava, o grupo de assistência social começou a treinar as mães para usar o soro caseiro. Hoje não é mais preciso, as mães já sabem fazer o soro. Houve um trabalho no mundo todo, com campanhas da Organização Mundial da Saúde, do Unicef [Fundo das Nações Unidas de Apoio à Criança] e da Pastoral da Criança no Brasil, que tiveram um papel importante. A diarreia caiu muito em todos os países. Nos anos 1990 o problema maior passou a ser a alta mortalidade por doença respiratória virótica. Por isso mudamos o foco do laboratório. Trabalhamos com influenza e os demais vírus respiratórios, considerando a possibilidade de a gripe aviária entrar no país. n
as aves param quando vêm do hemisfério Norte, de outubro a dezembro, antes de descer até o Sul. De fevereiro até abril elas voltam para o Norte e param em Canelas outra vez. Pegamos as aves quando elas chegam e quando vão embora para ver quantas vêm infectadas e quantas voltam infectadas. Trabalhamos com um grupo do professor Severino Mendes, da Universidade Federal Rural de Pernambuco. n E qual sua impressão? — Acredito que elas chegam infectadas do hemisfério Norte. Mas nossos números são ainda muito preliminares. n A relação entre vírus e seres humanos é sempre patológica? — Nem sempre. Mas não é como as bactérias, que formam uma flora normal no homem e não são necessariamente ruins. Não há um vírus que seja necessário ao homem. Mas há vírus inertes, que ficam na gente e não causam doença. Alguns são eliminados naturalmente por muito tempo. Alguns se integram, principalmente os herpesvírus. Conhecemos alguns deles, como o que aparece perto dos lábios, o herpes 1 e 2, mas há outros, como o herpes 6, herpes 7, que as pessoas têm a vida toda e nem sabem. No caso da relação influenza-homem, foram os chineses que começaram a domesticar os patos e trouxeram esses vírus para o homem. n A sua ferramenta de estudo de vírus é a biologia molecular? — É a nossa grande arma. Com ela conseguimos detectar mais rápido, com maior sensibilidade e ter um conhecimento mais profundo da evolução dos vírus. Às vezes é preciso voltar aos métodos clássicos. No paciente doente há uma quantidade enorme de vírus na secreção, suficiente para trabalharmos. Mas uma ave migratória sadia elimina pouco vírus e só consigo detectá-los por PCR, uma técnica molecular, mas falta material suficiente para sequenciar e fazer outros estudos. Precisamos então usar meios de cultura clássicos. Ainda utilizamos o ovo embrionário e a cultura de células.
n A grande queda da mortalidade infantil
em São Paulo reflete isso. — Sem dúvida. Antes, nos anos 1980, a criança vinha com diarreia, o médico dava antibiótico e mandava para casa. Eram de famílias humildes, a mãe precisava trabalhar o dia todo e a criança acabava não tomando o remédio. Quando voltava ao hospital, já estava desidratada e morria. Nós mostramos que a doença era causada na maioria das vezes por vírus,
As aves migratórias vão do hemisfério Norte para o Sul e vice-versa todos os anos. Existe alguma prevalência de se trazer mais vírus de um lado ou de outro? — Esse é um dos nossos estudos. Os americanos que pesquisam isso dizem que as aves se infectam no Brasil e levam os vírus para lá. Desde o ano passado começamos um projeto novo na ilha de Canelas, que fica no norte do Marajó, uma área onde n
Por último, uma questão interessante: vírus é ser vivo? — Ele não é classificado como ser vivo. É considerado uma partícula infecciosa com duas características importantes. Quando está fora da célula é um elemento químico, mas dentro dela ele se comporta como ser vivo – tem enzimas e sequências nucleotídicas que fazem com que se replique e se comporte como algo vivo. n n
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Convivendo com o câncer Descobertas sobre interações celulares fortalecem a perspectiva de controlar, em vez de eliminar, os tumores
Carlos Fioravanti
Estudos recentes, alguns deles feitos no Brasil ou com a colaboração de brasileiros, estão mudando a forma como médicos e pesquisadores veem e tratam o câncer. Aos poucos os especialistas deixam de olhá-lo apenas como um conjunto de células que se reproduzem descontroladamente dentro de um órgão e adotam uma visão mais abrangente, que valoriza a interação das células tumorais com as células saudáveis vizinhas. Essa compreensão ampliada resulta do conhecimento acumulado sobre as contínuas adaptações das células tumorais – que lhes permitem viver em ambientes prejudiciais para as células normais – e de mapas detalhados das interações químicas das moléculas que levam à produção de energia no interior dos tumores. O resultado é que agora é possível entender melhor como os medicamentos habitualmente usados contra o câncer funcionam – nem sempre como esperado – e bus-
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car tratamentos mais eficazes e menos agressivos ao organismo. Atualmente se encontram em testes cerca de 700 compostos contra o câncer, com uma taxa média de sucesso de 7%. O mapa das interações bioquímicas das células do tumor levanta a possibilidade de medicamentos hoje indicados contra outras doenças, como o diabetes, poderem bloquear o desenvolvimento das células do tumor e até mesmo matá-las. Ainda são necessários anos de testes para verificar se essa estratégia, que soma quimioterápicos tradicionais a outros medicamentos, funcionará com os seres humanos. Mesmo que funcione, é bem provável que não elimine de imediato a necessidade de tratamentos convencionais como a quimioterapia e a radioterapia, em vista da gravidade e do alcance dessa enfermidade. Todo ano quase 8 milhões de pessoas morrem por causa de câncer no mundo. No Brasil o câncer, a segunda causa mais comum de morte (a primeira são as doenças cardiovasculares), mata cerca de 130 mil pessoas por ano e gera quase 500 mil novos casos, principalmente de
câncer de próstata e de pulmão entre os homens e de mama e de colo do útero entre as mulheres, estima o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Agora a compreensão mais detalhada das interações bioquímicas que ocorrem no interior das células do tumor – e
entre elas e as células saudáveis dos tecidos vizinhos – sugere que, em vez de pensar em destruir os tumores completamente, talvez seja possível controlar seu crescimento, de modo que o câncer se torne uma doença crônica, a exemplo do diabetes, da Aids ou mesmo de alguns tipos de leucemia. “Os tratamentos atuais contra o câncer são em geral muito radicais”, diz Fernando Soares, pesquisador do Hospital do Câncer AC Camargo e coordenador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) do Câncer financiado pela FAPESP. “Podemos aceitar que existe um tecido agressivo e aprender a conviver com ele.” Roger Chammas, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universida-
de de São Paulo (USP), observa: “Saímos do reducionismo, focado na célula tumoral, para uma visão que valoriza as interações das células tumorais com outras células e moléculas próximas”. Sua equipe, uma das que adotam essa abordagem no Brasil, estuda os mecanismos pelos quais as células de defesa conhecidas como macrófagos beneficiam, em vez de combaterem, as células anormais que formam os tumores. Em outro laboratório no mesmo andar do prédio histórico impecavelmente preservado, Maria Aparecida Koike Folgueira e seu grupo verificaram que células de sustentação de tecidos chamadas fibroblastos também podem favorecer a multiplicação de células tumorais, ao mesmo tempo que as células tumorais estimulam o crescimento dos fibroblastos, de acordo com um estudo recém-publicado no International Journal of Cancer, realizado por Patrícia Rozenchan. Na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), José Barreto Carvalheira testa uma combinação de dois medicamentos – um usado normalmente para controlar o diabetes, a metformina, e outro para eliminar tumores, o paclitaxel – para conter o crescimento de tumores reduzindo a quantidade de glicose que eles recebem. A estratégia tinha apresentado bons resultados em células de tumores de pulmão cultivadas em laboratório quando ele foi ao encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês), realizado no final de maio em Orlando, na Flórida. Ali ele viveu uma situação que o fez sentir-se ao mesmo tempo gratificado e atropelado: gratificado por ver que a pesquisa da Unicamp com a metformina era realmente inovadora, atropelado por ver outros pesquisadores dispostos a adotar essa
mesma abordagem em pesquisas que provavelmente correriam mais rapidamente com uma equipe maior que a dele. O desafio de entender e modificar o ambiente celular que permite aos tumores crescerem resgata, integra e aprofunda estudos publicados há décadas. Soares, do Cepid do Câncer, ouviu falar em ecologia tumoral pela primeira vez há cerca de dez anos, quando trabalhou com o médico espanhol José Costa, professor da Universidade Yale, nos Estados Unidos. Costa comparava os tumores a árvores em uma floresta, que não cresceriam se isolados entre si ou cresceriam livremente se não tivessem competidores. “Na época”, lembra Soares, “o problema era como usar esses conceitos”. Agora os conceitos e os resultados estão convergindo e descortinando novas estratégias de trabalho. “Temos agora a visão geral do elefante, não mais só das partes”, celebrou Bert Vogelstein, diretor de um centro de pesquisas sobre câncer da Universidade Johns Hopkins, Estados Unidos, no congresso de maio. “Descobrimos todos os genes que sofrem mutações e as principais vias de sinalização metabólica do tumor.” Segundo ele, uma célula tumoral apresenta de 50 a 100 alterações genéticas – ou mutações –, embora ainda não seja possível saber
qual delas aparece primeiro e aciona as outras. Na USP, Koike identificou al gumas causas e consequên cias dessas mutações: “As células tumorais interferem na expressão de genes que estimulam o crescimento dos fibroblastos, que por sua vez também fazem as células tumorais crescerem mais depressa”, diz ela. Normalmente muitos genes agem ao mesmo tempo, com atividade maior ou menor que a normal. Em células de tumores de mama, por exemplo, a atividade do gene SP/int2 é menor que nas células normais; em consequência, a célula consegue migrar mais facilmente para outros tecidos do corpo.
“Para um tumor dar certo, muita coisa tem de dar errado”, comenta Luiz Fernando Lima
Reis, diretor de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. Segundo ele, a capacidade do tumor de interagir com as células normais vizinhas – o estroma – é que vai definir sua habilidade de invadir outros tecidos (metástase) e também sua afinidade por órgãos distantes. Por exemplo, tumores de próstata frequentemente geram metástases em tecidos ósseos, enquanto os tumores de mama podem gerar focos de proliferação no fígado, no pulmão, nos ossos e no cérebro. “A célula tumoral precisa se comunicar com o meio externo como parte de sua estratégia de sobrevivência”, diz Lima
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Reis, que aplica esses conceitos para encontrar moléculas que indiquem como lesões de estômago e de esôfago podem evoluir para tumores. A interface entre o tumor e as células normais do estroma, segundo ele, pode contribuir para essa evolução e, mais ainda, para o comportamento do tumor. “O tumor é um desastre, que pode morrer de tanto erro que as células tumorais acumulam em seu DNA”, diz ele. “Dados recentes sugerem que é
Os Projetos 1. Antonio Prudente Cancer Research Center 2. Papel da via Irs/Pi 3-quinase/akt/mtor no desenvolvimento tumoral 3. Expressão gênica em tumores do estômago e do esôfago: da biologia ao diagnóstico 4. Caracterização molecular de fibroblastos originários de tecido mamário neoplásico modalidade
1. Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) 2. Programa Jovem Pesquisador 3. Projeto Temático 4. Bolsa de Pós-doutorado Coordenadores
1. Fernando Augusto Soares Hospital AC Camargo 2. José Barreto CarvalheiraUnicamp 3. Luiz Fernando Lima Reis Hospital Sírio-Libanês 4. Maria Mitzi Brentani - USP (bolsista Patrícia Rozenchan) investimento
1. R$ 2.375.938,62 2. R$ 485.435,69 3. R$ 1.039.696,62 4. R$ 154.362,64
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o estroma que faz com que algumas células das margens do tumor se mantenham menos alteradas que as restantes como forma de sobreviver. Sempre me pareceu que o estroma era parte do tumor.” Carvalheira está confiante. “Vai sair tratamento novo daqui”, diz, em sua sala na Unicamp, apreciando um esquema de reações bioquímicas que faz parte de um artigo publicado em maio na Science. Coordenado por Matthew Heiden, do Instituto de Câncer DanaFarber, em Boston, Estados Unidos, esse estudo detalha um fenômeno que o fisiologista alemão Otto Warburg havia apresentado em 1924: a capacidade de as células tumorais produzirem a energia que lhes permite sobreviver a partir do consumo da glicose livre no citoplasma, a região da célula entre a membrana e o núcleo celular. As células normais em geral quebram as moléculas de glicose encontradas em um dos compartimentos do citoplasma – a mitocôndria –, embora em situações específicas também possam usar a glicose do citoplasma para gerar energia. Células sadias funcionam desse modo, quando corremos, por exemplo, e a necessidade de produzir energia para manter os movimentos é maior que a entrada de oxigênio. Um dos resíduos dessa sequência de reações que convertem a glicose em energia é um composto chamado lactato. O lactato também é fragmentado, liberando íons de hidrogênio (H+) que se acumulam no interior das células tumorais. Em consequência, o tumor torna-se levemente ácido, com um pH (potencial hidrogeniônico, que mede a abundância de H+) de 6,5 a 6,9, próximo ao pH do leite (6,3 a 6,6). A diferença com as células normais, que vivem sob um pH básico (7,2 a 7,5), pode parecer pequena, mas cada ponto do pH significa uma quantidade dez vezes maior ou menor de H+ no interior da célula. “A acidez é o resultado
de um metabolismo anormal de glicose observado em virtualmente todo tumor”, diz o oncologista matemático Robert Gatenby, à frente de um grupo de pesquisas do Moffitt Cancer Center, na Flórida. “Por sua vez”, diz Gatenby, “a acidez permite aos tumores invadirem o tecido normal”. Apoiado nesse raciocínio, Gatenby empregou uma substância neutralizadora de acidez, o bicarbonato de sódio, usado normalmente contra azia e má digestão, para reduzir a acidez e evitar que o tumor originasse metástases em camundongos. Deu certo. Os animais que tomaram uma solução com bicarbonato apresentaram metástases em menor quantidade e tamanho no pulmão, no intestino e no diafragma, em comparação com os que se alimentaram com alimentos ácidos ou que não tomaram nada. De acordo com o estudo publicado em junho na revista científica Cancer Research, 80% dos animais tratados continuavam vivos após 120 dias; do grupo controle, só 40%.
Apenas os resultados experimentais não bastaram. Em busca de explicações, Ariosto Silva, engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) com
doutorado em biologia pela Unicamp e membro da equipe de Gatenby desde o ano passado, construiu um programa de computador que reproduz os caminhos bioquímicos pelos quais as células tumorais e as normais aproveitam a glicose. Os resultados a que chegou, publicados na mesma edição da Cancer Research, confirmam matematicamente os resultados obtidos em animais. Somados, os dois trabalhos reforçam a argumentação de Gatenby para ver se o bicarbonato poderia funcionar em seres humanos do mesmo modo que em camundongos. Ariosto aponta uma van-
tagem dessa estratégia: “O bicarbonato já é produzido pelo organismo e não é tóxico para outras células, diferentemente de medicamentos sintéticos”. Há, porém, um limite. De acordo com suas simulações, a dose extra de bicarbonato não pode exceder 40% da quantidade já em circulação no organismo. “Em concentrações mais elevadas, o bicarbonato pode gerar desidratação e perda de peso”, alerta.
“O tumor tornou-se um pouco mais previsível”, afirma José Andrés Yunes, pesquisador do Centro Infantil Boldrini, hospital de Campinas que atende crianças com leucemia, frente aos resultados que ajudou a construir por ter orientado Ariosto no doutorado. Mais previsível, mas não necessariamente controlável. O bicarbonato de sódio já é usado em pessoas com leucemia para apressar a eliminação de resíduos
de células deixados por medicamentos que matam células em multiplicação acelerada, mas os novos resultados ainda não indicam com segurança que se trata de uma substância efetivamente útil para tratar o câncer. “Temos agora de examinar se o bicarbonato não reduz a eficácia ou amplia a toxicidade dos medicamentos usados no tratamento de câncer”, diz Yunes. Chammas imagina que o controle da acidez poderia em princípio ajudar a deter tumores cercados por células sadias, mas dificilmente as mais distantes de vasos sanguíneos: “O bicarbonato poderia aniquilar as populações de células tumorais sensíveis à acidez, mas não controlar as metástases, porque as populações de células tumorais são muito diferentes entre si e podem utilizar diferentes mecanismos de sobrevivência”. A possibilidade de usar uma substância utilizada contra a azia gerada às vezes pelo excesso de café para conter o crescimento de tumores, embora possa parecer simples demais para funcionar, resulta de uma longa argumentação científica. Gatenby lançou em 1995 em dois artigos, um na Cancer Research e outro na revista Journal of Theoretical Biology, sua hipótese de que a intensificação da glicólise em células tumorais poderia gerar acidez. Essa acidez, por sua vez, poderia modificar o ambiente do tumor a ponto de selecionar as células tumorais, deixando apenas as mais resistentes. Seria decisiva também para determinar o
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pudéssemos fazer esse tipo de exame de modo mais amplo, poderíamos descobrir focos novos de tumores e direcionar melhor os tratamentos”, diz ele. O problema é que esses exames custam caro, cerca de R$ 3,5 mil cada um, e o sistema público de saúde ainda não os paga. Outro desafio é, no mundo inteiro, a longa trajetória da descoberta e testes de novas moléculas capazes de identificar tumores com precisão sem causar danos ao organismo. “Só avançaremos com a integração de especialistas de áreas diferentes.”
Soares, do Hospital do Câncer, recomenda: “É o momento de manter os pés no chão. Os resultados experimentais podem demorar de 10 a 15 anos para se converterem efetivamente em novos tratamentos”. A busca de medicamentos salvado-
fotos STEVE GSCHMEISSNER/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/Latinstock
desenvolvimende ação. Carvato do tumor, lheira cogita a O foco muda possibilidade por causar a morte das cé de selecioda célula tumoral lulas sadias nar os trapróximas e tamentos permitir às mais eficapara a interação dela zes às pessocélulas tuas com cânmorais mi com as vizinhas cer: as que grarem para outras regiões apresentarem do organismo. resistência à “A hipótese inicial insulina devem foi recebida com ceapresentar também ticismo e falta de intemais resistência aos antitumorais hoje à mão. resse”, comentou Gatenby. Seus trabalhos seguintes levaram Podem sair daí também dietas esem conta também as seis características pecíficas, atualmente em testes, com típicas das células tumorais que Douglas menos carboidratos e mais proteínas, Hanahan, da Universidade da Califórnia de modo a fortalecer as células normais em São Francisco, e Robert Weinberg, do e a enfraquecer as tumorais. Ou ainda Instituto de Tecnologia de Massachusetdietas capazes de aumentar a eficiênts, apresentaram em um artigo de revisão cia de tratamentos já usados contra o de uma edição especial da revista Cell em câncer, como a radioterapia. janeiro de 2000. Comuns a mais de cem As descobertas mais recentes levatipos de câncer, essas seis características ram Chammas a repensar os próprios correspondem a sucessivas adaptações medicamentos usados hoje para traambientais de uma célula normal até tar o câncer. “Se o oxigênio, que é uma se transformar em uma célula tumoral molécula relativamente pequena, não capaz de migrar e alojar-se em outros chega às células tumorais, anticorpos e tecidos. A primeira é a habilidade de medicamentos, que são muito maiores, produzir, com independência, moléculas podem também não chegar”, diz ele. que estimulam o crescimento celular. A “Temos de estudar melhor como e se as drogas chegam aos tumores.” segunda, de escapar da ação das moléDiagnósticos mais precisos e culas que inibem a proliferação celular. precoces poderiam emergir desses A terceira, de se multiplicar indefinidamente, bloqueando os mecanismos que estudos sobre a ecologia tumoral. normalmente limitam a divisão celular. Carlos Alberto Buchpiguel, diretor A quarta habilidade é a de escapar da do centro de medicina nuclear do morte celular programada, um mecaHospital das Clínicas da Faculnismo que as células disparam toda vez dade de Medicina da USP, conta que detectam algo anormal, como a dique por enquanto é impossível visão acelerada. A quinta habilidade é a detectar áreas do organismo de baixa acidez, mas as de baide induzir a formação de vasos sanguíneos, que trazem sangue com nutrientes xa oxigenação – mais aptas a e oxigênio indispensáveis para o tumor abrigar tumores – podem em crescimento. Por fim, a sexta habiliser localizadas por meio da aplicação de uma molécula dade: invadir outros tecidos. O conhecimento acumulado sobre de glicose com flúor em exaas células tumorais e o ambiente em mes de tomografia por emisque vivem abre outras possibilidades são de pósitrons (PET). “Se
res já pregou muitas peças e levantou esperanças que depois não foram atendidas. Em 1998, por meio de uma reportagem do New York Times, Judah Folkman, pesquisador de um hospital de Boston, anunciou que duas proteínas produzidas naturalmente pelo organismo, a angiostatina e a endostatina, haviam bloqueado em camundongos a formação dos vasos sanguíneos de que o tumor necessita para crescer. Folkman havia alertado que os resultados eram iniciais, mas James Watson, um dos desco
bridores da estrutura da molécula de DNA e ganhador do Prêmio Nobel, comentou na mesma reportagem do New York Times que Folkman curaria o câncer em dois anos. Como se sabe, não curou. Mas hoje cerca de 1,2 milhão de pessoas tomam algum dos cerca de dez medicamentos inspirados na possibilidade de bloquear o envio de sangue para os tumores em crescimento; pelo menos 50 compostos estão sendo testados com base nesse mesmo princípio. Um dos maiores desafios atuais da pesquisa em
câncer, debatido no congresso de oncologia dos Estados Unidos, é exatamente o de transformar esse conhecimento científico em aplicações que possam beneficiar as pessoas. Richard Schilsky, presidente do congresso e professor da Universidade de Chicago, enfatizou a necessidade de mudanças nos modelos atuais de desenvolvimento de novos medicamentos. Segundo ele, será difícil avançar sem levar em conta que os testes em animais são pouco eficazes, que as populações de pessoas são heterogêneas e que falta consenso sobre o significado da expressão benefícios clínicos. Chammas sugere: “Temos de aprender a pensar diferente e aceitar os desafios à nossa capacidade criativa”. n
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Anos atrás a cirurgiã Angelita Habr-Gama tomou uma decisão ousada, que desafiava o tratamento padrão de alguns tipos de câncer de intestino. Ela decidiu aguardar um pouco mais os efeitos do tratamento com radiação e medicamentos quimioterápicos antes de partir para uma cirurgia drástica de remoção dos segmentos finais do intestino adotada em boa parte do mundo. Em seu favor, Angelita tinha os resultados de uma série de estudos conduzidos sob sua coordenação no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e no Instituto Angelita & Joaquim Gama: 25% dos pacientes com tumor de reto tratados com radioterapia e quimioterapia haviam se recuperado completamente sem a necessidade de uma operação em geral considerada inevitável, que, nas versões mais extremas, implicava a remoção total das porções finais do intestino e o uso de uma bolsa externa coletora de fezes, procedimento conhecido como colostomia. Em vista desses resultados, a cirurgia pode agora ser evitada, ou ao menos adiada, em até 25% dos casos – e, quando necessário, o tratamento cirúrgico pode incluir alternativas menos agressivas, como a remoção apenas do que restou dos tumores. “Hoje é cada vez menos frequente a necessidade de amputação do reto, tratamento antes considerado padrão para essa doença”, conta o cirurgião Rodrigo Oliva Perez, Rádio e quimioterapia podem reduzir da equipe de a necessidade de cirurgia radical Angelita, com base nos 133 para tratar tumores de reto casos de pessoas que se recuperaram sem operação entre as 500 tratadas no Hospital das Clínicas e no Instituto Angelita & Joaquim Gama nos últimos 15 anos. A proposta do grupo da USP – acompanhar o efeito da quimioterapia e da radioterapia por meio de exames rigorosos, antes de decidir pela operação – promete melhorar a qualidade de vida de quem tem câncer colorretal, que a cada ano atinge 25 mil pessoas no
Na ordem
inversa
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Brasil. Os resultados que a equipe de Ansurgem no país gelita obteve até o momento indicam que o uso de radia25 mil novos casos de ção e medicamentos é tão importante câncer retal quanto a cirurgia. E, em uma proporção considerável dos casos bem selecionados, pode até mesmo eliminar a necessidade de operação. e de outros paíNem sempre foi assim. Até ses no congresso de 1997 da Sociedade Nortepouco tempo atrás a radioterapia e a quimioterapia eram adotadas princi-americana de Cirurgiões de Colo e palmente com o objetivo de diminuir Reto. “Disseram que o trabalho não o risco de os tumores reaparecerem deera ético e fugia completamente dos pois da cirurgia. Os tumores reaparepreceitos cirúrgicos básicos”, lembra a ciam, explica Perez, porque o reto, uma pesquisadora da USP. das porções finais do intestino grosso, Mesmo tão criticada, ela não penencontra-se muito próximo de outros sou em desistir. Depois de fortalecer a órgãos, alojado em um estojo ósseo (a possibilidade de dispensar a cirurgia pélvis) de acesso muitas vezes difícil paem alguns casos, o grupo notou que ra os cirurgiões. Essa era, porém, uma em alguns pacientes a cirurgia poderia região favorável para uso da radioteraser eventualmente adiada para além das pia, à qual as estruturas próximas ao habituais oito semanas após o tratamenintestino, como a próstata e a bexiga, to com radiação sem reduzir a eficácia resistiam bem. O problema era que ando combate ao tumor. Essas conclusões, tes o tratamento com radiação só era apresentadas em julho de 2008 no Interrealizado depois da cirurgia de extração national Journal of Radiation Oncology, dos tumores, dificultando a cicatrização Biology, Physics, indicavam que os efeitos dos tecidos e provocando efeitos tóxicos, da rádio e da quimioterapia poderiam como diarreias intensas e graus variáveis intensificar-se com o tempo. Estudos feide incontinência intestinal. tos com pacientes com câncer de ânus, diferente do tumor de reto do ponto de Diante desses resultados, a vista histológico, indicavam que 20% radioterapia associada à qui- das pessoas apresentavam regressão tomioterapia passou a ser usada tal dos tumores quatro semanas após as antes, e não mais depois, das ci- sessões de radioterapia e quimioterapia. Oito semanas depois do tratamento, a rurgias. E funcionou. No momento da cirurgia os pesquisadores notaram que proporção das que haviam se livrado dos alguns tumores haviam desaparecido tumores aumentou para 80%. “Esse é por completo. Ao verificar a regressão um conceito ainda difícil de comprovar total dos tumores em 25% das pessoas no caso do câncer de reto, mas aparencom câncer no reto sob seu acompatemente quanto maior a espera, maior nhamento no HC e no seu instituto, pode ser o efeito da radioterapia sobre os Angelita resolveu esperar e observar tumores de alguns pacientes”, diz Perez. os resultados antes de seguir o proce“Em alguns casos, aguardar mais pode dimento padrão e indicar a cirurgia ser melhor que fazer logo a cirurgia.” Outra estratégia bem-sucedida criaimediatamente após o tratamento com radioterapia e quimioterapia. Ela da por essa equipe foi a intensificação do arriscou-se ainda mais, expondo os tratamento com quimioterápicos, antes resultados a que sua equipe havia chevisto como complementar à radioteragado aos médicos dos Estados Unidos pia. Os medicamentos foram aplicados
em seis sessões, com intervalos de três semanas, e não mais em duas, uma no início e outra no fim da radioterapia. Segundo Perez, em um estudo preliminar com 34 pessoas, a taxa de resposta clínica completa (os tumores se tornaram indetectáveis por avaliação clínica, endoscópica e radiológica) passou de 25% para 65%. Em um trabalho em andamento, os pesquisadores estão usando outra técnica, a tomografia por emissão de pósitrons, antes e depois do tratamento para avaliar a regressão tumoral à rádio e quimioterapia em cem pessoas com câncer na porção final do reto. “Nunca tive mentalidade conservadora e sempre captei logo tudo o que é novidade”, conta Angelita, que apresentou na tese de doutoramento, concluída em 1972, a viabilidade de conectar uma das porções finais do intestino, o cólon descendente, no ânus, para preservá-lo quando era necessário retirar o reto. Em junho deste ano, depois de assinar com Perez o editorial do British Journal of Surgery de fevereiro contando essa trajetória, ela fez uma das palestras principais no encontro anual da Sociedade Norte-americana de Cirurgiões de Colo e Reto. “Aplaudiram de pé”, celebrou, 12 anos depois de ter sido severamente contestada pela mesma audiência. n
Carlos Fioravanti
O Projeto Estudo do valor da tomografia computadorizada por emissão de pósitrons na avaliação da resposta do adenocarcinoma do reto a radioterapia e quimioterapia neoadjuvante modalidade
Bolsa de Pós-doutorado bolsista
Rodrigo Oliva Perez FMUSP investimento
R$ 176.691,00
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Versão nacional Ipen desenvolve técnica de produção de sementes e fios radioativos para tratar tumores
A física Maria Elisa Rostelato esteve no final de junho em Buenos Aires para receber um prêmio da American Nuclear Society. Era o reconhecimento por dois materiais radioa tivos usados no tratamento contra o câncer que ela e a química Constância Gonçalves da Silva começaram a desenvolver em 1990 no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nuclea res (Ipen). Um deles, os fios de irídio-192, é parcialmente produzido no próprio Ipen desde 1997. O outro, as sementes de iodo-125, chegou em 2000 à fase de protótipo e deve en trar em produção comercial em 2011. Ambos representam produtos usados em uma ramifi cação da radioterapia chamada braquiterapia e são implantados no interior dos tumores, evitando que células ou tecidos sadios sejam prejudicados pela radiação. Descritos em um artigo científico publi cado na revista Nu kleonika, que moti vou
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o prêmio à equipe do Ipen, os dois trabalhos começaram quando Maria Elisa resolveu ou vir os médicos que a procuraram em busca de substitutos nacionais de materiais usados em radioterapia que eram – e em muitos casos ainda são – importados e caros: em 1990, um fio de irídio com 50 centímetros (cm) de com primento custava cerca de US$ 1 mil. Com poucas informações à mão, já que quase nada era publicado, ela passou dois anos desmon tando, montando e irradiando fios de platina revestidos com irídio até chegar a algo pelo menos equivalente aos fios importados, que são cortados e implantados em tumores de braços, pernas, cabeça e pescoço. Maria Elisa concluiu em 1993 o protótipo da versão nacional, que consiste de um tubo oco de platina com 0,3 milímetro (mm) de diâmetro e 0,2 mm de espessura. Essa camada externa de platina filtra as faixas indesejadas de radiação gerada pela liga de 20% de irídio radioativo e 80% de platina com 0,1 milíme tro de espessura que preenche o interior do tubo. Mas não encontrou quem as produzis se. As empresas que procurou só aceitavam fazer quilômetros de fio, não metros, como ela precisava. Não teve outro jeito a não ser importar o fio inativo e irradiá-lo no Ipen. Uma equipe do Ipen sob sua coordenação atualmente pro duz cerca de 10 metros de fio de irídio radioativo por ano. Vendido a um terço do preço do importado, o fio passa por uma rigoro sa análise
fotos eduardo cesar
Sementes de iodo (acima) e fio de irídio (ao lado): radiação de baixa energia e menor risco de danos a células sadias
de qualidade para certificar que cada centímetro libere sempre o mesmo nível de radiação. “Se a gente não fizer, ninguém mais vai fazer”, diz Maria Elisa, disposta a fazer o mesmo percurso com as sementes nacionais de iodo-125, que começou a pesquisar em 1998. O protótipo
O Projeto Desenvolvimento da técnica de produção de sementes de iodo-125 para uso em braquiterapia modalidade
Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa Coordenadora
Constância Gonçalves da Silva - Ipen investimento
R$ 815.130,27
consiste de um tubo de titânio de 4,5 mm de comprimento por 0,8 mm de diâmetro (ver Pesquisa FAPESP nº 79). Na verdade é quase uma película, porque tem 1 mm de espessura. Ali dentro acomoda-se um fio de prata revestido com iodo-125 com 0,5 mm de diâmetro e 3 mm de comprimento. O iodo-125 emite fótons de baixa energia e, portanto, de alcance limitado: esses fótons penetram apenas 0,5 cm no tecido, o bastante para matar apenas as células de tumores localizados – especialmente os de próstata, um dos mais comuns entre os homens. Essa propriedade permite que de 80 a 120 sementes, cada uma a um custo de US$ 34, sejam implantadas em cada próstata, com alguns benefícios, como o de reduzir para 25% a probabilidade de impotência sexual, próxima a 80% quando os homens passam pela cirurgia de remoção da próstata. “Mostrei que somos capazes de fazer as sementes de iodo sem ter de pagar
royalties”, diz Maria Elisa. Como com os fios de irídio, enfrentou muitos imprevistos para instalar o laboratório de produção, que deve começar a funcionar até o final do ano, automatizando a soldagem dos tubos de titânio ainda feita à mão. Como hoje o próprio Ipen importa cerca de 3.500 sementes de iodo por mês e as repassa a hospitais de todo o país, ela acredita que a demanda poderia chegar a 8.500 sementes por mês com um preço menor. Maria Elisa incomoda-se com os atrasos causados pela burocracia, pelas dificuldades de importação e pela falta de verbas. “Estamos em 2009 e ainda não conseguimos produzir as sementes radioativas”, diz. “Em 2000 éramos o terceiro país a ter um protótipo. Hoje ao menos cinco países já produzem as sementes.” A produção comercial dos fios de irídio começou com um atraso de três anos em relação ao cron nograma inicial.
