FAPESP
Setembro 2009· N° 163· R$ 9,50
AS BASES FíSICAS DA ESQUIZOFRENIA A BELA ÉPOCA DO CONSUMO PAULISTA . ENTREVISTA
MARTíN-BARBERO UMA TEORIA DE COMUNICAÇÃO DA AMÉRICA LATINA
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IMAGEM
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DO MÊS
o vírus
visível Com 50 centímetros de diâmetro, uma versão gigante em resina plástica do vírus H1N1,causador da gripe A, tornou-se a grande atração da exposição Gripe, aberta no dia 18 de agosto no saguão de entrada do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em Porto Alegre. Seis painéis trazem explicações sobre formas de contágio, prevenção e tratamento da doença. Os visitantes recebem folhetos com orientações de como se prevenir da nova gripe. "As pessoas também saem de lá sabendo a história de evolução das gripes ao longo das décadas", explica Virgínia Minghelli Schmitt, professora da Faculdade de Farmácia da PUC e organizadora da exposição. A mostra sobre o Influenza H1N1termina no dia 17 de setembro.
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 3
163
SETEMBRO 2009
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>
CAPA
16 Bagaço de cana dá vantagem competitiva
ENTREVISTA
um dos mais respeitados teóricos da comunicação,
de segunda geração
analisa uma espécie
21 Especialista em biocombustíveis,
prometem
ser mais
complementares do que competidores
SciELO chega à África do Sul e é elogiada em editorial
vivemos, revolucionados pela internet
Science
da revista
HOMENAGEM 8 Pioneiro da ciência da computação, Imre Simon, morto aos 65 anos, formou uma geração
CIÊNCIA
Proteínas aprofundam noção da esquizofrenia como doença biológica BIOINFORMÁ TICA
Novo método para comparar genomas
34 RECURSOS HUMANOS
>
>
PSIQUIATRIA
32 PRODUÇÃO ACADÊMICA Biblioteca eletrônica
de entre-eras em que
o norte-americano
e o de cana
POLíTICA CIENTíFICA E TECNOLÓGICA
10 Jesús Martín-Barbero,
ao Brasil na corrida pelo etanol
Lee Lynd diz que o etanol de celulose
>
pode ajudar a construir
Estudo mostra que
a árvore da vida
alunos melhoraram habilidade em
SAÚDE
matemática
ao
participar de olimpíada de escolas públicas
de matemáticos
!
Teste de sangue permite identificar e tratar precocemente
doença
genética que leva ao retardo mental
>
SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS
6 CARTAS
7 CARTA DA EDITORA
26 ESTRATÉGIAS
36 LABORATÓRIO
64 SCIELO NOTíCIAS
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>
EDITORIAS
> POLíTICA
C&T
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
40
90
>
EPIDEMIOLOGIA
ASTROFíSICA
Quase 60% dos
Dezenas de estrelas de
portadores assintomáticos
do vírus
da Aids com resistência
uma formação em órbita da Via Láctea
>
TECNOLOGIA
70 TELECOMUNICAÇÕES
transcontinental
cidade de São Paulo
MEMÓRIA
filme em altíssima definição inaugura linha
NEUROFISIOLOGIA
Chagas descobria o ciclo
de fibra óptica de 10 qiqabits para
Neurotransmissor
completo da doença que
a internet
associado à recompensa, dopamina controla a consolidação
leva seu nome
Há 1QOanos, Carlos
das lembranças
74
já
EVOLUÇÃO
Linhagem de gaviões surgiu na América do Sul, colonizou
do consumo
no desenvolvimento do capitalismo nacional 86
HISTÓRIA
Naturalistas
brasileiros
criaram uma comunidade científica
de
nacional antes das universidades
cruzamentos entre mutante vermelho e
a nova arma contra o Trypanosoma cruz i
ECONOMIA
importância
DE PESCA
Tilápia resultante
existentes pode ser
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de
acadêmica
ENGENHARIA
HUMANIDADES
Pesquisa revela a
são feitas de diamante
Terapia de medicamentos
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Transrqissão
a drogas estão na
................................66
WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR
selvagem preto cresce
90
rapidamente em cativeiro
MíDIA
Revistas femininas da década de 1920
FARMACOLOGIA
foram usadas na difusão
a América do Norte e se espalhou por
Composto farmacêutico
de um novo papel da
promete elevar a
maternidade
quase todo o planeta
eficiência do tratamento da leishmaniose
LINHA
DE PRODUÇÃO
78
94 RESENHA
95 LIVROS
96 FiCÇÃO
98 CLASSIFICADOS
CAPA MAYUMI OKUYAMA FOTO ALESSANDRA KIANKEK/FOLHA
IMAGEM
CARTAS cartas@fapesp.br
F"UNDAÇÃ PESQUJS~
CELSO Li PRESIDE
conhecido por toda a comunidade científica internacional. O recente editorial da revista Science é mais um exemplo desse reconhecimento. Como pesquisador da entidade, estou muito orgulhoso pelo papel desempenhado pela FAPESP nessa iniciativa. GIORGIO DE TOMI
Escola Politécnica/USP São Paulo, SP
Revista Admiro e visito regularmente o site de Pesquisa FAPESP e como leitor em português incentivo-vos a divulgarem mais a revista. Estou a ver as dificuldades que em Angola e Moçambique, por exemplo, terão para lerem em línguas estranhas porque não têm produção nacional- até mesmo aqui em Portugal a informação de vocês é a melhor que se pode ler. Divulguem o vosso trabalho, convosco vai o conhecimento, a língua portuguesa e o desenvolvimento que tantos poderiam ter. Agradeço-vos poder ler gratuitamente tanta informação na minha língua. ANT6NIO
Faço questão de parabenizar a equipe do professor Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica no Brasil (SciELO). Trabalho numa biblioteca escolar que atende alunos do 10 ao 50 anos, UME Prof. João Papa Sobrinho, da Secretaria de Educação de Santos (SP). Sempre utilizo as edições online, suas variadas temáticas, como fonte de pesquisa. Os alunos são bastante incentivados para as áreas do conhecimento, conforme seus talentos e potencialidades, e sempre cito a revista Pesquisa FAPESP on-line, caso queiram ler a íntegra das reportagens ou pesquisar outros assuntos. Temos talentos em nossa escola, na área das ciências. Uma biblioteca on-line é de muita ajuda. Que essa iniciativa continue, pois é de extrema utilidade pública.
SANTOS CRISTOVÃO
Alcabideche, Portugal
'LÊDA MARIA REIS ABREU
Santos,SP
SciELO Meus parabéns à FAPESP pelo reconhecimento ao trabalho relativo à base de dados SciELO, criada por esta Fundação, conforme mostrado na reportagem "O impacto global do SciELO",veiculada na edição on-line da revista Pesquisa FAPESP. JOSÉ GIOVANNI ALVES ALBARELLI
Campinas, SP
Parabenizo a FAPESP pela visão e iniciativa na criação da biblioteca SciELO,cujo sucesso está sendo re6 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
Nota da redação: leia mais informações sobre o SciELO nesta edição na página 30.
Correções O primeiro parágrafo da reportagem "Arquiteta da mudança", da edição 162, foi divulgado com erros. Estamos publicando o texto correto a seguir. Na mesma reportagem, o nome da editora que era responsável pelos livros da área de arquitetura da Cosac Naify é Cristina Fino, e não Filho. "A italiana Lina Bo Bardi (19141992), nascida Achillina Bo, já faria
parte da história da arquitetura brasileira 'apenas' pelos cartões-postais que criou e projetou, principalmente em duas importantes cidades brasileiras - São Paulo e Salvador. Quase duas décadas depois de sua morte, suas obras, uma notável mistura de arquitetura moderna e arte visual, ainda fascinam seus colegas de profissão e a população que circula por entre os espaços que criou. Na capital paulista, são seus os projetos do Museu de Arte de São Paulo (Masp) e do Sesc Pompeia. Na Bahia, entre os anos de 1986 e 1990, a arquiteta fez um importante plano de recuperação para o centro histórico de Salvador, em que defendia a preservação da 'alma popular' da cidade, manter a população residente: a recuperação da Ladeira da Misericórdia, com o bar Coati; o Belvedere da Sé; o projeto Barroquinha; a Casa do Benin; a Casa do Olodum e o Teatro Gregório de Mattos. Só para citar alguns exemplos. No entanto, quando perguntada qual o seu melhor projeto, declarava: 'Talvez a mais importante seja a capelinha miserável em Uberlândia, feita sem dinheiro, com os padres franciscanos e as prostitutas'. Lina, porém, além de ajudar a formar a história arquitetônica, mudava tudo à sua volta por diversos outros meios. Era agitadora cultural e pensadora de destaque, e procurava debater temas mais importantes da cultura urbana moderna." As pesquisadoras Giniani Carla Dors, Renata Heidtmann Pinto e Eliana Badia-Furlong são da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), e não da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como foi publicado na nota "Composição química do arroz" (edição 160).
JOSÉ AR! VICE-PR CONSELI CELSO
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HORÁCIO VOORWAI MARTINS, BELLUZZ( VAHAN AC CONSEURICARDO DIRETOR
CARLOS H DIRETOR JOAQUIM
DIRETOR
CONSELH LUIZ HENR (COORDENADOI CARLOS HE FRANCISCC JOAQUIM J MÁRIO JOS PAULA Mor WAGNER 01 DIRETOR.A MARILUCE
EDITOR CI NELOSON ~ EDITORES
CARLOS HA FABRfClO M MARCOS DE RICARDO ZI
EDITORES CARLOS FIC
EDITORAS DINORAH E
REVISÃO MÁRCIO GU
EDITORA I MAYUMIOK
ARTE MARIA CECI JÚLlA CHE~
FOTÓGRAF EDUARDO C SECRETAR ANDRESSA
COLABORJ ANA LIMA.) DAS NEVES, LAURABEAl MARCOS GA
OS ARTIG NECESSA
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PARA ANU (11) 3838-4 PARA ASSI FAPESP@TI (11) 303a-l~ FAX: (11) 30 GER~NCIA PAULA ILlAI e-maikpubf GER~NCIA RUTE ROlU
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As cartas
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motivo de espaço e clareza.
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carta da editora fundação de amparo à pesquisa do estado de são Paulo
Entre urdiduras e tramas de celulose
Celso Lafer
Presidente josé arana varela
vice-Presidente
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Celso Lafer, Eduardo MOacyr Krieger, Horácio Lafer Piva, herman jacobus cornelis voorwald, josé arana varela, josé de souza martins, JOSÉ TADEU JORGE, Luiz gonzaga belluzzo, sedi hirano, Suely Vilela Sampaio, Vahan Agopyan, Yoshiaki Nakano Conselho Técnico-Administrativo Ricardo Renzo Brentani
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CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
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Conselho editorial LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (coordenador científico), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, mário josé abdalla saad, PAULA MONTERO, Ricardo Renzo Brentani, wagner do amaral, Walter Colli Diretora de redação mariluce moura editor chefe neldson marcolin Editores executivos Carlos Haag (humanidades), fabrício marques (POLÍTICA), Marcos de Oliveira (Tecnologia), Ricardo Zorzetto (Ciência) editores especiais Carlos Fioravanti, Marcos Pivetta (ediçÃo ON-LINE) Editoras assistentes Dinorah Ereno, maria guimarães revisão Márcio Guimarães de Araújo, Margô Negro editora de arte Mayumi okuyama ARTE maria cecilia felli Júlia cherem rodrigues fotógrafos eduardo cesar, miguel boyayan secretaria da redação andressa matias tel: (11) 3838-4201 Colaboradores Ana Lima, André Serradas (Banco de Dados), Daniel das Neves, Danielle Maciel, Gonçalo Junior, Laurabeatriz, Laura Teixeira, Leandro Negro, Marcos Garuti, Simone Campos e Yuri Vasconcelos
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Secretaria do ensino superior Governo do estado de São Paulo
instituto verificador de circulação
O
etanol vai se tornando mais e mais um tema caro a Pesquisa FAPESP, capaz de lhe render boas reportagens de capa. Desta vez, o que o reconduz à posição mais nobre da revista é uma nova e bem fundamentada visão do quanto o bagaço da cana-de-açúcar, subproduto abundante da indústria canavieira no Brasil, pode garantir vantagem competitiva ao país na corrida internacional pelo etanol de segunda geração. Fabrício Marques, nosso editor de política científica e tecnológica, evidencia essa possibilidade numa bem construída reportagem (página 16) sobre a articulação inédita de diferentes grupos de pesquisa que, estimulados por consistentes políticas institucionais, voltam-se com arrojo para estudos que buscam novas vias e métodos de extração de álcool de celulose da planta. Fontes de celulose, o bagaço e a palha respondem por dois terços da energia da cana que não são convertidos em biocombustível. Ainda. Enriquece muito a reportagem de capa a entrevista pingue-pongue com Lee Lynd (página 21), um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para a produção de energia. Entre outros feitos, o grupo do pesquisador norte-americano desenvolveu a técnica do bioprocessamento consolidado (CBP), pela qual se consegue reduzir a uma só fase as usuais quatro etapas de que se vale a maior parte das rotas biológicas para processar biomassa celulósica hoje em estudo. E isso sem dúvida representa um modo mais simples e potencialmente mais barato para a obtenção do etanol de segunda geração. Lynd, que neste começo de setembro participa de um workshop do Bioen na Fapesp, acredita que o etanol de celulose e o de cana-de-açúcar serão, em futuro próximo, mais complementares que competidores. Destaco também nesta edição o texto de abertura da seção de ciência (página 40), que em outras circunstâncias seria um quase imbatível candidato à capa. Elaborada pela editora assistente Maria Guimarães, a reportagem mostra de forma detalhada como a identificação de uma série de proteínas envolvidas nos mecanismos bioquímicos da esquizofrenia e uma melhor compreensão dos caminhos pelos quais a doença se expressa terminam por
dar sustentação sólida à ideia de que alguns de seus sintomas podem vir da degeneração do sistema nervoso. Uma degeneração talvez acentuada pela presença excessiva do cálcio em neurônios de determinadas regiões do cérebro. Ou seja, é a base eminentemente física da doença que assim se reforça. Em relação aos demais destaques da edição, vou ser muito breve dada a necessidade de conciliar pequeno espaço com informações variadas. Assim, começo pela reportagem de abertura da seção de tecnologia (página 70): o editor Marcos de Oliveira explica com grande clareza e precisão o que é e para que serve a linha de fibra óptica com capacidade de transmissão pela internet de 10 gigabits por segundo, agora à disposição da comunidade acadêmica de São Paulo. Ela foi inaugurada em 31 de julho com a transmissão para Estados Unidos e Japão do primeiro longa-metragem produzido no Brasil em altíssima definição. Prossigo com o primeiro texto da seção de humanidades, no qual o editor Carlos Haag, partindo de um estudo do consumo em São Paulo entre os anos de 1890 e 1915, mostra que novas relações historiadores vêm estabelecendo entre comportamentos sociais de compra e as feições particulares do capitalismo brasileiro. Volto às primeiras páginas para destacar a entrevista pingue-pongue de um dos mais respeitados teóricos contemporâneos da comunicação, Jesús Martín-Barbero. Com novas e provocadoras visões sobre comunicação e cultura, alertando para uma espécie de entre-eras em que hoje vivemos, revolucionados pela internet e sem saber que mundo novo estamos gestando, o pensador de quase 72 anos deixou siderada uma plateia de mais de 800 pessoas, com predominância absoluta de jovens estudantes, no Memorial da América Latina, na tarde de 17 de agosto. E vou ao final da seção de ciência, na página 56, para recomendar o texto memorialístico do editor-chefe, Neldson Marcolin, sobre Carlos Chagas, o genial médico brasileiro que há 100 anos descobriu o ciclo completo do mal de Chagas, combinado com um segundo texto que explica por que um coquetel de medicamentos já existente pode ser a nova arma contra o causador da doença, o Trypanosoma cruzi. PESQUISA FAPESP 163
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homenagem
o homem que calculava
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eórico de sólida formação, mas dotado igualmente de um senso prático como poucos em sua área, Imre Simon morreu em casa na madrugada de 13 de agosto, um dia antes de completar 66 anos. Um câncer de pulmão diagnosticado no segundo semestre do ano passado abreviou a brilhante trajetória do professor titular aposentado do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (IME-USP). Querido e respeitado por colegas, alunos e ex-pupilos da academia, admirado nos círculos da internet nacional por sua defesa dos softwares de uso livre e do acesso aberto à educação e ao conhecimento científico na grande rede de computadores, Simon figurava entre os pioneiros da ciência da computação no Brasil. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, era membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e foi um dos idealizadores do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP. 8
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Simon viveu na Hungria, sua terra natal, até os 13 anos, quando a grave situação política no país levou sua família a emigrar para o Brasil. “Mas ele fazia questão de se apresentar como brasileiro”, diz Nataniel Simon, um dos três filhos do professor. E era visto como tal pela comunidade científica internacional, que denominou de geometria tropical o intrincado campo da matemática do qual o pesquisador da USP foi um dos precursores. A carreira acadêmica de Simon começou em 1962, quando entrou no curso de engenharia eletrônica na Escola Politécnica da USP. Ali começou uma longa relação com a matemática e os computadores. “Naquela época, ele trabalhou com o primeiro computador da USP”, relembra Tomasz Kowaltowski, professor aposentado do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC-Unicamp), amigo de Simon desde os tempos de Poli. O brasileiro fez mestrado e doutorado em ciência da computação na Universidade de Waterloo, no Canadá, no início dos anos 1970. Seu pós-doutorado foi concluído na Universidade Paris Diderot – Paris VII em 1980.
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Imre Simon foi um dos pioneiros da ciência da computação e formou uma geração de matemáticos | Marcos Pivet ta
Arquivo pessoal
Era um grande especialista em investigações algébricas combinatórias de autômatos finitos, mas tinha interesses amplos na ciência da computação. Do ponto de vista aplicado, a teoria dos autômatos é uma ferramenta para produzir algoritmos que podem ser usados em diversos tipos de software. Para a pesquisadora Claudia Bauzer Medeiros, professora do IC-Unicamp, a atuação de Simon “consolidou linhas de pesquisa, cursos e departamentos” de ciências da computação no Brasil e no estado de São Paulo, em especial na USP e na Unicamp. “Ele perseguia as ideias em que acreditava e era muito respeitado até por quem discordava dele”, diz Claudia. “O professor Imre Simon deu insubstituível contribuição para o desenvolvimento científico do Brasil. Sua participação foi fundamental no estabelecimento da ciência
da computação no país. Sempre colaborou intensamente com a FAPESP e suas ideias moldaram programas da Fundação”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. “Sentiremos sua falta.” Em cinco décadas, Simon teve uma atuação destacada em várias frentes. Ao lado de Kowaltowski e Claudio Lucchesi, do então Centro de Computação da USP, ajudou a implementar o primeiro exame vestibular computadorizado do país, em 1965. Dois anos mais tarde, foi convidado por Delfim Netto, então ministro da Fazenda, para escrever um programa de computador que calculasse os índices de inflação, então na casa dos três dígitos. “Aquilo foi uma grande conquista, considerando que a memória dos computadores tinha apenas 20 mil dígitos
decimais”, escrevem Christian Choffrut, da Universidade Paris Diderot – Paris VII, e Yoshiko Wakabayashi, do IME-USP, no prefácio de uma edição especial da revista Rairo – Theoretical Informatics and Applications, publicada em homenagem a Simon em 2005. “Ele era uma fonte de inspiração”, diz Yoshiko, que foi aluna de mestrado de Simon em 1977 e depois colega no Departamento de Ciência da Computação da USP por décadas. Num outro capítulo da publicação, o canadense Denis Thérien, da Universidade McGill, comenta a tese de doutorado defendida pelo brasileiro na Universidade de Waterloo em 1972, com o título Hierarchies of events with dot-depth one. “Seu trabalho teve um impacto enorme na teoria dos autômatos e agora, 30 anos depois, estamos em uma boa posição
para apreciar a sua sensibilidade em selecionar bons problemas e seu brilhantismo para resolvê-los”, afirmou Thérien. Para ele, a tese de Simon é uma “obra-prima”. Os elogios que sempre recebeu nunca o fizeram mudar o jeito simples e acessível. “Era uma pessoa totalmente sem vaidade e pose”, testemunha Arnaldo Mandel, também professor do IME-USP e um dos primeiros alunos de mestrado que Simon orientou. “Tratava a todos de forma igual e sabia ouvir mesmo os que tinham ideias opostas às dele.” Em texto publicado no site de Pesquisa FAPESP, Rogerio Meneghini, coordenador científico do programa SciELO Brasil, faz uma homenagem ao pioneiro da ciência da computação no Brasil. “Como leigo nessa área, posso apenas valer-me de minha autoconfiança adquirida de intuir características da individualidade daqueles com quem eu tive o privilégio de interagir”, escreve Meneghini. “Imre exalava inteligência, disposição para ensinar mesmo que numa conversa a dois, e uma paixão por compartilhar seus insights sobre este assombroso novo mundo da computação e da internet. Fazia isso dentro e fora da sala de aula, e isso marcou todos que o cercavam.”
Simon: atuação consolidou linhas de pesquisa e cursos de computação no país PESQUISA FAPESP 163
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ENTREVISTA
Jesús Martín-Barbero
As formas mestiças da mídia Pesquisador fez da América Latina laboratório de uma original teoria da comunicação num mundo globalizado Mariluce Moura
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vasto auditório do Memorial da América Latina, com 870 lugares, estava lotado na tarde da segunda-feira, 17 de agosto. Viam-se sobretudo rostos jovens emergindo na quase penumbra da plateia, e era isso o surpreendente: difícil entender de primeira por que tantos deles tinham livremente decidido participar da instalação do Fórum Permanente dos Programas de Pós-Graduação de Comunicação do Estado de São Paulo, programação no mínimo um tanto aborrecida para fases e tempos inquietos da vida. Registre-se, a propósito, que em São Paulo estão hoje 14 dos 34 programas de pós em comunicação existentes no país. Sem sinais explícitos de impaciência, enquanto se sucediam as falas dos integrantes da mesa, a verdadeira expectativa que dominava o auditório, entretanto, era a aula magna do professor Jesús Martín-Barbero que abordaria a comunicação no presente. Barbero começou a falar e logo lançou a pergunta de caráter epistemológico sobre “como pesquisar a comunicação hoje”. Entrou pelo conceito moderno de incerteza e suas raízes fincadas na lógica difusa (ou lógica fuzzy), passou por Merleau-Ponty e sua descrença nas leis da história, declarada em 1956, junto com a afirmação de que a história só é pensável em termos de ambiguidade, e deteve-se no medo que hoje nos provoca um conceito novíssimo de informação, o da informação genética. O professor passeou o olhar pelas metodologias de pesquisa em comunicação fundadas no estruturalismo, no
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marxismo e no funcionalismo e aportou no ecossistema especial em que os homens contemporâneos veem e são vistos (algo como o “terceiro entorno” de Javier Echeverría ou o “bios midiático” de Muniz Sodré). Estava na seara da imagem sob todas as formas, no campo especial da comunicação já nem tanto concebido a partir de um conjunto de meios e aparelhos que se transformam, se desfazem e refazem “ante nossos olhos”, mas tateado com uma atenção especial para a internet e o computador, que trazem “algo de radicalmente novo” à história dos homens. Um “algo”, para Barbero, jamais comparável à imprensa, ao avião ou a qualquer das máquinas fundamentais das mais conhecidas revoluções tecnológicas, e comparável, como quer Roger Chartier, à invenção do alfabeto. Algo radical a ponto de assinalar uma divisão entre épocas – ou eras. “Estamos na crise. O velho já morreu e não conhecemos ainda o que está por vir”, Barbero disse, trazendo Gramsci para a plateia. Na véspera ele já dissera à Pesquisa FAPESP que os meios e os gêneros que os meios produzem estão sendo reinventados à luz da interface da televisão com a internet, numa interação e contaminação que desestabilizam os discursos próprios de cada meio e criam o que ele tem nomeado de “as formas mestiças da comunicação”. Formas um tanto incoerentes que atuam transversalmente em todos os meios. Esse homem de quase 72 anos é, como apresentou Maria Immacolata Vassalo Lopes, coordenadora do programa de pós-graduação em comunicação da Universidade de São Paulo (USP), um
“cidadão latino-americano nascido na Espanha”, em Ávila. Barbero escolheu a América Latina como lugar para viver e sobre o qual pensar muito cedo, quando a Espanha, sob a ditadura de Francisco Franco, “era um lugar muito triste”. Autor, entre outras obras, do já clássico Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia (Editora UFRJ, 5ª edição, tradução de Ronald Polito e Sérgio Alcides), Ofício de cartógrafo: travessias latino-americanas de comunicação na cultura (Edições Loyola, 2004, tradução de Fidelina González) e Os exercícios do Ver: hegemonia audiovisual e ficção televisiva, este em coautoria com Germán Rey (Editora Senac, 2004, tradução de Jacob Gorender), Jesús Martín-Barbero é doutor em filosofia pela Universidade de Louvain e pós-doutor em antropologia e semiologia na Escola de Altos Estudos em Paris. Em seu currículo, há que se destacar a criação do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidad del Valle, Colômbia, que se transformou em Escola de Comunicação Social, e suas atividades de professor e pesquisador nas universidades Complutense de Madri, Autônoma de Barcelona, de Guadalajara e na Escola Nacional de Antropologia e História do México. No segundo semestre de 2008 foi professor visitante na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP. Hoje é professor e coordenador de pesquisa da Faculdade de Comunicação e Linguagem da Universidade Javeriana de Bogotá. A seguir, os principais trechos da entrevista (ver a versão mais completa no site www.revista.fapesp.br).
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Eu gostaria de começar esta entrevista lhe perguntando como falar de comunicação hoje. O que é, em seu olhar, a comunicação? — Há basicamente três maneiras de enfocar a comunicação em nosso mundo latino-americano: as duas primeiras estiveram em contraposição. Partimos da visão hegemônica que dois pesquisadores norte-americanos construíram no fim da Segunda Guerra Mundial, com base em um profundo mal-entendido: um engenheiro de telefonia chamado [Claude] Shannon teve a ousadia de chamar teoria geral da comunicação a um livro que fala de economia da transmissão de informação, ou seja, como fazer para que a transmissão de informação tivesse o menor ruído possível e durasse o menor tempo possível, portanto, com a menor redundância possível. Essa proposta de um engenheiro de telefones, manipulada por [Harold] Lasswell e [Paul] Lazarsfeld, se converteu na grande teoria da comunicação. Quando voltei à Colômbia em 1973, depois de meu doutorado, entrei no campo de comunicação e o encontrei identificado com essa concepção de transmissão de informação – ora, à luz do que vejo, a comunicação está nos modos de se comunicar das pessoas nas ruas, na casa, na igreja, na praça – nada tinha a ver com a ideia de transmissão da informação como estava proposta. De maneira que entro nesse campo – em castelhano se diria – “como um burro na cacharrería”. ■
Mas quando Lasswell e outros fizeram essa proposta, eles não tinham uma clareza de que havia uma distância enorme entre uma teoria proposta para a engenharia e aquilo que se dava no campo humano das comunicações? — Shannon pensou seu objeto. Os que nos armaram uma armadilha foram Lasswell e Lazarsfeld, que passaram a estudar com base nessa teoria os grandes fenômenos de opinião pública, por exemplo, a grande propaganda para convencer as mães norte-americanas a aceitarem que seus filhos fossem lutar a guerra contra Hitler na Europa. O primeiro estudo foi esse e depois vieram vários outros baseados nessa concepção de destinador/ destinatário, fonte, canal etc. Era o que cabia no esquema. Para mim, o mais terrível foi se identificar comunicação com transmissão, um conceito muito mecânico. Portanto, os dois propuseram uma concepção que depois chamamos de instrumental, o meio era um instrumento. E a elaboração dos marxistas, mais adiante, caiu na mesma armadilha, com a noção reduzida dos meios para manipular a consciência.
FOTOS EDUARDO CESAR
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■ Como, ao voltar de seu doutorado em filosofia
na França, em 1973, acontece seu interesse pela comunicação? PESQUISA FAPESP 163
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— Foi uma mescla de conjuntura e circunstâncias. Primeiro, a conjuntura: voltei à Colômbia apaixonado pela filosofia contemporânea. Fui aluno de Paul Ricoeur e de Maurice Merleau-Ponty que, para mim, foi o grande filósofo ocidental do século XX – não foi [Martin] Heidegger ou [Richard] Rorty. Ele inverte o olhar ocidental porque inclui o corpo como o grande tema da filosofia. Mas não havia nenhuma universidade em Bogotá que me permitisse continuar nesse percurso, eu teria que seguir falando de Aristóteles, de ética etc. Quanto à circunstância, aquela que é minha esposa hoje estava estudando comunicação em uma faculdade que começara havia pouco. Era uma pequena universidade privada, mas reunira um grupo de loucos que tinham lido algo de Roland Barthes, de Lévi-Strauss e queriam fazer alguma coisa, ainda que não soubessem muito bem o quê. Conversei com eles, lhes levei todos esses livros que queriam e outros que enchiam duas caixas que tinham chegado de barco da Europa. Eles me propuseram abrir uma área nova de pesquisa na faculdade. Aceitei e a organizei com dois semestres de linguística, dois de semiótica e dois de estética. Aí vem a segunda circunstância: podia-se aplicar de diferentes maneiras aquilo de que obtínhamos informação, mas aprendi ali que estudar comunicação era estudar meios: imprensa, rádio – pouquíssimo –, cinema, visto como forma de arte, e a televisão, que era, digamos, “a prostituta da calçada”. Naquele momento as grandes emissoras de televisão na América Latina, nos melhores horários, tinham uma programação toda norte-
americana, e havia aquele discurso do império cultural etc. etc. Em suma, tínhamos que tratar de meios modernos, contemporâneos, e estudar meios tinha então basicamente duas formas: economia política dos meios e leitura ideológica das mensagens. Eram as vias propostas pelo marxismo, pelo estruturalismo... — Sim, eram os métodos que propunham para ler como a ideologia dominante domina. A mim isso sempre pareceu muito estreito, porque já sabemos que a ideologia dominante é a da classe dominante, e o que a classe dominante faz é dominar do jeito que puder. Reprimindo, às vezes, como fez, por exemplo, na América andina em 1977, em episódios que contribuíram bastante para a criação da Associação Latino-americana de Pesquisadores de Comunicação (Alaic). Aliás, quando [Héctor] Schmucler fez na Universidade Autônoma Metropolitana (UAM-Xochimilco), no México, o I Encontro Latino-americano de Escolas de Comunicação, fiz ali uma conferência que marcou toda a minha vida. Porque eu disse coisas que acreditava elementares, mas eram grandes blasfêmias, tanto para nossos funcionalistas quanto para os marxistas estruturais. ■
Por exemplo... — Esta frase: e se, em lugar de pensar a comunicação como dominação, pensássemos a dominação como processo de comunicação? Porque Gramsci me ensinou que a dominação é de dois tipos. Primeiro, há a repressão bruta, os tanques e tal. E ■
Um mapa para investigar as mutações culturais
TEMPOS identidade
tecnicidade
MIGRAÇÕES
FLUXOS
cognitividade
ritualidade ESPAÇOS
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dei um exemplo que guardei para sempre: essa dominação é como a relação entre a bota do militar e a barata, entre uma e outra não pode haver uma relação senão de esmagamento, e a barata tem que correr. Mas Gramsci nos ensinou também a noção de dominação como hegemonia, e a hegemonia é feita de cumplicidade, de sedução, de fascinação. E há que se pensar sobre “o que, nos dominados, trabalha a favor do dominador”. Foi um escândalo! — Sim, começaram a dizer que, não bastasse a exploração, eu ainda queria tornar os pobres culpados da dominação. E então lhes disse que o problema na comunicação era justamente os meios terem sido esmagados na queda produzida para explicar economicamente o seu funcionamento. E ainda se ter inferido dessa explicação econômica as análises das mensagens, as análises dos discursos. Mas quero ser justo: isso teve muito a ver com o percurso da teoria da dependência no desenvolvimento do pensamento social latino-americano. Para mim, a teoria da dependência é um pensamento bastante complexo, mas à comunicação se aplicou um pensamento muito menos complexo. ■
■ Ou seja, ao se usar a teoria da dependên-
cia também para entender a comunicação e o funcionamento dos meios, terminou por se empobrecer nesse âmbito a própria teoria. — Sim. Veja, eu sempre tomei Paulo Freire como um autor-chave da teoria da dependência. Há um livrinho não traduzido para o português que fiz para uma coleção latino-americana chamada La Educación desde la Comunicación. E há nele um capítulo de minha tese sobre a concepção de comunicação que havia em Paulo Freire. Penso que Freire tem que ser incluído na história dos meios culturais, os estudos latino-americanos não podem alijá-lo, porque se há quem agregue a noção de cumplicidade do oprimido, se há quem a percebeu fenomenologicamente na vida cotidiana, é Freire. Tive a sorte de conhecer muitos que fizeram a teoria da dependência, Teothônio dos Santos, por exemplo, e eles tinham uma concepção de economia muito menos economicista, muito menos de fundo positivista, do que os leitores dela no campo da comunicação. Mas resumindo: primeira concepção, comunicação como transmissão, e segunda concepção, os meios tomados de forma muito empobrecida, porque se tratava de economia política e análise de
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mensagem. Evidentemente, era o que se podia fazer naquele tempo. ■ E a terceira concepção de comunicação, em que não entramos até aqui? — Deixo de lado as brigas em que entrei para introduzir a ideia de que a comunicação de massa era mais ampla que os meios, e que os meios não podiam ser pensados só em sua economia e ideologia, tinham que ser relacionados com a cultura cotidiana da maioria – portanto, havia grandes mediações que vinham de formatos históricos, de matrizes culturais. Assim saltamos ao contemporâneo. Em resumo, travou-se uma luta entre uma concepção positivista e uma outra concepção muito mais fenomenológico-antropológica, que envolve Nestor Canclini e todo o pessoal que foi forçando a entrada dessa nova visão a partir de outubro de 1983 – uma data-chave. O que aconteceu foi um encontro entre estudiosos de comunicação e de ciência política, crítica literária e arte, propiciado pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso), em Buenos Aires, num momento muito rico de retorno da Argentina à democracia.
