DESCOBRIDORES PROCURAM RESPOSTAS ONDE ELAS AINDA NAO EXISTEM.
-
Somos descobridores. E são as perguntas que nos movem: Como produzir e preservar o meio ambiente? Como usar os recursos de forma cada vez mais sustentável? Como reaproveitar a água em nossos processos? São perguntas assim que nos fazemos todos os dias, pois são elas que nos fazem crescer e evoluir. Quando começamos a explorar minério de ferro, nos anos 1940 em Minas Gerais, os blocos de minério eram quebrados com marretas e transportados em carroças. Investindo em inovação e pesquisa, a Vale se transformou e, hoje, é uma referência mundial em novas tecnologias. Como descobridores, nós vamos continuar fazendo perguntas. Porque são elas que nos fazem ir mais longe. Hoje e amanhã. Vale. Não existe futuro sem mineração. E não existe mineração sem pensar no futuro.
VALE
IMAGEM DO MÊS
Artéria
sobre a rocha O que parece ser uma pincelada de tinta vermelha numa superfície áspera é a luz do Sol refletida em nuvens bai xas entre as províncias canadenses de Alberta e Colúmbia Britânica. A imagem integra a cole ção Earth as Art. com paisagens dos satélites Landsat selecionadas por seu valor artístico pela USGS, a agência geológica dos Estados Unidos.
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 3
l78
I
DEZEMBRO 2010
SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 22 ESTRATÉGIAS 38 LABORATÓRIO 62 LINHA DE PRODUÇÃO 92 RESENHA 93 LIVROS 94 FIC ÇÃO 97 CLASSIFICADOS
WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR
POLiiJCA CIENTiFICA E TECNOLÓGICA CAPA 16 Conferência de Nagoya supera impasse sobre partilha de benefícios da biodiversidade
28 INDICADORES Relatório da Unesco mostra que mais países, Brasil inclusive, ganham peso na ciência global
ENTREVISTA 10 Artista plástica Regina Silveira revela poder da arte pública cobrindo o Masp de azul
CAPA FABIO COLOMBINI / MZUSP PENAS DE SAÍRA-PARAÍSO
(TANGARA CHILENSIS)
30 Empresas inovam mais, mas contratam menos pesquisadores, mostra Pintec
34 INTERNACIO~ALIZAÇÃO Federal de São Carlos atrai estrangeiros para pesquisa em engenharia de materiais
ClÊNCJA 4 MEDICINA Medicamento usado no tratamento do lúpus prejudica a fertilidade
46 GENÉTICA Cães assintomáticos podem ter genes que os protegem da distrofia muscular
66
48 ECOLOGIA Com vida média de 400 anos, araucária se recupera rapidamente em áreas desmatadas
54 MATEMÁTICA Uma mesma estrutura de códigos une sequências de DNA e comunicação digital
58 ASTROFÍSICA 50 GEOLOGIA Tremores recorrentes ajudaram a moldar o relevo nordestino
Fusão de galáxias expulsa buraco negro de seu núcleo
TECNOLOGiA
HUMANWADES
66 0UÍMICA
78 ARQUITETURA
Algas podem ser aplicadas na limpeza de áreas contaminadas
72 EMPREENDEDORISMO Empresa presta serviços de consultaria e sequenciamento genético
75 COMPUTAÇÃO Máquina absorve conhecimento de forma contínua
·I
A trama urbana paulista foi criada pelos "saberes técnicos e eruditos"
84 ANTROPOLOGIA Estudo investiga o que os musicais representaram para o país
88 SOCIOLOGIA Pesquisa feita nos EUA revela riqueza cultural soteropolitana
FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMPRESA QUE APOIA A CIÊNCIA BRASILEIRA
CELSO LAF"ER PRESIDENTE
CONSELHO SUPERIOR CELSO LAF"ER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAF"ER PI VA, HERMAN JACO BUS CORNELIS VOORWALD, MARIA JOSt SOARES MENDES GIANNINI, JOSt DE SOUZA MARTINS, JOSt TADEU JORGE, LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SAMPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKANO
BiOLAB
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO RICARDO RENZO BRENTANI OIRETOR PRESIDENTE CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CIENTffiCO
FARMACÊUTICA
JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO
CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COOF?DENADOR CIENT{F/CO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, JOSt ROBERTO PARRA, LUIS AUGUSTO BARBOSA CORTEZ, LUIS FERNANDES LOPEZ, MARIE-ANNE VAN SLUYS, MÁRIO JOSt ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO RENZO BRENTANI, StRGIO QUEIROZ, WAGNER DO AMARAL, WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEfE NELDSON MARCOLIN EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRICIO MARQUES (POL{T/CA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CitNCIA)
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EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS PIVETTA ([OIÇA O ON-L/N[) EDITORAS ASSISTENTES DINORAH ERENO, MARIA GUIMARÃES REVISÃO MÁRCIO GUIMARÃES DE ARAÚJO, MARGO NEGRO
Cangaço colorido
EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COORDENAÇAO) ARTE MARIA CEC ILIA FELLI E JÚLIA CHEREM RODRIGUES FOTÓGRAFO EDUARDO CESAR WEBMASTER SOLON MACEDONIA SOARES SECRETARIA DA REDAÇÃO ANDRESSA MATIAS COLABORADORES ANA LIMA, ANDRt SERRADAS (BANCO DE DADOS), OANIELLE MACIEL FABIO COLOMBINI, FERNANDA CIRENZA, FRANCISCO BICUDO, GABRIEL BIT AR, GUILHERME KUJAWSKI, GUILHERME LEPCA, JOSEUA AGUIAR, LA ILA TERRA, LAURABEATRIZ, NANA LAHOZ E YURI VASCONCELOS
Excelente a matéria ''A cor que invadiu o sertão" (edição 176) sobre a estética do cangaço. Lampião e seus homens vestiam-se com roupas e adereços de cores alegres e vistosas, chamativas como um sinal de advertência, o que é próprio das cores aposemáticas.
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PAULO MANAF
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6 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
Royal Society A respeito da reportagem "O ouro da sabedoria" (edição 177), gostaria de fazer algumas considerações: 1) muito antes da Royal Society, a primeira academia científica do mundo foi a italiana Accademia dei Lincei, de Roma, fundada em 1603 por Federico Cesi, Francesco Stelluti e outros cientistas da época. Entre seus sócios ilustres certamente se encontrava Galileu; 2) Galileu Galilei morreu em 1647, muito antes da criação da Accademia dei Cimento. A referida academia foi
fundada por discípulos de Galileu. Sinto falta, enfim, de reportagens na revista sobre o pioneirismo absoluto da Itália na história da ciência. Nomes como Francesco Redi (um dos pais da biologia moderna) e o próprio Galileu raramente fazem parte das edições. SÉRGIO MAURO
FCL/Unesp Araraquara, SP
Nota da redação: Na reportagem é dito que a Royal Society foi uma das pioneiras, não a primeira. Sobre a Accademia del Cimento, de fato erramos: ela foi criada por discípulos de Galileu, e não por ele.
Correção Na aquarela de Zacharias Wagner Residência de S. Excia., que ilustra a reportagem "A luneta no telhado" (edição 177), o crédito correto é: KupferstichKabinett, Staatliche Kunstsammlungen Dresden.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e·mail carta s@fa pesp.br ou para a rua Joaquim Antunes, 727 · 100 andar - CEP 05415-012 - Pinheiros São Paulo, SP. As ca rta s poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
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l A vitória do improvável MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO
lo editor de política científica Brasil inteiro mantinha a AConferência de e tecnológica, Fabrício Maratenção no segundo turno ques, detalha e explica a partir das eleições presidenciais, Nagoya conseguiu da página 16 os resultados da enquanto um acordo surpreenConferência das Partes e mosdente para a proteção da diversuperar impasses tra como foi possível vencer ali sidade de espécies e dos recurimpasses que se arrastavam há sos genéticos de plantas, anique se arrastavam quase duas décadas. mais e microrganismos era Na ciência, quero destacar assinado no dia 29 de outubro, uma reportagem elaborada por em Nagoya, Japão, pelas delehá quase duas um de nossos colaboradores, gações de 193 países reunidas o jornalista Francisco Bicudo, na 10• Conferência das Partes décadas na agenda sobre um assunto raramente da Convenção sobre Diversidivulgado: a incidência do lúdade Biológica, convocada peambiental pus eritematoso sistêmico enla ONU. Terá sido em parte por tre adolescentes e os efeitos que essa coincidência no calendário essa doença produz na vida, que pouco repercutiu na mídia inclusive na sexualidade, dos nacional a improvável vitória garotos e garotas que acomete (página 42) . Esse colhida pelo mundo inteiro em Nagoya- e com uma ajuda não desprezível do Brasil, registre-se, grupo representa cerca de 20% dos pacientes com lúpus. Sugiro também leitura atenta, na que à frente de um grupo de 17 países megatecnologia, da reportagem da editora assistendiversos teve papel importante no desfecho da te Dinorah Ereno sobre o potencial das algas conferência. marinhas na limpeza de áreas contaminadas, O consenso obtido com essa mãozinha em protetores solares e novos fármacos (página brasileira sobre questões extremamente polê66). Na seção de humanidades vale um destamicas para a diplomacia internacional, como a que para a reportagem do editor, Carlos Haag, soberania de cada país em relação aos recursos sobre pesquisa histórica que mostra como o genéticos de sua biodiversidade ou a necessidade saber erudito de técnicos e autoridades, além do consentimento explícito de cada um deles de responsável pelas mudanças urbanas ocorpara o acesso a essa biodiversidade, já justificava ridas em São Paulo entre 1890 e 1950, marcou por si a escolha do tema para a capa de Pesquisa profundamente a relação entre poder público e FAPESP. E a reforçou o fato de estar prevista interesses do capital privado, determinante na uma conferência científica em Bragança Paulista configuração de seu espaço urbano. Gostaria, (SP), de 11 a 15 de dezembro, agendada pelo por fim, de recomendar a entrevista da artisprograma Biota-FAPESP,Academia Brasileira de ta plástica Regina Silveira, um extraordinário Ciências e Sociedade Brasileira para o Progresso mergulho em seus percursos, nas muitas luzes da Ciência, para discutir, entre outros temas, as e sombras de seu caminho e de suas pesquisas metas estabelecidas em Nagoya e os meios de o estéticas, em sua coragem de desmontar códigos Brasil alcançá-las. Aliás, debatê-las com vários tradicionais para inventar novos e entregar-se dos negociadores do acordo no Japão. Assim, a a curiosidades radicais. reportagem de capa desta edição, assinada pe-
O
PESQUISA F'APESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 7
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Para conhecer o mar Há 60 anos era realizada a primeira expedição oceanográfica brasileira, com Wladimir Besnard NELDSON MARCOLIN
Besnard rumo à ilha da Trindade, em 1950
ma ilha rochosa, de origem vulcânica e nove quilômetros quadrados de área foi o destino final de dois navios em maio de 1950, com 50 pessoas a bordo, 30 delas pesquisadores. Todos participavam da primeira expedição oceanográfica brasileira, organizada pelo governo federal, que visitou a ilha da Trindade, o ponto mais a leste do tenitório brasileiro, a 1.180 km de Vitória, no litoral do Espírito Santo. A meta era realizar estudos para a construção de uma base aeronaval e começar a conhecer melhor a região menos pesquisada do Brasil: o mar, que banha seus 8,5 mil quilômetros de costa. Na expedição, Wladimir Besnard encarregou-se das pesquisas oceanográficas, juntamente com João Capistrano Raja Gabaglia. Para Besnard (1890-1960), russo de São Petersburgo que adotou a cidadania francesa, aquilo não era novidade. Ele se graduou em ciências naturais e se especializou em anatomia comparada e biologia geral pelo Instituto de Anatomia Comparada de Moscou. No período em que trabalhou na França, entre 1920 e 1945, optou pelos estudos oceanográficos, quando fez pesquisas no mar de Mármara e em outras regiões de pesca intensa da Turquia. Trabalhou no Museu de História Natural de Paris e criou aquários na Dinamarca e Índia.
Besnard (esq.) e embarcação chegando à Trindade, em foto do próprio cientista
Realizou numerosas viagens de estudo pelo mundo, quase sempre ligadas à oceanografia e à pesca. Besnard foi indicado pelo antropólogo Paul Rivet e pelo biólogo marinho Louis Fage, ambos franceses, para dirigir o recém-criado Instituto Paulista de Oceanografia em 1946. "Ele deve ter avaliado a grande contribuição que poderia dar em um país com uma costa tão grande quanto a nossa e com pouca tradição na indústria do pescado, já que também era um especialista no processamento industrial de peixe", acredita Elisabete Braga Saraiva,
pesquisadora do Instituto Oceanográfico (IO) da Universidade de São Paulo (USP) e diretora do Museu de Ciências da USP. "Ele foi o responsável pela introdução e desenvolvimento da oceanografia no país durante os 13 anos que viveu aqui." Também fotógrafo e inventor, Besnard instalou as bases de pesquisas em Cananeia e Ubatuba e escreveu textos de divulgação científica. Em 1950 criou o
Pesquisador passou 13 anos no Brasil, onde morreu, e lançou as bases dos estudos oceanográficos no país
Boletim do Instituto Paulista de Oceanografia,
transformado em boletim do IO, em seguida na Revista Brasileira
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Sonda inventada por Besnard para ser usada em navios de pesquisa
de Oceanografia (1996) e, por fim, em Brazilian fournal of Oceanography
(2004) . Quando o instituto foi absorvido pela USP, em 1951, ele continuou como seu diretor. Os 120 anos de nascimento de Besnard, os 60 anos da primeira expedição e da criação da revista e os 50 anos da atuação da Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI-Unesco), todos comemorados em 2010, motivaram a realização de vários eventos. Elisabete
é a curadora de uma exposição sobre Besnard, uma das quatro mostras com fotografias históricas que podem ser visitadas no IO até dezembro - as outras três são a da COI, do programa antártico brasileiro (realizada pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar) e a da Antártica, do Museu Oceanográfico do IO. O diretor do instituto, Michel Michaelovich de Mahiques, lançou o livro Prof Wladimir Besnard (IO-USP). Em novembro houve, ainda, um fórum de discussão sobre o mar e a relação entre os pesquisadores, organizações não governamentais, população costeira e governo. "A ideia foi abrir um canal maior de comunicação entre a comunidade científica oceanográfica e quem usa as informações fornecidas por ela", diz Alexander Turra, docente do IO. "Queremos também estar mais articulados para participar das decisões nacionais e internacionais que envolvam oceanografia e meio ambiente."
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ReQina Silveira
A mágica das sombras Artista plástica revela poder da arte pública cobrindo o Masp de azul CARLOS HAAG
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m 1962, a artista intermídia Regina Silveira estudava com Iberê Camargo ( 1914-1994), em sua Porto Alegre natal. Iberê controlava cada um dos alunos da sala com olhos de águia. Ao lado de Regina, uma colega delicadamente pintava com um caríssimo pincel de pelo de marta. "Aquilo ia incomodando o Iberê cada vez mais até que ele não se conteve, tirou o pincel da mão da Maria, disse que pintura não era aquilo e jogou o pincel com força pela janela. Ficamos paralisados vendo o pincel cair em cima de um bonde em movimento", lembra Regina. "Aí, ele pediu um pincel largo, de pelo duro, e espremeu inteiramente todos os tubos de tinta da Maria na palheta dela. Ali mesmo, de pé, pintou em cima do que ela havia feito, com grandes pinceladas grossas de tinta." Em poucos minutos, diz Regina, a pintura se transformou e o resultado foi maravilhoso. "Nunca mais esqueci o pincel voando janela afora", fala a artista. A partir de então, foi surgindo a criadora irrequieta, curiosa, que se pauta pela investigação poética e pela liberdade, numa atitude de constante questionamento de tudo o que é tradicional ou consolidado na arte. "O artista não coloca soluções, ele coloca perguntas e pode também provocar tensão", explica ela. Daí a sua intensa circulação pelos meios artísticos mais diversos, da fotografia à pintura, passando pela arte postal e pela intervenção sobre a arquitetura das cidades. Regina se interessa tanto pela subversão dos sistemas de perspectiva quanto pela representação de sombras criadas sem que se revele o elemento causador. Desde os anos 1990 passa a intervir no espaço urbano. A criação mais recente, Tramazul, pode ser vista na avenida Paulista até janeiro de 2011. Regina transformou a "caixa" do Museu de Arte Moderna de São Paulo (Masp) num grande diagrama de bordado de um céu azul. "Vejo com satisfação a saída dos espaços sacralizados da arte para o espaço da manifestação de rua, numa relação mais próxima com o público." Pintora, desenhista, gravadora, artista gráfica, Regina também é professora aposentada do Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP e valoriza a experiência acadêmica. "Só pude produzir obras e projetos experimentais graças à bolsas de pesquisa de órgãos como a FAPESP." Ano que vem, a Edusp lança O outro lado da imagem: a poética de Regina Silveira, do crítico espanhol Adolfo Montejo Navas. Leia a seguir trechos da entrevista de Regina Silveira para Pesquisa FAPESP.
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• O autor clássico Plínio, o Velho (23
d.C.-79 d.C.), define a linguagem pictórica como uma sombra, "a marca deixada no muro por um amante que partiu': Isso tem muito a ver com a sua arte, não é? - Nesta metáfora sobre a origem da pintura, quase poesia, a interpretação não é tão simples. A primeira imagem ou a representação pictórica original não seria exatamente uma cópia, um registro direto do real: é mais complexa do que isto. Aquele gesto amoroso- e disciplinado- de fixar uma sombra do real, que em si não é uma imagem, mas um vestígio e um signo de ausência, por meio de um contorno abstrato (Leonardo já alertava que os contornos não existem na realidade) torna a metáfora de Plínio, o Velho, muito mais intrincada. Nada a ver com o aparecimento das imagens nas diversas culturas, mas certamente com o alto poder de provocar a imaginação para outras considerações sobre a relação entre o real e as imagens - e também, inversamente, ao menos para mim, sobre a função das imagens no real. De qualquer forma, silhuetas são representações em seu estado mais básico e rudimentar. Por que e quando comecei a me interessar por elas? O porquê está ligado a ambiguidade e mistério que há
muito tempo eu encontro neste tipo de imagens. As silhuetas parecem simples, quando pensamos apenas em contornos preenchidos e escuros- mas elas são na verdade muito ambíguas e se prestam a diversas fantasmagorias. As silhuetas sombreadas sempre permitiram jogos de imaginação extraordinários, secularmente, em diversas artes. As silhuetas querepresentam sombras conservam os dados de ausência que as sombras têm no real, onde elas não são imagens, mas signos ligados a uma origem, de que são vestígios e indícios, com implicações de tempo e memória. Para mim sempre foi do maior interesse a relação - mental e temporal - que as sombras manchem com seus referentes, presentes ou ausentes. Enfim, um vasto campo para operações poéticas, que quase sempre concebi em termos de substituições e distorções. Quando isto começa? Depois de trabalhar algum tempo com distorções de perspectiva, em imagens fotográficas que resolvia quase sempre só com contornos, como em Anamorfas (1980), fiz um conjunto de quatro fotogramas (Enigmas, 1981) em que recobri objetos fotografados com silhuetas (sombras) de outros objetos ausentes -para montar espécies de ideogramas visuais, com significados combinados e enigmáticos. Neste começo está também a série gráfica dos Dilatáveis (1981) em que as sombras silhuetadas eram proporcionalmente muito extensas em relação às pequenas imagens fotográficas de políticos, militares e executivos, que eu retirava de revistas e jornais do período. Nos anos seguintes as sombras e silhuetas cresceram e chegaram a ter proporções ambientais, como na instalação ln absentia MD na Bienal de São Paulo de 1983. • É notável esse seu amor pela arte da pintura após ter perdido a crença no meio por um bom tempo. - Foi no final dos anos 1960 que eu desacreditei da pintura, pelo menos nos termos daquela pintura que provinha de minha formação tradicional e que chegou a ganhar bastante- ou relativa - atualidade depois de algumas rupturas importantes causadas pelos cursos e a convivência com Iberê Camargo em Porto Alegre. O descrédito que me fez "perder o chão" e rever tudo quanto havia feito, além da consciência de que eu ainda era uma artista em formação, foi o efeito de minha primeira- e relativamente longa- viagem à Europa, quando encontrei manifestações de arte contem-
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porânea fundamentadas em poéticas e meios totalmente novos e diversos aos da pintura. Naturalmente eu também via os originais das pinturas históricas, coisa longamente sonhada, mas conviver com aquela arte contemporânea se fazendo, ver, ouvir e debater ideias totalmente novas com artistas de minha geração foi uma espécie de tratamento de choque, que ainda por cima se dava numa cena artística já dominada pela contracultura do final daquela década. Voltei ao Brasil transformada, mas também tive que refletir muito depois disso para dar novas direções ao meu trabalho ... Possivelmente este é o início de minha curiosidade pelos meios de produção de imagens e a origem do hibridismo que caracteriza meu trabalho. Entretanto não é verdade que não goste de pintura e de pintores. Muito pelo contrário: a pintura é parte essencial das boas misturas da contemporaneidade. Para mim, os pintores mais interessantes, como Richter, Polke e tantos outros, são os que trabalham com a consciência da diversidade dos meios e linguagens, operando ecleticamente um "embaralhamento" dos códigos, inclusive os pictóricos, dentro da noção de que "tudo está feito".
• A senhora sempre teve uma inquietação crítica sobre a representação, o que chama de "desartificação': Como é isso? -Sempre tive interesse pelos modos de constituição das representações visuais, num sentido reflexivo, quero dizer, um interesse em produzir representações que olhem para si mesmas, mas sem formalismos. Na cena conceituai dos anos 1970, quando a maioria das imagens que circulavam nos circuitos alternativos fora de galerias e museus - eram fotos, vídeos e documentos que entravam em publicações e exposições alternativas, muitas vezes distribuídos de mão em mão, a sintaxe deveria ser "seca": nada de autografia. Estavam banidos os recursos das técnicas artísticas de impressão! As técnicas tradicionais da gravura eram demasiado "artísticas" para o trânsito de ideias e visualidades conceituais. O que se perseguia era a secura dos meios gráficos industriais, sem "manualidades", para a produção de uma visualidade mais adequada aos conteúdos conceituais- para produzir tipos de imagens que antes eu pude qualificar como "desartitificadas". Até a fotografia tinha esta visualidade seca, sem preciosismos técnicos. Nesses anos, eu optei por uma gráfica híbrida, que dispensava a "marca da mão" e mis-
turava procedimentos da gráfica industrial com os da gravura tradicional. De um lado me mantinha próxima das técnicas tradicionais da gravura, até mesmo porque ensinar gravura foi uma atividade consistente em meu percurso acadêmico. Do outro, eu lançava mão de tudo o que o campo da gráfica industrial podia oferecer como recurso que interessasse a minha linguagem e ampliasse meus instrumentos de produção. Este "tudo" era o mais amplo possível, e sem medo da mistura: do lado da gravura tradicional estava a preferência pela serigrafia e litografia, porque admitiam com mais facilidade hibridizar-se com a fotografia e congêneres; do outro lado, uma variedade gráfica inclusiva, sem preconceitos, passando por uma constelação de possibilidades de impressão- artísticas e nem tanto. Esta curiosidade permanente pelos meios, que persiste, por si só há muito tempo teria contribuído para me tornar uma "especialista" em qualquer deles, embrenhada em possibilidades técnicas dia a dia mais complexas, e deixando a poética cada vez mais na distância. Quero crer que em mim esta liberdade quanto ao uso dos meios deriva de minha prática artística, há muito tempo sustentada por uma reflexão continuada- feita mais de perguntas que de respostas -sobre a natureza das imagens e da representação visual. Nunca tomei imagens e representações visuais como "naturalidade", mas como artifício radical, capaz de mediar magicamente entre o real e o percebido -os meios são simplesmente as estratégias para encaminhar melhor as ideias e intenções, constituição e aparência.
• Manipular códigos tradicionais é uma parte importante do seu trabalho. Como se dá essa "conversa" entre real e artifício? -A desmontagem dos códigos tradicionais foi- e possivelmente continua sendo - minha armadilha preferida. Só podia ir por aí depois de minha formação tão tradicional em que o desenho é um saber que precede e prepara para a pintura, em que o artista necessita desenhar diariamente para "soltar a mão", em que a gravura é uma arte menor, os estilemas da arquitetura devem ser diligentemente copiados em pranchas e se acredita que sem se conhecer anatomia não se pode representar o corpo humano e seus movimentos. No capítulo seguinte, já no campo profissional, encontrei outras barreiras para demolir: a que diz que fotografia não é arte, que a "artisticidade" requer a marca da mão, que ar-
A desmontagem dos códigos tradicionais continua sendo minha armadilha preferida
te é pura expressão, e assim por diante. Foi um prazer quando compreendi que a perspectiva, a geometria e também a ótica, sistemas rigorosos para apreensão, entendimento e representação do mundo visual, em função de proporcionar visualidades "corretas" e científicas, podiam ser instrumentos para sonhar e realizar distorções e fantasmagorias, sem abdicar nenhuma parcela do maior rigor. Um salto poético, em favor da mágica e dos enigmas da visualidade, o rigor como armadilha. A operação de desmontagem de códigos tradicionais está mais evidente em meu percurso e o uso extenso que fiz das deformações geométricas de figuras e sombras, para distorcer imagens "normais". A desmontagem também está na base de todos aqueles desenhos arquitetônicos dos anos 1990 em que distorci imagens quase funcionais para a construção de interiores em espaços paradoxais, pela aplicação de compressões e convergências vindas de pontos de fuga estranhos a sua construção original, em perspectiva paralela. Quando eles ganharam escala real, em obras como Graphos e Apartamento, a armadilha era o abismo virtual enxertado no espaço da percepção. Para que a desmontagem dos códigos tradicionais se exerça é preciso "estar por dentro" dos códigos, sem dúvida, mas não para colocá-los em uso e, sim, para "puxar o tapete" das certezas do espectador.
• Isso também se reflete no seu interesse em mexer com a perspectiva, que "organiza" o mundo para o espectador. É uma forma de evitar a leitura "mecânica" da arte?
-Que a perspectiva teve como propósito organizar visualidades como correlatos científicos do mundo visual, não há a menor dúvida, assim como não é possível negar que a estruturação geométrica do espaço proporcionada por este sistema é detectável em toda a cadeia ilusionista, não só em pinturas mas também nas imagens em movimento e nos simulacros do mundo digital. Nos anos 1970, quando eu estudava a natureza codificada das imagens ilusionistas em pinturas e fotografias, tentando entender o próprio encaminhamento do meu trabalho, foi quase inevitável encontrar a perspectiva como estrutura fundante das imagens fotográficas da cidade que utilizava nas Destruturas urbanas, uma série de serigrafias que imprimi então. A princípio, eu pensava que as malhas perspectivadas que sobrepunha a fotos da cidade (São Paulo) para criar compartimentações de muitos tipos se constituíam numa interferência similar à que havia feito em trabalhos imediatamente anteriores, quando sobrepunha imagens de lixo e de cemitérios de carros a cenas urbanas muito semelhantes, extraídas de cartões-postais comerciais. Eu estava mesmo pronta a dar o nome de "Interferências" àquela nova série de serigrafias quando percebi que a interferência neste caso era puramente semântica, já que a visualidade das fotos estava totalmente harmonizada com a perspectiva das malhas gráficas que eu sobrepunha. Por isso chamei a série de Destruturas, aliás, um título "emprestado" pelo poeta Augusto de Campos, quando viu as serigrafias. Quando tomei o partido de construir visualidades deformadas e espaços vertiginosos, a perspectiva foi de novo fundamental- já não aquele sistema gráfico convencional, com normas e limites de adequação, mas o tipo de perspectiva que se gera fora destes limites, para produzir anamorfoses, representações curvilíneas e enigmas visuais. Este foi o campo mais livre e imaginativo e sem compromissos com uma suposta "verdade visual" que provocou a minha imaginação. Também provocaria muitos outros artistas antes de mim, todos "inspiradores" encabeçados por Duchamp. Comecei a querer entender a afirmação feita por ele quando dava início às obras que comporiam a constelação do Grande vidro de que resgatar a perspectiva seria devolver à pintura a inteligência que essa havia perdido! Vamos dizer que me "senti em casa" e muito confortável com esta perspectiva de aparência PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 13
rigorosa, mas que era na verdade um suporte geométrico para produzirdesvios, paradoxos e fantasmagorias por um tipo de transgressão apoiado nos próprios componentes tradicionais do sistema: pontos de vista (um ou vários), distância, pontos e linhas de fuga, linha de Terra e linha de horizonte. • A "curiosidade" é uma força motriz fundamental para o artista?
- Se a curiosidade é importante para o artista? Eu acho fundamental, mas sem que a atitude curiosa fique restrita ao uso dos meios. Penso a curiosidade num sentido muito amplo: curiosidade para perceber, conhecer, estar no mundo. Quase uma ação: o oposto de se instalar no conhecido, balizado e sem risco. Já em relação aos meios, no passado sempre defendi esta curiosidade em oposição ao que chamava de "artista especialista", aquele focado em apenas um meio tradicional: gravador, pintor, escultor. É preciso entender que o contexto dessas minhas afetações se localizava com alguma precisão: ou na minha vivência dos anos conceituais, quando implodiram e se misturaram tantas categorias tradicionais; ou nos ambientes da gravura, meu principal campo de trabalho no ensino, onde se falava mais de técnica que de arte. O que sempre apreciei foi o não especialista, com desempenho forte na linguagem, não importa o meio. Essas considerações parecem que hoje perderam força, porque a cena já mudou e as práticas artísticas têm limites fluidos: os meios dialogam, totalmente hibridizados, como se esperava. Mas na verdade continuo apreensiva, agora com o especialista na novidade técnica, a outra praga que muitas vezes se instala nos terrenos da arte e tecnologia, neste caso a curiosidade pelos meios fica em alta, mas no vazio, quando o poético passa para um segundo plano. • Há hoje uma perda da vitalidade do "cubo branco'; as galerias e museus?
- Se falamos apenas dos espaços protegidos da arte, dizer que o "cubo branco" perdeu a vitalidade é uma afirmação difícil de provar. Nunca os museus no mundo foram tão visitados e uma das funções dos museus do futuro é justamente a de prover o ambiente de arte como entertainment, e isto já está acontecendo. Ao mesmo tempo, os lugares protegidos da arte, os espaços neutros (brancos) do antigo Modernismo, em isolamento magnífico para 14 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
• Como fica a distância entre o público comum e a arte contemporânea?
Penso a curiosidade num sentido muito amplo: curiosidade para perceber, conhecer, estar no mundo
um repertório especializado, esses não estão mais tanto à vista depois que os espaços da arte passaram a se constituir como arquiteturas/arte, de grande protagonismo. A ponto, aliás, de causar problemas para receber a própria arte. O que, sim, é mais consistente em relação à perda de vitalidade do "cubo branco" é a vitalidade crescente de manifestações fora dos espaços protegidos da arte, algumas vezes em espaços públicos, feitas por artistas individuais ou, muitas vezes, reunidos em coletivas, com ações dirigidas a resultados mais conect9dos com a vida real. Está de volta a relação Arte= Vida, dos anos 1970, mas com outros componentes: ela também inclui a paisagem dos meios, composta pelas mídias eletrônicas e pela internet. Com tudo isto, o "cubo branco" é agora menos interessante do que os espaços não protegidos, como os da rua e da malha urbana. Terminou de fato, faz muito tempo, a linearidade de um mainstream que se deslocava de um "cubo branco" para outro. Na minha prática dos últimos anos, recobrindo arquiteturas e fazendo projeções noturnas que usam a cidade como suporte para deslocar imagens e "semantizar" lugares, meu maior gosto é poder contribuir para alguma transformação de experiência ou para alguma nova percepção, em termos puramente mágicos. E ter como alvo um público anônimo, do qual nem consigo aferir ressonâncias: um desafio.
