Janeiro 2011. N° 179
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FAPESP
CRESCER COM, SAUDE Dieta equilibrada da gestante e do bebê reduz risco de obesidade
Multas travam pesquisas Marcador identifica carne macia
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JANEIRO 2011
SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DO EDITOR 8 MEMÓRIA 22 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 60 SCIELO NOTfCIAS 62 LINHA DE PRODUÇÃO 94 RESENHA 95 LIVROS 96 FICÇÃO 98 CLASSIFICADOS
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16 WWW.REVISTAPESOUISA.FAPESP.BR
CAPA 16 Introdução de outros alimentos durante a amamentação altera o paladar e aumenta o risco de obesidade
PQLÍTJCA CiENTÍFICA E TECNOLÓGICA
CiÊNCiA
28 BIOPROSPECÇÃO
46 GEOLOGIA
38 INTERNACIONALIZAÇÃO Grupo da Unesp em Rio Claro é referência para biólogos estrangeiros
Multas acirram divergências entre pesquisadores e autoridades ambientais sobre lei antibiopirataria
50 ASTROFÍSICA
ENTREVISTA 10 Ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega lança sua autobiografia com os bastidores do poder político nacional
Simulação feita por brasileiro explica por que a Terra não colidiu com o Sol
34 CONFERÊNCIA DE CANCÚN Combate à mudança do clima avança em encontro no México, mas acordo global fica em suspenso
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54 IMUNOLOGIA Marcação de células permite conhecer como ocorre a seleção de anticorpos mais eficazes
CAPA LAURA TEIXEIRA
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Manchas de cerrado surgiram sobre leitos de antigos rios da Amazônia
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~QL~~--------56 SAÚDE Responsável por alterações cardíacas, apneia do sono pode ter teste diagnóstico
66 FÍSICA Acelerador de partículas é projetado e construído no Instituto de Física da USP
58 EVOLUÇÃO Os parentes mais antigos dos marsupiais australianos podem ter vivido na América do Sul
70 BIOTECNOLOGIA Identificados marcadores moleculares de carne macia em gado nelore
74 NOVOS MATERIAIS Embalagens e produtos para uso agrícola são feitos com milho, mandioca e fibras
HUMANIDADES 80 SOCIOLOGIA A polêmica relação que o Brasil criou com o automóvel
86 HISTÓRIA 78 ENGENHARIA MECÂNICA Empresa desenvolve sistema que purifica e umidifica o ambiente
A liberdade dos judeus no Brasil de Nassau
90 EDUCAÇÃO Ensino de música volta a ser obrigatório
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Gostaria de apresentar algumas observações sobre a reportagem "De volta à ativa" (edição 177). De início apontaria que o título é totalmente inadequado, pois, com base no relatório recente do LAFN, o Pelletron, apesar das dificuldades crescentes em função de sua idade (quatro décadas em operação), não tem estado inativo, apresentando uma produção científica condizente com sua situação, como a própria reportagem afirma, "... mesmo nos piores dias o Pelletron não parou de gerar dados", contradizendo o próprio título. Não é o caso aqui de apontar sucessos e/ou dificuldades das várias gestões do laboratório, mas de oferecer uma opinião sobre as perspectivas futuras. Entendemos que uma revista como Pesquisa FAPESP é dirigida a um público amplo, que também inclui cientistas não especialistas no assunto apresentado. Portanto, a linguagem utilizada, mesmo que não rigorosa, não pode conter erros conceituais graves. Gostaríamos de apresentar alguns deles, a começar com a primeira frase: "Núcleos exóticos são como estrelas de cinema: seu comportamento nem sempre é fácil de explicar". Continuando a leitura do artigo, as frases seguintes:"... Para piorar, a eletricidade descontrolada ... "," ... Idealmente, o Pelletron opera com 8 milhões de volts e essa potência não foi totalmente recuperada ...", "Com o novo sistema, o acelerador deve voltar a alcançar os 8 6 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
milhões de volts de energia .. ." contêm erros conceituais importantes, que o revisor da matéria deveria ter corrigido. Se o estudo dos núcleos exóticos constitui uma das fronteiras do conhecimento na Física Nuclear de Baixas Energias (FNBE), é inegável que o Ribras tem um papel importante nesse contexto, assim como, por exemplo, o espectrógrafo magnético split-pole, instalado no Pelletron na década de 1980, pode ter também. Entretanto, afirmar que o Ribras é um produtor de núcleos exóticos corresponde a um sério erro conceituai. O Ribras é um seletor/detetor muito eficiente. Outro erro conceituai corresponde ao entendimento de que o Ribras pode transformar o acelerador Pelletron num laboratório de núcleos exóticos. Os laboratórios de núcleos exóticos existentes e/ou planejados no mundo são/serão capazes de produzir, com elevadas taxas, centenas de espécies de núcleos instáveis, coisa que o Ribras não é capaz de produzir na sua configuração atual. O artigo, desta vez corretamente, afirma que no momento é possível separar feixes de dois ou três elementos ( 6 He, 8Li principalmente) , em taxas insuficientes para a investigação adequada da dinâmica de reações envolvendo núcleos instáveis. Portanto, se quisermos (e devemos) incorporar o LAFN no conjunto de laboratórios mundiais, competitivos, com feixes de íons instáveis, devemos
adotar outra política científica que amplie a capacidade de produção de feixes instáveis de alta intensidade e com maior variedade, o que certamente deve incluir o Ribras no seu parque experimental. Entendemos que está mais que na hora de propor um plano decenal para a área de física nuclear de baixa energia e um esforço coletivo com o objetivo de, não "voltar à ativa", pois isso nunca foi o caso, mas sim propor um plano de ação que recoloque o LAFN num plano de destaque na produção do conhecimento que certamente ocupou no passado. Gostaria de ressaltar que qualquer proposta viável passa necessariamente pela conclusão da construção do acelerador linear supercondutor (Linac), atualmente em fase final.
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Na reportagem "Versatilidade marinha" (edição 178) a alga da página 66 é a Dictyota sp, e não a Gracilaria tenuistipitata, como foi publicado.
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail ca rt as@fapesp.br ou para a rua Joaquim An tunes, 727 - 100 andar- CEP 05415-012 - Pinheiros São Paulo, SP. As cartas poderão ser resumidas por mot ivo de espaço e clareza.
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O equilíbrio necessário
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INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇ ÃO
capa desta edição trata de um assunto a princípio conhecido por todos, a importância da dieta equilibrada das gestantes e dos bebês para que estes cresçam saudáveis. A obviedade do tema, porém, é apenas aparente. Sempre se soube que recém-nascidos amamentados só com leite materno nos seis primeiros meses de vida, filhos de mulheres que se alimentaram corretamente durante a gravidez, têm grande chance de se tornarem menos suscetíveis às doenças. O que não se conhecia e foi revelado por pesquisadores que trabalharam em estudos populacionais em países em desenvolvimento é que há um período específico em que os pais devem agir para diminuir o risco de transformar uma criança saudável em um adulto obeso. Esse espaço de tempo foi chamado de mil dias de oportunidade. Trata-se dos 270 dias da gestação somados aos 730 dos dois primeiros anos de vida em que os cuidados com a dieta devem ser constantes. O relato é do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, a partir da página 16. Um tema mais espinhoso é tratado pelo editor de política científica e tecnológica, Fabrício Marques. Ele conta os embates entre o Ministério do Meio Ambiente e cientistas que dependem de coletas de espécies retiradas da natureza para fazer pesquisa (página 28). Para cada trabalho é preciso pedir autorização, que, em alguns casos, pode levar anos para sair. As razões do ministério são de ordem legal, já que atua para evitar o contrabando da biodiversidade brasileira. O excesso de rigidez burocrática acaba por emperrar linhas de pesquisa em todo o país, embora haja a promessa de se diminuir as exigências. Quem decide não esperar pelos trâmites excessivamente demorados ou não cumpre com rigor o que é exigido recebe multas pesadas que chegam frequentemente a milhões de reais.
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Na edito ria de tecnologia voltamos às boas notícias: o Instituto de Física da Universidade de São Paulo já tem um novo acelerador de partículas funcionando, segundo relata o editor Marcos de Oliveira (página 66). Os testes iniciais do mícrotron, que acelera elétrons até perto da velocidade da luz, começaram em agosto. O equipamento foi projetado e construído por pesquisadores brasileiros. Com ele será possível fazer pesquisa básica e com finalidades médicas, como estudos sobre a interação entre radiação e corpo humano. Também em tecnologia, destaque para uma nova ferramenta biotecnológica que permitirá usar marcadores moleculares para identificar os animais no caso, bovinos - com predisposição genética para ter carne mais macia, de acordo com reportagem de Evanildo da Silveira (página 70). O trabalho ganha importância quando se sabe que o Brasil tem o segundo rebanho do mundo - o primeiro está na Índia - e é o segundo maior produtor de carne, atrás dos Estados Unidos. A relação entre o Brasil e o automóvel é o tema da principal reportagem da editoria de humanidades, escrita pelo editor Carlos Haag (página 80). Ele conta que, por décadas, o carro foi transformado em força motriz do progresso nacional e fonte de poder e hierarquização. Segundo os pesquisadores entrevistados, mesmo que fosse um bem de consumo ao qual apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso, o carro mobilizou a atenção dos poderes públicos e largas fatias do orçamento em prol do asfalto nas cidades e das estradas. Essa origem da introdução do automóvel no Brasil tem efeitos até hoje, já que o frequente comportamento tão pouco civilizado observado no trânsito das cidades brasileiras resulta do fato de todos se sentirem superiores aos pedestres apenas por estarem no volante. PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 7
Gonçalves Dias, etnógrafo
Maior poeta do Romantismo brasileiro pesquisou, escreveu e coletou material sobre índios
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Adornos com bicos de tucano e espelhos coletados pelo poeta
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procura pelas origens brasileiras foi uma das motivações do Indianismo, movimento literário que teve o poeta maranhense Antonio Gonçalves Dias e o romancista cearense José de Alencar como seus principais criadores em meados do século XIX. Gonçalves Dias, porém, levou essa busca para além da literatura. O poeta escreveu um ensaio, coletou material e produziu notas e diários que se perderam no mesmo naufrágio em que ele morreu, no litoral do Maranhão. O autor de um dos mais conhecidos poemas da língua portuguesa, a Canção do exílio, foi também etnógrafo e participou da Comissão Científica do Império, a primeira a contar apenas com especialistas brasileiros. Gonçalves Dias (1823-1864) nasceu em Caxias, no Maranhão. Em 1838 foi para Portugal terminar os estudos secundários e, em seguida, cursar direito na Universidade de Coimbra. Na Europa conheceu e recebeu influência dos escritores e poetas românticos. Em 1845 voltou ao Brasil e fixou-se no Rio de Janeiro onde ensinou história e latim no Colégio Pedro II. Junto com Manuel de Araújo Porto-Alegre e Joaquim Manuel de Macedo criou a revista Guanabara em 1849, para divulgar o Romantismo. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1850 o escritor estava interessado em conhecer a história do Brasil pelo ponto de vista dos seus primeiros habitantes.
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"Ele chegou a ir a Portugal, em missão do IHGB, em busca de documentos que ajudassem a compor uma história brasileira", diz a historiadora da ciência Kaori Kodama, da Casa de Oswaldo Cruz da Fundação Oswaldo Cruz. Foi naquele ano que dom Pedro II encomendou a ele um estudo comparando os indígenas nacionais com os da Oceania. O poeta dedicou-se à tarefa e produziu Brasil e Oceania, usando como base relatos de viajantes. "Ele admirava naturalistas como Von Martius, mas se preocupava em desmentir 'calúnias' e 'exageros' publicados sobre o Brasil no exterior", conta Kaori. O escritor também tinha uma visão diferente da corrente na época e considerava que
a civilização era que havia desvirtuado o "índio puro". De 1859 a 1860 Gonçalves Dias integrou a Comissão Científica do Império. A meta era levar especialistas brasileiros (geógrafos, zoólogos, botânicos, geólogos e astrônomos) a conhecer a natureza brasileira de modo objetivo. A expedição foi analisada no livro Comissão
Científica do Império, organizado pela historiadora da ciência Lorelai Kury (Andrea Jakobsson Estúdio Editorial, 2009). O Ceará foi o estado escolhido para a missão por ter sido pouco explorado. Ao constatar que não havia "tipos puros" entre os indígenas daquela região, o escritor rumou para o Amazonas, onde anotou observações sobre as línguas faladas e enviou objetos etnográficos para o Rio, incorporados depois à coleção do Museu Nacional. A maior parte do seu trabalho na comissão ficou desconhecida.
O escritor (acima) e estatueta trazida por ele da fronteira com a Venezuela
Peças da Amazônia reunidas por Gonçalves Dias para exposição de 1861
Supõe-se que o material estava no navio que naufragou quando ele voltava da Europa, em 1864. Em 2002, a Academia Brasileira de Letras publicou Gonçalves Dias
no Amazonas: relatórios e diário da viagem ao rio Negro, com introdução do escritor maranhense e acadêmico Josué Montello, com informações sobre aquele período. "A etnografia feita por Gonçalves Dias era muito diferente da que é praticada hoje", afirma o antropólogo João Pacheco de Oliveira, professor do Museu
Nacional. No século XX esse ramo da antropologia se tornou um trabalho de pesquisa de campo sistemático e de contato direto com as culturas que se quer estudar. Já o trabalho científico do poeta era realizado por meio de leituras e comparações entre os relatos de viajantes e naturalistas implicando hipóteses sobre o desenvolvimento e difusão das culturas. "Ele estava sintonizado com seu tempo tanto ao fazer literatura quanto ciência, sendo o impacto de sua obra equivalente à de Castro Alves com o tráfico negreiro."
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 9
Maílson da NóbreÇJa
O economista tranquilo Ex-ministro da Fazenda lança sua autobiografia com os bastidores do poder político nacional CARLOS HAAG
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ós criamos no Brasil uma ideia equivocada de que quem resolve o problema do país são os economistas. São aqueles sujeitos que têm a capacidade de análise profunda, macroeconômica etc. e tal, e que se sentam à mesa e formulam um programa e assim vai. Aresponsabilidade maior de atacar os problemas de uma sociedade, a sua modernização, enterrar o passado etc., isso não é tarefa de economistas. Isso é tarefa da classe política", afirma o economista Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, durante o governo de José Sarney (1985-1990). Uma ponderação importante em face da tendência nacional de conceder superpoderes aos responsáveis pela política econômica. Ao contrário dos "magos" da economia, Maílson pautou sua carreira pela competência do "técnico", como se percebe na leitura de sua recém-lançada autobiografia Além do feijão com arroz (Civilização Brasileira), o retrato de uma trajetória de self made man, iniciada na minúscula Cruz do Espírito Santo, na Zona da Mata paraibana, aos lO anos, como descastanhador de caju e vendedor ambulante. Seu nome é tão singular quanto sua história, embora característico da região: o Ma vem da mãe, Maria José, e o Ilson do pai, o alfaiate Wilson. Sua ascensão seguiu os passos seguros da então mais do que honrosa carreira no Banco do Brasil (BB) que o levaram a Brasí10 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
lia, onde foi secretário-geral do Ministério da Fazenda, e, mais tarde, ao posto de ministro de Estado. Foi um dos responsáveis pela modernização das finanças públicas e conseguiu extinguir, como ministro, a famosa "conta de movimento" do BB, um orçamento paralelo que não passava pela aprovação do Congresso. Esse agir com raízes tecnocráticas, herança de sua passagem pela economia dos governos militares, se manteve em sua gestão pública, marcada sempre por uma visão austera e controlada do fazer econômico. Subiu os degraus da burocracia com passadas modestas e contínuas, um perfil muito diverso do de seus colegas de cargo, em geral, como ele mesmo recorda, economistas acadêmicos ou empresários de sucesso. Maílson foi, por muito tempo, o assessor modelo de ministros que duraram pouco em suas funções. Assumiu como ministro da Fazenda numa situação complexa de inflação altíssima, que atingiu temerários 416% em 1987, imenso déficit público e falta de acesso ao crédito internacional, consequência da moratória unilateral da dívida externa decretada por Sarney. Diante da pasta cercada por expectativas de mudanças radicais optou pela economia "do feijão com arroz", sem congelamento de preços e salários. Enfrentou a ira de um Roberto Marinho, empresário dono da Rede Globo, fez, como era prerrogativa do seu cargo, um plano econômico, o Plano Verão (que,
como os outros do mesmo período, não funcionou), encerrando sua gestão com um plano de renúncia do presidente da República. Entregou o cargo para Zélia Cardoso de Mello para descobrir, no dia seguinte ao Plano Collor, que não tinha dinheiro para financiar seus planos futuros de uma consultaria, como a que dirige hoje em São Paulo, a Tendências. Do alto da sabedoria de quem já lutou com o "dragão da inflação", sem, no entanto, domá-lo, Maílson é otimista sobre o futuro do Brasil, que, afirma, é "intolerante à inflação e ao voluntarismo inconsequente de maus governantes". Embora se considere um "economista prático", Maílson foi professor visitante da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), onde fez a pesquisa que rendeu o livro O futuro chegou. Leia trechos da sua entrevista à Pesquisa FAPESP.
• Lendo o seu livro sente-se um paralelo entre sua história e a do país em busca da modernização e da redemocratização. Como o senhor vê a trajetória do Brasil em paralelo com a sua? -Acho que o Brasil, nesse tempo, superou muitos de seus obstáculos, entre os quais os das restrições ao desenvolvimento e o pessimismo sobre o futuro. É um percurso extraordinário porque, da nação que mal conseguia exportar café e açúcar, o Brasil se tor12 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
nou uma sociedade complexa, com uma base industrial ampla, ainda que muito ineficiente em algumas áreas, e construiu uma democracia sólida. Isso porque fincamos alicerces que servirão de sustentáculo para a construção do nosso futuro . O primeiro deles é a democracia, que se consolidou como um valor da sociedade, ainda que nem todas as pessoas percebam isso. Dificilmente haverá no Brasil alguém com coragem de defender a volta do regime militar. É uma democracia jovem, com muitos defeitos, e nosso desafio é r'!dicalizá-la com reformas institucionais que melhorem seu sistema eleitoral, aumentem a capacidade decisória do Congresso, ampliem a participação popular na definição do destino do país, enfim, que sejamos uma democracia como a das sociedades mais maduras. O outro alicerce é a estabilidade. Uma das grandes transformações da sociedade brasileira do pós-guerra foi a percepção, finalmente, de que inflação é algo indesejável. Nos tornamos intolerantes à inflação. Houve uma época em que não era assim. Eu me recordo que aprendi que a inflação tinha um papel no desenvolvimento. Lembro de ter lido uma entrevista do Celso Furtado, e eu já era economista, e ele dizia que uma inflação de 15% não fazia mal nenhum, era inclusive uma forma de financiar de maneira mais barata o setor público. O pilar mais importante,
porém, é a educação. Até pelo menos os anos 1980 havia uma percepção de que a educação seria o subproduto do desenvolvimento: bastava o Estado atuar com a proteção à indústria, concessão de subsídios, incentivos fiscais, oferta de serviços de infraestrutura, crédito subsidiado, e assim por diante, que o desenvolvimento geraria o ambiente para a educação. Acho que invertemos essa lógica e há uma percepção crescente de que a educação é base, e não consequência do desenvolvimento. Se você olhar o que aconteceu da redemocratização para cá, particularmente nos governos Fernando Henrique e Lula, a educação avançou muito. Não tanto quanto se gostaria ou precisa, mas o contingente de analfabetos no Brasil está diminuindo. Não por conta de programas de alfabetização, mas como dizia um amigo meu, economista, muito cruelmente, mas corretamente, o contingente de analfabetos está diminuindo porque eles estão morrendo. Estão chegando à idade adulta, à velhice, estão morrendo e não estão sendo substituídos. Então a tendência doBrasil é a redução do analfabetismo formal. Claro que temos que enfrentar alguns tabus, entre eles a ideia de que a educação superior tem que ser universal e gratuita. Quem pode pagar não deve estudar de graça. Eu não me conformo que um filho de um milionário paulista possa entrar na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e estudar de graça. Acho que não é a mensalidade que vai financiar a escola, mas é uma coisa de justiça social. Os pobres não podem subsidiar a educação superior dos ricos nas melhores escolas. Assim, com esses pilares já fixados, cruzamos o Rubicão, não tem mais retrocesso. O Brasil construiu instituições que inibem o retrocesso permanente na gestão da economia brasileira. Você pode ter até retrocessos, mas as instituições funcionam no sentido de reverter e restabelecer a trajetória de estabilidade. Mesmo que tenhamos maus governos no Brasil, e vamos ter, isso não significa uma interrupção do processo, apenas uma pausa que não tira o país dessa sua trajetória. Dentro de duas décadas o Brasil será uma das cinco maiores economias do mundo. O país é muito mais aberto, mais integrado aos fluxos mundiais de comércio e
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finanças, somos avaliados, acompanhados, não apenas por nós mesmos, mas por especialistas internacionais. E esses mecanismos funcionam no sentido de punir eventuais irresponsabilidades na condução da economia. • O senhor, então, não acredita em problemas no novo governo? -Vamos dar um exemplo concreto: digamos que a nova presidente decida que é contra a ação do Banco Central e como o Banco Central ainda não é formalmente autônomo ela poderá determinar o nível da taxa de juros que acha adequado para manter a estabilidade dos preços. Ao tomar uma decisão dessas, ela emite um sinal de irresponsabilidade e isso acende várias lâmpadas de alerta que vão criar outro ambiente. A confiança no país despenca, os estrangeiros que estão investindo acreditando no nosso futuro vão embora, porque são covardes. Eles sabem "precificar" [riscos], mas não têm o poder de impor qualquer coisa a governos, e a "precificação" do risco significa a fuga de capitais, que produz uma rápida desvalorização da moeda, acarreta uma queda brutal da bolsa de valores, os mecanismos de mercado futuro sinalizam uma piora de ambiente e tudo isso recebe uma atenção forte, intensa, da imprensa, dos jornais, da TV, do rádio, e vai reverberando em ondas sucessivas, criando um ambiente de insegurança para o eleitor. O eleitor percebe que a inflação pode voltar, que ele pode perder seu emprego, perder seu patrimônio, e muda de opinião em relação ao governo e a popularidade cai, o que significa dizer: a legitimidade política do presidente da República e de seu governo, que implica a capacidade de articulação, de condução do país, de governar o país, cai abruptamente. E como a democracia já está consolidada, isso equivale a um suicídio político, porque a popularidade despenca e abre espaço para a ascensão de outra pessoa. A democracia fornece uma blindagem contra a irresponsabilidade. E o Brasil se distancia, sob esse aspecto, do populismo latino-americano. Isto é, os presidentes da República até têm o poder de fazer coisas erradas, de enveredar por caminhos da aventura, mas eles serão barrados pela operação das instituições. O Brasil é um país muito bem-sucedido, até porque, enquanto a Europa começa sua marcha
Eu tenho a convicção hoje de que nenhum dos planos anteriores ao Real tinha condições de dar certo. Nenhum deles
para a prosperidade por volta do final do século, nós fomos tardios nesse processo, mas estamos queimando etapas e talvez cheguemos, em mais três gerações, a ombrear, em matéria de bem-estar e democracia, as nações ricas hoje. • Como é acatar ordens de alguém q~e não é um especialista em economia? -Acho um equívoco no Brasil achar que precisamos de um gestor na Presidência da República. Acompanhei a campanha eleitoral e se evidenciou essa qualidade de gestor tanto na Dilma quanto no Serra. O presidente da República não precisa entender de economia. Na verdade, nem o ministro da Fazenda precisa ser um especialista em economia. O fato de nomearmos ministros da Fazenda economistas é um cacoete do período militar. De 1964 para cá foram pouquíssimos os ministros da Fazenda que não tinham diploma de economista. É interessante notar que o ministro da Fazenda que foi capaz de coordenar um conjunto de pessoas, de ideias, de ações para pôr fim ao grande mal da inflação era um sociólogo, Fernando Henrique Cardoso.
• Como o ministro da Fazenda se relaciona com a política, com o Congresso? Em geral, eles se queixam de que os planos econômicos não dão certo por culpa dos políticos. - É um mito que os planos anteriores ao Real não deram certo por questões de dificuldade de relacionamento político. Eu tenho a convicção hoje de que nenhum dos planos anteriores ao Real tinha condições de dar certo. Nenhum deles. O Plano Cruzado, o mais promissor de todos, tinha probabilidade de dar certo próximo de zero. Por uma razão muito simples: um congelamento de preços numa inflação altíssima como era a brasileira naquela época, de 15%, 20% ao mês, contexto em que surgiu o Plano Cruzado, provoca transformações também muito intensas. A primeira delas, a interrupção da corrosão inflacionária dos salários. A segunda, a criação de um ambiente de confiança, de que a inflação acabou, que o cálculo econômico é possível. Nasce a disposição do sistema financeiro de ofertar mais crédito, porque está mais confiante na estabilidade das regras, na estabilidade da renda de seus clientes. E tudo isso forma um contexto que se associa a uma propensão a consumir do brasileiro, que é muito alta, por conta de necessidades não atendidas, o que produz uma explosão de consumo. E essa explosão de consumo não é correspondida com a ampliação da oferta. A demanda subia de elevador e a oferta de escada. Rapidamente as mercadorias sumiam das prateleiras. Por que o Plano Real deu certo? O pro blema do descompasso entre oferta e demanda não existia: a demanda subiu de elevador e a oferta também, suprida por importações. • Uma economia "feijão com arroz" foi novidade num país com a tendência de trabalhar com ideias ''grandiosas"? -A ideia do "feijão com arroz" foi um acidente. Fiz a primeira reunião com a minha equipe antes da posse e discutimos. "Precisamos desmontar a ideia de que vamos sair amanhã com um plano, que vamos congelar preços, salários." Sabíamos que não íamos fazer um congelamento, mas era preciso desfazer essa expectativa, porque as pessoas começavam a agir preventivamente e isso geraria problema de aumento de PESQUI SA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 13
preços, estocagem de produtos etc. Não havia a ilusão de se fazer grandes transformações no país. E nessa conversa surgiu esse conceito de "vamos fazer o feijão com arroz", a ideia de que vamos fazer o trivial. Eu quis mostrar que vinha da burocracia e o burocrata não é dado a grandes voos. Na minha primeira entrevista como ministro, uma jornalista falou: "Ministro, qual é sua política?" Eu respondi: "Vamos fazer o feijão com arroz", achando que a entrevista já havia terminado. No outro dia, o Estadão botou na primeira página: "Ministro anuncia política de feijão com arroz". Ficamos preocupados: "Escuta, o que vão dizer? Essa turma de burocratas não tem mesmo nenhuma imaginação. Não está preparada para enfrentar os desafios?". Então recebi algumas ligações: "Que sacada! Quem assessorou vocês?':
O doutor Roberto se juiQava um homem benfeitor do país mais do que era e não admitia ser fiscalizado
• O senhor foi sabatinado pelo jorna-
lista Roberto Marinho antes de assumir seu cargo de ministro e ele, mais tarde, tentou derrubá-lo de sua posição. Como foi isso? -Figuras como o Roberto Marinho existiram em outros países, inclusive num país de democracia muito sólida, os Estados Unidos: Cidadão Kane é isso, não é? Eu não procurei esse confronto com ele, mas foi a revelação de que o Brasil havia mudado. Ou seja, o doutor Roberto, que foi um grande empresário, acho que o país deve muito a ele, imbuiu-se do poder que possuía e o exerceu de forma muito intensa. Todos os presidentes da República iam ao aniversário dele, inclusive Lula. Ele se indignou na primeira reunião que tivemos porque, confesso, fui inábil. Ele tinha um projeto de exportação de casas prefabricadas. O governo tinha oferecido o benefício de trocar dívida externa por exportação. Mas interrompemos o programa quando ele já estava embalado. Roberto Marinho deve ter pensado: "Fui induzido a investir tempo e dinheiro nesse projeto e esse ministro da Fazenda quer mudar a regra do jogo". No fundo, ele pensou que iria mudar tudo novamente porque tinha acesso à Presidência da República e conseguiu marcar um almoço com o presidente Sarney, que me convidou para participar. Cheguei no fim do almoço e aí percebi que ele estava 14 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA F'APESP 179
tentando gerar um constrangimento com o presidente para restabelecer o programa. Minha inabilidade foi dizer: "Doutor Roberto, esse programa não interessa ao país': Ele se sentiu ofendido e me perguntou: "Ministro, você acha que estou propondo algo contra o pClís?". E nasceu naquele momento uma animosidade. Ele dizia que eu era um ingrato porque ele tinha sido responsável por minha nomeação, o fato de ele ter conversado comigo para dar o sinal verde para o presidente me nomear. A partir daí eu diria que trincou essa relação. Mas, antes disso, eu estava há poucas semanas no ministério e ele me convidou para almoçar com ele lá no Jardim Botânico. Sem eu perguntar, ele disse: "Indiquei o Antônio Carlos Magalhães e o Leônidas Pires para os ministérios, são minhas indicações". Eu fiquei pensando: "Que poder!". Ou ele estava se exibindo ou estava dizendo: "Você é o terceiro". Outros fatores contribuíram para azedar essa relação, que foi a ação de um delegado da Receita Federal do Rio de Janeiro. O doutor Roberto se julgava um homem benfeitor do país mais do que era e não
admitia ser fiscalizado. Ele achava que era tão bom para o país que fiscalizá-lo era quase uma ofensa. A televisão brasileira foi equipada com câmeras, spots, mesas de edição e tudo mais, grande parte de importação irregular. Certamente o Roberto temia que uma fiscalização pegasse lá, vamos dizer, não sei se era isso, um equipamento sem nota, um equipamento irregularmente importado. Acho que isso o preocupava também. E aí quando entrava o fiscal na TV Globo, ele estrilava. Lembro que, uma das vezes, ele pegou um avião e foi ao presidente protestar. Até que ele, não entendo a razão, decidiu que eu teria que sair. E o presidente começou a negociar um pacto social com as principais lideranças do Congresso, em que o governo se comprometia com uma série de medidas. Ao que tudo indica houve uma reunião para fechar o pacto e um senador perguntou ao presidente: "Bom, e com isso temos que substituir a equipe econômica, refazer o ministério". O presidente disse: "Perfeitamente". Um senador ligou para o Roberto Marinho dizendo: "O Maílson está fora". O doutor Roberto, imprudentemente, foi à redação do jornal às 21 horas e mudou pessoalmente a primeira página com um título que não esqueci jamais: "Inflação derruba Maílson". E aí acho que ficou clara a mudança que ele não tinha percebido: toda a imprensa ficou do meu lado. A reação foi tão forte que ele teve querecuar. Enfim, os ministros militares conversaram com o presidente que ele não podia demitir o ministro da Fazenda naquele momento. Pegava muito mal. E o doutor Roberto cometeu, primeiro, um erro de avaliação e, segundo, não percebeu que fazendo isso me fortalecia. E aí eu fiquei até o fim. Eu sobrevivi ao Roberto Marinho.
No início do seu livro o senhor diz "como um menino pobre da Paraíba pode chegar e procurar o presidente para ele renunciar e ser levado a sério': Como foi isso? -Acho que o país teria enfrentado uma inflação menor se ele tivesse aceitado a minha proposta. O que temíamos, felizmente, não aconteceu. Estávamos com uma aceleração da inflação, que começava a se aproximar dos SOo/o. Quando as eleições se aproximaram, o processo começou a se agravar. E nós
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associamos a incerteza das eleições como tendo um efeito na aceleração dos preços. Eu me lembrava bem do que tinha acontecido na Argentina. Menem, candidato à Presidência, tinha uma plataforma populista, prometendo um "salariaço", uma irresponsabilidade total, e foi eleito. No momento em que isso ocorreu, o sistema de preços argentino enlouqueceu e a inflação foi rapidamente a 200o/o ao mês. Na Argentina eram quase sete meses entre a eleição e a posse e o país ia se arrastar por esse tempo todo com uma inflação parecida com a da Hungria. Então houve um acordo entre o presidente Raúl Alfonsín e Menem, e a posse foi antecipada. Quando ele assumiu antes do prazo previsto, a inflação acabou. No Brasil, eram três meses entre a eleição e a posse. Temíamos que nesses meses o processo fugisse do controle. Conversei com o presidente Sarney sobre a hipótese da sua renúncia. Não porque ele não pudesse governar o país, mas como uma ação para a súbita renovação de legitimidade. E que um presidente eleito, com grande apoio popular, tivesse as condições de enfrentar o problema de maneira crível e com grande apoio da opinião pública e do Congresso. O presidente ouviu minha argumentação. O presidente disse: "Vou pensar". Um dia me ligou e disse: ''Acho que está na hora de discutirmos essa sua ideia". Fizemos uma reunião secreta, em Brasília, com 10 ministros. Foi um debate muito
tenso, com momentos dramáticos, em que as vozes se levantaram. O ministro do Exército achou que era covardia o presidente sair. Ele pediu um tempo para pensar e eu saí com a sensação de que tinha decidido ficar. Hoje acho que foi o melhor, porque poderíamos ter tido um efeito inflacionário danoso à sociedade e à economia menor do que foi, mas eu diria que esse custo foi muito inferior ao benefício da conclusão do período de governo, de transição tranquila, apesar dos dramas da economia e da entrega do poder ao presidente eleito em ambiente de plena normalidade institucional e política. Eu diria qu~, se hoje voltasse no tempo e me sentasse àquela cadeira, provavelmente estaria sendo contra minha própria ideia.