E então começam a se desenvolver as ideias que vão aparecer em seu livro de 1987, Dos meios às mediações. — Essas ideias começaram sete anos antes. Eu tinha ficado por um ano e meio naquela pequena universidade para onde fora em 1973. Então a Universidad del Valle, a mais avançada da Colômbia, em Cali, me convidou para que eu fundasse um departamento de ciências da comunicação. Criei um departamento no qual estavam as ciências sociais, a economia, a sociologia, a ciência política e reuni alguns dos melhores sociólogos, politólogos, historiadores que havia no país. ■
Armamos um plano de estudos no qual as ciências sociais iriam pensar, pesquisar os meios, os processos e as práticas de comunicação. Fiz isso por cima de todas as escolas de comunicação, que eram as de jornalismo, publicidade e relações públicas, o que as colocou em rota de colisão comigo e pôs em crise o Ministério da Educação. Isso porque o diretor da instituição, que dentro do ministério era responsável pela aprovação dos planos de estudos, se encantou com o projeto e decidiu defendê-lo. E aprovaram o plano de estudos! Quero dizer que a segunda “cara” desse departamento foi muito importante, porque a imprensa em Cali era muito ruim, e então atendi os alunos, que me pediram cursos de música e cinema. Cali era a cidade da salsa, e fazia e segue fazendo filmes! Quase metade dos alunos estudava no conservatório de música e o que interessava às pessoas era rádio, que tem a ver com música e com realidades populares, e cinema. Fiz, assim, uma composição tão explosiva que na primeira reunião, em Lima, para a criação da Alaic, em que eu era um dos três conferencistas convidados, junto com um chileno e um peruano, quase me lincham. Na verdade, eu passei 10 anos na Colômbia muito ilhado. Eu vinha ao Brasil, ia à Argentina, ao México, aos Estados Unidos, a Barcelona, mas na Colômbia ninguém queria saber nada de mim. Fizeram-me uma guerra. ■ Quando foi seu primeiro contato com a
América Latina? — Em 1963, quando eu era professor de filosofia na Espanha, fui à Colômbia num programa de intercâmbio de professores, e lá entrei em contato com aqueles anos loucos, divinos, tempo da teologia da libertação etc. Era muito forte o debate cristão-marxista na Colômbia, aliás tendência da igreja em toda a América Latina, e me encarregam de uma fundação cristã, mas para criar uma revista de debates. Então eu vivi o processo de Camilo Torres, a discussão da guerrilha, o debate na universidade nacional, traduzimos textos de [Louis] Althusser etc. Mas por que um espanhol formado em filosofia se deixou seduzir pela Colômbia e pela América Latina? — Primeiro, o franquismo era horrível, muito triste, excessivamente estreito. Eu nasci e vivi em Ávila, um povoado pequeno junto a Madri, e tive a sorte de ter meus amigos desde a infância por lá. E esse meu grupo importava discos da ■
América Latina, era ligado nessa música muito parecida à andaluza, e que era afinal a nossa música, porque o franquismo utilizou o folclore andaluz para convertê-lo na música da Espanha. No começo dos anos 1960, eu estava esperando uma bolsa para doutorado em Paris, quando soube que estavam pedindo professores de filosofia na Colômbia. Fui. Fiquei por cinco anos, vivi a aventura apaixonante de criar um espaço de debate cristão-marxista na universidade. Mas voltando à teoria... — Só para lembrar, a segunda abordagem da comunicação entre nós é a versão latino-americana do que nos vinha dos Estados Unidos e da Europa ou o funcionalismo dos Estados Unidos traduzido em funcionalismo marxista. Há um texto famoso de Eliseo Verón que se chama O funcionalismo marxista. Mas podemos voltar a Dos meios às mediações. ■
■ No livro há um esforço para ir buscar lá
no começo do século XX os fundamentos da radionovela, do cinema latino-americano. Como se processa esse diálogo entre teoria e história da comunicação? — Foi ao escrever a introdução para a quinta edição que percebi que fiz esse livro para as ciências sociais. Ou seja, a comunicação estava tomando uma tal envergadura que ia se tornar algo central no mundo e eu queria transformar os estudos de comunicação. Na América Latina tinha sido passada uma ideia demasiado técnica do que é comunicação. No livro situo o grande debate sobre a cultura popular, depois mostro como se estudou isso e, na terceira parte, falo da América Latina na história política da comunicação “popular”. Ou seja, como reagiram os populismos históricos, sob Getúlio Vargas, Perón, Cárdenas etc. Estes, sim, foram capazes de perceber o potencial de criação, à sua maneira, de cidadania com as massas urbanas. ■ Como sua teoria avança para dar conta
do conceito de comunicação depois dos anos 1990? — As ideias do livro começam a funcionar entre os alunos com uma pesquisa que eu coordeno no final dos anos 1980 sobre a telenovela em toda a América Latina. Fui ao México, Peru, Chile, Argentina e Brasil. Li um montão de livros do Brasil. Aliás, pediram-me e fiz um balanço trabalhoso que apresentei no IV Intercom com o título “O que os estudos de comunicação na América Latina PESQUISA FAPESP 163
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devem às ciências sociais brasileiras”. E é muito o que devem a Octavio Ianni, a Milton Santos, a Renato Ortiz, a Roberto da Matta, à coleção O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira, de vários autores... Mas essa pesquisa a que me refiro é a que torna explícita a maneira como os estudiosos de comunicação latino-americanos leram meu livro. Ou seja, leram desde o descobrimento do sujeito, do ator do processo, que é o receptor. Ou seja, contra a visão positivista, a descoberta era que o receptor reagia! ■ E aí, quando Immacolata vai para a casa
do receptor de novela, ela leva seu trabalho por essa mesma via no Brasil. — Immacolata foi a pessoa que instaurou no Brasil a perspectiva do estudo das mediações para poder entender o processo inteiro. Já não se tratava do “por um lado, a política...”, “por outro lado, a audiência”, não, podíamos pensar tudo junto. Esse aporte é um feito: a investigação da telenovela aproveita meu aporte começando a atribuir valor à figura do sujeito. O sujeito da comunicação não é o meio, mas a relação. Importante não é o que diz o meio, mas o que fazem as pessoas com o que diz o meio, com o que elas veem, ouvem, leem... Esta é a mudança. E isso foi o que realmente produzi, o que propus. A telenovela vai ser ao mesmo tempo como que a demonstração da minha teoria – está lá a importância da cultura popular, dos formatos populares, dos gêneros populares para entender os meios, entender a comunicação – e a via para que se comece a estudar o contexto local, quando para aquele marxismo catequético a ideologia era a mesma na Europa, nos Estados Unidos ou na América Latina. No trânsito dos anos 1990 ao presente, queria saber da crítica de seus amigos no sentido de que talvez já fosse hora de retornar “das mediações aos meios”. — Essa crítica de dois amigos eu respondi no prefácio à quinta edição. ■
Gosto particularmente neste prefácio de seu mapa das mediações e deste trecho [respectivamente páginas 16 e 14]: “Mais do que substituí-la [a política], a mediação televisiva ou radiofônica passou a constituir, a fazer parte da trama dos discursos e da própria ação política”. — Que proponho com o mapa? Eu sei que os meios estão tendo um protagonismo cada vez maior. A televisão já não é simplesmente uma ajuda à política, é ■
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a própria política, a política se faz na televisão, há muito menos rua para a política. O prefácio saiu originalmente em 1998. Aqui aceito a proposição de meus amigos, dizendo: “a investigação agora já não será sobre as matrizes culturais da comunicação, mas sobre as matrizes comunicativas da cultura [...]”. Naturalmente o computador pessoal levava a essa mudança, mas aqui há uma pergunta, um esboço para entender o que eu estava propondo. Digo: “Como assumir então a complexidade social e perceptiva que hoje reveste as tecnologias comunicacionais, seus modos transversais de presença na cotidianidade, desde o trabalho até o jogo, suas intrincadas formas de mediação tanto do conhecimento como da política, sem ceder ao realismo do inevitável produzido pela fascinação tecnológica, e sem deixar-se apanhar na cumplicidade discursiva da modernização neoliberal – racionalizadora do mercado como único princípio organizador da sociedade em seu conjunto – com o saber tecnológico, segundo o qual, esgotado o motor da luta de classes, a história teria encontrado seu substituto nos avatares da informação e comunicação?” Esta é a mudança, para mim. E isto é o que nos situaria no presente. ■ Graças à tevê a cabo, programas
de vários países, sobretudo dos Estados Unidos, são cada vez mais vistos pela classe média brasileira e, imagino, de outros países da América Latina. Em paralelo, há o fenômeno da expansão do acesso à internet. O Brasil tem hoje 65 milhões de pessoas acessando a internet — Quase 35% da população.
de Marcel Mauss, forja a ideia de que a técnica entre os “povos primitivos” também é sistema, não apenas um conjunto de ferramentas. Eu ligo tecnicidade ao que está se movendo na direção da identidade. Por exemplo, a quantidade de adolescentes que inventam uma personagem para si mesmos é impressionante. Fiz uma pesquisa em Guadalajara sobre o acesso dos adolescentes à internet e constatei que era enorme a quantidade de meninas de 15 e 16 anos que fabricavam para si uma identidade de homem para escreverem a mulheres da Suécia. As mães quando descobriam diziam “não é minha filha”, não conseguiam acreditar. É um campo livre de experimentação e invenção. — Sim, o próprio “eu” é o campo de experimentação. Portanto, a questão da identidade cultural hoje está sofrendo, na base da identidade subjetiva, uma transformação gigantesca. Porque os modelos de conduta, os padrões de conduta de que falavam Parson e Piaget não funcionam. Nós, os pais, não somos mais os modelos de nossos filhos, a televisão acabou com isso. Os modelos são os seus contemporâneos: ginastas, cantores, atrizes, jogadores de futebol, esses são os padrões de conduta, são seus pares. Então eu junto em meu mapa tecnicidade e identidade, ponho ritualidade ao lado de cognitividade. Retiro dele as duas mediações que eram mais sociais, institucionalidade e socialidade, para colocar a transformação. ■
Então, se colocamos seu mapa anterior junto com o novo temos qual foi o trânsito para a transformação ocorrida. ■
O que isso muda na configuração das matrizes comunicativas da cultura? — No meu novo mapa [ver página 12] temos: tempo, espaço, migrações, fluxos. Então as mediações passam a ser transformação do tempo e transformação do espaço a partir de dois grandes eixos, ou seja, migrações e fluxos de imagens. De um lado, grandes migrações de população, como jamais visto. De outro, os fluxos virtuais. Temos que pensá-los conjuntamente. Os fluxos de imagens, a informação, vão do norte ao sul, as migrações vão do sul ao norte. E há a compressão do tempo, a compressão do espaço e é aí que eu recomponho as duas mediações fundamentais hoje: a identidade e a tecnicidade – eu adoto essa palavra não por esnobismo, mas sim porque um antropólogo francês, André Leroi-Gourhan, contemporâneo ■
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— Temos quais são as chaves da mudança. Ela é muito maior do que estamos pensando na comunicação. O filósofo basco Javier Echeverría, em El tercer entorno, um de seus livros mais importantes, afirma que o ser humano habitou durante milhares de séculos um entorno natural. A partir dele conseguiu sobreviver e passar de nômade a sedentário. Depois de centenas ou milhares de séculos, criou a cidade. E a cidade, desde suas formas mais primitivas, é o lugar das instituições políticas e culturais. Esse é o segundo entorno, urbano, ligado às instituições da família, do trabalho, da religião, da política. Hoje estamos assistindo à emergência de um novo entorno que se chama tecnocomunicativo.
Hoje estamos assistindo à emergência do entorno tecnocomunicativo. Assim como estamos imersos na natureza e nas instituições, agora estamos também nesse terceiro entorno
Não lhe parece que esse conceito tem parentesco com a noção de bios midiático de Muniz Sodré? — Sim, é isso, a imersão não é pontual, na base do eu ligo, desligo. Assim como estou imerso na natureza e nas instituições, agora estou imerso nesse terceiro entorno. Eu não posso ligar o computador sem saber que sou visto. Vejo, mas sou visto, não há forma de impedir isso. ■
■ É um mundo de total visibilidade. — É um mundo onde somos vistos e vemos. E vemos ativamente. Produzimos visibilidade. Construímos visibilidade para nós e outros. A ideia importante então é o “entorno”, o novo ecossistema. Não podemos mais falar de comunicação como um conjunto de meios, e tal como são eles não duram mais 10 anos. É uma mudança de tempo, lembre-se. Passamos do sino do convento que na Idade Média dizia aos camponeses quando deviam levantar, rezar, comer, dormir, ao rádio, tempo da notícia, da radionovela, da música, das dedicatórias aos noivos... E a televisão potencializou mais essa marcação. ■ E o que é hoje o nosso “sino da igreja”? — Não existe mais. Há uma liberação do tempo e, simultaneamente, uma mobilidade que comprime o tempo – cada vez temos menos tempo. De fato, se o capitalismo não tivesse enlouquecido quando o Muro de Berlim caiu, se tivesse tido um pouco de visão histórica, em vez de produzir a crise em que estamos mergulhados, teria criado um modelo no qual a humanidade trabalharia quatro horas, e não oito. Mas se pôs a produzir dinheiro com dinheiro, sem produzir nada. Então, há uma transformação radical do tempo e do tempo de trabalho.
■ Mas a ideia de que o tempo de trabalho
diminuiria parece morta a essa altura. — Sim, porque a morte é outra. A morte é a saída do mundo do trabalho de milhares. O ideal do capitalismo, enquanto existia o socialismo real, era o pleno emprego. O ideal era incluir, agora não, agora se desconecta e a população que trate de saber como viverá. Nessa sua análise do encolhimento do trabalho, fica só uma visão pessimista? — No último número de uma revista brasileira [Cult], Zygmunt Bauman cita uma coisa que aprendi diretamente de Gramsci. Ele entende a crise como sendo um tempo em que o velho já se foi, mas o novo não tem forma ainda. Portanto estamos habitando algo para que ninguém nos preparou, segundo minha amiga Hannah Arendt, que é a incerteza. Ninguém no cristianismo nem no marxismo nos ensinou a conviver com a incerteza. Então, eu habito um tempo de profunda incerteza. Não é uma incerteza que me dá o direito de fazer o que tenho vontade porque não sei para onde vai o mundo, e então passo a me dedicar aos grandes prazeres intelectuais, corporais, eróticos, o que seja, porque nada vale a pena. Desconfigurou-se aquilo em que eu acre■
ditava, aquilo que eu cria que sabia. Creio que a minha incerteza é não otimista, mas esperançosa. Sabe como tinha esperança um judeu ateu chamado Walter Benjamin? Sem esperança os judeus não existiriam. Veja o que disse Benjamin: “Não podemos viver sem esperança, mas a esperança só nos é dada pelos desesperados”. Eu vejo cada vez mais desesperados no mundo e daí a minha esperança cresce. Porque são pessoas que, à sua maneira, estão se rebelando, estão inventando. ■ Como essa sua visão filosófica flui para o
campo dos estudos de comunicação? — Percebi que eu só quero pesquisar o que me dê esperança. Temos que pesquisar não só o que permite denunciar, mas o que permite transformar, mesmo em pequena medida. Eu sempre recorro a uma teoria não escrita brasileira, a teoria das brechas, segundo a qual todo muro, por mais maciço que pareça, tem sempre uma brecha que alguém pode aumentar para derrubá-lo. Eu transmito cada vez mais esperança. Cada vez ponho mais paixão no que digo, porque é a única maneira de fazer as pessoas perceberem algum valor no que digo. A paixão é contagiosa, não se deve pedir desculpas pela paixão. Em termos práticos, que pesquisas suas consideram essa ideia da esperança? — Dois temas. Um é o das transformações tecnológicas. Eu faço uma relação provocadora: García Márquez, quando ganhou o Prêmio Nobel, em seu discurso começou perguntando se os povos que tinham sofrido 100 anos de solidão teriam uma segunda oportunidade sobre a terra. Eu, agora, respondo que sim. Porque aquela cultura que foi desprezada pelos intelectuais da cultura letrada, que é a cultura visual, a cultura oral, sonora e gestual, agora elas entram como cultura pela internet e se juntam no hipertexto. Como disse Manuel Castells, o computador acabou com a separação dos dois lados do cérebro: o lado da razão, da argumentação, e o lado da paixão, da imaginação, que agora estão juntos. A imaginação não é mais um poder dos poetas e dos artistas. Então, viso às novas tecnologias enquanto permitem uma apropriação que, por sua vez, permitem a hibridação, a mestiçagem das culturas cotidianas da maioria com o que era a cultura da pequena elite que tinha a escritura. O segundo tema, as mudanças de sensibilidades das pessoas jovens, aparece no título do livro que estou preparando: Sentidos da técnica e figuras do sensível. ■ ■
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O alvo é o bagaço Subproduto abundante da indústria da cana dá vantagem competitiva ao Brasil na busca do etanol de segunda geração Fabrício Marques
HÉLVIO ROMERO/ae
A
pesquisa brasileira do etanol de segunda geração conquistou uma articulação inédita. Restrita até pouco tempo atrás a experiências isoladas de empresas e de grupos de pesquisa, a busca do álcool extraído de celulose está mobilizando um número crescente de pesquisadores, estimulados por políticas de pesquisa voltadas para ampliar a produtividade do etanol de cana brasileiro. O alvo é aproveitar o bagaço e a palha da canade-açúcar, fontes de celulose que respondem por dois terços da energia da planta, mas não são convertidos em biocombustíveis. “Há uma corrida mundial pelo desenvolvimento do etanol de segunda geração”, diz Rubens Maciel Filho, professor da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos coordenadores do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), dínamo da articulação da comunidade científica em São Paulo. “O Brasil, embora tenha uma pesquisa jovem neste campo, possui vantagens comparativas na corrida, como a disponibilidade de uma enorme quantidade de matéria-prima barata, que é o bagaço pré-colhido, e uma infraestrutura já instalada de produção de etanol”, afirma. Resíduos como aparas de madeira, bagaço de cana ou sabugo de milho são formados por celulose e podem transformar-se em biocombustível quando submetidos a reações de hidrólise, um processo químico de quebra de moléculas. Uma grande vantagem dessa abordagem seria reduzir a competição entre biocombustíveis e alimentos, produzindo, no caso do aproveitamento do bagaço, mais etanol por área plantada. Outra quimera é o barateamento da produção do etanol – nos Estados Unidos, o álcool extraído do milho é fortemente subsidiado, ao contrário do etanol de cana brasileiro. Do ponto de vista tecnológico, há várias rotas de hidrólise testadas, mas com rendimentos e investimentos que não viabilizam economicamente a operação. A articulação envolve iniciativas como a construção de várias plantas-piloto para desenvolver rotas tecnológicas
do etanol celulósico. A Dedini Indústrias de Base prepara uma nova planta de hidrólise ácida, processo em que a quebra de moléculas de celulose usa um ácido como catalisador. A planta vai incorporar inovações relacionadas a materiais e processos com base no conhecimento acumulado entre 2003 e 2007, período em que funcionou uma outra planta da empresa na Usina São Luiz, em Pirassununga (SP). “A experiência mostrou que precisamos atenuar algumas das condições severas em que a unidade funcionava”, diz o vice-presidente da Dedini, José Luiz Olivério. “Estamos testando materiais mais resistentes, porque as condições abrasivas do processo impunham um desgaste que acabava comprometendo o funcionamento contínuo da unidade”, afirma. Segundo Olivério, a Dedini segue acreditando na viabilidade comercial de sua tecnologia, estudada desde os anos 1980, que utiliza o processo Dedini Hidrólise Rápida (DHR), pioneiro no país. A empresa mantém um convênio de cooperação científica com a FAPESP envolvendo a pesquisa de processos industriais para fabricação do etanol. A Oxiteno, uma das maiores empresas brasileiras do setor químico, tem interesse em dominar o processo de hidrólise do bagaço e da palha para a fabricação de produtos usados na indústria química e farmacêutica, obtidos atualmente pela rota petroquímica. Também em parceria com a FAPESP, a empresa lançou em novembro de 2006 uma chamada pública de propostas em 16 áreas temáticas de pesquisa que selecionou projetos no campo da tecnologia para a produção de açúcares, álcool e derivados. A maioria das sete propostas contempladas e em andamento, que envolvem parcerias com pesquisadores da Universidade de São Paulo, do Instituto de Pesquisas Tecnológicas Bagaço em e do Laboratório Nacional de Luz usina no interior Síncrotron, relaciona-se a processos paulista: vinculados ao etanol de celulose. matéria-prima As parcerias da Fundação com a promissora para Dedini e a Oxiteno fazem parte do o álcool de celulose programa Bioen. pESQUISA FAPESP 163
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A Petrobras investe em hidrólise enzimática, que utiliza, no lugar de ácidos, enzimas produzidas por microrganismos capazes de quebrar o açúcar da celulose, transformado em álcool combustível após o processo de fermentação. Uma planta-piloto instalada no Cenpes, centro de pesquisa da empresa localizado na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, começou a operar em 2007. A intenção da empresa é alcançar o domínio da tecnologia e exportar etanol de celulose na próxima década. Em Campinas, no interior paulista, será construído até meados do ano que vem uma planta-piloto que servirá a pesquisadores de todos os estados. Símbolo da articulação de esforços, a planta vai ser instalada no recém-criado Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, e terá uma estrutura de seis módulos, que vão do tratamento físico do material lignocelulósico à fermentação, passando pela produção de microrganismos e a hidrólise enzimática. A ideia é que pesquisadores possam fazer experiências diversas usando pedaços específicos de uma mesma plataforma. “O objetivo é permitir avanços simultâneos que ajudem a superar os vários gargalos tecnológicos ligados ao etanol de segunda geração”, explica Carlos Eduardo Vaz Rossell, coordenador da planta-piloto do CTBE. A pesquisa básica relacionada ao etanol de segunda geração também vem ganhando impulso. Pesquisadores da Embrapa Agroenergia, por exemplo, desenvolvem estudos para caracterizar a parede celular da cana-de-açúcar. Os trabalhos estão em andamento no Laboratório de Genética Molecular da 18
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Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em parceria com o Instituto de Botânica da USP. O objetivo é compreender melhor a composição e a estrutura da parede celular da cana, para manipulá-la de maneira específica visando aumentar a produção de etanol de segunda geração.
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aíses como os Estados Unidos, o Canadá e a Suécia têm uma produção científica mais destacada que a do Brasil no desenvolvimento do etanol de segunda geração. Os Estados Unidos, que são o principal produtor de etanol do mundo, enfrentam críticas por haver apostado no milho, fonte de alimentação humana, para extrair o biocombustível, que ainda recebe pesados subsídios para ter um preço razoável. A procura do etanol de celulose, explorado a partir de resíduos agrícolas ou de plantas que não servem para comer, pretende garantir o suprimento do combustível renovável sem prejudicar a segurança alimentar do país. O interesse brasileiro pelo etanol de celulose tem um pano de fundo diferente. Busca tornar ainda mais competitivo o etanol de cana, ampliando sua produção sem precisar aumentar na mesma proporção a área plantada de cana-de-açúcar. Estudos conduzidos no âmbito do Projeto Bioetanol, uma rede de pesquisa financiada pelo governo federal, apontam que uma destilaria que produz hoje 1 milhão de litros de etanol por dia do caldo da cana poderia inicialmente, com a tecnologia de hidrólise, gerar um adicional de 150 mil litros de etanol do bagaço. Em 2025, com a técnica aperfeiçoada, a mesma produção poderia ter um acréscimo de 400 mil litros prove-
nientes do bagaço recuperado. A palha da cana é outra fonte potencial para a extração de etanol. Com o abandono da prática das queimadas, tende a ser utilizada como fonte de celulose. No caso brasileiro, a tecnologia precisa reduzir custos a ponto de compensar a mudança do uso, já eficiente, que se faz hoje do bagaço de cana, baseado na queima para gerar eletricidade nas usinas de álcool e açúcar. Rubens Maciel Filho, da Unicamp, lembra que não basta encontrar soluções tecnologicamente viáveis – é essencial que elas tenham um custo baixo. “Não é uma tarefa fácil justificar grandes investimentos para melhorar o álcool de primeira geração, porque o processo já tem uma produtividade bastante elevada, e ainda existe o desafio de produzir álcool de segunda geração a preços competitivos”, diz. No entanto, é importante ressaltar que a tecnologia de primeira geração ainda tem margem de aperfeiçoamento. Ao mesmo tempo que investe no desenvolvimento do processo de hidrólise, a Dedini não parou de apostar em tecnologias incrementais, que vão desde a criação de usinas de etanol autossuficientes em água até a produção de um biofertilizante que incorpora resíduos diversos, como vinhoto e fuligem. “A cana tem uma condição imbatível no armazenamento de energia”, diz Olivério, da Dedini. É difícil prever em quanto tempo o etanol de celulose terá viabilidade econômica, dadas as dificuldades de conhecer em detalhes os avanços obtidos por empresas, protegidos por sigilo. “Mas se houvesse um processo de fato competitivo para transformar bagaço de cana em etanol, ele já estaria disponibilizado para o mercado e as usinas o estariam
utilizando”, afirma Rubens Maciel, da Unicamp. O pesquisador calcula que o Brasil tem cinco anos para vencer os desafios tecnológicos. “Caso contrário, estaríamos dependentes de processos e insumos importados. Mas o esforço vale a pena porque levamos a vantagem de ter a matéria-prima, que é o bagaço, disponível na unidade de produção de etanol”, diz, referindo-se ao preço da tonelada de bagaço de cana seco, de cerca de US$ 15, comparado ao da mesma quantidade de resíduo disponível nos Estados Unidos, que custa US$ 35. Até nos custos de transporte há vantagens, pois o bagaço não precisa ser levado até a usina – está disponível lá mesmo.
Um segundo gargalo tem a ver com os catalisadores usados para decompor a celulose. No caso da hidrólise ácida, é preciso melhorar a eficiência do processo, que não permite um controle tão preciso da quebra das ligações químicas. “Enquanto o ácido sulfúrico destrói parte do açúcar formado, o ácido clorídrico, mais eficiente, tem um problema ligado à corrosividade, exigindo ligas de metal de custos elevados”, afirma Rossell. Já no caso do processo de hidrólise enzimática, o entrave é o custo das enzimas, além da quantidade
delas exagerada necessária para provocar o desdobramento da celulose em glicose. Um dos desafios da pesquisa é encontrar microrganismos capazes de produzir enzimas mais produtivas. Os Estados Unidos apostam numa técnica chamada bioprocessamento consolidado, no qual as quatro transformações biológicas envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sacarificação, fermentação de hexoses e fermentação de pentoses) acontecem numa só fase. Microrganismos geneticamente modificados
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bagaço e a palha são constituídos por celulose, um polímero da glicose formado por seis carbonos, as hexoses; por hemicelulose, composta por açúcares de cinco carbonos, chamados de pentoses e não aproveitados ainda para a produção de açúcar; e pela lignina, um material estrutural da planta, associado à parede vegetal celular, responsável pela rigidez, impermeabilidade e resistência a ataques aos tecidos vegetais. Para que as biomassas possam ser utilizadas como matérias-primas para processos químicos e biológicos, elas precisam ser submetidas a um pré-tratamento capaz de desorganizar o recalcitrante complexo lignocelulósico. A lignina é um grande obstáculo nesse processo. Sua quebra libera substâncias que inibem a fermentação. Para chegar a um processo economicamente viável, há vários gargalos que necessitam ser superados. O primeiro deles tem a ver com o pré-tratamento do bagaço e da palha. “As matérias-primas têm decomposição lenta. O desafio é fazer um pré-tratamento dessa estrutura que a torne mais lábil. Os primeiros processos eram muito destrutivos e levavam à perda de muito açúcar”, diz Rossell, do CTBE. “Nós não temos domínio completo das propriedades químicas, físicas e mecânicas do bagaço, da palha e de A tonelada do suas frações. É precibagaço seco so conhecer melhor a custa US$ 15, matéria-prima e asmenos da sim desenvolver fumetade do turamente processos que fontes que sejam eficientes”, disponíveis afirma. nos EUA pESQUISA FAPESP 163
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produzem anaerobicamente enzimas com melhor atividade que as utilizadas pelos outros processos (leia entrevista na página 21). “Tais microrganismos precisam ser bem testados, pois, mesmo quando funcionam em laboratório, podem ser atacados por outros que sobrevivem melhor no ambiente”, diz Maciel. “Mas não podemos ficar de fora do desenvolvimento de microrganismos sofisticados, pois eles podem nos ajudar a compreender melhor os processos, além de trabalharem a nosso favor.”
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á ainda gargalos como o aproveitamento dos açúcares de cinco carbonos, as chamadas pentoses. “Não há rota eficiente para transformar esses açúcares em etanol. A maior parte das leveduras não possui essa rota ou possui em magnitude tão pequena que não tem impacto”, diz Rossell. “A criação de novas leveduras ou outros microrganismos é crítica para a transformação de pentoses em etanol. Hoje, do ponto de vista comercial, só teríamos o álcool de hexoses.” Restam ainda outras pendências a resolver, como a necessidade ainda elevada de consumo de água no processo de pré-tratamento e a destinação do vinhoto, resíduo da destilação para recuperação do etanol. Ocorre que, quando a produção do etanol é proveniente de hidrólise, o resíduo não contém potássio e fósforo e perde sua vantagem como fertilizante. Poluente, deverá ter uma outra destinação segura. Rossell vê as perspectivas com otimismo. “O número de pesquisadores e técnicos envolvidos com a pesquisa tende a crescer de forma exponencial”, afirma. Para Maciel, da Unicamp, a articulação de esforços é fundamental para fazer valer as vantagens competitivas do país. “Em toda linha de pesquisa, é bom haver certa dose de redundância para comparação das diferentes formas de abordar o problema. No caso do etanol de celulose, porém, talvez não precisemos de muitas plantas-piloto. Com algumas plantas, e a mobilização integrada de muitos pesquisadores, podemos chegar a melhores resultados”, conclui. n
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União pela sustentabilidade Workshop reúne norte-americanos, brasileiros e argentinos para debater impacto dos biocombustíveis sobre o uso da água e da terra Existe um amplo espaço no qual pesquisadores do Brasil, da Argentina e dos Estados Unidos podem somar esforços para compreender e reduzir impactos das tecnologias de produção de biocombustíveis sobre o uso da água e da terra. Mas, para viabilizar as colaborações, será preciso superar obstáculos como a falta de um padrão de dados que lastreie estudos comparativos, construir modelos capazes de explicar os efeitos de fenômenos complexos ou encontrar formas de analisar cientificamente correlações como as que sugerem a influência do aumento da área plantada com milho nos Estados Unidos no desmatamento da Amazônia brasileira. Essa conclusão emergiu nas discussões finais de um workshop, realizado em agosto, que mobilizou cientistas de três países com grande interesse em biocombustíveis – enquanto Brasil e Estados Unidos são os principais produtores de bioetanol, um derivado da cana-de-açúcar e o outro do milho, a Argentina tem um enorme potencial para a produção tanto de etanol quanto de biodiesel.
“Juntos, esses países do continente americano querem definir estratégias que permitam usar ciência de alta qualidade a fim de que os recursos naturais sejam utilizados de forma sustentável”, diz Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, coordenador do workshop. Realizado no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), o evento foi organizado e patrocinado por agências financiadoras como a FAPESP, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a norte-americana National Science Foundation, além de instituições como a Universidade de São Paulo, a Universidade de Buenos Aires e a Universidade do Estado de Iowa. “O uso da água e da terra associado à produção de biocombustíveis tem consequências sociais, econômicas e ambientais importantes, além de questões tecnológicas complexas. Novos modelos, com equipes multidisciplinares e multinacionais, são necessários para investigar esse tema”, disse Robert Anex, professor da Universidade de Iowa.
capa entrevista lee lynd
A transição será suave O pesquisador norte-americano diz que o etanol de celulose e o de cana prometem ser mais complementares do que competidores
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madeira, resíduos agrícolas e vários tipos de plantas, sem rivalizar com a produção de alimentos. Enquanto a maioria das rotas biológicas em estudo para processamento de biomassa celulósica tinha como foco a produção em separado de enzimas, num processo em várias etapas, o grupo de Lynd identificou em uma outra técnica um modo mais simples e potencialmente mais barato de chegar ao mesmo resultado. Trata-se do bioprocessamento consolidado (CBP), no qual as quatro transformações envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sacarificação, fermentação de hexoses e fermentação de pentoses) acontecem numa só fase. Segundo a técnica, microrganismos produzem anaerobicamente complexos enzimáticos com melhor atividade que as enzimas utilizadas pelos outros processos. O grupo de Lynd é um dos mais ativos no planeta nessa abordagem.
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dartmouth college
ee Rybeck Lynd, 52 anos, é um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para produção de energia. Seu interesse sobre o tema surgiu do final dos anos 1970, quando a possibilidade de converter celulose em biocombustíveis inspirou sua monografia de graduação – e não arrefeceu desde então. Há 22 anos, o professor de engenharia e biologia lidera um grupo de pesquisa na Thayer School of Engineering, no Dartmouth College, instituição de ensino superior de 240 anos situada em Hanover, estado de New Hampshire. Sua equipe, que já produziu mais de uma centena de artigos científicos e uma dezena de patentes, é responsável por uma parte fundamental da pesquisa norte-americana sobre o etanol de segunda geração, extraído de celulose, que encerra a promessa de produzir biocombustíveis a partir de
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quanto o etanol de celulose, que pode colocar outros países no mapa do uso do combustível. Palestrante principal de um work shop do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia, programado para o dia 10 de setembro, Lynd deu a Pesquisa FAPESP a seguinte entrevista: n O quanto estamos próximos de produ-
zir etanol celulósico em larga escala? Que desafios tecnológicos ainda precisam ser solucionados? — O preço de compra da biomassa de celulose no mercado futuro, de cerca de US$ 60 a tonelada, é competitivo com o petróleo a US$ 20 o barril. O obstáculo é o custo de processamento, não o da matéria-prima. A conversão de açúcares em etanol é obtida atualmente a um custo muito baixo, usando tecnologia madura e em larga escala, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. A barreira, portanto, não é essa. A indústria do etanol celulósico já existiria hoje não fosse a dificuldade de produção de intermediários reativos, notadamente os açúcares, a partir deste material de baixo custo disponível. Superar a resistência da biomassa de celulose com uma tecnologia de baixo custo é a questão-chave, sendo que o custo das chamadas enzimas celulases é o principal componente. Recentemente, a Mascoma Corporation mostrou que a necessidade de adicionar enzimas celulases pode ser reduzida várias vezes, e até eliminada para algumas fontes de celulose, utilizando-se uma abordagem chamada bioprocessamento consolidado, ou CBP. À luz deste avanço, acredito estar claro que a barreira da resistência será derrubada, viabilizando comercial-
mente a indústria de biocombustíveis de celulose. É possível acelerar esse processo, mas isso exigirá o alinhamento de interesses e de recursos envolvendo múltiplos atores. n Quais são as fontes mais viáveis para a conversão de celulose? Como o senhor avalia o potencial do bagaço de cana-de-açúcar? — Um amplo espectro de fontes de lignocelulose é potencialmente atrativo para a conversão ao etanol, incluindo gramíneas, plantas herbáceas, árvores e resíduos de diversos processos. O bagaço é uma das matérias-primas mais atraentes, pois está disponível em grandes quantidades e pode ser processado através de infraestrutura disponível em uma usina de etanol de cana e/ou açúcar. O bagaço já tem valor atualmente como fonte de calor e, cada vez mais, de eletricidade. Para incorporá-lo à produção de biocombustíveis será preciso adicionar valor para além das opções atuais de processamento. Não analisei esta questão em detalhes, mas minha avaliação preliminar e de outros especialistas com quem tenho falado é de que é provavelmente viável. A conversão da palha de cana-de-açúcar representa outra oportunidade potencial de transformar a lignocelulose que também merece ser avaliada.
Quais são as vantagens do bioprocessamento consolidado (CBP) em relação a outras vias para obter o etanol celulósico? — A estratégia do CBP obteve baixos custos financeiros e operacionais por meio da simplificação de processos e da eliminação da adição de enzimas, n
wikimedia commons
Em 2005 o pesquisador aliou-se a investidores de venture capital para fundar a Mascoma, empresa de pesquisa em biocombustíveis que recebeu aportes de capitalistas como Vinod Khosla, o fundador da Sun Microsystems. A empresa tem a patente de micróbios capazes de produzir as enzimas e, segundo Lynd, está próxima de obter a aplicação comercial do processo. Além de seu trabalho como pesquisador e empreendedor, Lynd é um requisitado conselheiro de autoridades. Testemunhou sobre biocombustíveis no Senado norte-americano e participou de um comitê sobre o assunto no governo Clinton. Também produziu relatórios em coautoria com organizações não governamentais, como a Natural Resources Defense Council. Em sua empreitada mais recente, é um dos líderes do projeto Global Sustainable Bioenergy: Feasibility and Implementation Paths, uma equipe internacional de cientistas que vai debruçar-se sobre o estudo das possibilidades de uso dos biocombustíveis em nível mundial e em larga escala e buscar um consenso científico sobre o assunto. As reuniões do grupo acontecerão em cinco países – Estados Unidos, África do Sul, Malásia, Holanda e Brasil (ver Pesquisa FAPESP nº 162). Os físicos José Goldemberg, reitor da USP entre 1986 e 1990, e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, participam do comitê organizador das reuniões do projeto. O estudo é importante para o Brasil pela oportunidade de discutir as evidências científicas sobre a viabilidade de produzir biocombustíveis em larga escala, tanto o etanol de cana, cuja produção mundial o país lidera,
Usina de produção de álcool nos EUA: opção pelo milho em xeque
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que são caras. Conforme afirmou um painel de especialistas convocados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, o DOE Joint Task Force - 2006, o CBP é “considerado a melhor configuração de baixo custo para a hidrólise e a fermentação da celulose”. Embora haja um amplo consenso sobre os benefícios de transformação do CBP, existe uma diversidade maior de opiniões sobre se a tecnologia tem perspectiva de curto ou de longo prazo. No CBP as enzimas celulases são produzidas pelo mesmo microrganismo que fermenta os açúcares e os converte em etanol. Assim, todos os processos biológicos ocorrem numa única etapa. Como o CBP é realizado sob condições anaeróbicas, evitam-se os custos ligados à aeração, e a energia metabólica para produção de celulases é fornecida pela fermentação, resultando em etanol. Com o CBP, produzir etanol de lignocelulose parece-se muito com a produção de etanol de cana, com a diferença de que a lignocelulose pré-tratada recebe micróbios fermentadores de celulose, enquanto o caldo de cana recebe micróbios fermentadores de açúcar. Já as outras rotas alternativas biológicas de produção de etanol de celulose envolvem múltiplas etapas, e uma delas requer a produção aeróbica de celulases, na qual a energia metabólica para a sua produção é fornecida pela respiração, resultando em CO2, água e perda de valor calorífico da matéria-prima. Também existem formas não biológicas para superar a recalcitrância da celulose, como a hidrólise ácida ou gaseificação. O CBP tornou-se possível graças a avanços em biotecnologia que só recentemente puderam ser demonstrados em condições industriais. Já a hidrólise ácida e a gaseificação vêm sendo testadas industrialmente há décadas e nunca vi avanços nestas tecnologias com impactos comparáveis às do CBP. É verdade que a sua monografia de graduação, de 30 anos atrás, já sugeria essa solução? — O CBP foi o foco central da minha monografia de graduação concluída em 1979, embora essa estratégia de processamento tenha recebido um nome diferente. Eu venho trabalhando nisso desde então. Fico satisfeito que esse longo caminho pareça estar perto da realidade. n
O bagaço é usado como fonte de calor e eletricidade. É preciso agregar valor para além dessas opções, a fim de incorporá-lo à produção de biocombustíveis n Quais são as perspectivas da tecnologia
patenteada pela Mascoma? O capital de risco está ajudando a fomentar as pesquisas para o etanol celulósico? — Eu prevejo que a tecnologia CBP da Mascoma, incluindo tanto os avanços já obtidos quanto os que estão em andamento, vai viabilizar plantas comerciais de etanol celulósico num futuro próximo, ao mesmo tempo que deve agregar valor para os agricultores e criar uma plataforma a partir da qual será possível produzir uma diversidade de produtos provenientes de matérias-primas lignocelulósicas. É importante compreender que a abordagem do CBP é propícia para a produção de todos os combustíveis e os produtos obtidos de biomassa celulósica, e não só para o etanol. O capital de risco teve um papel vital para levar a Mascoma ao patamar atual, e eu espero que os primeiros investidores da empresa sejam recompensados. Olhando para o futuro da empresa, prevejo um maior investimento de parceiros estratégicos e de investidores institucionais, bem como o venture capital. A Mascoma adota um modelo de negócio de “franquia” em que nós tomamos uma participação acionária em uma fábrica operada
por parceiros, em oposição ao modelo “construa-possua-e-opere”. Parcerias estratégicas representam uma saída natural e promissora para conseguir um impacto rápido do mercado. A cana-de-açúcar tem um bom equilíbrio energético e sua produção poderia se expandir em áreas degradadas ou de pastagens no Brasil e na África. A produtividade aumentou 4% ao ano nos últimos 30 anos no Brasil. Qual, na sua opinião, será o futuro do etanol de cana-de-açúcar? Por que não continuar a investir em pesquisa de etanol de primeira geração? — A crescente demanda mundial por combustíveis renováveis e de baixa emissão de gases estufa exige a exploração e o desenvolvimento de matérias-primas diversas, incluindo aquelas das quais se extraem facilmente açúcares simples e aquelas em que há mais dificuldades. A diversificação das matérias-primas irá melhorar a previsibilidade global dos negócios para os produtores de etanol, diminuindo o impacto das flutuações de preços de matérias-primas, como a cana, que possui mercados alternativos – como se viu na recente duplicação dos preços do açúcar no mundo. O etanol de cana-de-açúcar é reconhecido por combinar, em maior medida do que outros biocombustíveis, baixas emissões de gases estufa, elevada produção de combustível por hectare e impactos modestos sobre a poluição da água. Figura, dessa forma, entre as principais opções consideradas por países que buscam aumentar a produção de biocombustíveis. O etanol de cana e a experiência adquirida com a sua produção também são importantes no que diz respeito às tecnologias emergentes para produzir biocombustíveis a partir de lignocelulose. O bagaço de cana é um ponto lógico de entrada e um campo de provas para tais tecnologias. Da mesma forma, parentes próximos da cana-de-açúcar, incluindo-se aí, sem prejuízo de outros, o Miscanthus, têm potencial como matéria-prima para conversão de lignocelulose e podem ser produzidos em climas temperados, onde a cana não cresce atualmente. Os biocombustíveis celulósicos também oferecem oportunidades para responder às preocupações sobre a disponibilidade de terra. No entanto, o pron
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cessamento de lignocelulose precisa avançar muito até que seu custo seja competitivo com a produção de etanol de cana. No curto prazo, o etanol de celulose e o etanol de cana prometem ser muito mais complementares do que competidores. No longo prazo, qualquer transição do etanol de cana para o celulósico ocorrerá provavelmente de forma suave, não abrupta, vinculando-se apenas a processos e matérias-primas que ofereçam melhorias em relação a práticas correntes. Quanto à pesquisa, temos evidentemente de melhorar as coisas boas que estamos fazendo agora – mas também viabilizar coisas boas que ainda não somos capazes de fazer. Dessa forma, faz sentido darmos sequência à pesquisa com etanol de cana, mas também incluirmos uma linha agressiva de investigação para estabelecer o etanol lignocelulósico, especialmente agora que a aplicação comercial está ao nosso alcance. Em um artigo que o senhor escreveu com Nathanael Greene diz-se que “os biocombustíveis são uma pequena parte do cenário de preços de alimentos, consumindo apenas 4% de grãos no mundo, e há pouca evidência de que os preços dos alimentos seriam muito menores se não houvesse a produção de biocombustíveis”. Qual é o tamanho real do risco em matéria de segurança alimentar? — Embora as questões envolvendo segurança alimentar, biocombustíveis e suas interações sejam complexas, algumas observações importantes podem ser feitas. Há evidências fortes que confirmam uma afirmação recente, feita por um grupo de pesquisadores na revista Science, segundo a qual não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar os ganhos propiciados pelos biocombustíveis produzidos da maneira correta, tanto no combate ao efeito estufa quanto em relação a benefícios ambientais e sociais. Mas tampouco devemos aceitar os impactos indesejáveis dos biocombustíveis feitos de maneira equivocada. É particularmente importante neste contexto entender dois pontos. Primeiro: os riscos ambientais e relacionados ao uso da terra associados aos biocombustíveis feitos de maneira errada são evitáveis e não necessariamente uma consequência da produção dos biocombustíveis. Segundo: há riscos ao meio ambiente n
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Pode ser que a ambivalência em relação à bioenergia esteja fazendo com que invistamos menos no seu potencial do que os méritos recomendam e a outros interesses importantes associados justamente quando se abre mão de pesquisar os biocombustíveis. Os resultados prováveis de não perseguir os biocombustíveis incluem o aumento da produção de petróleo a partir de óleo de xisto e areias betuminosas ou o desperdício de oportunidades para o desenvolvimento econômico rural e da segurança energética. Em decorrência da escassez de alternativas de combustíveis líquidos para veículos pesados, é mais fácil desenvolver um setor de transporte sustentável com os biocombustíveis do que sem eles. n Quais são as suas expectativas em relação ao projeto Global Sustainable Bioenergy (GSB)? Que contribuição os pesquisadores convidados podem oferecer? — Há atualmente grande confusão e incerteza sobre algumas questões. Uma delas é a seguinte: vale a pena apostar que a bioenergia desempenhará um papel importante no futuro? E, em caso afirmativo, quais políticas são necessárias para garantir um resultado sustentável? Essa incerteza é péssima. Por um lado, pode significar que desviamos o nosso foco graças a uma visão distorcida do potencial da bioenergia. Por ou-
tro, que nossa ambivalência em relação a ela está fazendo com que invistamos menos no seu potencial do que os méritos recomendam. Ou, pior, as duas coisas ao mesmo tempo. Espero que o projeto GSB traga clareza e consenso para estas questões. Um dos objetivos-chave do projeto, e de sua fase 2 em particular, é buscar ativamente cenários para o uso futuro da terra não vinculados a tendências atuais. Tais cenários são, por definição, improváveis hoje. Entretanto, os cenários improváveis de hoje são exatamente o que precisamos, pois não podemos alcançar um mundo seguro e sustentável dando continuidade às práticas que deram resultados tão insustentáveis e inseguros no presente. A análise das possibilidades de uso futuro intensivo da bioenergia, realizada na fase 2, trará motivação e informação para a fase 3 do projeto, que então voltará ao presente, abordando caminhos e políticas de transição, questões éticas e financeiras, e análises de escala local. Para alcançar viabilidade, relevância e impacto globais, é essencial que o projeto envolva analistas e tomadores de decisões do mundo todo. n Espera-se uma contribuição específica dos pesquisadores brasileiros? — A participação brasileira no projeto é importante por várias razões. Primeiro: o Brasil tem muito a ensinar ao mundo sobre sua estratégia no campo dos biocombustíveis. A participação do combustível proveniente de biomassa em sua matriz energética é maior que a de qualquer outro país do mundo. Em segundo lugar, no curso das discussões informais associadas ao planejamento do projeto GSB, especialistas brasileiros lembraram que a preocupação expressa nos Estados Unidos e na Europa em relação à mudança do uso da terra é vista sob uma perspectiva bem diferente na América do Sul e na África. Perspectivas como essa são essenciais para que os objetivos do projeto GSB se realizem. Finalmente, como um país que detém uma grande indústria de biocombustíveis, uma infraestrutura moderna e uma extensa população pobre, o Brasil está numa posição privilegiada para ajudar na compreensão dos impactos dos biocombustíveis no mundo em desenvolvimento e no combate à pobreza.