-Proximidade ou distância? Depende da arte contemporânea e também depende do tipo de público. Aqui estamos falando de educação para a arte, um programa importante para instituições, órgãos públicos e escolas, e certamente falamos de hábitos e de contágio: ver a arte, estar exposto à arte. Diversas instituições brasileiras têm programas realmente exemplares e isto está melhorando em nível nacional, pelo menos em alguns centros maiores. Considero uma falácia pensar que um público comum só entende a arte do passado, porque os códigos já estariam internalizados, e, assim, consegue "ver", mas não entende a arte contemporânea, porque agride seu repertório, no sentido de que preferiria uma arte onde pudesse reconhecer representações e perceber narrativas. Nas experiências que tive ao longo do percurso como artista e educadora, que já é um bocado longo, com públicos diversos, adulto e infantil, com e sem repertório ou convivência com a arte, de profissões diversas e vindos de diferentes classes sociais, eu sempre pude encontrar uma grande permeabilidade e respostas muito compensadoras a propostas de arte bastante novas e radicais. Por que não se implica também poética e imaginação? Minha posição é que os signos envolvidos na arte contemporânea têm potencialidade de dar um acesso ao seu entendimento, porque não são históricos ou anacrônicos, mas estão em sincronia com o que aquele público experimenta, no seu tempo, vida e lugar. Além do mais, o mundo da arte contemporânea em muitos casos toca as fronteiras de outras áreas mais utilitárias, onde incluo até os meios de comunicação, com os quais a arte compartilha muitas vezes não apenas os signos, mas, algumas vezes, também meios e técnicas. Posso pensar que a convivência com essas outras áreas, entretecidas na vida prática, pode até estender algumas pontes que facilitem a compreensão das "estranhezas" da arte contemporânea. • Ser professora universitária e, ao mesmo tempo, ser transgressora e anti-institucional: como funciona essa dualidade?
- Pode parecer paradoxal, mas ser da academia e ser uma artista transgressora não foram para mim termos (ou atitudes) incompatíveis, em qualquer momento. A academia, pelo contrário,
foi um bom "nicho" para exercer minha liberdade de experimentar e transgredir. Em primeiro lugar, pude produzir muitas obras e projetas que foram realmente novos e experimentais, graças ao respaldo de bolsas de pesquisa, obtidas de órgãos de fomento à pesquisa, como a FAPESP e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Eu não teria tido a chance de arriscar, como fiz, se essas obras precisassem entrar nos canais do mercado de arte que, pelo menos no período, era incipiente e conservador. Foi muito mais enriquecedor tratar meus projetas como investigação e pergunta cujos fundamentos poéticos eu devia trazer à tona, formular e defender. Por outro lado, foi no contexto dos estudos de pós-graduação paralelos à carreira docente que pude desenvolver mais sistematicamente a reflexão que sustenta meu trabalho artístico e sempre foi no contato com os alunos que encontrei o melhor modo de me renovar, pela troca de ideias e experiências, especialmente com aqueles em que eu podia detectar as potencialidades que os tornariam os profissionais excelentes que hoje são.
• Qual é o poder das intervenções em espaços públicos como sua obra do Masp? -Das intervenções em espaços públicos, as que me parecem mais próximas das funções transformadoras que acredito que a arte deva ter, antes de qualquer coisa, são as que são efêmeras ou que têm um formato transitório, no sentido de provocar seu efeito e logo desaparecer. A arte pública permanente, mesmo a que não se propõe como "monumento", implica outras contingências e negociações - com diferentes graus de dificuldade- que envolvem seu significado e seu uso. De qualquer modo, efêmera ou permanente, a arte pública se situa no espaço da vida. Não vamos até ela: ela se instala, sem ser solicitada, no cotidiano de uma comunidade, que precisa conviver com ela, às vezes "para sempre", às vezes por um tempo estendido, ou até mesmo numa fração de minuto, se for uma "aparição". Nos últimos anos, tenho achado que as obras que não têm permanência são as mais efetivas e sempre procuro oportunidades para entrar neste terreno para mim tão instigante como o das obras que se relacionam a arquiteturas específicas. Neste caso, a cidade tem sido o suporte mais estendido, e também mais cambiante e fluido, para "enxertar" imagens projetadas, quase sempre em trânsito,
umas fixas, outras animadas, que incorporei, desde as projeções animadas a laser do super-herói que fiz "voar" em 1997 na avenida Paulista. Mas isso foi só depois que encontrei resistências e negativas para "adesivar" grandes moscas com suas sombras em empenas da mesma avenida para a exposição que celebrava os 50 anos da Bienal de São Paulo, em 2001. A solução da mosca luminosa de Transit, verdadeiramente em trânsito em um carro aberto pela própria Paulista e por percursos antes não imaginados em São Paulo, me mostrou como este tipo volátil de intervenção pública podia se misturar e combinar com o imaginário da cidade e tinha capacidade de suspender
e transformar, mesmo momentaneamente, os lugares que percorria. Um tipo de mágica pré-cinema. Nos últimos anos, estas projeções noturnas têm sido uma prática consistente, e também uma boa estratégia para "passear" por aí, mundo afora, imagens de moscas, super-heróis, palavras iluminadas e Ufos. As imagens miniaturizadas cabem dentro da bolsa, executadas ou gravadas em mídias como pequenas chapas metálicas ou suportes digitais, e é um encanto quando crescem e se tornam presenças iluminadas (ou fantasmas?). Ou quando instaladas em programas e equipamentos que hoje são comuns em toda parte, para espetáculos noturnos, eventos musicais e congêneres. • PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 15
Acordo inédito vence impasse sobre parti lha de benefícios da biodiversidade FABRÍCIO MARQUES
improvável aconteceu na cidade japonesa de Nagoya, no dia 29 de outubro, quando delegações de 193 países reunidas na 10a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD), convocada pela ONU, chegaram a um inédito acordo para a proteção da diversidade de espécies e dos recursos genéticos de plantas, animais e microrganismos. As medidas aprovadas em Nagoya vinculam-se a três frentes. A primeira, e a mais difícil de avançar, foi um protocolo sobre acesso e repartição de benefícios dos recursos genéticos da biodiversidade (ABS, na sigla em inglês). Ele estabelece que cada país é soberano sobre os recursos genéticos de sua biodiversidade e que o acesso a essa biodiversidade só poderá ser feito com o seu consentimento. Se a riqueza biológica levar ao desenvolvimento de um produto, os lucros deverão ser divididos com o país de origem, embora a forma de partilhar o dinheiro ainda precise ser definida. O segundo avanço foi a aprovação de um plano estratégico para o período 2011-2020, com metas para a redução da perda de biodiversidade. A porcentagem dos territórios a serem conservados foi ampliada. No caso das áreas terrestres, esse quinhão deverá ser de 17% até 2020- a meta anterior, não alcançada pela maioria dos países, era de 10%. No caso dos ecossistemas marinhos, as áreas protegidas deverão passar de 1% para 10%. Outra novidade importante foi a inclusão do valor da biodiversidade nas contas públicas dos países e a redução dos subsídios destinados a atividades consideradas prejudiciais à biodiversidade. O terceiro passo é o compromisso dos países
desenvolvidos com o financiamento de ações de preservação da biodiversidade. "Ficamos surpresos de o jogo ter virado a ponto de se definir um protocolo", diz Carlos Alfredo Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do programa Biota-FAPESP. "Tratava-se de uma agenda tensa, com temas que se arrastavam há quase 18 anos, e nada indicava que isso pudesse sair do papel." Parâmetros- Ganhou importância após o acordo em Nagoya uma conferência científica agendada pelo programa Biota-FAPESP, a Academia Brasileira de Ciências e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência entre os dias 11 e 15 de dezembro, em Bragança Paulista (SP). Com a presença de vários negociadores, entre os quais Ahmed Djoghlaf, secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, o encontro vai discutir, entre outros temas, as metas estabelecidas em Nagoya e os meios de o Brasil alcançá-las. "A grande dificuldade de atingir as metas do plano estratégico estabelecido em 2002 foi a falta de parâmetros mensuráveis. Vamos tratar disso na reunião em Bragança Paulista", afirma o coordenador do Biota-FAPESP.
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Ecossistemas marinhos: a meta é ter 10% das áreas protegidas
O Brasil, na presidência de um grupo que reúne 17 países megadiversos, teve um papel importante na articnlação do acordo de Nagoya. O desfecho foi surpreendente porque superou um impasse que parecia intransponível até as vésperas do encontro. Desde a Conferência Rio-92, as negociações sobre a proteção à biodiversidade giram em torno de uma trinca de objetivos: a conservação, o uso sustentável da biodiversidade e a chamada repartição de benefícios. Sobretudo o último tópico, que envolve o compromisso dos países ricos de compensarem financeiramente as nações em desenvolvimento pelo uso de suas riquezas, sempre representou um entrave nas negociações. "Os três objetivos são imbricados. É difícil falar em conservação sem avançar no uso sustentável, assim como é difícil falar em uso sustentável sem estabelecer regras para a repartição de benefícios", diz o biólogo Braulio Dias, secretário de
Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), um dos negociadores brasileiros em Nagoya. Numa reunião preparatória realizada em maio, em Nairóbi, em que se negociou o rascunho de um novo plano estratégico para 2020, ficou claro que persistia o impasse. "Ninguém queria assumir compromissos", diz Dias. E a Cúpula de Johannesburgo, em 2002, havia estabelecido 2010 como prazo final para que se chegasse a um acordo envolvendo a repartição de benefícios. "Se não fosse agora, perderíamos o momento e sabe-se lá quantos anos levaríamos para conseguir um acordo", afirma o secretário.
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ntes da conferência, o Brasil fez uma proposta radical: ou se obtinha um pacote envolvendo os três objetivos, ou não haveria acordo parcial. Na segunda e última semana da conferência, como não se obtinha avanço, o Brasil iniciou conversas bilaterais com os países da União Europeia, que acabaram flexibilizando suas posições e, na reta final das negociações, tornaram-se os principais defensores das decisões em pacote. O Japão, país anfitrião, também se esforçou para alcançar um acordo. Mas persistiram dúvidas até o final.
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aíses como Irã, Malásia e Índia exigiam que os países ricos fossem obrigados a divulgar as informações sobre a origem dos recursos naturais utilizados na hora de apresentar patentes. A ideia não prosperou, mas, em contrapartida, definiu-se que serão designadas instituições para verificar como aquele material genético foi obtido. Da mesma forma, os países africanos queriam que a repartição de benefícios fosse retroativa- ou seja, que os países ricos pagassem também por toda a riqueza biológica que utilizaram no passado. Como houve consenso de que a ideia era inaplicável, combinou-se a criação de um fundo para compensar o uso pretérito da biodiversidade. A dois dias do final da conferência, ainda havia seis artigos e uma dezena de parágrafos em colchetes, lembra o secretário Braulio Dias. Na véspera, alguns países em desenvolvimento, notadamente os do grupo da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), que reúne Equador, Cuba, Bolívia e Venezuela, entre outros, fizeram questionamentos sobre a ideia de estabelecer um valor para a biodiversidade e incluí-lo nas contas públicas dos países, sob o argumento de que não se deveria precificar a biodiversidade e ficar a reboque de mecanismos de mercado. "Argumentamos que não era preciso monetizar tudo e que, hoje, as riquezas naturais valem zero no cálculo do PIB", diz Dias. "Mas ficamos com receio de que eles apresentassem objeções e o acordo não saísse." Na hora agá, nenhum país quis assumir o ônus de inviabilizar o acordo, que só poderia ser obtido por consenso, e repetir o fiasco da Conferência do Clima de Copenhague, no ano passado. Detalhes - Euforia à parte, o Protocolo de Nagoya terá agora de vencer uma sucessão de obstáculos até se provar viável e gerar resultados. Trata-se, na verdade, de um acordo genérico, que dependerá de muitas rodadas de negociação nos próximos quatro anos, além da criação de legislações ambientais principalmente nos países pobres. "O protocolo ABS não resolve todos os problemas. Os detalhes serão resolvidos pela legislação nacional. Ficou amplo, pois nada ficou excluído, exceto os recursos genéticos humanos", diz Braulio Dias. O elo mais frágil do acordo foi o
A conferência foi um sucesso, mas um de seus resultados foi o fracasso coletivo em relação às metas estabelecidas para 2010
compromisso dos países desenvolvidos de financiar a proteção à biodiversidade, que, por enquanto, se resume a ofertas já conhecidas da Alemanha e do Japão. Para Cláudio Maretti, da entidade ambientalista WWF- Brasil, o protocolo demorará pelo menos duas novas conferências para se tornar operacional. Os acordos de uma conferência desse tipo são considerados soft law, ou seja, não têm força de lei, embora os países assumam compromissos de implementá-los. Só após a ratificação do acordo pelos parlamentos de 50 países é que o Protocolo de Nagoya entrará em vigor. E o país mais rico do planeta, os Estados Unidos, não participou da conferência e não será alcançado por suas decisões. "O acordo geral sobre acesso e repartição
de benefícios permite que os esforços de conservação caminhem, mas ainda falta trabalhar alguns detalhes", diz o biólogo norte-americano Thomas Lovejoy, um estudioso da Amazônia há quatro décadas que introduziu o termo biodiversidade na comunidade científica nos anos 1980. Reiterando a posição que defendeu em maio passado, quando a convite do programa Biota-FAPESP apresentou a terceira edição do Global Biodiversity Outlook no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, Lovejoy criticou os entraves à pesquisa impostos por leis contra a biopirataria. "Ressalto a importância de permitir a pesquisa, ao invés de sufocá-la, uma vez que nenhum país, isoladamente, tem expertise necessária para caminhar sozinho", afirma Lovejoy. "Há mais de lO anos a burocracia criada pela atuallegislação brasileira emperra as pesquisas, principalmente nas questões associadas ao uso sustentável e à repartição de benefícios", reforça Carlos Joly. O secretário do Meio Ambiente, Braulio Dias, prevê um abrandamento da legislação antibiopirataria no Brasil com a aprovação do Protocolo de Nagoya. "Com a proteção à biodiversidade de caráter internacional, vai ficar mais fácil criar uma legislação menos restritiva e menos burocrática, que ajude a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico", afirma. Na avaliação de Thomas Lovejoy, os objetivos propostos pelo plano estratégico para 2020 são exequíveis. "Pessoalmente, preferia metas mais ambiciosas, como a interrupção da perda da biodi-
consenso entre as delega ções de 193 pa íses
PESQUI SA FA PESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 19
temores do setor ruralista de que o país tenha de pagar para usufruir os recursos genéticos de outros países para melhorar suas culturas. "Temos uma sinalização do Ministério da Agricultura de que há interesse em conversar sobre uma proposta única de governo", diz Braulio Dias. "Se conseguirmos criar um pacote redondo de propostas para apresentar ao Congresso, ficará mais fácil mobilizar os parlamentares da base do governo. Mas se isso não acontecer será difícil", explica o secretário. "As dificuldades são concretas, como a batalha do Código Florestal mostra", afirma Carlos Joly, referindo-se à possibilidade de o Congresso flexibilizar a proteção à biodiversidade em propriedades privadas, por pressão dos políticos ruralistas.
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52 Mensagem- Cláudio Maretti, do WWFBrasil não conseguiu produz ir lista oficial de animais
versidade causada pelo homem, em vez da redução, como fo i aprovado. Mascomo a maioria dos países não conseguiu cumprir as metas para 2010, considerou-se isso ambicioso demais", diz o biólogo, referindo-se ao fato de que todos os países falharam no cumprimento de metas estabelecidas pelo plano estratégico estabelecido em 2002 com metas para 2010. Para Anne Larigauderie, diretora executiva da Diversitas, programa internacional da ciência da biodiversidade patrocinado pela Unesco, os desafios à frente são grandes. "Sou cautelosamente otimista com os resultados de Nagoya", diz Anne, que participou do encontro no Japão. "Em diversos aspectos, a conferência foi um sucesso. Mas devemos ter em mente que um dos resultados da reunião foi também o fracasso coletivo nas metas para 2010. Esperemos que os instrumentos de política desenhados em Nagoya estejam à altura dos desafios que virão", afirma. Um momento importante da conferência de Nagoya foram os debates em torno do estudo Economia dos Ecossistemas e Biodiversidade (TEEB, na sigla em inglês ), produzido pelo Programa 20 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que apontou o valor econômico de plantas, animais, florestas e ecossistemas. O estudo avaliou os custos da perda da biodiversidade, que ficaram entre R$ 3,6 e R$ 8,2 trilhões por ano. "A importância do TEEB é que ele possibilitou, com a utilização de ar; gumentos econômicos, ampliar o debate sobre a necessidade de conservação da biodiversidade para outras esferas da sociedade além da ambiental e influenciar tomadores de decisão", afirma Cláudio Maretti, superintendente de conservação da WWF-Brasil. "Além disso, no caso de países em desenvolvimento que precisam de dinheiro para investir em conservação, o estudo TEEB aponta possibilidades de retorno econômico com a exploração dos serviços prestados pela biodiversidade", afirma. No plano nacional, os desdobramentos do Protocolo de Nagoya também enfrentarão desafios. Não existe, hoje, consenso nem sequer dentro do governo para implementar certos tópicos. A repartição de benefícios, por exemplo, foi questionada pelo Ministério da Agricultura, num reflexo dos
-Brasil, diz que a chave para levar adiante os avanços de Nagoya é a mobilização da sociedade. "Os resultados da conferência levantaram o ânimo, mas agora precisamos despertar o interesse da sociedade para as metas, algo que a mobilização em torno das mudanças climáticas conseguiu fazer", afirma. "Precisamos mostrar que a briga não é entre ambientalistas e ruralistas, mas entre um modelo novo e sustentável, que já obteve a adesão de parte do empresariado, e uma economia antiga, que ainda vê os recursos naturais como inesgotáveis", afirma.
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esmo sem ter cumprido as metas para 201 O, o Brasil foi um dos países que mais avançaram nesse sentido- o que deu força aos negociadores brasileiros nas conversas de Nagoya. Houve redução significativa na taxa de desmatamento da Amazônia, que caiu 75% entre 2004 e 2009, e ampliaram-se as áreas protegidas. "Por outro lado, as metas brasileiras que dependiam do avanço do conhecimento científico não foram tão bem", diz Carlos Joly, do Biota-FAPESP. Cada país deveria publicar listas oficiais de espécies que ocorrem nos seus territórios, a fim de estabelecer o direito de participar da repartição de benefícios oriundos de sua utilização. "Tínhamos que ter listas oficiais de plantas, animais e microrganismos, mas só conseguimos apresentar uma lista parcial de espécies da flora brasileira, disponível no si te do Jardim Bo-
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tânico do Rio de Janeiro. Para animais e microrganismos brasileiros, não temos sequer listas parciais oficialmente reconhecidas", diz Joly, ressaltando que São Paulo, neste quesito, conseguiu avançar. Um volume especial da revista Biota Neotropica trará, em breve, a lista oficial de espécies de vertebrados, invertebrados e plantas do estado de São Paulo. Segundo o secretário do Meio Ambiente do estado de São Paulo, Pedro Ubiratan Escorei de Azevedo, que esteve em Nagoya, São Paulo deu uma contribuição significativa para as metas alcançadas pelo Brasil. "O pagamento de serviços ambientais já está previsto numa lei estadual e já havíamos criado áreas protegidas marinhas", afirma. "São Paulo já tem 52% das áreas marinhas protegidas e 13% da área terrestre", diz. Nagoya sacramentou a criação da Rede de Observação da Biodiversidade Global (GEO-BON), uma estrutura global e cientificamente robusta para a observação e detecção de alterações na biodiversidade. "Esta é uma iniciativa muito importante que vai nos dar o pa-
Pesqu isa agrícola : uso de recu rs os genét icos de outros pa íses será cobrado
tamar necessário para acompanhar o quanto estamos fazendo para alcançar as novas metas", diz o biólogo norte-americano Harold Mooney, da Universidade Stanford, presidente do comitê científico da Diversitas, que virá ao Brasil em dezembro participar da conferência em Bragança Paulista. "Não há um plano claro de ação para atingir os objetivos traçados em Nagoya, ainda que muitos países estejam realmente empenhados em alcançá-los", afirma Mooney, que também esteve em Nagoya. Pares - O cenário pós-Nagoya também impõe um engajamento maior dos cientistas na proteção à biodiversidade. Numa reunião realizada em junho pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês), em Busan, Coreia do Sul, representantes de 85 países recomendaram a criação da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecossistemas (IPBES). A intenção, que precisa agora ser referendada pela Assembleia Geral da ONU, é realizar avaliações regulares e atuais sobre o conhecimento a respeito da biodiversidade e de serviços ecossistêmicos. Os estudos científicos deverão ser independentes e avaliados por pares, em moldes semelhantes ao trabalho do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC).
Uma tentativa anterior de criar um organismo desse tipo foi rejeitada pela diplomacia de vários países, inclusive o Brasil. Tratava-se do Mecanismo Internacional de Expertise Científica em Biodiversidade (Imoseb, na sigla em inglês), proposto pela França e visto como tentativa de intervenção dos países desenvolvidos nas estratégias dos países em desenvolvimento. "A principal razão do fracasso foi que não havia uma garantia de proporcionalidade de representação, na composição do organismo, entre os países ricos em biodiversidade e os países que possuem tecnologia para explorá-la", explica Carlos Joly. e acordo com o secretário Braulio Dias, o IPBES terá uma diferença fundamental em relação ao IPCC: em vez de apenas produzir relatórios, também se empenhará na capacitação de técnicos, sobretudo em países pobres. "Isso é necessário para fazer a ponte entre o conhecimento científico e sua aplicação em políticas públicas", afirma. De acordo com Dias, a ministra do Meio Ambiente, Isabela Teixeira, já anunciou o interesse de criar uma instância nacional nos moldes do IPBES. "Sabemos que não vamos resolver o problema da biodiversidade sem uma forte base científica", afirma o secretário. •
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PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 21
ESTRATÉGIAS MUNDO
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ORÇAMENTO FURADO
AGENDA ÇONTRA
I A NEGLIGENCIA A pesquisa das chamadas doenças negligenciadas na América Latina e no Caribe deveria concentrar-se numa agenda que aproveite a expertise tecnológica e as oportunidades existentes na região, indica um estudo publicado na revista PioS Neglected Tropical Diseases. A análise, dirigida a autoridades, agências financiadoras e comunidade científica, propõe concentrar esforços em cinco áreas estratégicas: pesquisa de produtos naturais; estudos clínicos e epidemiológicos; conhecimento sobre os vetares envolvidos nas enfermidades; estabelecimento de redes de genômica e bioinformática; e estímulo a incubadoras de empresas biotecnológicas, capazes de produzir drogas, exames e vacinas.
"A proposta busca combater a negligência em relação a uma série de doenças infecciosas que afetam os mais pobres entre os pobres", disse à agência SciDev.Net Jean-Claude Dujardin, do Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia, Bélgica, autor principal do estudo, que lista 20 dessas moléstias, entre as quais a doença de Chagas, a leishmaniose e a esquistossomose.
22 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
O James Webb Space Telescope (JWST), sucessor do telescópio espacial Hubble programado para entrar em órbita em 2014, dificilmente conseguirá cumprir o cronograma. O problema é orçamentário. O projeto já consumiu US$ 5 bilhões, mas ainda precisará de US$ 1,2 bilhão a US$ 1,8 bilhão para ser concluído- e só há US$ 400 milhões previstos para a empreitada. "Simplesmente não há dinheiro suficiente para executar os trabalhos ainda necessários", disse ao jornal The New York Times John Casani, chefe de um painel de especialistas que revisou o projeto, a pedido da senadora Barbara Mikulski, do Partido Democrata. O mais provável é que ele seja lançado entre 2015 e 2017. Um relatório do painel sugere que os contratempos e atrasos estão associados a equívocos de gestão. A comissão independente concluiu que a Nasa, a agência espacial norte-americana, não percebeu erros no orçamento original e os gerentes do projeto também se omitiram. A Nasa respondeu que não contava com o pessoal necessário para fazer o trabalho na época e já substituiu os administradores da missão. O James Webb, homenagem a um ex-administrador da Nasa, terá um espelho com 6,5 metros de diâmetro, quase três vezes maior do que o do Hubble.
COOPERAÇ.ÃO NUC LEAR Num movimento inédito na política de defesa dos dois países, Reino Unido e França decidiram construir conjuntamente uma instalação de testes para estudar os efeitos do envelhecimento de suas armas nucleares. Batizada de Epure, a instalação vai analisar, por meio de raios X, explosões simuladas de bombas por vários ângulos. Os dados ajudarão a determinar se o arsenal de ogivas permanece confiável com a passagem do tempo,
parte essencial do trabalho de manutenção das armas. A instalação será localizada no Centro de Estudos Nucleares Valduc, perto de Dijon, o principal laboratório de defesa francês. Bruno Tertrais, da Fundação para Pesquisa Estratégica em Paris, disse que a decisão dos dois países em compartilhar uma iniciativa de defesa tão sensível tem uma razão simples. "É para economizar dinheiro", afirmou à revista Nature. Nenhum dos dois países deu estimativas de custo. A instalação deve começar a funcionar em 2015.
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RADIOGRAFIA
I DO HIMALAIA O Instituto de Pesquisa do Planalto Tibetano, em Pequim, vai liderar um esforço internacional para documentar os efeitos das mudanças climáticas numa área de mais de 5 milhões de quilômetros quadrados em torno da cordilheira do Himalaia, a mais alta cadeia montanhosa do mundo. A ideia é promover expedições e estabelecer estações multidisciplinares de pesquisa em toda a região, para estudar sua geologia e os regimes climáticos. A parte mais sensível do plano será a criação de um repositório de dados científicos, essencial para estabelecer um diagnóstico sobre a região, cujos glaciares alimentam os principais rios da Ásia, abastecem 1,5 bilhão de pessoas em lO países e parecem estar se retraindo. O desafio é negociar uma
estratégia com os países participantes que permita o compartilhamento de dados entre cientistas sem tornar públicas informações de interesse nacional. "Mas é essencial o intercâmbio para compreender o impacto das mudanças climáticas", disse à revista Nature Yao Tandong, chefe do programa.
DE VOLTA À ANTÁRTIDA A Rússia planeja lançar cinco novos navios de pesquisa polar como parte de um esforço deUS$ 975 milhões para reafirmar a sua presença na Antártida na próxima década. Segundo o blog Science Insider, da revista
A ORIGEM DA INOVAÇÃO
Pesquisa de remédios: o papel de cada um
Um estudo publicado pela revista Nature Reviews Drug Discovery mostrou que universidades e empresas de biotecnologia tiveram um papel preponderante no desenvolvimento de medicamentos inovadores, aqueles voltados para necessidades ainda não atendidas. Robert Kneller, da Universidade de Tóquio, analisou os registros de 252 novos remédios aprovados entre 1998 e 2007 pela Food and Drug Administration, agência norte-americana encarregada de controlar alimentos e medicamentos. À primeira vista, o peso dos gigantes farmacêuticos se destaca: 58% dessas drogas foram desenvolvidas por multinacionais. Mas quando se avaliam os 118 remédios cientificamente inovadores, 56% são atribuídos a companhias de biotecnologia e universidades, ante 44% das grandes corporações.
Science, um documento do governo estabelece uma agenda de prioridades para o continente gelado até 2020. A principal delas é a reconstrução de cinco estações de pesquisa na Antártida, para realizar estudos sobre mudanças climáticas, recursos pesqueiros e navegação por satélite, entre outros. A primeira expedição da extinta União Soviética à Antártida aconteceu em 1955 e, nas três décadas seguintes, a potência comunista construiu sete estações de pesquisa no continente. A Rússia herdou as estações em 1991, após o colapso da União Soviética, mas pouco conseguiu investir em pesquisa polar depois disso. O documento afirma que Moscou deve trabalhar com outras nações para preservar a "paz e a estabilidade" na Antártida, mas salienta que o país tem de se posicionar para tirar vantagem dos recursos naturais caso haja um desmembramento territorial do continente.
PESQUISA FAPE SP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 23
MAIS IMPACTO, I MENOS DISPERSÃO
POTENCIAL INEXPLORADO Mais de mil variedades nativas de frutas e legumes de algumas das ilhas do oceano Pacífico estão sendo coletadas num grande programa voltado para preservar a diversidade genética da região. O Centre for Pacific Crops and Trees (Cepatec), financiado pelo governo da Austrália e pela União Europeia, está coordenando a iniciativa. A intenção é prevenir o risco de perda da biodiversidade, uma vez que muitas culturas nativas vêm sendo abandonadas em favor das variedades importadas e com maior rendimento. Os territórios do Pacífico envolvidos no projeto são a Micronésia, Fiji, Polinésia francesa, Kiribati, Nova Caledônia, Papua-Nova Guiné, Samoa, Ilhas Salomão e Vanuatu. As culturas incluem espécies pouco conhecidas no Ocidente, como a banana fe'i, da Polinésia francesa, e o coco niu afa, de Samoa. Dong Rasco, da Universidade das Filipinas, declarou que o projeto é importante não só para as ilhas do Pacífico. "Como não se espalharam para outros países, as espécies têm um potencial ainda inexplorado", disse à agência SciDev.Net.
EXPEDIÇÃO CANCELADA O Museu de História Natural de Londres suspendeu a expedição científica de um mês que
faria ao norte do Paraguai para estudar a biodiversidade do Chaco Seco, planície semiárida incrustada entre o rio Paraguai e os Andes. A expedição, que teria a participação de => o
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24 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
pesquisadores paraguaios, buscava identificar novas espécies de plantas, insetos e animais e chamar atenção para a necessidade de proteger a região, ameaçada pela expansão das atividades madeireiras e de agricultura intensiva. O governo paraguaio, contudo, pediu que a viagem fosse cancelada depois de ser pressionado pela entidade Iniciativa An1otocodie, que defende os direitos dos indígenas do país. A ONG alegou que os cientistas poderiam encontrar grupos isolados de índios da etnia Ayoreo. "Eles vivem em florestas completamente virgens e isso os torna vulneráveis a qualquer intrusão", disse Benno Glauser, diretor da entidade, à agência BBC. Dos 5 mil índios Ayoreo, apenas cerca de 200 ainda não foram contatados. Mas, como são nômades, poderiam surgir no caminho dos pesquisadores.
A Alemanha começa a dar forma a seu sistema nacional de pesquisa biomédica, idealizado para competir com potências como o Reino Unido e os Estados Unidos. Três anos atrás, a ministra da Pesquisa Annette Schavan decidiu criar um conjunto de centros de pesquisa médica multidisciplinares talhados para aumentar o impacto da ciência nessa área e combater a falta de cooperação entre os pesquisadores, instalados em universidades e institutos de pesquisa. O Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas, sediado em Bonn, mas com sete institutos parceiros espalhados pelo país, abriu em 2009 sem causar controvérsias. Mas o segundo centro, de estudos sobre diabetes, gerou protestos. Pesquisadores de universidades alegaram que se estava dando poder a grupos sem a expertise apropriada, e a polêmica colocou em xeque os demais centros. O programa agora está de volta aos trilhos. O Centro Nacional para Pesquisa do Diabetes (DZD) abriu no dia 9 de novembro e o governo aprovou a localização de outros quatro centros, cobrindo moléstias cardiovasculares, doenças infecciosas, doenças pulmonares e câncer, que devem começar a operar em 2011. Todos terão como foco a pesquisa médica translacional e cada um receberá € 35 milhões por ano de financiamento do governo.
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AUTONOMIA NO MAR A comunidade científica paulista poderá ganhar um novo navio oceanográfico capaz de elevar sua capacidade de pesquisa a um novo patamar. A compra do navio Moa na Wave, que pertenceu à Universidade do Havaí, nos Estados Unidos, faz parte de um projeto submetido à FAPESP pelo Instituto Oceanográfico (10) da Universidade de São Paulo (USP). A compra do navio está nos últimos estágios de análise e depende apenas da aprovação do relatório da JMS, empresa norte-americana de engenharia naval contratada pela FAPESP para fazer uma vistoria técnica da embarcação. O Moa na Wave foi construído em 1973. Tem 64 metros de comprimento por 11 metros de largura e capacidade para levar 20 pessoas e deslocar 972 toneladas. Se o navio for adquirido, receberá um novo nome: Alpha Crucis, a estrela que representa o estado de São Paulo na bandeira nacional. De acordo com o diretor do 10-USP, Michel Michaelovitch, o Moana Wave seria o sucessor do navio oceanográfico Professor W. Besnard, que sofreu um incêndio em 2008. "Em comparação com o Professor Besnard, que tinha uma autonomia de 15 dias, o salto qualitativo é gigantesco. O Moana Wave tem capacidade para navegar 70 dias", disse Michaelovitch à Agência FAPESP. "Isso amplia a capacidade de pesquisas em diversas áreas, como os estudos
um prêmio em dinheiro de US$ 500 e serão exibidos no si te de Pesquisa FAPESP. As inscrições para o concurso custam US$ 1Oe podem ser feitas até 11 de março de 2011 no si te www. me. unicamp.br/redpop20 11/, onde também há mais detalhes sobre a iniciativa.
