*
Sung Hoon Kang, Boaz Pokroy e Joanna Aizenberg
imagem do mês
Metáfora
microscópica A foto de uma esfera de poliestireno microscópica cercada por fibras de polímeros com diâmetros equivalentes a 1/500 do de um fio de cabelo venceu um concurso anual promovido pela revista Science e pela National Science Foundation, dos Estados Unidos, cujo objetivo é premiar imagens e ilustrações de beleza impactante e capazes de traduzir conceitos científicos potencialmente difíceis de compreender. Os autores da foto, batizada de Save our Earth. Let’s go green (Salve a nossa Terra. Vamos nos tornar verdes), são três pesquisadores da Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da Universidade Harvard e produziram a imagem com um microscópio de varredura eletrônica para demonstrar novas maneiras de controlar a automontagem de polímeros. Segundo eles, o resultado também é uma representação da necessidade de cooperação entre pessoas de todas as áreas para enfrentar, de forma sustentável, as questões fundamentais do planeta.
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CAPA
16 Instrumentos
astronômicos
POLíTICA
CIENTíFICA
>
CIÊNCIA
feitos
nos Andes chilenos ENTREVISTA
30 COOPERAÇÃO
um dos especialistas que mais descreveram
Z NEUROLOGIA Prática de exercícios
Tese discute por que
físicos e consumo
não cresce a participação
de ômega-3 emergem
Sapos da Caatinga têm adaptações fisiológicas para sobreviver
aos
meses sem chuva
da pesquisa brasileira
como tratamentos
GENÉTICA
em redes internacionais
complementares da epilepsia
Equipe de São Paulo
SAÚDE INFANTIL
genético de moscas
10 O biólogo Miguel
Trefaut, da USP, é
58
ZOOLOGIA
E TECNOLÓGICA
no Brasil equipam o telescópio Soar,
>
58
CAPA
34 INTEGRAÇÃO
Ampliação
dos grupos
Mães nem sempre
espécies e gêneros
de trabalho nos Estados Unidos deve acelerar
novos de répteis
aplicações de
no mundo
pesquisa médica
suas crianças estão acima do peso
reconhecem
quando
61
identifica estrutura rara no material
GEOLOGIA
Impacto de meteorito ergueu cadeia de morros no oeste do Rio Grande do Sul
>
SEÇÕES
3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS
7 CARTA DA EDITORA
8 MEMÓRIA
24 ESTRATÉGIAS
38 LABORATÓRIO
62 SCIELO NOTíCIAS
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E
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EDITORIAS
> POLíTICA
C&T
> CIÊNCIA
> TECNOLOGIA
> HUMANIDADES
WWW.REVISTAPESQUISA.FAPESP.BR
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42
>
58 ASTROFíSICA
TECNOLOGIA
do processo de fusão de um grupo de
Novas aptiçações
pequenas galáxias
68 ENGENHARIA
>
74 NANOTECNOLOGIA
Estudo flagra o início
nanotubos de carbono são geradas na USP
QUíMICA
Novos processos de pré-tratamento
82 LITERATURA
O livro que Elizabeth Bishop escreveu
em Ribeirão Preto
do baqaço da cana facilitam
61 FíSICA
Equipe internacional explica comportamento de partículas
a produção
sobre o Brasil 76 ÓPTICA
Pesquisador da Unicamp
de etanol de segunda geração
publica artigo sobre a nova geração
em
experimento que reproduz os momentos iniciais do Universo
88 CIÊNCIA POLíTICA
Ao contrário do mito, parlamentares entram no Congresso
de fibras ópticas
72 QUíMICA
com experiência
Polímero misturado ao etanol faz o
HUMANIDADES
para
80 ENGENHARIA
biocombustível
ELETRÔNICA
percorrer um alcoolduto com mais velocidade
Aparelho destinado
Seminário discute
a deficientes
dilemas da segregação
identifica
92 SOCIOLOGIA
visuais
social brasileira
e comunica
nomes de cores e o valor do dinheiro
s
64 LINHA DE PRODUÇÃO 96 RESENHA 91 LIVROS 98 CLASSIFICADOS
CAPA
LAURA
DAVINA
FOTO RICARDO
ZORZETTO
CARTAS cartas@fapesp.br rUNDAçÃO DE AMPARO À PESQUISA 00 ESTADO DE SÃO PAULO
CELSO lArER PRESIDENTE
JOst
ARANA VARELA VICE·PRESIDENTE CONSELHO
CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, HERMAN JACOBUS CORNElIS VOORWALD, JOSÉ ARANA VARELA, .iosé DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUElY VllELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO CONSELHO
Raios X
Recomendação
Parabéns pelo artigo "Segredos debaixo da tinta" (edição 168). Ao divulgar o interessante trabalho da pesquisadora Cristiane Calza, a revista contribui para que pessoas leigas em física como eu, mas apaixonadas pelas artes plásticas, saibam que a energia nuclear pode ser um grande aliado para melhor conhecer e preservar nosso patrimônio artístico. Tendo em mente que a revista Pesquisa FAPESP divulga, como diz seu título, a ciência e a tecnologia no Brasil, acrescentaria, sobre o mesmo assunto, o trabalho pioneiro desenvolvido pelo Grupo de Física Nuclear Aplicada da Universidade Estadual de Londrina. O grupo tem uma linha de pesquisa em fluorescência de raio X desde 1999, com inúmeros trabalhos com o mesmo foco apresentado na matéria em tela. Uma visita ao site do grupo (www.fisica.uel. br/gfna) permitirá aprofundar as informações trazidas no excelente artigo.
Causou-nos certa preocupação a recomendação dos pesquisadores do Projeto Temático sobre o uso de efluentes de esgotos tratados para irrigação agrícola ("Irrigação alternativa", edição 166) qualificando o sistema de irrigação por gotejamento como o método indicado nessa aplicação. Somos forçados a admitir que, por esquecimento, os pesquisadores consultados ignoraram a alternativa de irrigação por sulcos que, em muitos locais, constitui o único sistema indicado para assegurar o sucesso desse tratamento. Em trabalho que resultou em dissertação de mestrado em nossa unidade universitária, utilizamos a água de um ribeirão que recebia o esgoto urbano da cidade de Botucatu para irrigar plantas de alface por sulcos, em um período de estiagens, com grande concentração de poluentes. Os resultados revelaram que, além dos benefícios nutricionais à cultura, a fração orgânica contida na água comprovadamente poluída contribuiu para melhorar a condição física do solo e que não houve contaminação por coliformes nas plantas, uma vez que a água foi aplicada na superfície do solo. Além disso, todo o material patogênico existente na água foi exposto à ação profilática exerci da pela radiação solar.
contestada
SUPERIOR
TÉCNICO'ADMINISTRATIVO
RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENT(FICO JOAOUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO
CONSELHO EDITORIAL HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTlnco), CARLOS HENRIOUE DE BRlTO CRUZ, CVLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTtNHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, .iost ROBERTO PARRA, LUiS AUGUSTO BARBOSA CORTEl, LuiS FERNANDES LOPEZ, MARIE ANNE VAN SLUYS, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, SÉRGIO OUEIROZ, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLU
unz
DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLlN EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMAHI04DES), FABRICIO MAROUES (POCIncA), MARCOS DE OLIVEIRA (lEOtOLOGIA), RICARDO ZORZETIO (CI(NCIA) EDITORES ESPECIAIS CARlOS FlORAVANTI. MARCOS PIVETTA ([(HÇÃOOH·UND EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUVAMA (COORDENAÇÃO) ARTE MARIA CECILIA FELU E JÚllA
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Marcello Damy Li a homenagem muito justa que vocês prestaram a Damy, grande cientista e empreendedor ("Talento e energia': edição 167). No entanto vocês cometeram uma injustiça ao esquecer de mencionar que a instalação do reator não foi somente obra de Damy, mas sim dele e de Paulo Saraiva de Toledo, professor do Instituto de Física da USP, físico de renome internacional, naquele momento trabalhando em estreita colaboração com Damy, O professor Saraiva teve atuação extremamente relevante na instalação do reator e vocês nem sequer mencionaram seu nome junto ao de outros que trabalharam com Damy. Gostaria muito que vocês pudessem reparar essa omissão, que, tenho certeza, foi totalmente involuntária. JEANElTE CARDOSO DE MELLO
INSTITUTO
VERIFICADOR
OE CIRCULAÇÃO
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Professora aposentada do IB/USP São Paulo, SP
Iost SCAWPPI FCA/Unesp Botucatu, SP
EDMAR
Correção Na edição de fevereiro o texto "Assíduas em hospitais", sobre a resistência bacteriana a medicamentos, trouxe o nome da bactéria Staphylococcus aureus grafado erroneamente, como
Streptococus aureus.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e·mail cartas@fapesp.br ou para a rua Joaquim Antunes. 727 . 10° andar· CEP 05415·001 . Pinheiros' São Paulo, SP. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
carta da editora
O mirante de estrelas e os textos iluminados Mariluce Moura - Diretora de Redação
objeto de pesquisa abordado pelo editor de humanidades, Carlos Haag, em reportagem a partir da página 82. Para além de um olhar sobre as idas e vindas da relação de Bishop com este país, no qual, entre outras coisas pôde experimentar a profunda viagem emocional por um amor intenso e duradouro, Pesquisa Fapesp oferece ao leitor dois pequenos textos inéditos da escritora sobre o Amazonas. Trechinho: “O menino correu pelo cais e escalou o paredão, arrastando-se, segurando em plantas e pedras. Ele parecia prestes a cair e ser engolido a cada segundo. O capitão apareceu sobre nossas cabeças, na escada, de pijama branco, e atirou na margem o que parecia ser um envelope grosso – por que ele não o entregou ao menino é um mistério (...)”. Melhor ir direto à página 87! Preciso, entretanto, deixar o terreno encharcado de poesia para entrar no campo mais duro e prosaico da tecnologia, onde a editora assistente Dinorah Ereno relata, a partir da página 68, como dois grupos brasileiros de pesquisa desenvolveram novos processos para vencer o grande obstáculo atual à produção do chamado etanol celulósico, qual seja, a conversão química da celulose em glicose, chamada também de hidrólise. No caso brasileiro, isso permitiria aproveitar todo o açúcar contido no bagaço e na palha da cana para a produção do etanol. Os dois grupos propõem atingir ou quebrar os polissacarídeos em que o açúcar de bagaço e palha se encontra estruturado via modos diversos de pré-tratamento da biomassa, um a temperatura ambiente e outro térmico a vapor. Vale a pena ler a reportagem para conferir tudo em detalhes. E encerrando, uma notícia importante para nossos leitores: a redação de Pesquisa FAPESP, juntamente com seus setores de distribuição, circulação e marketing, está deixando por razões operacionais a sede da Fundação, na Pio XI, e se instalando no 10o andar do prédio número 727, da Joaquim Antunes, em Pinheiros. Os e-mails de todas as pessoas vinculadas à revista permanecem os mesmos. Quanto aos telefones, os divulgaremos em breve em nosso site <www.revista pesquisa.fapesp.br>. laurabeatriz
O
impacto visual provocado pela inesperada elegância da cúpula branca e brilhante sobre o telescópio Soar contra o céu azul intenso dos Andes ou a aguda percepção da formidável energia que o planeta acionou para, num remotíssimo passado, fazer levantar, dobrar e redobrar a cordilheira impressionante, certamente não foram pequenos para o autor da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP, o editor de ciência, Ricardo Zorzetto. Mas não o desviaram, ainda bem, de seu foco principal em Cerro Pachón, ou seja, detalhar a recente montagem de um enorme e pesado espectrógrafo no Observatório Austral de Pesquisa Astrofísica, que é o nome por inteiro do Soar, sem esquecer o contexto da coisa. Algo como observar detidamente a árvore sem perder a percepção da floresta, digamos, o que aqui é mesmo total metáfora, já que só um ou outro cacto cortam de vez em quando a aridez extrema da paisagem nos Andes. Vamos, contudo, nos concentrar no espectrógrafo: trata-se, como Zorzetto relata a partir da página 16, do maior e mais complexo equipamento astronômico já feito no Brasil, com 3 mil peças, peso de meia tonelada, cuja função é decompor a luz nos diferentes espectros ou cores que a formam, algumas das quais, como a ultravioleta e a infravermelha, invisíveis para o olho humano. No interior de qualquer espectrógrafo, como ele observa, “a luz de astros próximos ou distantes explode em uma sucessão de cores do arco-íris, em proporções que variam segundo a composição química do objeto observado”. Mas o espectrógrafo instalado no Soar, depois de uma viagem de mais de 3 mil quilômetros desde Itajubá, em Minas, não é um qualquer, e vale a pena ler a reportagem para entender por quê. Permito-me um salto, com certo grau de risco, do mirante de estrelas num cume dos Andes para o interior da subjetividade poética de uma aclamada escritora norte-americana, Elizabeth Bishop. É essa subjetividade que inquestionavelmente está em cena mesmo quando ela busca objetivar seu olhar para falar, por exemplo, do Brasil, por encomenda da editora Time-Life. O contrato resultaria no Brazil, livro de 1962 que logo adiante a autora iria recusar e que recentemente se transformou em
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(1675), de Marcello Malpighi. Este é o título mais antigo do acervo do IB/USP. Trata-se do maior tratado de anatomia de plantas daquela época. Malpighi foi um dos primeiros a usar o microscópio para estudar vegetais e animais.
Acrydium latreillei,
inclusa em Delectus animalium articulorum (1830-34), de Johann Baptist von Spix. Junto com o botânico Martius, o zoólogo Spix viajou por boa parte do Brasil e produziu relatos e desenhos magníficos, como este.
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Diplusodon floribundus,
inclusa em Plantarum brasiliae icones et descriptiones hactenus ineditae (1826-33), de Johann Baptist Emanuel Pohl. As litografias de Wilhelm Sandler, como esta, compõem uma das mais bonitas publicações da flora brasileira.
Reproduções do livro Ciência, história e arte
Anatome plantarum
()
memória
Brilho
do passado
eduardo cesar
Instituto de Biociências da USP lança catálogo de obras raras com o melhor da ciência do século XVIII e XIX Neldson Marcolin
A
Biblioteca do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP) deu uma dupla contribuição à difusão da ciência no começo deste ano. A primeira foi organizar um catálogo de obras raras e especiais de seu acervo. A segunda foi ilustrá-lo com algumas das mais belas e significativas imagens do próprio acervo, feitas em sua maioria por artistas contratados pelos cientistas. Dessas duas ações resultou um catálogo com jeito de livro de arte, que traz o que há de melhor da ciência sistematizada do século XVII ao XIX. Ciência, história e arte (Edusp/Fapesp, 352 páginas) foi idealizado e organizado por Nelsita Trimer, diretora técnica do Serviço de Biblioteca do IB/USP, e levou cinco anos e meio para ficar pronto. A maioria das obras é do século XVIII ao XIX. O acervo foi formado por meio de doações, pela aquisição de outros acervos,
pela transferência de obras da biblioteca da Escola Politécnica e da Faculdade de Farmácia e por títulos importantes identificados no próprio IB. A restauração dos 2.440 títulos começou há 14 anos com recursos da FAPESP, em sua maior parte, Fundação Vitae e do IB. “No meio do processo achei que deveríamos publicar um catálogo com descrições mais rigorosas do que as existentes e ilustrá-lo com as lindas imagens disponíveis”, diz Nelsita. “Nossa sala de obras raras e especiais é pequena, mas tem quase tudo o que foi produzido de importante nas ciências naturais nos últimos três séculos.” Entre elas estão os 40 volumes da Flora brasiliensis (1840-1906), de Carl von Martius, os 11 da Florae fluminensis (1825-27), de frei José Mariano da Conceição Vellozo, Historie naturelle, de Buffon (1825), Le règne animal (1827-38), de George Curvier e Edward Griffith, e outras preciosidades. “A obra é de grande importância, pelo acervo que classifica e revela, e é de impressionante beleza, pelo cuidado e esmero das imagens e dos textos”, diz o linguista Carlos Vogt, presidente da FAPESP na época em que o projeto foi apresentado a ele por Nelsita, e um dos principais incentivadores do projeto. Além da descrição técnica dos livros, há pequenas resenhas e perfis de cientistas escritos por 12 pesquisadores do IB. Veja nestas duas páginas uma amostra de algumas imagens de Ciência, história e arte.
Eucheuma isiforme,
alga da coleção Phycotheca Boreali-Americana (1895-1912), de Frank Collins, Isaac Holden e William Setchell. São 41 volumes encadernando páginas onde foram distendidos 1.900 espécimes de algas. A obra é praticamente um herbário portátil.
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entrevista
Miguel Trefaut Urbano Rodrigues
Entre cobras e lagartos Biólogo da USP descreveu 53 espécies e gêneros novos de répteis Carlos Fioravanti e Neldson Marcolin
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descritas. Entre as 25 revistas que mais apresentaram novas espécies de répteis, estão duas brasileiras, a Papéis Avulsos de Zoologia, do Museu de Zoologia da USP, e a Memórias do Instituto Butantan, hoje extinta. Nesta entrevista Rodrigues conta de sua vida entre cobras e lagartos e de espaços ricos em espécies únicas, como as dunas do rio São Francisco, na qual ele pisou pela primeira vez há 30 anos e para onde voltou outra vez em fevereiro. Aos 57 anos, Rodrigues deve passar duas semanas deste mês de março nas matas da Guiné-Bissau, com o mesmo propósito: encontrar bichos novos e entender melhor como os seres vivos surgiram e evoluíram. n Este trabalho da revista Zootaxa colocou
o senhor entre os 40 maiores descritores de répteis do mundo desde Lineu. Desse grupo de zoólogos, só oito estão vivos. Os outros são de 1700, 1800 ou do início de 1900. Por quê? — Essa é a época em que se descrevia muita coisa. Começou com o Lineu, que criou o sistema binomial de nomenclatura. Depois estão os nomes que dominam a herpetologia mundial, como George Boulenger, do Museu Britânico de História Natural, e os curadores das grandes coleções de museus zoológicos do mundo, como Dumeril do Museu de Paris, que tinha a maior coleção de répteis do mundo do final do século XVIII e início do século XIX, suplantado depois pelo Museu Britânico, que no final do século XIX acabou superando a herpetologia francesa.
Como mostrar que uma espécie é realmente nova? O que o senhor faz, por exemplo, quando traz do campo um animal que suspeita que seja de uma espécie nova? — Como já conheço a literatura sobre as espécies semelhantes, a primeira coisa é pegar as espécies mais conhecidas usadas como modelo para comparações e examinar todas, incluindo a supostamente nova, sob a lupa. Tenho de comparar absolutamente todos os caracteres: o número, tamanho, formato, posição, ornamentação das escamas dorsais, ventrais, da cabeça, cada uma delas com um nome específico; o tamanho e a posição do olho, do ouvido, da narina; a coloração do bicho; o comprimento do corpo, da cabeça e de cada membro; os poros femorais, que são glândulas de feromônios; enfim, uma série bem grande de variáveis. E as estruturas internas, o esqueleto? Podemos fazer uma radiografia ou diafanizar, tornando transparente, e assim por diante. Quando encontro diferenças consistentes entre o grupo de indivíduos que trouxe do campo e outro já conhecido e quando essas diferenças afetam mais de um caractere e ocorrem em uma mesma área geográfica, não há dúvida de que essas diferenças resultam da expressão de um patrimônio genético distinto, e não de variação geográfica, individual ou sexual. Aí tem de fazer uma descrição e uma comparação, que é uma defesa de por que essa espécie é nova, mostrando por que pode ser separada de outras. Tem de escrever um artigo e submeter a uma revista científica. n
eduardo cesar
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m 3 de agosto de 1970, Jandyra Planet do Amaral, diretora do Instituto Butantan, escreveu no pé de um formulário de solicitação de estágio: “Esse rapaz se interessa pela herpetologia”. Ela tinha razão sobre o então jovem Miguel Trefaut Urbano Rodrigues. Nascido em Lisboa, no Brasil desde os 3 anos, filho de mãe francesa e pai português, Rodrigues começou o estágio no Butantan aos 16 anos, quando cursava o primeiro ano do atual ensino médio, e saiu de lá cinco anos depois sabendo muito sobre serpentes brasileiras. Entrou em biologia na Universidade de São Paulo (USP), mas terminou o curso na Université Paris VII – Diderot, em Paris. Lecionou três anos na Universidade Federal da Paraíba, voltou à USP e é hoje um dos grandes sistematas – especialistas em classificar seres vivos – do Brasil. Em um artigo de janeiro de 2010 na revista Zootaxa, Peter Uetz, do J.Craig Venter Institute, dos Estados Unidos, apresentou os 40 biólogos que mais descreveram espécies de répteis no mundo desde o século XVIII, quando o botânico sueco Lineu criou o sistema binomial de classificação de seres vivos, em que cada animal ou planta é identificado por dois nomes, um para o gênero e outro para a espécie. Rodrigues, o único brasileiro dessa lista, está em 35o lugar, com 53 espécies descritas, duas delas mostradas mais adiante – o belga George Albert Boulanger (1858-1937) está em primeiro lugar, com 573 espécies
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O artigo vai ser examinado por outros especialistas e, se convencer, é aceito e publicado. A espécie nova passará a existir oficialmente a partir da publicação desse artigo que a apresenta. A revista Papéis Avulsos de Zoologia também apareceu com destaque... — Gostei muito que a Papéis Avulsos, que a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] considera brega e diz que não serve para nada, tenha aparecido na Zootaxa como uma das 20 revistas mais importantes para descrição de espécies de répteis da biodiversidade mundial. O pessoal não colocou na cabeça que informação é absolutamente importante para a humanidade, esteja onde estiver. Se amanhã dependermos de uma informação que foi publicada em um jornaleco em um dialeto da Ucrânia, vamos ter de encontrar e traduzir aquilo. É importante publicar na Science e na Nature, mas o mais importante é ter informação e informação de qualidade. Como as revistas brasileiras podem chegar ao nível das revistas do exterior se a Capes desestimula as revistas brasileiras? Está todo mundo indo para a Zootaxa, mas os trabalhos publicados lá não são melhores que os da Papéis Avulsos; saem lá simplesmente porque a Zootaxa tem mais saída, tem dinheiro para publicar e, por causa dos direitos autorais, ganha dinheiro com os artigos.
Quando fazemos trabalhos mais refinados, utilizando caracteres moleculares, a sistemática feita com base em dados morfológicos às vezes precisa ser toda refeita
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n A quantidade enorme de espécies de rép-
teis que o senhor descreveu, 53, impressiona. Tem alguma explicação para isso? — Não, não tenho. É simplesmente vontade de trabalhar. É a curiosidade. Sempre fui muito curioso. Desde menino, eu ia para o litoral e saía muito com os caiçaras. Aprendi a andar no mato com os caiçaras, caçava, pescava com eles, e comecei a me interessar pelos répteis. Depois entrei no Butantan. Fiquei fascinado com aquelas coleções de cobras e pedi para um amigo do meu pai, Alberto Candeias, que era professor no ICB [Instituto de Ciências Biomédicas da USP], para fazer um estágio lá. Tenho até o original do pedido da doutora Jandira do Amaral, que era diretora do Butantan, encaminhado para Alphonse Richard Hoge, chefe da divisão de biologia, dizendo assim: “Esse rapaz foi recomendado pelo doutor Alberto Candeias, parece que se interessa pela herpetologia, veja se dá para aproveitar”. E o Hoge escreveu embaixo: “Podemos 12
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receber por seis meses”. Eu tinha 16 anos incompletos, estava no primeiro ano do colégio, quando fui estagiar no Butantan. Três anos depois eu já conhecia todas as cobras brasileiras... Fiquei lá até entrar para a universidade. Já em Paris? — Não, na Universidade de São Paulo. Entrei na USP, fiz um ano e meio – tenho uma vida acadêmica conturbada –, quando estava no final do segundo ano na USP consegui a primeira bolsa de iniciação científica da FAPESP, que nunca usufruí, já como estagiário de [Paulo Emílio] Vanzolini no Museu de Zoologia, a quem admiro muito. n
n Por que não usufruiu a bolsa? — Porque fui preso naquela leva de prisões de 1975. Fui preso, torturado, parei de apanhar no dia em que mataram o Vlado [jornalista Vladimir Herzog]. Não sabia por que pararam, pois eu estava apanhando há quase 72 horas seguidas, me jogaram num pátio do lado do DoiCodi, no 2o Exército, tinha umas celas na frente, eu fiquei lá no pátio durante uma meia hora, tentando me recuperar, dali a pouco me jogam dentro de uma cela e a primeira pessoa que vem tratar de mim ali foi o Paulo Sérgio Markun, da TV Cultura hoje, que estava preso comigo. Markun era muito amigo do
meu pai, que era um jornalista conhecido, era editorialista do Estadão. Dali a pouco chamam ele e outro jornalista que estava lá dentro, o Anthony de Christo, e ficam com eles mais ou menos uma meia hora. Quando Markun volta, vejo que ele está completamente transtornado. Falei: “O que foi, Markun?”. Ele falou: “Não, não foi nada”. “Como não foi nada? Eu sei que você está perturbado.” Passou um tempo, insisti, ele falou: “Miguel, mataram o Vlado. Agora a gente sabe o que aconteceu, você parou de apanhar por causa disso, agora eles estão apavorados, daqui a 10 minutos vão vir me pegar e o Anthony, para levar a gente para o enterro, já pediram para pôr manga comprida para esconder os sinais de tortura”. O senhor militava na época? — Eu era militante do Partido aqui na universidade, o Partidão. Fazia jornal de classe, coisas de estudante, absolutamente inócuas... Saí do Doi-Codi, fui para o presídio do Hipódromo, fiquei lá durante dois meses mais ou menos... Fui preso em 17 de outubro e saí em 23 de dezembro. Voltei para casa e começou uma série de atentados em casa, com pichações nas paredes dizendo que iam matar todo mundo. Achei melhor ir embora para a França. O cônsul francês e o português me levaram para o Paraguai, de lá fui para Lima e fiquei na casa do Darcy Ribeiro, que era amigo do meu pai. De lá fui para Paris. Cheguei em Paris, pedi equivalência [de disciplinas] daquele ano e meio de curso que já tinha começado. Na verdade consegui mais, porque fiz um exame e consegui os dois primeiros anos completos na universidade e terminei a faculdade na França. Depois voltei para o Brasil para fazer o doutorado. n
O senhor terminou o curso de biologia em 1978 já com a primeira espécie descrita, certo? — O primeiro bicho que descrevi foi uma cobrinha da Guiana Francesa, Atractus zidoki, junto com o Jean-Pierre Gasc, do Museu de Paris. Sempre observava bichos de lugares diferentes e falava: “Puxa vida, o que aconteceu?”. O que mais me interessava era a evolução, a história de um grupo de espécies, que um sistemata vai traçando a partir do estudo dos caracteres dos animais. Ser sistemata é ser sistemata para tudo. Quer dizer, encontrar diferenças, o que separa as coisas, fazer agrupamentos de várias maneiras possíveis. A primeira parte do trabalho de sistemata é justamente responder o n
tar espécies crípticas [morfologicamente idênticas, mas geneticamente distintas]. Se queremos conservar uma determinada espécie em uma área, posso falar “ela está preservada nesta área aqui”. Mentira, porque, na hora em que vou fazer o trabalho molecular, vejo que o que estou preservando é uma espécie. A outra, que detectei com os dados moleculares, está numa área que não está protegida.
seguinte: “Quais são as unidades evolutivas com que estou mexendo aqui? São espécies ou são variações geográficas?”. Foi isso que fiz no meu doutorado, peguei um grupo de lagartos que todo mundo achava que era a mesma coisa na América do Sul e acabei descobrindo que tinha ali 14 espécies, várias tiveram de ser descritas como novas. Há muitos sistematas no Brasil? — Faltam sistematas. A ornitologia é uma das áreas onde faltam muitos sistematas. Olha como a história explica: quando fiz minha pós-graduação com Vanzolini, havia pouquíssimos herpetólogos no Brasil. Tinha o Vanzolini, o Tales de Lima no Rio Grande do Sul, e praticamente só. O primeiro curso de pós em herpetologia foi o Instituto de Biociências da USP, junto com o Museu de Zoologia. Comecei a ser orientado por Vanzolini e orientei uma leva de gente. Hoje um congresso de herpetologia reúne 800 pessoas. Na ornitologia, a pessoa mais importante no século passado foi Olivério Pinto, pai da professora Eudóxia Froehlich, daqui do departamento. Olivério Pinto foi diretor do Museu de Zoologia, se aposentou e nunca orientou na pós-graduação. Ou seja, não teve nenhum orientador em ornitologia sistemática no Brasil. Hoje os poucos ornitólogos sistematas, por incrível que pareça, são alunos da Elizabeth Höfling, desse departamento, que foi orientada pelo Vanzolini em anatomia. Ela é anatomista e resolveu orientar os alunos porque não havia mais ninguém. Só em alguns anos é que teremos um número de sistematas adequado, o que é péssimo num país com uma diversidade biológica altíssima como o Brasil. n
n O senhor abre um capítulo do livro Fau-
miguel T.U. Rodrigues
na da Caatinga dizendo que durante muito tempo prevaleceu a ideia de que a Caatinga não tinha fauna própria. Cita Vanzolini e o zoólogo norte-americano Michael Mares e em seguida faz uma crítica, dizendo que foi uma visão apressada, baseada em coleções biológicas pouco representativas, com uma amostragem geográfica insuficiente dos ecossistemas vizinhos. Quer dizer, não obstante a importância do trabalho de Vanzolini, o conhecimento sobre a diversidade de répteis está cheio de lacunas? — Sim, e o problema é que estamos percebendo isso tarde. Só no final dos anos 1990 é que, com um pesquisador americano, Jack Sites, e Nelson Jorge da Silva, de Goiânia, é que decidimos mudar
o método de amostragem de répteis no Brasil. Decidimos fazer uma coleta grande na região de serra da Mesa, em Goiás, com armadilhas de interceptação e queda, que os americanos já usavam para coletar em desertos. É uma armadilha simples, você enterra baldes e entre eles faz uma cerca de lona plástica; os bichos batem na cerca e a seguem até que caem nos baldes. Com essas armadilhas mudamos a maneira de coletar no Brasil, e hoje ninguém mais coleta só manualmente. Começamos a pegar uma quantidade imensa de bichos desconhecidos e espécies antes consideradas raras passaram a ser comuns. Alguns marsupiais do gênero Monodelphis, considerados raríssimos, eram na verdade comuníssimos. Uma parte dessa fauna secretiva [difícil de ser detectada]começou a aparecer com esse método de coleta, que fez com que crescesse bastante o conhecimento sobre a fauna brasileira. Até essa época se pensava que a Caatinga não tinha fauna própria ou tinha uma fauna comum com o Cerrado, mas aí começamos a ver que havia muito endemismo [espécies de animais ou plantas próprias em uma área geográfica restrita] na Caatinga e no Cerrado.
n Em vista disso, como fica a proteção da biodiversidade? — Muito difícil, se não temos sistematas o bastante e se não conhecemos a biodiversidade. Estamos fazendo vários trabalhos em morfologia e outros com a parte molecular, mas quando iniciamos com trabalhos mais refinados, utilizando caracteres moleculares, a sistemática feita com base em dados morfológicos às vezes precisa ser toda refeita. Apenas pela morfologia não conseguimos detec-
Psilophthalmus paeminosus, de Santo Inácio: membros anteriores com quatro dedos e posteriores com cinco PESQUISA FAPESP 169
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n As pesquisas nas dunas do São Francisco
são um dos marcos de sua trajetória científica, certo? Como é que começou? — Eu estava fazendo meu doutorado com os lagartos do gênero Tropidurus e descobri que numa área da Caatinga, em Santo Inácio, na Bahia, tinha duas espécies de Tropidurus. Falei: “Ué, por que lá tem duas espécies se no resto da Caatinga tem uma só?”. Fui para lá, confirmei a existência das duas e peguei outro bicho, que descrevi como Tropidurus amathites. O Tropidurus de Santo Inácio vivia na areia, quando todos os outros eram bichos saxícolas, quer dizer, viviam sobre pedras. Além de estar na areia, o parente mais próximo dele era um bicho saxícola da serra do Espinhaço em Minas Gerais, a mais de mil e tantos quilômetros dali. “Puxa, como é possível? Como um bicho saxícola acaba virando um que vive na areia, ou vice-versa?” Descobri que Richard Burton, o pesquisador, dizia que nessa região do São Francisco havia um pequeno Saara. Pensei: “Se tem um pequeno Saara, tem areia que não é brincadeira”. Fui atrás e encontrei os trabalhos do Aziz Ab’Saber e do Jean Tricart mostrando que a maior região de paleodunas da América do Sul estava ali. Descobri ali um ecossistema novo, do qual descrevemos gêneros e espécies novas de cobra, de lagarto, de sapo, de várias coisas.
n Deve ter outras áreas como as dunas pelo
São Paulo, a cidade mais rica do país, não tem um museu de zoologia à altura
Brasil, não? — Com certeza. Nossos trabalhos no Cerrado têm mostrado que as regiões arenosas comportam espécies endêmicas que eram desconhecidas. A única maneira de ver se a situação é semelhante à encontrada nas dunas do São Francisco é trabalhando no campo. É impossível dizer se uma área é importante sem coletar no lugar. Nosso conhecimento sobre os mecanismos que levaram à diferenciação das espécies é insuficiente para dizer se uma área é ou não relevante para a diferenciação dos bichos. Quem chegar no topo da serra de Baturité, no Ceará, vai ver que a área montanhosa dos arredores é de Mata Atlântica. Em volta é tudo caatinga, aquele sertão incrível. Quem coleta ali em cima tem uma probabilidade alta de encontrar espécies endêmicas, porque as espécies de floresta não atravessam as áreas abertas, estão isoladas desde o tempo em que essa mancha de floresta estava em contato com a floresta atlântica ou com a Amazônia.
dar dinheiro algum dia, às vezes precisa de 10 anos de investigação. Trabalhos meus e de meus alunos foram tremendamente prejudicados, tínhamos de ir para o exterior para ver material porque eles [pesquisadores de outros países] não mandavam o material para o Brasil. Hoje a coisa está mais simples, mas ainda resta um pouco da noção de que pesquisador é um cara que é meio criminoso, que está matando bicho ou fazendo pirataria... Tudo por causa de dois ou três casos...
n A confusão causada por uma deformação
das leis do Ministério do Meio Ambiente entre pesquisador e biopirata ainda persiste? — Em parte sim. Falaram que biodiversidade dá dinheiro, quando não necessariamente dá, e colocaram isso na cabeça de todo mundo. Nas comunidades indígenas e quilombolas – boa parte do pessoal fala “quero dinheiro para você trabalhar na minha terra”–, os caras perderam completamente a noção de que aquilo, para
Para resolver esses conflitos, seria importante integrar os pesquisadores com outros grupos, para que participassem das pesquisas, não? — Lógico. Isso é uma coisa que sempre defendi. O problema é que a maioria dos parques nacionais, que poderiam fazer essas ligações, infelizmente não funciona. A maioria dos parques deveria ter muito mais informação e não tem. Faltam guias de campo para a maior parte dos grupos. Os parques nacionais teriam que ter dinheiro e acordos amplos com as universidades, porque é lá, nos parques, que está a matéria-prima para os pesquisadores trabalharem. O Museu Goeldi tem o parque e a reserva de Caxiuanã, cedida a eles por 30 anos pelo Ibama. O Museu Goeldi está gerindo Caxiuanã e gerando conhecimento, já saíram vários livros, mas o que predomina nos parques nacionais são pesquisas sem norte, porque resultam do pedido espontâneo de cada pesquisador. Você chega num parque nacional e quer saber qual é a n
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n Essa área foi reconhecida como biologicamente relevante? — Não só foi reconhecida, como está em processo a criação do Parque Nacional das Dunas do São Francisco, por proposta minha. Fiz uma proposta ao Ibama, foi
aceita, fiz um sobrevoo com eles, uma área grande...