• Para finalizar, quais são as suas expectativas sobre o novo governo? - O discurso da nova presidente no dia da vitória teve um conteúdo muito animador, porque ela assumiu compromissos muito sérios em áreas fundamentais. Compromissos com a democracia, com a liberdade de imprensa, com a autonomia das agências reguladoras (algo que, no governo Lula foi considerado um "estorvo"), compromisso com a gestão macroeconômica responsável, com o câmbio flutuante, superávit primário, com a autonomia do Banco Central. Diria que todos devemos dar à nova presidente um crédito de confiança. A escolha do ministro
da Fazenda a permanecer no cargo, em princípio, é contraditória com essa ideia, porque ele foi o responsável pela deterioração grave da situação fiscal e dos princípios que regem um bom sistema de finanças públicas. Ninguém mais hoje acredita nos números do governo. Mas eu também dou o benefício da dúvida. O ministro passou a falar coisas que são incompatíveis com sua própria ação, mas entendo que ele já externa uma orientação recebida da nova presidente. Creio que duas indicações nos levam a reforçar esse crédito de confiança. A escolha do Alexandre Tombini para a presidência do Banco Central. Ele é um dos melhores técnicos do Banco Central. Outra coisa boa é a indicação do Antonio Palocci, um dos mais sensatos membros do PT em questões econômicas. Ter um homem como ele num posto-chave como a Casa Civil é algo que tranquiliza. Ele será uma barreira a eventuais tentativas de desvio dessas bases fundamentais que a presidente anunciou no dia da sua vitória. Mas a presidente assume num ambiente muito desafiador. Ela vai exercer o seu poder sem ter tido a oportunidade de enfrentar um desafio parecido ou de passar mais tempo em atividade executiva de governo. A economia, que vinha num ritmo forte, deve desacelerar, porém o emprego e a renda continuarão em alta; a taxa de câmbio ficará estável; a inflação ficará perto da meta, se for mantida a política econômica; e a taxa de juros voltará a subir já nesse início do ano. Temos um sistema financeiro sólido, resultado do antigo Proer e da estabilidade macroeconômica (câmbio flutuante, Banco Central autônomo, superávits primários no setor público, inflação baixa e sob controle) e uma situação externa confortável com reservas internacionais superiores à dívida externa. A presidente tem como desafios reverter a deterioração fiscal e promover investimentos em infraestrutura e supôs como pouco prováveis grandes reformas. Mas, como já disse, no Brasil de hoje as instituições inibem o populismo ou o autoritarismo e a legitimidade depende da estabilidade econômica, sem esquecer do papel da imprensa, que pune politicamente ações voluntaristas inconsequentes. Enfim, o país vai • continuar a dar certo. PE SQU ISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 15
CAPA
s
uma
e
que valem
Introdução de outros alimentos durante a amamentação altera o paladar e aumenta o risco de obesidade
RICARDO ZoRZETTO !LUSTRAÇÕES LAURA TEIXEIRA
s pais têm uma oportunidade rara de influenciar o desenvolvimento dos filhos e de ajudá-los a se tornarem adultos mais saudáveis. Mas é preciso estar atento e agir rápido. Essa chance surge cedo e dura pouco. Começa na concepção e segue por apenas mil dias- os 270 da gestação mais os 730 dos dois primeiros anos de vida. Em princípio, a possibilidade de fazer uma criança que nasce com boa saúde crescer desse modo e assim permanecer por décadas exige a adoção de medidas aparentemente simples: oferecer proteção e aconchego ao bebê e alimentá-lo adequadamente. A alimentação apropriada inclui uma dieta equilibrada da mãe na gravidez, o aleitamento materno exclusivo nos seis primeiros meses de vida e, partir daí, a amamentação acompanhada de água, sucos, chás, papinhas e alimentos sólidos ricos em proteínas, vitaminas e sais minerais, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). A receita não é nova, mas pode evitar problemas graves de saúde mais tarde. Experimentos com roedores indicam que a substituição do leite materno por outros alimentosoutros tipos de leite, inclusive- nessa fase do desenvolvimento altera o paladar e instala no organismo um desequilíbrio hormonal que pode durar a vida toda e favorecer o ganho de peso. Já a nutrição correta reduz o risco de desenvolver na idade adulta obesidade e doenças cardiovasculares, atestam estudos populacionais conduzidos em cinco países em desenvolvimento (Brasil, África do Sul, Guatemala, Filipinas e Índia). Ainda segundo esses trabalhos, o aleitamento exclusivo favorece o desempenho intelectual. Por algumas décadas equipes desses países, entre elas a do epidemiologista brasileiro César Victora, avaliaram regularmente o crescimento de 10.912 crianças. Aquelas que começaram a receber outros alimentos antes dos 6 meses de idade- o que ocorreu antes do terceiro mês com 69% dos bebês da amostra brasileira- acumularam mais
a
gordura corporal ao longo da vida. E quanto mais cedo consumiam papinhas, sucos e outros tipos de leite mais gordura concentravam, o que eleva o risco de problemas no coração e de acidente vascular cerebral, responsáveis por 30% das mortes no mundo, relataram os pesquisadores em setembro no International ]ournal of Epidemiology. "O que mais influenciou o acúmulo de gordura não foi a duração do aleitamento, mas a precocidade da introdução de outros alimentos na dieta da criança", afirma Victora, professor da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, e da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos.
H
á quase 30 anos Victora, Fernando Barros e uma equipe de epidemiologistas acompanham periodicamente a saúde de todas as crianças nascidas em 1982, 1993 e 2004 em Pelotas, município de 330 mil habitantes no extremo sul do país. Esse seguimento de longo prazo, conhecido como coorte, levou Victora e colaboradores de outros países a rever anos atrás o padrão adequado de desenvolvimento até os 5 anos de idade e a propor uma nova curva de crescimento, reconhecida pela OMS em 2006 e adotada por pediatras de mais de 100 países. As coortes feitas em Pelotas e em outras regiões do mundo mostraram que as crianças que só recebiam leite materno até o sexto mês de vida cresciam em ritmo diferente das que tomavam mamadeira. Bebês que só mamaram ao peito ganharam peso e ficaram mais altos mais rapidamente nos quatro primeiros meses de vida. Depois se desenvolveram mais devagar. "São crianças saudáveis, mas mais magras", afirma Victora. Já as que receberam leite em pó e outras formulações que tentam imitar o leite humano engordaram mais rapidamente a partir do segundo semestre após o nascimento. Uma possível explicação para o crescimento acelerado tardio é o consumo de mais calorias que o recomendado. Marina Rea, do Instituto de Saúde (IS)
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de São Paulo, e Ana Maria Corrêa, da Universidade Estadual de Campinas, verificaram anos atrás que as crianças que recebiam mamadeiras e outros alimentos nos primeiros meses de vida consumiam até 50% mais calorias que o ideal (ver Pesquisa FAPESP no 123). "Nunca é demais repetir: o leite materno é o único alimento de que a criança precisa nos primeiros seis meses", diz Victora. Mais rico em açúcares e gorduras do que o leite de vaca, o leite humano contém ainda níveis adequados de proteínas e outros nutrientes para o bebê, além de mais de uma centena de compostos imunologicamente ativos. Mesmo assim, não é fácil seguir a indicação da OMS. A participação maior das mulheres no mercado de trabalho, aliada à desinformação sobre como e por quanto tempo amamentar, contribui para que a dieta das crianças mude antes da hora. "Além disso", conta Victora, "muitos médicos não respeitam a orientação da OMS e introduzem cedo na dieta alimentos desnecessários nessa fase da vida". O resultado é qÚe a proporção de mulheres que amamentam exclusivamente ao peito por seis meses no Brasil é baixa, comparada à de outros países. Mas mais alta que a de 10 anos atrás. Hoje 51 o/o das mães alimentam os filhos exclusivamente ao peito nos quatro primeiros meses de vida- eram 36% em 1999- e 41 o/o amamentam até o sexto mês, segundo levantamento do Ministério da Saúde coordenado pela pediatra Sonia Venancio, do IS. Ainda aquém do desejável, esse índice melhorou muito. Em 1974 metade das crianças recebia só leite materno por 2,5 meses. Esse tempo passou para 14 meses em 2006. Sonia avaliou dados de 2008 de 34,4 mil crianças de todas as capitais e do Distrito Federal e notou que, apesar da melhora recente, a evolução é lenta. No primeiro mês após o parto 18% dos bebês já tomavam outros líquidos e aos dois meses metade não mamava só ao peito. "Há muito a fazer': comenta Sonia, que publicou os dados em meados do ano no Jornal de Pediatria. Os benefícios da alimentação adequada no início da vida não são apenas físicos. Em outro estudo, publicado em fevereiro no Journal of Nutrition, Victor a
e colaboradores analisaram o desempenho escolar de 7.945 crianças da Índia, da Guatemala, das Filipinas, do Brasil e da África do Sul. As que apresentaram crescimento saudável na gestação, indicador de dieta materna adequada, e nasceram com peso superior ao da média tiveram mais chance de sucesso. Cada 500 gramas a mais de peso ao nascer representaram 2,5 meses a mais de escolaridade na vida adulta e risco 8% menor de repetir uma série. Mesmo as crianças que no parto tinham menos de 2,5 quilos, peso inferior ao desejável, conseguiram bom desenvolvimento intelectual quando, com dieta adequada, alcançaram o ritmo normal de crescimento e recuperaram o peso ideal para a idade até o segundo ano de vida. Nesse período, elas ganharam em média 9 quilos, e cada 700 gramas que cresceram além da média significaram cinco meses a mais de escolaridade. "Nos dois primeiros anos a criança ainda tem oportunidade os de crescer acima da média e se tornar um adulto saudável se, além da amamentação adequada, receber imunização e boa assistência à saúde", diz o epidemiologista. Nessa fase crucial do desenvolvimento, que Victora chama de "mil dias de oportunidade': os órgãos ainda se encontram em formação: os ossos estão se alongando, os músculos se fortalecendo e o cérebro ganhando volume (atinge 70% do tamanho final no segundo ano). "A partir do terceiro ano, o crescimento acelerado acarreta o acúmulo de gordura", explica.
Só 41% das llrasileiras alimentam filhos exclusivamente ao peito nos seis primeiros meses de vida
A
s mudanças que os epidemiologistas observam usando balanças e fitas métricas começam a ganhar uma explicação fisiológica. Experimentos com roedores vêm ajudando a descortinar os mecanismos bioquímicos pelos quais a introdução de outros alimentos no período de amamentação exclusiva leva ao acúmulo de gordura. Um deles é a mudança no paladar. Em pesquisa orientada por Raul Manhães de Castro e Sandra Lopes de Souza, da Universidade Federal de Pernambuco, a nutricionista Lisiane dos Santos Oliveira interrompeu a amamentação de um grupo de ratos separando-os da mãe no 15° dia após o nascimento, o equivalente a três meses de vida de um bebê humano, e os deixou comer ração à vontade. Periodicamente, os animais foram pesados e o consumo alimentar foi medido, mas não houve diferença de peso nem de ingestão entre os desmamados cedo e os que receberam leite até o 30° dia de vida. O contraste só apareceu em um teste de preferência alimentar. Assim que os animais atingiram a idade adulta, os pesquisadores deixaram, simultaneamente, duas dietas distintas à disposição dos ratos por alguns dias: a ração padrão do biotério e outra mais palatável (à base de chocolate e avelã), mais calórica e rica em gorduras. Os dois grupos preferiram a dieta mais saborosa à ração comum. Mas os ratos que pararam de mamar antes comeram bem mais, relatam os pesquisadores em artigo a ser publicado na Behavioural Processes. "Embora não houvesse mudança no peso nem no padrão diário de alimentação dos animais, a preferência por uma dieta mais calórica se manifestou assim que esse tipo de alimento se tornou disponível", PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 19
comenta Lisiane. "No longo prazo a preferência por alimentos com alta densidade calórica pode levar a distúrbios metabólicos", diz a nutricionista. Outro teste feito pelo grupo de Pernambuco mostrou que os ratos desmamados aos 15 dias, quando adultos, demoravam o dobro do tempo para se saciar. Após breve jejum, eles comiam continuamente por 42 minutos, enquanto os animais que receberam leite materno até o 30° dia davam-se por satisfeitos em 23 minutos. Segundo o trabalho, que será veiculado pela mesma revista, os roedores desmamados cedo apresentaram ainda alterações no padrão diário (circadiano) de consumo de alimentos: comiam mais em momentos do dia ou da noite diferentes daqueles em que os ratos amamentados por mais tempo se nutriam, embora o total fosse semelhante. Por trás das alterações de comportamento há mudanças hormonais e metabólicas. Em trabalhos apresentados nos últimos anos no fournal of Endocrinology e no fournal of Physiology, a equipe do endocrinologista Egberto Gaspar de Moura, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mostrou que o desmame precoce altera a composição corporal e reduz a sensibilidade ao hormônio leptina, que induz à saciedade e à puberdade (leia texto ao lado). Adotando um modelo experimental diferente do anterior, o grupo do Rio provocou o desmame antecipado aplicando na rata um composto que impede a produção de prolactina, hormônio que induz a secreção do leite, em vez de tirar os filhotes de perto da mãe. Os animais que desmamaram mais cedo chegaram à idade adulta com peso 10% maior, 40% mais gordura total e até 300% mais gordura visceral (que se forma no interior dos órgãos e é mais nociva). Confirmando o efeito deletério da obesidade visceral, os roedores desmamados antes do tempo tinham níveis sanguíneos mais altos de glicose, colesterol e triglicerídeos e taxas menores de HDL, proteína que retira o colesterol do sangue e evita a formação de placas de gordura nos vasos.
Animais desmamados precocemente desenvolvem a síndrome metabólica Reunidas, essas alterações configuram o que os médicos chamam de síndrome metabólica, condição que potencializa o risco de desenvolver diabetes e problemas cardiovasculares. Os animais que mamaram menos, quando adultos, também apresentavam níveis sanguíneos de leptina três vezes superior ao normal, observou a equipe do Rio. Apesar da quantidade brutal desse hormônio, que é produzido pelas células de gordura e indica ao corpo a hora de parar de comer, a leptina não produzia efeito nesses animais. Após jejum de 12 horas, os pesquisadores deram leptina a dois grupos de ratos: um amamentado pelo tempo habitual e outro cujo aleitamento fora interrompido. Os roedores do primeiro grupo, como esperado, comeram menos, mas os do segundo seguiram se alimentando - sinal de que não respondiam ao hormônio.
M
oura observou ainda outro desequilíbrio hormonal: os ratos desmamados precocemente desenvolveram hipotireoidismo. Eles apresentavam níveis sanguíneos 50% mais baixos do hormônio tireotropina, que ativa a glândula tireoide, produtora de hormônios que estimulam o consumo de energia. Segundo o endocrinologista, o hipotireoidismo pode ser consequência da resistência à leptina. Como a leptina age numa região do cérebro chamada hipotálamo, que comanda a produção de outros hormônios (entre eles a tireotropina), a insensibilidade à leptina pode afetar o funcionamento da tireoide. "Aparentemente essa alteração hormonal e metabólica é um fenômeno de programação epige-
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Puberdade antecipada Ação do hormônio leptina em região do hipotálamo desencadeia o amadurecimento sexual
nética [alteração no funcionamento dos genes]", diz Moura. Mas ainda é preciso comprovar. Enquanto não se descobre o que dispara essas alterações e como as controlar de modo eficiente, o melhor é prevenir o problema por meio do aleitamento exclusivo por ao menos seis meses. Em Recife, a equipe da pediatra Sonia Coutinho mostrou que é possível estimular as mães a amamentarem por mais tempo adotando ações baratas, como o treinamento de profissionais da saúde, em especial os agentes comunitários do Programa de Saúde da Família, para orientá-las (ver Pesquisa FAPESP n° 119). Na Universidade de São Paulo, uma equipe do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) tem uma proposta mais ousada, que não previne as alterações metabólicas associadas ao desmame precoce, mas pode amenizar os problemas de saúde por elas provocados. A sugestão é melhorar a dieta do brasileiro incentivando o consumo de frutas, verduras e legumes, que atualmente é inferior a um quarto do recomendado. Uma das razões do baixo consumo é o preço elevado. Rafael Claro, do Nupens, calculou quanto custaria para as pessoas consumir a quantidade indicada desses alimentos, que deveria corresponder a 12% do total de calorias ingeridas. Como resultado, a dieta ficaria 30% mais cara. Mas, com redução no preço, mesmo os mais pobres poriam mais vegetais no prato. Em 2007, durante alguns meses, a equipe do Nupens montou no Grajaú, um dos bairros mais pobres da cidade de São Paulo, um ponto que vendia frutas e hortaliças por um preço subsidiado. Como se imaginava, o consumo desses produtos aumentou. "O custo desses alimentos é uma barreira importante ao consumo", afirma Claro. Como saída, ele propõe que o Estado reduza os impostos sobre esses alimentos e sobretaxe os ultraprocessados, que contêm conservantes, corantes e estabilizantes, além de mais açúcar, gordura e sal. "O dinheiro que o Estado deixaria de recolher", diz, "seria economizado com a redução em tratamentos de saúde". •
A neurocientista brasileira Carol Elias deu um passo para desvendar um fenômeno que alarma os médicos norte-americanos: a antecipação da puberdade feminina. Carol e equipe identificaram a região cerebral em que o hormônio leptina age e desperta o amadurecimento sexual. É o núcleo pré-mamilar ventral. Anos atrás surgiram pistas de que a leptina, secretada por células de gordura e conhecida por reduzir a fome, induzia o desenvolvimento dos órgãos sexuais e a fertilidade. Sem leptina, camundongos e seres humanos não passavam pelas transformações fisiológicas que preparam o corpo para procriar. Quando esteve na Universidade Harvard, Carol, hoje pesquisadora da Universidade do Texas, ajudou a identificar as regiões cerebrais que produzem receptores de leptina, proteínas às quais o hormônio se liga e estimula o funcionamento dos neurônios. Entre as regiões do hipotálamo que expressam esses receptores, chamou a atenção o núcleo pré-mamilar ventral (NPV), grupo de células que se conecta a uma área cerebral que produz hormônios sexuais. Mas comprovar que a ação da leptina no NPV induzia a puberdade demorou. Convidada a integrar a equipe de Joel Elmquist no Texas, Carol e os pesquisadores José Donato Júnior, Roberta Cravo e Renata Frazão desenvolveram camundongos geneticamente alterados para, em certas condições, produzir receptor de leptina só nesse núcleo. Segundo artigo publicado em dezembro no Journal of Clinical lnvestigation, fêmeas inférteis entraram na puberdade com o estfmulo da produção desse receptor no NPV. Há uma explicação: os neurônios desse núcleo acionam células secretoras do hormônio liberador de gonadotrofinas que, por sua vez, ativa a liberação de hormônios sexuais. Esse efeito ajuda a entender por que há mais meninas com 7 e 8 anos de idade na puberdade nos Estados Unidos. "É possível que as taxas mais elevadas de leptina nas crianças obesas estejam estimulando regiões cerebrais que normalmente só seriam ativadas mais tarde", diz Carol.
Artigos científicos l. VICTORA, C.G.; et ai. Maternal and child undernutrition: consequences for adult health and human capital. Lancet. v. 371 (9.609), p. 340-57. 26 jan. 2008. 2. DE MOURA, E.G. et ai. Maternal prolactin inhibition during lactation programs for metabolic syndrome in adult progeny. Journal ofPhysiology. v. 587(20), p. 4.919-29. 15 out. 2009. 3. OLIVEIRA, L. S. et ai. Early weaning programs rats to have a dietary preference for fat and palatable foods in adulthood. Behavioural Processes. No prelo.
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ESTRATÉGIAS MUNDO
I
JÁ ESCREVI ISSO ANTES ...
I
JANELA DE OPORTUNIDADE
A África pode tornar-se autossuficiente na produção de alimentos nos próximos 20 anos se adotar técnicas agrícolas lastreadas pela ciência. A afirmação é do relatório Inovação Agrícola na África, elaborado por 20 especialistas e financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates. O continente tem uma janela de oportunidade para tomada de decisões que pode levá-lo a acabar com a fome, diz o documento. Ele cita histórias de sucesso como a de Malawi, um dos países mais pobres do mundo situado na África Oriental. Lá, a importação de sementes melhoradas e o subsídio a fertilizantes fizeram dobrar a área plantada de milho, transformando o país em
exportador do grão em apenas dois anos. "A África agora tem acesso a uma grande quantidade de conhecimento científico", disse à agência SciDev.Net o coorden ador do relatório, o queniano Calestous Juma, professor da Universidade Harvard. Conforme afirmou, é preciso reconhecer o esforço de líderes e formuladores de políticas da África para incorporar a tecnologia à agricultura. O relatório foi taxado de otimista em demasia por Bruce Campbell, chefe do programa de segurança alimentar do Grupo Consultivo em Pesquisa Agrícola Internacional, consórcio de centros de pesquisa. "Devemos ter noção de que há tremendos desafios q ue não são fáceis de superar", disse.
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O autoplágio é uma infração muito mais leve do que a apropriação de dados alheios, mas a prática de publicar como originais achados que o pesquisador já divulgara anteriormente vem sendo debatida após uma controvérsia surgida na Queen's University, em Kingston, Canadá. Reginald Smith, professor emérito de engenharia de materiais, é acusado de publicar pelo menos 20 papers contendo material copiado de artigos que ele próprio escrevera antes. Pelo menos três artigos foram cancelados pelos periódicos que os haviam publicado. "Smith sempre foi um bom cientista, mas algo aconteceu para ele entrar no negócio dos papers duplicados", disse à revista Nature Chris Pickles, também professor de Queen's. O expediente costuma prestar-se a inflar currículos, sugerindo uma produtividade maior do que a real. "Embora não seja impróprio reproduzir textos no tópico sobre a metodologia da pesquisa, espera-se que os resultados, a discussão e os resumos tragam dados novos", diz Harold Garner, especialista em bioinformática do Instituto Politécnico de Virgínia, nos Estados Unidos. Uma análise feita por Garner na base de artigos Medline mostra que a republicação de papers está caindo desde 2006. Ele credita isso à vigilância dos editores de periódicos, que usam softwares para checar os artigos propostos.
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MUITO DINHEIRO, POUCO PROJETO
Universidades peruanas não estão conseguindo aproveitar uma parte significativa dos recursos públicos destinados a ciência e tecnologia, segund o estudo da Sociedade de Comércio Exterior do país (ComexPeru). A legislação peruana prevê que universidades estatais instaladas em áreas de exploração de petróleo, gás e minérios recebam 20% do total dos rendimentos e ganhos obtidos pelo Estado na exploração econômica desses recursos naturais, além de 5% dos royalties da exploração de minerais. As instituições estão obrigadas a destinar os recursos a atividades de pesquisa científica e tecnológica com impacto em sua região. De acordo com dados da ComexPeru, foi destinado em 2009 às universidades públicas o equivalente a US$ 283 milhões, mas elas só conseguiram gastar em pesquisa US$ 13 milhões. "Depois nos queixamos de que o Estado não destina recursos para a ciência", disse à agência SciDev.Net Rafael Zacnich, economista que coordenou o estudo. Os dados, segundo ele, mostram a baixa capacidade de administrar recursos e tocar projetos para o desenvolvimento regional. Enquanto a Universidade Agraria La Molina, de Lima, investiu 45% dos recursos disponíveis para pesquisa, a Universidade Nacional San Antonio Abad Dei Custo usou apenas 2,2% do quinhão a que teria direito.
LABORATÓRIO EM ÓRBITA
EM BUSCA DE I TALENTOS Um instituto de física teórica canadense anun ciou a abertura de cinco novas cadeiras para atrair pesquisadores de primeira linha e batizou-as com os sobrenomes de alguns dos maiores físicos da história: Newton, Maxwell, Einstein, Bohr e Dirac. O Perimeter Institute for Theoretical Physics, na cidade de Waterloo, foi fundado graças a uma doação de US$ 100 milhões feita por Mike Lazaridis, criador do celular multifuncional BlackBerry, em 1999, e desde então busca atrair bons pesquisadores- hoje há 14 deles em tempo integral e 12 em tempo parcial. Mas ainda não conseguiu rivalizar com centros tradicionais em física teórica, como o Instituto para Estudos Avançados, em Princeton. Há dois anos, contratou como pesquisador visitante o astrofísico Stephen Hawking, quando ele se
Encerrada a fase de montagem que durou 12 anos, a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) prepara-se para mergulhar em sua vocação original e se tornar um laboratório científico multidisciplínar. O Congresso norte-americano aprovou uma lei criando uma entidade independente para gerenciar a ISS. "Com isso será possível desenvolver novas categorias de pesquisa", disse à revista Nature Jeanne DiFrancesco, da consultaria ProOrbis, contratada pela Nasa para criar um modelo de administração para a ISS. A estação já abrigou centenas de experimentos, mas, segundo DiFrancesco, há ceticismo dos cientistas em relação ao seu potencial. Por isso deve ser lançada uma campanha demonstrando o compromisso da ISS com as necessidades dos cientistas. Um dos papéis da entidade independente será conciliar interesses da Nasa e de instituições de pesquisa, em moldes semelhantes aos do Space Telescope Science lnstitute, que supervisiona a pesquisa em telescópios espaciais.
aposentou do posto de professor lucasian? de matemática da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. "Procuramos talentos excepcionais",
disse à revista Nature Neil Turok, atual diretor do instituto. "Queremos reunir massa crítica para enfrentar questões fundamentais", disse.
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FIASCO JAPONÊS EM VÊNUS A Agência de Exploração Aeroespacial do Japão (Jaxa) mergulhou n u ma crise no dia 6 de dezembro, quando a sonda Akatsuki fracassou em sua tentativa de penetrar na órbita de Vênus sete meses após ter partido da Terra. A próxima chance só virá em seis anos, mas a nave talvez não tenha combustível suficie nte para sobreviver até lá. A hipótese mais provável é que a sonda não conseguiu desacelerar o suficiente para entrar na órbita, segundo a agência local Kyodo. Foram investidos 25,2 bilhões de ienes (US$ 300 milhões) no desenvolvimen to da Akatsuki, que viajou 520 milhões de quilômetros desde seu lançamento em 21 de maio. O fracasso, que compromete um ambicioso program a de pesquisa sobre a atmosfera de Vênus, é o terceiro problema mecânico enfrentado pela Jaxa em missões a outros astros do sistema solar. Em 1998, uma válvula defeituosa causou uma perda de combustível
CAPITAL DA SEDE
na nave Nozomi, impedindo-a de entrar na órbita de Marte. E a sonda Hayabusa, que retornou à Terra em 2010 com uma quantidade dimin u ta de amostras de asteroide, por pouco não se perdeu. "Estamos fazendo o nosso melhor para abandonar ideias preconcebidas e tentar compreender o que aconteceu", disse à revista Nature um dos astrofísicos responsáveis pela missão, que pediu anonimato.
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Um relatório da empresa de consultaria McKinsey encomendado pelo governo do lêmen, país situado na península da Arábia, diz que a escassez de água no país vai causar prejuízos à agricultura a ponto de extinguir 750 mil empregos e deixar sem água a capital Sana até 2025. A cidade, localizada 2.150 metros acima do nível do mar, enfrenta o esgotamento de suas reservas de água subterrâneas. A perfuração indiscriminada de poços exauriu os aquíferos, disse à agência SciDev.Net Nayef Abu-Lohom, vice-presidente do Centro de Água e Ambiente da Universidade de Sana. Antigamente era possível encontrar água a 20 metros de profundidade. Agora é preciso perfurar 200 metros. "Isso é agravado pela falta de gestão dos recursos hídricos, usados indiscriminadamente para irrigar as plantações de khat", diz Abu-Lohom, referindo-se a uma planta estimulante usada por dois terços dos iemenitas. Só em Sana, o cultivo de khat consome 60 milhões de metros cúbicos de água por ano, o dobro do consumo das pessoas. Moufeed El Halemy, do Ministério de água e Ambiente, disse que uma reforma no setor "vai reforçar a regulação sobre perfurações de poços e a eficiência na irrigação do khat, entre outras medidas".
ACESSO ABERTO NA EUROPA Pesquisas científicas financiadas pela União Europeia foram disponibilizadas na plataforma de acesso aberto OpenAIRE ( Open Access Infrastructure for Research in Europe) . Lançada na Universidade de Gent, Bélgica, reúne uma rede de repositórios que compartilha documentos e artigos nas áreas de saúde, energia, ambiente, tecnologias da informação e das comunicações, entre outras. "A informação
científica tem a capacidade de melhorar as nossas vidas. E os cidadãos europeus têm o direito de acesso ao conhecimento produzido com recurso de fundos públicos", disse ao jornal O Público Neelie Kroes, vice-presidente da Comissão Europeia e responsável pela Agenda Digital, que coordena a iniciativa. A OpenAIRE conta com uma rede de especialistas e um portal de ferramentas para ajudar os pesquisadores a divulgar on-line seus estudos. A OpenAIRE está disponível no sítio www.openaire.eu.
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DIRIGENTES NOMEADOS
O então governador de São Paulo, Alberto Goldman, nomeou no final de 2010 Eduardo Moacyr Krieger como vice-presidente da FAPESP e reconduziu Ricardo Renzo Brentani para um novo mandato de três anos como diretor·presidente do Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da Fundação. Krieger é professor emérito da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Programa de Cardiologia Translacional do Instituto do Coração (InCor). Desde agosto de 2007 é conselheiro da FAPESP. Formado em medicina pela
Faculdade de Medicina de Porto Alegre, Krieger foi presidente da Academia Brasileira de Ciências, da Inter-American Society of Hypertension, da Sociedade Brasileira de Hipertensão, da Sociedade Brasileira de Fisiologia e da Federação das Sociedades de Biologia Experimental. Entre os prêmios e condecorações que recebeu estão a Ordem Nacional do Mérito Científico (Grã-Cruz), a TWAS Medal Lectures e o Prêmio Almirante Álvaro Alberto. Ricardo Brentani é professor titular da Faculdade de Medicina da USP, diretor-presidente do Hospital do Câncer A.C. Camargo e coordenador do Centro Antonio Prudente para Pesquisa e Tratamento do Câncer, um dos Centros
Um livro recém-lançado pela FAPESP reúne informações sobre 953 projetas apoiados pelo programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. Criada pela Fundação em 1995, a iniciativa busca formar novas lideranças científicas. Oferece oportunidade de trabalho a doutores talentosos com propostas cientificamente sólidas, das quais se possa esperar a criação de novos núcleos de pesquisadores em instituições que ainda não têm tradição em pesquisa ou a criação de novas linhas de pesquisa em instituições consolidadas. Os projetas abordados no livro, intitulado Investindo no futuro: o programa Jovens Pesquisadores, abrangem diferentes áreas do conhecimento: Ciências Agrárias e Veterinárias (com 88 resumos de pesquisas), Ciências Biológicas (207), Ciências Exatas (261), Ciências Humanas (79), Engenharias (151) e Saúde (167). O último capítulo traz uma seleção de reportagens sobre os projetas publicadas em Pesquisa FAPESP. O programa foi o primeiro no Brasil a permitir que pesquisadores em início de carreira pudessem solicitar apoio para desenvolver seus estudos sem que fosse exigido um vínculo empregatício com uma instituição. Para pesquisadores já vinculados a instituições, o apoio é concedido na modalidade auxílio à pesquisa. Àqueles sem vínculo, adiciona-se a concessão de bolsa. O programa permite também o investimento na infraestrutura de pesquisa dos centros, que, como contrapartida, devem comprometer-se com as metas do pesquisador. O livro está disponível no endereço: www.fapesp.br/ publicacoes/jp2010.pdf.
de Pesquisa, Inovação e Difusão da FAPESP. Foi diretor do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. Como pesquisador, atua principalmente com estudos relacionados ao papel do n ucléolo no processamento de mRNA, à caracterização de mRNAs de colágenos e
à adesão celular e metástase. Entre os prêmios e condecorações que recebeu estão a Ordem Nacional do Mérito Científico (Grã-Cruz), o Prêmio Costa Junior, da Academia Nacional de Medicina, e o Prêmio Ciência e Cultura da Fundação Conrado Wessel.