Carlos Fioravanti
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ESTRATÉGIAS
> União ibérica
MUNDO
Enquanto Estados Unidos e Cuba ensaiam uma disten-
Portugal e Espanha uniram-se na criação de um grande instituto de pesquisa em nanotecnologia. Inaugurado simbolicamente em meados de julho na cidade lusitana de Braga, o Instituto Ibérico de Nanotecnologias dispõe por enquanto de apenas um prédio, entregue numa cerimônia que reuniu o rei da Espanha, o presidente de Portugal e os premiês dos dois países. Até 2011 deverão ser investidos € 24 milhões na compra de equipamentos e cerca de € 500 mil para projetos de pesquisa em áreas como nanomedicina, nanoeletrônica e controle de qualidade alimentar e ambiental. Quando estiver concluído, abrigará 200 pesquisadores em 14 mil metros quadrados de área. O laboratório foi planejado para ter de 30 a 40 grupos de investigação e até ao final do ano deverão ser contratados cinco grupos. "Não há pressa. Queremos as pessoas certas", disse ao jornal O Público Paulo Freitas, diretor adjunto do laboratório. A iniciativa
são em suas relações diplomáticas, pesquisadores
dos
dois países tentam estabelecer câmbios
inter-
científi-
cos - e esbarram em entraves. últimos
Nos
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nas negaram dois pedidos de entida-
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autoridades
O
des - a Sociedade Americana
para o
Avanço da Ciência e a New America Foundation -, que queriam enviar missões
à ilha. O argumento oficial foi problemas de agenda. Os organizadores estão insistindo nos pedidos e esperam ser recebidos no segundo semestre. Lawrence Wilkerson, da New America Foundation, disse à revista Nature que sua organização tem interesse em estabelecer colaborações com os cubanos em biotecnologia, ciências fa~macêuticas, agricultura
e sismologia. Iniciativas individuais têm sido
mais bem-sucedidas.
Peter Feinsinger, professor de eco-
logia da Universidade do Norte do Arizona, visitou Cuba várias vezes nos últimos anos para treinar biólogos. David Winkler, da Universidade Cornel!, esteve em maio em Havana para dar um curso de ornitologia.
está aberta à cooperação internacional. "O instituto se chama ibérico porque foi criado por Portugal e Espanha, mas a ideia é atrair pesquisadores de outros países", afirmou Freitas.
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> Inovação ganha agência O governo da África do Sul vai criar em novembro a Agência de Inovação Tecnológica, voltada para coordenar recursos e esforços no campo da inovação. O foco da iniciativa, que deverá gerenciar US$ 64 milhões no primeiro ano, é atacar os pontos frágeis apontados num recente relatório sobre ciência e tecnologia no país feito pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como a escassez de engenheiros e cientistas dedicados à inovação e à pulverização dos recursos disponíveis em um número exagerado de projetos. A agência vai coordenar programas já existentes, como o Fundo de Inovação e os Centros Regionais de Inovação em Biotecnologia. Eles surgiram na década passada, mas tiveram impacto limitado, atribuído à ênfase na criação de empresas em prejuízo de outras etapas do processo de inovação. Mamphela Ramphele, vice-reitora da Universidade da Cidade do Cabo entre 1996 e 2000, vai dirigir o conselho da nova agência. "A intenção é ajudar a estabelecer uma economia baseada no conhecimento", disse a ministra sul-africana da Ciência e Tecnologia, Naledi Pandor, segundo a agência oficial Bua News.
> Ai do de UI Fró ter di: sol p rm bil o~ di! Hl do
> A fé e a dúvida
r~O ~o Ido
fase em as o. Idade e ncia.
Alçado ao comando dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, o geneticista Francis Collins, de 59 anos, tem agora o desafio de dissipar as insinuações sobre seu discernimento para gerenciar um megaorçamento de US$ 30 bilhões. Credenciais para o cargo não lhe faltam: diretor do Projeto Genoma Humano, foi um dos responsáveis pelo
mapeamento do DNA humano, em 2001, e é coautor da descoberta do gene causador da fibrose cística. As dúvidas em relação à indicação de Collins envolvem, de um lado, seu engajamento na biologia molecular. "A abordagem genética é importante, mas se trata apenas de uma ferramenta", disse à revista Nature Fran Visco, presidente da National Breast Cancer Coalition, que luta por mais recursos para pesquisas sobre as causas ambientais do câncer de mama. Mas a maior parte das críticas relaciona-se à fé religiosa' de Collins. Em 2006 ele lançou o livro The language of God: a scientist presents evidence for belief, e no ano passado criou a BioLogos Foundation, que busca ajudar cristãos a conciliar sua fé com a ciência. Steven Pinker, psicólogo da Universidade Harvard, expõe a desconfiança da comunidade científica. "Collins advoga crenças anticientíficas e é razoável perguntarmos se essas crenças vão afetar sua capacidade de avaliação." Vários cientistas sustentam que Collins sabe separar as coisas. "Trabalho com ele há muitos anos e posso dizer
que nunca vi conflito entre sua fé e seu julgamento científico", diz a bióloga Shirley Tilghman, reitora da Universidade Princeton.
o Japão
status
pelo envelhecimento
de sua
comunidade científica e também por entraves para atrair
culturais
talentos
de ou-
tros países e mandar os seus
> Sem emissão
pesquisadores para o exterior.
de carbono
Segundo a revista Nature, um
Os Emirados Árabes Unidos venceram a disputa com a Áustria, a Alemanha e a Dinamarca para sediar a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês), organização fundada em janeiro por 89 países para estimular a pesquisa e o uso de combustíveis renováveis no planeta. O quartel-general da Irena será em Masdar, na periferia de Abu Dhabi, planejada para ser a primeira cidade do mundo com emissão zero de carbono, baseada exclusivamente em energias renováveis, notadamente a solar. ''A escolha mostra que os países em desenvolvimento podem desempenhar um papel na transição para as energias renováveis, inclusive nações produtoras de petróleo como os Emirados Árabes", disse Thani Al-Zeyoudi, da Irena, à agência SciDev.Net.
relatório divulgado no mês passado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia nipônico informa que iniciativas
para
preservar o fôlego científico não estão surtindo efeito. Nos últimos anos, 28 universidades e institutos
de pesquisa
criaram esquemas para garantir financiamento
e ampliar a
independência
dos jovens
pesquisadores.
Isso não foi
suficiente
para rejuvenescer
as instituições: o contingente de pesquisadores com menos de 37 anos caiu de 36.773 em 1998 para 35.788 em 2007, embora, no mesmo período, a comunidade
científica
te-
nha crescido 15%. Barreiras culturais tornam as perspectivas mais complicadas. Após décadas de estímulo à internacionalização,
apenas 10%
dos doutores
formados
universidades
japonesas são
estrangeiros,
em
ante 42% dos
Estados Unidos e 41% do Reino Unido. E cada vez menos japoneses se interessam por ter experiência internacional. Embora dois dos quatro nipônicos que venceram o Nobel de 2008
ti)
estejam
O
nos Estados Unidos, o
U
Z <O
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z ti)
o ews.
teme perder
na ciência mundial, sufocado
radicados
número de pesquisadores que passaram mais de três
meses
em laboratórios do exterior caiu de 7.118 em 1997 para 4.163
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em 2006.
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dos cientistas japone-
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Segundo o apenas 2%
ses planejam trabalhar no exterior.
PESQUISA FAPESP 162 • AGOSTO DE 2009 • 29
>
ESTRATÉGIAS
MUNDO
> A novela
o
das células-tronco
Cientistas italianos tentaram em vão reverter na Justiça a decisão do governo de excluir estudos com células- tronco embrionárias de um edital que oferece € 3 milhões para a pesquisa. O advogado Vittorio Angiolini, especializado em bioética, apresentou seus argumentos a uma corte de Roma. Afirmava que a exclusão infringe a liberdade de pesquisa assegurada pela Constituição. A corte rejeitou o pedido, alegando que apenas institutos de pesquisa, não indivíduos, poderiam reclamar. O uso de linhagens de células-tronco embrionárias em pesquisas é legalizado na Itália, apesar da oposição dos católicos. A história do edital é repleta de incidentes. Em 2007 a então ministra da Saúde, Livia Turco, cancelou a distribuição dos recursos, destinados a pesquisas com células adultas e embrionárias, depois que pesquisadores denunciaram que a partilha do dinheiro havia sido definida politicamente, sem o crivo de um comitê de especialistas. O governo de centro-esquerda a que Livia pertencia foi dissolvido no ano passado e seu sucessor, Ferruccio Fazio, convocou um comitê de cientistas para elaborar o editalcuja primeira versão não estabelecia nenhum tipo de exclusão. A restrição foi
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seca. Mais tarde, ao lado de um colega de Purdue, identificou
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base química da relação entre a planta parasita striga e o sorgo. O passo seguinte
30 • AGOSTO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 162
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striga. Em 1994, 8 toneladas de sementes de sorgo resistentes foram distribuídas na África Oriental. Elas produziram quatro
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vezes mais grãos do que as tradicionais. O Prêmio Mundial da Alimentação é concedido a indivíduos que ajudam a melhorar de 59 anos, vai receber o prêmio de US$ 250 mil em outubro, numa cerimônia nos Estados Unidos.
preservada Estudantes e pesquisadores da Universidade de Macau comemoram a aprovação de uma lei pelo Parlamento chinês que dá ao governo da antiga colônia portuguesa jurisdição sobre um novo campus da instituição na vizinha província chinesa de Guangdong. Eles temiam que o campus fosse submetido às leis da China
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foi a produção de variedades de sorgo resistentes à seca e à
a qualidade e a disponibilidade de alimentos no mundo. Ejeta,
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imposta numa conferência de representantes das 20 regiões italianas, incumbida de decidir como os fundos de pesquisa médica são distribuídos no país.
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e não tivesse a mesma liberdade acadêmica de que os residentes de Macau gozam, como o acesso irrestrito à internet. Colonizada por Portugal durante 400 anos, Macau foi devolvida à China em 1999 mas, a exemplo de Hong Kong, ganhou um status de Região Administrativa Especial, com um alto grau
de autonomia. Com o novo campus, que deve ficar pronto em 2012, a universidade passará a atender 10 mil estudantes, quase o dobro do contingente atual. O trânsito de alunos e pesquisadores à nova unidade será feito sem controle da imigração. "Tudo o que planejamos deu certo", disse à revista Science o reitor da instituição, Zhao Wei.
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ESTRATÉGIAS
> Ouro em matemática
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O estudante baiano Henrique Pondé de Oliveira Pinto) que atualmente estuda em São Paulo) conquistou medalha de ouro na 50' Olimpíada Internacional de Matemática (IMO) destinada a alunos do ensino médio. A competição) que ocorreu de 14 a 21 de julho em Brernen, na Alemanha) teve a participação de jovens de 14 a 19 anos de mais de cem países. O Brasil) que ficou classificado em 17° lugar) também conquistou três medalhas de prata com Renan Henrique Finder, de Joinville (SC) Marcelo Tadeu de Sá Oliveira Sales, de Salvador (BA) e Matheus Secco Torres da Silva) do Rio de Janeiro (RJ) além de duas medalhas de bronze com Marco Antonio Lopes Pedroso, de Santa Isabel
BRASIL
(SP) e Davi Lopes Alves de Medeiros, de Fortaleza (CE). A participação brasileira na olimpíada internacional teve início em 1979. Desde então) os estudantes do país ganharam 81 medalhas) sendo 8 de ouro) 21 de prata e 58 de bronze. A seleção dos alunos é feita por meio da Olimpíada Brasileira de Matemática.
avanços e as estratégias de estímulo à inovação no país. "Já elaboramos o marco contextual para o estudo") disse. Ele afirmou que a OCDE está interessada em estudar os impactos da política brasileira de
ciência) tecnologia e inovação. "Queremos estudar os aspectos relacionados à política e sua vinculação com a recuperação econômica e desenvolvimento sustentável") disse.
Um público estimado em 13 mil participou
em Manaus,
entre 12 e 17 de julho, da 61a Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que teve como tema Amazônia: Ciência e Cultura. Foram realizados
> OCDE prepara
61 conferências,
relatório
15 simpósios, 53 mesas-redondas,
47 cursos e a apresentação
de 2 mil pôsteres com
trabalhos de estudantes, principalmente
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prepara um estudo sobre a inovação no Brasil. Em reunião com o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, o secretário-geral da OCDE) Angel Gurría, disse que o relatório deverá ser concluído em dezembro de 2010 e apontará os
científica. O diretor do Instituto
de iniciação
Nacional de Pesqui-
sas da Amazônia (lnpa) definiu a reunião como um momento excepcional. "Demos uma demonstração de que desenvolvemos pesquisa científica na Amazônia e que temos condições de discutir de igual para igual com todos os outros centros.
Não há espaço para
imobilidade no que se refere à região", afirmou. Marilene. Corrêa, reitora da Universidade Amazonas, destacou a participação
do Estado do
dos estudantes
amazonenses. "Receber 87 inscrições para apresentação de trabalhos vindas de Tefé, 141de Parintins e
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35 de Benjamin Constant dá uma ideia do papel das
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cimento científico",
afirmou. Em 2010 a reunião da
SBPC está programada para Natal (RN).
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A reunião de Manaus: pesquisa na Amazônia
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>
ESTRATÉGIAS
Um decreto federal publicado
no mês passa-
do regulamentou
a Lei
Arouca, que disciplina o uso de animais em experimentos
científicos
no
país. O texto estabelece
BRASIL
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as normas para o funcionamento (Conselho
do Concea Nacional
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Controle de Experimentação Animal), colegiado multldlsclpllner
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do de estabelecer regras para uso e cuidados com animais e para a instalação de centros de cria-
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ção, biotérios e laboratórios de experimentação,
venceu na área de zootecnia/recursos pesqueiros, sob orientação de Luiz Lehmann Coutinho. Por fim, Alessandro de Sousa Villar venceu na área de astronomia/física, com uma tese orientada pelo professor Paulo Alberto Nussenzveig, da USP. Alessandro, que faz pós-doutorado no Max Planck Institute for the Science of Light, da Alemanha, também recebeu R$ 15 mil do Instituto Paulo Gontijo, que patrocina o prêmio da Capes nesta categoria.
>
> Desafios
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entre outros. Presidido pelo ministro da Ciência e Tecnologia, o Concea será formado por 14 membros, incluindo cientistas
e dois membros de sociedades protetoras
de
animais. Num prazo de 90 dias deverão ser criados comitês de ética em todas as instituições
que criam ou utilizam animais
para fins científicos e didáticos. Pelo menos 150 universidades e institutos
de pesquisa já dispõem de um órgão desse tipo
há vários anos. Aprovada em outubro de 2008, a Lei Arouca era uma antiga reivindicação da comunidade científica, que se ressentia da aprovação de leis estaduais e municipais coibindo o uso de animais de laboratório.
O projeto da lei tramitava
no Congresso desde 1996, proposto pelo então deputado federal e médico sanitarista Sérgio Arouca, que morreu em 2003 sem ver sua proposta em vigor.
> Teses premiadas Sete bolsistas de doutorado da FAPESP foram agraciados com o Prêmio Capes de Teses, entregue para doutores de 38 áreas em Brasília no dia 22 de julho. Isabelle Tanjoni e Marcelo Alves Mori Alessandro Villar, um dos agraciados em Brasília
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• PESQUISA F'APESP 162
venceram em áreas ligadas às ciências biológicas, com teses orientadas, respectivamente, pelos professores Ana Maria Moura da Silva, da Universidade de São Paulo, e João Bosco Pesquero, da Universidade Federal de São Paulo. Valtemir Emerencio do Nascimento, da USP de São Carlos, foi um dos agraciados no campo das engenharias, sob orientação de Ben-Hur Viana Borges, da USP de São Carlos. Lucieth Cruz Vieira venceu na área de geociências, com tese orientada por Ricardo Ivan Ferreira da Trindade, da USP. Sergio Adas foi premiado na área de geografia, sob orientação de Antonio Carlos Robert de Moraes, da USP. Lilian Giotto Zaros, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP,
da
história Estão abertas até o dia 10 de setembro as inscrições para a 1a Olimpíada Nacional em História do Brasil (ONHB), iniciativa do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Composta por cinco fases on-line e uma presencial, a competição envolverá professores e alunos na resolução dos problemas. Poderão participar estudantes do oitavo
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ação itinho.
IX
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e do nono anos (antigas sétima e oitava séries) do ensino fundamental e demais séries do ensino médio, de escolas públicas e privadas de todo o Brasil. Para orientar a equipe, composta de até três estudantes, será obrigatória a participação de um professor de história. As cinco primeiras fases serão constituídas de questões de múltipla escolha e tarefas. A fase 6, a única de caráter presencial, acontecerá na Unicamp nos dias 14 e 15 de novembro. Mais informações podem ser obtidas no site <www. mc.unicamp.br/atividades/ olimpiada/> .
Inaugurado
em 24
de junho na Coreia do Sul, o Ertl Center for Eletrochemistry and Catalysis tem entre seus funda-
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dores um professor
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do Instituto de Quí-
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mica de São Carlos, da USP, o pesquisador Hamilton Varela. O centro é uma homenagem a Gerhardt Ertl, Nobel
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« Ertl, o Nobel de 2007,
de química de 2007,
inspiração
diálogo entre pesquisa básica e aplicada nas áreas de eletroquímica,
catálise e
ciência da superfície. O brasileiro fez seu doutorado no centro Fritz-Haber,
em Berlim, unidade da Sociedade Max Planck da
qual Ertl é professor emérito. Lá ligou-se a dois pesquisadores que participaram
da concepção do centro. Varela é um estucom ênfase em sistemas químicos.
Além de seu trabalho no Instituto de Química, desde o final de
cooperativos
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mancais, processos de fabricação e materiais. O total de recursos é de R$ 20 milhões. As propostas serão recebidas pela FAPESP até o dia 11 de setembro de 2009.
2008 coordena o Grupo de Trabalho em Sistemas Complexos, vinculado ao Instituto de Estudos Avançados da USP em São Carlos, que se propõe a contribuir para pesquisas e o desenvol-
A FAPESP e a Whirlpool lançaram duas chamadas para apoiar projetos de pesquisa cooperativos, a serem desenvolvidos entre pesquisadores de instituições de ensino e de pesquisa paulistas e da Whirlpool. A primeira é a chamada FAPESP-Whirlpool (Unidade Eletrodomésticos) para seleção pública de propostas para soluções tecnológicas na linha branca. Os projetos deverão contribuir para o avanço do conhecimento e da
na Coreia
e busca promover o
dioso de complexidade,
> Projetos
para o centro
vimento de projetos interdisciplinares em sistemas complexos. A intenção é transformar
a corrosão
o grupo num centro internacional
ligado ao Ertl Center e ao Instituto Fritz-Haber.
tecnologia particularmente nas áreas de eficiência energética, eletrônica, preservação de alimentos, pesquisa em desenvolvimento de novas embalagens e novos materiais, em design e ergonomia, entre outras. O total de recursos oferecido é de R$ 10 milhões. A segunda é a chamada FAPESP-Whirlpool
> Contra
(Unidade Embraco Compressores e Soluções de Refrigeração, Embraco) para seleção pública de propostas de pesquisa em refrigeração e áreas correlatas. Os projetos devem ser vinculados às áreas de refrigeração, termo dinâmica, análise estrutural, acústica e vibrações, motores,
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) inaugurou no dia 8 de julho as novas instalações do Laboratório de Corrosão e Proteção, na capital paulista. A modernização teve investimentos da ordem de R$ 11,8 milhões concedidos pela Petrobras no âmbito da Rede de Materiais de Corrosão financiada pela empresa. No espaço serão realizados trabalhos de pesquisa e desenvolvimento em áreas como revestimentos nanoestruturados, corrosão em biocombustíveis e ensaios eletroquímicos, entre outros. Nos últimos anos foram desenvolvidos cerca de 50 projetos no laboratório, tendo como principais parceiros empresas dos setores de petróleo, petroquímico e energia.
PESQUISA FAPESP 162 • AGOSTO DE 2009
• 33
>
política científica e tecnológica
Energia
Soluções sustentáveis Especialistas de vários países unem-se para discutir o futuro dos biocombustíveis Fabrício Marques
P
esquisadores de vários países vão se reunir em cinco lugares do planeta – na Malásia, na África do Sul, no Brasil, nos Estados Unidos e na Holanda – para discutir a viabilidade da produção de biocombustíveis em larga escala e em nível mundial e buscar um consenso científico sobre o assunto. Na pauta dos debates, que começarão no final deste ano e se estenderão até meados de 2010, há tópicos obrigatórios, como os desafios tecnológicos para obter etanol a partir de celulose a custos competitivos, a possibilidade de replicar em outros países o bem-sucedido caso do etanol de cana brasileiro e o temor de que a concorrência dos biocombustíveis comprometa outras culturas agrícolas. “A maioria das análises que envolvem energia proveniente de biomassa levou em conta variáveis econômicas já estabelecidas. Nenhuma explorou em detalhes e em escala global o que poderia ser alcançado através de mudanças que estimulem a coexistência da produção de alimentos e de biocombustíveis”, diz o professor de engenharia Lee Lynd, da Thayer School of Engineering, Dartmouth College, um dos líderes do programa e estudioso do etanol de celulose desde 1987. “Embora exista uma relutância natural em aceitar mudanças, devemos fazer um esforço nesse sentido, pois a humanidade não terá um futuro seguro e sustentável seguindo as práticas atuais”, afirma.