Phyllopezus periosus: maior lagartixa da Caatinga 14
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eduardo cesar
infraestrutura e a base de dados e vê que eles não têm nada sobre variação de temperatura, clima ou fenologia das plantas mais comuns... Uma equipe de técnicos em cada parque poderia se responsabilizar por esses dados, manter contato com o pessoal das universidades, levar o pessoal, sei lá, com apoio da FAB, como o antigo Projeto Rondon, e acertar coisas do tipo “durante 10 anos vocês vão estudar este parque nacional para termos informações sobre esse ecossistema; coisa planejada”. Outra coisa que está relegada a décimo quinto plano de importância no Brasil é o turismo. Com a biodiversidade que temos! Não temos nada tão chamativo como a megafauna de mamíferos da África, mas temos onças, macacos... Em que país se consegue ver 14 ou 15 espécies de macacos numa só localidade, como na Amazônia? O turista adora ver lagarto no campo e fotografar sapo à noite no campo, mas não exploramos isso. Quem trabalha nesse ramo não conhece a fauna brasileira, não conhece os ecossistemas brasileiros, nem o que o turista gosta. n Como foi seu trabalho como diretor do Museu de Zoologia?
— Estive na direção do museu por quatro anos. Fui o primeiro diretor depois que Vanzolini se aposentou. Trabalhei com empenho máximo para valorizar o museu e acho que consegui. O Museu de Zoologia hoje tem uma posição de destaque na universidade. Não se faz nenhuma pós-graduação em zoologia no Brasil sem consultar as coleções do museu. As coleções neotropicais mais importantes do globo estão lá. As coleções, que o museu acumula desde a fundação, em 1885, são a base para entender a história dos ecossistemas e para retraçar um futuro melhor para o país. Se pensar na expansão de doenças endêmicas, as coleções de dípteros [insetos] são estratégicas. Darwin não teria elaborado a teoria da seleção natural se não tivesse acesso às coleções do Museu Britânico e comparado os bichos que ele pegou com os que haviam sido depositados ali ao longo de gerações. O museu representa o âmago do trabalho do pesquisador. As coleções que fiz ao longo da minha vida vão estar depositadas no Museu de Zoologia e daqui a 20, 30 anos alguém vai olhar aquilo e se aproveitar do meu trabalho, enriquecendo com o material que ele mesmo pegou. Mas tem um problema...
n Qual? — São Paulo, por ser a cidade mais rica do Brasil, e o Brasil, por ser líder mundial em biodiversidade, deveriam ter um museu à altura. E não temos. No Museu de Zoologia faltam técnicos, falta uma série de coisas importantes para poder tocar o trabalho. Eu poderia ter descrito muito mais do que 50 espécies se tivesse tido mais apoio de técnicos para trabalhar no museu. Falta apoio infraestrutural, falta espaço para exposições e para as coleções. Isso é o que às vezes a universidade não enxerga, e é muito importante. Uma coleção que não está arrumada não serve para estudar, é a mesma coisa que uma biblioteca desarrumada. A ciência não avança assim. Se um cara publica um trabalho na Nature ou na Science, você olha e fala: “Putz, tenho um bicho que mostra que o negócio é diferente, mas cadê esse bicho? Coletei anos atrás, mas a coleção está desarrumada...”, acabou, você perdeu o tempo da resposta. Agilidade é importante, as coleções têm que estar bem organizadas, com gente capaz para tomar conta delas. Com o Infra [projeto do programa Infraestrutura da FAPESP], consegui compactar praticamente todas as coleções do museu e abrir novos espaços, mas eu sabia que aquilo seria para quatro anos. Já faz oito, o museu está estourando. O museu precisa de três vezes a área dele, não tem mais como crescer. É um prédio que foi construído para abrigar coleções no começo do século XX.
Qual a solução? — Construir um prédio grande para o museu aqui na Cidade Universitária. Tinha um projeto para fazer um prédio do Museu de Zoologia aqui, a Praça dos Museus, que eu propus à USP. Foi aceito pela Reitoria, mas ficou parado por falta de vontade política. O Brasil merece um museu à altura. Ainda mais agora, ano da Copa do Mundo, o Brasil sendo colocado em evidência, não tem uma dessas coisas que é um marco cultural de qualquer cidade importante. Você não vai a Paris e deixa de ir ao Jardin des Plantes e ao Museu de História Natural, nem a Londres sem ir ao British Museum. Buenos Aires tem o Museu de La Plata, aquela coisa espetacular. O Brasil não tem um museu assim. Tem o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que dá pena, ver aquela casa maravilhosa que foi o palácio imperial caindo aos pedaços. Agora está sendo reformado. São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, ainda não tem um museu de zoologia à altura de sua riqueza. n n
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O branco e o prata: o elegante prédio do Soar e o vizinho Gemini Sul, ao fundo
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ricardo zorzetto
capa
Rumo às estrelas Instrumentos astronômicos feitos no Brasil equipam o telescópio Soar, nos Andes chilenos
Ricard o Zorzet to, de Cerro Pachón
O
físico Antônio César de Oliveira mal viu a luz do dia na última semana de janeiro. Ele, o astrônomo Flávio Ribeiro e o engenheiro mecânico Fernando Santoro passaram cinco dias seguidos trabalhando em uma sala sem janelas no topo de uma montanha pedregosa e sem vegetação dos Andes chilenos. Deixavam o dormitório pela manhã, percorriam três quilômetros em uma estrada de terra estreita e poeirenta e só retornavam tarde da noite, quando um número incontável de estrelas já povoava o céu. Havia pouco tempo e muito a fazer. Com a ajuda de técnicos chilenos, eles conectavam o maior e mais complexo equipamento astronômico já feito no Brasil ao telescópio do Observatório Austral de Pesquisa Astrofísica (Soar), construído com financiamento brasileiro e norte-americano próximo à cidade de Vicuña, no norte do Chile.
Com cerca de 3 mil peças e pouco mais de meia tonelada, o equipamento que os brasileiros instalavam no final de janeiro é um espectrógrafo, aparelho que decompõe a luz nas diferentes cores (espectros) que a formam – algumas delas invisíveis ao olho humano, como o ultravioleta e o infravermelho. No interior do espectrógrafo, a luz de astros próximos ou distantes explode em uma sucessão de cores do arco-íris, mas em proporções que variam segundo a composição química do objeto observado. O instrumento instalado no Soar, porém, não é um espectrógrafo qualquer. O aparelho que chegou ao prédio do observatório no Cerro Pachón em 10 de dezembro, depois de viajar quase 3,5 mil quilômetros por ar e terra desde as oficinas do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA) em Itajubá, Minas Gerais, é um espectrógrafo com inovações tecnológicas que o tornam único no mundo. Uma das
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características que fazem do Espectrógrafo de Campo Integral do Soar (Sifs) um instrumento especial é sua capacidade de fracionar a imagem de um objeto celeste em 1.300 partes iguais e, a um só tempo, registrar o espectro de todas elas. Em alguns meses, quando estiver funcionando com todo o seu potencial, o Sifs permitirá, por exemplo, avaliar a composição química de 1.300 pontos de uma galáxia em uma única medição de poucos minutos, tarefa que até então exigia centenas de medições distintas. “Para os astrônomos, isso é muita informação”, explicou o físico Clemens Gneiding em outubro passado, durante a etapa final de montagem do Sifs nos laboratórios do LNA, antes do embarque para o Chile. E não é só. Esse espectrógrafo foi projetado para ter um altíssimo poder de resolução espacial. “Ele pode distinguir objetos muito próximos no céu, separados por um segundo de arco [unidade de medida de ângulo]”, completou. Em termos mais concretos, isso corresponde ao tamanho de uma bola de futebol vista a 50 quilômetros de distância – algo absurdamente pequeno. 18
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Fios de luz: 1.300 fibras conectam o telescópio ao espectrógrafo Sifs
Na tarde de 28 de janeiro a equipe brasileira corria de um lado para o outro no prédio branco reluzente do Soar que pode ser visto ao longe por passageiros dos voos que pousam na região. Eles tentavam concluir a conexão do Sifs antes que a semana terminasse. “Uma semana é muito pouco tempo para completar a instalação e fazer os ajustes necessários”, afirmou Santoro, responsável pela parte mecânica do projeto. “O mais complicado é instalar o cabo com as fibras ópticas que unem as duas partes do espectrógrafo”, comentou Oliveira, enquanto avaliava a melhor maneira de acomodar na base do telescópio o tubo flexível de oito centímetros de diâmetro e 14 metros de comprimento contendo as fibras de vidro superfinas – têm metade da
espessura de um fio de cabelo – que devem conduzir a luz do primeiro ao segundo módulo do instrumento. “Temos de ser cuidadosos porque essas fibras vão se mover alguns centímetros para acompanhar os movimentos do telescópio, mas não podem ficar tensionadas”, explicou o físico especialista em óptica, coordenador do Laboratório de Fibras Ópticas do LNA. Se forem tracionadas, as fibras podem romper e deixar cego o espectrógrafo de US$ 1,8 milhão financiado pela FAPESP. Com o Sifs em atividade, a luz coletada pelo espelho de 4,1 metros do Soar será focalizada no chamado módulo pré-óptico do espectrógrafo, uma caixa preta retangular um pouco maior que o gabinete de um computador, acoplada à base do telescópio. No interior desse módulo um conjunto de lentes amplifica de 10 a 20 vezes a intensidade da luz e a lança sobre 1.300 microlentes. Cada microlente, por sua vez, orienta a luz que recebe para uma das 1.300 fibras ópticas, que, como os fios de eletricidade de uma casa, a conduzem até o segundo e maior módulo do equipamento: o espectrógrafo de bancada, instalado dois metros abaixo, na torre
Sem descanso: equipe de instrumentação do Soar faz ajustes no equipamento recebido em dezembro
de sustentação do telescópio. Ali outras 18 lentes – algumas delas podem girar até 130 graus com a precisão de milésimos de milímetro – ora dispersam, ora alinham, ora fazem convergir os feixes luminosos até que alcancem o sensor onde serão registrados.
fotos ricardo zorzetto
A
escolha de fibras ópticas tão delicadas e finas foi uma aposta arriscada dos pesquisadores brasileiros. O núcleo das fibras, por onde de fato passa a luz, tem apenas 50 micrômetros (milésimos de milímetro) de espessura e, na época, diferentes grupos de pesquisa afirmavam que fibras com menos de 100 micrômetros causariam a perda de boa parte da luz que deveria chegar ao segundo módulo do espectroscópio. Baseando-se nos bons resultados de um equipamento construído na Austrália, a equipe que projetou o Sifs decidiu experimentar as fibras mais finas. Mas foi um risco bem calculado. Antes de empenhar tanto esforço e dinheiro no equipamento, eles construíram em parceria com os australianos uma versão menor do espectrógrafo, que há cerca de dois anos funciona – e muito bem, por sinal – no telescópio do Observa-
tório do Pico dos Dias, em Brasópolis, cidade mineira vizinha a Itajubá. Motivos não faltavam para justificar o investimento na inovação – um deles, econômico. Quanto menor o diâmetro das fibras, mais próximas entre si elas podem ser alinhadas na entrada do segundo módulo do equipamento. Como consequência, também diminuem as dimensões das lentes e dos outros componentes ópticos, cujo preço aumenta proporcionalmente ao tamanho. “O uso de fibras com o dobro do diâmetro faria o espectrógrafo dobrar de tamanho”, conta o astrônomo Jacques Lépine, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), o primeiro coordenador do projeto que desenvolveu o Sifs em parceria com Gneiding, do LNA. No caso desse espectrógrafo, duplicar o tamanho do segundo módulo – um octógono de 70 centímetros de altura e 2,4 metros na sua maior dimensão – significaria deixá-lo com a altura de quase uma pessoa e a largura de um quarto amplo de apartamento. Nos 15 metros que separam o foco do telescópio do sensor do espectrógrafo, a luz já tênue de estrelas, galáxias ou
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Os Projetos 1. Construção de dois espectrógrafos ópticos para o telescópio Soar – nº 1999/03744-1 2. Steles: espectrógrafo de alta resolução para o Soar – nº 2007/02933-3 3. Evolução e atividade de galáxias – nº 2000/06695-0 4. Nova física no espaco – formação e evolução de estruturas no Universo – nº 2006/56213-9
modalidade
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2., 3. e 4. Projeto Temático Coordenadores
1. Beatriz Leonor Silveira Barbuy – IAG/USP 2. Augusto Damineli Neto – IAG/USP 3. Ronaldo Eustáquio de Souza – IAG/USP 4. Reuven Opher – IAG/USP investimento
1. R$ 3.254.030,59 (FAPESP) 2. R$ 1.373.456,33 (FAPESP) 3. R$ 1.520.687,31 (FAPESP) 4. R$ 1.926.187,91 (FAPESP)
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planetas sofre uma série de desvios e reflexões e perde intensidade. E, quanto menos intensa, pior a definição do espectro produzido pelo equipamento. Os pesquisadores reduziram essa perda usando espelhos com maior capacidade reflexiva e lentes com tratamento antirreflexo, que evitam a perda de luz. Assim conseguiram garantir a chegada de 80% a 85% da luz captada pelo telescópio ao sensor do Sifs.
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lanejado há pouco mais de uma década, o Sifs integra a primeira geração de equipamentos do Soar, que só estará completa em 2011, com a instalação do quarto e último instrumento que o Brasil se comprometeu a fornecer. “Na criação do consórcio que administra o telescópio, o país ficou responsável por produzir esses equipamentos”, diz Beatriz Barbuy, astrofísica do IAG-USP e coordenadora do Projeto Temático que financiou a construção do espectrógrafo. Foram quase 10 anos de trabalho da concepção à instalação do equipamento, que usou a mão de obra e o
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Primeira geração de equipamentos só estará completa em 2011, com a instalação do quarto e último instrumento que o país se comprometeu a fornecer para o telescópio
conhecimento de ao menos 20 pesquisadores e técnicos altamente especializados. A execução do projeto também exigiu a formação de uma parceria pouco frequente no país, entre universidades, institutos de pesquisa e empresas privadas. “Não havia no Brasil a cultura e a expertise de produzir equipamentos de astronomia com tal porte”, comenta Keith Taylor, astrofísico inglês que coordenou o grupo de óptica do Observatório Anglo-australiano, na Austrália, e há dois anos gerencia o desenvolvimento de instrumentos do Soar. O tempo de produção do Sifs, dizem os pesquisadores, talvez fosse bem menor caso houvesse no país acesso mais fácil aos materiais que precisaram ser importados. Parte do atraso se deveu a complicações na importação de peças como as lentes de fluoreto de cálcio fornecidas pela empresa norte-americana Harold Jonhson, que levaram nove meses para chegar ao Brasil, e das fibras ópticas compradas da Polymicro Technologies, também nos Estados Unidos.
Made in Brazil: o espectrógrafo Sifs, já instalado no telescópio, e ao lado o imageador BTFI, que segue para o Chile em breve 20
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Em meados de 2009, poucos meses antes de o Sifs seguir para o Chile, outro equipamento projetado e construído com a participação de brasileiros havia sido conectado ao Soar: a câmera Spartan, especializada em produzir imagens no infravermelho – forma de radiação eletromagnética percebida pelos seres humanos na forma de calor e capaz de atravessar as gigantescas nuvens de poei ra interestelar que ocultam galáxias e berçários de estrelas. Parte do primeiro grupo de instrumentos fabricados especificamente para esse telescópio, a Spartan substituiu uma câmera emprestada do telescópio Blanco do Observatório Interamericano de Cerro Tololo, localizado cerca de 10 quilômetros a noroeste do Soar em uma das inúmeras montanhas avermelhadas da cordilheira.
mecânico dessa câmera e comprou dois dos quatro detectores infravermelhos”, conta Ronaldo de Souza, astrônomo do IAG que assumiu a coordenação do projeto após a mudança de Sueli para os Estados Unidos. Só os dois detectores custaram cerca de US$ 700 mil, metade paga com verba do projeto de Sueli Viegas e metade com verba do Instituto do Milênio, coordenado por Beatriz Barbuy, do IAG-USP, e Miriani Pastoriza, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde setembro de 2009 a Spartan funciona em modo experimental. Nessa fase, os astrônomos estão aprendendo a lidar com o equipamento, que ainda pode passar por ajustes, e não há garantia de que as observações sejam muito precisas. “O Soar foi projetado para apresentar um alto desempenho, com equipamentos de altíssima qualidade óptica”, afirma Keith Taylor. Pouco mais de cinco anos após a conclusão do prédio e a montagem do telescópio, o Soar vai ganhando vida e se tornando independente. Está prevista para este mês a entrega do filtro imageador ajustável brasileiro (BTFI), equipamento de US$ 2,2 milhões que permitirá identificar a composição química e medir os movimentos relativos internos dos objetos celestes. “Esse instrumento será acoplado a um módulo que corrige os efeitos da turbulência na atmosfera”, conta Claudia Mendes de Oliveira, da USP. “Aliada à qualidade de imagem do BTFI, essa correção resultará em imagens com nitidez inédita, dando ao Soar capacidades que outros telescópios do mesmo porte não têm”, diz a astrofísica, que coordenou as equipes do Brasil, da França e do Canadá que construíram o BTFI. “A produção desses instrumentos inaugurou uma nova era da astronomia
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fotos eduardo cesar
astrônoma Sueli Viegas, aposentada da USP, iniciou cerca de oito anos atrás, em cooperação com a Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, o projeto que levou ao desenvolvimento da Spartan. “O Brasil participou da elaboração do projeto óptico e
Lado a lado: arranjo de fibras ópticas exigiu precisão e muita paciência
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O nascimento de um telescópio
Dois anos depois de aprovado o projeto, as obras iniciam em 1998 com a explosão do topo do Cerro Pachón, em Vicuña, norte do Chile, e a extração de 13 mil metros cúbicos de pedras para aplainar o local da sede do Soar
Cerca de um ano mais tarde começa a ganhar corpo o prédio que abrigará o telescópio e a sala de controles, erguido em um terreno a 2.701 metros acima do nível do mar e 80 quilômetros de distância do oceano Pacífico
brasileira e impulsionou a instrumentação astronômica nacional”, afirma Beatriz Barbuy. É que esses aparelhos caros, pensados com o objetivo de ampliar a compreensão humana do Universo, consomem um número grande de peças muito pequenas que se encaixam e se movimentam com altíssima precisão. “Só para ao BTFI, fornecemos cerca de 1.500 peças”, conta Paulo Silvano Cardoso, diretor da empresa material optomecânico Metal Card, de São José dos Campos, interior de São Paulo. “Em 10 anos o Brasil conseguiu estabelecer um programa de instrumentação de nível internacional”, afirma João Steiner, o astrofísico do IAG-USP que integrou o conselho diretor do Soar por 12 anos e participou do projeto do telescópio desde sua concepção, em 1993 (ver Pesquisa FAPESP nº 98). Ele conta que os pesquisadores brasileiros até tentaram começar a produção de instrumentos astronômicos anos 22
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Em 2002 o prédio recebe a cúpula metálica de 14 metros de altura feita pela empresa Equatorial, de São José dos Campos, no interior paulista, que protege o telescópio de dia e quando a umidade do ar aumenta à noite
atrás, quando o país passou a integrar o consórcio do observatório Gemini, que conta com dois telescópios com espelhos de 8,2 metros, um instalado no Havaí e outro a 350 metros do Soar, no Cerro Pachón, a 2.701 metros acima do nível do mar. Mas o projeto não vingou. “O salto era grande demais”, explica Steiner, que chegou a ser internado por causa do nível de estresse durante a construção do telescópio.
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té o início de 2011 um quarto instrumento deve ficar pronto: o espectrógrafo échelle do telescópio Soar (Steles), que a equipe do astrônomo Bruno Vaz Castilho constrói atualmente nos laboratórios do LNA. De modo semelhante ao Sifs, o espectroscópio que os brasileiros instalavam em janeiro no prédio do Cerro Pachón, o Steles também analisará as cores da luz emitida por estrelas e galáxias. A diferença é que enxergará
O espelho de 4,1 metros de diâmetro e poder de captação de luz 350 mil vezes superior ao do olho humano chega ao Soar em janeiro de 2004, após viajar quase 10 mil quilômetros desde o local de fabricação nos Estados Unidos
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Em dez anos o Brasil conseguiu estabelecer um programa de instrumentação astronômica de nível internacional, com benefícios também para a indústria
fotos SOAR/lna/mct
Na noite de 17 de abril de 2004 o telescópio faz sua primeira observação ou, como dizem os astrônomos, vê sua primeira luz, ainda utilizando equipamentos emprestados de outros observatórios
uma proporção maior do espectro da luz visível – e com melhor resolução. Pode parecer redundante o uso de dois instrumentos da mesma família, mas não é. Cada um tem aplicações específicas. Enquanto o Sifs gera 1.300 espectros em uma única exposição, o Steles produz um só. “Como o Steles registrará todo o espectro da luz visível de uma única vez, permitirá analisar diferentes características do objeto observado, como composição química, temperatura, velocidade de rotação ou de afastamento”, conta Castilho. “Com a entrega desses equipamentos, a primeira e a segunda geração de instrumentos definidas no projeto inicial estarão completas”, diz Alberto Rodriguez Ardila, gerente nacional do Soar. Isso não significa, porém, que o telescópio estará completamente equipado. “O avanço científico sempre gera a necessidade de desenvolver novos instrumentos”, afirma. Na opinião des-
se astrofísico do LNA, o resultado de tanto trabalho deverá ser notado em alguns anos nos projetos científicos desenvolvidos no Soar. “O uso desses instrumentos deverá aumentar a disputa por tempo de observação e melhorar a qualidade das pesquisas”, diz Ardila. Antes mesmo da chegada de seu próprio conjunto de equipamentos, o telescópio branco do Cerro Pachón não ficou parado. Desde que recebeu a primeira luz de uma estrela em 2004 até dezembro do ano passado, o Soar gerou 36 artigos científicos publicados em periódicos internacionais. Deles, 19 artigos (53% do total) foram produzidos por pesquisadores brasileiros, que dispõem de apenas 34% do tempo de observação do telescópio.
M
as o reconhecimento da comunidade científica internacional veio mesmo em 2007, quando o resultado de uma observação feita no Soar por um brasileiro saiu nas cobiçadas páginas da revista Nature. Quase dois anos antes, na madrugada de 25 de setembro de 2004, o observatório espacial Swift, da agência espacial norte-americana (Nasa), emitiu um alerta com as coordenadas do que poderia ser uma explosão de raios gama – a morte de uma estrela com massa dezenas de vezes superior à do Sol que se transforma em um buraco negro, um dos eventos mais energéticos conhecidos – ocorrida nos confins da constelação de Peixes (ver Pesquisa FAPESP nº 116). Eduardo Cypriano, um dos primeiros astrônomos residentes do Soar, uma espécie de desbravador do telescópio, trabalhava naquela noite e detectou os primeiros sinais da explosão. A pedido de Daniel Reichart, norteamericano estudioso desses fenômenos, Cypriano apontou o telescópio para o mesmo ponto do céu por mais alguns dias. Uma semana mais tarde veio o anúncio oficial: as imagens feitas por Cypriano e analisadas com o auxílio de sua mulher, a astrônoma Elysandra Figueredo, haviam flagrado a explosão de uma estrela a 12,7 bilhões de anos-luz da Terra. O Soar havia sido o único telescópio em terra a acompanhar esse fenômeno raro, mais tarde confirmado por outros observatórios. “Era o objeto mais distante e antigo já observado, ao menos até aquela data”, conta Cypriano,
para quem, tão logo estejam terminados os ajustes nos equipamentos do Soar, os astrônomos brasileiros estarão bem servidos por pelo menos uma década. Enquanto aguardam a conclusão dos últimos equipamentos – o Soar comporta oito no total –, os brasileiros planejam os próximos passos. Um grupo coordenado por João Steiner e Beatriz Barbuy avalia a possível participação do país na próxima geração de telescópios. São projetos grandiosos que devem consumir de US$ 700 milhões a US$ 1,4 bilhão para erguer telescópios com espelho de até 40 metros de diâmetro, quatro vezes maior que o dos maiores telescópios em atividade. Só para ter um parâmetro de comparação, o Soar custou US$ 28 milhões, dos quais US$ 14 milhões foram pagos pelo Brasil, divididos entre o Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (US$ 12 milhões) e a FAPESP (US$ 2 milhões). O ingresso para a primeira divisão da astronomia, porém, não sai barato. O Brasil negocia pagar 10% do valor total para ter acesso ao Thirty Meter Telescope, com espelho de 30 metros, ou 5% para ter o direito de usar o Giant Magellan Telescope ou o European Extremely Large Telescope, de 22 metros e 42 metros, respectivamente. Mas exige uma contrapartida. “Não entraremos em nenhum projeto se ao menos 70% desses recursos não forem destinados à fabricação de equipamentos pela indústria nacional”, afirma Steiner. Os astrônomos têm ao menos dois bons motivos para justificar tamanho investimento. O primeiro e mais abstrato: o acesso a esses megatelescópios garantiria aos pesquisadores brasileiros pelo menos a chance de olhar cada vez mais longe no Universo à procura de respostas convincentes para uma das perguntas mais simples e fundamentais que o ser humano sempre se fez: Como tudo começou? O segundo e mais pragmático: a astronomia nacional, uma área jovem que cresceu muito rapidamente na década de 1990, não pode estagnar caso queira se manter competitiva internacionalmente. “Se pararmos”, diz Steiner, “condenaremos a próxima geração de astrônomos a ficar fora da pesquisa de ponta nessa área a partir de 2025. Seríamos o único dos países emergentes a fazer isso”. n PESQUISA FAPESP 169
n
março DE 2010
n
23
> Vários
ESTRATÉGIAS
países
MUNDO
do
Oriente Médio se uniram para ajud-ar os agricultores regiões
de suas
mais áridas
a tirar o máximo proveito dos recursos hídricos disponíveis. A iniciativa vai envolver comunidades
rurais
do Egito, Jordânia, Líbano, Palestina, Síria, Iraque e lêmen. O objetivo é ampliar a produtividade culturas
das
agrícolas
da pecuária.
e
O Cen-
o
tro Internacional para Pesquisa Agrícola em Áreas Secas (lcarda), com sede na Síria, vai liderar o projeto
> Degelo monitorado
e gerenciar os recursos fornecidos por agências e doadores estrangeiros.
Universidades
norte-americanas fornecerão suporte tecnológico. Theib Oweis, pesquisador
do Icar-
da, disse que os agricultores conhecerão
técnicas
para
fazer um uso "mais efetivo e construtivo"
da água, como a
chamada irrigação suplementar. Por meio dela, as culturas são irrigadas durante os estágios críticos de crescimento utilizando
apenas um terço
do consumo habitual de água. Até agora a iniciativa já recebeu US$ 1 milhão da Usaid, a agência norte-americana para o desenvolvimento internacional. O sucesso do plano será monitorado
em nível local,
com pesquisadores
medindo
a produtividade de água antes e depois da aplicação de uma nova técnica. A ideia é que os resultados do projeto ajudem a moldar novas políticas públicas na região.
A Agência de Cooperação Internacional do Japão (Iica) fez um acordo com a Universidad Mayor de San Andrés (Umsa), da Bolívia, e disponibilizou US$ 3,8 milhões para desenvolver estudos capazes de medir o impacto do derretimento de geleiras no abastecimento de água das cidades de La Paz e EI Alto, que juntas formam a principal aglomeração urbana do país. O acordo prevê treinamento de profissionais bolivianos em cursos de pós-graduação, intercâmbio de especialistas e fornecimento de equipamentos ao longo dos próximos quatro anos. Segundo um informe de imprensa da Iica, o projeto vai desenvolver
24 • MARÇO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 169
metodologias e propostas para a gestão sustentável dos recursos hídricos, levando em conta cenários das mudanças climáticas e o crescimento da demanda nas cidades analisadas. O diretor do Instituto de Hidrologia e Hidráulica da Umsa, Carlos Herbas, disse à agência SciDev.Net que já
começou a coletar informações hidrológicas e meteorológicas na cordilheira oriental do país, especificamente nas geleiras Huayna Potosi e Tuni Condoriri, que fornecem água para as duas cidades e abastecem 10 usinas hidrelétricas responsáveis por 80% da energia elétrica da região.
J
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CZARINA EUROPEIA
Embora não tenha experiência científica, uma irlandesa de 59 anos vai ocupar um dos cargos mais influentes da pesquisa europeia. Máire Geoghegan-
Quinn é uma ex-parlamentar da Irlanda que já foi ministra de pastas como Transportes, Justiça e Turismo, mas afastou-se da política em 2000 para se tornar membro do Tribunal de Contas Europeu. Escolhida para o cargo de comissária para Pesquisa, Inovação e Ciência, ela assume com o desafio de promover mudanças na política científica do bloco que vão afetar os pesquisadores dos 27 países membros. Segundo a revista Nature, sua principal tarefa será organizar o Oitavo Programa-Quadro de Pesquisa (FP8), a ser lançado em 2014. Os programas-quadro recebem críticas pelo excesso de burocracia que impõem aos pesquisadores, mas são o principal mecanismo de financiamento
à ciência da União Europeia.
A oitava edição deve investir pelo menos € 50 bilhões em sete anos. A comissária propõe gerar uma estrutura
mais
leve, capaz de dar suporte à criação do Espaço Europeu de Pesquisa, iniciativa voltada para integrar os pesquisadores sob um mesmo arcabouço jurídico e permitir que, independentemente da nacionalidade, eles possam disputar recursos oferecidos pelos governos de quaisquer países do bloco.
> Jovens
querem ser ouvidos
Jovens pesquisadores do Paquistão criaram uma instituição para compartilhar preocupações, como a falta de oportunidades de carreira e os baixos salários no país, e tentar ampliar seu espaço no sistema nacional de ciência e
tecnologia. A Academia acional de Jovens Pesquisadores é voltada para cientistas com 40 anos ou menos e também está aberta a paquistaneses que atuem no exterior. Já conta com cerca de 350 filiados, que mantêm uma newsletter, obtiveram representação na Academia de Ciências do Paquistão e lançaram
propostas de parceria com organizações multilaterais. A meta principal da instituição é convencer as autoridades a dar um papel maior aos jovens cientistas no desenvolvimento do país, aproveitando sua força de trabalho e ouvindo suas reivindicações, disse à agência SciDev.Net o presidente da academia, Aftab Ahmad.
> A geopolítica das patentes Dados divulgados pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) mostram que o volume de patentes internacionais sofreu em 2009 a primeira queda em 30 anos, em virtude da crise financeira internacional. A redução foi de 4,5%. A liderança ainda é dos Estados Unidos, que registraram no ano passado
45,7 mil patentes, quase 30% do total. Mas, devido à recessão, o país amargou uma queda de 11,4% no número de patentes entre 2008 e 2009, redução semelhante à de outras nações desenvolvidas. A emergente China anda na contramão da tendência e aumentou o número de patentes em 29,7% entre 2008 e 2009. Registrou mais de 7,9 mil patentes no ano passado, superando a França e o Reino Unido e se tornando a quinta economia mais inovadora do planeta. Mas ainda está atrás de outro emergente, a Coreia do Sul, com 8 mil patentes. Entre 2005 e 2009, o Brasil praticamente dobrou seu número de patentes. Mas isso representa uma fração restrita das inovações registradas no planeta. Em 2009 foram contabilizadas 470 patentes brasileiras, 0,3% do total mundial.
PESQUISA FAPESP 169 • MARÇO DE 2010 • 25
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ESTRATÉGIAS
•
MUNDO
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SpaceShipTwo:
desenvolvido
para transporte
suborbital
dos planos de enviar missões tripuladas à Lua em 2020 e quer delegar à iniciativa pri-
dos óvnis Os Arquivos Nacionais da Grã-Bretanha liberaram para análise de especialistas e do público leigo um novo lote de 6 mil páginas de documentos que incluem relatos de supostas aparições de objetos voadores não identificados entre 1994 e 2000. Segundo a agência BBC, pesquisadores que avaliaram o material dizem que o alegado formato dos óvnis mudou em relação ao declarado em décadas anteriores e a explicação pode estar nas representações da cultura popular para tais objetos. Vários relatos no último lote de documentos - o quinto de um projeto de três anos para a liberação de arquivos - descrevem as supostas naves como grandes, negras, triangulares e com luzes nas pontas. Nas décadas de
1940 e 1950, o formato predominante era de disco. "No período coberto pelos mais recentes documentos liberados, bombardeiros americanos de formato triangular e aviões espiões Aurora apareciam muito na TV, assim como em programas como Arquivo X. As referências de aparições de óvnis são semelhantes", diz David Clarke, professor da Universidade Hallam Sheffield.
> Da indústria para Harvard Um executivo da empresafarmacêutica Eli Lilly vai tornar-se decano da área de pesquisa da Escola Médica da Universidade Harvard. O endocrinologista William Chin atuava na companhia desde 1999, ocupando, nos últimos anos, o cargo de vice-presidente de pesquisa
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do programa lunar, que havia
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apontou como excessivamente caro. Já a ideia de desenvolver a exploração comercial
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custos no orçamento da Nasa
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pulantes para a Estação Espaciallnternacional. O abandono
presas nos próximos anos, é
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justificada
> A transformação
norte-america-
para voar em 2011, podem oferecer
acesso frequente ao espaço. Outra empresa, a SpaceX, diz
de
que pode produzir em três anos uma cápsula de sete lugares
de
para acoplar em seu foguete Falcon. Ela estima que uma
19
viagem à estação custaria US$ 20 milhões - uma pechincha
a
se comparada aos US$ 50 milhões que os Estados Unidos
de
pagam à Rússia por voo na nave Soyuz. O Congresso norte-
3.
-americano ainda vai avaliar as decisões de Obama.
clínica. Formado em Harvard na turma de 1972, ele terá agora a missão de supervisionar a pesquisa biomédica da escola e suas interações científicas com a indústria. Arnold Relman, ex-editor da revista The New
England [ournal of Medicine, disse ao jornal The Boston Globe que a indicação de Chin é preocupante por tornar fluida a necessária separação de papéis entre a medicina acadêmica e as companhias farmacêuticas. Jeffrey Flier, diretor da escola, disse que o novo
decano vai ajudar a implementar uma nova estratégia, "com ênfase especial na pesquisa interdisciplinar que perpassa as fronteiras de departamentos e instituições;' e também será responsável por estabelecer parâmetros de interação com a indústria capazes de, ao mesmo tempo, respeitar as normas relacionadas a conflitos de interesse e avançar na busca de meios para engajar a massa crítica da escola na criação de terapias inovadoras.
> nerlcaesistiu
ESTRATÉGIAS
o prazo médio para análise das 18.177 solicitações recebidas pela FAPESP em 2009
'020 e
foi de 80 dias, o menor dos
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últimos
prazo médio é bem menor do
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que o anunciado pela National Science Foundation (NSF), nos
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de Brito Cruz, diretor
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BRASIL
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do tipo ROl (similares
nos, é
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:ão de
meses. Nosso principal objeti-
aNasa priva-
vo é o constante aperfeiçoamento do processo de análise e de
Virgin
nas decisões. Nos últimos anos, temos conseguido melhorar a
seleção de propostas na FAPESP,visando à melhor qualidade
erecer
qualidade do processo e ao mesmo tempo reduzir os prazos",
!X, diz
destacou. Os prazos médios para análise e as quantidades
gares
de propostas despachadas anualmente,
com dados desde
1992, estão reunidos na página <www.fapesp.br/estatisticas/ incha Jnidos orte-
analise>. Os dados mostram o grande aumento no número de propostas analisadas a cada ano. Em 1992, o total foi de 3.655; em 2009, chegou a 18.177.