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RIQUEZA DIGITAL A biblioteca eletrônica SciELO lançou um sítio na internet que disponibiliza em acesso livre milhares de obras, artigos, mapas e documentos históricos sobre a biodiversidade brasileira. O Portal BHL ScieLO conta até o momento com cerca de 110 mil registras digitalizados e integrará a rede global The Biodiversity Heritage Library (BHL), consórcio que reúne museus de história natural e bibliotecas de botânica no mundo, como a Academy of Natural Sciences e o American Museum of Natural History, nos Estados Unidos, e o Natural History Museum, na Inglaterra. "A rede mundial já conta com cerca de 130 mil obras e mais 32 milhões de páginas digitalizadas", disse Abel Packer, coordenador operacional do programa SciELO, manregistras sobre tido pela FAPESP em convênio com o Centro biodiversidade Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme). O projeto conta com a participação do programa Biota-FAPESP, da Cbers-3, programado Biblioteca Virtual do Centro de Documentação e Informação para entrar em órbita no da FAPESP e do Ministério do Meio Ambiente, entre outros. final deste ano. A iniciativa O endereço da biblioteca é biodiversidade.scielo.br. de proporcionar a países
IMAGENS
I COMPARTILHADAS O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) celebrou em Johannesburgo memorando de
entendimento com a Agência Espacial Sul-Africana (Sansa, na sigla em inglês), que permitirá a recepção na África do Sul das imagens do satélite sino-brasileiro
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em desenvolvimento o uso de dados do satélite começou a tomar forma em 2007, quando Brasil e China, parceiros no desenvolvimento do satélite, lanç~ram o programa Cbers for Africa. Desde então o Inpe tem firmado cooperações para instalar infraestrutura de recepção de dados em todo o continente africano. O memorando é destinado à recepção e distribuição na África do Sul, mas também beneficiará Angola, Botsuana, Lesoto, Moçambique, Suazilândia, Namíbia, Zâmbia e Zimbábue. O satélite fornecerá dados de desmatamento, de áreas agrícolas e sobre o crescimento de áreas urbanas, apenas para citar alguns exemplos.
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IINVESTIMENTO EM SOROCABA O governo do estado de São Paulo assinou convênio com a prefeitura da cidade de Sorocaba para investir na construção das instalações do parque tecnológico do município. O acordo prevê a liberação de R$ 6 milhões para erguer um edifício de dois pavimentos que abrigará uma incubadora de empresas de base tecnológica e o centro administrativo. O Parque Tecnológico de Sorocaba será implantado em uma área de 814 mil metros quadrados e terá vocação para pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos inovadores nas áreas de eletro-metal-mecânica, automotiva, energias alternativas, tecnologia da informação e comunicação (TIC) e farmácia. A Toyota, empresa âncora do empreendimento, iniciou
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em 2010 a construção de sua terceira fábrica no país, em uma área de 400 mil metros quadrados, localizada ao lado do parque tecnológico, e deve impulsionar pesquisas no setor automotivo. O projeto prevê ainda a construção de laboratórios de pesquisa e desenvolvimento e ambientes para eventos, entre outros.
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OS VE~CEDORES DO PREMIO FCW
A Fundação Conrado Wessel (FCW) divulgou os vencedores do Prêmio FCW de Ciência e Cultura 201 O. O ganhador na categoria Ciência foi Jairton Dupont, professor associado do Departamento de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele desenvolve projetos de pesquisa em catálise e publicou mais de 160 artigos em periódicos internacionais. Em Medicina, a escolhida foi Angelita Habr-Gama, professora titular de cirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É presidente da International Society of University Colon and Rectal Surgeons (2008-2010) e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva. Foi indicada pela Organização Mundial de Gastroenterologia como coordenadora no Brasil do Programa de Prevenção do Câncer Colorretal. Fundou e preside a Associação Brasileira de Prevenção do Câncer de Intestino. O cineasta Nelson Pereira dos Santos ganhou em Cultura. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi um dos precursores do Cinema
RECONHECIMENTO EM CANCÚN A jornalista Maria Guimarães, responsável pela edição de Pesquisa FAPESP Online, ganhou o primeiro lugar do Prêmio de Reportagem sobre Biodiversidade da Conservação Internacional, entregue em Cancún, no México. A premiação foi um reconhecimento pelo trabalho jornalístico sobre meio ambiente. O segundo lugar foi para a jornalista boliviana Mi riam Jemio. Maria já havia ganhado o primeiro e o segundo lugares na categoria jornalismo impresso da 10a edição do Prêmio de Reportagem sobre a biodiversidade da Mata Atlântica, promovido pela Aliança para a Conservação da Mata Atlântica. Na ocasião, as reportagens premiadas foram "As jardineiras fiéis" (publicada em julho de 2009) e "O futuro da natureza e da agricultura" (outubro de 2009). Em Cancún, o texto "As jardineiras fiéis" foi escolhido como o melhor trabalho entre os laureados da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Madagascar. "O trabalho dos jornalistas premiados é particularmente importante em razão da riqueza da biodiversidade de seus países", disse Fred Boltz, da Conservação Internacional.
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Troféu: escultura do artista Vlavianos
Novo. Todos receberão R$ 300 mil e um troféu feito pelo artista plástico Vlavianos em cerimônia na Sala São Paulo, na capital paulista, em junho próximo.
ESALQ TEM NOVO DIRETOR
José Vicente Caixeta• Filho, 48 anos, é o novo diretor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). Professor titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (LES), ele foi escolhido pelo reitor da USP, João Grandino Rodas, após ter obtido 101 votos durante a eleição que compôs a lista tríplice de candidatos. Engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da USP, Caixeta é mestre em economia pela Universidade New England, da Austrália,
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doutor em engenharia de transportes pela Politécnica da USP e livre-docente pela Esalq. Foi professor-visitante da Christian-AlbrechtsUniversitat zu Kiel (Alemanha), entre 1993 e 1994. Para Caixeta, a preferência pelo seu nome demonstra que a Esalq, que hoje tem 22 tipos distintos de formação profissional entre seus professores, passa por uma transformação ao escolher um engenheiro civil para assumir o cargo de diretor. Ele atua no LES desde 1989, onde é responsável por disciplinas das áreas de "Transporte e logística" e de "Pesquisa operacional". Dirigiu o Centro de Informática do Campus Luiz de Queiroz (Ciagri), entre 1989 e 1993, e coordenou o programa de pós-graduação em economia aplicada da Esalq, entre 1995 e 1998 e entre 2008 e 2009. É também coordenador do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial (Esalq-Log).
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 27
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Multas acirram divergências entre pesquisadores e autoridades ambientais sobre lei antibiopirataria FABRÍCIO MARQUES FoTos EDUARDO CESAR
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ano de 2011 promete um novo round no estranhamento entre cientistas e ambientalistas causado pela rigidez da legislação sobre biopirataria que, criada para evitar o desvio das riquezas da biodiversidade brasileira, vem trazendo sérios problemas para várias linhas de pesquisa no país. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) definiu uma nova estratégia para avaliar pedidos de licença de pesquisadores interessados em coletar e estudar espécies. De um lado, promete diminuir as exigências burocráticas- permitindo que licenças mais amplas sejam concedidas e que vários órgãos além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como a Anvisa e o Ministério da Agricultura, possam oferecê-las. A má notícia é que o MMA também ensaia uma ofensiva contra infratores- e os pesquisadores que, nos últimos tempos, levaram adiante seus estudos sem seguir a legislação à risca têm motivos para se preocupar. "Até agora punimos quem descumpriu a legislação mas havia nos procurado para regularizar sua situação. Daqui por diante vamos atrás de quem não se deu ao trabalho de pedir licenças e as penas serão muito mais severas", avisa Braulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA. A disposição do MMA deverá atiçar a percepção de vulnerabilidade dos pesquisadores, que se torna mais aguda sempre que é anunciada alguma nova punição- a última delas ocorreu em novembro com a autuação, em R$ 21 milhões, da empresa de cosméticos Matura por uso da biodiversidade sem autorização. "Com a multa da Natura, a comunidade acadêmica de pesquisa com acesso ao patrimônio genético ficou extremamente apreensiva. Se a Natura, que é uma empresa, e teria tudo a perder por cometer uma infração judicial, foi autuada, imaginem os pesquisadores", diz Roberto Berlinck, professor do Instituto de Química de São Carlos da USP. Berlinck acompanha os efeitos da legislação desde que ela foi criada, como medida provisória, em junho de 2000, e estabeleceu regras de acesso ao patrimônio genético existente no país, ao conhecimento tradicional associado a ele e à repartição dos benefícios resultantes de sua exploração. Logo após a publicação da MP, 10 anos atrás, Berlinck entrou com um pedido de autorização de coleta em diferentes locais. "Minha solicitação levou sete anos para ser atendida. Claro que é necessário haver uma legislação que combata a biopirataria, mas ela não pode ser um obstáculo para o trabalho dos cientistas", diz ele, que, no entanto, vem observando melhoras nos últimos tempos. O principal avanço foi a possibilidade de os pesquisadores pedirem a licença não somente ao Ibama, mas atualmente também
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ao CNPq, vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. "Agora a licença sai rapidamente, mas só permite que se façam coletas para estudos básicos. Se houver alguma possibilidade de aplicação comercial, o pedido tem uma tramitação muito mais detalhada e longa, uma vez que inclui a possibilidade de se solicitar patentes", afirma Berlinck. Ciclo de vida - No caso da Natura, a punição ocorreu porque a empresa não quis esperar os trâmites demorados do MMA. Pela regra atual, qualquer acesso a espécies da fauna e da flora brasileiras para pesquisa depende de uma autorização prévia do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), colegiado vinculado ao MMA e criado também por uma medida provisória, essa de agosto de 2001. Para um produto ser colocado no mercado, é necessária a permissão do chamado provedor (seja o governo ou uma comunidade tradicional ou indígena) e um contrato de repartição de benefícios, que é a compensação econômica do detentor da biodiversidade. A Natura diz que 100% de seus produtos têm repartição de benefícios, mas reclama que não pode esperar dois anos por uma autorização de pesquisa do CGEN. "Dois anos é o ciclo de vida de um produto no mercado", disse Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos e relações governamentais da Natura. "A empresa foi pioneira no Brasil em acordos de repartição de benefícios com comunidades tradicionais. Também possui a maioria dos pedidos de autorização de acesso à biodiversidade no Brasil, sendo responsável por 68% das solicitações ao órgão regulador", afirma. Pesquisadores também receberam autuações por descumprirem a legislação enquanto tentavam levar adiante seus estudos. Em 2006, o professor Massuo Kato, do Instituto de Química da USP, foi abordado por fiscais do Ibama no Aeroporto de Belém e não pôde embarcar para São Paulo, por transportar partes aéreas secas (folhas e ramos finos) de espécimes de Pipere Peperomia, coletadas na Floresta Nacional de Caxiuanã. O material havia sido coletado legalmente por uma botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi e se imaginou que a licença para coletá-lo permitia também o seu transporte. Ka30 • JANEIRO DE 2011 • PESQU ISA FAPESP 179
Se houver alguma possibilidade de aplicação comercial, o pedido de licença tem uma tramitação mais longa e demorada
to prepara-se para pedir novas licenças e está fazendo de tudo para seguir a legislação à risca. "Estamos tentando interpretar corretamente as normas para que nossas solicitações de licença para coletas sejam enviadas ao CNPq e ao Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, o Sisbio", diz. "De uma forma geral, o processo foi simplificado e, para várias atividades que envolvem somente pesquisas básicas, não há necessidade sequer de licenças", afirma. "Por outro lado, até hoje o Sis-
bio ainda não conseguiu regularizar o recebimento de relatórios de licenças concedidas e com vencimento expirado", complementa. A exigência de várias licenças e a demora em obtê-las tornam inviáveis a pesquisa, diz a professora Maria Fatima das Graças Fernandes da SiJva, do Laboratório de Produtos Naturais da Universidade Federal de São Carlos. Ela cita um estudo de que vem participando para combater pragas de madeiras nobres, como cedro e mogno, no norte do país. "Introduziu-se o mogno-africano, que é resistente a um inseto que ataca o mogno da região, mas ele agora vem sendo atacado por um fungo. Precisávamos trazer para São Paulo o material doente e o fungo, mas isso no aeroporto não passa", exemplifica. A falta de uma licença do Ibama para transportar o material é o problema. "Os funcionários do Ibama são sempre atenciosos, mas há um problema burocrático que parece insolúvel. Temos lutado contra isso na Sociedade Brasileira de Química (SBQ) há um bom tempo. Já mandamos cartas, votamos moções em congressos, mas pouca coisa mudou. A licença do CNPq facilitou um pouco, mas há sempre questionamentos e nem sempre é possível deslocar-se com vegetal e inseto de uma região para outra", afirma. O medo da punição é um detalhe secundário quando se avalia o prejuízo
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que a legislação vem impondo à pesquisa sobre a biodiversidade no país. Vanderlan Bolzani, professora do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), chama atenção para um paradoxo: ao criar dificuldades para a pesquisa básica que se faz nas universidades e institutos de pesquisa, a legislação está impedindo que se estude em profundidade o universo micromolecular e que posteriormente se descubra se algumas substâncias da biodiversidade podem ter valor real. "A falta de conhecimento mais profundo sobre biologia, química e farmacologia de alguns ambientalistas e fiscais induz a análises simplistas sobre a biodiversidade, e a impressão que se tem é que as plantas dos biomas brasileiros são fontes milionárias- folhas representam dólares!", diz Vanderlan. "Em seu estado fundamental, a biodiversidade não tem o valor que lhe é atribuído. A natureza é uma fonte inesgotável de formas de vida, levou muitos anos de evolução, regulação, adaptação, mas não dá nada de mão beijada a ninguém. Nós é que temos que entendê-la, estudá-la em todos os aspectos para que possamos descobrir seu funcionamento e o que ela pode oferecer, ou o que podemos copiar desta riqueza", afirma a professora, que coordena o Bioprospecta, iniciativa de procura de novas moléculas da natureza que tenham interesse econômico no âmbito do programa Biota-FAPESP.
Patentes (PCT, na sigla em inglês), em que foi dado prosseguimento em fases nacionais em determinados países", diz Leopoldo Zuaneti, assessor jurídico da Agência Unesp de Inovação. "Estamos elaborando um recurso administrativo e tentando uma aproximação maior com os órgãos responsáveis pela matéria para a regularização do processo", afirma. Vanderlan Bolzani defende a existência de uma legislação ou mecanismo que proteja as riquezas naturais do país. "Não é à toa que me empenhei muito para obter licença no CGEN, seguindo todo o protocolo. Antes de cientista sou
Ao criar dificuldades para a pesquisa básica, a legislação impede que se descubra o verdadeiro valor da biodiversidade
cidadã e como tal não posso agir fora da legalidade", afirma. "Não coletamos nada desde 2005 devido a um despacho emitido pelo CGEN, não nos dando a licença que pleiteávamos ansiosos, mas nos informando de que o processo estava 'sobrestado'. É difícil de entender! A lei não se aplica? Juridicamente, não deveríamos ser multados se desde então nunca nos foi enviado qualquer documento acusando irregularidade na solicitação. Estamos formando recursos humanos na área e produzindo pesquisa que elevam o patamar científico do país nos índices internacionais, usando os extra tos de plantas coletadas na primeira fase do Biota. Fomos, aliás, um grupo pioneiro neste programa da FAPESP, hoje um modelo bem-sucedido de pesquisa organizada sobre a biodiversidade", conta. Em 2007, Vanderlan foi convidada pela American Chemical Society para ministrar conferência num congresso internacional na cidade norte-americana de Las Vegas, onde relatou os problemas de coleta enfrentados pelos pesquisadores brasileiros que atuam em produtos naturais e farmacologia. "Um dos pesquisadores que coordenavam o evento enfatizou: professora, venha coletar na América. Nós não proibimos pesquisadores de fazer ciência aqui", disse.
"Sobrestado" - Vanderlan coordenou um projeto temático financiado pela FAPESP, com 40 cientistas envolvidos, voltado para a busca e o estudo de moléculas com potencial farmacológico entre espécies do cerrado e da mata atlântica. O projeto começou em 2005 e se encerrou em 2009 sem que a pesquisadora obtivesse licença para estudar as plantas de que precisa. O processo foi "sob restado" (interrompido) porque o CGEN julgou não dispor de procedimentos internos capazes de avaliar e conceder a autorização. Ainda assim, foram aplicadas multas vultosas, na casa dos milhões de reais, devido a uma confusão. "Houve um mal-entendido. O Ibama considerou que o grupo havia enviado patrimônio genético para o exterior quando o que ocorreu, na verdade, foi um depósito de patente via Tratado de Cooperação de Matérias de PESQU ISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 31
Segundo a professora, há uma certa dificuldade do CGEN de lidar com projetas diagnosticados como "bioprospecção". "Ultimamente tenho refletido muito sobre o estresse que tem sido fazer pesquisa em química de produtos naturais e se vale a pena! Penso muito se em meu próximo projeto vou usar esse termo, que é malcompreendido e tem trazido tantos problemas. O fato de uma pesquisa vislumbrar algum potencial econômico não significa que esse potencial econômico será alcançado. Isso é imprevisível e não faz sentido bloquear qualquer pesquisa que trate da busca de modelos ou protótipos de fármacos, cosméticos, agroquímicos, suplementos alimentares'; afirma. Um caminho, diz Vanderlan, seria expandir o modelo de licença do CNPq, que ela ajudou a testar, como convidada do conselho. "Na época elogiei muito e achei que foi um enorme avanço que poderia ser ampliado para agilizar as licenças para pesquisas com potencial comercial e assegurar que, se adiante surgir uma patente, as partes interessadas tratariam de discutir a repartição de benefícios."Vanderlan enfatiza que o Brasil tem uma vocação natural para pesquisa em produtos naturais e que existe um número enorme de pesquisadores atuando sem se dar conta de que está ilegal. "Muita gente continua a fazer pesquisa sem perceber que está vulnerável'; afirma a professora. "No Ano Internacional da Biodiversidade, durante a Conferência das Partes, ocorrida em Nagoya, o mundo comemorou avanços substanciais, incluindo a comitiva brasileira, tida como forte negociadora do acordo. Enquanto Nagoya era exemplo de avanço político, a avalanche de multas emitidas pelo Ibama para empresas nacionais que geram emprego e riqueza e para instituições públicas que desenvolvem pesquisa de alto nível, e com verba pública, não dá motivo para comemorar", diz. Coleção -A Extracta Moléculas Naturais, empresa especializada em exploração da biodiversidade sediada no Rio de Janeiro, também se ressente da burocracia. Em 2004, a empresa obteve do CGEN uma licença para constituir uma coleção de extra tos com finalidades comerciais, que vem sendo renovada a cada dois anos. Na prática, essa coleção já estava pronta, pois a empresa começou a criá-la em 1999, antes das medidas pro32 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
visórias. A licença obtida, contudo, não permite que a extratoteca, hoje com 30 mil substâncias potencialmente ativas, possa ser utilizada pela própria Extracta para pesquisar e desenvolver produtos. "A regulação vigente exige que cada projeto seja registrado no CGEN e isso é um processo de pelo menos ll meses, antes que se possa iniciar a bioprospecção do banco", afirma Antonio Paes de Carvalho, presidente da empresa e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Enquanto isso, a Extracta obteve apoio da Finep e da Faperj para dois projetas de inovação, com potencial de realização econômica e parcerias industriais. Ambos os projetas foram registrados no CGEN. Recentemente fomos informados de que devem seguir o ritual de ll meses. Deve haver algum problema de informação, pois seguir a instrução ao pé da letra seria um malefício para a possibilidade de utilizar nossa biodiversidade na inovação de fármacos no Brasil", diz Carvalho.
Bois de piranha -Em 1999, a Extracta celebrou um contrato com a multinacional farmacêutica GlaxoSmithKline, prevendo atividades de coleta para formação da extratoteca, transferência de tecnologia, investimentos na infraestrutura de triagem robótica de alta velocidade, além de bioprospecção da coleção para isolar pelo menos lO moléculas capazes de atingir alvos de interesse da pesquisa em saúde humana. "Na época, foi o maior contrato de terceirização tecnológica de uma grande empresa farmacêutica no hemisfério Sul e chegou a ser noticiado na revista Nature. E tudo foi feito respeitando a Convenção da Diversidade Biológica de 1992", lembra Carvalho. Com as medidas provisórias de 2000 e 2001, o trabalho da Extracta retraiu-se e a Glaxo optou por não renovar o contrato. "O marco regulatório gerou uma fuga do empresariado internacional da arena da bioprospecção e do aproveitamento de nossa biodiversidade", diz.
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Ogoverno quer incentivar as autorizações especiais, extensivas a todos os pesquisadores de uma instituição
Braulio Dias, o secretário de Biodiversidade e Florestas, afirma que a legislação veio para ficar. "Quem apostar que voltaremos à situação anterior sairá perdendo", ele diz. "O mundo muda, a sociedade é dinâmica e as expectativas da sociedade se refletem no marco legal. Há 100 anos, por exemplo, não havia pedidos de patente no Brasil. Qualquer um se apropriava do conhecimento gerado pelos outros. E havia quem achasse que isso era bom. A patente surgiu como um incentivo para a empresa ter garantias e houve a necessidade de se adequar à nova realidade." Segundo ele, a questão de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios é parecida. "A Constituição reconhece os direitos indígenas, dos quilombolas. E a Convenção da Diversidade Biológica apontou a necessidade de assegurar repartição de benefícios. Respeitar esses direitos é importante do ponto de vista ético e ambiental. Se não valorizar a floresta, ela não vai permanecer de pé", afirma.
O secretário admite, porém, a procedência de críticas dos pesquisadores e diz que será feita uma revisão dos procedimentos internos do CGEN para agili· zar a concessão de licenças. "Na fase inicial, as autorizações para uso comercial eram mais demoradas. Tivemos uma curva de aprendizado e, na verdade, ainda não saímos dessa curva. Os primeiros pedidos sofreram mais, foram bois de piranha", afirma. Uma das frentes que o ministério pretende atuar é o da concessão de autorizações especiais, extensivas a todos os pesquisadores de uma instituição. "Hoje esse tipo de autorização já é possível e a intenção é aperfeiçoar e desburocratizar a avaliação", diz Dias. O secretário também concorda com uma crítica contumaz à legislação, que é de exercer controle e estabelecer penas, mas não criar instrumentos de incentivo à pesquisa. "Temos de ampliar os esforços de pesquisa. O governo começou a fazer isso, ao lançar programas como o PPBio e o Sisbiota, mas não é
suficiente", diz. O secretário referiu-se ao Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), criado pelo MCT para dar suporte a coleções e a inventários biológicos e financiar projetas em manejo sustentável da biodiversidade e bioprospecção, e ao Sistema Nacional de Pesquisa em Biodiversidade (Sisbiota), rede de pesquisa com a finalidade de aumentar o conhecimento sobre a biodiversidade, lançado com recursos do governo federal e de 18 fundações estaduais de amparo à pesquisa, entre as quais a FAPESP. ''A ação do Ibama é um paradoxo. É o governo autuando o governo. Sem tornar o sistema de registro eficiente, as ambições do PPBio e do Sisbiota poderão ficar comprometidas", diz Vanderlan Bolzani. Marco definitivo -Ainda que a legislação tenha vindo para ficar, Braulio Dias afirma que ela precisa ser aperfeiçoada. "Medida provisória é legislação de urgência. É preciso votar um marco definitivo", afirma. Essa tarefa não será fácil nem mesmo dentro do governo federal. Em 1995, a senadora Marina Silva apresentou um primeiro projeto de lei sobre recursos genéticos e o Congresso iniciou um debate sobre o assunto. A discussão acabou atropelada pela edição das medidas provisórias de 2000 e 2001, mas em 2004 o CGEN encaminhou à Presidência da República um anteprojeto para regular o assunto. As divergências entre o Ministério do Meio Ambiente e as pastas da Ciência e Tecnologia, Agricultura, Defesa e Relações Exteriores levaram o projeto à gaveta. Para Braulio Dias, a aprovação do Protocolo de Nagoya (ver Pesquisa FAPESP no 178) traz boas perspectivas para a mudança da legislação brasileira. "Não será necessário tanto controle para ver se o material saiu ilegalmente do Brasil, pois os países que receberem esse material terão legislações restritivas também", afirma. Os pesquisadores preferem não esperar, pois serão necessários ao menos dois anos para que o acordo de Nagoya comece a vigorar. "É necessária uma grande mobilização de pesquisadores, instituições de ensino e pesquisa e agências de fomento para discutirmos com o CGEN uma mudança radical na legislação", afirma Carlos Joly, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do programa Biota-FAPESP. •
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urante a tarde da sexta-feira dia 10 de dezembro em Cancún, no México, a atmosfera era de desânimo. Último dia da 16 3 Conferência das Partes sobre mudanças do clima, a COP16, tudo levava a crer que não seria possível um acordo, sobretudo devido à resistência da Bolívia e da Venezuela. O jogo começou a virar às 18 horas, quando a chanceler mexicana Patricia Espinosa, presidente da conferência, apresentou os documentos elaborados sobre o Protocolo de Kyoto e as ações de cooperação de longo prazo (LCA) e não permitiu discussões na plenária do prédio Azteca, sede de parte das reuniões. Ao adiar a sessão por duas horas para que o trabalho se desse em grupos menores, foi aplaudida por vários minutos pela maior parte dos delegados dos cerca de 190 países presentes. Um ano antes, na COP-15 em Copenhague, foi nesse momento que a conferência desmoronou em discordâncias incendiadas. "Nos 11 anos em que venho participando das negociações ligadas ao clima, nunca tinha visto um apoio em massa como a mexicana teve", diz a estatística Thelma Krug, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Foi o sinal para uma mudança de ânimos e para um esforço final de trabalho no texto que seria aprovado- ainda sem o aval da Bolívia- cerca de 1O horas depois. Pouco antes da chegada da mexicana, Thelma, como parte da equipe técnica da delegação brasileira, se preocupava com discordâncias de alguns países sobre as
propostas em relação às emissões decorrentes de queimadas de florestas e mudanças no uso da terra. "Depois de Copenhague, em que não se conseguiu um acordo, precisávamos sair de Cancún com algum resultado", comentou depois da conferência. O texto aprovado, mesmo que ainda distante dos anseios gerais, é fonte de alívio. "Saí confiante de que o processo está vivo." Consciente de que é melhor construir resultados ao longo do tempo, a pesquisadora do Inpe comemora a aprovação do texto sobre Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação, o REDD+, que destina fundos para que países compensem emissões com projetos de redução de desmatamento. O processo da conferência é comparável ao futebol, diz Paulo Gustavo Prado, diretor de Política Ambiental da organização não governamental (ONG) Conservação Internacional (CI) do Brasil, integrante técnico da delegação brasileira na COP. " É como uma final de campeonato cujo placar se mantém em 2 a 2 até os 45 minutos do segundo tempo", compara. "Nas últimas oito horas de uma conferência, que correspondem aos pênaltis, é que a vontade política fala mais alto, abandonando diferenças menores." A delegação boliviana protestou até o final, mas num desfecho coerente com a transparência e firmeza com que conduziu as duas semanas de reunião, Patricia Espinosa declarou que um único país não deveria impedir avanços, mesmo que modestos. Na falta do apoio de outros países, a bola afinal entrou: gol para o combate às mudanças do clima por meio do REDD+. Um dos avanços importantes é o estabelecimento
do Fundo Verde, que contará, até 2020, com US$ 100 bilhões anuais para financiar projetos de redução de emissões, adaptação e transferência de tecnologia com o objetivo de ajudar os países menos desenvolvidos a se adaptarem às já inevitáveis mudanças do clima. Ainda não está definido quanto cada país desenvolvido contribuirá nem quais serão contemplados. Para Paulo Prado, o Brasil está numa posição privilegiada, uma vez que pode (e deve) avançar no processo de redução do desmatamento e das emissões decorrentes da mudança do uso da terra. "Temos a capacidade científica e condições de orçamento interno." Prado acredita que o Brasil está bem encaminhado na direção correta, já que as metas assumidas pelo governo- reduzir, até 2020, o desmatamento da Amazônia em 80% e do cerrado em 40%- devem ser atingidas quatro anos antes do esperado, de acordo com previsões do Ministério da Ciência e Tecnologia. É um ponto importante, afinal entre 1990 e 2005 61% das emissões de carbono do Brasil se deveram a desmatamento de floresta tropical. O especialista da CI afirma que o país tem boas condições para trabalhar nos três pilares do acordo- mitigação, adaptação e redução de emissões - controlando emissões enquanto promove um crescimento apoiado em bases sustentáveis. 36 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA F"APESP 179
Recuperação de confiança no processo multilateral é a grande conquista da conferência de Cancún
Ambientalismo lucrativo- "Não se trata de amor cego pela natureza", afirma Prado deixando o romantismo de lado. ''A mitigação e a adaptação em relação ao clima envolvem forte interesse social e econômico." E haverá lucros e oportunidades na transferência de tecnologia para os planos de adequação dos países com economias emergentes. Essa transferência de fundos já acontece, mas não o suficiente, como afirmou o presidente da Guiana, Bharrat Jagdeo, em evento sobre REDD+ paralelo à COP-16. Seu país tomou a dianteira numa economia
baseada em valorizar a floresta, mesmo que signifique um crescimento econômico mais lento. Mas a estratégia só pode funcionar se o financiamento se tornar mais eficiente. "Mostramos que atingimos nossas metas, mas isso não significa que receberemos os fundos", protestou. Países que não têm a riqueza de florestas também podem entrar no processo se concentrando em desenvolver novas fontes de energia, segundo o meteorologista kuwaitiano Essa Ramadan, pesquisador do Instituto de Meteorologia do Kuwait e integrante técnico da delegação de seu país. "É preciso que nos tornemos verdes", afirma o pesquisador. É possível, acredita, desde que os políticos e os homens de negócios ouçam o que a ciência tem a oferecer. Esse tipo de visão não é problema nem mesmo para um país cuja economia se baseia no petróleo. "Há muitas coisas para se fazer com petróleo além de queimá-lo", lembra Ramadan. Ele defende que se invista em usos alternativos, além de mudar a matriz energética para solar e eólica. No Kuwait, assim como em muitos outros países, as mudanças do clima já se fazem sentir. O meteorologista informa que, até os anos 1980, o ressequido país recebia em média 125 milímetros anuais de chuva. Depois disso os índices foram caindo e hoje a média está em 115 milímetros por ano. Uma mudança perigosa para uma região de água já tão escassa. "No inverno chegamos a zero grau Celsius (°C), mas no verão muitas vezes a temperatura vai aos 49°C", conta. "Em 2010 tivemos uma sequência de quase um mês com essa temperatura." Com isso aumenta a incidência de tempestades de pó que chegam a altitudes e distâncias suficientes para danificar aviões em voo sobre a Europa, e os problemas de saúde se multiplicam. "É difícil fazer projeções de mudanças no clima, são muitos os fatores envolvidos", comentou, no ônibus para o centro da conferência, depois de traçar com o dedo, sobre a tela de um iPad, uma série de curvas fictícias de emissões de gás carbônico até o ano 2050. Conforme a projeção ali improvisada, o programa lhe dava quantos graus o mundo estará mais quente, em média. Segundo o aplicativo que se prestava a testar, o resultado era quase sempre mais de 2°C, o máximo
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almejado por quem teme as consequências do aquecimento, a não ser que fosse bem ousado nas reduções. "É pouco realista", lamentou. Na busca por reduzir emissões, já em Copenhagen fico u definido que os países deveriam produzir inventários de quanto lançam na atmosfera. A ideia fico u reforçada agora, mas de acordo com Thelma Krug, que colabora com a produção do relatório brasileiro junto com uma equipe do Ministério da Ciência e Tecnologia, ainda não está claro quem vai pagar pela sua elaboração nos países em desenvolvimento. Agora se busca reduzir o prazo para a produção de inventários, talvez a cada dois anos. O Brasil entregou em Cancún o documento sobre emissões entre 1994 e 2002, com estimativas até 2005. Segundo a pesquisadora do Inpe, em breve o país será capaz de gerar informações mais detalhadas, com base em dados do Inpe, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras
México e ONU: anfitriões da COP-16
instituições. "O Brasil está assumindo de forma doméstica um compromisso maior do que o exigido e faz avaliações mais rigorosas até do que muitos países desenvolvidos", afirma. Vitória apertada - Mas a regulamentação internacional avança devagar. O acordo obtido na madrugada do dia 11 de dezembro foi fraco no que toca à limitação de emissões, avalia o diplomata Sergio Serra, até dezembro embaixador extraordinário para a mudança do clima. "Isso já se sabia, agora não há condições para metas mais ambiciosas, como as preconizadas pelo IPCC, devido ao momento político nos Estados Unidos e à crise econômica na Europa", afirma o diplomata cujo crachá pendia, em Cancún, de um cordão que dizia "Kyoto: just do it", e que media o quanto andava pela conferência com ajuda de um aparelhinho preso ao cinto, parte de uma campanha da ONG Greenpeace que preconiza que se caminhe mais e se fale menos. Ele prevê ainda que um acordo assim ainda não está no horizonte próximo, visto que 2011 é ano pré-eleitoral nos Estados Unidos e sem a sua adesão outras gran-
des potências continuarão hesitando em assumir grandes compromissos. "Falar de mudança do clima, lá, é como falar de aborto ou de maconha, há muitos interesses em jogo." Avançou-se, portanto, o quanto era possível dentro da conjuntura internacional. Mesmo assim, para o embaixador a saída está no contexto da Organização das Nações Unidas, a ONU. Por isso, a recuperação da confiança no processo multilateral, desacreditado em Copenhague, é justamente, para ele, a grande conquista da COP-16. Neste ano devem acontecer pelo menos três grandes reuniões em preparação para a COP-1 7 em Durban, na África do Sul. Para o climatologista do Inpe Carlos Nobre, coordenador do Programa FAPESP sobre Mudanças Climáticas Globais, ainda não é hora de comemorar. Ele atribui o otimismo pós-Cancún à baixa expectativa que havia em relação aos resultados da conferência. "Mas uma somatória de microprogressos não equivale necessariamente a um macroprogresso", alerta. Para ele, avanços incrementais não são suficientes para se evitar as consequências das mudanças climáticas. " É necessária uma mudança paradigmática, que só pode ser atingida por um grande acordo global", afirma. O estabelecimento do Fundo Verde é um avanço, mas não além do que se esperava. É preciso também mudar com urgência a matriz energética e entrar para valer • na economia de baixo carbono. Até 2020, US$ 100 bilhões podem estar longe de ser suficientes. "O Fundo Verde é uma proporção da nossa inação; se não houver mitigação, os custos se tornarão proibitivas na escala mundial", diz Nobre. E mesmo que metas sejam cumpridas, em 2020 o mundo terá um enorme excesso de emissões em relação ao que seria necessário, idealmente abaixo dos níveis de 1990. Ele alerta que o clima muda mais depressa do que as negociações, mas concorda com Sergio Serra num ponto: avanços reais só podem vir de um grande acordo multilateral. Vale lembrar que o jogo só termina no apito final. •
viajou para Cancún a convite da Conservação Internacional (mais informações na página 27).