O grupo vai analisar apenas as tecnologias de segunda geração ou também vai avaliar os progressos em tecnologias de primeira geração? Que matérias-primas serão consideradas? — O projeto partirá de uma abordagem neutra em relação a matérias-primas, levando em conta o desempenho de cada uma, considerando fontes de primeira geração e tecnologias na medida em que elas respondam aos objetivos. Não tomamos decisões em relação a matérias-primas específicas. n
O grupo avalia as emissões de gases e outros problemas relacionados com as mudanças no uso da terra? — Diferentemente de muitos estudos, nossa ênfase maior repousa em evitar impactos indesejáveis associados a mudanças indiretas no uso da terra, presumindo que houve motivação para que eles acontecessem, em vez de quantificar tais mudanças, presumindo que não houve tal motivação. n
com ideias que não representem uma esperança realista de obter um impacto significativo. Na minha opinião, nem todas as tecnologias energéticas que estão sendo desenvolvidas tanto por governos como pelo setor privado passaram por este teste. Numa segunda etapa, atividades com foco na inovação devem ser fomentadas para explorar uma vasta gama de tecnologias que passaram no teste. Como faz o capital de risco, precisaríamos de um portfólio diversificado de uns dez investimentos, sendo que cinco podem falhar completamente, três podem ter sucesso de forma marginal, mas dois precisam ter sucesso para pagar por todo o resto. Apostar em soluções únicas não é a melhor maneira de garantir uma passagem bem-sucedida no processo de transição sustentável. E, após um grande investimento em inovação, as soluções que serão adotadas em larga escala devem ser determinadas pelos consumidores, em resposta ao desempenho dos produtos e a seu valor, determinado tanto pelo custo de produção como por valores sociais não contemplados pelas forças do mercado.
n Qual a sua opinião sobre as novas abor-
dagens para a obtenção de biocombustíveis, como a gasolina verde, produzida a partir de açúcares derivados da biomassa? — Temos de considerar todas as tecnologias de conversão capazes de produzir combustíveis de transporte aceitáveis, desde que passem por um teste de viabilidade, mostrando-se rentáveis e passíveis de produção em escala. Existe claramente o interesse de vários atores, incluindo as empresas multinacionais do petróleo, em desenvolver biocombustíveis tanto para veículos pesados como para os leves. Acredito, aliás, que no longo prazo será maior a necessidade de biocombustíveis para veículos pesados que para veículos pessoais. A compatibilidade com a infraestrutura existente de petróleo combustível é importante, mas o preço e o desempenho serão fatores determinantes no longo prazo. Elaborando isso um pouco, eu penso que uma abordagem de três etapas faz sentido com relação a novas tecnologias energéticas. O primeiro passo é o chamado sniff test, um teste para avaliar se a ideia tem potencial para ser rentável e produzida em escala. Desejamos que as tecnologias passem no teste, porque precisamos de múltiplos caminhos para obter sucesso. No entanto, não devemos gastar tempo
n Sobre a capacidade de fazer a transição
inra lille/s. cadoux
Quais são suas expectativas sobre os investimentos e os avanços das tecnologias verdes, como o etanol celulósico, no governo do presidente Obama? — Como resultado tanto de um discernimento peculiar quanto do momento que estão vivendo, o presidente Obama, o secretário de Energia, Steven Chu, e outros membros do governo têm dado uma prioridade maior a tecnologias “verdes” do que as administrações anteriores. Ainda não sabemos ao certo como isso vai traduzir-se em ações. Mas estou esperançoso, tanto pela consciência da administração sobre a importância das energias renováveis como por alguns passos iniciais positivos, como os n
US$ 2 bilhões em dinheiro para apoiar pesquisas sobre a produção sustentável de energia e sua conservação. Acredito que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos têm uma obrigação moral e um interesse pragmático de modificar a nossa utilização de recursos tomando como exemplo práticas adotadas pelo mundo em desenvolvimento.
Miscanthus, opção dos norte-americanos para produção de etanol celulósico
para uma economia sustentável, o senhor disse certa vez que, em algumas centenas de anos, quando as pessoas olharem para trás e analisarem a nossa época, uma das coisas-chave sobre as quais vão nos julgar será nossa habilidade em lidar ou não com essa transição. Será que estamos indo bem? Está otimista? — Bem, acho que nossa situação é ainda perigosa em termos absolutos, mas a tendência no que diz respeito ao aumento da conscientização e do senso de urgência é positiva. As trajetórias atuais não são sustentáveis, e devemos, portanto, olhar para além delas a fim de encontrar futuros viáveis. Nesse contexto, é necessário admitir que o business as usual é, na verdade, uma fantasia, não um patamar. O primeiro passo para tornar reais cenários futuros tidos como improváveis é mostrar que eles são possíveis. Eu estou dedicando a minha carreira para desenvolver esta compreensão de possibilidade, tanto no nível da tecnologia como no dos recursos e questões ambientais. n
Fabrício Marques PESQUISA FAPESP 163
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ESTRATÉGIAS
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máticas, mas de sistemas que possuirão um nível crescente de autodeterminação", disse à agência BBC Lambert Heppenstal,
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grupo
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ética
da academia.
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acordo com o documento, a automatização permitirá, num horizonte de uma década, que sistemas de transporte e até cirurgias sejam conduzidos quase sem intervenção humana. Mas como responsabilizar
máquinas se algo der errado? "Ou
discutimos isso agora ou, mais adiante, vamos querer colocar na cadeia o caminhão que causou o acidente", disse Will Stewart, também membro da academia. Stewart afirma que o debate é espinhoso porque sistemas autônomos serão, provavelmente, bem menos falíveis do que os atuais. "Os carros, por exemplo, tendem a ser mais seguros. Afinal, uma máquina pode funcionar 24 horas sem ficar cansada nem corre o risco de se distrair enquanto briga com a sua mulher sentada no banco do passageiro. Mas ocasionalmente
poderá fazer algo
que nem o mais estúpido dos humanos faria", diz.
> Caminho
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dos elefantes Os Estados Unidos e a Alemanha vão doar US$ 19 milhões para o reflorestamento de um parque ecológico em Bangladesh. O dinheiro será utilizado para a recuperação da degradada reserva
Chunati, um corredor de circulação dos elefantes entre Mianmar e Bangladesh que também abriga espécies ameaçadas pela exploração madeireira. Ao longo dos próximos quatro anos, árvores vão ser plantadas para ajudar a restaurar 2 mil hectares de florestas. Outro objetivo
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do projeto é criar alternativas e oportunidades de renda para mais de 125 mil pessoas que vivem ao redor do parque. Segundo a agência Reuters, o interesse norte-americano e europeu por projetos ambientais em Bangladesh se justifica: trata-se de um dos países mais vulneráveis às mudanças climáticas globais, onde milhões de pessoas vivem em áreas abaixo do nível do mar. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas, parte do país poderá sucumbir até 2100, com a previsão de que o nível do mar poderá subir entre 18 e 59 centímetros.
Ativistas dos direitos dos animais foram os responsáveis por um incêndio criminoso que destruiu a casa de campo nos Alpes suíços do médico Daniel Vasella, executivo chefe do laboratório Novartis. O chalé virou cinzas, mas ninguém saiu ferido. Segundo a Novartis, houve pelo menos dez ataques recentes a seus funcionários, o que inclui a profanação de um túmulo da família de Vasella - as cinzas de sua mãe foram roubadas - e a descoberta de uma bomba incendiária instalada no carro do executivo Ulrich Lehner. O grupo Stop Huntingdon Animal Cruelty (Shac) é suspeito de praticar as ações. Seus ativistas haviam anunciado ataques contra empresas que contratam os serviços da companhia Huntingdon Life Sciences, próximo a Cambridge, no Reino Unido, especializada em fazer testes com animais. A Novartis não é mais cliente da Huntingdon há muito tempo. Vasella argumenta, contudo, que é impossível evitar o uso de animais em testes de medicamentos. "A lei exige que a segurança de remédios seja determinada através de testes com animais. Ninguém gosta de fazer isso, mas os testes são indispensáveis para manter os padrões de qualidade", disse Vasella, de acordo com o jornal suíço Blick am Sonntag.
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rlé
> As dores
da
avaliação ia
a
l,
o
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O governo italiano começa a impor critérios mais rígidos para medir a qualidade da pesquisa científica no país. De um lado, anunciou a criação da Anvur, uma agência incumbida de avaliar o trabalho dos pesquisadores, que iniciará suas atividades dentro de um ano. De outro, divulgou um ranking de universidades que servirá para nortear a distribuição de pouco mais de 7% do orçamento do Ministério da Pesquisa e Educação Superior. Tais movimentos foram comemorados por cientistas que sempre reclamavam da resistência do governo em premiar as instituições de pesquisa de acordo com o mérito. Políticos e reitores, contudo, estão preocupados com a mudança. Raffaele Lombardo, presidente da região autônoma da Sicília, classificou o ranking de discriminatório. Segundo ele, a infraestrutura precária de muitas universidades do sul
do país prejudica-as na disputa com as instituições do centro e do norte por fundos de pesquisa. Além disso, diz Lornbardo, as altas taxas de desemprego em sua região atrapalham os estudantes na conquista de uma vaga de trabalho, um dos critérios usados para mensurar a eficiência do ensino. Os reitores queixam-se de que a mudança acontece num ano em que o governo planeja cortar 10% do orçamento universitário. "Será um desastre,para todas as universidades, inclusive para a nossa", disse à revista Nature Davide Bassi, reitor da Universidade de Trento, uma das mais bem avaliadas no ranking.
o país vizinho obteve no período de 2003 a 2007. Os investimentos em atividades científicas e tecnológicas cresceram 183%. Já em pesquisa e desenvolvimento o aumento foi de 168%. O número de pesquisadores, estimado em 2007 em 46.884, cresceu 30% no período, enquanto o de bolsistas subiu 64%, chegando a 12.168. A comunidade científica rejuvenesceu um pouco. Os pesquisadores de até 30 anos, que em 2003 respondiam por 14% do total, cresceram para 17% em 2007. O número de projetos de pesquisa em execução era, em 2007, de 22.134, 32% a mais do que em 2003. Nos últimos anos, políticas de incentivo à pesquisa aplicada fizeram com que o investimento nesse campo crescesse 12%, diante de apenas 2% da pesquisa básica. "Apesar desse grande avanço, o país só dedica a atividades científico-tecnológicas 0,61 % de seu PBI, menos que Brasil, Chile e Cuba", observou Nora Bar, do jornal La Nación.
Com os recursos dis-
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poníveis atualmente, a
lIJ
Nasa não conseguirá
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cumprir sua meta de,
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até 2020, identificar e monitorar asteroi-
lIJ
des
potencialmen-
te perigosos planeta.
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com um documento divulgado
pelo Conselho Nacional de Pesquisa
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De acordo
preliminar
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dos
Estados Unidos, será necessário reforçar o orçamento de proje-
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ti)
O
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tos como o Panoramic Survey Telescope and Rapid Response System (Pan-Starrs) Synoptic
e o Large
Survey Telescope,
que devem entrar em operação plena, respectivamente, em 2012 e 2015. Também é citada a importância do radiotelescópio de Arecibo, em Porto Rico, vocacionado para caracterizar asteroides.
Em 2005
o Congresso norte-americano estabeleceu
o ano de 2020
como prazo final para a Nasa detectar, monitorar e caracterizar 90% dos asteroides com mais de 140 metros. Esse é o tamanho de objetos que impõem riscos significativos
se
caírem em áreas urbanas.
> O gramado do vizinho Indicadores de ciência e tecnologia na Argentina divulgados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação Produtiva enumeram avanços que
Representação
de impacto
de asteroide:
faltam recursos
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 27
>
ESTRATÉGIAS
MUNDO
>
BRASIL
> Bibliotecas equipadas
Começa a ser construído
no Sene-
gal, no ano que vem, o Instituto Africano para Ciências Matemáticas (Aims, na sigla em inglês). Trata-se
TALENTOS DA MATEMÁTICA
do segundo dos 15 centros de pós-graduação que deverão surgir no continente
nos próximos 10 anos, no âmbito do Aims Next
Einstein Initiative (Aims-NEI), cujo objetivo é estimular o surgimento de talentos na matemática e nas ciências da computação. O primeiro centro já opera na África do Sul e estão previstas unidades em países como Nigéria, Etiópia e Gana. Se o cronograma for cumprido, o Aims singalês receberá seus primeiros 50 estudantes em 2011. Mamadou Sangharé, professor de matemática da Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar, disse à agência SciDev.Net
que o centro deverá ser sediado em Mbour, cidade de
180 mil habitantes a 80 quilômetros da capital. O objetivo não se limita a fomentar talentos científicos na África. "Trata-se de ligar a África à ciência mundial", afirmou Marie-Pierre Barre, uma das responsáveis pela Aims Next Einstein Initiative, programa que tem entre os patrocinadores os milionários Richard Branson e Mark Shuttleworth, o astrofísico Stephen Hawking, além dos governos do Reino Unido, da França e de vários países africanos.
> Tanzânia
toma
fôlego
o governo da Tanzânia antecipou para este ano a meta de investir 1% do PIE em ciência e tecnologia, seis anos antes do previsto. Os gastos com pesquisa no ano fiscal de 2009-2010 devem atingir US$ 235 milhões e serão destinados ao treinamento
de pesquisadores, à recuperação de laboratórios e à transferência de tecnologia para o setor produtivo. "Com esses recursos, poderemos fazer bem mais do que pagar salários e despesas", disse à agência SciDev.Net Hassan Mshinda, diretor-geral da Comissão para Ciência e Tecnologia da Tanzânia.
28 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
A FAPESP lançou a sexta chamada do Programa FAP-Livros, que apoia a compra de livros, e-books e publicações em várias mídias e busca atualizar o acervo de bibliotecas vinculadas a universidades e instituições de pesquisa, públicas ou privadas, no estado de São Paulo. Após a aquisição, as obras obrigatoriamente deverão compor o acervo da biblioteca da unidade contemplada e ser disponibilizadas para acesso público. No caso dos e-books e de publicações de outras mídias, as bibliotecas deverão garantir a manutenção do acesso por up1 período mínimo de cinco anos. O valor reservado para a chamada é de até R$ 25 milhões. Podem concorrer bibliotecas de unidades que tiveram pesquisadores vinculados
a solicitações apoiadas pela FAPESP no período de 2003 a 2009. Cada biblioteca poderá apresentar uma única proposta consolidada. As obras solicitadas deverão ser avalizadas por pelo menos um pesquisador com título de doutor, entendendo-se o aval como uma declaração de que o livro é relevante para a sua linha de pesquisa apoiada pela Fundação. Serão valorizadas propostas que envolvam consórcios de bibliotecas para aquisição unificada e disponibilização a múltiplas instituições. Na chamada anterior, foram distribuídos mais 130 mil títulos, a maior parte proveniente do exterior. As propostas devem ser encaminhadas até o dia 18 de novembro, por meio eletrônico pelo Sistema de Apoio à Gestão da FAPESP (SAGe), em www.fapesp.br/sage
5
do
USP SOBE NO RANKING
DA WEB
A Universidade de São Paulo (USP) subiu para o 38° lugar no ranking
mundial de universidades
considera o volume, a visibilidade
Webometrics,
que
e o impacto do conteúdo
científico abrigado nos domínios da web de cada instituição. A escalada da USP no ranking é impressionante. Em 2007 estava em 97° lugar (ver Pesquisa FAPESP nO 134). No início do ano havia subido para a 87a colocação. Nas primeiras posições aparecem três instituições Massachusetts Institute
norte-americanas,
o
Harvard e Stanford. O Webometrics
não é um ranking
de
qualidade acadêmica como os publicados pelo Higher Education Supplement
Celso Lafer, Horácio Lafer Piva e Yoshiaki Nakano
of Technology e as universidades
do jornal
britânico
The Times
e pela
> Recondução no conselho
Universidade Shangai Jiao Tong (nos quais a USP aparece, 1.
respectivamente, em 196a e 121a posições). Em vez de se ate r a números de pesquisa e de produtividade acadêmi-
m
ca, o Centro de Informação
:as la
Conselho Nacional de Pesquisa da Espanha (CSIC), criador
que a evolução da USP em rankings
acadêmicos reflete a
da FAPESP, Celso Lafer, e os conselheiros Horácio Lafer Piva e Yoshiaki Nakano foram reconduzidos ao Conselho Superior da Fundação para um mandato de seis anos. Os três haviam sido indicados para o primeiro mandato em setembro de 2003. A nomeação, em decreto do governador José Serra, foi publicada no
qualidade da pesquisa desenvolvida
por .docentes e estu-
Diário Oficial do Estado
do ranking,
e Documentação
(Cindoc) do
leva em conta a ideia de que as universidades
devem disponibilizar
ao público a sua produção científica
através da internet - e mede esta visibilidade
no indicador.
Por esse critério, as universidades brasileiras se destacam. A segunda instituição camp (Universidade
te as as
o presidente
do país que aparece na lista é a UniEstadual de Campinas), na 115a colo-
cação. A terceira é a UFSC (Universidade Catarina), no 134° lugar. Num artigo Folha de S. Paulo,
Federal de Santa
publicado
no jornal
a reitora da USP, Suely Vilela, afirmou
dantes da universidade e repercute o aumento substantivo (58,1%) da produção científica
indexada de 2005 a 2008.
"Reflete, além disso, a qualidade da pós-graduação
e
sua importância como indicador de visibilidade' institucional, tendo-se
em
vista que ao redor de 90% da pesquisa é desenvolvida por pós-graduandos e que a USP é responsável
por 28%
dos programas de excelência do Brasil", afirmou.
no dia 22 de agosto. Celso Lafer, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Brasileira de Letras. Foi ministro das Relações Exteriores em 1992 e novamente entre 2001 e 2002, e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio em 1999. Horácio Lafer Piva é industrial, formado em economia e
pós-graduado em administração de empresas. É presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa) e membro do conselho de administração das Indústrias Klabin. Foi presidente da Federação e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp-Ciesp) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República. Yoshiaki Nakano é professor e diretor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Foi secretário-adjunto da Secretaria de Governo do Estado de São Paulo e ocupou o mesmo cargo na Secretaria de Ciência e Tecnologia. Também foi secretário especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e consultor do Banco Mundial.
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 29
~
>
ESTRATÉGIAS
BRASIL
> A
de
(l produção científica e/ou tecnológica e texto de até cinco páginas descrevendo a visão de futuro para o Inpe e aderência do projeto de gestão do candidato com o plano diretor do instituto.
> Destaque
em doenças tropicais
> Nomes
para a direção do Inpe
o
Conselho Na-
O AVANÇO DOS GRUPOS DE PESQUISA
cional de Desenvolvimento Cien-
o Ministério
da Ciência e Tecnologia (MCT) abriu processo para seleção de candidatos para o cargo de diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Caberá a um comitê de especialistas elaborar uma lista com três nomes e encaminhá-Ia ao MCT. Presidido por Marco Antônio Raupp, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o comitê tem como membros Alberto Passos Guimarães, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, Hadil Fontes da Rocha Vianna, do Ministério das Relações Exteriores, e Michal Gartenkraut, da Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron. Podem se candidatar pesquisadores ou tecnologistas brasileiros ou naturalizados, com
tífico e Tecnológico (CNPq) divulgou
os resultados
do novo censo de
grupos de pesquisa do país. Responderam ao levantamento 422 instituições,
registrando
22.797 grupos de pesqui-
sa compostos por mais de 104 mil pesquisadores, sendo 66.785 doutores. O censo anterior, divulgado em 2007, contabilizava
403 instituições,
21 mil grupos e 90.320
pesquisadores, dos quais 57,5 mil tinham soutoredo. Foram registradas 86.075 linhas de pesquisa, 10 mil a mais que em 2006, com destaque para as áreas de medicina, educação e agronomia. Dos pesquisadores
cadastrados
em 2008, 49% são mulheres e 51% homens. Quando a liderança dos grupos é analisada, a participação feminina cai para 45%. Se o critério comparativo
for por não líde-
res, o percentual de mulheres supera o de homens. Mas os números indicam uma evolução da presença feminina na comunidade científica.
Em 1993, de cada 100 pesqui-
sadores, apenas 39 eram mulheres.
competência profissional reconhecida e visibilidade junto à comunidade científica e tecnológica, entre outros requisitos. Os documentos para a candidatura ao cargo devem ser enviados até 30 de setembro, para Marco Antônio Raupp, Parque
30 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
Tecnológico de São José dos Campos, via Presidente Dutra, km 138 - Bairro Eugênio de Melo, CEP 12247-044, São José dos Campos (SP), endereço eletrônico: mraupp@incc.br. A documentação abrange carta solicitando inscrição, curriculum vitae com
Em editorial na sua edição de agosto, a revista PLoS Neglected Tropical Diseases, da Public Library of Science, destacou o Brasil como o segundo país do mundo a submeter artigos científicos para publicação na revista, depois dos Estados Unidos. Inglaterra e França dividem a terceira posição no maior número de submissões de artigos. A revista foi lançada em 2007, como a primeira publicação de acesso livre dedicada à divulgação de estudos sobre doenças tropicais negligenciadas, como hanseníase, esquistossomose ou Chagas. O editorial aponta que "as submissões do Brasil têm sido de qualidade extremamente alta e abrangem uma amplitude de tópicos".
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> Universidade virtual
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A Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp) lançou seus primeiros cursos semipresenciais. Um deles, de graduação em pedagogia oferecido pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), terá 1.350 vagas iniciais. O curso começa em 2010, com três anos de duração e 40% das atividades no modo presencial. Já o Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza deve oferecer 3.200 vagas no curso de graduação Tecnologia em Processos Gerenciais, programado para o segundo semestre. Vinculado à Secretaria Estadual de Ensino Superior, o Univesp busca ampliar o acesso à educação superior pública, em parceria com as três universidades paulistas, USP, Unicamp e Unesp, e com o Centro Paula Souza. "O programa trabalha com o compromisso pela qualidade do ensino a ser oferecido", disse Carlos Vogt, secretário do Ensino Superior. "Com o auxílio das tecnologias da informação e comunicação, vamos ampliar o número de vagas e dar maior abrangência geográfica à oferta de cursos."
A falta de bancos de dados com informações sobre o se-
ti)
tor cinematográfico motivou a
C
criação do Centro de Análise do Cinema e do Audiovisual (Cena). Coordenada pela pesquisadora Alessandra Meleiro e vinculada ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em São Paulo, a iniciativa
pretende organizar
um núcleo
permanente
informações
sobre as indús-
trias audiovisuais e é resultado pós-doutorado
de
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no mundo
do projeto
de
Economia do
audiovisual: dinâmica e estrutura da circulação internacional de produtos audiovisuais, concluído recentemente
por
Alessandra Meleiro, que teve financiamento
da FAPESP. Esse projeto deu origem a uma
coleção de cinco livros sobre as características
e os contex-
> Vencedores do Prêmio Bunge
tos econômicos e políticos do mercado de cinema na Ásia, Europa, América Latina, África e Estados Unidos, com textos e análises de autores desses continentes. Essa comunidade de especialistas segue articulada e deve colaborar na produção de conteúdo para o Cena. Além da produção e difusão de um boletim eletrônico (disponível no site www.cenacine.com.br). o Cena também busca desenvolver atividades de pesquisa e produção por outros meios, como um canal de TV pela web.
> Em memória
morto em maio aos 89 anos, concedeu entre 2005 e 2006 ao Programa lnstitucional o Conselho Nacional de de História Oral do CNPq. Desenvolvimento Científico Os depoimentos abordam e Tecnológico (CNPq) toda a trajetória de Pavan, lançou o livro Crodowaldo de sua origem familiar Pavan - Memória de sua à contribuição como trajetória, que reproduz pesquisador e professor da uma série de entrevistas Universidade de São Paulo, que o pioneiro da genética, passando pela atuação política à frente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBCP) e do <r ~ próprio CNPq. "Pavan sabia que, mais importante do que ~ ~ w a contribuição individual do pesquisador, é a herança que ele deixa nos jovens que educou e nos cientistas que formou", disse Marco Antônio Zago, presidente do CNPq.
de Pavan
~ __~_~-----------------------------------------__----~N
I
O Prêmio Fundação Bunge anunciou a lista de seus ganhadores na edição 2009. Os professores João Lúcio Azevedo e Carlos Eduardo Pellegrino Cerri, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), foram os vencedores na área de Agricultura Tropical, nas categorias Vida e Obra e Juventude, respectivamente. Azevedo, 72 anos, professor titular aposentado pela USP, é coordenador de microbiologia do Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA) e membro da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Cerri, de 35 anos, é professor do Departamento de Ciência do Solo da Esalq. O prêmio também foi concedido, na categoria Pintura, aos artistas plásticos Regina Silveira, na categoria Vida e Obra, e Rodrigo Cunha, na categoria Juventude.
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 31
>
política científica e tecnológica produção acadêmica
Expansão ultramarina Biblioteca eletrônica SciELO chega à África do Sul e recebe elogio em editorial da Science Marcos Pivet ta
A
influência internacional da biblioteca científica eletrônica SciELO (Scientific Electronic Library Online), programa criado há pouco mais de uma década pela FAPESP em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), é cada vez maior na difusão da produção científica do Brasil e dos outros países que aderiram à iniciativa. Em novembro do ano passado, a África do Sul, que ostenta nove prêmios Nobel em sua história, quatro deles em áreas científicas, optou por adotar o SciELO como a plataforma de publicação de suas revistas científicas de maior qualidade e os primeiros periódicos sul-africanos já entraram na biblioteca eletrônica ainda como parte de um projeto-piloto. Além de ganhar espaço entre nações em desenvolvimento fora do mundo ibero-americano, ampliando sua área de atuação para outro continente, o SciELO começou a chamar positivamente a atenção de atores de peso da ciência global. Um caso exemplar recente é o da revista científica norte-americana Science, uma das vozes mais respeitadas da pesquisa de primeira linha. Em editorial intitulado “Globalizando a publicação da ciência”, a edição da Science que circulou com a data de 21 de agosto elogia a atuação do SciELO e o aponta como um modelo de difusão da produção científica feita por países em desenvolvimento. De acordo com o texto, assinado por Wieland Gever, professor emérito de bioquímica médica da Universidade do Cabo, na África do Sul e ex-presidente da Academia de Ciências da África do Sul, “esse sistema (SciELO) já revelou a existência de revistas e artigos científicos produzidos localmente que são altamente citados em revistas indexadas pela base de dados ISI (Institute for Scientific Information)”, além de terem
32
n
setembro DE 2009
n
PESQUISA FAPESP 163
igualmente um grande impacto dentro da própria base de revistas do SciELO. O artigo na Science defende a ideia de que mais países não desenvolvidos, sobretudo os da África, deveriam optar por publicar suas revistas científicas no SciELO ou num sistema semelhante, escolha que provavelmente aumentaria a penetração mundial de seus periódicos científicos. “O editorial é um marco, um reconhecimento ao bom trabalho do SciELO”, diz Abel Packer, coordenador operacional do SciELO. Historicamente, a FAPESP tem contribuído com cerca de 75% do investimento no programa SciELO Brasil, que surgiu como um projeto-piloto em 1997 e foi definitivamente implantado no ano seguinte. De 1997 até o fim deste ano, a Fundação terá aportado cerca de R$ 17 milhões à iniciativa (ver quadro com a evolução dos investimentos no SciELO). Do orçamento total de R$ 4 milhões destinados ao SciELO em 2009, a FAPESP entrará com R$ 3,3 milhões, a Bireme arcará com R$ 450 mil e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que passou a apoiar a iniciativa em 2002, com R$ 250 mil. “O SciELO nasceu dentro da FAPESP, com apoio entusiasmado da direção”, afirma Rogério Meneghini, coordenador científico da biblioteca eletrônica no Brasil e um de seus idealizadores. “Ela foi uma das primeiras iniciativas a implantar o modelo de acesso aberto a artigos científicos.” Para o diretor científico da Fundação, Carlos Henrique de Brito Cruz, os resultados do SciELO “têm sido exemplares e reconhecidos por observadores independentes de várias entidades estrangeiras”. Brito Cruz afirma também que “as revistas que fazem parte do SciELO tiveram seus artigos mais citados internacionalmente, gerando com isso benefícios para o desenvolvimento científico em São Paulo e no Brasil”.
Reprodução do editorial da Science EDITORIAL
ilustrações marcos garuti
Quando entrou pela primeira vez no ar, o SciELO contava com 10 revistas científicas, todas brasileiras. Atualmente o sistema agrupa 637 periódicos de 8 países ibero-americanos, dos quais 197 são do Brasil. O segundo país com mais títulos é o Chile (81 revistas) e o terceiro, a Argentina (54). Revistas de outras partes do mundo, como da Jamaica e da já citada África do Sul, começam a entrar no sistema. “Hoje há 5 periódicos da África do Sul no SciELO, mas devemos ter 100 revistas deles nos próximos três anos e também teremos um periódico da Itália em breve e outro do Oriente Médio na coleção temática de saúde pública”, diz Packer. Essa estratégia de expansão geográfica dos títulos da biblioteca eletrônica “aumentou ainda mais o valor de toda a coleção, beneficiando todas as publicações envolvidas”, comenta Brito. O SciELO só indexa e publica revistas científicas que tenham periodicidade regular, trabalhem com o modelo de peer review (antes de aceitos, os artigos são submetidos ao processo de revisão
– Wieland Gevers
por pares) e concordem em manter seu conteúdo totalmente aberto e de acesso gratuito. A coleção cobre revistas de todas as áreas científicas, embora algumas coleções nacionais, como a de Cuba e a da Espanha, tenham começado sua participação no projeto com títulos das ciências da saúde. Ainda hoje boa parte das revistas do sistema é da área médica, mas há publicações também das humanas e exatas. Segundo Packer, a penetração global das revistas científicas brasileiras no SciELO é evidente. Todo mês as páginas da biblioteca eletrônica contabilizam em média 9 milhões de acessos, tendo em 100 países registrado ao menos 2.500 visitas. “O fator de impacto das revistas brasileiras que estão indexadas na base de dados Web of Science (da empresa Thomson Reuters) e no SciELO desde o início teve aumento médio de mais 200% no período 1997-2008”, afirma
Investimento no SciELO Brasil |
Wieland Gevers is Emeritus Professor of Medical Biochemistry at the University of Cape Town in South Africa; he was President of the Academy of Science of South Africa from 1998 to 2004.
CREDITS: (TOP) COMMUNICATIONS DEPARTMENT OF THE UNIVERSITY OF CAPE TOWN; (LEFT) GETTY IMAGES
PUBLISHING IN SCIENTIFIC JOURNALS IS THE MOST COMMON AND POWERFUL MEANS TO DISSEMINATE
new research findings. Visibility and credibility in the scientific world require publishing in journals that are included in global indexing databases such as those of the Institute for Scientific Information (ISI). Most scientists in developing countries remain at the periphery of this critical communication process, exacerbating the low international recognition and impact of their accomplishments. For science to become maximally influential and productive across the globe, this needs to change. The economy of electronic publication, open access, and property rights fuel current academic and policy debates about scientific publishing in the industrialized world. The concerns in the developing world (with few ISI-indexed journals) focus on more fundamental questions, such as sustaining local research activity and achieving the appropriate global reach of its science activities. The essence of the African situation is captured by R. J. W. Tijssen’s analysis of publications by African authors,* which was based not only on data from ISI indexing databases, but also on publications not indexed in this system. Surprisingly, half of the South African citations in the indexed ISI literature are to articles in nonindexed, locally published journals. Also, several nonindexed local journals are cited in the ISI system at about the same rate as are indexed journals. The share of indexed articles with at least one author with an African address remains steady at about 1%. About half of the ISI-indexed papers with at least one author with an African address have non-African partners outside of the continent. These figures vary, country by country, sometimes in surprising ways. For example, 85% of the papers published from Mali or Gabon involve collaborations on other continents, versus 39% and 29%, respectively, for South Africa and Egypt, the continent’s leading research producers. Thus, much of the African research system is now highly dependent on collaborations. How can the global reach and potential impact of scientific research in Africa and other developing countries be optimized? Of primary importance is boosting the quality and quantity of work that is locally published, through measures including review of submissions by peers from within and outside the country, skilled editing, and exploitation of local niches and special research opportunities. A proliferation of journals, short-lived publications, print-only journals, and poor distribution constitutes a picture that must change. A nationally organized project can probably make the biggest difference, with investment by government and research-support agencies, as well as wide participation by local and regional scientific communities. The work published in local journals must become more visible through search engines and bibliometric tools. An open-source software-based system called Scientific Electronic Library Online (SciELO), in development since 1998 with government support in Brazil, has two major aims. One is to index high-quality local journals, extending beyond the ISI-indexed titles, through a selection based on transparent assessment and performance monitoring. The second aim is to provide free worldwide electronic access to the content of these journals. This system has already revealed the existence of local journals and articles that are highly cited in ISI-indexed journals; it has also revealed journals and articles that have a high impact within the SciELO system itself.† The SciELO system is now being extended to South Africa, with government support. Extension to other African countries and regions is readily possible with the appropriate program leadership and government support at national and international levels. Few forms of foreign aid would be more likely to yield real and recurrent dividends than the facilitation of a connected system of national and regional, open-access, quality-assured SciELO sites (or similar) throughout Africa, and even more so, across the entire developing world.
10.1126/science.1178378
*R. J. W. Tijssen, Scientometrics 71, 303 (2007). †R. Meneghini, R. Mugnaini, A. L. Packer, Scientometrics 69, 529 (2006).
920
21 AUGUST 2009 VOL 325 SCIENCE www.sciencemag.org Published by AAAS
o coordenador operacional da biblioteca eletrônica. “Pela primeira vez na história, temos publicações nacionais com fator impacto maior do que 1.” Isso quer dizer que no ano passado os artigos científicos publicados entre 2006 e 2007 nesses periódicos foram citados em média ao menos uma uma vez por outras revistas que integram a mesma base de dados. Quatro publicações atingiram esse patamar: Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (da Fiocruz), Brazilian Journal of Medical and Biological Research (da Associação Brasileira de Divulgação Científica), Journal of the Brazilian Chemical Society (da Sociedade Brasileira de Química) e a Revista Brasileira de Psiquiatria (da Associação Brasileira n de Psiquiatria).