> Da militância à academia
será cer . de, itar
ios ão
Morreu no dia 15 de fevereiro, aos 60 anos, Gildo Marçal Bezerra Brandão, pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea da Universidade de São Paulo (Cedec/USP), em decorrência de problemas cardíacos. Natural de Alagoas, Brandão atuou como jornalista e militou no Partido Comunista Gildo Marçal Brandão: analista político e cientista
Brasileiro (PCB), sendo o primeiro editor do jornal Voz da Unidade, publicação do partido. Nos anos 1970 deixou a militância política para se dedicar à carreira acadêmica. Lecionou na Universidade Estadual Paulista, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e na USP. Sua tese de doutoramento deu origem ao livro A esquerda positiva
(As duas almas do Partido Comunista, 1920-1964). Brandão era assessor ad hoc da FAPESP e coordenava o Projeto Temático "Linhagens de pensamento político e social brasileiro", apoiado pela Fundação. "Gildo era um arguto analista político e cientista de grande competência. Foi um incansável defensor de referenciais acadêmicos elevados para a universidade pública brasileira", disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP.
> Ecologicamente correto A partir desta edição,
Pesquisa FAPESP passa a circular com o selo FSC (Forest Stewardship Council), que certifica produtos impressos com papéis provenientes de florestas manejadas de forma ecologicamente correta, socialmente justa, economicamente viável e com respeito à legislação. O selo foi obtido pela gráfica Plural, de São Paulo, onde são impressos os exemplares da revista. O FSC é uma organização não governamental presente em 81 países, que atua de três maneiras: desenvolve os princípios e critérios para certificação, credencia organizações certificadoras especializadas e independentes; e apoia o desenvolvimento de padrões nacionais e regionais de manejo florestal.
PESQUISA FAPESP 169 • MARÇO DE 2010 • 27
>
ESTRATÉGIAS
BRASIL
o Instituto
ESCALA NANOMÉTRICA
de Pesquisas Tecnoló-
gicas (lPT) comprou um novo microscópio eletrônico de varredura (MEV), que permitirá pesquisas em
escala nanométrica.
O custo total foi de
€ 1,046 milhão, em
investimento do governo paulista. O novo equipamento trabalha com dois tipos de feixes: o feixe principal de elétrons é capaz de produzir imagens de alta resolução com uma ampliação de até 300 mil vezes, enquanto o feixe de íons de qállo executa a usinagem de amostras - pode, por exemplo, realizar um corte de superfícies para observação em três dimensões. O instituto já possuía dois microscópios de varredura, adquiridOS na década de 1990. Recentemente recebeu também um modelo de alta resolução, no projeto viabilizado pela Rede Temática de Materiais e Controle de Corrosão da Petrobras. Nenhum desses microscópios, contudo, dispõe de recursos tão avançados quanto os do modelo recém-adquirido.
"As partículas caracterizadas
nos
modelos convencionais atingiam somente a escala de mícrons, em uma ampliação de até 20 mil vezes. Agora podemos chegar a 500 mil vezes", disse o pesquisador Adriano Marim.
o;
Ed
pai
> Espaço interativo A capital paulista ganhou uma nova biblioteca pública. A Biblioteca de São Paulo foi inaugurada no dia 8 de janeiro no Parque da Juventude, zona Norte da cidade, criado no local em que funcionou a Casa de Detenção, demolida em 2002. Instalado numa área de 4.257 rrr', o espaço conta com uma centena de computadores com acesso à internet e recursos multimídia, 30 mil livros, 4 mil CDs e DVDs, mil audiolivros, mil álbuns de história em quadrinhos, 50 títulos de gibis, 100 jogos eletrônicos, cerca de 20 jornais nacionais e internacionais e mais de 15 títulos de revistas. Com foco na literatura brasileira, internacional e latino-americana, também
disponibiliza títulos sobre filosofia, religião, história, geografia, artes, administração, entre outros, que podem ser emprestados aos usuários cadastrados por um período de até 15 dias. Inspirada nos serviços e programas da Biblioteca Pública de
Santiago, no Chile, a Biblioteca de São Paulo possui cinco áreas de atividades, divididas por faixas etárias. Foram investidos R$ 12,5 milhões, sendo R$ Iü-milhões do governo paulista e R$ 2,5 milhões do Ministério da
Cultura. Será a sede do Sistema Estadual de Bibliotecas, que integra 941 bibliotecas públicas paulistas. Um auditório para 106 pessoas será utilizado para a realização de cursos de treinamento dos profissionais da rede de bibliotecas.
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28 • MARÇO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 169
de São Paulo: atividades
divididas
por faixas etárias
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Um estudo
divulgado
pela consultaria leqlslativa da Câmara dos Deputados chamou atenção para a fragilidade orçamentária do Programa Espacial Brasileiro.
Segundo
o texto, o orçamento
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previsto para 2010, de
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para fazer frente aos
R$ 353 milhões, é a
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cia Espacial Brasileira,
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Carlos Ganem. Outros
da ao diretor da Agên-
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o agrônomo
nais
adiado para 2011
vestem muito mais em seus programas, caso da índia e da China,
> À frente
41 .stas.
países emergentes inCbers-3: lançamento
e geneticista Edilson Paiva foi escolhido para presidir a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Seu nome era o primeiro de uma lista tríplice encaminhada pela comissão ao ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende. Ele assume a coordenação do colegiado de 27 integrantes, cuja missão é assessorar o governo na formulação da política de biossegurança em relação aos organismos geneticamente modificados. Cabe à CTNBio analisar pedidos de pesquisa e de liberação de transgênicos. Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desde 1974, Paiva ocupou nos últimos dois anos a vice-presidência da comissão, que tinha à frente Walter Colli, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo e
coordenador adjunto da FAPESP. Graduado em agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1973), Paiva fez mestrado em fisiologia vegetal (1977) e doutorado em biologia molecular de plantas (1983) na Universidade Purdue, Estados Unidos. Desenvolve pesquisas em genética molecular e celular de plantas e microrganismos.
> Proeza inesperada a estudante Ricardo Barroso Ferreira, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), conseguiu um feito raro para um aluno de graduação: foi coautor de um artigo na revista Science. No início de 2009 ele foi enviado à Universidade da Califórnia, Los Angeles (Uela), como bolsista de iniciação científica de um programa de intercâmbio que envolve
com orçamentos
de, respectivamente,
US$ 800 milhões e
US$1 bilhão. As consequências da escassez de recursos são o atraso em diversos projetos, como os lançamentos do foguete VLS 1e do satélite Cbers-3, previstos, respectivamente,
para
2009 e 2007, mas adiados para 2011. "Estima-se que os Estados Unidos detenham 41% do mercado global de satélites, deixando 59% para o restante do mundo, sendo de 1,9% a participação do mercado brasileiro. O desafio dos gestores de políticas públicas é avaliar se esse percentual corresponde às potencial idades do país e atende às necessidades da sociedade brasileira ou se é preciso empreender mais esforços para alavancar as atividades espaciais brasileiras", diz o estudo.
a FAPESP e a Divisão de Química da National Science Foundation (NSF), nos Estados Unidos. Fez parte, durante três meses, da equipe de pesquisa coordenada por amar Yaghi no Instituto de Nanossistemas da Uela. a grupo desenvolveu um cristal capaz de capturar emissões de dióxido de carbono. Embora a experiência tenha sido enriquecedora, a publicação foi uma conquista inesperada. "Fiquei muito surpreso", disse à Agência FAPESP. Segundo ele, Yaghi criou uma nova elasse
de materiais, as estruturas metalorgânicas. Descritos como "cristais esponja", têm poros em nanoescala, em que é possível armazenar gases. "Sintetizamos vários materiais diferentes. Eu me encarreguei da síntese e da análise de alguns deles", disse. Criado em 2008, o Programa Piloto de Intercâmbio em Pesquisa para Bolsistas de Iniciação Científica da Área de Química já teve quatro chamadas, que selecionaram 38 estudantes paulistas para estágios de pesquisa de até 12 semanas em instituições dos Estados Unidos.
PESQUISA FAPESP 169 • MARÇO DE 2010 • 29
>
ilustarções braz
política científica e tecnológica
COOPERAÇÃO
A construção da teia Tese discute por que não cresce a participação da pesquisa brasileira em redes internacionais Fabrício Marques
E
nquanto várias nações conseguiram ampliar sua produção científica feita em colaboração internacional, os artigos de pesquisadores brasileiros escritos em parceria com estrangeiros estacionaram na casa dos 30% e vêm crescendo, em números absolutos, num ritmo menor do que as colaborações internas, aquelas que resultam do trabalho conjunto de cientistas da mesma nacionalidade. Essa evidência é um dos destaques de uma tese de doutorado sobre as redes de colaboração científica do país, defendida no ano passado por Samile Vanz, pesquisadora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sob orientação de Ida Stumpf. Samile analisou 49.046 artigos brasileiros publicados em revistas indexadas na base Web of Science, da empresa Thomson Reuters, entre os anos de 2004 e 2006, e constatou que mais de 95% deles baseavam-se em algum tipo de colaboração. As parcerias dentro do próprio país respondiam por cerca de dois terços dos artigos e registraram estabilidade, com uma ligeira alta: de 69,2% do total em 2004 para 70,1% em 2006. Já o nível de colaborações internacionais apresentou uma pequena oscilação negativa. A proporção de artigos brasileiros com pelo menos um autor estrangeiro, que era de 30,8% do total em 2004, foi a 30,1% em 2005 e a 30% em 2006. A estabilidade nesse patamar chamou a atenção da pesquisadora, num período em que a produção científica brasileira cresceu a taxas anuais que chegam a 8%, sendo responsável atualmente por 2% da produção mundial e 45% da América Latina, e políticas para ampliar a inserção internacional foram criadas – no início dos anos 2000, a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) passou a conceder os conceitos mais elevados (6 e 7) apenas a programas de pós-graduação que mantivessem colaborações internacionais. “O trabalho em colaboração
está crescendo no Brasil e é responsável por quase a totalidade da produção científica indexada, mas as parcerias internacionais oscilam sem conseguir avançar”, conclui Samile Vanz. A quantidade de artigos escritos em coautoria é usada como indicação da colaboração científica entre países, instituições e pesquisadores, ou entre setores (academia, governo e empresas privadas). Embora existam caminhos para ampliar a inserção internacional da pesquisa que não necessariamente resultam na publicação de artigos, como o intercâmbio de alunos de pós-graduação e a participação em congressos e workshops, a importância para a pesquisa brasileira do indicador de coautoria já foi observada em vários estudos. Um deles, publicado em 2006 por Abel Packer e Rogério Meneghini, do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), analisou os artigos brasileiros com mais de 100 citações na base Web of Science entre os anos de 1994 e 2003. Constatou-se que 84,3% deles eram fruto de parcerias com outros países. Outro estudo de Rogério Meneghini publicado em 1996 mostrara que artigos resultantes de colaborações internacionais têm, em média, quatro vezes mais citações do que os trabalhos que envolvem colaborações nacionais, os quais, por sua vez, têm impacto 60% superior aos publicados por um único autor. “O Brasil precisa lutar para que sua pesquisa tenha uma inserção internacional maior, porque isso dará mais visibilidade à sua produção e significará o acesso a recursos e equipamentos que não estão disponíveis quando se faz pesquisa de forma isolada”, afirma a pesquisadora Samile, cujo trabalho teve a colaboração de um grupo especializado em bibliometria da China – ela fez um estágio doutoral de um ano num laboratório da Universidade Tecnológica de Dalian, onde aprendeu técnicas de tratamento e análise de dados utilizados na tese. PESQUISA FAPESP 169
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n
31
A tendência ao trabalho colaborativo é justificada, segundo a literatura, por múltiplos fatores, que vão desde a necessidade de dividir custos de equipamentos e de se relacionar com pesquisadores de outros campos do conhecimento em estudos interdisciplinares até a ampliação do acesso a financiamentos e o desejo de aumentar a bagagem acadêmica, conhecer novas metodologias e desenvolver habilidades por meio do contato com quem tem mais experiência. O advento da internet e das redes sem fio facilitou o acesso de pesquisadores separados por grandes distâncias. As motivações para a colaboração, diz Samile, não são as mesmas em todos os campos do conhecimento. Na matemática, por ser uma disciplina teórica, as parcerias tendem a resultar da necessidade de trocar ideias e debater problemas. Já na física a colaboração é fortemente marcada pela necessidade de compartilhar equipamentos custosos, como aceleradores de partículas.
O
s cerca de 30% de colaborações obtidas pelo Brasil nem de longe representam um dado trivial. “A estabilidade desses números mostra que temos uma comunidade científica consolidada, com grupos fortes em várias áreas que conseguem caminhar sozinhos”, diz Jacqueline Leta, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participou da banca da tese de Samile. “Uma explicação possível é que a comunidade científica formal, que é aquela que celebra as parcerias, está relativamente estabilizada. O que vem crescendo não é o número de pesquisadores, mas o de estudantes de pós-graduação, para quem produzir em colaboração é uma tarefa mais difícil”, afirma. Segundo Jacqueline, países pequenos tendem a ter índices de colaboração muito elevados, o que denota dependência de sua comunidade científica. Os 30% do Brasil estão acima dos cerca de 25% obtidos pelos Estados Unidos, responsáveis por mais de um terço de toda a produção científica do planeta. Mas se encontram abaixo de outros países da América Latina, como Chile, Argentina e México. A Europa vem ampliando seus índices de colaboração. Eles chegam a 50% da produção, o dobro de duas décadas atrás, e foram impulsionados por políticas no âmbito
32
n
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PESQUISA FAPESP 169
da União Europeia de aproximação dos cientistas de seus países membros. O nível europeu é duas vezes maior que o de países como Estados Unidos e Japão, mas o patamar desses países também vem crescendo, num sinal de crescente internacionalização da pesquisa. Lea Velho, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, diz que é difícil avaliar o significado dos 30%. “Ainda não existe uma teoria clara capaz de interpretar dados desse tipo”, diz. Mas afirma que o patamar pode ser útil para refletir sobre os motivos que levam o Brasil a não conseguir elevar esses indicadores. “Faltam estímulos para que a nossa comunidade científica se relacione mais com o exterior”, ela diz. “De um lado, deixamos de mandar alunos de doutorado para o exterior, o que era uma fonte potencial de colaborações no futuro, e passamos a privilegiar os doutorados sanduíche e os pós-doutorados lá fora, que não geram vínculos tão fortes. De outro, dispomos de um sistema de financiamento que vem oferecendo oportunidades cada vez maiores de bolsas e recursos para projetos aqui mesmo no Brasil. É bem diferente do que acontece em outros países, onde a participação em redes internacionais e a disputa por recursos do exterior são cruciais para que o pesquisador possa seguir trabalhando”, afirma. Segundo Lea, nos países da Europa é fundamental que um
As colaborações internacionais se justificam, entre outros fatores, pela oportunidade de dividir custos em grandes projetos e de aprender com quem tem mais experiência
pesquisador consiga obter recursos dos programas-quadro da União Europeia, baseados em redes. “As universidades europeias chegam a contratar pessoas para formatar a apresentação dos projetos, tal é a sua importância. Aqui no Brasil não há esse tipo de estímulo para as parcerias.”
A
internacionalização da pesquisa brasileira é um tópico importante da estratégia da FAPESP, que mantém acordos de cooperação com agências, empresas e/ou instituições científicas da Alemanha, do Canadá, dos Estados Unidos, da França, do México, de Portugal, do Reino Unido e da Suíça. Um exemplo é o acordo de cooperação firmado em 2004 com o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, voltado para estimular o intercâmbio de cientistas e a submissão de projetos conjuntos envolvendo pesquisadores de instituições paulistas e colegas franceses, que já geraram quatro chamadas de propostas e contemplaram 27 projetos. Em moldes semelhantes, a FAPESP mantém um convênio com o DFG (Deutsche Forschungsgemeinschaft), principal agência de fomento à pesquisa da Alemanha. No ano passado, a Fundação estabeleceu uma ponte com a pesquisa britânica, ao firmar acordos de cooperação com os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK, na sigla em inglês) e com o King’s College London, que se tornou a primeira universidade britânica parceira da FAPESP. Tais acordos ainda vão gerar chamadas de propostas. A estratégia de internacionalização da FAPESP inclui também trazer cientistas de fora. Por isso, oportunidades de bolsas de pós-doutorado são oferecidas em anúncios mensais na revista Nature e também no site da fundação, em português e em inglês. Grandes iniciativas da Fundação, como os programas Biota, que estuda a biodiversidade paulista, o Bioen, de pesquisa em bioenergia, e o programa de pesquisa sobre mudanças climáticas globais, vêm promovendo workshops e seminários com a participação de pesquisadores estrangeiros, a fim de estimular a participação dos pesquisadores paulistas em redes internacionais e mantê-los em contato com o estado da arte mundial em seus campos do conhecimento.
Um dos objetivos do trabalho de Samile foi atualizar o estudo sobre a coautoria, que já havia sido alvo de pesquisas anteriores. Um exemplo é o artigo publicado em 2006 na revista Scientometrics pelo húngaro Wolfgang Glänzel, a brasileira Jacqueline Leta e o belga Bart Thijs, que traçou um panorama da ciên cia brasileira na base ISI entre 1999 e 2003, mostrando que o Brasil ostentava o menor percentual de publicações com pelo menos um parceiro internacional quando comparado a países latino-americanos como Argentina, Chile, México e Venezuela. Dez anos antes, Jacqueline Leta e Hernan Chaimovich haviam analisado a produção científica brasileira entre 1981 e 1990 e observaram um aumento no período de 21,6% para 26,7% nas colaborações internacionais. Esse percentual, porém, estabilizou-se a partir de 1993, descolando-se da evolução da produção científica. Segundo a tese de Samile, as áreas com maior índice de parcerias são de geociências, com mais de 50% de artigos em colaboração internacional, de matemática e de física, com cerca de 40% cada uma. Os Estados Unidos são o parceiro brasileiro mais frequente, com 22% das coautorias. Em seguida, vêm França (8,2%), Alemanha e GrãBretanha (7,3%), Itália (4,3%), Canadá (4%), Espanha e Argentina (3,8%). Já a análise relativizada desses dados, que le-
va em conta a comparação entre os artigos em coautoria com a produção total dos países, mostrou, segundo Samile, que os principais parceiros do Brasil são os Estados Unidos e a Argentina. As colaborações com os Estados Unidos concentram-se em áreas como medicina clínica e experimental, biologia e biociências. No caso da França, as áreas prioritárias são a física e a química. Colaborações com o Chile se destacam em geociências e ciências espaciais (15,7% do total), provavelmente pela participação brasileira em consórcios responsáveis pela construção de grandes telescópios em território chileno.
A
pesar da estabilidade no plano internacional, sobram evidências de que o trabalho em rede vem crescendo no país. Os dados da tese mostram que a média de autores nos artigos brasileiros chegou a 6,3, bem além de uma média mundial contabilizada no ano 2000, que foi de 4,16. E a tendência observada é de crescimento: a média foi de 5,9 autores em 2004, de 6,4 em 2005 e de 6,5 em 2006. Segundo Samile, isso pode ser explicado pela adesão da comunidade científica brasileira ao trabalho em cooperação, assim como pode ser uma resposta dos pesquisadores à cobrança para publicar mais – o compartilhamento maior da autoria atenderia a essa demanda.
A análise da teia de colaborações internas das 16 instituições brasileiras com maior produtividade científica revelou a formação de várias redes regionais. As instituições paulistas, como a USP, a mais produtiva de todas, a Unicamp e a Unesp, formam claramente uma rede. A USP, por exemplo, produziu 1.157 artigos em parceria com a Unicamp e 1.291 com a Unesp. Uma exceção é a Unifesp, que se apresenta, segundo a autora, de forma mais isolada, ainda que compartilhe 730 artigos com a USP. Samile atribui o desempenho das instituições paulistas aos investimentos realizados em ciência no estado de São Paulo. Na Região Sul, a UFRGS também tende a isolar-se, enquanto as federais de Santa Catarina (UFSC) e do Paraná (UFPR) formam um grupo que tende a colaborar com a federal de São Carlos (UFSCar), no interior paulista. Outro grupo de parceiros é formado pelas federais do Rio de Janeiro (UFRJ), de Minas Gerais (UFMG) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). No Nordeste, há colaborações frequentes entre as federais do Ceará (UFCE) e de Pernambuco (UFPE). Samile Vanz adverte que é preciso avançar em séries de dados mais extensas para tirar conclusões mais aprofundadas. Ela está engajada nessa tarefa. Seguirá analisando os dados sobre a colaboração na pesquisa brasileira em anos mais recentes. n PESQUISA FAPESP 169
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>
integração
Obra coletiva
E
m dezembro, o Centro Nacional para Recursos de Pesquisa (National Center for Research Resources, NCRR), parte dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), sediado em Bethesda, cidade vizinha a Washington, capital dos Estados Unidos, comunicou que sete grupos de universidades dos Estados Unidos receberão US$ 171 milhões nos próximos cinco anos para levar adiante seus projetos de pesquisa. Seria algo corriqueiro, não fosse pelas pretensões e dificuldades envolvidas: essas instituições terão de fazer com que achados científicos se convertam em novos medicamentos, diagnósticos ou serviços de uso amplo. A dificuldade será mobilizar pesquisadores acadêmicos, médicos e outros profissionais da saúde, empresas e comunidades de usuários, que terão de trabalhar simultaneamente em torno de objetivos comuns. Esses centros de pesquisa médica, sediados nos estados de Nova York, Illinois, Arkansas, Texas, Carolina do Sul e Flórida, são os mais novos integrantes do programa Clinical and Translational Science Awards (CTSA), que reúne atualmente 11 mil pessoas – especialistas de instituições acadêmicas, hospitais, associações profissionais, empresários e organizações comunitárias locais – em 46 centros de pesquisas médicas em 26 dos 50 estados norte-americanos. O CTSA representa um dos esforços mais recentes dos NIH para promover a chamada pesquisa translacional, definida como o trabalho integrado de todos os interessados – dos inventores aos usuários finais – na passagem, ou translação, de descobertas científicas ao mercado consumidor. Um dos resultados desse programa iniciado em 2006 é um dispositivo de liberação pressurizada de medicamentos diretamente do nariz para o cérebro, evitando os efeitos colaterais causados pelas altas concentrações de drogas administradas
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PESQUISA FAPESP 169
Pesquisadores, médicos, empresários e usuários se unem para acelerar aplicações de pesquisa médica Carlos Fioravanti, de Bethesda
oralmente. Os pós-graduandos que criaram o dispositivo no Centro de Análise de Gene e Sequenciamento de DNA da Universidade de Washington ganharam US$ 50 mil de um fundo de inovação da universidade, licenciaram a tecnologia e abriram uma empresa para desenvolver o aplicador nasal de remédios. Outros resultados são mais sutis, como a redução do tempo de aprovação das propostas de testes clínicos de novos medicamentos de seis meses para 45 ou 30 dias, “desde que todos trabalhem juntos desde o início”, comenta Heng Xie, supervisor médico do NCRR. “O desafio mais difícil é encorajar os cientistas a colaborarem em vez de competirem entre si”, disse Anthony Hayward, diretor da divisão para recursos de pesquisa clínica do NCRR. E como fazer os cientistas colaborarem? “Oferecendo financiamentos elevados, de US$ 4 milhões, às vezes US$ 10 milhões por ano, mostrando que os cientistas podem ir mais longe se trabalharem juntos e apoiando os objetivos deles.” Definida como a construção conjunta de soluções para problemas que afligem grupos diferentes de pessoas, a pesquisa médica translacional implica o desenvolvimento coletivo, não só a transferência,
de tecnologias que facilitem o tratamento ou a prevenção de doenças comuns ou raras. Quanto mais diversificado for o grupo de participantes, melhor, porque os problemas podem ser antecipados e resolvidos conjuntamente, antes de se agravarem. A participação de líderes comunitários e profissionais de saúde de hospitais locais, a que se ligam os grupos acadêmicos, tem sido valorizada como forma de identificar de que cuidados médicos as pessoas necessitam e de levar os avanços das pesquisas de modo mais rápido. “Mais que dizer ‘queremos algo de você’, temos de perguntar ‘o que podemos fazer por você?’”, reconheceu Steven Reis, professor de medicina da Universidade de Pittsburg, em uma edição recente da revista NCRR Reporter. Para levar adiante um levantamento sobre doenças cardíacas, ele procurou um diretor da Liga Urbana da Grande Pittsburg, uma organização não governamental que atende os moradores da região. Decidiram começar com exames médicos simples, de sangue e pressão arterial, que era o que os moradores mais queriam. Esse contato ajudou Reis a atrair os participantes de que precisava para seu estudo.
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Justin Ide/Universidade Harvard
Akiko Yabuuchi trabalha com células-tronco na Faculdade de Medicina de Harvard
O
s coordenadores do CTSA incentivam a visibilidade dos pesquisadores e dos trabalhos de que participam. “Está vendo a videocâmera no computador do doutor Hayward?”, pergunta Xie, olhando para trás, em um dos momentos da entrevista em que se baseou esta reportagem. “Ele a usa bastante para se conectar com as pessoas”, diz. “Se as pessoas realmente querem trabalhar juntas, a distância não é um grande problema.” Outra forma de vencer as barreiras institucionais, uma das metas do CTSA, é o Building Connections, uma das partes do site do CTSA (www.ctsaweb.org) que promove a interação entre os grupos de pesquisa, escolas de negócios, empresas, comunidades e o público em geral. Outra peculiaridade do CTSA é que os coordenadores dos projetos de pesquisas podem receber financiamentos, simultaneamente, de empresas farmacêuticas. “Tem havido uma enorme separação entre empresas e centros médicos acadêmicos, mas eles têm de trabalhar mais próximos, por causa das exigências das agências reguladoras, cada vez mais complicadas”, observa Hayward, diretor da divisão para recursos de pesquisa clínica do NCRR. Outra justificativa para essas parcerias são os custos de desenvolvimento de novos
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medicamentos ou produtos médicos, que têm aumentado e, segundo ele, “os centros acadêmicos não têm condições de bancar”. Os encontros com empresários, tanto quanto com os representantes de comunidades, são constantes. O mais recente, em fevereiro, foi o CTSA Industry Forum, planejado para facilitar as colaborações entre governo, empresas, universidades e organizações não governamentais para acelerar a descoberta e desenvolvimento de medicamentos, dispositivos e diagnósticos médicos e para explorar novas oportunidades de parcerias. “Temos interfaces, obviamente evitando conflitos de interesses entre academia, governo e indústria”, diz Hayward. “As empresas querem produtos bem-sucedidos, mas não vamos descuidar da necessidade de os medicamentos serem seguros, nem queremos que o governo favoreça uma ou outra empresa. Mantemos a independência acadêmica. Os acordos estabelecem padrões éticos elevados.” O desejo de transformar grandes achados laboratoriais em produtos comerciais mobiliza pesquisadores também no Brasil e inspira cursos como o A.C. Camargo Global Meeting of Translational Science, de 19 e 30 de abril, em São Paulo, sob a coordenação de Ricardo Brentani e Emmanuel
Dias. Esper Cavalheiro, professor de neurologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), rememora: “A separação entre o básico e o clínico já me incomodava muito quando instituí mos a pós-graduação em neurologia da Unifesp, reservada aos médicos com título de especialista em neurologia”. Transformando a angústia em ação, no final dos anos 1980 ele conseguiu da Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes) a permissão para o curso de pós aceitar também quem não era médico – e receberia o título de doutor em neurociência para diferenciar dos estudantes médicos, que seriam doutores em neurologia. “Muitos nos seguiram e hoje a impossibilidade de agregar profissionais de outras áreas já não é um impedimento na pós-graduação nacional.”
S
egundo ele, seu grupo de pesquisa, embora sem usar o termo “translacional”, sempre procurou ver como o conhecimento que obtinha nos experimentos com animais poderia ajudar a melhorar o tratamento da epilepsia em seres humanos. “É um típico caso de caminho de mão dupla. Além de discutirmos tudo em conjunto, os clínicos que olham os pacientes mais de perto tra-
zem novas perguntas”, ele diz. “E fomos mais longe ao criarmos já na década de 1980 a Associação Brasileira de Epilepsia, para as pessoas com epilepsia, seus familiares e profissionais interessados, e em reuniões mensais transferimos para a sociedade os avanços na área que podem lhe interessar diretamente.” Poucos anos atrás, quando o grupo imaginou o Instituto Nacional de Neurociência Translacional, que ele coordena desde o início, “todo o grupo de pesquisadores envolvidos já estava, de uma forma ou de outra, trabalhando com esse aspecto translacional em suas pesquisas”. “Ciência e tecnologia sempre andaram juntas, mas não realmente integradas”, lembra ele. “Assim como em áreas do conhecimento, as ciências básicas da área biológica, por vários fatores históricos, nunca tiveram muita preo cupação com a utilização prática dos resultados de seu trabalho.” Termos como “interdisciplinar” ou “multidisciplinar” tentaram aproximar os dois universos ao longo dos anos 1980 e 90. “Mas tam-
Dan Davenport/Universidade de Cincinatti
Frank McCormack, da Universidade de Cincinatti, participa de um projeto colaborativo para facilitar o tratamento de doenças pulmonares raras
bém já faz tempo que não adianta só boa vontade, nem termos novos. A própria política de estímulo às pesquisas não ajudava muito. A busca pura de aplicação para os resultados da ciência não dava muito ibope acadêmico. Era preciso ser mais diferenciado, buscar o conhecimento e a verdade, esse era o verdadeiro papel do acadêmico.”
A
seu ver, as Iniciativas Nacionais de Inovação, das quais seu instituto faz parte, promove a integração de especialistas de áreas diferentes para que, conjuntamente, produzam e apliquem novos conhecimentos, gerando benefícios sociais e econômicos, além de acadêmicos. “Tínhamos de ir além da associação entre áreas básicas e clínicas da saúde, pois novos equipamentos médicos demandam engenheiros e cientistas de software; para novos medicamentos, precisamos de químicos e físicos; para estudos populacionais de saúde, de matemáticos e estatísticos; para os impactos sociais das chamadas
novas doenças, de cientistas humanos e sociais”, comenta Cavalheiro. Ele conta que participou de algumas reuniões de planejamento de um dos programas de pesquisa translacional dos NIH. “Lá, com mais dinheiro, o projeto era muito claro e se dirigia a todos os grupos acadêmicos em saúde, com ou sem interação com empresas. Foi até criado um braço lateral dos NIH só para cuidar do programa. Tem um gerenciamento muito adequado, de forma que podemos acompanhar as conquistas de maneira muito clara.” Por aqui, segundo ele, predomina a pesquisa inter ou multidisciplinar, em que cada pesquisador tem sua própria ideia e bate à porta de outro pesquisador para pedir ajuda. “Não adianta chamar o outro para ajudar em seu problema”, alerta Cavalheiro, que propõe uma visão convergente, em que todos participantes adotem a mesma pergunta (ver “A reconstrução do homem”, Pesquisa Fapesp nº 136). “O problema tem de ser de todos.” n
>
LABORATÓRIO
Enquanto os físicos lutam para fazer computadores quânticos funcionarem em temperaturas
muito
baixas, outros pesquisadores mostram que algas marinhas e bactérias fazem cálculos quânticos
a
> Variação
genética do envelhecimento
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temperaturas normais há bilhões de anos (New Scientist). As evi-
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dências vêm de um estudo sobre
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algas marinhas que exploram pro-
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cessos quânticos de transferência de energia na fotossíntese
MUNDO
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sem
qualquer perda. A fotossíntese começa quando estruturas chama-
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das antenas capturam fótons. Na alga Chroomonas CCMP270 essas antenas têm uma estrutura
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com
oito moléculas de pigmentos, cada
I
uma delas capaz de absorver luz de diferentes partes do espectro.
Algas amigas da luz: sem perder energia
Daí a energia dos fótons viaja para a célula onde é usada para fazer combustível
químico. Segundo a
física clássica, haveria perdas nesse trajeto, mas não foi o que uma equipe da Universidade de Toronto, Canadá, descreveu na Nature. Agora a esperança é converter esses achados em formas de aumentar a eficiência energética em células solares. Sem falar, claro, nos computadores
> Fuligem
derrete neve do Himalaia
As geleiras da cordilheira do Himalaia podem estar desaparecendo não só por
quânticos.
causa do acúmulo de gases como dióxido de carbono, mas também por causa do excesso de fuligem que vem da Índia e da China, concluiu uma equipe do
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...•
Himalaia: ecos da fumaça dos fogões da índia e da China
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Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, Estados Unidos. As partículas aerossóis contribuem com 90% das mudanças no gelo e na neve do Himalaia; desse total, 'Os resíduos da queima de carbono, usado como combustível na forma de carvão, por exemplo, respondem por 30% (Atmospheric Chemistry and Physics). Essas conclusões apontam para um modo simples de deter o derretimento das geleiras: como o dióxido de carbono permanece inerte na atmosfera por 100 anos e os resíduos de carbono por apenas algumas semanas, reduzir a queima de carvão e de biomassa em fornos de baixa eficiência energética pode ter um efeito imediato, evitando que a neve derreta.
Depois de analisarem mais de 500 mil variações do genoma humano próximas ao gene chamado Tere, pesquisadores da Universidade de Leicester e do King's College London, em colaboração com grupos da Holanda, apresentaram no início de fevereiro, pela primeira vez, variantes genéticas associadas aos mecanismos biológicos de envelhecimento que favorecem o surgimento de doenças degenerativas em seres humanos. De acordo com esse trabalho, detalhado na Nature Genetics, pessoas com uma dessas variações genéticas têm as pontas dos cromossomos, ou telômeros, mais curtas, indicação de que têm mais chance de adquirir doenças cardiovasculares com a passagem dos anos. "Algumas pessoas são geneticamente programadas para envelhecer mais rapidamente", disse Tim Spector, do King's College London e um dos coordenadores desse trabalho, em um comunicado à imprensa. O efeito é mais claro em quem tem essa variação do gene Terc, que determina um encurtamento do telômero equivalente a três ou quatro anos de envelhecimento. Pessoas geneticamente mais suscetíveis podem envelhecer mais depressa que as submetidas a fatores danosos aos telômeros, como tabagismo e obesidade.
> Matemáticos
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contra o crime
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Ieffrey Brantingham não é um detetive. Nem policial. Com sua equipe da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, porém, tem calculado os movimentos de criminosos e vítimas do sul da Califórnia que podem gerar oportunidades para os crimes. As equações que criaram estão ajudando a polícia, por mostrar como se formam os lugares mais propícios a crimes - no fundo, um mecanismo matemático similar ao que explica a formação e o espalhamento de moléculas (NewScientist, 23 fevereiro). Essa abordagem, descrita na revista PNAS, examina dois tipos desses lugares ou hotspots. O primeiro, chamado supercrítico, emerge quando os picos de criminalidade atingem certo limite e criam uma onda local mais intensa de criminalidade. O outro, subcrítico, ocorre quando um fator específico, como um distribuidor de drogas, intensifica os crimes. Um policiamento mais rigoroso pode eliminar os pontos subcríticos, mas apenas deslocar os supercríticos.