fotos eduardo cesar
Serão discutidas alternativas capazes de multiplicar a produção sustentável de energia a partir da biomassa, tais como o aproveitamento de terras degradadas e de pastagens, além do aumento da eficiência dos processos de conversão de energia. Além de Lee Lynd, participam do comitê diretor do projeto Tom Richard, professor de engenharia agrícola e diretor dos Institutos do Estado da Pennsylvania de Energia e Meio Ambiente, e Nathanael Greene, diretor de políticas para energias renováveis da entidade ambientalista Natural Resources Defense Council. As cinco reuniões serão supervisionadas por um comitê organizador composto por 11 membros. Há dois representantes brasileiros neste grupo: os físicos José Goldemberg, reitor da Universidade de São Paulo (USP) entre 1986 e 1990 e pioneiro nos estudos sobre a sustentabilidade do etanol de cana, e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
A primeira etapa do projeto será cumprida com os encontros nos cinco países. A reunião inaugural ocorrerá em novembro, na Malásia, e as demais devem acontecer entre fevereiro e maio de 2010. Entre os estudos científicos que subsidiarão os debates, há dois artigos brasileiros. Um deles, assinado por José Roberto Moreira, professor da USP, trata do potencial da energia extraída da biomassa para estratégias de adaptação e mitigação das mudanças climáticas. O segundo, do físico da Unicamp Rogério Cerqueira Leite, mostra que o Brasil, sem contar com os avanços tecnológicos que virão, poderia fornecer etanol suficiente para substituir 5% do consumo mundial de gasolina em 2025 – utilizando somente 7% das áreas agrícolas disponíveis hoje no país. Numa segunda etapa, os pesquisadores vão se debruçar sobre a seguinte questão: será fisicamente possível atender a demanda mundial por mobilidade e geração de eletricidade a partir de
fontes vegetais sem comprometer necessidades da sociedade global como a alimentação humana, a preservação da natureza e a manutenção da qualidade ambiental? A terceira etapa do projeto irá analisar a implementação de questões técnicas, sociais, econômicas, políticas e éticas com o objetivo de desenvolver estratégias para uma transição para uma sociedade sustentável responsável. O estudo é importante para o Brasil pela oportunidade de discutir as evidências científicas sobre a viabilidade de produzir biocombustíveis em larga escala, tanto o etanol de cana, cuja produção mundial o país lidera, quanto o etanol de celulose, que pode colocar outros países no mapa do uso do combustível. “Existe uma dúvida legítima sobre a capacidade de reproduzir em outros países a nossa experiência bem-sucedida de substituição de petróleo por biocombustíveis”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, da FAPESP. O físico José Goldemberg lembra que, PESQUISA FAPESP 162
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35
Interessa para o Brasil que outros países consigam produzir em larga escala o bioetanol, seja ele de cana-de-açúcar ou de celulose no caso do Brasil e de alguns países africanos, o etanol de cana é amplamente viável. “Além de ter um balanço energético muito favorável, reduzindo as emissões de gases estufa em 80%, a cana-de-açúcar pode ter sua produção ampliada em terras degradadas tanto no Brasil quanto na África, sem a necessidade de derrubar florestas nem de expulsar outras culturas. Mas isso não acontece nos Estados Unidos, que não têm mais terras disponíveis”, diz o exreitor da USP. O álcool brasileiro leva vantagens em relação ao etanol extraído de outras plantas, como o milho e a beterraba, tanto na produtividade quanto na capacidade de gerar eletricidade por meio de seus resíduos. Milho - Nos últimos anos, cresceu o
investimento público e privado na pesquisa de biocombustíveis, mas também aumentou a preocupação sobre a conveniência de promover a produção em larga escala, por alegados riscos à segurança alimentar dos países. No início desta década, os Estados Unidos investiram pesadamente na produção do etanol do milho, tornando-se o maior produtor mundial do combustível. A estratégia norte-americana, porém, vem sendo duramente questionada, devido aos pesados subsídios concedidos aos produtores e, principalmente, à pressão sobre as cotações do preço do milho, que prejudicaram principalmente o México, dependente de importação do grão norte-americano. A preocupação nos Estados Unidos se estende à sustentabilidade da produção de etanol de cana. O estado da Califórnia, por exemplo, exige que seja considerado, no balanço energético do etanol, o ciclo de vida total da cana, incluindo-se a retirada da floresta nativa, ainda que isso tenha ocorrido há muito tempo e a mata tenha dado lugar a outras culturas antes dos canaviais. A alegada ameaça à segurança alimentar estimulou investimentos no chamado etanol de segunda geração, 36
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obtido a partir da celulose. A tecnologia ainda busca viabilidade econômica, mas é apontada como fundamental para disseminar o uso do etanol, uma vez que permite a obtenção do combustível de diversos tipos de matéria-prima vegetal, inclusive rejeitos florestais. “Obter o etanol de celulose é bem mais complicado do que acontece com o etanol de cana. É um processo que depende de uma reação química de hidrólise e há muitos grupos trabalhando nisso. Nas reuniões teremos a chance de conhecer em profundidade o que outros países estão fazendo”, diz José Goldemberg. A ideia inicial do grupo liderado por Lee Lynd era debater o futuro do etanol de celulose. Os pesquisadores já haviam feito um estudo para os Estados Unidos, da organização que Nathanael Greene
preside, mas concluíram que seria bom atrair contribuições de outros países. “O projeto não teria êxito nem credibilidade sem especialistas de vários lugares do mundo. Como o Brasil está no centro do debate sobre biocombustíveis e segurança alimentar, a participação de seus pesquisadores é fundamental”, disse Nathanael Greene. O escopo do programa foi ampliado quando se convidou o físico Goldemberg a participar das discussões. “Eu disse a eles que o etanol de primeira geração derivado da cana também deveria ser estudado, pois os avanços tecnológicos estão permitindo a expansão da produção no Brasil e em vários países. E eles concordaram”, diz Goldemberg. Segundo o professor, um dado significativo foi o fato de pesquisadores brasileiros terem sido convocados a participar da discussão. “Não fomos nós que os procuramos, eles é que nos procuraram. Isso é uma evidência de que nos tornamos players nessa discussão e que há interesse em conhecer o caso brasileiro”, afirma. Lee Lynd considera inspiradora a experiência do etanol brasileiro. “O etanol de cana é reconhecido pela combinação de baixas emissões de gases estufa, elevado rendimento e impactos modestos na poluição da água, em comparação com outros biocombustíveis”, disse Lynd. “A experiência adquirida com a produção do etanol de cana é igualmente importante no que diz respeito às tecnologias emergentes para produção de biocombustíveis a partir de lignocelulose. O bagaço de cana é um ponto de partida para tais tecnologias, mas também há outras culturas com potencial de conversão que podem ser produzidas em climas temperados”, afirmou. Brito Cruz afirma que a adoção em mais larga escala do etanol depende da capacidade de outros países produzirem uma fração significativa do combustível que irão usar. “Não devemos ser ingê nuos de supor que outros países vão adotar o bioetanol para se tornarem fortemente dependentes de fornecedores externos”, afirma. “Se muitos países produzirem 80% de suas necessidades e importarem 20%, já será uma grande coisa para o Brasil. Mas será que dá para fazer? De que jeito? Não é em todo lugar que dá para plantar cana. Isso depende da descoberta de novas tecnologias e de novos insumos, e o principal deles é converter celulose em etanol”, diz. n
>
Mudanças climáticas
U
m painel internacional de especialistas realizado no mês passado produziu um primeiro esboço para a construção de mapas das vulnerabilidades das regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo aos efeitos das mudanças climáticas globais. Os debates enfatizaram tanto as suscetibilidades de determinados espaços geográficos quanto as vulnerabilidades sociais da população. Os detalhes do esboço devem ser divulgados em três meses e fornecerão elementos para a elaboração dos mapas, que se basearão em dados regionais sobre climatologia, poluição, relevo, hidrografia, uso e ocupação da terra, saúde, características sociodemográficas da população, entre outros. O trabalho servirá para orientar projetos de pesquisa e subsidiar políticas Trânsito em São Paulo: insustentável públicas de adaptação ao aquecimento global. O painel, que teve etapas reaGlobais (Rede Clima) e pelo Instituto lizadas no Jardim Botânico do Rio de Nacional de Ciência e Tecnologia para Janeiro e no auditório da FAPESP, em as Mudanças Climáticas, e teve o apoio São Paulo, e contou com pesquisadodo Programa FAPESP de Pesquisas sores do Brasil, Argentina, Reino Unido bre Mudanças Climáticas Globais. e Estados Unidos, foi coordenado por Carlos Nobre, do Centro de Ciência do Os dados evidenciaram distinções Sistema Terrestre do Instituto Nacional e semelhanças no rol de vulnerabilidade Pesquisas Espaciais (Inpe); Daniel des do Rio de Janeiro e de São Paulo. A Hogan, professor de demografia da diferença mais óbvia é que São Paulo não está sujeita ao risco do aumento do Universidade Estadual de Campinas nível do mar. Embora as duas cidades (Unicamp); e Magda Lombardo, do tenham favelas, a capital fluminense Instituto de Geociências e Ciências Exatas de Rio Claro da Universidade tem uma situação mais frágil, uma vez Estadual Paulista (Unesp). A iniciatique mais de um milhão de pessoas vive va faz parte de um estudo financiado em habitações precárias localizadas em pelo Global Opportunities Fund Clibaixadas – áreas sujeitas a inundações. mate Change and Energy Programme, Mas São Paulo deverá sofrer mais endo Reino Unido, pela Rede Brasileira de chentes no verão. “As chuvas deverão Pesquisas sobre Mudanças Climáticas concentrar-se na forma de tempesta-
Painel discute impactos do aquecimento global no Rio e em São Paulo
des e, devido à influência das ilhas de calor, cairão com mais intensidade sobre a área urbana”, diz Magda Lombardo, estudiosa das ilhas de calor, que consistem na elevação da temperatura em áreas muito urbanizadas. A questão da saúde e da poluição é bem mais preocupante em São Paulo. Segundo Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da USP, a alta concentração de automóveis é um dos principais agravantes das mudanças climáticas em São Paulo. Segundo ele, o número de carros cresce em proporção quatro vezes maior que o de habitantes na capital paulista. “A pressão para vender mais carros é insustentável de todos os pontos de vista – inclusive o do trânsito, já que a média de mobilidade em São Paulo é de 10 quilômetros por hora, igual à do século XVII. O mapa das ilhas de calor coincide com o mapa da mortalidade por eventos cardiovasculares na cidade”, disse Saldiva. No Rio de Janeiro a poluição não é um perigo central. “Os ventos, a circulação e a brisa marítima fazem com que não seja um problema agudo, a não ser em algumas áreas da Baixada Fluminense pouco influenciadas pela brisa devido à topografia local”, disse Carlos Nobre, que é coordenador do Programa FAPESP de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais. Apesar de seu clima quente, o Rio deverá sofrer menos com a intensificação das ondas de calor. “O que faz a vulnerabilidade em relação à temperatura é a diferença em relação ao que se está acostumado – isto é, quando ocorre um aquecimento que sai da faixa do conforto térmico da pessoa. Por isso as ondas de calor poderão causar mais mortes em São Paulo”, diz Nobre. n miguel Boyayan
Megacidades vulneráveis
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Produção científica
A barreira do
idioma
Estudo sugere correlação entre produtividade dos pesquisadores e sua competência em escrever em inglês
ilustrações Bueno
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ma tese de doutorado defendida no final de 2008 forneceu dados inéditos e consistentes para um recorrente debate da comunidade científica: a desvantagem imposta aos pesquisadores brasileiros no cenário de publicações acadêmicas por não terem o inglês, o idioma consagrado da ciência, nem como língua materna nem sequer como a segunda língua do país. De autoria de Sonia Maria Ramos de Vasconcelos, do Programa de Educação, Gestão e Difusão em Biociências do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o estudo analisou diversos aspectos da desvantagem linguística, mas chamou atenção em especial por encontrar uma correlação estatística entre a produtividade dos pesquisadores e sua proficiência no inglês escrito. Em 2005, Sonia Vasconcelos teve acesso a um banco de dados, cedido pelo CNPq e derivado em parte da Plataforma Lattes, com informações sobre 51.223 pesquisadores brasileiros, incluindo produção científica em publicações nacionais e internacionais e proficiência em idiomas estrangeiros. As informações sobre a competência linguística são baseadas numa autoavaliação que contempla quatro habilidades – ler, falar, entender e escrever –, cada qual classificada na Plataforma
Lattes como “bem”, “razoavelmente” ou “pouco”. O passo seguinte foi analisar a relação entre a competência em escrever em inglês com indicadores de produção científica dos pesquisadores registrados pelo CNPq e pela Brazilian Science Indicators (BSI), que contém informações sobre autores brasileiros na base ISI Web of Knowledge entre 1945 e 2004. Constatou-se que os autores com pouca ou razoável habilidade escrita concentravam-se no pelotão dos que publicavam menos, enquanto os mais hábeis figuravam em maior número entre os mais produtivos. Entre os que haviam publicado um a dois artigos em periódicos internacionais em inglês no período de 2001 e 2004, 53% declararam bom desempenho no idioma escrito e apenas 7,8% informaram ter pouca competência. Na faixa dos que publicaram mais de 50 papers, 91,8% declararam-se totalmente proficientes – e nenhum afirmou ter pouca habilidade na língua escrita. “Os pesquisadores com boa habilidade em escrever em inglês são consideravelmente mais produtivos, em termos de publicação de artigos, em relação aos que declararam competência razoável ou pouca”, afirma Sonia, que desenvolveu sua tese de mestrado em literaturas de língua inglesa e ministra cursos sobre comunicação científica em inglês para pós-graduandos e pesquisadores há pelo menos sete anos. “Os dados sugerem que a habilidade voltada para a comunicação escrita dos cientistas tem um impacto na visibilidade da ciência brasileira em periódicos internacionais de língua inglesa.” Sonia fez o mesmo cruzamento de dados levando em conta agora as citações dos artigos. A correlação com a competência linguística se repetiu. Por fim, analisou o chamado índice h dos autores. O índice h combina produtividade e impacto e é definido como o número “h” de trabalhos que têm pelo menos o número “h” de citações cada um. Um pesquisador com índice h 30 é aquele que publicou 30 artigos científicos que receberam, cada um deles, ao menos 30 citações em PESQUISA FAPESP 162
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Disciplinas de comunicação científica em inglês são raras nos programas de pós-graduação do país outros trabalhos. Novamente, índices h elevados eram mais comuns entre pesquisadores com as melhores habilidades de escrever em inglês. a amostra de indivíduos estudados, apenas 33% dos pesquisadores brasileiros declararam-se totalmente proficientes em inglês nas quatro habilidades. Como o que interessava era a capacidade de escrever, Sonia ateve-se a este tipo de competência, dividido na amostra da seguinte maneira: 44,4% declararam escrever bem, 35,2% de forma razoável e 13%, pouca habilidade. A pesquisadora alerta, no entanto, para o viés subjetivo dos dados, uma vez que as informações baseiam-se numa autoavaliação dos pesquisadores. Ainda assim, trata-se de uma evidência valiosa, diante da escassez de estudos sobre o tema. “Trata-se do primeiro estudo que mensura o impacto da proficiência na lingua franca da ciência sobre a produtividade e a visibilidade científica em um país da América Latina”, diz Jacqueline Leta, professora da UFRJ e orientadora, juntamente com a professora Martha Sorenson, da tese de Sonia. Essa parte do estudo foi publicada no ano passado na revista Embo Reports, do grupo Nature. Uma pesquisa com escopo mais genérico, publicada em 2004, chegou a resultados convergentes. Jonathan Man, professor da Universidade de British Columbia, no Canadá, comparou dados de financiamento para pesquisa de diversos países, pontuação do exame Toefl (Test of English as a Foreign Language) e produtividade em grandes periódicos da área médica. Países com média de pontuação no Toefl elevada, como, por exemplo, Holanda (616 pontos) e Dinamarca (606), publicaram proporcionalmente mais do que outros como a Suécia (589 pontos) e Japão (496 pontos). Estes últimos receberam maior financiamento para pesquisa e desenvolvimento, mas apresentaram desempenho inferior no Toefl. A influência marcante da variável linguística nesse estudo também foi observada para a produção científica de 40
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outros países, como a Coreia. À exceção do México, países da América Latina não foram avaliados no estudo. Em 2004, ainda na fase piloto da pesquisa, Sonia Vasconcelos buscou identificar que problemas específicos estariam envolvidos na avaliação de um artigo científico escrito num inglês deficiente. A intenção era verificar até que ponto a barreira do idioma atrasava a publicação dos artigos, graças a longos processos de revisão e à devolução do manuscrito para o autor com dúvidas sobre o texto – na mais conhecida desvantagem dos pesquisadores brasileiros em relação aos que têm o inglês como língua principal. Ela fez uma consulta por e-mail a 40 editores de publicações internacionais de diversas áreas do conhecimento, indagando-lhes sobre problemas linguísticos em textos submetidos por pesquisadores que não têm o inglês como língua materna. Os comentários mostraram que os prejuízos eram mais complexos do que a demora da publicação. “Gasto boa parte de meu tempo no escritório editorial corrigindo gramática e melhorando o trabalho de autores que não falam inglês. É difícil encontrar boa ciência em artigos mal escritos”, disse Joan W. Bennett, professora da Universidade Rutgers, à época editora da Mycology e coeditora da Advances in Microbiology. A resposta que mais chamou atenção foi a de Robert McMeeking, editor do Journal of Applied Mechanics. “Todos os artigos escritos em bad english (inglês ruim) são rejeitados no processo de peer review porque, se o inglês é ruim, o conhecimento não pode ser compreendido no nível requerido para a publicação.” Harold H. Kung, editor da Applied Catalysis A, disse que 90% dos artigos escritos por pesquisadores que não têm o inglês como língua materna são devolvidos para revisão. “E pelo menos 50% requerem revisões substanciais”, afirmou. Graeme Bonham-Carter, editor da Computers & Geosciences, também confirmou o impacto da barreira linguística no processo de avaliação de artigos científicos. “Não há nenhuma
dúvida de que a língua é uma barreira significativa para a publicação, e eu frequentemente me sinto mal em relação a isso. O conteúdo científico às vezes é forte, mas a linguagem é tão pobre que prejudica a compreensão”, disse. estudo de Sonia Vasconcelos teve repercussão no meio acadêmico. O projeto de tese foi premiado em 2007 pela Eugene Garfield Foundation em cooperação com a Chemical Heritage Foundation, pela originalidade da proposta e potencial de contribuição para a área de cienciometria. Os resultados foram discutidos num recente workshop da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), realizado em Gramado (RS). “Todo mundo achava que essa correlação entre proficiência e produtividade existia, mas o estudo ajudou a colocar a questão em bases concretas. Estamos fora do eixo da língua inglesa e o mundo científico e acadêmico fala inglês”, diz Benedito Barraviera, professor de infectologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e presidente da Abec. “A Capes deveria exigir uma cobrança maior dos programas de pós-graduação em relação à competência de seus alunos nesse idioma. Até algum tempo atrás dizia-se que o paradigma da ciência era ‘publique ou pereça’. Agora é outro. Não basta publicar, mas publicar e ser citado em revistas de impacto. E quem só publica em português não consegue ser lido e muito menos citado”, afirma Barraviera. A bióloga Márcia Triunfol faz ressalvas à associação entre proficiência e produtividade estabelecida no estudo. “Se o problema fosse só esse, seria resolvido com uma boa assessoria para tradução”, afirma Márcia, que trabalhou como editora assistente da revista Science e hoje comanda uma empresa de comunicação científica e peregrina pelo país fazendo workshops que orientam pesquisadores a escrever trabalhos científicos – em inglês. Sua experiência suge-
re que o problema é mais amplo. “O que eu percebo nos workshops é que faltam conhecimento e treinamento nos pesquisadores brasileiros para compreen der o que é um artigo científico e o tipo de abordagem talhado para publicação em revistas internacionais”, afirma. “Um exercício que sempre proponho aos meus alunos é detectar a pergunta do artigo. Muitos não conseguem fazer isso. O problema, com certa frequência, é que o trabalho científico está apenas repetindo algo que já foi feito. Observo que falta domínio da linguagem científica, além de criatividade e ousadia para produzir contribuições originais. Quando esse objetivo é atingido, o menor dos problemas é arrumar um escritório que faça uma boa revisão do inglês.” arraviera, da Abec, concorda com o diagnóstico. “Sou editor de revista científica e é comum receber artigos escritos por pesquisadores que não souberam planejar suas pesquisas nem executar os experimentos e pecaram na adoção de uma metodologia. O fato de não saberem também escrever em inglês é um detalhe numa cadeia de problemas”, afirma Barraviera, cuja associação organizou no ano passado um curso a distância de metodologia para estudantes. “Tivemos mais de mil inscrições para 350 vagas. Infelizmente, não tivemos recursos para repetir a experiência neste ano”, afirma. Sonia Vasconcelos concorda que pode ser secundário o papel que a proficiência em inglês desempenha na produtividade acadêmica do país. “Os dados apresentados apresentam apenas mais um fator que se mostra relevante na produtividade acadêmica dos pesquisadores. Não significa que seja determinante; há inúmeros outros fatores já conhecidos, como o percentual do PIB investido em pesquisa, número de doutores envolvidos em pesquisa e desenvolvimento e a rede de colaborações internacionais dos pesquisadores. Entretanto, o essencial não é o tamanho relativo do problema, mas o fato de que ele existe e hoje faltam no Brasil estratégias para combatê-lo, ao contrário do que acontece em outros países”, afirma. Ela cita como exemplo a China e a Coreia do Sul, que desenvolvem políticas agressivas de incentivo ao ensino do inglês – e os próprios Estados Unidos. “Líderes da produção científica
mundial, os norte-americanos mantêm a tradição de investir em writing centers em inúmeras universidades do país, possuem linhas de fomento exclusivas para serviços de editoração de linguagem e estimulam a utilização de escritórios editoriais instalados em vários centros de pesquisa”, afirma. O cenário linguístico do Brasil nem de longe enfrenta tais desafios. O ensino do inglês no Brasil, observa Sonia, busca basicamente o domínio da linguagem cotidiana. Embora haja vários projetos voltados para o ensino de inglês para fins específicos, não há uma abordagem estratégica e ampla que atenda a demanda para a comunicação científica em língua inglesa. O papel da competência linguística para escrever ciência na formação dos pesquisadores brasileiros é periférico, ela diz. No currículo das universidades públicas do país, o foco, na maioria das vezes, é o desenvolvimento da habilidade de leitura, não de escrita. “Todos nós sabemos que a habilidade de leitura em inglês é importantíssima na academia, mas como fica a escrita científica? Como formar jovens pesquisadores capazes de desenvolver sua própria voz na lingua franca da ciência?” No Brasil, e em boa parte da América Latina, disciplinas de comunicação científica em inglês tampouco fazem parte da tradição dos programas de pós-graduação em ciências. Além disso, não existem escritórios de edição de linguagem estabelecidos nas instituições de pesquisa brasileiras para dar suporte à produção escrita dos pesquisadores. Num artigo publicado em 2007 na revista Embo Reports, Rogério Meneghini e Abel Packer, do Centro Latino-americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), relacionaram a questão da proficiência na escrita do inglês com o conceito de “ciência perdida do Terceiro Mundo”, estabelecido por W. Wayt Gibbs em 1995, para definir a pesquisa de interesse regional feita por pesquisadores de países periféricos que, contudo, permanece desconhecida nos países centrais. Para a dupla de pesquisadores, é razoável supor que parte dessa “ciência perdida”
seja produzida por pesquisadores que preferem publicar em seu idioma materno em decorrência da dificuldade em escrever na lingua franca da ciência. “Tornou-se fundamental para um pesquisador dominar o inglês. Sem isso, ele sofre limitações em sua capacidade de trabalhar, pois não consegue, por exemplo, contribuir em redes internacionais”, diz Packer, que é diretor da Bireme. acker, porém, faz restrições à ideia de que não existirá comunicação científica fora do inglês. “Existem áreas do conhecimento cujas tradições ou características exigem que a divulgação seja feita por outros idiomas e não há nada de errado com isso”, afirma, referindo-se às humanidades, às ciências agrícolas, sociais ou da saúde, cujos resultados podem ter impacto na sociedade, mas acabam não atingindo seu público, que não tem muita familiaridade com o inglês. “O multilingualismo é um dos fenômenos complexos vinculados à globalização e deve ser considerado como uma dimensão da comunicação científica”, afirma Packer, que critica a visão “autocrática” de áreas duras do conhecimento e de agências, para as quais a visibilidade internacional, medida por fatores de impacto, é mais importante do que o eventual impacto regional que um avanço do conhecimento possa promover. Ele menciona a biblioteca eletrônica SciELO, administrada pela Bireme e financiada pela FAPESP, que tem incentivado publicações científicas em português a produzirem edições bilíngues – ou ao menos coletâneas de melhores artigos nos dois idiomas. n
Fabrício Marques
PESQUISA FAPESP 162
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41
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LABORATÓRIO
MUNDO
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dos e, depois de uma série de testes, inseriram essas célu-
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embriões já bem desenvolvi-
las-tronco em embriões feitos em laboratório com quatro células fundidas. As iPS tomaram o comando do embrião, que, gestado por uma fêmea, Pequeno notável: camundongo
gerado por células-tronco
deu origem 20 dias mais tarde ao filhote batizado como Xiao Xiao, ou Pequenino. Testes ge-
> Flora
em perigo
Até 2050, entre 5% e 9% das plantas amazônicas estarão a caminho da extinção como resultado de desmatamento e mudanças no uso do solo. A previsão é de Kenneth Feeley e Miles Silman, da Wake Forest
University, nos Estados Unidos (PNAS). Eles mapearam a distribuição das mais de 40 mil plantas que já foram amostradas na Amazônia, representando mais de 80% das 50 mil que se estima existirem por ali. A partir de duas projeções, os pesquisadores estimam uma redução de 14,6% ou 29,7%, respectivamente, na área intocada da Floresta Amazônica. Algumas regiões praticamente não devem ser alteradas, enquanto outras, como as florestas úmidas de Tocantins/Pindaré, no leste da Amazônia, devem perder entre 80% e 95% de sua área. Mesmo assim, nenhuma espécie vegetal
Amazônia: uso alterado do solo ameaça plantas
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néticos confirmaram
que ele deriva das iPS, não do embrião
de quatro células. Mas bastava olhar: as células-tronco vieram da pele de um camundongo preto, e as quatro células vinham de úm animal branco. Não foi fácil: das centenas de embriões implantados, a maior parte não se desenvolveu ou sobreviveu poucos dias depois de nascer. Os dois grupos agora buscam entender o que determina o sucesso do desenvolvimento para adquirir maior controle do processo. Para Qi Zhou, do Instituto de Zoologia em Pequim e coautor do artigo da Nature, o objetivo do estudo é entender a reprogramação
genética
de células, não criar clones mais facilmente.
deve perder a totalidade de sua área de distribuição e por isso as extinções não devem ser imediatas. O cenário é menos alarmante do que o previsto por outros pesquisadores, mas não deixa de revelar uma ameaça importante à floresta. "Se incluirmos mudanças climáticas e fogo, as taxas de extinção podem piorar ainda mais", avalia Silman.
> Quase como os vaga-lumes O corpo humano emite luz, como os vaga-lumes. Só que por um mecanismo diferente: a emissão de biofótons, resultado de reações químicas que geram moléculas altamente reativas de oxigênio (radicais livres). Já o brilho dos vaga-lumes e das águas-vivas vem de reações químicas que
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dos jóqueis,
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sela, parece no mínimo sição foi desenvolvida nos Estados Unidos no final do século XIX e em 1910 estava disseminada pelos páreos do mundo. Um grupo do Laboratório de Estrutura e Movi-
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de Londres
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forças em ação durante
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revista Science, por que
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mediu
consomem a molécula que fornece energia para os organismos vivos, adenosina trifosfato (ATP). Usando uma câmera ultrassensível, pesquisadores japoneses registraram imagens da luz natural emitida pela parte superior do corpo humano em diferentes períodos do dia: a luz é mais fraca pela manhã e mais intensa à tarde. As regiões mais brilhantes são as bochechas, a testa e o pescoço. Como a emissão é muito sutil, elesacreditam que ela não tenha função evolutiva entre os vaga-lumes, atrai parceiros sexuais (PlosONE).
> Metamorfose da queda
essa mudança de postura foi responsável por uma redução de entre 5% e 7% nos tempos de corrida em relação à técnica anterior - com pernas estendidas e torso subindo e descendo. Um jóquei representa
Ao cair, uma gota d' água não conserva o formato de gota. Ela se deforma e gera um chuveiro de gotículas, que reproduz em miniatura o padrão dos pingos de chuva. Emmanuel Villerrnaux, da Universidade Aix-Marselha, e seu aluno Benjamin Bossa filmaram a água gotejando de uma torneira para ver as transformações da gota durante a queda. Para simular o que aconteceria com uma gota que caísse de uma altura de 10 metros, colocaram um jato de ar
por volta de 13% do peso do cavalo, o que não chega a ser um problema para o animal. O que na verdade aumenta o custo metabólico do galope para a montaria é ter que vencer a inércia e fazer com que o cavaleiro suba a cada passada. Na postura moderna o jóquei compensa o movimento com a flexão das pernas, de maneira que o cavalo sustenta o peso do homem, mas não precisa mais arcar com a inércia. O cavalo sobe e.desce, mas o jóquei parece flutuar no mesmo lugar.
sob a torneira, soprando no sentido contrário ao da gota. A resistência do ar aumenta à medida que a gota acelera em queda livre e ela se deforma. Primeiro assume a forma de uma panqueca e, em seguida,
de uma tigela com a boca para baixo, antes de explodir em um chuveiro de gotículas (Nature Physics). Segundo os pesquisadores, esse modelo explica a distribuição do tamanho das gotas na chuva.
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Quadro a quadro: gota muda de forma enquanto
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LABORATÓRIO
BRASIL
Tucano: bico altamente vascularizado dissipa o excesso de calor
ambiente e fizeram os tucanos voar dentro de um viveiro. Verificaram que em temperaturas altas e depois de exercício o sangue flui para o bico altamente vascularizado
e dissipa o
excesso de calor. No frio, uma constrição
dos vasos
reduz o fluxo de sangue e
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o
bico dos tucanos é um radiador mais
o calor, precioso nessa situação, não se
avançado do que os de carros: além de
perde. A idade também é crucial para o
dissipar calor, ajusta seu funcionamen-
controle da temperatura
to ao ambiente, descobriram os biólogos
aves adultas são capazes de modular a
corporal. Só as
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Augusto Abe e Denis Andrade, da Uni-
quantidade
versidade Estadual Paulista de Rio Claro,
que não é tão desproporcional
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em colaboração com Glenn Tattersall, da
ao corpo nos tucanos recém-nascidos.
Universidade Brock, no Canadá (Science,
descoberta pode ajudar a entender a dis-
24 de julho). Eles filmaram tucanos da espécie Ramphastos toco com uma câmera
tribuição, a ecologia e o comportamento dos tucanos - a espécie Ramphastos toco
de infravermelho capaz de gerar imagens
é típica do Cerrado, onde as temperaturas
térmicas em um espectro que vai do ama-
variam muito do dia à noite. É provável
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de calor dissipado pelo bico, em relação A
relo, nas regiões mais quentes, ao azul,
que o bico de outras aves, menor que o do
nas mais frias. Enquanto registravam as imagens, os pesquisadores aqueceram o
tucano em relação ao tamanho do corpo,
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também atue na dissipação de calor.
> Ansiedade diluída Quer reduzir a ansiedade? Hidroginástica é uma boa pedida. A sugestão vem de um grupo da Universidade Estadual de Maringá, no Paraná, que testou em 16 mulheres com diagnóstico clínico de ansiedade (e média de idade de 36 anos) o efeito de acrescentar ao tratamento habitual duas sessões semanais de hidroginástica. O trabalho de José Luiz Vieira e Viviane Buzzo, do Departamento de Educação Física, e Mauro Porcu, do Departamento de Medicina, mostrou uma queda significativa nos níveis de ansiedade em todas as mulheres do grupo experimental depois de três
De 1976 a
2005: cresce acúmulo de neve nas nascentes do Amazonas
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meses de hidroginástica (Jornal Brasileiro de Psiquiatria). O grupo de controle, tratado apenas com medicamentos, também registrou uma leve melhora - contudo sem significância estatística. Um formulário que mede o estado de humor mostrou também, apenas nas praticantes de exercício, um alívio de tensão, raiva, fatiga, e confusão, além de um aumento no vigor físico. Os resultados destacam a vantagem de associar medicamentos à prática de hidroginástica para combater a ansiedade - mal que atinge quase um terço das pessoas em algum momento da vida, sobretudo as mulheres.
> O sono e os genes
o geólogo
MAIS FRIO NOS ANDES
Paulo Roberto Martini,
do Instituto
Nacional de Pesqui-
sas Espaciais (lnpe), viu o inverso
Olheiras são só os primeiros sinais. Dormir pouco pode alterar a expressão de genes no córtex cerebralalterações que nem sempre são revertidas quando se dorme mais para recuperar o sono perdido. Camila Guindalini, do Instituto do Sono e do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, coordenou um estudo em que os ratos foram privados da fase REM do sono durante 96 horas - se dormissem, caíam na água e acordavam. Um dia depois de os roedores dormirem à vontade, a atividade da maior parte de seus genes voltou ao normal, mas não de todos (Behavioral Brain Research). O funcionamento dos genes parece levar mais tempo para se regularizar, assim como certos parâmetros vistos em outras pesquisas, como a capacidade de aprendizado e a regularidade do ciclo menstrual. O estudo deve ajudar a localizar os genes cuja ação no cérebro está por trás da regulação e dos distúrbios do sono.
do que esperava em imagens de satélite dos anos 1970 e desta década das nascentes do rio Amazonas, nos Andes peruanos: havia menos neve 30 anos atrás. A constatação indica que o alto das montanhas onde o maior rio do mundo se forma estaria sujeito a um resfriamento, não a um aquecimento.
Segundo dados de outras
instituições, a intensificação de variações climáticas geradas pelo EI Nino e pela La Nina - respectivamente, e o resfriamento a intensidade
do Pacífico equatorial
o aquecimento
- poderia aumentar
das chuvas na região e, portanto, o acúmulo
de neve. Emerge daí uma explicação associada às mudanças climáticas
para as cheias dos rios Solimões e Negro, os for-
madores do Amazonas, que cobriram cidades do Amazonas e do 'Pará quase por completo. "Será que as imensas neves dos últimos anos chegam na forma de cheias no baixo Solimões, represando o Negro e provocando as grandes cheias?", indaga. Ele e sua equipe agora testam esse raciocínio, que implica cheias ainda maiores nos próximos anos.
> Segredos da floresta A Floresta Amazônica ainda esconde primatas desconhecidos. Um sagui avistado durante uma expedição em 2007 acaba de ser descrito como uma nova subespécie por pesquisadores da Wildlife Conservation Society, do Museu Paraense Emilio Goeldi, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e da Conservação
Internacional do Brasil no International [ournal af Primatalagy. Batizado em homenagem aos índios da bacia dos rios Purus e Madeira, onde foi encontrado, o sagui-mura (Saguinus fuscicallis mura) é cinza e castanho, com uma mancha rajada no dorso. Os autores avisam: o sagui está ameaçado de extinção por projetos desenvolvimentistas na região, como a construção da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus.
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ciência
medicina
O risco dos corujões Os pilotos de avião erram quase 50% a mais nos voos da madrugada do que nas demais horas do dia Marcos Pivet ta
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risco de um piloto ou copiloto da aviação comercial brasileira falhar de forma grave é cerca de 50% maior quando sua escala de trabalho se prolonga entre a meia-noite e as 6 horas da manhã. A cada 100 horas de voo realizadas durante a madrugada, os comandantes de jato cometem, em média, 9,5 erros de nível 3, o mais perigoso para a segurança da aeronave. Nos demais períodos do dia a probabilidade de haver um sério equívoco operacional se reduz praticamente à metade. De manhã, à tarde e à noite a frequência desse tipo de falha baixa para algo em torno de 6,5 erros a cada 100 horas no ar. Os dados fazem parte de um estudo feito por pesquisadores do Centro de Estudo Multidisciplinar em Sonolência e Acidentes (Cemsa) e Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cujas atividades são em grande parte financiadas pelo Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) mantidos pela FAPESP. O trabalho foi publicado em dezembro do ano passado na revista científica Brazilian Journal of Medical and Biological Research. O estudo analisou os erros de nível 3 cometidos por 987 pilotos durante seis meses, entre 1° de abril e 30 de setembro de 2005. Nesse período, os comandantes contabilizaram 155.337 horas de voo e, a despeito das 1.065 falhas constatadas pelos sistemas eletrônicos que gravam as manobras executadas pelos aviões, não houve registro de acidentes com vítimas entre as grandes empresas aéreas do país. Erros de nível 3 são aqueles que ultrapassam os limites operacionais de segurança definidos como padrão internacional, como virar o manche do avião numa angulação superior à recomendada, ou que ignoram os procedimentos especificados como padrão para a utilização do jato (um exemplo clássico é iniciar a descida para pouso com o avião não estabilizado na altura e velocidade recomendadas). Apesar de preocupantes, as conclusões da pesquisa devem ser vistas sem alarmismo, pois a quase totalidade dos erros é neutralizada por manobras corretivas, não
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redunda em acidentes e simplesmente passa despercebida pelos passageiros. A maior incidência de procedimentos inadequados durante a madrugada não supreendeu os cientistas. A exemplo dos caminhoneiros, motoristas de ônibus e tantas outras profissões que iniciam seu expediente muito depois de o sol ter se posto ou frequentemente trabalham em turnos alternados, os pilotos de avião são obrigados a labutar horas a fio num momento do dia em que seu organismo, como qualquer organismo, deveria estar descansando. O saldo dessa jornada noite adentro, que desestrutura o chamado ritmo circadiano do corpo, não poderia ser outro: cansaço, sonolência, estresse e mau humor. Enfim, uma sucessão de fatores que elevam o risco de erro humano em qualquer profissão. Na aviação, cujos acidentes graves são em cerca de 80% dos casos imputados a falhas humanas, não é diferente. “O trabalho noturno faz os pilotos desempenharem tarefas num momento em que deveriam estar descansando e o aumento no índice de erros é da mesma ordem que já encontramos em motoristas de ônibus e de caminhão”, afirma Marco Túlio de Mello, coordenador do Cemsa e dos estudos com pilotos de avião. “Não é realista ser contra os voos à noite, mas queremos ter informações para criar estratégias capazes de minimizar possíveis erros.” Não é só o cansaço físico que predispõe a falhas operacionais. O desgate de trabalhar em turnos alternados, de dormir fora de casa e longe da família com frequência também mina o equilíbrio psicológico dos pilotos, que em sua profissão têm de tomar constantemente decisões delicadas em frações de segundos. Em outro estudo, ainda não publicado, mas apresentado em congressos, os pesquisadores do Cemsa constataram que o humor dos comandantes que iniciam sua jornada de trabalho entre meia-noite e seis horas encontra-se debilitado em relação ao estado de espírito dos que pegam no manche nos outros períodos do dia. A deterioração foi verificada apesar de todos os pilotos dizerem que dormem frequentemente entre seis e oito horas, que seu sono é bom e que não têm
um cotidiano estressante. “Sua capacidade cognitiva está abaixo do normal, aumentando a probabilidade de ocorrerem acidentes por falha humana na madrugada”, diz Mello. O trabalho colheu informações de 91 pilotos de linhas comerciais que operam no Brasil, todos com pelo menos dez anos de profissão e que voam em igual proporção tanto de dia quanto de noite. Eles responderam a um questionário formulado por um instrumento de pesquisa originalmente concebido para medir o estado psicológico de atletas que participam de competições, a Escala de Humor do Brasil (Brams). Essa metodologia, que também pode ser aplicada em não esportistas, abrange 24 itens e mensura seis tópicos relacionados ao humor. Em cinco deles (tensão, depressão, raiva, vigor e fadiga), o desempenho dos comandantes que começam a voar de madrugada é pior do que o dos que iniciam o expediente nos outros três períodos do dia. Apenas num quesito, confusão mental, que mede o controle emocional e o nível de atenção, o índice foi o mesmo para todos os pilotos, independentemente do horário de início da jornada nos céus. De acordo com os pesquisadores,
>
Os Projetos 1. Monitoramento do processo decisório e dos estados de humor de pilotos de caça e instrução nas situações antes e após missões 2. A influência dos turnos de trabalho e da pausa na tomada de decisão de controladores de voo militares
modalidade
1 e 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
1 e 2. Marco Túlio de Mello – Unifesp investimento
R$ 170.586,93 (FAPESP) R$ 79.248,17 (FAPESP)
esse último dado sinaliza que, mesmo cansados e eventualmente com sono, os comandantes dos voos corujões conseguem se manter alerta. Isso, no entanto, não anula a principal conclusão do segundo estudo: para um piloto, iniciar a jornada de trabalho no meio da noite é muito mais desconfortável do que acabá-la de madrugada.
Os voos noturnos fazem as pessoas pensar naquelas longas viagens internacionais, que demoram ao menos dez horas e ligam o Brasil à Europa ou aos Estados Unidos. Mas, segundo um dos autores do segundo estudo, um experiente comandante de jato de uma grande companhia nacional que iniciou a prós-graduação na Unifesp e prefere, por ora, ficar no anonimato, essas travessias intercontinentais não são as mais arriscadas. “Nesse tipo de voo há geralmente dois comandantes e dois copilotos e eles se revezam no decorrer da jornada. Assim dá tempo para que todos durmam e descansem”, afirma o comandante. “O cansaço é maior nos voos domésticos da madrugada em que a mesma tripulação trabalha durante horas, fazendo muitos pousos e decolagens.” Nos seis meses de 2005 analisados no primeiro estudo, os voos entre meia-noite e 6 horas da manhã representaram 7% do total das viagens. Pode parecer pouco, mas há uma tendência de os voos corujões aumentarem. “Há dez ou 15 anos, os aviões costumavam pernoitar em alguns aeroportos”, conta o piloto-pesquisador. “Agora eles quase não param mesmo à noite.”