(*) MARIA GuiMARÃES
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[ INTERNACIONALIZAÇÃO ]
Interesse em diversidade
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Grupo da Unesp em Rio Claro é referência para biólogos estrangeiros
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laboratório do zoólogo Célio Fernando Baptista Haddad, professor do Instituto de Biociências de Rio Claro da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), tornou-se referência para pesquisadores de várias nacionalidades interessados em participar de estudos sobre a biodiversidade brasileira. Nos últimos tempos, ele recebeu estudantes e pesquisadores dos Estados Unidos, Alemanha, Argentina e Portugal, apenas para citar alguns exemplos. "Minha rede de colabo~adores internacionais começou a crescer depois que passei um período sabático na Universidade da Califórnia, Berkeley, em 1997", diz Haddad, que é membro da coordenação do Programa Biota-FAPESP. "O Brasil, como país megadiverso, é uma plataforma de pesquisa importante. E meu grupo foi se tornando um interlocutor de vários pesquisadores estrangeiros. Eu praticamente não tenho tido trabalho de procurá-los, pois muita gente me procura", afirma. A trajetória acadêmica de Haddad credenciou-o a fazer as parcerias. O foco principal de sua pesquisa são os anuros, ordem de animais que inclui sapos, rãs e pererecas, cuja taxonomia e comportamento serviram de mote para uma extensa produção acadêmica, que já reúne mais de 100 trabalhos em revistas indexadas, com 1.675 citações associadas. Sua coleção científica, a terceira maior do Brasil, tem cerca de 30 mil exemplares e 700 espécies de anfíbios. Ele próprio já descreveu mais de 30 espécies de sapos, rãs e pererecas, mais do que as que existem no Canadá.
Esta série da pf
Esta é a quinta reportaQem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo
A mata atlântica abriga grande abundância de anuros, com os mais diversos tamanhos, cores e vozes. Essa diversidade envolve dezenas de estratégias reprodutivas, ciclos de vida, composições químicas e estados de conservação. Para estudar essa imensidão, Haddad trabalha com estudantes e colaboradores, que em conjunto buscam desvendar a riqueza natural da floresta brasileira- o pesquisador e sua equipe produziram um CD com amostras do canto de 70 espécies de sapos, rãs e pererecas da mata atlântica. Em 2006, Haddad participou de uma iniciativa internacional que mudou a classificação dos anfíbios: o Amphibian tree oflife, publicado em 2006 no boletim do Museu Americano de História Natural. "Havia outro grupo, apoiado pelo NSF americano, que tinha sido contratado para fazer esse trabalho, mas nós publicamos na frente, com apoio da Nasa" diz Haddad. Até recentemente, Célio Haddad abrigava em seu laboratório dois pesquisadores estrangeiros que obtiveram auxílios no programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes da FAPESP: o argentino Julian Faivovich e o português João Alexandrino. Ambos permaneceram em Rio Claro por cerca de quatro anos, seguem vinculados ao programa de pós-graduação da Unesp orientando estudantes, mas trabalham em outras instituições. Alexandrino passou num concurso e se tornou professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), campus de Diadema, enquanto Faivovich retornou à Argentina, como pesquisador do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino
Rivadavia. "O programa Jovens Pesquisadores é muito importante, pois ampliou nossa capacidade de atrair talentos de fora", diz Haddad. Lançado em 1995, o programa busca estimular a independência e o amadurecimento de doutores, naquela fase da carreira em que se enfrentam percalços como a falta de vínculo empregatício e as dificuldades materiais para liderar projetas robustos. Nesse programa, um recém-doutor com currículo excelente e capacidade demonstrada para criar um novo grupo de pesquisa num centro emergente pode receber auxílio de valor significativo para seu projeto e, caso não tenha vínculo empregatício com a instituição na qual desenvolve suas atividades, também uma bolsa com duração máxima de quatro anos, além de uma soma anual destinada ao financiamento de viagens para participação em eventos e atividades de intercâmbio com centros no exterior. Filogeografia- Entre 2001 e 2004, João Alexandrino fizera um estágio de pós-doutoramento na Universidade da Califórnia, Berkeley. "Na Califórnia, me sugeriram que viesse para o Brasil, onde poderia desenvolver um trabalho original, e que procurasse o Célio Haddad", diz Alexandrino, cuja especialidade é a filogeografia, o estudo geográfico da diversidade genética, que permite inferir a história das populações no tempo e no espaço. "Havia, na época, poucos trabalhos usando ferramentas moleculares em estudos sobre a diversificação da biodiversidade", afirma. Haddad gostou do perfil do biólogo português e viu no interesse do pesquisador a oportunidade de reforçar seu grupo nesse campo do conhecimento. Alexandrino foi para Rio Claro estudar padrões filogeográficos de seis espécies de anuros com ampla ocorrência na mata atlântica. Ele passou o primeiro ano com uma bolsa da União Europeia e obteve em 2005 o apoio da FAPESP. "Fiquei admiradíssimo com o programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. Uma das razões de ter deixado os Estados Unidos foi justamente a impossibilidade de ser responsável por um projeto. E o que me ofereceram aqui era exatamente a chance de
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Haddad trouxe um pesquisador portuquês e outro arqentino para seu qrupo qraças ao proqrama Jovens Pesquisadores em Centros Emerqentes, da FAPESP
liderar um projeto. Consegui nuclear um pequeno grupo de pesquisa que contribuiu para a formação de alunos de mestrado e de doutorado", diz. Para Alexandrino, a internacionalização da pesquisa brasileira está tomando contornos semelhantes aos que ele testemunhou em Portugal, com a integração do país à União Europeia. "O Célio é extremamente aberto a colaborações internacionais, o que ajuda o grupo' a se tornar referência", afirma.
Já Julian Faivovich é especialista em filogenética, que é o estudo das relações evolutivas entre espécies conhecidas, e trabalhava no Museu Americano de História Natural. "Conheci o Julian ainda como aluno de graduação na Argentina e me impressionou a dedicação com a qual ele desenvolvia suas pesquisas já nesta fase. Posteriormente soube do trabalho fora do comum que ele desenvolvia nos Estados Unidos como parte do seu doutorado, o qual terminou em 2005. Ele pensava em voltar para a Argentina, mas sabia do seu interesse em trabalhar no Brasil. Procurei-o e propus que viesse trabalhar comigo. Disse: venha que você vai ter recurso", diz Haddad, que o aconselhou a solicitar o auxílio ao programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. O doutoramento de Faivovich na Columbia University versou sobre a filogenia da família Hylidae, as pererecas, e de um gênero chamado Scinax, que são encontradas do México até a Argentina. "Eu aceitei o convite porque já conhecia o Célio. Tínhamos trabalhado juntos durante minha tese. E, além disso, o Brasil combinava duas circunstâncias únicas: é o país com maior diversidade da família com que mais trabalho, a Hylidae, e tinha também as pessoas que mais conhecem sua taxonomia e biologia", explica. Ele elogia o programa Jovens Pesquisadores. "É dos melhores que eu conheço e acho muito valioso que a FAPESP mantenha essa iniciativa", diz. A presença do pes-
Célio Hé colabore
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Célio Haddad: colabora ções
quisador argentino ajudou o grupo de Haddad a tornar mais robusta a pesquisa em filogenia. "Embora o Célio já tivesse muito interesse no assunto, essa linha de pesquisa não estava tão desenvolvida como outras. Agora há vários estudantes com interesse em filogenia, inclusive eu oriento com o Célio dois alunos de lá", afirma. Temporadas - A teia de colaborações criou situações curiosas. Atualmente, o laboratório de Célio Haddad está recebendo dois estudantes de doutorado, um da Universidade Técnica Braunschweig, na Alemanha, e outra da Universidade do Porto, em Portu-
gal, que passam temporadas anuais em Rio Claro realizando estudos de campo. Os dois doutorandos são brasileiros que procuraram o exterior para aperfeiçoar sua formação, mas acabaram retornando ao Brasil graças ao elo que seus orientadores europeus mantêm com o grupo de Rio Claro. Marcelo Coelho Gehara, de 28 anos, fez mestrado na PUC do Rio Grande do Sul em filogeografia de leões-marinhos. Em 2009 conseguiu uma bolsa de uma fundação católica alemã e foi admitido no programa de doutorado de Braunschweig, sob orientação do biólogo Miguel Vences. "O Miguel e o Célio se conhecem e, como queria trabalhar com anfíbios, a aproximação foi natural", diz Gehara, que pretende seguir fazendo pesquisa na Europa depois que concluir o doutoramento. Em Rio Claro, ele trabalha no mesmo ambiente de Tuliana Oliveira Brunes, bióloga graduada pela Universidade Católica de Goiás, que desde 2006 se transferiu para a Universidade do Porto, onde concluiu mestrado em 2009 com um estudo da diversificação de um complexo de anuros, orientada por João
Alexandrino, no Brasil, e por Fernando Sequeira, em Portugal. Atualmente está fazendo doutorado, com bolsa de uma fundação vinculada à Universidade do Porto. "Como queria estudar anfíbios endêmicos da mata atlântica, parte de minha pesquisa é feita no Brasil", afirma Tuliana, que planeja retornar ao país quando concluir o doutoramento. Fernando Sequeira, que trabalha na Universidade do Porto, faz pós-doutorado sob a supervisão de Haddad. Haddad também mantém colaborações produtivas com duas pesquisadoras dos Estados Unidos. Kelly Zamudio, pesquisadora do Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade Cornell, frequentemente passa temporadas no Brasil- sua próxima estada deve acontecer em meados de 2011. Um carro utilizado pela equipe de Haddad para fazer estudos de campo foi cedido pela Universidade Cornell, como parte da parceria. Em colaboração com Haddad, Kelly liderou um projeto financiado pela Fundação Nacional de Ciências norte-americana (NSF, na sigla em inglês), em que compara três espécies de anuros com níveis diferentes de especialização ecológica: uma que vive somente em bromélias, outra que circula por qualquer lugar ao longo da mata atlântica e uma terceira que depende de áreas mais úmidas para se reproduzir. O pesquisador também desenvolve um projeto importante com a bióloga brasileira Ana Carolina Carnaval, doutora em biologia evolucionária pela Universidade de Chicago e atualmente pesquisadora da City University de Nova York. "Nós estamos estudando anfíbios de baixada e de altitude para tentar entender como se processou a evolução nestas condições. Este projeto envolve alunos e colegas de outras universidades do Brasil e dos Estados Unidos e já resultou em um artigo na revista Science", diz Haddad. O estudo, publicado em fevereiro de 2009, utiliza dados coletados por Haddad e explica a alta biodiversidade do sul da Bahia por meio da antiguidade de sua floresta. A vegetação de mata atlântica permaneceu ali, mesmo durante o auge da últi• ma era glacial, há 21 mil anos. FABRÍCIO MARQUES
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A LUZ CURVA DE UM QUASAR O e-Merlin, um conjunto de radiote-
lescópios no Reino Unido, começou a funcionar efetivamente. A primeira imagem produzida (ao lado) exibe a luz emitida por um tipo de galáxia conhecida como quasar, um objeto astronômico muito energético (à direita, na imagem), que libera centenas de vezes mais luz que uma galáxia inteira com bilhões de estrelas. A imagem mostra que a luz do quasar se curva ao redor de uma galáxia, exemplificando a curvatura do espaço prevista por Einstein. A curvatura do espaço resulta em uma lente gravitacional, que produz várias imagens do mesmo quasar. A luz do quasar viajou 9 bilhões de anos antes de alcançar a Terra. O e-Merlin, formado por sete radiotelescópios espalhados por até 220 quilômetros que funcionam como um só, reúne 300 astrônomos de 20 países interessados em estudar, entre outros temas, o nascimento e a morte de estrelas, buracos negros, evolução de galáxias e planetas jovens.
I
Açúcares e proteínas, os atuais vilões
UMA CAUSA DA ALERGIA A VINHO
Oito por cento das pessoas que bebem vinho apresentam reações alérgicas. A razão pode estar não nos sulfitos, compostos usados na preservação do vinho que explicam apenas parte das reações alérgicas, que incluem espirros, coceira na pele, dor de cabeça ou acesso de asma. Tantos inconvenientes podem ser disparados por glicoproteínas, moléculas formadas por açúcares e proteínas, de acordo com um estudo de Giuseppe
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Palmisano, da Universidade do Sul da Dinamarca
(Journal of Proteome Research). Palmisano, com a colaboração de especialistas de um centro de pesquisas em vinho em Turim, Itália, identificou 28 glicoproteínas em uvas usadas para fazer vinho branco qtle são similares às encontradas em materiais de origem vegetal como o látex e o óleo de oliva, que causam alergias.
CONSEQUÊNCIAS DA DIETA Um experimento com camundongos indicou que o efeito sanfona- a diminuição temporária de peso, seguida pela volta ao peso anterior ou até maior -pode alterar a atividade de genes e de hormônios ligados ao estresse e deixar quem faz dieta para emagrecer mais suscetível
a voltar a ganhar peso mais tarde. Animais que haviam feito dieta e depois foram submetidos a situações estressantes comeram mais alimentos gordurosos do que os animais que passaram por situações estressantes similares mas não sofreram restrição calórica. Após três semanas consumindo menos calorias, os camundongos do primeiro grupo tinham perdido de 10% a 15% do peso corporal, proporção semelhante à que emagrecem as pessoas em um regime feroz. Mas o nível de um hormônio do estresse, a corticosterona, estava mais alto que nos animais do outro grupo (Journal of Neuroscience, 1° de dezembro). Esse trabalho indica que a dieta aumenta o estresse, dificultando a perda de peso, e pode modificar as respostas do cérebro às situações de estresse gerado pela alimentação.
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O próton, uma das partículas elementares, pode ser ainda menor do que se pensava. Uma comissão internacional havia determinado que o raio (ou raio de carga) do próton era de 0,8768 x 10· 15 metros (m). Agora físicos da Alemanha, Croácia, França e Eslovênia, depois de fazerem 1.400 medições no acelerador de partículas do Instituto de Física Nuclear da Universidade de Mainz, Alemanha, concluíram que o raio de carga do próton pode variar de 0,879 a 0,777 x 10· 15 m (Physical Review
Letters, 10 de dezembro). Os resultados concordam com os valores que já haviam sido aceitos, mas outra medida, obtida no Instituto Paul Scherrer, Suíça, e apresentada em junho na Nature, havia indicado outro valor, levemente menor que a média consensual, 0,8418 x 10· 15 m. Essas sutis diferenças podem levar a uma revisão na medida do raio do próton, uma das medidas fundamentais da natureza, difícil de determinar porque nem os átomos nem as partículas que os constituem, como os prótons, têm limites definidos.
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IoDOBRILHO MUNDO As células da retina conhecidas como cones e bastonetes não são as únicas a converter
MAIS ANIMAIS, MENOS DOENÇAS Conservar a riqueza biológica, maior em ambientes como as florestas, e reduzir o contato com animais silvestres protege contra a disseminação de vírus, bactérias e outros organismos causadores de doenças infecciosas (Nature, 1° de dezembro). Uma equipe coordenada por Felicia Keesing, do Bard College, Estados Unidos, examinou as relações entre a biodiversidade e a propagação de 12 doenças, como a febre causada pelo vírus do Oeste do Nilo, descritas em 26 estudos publicados desde 2005. Uma das explicações é que as espécies que servem de reservatórios naturais para os patógenos, evitando que se espalhem, tendem a desaparecer. Esse levantamento indicou que a disseminação de doenças está ligada a mudanças no uso da terra e interações com animais silvestres, por meio, por exemplo, da caça. Os pesquisadores recomendam manter intactas áreas amplas e minimizar o contato com a vida silvestre como forma de evitar doenças.
Caçar, hábito que pode custar a saúde
estímulos luminosos em elétricos, que seguem ao sistema nervoso central e indicam se o que está à frente é um tigre ou um ônibus. Essa habilidade pode ser estendida a um pequeno número de neurônios da retina que expressam a proteína melanopsina, antes vista apenas como sensor de luz capaz de regular o ciclo circadiano. Pesquisadores da Universidade de Manchester e da University College London, ambas na Inglaterra, e do Instituto Salk, Estados Unidos, verificaram que a melanopsina pode transmitir informações sobre a variação de intensidade e de brilho dos objetos diretamente aos centros visuais do cérebro, mesmo sem a ativação de cones e bastonetes (PLoS Biology, 7 de dezembro). Esse estudo, feito em camundongos, ajuda a entender por que muitas das pessoas que apresentam variados graus de cegueira por degeneração dos cones e bastonetes percebem diferenças no brilho dos objetos que as cercam.
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 43
UM AC
LABORATÓRIO BRASIL
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LEMBRANÇAS DE VIAGENS
I
O REBROTAR, DEPOIS DO FOGO
Como as plantas se recuperam do fogo? Com essa pergunta, Sâmia Paula Santos Neves, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), examinou os efeitos da queimada de outubro de 2005 sobre a vegetação de campo rupestre em uma área no Parque Nacional da Chapada Diamantina, no município de Lençóis, Bahia. Alvo frequente de incêndios muitas vezes provocados, a Chapada Diamantina é uma região montanhosa que abriga tipos peculiares de florestas, caatingas, cerrados e campos rupestres. As espécies dominantes de plantas reapareceram a partir de gemas subterrâneas
ou aéreas protegidas do fogo por várias folhas sobrepostas, como pétalas de rosa. Outras, como a Dactylaena microphylla, brotaram de sementes, de acordo com Sâmia e Abel Augusto Conceição, também da UEFS (Acta Botanica Brasilica, dezembro). As plantas que brotaram de sementes nos espaços abertos pelo fogo ampliaram a diversidade, enquanto espécies exclusivas da Chapada Diamantina sensíveis ao fogo, como Vellozia punctulata, sobreviveram por estarem em ilhas de vegetação isoladas por superfícies rochosas.
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As diarreias são os problemas de saúde mais comuns que os viajantes ganham quando visitava a América do Sul, a África e o Sudeste Asiático. Em novembro em São Paulo, um congresso de epidemiologia indicou que esses problemas devem se tornar mais frequentes: o número de pessoas em visita a outros países deve passar de 1 bilhão em 2010 para 1,6 bilhão em 2020. Muitos imprevistos podem ser prevenidos evitando o consumo de alimentos crus e água não tratada. Para a malária, há medicamentos preventivos, eficazes em 90% dos casos se usados com repelentes e outras medidas contra picadas de insetos. "As pessoas viajam sem informação sobre o que é a malária, não se protegem e às vezes encontram médicos que não sabem diagnosticá-la", diz o médico Jessé Reis Alves, do Núcleo de Medicina do Viajante do Instituto de lnfectologia Emílio Ribas. "Os Anopheles [mosquitos transmissores da malária] também estão nos resorts", acrescenta Tânia Souza Chaves, médica desse núcleo. Em novembro, dois viajantes - um vindo da Nigéria e outro da CÓsta do Marfim - morreram de malária em São Paulo depois de passarem por hospitais cujos médicos não souberam identificar a doença. De cada 100 mil pessoas que permanecem por um mês em países pobres, 50 mil apresentam algum problema de saúde ligado à viagem.
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Chapada Diamantina: renascer contínuo
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UM AGITADO CENTRO-OESTE A região central do Brasil, atualmente calma e plana, já foi palco de uma intensa atividade magmática, incluindo vulcanismo em ambiente de fundo oceânico (um mar ocupou o atual centro-oeste brasileiro há milhões de anos). Ao reconstituir essa história, um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) identificou uma faixa de 350 quilômetros, nos quais estão hoje os municípios goianos de Goianésia, Barro Alto, Niquelândia e Canabrava, marcada por dois episódios de idades distintas. Do primeiro, ocorrido há 1,25 bilhão de anos, resultaram estruturas indicativas de vulcanismo basáltico semelhante às encontradas em regiões oceânicas. Já o segundo evento, de cerca de 790 milhões de anos, foi marcado pelo alojamento de magma em profundidade na crosta (Precambrian Research, dezembro). "Os resultados desse trabalho ajudam a entender a história geológica do planeta, ao relacionar eventos magmáticos da região central do Brasil com outros de mesma idade em outros continentes", comenta Cesar Ferreira Filho, professor do Instituto de Geociências da UnB e coordenador desse estudo.
I
LEITE COM ANTIBIÓTICOS
O leite pasteurizado vendido na cidade do Rio de Janeiro pode conter resíduos de antibióticos
Nacional de Controle de Qualidade em Saúde da Fiocruz chegaram a essa conclusão analisando 57 amostras de leite B e C coletadas entre abril e agosto de 2006. Os resultados dos testes indicaram que antimicrobianos (betalactâmicos, tetraciclinas e estreptomicina I diidroestreptomicina) estão sendo usados acima das dosagens recomendáveis para tratar infecções do gado leiteiro (Ciência e Tecnologia de Alimentos, dezembro). Os pesquisadores da Fiocruz expõem um método de análise, por meio de ensaios imunoenzimáticos, que, eles acreditam, poderia ser usado para embasar medidas legais que controlem a qualidade do leite com mais precisão.
usados para tratar vacas que podem causar alergias em pessoas ou aumentar a resistência a bactérias. Christina Maria Queiroz de Jesus Morais e outros pesquisadores do Instituto
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ONDE O CLIMA VAI PEGAR Quem vive no litoral tem boas razões para se inquietar - e não só com as levas de turistas que chegam nesta época. Cidades costeiras densamente povoadas apresentam alta vulnerabilidade às alterações climáticas, de acordo com um estudo realizado por João Nicolodi, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal de Rio Grande (Furg), no Rio Grande do Sul, e Rafael Petermann, da empresa Datageo, de ltajaí, em Santa Catarina. Eles classificaram cada trecho do litoral brasileiro em cinco níveis de vul-
Santos: alta vulnerabilidade aos efeitos de chuvas mais fortes
nerabilidade (de muito baixa a muito alta) com base em três tipos de risco: naturais, como deslizamentos, inundações e erosão costeira; sociais, como a precariedade das moradias e da infraestrutura; e tecnológicos, definidos pelo tipo e pelo potencial poluidor das indústrias (Revista da Gestão Costeira Integrada). Esse estudo indicou os municípios ou regiões de vulnerabilidade mais alta: Macapá, Belém e São Luís, na Região Norte; Fortaleza, Aracati, Natal, João Pessoa, Recife, Salvador e Recôncavo Baiano, no Nordeste; Vitória, Cabo Frio e Grande Rio, Santos e municípios vizinhos, no Sudeste; e Joinville, o Vale do ltajaí e a Grande Florianópolis, no Sul.
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 45
[ GEOLOGIA ]
Manchas de cerrado surgiram sobre leitos de antigos rios da Amaz么nia MARCOS PIVETTA
ista de longe, a Amazônia é quase sempre homogênea. Um mar verde, de floresta. O desmatamento (ainda) se concentra em suas bordas, nas áreas de fronteira agrícola, como o norte de Mato Grosso e Rondônia e o centro-sul do Pará. Nesses lugares em que antes havia uma vegetação densa e fechada surgiram pastos, plantações, cidades ou simplesmente regiões devastadas. É razoável supor que zonas desflorestadas pelo homem há poucas décadas e posteriormente abandonadas podem dar origem inicialmente a uma formação verde mais aberta, no estilo dos campos e cerrados. Mas o que explicaria a ocorrência de grandes manchas de savana- vegetação de clima bem mais seco do que da Região Norte- coladas a florestas em lugares da Amazônia onde quase não houve desflorestamento recente, como na porção leste da ilha de Marajó, em trechos às margens do rio Madeira e também do rio Branco, em Roraima? Para a geóloga Dilce Rossetti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos (SP), a resposta está intimamente relacionada à história natural que moldou as características das bacias hidrográficas e do relevo da Amazônia. Antigos leitos de rios, por onde não corre mais água há alguns milhares de anos, sofreram um processo de sedimentação, viraram paleocanais e paleorrios- e foi justamente em cima desses segmentos aterrados de rios do passado que uma vegetação mais esparsa, com predomínio de gramíneas e poucas árvores, floresceu de forma natural. E não foi só isso. De acordo com o cenário proposto pela pesquisadora, especializada na reconstituição de paisagens do passado com o auxílio de dados de sensoriamento remoto, mudanças
quadrados - 33 vezes a área da cidade de São Paulo -e apresenta um padrão de cobertura vegetal com disposição singular: cerca de dois terços de sua área, em especial na porção centro-oeste, são tomados por mata fechada, a típica floresta equatorial; o outro terço, na parte leste, apresenta um mosaico de matas mais abertas cortadas por campos alagados e formações no estilo da savana. Essa divisão da ilha em dois perfis distintos de vegetação tem origem em sua história geológica, segundo a pesquisadora do Inpe.