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Duas espécies de borboletas de espécies diferentes, a Heliconius melpomene e a Heliconius erato, embora geneticamente distantes a ponto de não cruzarem entre sentam manchas
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as mesmas vermelhas
e amarelas nas asas negras. Como duas es-
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pécies geneticamente
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distantes
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evoluído
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modo a ponto de uma mimetizar
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intrigado muita gente e até mesmo Charles Darwin, há muito tempo. Agora uma equipe da Universidade
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Cambridge, Inglaterra, Heliconius
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perfeito
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que apenas
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> Proteína
pode deter malária
dem ser os responsáveis pelas manchas que afugentam pássaros por indicar que as borboletas contêm toxinas e provavelmente
são de gosto
ruim. Os resultados, descritos em dois trabalhos publicados
Cientistas da Universidade de Washington em St. Louis, Estados Unidos, identificaram uma proteína produzida pelo protozoário causador da malária que se mostrou essencial para a conquista das células vermelh~s humanas e, eles acreditam, poderá se constituir em um novo alvo terapêutico, desde que possa ser bloqueada. "O parasita da malária
na mesma edição de fevereiro da PLoS Genetics, confirmaram que os mesmos genes estavam envolvidos na constituição das manchas, algo antes considerado improvável, e atestam a flexibilidade dos artifícios usados ao longo da evolução em nome da sobrevivência.
controla e remodela as células vermelhas do sangue, secretando centenas de proteínas depois que se instala lá dentro", disse Dan Goldberd, chefe da equipe da universidade que liderou
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ecer
sos Isto não
é
arte, mas uma forma de reduzir
a criminalidade
esse trabalho, em um comunicado da agência Eurekalert, a respeito do estudo publicado em fevereiro na revista Nature. "Mas sem essa proteína, a plasmepsina V, as outras proteínas do parasita não podem ser produzidas e assim o processo infeccioso para." Em testes in vitro, os parasitas em que essa proteína foi desativada foram incapazes de produzir as proteínas que lhes permitiriam se apossar do controle das células vermelhas do sangue humano.
PESQUISA fAPESP 169 • MARÇO DE 2010 • 39
>
LABORATÓRIO
BRASIL
cn
o
câncer de mama, o que mais
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tem vencido batalhas
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dência, uma equipe coordenada
C)
pela bioquímica
Giseli Klassen,
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da Universidade
Federal do Pa-
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raná, busca caracterizar
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camente tumores de brasileiras.
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O grupo, que inclui também pes-
cn
quisadores
LLJ
de Pesquisa sobre o Câncer e da
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Universidade Northwestern,
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LLJ
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entre mulheres,
geneti-
Ludwiq nos
Estados Unidos, mostrou que a regulação da atividade de certos genes está associada à tendência de tumores causarem metástase e se tornarem letais (BMC Cancer). Trata-se de padrões de metilação, etiquetas moleculares que funcionam
como interruptores
dos genes. O trabalho linhagens celulares do banco de células do Instituto
analisou
Ludwig e amostras congeladas de 69
tumores de pacientes do Hospital Nossa Senhora das Graças, em Curitiba, e indica hipermetilação em 14,5% e 54%, respectivamente,
de duas regiões ligadas ao funcionamento
do gene
CXCL12, e do gene ESR1em 41% dos tumores analisados. Além disso, os padrões de metilação desses dois genes estão associados, o que aumenta seu potencial para diagnóstico antes que os sintomas apareçam. Por revelarem mecanismos moleculares dos tumores, os achados podem ajudar também na prevenção e no tratamento
> Obesidade de risco Uma fita métrica em volta da barriga está longe de ser a única maneira de medir a obesidade. Pelo menos o tipo de obesidade que põe a vida em risco por acidentes cardiovasculares, como mostra um trabalho do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Atherosclerosis). A equipe usou tomografia computadorizada para detectar calcificação e placas nas artérias - causadoras da
do câncer de mama no Brasil.
doença arterial coronariana - e medir a gordura em 125 pacientes. O importante foi distinguir a gordura abdominal da visceral, que fica dentro do abdômen e secreta substâncias que aumentam sua participação em doenças associadas à obesidade como o diabetes e a hipertensão. O estudo confirmou que a gordura visceral está fortemente associada à doença coronariana, e não detectou relação entre as medidas tradicionais - que avaliam a gordura como um todo - e depósitos nas artérias.
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da floresta
contra a
ciência. Para reverter essa ten-
do Instituto
> Arquitetas Uma fileira densa de saúvas sobe e desce o tronco de uma árvore e forma uma estrada no chão até a entrada do formigueiro. Entre folhas, flores, pedaços de frutos e sementes, as que voltam para o ninho levam nas costas cargas muitas vezes bem maiores do que o próprio corpo e do dia para a noite podem desnudar uma planta. Um estudo coordenado por Inara Leal, da Universidade Federal de Pernambuco, foi além das plantas saqueadas e analisou o efeito das saúvas na estrutura da floresta (Oecologia). O grupo verificou que as saúvas estão entre os poucos organismos beneficiados quando áreas de Mata Atlântica são transformadas em fragmentos isolados.
Nessas áreas, as formigas abrem grandes clareiras sobre os ninhos, permitindo que o dobro da luz chegue ao chão, se comparado a áreas mais distantes de ninhos. Ao longo de um ano, a equipe percebeu que poucas espécies de plantas características de florestas maduras conseguem germinar e sobreviver com mais luz. Longe da ação devastadora das formigas, a densidade de plantas jovens é quase três vezes maior, com o dobro da riqueza em número de espécies e com mais espécies tolerantes à sombra. As saúvas impedem a regeneração e o amadurecimento da floresta.
Usar
bicicletas
como
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ser uma excelente forma
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de integrar
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meio de transporte
pode
uma rotina
de exercício ao dia a dia, além de contribuir
para
reduzir a poluição do ar. Pode representar também um risco importante à vida. Por isso, enquanto prefeituras implementam medidas para incentivar o uso de bicicletas, como os
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bicicletários em estações de metrô paulistanas, é importante pensar em como aumentar a segurança dos ciclistas no trânsito. Um estudo
coordena-
do pelo epidemiologista Giancarlo
Bacchieri,
da
Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do
Sem motor: cuidado com o trânsito
Sul, investigou o que está
> Cidades do barulho
por trás dos acidentes envolvendo ciclistas em Pelotas. Nessa cidade gaúcha de porte médio, todos os dias cerca de 18 mil pessoas vão trabalhar de bicicleta e, a cada ano, por volta de uma em cada 10 delas sofre um acidente. Os resultados, em processo de publicação na revista Accident Ana/ysis and Prevention, mostram que educar o ciclista e equipar as bicicletas
Motores que aceleram na subida, buzinas, pessoas que conversam aos brados em mesas de bar. As fontes de barulho são muitas e intensas nas cidades, mas o problema não recebe a devida atenção: segundo a Organização Mundial da Saúde, ruído em excesso pode causar hipertensão, diabetes, alterações de comportamento e depressão. Como não se resolve um problema sem conhecê-Io, os engenheiros ambientais Samuel Barsanelli Costa e Roberto Wagner Lourenço, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Sorocaba, acabam de propor um método que analisa a distribuição no tempo e no espaço das medições acústicas para mapear os níveis de ruído na zona central dessa cidade do
com itens de segurança pode não ser o melhor caminho. Melhorar as condições das ruas e a sinalização, criar ciclovias e organizar o tráfego são medidas essenciais para que qualquer cidade se torne mais adequada ao trânsito
não motorizado.
> Dor sob controle
interior de São Paulo (Environmental Monitoring and Assessment). Eles viram que só em quatro dos 32 pontos analisados o barulho não excedeu o permitido pela legislação brasileira e que caminhões, ônibus e motocicletas são os maiores vilões. Os pesquisadores advogam o uso do método como ferramenta essencial no planejamento urbano.
A morfina, derivada do ópio, é o analgésico mais prescrito em casos de dores intensas ou crônicas, mas tem má fama pelos efeitos colaterais, inclusive por causar dependência com uso desregrado. Há 30 anos Sérgio Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, descobriu os efeitos analgésicos periféricos da morfina, abrindo a possibilidade de eliminar os efeitos indesejados da droga. Com a colaboração de outros pesquisadores da USP e da Universidade Federal de Minas Gerais,
Thiago Cunha agora elucidou os mecanismos bioquímicos que permitem à morfina ter também efeito em dores localizadas. Quando aciona receptores em neurônios periféricos especializados em detectar dor, a morfina desencadeia uma cascata de sinalização bioquímica que acaba por bloquear a sensibilização desses neurônios e aplacar dores causadas por inflamação. No futuro, drogas que reproduzam esse mecanismo analgésico da morfina podem vir a ser um recurso importante para aliviar os sintomas dolorosos de reações inflamatórias, indica o artigo publicado na PNAS.
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Two Epileptic Women Aided By Four Men / Š Bettmann/CORBIS/Corbis (DC)/Latinstock
>
ciência
Neurologia
Tremores sob controle
E
sper Cavalheiro suava, fazendo ginástica à noite em uma academia, ao lado de um treinador que não parava de perguntar sobre o funcionamento do cérebro, dos neurônios e das pesquisas que ele coordenava na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Diante da curiosidade sem fim, gentilmente Cavalheiro convidou: “Por que não vem fazer pós-graduação comigo?”. Ricardo Arida, o perguntador, começou a pós nesse mesmo ano, 1992. De lá para cá, unindo sua formação em educação física com o que aprendeu no mestrado e no doutorado, ele fez ou acompanhou estudos em animais de laboratório e com seres humanos que agora permitem aos pesquisadores dessa área recomendar a prática de exercícios físicos regulares de média intensidade – como caminhar ou correr – para ajudar a conter a epilepsia, distúrbio neurológico caracterizado por intensas descargas elétricas no cérebro, com o qual quase 4 milhões de pessoas de todas as idades no Brasil, o equivalente a 2% da população, têm de conviver. Os benefícios da atividade física podem ser ampliados por meio de uma segunda terapia complementar: o consumo de combinações de ácidos graxos poliinsaturados do tipo ômega-3, encontrado em nozes e peixes e adotado como suplemento alimentar para fortalecer o coração. Fúlvio Scorza, do grupo de Cavalheiro, em colaboração com colegas de outras universidades, tem mostrado que doses diárias de um a três gramas de ômega-3 podem proteger ou mesmo estimular a formação de neurônios do hipocampo, uma área do córtex cerebral associada ao aprendizado e à aquisição da memória, danificada em algumas formas de epilepsia. Em experimentos com animais e seres humanos, o ômega-3, tanto quanto os exercícios físicos, reduziu a intensidade e a frequência das crises epilépticas, as súbitas contrações musculares que representam a face mais visível da epilepsia. Arida entrou nessa linha de trabalho em 1998. Foi quando, ainda no doutorado, ele verificou que ratos habituados a correr em uma esteira apresentavam 50% menos crises epilépticas induzidas, em comparação com os sedentários. Agora, como professor da Unifesp, ele orientou um estudo de Fabio Camilo com 17 pessoas com epilepsia e 21 saudá-
Prática de exercícios físicos e consumo de ômega-3 emergem como tratamentos complementares da epilepsia Carlos Fioravanti
veis, publicado em dezembro de 2009 na revista Arquivos de Neuropsiquiatria, mostrando que mesmo exercícios físicos intensos podem ser benéficos, ajudando a conter as crises. “A indicação de exercício físico para tratar epilepsia vai contra crenças antigas”, diz Cavalheiro, lembrando que as pessoas com epile psia normalmente são aconselhadas a se manterem pouco ativas e reclusas, sob o risco de agravarem as crises. A atividade física pode aplacar os efeitos sociais e psicológicos gerados pelas crises. Quem tem epilepsia tende a se isolar do convívio social, por temer que o surgimento de crises em público possa criar situações embaraçosas para quem não convive com esse problema. O isolamento, por sua vez, pode gerar depressão ou ansiedade. Há limites, porém, para a atividade física. “Quem tem epilepsia não vai fazer alpinismo, nem natação, porque uma crise poderia ser perigosa nessas situações”, PESQUISA FAPESP 169
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alerta Arida, “mas pode participar de outras atividades esportivas e voltar a ter uma vida normal, mesmo que não possa parar com a medicação que evita o surgimento das crises”. As pessoas com epilepsia talvez recebam bem essas possibilidades. Um levantamento que ele coordenou em 2003 mostrou que as pessoas com epilepsia acreditavam que a prática de esportes poderia favorecer o tratamento. Dos 100 entrevistados (58 homens e 42 mulheres), 51 já praticavam alguma atividade física, embora não regularmente, 85 não acreditavam que praticar esportes poderia precipitar as crises, 15 haviam sido proibidos pelos médicos de fazer atividade física e 14 foram alertados por parentes e amigos para ficarem longe de pistas de corridas e quadras de esportes. “Vale a pena planejar um programa de exercícios físicos específicos para pessoas com epilepsia”, propõe Arida. Os movimentos que fazem suar regulam a produção de neurotransmissores – os mensageiros químicos entre os neurônios – e de hormônios, desse modo reduzindo as crises epilépticas, de acordo com um estudo de Arida e outros pesquisadores da Unifesp, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) publicado em novembro de 2009 na revista Epilepsy & Behavior. Segundo Arida, um experimento recém-concluído na Unifesp indicou que o exercício físico voluntário ou forçado – além do efeito mais conhecido, o estímulo à liberação de substâncias chamadas endorfinas, que causam uma sensação de bem-estar – dobrou a quantidade e a extensão dos braços dos neurônios do hipocampo de ratos, assim facilitando a comunicação entre os neurônios.
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ômega-3 parece proteger as células nervosas por pelo menos dois outros meios. O primeiro é estimulando a produção de parvalbumina, uma proteína que age em conjunto com o neurotransmissor ácido gama-aminobutírico (Gaba), que inibe a atividade elétrica dos neurônios. O segundo é ligando-se com os íons (partículas atômicas eletricamente carregadas) de cálcio. “Com a crise epiléptica, a membrana dos neurônios se torna mais permeável e deixa entrar mais cálcio iônico, que, em excesso, pode ser
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A epilepsia pode escapar mesmo do olhar de especialistas porque se apresenta de muitas formas diferentes na infância, na vida adulta e na velhice
tóxico para as células”, comenta Scorza, um dos organizadores da 4ª Escola Latino-Americana de Verão em Epilepsia (Lasse), que reuniu cerca de 100 especialistas de 1o a 10 de fevereiro em Guarulhos, na Grande São Paulo. Equilibrando a atividade elétrica dos neurônios, o ômega-3 deve contribuir para reduzir também a morte súbita nas epilepsias. A equipe da Unifesp investiga há anos esse tipo de morte prematura, de duas a três vezes mais comum em pessoas com epilepsia do que em quem não tem epilepsia. Uma das explicações é que o desequilíbrio elétrico dos neurônios do cérebro possa ampliar-se e desregular o funcionamento do coração. Outra possibilidade, que Scorza, Cavalheiro e outros pesquisadores da Unifesp apresentaram em janeiro na Medical Hypotheses, é que a falta de vitamina D possa contribuir para as arritmias cardíacas, a epilepsia e a morte súbita. Nesse caso, a saída é simples: basta tomar mais sol, que intensifica a produção de vitamina D pelo organismo. A vitamina D, eles sugerem, pode funcionar também para regularizar a atividade elétrica dos neurônios.
Há pelo menos cinco anos uma série de testes em pessoas tem mostrado que o ômega-3 pode reduzir os riscos de crises epilépticas e de morte súbita. Alguns trabalhos mostraram benefícios temporários, segundo Scorza, “talvez porque a dose era baixa”, de um grama de ômega-3 por dia. Doses maiores têm levado a resultados mais claros e prolongados. Marly Albuquerque, da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em conjunto com a equipe da Unifesp, coordenou um estudo em que nove pessoas com epilepsia nas quais os medicamentos habituais faziam pouco efeito tomaram uma dose de três gramas diárias de ômega-3 e mais a medicação antiepiléptica durante seis meses. Marly observou uma redução de 75% na frequência das crises – de diárias, passaram a semanais. “O que mais chamou a atenção foram os ganhos de qualidade de vida, com mais socialização”, afirmou. Como já existe uma dezena de medicamentos eficazes contra epilepsia, aos quais se somam agora essas terapias complementares, o tratamento deixou de ser o mais difícil. “Por incrível que pareça, o mais difícil é diagnosticar a epilepsia e evitar que as pessoas tomem medicamentos errados por muitos anos”, diz Cavalheiro, coordenador- -geral da Lasse. A epilepsia pode escapar mesmo de especialistas porque se apresenta de muitas formas diferentes na infância, na vida adulta ou na
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OS ProjetoS 1. Efeito do exercício físico na plasticidade cerebral de ratos em desenvolvimento - nº 2004/10820-6 2. O papel do ômega-3 no modelo de epilepsia induzido pela pilocarpina - nº 2007/00763-3
modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenadores
1. Ricardo Mario Arida – Unifesp 2. Fúlvio Alexandre Scorza – Unifesp investimento
1. R$ 91.813,39 (FAPESP) 2. R$ 48.103,59 (FAPESP)
velhice. Em bebês e crianças, pode se expressar apenas por meio de piscadas fortes dos olhos ou contrações de um a dois segundos dos músculos de uma das mãos. “Muitas vezes os médicos não conseguem diagnosticar crises em bebês por falta de equipamento e de experiência”, disse Perrine Plouin, do Hospital Saint Vincent de Paul, de Paris, em uma das apresentações do Lasse. Só a partir dos 7 anos de idade é que as crianças apresentam crises epilépticas semelhantes às dos adultos, com movimentos involuntários, rápidos e arrítmicos de braços, pernas, pescoço e ombros.
Engraving of a woman having an epileptic fit/NATIONAL LIBRARY OF MEDICINE/SCIENCE PHOTO LIBRARY/SPL DC/Latinstock
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ara complicar, as crises podem resultar de estímulos variados. Em 16 de dezembro de 1997, cenas de vermelho intenso e vibrante no desenho animado Pokémon dispararam crises epilépticas em 685 crianças no Japão. Plouin contou de uma menina de menos de 1 ano que tinha crises, expressas apenas por movimentos irregulares dos olhos, ao entrar na banheira com água a uma temperatura próxima a 37º Celsius. Elza Yacubian, da Unifesp, descreveu outra forma rara de epilepsia, acionada pela leitura sob tensão, como a de textos em uma língua desconhecida, e visível apenas pela contração dos músculos da mandíbula. As crises são raras – e a epilepsia, mais difícil de detectar – entre idosos, que geralmente vivem sozinhos ou estão sozinhos quando a crise chega. Carlos Guerreiro, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), contou que os médicos podem suspeitar de epilepsia em pessoas idosas a partir do que elas próprias relatam sobre o que sentiram antes das crises, como tontura, medo, dor muscular ou suor intenso, ou depois, como perda de memória, confusão mental e dores musculares. Outra complicação é que a epilepsia, entre idosos, pode coexistir com doenças cardiovasculares, doença renal crônica, diabetes ou demência,
e por vezes os medicamentos usados contra epilepsia podem reduzir o efeito, por exemplo, de anti-hipertensivos. Em razão do contínuo envelhecimento da população e da perspectiva de ampliação da expectativa de vida dos atuais 72,7 anos para mais de 80 em 2030, ele concluiu, “vamos ter cada vez mais epilepsia entre idosos”. As origens da epilepsia também são variadas – defeitos em genes, cromossomos anormais, distúrbios metabólicos e tumores ou lesões no cérebro. “No sistema nervoso central há um jogo molecular complexo”, afirmou Marina Bentivoglio, da Universidade de Verona, Itália. Por causa da interação entre neurotransmissores, hormônios e proteínas que estimulam continuamente a proliferação, migração e diferenciação das células nervosas, “esse ambiente está mudando o tempo todo”, disse ela. Outra possibilidade: a epilepsia, a doença de Alzheimer, a esclerose múltipla e outros distúrbios neurológicos podem resultar de inflamações nas células da glia, que envolvem os neurônios. Dez vezes mais numerosas
que os neurônios, as células da glia passaram décadas sob a ideia de que serviam apenas como sustentação e coesão dos tecidos do sistema nervoso central. Agora se mostram relevantes para a transmissão de estímulos elétricos, facilitando as conexões entre os neurônios e para o combate a infecções e lesões no sistema nervoso. Hoje está claro que lesões nas células da glia podem atrapalhar o funcionamento dos neurônios ou levá-los à morte. “As glias são as células do momento”, afirmou Scorza, diante de indicações de que o exercício físico e o ômega-3 parecem ser capazes de manter as células da glia funcionando harmoniosamente. n
> Artigos científicos 1. CAMILO, F. et al. Avaliação do esforço físico intenso em indivíduos com epilepsia do lobo temporal. Arquivos de Neuro psiquiatria. 67(4), p.1.007-12. 2009. 2. SCORZA, F. A. et al. Benefits of sunlight: vitamin D deficiency might increase the risk of sudden unexpected death in epilepsy. Medical Hypotheses. 74(1), p. 158-61. 2010.
Gravura a partir de um desenho de Paul Richer, de 1885
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> saúde infantil
filho
Coma menos,
Mães nem sempre reconhecem quando suas crianças estão acima do peso
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olhar das mães é poderoso. Descobre segredos, descortina o futuro, fortalece, afugenta fantasmas. Nem sempre, porém, identifica quando os filhos estão um pouco acima do peso. Em um estudo feito em Vitória, capital do Espírito Santo, com 1.282 crianças de 7 a 10 anos, apenas 10% das respectivas mães reconheceram que os filhos com sobrepeso ou obesidade estavam realmente pesando acima do normal para a altura e a idade.
Em outro estudo, essa equipe da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) verificou que 14% desse mesmo grupo de crianças apresentava pressão arterial acima do normal. “São dados preocupantes”, comenta Maria del Carmen Molina, professora da Ufes e coordenadora desses estudos. “Excesso de peso e hipertensão são dois fatores de risco para doenças cardiovasculares, a principal causa de morte na população brasileira.” Os pesquisadores esperavam que 20% das crianças estivessem com peso acima do recomendado (encontraram 23,3% com sobrepeso ou obesidade) e no máximo 10% com pressão arterial elevada. Para avaliar esse risco futuro de enfarte ou de acidente vascular cerebral, os pesquisadores da Ufes não mediram apenas o peso, a altura e a pressão arterial de crianças de 7 a 10 anos de 29 escolas públicas e seis particulares de Vitória. Também avaliaram a alimentação, perguntando com que frequência consumiam frutas, sucos, legumes, leite, feijão, doces, salgadinhos, refrigerante, batata e maionese, e se tinham o hábito de fazer a primeira refeição do dia, o café da manhã. O que viram é que a garotada não está se alimentando tão bem quando as mães
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Uma avó clássica, Dona Benta, e seu netinho: prazer de nutrir a prole
ilustração de capa do livro Dona Benta comer bem, IBEP/NACIONAL
imaginavam. Viram também que o lazer, principalmente o sedentário, é intenso, com pelo menos três horas em frente à televisão ou no video game, raramente saindo para brincar de pega-pega, jogar bola ou andar de bicicleta. Examinando essas quatro variáveis (excesso de peso, hipertensão, alimentação de baixa qualidade e quatro horas ou mais de lazer sedentário diário), os pesquisadores verificaram que 20% das crianças apresentavam três fatores de risco para doenças cardiovasculares, 34% tinham dois fatores, 27% apenas um fator de risco e 12% não apresentavam nenhum fator de risco, de acordo com o trabalho da equipe da Ufes, em conjunto com a Universidade Autônoma de Madri, em fase de publicação. O estado de saúde dos filhos pode refletir o das mães. Em um levantamento com 14.914 crianças brasileiras com menos de 10 anos publicado em 1996 na Revista de Saúde Pública, Elyne Engstrom, da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, e
Luiz Anjos, da Escola Nacional de Saúde Pública,verificaram que crianças com sobrepeso tinham mães também com sobrepeso. Um estudo com 800 pais e mães de 439 estudantes realizado na Holanda chegou a resultados similares: 75% das mães e 77% dos pais de crianças com sobrepeso disseram que o filho ou filho estava com peso normal. Nessa pesquisa, publicada em janeiro na revista Acta Paediatrica, emergiu também uma relação direta entre o sobrepeso dos pais e o dos filhos. Bebês prematuros - Agora o estudo
em Vitória revela uma associação entre a escolaridade das mães e o risco de doença cardiovascular dos filhos: quanto mais anos de estudo das mães, melhor tende a ser a alimentação e portanto o peso, mais normal a pressão arterial e mais diversificada as atividades físicas dos filhos. “Verificamos também que a hipertensão é mais comum em crianças prematuras, que nascem antes de 37 semanas”, disse Maria del Carmen. “O desenvol-
vimento de doenças crônicas poderia ser uma das sequelas de nascer antes do tempo normal e com peso entre 700 gramas e 1 quilograma (kg), em vez de no mínimo 2,5 kg.” Os resultados desses estudos não circularam apenas por meio de revistas científicas especializadas. “Mandamos carta para cada família informando que a criança tinha apresentado pressão arterial elevada e sugerimos que procurassem um posto de saúde ou um médico para confirmar o diagnóstico”, informou Maria del Carmen. “Comunicamos também à Secretaria de Saúde, cujos diretores e técnicos começaram a perceber que a hipertensão, antes considerada doença de adulto, pode ser também um problema de crianças. A primeira providência foi comprar medidores de pressão adequados para crianças e enviar aos postos de saúde.” A responsabilidade por essa situação não é só da família – ou das mães. “Nas escolas que atendem a população de renda mais baixa”, observou Maria del Carmen, “mesmo com cardápio padronizado, as merendeiras colocam muito mais comida do que deveriam para as crianças, porque acham que precisam. Mesmo com cardápio padronizado, o valor calórico das refeições oferecidas às crianças às vezes era o dobro do que deveria ser”. n Carlos Fioravanti > Artigo científico MOLINA, M.C. et al. Correspondência entre o estado nutricional de crianças e a percepção materna: um estudo populacional. Cadernos de Saúde Pública. 25(10):2.285-90. Out. 2009.
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josĂŠ eduardo carvalho/unifesp
Sono alerta: Pleurodema diplolistris em seu esconderijo de estiagem
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Zoologia
Na enxurrada seca Sapos da Caatinga têm adaptações fisiológicas para sobreviver aos meses sem chuva Maria Guimarães
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uando a chuva desaba no sertão potiguar, a pai sagem se modifica subitamente. De um instante a outro rios se formam, lagoas se enchem e do chão brotam centenas de sapos. É assim pró ximo a Angicos, no centro do Rio Grande do Norte. Ali os sapos Pleurodema diplolistris pas sam os 10 ou 11 meses anuais de seca enterrados na areia, de onde os machos já emergem cantando em uníssono, como uma enorme sirene, e logo saltam para a lagoa mais próxima. Atraídas pela cantoria, as fêmeas escolhem seus pares e liberam dezenas de óvulos que, depois de fecundados, são envoltos num muco seme lhante a clara de ovo que o macho bate em neve. Em um ou no máximo dois meses, quando as chuvas cessam e os rios desaparecem como por um passe de mágica, os sapinhos recém-nascidos precisam estar completamente formados e prontos para se enterrarem na areia. Entender como esses anfíbios resistem a tanto tempo sem água e sem alimento tem sido um dos enigmas explorados pelos fisiologistas Carlos Navas, da Universidade de São Paulo (USP), e José Eduardo Carvalho, do campus de Diadema da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Durante todo o período em que não chove os Pleurodema se mantêm enterrados e sem comer, em estiva ção – o correspondente no verão à hibernação, em que animais passam o inverno inativos. Entender os processos fisiológicos que tornam esse feito possível é o ponto de encontro dos projetos coordenados pelos dois pesqui sadores: o de Navas, que une fisiologia e conservação no contexto de mudanças do clima, e o de Carvalho, sobre fisiologia comparada de répteis e anfíbios, no âmbito
do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Fisiologia Comparada, ambos com financiamento da FAPESP. “Na estivação, a inatividade acontece quando o ambiente não favorece”, explica Carvalho, “quando a temperatura está alta, o metabolismo dos animais cos tuma ficar mais rápido, e não o contrário”. Em busca de reunir o conhecimento sobre aspectos diversos – como a atividade dos genes, os efeitos nos músculos e o que se vê no registro fóssil – em animais diferentes – de es ponjas a mamíferos –, os dois pesquisadores editaram o livro Aestivation: molecular and physiological aspects, com autores de vários países, publicado este ano pela editora internacional Springer. “A síntese de cada capítulo pode nos ajudar a traçar quais são os mecanismos comuns a grupos diferentes”, diz Navas. Mesmo com essa reunião de trabalhos, ainda não há um consenso que defina a estivação em termos ecológicos e fisiológicos. Talvez nunca haja, visto que cada organismo adota um conjunto próprio de soluções para as dificulda des impostas pelo ambiente. O caso dos anfíbios, incluindo resultados da pesquisa paulista, está exposto no capítulo do livro escrito por Carvalho, Navas e Isabel Cristina Pe reira, cujo mestrado foi orientado por ambos. Eles verifica ram que Pleurodema não entra num estado de torpor tão pronunciado quanto espécies estudadas em outros países: esses sapos ficam enterrados na areia de olhos abertos e, quando encontrados, saem pulando de imediato. “É um estado de depressão fisiológica moderado”, define Car valho. Além disso, o grupo liderado por Carlos Jared, do Instituto Butantan, já observara que esse anfíbio da Caa tinga não forma casulos. Em um mês de preparação para
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josé eduardo carvalho/unifesp
Rio subterrâneo: quando o leito seca, anfíbios buscam umidade enterrados na areia
a seca, o sapo australiano Neobatrachus aquilonius secreta 45 camadas de pele que formam um invólucro como uma massa mil-folhas; Scaphiopus couchii, de desertos norte-americanos, demora cerca de quatro horas para sair da dor mência, quando perturbado. Fisiologia - Durante a estiagem o es
tômago dos Pleurodema está vazio, o intestino atrofiado e massas de gordura formam 12% do peso. O ovário das fê meas está cheio, pronto para liberar os óvulos assim que chova. Isabel levou alguns desses animais ao laborató rio para mensurar o uso de oxigênio, medida que indica gasto de energia, e verificou que durante a estação seca o consumo em repouso cai pela metade, o que indica uma restrição das funções do organismo. “São como válvulas me tabólicas que se fecham”, explica Navas. Mas, quando a pesquisadora forçava os sapos a saltarem, o consumo de oxigê nio não variava conforme a umidade, deixando claro que eles rapidamente voltam a ligar todas as válvulas. Para saber quais vias metabólicas se mantêm ativas e quais são desligadas, o grupo examinou a atividade de diver sas enzimas essenciais no metabolismo.
Constataram uma queda na atividade das vias metabólicas dependentes de oxigênio – não porque o gás estivesse em falta, mas para poupar energia. Du rante a seca, o metabolismo de fato fica reduzido no fígado e nos músculos das patas de trás. Uma baixa concentração de proteínas no coração sugere que esse órgão também fica menos ativo duran te a estivação. As patas, ao contrário, mantêm teores proteicos normais. É o
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Os Projetos 1. Effects of global climate change of the brazilian fauna: a conservation physiology approach nº 2008/57687-0 2. Instituto Nacional de Pesquisas em Fisiologia Comparada nº 2008/57712-4
modalidade
1. Projeto Temático – Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais 2. Projeto Temático Coordenadores
Carlos Arturo Navas Iannini – IB/USP Augusto Shinya Abe – Unesp-Rio Claro investimento
1. R$ 1.007.071,66 2. R$ 200.000,00
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que parece permitir aos sapos saírem pulando prontamente em qualquer momento de um período de inativi dade que pode chegar a dois anos, en quanto uma pessoa que passe um mês de cama fica com atrofia muscular e tem de reaprender o uso das pernas. Carlos Jared e Marta Antoniazzi, do Instituto Butantan, também buscam acrescentar peças ao quebra-cabeça da Caatinga por meio de estudos de história natural e morfologia. Analisando a pele de Pleurodema ao microscópio eletrôni co de varredura, eles estão vendo que a densidade de vasos sanguíneos na pele é maior durante a seca. Ainda falta ter minar as análises para ter uma quantifi cação completa, mas por enquanto eles acreditam que seja a forma de manter uma eficiência maior de trocas gasosas e absorção de água. “A pele desses sapos é mais espessa do que nas outras espécies”, explica Jared, “por isso deve ser necessá ria essa maior vascularização”. Entender a fisiologia e a morfologia desses animais requer ciência de ponta, mas de pouco adianta se não for feito o trabalho mais básico de observar como vivem os animais. Isabel, por exemplo, observou que ao fim de cada noite de namoro os sapos buscam comer e em
seguida voltam a se enterrar na areia. “Eu seguia cada um deles noite adentro, para ver aonde iam”, conta. Mas não podia piscar: a pele manchada dos Pleurodema os torna quase invisíveis na areia e em coisa de 30 segundos eles desaparecem da superfície. No dia se guinte voltam a sair do chão, até que as chuvas cessem. Por enquanto, não se sabe onde esti va a maior parte das cerca de 40 espécies de anfíbios que habitam a Caatinga e se lançam às centenas numa cantoria e reprodução desenfreadas nas lagoas recém-formadas. Jared e Marta têm tido um papel importante em reduzir esse desconhecimento: a cada ano eles exploram caatingas em vários estados do Nordeste para observar os animais e tentar desencavar onde se escondem. Foi ele quem encontrou onde os Pleurodema passam o verão e abriu caminho para outros estudos. “Demorei sete anos para descobrir, desde 1987, quando comecei a ir todos os anos à Caatinga”, relem bra. “Sem o aporte dele ainda estaríamos procurando os sapos”, comenta Navas, que por isso dedicou a Jared o capítulo publicado no livro Aestivation.
“Na Caatinga cada anfíbio adota uma estratégia para enfrentar as condições ambientais”, conta Jared, que, como integrante do INCT de Toxinologia, fi nanciado pela FAPESP, busca a relação entre as toxinas dos anfíbios e o ambien te da Caatinga. Os sapos Proceratophrys cristiceps têm pelo menos o dobro do tamanho dos Pleurodema e a pele qua tro vezes mais fina, o que deve facilitar a absorção de água. Outra espécie, Rhinella granulosa, é ativa durante o dia e tolera temperaturas até 44oC, segundo artigo em parceria entre o grupo de Navas e o de Jared publicado em 2007 na Comparative Biochemistry and Physiology, Part A. O grupo verificou que em sapos jovens, que são diurnos, a enzima citra to sintase, importante no metabolismo aeróbio, se mantém estável mesmo em temperaturas muito mais altas do que os adultos, noturnos, toleram. Segundo Jared, essa espécie tem uma camada cal cificada na pele, o que impede a perda de água. Além disso, alterações na pele conduzem o orvalho para uma região na virilha especializada na absorção. Junto com o cururu Rhinella jimi, esse anfíbio é o único alheio à estiagem da Caatinga. A ausência de recursos mais espe cializados, como casulos, pode refletir a história desse ambiente que se acredita
quisador do Butantan observou que à medida que a estiagem avança e o solo seca, os Pleurodema parecem se enter rar mais e mais fundo, ficando sempre próximos a alguma umidade, até 1,80 metro de profundidade. Isabel mediu essas profundidades em diversos mo mentos do ano e concorda que os sapos realmente fazem um percurso vertical em busca de zonas menos áridas. Ela mediu a umidade em diferentes pro fundidades e viu que a 40 centímetros de profundidade a água se perde de pressa, o que já não acontece quando se cava 80 centímetros. Viu também que a temperatura se mantém bastante estável, e os teores de oxigênio dentro da areia caem muito pouco – de 21% na superfície para 20,7% a 1,5 metro de profundidade. “É como duas pes soas dormindo num quarto fechado”, compara Navas, “essa alteração não faz cócegas no anfíbio”.