PARQUE CREDENCIADO
sobre biodiversidade em águas profundas", explicou.
MINUTO
I CIENTÍFICO O Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) abriu as inscrições para o Minuto Científico, concurso de vídeos de difusão científica voltado para pessoas físicas e instituições da América Latina e do Caribe. Com
o tema "Transformação", o concurso aceitará trabalhos nas categorias jovem, para participantes de até 18 anos de idade, e adulta. Os vídeos devem ter duração entre 60 e 120 segundos e serem inscritos em uma das três grandes áreas do conhecimento: ciências humanas e sociais, exatas e tecnológicas e biológicas. Os filmes vencedores ganharão
O Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI-TEC), em Campinas (SP), oficializou seu credenciamento no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos (SPTec). Vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), o centro trabalha na pesquisa e no desenvolvimento em tecnologia da informação, principalmente nas áreas de microeletrônica, sistemas, software e aplicações de TI.
O credenciamento ao sistema paulista permitirá que o centro receba recursos do governo do estado de São Paulo para infraestrutura. Instalado em um terreno de 379 mil m 2 , o CTI-TEC tem 10 laboratórios e reúne 280 pesquisadores. O MCT prometeu investir R$ 15 milhões na construção das novas instalações que farão parte do parque. A expectativa é que cinco novos edifícios abriguem até 16 empresas. Os editais para empresas interessadas em integrar o parque devem ser publicados no início de 2011. Com a entrada do CTI-TEC, chegam a 19 os projetos com credenciamento no SPTec, criado para facilitar a interação entre pesquisadores e o setor privado, atrair investimentos para inovação e incentivar a criação de empresas de base tecnológica.
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 25
EM TEMPO REAL
O LEGADO I DE PAVAN A Estação Ciência, museu interativo da Universidade de São Paulo, (USP), exibe até o dia 18 de dezembro a exposição Expedição Pavan, sobre o legado de Crodowaldo Pavan (1919-2009), professor emérito da USP e um dos pioneiros da genética no Brasil. A exposição reúne objetos pessoais do pesquisador, fotos, vídeos, painéis de imagens em 3D, esculturas e modelos da estrutura do DNA e das fases da mosca Rhynchosciara americana, espécie em que Pavan descobriu o fenômeno da amplificação gênica, pelo qual, em determinadas células e em momentos específicos do desenvolvimento, alguns genes fazem cópias adicionais, além da simples duplicação do filame nto do cromossoma, como ocorre na divisão celular normal. Sua carreira ficou marcada pela preocupação com a divulgação científica.
Pavan foi um dos mentores da Estação Ciência, criada em 1987, quando ele presidiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)- o museu foi incorporado à USP três anos mais tarde. A Estação Ciência fica na rua Guaicurus, no 1.394, Lapa, São Paulo. A exposição deverá ser exibida em outras instituições após seu encerramento na Estação Ciência.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe) e a Agência de Exploração Aeroespacial do Japão (Jaxa) assinaram uma carta de intenções para a utilização dos dados do satélite japonês Aios no controle do desmatamento na Amazônia. O lnpe já utiliza dados de um radar instalado no Aios em estudos sobre a região. Com a nova parceria, irá incorporar a tecnologia do radar, que permite a observação através das nuvens, a seus sistemas de monitoramento da floresta. A Jaxa vai transmitir dados para uma estação terrestre do lnpe, que os utilizará para controle em tempo real da exploração madeireira. A Jaxa e o lnpe querem usar as informações do satélite e os dados coletados pelo instituto para compreender a situação de desmatamento da Amazônia em apoio ao REDD (sigla para "reduzindo as emissões geradas com desmatamento e degradação florestal nos países em desenvolvimento"), mecanismo proposto pela Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas em Bali, em 2007, para fornecer estimativas de estoques de carbono florestal e recompensar países dispostos a preservar suas florestas.
MEMÓRIA DA EDUCAÇÃO O Arquivo Público do estado de São Paulo acaba de lançar o sítio da internet Memória da Educação,
direcionado a pesquisadores e interessados em história da educação paulista. O portal abriga documentos dos séculos XIX e XX. São mais de 20 mil imagens, mostrando atividades
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pedagógicas de escolas da capital e do interior e textos como os relatórios produzidos pelas delegacias regionais de ensino entre os anos de 1852 e 1943 e anuários do ensino do estado de São Paulo, que trazem um diagnóstico da realidade escolar no início do século XX. Algumas publicações foram digitalizadas na íntegra, como o livro Vinte anos
de propaganda contra o emprego da palmatória e outros meios aviltantes no ensino da mocidade, de 1880, de Abílio César Borges, e a Revista Escolar, editada entre 1925 e 1927. O acervo está disponível em <www.arquivoestado.sp. gov.br/educacao>.
NOVO INSTITUTO
I NA UNESP O Instituto de Física Teórica (IFT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) celebrou um acordo de cooperação com o Centro Internacional de Física Teórica (International Centre for Theoretical Physics, ICTP), órgão da Unesco com sede em Trieste, na Itália, para criar
um novo instituto de pesquisa na área de física. O ICTP- South American Institute for Fundamental Research (Instituto Sul-americano de Pesquisa Básica) funcionará no
campus da Barra Funda, em São Paulo, e receberá cinco novos pesquisadores permanentes. Eles realizarão trabalhos independentes e atuarão na pós-graduação da Unesp. A contratação dos profissionais será coordenada por um conselho científico formado por 1O especialistas de prestígio internacional. "O renome do ICTP ajudará a universidade a atrair os melhores cérebros para o nosso quadro docente", afirma Rogério Rosenfeld, diretor do IFT. Uma das vocações da unidade será organizar workshops e seminários, com ênfase para a participação de cientistas do exterior.
CLIMA DE COOPERAÇÃO A FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) lançaram uma chamada de propostas para seleção de projetas de pesquisa cooperativos e intercâmbio de pesquisadores em áreas de pesquisa ligadas às mudanças climáticas globais. Podem apresentar propostas pesquisadores vinculados a instituições de ensino superior ou pesquisa, públicas ou privadas, nos estados de São Paulo e do Rio. Entre os temas de interesse da chamada figuram as "Consequências das mudanças climáticas globais no funcionamento dos ecossistemas, com ênfase em biodiversidade e nos ciclos de água, carbono e nitrogênio", "Mudanças climáticas globais e agricultura e pecuária", "Mudanças climáticas e efeitos na saúde humana" e "Dimensões humanas das mudanças climáticas globais". Serão selecionados até 30 projetos de pesquisa. As duas fundações reservaram até R$ 2,5 milhões cada uma para a chamada, num total de R$ 5 milhões. A data limite para apresentação das propostas será o dia 4 de fevereiro de 2011.
O MORAR I PAULISTANO O Museu Paulista da USP, conhecido como Museu do Ipiranga, obteve patrocínio da Caixa Econômica Federal para organizar uma exposição sobre a evolução das moradias de São Paulo, abordando do ponto de vista histórico noções como gosto, conforto, design, higiene e tecnologia. A mostra O morar paulistano ocupará a ala superior oeste do museu. Deverá ser aberta ao público em maio de 2012 e durar 18 meses. Em uma área de 600m 2 serão exibidos móveis, objetos de decoração, de trabalho, de higiene, de recepção social, pinturas, fotografias, roupas, acessórios pessoais, material publicitário, entre outros tipos de acervo associados ao espaço doméstico na cidade de São Paulo. Os curadores serão os professores da USP Vânia Carneiro de Carvalho, Solange Ferraz de Lima e Paulo César Garcez Marins.
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DO CLUBE á 20 anos, os países desenvolvidos eram responsáveis por 95o/o da pesquisa e desenvolvimento (P&D) do mundo. Em 2002 esse quinhão havia caído para 83o/o e, em 2007, para 76o/o, graças ao fôlego de um time de novos atores da ciência global liderado por China, Índia e Brasil. Esse ambiente em transformação e suas implicações no desenvolvimento mundial são a tônica do Relatório Unesco sobre Ciência 2010, lançado no dia 10 de novembro pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em Brasília e em Paris. O documento é editado a cada cinco anos para apresentar um diagnóstico da situação mundial da ciência. O Brasil teve um capítulo exclusivo no relatório, de autoria de Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), e Hernan Chaimovich, coordenador dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP e professor da Universidade de São Paulo (USP). "O relatório mostra que, ao lado da clássica tríade que sempre se destaca na ciência e tecnologia - Estados Unidos, Japão e União Europeia -, há a crescente importância de países como a Coreia do Sul, a Índia e a China. E também o Brasil, que aparece ai nda de forma modesta, mas com um papel que lhe permite crescer e avançar", disse à Agência FAPESP Vincent Defourny, representante da Unesco no Brasil. Segundo Irina Bokova, diretora-geral da Unesco, os países emergentes na ciência estão criando um ambiente global mais competitivo e desenvolvendo suas potencialidades nas esferas da indústria e da tecnologia. "Uma consequência é o aumento da competição entre os países 28 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓG ICA
para atraírem cientistas do exterior e manterem ou chamarem de volta seus melhores pesquisadores e pós-graduados que vivem no exterior", afirmou. De acordo com o relatório, o mundo investiu 1,7% do seu PIB em P&D no ano de 2007, o mesmo patamar de 2002. Mas ocorreu uma mudança na influência global. Entre os emergentes, o relatório destaca o desempenho de países como a China, o Brasil e a Índia, juntamente com o Irã e a Turquia. Influenciada por China, Índia e Coreia do Sul, a participação da Ásia nos gastos brutos em P&D no mundo aumentou de 27% para 32%. Enquanto isso, caiu o quinhão da União Europeia, de 26,1 o/o para 23,1 o/o, influenciada pela performance da França, da Alemanha e do Reino Unido. A Rússia se destaca em número de pesquisadores, mas não em recursos financeiros para seu sistema de P&D. No capítulo sobre o Brasil, os números indicam grande evolução, com o desenvolvimento de uma base aca-
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Diagnóstico da ciência sai a cada cinco anos
dêmica competitiva em ciências. "Mas ainda falta enfrentar uma série de desafios", afirmou Vincent Defourny. Os US$ 23 bilhões gastos em P&D em 2008 pelo Brasil são comparáveis aos níveis de investimento da Espanha (US$ 20 bilhões) e Itália (US$ 22 bilhões). Mas a intensidade de P&D registrada no país progrediu de forma mais lenta do que a economia como um todo. Entre 2002 e 2008 a intensidade do gasto doméstico bruto em P&D avançou apenas 10%, de 0,98o/o para 1,09% do PIB. No mesmo
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período o PIB aumentou em 27o/o, de R$ 2,4 trilhões para R$ 3 trilhões. Uma característica marcante doBrasil é que o setor público responde pela maior parte do investimento em P&D (SSo/o), fenômeno comum a países em desenvolvimento. A participação brasileira em P&D empresarial (0,48% do PIB) chega a apenas 32% da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para alcançar a média da OCDE de financiamento público em P&D, o país precisaria investir um adicional de R$ 3,3 bilhões ao ano, montante que corresponde a três vezes o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nos gastos empresariais com P&D, a média dos países membros da OCDE é o triplo da encontrada no Brasil. Para igualar esse patamar seria preciso aumentar os gastos privados no setor de US$ 9,95 bilhões ao ano para US$ 33 bilhões. "O P&D na indústria precisa receber uma atenção maior até mesmo do que a pesquisa acadêmica", disse Defourny. O relatório destaca que o setor empresarial brasileiro, ao mesmo tempo que obteve alguns bons resultados, por exemplo, na extração de petróleo e na fabricação de aviões a jato e de carros flex, obteve apenas 103 patentes no Escritório de Patentes e Marcas Registradas dos Estados Unidos (Uspto) em 2009. Sinais de estagnação - Aproximadamente três quartos dos cientistas continuam trabalhando no setor acadêmico. Os pesquisadores brasileiros publicaram 26.482 artigos científicos em periódicos indexados pelo Thomson Reuters - Science Citation Index em 2008, fazendo do país o 13° maior produtor de ciência do mundo. Mais de 90% desses artigos foram gerados em universidades públicas. Há, porém, ))
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)) sinais de estagnação na formação de pesquisadores. "A taxa de crescimento no número de doutores, por exemplo, foi de 15% ao ano por muito tempo. Nos últimos cinco anos essa taxa caiu para apenas 5% ao ano. Será uma tarefa do novo governo federal olhar para esses dados de forma m uito detalhada", afirmou Defourny. Outro fato preocu pante é que a mais recente Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostrou que o número de pesquisadores que trabalham em empresas no Brasil diminuiu entre 2005 e 2008 (ver reportagem ao lado). Os gastos públicos com P&D aumentaram para quase todas as áreas entre 2000 e 2008. As exceções foram as áreas de defesa, energia, espaço e exploração da Terra e da atmosfera. Alguns setores perderam uma parte do seu status prioritário, ainda que o investimento não tenha caído. É o caso, segundo o relatório, da agricultura, que representava 12% do total do orçamento público em 2000 e apenas 10% oito anos mais tarde, ou seja, uma queda de 17%. "A menor prioridade atribuída à agricultura, em particular, deveria ser vista com preocupação, considerando a relevância econômica desse setor para o Brasil", diz o relatório. O desafio, de acordo com o capítulo produzido por Brito Cruz e Chaimovich, é criar instrumentos de políticas públicas mais efetivos que os empregados até agora pelo Estado brasileiro. Segundo Brito Cruz, além de reiterar a desigualdade regional na produção de ciência no Brasil, o relatório destacou a necessidade de uma melhor articulação entre as iniciativas federais e estaduais. "Uma articulação entre políticas federais e estaduais não se resume a transferir recursos da União para os estados. É essencial, por exemplo, que os estados possam participar da definição de programas e prioridades, especialmente porque 35% dos recursos para P&D no Brasil vêm de fontes estaduais. A política de ciência, tecnologia e inovação precisa ser nacional, em vez de uma política federal desconectada dos estados", disse o diretor científico da FAPESP. •
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s resultados da quarta edição da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), divulgados no final de outubro, mostram um aumen to do número de empresas brasileiras que inovaram entre 2006 e 2008, mas também evidenciam a persistência de problemas estruturais, como a baixa propensão a esforços de pesquisa.e desenvolvimento (P&D) no setor privado e um contingente limitado de pesquisadores trabalhando em empresas. A taxa de inovação das empresas, que foi de 34,4% no período de 2003 a 2005, cresceu para 38,6% de 2006 a 2008. Isso significa que, no universo de 106.862 empresas entrevistadas, 41,3 mil delas criaram algum produto e/ou adotaram algum processo novo ou substancialmente aprimorado no período analisado. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que faz a Pintec desde 2000, coletou dados de 100.496 indústrias, de 6.326 empresas de setores selecionados da área de serviços e de 40 dedicadas a pesquisa e desenvolvimento. Um dado desanimador é que o crescimento, estimulado principalmente pelo desenvolvimento econômico no período, não foi acompanhado por um esforço do setor privado proporcionalmente maior do que o habitual em atividades internas de P&D, aquelas que costumam gerar inovações capazes de aumentar a competitividade e ajudar as empresas a conquistar novos mercados. A Pintec de 2008 mostra que as empresas pesquisadas investiram cerca de R$ 54,1 bilhões
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Os setores que mais investiram Dispêndios com atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) (em R$ 1.000
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em 2008)
Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias
3.097.735
Fabricação de coque, derivados de petróleo e biocombustíveis
1.701.439
Serviços de telecomunicações
1.208.306
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Fabricação de produtos químicos
1.006.426
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Fabricação de equipamentos de infor· mática, produtos eletrôn icos e ópticos
773.053
Fabricação de produtos alimentícios
666.030
Fabricação de outros equipamentos de transporte
650.998
Fabricação de máquinas, aparelhos e materiais elétricos
525.089
Fabricação de produtos farmoquímicos ou farmacêuticos
430.982
Fabricação de máquinas e equipamentos
392.844
10
em atividades inovativas (eram R$ 41,3 bilhões em 2005), sendo R$ 15,2 bilhões em atividades internas de P&D (ante R$ 10,4 bilhões na pesquisa anterior). Houve, é certo, um aumento real do dispêndio empresarial em atividades internas de P&D da ordem de 23%, comparando os dados das pesquisas de 2008 e de 2005, com valores atualizados para 2008 pelo IGP-DI. Mas quando se considera a relação dos gastos totais com atividades inovativas sobre a receita líquida de ven das das empresas observa-se estabilidade, até com ligeira queda, em relação ao percentual da Pintec 2005. A relação passou de 3% em 2005 para 2,9% em 2008. Já quando se analisam apenas os gastos nas atividades internas de P&D, houve um pequeno aumento na proporção em relação à receita, de 0,77% em 2005 para 0,8% em 2008. "Esperava-se que a prioridade conferida à inovação por políticas públicas, associada ao crescimento econômico, influenciasse os indicadores. Mas o esforço privado em inovação segue sendo relativamente baixo no Brasil", diz Sérgio Robles Reis Queiroz, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-secretário adjunto de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo. Em 2008, o Brasil investiu em P&D 1,09% do PIB, sendo que o setor privado foi responsável por 44% desse esforço. Na Alemanha e nos Estados Unidos, a despeito da crise econômica mundial, os dispêndios em P&D em 2008 foram de, respectivamente, 2,64% e 2,77% de seus PIEs, com as empresas respondendo por mais de dois terços do total. Elite - A pesquisa mostra que apenas uma elite gas indústrias pode ser considerada inovadora, no sentido preciso do adjetivo. Do total de 100.496 indústrias participantes do levantamento, 38.299 implementaram produto e/ou processo novo ou substancialmente aprimorado no período de 2006 a 2008. Desse conjunto, apenas 3.232 desenvolveram produtos ou serviços inovadores para o mercado nacional e somente 267 criaram inovações para o mercado mundial. Na maior parte dos casos, a inovação teve como parâmetro de comparação apenas o padrão que vigia na própria empresa, o que implica ganhos limitados, mesmo que façam diferença no faturamento. E, para a maioria, o padrão de inovação ainda se baseia no acesso ao conhecimento tecnológico por meio da incorporação de máquinas e equipamentos. Segundo a Pintec 2008,77,7% do total das empresas inovadoras considerou a compra de máquinas e de equipamentos como relevante para desenvolver suas inovações, ante 80,6% contabilizados pela pesquisa de 2005. Em segundo lugar aparece o treinamento (59,7% em 2005 e 59,9% em 2008).
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 31
Importância das atividades inovativas realizadas Projeto industrial e outras preparações técnicas
(em %)
28,2 38,9 37,0
Introdução das inovações tecnológicas no mercado
17,9 50,3 29.4
Treinamento
51,3 66,6 59.4
Aquisição de máquinas e equipamentos
56.4 72,3 78,1
Aquisição de softwares
54,8
-
22,5
.
Atividades internas de P&D
-
FONTE: IBGE.. PINTEC 2008
12,8 10,8
Aquisição externa de P&D
38,5 5.7 4,1 100,0
.
16,0 11,5
P&D
•
Serviços selecionados
Uma novidade foi o crescimento do percentual de empresas que consideraram relevante a aquisição de softwares: 16,6% no período 2003-2005 diante de 26,5% em 2006-2008. Já as atividades internas de P&D foram consideradas relevantes para 11,5% das indústrias, 16% das empresas de serviços e 100% das empresas de P&D. "A questão principal não é saber quantas empresas praticam inovação, mas qual é o resultado efetivo obtido com os recursos dedicados", afirma o economista João Furtado, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador de inovação tecnológica da FAPESP. "A simples compra de uma máquina nova dificilmente ajuda a empresa a conquistar novos mercados ou a ven32 • DEZEMBRO DE 2D1D • PESQUISA FAPESP 178
análise dos dados revela desigualdade no desempenho dos diversos setores analisados. A maior parte do crescimento foi verificada no setor de indústria de transformação. O aumento em dispêndios com atividades internas de P&D, corrigindo os valores de 2005 pelo IGP-DI, concentrou-se nos setores defabricaçãodeveículos(R$1,1 bilhão), em petróleo e biocombustíveis (R$ 0,57 bilhão) e em fabricação de produtos químicos (R$ 0,41 bilhão). No setor de serviços, o maior aumento foi em telecomunicações (+ R$ 0,68 bilhão), mas houve uma redução apreciável no setor de informática (-R$ 0,4 bilhão). O fôlego inovador das montadoras de veículos é tendência já observada nas pesquisas anteriores. "O Brasil tem uma tradição de inovação no parque metal-mecânico, enquanto nos países desenvolvidos os setores líderes são mais os ligados à informática e à indústria farmacêutica", diz Sérgio Queiroz. No caso do petróleo e dos biocombustíveis, os investimentos da Petrobras e o desenvolvimento de fontes alternativas, como o etanol, explicam o crescimento. O economista André Tosi Furtado, professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp, observa que há mais setores que progrediram do que setores que recuaram quando se analisa a série histórica de dispêndios em atividades internas de P&D em relação à receita líquida de vendas das empresas. "Os dados mostram que melhorou o desempenho inovador de setores ligados a commodities, como o dos alimentos, que é o principal da indústria brasileira, assim como o de refino de petróleo, o de telecomunicações, o automobilístico e até mesmo a indústria
A
38,5 24,3
Aquisição de outros conhecimentos externos
uma mudança em parâmetros internacionais. E considera que um setor em que o Brasil é reconhecidamente inovador, a tecnologia na agricultura, não é alcançado pela Pintec. "Na agricultura existem sinapses naturais, pessoas que pela origem e trajetória se comunicam ou formam comunidades baseadas na aplicação do conhecimento. Isso leva a uma sucessão de pequenas inovações que vão se difundindo", afirma. "De todo modo, deve haver reconhecimento que ainda estamos longe do ideal, tanto na abrangência quanto na intensidade, na atividade de inovação."
Indústria
der produtos com margens maiores, aqueles pelos quais os clientes aceitam pagar mais caro por identificar um benefício expressivo." No caso da indústria brasileira, os gastos com máquinas e softwares são duas vezes maiores do que os investimentos em P&D interno e externo. Já na Espanha, a compra de máquinas representa apenas 40% dos gastos com P&D interno e externo e na Alemanha, a metade. Agricultura - Para João Furtado, há que fazer outras ponderações em relação ao alcance da Pintec. Ele lembra que a pesquisa ampliou o conceito de inovação, incorporando elementos organizacionais e de marketing, o que aumentou o espectro das empresas consideradas inovadoras, seguindo
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farmacêutica, que faz pouco esforço de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, mas vem sendo estimulada por políticas industriais e setoriais, relacionadas à produção de genéricos", diz André Furtado. "Também há setores em declínio, como o de máquinas e equipamentos, que se ressentem da política cambial e da facilidade de importação. A fabricação de outros materiais de transporte, que incluem a indústria aeronáutica, e de equipamentos elétricos também sofreu queda. Há sinais de alerta, porque alguns desses setores são estratégicos", afirma. Embora diga que os problemas estruturais das empresas brasileiras persistem, André Furtado ressalta que, se a situação econômica seguir favorável, o impacto continuará sendo positivo no longo prazo. "Nossa intensidade de P&D na indústria ainda é cinco vezes inferior à dos países da OCDE, mas existe uma trajetória ascendente que a gente espera que continue", afirma, otimista. Falta de pessoal- A Pintec 2008 mapeou os problemas enfrentados pelas empresas no processo de inovação. Nas indústrias, os principais obstáculos aparecem na seguinte ordem: elevados custos da inovação (73,2%),
Em comparação com 2005, as empresas reclamaram mais da escassez de pessoal qualificado - e menos da falta de financiamento
riscos econômicos excessivos (65,9% ), falta de pessoal qualificado (57,8%) e escassez de fontes de financiamento (51,6%). Na comparação com a Pintec 2005, houve um aumento do peso da falta de pessoal qualificado e queda na relevância da falta de fontes de financiamento. O dado converge com uma das conclusões da Conferência Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em maio, na FAPESP, segun-
Problemas e obstáculos apontados pelas indústrias que implementaram inovações cem%) Centralização da atividade inovativa em outra empresa do grupo Escassez de serviços técnicos
• • • • • • • 37,3
Fraca resposta dos consumidores
• • • • 30,2
Dificuldade para se adequar a padrões Escassas possibilidades de cooperação Falta de informação sobre mercado
• • • • • • 32,1 • • • • 31,6 • • • • 32,6
Falta de informação sobre tecnologia
• • • • • • • 37,2
Falta de pessoal qualificado
• • • • • • • • 57,8
Rigidez organizacional
• • • • • • 31,1
Escassez de fontes de financiamento
• • • • • • • • • • 51,6
Elevados custos da inovação
• • • • • • • • • • • • • 73,2
Riscos econômicos excessivos
• • • • • • • • • • • • 65,9
do a qual a falta de recursos humanos qualificados já prejudica os planos de crescimento das indústrias paulistas. m dado intrigante e preocupante da Pintec 2008 foi a queda no número de pesquisadores trabalhando em empresas. Esse número era de 35 mil em 2000, passou a 40 mil em 2003, 50 mil em 2005 e caiu para 45 mil em 2008. Em países como Alemanha e Coreia do Sul o exército de pesquisadores trabalhando em empresas chega a 180 mil. No Japão são 492 mil. Nos Estados Unidos, mais de 1,1 milhão. "Isso é algo que deve nos preocupar muito, porque toda a estratégia e as políticas são feitas para levar mais pesquisadores para a empresa e esse número nem sequer ficou constante: diminuiu em 10% no período", destacou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP. "É um problema que precisa ser bem entendido. Precisamos ter esses indicadores com frequência para podermos realimentar as políticas públicas." O limitado fôlego inovador das empresas tem como contraponto o crescimento do apoio do governo a atividades inovadoras. De todo modo, aumentou o percentual de empresas inovadoras que utilizaram ao menos um instrumento de apoio governamental. Eram 18,8% do total em 2005 e cresceram para 22,3% em 2008, com 9,2 mil empresas utilizando algum incentivo público federal para inovar de 2006 a 2008. O principal instrumento utilizado pelas empresas inovadoras da indústria foi o financiamento para compra de máquinas e equipamentos (14,2%) e os menos utilizados foram o recém-criado instrumento de subvenção econômica (0,5 % ) e o financiamento a projetos de P&D e inovação tecnológica em parceria com universidades ou institutos de pesquisa (0,8%). Em relação aos incentivos fiscais regulamentados pelas leis de P&D e Inovação Tecnológica e pela Lei do Bem, o percentual de empresas industriais inovadoras que se utilizaram dos seus benefícios foi de 1,1 %, com destaque para as empresas com mais de SOO funcionários, em que a proporção foi de 16,2%. •
U
FABRÍCIO MARQUES
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[ INTERN ACIONALIZAÇÃO ]
Babel de vidro Federal de São Carlos atrai estrangeiros para pesqu1sa em engenharia de materiais
rede de colaboradores no exterior do Laboratório de Materiais Vítreos (LaMaV) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), coordenado pelo professor de engenharia de materiais Edgar Dutra Zanotto, reúne pesquisadores da França, da Espanha, de Portugal, da Alemanha, da Bulgária, da República Tcheca, do Reino Unido, dos Estados Unidos, da Rússia, da Colômbia e da Argentina. A inserção internacional tem como alicerce a produção científica e tecnológica do laboratório em seus 34 anos de existência. Trata-se de um dos cinco grupos mais produtivos do mundo em nucleação e cristalização de vidros, segundo dados da base Scopus, e mantém uma forte parceria de pesquisa com o setor privado para desenvolvimento de produtos. Isso explica por que o LaMaV tem em São Carlos atualmente pesquisadores de cinco nacionalidades diferentes, entre professores visitantes e estudantes. "Muitos doutorandos, pós-doutorandos e professores visitantes estrangeiros de renome têm se candidatado a estagiar no LaMa V e vários já trabalharam conosco. Esse intercâmbio contínuo é importante porque a ciência é universal", diz Zanotto, 56 anos, paulista de Botucatu que fundou o núcleo de pesquisa em 1977, quando fazia mestrado no Instituto de Física da USP São Carlos, e hoje compartilha a coordenação do laboratório com dois colegas, Ana Cândida Martins Rodrigues e Oscar Peitl Filho. Um dos professores visitantes do laboratório, convidado graças a um auxílio da FAPESP, é o francês
Esta é a quarta reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo
Jean-Louis Souquet. Já aposentado como professor do Institut National Polytechnique de Grenoble, na França, Souquet mantém uma colaboração antiga com Ana Cândida Rodrigues, desde que ela se doutorou na École Nationale Supérieure d'Électrochimie et Électrométallurgie de Grenoble. Quando se aposentou, o professor francês doou ao LaMa V um forno de fusão de vidros de seu laboratório que utilizava uma tecnologia não disponível no Brasil. "O forno está aqui, funcionando até hoje", diz Zanotto. Em 2007 e em 2009, Souquet passou temporadas no laboratório brasileiro. De volta a São Carlos desde agosto, atualmente elitá engajado no projeto de pesquisa do LaMa V "Mecanismos de transporte elétrico em vidros e vitrocerâmicas", coordenado por Ana Cândida. Hoje o valor do auxílio mensal a pesquisador visitante chega a R$ 8.536,50, caso de pesquisadores com qualificação equivalente à de professor titular nas universidades estaduais paulistas. Colaboração duradoura - O russo Vladimir Mikhailovich Fokin, pesquisador do Vavilov State Optical Institute, em São Petersburgo, chega em janeiro de 2011 também graças a um auxílio da FAPESP. Trata-se de um antigo colaborador do LaMa V. Será a sexta vez que passa uma temporada como professor visitante no laboratório - a primeira foi em 1998. "Temos cerca de 30 trabalhos publicados em conjunto", diz Zanotto. "Ele é um dos mais experientes e prolíficos pesquisadores de nossa área. Se você digitar os termos nucleação ou crescimento de
Edgar Zanotto: pesquisa com foco
cristais em vidros na base Scopus, verá que ele é um dos cinco mais produtivos do mundo", afirma Zanotto. "Fokin gosta muito do Brasil e se sente estimulado a vir trabalhar em São Paulo porque dispomos de um parque de equipamentos moderno e atualizado. Além do nosso laboratório e de vários outros da UFSCar, ele também pode recorrer a equipamentos da USP, da Unicamp, da Unesp e do Laboratório Síncrotron", diz Zanotto. "As condições de pesquisa no Brasil são melhores que na Rússia, notadamente em relação aos salários e ao parque de equipamentos, de modo que somos muito competitivos para atraí-lo", afirma. Vladimir Fokin elogia o dinamismo da pesquisa brasileira, em contraposição à rigidez de muitas tradicionais instituições da Europa que conhece. "Fico sempre impressionado com o entusiasmo e a vontade dos estudantes brasileiros de aprender e fazer o máximo possível", afirma. "Um dos lados mais atraentes de minha pesquisa no LaMa V é a excelente oportunidade de estabelecer conta tos e colaborações com jovens pesquisadores e estudantes." Segundo ele, as visitas ao Brasil têm-no ajudado a implementar suas ideias científicas. "E isso não apenas pelas excelentes condições técnicas para fazer experimentos, como também pela atmosfera produtiva e amigável no laboratório", afirma.