No turno da madrugada os pilotos cometem 9,5 erros de nível 3 a cada 100 horas de voo
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mais confortáveis, respectivamente, à noite ou pela manhã, com períodos de folga que não comprometam suas atividades pessoais e sociais. Por meio da adequação de turnos de trabalho, o Cemsa reduziu os índices de acidentes e mortes em empresas de ônibus, de transporte ferroviário, de produção de energia e mineradoras, que desenvolvem atividades ininterruptamente ao longo do ciclo claro-escuro. A atuação do centro redundou também em alterações na legislação de trânsito que recentemente passou a incluir a avaliação dos distúrbios do sono em condutores de veículos.
A Falhas humanas estão ligadas a 80% dos acidentes aéreos
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m piloto dormir no manche do avião é uma cena muito mais rara do que um motorista de ônibus ou caminhão cochilar no volante. Mas pode acontecer. Em fevereiro de 2007, os comandantes de um voo da Go! Airlines que saiu de Honolulu às 21h15 com destino a Hilo, no Havaí, um trajeto que dura normalmente meia hora, dormiram por quase 20 minutos na cabine. A despeito dos insistentes contatos do pessoal da torre de controle e de outros aviões nas redondezas, eles passaram direto pelo aeroporto onde deveriam pousar e só despertaram 50 quilômetros adiante. Para sorte dos 40 passageiros a bordo da aeronave, os pilotos acordaram a tempo de dar meia-volta e aterrar o jato com segurança. Em junho do ano passado, um episódio semelhante aconteceu com um avião da Air India com cem passageiros, que fazia, durante a madrugada, a rota Dubai-Jaipur-Mumbai. Exaustos, os pilotos cerraram os olhos na cabine, ignoraram por completo o aeroporto de Mumbai, seu destino, e foram despertados de seu sono profundo mais de 500 quilômetros adiante por uma espécie de aviso sonoro enviado por rádio pelos controladores de voo. A tripulação recobrou a consciência e, como no caso do avião da Go! Airlines, retomou sua rota e pousou o jato sem problemas.
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As duas histórias tiveram finais felizes, mas são um alerta de que não levar em conta o relógio biológico dos pilotos aumenta os riscos de acidente. Estudos feitos com várias profissões que trabalham em turnos mostram que ficar acordado por mais de 19 horas ou ter uma jornada de trabalho superior a 12 horas provoca sintomas semelhantes ao de um porre. Se essas duas condições se sobrepõem numa madrugada, as consequências negativas se potencializam ao extremo. As reações ficam mais lentas e o julgamento da realidade é comprometido. No caso da aviação, há ainda o agravante de que os pilotos trabalham a 10 mil metros do solo, no comando de aeronaves complexas e delicadas, às vezes com mais de uma centena de passageiros a bordo. “Precisamos pensar na possibilidade de individualizar as escalas de trabalho na aviação”, diz Franco Noce, outro autor dos estudos, que faz seu doutorado na Unifesp. “Talvez com a adoção de turnos fixos.” Para que essa estratégia funcione a contento, será necessário estabelecer uma parceria com as companhias aéreas e determinar o período do dia em que cada piloto se sente mais confortável. Comandantes classificados como vespertinos ou matutinos extremos poderão ter sua escala de trabalho adaptada para os horários em que se sentem
equipe de Marco Túlio de Mello também iniciou estudos para medir o humor de outras categorias envolvidas no mundo da aviação, como os controladores que cuidam do tráfego aéreo militar e os pilotos de caça. Os pesquisadores esperam estabelecer uma relação de confiança mútua com a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), o Instituto de Controle do Espaço Aéreo (Icea) e as empresas do setor. “Queremos ajudar a aumentar a segurança dos voos e não criar problemas”, afirma o pesquisador e professor da Unifesp. “Mas, para isso, temos de conhecer as particularidades e as pessoas que trabalham no setor.” No Brasil, os pilotos só podem voar no máximo 85 horas por mês, mas ainda não há uma adoção de princípios científicos para montar a escala dos pilotos. A Organização Internacional da Aviação Civil (Icao), agência das Nações Unidas que promove a segurança no transporte aéreo, soltou uma diretriz que passa a vigorar a partir de 19 de novembro deste ano pedindo a adoção de princípios e do conhecimento científico para regular a jornada de trabalho e descanso da tripulação de aeronaves. Como se vê, o tema está na ordem do dia e a questão ainda está no ar. n > Artigo científico DE MELLO, M.T. et al. Relationship between Brazilian airline pilot errors and time of day. Brazilian Journal of Medical and Biological Research. v. 41, n.12, p. 1.129-1.131. dez. 2008.
Exercícios contra a apneia Terapia alternativa reduz em 60% os sintomas de distúrbio respiratório do sono
wikimedia commons
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Didgeridoo: instrumento de sopro usado pelos aborígenes australianos
m tratamento pouco convencional pode aju dar boa parte dos portadores da chamada sín drome da apneia obstrutiva do sono a dormir melhor: fazer diariamente uma série de exer cícios físicos para fortalecer a musculatura da garganta em torno da língua, do palato mole (parte posterior do céu da boca) e das pare des laterais da faringe. Testada durante três meses em 31 pacientes do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor) de São Paulo que sofriam de um grau moderado de apneia, a nova abordagem diminuiu em cerca de 60% os sintomas desse disseminado problema de saúde, caracterizado por breves interrupções na respiração durante o sono que fazem a pessoa despertar momentaneamente mesmo sem se dar conta disso. Um indivíduo recebe o diagnóstico de apneia moderada quando apresenta entre 15 e 30 eventos de falta de ar por hora de sono. Os casos leves têm menos de 15 episódios por hora e os graves, mais de 30. A redução expressiva no número de episódios de falta de ar é o principal dado que mostra os benefícios da terapia alternativa. Antes de participarem do estudo, os pacientes apresentavam, em média, 22,4 eventos de pausa na respiração por hora durante a noite. Ao fim do experimento, passaram a ter 13,7 interrupções por hora. Outros parâmetros ligados à qualidade geral do sono também melhoraram. A intensidade e a frequência do ronco, muitas vezes associado à apneia, decresceram. A sonolência diurna regrediu. A circunferência média do pescoço dos volun tários do estudo encolheu cerca de 1 centímetro, abrindo assim mais espaço para o ar entrar e circular no sistema respiratório. “Provavelmente os exercícios também de vem ser benéficos para quem tem apneia leve”, explica o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, coordenador do trabalho científico, cujas principais conclusões saíram num artigo publicado na edição de maio deste ano do American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine. Mas nos casos mais graves o tratamento alternativo não deve dar resultados e os doentes terão de continuar usando o CPAP, um aparelho portátil que regulariza a respiração durante o sono. A ideia de testar o uso de exercícios na região da gar ganta para combater a apneia foi da fonoaudióloga Katia Guimarães, também autora do estudo científico, que de dicou sua tese de doutorado, defendida no InCor no ano passado, ao tema. Há uns dez anos, quando trabalhava
em Botucatu na Universidade Estadual Paulista (Unesp), ela fez estudos em ca dáveres e verificou que a sensação de ter um “bolo” na garganta, relatada por muitos pacientes com apneia, tinha rela ção com alterações anatômicas na região da orofaringe. Em seguida, constatou que o movimento constante de certos órgãos da boca poderia alterar a muscu latura dessa área e ser benéfico. “Pensei que, por meio de exercícios executados durante o período de vigília, podería mos melhorar o tônus da musculatura da via aérea superior e diminuir a ap neia”, diz a fonoaudióloga.
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estratégia parecia pouco ortodo xa, mas ganhou impulso em 2005 quando o British Medical Journal publicou um artigo muito interessante sobre apneia. No trabalho, pesquisa dores suíços mostravam que tocar um instrumento de sopro originário dos aborígenes australianos, o didgeridoo, que lembra um berrante, diminuía os sintomas da apneia. A relação entre as duas abordagens é clara para os pes quisadores. “Esse instrumento parece exercitar os mesmos músculos que a terapia testada no InCor”, comenta Lorenzi Filho. Embora os primeiros resultados dos estudos sobre o emprego de exercícios bucais contra a apneia sejam promisso res, a nova terapia ainda permanece com o status de experimental e não dever ser feita sem o auxílio de uma fonoaudió loga e supervisão médica. Até porque a execução de movimentos errados não produzirá os mesmos efeitos obtidos no trabalho científico. E há diferentes tipos de exercícios a serem feitos, envolvendo a língua, o palato mole, as bochechas, às vezes com o auxílio de uma escova de dentes ou de um dedo. n
Marcos Pivet ta PESQUISA FAPESP 162
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Ricard o Zorzet to
Neurologia
Menos carne, mais peixe
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Dieta rica em ácidos graxos ômega 3 pode proteger contra a epilepsia
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o final de junho um grupo de crianteúdo de três cápsulas do suplemento. Feita ças de Ribeirão Preto, no interior de em parceria com Ricardo Arida, da Unifesp, e São Paulo, começou a receber doAntonio-Carlos de Almeida, da Universidade ses diárias de óleo de peixe como Federal de São João Del Rei, em Minas Gerais, a análise do cérebro revelou que os ratos tratacomplemento dos remédios que tomam para controlar a epilepsia. dos com ômega 3 perderam menos neurônios Considerada a doença neurológica do hipocampo – área ligada ao aprendizado crônica mais comum no mundo – afeta 1% e à aquisição da memória, danificada em alda população nos Estados Unidos e na Europa gumas formas de epilepsia – do que os que e 2% no Brasil –, a epilepsia é marcada por receberam um composto inócuo. “Demos aos alterações súbitas no funcionamento de céluroedores óleo de peixe via oral, para simular o las cerebrais chamadas neurônios. Nas crises, que ocorre com quem toma cápsulas de ômega que duram minutos, grupos específicos dessas 3”, conta Scorza, que descreveu os resultados células disparam impulsos elétricos com mais em 2008 na Epilepsy & Behavior. frequência e maior intensidade para outros neurônios, causando alterações de comportaExcitação e morte - Não se sabe ao certo como mento, contrações musculares involuntárias o ômega 3 evita a morte dos neurônios. Um violentas ou perda de consciência. provável mecanismo é o bloqueio da entrada As 52 crianças que hoje participam do expede cálcio nessas células. É que nas crises epirimento – os médicos pretendem incluir mais lépticas há liberação do mensageiro químico glutamato, que promove a entrada de cálcio 38 – apresentam uma forma de epilepsia granos neurônios, deixando sua concentração no ve em que os focos que originam as descargas interior da célula dez vezes superior à do exteelétricas típicas das crises estão disseminados pelo cérebro e não podem ser removidos por cirior. Em excesso, porém, o cálcio, fundamental rurgia. “Elas têm crises epilépticas quase todos para a comunicação das células, mata-as. os dias”, explica Vera Cristina Terra, neuroloEm seus experimentos Scorza observou nos animais tratados com ômega 3 o aumengista da Universidade de São Paulo em Ribeito da produção das proteínas calretinina e rão Preto (USP-RP) e responsável pelo ensaio parvalbumina, que evitam a entrada de cálclínico. A expectativa é de que o consumo de óleo de peixe – rico em ácidos graxos ômega 3, cio nos neurônios. Em outros testes recémmoléculas de gordura que entram na compo-concluídos, sua equipe mostrou ainda a forsição das células, mas não são produzidas pelo mação de novos neurônios e a redução do níorganismo humano – gere nas crianças os bevel de proteínas inflamatórias, que, segundo algumas teorias, poderiam levar à epilepsia. nefícios observados em testes com animais de “Uma dieta ideal para as pessoas com epilepsia laboratório e adultos: a redução da frequência e as saudáveis deveria incluir três porções de das crises e a preservação dos neurônios. Acredita-se que o uso desses suplementos peixes de água fria por semana ou uma cáppossa substituir outra terapia que ajuda a amesula de óleo de peixe por dia”, diz Scorza. No nizar a epilepsia: a dieta cetogênica, em que os último século a população humana reduziu carboidratos da alimentação são substituídos brutalmente a ingestão de ômega 3, substipor gorduras – essa dieta é mais rigorosa e tuído pelo ômega 6, encontrado em carnes e pode alterar o nível de colesterol sanguíneo. produtos industrializados e menos benéfico “Procuramos um composto rico em gorduras para o organismo. Os peixes indicados para o que possa ser utilizado por longos períodos consumo são o salmão e a sardinha. “O atum sem efeitos colaterais importantes”, diz Vera. é rico em ômega 3, mas tem níveis elevados de Os planos de testar o ômega 3 contra a mercúrio, tóxico para os neurônios”, conta. epilepsia surgiram em 2008, quando ela iniNo ensaio clínico de Ribeirão as crianças ciou seu pós-doutoramento na Universidade receberão diariamente por seis meses cápsuFederal de São Paulo (Unifesp), com Esper Calas de óleo de peixe – um grupo vai ingerir 2 valheiro. Na época a equipe do neurocientista gramas e outro 3 gramas –, além dos mediFulvio Scorza, da Unifesp, e de Roberta Cyscamentos contra a epilepsia. “Escolhemos as cápsulas para evitar o risco de elas neiros, da Universidade Mackenzie, concluíam testes com ratos mostrannão se adaptarem ao consumo de Sardinha: do o efeito protetor do ômega 3, classardinha”, conta Vera. Ao final do três porções sificado como suplemento alimentar período, os resultados serão compapor semana e não como medicamento. Por dois rados com os de um terceiro grupo, fornecem meses Danuza Ferrari deu a roedores tratado só com antiepilépticos. Se níveis com e sem epilepsia uma dose diária tudo correr bem, o teste será estenadequados de ômega 3 de óleo de peixe equivalente ao conn dido por mais meio ano. PESQUISA FAPESP 162
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Genômica
Agora, aos detalhes Colaboração internacional dá início ao sequenciamento completo da cana-de-açúcar
eduardo cesar
Maria Guimarães
e um dia para o outro, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) desvendaram cerca de 335 milhões de pares de bases do DNA da cana, 11 vezes o produto dos dois anos do Projeto Genoma Cana-de-Açúcar (Sucest), encerrado em 2001. O teste foi o pontapé inicial de um novo projeto, coordenado pela bióloga molecular Glaucia Souza. Ela pretende ir além do Sucest tanto na quantidade de dados como nas perguntas sobre como funciona o genoma da planta que se tornou sinônimo de energia e combustível renováveis. “Descobrimos que não adianta conhecer o genoma sem saber como ele funciona”, diz Glaucia. O Sucest sequenciou o DNA funcional da cana-de-açúcar, ignorando genes sem função conhecida. Nos últimos anos, porém, genomas de outras gramíneas – sorgo e arroz – mostraram que para melhorar a produtividade das plantas é preciso saber como a atividade dos genes é controlada, uma função de trechos do DNA conhecidos como promotores. Glaucia está atrás desses promotores. Mais precisamente, o plano é sequenciar o DNA de plantas da variedade SP 803280 da cana-de-açúcar (a mais representada no Sucest) cultivadas com disponibilidades de água diferentes e que produzem açúcar em maior ou menor quantidade. Os resultados devem ajudar a obter uma cana mais resistente à seca e mais produtiva. No teste feito até agora, o biólogo Carlos Hotta, que desenvolve projeto de pós-doutorado no laboratório de Glaucia, analisou o DNA da cana-de-açúcar quebrado em fragmentos pequenos. O próximo passo é selecionar genes para serem sequenciados, por exemplo usando uma nova técnica para separar os genes ativos. Uma repetição do Sucest, mas com tecnologia melhor. Em seguida, novas ferramentas da biologia molecular permitirão à equipe encontrar e detalhar os promotores dos genes.
A eficiência decorre do aparelho adquirido este ano – o pirossequenciador de larga escala. “O método é completamente diferente dos sequenciadores tradicionais”, explica Hotta. O segredo é misturar o material genético em solução com óleo e chacoalhar de maneira a formar bolhas, cada uma com o tamanho exato para acomodar uma microesfera com um único fragmento de DNA aderido a ela, que ali será multiplicado milhões de vezes. Milhões dessas esferas numa lâmina de vidro são sequenciadas simultaneamente. O projeto está no início, em quatro ou cinco anos Glaucia pretende ter o genoma completo. Não fará isso só com ajuda de Hotta. O trabalho tem colaboração de outros grupos brasileiros – da USP e da Universidade Estadual de Campinas – e estrangeiros, da África do Sul, da Austrália, da França e dos Estados Unidos. A França se concentra no cultivar da Ilha da Reunião, a Austrália na variedade do programa de Queensland além da mais estudada no Brasil, e os Estados Unidos buscam esmiuçar as espécies ancestrais da cana domesticada: Saccharum officinarum, rica em açúcar, e S. spontaneum e S. robustum, resistentes a doenças. “Os workshops que organizamos dentro do programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) para reunir os pesquisadores foram essenciais na sedimentação dessa relação de trabalho”, diz Glaucia. n
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O Projeto Sugarcane signaling and regulatory networks
modalidade
Projeto Temático – Bioen Coordenadora
Glaucia Mendes Souza - USP investimento
R$ 5.107.837,57
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celio haddad/unesp
Fisiologia
Estranho no ninho: teiú sobrevive ao retorno da hibernação sem produzir antioxidantes
Solução
tropical Lagarto e esquilo lidam de modo diferente com as variações de oxigênio da hibernação Reinald o José Lopes
O
s invernos brasileiros são re lativamente amenos, mas isso não impede que um dos lagartos mais comuns do país, o teiú, hiberne de quatro a cinco meses por ano, normalmente a partir do fim do outono. Estudada em laboratório, a hibernação do réptil tropical está dando aos pesquisadores novas pistas sobre como muitos animais lidam com a volta à vida normal após longos períodos, em geral associados ao frio ou ao calor intensos, em que o organismo mantém o nível de funcionamento mais baixo possível. No retorno desse estado de animação suspensa – chamado hibernação quando ocorre durante o frio e estivação no calor –, o organismo enfrenta um intenso estresse oxidativo, provocado pela produção de grande quantidade de moléculas altamente reativas de oxigênio (os radicais livres) que danificam as células. Alexis Fonseca Welker, biólogo da Universidade Federal de Goiás (UFG) em Catalão, mostrou em seu trabalho de doutorado que o teiú (Tupinambis merianae) é uma espécie de estranho no ninho entre os animais que congelam seu metabolismo. Comum no Brasil e no norte da Argentina, esse
lagarto de até 1,4 metro de comprimento e quase 5 quilos parece não se preparar para o retorno à vida normal produzindo substâncias antioxidantes, que ajudam a evitar os piores efeitos dos radicais livres sobre o organismo. Em outro estudo, o biólogo Marcelo Hermes-Lima, da Universidade de Brasília (UnB), orientador do doutorado de Welker, analisou o que acontece com um animal bem mais próximo do estereótipo das criaturas que hibernam: o esquilo-do-ártico (Spermophilus parryii), roedor de orelhas pequenas e pelagem marrom salpicada de pontos brancos, encontrado no Canadá e no Alasca. Com pouco menos de 1 quilo e 40 centímetros de comprimento, esses esquilos combatem com eficiência os danos oxidativos em seus tecidos ao sair da hibernação – a exceção é o tecido adiposo marrom, principal responsável pela produção da energia que ajuda os membros da espécie a despertar. Hermes-Lima, que se define como um caçador de estresse, já estudou os efeitos bioquímicos do estresse oxidativo em quase todo tipo de alteração metabólica por que passam os animais: hibernação, estivação, variações elevadas de salinidade, redução parcial e total do nível de oxigênio (hipóxia e anóxia, resPESQUISA FAPESP 162
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pectivamente) e diapausa, parada prolongada no desenvolvimento de certos insetos. O aparecimento de radicais livres é uma consequência inevitável do fato de os seres vivos utilizarem o oxigênio como base de seu metabolismo para a produção de energia. Com o tempo, surgem as chamadas espécies reativas de oxigênio – uma das mais comuns é o peróxido de hidrogênio, a água oxigenada –, que alteram quimicamente moléculas importantes para o organismo, como o DNA, as proteínas e os lipídios. “Às vezes esse dano é reversível”, diz Hermes-Lima. “Mas em pelo menos 80% dos casos não é possível corrigi-lo.” Na prática, portanto, o dano oxidativo acaba inutilizando permanentemente as moléculas atingidas, o que explica a relação estreita do fenômeno com o envelhecimento. O dano oxidativo também é comum nas situações que se seguem, por exemplo, à restrição do fluxo de sangue (isquemia) comum em problemas cardiovasculares. A volta re-
pentina do fornecimento de oxigênio aos tecidos, conhecida como reperfusão, é acompanhada de um aumento na produção de radicais livres, que, por sua vez, leva à morte de uma quantidade considerável de células. Jacarés e focas – Animais que hiber
nam, estivam ou se submetem tem porariamente a condições de baixa oxigenação – a exemplo de jacarés, tartarugas ou focas, que mergulham e ficam sem respirar por períodos prolongados – passam por algo parecido com uma isquemia seguida de reperfusão. Em todos esses casos ocorre uma redução acentuada (de até 90%) na taxa metabólica, associada à diminuição da oxigenação dos tecidos – apenas no mergulho os órgãos essenciais à sobrevivência, como o coração, o cérebro e o fígado, em geral mantêm o nível normal de metabolismo. Por essa razão acredita-se que o estresse oxidativo ligado ao retorno da hibernação seja
um bom modelo do que acontece em circunstâncias mais prosaicas. Os teiús do Sul e do Sudeste brasileiro, aliás, foram escolhidos por Welker como um modelo interessante porque, ao contrário de esquilos, sapos, serpentes e outros animais das regiões temperadas do hemisfério Norte, eles não passam por uma redução drástica de temperatura corporal para hibernar – os esquilos-do-ártico, por exemplo, podem apresentar temperaturas negativas. “Fui sortudo por poder trabalhar com os teiús”, diz Welker. Temperaturas em torno de 17 graus Celsius, bem como a mudança de luminosidade natural associada à aproximação do inverno, são suficientes para fazer esses répteis hibernar. “A explicação clássica é que isso tem a ver com a diminuição da oferta de alimentos, como Esquilo: a menor presença de metabolismo insetos, mas essa ideia até 90% ainda não está commais baixo provada”, afirma. durante os meses de inverno
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Em seu doutorado, Welker comparou indicadores de estresse oxidativo – presença de proteínas ou lipídios modificados pelos radicais livres e a de enzimas antioxidantes que os atacam – no intestino de teiús em estado de hibernação e no de outros submetidos à privação de alimentos. “Isso é um diferencial do trabalho, pois ainda não havia sido feito”, diz Welker. “Como a hibernação envolve jejum, o interesse era verificar se o estresse oxidativo era parecido nas duas condições.” Estudos com outras espécies de animais haviam indicado que a maioria deles, durante a hibernação, anóxia ou congelamento, passa por um preparo para o estresse oxidativo, produzindo uma quantidade considerável de enzimas antioxidantes para evitar os piores efeitos do despertar. Os teiús, no entanto, parecem não seguir esse padrão. “No geral, o metabolismo deles cai como um todo na hibernação, diminuindo a produção de enzimas e
de radicais livres. O organismo do animal não parece estar sob um desafio estressante quando ele acorda”, diz o biólogo. Nos animais submetidos ao jejum, no entanto, o estresse oxidativo foi bem mais visível. Segundo Welker, isso indica que a baixa geral no metabolismo só ocorre quando esses répteis estão de fato hibernando. No Alasca – A pesquisa de Hermes-Li-
ma com esquilos-do-ártico, publicada em junho na revista Comparative Biochemistry and Physiology, mostrou que os roedores conseguem restringir com eficiência o estresse oxidativo quando despertam da hibernação. Ele realizou o trabalho com colegas da Universidade do Alasca em Fairbanks, Estados Unidos, incluindo duas integrantes da comunidade esquimó e indígena da região, Adrienne Orr e Lonita Lohse, jovens pesquisadoras beneficiadas por um programa de ação afirmativa. De modo indireto, o grupo verificou que, ao despertar, os esquilos que hibernaram produziam níveis de radicais livres semelhantes aos dos roedores que não hibernaram. Dos tecidos do corpo analisados, apenas o tecido adiposo marrom (BAT, na sigla em inglês), cuja atividade é responsável pela geração rápida de calor que faz a temperatura corporal dos esquilos subir de 2 para 37 graus Celsius em apenas meia hora, apresentou um aumento na produção de radicais livres. “No fígado e no cérebro nós praticamente não vimos sinais de estresse oxidativo”, diz Hermes-Lima. O próprio pesquisador, no entanto, aponta a principal crítica que pode ser feita aos resultados. “Os animais que nós consideramos despertos são, na verdade, os esquilos que, por razões desconhecidas, não hibernaram durante o inverno. Isso acontece com cerca de um terço dos esquilos criados em laboratório – na natureza não aconteceria porque, se não hibernassem, eles simplesmente morreriam”, explica Hermes-Lima. Como o metabolismo sofre alterações nas diferentes estações do ano, os pesquisadores preferiram não fazer a comparação com esquilos ativos durante o verão. Os feitos metabólicos impressionantes observados nos animais que hibernam ou estivam parecem ter ins-
pirado as cenas de livros e filmes de ficção científica em que seres humanos são mantidos em estado de animação suspensa. A ideia é intrigante, sem dúvida, mas deve continuar restrita à ficção científica, afirmam os pesquisadores. “Um dos maiores financiadores desse tipo de pesquisa nos Estados Unidos costumava ser o Exército”, conta Hermes-Lima. “O sonho era conseguir fazer os astronautas hibernarem durante viagens espaciais de longa duração. Sinceramente, duvido muito que isso aconteça algum dia”, afirma o pesquisador da UnB. “Seria preciso modificar radicalmente a biologia humana para conseguir algo parecido.” Para entender a complexidade dessa façanha, basta observar esta comparação. Durante o sono, o metabolismo das pessoas diminui apenas uns 3%, enquanto o de esquilos e ursos que hibernam cai 90% e 70%, respectivamente. Isso não quer dizer, porém, que entender a hibernação e a estivação não possa trazer resultados interessantes para a medicina. Dados preliminares sugerem que baixar a temperatura corporal de pacientes em coma reduz o risco de dano neurológico ligado a derrames. Se esse efeito se confirmar, essa estratégia poderá ajudar a minimizar, ao menos temporariamente, as piores consequências da falta de oxigenação do cérebro. “Mas é claro que se trata de uma situação médica muito específica”, afirma Hermes-Lima. Para Welker, a biologia da hibernação também pode dar pistas de como melhorar a eficiência de transplantes de órgãos. “Em geral, abaixar drasticamente a temperatura de um órgão como o coração acaba levando a problemas de funcionamento. Tanto os mamíferos como os répteis que hibernam parecem ter uma composição específica de lipídios no coração que impede esse tipo de problema”, explica. É possível que o entendimento desse fenômeno ajude a preservar um órgão por períodos maiores antes de transplantá-lo. n > Artigo científico Orr, A.L. et al. Physiological oxidative stress after arousal from hibernation in Arctic ground squirrel. Comparative Biochemistry and Physiology. Part A. v. 153, p. 213-221. jun. 2009. PESQUISA FAPESP 162
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Física
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e tempos em tempos a natureza revela alguns de seus segredos para quem os sabe procurar. Meses atrás pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos, interior do estado, testemunharam uma dessas revelações, descrita em artigo publicado na edição de 24 de julho da revista Physical Review Letters. Manipulando uma nuvem de gás microscópica mantida a temperaturas baixíssimas, a equipe do físico Vanderlei Salvador Bagnato detectou nesse gás um curioso fenômeno do mundo das partículas: a turbulência quântica, antes observada apenas em hélio superfluido, um líquido com propriedades um tanto incomuns. No experimento os físicos mantiveram uma nuvem contendo de 100 mil a 200 mil átomos do elemento químico rubídio aprisionada por campos magnéticos em um espaço dezenas de vezes menor do que a cabeça de um alfinete e resfriada a uma temperatura bem próxima do zero absoluto (-273,15 graus Celsius). Nessas condições, os átomos de rubídio alcançam o menor nível de energia possível, praticamente param de se movimentar e passam a se comportar como se fossem um único superátomo com a dimensão total da nuvem – nesse caso, cerca de 150 mi-
Em expansão: condensado sem turbulência (esq.) e com turbulência (manchas ao lado)
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Pesquisadores brasileiros observam nova versão de fenômeno quântico
crômetros (milésimos de milímetro) de comprimento, o equivalente a 150 mil átomos enfileirados. Esse superátomo é o chamado Condensado de Bose-Einstein, o quinto estado da matéria. Previsto em 1924 por Albert Einstein com base na formulação do físico indiano Satyendra Bose, o condensado só foi produzido experimentalmente em 1995 por duas equipes independentes nos Estados Unidos – a de Eric Cornell e Carl Wierman, na Universidade do Colorado, e a de Wolfgang Ketterle, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que receberam o Nobel pelo feito. No condensado, as partículas atômicas deixam de se comportar de acordo com as leis da física clássica, que rege o mundo macroscópico, e passam a atuar segundo as leis da mecânica quântica, com propriedades bem distintas das que têm nos outros estados conhecidos da matéria (sólido, líquido, gás ou plasma). Agitando suavemente o condensado, a equipe de Bagnato observou a princípio o surgimento de uns poucos vórtices, regiões em que os átomos espiralam como o vento em um ciclone. Com o aumento da intensidade de agitação, porém, os vórtices, antes imagens: cefop/ifsc/usp
Um estado turbulento
bose: reprodução do livro Albert einstein - chief engineer of the universe; einstein: Ferdinand Schmutzer/wikimedia commons
Bose e Einstein: formulação do quinto estado da matéria na década de 1920
isolados e desconectados, passaram a se entrelaçar: geraram o que os físicos chamam de turbulência, que deixou o condensado com aparência de um queijo suíço, em que cada buraco corresponde a um vórtice. Novos caminhos - “Antes desse expe-
rimento, não se sabia se existia turbulência no condensado de Bose-Einstein, nem como ela se manifestava”, conta Bagnato, coordenador do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica, financiado pela FAPESP, e do Instituto Nacional de Óptica e Fotônica, que tem o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Segundo Bagnato, esse resultado abre mais um caminho para se estudar a turbulência quântica, até então detectada só no hélio líquido. Ao se liquefazer a apenas 2,17 graus acima do zero absoluto, ou cerca de -271 graus Celsius, o hélio passa a apresentar características bem incomuns, como a de se espalhar em todos os sentidos sem resistência física, fenômeno conhecido como superfluidez. Bagnato e os físicos Emanuel Henn, Jorge Seman e Kilvia Magalhães, da USP em São Carlos, e Giacomo Roati,
da Universidade de Florença, na Itália, perceberam que se encontravam diante de algo novo quando submeteram o condensado a um teste chamado tempo de voo das partículas. No teste os físicos desligam por períodos brevíssimos os campos magnéticos que mantêm o gás quântico aprisionado a fim de observar como elas se espalham. Como resultado, o gás se expande. Mas não da maneira habitual. Quando um balão de festa estoura, as partículas do gás se espalham à mesma velocidade em todos os sentidos. Com um gás quântico como o condensado, porém, é diferente: a expansão é mais rápida no sentido em que a compressão é maior. Essa característica produz um efeito facilmente observável em laboratório. Em geral com formato de charuto no espaço tridimensional – alongado na largura e mais comprimido na altura e na profundidade, por exemplo –, o condensado começa a se alargar mais rapidamente na dimensão em que é mais estreito tão logo as forças magnéticas são desligadas. Essa propriedade faz com que ele se torne, digamos, mais espichado na altura, e mais curto na largura e na profundi-
dade, como se o charuto tivesse sofrido um giro de 90 graus. “Apenas 15 milésimos de segundo são suficientes para ver essa mudança”, conta Kilvia. Mas não foi o que os pesquisadores observaram no condensado com turbulência, em que a velocidade de expansão foi a mesma em todas as dimensões. “Esse comportamento não é clássico nem quântico”, conta Bagnato, pioneiro na produção do Condensado de Bose-Einstein no país. Por sua importância e originalidade, o resultado apresentado na Physical Review Letters foi comentado pelos físicos Natalia Berloff, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, e Boris Svistunov, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, na seção viewpoint da Physics, outra revista da Sociedade Americana de Física (APS, na sigla em inglês). A compreensão de como e por que a turbulência surge no mundo das partículas quânticas, segundo os físicos, deve permitir também desvendar as leis que governam a turbulência no mundo macroscópico. Se de fato ocorrer, será um grande avanço. Terror dos pilotos de aviões e comandantes de navios, a turbulência é considerada pela APS um dos maiores desafios da física moderna. n