> Artigo científico Carvalho, J. E. et al. Energy and water in aestivating amphibians. In: Aestivation. Car valho, J. E. e Navas, C. A., eds. p. 141-169. 2010.
isabel cristina pereira/usp
Estratégias - Ano após ano, o pes
ter por volta de 10 mil anos. Muito jo vem, em termos evolutivos. Antes disso, o sertão nordestino era um mosaico de matas diferentes, mais úmidas do que é hoje o ecossistema quase desértico e cheio de espinhos. “Talvez os anfíbios da Caatinga não tenham tido tempo de se especializar”, especula Navas. É nessa capacidade de se adaptar às mudanças ambientais que o conhe cimento da fisiologia da estivação se encaixa no projeto que o pesquisador da USP coordena dentro do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. “Os eventos extre mos serão cada vez maiores, precisamos avaliar a capacidade que a fauna tem de lidar com os desafios fisiológicos que as mudanças impõem”, conta ele, que com isso pretende pôr a fisiologia a serviço da conservação no contexto das mudanças do clima. “Como fica se a seca ficar mais longa, se a chuva ficar mais concentrada? Os anfíbios terão tempo de se reproduzir?” n
Abraçado à fêmea, macho bate muco e produz um ninho para os ovos
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Genética
A tripla hélice Equipe de São Paulo identifica estrutura rara no material genético de moscas
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material genético de todos os seres vivos, diz a literatura sobre o assunto, é composto por duas fitas espiraladas uma em volta da outra. É a famosa dupla-hélice do DNA, o ácido desoxirribonucleico, cuja configuração foi apresentada ao público em 1953 pelo físico Francis Crick e o biólogo James Watson. A descoberta lhes rendeu o Prêmio Nobel em 1962 e ficou cristalizada como retrato oficial do DNA. O que raramente se diz é que, antes do modelo de Watson e Crick, o químico Linus Pauling também tentara descrever como as moléculas, ou bases nitrogenadas, que formam o material genético – adenina, timina, citosina e guanina, mais conhecidas como A, C, T e G – se encaixam. A tripla hélice que ele propôs não se sustentava, mas em situações muito específicas as cadeias de DNA de fato parecem se associar aos trios. Entre os pesquisadores que investigam essa conformação pouco ortodoxa estão os geneticistas Eduardo Gorab e José Mariano Amabis, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP). Gorab e Amabis mostraram que três fitas de bases nitrogenadas se espiralam juntas em algumas zonas do material genético das moscas Rhynchosciara americana e Drosophila melanogaster. Essa conformação pouco usual parece concentrar-se na heterocromatina, região dos cromossomos onde a estrutura tripla pode contribuir para a compactação do material genético e onde quase
não há atividade gênica, corroborando a ideia de que a conformação tripla funciona como um interruptor que desliga os genes. O estudo brasileiro começou há cerca de 20 anos, mas só foi publicado em 2009, na Chromosome Research. Embora ainda não seja possível enxergar os componentes do DNA, hoje técnicas moleculares cada vez mais avançadas permitem aos poucos destrinchar o seu funcionamento. Para Linus Pauling, nos anos 1950, os modelos teóricos das bases adenina, timina, citosina e guanina eram como peças de um quebra-cabeça espalhadas sobre a mesa. Tratava-se de descobrir a melhor maneira de agregá-las. Já na época a versão de Pauling foi explicitamente refutada por Watson e Crick, e hoje ficou claro que ela viola certos princípios da química, mas a ideia de uma hélice tripla não foi de todo enterrada. Olhar renovado - Um dos que conti-
nuaram a investigar a possibilidade foi o bioquímico Bernard Stollar, da Universidade Tufts em Boston, nos Estados Unidos. “Ele inaugurou uma nova fase no estudo de ácidos nucleicos [o DNA e o RNA]”, afirma Gorab. Stollar desenvolveu anticorpos que se acoplam a algumas composições de tripla hélice, um sistema que funciona como uma fechadura onde se encaixa perfeitamente uma chave, conforme expôs em 1974 na Nature. Mas ele moldou a fechadura com uma chave específica em mente: uma cadeia de DNA na qual se entre-
Eduardo gorab/usp
Manchas rosa: triplas hélices produzidas em cromossomos de Rhynchosciara
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O Projeto Aspectos moleculares da heterocromatina em espécies da família Sciaridae (Diptera: Nematocera) nº 2008/50653-2
modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Eduardo Gorab – IB/USP investimento
R$ 165.485,11
O genoma dessa mosca tem também regiões enriquecidas com longas sucessões de AAAAA e de TTTTT. Foi dessa particularidade que Gorab tirou vantagem, pois em laboratório sequências repetitivas de RNA (UUUUU) tendem a se acoplar a duplas hélices repetitivas, como mostra a fita vermelha na ilustração. Por isso, Gorab considera possível que o DNA dessas regiões repetitivas em Rhynchosciara se dobre sobre si mesmo e a estrutura dupla naturalmente se altere, formando uma tripla hélice que deixa de fora uma das cadeias do DNA (como na ilustração que abre esta reportagem). Realidade - “Precisamos agora verificar
laçavam duas cadeias de RNA, todas em fita única. Mariano Amabis investigou mais a fundo essa ferramenta molecular durante o ano sabático que passou no laboratório de Stollar no final dos anos 1980. Lá ele descobriu que o anticorpo desenhado pelo norte-americano também reconhecia hélices triplas feitas só de DNA, o que abriu as portas para novas investigações. O trabalho passou duas décadas escondido nos caprichados cadernos de Amabis, agora aposentado pela USP, mas ressurgiu em conversas informais em torno de cafés ou aperitivos de fim de tarde. Gorab enfim conseguiu resgatar os cadernos de anotações e repetir os experimentos em seu laboratório paulistano, confirmando e ampliando os resultados. “A novidade não foi encontrar a tripla hélice, mas acrescentar uma nova ferramenta para estudar essa estrutura – os anticorpos de Stollar”, conta. No genoma das drosófilas, a técnica produziu resultados diferentes dos obtidos pelo grupo canadense liderado por Jeremy Lee na Universidade de Saskatchewan, por meio de um anticorpo diferente. É preciso investigar mais a fundo para determinar onde está a realidade. Gorab também acrescentou ao arsenal a mosca Rhynchosciara – personagem central dos primórdios da genética brasileira, pois nela o geneticista Crodowaldo Pavan encontrou certos trechos em que o DNA se multiplicava de maneira inesperada (ver Pesquisa FAPESP nº 168).
em que situações essa estrutura tripla se forma, se ela existe na mosca viva ou se é uma consequência das manipulações em laboratório”, ressalva Gorab. É algo a se verificar, mas outros grupos já indicaram que as triplas hélices não só existem em animais vivos como têm função regulatória importante. Um desses grupos é o do norte-americano Thomas Cech, da Universidade do Colorado, ganhador do Prêmio Nobel de Química em 1989, que em 2008 publicou um artigo na Nature Structural & Molecular Biology sugerindo uma função da tripla hélice de RNA na ação da telomerase, enzima responsável pela regeneração do DNA dos telômeros, que formam as extremidades dos cromossomos. De agora em diante o geneticista da USP não pretende deixar as triplas hélices esquecidas no fundo de algum tubo de ensaio. Os próximos passos incluem usar o genoma já bem conhecido das drosófilas para saber quais são as sequências que propiciam a sua formação. As triplas hélices também prometem contribuir para terapias gênicas, em que se poderia sintetizar fitas únicas complementares a genes que se deseja inativar e inseri-las, formando n regiões triplas.
Maria Guimarães > Artigo científico Gorab, E. et al. Potential sites of triplehelical nucleic acid formation in chromosomes of Rhynchosciara (Diptera: Sciaridae) and Drosophila melanogaster. Chromosome Research. v. 17. p. 821-32. Agosto 2009. PESQUISA FAPESP 169
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Geologia
alvaro crósta/unicamp
O
cerro do Jarau, uma cadeia de morros com cerca de 200 metros de altura, destaca-se entre as pequenas colinas dos Pampas no município de Quaraí, oeste do Rio Grande do Sul, onde o Brasil faz fronteira com o Uruguai. A origem desses morros, que vistos do céu se enfileiram em forma de semicírculo, sempre intrigou os gaúchos e até mesmo originou lendas sobre a formação do povo sul-rio-grandense. Agora o mistério sobre o surgimento do cerro parece estar chegando ao fim. Um estudo conduzido pelos geólogos Alvaro Crósta e Fernanda Lourenço, do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), encontrou provas de que essas elevações se formaram em consequência do impacto de um meteorito que caiu na região milhões de anos atrás, abrindo uma grande cratera. Quem não tem o olhar treinado dos especialistas dificilmente enxergaria ali uma cratera. Na verdade, o que se vê não é o buraco cavado pela
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Mistérios do Jarau Salvad or No gueira
violência do choque, mas suas bordas, que se elevaram como as ondas formadas pela queda de uma pedra em uma piscina. E nem as bordas se encontram tão bem preservadas como já foram um dia. Ao longo de milhões de anos o vento, a chuva e a movimentação da superfície do planeta corroeram as bordas do Jarau deixando os morros com os 200 metros atuais. Rochas formando um anel de 3,5 quilômetros de diâmetro marcam a região mais central da cratera, onde possivelmente ocorreu o choque.
Dois anos atrás Crósta e Fernanda, então sua aluna no curso de geologia da Unicamp, fizeram uma expedição ao Jarau à procura de sinais do impacto do meteorito. Durante dez dias eles subiram e desceram os morros coletando amostras de rochas que levaram para Campinas. A análise das rochas ao microscópio permitiu confirmar que elas só podem ter se formado a temperaturas e pressões altíssimas como as geradas pela queda de um corpo celeste. O resultado a que a equipe da Unicamp chegou corrobora a hipótese
Queda de meteorito formou cadeia de morros no oeste do Rio Grande do Sul
proposta cerca de 20 anos antes por uma dupla de pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). No final dos anos 1980 os geólogos Nelson Amoretti Lisboa, da UFRGS, e Marisa Terezinha Garcia de Oliveira Schuck, que então trabalhava na mesma universidade, analisaram imagens de satélite e o relevo (geomorfologia) da região e propuseram que o cerro do Jarau teria se formado pelo impacto de um meteorito. “Levantamos a lebre”, conta Lisboa. “Mas não tínhamos os recursos técnicos para examinar os minerais.” Avaliando a estrutura das rochas no próprio cerro e a composição mineral delas, Crósta e Fernanda encontraram duas indicações do choque do corpo celeste. A primeira foi a localização no Jarau das chamadas brechas de impacto, rochas formadas de fragmentos de outras rochas. “As brechas podem ter origens distintas, por exemplo vulcânicas”, explica Crósta. “Mas as que encontramos no Jarau têm as características das formadas por impacto de meteorito”, conta o geólogo da Unicamp, que
já ajudou a identificar outras crateras de impacto existentes no país. A segunda e mais conclusiva evidência veio do exame das rochas em laboratório. Ao microscópio, Crósta e Fernanda viram que os grãos de quartzo das rochas sofreram um fenômeno conhecido como fraturamento planar. Esses sinais aparecem como traços paralelos de material vitrificado, diferentes da estrutura natural dos cristais de quartzo. “Essa é uma evidência irrefutável, unicamente gerada pela deformação por impacto”, afirma Crósta. O geólogo da Unicamp explica que esses grãos se formam em níveis de pressão muito superiores aos encontrados na crosta terrestre. Somente em regiões mais profundas do planeta, como o manto, que vai de 30 quilômetros a 2,9 mil quilômetros abaixo da superfície, a temperatura de milhares de graus Celsius e a pressão centenas de milhares de vezes superiores à da atmosfera permitem a formação de estruturas equivalentes às encontradas em crateras de impacto. Mas as rochas do Jarau tinham características de Sentinela dos Pampas: cerro foi posto de observação na Revolução Farroupilha
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alvaro crósta/unicamp
Jarau, visto do espaço: imagem de satélite mostra a cadeia de morros ao redor da cratera
rochas de superfície, e não de manto. Segundo Crósta, somente a energia liberada no choque de um corpo como um meteorito produz a pressão e a temperatura necessárias para causar esse tipo de deformação no quartzo na superfície do planeta. Os resultados de Crósta e Fernanda tornam o cerro do Jarau a sexta cratera de impacto – ou astroblema, expressão grega para “cicatriz deixada por um astro” – identificada no Brasil (ver o mapa na página ao lado). O número é pequeno, mas tende a aumentar com o tempo. Não que outros meteoritos devam cair nos próximos anos sobre o país. O que deve aumentar é o conhecimento sobre os que atingiram o Brasil no passado distante. Os geólogos acreditam que o número de astroblemas conhecidos no hemisfério Sul do planeta seja pequeno porque faltam levantamentos geológicos abrangentes. As conclusões do grupo da Unicamp devem ser publicadas em breve no livro Large meteorite impacts IV, editado pela Sociedade Geológica da América. Mas esse não será o único livro a falar do cerro do Jarau. No início do século XX o escritor gaúcho João Simões Lopes Neto imortalizou a região no livro Lendas do Sul, de 1913. 56
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No texto “A Salamanca do Jarau”, Lopes Neto conta uma história muito antiga, de quando os árabes foram expulsos da Espanha. Entre aqueles que se refugiaram no sul do Brasil, teria vindo uma linda princesa moura que, após um pacto com Anhangá-pitã (o demônio dos índios), se transformou numa salamandra com cabeça de pedra – a Teiniaguá – e se escondeu no cerro do Jarau. A essa princesa mitológica, que voltou a ser mulher graças ao amor de um sacristão, atribui-se a origem dos traços mestiços do povo gaúcho. Lenda e guerra - Essa lenda se mis-
turou à história nacional na Revolução Farroupilha, em meados do século XIX, quando rebeldes gaúchos confrontaram as forças do Império. Os farrapos usaram o cerro do Jarau, situado na propriedade do general farroupilha Bento Manuel Ribeiro, como posto de observação privilegiado nos Pampas. O local, que ficou conhecido como sentinela do Jarau, não foi palco de conflitos, mas ajudou a criar uma continuação para a velha lenda de Teiniaguá. Dizem por lá que Bento Ribeiro teria feito um pacto com a criatura do Jarau para se proteger dos perigos do conflito.
A confirmação da origem das montanhas do Jarau é apenas o início de muito trabalho. Nos próximos anos os geólogos pretendem determinar, por exemplo, as dimensões reais da cratera e do astro que a originou. “Estimamos que a cratera original tivesse aproximadamente 13 quilômetros de diâmetro, mas é difícil saber com precisão porque a borda está completamente erodida”, diz Crósta. Essa é uma informação fundamental para calcular com precisão o tamanho do meteorito que caiu na região. Os pesquisadores da Unicamp supõem que fosse uma rocha com 600 a 700 metros de diâmetro. Mas o próprio Crósta alerta: “Essa é uma estimativa feita em cima de outra estimativa”. Outra questão que está entre as prioridades do geólogo da Unicamp é descobrir quando ocorreu o tal impacto, uma pergunta nada simples de responder. Para determinar a idade da cratera, será preciso encontrar amostras de rocha que tenham se fundido exatamente no momento do impacto e medir a proporção de isótopos do elemento químico argônio que apresentam. O problema é que as rochas fundidas no momento do impacto podem ser muito similares às que compõem
a maior parte do terreno no cerro do Jarau – basicamente basalto, rocha ígnea formada a altas temperaturas, como as do interior de vulcões. Encontrá-la será como achar agulha em palheiro. “A amostra que procuramos pode ter até milímetros de comprimento e temos de achá-la numa área com diâmetro de 13 quilômetros [equivalente ao de um município como Americana, no interior de São Paulo]”, afirma o pesquisador. Enquanto não se encontram essas rochas, o que se tem é mais uma vez uma estimativa. “Temos uma idade máxima que é a das rochas mais novas [basaltos] afetadas pelo impacto, que têm algo como 135 milhões de anos”, diz Crósta. Como as bordas da cratera foram bastante desgastadas pela
erosão, imagina-se que não seja muito nova e tenha de algumas dezenas a uma centena de milhões de anos. Essa datação é importante porque pode revelar outra história oculta nos registros geológicos. Um impacto dessa escala pode ter afetado fortemente a vida na região sul do continente sul-americano, causando extinções locais consideráveis. “Não seria comparável com o evento que aconteceu há 65 milhões de anos [e produziu a cratera de Chichxulub, localizada sob o mar, no golfo do México], quando foram extintos os grandes répteis e mais de 60% da vida na Terra, mas teria um impacto regional considerável”, afirma Crósta. Os grandes morros do Jarau podem ainda revelar mais do que o passado
da Terra. O choque de meteoritos em rochas basálticas possivelmente causa transformações específicas, que permitiriam diferenciar a evolução delas das de outros tipos de rocha – e até compreen der detalhes de como se formaram outros planetas rochosos, como Marte e Vênus, onde há muito basalto. É provável que nos próximos anos as histórias do Jarau voltem a ganhar vida. Dessa vez, pelas mãos dos pesquisadores. n > Capítulo de livro 1. CRÓSTA, A. P. et al. Cerro do Jarau, Rio Grande do Sul: a possible new impact structure in southern Brazil. In: Large meteorite impacts IV. The Geological Society of America.
Ponto de impacto Apenas seis das 170 crateras criadas pela queda de meteoritos no planeta estão no Brasil
mapa laura daviña sobre original de alvaro crósta/unicamp
Riachão com idade desconhecida, cratera situada no Maranhão é a menor do país: tem apenas 4,5 quilômetros de diâmetro
Serra da Cangalha cratera com 12 quilômetros de diâmetro e idade calculada entre 200 milhões e 240 milhões de anos fica no Tocantins
Domo de Araguainha na divisa entre Mato Grosso e Goiás, cratera de 246 milhões de anos é a maior do país, com 40 quilômetros de diâmetro
Cerro do Jarau com diâmetro aproximado de 13 quilômetros, cratera no oeste do Rio Grande do Sul ainda não tem idade conhecida
Vista Alegre Formada há no máximo 120 milhões de anos, cratera no sul do Paraná tem 9,5 quilômetros de diâmetro Domo de Vargeão Localizada no oeste de Santa Catarina, cratera com 12 quilômetros de diâmetro tem idade estimada em até 120 milhões de anos
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astrofísica
A união das velhas anãs Marcos Pivet ta
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epois de apontar seus mais modernos instrumentos de observação para uma região do Universo não muito longe, onde vaga um grupo de quatro antigas galáxias anãs, e realizar medições em diferentes comprimentos de onda para tentar descobrir a idade das estrelas desse belo sistema, tão pequeno que caberia dentro da Via Láctea, uma equipe internacional de asfrofísicos percebeu que tinha detectado algo inesperado. Os cientistas tinham deparado com um evento que deve ter sido comum nos primórdios do Universo, alguns bilhões de anos atrás, quando grandes galáxias foram tomando corpo a partir da fusão de galáxias menores, mas que, agora, se encontrava literalmente fora de seu contexto habitual. A análise de uma série de imagens obtidas pelo Hubble e outros telescópios espaciais confirma a ideia defendida já há alguns anos pela astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), de que o quarteto de galáxias anãs, conhecido como Hickson Compact Group 31 (HCG 31), está se fundindo a 166 milhões de anos-luz, uma distância relativamente modesta da Terra (um ano-luz equivale à distância percorrida pela luz no vácuo em um ano). A união das velhas galáxias, que deve dar origem a uma única grande galáxia elíptica, começou há apenas 10 milhões de anos, algo como ontem na escala de tempo cósmico. Esse é talvez o dado mais eloquente do quão extemporâneo parece ser o fenômeno, relatado em detalhes num artigo publicado por pesquisadores canadenses, norte-americanos e a astrofísica brasileira na revista científica The Astronomical Journal de fevereiro. “Acreditamos que essas galáxias anãs estão se unindo pela primeira vez”, afirma Claudia. “Esse tipo de fusão hoje deve ser muito raro.” Numa alusão a feitos da paleontologia, o time internacional de astrofísicos comparou a descoberta do processo de fusão de galáxias num canto próximo do Universo ao resgate de um fóssil de dinossauro no quintal de casa. Na imagem ao lado, uma composição feita a partir de observações do Hubble e de outros satélites, como o Spitzer, o objeto brilhante e distorcido que se vê a meia altura à esquerda representa, na verdade, duas galáxias anãs se fundindo. Desse encontrão de matéria nascem novas estrelas, quentes e massivas, que emitem radiação ultravioleta, aquecem as nuvens de gás em sua volta e as fazem brilhar. O espetáculo lembra uma queima de fogos de artifício no espaço. Ainda à esquerda, mas acima dessas duas galáxias, há uma terceira, ligada às demais por uma ponte de aglomerados de estrelas. Seu formato lembra os contornos de um charuto. Por fim, no canto direito inferior, aparece a quarta galáxia do grupo compacto, conectada às demais por um cinturão de estrelas. O objeto extremamente brilhante bem no centro da imagem é uma estrela que está num plano anterior em relação ao HCG 31 e não tem nenhuma ligação com o grupo de galáxias. “Ainda há muito gás no sistema e a fusão das galáxias deve se prolongar
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HCG 31: quatro antigas galáxias anãs estão se unindo e vão formar uma única grande galáxia elíptica
NASA, ESA, S. Gallagher e J. English
Estudo com participação de brasileira flagra o início do processo de fusão de um grupo de pequenas galáxias
por um bilhão de anos”, comenta Claudia. O pequeno quarteto de galáxias, apesar de menor do que a Via Láctea, possui uma quantidade de hidrogênio, a matéria-prima das estrelas, cinco vezes maior do que a da nossa galáxia. A idade das estrelas do sistema HCG 31 é a principal evidência de que esse processo de fusão de matéria é recente. As mais velhas se formaram há cerca de 10 bilhões de anos e são um indício de que a aglomeração é realmente muito antiga. Mas as mais novas, representadas por alguns conjuntos de 100 mil estrelas de brilho intenso, têm no máximo 10 milhões de anos. “Sabemos que esse sistema está por aí há algum tempo”, diz a astrônoma Sarah Gallagher, da University of Western Ontario (Canadá), uma das autoras do estudo. “A maioria das outras galáxias anãs interagiu bilhões de anos atrás, mas essas estão apenas começando a se unir.” Estudos anteriores indicam que, atraídas pela força da gravidade, as galáxias do quarteto estão em rota de colisão a uma velocidade de 60 quilômetros por segundo, um ritmo extremante lento.
No sistema, a distância de uma galáxia a outra é da ordem de 75 mil anos-luz, três quartos do diâmetro da Via Láctea. Os cientistas especulam que a união das galáxias demorou quase 10 bilhões de anos para ter início porque o HCG 31 está numa área do Universo com pouca densidade de matéria. É como se estivesse numa espécie de zona rural do Cosmo, distante dos centros mais movimentados. Ali a força da gravidade não é tão intensa. O nome de Claudia de Mendes de Oliveira na lista dos autores do artigo no Astronomical Journal é um reconhecimento aos seus trabalhos sobre grupos compactos de galáxias, um dos temas em que se especializou. Foram os estrangeiros que a procuraram para participar do estudo, cuja redação final cita outros oito artigos científicos da lavra da astrofísica da USP, em geral em parceria com colegas brasileiros. “Em 2004 publicamos um artigo mostrando que as galáxias do HCG 31 estavam se fundindo”, conta Claudia. Em 1992, ela terminou o doutorado no Canadá sob orientação de Paul Hickson, da Uni-
versidade da Colúmbia Britânica, justamente o astrofísico que 10 anos antes identificara pela primeira vez esse tipo de sistema. Nos cantos do Cosmo em que há aglomerações de umas poucas galáxias, todas próximas umas das outras, interagindo gravitacionalmente, os cientistas dizem que ali existe um grupo compacto de galáxias. Esses sistemas são encarados como laboratórios para o estudo da evolução das galáxias. Neles podem ocorrer surtos de formação estelar, atividade nuclear, emissões de rádio e de raios X e, claro, fusão de galáxias. Mais de uma centena de grupos compactos foram descobertos nas últimas décadas. Alguns sistemas, como o Quinteto de Stephan, rendem lindas imagens. No momento, a astrofísica da USP se dedica a mapear e classificar 25 grupos compactos de galáxias. n > Artigo científico Gallagher, S. C. et al. Hierarchical struc ture formation and modes of star formation in Hickson Compact Group 31. The Astro nomical Journal. v. 139, p. 545-56. 2010. PESQUISA FAPESP 169
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Todas as questões da prova de química do vestibular da Unicamp em 2010 foram baseadas nas reportagens desta revista
"As questões dessa prova exploram matérias da Revista Pesquisa FAPESP, uma publicação mensal disponível gratuitamente na rede mundial. Essa é uma importante fonte de informação para a sociedade em geral e particularmente útil para quem quer aprender e ensinar em todas as áreas do conhecimento."
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Física
Nos primeiros instantes
Equipe internacional explica comportamento de partículas em experimento que reproduz os momentos iniciais do Universo No detector: partículas deixam rastros após colisão
rhic/bnl
A
trombada entre núcleos atômicos do elemento químico ouro acontece a 99,995% da velocidade da luz, com violência suficiente para produzir temperaturas centenas de milhares de vezes mais altas que as da camada externa do Sol em uma região do espaço muito menor que a ponta de uma agulha. É uma das situações mais extremas que os físicos conseguem criar em laboratório, semelhante à que deve ter existido frações de segundo após o Big Bang, a explosão que originou o Universo 13,7 bilhões de anos atrás. Embora sejam capazes de reproduzir condições tão energéticas, os físicos não compreendem muito bem por que as partículas que resultam dessa colisão se espalham do modo registrado por seus equipamentos. Ou melhor, não compreendiam. Na edição de 25 de janeiro da Physical Review Letters um artigo assinado por um grupo internacional do qual participou um pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, começou a desfazer o mistério. Impulsionadas a velocidades próximas à da luz, as 79 partículas de carga positiva (prótons) e as 79 partículas neutras (nêutrons) do núcleo do ouro alcançam um nível de energia tão elevado que as faz se desmancharem em partículas ainda menores e mais elementares: os quarks e os glúons. Antes
aprisionados, quarks e glúons passam a se movimentar livremente em uma nuvem de partículas que os físicos chamam de plasma, o quarto estado da matéria (os outros três são o sólido, o líquido e o gasoso). Quando duas nuvens viajando em sentido contrário se encontram, quarks e glúons chocam-se e se aniquilam, para em seguida se regenerarem. Como fênix - Nesse processo de morte
e renascimento subatômico, porém, o número de partículas elementares aniquiladas nem sempre é igual ao das criadas no momento seguinte. Muitas vezes a colisão de um quark com um glúon (ou de um quark com outro quark ou um glúon com outro glúon) faz surgir três partículas elementares, e não duas. À medida que as partículas elementares recém-nascidas se afastam depois do choque, o plasma esfria e os quarks e os glúons livres voltam a se unir, formando partículas maiores como os prótons e os nêutrons. Como os equipamentos não detectam quarks nem glúons, o que os físicos veem são sinais indiretos do que aconteceu no interior do plasma. Nos experimentos do Colisor Relativístico de Íons Pesados (Rhic), o acelerador de partículas do Laboratório Nacional Brookhaven, nos Estados Unidos, os físicos costumavam observar resultados diferentes dos esperados. Quando lançavam núcleos pesados, como os de ouro, uns contra os outros, detectavam sinais
de que três partículas elementares haviam sido geradas no interior do plasma com frequência maior do que predizia a teoria – e do que observavam nas colisões de núcleos de hidrogênio, mais leves, formados por um único próton. Em parceria com físicos do México e dos Estados Unidos, Javier Magnin, do CBPF, analisou esses resultados e chegou a uma explicação bastante plausível. “A chance de gerar duas ou três partículas elementares é a mesma tanto no choque de núcleos leves como pesados”, diz Magnin. “Nas colisões de ouro encontramos com mais frequência sinais da produção de três partículas por uma questão de geometria”, explica. O motivo é mais simples do que se poderia imaginar e está ligado ao trajeto que as partículas elementares percorrem no interior do plasma. Nos eventos em que três partículas elementares são geradas, uma delas sempre percorre uma distância menor do que o caminho atravessado por aquelas surgidas nos choques que originam duas partículas até escapar do plasma e gerar uma partícula detectável. Adiat. Alit Esse tipo de experimento, segundo os augiatie dignim físicos, pode ajudar a compreender ipsusci tis nim o que dolent at.Bang, quando aconteceu logo após o Big Wiscidunt erode quarks um plasma ultraquente e denso e glúons ocupava odit, todo oconsequam Universo. “Ainda do od tie o plasnão sabemos, porvenis exemplo, como ma evolui e se transforma em um gás de n partículas”, comenta Magnin. PESQUISA FAPESP 169
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet www.scielo.org
Sei
Notícias • Saúde
Aids em idosos Um dos fenômenos mais atuais da Aids é o surgimento de uma nova população vulnerável: os idosos. Um dos fatores responsáveis por esse aumento é o desenvolvimento da terapia antirretroviral combinada (Tarv), que tem proporcionado uma melhor qualidade e expectativa de vida do portador de HIY. Entretanto, a Tarv está associada a efeitos adversos como dislipidemia, diabete melito e resistência à insulina, os quais se constituem como fatores de risco para doença cardiovascular. Com o impacto da Tarv no metabolismo glicídico e lipídico, surgiram muitos estudos associando a infecção pelo HIV e a doença cardiovascular, assim como os seus fatores de risco e a utilização da Tarv, porém poucos deles tratam da cardiotoxicidade desta terapia em idosos. O artigo "Alterações metabólicas, terapia antirretroviral e doença cardiovascular em idosos portadores de HIV", de Andréa Sebben Kramer e Waldomiro Carlos Manfroi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Alexandre Ramos Lazzarotto, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, e Eduardo Sprinz, do Centro Universitário Feevale, tem o objetivo de revisar as principais alterações metabólicas causadas pelo uso da terapia antirretroviral e o seu impacto no aumento do risco de doenças cardiovasculares nos idosos portadores de HIV. ARQUIVOS
BRASILEIROS
DE CARDIOLOGIA
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VOL.93 - NO5 -
SÃo PAULO- NOV.2009
• Biologia
Cicatrização de feridas em ratos A cicatrização é um processo complexo que envolve eventos celulares e bioquímicos. Vários medicamentos têm sido empregados na tentativa de abreviar a cicatrização e evitar danos estéticos. O objetivo do artigo "Ácido ascórbico na cicatrização de feridas cutâneas em ratos" foi verificar o efeito tópico do ácido ascórbico no processo de cicatrização
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de feridas cutâneas de ratos por meio da verificação do número de macrófagos, neovasos e fibroblastos presentes no período experimental, além de analisar a espessura e a organização das fibras colágenas no tecido lesado. Foram utilizados Rattus norvegicus, machos, nos quais se abriu uma incisão transversal na pele da região dorso-cervical de 15 milímetros de comprimento, após anestesia. Os animais foram divididos em dois grupos: o de controle feridas higienizadas diariamente com água e sabão - e o grupo tratado - feridas higienizadas e tratadas com creme de ácido ascórbico (10%). O ácido ascórbico atuou em todas as etapas da cicatrização, diminuindo o número de macrófagos, aumentando a proliferação dos fibroblastos e neovasos e favorecendo a deposição de fibras colágenas mais espessas e organizadas nas feridas e mostrou ter efeito anti-inflamatório e cicatrizante. O trabalho é de autoria de J.A.D. Garcia, e.e. Lima, A.P.e. Pereira, J.R.E Silva, L.S. Oliveira, M.e.e. Resck, M.T.e.P. Bernardes, EM.P. Olímpio, A.M.M. Santos, da Universidade José do Rosário Vellano (Unifenas), de Alfenas (MG), e.o. Grechi, da EE Iudithy Vianna, e E.K. Incerpi da Universidade Vale do Rio Verde (Unincor), de Três Corações (MG). BRAZILIAN
JOURNAL
OF BIOLOGY
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VOL.69 -
N°
4-
SÃo CARLOS- NOV.2009
• Economia
Hipótese da estagnação O trabalho "O debate do desenvolvimento na tradição heterodoxa brasileira",de Carlos Pinkusfeld Bastos, da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense, e Iúlia Galarza d'Avila, do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul, tem como objetivo resgatar o debate sobre desenvolvimento econômico dentro da tradição heterodoxa brasileira. São examinadas as teorias originais da acumulação cepalina e a forma como essas teorias foram depois utilizadas pelo economista Celso Furtado para avançar em suas hipóteses de estagnação e mais especificamente em sua teoria do subdesenvolvimento. Os autores apresentam algumas críticas sobre a hipótese da estagnação, tendo como base o trabalho de Maria da Conceição Tavares e José Serra, mostrando como a tradição heterodoxa brasileira passou a incorporar o princípio da demanda efetiva em seus modelos de crescimento. Segundo os pesquisadores Bastos e Iúlia, essa mudança teórica é o fundamento da chamada Escola da
Unicamp. Eles utilizam a discussão de ambas as abordagens para avançar na análise da interação entre distribuição de renda e desenvolvimento segundo diferentes abordagens de acumulação: a leitura clássica e a abordagem da demanda efetiva. REVISTA
DE ECONOMIA
CONTEMPORÂNEA
- VOL. 13 - NO 2-
RIO DE JANEIRO - MAIO/ AGO. 2009
• História
América portuguesa e o império o artigo "O nascimento da América portuguesa no contexto imperial lusitano: considerações teóricas a partir das diferenças entre a historiografia recente e o ensino de história': de Lucília Siqueira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estrutura-se sobre a comparação entre o que é trazido pela produção historiográfica recente e o que os livros didáticos e o ensino de história do Brasil oferecem acerca do início de nosso período colonial. Os temas tratados são a formação da monarquia e do Estado em Portugal, os antecedentes e as causas da expansão marítima, o significado da viagem de Cabral e, por fim, a dinâmica imperial lusitana até a metade do século XVI. Os fenômenos e processos históricos discutidos servem como indício de uma concepção histórica que é pano de fundo na maneira de tratar a história do Brasil na sala de aula e de estruturar os livros didáticos. HISTÓRIA
• Educação médica
Ajuda ao estudante de medicina O perfil do estudante de medicina que procura ajuda psicológica é um tema de estudos de extrema relevância para os serviços desse tipo e para aqueles que se dedicam ao ensino e formação de médicos. O objetivo do ensaio "O estudante de medicina e a procura de ajuda': de Orlando Lúcio Neves de Marco, da Universidade de São Paulo, é contribuir para se conhecer como essa ajuda é oferecida, para aperfeiçoá-Ia, pois conseguir obter ajuda psicológica durante a formação médica tem implicações, significados e resultados importantes para a saúde mental do médico, de acordo com o autor. A contribuição se estende a conhecer o perfil do aluno que procura ajuda psicológica, suas dificuldades mais frequentes e o modo como a ajuda é oferecida no Grupo de Assistência Psicológica ao Aluno da Faculdade de Medicina da USP (Grapal). A discussão tem como base a teoria psicanalítica, para relacionar as características da vida emocional do estudante com a ajuda que é prestada. Conclui-se que é necessário um suporte para o estudante vencer dificuldades, evitando o adoecer. REVISTA
BRASILEIRA
DE EDUCAÇÃO
MÉDICA
- VOL. 33 -
NO 3 - RIO DE JANEIRO - JUL.!SET. 2009
• Sociologia
o fim
da sociedade
- VOL. 28 - NO 1 - FRANCA - 2009
• Entomologia
Armadilha para formiga O conhecimento atual sobre a mirmecofauna (relativo às formigas) tropical baseia-se principalmente em amostragens realizadas no sub-bosque ou no solo. No estudo "Armadilhas de dossel: uma técnica para amostrar formigas no estrato vertical de florestas", de Luiz G. R. Oliveira-Santos, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Rafael D. Loyola, da Universidade Federal de Goiás, e André B. Vargas, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, é descrita uma armadilha de baixo custo e de fácil montagem e instalação para amostrar formigas no estrato vertical de florestas. São ainda apresentadas evidências empíricas da utilidade e eficiência da armadilha, fornecendo um exemplo de resultados obtidos com a sua utilização em manchas de floresta localizadas na planície pantaneira. NEOTROPICAL
ENTOMOLOGY
- VOL. 38 - NO 5
-
LONDRI-
Partindo da constatação de que a pesquisa sociológica não corresponde mais à sua definição clássica e que, consequentemente, chegou o momento de a comunidade acadêmica superar a contradição entre a sociologia profissional e a sociologia crítica, Alan Touraine, da École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, discute alguns pontos centrais da proposta do norte-americano Michael Burawóyacerca da sociologia pública. Por meio do recurso a experiências provenientes da vida intelectual europeia, norte-americana e latino-americana, Touraine esforça-se, no artigo "A sociologia pública e o fim da sociedade", em relacionar a sociologia pública ao processo político mais geral de reconhecimento dos direitos dos atores sociais, capaz de organizar o campo no interior do qual uma "sociologia geral dos atores" possa florescer e se desenvolver. O autor constata que existem tempos em que a demanda por teorização é mais urgente; e outras épocas em que a crítica social tem prioridade. Ele conclui que, se a comunidade sociológica ainda afirma a necessidade de identificar os principais problemas sociais contemporâneos, então a combinação da sociologia pública com a sociologia profissional se faz mais necessária.