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O israelense Itay Dyamant, que veio fazer pós-doutoramento com bolsa da FAPESP, a partir de 1° de novembro, é o mais novo colaborador do LaMa V. Doutor em engenharia química pela Universidade Ben Gurion do Negev, Dyamant havia enviado uma carta a Zanotto solicitando uma bolsa de pós-doe. "Confesso que nem respondi. Muitos jovens pesquisadores enviam cartas para vários lugares. A gente se empenha em trazê-los e eles acabam aceitando a oferta de um laboratório norte-americano", diz Zanotto. Pois o destinatário de uma dessas cartas, o professor da Washington University, em Saint Louis, Kenneth Kelton, sugeriu que Dyamant insistisse com Zanotto, pois seus interesses de pesquisa eram talhados para o laboratório da UFSCar. "Disse a ele que só me daria ao trabalho de submeter um projeto à FAPESP se ele garantisse que viria. Ele pagou passagem e hospedagem do próprio bolso e veio com a mulher passar uma semana em São Carlos. Gostou e então submetemos o projeto à FAPESP", diz Zanotto. Atualmente, a bolsa da FAPESP para pós-doutores no Brasil é de R$ 5.028,90. O estudante colombiano José Luis Narvaez Semana te, graduado pela Universidade de Cauca, está na UFSCar desde 2007. Foi indicado por um professor que havia estudado no Brasil, mas veio para São Carlos fazer as provas por sua conta, só conseguindo uma bolsa da Capes depois que foi aprovado. "Cursei um semestre como aluno espe-
cial antes de entrar no mestrado", lembra. Concluiu em 2009 o mestrado com bolsa da Capes e agora faz o doutorado com bolsa do CNPq, sob orientação da professora Ana Cândida Rodrigues. "Na Colômbia seria quase impossível fazer pós-graduação, pois não há bolsas", afirma. "O Brasil oferece muitas oportunidades e o LaMa V é um dos melhores laboratórios do mundo na área de vidros. Tem excelente infraestrutura e pessoal técnico que permitem trabalhar com tranquilidade", afirma. Seu plano, a princípio, é retornar à Colômbia depois que terminar o doutorado para trabalhar como pesquisador. "Mas quero manter o vínculo com o LaMaV", afirma. Celeiro - Por fim, o estudante dinamarquês Jonas Kjeldsen veio a São Carlos por um período de seis meses para obter o grau de mestre em engenharia química, com bolsa do governo da Dinamarca. Ele soube do grupo de São Carlos por intermédio de um professor alemão, Ralf Keding, de sua universidade na Dinamarca. "Ele havia passado dois anos em São Carlos no início de sua carreira e conhecia o lugar e as pessoas", diz Kjeldsen. "Fiquei com a impressão de que a universidade era muito séria e depois de algum tempo aqui eu observei que estava certo. O LaMa V é um celeiro de conhecimento muito grande e estou contente por fazer parte disso", diz. A via é de mão dupla. Atualmente, dois estudantes de graduação do LaMaV estão fazendo estágio
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O qrupo vem se dedicando a uma mesma área nos últimos
34 anos, com avanços em pesquisa básica e aplicações tecnolóqicas
na Alemanha e, a partir de 2011, um doutorando passará uma temporada nos Estados Unidos e um pós-doe irá para Portugal e Espanha. Para Zanotto, a consistência de seu grupo está relacionada à dedicação a uma mesma área nos últimos 34 anos. "Nós temos um foco, que são os vidros, especialmente os processos de nucleação e cristalização, e um know-how sólido e consolidado neste assunto que nos coloca entre os principais grupos mundiais nesse campo", afirma. "É diferente do que acontece com muitos grupos competentes, que mudam de tema a cada dois ou três anos: migram de cerâmicas tenazes para supercondutores, daí para filmes finos, nanotecnologia, depois para o grafeno ... e acabam não se aprofundando e marcando posição em nenhum deles", diz o professor. Ele avalia que a formação de sua rede internacional teve origem nos conta tos estabelecidos nas temporadas que passou no exterior. Ele fez doutorado na Universidade de Sheffield, do Reino Unido, no início dos anos 1980, e estágios de pesquisa na Universidade do Arizona, Estados Unidos (1987), na Escola Internacional de Estudos Avançados em Ciência de Polímeros na Universidade de Ferrara, na Itália (1993 ),
e na Universidade da Flórida, Estados Unidos (2005). "Depois foram sendo somados os contatos internacionais feitos durante congressos e também por meus colegas professores e pelos alunos", afirma. O LaMaV é responsável por diversas contribuições relevantes nos campos da pesquisa básica - nucleação e crescimento de cristais em vidros e propriedades fisico-químicas de vidros- e aplicada em temas como vitrocerâmicas. Um exemplo no campo da pesquisa básica foram dois artigos publicados por Zanotto, em 1998 e 1999, no American fournal of Physics, o primeiro deles comentado na Science, desmontando o mito de que as igrejas medievais como a de Notre- Dame, por terem vitrais mais espessos na base do que no topo, constituem a prova de que o vidro pode fluir na temperatura ambiente. Que o vidro é um líquido viscoso ele não discutiu, mas demonstrou que para escoar a ponto de atingir a espessura observada nos templos o material levaria milhões e milhões de anos. A partir da análise da composição de 350 vitrais medievais, ele concluiu que as diferenças de espessura em questão, na verdade, decorrem apenas de defeitos de fabricação do vidro.
No campo da pesquisa aplicada, o laboratório produziu importantes contribuições ao desenvolvimento de vitrocerâmicas, um sofisticado material policristalino que se origina do vidro e pode ser empregado na fabricação de ossos e dentes artificiais, substratos de discos rígidos de laptops, espelhos de telescópios gigantes, pisos de luxo, panelas transparentes resistentes ao choque térmico e placas de modernos fogões elétricos no lugar dos tradicionais queimadores a gás (ver Pesquisa FAPESP no 76). Indústrias- O LaMaV também mantém estreita cooperação com indústrias. Duas dezenas de projetos de pesquisa e desenvolvimento foram realizadas nos últimos 20 anos em conjunto com mais de 40 empresas, entre elas Pirelli, Usiminas, Companhia Baiana de Pesquisas Minerais ( CBPM), Alcoa, Nadir Figueiredo, Saint-Gobain (França) e Optigrate (EUA). Sua mais recente incursão na pesquisa empresarial tem a ver com o biossilicato, material bioativo capaz de ligar-se ao esmalte dentário e prevenir a hipersensibilidade da dentina (ver Pesquisa FAPESP no 158). A pesquisa sobre o biossilicato levou à criação de uma empresa em São Carlos. Recentemente, o reconhecimento internacional da pesquisa feita no laboratório rendeu a Zanotto o convite pela Elsevier Publishing Co. para liderar o fournal of Non-Crystalline Solids (JNCS), principal publicação na área de estudos em materiais vítreos e amorfos. Desde outubro, Zanotto atua no comando da revista, ao lado de B. G. Potter, da Universidade do Arizona, e J. W. Zwanziger, da Dalhousie University. É a primeira vez que um estrangeiro assume a função; os cinco ex-editores da revista nos últimos 50 anos eram norte-americanos. Segundo Zanotto, a indicação reflete a reputação do LaMaV, que "está em pé de igualdade com os mais conhecidos laboratórios internacionais especializados nesse campo. Esperamos que isso contribua para atrair mais financiamento e bons alunos e colaboradores brasileiros e estrangeiros". • FABRÍCIO MARQUES
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LABORATÓRIO MUNDO
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TORPEDOS CONTRA O HIV Centro de polémica recente sobre possíveis danos à saúde, os telefones celulares podem, como instrumento de comunicação, auxiliar no tratamento de doentes. Um estudo feito no Quénia mostrou que o envio de mensagens por celular funciona como estímulo para aderir ao tratamento e ajuda na orientação da terapia adequada. O uso dos torpedos ampliou em 12% a taxa de adesão ao tratamento contra o vírus HIV, causador da Aids, e em 9% o total de casos de supressão da carga virai, em comparação com o grupo que não recebeu as mensagens. Desse estudo participaram 538 pessoas que recebiam medicamentos contra HIV: 265 passaram pelo tratamento padrão, sem mensagens por celular, e 273 receberam mensagens semanais das equipes médicas que as tratavam. Os médicos disparavam mensagens para muitos destinatários ao mesmo tempo perguntando como se sentiam e chamavam para consulta quem tinha problema ou não tinha respondido em dois dias. Os autores do estudo, coordenado por Richard Lester, da Universidade da Colúmbia Britânica, Canadá, e publicado na revista Lancet, ressaltam o custo baixo da intervenção: cada mensagem custava cerca de R$ 0,10 e as respostas de voz, R$ 7,00 por mês por atendente.
AGRICULTORES
I IMIGRANTES
Uma contribuição da genética lançou nova luz sobre um debate antigo que também envolve arqueologia e antropologia: foi a transferência de ideias ou de pessoas que deu origem à agricultura na Europa? O modo de produzir alimentos que permitiu aos seres
humanos abandonar o nomadismo e criar o estilo de vida hoje dominante surgiu no Oriente Médio há cerca de 11 mil anos, e só na chamada transição neolítica, entre 8 mil e 4 mil anos atrás, se instalou na Europa. Um grupo liderado por Wolfgang Haak, da Universidade de Adelaide, na Austrália, analisou o DNA de 21 pessoas do
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sítio arqueológico Derenburg Meerenstieg II, na Alemanha, com idade estimada entre 5.500 e 4.900 anos, e verificou que há grande semelhança entre elas e os habitantes atuais da Anatólia, na parte asiática da Turquia. Para os pesquisadores, que publicaram os resultados em novembro na PLoS Biology, os dados indicam claramente que os primeiros agricultores europeus teriam sido migrantes que chegaram de longe trazendo na bagagem técnicas de cultivar os alimentos.
INSOLAÇÃO EM ALTO-MAR Biólogos ingleses e . . meXIcanos exammaram a pele de baleias-azuis do golfo da Califórnia, por meio de fotos de alta
qualidade e coleta de amostras de pele, e encontraram bolhas semelhantes às de queimaduras de sol em seres humanos. Causadas pela exposição à radiação ultravioleta, essas lesões são bem conhecidas em seres humanos e em animais de laboratório, mas eram ignoradas em animais que vivem em seus ambientes naturais. Estudando três espécies de baleia, Laura Martinez-Levasseur, coordenadora do estudo publicado em novembro nos Proceedings of the Royal Society B, constatou que esse tipo de lesão é comum nesses animais, em especial entre os de pele mais clara, que se expõem ao sol quando vão à superfície do mar para respirar ou alimentar os filhotes. A redução da camada de ozônio, que filtra a radiação ultravioleta, põe em risco a saúde das baleias e de outros animais.
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TODOS DE; OLHO NAS GALAXIAS
O Galaxy Zoo, um projeto coletivo internacional de astrofísica, está colhendo novos resultados. Em 2007, os milhares de vol untários que queriam participar tinham apenas de classificar galáxias, de acordo com a sua forma, em espirais ou elípticas. As classificações, avaliadas posteriormente por especialistas, foram mais precisas do que as feitas por programas de computador. Agora, em outra missão, lançada em 2009, cerca de 300 mil voluntários tinham de classificar as imagens de galáxias feitas por um telescópio do Novo México, Estados Unidos. Depois, Karen Masters, da Universidade de Portsmouth, Inglaterra, analisou 13.665 galáxias espirais examinadas pelos voluntários, que indicaram quais tinham uma região rica em estrelas e gás conhecida como barra. Segundo artigo publicado em novembro na Monthly
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O MAGNETISMO DAS FLORES
Notices of the Royal Astronomical Society, os valores encontrados pelos amadores e pelos cientistas profissionais eram bem próximos: cerca de 30% das galáxias tinham barras. Os resultados sugerem que, para fazer certos tipos de classificação de galáxias, um grupo de amadores pode ser tão eficaz quanto uma equipe profissional.
COM PROBIÓTICOS, MENOS DIARREIAS
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Os probióticos- bebidas à base de microrganismos vivos, vendidas em supermercados na seção de iogurtes- podem ajudar a reduzir a duração de diarreias prolongadas, de mais de quatro dias, e poderiam ser adotados como complementação à reidratação, o tratamento habitual, de acordo com trabalho publicado na Cochrane Database of Systematic Reviews.
Pesquisadores da Universidade de East Anglia e do Centro John lnnes, ambos da Inglaterra, identificaram as regras que determinam as proporções finais de órgãos com forma bem definida, como asas e flores. O segredo parece estar no acionamento e na desativação de genes em tempos diferentes, concluíram. Por meio de um modelo computacional, eles estudaram quatro genes que controlam a formação das pétalas da flor conhecida como boca-de-leão (Antirrhinum majus). Verificaram que esses genes regulavam não só a velocidade de crescimento de diferentes regiões das pétalas, mas também a orientação espacial delas, como se as células tivessem uma bússola química indicando a direção em que deveriam crescer. Nesse estudo, publicado em novembro na PLoS Biology, a equipe coordenada por Enrico Coen, do Centro John lnnes, argumenta que esses princípios podem permitir também o desenvolvimento de formas biológicas complexas em outros organismos, como as mandíbulas dos vertebrados, que têm encaixe preciso.
O grupo coordenado por Stephen Allen, da Faculdade de Medicina da Universidade Swansea, Reino Unido, chegou a essa conclusão após examinar 63 estudos clínicos, dos quais participaram 8.015 pessoas, quatro vezes mais que o número envolvido no levantamento anterior. Outro artigo de revisão, baseado em quatro estudos feitos com 464 crianças, reforça essas conclusões. A reposição de líquidos e o consumo de probióticos podem diminuir em um dia a duração de diarreias persistentes. Os microrganismos dos
probióticos- em geral lacto bacilos- ajudam a restaurar a flora intestinal e a eliminar bactérias, vírus ou parasitas prejudiciais ao organismo.
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LABORATÓRIO BRASIL
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QUANTO MENOS SANGUE, MELHOR Estudo conduzido no Instituto do Coração (lnCor) da Universidade de São Paulo traz uma boa notícia para quem precisa passar por cirurgia cardíaca e para os bancos de sangue, que no Brasil apresentam um déficit anual de 2,2 milhões de bolsas. Quem é operado do coração talvez possa, sem prejuízo para a saúde, receber um pouco menos de sangue do que a quantidade transfundida habitualmente, segundo trabalho Transfusão: conduzido pela médica Ludhmila Hajjar. mais risco de De fevereiro de 2009 a fevereiro de problemas 2010, a equipe do lnCor acompanhou 502 pessoas submetidas a cirurgia cardíaca e aleatoriamente separadas para seguir um dos dois esquemas de transfusão que se iniciou no centro cirúrgico e seguiu até a alta da UTI. O primeiro grupo, dito liberal, recebeu sangue para manter o volume de hemácias em relação ao de sangue (hematócrito) superior a 28%. Às pessoas do segundo grupo (restritivo), só foi administrado sangue quando o hematócrito estava abaixo de 24%. "As duas estratégias foram igualmente eficazes no que se refere à ocorrência de complicações clínicas e de mortalidade", conta Ludhmila, primeira autora do estudo publicado em outubro no JAMA. "Reduzir o uso de sangue expõe o paciente a menos risco de problemas cardiovasculares, pulmonares e até de morte, que aumentam com a transfusão sanguínea", explica.
PASSADO
I MOVIMENTADO Acredita-se que por volta de 550 milhões de anos atrás os blocos continentais que hoje formam um trecho do Nordeste brasileiro que vai do leste do Piauí ao norte da Bahia tenham se tornado estáveis depois de quase 300 milhões de anos da intensa atividade ~ tectônica e magmática que 40 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 17B
gerou as cadeias de montanhas da região. Mas começam a surgir indícios de que a movimentação desses blocos pode não ter cessado tão cedo, ao menos não em toda a região. Um grupo de pesquisadores coordenados pela geóloga Maria Helena HGllanda, da Universidade de São Paulo (USP), identificou próximo aos municípios de Monteiro e Sumé, na Paraíba, sinais de que rochas se formaram pela solidificação do magma (rochas ígneas) tanto acima como abaixo da superfície em sincronia com o deslocamento dos grandes blocos rochosos ocorrido entre 550 milhões e 530 milhões de anos atrás. Essas idades foram determinadas a partir da análise de três minerais- anfibólio e biotita, extraídos da zona de contato entre os blocos que se movimentaram
(zona de cisalhamento ), e zircão, retirado das rochas ígneas. Esses minerais foram examinados com equipamentos de alta precisão iguais aos hoje disponíveis no Instituto de Geociências da USP, entre eles, uma microssonda iônica de US$ 3 milhões, adquirida recentemente com financiamento da FAPESP e da Petrobras. Publicado na Precambrian Research, o trabalho, feito em parceria com Richard Armstrong, da Universidade Nacional da Austrália, e Paulo Vasconcelos, da Universidade de Queensland, contribui para o conhecimento geológico do Nordeste brasileiro. "Mas", adverte Maria Helena, "ainda não é possível extrapolar as interpretações decorrentes desses resultados para toda a região". São necessários estudos em outras rochas da região para assegurar que essas conclusões sejam válidas para boa parte do Nordeste.
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OS TUCANOS E OS ANDES
Os araçaris, tucanos do gênero Pteroglossus, de bico esverdeado e plumagem colorida, parecem não ter precisado de refúgios para se isolar e gerar uma diversidade de espécies. Um grupo liderado por Swati Patel, ligada ao Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, analisou a história evolutiva das espécies conhecidas de araçaris e indicou vários momentos de diversificação (Molecular
Phylogenetics and Evolution). O primeiro, entre 5 milhões e 3 milhões de anos atrás, coincide com o fim do soerguimento dos Andes, que pode ter criado barreiras à movimentação até mesmo dessas aves com grande capacidade de voo, segundo o trabalho, do qual participou Alexandre Aleixo, do Goeldi, e pesquisadores da Universidade Northwestern e do Museu Field de História Natural, ambos nos Estados Unidos. Espécies da Amazônia e da mata atlântica divergiram entre 3,68 milhões e
anos. Entre as discordâncias com estudos anteriores, se destaca a diversificação inicial encontrada por Swati: é anterior à formação dos refúgios, ilhas de floresta resultantes de flutuações climáticas, tidas por muitos como a maior fonte de biodiversidade nas florestas tropicais.
EXCESSO DE
I CROMO NA ÁGUA
2,25 milhões de anos atrás, provavelmente por causa de eventos geológicos e climáticos diversos. Os grandes rios da bacia amazônica também
parecem ter atuado como barreiras, embora os dados apontem para um surgimento mais recente dessa bacia do que a data mais aceita: 2,4 milhões de
Em 2008, Reginaldo Bertolo, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), detectou níveis de cromo três vezes superiores aos recomendáveis para a saúde na água do aquífero Bauru, o reservatório subterrâneo mais explorado do estado de São Paulo. Agora, em estudo publicado em novembro no fournal
FLORESTAS SEMEADAS
of South American Earth Sciences, ele e colaboradores
A vegetação da mata atlântica nordestina não se rende com facilidade: basta permitir que ela retome seu espaço, constataram pesquisadores da Universidade Federal Rural de Pernambuco e da Univ.ersidade Federal de Pernambuco, no Brasil, e da Universidade de Ulm, na Alemanha. Eles estudaram ilhas de floresta com graus variados de desenvolvimento no canavial São José, em pleno Centro de Endemismo Pernambuco - uma parte da mata atlântica onde só restam 5% da vegetação original. No estudo publicado na revista Flora, os pesquisadores se surpreenderam ao verificar que até sementes grandes, que só podem ser transportadas por mamíferos como cutias ou macacos, conseguem chegar a trechos onde só há plantação de cana. Algumas dessas árvores, como o araticum e a pitomba, servem de alimento para seres humanos, que ajudam na dispersão das sementes. Os resultados sugerem que o reflorestamento pode ser atingido com baixo custo, mesmo que seja necessário assumir um papel ativo quando faltem dispersores ou polinizadores que possam atravessar a distância entre duas ilhas de mata.
mostraram de onde vêm os níveis de cromo que deixam a água imprópria para consumo humano. A origem é natural: no município paulista de Urânia o excesso de cromo provém dos minerais das rochas que formam o aquífero. Os valores de cromo das amostras de arenito de Urânia eram até seis vezes maiores que os de rochas do mesmo tipo colhidas em outras partes do mundo. "Pequenas quantidades de cromo liberadas pelos minerais da rocha são suficientes para tornar a água não potável", diz Bertolo. "Isso aumenta o custo do tratamento da água e pode levar ao fechamento dos poços de abastecimento."
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 41
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Medicamento usado no tratamento do lúpus prejudica a fertilidade FRANCISCO BICUDO ILUSTRAÇÕES LAURA DAVINA
[ MEDICINA ]
CIÊNCIA
reumatologista pediátrico Clovis Artur Almeida da Silva se lembra com detalhes do dia, em 2002, em que a adolescente Maria das Flores (nome fictício), de 16 anos, o procurou no Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas de São Paulo para contar que a mãe havia descoberto o preservativo que ela carregava na bolsa. Meses depois, já com 17 anos, Maria das Flores voltou a procurar Almeida, desta vez para lhe contar, antes de falar para qualquer outra pessoa, que tivera sua primeira relação sexual- e usado preservativo. Essa demonstração de confiança entre a paciente e o médico tem para Almeida uma dimensão especial. É que Maria das Flores era uma das jovens acompanhadas por ele no Ambulatório de Reumatologia do ICr com lúpus eritematoso sistêmico. Causado por uma disfunção do sistema imunológico disparada por defeitos genéticos, alterações hormonais, infecções virais e outros fatores ainda desconhecidos, o lúpus atinge uma em cada 100 mil pessoas (90% são mulheres), é quatro vezes mais comum em adultos do que em crianças e provoca lesões em diversos tecidos: danifica as articulações, causa vermelhidão e descamação da pele e, nos casos mais graves, afeta o sistema nervoso central e os rins. Medicamentos mais eficientes surgidos nos últimos 15 anos vêm permitindo às pessoas com lúpus viver mais e com melhor qualidade. E também a namorar, casar e ter filhos. Acompanhando a mudança no perfil etário, Almeida decidiu conhecer melhor como essa doença autoimune, por ora ainda sem cura, influencia a vida das garotas e dos rapazes com idade entre 12 e 18 anos, que hoje representam quase 20% das pessoas com lúpus. Nos últimos 10 anos ele e pesquisadores de outras instituições de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e da Bahia avaliaram o desenvolvimento sexual de quase 400 crianças, adolescentes e adultos jovens com lúpus. O trabalho revelou que quem tem a doença alcança a maturidade sexual mais tarde e em geral é menos fértil. E levantou pistas de algo mais importante: boa parte do retardo no desenvolvimento sexual e da diminuição da fertilidade não é consequência da enfermidade, mas dos medicamentos usados para mantê-la sob controle. PESQU ISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 43
"Revelamos efeitos importantes da medicação tanto no caso das meninas como no dos rapazes", afirma Almeida. Uma das alterações que a medicação provoca é o atraso na idade em que ocorre a primeira menstruação: a menarca, que representa o início da idade fértil feminina. Almeida comparou a idade em que 30 adolescentes com lúpus tiveram a menarca com a idade em que ocorreu a primeira menstruação de 30 garotas sem o problema. No primeiro grupo, a menarca aconteceu em média por volta dos 13 anos, quase dois anos mais tarde do que entre as adolescentes sem lúpus, segundo artigo publicado em 2009 na revista Lupus. "O vilão da história são os corticoides [medicamentos anti-inflamatórios] usados no tratamento, que tornam o amadurecimento sexual feminino mais lento", explica o pesquisador do ICr. Interessado em ampliar e aprofundar essa investigação, Almeida conseguiu a colaboração de equipes de outras 11 universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia e avaliou 298 adolescentes com lúpus. Em seguida, confrontou o resultado com o de um trabalho anterior feito com 2.500 garotas saudáveis. A comparação mostrou que 12% das meninas apresentavam interrupção repentina na menstruação (amenorreia) que costumava durar entre quatro e sete 44 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
OS
PRO~ETOS
1. Avaliação da função gonadal em pacientes do sexo masculino com lúpus eritematoso sistêmico -
n° 2004/07832-2 2. Avaliação da função gonadal
em pacientes do sexo masculino com dermatomiosite e polimiosite - n° 2005/56482-7 MODA LI DADE
1 e 2. Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADOR
1 e 2. Clovis Artur Almeida da Silva- Instituto da Criança INVESTI MEN TO
1. R$ 17.431,08 (FAPESP) 2. R$ 9.730,37 (FAPESP)
meses. Dois fatores explicam a disfunção: a gravidade da própria doença e o efeito colateral dos medicamentos. "No lúpus os anticorpos produzidos pelo organismo podem causar inflamação nos ovários e alterar os níveis dos hormônios sexuais", conta Almeida. Somadas a esse efeito, doses elevadas de corticoides reduzem o funcionamento da glândula hipófise, localizada na base do cérebro, diminuindo a secreção do hormônio folículo estimulante (FSH)
e do hormônio luteinizante (LH ), responsáveis pela maturação dos óvulos. O estudo também indicou que outro medicamento usado para controlar o lúpus, o imunossupressor ciclofosfamida, que reduz a atividade inflamatória da doença, elevou o risco de aborto. A provável explicação para esse efeito - observado entre garotas que engravidaram durante o tratamento, apesar da recomendação de que usassem métodos contraceptivos- é que a ciclofosfamida inibe a divisão celular e interfere no desenvolvimento do embrião. Almeida verificou que, mesmo sem o uso do imunossupressor, as adolescentes com lúpus têm menos óvulos do que as sem a doença. Apresentado em 2007 na Lupus, o trabalho mereceu um editorial no fournal of Rheumatology, assinado por Miriam Kaufman, uma das principais especialistas no mundo em medicina de adolescentes. "Os autores [brasileiros] alertam para a necessidade de as jovens serem orientadas em suas decisões relacionadas à vida sexual", escreveu Miriam. Outro efeito indesejado da ciclofosfamida foi o aumento dos casos de uma infecção por fungo: a candidíase vaginal, identificada em 14% das garotas com lúpus. "A candidíase deve ser tratada porque pode se disseminar pelo corpo", conta Almeida. Tamanho do pênis - Em paralelo ao estudo com as garotas, a equipe do Instituto da Criança e da Disciplina de Reumatologia da Universidade de São Paulo avaliou a fertilidade e a maturação sexual de adolescentes e adultos jovens do sexo masculino. Uma das consequências observadas, possivelmente associadas ao uso dos medicamentos, é a redução do tamanho do pênis. A reumatologista pediátrica Ana Paula Vecchi, do grupo de Almeida, avaliou o comprimento e a circunferência do órgão sexual de 25 adultos jovens com lúpus e verificou que, em média, el~s tinham o pênis 2 centímetros menor do ' que os rapazes sem lúpus. E a diminuição foi mais intensa entre aquel6S que haviam apresentado os prhneiros sinais do lúpus antes dos 13 anos de idade. Ana Paula acredita que, nesses casos, o tratamento tenha se iniciado muito .;
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cedo, antes que os órgãos sexuais se desenvolvessem completamente. "Os corticoides interferem na hipófise, o que leva a uma redução na produção hormonal", conta a reumatologista. "E com menos testosterona o órgão cresce menos." Apesar desse problema, motivo de incômodo para muitos homens, os jovens que participaram do estudo disseram não ter dificuldades em manter relações sexuais, diminuição da libido nem vergonha ou baixa autoestima. O tamanho peniano não foi o único problema entre os homens com lúpus. De modo geral, eles também são menos férteis do que quem não tem a doença. Entre 2002 e 2006 o grupo de Almeida acompanhou 35 homens com idade entre 15 e 45 anos, que, além do lúpus, não apresentavam outras enfermidades, nem consumiam álcool ou tabaco. A análise do esperma mostrou que 60o/o dos homens com lúpus tinham problemas de fertilidade que variaram da baixa concentração e mobilidade reduzida dos espermatozoides à ausência total de células reprodutivas masculinas. Esses homens também apresentavam testículos menores do que o dos adultos sem lúpus e níveis elevados do hormônio FSH, que regula a produção de espermatozoides. O grupo do ICr verificou que o fator responsável pelas alterações nos espermatozoides foi o uso da ciclofosfamida, que interfere
Composto---->. que controla a resposta imune reduz a produ~ão de hormõnios • sexua1s
negativamente no desenvolvimento das glândulas sexuais (gônadas) - o impacto do medicamento foi tão intenso que os espermatozoides continuavam alterados cinco anos depois do tratamento. Marcador sanguíneo- A constatação de que os defeitos nos espermatozoides aparecem sempre associados à alteração no nível de dois hormônios - o FSH e a inibina B, que é produzida pelos testículos e regula a produção de FSH - levou o reumatologista pediátrico Ricardo Maisse Suehiro, da equipe de Almeida, a desenvolver um possível indicador de deformação das células reprodutivas masculinas. "Há uma relação direta entre a taxa dos dois hormônios", conta Suehiro. "Quando o nível de FSH sobe, por causa da ciclofosfamida, os testículos produzem menos inibina B, o que prejudica a qualidade do esperma." Se esses resultados forem confirmados por outros trabalhos, a medição da taxa de inibina B no sangue pode se tornar um marcador de alterações nos espermatozoides que dispensaria o espermograma. Almeida acredita que os resultados que seu grupo colecionou nos últimos anos contribuam para reorientar o tratamento das pessoas com lúpus e melhorar a qualidade de vida. Atualmente ele participa, a convite de uma instituição norte-americana, do desenvolvimento de um composto - a triptorelina - que pode ajudar a proteger os ovários das jovens que usam ciclofosfamida. Para o caso masculino, Almeida sugere que se criem bancos de sêmen que permitam o congelamento de espermatozoides saudáveis antes do início do tratamento. •
Artigos científicos l. SOARES, P.M. et al. Gonad evaluation in male systemic lu pus erythematosus. Arthritis Rheum. v. 56, p. 2.352-61. jul. 2007. 2. SUEHIRO, R.M . et al. Testicular Sertoli cell function in male systemic lu pus erythematosus. Rheumatology. v. 47, p. 1.692-97. nov. 2008. 3. SILVA, C.A. et al. Maintenance of fertility in patients with rheumatic diseases needing anti-inflammatory and immunosuppressive drugs. Arthritis Care and Research. 26 ago. 2010. (on-line)
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 45
[ GENÉTICA ]
!