FAPESP é responsável por 75% dos recursos do programa
(Em milhões de reais)
3.5 3.0 2.5 2.0 1.5 1.0 0.5 0
1997
n FAPESP
1998
n BIREME
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Downloaded from www.sciencemag.org on August 24, 2009
Globalizing Science Publishing
2005
2006
2007
2008
n CNPq
2009
Fonte: scielo
PESQUISA FAPESP 163
n
setembro DE 2009
n
33
78
> Recursos humanos
contas Aprovadas Estudo mostra que alunos melhoraram habilidade em matemática ao participar de olimpíada de escolas públicas Fabrício Marques
C
riada há apenas quatro anos, a Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) já contabiliza um impacto positivo no desempenho dos estudantes brasileiros na disciplina. Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Banco Itaú Unibanco mostrou que os estudantes do 9º ano do ensino fundamental que participaram da olimpíada tiveram médias 2,14 pontos superiores no teste de matemática da Prova Brasil, que avalia as habilidades em leitura e em solução de problemas matemáticos, em relação a alunos de escolas que não aderiram à iniciativa. O impacto é mais significativo nos colégios que participaram mais vezes das edições anuais da olimpíada, assim como na fração de alunos com rendimento escolar mais elevado. O estudo vai além e aponta o provável retorno econômico da iniciativa. O aumento na competência em matemática conferido pelo treinamento para a olimpíada deverá propiciar a esses alunos ganhos salariais de até 0,30% quando eles chegarem ao mercado de trabalho. Parece pouco, mas a soma total dos ganhos dos participantes até o final da carreira foi estimada em R$ 901 milhões. “A olimpíada parece um bom investimento em termos de política pública, pois os custos são relativamente baixos e o número de beneficiários é ele-
34
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vado”, diz Naercio Aquino de MenezesFilho, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa, que coordenou o estudo com Lígia Vasconcellos e Roberta Biondi, do Itaú Unibanco. A Obmep é promovida desde 2005 graças a uma parceria do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), do Rio de Janeiro, e a Sociedade Brasileira de Matemática com os ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. Em sua quinta edição, realizada neste ano, teve 19 milhões de participantes, quase o dobro de 2005. A iniciativa busca estimular o estudo da matemática nas escolas públicas, identificar jovens talentos e incentivar o aperfeiçoamento de professores. A Obmep foi estruturada para influenciar o cotidiano das escolas. Uma apostila com questões de matemática e suas soluções, elaborada por matemáticos ligados à Obmep, é encaminhada aos professores das escolas participantes. “É um material de alta qualidade e aparência desafiadora, que coloca as escolas em contato com o que há de melhor na comunidade matemática”, afirma César Camacho, diretor-geral do Impa. A olimpíada acontece em duas fases. A primeira é realizada e corrigida nas próprias escolas. Os 5% melhores alunos dessa etapa participam da fase seguinte. Três mil alunos de melhor
desempenho recebem bolsas de iniciação científica. A ideia de fazer uma avaliação econômica dos impactos da Obmep foi proposta pelo economista Sérgio Werlang, vice-presidenteexecutivo do Itaú Unibanco. Ele fazia parte do conselho de administração do Impa e, impressionado com o alcance da olimpíada, sugeriu que se aplicasse à iniciativa uma metodologia de avaliação de impacto econômico e social utilizada na Fundação Itaú Social para mensurar os resultados de projetos de organizações não governamentais. Metodologia - O estudo estimou o im-
0
pacto da olimpíada nas notas médias de matemática das escolas públicas na Prova Brasil, que desde 2005 avalia as habilidades em leitura e em matemática dos alunos do 5º e do 9º anos do ensino fundamental. A metodologia selecionou dados de 22.703 escolas cujos alunos de 9º ano participaram da Obmep e da Prova Brasil em 2007, comparando-os com os de um grupo de controle de 1.756 escolas que não participaram da olimpíada. Os dados foram tratados de modo a comparar escolas com características semelhantes, aproveitando a existência de informações como o perfil dos alunos e o grau de escolaridade de professores e diretores. Se a diferença de nota entre os dois grupos de escola chegou a 7,44 pontos, feita a ponderação da metodologia essa diferença caiu para 2,14 pontos. A escala da prova é de 0 a 500 pontos e as médias das escolas participantes oscilaram de 178 a 306 pontos. O ganho de 2,14 pontos leva a uma elevação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) no estrato dos participantes de 3,5 para 3,6 pontos (numa escala de 0 a 10), ultrapassando a meta estabelecida pelo
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Antonio Cruz/ABR
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governo para 2009 e chegando perto do índice esperado em 2011. Os pesquisadores resolveram avaliar também se o número de participações na olimpíada potencializava o impacto. As escolas foram divididas em três grupos: um com as que participaram só em 2007, outro com as que participaram duas vezes e o último com participantes de três edições. Os grupos foram comparados novamente com escolas que não aderiram à Obmep. Verificou-se que, entre as escolas com apenas uma participação, a média era de 0,76 ponto maior que o grupo de controle. Já entre as que haviam participado duas vezes o ganho foi de 1,51 ponto. Nas que participaram de três edições a elevação chegou a 2,38 pontos. “O efeito é cumulativo, embora ainda não saibamos até que limite esse rendimento possa melhorar”, diz Sérgio Werlang. Os pesquisadores projetaram o retorno econômico dessa conquista. A estimativa baseou-se em dados que relacionam o desempenho de jovens em avaliações educacionais na década passada e os salários que obtiveram depois de formados. Espera-se um aumento nos salários anuais futuros de 0,10%, para os que participaram uma vez; e 0,19% e 0,30% para os que participaram, respectivamente, duas e três vezes. César Camacho, o diretor-geral do Impa, ficou surpreso com os resultados do estudo. “Trata-se de um programa jovem, que enfrentou resistências em alguns estados no primeiro ano”, afirma. Para Camacho, o sucesso da iniciativa permite sonhar em aproximá-la com a experiência de países como a Coreia do Sul, que encaminha os medalhistas para universidades especiais, ou a Austrália, onde a olimpíada passou a n integrar o currículo escolar. PESQUISA FAPESP 163
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35
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LABORATÓRIO
"Um café, por favor." "Para mim uma água." "Eu quero um suco" ... Os clientes pedem e o garçom não toma notas. Em seguida atende outra mesa e talvez até converse sobre o jogo
de futebol
do
dia. Na volta entrega cada bebida a quem de direito, sem erros. Curioso com esse hábito comum na Ar-
MUNDO
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> LaJ
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> Mistério
nas
colmeias
gentina, onde garçons têm reputação de serem os melhores
do
mundo, um grupo do Instituto de Neurociências
da Univer-
sidade Favaloro, em Buenos Aires, foi a um café e testou nove garçons com no mínimo nove anos de profissão e oito voluntários inexperientes. Numa primeira etapa os garçons atenderam oito convivas sem enganos, mesmo com a interferência de uma segunda mesa. A história foi bem diferente quando os pesquisadores trocaram de lugar entre si - os profissionais
cometeram
er-
ros, assim como os amadores. Entrevistas revelaram que os garçons usam esquemas para auxiliar a memória, como associar o rosto de cada pessoa
à cadeira onde está sentada e visualizar o ponto de cozimento da carne a cada localização na mesa. Com base nisso, o grupo descreveu o "efeito Tortoni", em homenagem
a um
dos cafés mais tradicionais da capital argentina: as associações permitem
aos garçons
ligar a memória de trabalho à de longo prazo e consolidar rapidamente a nova informação (Behavioural
Neuro/ogy).
Diversas causas foram aventadas para explicar o distúrbio do colapso das colônias (CCD), o sumiço de abelhas que desde 2006 preocupa lavradores e apicultores (ver Pesquisa FAPESP n° 131). Nenhuma delas, porém, explica o fenômeno sozinha. Reed Iohnson e May Berenbaum, da Universidade de Illinois (EUA), agora acrescentaram uma nova pista à investigação (PNAS). Em análises de rnicroarranjos em que examinaram a expressão genética das abelhas de colmeias afetadas e não afetadas pelo CCD, eles encontraram uma quantidade anormal de fragmentos de RNA ribossômico, o molde para fabricação de proteínas. Eles acreditam que essa fragmentação seja causada por vírus do tipo picorna, como o vírus israelense de paralisia aguda, um dos principais suspeitos de provocar a síndrome. A infecção viral não seria
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o motivo direto da morte das abelhas, mas a fragmentação do RNA ribossômico tornaria as abelhas incapazes de reagir a pressões ambientais, como outros patógenos, pesticidas ou falta de alimento.
> Capa de invisibilidade Um análogo da capa que Harry Potter, herói da saga de J. K. Rnwling, usa para se tornar invisível pode ser adotado para proteger edificações de terremotos. Em artigo na Physical Review Letters, um grupo do Instituto Fresnel em
Marselha, na França, descreve um material capaz de controlar a propagação de certos tipos de onda, que contornariam o material, evitando que atingissem a construção situada no centro da "capa". Baseado em modelos matemáticos que descrevem as equações que governam o comportamento das ondas, o material é uma fina lâmina composta por anéis concêntricos de vários materiais diferentes, com propriedades que não existem em matérias-primas naturais. O novo material poderá também ser usado para eliminar vibração em carros e aviões.
> Zumbis
entre as formigas
, tipos Iam
Uma formiga-carpinteira (Camponotus leonardi) desce de seu ninho em meio às copas das árvores numa floresta tailandesa, escala um broto e finca as mandíbulas na face interna de uma folha a cerca de 25 centímetros do solo. Ali ancorada a formiga morre, e poucos dias depois brota de dentro dela um minúsculo cogumelo esférico. É exatamente esse fungo o responsável pelo misterioso comportamento da formiga, segundo artigo na edição de setembro da American Naturalist.
Quando infectada, a formiga caminha como um zumbi até se fixar no ambiente mais propício para o desenvolvimento de seu parasita e condutor. Ali, com temperatura, umidade e exposição ao sol ideais, o fungo se reproduz e lança seus esporos de um ponto onde facilmente infectarão outras formigas. E isso é só o começo: o parasita também dissolve as entranhas da formiga, transformando o conteúdo em açúcares que o alimentam. Só ficam intactos o músculo que mantém as mandíbulas presas à folha e a carapaça, um excelente abrigo.
Um planeta que dá voltas no sentido errado em torno de sua estrela é uma das descobertas surpreendentes do consórcio britânico que forma a Busca por Planetas em Ampla Área (Wasp), em parceria com o Observatório
de Genebra. É o
Wasp-17,o primeiro planeta em que foi detectada uma órbita retrógrada, sugerindo que tenha sido lançado para uma nova órbita por uma colisão com um planeta maior (Astrophysical
éis
Journal). Os planetas são formados pelo mesmo redemoinho gasoso que cria uma estrela, por isso se espera que girem no
> Bom para a mãe e o bebê Amamentar protege do câncer de mama mulheres com histórico da doença na família. A conclusão está no estudo liderado por Alison Stuebe, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos (Archives oflnternal Medicine). Sua equipe acompanhou mais de 60 mil mulheres que tiveram filhos em 1997, registrando detalhes do aleitamento e quantas delas desenvolveram câncer de mama até 2005. O risco foi 59% menor para as que amamentaram, não importa por quanto tempo, mas só para mulheres cuja mãe ou irmã teve a doença. Ainda não se sabe por que isso acontece, mas não amamentar após o parto causa uma inflamação que pode provocar mudanças no tecido mamário e aumentar o risco de câncer. O mesmo não vale para mulheres sem histórico na
Amamentação: seios protegidos do câncer
família, talvez porque o risco seja baixo a ponto de o estudo não conseguir detectar. Mais um ponto a favor da amamentação.
mesmo sentido de rotação da
ão im as ial
estrela. O tamanho foi o primeiro indício de que Wasp-17 não é um planeta qualquer: ele tem metade da massa de Júpiter e o dobro de seu ta-
iões.
manho. Isso faz do Wasp-17 o maior planeta de que se tem notícia. Acredita-se
que, em
sua órbita retrógrada e elíptica, ele estaria sujeito a efeitos de maré que o comprimiriam, esticariam e aqueceriam até chegar ao que é hoje, com uma densidade 70 vezes menor do que a da Terra. Outra descoberta recente do consórcio é
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o Wasp-18b, que dá a volta em sua estrela em menos de um dia e, estima-se, será engolido por ela em cerca de 500 mil anos, um instante em termos astrofísicos (Nature).
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 37
>
LABORATÓRIO
Os rios que abastecem as principais cidades do estado do
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Rio de Janeiro podem conter
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hormônios sexuais naturais ou sintéticos em níveis superiores aos considerados seguros. Uma equipe do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em conjunto com pesquisadores do Instituto de Diagnóstico Ambiental e Estu-
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femininos, como o estriol, e 47
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ng/L de progesterona,
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outro
hormônio feminino. Essas concentrações foram medidas em
invisível do mangue
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de Girona, ambos da Espanha, detectou até 7 nanogramas por gênicos e hormônios sexuais
> A sociedade
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dos de Água e da Universidade
litro (ng/L) de compostos estro-
BRASIL
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20 amostras de água colhidas dos rios Paraíba do Sul, Guandu e Macaé nos municípios de Resende, Volta Redonda, Barra Mansa, Seropédica, Campos de Águas com níveis de hormônios
Goytacazes, Duque de Caxias,
além do seguro
Rio de Janeiro e Lumiar, assim como nas lagoas Rodrigo de Freitas e de Jacarepaguá, na capital fluminense. Um nanograma de compostos estrogênicos ou de progesterona em cada litro de água já pode causar efeitos indesejados, alterando o crescimento e o equilíbrio hormonal de peixes e de seres humanos, segundo esse levantamento publicado em junho na Environment International. Os níveis de três fitoestrógenos, compostos naturais que mimetizam os hormônios sexuais femininos, chegaram a 366 ng/L, valores jamais vistos na literatura científica, provavelmente em função do uso desses compostos em fitoterápicos e da falta de tratamento de água e esgoto.
> A vida
e a morte dos neurônios
Neurônios não se formam só na gestação, mas também nas primeiras semanas após o nascimento. Ao menos em ratos, verificaram Fabiana Bandeira, Roberto Lent e Suzana Herculano-Houzel, 38 • SETEMBRO DE 2009
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Eles viram que o córtex cerebral de um rato com uma semana de vida tem 44 milhões de células, quase o dobro de neurônios do animal ao nascer. Ganhos e perdas são intensos em diferentes regiões do sistema nervoso central. De 60 a 70%
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dos neurônios do córtex e do hipocampo existentes na primeira semana de vida são eliminados na semana seguinte (PNAS). O número de outras células também varia. O cérebro de um rato tem 4 milhões de células não neuronais (6% do total de células) no nascimento e 140 milhões quando adulto (50% do total). O volume final do cérebro resulta da combinação de perdas e ganhos de neurônios e outras células e do aumento de tamanho dos neurônios.
Galerias no caule de Rhizophora mangle: proteção para crustáceos
Três biólogas do Pará afundaram o pé no manguezal e encontraram uma notável diversidade de seres convivendo nas galerias de teredos (moluscos perfuradores) em troncos de árvores em decomposição. Abrindo nove amostras de árvore da espécie Rhizophora mangle, Daiane Aviz, da Universidade Federal do Pará, Clara Ferreira de Mello, da Universidade Federal Rural da Amazônia, e Patrícia Fernandes da Silva, da Secretaria de Educação do Estado do Pará em São Caetano de Odivelas, encontraram vários vermes marinhos, como nemertíneos e anelídeos, além de moluscos e artrópodes (pequenos insetos e crustáceos) - um total de 452 exemplares de animais, descritos na edição de janeiro-abril do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Eram os sobreviventes do manguezal, ambiente hostil, devido às constantes entradas de água do mar.
Pesquisadores do Acre, Amazo·
PUPUNHAS NO ARCO DO FOGO
nas e Pará estudaram duas variedades silvestres da pupunheira, palmeira que produz a pupunha,
fruto saboroso de alto valor nutritivo. Os frutos das variedades silvestres são menores e mais oleosos que os das cultivadas, importantes para a produção de palmito. Seria uma boa notícia se
angue
as variedades silvestres não estivessem numa faixa da Floresta Amazônica que vai do Maranhão ao Acre conhecida como Arco
á
do Fogo, sujeita a intenso desmatamento. Por meio de análises de fotos aéreas, levantamentos botânicos e expedições financia-
raram ,ade nas
das pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), Charles Clement, Evandro Ferreira e Sylvain Desmouliere, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Ronaldo Santos, do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, e João Farias Neto, da Embrapa
~res) es em do ore
Amazônia Oriental, viram que as populações silvestres de Bactris gasipaes
a rodovia BR-163 favorece essa extinção. "A blindagem ambiental Bactris gasipaes:
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são pequenas e ocupam áreas próximas a rios e riachos
(PLoS One). Muitas já desapareceram. As análises mostraram que
variedade
selvagem (vermelha)
e cultivada
não funciona como o MMA espera", conta Clemente. Muitas populações remanescentes estão isoladas em fragmentos florestais,
êral ra de Cle
azônia, Cla
o que ameaça a reprodução e a reocupação de outros espaços.
o interior
das árvores os protegia das oscilações da maré, da salinidade, dos predadores e do risco de secarem ao sol.
> Nova vitrine para a ciência os -um
es na il do 'aense
hostil, ar.
A ciência brasileira acaba de ganhar mais um veículo para sair dos laboratórios. É a revista Unesp Ciência, que será distribuída nas unidades da Universidade Estadual Paulista e em instituições de ensino e pesquisa. O conteúdo também está inteiramente disponível no site www.unesp.br/revista "Nosso compromisso aqui é fazer um jornalismo crítico, pluralista, atento às contradições do próprio processo científico e equilibrado entre as três grandes áreas do conhecimento (exatas, humanas e biológicas). Com a curiosidade de buscar o que nunca ninguém viu, ou ousou ver", escreve a editora chefe Giovana Girardi no
editorial. Ali o leitor encontra perfis de quem faz ciência, entra no espaço onde eles trabalham na seção "estação de trabalho", lê reportagens sobre as pesquisas realizadas na Unesp, acompanha os lançamentos da editora Unesp e ainda pode se deleitar com a beleza visual da ciência na seção 'click'. O primeiro número comemora os 400 anos de ciência, quando o italiano Galileu Galilei apontou uma luneta para o céu e descobriu um novo mundo. A equipe capitaneada pelo diretor editorial Maurício Tuffani promete celebrar muito mais da ciência a cada mês.
unes iencia
"As implicações são evidentes, uma vez que a conservação ex situ [fora da área de origem]
é economicamente invlável."
> Os riscos do alisamento caseiro Descontentes com os cabelos crespos, os cachos ou as mexas rebeldes, muitas mulheres recorrem à química para deixá-los lisos. Algumas arriscam formulações mais baratas, com componentes nem sempre conhecidos produtos aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) podem custar mais de R$ 250. A equipe de Israel Felzenszwalb, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fez análises químicas e toxicológicas em três cremes caseiros fornecidos por usuárias. Quem os usa corre riscos que vão além do de sofrer queimaduras na pele ou desenvolver alergias, por causa do excesso de formol, cuja adição permitida pela Anvisa é de 0,2%. Os pesquisadores verificaram nos cremes um forte
potencial de danificar o material genético das células - e causar câncer - por conterem de 50 a 200 vezes mais formol do que o permitido. Esse potencial cancerígeno possivelmente se deve ao excesso de formol e a compostos que intensificam seus efeitos (Journalof Applied Toxicology).
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ciência
psiquiatria
Um quebra-cabeça em construção Proteínas aprofundam noção da esquizofrenia como doença biológica Maria Guimarães
A
esquizofrenia não é novidade para quem assiste à novela Caminho das Índias, exibida pela TV Globo entre janeiro e setembro de 2009. Tarso, representado por Bruno Gagliasso, ouve vozes, acredita que lhe implantaram um chip debaixo da pele para roubar seus pensamentos, imagina que vai se dissolver e se descontrola em crises violentas. Os sinais que apresenta formam um quadro completo típico dessa doença que atinge uma em cada 100 pessoas – estima-se que sejam cerca de 1,8 milhão no Brasil. O biólogo Daniel Martins- -de-Souza, agora pesquisador de pós-doutorado no Instituto Max Planck para Psiquiatria, na Alemanha, identificou uma série de proteínas envolvidas nos mecanismos bioquímicos da esquizofrenia que vêm ajudando a entender os detalhes de como ela causa todos esses sintomas. Durante o doutorado no Departamento de Bioquímica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Souza examinou as proteínas produzidas no cérebro de sete pessoas saudáveis e de nove com esquizofrenia. “Cada região cerebral expressa milhares de proteínas diferentes”, conta. “Nós conseguimos reduzir para poucas dezenas as relacionadas à doença.” São proteínas que aparecem em quantidade alterada nos cérebros dos pacientes e podem dar 40
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pistas importantes sobre como a esquizoComparar as zo frenia surge e se manifesta. O trabalho foi nas do cérebro alteraorientado pelo biólogo Emmanuel Dias Neto, das na doença mental do Laboratório de Neurociências do Instié tarefa complexa. “A tuto de Psiquiatria (IPq), parte do Hospital maioria das proteínas das Clínicas da Faculdade de Medicina da aparece em quantidaUniversidade de São Paulo (FMUSP), e teve des distintas nas difeapoio financeiro da FAPESP e da Associação rentes regiões cerebrais”, Beneficente Alzira Denise Hertzog da Silva diz Souza. O que ele pretende não é caracterizar (Abadhs). Em busca dos estragos que a esquizoo funcionamento de cada frenia causa no cérebro, Souza selecionou parte do cérebro, mas ver regiões que já se sabia relacionadas à doen o que há de comum entre ça: o córtex pré-frontal, responsável por elas e que pode servir cocertos tipos de memória, diferenciação de mo um marcador da doenpensamentos contraditórios, determinação ça, que diferencie pacientes dos conceitos de certo e errado, comportade pessoas saudáveis. “É mento social e expressão da personalidade; isso que pode nos ajudar a a área de Wernicke, uma porção do córtex compreender a esquizofreligada à fala, à linguagem e à comunicação; nia”, aposta. Ele começou e o lobo temporal, que participa de procesentão a caça por proteínas – sos cognitivos e afetivos. Essa distribuição algo como procurar estrelas de zonas afetadas dá uma dimensão da específicas num céu estrelado complexidade da esquizofrenia, palavra – no laboratório de proteômique significa cisão da mente. ca da Unicamp, liderado por Vários grupos de pesquisa no mundo José Camillo Novello e Sérgio todo têm se concentrado em analisar alteMarangoni. rações genéticas associadas à doença, mas Com resultados promissores Souza defende o foco nas proteínas, o proem mãos, o pesquisador partiu duto desses genes alterados. “Elas são os para o Instituto Max Planck de jogadores reais que agem no organismo”, Psiquiatria na Alemanha em justifica, já que um gene mais ativo não busca de um método mais sennecessariamente se traduz numa concensível, que permitisse detectar até tração maior da proteína cuja produção mesmo concentrações muito peele comanda. “Confirmamos achados quenas de proteínas: a análise de prévios e acrescentamos proteínas que proteoma por shotgun, ainda não ainda não tinham sido consideradas.” Esusada no Brasil. Com esse métote ano, os resultados já renderam quatro do mais refinado, foi possível usar artigos científicos. Ele agora se concentra até mesmo proteínas muito pouco em algumas dessas moléculas alteradas abundantes para distinguir amostras para ver como elas participam do dede cérebros saudáveis daqueles com senvolvimento da doença. esquizofrenia.
rações detectadas pelo grupo do IPq diz respeito à produção de energia nas células. Uma série de proteínas envolvidas na degradação de glicose e na produção de adenosina trifosfato (ATP), a molécula que fornece energia para as células, aparece em quantidade menor nos cérebros dos esquizofrênicos. Já existiam pistas de que o metabolismo da glicose fica prejudicado nessa doença, mas não se sabia se isso seria uma causa dela ou uma consequência do tratamento. Para Souza, os achados favorecem a primeira opção. “As proteínas que identificamos comprovam que a degradação da glicose está alterada devido à ação de certas enzimas.” Mas a questão está longe de ser definida. Wagner Gattaz, diretor do IPq e orientador clínico do trabalho, explica que todos os pacientes tomavam medicamentos que afetam a atividade cerebral. “A possibilidade de esses medicamentos influenciarem parte de nossos resultados não pode ser descartada”, afirma. Souza detectou altos teores de proteí nas que combatem o estresse oxidativo, indicando que, além de reduzir o aproveitamento da glicose, as alterações no metabolismo celular geram mais radicais livres, causando danos às células do cérebro. Ele explica que o próprio processo de gerar energia, dentro das usinas celulares que são as mitocôndrias, produz as moléculas oxidativas. Quando a concentração dessas moléculas – os radicais livres – chega a determinado nível, o estresse é tal que as mitocôndrias se rompem e os radicais livres se espalham pela célula. O método detalhado permitiu enxergar também uma queda na quantidade de proteínas produzidas nos oligoden-
who am I? (detalhe) - Duane Michals, 1955
Exame detalhado - Metade das alte-
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drócitos. São células importantes porque produzem a mielina, substância que reveste as projeções dos neurônios – as células nervosas responsáveis pela transmissão de informações. Sem mielina os nervos são como fios desencapados que deixam vazar a eletricidade pelo caminho. “Nossos achados sugerem uma alteração em dois marcadores ligados aos oligodendrócitos”, comenta Souza. Três dessas proteínas, a proteína básica de mielina, a transferrina e a glicoproteína da mielina do oligodendrócito, já tinham sido associadas a outra enfermidade sediada no cérebro:
a esclerose múltipla. A descoberta sugere que, assim como a esclerose múltipla, alguns sintomas da esquizofrenia podem vir da degeneração do sistema nervoso. A capacidade dos nervos de transmitirem informação também é afetada pelo cálcio. Souza detectou, por meio de alterações na produção de diversas proteínas, que as células do cérebro dos esquizofrênicos absorvem mais cálcio. Esse importante sinalizador de diversas funções celulares também regula a ação de enzimas que degradam a mielina, por
isso um desequilíbrio em sua concentração pode significar perdas importantes nas funções nervosas. O cálcio controla ainda o funcionamento dos receptores de dopamina, um neurotransmissor cuja produção é excessiva na esquizofrenia. Os achados de Souza ajudam a determinar a cadeia que leva à atividade excessiva da dopamina, combatida por psiquiatras com medicamentos que bloqueiam os receptores ativados por ela. As proteínas apontam ainda outros aspectos da esquizofrenia que merecem investigação mais detalhada, como as relações da doença com o sistema imunológico (estudos epidemiológicos mostram que pessoas cujas mães contraíram gripe durante a gestação têm um risco maior de desenvolver esquizofrenia) e com a estrutura das células. Um quarto das proteínas produzida em maior ou menor quantidade participa na formação do citoesqueleto, cuja modificação afeta a forma
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O Projeto Mecanisnononn de nononono monar na nonono nonononono
modalidade
Nonon a Pesquinn – Nonononono Coordenador
Nonononono – XX/XXX investimento
R$ 000.000,00 (NONONONO)
42
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O Projeto Metabolismo de fosfolípides em doenças neuropsiquiátricas
modalidade
Projeto Temático Coordenador
Wagner Farid Gattaz – USP investimento
R$ 1.803.528,52
das células e também a capacidade dos neurônios transmitirem informações. As alterações têm até endereço certo: algumas das moléculas destacadas são exclusivas dos astrócitos, um dos tipos de célula nervosa que formam o arcabouço do cérebro e mantêm a estrutura onde se encaixam os neurônios. Embora o efeito na estrutura de algumas células seja flagrante na esquizofrenia e ajude a
Multidimensional - Mesmo com re-
who am I? (detalhe) - Duane Michals, 1955.
sultados promissores, a análise das proteínas deve ser vista com cautela. “Nenhum exame bioquímico sozinho pode detectar a esquizofrenia”, frisa o psiquiatra Helio Elkis, do Departamento de Psiquiatria da USP e coordenador do Programa de Esquizofrenia (Projesq) do IPq. Para ele, a única forma segura de diagnóstico é a avaliação clínica com critérios internacionais bem definidos, que incluem sintomas psicóticos, como delírios e alucinações; negativos, que envolvem diminuição da afetividade, dificuldade de tomar decisões e falta de interesse; de desorganização do pensamento que torna difícil entender o que o paciente diz; de ansiedade e depressão, e distúrbios cognitivos. Para ele, a credibilidade do trabalho de Souza é reforçada pelo diagnóstico dos pacientes cujos cérebros foram examinados, que seguiu critérios internacionais e incluiu um longo acompanhamento clínico. Mas ele ressalta que muito tem que acontecer antes que uma medição de proteínas possa ajudar no diagnóstico de um quadro psiquiá trico. “Uma vez identificados os marcadores, serão precisos testes com uma grande população para comparar os resultados moleculares aos clínicos.” Diante de uma enfermidade com tantas dimensões, quanto mais ferramentas melhor para se elucidar seu funcionamento biológico e, quem sabe, combatê-la. Essas ferramentas podem ter origens inesperadas, como outra doença que provoque efeitos semelhantes aos da esquizofrenia. “O estudo de outras
matheus oliveira/ufpe
elucidar sua biologia, Souza não investirá nisso como marcador para diagnóstico. “Qualquer doença dá alterações no citoesqueleto”, afirma. De volta à Alemanha para o pós-doutorado, Souza agora procura quantidades alteradas dessas mesmas proteínas no sangue e no líquor, o fluido que envolve o cérebro e a medula espinhal. Só assim – já que tirar amostras do cérebro de uma pessoa viva está longe de ser um exame trivial – será possível desenvolver um teste diagnóstico que poderia completar o exame clínico em casos nos quais a doença ainda não se manifestou por completo. Cabeça em fatias: exames de imagem revelam o acúmulo de cálcio no cérebro típico da doença de Fahr, cujos sintomas podem ser confundidos com a esquizofrenia
doenças que têm sintomas psicóticos pode ajudar a entender a esquizofrenia”, defende o neuropsiquiatra João Ricardo Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele estudou genes ligados à esquizofrenia há cerca de 10 anos, quando ainda cursava a graduação em medicina. Agora é especialista na doença de Fahr, na qual o acúmulo de cálcio em vários pontos do cérebro causa uma combinação variável de sintomas como parkinsonismo, tremores, dificuldades cognitivas, psicose e alterações de humor. “Quando começa com psicose, a doença de Fahr muitas vezes é tratada como esquizofrenia”, conta. Nesses casos a medicação não tem efeito e o engano só é descoberto quando a calcificação no cérebro aparece em tomografias. Seu grupo agora estuda a genética e os padrões de calcificação da doença de Fahr e recentemente mostrou, com um par de gêmeos idênticos, o peso da genética na doença: o acúmulo de cálcio começou a surgir ao mesmo tempo e evoluiu de maneira muito semelhante, atingindo as mesmas regiões no cérebro dos dois irmãos, segundo artigo deste ano na Parkinsonism and Related Disorders.
Para Oliveira, que tem amostras de cerca de 15 famílias, analisar como a composição genética e os padrões de deposição de cálcio dão origem a diferentes sintomas pode ajudar a entender a esquizofrenia e várias outras doenças. A tarefa exige abordagens múltiplas. Enquanto comemoram resultados palpáveis, os pesquisadores veem estender-se adiante o percurso que ainda resta seguir. Para confirmar o significado das alterações observadas pelo grupo do IPq, será preciso mostrar que elas são específicas para esquizofrenia e detectar se alguma delas decorre do tratamento, e não da doença. “A especificidade dos achados só pode ser elucidada se, num próximo estudo, compararmos cérebros de esquizofrênicos e controles sadios com um terceiro grupo, os controles psiquiátricos (por exemplo, pacientes com transtorno bipolar)”, explica Gattaz. Emmanuel Dias Neto completa: “Por anos tentamos simplificar demais. Agora é hora de olhar a coisa com a sua complexidade real, examinando vias metabólicas, e não marcadores isolados – se estes existissem de fato, provavelmente já teriam sido identificados”. n
> Artigos científicos 1. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Proteomic analysis of dorsolateral prefrontal cortex indicates the involvement of cytoskeleton, oligodendrocyte, energy metabolism and new potential markers in schizophrenia. Journal of Psychiatric Research. v. 43, n. 11, p. 978-986. jul. 2009. 2. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Proteome analysis of schizophrenia patients Wernicke’s area reveals na energy metabolism dysregulation. BMC Psychiatry. v. 9, n. 17. abr. 2009. 3. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Prefrontal cortex shotgun proteome analysis reveals altered calcium homeostasis and immune system imbalance in schizofrenia. European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience. v. 259, n. 3, p. 151-163. abr. 2009. 4. MARTINS-DE-SOUZA, D. et al. Alterations in oligodendrocyte proteins, calcium homeostasis and new potential markers in schizophrenia anterior temporal lobe are revealed by shotgun proteome analysis. Journal of Neural Transmission. v. 116, n. 3, p. 275-289. mar. 2009.
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Bioinformática
C
simplicidade natural
Novo método para comparar genomas pode ajudar a construir a árvore da vida
ada vez é mais rápido e fácil ler o DNA completo de qualquer ser vivo, com os equipamentos modernos. Mas mesmo essa evolução da tecnologia ainda não tornou banal comparar genomas para avaliar semelhanças entre espécies e montar uma árvore da vida. “Com os métodos atuais, os computadores demoram muito para comparar o material genético integral de um conjunto com mais de vinte espécies”, avalia o matemático João Meidanis, do Instituto de Informática da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Não satisfeito com a solução habitual de buscar aproximações para dar sentido aos dados, ele e seu aluno Pedro Feijão desenvolveram um método novo para comparar genomas, que em setembro passará por uma prova de fogo: será apresentado a colegas do mundo todo no workshop Algoritmos em Bioinformática, nos Estados Unidos. O que torna tão lenta a análise dos dados não é mais obter as sequências, mas compará-las. Isso porque cada genoma é representado por bilhões de letras enfileiradas (cerca de 3 bilhões, no caso humano). Os métodos de comparação entre espécies usam representações matemáticas dos modelos de como as mutações naturais aos poucos substituem letras ou quebram essa longa cadeia que volta a emendar-se em outro ponto – uma contabilidade extenuante até para os computadores mais possantes. A fórmula proposta pela dupla de matemáticos simula uma situação em que o genoma seria quebrado num só ponto e depois emendado outra vez de maneira aleatória. Se isso acontece sucessivas vezes, a sequência genética é aos poucos embaralhada. Daí vem o nome single-cut-or-join (único corte ou ligação) que batiza o método. O processo simula o tipo mais comum de rearranjo genético, em que um trecho do DNA fica invertido. Se a vírgula da frase anterior fosse o ponto de ruptura, a frase poderia virar “ociténeg ojnarraer ed mumoc siam opit o alumis ossecorp O, em que um trecho do DNA fica invertido” ou “em que um trecho do DNA fica invertido, O processo simula o tipo mais comum de rearranjo genético”, entre outras possibilidades. “Essa é uma das formas de alteração mais comuns no genoma”, explica Meidanis, “pois ela preserva trechos intactos e assim mantém propriedades genéticas”. O programa que ele desenvolveu
Lado a lado: matemática desvenda parentesco entre espécies
faz uma série de cortes aleatórios no genoma selecionado e determina a semelhança com outro genoma pelo número de cortes necessários para que o primeiro fique igual ao segundo. Ao comparar o material genético de várias espécies – com esse método é possível comparar até 100 genomas em poucos dias – o programa de Meidanis e Feijão produz uma árvore filogenética que mostra o parentesco entre os seres vivos comparados.