NA - SET.!OUT. 2009 CADERNOS
CRH
- VOL. 22 - NO 56 - SALVADOR - MAIO/
AGO.2009
> O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo' níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
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>
LINHA
DE PRODUÇÃO
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Um microrganismo alterado geneticamente por
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pesquisadores
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1.1.I
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Berkeley,
da Universidade
e do Joint
do Departamento
Bioenergy
da Califórnia, Institute
em
(JBEI)
de Energia dos Estados Unidos
mostrou-se
capaz de produzir
combustível
diretamente
um avançado
bio-
de biomassa vegetal sem
necessidade de nenhum tipo de tratamento
ou modi-
ficação química. O micróbio em questão foi uma cepa da bactéria Escherichia coli, uma das mais comuns e mais antigas do planeta. Os cientistas
america-
nos conseguiram incorporar no código genético das
o::
bactérias genes que Ihes permitem sintetizar
1.1.I
mas que processam a celulose transformando-a
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açúcares e depois em combustível. O biocombustível
e:(
MUNDO
enziem
semelhante aos produzidos com petróleo é excretado pelas bactérias,
migrando
para a superfície
do recipiente onde ocorre o processo, sem que seja preciso recorrer
à destilação
meio de purificação vantagem tecnológica
ou a qualquer outro
- o que constitui
uma grande
e pode significar
redução de
custos quando o processo passar para escala industrial. produzir vários tipos de combustíveis
Por esse método é possível
como componentes da gasolina de aviação e do
diesel, mas ainda é impossível fabricar gasolina automotiva. Os resultados da pesquisa foram publicados na edição de 28 de janeiro da revista Nature.
> Na beira da transição Atualmente todos os aparelhos eletrônicos dependem da capacidade da mudança de fluxos de eletricidade nos materiais semicondutores, como uma chave de ligar e desligar, para que os elétrons possam ou não trafegar. Mas no futuro o que se prevê é a viabilidade dos dispositivos com tecnologia spintrônica que vai exigir o domínio tanto do magnetismo dos semicondutores como do Padrões de elétrons, em vermelho, laranja e amarelo, sobre material semicondutor
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controle preciso do spin (giro em inglês) dos elétrons, permitindo uma maior capacidade de fluxo de informações. Para isso será necessário encontrar um melhor caminho entre a transição de metais e semicondutores. Essa possibilidade tornou-se mais realizável com uma descoberta de pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Eles observaram pela primeira vez elétrons em um material semicondutor à beira da transição metal-isolante. Os elétrons formaram complexos padrões, semelhantes a turbulentos fluidos. Isso confirma predições de que os semicondutores podem ser transformados em ímãs. Essa característica pode levar à produção de computadores de menor porte e consumo reduzido de energia.
> Roupas
« -
inteligentes Já pensou em vestir uma camisa ou um vestido capaz de gerar energia para carregar seu aparelho de MP3? É isso que engenheiros da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, conseguiram inventar. Eles criaram nanogeradores capazes de produzir energia a partir de esforços mecânicos. Em seguida, inseriram esses dispositivos na base das fibras do tecido, fazendo o movimento da roupa gerar eletricidade. Esses nanogeradores são 100 vezes mais finos do que um fio de cabelo e possuem um décimo da largura das fibras têxteis convencionais. As nanofibras usadas na pesquisa são feitas de fluoreto de polivinilideno orgânico (PVDF), um material cristalino com excelente resistência química. Além de serem flexíveis, são relativamente fáceis e baratos de fabricar. Outro avanço na área de dispositivos capazes de gerar energia a partir do movimento do corpo humano vem da
U Z <1.1.I
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L&.. 1.1.I
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A japonesa Mitsubishi Electric anunciou ter obtido alguns avanços relativos a equipamentos
para geração de ener-
gia solar. Duas das células fotovoltaicas de silício pollcristallno (as mais usadas atualmente) que fabrica bateram recordes mundiais de eficiência de conversão fotoelétrica - a capacidade de transformar a luz do Sol em eletricidade
-, com
índices de 18,1%e 19,3%, respectivamente. As marcas foram confirmadas
pelo
Nationallnstitute of Advanced Industrial Science and Technology (Aist), do Japão, e os avanços serão incorporados às células comerciais fabricadas pela empresa.
~
Os engenheiros
da Mitsubishi também
conseguiram elevado índice de eficiência energética, da ordem de 14, 8%, em Célula solar: busca por melhor rendimento
um tipo de célula solar de 5 milímetros quadrados de área, feita de filme ultrafino de silício. Essas células usam apenas
Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Pesquisadores da instituição criaram nanofitas de borracha flexíveis capazes de converter a energia mecânica gerada pelo movimento da respiração ou pelo caminhar em eletricidade, que poderia ser usada para abastecer telefones celulares, marca-passos e outros aparelhos eletrônicos portáteis. Eles usaram nanofitas de titanato-zirconato de chumbo (PZT) com silicone. A vantagem do
1% da quantidade de silício necessária para a fabricação de células fotovoltaicas convencionais de silício cristalino. Essas inovações envolvem 118 pedidos de patentes japonesas e 16 internacionais. O último avanço da empresa, ainda em estágio experimental, foi uma nova tecnologia para inversores solares, um dispositivo fundamental
nesses sistemas, que permite a
geração de energia com alta eficiência mesmo quando os painéis estiverem sombreados ou escondidos por poeira.
dispositivo é sua biocompatibilidade, o que permite ser implantado no corpo e alimentar dispositivo; médicos.
> Luz visível purifica água Métodos de purificação de água que utilizam luz já são conhecidos e empregados comercialmente há algum tempo. Eles se baseiam no uso da radiação ultravioleta (UV). Ocorre que apenas 5% da luz solar corresponde aos raios U'V, Para otimizar e tornar mais eficiente o uso da luz, o ideal é que as ondas na região do visível pudessem ser usadas na purificação. E foi isso que pesquisadores do Shenyang
National Laboratory for Materiais Science, da China, e da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, fizeram. Eles criaram um foto catalizador que usa luz visível para matar bactérias. O primeiro passo foi desenvolver uma grade de fibras de óxido de titânio impregnadas com nitrogênio. Quando os fótons atingem a grade uma carga positiva é gerada rompendo as moléculas de água e produzindo uma substância que mata as bactérias. O foto catalizador continua em ação mesmo durante a noite e torna-se mais eficiente quando nanopartículas de um metal chamado paládio são adicionadas ao processo. (SciDev.Net).
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>
LINHA
DE PRODUÇÃO
BRASIL
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u
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gosto de projetar
e montar aviões já é uma tradição
brasi-
leira que vem desde Santos-Dumont. O mais recente exemplo é um protótipo que foi projetado e construído por professores e alunos do Centro de Estudos Aeronáuticos (CEA) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É um avião para apresentações e competições acrobáticas capaz de fazer piruetas e voos rasantes. Recebeu a identificação CEA-
_________
--==
309 e o nome Mehari, -.aAvião
construído
na UFMG para competições
internacionais
que vem de um dromedário veloz e resis-
> Abacaxi fantástico
tente do deserto
do
Saara, na África. Em período de testes nas cidades mineiras de Belo Horizonte e Conselheiro Lafaiete desde outubro de 2009, o avião está sendo preparado para voar na chamada classe ilimitada, especializada em manobras radicais e que atinge a velocidade de 430 quilômetros
Um abacaxi sem espinhos na folha e resistente à fusariose, principal doença dessa cultura no Brasil, é a principal característica de uma nova variedade (ou cultivar) desenvolvida pelo Instituto Agronômico (IAC) em Campinas. Chamado de IAC- Fantástico, o projeto de pesquisa da nova variedade de abacaxi foi coordenado pelos pesquisadores Ademar Spironello e Walter José Siqueira. Inicialmente, até 2012, estarão disponíveis para agricultores mudas produzidas com culturas de tecido da planta em laboratório. A partir de 2013 será a vez de mudas naturais para plantio.
por hora. Possui 5,80 metros de comprimento e 6,10 metros entre as pontas das asas. Segundo o coordenador do projeto, professor Paulo Iscold, o avião foi desenvolvido para competições internacionais.
O financiamento
é do piloto Marcos Geraldi, comandante de um grupo de acro-
bacias aéreas chamado Tuareg, sediado na capital mineira. O projeto e a construção demoraram seis anos e vários alunos da Faculdade de Engenharia Mecânica participaram desenhos, cálculos e na montagem da estrutura
> Publicação aeroespacial A revista [ournal of Aerospace Technology and Management (JATM) publicada pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), de São José dos Campos, no interior de São Paulo, chegou ao segundo número. Ela foi criada em 2009 para a publicação de resultados de trabalhos de pesquisas científicas e tecnológicas
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dos projetos com
do avião.
JATM: foco na tecnologia espacial
relativas ao setor aeroespacial brasileiro, inclusive nos aspectos da gestão do conhecimento tecnológico
e sistemas de software especializados. Publicada a cada seis meses, a JATM tem como editor chefe o engenheiro de materiais Francisco Cristóvão Lourenço de Melo, pesquisador do IAE e professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Os temas variam do estudo de materiais a sistemas de propulsão e orientação de foguetes e experimentos em túnel de vento.
> Segundo
em transgênicos
e a "i,
0-
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As sementes transgênicas de soja, milho e algodão estão conquistando os agricultores brasileiros. O país contabilizou um crescimento nesse tipo de cultura de 35,4% entre 2008 e 2009_ Assim, o Brasil passa a Argentina em cultivos de organismos geneticamente modificados e fica atrás apenas dos Estados Unidos, A campeã de produção é a soja transgênica, presente em 16,2 milhões de hectares num total de 21,4 milhões de hectares de plantas transgênicas cultivadas no ano passado no país, Os dados foram computados pelo Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas (ISAAA, na sigla em inglês), entidade mantida por empresas e fundações ligadas à agricultura. No caso brasileiro, os agricultores procuraram o semeio de plantas transgênicas que evitam a aplicação de inseticidas convencionais e são resistentes a alguns tipos de herbicidas, Segundo a entidade, o impacto desses cultivos representou entre 1996 e 2008 um ganho de US$ 51,9 bilhões em todo o mundo, gerado com a redução dos custos e rendimento da produção.
por um tipo de cerrado. Muitos desses cavalos se perderam e se tornaram selvagens, ao se alimentar e reproduzir por conta própria, o que resultou em uma linhagem altamente rústica e adaptada ao ambiente. Chamado de cavalo lavradeiro, esse animal é hoje objeto de amplos estudos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O lavradeiro faz parte do programa de conservação de animais da unidade Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, sediada em Brasília, e da Embrapa Roraima. Existem cerca de 200 animais, muitos em estado selvagem, Por meio de coleta no campo e colaboração de criadores particulares, a empresa contabiliza mais de 50 animais em núcleos de conservação, sendo o maior com 43 animais no município de Amajari, a 170 quilômetros da capital, Boa Vista. Os pesquisadores estão fazendo a caracterização e a preservação da variabilidade genética desses animais, resultado de muitos anos d~ seleção naturaL O conhecimento desses
genes poderá colaborar em futuros programas de melhoramento genético de outras raças de cavalos. Um dos fatores que intrigam os pesquisadores é o desempenho físico do lavradeiro, capaz de
A utilização de tinturas e óleos essenciais extraídos de plantas pode se tornar um medicamento contra as doenças das próprias plantas. Avanços nesse sentido foram realizados pelo grupo do professor Antônio Carlos Maringoni, do Departamento
de Produção Vegetal da Faculdade de Ciências
Agrárias (FCA) da Universidade Estadual Paulista (Unesp), na cidade de Botucatu. Testes com tintura da Lippia alba, uma das plantas conhecidas como erva-cidreira, apontaram diminuição do crestamento
...I
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Roraima
pela bactéria Xanthomonas axonopodis, que traz severos danos a essa cultura. Esse trabalho realizado pela pesqui-
o
sadora Sandra Cristina Vigo
LLI
ganhou o prêmio de melhor artigo científico publicado
C
> Cavalo de o
bacteriano, doença do feijão-vagem (Phaseolus vulgaris), causada
ço
Há mais de 200 anos, cavalos de origem europeia foram levados para a região do Lavrado, no estado de Roraima, no extremo norte do país, área caracterizada
percorrer grandes distâncias em velocidades de até 60 quilômetros por hora e se alimentando apenas de um capim de baixa qualidade nutricional chamado de fura-bucho.
~
no periódico
« ~
pathologica em 2009. Sandra
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suem sistema
t-
Z
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Summa Phyto-
diz que as plantas não posimunológico,
mas podem produzir compostos secundários que auxiliam na sua defesa quando em contato com alguns microrganis-
. I ) Experimento
na Unesp: feijão-vagem
protegido
mos ou substância química.
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>
tecnologia
Após a hidrólise, açúcar do bagaço está pronto para fermentação
Engenharia Química
Rota enzimática Novos processos de pré-tratamento do bagaço da cana facilitam a produção de etanol de segunda geração Dinorah Ereno | fotos Eduard o Cesar
A
fermentação do caldo da cana-de-açúcar é ainda hoje a melhor via para obtenção de álcool combustível, produto que pode ter a oferta ampliada mesmo sem o aumento da área de plantio. Um desafio que precisa ser vencido pelo Brasil para o país atender à crescente demanda externa de etanol, possibilidade aberta de maneira mais efetiva com um estudo anunciado no início de fevereiro pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, na sigla em inglês), mostrando o etanol de cana-de-açúcar como um biocombustível avançado, capaz de reduzir as emissões de gases nocivos do efeito estufa em até 61% se comparado à gasolina.Uma solução é aproveitar o açúcar contido no bagaço e na palha da cana (folhas da planta deixadas no campo na colheita), além do existente no caldo usado na produção atual, para fabricar o chamado etanol celulósico. O grande obstáculo tecnológico a ser vencido é que o açúcar da celulose do bagaço, e de outras biomassas, está organizado em grandes estruturas chamadas polissacarídeos, que as leveduras não conseguem fermentar diretamente para converter em etanol. Para facilitar a etapa de conversão química da celulose em glicose, chamada de hidrólise, dois grupos de pesquisa brasileiros, um coordenado pelos professores Rubens Maciel Filho e Aline Carvalho Costa, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e outro pelo professor Adilson Roberto Gonçalves, da Escola de Engenharia de Lorena (EEL) da Universidade de São Paulo (USP), em colaboração com a Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), desenvolveram diferentes processos de pré-tratamento da biomassa – um a temperatura ambiente e outro com tratamento térmico a vapor – para separar os três componentes que formam as paredes celulares das plantas – celulose, hemicelulose e lignina – que se encontram interligados e contribuem para a textura rígida dos vegetais.
No processo desenvolvido pelo grupo de pesquisa de Rubens Maciel, que conta com a participação da professora Aline Carvalho da Costa e da doutoranda Sarita Cândida Rabelo, ambas da FEQ-Unicamp, a separação dos componentes é feita com um produto químico chamado peróxido de hidrogênio, que em solução aquosa é mais conhecido como água oxigenada, a temperatura ambiente. “O peróxido de hidrogênio é colocado em contato com o bagaço, que não precisa passar por nenhuma etapa prévia de tratamento antes de ser utilizado”, diz o pesquisador. O produto consegue atacar a estrutura vegetal de tal maneira que libera na forma líquida a celulose, a hemicelulose e ainda dissolve a lignina, que posteriormente é recuperada para outros usos, que incluem desde a fabricação de produtos químicos até a geração de energia por meio da queima em caldeiras. A celulose é um polissacarídeo formado por monômeros de glicose, estruturas com seis átomos de carbono, ligados entre si. Quando passa pelo processo de hidrólise, libera esses monômeros, que podem ser fermentados facilmente pelas leveduras. A hemicelulose tem na sua estrutura monômeros de pentoses que são açúcares de cinco carbonos. Esses açúcares são mais difíceis de ser convertidos em etanol com os microrganismos atualmente disponíveis para a fermentação. Já a lignina é uma macromolécula orgânica complexa que une as fibras celulósicas, aumentando a rigidez da parede vegetal. “A vantagem do processo que desenvolvemos é que ele é feito a temperatura ambiente, com um tempo muito rápido de operação, que gira em torno de uma hora”, diz Maciel. Além disso, ele não gera resíduos poluentes ao ambiente. “É um processo de baixo custo devido à rapidez com que o peróxido desmonta a estrutura lignocelulósica, sem nenhum gasto energético.” O pré-tratamento é uma operação auxiliar para desmontar a estrutura vegetal e, com isso, deixar o material celulósico disponível para ser hidrolisado por microrganismos capazes de extrair a glicose da PESQUISA FAPESP 169
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Processo de hidrólise enzimática (acima) e bagaço de cana no reator
celulose para produção de etanol. “É muito importante deixar o material celulósico preparado para na fase de hidrólise precisar da menor quantidade possível de enzimas, para que os custos dessa etapa sejam reduzidos e o processo possa ser comercialmente aceito”, diz Maciel. As enzimas são proteínas produzidas por fungos, bactérias e plantas capazes de produzir reações químicas específicas, sem sofrer alteração em sua composição. Uma das mais usadas atualmente para produção de etanol – escolhida para testar o processo de pré-tratamento pela sua eficiência – é a fabricada pela empresa Novozymes, multinacional dinamarquesa que produz enzimas industriais usadas em detergentes, biocombustíveis, fabricação de alimentos, entre outros produtos. A produção de enzimas para fabricação de etanol também faz parte de uma das linhas de pesquisa conduzidas na Faculdade de Engenharia Química da universidade. O objetivo é conseguir uma enzima do próprio bagaço, para eliminar a etapa de purificação, que encarece o produto final. “Nosso processo permite obtenção de etanol da biomassa com baixa carga 70
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enzimática, o que diminui consideravelmente os custos de produção”, diz Maciel. Por todas as inovações, como matéria-prima barata para desconstrução do arcabouço vegetal, o processo resultou em um depósito de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Agência de Inovação (Inova) da Unicamp. “O avanço do nosso processo de pré-tratamento é o uso do peróxido de hidrogênio, além das condições operacionais, como temperatura e tempo de operação, que estão protegidas pela patente”, diz. Com o processo, que até a fase atual se mostrou bastante viável para ser utilizado em grande escala, o grupo conseguiu deixar disponível todo o açúcar existente no bagaço para fermentação. “Sem os processos de pré-tratamento, apenas 9% do açúcar contido no bagaço é transformado em etanol.” Escala semi-industrial - Por enquanto
os testes foram feitos em escala de laboratório. “Mas como se trata de um processo que utiliza um reator, que é um tanque agitado, que já conhecemos muito bem de outros processos realizados dentro de indústrias químicas, petroquímicas e de biotecnologia, não vemos problemas em passar para uma escala maior.” Uma das próximas etapas será testar o processo na planta piloto em escala semi-industrial. Ela já está em
construção nas instalações do Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, em Campinas, no interior paulista. As mesmas instalações serão usadas pelo grupo de pesquisa coordenado pelo professor Adilson Roberto Gonçalves, líder de pesquisa do grupo de Conversão de Biomassa Vegetal da Escola de Engenharia de Lorena (EEL), da USP, para testar em grande escala o processo desenvolvido para extrair etanol da celulose, baseado em um tratamento térmico a vapor que rompe a estrutura rígida da biomassa e deixa os polissacarídeos disponíveis para as leveduras. O bagaço colocado dentro de um reator fechado é impregnado com vapor d’água, em temperaturas que variam de 170 a 190 graus Celsius, durante sete minutos. Esse sistema tem em uma das saídas uma válvula de abertura, que ao ser aberta rapidamente resulta em uma descompressão súbita, processo chamado de explosão a vapor. O processo é usado por uma usina da região de Ribeirão Preto, no interior paulista, para fazer ração para gado a partir do bagaço de cana. “A desestruturação do bagaço, nesse caso, é feita para auxiliar a digestão do animal”, diz Gonçalves. Mas não havia ainda sido utilizado para produção de etanol. A professora Ana Maria Souto Maior, da Universidade
Federal de Pernambuco, colabora no projeto testando algumas condições do processo adaptado para o etanol em um reator utilizado para pesquisas do projeto Bioetanol, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Uma das alunas de doutorado de Gonçalves, Priscila Maziero, fará estágio na Universidade de Lund, na Suécia, para estudar processos de hidrólise para resíduos agrícolas. Recentemente, ela passou duas semanas na Ufpe acompanhando os testes. O que sobra do pré-tratamento térmico é uma mistura sólida, a lignocelulose composta por celulose e lignina, com líquido (solução aquosa de componentes da hemicelulose). Em seguida, a lignocelulose é submetida a uma etapa
Etanol produzido por hidrólise enzimática (abaixo) e bagaço de cana tratado
de extração química para remover a lignina, restando somente a celulose. Estudos feitos pelo grupo com uso de microscopia eletrônica e de refração de luz realizado no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, com a colaboração do professor Igor Polikarpov, do Instituto de Física da USP, em São Carlos, mostraram – ainda dependente de análises finais – que a hidrólise direta do material lignocelulósico compromete o trabalho das enzimas. “Decidimos então incorporar uma etapa de deslignificação alcalina, que resulta na remoção da lignina, semelhante à utilizada nos processos para obtenção de polpa celulósica para fabricação de papel”, diz Gonçalves. Para isso é usada uma base, que em laboratório consiste no uso do hidróxido de sódio, mas na indústria pode ser substituído por cal ou óxido de sódio, dependendo dos custos. “Mas a nossa condição de deslignificação alcalina é suave, com soluções contendo cerca de 1% de hidróxido de sódio, enquanto no processo de polpação celulósica as cargas chegam a 20%”, relata Gonçalves, que contou com a colaboração do professor George Jackson
Rocha, também da EEL. Com a remoção da lignina, a celulose está pronta para ser submetida à hidrólise enzimática. As enzimas utilizadas por eles também são da Novozymes. “A origem da celulose a ser degradada não faz muita diferença para o resultado final, mas a enzima usada sim”, diz o pesquisador. O foco inicial de ambos os projetos foi o bagaço proveniente da moagem da cana. Embora uma parte seja queimada atualmente dentro das usinas, os cálculos apontam que ainda há um excedente de 30% dessa biomassa. Mas nada impede que os dois processos de pré-tratamento sejam utilizados também para processamento de palha da cana deixada no solo durante a colheita. “A tendência com a proibição da queima é que a palha também seja adicionada ao bagaço e essa biomassa seja usada para complementar a produção de combustíveis líquidos”, diz Maciel. Por enquanto, não há ainda um esquema para recolhimento da palha no campo. Uma parte é jogada picada como cobertura na terra e a outra não tem serventia. “Há um desafio tecnológico a ser vencido para que a palha não fique apodrecendo no campo”, diz Gonçalves. n
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Química
Polímero misturado ao etanol faz o biocombustível percorrer alcoolduto com maior velocidade Marcos de Oliveira
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Edvaldo Sabadini/unicamp
Atrito reduzido
T
urbulências e redemoinhos estão associados a problemas em viagens de avião, em mar agitado e até em furacões e ciclones. Além disso, eles trazem prejuízos também ao bom escoamento de combustíveis em tubulações. Para levar petróleo, gasolina e etanol, ou mesmo água, de um lado para outro dentro de tubos é preciso enfrentar um ambiente turbulento e repleto de redemoinhos que diminuem a vazão e exigem equipamentos potentes para impulsioná-los. Há muitos anos esse fenômeno intrínseco a qualquer tipo de líquido é estudado e a solução para facilitar o bombeamento de petróleo por longas distâncias foi dissolver pequenas quantidades de certos polímeros nesse combustível. Os polímeros funcionam como redutores de atrito hidrodinâmico, um procedimento já utilizado, por exemplo, no estado norte-americano do Alasca em petrodutos com extensão de 1.287 quilômetros. Faltava uma solução para o etanol, o álcool combustível que ganha maior importância no mercado brasileiro e também para a exportação, exigindo cada vez mais o transporte em alcooldutos. “A adoção de um redutor de atrito pode aumentar a vazão de etanol, numa tubulação, em 20% ou mais, que implica a economia proporcional em energia elétrica para fazer funcionar as bombas que impulsionam o líquido”, diz o professor Edvaldo Sabadini, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele estudou o fenômeno e encontrou um polímero eficaz para transporte de etanol, tendo inclusive depositado uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) por meio da Agência de Inovação (Inova) da universidade. “O redutor de atrito atenua a turbu lência e elimina os vórtices muito pequenos que se formam quando o líquido ganha velocidade”, diz Sabadini. Os vórtices são movimentos muito rápidos que parecem se torcer neles mesmos e possuem direção e formação caótica, caracterizando o regime de turbulência. “Esses redemoinhos microscópicos fazem frear o líquido em todas as direções. Os polímeros adicionados ao etanol interagem com esses vórtices, absorvendo suas energias e evitando suas propagações.” O poli (óxido de etileno) foi o
polímero utilizado no experimento, mas os pesquisadores estudam outros mais baratos e comerciais porque esse é usado principamente em laboratórios. “É preciso uma quantidade muito pequena de polímero, da ordem de 30 partes por milhão (ppm), que equivale a adicionar 30 gramas do polímero em 1 tonelada de etanol. Uma quantidade maior não traz benefício adicional. O polímero precisa ser formado por supermacromoléculas com altíssima massa molecular e com características de ser flexível e muito solúvel no líquido que se quer usar”, diz Sabadini.