Ricard o Zorzet to
> Artigo científico Henn, E. A. et al. Emergence of Turbulence in an Oscillating Bose-Einstein Condensate. Physical Review Letters. v. 103. p. 45.301-1/45.304-1. jul. 2009. PESQUISA PESQUISA FAPESP FAPESP 1XX 162nononnon agosto DE 2009 n
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Física matemática
sem fronteiras
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ovas espécies de seres vivos podem surgir sem que a seleção natural favoreça os mais aptos e sem que barreiras geográficas isolem populações. Pelo menos no mundo virtual da simulação desenvolvida pelo físico Marcus de Aguiar, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), descrita em um artigo na edição de 16 de julho da Nature. Especialista em teoria do caos, Aguiar é professor do Departamento de Física da Matéria Condensada, onde se estudam assuntos como cristalografia, propriedades de materiais e fenômenos ópticos. Nesse cenário é surpreendente encontrar em cima da mesa de um pesquisador o livro Why evolution is true, em que o evolucionista norte-americano Jerry Coyne brinda não especialistas com uma defesa detalhada de sua área de estudo. O interesse do físico da Unicamp nasceu de um encontro fortuito no Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra (Necsi, em inglês), nos Estados Unidos, quando o físico Yaneer Bar-Yam lhe apresentou um problema simples de aplicação de modelos teóricos a sistemas biológicos. No início foi como resolver um quebra-cabeça num momento de lazer, mas de volta a Campinas Aguiar continuou a estudar e a pensar em evolução e propôs a seus colegas norte-americanos um teste da teoria neutra, segundo a qual a diversidade de espécies resulta de processos aleatórios que agem sobre populações semelhantes. Foi o que fez, como parte de um projeto temático financiado pela FAPESP: em colaboração com pesquisadores do Necsi e com ajuda de sua doutoranda Elizabeth Baptestini, escreveu um programa de computador que simula a evolução de uma população virtual ao longo de centenas de gerações. O enfoque permite fazer experimentos virtuais para testar diferentes parâmetros em busca das variáveis mais importantes para gerar diversidade biológica. Nesses experimentos, os pesquisadores podem variar a distância máxima que um organismo pode percorrer
58
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agosto DE 2009
n
PESQUISA FAPESP 162
em busca de um parceiro e a extensão de divergência genética que torna um par incompatível. Testaram também a importância da capacidade de migração, ou distância que cada indivíduo percorre para estabelecer residência, da taxa de mutação e da probabilidade de cada indivíduo se reproduzir. Este último parâmetro foi incluído por sugestão de Les Kaufman, o único biólogo entre os autores do artigo. “Ele disse que não era realista que todos os integrantes da população tivessem a mesma taxa reprodutiva”, lembra Aguiar. “No nosso modelo, é possível que um organismo nunca se reproduza e outro tenha vários filhotes.” A simulação parte de alguns milhares de indivíduos geneticamente idênticos, cujo DNA é uma série de 125 algarismos – cada um deles representa um gene e pode ter o valor de zero ou um. Cada organismo aparece como um ponto colorido que escolhe aleatoriamente um par reprodutivo dentro de limites determinados pela distância que os separa e pela semelhança genética entre eles. Os parâmetros do programa determinam também as taxas de mutação e de migração, além da chance de cada integrante da população se reproduzir. O resultado é uma diversidade genética que, passadas cerca de 300 gerações, origina espécies diferentes. “Mostramos que a especiação acontece facilmente e não depende de isolamento entre populações”, conta o físico da Unicamp. O modelo indica que novas espécies podem surgir sem barreiras que impeçam a movimentação dos organismos, contrariando a teoria adotada pela maior parte dos evolucionistas. Aguiar demonstrou que os limites máximos da distância entre parceiros e das diferenças genéticas entre eles são essenciais para a especiação. “Só um desses parâmetros não cria diversidade suficiente”, conta. Ele viu nas simulações um padrão de distribuição e abundância de espécies semelhante ao que prevê a teoria neutra, proposta em 2001 pelo ecólogo norte-americano Stephen Hubbell: como se fosse um sorteio, o acaso facilmente dá cabo
Simulação em computador indica que espécies podem se formar sem isolamento geográfico
Do preto uniforme às manchas coloridas: novas espécies surgem no ambiente virtual
de populações pequenas e leva espécies nascentes à extinção. Mas como novas espécies surgem o tempo todo, depois de cerca de 700 gerações os pesquisadores viram surgir um equilíbrio dinâmico, onde extinções eram compensadas por especiações e o número de espécies ficava mais ou menos constante. Por enquanto, Aguiar sugere acrescentar mais um modo de especiação à lista teórica que já inclui especiação simpátrica, quando o espaço não interfere no processo; alopátrica, quando as populações estão isoladas; e parapátrica, quando espécies surgem em regiões adjacentes. “Inventei o termo ‘especiação topopátrica’”, diz Aguiar, “porque a distância entre os indivíduos é essencial” (em grego, topos significa lugar). Curioso para saber como será recebido pelos biólogos, o físico já venceu o primeiro obstáculo: durante o processo de revisão na Nature, o trabalho foi analisado por três biólogos, que aceitaram o artigo para publicação depois de feitos alguns ajustes. Do virtual ao real - A novidade do
trabalho, que garantiu a aprovação, foi fazer uma ponte entre a teoria e o que acontece na natureza. “Só a simulação não seria suficiente para publicação na Nature”, explica o físico. Ele foi além da
simulação e comparou os resultados virtuais a dados reais de distribuição e abundância de espécies que outros pesquisadores observaram na natureza – em árvores no Panamá e aves no Reino Unido. Os gráficos mostram relações muito semelhantes entre o número de espécies no espaço, mesmo com a diferença óbvia na capacidade de migração entre árvores e aves. Os autores explicam: embora sejam migratórias, as aves voltam ao lugar em que nasceram para se reproduzir. A distribuição do número de integrantes em cada espécie é semelhante quando se comparam os dados empíricos e os simulados: espécies com população de tamanho médio são mais comuns. O modelo de Aguiar surpreende por reproduzir padrões de especiação observados na natureza embora numa representação simplificada. Todos os integrantes da população têm a mesma longevidade e o ambiente não tem áreas mais favoráveis do que as outras, por isso a probabilidade de se reproduzir não depende do genoma do organismo ou de onde ele está – uma realidade diferente da observada pelos biólogos. “Não existe organismo que não seja limitado pelo seu contexto ecológico”, afirma o evolucionista João Alexandrino, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro. Mesmo que uma rã seja abundante numa floresta, ela precisa de água para viver e se reproduzir e não vive em zonas secas ou no alto das árvores, por exemplo. Além disso, ele argumenta que, apesar do ambiente
virtual da simulação ter sido construído sem marcos geográficos como rios ou montanhas, há barreiras embutidas nos organismos: a capacidade de migração muito baixa dos pontos coloridos acaba formando populações isoladas. Os pontos de vista da física teórica e da ecologia divergem, mas o encontro de ideias acaba por destacar como o modelo de computador pode contribuir para o estudo da evolução. A coincidência entre os resultados obtidos pela simulação e alguns dados empíricos parece revelar algo real e pode servir como ponto de partida para uma reflexão sobre o que determina a diversidade de espécies. “Talvez o surgimento do padrão de diversidade de espécies observado por Aguiar seja uma propriedade inerente a sistemas biológicos”, especula Alexandrino. “A limitação de espaço restringe o número de espécies muito abundantes, mas a especiação constante produz um grande número de espécies muito raras”, reflete, transferindo para o nível das espécies um processo já conhecido para genes. Parece que se físicos, ecólogos e evolucionistas pensarem juntos podem sair daí novas compreensões sobre possíveis origens de espécies. n
Maria Guimarães > Artigo científico DE AGUIAR, M. A. M. et al. Global patterns of speciation and diversity. Nature. v. 460, n. 7.253, p. 384-387. 16 jul. 2009. PESQUISA FAPESP 162
n
agosto DE 2009
n
59
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias • Psiquiatria
Contra a depressão A eficácia da eletroconvulsoterapia em tratar sintomas depressivos está estabelecida por meio de numerosos estudos desenvolvidos durante as últimas décadas. O objetivo do estudo "Eletroconvulsoterapia na depressão maior: aspectos atuais'; de Paula Barros Antunes, Paulo Silva Belmonte-de-Abreu, Maria Inês Rodrigues Lobato e Marcelo P. Fleck, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Moacyr Alexandro Rosa, da Columbia University e do New York State Psychiatric Institute, nos Estados Unidos, foi demonstrar o papel dessa terapia no tratamento da depressão e destacar aspectos atuais relativos a sua prática. Foram revisados na literatura estudos de eficácia, remissão de sintomas, fatores preditores de resposta, assim como aspectos atuais acerca da qualidade de vida, percepção dos pacientes, mecanismo de ação, técnica e prejuízo cognitivo. Os principais achados da revisão foram: 1) a eletroconvulsoterapia é mais efetiva do que qualquer medicação antidepressiva; 2) a remissão da depressão com a técnica varia, em geral, de 50% a 80%; 3) ainda é controverso seu efeito nos níveis de fator neurotrófico derivado do cérebro; 4) a terapia tem efeito positivo na melhora daqualidade de vida; 5) os pacientes submetidos a ela, em geral, têm uma percepção positiva do tratamento. A eletroconvulsoterapia permanece sendo um tratamento altamente eficaz em pacientes com depressão resistente. Com o avanço da sua técnica, o tratamento tornou-se um procedimento ainda mais seguro e útil tanto para a fase aguda quanto para a prevenção de novos episódios depressivos. REVISTA
BRASILEIRA
SÃo PAULO
DE PSIQUIATRIA
- VOL. 31, SUPL. 1-
Bornia Ortega, da Santa Casa de Maringá, Paraná, foi revisar o histórico, propriedades farmacológicas e aplicações clínicas dessa toxina, quando empregada no tratamento de dores de diferentes origens. A TxB é o produto da fermentação do Clostridium botulinum (foto), uma bactéria anaeróbia gram-positiva. Comercialmente, o produto existe nas formas A e B, como agentes biológicos obtidos laboratorialmente. A TxB, uma neurotoxina que possui alta afinidade pelas sinapses colinérgicas, ocasiona bloqueio na liberação de acetilcolina pelo terminal nervoso) sem alterar a condução neural de sinais elétricos ou síntese e armazenamento de acetilcolina. Comprovadamente, ela pode enfraquecer seletivamente a musculatura dolorosa, interrompendo o ciclo espasmo-dor. A TxB-A é segura e bem tolerada em desordens dolorosas crônicas, onde regimes de farrnacoterapia podem sabidamente provocar efeitos colaterais. Outra vantagem é a redução do uso de analgésicos e o tempo de ação de três a quatro meses por dose. Entretanto pesquisas futuras serão necessárias para se estabelecer a eficácia da TxB-A em desordens dolorosas crônicas e seu exato jnecanismo no alívio da dor, bem como seu potencial em tratamentos multifatoriais. REVISTA
BRASILEIRA
DE ANESTESIOLOGIA
NO 3 - CAMPINAS - MAI.IJUN.
-
VOL. 59 -
2009
• Zootecnia
- MAl. 2009
• Anestesiologia
Toxina contra a dor A toxina botulínica (TxB), uma das mais potentes toxinas bacterianas conhecidas, tem reconhecidamente ação terapêutica eficaz no tratamento de certas síndromes dolorosas. Entretanto, algumas de suas indicações ainda estão em fase de comprovação com relação a sua eficácia. O objetivo do estudo "Toxina botulínica no tratamento da dor", de Orlando Carlos Gomes Colha do, da Universidade Estadual de Maringá, e de Marcelo Boeing e Luciano
60 • AGOSTO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 162
Proteínas para cães e gatos O mercado de alimentos para cães e gatos consome importante quantidade de proteínas e carboidratos. Apesar disso, existem poucos estudos sobre digestibilidade e energia metabolizável desses ingredientes. Arroz e milho têm sido considerados as melhores fontes de amido, mas demonstra-se que o sorgo é igualmente bem digerido por cães. Na interpretação dos estudos, deve-se distinguir os que empregaram farinhas ou amidos purificados dos que empregaram ingredientes moídos, como o utilizado na fabricação de alimentos para animais de companhia. Além de sua digestibilidade e valor energético, amidos interferem na glicemia de cães, o que torna interessante se
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empregar, para animais em condições específicas, fontes de carboidrato que levem a menores respostas de glicose e insulina. Proteínas de origem animal apresentam maior variação em composição química, qualidade e digestibilidade que as de origem vegetal. Farinhas de origem animal podem apresentar excesso de matéria mineral, limitando sua inclusão na fórmula, enquanto derivados proteicos vegetais apresentam diversos fatores antinutricionais que devem ser inativados durante seu processamento. Demonstra-se que proteínas vegetais apresentam boa digestibilidade e energia metabolizável para cães e gatos. Seu uso pode ser interessante para reduzir o mineral da dieta, controlar o excesso de bases do alimento e manter adequada a digestibilidade do produto. Essas e outras informações estão no artigo "Fontes de proteína e carboidratos para cães e gatos", de Aulus Cavalieri Carciofi, da Universidade Estadual Paulista, campus de Iaboticabal. REVISTA BRASILEIRA
DE ZOOTECNIA
- VOL. 37 - NO ESPECIAL
- VIÇOSA - )UL. 2008
• Questões urbanas
Marxistas e a cidade de São Paulo o estudo "Em busca do urbano: marxistas e a cidade de São Paulo nos anos de 1970", de Pedro Fiori Arantes, da Universidade de São Paulo (USP), é um balanço da produção pioneira de intelectuais marxistas que, na década de 1970, procuraram entender os paradoxos do crescimento da capital paulista e, mais amplamente, ensaiaram as primeiras formulações de uma teoria crítica da urbanização na periferia do capitalismo. Agrupados em torno do Cebrap e da Faculdade de Arquitetu,ra e Urbanismo da USP, a urgência política do momento, somada à ascendência da interpretação de Manuel Castells, levou-os majoritariamente a encarar a cidade como espaço de consumo coletivo e luta social em torno da reprodução da classe trabalhadora. Mas a descoberta empírica da cidade permitiu que o urbano fosse, ao fim, reconhecido não apenas como lócus mas como forma da expansão capitalista. Novos
ESTUDOS
-
CEBRAP
-
NO
83 - SÃo
PAULO
-
MAR. 2009
• Sociologia
Transição democrática
nos remete à ideia de que o campo jurídico ficou imune às mudanças democráticas. Mesmo que o discurso corrente entre os profissionais do direito afirme a democratização da Justiça penal, observa-se, na prática, uma forte resistência do campo jurídico em assumir a sua responsabilidade política na consolidação democrática. O estudo "Justiça penal autoritária e consolidação do estado punitivo no Brasil': de Débora Pestana, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reporta análises e conclusões formuladas a partir de observações sobre a Justiça penal brasileira. REVISTA
DE SOCIOLOGIA
CURITIBA
• Melhoramento
- VOL. 17 - NO 32 -
genético
Qualidade industrial do trigo O melhoramento genético para a qualidade industrial do trigo pode representar uma oportunidade de agregar valor de mercado aos produtos agrícolas, sendo este um dos cereais com maior associação entre a qualidade intrínseca e a remuneração ao agricultor. O objetivo do trabalho "Variabilidade genética em trigos brasileiros a partir de caracteres componentes da qualidade industrial e produção de grãos" foi determinar a variabilidade genética a partir de caracteres indicativos da qualidade industrial e o rendimento de grãos, e estimar o grau de associação entre estes caracteres em 22 genótipos de trigo. O experimento foi desenvolvido em área experimental pertencente à Universidade Federal de Pelotas, Capão do Leão (RS). Os resultados indicaram a provável existência de variabilidade genética para os caracteres em estudo. Cruzamentos artificiais envolvendo os genótipos BRS 208, Rubi e Safira podem ser os mais promissores no intuito de incrementar o ganho genético, tanto para a qualidade industrial quanto para a produtividade de grãos. Os resultados sugerem a possibilidade de obtenção de genótipos superiores para o rendimento de grãos sem comprometer a qualidade industrial. O trabalho foi realizado por Douglas André Mallmann Schmidt, da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (Faem), Universidade Federal de Pelotas, Fernando Irajá Félix de Carvalho, Antônio Costa de Oliveira, Ivandro Bertan, Igor Pirez Valério, Iríneu Hartwig e Gustavo da Silveira, da Faem, José Antônio Gonzalez da Silva, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, e Luiz Carlos Gutkoski, da Universidade de Passo Fundo. BRAGANTIA
A transição democrática brasileira tem esbarrado na enorme dificuldade em inserir a atuação penal nesse paradigma político. Mais do que isso, os limites ao processo de democratização, demarcados na atuação desse setor estatal,
E POLÍTICA
- FEV. 2009
- VOL.
68 -
NO 1 - CAMPINAS
- 2009
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo-
níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
PESQUISA
fAPESP
162 • AGOSTO DE 2009
• 61
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LINHA
DE PRODUÇÃO MUNDO (
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Entre as empresas estão Siemens, Deutsche Bank, Grandes transformadores
Solar Millennium e ABB.
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até a Europa
A concepção do projeto é da Fundação Desertec, criada pela Cooperação para Energia Renovável Transmediterrânea (Trec), uma rede de pesquisadores e engenheiros de países banhados pelo mar Mediterrâneo, e do Clube de Roma, uma organização formada por acadêmicos e personalidades de todo o mundo. Eles se baseiam em cálculos que indicam o consumo de energia elétrica de toda a humanidade em um ano ser equivalente a seis horas diárias de raios solares sobre os desertos. Os organizadores acreditam que, em 2050, esse sistema será suficiente para gerar 66% da energia de países do Oriente Médio e norte da África e 20% da Europa. A energia elétrica será transportada
por longas extensões
de cabos com o auxílio de enormes transformadores.
> Avanço
de patentes
Biocornbustíveis, telecomunicação e nanotecnologia tiveram um forte crescimento em pesquisa e desenvolvimento no primeiro trimestre de 2009, como mostra um estudo mundial da empresa
Thomson Reuters, que analisou a atividade de patenteamento global nessas três áreas nos anos de 2003, 2008 e no primeiro trimestre de 2009, utilizando a base de dados Derwent World Patents lndex. Em 2003, por exemplo, foram registradas 341 patentes na área de biocombustíveis. Cinco anos
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depois, em 2008, esse número subiu para 1.878, um crescimento de 550%. No período de janeiro de 2008 a março de 2009 chegou a 2.466, sendo que 92 dessas patentes referem-se a biocombustíveis a partir de algas. Na área de convergência entre telecomunicação e computadores houve um aumento de 290% entre 2003, quando havia o registro de 8.705 patentes, e 2008, com 25.283 patentes. De janeiro de 2008 a março de 2009, esse número subiu para 30.520. A fusão de nanotecnologia com engenharia genética para desenvolvimento de novos sistemas e aparelhos resultou em um crescimento de 220% entre 2003 e 2009, passando de 766 para 1.682 invenções.
> Biocombustível africano
o Sudão,
maior país africano em área territorial, começou a produzir etanol de cana-de-açúcar em junho com a inauguração da primeira usina do país, a 250 quilômetros ao sul da capital, Cartum. Com capacidade instalada para produzir 200 milhões de litros de álcool, o que deverá ocorrer só daqui a dois anos, a usina foi projetada e fabricada pela empresa Dedini, com sede em Piracicaba, no interior paulista, para o grupo Kenana. O grupo empresarial, que pertence ao governo sudanês e a fundos árabes, já produz açúcar a partir da cana.
o Sudão também investe em outra frente para a obtenção de biocombustíveis a partir da palha de arroz, em parceria com o Egito.
> Controle pelo celular
ial, 101
Telefones celulares estão sendo usados na Tanzânia para combater doenças propagadas por vírus e fungos que atacam a mandioca. A novidade faz parte de um sistema de alerta chamado Digital Early Warning Network (DEWN), que reúne agricultores de dez distritos situados na região do lago Vitória que estão sendo treinados por pesquisadores para reconhecer os sintomas do vírus do mosaico da mandioca e da podridão radicular, causada pelo fungo Fusarium solani. Os fazendeiros enviarão mensagens de texto para os pesquisadores sobre a incidência das doenças e receberão recomendações de como fazer o controle para que elas não se espalhem pelas plantações.
Poluição zero: Antares
> Planador a hidrogênio O Antares DLR-H2 foi apresentado em julho na Alemanha, no aeroporto de Hamburgo, como a primeira aeronave tripulada no mundo a voar com a energia do hidrogênio por meio de células a combustível, que transformam esse gás em eletricidade. O planador foi desenvolvido pelo Centro Aeroespacial Alemão,
voa pela primeira
DLR na sigla em alemão, em parceria com as empresas Basf Fuel Cell, Lange Aviation e Serenergy, da Dinamarca. As principais vantagens desse novo sistema de propulsão são a emissão zero de poluentes e o baixíssimo ruído. Ele pode voar por até cinco horas e percorrer distâncias de no máximo 750 quilômetros. A célula está fixada abaixo da asa esquerda e o tanque de hidrogênio na direita.
vez na Alemanha
O sistema produz 25 quilowatts (kW) de energia elétrica, mas o voo de cruzeiro requer apenas 10 kW. Uma das vantagens das células a combustível, já apresentada em automóveis, é a eficiência energética. No caso do DLR-H2, esse número é de 44%, enquanto os motores convencionais a querosene ou diesel utilizam para se locomover entre 18% e 25% da energia total do combustível.
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NA PONTA DA LfNGUA
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Pessoas tetraplégicas,
sem movimen-
tos nos quatro membros, dirigiram cadeiras de rodas eletrônicas por meio da língua em testes clínicos realizados no
Instituto de Tecnologia Geórgia, dos Estados Unidos. Todos os comandos são realizados por um sensor instalado na língua, do tamanho de um grão de arroz, que capta os movimentos transfere
para sensores magnéticos
tecnologia
e os
montados em fones com
sem fio, adaptados à cabeça do usuário. O sensor
envia sinais para um notebook instalado no veículo que movimenta a cadeira de acordo com a vontade da pessoa. Além disso, o sensor permite jogar no computador. As pesquisas foram financiadas pela Fundação Nacional de Ciência (NSF) e pela Fundação Christopher e Dana Reeve, criada pelo ator celebrizado no papel lZ
de super-homem no cinema e que, depois de um acidente, ficou Participante
move cadeira de rodas com sensor lingual
tetraplégico
por dez anos até morrer em 2004.
PESQUISA FAPESP 162 • AGOSTO DE 2009 • 63
>>
LINHA
DE PRODUÇÃO
> Algas para a indústria O litoral catarinense, já famoso pelo cultivo de ostras, poderá ser produtor também da alga Kappaphycus alvarezii, principal fonte
de carragenana, aditivo usado nas indústrias alimentícia, de cosméticos e farmacêutica para dar maior consistência a iogurtes e cremes, por exemplo. Os estudos para a adaptação e ciclo
Um solado fabricado com nanocompõsitos de argila e látex de borracha natural foi apresentado Feira Internacional
durante a 41a
de Calçados, que ocorreu em julho, em
São Paulo. O material
chamado de Imbrik foi desenvol-
vido pela empresa Orbys, instalada no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas Universitária, laboratório
(Cietec) localizado
na capital paulista. O Imbrik teve origem no do professor
Fernando Galembeck, do Insti-
tuto de Química da Universidade
Estadual de Campinas
(Unicamp). Ele e sua equipe formularam
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na Cidade
misturando
argila e borracha
sões nanométricas
o produto
natural em dimen-
(ver Pesquisa FAPESP nO 153).
A empresa adquiriu os direitos das patentes por meio da Agência de Inovação da Unicamp e desenvolveu o produto final, que possui propriedades mecânicas superiores, como maior resistência ao rompimento
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e à flexão, sem sofrer deformações. Outra vantagem
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do Imbrik é ambiental, porque é fabricado com tec-
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nologias não poluentes que dispensam o processo de vulcanização
e não é dependente
de produtos
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petroquímicos. A empresa recebeu financiamento da
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FAPESP, por meio do Programa Pesquisa Inovativa
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em Pequenas Empresas (Pipe), do Conselho Nacional
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de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
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e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Imbrik: desenvolvido na Unicamp e fabricado pela empresa Orbys
BRASIL
produtivo e comercial dessa alga nativa das Filipinas são realizados pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade de São Paulo (USP), Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) e Instituto de Pesca de São Paulo. O Brasil importa mais de mil toneladas por ano de carragenana, num valor de R$ 13 milhões. Os estudos buscam um cultivo sustentável com a seleção de linhagens mais produtivas e adaptadas ao ambiente. A produção é feita por meio de pedaços de talos amarrados em cabos e mantidos em grades flutuantes, semelhantes às criações de ostras e mexilhões. 'Iambém estão em desenvolvimento tecnologias para secagem da alga. A coordenação do projeto é da professora Zenilda Bouzon, da UFSC, com a colaboração da pesquisadora Leila Hayashi. O financiamento é da Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Papesc), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Ministério da Pesca e Aquicultura.
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Cultivo experimental da Kappaphycus alvarezii no litoral de Santa Catarina
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2 bilhões de litros anuais. A primeira etapa do projeto, um estudo de pré-viabilidade para a elaboração de um plano de Suco obtido na extração
negócios, contará com cerca
de fibras age como bioinseticida
de US$ 170 mil, sendo US$ 112 mil de recursos não reembolsáveis. A descoberta de que o suco do sisal atua como bioinseticida no combate a pragas do algodão foi feita na Embrapa Algodão, de Campina Grande, na Paraíba, e na Universidade Estadual de Feira de Santa na, na Bahia, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb). O suco, no entanto, começa a fermentar
dois dias após sua
extração e possui elevado teor de água, o que inviabiliza a produção comercial. A ideia é extrair o seu princípio ativo e transformá-Io
em um produto com vida longa de prateleira.
Do suco também é possível extrair a inulina, utilizada como adoçante dietético pela indústria alimentícia.
> Vidro
moído filtra resíduos
o vidro
transparente moído mostrou em testes ter bom potencial como meio filtrante para remoção de agrotóxicos diluídos em água. No ensaio conduzido pelos pesquisadores Odilio Assis e Delia Vieira, da Embrapa Instrumentação Agropecuária, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em São Carlos, no interior paulista, eles testaram o herbicida atrazina, escolhido por ser um composto tóxico bastante empregado no Brasil. Quando há uso
excessivo de agrotóxicos nas lavouras, eles se espalham pelo solo e águas subterrâneas, podendo atingir lençóis freáticos que correm para mananciais
superficiais utilizados para consumo humano e animal. A remoção desses resíduos não é muito simples, pelo tamanho diminuto das suas moléculas, que se associam facilmente à água. A utilização de garrafas e vasilhames transparentes fragmentados e moídos até partículas com tamanhos inferiores a 1 milímetro mostrou em testes de laboratório, realizados em colunas de filtragem, que eles são de fácil manuseio para remoção de contaminantes em baixas concentrações na água.
Descarte de vidros: matéria-prima
para filtros
> Batata
para
a China A tecnologia de produção de brotos de batata livres de vírus do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas, será levada para a China. Minitubérculos de batata-semente serão enviados neste mês de agosto para o Instituto de Pesquisa de Agricultura Hulunbuir, na região norte. Segundo o pesquisador do IAC responsável pela técnica, João Alberto Caram de Souza Dias, a tecnologia abre caminho para exportações brasileiras de batata-semente livre de vírus e outros patógenos. As variedades que seguem para a China foram desenvolvidas também no instituto paulista: Aracy, Aracy-ruiva, Itararé, IAC done 2 e Ibitu-açu. O governo chinês quer produzir mais batata, mas enfrenta problemas fitossanitários como a requeima, virose que apresenta resistência nas novas variedades do IAC.
PESQUISA FAPESP 162 • AGOSTO DE 2009 • 65
fundecitrus
Ataque Ă laranjeira deixa folhas amareladas e a planta precisa ser erradicada
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PESQUISA FAPESP 162
>
tecnologia
Agricultura
A luta contra o
dragão amarelo Os estudos e soluções para combater o greening, doença que ataca a citricultura brasileira desde 2004 Marcos de Oliveira
U
ma verdadeira guerra está sendo travada pela citricultura brasileira contra o greening, atual mente a mais devastadora doença dos citros, grupo vegetal que abrange laranjas, limões, tangerinas, limas e pomelos. Identificada em 2004 pela primeira vez no país, ela colocou de um lado as bactérias que infectam as plantas e deixam as folhas amareladas e os frutos deformados e imprestáveis para o consumo. No lado oposto, uma legião de pesquisadores de várias instituições brasileiras e internacionais, do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), entidade mantida pelos produtores, que tentam barrar o progresso da enfermidade nos pomares, junto com os citricultores, principalmente no estado de São Paulo, sul de Minas Gerais e no Paraná, regiões responsáveis por quase 90% da produção nacional de frutas cítricas e 60% da produção mundial de suco concentrado congelado. Os estudos já permitiram desenvolver testes mole culares para identificar as plantas doentes, estabelecer formas de controle como a erradicação dos pés de ci tros atacados pelo greening. Além disso, há pesquisas em andamento para evitar que a doença se alastre ainda mais. “A infecção é severa. Não adianta cortar galhos, é preciso arrancar a árvore inclusive com a raiz com uma máquina para que não volte a brotar”, diz o agrôno mo Marcos Antônio Machado, pesquisador e diretor do Centro de Citricultura Sylvio Moreira, vinculado ao Instituto Agronômico (IAC) e à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, com sede no município de Cordei rópolis. Segundo o Fundecitrus, mais de 4 milhões de árvores, de um total de cerca de 200 milhões no Brasil, já foram erradicadas, com prejuízos enormes e variados de acordo com a idade de cada planta. Uma laranjeira, por exemplo, pode produzir por mais de dez anos. Em um estudo realizado entre março e abril deste ano pela Coor
denadoria de Defesa Agropecuária, também da Secretaria de Agricultura de São Paulo, 18% dos pomares paulistas estão afetados com pelo menos uma árvore com greening, um aumento de 30% em relação ao ano de 2008. Machado participou da equipe de pesquisadores que conseguiu identificar em junho de 2004, no município de Araraquara, no interior de São Paulo, pela primeira vez no Brasil a presença da bactéria causadora dessa doen ça. Essa confirmação foi feita com técnicas de biologia molecular, por meio da amplificação do DNA bacteriano por reação de polimerase em cadeia (PCR, ou polymerase chain reaction). Esses testes são agora utilizados de modo rotineiro, tanto no Centro de Citricultura quanto no Fundecitrus, para a comprovação de plantas doentes. Machado conta que o greening pode ter chegado ao Brasil por meio de borbulhas ou gemas, material de propagação vegetativa há mais de dez anos. “Alguém, provavelmente, achou bonita uma variedade lá fora e trouxe o material para o Brasil.” A doença é relatada na Ásia, desde o século XIX, continente de origem dos citros, presentes principalmente na Índia e na China, país em que a doença foi primeiro descrita. Lá recebeu o nome de huanglongbing, ou HLB, o que significa doen ça do dragão amarelo. O termo greening foi criado na África do Sul e se tornou mundialmente conhecido. Ele se refere aos frutos que não amadurecem e ficam verdes. “Preferimos chamar pelo nome oficial da doença em chinês pela primazia da descrição”, diz Machado. O inseto que dissemina a bactéria é um velho co nhecido dos agricultores brasileiros. Chegou aqui não se sabe como no início da década de 1940, provavel mente no meio de mudas infestadas. Ele se adaptou bem ao clima, mas não era considerado uma praga porque não produzia prejuízos, embora estivesse rela cionado à transmissão da bactéria causadora do HLB na China e em outros países da Ásia. Os olhares dos PESQUISA FAPESP 162
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José Roberto Postali Parra/esalQ -usp
Inseto transmissor da bactéria
que o inseto se desenvolve melhor em outras plantas, principalmente na mur ta (Murraya paniculata) usada em cer cas vivas e pertencente à mesma família dos citros, a das rutáceas. A fêmea co loca os ovos nas brotações das plantas. Nos citros ela coloca uma média de 160 ovos, enquanto em outras plantas chega até a 348.” Depois da eclosão, saem as ninfas, que se transformam em adultos. “Estabelecemos parâmetros climáticos e zoneamento de onde a praga ocorre mais intensamente. A maior prevalência acontece nos municípios de São Carlos, Bariri, Botucatu, Lins e Araraquara.”