fotos eduardo cesar, joão alexandrino e miguel boyayan
Debate - O trabalho teve uma recepção
longe de unânime na comissão científica que analisou os trabalhos submetidos à conferência. “Dois revisores acharam que não estávamos apresentando nada útil e três ficaram em cima do muro”, conta Meidanis. Em vez de motivo para desânimo, a resposta foi um estímulo. A começar pelo artigo ter sido analisado por cinco revisores em vez dos habituais três. “Pelo visto eles tiveram dificuldades em decidir, mas mesmo assim possivelmente aceitaram o trabalho porque é algo novo que pode dar origem a um debate importante”, postula. Eles estão preparados para a discussão. Já refizeram todos os cálculos para demonstrar que sua proposta é sim matematicamente distinta dos métodos em uso: o ponto de quebra
(breakpoint), usado desde o início do século XX quando surgiu a genética de populações, e o double-cut-or-join (duplo corte ou ligação), mais usado nos últimos tempos. O método mais antigo é conceitualmente muito parecido com o agora proposto, mas difere na formalização matemática; o mais recente considera que o genoma é quebrado em três partes que voltam a se juntar aleatoriamente – uma complexidade desnecessária, aos olhos de Meidanis. Para ele, a simplicidade de seu modelo torna mais fácil a resolução dos problemas. E talvez torne sua solução mais próxima da realidade, completa, citando o físico Albert Einstein: “Ele disse que tudo deveria ser considerado da maneira mais simples possível, mas não mais simples do que isso”. Num próximo passo, discussões e colaborações com geneticistas serão essenciais para avaliar se a simplificação matemática excede a da natureza. Por enquanto, Meidanis e Feijão têm testado o modelo com conjuntos de dados que a comunidade de bioinformatas usa justamente para testar métodos novos. Ao comparar o formato das árvores obtidas pelo programa, eles constatam que seu método chega a resultados semelhantes ao que outros encontraram – mas com um tempo de processamento muito mais curto. Mesmo antes da discussão deste mês e da publicação formal do trabalho, um grupo de pesquisa alemão já mostrou interesse em receber a versão final. Mais um sinal, para o professor da Unicamp, de que sua proposta é inovadora. n
Maria Guimarães
> Artigo científico FEIJÃO, P. e MEIDANIS, J. SCJ: a variant of breakpoint distance for which sorting, genome median and genome halving problems are easy. 9th Workshop on Algorithms in Bioinformatics. 2009. PESQUISA FAPESP 163
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> Saúde
Ricard o Zorzet to
O futuro em uma gota
US Air force/sgt eric t sheler
Teste de sangue permite identificar e tratar precocemente doença genética que leva ao retardo mental
O
pediatra José Simon Camelo Junior tem agora um argumento forte para tentar convencer as autoridades de saúde do país a incluir na triagem neonatal o popular teste do pezinho, o exame para identificar a galactosemia, doença genética marcada pela incapacidade de metabolizar a galactose, o açúcar típico do leite. A razão não é apenas de saúde. É também econômica. Examinar todos os anos as 600 mil crianças que nascem no estado de São Paulo – e tratar precocemente as doentes – sai 33% mais barato do que lidar com os problemas de saúde que as 17 crianças desse grupo, com galactosemia identificada tardiamente, desenvolverão ao longo da vida, como catarata, danos no fígado e retardo mental. Foram necessários cinco anos de trabalho para o pediatra da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto (USP-RP) e sua equipe comprovarem que a inclusão do exame para a galactosemia no teste do pezinho é vantajosa também do ponto de vista econômico. Antes, porém, tiveram de conseguir uma informação muito mais básica sobre
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a enfermidade: o número de casos que surgem a cada ano no estado de São Paulo, dado anteriormente estimado apenas com base em levantamentos feitos no exterior. Nessa primeira e mais trabalhosa etapa da pesquisa, os grupos de Ribeirão Preto e de outros três centros de triagem neonatal do estado analisaram amostras de sangue de 59.953 crianças nascidas em 2006, o equivalente a 10% dos nascimentos registrados por ano nos municípios paulistas. O levantamento inicial indicou que 158 recém- -nascidos possivelmente apresentavam galactosemia. Um exame mais específico, porém, revelou que das 158 crianças apenas três tinham de fato a doença – e necessitavam de tratamento urgente. Essa proporção indica que cerca de um em cada 19 mil bebês paulistas nasce com uma das alterações genéticas associadas à galactosemia, o que corresponderia a quase 30 novos casos por ano no estado de São Paulo. É uma incidência relativamente baixa, mas superior à que se imaginava. “A incidência dessa enfermidade no estado de São Paulo é muito mais elevada do que a dos
Estados Unidos ou a de vários países da Europa e está mais próxima à da África do Sul”, conta Camelo Junior, membro da equipe dos pediatras Lea Zanini Maciel, Maria Inez Fernandes e Salim Jorge, da USP-RP. Nos Estados Unidos um em 30 mil ou um em 40 mil bebês nasce com galactosemia, enquanto na Inglaterra essa taxa é de um em 60 mil e na África do Sul de um em 14 mil. Quem tem galactosemia apresenta uma das 230 alterações já identificadas nas duas cópias do gene responsável pela produção da enzima galactose-1-fosfato-uridiltransferase (Galt). Essa enzima transforma o principal açúcar do leite, galactose, em outro açúcar, a glicose, usada pelas células como fonte de energia. A produção de enzimas Galt defeituosas ou em baixas quantidades leva ao acúmulo da galactose no sangue e nos tecidos. Em concentrações elevadas, a galactose gera compostos tóxicos que afetam o fígado, causando cirrose, e tornam opaco o cristalino (a lente natural dos olhos), provocando catarata. Surgem ainda consequências mais graves. Como a galactose não é convertida em glicose, os níveis deste açúcar no sangue caem muito. Com menos glicose e sob o efeito de compostos tóxicos, as células do cérebro começam a morrer, levando ao retardo mental. As consequências indejadas dessa enfermidade, que custam caro ao sistema público de saúde e afetam a qualidade de vida das crianças e de suas famílias, podem facilmente ser evitadas ou reduzidas, desde que a galactosemia seja identificada nos primeiros dias de vida. “Basta substituir o leite materno por leite sem galactose, como o de soja, e evitar o consumo de alimentos que contenham galactose ao longo da vida”, explica a pediatra Gilda Porta, do Instituto da Criança da USP, que há 35 anos acompanha casos da doença. Diante dessa possibilidade de intervenção simples e relativamente barata
– uma lata de leite de soja custa cerca de R$ 30, enquanto o leite usado para crianças com fenilcetonúria sai por quase R$ 300 –, Camelo Junior vem defendendo nos últimos anos a inclusão do exame para galactosemia no teste do pezinho realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente esse exame, oferecido gratuitamente para os recém-nascidos desde 2001, avalia a ocorrência de outras três enfermidades: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e hemoglobinopatias. Três estados (Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais) realizam também o exame para detectar fibrose cística, enfermidade que reduz a hidratação do muco e de outras secreções, afetando os sistemas digestivo e respiratório. “Nossos dados mostram que em São Paulo a galactosemia é tão frequente quanto a fenilcetonúria, que afeta um em cada 19 mil recém-nascidos”, diz Camelo Junior, comparando seus dados com os da equipe de Lea Zanini Maciel. Determinada a incidência da galactosemia, o pediatra de Ribeirão decidiu verificar quanto a realização do exame custaria ao estado. Com a ajuda de Jair Santos, da medicina social, e de Alceu Camargo Junior e Cláudia Passador, da Faculdade de Economia e Administração da USP-RP, Camelo Junior pôs na ponta do lápis os gastos relacionados ao
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O Projeto Estudo piloto para a introdução da triagem neonatal da galactosemia no estado de São Paulo
modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
José Simon Camelo Junior – USP-RP investimento
R$ 118.705,92
teste para galactosemia – valor do kit diagnóstico, do transporte até o centro de testagem, dos contatos telefônicos e do tempo de trabalho perdido pelos pais. Somou ainda as despesas decorrentes da detecção tardia da doença – custos de atendimento ambulatorial e de internação em unidade de terapia intensiva, gastos com cirurgias e medicamentos, além dos dispêndios com estrutura hospitalar –, tomando por base dados coletados ao longo de 20 anos de atendimento em diferentes unidades do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP-RP. Economia - Somando os gastos, a tes
tagem de 600 mil recém-nascidos sairia por R$ 937,3 mil, descontados os juros anuais. A identificação precoce da doença evitaria que as 17 crianças com a forma de galactosemia que evolui pior tivessem de passar por tratamento crônico e lhes permitiria levar uma vida produtiva. No total, representa uma economia de R$ 1,245 milhão ao sistema público, revelam os pesquisadores em dois artigos – um deles publicado no Journal of Inherited Metabolic Disease. “Detectar a doença nos primeiros sete dias de vida sai 33% mais barato do que tratá-la mais adiante”, afirma Camelo Junior, que atualmente trabalha para mostrar esses dados às autoridades públicas de saúde. “Não vou descansar enquanto não reconhecerem esses dados.” Esses resultados, segundo o pediatra, representam apenas parte do trabalho que precisa ser feito para se conhecer a frequência com que essa enfermidade ocorre no país. “Outros estados deveriam realizar estudos semelhantes, pois a proporção observada em São Paulo não pode ser extrapolada”, diz. É que os defeitos genéticos associados à galactosemia são mais comuns nas populações de origem africana do que entre os descendentes de europeus. Por essa razão, é provável que sua incidência seja mais elevada, por exemplo, na Bahia do que n nos estados do Sul do país. PESQUISA FAPESP 163
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U
m novo levantamento feito em âmbito nacional indica que a presença de cepas do HIV resistente a pelo menos uma das drogas do coquetel usado para tratar a Aids é maior entre os portadores assintomáticos do vírus que vivem na cidade de São Paulo do que em outras partes do país. O trabalho analisou o perfil do patógeno em um grupo de 387 pacientes oriundos de 13 cidades – pessoas recém-diagnosticadas ou cronicamente infectadas pelo vírus, mas que não tomaram contato com os medicamentos porque ainda não apresentam sintomas da doença – e encontrou 22 indivíduos com HIV resistente. Treze desses pacientes (59,1%) são moradores da capital paulista. “Estatisticamente, esse dado sobre São Paulo é relevante”, diz Marcelo Soares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), um dos coordenadores do estudo, que foi publicado no dia 18 do mês passado no site da revista científica AIDS Research and Human Retroviruses. A história da Aids em São Paulo é longa. Na maior metrópole do país surgiram as primeiras ocorrências confirmadas da doença no Brasil, no início dos anos 1980, e a cidade tem o maior número
de casos registrados da epidemia em três décadas, mais de 71 mil doentes, sem contar os milhares de portadores assintomáticos. Nos demais munícipios não foi constatado risco aumentado de infecção por formas de HIV com alterações genéticas que diminuem a eficácia dos antirretrovirais, remédios que dificultam a multiplicação do vírus no organismo. Estranhamente, o trabalho científico não encontrou HIV resistente a drogas do coquetel em nenhum dos 20 pacientes analisados da cidade de Santos. Desde os primórdios da Aids no Brasil, a cidade do litoral paulista está associada à epidemia da doença e os pesquisadores esperavam detectar uma presença considerável de cepas resistentes do vírus entre seus portadores assintomáticos, na mesma linha de resultados obtidos por outros levantamentos. “Pode ser que a amostra de pacientes que usamos no trabalho não seja totalmente representativa da cidade de Santos”, comenta o infectologista Eduardo Sprinz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), primeiro autor do estudo. Os brasileiros da amostra analisada, cerca de dois terços homens e um terço mulheres, todos com mais de 18 anos,
Epidemiologia
Risco concentrado Quase 60% dos portadores assintomáticos do vírus da Aids com resistência a drogas estão na cidade de São Paulo Marcos Pivet ta
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vivem em oito estados e representam todas as regiões do país, com exceção da Norte. Feito por um consórcio nacional de pesquisadores de 20 centros de estudo, o trabalho encontrou nessa amostra populacional uma taxa total de HIV resistente de 5,7%, índice praticamente igual ao verificado num levantamento similar divulgado em 2003. Em países da América do Norte e da Europa, estudos semelhantes indicam que a porcentagem de indivíduos contaminados por vírus da Aids com mutações associadas à resistência a alguma droga do coquetel é o dobro ou o triplo do verificado aqui. Apesar de carregarem o vírus no sangue, todas as pessoas que participaram da pesquisa estão bem de saúde e ainda não recebem o coquetel contra a Aids. Portanto, no caso dos 22 participantes do estudo que apresentam cepas do vírus com algum nível de resistência a medicamentos, é possível concluir que eles foram, possivelmente, infectados por formas do HIV já resistentes a alguma droga do coquetel. A resistência não foi desenvolvida em seu organismo, mas no de terceiros, muito provavelmente um indivíduo doente, com sintomas instalados da Aids e usuário da terapia com antirretrovirais, que lhe transmitiu uma versão mutada do vírus. Política pública - Desde o início da
década de 1990, o Ministério da Saúde do Brasil mantém a política de fornecer tratamento gratuito com antirretrovirais somente quando surgem problemas de saúde associados à doença nos pacientes. Portadores assintomáticos não recebem as drogas. Trata-se de uma estratégia que tem sido elogiada internacionalmente. Mas alguns países ricos optam por fornecer a terapia com antirretrovirais mesmo a soropositivos sadios. O problema é que o uso prolongado de remédios contra a Aids pode reduzir a eficácia de certas drogas em algumas pessoas, além de provocar efeitos colaterais. Quando isso ocorre, trocam-se um ou mais medicamentos do coquetel, composto geralmente de
de mutações que provocam resistência aos inibidores não nucleosídicos da transcriptase reversa”, comenta Soares. “Sabemos que, no caso desse tipo de medicamento, basta haver uma ou duas mutações para que isso ocorra.” Como há pouca resistência constatada a múltiplas drogas e existem atualmente 19 medicamentos disponíveis no sistema público para compor o coquetel, quase sempre é possível montar uma terapia combinada individualizada escolhendo remédios a que o organismo de cada paciente responde de forma satisfatória. Das pessoas que carregavam vírus com alguma mutação, 91% (20 casos) tinham sido contaminadas pelo subtipo B do vírus da Aids, o mais comum no país. Apenas 9% delas (2 casos) apresentavam o subtipo C, que está há menos tempo no Brasil e se encontra mais
restrito à Região Sul. De forma indireta, um dado do trabalho também parece confirmar uma suspeita aventada por alguns especialistas: a de que a adoção do sexo seguro, com o emprego da camisinha, não é lei mesmo entre pessoas com o HIV. Quase metade dos pacientes que apresentavam HIV resistente a algum antirretroviral admitiu que seu parceiro tinha Aids e tomava as drogas do coquetel. É bem provável que eles tenham adquirido o vírus já mutado de seu próprio companheiro. n > Artigo científico SPRINZ, E. et al. Primary antiretroviral drug resistance among HIV Type 1-Infected individuals in Brazil. AIDS Research and Human Retroviruses. Publicado online em 18 de agosto de 2009.
CDC
divulgação
drogas de três classes de antirretrovirais que são receitados de forma combinada: dois inibidores nucleosídicos da transcriptase reversa, juntamente com um inibidor não nucleosídico da transcriptase reversa ou um inibidor da protease. A transcriptase reversa e a protease são enzimas virais de fundamental importância para o processo de replicação do HIV. Quase todos os pacientes do estudo que tinham resistência a alguma droga do coquetel (19 dos 22 casos) apresentavam essa característica com relação a remédios de somente uma classe de antirretroviral (os inibidores da transcriptase reversa), dois sofriam dessa restrição para medicamentos de duas classes e só um indíviduo tinha resistência a drogas das três classes. “Observamos um aumento no número
Drogas contra Aids (alto) perdem eficácia se HIV (em verde) sofre mutações
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Neurofarmacologia
A química da
memória Neurotransmissor associado à recompensa, dopamina controla a duração das lembranças
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m testes com ratos, um dos mais importantes grupos internacionais de estudiosos da memória desvendou os fenômenos bioquímicos ligados ao armazenamento persistente das lembranças. Mostrou ainda que a fixação da memória ocorre de modo relativamente independente da sua aquisição: é preciso ser exposto a uma situação para recordá-la, mas o fato de ter sido memorizada não significa que será lembrada por muito tempo. Em ratos – e bem provavelmente em seres humanos –, as memórias que persistem por períodos longos, às vezes toda a vida, envolvem a ativação de uma região profunda do cérebro: a área tegmental ventral, demonstrou a equipe coordenada pelo neurocientista Martín Cammarota, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em artigo publicado na Science de 21 de agosto. Com 25 mil neurônios nos roedores e 450 mil nos seres humanos, essa área de poucos milímetros de espessura é a principal produtora do neurotransmissor dopamina no sistema nervoso central. Em parceria com Jorge Medina, da Universidade de Buenos Aires, Cammarota, Janine Rossato, Lia Bevilaqua e Iván Izquierdo planejaram uma série de testes para verificar como se dá o armazenamento da memória. Nos experimentos eles submeteram grupos diferentes de ratos a dois tipos de treino. Em um deles, os roedores eram colocados sobre uma plataforma no interior de uma gaiola e recebiam uma descarga elétrica sutil quando desciam para explorar o ambiente. Essa experiência,
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que causa um leve choque, costuma ser lembrada por poucos dias – os animais se esquecem do choque e voltam a descer da plataforma se o teste é repetido dois ou três dias mais tarde, sinal de que a memória não foi fixada. No outro tipo de treino, que leva ao registro persistente da lembrança, os animais levaram uma descarga duas vezes mais intensa ao sair da plataforma. E se lembravam da experiência desagradável duas semanas mais tarde, tempo longo para os roedores, equivalente a alguns anos para os seres humanos. Fixação - Entre alguns minutos e 12
horas após os treinos, os pesquisadores injetaram no hipocampo dos ratos, área cerebral ligada ao armazenamento da memória, ora um composto que impede a ação da dopamina, ora um fármaco que simula o efeito desse neurotransmissor. A neutralização da dopamina permitiu aos roedores se recordarem do choque dois dias após o treino inicial. Mas os impediu de lembrar a experiência ruim nas semanas seguintes. “Esse resultado mostra que a formação e a persistência da memória são processos distintos”, explica Cammarota. Já a aplicação do fármaco que simula a ação da dopamina transformou a memória volátil em persistente: até duas semanas depois de receber o choque leve os roedores se lembravam dele. Mas isso só ocorreu quando o composto foi dado 12 horas depois do treino, sugerindo que a persistência da memória é definida meio dia depois de determinada experiência. Testes com outros compostos mostraram ainda que as lembranças não se
tornam duradouras sem a ativação da área tegmental ventral, produtora de dopamina. É que o acionamento dos neurônios dessa área libera dopamina em uma região vizinha, o hipocampo. No hipocampo a dopamina estimula a produção do fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), que dispara a síntese de proteínas que fixam a memória. Nada disso ocorre sem a ativação da área tegmental logo após o treino. “A ativação imediata, que acontece quando o cérebro identifica um evento importante, é essencial para a reativação desse circuito 12 horas mais tarde e o armazenamento da memória”, afirma Cammarota. Ainda há muitas dúvidas sobre esse processo. Não se sabe por que a decisão de preservar ou descartar a memória só ocorre 12 horas após o aprendizado, se é possível modificá-la em outros momentos, nem se esse fenômeno, observado ao despertar lembrança desagradável (choque), vale para a memorização de eventos prazerosos. Mas a descoberta torna possível o desenvolvimento de compostos que atuem sobre a dopamina e auxiliem a fixação das lembranças em pessoas com doenças que afetam a capacidade de memorização. Esse achado abre também caminho para uma nova compreensão do consumo abusivo de drogas. “Drogas como a cocaína aumentam o nível no cérebro de dopamina, responsável pela sensação de prazer e recompensa”, explica Cammarota. “É possível que um desequilíbrio nesse sistema leve o usuário a se lembrar dos efeitos agradáveis e a n apagar da memória os ruins.”
Ricard o Zorzet to
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Evolução
mundo Asas abertas sobre o
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s primeiros representantes de um grupo de gaviões, os buteo ninos, devem ter surgido na América do Sul há cerca de 17 milhões de anos, de um mes mo ancestral do qual deve ter se originado também um gru po de aves que inclui a águia americana, um dos símbolos dos Estados Unidos, de acordo com um estudo recente de uma equipe de biólogos da Universidade de São Paulo (USP). Nessa época a Amé rica do Norte e a do Sul ainda estavam separadas. A lenta formação da América Central, nos milhões de anos seguintes, deu a essas aves um pouco de terra em que descansavam e se alimentavam en quanto seguiam em suas viagens migra tórias. Depois, ao longo de gerações, os gaviões voaram ainda mais para o norte e há cerca de 5 milhões de anos para a América do Norte, e começaram a colo nizá-la, originando outras espécies. De pois aproveitaram outra faixa de terra que emergia a oeste da América do Nor te, o estreito de Bering, e há cerca de 1,5 milhão de anos chegaram à Ásia, Europa e África, em uma trajetória oposta à da espécie humana, que surgiu na África muito depois de os gaviões terem chega do lá. Hoje esses gaviões só não vivem na Antártida e na Austrália. “A migração é de fato importante para a diversificação e a sobrevivência Leucopternis lacernulatus: só no Brasil
Linhagem de gaviões surgiu na América do Sul, colonizou a América do Norte e se espalhou por quase todo o planeta Carlos Fioravanti | fotos Eduard o Cesar
Harpyhaliaetus coronatus (à esq.) e Leucopternis lacernulatus (à dir.): buteoninos encontrados no Brasil e ameaçados de extinção
das espécies de gaviões e provavelmente de outros grupos animais, como alguns especialistas já haviam indicado em estudos menos abrangentes”, concluiu o biólogo Fábio Raposo do Amaral, à frente desse estudo, ao investigar a his tória evolutiva dos gaviões e reconstruir as rotas por meio das quais ganharam o mundo. As aves que não percebem os sinais de migração, como a lumi nosidade e a temperatura decrescentes, correm o risco de morrer nos inver nos mais intensos. Mesmo assim não há regras fixas. Há espécies de gaviões buteoninos em que nenhum represen tante sai de onde está, ressalta Amaral, enquanto em outras toda a população sai durante o inverno, em bandos com centenas de indivíduos, em busca de lugares com mais calor e alimento. Em Galápagos - Às vezes, o que as
segura a sobrevivência é permanecer onde está. Se os gaviões buteoninos que vivem no arquipélago de Galápa gos saíssem em busca de novas terras, provavelmente morreriam exaustos sobre o mar antes de vencer os mil quilômetros até a costa do Equador. Devem ter chegado a Galápagos há apenas 300 mil anos, levados por uma corrente de ar inesperada ou de uma tempestade, e não saíram mais porque os ventos não ajudaram. Essas aves voam centenas de quilômetros por dia quase sem se cansarem porque planam como os urubus, aproveitando o ar quente que sobe da superfície terrestre; difi cilmente iriam longe apenas batendo asas. As análises genéticas de Raposo in dicam que os ancestrais dos gaviões de Galápagos podem ter sido migratórios como os representantes de sua espécie-irmã, o gavião-papa-gafanhoto (Buteo swainsoni), que migra do sul do Canadá e dos Estados Unidos até a Argentina todos os anos. Os que permaneceram em Galápagos viveram isolados a ponto de originar uma das únicas espécies de gavião buteonino confinadas a ilhas, a espécie Buteo galapagoensis, que só vive ali. “Neste caso”, diz Raposo, “quem ficou quieto sobreviveu”.
Como os gaviões que estudou, Ra poso voou pelo mundo, tentando en tender a evolução desse grupo de aves. Ele também aprendeu a tomar cuidado com coisas que parecem iguais, mas são diferentes. Em 2003 ele pretendia inves tigar o surgimento, a diferenciação e o parentesco de dez espécies de gaviões que viviam em matas, a maioria com penas pretas no dorso e brancas no ventre. Era um plano modesto e con fortável. As análises genéticas, porém, mostraram que as aparências poderiam de fato enganar. Espécies diferentes podem apre sentar a mesma plumagem como re sultado não de parentesco próximo, mas de caminhos evolutivos distintos que levaram a uma característica co mum que oferecia alguma vantagem na luta pela sobrevivência nas matas. “Evolutivamente”, diz Amaral, “a plu magem preta e branca surgiu várias ve zes entre os buteoninos, possivelmente como fruto de seleção em ambientes florestais”. Aos poucos ele incorporou ao seu trabalho outras espécies, que pareciam distantes, e chegou ao final de 2008 com uma filogenia – também conhecida como árvore da vida – de 53 espécies de apenas um grupo de ga viões, os buteoninos, que integra um conjunto maior de 237 espécies. “A similaridade morfológica nem sempre é um bom guia para determinar a história evolutiva”, concluiu Raposo, depois de ter comparado nove trechos de DNA de 105 amostras de sangue,
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O Projeto Sistemática molecular, biogeografia e evolução da plumagem dos gaviões sub-buteoninos neotropicais
modalidade
Bolsa de Doutorado orientadora
Anita Wajntal - USP bolsista
Fábio Sarubbi Raposo do Amaral investimento
R$ 66.673,15
músculos ou penas de 53 espécies de buteoninos recebidas de bancos de te cidos do Brasil e de outros países, sob a orientação de Anita Wajntal, fundadora do grupo de pesquisa em genética de aves da USP. Esses resultados situam os gaviões buteoninos como um grupo que deve ter se formado há bastante tempo. Em relação a outras aves, os an cestrais dos gaviões, que originaram esses e outros grupos, são também an tigos: devem ter surgido há cerca de 50 milhões de anos. As araras, papagaios e tucanos devem ter aparecido há 30 mi lhões de anos antes, de acordo com as conclusões da equipe, hoje coordenada por Cristina Yumi Miyaki. As análises de DNA levaram a uma reclassificação do grupo, com espécies que mudaram de nome por não se mostrarem evolutivamente próximas, diferentemente do que se pensava. Depois das análises, as dez espécies do início do trabalho, que pareciam próximas, espalharam-se em seis dos 17 gêneros da árvore de classificação dos buteoninos que Raposo e outros
biólogos do Brasil, Estados Unidos e Áustria apresentam em um artigo a ser publicado em breve na revista Molecular Phylogenetics and Evolution. Exa minando o estudo, Alexandre Aleixo, biólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi especializado em aves, observou que Amaral e os outros autores “vali daram nada menos que cinco gêneros de gaviões buteoninos já descritos, mas antes considerados inválidos, e tiveram que descrever mais dois novos gêneros”. Segundo Aleixo, “essa é a maior mu dança na taxonomia do grupo em 80 anos e mostra o quanto a taxonomia atual pode refletir arranjos incorretos do ponto de vista evolutivo”. Em cidades e mangues - O grupo dos
gaviões buteoninos inclui representan tes com tamanhos, hábitos e dietas bem variados. Na América do Sul, mesmo com maior diversidade, a maioria das espécies é de menor porte e se alimenta principalmente de insetos e pequenos vertebrados, enquanto na América do Norte e no Velho Mundo (Ásia, Euro
pa e África) estão as mais recentes, a maioria de maior porte e devoradores de esquilos, roedores, carniça ou outras aves. Entre as espécies brasileiras está o gavião-carijó (Buteo magnirostris), muito comum em áreas urbanas. “Vejo um casal de gavião-carijó quase todos os dias nas árvores aqui da USP”, diz Raposo. Pelas matas da Cidade Uni versitária vive também um grupo de gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus), com uma mancha vermelha na asa marrom, que até recentemen te era considerado extinto no estado de São Paulo. Uma espécie exclusiva da Mata Atlântica, o gavião-pombo-pequeno (Leucopternis lacernulatus), de corpo branco, asa e dorso negros e meio metro de comprimento, e outra só encontrada em áreas abertas, espe cialmente no Cerrado, a águia-cinzenta (Harpyhaliaetus coronatus), com 1 me tro de altura e 2 de asas abertas, ainda vivem sob a ameaça de desaparecer sem deixar descendentes. “Esse estudo fornece substanciais insights para fenômenos pouco conhe cidos, como a evolução da migração em gaviões e as relações biogeográficas de gaviões e ambientes da Amazônia”, comenta Frederick Sheldon, diretor do Museu de Ciência Natural da Louisiana State University, Estados Unidos, onde Amaral fez parte das análises genéticas. Entre outros achados sobre a evolução dessas aves, Amaral encontrou um con junto peculiar de três espécies de gaviões buteoninos que vivem somente à beira de rios, lagos ou ambientes costeiros – uma delas ocupa as margens do rio Amazonas, outra, ainda mais especia lizada, os manguezais na faixa costeira da Venezuela ao estado do Paraná e só come caranguejos. Comparando hábitos e genes, ele concluiu que essas espécies devem guardar uma história comum, dos tempos em que a bacia amazônica era um imenso lago que recebia água do mar, há mais de 5 milhões de anos. n
> Artigo científico Amaral, F.R. de et al. Patterns and processes of diversification in a widespread and ecologically diverse avian group, the buteonine hawks (Aves, Accipitridae). Molecular Phylogenetics and Evolution. In press, 2009. PESQUISA FAPESP 163 setembro DE 2009 n
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Aglomerado globular NGC 6397: 42 estrelas de diamante a 6.000 graus Kelvin
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Astrofísica
Aglomerado Aglomerado de cristal Dezenas de estrelas de uma formação em órbita da Via Láctea são feitas de diamante
D
oze anos atrás o astrofísico Kepler de Souza Oliveira Filho e seu colega americano Don Winget propuseram num artigo científico que uma estrela bastante velha e fria da constelação de Centauro, a BPM 37093, tecnicamente classificada como uma anã branca, tinha um núcleo quase totalmente cristalizado. De tamanho semelhante à Terra e massa parecida com a do Sol, o objeto foi descrito como uma estrela de diamante, expressão empregada pelos próprios pesquisadores, respectivamente, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade do Texas. A composição de seu centro, extremante denso, era carbono e um pouco de oxigênio, muito parecida com a do valioso cristal terrestre. Agora, num novo estudo feito com Winget e outros colegas do exterior, Kepler relata ter identificado
Nasa/Esa/H. Richer (Universidade da Colúmbia Britânica)
mais 42 anãs brancas a caminho de se transformar em estrelas de diamante e ter descoberto uma característica peculiar desse tipo de astro. “Enquanto não termina o processo de cristalização do núcleo, as estrelas de diamante permanecem com a temperatura constante”, comenta Kepler, que publicou o trabalho em março deste ano na revista científica Astrophysical Journal. “Acabada essa fase, elas voltam a se resfriar.” É interessante notar que o mesmo ocorre num outro processo cotidianamente observado na Terra: a solidificação da água. A temperatura da água permanece estacionada em torno de 0º C enquanto o congelamento de todo o líquido não chega ao fim. Só depois que 100% da água vira gelo e a mudança de fase se completa por inteiro a temperatura do sólido volta a cair. No caso das estrelas de diamante recém-identificadas, a cristalização total deverá demorar 1 bilhão de anos, período em que o termômetro estará sempre na casa dos 6.000 graus Kelvin (K), uma temperatura baixa para esse tipo de astro. As 42 anãs brancas em via de solidificação estão localizadas num aglomerado globular, o NGC 6397, um denso agrupamento de matéria com formato esférico que, devido à ação da gravidade, congrega 400 mil estrelas em órbita do centro galáctico da Via Láctea. Distante 7,2 mil anos-luz da Terra (1 ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros) e com idade estimada em 12 bilhões de anos, o NGC 6397 é um dos 160 aglomerados globulares conhecidos que giram em torno do centro da nossa galáxia, como se fossem satélites, mas que na verdade pertencem à Via Láctea. O aglomerado é o segundo mais próximo da Terra, fazendo parte da constelação de Ara (Altar, em português). Estrelas no fim da vida - Como fre
quentemente ocorre em achados científicos, os pesquisadores não estavam exatamente procurando o que acabaram descobrindo. A ideia inicial era determinar a idade das anãs brancas mais velhas do aglomerado, que já tinham terminado o processo de solidificação e apresentavam temperaturas da
ordem de 4.500º K, ainda mais baixas que as medidas nas estrelas em fase de cristalização. Os planos se tornaram mais ambiciosos quando perceberam que havia um número significativo de anãs brancas a uma temperatura baixa e constante, mas mais alta do que a das estrelas mais velhas do aglomerado. Foi a dica de que os astrofísicos precisavam para lembrar da história da primeira estrela em via de se transformar em diamante por eles identificada em 1997 e começar a procurar por anãs brancas em fase de solidificação em meio ao aglomerado. Nessa tarefa, usaram dados do telescópio Hubble que observara as estrelas do NGC 6397 por 95 horas, um período extremamente longo em se tratando de um equipamento tão valioso e disputado pelos astrofísicos. “As anãs brancas são estrelas no estágio final de sua vida e têm brilho cerca de 100 milhões de vezes mais fraco do que o olho humano pode ver”, explica o astrofísico da UFRGS. Conhecer as fases da vida evolutiva de uma estrela típica ajuda a entender o trabalho dos pesquisadores. Cerca de 98% das estrelas da Via Láctea são pequenas ou médias e têm pouca massa, como é o caso do Sol, e vão virar um dia uma anã branca. É um destino inexorável. Próximas do final de sua existência, elas terão consumido todo o seu hidrogênio e deixarão de produzir as reações termonucleares que lhes fornecem energia. Ficarão mais frias, ainda menores e extremamente densas. Não há logicamente meios de medir diretamente a composição do interior de uma estrela longínqua e moribunda como uma anã branca, de provar com 100% de certeza a existência de um núcleo se cristalizando no centro desse astro. Ainda assim, os astrofísicos têm de construir suas teorias a partir de parâmetros concretos, de dados observacionais objetivos que lhes permitem defender cientificamente uma ideia. Medir a luminosidade de estrelas das quais se sabe a distância da Terra e o raio – esse era o caso das anãs brancas em questão – é uma forma indireta de determinar a massa e a temperatura desses astros. Por isso, as lentes do Hubble registraram o brilho de cerca
de 280 anãs brancas do aglomerado globular NGC 6397 e indicaram que 42 delas tinham uma magnitude de 26.5. Para esse grupo de estrelas, tal nível de luminosidade equivale a uma temperatura de 6.000º K, compatível com a hipótese de terem um núcleo em processo de solidificação, isto é, transformando-se num gigante diamante. “Demonstramos que os dados são consistentes com a teoria de cristalização de íons no interior das anãs brancas, que realmente não mudam de temperatura enquanto cristalizam”, afirma Kepler. O termo estrela de diamante pode soar sensacionalista vindo da boca de cientistas, mas o astrofísico da UFRGS explica que não há outra alternativa. “Só não é correto imaginar que as anãs brancas sejam um diamante exatamente igual aos que conhecemos”, explica. “Seu cristal de carbono é muito mais compacto.” A distância média entre os átomos que compõem um diamante encontrado na Terra é de 3,08 angstrons. O diamante da anã branca é superdenso e apenas 0,01 angstrom separa as partículas elementares que o compõem. Um angstrom é 1 décimo de bilionésimo do metro. n
Marcos Pivet ta > Artigo científico Winget, D.E. et al. The physics of crystallization from globular cluster white dwarf stars in NGC 6397. The Astrophysical Journal. v. 693. p. 6-10. mar. 2009.
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memória
Chagas
Chagas observa a menina Rita, em Lassance, um dos primeiros casos identificados da doença. Ao fundo, vê-se o vagão que servia de alojamento e laboratório.
Há 100 anos o médico brasileiro descobria o ciclo completo da doença que leva seu nome
O
médico Carlos Ribeiro Justiniano Chagas chegou a Lassance em junho de 1907 com a missão de debelar um surto de malária que havia interrompido os trabalhos de prolongamento da ferrovia Central do Brasil no norte de Minas Gerais. A região era das mais pobres, com a maioria da população morando em casas de pau a pique. Nos períodos em que passava no local, Chagas usava como acomodação um vagão estacionado num desvio da estação de trem que servia também como consultório e laboratório. Interessado não só na profilaxia, mas também nos insetos e parasitas causadores de doenças, o médico coletava espécies de animais e investigava pacientes que, aparentemente, exibiam sintomas que não tinham a ver com a malária.
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Como resultado de suas pesquisas, em 14 de abril de 1909 ele publicou uma nota no periódico Brazil Medico comunicando a descoberta de uma nova doença, do parasita que a provoca e do inseto que o transmitia. O achado é considerado, desde então, um feito único na história da medicina por ter descrito o ciclo completo da moléstia – a doença de Chagas – e sido realizado por uma única pessoa. Carlos Chagas, mineiro de Oliveira, sempre se interessou pela malária. Orientada por Oswaldo Cruz no então Instituto Soroterápico de Manguinhos (atual Instituto Oswaldo Cruz), no Rio, sua tese de doutorado foi sobre essa doença. Em 1905 houve uma epidemia em Itatinga, no interior de São Paulo, e Cruz, que também chefiava a Diretoria Geral de Saúde Pública, recrutou Chagas para combater a moléstia. “Foi a primeira campanha antimalárica realizada no Brasil com base nos
A última foto de Oswaldo Cruz (sentado, no centro), ladeado por Adolfo Lutz (à esq.) e Chagas (à dir.), em 1916
conhecimentos sobre o papel dos mosquitos como transmissores”, conta Simone Petraglia Kropf, professora e pesquisadora em história das ciências e da saúde da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.
Em fevereiro de 1907 o jovem médico foi novamente convocado para debelar um surto na Baixada Fluminense junto com o entomologista Arthur Neiva. E em junho partiu para o norte de
À beira do rio Negro: expedição à Amazônia, em 1913 (o cientista está de gravata)
Minas com o mesmo objetivo, desta vez com Belisário Penna, médico da Diretoria Geral de Saúde Pública. Os dois estabeleceram base em Lassance e começaram a trabalhar. Entusiasta do estudo das doenças tropicais, Chagas aproveitava o pouco tempo livre para analisar o sangue de espécies animais locais. Em um desses exames identificou em um sagui um novo protozoário do gênero Trypanosoma, que chamou de Trypanosoma minasense. A espécie não era patogênica. Foi o chefe dos engenheiros da ferrovia, Cantarino Motta, quem apresentou aos pesquisadores um percevejo hematófago comum na região. Como as noites naquela área são frias, a única parte do corpo não coberta é o rosto, picado pelo inseto. Daí o apelido de barbeiro,
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que se esconde nas frestas das paredes das casas de pau a pique durante o dia e à noite sai para se alimentar. Chagas conhecia a importância dos insetos hematófagos como transmissores de doenças parasitárias e começou a dissecar barbeiros. Encontrou neles um protozoário que poderia tanto ser um parasita natural do inseto quanto a fase evolutiva de um tripanossomo capaz de causar doenças. Sem um bom laboratório em Lassance para tirar a dúvida, ele despachou alguns insetos para experimentos em Manguinhos. Oswaldo Cruz fez a infecção experimental com animais de laboratório e avisou a Chagas que achara formas do tripanossomo em um dos animais que adoecera. Chagas voltou ao instituto e confirmou suas suspeitas: o protozoário era novo, com uma morfologia diferente da do T. minasense. Em homenagem a Cruz, o parasita foi chamado de Trypanosoma cruzi. Faltava achar os doentes. Chagas voltou a Lassance e descobriu o tripanossomo no sangue de uma menina de 2 anos, chamada Berenice, que estava doente, com febre. Com ela, o 58
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médico montou o primeiro quadro clínico da doença: anemia aguda, edemas generalizados, aumento dos gânglios, entre outros. Foi esse o trabalho que gerou a nota publicada no Brazil Medico em abril e, em seguida, no Archiv für Schiff und Tropenhygiene, da Alemanha, e no Bulletin de la Société de Pathologie Exotique, da França. A descoberta da tripanossomíase americana,
como Chagas a chamou, teve um impacto extraordinário na vida científica, institucional e política do médico. Já em 1910 ele foi admitido como membro titular na Academia Nacional de Medicina (ANM) e ganhou o concurso, por mérito, para “chefe de serviço” de Manguinhos. Em 1912 foi agraciado com o prêmio Schaudinn, do Instituto de Medicina Tropical de
Hamburgo, Alemanha. A cada quatro anos o Schaudinn era dado à mais importante contribuição em protozoologia. Quando Oswaldo Cruz morreu, em 1917, aos 54 anos, Chagas foi nomeado diretor de Manguinhos três dias depois, cargo que ocuparia até sua morte, em novembro de 1934, aos 56 anos. Em 1918, com a gripe espanhola grassando no Brasil, ele organizou um serviço especial de criação de hospitais de emergência e apelou aos médicos e estudantes de medicina para que trabalhassem no socorro à população do Rio. Sua atuação foi um
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Chagas, Penna e Motta (da dir. para esq., sentados): foi nesta casa que o médico conheceu o barbeiro, em 1908
Albert Einstein (centro) foi recebido por Chagas em Manguinhos, na visita ao Rio, em 1925
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ao contrário do que dizia seu descobridor. Em 1922, Afrânio Peixoto, escritor e catedrático de higiene, disse em plenário da ANM que ninguém conhecia esses doentes e chamou a moléstia de “doença de Lassance”. Ofendido, Chagas pediu à academia a formação de uma comissão para avaliar seus estudos. Em 1923 o parecer final foi favorável ao cientista de Manguinhos. Questões como essas poderiam ter causado menos dissabores a Chagas se ele houvesse ganhado o Prêmio Nobel de Medicina. Em 1999, Marília Coutinho, então na Universidade da Flórida, Olival Freire Jr., da Universidade Federal da Bahia, e João Carlos Pinto Dias, do Centro de Pesquisas René Rachou, de Minas Gerais, publicaram artigo contando a história das indicações, desconhecidas no Brasil. A primeira indicação formal foi solicitada pela comissão do Nobel, em 1911, a Pirajá da Silva, cientista com trânsito na Europa, e era válida para a premiação de 1913. O escolhido, no entanto, foi o francês Charles Richet. A segunda indicação oficial ocorreu em 1920 para nomeação de 1921 e foi realizada por Manoel Augusto Hilário de Gouvêa, da ANM. Embora tenha sido o único cientista da área indicado, também daquela vez Chagas foi ignorado, o que deixou vago o Nobel de Medicina daquele ano. Houve ainda duas indicações informais, mas não há detalhes delas. Não se sabe até hoje por que o brasileiro foi preterido. “Chagas teve sucesso e reconhecimento
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dos fatores que o levaram à direção do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), em 1920. “Chagas já vinha falando sobre as más condições sanitárias do interior do Brasil desde 1909, quando começou a estudar a doença, e continuaria a chamar a atenção para esse tema por toda a sua vida”, diz Simone Kropf, que lançou recentemente Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação (1909-1962), da Editora Fiocruz. O cientista ficou no cargo até 1926 e são de sua administração o extenso código sanitário, que modernizou a legislação sanitária brasileira, e as ações de combate às endemias rurais. “Também foram importantes a instalação da primeira escola profissional de enfermagem do país e o investimento na formação de médicos especializados em saúde pública, que depois do curso tinham emprego garantido na área.” Como integrante do Comitê de Saúde da Liga das Nações, a partir de 1922 sugeriu a criação do Centro Internacional de Leprologia, inaugurado em 1934, que funcionou no Instituto Oswaldo Cruz até 1939. Em 1925 tornou-se catedrático de medicina tropical da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, por notório saber. Se a produção científica e de gestão da saúde pública de Chagas eram aplaudidas por um lado, por outro não faltaram críticas. Em 1919, o pesquisador Henrique Aragão sugeriu que a doença de Chagas não era tão grave e difundida e que eram poucos os infectados realmente comprovados,
Com os filhos Evandro (esq.) e Carlos. Os dois também se tornaram pesquisadores importantes
muito cedo, ocupou cargos públicos que eram cobiçados por outras pessoas e atraiu muita indisposição”, diz João Carlos Pinto Dias. Existe a hipótese, não comprovada, de que a comissão do Nobel teria consultado adversários do cientista e sido desaconselhada a laureá-lo. Para o bioquímico Walter Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, estudioso da doença de Chagas, não há dúvida quanto ao merecimento. “Tenho a convicção de que ele não ganhou porque o Brasil está na periferia.