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O Projeto
Filme mostra diferenças em experimento com água pura, na outra página, e com polímero
Redução de atrito hidrodinâmico a partir de imagens de impacto de gotas - nº 05/00873-8 modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa Coordenador
Edvaldo Sabadini – Unicamp investimento
R$ 36.677,24 e US$ 60.372,00 (FAPESP)
Os pesquisadores entendem que a atenuação dos vórtices acontece pelo movimento de esticar e encolher das moléculas do polímero. Pelo menos essa é a explicação até agora aceita porque os estudos sobre a natureza da turbulência ainda são inconclusivos. “Ela ainda é um dos grandes desafios da física”, diz Sabadini. Para exemplificar essa questão ele lembra do físico alemão Werner Heisenberg, Prêmio Nobel de Física de 1932, que teria dito (não está escrito) que, se encontrasse Deus, faria duas perguntas: por que a relatividade é tão estranha? E como explicar a turbulência? Ele teria concluído que Deus saberia a primeira resposta, mas não a segunda. Efeito gota - Para estudar e tentar
avançar no conhecimento da interação do polímero em meio à turbulência e escolher uma substância que atue como redutor de atrito hidrodinâmico para o etanol, os pesquisadores se valeram de um experimento que usa o efeito de gotas caindo sobre um líquido. Após o impacto, ocorre a formação do splash, que dura cerca de 0,1 segundo. No início, forma-se uma espécie de coroa e logo em seguida um jato é impelido no sentido perpendicular à superfície do líquido. O grupo observou que o splash possui estruturas diferentes, se a água está pura ou com polímero. Com o aditivo, a água forma um jato muito maior. “O impacto da gota gera turbulência e o redutor de atrito permite que o líquido deslize com maior facilidade e com menor dissipação de energia, impelindo o jato em alturas
maiores.” O experimento foi realizado com uma câmera filmadora ultrarrápida, capaz de capturar mais de 18 mil fotos por segundo adquirida por meio de um projeto de auxílio regular da FAPESP. “Medimos os milissegundos de cada imagem.” O experimento é feito com água porque o etanol tem tensão superficial pequena, o que dificulta a observação do splash. O efeito do polímero no etanol foi comprovado pelos pesquisadores por meio de um reômetro, aparelho constituído por uma espécie de copo cilíndrico contendo o líquido a ser estudado, e
também de um cilindro, com diâmetro menor no interior, para rodar em diferentes velocidades. O líquido preenche o espaço entre os dois cilindros. No caso do etanol, foi medido o esforço com o cilindro girando a 1.200 rotações por minuto. Foi então medido na mesma rotação o esforço do álcool com o poli (óxido de etileno) dissolvido que apresentou 15% de redução de atrito. De certa forma, o aparelho simula a turbulência gerada nos alcooldutos. Assim, segundo Sabadini, bombear grandes quantidades de etanol com aditivo em tubulações pode representar uma boa economia. Sabadini também estuda, em colaboração com o Centro de Estudos de Petróleo da Unicamp, o uso de redutores de atrito para diesel e petróleo, que no Brasil é muito pouco usado. A história dos redutores de atrito em líquidos começou em 1948 com o químico B. A. Toms, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Ele demonstrou que uma solução diluída de poli (metil metacrilato) misturada a monoclorobenzeno oferece menor resistência ao fluxo que o solvente puro. Uma das imagens marcantes desses redutores é uma fotografia do final dos anos de 1960 que registra uma demonstração dos bombeiros de Nova York, nos Estados Unidos. Eles usaram uma mesma bomba para impulsionar água em uma das mangueiras e água contendo algumas poucas quantidades de poli (óxido de etileno) na outra. O jato com o aditivo foi lançado a uma distância 80% maior. Agora é a vez do etanol. n
> Artigos científicos 1. Rocha, N. O.; Carvalho, C. H.; Sabadini, E. New experimental technique to measure the efficiency of drag reducer additives for oil samples. Energy & Fuels. v. 23, p. 4.529-32. 2009. 2. Sabadini, E.; Alkschbirs M.I.; Drag reduction in aqueous poly (ethylene oxide) solutions based on drop impact images. Journal of Physical Chemistry B. v. 108, p. 1.183-88. 2004. PESQUISA FAPESP 169
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NANOTECNOLOGIA
Nanotubos na vida real Novas aplicações para os nanodispositivos de carbono são geradas em Ribeirão Preto Yuri Vasconcelos
A
nanotecnologia já se tornou um campo extenso de estudos em todo o mundo e os nanotubos de carbono são os grandes expoentes dessa área. Os segmentos da engenharia eletrônica e da química industrial são os que mais prometem no uso desses dispositivos, como demonstra o trabalho de um grupo de pesquisadores do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP). Eles desenvolveram nanomateriais para compor baterias de íons de lítio mais eficientes e utilizadas em carros elétricos, sofisticados filtros com capacidade de reter gases tóxicos e compostos voláteis nocivos à saúde, além de sensores para detecção de glicose no sangue. O material criado pelos pesquisadores em escala nanométrica – um nanômetro equivale a um milímetro dividido por 1 milhão – é um compósito formado por nanotubos de carbono, uma espécie de folha de átomos de carbono enrolada como um tubo, crescidos sobre feltro também de carbono, substrato maior, na escala de micrômetros, disponível comercialmente e fabricado a partir de polímeros comerciais, como poliacrilonitrila e poliamida. O nanomaterial deverá ser produzido ainda este ano em escala pós-laboratorial em uma planta-piloto que está em construção na universidade. Além de abrir possibilidade de novas aplicações tecnológicas, o trabalho conduzido pelo físico e professor da USP José
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Maurício Rosolen, em parceria com a química Elaine Yoshiko Matsubara, deu origem a dois pedidos de patentes no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e a uma dezena de artigos científicos publicados em revistas científicas internacionais. O desenvolvimento de compósitos – produto caracterizado por ser formado por dois ou mais tipos de materiais – no âmbito da nanotecnologia normalmente tem os nanotubos como um dos componentes. Os pesquisadores de Ribeirão Preto usaram esses dispositivos crescidos sobre um feltro especial, substrato
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Os Projetos 1. Nanotecnologia de carbono aplicada ao desenvolvimento de sensores, células fotovoltaicas, pseudocapacitores e compósitos poliméricos - nº 04/07085-2 2. Compósito de nanotubos de carbono e feltro de carbono nº 06/06129-1
modalidade
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2. Programa de Apoio à Propriedade Intelectual Coordenador
1 e 2. José Maurício Rosolen – USP investimento
1. R$ 174.124,21 e US$ 18.558,95 (FAPESP) 2. R$ 6.000,00 (FAPESP)
condutor eletrônico similar aos feltros tradicionais, só que feito de carbono, e não de algodão ou fibras sintéticas. Essa foi a saída encontrada pelos pesquisadores para vencer as limitações e as dificuldades hoje existentes quando se pensa em empregar nanotubos de carbono em grande escala industrial. O problema no uso de nanotubos, segundo Rosolen, é a dificuldade em manusear esses produtos, normalmente apresentados na forma de pó, com outros materiais e controlar a compactação ou aglomeração, que ocorre de forma aleatória. “Os nanotubos de carbono interagem entre si, formando feixes e aglomerados que são dotados de propriedades distintas das originais. Essa situação pode levar a problemas em reproduzir dispositivos e materiais no âmbito industrial cujas propriedades são dependentes da aglomeração ou dispersão dos nanotubos, como em capacitores, sensores, filtros, eletrodos e baterias”, diz Rosolen. Ao incorporar os nanotubos num substrato como os feltros de carbono, os pesquisadores conseguiram fazer uma montagem em geometrias preestabelecidas, evitando os problemas encontrados no material particulado. Além disso, dispositivos micrométricos são mais facilmente manipuláveis e mais simples de serem misturados a outros materiais. “Criamos um novo material, mas mantivemos todo o potencial dos nanotubos de carbono”, diz o físico da USP. O compósito tem o formato de uma manta ou tecido com esses dispositivos impregnados na
fotos José Maurício Rosolen/usp
Feltro condutor elétrico, à esquerda, e exemplos de nanotubos e compósito de carbono
superfície. Essa característica diminui o risco de inalação de nanotubos pelos pesquisadores e trabalhadores que os manuseiam na forma de pó. Uma das aplicações mais avançadas para o novo material é o uso na fabricação de filtros e máscaras de interesse industrial. No primeiro caso, o compósito pode ser utilizado na fabricação de filtros para ar-condicionado de veículos automotivos, além de reter gases tóxicos jogados no ar pelo escapamento dos carros. “Os filtros hoje existentes no mercado impedem que os motoristas aspirem o material particulado exalado pelos automóveis, mas não retêm uma série de gases tóxicos de dimensões moleculares”, diz Rosolen. Filtro de cigarro - O nanomaterial também poderia ser empregado na fabricação de máscaras para proteção individual capazes de barrar solventes orgânicos tóxicos liberados em determinados processos industriais. Nessa mesma linha, pode ser útil como filtro de nicotina em cigarros. A primeira patente obtida pelo pesquisador está relacionada ao desenvolvimento de filtros para compostos orgânicos voláteis e para nicotina, enquanto a segunda diz respeito à produção de compósitos de carbono e nanotubos de carbono com superfície hidrofílica (interage com a água), que se dispersam bem em meio aquoso. Assim, poderiam ser destinados, entre outras coisas, à fabricação de pigmentos para tintas à base de água. O nanomaterial criado nos laboratórios da USP também abre boas pos-
sibilidades para fabricação de grandes baterias de íons de lítio, mais leves do que as atuais, para equipar veículos elétricos. “Como nosso compósito é um bom condutor eletrônico, os fabricantes de baterias não precisariam utilizar grandes quantidades de folhas e malhas de alumínio, que deixam o produto pesado”, explica. Ao reduzir o peso do dispositivo, seria possível também fabricar carros elétricos com baterias mais duráveis para uma autonomia maior. “Algumas grandes empresas já demonstraram interesse tanto pela tecnologia de produção de baterias como em produzir filtros com o nosso material. Estamos em conversação”, conta Rosolen. Outra aplicação promissora do compósito de nanotubos de carbono seria a fabricação de sensores amperométricos. Estudos feitos em conjunto com a professora Susana Inês Cordoba Torresi, do Instituto de Química da USP de São
Paulo, demonstraram que o compósito permite a produção de biossensores muito sensíveis capazes de detectar glicose em meio que contenha sódio e potássio, como o sangue humano. “O dispositivo apresentou uma sensibilidade muito alta, com grande rapidez de resposta, dentro de uma faixa de concentração mais ampla do que os sensores convencionais”, diz Rosolen. n > Artigos científicos 1. Rosolen, J.M.; Poá, C.H.Patrick; Tronto, S.; Marchesin, M.S.; Silva, S.R.P. Electron field emission of carbon nanotubes on carbon felt. Chemical Physics Letters. v. 424, p.151-55. 2006. 2. Rosolen, J.M.; Matsubara, E.Y.; Marchesin, M.S.; Lala, S.M.; Montoro, L.A.; Tronto, S. Carbon nanotube/felt composite electrodes without polymer binders. Journal of Power Sources. v. 162, p. 620-28. 2006. PESQUISA FAPESP 169 março DE 2010 75 n
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ร PTICA
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Feixes
multiplicados
E As fibras de cristal fotônico representam um novo momento na era das comunicações ópticas
m meados da década de 1990, pesquisadores da Universidade de Bath, na Inglaterra, conseguiram criar e revelaram ao mundo um novo tipo de fibra óptica, batizada por eles de fibra de cristal fotônico (ou PCF, do inglês Photonic Crystal Fiber). Essa inovação, segundo seus inventores, apresentaria diversas vantagens e teria propriedades bem mais interessantes do que as fibras ópticas convencionais, filamentos feitos de sílica ou material polimérico da espessura de um fio de cabelo, capazes de transmitir em alta velocidade dados em forma de luz. Decorridos quase 15 anos dessa descoberta, as PCFs já são usadas em várias aplicações – de amplificadores de sinal em redes de transmissão de dados a tomógrafos ópticos computadorizados, passando por dispositivos a laser, sensores ultrassensíveis e fontes de luz –, mas não substituíram por completo as fibras tradicionais. Em janeiro deste ano, o engenheiro eletricista Arismar Cerqueira Sodré Júnior, professor da Faculdade de Tecnologia (FT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no campus da cidade de Limeira, publicou um artigo, intitulado “Recent progress and novel applications of photonic crystal fibers”, na revista Report on Progress in Physics, em que discorre sobre as aplicações e o estado da arte dessa nova tecnologia. Logo no início do texto, Cerqueira, de 31 anos, reproduz uma indagação do físico irlandês Philip Russell, da Universidade de Erlangen-Nuremberg, na Alemanha, inventor dessa nova classe de fibras ópticas: as fibras de cristal fotônico poderiam marcar
o início de uma nova era nas comunicações ópticas? E, na conclusão do artigo de 21 páginas, Cerqueira deixa no ar mais um questionamento provocativo: a tecnologia PCF pode tornar obsoletas as fibras ópticas convencionais? O estudo foi escrito a partir de um convite dos editores da publicação, considerada uma das três mais prestigiadas na área de fotônica do mundo, com fator de impacto 12,09 – esse fator está relacionado ao número de vezes que os artigos divulgados por ela são citados por outros autores em seus trabalhos. De acordo com os editores da Report on Progress in Physics, a versão eletrônica do paper – tecnicamente uma revisão, porque não apresenta nenhuma nova descoberta, mas revisa tudo o que existe sobre o tema em questão –, teve mais de 250 downloads nos 11 primeiros dias após sua publicação, em 21 de janeiro, meta atingida por apenas 10% de todos os artigos divulgados em periódicos publicados pelo Institute of Physics (IOP, na sigla em inglês), da Inglaterra. As PCFs suscitam muitas perguntas, mas já apresentam muitas respostas. Para entender melhor as perspectivas futuras desse novo tipo de fibra é fundamental entender como elas funcionam, quais são suas potencialidades, em que aparelhos são utilizadas e como se diferenciam da tecnologia tradicional. Muito mais eficientes do que os fios de cobre, as fibras ópticas convencionais são feitas de uma camada externa e um núcleo, geralmente confeccionados de sílica. Seu princípio de funcionamento é simples: um feixe de laser é lançado numa extremidade da fibra e, de acordo com as características ópticas do PESQUISA FAPESP 169
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Unicamp
Pesquisador publica artigo em importante periódico internacional sobre a nova geração de fibras ópticas
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material, percorre a fibra por meio de sucessivas reflexões. A capacidade de confinar a luz e fazê-la viajar em seu interior se dá em função de o núcleo possuir um índice de refração superior ao da camada externa. Para conseguir esse índice num nível mais elevado, a sílica interna é enriquecida – ou dopada – com átomos de outro material, como o germânio. Uma das diferenças entre as fibras de cristal fotônico e as convencionais é que as primeiras não necessariamente precisam conter elementos dopantes em seu núcleo. A diferença de refração entre o revestimento externo e o núcleo da fibra é dada pela existência de um conjunto regular de pequenos orifícios na forma de túneis correndo paralelo ao eixo da fibra e por todo seu comprimento. Esses buracos possuem diâmetro da ordem de um micrômetro, o equivalente a um milímetro dividido por mil vezes. Outra particularidade das fibras de cristal fotônico, que já são fabricadas por grandes companhias como Alcatel-Lucent, da França, Sumitomo, do Japão, Corning, dos Estados Unidos, e Draka, da Holanda, é que elas podem ter geometrias variadas e são produzidas com diversos materiais, entre eles sílica pura ou dopada, polímeros, líquidos, metais, outros tipos de vidro e até mesmo ar e gases. A possibilidade de variar geometrias e matéria-prima é vantajosa porque permite ao fabricante 78
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projetar sua microestrutura de maneira que a fibra apresente propriedades definidas conforme a necessidade de cada caso. Com isso, é possível fazer o guiamento da luz por meio de diferentes mecanismos de propagação em uma variedade grande de comprimentos de onda. “As PCFs atendem às exigências do mercado global, que demanda dispositivos de pequenas dimensões, baixo peso e reduzido consumo de energia. Ela permite um melhor aproveitamento da luz e isso aumenta o desempenho de dispositivos ópticos e a precisão de aparelhos como sensores de temperatura e pressão, biossensores, detectores de campo elétrico e sensores de gases, entre outros”, afirma Cerqueira. Milhares de fibras - Para o pesquisa-
dor, a invenção da tecnologia PCF e sua chegada ao mercado representam, sim, um novo momento na era das comunicações ópticas, mas ele não acredita que ela tornará as fibras ópticas tradicionais obsoletas. “Atualmente existem centenas de milhares de quilômetros de fibras instaladas no mundo, atravessando continentes, o fundo do mar, e com larga aplicação nas telecomunicações. Seria inviável substituir todos esses cabos ópticos por PCFs. As novas fibras representam uma tecnologia complementar e podem ser utilizadas para aplicações em campos tão diversos como medici-
na, sensoriamento, telecomunicações e metrologia, entre outros”, diz. Em seu artigo, Cerqueira discorre sobre os novos tipos de fibras de cristal fotônico, entre elas as PCFs híbridas que ele ajudou a inventar durante seu doutorado na Scuola Superiore Sant’Anna, na Itália, com um período de estudos na Universidade de Bath, onde se integrou ao grupo do professor Jonathan Knight, responsável pela produção da primeira PCF no mundo. As fibras híbridas aliam as características de guiamento de luz dos dois tipos de PCF até então existentes. Na primeira categoria de PCF, o guiamento é obtido de forma similar à tecnologia tradicional, pela reflexão interna da luz no núcleo da fibra, enquanto no segundo grupo a luz é orientada por um novo efeito, chamado photonic bandgaps, e trafega por janelas específicas de frequência estabelecidas já no projeto da fibra. A PCF híbrida, segundo o professor da Unicamp, foi o primeiro guia de onda óptica a viabilizar o guiamento da luz pelos dois mecanismos de propagação simultaneamente. Uma das áreas mais promissoras para uso das PCFs, de acordo com o pesquisador, é o desenvolvimento dos chamados dispositivos ópticos não lineares, usados nas telecomunicações e produzidos com algumas dezenas de metros de fibras ópticas. Nesse campo, diz ele, já existem equipamentos sendo
Unicamp e Universidade de Bath
Várias formas de fibras de cristal fotônico em imagens captadas por microscópio eletrônico de varredura. A primeira acima é híbrida, com dois tipos de guiamento de luz laser
Unicamp
vendidos no mercado, como fontes de supercontínuo, um efeito caracterizado pela geração de uma luz laser muito forte e de comprimento de onda extenso. “O supercontínuo é usado em tomógrafos computadorizados, equipamentos para caracterização de fibras e dispositivos ópticos, além de sistemas de múltiplos comprimentos de onda para aparelhos de comunicação chamados de DWDM (Dense Wavelength Division Multiplexing ou multiplexagem por divisão de comprimento de onda densa), presentes em todos os sistemas de telecomunicações”, diz. As empresas Fianium, da Inglaterra, e RPMC Lasers, dos Estados Unidos, são duas das principais fabricantes de fontes de supercontínuo com fibras de cristal fotônico. Outro uso possível para essa tecnologia é o desenvolvimento dos chamados pentes de frequência, que são fontes de múltiplos comprimentos de ondas com variadas aplicações. Eles podem ser usados como medidores de frequência, para geração de pulsos ultracurtos e em aparelhos de metrologia e espectroscopia óptica de alta resolução. Por enquanto, nenhum desses usos existe comercialmente. As PCFs também podem ser usadas como guiamento de luz em regiões do infravermelho próximo e distante e em sensores para detectar vazamento de gases em processos industriais e em atentados terroristas. “Nessa região, as fibras tradicionais não funcionam porque têm uma perda óptica proibitiva. A luz não trafega nem mesmo ao longo de um metro com a tecnologia tradicional, enquanto com a PCF pode ‘viajar’ por dezenas de metros”, afirma o pesquisador da Unicamp. A empresa NKT Photonics, da Dinamarca, comercializa produtos baseados na tecnologia PCF para a região do infravermelho.
As PCFs também são capazes de guiar a luz na região de frequência eletromagnética de terahertz (THz), faixa igualmente proibitiva para as fibras tradicionais. Para Cerqueira, a propagação da luz nessa faixa representa uma tecnologia-chave para resolver gargalos existentes de transmissão de dados entre a microeletrônica e as comunicações ópticas. “Hoje a capacidade de transmissão de dados dos sistemas ópticos pode ser considerada infinita, ou, pelo menos, algumas ordens de grandeza superior às demandas de tráfego dos sistemas de comunicações. Mas, devido à limitação dos componentes eletrônicos, a banda de transmissão é subutilizada. Com o guiamento da luz em THz, o limite de transmissão de dados pode aumentar algumas dezenas de terabytes por segundo, o que traria uma melhora no desempenho dos sistemas de comunicação do mundo em até mil vezes.” Contribuição brasileira - O Brasil pode
ser considerado um dos centros avançados em pesquisa sobre PCFs. Trabalhos relevantes realizados pelo professor Cerqueira e outros pesquisadores vêm sendo realizados no Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, que há mais de 30 anos realiza pesquisas na área de fibras ópticas e integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) de Campinas, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP. Além do CePOF, a Unicamp participa de outro grande projeto que tem as PCFs como uma de suas linhas de pesquisa: o Fotonicom, um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) apoiados pela Fundação e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq). Uma das inovações surgidas na Unicamp foi uma fibra de cristal fotônico com eletrodos (fios de cobre) integrados a ela. Com esse diferencial, é possível aplicar voltagem à fibra ou fazer passar corrente elétrica por ela simultaneamente ao guiamento de luz. Dessa forma, o feixe luminoso pode ser modulado com a corrente elétrica, abrindo novas possibilidades para usar a fibra em sensores para detecção de gases e moduladores ópticos utilizados em redes de transmissão de dados. Também vale destacar os experimentos realizados no Laboratório de Fenômenos Ultrarrápidos, coordenado pelo professor Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. Artigo publicado por Cerqueira e Brito na revista Optics Letters, em 2008, demonstra o desenvolvimento de um conversor de frequência para transferência de energia entre bandgaps fotônicos. Mais experimentos realizados na Unicamp com fibras PCFs podem ser lidos nas edições 106 e 147 de Pesquisa FAPESP.
Yuri Vasconcelos > Artigos científicos 1. CERQUEIRA S. JR., A. Recent progress and novel applications of photonic crystal fibers. Reports on Progress in Physics. v. 73. 2010. On-line. 2. CERQUEIRA S. JR., A.; CORDEIRO, C.M.B.; BIANCALANA, F.; ROBERTS, P. J.; HERNANDEZ-FIGUEROA, H. E.; BRITO CRUZ, C. H. Nonlinear interaction between two different photonic bandgaps of a hybrid photonic crystal fiber. Optics Letters. v. 33, p. 2.080-82. 2008. 3. CERQUEIRA S. JR., A; LUAN, F.; CORDEIRO, C. M. B.; GEORGE, A. K.; KNIGHT, J. C.. Hybrid photonic crystal fiber. Optics Express. v. 14, p. 926-31. 2006.
Demonstração de fibras de cristal fotônico híbridas: sem filtro, à esquerda, com filtro azul e laranja. Múltiplos comprimentos de ondas eletromagnéticas
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Engenharia eletrônica
\\ A luz que fala Aparelho destinado a deficientes visuais identifica e comunica nomes de cores e dinheiro Evanild o da Silveira
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m pequeno aparelho com 12 centímetros (cm) de comprimento por 6,5 cm de largura e 5 cm de altura, pesando não mais do que 100 gramas, poderá ser uma alternativa para melhorar a qualidade de vida dos cerca de 5 milhões de brasileiros com deficiências visuais mais complicadas como a cegueira. Trata-se de um identificador de cores e notas de dinheiro, capaz de emitir o nome de 40 tonalidades diferentes por meio de gravações e de cédulas de real em circulação. Batizado de Auire, que significa algo como “oi” ou “olá” na língua dos índios javaés, que vivem no estado de Tocantins, o equipamento foi desenvolvido pelos jovens engenheiros de computação Fernando de Oliveira Gil e Nathalia Sautchuk Patrício, alunos de mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). O projeto deles é finalista da competição internacional Unreasonable Finalists Marketplace, organizada pelo Instituto Unreasonable para premiar projetos sociais de grande impacto em todo o mundo. Essa instituição é liderada por quatro jovens empresários, ex-alunos da Universidade do Colorado, na cidade de Boulder, nos Estados Unidos, que trabalham com empreendedorismo social em projetos que possam receber apoio de capital de risco, ser sustentáveis e ter boas perspectivas de mercado. O Auire é uma pequena caixa que possui no seu interior um circuito eletrônico, dois diodos, mais conhecidos pela sigla LED (Light Emitting Diode), que emitem luz branca, além de três sensores, um para cada uma das três cores básicas (vermelha, verde e azul), formadoras das outras cores. Em funcionamento, a luz é dirigida à superfície que se quer identificar e capta pelos sensores a reflexão. O software calcula a proporção de cada uma das cores primárias, identificando a cor resultante. A lista é de 40 cores gravadas e o aparelho “fala” o nome de cada uma dessas cores que mais se aproximam da cor real da superfície analisada. “No caso do dinheiro, como as notas do Brasil são de cores diferentes, se o Auire lê uma cor vermelha específica, ele identifica uma nota de R$ 10. O rosa, R$ 5 e assim por diante”, explica Gil. “Por terem cores muito semelhantes,
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ainda não conseguimos diferenciar com segurança as notas de R$ 2 e R$ 100. Para isso, serão necessários alguns ajustes. Por enquanto, o protótipo precisa ser conectado a um computador, que processa os dados por meio de um software. “Depois vamos introduzir o software no aparelho e torná-lo autônomo”, diz Gil. A história da criação do Auire começou em 2006, dentro da disciplina do segundo ano da graduação “Práticas de Eletricidade e Eletrônica II”, relacionada ao programa Poli Cidadã, que tem como objetivo motivar alunos e professores a desenvolverem projetos de engenharia, visando à inclusão social. “A então coordenadora da disciplina, a professora Denise Consonni, propôs temas que podiam ser trabalhados, alguns de cunho social e outros não”, explica Nathalia. “Para realizar o trabalho tivemos que formar equipes e escolher um dos temas. Eu montei um grupo com outros três colegas e os convenci a fazer o identificador de cores para deficientes visuais, que era um dos temas propostos do Poli Cidadã daquele ano.” A sugestão partiu da Fundação Dorina Nowill para Cegos, que se dedica à inclusão social de pessoas com deficiência visual. Blog social - “Na época, os outros alunos do grupo não
quiseram dar prosseguimento ao trabalho”, conta Nathalia. “Fiquei com o protótipo e a ideia de um dia levá-lo adiante.” A oportunidade surgiu em novembro do ano passado, quando Fernando, que é amigo de Nathalia, leu uma notícia em um blog especializado em empreendedorismo social. “Ele propôs nos inscrevermos no concurso do Unreasonable Institute e eu aceitei”, lembra Nathalia. A inscrição foi feita na primeira quinzena de dezembro. Os projetos precisam ter o formato de empresas, e não de entidades sem fins lucrativos. Na primeira fase da competição, os participantes tiveram de elaborar um plano de negócios que apresentasse uma ideia capaz de atingir 1 milhão de pessoas e dentro de um ano fosse autossustentável, além de poder ser estendida para outros países num prazo de três anos. “Apresentamos um plano de negócios para abrir uma empresa e produzir o identificador com baixo custo”, conta Gil.
miguel boyayan
Identificador de cores e dinheiro vai participar de competição internacional de tecnologias sociais
“Nossa meta é produzir o aparelho por um custo unitário entre R$ 100,00 e R$ 200,00. Já existem equipamentos semelhantes no mercado, mas que são vendidos aqui no Brasil por cerca de R$ 1.200,00.” Para chegar entre os finalistas do concurso, o plano de Nathalia e Gil enfrentou outros 284 competidores. Depois de entrevistas telefônicas, restaram 34 finalistas, de 19 países. Agora, nessa última etapa, os competidores não dependerão apenas de si mesmos. Serão escolhidos os 25 primeiros projetos que conseguirem arrecadar US$ 6.500 em doações até o dia 15 de março. Mas não adianta o pai de um participante ou um mecenas querer doar todo o valor ou grande parte dele. Cada doação não pode ultrapassar US$ 10. Os brasileiros concorrem com projetos de várias partes do mundo. Entre eles um dos que mais chamam a atenção é o Global Cycle Solutions, desenvolvido na Tanzânia. Trata-se de debulhadores e moedores de milho acoplados a uma bicicleta, que fica suspensa em anteparos. Ao ser pedalada, a roda gira e movimenta os equipamentos, aumentando a produtividade do trabalho que antes era feito manualmente. Os que conseguirem cumprir a meta de arrecadação vão utilizar o dinheiro para custear 10 semanas de treinamento na sede do Unreasonable Institute em Boulder, com profissionais e especialistas na área de negócios. Passado o período de treinamento, os projetos serão expostos a investidores sociais num evento organizado pelo instituto. n PESQUISA FAPESP 169
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humanidades
literatura
Não tão longe de Nova York Elizabeth Bishop escreveu e rejeitou obra sobre Brasil Carlos Haag
reprodução
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preciso uma alma de poeta para começar um livro sobre o Brasil contando o caso de um bebê recém-nascido raptado da maternidade, capaz de deixar de lado, no imaginário popular, a inflação, o terrível custo de vida, as trocas de poder no governo e talvez mesmo os resultados do futebol, tudo em nome da saga de Conceiçãozinha, como a nenê ficou conhecida. A partir da história prosaica, que, por sinal, termina bem, a autora fala sobre a família brasileira, a devoção nacional às crianças, as massas pobres, a bananeira, corrupção, história, cultura, paulistas e cariocas, diminutivos, emoções do país etc. enfim, fala do Brasil, ou melhor, do Brazil, título original do livro encomendado à poeta Elizabeth Bishop (1911-1979) para a editora Time-Life para uma coleção de obras sobre países do mundo. “Brazil, de 1962, por suas características e pelos percalços enfrentados na publicação, merece uma atenção especial. Estão em jogo aspectos importantes: as intenções dos editores norte-americanos em plena Guerra Fria na produção de uma série chamada Países do Mundo; o convite à poeta premiada para que escreva um livro semijornalístico sobre o Brasil; e confronto entre editores e autora, que resultou na publicação afinal renegada por Bishop. A própria existência de Brazil nos leva a discutir a possibilidade de se captar a totalidade de um país numa obra com esse caráter”, explica Armando Olivetti Ferreira, autor do doutorado Recortes na paisagem: uma leitura de Brazil e outros textos de Elizabeth Bishop, recentemente defendida na Universidade de São Paulo, orientada por Ivone Daré Rabello, e que inclui outros textos em prosa da poeta sobre o Brasil, como Uma viagem pelo Amazonas, apresentado no fim deste artigo, inédito em inglês e português. O Brasil foi um bálsamo na biografia da poeta americana, nascida em Worcester, Massachusetts, tendo perdido o pai aos 8 meses e vendo a mãe enlouquecer quando tinha apenas 5 anos. A partir da juventude tornou-se poeta e alcoólatra. Em 1951, já tendo publicado um livro de poemas de certo sucesso aos 35 anos, resolveu fazer uma viagem de circum-navegação pela América do Sul, parando no Brasil e indo para o Rio de Janeiro, onde reencontrou a socialite Lota Macedo Soares, de família da elite carioca, capaz de dirigir um Jaguar, usar calça jeans e ter aulas com Portinari. Quando Elizabeth teve uma reação alérgica ao dar duas mordidas num
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caju, tratou da americana e declarou-se a ela, que se mudou para o Brasil, aqui vivendo por 15 anos no seu primeiro lar. “O melhor de sua produção se deu nos anos de reclusão com Lota Soares, na Casa da Samambaia, em Petrópolis. Ali produziu Poems, que lhe valeu o prêmio Pulitzer e o reconhecimento internacional. No Brasil, Bishop livrou-se de um passado negativo: era alcoólatra e tinha problemas com a falta de uma família”, explica Nadia Nogueira, da Universidade do Estado da Bahia, autora de Invenções de si em histórias de amor: Lota e Bishop. Mas o Brasil, antes de chegar ao Brazil, foi muito mais. “A poesia inicial de Bishop tem influências do alto modernismo anglo-americano, o que implica um rígido controle formal e um distanciamento do sujeito lírico. A permanência no Brasil lhe deu abertura para explorar temas mais subjetivos, como os ligados à memória da infância, passada na Nova Escócia, que ela associava à rusticidade da Casa da Samambaia. Mais tarde ela descobriu a poesia de Carlos Drummond de Andrade, sobretudo os poemas sobre a infância em Itabira, que ela traduziu. Nessa poesia ela encontrou o tom de que precisava para tratar temas subjetivos, doloridos mesmo. A poesia dela, no Brasil, torna-se mais pessoal, mas mantendo sempre um alto grau de elaboração artística”, explica Regina Przybycien, da Universidade Federal do Paraná e autora da primeira tese brasileira sobre Elizabeth Bishop, Feijão-preto e diamantes.
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m percurso cronológico de leitura do Brasil, antes de Brazil, nos textos em prosa de Bishop começa necessariamente com o esboço “Suicide of a moderate dictator”, de 1954, um breve texto de duas páginas, abandonado, como a contrapartida, em verso, em que a poeta descreve o enterro de Vargas a partir de um cinejornal, comentando o comportamento do filho do presidente, visto como “personagem de desenho animado”, e da multidão. Em 1958, escreveria outro texto focalizando o país: “Uma nova capital, Aldoux Huxley e alguns índios”. Esse texto foi feito logo após a viagem empreendida com um grupo que incluía o autor inglês e que teve por destino Brasília, ainda em construção, e uma aldeia indígena em Mato Gros-
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Puramente comercial e uma espécie de penitência pelos meus anos de vadiagem
so, se destacando dos demais inéditos por ter sido retrabalhado e finalizado pela autora para ser apresentado para a revista The New Yorker, que não o quis publicar. “Lota e seu círculo eram totalmente contrários à construção da nova capital e Bishop compartilhava dessa opinião”, conta Ferreira. “Nesse artigo ela ressalta os contrastes: de um lado a cidade futurista de formas fantásticas e de outro a cidade livre dos candangos, desordenada e caótica: dois Brasis. Bishop gostou das formas arquitetônicas, mas as achou pouco práticas: salientou o desconforto interior e a falta de integração da cidade com seus habitantes”, completa Regina. Em 1960, veio ainda “A trip on the Amazon”, um inédito que descreve a viagem de avião do Rio a Manaus. “Pouco depois desse périplo começaria a nascer o mais longo texto de Bishop relacionado ao Brasil. A oportunidade para usar o conhecimento que vinha acumulando surgiu no início da década de 1960, quando
um convite dos editores da revista Life veio somar-se ao seu desejo de escrever um livro sobre o país”, explica Ferreira. “Tenho muito material e acho que eu e Lota vamos nos divertir bastante, incluindo no texto as nossas piadas preferidas, as pessoas de que mais gostamos etc.”, escreveu Bishop em carta ao amigo Robert Lowell, em 1961, afirmando considerar a tarefa “puramente comercial e uma espécie de penitência pelos meus anos de vagabundagem”, completando, entre parênteses: “Provavelmente ninguém nunca vai ler o texto mesmo!”. Comentário curioso para uma escritora tão zelosa de cada vírgula de seu trabalho. “Ela parece alheia às motivações que poderiam estar levando a Life a incluir um livro sobre o Brasil em sua coleção sobre Países do Mundo naquele momento, ou mesmo pouco consciente dos interesses ideológicos envolvidos nesse projeto editorial”, observa Ferreira. “Não gosto da revista e não gosto deles. São pessoas iguais a esses vendedores que ficam pressionando a gente. Mas quero ganhar dinheiro e a esta altura sei muita coisa sobre o Brasil, querendo ou não”, escreveu Bishop em carta à tia. “Ela que passava mais de 10 anos burilando um poema até encontrar o tom exato, a palavra adequada, não admitia escrever um livro superficial sobre o Brasil. É provável que também receasse ser julgada mercenária pelo público que admirava sua poesia, ou pior, que concluísse que seu talento poético se esgotara (um pesadelo que a perseguira durante toda a vida) e, por causa disso, aceitara escrever literatura menor”, analisa Regina. Escreveu o livro na segunda metade de 1961 e partiu para o que chamou de campo de batalha, a sede da Time-Life, para a revisão. Lá chegando, percebeu que os editores haviam alterado o texto. “Segundo ela, os revisores modificaram o seu estilo para colocá-lo na linha da empresa. Rechearam com ‘mas’, ‘porém’, ‘entretanto’, ‘quase’, ‘provavelmente’, entre outros enxertos. As fotos também a decepcionaram. Lamentava a ausência de fotos da natureza e ficou indignada porque, na página 89, a foto que supostamente retratava uma cena do Carnaval carioca era, na verdade, uma cena do filme Orfeu de carnaval. Também, segundo ela, haviam mudado títulos dos capí-
Rolando/AE
Vista do Parque do Flamengo: “rival” para quem perdeu Lota no tempo de Brazil
tulos, entre outras coisas. Em resumo, os editores mutilaram bastante o texto”, conta Regina. “Entretanto, ainda há bastante de Bishop no livro. Na história do sequestro da menininha, por exemplo. Um poema seu, inacabado, sobre os pobres do Rio começa com a imagem de uma menina recém-nascida encontrada no lixão. Portanto, meninas desamparadas são um tema recorrente. Basta lembrar que ela própria foi uma menina desamparada que perdeu o pai cedo e viu a mãe enlouquecer aos 5 anos”, nota a pesquisadora.
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momento em que Bishop escreve Brazil é extremamente problemático em sua vida. Depois dos primeiros oito anos brasileiros desfrutados num sítio nos arredores de Petrópolis numa santa paz ao lado de Lota, a amiga é convidada por Carlos Lacerda, em final de 1960, após ser eleito governador do recém-criado estado da Guanabara, para coordenar a imple-
mentação do que se tornaria o Parque do Flamengo. “Encerrava-se o período de conforto e as duas praticamente se transferem para o Rio, onde Lota passa a trabalhar nas obras do Aterro quase 12 horas diárias, destruindo a antiga e confrontando as duas obras com a realidade política do país”, avalia Ferreira. Foi nesse clima que veio o convite para fazer Brazil. “E, em 1961, quando Bishop, teve seu nome e trabalho associados à revista Life, o convite para a elaboração do livro partiu dos editores americanos, mas a escritora estava ávida por contribuir, de alguma maneira, para o governo do presidente Kennedy, o qual logo anunciava o desejo de uma relação produtiva com os artistas”, explica o pesquisador. “Todos parecem estar encontrando a sua verdadeira vocação nestes dias”, escreveu a poeta. A começar por Lota, que trabalhava sem remuneração para Lacerda e a lista de Bishop incluía mesmo uma amiga que acabara de adotar uma garotinha brasileira. Na mesma época,
a escritora perguntara ao amigo Lowell se ele poderia mencionar “a alguém da Casa Branca” que ela “gostaria de fazer algo por seu país no Brasil”. “Em junho surgiu o convite da Time Inc. para que escrevesse o livro sobre o Brasil para sua série relacionada aos países do mundo e a resposta positiva foi imediata”, observa Ferreira. Ainda assim, os problemas entre ela e os editores também surgiram logo. “Eles me pedem um esquema de trabalho. Eles são inacreditáveis. A coisa tem mais a ver com a fabricação de chantilly a partir de subprodutos de uma fábrica de plásticos do que com literatura ou mesmo com jornalismo.” “O interesse de Elizabeth em flora e fauna contrapunha-se ao dos editores, voltado para pessoas e política, especificamente as circunstâncias relacionadas ao potencial do país para a democracia ao estilo norte-americano”, nota o pesquisador. “Minha impressão é que Bishop entendia pouco da emaranhada política brasileira e pouco se interessava pela PESQUISA FAPESP 169
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política em geral. Acho que ela repetia o que ouvia dos amigos. Não deixa de ser um paradoxo dela se mostrar uma liberal defensora dos direitos humanos nos EUA e uma conservadora anticomunista no Brasil”, avalia Regina.
zil, já sem o nome de Elizabeth Bishop. E, em 2008, o primeiro capítulo do livro, “Um povo caloroso e sensato”, foi incluído na coletânea Elizabeth Bishop: poems, prose and letters, reproduzindo fielmente o texto publicado em 1962, embora este tenha sido renegado pela autora. Por anos ela alimentaria o projeto de escrever um segundo livro para substituir o renegado Brazil. “Estou planejando escrever um livro de prosa cujo título provisório é Feijões-pretos e diamantes. Deve ser uma combinação de livro de viagens, uma memória e um livro de fotos. Gostaria de fazer o Brasil parecer menos remoto e menos um objeto de fantasia pitoresca. Ele não é realmente tão distante de Nova York”, escreveu. Por que então a rejeição tão forte a Brazil? “Acho que foi baseada em três fatores: a qualidade do texto, motivação sempre assumida pela autora; a instabilidade emocional de Bishop,
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reprodução
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as, lembra a pesquisadora, o verdadeiro Brasil, mesmo em Brazil, estava no humor e na arte do povo. Assim, após abarcar quatro séculos de história nomeando pouco mais de seis personagens políticas (dom João VI, dom Pedro I e dom Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros. Merece destaque a ausência de Santos Dumont, cuja primazia aérea sempre foi motivo de ironia por parte da poeta americana), Elizabeth parte para a cultura brasileira. “Ela desdenhava a chamada alta cultura e dizia, por exemplo, que a literatura modernista brasileira era uma imitação dos modelos europeus, que os poetas brasileiros, uma vez famosos, eram mimados e achavam que não precisavam exercer um rigor crítico sobre sua produção (disse isso sobre Manuel Bandeira). Das artes brasileiras, a que realmente admirava era a arquitetura”, explica Regina. “Ela amava a cultura popular e manifestava um sentimento de perda em relação às modificações que a modernidade ia trazendo para o modo de vida das cidadezinhas do interior e para o Carnaval. Adorava colecionar livretos de literatura de cordel, letras de samba antigos e até frases de para-choque de caminhão. Admirava o humor dos brasileiros pobres, sempre prontos a fazer piadas até de suas próprias desgraças. Seu olhar era o de uma viajante-etnógrafa. Buscava uma alteridade que, para ela, estava associada a um certo primitivismo romântico, a um modo de vida que ela dizia já ter desaparecido na América do Norte”, acredita a pesquisadora. Apesar disso, a autora insistiu em renegar o livro. Em 1965, os editores propuseram que revisasse o texto, mas ela recusou. O livro foi republicado em 1970 com alterações substanciais em três capítulos e substituições de várias fotos, mas a poeta não teve participação alguma, embora seu nome ainda constasse dos créditos. Apenas em 1984, após sua morte, surgiria nos EUA uma edição radicalmente nova de Bra-
Orlando Villas-Boas em fotos de Brazil
sempre insegura à espera de críticas, numa atitude exacerbada nessa época em que Lota deixava de desempenhar o papel protetor e, em certo sentido, maternal, materializado em presença e apoio ininterruptos; o fato de que os editores da Time-Life não eram uma empresa jornalística qualquer, mas um dos mais importantes porta-vozes da ideologia norte-americana ao longo do século XX, especialmente durante a Guerra Fria”, explica Ferreira. Sobre este ponto, continua o pesquisador, é possível que a poeta tenha sido ingênua, que se tenha conscientizado da situação apenas no confronto com os editores em torno do seu escrito. “Suas críticas, porém, não questionam a ideo logia da Time-Life, embora apontem a ignorância dos editores e a intenção de apresentar as ideias preconcebidas que eles têm de um país sem nenhuma interferência.” A ingenuidade também n faz parte da alma do poeta?