No sul do Amazonas, imagem de satélite mostra leito antigo e atual do rio Madeira
Aatividade tectônica pode ter mudado de lugar
climáticas podem não ter sido o único fator que alterou o curso dos rios de outrora. "A reativação de falhas tectônicas deve ser a responsável por esse fenômeno", afirma Dilce. "As pessoas pensam que a Amazônia é extremamente estável, mas ela tem oito regiões de ocorrência de sismos." Embora não costumem gerar notícias, pois seu epicentro é em geral em zonas despovoadas e de floresta, alguns terremotos na região podem ser de grande magnitude e atingir até 6 ou 7 graus na escala Richter. Essa teoria ganhou corpo depois que Dilce coordenou entre 2005 e 2008 um amplo trabalho multidisciplinar numa área piloto da Amazônia, a região do baixo Tocantins e da ilha de Marajó, no nordeste do Pará. O projeto Marajó, como os pesquisadores denominam a iniciativa que contou com financiamento da FAPESP, reconstituiu a história geológica da área desde o período Neógeno, há 23 milhões de anos, até.os dias atuais. Vários aspectos da região foram estudados: as variações dos padrões de vegetação no tempo geológico; a ocorrência de deslocamentos de terrenos por movimentação ao longo de falhas tectônicas; os sedimentos formados dentro de antigos ambientes, como rios, lagos, 48 • JANE IRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
o leito de rios da Amazônia e criado condições para o surgimento de áreas de cerrado
planícies de inundação; a variação do nível do mar; e as mudanças climáticas. Diversas ferramentas de análise foram empregadas nos estudos. Imagens de satélite e de radar foram utilizadas para caracterizar espacialmente a área e amostras de sedimentos em profundidades de até 120 metros foram coletadas. Foram ainda usadas técnicas de datação e de análise química da matéria orgânica preservada nos sedimentos para melhor reconstituir a sucessão de paisagens ao longo do tempo. Localizada na foz do rio Amazonas, distante alguns quilômetros do continente, a ilha de Marajó se estende por quase 50 mil quilômetros
Separação do continente - Até cerca de 10 mil anos atrás, havia praticamente apenas florestas fechadas em Marajó, com exceção das áreas cortadas por sua antiga bacia hidrográfica. A ilha ainda fazia parte do continente e sua porção norte atual estava sob o mar. Braços do rio Tocantins serpenteavam por seu território. Então começou o seu processo de separação da terra firme . A reacomodação de uma falha tectônica mudou o curso do Tocantins, cujas águas trocaram o sentido noroeste pelo nordeste, e abriu caminho para cortar a ligação física de Marajó, hoje considerada a maior ilha fluviomarinha do mundo, com o resto do Pará. Uma falha que divide grosseiramente a ilha ao meio também se movimentou. "Isso fez com que a porção leste da ilha sofresse um afundamento suave e ficasse mais sujeita a alagamentos, inicialmente por invasão da água do mar e, depois que este se retirou, por inundação nos períodos de chuva", afirma Dilce. Estavam criadas as condições naturais para que a ilha passasse a apresentar dois tipos distintos de vegetação. À medida que o Atlântico se retirou da ilha, areia e lama foram tampando o leito de antigos estuários e rios. As cheias periódicas nesse setor inviabilizaram a permanência de matas densas e criaram as condições ambientais para que, há 6.700 anos, se desenvolvesse uma vegetação de campos abertos em determinados períodos do ano. Em paralelo, no trecho ocidental de Marajó, mais estável, a floresta permaneceu intacta. Desconectados do rio Tocantins desde o início do processo de separação da ilha do continente, boa parte dos cursos d'água dessa zona secou e, com o tempo, tornou-se sítios onde a ve-
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getação passou a crescer, inicialmente como gramíneas e arbustos, e depois como espécies de floresta. Com as imagens de satélite, sobretudo as de radar, que esquadrinham as características do terreno mesmo em dias cheios de nuvens, o esqueleto da rede de paleorrios e paleocanais pode ser divisado pelos olhos treinados dos cientistas. Vêm à tona feições que hoje se encontram encobertas e camufladas pelo solo e sua vegetação. Às vezes, o antigo leito abandonado, hoje coberto por floresta ou savana, se encontra numa área em que não sobrou mais nenhum curso d'água nos arredores. Tudo foi aterrado. Em outras ocasiões, está próximo ao que restou do velho rio, que, devido ao tectonismo, teve de alterar o caminho pelo qual suas águas cortavam o relevo. Situado na porção dominada pela savana em Marajó, o atual maior lago da ilha, o Arari, está encaixado no paleoestuário que era alimentado por um rio hoje desaparecido que se originava no continente. Em outras partes da Amazônia, o movimento nas falhas tectónicas igualmente alterou o curso de importantes rios e deixou uma série de paleocanais interconectados como vestígios desse chacoalhão na topografia. No centro-sul de Roraima, numa região dentro do Parque Nacional do Viruá a cerca de 190 quilómetros da capital Boa Vista, foi encontrada uma rede de paleorrios próximo da margem esquerda do atual rio Branco. Nessa mesma zona há uma extensa porção de savana em meio à floresta. "Alguns desses paleocanais ainda são ativos e podem ser tomados pelas águas na época das cheias", diz o geógra-
O PROJETO Integração de dados biológicos e geológicos no baixo Tocantins-ilha de Marajá: chave na análise da biodiversidade - n° 2004/15518-6 MODALIDADE
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADO R
Dilce Rossetti- lnpe INVESTIMENTO
R$ 423,269.10 (FAPESP)
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FLORESTA PALEORRIO RIO ATUAL
fo Hiran Zani, que estuda a área em seu trabalho de doutorado sobre sensoriamente remoto no Inpe. "Datações preliminares da matéria orgânica preservada em amostras de sedimentos indicam que houve ali uma alteração de paisagem ao longo dos últimos 20 mil anos." Novo e velho Madeira - Um caso semelhante é o do rio Madeira na porção mais ao sul do estado do Amazonas. Nessa área, um segmento de 200 quilómetros de extensão do rio foi deslocado para leste em razão de um rearranjo de falhas tectónicas ocorrido há alguns milhares de anos. Vários dos afluentes da margem direita do Madeira também mudaram de lugar. Sobre os antigos leitos desses rios, que foram entupidos com sedimentos arenosos, cresceu uma vegetação do tipo campo ou cerrado. Em imagens de sensoriamente remoto e em fotos aéreas, esse tipo de vegetação mais aberta contrasta fortemente com a floresta de seu entorno. "Como na ilha de Marajó, as manchas de savana nessa região coincidem exatamente com os cursos dos antigos rios, hoje abandonados na paisagem", afirma Dilce. "Somente mudanças climáticas no passado não teriam sido capazes de produzir faixas de savana que serpenteiam dentro da floresta e mimetizam os rios." Atribuir em boa medida a origem desses pontos isolados de savana na
Rede de paleorrios se entrelaça com leito atual de rio na ilha de Marajó
Amazônia à ocorrência de paleocanais de origem tectónica é uma ideia nova e ainda não consensual. O físico Luiz Carlos Pessenda, do Centro de Energia Nuclear da Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), que participa de alguns estudos com Dilce na ilha de Marajó e em outros pontos da Região Norte, concorda apenas em parte com a tese da pesquisadora do Inpe. "Os dados geológicos são importantes, mas complementares", afirma Pessenda. "A questão climática é sempre relevante independentemente dos dados sobre tectonismo." Segundo o físico, as manchas de campos e cerrados surgiram devido à maior aridez do clima na região entre 9 mil e 3 mil anos atrás. Estudos isotópicos e geoquímicos em solos e sedimentos lacustres indicam que pode ter chovido bem menos na Amazônia e na Região Nordeste durante esse período, inviabilizando a manutenção da floresta tropical em certas zonas e abrindo caminho para a instalação de campos e cerrados. Numa questão Pessenda e Dilce estão 100% de acordo: as áreas de savana natural parecem estar perdendo espaço nos últimos anos e as florestas densas e fechadas caminham para tomar seu território. Isso deve ocorrer- a menos que haja novas mudanças de fundo no relevo ou no clima da Amazônia. • PESQU ISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 49
Sol e novo comp evita
novo mode lo
situação era desconcertante. Nas duas últimas décadas, toda vez que um astrofísico fazia uma simulação computacional sobre a origem do sistema solar o resultado era, invariavelmente, o mesmo: a Terra deveria ter desaparecido há muito tempo. Cerca de 100 mil anos depois de sua gênese, antes mesmo de ter se formado por completo, o planeta deveria ter entrado n uma espiral suicida que o faria colidir com o Sol. De acordo com os modelos tradicionais que tentam explicar o surgimento de sistemas planetários, a Terra seria mais um corpo celeste destinado a trombar com a estrela-mãe. Claro que nada disso ocorreu e o impacto fatal nunca houve. Mas só recentemente alguns pesquisadores formularam uma teoria alternativa capaz de explicar por que o planeta não foi engolido pelo astro-rei. "Conseguimos a primeira simulação em que a Terra não 'cai' no Sol", afirma o astrofísico Wladimir Lyra, um brasileiro de 29 anos que faz pós-doutorado no Museu Americano de História Natural (AMNH, na sigla em inglês) de Nova York. O pesquisador foi o responsável por abastecer de dados e conduzir o ensaio digital que, nos computadores, mudou o curso da história evolutiva da Terra. Como os demais planetas de nosso si ma, a Terra surgiu a partir do acúmulo de oeira e gás do disco protoplanetário, nuvem que envolvia o Sol logo após essa estrela ter se formado, há cerca de 4,6 bilhões de anos. Hoje há quase um consenso entre os cientistas de que os planetas do sistema solar- e também os mais de SOO mundos extrassolares até agora descobertos (ver quadro na página 53) -não se originaram no mesmo lugar em que se encontram atualmente. Nasceram num po nto do disco e, depois de uma série PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 51
Ilustração mostra estrela jovem com disco de gás a partir do qual se formam os planetas
Nas antigas simulações todos
de interações gravitacionais com o gás e os objetos do sistema, migraram para outra região. Ali encontraram uma órbita de equilíbrio em torno do Sol e se estabeleceram. Nos últimos 20 anos, os modelos computacionais adotados por vários grupos de astrofísicos partiam do princípio de que, embora a temperatura ao longo de todo o disco variasse (quanto mais próximo do Sol, mais quente), qualquer flutuação térmica sofrida pelo gás num determinado ponto era instantaneamente irradiada para o ambiente externo. Na prática, isso equivalia a dizer que o eventual excesso de calor num lugar específico era transferido para o espaço e a temperatura em cada ponto do disco se mantinha sempre constante. As consequências de tal forma de pensar, que é usada sem problemas no estudo de galáxias, eram catastróficas nas simulações sobre a evolução do sistema solar: não só a Terra, mas todos os planetas trombavaro com o Sol. "Quando introduzimos flutuações locais de temperatura no disco, os planetas começaram a migrar para órbitas mais afastadas do Sol", diz Lyra, que foi o primeiro autor de um artigo publicado na edição de 1° de junho de 2010 do Astrophysical ]ournal Letters (Ap]L) com os resultados das novas simulações. 52 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
os planetas se chocavam com o Sol durante o processo de formação de nosso sistema
De acordo com os pesquisadores, o novo modelo prevê a evaporação total da nuvem protoplanetária após 5 milhões de anos e é capaz de explicar a migração de planetas com massa até 40 vezes maior do que a da Terra. "Durante seu processo de evolução, o disco perde gás e fica com uma densidade tão baixa a ponto de não conseguir mais mover os planetas, que acabam então entrando em sua nova órbita", explica o astrofísico Mordecai-Mark Ma c Low, coordenador do trabalho do brasileiro no AMNH e coautor do estudo. As ideias centrais que permitiram abastecer a simulação computacional derivam em grande medida de trabalhos recentes de outro astrofísico da nova geração. Desde 2006, o holandês
Sijme-Jan Paardekooper, de 31 anos, que hoje faz pós-doutorado no Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da Universidade de Cambridge, Inglaterra, publica estudos sobre os possíveis efeitos decorrentes de variações de temperatura no gás de um disco protoplanetário. "Sempre procuramos o modelo teórico mais simples que possa explicar um fenômeno físico", diz Paardekooper, que também assinou o artigo na ApJL. A questão-chave é entender como a trajetória dos embriões de planetas podia mudar de curso numa simulação em função de alterações térmicas em pontos específicos da nuvem de gás. Antes disso, é preciso ter em mente que a órbita final de um planeta em formação é determinada por uma série de variáveis, sobretudo as interações gravitacionais com os demais componentes do sistema (a estrela-mãe, outros planetas e o disco de gás). "Alguns fatores favorecem a ocorrência de uma migração na direção do Sol e outros para longe dele", comenta Paardekooper. Por didatismo, a explicação que se segue aborda o mecanismo central que, segundo as simulações de Lyra e seus colegas, tirou a Terra da rota de colisão com o Sol. Em um disco protoplanetário, a força gravitacional de um planeta modifica a órbita original do gás que o circunda. Em resposta a esse fenômeno, o planeta também altera sua órbita, só que na direção oposta da que o gás foi deslocado. Até aí nada de novo. Tudo isso é previsto pela lei da ação e da reação de Isaac Newton. O pulo do gato vem agora. De acordo com as novas simulações, ao incorporar eventuais variações locais de temperatura no disco protoplanetário, os pesquisadores perceberam que o gás se torna mais denso nas zonas mais próximas ao Sol e é capaz de deslocar a Terra para uma órbita segura. Terras troianas - Antes do trabalho sobre por que a Terra não migrou para dentro do Sol, Lyra produziu outra simulação computacional com discos protoplanetários que também gerou grande interesse. Num estudo publicado com destaque de capa numa das edições de janeiro de 2009 da revista científica Astronomy & Astrophysics, o brasileiro e outros três autores divulga-
ram cálcul possibilid~
sos, de m: escondido planetas g Terras tro a mesma muito m1 se chocan panheiro troianos. I
Bac t l
Não sãc placas< Lyra de empreq mais de desabit SIStem< outubn tem sid estrela acresci e assin giram, estrela o puls<
acima)
conhe1 PSR 1< Lyra p da mit assoei
ram cálculos e equações que indicam a possibilidade de haver mundos rochosos, de massa semelhante à da Terra, escondidos bem "nos ombros" de exoplanetas gigantes e gasosos. Seriam as Terras troianas. Objetos que seguem a mesma órbita de um corpo celeste muito maior, sem no entanto nunca se chocarem com esse avantajado companheiro de viagem, são denominados troianos. Eles se situam em duas regiões,
nos chamados pontos lagrangianos da órbita, 60 graus antes e 60 graus depois do local em que se encontra o objeto maior. Os pontos são assim chamados porque foram propostos pelo matemático e astrônomo ítalo-francês Joseph Louis Lagrange (1736-1813). Não faltam objetos celestes que carreguem o adjetivo troiano. O gigante gasoso Júpiter gira em torno do Sol em companhia de dois grupos de rochas
Baco em vez de HD 128311 b r'"'fÍ::> co propõe a adoção de nomes da mitologia co-romana para os exoplanetas conhecidos
Não são nomes de planetas. São placas de carros. Assim Wladimir Lyra define a terminologia empregada para se referir aos mais de 500 exoplanetas, mundos desabitados localizados fora do sistema solar, descobertos desde outubro de 1995. Até agora, a regra tem sido chamá-los com o nome da estrela em torno da qual orbitam acrescido de mais uma letra (b, c, d e assim por diante). Três planetas giram, por exemplo, ao redor de uma estrela da constelação de Virgem, o pulsar PSR 1257+12 (ilustração acima). Na literatura científica, são conhec idos como PSR 1257+12 b, PSR 1257+12 c e PSR 1257+12 d. Lyra propõe batizá-los com nomes da mitologia greco-romana associados à constelação da estrela.
O trio de planetas seria então denominado Sísifo, Íxion e Tântalo. Não se trata de brincadeira. O brasileiro escreveu uma proposta formal , com nomes para mais de 400 exoplanetas, e a submeteu à União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), órgão que trata desse tipo de assunto. A ideia não foi aceita. Disseram que os cientistas usam a sopa de letras e números para se referir aos planetas sem qualquer problema. "Eles se esquecem de que os astrofísicos também fizeram parte um dia do público em geral", diz Lyra. "Com 6 anos de idade, fiquei fascinado pela ideia de que havia outros mundos como a Terra e passava dias decorando nomes de satélites como a Lua." Lyra ainda não desistiu da proposta e vai reapresentá-la à IAU.
celestes situados nos pontos lagrangianos, os asteroides troianos (de cujo nome veio a inspiração para denominar o fenômeno) e os asteroides gregos. Saturno, Marte e Netuno também são escoltados por objetos troianos. Mas nunca foi encontrado um planeta troiano, nem mesmo fora do sistema solar, onde foram descobertos exoplanetas orbitando mais de 420 estrelas. "As simulações do W1adimir mostram que precisamos dos seguintes ingredientes para que haja Terras troianas: planetas gasosos gigantes, como Júpiter, têm de se formar rapidamente num disco protoplanetário cheio de seixos e pedregulhos", afirma o astrofísico dinamarquês Anders Johansen, de 34 anos, da Universidade Lund, Suécia, um dos coautores do estudo com Lyra. "À medida que se concentram nos pontos lagrangianos, os sólidos originam um corpo tão denso a ponto de formar planetas similares ao nosso." Ao menos esse foi o resultado do modelo computacional rodado pelo brasileiro. Na simulação, os seixos e os pedregulhos que se juntaram para gerar Terras troianas virtuais tinham entre 1 centímetro e 1 metro. "Começamos o experimento com objetos menores': conta Lyra. "Dessa forma, conseguimos resolver a hidrodinâmica do gás, a força de arrasto nas partículas e sua atração gravitacional conjunta:' Os cientistas sabem que diminutos grãos de poeira se juntam facilmente em discos protoplanetários, • mas a manutenção do processo se torna incerta à medida que os corpos sólidos ficam maiores. Ainda assim, se os cálculos dos astrofísicos estiverem corretos, a possibilidade de haver Terras troianas na vizinhança de grandes exoplanetas gasosos é real. Faltaria apenas o homem ter meios de detectá-las. • MARCOS PIVETTA
Artigos científicos l. LYRA, W. et ai. Orbital migration of low-mass planets in evolutionary radia tive models: Avoiding catastrophic infall. Astrophysical Journal Letters. v. 715, n.2,p. L68-L73. l 0 jun. 2010. 2. LYRA, W. et ai. Standing on the shoulders of giants- Trojan Earths and vortex trapping in low-mass selfgravitating protoplanetary disks of gas and solids. Astronomy & Astrophysics. v. 493, n . 3, p. 1.125-39. jan. 2009.
PESQUISA F'APESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 53
[ IMUNOLOGIA ]
Lanterna microscópica Marcação de células permite conhecer como ocorre a seleção dos anticorpos mais eficazes CRISTINA CALDAS, DE BosToN
abriel Victora estava acostumado a longos ensaios solitários quando era pianista profissional. Hoje, como imunologista, passa horas sozinho em uma sala escura e fria de um laboratório buscando entender como amadurecem os linfócitos B, as células produtoras de anticorpos. Ele ainda acha que tocar piano é mais difícil do que marcar células, mas a disciplina herdada da música o ajudou a persistir em uma pesquisa liderada pelo imunologista brasileiro Michel Nussenzweig na Universidade Rockefeller, Estados Unidos, cujos resultados foram apresentados em novembro na revista Cell. Os pesquisadores começam agora a entender um fenômeno velho conhecido e pouco compreendido dos imunologistas: a maturação da afinidade- produção e seleção dos linfócitos B que geram os antiéorpos mais efetivos conforme uma infecção progride. Acreditava-se que tal refinamento ocorria à medida que os linfócitos B entravam em contato com antígenos, moléculas reconhecidas pelos anticorpos. Agora se viu que é a interação com outras células do sistema imune que determina quais linfócitos B se tornarão produtores de anticorpos. " É preciso considerar a interação entre essas células no desenho de vacinas. Olhar só para a interação do linfócito B com o antígeno não é necessariamente a saída", diz Victora. O trabalho recebeu destaque na Cell e mereceu o comentário de Jason Cyster, da Universidade da Califórnia em São Francisco, um dos líderes mundiais da pesquisa na área, na mesma edição da revista. Numa infecção, os linfócitos B migram do sangue para órgãos linfoides como as amígdalas ou os linfanodos da axila. Ali se agrupam no chamado centro germinativo, onde há alta concentração de pedaços dos agentes infecciosos (antígenos) presos à superfície de outras células do sistema imune, as células dendríticas foliculares, além de linfócitos T recrutados por esses an-
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tígenos. Nesses centros os linfócitos B inserem alterações aleatórias nos genes que codificam os anticorpos e geram células com genoma diferente do das demais células do corpo. Mutantes- A maioria das células mutantes é menos eficiente que o linfócito Boriginal, mas umas poucas se tornam altamente eficazes e são selecionadas para produzir anticorpos. Nesse sentido, os centros germinativos são como bibliotecas: guardam grande quantidade de informação que pode estimular e aperfeiçoar habilidades ou propagar dados após uma sugestão instigadora. "É ali que os anticorpos evoluem em tempo real e permitem responder a patógenos com ciclo evolutivo mais rápido que o nosso", explica Victora. "Sem isso, sempre perderíamos a corrida evolutiva contra as infecções." O centro germinativo abriga acontecimentos desconhecidos que controlam o percurso e o destino das células em
amadurecimento. Para saber como os linfócitos B são selecionados, Victora teve de entender a dinâmica das duas regiões desses centros: uma com poucos núcleos de células, a zona clara; e outra repleta de linfócitos B, a zona escura. Na zona clara, o·s linfócitos B misturam-se às células dendríticas foliculares carregadas de antígenos e aos linfócitos T. Os imunologistas acreditavam que os linfócitos B se replicavam na zona escura e migravam para a clara. Com a evolução de técnicas para obtenção de imagens, começaram a notar um movimento bidirecional, com células da zona clara voltando para a escura. Faltava saber como elas migram e no que isso influencia a seleção. Para delimitar as duas zonas, Victora desenvolveu uma forma de marcar com precisão microanatômica as células dos centros germinativos para, em seguida, acompanhar seus percursos em tempo real no animal vivo, antes de resgatá-las para estudos de caracteriza-
ção fenotípica e de perfil de expressão gênica. Isso só foi possível com o uso de camundongos transgênicos que expressam uma versão modificada da proteína verde fluorescente, a GFP, ativável pela luz de um laser de dois fótons. Como tem comprimento de onda mais longo, esse laser penetra em órgãos intactos e ativa regiões profundas. É como se Victora usasse uma lanterna para iluminar uma região específica das células. Com uma combinação de técnicas, ele ativou os linfócitos B de cada zona e mediu quanto tempo levavam para ir de uma a outra. Após quatro horas da fotoativação, metade dos linfócitos B da região escura migrou para a clara. Mas, passadas seis horas, só lSo/o dos linfócitos B tinham ido da área clara para a escura, sugerindo que é nesse retorno que acontece a seleção dos mais aptos a combater a infecção. Após separar os linfócitos B das duas regiões, os pesquisadores avaliaram a expressão gênica deles. Nas células da zona escura predominou a ativação de genes ligados à divisão celular e à ocorrência de mutações. Na zona clara, os linfócitos tinham mais genes ativos envolvidos com a seleção, que depende do reconhecimento de antígenos. Eles mostraram ainda que ao facilitar a interação dos linfócitos T da zona clara com os B, estes migram em massa para a região escura, onde embarcam em outro ciclo de divisão celular e mutação. Trabalhos recentes indicam que á presença de um número elevado de linfócitos T da zona clara pode levar as células B a produzir altas quantidades de anticorpos contra o próprio organismo, como ocorre em doenças autoimunes, a exemplo do lúpus. No congresso da Sociedade Brasileira de Imunologia, realizado em novembro, Nussenzweig destacou que, caso se encontre um modo de estender o tempo da seleção de linfócitos B nos centros germinativos, talvez se possa gerar uma grande diversidade de anticorpos de alta afinidade e eficazes em captar e inativar patógenos invasores, como o HIV. • ArtiCJO científiCO VICTORA, G. D. et ai. Germinal center dynamics revealed by multiphoton microscopy with a photoactivatable fluorescent reporter. Cell. v. 143, p. 1-14. 12 nov. 2010.
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 55
[ SAÚDE ]
Coração sufocado
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o embalo do sono, quando o corpo relaxa e se prepara para deixar entrar o mundo dos sonhos, de repente o ar não passa pela garganta. Sem consciência disso, o dormidor acorda apenas o suficiente para aspirar uma boa dose de ar. É o que acontece, dezenas de vezes por noite, com quem sofre de apneia obstrutiva do sono. Essa falta de ar intermitente causa uma série de problemas de saúde e, de acordo com o grupo da médica Dalva Poyares, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), é responsável por alterações estruturais e funcionais no coração. Os pesquisadores agora buscam reverter esses efeitos e encontrar um marcador diagnóstico barato e eficiente para detectar a apneia obstrutiva do sono, um mal que na capital paulista aflige um terço da · população. A pesquisa é parte de um projeto desenvolvido e coordenado pelo médico Sergio Tufik, diretor do Instituto do Sono, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) financiados pela FAPESP e referência mundial em distúrbios do sono. "Quando a pessoa tem apneia, ela faz todo o movimento de respirar, mas o ar não entra", conta Dalva. O resultado é uma pressão negativa dentro do tórax que reduz o retorno de sangue do pulmão para o lado direito do coração e impede que se encha por inteiro, forçando o átrio esquerdo a se contrair mais. Essa musculação cardíaca altera a estrutura do átrio esquerdo, a ponto de reduzir o volume de sangue bombeado. O efeito não tinha sido detectado até agora porque os estudos anteriores usaram ecocardiografias convencionais, de imagens bidimensionais. "Esse exame usa parâmetros em duas dimensões para medir as partes do coração", explica Dalva, "mas o resultado é pouco preciso porque o órgão tem formas irregulares". Com a ecocardiografia mais detalhada, em três dimensões, feita pelo médico ecocardiografista Wercules Oliveira, o grupo da Unifesp conseguiu detectar um aumento do átrio que, embora não saia do espectro considerado normal, é típico dos pacientes apneicos. Essa característica pode explicar pelo menos parte dos problemas cardiovasculares comuns em quem sofre dessa dificuldade respiratória noturna. 56 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
Responsável por alterações cardíacas, apneia pode ter diagnóstico sanguíneo MARIA GUIMARÃES
Um átrio esquerdo aumentado já tinha sido apontado pelo estudo Framingham, um projeto norte-americano de epidemiologia cardiovascular, como associado a uma maior incidência de acidentes vasculares cerebrais e indicador de aumento de mortalidade. O estudo da Unifesp, publicado no final de 2009 na Heart, avaliou 56 pacientes com diagnóstico de apneia recente e mostrou que parte do funcionamento do átrio esquerdo pode ser restabelecida com o uso de CPAP, um aparelho acoplado a uma máscara que, durante o sono, lança ar nariz adentro e regulariza a respiração e deve ser usado todas as noites por quem tem apneia. O achado sublinha a participação da apneia no desenvolvimento das dificuldades cardíacas e ressalta a eficácia do CPAP como tratamento não só para amenizar a falta de ar e tornar o sono mais constante e restaurador, mas também para contra-arrestar as consequências da apneia no organismo. O experimento feito no Instituto doSono limitou o uso do CPAP a 24 semanas, o suficiente para melhorar a capacidade de esvaziamento do átrio esquerdo, mas não para diminuir a força contrativa do átrio e reduzi-lo ao tamanho normal. "Ainda não
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sabemos se é possível reverter a mudança de forma, talvez seja preciso ampliar para um ano o uso de CPAP", diz Dalva. É um avanço, mas uma dificuldade permanece: detectar a apneia do sono. O exame definitivo é a polissonografia, em que o paciente dorme ligado a aparelhos que medem parâmetros como respiração, atividade do cérebro e do coração. Mas muitas pessoas que sofrem de hipertensão, tosse e depressão, por exemplo, acabam consultando médicos de várias especialidades sem que nenhum deles perceba que os problemas estão relacionados à qualidade do sono. Ainda não há um exame simples e barato que possa ser feito por qualquer médico, mas o grupo de Dalva pode estar prestes a sanar essa deficiência.
Diagnóstico -Eles mediram no sangue de 75 pacientes e 75 voluntários saudáveis substâncias ligadas ao estresse oxidativo, uma característica da apneia. Os resultados, publicados este ano na Chest, indicam o aminoácido cisteína como um possível marcador da doença. Quanto mais grave a apneia, mais alta a
concentração de cisteína no sangue. "É a única substância, entre as que examinamos, cujos níveis elevados só estão relacionados à apneia, e não à hipertensão, à obesidade ou a outros fatores comuns nos apneicos", Dalva afirma. A descoberta se deu um pouco ao acaso. A cisteína é parte do metabolismo da homocisteína, um aminoácido que já se sabia estar ligado a problemas cardiovasculares. "Mas ninguém presta atenção à cisteína", conta a bióloga Vânia D' Almeida, também da Unifesp. Ela é uma das autoras do trabalho da Chest e desde 1997 estuda a homocisteína (ver Pesquisa FAPESP n° 60). Alterações nos níveis da cisteína foram uma surpresa no doutorado de Juliana Perry, orientado por Tufik e por Vânia, e publicado em 2007 na Respiratory Physiology & Neurobiology. Num modelo que reproduz a falta de ar intermitente dos apneicos, ratos expostos a uma baixa concentração de oxigênio - com 1Oo/o de oxigênio em vez dos 21 o/o normais- e com privação de sono têm mais cisteína no sangue do que o normal. Veio daí a ideia de medir esse parâmetro em seres humanos.
Agora é preciso examinar pessoas com apneia em fase inicial, ainda sem sintomas. "Precisamos saber se a cisteína é apenas um marcador da progressão da doença ou se pode servir como .diagnóstico precoce", afirma Vânia. Um bom banco de dados seria o Episono, mas só a homocisteína foi medida nos mais de mil participantes do estudo. "Precisamos reanalisar as amostras para medir a cisteína, além de repetir as dosagens com os voluntários que participaram do estudo", planeja Vânia. Não são planos vagos. O assunto já foi discutido com Tufik, que declarou: "Precisamos disso para ontem': •
Art igos científicos l. CINT RA, F. et ai. Cysteine: A potential biomarker of obstru ctive sleep apn ea. Chest. on-line jul. 201 O. 2. OLIVEIRA, W. et ai. Impact of continuous positive airway pressure teatment on left atrial volume and function in patients with obstructive sleep apnea assessed by real-time three-dimension al echocardiography. Heart. v. 95, n. 22, p. 1.872-8. nov. 2009.
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 57
[ EVOLUÇÃO ]
Buenos días,
cangurus
Os parentes mais antigos dos marsupiais australianos podem ter vivido na América do Sul CARLOS FIORAVANTI
arsupiais como o canguru e o coala começaram a se diversificar na Austrália há milhões de anos a partir de espécies do mesmo grupo que viveram na América do Sul, de acordo · com uma hipótese recente que ganha força. Essa abordagem sustenta que os marsupiais brasileiros- os mais conhecidos são o gambá, a cuíca e a catita- formam o ramo mais antigo desse grupo de animais ainda com representantes vivos. As linhagens que viveram na Europa ou na Ásia se extinguiram (apenas uma espécie vive nos Estados Unidos e Canadá), restando apenas as da América do Sul e da Austrália. Essa visão, reforçada por um estudo de pesquisadores da universidade alemã de Münster publicado em julho de 2010 na revista PLoS Biology, indica que o ramo de marsupiais que abarca as espécies brasileiras deu origem a outro, hoje com apenas uma espécie viva, o monito deZ monte (Dromiciops gliroides), animal de até 25 gramas· das matas do Chile e da Argentina. O pequeno monito pode ser o parente vivo mais distante das quase 200 espécies de marsupiais australianos, incluindo as variedades mais encorpadas de cangurus, que podem pesar 70 quilogramas (kg) . "Geneticamente", diz Ariovaldo Cruz Neto, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro que estuda esses animais em colaboração com colegas australianos, "o monito exibe um grau de parentesco maior com as espécies australianas do que com as da América do Sul': Os marsupiais brasileiros, embora mais antigos, não guardam mais parentesco direto com nenhum dos que vivem na Austrália. Segundo outra hipótese, apresentada em 2008 na PLoS One por um gru po da universidade australiana de Nova Gales do Sul, a espécie que originou os marsupiais australianos teria sido outra, a Djarthia murgonensis, que viveu há 30 milhões de anos a leste de um supercontinente que incluía as atuais América do Sul e Austrália. Apesar da distância, os marsupiais americanos e australianos guardam outras semelhanças além do fato 58 • JANEIRO DE 2011 • PE SQUISA FA PESP 179
de os filhotes nascerem incompletos, sem pelo e cegos, após uma gestação de uma ou duas semanas, e seguirem para as mamas da mãe, normalmente protegidas por uma bolsa chamada marsúpio, onde crescem por mais dois ou três meses antes de verem a luz. Cruz Neto e seus colaboradores da Austrália verificaram que o organismo dos marsupiais da América do Sul e da Austrália funciona de modo muito semelhante para produzir e queimar energia, independentemente do porte ou do tipo de ambiente em que vivem. A maioria das quase 90 espécies de marsupiais das Américas pesa entre 10 gramas e 1 kg, vive em geral em florestas e se alimenta principalmente de insetos. Já um canguru pode ter o porte de um homem adulto, embora
a me pese' supta em fl rican de in emb< outn
Orga
O PRO"'ETO Energética de morcegos e marsupiais: bases estruturais e significado funcional da taxa metabólica basal - n° 00/09968-8 MODALIDADE
Jovem Pesquisador COORDENADOR
Ariovaldo Pereira da Cruz NetoUnesp INVE STIME NTO
R$ 441.455,78
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a menor das 21 espécies desse grupo pese 400 gramas. Na Austrália, os marsupiais vivem em túneis, no deserto ou em florestas úmidas e, como os americanos, se alimentam principalmente de invertebrados e frutos pequenos, embora uma espécie prefira néctar e a outra seja carnívora. Organismos semelhantes - Os pesquisadores examinaram o metabolismo de representantes de duas espécies de cuíca da América do Sul, a Gracilinanus agilis e a Micoureus paraguayanus. A primeira apresentou uma temperatura corporal média de 33,5° Celsius e a outra, de 33,3° Celsius, pelo menos dois graus abaixo da temperatura média dos mamíferos placentários, o grupo ao qual pertencemos. Outra medida foi a da taxa metabólica basal, que indica o nível mínimo de energia de que o animal necessita para manter as funções vitais do corpo. Para manter essa taxa, cada uma das duas espécies gasta, respectivamente, 4,8 quilocalorias (kcal) e 5,5 kcal por dia.
A temperatura corporal e a taxa metabólica dos dois marsupiais brasileiros estavam muito próximas às de outros marsupiais australianos que já haviam sido examinados. "Do ponto de vista fisiológico", diz Cruz Neto, "uma vez marsupial, sempre marsupial, apesar dos milhões d e anos de evolução independente e das diferenças de dieta e hábitat das espécies que vivem na América do Sul e na Austrália". Segundo ele, aparentemente não houve pressão seletiva que levasse à modificação do plano fisiológico, que foi suficiente para esses animais co lonizarem a Austrália. "É como se os marsupiais tivessem uma mala com roupas que lhes permitissem viver em diferentes ambientes." Os marsupiais da América do Sul, embora menos diferentes entre si do que os autralianos, exibem distinções sutis e relevantes no tamanho e no formato do crâ nio, da mandíbula, da escápula e da pélvis que expressam seus hábitos alimentares e os ambientes em
que vivem. Diego Astúa, professor da Universidade Federal de Pernambuco, comparou as medidas do crânio de 2.932 animais da família dos didelfí'deos, que abarca a maioria dos marsupiais brasileiros, de marsupiais que vivem nos Andes e do monito deZ monte. Em um trabalho publicado em 2010, ele mostrou que metade dos didelfídeos apresentava diferenças no tamanho e na forma do crânio - em todos os casos, os machos eram mais cabeçudos que as fêmeas. •
Artigos científicos l. ASTÚA, D. Cranial sexual dimorphism in New World marsupiais and a test of Rensch's rui e in Didelphidae. Journal of Mammalogy. v. 91 , n. 4, p.1011-24. 2010. 2. COO PER, C.E.; WITHERS, P.C.; CRUZ-NETO, A.P. Metabolic, ventilatory and hygric physiology of a South American marsupial, the long-furred woolly mo use opossum. Journal of Mammalogy. V. 91, p 1-10. 2010.
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet
I www.sc ielo.org Tran~
\\ENGENHARIA DE MINAS
Simulador de operação de lavra No método de lavra câmaras-e-pilares, o sistema de lavra por conjuntos mecanizados teve, nos Estados Unidos, seu auge de aplicação entre as décadas de 1950 e 1960, dando lugar ao sistema de mineração com minerador contínuo. No Brasil, conjuntos mecanizados ainda são utilizados em minas subterrâneas de carvão na região sul de Santa Catarina. O trabalho "Simulação de produção em mina subterrânea de carvão com uso de conjuntos mecanizados", de Sandro Pinzon Pereira, da Minera San Gregório (Uruguai ), João Felipe Coimbra Leite Costa, Paulo Salvadoretti e Jair Carlos Koppe, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, descreve um simulador de operações de lavra, onde todas as operações unitárias necessárias à extração do carvão foram incluídas. Foi desenvolvido para a empresa Carbonífera Metropolitana S.A. um modelo computacional de simulação que auxilia na ordenação da ocupação das frentes de lavra e nas estimativas de produção. A técnica de simulação usada se denomina simulação por eventos discretos. Depois de construído e validado, o simulador mostrou-se eficaz na previsão de produção diária de carvão. Adicionalmente, o simulador ajuda a diagnosticar gargalos no ciclo de produção e esperas na realização das operações unitárias. REM: REVISTA EsCOLA DE MINAS - VOL.
63 -
N°
3 - OuRO
da mecanização agrícola. A metodologia foi dividida em duas etapas: adaptação de um modelo conceituai sistêmico, com base no Balanced Scorecard- BSC; e aplicação do modelo a um estudo de caso na agro indústria canavieira. A adaptação e a aplicação do modelo conceituai permitiram obter indicadores de desempenho de modo sistêmico e associados a custo e prazo (tradicionalmente utilizados) ; ao controle e melhoria na qualidade de operações e processos de apo io; à preservação ambiental; à segurança, saúde, satisfação, motivação e capacitação de colaboradores; e ao desenvolvimento de sistemas de informação. No trabalho- descrito no artigo "Proposta de um sistema de medição de desempenho aplicado à mecanização agrícola': de Paulo R. Peloia e Marcos Milan, da Escola Superior de Agricu ltura Luiz de Queirozconcluiu-se que o modelo auxiliou na elaboração do sistema de medição de desempenho para a gestão de sistemas mecanizados e que os indicadores permitem uma visão integrada da empresa e associada aos objetivos estratégicos. ENGENHARIA AGRÍCOLA - VOL. 30- N° 4 - JABOTI CABAL)UL./ AGO. 2010
O est ud ~ experim en fe tal de rat ad ul tos qu possibilita i fa tores de 1 raqu im edu nectomia (1 à lesão de c xílio de m il local de les, nervoso ce1 dos por doi análise h isj células tran q ue a reaçã m aior que a possibili• transplant1 dias após SI de células< lesão medt Crista n te, Marcon,Rt de Barros J
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\\ANTROPOLOGIA
Autores indígenas
PRETO- JUL./SET. 2010
\\ECONOMIA RURAL
Mecanização agrícola As organizações líderes dos mais diferentes setores têm como característica medir o próprio desempenho de modo sistêmico. Porém nas empresas agrícolas ainda não é comum o emprego desse conceito, incluindo o setor de mecanização, que tem um forte impacto na composição dos custos de produção, e conhecer o seu desempenho é primordial para o sucesso de empresa agrícola. A importância que as medidas de desempenho têm no auxílio à gestão e o que a mecanização representa para os custos de produção justificaram o desenvolvimento deste trabalho, que tem como objetivo propor um sistema de medição de desempenho integrado para dar suporte à gestão
O artigo "Falas, objetos e corpos: autores indígenas no alto rio Negro", de Geraldo Andrello, da Universidade Federal de São Carlos, foca liza um fenômeno recente entre os grupos indígenas do noroeste amazônico: a publicação regular de livros de mitologia e histórias de clãs específicos, pertencentes a diversos grupos da região. Os livros são de autoria compartilhada, com um homem mais velho narrando o texto a seu filho, que, mais versado no português, traduz a narrativa, contando em geral com o apoio de um antropólogo para transformá-la em texto escrito. Essa iniciativa, respaldada pela Federação das Organizações Indígenas do rio Negro e alguns de seus aliados governamentais e não governamentais, tem despertado interesse no âmbito dos debates aluais em torno dos direitos intelectuais de povos indígenas e tradicionais e de como proceder ao seu reconhecimento e proteção. Por outro lado, no âmbito local, o uso da escrita e dos livros atualiza uma dinâmica ritual, por meio da qual esses textos eram transacionados oralmente no passado. O artigo levanta hipóteses acerca das formas de subjetivação ~ objetificação em questão, levando em consideração as relações dos grupos indígenas entre si e destes com os brancos. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SoCIAIS - VOL. 25 - N° 73-
SÃo PAuLo- JUN. 2010
\\ ZOOLC
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\\ TRAUMATISMO
residente. A pesquisa é de autoria de Paula Fernanda Albonette de Nóbrega e João Batista de Pinho, da Universidade Federal de Mato Grosso.