A doença provoca o abortamento das sementes
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A expansão avalassadora da doença pode ser sentida em um experimento realizado pela equipe de Marcos Ma chado, dentro de outro projeto temáti co financiado pela FAPESP, iniciado em 2006, em parceria com o Fundecitrus, que tem objetivos de estudar a bactéria em relação ao diagnóstico, à biologia e à forma de combatê-la. “Isolamos um pomar novo de laranjas em Araraquara com 10 mil plantas sem HLB, cercada por plantações de cana e distante três quilômetros de qualquer outro pomar. Fizemos controle químico com insetici das, com diferentes tipos de aplicações. Depois de três anos, 15% das plantas ti nham a doença. O vento levou o inseto. A situação não é simples, porque é possível que tenham chegado ali 99 insetos, mas apenas um poderia ser o portador e ter transmitido a doença”, diz Machado.
N fundecitrus
citricultores brasileiros em relação ao Diaphorina citri, também conhecido pela ciência como psilídeo, que mede de 2 a 3 milímetros de comprimento, só mudaram com a confirmação do greening em São Paulo. Ele transmite ou adquire as bactérias das plantas doentes quando se alimenta, ao sugar os vasos do floema, no sistema de circulação da seiva da árvore. A importância desse vetor no âmbito da doença logo acionou os pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), mais precisamente, o professor José Roberto Postali Parra, que iniciou um projeto temático sobre o inseto, apresentado à FAPESP ainda em 2004 e iniciado em 2005 com financiamento da Fun dação. “Até aquele momento o inseto não era estudado profundamente. O nível populacional desse psilídeo não justificava estudos e um controle maior por parte do produtor. Com o temático procuramos conhecer melhor o inseto e indicar medidas biológicas, patógenas, comportamentais e recomendar o uso de inseticida de forma racional sem de sequilibrar o ambiente e sem matar os seus inimigos naturais, como algumas vespas”, explica Parra. “Identificamos
o campo da pesquisa, uma série de alternativas para eliminar o psilí deo está em estudo. “Uma delas é a adoção de bactérias, chamadas de simbiontes, que interferem no compor tamento e biologia dos insetos, além de fungos que podem ser utilizados como agentes de controle”, diz Parra. Esse tipo de controle biológico é feito de forma semelhante a inseticidas industriais com a aplicação de fungos microscópicos, da espécie Beauveria bassiana, misturados à água, sobre os insetos e nas plantações. O fungo é inerte para os vegetais e ao homem e parasita tanto o inseto adulto como as ninfas, deixando-os secos como se estivessem mumificados. A equipe do professor Parra também leva em con ta possível isolamento de feromônios sexuais, substâncias secretadas pela fê mea para atrair insetos machos. Esses feromônios poderiam ser usados em armadilhas para eliminar os machos e diminuir a população do inseto. Mas é nas goiabeiras onde deve estar a mais promissora substância para barrar a in vestida do psilídeo. “A goiabeira produz algumas substâncias que repelem o inse to, como foi observado inicialmente no Vietnã, onde se planta goiaba e laranja nos mesmos pomares, de forma inter calada”, diz o agrônomo José Belasque Júnior, pesquisador do Fundecitrus. Estudos para identificação e síntese dessas substâncias voláteis da goiabeira estão sendo feitos em nível internacio nal pelo Instituto Nacional de Ciência
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Os Projetos 1. Bioecologia e estabelecimento de estratégias de controle de Diaphorina citri Kuwayama (hemiptera: psyllidae) vetor da bactéria causadora do greening nos citros 2. Estudos da bactéria Candidatus Liberibacter spp., agente causal do huanglongbing (ex-greening) dos citros: diagnostico, biologia e manejo 3. Epidemiologia molecular e manejo integrado do huanglongbing (asiático e americano) no estado de São Paulo
modalidade
Projeto Temático Coordenadores
1. José Roberto Postali Parra – USP 2. Marcos Antonio Machado – IAC 3. Armando Bergamin Filho – USP investimento
fundecitrus
1. R$ 513.245,14 e US$ 14.266,09 (FAPESP) 2. R$ 1.058.519,78 e US$ 215.009,98 (FAPESP) 3. R$ 1.105.255,22 e US$ 68.824,87 (FAPESP)
Depois de infectada, a planta apresenta sintomas em até um ano
e Tecnologia (INCT) de Semioquími cos na Agricultura, financiado pela FAPESP e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem sede na Esalq e é coordenado pelo professor Parra, mais a Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, Universidade de Valência, na Espanha, e Instituto Max Planck, na Alemanha. “A ideia é produ zir essas substâncias no futuro nas pró prias laranjeiras por meio de técnicas de transgenia com o objetivo de espantar o inseto”, explica Parra. Ele também inclui entre os armamentos para combater o inseto o manejo ecológico com o uso de uma vespa, a Tamarixia radiata, que não causa danos à agricultura e ao ho mem, para parasitar as ninfas do inseto. Em estudos realizados no município de Araras, a soltura da vespa em pomares da região teve resultados entre 51% e 72% de eliminação das ninfas do inseto. “Os resultados são razoáveis, mas pre cisamos estudar mais em laboratório e em outras regiões.”
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esmo com tantas alternativas, o professor Parra, há mais de 40 anos realizando pesquisas com insetos ligados à agricultura e, inclusive, criando insetos para estudos na uni versidade, sente que o desafio é gran de, talvez o maior de sua carreira. “O inseto é complicado, de difícil manejo na criação, o que nos faz dependentes da captura no campo. Há também o problema das populações desses insetos que são variáveis ao longo do ano, das estações e de condições de temperatura e chuva, sem uma sistemática, o que nos impediu de estabelecer modelos de sua presença no campo”, diz Parra. Dentro do projeto temático, que tem também parcerias com o Fundecitrus, o Instituto Agronômico (IAC), o Instituto Bioló gico e a Universidade da Califórnia, em Davis, o grupo do professor Parra constatou um outro problema: alguns produtos químicos usados como inse ticidas contra o psilídeo não são mais eficientes, mas podem matar as vespi
Óptica aplicada à agricultura e ao meio ambiente modalidade
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) Coordenadora do projeto
Débora Milori – Embrapa – Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos investimento
R$ 25.000,00 e US$ 40.000,00 (FAPESP) Detecção de cancro cítrico por imagem de fluorescência no campo modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Luís Gustavo Marcassa – USP investimento
R$ 15.582,50 e US$ 12.536,61 (FAPESP)
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fundecitrus
Inspeções frequentes são fundamentais para frear o greening
nhas usadas no controle biológico. “O controle químico chega a ser exagerado, feito até duas vezes por mês. É impossí vel conter a doença apenas controlando o inseto, além de faltar conhecimento maior sobre esse tipo de aplicação”, diz Machado, do centro de citricultura.
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e o inseto é complicado, a bactéria não é menos. Ela só foi identificada em laboratório na França, em 1970. Ainda hoje ela não tem uma identifica ção taxonômica definitiva ou um nome científico aceito em todo o mundo. Por isso ela é chamada de Candidatus Libe ribacter e possui três espécies, a Ca. L. asiaticus, presente em maior número no Brasil e causadora da infecção mais de letéria, a Ca. L. africanus, mais amena e ausente dos pomares brasileiros, e a Ca. L. americanus, pouco presente no país, mas perigosa e descrita em 2004 por um grupo de pesquisadores da Esalq, do Fundecitrus e franceses do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (In ra, na sigla em francês). A identificação foi feita por sequências de trechos de DNA. Ela permanece candidata porque os pesquisadores não conseguem culti vá-la em laboratório, in vitro, e depois isolá-la. Mas essa situação pode mudar porque em maio deste ano um grupo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, na sigla em in glês) conseguiu cultivá-la em laborató rio, segundo artigo publicado na revista
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científica Phytopathology. “É preciso um caldo de que ela goste e isso é feito por meio de sequências de tentativa e erro”, diz o professor Elliot Kitajima, também da Esalq, especialista em microscopia eletrônica. Ele e o professor Francisco Tanaka fizeram uma das melhores ima gens da Liberibacter em um floema da vinca ou maria-sem-vergonha [Catharanthus roseus], uma planta ornamental. “A concentração na laranjeira é muito baixa, não é possível fazer imagens como a obtida com a vinca”, diz. “Não existe a relação de concentração da bactéria e es trago no floema”, diz Machado. Mesmo assim as poucas bactérias devem secretar toxinas que prejudicam a funcionalidade do floema. “Rapidamente, em cerca de meia hora depois de o inseto portador da bactéria picar a planta, ela se torna infectada, mas a evolução é lenta e os sintomas podem se manifestar até um ano depois da inoculação”, diz Parra. O combate ao dragão amarelo envol ve também o conhecimento do genoma da bactéria. O sequenciamento genético da Liberibacter asiaticus foi finalizado em 2008 pelo Usda. A espécie asiática da doença possui um genoma pequeno com cerca de 1,2 milhão de pares de base, enquanto a bactéria Xylella fastidiosa, que causa a clorose variegada dos citros (CVC), tem 2,4 milhões de pares, e a Xanthomonas axonopodis citri, bactéria causadora do cancro cítrico, possui 4,5 milhões de pares. A Xylella foi o primeiro
patógeno de uma planta no mundo a ter um genoma sequenciado, experimento finalizado em fevereiro de 2000 por pes quisadores de universidade e institutos paulistas financiados pelo programa Ge noma FAPESP, que também sequenciou a Xanthomonas. “O menor genoma da Liberibacter significa que ela é mais es pecializada ainda que as outras”, diz Ma chado. Ele coordena também o recém- -criado Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Genômica para Melhoramento de Citros, que engloba institutos e universidades de São Pau lo, Bahia, Paraíba e a Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Esse estado norte-americano também é atacado pelo greening, onde a doença foi identificada em agosto de 2005. A Flórida, com mais de 70 milhões de pés de laranja, é o se gundo produtor mundial de citros atrás de São Paulo, estado líder no Brasil, com cerca de 80% do total de frutas. Flórida e São Paulo somados são responsáveis por cerca de 40% da produção mundial. Mas se não bastassem as duas bacté rias Liberibacter, em 2007 foi identifica do um fitoplasma, bactéria sem parede celular, em plantas com os mesmos sin tomas do greening, mas sem nenhuma presença das Liberibacter, situação comprovada em testes moleculares de PCR. Com a colaboração do pesquisa dor francês Joseph Bové, do Inra, e do professor Kitajima, os pesquisadores do Fundecitrus anunciaram a má notícia e prepararam um novo teste que já está em uso. Estudos estão sendo realizados por vários grupos para entender melhor essa bactéria e sua ação nos citros. A complexidade da doença exige ca da vez mais pesquisas, como demonstra um terceiro projeto temático financiado pela FAPESP, iniciado em 2008. “Nosso objetivo é epidemiológico: estudamos a disseminação da doença em função do tempo, a rapidez como a infecção atinge as plantações e o inseto, e do espaço, averiguando hábitos de voo do psilídeo que pode ser levado pelo vento a centenas de metros, tudo com base em análises moleculares nas várias etapas da doença”, diz Armando Bergamin Filho, também professor da Esalq-USP. “Uma das nossas preocupações é o papel da murta como hospedeira do inseto e da bactéria. Vamos verificar a necessidade de erradicá-la também”, diz Bergamin, que espera ter novas propostas de con
FRANCISCO TANAKA E ELLIOT KITAJIMA/ESALQ-USP
trole da doença no final do projeto em 2012. Bergamin enfatiza a erradicação das árvores de citros doentes como controle fundamental. “A retirada das árvores doentes já está em lei federal, mas muitos produtores preferem apenas aplicar inseticidas e cortar galhos. Não adianta um produtor erradicar as plan tas e o vizinho não.” Ele acredita que a fiscalização dos órgãos governamentais também deveria ser mais efetiva tanto na observação da erradicação de plan tas doentes como na adoção de mudas sadias, embora no estado de São Paulo exista lei que exige a compra de mudas desenvolvidas em viveiros protegidos por telas e certificados até para evitar a disseminação de outras doenças. “O desafio é convencer o citricultor de que ele deve arrancar a planta, prin cipalmente entre médios e pequenos agricultores, que representam a maioria”, diz Belasque, da Fundecitrus. Em São Paulo, são mais de 5 mil propriedades com citros. “Temos uma equipe com 21 agrônomos espalhados pelo estado em contato com produtores, fazendo pales tras e acompanhando os casos da doença que já se espalha por todas as regiões citrícolas do estado.” Belasque acredita que a melhor solução seriam variedades de citros resistentes ao greening, mas isso deve demorar ainda de duas a três déca das. Enquanto isso, os produtores têm que cumprir uma série de inspeções por ano nos pomares. A Secretaria de Agri cultura recomenda três anuais, desde o início deste ano, inclusive com a emissão obrigatória de relatórios.
Floema (canal por onde a seiva percorre) da vinca, planta ornamental recheada de bactérias do gênero Candidatus Liberibacter que ataca os citros
Sequência de foto digital de folha com greening e imagens obtidas depois de expostas à luz de LEDs mostra alterações captadas pela reflexão da luminosidade
fotos Luís Gustavo Marcassa/ifsc-USP
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esperança mais próxima de uma ins peção mais rápida e segura de plantas doentes no campo está em sistemas eletrônicos que estão em desenvolvimen to por dois grupos de pesquisadores de São Carlos. Os experimentos utilizam o princípio da fluorescência, com técnicas e procedimentos diferentes que usam a emissão de luz pela folha após ter sido iluminada por um laser ou diodo emissor de luz, chamado LED. Um estudo é con duzido pelo professor Luís Gustavo Mar cassa, do Instituto de Física de São Carlos da USP, como uma sequência de outro estudo em que os pesquisadores usaram laser para identificar o cancro cítrico (ver Pesquisa Fapesp nº 80). “Chegamos a um resultado que mostra, ao analisar as folhas, que 95% tinham algo de errado, se
comparadas a uma folha sadia, enquanto 65% comprovadamente tinham cancro”, diz Marcassa. O estudo consiste em ilu minar a folha com a luz de uma fibra óp tica e captar, com outra fibra, a absorção da luz com a reflexão alterada pela bacté ria. Os dados enviados a um computador mostram em um gráfico a possibilidade de a planta estar infectada. Marcassa es tá fazendo um estudo semelhante para o greening. “Agora não uso o laser, que requer mais cuidados e é mais caro, mas LEDs de alta potência em diferentes co res. Chegamos a coletar 16 mil imagens em que emitimos uma cor (frequência de onda eletromagnética) e coletamos a emissão em outra cor”, diz Marcassa. O experimento com greening está no início e a ideia é levar o equipamento para o campo, num futuro próximo, ou deixá-lo num local que possa ser acessado, em média, um dia após a coleta, tempo em que a folha ainda não demonstra alterações. O diagnóstico sai em alguns minutos. O segundo experimento é conduzi do pela pesquisadora Débora Milori, da Embrapa Instrumentação Agrícola, uni dade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, que estuda o uso de feixes de laser para diagnosticar precocemen te o greening. Débora e sua equipe de senvolveram um equipamento portátil que permite, junto com outros tipos de aparelhos de precisão, fazer um levanta mento de mapas de infestação da doença de forma economicamente viável. “Hoje a inspeção visual pode levar a erros de 30 a 60%, inclusive na confusão com outras doenças que apresentam sintomas seme lhantes”, diz Débora. “Em laboratório, com calibração do aparelho para cada variedade de citro, conseguimos índices de acerto entre 80 e 90%, e o resultado sai em um minuto. Uma grande vantagem se comparado ao exame PCR que leva em torno de dez dias”, diz ela. Esse estu do recebe apoio do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos, um dos centros de Pesquisa, Inovação e Di fusão da FAPESP. Além disso, a pesqui sadora coordena uma rede de pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló gico (CNPq) voltada para a biofotôni ca aplicada ao diagnóstico do greening, que inclui parcerias com a Universidade da Flórida, Centro de La Papa, do Peru, n e Universidade Mayor, do Chile. PESQUISA FAPESP 162
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BIOMATERIAIS
União metálica Próteses ortopédicas se mostram mais eficientes e biocompatíveis Yuri Vasconcelos
eduardo cesar
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área de biomateriais tem experimentado grande crescimento nos últimos anos. Estima-se que o mercado mundial associado a esses materiais destinados a uso médico, produzidos com metais, cerâmicas, polímeros (sintéticos ou naturais) e compósitos compatíveis com o organismo humano, cresça a uma taxa de 12% ao ano. Estudos importantes nesse campo do conhecimento são realizados em diversos centros de pesquisa do país, entre eles o Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara, onde o professor e engenheiro de materiais Antonio Carlos Guastaldi e sua equipe estudam e desenvolvem implantes odontológicos e próteses ortopédicas de ligas metálicas feitas de titânio e molibdênio (Ti-Mo). O pesquisador está detalhando uma patente relacionada ao desenvolvimento do biomaterial, que deverá ser depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em setembro. Se tudo correr bem, e empresas se interessarem, ele acredita que os implantes odontológicos podem estar no mercado em 2010 e, no ano seguinte, será a vez das primeiras próteses ortopédicas com o novo material. Uma característica importante das próteses feitas com essas ligas, que têm entre 6% e 20% de molibdênio em sua composição final, é a biocompatibilidade, ou seja, a melhor interação com o organismo. “A grande maioria das próteses ortopédicas existentes no mercado é fabricada com ligas de titânio, alumínio e vanádio. O problema é que o vanádio é tóxico”, diz Guastaldi, Implante que coordena o Grupo de Biomateriais da Unesp de Araraquara. na forma “O molibdênio, além de biocompatível, não é tóxico. Ele confere de parafuso à liga propriedades mecânicas superiores às dos implantes de recebe titânio puro e maior compatibilidade com o organismo do que tratamento as ligas convencionais de titânio, alumínio e vanádio.” Por sua de superfície a laser elevada interação biológica e excelente resistência à corrosão,
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pelo quociente entre a tensão aplicada e a deformação elástica resultante) mais próximo ao osso humano do que as ligas tradicionais. O módulo de elasticidade de um osso é expresso em gigapascal (GPa), uma medida de tensão. De acordo com o pesquisador, esse módulo do osso humano fica entre 0,1 e 20 GPa, a das próteses criadas por sua equipe está na faixa de 75 a 80 GPa enquanto nas próteses convencionais varia de 100 a 114 GPa. Superfície bioativa - Outro aspecto
Feixe de laser em amostra de prótese de titânio facilita a osseointegração
biomateriais confeccionados de titânio encontram largo uso médico porque a estabilidade termodinâmica, em que o material se mantém quimicamente estável, é uma condição essencial para que ocorra a osseointegração. Esse aspecto relacionado à liga Ti-Mo foi estudado durante o trabalho de pós-doutorado do químico Nilson de Oliveira, em cooperação com dois outros grupos de pesquisa. Um nacional, do Laboratório de Metalurgia Física e Solidificação, da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e um internacional, da Universidade de Palermo, na Itália, onde foram realizados estudos de resistência a corrosão dessas ligas em soluções que simulam a agressividade do meio fisiológico do corpo humano. Na odontologia, o emprego mais comum são os implantes de titânio cp – sigla para comercialmente puros. No setor ortopédico, como o titânio sozinho não detém as propriedades mecânicas adequadas para fabricação de próteses, recorre-se a ligas desse metal com outros elementos químicos para a reconstrução de joelho, quadril, face, coluna e outros conjuntos ósseos. Um fator importante para avaliar a eficiência de uma prótese ortopédica, explica o professor da Unesp, é seu módulo de elasticidade, parâmetro mecânico que informa sobre a rigidez e a capacidade de deformação do material. 74
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O ideal é que a prótese tenha um módulo de elasticidade próximo ao do osso humano, facilitando a transferência de carga do implante para os tecidos vizinhos (osso, músculos, tendões). “Caso seu módulo seja muito diferente podem ocorrer rupturas entre o osso e o implante na região onde deveria ter acontecido a osseointegração.” E aqui reside a segunda vantagem das próteses de titânio e molibdênio desenvolvidas em Araraquara: elas têm o módulo de elasticidade (definido
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Os Projetos 1. Desenvolvimento de ligas metálicas Ti-Mo aplicadas como biomaterial para implantes 2. Modificação de superfície de implantes empregando-se feixe de laser e recobrimento com apatitas pelo método biomimético
modalidade
1 e 2 - Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
1 e 2 - Antônio Carlos Guastaldi – UNESP investimento
R$ 82.950,00 (FAPESP) R$ 287.812,50 (FAPESP)
importante para o sucesso de cirurgias de implante de próteses ortopédicas é sua capacidade de interação com o tecido ósseo no âmbito físico-químico, mantendo-se estável e suportando cargas sem provocar dor, inflamação ou afrouxamento do próprio implante. Para que isso ocorra, a superfície da prótese, região em contato direto com os tecidos do corpo, precisa ser bioativa e, assim, favorecer a formação óssea no local da fratura. Apesar das propriedades mecânicas, resistência à corrosão e biocompatibilidade do titânio, as ligas desse material são inertes porque não provocam interação química entre a superfície do implante e o tecido ósseo neoformado. Em razão dessa limitação, pesquisadores de vários países estudam tratamentos de superfície para melhorar a adesão e a fixação de tecidos duros vivos recém-formados na interface osso-implante. Várias técnicas têm sido pesquisadas para melhorar a osseointegração, entre elas o uso de laser para modificação da estrutura da superfície do implante. Esse foi o caminho seguido pela equipe de Guastaldi. “A aplicação de laser de alta potência pode levar a formações de superfícies nanoestruturadas e também a formação de óxidos na superfície do material. Alguns dos novos compostos formados são reconhecidos e aceitos pelo organismo, favorecendo a adesão, a proliferação e a diferenciação celular, além de promover a osseointegração na escala nanométrica.” Com isso, a quantidade de osso formado no local é maior, durante um tempo menor. A equipe também realizou estudos com o recobrimento de hidroxiapatita, um composto de cálcio e fósforo, na superfície do implante tornando-o bioativo. O material é referência para substituição e regeneração óssea porque possui similaridade química e estrutural
o osso são mais fortes do que a simples adesão física verificada na maioria dos implantes comerciais.” Os testes clínicos em humanos ainda não estão programados e só deverão acontecer quando houver interesse de alguma indústria para a produção das próteses. Segundo o pesquisador, já existe uma empresa do ramo odontológico – que ele prefere não revelar o nome – interessada em conhecer o implante de titânio e molibdênio com tratamento de superfície a laser e deposição de hidroxiapatita. As próteses ósseas levarão um pouco mais de tempo para atingir o estágio de comercialização, porque ainda precisam ser concluídos os estudos de deposição de hidroxiapatita e realizados os testes em humanos. n
> Artigos científicos 1. OLIVEIRA, N.T.C.; GUASTALDI, A.C. Electrochemical stability and corrosion resistance of Ti-Mo alloys for biomedical applications. Acta Biomaterialia. v. 5 (1), 399- 405, 2009. 2. OLIVEIRA, N.T.C.; ALEIXO, G.; CARAM, R.; GUASTALDI, A.C. Development of Ti-Mo alloys for biomedical applications: microstructure and electrochemical characterization. Materials Science and Engineering: A. v. 452/3, p. 727-731, 2007.
fotos Instituto de química da unesp de araraquara
com a parte mineral de ossos e dentes e a sua presença na superfície do implante cria condições físico-químicas para a proliferação de células ósseas, sendo possível também o planejamento da composição química do recobrimento, melhorando as atividades físicas, químicas e biológicas do implante, por exemplo, os desenvolvidos para diabéticos. O recobrimento de hidroxiapatita foi feito apenas nas peças de Ti cp para fabricação de implantes dentários, mas a intenção do grupo é repetir o mesmo estudo nas ligas de Ti-Mo para uso ortopédico. As pesquisas do Grupo de Biomateriais de Araraquara estão em estágio avançado, mas um longo caminho ainda precisa ser percorrido até que os materiais criados nos laboratórios da universidade transformem-se em produtos prontos para o mercado e estejam à disposição de dentistas e médicos. Os ensaios iniciais revelaram que as ligas têm resistência à corrosão e são adequadas para aplicação como biomaterial. A etapa posterior da pesquisa consistiu na realização de testes in vitro. Discos metálicos feitos de ligas de Ti-Mo de 1 centímetro de diâmetro e 2 milímetros de espessura foram colocados junto a uma cultura de células não diferenciadas (células-tronco) para avaliar se haveria formação de células ósseas, etapa indispensável do processo de osseointegração. O sucesso desses ensaios levou os pesquisadores a passar para os testes in vivo, realizados em cooperação com outros grupos de pesquisa nas faculdades de odontologia de Araçatuba e de Araraquara, ambas da Unesp, além de colaborações internacionais, em Portugal, na Universidade da Ilha da Madeira, e na Itália, na Universidade de Chiete-Pescara. Implantes na forma de parafusos, com 10 milímetros de comprimento por 3,5 milímetros de diâmetro, foram inseridos na tíbia de coelhos e retirados quatro, oito ou 12 semanas depois, para análise do padrão de osseointegração. Alguns implantes haviam sofrido tratamento de superfície a laser e outros, não. “Esses ensaios revelaram que houve maior formação e crescimento de osso nos implantes tratados a laser e com deposição de hidroxiapatita em comparação com implantes comerciais”, destaca Guastaldi. “Comprovaram também que nossas próteses de Ti-Mo são eficientes e biocompatíveis e que as ligações químicas estabelecidas entre o implante e
Fases de crescimento celular (em azul) sobre superfície tratada a laser
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ENGENHARIA
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Economia na
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equenos pontos luminosos coloridos em televisores, DVDs e outros aparelhos eletrônicos indicam que eles estão no modo de espera ou stand-by, prontos para serem acionados a um simples toque do controle remoto. É uma facilidade inquestionável, mas que pode representar no final do mês cerca de 15% no valor da conta de energia elétrica residencial, considerando que os brasileiros consomem em média cerca de 200 quilowatts-hora (kWh). Para reduzir esse gasto sem precisar desligar os aparelhos da tomada, um grupo de pesquisadores vinculados à empresa GT Gestão e Tecnologia, instalada no Programa Municipal de Incubação Avançada de Empresas de Base Tecnológica (Prointec) de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, também conhecida como Vale da Eletrônica, desenvolveu um equipamento chamado Ecoenergy que economiza até 95% do consumo no stand-by e 15% na conta de energia. “O consumo de uma televisão e de um receptor de TV por assinatura ligados no modo de espera fica em torno de 10 watts por hora”, diz Jorge Henrique de Oliveira Sales, pesquisador do Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), coordenador do projeto e colaborador da GT. “Quando esses aparelhos são
Circuito do Ecoenergy tem baixo consumo de energia, que contribui para reduzir gasto em modo de espera
acoplados ao Ecoenergy, o gasto energético no modo de espera fica em 0,5 watt por hora, o que representa uma redução de 95% nesse tipo de consumo.” Essa diminuição substancial deve-se ao circuito do aparelho, desenvolvido para ter baixíssimo consumo e alta eficiência. “Utilizamos controladores e circuitos que quando não estão ativos consomem correntes na casa de microampères, deixando apenas o necessário para a operação pelo controle remoto”, explica Sales, responsável pela parte teórica do projeto. Dois engenheiros de desenvolvimento da GT, Frederico Farias Ferrão e Rodrigo Gaigher, também participaram da pesquisa, iniciada em janeiro de 2008. Em outubro do ano passado, o projeto foi aprovado em um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), direcionado para o desenvolvimento de inovações eletrônicas na cidade de Santa Rita do Sapucaí. Parada programada - O Ecoenergy
foi concebido para ser um dispositivo simples. O plugue do cabo de energia do aparelho eletrônico deve ser encaixado no Ecoenergy e ele, por sua vez, ligado na tomada. O equipamento também pode ter dois encaixes, se o consumidor desejar ligar ao mesmo tempo uma TV e um receptor de TV a cabo, por exemplo. O dispositivo vem acompanhado de um controle remoto, que desliga e religa
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O Projeto Central para economia de energia, automação e controle residencial
modalidade
Apoio a Inovações em Empresas do Arranjo Produtivo Local Eletroeletrônico Coordenador
Jorge Henrique de Oliveira Sales – GT Gestão e Tecnologia investimento
R$ 130.610,00 (Fapemig)
automaticamente todos os aparelhos, sem necessidade de tirá-los e colocá-los na tomada novamente. Um timer permite desligar os aparelhos em quatro horários programados de 15 em 15 minutos. No tempo predeterminado, todos os aparelhos são efetivamente desligados, enquanto no modo stand-by eles continuam consumindo energia. O Ecoenergy possui um diodo emissor de luz (LED) na cor vermelha que só pisca quando o controle remoto ou o timer são acionados, contribuindo para reduzir ao máximo o consumo de energia. A empresa, que já depositou o pedido de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), planeja colocar o produto no mercado até setembro deste ano. “O preço final ainda não está fechado, mas pelas nossas contas o equipamento mais simples, com uma tomada, será vendido por volta de R$ 60,00, incluídos os impostos”, diz o engenheiro Frederico Ferrão. “Em seis meses o consumidor vai conseguir pagar o equipamento com o dinheiro que deixou de gastar na conta de energia.” Atualmente os pesquisadores dedicam-se ao desenvolvimento de um controle geral para equipamentos eletroeletrônicos, projeto apoiado pela Fapemig. “De um único ponto instalado na casa, será possível controlar vários aparelhos”, diz Ferrão. Um dos principais vilões para o alto consumo de energia elétrica no modo stand-by são os receptores de TV a cabo ou via satélite. Pesquisa realizada no ano passado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) com sete empresas de produtos eletrônicos e quatro empresas de TV por assinatura apontou um consumo entre 6,5 e 14 watts (W) por hora dos conversores de TV em stand-by. As pequenas caixinhas consomem praticamente a mesma energia quando estão ligadas ou em modo de espera. Só apagam a luzinha quando o plugue é retirado da tomada porque elas não possuem botões para desligá-las por completo. Em média, um conversor de TV por assinatura gasta 9,2 W em stand-by e 11,5 W quando está em uso. O instituto fez uma simulação do gasto de energia médio dos conversores considerando
quatro horas de uso. Por esse cálculo, o consumo de energia no modo de espera de apenas um conversor será de 6,9 kWh por mês. “Esse alto consumo é decorrente da forma de funcionamento do circuito do receptor, que mesmo em stand-by permanece ligado para poder acessar a programação da TV ou para receber o sinal de transmissão”, diz Sales. A pesquisa do Idec mostrou ainda que os aparelhos de DVD, por exemplo, consomem mais energia por mês no modo stand-by (0,67 kWh) do que quando estão em uso (0,51 kWh) durante duas horas por dia. Já as televisões consomem mais quando estão ligadas do que no modo de espera. Uma TV de LCD gasta mensalmente 26,57 kWh e em stand-by 0,29 kWh, tomando como base uma média de utilização de quatro horas por dia. As TVs mais antigas de tubo, no entanto, consomem cerca de 3 kWh por mês no modo de espera. “O cálculo de que os equipamentos em modo de espera podem representar até 15% na conta de luz no final do mês é feito tomando como base uma casa em que moram duas pessoas que possuem um televisor convencional de tubo, um receptor de TV a cabo ou de parabólica, um aparelho de DVD ou videocassete e um micro-ondas”, diz Ferrão. O número de pessoas é importante para o cálculo final da conta de luz porque no caso de haver muitos moradores na mesma residência a porcentagem do modo de espera pode variar em função do consumo de energia do chuveiro elétrico. O micro-ondas também responde por um grande desperdício de energia no modo de espera. “Apenas para manter algumas programações, como o relógio e o teclado por toque ativo, o micro-ondas fica com todo o circuito de display ligado, o que representa um consumo de 30%, em média, da energia que ele utiliza por mês para cozinhar ou esquentar alimentos”, diz Sales. n
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ENGENHARIA AEROESPACIAL
Olhar brasileiro Nova câmera de monitoramento feita pela Opto para o Cbers-3 será testada na China
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ntegrada ao satélite sino-brasileiro de recursos terrestres, a 800 quilômetros de altitude, uma câmera inteiramente desenvolvida e fabricada no Brasil pela empresa Opto Eletrônica, de São Carlos, no interior paulista, vai produzir registros de desmatamentos, da expansão urbana e da agropecuária do solo brasileiro e de outros países, entre outras aplicações, a partir de 2011, data prevista para o lançamento do Cbers-3. No dia 21 de julho, a segunda versão da câmera foi entregue ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para ser encaminhada à China, onde passará por vários ensaios do chamado teste de qualificação. A primeira versão, que ficou pronta em dezembro de 2007 e foi enviada em junho de 2008 para a China, teve que ser totalmente redesenhada depois que os Estados Unidos e outros países fizeram restrições à importação de vários componentes utilizados para a construção do equipamento. O obstáculo no final converteu-se em oportunidade de criação de tecnologia nacional para a fabricação das principais peças utilizadas. Por essa razão, a nova versão recebeu o nome de MUX Free. “A câmera é a primeira desse tipo e com essa finalidade a ser inteiramente projetada e produzida no Brasil”, diz o engenheiro Mário Stefani, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Opto e coordenador do projeto da câmera multiespectral. O equipamento registra imagens em quatro cores – azul,verde, vermelho e no infravermelho –, em faixas estreitas bem definidas. Enquanto a câmera anterior fabricada pela China e acoplada ao Cbers-2, atualmente em órbita, trabalha com três cores, menos o azul. “A combinação das quatro bandas espectrais permite ver a qualidade de água dos rios, se o solo está exposto ou degradado, se há degradação da vegetação ou ocupação de áreas irregulares. O azul serve principalmente para avaliação de recursos hídricos”, diz Stefani. A câmera brasileira possui quatro linhas de 6 mil pixels, sendo que cada pixel cobre uma área de 20 metros no solo. A faixa de largura imageada, que é a extensão do território visto em uma linha na imagem, é de 120 quilômetros de largura. O processo para chegar à câmera capaz de suportar o foguete lançador, funcionar no ambiente espacial, em gravidade zero, no vácuo e submetido ao bombardeio contínuo de radiação, compreende várias etapas. “Foram feitos dois modelos de engenharia e serão construídos ainda mais um modelo de qualificação
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e depois os três modelos de voo.” Mas antes de começar a trabalhar no desenvolvimento do projeto a empresa teve que vencer uma licitação internacional, promovida pelo Inpe, em dezembro de 2004. O projeto preliminar da câmera foi apresentado em outubro de 2005 e em dezembro de 2007 foi entregue o primeiro modelo de engenharia, que teve de ser totalmente refeito após o boicote. O novo modelo de engenharia entregue ao Inpe será avaliado em vários ensaios para comprovar a funcionalidade bem como a resistência ao ambiente espacial. Só depois de cumprida essa etapa é feito o modelo de qualificação e depois os modelos de voo, previstos para ficarem prontos em julho de 2010 e que vão integrar a carga útil do satélite Cbers-3 e também o do Cbers-4, previsto para ser lançado em 2014.