Teria sido diferente se o mesmo trabalho tivesse sido feito nos Estados Unidos ou na Europa”, acredita. “Quando apresentei o nosso artigo em Manguinhos em 1999, o mais interessante foi a surpresa e a emoção de Carlos Chagas Filho, então aos 89 anos, e de outros pesquisadores muito idosos que não sabiam nada sobre as indicações”, diz Marília Coutinho. Quando terminou de falar, ela conta ter tido a sensação contrária à da perda do prêmio. “Parecia que Carlos Chagas havia ganhado o Nobel, tal a alegria daqueles senhores.” > Artigos científicos Todos os trabalhos de Carlos Chagas estão disponíveis no site http://carloschagas.ibict.br/
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Mais uma tentativa Terapia de medicamentos já existentes pode ser a nova arma contra o Trypanosoma cruzi
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o centenário de sua descoberta, à primeira vista parece que a doença de Chagas deixou de ser um problema no Brasil. Em 2006 o Ministério da Saúde recebeu a certificação conferida pela Organização Pan-americana da Saúde (Opas) pela interrupção da transmissão da moléstia pelo inseto barbeiro (Triatoma infestans). Como é consenso que a melhor forma de combater a doença é acabar com o transmissor, a rota escolhida é a correta. Ocorre que há cerca de 3 milhões de pessoas infectadas no país e o parasita Trypanosoma cruzi está muito longe de ser vencido. As pesquisas para entender sua forma de atuação no organismo humano avançam a passos curtos e a possibilidade de surgir uma nova droga em poucos anos ainda é remota. No entanto, uma proposta baseada em tratamentos que deram certo para outras doenças pode ajudar a mudar esse quadro. Em vez de correr atrás de moléculas e compostos novos que dificilmente receberão investimento da indústria far-
itraconazol”, diz. O objetivo é atacar o T. cruzi com todo o arsenal disponível para ver se ele desaparece do organismo humano durante a fase crônica da doença. “Naturalmente, será preciso fazer estudos experimentais e clínicos antes de começar a usar a terapia”, recomenda. Aplicação - O biólogo ve-
nezuelano Julio Urbina, da Universidade Central da Venezuela, havia testado durante os anos 1990 uma combinação com compostos antifúngicos que inibem a multiplicação do T. cruzi. O problema é que essas substâncias, chamadas de inibidores de biossíntese de ergosterol de primeira geração, embora tivessem um efeito deletério sobre o parasita, não conseguiram eliminá-lo por completo
fotos Revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (ago. 1909)
macêutica para virar remédio, por que não usar juntas as poucas drogas que já existem? A ideia é repetir o conceito do coquetel de medicamentos, que se mostrou eficaz para tratar aids, tuberculose e hanseníase. A proposta tem duas vertentes, uma teórica e outra aplicada. A primeira está no artigo de José Rodrigues Coura, pesquisador e exdiretor do Instituto Oswaldo Cruz, publicado em julho na revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. “A intenção é usar as duas únicas drogas desenvolvidas para a doença até hoje – o benznidazol e o nifurtimox –, associar a elas um medicamento antigo de baixa toxicidade utilizado contra gota – o allopurinol – e alguns antifúngicos da classe dos azóis, como o cetoconazol, o fluconazol, o
nos ensaios com seres humanos e animais. O professor Coura propõe ir além e combinar todas as drogas possíveis já aprovadas pelas agências reguladoras. A vertente aplicada da proposta está em andamento na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e surgiu seguindo a mesma linha de raciocínio de Coura, dando continuidade aos trabalhos iniciados por Urbina. A pesquisa é liderada pela bioquímica Maria Terezinha Bahia em trabalho coordenado pela organização internacional Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas (DNDi, na sigla em inglês). A DNDi nasceu da organização humanitária Médicos sem Fronteiras – ganhadora do Nobel da Paz em 1999 – com o objetivo de firmar parcerias para pesquisar, desenvolver e tornar disponíveis novos tratamentos para as moléstias chamadas de negligenciadas, aquelas que recebem pouca ou nenhuma atenção dos laboratórios privados e públicos. As principais são a doença de Chagas, a leishmaniose visceral, a malária e a tripanossomíase humana africana (doença do sono). Na Ufop a parceria com a DNDi para combinação de fármacos vem sendo feita há cerca de um ano. “As drogas usadas hoje provocam muitos efeitos colaterais, como alergias e neuropatias periféricas, têm baixa eficácia e alta taxa de não adesão dos pacientes”, diz Isabela Ribeiro, diretora de Projetos para a América Latina da DNDi. Por isso, é importante diminuir a dose e o tempo de tratamento, que hoje leva até 60 dias, e ampliar a tolerabilidade da terapia. “Combinando os remédios em doses menores com menor duração poderemos potencializar seus efeitos e melhorar a resposta do doente.” Médica infectologista, Isabela diz que os resultados de Ouro Preto são promissores e estão na segunda fase de experimentos. “Confirmando-se os dados positivos nesta fase, no próximo ano deveremos partir para os ensaios clínicos, com seres humanos”, conta. Uma de suas atribuições na DNDi é dar um sentido mais prático e voltado às pesquisas científicas para quem realmente precisa delas. PESQUISA FAPESP 163
Na outra página: estampa de Castro Silva para artigo de Carlos Chagas: desenhos da dissecação do inseto barbeiro e formas de flagelados. Ao lado, desenho da espécie Conorhinus megistus
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A infestação no mundo
Estimativa global da população infectada pelo T. cruzi (junho de 2009)*
daniel das neves
n Sem estimativa n Menos de 1.000 n De 1.001 a 10.000 n De 10.001 a 100.000 n De 100.001 a 1.000.000 n Acima de 1.000.000
“Entre a descoberta de uma nova molécula e até chegar a uma solução disponível vai um longo tempo, entre 10 e 15 anos. Os doentes que precisam desses medicamentos não podem esperar.” Para João Carlos Pinto Dias, pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz Minas), de Belo Horizonte, a proposta de Coura e a tentativa por ora feita em Ouro Preto são iniciativas que podem funcionar. “Não sei por que até hoje ainda não testamos essa terapia seriamente”, diz. Dias sempre trabalhou na linha de frente da profilaxia do barbeiro pelo interior do Brasil e é um dos responsáveis pela atual boa situação de controle da infecção, além de chefiar o Posto Avançado de Estudos Emmanuel Dias, da Fiocruz, em Bambuí (MG). “Hoje, além da falta de drogas eficientes, nosso grande problema é não termos um marcador de cura, ou seja, um teste que nos permita saber se o paciente está de fato livre do T. cruzi.” Na fase aguda da doença os testes sorológicos demoram entre um e dois anos para dar um resultado seguro. Na fase crônica esse tempo pode levar até 25 anos. Isso ocorre porque existe memória imunológica, restos de DNA do tripanossomo e antígenos que não per62
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*Países afetados Todos da América (menos Cuba) e também Espanha, Itália, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Áustria, Alemanha, Luxemburgo, Bélgica, Portugal, Dinamarca, Noruega, Suécia, Suíça, Grécia, Israel, Austrália e Japão
mitem saber se o paciente está mesmo livre do parasita. Quando um marcador de cura for desenvolvido será possível identificar imediatamente se o paciente está curado e qual medicamento funciona em pouco tempo. Durante a fase aguda, que dura de seis a oito semanas, ainda é possível eliminar o T. cruzi da corrente sanguínea usando o benznidazol, que, mesmo assim, funciona em cerca de 70% dos casos. “A droga é menos eficiente se a carga parasitária for muito alta ou se o paciente estiver com a imunidade baixa”, explica o bioquímico Walter Colli, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, pesquisador da doença há 40 anos. A fase crônica é muito mais difícil de tratar por razões menos conhecidas. Pode demorar várias décadas para os sintomas se mani-
festarem, geralmente no trato gastrointestinal ou no coração. Quando isso ocorre, o órgão já possui focos inflamatórios e destruição de fibras musculares ou tecido condutor que alteram a qualidade de vida e podem levar à morte. Nessa fase, até achar o parasita no organismo é difícil porque ele se esconde nos tecidos. “Quando o parasita está instalado é muito complicado achar qualquer saída. Todas as pesquisas que conheço até hoje para obter uma nova droga ou controlar o tripanossomo não funcionaram”, diz. Sem vacina - No Brasil não
faltam projetos de pesquisa que investigam a fisiologia e a bioquímica do T. cruzi e experiências com os mais variados compostos quimioterápicos para tentar matar o parasita. A maioria dos ensaios se mostra promisso-
Fontes do mapa: OPas/ European Heart Journal (2008); 29: 2587-2591/ Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, vol. 102 (supl. I): 75-85, 2007/ Emerging Infectious Disease, vol. 15, nº 4–abril de 2009/ De acordo com o número de imigrantes registrado em 2007 no site do Ministério da Justiça japonês e Enfermedades Infecciosas y Microbiología Clínica 2008; 26(10):609-13
Há 15 milhões de pessoas infectadas em 18 países nas Américas Surgem 41.200 novos casos a cada ano na região Morrem anualmente 14.000 pessoas nesses países O Brasil tem 3 milhões de contaminados Cerca de 100 milhões vivem em área de risco Fonte: Opas e Ministério da Saúde
ra quando testada em ambientes controlados. “In vitro quase tudo mata o parasita, até água”, comenta Coura. Ao passar para a fase de testes em animais e, depois, em seres humanos, a relação se inverte e quase nada se mostra eficaz. E, mesmo quando um composto demonstra ter potencial, não se encontram interessados em fazer o desenvolvimento para virar medicamento. Dias acredita que o remédio ou a vacina para curar a doença nunca será concretizado. “Não há interesse da indústria em gastar de US$ 10 a US$ 20 milhões com um fármaco para esse tipo de moléstia”, afirma. O cenário desanimador não isenta os pesquisadores da procura por outras soluções. “A OMS, a DNDi e as agências de fomento devem continuar a incentivar e financiar as pesquisas básicas porque precisamos saber mais sobre a doença.” Por conhecer essa realidade, a DNDi fez um acordo com o Laboratório Farma-
cêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe) para o desenvolvimento do benznidazol infantil até 2010. Hoje o comprimido tem de ser partido em múltiplos pedaços ou triturado e misturado na água para ser dado a crianças com grande risco de se errar a dosagem. O outro medicamento contra Chagas, o nifurtimox, por anos deixou de ser fabricado. São por essas razões que, embora se estime grosseiramente entre 20% e 60% a taxa de pacientes crônicos que apresentam sintomas, dependendo da região e da idade, Chagas permanece no topo das doenças negligenciadas e mata cerca de 14 mil pessoas por ano nas Américas – mais do que a malária, segundo a Opas. A principal forma de contaminação hoje no Brasil é via oral, por ingestão de alimentos contaminados com fezes do barbeiro. De acordo com o Ministério da Saúde, de 2000 a 2004 houve 57 casos da doença de Chagas aguda por transmissão oral. Esse número saltou para 254 entre 2005 e 2007. A maioria dos casos está na Amazônia Legal. A doença atinge também paí ses que não têm o inseto transmissor, como Canadá, Japão e Austrália, em razão da imigração. Nos Estados, onde há cerca de 300 mil casos, já se estuda aplicar testes para detectar a infecção. Uma das dificuldades da doença é a falta de registros confiáveis. A estimativa para o número de infectados nas Américas vai de 8 milhões a 18 milhões, conforme a fonte.
A inconstância dos números só reforça a necessidade de atenção. Em Lassance, onde tudo foi descoberto há 100 anos, há 31 pessoas infectadas hoje. A mais nova delas tem 60 anos, o que mostra que a infecção ocorreu há muito tempo e se conseguiu controlar a transmissão. “Mas, se houver descontinuidade ou mau desempenho da vigilância, o quadro epidemiológico pode se reverter e paulatinamente voltar a situações endêmicas preocupantes”, alerta Dias. Sem perspectivas reais de cura, para o pesquisador é melhor continuar de olhos bem abertos. n
Neldson Marcolin > Artigo científico COURA, J.R. Present situation and new strategies for Chagas disease chemotherapy – a proposal. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. v.104 (4) jul. 2009.
Revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz (ago.1909)
Dimensão da doença
Formas do T. cruzi, em desenho de Castro Silva
PESQUISA FAPESP 163
n
setembro DE 2009
n
63
o
SeI
Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Notícias • Ciência política
• Educação superior
Brasil e Argentina
Avaliação e recompensa
o início do século XXI é testemunha da ascensão ao poder de novos governos de esquerda e centro-esquerda na América do Sul, que apresentam pelo menos duas características em comum: o questionamento das políticas e reformas pró-mercado ocorridas na década anterior e a volta do Estado como ator central da vida econômica, de acordo com o artigo "Integração e desenvolvimento no Mercosul: divergências e convergências nas políticas econômicas nos governos Lula e Kirchner", de [avier A. Vadell, da Universidade Estadual de Campinas, e Bárbara Lamas e Daniela M. de F. Ribeiro, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. A despeito desse ponto em comum, uma análise mais aprofundada permitiu aos autores do estudo perceber certa heterogeneidade de natureza programática e organizacional dos novos governos progressistas. Nesse sentido, o artigo propõe analisar as respostas dadas por Argentina e Brasil à crise do neoliberalismo, dando especial ênfase às políticas econômicas para o desenvolvimento e suas implicações para a integração regional. Essa análise mais sistemática permitiu perceber, segundo os pesquisadores, que o Brasil e a Argentina têm feito escolhas distintas no que diz respeito ao tipo de política adotada. O primeiro, dizem eles, recorre a práticas mais ortodoxas, como políticas monetárias restritivas para conter as expectativas de inflação, enquanto o segundo prefere medidas heterodoxas, como controle de preços e restrição às exportações. Para os autores, em certa medida, a diferença entre as escolhas pode ser atribuída à própria trajetória econômica e política de ambos os países: as reformas pró-mercado, por exemplo, foram mais intensas na Argentina do que no Brasil, o que implicou, no que diz respeito à estrutura produtiva, uma maior desindustrialização e a extinção de algumas instituições desenvolvimentistas. REVISTA
DE SOCIOLOGIA
E POLÍTICA
- VOL. 17 - NO 33
CURITIBA - JUN. 2009
64 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
-
As práticas de publicação, os sistemas de avaliação e recompensa, a construção das agendas de pesquisa, os mecanismos de proteção e comercialização, a defasagem de infraestrutura e a escassez histórica de recursos humanos qualificados e dedicados ao ensino e à pesquisa são apenas alguns dos inúmeros aspectos que provocam as transformações internas atualmente vividas pela universidade. O artigo "Benefícios e riscos da proteção e comercialização da pesquisa acadêmica: uma discussão necessária'; de Rodrigo Maia de Oliveira e Léa Velho, da Universidade Estadual de Campinas, tem como foco principal a análise do impacto do processo de proteção e comercialização dos resultados da pesquisa acadêmica sobre as demais atividades tradicionalmente conduzidas pela universidade. Ainda que a visão mais otimista valorize os impactos positivos dos direitos de propriedade intelectual na academia, não se podem ignorar os eventuais custos ou riscos envolvidos nesse processo. O artigo sugere novos estudos que podem contribuir para o acompanhamento e avaliação das universidades brasileiras e para a elaboração de políticas de ciência e tecnologia e de educação superior. ENSAIO: AVALIAÇÃO
E POLÍTICAS
PÚBLICAS
EM EDUCAÇÃO
- VOL. 17 - NO 62 - RIO DE JANEIRO - JAN.!MAR. 2009
• História
Anísio Teixeira A trajetória intelectual e social do educador Anísio Teixeira é estudada no artigo "Trajetória de herdeiro entre dois projetos políticos'; de Agueda Bernardete Bittencourt, da Universidade Estadual de Campinas, considerando suas origens geográficas na Bahia - estado politicamente periférico em relação a outros da federação brasileira situados no Sudeste e Sul-, bem como suas origens sociais, que não o predestinavam a jogar um papel de primeiro plano na cena nacional, muito menos antes de completar 40 anos. Documentos com registros de suas viagens internacionais permite aqui a análise dos momentos-chave de suas primeiras coletas de informações sobre o tema da educação e o uso que fez dos seus contatos com intelectuais e políticos em instituições de ponta na Europa e Estados Unidos, visando ao desenho de um projeto brasileiro de
educação num momento de transição política, ou seja, o período de 1925 a 1934. Com ênfase nos encontros de Anísio Teixeira com intelectuais fascistas na Itália e França e com os proponentes da educação democrática nos Estados Unidos, o artigo mostra também como essas viagens permitiram a redefinição da carreira em função de bloqueio dado pela Revolução de 30 ao destino que a educação familiar lhe projetara. Aproximações e articulações do grupo baiano com intelectuais paulistas na capital da República encarregaram-se de reposicionar o herdeiro em sua trajetória de homem político. EDUCAÇÃO
E PESQUISA
deve ser considerada nos programas de controle da malária, vinda tanto das autoridades públicas quanto das empresas responsáveis pela instalação das UHE, visando ao diagnóstico e tratamento precoce, controle vetorial, abastecimento de água e aplicação de infraestrutura nos centros urbanos. Os autores do artigo são Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Tony Hiroshi Katsuragawa, Daniele Cristina Apoluceno de Souza, Luiz Herman Soares Gil e Rafael Bastos Cruz, do Instituto de Pesquisa em Patologias Tropicais, Porto Velho, Mauro Shugiro Tada, do Centro de Pesquisa em Medicina Tropical, Porto Velho, Alexandre de Almeida e Silva, da Universidade Federal de Rondônia, e Roberto Penna de Almeida Cunha (falecido). CADERNOS JANEIRO
DE SA ÚDE PÚBLICA
- VOL. 25 - NO 7 - RIO DE
- )UL. 2009
- VOL. 35 - NO 1 - SÃO PAULO -
• Pediatria
)AN./ABR.2009
Remédios para crianças • Arquitetura
Efeitos do 11de Setembro Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 aceleraram o desenvolvimento de uma arquitetura transnacional de segurança que intervém profundamente nas liberdades civis individuais, tanto nos direitos básicos dos cidadãos dos Estados como nos direitos humanos dos cidadãos mundiais. O artigo "Os cidadãos mundiais entre a liberdade e a segurança", de Klaus Günther, da Universidade J. W. Goethe, Alemanha, delineia essa arquitetura, mostra como ela dissolve as categorias jurídicas tradicionais que preservam a liberdade e discute por que hoje se aceita amplamente a prioridade da segurança sobre a liberdade. Novos
ESTUDOS
-
CEBRAP
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N°
83 -
SÃo
PAULO
-
MAR. 2009
• Saúde pública
Hidrelétricas e malária Em Rondônia prevê-se a construção de mais duas usinas hidrelétricas (UHE) no rio Madeira, a montante da cidade de Porto Velho, Rondônia, Brasil (de Santo Antônio e [irau), O objetivo do trabalho "Malária e aspectos hematológicos em moradores da área de influência dos futuros· reservatórios das hidrelétricas de Santo Antônio e [irau, Rondônia, Brasil" foi analisar a prevalência da malária antes do início da implantação das obras civis e fazer considerações sobre os impactos da doença com o ingresso de milhares de trabalhadores e agregados atraídos pelas oportunidades de emprego e comércio. Os resultados obtidos mostram que a malária se faz presente em toda a região, em variados graus de prevalência. Além disso, a existência de potenciais portadores assintomáticos de malária entre a população nativa pode ter relevância epidemiológica e
A razão do estudo "Carência de preparações medicamentosas para uso em crianças no Brasil", de Patrícia Quirino da Costa, Luis C. Reye Helena Lutéscia L. Coelho, da Universidade Federal do Ceará, foi identificar medicamentos que apresentam dificuldades para seu uso pediátrico no Brasil. Foram estudados de modo descritivo a composição de uma listagem nacional de medicamentos não licenciados ou não padronizados para uso em crianças (medicamentos problema em pediatria, MPP), através de revisão bibliográfica, comparação com fontes do mercado farmacêutico brasileiro e inquérito com pediatras. Os medicamentos foram codificados pela classificação anatômica, terapêutica e química e analisados quanto ao licenciamento no país e indicação em pediatria. Foram identificados na literatura 126 MPP e excluídos 24 não referidos nas fontes nacionais investiga das. A listagem foi complernentada com 24 outros medicamentos referidos pelos pediatras. Do total de 126 MPP, 23 não tinham registro no país para o uso em crianças e 24 dos 103 licenciados apresentavam restrições de faixa etária. A lista envolveu 42 grupos terapêuticos e 68 subgrupos. Os grupos com maior número de MPP foram os antibacterianos de uso sistêmico (15), antiepilépticos (8), antiasmáticos (7) e analgésicos (7). Os problemas mais frequentes foram: dosagem inapropriada (43), forma farmacêutica inadequada (35), não licenciamento para uso pediátrico (28), restrições de faixa etária (23). A carência de medicamentos desenvolvidos para uso em crianças envolve ampla gama de produtos clinicamente importantes. Algumas dessas formulações e dosagens já comercializadas em outros países não são disponibilizadas no mercado brasileiro sem nenhuma justificativa plausível. JORNAL
DE PEDIATRIA
MAIOIJUN.
- VOL. 85 - NO 3 - PORTO ALEGRE-
2009
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo· níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisaJapesp.br
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 65
-------~
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>
- ~-
--
LINHA
-
---
~
DE PRODUÇÃO
MUNDO
TRANSISTOR COM GORDURA
Combinar estruturas
biológicas com
circuitos eletrônicos para criar equipamentos muito mais eficazes e ver-
sáteis tem sido objeto de estudo em diversos centros de pesquisa ao redor do mundo. A boa notícia é que esse objetivo pode estar próximo de ser atingido com os estudos de um grupo de pesquisadores do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, nos Estados Unidos. Eles conseguiram mesclar com sucesso nanofios feitos de silício com moléculas biológicas de uma membrana de lipídios, estrutura encontrada em todas as células. O resultado foi um dispositivo bionanoeletrônico,
dotado de uma barreira para íons
(átomos com perda de elétrons) e pequenas moléculas, bastante estável, autorregenerativo
e quase impenetrável. A proteção dada pela
membrana faz com que seus poros sejam o único caminho para os íons atingirem o fio. Com isso, os pesquisadores podem monitorar o transporte de cargas e controlar a proteína da membrana, já que alterando a voltagem é possível abrir ou fechar os poros das membranas. Em artigo na revista Proceedinqs of The National Academy of Sciences (10 de agosto), o coordenador do projeto Aleksandr Noy escreve que "circuitos
eletrônicos
que usarem esses complexos componentes
biológicos poderão se tornar muito mais eficientes". A inovação pode resultar em minúsculos transistores,
o elemento básico de todos os
equipamentos eletrônicos, feitos de nanofios, cujas espessuras são comparáveis às das moléculas biológicas. Eles poderão ser usados na fabricação de implantes neurais, próteses dos mais diversos tipos Representação
> Biodiesel
artística
do
galinheiro Resíduos da criação de galinhas, como as penas, podem ser usados para produzir biodiesel de baixo custo e boa qualidade, de acordo com um estudo realizado na Universidade de Nevada, nos Estados Unidos. Os pesquisadores ferveram as vísceras e resíduos de galinhas, que contêm 11% de gordura e são usados como alimento ou fertilizante, por causa do alto teor de nitrogênio. Extraíram a gordura em água fervente e a converteram em biodiesel usando hidróxido de potássio
do dispositivo
bioeletrônico
e metanol. Esse processo produz biodiesel de boa qualidade, comparável a equivalentes de soja e óleo de palma, de acordo com
66 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
e até mesmo em computadores, entre outras aplicações.
um artigo publicado em julho na revista [ournal of Agricultural and Food Chemistry. A meta é atingir um custo de produção de
US$ 0,20 por litro, abaixo do biodiesel de soja, que custa de US$ 1,8 a US$ 2,1 por litro. A estimativa é que esse método possa gerar de 500 milhões a 750 milhões de litros de biodiesel nos Estados Unidos e 2 bilhões mundialmente.
> Álcool no quintal Duas cervejarias com sede no estado da Califórnia, nos Estados Unidos, vão ajudar a produzir outro tipo de álcool, além do presente nas tradicionais cervejas. É o etanol combustível produzido com resíduos
que sobram na fabricação da bebida em um equipamento portátil desenvolvido pela empresa, também californiana, E-Fuel Corporation, criada por Thomas Quinn, um dos inventores do game Nintendo Wii, e o pesquisador Floyd Butterfield, com experiência em projetos de produção desse álcool. Por meio da técnica de fermentação e destilação do estado sólido com restos de produção de cerveja ou vinho que contenham açúcar, o E-Fuel MicroFuler produz até mil litros por semana. É indicado para residências ou pequenos negócios. Os resíduos das cervejarias vão ser distribuídos por outra empresa, a GreenHouse. O equipamento, se acoplado a um gerador, também servirá para produzir eletricidade com o etanol.
Resíduos de cervejarias para produzir etanol
IIJ
Pesquisadores da IBM e do Instituto de Tec-
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(Caltech) construíram
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circuitos impressos de
U IIJ ..J
computador menores, mais rápidos e de me-
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o:::
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CI)
e, :x: u
nologia da Califórnia
nor consumo de energia usando moléculas de DNA. Apresentada na edição de setembro da revista científica Nature Nanotechnology,
a possibilidade
de usar essas moléculas - sobre as quais milhões de nanotubos de carbono poderlarn ser depositados modo
> Tela luminosa e flexível Um novo tipo de LED (sigla em inglês para diodos emissores de luz), minúsculo e inorgânico, desenvolvido por cientistas da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, pode levar ao desenvolvimento de telas luminosas superfinas e flexíveis com múltiplas aplicações, como painéis que acompanham os contornos de um ônibus ou tomógrafos capazes de serem enrolados no corpo de um paciente como se fosse um cobertor. A nova tecnologia emprega um processo conhecido como crescimento epitaxial e é capaz de gerar LEDs até 100 vezes menores do que os fabricados atualmente. A equipe, liderada pelo pesquisador Iohn Rogers, usou uma tecnologia especial de carimbo para depositar e montar os inúmeros LEDs inorgânicos em superfícies de vidro, plástico ou mesmo borracha.
de
organizado
-
pode resolver o antigo problema de trabalhar em escalas inferiores a 22 nanômetros nos transistores. O DNA faria o papel de minúsculos origamis que poderlern ser integrados a estruturas maiores e facilitar a montagem de nanoestruturas com características conhecidas. "A combinação
desse arranjo auto-organizado
as atuais tecnologias
de fabricação de circuitos
pode levar a economias substanciais
com
impressos
na parte mais cara e
mais difícil de toda a produção", comentou, no comunicado da empresa, Spike Narayan, gerente de tecnologia e ciência da IBM Research, em Almaden, nos Estados Unidos.
> Comp.utadores alasér A fabricação de computadores ultrarrápidos que usam luz para processar informações, no lugar de elétrons, ganha uma nova possibilidade com a inovação nascida nos laboratórios das universidades de Purdue, Estadual de Norfolk e de Cornell, nos Estados Unidos. Os cientistas conseguiram criar o menor laser do mundo, batizado de spaser, cuja tecnologia é baseada nos chamados circuitos nanofotônicos. Para funcionar, esses circuitos demandam uma fonte de luz que
os aparelhos convencionais de laser não conseguem criar por não serem pequenos o suficiente para se integrar aos chips eletrônicos. Os cientistas norte-americanos superaram esse obstáculo utilizando, no lugar dos fótons que produzem luz, nuvens de elétrons conhecidas como plásmons de superfície. Os nanolasers baseados no spasers são esferas de 44 nanômetros (bilionésimos de metro) de diâmetro, sendo que mais de um milhão delas caberiam dentro de um glóbulo vermelho. O trabalho foi detalhado no final de agosto na edição on-line da revista Nature.
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009
• 67
s:
>
LINHA
DE PRODUÇÃO
BRASIL
Aparelho se conecta à internet e faz consultas e perguntas
..J
Um leitor eletrônico de livros com tecnologia nacional
«
está em fase final de desenvolvimento
O
gital de Recife, em parceria com a Carpe Diem Edições
u
e Produções, editora de livros. O aparelho de leitura,
z
« z
pela empresa
batizado de Mix Leitor D, tem uma tela de 6 polegadas que não reflete a luz, o que permite seu uso em ambientes abertos e ensolarados. "Vamos adotar o
O
mesmo modelo de negócios já utilizado
>
leitores eletrônicos
..J lIJ
C
por outros
que estão no mercado, como o
Kindle, vendido pela Amazon (nos Estados Unidos)", diz Diego Mello, gerente de projetos do Mix Leitor D. Mediante pagamento, os usuários podem fazer downloads das obras à venda em uma loja virtual. Para isso
o:::
já estão sendo feitas parcerias com autores indepen-
O
dentes, editoras e livrarias. "Mas também vamos ofe-
••••
..J lIJ
para construção
pernambucana Mix Tecnologia, associada ao Polo Di-
(/)
o:::
> Resíduos
recer conexão com a internet para download de obras públicas disponíveis na rede", ressalta. O diferencial do aparelho de leitura eletrônica, que já tem pedido de patente, é um recurso chamado Interquiz, previsto para ser utilizado em livros didáticos e que permite ao usuário fazer perguntas e também consultas so-
bre o assunto estudado. Uma das ideias é integrar o leitor eletrônico
às escolas, permitindo
ampliar seu uso, inclusive
para testes rápidos sobre conteúdos dados em salas de aula. A expectativa
da empresa é colocar o produto no mercado
em 2010. Serão dois modelos: um Básico e um Premium. A capacidade de armazenamento dos leitores eletrônicos - com peso de cerca de 400 gramas - será entre 1 e 4 gigabytes. No Mix Leitor D Básico o equipamento
poderá armazenar
algumas centenas de livros. Já o modelo Premium poderá armazenar até 1.500 livros.
68 • SETEMBRO DE 2009 • PESQUISA FAPESP 163
Laminados de embalagens longa-vida e resíduos da produção de aço e fibra de vidro entram na composição de placas de concreto usadas em paredes e lajes na construção civil, resultando em um produto que necessita menor quantidade de cimento para a sua fabricação, mas que apresenta bom desempenho e durabilidade. Os laminados são usados para construir uma espécie de estrutura reforçada, onde são colocadas as instalações elétricas e hidráulicas. Depois de fechadas, essas estruturas são reforçadas
com armaduras de fibra de vidro e introduzidas na forma para concretagem dos painéis. Desenvolvida desde 2006 na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, a pesquisa integra um projeto de interesse social do Programa de Tecnologia de Habitação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). A ideia é produzir os painéis diretamente nos canteiros de obra, nas construções por sistema de mutirão. O estudo prevê ainda o uso da escória resultante da produção de aço em substituição à brita, para a incorporação ao concreto. A estimativa é que a iniciativa possa reduzir em 40% o volume de concreto utilizado, além de economizar na mão de obra.
> No ritmo do coração Um eletrocardiógrafo de bolso que colocado sobre o peito registra os batimentos cardíacos por meio de sensores foi desenvolvido pela Ventrix Tecnologia, pequena empresa localizada em Cotia, na Grande São Paulo. Uma linha de telefone celular integrada ao aparelho
Um instrumento chamado heliê-
..J
metro, destinado ao monitoramen-
O
to contínuo das variações da forma
(/)
e do diâmetro solar, informações
O
que podem ser empregadas
do Obser-
I.&J C I.&J ~
vatório Nacional (ON), no Rio de
O
no
estudo de mudanças climáticas em grande escala, foi desenvolvido por pesquisadores Janeiro,
utilizando
uma antiga
técnica astronômica. "Resgatei o princípio óptico do heliômetro e utilizei tecnologias
atuais, como
espelhos feitos com material cerâmico, câmeras digitais e tubos
:I: ..J I.&J
o::
e( De(
de fibra de carbono para manter o instrumento geometricamente
es-
tável", explica o pesquisador Vlctor O'Ávila, integrante de Instrumentação em Astronomia
do Grupo
e Referência
Solar (Girasol) e
projetista do heliômetro. "Há muito tempo nos interessamos pelas variações do diâmetro do Sol e do achatamento dos polos solares", relata. Esses estudos vinham sendo conduzidos há pelo menos três décadas pelo grupo com outro aparelho, que consegue registrar 1.800 imagens por dia do diâmetro solar. Com o heliômetro, que teve apoio da Financiadora
de Estudos e Projetos (Finep), é possível
captar 8 mil imagens por hora, o que significa maior precisão nas medidas da forma e do diâmetro solar.
envia as informações para um médico, responsável pela análise do eletrocardiograma em seu computador. No caso de sentir dores intensas no peito, o portador do aparelho poderá apertar o botão pânico. Esse simples gesto vai disparar um sinal a uma central de atendimento para que seja providenciado
o
Eletrocardiógrafo portátil ligado ao celular
atendimento de urgência. O aparelho foi feito em parceria com o Laboratório de Engenharia Biomédica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo I e as empresas Lapacor Diagnósticos Médicos e Terrazul, que desenvolve programas de computador. A próxima etapa é fazer os
testes clínicos. Ou seja, se nessa fase ficar comprovado que o equipamento é eficaz e, numa etapa posterior, os órgãos reguladores aprovarem os resultados obtidos, o eletrocardiógrafo poderá chegar ao mercado dentro de um ano, pela previsão da empresa.
> Limpeza industrial Um novo processo consegue remover até 99% dos íons de sulfato resultantes de processos industriais que utilizam o ácido sulfúrico como matéria-prima. Quando descartados inadequadamente, os íons de sulfato e outros compostos de enxofre poluem rios, lagos e lençóis freáticos. A remoção é feita por bactérias anaeróbias - que promovem reações biológicas na ausência de oxigênio -, colocadas dentro de um sistema
fechado preenchido com pedaços de carvão. "Uma bomba mantém o líquido no interior do sistema recirculando por 46 horas", explica o engenheiro químico Arnaldo Sarti, que desenvolveu o reator durante o seu pós-doutorado realizado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. A pesquisa teve apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O estudo começou com uma demanda da empresa Dissoltex, de São Carlos, que precisava de um processo mais eficiente para tratar os resíduos químicos resultantes da produção de vernizes usados no acabamento de produtos de couro. O sucesso da empreitada levou a empresa a instalar um sistema biológico de 20 metros cúbicos para tratar os resíduos químicos.
PESQUISA FAPESP 163 • SETEMBRO DE 2009 • 69
>
tecnologia
Telecomunicações
Na trilha da luz Marcos de Oliveira
mario ladeira/file
A
s luzes do cinema e as luzes da fotônica se encontraram na apresentação simultânea de um filme digital transmitido em superalta definição, em tempo real, de São Paulo para San Diego, na Califórnia, Estados Unidos, e Yokohama, no Japão. O experimento marcou a inauguração da linha de fibra óptica com capacidade de transmissão, via internet, de 10 gigabits por segundo (Gbps) com o exterior que passa a servir a comunidade acadêmica de São Paulo. O evento aconteceu durante o 10º Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (File), nos dias 30 e 31 de julho, no teatro do Sesi, na avenida Paulista. O filme Enquanto a noite não chega, com direção de Beto Souza, é o primeiro longa-metragem produzido no Brasil originalmente em 4K, tecnologia de vídeo equivalente a quatro vezes a resolução da TV digital de alta definição usada em todo o mundo ou 24 vezes em relação à TV aberta tradicional. “Na tecnologia 4K não se sente falta da película do cinema”, diz a professora Jane de Almeida, da pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que coordenou o evento com o professor Eunézio Antônio de Souza, do Laboratório de Fotônica da mesma instituição. O experimento, inédito no hemisfério Sul do planeta, também contou com uma conferência em tempo real com projeção na tela do teatro entre pesquisadores brasileiros do Mackenzie e do exterior, do Centro para Pesquisa em Computação e Artes (CRCA na sigla em inglês) e Instituto para Telecomunicações e Informação Tecnológica (Calit2) da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD), e do Instituto de Pesquisa para Mídia Digital e Conteúdo (DMC) da Universidade de Keio, em Tóquio. Na transmissão, o filme e as imagens dos pesquisadores foram transformados em fótons pelos lasers e transportados via fibras ópticas do teatro em São Paulo até as universidades no exterior, sem passar por nenhum fio de cobre ou semelhante. Para cada ponto foram feitas conexões de 1,5 Gbps, ida e volta, somando 3 Gbps.