Transplante de células fetais O estudo resumidamente apresentado aqui é um modelo experimental de transplante de células do sistema nervoso fetal de ratos wistar para o sítio de lesão medular de ratos adultos que permita sua sobrevivência e integração para possibilitar protocolos de pesquisa que identificarão outros fatores de regeneração e recuperação funcional pós-trauma raquimedular. Vinte ratos adultos foram submetidos à laminectomia (cirurgia executada na porção inferior da coluna) e à lesão de cinco milímetros na hemimedula realizada com auxílio de microscópio óptico. Quinze desses ratos tiveram seu local de lesão medular transplantado com células do sistema nervoso central de fetos de rato. Os animais foram monitorados por dois dias e tiveram sua coluna vertebral extraída para análise histológica. Evidenciou-se que em 60% dos casos as células transplantadas permaneciam viáveis no sítio da lesão e que a reação inflamatória no grupo transplantado era sempre maior que no grupo de controle. O trabalho demonstrou a possibilidade de contar com o modelo de pesquisa para transplante de células fetais que permanecem viáveis dois dias após seu implante. Participaram do estudo "Viabilidade de células do sistema nervoso central fetal no tratamento da lesão medular em ratos" os pesquisadores Alexandre Fogaça Cristante, Marcelo Loquette Damasceno, Raphael Martus Marcon, Reginaldo Perilo de Oliveira e Tarcísio Eloy Pessoa de Barros Filho, da Universidade de São Paulo. ACTA ORTOPÉDICA BRASILEIRA -
VOL. 18 -
N°
5-
SÃO
PAULO 2010
PAPÉIS AVULSOS DE ZOOLOGIA
(SÃo PAULO ) -
VOL. 50-
N° 31 - SÃO PAULO - 2010
\\ARTES VISUAIS
A experimentação em fotografia O artigo "Geraldo de Barros e José Oiticica Filho: experimentação em fotografia ( 1950-1964)", de Carolina Etcheverry, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, apresenta os fotógrafos brasileiros Geraldo de Barros (ao lado, em Autorretrato, de 1949) e José Oiticica Filho e suas fotografias. Assim, contextualiza-se o período de fins da década de 1940 até 1964, ano da morte de Oiticica Filho, abordando a história da fotografia brasileira e sua relação com a história da arte, bem como a questão da abstração. Desse modo, temos a história da fotografia moderna brasileira relacionada com os movimentos concretistas e neoconcretistas. O artigo busca também fazer uma revisão crítica dos textos escritos sobre esses fotógrafos e suas imagens, a fim de estabelecer sua importância além do campo fotográfico. ANAIS DO MusEu PAULISTA: HISTÓRIA E CuLTURA MATERIAL - VOL. 18- N° 1- SÃO PAULO- JAN./)UN . 2010
\\ZOO LOGIA
Sucesso reprodutivo das aves \\LITERATURA
O conhecimento atual sobre o sucesso reprodutivo e características da história de vida da maioria das espécies de aves neotropicais é deficiente. A qualidade do hábitat onde o ninho é construído é um dos fatores que influenciam o sucesso reprodutivo das aves. O estudo "Biologia reprodutiva e uso do hábitat por Cantorchilus leucotis (Lafresnaye, 1945) (aves, Troglodytidae) no Pantanal, Mato Grosso, Brasil" teve oobjetivo de determinar atributos da história de vida, assim como o padrão de uso de hábitat a fim de compreender a dinâmica reprodutiva de C.leucotis (garrinchão-de-barriga·vermelha) no Pantanal de Poconé, sujeito a alagamento de janeiro a abril. Foram encontrados 87 ninhos durante asestações reprodutivas dos anos pesquisados e, destes, 58 foram abandonados na fase de construção, quatro foram destruídos por intempéries climáticas e apenas 25 ninhos chegaram à fase de postura de ovos. A porcentagem simples de sucessos reprodutivos foi de 12%. A predação foi a maior causa de perda de ninhos ativos (76%). A espécie foi registrada ao longo de todos os anos de pesquisa, o que lhe conferiu o status de
A essência de Cyro dos Anjos O artigo "Cyro dos Anjos e O amanuense Belmiro", de Rui Mourão, do Museu da Inconfidência em Ouro Preto e professor aposentado da Universidade de Brasília, aborda a linguagem de essencialidade machadiana do escritor mineiro e, em seguida, parte para uma interpretação de seu livro mais famoso. O pesquisador, enveredando por caminho inédito na fortuna crítica do romance, que é considerável, propõe uma leitura estrutural que subverte a visão que veio se firmando sobre a obra, revelando-a em dimensões bem mais amplas, como recriação brasileira do quixotismo de Miguel de Cervantes. ESTUDOS AvANÇADOS- VOL. 24- N°
69- SÃo
PAULO- 2010
\\ O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão dispo· níveis no site de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
I
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HIDROGÊNIO NO HAVAÍ Dez empresas, agências do governo federal e universidades uniram-se a uma iniciativa patrocinada pela empresa norte- americana The Gas Company (TGC) e pela fabricante de veículos General Motors (GM) cujo objetivo é criar até 2015 uma frota de veículos movidos a hidrogênio e desenvolver uma infraestrutura associada de abastecimento no estado do Havaí. Batizado de Hawaii Hydrogen lnitiative (H21), o plano tem como objetivo fazer do hidrogênio um importante componente na matriz de energia sustentável do arquipélago. Ao oferecer à população da ilha de Oahu, de 1 milhão de habitantes, a possibilidade de usar o hidrogênio como combustível para seus carros, as autoridades pretendem reduzir a dependência havaiana do petróleo - 90% desse combustível fóssil é importado. O plano foi estruturado em março de 2010 por meio de um memorando de entendimento entre a TGC e a GM. A TGC fabrica atualmente hidrogênio com gás natural suficiente para abastecer 10 mil veículos movidos à célula combustível, equipamento que gera eletricidade com o hidrogênio, mas, segundo a empresa, tem capacidade para produzir muito mais.
CONEXÃO MICROFLUÍDICA Engenheiros biomédicos do campus de Davis da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, criaram um pequeno aparelho dotado de conexão para celulares e notebooks
com chips microfluídicos que poderão formar a base da próxima geração de dispositivos compactos para análises químicas. A microfluídica envolve a manipulação de pequenas quantidades de líquidos em uma espécie de chip do tamanho de um selo
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NOV PRO
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de cartas composto por canais com alguns micrômetros de diâmetro em uma membrana de plástico. O aparelho permite uma ampla aplicação, como em análise de alimentos, diagnósticos clínicos e farmacêuticos e monitoramento ambiental. O problemá é a dificuldade de conectá-lo a aparelhos eletrônicos para leitura dos resultados, armazená-los, exibi-los ou transmiti-los. Os novos conectores devem ser integrados com um componente periférico interconectado (PCI, na sigla em inglês), padrão em equipamentos eletrônicos.
I
CELULARES CIENTÍFICOS
Um celular do tipo smartphone dotado do software Epicollect poderá se tornar uma ferramenta comum entre biólogos, arqueólogos, epidemiologistas e demais pesquisadores que saem a campo para coletar dados e fotografias. O sistema foi desenvolvido pela Imperial College London, da Inglaterra, e financiado pela Fundação Wellcome Trust. Pode ser acessado pelo si te www. epicollect.net com um celular de qualquer marca, mas com sistema operacional Android, da Google, ou com um iPhone, da Apple. Com eles é possível coletar dados com informações referenciadas por GPS e mapas e enviar para o site, que se encarregará de arquivar dentro de um projeto previamente elaborado pelo usuário.
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NOVA ESCALA DE PROCESSAMENTO I Está no horizonte da empresa IBM a construção de um supercomputador com capacidade de processar dados mil vezes mais rápido- com poder de executar um milhão de trilhões de cálculos em um segundo- do que a máquina mais avançada da atualidade. Esse sistema computacional irá funcionar na escala dos exaflops (10 18 ) , enquanto hoje o processamento está no nível dos teraflops (10 12). A tecnologia que permitirá esse salto é uma nova solução para os chips, integrando nanodispositivos elétricos e ópticos num material semicondutor de silício. Assim, esses nanodispositivos poderão se comunicar com pulsos de luz em vez da exclusividade dos sinais elétricos. É o que a IBM chama de tecnologia do silício integrado
Chip integrado por dispositivos óptico e elétrico
à nanofotônica, resultado de 10 anos de estudos dos laboratórios da IBM Research, o centro de pesquisa e desenvolvimento da empresa. Com a luz integrada ao sistema de comunicação entre chips, a densidade de informação que é processada aumenta muito e o processamento ganha em rapidez.
I
A MENOR BATERIA DO MUNDO
A corrida pela menor bateria do mundo continua. Pesquisadores do Laboratório Nacional Sandia, dos Estados Unidos, anunciaram ter conseguido criar um nanofio cuja aparência não lembra em nada as baterias convencionais existentes
no mercado. Recarregável, ela é feita de lítio, material base das baterias usadas atualmente em celulares e notebooks. O nanodispositivo consiste de um filamento de óxido de estanho de 10 nanômetros de espessura e 10 micrômetros de comprimento, um catodo de óxido de lítio-cobalto de três milímetros de comprimento e um eletrólito líquido. Segundo o pesquisador Jianyu Huang, do Centro para Nanotecnologias Integradas da instituição, o que motivou o desenvolvimento foi a constatação de que as baterias de íon lítio possuem hoje importantes aplicações, mas sua baixa energia e potência nem sempre satisfazem à demanda. Acredita-se que esse trabalho poderá ajudar no desenvolvimento de aparelhos com baterias otimizadas e menores e com maior durabilidade.
GI GANTE NO FUNDO DO MAR Um projeto piloto planejado para o estreito de Puget Sound, no litoral do estado de Washington, nos Estados Unidos, deverá ser o primeiro conjunto de turbinas de grande porte para extrair energia elétrica das marés e das correntes marítimas do fundo do mar. A previsão é que duas turbinas, de 10 metros de diâmetro e capazes de gerar uma média de 100 quilowatts
(kW), potência suficiente para abastecer entre 50 e
100 residências durante a fase de testes, sejam instaladas em 2013. A velocidade das correntes marítimas no local é de 15 quilómetros por hora. O projeto e a instalação das turbinas, além do monitoramento ambiental, são feitos por pesquisadores da Universidade de Washington. Os resultados da iniciativa indicarão se essa tecnologia tem ou não potencial para ser replicada
em
escala comercial.
PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 63
LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL
PARCERIA ILUMINADA
I
FILHA DA UNICAMP NA CHINA
A russa Yulia Eniseyskaya foi contratada como desenvolvedora de sistemas para internet pela empresa Ci&T, com sede em Campinas, no interior do estado de São Paulo, para trabalhar na cidade de Ningbo, na China. Ela foi anunciada como o milésimo funcionário contratado por essa empresa, que desenvolve soluções inovadoras baseada em softwares principalmente para grandes empresas. Ela possui filiais em várias cidades brasileiras, nos Estados Unidos, no Japão, na Inglaterra e na China, e atua em outros países, como África do Sul. É uma empresa global nascida como microempresa e criada por três engenheiros da computação formados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em
1995 (ver Pesquisa FAPESP n° 84). A Ci&T faz parte do grupo das chamadas "filhas da Unicamp" que englobam cerca de 130 empresas de ex-alunos, professores, funcionários ou empresas ligadas à incubadora da universidade.
PRIMEIRO VOO COM I BIOQUEROSENE Considerado um dos vilões do aquecimento global em razão das elevadas emissões de carbono dos aviões, o setor de transporte aéreo poderá em breve começar a virar o jogo. A TAM realizou um voo teste com um Airbus 320 abastecido com bioquerosene de aviação fabricado a partir do óleo de pinhão-manso. A iniciativa teve a participação da Curcas, empresa especializada em projetos de energia sustentável, e da Brasil Ecodiesel, produtora
64 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
Desenvolver soluções inovadoras de iluminação para mercados emergentes utilizando a tecnologia Oled (diodo orgânico emissor de luz, na sigla em inglês) é o objetivo da parceria firmada entre a multinacional Philips e a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi), instalada no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, para execução do Projeto EMO (Emerging Marketing Oled). Com a tecnologia, as lâmpadas e luminárias formadas por pontos de luz darão lugar a uma única lâmina capaz de produzir uma luz difusa, potente, bastante semelhante à natural, porém de longa vida útil, baixa voltagem e com mais eficiência energética. Detentora de várias patentes da tecnologia, até agora a Philips concentrava as pesquisas e desenvolvimento apenas em um de seus laboratórios na Alemanha. O diodo orgânico emissor de luz, que tem moléculas de carbono em sua composição, funciona por meio de uma corrente elétrica que passa por semicondutores prensados entre duas lâminas de vidro de cerca de 1,8 milímetro de espessura.
de biodiesel. A fabricante europeia Airbus e a Air BP, unidade de distribuição de combustíveis para aviação da inglesa BP, também apoiam o projeto, que terá seu estudo de viabilidade executado pela Universidade Yale, nos Estados Unidos. O bioquerosene encontra-se em estado avançado de homologação internacional, para que possa ser misturado ao querosene convencional em até 50% em voos comerciais. O projeto teve início em 2009 e a previsão é que o bioquerosene comece a ser produzido em escala comercial em 2013.
Combustível de óleo vegetal para av ião
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LIMPEZA COM COCO-VERDE I A casca de coco-verde mostrou em testes realizados na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um bom desempenho na etapa inicial de remoção da matéria orgânica em um sistema de tratamento de esgoto doméstico de pequenas comunidades. Como nesses locais normalmente a questão sanitária ainda está longe de ser resolvida, os filtros anaeróbios apresentam grande potencial de utilização, pelo baixo custo de instalação, manutenção e operação. Partindo dessa constatação, pesquisadores da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, sob orientação do professor Bruno Coraucci Filho, testaram o desempenho da casca de coco-verde, por ser bastante resistente à degradação, como suporte de filtros anaeróbios de fluxo ascendente em uma primeira etapa de um sistema de tratamento de esgoto. Os estudos, feitos com o esgoto bruto derivado de uma região
da universidade na qual circulam cerca de 1Omil pessoas por dia, mostraram que o material conseguiu remover 69% da matéria orgânica em relação ao esgoto bruto.
palmilha em parceria com o professor João Francisco Justo Filho, ambos do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Poli.
Nos países frios, por exemplo, ao sair de um ambiente com baixa temperatura para um local com calefação, as pessoas não precisarão mudar de calçado. "O calor gerado na cavidade do calçado ameniza o choque térmico", diz Fernandez. No Brasil, a palmilha poderá ser usada, por exemplo, em tênis para esportistas que precisam eliminar o calor acumulado nos pés em corridas de longa distância ou em sapatos para idosos com problemas de circulação. O sistema teve patente elaborada pela Agência USP de Inovação e já atraiu o interesse de empresas.
CALÇADOS I APROPRIADOS Para manter os pés com uma sensação de conforto térmico constante tanto em dias frios como quentes, pesquisadores da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) desenvolveram um sistema eletrônico que fica instalado em uma palmilha, capaz de regular a temperatura do calçado. "O controle de calor é feito por pequenos dispositivos semicondutores, que avaliam a temperatura externa e automaticamente controlam o fluxo de calor do pé para fora, ou vice-versa. "O próprio efeito da pressão do pé no solo gera a corrente elétrica que permitirá a transferência de calor de uma fase para outra", diz o professor Francisco Javier Ramirez Fernandez, que trabalha no desenvolvimento da
INOVAÇÕES PREMIADAS As regiões Norte e Nordeste venceram três das sete categorias da 13a edição do Prêmio Finep de Inovação 2010. A Softwell, da Bahia, fornecedora de tecnologias pará softwares, ficou com o primeiro lugar na categoria Micro e Pequena Empresa. A Oficina Escola de Lutheria da Amazônia, que oferece aos estudantes do ensino profissionalizante oportunidades para transformar os recursos florestais em instrumentos musicais, venceu como Tecnologia Social. O Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), de Pernambuco, ganhou como Instituição de Ciência e Tecnologia. A Embraco, de Santa Catarina, fabricante de compressores, venceu nas categorias Grande Empresa e Gestão da Inovação. A Treetech, de São Paulo, especializada em gestão on-line de subestações elétricas, ganhou como Média Empresa. Julio
Compressor desenvolv ido pela Embraco
Abel Segalle, de São Paulo, ficou com o prêmio de Inventor Inovador com um projeto de mouse ortopédico. PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 65
ACELERADOR PRINCIPAL
Mícrotron total ALVO
Completo como mostra o esquema ao lado, o mícrot ron ocupará duas grandes salas do Instituto de Física. Hoje está na primeira, à esquerda, sem o acelerador principal e com o alvo, o materia l a
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INJETOR
ser analisado. A produção do feixe
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começa no canhão. Depois segue pelo injetor, ganha velocidade no booster, atinge o alvo e gera fótons. Como linhas aux iliares
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existem as de irradiação pelo fe ixe de fótons e por Bremsstrahlung, além do absorvedor do feixe.
CANHÃO DE ELÉTRONS
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ABSORVEDOR DO FEIXE LINHA DE BREMSSTRAHLUNG
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c feixe contínuo, muito mais complexa que uma pulsada." O feixe de elétrons na interação com um alvo-radiador, que é um material normalmente metálico colocado dentro da tubulação antes do material a ser analisado, produz fótons, partículas elementares de luz, com energia suficiente para investigar a estrutura nuclear de forma independente dos processos da interação que ocorrem entre prótons e nêutrons, o que garante uma nova ferramenta para o estudo do núcleo dos átomos. A colisão dos elétrons contra esse alvo-radiador também gera raios X e gama que são radiações penetrantes usadas em vários tipos de análise, inclusive as nucleares. "A interação do feixe de elétrons com uma amostra arranca elétrons da camada interna desse material e o preenchimento do buraco por outro elétron do átomo produz raios X. Pode acontecer também o efeito de bremsstrahlung, que é a radiação de freamento repentino dos elétrons pelo núcleo do átomo, fenômeno no qual se baseia a produção dos raios X nos aparelhos de uso médico. Esses processos, mais a radiação óptica de transição, que é a luz gerada pelo elétron quando ele deixa o vácuo por onde transita para ingressar em um meio material, estão sendo estudados em nossos primeiros experimentos com o acelerador." O projeto do novo acelerador começou a tomar corpo por meio de um acordo com o IF da USP e o Laborató68 • JANEIRO DE 2011 • PESQU ISA FAPESP 179
rio Nacional Los Alamos, dos Estados Unidos, que forneceu um projeto para a construção das estruturas aceleradoras do mícrotron no início dos anos 1990. O instituto norte-americano também estava construindo um acelerador desse tipo de maior energia que chegou a funcionar, mas mostrou-se instável
OS
PRO~ETOS
1. Montagem da sala de controle do mícrotron - n° 98/15389-9 • 2. Aquisição de dados no laboratório do acelerador linear - n° 97/04084-0 3. Sistema de transporte do feixe do mícrotron booster - n° 03/07008-5 4. Instalação e caracterização da rede de micro·ondas de alta potência do acelerador mícrotron do IFUSP- n° 06/01017-0 MODA LI DAD E
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADORES
1 e 3. Marcos Nogueira Martins - USP 2 e 4. Vito Roberto Vanin - USP INVE STIMENTOS
1. R$ 40.835.45 e US$ 31.425,00 (FAPESP) 2. R$ 44.047,73 e US$ 55.659,50 (FAPESP) 3. R$ 166.665,00 (FAPESP) 4. R$ 124.812,50 e US$ 25.700,00 (FAPESP)
e foi desativado. "Nós queríamos trabalhar com energias mais baixas e o professor Jiro Takahashi [do próprio IF da USP] redesenhou o projeto e construiu as estruturas aceleradoras", diz Vanin. No início do projeto e construção do acelerador, a coordenação dos trabalhos esteve com o professor Marcos Martins, que atualmente é diretor de pesquisa e desenvolvimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen). "Todos os componentes do mícrotron foram construídos com tecnologia nacional, comprados de indústrias brasileiras, com exceção da válvula Klystron, que amplifica micro-ondas, e alguns acessórios. Ao construir a máquina nós ganhamos o do mínio das condições experimentais, conhecemos os limites e as possibilidades de todos os componentes, além de a manutenção ser feita por nós e sabermos se as mudanças serão fáceis ou difíceis, caras ou baratas." Parceiros da usinagem - Alguns componentes, como as câmaras de vácuo de um equipamento chamado de booster, ao longo do mícrotron, foram usinados pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. É no interior dessas câmaras, colocadas dentro de eletroímãs, que o feixe de elétrons dá voltas para repassar numa estrutura aceleradora e ganhar velocidade. Outra contribuição veio do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), do Departamento de Ciência e
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Tecnologia Aeroespacial (DCTA), que usinou os canais por onde passa a água de refrigeração das estruturas aceleradoras. A máquina, neste estágio inicial, possui seis metros de comprimento para condicionamento dos elétrons e alguns metros quadrados para o booster. A válvula klystron, de origem francesa, foi financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em 1989, num valor total, que inclui um equipamento de testes, de cerca de US$ 200 mil. Ela é um amplificador de micro-ondas que fornece ondas eletromagnéticas para servir de meio de aceleração dos elétrons no percurso ao longo do equipamento até atingir a amostra a ser analisada. São dezenas de quilowatts de potência inseridos na tubulação, o equivalente a uma centena de fornos domésticos de micro-ondas. Os elétrons são gerados num canhão, capaz de produzir 100 quilovolts, que retira essas partículas de um componente eletrônico chamado de catodo. O feixe de elétrons possui uma corrente elétrica de 50 micro-amperes, que parece pequena quando comparada ao consumo de um eletrodoméstico, mas corresponde ao fluxo de centenas de bilhões de elétrons por segundo. Ocanhão foi projetado e construído no IF com o aperfeiçoamento de uma solda realizada em um forno a vácuo para a ligação entre peças metálicas e cerâmicas. O tubo cerâmico do canhão de elétrons foi doado pela empresa NGK do Brasil, fabricante de velas de ignição para motores automobilísticos. Viagem do feixe - Depois de produzido no canhão de elétrons, o feixe viaja em uma espécie de túnel com diâmetro de um centímetro e meio. Ao longo do trajeto, quando o túnel atravessa câmaras chamadas de cavidades, as micro-ondas são injetadas e formam um campo elétrico na direção do feixe. Nas pontas da estrutura aceleradora do booster existem dois grandes eletroímãs que fazem o feixe retornar para ela, de modo a fornecer novo impulso ao feixe. Para que tudo funcione sem interferências externas, uma parte do equipamento possui uma blindagem magnética que bloqueia, inclusive, o campo magnético da Terra. Ao longo de todo equipamento há uma série de microcontroladores que checam vários parâmetros. Entre os sistemas necessários
Complexidade para garantir um feixe rápido e contínuo
'
Com o avanço
tecnológico, haverá necessidade de aceleradores industriais com feixes de alta energia, diz Vanin
ao bom funcionamento do mícrotron está o de proteção pessoal. "Existe um sistema de intertravamento que desliga o acelerador caso alguém entre no prédio da máquina, por medida de precaução contra possíveis problemas com a radia-
ção X ou gama - ninguém fica ao lado do mícrotron enquanto ele funciona." O controle do equipamento é feito de outra sala do instituto com um sistema dotado de um software exclusivo desenvolvido pela equipe do mícrotron. O projeto e a construção do mícrotron mostram o esforço de independência de um grupo de pesquisadores em dotar o país de um instrumento de grande importância não apenas para a ciência básica como também para a indústria. "Cada vez mais com o avanço tecnológico haverá necessidade de aceleradores industriais para analisar peças com feixes de alta energia, por exemplo, e nós provamos que temos capacidade científica e tecnológica para a construção de um acelerador de elétrons. Assim podemos transmitir conhecimentos em aceleradores para quem necessite construir um", diz o professor Vanin. Ele conta também que o grupo do mícrotron tem interesse em manter intercâmbio com pesquisadores de outras instituições que desejem usar o acelerador. • PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 69
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Ferramenta marcadores moleculares genética deIdentificados carne macia em gado nelore
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EVANILDO DA SILVEIRA
m breve não será mais necessário esperar o bife na mesa para saber se a carne é macia. Por meio de exames biotecnológicos com o uso de sangue, pelos e até com amostras do sêmen será possível prever se determinado animal da raça nelore, ainda bezerro de poucos meses, terá ou não uma carne tenra. A nova tecnologia usa marcadores moleculares, variações na sequência de DNA que permitem diferenciar os indivíduos de uma espécie, para identificar os animais com predisposição genética para ter a carne mais macia. Desenvolvido por uma rede coordenada por pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa ), unidade Pecuária Sudeste, em São Carlos, no interior paulista, e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o trabalho resultou num pedido de patente internacional para o método de identificação de animais com esse potencial de qualidade. O nelore é responsável por cerca de 60% do rebanho nacional, que somou no final de 2009, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 205 milhões de bovinos. O Brasil é o segundo rebanho mundial, atrás da Índia, e o segundo produtor de carne, logo depois dos Estados Unidos, com 6,6 milhões de toneladas produzidas em 2009. Desse totall4% foram exportados
Gado canchim:
genes relacionados à espessura da gordura
e, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, nos primeiros 10 meses de 2010, a exportação, apenas para a Europa rendeu US$ 548 milhões. Os importantes resultados para a pecuária nacional em relação aos marcadores moleculares do nelore é consequência de um estudo anterior realizado pela mesma Embrapa Pecuária Sudeste com a raça canchim, que possui cerca de 90 mil animais registrados e tem importância principalmente no cruzamento com outras raças para a produção de carne. "Vínhamos trabalhando, desde 1998, no desenvolvimento de marcadores moleculares para auxiliar a seleção nessa raça", explica a pesquisadora Luciana Correia de Almeida Regitano, líder dos dois projetas. "Havíamos encontrado marcadores para peso dos animais em diferentes idades, mas só a partir de 2003 conseguimos coletar informações sobre a espessura de gordura subcutânea (EGS), característica importante para um melhor desempenho econômico da raça porque ajuda a proteger a carne durante o armazenamento sob refrigeração." A escolha do canchim é uma evolução natural dos estudos realizados em São Carlos. Foi lá que essa raça nasceu, desenvolvida a partir da década de 1940 na antiga Fazenda de Criação do Ministério da Agricultura, onde está instalada a Embrapa Pecuária
Sudeste. A raça canchim é formada por 5/8 de sangue charolês, de origem francesa, e 3/8 de gado zebuíno, como nelore e indubrasil. O objetivo dessa composição foi reunir em uma raça as qualidades das outras duas, como a rusticidade e a capacidade de adaptação às condições tropicais do Brasil que os zebus (Bos taurus indicus), gado de origem indiana, possuem, e a produtividade e a carne macia do gado europeu (Bos taurus taurus), como o charolês. Assim, pesquisadores dessa unidade da Embrapa sempre mantiveram estreito relacionamento com o programa de melhoramento e com as associações de criadores da raça. Luciana explica que marcadores moleculares são variações na sequência de bases do DNA, que ocorrem naturalmente entre os indivíduos de uma espécie e são passados de pai para filho. "Nem sempre, no entanto, essas variações produzem diferenças visíveis entre os indivíduos, mas podem ser usadas como se fossem 'placas de sinalização' em uma rodovia, ajudando a localizar regiões do genoma que produzem essas diferenças. No nosso caso, estamos interessados em localizar os genes que contribuem para as diferenças na produção e qualidade da carne de bovinos criados em condições tropicais." Nas pesquisas com o gado canchim, durante o trabalho de doutorado da aluna Gisele
Experimentos genéticos medem transformação de alimentos ...,._ _ _ ...__ _-'-..._o...&.._. em carne
Batista Veneroni, da UFSCar, orientado por Luciana e apoiado pela FAPESP entre 2007 e 2010, foram estudados alguns genes que poderiam ter relação com a capacidade de o animal produzir e armazenar gordura corporal. Para um desses genes, o fator de diferenciação celular DDEF1 -uma proteína com a função de transmitir sinais para a célula e que está envolvida no processo de diferenciação-, havia relatos na literatura de que em camundongos e humanos ele transformava fibroblastos (célula do tecido conjuntivo) em adipócitos, células que armazenam gordura nos animais. Mas não havia estudos com bovinos.