O mistério de Ringo e Suflair
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Cães assintomáticos podem ter genes que os protegem da distrofia muscular
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MARCOS PIVETTA
á sete anos, o golden retriever Ringo intriga os pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP. Ele tem uma mutação genética que o impede de produzir distrofina, proteína essencial para a manutenção da integridade dos músculos. O defeito deveria ter levado o cão a apresentar, desde muito cedo, os. sinais clínicos clássicos de distrofia muscular, como dificuldade para andar e deglutir, e hoje provavelmente nem deveria estar mais vivo se tivesse desenvolvido a doença. Mas Ringo é sadio, praticamente normal. A mutação o fez no máximo puxar um pouco as patas traseiras. Quatro anos e meio atrás, teve um filhote, Suflair, que, como ele, herdou o mesmo defeito genético, mas também não manifesta a distrofia. Outros irmãos de Suflair não tiveram a mesma sorte: morreram dias após nascer ou acabaram desenvolvendo distrofia muscular de forma severa. Ringo e Suflair são exceções à regra. Por isso têm sido alvo de vários estudos- e é de um desses trabalhos que saiu uma evidência de por que os músculos desses cachorros não sucumbiram à ausência de distrofina. Os animais parecem carregar genes ou mecanismos protetores que neutralizam total ou parcialmente os efeitos negativos da mutação causadora da doença. Num experimento feito em colaboração com o laboratório de Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da USP, os pesquisadores viram que alguns genes dos cães assintomáticos eram menos expressos (ativados) que os dos animais doentes. "Nossa hipóte-
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se é que a menor expressão desses genes pode conferir alguma for ma de proteção aos cães e talvez ser importante para encontrarmos uma forma de combater a doença", afima a geneticista Mayana Zatz, coordenadora do centro. "Estamos quebrando um paradigma e mostrando que nem sempre a falta da proteína leva à distrofia." Como ainda não publicaram um artigo científico sobre o estudo, os geneticistas da USP preferem não dar mais detalhes sobre a localização dos possíveis genes protetores. As suspeitas de Mayana ganharam mais força quando sua equipe tomou contato com o trabalho da veterinária Diane Shelton, que chefia um laboratório na Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD) especializado no diagnóstico de doenças neuromusculares em animais domésticos. Desde 2008, a pesquisadora americana contabiliza nove casos de cães que não produzem distrofina, mas não apresentam sintoma algum da doença. Os cães assintomáticos, no entanto, não são da raça golden retriever. São todos labradores e - detalhe interessante - oriundos de dois criadores de New Hampshire e Massachusetts, estados vizinhos da costa leste americana, que partilharam uma mesma fêmea para produzir a ninhada de cães. "Olhando para os cães, ninguém consegue dizer que eles têm distrofia", diz Diane. "Acho que fatores modificadores desempenham algum papel para que esses cachorros sejam clinicamente normais." Cães impuros - A notícia da descoberta dos labradores assintomáticos caiu literalmente no colo da equipe brasileira. Há alguns meses, a bióloga Natássia Vieira, que faz doutorado sob orientação de Mayana e estuda o uso de células-tronco nas distrofias musculares, estava num seminário em Boston quando ouviu uma apresentação de Diane Shelton. Além de relatar a história dos cães americanos, a veterinária disse, em sua exposição, que iria entrar em contato com a "mãe" do Ringo, o golden retriever assintomático estudado há tempos na USP, para enviar amostras de DNA dos labradores. Nem foi preciso sair da sala para a parceria ter início. Diane foi imediatamente apresentada a Natássia, que estava na plateia, e alguns dias depois a brasileira recebeu
Zebrafish : modelo para testar genes que protegem contra as distrofias
as amostras antes de deixar Boston e voltar para o Brasil. Comparar o DNA dos golden retrievere dos labradores assintomáticos pode acelerar o caminho para encontrar supostos mecanismos moleculares de proteção à distrofia m uscular. A estratégia ganh ou mais força ainda quando a equipe de Mayana deixou escapar um pequeno segredo da alcova canina. "Ringo e Suflair não são puros", afirma Natássia. "Eles carregam material genético da raça labrador." Um quarto do genoma de Ringo e um oitavo do de Suflair devem ser originários da outra raça. Mayana conta que ficou furiosa quando, anos atrás, descobriu que uma das golden retriever, portad01;a da mutação no gene da distrofina, havia sido cruzada com um labrador. Hoje
O
PRO~ETO
Centro de Estudos do Genoma Humano - n° 1998/14254-2 MODALIDADE
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADORA
Mayana Zatz - Instituto de Biociências da USP INVESTIMENTO (ANUAL)
R$ 1.600.000,00 e US$ 980.000,00 (FAPESP)
comemora o fato de ter sido agraciada com uma colônia de cães impuros: "A mistura com labrador pode ter livrado Ringo e Suflair de terem a doença". A procura por supostos genes capazes de compensar a falta de produção de distrofina e evitar a manifestação dos sintomas da doença levou a equipe da USP a estabelecer recentemente uma parceria internacional com um dos maiores especialistas no estudo das bases genéticas das distrofias musculares, Louis Kunkel, professor da Escola Médica de Harvard. Em 1987, Kunkel descobriu a causa da distrofia muscular de Duchenne: identificou no cromossomo X o gene da distrofina que, quando alvo de mutações, deixa de produzir sua respectiva proteína. "Se descobrirmos que outro gene ou genes, além da distrofina, podem realmente modificar o quadro da doença em cachorros, esses genes e suas proteínas poderiam ser grandes alvos para terapias em humanos", afirma Kunkel. No laboratório do pesquisador americano, Natássia está usando o zebrafish, peixe adotado como modelo animal de doenças, para descobrir se os candidatos a gene protetor da distrofia muscular identificados em Ringo e Suflair atenuam ou até evitam os sintomas da doença. "Nossa ideia é fazer os supostos genes protetores se expressarem em peixes com distrofia da mesma forma que nos cachorros assintomáticos e ver qual é a repercussão clínica dessa abordagem", diz Natássia. Se a estratégia funcionar, os pesquisadores provavelmente terão feito uma descoberta importante. Se não der resultados, será necessário estudar ainda mais Ringo, Suflair e seus "primos" labradores assintomáticos. De qualquer forma, a notícia de que músculos sem distrofina podem se manter funcionais é animadora. • PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 47
[ ECOLOGIA ]
Pioneira centenária Com vida média de 400 anos, araucária se recupera rapidamente em áreas desmatadas RrcARDO ZoRZETTO
s florestas com árvores em forma de candelabro que Auguste de Saint-Hilaire conheceu no sul do Brasil há 200 anos quase não existem mais. Um século depois das andanças do naturalista francês pela região das antigas províncias de Curitiba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul o corte de araucária para a produção de madeira e a extração de suas sementes para o consumo humano puseram em risco de extinção um dos poucos pinheiros nativos do país- e, com ele, plantas e animais que vivem a sua sombra nas florestas de araucária, um dos ecossistemas que integram a mata atlântica. Acredita-se que 20 milhões de hectares de florestas de araucária cobrissem planaltos e serras no Sul e no Sudeste do Brasil até o início do século passado. Hoje, segundo o mais amplo levantamento dos remanescentes de mata atlântica, publicado em 2009 na Biological Conservation, só 12,6% dos bosques de araucária resistem em trechos isolados de floresta que ocupam encostas e topos de morro, onde é difícil plantar grãos ou criar gado. E o que mais preocupa quem se importa com o futuro das araucárias é que não é fácil recuperar essas florestas para manter sua função ecológica ou aproveitar seu potencial econômico. O ecólogo carioca Alexandre Fadigas de Souza, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, dedica-se há cinco anos a estudar o ciclo de desenvolvimento e as estratégias de regeneração da araucária. Nesse tempo relativamente curto, ele constatou que essa árvore majestosa, que se ergue sobre um tronco de até dois metros de diâmetro e madeira de boa qualidade para exibir seus galhos curva48 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
dos para o céu a até 40 ou 50 metros do chão, acima das demais árvores da floresta, desempenha um papel mais importante do que se imaginava para a preservação das matas nativas. Souza visitou regularmente no Rio Grande do Sul 26 trechos de matas nativas preservadas e florestas naturais afetadas por graus diferen tes de exploração para a retirada de madeira. Ele coletou informações sobre o número e o porte das araucárias (brotos, árvores jovens ou adultas) e as características do local em que se encontravam na floresta e reuniu seus dados aos colecionados pela equipe do engenheiro florestal Solon Jonas Longhi, da Universidade Federal de Santa Maria, que na última década acompanhou os índices de crescimento e de
Lugar ao sol: pinheiro nativo do Brasil ex ige mu ita lu z para crescer
morta Nacio Comp cá rias conclt fato u Vida
ecólo! É um está e nizar ou ca é abu ra qu mats tesa ma10 pouc quan
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mortalidade das araucárias na Floresta Nacional de São Francisco de Paula. Comparando as informações das araucárias com as de outras árvores, Souza concluiu que o pinheiro brasileiro é de fato uma espécie peculiar. Vida lonqa - A araucária é o que os ecólogos chamam de espécie pioneira. É uma árvore de crescimento rápido e está entre as primeiras plantas a colonizar espaços abertos como clareiras ou campos abandonados, onde a luz é abundante. Mas não é uma pioneira qualquer. Ela alcança a maturidade mais tarde e começa a produzir sementes a partir dos 15 anos. Além disso, a maioria das espécies pioneiras morre poucas décadas após a maturidade, enquanto a araucária vive em média 400
anos - e pode chegar aos 700. Nesse tempo todo ela cria ao seu redor um ambiente favorável ao surgimento de espécies mais frágeis e de crescimento lento, que formam a segunda geração de árvores da floresta. Em artigo publicado em 2007 na Austral Ecology, Souza descreve a araucária como uma das raras árvores pioneiras de longa duração encontradas em florestas do Brasil. Mas, nas caminhadas pelas matas, Souza descobriu que, uma vez formada a floresta, a araucária tem dificuldade de produzir novos indivíduos adultos. Ele encontrou exemplares jovens de araucária apenas em campos abertos e em áreas de floresta onde a copa das árvores não bloqueava completamente a visão do céu e deixava passar boa quantidade de luz, afirmou em artigo de 2008 na
Acta Oecologica. Há duas explicações. A primeira é que os exemplares jovens de araucária sobrevivem pouco tempo à sombra. A segunda é que as sementes que a árvore produz de abril a setembro na forma de pinhas com até 30 centímetros de diâmetro são consumidas pela gralha-azul, pelo papagaio-charão e por cutias, cervos e porcos-do-mato. "Só 1% das sementes que caem no solo germina", conta Souza, que este ano recebeu o prêmio Fundação Bunge na categoria ciências florestais. E o que os animais não comem entra na dieta da população. Rica em carboidratos e proteínas, essas sementes, conhecidas como pinhão, estão em quase todos os pratos da culinária sulina. Em 2008 foram extraídas das florestas nativas 4,8 mil toneladas de pinhão, o que gerou uma renda de R$ 6,2 milhões, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Analisando as vendas de pinhão registradas de 1977 a 2007 no Rio Grande do Sul e nos últimos 14 anos em uma fazenda de Santa Catarina, Souza observou que a produção de sementes do pinheiro brasileiro não oscila como a de coníferas - árvores que produzem sementes nuas agrupadas em cones- do hemisfério Norte. Lá um pinheiro pode não gerar sementes no ano seguinte a uma safra portentosa, enquanto aqui a produção é mais constante. "Ela aumenta um pouco no ano seguinte ao do fenômeno El Nino, que faz chover mais no sul do país, e diminui após a seca provocada pelo La Nina", explica. O comércio de pinhão pode ser mais rentável que a exploração de madeira de araucária ou pínus, afirmam Miguel Guerra e colaboradores em trabalho sobre a exploração e o manejo da araucária apresentado em 2003 no livro Sustentável mata atlântica. Mas, para que a exploração econômica se torne sustentável, será preciso replantar florestas. Souza constatou que, mais de 60 anos após o fim da exploração das matas, as populações de araucária ainda não se recuperaram. • Artigo científico SOUZA, A. F. et ai. Regeneration patterns of a long-lived dominant conifer and the effects of logging in southern South America. Acta Oecologica. v. 34, p. 221-32. set./out. 2008.
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 49
[ GEOLOGIA ]
PESQUISA F'APESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 51
exemplo, dois quil< grupom< recorren que corr por isso, veis por 1 do passa Mais qu
datar pela técnica mais comum, de carbono-14. A dificuldade foi resolvida por uma associação com o laboratório de Sorria Tatumi, da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec-SP), especialista em análises de luminescência opticamente estimulada. A técnica mede a posição dos elétrons dentro dos grãos de quartzo da areia para avaliar sua idade. A luz solar atrai esses elétrons para a camada mais externa, mas eles voltam para o interior do grão quando a camada de areia é enterrada. Com esse método é possível estimar há quanto tempo o grão está no subsolo, dentro de um máximo de 1 milhão de anos. Ao pressupor que a areia infiltrada na falha Jundiaí foi soterrada em consequência da rachadura, as datações permitiram estimar que ela se formou cerca de 100 mil anos atrás. E esteve ativa desde então, o que não se podia saber observando os registras históricos. Durante os 200 anos em que há histórico sobre a atividade sísmica no Nordeste, não foram registrados tremores fortes na falha Jundiaí, o que poderia levar a crer- incorretamenteque ela não está ativa. Solo movediço - Estudar falhas não é a
única forma de investigar a sismologia de uma região. Mesmo sem ter acesso direto à falha que causa tremores em determinada área, o grupo da UFRN usa também outras alterações no solo para inferir movimentos passados. Um 52 • DEZEMBRO DE 2010 • PE SQUISA FAPESP 178
Terremotos já eram recorrentes no Nordeste há 400 mil anos, muito antes de existirem seres humanos no planeta
desses fenômenos é a liquefação, que acontece quando uma mistura de água e areia presa no subsolo é submetida a grande pressão, como a gerada por um terremoto. Bezerra ajuda a compreender fazendo uma analogia com a pressão que se cria quando uma garrafa de champanhe é sacudida. "A rolha, que no caso do solo pode ser uma rocha, impede a mistura de se expandir e a pressão aumenta até que estoura", explica. No caso do champanhe é festivo, desde que a rolha não atinja alguém; mas quando grãos de quartzo se agitam com um terremoto e são ejetados, junto com a água, depois que a rocha se rompe, o resultado é destruição e, hoje, prédios demolidos.
As marcas desse tremor depois se solidificam e ficam registradas: é o que Elissandra Moura-Lima tem estudado durante seu trabalho de doutorado. As testemunhas providenciais aí são seixos por cima da areia. Mais uma vez, Bezerra recorre a uma imagem para deixar clara a instabilidade dessa disposição: "Imagine uma gelatina, dessas que a gente come, com um ferro de passar em cima". Basta um tremor para acabar com o equilíbrio e fazer o ferro afundar. E provavelmente fará isso de lado, descendo pela gelatina na posição que oferece menos resistência. É o que acontece com os seixos: quando são flagrados debaixo da superfície em posição vertical, os pesquisadores podem inferir o trajeto que percorreram. E, mais uma vez com ajuda da luminescência, estimar quando aconteceram esses movimentos. Elissandra usou também uma espécie de tomografia dos sedimentos conhecida como GPR, sigla em inglês para radar que penetra o solo (ground penetrating radar). Isso lhe permitiu caracterizar, no vale do rio Açu, parte da bacia Potiguar, as estruturas em domo formadas quando os seixos penetram solo adentro e empurram a areia para cima. Mapear essas deformações do solo no contexto da rede de falhas que percorre a região permite estimar o momento e a magnitude de tremores que ocorreram há milhares de anos. Um tremor de magnitude 5 ou 6, por
de ser gt gião é p mais atr nas desé zam boc além de de infor até 30 n junto ac melho, postou que ren anos. B ra essa~ horizo1 comid
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exemplo, causa alterações num raio de dois quilómetros. No vale do rio Açu, o grupo mostrou que terremotos já eram recorrentes há 400 mil anos. As falhas que correm por baixo desse vale são, por isso, fortes candidatas a responsáveis por boa parte da atividade sísmica do passado na bacia Potiguar. Mais que paisagem - Uma vantagem de ser geólogo especializado nessa região é poder trabalhar num cenário mais atraente do que pedreiras ou zonas desérticas. As falésias que caracterizam boa parte da costa nordestina são, além de deslumbrantes, uma fonte rica de informações. Naquelas paredes com até 30 metros de altura que se erguem junto ao mar coloridas com tons de vermelho, amarelo, roxo e branco está exposto um histórico sísmico e geológico que remonta a dezenas de milhares de anos. Basta a um especialista olhar para essas falésias para perceber as linhas horizontais que delimitam sedimentos com idades diferentes e reconhecer características que revelam a influência de atividades sísmicas em sua formação. É nessa paisagem que se dá parte do trabalho de Dilce Rossetti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que também analisa faces rochosas on-
OS PROJETOS 1. Estudos geofísicos e geológicos na província Borborema 2. Integração de sedimentalogia, sensoriamento remoto e geoquímica aplicada ao mapeamento da sucessão cretáceo-terciária na porção central da bacia Paraíba -
n° 2006/04687-7 MODALIDADE
1. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia CCNPq) 2. Auxílio Regu lar a Projeto de Pesquisa (FAPESP) COORDENADORES
1. Reinhardt Fuck - IG/UnB 2. Dilce de Fátima Rossetti - lnpe INVESTIMENTO
1. R$ 3.400.000,00 2. R$ 125.659.43
de for possível, como as cortadas pela abertura de estradas. ''A costa nordestina é ideal para esse tipo de estudo", explica a pesquisadora, "pela abundância de falésias que se estendem por muitos quilómetros". Isso lhe permite comparar as deformações no terreno causadas pela liquefação em contextos diversos, como perto de uma falha e longe dela, além de ter acesso, num único ponto de uma praia paradisíaca, a uma história com dezenas de milhares de anos. Em artigo que será publicado em janeiro de 20ll,junto com o de Elissandra, numa edição especial sobre paleoterrem"tos da Sedimentary Geology, Dilce usa essas deformações para mostrar como a ponta da Paraíba, último ponto do continente americano a se desligar da África, não é passiva como se pensava. A atividade sísmica ali é disseminada. Para datar esses eventos ela tem usado carbono-14, quando há matéria orgânica, e luminescência, cujos resultados estão em fase final de preparação para publicação. Ela viu que por cima da formação geológica conhecida como Barreiras, formada há cerca de 20 milhões de anos, há várias camadas com sinais de perturbação sísmica. Chegou a encontrar rochas com idade de 178 mil anos numa falésia paraibana, mas o mais comum é ter registras dos últimos 67 mil anos. "Nessa época já havia sismicidade em vários locais da Paraíba, e em outros estados do Nordeste
também", afirma. Segundo Dilce, esses movimentos de terra foram responsáveis por modelar parte do relevo da região, como as falésias e a localização dos leitos de alguns rios. Não é possível extrapolar os resultados obtidos no Nordeste para outras regiões do Brasil. "Cada falha tem um comportamento específico", explica Bezerra. Por isso as falhas paulistas de Taubaté e de Santos, por exemplo, podem ter uma periodicidade e um modo de ação distintos que ainda precisam ser estudados. Para ele, a grande importância desses trabalhos, em conjunto, é mostrar que olhar os fenômenos atuais da natureza não é suficiente para entender o que acontece hoje. "O conhecimento histórico e instrumental não basta, é preciso examinar as camadas do passado distante." •
Artigos científicos l. OGUEIRA, F. C. et ai. Quaternary fault kinematics and chronology in intraplate northeastern Brazil. Journal of Geodynamics. v. 49, n. 2, p. 79-91. mar. 2010. 2. MOURA-LIMA, E. N. et ai. 3-D geometry and luminescence chronology of Quaternary soft-sediment deformation structures in graveis, northeastern Brazil. Sedimentary Geology. no prelo. 3. ROSSETTl, D. F. et ai. Sediment deformation in Miocene and post-Miocene strata, Northeastern Brazil: Evidence for paleoseismicity in a passive margin. Sedimentary Geology. no prelo.
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[ MATEMÁTICA ]
Equações da vida A mesma estrutura de códigos une sequências de DNA e comunicação digital MARCOS DE OLIVEIRA
xplicar os fenômenos da natureza com equações matemáticas é uma tarefa rotineira e incorporada aos estudos da física, da química e da própria matemática. A biologia tem uma tradição menor nesse sentido. Essa relação é perseguida por vários grupos de estudo na Europa e nos Estados Unidos que buscam uma vinculação dos genomas de seres vivos com estruturas matemáticas para tentar compreender melhor a formação da vida no planeta. Mas a primazia de encontrar tal vínculo coube a um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP) que encontraram uma relação matemática entre um código numérico e a sequência do DNA, a sigla em inglês do ácido desoxirribonucleico que carrega os genes dentro das células. Outros pesquisadores já haviam sugerido essa relação, mas não conseguiram provar. Os brasileiros descobriram que as bases nitrogenadas timina (T), guanina (G), citosina (C) e adenina (A) se organizam segundo uma lógica numérica. "A distribuição dessas bases possui um código matemático que prevaleceu ao longo da evolução dos seres vivos", diz o professor Márcio de Castro Silva Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. "Descobrimos que uma proteína ao perder a função biológica devido a
UJ
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uma mutação, por exemplo, deixa de ser representada por uma estrutura matemática", diz Silva Filho, um dos coordenadores do grupo. Os pesquisadores não desenvolveram um código novo para explicar a sequência do DNA. Eles verificaram que existe uma relação entre certas sequências de DNA com o código corretor de erros (ECC, sigla de error-correcting code), que são equações matemáticas utilizadas em todo processo digital, usado em sistemas de comunicação e de telecomunicações, em memórias de computador e memórias flash de pen-drives para corrigir ruídos ou defeitos que surjam nas transmissões. O código também é conhecido pelas letras BCH, que são as iniciais de seus descobridores - os indianos Raj Chandra Bose e Dwijendra Kumar Ray-Chaudhuri e o francês Alexis Hocquenghem -, e não apenas identifica o erro mas também faz a correção. A atribuição da asso-
ciação de códigos de correção de erros com sequências de DNA não é nova. É objeto de pesquisa desde a década de 1980 e um dos principais estudiosos é o professor Hubert Yockey, que trabalhou na Universidade da Califórnia em Berkeley, nos Estados Unidos, e publicou dois livros: Information theory and molecular biology, em 1992, e
Information theory, evolution, and the origin of life, em 2005, ambos editados pela Cambrigde University Press. Outro pesquisador da área é Gérard Battail, professor aposentado da Escola Nacional Superior de Telecomunicações, da França, que tem escrito artigos propondo a relação entre código corretor de erros e o genoma. Eles têm demonstrado o processo e levantado hipóteses, mas não apresentaram as relações matemáticas com o DNA. Os brasileiros conseguiram estabelecer essa relação nas sequências do ácido ribonucleico mensageiro (RNAm) que g~ram as proteínas.
"Ao conhecermos a estrutura matemática da proteína é possível alterar a ordem das bases e também corrigir as mutações ou erros que possam acontecer para voltar à condição normal de uma proteína", diz o professor. Problema molecular - A capacidade de corrigir uma mutação ou um erro celular poderia, por exemplo, no futuro utilizar uma solução matemática para atuar sobre a falta de produção de insulina pelas células do pâncreas, corrigindo erros em um gene específico. "Seria possível identificar a estrutura matemática das mutações e onde elas ocorreram e talvez corrigir esse problema molecular para o organismo voltar a produzir insulina, revertendo as estruturas anteriores. Outra possibilidade seria fabricar proteínas a partir do código matemático ou ainda encontrar proteínas não conhecidas existentes nas células", diz o professor Reginaldo Palazzo Júnior, da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (Feec) da Unicamp, outro coordenador do grupo. ''A correção ou a forma de reverter o erro nas células acontece da mesma forma que num disco rígido (HD), que tem um setor danificado e o ECC reconstitui as informações." Com tantas possibilidades de uso na indústria, além do significado científico importante da descoberta, os pesquisadores resolveram, antes de publicar a novidade em periódicos científicos, depositar uma patente internacional pelo Tratado de Cooperação em Paten56 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 178
tes (PCT, na sigla em inglês), em vários países, e outra nos Estados Unidos, com financiamento da FAPESP e gerenciamento da Agência de Inovação da Unicamp e da Agência USP de Inovação. Laboratórios do mundo poderão usar, se licenciarem a patente, as estruturas matemáticas descobertas pelo grupo, possivelmente na forma de um software, para testar proteínas em um amplo leque de produtos. "Essas informações são importantes para desenvolver vacinas, medicamentos ou proteínas para elaboração de queijos e amaciantes de roupa, por exemplo", diz o professor Silva Filho. Hoje se faz uma alteração
O
PRO~ETO
Código matemático de geração e decodificação de sequência de DNA e proteínas: utilização na identificação de ligantes e receptores- n° 2008/04992-0 MODALIDA DE
Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi) COORDENADOR
Márcio de Castro Silva Filho - USP INVESTI MEN TO
R$ 13.200,00 (FAPESP)
e US$ 20.000,00
na sequênc'a deDNA que codifica uma proteína € depois são feitos os testes em laboratório para verificar a eficácia da reação num experimento de tentativa e erro. Com as equações matemáticas será possível testar a afinidade e a estabilidade da proteína em um trabalho preliminar de forma a verificar m utações e, posteriormente, testá-las a parti de experimentos de laboratório para confirmar se a mutação na sequência de DNA deu o resultado esperado. "Se a estrutura matemática não se mantiver, a alteração não vai ser efetivada e não produzirá os resultados esperados." A descoberta da existência de um código matemático que transcreve a sequência de DNA aconteceu quase por acaso e começou com o professor Palazzo, que lançou um desafiante objetivo a duas alunas de doutorado, Luzinete Cristina Bonani Faria e Andrea Santos Leite da Rocha, orientadas por ele na Feec e oriundas da graduação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp ), com mestrado na Unicamp. Elas deveriam procurar as informações que transitam dentro de uma célula. "Dentro da mitocôndria, um órgão responsável pela respiração celular, existem moléculas de DNA para sintetizar certas substâncias, mas ela não tem todas as proteínas e precisa solicitar proteínas extras produzidas por genes localizados no núcleo de modo a realizar as funções na organela. Nesse
caso, pa1 informa para tra Palazzo pesqms qual que de prot< Pala da teori área de são de 1 código. dos có• transrr signific vra qut moela umrec matem porCh genhei em 19 Pa1 Palazz os pro FaculC inicial nente: tema. ouvir; bal Ve o pro: lho n ele e' inten umd
1
. caso, para os matemáticos, a proteína é informação e existe um código padrão para transmiti-la", explica o professor Palazzo. O modelo apresentado pelos pesquisadores b rasileiros se aj usta a qualquer sequência de DNA produtora de proteínas dentro da célula. Palazzo é um especialista na chamada teoria matemática da comunicação, área de estudo que pesquisa a transmissão de todo tipo de informação e seus códigos. Também ch amada de teoria dos códigos, ela analisà as formas de transmissão independentemente do significado. Assim não importa palavra que está sendo transmitida, mascomo ela é enviada de um emissor A para um receptor B, dentro de um contexto matemático. "Essa teoria foi apresentada por Claude Shannon [matemático e engenheiro eletrônico norte-americano] em 1948", lembra Palazzo. Para o estudo de Andrea e Luzinete, Palazzo sugeriu que elas procurassem os professores da Unicamp, da área da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), inicialmente, para encontrar componentes biológicos e se aprofundar no tema. Depois de muita procura, elas ouviram a sugestão do professor Aníbal Vercesi, da FCM, para procurarem o professor Márcio de Castro Silva Filho na Esalq. "Fomos conversar com ele e estabelecemos um casamento de interesses", diz Palazzo. "Começamos um diálogo tendo de um lado mate-
Ateoria da informação é uma ferramenta adequada para o intercâmbio com a
.
,
. biologia molecular,
diz Gérard Battail
máticos e um engenheiro elétrico e eu, um geneticista especializado em transporte de proteínas", lembra Silva Filho. A primeira amostra de DNA investigada pelas pesquisadoras da Unicamp foi da Arabidopsis thaliana, planta da família da mostarda, que serve de modelo para estudos genômicos. A partir daí, elas ficaram trabalhando durante seis meses. "Começaram a testar vários elementos matemáticos para tentar achar alguma sistematização em relação ao genoma", explica Palazzo, que contou também com a colaboração no estudo do engenheiro da computação João Henrique Kleinschmidt, ex-aluno de doutorado e atual professor da Universidade Federal do ABC, em Santo André, na "Região Metropolitana de São Paulo. "Um dia elas me chamaram na Unicamp e me mostraram os resultados. Quando percebi o que era fiquei sem fala. Pensei que fosse uma coincidência e passamos a repetir o trabalho usando outros genomas, do homem, de bactérias, fungos e plantas. Descobrimos que é um processo universal", conta Silva Filho. Entender a linguagem - No final de 2009, eles submeteram um artigo às revistas Nature e Science, mas as duas recusaram dizendo que era algo muito específico. "Acredito que eles não entenderam a linguagem matemática do paper'', diz Silva Filho. "Isso faz parte da dificuldade da conversa entre biólogos, engenheiros, médicos etc.", diz Palazzo. Aí eles resolveram enviar para a revista Electronics Letters, que em três
semanas aceitou o trabalho e o elegeu o melhor artigo de fevereiro deste ano, colocando-o na capa do mesmo mês. Eles começaram a mostrar o estudo em congressos internacionais de teoria da informação e devem apresentar novos resultados com informações mais detalhadas e com outras ferramentas matemáticas. No artigo da Electronics Letters, "DNA sequences generated by BCH codes over GF (4)", ou "Sequências de DNA geradas pelo código BCH sobre GF (4)", eles apresentaram uma parte do trabalho utilizando a estrutura matemática chamada de corpo algébrico de Galois, enquanto novos resultados usam a estrutura de anel de Galo is. Em uma simplificação, poderíamos dizer que em relação ao corpo o produto de dois números diferentes de zero resulta em um número diferente de zero, enquanto na estrutura de anel o produto pode ser zero. Para os matemáticos isso faz muita diferença na apresentação dos resultados. Até agora eles apresentaram apenas os resultados em corpo. O feito dos pesquisadores brasileiros apresenta uma solução importante e uma novidade para a biologia. Ela inicia uma nova fase em que os fenômenos que estuda passam a ser analisados por métodos quantitativos. "Em 1999, a Academia Real da Suécia indicou que um dos avanços da ciência no novo século seria a incorporaçãp de mais matemática aos estudos da biologia", lembra Silva Filho. Mas para isso tanto os pesquisadores brasileiros como Battail e Yockey concordam que é preciso um maior diálogo entre biólogos, matemáticos e engenheiros eletrônicos. "Como engenheiro, eu estou convencido de que a teoria da informação é uma ferramenta adequada para intercâmbio com a biologia molecular", escreveu Battail em uma apresentação do livro de Yockey em 2006. "Ainda estamos distantes de uma interdisciplinaridade que permita a conversa entre áreas para projetos desse tipo. Mas nós já demos um bom passo", diz o professor Palazzo. • Artigo científico FARIA, L.C. B.; ROC HA, A.S.L.; KLEINSCH MIDT, J.H.; PALAZZO Jr., R. ; SILVA FILHO, M.C. DNA sequences generated by BCH codesover GF(4). Electronics Letters. v. 46, n. 3, p. 202-03. fev. 20 10.