FOTOS EDUARDO CESAR
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Opto também participa do consórcio para o desenvolvimento de uma segunda câmera que será embarcada nos satélites sino-brasileiros 3 e 4, chamada WFI (sigla em inglês para wide field imager, ou imageador de amplo campo de visada), em parceria com a empresa Equatorial Sistemas, de São José dos Campos, do interior paulista. Nesse projeto a Opto responde pela parte optoeletrônica e a Equatorial pelo processamento e sinal de vídeo, além do controle térmico. A câmera WFI tem ângulo maior de cobertura, porém resolução menor em comparação com a MUX. “A WFI será entregue em outubro para os testes de qualificação”, diz Stefani. Além das duas câmeras produzidas pelas empresas brasileiras, os satélites levarão mais duas, fabricadas pelos chineses. “No total vamos entregar para voo três conjuntos de câmera MUX e WFI, o que totaliza seis câmeras”, diz Stefani. Um deles vai para o Cbers-3, outro para o Cbers-4 e o terceiro conjunto fica como reserva, para substituição no caso de haver qualquer problema. Stefani comanda uma equipe de 56 profissionais que trabalham simultaneamente no desenvolvimento de três câmeras, duas para os satélites sino-brasileiros e uma terceira para o satélite Amazônia-1, chamada AWFI (advanced wide field imager), com resolução espacial de 40 metros
e capacidade de imageamento de uma faixa de 780 quilômetros. Desde a criação da Opto em 1985, pelos professores Milton Ferreira de Souza e Jarbas Caiado de Castro, além de outros quatro pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, a empresa e suas afiliadas foram apoiadas com oito projetos na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, que financiaram especialmente estudos nas áreas de aplicação industrial e de equipamentos oftálmicos para uso médico. O primeiro deles, concedido em 1988 para desenvolvimento de um medidor de distâncias longas a laser para uso industrial, foi coordenado por Stefani. O produto ficou pronto dois anos depois, mas não decolou comercialmente. Foram vendidas só oito unidades do medidor, sete para a Vale do Rio Doce e uma para a Firestone. “Apesar do fracasso comercial, o projeto criou para a empresa uma capacidade tanto humana como instrumental, criando uma bagagem tecnológica que resultou no desenvolvimento de um laser para uso em cirurgias de retina muito competitivo”, diz Stefani. Até hoje a empresa fabrica esse laser – um grande sucesso comercial que garantiu à empresa uma posição forte no mercado internacional
– com as mesmas pessoas, instrumentos e equipamentos utilizados no primeiro projeto financiado pela FAPESP. Atualmente a Opto, que atua nas áreas de equipamentos médicos oftalmológicos, tratamento antirreflexo para lentes, equipamentos de medição e controle, defesa e produtos aeroespaciais, conta com 450 funcionários, 58 dos quais são pesquisadores. O investimento em pesquisa e desenvolvimento é de cerca de 15%, em média, do faturamento, que no ano passado foi de R$ 50 milhões. Quando as câmeras estiverem no espaço, a Opto vai ajudar o Brasil a fazer parte de um restrito grupo de países que fabricam sistemas de imageamento para uso orbital, composto por Estados Unidos, Rússia, França, Israel, Índia e China. A participação no projeto MUX assim como nos projetos Pipe possibilitou à empresa criar uma infraestrutura de ponta, com máquinas e sala limpa para os testes espaciais. Com isso a Opto pode desenvolver uma segunda geração de retinógrafos, aparelhos que mapeiam a retina, em condições de competir com gigantes internacionais. “O programa espacial funciona como um poderoso aperfeiçoador da capacidade industrial do país, que passa a ser competitivo em áreas importantes”, diz Stefani. ■
Dinorah Ereno
Câmera MUX Free cobre área de 20 metros no solo
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humanidades
História
Cálculos mortais Estudos sobre a “diplomacia dos campos” e a “economia do Holocausto” revelam as sutilezas da banalidade do mal
lasar segall, 1891 vilna – 1957 são paulo, pogrom (1937, pintura a óleo sobre tela, 184 x 150 cm – acervo do museu lasar segall – ibram/minc)
Carlos Haag
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esmo após a “invenção” da banalidade do mal, proposta por Hannah Arendt, é difícil pensar em campos de concentração, atuais ou passados, como espaços nascidos do pragmatismo.
Pesquisas recentes, nacionais e estrangeiras, porém, revelam que os campos serviram, acima de tudo, a propósitos práticos de governos totalitários, seja como fonte de trabalho forçado em nome da modernização das sociedades, seja como forma de isolar os elementos considerados “indesejáveis”. Infelizmente, esse não foi um
“privilégio” alemão e também aconteceu no Brasil. “Com a prática do genocídio nos campos de concentração, o termo passou a representar o ‘inferno’ que foram os campos nazistas e stalinistas. Essa representação fixou o nosso imaginário, nos impedindo de pensar outros campos de concentração como limbo ou purgatórios, estágios anteriores, mas de passagem para o inferno”, avisa a historiadora Priscila Perazzo, cuja tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP), com apoio da FAPESP, Prisioneiros da guerra: os “súditos do Eixo” nos campos de concentração brasileiros, acaba de ser lançada em livro (Humanitas/FAPESP, 384 páginas, R$ 40). A pesquisadora revela que o internamento de imigrantes alemães e japoneses, no Brasil, durante a guerra, foi prag-
mático “elemento de negociação de interesses entre o Brasil e os Estados Unidos no campo das relações internacionais” e também uma oportunidade para o Estado Novo reforçar a sua política de nacionalismo extremado, excluindo “elementos indesejáveis” de raças que não fossem brancas ou se mantivessem fechadas em suas comunidades estrangeiras. Embora reconheça a diferença abissal entre os campos de extermínio europeus e os campos de concentração brasileiros, Priscila alerta sobre o que chama de “cilada do imaginário”. “Nós que militamos pelos direitos humanos, muitas vezes insistimos que os campos existiram apenas nas terríveis experiências de Hitler e Stalin. Não podemos cair nessa cilada, porque, nessa luta, não nos cabe dimensionar o sofrimento humano, mas evitá-lo, PESQUISA FAPESP 162
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lasar segall, 1891 vilna – 1957 são paulo, morte (1917, pintura a óleo sobre tela, 92,5 x 104 cm – coleção particular, sp)
independentemente de sua intensidade”, pondera. Afinal, o Brasil não apenas recorreu aos campos como foi precoce em sua utilização. Já em 1915 era inaugurado o campo de concentração do Alagadiço, no Ceará, onde mais de 10 mil retirantes da grande seca daquele ano foram internados entre cercas de arame farpado, recebendo pouca comida e sob a vigilância de soldados, procedimento que foi repetido, em versão racionalizada, na seca de 1932 e durante os anos da Segunda Grande Guerra. “A expressão campo de concentração ficou associada apenas à ferocidade do Holocausto e a força desse imaginário impediu a visibilidade das semelhanças com os investimentos do Estado brasileiro realizadas nos campos de concentração do Ceará”, afirma o historiador Frederico de Castro Neves, da Universidade Federal do Ceará, coordenador do grupo de pesquisa do projeto A seca e a cidade, que pretende identificar os mecanismos de controle social implementados para regular os comportamentos e a circulação dos retirantes durante o período das secas, entre os quais os campos de
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concentração. Foi a forma encontrada para isolar Fortaleza dos migrantes “indesejáveis”, assim como, entre os anos 1930 e 1940, também funcionou como uma boa fonte de trabalho forçado para o regime varguista. “E você? Tem visto muito horror no campo de concentração?”, pergunta o sertanejo Vicente, personagem do romance O quinze (1930), de Rachel de Queiroz, sobre a seca de 1915, onde a chegada dos retirantes ao seu internamento, saindo dos trens, evoca Auschwitz: “Acharam-se empolgados pela onda que descia, e se viram levados através da praça de areia, e andaram a pé por um calçamento pedregoso, e foram jogados a um curral de arame onde uma infinidade de gente se mexia”. No Alagadiço, os cadáveres se acumulavam à espera de transporte e uma testemunha previu: “O campo de concentração me deu a certeza de que em breves dias teríamos ali um campo santo”. Economia do Holocausto - Os estudos
nacionais, de certa forma, inserem-se numa tendência acadêmica internacional que há alguns anos começa a discutir
a chamada “economia do Holocausto”, modelo utilizado pelos nazistas para “modernizar” a Alemanha a partir de uma estrutura industrial complexa nos moldes do capitalismo nazista e a partir dos campos de concentração, bem como a maneira de suprir a carência de mão de obra para o esforço de guerra. “Os benefícios econômicos obtidos com a apropriação dos bens da comunidade judaica e a exploração do trabalho forçado de prisioneiros por várias empresas são fatores que contribuíram para que o colapso econômico da Alemanha na Segunda Guerra Mundial fosse adiado”, escreve a historiadora Ania Cavalcante em sua tese de doutorado Holocausto e capitalismo, recém-defendida na USP. “A guerra modificou os objetivos dos campos de concentração. O Holocausto não foi um processo linear, pois não havia consenso na cúpula nazista se a política de extermínio dos prisioneiros deveria ser priorizada em detrimento do uso do trabalho forçado.” O sistema de campos de trabalho, na Alemanha e nos países ocupados, reuniu 2.498 empresas, 20 mil “campos de trabalho civil” e entre 10 milhões e 12 milhões de pessoas que, sob condições desumanas, foram obrigadas a exercer trabalho forçado para a economia de guerra alemã. “Assim, em 1944, quando a Alemanha sentiu que estava perdendo a guerra, houve uma diminuição do extermínio massivo em razão das necessidades do esforço bélico.” Auschwitz foi o símbolo da “economia do Holocausto”. “Esse campo de concentração e extermínio representava, por um lado, um aspecto produtivo de uma estrutura industrial e bancária associada ao tipo de capitalismo pregado pelo nazismo. A sua estrutura industrial fundamentava-se no trabalho forçado dos prisioneiros para empresas alemãs (IG-Farben, Siemens e Krupp), sobretudo de borracha sintética produzida pela IG-Farben, o maior cartel químico europeu da época, cuja firma
não era matéria de discussão de direitos humanos. Foram os horrores da Segunda Guerra que deixaram para a posteridade a preocupação com as garantias individuais, embora ao longo desses últimos 60 anos continuemos a enfrentar essas situações”, nota Priscila. O conceito de campo de concentração, aliás, nasce de uma prosaica necessidade pragmática. “A ideia de internar civis, ditos ‘indesejáveis’, em campos de concentração surgiu na Guerra dos Bôeres (entre 1899 e 1902), entre ingleses e africaners, na África do Sul, quando pela primeira vez se adotou a prática da custódia em moldes ‘industriais’, sob a justificativa de que se tratava de pessoas ‘cujas ofensas não se podiam provar, e que não podiam ser condenadas pelo processo legal comum’, como observou Hannah Arendt.” Quase 30 mil bôeres, entre homens, mulheres e crianças, morreram de doenças e fome nesses campos que Lord Kitchner, o comandante das forças britânicas na África do Sul, justificava como “necessidades práticas”, longe de condená-los como ações desumanas. Os campos de concentração nacionais, definidos abertamente pelas nossas autoridades como tais, igualmente foram criados por questões pragmáticas. “Oficialmente, os campos surgiram por causa da impossibilidade dos governos federal e estadual de acomodar todo o contingente de estrangeiros presos a partir de 1942. Foram sempre denominados pelo discurso oficial como campos de concentração. Afinal, após serem considerados pelo Estado como prisioneiros de guerra, os chamados ‘súditos do Eixo’ precisavam ser internados como ‘inimigos’ nesses espaços de reclusão, embora as condições desses lugares estivessem longe das preconizadas pela Convenção de Genebra de 1929”, explica Priscila. Houve mesmo um grande esforço em veicular, no Brasil e no exterior, uma imagem de humanitarismo que, ao contrário do que faziam os alemães em seus campos, era dispensada aos prisioneiros no Brasil, lasar segall, 1891 vilna – 1957 são paulo, desenho original do caderno visões de guerra (1940-1943, tinta preta a pena e pincel e aquarela sobre papel, 15,6 x 19,5 cm – acervo do museu lasar segall – ibram/minc)
associada, Degesh, produzia o gás Zykon B usado nas câmaras de gás do campo”, nota Ania. “A estrutura bancária de Auschwitz, por sua vez, baseava-se no financiamento bancário feito pelo Deutsche Bank para a construção de estruturas do campo, como a fábrica de Buna, os crematórios e galpões das SS. Os crematórios do campo foram fornecidos pela Topf & Söhne, sendo planejados pelos engenheiros dessa indústria para eficiência máxima, uma relação direta entre tecnologia, modernidade e assassinato em escala industrial, o aspecto destrutivo do qual Auschwitz também é símbolo”, diz a pesquisadora. Em fins de 1944 estima-se que os campos de Himmler proveram a máquina de guerra nazista com pelo menos 500 mil trabalhadores. “Para tanto, controlou-se mesmo a mortalidade nos campos que, até 1942, era assustadora a ponto de impedir as SS de atingir os objetivos exigidos por Himmler. O serviço médico dos campos foi reativado e aumentaram as rações para os prisioneiros.” A indústria privada alemã “convidou” as SS a uma parceria com a provisão de internos dos campos, na medida em que a relação custo-benefício do trabalho forçado, mesmo com as “taxas” cobradas pelas SS e a produtividade dos internos, era muito favorável ao empregador, embora o Reich exigisse que os empresários não ficassem com todo o lucro extra. Seguindo a demanda de mão de obra das empresas, as SS aumentavam as deportações em massa dos países ocupados para oferecer cada vez mais trabalhadores e para substituir os prisioneiros mortos por exaustão ou doenças. “É impressionante verificar essas concessões pragmáticas feitas pelos nazistas em detrimento dos imperativos ideológicos pelos nazistas quando as circunstâncias o exigiram, um compromisso entre trabalho e destruição”, afirma o historiador Wolf Gruner, da University of Southern California, autor do estudo Jewish forced labor under the nazis: economic needs and racial aims, recém-editado pela Cambridge University Press.
“A liderança do Terceiro Reich improvisou uma nova estratégia que combinava o esforço de expansão da mobilização industrial com alguns dos componentes mais destrutivos da ideo logia nazista. Ao mesmo tempo, num paradoxo terrível, o trabalho forçado de prisioneiros de campos de concentração, ao mesmo tempo que matou milhares de exaustão, permitiu que muitos sobrevivessem ao extermínio, destino certo de todos aqueles que não fossem considerados aptos para o trabalho forçado”, analisa Gruner. “Claramente encontraram-se meios de reconciliar os impulsos genocidas ideológicos com o sistema racional de exploração, totalmente funcional do ponto de vista do empregador individual, ainda que não para a economia como um todo.” Desse esquema nasceu um sistema de campos de trabalho que beneficiou 2.500 empresas alemãs com a escravidão de 12 milhões de pessoas. Assim, preocupações estratégicas e econômicas foram importantes na implantação dessa política e até mesmo tiveram prioridade sobre o assassinato em massa racial. “Até a primeira metade do século XX a situação de civis durante conflitos bélicos
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Num paradoxo terrível, o trabalho forçado salvou a vida de milhares de prisioneiros que teriam sido enviados para os campos da morte
forma de agradar aos americanos, peça fundamental, e muito prática, na criação dos campos. “O governo brasileiro assumiu a repressão ao nazifascismo para endossar a direção assumida com o alinhamento aos Aliados e o tratamento aos ‘súditos do Eixo’ deixou de ser apenas questão nacional para projetar-se como elemento de negociação internacional”, observa. O tratamento desses estrangeiros como prisioneiros de guerra era a força que movia o diálogo com os Aliados, um elemento de negociação da inserção brasileira no contexto mundial. “O que se desejava era a possibilidade de o país contar com o apoio americano para conquistar uma posição de hegemonia na América do Sul, um páreo disputado também pela Argentina, que rejeitou a aproximação de Washington. Vargas tinha consciência de que poderia tirar vantagem das disputas no continente para a construção de um Estado nacional-moderno com projeções internacionais”, analisa. Ao mesmo tempo, segundo a pesquisadora, para o nacionalismo perseguido pelo governo Vargas, esse internamento foi igualmente interessante, já que permitiu a efetivação das políticas nacionalistas, tirando de circulação os elementos que o Estado via com desconfiança, já que, em geral, relutavam em abrir mão dos seus valores nacionais ou não estavam nos planos varguistas de um Brasil “branco”. “Se a perseguição aos alemães foi parte integrante do projeto étnico-político do governo Vargas e, até 1942, pouco teve a ver com a guerra na Europa, os japoneses foram vítimas da política interna que pretendia conter o ‘perigo amarelo’. Desde 1934, eles não eram mais imigrantes ‘desejáveis’, já que se queria reconstituir a raça brasileira por meio do seu ‘branqueamento’. Isso também explica por que os italianos foram menos perseguidos, já que, na maioria dos casos, estavam muito integrados ao país e dentro dos padrões do 84
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Estado Novo.” Para Priscila, da mesma forma que é impossível ter certeza de que os imigrantes japoneses confinados em campos americanos (cerca de 110 mil deles foram presos pelos americanos sob a alegação de “necessidade militar”) teriam cometido atos de traição se permanecessem em liberdade, internar os “súditos do Eixo” teve um significado político pragmático, voltado tanto para o campo das negociações entre Brasil e Estados Unidos como para dar vazão às políticas perseguidas pelo Estado Novo antes de 1942, mais do que propriamente uma necessidade de reclusão desses estrangeiros em campos de concentração como prática de repressão. Iniciativa do governo - “A criação dos
campos de concentração brasileiros, adaptando presídios e colônias penais já existentes em São Paulo, Rio, Pernambuco e Rio Grande do Sul, representa uma iniciativa do governo brasileiro em corresponder aos anseios e às pressões dos americanos sobre a América Latina.” Isso fica evidente nos cuidados legais tomados pelo governo Vargas. “Era necessário que não houvesse incompatibilidade entre as medidas legais internas relacionadas aos estrangeiros dos países em guerra com o Brasil e as disposições internacionais da Convenção de Genebra de 1929. Se o país queria conquistar o apoio americano como potência na América do Sul, era preciso respeitar as instituições e normas.” Daí a necessidade, continua Priscila, de lidar com os “inimigos” como internos civis e fazê-los receber, por extensão, o mesmo tratamento dado aos prisioneiros de guerra, o que se constituiu numa condição para que o país pudesse se projetar “com dignidade” entre as grandes potências. “Com isso, os estrangeiros passaram a receber proteção internacional, à revelia das intenções brasileiras. Se a guerra, de um lado, prejudicou esses estrangeiros, de outro ela garantiu
que seu encarceramento obedecesse às normas internacionais que o governo Vargas alegava fazer questão de cumprir, deixando-os menos vulneráveis às decisões arbitrárias da política interna do Estado Novo”, diz. Uma notável analogia com a sobrevivência de prisioneiros dos campos alemães em razão da sua utilização como escravos. Também é preciso lembrar que esse “cuidado” com os prisioneiros era algo para “americano ver”, muito diferente da crueldade típica com que os prisioneiros políticos brasileiros eram tratados, por exemplo, na Ilha Grande, prisão adaptada para a internação de alguns “súditos do Eixo”; ou, ainda, nada coerente com a cruel política antissemita da seleção de estrangeiros que podiam ou não se refugiar no Brasil, praticada pelo Estado Novo. Mesmo o qualificativo “súditos do Eixo” deixa entrever interesses mais diretos do nacionalismo varguista, pois, além de um jargão de propaganda de guerra, ele evidenciava que aquelas pessoas eram obedientes a outro poder que não o do ditador brasileiro e, por isso, precisavam ser apartadas, por questões políticas, da sociedade totalmente brasileira que se pretendia reinventar. Os campos se convertem em plataforma de um projeto nacional e internacional. A experiência, como já se falou, não era nova, tendo sido empregada no Ceará durante as movimentações sociais decorrentes das secas. “Mas, em 1932, pela primeira vez a intervenção do Estado em período de seca no semiárido cearense ocorreu de forma coordenada e centralizada. Entre 1877 e 1932 gestou-se uma nova estrutura de como tratar a pobreza a que a seca dava visibilidade e se estabeleceu um novo relacionamento entre retirantes, governantes e habitantes das cidades”, analisa Neves. Assim, observa ele, um amplo programa de criação de campos de concentração, em que os retirantes fossem induzidos a entrar e proibidos de sair, foi implementado
lasar segall, 1891 vilna – 1957 são paulo, desenho original do caderno visões de guerra (1940-1943, tinta vermelha, preta e amarela aguada sobre papel, 19,5 x 15,6 cm – acervo do museu lasar segall – ibram/minc)
com total apoio da Interventoria Federal do Ceará. Para prevenir a “afluência tumultuária” de retirantes famintos a Fortaleza, cinco campos localizavam-se nas proximidades das principais vias de acesso à capital, atraindo os agricultores que perdiam suas colheitas. Dois campos menores se localizavam em locais estratégicos de Fortaleza, conectados às estações de trens que traziam os famintos, impedindo que circulassem livremente. “Uma vez no campo, o retirante era obrigado a permanecer nele por todo o período da seca e submeter-se às condições de moradia, comportamento e trabalho, ditadas pelos dirigentes.” O maior campo, na cidade do Crato, chegou a abrigar 60 mil pessoas. A possibilidade de envolvimento do Brasil na Segunda Guerra agravou a forma de intervenção direta do Estado. “Era um elemento que agia de forma a favorecer uma intervenção direta no mercado de trabalho e alimentos, como ocorreu em 1932. O clima de guerra favorecia soluções autoritárias”, afirma Frederico. De maneira semelhante ao padrão europeu,
os retirantes viraram força de trabalho, mas, ao contrário da precisão germânica, houve um excesso de trabalhadores, provocando distúrbios inesperados na rotina dos trabalhos. “Era o confronto entre uma racionalidade técnica voltada para a alta produtividade e melhor aproveitamento dos recursos com menor custo e uma necessidade de atender à ‘intensificação dos socorros’.” Amazônia - Entram em cena os téc-
nicos. “Segundo a visão desses, os retirantes deveriam ser distribuídos pelo território em obras e serviços a serem definidos exclusivamente pelo órgão técnico competente”, observa o pesquisador. Surgiu dessa percepção racional o “exército da borracha”, com o deslocamento dos migrantes nordestinos para as regiões produtoras de borracha na Amazônia dentro do melhor espírito do “esforço de guerra” com mão de obra barata ou gratuita. Os embarques só foram suspensos após o torpedeamento de navios brasileiros, forma de transporte desse trabalho quase forçado. “Ao
mesmo tempo, novos campos de concentração foram organizados na capital, procurando evitar o trânsito indesejado dos retirantes e, em outubro, o campo do Alagadiço foi reaberto.” Entre 1930 e 1945, observa o historiador, o padrão de relacionamento entre retirantes internados e autoridades se pautou pelos princípios do liberalismo econômico, pelo “mercado livre”, combinando elementos do paternalismo autoritário (presença das autoridades nos locais, controle do mercado de trabalho, práticas semelhantes à “proteção aos pobres”) com a abordagem clássica liberal. Na diplomacia ou na economia, os campos de concentração cumpriram suas funções práticas e produtivas. Aos prisioneiros o único consolo em ter tamanha “utilidade forçada” talvez se expresse nos versos da Balada dos mortos nos campos de concentração, de Vinicius de Moraes: “Cadáveres de Belsen e Buchenwald!/ Vós sois o húmus da terra/ De onde a árvore do castigo/ Dará madeira ao patíbulo/ E de onde os frutos da paz/ Tombarão no chão da guerra!”. n PESQUISA FAPESP 162
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le conseguiu a proeza de ser encarcerado pelos três regimes que a França conheceu entre os séculos XVIII e XIX: o Antigo Regime, a pedido de Luís XVI; a Revolução Francesa, sob o comando de Robespierre; e a Restauração, quando preso por Napoleão e acabou morrendo no cárcere. Para quem passou boa parte de sua existência atrás das grades, DonatienAlphonse François de Sade (17401814), o marquês de Sade, alcançou uma notoriedade impressionante, que a posteridade, com um parco conhecimento sobre quem ele realmente foi, vulgarizou ainda mais, transformando-o num vago sinônimo de “perversão”. “A leitura psicopatológica não é incorreta, mas é apenas uma entre as tantas possíveis sobre Sade: ele não é só isso. É também isso”, afirma o historiador Gabriel Giannattasio, professor livre-docente da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e autor de Sade: um anjo negro da modernidade (Editora Imaginário, 208 páginas, R$ 26) e que acaba de lançar Cartas de Vincennes: um libertino na prisão (Eduel, 154 páginas, R$ 35), obra que reúne 16 cartas escritas por Sade no cárcere, entre 1777 e 1784, na prisão-castelo de Vincennes, destino de nobres decaídos e vítimas das lettres de cachet, documentos emitidos pelo rei
para encarcerar os “indesejáveis”, como o marquês. Pela primeira vez uma versão integral das cartas é editada no país. Os destinatários principais eram Renné, a primeira mulher do escritor; a senhora de Montreuil, sogra “sádica” que detestava o libertino; e a senhorita de Rousset, amiga íntima do nobre e sua interlocutora. “Essas cartas aprofundam o mistério de Sade e trazem os bastidores do seu pensamento, a antessala, a indústria experimental e produtora do homem Sade. É pelas cartas que ele se comunicava com o universo que o cercava e esse exercício de comunicação permitia que ele colocasse à prova seus pensamentos e desenvolvesse sua filosofia”, observa o pesquisador. Quando as escreve, ainda não é o autor de Justine ou A filosofia na alcova ou As 120 jornadas de Sodoma. “O marquês ainda não é o literato, cuja carreira começou tardiamente. As cartas da prisão são, assim, um prenúncio das ideias e do vigor imaginativo que ganharão formas mais livres nos seus romances. A correspondência de Vincennes é a mais rica que chegou até nós, em muito superior às cartas que escreveu mais tarde, entre 1784 e 1789, na Bastilha, em geral burocráticas”, explica. Para o professor, isso é revelador de um deslocamento dos canais de expressão do célebre libertino. “A sua energia lite-
rária se desloca com toda a força para as suas obras e para o período privilegiado de sua produção filosófico-literária, usando uma pluralidade de formas e gêneros.” Nas cartas é possível perceber a superação intelectual do libertino num libertário radical, capaz mesmo de colocar em xeque o Iluminismo, do qual foi de início um seguidor para, depois, usando os próprios argumentos iluministas (que os iluminados não ousavam colocar em prática), romper a moldura do movimento e reinventá-lo drasticamente. “Segundo dizes, minha maneira de pensar não pode ser aprovada. E daí? Insano é aquele que adota uma maneira de pensar para agradar aos outros! Minha maneira de pensar é fruto das minhas reflexões, produto da minha existência e organização. Essa maneira de pensar que tu desaprovas é o único consolo de minha vida; ela alivia as minhas penas na prisão, ela compõe todos os meus prazeres no mundo e é mais importante do que a minha vida. Não foi a minha maneira de pensar que trouxe a minha infelicidade, mas a dos outros”, escreve para a mulher. “São escritos que trazem o enigma e já contêm os personagens e temas do romance sadiano. Na sua cela, Sade foi um observador exemplar, ou melhor, um experimentador exemplar”, nota o autor.