OS
Olho na gordura - Luciana conta que
MODALIDADE
o grupo resolveu, então, procurar variações nesse gene DDEF1, também conhecido como Arf-GAP ou Asap1, localizado no cromossoma 14 de bovinos e que produz a proteína do mesmo nome (DDEF1), para depois relacioná-las com a quantidade de gordura subcutânea no canchim. Ela explica que para identificar as associações entre os marcadores e as características de interesse é necessário ter informações fenotípicas, como, por exemplo, espessura de gordura, área do olho do lombo - seção do músculo traseiro correspondente ao contrafilé- e maciez da carne de um grande número de animais. Conhecida como AOL, a área do olho do 72 • J ANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
PRO~ETOS
1. Marcadores moleculares aplicados ao programa de melhoramento de bovinos da ra ça canchim n° 2001/ 10036-5 2. Associação de SNPs em genes candidatos e de regiões cromossômicas com espessura de gordura subcutânea em bovinos da raça canchim -
n° 2006/06237-9 3. Prospecção e validação de SNPs em genes candidatos para maciez de carne em famílias de referência da raça nelore n° 2010/06515-4
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2 e 3. Bolsa de Doutorado COORDENADORA / ORIENTADORA
Luciana Correia de Almeida Regitano - Embrapa BOLSISTAS
1. Gisele Batista Veneroni - UFSCar 2. Polyana Cristine Tizioto - UFSCar INVESTIMENTO
1. R$ 17.641,35 e US$ 6.029,00 (FAPESP) 2. R$ 99.864,96 (FAPESP) 3. R$ 111.318.48 (FAPESP)
lombo é usada como uma medida que tem relação com a produção de carne do animal. Quanto mais musculoso, mais ele terá carne em relação aos ossos e à gordura, por exemplo. No caso do canchim, foram estudados 750 animais de diversas propriedades. Os pesquisadores submeteram os dados a modelos matemáticos que permitem incluir os efeitos ambientais e genéticos relacionados às características de produção. "Nesses modelos incluímos o efeito do marcador molecular", explica Luciana. "Com o avanço das metodologias de análise de marcadores, em breve poderemos incluir nesses modelos os efeitos de um grande número de marcadores, cobrindo todo o genoma, o que permitirá predizer um valor genômico para cada animal." Esse valor indicaria com maior precisão qual o peso e a influência dos genes nas características do animal. A outra influência vem do ambiente. De acordo com ela, o mapeamento do genoma bovino - resultado do trabalho de um consórcio de 300 pesquisadores de 25 países, inclusive o Brasil, que durou seis anos e foi concluído em abril de 2009- foi uma etapa importante no desenvolvimento do marcador para características de qualidade da carne, porque forneceu informação sobre a sequência e localização do gene DDEFl nos bovinos. "Essa informação era essencial para iniciarmos os nossos estudos", diz Luciana. O projeto de Gisele deu origem ao primeiro depósito de patente. No caso, um método e um kit para identificação precoce de deposição de gordura em bovinos, para uso da variação na sequência do gene DDEFl como indicador de potencial genético na deposição de gordura da raça canchim. Participaram desse projeto, além de Gisele, do Programa de Pós-graduação em Genética e Evolução da UFSCar, pesquisadores da Embrapa Pecuária Sudeste e da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, de Batuca tu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ). Em 2007 o grupo deu início a outro projeto, a formação de uma rede de pesquisa para estudos genéticos relacionados à produção de carne ou Rede Bifequali. Ela é composta por seis unidades da Embrapa pelas universidades de São Paulo, por meio da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), Unesp de Jaboticabal, Estadual
de Campinas, e Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, na Bahia, além do Instituto de Zootecnia do Estado de São Paulo. Nessa rede, os pesquisadores avaliam, entre outras características, a variabilidade genética de animais da raça nelore para atributos como a qualidade e a eficiência na transformação de alimentos em carne, além do temperamento deles. Para isso, eles estão criando, confinando e abatendo cerca de 250 machos por ano, durante três anos. Acerto na variação - O primeiro abate foi feito em 2009, quando os pesquisadores investigaram a relação entre a variação na sequência do gene DDEF1 e diversas características de produção avaliadas no projeto. Eles não encontraram no nelore associação com a quantidade de gordura, mas descobriram uma ligação com a variação no peso do animal aos 18 meses, na área do olho do lombo. O mais surpreendente, segundo Luciana, foi que os estudos também revelaram uma associação com a maciez da carne, uma das qualidades mais importantes para a aceitação do produto, principalmente no mercado externo. "O interessante é que a varia nte associada à maior área do olho do lombo também está associada à maior maciez da carne", diz a pesquisadora. "Assim, a seleção
Gado nelore: em maior número no rebanho brasileiro
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Aseleção do nelore com base em
variações genéticas deve aumentar a musculosidade e a maciez da carne, diz Luciana do nelore com base nessa variação deve aumentar a musculosidade e a maciez da carne." Essa descoberta foi protegida pelo pedido de patente internacional. O projeto que deu origem a esse pedido fazia parte do mestrado, realizado entre 2009 e 2010, da aluna Polyana Tizioto, bolsista da FAPESP, na UFSCar. De acordo com Luciana, também orientadora de Polyana, esse trabalho é apenas o primeiro passo para desvendar outros genes de interesse nos bovinos. Essa tarefa será facilitada pelas pesquisas que Luciana começará a desenvolver no começo de 2011. "Vou levar o DNA de 600 nelores produzidos nos três anos do projeto para um estudo em parceria
com o Bovine Functional Genomics Laboratory, do Agricultura! Research Service, dos Estados Unidos. Lá ela vai analisar os marcadores desses animais conhecidos como single nucleotide polymorphism (SNPs) que podem estar em qualquer parte do genoma, dentro da sequência de genes ou em sequências não codificadoras, que não produzem proteína. São 700 mil marcadores inseridos no chip Bovine HD, uma placa com dados genéticos", revela. A tecnologia que Luciana irá usar nos Estados Unidos deverá ser implantada no Brasil com a compra de equipamentos por meio de um projeto do Programa Equipamentos Multi usuários da FAPESP, recém-aprovado e coordenado pelo professor Luiz Lehmann Coutinho, da Esalq. A tecnologia desenvolvida pelos pesquisadores ainda não está disponível para os produtores. A próxima etapa do trabalho do grupo é identificar potenciais parceiros que possam comercializar a tecnologia. ''A seleção de animais mais eficientes traz benefícios não apenas econômicos", lembra Luciana. ''A alimentação pode representar isoladamente de 5 a 26% dos custos de produção de gado de corte. Além disso, animais mais eficientes emitem menos gases de efeito estufa e necessitam de menor área para produção." •
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[ NOVOS MATERIAIS ]
Plásticos de vegetais Embalagens e produtos para uso agrícola são fe itos com milho, mandioca e fibras DINORAH ERENO
atéria-prima obtida de diversas fontes vegetais com muitas possibilidades de modificação química e física, o amido é um polissacarídeo que pode se transformar em um biopolímero promissor para o desenvolvimento de embalagens biodegradáveis, filmes plásticos e outros produtos para uso na agricultura. Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior paulista, um novo material que deve ser utilizado na fabricação de tubetes usados para mudas de reflorestamento e outras aplicações foi desenvolvido a partir de um plástico biodegradável feito de amido de milho e de resíduos vegetais como fibra de coco, serragem de madeira e casca de mandioca. O resultado é um plástico rígido que se degrada em seis meses quando enterrado no solo. O projeto surgiu da necessidade da empresa Corn Products Brasil de ampliar as aplicações de um plástico biodegradável conhecido como Ecobras, que já está no mercado, desenvolvido em parceria com a Basf. O Ecobras é um plástico flexível usado, por exemplo, na fabricação de sacolas de supermercado, que mistura na sua formulação amido de milho e uma resina polimérica termoplástica de nome Ecoflex, obtida pela Basf a partir de uma fonte petroquímica. "A mistura de 51% em massa de amido de milho ao Ecoflex resultou no produto Ecobras, um plástico flexível biodegradável", diz o professor Elias Hage Júnior, professor do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar, coordenador do projeto que resultou em um terceiro composto, o plástico biodegradável rígido. "A adição da casca da
mandioca ao Ecobras confere rigidez ao material, enquanto a fibra de coco oferece maior resistência mecânica, tornando o plástico menos suscetível a rupturas", diz Hage Júnior. Os testes de biodegradação do material foram feitos em uma espécie de aquário, em que corpos de prova são enterrados no solo e periodicamente retirados para análises. "Verificamos que os corpos de prova feitos com o plástico Ecobras em associação com a casca de mandioca e a fibra de coco desapareceram completamente em seis meses", relata Hage Júnior. Ou seja, se o material for utilizado em recipientes como tubetes para plantio de mudas de reflorestamento ele poderá ser enterrado junto com a muda no solo e se biodegradará enquanto a planta cresce. Plástico rígido - Os tubetes feitos de plástico convencional, como polipropileno, não podem ser reutilizados, principalmente no caso de plantios em larga escala, porque se eles estiverem contaminados com fungos e bactérias as doenças provavelmente serão transmitidas para a próxima geração de plantas. O projeto, que teve início em 2008 como uma prestação de serviços da UFSCar, terminou em 2009. A primeira fase da pesquisa, que resultou no plástico biodegradável rígido, foi encerrada e repassada para a empresa. Na universidade as pesquisas continuam em busca de novas formas de aplicação para esse filme bioplásti-
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co. Entre elas está a incorporação de substâncias, por exemplo, que possam interagir com alimentos. Na Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, pesquisadores desenvolveram uma formulação composta por 80% de amido de mandioca e 20% de fibra de cana-de-açúcar destinada à fabricação de bandejas para produtos secos, como pães, frutas e verduras. "É um produto com boas propriedades mecânicas, biodegradável e com baixo custo de fabricação", diz a professora Suzana Mali de Oliveira, do Departamento de Bioquímica e Biotecnologia da UEL, que coordena o projeto de pesquisa dedicado ao desenvolvimento de bandejas biodegradáveis. Há lO anos o foco do grupo de pesquisa da UEL era apenas o amido de mandioca, mas faz quatro anos que começaram a misturá-lo com fibras. A incorporação de fibras como o bagaço da cana deu origem a um material rígido e de baixa densidade, que apresenta um aspecto similar ao do poliestireno expandido e pode ser moldado por termo formação. Mas seu uso, por enquanto, se restringe a produtos secos, porque a umidade pode degradar a embalagem. Outra vertente das pesquisas lideradas por Suzana trata do desenvolvimento de bandejas para alimentos feitas com amido de mandioca e reforçadas com nanocompósitos. "Temos usado nanoargilas, que são pós originários da decomposição de cinzas vulcânicas, na concentração de 2,5% a 5%, mistura-
dos a fibras vegetais", diz a pesquisadora, que está testando várias formulações com diferentes concentrações. O tempo em que o material permanece no ambiente varia de acordo com as condições. "Quando submetidos a bastante umidade, alguns materiais se degradaram completamente em 45 dias", diz a pesquisadora. O projeto, intitulado Aplicação de nanocompósitos no desenvolvimento de embalagens biodegradáveis de alimentos, faz parte do edital Jovens Pesquisadores em Nanotecnologia, lançado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O amido de mandioca também entra na composição de filmes plásticos biodegradáveis desenvolvidos pelo grupo de pesquisa coordenado pela professora Maria Victória Eiras Grossmann, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos da UEL, que podem ser usados para acondicionar mudas de plantas, proteger frutas no campo ou ainda como cobertura de solo para o cultivo de hortaliças e frutas. Para melhorar as propriedades mecânicas dos filmes os pesquisadores utilizam glicerol- substância resultante do processo de produção de biodiesel- da ordem de 5% a 30%. "O glicerol funciona como um plastificante que deixa o material menos rígido", diz o professor Fabio Yamashita, que participa do grupo de pesquisa. Mais conhecido pelo nome
comercial de glicerina, o glicerol pode ser obtido tanto de óleos vegetais como de derivados de petróleo. "Estamos testando gliceróis da indústria do biodiesel com vários graus de pureza para avaliar o desempenho de cada um", diz Yamashita. "Queremos saber se o grau de pureza tem ou não influência nas propriedades mecânicas e de barreira a vapor de água e gases dos filmes." Respiração controlada - Os filmes plásticos biodegradáveis são obtidos pelo processo de extrusão, o mesmo empregado na produção de embalagens sintéticas convencionais, feitas de polietileno, polipropileno e outros derivados de petróleo. "Nosso trabalho consiste em fazer blendas de amido e Ecoflex com alguns aditivos e compatibilizantes para melhorar as propriedades mecânicas e de barreira", explica Yamashita. Os filmes com permeabilidade seletiva a gases, por exemplo, podem ser usados para controlar a respiração de frutas e hortaliças, funcionando como uma embalagem de atmosfera modificada. Ou para produzir saquinhos que envolvem as frutas no campo e funcionam como proteção ao ataque de pragas. Testes feitos com goiabas mostraram que as frutas se desenvolveram muito bem envoltas em embalagens feitas com os filmes biodegradáveis. Os testes também envolveram o plantio de mudas de plantas medicinais em embalagens feitas com o
Filmes feitos com amido de mandioca
Na plantação de morango, a cobertura plástica começou a se degradar após três meses no solo plástico de amido de mandioca, Ecoflex e glicerol. Elas resistiram 120 dias, em média. "A grande vantagem desse material é que, por ser biodegradável, nãq é preciso tirar a muda da embalagem para fazer o transplante para o solo, o que, dependendo do tipo de planta, acaba danificando as raízes", diz Yamashita. Quando usado como cobertura de solo, o filme é colocado para proteger hortaliças, frutos e flores do contato direto com a terra. Além disso, ele evita o desenvolvimento de ervas daninhas que concorrem com a produção. Atualmente os agricultores usam para essas aplicações uma cobertura plástica, também conhecida como mulch. A mistura de amido, Ecoflex e glicerol varia de acordo com o tipo de aplicação. "Na cobertura de solo para o morango trabalhamos com formulações que variam de 30% a 70% de amido termoplástico", diz Yamashita. Os melhores resultados foram obtidos com a mistura de 30% de amido termo plástico. A vida útil do material depende da aplicação. Na plantação de morangos, a cobertura
de solo entrou em processo de degradação após três meses. Uma nova linha de pesquisa de bioplástico começou a ser desenvolvida recentemente na UEL com o poli (ácido láctico), um polímero biodegradável também chamado de PLA. "O objetivo é o desenvolvimento de um PLA formulado com até 70% de amido de mandioca, glicerol e compatibilizantes, para produção de filmes para diversos tipos de embalagem", diz Yamashita. Filmes de amido de milho, batata e trigo já são produzidos em escala industrial pela empresa Novamont, da Itália, com o nome comercial Ma ter-Bi. Mas os detalhes da formulação são um bem guardado segredo industrial. A empresa anuncia que o produto, em forma de grânulos, pode ser utilizado na fabricação de sacos de lixo e outras aplicações, como garrafas, pratos e talheres, ou na fabricação de brinquedos. • Artigos científicos 1. MALI, S.; DEBIAGI, F. et ai. Starch, sugarcane bagasse fibre, and polyvinyl alcohol effects extruded foam properties: A mixture design approach. Industrial Crops and Products. v. 32, p. 353-59. 2010. 2. MALI, S.; SAKANAKA, L. S. et ai. Water sorption and mechanical properties of cassava starch films and their relation to plasticizing effect. Carbohydrate Polymers. V. 60, p. 283-89. 2005. 3. BRANDELERO, R.P.H.; YAMASHITA, F.; GROSSMANN, M.V.E .. The effect of surfactant Tween 80 on the hydrophilicity, water vapor permeation, and the mecha nica! properties of cassava starch and poly(butylene adipate-co-terephthalate) (PBAT) blend films. Carbohydrate Polymers. v. 82, p. 1.102-09. 2010.
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Empresa desenvolve sistema que purifica e umidifica o ambiente YURI VASCONCELOS
s ambientes aclimatados artificialmente de prédios comerciais, escolas e hospitais, que podem abrigar microrganismos patogênicos e substâncias tóxicas, ganharam um novo sistema para tratamento do ar. Ele está presente em vários tipos de equipamentos desenvolvidos e produzidos pelaAquAr Air Systems, de Jundiaí, no interior paulista. A tecnologia reduz as partículas em suspensão, prejudiciais à saúde, repõe a umidade do ar e elimina o odor com o uso de terpenos, essências extraídas de laranjeiras, limoeiros e pinheiros. A empresa já registrou dois pedidos de patente relativos ao princípio flu idodinâmico dos equipamentos pertencentes à linha Forest Breeze (brisa da floresta, em inglês) que começaram a ser vendidos em 2009. Podem ser instalados no próprio ambiente ou junto a sistemas centrais de ar-condicionado. O engenheiro mecânico Antonio Carlos Neiva, criador da AquAr, diz que os purificadores convencionais limitam-se a atuar sobre determinados tipos de poluentes, dependendo da tecnologia aplicada, e os filtros de ar costumam ter eficiência restrita na eliminação de microrganismos. "Os purificadores e filtros ressecam o ar- uns mais, outros menos -, o que não é saudável nem agradável", diz Neiva. O ar seco irrita as mucosas do trato respiratório superior, provocando tosse, e facilita o contato com bactérias e fungos. O sistema AquAr é composto de lavadores de ar capazes de purificar o ambiente por meio de um mecanismo de coleta de partículas, eliminação de microrganismos e absorção de gases. O ar é umidificado e limpo por um processo em que a água funciona como o próprio filtro- o ar entra por um lado do aparelho, passa por dentro, onde sofre a ação desinfetante dos terpenos e as partículas são coletadas, e sai purificado do outro lado. "A ação biocida do terpeno elimina os microrganismos capturados e per78 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
Ág ua dentro do aparelho faz o papel de fi ltro
fuma o ambiente com uma fragrância natural", destaca. "O único concorrente que considero direto é o Venta Air Washer, da Alemanha. É um lavador de ar mas o princípio de funcionamento é diferente do nosso." Em relação à possibilidade de o terpeno provocar alergias, Neiva diz que o sistema teve boa aceitação porque possui baixa alergenicidade das matérias-primas, já comprovada em testes, e é utilizado em quantidades muito pequenas. Além disso, os biocidas sintéticos têm odor desagradável e apresentam maior risco de provocar algum tipo de reação alérgica.
Umedecedor e lavador de ar em contracorrente para uso domiciliar clínico pneumológico e outros fins - n° 02/12926-0
Programa Pesquisa lnovativa em Pequenas Empresas (Pipe) COORDENADOR
Antônio Carlos de Barros Neiva AquAr INVESTIMENTO
R$ 238.828,60 (FAPESP)
Testes do aparelho - A história dos lavadores de ar da AquAr remonta ao início da década, quando o filho recém-nascido de Neiva teve problemas respiratórios. O engenheiro decidiu criar um aparelho simples para umidificar e purificar o ar do quarto da criança. Em 2003 obteve um financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP para continuar a desenvolver o protótipo. No ano seguinte a empresa iniciou um período de incubação na Companhia de Desenvolvimento do PoJo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), que durou quatro anos. Durante o aperfeiçoamento do sistema foram feitos vários ensaios microbiológicos e, em função• dos resultados obtidos, o comitê de ética do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) autorizou testes com nove pacientes em tratamento domiciliar com problemas pneumológicos graves. "Os aparelhos melhoraram a qualidade do ar, reduzindo os microrganismos", conta o engenheiro. O trabalho foi coordenado pela professora e pneumologista Ilma Paschoal e pela doutoranda Márcia Diniz, também pneumologista. "Nos ensaios laboratoriais o aparelho se mostrou eficiente em diminuir o número de unidades formadoras de colônias de microrganismos nos ambientes, com a vantagem de poder ser higienizado com facilidade, sem a necessidade de substituir elementos filtrantes. Os testes com pacientes, no entanto, foram realizados com um número pequeno de voluntá-
rios e não permitiram cone sões mais consistentes", diz Ilma. Ela explica que o processo físico básico do aparelhà-à AquAr é conhecido há muito tempo. "A vantagem está relacionada ao fato de o aparelho retirar partículas em suspensão do ar, biológicas ou não, e não ter necessidade de usar materiais porosos, como colmeias e filtros, para aumentar a eficiência da evaporação que resfria e umidifica o ar ambiente. Portanto, a inovação está relacionada à limpeza e higienização do ar processado." Um momento decisivo na história da AquAr ocorreu no fim de 2008, quando Neiva soube da existência da empresa paulista TerpenOil, que fabricava produtos para o desengraxe industrial, eliminação de odores com tratamento do ar e limpeza geral contendo terpenos. Essa tecnologia havia sido desenvolvida pelo professor Raul Correa, da Universidade Federal do Ceará, no início dos anos 1990, e fora licenciada para a TerpenOil em 2006. "Naquela época, a empresa dava seus primeiros passos em direção ao tratamento de ar e a AquAr já tinha sua linha de produtos. Foi um encontro de tecnologias complementares", recorda-se Neiva. Ao final das negociações, a TerpenOil adquiriu o controle acionário da AquAr. Hoje a empresa vende lavadores de ar de pequeno, médio e grande porte. Até novembro, foram vendidas 620 unidades do menor produto da linha que custa R$ 310,00. Os aparelhos de médio e grande porte são indicados para serem acoplados a sistemas de ar-condicionado em edifícios. • PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 79
[ SOCIOLOGIA ]
,
FE NA MODERNIDADE ,
E PE , NA TABUA
A polêmica relação que o Brasil criou com o automóvel CARLOS HAAG
automóvel tinha "acabado" de chegar ao Brasil, em 1892, com os irmãos Alberto e Henrique Santos-Dumont, quando, poucos anos depois, em 1903, se registrou um dos primeiros acidentes automobilísticos do país, envolvendo o abolicionista José do Patrocínio e seu amigo O lavo Bilac, para quem ele emprestara seu carro recém-chegado da França. Após tentar aprender a dirigir por alguns quilômetros e deixar muitos transeuntes em pânico, o poeta parnasiano "enfiou" o carro numa árvore. "Isso só aconteceu porque eu não fui batizado. Sem religião e com essas ruas vagabundas o progresso não é possível", teria exclamado Patrocínio. A história é representativa do corno se deu a introdução do automóvel no Brasil, transformado em força motriz do progresso nacional e fonte de poder e hierarquização para poucos durante décadas. "Para as elites, o carro era a ferramenta perfeita para conseguir o progresso com ordem. O automobilismo, nesse contexto, criaria um Brasil moderno e sem conflitos. Era um ícone do crescimento de um Estado democrático, desenvolvido e moderno", explica o historiador e brasilianista Joel Wolfe, da Universidade de Massachusetts, Armherst, autor do livro recém-lançado Autos and progress: the brazilian search for modernity (Oxford University Press).
"Para alcançar isso, esse grupo não se preocupava com as realidades sociais, mas com a maximização do potencial do carro como veículo do progresso e da civilização. Havia todo um discurso simbólico que colocava o carro como uma representação moderna de um espírito empreendedor do passado, das bandeiras e dos bandeirantes, que promoveria uma espécie de comunhão com as nações modernas, em especial os Estados Unidos", afirma o historiador Marco Sávio, professor da Universidade Federal de Uberlândia (UFU ) e autor de A cidade e as máquinas (Annablume/Fapemig). Assim, mesmo que fosse um bem de consumo ao qual apenas uma parcela ínfima da população tinha acesso, o carro mobilizou a atenção dos poderes públicos e de largas fatias do orçamento em prol do asfalto nas cidades e das estradas de rodagem. "Era um reflexo dos interesses de um pequeno grupo de pessoas que queria desfrutar do prazer de dirigir, uma ideia de sociedade automotiva onde os deslocamentos eram livres de qualquer impedimento", analisa Sávio. Era a chamada "utopia possível", nos dizeres do prefeito paulistano Firmiano Pinto, que já nos anos 1920 defendia o asfaltamento de São Paulo para abrigar os carros, ainda que fossem poucos, em detrimento das necessidades mais prementes da sociedade.
"Era o ideal de uma sociedade sem conflitos, em que a livre circulação é o símbolo maior de status e liberdade. Os motoristas dessa elite se davam ao direito de transitar acima do bem e do mal, uma amoralidade abjeta que causava mortes. Era o privilégio da máquina acima dos direitos a outras formas de uso do espaço público", diz o pesquisador da UFU. Aqui, novamente as "lições" do acidente de Bilac, totalmente alheio às pessoas ao seu redor, confortável em sua posição "superior" de motorista, e da ira de Patrocínio pela "culpa" das autoridades que não deram a ele as tão "fundamentais" condições de rodar sem ser detido por nada. "Criou-se, desde então, um padrão baseado numa ideia de domínio e de direito natural e incontestável de usar os espaços da cidade para o trânsito, com o poder de usar a força sempre que algo interromper o direito sagrado ao tráfego livre e desimpedido", nota Sávio. "É notável que o automóvel tenha sido reinventado com um instrumento de nivelamento nos Estados Unidos, mas que, no Brasil, tenha ficado muito mais marcado como um elemento de distinção, indicando uma intrincada escala de inferioridade ou superioridade social", observa o antropólogo Roberto Da Matta, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e autor da pesquisa Igualdade no Trânsito, agora transformada no livro Fé em Deus e pé na tábua: como e por que o trânsito enlouquece no Brasil (Rocco ). "Os comportamentos bárbaros no trânsito resultam menos de questões de obras e melhorias materiais que do fato de que todos se sentem especiais, superiores e com direitos a regalias e prioridades que justificam o desleixo e
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Os motoristas
dessa elite se davam ao direito de transitar acima do bem e do mal, diz Marco Sávio
a impaciência para com a norma geral materializada num sinal e numa faixa de pedestres", observa. "O automóvel é uma opção que está em harmonia com o estilo aristocrático de evitar o contaro com a plebe ignara, o povo pobre, chulo e comum, desde os tempos das liteiras e dos palanquins. A nossa preferência por formas individualizadas de transporte representa um retrocesso. Por outro lado, a onda desenvolvimentista
de meados do século XX permitiu-nos os delírios de sermos donos de um carro como coroamento do sucesso individual. Fomos para a individualização dos meios de transporte pensando apenas na sua dimensão individual e deixamos de lado as normas e os requerimentos coletivos." Para o antropólogo, há a ausência histórica, que data da forma como o automóvel foi introduzido no país, de uma plena consciência igualitária, fruto de vícios coloniais, justamente num espaço que a modernidade, supostamente adquirida com o carro, exige que seja marcado e construído pela igualdade. "É esse choque de expectativas hierárquicas: quem se vê como 'mais rico' tem um carro 'mais caro', é 'branco' etc. e, assim, espera o reconhecimento de sua superioridade, em choque com a imposição da igualdade, que vale para todos e demarca o universo da 'rua'. Isso é o que produz a sensação geral de caos e estresse no nosso trânsito", diz. egundo Da Matta, ,~ parad~~? que aumenta o nosso estresse e que nenhum "jeitinho" pode ser dado e nada podemos fazer para ultrapassar a igualdade que constrói o ambiente público no qual circulamos quando deixamos nossas casas. "Culpamos o governo e, assim, jogamos fora todo um processo de aprendizado de paciência que melhoraria nosso comportamento nessa área", analisa. Surgem Bilac e Patrocínio novamente, mesmo quando se misturam religião e gasolina. "Daí o 'fé em Deus e pé na tábua'. Este último evidencia o lado mais típico de nossa conduta pública, o sinalizador do desejo individual que representa a pressa e a impaciência ao ter o caminho obstruído por uma multidão de desconhecidos. Esses outros que não aceitamos como iguais e que são 'obstáculos' em nosso trajeto. Essa é
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uma visão de nós mesmos como seres especiais, dotados de posição singular e, até prova em contrário, elevada e protegida no sistema, por termos um elo íntimo com o Ser Supremo", diz o antropólogo. "O automobilismo ganhou, no Brasil, qualidades de uma ideologia, uma promessa de curar todos os males nacionais. Pela primeira vez na história brasileira a tecnologia foi abraçada como um instrumento de transformação econômica, política e social da sociedade. Essa tecnologia serviria para quebrar as barreiras da integração nacional de forma pacífica e ordeira. O carro iria destruir os obstáculos ao desenvolvimento capitalista e fornecer as bases para a criação de uma verdadeira cultura brasileira e identidade", diz o brasilianista Joel Wolfe. automóvel chegou ao Brasil e se consolidou por aqui como uma grande conquista da civilização, a vitória da ciência humana sobre a natureza. Isso funcionou especialmente bem para a elite paulista, para quem o carro deveria cumprir um papel-chave na conclusão da história da conquista bandeirante, uma segunda etapa de construção da nação brasileira, agora não mais pelo território, mas civilizando, por meio da presença do automóvel e da estrada de rodagem", afirma Sávio. Era o "neobandeirismo", onde se destaca a figura de Washington Luís, prefeito e governador de São Paulo e autor da famosa frase "Governar é abrir estradas". Ele investiu na modernização da infraestrutura de transportes, construindo 1.326 quilômetros de novas estradas, levando esse amor pelas "boas estradas" quando assumiu aPresidência da República em 1926. "Com ele e a elite paulista, o automóvel virou algo mais do que um meio alternativo de transporte, se transformando num paradigma de 'ser paulista'. A mentalidade geral desses homens defendia a superação do 'atraso' nacional e estadual com a construção de estradas que possibilitassem uma ligação rápida do interior com a capital, de forma que todo o poder e a riqueza da civilização paulista pudessem influenciar a transformação do interior do Brasil", continua Sávio. "Curiosamente, a elite do café, que se beneficiava muito com a ligação da infraestrutura nacional à
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economia de exportação, popularizava perigosamente as máquinas, que, em pouco tempo, desafiaram o modelo econômico liberal. Afinal, o carro abria a possibilidade de, pela primeira vez, se unificar a nação e, com isso, abalar a predominância do estado paulista frente ao Estado", diz Wolfe. Reveladora dessa nova tendência, aberta pelo culto ao automóvel, foi a Lei de Estradas Federais, criada em 1927. "Essa lei encorajava os estados a solicitar verbas do governo federal para a construção de estradas, com a condição de que essas fizessem parte de um sistema nacional de rodagem. Era mais uma novidade que ia de encontro à longa tradição republicana de laissez-faire econômico. O carro, aos poucos, abria caminho para um Estado centralizado", continua o brasilianista. Para tanto contribuíram as empresas norte-americanas automobilísticas que PESQUI SA FAP ESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 83
la hierarquização da sociedade, em que mesmo os proprietários de carro menos valiosos, como o modelo T, da Ford, começavam a ser considerados como uma classe inferior de cidadãos, acima apenas da imensa massa de pedestres que sofria com a ameaça do trânsito caótico. "Quase me atiro sob as rodas de um auto. Era um Ford. Não quis. Morte muito ordinária", explicou o personagem suicida de Automóvel de luxo (1926), livro do modernista Mário Graciotti.
S vieram se estabelecer no país, como a Ford e a General Motors. "Elas eram vistas como instrumentos necessários de progresso, capazes de transformar imigrantes desordeiros do exterior e do campo numa classe trabalhadora disciplinada que transformaria o país." Ou como escreveu o próprio Henry Ford em Hoje e amanhã: "O automóvel fará uma grande nação do Brasil. Os nativos, embora alheios ao maquinário e a qualquer forma de disciplina, irão logo assimilar o mundo da linha de montagem". "Ao encorajar o transporte por carro pelo interior do Brasil, as companhias norte-americanas ajudaram a mudar a geografia mental do país. E estimularam a construção de estradas tendo como meta aumentar a demanda por veículos, que deveria ser expandida para toda a nação", explica Wolfe. "A estratégia da Ford do Brasil sempre foi difundir a ideia de que possuía um carro funcional e que era a resposta ideal para as condições do país, sempre ligando sua marca com a questão premente da estrada de rodagem. Esses conceitos soavam como música para a elite de um Estado com pouquíssimas estradas em condições ideais para a prática do automobilismo", completa Sávio. Ao mesmo tempo, a propaganda dessas companhias reforçava a modernização conservadora do automóvel, movida pe84 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
Obonde era visto como um meio 'inadequado', já que colocava, lado a lado, membros de classes separadas
egundo Sávio, esses eram frutos de um movimento iniciado a partir de 1909, em São Paulo, quando os projetos de transporte passaram a refletir mais os anseios de um pequeno grupo para que o automóvel passasse a assumir o lugar que um dia foi do bonde como centro de preocupações do transporte. "A aparição de organismos como o Automóvel Club de São Paulo, em 1908, que congregava os cidadãos mais importantes do estado, ajudou a relegar o transporte coletivo a um segundo plano. O bonde, por exemplo, era visto como um meio 'inadequado', já que colocava, lado a lado, membros de classes separadas que sempre se segregaram." As pressões desse grupo cresciam não apenas contra os bondes, mas também contra as ferrovias, até então aclamadas como força de progresso para a economia cafeeira. "A situação era ainda pior para os pedestres, contra os quais era legítimo usar da força e da violência para que saíssem das ruas, tornando-as livres para o tráfego." O bem comum, assim, nunca esteve nas preocupações dessas elites, que, conta o pesquisador, viam o espaço público
como extensão do espaço privado e respondiam apenas a anseios de grupos que promoveram a construção de uma complexa infraestrutura dedicada ao carro, sem criarem contrapartidas para os grupos que tiveram suas vidas afetadas pelo novo meio de transporte. Ao final dos anos 1920, os veículos passaram a ser os senhores absolutos das ruas e os pedestres eram "empecilhos da utopia possível", invasores. O passado, histórico, reforça os problemas presentes. "Com a chegada do automóvel, esse virou dominante, algo que é coerente com o modelo dos segmentos aristocráticos brasileiros, que, tendo o carro, abandonam o bonde e o trem, reiterando um desdém pelo transporte público e reiterando o nosso viés hierárquico", analisa Da Matta. "No Brasil retomamos o uso da liteira quando adotamos o uso do transporte individual. Foi como ficamos modernos e parecidos com os americanos e permanecemos fiéis ao nosso gosto por um espaço construído hierarquicamente. Fizemos a ginástica de adotar os carros, mas não ensinamos os motoristas a internalizar normas." Por isso, continua o pesquisador, a parada obrigatória, a espera por outro veículo ou pedestre é um sinal de "perda de tempo", já que a igualdade é sempre vivida como inferioridade no Brasil. "Entre nós o verbo 'respeitar' conota escolha ou opção (sendo mais indicado para quem se pensa como superior); e o verbo 'obedecer' é compulsório (sendo aplicado a quem se pensa ou é imaginado como inferior). Afinal, como se diz por aí: 'Manda quem pode, obedece quem tem juízo!'. Esse verbo 'respeitar', aplicado a sinais, pessoas, pedestres e outros veículos no trânsito, revela o lado opcional de uma sociedade que até hoje tem se recusado a encarar a igualdade como um princípio da democracia", diz Da Matta. O resultado desse choque entre igualdade e desigualdade, continua o antropólogo, explica o uso frequente do "salve-se-quem-puder". "Em vez de esperar pela nossa vez, apelamos para o 'Você sabe com quem está falando?' e tentamos sair da situação de 'qualquer jeito'. Seja subindo na calçada sem pensar nos outros carros, sinais, faixas e pedestres; seja criando uma via extra; seja resmungando alto e discutindo inutilmente com os condutores dos veículos situados à nossa frente que,
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No Brasil
retomamos o uso
da liteira quando adotamos o uso do transporte individual, diz Da Matta
por sua vez, estão também gritando e reclamando", analisa. "Ou seja: hierarquizamos por conta própria e violentamente, 'na marra', o espaço público por meio de uma ação pessoal, agressiva, sem pensarmos nas suas consequências, seja porque estamos estressados com a situação que nos faz perder tempo ou impedidos de chegar ao nosso destino." Nesse embate hierárquico, de ;aízes antigas, a força da lei é relativa. ''Apresença do guarda faz nascer as atitudes igualitárias; sua ausência traz de volta a ideia do mais ou menos, da gradação e das velhas precedências hierarquizadas. É a percepção da infração como norma e que está ligada à impunidade e também à certeza de que certas pessoas são punidas e outras não", diz.