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“Trabalhamos no limite da tecnologia em equipamentos ópticos e cinematográficos”, diz o professor Souza, conhecido no meio acadêmico como Thoroh. Em arquivo digital 4K, cada frame do filme, equivalente a um quadro de película fotográfica dos filmes tradicionais, possui 8 milhões de pixels (4.096 x 2.160 pixels) ante 2 milhões da melhor tecnologia televisiva atual (1.920 x 1.080), embora ainda não existam telas comerciais ou de demonstração de TV 4K, apenas projeção. Para um filme digital são necessários 30 frames por segundo. Tamanho descomunal de dados só poderia passar por uma conexão com banda de transmissão equivalente e muito superior aos atuais padrões comerciais. “Para transmitir o filme usamos uma banda de 3,5 Gbps na transmissão, equivalente à capacidade de 3.500 residências conectadas à internet a 1 megabit por segundo (Mbps)”, diz o professor Thoroh. Seu laboratório faz parte da rede KyaTera, a estrutura de cabos de fibra óptica que interliga centros de pesquisa paulistas entre São Paulo, Campinas e São
Transmissão transcontinental de filme em altíssima definição inaugura a linha de fibra óptica de 10 gigabits para a internet acadêmica
Teatro do Sesi: projeção de filme digital em resolução quatro vezes maior que a TV de alta definição
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A conexão de 10 Gbps disponível para a comunidade acadêmica é um acordo ampliado entre a Ansp e a Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos Carlos, a 20 Gbps, dentro do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da FAPESP. “O evento em 4K, acontecido em julho, serviu como um exercício para a rede KyaTera se conectar ainda este ano, de forma definitiva, a um link internacional.”
mackenzie
KyaTera ampliada - Essa rede funcionou até agora para uso entre pesquisadores de universidades paulistas em experimentos na área de fotônica, protocolos de redes e aplicações de uso de equipamentos que requerem banda larga de transmissão (ver Pesquisa Fapesp n° 139). “Com os pesquisadores da rede KyaTera conectados à rede acadêmica, chamada de internet 2 [a 1 é a comercial], eles poderão estabelecer conexões rápidas com outros pesquisadores no mundo. Isso já é possível, como vimos com a transmissão 4K, mas requer a intervenção de muitas pessoas para conseguir o roteamento no caminho. A ideia é que eles possam fazer isso automaticamente no futuro porque os pesquisadores do KyaTera deverão ser os principais usuários desse link de 10 Gbps”, diz o professor
Hugo Fragnito, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do projeto KyaTera. A contratação e a administração de conexões com o exterior, além do provimento de internet para universidades e centros de pesquisa paulistas, são realizadas há 20 anos pela rede Ansp, sigla de Academic Network at São Paulo, ou rede acadêmica do estado de São Paulo, financiada pela FAPESP. A conexão de 10 Gbps é um acordo ampliado entre a Ansp e a Fundação Nacional de Ciência, a NSF na sigla em inglês, dos Estados Unidos, que criaram em 2005 a Western Hemisphere Research and Education Networks-Links Interconnecting Latin America (Whren-Lila), para prover uma conexão em fibras ópticas entre São Paulo e Miami, inicialmente a 2,5 Gbps. O novo canal de fibras ópticas iluminados pela luz de lasers foi alugado da Latin American Nautilus, empresa detentora de cabos com várias fibras instalados ao longo da costa brasileira, do Caribe e da América Central até Miami. De lá, a transmissão segue em vias igualmente rápidas dentro do território norte-americano ou vai para a Europa e
Thoroh e Jane na conferência com pesquisadores dos Estados Unidos e Japão
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Ásia. “A conexão de 10 Gbps vai custar US$ 3 milhões por ano, sendo US$ 1,4 milhão da NSF e o restante da FAPESP”, diz o professor Luís Fernandez Lopez, coordenador da rede Ansp e do Tidia. As transmissões via internet convencionais ou especiais como foi o caso do filme e da videoconferência realizadas em julho saem do Brasil por um cabo de fibras ópticas do município de Praia Grande, no litoral sul paulista, e chegam, por via submarina próxima à costa, a Miami. Na Flórida, o cabo é conectado ao International Exchange Point for Research e Education Networking in Miami, chamado de Ampath, que funciona como ponto de troca de tráfego (PTT) conhecido também como Network Access Point (NAP) entre as redes acadêmicas e educacionais dos Estados Unidos e internacionais, que também possuem conexões com a internet comercial. Os PTTs consistem de um ou mais equipamentos chamados de roteadores, onde os provedores de internet se conectam, sob a forma de acordos multilaterais, para que e-mails trocados, por exemplo nesse caso, entre um pesquisador do Mackenzie e outro da Universidade da Califórnia, possam ser entregues. A partir desse PTT de Miami, a Ansp tem acordos com outras redes conectadas à Ampath, que lhe dá acesso ao restante do mundo como a Internet2, rede de experimentos em internet de alta velocidade formada por mais de 200 universidades, 70 empresas, 45 agências governamentais norte-americanas e 50 organizações internacionais. Os acordos de troca de tráfego com base em Miami também incluem acesso a Atlantic Wave, mantida por entidades de pesquisa e educação do sudeste norte-americano, fornecedora de acesso a 40 Gbps para as redes europeias e federais dos Estados Unidos; a National Lambda Rail, uma rede nacional norte-americana formada por universidades e companhias de tecnologia, que provê infraestrutura para pesquisa e experimentação; Florida Lambda Rail, de instituições do estado da Florida, e a Pacific Wave, que faz conexões com redes asiáticas e da Oceania, a 10 Gbps. Outro acordo está estabelecido com a rede Corporation for Education
Eduardo cesar
Mackenzie: conexão das fibras ópticas
Network Initiatives in California (Cenic), mantida por instituições de pesquisa do estado da Califórnia. Com a transmissão a 10 Gbps, a Ansp começou a participar efetivamente do Global Lambda Integrated Facility (Glif), uma organização mundial e virtual que promove a integração de redes ou lambdas (os vários comprimentos de onda emitidos pelos lasers, também chamados de cores), para suporte a experimentos científicos, além de promover a troca de experiências entre engenheiros de redes que trabalham nesse segmento. “A Glif é como um clube ou consórcio, em que não é necessário pagar nenhuma taxa, para a troca de informações entre redes acadêmicas que trabalham com 10 Gbps”, diz Lopez. A entidade tem como participantes centros de pesquisa como o Centro Europeu de Pesquisas Nuclea res (Cern), Internet2, Fermilab, a rede acadêmica Janet, do Reino Unido, e a Associação Transeuropeia de redes de Pesquisa e Educação (Terena). No Brasil, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, a RNP, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, é que provê a estrutura de redes de pesquisa no Brasil e funciona como provedor de internet, fora a área da Ansp, para as universidades e demais instituições de pesquisa e educacionais
do país. A RNP, que também participou da elaboração das transmissões da tecnologia 4K, espera para o final deste ano conexão de mais 10 Gbps para Miami, em cabo submarino de fibras ópticas da empresa Global Crossing ligado na cidade do Rio de Janeiro. Assim, a rede acadêmica brasileira terá uma conexão compartilhada com o exterior de 20 Gbps para a internet. Mas antes de uma conexão de internet da rede acadêmica sair por Santos e chegar a Miami e a todas as redes mundiais, ela faz uma passagem obrigatória pelo PTT de São Paulo, considerado pelo Glif, um dos 18 pontos de tráfego de redes acadêmicas do mundo. Chamado ainda de NAP do Brasil, este ponto serve para troca de tráfego e é administrado pela empresa Terremark, a mesma que administra o NAP de Miami. O PTT paulista está instalado desde 2004 no município de Barueri, na Região Metropolitana de São Paulo, num acordo entre a FAPESP – que operou o PTT acadêmico e comercial da internet brasileira de 1998 a 2004 na sua própria sede – e a empresa norte-americana. Ligado ao mundo - Para fazer a trans-
missão do filme e da conferência foi preciso reservar conexões sem tráfego ao longo das linhas de internet dentro dos Estados Unidos. Foi reservada uma conexão de 10 Gbps entre Miami e Los Angeles, na Califórnia, da C Wave, uma rede experimental da empresa Cisco que faz parte da National Lambda Rail. De Los Angeles a San Diego foi usado um enlace da Cenic. De lá, o sinal foi transportado até Tóquio, num cabo que atravessa o oceano Pacífico em que opera a Rede Japonesa Gigabit II. No lado de São Paulo, parte da rede também precisou ser preparada e reservada. Foram utilizadas ligações entre o PTT instalado em Barueri e a USP, a 10 Gbps, e, até o Mackenzie, utilizou-se uma rede especial de fibras da empresa Telefônica que, por um acordo firmado em 2007 e renovado este ano, pode ser utilizada pela rede do Tidia. “Usamos uma fibra apagada e sem utilização, o que significa que ela não estava com o laser funcionando”, diz o professor Thoroh. Ligar o laser na fibra e passar os 10 Gbps foi possível com o empréstimo de equipamentos de transmissão ópticos da Universidade de São Paulo e da empresa
Foundry e lasers e amplificadores da empresa Padtec, de Campinas, em São Paulo. Um outro acordo com a Telefônica para o evento supriu de fibra óptica dedicada, com a mesma velocidade, a ligação do prédio do Laboratório de Fotônica do Mackenzie até o prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde fica o teatro. Esse tipo de empreendimento tecnológico internacional só havia sido realizado entre os Estados Unidos, Europa e Japão. A ideia no Brasil partiu da professora Jane. “Na File de 2008, junto com pesquisadores da UCSD, projetamos alguns filmes em 4K e o próximo passo seria transmitir os filmes”, diz Jane. “Aí neste ano procurei o professor Thoroh, conhecendo o trabalho dele na rede KyaTera, para saber sobre a possibilidade de transmitir o filme para os Estados Unidos. E ele comprou o problema.” Os dois foram então atrás dos equipamentos, do filme e da transmissão. “Foi um trabalho enorme”, diz Thoroh. O projetor e as câmeras, que ainda são vendidos sob encomenda, foram emprestados pela Sony. Para enviar o filme, foi necessário que pesquisadores da UCSD trouxessem para o evento dois provedores da marca Zaxel com capacidade de memória de 4 terabytes (TB) cada um. O filme tem cerca de 5 TB, equivalente a mil discos de DVDs comuns de 4,7 gigabytes. O filme de 70 minutos é baseado no romance Enquanto a noite não chega, do escritor gaúcho Josué Guimarães (1921-1986). A narrativa é sobre um casal de idosos, Dom Eleutério e Dona Conceição, que moram em uma cidade abandonada à espera da morte. Além deles, apenas o coveiro permanece para poder enterrar os dois e ir embora para outra cidade. Mas o inevitável acontece, o coveiro morre antes do casal. “Beto Souza fez um filme com paisagens extensas e cores bucólicas. Há um momento em que o casal nostalgicamente tenta ver um filme em película com imagens deterioradas”, descreve Jane. “No contexto da nossa transmissão esse tema evoca conexões imediatas com o fim do filme tradicional – que morre tarde demais. Isso porque se fala muito sobre a demora de Hollywood em substituir a película”, analisa. “A arte se modifica com as novas tecnologias. Depois de 1915, o filme em película se estabilizou, mas a tecnologia n 4K pode mudar o cinema.” PESQUISA FAPESP 163
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ENGENHARIA DE PESCA
Híbrido
robusto Tilápia resultante de cruzamentos entre mutante vermelho e selvagem preto cresce rapidamente em cativeiro | Dinorah Ereno
fotos alexandre Hilsdorf
U
m peixe híbrido de coloração avermelhada, saboroso e com excelente desenvolvimento, foi obtido após quatro anos de um extensivo trabalho de melhoramento genético feito a partir de duas variedades de tilápia nilótica (Oreochromis niloticus), uma vermelha mutante e a outra selvagem preta. “Conseguimos realizar cruzamentos dirigidos, seguidos de seleção, e produzir um híbrido que está pronto para disputar o mercado”, diz o professor Alexandre Wagner Silva Hilsdorf, do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), coordenador do projeto conduzido em parceria com a empresa Royal Fish, de Jundiaí, no interior paulista. A variedade vermelha é um mutante da tilápia selvagem preta originária do rio Nilo, que banha o nordeste da África. No início da década de 1990, ela foi desenvolvida por pesquisadores do Instituto de Aquicultura da Universidade de Stirling, na Escócia, que a batizaram de Red Stirling. “A tilápia mutante tem como principal característica a ausência de pigmentação preta na pele, mas não se trata de um peixe albino, já que possui células de pigmentação pretas, chamadas melanóforos, nos órgãos internos e nos olhos”, explica Hilsdorf. Embora seja um peixe atraente para o consumidor, tanto pela aparência como pelo sabor da carne, ela tem uma séria desvantagem para o produtor – cresce menos do que outras variedades de tilápia melhorada geneticamente, como, por exemplo, a variedade Chitralada, assim chamada porque foi desenvolvida no Japão e melhorada nos tanques de cultivo do palácio real Chitralada, em Bangcoc, na Tailândia. Essa variedade chegou ao Brasil em 1996, com a doação de alevinos pelo Asian Institute of Technology, da Tailândia, e atualmente é a espécie de tilápia mais utilizada comercialmente. Juntar as melhores características de cada uma das variedades, o vermelho da Red Stirling e o tamanho avantajado da Chitralada em curto período de tempo, era a proposta do projeto, que teve apoio da FAPESP
Filhotes híbridos produzidos pelas tilápias Chitralada (acima) e Red Stirling (ao lado)
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Os projetos 1. Avaliação genética e zootécnica de duas variedades de tilápia nilótica para o estabelecimento de um programa de produção massal de um híbrido 2. Biotecnologia pesqueira aplicada à avaliação genética populacional dos estoques do polvo comum (Octopus vulgaris) do litoral brasileiro pelo uso de marcadores microssatélites para seu manejo sustentado
Modalidades
1. Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe) 2. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Alexandre Wagner Silva Hilsdorf – UMC investimentos
1. R$ 123.642,39 e US$ 8.998,66 (FAPESP) 2. R$ 69.313,67 (FAPESP)
fosse feita a sua reversão sexual por meio de hormônios masculinizantes, processo utilizado nos sistemas de cultivo intensivo porque os machos tendem a crescer e a ganhar peso mais rapidamente do que as fêmeas. Todo o
Tanques de cultivo de peixes da empresa Royal Fish, em Jundiaí
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processo de melhoramento foi acompanhado por várias análises de DNA, feitas no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da UMC, para avaliar a diversidade genética dos pais e das proles resultantes dos cruzamentos. Variedade comercial - Antes dos experimentos em campo, Hilsdorf fez uma série de testes para avaliar o potencial da Red Stirling na composição de uma variedade híbrida com a Chitralada. “Até aquele momento, a vermelha mutante não havia passado por nenhum melhoramento genético”, diz o pesquisador. Embora nos testes iniciais ela tenha perdido da Chitralada no quesito crescimento, com 30% menos peso obtido no mesmo período de tempo, Hilsdorf percebeu que ela apresentava uma vantagem em relação a outras variedades de tilápia vermelha. “Os cruzamentos da Red Stirling com a preta resultam quase sempre em híbridos vermelhos”, conta. Essa característica era fundamental para levar adiante o projeto, porque a proposta desde o princípio era conseguir uma variedade comercial que pudesse disputar o mercado com uma variedade de tilápia
fotos alexandre Hilsdorf
na modalidade Pesquisa Inovativa em Pequena Empresa (Pipe). “Em qualquer criação animal é preciso crescer o mais rápido possível no menor período de tempo, para que o produtor não tenha prejuízos”, diz Hilsdorf, formado em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. “Até pouco tempo atrás, a tilápia tinha como peso comercial 500 gramas, obtido em cinco meses a uma temperatura média de 25 graus Celsius na água”, diz o pesquisador. Hoje o mercado mudou e quer tilápias de 700 a 800 gramas. Os híbridos avermelhados obtidos nos cruzamentos chegaram a 700 gramas, ultrapassando a variedade Red Stirling em cerca de 30% e a Chitralada em 6%. No experimento feito nos tanques de cultivo da empresa na fazenda Santa Inês, em Jundiaí, foram utilizados 60 reprodutores das duas variedades de tilápia nilótica com mais de 200 gramas e com as seguintes características: Red Stirling sem manchas escuras e Chitralada com corpo avantajado e cabeça pequena. Essa escolha teve como objetivo, além da obtenção de uma prole sem manchas pretas, selecionar outras características de interesse zootécnico, como crescimento, sobrevivência, conversão alimentar e resistência ao manejo. Os alevinos fêmeas gerados por esse cruzamento foram separados manualmente na fase de larva para que
Alessandro Archidiacono
popularmente conhecida no Brasil com o nome de Saint Peter, um híbrido de coloração alaranjada introduzido no Brasil pela empresa israelense Aquaculture Production Technology. Foi com esse argumento que ele conseguiu convencer o médico otorrinolaringologista Ricardo Ferreira Bento, um dos três sócios da Royal Fish, a viajar até a Escócia para comprar 1.200 alevinos da nilótica vermelha. Na época, a empresa cultivava a Saint Peter, mas constantemente precisava comprar novas matrizes da empresa israelense. A parceria entre Hilsdorf e a Royal Fish começou com uma visita que Ricardo Bento fez em 1999 ao professor José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do Instituto do Coração, em São Paulo. Krieger era o orientador de doutorado de Hilsdorf na tese sobre genética do DNA mitocondrial de uma espécie de peixe da bacia do rio Paraíba do Sul. “No quadro de avisos havia um artigo meu sobre peixes, que despertou o interesse de Ricardo”, diz Hilsdorf. A partir daí a troca de conhecimento e interesses foi se solidificando. Atualmente a pesquisa de melhoramento genético segue por outros caminhos, com novos cruzamentos entre a vermelha e a preta. “Agora estamos estabelecendo um programa de melhoramento genético com a variedade vermelha e outras pretas, além da Chitralada, com cruzamentos e teste de progênie para obter uma tilápia vermelha ainda melhor”, explica o pesquisador. Nessa pesquisa, além da Chitralada, também está sendo testada a resposta de uma variedade de tilápia chamada Gift, sigla de Genetic Improved Farmed Tilapia - Oreochromis niloticus, projeto de melhoramento genético desenvolvido nas Filipinas, em colaboração com a Noruega, para obtenção de uma tilápia altamente produtiva para fins sociais na Ásia. O esforço para obtenção de novas variedades resistentes, altamente produtivas e com carne diferenciada tem uma explicação. “A tilápia é o peixe mais produzido em cativeiro no Brasil”, diz Hilsdorf. “São cerca de 100 mil toneladas por ano.” O dado refere-se ao ano de 2007. Nada mau para um peixe que chegou ao Brasil na década de 1950 para controlar o mato que crescia nas n turbinas hidrelétricas.
Diferenças entre polvos Animais do litoral Sul e Sudeste pertencem à espécie Octopus vulgaris e os do Norte e Nordeste à Octopus insularis Se na aparência, com seus oito tentáculos, todos os polvos que estão distribuídos pelo litoral brasileiro são parecidos, geneticamente eles podem ser bem diferentes, como mostra um estudo conduzido no doutorado de Ângela Aparecida Moreira pelo programa de pós-graduação em Biotecnologia da Universidade de São Paulo, com a parte experimental realizada no Laboratório de Genética de Organismos Aquáticos e Aquicultura da Universidade de Mogi das Cruzes sob a orientação do professor Alexandre Hilsdorf. “Uma análise mais detalhada mostra que o polvo comum, conhecido como Octopus vulgaris, está mais concentrado no Sul e Sudeste, enquanto os animais do Norte e Nordeste pertencem a outra espécie, recentemente identificada como Octopus insularis, por causa de um animal encontrado na ilha de Fernando de Noronha”, explica Hilsdorf. O polvo capturado pelos pescadores no litoral Sul e Sudeste é semelhante geneticamente ao polvo encontrado em Portugal, chamado
de Octopus vulgaris. Esse tipo de conhecimento é importante para futuros trabalhos de conservação e repovoamento da espécie e para controle de pesca predatória. O estudo teve a participação do pesquisador Acácio Ribeiro Gomes Tomás, do Instituto de Pesca de Santos, que fez as coletas dos polvos. “Nossa proposta era fazer um trabalho de genética populacional e, para isso, precisávamos saber se as populações de polvo capturadas no litoral brasileiro constituem o mesmo grupo genético ou são geneticamente diferentes”, diz Hilsdorf. As análises foram feitas com marcadores microssatélites, os mesmos marcadores de DNA usados para testar a paternidade. “Foi quando percebemos que os polvos de uma praia perto do Recife, no litoral pernambucano, eram mais parecidos com os de Santa Catarina”, relata. A confirmação de que se tratava mesmo de duas espécies diferentes veio com outra abordagem genética, a comparação de sequências de trechos do DNA mitocondrial. PESQUISA FAPESP 163
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fotos unicamp
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FARMACOLOGIA
Remédio no
interior
Composto farmacêutico promete elevar a eficiência do tratamento da leishmaniose Yuri Vasconcelos
ma formulação farmacêutica inédita desenvolvida por um grupo de pesquisadores de São Paulo e do Rio de Janeiro pode facilitar e tornar mais eficaz o tratamento da leishmaniose, uma doença parasitária que atinge milhões de pessoas em todo o mundo. O medicamento é uma composição contendo um derivado sintético do fitoterápico chalcona extraído da planta pimenta-de-macaco (Piper aduncum)Pero e encapsulado em lipossomos, etumsan vesículas de tamanho vullumnanométrico irilit inibh formadas por fosfolipídios, umea tipo Essa substância ad de tis gordura. eum é capaz de penetrar na pele e atingir o protozoário volore feummod iametum O medicamento está na causador da enfermidade. fase de desenvolvimento laboratorial e já passou, com sucesso, por testes in vitro e em animais. A inovação rendeu uma patente, depositada no início deste ano no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com validade no exterior via Tratado para Cooperação de Patentes (PCT, na sigla em inglês). O próximo passo, segundo Maria Helena Andrade Santana, professora da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), será a realização de uma nova bateria de ensaios pré-clínicos, que antecederão os testes em humanos para comprovação da eficiência da formulação no combate à doença.
Ao lado, microscopia de chalconas encapsuladas por lipossomos
A leishmaniose, enfermidade causada por várias espécies de protozoários do gênero Leishmania, atinge 12 milhões de pessoas no mundo. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que surgem entre 2 e 2,5 milhões de doentes a cada ano. No Brasil, onde a doença é endêmica, são notificados anualmente 34 mil novos casos. Considerada uma moléstia negligenciada por receber pouca ou nenhuma atenção dos grandes laboratórios farmacêuticos, ela é prevalente em populações de baixa renda de países da Ásia, África e América Latina e pode ser classificada em dois amplos grupos: tegumentar, subdividida em cutânea e mucocutânea e caracterizada por feridas na pele e mucosas, e visceral, que atinge órgãos vitais, como fígado e baço, e pode matar. O tratamento é dificultado por conta da localização do parasita dentro dos macrófagos, um tipo de célula do sistema imunológico, de difícil acesso, que reduz a eficácia da ação dos fármacos. A terapêutica convencional é bastante dolorosa e consiste da aplicação de injeções diárias por um período prolongado, que apresentam efeitos colaterais sérios como dores musculares e abdominais, além de náuseas, e nem sempre são eficazes. A primeira vantagem da nova formulação contendo chalconas encapsuladas em lipossomos, destinada exclusivamente ao tratamento da leishmaniose cutânea, é sua aplicação local. “O medicamento pode ser formulado em cremes ou loções contendo o fármaco encapsulado em lipossomos que penetra profundamente na lesão, possibilitando um tratamento mais simples e indolor. Por não ser invasivo, já que não é necessário usar agulhas, facilita o tratamento de crianças e eleva a adesão por parte dos pacientes”, diz Maria Helena. A chalcona possui comprovados efeitos anti-inflamatórios e cicatrizantes. Estudos diversos comprovaram a atividade contra a leishmaniose cutânea. Ela age na desestruturação da membrana celular do parasita, levando-o à morte, mas também possui efeito residual tóxico para as células do paciente. Pa-
ra atenuar esse efeito, novas classes de chalconas foram desenvolvidas, sendo que a chalcona nitrogenada (CH8), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou-se a mais seletiva e ativa para o tratamento da moléstia. O desafio dos pesquisadores brasileiros foi criar um meio de transporte para o princípio ativo – no caso a chalcona nitrogenada – atingir camadas mais profundas da pele visando a maior penetração na lesão. “O problema é que a chalcona livre, veiculada em cremes de composição simples, é uma molécula grande incapaz de permear a camada superficial da pele”, explica a pesquisadora da Unicamp. Foi então que surgiu a ideia de encapsular a chalcona em lipossomos. “A encapsulação facilitou seu transporte até o local da ação, aumentando a eficiência da droga. Dessa forma, obtivemos, nos testes in vitro, uma maior penetração na pele, e com animais, um efeito igual ao da injetação da chalcona diretamente na lesão”, explica a pesquisadora. Lento e gradual - Com dimensões na-
nométricas – seu diâmetro é da ordem de 100 nanômetros –, os lipossomos são considerados um excelente sistema de liberação lenta e controlada de medicamentos. Além de serem direcionados para locais específicos de ação, apresentam elevada interação com as células do corpo, porque mimetizam suas propriedades físico-químicas e biológicas. Por conta de sua flexibilidade estrutural, uma categoria de lipossomos, ditos elásticos, consegue penetrar nos
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O Projeto Projeto, montagem e operação de instalação para produção escalonável de lipossomos visando a aplicações farmacêuticas
modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenadora
Maria Helena Andrade Santana – Unicamp investimento
R$ 46.112,50 (FAPESP)
poros da pele, cujo diâmetro é de apenas 30 nanômetros. Essas vesículas elásticas são capazes de sofrer deformação, passando do formato esférico que lhes é característico para o de um cilindro na forma de agulha e, assim, ingressar nos poros que são menores do que seu tamanho. “A elasticidade permite que eles se deformem sem prejudicar sua integridade. Depois da passagem pelo poro, os lipossomos passam a interagir com as camadas superiores da pele, na epiderme, liberando o fármaco gradativamente através de difusão e de sua própria desintegração ao longo do tempo”, explica Maria Helena. “Os lipossomos são as partículas nanométricas de uso médico que mais atraem a comunidade científica”, diz a pesquisadora. Já existem no mercado fármacos encapsulados por eles, como a doxorrubicina, para a quimioterapia de pacientes com câncer, e a anfotericina B, indicada para infecções fúngicas. Grupos de pesquisa na Alemanha e Holanda já conseguiram também desenvolver as formas elásticas para aplicações médicas, mas nenhum deles utilizou chalcona nem os direcionou ao tratamento de leishmaniose cutânea. “Quando fizemos a revisão bibliográfica para patenteamento não havia nada semelhante com chalconas, lipossomos elásticos e leishmaniose.” A chalcona encapsulada foi produzida e caracterizada quimicamente no Laboratório de Desenvolvimento de Processos Biotecnológicos da FEQ da Unicamp. O trabalho contou com a participação da mestranda Beatriz Zanchetta. A chalcona nitrogenada, por sua vez, foi fornecida pela bióloga Bartira Bergmann, do Laboratório de Imunofarmacologia do Instituto de Biofísica da UFRJ. Os ensaios biológicos e in vivo, com camundongos, foram da farmacêutica Camila Falcão, doutoranda do Instituto de Biofísica da UFRJ. A ideia das pesquisadoras é continuar com ensaios pré-clínicos e, no futuro, repassar a tecnologia para um laboratório farmacêutico interessado em produzi-lo comercialmente. “Esse desenvolvimento conta com uma equipe interdisciplinar, formada por biólogos, farmacêuticos e engenheiros químicos, e constitui uma tecnologia promissora passível de ser repassada ao setor industrial”, destaca Maria Helena. n PESQUISA FAPESP 163
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humanidades
ECONOMIA
luxo
A história do Brasil que é um
Pesquisa revela a importância do consumo no desenvolvimento do capitalismo nacional
Todas as fotos são reproduções do livro lembranças de São Paulo/gerodetti e cornejo
‘O
Carlos Haag
povo gosta de luxo; sobre a indústria é bem maior do que desta quem gosta de miséria sobre aquele, restringindo a industrializaé intelectual”: a frase de ção”, avalia. Ou seja, para entender o Brasil Joãozinho Trinta pode de hoje e seus gargalos é preciso que os innão ter perdido de todo telectuais continuem a olhar a miséria, sem a sua validade, mas há, esquecer o luxo. O período escolhido, entre 1890 e na universidade, quem 1915, é fundamental, pois marca tannão concorde com a segunda parte dela. A to o apogeu da acumulação capitalista economista Milena Fernandes de Oliveira, da Unicamp, defende em seu doutorado pela economia cafeeira, que cria uma Consumo e cultura material, São Paulo “Belle indústria particular, como é o momenÉpoque” (1890-1915), orientado por Ferto em que a sociedade brasileira assistiu nando Novais, justamente a importância de às grandes transformações que marcam se estudar o luxo e de como seu consumo é o nascimento da sua modernidade, que um instrumento poderoso para interpretar ganhará um impulso tremendo a partir as características dos chamados “capitalisdos anos 1920. “Busquei, a partir de um estudo do consumo, entender justamente mos periféricos”, como o brasileiro, descobrindo raízes inesperadas que ajudam a as contradições específicas da formação entender a industrialização tardia do país capitalista no Brasil. O desenvolvimento da cafeicultura, a proclamação da República, e como foi feita a sua modernização. “O consumo numa sociedade que acabara de a instituição do trabalho livre criaram uma nova configuração de classes. De um lado derrubar o Império e a escravidão tem uma função clara e definida: acelerar a superação estavam os filhos da elite e, de outro, os de um passado colonial que se quer esqueimigrantes enriquecidos pelo comércio”, cer a qualquer custo. O processo, é claro, não explica. “Como consequência dessa nova seria para todos”, explica Milena. “A mohierarquia surgiram outros conflitos que exigiram novos comportamentos de classe dernidade idealizada pela elite cafeeira se interessava menos pela inclusão social como que legitimassem as posições adquiridas e os devidos distanciamentos em relação aos retaguarda para a selvageria capitalista do que por uma modernidade que criasse uma ‘inferiores’ na escala social.” nação civilizada e que apagasse de vez tudo O consumo, então, aparece como o inso que lembrasse o passado colonial.” Para se trumento legitimador das posições sociais, diferenciarem, então, optaram centrado nas importações em detrimento de tudo o que fospelo luxo importado. “Esses paMappin Stores: drões de consumo eram mais se nacional. “Com a presença centro do sofisticados do que a indústria mais forte do setor externo consumo de nacional conseguia produzir e como fonte de novidades, a importados para a elite do café assim a influência do consumo dinâmica diferenciação/gePESQUISA FAPESP 163
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Operários da Destilação Italiana, de Luiz Trevisan, 1900
neralização do consumo ganha novas formas. O movimento das classes do café dita o ritmo da aquisição das novidades, mas estas não conseguem ser produzidas internamente por causa da insuficiência técnica da base produtiva.” Será o setor importador, na contramão da lógica capitalista das metrópoles, a fonte do consumo de luxo, sinônimo de modernidade no contexto do nascimento do capitalismo no Brasil, dando acesso à última moda estrangeira. “O livre acesso aos produtos estrangeiros provoca uma separação, fundamental no contexto periférico, entre consumo capitalista e produção capitalista. São dois tempos que convivem em uma só sociedade: o tempo do capitalismo e o da sociedade tradicional.”
S
ão Paulo, que mais tarde reunirá as raízes da concentração industrial, foi porém naquele período o caso exemplar de como o novo capitalismo nacional tinha características próprias que ainda são sentidas no presente. A cidade, observa a historiadora, sofreu grandes reformas urbanas, influenciadas pelo urbanismo higienista de Haussmann, realizadas por Ramos de Azevedo. São Paulo também foi transformada como consequência da promoção do café a produto principal da exportação bra-
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sileira, o que fez dela um grande centro comercial e financeiro, incluindo-se a expansão da malha ferroviária e o acesso ao porto de Santos, para onde ia o café e chegavam os importados de luxo. Todos esses fatores acabaram gerando uma revolução comercial que acontecia nas lojas do chamado triângulo comercial, formado pelas ruas Direita, 15 de Novembro e São Bento, local onde estavam as lojas de importados e as de produtos nacionais, definindo, pelo consumo, o pertencimento a uma ou outra classe social. “Mas o que torna particular o estudo de São Paulo nesse momento é a vinda de uma enorme massa de imigrantes que não chegavam apenas para trabalhar no café do oeste, mas se instalaram na capital como comerciantes e homens de negócio. Essa transformação social foi crucial para determinar os caminhos do consumo, já que a concorrência entre as frações da elite tradicional e a ascendente se manifestava na aquisição de bens, e não mais apenas em privilégios imateriais como o nome de família. A legitimação da conquista de novos postos passou a se dar pelo consumo, num movimento tipicamente capitalista.” Todo esse movimento foi acelerado com a transferência da elite cafeeira da área rural para a capital a partir de 1890, que resultou na modernização urbana,
com a instalação da luz elétrica, a redefinição do espaço urbano em busca de novas formas de distinção, ampliando as possibilidades comerciais. São Paulo passa a ser um bom lugar para investimentos nacionais e estrangeiros. “A concentração da elite na cidade torna a Pauliceia um palco excepcional para o teatro das maneiras e aparências e é possível observar-se uma crescente relevância e valorização do ‘abstrato e do simbólico’, não apenas na representação pessoal das pessoas desse grupo, mas também na forma como investem na estruturação física, funcional e arquitetônica da cidade”, observa a doutora em história Maria Claudia Bonadio, professora do Mestrado em Moda, Cultura e Arte e Bacharelado em Design de Moda do Centro Universitário Senac-SP, autora de Moda e sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo dos anos 1920 (Editora Senac, 206 páginas, R$ 55). Segundo ela, a chegada do dinheiro farto revoluciona a importância dos espaços públicos que, por sua vez, intensificam o consumo como forma de inserção em determinadas classes sociais. “A vida pública se intensifica, levando paulistanos a se preocuparem cada vez mais com a aparência em público.” O Teatro Municipal, obra monumental, maior e mais ostensivo que o Teatro da Capital Federal, é um exemplo da obra dita pública que, no entanto, estava reservada ao desfrute das elites. O movimento atingiu diretamente as mulheres, que ganham uma função extra: as compras. “Essa tarefa nasce da mudança das elites para os centros urbanos, o que fez os grupos familiares perderem suas funções produtivas e se tornarem unidades de consumo. Enquanto as fazendas haviam sido relativamente autossuficientes, apoiadas em contingentes de escravos e empregados, as famílias urbanas dependiam de bens de consumo e serviços oferecidos pelo mercado.” Essa mudança, porém, ao fazer da mulher agente de consumo, permite que ela se aproxime do espaço público: sair sozinha para as compras já não é
“Os espaços se especializam, não só separando comércio da moradia, mas também ricos de pobres” coisa malvista. Rapidamente, nota Claudia, a “tarefa” se aliará ao lazer e à individualidade feminina. “Naquele momento, a esfera do parecer era um espaço privilegiado de afirmação para a elite tradicional, também necessário para se distinguir de outras elites, como a emergente dos imigrantes.”
A
classe responsável pela transição para a modernidade, a elite cafeeira chegada ao meio urbano, distinguiu-se de outras classes não apenas pelo seu poder aquisitivo, mas também por causa do seu “estilo de vida” evidenciado pelo uso dos bens de consumo como “capital simbólico”. Na relação entre consumo e indústria na periferia houve, como condição primordial, o abandono total de antigos padrões por parte da elite em favor
do consumo de gêneros estrangeiros, que vão de formas arquitetônicas até alimentos, para que se lhes conferisse o status necessário. “Ao mesmo tempo, porém, que se promove a supressão de traços do passado em alguns pontos da cidade, os despojos deixados pelos tempos coloniais continuam a se reproduzir em velocidade exponencial nas regiões dos nascentes bairros operários”, analisa Milena. O resultado, continua, é uma cidade que se moderniza e que reproduz uma nacionalidade em certo sentido contrária à moderna, sem a criação de instâncias inclusivas como forma de compensação da exclusão permanente gerada pelo capitalismo nascente. “Os espaços se especializam, não só separando diversão do trabalho, o comércio da moradia, mas também o rico do pobre.” Por volta de 1880
aparecem os primeiros bairros residenciais aristocráticos, localizados nos melhores terrenos da capital. De início, eles avançam em direção ao norte do maciço central, para o lado do Tietê e, depois, acompanham o bordo inferior, acima da baixada. Ali se instalaram os bairros de Santa Ifigênia e Campos Elísios, referência à avenida parisiense onde moravam muitas famílias brasileiras da elite. Do outro lado ficavam as chácaras que, com o tempo, viraram bairros compactos como Liberdade, Consolação e Vila Mariana. “Ainda em finais do século XIX surgem outros bairros de habitação elitista como Higienópolis, dos aristocratas com fortunas saídas do café, que avançam rumo aos terrenos mais altos e saudáveis do planalto e também da avenida Paulista”, explica Milena.
Teatro Muncipal na noite da sua inauguração em 12 de setembro de 1911
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Rua 15 de Novembro, em 1911; palacete de dona Veridiana, no bairro de Higienópolis, em 1902; e residência na praça da República, em 1905
A avenida Paulista, no entanto, de feição elitista, se transformou num limite claro entre as fortunas acumuladas pelo café e as nascidas com a indústria. O fim da progressão cafeeira transferiu as fortunas para a indústria e o comércio, quase todos em mãos de imigrantes. A Paulista será o bairro residencial dos milionários dessa nova fase da economia paulista e a arquitetura do bairro deixará isso bem claro. Por fim, por volta de 1910, foram criados os bairros-jardins, que descem pelas escarpas próximas à várzea do rio Pinheiros, com feitio europeu que em nada remetem aos modelos urbanísticos do passado, como o Jardim Paulista, Jardim Europa e Jardim América. “Enquanto isso, os bairros operários avançaram pelos terrenos ingratos das baixadas do Tietê e do Tamanduateí, com cortiços e vilas: Mooca, Brás, Pari, Ipiranga, Barra Funda, entre outros. Esses bairros populares provocavam uma fenda profunda na imagem europeia de cartão-postal que se pretendia construir para São Paulo.” Uma forma encontrada para evitar essa presença incômoda era mergulhar em importados, em especial os franceses. Afinal, como dissera Gobineau, o brasileiro desejava apaixonadamente viver em Paris. “A preferência pelas mercadorias francesas, observada na elite colonial, ampliou-se no Império 84
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e na República. Além de couros envernizados, batatas em sacas, automóveis, caixas de conhaque, barris de manteiga, tecidos de lã, papel para cigarros, água-de-colônia e outros, o comércio francês foi facilitado pelas mulheres modistas sempre francesas”, observa o economista Lincoln Secco, professor de história contemporânea da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. “Para o escoamento desses produtos em concorrência com a Inglaterra e, depois com a Alemanha, havia toda uma rede em que comércio e representação consular se uniam. O Brasil era um dos alvos preferenciais na América para a exportação de produtos franceses e São Paulo mantinha agentes consulares que, por meio de relatórios e cartas enviados ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formavam uma teia de informação sobre entraves e possibilidades de negócios na cidade. A França jogava seus braços de influên cia cultural e, com isso, aumentava a fluidez no comércio dos produtos de suas indústrias”, analisa a historiadora econômica Vanessa dos Santos Bivar em seu doutorado Vivre à St. Paul: os imigrantes franceses na São Paulo oitocentista, defendido na USP, com orientação de Eni Siqueira Samara. A influência francesa, contudo, não se concentrava somente na elite. “Camadas medianas, homens e mulheres livres
e pobres, forros e escravos tinham a sua própria maneira de interagir com ela. Numa economia baseada no crédito, dependendo do tipo de relacionamento que se tinha no comércio, o produto se tornava mais tangível e nem todos os objetos franceses tinham grande valor, o que desmistifica a ideia de que os negócios e a cultura francesa ficaram restritos às elites.” Não sem razão, a importação de mercadorias francesas aumenta a partir de 1870, com seu ápice em 1890, ano em que a província se consolida como a maior exportadora de café do país. “A afirmação de status adota contornos burgueses, sem, no entanto, deixar de ser aristocrática em sua essência, postura herdada do período colonial e não superada na transição para o capitalismo”, nota Milena.