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Uma viagem pelo Amazonas [1960] Desde o aeroporto até Manaus – com Isaac. Manoel e eu não fazíamos ideia de sua importância e cometemos gafes horríveis. Primeiro eu dei um grito diante da beleza das favelas. – A estrada atravessa várias pontes sobre vales profundos. Esses regos estão repletos de barcos usados como moradia – naquela hora quase todos encalhados na lama, em todas as posições. Tetos em folhas de palmeira, alguns num trabalho muito bonito, ou em zinco – alguns com portas quadradas, como a arca de Noé – e centenas deles tristemente encalhados na lama e no capim alto. – Estava começando a escurecer – o sol estava se pondo – e desses vales de barcos encalhados vinha fumaça – Fumaça cor-de-rosa, desses longos e profundos vales cheios de barcos encalhados – barcos ofegantes – leve fumaça azulada – talvez todos estivessem cozinhando o jantar – A luz no oeste era cor-de-rosa claro, como melão; o ar, cheio de fortes e agudos cantos de sapos – um tipo de sapo diferente daquele de Petrópolis – o sr. Sabbá perguntou a Rosinha se ela gostaria de ver a refinaria – e eu comecei a compreender quem ele era quando Rosinha respondeu, com falso entusiasmo, que adoraria. O menino correu pelo cais e escalou o paredão, arrastando-se, segurando em plantas e pedras. Ele parecia prestes a cair e ser engolido a cada segundo. O capitão apareceu sobre nossas cabeças, na escada, de pijama branco, e atirou na margem o que parecia ser um envelope grosso – por que ele não o entregou ao menino é um mistério. O menino agora parecia ter uma lanterna, e arrastou-se perigosamente ao longo do topo do paredão, escorregando e caindo e olhando para o envelope – como num estranho jogo – os moradores silenciosos e sonolentos, observando conosco o rio que corria de maneira furiosa e para trás, mesmo – Afinal ele o pegou. – O capitão gritou: ‘Leve para o Correio’, e o menino correu para a escuridão. Cinco minutos depois ele apareceu de volta – sob o paredão, sobre o pequeno cais, que foi retirado assim que ele passou – a corda foi solta de seu amarradouro doméstico e começamos a nos afastar – e isso foi tudo o que vimos de Uricurituba – * Originais em Vassar College, Special Collections; Box ”Prose Unpublished”, Folder 55.4, 9p. Datilografado; sem data (1960); título ms: “On the Lauro Sodré”. Tradução de Armando Olivetti Ferreira.
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ciência política
ao contrário do mito, parlamentares entram no congresso com experiência
Deputado profissional
Joselia Aguiar
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a grande imprensa costuma-se afirmar que o Parlamento brasileiro é prejudicado pela presença de forasteiros, gente com pouca ou nenhuma experiência na política: cantores, pastores, atores, apresentadores de TV, jogadores de futebol, capazes de ganhar votos para depois “desaparecer”. Ainda segundo esse consenso, há outros tantos políticos novatos que são eleitos e depois usam a cadeira do Legislativo como trampolim, pois preferem cargos em municípios e estados, e logo que podem deixam a Casa quando surge uma oportunidade. Ao cruzar, porém, dados referentes à circulação na Câmara dos Deputados entre 1946 e 2007, a cientista política Mayla Di Martino encontrou resultados bastante diferentes: no Brasil predomina o político profissional, e o que parece um entra e sai é, ao contrário, parte de uma estratégia de longo prazo para justamente se manter na carreira, como ela analisa em A política como profissão, sua tese de doutorado em ciência política defendida recentemente na Universidade de São Paulo orientada por Fernando Limongi. “Para ocupar uma cadeira no Legislativo nacional é preciso ter entrado no jogo da política e ter tido algum sucesso nele. É preciso se tornar um profissional, ter vencido eleições ou ter assumido cargos políticos indicados”, afirma a pesquisadora. Nos últimos 15 anos, segundo ela, os chamados novatos que entraram na Câmara dos Deputados venceram, em média, anteriormente pelo menos duas eleições para outros cargos políticos e 80% deles tiveram algum tipo de experiência política prévia. À primeira vista, no entanto, há dados que parecem sugerir que o senso comum está certo. Como explicar por que apenas a metade dos deputados, em média, se reelege? A comparação com os Estados Unidos aumenta o contraste: lá são reeleitos 90% dos deputados. No Brasil, também é elevado o número de deputados que interrompem o mandato antes de sua conclusão. A maioria se licencia para ocupar uma vaga de ministro de Estado ou de secretário em governos estaduais. Há um percentual que abandona os dois últimos anos da legislatura: em média, desde 1986, 17% de todos os deputados que chegaram ao Parlamento disputaram uma eleição para prefeito enquanto estavam na cadeira de deputado. Para um parlamentar americano, é impensável trocar uma cadeira em Washington por uma de prefeito.
Congresso Nacional, em Brasília
Alfredo Nagib Filho/Folha Imagem
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Sérgio Lima/Folha Imagem
A aparente “desistência” do deputado brasileiro, no entanto, tem explicação de longo prazo, diz Mayla Di Martino, exigências da complexa vida política brasileira. “O sentido da carreira política no Brasil não é ilógico, não está situado de ponta cabeça, como fazem crer alguns estudiosos. Se o deputado abandona a cadeira em Brasília, é porque os caminhos que ele tem de trilhar para continuar crescendo na vida pública são tortuosos. Muitas vezes é preciso voltar para uma função regional como meio para prosseguir na carreira política nacional. Isso tem a ver com a estrutura do recrutamento político para o Parlamento, que, desde sempre, foi muito regionalizado, ou seja, muito dependente dos interesses e das eleições locais”, explica. Quanto à presença de forasteiros, esta pode até ser alardeada e muito notada, mas não é o padrão. Há, é claro, lugar para os fenômenos midiáticos, como apresentador de TV, locutor de rádio, cantor e até jogador de futebol, porém eles são minoria, concorda David Fleischer, Ph.D. em ciência política e professor da Universidade de Brasília (UnB). O comum é o perfil de deputados que representam um reduto, uma microrregião, diz. “É o caso de um prefeito que vira deputado e, não raras vezes, volta a ser prefeito também”, afirma. De modo similar, o Senado recebe ex-governadores que, mais tarde, podem voltar a governar estados. Portanto, estar fortalecido em cidades e estados é fator decisivo – nem que seja elegendo alguém de confiança para os principais cargos locais. Fabiano Santos, Ph.D. em ciência política e professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), constata que as novas pesquisas sobre o Legislativo têm de fato revelado que este tem muito mais força do que parece. “E estamos mudando para um Congresso mais profissional, dotado de assessoria extremamente bem qualificada, que tem por base de recrutamento o mérito”, avalia. Argelina Cheibub Figueiredo, Ph.D. em ciência política e também professora do Iuperj, lamenta que o senso comum ainda prevaleça. “Apesar de ser crescente o número de pesquisas sobre o Legislativo brasileiro, ainda prevalece, especialmente na imprensa, a visão caricata que dele se tem e as interpretações baseadas em fatos excepcionais, e não nos processos mais regulares.” Ela lembra que o Parlamento
Bastidores do Congresso: política complexa do vai e vem
brasileiro já deu várias provas de maturidade. “Nós esquecemos que, apesar de todas as medidas restritivas tomadas pelo regime militar durante seus 20 anos de vigência, o Legislativo brasileiro funcionou, com a interrupção de menos de um ano em 1969, desde 1946. E durante todo esse período ele teve papel significativo no processo político, mesmo durante a ditadura, quando, restrito na sua atuação essencialmente política, se preparou de modo técnico e organizacional.” Circulação - Se na comparação com os
Estados Unidos há grandes diferenças na circulação parlamentar, a observação do que ocorre na França levou Mayla Di Martino a encontrar aproximações. Principalmente no que se refere ao “vai e vem” da carreira parlamentar, que caracteriza o Brasil. Também naquele país, no ano de 2006, por exemplo, 89% dos deputados nacionais acumulavam o mandato na Assembleia Nacional com um cargo eletivo regional ou local. “Como no Brasil, os deputados franceses também precisam manter esse elo com a política local se quiserem se manter progredindo no mercado político”, explica a cientista política. Especialistas franceses dizem que o padrão muito regionalizado de recru-
tamento parlamentar na França, aliado à profissionalização dos parlamentares, levou a essa situação conhecida como cumul des mandats, acúmulo de mandatos. “Por ser um político profissional, o deputado francês precisa acumular recursos políticos que o mantenham progredindo na carreira: a oportunidade de acumular um cargo de prefeito com o cargo de deputado nacional traz oportunidades óbvias em termos de contato com as bases, influência perante o partido e recursos para serem usados na campanha de reeleição ao Parlamento ou na disputa por outros cargos na esfera nacional”, acrescenta a pesquisadora. Na França como no Brasil, portanto, a procura da parte dos deputados federais por cargos no âmbito local e regional não implica a falta de importância da carreira parlamentar na esfera nacional. Trata-se de uma estratégia de parte dos deputados eleitos de dirimir riscos de derrota eleitoral em eleições futuras, em sistemas políticos multipartidários e marcados por uma alta volatilidade eleitoral. “A minha tese tenta desmistificar esse caráter excepcional que procuram atribuir ao Brasil, mostrando que os caminhos que levam ao Parlamento, por aqui, como em outros países desenvolvidos, são bastante parecidos.”
Em seu banco de dados há a trajetória individual de 4 mil deputados federais, desde 1946 até 2007 – da primeira função pública até a saída definitiva da Câmara Federal –, incluindo todas as eleições disputadas e licenças ocorridas durante a vida parlamentar. Para compreender esses números, usou uma metodologia de análise mais ampla do que a empregada em pesquisas anteriores. “Foi possível demonstrar que, apesar do aumento do número de interrupções na carreira parlamentar, para ocupar ministérios ou secretarias, ou para entrar na disputa por prefeituras, o tempo total de permanência dos deputados tem aumentado”, afirma. Prós e contras - A restrição do acesso à
própria carreira política é a consequência imediata de tal profissionalização, constata Mayla Di Martino. Em lugares onde a política é dominada por profissionais, a entrada de pessoas de fora do jogo é muito restrita, e os participantes tendem a criar instrumentos para permanecer com o controle. Basta lembrar que os legisladores votam sobre inúmeros aspectos que dizem respeito à sua carreira, no interior ou no exterior do Parlamento, como, por exemplo, as regras eleitorais. “Mas é assim mesmo que tem funcionado nos países desenvolvidos, seja sob o parlamentarismo ou sob o presidencialismo. Esse também tem sido o caso do Brasil”, diz a pesquisadora. Como efeito negativo da profissionalização, entendida com restrição da circulação nas elites políticas, constrói-se, assim, uma barreira que distancia cada vez mais os eleitos daqueles que os elegeram. Resguardados em suas posições, os parlamentares não se sentem tão obrigados a responder às demandas dos seus eleitorados. Os escândalos, assim, podem se tornar comuns e alcançam até mesmo instituições prestigiosas como o Parlamento britânico, que, em 2009, teve seus representantes flagrados usando verbas de gabinete em benefício próprio. A capacidade organizacional dos Parlamentos é a consequência positiva da profissionalização, explica. “Estudos sobre o Congresso norte-americano indicam que parlamentares mais adaptados e experientes têm maior capacidade de aprovar leis”, explica a pesquisadora. Também naquele país existe uma carreira interna no Legislativo Federal, o
que torna a vida parlamentar um objetivo em si mesma – alguns legisladores podem angariar votos, ou posições de poder junto ao seu partido, por meio de seu trabalho nas comissões parlamentares, uma vez que muitas dessas posições internas do Congresso têm prestígio e visibilidade nacional. “Isso faz com que o Congresso dos Estados Unidos seja muito ativo e autônomo perante o Executivo”, acrescenta. Ainda não está respondido, porém, segundo ela, se a profissionalização da política parlamentar é capaz de ensejar a configuração dos Parlamentos nos moldes dos Estados Unidos, com esse modelo de carreira política interna. “Muitos especialistas gostariam de ver funcionando no Brasil um modelo parecido com o norte-americano, na esperança de que o Legislativo brasileiro seja menos dependente da agenda política ditada pelo Executivo.” O desprestígio do Parlamento brasileiro, para David Fleischer, da UnB, está ligado não somente à sequência de escândalos que constantemente o paralisa como também ao poder reduzido que tem em relação ao Executivo. “O presidente aqui tem poderes imperiais, o que tira a autonomia das duas Casas.
Onde a política é dominada por profissionais a entrada de pessoas de fora é restrita
Pode, por exemplo, fazer mudanças no Orçamento a qualquer hora e fazer nomeações sem precisar da aprovação. Nos EUA não é assim”, pondera. Não é à toa que em pesquisas de opinião pública o Congresso brasileiro apareça como a instituição de menos confiabilidade, lembra o professor da UnB. Fabiano Santos, do Iuperj, diz que é preciso avançar na capacidade de iniciar agendas próprias, independentemente do Executivo, em especial nas áreas econômica, financeira e administrativa. “Na América Latina estamos bem à frente, não só em termos de institucionalização de procedimentos, capacidade de armazenar e distribuir informações sobre a atividade parlamentar, como também em dados para processar decisões. Em relação aos EUA e demais países desenvolvidos, nos saímos bem em certos aspectos e não tão bem em outros”, compara. A responsabilidade dos partidos na política nacional é um dos pontos que merecem ser explorados em futuras pesquisas e debates. “É muito fácil expulsar o membro de um partido diante de denúncias da corrupção, e é muito difundida a tese de que, no Brasil, o partido político tem pouca influência sobre o resultado das eleições e que a vitória se deve mesmo ao carisma ou ao currículo de cada candidato, ou seja, a tese do personalismo político”, afirma Mayla Di Martino. Desse modo, o paradigma da profissionalização permite enxergar a situa ção por outro prisma, acrescenta: para permanecer no jogo, os candidatos dependem do partido político: precisam ganhar indicações para cargos eletivos ou cargos de confiança; precisam de abrigo nos tempos de infortúnio eleitoral – quando perdem as eleições, afinal, a maioria dos políticos teve que interromper ou deixar em segundo plano a sua profissão original. “É preciso uma mudança de paradigma na maneira como se analisam os partidos políticos no Brasil: a partir do momento em que os próprios analistas políticos passarem a acreditar que eles realmente influenciam a vida política brasileira, quem sabe consigam fazer a população atentar para o fato de que, no momento da eleição, é importante punir o partido pelo erro de seus candidatos”, afirma a n pesquisadora da USP. PESQUISA FAPESP 169
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Sociologia
Desigualdade
sem igual
O Seminário discute dilemas da segregação social brasileira
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escritor americano F. Scott Fitzgerald não tinha dúvidas em afirmar que nós, os pobres mortais, éramos diferentes dos ricos, porque, afinal de contas, eles tinham mais dinheiro do que nós. Mas será que apenas o dinheiro basta para explicar tudo? Os indicadores de desigualdade e da renda têm mostrado que essa diferença entre ricos e pobres no Brasil vem caindo, mas será que apenas eles bastam para nos dar um painel preciso do que é a segregação social nacional? “A renda é uma dimensão muito relevante para a análise da pobreza e da desigualdade e não é à toa que as comparações internacionais focam esta dimensão. Entretanto, nosso esforço no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) tem se orientado a examinar a pobreza e a desigualdade em suas múltiplas facetas, porque a situação de pobreza de um indivíduo é resultado da combinação de diferentes aspectos, além da renda. Estes são: seu acesso ao mercado formal de trabalho, aos serviços públicos e a vínculos sociais e associativos. A situação de desproteção de um indivíduo é resultado dessas múltiplas dimensões”, explica a diretora do CEM, a cientista política Marta Arretche. Assim, continua a pesquisadora, embora seja importante que nos pautemos por trabalhos recentes que mostram que a distribuição recente tenha melhorado como forma de entender o que acontece no país, não se pode deixar de levar em conta outras facetas da pobreza e desigualdade que têm igualmente um grande impacto no bem-estar das pessoas, e os estudos do CEM se preocupam exatamente em ampliar essa visão. Daí o seminário internacional Metrópole e Desigualdades que acontece entre os dias 24 e 26 deste mês, mais uma etapa no processo de internacionalização desse Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) da FAPESP, que também é um INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia). O seminário discutirá justamente esses três eixos de pesquisa e as peculiaridades do processo brasileiro de desenvolvimento recente. “Nossas pesquisas partem do pressuposto teórico de que o trabalho, os serviços sociais e a sociabilidade são mecanismos decisivos para a superação de atenuação das situações de pobreza. Você pode ter dois indivíduos com a mesma renda nominal, mas, se um deles tem acesso a habitação subvencionada pelo Estado, saúde etc. e o outro não tem, um é mais pobre e segregado do que o outro. É preciso analisar sempre além da renda e é isso que o seminário propõe. Isso, aliás, está em sintonia com os estudos internacionais mais recentes”,
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Mar de desigualdade: prédio no Morumbi e favela em Paraisópolis
Tuca Vieira/Folha Imagem
analisa Marta. “A pobreza até pode estar sendo atenuada, mas por outro lado a desigualdade pode estar sendo reproduzida.” O primeiro eixo do seminário tratará do acesso ao mercado de trabalho e se inicia com uma leitura inusitadamente “otimista” do estado atual da metrópole paulistana. “Os fluxos migratórios mudaram de sinal já nos anos 1990, quando passaram a apresentar sinais líquidos negativos após décadas de crescimento acelerado, uma tendência que se explica tanto por fatores locais, como a perda de dinamismo do mercado de trabalho de menor qualificação e o alto custo da moradia, quanto por fatores externos como o surgimento de novos polos de desenvolvimento em outras regiões do país”, explica o sociólogo Álvaro Comin, do CEM. Ou seja, São Paulo, ao contrário do que se dizia, parou de crescer e de receber migrantes, com mais gente saindo que entrando, em especial a força de trabalho de menor qualificação. “Está havendo uma redução na participação relativa da parcela mais pobre e menos escolarizada da população.” Mais: segundo o pesquisador, entre 2003 e 2007 o crescimento do emprego formal foi da ordem de 4,15% ao ano e pela primeira vez em duas décadas o número de pessoas com carteira assinada supera os 50%. “A cidade está ganhando em serviços mais sofisticados e a demanda de mão de obra foi em força de trabalho dita mais elitizada, o que sugere que será uma metrópole com perfil mais ‘classe mé-
dia’”, explica Comin. Ao mesmo tempo, acompanhando essa evolução, cresce também o nível de escolaridade. “Os indivíduos formalmente empregados têm muito mais chances de se manter atualizados em suas áreas de atuação, reduzindo os riscos de desemprego e aumentando suas oportunidades de progressão profissional.” Até aí tudo parece indicar um mundo ideal. Mas é nesse ponto que surge a inflexão da desigualdade com o aparecimento de um novo padrão de segregação: os mais pobres que não se encaixam nessa nova estrutura, mas ainda dependem da cidade para sobreviver (empregadas domésticas e outros tipos de empregado), são obrigados a morar cada vez mais longe, porque a cidade não os comporta, seja pelo preço da moradia, seja pelo novo perfil exigido. “É um ciclo complexo: a cidade fechou suas portas para um determinado PESQUISA FAPESP 169
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tipo de trabalhador, que se vê obrigado a morar em municípios próximos ou regiões próximas, expulso da metrópole. Agora problemas como transporte, enchentes etc. viram questões imensas. O que havia para ‘comemorar’ num primeiro momento é motivo de grande preocupação quando se pensa melhor”, observa o pesquisador. Afinal, as questões ganham esfera metropolitana, já que as mazelas englobam áreas mais distantes e com certeza mais pobres e com menores condições de resolução do que uma metrópole como São Paulo, pondera Comin. “Além disso, você só trabalha com duas esferas: o Estado de São Paulo e as prefeituras, que não colaboram entre si, basta lembrar da guerra fiscal e das questões dos partidos políticos.” Até mesmo o perfil industrial de São Paulo está alterado, embora o estado continue a concentrar os mesmos 50% da produção industrial em sua área. “As indústrias tradicionais que usavam trabalhadores comuns estão indo para o interior e a cidade está com a indústria que usa mais tecnologia. A economia da cidade está mais intensiva em capital e menos intensiva em força de trabalho.”
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Expulsão - “No geral, a pobreza está
sendo convidada a se retirar da cidade e estamos exportando problemas como favela, miséria, falta de saúde, entre outros. Ao mesmo tempo, os ‘expulsos’ estão sendo impedidos de usar sistemas de serviços públicos de outros lugares, porque pedem a eles comprovantes de trabalho e residência. Daqui a 20 anos, quando olharmos São Paulo, pode-se até pensar que tudo está bem, mas os problemas vão estar na nossa frente, logo adiante do rio, nas cidades em torno, com a diferença de que essas cidades têm pouca chance, como nós, de fazer política e mudanças”, avisa Comin. As pesquisas de Nadya Guimarães, do CEM, mostram outra realidade cruel. “Agora se pede diploma de segundo grau ou universitário para qualquer função. Um gari da prefeitura, por exemplo, precisa apresentar diploma de segundo grau, tamanha a distorção. É um efeito
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Reflexos: trabalho, redes sociais e serviços públicos para explicar a segregação
perverso dessa ‘elitização’ da cidade. Um auxiliar de escritório precisa apresentar diploma universitário, sabe-se lá de que faculdade, mas precisa. A pergunta que fica é: qual é a recompensa de se ter estudado para acabar fazendo telemarketing e ganhar tão pouco? Confirmando o que já está na nossa cultura de que o estudo não leva a nada.” “Tudo o que parece bom da imagem de São Paulo parece, na verdade, trazer um quê de ruim”, nota Comin. Um outro eixo da desigualdade estudado pelo CEM está nas chamadas redes de sociabilidade. “A pobreza tem uma dimensão territorial: pessoas pobres podem estar segregadas espacialmente, mas podem estar unidas espacialmente, combatendo exatamente esse efeito da segregação. A questão da desigualdade de acesso a políticas de sociabilidade faz indivíduos terem condições e futuros diferentes”, explica o sociólogo Eduardo Marques, do CEM.
A partir de mapas que mostram as redes de sociabilidade de indivíduos, Marques mostrou que essas relações com vizinhos, familiares, amigos, colegas etc. importam muito, acima de escolaridade e outros fatores, se o indivíduo está ou não empregado, a qualidade do emprego e a sua renda. A partir desses dados, o pesquisador formulou propostas para o Estado que poderiam aproveitar essa relação inevitável entre indivíduos e suas relações interpessoais, uma forma eficiente de auxiliar na hora de tentar encontrar emprego. Afinal, uma pesquisa de Nadya Guimarães feita junto a desempregados que procuravam trabalho em agências públicas e privadas revelou que 80% dos entrevistados conseguiram ocupação por meio de sua rede de amigos em outra ocasião em detrimento das agências (o que, é claro, não os impede de tentar os organismos como reforço). “Isso revela que pessoas
“No caso específico do emprego, o desenvolvimento de agências de emprego que disponibilizem informação integrada sobre trabalho, mas se localizem de forma radicalmente descentralizada nas comunidades, poderia auxiliar na redução do efeito do mecanismo da localização inicial do migrante e de entrada de jovens no mercado de trabalho, distribuindo mais equitativamente acessos a informações e estruturas relacionais pouco locais.”
MARCOS D’PAULA/AGÊNCIA ESTADO
Favor - Se o emprego ainda depende
com amigos têm muito mais chances de ter um emprego e, assim, ampliar a renda e, logo, diminuir a desigualdade, por meio de suas relações pessoais, mostrando que essas redes de relações são mais efetivas do que as políticas públicas”, analisa Marta. “O combate à pobreza não pode de forma alguma prescindir das políticas sociais tradicionais, assim como de políticas macroeconômicas que promovam empregos de boa qualidade e em grande quantidade. Mas dado que algumas redes apresentam padrões importantes de penetração no tecido relacional das comunidades, a sua integração às políticas do Estado pode ajudar a lhes dar maior resolubilidade, tanto fazendo as políticas chegarem aos seus usuários de forma mais precisa quanto ajudando a customizá-las, inclusive em termos de linguagem, mediando culturalmente as relações entre o Estado e as comunidades”, observa Marques.
daquela informação amiga de um amigo, a boa notícia está no terceiro eixo de pesquisas do seminário sobre os serviços públicos. “Se você pegar alguém numa situação bem difícil: ele está desempregado numa metrópole. Como estará a vida dele? Apesar de todas as dificuldades, hoje os filhos dele podem continuar na escola e ele continuará contando com os serviços de saúde. Tudo isso sem precisar de favores ou benesses de nenhum político”, conta Marta Arretche. “A situação dele numa metrópole, com certeza, é bem melhor do que se não estivesse nela.” Segundo a pesquisadora, as regiões metropolitanas não são os piores lugares do Brasil. “Classifiquei todas as cidades nacionais segundo essa perspectiva ampliada da pobreza que caracteriza os estudos do CEM: renda, saúde, educação e habitação. Todas foram classificadas segundo um índice que varia de 1 a 6, no qual 1 indica as cidades com melhor situação e 6 as cidades com a pior situação de renda e social. A grande maioria das cidades das regiões metropolitanas está entre 1 e 2, ou seja, entre aquelas com os melhores indicadores”, explica. Para ela, os principais problemas parecem ser as condições de mobilidade urbana, isto é, infraestrutura urbana e transporte. Outro dado positivo levantado por Nadya Guimarães é que 98% das pessoas nas grandes metrópoles (Rio, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo) têm acesso aos serviços públicos diretamente, o que indica a quase extinção do clientelismo nesse campo. Estudos comparados indicam que a desigualdade de acesso a serviços públicos no mundo
vem caindo, ao passo que a desigualdade de renda vem aumentando. “Nessa perspectiva, o Brasil parece estar seguindo uma trajetória particular, pois a democracia brasileira tem conseguido produzir redução da desigualdade de renda combinada à redução da desigualdade de acesso a serviços públicos”, pondera a diretora do CEM. A desigualdade também pede uma reflexão política, e não apenas econômica. “A expectativa da maior parte dos cientistas sociais no início da década de 1990 era de que o Estado brasileiro seria incapaz de atender às demandas da dívida social herdada do regime militar. A ampliação da participação política combinada à incapacidade do Estado para atender às demandas por integração social constituiriam uma séria ameaça à democracia”, diz Marta. “Essas expectativas se mostraram infundadas, pois a democracia brasileira tem revelado paulatina capacidade de incorporação social, ou seja, o Brasil está seguindo a trajetória clássica das democracias modernas nas quais a participação política cria oportunidades e incentivos institucionais para uma progressiva integração social das massas.” Foram as instituições políticas brasileiras que permitiram a incorporação do eleitorado e a entrada das demandas. “Inclusive das camadas mais baixas. Os governos que se seguiram à ditadura levaram cada vez mais adiante na agenda da redemocratização o resgate da dívida social deixada pela ditadura. Não há dúvida de que a concentração de renda e o acesso limitado das camadas mais baixas da sociedade tiveram origem na configuração de forças políticas e nas políticas públicas priorizadas pelos governos de plantão”, afirma a cientista política Argelina Figueiredo. “Desde a redemocratização nos anos 1980 esse quadro social começou a mudar e vem mudando com intensidade cada vez maior. A dimensão dessa mudança mostraria que ela foi significativa se compararmos com o timing de processos de mudança social equivalentes nos países hoje com democracia conn siderada ‘consolidada’.”
Carlos Haag
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resenha
A emissora de elite Estudo conta a história da Rádio Gazeta e seus programas Léa Vinocur Freitag
O
slogan “a emissora de elite”, que notabilizou a Rádio Gazeta, não se referia a uma elite econômica, mas cultural, transmitindo programas de auditório gratuitos e acessíveis. Como num conto de fada ou num sonho de ficção científica, no período de 1943 a 1960 a Rádio Gazeta dispôs de orquestra sinfônica, coral, conjunto de jazz, pianistas e cantores de nível internacional. Foi marcante a liderança de Cásper Líbero na direção da emissora. Por ocasião da inauguração, em 1943, as transmissões ainda eram realizadas no estúdio da Rádio Educadora, a primeira emissora de rádio regular de São Paulo, fundada em 1923. Essa rádio pioneira tinha ainda um caráter amadorístico e muito de sua história me foi narrada por minha mãe, Sonia Rosenberg, que lá teve seu primeiro trabalho, como secretária da diretoria, após se formar no Mackenzie. Referindo-se aos pilares da Rádio Gazeta, Guerrini analisa o papel de Souza Lima, “o príncipe dos pianistas brasileiros”, da programadora Vera Janacopulos e do maestro Armando Belardi. Souza Lima, discípulo de Chiaffarelli, teve a oportunidade de permanecer por 11 anos na Europa, estudando no Conservatório de Paris com Marguerite Long. Conviveu com grandes músicos, como Darius Milhaud, Jacques Ibert, Maurice Ravel e Nadia Boulanger. Sob a regência de Souza Lima, a Orquestra Sinfônica da Rádio Gazeta apresentou solistas como Yara Bernette, Adolfo Tabacow e Eunice de Conte, entre tantos outros intérpretes. Um dos programas emblemáticos da Rádio Gazeta, Música dos mestres, era apresentado de segunda a sábado, das 13 às 14 horas. Com programação de Vera Janacopulos, seu prefixo ficou gravado na memória dos ouvintes fiéis – Ária da corda sol, de Bach. Vera Janacopulos (1896-1955) nasceu em Petrópolis e viajou com a família para
A elite no ar Óperas, concertos e sinfonias na Rádio Gazeta de São Paulo (1943-1960) Irineu Guerrini Jr. Editora Terceira Margem e FAPESP, 2009 208 páginas R$ 38,00
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a França com 4 anos. Além de interpretar autores franceses, aperfeiçoou-se em música alemã com Lili Lehmann e radicou-se em São Paulo em 1940, atuando na Rádio Gazeta durante oito anos. Apresentou-se no Brasil e no exterior, convivendo com grandes compositores e interpretando suas obras (Stravinsky, Prokofiev, De Falla, Fauré, Milhaud). As mais ilustres discípulas de Vera Janacopulos em São Paulo foram Magdalena Lébeis e Celina Sampaio. Desta última recebi os ensinamentos da escola de Vera Janacopulos, que buscava o aperfeiçoamento da dicção. Esses “segredos” da arte do canto me foram transmitidos por Celina Sampaio (1909-1974), assistente de Vera Janacopulos, que se apresentava na Gazeta, sob a regência de Armando Belardi. O maestro, nascido em São Paulo, em 1900, substituiu Souza Lima no cargo de diretor artístico da Gazeta, onde se destacou em três programas: Cortina lírica, Grande soirée de gala e Teatro de opereta. Belardi diplomou-se na Itália e contrastava com as figuras de Souza Lima e Vera Janacopulos. Enquanto esses tinham uma formação mais requintada, Belardi manifestava um gosto musical mais restrito e conservador, atuando na Gazeta até 1960. Em entrevista para O Estado Belardi nos deu a sua versão sobre a decadência do gênero lírico: “Quando o elenco de uma ópera vinha de navio, treinava em conjunto durante a viagem. Com o advento do avião, cada cantor chegava de um lugar diferente e todos se encontravam na véspera, com pouco tempo de entrosamento nos ensaios. A elite no ar transcreve depoimentos de Nilceia Baroncelli, Rosinha Spiewak Brener, Eduardo Escalante, Mário Fanucchi, Walter Lourenção, Júlio Medaglia, Niza de Castro Tank, Gilberto Tinetti, entre muitos outros. São numerosos os artistas de renome internacional que participaram da Rádio Gazeta, como Villa-Lobos, Eleazar de Carvalho, Jacques Klein, Sebastian Benda, Fritz Yank, Anna Stella Schic, Agnes Ayres. Aliás, o livro ficaria mais completo com um índice onomástico. A obra revela a formação sólida de Irineu Guerrini Jr. em áreas teóricas e práticas. Doutor pela USP, professor universitário, autor de vários livros, foi produtor, diretor e apresentador da BBC, em Londres. Léa Vinocur Freitag é professora titular pela Escola de Comunicações e Artes (USP), doutora em ciências sociais (USP), realizou gravações de canto para a Rádio USP e Rádio Cultura. Participou de júris na Rádio France.
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livros
A ralé brasileira: quem é e como vive
O encontro de Joaquim Nabuco com a política
Jessé Souza Editora UFMG 483 páginas, R$ 59,00
Marco Aurélio Nogueira Editora Paz e Terra 334 páginas, R$ 48,00
A “novelização da política”, com os escândalos que se repetem, e a percepção redutoramente economicista do mundo – elementos principais do empobrecido debate político brasileiro – são desconstruídas por Jessé Souza. Neste livro, ele pretende analisar a classe de excluídos “enquanto classe” e avaliar o Brasil moderno como sociedade e não pelo tamanho do seu PIB.
Publicado originalmente em 1984 com o título As desventuras do liberalismo, este livro é referência nos estudos sobre as ideias políticas no Brasil e sobre Joaquim Nabuco em particular. Agora em sua segunda edição, Marco Aurélio Nogueira apresenta um caminho para a história e a biografia pessoal, explorando sob diferentes ângulos a personalidade política e intelectual de Nabuco, um progressista líder da Abolição e conservador na defesa da Monarquia.
Editora UFMG (31) 3409-4650 www.editora.ufmg.com.br
Educando corpos e criando a nação Maurício Parada Editora Apicuri/Editora PUC-RJ 248 páginas, R$ 42,00
Maurício Parada faz uma análise da “cultura cívica” do Estado Novo brasileiro. Um estudo sobre a produção, a divulgação e a circulação dos valores públicos que o Estado autoritário queria tornar consensuais entre a população nacional. O livro analisa algumas cerimônias cívicas deste período voltadas para a juventude e indica a necessidade de uma política cultural intensa como parte do exercício do poder para os regimes autoritários. Editora Apicuri (21) 2533-7917 www.apicuri.com.br
Política externa e poder militar no Brasil
fotos Eduardo Cesar
João Paulo Soares Alsina Júnior Editora FGV 160 páginas, R$ 17,00
Editora Paz e Terra (11) 3337-8399 www.pazeterra.com.br
Retratos do estrangeiro: identidade brasileira, subjetividade e emoção Claudia Barcellos Rezende Editora FGV 128 páginas, R$ 26,00
A antropóloga Claudia Barcellos mergulha na experiência pessoal de estudantes brasileiros que foram estudar no exterior, descobrindo em suas emoções e vivências cotidianas pistas para o estudo da identidade nacional. Movendo-se entre o discurso dos entrevistados e os clássicos do pensamento nacional, a autora se debruça sobre a rede de significados, símbolos e estereótipos do que é ser brasileiro, oferecendo um interessante olhar sobre o tema. Editora FGV (21) 3799-4427 www.fgv.br/editora
Imagens do sagrado
O Brasil precisa de uma política de defesa? Para que fins? Neste livro o autor busca oferecer respostas para estas e outras perguntas, vistas como centrais ao debate político e acadêmico sobre este tema, além de traçar cenários futuros para o Brasil e refletir sobre os desafios para uma política de defesa.
Fernando de Tacca Editora Unicamp/Imprensa Oficial 200 páginas, R$ 40,00
Editora FGV (21) 3799-4427 www.fgv.br/editora
Imprensa Oficial (11) 5013-5108 www.imprensaoficial.com.br
O livro trata do embate midiático de imagens do candomblé publicadas nas revistas O Cruzeiro e Paris Match em 1951. Fernando de Tacca analisa o fato midiático em relação à documentação fotográfica do ritual.
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