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[ ASTROFÍSICA ]
Chute gravitacional
escoberta nos céus do hemisfério Sul em 1752 pelo astrônomo francês Nicholas Louis de la Caille, a galáxia espiral M83 é provavelmente a formação celeste mais bonita da constelação de Hidra. De seu centro amarelado brotam dois braços, pontuados por estrelas em tom azul e vermelho, que formam uma figura semelhante a um cata-vento de papel. Por ser muito luminosa e estar situada relativamente próxima à Terra, a cerca de 15 milhões de anos-luz, pode ser avistada com o auxílio de um bom binóculo. Embora os contornos da galáxia sejam realmente fascinantes, um grupo de astrônomos do Brasil, Argentina e Espanha resolveu examinar um aspecto mais oculto da M83: a natureza de suas principais fontes de raios X. A análise desse tipo de emissão levou os pesquisadores a afirmar que ali houve provavelmente um evento extremamente raro: um buraco negro, um tipo de objeto invisível e extremamente denso que captura matéria ao seu redor, teria sido ejetado ao se aproximar do núcleo da galáxia, onde outros dois buracos negros, maiores, estariam a caminho de iniciar um processo de fusão. A expulsão do misterioso corpo celeste do centro da galáxia, também conhecida pelo nome de NGC 5236, seria decorrente das interações gravitacionais causadas pela inusitada tripla colisão. "O buraco negro menor se aproximou demais dos outros dois e sofreu um chute gravitacional", diz o astrofísico Horacio Dottori, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), principal autor de um artigo publicado em 1° de julho na revista científica The Astrophysical fournal Letters em que propõe o cenário descrito acima. "Ele foi 'estilingado' para fora do núcleo óptico da galáxia a uma 58 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAP ES P 178
Sol e equivale a um quinto da soma das massas dos dois buracos negros que se encaminham para a união no centro da galáxia. "Acreditamos que o buraco negro ejetado orbitará a galáxia por milhões de anos e seu disco de acreção vai capturar esporadicamente matéria do meio interestelar", afirma Dottori, que usou em seu estudo simulações computacionais feitas pelo aluno de mestrado Guilherme Gonçalves Ferrari. "Dificilmente ele vai ser incorporado de novo pelo núcleo ativo da M83." Colisão tripla ou dupla - Hoje a maio-
velocidade de algumas centenas de quilômetros por segundo." As conclusões do estudo se baseiam numa nova análise de dados obtidos no ano 2000 pelo telescópio espacial Chandra, da Nasa, a agência espacial norte-americana, que detecta emissões de raios X vindas das regiões mais quentes do Universo. O satélite observou por 18 horas a M83, da qual produziu 150 imagens. Oito fotos flagraram o que parece ser a ejeção de um buraco negro da galáxia. Os astrofísicos passaram a suspeitar de que o fenômeno acima poderia ter ocorrido devido às características de uma misteriosa fonte de raios X e de ondas de rádio situada numa região relativamente periférica da galáxia, um objeto denominado Jl33658.3-295l05. Afastado cerca de 3.300 anos-luz do coração da M83 de acordo com medições feitas no telescópio Gemini (do qual o Brasil é sócio), distância cerca de oito vezes menor do que a da Terra ao centro da Via Láctea, o objeto foi aparentemente jogado para fora do coração da galáxia e criou uma espécie de rastro de emissões em alguns comprimentos de ondas. Embora um buraco negro não forneça diretamente nenhum sinal de sua presença, o chamado disco de acreção formado ao seu redor é tão quente (atinge milhões de graus Kelvin) que faz a matéria em via de ser engolida, gás e poeira interestelar, liberar enormes quantidades de energia, basicamente na forma de jatos de raios X. 60 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 178
Oestudo dos buracos negros
é importante para entender o processo de formação e evolução das galáxias
A presença de grandes fontes de raios X nas proximidades de estrelas ou no centro das galáxias é, portanto, o principal indicativo de que por ali deve haver um buraco negro. O problema é que outros tipos de corpos celestes, como as estrelas de nêutrons e os quasares, também emitem raios X. Mas Dottori e seus colegas hispano-americanos estão convencidos de que o objeto Jl33658.3-295105 apresenta caraterísticas compatíveis com as de um buraco negro supermassivo. De acordo com seus cálculos, a massa do buraco negro ejetado do núcleo da M83 é cerca de 1 milhão de vezes maior do que a do
ria dos astrofísicos acredita que há no centro de praticamente toda galáxia, inclusive da Via Láctea, um buraco negro supermassivo, dotado de uma massa milhões ou até bilhões de vezes maior do que a do Sol. Quando duas ou mais galáxias colidem e iniciam suas interações para se fundir, um processo relativamente comum na história do Universo, também os seus respectivos buracos negros interagem para se unir. É nesse contexto, de união de galáxias, que um buraco negro pode ser expelido do coração do sistema. O artigo científico do astrofísico da UFRGS não é o primeiro a defender a ideia de ter encontrado um buraco negro que foi ejetado de sua galáxia. Nos últimos cinco anos os trabalhos publicados sobre esse tema se intensificaram. Mas em nenhum dos casos relatados os cientistas têm evidências observacionais inequívocas sobre a ocorrência do elusivo fenômeno. Isso não é necessariamente um demérito dos artigos científicos, mas uma constatação da dificuldade de se comprovar esse tipo de achado. "O trabalho do Horacio Dottori é bom e foi aceito numa boa revista científica, mas não é conclusivo", diz o astrofísico João Steiner, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), especialista em galáxias com núcleos ativos. Os modelos matemáticos mostram que é plausível ocorrer uma colisão tripla na qual a dinâmica de interações entre os corpos provoque a expulsão do buraco negro de menor massa do núcleo de uma galáxia antes de os outros dois buracos negros se mesclarem. "No entanto, colisões triplas são muito mais raras do que as duplas", afirma Steiner.
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CID-4 negro da gal talve2 das 0 gravit
Há casos em que os cientistas dizem que um buraco negro foi deslocado do centro de uma galáxia, mas não sabem precisar se o fenômeno ocorreu em razão de uma trombada dupla ou tripla. Em l 0 de julho deste ano, mesma época em que saiu o trabalho de Dottori, astrofísicos do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics (CfA) publicaram um artigo no Astrophysical ]ournal em que tratavam de uma possível descoberta envolta por essa dúvida. Eles encontraram um buraco negro supermassivo na verdade, uma fonte emissora de raios X denominada CID-42- que teria sido expulso do núcleo de uma galáxia localizada na constelação de Sextante e distante 3,9 bilhões de anos-luz da Terra. Saber se o deslocamento decorre da colisão de dois ou três buracos faz toda a diferença. A dinâmica de eventos envolvida numa situação é diferente da outra. Se o CID-42 se afastou do centro do sistema em razão da colisão de três buracos negros, houve um processo de expulsão semelhante ao descrito por Dottori na M83. O menor buraco negro teria sido "estilingado" para fora do núcleo da galáxia ao se aproximar em demasia dos outros dois. Ou seja, a nova galáxia que está se formando permaneceria com dois buracos negros (ainda não fundidos) em seu centro e um, menor, na periferia. Caso se trate de um encontrão de apenas dois objetos
CID-42 : bura co neg ro foi ejet ado da ga láxia, ta lvez pela açã o das onda s gravitaciona is
Fontes de rád io e raios X da M83: dois buracos negros no centro e um ej etado (ras t ro)
sugadores de matéria, um tipo de evento supostamente mais comum, a causa do deslocamento do buraco negro seria outra- e esse detalhe mudaria tudo. Ondas gravitacionais -Nesse segundo cenário, primeiro ocorreria a fusão dos dois buracos negros. Suas massas se somariam e eles gerariam um novo e único buraco negro no núcleo da galáxia. O buraco negro resultante seria então jogado para fora do coração do sistema pela ação das chamadas ondas gravitacionais, cuja existência foi prevista por Albert Einstein na teoria da relatividade geral há quase um século, mas ainda não comprovada experimentalmente. "Nesse caso, depois da ejeção, a galáxia não tem mais nenhum buraco negro", afirma o astrofísico David Merritt, do Instituto de Tecnologia de Rochester (EUA). "A detecção desse fenômeno seria a confirmação das teorias de Einstein." Quando a velocidade de ejeção não é muito elevada, o buraco negro apenas oscilaria em torno do núcleo da galáxia por um tempo e, depois de alguns milhões de anos, retornaria ao seu lugar habitual. Não se pode esquecer de que o cenário dos buracos negros faz parte do Universo einsteniano em que o espaço tem quatro dimensões, as três da física clássica mais o tempo. As ondas gravitacionais são definidas como deformações causadas na curvatura do espaço-tempo pela presença de grandes massas em movimen-
to. Da mesma forma que o navegar de um barco produz oscilações no oceano, o deslocamento de corpos celestes geraria ondas gravitacionais que se propagariam à velocidade da luz. Em tese, uma galáxia com dois buracos negros a caminho da fusão seria um ambiente ideal para confirmar a existência dessa nova forma de energia. "Quando dois buracos negros se fundem, as ondas gravitacionais não são emitidas de forma simétrica, mas preferencialmente em algumas direções. Isso provoca no buraco negro um efeito semelhante ao recuo causado pelo lançamento de um foguete", afirma a astrofísica Stefanie Komossa, do Instituto Max Planck de Física Extraterrestre, da Alemanha, que em 2008 encontrou um provável caso de ejeção de buraco negro numa galáxia distante lO bilhões de anos-luz da Terra. Dessa forma, o buraco negro seria arremessado para fora da galáxia na direção oposta à das ondas gravitacionais. "Só agora estamos vendo esses eventos na natureza", diz Komossa. "Eles são importantes para entender a formação e a evolução das galáxias." • MARCOS PIVETTA
Artigo científico DOTTORI, H. et al. The missing goliath's slingshot: massive black hoJe recoil at M8 3.
The Astrophysical Journal Letters. v. 717, n.l, p. L42-L46. 1° jul. 2010.
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LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
I
Não é d( pesquisai criar pla1 modifica produzir funções : recente r um estUI do Instit de Massi publicac de 3 de 1 revista l plantas ; propne< pesqms< ummét "engenr que vat umgen A enger mexe cc reações
PISTAS MAIS CURTAS E MENOS BARULHO Motores em cima das asas, em vez de embaixo como nos aviões atuais, poderão permitir que aeronaves comerciais decolem e pousem de forma mais rápida, em ângulos menores, utilizando pistas curtas. Os estudos com o novo design são realizados por uma equipe liderada por pesquisadores da Universidade Politécnica do Estado da Califórnia
e do Inse com
tituto de Tecnologia da Geórgia (GTRI)
financiamento da agência espacial norte-americana, Nasa, nos Estados Unidos. Além de fazer aviões subir e descer em pistas menores, os engenheiros de aeronaves têm como desafio a diminuição dos ruídos.
NANOGERADOR I DE ENERGIA
Segundo comunicado à imprensa da GTRI, os motores instalados na parte de cima das asas também diminuem o barulho feito pelos aviões. A configuração da nova aeronave é semelhante a um Boeing 737 capaz de levar mais de 100 passageiros. Depois do desenvolvimento conceituai e de design o próximo passo será testar maquetes em túneis de vento.
DINAMARCA I PRODUZ ETANOL Os motoristas dinamarqueses poderão contar nos próximos meses, em cerca de 100 postos de abastecimento, com uma mistura de 95% de gasolina e So/o de etanol para abastecer os seus carros. O biocombustível é fabricado pela empresa dinamarquesa Inbicon, que desenvolveu um processo de produção de etanol por meio da conversão de biomassa em combustível via hidrólise enzimática. No caso, está sendo utilizada a palha do trigo. O projeto conta com a petrolífera norueguesa Statoil, que vai distribuir
o combustível. Ele está sendo produzido em escala piloto em uma refinaria de biomassa da Inbicon de forma semelhante a outras iniciativas existentes principalmente nos Estados Unidos.
62 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
Um gerador capaz de captar eletricidade das batidas do coração, do sapato de uma pessoa que caminha, do movimento de uma camisa no corpo ou mesmo da vibração de uma grande máquina foi desenvolvido pela equipe do professor Zhong Lin Wang, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, dos Estados Unidos. De dimensões nanométricas, esse dispositivo transforma energia mecânica em
energia elétrica quando pressionado. Ele é indicado para suprir de energia aparelhos em nanoescala e microescala, mas pode também servir para recarregar pequenos tocadores de música e marca-passos e fazer funcionar telas flexíveis. O dispositivo é formado por nanofios de óxido de zinco cobertos nas extremidades com polímeros e acondicionados em um substrato plástico capaz de gerar eletricidade. Vários protótipos foram gerados e um estudo sobre o nanogerador foi publicado na edição on-line da revista Nano Letters, em 4 de novembro, assinado também por pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia Avançada da Coreia do Sul. O projeto é financiado pela Agência de Pesquisas em Projetos Avançados e Departamento de Energia dos Estados Unidos, além da Fundação Nacional da Ciência, a NSF.
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PLANTA I FARMACOLÓGICA Não é de hoje que os pesquisadores tentam criar plantas geneticamente modificadas capazes de produzir compostos com funções medicinais. A mais recente novidade na área é um estudo de uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicado na edição de 3 de novembro da revista Nature. Para criar plantas transgênicas com propriedades medicinais, os pesquisadores desenvolvem um método chamado "engenharia metabólica", que vai além de adicionar um gene exógeno à planta. A engenharia metabólica mexe com uma série de reações em organismos
hospedeiros para construir novas moléculas e adicionar genes para novas enzimas que remodelam esses caminhos naturais. Liderada pela pesquisadora Sarah O'Connor, a equipe inseriu genes de uma bactéria numa planta chamada vinca ( Catharanthus roseus), comum em jardins. Com a modificação, ela passou a produzir halogênios, como cromo ou bromo, em uma classe de compostos chamados alcaloides, que a planta produz normalmente. Muitos alcaloides têm propriedades farmacêuticas e são utilizados na fabricação de antibióticos. O alvo do grupo é um alcaloide chamado vimblastina, usado em tratamento de câncer.
SENSOR FOTÔNICO Pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, criaram um sensor de luz em escala nanométrica que pode ser combinado com um circuito eletrônico de dimensões atômicas para produzir dispositivos híbridos eletrônicos e ópticos com novas funcionalidades. Com menos de quatro nanômetros de largura, o invento permite a interação fotônica controlada com objetos tão pequenos quanto uma única molécula ou mesmo pontos quânticos. Outra funcionalidade do nanoaparelho é poder ser ajustado eletricamente a fim de alterar sua sensibilidade a diferentes cores no espectro visível. Esta é uma característica importante, porque faz com que não precise de filtros para separação de cores, algo comum nos sensores fotônicos. Os pesquisadores produziram o dispositivo utilizando uma plataforma nanoeletrônica regravável criada na Escola de Artes e Ciências da universidade. Seu desenvolvimento contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Wisconsin-Madison, também dos Estados Unidos.
Imagem microscópica da luz captada pelo sensor
Futuro europeu: previsão de carros elétricos
OPÇÕES DE_ MOTORIZAÇAO Três tipos de tecnologia poderão dominar os carros nos anos 2050. Os candidatos são os movidos a bateria elétrica com recarga em uma tomada, para carros menores e viagens mais curtas; célula a combustível e hidrogênio, para automóveis maiores e viagens mais longas; e os híbridos plug-in, que possuem baterias passíveis de serem recarregadas na tomada ou por um pequeno motor a combustão interna movido a biocómbustível, que também faz a função de motorização, ideal para
quem percorre muitos quilômetros. Esse cenário está previsto no estudo A portfolio of power-trains for Europe: a fact-based analysis, apresentado em novembro por 30 organizações, entre indústrias automobilísticas, como Mercedes-Benz, Toyota e General Motors, companhias de óleo e gás, como a Galp e Shell, além de empresas de equipamentos para veículos e de energia. A intenção do estudo é indicar as possibilidades para a diminuição de 80% da emissão de dióxido de carbono ( C0 2 ) dos veículos automotores em 2050, meta definida pela União Europeia. O estudo concluiu que não será possível mais ter um único sistema de motorização como os motores a combustão atuais que queimam gasolina, gás ou biocombustível. Essa última opção, que inclui principalmente o etanol, é indicada no estudo para regiões onde esse combustível esteja disponível de forma sustentável. O estudo indica também que os biocombustíveis terão forte demanda para caminhões, aviação, barcos e indústria.
PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 63
LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL
CERCO AO PARASITA Uma pesquisa realizada no Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) pode ajudar no desenvolvimento de fármacos para o tratamento da doença de Chagas, causada pelo parasita Trypanosoma cruz i. No estudo feito pela pesquisadora Juliana Cheleski foi identificada e mapeada a estrutura de algumas moléculas que podem reduzir a produção de uma enzima do parasita T. cruzi e interferir no seu ciclo de vida. Na primeira fase foram procuradas substâncias de interesse em um banco de dados de moléculas comerciais, chamado Zinc database, de acesso
PARC,ERIA PARA O I PRE-SAL Um complexo voltado para a pesquisa e o ensino aplicados à indústria do petróleo foi inaugurado em novembro no campus da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, no interior paulista. O edifício do Centro de Geociências Aplicadas ao Petróleo tem 2 mil metros quadrados e resulta de uma parceria entre a Unesp e a Petrobras. O investimento inicial para construção do prédio e compra de equipamentos é de R$ 10,5 milhões, dos quais R$ 1,3 milhão corresponde à contrapartida da universidade. O centro tem foco na formação de especialistas e no desenvolvimento de pesquisas com ênfase em rochas carbonáticas, que formam a camada pré-sal e outros reservatórios petrolíferos brasileiros.
gratuito. Após essa seleção, realizaram-se ensaios em laboratório para avaliar se as substâncias escolhidas eram importantes para a doença. Nos ensaios in vitro, a pesquisadora verificou que a atividade enzimática do parasita diminuiu na presença das moléculas. A pesquisa, que teve apoio de bolsa de doutorado da FAPESP, foi premiada em um congresso na Grécia. Para chegar a um medicamento, no entanto, ainda há um longo caminho que inclui a participação de uma indústria farmacêutica.
PRÓTESES MAIS FUNCIONAIS O desenvolvimento de um motor elétrico linear para acionamento de próteses de mão e antebraço em amputados poderá ajudar os usuários a se livrar de um problema incômodo, o barulho. Isso po rque nesse tipo de aplicação são empregados motores elétricos de corrente contín ua- em que o eixo é giratório. Mas, para que o motor seja mais eficiente, o movimento rotacional é convertido em linear por roldanas e engrenagens,
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que provocam ruídos. "O uso de um motor elétrico lin ear dispensa as adequações mecânicas [roldanas e engrenagens], eliminando o barulho gerado por elas", diz a engenheira eletricista
Alin e Juliani, que propôs o desenvolvimento de um motor lin ear tubular para próteses como tema do seu doutorado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, orientado pelo professor Diógenes Pereira Gonzaga. "Além disso, ele é mais resistente e não necessita de m an utenções periódicas." Para testar o funcionamento do motor linear, Aline construiu o protótipo de uma prótese de um dedo. Colaborou para os bons resultados um estágio de quatro meses que ela fez no Instituto de Máquinas Elétricas da Universidade de Aachen, na Alemanha, um centro de excelência em pesquisa na área de máquinas elétricas. Na mesma universidade, no Instituto Helmholz de Biomedicina, Aline usou um programa que viabiliza o equacionamento das juntas dos dedos para fazer o movimento do fechamento da mão. Embora aspectos importantes do motor já tenham sido atingidos, ainda será necessário aprimorar o dispositivo para uso em uma prótese de membro superior.
Ocurso a recamem é indicad científica para se d
Ocurso de Mestrado da Mauá, com três anos de duração, recomendado pela CAPES e reconhecido pelo MEC, éindicado a profissionais que pretendem utilizar metodologia científica para solucionar problemas. Tudo o que você precisa para se destacar e construir uma carreira de sucesso.
Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos, nas áreas de concentração: - Engenharia de Alimentos - Engenharia de Processos Bioquímicos - Engenharia de Processos Químicos
Cultivo em laborat贸rio de Gracilaria tenuistipitata
[ QUÍMICA ]
Algas podem ser aplicadas na limpeza de áreas contaminadas DINORAH ERENO
Versati Iidade
mar·nha
e formas e coloridos diversos, as delicadas algas marinhas guardam um riquíssimo arsenal químico, composto de aminoácidos, lipídeos, açúcares, carotenoides e pigmentos que as tornam particularmente interessantes como fonte de novos fármacos e substâncias bioativas com potencial econômico para uso na agricultura ou ainda para produção de biocombustível. Versáteis, esses organismos aquáticos também podem ser utilizados para limpar áreas contaminadas por substâncias orgânicas e por metais pesados, processo chamado de biorremediação. ''As algas têm em sua estrutura celular uma grande área chamada de vacúolo, um tipo de cavidade limitado por uma membrana, onde conseguem estocar grandes quantid.ades de substâncias", diz o professor Pio Colepicolo Neto, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) , que há mais de 20 anos se dedica ao estudo das algas e atualmente coordena um projeto temático com a participação de nove grupos de pesquisa, financiado pela FAPESP, que engloba estudos de bioprospecção de macroalgas marinhas. "Em uma área com metais pesados, elas podem funcionar como uma esponja biológica, absorvendo esses poluentes, e dentro da célula, por mecanismos bioquímicos, ocorre uma imobilização dos materiais no vacúolo", relata. No final do processo, basta incinerá-las e retirar o metal concentrado nas cinzas. Para testar na prática o conhecimento de anos de pesquisa, Colepicolo entregou recentemente um projeto para a Petrobras, que está em análise pela empresa, de utilização de macroalgas nos tanques das refinarias para limpeza dos metais pesados resultantes dos processos de produção de petróleo. Uma das propostas embutidas no projeto é estudar os níveis de concentração de dióxido de carbono (C0 2) não só em refinarias, mas também em usinas de fermentação de PESQUISA F"APESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 67
etanol, para que esse poluente atmosférico possa ser canalizado e bombeado para o cultivo de algas. "Com a absorção do dióxido de carbono será possível ajudar a despoluir a atmosfera e com isso ganhar créditos de carbono", diz Colepicolo. As algas marinhas estão na base da cadeia alimentar e são geradoras de biomoléculas importantes como antioxidantes, aminoácidos essenciais, vitaminas, carotenoides, polissacarídeos e ácidos graxos como o ômega-3 e o ômega-6. "O dióxido de carbono irá funcionar como alimento para a alga ganhar biomassa", diz o pesquisador. Em estudos feitos em parceria com o Centro de Capacitação e Pesquisa em Meio Ambiente (Cepema), vinculado à USP e sediado em Cuba tão, na baixada santista, o grupo de pesquisa do Instituto de Química tem testado a degradação de alguns poluentes orgân icos, como o fenol, por algas marinhas. Além de conseguir degradar um composto extremamente tóxico, a alga usa o carbono do fenol para construir aminoácidos, lipídeos e ácidos nucleicos. "As estruturas químicas de diversos compostos das algas marinhas são completamente diferentes das estruturas produzidas por plantas terrestres", diz Colepicolo. Como elas vivem em um ambiente al-
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vivo em tufos de Graci/aria birdiae
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Substâncias isoladas de algas podem ser usadas em tecidos ou em tintas e vernizes para residências e barcos, diz Pio Colepicolo
tamente adverso, onde são atacadas o tempo todo por outros organismos que se alim entam delas e também recorrem a elas como refúgio, possuem uma diversificada gama de substâncias químicas extremamente sofisticadas para se defender. Uma dessas substâncias são
os aminoácidos tipo micosporinas (ou MMAs, do inglês mycosporine-like amino acids), composto químico de baixo peso molecular sintetizado por algas e fungos com alta capacidade de absorção da radiação ultravioleta, que foram isolados e caracterizados no laboratório da USP. "Isolamos mais de 20 micosporinas de diferentes macroalgas do gênero Gracilaria encontradas na costa brasileira. No início do projeto nosso objetivo era desenvolver uma abordagem unicamente voltada à ciência básica, mas, com a sua alta capacidade de absorção de radiação ultravioleta (UV), foi inevitável pensar na aplicação dessas moléculas nos mais diferentes produtos que ficam expostos à luz solar. Além de protetores solares, essas substâncias podem ser usadas diretamente em tecidos ou em tintas e vernizes para residências e barcos", diz Colepicolo. Proteção solar - Um dos extra tos obtidos mostrou excelente potencial para uso em formulações cosméticas destinadas à proteção solar. O projeto para obtenção de uma substância fotoprotetora natural foi desenvolvido em parceria com a empresa Natura, como parte do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite), financiado pela FAPESP. "A radiação ultravioleta que elas absorvem é altíssima e comparável aos compostos sintéticos usados na composição dos atuais protetores comerciais", diz Colepicolo. "Um grande diferencial dessas micosporinas é que elas absorvem UVB (na região espectral de 280 a 330 nanômetros ), onde poucas moléculas o fazem." Com o aumento gradual da incidência solar sobre o planeta, há a necessidade de proteção na região de UVB. "A adição de sustâncias naturais com a mesma eficiência dos sintéticos agrega valor ao produto, tornando-o diferenciado e com valor de mercado competitivo", diz o pesquisador. A Natura já fez os testes de estabilidade da substância e de avaliação de citotoxicidade, ensaio feito em cultura de células necessário para verificar a biocompatibilidade dos materiais. "Nos ensaios citotóxicos verificou-se que a micosporina não mata as células nem pela absorção da radiação ultravioleta nem sob o efeito da luz branca." Além das micosporinas, as algas produzem diversos outros compostos com propriedades anti-inflamatórias,
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bactericidas e fungicidas. "Algumas substâncias extraídas de algas, quando borrifadas no mamão, figo e berinjela, aumentam o tempo de vida útil de prateleira desses produtos", diz Colepicolo. "Em alguns vegetais houve um aumento de 30 dias na vida útil após a aplicação." Mas até ser considerado um produto é preciso testar a toxicidade das substâncias pós-consumo e também os efeitos que elas possam ter sobre as frutas em que foram aplicadas- um trabalho que deve demorar cerca de dois anos. Para chegar às substâncias de interesse, os pesquisadores analisaram dezenas de espécies de algas. "Após triturar a alga, preparamos extratos com diferentes polaridades químicas e testamos em larga escala", diz Colepicolo. Nos Estados Unidos, alguns produtores estão usando extratos de algas enriquecidos de carotenoides misturados à ração das galinhas poedeiras para dar uma coloração mais atrativa aos ovos e, de quebra, deixar os animais mais saudáveis. Isso ocorre porque os carotenoides encontrados nesses organismos são precursores da síntese da vitamina A em animais. O principal problema para o uso em larga escala é que essas substâncias ainda são caras. "Uma dúzia de ovos com extratos de algas custa entre US$ 4 e US$ 5", diz Colepicolo. Cultivo integrado- Uma das linhas de biorremediação contempladas no temático tem como foco o cultivo integrado de camarão e algas. No caso, as macroalgas são cultivadas em viveiros semelhantes a tanques nas fazendas produtoras de crustáceos no Rio Grande do Norte. Os estudos têm demonstrado que as águas residuais da aquicultura intensiva- ricas em nitrogênio e fósforo - podem ser usadas como fonte de nutrientes para o crescimento das macroalgas. Nesse caso, é importante encontrar uma espécie algal que seja tolerante ou resistente a um determinado nutriente de maneira a melhorar o potencial de produção e biorremediação. Como resultado dessa parceria, o ambiente se torna mais equilibrado e favorável ao crescimento dos organismos cultivados. Duas fazendas produtoras participam do projeto, coordenado pela professora Eliane Marinho-Sariano, do Departamento de Oceanografia e Limnologia da Universidade Federal do Rio Grande
Detalhe
do Norte (UFRN). Uma delas é a Primar, a única empresa orgânica de cultivo de camarões certificada do Brasil, e a outra, Tecnarão, pertencente a um grupo argentino. As duas estão instaladas às margens da laguna Guaraíras, a 70 quilômetros de Natal, margeada por mangues. Em viveiros de cerca de 1,5 metro de profundidade e com 3 a 4 hectares cada um, os camarões são alimentados com ração vitaminada várias vezes ao dia até atingirem o tamanho comercial. Ao final de três meses, quando os camarões estão prontos para serem coletados, a água utilizada no cultivo é devolvida ao ambiente natural, o que resulta em um aumento excessivo da carga de nutrientes. Quando as algas ( Gracilaria domingensis e Gracilaria birdiae) são cultivadas nos tanques de camarões, elas se alimentam dos detritos expelidos pelos crustáceos, o que no final resulta em uma água mais limpa que pode ser devolvida para os mangues ou reutilizada nos sistemas de cultivo. A biomassa das macroalgas produzida nesses sistemas pode ser usada para alimento humano, ração para animais e compostos bioativos com alto valor econômico. Eliane coordena ainda um projeto de cultivo de algas em mar aberto na praia do Rio do Fogo, a 80 quilômetros
dos ramos da Caulerpa racemosa
de Natal, atividade realizada em parceria entre a UFRN, o Ministério da Pesca e Agricultura e famílias de pescadores da comunidade. O trabalho teve início em 2001 como um projeto piloto financiado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para ajudar no desenvolvimento de comunidades carentes. "Mostramos que havia viabilidade econômica para o cultivo de algas nessa região", diz Eliane. O projeto engloba o manejo dos bancos de algas, a restauração desses bancos, assessoria técnica, além de fornecimento de dados para órgãos ambientais. Atualmente, cerca de 25 pessoas estão envolvidas na coleta da Gracilaria, espécie nativa do litoral nordestino. Em Rio do Fogo, o cultivo de Gracilaria foi instalado em 2005, a aproximadamente 50 metros da praia, em sistemas de cultivo denominados balsas flutuantes. Essas estruturas são compostas de canos de PVC e cordas que permanecem na superfície da água com o auxílio de boias. Nas cordas são inseridos os talos das algas (mudas), que após três meses estarão prontas para serem coPESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 69
letadas. Como as plantas terrestres, as macroalgas realizam fotossíntese e são capazes de converter a energia solar em energia química, metabolizando compostos em materiais necessários para o seu crescimento. Além da clorofila, responsável pelo processo básico de fotossíntese, as algas possuem outros pigmentos que lhes conferem variadas colorações, que vão do verde-claro ao roxo. Com base na pigmentação, as macroalgas são classificadas no grupo das algas verdes (Chlorophyta), das pardas (Ochrophyta) ou das vermelhas (Rhodophyta), a que pertencem as espécies de Gracilaria. Valor substancial - "Dependendo da espécie, as algas podem ser encontradas tanto nas áreas mais rasas como em maiores profundidades': diz Eliane, que em 2009 publicou o Manual de identificação das macroalgas marinhas do litoral do Rio Grande do Norte, um guia de campo simples e prático. Pelas suas propriedades nutricionais e medicinais, há muito tempo as algas têm sido usadas pelos povos orientais. Mas são alguns polissacarídeos, como ágar e carragenana, utilizados nas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmética como estabilizantes, amaciantes e espessantes, que conferem a esses organismos aquáticos substancial valor econômico. "São consumidas no mundo cerca de 25 mil toneladas de carragenana por ano, o que corresponde a US$ 200 milhões", diz Colepicolo. É um mercado com crescimento de 5% ao ano. O ágar responde por 10 mil toneladas anuais, ou US$ 10 milhões, com crescimento de 7% ao ano. "Toda a carragenana utilizada no Brasil é ainda importada, porque não temos produção para suprir a necessidade do mercado nacional': ressalta. No Brasil, até poucos anos atrás, existiam várias empresas que processavam algas. Só que elas não eram cultivadas, mas extraídas da natureza, o que resultou em falta da matéria-prima. Hoje apenas uma empresa na Paraíba trabalha com o processamento de algas. "Para manter as empresas funcionando, é preciso haver biomassa disponível e a única maneira de fazer isso é com o cultivo, como fazem o Chile, a Indonésia, o Japão e a China", diz Eliane. Uma das linhas de pesquisa no projeto temático trata dos cultivos e gera-
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sida de, podemJ na desn Ernani. to Pepo Ciência Preto d< dação e~ cas isol< tividadE da Univ tarina, . Horta,< rização substân Federal Mirand de espé tes das Norte. Pelotas respon~
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OS PROJETOS 1. Estudos de bioprospecção de macroa/gas marinhas, uso da biomassa alga/ como fonte de novos fármacos e bioativos economicamente viáveis e sua aplicação na remediação de áreas impactadas (biodiversidade marinha) - n° 2010/50193-1 2. Algas marinhas da costa brasileira: isolamento e caracterização de substâncias bioativas com potencial uso para formulações cosméticas n° 2003/08735-8 MODALIDADE
1. Projeto Temático - Biota 2. Programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) COORDENADOR
1 e 2. Pio Colepicolo Neto - USP INVEST IMENTO
1. R$ 776.576,35 e US$ 320.746.40 (FAPESP) 2. R$ 190.614,03 (FAPESP) e R$ 170.000,00 (Natura)
ção de mudas em laboratório, tarefa conduzida pelas pesquisadoras Nair Sumie Yokoya e Mutue Toyota Fujii, do Instituto Botânico, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Essa vertente do projeto gera mudas de macroalgas que são capazes de ser cultivadas em temperaturas e salinidades diferentes. "A pesquisa desenvolvida no Instituto Botânico é fundamental para o sucesso do projeto, porque, em um país em que a extensão litorânea chega aos 8 mil quilômetros com diferentes condições climáticas, é preciso distribuir as mudas de acordo com a sua tolerância e capacidade de crescer e produzir bioativos variados': diz Colepicolo. Nair é também a coordenadora da Rede Nacional em Biotecnologia de Macroalgas Marinhas, criada em 2005. Participa ainda do temático o professor Ernani Pinto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que conduz a pesquisa para produção de bioativos de algas marinhas e coordena os ensaios farmacológicos do projeto, além da análise de bioprospecção, viabilidade e estudos mercadológicos. "Por sua complexidade e diver-
laciom antibac e antio senvoh quisa.l Teixein Federal estudm isolad< dade a profess tin, da
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co
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sidade, as moléculas de macroalgas podem preencher lacunas importantes na descoberta de novos fármacos", diz Ernani. O grupo do professor Norberto Peporine Lopes, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP, é responsável pela elucidação estrutural de substâncias químicas isoladas das macroalgas com bioatividade, e um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina, liderado pelo professor Paulo Horta, cuida dos cultivos e da caracterização das atividades biológicas das substâncias extraídas. Na Universidade Federal da Paraíba o professor George Miranda coordena um cultivo de algas de espécies Gracilaria caudata diferentes das cultivadas no Rio Grande do Norte. Na Universidade Federal de Pelotas a professora Márcia Mesko é responsável pelo biomonitoramento e pela biorremediação de metais pesados pelas macroalgas. Capacidade antiviral - Pesquisas relacionadas às atividades antifúngica, antibacteriana, antiviral, anticoagulante e antioxidante das algas têm sido desenvolvidas por vários grupos de pesquisa. No Brasil, as professoras Valéria Teixeira e Izabel Paixão, da Universidade Federal Fluminense, estão conduzindo estudos na fase pré-clínica de compostos isolados de macroalgas com capacidade antiviral, enquanto o grupo do professor Paulo Mourão e Yocie Valentin, da Universidade Federal do Rio de
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As moléculas de macroalgas podem preencher lacunas importantes na descoberta de novos fármacos, diz o professor Ernani Pinto
Janeiro, isolou polissacarídeos com capacidade anticoagulante, como apresentado no workshop sobre biodiversidade marinha, promovido pela FAPESP em setembro deste ano. Além da pesquisa de novos fármacos e bioativos de interesse comercial, o grupo de Colepicolo faz estudos para aproveitamento da biomassa da alga para produção de biodiesel e etanol. São duas vertentes para obtenção de biocombustíveis, uma a partir de lipídeos (gorduras) e outra de polissacarídeos (açúcar), extraídos das algas. As pesquisas envolvem tanto as macroalgas
como as microalgas, que não podem ser vistas a olho nu. Ângela Tonon, pós-doutoranda do laboratório da USP, está transformando molecularmente algumas vias de síntese de açúcar para a de lipídeos de microalgas. É uma forma de ter extração constante, já que a colheita de microalgas é feita a cada dois ou três dias, enquanto a de macroalgas demora cerca de três meses. O pesquisador Richard Sayre, diretor do Instituto Erac para Combustíveis Renováveis, um centro de pesquisa mantido pela iniciativa privada em Saint Louis, Estados Unidos, mantém estreita colaboração com a pesquisa desenvolvida na USP na parte de modificação molecular de microalgas para produção de lipídeos. A outra via para obtenção de biocombustível é pela degradação dos polissacarídeos das algas em monossacarídeos. A vantagem das algas em relação à biomassa da cana é que não é preciso quebrar a lignina e as outras fibras para fazer a degradação enzimática. Atualmente os pesquisadores estão selecionando leveduras e enzimas eficientes que degradam os polissacarídeos de macroalgas para a produção de etanol. A busca e a varredura de novos microrganismos incluem isolamento de fungos de macroalgas de diferentes localidades. "A região antártica, onde algas de até cinco metros de comprimento vivem em condições extremas, também será contemplada", diz Colepicolo, que é o coordenador de um projeto recentemente aprovado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e pela Marinha do Brasil, dentro do Programa Antártico Brasileiro. "Um grupo de 12 pesquisadores do projeto está indo para a Antártida em dezembro fazer coleta de algas." A proposta não é fazer bioprospecção, mesmo porque não existe possibilidade de cultivo em larga escala dessas algas fora do ambiente antártico. "Além da caracterização das linhagens que lá existem, vamos estudar as leveduras e fungos que vivem em simbiose com essas algas'; relata. A expectativa é esses microrganismos poderem ser usados nos processos de fermentação do bioetanol. • Artigo científico
Uiva sp, conhecida como alface-do-mar
CARDOZO, K.H.M . et ai. Metabolites from algae with economical impact. Comparative Biochemistry and Physiology. v. 146, p. 60-78. 2007.