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que ameaça a elite cafeicultora, porém, não é a recém-libertada massa de escravos, mas sim os imigrantes chegados da Europa e que, em pouco tempo, formaram fortunas. A cidade passou a experimentar uma incômoda mobilidade social à qual se associaram mecanismos de diferenciação que não os de sangue ou laços familiares. “A cidade capitalista, ainda que cidade periférica com seus enormes bolsões de exclusão social, amplia a possibilidade
de contato entre as diferentes classes, tornando ainda mais necessários outros mecanismos de criação e reprodução de diferenças”, explica a economista. Uma dessas formas foi a cultura. “Com o desenvolvimento do capitalismo surge a possibilidade de comprar a arte em quadros, livros, espetáculos musicais que se configuram em produtos de luxo, não do ponto de vista de sua escassez física, mas simbólica. Afinal, era fundamental, para se desfrutar deles, a posse de um gosto, para o qual se educava um indivíduo e a partir do qual se criava uma diferença entre os educados, ‘de gosto apurado’, e os leigos, capazes de comprar, mas não de usufruir da arte.” Assim, segundo a pesquisadora, se, na arquitetura, a distância social entre tradicionais e emergentes é mínima, já que as duas frações expressaram seu poder em palacetes suntuosos que valorizam o luxo e negam a privação, na indumentária e na cultura surgem incongruências entre éticas de trabalho com fundamentos distintos: uma que valoriza o trabalho e a privação social e outra que o desvaloriza, embora enalteça o trabalho mental. “A admiração pelas ‘ideias abstratas’, como disse Sérgio Buarque de Holanda, corresponde à forma moderna da ética do ócio emprestada da colônia. No lazer elitista, então, essa diferenciação é máxima, porque o capital social para a admiração de uma obra de arte não é fruto direto da ascensão econômica.” Daí decorrem, por exemplo, os gastos públicos com templos do consumo cultural, como teatros, óperas, museus, restaurantes finos e outros, lugares onde os “carcamanos” supostamente não saberiam se portar, apenas “macaqueando” as elites
de forma ineficiente. Se o consumo não era, por si, suficiente para deixar claras as diferenças, a cultura seria, pelo pensamento da época, definitiva. “A simples posse dos bens não garantia o status. O que distinguiria e determinaria um grupo é a ‘honra estamental’ expressa pelo ‘estilo de vida’ e pela busca de privilégios, como o direito a dedicar-se a certas artes por ‘diletantismo’. O grupo cafeicultor desenvolveu uma série de relações simbólicas que se transformam em marcas de distinção”, lembra Claudia. Curiosamente, como se verifica hoje, a falsificação foi mais um elemento a obrigar as elites a inventar novas formas de se diferenciarem que não apenas pelo consumo de luxo. Só que, naquela época, essas formas alternativas acabaram determinando os rumos do desenvolvimento industrial. “A indústria nacional não dava conta da demanda por importados e era muito restrita, não apenas porque não possuía capitais próprios, tendo que depender sempre do setor agroexportador, mas também porque, na ausência desses capitais, a indústria se restringiu à produção de pentes, chapéus, tecidos, que, em sua maior parte, imitam padrões estrangeiros, fontes de status”, explica Milena. O parque industrial torna-se cada vez mais fragmentado e sua integração quase impossível, já que apenas uma concentração de renda, então inviável, seria capaz de reuni-lo. “As formas de compensação encontradas, a imitação e a falsificação, são produtos da lentidão da indústria nacional e sua incapacidade em generalizar os padrões. Esses mecanismos escusos promovem a generalização dos padrões de consumo pelo país e permitem às camadas ascendentes a solução ideal para a falta de recursos e a sede de status.” Para a pesquisadora, esse é mais um exemplo de que comportamentos presentes na formação do capitalismo brasileiro continuam orientando ainda hoje hábitos de consumo e reconstrução de hierarquias, como se pode verificar
na pesquisa feita pela economista Karen Perrotta em seu doutorado A preferência da marca no processo de decisão de compra do segmento de baixa renda, defendida na FEA-USP sob orientação de Geraldo Toledo. “Mulheres com famílias de ganhos mensais até cinco salários mínimos optam mesmo é pela marca em suas compras, levando em conta o ‘valor’ que o produto representa para ela. Ela compra um achocolatado de marca para o filho, mas para fazer um bolo compra um de marca inferior. Mostrar ao vizinho uma embalagem de sabão em pó da marca mais conhecida pode significar ascensão social. Há uma nítida opção pela marca em detrimento do preço”, analisa a pesquisadora.
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sso ocorre agora em razão do passado. “Não se consegue explicar o desenvolvimento da dinâmica capitalista e a nossa modernidade apenas por ‘condições externas’, mas como o fruto de um projeto de nação específico. Nisso, o consumo, ao lado das transformações urbanas, foi um dos elementos centrais da modernidade periférica. A fusão de um projeto nacional específico portado pelas novas classes e facções de classes nascidas das transformações sociais de fins do século XIX, o modo como expressam o seu poder pelo consumo e, por fim, como este se reporta à base produtiva incipiente compõem a base de um capitalismo muito especial”, avalia Milena. Embora os produtos que alimentavam a diferenciação viessem do exterior, era a dinâmica interna do conflito de classes que direcionava os seus usos. “O consumo de importados, então, não se resume a uma mera aceitação passiva de oferta imperialista, mas a um arranjo interno entre as classes que direcionou não apenas o consumo, mas a sua relação com a indústria.” A antecipação do consumo em relação à produção seria uma das tantas explicações para o atraso e para a continuidade da dependência. “A modernização capitalista periférica, ao ser muito veloz, dá continuidade à exclusão. As funções de inclusão, ao serem deixadas ao sabor do mercado e sem uma base produtiva, reforçam as tendências espúrias de difusão e, logo, a continuidade da dependência”, completa Milena. Não se pode negar que o povo gosta mesmo é de luxo, ainda que isso seja a sua miséria. n
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História
A ciência feita na raça
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les tinham bem mais do que 1% de talento, mas, como Thomas Edison avisara, “transpiraram” 99% do seu tempo para dar à ciência brasileira a sua fagulha inicial. Criticados e ridicularizados por seus contemporâneos apesar de seus esforços em “fazer o Brasil ser mais e melhor conhecido pelos nossos do que por estranhos estrangeiros”, como afirmou Gonçalves Dias na sessão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) que, em 1856, diante de dom Pedro II, instituiu a Comissão Científica de Exploração, reunião pioneira de naturalistas que, em 1859, partiu para o Ceará a fim de “descobrir” cientificamente o país. O empreendimento ficou pejorativamente conhecido na imprensa, que não viu “utilidade” nos exemplares trazidos pelo grupo para o Museu Nacional, como “Comissão das Borboletas”. Tentaram organizar várias instituições científicas e, cientes de que “publicar é preciso”, escreviam artigos para todo e qualquer tipo de revista. A maioria delas, porém, não era dirigida a um público que não se interessava por ciências, mas por literatura. Não importava: se havia espaço eles emplacavam artigos que poderiam ser descrições de espécies botânicas escritas em latim. A estratégia era aproveitar a circulação ampla desses veículos e torcer para que, com sorte, os textos fossem traduzidos e enviados ao exterior e se desse a conhecer que no Brasil havia cientistas trabalhando a sério. Apesar de todo esse “suor” a historiografia preferiu, por um bom tempo, ver nesses naturalistas amadores bem-intencionados, mas não uma comunidade científica, que teria surgido apenas na criação das universidades. “Esses naturalistas eram muito atuantes, atualizados em relação à produção científica europeia e se consideravam colaboradores para o progresso da ciência. Criticavam as publicações estrangeiras de acordo com seus valores ao invés de aceitar passivamente o que vinha de fora. Foram eles que delinearam a pesquisa científica em sua época e contribuíram na formação das gerações futuras”,
Naturalistas brasileiros criaram uma comunidade científica nacional antes das universidades
explica a bióloga Rachel Pinheiro, parte de uma geração de historiadores das ciências que vê na formação científica brasileira continuidade, o tal “apoiar-se nos ombros dos gigantes”, e não como fruto de um “estalo” que a fez surgir do nada. A pesquisadora acaba de defender a sua contribuição na tese de doutorado O que nossos cientistas escreviam: algumas das publicações em ciências no Brasil do século XIX, orientada por Margaret Lopes, na Unicamp. “Esse grupo adaptou modelos do fazer já existentes, por meio da formação de associações e instituições científicas, para a realidade brasileira, numa notável aclimatação da ciência e das instituições estrangeiras ao país. Havia crítica e julgamento das produções europeias e também diálogos, em que naturalistas nacionais e europeus trocavam ideias e realizavam trabalhos conjuntos.” No entanto, os nomes desses “transpiradores” talentosos continuam conhecidos por poucos: Guilherme Schüch de Capanema, Francisco Freire Allemão, Franciso Leopoldo Burlamaque e, na “coluna das exceções”, Manoel Ferreira Lagos e Manoel Araújo Porto-Alegre. “Esses cientistas, que tiveram uma atividade prática intensa, foram protagonistas na consolidação de uma verdadeira comunidade científica no Brasil, já no século XIX, esforçando-se para conseguir reconhecimento internacional e estabelecer um espaço para a prática científica, publicação e divulgação da ciência feita no país”, avalia a pesquisadora. A reuni-los, o vínculo com o IHGB, o entusiasmo pela Comissão Científica, as ligações estreitas com o Museu Nacional do Rio e a Escola Militar e, acima de tudo, o fato de que boa parte deles tinha cargos públicos no governo imperial, então o grande incentivador das ciências no Brasil e, em particular, do trabalho desses naturalistas. Ter o auge da produção deles localizadas entre 1850 e 1870 é a comprovação decisiva para entender em que grande projeto de sua época estavam envolvidos. “Era o momento em que o Estado estimulava que se pensasse, em várias instâncias, o Brasil como uma nação moderna,
Reprodução
A ciência feita para chegar na raiz das questões: herança do grupo
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ligados à Escola Militar, seguindo o surto de modernização vivido no Brasil pós-1870, começaram a organizar associações técnico-científicas que permitiriam, no futuro, que o país pudesse chegar, enfim, ao “nível de civilização” desejado. “Esse momento expressa o desabrochar da cisão entre ‘ciência pura’ e ‘ciência aplicada’ que não existia até então. No IHGB um grupo desses homens dedicou-se a achar um espaço institucional para as ciências naturais, comparando-o a uma academia de ciências. Um resultado importante desse grupo foi a Comissão Científica, de 1859, que, além do papel de valorização da ciência brasileira, também tinha cunho aplicado: a possibilidade da descoberta de algum recurso natural que se tornasse lucrativo, bem como forneceria subsídios para a ação governamental ao mapear as riquezas naturais, a catequese de índios, a descoberta e a construção de vias de comunicação etc.”, nota a pesquisadora. Allemão - Mas seus esforços, observa Rachel,
em especial no IHGB. Eles se envolveram nessas questões de formação de uma identidade nacional e para essa elite a modernidade seria alcançada através da instrução e desenvolvimento científicos”, diz Rachel. “Grande parte deles, aliás, era a favor da abolição da escravidão, não por questões humanitárias, mas por acreditar que aquela era uma força de trabalho ultrapassada para um momento em que o cultivo agrícola já apresentava certo grau de mecanização.” Basta lembrar que, desde pelo menos a década de 1830, existia a proposta da criação de uma instituição de ensino de ciências naturais, então uma disciplina acessória à medicina e à engenharia. “Se a ideia era consolidar um império na América, era preciso construir uma identidade própria. Assim, depois de reproduzir instituições da metrópole no novo reino, era preciso não só consolidar esses espaços, mas criar novos. Em todos havia uma comunidade científica que, ao menos parcialmente, já estava formada no Brasil e buscava criar uma problemática científica própria, tendo o país como objeto de investigação”, analisa Silvia Figueirôa, especialista em história das ciências e professora titular do Instituto de Geociências da Unicamp. Muitos engenheiros, 88
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não ficaram restritos apenas ao IHGB como mostram a criação, em 1850, idealizada por Francisco Allemão, da Sociedade Vellosiana, o início de uma separação institucional entre a história natural e outras, como as engenharias, física e matemática, cujas reuniões, com o beneplácito do imperador, aconteciam no Museu Nacional. Ou ainda pela organização da Palestra Científica, instituída, em 1856, na Escola Militar, por Guilherme de Capanema, que deveria “ocuparse do estudo das ciências físicas e matemáticas, principalmente com aplicação ao Brasil”. Ambas, com maior ou menor sucesso, perceberam que era preciso ter bases numa publicação que divulgasse suas ideias: a Vellosiana contou com a revista Guanabara, “uma revista mensal artística, científica e literária”, enquanto a Palestra Científica teve o apoio da Revista Brasileira, “jornal de ciências, letras e artes”. “O caráter disperso das publicações em história natural e ciências no Brasil do século XIX ajuda a compor a imagem de naturalistas que não publicavam e que, portanto, não praticavam a ciência moderna. Mais numerosas do que se pensava, embora em menor número do que as iniciativas europeias, as publicações científicas brasileiras, no entanto, eram valorizadas no seu tempo como essenciais no fazer ciência pelos próprios naturalistas”, afirma Rachel. Isso levou a pesquisadora a buscar em revistas não especializadas em ciências textos científicos e encontrou um material rico e, em grande parte, ainda inédito na historiografia das ciências. “Num levantamento preliminar na Biblioteca Nacional, encontrei, entre 1840 e 1870, mais de 40 periódicos que traziam no título termos que evidenciavam a presença de publicações científicas”, conta.
nários ou dirigentes contratados para tal. Não estavam sozinhos ou isolados do mundo e buscavam as informações mais atualizadas sobre a ciência europeia, realizando, porém, um processo de aclimatação dessas ciências”, avalia Rachel. “Ao mesmo tempo, eles buscavam o fortalecimento político e social por meio da formação de associações científicas, como a Vellosiana ou a Palestra Científica.” Todos igualmente concordavam com a necessidade de divulgar suas descobertas e para isso foram feitos muitos esforços para viabilizar a existência de revistas que trouxessem em suas páginas, fossem ou não especializadas, a produção científica desses naturalistas. Assim, mesmo que não se pudesse considerar a maioria desses periódicos como científicos, eles certamente contribuíram para a formação da cultura científica brasileira do tempo. “Foram uma forma de divulgação, meio de comunicação com o público e vias de escape de artigos científicos para o meio especializado. Tudo isso contribui para a consolidação do paradigma por meio do qual não se contesta mais a existência de atividades científicas no Brasil anteriores às universidades. É possível mesmo afirmar-se, por todos os aspectos levantados por esse grupo, a importância que eles tiveram na elaboração das universidades no Brasil.” Depois de tanto transpirar, é preciso reconhecer n neles 99% de puro talento brasileiro.
Carlos Haag
reproduções do livro A comédia Urbana: de Daumier a Porto-Alegre
Outro espaço importante para o grupo eram as chamadas Exposições Universais, em voga na segunda metade do século XIX, pois elas “possibilitavam às nações demonstrar o seu potencial natural e industrial e afirmar o seu papel e espaço no cenário internacional”. “No caso brasileiro, em meados da década de 1850, o processo de institucionalização das ciências naturais e a emergência de uma comunidade científica chamaram a atenção dos naturalistas para esse ‘potencial natural’, que representaria um caminho para o enriquecimento e o crescimento do Brasil por meio de sua indústria”, explica a pesquisadora. Nesse entendimento, nota Rachel, a participação do país, com suas riquezas e, logo, seu potencial industrial, nas Exposições Universais seria um modo efetivo de demonstrar para as nações o grau de esclarecimento e conhecimento que o Brasil tinha do seu próprio potencial. Por essa lógica, elas seriam um meio eficaz de propaganda atraindo compradores e investidores estrangeiros. “Isso estava em sintonia com o momento da história da ciência em que se deixou de concentrar de forma exclusiva na produção para privilegiar a comunicação de ideias, práticas e valores científicos.” “Por todas essas razões, considerar a comunidade científica de meados do século XIX é focar na prática da ciência de modo coletivo e institucional. Os cientistas da época tinham suas atividades profissionais em instituições, funcio-
Floresta brasileira (1853) no traço de Manoel de Araújo Porto-Alegre
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Maternidade - eliseu visconti, 1906
Revistas femininas da década de 1920 foram usadas na difusão de um novo papel da maternidade | Gonçalo Junior
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Mídia
A criação da
mãe moderna
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squeça o instinto materno, as dicas de mães, tias e avós. Na década de 1920, ser mãe de classe média exigia principalmente estar atenta e bem-informada sobre as orientações de como cuidar do filho estampadas nas páginas das revistas femininas, a partir da defesa e difusão de um discurso maternalista. Por meio de matérias e artigos e de pu blicidade dirigidos a mulheres, profissionais médicos reconheciam a presença de um instinto maternal inerente à natureza feminina, mas o consideravam insuficiente para a criação saudável dos filhos. Os chamados médicos higienistas se tornaram, assim, crescentemente presentes, ancorados nos pressupostos da higiene – e sua concepção de saúde como responsabilidade individual e alvo de processo educativo próprio. Esses profissionais eram informados pelos conhecimentos da eugenia e embebidos na atmosfera nacionalista que enxergava a viabilidade brasileira através de suas crianças. Apresentavam-se, portanto, como autoridades na promoção e na manutenção da saúde das crianças. Para isso dedicaram-se, tanto em consultórios e hospitais quanto nas páginas de revistas e de livros, a uma campanha sistemática em prol do exercício de uma maternidade de base científica, orientada pelos princípios médicos da puericultura (especialidade da pediatria voltada para o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento das crianças). “Ao se apoiarem na suprema-
cia da ciência e da razão sobre a emoção – e nesse plano ganhando sua legitimidade –, os médicos ofereciam um amplo e diversificado estoque de ensinamentos técnicos para guiar a conduta das mulheres na criação de seus filhos, em substituição aos ‘antigos’ dogmas religiosos ou palpites de curiosas, vizinhas ou avós, considerados perniciosos e ‘arcaicos’. Usar e fazer ciência: este seria o novo papel social da mãe moderna”, explica a médica Maria Martha de Luna Freire, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutora em história das ciências e da saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e professora do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF). Maria Martha é autora da tese Mulheres, mães e médicos: discurso maternalista em revistas femininas (Rio de Janeiro e São Paulo, década de 1920), que acaba de sair em livro com o título Mulheres, mães e médicos – Discurso maternalista no Brasil (264 páginas, R$ 35), pela Editora FGV. Em seu estudo, ela se debruçou sobre duas publicações importantes da década de
1920: Vida Doméstica (1920-1963) e Revista Feminina (1914-1936). Os artigos assinados por médicos, explica, habitualmente recebiam títulos que reforçavam essa identidade, como “Palestra médica”, “Conselho médico”, “Puericultura”, “Medicina doméstica” ou “Medicina do lar”, e versavam sobre todo o amplo universo infantil: da roupa ao sono, da dentição à alimentação. “Práticas corriqueiras como o banho ou as brincadeiras infantis adquiriam a dimensão de rituais higiênicos, ocupando muitas páginas das revistas com explicações pormenorizadas dos procedimentos”, diz. Nesse contexto, novos “objetos de saúde” eram apresentados e seu uso estimulado como prerrogativa da mãe moderna, como o termômetro doméstico e a balança. O psiquismo da criança, desse modo, “passou a merecer cuidados especiais, por exemplo, com sugestões de estratégias para controlar o medo e a teimosia e o estímulo a leituras ‘sadias’”. Já os costumes associados à herança colonial, como o de embalar as crianças, eram fortemente condenados com base nos preceitos científicos. Segundo PESQUISA FAPESP 163
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reproduções do livro caricaturistas brasileiros, Pedro Corrêa do Lago
No momento histórico em que a construção da nacionalidade adquiria papel central e a função maternal consolidava-se como preocupação de ordem pública, prossegue Maria Martha, a valorização da maternidade − ganhando novo significado como a valorização da própria nação brasileira − adquiriu maior força argumentativa e forneceu renovada justificativa tanto para o discurso médico quanto para o feminista. “Ao tornar as mulheres − na qualidade de mães − responsáveis pela formação dos futuros cidadãos brasileiros, tal concepção de maternidade lhe agregaria o status de função social, elevando também o prestígio dos médicos dedicados à higiene infantil. Assim, se esses profissionais enxergaram na valorização da maternidade um caminho para obterem reconhecimento e legitimação profissional, para as mulheres tal perspectiva representava uma maneira de extrapolar o espaço doméstico e melhorar sua posição social.” Articulistas - A qualificação das re-
a pesquisadora, a alimentação infantil foi o campo mais explorado pelas matérias das revistas consultadas, principalmente no que se referia à defesa da amamentação – lado a lado com a prescrição de substitutos ao leite materno. “Ao transformar a alimentação em nutrição, e a cozinha em laboratório, essas matérias alçavam as mulheres ao status de ‘nutricionistas da família’, valorizando, de um lado, a função maternal, e, de outro, facilitando o acesso à profissionalização feminina no campo da nutrição.” Mãe de quatro filhos, Maria Martha conta que vivenciou as dores e alegrias de gestar, parir e cuidar de crianças. Como médica, dedicou muitos anos de sua atividade profissional à puericultura. “Transitei, portanto, na dupla dimen92
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são de agente e receptora das práticas de puericultura.” Nesse meio tempo, ela acumulou reflexões e questionamentos quanto às origens, aspectos ideológicos e limites da puericultura como campo de prática médica. A pesquisa para o doutorado a levou a concluir que a maternidade científica constituiu uma das dimensões do discurso maternalista, ao articular tanto os princípios científicos da puericultura − como principal ferramenta de ação médica − quanto os argumentos produzidos pelos movimentos feministas. “O discurso da maternidade científica, apesar de enunciado pelos médicos, não se reduziu, portanto, à autoridade destes, mas emergiu da confluência de seus interesses comuns com as mulheres − coprotagonistas da ação.”
vistas femininas como espaço social de construção da aliança negociada entre mulheres e médicos se mostrou acertada na opinião da pesquisadora. “Concluí que a partir da dimensão compartilhada de modernidade as revistas conformaram o ambiente de circulação cultural adequado para a difusão do ideário da maternidade científica.” O crescente quantitativo de matérias que versavam sobre a maneira científica de cuidar das crianças e a fidelidade das assinantes confirmavam o interesse das leitoras no assunto. “As manifestações na seção de correspondência da Revista Feminina enalteciam a qualidade do periódico, noticiavam eventos feministas ou acontecimentos sociais e solicitavam orientação sobre questões de ordem variada − de moda a receitas culinárias.” Já a coluna do Dr. Wittrock, em Vida Doméstica, recebia perguntas mais específicas sobre os cuidados com as crianças, o que a transformava em verdadeiro “consultório médico”.
Mulheres participaram ativamente da construção e difusão da maternidade científica Da mesma maneira, a progressiva substituição dos anúncios publicitários relativos ao campo dos insumos agrícolas e da zootecnia por reclames do campo da alimentação infantil − particularmente mais explícito em Vida Doméstica − representou outro sinal da penetração do discurso médico maternalista. “A análise do perfil dos articulistas forneceu outro indicativo da ade quação das revistas femininas. Entre os colaboradores de Vida Doméstica e Revista Feminina, encontrei representantes da elite intelectual e médica da época, como Aprygio Gonzaga, Osorio Lopes, Antonio Wittrock, J. P. Fontenelle e Octavio Gonzaga.” Muitos desses autores ocupavam cargos de direção ou funções prestigiadas em instituições públicas, como o doutor Fontenelle − inspetor sanitário do Departamento de Saúde Pública e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Higiene −, o que confirmava ainda a capilaridade do movimento sanitarista brasileiro, como estratégia essencial do projeto reformista. Da mesma forma, Maria Martha localizou entre os articulistas várias escritoras renomadas, como Ana de Castro Osorio, Chrysanthème, Condessa de Pardo Bazan e Maria de Eça − militantes de movimentos feministas e colaboradoras de periódicos em vários países −, o que reforçou o pressuposto da associação entre os ideários higienista, maternalista e feminista. “A presença simultânea de assinaturas tão distintas demonstra que o discurso maternalista expresso nas revistas femininas não se originava exclusivamente da comunidade médica, mas espelhava a convergência de interesses por parte de médicos e mulheres na construção do novo papel feminino de mãe. Os dois primeiros anos da pesquisa de Maria Martha foram dedicados à reflexão teórica. A análise das fontes durou cerca de um ano, seguida de mais um ano para a redação final da tese. “Inicialmente localizei todas as revistas femininas que circularam na década de 1920, e, após uma análise preliminar, selecionei Vida Doméstica e Revista Femi-
nina como representativas desse gênero de periódico, o qual prevê um conjunto de atributos, no que se refere à forma e ao conteúdo, habitualmente associados ao universo feminino – basicamente a moda e a literatura.” Ela observa que o longo período de circulação – 43 anos, a primeira; e 22 anos, a segunda – atestava a sua boa recepção e autorizava que fossem tomadas por exemplares do gênero. Foram examinados todos os exemplares das revistas produzidos na década de 1920, num total de 243 números. Urbano - Através dos artigos publi-
cados nas revistas, foi possível para a médica-pesquisadora perceber que as mulheres das camadas alta e média dos principais centros urbanos participaram ativamente da construção e difusão da ideologia da maternidade científica. “Ao reafirmarem a vinculação da função maternal à sua natureza
e a compatibilidade de tal atribuição com outros papéis femininos, muitas dessas mulheres, em particular aquelas vinculadas aos movimentos feministas, aproveitaram a concepção de maternidade – como dimensão exclusiva do gênero – para aumentar seu poder e facilitar a reivindicação de outros direitos.” Endossaram, portanto, a ideologia da maternidade científica, enxergando na aliança com os médicos − e adesão aos princípios científicos da puericultura − meios para transformar a maternidade no papel social feminino. Para essas mulheres, conclui Maria Martha, o exercício da maternidade científica, ao representar acesso ao espaço socialmente reconhecido da ciência − até então de domínio quase exclusivamente masculino −, constituiu caminho potencial de inserção dessas no espaço público − via filantropia ou n trabalho profissional.
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Um lugar longe do mundo Estudo sobre as prisões da Ilha Grande revela permanência de erros no sistema penal brasileiro CARLOS HAAG
oje a Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro, é conhecida pela sua beleza natural, um baluarte defendido por ecologistas e turistas conscientes. Poucos deles, porém, sabem ou querem saber que o paraíso verde foi conhecido, por mais de um século, como o "caldeirão do inferno", um conjunto de colônias correcionais, prisões e penitenciárias onde os presos eram submetidos a toda espécie de maus-tratos, assassinatos, estupros e toda a forma de violência, justamente pelo fato de que estavam distantes da civilização, isolados, e sujeitos às"leis"dos seus carcereiros. Apreocupação com a situação atual do sistema penal brasileiro levou a historiadora Myrian Sepúlveda dos Santos, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a recuperar a história das práticas carcerárias da Ilha Grande. "Compreender os processos de criação e funcionamento dos cárceres é uma das chaves que nos permitem visualizar estruturas naturalizadas no presente. A volta ao passado nos possibilita refletir melhor não só sobre a falência das instituições penitenciárias como também sobre a capacidade da sociedade brasileira de enganarse a si própria", escreve a pesquisadora. Afinal, quando o primeiro estabelecimento penal da Ilha Grande, a Colônia Correcional de Dois Rios, foi instalada na região em 1894 pretendia-se usar a região, paradisíaca, como o projeto modelo de um sistema carcerário "humano", em que os "presos seriam recuperados a partir do tra-
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Os porões da República: a barbárie nas prisões da Ilha Grande
(1894-1945) Myrian Sepúlveda dos Santos Garamond/Faperj 336 páginas R$ 44,00
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balho e da educação". Nada mais distante do que a lei da realidade: os miseráveis (a quase totalidade dos presos era de estratos pobres da sociedade) eram chicoteados, humilhados, submetidos às mais terríveis condições de higiene, enviados à ilha para morrer, como se pode verificar pelo alto nível de óbitos registrados. Após a chegada de Vargas ao poder, na década de 1930, a Ilha Grande ficou abarrotada de presos políticos, mas dessa vez havia testemunhas que retrataram o que passaram, como Graciliano Ramos, em 1936, em Memórias do cárcere, e Orígenes Lessa, preso em 1932 por ter participado da Revolução Constitucionalista. Durante o Estado Novo, para dar conta do número elevado de novos internos, foram construídas duas novas penitenciárias agrícolas. A arquitetura dos prédios até podia ser renovadora, mas o tratamento continuou pautado pela violência extremada. Há mesmo ofícios relatando presas mulheres que eram destinadas a guardas penitenciários. Longe dos olhos, era possível ficar longe do coração e trabalhar pelas leis da barbárie. As fugas, por exemplo, eram punidas com espancamento até a morte e os militares que saíam em busca dos fugitivos ficaram conhecidos como "cachorrinhos do mato", para dar uma ideia do seu modo de operação. Ainda hoje boa parte da população da ilha é composta por antigos guardas e seus descendentes. Em 1960 os presídios passaram para a administração estadual e dois anos mais tarde, por ordem do governador Carlos Lacerda, muitas edificações foram dinamitadas. Durante a ditadura militar foram enviados para a Ilha Grande presos políticos que acabaram obrigados a conviver com antigos "moradores" da prisão, criminosos comuns, como mostrou o filme Quase dois irmãos (2005), de Lúcia Murat. Para muitos, foi dessa reunião que nasceu o crime organizado que tomou conta do Rio de Janeiro. Pela prisão passaram ainda Madame Satã, líderes do Comando Vermelho, Lúcio Flávio e Mariel Mariscot, bem como os bicheiros Natal da Portela e Castor de Andrade. Em 1986, a fuga espetacular de Escadinha, resgatado da prisão por um helicóptero, trouxe novamente destaque para a Ilha Grande, que em 1994 foi enfim desativada. Ainda assim a sua história ainda é das mais atuais e um aviso para se repensar as prisões brasileiras, a despeito da falsa ideia, corrente na sociedade e na mídia, de que a crueldade com os presos é uma vingança justa.
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LIVROS
Jean Vigo e viqo. vulgo Almereyda
Feios, sujos e malvados sob medida
Paulo Emílio Sales Gomes, organização: Carlos Calil Cosac Naify / Edições Sesc SP 504 e 272 páginas, R$ 43,50
Luis Feria Alameda Editorial 428 páginas, R$ 62,00
O determinismo biológico presente na medicina e na criminologia no início do século XX não é um acontecimento isolado no tempo. A partir dessa hipótese, Luis Feria investiga a densidade histórica do tema, analisando os problemas sociais dos indivíduos considerados "feios, sujos e malvados': problematizando a patologização dos comportamentos antissociais, ou "desviados': e as articulações entre ciência e "defesa social"
O intelectual do cinema Paulo Emílio escreveu o vasto estudo sobre Iean Vigo em Paris, entre 1946 e 1954. Seu estudo, hoje considerado um clássico da historiografia do cinema, sobre o cineasta francês reconstrói, através de uma vasta documentação, a vida de Vigo e de seu pai, Almereyda. A escolha revela a notável sabedoria do pesquisador, que compreendeu ser necessário associar as duas trajetórias, do pai e do filho, para compor um retrato da vida e da obra de Iean Vigo.
Alameda Editorial (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br
Cosac Naify (11) 3218-1444 www.cosacnaify.com.br
o governo
Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo
dos povos
Laura de Mello e Souza, Junia Furtado e Maria Fernanda Bicalho (orgs.) Alameda Editorial 560 páginas, R$ 65,00
Oswaldo Mário Serra Truzzi Editora Unesp 356 páginas, R$ 50,00
O livro reúne análises de "O governo dos povos", inicialmente um colóquio realizado em Parati em 2005. Artigos de diversos historiadores inserem a história brasileira num contexto mais amplo, relacionando-a com diferentes partes do mundo português, como a África ou a Índia, colocando lado a lado as diversas tendências que integram o debate historiográfico luso-brasileiro.
Oswaldo Truzzi acrescenta à história da imigração sua pesquisa sobre sírios, libaneses e seus descendentes, que se referem uns aos outros como patrícios - um grupo urbano que formou uma colônia numerosa no estado de São Paulo. O livro aborda as trajetórias sociais por eles percorridas entre os anos 1990 do século XIX e a década de 1960 do século passado. Editora Unesp (11) 3242·7171 www.editoraunesp.com.br
Alameda Editorial (11) 3862-0850 www.alamedaeditorial.com.br
Aulas de Anatol Rosenfeld: a arte do teatro
Cartas escolhidas, de Michelangelo Buonarroti
Publifolha 408 páginas, R$ 34,90
CARTAS ESCOLHIDAS
Maria Berbara Editora Unicamp / Editora Unifesp 224 páginas, R$ 46,00
O alemão Anatol Rosenfeld, fugido do nazismo, chegou ao Brasil em 1937 e se transformou em referência para os estudiosos teatrais. Suas aulas, concorridas, foram recuperadas por Neusa Martins, que as transcreveu e as conservou para a posteridade. O resultado é um panorama do teatro, da tragédia grega, passando por Ibsen, Pirandello e Brecht até o teatro brasileiro contemporâneo.
Maria Berbara traduziu neste livro cartas inéditas do artista renascentista italiano Michelangelo, extraídas do original de uma seleção de cartas escritas entre 1496 e 1563. O trabalho constitui um importante documento histórico, tanto pelos aspectos trazidos da Renascença quanto por abordar episódios e projetos artísticos da época.
Publifolha (11) 3224-2186 www.publifolha.com.br
Editora Unifesp (11) 3369-4056 www.fapunifesp.edu.br/edito ra
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... FICÇÃO
Singularidade
Simone Campos
I.
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recisava comprar meu vestido de formatura. Minha avó fazia questão. Naquele momento, porém, ela estava de cama. The flu, dissera o médico. Eu suspeitara de dengue, pois havíamos tirado nossas últimas férias no Brasil, mas ele descartou a possibilidade. Desconfiada, mandei chamar um especialista, que confirmou o diagnóstico. Sossegue, ordenou minha avó, que só falava português comigo. Só quero uma coisa: te ver num vestido tão lindo que me levante dessa cama. Adentrei o shopping disposta a comprar o primeiro vestido que coubesse. Eu apenas imitava o gosto da minha avó: clássico, perolado, republicano. Ela acharia bonito de qualquer forma, porque eu era a sua neta. Examinei o mapa fincado no meio da praça de alimentação e me dirigi a uma loja enorme, das que vendem gowns de todo gênero e preço. Sendo época das formaturas, a loja estava lotada, e tive dificuldades para ser atendida. Talvez eu parecesse paisagem por não estar usando um fio-dental por fora da calça e unhas falsas como 90% das meninas ali. Numa coisa minha avó estava certa: era preciso ir naquela época ou não sobraria vestido. Quando finalmente consegui a atenção de uma vendedora, ela começou me trazendo os vestidos mais inadequados. Provavelmente, pelos meus 17 anos, estava pensando que era formatura da high school. Não enxergou a formanda do college, já com experiência em pesquisa e analisando opções de mestrado. Mas antes eu precisava me formar. Ressalvei que queria algo mais em conta e o mais discreto possível. Vestidos discretos, até que tinham. Em conta, nem tanto. O dinheiro nem era tão pouco, mas meu cérebro era seu consumidor mais voraz e ciumento e, por isso mesmo, não fazia grandes provisões para futilidades. Depois de experimentar vários, voltei às araras para procurar novos candidatos na faixa de preço imediatamente acima. Eu não conseguia chegar porque um homem de terno cor de tomate me barrava o caminho; tentei desviar dele, mas ele parecia determinado a falar comigo. — Tire esses óculos, por favor. 96
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Ele falava como se estivesse prestes a me reconhecer como filha perdida. Obedeci e tirei os óculos. — Solta a... a trança. Ele esqueceu o por favor, mas obedeci assim mesmo. Sacudi de leve a cabeça. — Isso mesmo. Isso mesmo — murmurou ele, começando a andar pela loja, olhando para o chão. As vendedoras pararam de atender: olhos pregados nele, sustinham os vestidos no ar. As freguesas as imitavam, mas cambiavam a atenção entre eu e ele. — Você... — irrompeu ele de súbito — ... vai ser grande. (Pegou minhas mãos e soltou.) Aqui. Ele me olhava nos olhos, a poucos centímetros. Focalizei. Percebi que, com o “aqui”, mais abaixo um pedaço de papel me era estendido. Acolhi-o e aproximei bastante: era um cartão. Impossível saber o que dizia, mas, sem dúvida, era um cartão. Aquela situação estava me desestabilizando. Alcancei os óculos que estavam pendurados no decote, desdobrei-os e recoloquei no lugar, enquanto virava as costas para a loja inteira (ainda me fitando) e, desajustada de vista, tateava o caminho até a cabine mais próxima, como uma tartaruga para dentro do casco. Ele disse que tudo bem; que até isso eu fizera com elegância, como uma verdadeira estrela (Greta Garbo, suponho). E, depois, quando saí da cabine, trança refeita, descobri que o gentil senhor deixara pago um vestido antes de sair da loja. Não o que eu estava experimentando. Um muito mais caro. Da arara mais altiva. No vestido verde-água escolhido por Jack eu não destoava tanto dos meus colegas quanto já destoara aos doze. Eu parecia all grown-up. As meninas que me devotavam um tratamento silencioso mudaram o tema: estavam fazendo o benchmarking da minha transformação (fofocando, fofocando). Os meninos tinham uma expressão mais dolorosa: como não percebi isso antes? Who would’ve thought, the wunderkind is hot. Depois de temporadas generosas no Japão e na Alemanha, deixei Jack em Viena, onde eu vivera três meses sem conseguir
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LAURA TEIXEIRA
mais do que um casting. A estação era oportuna. Mandei meu currículo para vários lugares, e só após grandes deliberações consegui me decidir por uma instituição em Colônia. II. Evite emoções fortes, dizem aos velhos. Seu coração não pode ir além das 155 bpm. E não sou nenhuma iogue. Mesmo com esses discípulos ao redor, roupa branca, expressão serena. Serena, sim. Dá uma certa serenidade ver que o impossível foi criado, mesmo quando você – e com você quero dizer eu – não estará aqui para ver os desdobramentos. Mas dá também, e principalmente, um frisson. Enquanto eu trabalhava no impossível, minha pele foi ficando mais fofa e fosca, e meus ossos mais encarquilhados; passei a não ovular. Agora que eu já tinha precauções para descer uma escada, e cabelos brancos que me recusava a tingir ou trocar, tinha me candidatado a uma determinada cadeira. Tive de assinar dezenas de papéis e fazer testes e mais testes. — Para quê tudo isso. A cadeira é aqui do lado. Era uma cadeira literal, a que chamávamos de Oráculo — junto do computador quântico que a cercava. Pois é, os arquétipos nos perseguiam ainda. E precisavam perseguir também a máquina, porque queríamos uma salvaguarda contra os excessivamente alardeados perigos da I.A. A máquina funcionava sozinha. Mas a nosso ver faltavam detalhes importantes. Ela tinha senso de autopreservação, mas não sentia medo da morte. Sabia rir de piadas, mas não sabia achá-las ruins. Sabia identificar a beleza, mas não preferia nenhuma. Conforme explicamos para a imprensa: ela não tinha personalidade. Não podíamos usar condenados à morte ou coisa assim porque o ser humano que sentasse naquela cadeira usufruiria de um poder... excessivo. E o problema com os baluartes da sociedade era ser uma via de mão-dupla: por mais que negassem, a sincronia humano-máquina podia ser problemática. Eu também negava.
— Não se trata de cobaia. É mais um... voluntário. Cá pra nós, a palavra correta seria INSUMO. O que descobri incontinênti ao encostar a bunda naquela cadeira. Senti a cabeça latejar de pronto com a avidez da curiosidade invasiva a perscrutar todos os recônditos e caminhos do meu corpo, induzindo todos os canais do que se chamava de “sentimento” através do que se chamava de “memória”. Fui inermemente percorrida por toda a gama de emoções: o maior ódio do mundo, o maior amor do mundo, paz, depressão, tédio mortal, loucura. O equipamento não ia resistir. O cérebro apodreceria nas mãos daquele computador, que não se importava. Não se importava em fazer passar toda a vida diante dos meus olhos – até mesmo aquela que eu não vivera — e cada suco pelo seu duto para medir seu funcionamento. Ele me desmontaria para ver do que eu era feita. Mas de repente ele começou a sondar mais delicado. Ele estava reagindo à minha raiva. E à minha fragilidade. E à minha futilidade, que insistia em embotar minha autopreservação, porque tudo o que importava era o impossível. — Empatia, seu puto — pensei, tamborilando no braço da cadeira. — Xucro. Eu estava salva e, provavelmente, também a humanidade. Pressionada por acionistas, a diretoria considerava desistir da sincronização e soltar a besta-fera no mundo como estava; como meus argumentos mais sensatos tinham falhado, eu fui até a cadeira e sentei. Levantei e fui presa. Presa política. Mas o bem estava feito. Chamaram-no de superinteligência amigável e alugaram. Mas logo tiveram que fazer outros, porque aquele insistia em querer ser top model. Simone Campos é escritora, tradutora e produtora editorial. Estreou na literatura aos 17 anos, com o romance No shopping. É também autora do romance A feia noite, da ficção científica on-line http://penadosyrebeldes.blogspot.com/ Penados y rebeldes e do livro de contos Amostragem complexa. O site da autora é http://simonecampos.blogspot.com PESQUISA FAPESP 163
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