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Literatura
Leitor,
amigo meu, meu igual, meu irmão Cartas de Sade foram laboratório em que o marquês engendrou sua filosofia libertária e revelam a sua atualidade
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reproduções do livro a invenção da liberdade, jean starobinski/os acasos felizes do balanço, jean-honoré fragonard
Ele teve bastante tempo para isso. “Para um prisioneiro, as cartas servem para abolir distâncias. Para um prisioneiro como Sade, que ignorava a extensão de sua pena, esse sentido foi imperioso. Nos 13 anos em que esteve em Vincennes, o marquês afirmou com tal intensidade o desejo de ‘abolir distâncias’ que acabou por transformá-lo num princípio soberano de sua literatura”, explica Eliane Robert de Moraes, professora titular de estética e literatura na PUC-SP e autora de diversos ensaios sobre o imaginário erótico na literatura, entre os quais Sade: a felicidade libertina (Iluminuras) e O corpo impossível (Iluminuras/FAPESP). “Foi nesse primeiro período de reclusão que nasce a literatura sadiana, inaugurada em 1782 pelo Diálogo entre um padre e um moribundo, escrito em Vincennes, seguido pelo monumental Os 120 dias de Sodoma, redigido em 1785 na Bastilha. Se eles já contêm toda a base sobre a qual ele edificará sua literatura, não deixam de remeter, jamais, ao mesmo corpo a corpo com o leitor que a correspondência enseja.”
o beijo roubado, detalhe /jean-honoré fragonard
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im, confesso, sou libertino; concebi tudo o que se pode conceber no gênero, mas certamente não fiz tudo o que concebi e não o farei jamais. Sou um libertino, mas não um criminoso, um assassino”, confessa numa de suas cartas. É uma bela profissão de fé. “A literatura de Sade expressa, mais do que qualquer outra, uma espécie de ‘hipermoral’. Ou seja, é um pensamento que busca descobrir na criação artística aquilo que a realidade recusa. Para realizar essa exploração, ele dá as costas à ética e à moral, descartando discursos humanistas. Ele busca ouvir a voz dos algozes, considerando seus motivos e até mesmo sua falta de motivos para alcançar um conhecimento sobre o mal. Mas atenção: trata-se aqui de um conhecimento, e não de uma prática”, avisa a pesquisadora. No limite, observa Eliane, a relação entre conhecimento e ação está no centro da discussão, pois os detratores de Sade, como os três regimes que o encarceraram, ainda que atacassem o seu discurso, não raro o colocavam em prática. “Superando mesmo os seus requintes. Infelizmente, em matéria de sadismo, a história humana é bem mais pródiga do que a literatura
sadiana.” Afinal, a palavra libertino tem origem no latim libertinus, cujo sentido exato seria a pessoa livre da escravidão e de qualquer preconceito e convenção social e moral. “No caso de Sade é impossível distinguir o libertino do libertário. Política e moral, nesse caso, são irmãs siamesas e vale o mesmo para o filósofo e o escritor. A opção literária do criador de Justine exige uma atenção particular, já que a ficção foi sua forma privilegiada de expressão”, observa Eliane. “Ao deslocar a reflexão filosófica para a alcova libertina, o marquês foi obrigado a levar em conta as diferenças entre cada um dos ‘caprichos da natureza’ que fazem parte do seu interminável catálogo. Com isso, viu-se obrigado a exceder os limites da filosofia na certeza de que só a literatura permitiria seu ingresso no território ilimitado da imaginação erótica”, analisa. A pesquisadora lembra que é significativo que um dos livros mais importantes de Sade, La philosophie dans le boudoir, associe, desde o título, a reflexão filosófica às práticas libertinas. “Não se trata de uma filosofia da alcova, mas sim de uma filosofia na alcova. A diferença é sutil, mas essencial”, explica. Importante, aliás, a ponto de permitir a inusitada, mas genial, “reunião” entre o marquês e Machado de Assis, feito pela pesquisadora. Eliane Robert percebe ecos “familiares” entre a literatura sadiana e o conto machadiano A causa secreta (1885), mais conhecido pela descrição aterrorizante, e estranhamente rica em detalhes (algo incomum na literatura de Machado), do prazer literalmente sádico com que o personagem Fortunato tortura um rato. “Embora eles sejam escritores muito distintos, ambos desejam tocar o fundo falso que constitui a nossa humanidade”, explica a professora. “Afinal, se o ponto de vista dos narradores sadianos sempre coincide com a consciência de seus pérfidos libertinos, o que ocorre no conto de Machado não difere muito desse modelo.” O “prazer vasto, quieto e profundo”, frase do conto, observa Eliane, igualmente remete à solidão dos personagens sadianos, inclusive no momento em que Fortunato flagra um amigo, testemunha ocular das atrocidades com o rato, chorando diante do caixão de sua falecida mulher, revelando uma paixão oculta e adúltera. Naquele momento, nota a pesquisadora, surge,
no rosto de Fortunato, ao saber-se enganado, mas “vingado”, a mesma expressão de prazer que teve ao torturar o roedor, só que, desta vez, o gozo é com o sofrimento do amigo.
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Bastilha e da revolução, Sade já avisava: “Que o rei corrija os vícios do governo, que reforme os abusos, que enforque os ministros que o enganam ou que o roubam, ao invés de reprimir as opiniões e gostos de seus súditos. Esses gostos e opiniões não abalarão seu trono, enquanto as indignidades daqueles que o cercam o derrubarão cedo ou tarde”, um recado que ainda é atual.
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eu corpo de manhã tem uma disposição diferente da do meu corpo à noite. Posso acordar o mais virtuoso dos homens e me deitar o mais vicioso”, anotou o nobre. “Sade é o materialismo levado às últimas consequências, pois, diante das necessidades do corpo, como eu posso ter uma única razão que dê conta de tanta multiplicidade? A modernidade é um tempo que investiu, e ainda investe, todos os seus esforços para fazer do homem um animal racional. Sade é uma das expressões do século XVIII que melhor traduziram a futilidade desse esforço, ao opor à imagem do animal controlado pela razão o animal estético, dotado de fúria criadora. Assim é Sade, um extemporâneo para a modernidade, ainda que profundamente marcado por ela”, observa Giannattasio. As cartas, afinal, não mentem, nem as do marquês: “Goza, meu amigo, goza! E não empregues metade da tua vida tentando arruinar n a existência dos outros”.
Carlos Haag > Artigo científico MORAES, Eliane Robert. “Um vasto prazer, quieto e profundo”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 23, n. 65, 2009.
O pesadelo, detalhe/johann heinrich füssli
m Sade, todo e qualquer argumento, por mais racional que seja, acaba sendo arrastado pela fantasia, e de forma tal que termina por se oferecer ao leitor como uma alucinação. Nada mais distante do notável realismo psicológico de Machado”, observa. A comparação, continua, permite perceber a distância entre uma literatura que trabalha com tipos, como acontece com os personagens do marquês, e outra voltada para a particularização de personagens, característica dos grandes realistas do século XIX”, adverte. Segundo Eliane, o devasso de Sade ostenta um tal gosto pelo mal que não deixa nenhuma sombra de ambivalência sobre seu caráter. Já o sádico de Machado é um sujeito dissimulado, que posa como homem de bem, embora mantenha hábitos escusos no silêncio da intimidade. “O que se nota nessa comparação é o processo histórico que leva à privatização dos atos de perversidade. Aliás, Machado é pródigo em cenas que nos revelam não só a versão brasileira dessa privatização, mas também a própria interiorização psicológica da prática do mal.” Nesse sentido, para a professora, é preciso lembrar que Sade foi homem de seu tempo, sem dúvida, o que não o impede de ser moderno e até mesmo pós-moderno, na medida em que ele foi e é assim conhecido. “Mas pode ser também um autor fora de seu tempo e gosto de vê-lo também dessa forma. O que mais me atrai em Sade é justamente essa ruptura com o mundo que sua literatura opera, na tentativa
de despertar e colocar em jogo virtualidades humanas ainda insuspeitas. Ele se vale da imaginação para aceder aos domínios do impossível.” Afinal, num universo em que Deus estaria morto, tudo seria permitido, havendo mesmo espaço para se pensar o que é o mal. “Invertendo a lógica de Rousseau da bondade natural do homem, Sade reconhece no mal o conceito criador de tudo o que existe. O mal vira a força motora do Universo, já que é categoria essencial ao mundo natural e humano. Embora ele tenha dito que ‘o Universo não sobreviveria um segundo se tudo fosse virtude’, o inverso é válido sobre o vício. É um jogo de tensão entre criação e destruição que revela o sentido trágico da nossa existência”, nota Giannattasio. Da mesma forma, nesse esquema filosófico não há espaço para o “pacto social” de Rousseau. “O desafio, segundo ele, era propor leis que considerassem os indivíduos e seu papel na sociedade. O pacto, ao contrário, propunha renúncia das vontades particulares pelo bem geral. Sade discorda e invoca a liberação dos instintos. Se Rousseau quer a destruição das forças naturais, Sade as defende, afirmando que a única moral possível é a de cada indivíduo.” Ou, nas palavras do marquês, numa de suas cartas: “Não são as opiniões nem os vícios dos particulares que prejudicam o Estado; são os costumes do homem público que, sozinhos, influenciam a administração geral. Que um particular creia ou não em Deus, que ele honre uma p. ou que lhe dê cem pontapés na barriga, essas condutas não manterão nem abalarão a constituição de um Estado. Se o corrupto político triunfa, o outro apodrece numa cela”. Em 1783, seis anos antes da queda da
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Lina Bo Bardi na obra do Masp. S達o Paulo, c. 1960
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Urbanismo
Arquiteta da mudança
Reunião de ensaios em livro ressalta a essência do pensamento humanista de Lina Bo Bardi
Gonçalo Junior
imagens divulgação cosac&naify
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italiana Lina Bo Bardi (1914-1992) já faria parte da história da arquitetura brasileira “apenas” pelos cartões- -postais que criou e projetou, principalmente em duas importantes cidades brasileiras – São Paulo e Salvador. Quase duas décadas depois de sua morte, suas obras – misto de arquitetura moderna e arte visual, pode-se dizer – continuam a permear o imaginário popular por sua importância e singularidade. Na capital paulista, são seus os projetos do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e do Sesc Pompeia. Na Bahia, concebeu o Museu de Arte Moderna e a Ladeira da Misericórdia. Só para citar alguns exemplos. Enquanto ajudava a formar a história arquitetônica, no entanto, Lina mudava tudo à sua volta por diversos outros meios. Era agitadora cultural e pensadora de destaque, e procurava debater temas mais importantes da cultura urbana moderna. A grande imprensa e as revistas especializadas foram fundamentais para a propagação do pensamento de Lina. Em Milão, com pouco mais de 25 anos, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ela se juntou aos colegas Bruno Zevi, Giò Ponti e Ernesto Rogers para escrever artigos seminais em defesa de uma visão contemporânea e crítica sobre o habitar urbano. Também divulgou as conquistas da arquitetura e das artes contemporâneas em publicações como Domus e Lo Stile. Não foi diferente quando se mudou para o Brasil depois do conflito. Em São Paulo, com o marido Pietro Maria Bardi (1900-1999) – com quem fundou o Masp –, dirigiu a revista Habitat, que se tornou um importante periódico das décadas de 1950 e 1960. Em suas páginas defendeu as vanguardas artísticas europeias. Em Salvador, ao lado de intelectuais e estrangeiros ligados à Universidade da Bahia, semeou ideias que seriam as bases para os movimentos do Cinema Novo e da Tropicália. A grandiosidade e a extensão de tudo que Lina criou e produziu ainda são desafios para muitos pesquisadores. Parte dessa lacuna começou a ser preenchida nos últimos anos com teses e, agora, com o lançamento do livro Lina por escrito, uma seleção de 33 artigos publicados entre as décadas de 1940 e 1990, selecionaPESQUISA FAPESP 162
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Lina Bo Bardi restaurando uma carranca do rio São Francisco
dos por Silvana Rubino, professora do Departamento de História da Unicamp e conselheira do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional); e pela arquiteta e mestranda da FAU-USP Marina Grinover. O volume traz desenhos originais, fotografias e obras gráficas da própria arquiteta, incluindo alguns leiautes feitos por ela especialmente para a publicação original de seus textos.
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onsiderada esparsa ou inacessível, a produção intelectual chama atenção pelo modo claro e inteligente com que a arquiteta procurou, como dizem as organizadoras, sensibilizar o público para a poética do simples, não como uma forma de constatação da miséria, mas representativa da riqueza de diversidades e de cultura do país. Assim, ela explorava questões do espaço de convivência entre homens livres, da memória edificada, da cultura popular, ao mesmo tempo que contemplava os temas que permea ram sua ação profissional: o design industrial, a construção de habitação, sua aproximação com a arte popular, a museografia, a cidade como um todo,
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a preservação da memória urbana e do patrimônio histórico. Silvana Rubino conta que seu contato com Lina – que não conheceu pessoalmente – é de quem se especializou na sua obra e trajetória. “Claro que antes havia uma admiração minha, mas meio irrefletida, pois edifícios como o Masp fizeram parte da minha experiência urbana e cultural.” Uma exposição sobre Lina, acompanhada do livro editado por Marcelo Carvalho Ferraz (Lina Bo Bardi, Editora Imesp), despertou nela a vontade de estudá-la. A pesquisadora conta que a seleção de artigos nasceu de conversas com Cristina Filho, que era responsável pelos livros da área de arquitetura da Cosac&Naify. “Eu tinha defendido um doutorado (ainda não publicado) sobre a trajetória de Lina e, conversando com ela sobre lacunas ligadas à arquitetura no meio editorial, percebemos que fazia falta um livro que trouxesse seus artigos na íntegra.”
Na filmagem de Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, em Canudos
No primeiro momento, as duas dividiram os textos por temas. “Mas concluímos que ficaria um tanto desproporcional do ponto de vista editorial dessa forma e decidimos colocar tudo em ordem cronológica, o que permite ao leitor acompanhar os movimentos de reflexão da arquiteta no decorrer de seis décadas.” Foram excluídos 17 artigos – de um total de 60 – porque repetiam ideias ou temas de modo que tinham pouco a acrescentar. Alguns, diz a pesquisadora, tornaram-se verdadeiros “clássicos” da moderna arquitetura brasileira. Outros eram menos conhecidos. “Optamos por uma mescla de escritos que falassem de arquitetura, museus, cultura popular, patrimônio cultural etc. publicados em diversos momentos da carreira de Lina.” São pensamentos que falam de temas diversos como educação, habitação, arte popular etc. “O arquiteto é um intelectual, pensar um edifício, uma cidade não deixa de ser um pensamento sobre a sociedade em que ele vive. As preocupações de Lina eram de um intelectual de seu tempo”, avalia Silvana. O mais revelador, prossegue ela, é a constante tomada de posição de Lina em relação à arquitetura, àquilo que seus contemporâneos faziam. Dentre os artigos, um dos preferidos de Silvana é “Teoria e filosofia da arquitetura”. “Quando li essa aula, manuscrita, com algumas palavras meio italianizadas, levei um susto. Era puro Antonio Grams-
ci traduzido para os arquitetos! A partir dessa aula passei a ver com outros olhos o que ela discutia a respeito, por exemplo, da arte popular e, principalmente, a vê-la como uma artista que transitava entre diversos saberes.” Outro ensaio que Silvana considera relevante é “Cinco anos entre os brancos”, que a professora descreve como uma espécie de carta-testamento. Trata-se, diz Silvana, de “uma análise ácida, corrosiva, sem anestesia”, das promessas feitas anteriores ao golpe de 1964, que não puderam ser cumpridas por causa da ditadura que se estabeleceu. “Roberto Schwartz escreveu que o Brasil estava irreconhecivelmente inteligente no começo da década de 1960 e Lina, de algum modo nesse texto, assina embaixo.” Não fala de arquitetura, mas das “esperanças coletivas que não serão canceladas”. O artigo foi publicado em 1967. “É belíssimo.”
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arina Grinover participou da preparação do livro porque os textos de Lina – sua fortuna crítica, em especial – são o objeto de seu mestrado na USP. Como o acervo é grande, Marina diz que há conteúdo para se organizar outros volumes. O instituto tem a maioria das revistas, jornais e catálogos onde os textos foram publicados desde 1941. Abriga ainda um acervo pessoal, cujos manuscritos e cartas estão em fase de organização. “Ao ler o conjunto de textos selecionados pela professora Silvana é possível entrar em contato com o universo temático de Lina e perceber que há um acento sempre propositivo de ideias que permearam a geração de arquitetos da qual ela fez parte”, avalia a pesquisadora. São pensamentos relacionados à cultura moderna e seus paradigmas. “Lina sempre acreditou no potencial emancipador que a arte (e podemos incluir aí a arquitetura) tem de nos fazer elaborar a existência (a vida enfim) coletiva e particular.” Quem conhece bem os textos de Lina é a professora Vera Santana Luz, da PUC de Campinas, que em 2004 defendeu o doutorado em arquitetura e urbanismo na USP, Ordem e origem em Lina Bo Bardi, com orientação de Rafael Antonio Cunha Perrone. Na época, ela consultou inicialmente o acervo formalizado para consulta de Lina, montado pela professora Sophia
Em São Paulo: Masp em construção (1968) e escadas da casa de vidro
da Silva Telles, da PUC de Campinas, acessível a pesquisadores. “A edição em livro de seus textos é das mais relevantes porque amplia o leque de acesso e de possibilidades para interessados em estudar sua obra e suas ideias.” Vera chama atenção para o fato de que não existe paradoxo entre o discurso intelectual e a práxis de Lina. “Seu pensamento e realização de projetos e obras se tornaram um dos paradigmas da arquitetura moderna no século XX, não só por sua visão particular da
arquitetura que poderia se realizar no Brasil como também do movimento moderno internacional.” A sua visão de mundo do papel da arquitetura, acredita a professora, é evidenciada em tudo que ela disse, escreveu e criou. “Acho que Lina conseguia aliar universalidade e especificidade – que em meu doutorado denomino ordem e origem, respectivamente – nos termos mais amplos que essas expressões podem alcançar, sem cair em esquematismos regionalistas ou de generalização vazia.” n PESQUISA FAPESP 162
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RESENHA
o sentimento
do mundo
Obra revela o olhar agudo de crianças internadas num hospital FABRÍCIO
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o
hospital pelo olhar da criança Aide Mitie Kudo e Priscila Bagio Maria Yendis Editora 140 páginas R$ 49,00
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MARQUES
sta menina é ligada nos 220 volts. Onde está o botão que te desliga? - perguntou uma recrea-
dora do Instituto da Criança para a irrequieta Talita, de 6 anos, que recebia tratamento no hospital. - Está aqui - respondeu a menina, apontando para o cateter usado para ministrar a medicação. O diálogo desconcertante é uma amostra das centenas de registros orais de crianças e adolescentes internados, compilados no livro O hospital pelo olhar da criança, organizado pelas terapeutas ocupacionais Aide Mitie Kudo e Priscila Bagio Maria. Elas trabalham no Instituto da Criança, ligado ao Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, e entre 2005 e 2008 coordenaram uma equipe de recreadoras e terapeutas que colheu frases ditas ocasionalmente por pacientes de 3 a 18 anos. A ideia era reunir apenas reflexões espontâneas, sem nenhuma intervenção ou estímulo dos adultos. O resultado é um paradoxo. De um lado, a obra retrata crianças como outras quaisquer, que brincam, constroem amizades, buscam aprovação dos adultos e produzem tiradas engraçadas, como as que abasteciam a coluna de Pedro Bloch na extinta revista Manchete. De outro, os relatos expõem o peso das longas internações e a dor da luta contra doenças graves, que em muitos casos acompanham os pacientes desde o nascimento, vistos por um prisma amedrontado mas esperançoso - ora irritadiço, ora bem-humorado e sempre agudo. Max, de 3 anos, ao ver os potes de exame do hospital pediu um de-
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les à enfermeira. "Mas para que você quer?", indagou a profissional. "É que eu coleciono." A enfermeira, curiosa, perguntou: "Desde quando?" Ele respondeu: "Comecei agora". Embora não tenha linguagem acadêmica e possa surpreender todo tipo de leitor, a obra se dirige a profissionais da saúde infantil. A intenção declarada das autoras é sensibilizar médicos, enfermeiros e terapeutas, desafiando a frieza e a impessoalidade que, por necessidade de ofício, frequentemente permeiam sua relação com os pequenos pacientes. O livro é dividido em capítulos, organizados segundo ambientes do hospital e situações vividas pelas crianças. O convívio na brinquedoteca foi um celeiro de frases. "Fui eu que fiz esse desenho, tia. Está feio, diferente, porque eu estava mal", explicou Mareio, de 8 anos, para a recreadora. As restrições alimentares foram um tema recorrente. "Por que servem um tipo de pão sem sal que nem as enfermeiras têm coragem de experimentar?", reclama Wesley, de 13 anos. Um dos capítulos explora as amizades construídas dentro do hospital. "A Tainá é minha amiga há seis anos", diz Laleska,de 10 anos de idade. "Hoje ela está na UTI porque fez um transplante. Fiquei cuidando da boneca da Tainá enquanto ela se recupera", completa. Raphael, de 8, comentou que gostaria de trabalhar como voluntário no hospital quando crescesse. "Mas não sei se vou ter imunidade até lá", afirmou. Maurício, de 11, escreveu o que gostaria de ganhar no Natal: "Eu quero um videogame. E passar o Natal em casa". Uma das passagens mais divertidas é o dicionário das profissões encontradas no hospital, produzido por um grupo de sete crianças e adolescentes. Ascensorista é alguém que "não tem medo de elevador" e "segura a porta para nós entrarmos quando estamos atrasados': Enfermeiro é uma "figura que sabe as mesmas coisas que o médico, porém de outro jeito". O médico é o "salva-vidas das crianças': Uma centena de fotografias do Instituto da Criança, registradas pelas próprias crianças, ilustram a parte final do livro. O resultado é semelhante ao produzido pelo texto. Imagens de remédios e equipamentos hospitalares se misturam à de um cateter instalado num braço de criança ou de um par de luvas cirúrgicas cheias de ar, transformadas em bexigas para brincar.
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LIVROS -'
Política e identidades no mundo antigo
Em primeira pessoa: abordagens de uma teoria da autobiografia
Pedro Paulo Funari e Maria Aparecida de Oliveira Silva (orgs.) Annablume Editora/FAPESP 252 páginas, R$ 31,50
Helmut Galle, Ana Cecilia Olmos, Adriana Kanzepolsky, Laura Izarra (orgs.) Annablume Editora/FAPESP 372 páginas, R$ 43,50
O livro analisa a questão da identidade no Mundo Antigo, tema, em geral, pouco estudado. Discutindo o tema no Egito, em Pornpéia, no teatro grego e romano, os textos mostram como essa noção, tão moderna, já fazia parte do cotidiano da antiguidade.
O sujeito, sua representação e o debate sobre as formas da escritura autobiográfica ganharam uma significativa relevância em diversos campos disciplinares. Os organizadores do livro oferecem uma seleção de textos relacionados à história e à teoria das autobiografias, assim como leituras críticas de casos específicos provindos de diferentes literaturas.
Annablume Editora (11)3812-6764 www.annablume.com.br
Editora AnnaBlume (11)3812-6764 www.annablume.com.br
Glossário de biotecnologia Aluízio Borém, Maria Lúcia Carneiro Vieira, Walter Colli Editora UFV 186 páginas, R$ 25,00
Em segunda edição, este livro elaborado por especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Viçosa (UFV) traz quase 2 mil verbetes da biotecnologia, em linguagem clara, acessível a não especialistas, mas sem descurar em nenhum momento do rigor científico esperado de trabalhos desse gênero. Permite assim, como é destacado no prefácio, a apropriação correta da terminologia dessa jovem ciência. Editora UFV (31) 3899-2234 www.editoraufv.com.br
Império de várias faces
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Ronaldo Vainfas e Rodrigo Bentes Monteiro (orgs.) Alameda Editorial 400 páginas, R$ 60,00
Constituído por 17 artigos reunidos sobre as relações de poder no mundo ibérico da época moderna, recortadas a partir da noção de império, o livro procura compreender a sociedade portuguesa marcada por uma dimensão imperial, levantando aspectos pertinentes às monarquias, aos movimentos sociais, às instituições e práticas religiosas, à escravidão, à questão da terra e à alteridade cultural em várias regiões entre o reino e suas conquistas. Alameda Editorial (11)3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br
Direito à terra no Brasil: a gestação do conflito
1795-1824 Márcia Maria Menendes Motta Alameda Editorial 288 páginas, R$ 46,00
Meio ambiente, saneamento e engenharia no Império e na Primeira República Simone Fadei Editora Garamond 256 páginas, R$ 36,00
Os atuais conflitos em torno da questão agrária no Brasil remetem ao final do século XVIII, quando o sistema sesmarial foi questionado e finalmente suspenso. A autora aborda os problemas relativos à formação da estrutura fundiária brasileira, suas demandas, disputas e legitimidade e mostra que as sesmarias sustentaram a constituição do domínio metropolitano e da sociedade colonial.
Neste livro são relatadas as ações do grupo de engenheiros que compuseram a pioneira Comissão Federal de Saneamento da Baixada Fluminense, entre 1910e 1916.Simone FadeItenta recuperar a história dessa comissão que, em sua opinião, não fundamentava seu trabalho apenas no apreço ao progresso econômico, mas, já naquela época, na ênfase ao binômio saneamento/ecologia.
Alameda Editorial (11)3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br
Editora Garamond (21) 2504-9211 www.garamond.com.br
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Cavalos-marinhos
MARCELO
MOUTINHO
s c~ixas amontoadas tomam todo o apartamento: nossas COIsas. Após o fim de semana extenuante de separa, embala, fecha, não há mais nada nas estantes - que me olham, cabisbaixas, exprimindo o desamparo da súbita prescindibilidade, Retribuo o olhar. Uma sala cheia de caixas de papelão só não é mais triste do que uma sala vazia. Se a perspectiva do novo vibra à frente, a gente adivinha uma saudade que ainda não chegou. Ouço os estalos do piso de tábuas corridas que cede à quentura amena do sol vindo da varanda e boto uma ficha na máquina da lembrança. A primeira vez que entrei nessa sala: amplitude de outro vazio, ainda grávido de promessas. A caixa, também outra, nas mãos dele. Devolvo a ficha.
A
tarde. E logo tomou a atenção da mesa, desfiando uma estranha tese sobre O mágico de Oz e analisando as canções de um disco da Ângela Ro Ro. Não lembro qual era a relação, mas o modo como ele falava, o flerte natural com as palavras que preenchiam o bar como balões vermelhos rapidamente me enredaram. E eu cedi. Nosso primeiro encontro, alguns dias depois, foi no mesmo bar. "Aqui estabelecemos nosso mito fundador", ele disse, erguendo a tulipa de chope. Estranhei a súbita solenidade, mas confesso que achei original. Ainda não conhecíamos, então, o cheiro (depois íntimo) dos nossos hálitos, a arquitetura dos corpos (depois percorrida). Não havíamos desfolhado as idiossincrasias. Tudo era ainda entusiasmo e pedra bruta. E fomos adiante.
"Não vai jogar fora este também", e a frase deixava vazar a mágoa mantida em fogo brando por dois anos. Ele se referia ao canudo que um dia achou na rua, entrelaçou e transformou em flor antes de me entregar, com olhos de meiguice infantil. Eu ri, botei a flor no bolso da camisa, mas quando chegamos em casa joguei na lixeira. Não podia imaginar. Seu alerta trazia no lombo a remissão. Preso na sunga, o pequeno saco plástico de onde tirou um cavalo-marinho. Morto. "Encontrei na praia e lembrei de você:' Não houve tempo para que perguntasse por que um cavalo-marinho, com aquele corpo esquálido, feioso, poderia fazer com que se lembrasse de mim. "Sabia que os cavalos-marinhos são os animais mais fiéis do mundo?" Diante de meu ar desnorteado, ele pediu que fizesse uma concha com a palma da mão e delicadamente colocou o bicho ali."Vou pro banho." E seguiu, deixando um rastro de areia pela sala.
As caixas tomam todo o apartamento: as coisas dele. No canto esquerdo, sobre uma das caixas, o cavalo-marinho, já ressecado e endurecido, parece dormir. Quando organizei a mudança, não soube onde colocá-lo. Cogitei a caixa onde estão as cartas, que ele escrevia vigorosamente - e a mão. Pensei em juntá-lo à coleção de bonecos de super-heróis. Ou armazená-lo entre o que ele chamava de "diversos': Mas no fundo sabia que ele o cavalo-marinho era meu. Nosso.
Quando o conheci, na festa de uma amiga, estávamos razoavelmente bêbados. Eu chegava de outra festa, ele fazia a terceira parada de um périplo pelos bares de Laranjeiras que cumpria 'semanalmente - um de seus tantos hábitos, descobriria mais
Diversos: FILMESVISTOSEM JULHO -s- Amacord - Fellini é um palhaço triste. "f> A testemunha - Bom policial, Ford canastra toda vida. "f> Asas do desejo - Quero ser anjo. AINDA -e- Uma embalagem antiga de cigarro. "f> Cópia do hemograma. "f> Carteira da academia de ginástica, vencida. "f> Um guardanapo com anotação a caneta: "Ar em dívida". Sim, ele anotava frases em guardanapos, embora nunca fizesse uso delas. E mantinha os guardanapos nas gavetas de um velho armário. Assim como folhetos sobre Cuba, apostilas de astro-
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logia, broches do movimento ecológico, cartinhas de antigas namoradas, óculos que nunca mais usaria. Quando certa vez lhe perguntei por que acumulava tantos _objetos sem serventia, ele respondeu, fingindo irritação: "São a minha máquina da lembrança". CAVALOS-MARINHOS SÃOPROMÍSCUOS,DIZ ESTUDO Um estudo conjunto realizado por 15 aquários de vida marinha
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do Reino Unido demonstrou que os cavalos-marinhos não são monogâmicos. A tese derruba o mito da fidelidade existente entre a espéciee, muitas vezes, indica promiscuidade e comportamentos homossexuais em determinados grupos. Os resultados foram obtidos após 3.168 registros de acasalamentos de três espécies da Austrália, Caribe e Reino Unido. No total, 1.986 "contatos" entre machos e fêmeas, 836 entre fêmeas e 346 entre machos foram computados. Até este estudo, muitos biólogos acreditavam que os cavalos-marinhos eram monogâmicos. Nunca contei a ele sobre a notícia em que esbarrei numa tarde vagabunda, navegando pela internet-sem grandes intenções. Morávamos juntos já há quase quatro anos. Desde a noite no bar em Laranjeiras, os encontros se sucederam e as ânsias de parte a parte foram içando curiosidades e esperanças que se cruzavam até enfim se fundir no clichê da atração dos opostos. Ah, você é de Escorpião. ''Ascendente em Peixes." Sou de Libra, não sei o ascendente. Adora Truffaut? Gosto de Spielberg. Cinema. TV. Clarice. Graciliano. Academia. Ioga. Você. Você. Preferi manter o pacto silencioso que fizéramos no dia em que ele chegou da praia com o cavalo-marinho, ainda que odiasse aquele bicho a cada cisco de desconfiança, a cada celular desligado, a cada. Ademais, traçáramos planos, muitos planos. -s- Ver o pôr do sol em Varadero. -e- Fazer um curso sobre astrologia. -s- Ler um livro a dois. "€> Transar a três. As caixas tomam todo o apartamento: minhas coisas. Não houve tempo para adeus, um rito para dramatizar a partida. É possível que em alguns anos fique apenas a imagem
dele. Talvez as piadas privadas, os fracassos forjados na cumplicidade, o inventário dos afetos trocados sem noção de urgência. Nesse vácuo entre o que foi e o que virá, me aproximo da caixa menor e pego o cavalo-marinho. Seguro com cuidado para que o corpo não quebre e saio do apartamento. Três andares, e a portaria. "Seu Zé, vou até a praia. Se alguém me procurar, peça para . " me avisarem. A praia não fica distante, dois quarteirões que percorro sob um sol destoante. Ao pisar na areia, vejo alguns garotos perto da rede de vôlei. Não há muita gente. Sento próximo aos garotos, o cavalo-marinho nas mãos, e fixo os olhos na linha do horizonte que liga as ilhas, enganando a solidão. O mar corre agitado, parece tremer, como se reprimisse um medo não dito de engolir tudo. Penso que aquele cavalo-marinho já nadou ali (será que teve medo?). Penso na expressão larga do rosto dele ao retirar o cavalo- marinho do saco plástico e pousar em minhas mãos. Na algaravia das primeiras trepadas, no limbo das zangas excessivas. Penso, mesmo não querendo pensar, até que o Marquinhos, filho do Seu Zé, toca as minhas costas e avisa: "Meu pai mandou avisar que o caminhão de mudança chegou". Então agradeço, falo que ele já pode ir, que já vou, e caminho até a água a fim de molhar os pés. Agora é descer todas aquelas caixas. "Minha máquina da lembrança", recordo da frase e esboço o sorriso possível. Levo as mãos até o mar e devagar, bem devagar, solto o cavalo-marinho, que começa a deslizar sobre as ondas, dançando no ritmo intenso da maré, distanciando-se da margem, ficando cada vez menor. Simplesmente indo, indo, indo.
MARCELOMOUTINHO é autor dos livros Somos todos iguais nesta noite e Memória dos barcos, organizador das antologias Prosas cariocas, Contos sobre tela e do Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa. Publica seus textos em www.marcelo moutinho.com.br
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