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[ EMPREENDEDORISMO ]
Empresa presta serviços de consultaria e sequenciamento genético
linha de produção da empresa Helixxa, instalada em Campinas, no interior de São Paulo, parte de uma ideia simples e inédita no Brasil, a de prestar serviços genômicos. Ela é um reflexo da era da genômica em que o conhecimento dos genes torna-se de uso mais amplo, tanto que, em 10 anos, o custo da análise de um genoma, em média, está 1 milhão de vezes mais barato. O plano de negócios da companhia está baseado, na ponta de entrada, em uma única, porém diversificada, matéria-prima: qualquer tipo de material genético é aceito. Na porta de saída estão os resultados genômicos, e suas interpretações, que poderão atender a projetas públicos e privados em várias áreas do conhecimento. O mais complicado, dentro de um cronograma que começou há quase três anos, admitem os sócios, foi reunir os R$ 4 milhões investidos na ideia até agora. "Contamos com a família e os amigos", diz João Bosco Pesquero, professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e um dos sócios da Helixxa. "Não temos ainda nenhum recurso de investidores ou de fundos de capital de risco. Essa pode ser a próxima etapa", afirma o empresário-pesquisador. Mesmo com o dinheiro investido, e uma ideia mais ou menos definida na cabeça para desenvolver, era preciso comprar equipamentos adequados. As ferramentas para unir as duas pontas do negócio seriam decisivas. Como na prática os sócios pretendiam tornar a empresa um sofisticado provedor de serviços na área da genômica, eles também resolveram escolher máquinas de sequenciar genes de ponta. O sequenciador 454 da Roche foi uma das plataformas escolhidas. O equipamento é considerado um dos mais rápidos e modernos para ler genes no mundo. Como máquinas não funcionam sozinhas, a empresa também contratou profissionais da área para trabalhar com as amostras que chegavam. "Temos que ter realmente um bom prazo na entrega das análises, além de preço competitivo", diz Pesquero. Ele mesmo, como pesquisador, é um conhecedor da burocracia para a importação de reagentes utiPESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 73
Sequenciador: preço da análise caiu 1 milhão de vezes
lizados nas pesquisas. "Mas também nos estruturamos para entregar um pacote completo, a partir do material que é enviado pelos pesquisadores ou empresas. Outra vantagem nossa é que também oferecemos serviços de consultoria, assim podemos sentar junto com o pesquisador e discutir soluções mais adequadas para os projetos." O 454 em operação na Helixxa é um dos cinco em uso no Brasil. É o único equipamento instalado em um laboratório privado. As outras quatro instituições que operam uma máquina do mesmo tipo são o Instituto Evandro Chagas, no Pará, o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro, a Universidade Católica de Brasília e o Instituto de Química da Universidade de São Paulo. "Tanto a instalação quanto a entrada em operação da máquina ocorreram em maio deste ano", diz o administrador de empresas Mario de Oliveira Júnior, outro sócio da empresa. "Até o dia 12 de novembro 17 sequenciamentos bem-sucedidos foram realizados no equipamento. Cada um custa em média R$ 50 mil", diz Oliveira Júnior. Genoma bovino - Nesses seis meses
de vida, a Helixxa atendeu a clientes privados internacionais, como a própria Roche, que validou os resultados gerados pela máquina vendida por ela no Brasil. 74 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQU ISA FAPESP 178
Resultados rápidos do genoma passam a ser importantes para responder às perguntas científicas dos laboratórios de fármacos
Também realizou vários serviços para a indústria farmacêutica Pfizer, empresa que escolheu, segundo Pesquero, a Helixxa para ser o seu laboratório de genômica animal na América do Sul. Para a Embrapa, outro cliente, a Helixxa realizou a análise de milhares de marcadores para gado bovino. Tam bém em Campinas, um projeto em desenvolvimento na Universidade Estadual de Campinas (Unica mp) abriu outra possibilidade de negócio para a Helixxa: a de fazer a venda de seus serviços diretamente para o pesquisador de uma instituição científica, modelo que já existe em países como Estados Unidos e em várias
regiões da Europa. Pesquisadores da universidade interessados em estudar a genômica dos microrganismos da flora intestinal recolheram amostras de fezes humanas e mandaram para o laboratório da Helixxa. Um dos objetivos da pesquisa é entender como a constituição da flora se comporta depois da aplicação de determinadas drogas. Por isso, ter resultados rápidos do genoma dos vírus, bactérias e fungos do sistema digestivo, antes e depois das aplicações dos medicamentos ao paciente, passa a ser interessante para responder às perguntas científicas feitas pelo laboratório produtor do fármaco . Pesquero diz que, nesse caso, a empresa entregou todos os resultados ao pesquisador em uma semana, a um custo de R$ 54 mil. "Esse preço pode variar de acordo com o objetivo e tamanho do projeto. Caso o pesquisador tenha verba para importação de reagentes e queira usar essa possibilidade, esse custo cairia para R$ 30 mil", diz Oliveira Júnior. "Essa opção existe para que os pesquisadores das universidades e centros de pesquisa do país possam baratear e facilitar a utilização dos nossos serviços." Processo competitivo - Pesquero diz que a ideia da Helixxa surgiu para "revolucionar" a pesquisa no Brasil. "Existem muitos problemas que fazem com que a pesquisa não ande." Os pesquisadores, diz o agora empresário, não foram formados e treinados para serem "jóqueis de equipamento". Isso significa que eles não deviam utilizar o tempo deles para aprender a operar a máquina, mas sim fazer perguntas científicas importantes dentro do trabalho. Segundo Pesquero, a intenção deles, além do lucro que é bem-vindo em qualquer tipo de iniciativa privada, é "acelerar os processos de pesquisa no país, dentro da área genômica, tornando nossa ciência mais competitiva no âmbito inernacional, além de oferecer oportunidades de carreira para alunos recém-formados, mostrando que existe vida fora da universidade nessa área': Se hoje a Helixxa sequencia e quantifica o genoma, no futuro técnicas ainda mais aprofundadas da área, como a análise das proteínas, também poderão estar disponíveis na empresa. As próximas etapas, os próprios donos sabem, vão depender da consolidação da etapa atual. •
[ COMPUTAÇÃO ]
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I
I Aprendizado inteligente
I
·1•1
Máquina absorve conhecimento de forma contínua
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YURI VASCONCELOS
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ão é de hoje que a ideia da existência de computadores inteligentes, capazes de raciocinar, aprender e tomar decisões de forma autônoma desperta a curiosidade e é retratada na ficção. A mais famosa dessas máquinas é, sem dúvida, o HAL 9000, personagem dotado de avançada inteligência artificial imortalizado no filme 2001, uma odisseia no espaço, dirigido por Stanley Kubrick em 1968. Mas será que um dia essas máquinas poderão sair do universo ficcional e tornar-se realidade? Vários pesquisadores, em todo o mundo, tentam responder a essa pergunta com projetos para tornar os computadores mais inteligentes. Um deles é o Read the Web- ou leitura na web -, um programa desenvolvido em parceria por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Carnegie Mellon, dos Estados Unidos. O grupo desenvolve um computador capaz de aprender de forma autônoma e de utilizar os conhecimentos já adquiridos para evoluir seu próprio aprendizado. O problema proposto é criar uma máquina que leia páginas da web e, a partir daí, melhore a capacidade de aprendizado do computador, de forma contínua. "Queremos mostrar que com o atual desenvolvimento das técnicas de aprendizado de máquina, recuperação de informação e processamento de linguagem é possível construir um computador 'inteligente' e com capacidade para adquirir mais e mais conhecimentos, exaPESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 75
que a< locali2 cidad< de alg
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tamente como nós fazemos", explica o professor Estevam Rafael Hruschka Junior, do Departamento de Computação da UFSCar, coordenador brasileiro da iniciativa. Para atingir esse objetivo, a equipe construiu um programa de computador, batizado de NELL (iniciais de never-ending language learner), que busca um novo padrão de aprendizado de máquina chamado "aprendizado sem fim". "É um novo paradigma. O computador aprende continuamente e não somente um tipo de conhecimento específico, mas também conhecimentos gerais e de senso comum que o auxiliarão a ampliar sua capacidade de aprendizado com o passar do tempo", explica Hruschka. m aspecto importante do aprendizado sem fim é o acúmulo de experiência. Assim como nós, seres humanos, aprendemos conceitos mais complexos após adquirirmos conhecimentos mais básicos e simples - é mais fácil aprender álgebra depois de ter aprendido as operações aritméticas básicas -, o NELL se vale de sua experiência acumulada no processo de
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Oprograma identifica estratégias sem muito sucesso no aprendizado e pode alterá-las para aperfeiçoar o processo de aprendizagem
aprendizado futuro. "Da mesma forma que um funcionário mais antigo em uma empresa identifica situações que podem levar a equívocos e evitá-las, com o passar do tempo o NELL identifica estratégias sem muito sucesso no aprendizado e pode alterá-las de forma a aperfeiçoar o processo de aprendizado", conta o pesquisador. E como se dá o processo de aprendizado do NELL? Inicialmente, ele recebe informações que definem qual deve ser o seu foco específico no aprendizado. "Inserimos no NELL, em forma de arquivos de entrada, os conceitos que estamos interessados que ele aprenda e que relacionamentos entre esses conceitos são importantes para nós", explica Hruschka. A partir daí o programa começa a "ler" arquivos na internet para extrair conhecimento de temas específicos. Para entender como esse aprendizado funciona, ele conta como o NELL aprende o nome das cidades do mundo. "Em princípio fornecemos ao computador algumas dicas de leitura que o auxiliarão na identificação de cidades em termos encontrados na internet. Podemos dizer a ele que sempre
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que achar a sentença 'X é uma cidade localizada ...',o termo X refere-se a uma cidade. Após a leitura e identificação de algumas cidades, o NELL tem condições de definir autonomamente novas formas de identificação de cidades, utilizando, por exemplo, a sentença 'a Prefeitura Municipal de X'." o geral, o NELL aprende fatos que são relação entre duas categorias, como "eu moro em ... (cidade, país, etc.)" ou "ele joga no ... (time de vôlei, futebol)". No total, o computador já domina 280 tipos de relações - e esse número cresce continuamente. Para evitar o aprendizado e a propagação de erros, toda informação apreendida passa por uma validação interna feita por meio de um modelo probabilístico que considera a quantidade de evidências de que aquele determinado fato possa ser verdadeiro e a quantidade de evidências falsas. É isso que faz, por exemplo, que o NELL não confunda o nome de um país com o de uma cidade ao se deparar com a frase "José Saramago nasceu em Portugal". Segundo os autores da pesquisa, um programa de computador inteligente como o NELL poderia ser usado em inúmeras aplicações. Na própria internet, por exemplo, ele poderá originar mecanismos de busca mais sofisticados que, em vez de simplesmente encontrar
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Não existe risco de o NELL se transformar no futuro no HAL 9000 ou no Skynet, do filme
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fim. Assim, iniciamos um protótipo do NELL'', conta o pesquisador brasileiro. Em fevereiro de 2010 ele retornou ao Brasil e iniciou o projeto Leitura da web em Português, cujos resultados deverão ser integrados no futuro ao NELL. Aqui no Brasil a iniciativa é financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Nos Estados Unidos, recebe recursos da empresa Google, da Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês) e do Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa), escritório de pesquisa do Departamento de Defesa norte-americano. A Yahoo cedeu o supercomputador M45 e a Microsoft Research financia uma bolsa de doutorado.
dominou o mundo páginas relacionadas com temas que procuramos, forneçam respostas às nossas perguntas. Em empresas, sistemas computacionais poderão ir adquirindo experiência e, assim como funcionários mais antigos, acumular conhecimento que os tornem mais eficientes com o passar do tempo. Também poderão ser usados como assessores pessoais virtuais que aprendem sobre o perfil de seus usuários e os atendem cada vez melhor- por exemplo, desempenhando o papel de assistentes de notícias que buscam automaticamente conteúdos na web de interesse do usuário. O projeto Read the web nasçeu em 2008 durante uma visita que Estevam Junior fez ao laboratório do professor Tom Mitchell, da Universidade Carnegie Mellon. Os dois já se conheciam havia três anos. Na época o pesquisador brasileiro tinha um projeto do programa Jovem Pesquisador da FAPESP sobre banco de dados. Embora os objetivos do projeto de Hruschka fossem diferentes, surgiram interesses comuns de pesquisa e eles passaram a trabalhar em parceria. "Em janeiro de 2008, quando cheguei à Carnegie Mellon, iniciamos, Tom e eu, o trabalho oficial do Read the web. Após o primeiro ano de trabalho conseguimos definir uma arquitetura inicial e os princípios básicos do paradigma de aprendizado sem
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utras instituições e empresas financiam programas com a finalidade de dotar os computadores de algum tipo de inteligência. É 0 caso da IBM, detentora de um projeto chamado Respostas a Perguntas (Question Answering) para investigar técnicas que permitam uma máquina responder a perguntas feitas por seres humanos. Já o grupo do professor Oren Etzioni, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, também atua na extração de conhecimento de páginas da web, mas com um conjunto fixo de páginas previamente armazenadas e sem aplicar técnicas de aprendizado contínuo. "Temos um ótimo relacionamento com os dois grupos." Em relação às funções do NELL, Hruschka destaca que "ele não possui autonomia para nenhum outro tipo de ação diferente da de aprender na web, armazenar esse conhecimento adquirido e interagir com humanos- ou com a própria web - para tirar dúvidas': Ou seja, o risco de o NELL se transformar no futuro no HAL 9000 ou no Skynet, o programa de computador do filme Exterminador do futuro, que dominou o mundo aprendendo a partir da internet, é nulo. "Mudar a forma como os computadores aprendem não é algo simples nem tampouco rápido. Na versão atual do NELL já temos um computador inteligente, mas acreditamos que até meados de 2014 poderemos mostrar boa parte do potencial desta ideia." •
A CIDADE DOS ENGENHEIROS
[ AROUITETURA ]
HUMANIDADES
A trama urbana paulista foi criada pelos ~~saberes técnicos e eruditos" CARLOS HAAG
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e até 1900 os interessados na questão 'alojamento' reuniam-se na casa dos higienistas, passaram eles a residir em separado. O engenheiro mantém com os higienistas relações proveitosas e cordiais, visitam-se com regularidade, mas não os vemos mais de braço dado: os primeiros encontram mais conveniência em se aproximar dos urbanistas", afirmou Victor da Silva Freire, engenheiro e diretor de Obras Públicas da prefeitura de São Paulo, em 1914, em sua conferência A Cidade Salubre, proferida no Grêmio Politécnico. "Entre 1890 e 1950, é impossível separar, no plano conceituai, o vocabulário do 'urbanista' (engenheiro e arquiteto) daquele do administrador público de São Paulo", explica a historiadora Maria Stella Bresciani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do projeto temático Saberes eruditos e técnicos na configuração e reconfiguração do espaço urbano: estado de São Paulo, séculos XIX e XX, apoiado pela FAPESP. Segundo a pesquisadora, o saber erudito de técnicos e autoridades, propondo e acreditando-se capazes de dar respostas adequadas aos desafios de uma cidade que se modernizava, foi responsável pelas modificações ocorridas em São Paulo e marcou profundamente a relação entre o poder público e os interesses do capital privado, que tiveram grande peso na configuração do espaço urbano paulista. Segundo a pesquisadora, o que distingue esse projeto de outros estudos sobre o mesmo tema são as indagações teóricas e históricas em dois eixos que se cruzam. "Em termos de história, indicamos a forma como os pressupostos do higienismo-sanitarismo permanecem ativos mesmo quando se estabelece o campo profissional de especialistas da cidade. Estudamos de que forma esses pressupostos se PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2D10 • 79
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mantêm ao serem traduzidos em preceitos técnicos e incorporados à disciplina urbanística nos anos 1920, mesmo que engenheiros e arquitetos procurassem autonomia sobre o que chamavam de 'rigidez teórica dos higienistas"', observa ainda. "Pelo lado teórico, quisemos entender como funcionava o 'intervalo' entre a promulgação de leis, projetas e planos e sua efetiva aplicação ou execução, já que seriam- como outros estudos afirmam - meras cópias de ideias e modelos estrangeiros e, assim, inadequados à situação local", continua. Avenidas -A historiadora lembra, para exemplificar a primeira situação, o Plano de Avenidas do prefeito Prestes Maia (1896-1965), concebido na década de 1930 e só implementado nos anos 1970. O segundo ponto é mais complexo, pois envolve, nota Stella, ir além da linha interpretativa das "ideias fora do lugar", pois "usar o argumento da importação de ideias para a configuração urbana de São Paulo impede a reflexão mais atenta sobre o processo de constituição de um campo conceituai do urbanismo como sendo um 'saber de domínio comum', composto de vários saberes e experiências, difundido e aplicado com mudanças por causa de situações específicas em diversos países quando se acrescentam opções práticas ao urbanismo abertamente pragmático", afirma. Basta recordar o que dizia, nos anos 1920, o engenheiro
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e prefeito de São Paulo, Anhaia Mello (1896-1974), ao lado de Prestes Maia um dos polos intelectuais que propuseram uma maneira de se pensar a configuração urbana da cidade. Embora preconizasse que "as ideias têm hoje uma efetividade imensa e um raio de ação quase ilimitado e imediato, que abraça o globo e vai sondar outros planetas", Anhaia Mello avisava que era preciso conhecer como os outros resolveram os problemas urbanos e "aplicar com inteligência, e não servilmente ou por mero espírito de imitação, os métodos e processos que se adaptem às nossas condições locais. Acima de tudo, afi.rmamos a importância de acompanhar a formação acadêmica e a atuação dos especialistas e, nesse processo, entender os momentos de definição de suas opções teóricas".
O PROJETO Saberes eruditos e técnicos ·
n° 2005/55338-0 MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADORA
Maria Stella Bresciani INVESTIMENTO
R$ 673.955,00
Assim, além de revelar a permanência dos pressupostos sanitários no urbanismo paulista e de superar a teoria da importação de modelos como forma de compreender a formação da cidade, o temático trouxe outro resultado significativo aos estudos existentes: a demonstração do poder do capital privado na configuração do espaço urbano paulista. Obras feitas pelos especialistas em questões urbanas que, acredita Stella, acabaram por atribuir à cidade a sua configuração moderna. "Além disso, os pressupostos desse saber científico e técnico desenvolvido na capital foram também aplicados na criação de novas cidades ao oeste, frutos da expansão da fronteira cafeeira resultante da implantação da rede ferroviária que influenciou a urbanização de toda essa área até os limites da cidade de São Paulo. As nossas pesquisas revelam o poder das companhias privadas e dos donos de propriedades rurais no estabelecimento das ferrovias e na feição urbana de cada nova cidade surgida nesse processo." "As atividades desses grupos foram importantes para uma reconfiguração do espaço urbano do estado de São Paulo, para a difusão da arquitetura eclética e para a constituição do repertório paisagístico e para a remodelação dos antigos largos, praças e jardins", observa o arquiteto Adalberto Retto Junior, coordenador do grupo de professores da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação de Bauru (Faac)
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que integram uma área do temático. Segundo estudos desses pesquisadores, por causa das iniciativas que exigiram a construção de equipamentos e edificações voltados à produção e construção da malha ferroviária, as cidades formadas no oeste paulista, a zona de expansão da produção cafeeira, apresentam, ainda hoje, uma paisagem bastante homogênea no seu desenho urbano: o quadriculado contínuo da malha urbana se detém ao encontrar uma barreira natural ou os leitos de ferrovias e rodovias, independentemente da topografia existente. Para Retto Junior, o espaço público dessas novas cidades, muitas criadas em função da passagem das ferrovias, houve uma reprodução da legislação da capital em seu processo de difusão e a circulação dos preceitos higiênicos e inovações técnicas. A implantação dessas cidades, segundo o grupo de estudos, pode ser considerada um marco no planejamento urbano, cujo objetivo maior era obter um rápido retorno do investimento feito. Após serem substituídas pelas rodovias, as estruturas arquitetônicas criadas pela expansão da rede ferroviária no interior do estado se transformaram em "ruínas modernas", também existentes na capital. "É preciso questionar para quem se preservam áreas e imóveis, por que e em nome de que passado. Ainda que essa preservação tenha sido feita em nome de uma 'linha de continuidade com o passado', ela deve ser pensada como trabalho seletivo de reconstrução desse passado", analisa a historiadora Cristina
Casa de máquinas em patamar na serra do Mar, em 1867
Meneguello, da Unicamp, integrante do temático. "Essa preservação virou 'tema favorito' nos meios de comunicação e no discurso político, mas é preciso questionar isso para além do seu lado 'positivo'. A apropriação da história não deve ser apenas uma citação material e visual, mas algo que mostre em si a possibilidade de transformação", continua. Engenheiros - Para entender, aliás, essa transformação em seu processo, é preciso compreender como se chegou ao predomínio dos engenheiros. Afinal, antes deles, quem comandava esse desenvolvimento eram os higienistas. "As prescrições sanitárias eram baseadas
na teoria miasmática, que atribuía ao 'veneno' presente no ambiente a causa das epidemias. Daí o surgimento de um corpo de profissionais que deveriam combater os 'males' aos quais as cidades estavam submetidas, realizando intervenções práticas para reduzir os 'miasmas"', explica a arquiteta e historiadora Ivone Salgado, da PUC-Campinas, integrante do temático. Uma epidemia de febre amarela em Campinas e Santos levou o poder público a decretar a inspeção dos cortiços do bairro de Santa lfigênia. "Os médicos higienistas sentiram-se no direito de entrar no espaço privado das habitações coletivas, mais pobres, para uma intervenção 'ordenadora' da cidade e sugeriram a localização das futuras habitações de trabalhadores em vilas construídas numa distância de 15 quilômetros da capital. Era o início de um processo de segregação espacial que marca a cidade até hoje, designada pelos especialistas como 'padrão periférico de crescimento urbano"', continua Ivone. Mas uma inovação científica, a microbiologia, levou à decadência da teoria miasmática, causando a emergência de um novo profissional responsável pelo saneamento urbano: o engenheiro sanitário. "Os novos programas de saneamento básico ficaram para os engenheiros municipais que se tornaram o braço técnico do movimento de reforma sanitária. A profissão de engenheiro experimentou um crescimento PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 81
qual se definiram as políticas para a ação oficial e privada no setor de construção civil. Foi o passo decisivo para a união entre o engenheiro e o administrador. "Seja porque os prefeitos procuravam esses profissionais para tocar os vários departamentos da administração pública, seja porque eles mesmos eram, na sua maioria, engenheiros formados pela Politécnica e falavam a mesma linguagem", nota Stella. São Paulo se orgulhava de sua independência e de seu saber erudito e técnico na relação entre o crescimento demográfico e espacial e as intervenções realizadas na cidade pelo poder público associado à iniciativa privada.
rápido", observa Ivone. "Os engenheiros a serviço da cidade eram chefes entre a elite tecnocrática, que construía e administrava a nova infraestrutura urbana e foram surgindo ao lado da classe emergente burocrática de funcionários permanentes da cidade." Ou, nas palavras de Victor Freire: "Passam eles a residir em separado". "É preciso ver a cidade moderna como um organismo complexo inserido num plano de expansão. Temos hoje, para sorte da sociedade, soluções técnicas", escreveu ele em 1918. Era a vitória dos "argumentos técnicos, científicos e econômicos", considerando todas as manifestações da vida da cidade em conjunto, em suma, "na essência do urbanismo". "Nas décadas finais do século XIX houve mudanças importantes nas formas de legitimar a
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autoridade municipal e as intervenções na cidade. Uma 'nova política urbana' surgiu, embasada na possibilidade de o Estado estabelecer critérios 'objetivos' para solucionar problemas 'reais' da coletividade", nota Stella. A parceria entre o engenheiro e o médico, continua a pesquisadora, indiscutível no século XIX, dá lugar, no fim da década de 1920, à parceria desigual entre o engenheiro urbanista e o especialista em sociologia urbana, seu colaborador. Em 1914, praticamente todas as cidades com alguma expressão econômica já contavam com serviços urbanos modernos. Havia base para tanto desenvolvimento. A criação da Politécnica em 1894 e da Escola de Engenharia Mackenzie em 1896 deu nascimento a um núcleo institucional, de um centro a partir d;
Livre - "Vimos as várias terras da província se cobrirem de vias férreas sob os auspícios fecundos da iniciativa privada; vimos se formarem ricas associações e companhias para explorar, sem a intervenção do poder estatal, os ramos mais importantes da indústria, agricultura e comércio; vimos a província do estado de São Paulo mudar completamente de aparência em poucos anos, impulsionada pelo poder admirável das associações livres, da vontade individual", escreveu o presidente de São Paulo, Paulo Egydio, em artigo ao jornal O Estado de S. Paulo em 1888. São tempos dos "melhoramentos": os empresários ricos da província passam a se estabelecer de vez na capital, o que levou as autoridades públicas a investir nas obras de "melhoramento e embelezamento" da cidade.
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É afirmação recorrente na historiografia que a forma de se pensar a cidade pode ser dividida entre duas correntes representadas pelos engenheiros Anhaia Mello e Prestes Maia, ambos ocupantes da cadeira de prefeito de São Paulo em tempos distintos (Mello entre 1930 e 1931; Maia entre 1938 e 1945, durante o Estado Novo). "Mello propunha solucionar os problemas de congestão da cidade pela contenção e retração do crescimento urbano para criar uma 'transição equilibrada entre campo e cidade'. Prestes Maia, em posição oposta, defendia o 'esgotamento das potencialidades da metrópole e a remoção dos problemas por novas obras e novos planos'. Ambos representavam opções distintas do uso dos saberes técnicos e eruditos na configuração da cidade", diz a pesquisadora. Sylvia Ficher transcreve em Os arquitetos da Poli (Edusp) o depoimento do engenheiro-arquiteto Leo Ribeiro de Moraes, seguidor de Anhaia, em 1954. "Para lidar com questões de urbanismo são possíveis duas atitudes: a prática e a científica. A primeira, que foi advogada por Prestes Maia, é a que tem sido tomada até hoje pelos governos que se empenham em fazer 'alguma coisa'. A outra, adotada por Anhaia Mello, é a aplicação dos preceitos do urbanismo moderno para alcançar algo mais que a simples desobstrução do trânsito e a ornamentação de praças e avenidas." Abridor - "Para Prestes Maia causava estranheza o 'esquema Anhaia', o que previa a proibição da instalação de novas indústrias em São Paulo e a limitação do crescimento da cidade, que dizia serem medidas para 'ananicar a nossa cidade por meio da forma'. Mas Anhaia Mello defendia a posição teórica correta, enquanto Prestes Maia se apoiava na posição mais pragmática de 'abridor de avenidas"', continua Ribeiro. Em 1929, numa coletânea de artigos, Mello designava, aponta Stella, a "ciência do urbanismo" como "cooperação" e criticava aqueles que "confundiam uma ciência tão bela e vasta com a simples técnica da engenharia municipal" ao subesti- . marem a necessidade da "colaboração do sociólogo, do legislador, do jurista, do político, do administrador, do economista e de todo o cidadão". O saber erudito vitorioso dos engenheiros, na
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CONSTRUIR CIDADES ÉCONSTRUIR HOMENS. OAMBIENTE URBANO FAZ OCARÁ TER HUMANO COM SUA FEIÇÃO. DIZIA ANHAIA MEL LO EM 1929
visão de Mello, tinha novos preceitos: o "verdadeiro objetivo da civilização construir belas cidades e viver nelas em beleza - exigia preparar o ambiente e formar uma psicologia urbana e anseio cívico, uma opinião pública esclarecida". Era preciso "limitar a expansão indefinida e desordenada de São Paulo" e "criar espaços de lazer para os operários". Mais importante, o esquema Anhaia criticava estruturas monopolistas e defendia o controle estatal sobre companhias privadas que ofereciam serviços públicos. Prestes Maia caminhava na direção oposta e apostava no valor do capital
privado, na opção por grandes avenidas perimetrais para fluidez da circulação, na adoção de soluções técnicas para o "ajuste permanente da metrópole às exigências de organização da sociedade moderna: a necessidade é evitar não o crescimento da metrópole, mas a interrupção do processo pela ineficiência do funcionamento urbano", afirmava. "Para Prestes Maia, a apresentação dos planos para a população pela imprensa só deveriam acontecer depois que o projeto já tivesse sido desenvolvido e elaborado pelos engenheiros da municipalidade", diz a pesquisadora. O saber erudito segundo Prestes Maia venceu a disputa. "Foi apenas nos anos 1950, após o fim do regime Vargas e o fim do mandato de Prestes Maia, que os profissionais do Departamento de Urbanismo começaram a incorporar algumas das ideias de Anhaia Mello." Mas a cidade já criara uma nova feição: os cidadãos estavam apartados das decisões de políticas urbanas. "As descobertas do temático revelam que a estrutura baseada no sanitarismo, na engenharia e na arquitetura não foi sucedida por um urbanismo técnico e mais adequado a lidar com a cidade. O caráter sanitário ainda se mantém como guia das ações urbanas", nota Stella. "Construir cidades é construir homens. O ambiente urbano é que plasma o caráter humano, de acordo com sua própria feição, para a fealdade ou para a beleza", já observava, com grande antevisão, Anhaia Mello em 1929. • PESQU ISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 83
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[ ANTROPOLOGIA ]
A televisão paulistana entre o popular e o erud ito Estudo investiga O que OS mUSICaiS representaram para o país FERNANDA CIRENZA
m São Paulo, em 1954, três emissoras de TV, comandadas por grupos particulares, disputavam a preferência dos telespectadores nos 34 mil aparelhos existentes no país. Nas grades de programação, uma extensa e heterogênea oferta de programas musicais, todos apresentados ao vivo e utilizando as grandes orquestras que haviam se formado nas rádios. A pioneira TV Tu pi (canal 3), inaugurada em 1950, em São Paulo, pelo empresário Assis Chateaubriand, apostava nas árias, óperas, balés e apresentações de música estrangeira com cantores brasileiros, como se pode verificar numa pesquisa recente feita na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). "A TV tinha pouquíssimo ou quase nenhum alcance fora de São Paulo, mas mostrava musicalmente o que a cidade era naquele momento", afirma a pesquisadora Rita de Cássia Lahoz Morelli, professora do Departamento de Antropologia Social do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Segundo ela, exibir programas musicais para italianos, espanhóis e portugueses que viviam na cidade funcionaria como uma espécie de TV agregadora de grupos. "Para se ter ideia da importância disso, a Tu pi mantinha em seu quadro duas artistas que cantavam em espanhol, Lolita Rodrigues e Triana Romero", diz a pesquisadora. Rita de Cássia, autora de livros como Indústria fonográfica: um estudo antropológico (Editora da Unicamp) e Arrogantes, anónimos, subversivos: interpretando o acordo e a discórdia na tradição autoral brasileira (Mercado de Letras), agora está analisando como se deu o processo
de difusão musical no Brasil por meio da televisão entre 1954, ano em que o presidente Getúlio Vargas cometeu suicídio, e 1969, pouco depois do AI-5, o decreto cuja primeira consequência foi o fechamento do Congresso Nacional. "Sabe-se pouco a respeito da produção desse período. Os estudos feitos até ago'ra trazem afirmações genéricas, como a de que as programações eram feitas para um público de elite. Quero entender por que havia tanta variedade musical e quais eram os interesses dos investidores em divulgar, ao mesmo tempo, música erudita e popular", afirma Rita de Cássia. A pesquisa Músicas e músicos na TV de São Paulo: trabalho, distinção e identidade (1954-1969), que contou com o apoio da FAPESP, busca as raízes da televisão em São Paulo. Segundo Rita de Cássia, há poucos estudos sobre o tema e nem mesmo o conhecido jornalista e crítico musical José Ramos Tinhorão, um dos que mais estudaram o tema, aprofundou-o em suas pesquisas. "Os estudos dele estão muito mais focados na produção musical da TV carioca", observa a pesquisadora. Rita de Cássia investiga duas questões básicas e empíricas. Ela quer saber se, durante o período selecionado para a PESQUISA FAPESP 178 • DEZEMBRO DE 2010 • 85
pesquisa, os telespectadores consumiam música erudita como sinal de status e também se a música se tornou objeto de uma identidade nacional. No período analisado, ela identificou 4.078 programas e, dentre esses, 1.068 (ou 26,2%) foram classificados como "musical-arte"- muito mais do que as novelas, que somam 308 no tempo pesquisado. O projeto ainda está em andamento, mas, segundo ela, depois da Tupi, as emissoras que surgiram em São Paulo também investiram fortemente em programações musicais. A TV Paulista canal 5, que entrou no ar em 1952, igualmente chegou com um vasto investimento em repertórios musicais. Era a menor televisão de São Paulo: sua sede funcionava em um pequeno apartamento do edifício Liége na rua da Consolação, perto da avenida Paulista. Seus estúdios eram montados na garagem e em uma área do térreo do prédio, conta Rita de Cássia. Apesar das condições improvisadas e precárias- a redação foi instalada na sala e o laboratório de revelação na cozinha -, importantes nomes artísticos da TV brasileira passaram pela emissora, como Hebe Camargo e o maestro e compositor Guerra Peixe.
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Atelevisão cresceu rapidamente.
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no ano seguinte pela família Machado de Carvalho, também apostou pesadamente em programações musicais, mas mais focada em repertório nacional e popular, um pouco diferente da Tupi", diz a pesquisadora. Entre os artistas da emissora estavam nomes como Ary Barroso, Inezita Barroso, Dorival Caymmi, Elizete Cardoso, Ataulfo Alves, Jacob do Bandolim e Aracy de Almeida. "Foi então que o marketing do canal passou a ser o de 'cadeia verde-amarela'. Ainda assim, a emissora também foi responsável pelo início do processo de 'internacionalização'. Vários artistas estrangeiros se apresentaram aqui, como Louis Armstrong, Nat King Cole e muitos outros. Mas não dá para afirmar que a presença deles caracterizava um estrangeirismo", explica Rita de Cássia. Seria a Record uma emissora visionária? Para a professora não é possível se afirmar isso. "O que se sabe é que, sem o videoteipe, era mais fácil e econômico registrar os shows do que produzir novelas", explica. O rock começava a aparecer e expressões como teenager surgiam em comentários televisivos e publicações de jornais. ''Ainda 86 • DEZEMBRO DE 2010 • PESQUISA FAPESP 178
não é conclusivo, mas talvez essas referências tenham sido importantes na construção das grades de programação dirigidas ao público jovem", avalia a autora. Até o final dos anos 1950, as emissoras de TV de São Paulo apresentavam quadros musicais ainda mais heterogêneos: operetas, fados, boleros, samba, rock, música romântica, pois havia público para todos os gostos. A década de 1950, toda passada no chamado interregno (o intervalo entre dois governos, o democrático, ocorrido entre o fim do Estado Novo e o golpe militar), é vista com importância pela pesquisadora. "Foram anos marcados por um refluxo do Estado na cultura nacional. As TVs são por concessão pública, mas quem assume o comando são grupos privados, deixando as programações sem interferência institucional. A mesma coisa acontecia nos jornais", afirma. A televisão crescia rapidamente. Em 1958, o país tinha 344 mil aparelhos de TV e estima-se que havia 1 milhão e meio de telespectadores. Com isso, havia muitos programas culturais e começaram a surgir os anunciantes. Rita de Cássia lembra que Maysa, cantora, compositora, atriz, por exemplo, teve um programa chamado Espetáculos Piraquê. Mas houve outros, diz a professora, nos mesmos moldes de negociação. "O Antarctica no mundo do som era patrocinado pela marca de bebidas e reunia uma orquestra enorme e maestros importantes", lembra.
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À medida que o final da década se seguinte, Excelsior e Record competiram aproximava, o chamado samba-canção, na audiência pelos festivais, levando Edu nas vozes de Ângela Maria, Cauby PeixoLobo, Chico Buarque, Nara Leão, Geraldo to, Dalva de Oliveira, Maysa, entre tantos Vandré, Gilberto Gil, os Mutantes, nomes outros, passava a dividir o repertório com e bandas até então nem tão conhecidos. a música jovem: o iê-iê-iê, de Roberto CarCom o sucesso desses programas, as TVs los, e o rock americano, de Elvis Presley. investiram ainda mais em programas de Em 1960, a Rede Excelsior, do empresário valorização da música brasileira. Mário Wallace Simonsen, entrou Novas emissoras surgiram em no ar para competir também com São Paulo: a Bandeirantes, em 1967, e a Cultura, dois anos mais musicais. No Teatro Cultura ArtísNovas emissoras tarde, quando as TVs já tinham tica, centro de São Paulo, alugado alcance quase nacional - a excepela emissora, foram organizadas SUrgiram em ção era o estado do Amazonas, atrações como Brasil 60, com Bibi Ferreira. O programa recebia canque passou a ter transmissões a tores e compositores como João São Paulo, partir de 1970. "Há estudos que Gilberto, Roberto Carlos, Elis Reapontam os militares como os gina e Dercy Gonçalves. Por outro a Bandeirantes, responsáveis pela divulgação nalado, a TV Paulista produzia o Bom cionaL Era uma questão política", Tom, apresentado por ninguém afirma Rita de Cássia. Se por um em 1967r e a lado a ideia era levar o sentimenmenos do que Tom Jobim. "Novos programas começam a surgir, to nacionalista a todos os estados, Cultura, dois anos apresentando uma grande e nova por outro, fez com que os gêneros musicais chegassem a todo canto variedade de estilos. Tem a jovem mais tarde guarda, a bossa nova, o rock. É um do país. Qual terá sido o impacto disso? Rita de Cássia ainda não momento rico da produção musical", diz Rita de Cássia. tem todas as respostas. A autora lembra que a repressão do regime Política- Em 1964 o golpe militar mudou militar, iniciada com o AI-5, levou vários radicalmente os rumos do país e interferiu artistas a deixar o país e iniciou-se um pronesse desenvolvimento. Mas a nova situacesso de censura e controle. "A minha pesção política, ressalta a pesquisadora, não quisa se estende até 1969. O que realmente afetou de imediato a programação das TVs. me interessa é justamente esse período enEm São Paulo, um novo tipo de música tre os dois governos, bem como os efeitos brasileira começava a dominar reuniões do golpe e do AI-5 sobre as programações universitárias, bares e teatros, um som musicais." Para levantar esse estudo antrocontestatório, bem diferente da bossa nopológico sobre a música erudita e popular va, que já vivia seus tempos de glória. De divulgada nas emissoras de televisão de São Paulo, Rita de Cássia conta com as fontes olho nessa tendência, a Excelsior organizou em 1965 o primeiro festival de música que vivas, as pessoas que ajudaram a fazer os consagrou a cantora Elis Regina. No ano primórdios da televisão paulistana. •
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PRO~ETO
Musicas e músicos na TV de São Paulo (1954·7969): trabalho e identidade. n° 2008/55025-0 MODALIDADE
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADORA
Rita de Cássia Morelli - Unicamp INVESTIMENTO
R$ 40.957,00
[ SOCIOLOGIA ]
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effie F1aRt:e Pesquisa feita nos EUA revela riqueza cultural soteropolitana ]OSELIA AGUIAR
a década de 1950, o então luxuoso Hotel da Bahia é inaugurado no centro de Salvador para acolher principalmente os turistas estrangeiros. Em sua parede, um grande mural do pintor Genaro de Carvalho (1926-1971 ), chamado de Festas regionais, apresenta uma cena que podia ser observada nas ruas daquela terra "histórica e pitoresca", como a descreveu o artista na époéa à imprensa local. Na tela há as famosas baianas de acarajé, mulheres vestidas com ro upa branca suntuosa, panos e turbante, como no século XIX, que lavam a escadaria da igreja do Bonfim sob a proteção de lemanjá, orixá do candomblé. Esse episódio- o hotel, o mural, a declaração do pintor- sintetiza, para a historiadora americana Anadelia A. Romo, da Universidade do Texas, uma das principais tensões observadas na sociedade baiana, não só naquele tempo mas também hoje, em 2010: as tradições, vistas como apaziguadas e estáticas, estão vivas num dia a dia que é, porém, urbano, dinâmico e desigual. Sem dúvida, essa Bahia tradicional, tal como é pintada pelo mestre Genaro, é a que se vê nos principais pontos turísticos e a divulgada pelas agências e guias de viagem. A história de como se configura essa imagem, entre 1888 e 1964, é contada por Anadelia em Brazil's living museumRace, reform, and tradition in Bahia (em tradução livre, "O museu vivo do Brasil - Raça, reforma e
Elevador Lacerda , 1928-1930
tradição na Bahia"), obra publicada pela editora da Universidade da Carolina do Norte. A pesquisa começou quando ela ainda era estudante de graduação na Universidade Princeton e foi aluna do historiador baiano João José Reis, então professor visitante. Por mais de uma década o interesse persistiu, e o seu estudo incluiu diversas visitas aqui para pesquisar em arquivos brasileiros. Anadelia concluiu seu Ph.D. em história pela Universidade Harvard e hoje é professora na área de América Latina da Universidade do Texas. E a quem interessa essa imagem de "museu vivo"? Como explica a pesquisadora, vários setores se apropriaram e
se beneficiaram dele. Reforçar os laços africanos contribuiu, por exemplo, para fortalecer a identidade de grande parte da população afrodescendente. "Não foi um processo fácil, dada a discriminação racial e cultural que existe e é secular", diz. A tensão, no entanto, permanece. "Afinal, isso não se traduziu em maior igualdade e é um dos problemas centrais que abordo no livro." Se, por um lado, a cultura afro-baiana é incorporada pelo discurso oficial, por outro seus habitantes têm sofrido no decorrer do século por causa da negligência do Estado em lhes oferecer bem-estar, mobilidade social e acesso a saúde e educação, como descreve a pesquisadora.
A Bahia que vive dias de esplendor até o século XIX inicia o século XX em profundo imobilismo - um período de desgraça econômica que, nos anos 1930, foi descrito por intelectuais locais como "o enigma baiano". O mistério de tal ostracismo é mais tarde analisado em profundidade pela historiadora Kátia de Queirós Mattoso, em seu livro Bahia século XIX - Uma província no Império (Nova Fronteira), resultado de sua tese de doutorado na Sorbonne: após a defesa, seria a primeira titular da cadeira de história do Brasil daquela universidade francesa. Essa Bahia negra e mulata, pobre e quieta, ainda sem as marcas do progresso, é então remodelada a partir de novas formulações de raça e cultura, como descreve Anadelia A. Romo. A presença cultural africana- estima-se em 4 milhões o número de escravos trazidos principalmente para Salvador e outras cidades do Recôncavo Baiano -logo se torna um dos atrativos para turistas de outros pontos do país e do exterior. E vai inspirar artistas, compositores e escritores baianos e de outras partes. Jorge Amado foi o criador que mais exaltou a cidade em sua obra, mas a imagem da Bahia como, em resumo, um lugar místico e incomum também se propagou com a contribuição de compositores como Dorival Caymmi, igualmente baiano, e Ary Barroso, mineiro; pintores como Carybé, argentino; e o etnofotógrafo Pierre Verger, francês. ideia de que existia uma "democracia racial" na Bahia- na ~om paração com o modelo amencano da época, extremamente estratificado - começa a atrair pesquisadores estrangeiros já na década de 1930. Sob a coordenação da Unesco, uma grande pesquisa é iniciada no começo dos anos 1950- é quando entra em cena intelectuais como o paulista Florestan Fernandes, para quem o racismo se esconde sob a aparência da mistura. "O que é interessante observar é que a 'democracia racial' passa a ser rejeitada por acadêmicos do sul do país, como São Paulo, mas muitos deles na Bahia continuam a defendê-la, como se a Bahia fosse uma exceção", diz a pesquisadora americana, que está dedicada agora ao estudo do intercâmbio entre os antropólogos brasileiros e americanos.
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A partir da década de 1970, a visão de que há um "paraíso racial" foi trocada por outra, a de que há um "inferno racial", como diz o antropólogo Jocélio Teles dos Santos, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais e professor da Universidade Federal da Bahia, autor de, entre outros, do livro O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil (Edufba). Segundo ele, via-se aqui uma América portuguesa católica e tolerante em oposição à América protestante e déspota, que eram os Estados Unidos. "Nas últimas décadas ocorre a politização cada vez mais crescente e surge a cultura da reivindicação", diz. O curioso é que o paradoxo se mantém, acrescenta o pesquisador. Os governos que se sucedem- à direita ou à esquerda - reforçam a ideia de uma Bahia tradicional, ligada à africanidade, e ao mesmo tempo existem ainda necessidades não atendidas de políticas públicas ante as desigualdades raciais. O interesse de historiadores norte-americanos pela Bahia é muito gran-
Os baianos já se acostumaram com a ideia de uma Bahia fortemente ,.africana"
de e crescente, sobretudo para aqueles que pesquisam escravidão e história cultural do negro, como afirma o historiador João José Reis, professor da Universidade Federal da Bahia e autor de livros pioneiros, como Rebelião escrava rio Brasil, A morte é uma festa e A invenção da liberdade, editados pela Companhia das Letras. "Essa história de 'democracia racial' é um pouco velha. O negro brasileiro- o baiano incluído -, e não só o negro, mas também os
antirracistas em geral, desejam que se torne realidade, mas não é. Basta ver a última campanha de ódio contra os nordestinos recentemente na internet. É o mesmo caldo cultural do racismo", lembra o historiador.
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oão José Reis conta que os baianos já se acostumaram com a ideia de uma Bahia fortemente "africana": comem acarajé, dançam ao som do Olodum e da Timbalada, vestem-se de branco na sexta-feira. Ali não existem grupos organizados de supostos brancos que preguem a supremacia racial, como ocorre em outras partes do país. As cotas foram adotadas nas nossas universidades públicas baianas sem o conflito racial previsto por antropólogos e parte da mídia. "A Bahia é, porém, racista como o resto do Brasil, só que de maneira menos organizada. Toda hora aparece denúncia de racismo na imprensa, a matança de jovens negros da periferia é como se fosse um dado natural, são os negros que estão nas ruas como pedintes, loucos. São raros os negros entre a elite local", diz. •
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A revisão necessária de um clássico As incoerências raciais no discurso de Gilberto Freyre ELIAS THOMÉ SALIBA
ntonio Torres, talvez o maior humorista satírico brasileiro, não perdoava ninguém: governo, oposição, inimigos e até alguns amigos. Mas foi longe demais em 1914, quando, em plena onda nacionalista e bélica, chamou a Liga dos Países Aliados de "Liga dos gatos-pingados" ("comandada por americanos assassinos de negros"), provocando constrangimento nos seus colegas do Itamaraty. Torres acabou "transferido" anos depois para a Alemanha, de onde não mais voltaria. Em 1923, encontrou-se em Londres com Gilberto Freyre: era sempre uma alegria encontrar compatriotas em país estranho. Mas o encontro foi às escondidas - Freyre nem chegou a apresentá-lo a seus "a migos nórdicos de Oxford, por se sentir", como confessou depois, "apavorado com o seu aspecto de mulato cacogênico e ostensivamente feio". A expressão mulato cacogênico (quase um neologismo juntando cacopatia, "doença de mau caráter racial ", com a eugenia) já fazia parte do rol de categorias raciais que formariam a singular "eugenia de Freyre: uma seleção do melhor branco e do melhor negro para que estes resultassem num mulato "eugênico': Entre muitas, esta é uma das revelações da historiadora Silvia Cortez Silva em Tempos de Casa-grande (1930-1940 ), que analisa as surpresas, os aplausos e as rejeições ao clássico Casa-grande & senzala na época de sua primeira publicação. Acompanhando intérpretes hoje esquecidos, a autora rastreia facetas pouco conhecidas de Freyre, a de um intelectual racista e, em particular, antissemita. Como tais facetas acabaram fortemente eclipsadas pelo mito da democracia racial e a obra de Freyre virou um terreno bastante pisoteado, Silvia escolhe interpretar o tema inspirando-se na mitologia grega:
A Tempos de Casa-qrande (1930-1940)
Silvia Cortez Silva Editora Perspectiva I FAPESP 242 páginas R$ 36,00
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lá estão Cronos, Pro teus, Éolo, Narciso e Sísifo, cada um deles emprestando sentidos muito sutis a cada um dos capítulos. "O famoso coleciona coros. Quer apenas ouvi-los pronunciar seu nome. Tanto faz se se trata de coros de vivos, de mortos ou dos que ainda não nasceram, contanto que sejam grandes e treinados na repetição do seu nome." Esta lição de Elias Canetti inspira a autora a conduzir o leitor aos tempos conflituosos de Casa-grande & senzala. Tempos nos q uais a junção dos discursos da revista Fronteiras, da Igreja Católica, e da interventoria de Agamenon Magalhães serviu para plasmar em Pernambuco a férrea legitimação autoritária do Estado Novo. Fronteiras catalisou o que havia de pior naquelas plagas, cheias dos desmandos de Agamenon Magalhães, que moveu campanha difamatória contra Freyre, ensejando a prisão deste (e de seu pai, Alfredo Freyre), em represália a um artigo de Freyre publicado no Rio de Janeiro. Foi esta conjuntura que levou Antonio Cândido a chamar Freyre de "mestre da radicalidade". Canetti ainda inspira a autora a documentar minuciosamente o quanto Freyre vai se tornando portador daquela ferida narcísica- que nunca sara-, transformando-se, ao longo de toda a sua vida, em factótum de si mesmo. Em torno dele se processava um culto que ele mesmo presidia, contente e insaciável, abrindo seus livros com apreciações detalhadas de suas grandezas e notícias circtMlstanciadas de cada pasmo que provocava mundo afora. Mas a amostragem mais sólida deste livro polêmico é com relação ao antissemitismo, que emerge nos escritos de Freyre em 1921-1923, completando-se depois nas décadas posteriores, com Casa-grande & senzala e Sobrados e mucambos. A historiadora realiza uma detalhada topografia do tema nestas obras, rastreando elementos formadores de um "perfil quase lombrosiano do judeu", na sucinta expressão de Luis Costa Lima. A miscigenação das raças singularizou este país e criou a originalidade de um "Brasil brasileiro". Sem essa interpretação pioneira de Freyre até hoje é difícil compreender o Brasil. Mas transmutar tal singularidade numa mitologia da democracia racial já é coisa sobre-humana. É certo que antissemitismo e racismo tornaram-se quase modismos culturais e os preconceitos de Freyre, bem urdidos na fluidez de sua escrita, são compreensíveis em tempos nos quais se tornava difícil não respirar um oxigênio cultural fascista.
é professor titular de teoria da história na USP e autor, entre outros, de Raízes do riso (Cia. das Letras).
ELIAS THOMÉ SALIBA
l iVROS
(1969-1983)
Nordeste do Brasil: terra, mar e gente
lidiane Soares Rodrigues Ed itora Huc itec 248 páginas, R$ 35,00
Melquíades Pinto Paiva Editora Õte I BeT 408 páginas, R$ 65,00
A autora reconstitui textos de Florestan escritos entre os anos de 1969 e 1983, momento em que esteve desvinculado da universidade e empenhado num retiro da vida política, dedicando-se à autorreflexão. O livro traz balanços de sua trajetória intelectual, da sociologia, dos impasses da formação das ciências sociais no Brasil e da coerção discursiva que a academia promove.
O livro analisa vários aspectos do Nordeste baseado no conhecimento do pesquisador sobre fatores históricos e geográficos, bem como em sua formação como biocientista. O grande foco do estudo é sobre a importância do mar na confi guração da região.
Florestan Fernandes: interlúdio
Editora Hucitec (11) 5093-0856 www.huciteceditora.com.br
Um enigma chamado Brasil Lili an Moritz Schwarcz e André Botelho (orgs.) Companhia das Letras 448 pág i nas, R$ 56,00
Diversos pesquisadores contemporâneos aceitam o desafio de esmiuçar as ideias de 29 pensadores consagrados que se empenharam na inesgotável tarefa de decifrar o Brasil. O livro reúne de forma sistemática essa miríade de explicações, feitas em diferentes épocas e que expressam os dilemas e possibilidades do país. Companhia das Letras (11) 3707-3500 www.companhiadasletras.com.br
Editora BeT (11) 3089-8855 www.bei.com.br
A beleza e o mármore Mário Henrique S. D'Agostino Editora Annablume 258 páginas, R$ 55,00 (brochura); R$ 75,00 (capa dura)
O professor D'Agostino da FAU-USP apresenta em seu livro um dos poucos estudos abrangentes sobre Vitrúvio, o arquiteto romano do século I a.C., e o seu valor para o ensino da arquitetura. O livro, ao abordar o tratado vitruviano, o ún ico escrito sobre arquitetura que sobreviveu da Antiguidade, e que é obra de permanentes estudos, supre uma lacuna editorial, já que o assunto fora discutido apenas em revistas especializadas e agora é objeto de análise no Brasil. Editora Annablume (11) 3031-1754 (televendas) www.annablume.com.br
O corpo da liberdade
Redes sociais, segregação e pobreza
Jorge Col i Cosac Na ify 3 68 páginas, R$ 36,00
Eduardo Marques Editora Unesp 216 páginas, R$ 40,00
O livro reúne 14 ensaios de Coli e traz, já em seu título, dois dos temas que perpassam toda a escrita do autor: a liberdade da e na arte e a particularidade de sua existência, seu corpo. O autor traça relações entre arte, cultura e sociedade, norteando seu percurso pela liberdade do homem, como pressuposto ou como centro, nas artes durante o século XIX- pública, política, coletiva, individual ou artística.
Para entender as condições de reprodução da pobreza urbana no Brasil, o autor centra sua análise nas formas de sociabilidade cotidiana, sem negar a importância de fatores como as políticas de Estado, a dinâmica de mercado e as dinâmicas individuais. Sua pesquisa privilegia o funcio namento das redes de conta tos dos mais pobres e o quanto elas influenciam as condições de vida dos indivíduos nas cidades.
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FICCÃO
Transgredindo as fronteiras: Rumo a uma hermenêutica t ransform ativa da ÇJravid ade quântica em quase mortos GUILHERME KUJAWSKI
esde o acidente no Grande Colisor de Férmions (GCF), em que um dos ímãs supercondutores derreteu por falta de refrigeração e liberou um solerte miniburaco negro, uma atividade profissional meio esquecida ganhou impulso: o tanatólogo, médico especializado em todos os aspectos que envolvem os últimos dias de vida de um moribundo. Motivo: o novo "habitante" passou a dar o ar de sua graça no temido fosso ontológico entre vida e morte, naquela passarela onde nos rendemos à inabalável obrigação de ir do "cá-já" para o "sempre-já" ou, em linguagem mais vulgar, do "estar-aí" para o "já-era': Foi assim que médicos e cientistas se juntaram na missão de capturar o Negrinho do Pastoreio quântico. Não que o fenômeno tivesse deflagrado algum tipo de genocídio planetário ou coisas assim; mas parecia empenhado num tipo de vingança contra a humanidade, forçando a sua aparição sempre no momento em que passamos desta para outra, como um fantasma ameaçador. Em suma, o minúsculo objeto surgia sempre no "local" de onde nos lançamos ao infinito, descrito poeticamente como um desembarcadouro anímico, ou, cientificamente, como uma plataforma de cerca de 100 bilhões de bilhões de vezes menor que o núcleo atômico. O fato rendeu várias hipóteses, tanto no campo da física como no da metafísica, sobre o porquê desse comportamento. Artigos científicos sobre o tema espalharam-se como cogumelos. O evento era estranho demais para ser descrito; era como se pudéssemos enxergar o que estava aparecendo, mas não exatamente acontecendo. Pouco depois do acidente no GCF, físicos e tanatólogos haviam observado que o miniburaco negro apresentava uma constante de interação na hora da morte de uma pessoa, mas decaía logo após a passagem do moribundo para o Caos pré-ontológico primordial, ou seja,
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era um objeto elementar de incrível densidade que interagia com a matéria corporal antes de se desintegrar temporariamente, comportamento semelhante ao daquelas partículas e antipartículas que emergem, se chocam e desaparecem no horizonte de eventos dos buracos negros comuns.
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**** Dr. M. era um notório tanatólogo, mas com uma diferença: em vez de atuar na área de cuidados paliativos, como a maioria de se.us colegas, seu interesse convergia especificamente para o último dia do paciente. Seguidor das teses do dr. MacDougall- o médico que dizia ter descoberto o peso da alma- e de alguns astrofísicos russos interessados na estrutura quântica de organismos vivos, Dr. M. possuía o dom de interpretar nuances qualitativas em pacientes prestes a falecer, como a emissão de radiações invisíveis a olho nu e mudanças súbitas no índice de massa corporal. Por isso era tão requisitado tanto por físicos de partículas como pelos departamentos de óbito dos hospitais. Num certo dia de maio, Dr. M. subiu uma pequena ladeira para atender a uma de suas pacientes especiais, Anna 0., mulher de noventa e oito anos que, apesar das mazelas causadas pelo Alzheimer avançado, continuava a se agarrar com firmeza a todos os aspectos do mundo exterior. Cientistas temiam esse tipo de comportamento, considerado altamente perigoso, pois deter-se muito tempo no ponto de passagem significava estender o tempo de vida do miniburaco negro, facilitando uma catástrofe. Morte e vida revezavam-se no dia a dia de Anna O. e mediam forças contra o fundo asséptico das paredes do asilo, mas também contra o fundo negro do grande Vazio, fulcro primordial ao qual todo ser vivo prestará homenagem algum dia. Apesar de seu
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apego ao mundo físico, até os gladíolos do jardim sabiam que aquele seria o seu último dia de vida. O plano era administrar uma sessão de I-dosing na paciente pouco antes de sua partida. Depois de ajustar os dispositivos ultrassonoros e estroboscópicos, Dr. M. iniciou o processo que consistia em levar a paciente a um estado alterado de consciência, com o intuito de tentar diminuir a sua insistente permanência no ponto de passagem, e tentar redirecionar o miniburaco negro a um pequeno solenoide, cópia do original suíço, uma verdadeira armadilha eletromagnética. O perigo de se ter um miniburaco negro emergindo e submergindo de tempos em tempos é o aumento da possibilidade de anulação total da própria materialidade. E bastaria a má vontade de um moribundo para colocar em risco um trabalho de 13,7 bilhões de anos. Um dos feixes da luz estroboscópica oscilou no momento em que Anna O. iniciou a jornada em direção ao sublime Campos Elísios. De sua perspectiva, o mundo estava deixando de ser palpável e passando a ser composto de uma chuva de átomos cujos desvios produzem encontros que formam o princípio de toda a realidade. Dr. M. percebeu a oportunidade e ligou o pequeno solenoide, que emitiu um zumbido estranho, semelhante ao som do silêncio produzido por uma usina hidrelétrica imaginária. Mas inesperadamente Anna O. deu marcha à ré e adiou mais uma vez o encontro com a ceifadora, causando enormes preocupações ao médico. A extensão de permanência no ponto de passagem estava de alguma forma associada à força gravitacional, pois os grávitons são sempre atrativos. A tese já havia sido exposta em vários artigos científicos escritos por Dr. M., mas aguardava ainda por uma aprovação de seus pares. Enquanto o tanatólogo pensava nesse particular, algo incomum aconteceu. O feixe da luz estroboscópica se polarizou
sem nenhuma explicação no momento em que Anna O. balbuciava alguma coisa. "É agora", pensou o tanatólogo, esperando sinais de estertores. Mas Anna O. insistia em pertencer à comunidade dos viventes. A polarização da luz fez com que Dr. M. lembrasse que os fótons podem ser convertidos em áxions, as subpartículas essenciais do universo. "Por que ela não aproveita o momento e se desprende de uma vez? Por que ela não se deixa levar pela torrente de áxions?" Mais rápido do que a elaboração dessa questão, o miniburaco negro irrompeu de seu canto imemorial e surgiu no quarto com toda a pompa. Anna O. éstava se detendo por demais no ponto de passagem, oferecendo longevidade ao inimigo. "Ela precisa ir agora! Por que ela continua grudando seus pensamentos à carne? Vá, mulher! Vá!" Nesse momento, a luz estroboscópica subitamente se apagou, assim como a luz do sol lá fora. Os áxions deixaram de executar o seu balé quântico e Anna O. finalmente faleceu. Mas era tarde demais.
**** Após o incidente inaudito, não houve o dia seguinte. E os artigos científicos escritos por Dr. M., encabeçados por títulos pretensiosos, nunca mais foram publicados. Nem os dele, nem os de seus rivais. Nenhuma publicação, em nenhuma língua. Nem mesmo na língua do Verbo, a mesma que descreveu o princípio e o final de tudo.
GUILHERME KUJAWSKI é jornalista de tecnologia, autor de ficção científica e, atualmente, concebe e organiza eventos na área de arte tecnológica para o Instituto Itaú Cultural. É autor do romance Piritas siderais.
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