A
ausência de paciência relativamente ao outro é inegável, nota o pesquisador. Ela nasce desse sentimento de superioridade, de acordo com o qual todos devem nos compreender e respeitar, mas a recíproca não é absolutamente verdadeira. "Se o nosso carro enguiça e promove um congestionamento; se encontramos um velho amigo dirigindo ao nosso lado e batemos um papo; se paramos na porta da escola para nossos
filhos, não tem problema, pois os outros são invisíveis, não estamos atrapalhando ninguém, mas realizando algo normal (e legítimo). Daí nossa indignação quando alguém buzina e chama nossa atenção para o abuso; daí a nossa repulsa com a 'falta de educação' de quem reclama e deveria compreender e esperar não por sua vez, mas por nós." Mas quando nos transformamos no "outro" tudo muda de figura. ''A ausência de paciência, a pressa tão amiga da imprudência e irmã do acidente, faz parte do estilo brasileiro de dirigir. Ela trai a consciência e a incapacidade para negociar cordialmente e põe a nu a incapacidade que revela a ausência de uma educação, de uma preparação para a igualdade", avalia o antropólogo. Outro elemento expressivo desse esquema, segundo Da Matta, é a forte identificação mental ou psicológica entre o condutor e o veículo. Isso, aliás, revela o que está na raiz da falta de espaço no trânsito para a circulação de carros que ocupam uma área significativa quando transportam apenas uma pessoa, um supercidadão que fica encastelado em seu mundo. Assim, o carro vira um instrumento de projeção da personalidade do seu dono e um índice de ascensão social e capacidade de consumo: uma ofensa ao automóvel equivale a uma ofensa ao seu motorista. "Assim, um leve esbarrão involuntário ou uma colisão sempre é ponto de partida para 'cenas' e jamais como aquilo que é um evento promovido pelo acaso: um acidente. Daí a atitude inicial do drama de qualquer colisão é estabelecer uma 'culpa' com coação social ou física agressiva e o famoso 'Você sabe com quem está falando?'." Provavelmente o que Bilac e Patrocínio diriam se, em 1903, uma autoridade questionasse o que o carro fazia na árvore. • PESQUISA F'APESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 85
[ HISTÓRIA ]
O paraíso religioso holandês A liberdade dos judeus no Brasil de Nassau
om um pragmatismo superado apenas pela argúcia, o Padre Vieira afirmava sobre os judeus, lançando mão de um argumento emprestado de Santo Agostinho: "O esterco fora do seu lugar suja a casa, e posto no seu lugar fertiliza o campo. O mesmo vale para os judeus, q ue no estrangeiro ajudam os hereges, mas em casa fornecem o capital para manter o Império. Por que transformar vassalos úteis em inimigos poderosos?". O mesmo senso prático se estabeleceu no Brasil durante a dominação comercial e militar dos holandeses, entre 1630 e 1644, em Pernambuco, onde reinou um ambiente inédito de tolerância religiosa, em especial para judeus. "A capital pernambucana era uma verdadeira 'Jerusalém colonial' por causa da utopia da reconstrução do mundo judaico da diáspora. Era uma Babel cultural. Recife, por certo tempo, foi a única cidade do mundo que reunia pessoas das três crenças (judeus sefarditas, católicos e calvinistas) em um único ambiente de tolerância religiosa", afirma o historiador Ronaldo Vainfas, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autor de
Jerusalém colonial: judeus portugueses no Brasil holandês (Civilização Brasileira), pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). "Nunca antes os judeus alcançaram tamanha liberdade religiosa como no Brasil holandês, em especial durante o governo de Maurício de Nassau", analisa.
Rua dos Judeus, em Recife
No caso dos judeus, havia, como pregava Vieira, razões concretas para a boa vontade batava. "Os holandeses do governo colonial ou representantes da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) apoiavam enfaticamente os judeus porque eles eram os intermediários por excelência dos negócios coloniais", observa Vainfas. "O 'tolerantismo' ou o Estado multirreligioso era visto por muitos governos da época como o caminho mais curto para a deslealdade e para a dissidência interna. Não foi fácil para Nassau implantar essa política, tendo que lutar constantemente contra a ira da ma ior parte do clero calvinista local e contra pressões de uma política menos tolerante na colônia, exigida pelos diretores da WIC", afirma o historiador americano Stuart B. Schwartz, professor da Universidade Yale e autor de Cada um na sua lei (Companhia das Letras).
"Esse período oferece uma oportunidade limitada de imaginar as possibilidades de tolerância que existiriam na sociedade portuguesa com a redução do poder e da autoridade da Igreja e, acima de tudo, da Inquisição." Afinal, era a primeira vez que os judeus puderam se reorganizar depois de mais de um século de proibição do judaísmo em Portugal. O processo remonta a 1478, quando os reis católicos instituíram a Inquisição na Espanha, o que levou os conversas, vistos como hereges por se "judaizarem" em sigilo, a fugir para o reino vizinho. O grande afluxo de judeus espanhóis levou a nobreza e a Igreja de Portugal a clamarem por medidas equivalentes à espanhola e, em 1496, o rei português, que nada tinha contra seus súditos hebreus, decretou que todos os semitas deveriam se converter ao catolicismo, o que fez nascer a comunidade dos cristãos-novos. Em 1536, quando a PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 87
Judeus na sinagoga, obra de Rembrandt
Inquisição chegou a Lisboa, mais uma vez os sefarditas iniciaram uma diáspora, dessa vez em direção aos Países Baixos. Amsterdã passou a ser conhecida como a "Jerusalém do Norte': Rituais - "Os imigrantes estavam
separados por mais de 100 anos do judaísmo dos avós, não sabiam hebraico e só praticavam certos rituais domésticos. Não conheciam nada ou pouco do judaísmo. Para a maioria dos convertidos, a primeira comunidade judia que conheceram foi essa que criaram. Eram 'judeus novos' que, no fundo, eram cristãos por formação", explica Vainfas. O português era a língua falada por eles, conhecidos por isso pelos holandeses como "gente da nação portuguesa", apelando para o castelhano nas orações e cerimônias das sinagogas. Aos poucos foram ampliando seus direitos, embora fossem uma minoria que se restringia a um gueto em Amsterdã. "Quando os holandeses se instalaram no Brasil, os judeus vieram para o país, a partir de 1635. Essa proteção aos judeus não foi uma decisão de Nassau, mas uma política da WIC", nota o pesquisador. "A Companhia não tinha fundos para financiar suas operações e foram obrigados a encora88 • JANEIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 179
Eram os únicos que falavam português e holandês, o que lhes permitia dominar o comércio da colônia
jar a migração de judeus portugueses, que se transformaram em operadores e intermediários, fornecendo dinheiro, crédito e os suprimentos necessários para colocar a região de produção de açúcar novamente em funcionamento", afirma o historiador americano Jonathan Israel, professor do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, autor de The expansion of tolerance: religion in dutch Brazil.
"Eram os únicos que falavam português e holandês, o que lhes permitia dominar o comércio da colônia, vantagem combinada a um conhecimento profundo da indústria açucareira. E, ao contrário de Amsterdã, onde só podiam morar, em Pernambuco eram livres para ter lojas e tocar negócios em geral", diz o americano. "Essa tolerância, porém, não era gratuita, mas fruto da necessidade. A maioria das plantações de açúcar em Recife tinha sido destruída na conquista e não havia dinheiro da WIC capaz de restaurar a economia. Foi um caso especial, que não se repetiu em outras regiões dominadas pelos holandeses, como o Caribe ou a Nova Amsterdã", ressalta Israel. "Eles foram os grandes cobradores de impostos do Brasil holandês. Emprestaram dinheiro a juros para senhores de engenho holandeses ou luso-brasileiros e para cristãos-novos menos afortunados. Até para a WIC os grandes comerciantes judeus emprestaram dinheiro. Foram igualmente distribuidores de escravos", conta Vainfas. Com o financeiro resolvido, houve espaço para a fé. A congregação Kahal Kadosh Zur Israel foi a primeira fundada nas Américas. "Era algo inimaginável numa colônia portuguesa católica e Nassau sofreu grandes pres-
sões por parte dos pastores calvinistas", diz o professor da UFF. "Embora o governo holandês protegesse os judeus, os predicantes Calvinistas se revelaram mais intolerantes aqui, porque a visibilidade do judaísmo era maior e os privilégios desfrutados pelos judeus eram imen sos. Os pequenos e médios comerciantes holandeses odiavam os judeus porque perderam espaço e viram frustradas suas expectativas de enriquecer na colônia. Os calvinistas também nisso esposaram a causa dos negociantes holandeses", continua Vainfas. Nassau, no entanto, gostava de lembrar aos diretores da WIC que os judeus, ao contrário dos católicos, eram aliados fiéis. A comunidade teve desdobramentos. Liberdade - "A presença de judeus confessas provocou tensões e sentimentos diversos nos cristãos-novos daqui. Vários dentre esses aproveitaram a relativa liberdade religiosa para se tornarem abertamente judeus", analisa o historiador Bruno Feitler, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e autor do livro Nas malhas da consciência (Alameda). "Mas muitos cristãos-novos que passaram pelo processo de 'retorno' não tinham nenhum conhecimento ou prática da religião ou dos costumes judaicos", observa. "Causava um grande desconforto aos católicos acompanhar a adesão diária
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Cerimônia em sinagoga holandesa de Amsterdã
de cristãos-novos à sinagoga, homens e mulheres que antes se diziam cristãos e frequentavam missas. A disposição de muitos cristãos-novos de 'regressar' ao judaísmo parecia confirmar o alerta da Inquisição contra o perigo da 'heresia' judaica que corria nó sangue dos cristãos-novos", avalia Vainfas. Na luta da restauração portuguesa, os lusitanos também se voltaram para os judeus, aconselhados por Padre Vieira, um curioso conflito de interesses. "No caso de Portugal, o dinheiro judaico foi essencial para a vitória sobre a Espanha. No caso holandês, era importantíssimo nos investimentos da WIC. Os judeus da Holanda investiram nos dois lados da contenda. O desempenho das redes mercantis sefarditas exprimiu a lógica de um capitalismo comercial avançado, capaz de operar entre sistemas monopolistas rivais, colocando em segundo plano razões de ordem política e religiosa", lembra o pesquisador. Apoiar Portugal era investir na chance de os lusos retomarem o Brasil dos holandeses, responsáveis pela liberdade experimentada pelos judeus.
Quando esses foram expulsos, a maioria dos sefarditas deixou o Brasil e foi para lugares controlados pela WIC, o que lhes permitiu superar a experiência pernambucana. ''Alguns foram para a América, mas é um mito que tenham fundado Nova York. Os holandeses de Manhattan temiam que os judeus repetissem por lá o que haviam feito no Brasil: tomar conta do comércio. Isso não ocorreu, porque o português não tinha utilidade na Nova Amsterdã", diz Vainfas. "Um estudo da cultura brasileira mostra o legado deixado por aqui pelos cristãos-novos, com suas ideias de tolerância e liberdade, com sua defesa de que 'cada um deve ter a liberdade de adorar Deus conforme sua consciência'. Eles podem, pela sua crítica à Igreja, aos dogmas e ao fanatismo, ser considerados os precursores da ilustração brasileira. Os judeus entraram intimamente na composição étnica do nosso povo, fato decisivo para a formação de nossa mentalidade e para a heterodoxia dos brasileiros", afirma a historiadora Anita Novinsky, professora da Universidade de São Paulo, autora do livro Cristãos• -Novos na Bahia (Perspectiva). CARLOS HAAG
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[ EDUCAÇÃO ]
SONORIDADES ESCOLARES Ensino de música volta a ser obrigatório JosELIA AGUIAR ILusTRAÇÕES LuANA GEIGER
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os anos 1930, o canto orfeônico, importado das escolas francesas para as brasileiras desde o século anterior, se tornou disciplina obrigatória. Mais informal que o coral erudito, se adaptou ao ambiente escolar e assim foi difundido pela política educacional do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), que viu naquelas aulas a oportunidade de desenvolver nos alunos, além da própria técnica musical, disciplina e civismo. À frente do projeto, um nome mais do que respeitado: Heitor Villa-Lobos ( 1887 -1959 ), um dos grandes compositores eruditos do século XX. Essa passagem da história da música no país é quase sempre lembrada por quem faz parte dela: mesmo que a intenção fosse outra, as classes de canto orfeônico contribuíram para despertar talentos. Quase um século depois, a música voltará a ser conteúdo obrigatório no ensino básico em escolas públicas e privadas do país a partir do segundo semestre de 2011. As circunstâncias são, certamente, distintas do que eram na época de Villa-Lobos. A inclusão ocorre após longa reivindicação dos educadores e pretende, de modo geral, fazer com que os alunos, ao mesmo tempo que são iniciados na linguagem musical, melhorem a concentração, o convívio e o desempenho até em outras disciplinas. As escolas tiveram três anos de prazo para se adaptar à nova lei, promulgada em 2008. Às vésperas do começo do ano letivo ainda existem, porém, diversas perguntas sobre como será a educação musical. "Uma nova lei, por si só, não garante tudo. A própria legislação diz que estados e municípios devem colaborar e o projeto pedagógico é da competência das escolas", lembra Regina Simão Santos, professora do Departamento de Educação Musical do Instituto Villa-Lobos da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). A lei que determina o retorno da música às escolas estabelece apenas que seja ela conteúdo obrigatório da disciplina de educação artística, e não uma disciplina específica, como destaca Silvia Nassif, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), campusde Ribeirão Preto. "Isso não é apenas um detalhe e tem passado despercebido em algumas discussões sobre o tema. Será muito mais difícil controlar o que realmente será oferecido em sala de aula e, sem querer ser pessimista, o espaço para 'fingir que faz' está bastante aberto", ressalta Silvia, que desenvolve com
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Mais que saber música, é preciso saber ensinar música, destaca Iveta Ávila Fernandes, professora do Instituto de Artes da Unesp, que defendeu a tese de doutorado Música na escola: desafios e
o grupo de pesquisa Musilinc (Música, sirvam a todas as situações de ensino, Linguagem e Cultura), da Universidalembra Silvia. "Qualquer processo edude Estadual de Campinas (Unicamp), cacional deve sempre levar em conta o contexto no qual se coloca. Para cada projeto sobre educação musical de crianças. As discussões sobre "como" situação distinta, uma conduta distinta." Ela diz, porém, que há problemas a se vai colocar a lei em prática, diz a pesserem evitados, como o uso de "cartiquisadora, devem ser acompanhadas de lhas"- que já podem ser encontradas no outras, sobre "por que" a música deve mercado- propondo "aulas engessadas estar na escola. "Sem uma consciência profunda desse valor, nenhuma lei fará em repertórios estanques e elementos com que a música volte de modo conmusicais descontextualizados". sistente", explica. Quem será responsável pelas aulas? Regina, da Unirio, lembra que a legislação é clara: a Não há, porém, atuação na escola básica depende de licenciatura educadores musicais realizada em curso de formação de especialisem número suficiente tas. Admitir a dispensa de curso de formação pedagógica, segundo para a demanda, ela, é o mesmo que admitir que o conjunto diz Silvia Nassif de saberes construído a partir de uma reflexão sistemática e embasada no ensino superior de música é desnecessário. Como não há, porém, educadores musicais em número suficiente para a demanda, Silvia Nassif argumenta que restringir aos músicos formados a responsabilidade pelas aulas poderá tornar inviável a aplicação da lei "O profissional deve ter sensibilidade e envolvimento profundo com música, mas não necessariamente formação técnica de músico. Há muito que pode ser feito em termos de uma vivência musical ativa e significativa sem adentrar necessariamente no âmbito técnico", acrescenta. Não há como fornecer "receitas" de aulas que
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perspectivas na formação contínua de educadores da rede pública. Um dos objetivos foi descobrir os caminhos para que, mesmo sem formação acadêmica em música, esses professores possam superar o método tradicional do ensino dessa disciplina na escola. Se uma criança pode aprender a ler e escrever, também pode aprender a compor, argumenta. Deve-se, assim, superar o modelo tradicional de ensino de música com a incorporação de novas formas de trabalho, que incluam atividades lúdicas, como jogos, brincadeiras e atividades didáticas em grupo. "A proposta é cantar, tocar, improvisar, compor, interpretar, apreciar", explica. De nada vai adiantar, diz ela, cantar músicas que não são de autoria própria, sem trabalhar o desenvolvimento da linguagem musical. "A maneira repetitiva como a aula costuma ser ministrada e o raro uso de instrumentos e do aspecto lúdico tornam o aprendizado menos atraente para a criança", afirma. Barulho - Para Jorge Schroeder, que coordena o grupo de pesquisas Musilinc, da Unicamp, antes de definir como serão as aulas de música é preciso ter uma avaliação ampla sobre a escola e seus alunos. Alguns fatores a considerar são, por exemplo, se possui instrumentos musicais e local adequado, onde o "barulho" da aula não atrapalhe as outras atividades; se possui ou não
instrumentos musicais; se há professor especialista na área; qual o gosto médio dos alunos; se existe alguma manifestação cultural forte na região que inclua a música. "Esse tipo de avaliação, que geralmente só ocorre a médio ou longo prazo com o mergulho no cotidiano da escola, pode ajudar a definir as estratégias de ação educativa com referência à música, levando em conta também as possibilidades de cooperação com outros professores de outras áreas em projetas conjuntos e os limites e especialidades dos ' próprios professores de música." Schroeder lembra que há grande chanÉpreciso contemplar ce de um licenciado em música que toca algum a diversidade instrumento escolher caminhos e objetivos dicultural brasileira e ferentes de um licenciado em música que é cantor os valores culturais, ou compositor. Magali Kleber, prodiz Magali Kleber fessora de música na Universidade Estadual de Londrina (UEL), ressalta a importância de oferecer nas aulas conteúdo que se relacione com a realidade saciocrítica, a apreciação musical dos mais cultural dos alunos. "É preciso contemdiversos estilos e gêneros musicais, abrangendo repertório de diferentes plar a diversidade cultural brasileira e considerar os valores socioculturais épocas e povos. Deve-se evitar, segundo presentes no contexto dos estudantes, ela, o preconceito contra estilos e gêneros, mesmo que não seja do agrado da escola e das redes que a constitui", explica Magali, que está à frente de grudo professor. "É importante também incorporar a agenda das festas e evenpo de pesquisa sobre educação musical e movimentos sociais. A pesquisadora tos significativos do local, a cultura popular, as salas de concertos, enfim, argumenta que as aulas devem privilegiar os processos de criação, a escuta os espaços da cidade que devem ser entendidos como locais educativos, despertando o pertencimento e o exercício da cidadania", diz. As boas experiências em educação musical, segundo a pesquisadora da UEL, são aquelas que consideram as demandas da comunidade onde atuam e buscam interlocução entre os atares sociais, sejam eles estudantes, professores, ou pessoas do bairro. Esses projetas são em geral ligados a secretarias municipais ou estaduais de Cultura ou originados por organizações não governamentais (ONGs) que recebem apoio de órgãos públicos. Assim, podem suprir necessidades como transporte e infraestrutura para as aulas e as performances públicas, além de
oferecer aos alunos algum benefício financeiro (bolsa). Ela cita exemplos em cidades como Mogi das Cruzes e Franca (interior de São Paulo), Porto Alegre, Vitória e Goiânia. "Esses projetas têm começo, meio e fim, não se caracterizam como política de Estado. Essa situação não garante uma perenidade na oferta e, muitas vezes, esses projetas acabam por falta de verba, frustrando os que tiveram oportunidade de vivenciar experiências positivas", afirma Magali Kleber. No estado do Rio, Regina Simão Santos enumera diversos exemplos de sucesso. Em Volta Redonda, no interior do estado, existe desde 1974 o projeto Cidade da Música, concebido e desenvolvido pelo maestro Nicolau Martins de Oliveira. Na capital há, por exemplo, a Escola de Música da Rocinha, projeto social de caráter educacional criado em 1994 pelo alemão Hans Ulrich Koch e sob a direção de Gilberto Figueiredo. Possui diversos parceiros, como aprefeitura e a Unesco. Na comunidade do Morro Dona Marta, o projeto VillaLobinhos é desenvolvido desde 2000, sob a direção geral do violonista Turíbio Santos e já contou com diversos apoios: da ONG Viva Rio, do Instituto Moreira Salles e do Museu Villa-Lobos. E há ainda o Grupo CulturalAfroReggae, projeto que surgiu na favela de Vigário Geral em 1993 com a criação de um Núcleo Comunitário de Cultura, onde se desenvolveram oficinas, dentre as quais de percussão. "Embora todos visem à formação integral do cidadão, vislumbram a possibilidade de profissionalização de seus integrantes. Isso atrai, faz com que sala de aula e vida social fora da sala de aula se misturem", explica Regina. • PESQUISA I'APESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 93
RESENHA
A pobreza que olha para os lados As relações entre redes sociais de indivíduos e condições de pobreza GABRIEL DE SANTIS FELTRAN
s padrões de sociabilidade e as condições de vida das camadas mais pobres da população, no Brasil, têm sido marcados por transformações muito intensas nas últimas quatro décadas. Nesse período, os mercados de trabalho populares se reconfiguraram inteiramente, na esteira da chamada "reestruturação produtiva". Simultaneamente, declinou a migração ao Sudeste, fundadora dos territórios de moradia popular nas metrópoles, e se consolidou a inscrição das mulheres no mercado de trabalho, o que desloca decisivamente as relações de gênero domésticas. Imersa nessas transformações, a família popular tendeu à nucleação, em arranjos muito heterogêneos. No plano religioso, e especialmente entre os mais pobres, o trânsito do catolicismo ao pentecostalismo foi também muito notável. Além disso, o acesso à infraestrutura urbana, aos serviços fundamentais e bens de consumo cresceu muito desde os anos 1970 e, embora ainda deficiente, possibilitou outros modos de inserção das novas gerações na cidade. Da mesma forma, as dinâmicas da criminalidade urbana se alteraram radicalmente nesse período e, com elas, os modos da disposição e gestão da violência nos territórios. Em suma, as categorias centrais das análises sociológicas sobre os pobres urbanos - o trabalho, a migração, a família, as políticas sociais e urbanas, a religião e a violência- estão hoje muito longe de ' ser o que foram. À luz desse cenário de deslocamentos nada triviais, a literatura acadêmica sobre os temas em questão tem sido saudavelmente renovada. O livro Redes sociais, segregação e pobreza, de Eduardo Marques, vem a público já como referência fundamental nesse processo de renovação analítica. O autor- pro-
O
Redes sociais, segregação e pobreza Eduardo Marques Editora Unesp 216 páginas, R$ 40,00
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fessor do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, do qual já foi diretor- apresenta ao leitor os resultados de uma pesquisa empírica inovadora, e de muito fôlego, sobre as relações entre redes sociais de indivíduos e condições de pobreza urbana. Com ênfase no caso paulistano, o estudo dedica-se a mapear as redes sociais de centenas de indivíduos em diferentes situações de pobreza e segregação espacial na cidade. Se este mapeamento já contribui decisivamente para demonstrar a enorme heterogeneidade intrínseca às pobrezas contemporâneas e a necessária ruptura analítica com as teses economicistas ou macroestruturais, essa é só a contribuição inicial do volume. Um estudo qualitativo complementar, realizado a partir do mapeamento das redes pessoais, contribui ainda para desvelar alguns dos mecanismos causais implicados tanto na variabilidade das redes quanto nos seus diferentes padrões ao longo dos ciclos de vida. A análise criteriosa dos resultados obtidos em campo permite a Eduardo Marques dialogar tanto com as formas tradicionais de interpretar a pobreza (renda, ocupação, condições de moradia etc.) quanto com novos e promissores parâmetros para pensá-la no país (acesso a bens e s~viços obtidos em mercados, fora de mercados, padrões de trocas e ajudas entre indivíduos e grupos etc. ). Nesse diálogo reforça-se invariavelmente a importância da sociabilidade para a compreensão da pobreza contemporânea. Ao final da leitura do livro, resta ao leitor especialista um olhar admirado ante a originalidade da proposta teórica e metodológica, que no entanto não dispensa a tradição do pensamento da questão urbana e das desigualdades sociais no Brasil; a qualquer leitor interessado, seguramente, restará o enriquecimento provocado pelo contato com resultados empíricos muitas vezes contraintuitivos, que desmistificam uma série de teses apressadas sobre as causas e as características da pobreza contemporânea. O livro de Eduardo Marques é, assim, uma contribuição fundamental tanto para o debate acadêmico sobre pobreza e segregação quanto para a formulação de políticas que visem a sua mitigação.
é professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar ), pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap ). GABRIEL DE SAN TIS FELTRAN
liVROS
História do esporte no Bra sil
Nações e di áspora s
Mary Dei Priore e Victor A. de Melo (orgs.) Editora Unesp 568 páginas, R$ 68,00
Bela Feldman-Bianco (org.) Editora Unicamp 296 páginas, R$ 50,00
O livro lança um olhar panorâmico sobre o esporte no Brasil, traçando uma trajetória desde o século XIX até os dias de hoje. Os autores apoiam-se na noção de que o esporte é parte do patrimônio cultural de um povo, sendo uma importante ferramenta na construção de identidades de classe, de gênero, de etnia. No caso do Brasil, isso fica acentuado com o futebol em nossa formação cultural e histórica.
Com ênfase na análise das ambiguidades nas relações de poder entre Portugal e Brasil por meio de um olhar sobre suas diásporas transmigrantes, o livro intenta revelar os interstícios da dominação, da subordinação, da inclusão (parcial) ou exclusão nos processos de formação e reconstrução da nação, tanto no Brasil quanto no Portugal pós-colonial.
Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com .br
Editora Unicamp (19 ) 3521-7718 www.editora.unicamp.br
Benjamini anas Um Nordeste em São Paul o Paulo Fontes FGV Editora 348 páginas, R$ 46,00 Trata-se da história dos trabalhadores migrantes nordestinos em São Miguel Paulista, bairro popular de São Paulo. Fontes analisa as relações da migração e seus impactos nos processos de urbanização e industrialização do país, em um momento de reconfiguração da classe trabalhadora no pós-Segunda Guerra Mundial, mostrando a importância das redes sociais e de um espaço público para criação de identidades e luta por direitos. FGV Editora (11) 3799-4426 www.fgv.br/editora
Olgária Chaim Féres Matos Editora Unesp 304 páginas, R$ 49,00 Os ensaios deste livro se organizam segundo a concepção benjaminiana da modernidade que, do Drama barroco alemão às Passagens, procura compreender o capitalismo atual, associando o fenômeno do fetichismo à vida política e ao estado de exceção. Os textos percorrem a obra de Benjamin a partir de três eixos: "Modernidade e fetiche"; "Racionalidade científica e mercado" e "Modernidade e fetiche: experiências do tempo': Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
A Democrac ia Corinth ia na Novas perspecti vas sobre os conflitos internacionai s Reginaldo Mattar Nasser (org.) Editora Unesp 216 páginas, R$ 36,00
José Paulo Florenzano Editora PUC-SP (Educ) / FAPESP 512 páginas, R$ 50,00
Obra que agrega contribuições de pesquisadores nacionais e estrangeiros que trabalham com política internacional e resolução de conflitos, ampliando a discussão sobre esta temática e abordando-a em cinco eixos: Direitos humanos e conflitos internacionais; Política e direito pós-11 de Setembro; Governança e segurança regional; Instituições internacionais.
O livro pretende responder questões como: "Pode um grupo de atletas assumir o controle do time e dispensar a figura do técnico-comandante?"; "A concepção do futebol arte não implica a prática do jogo como liberdade?", procurando demonstrar a existência de uma longa tradição de autonomia no futebol brasileiro que a Democracia Corinthiana retoma para instaurar o autogoverno da equipe e para reivindicar o jogador como mestre de si.
Editora Unesp (11) 3242-7171 www.editoraunesp.com.br
Educ (11 ) 3670-8085 www.pucsp.br/educ PESQUISA FAPESP 179 • JANEIRO DE 2011 • 95
FICÇÃO
A maçã
]OCA REINERS TERRON
ra 1968. Konstantin voltou ao laboratório e pegou distraidamente a maçã que sua mulher depositara na escrivaninha na noite anterior para que fizesse o desjejum. Lena andava preocupada com sua saúde, e com razão, pois ele se alimentava muito mal. Por dois segundos, ao observar o brilho da casca vermelha, Konstantin cogitou comer a maçã. Mas logo mudou de ideia e reuniu-a aos outros objetos no interior do protótipo. Na área de transferência estavam um velho relógio de pulso, que nunca atrasara sequer um segundo, e uma ampulheta que pertencera a seu bisavô. Sem piscar duas vezes, Konstantin pressionou o botão. Era a centésima ocasião que fazia isso sem obter resultado, e seu indicador começava a criar calo na ponta. Cinco minutos depois, ao abrir a portinhola, o relógio e a ampulheta permaneciam intactos, mas a maçã havia desaparecido. A partir dessa experiência, Konstantin nunca mais foi o mesmo. Todas as manhãs ele ia ao laboratório, estacionava diante do protótipo e observava a janelinha da área de transferência como se vislumbrasse através dela uma paisagem do futuro repleta de macieiras. Não compreendia o sumiço sem registras. A perda de apetite do marido preocupou Lena, que deixou de escolher as maçãs mais vermelhas e roliças do mercado. Ela não se lembrava lá muito bem da origem de sua teoria, mas atribuía poderes inexplicáveis às maçãs. Talvez tudo se devesse àqueles contos de fadas dos quais tanto gostava quando menina, ou então à atração que sempre sentiu pelo intenso rubro da casca. Durante anos seguidos, desde a manhã seguinte ao dia no qual dormira pela primeira vez com Konstantin, ela o alimentara com maçãs escolhidas com devoção. Lena creditava sua felicidade às maçãs. No entanto, depois de Konstantin relatar à mulher o que acontecera ao acionar o protótipo, ela hesitou. Lena nunca vira fruta tão reluzente como aquela que desaparecera na experiência do marido. Parecia perfeita tanto no formato quanto na cor. E o cheiro que soltava, então? Não parecia
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uma maçã da Califórnia, nem de qualquer lugar dos Estados Unidos, mas da Rússia de sua juventude. Era a maçã ideal, que traduzia à perfeição o poder das maçãs e o amor que sentia por Konstantin. E ele a desperdiçara numa de suas pesquisas, veja só. Assim, com a crescente distração do marido, Lena abandonou de vez a predileção pela fruta. Passou a servir refeições mais calóricas. Adotou a comida congelada. Konstantin nunca se conformou por não solucionar o enigma. Estava velho, e suas chances chegavam ao fim. Dia após dia ele notava que seu cérebro não tinha agilidade idêntica à de outras épocas, e até equações fáceis exigiam mais concentração do que jamais necessitara. "Se não fosse pela fidelidade e devoção de Lena, eu não me lembraria de comer", resmungava. Preocupado nem tanto com a morte mas com a perda da razão, ele deixara de prestar atenção às mudanças no cardápio. Por outro lado, entre uma e outra órbita de sua cabeça ao redor da Lua, Konstantin estranhava o comportamento da mulher. Lena parecia mais triste e passava horas diante da tevê. Também não lhe trazia mais maçãs para o desjejum. Não parecia a mesma pessoa. Poucos dias após completar 72 anos, em dezembro daquele ano, Konstantin deixou afixado um artigo na rede mundial alternativa à internet conhecida como thewall.net. Nele, explicava os motivos de seu fracasso como cientista. A rede thewall. net era o registro on-line mais antigo existente. Alguns especulavam sua origem desconhecida em cerca de cem anos. Lá havia dependurado todo tipo de pergunta sem resposta. A de Konstantin dizia assim: "O que você sabe sobre viagens no tempo? Alguém encontrou uma maçã aparentemente surgida do nada?': Morreu sem receber resposta. Com o falecimento do marido, a vida de Lena deixou de fazer sentido. Konstantin morreu tranquilamente, pois o Alzheimer apagara as obsessões científicas de sua mente. Dessa forma, Lena pôde fazer o que melhor sabia: cuidar dele. Os meses finais haviam sido bem tranquilos. Depois de alguns
II
meses de sua morte e das festas de final de ano, entretanto, Lena tornou-se nostálgica. Ela acordava no meio da noite e estendia os braços longamente em direção ao outro lado da cama, não encontrando o corpo de Konstantin. Até mesmo de seu ressonar asmático ela sentia falta, e dava risadas ao se lembrar disso. Quantas noites Lena passou sem dormir por causa do ronco de Konstantin! É esquisito como aquilo que leva uma pessoa a se apaixonar depois de um tempo torna-se o principal motivo de ódio. Talvez agora ela estivesse dando a volta completa. Havia superado a mágoa. Retornara ao início e enfim podia amá-lo novamente. Ela adormeceu.
Era 1938. Konstantin e Lena se conheceram na universidade de Moscou. Ela perdera os pais na adolescência e vivia sozinha num apartamento minúsculo perto da estação Dimitrovskaya, enquanto Konstantin concluía o doutorado no Instituto de Engenharia Física. Ele tinha 42 anos e nunca se casara. Lena completara 30 anos em janeiro. Ainda era virgem. Quase sempre sozinho pelos corredores da escola, Konstantin parecia um pássaro de asas atrofiadas pela ausência de voo. Ele não era particularmente bonito, mas tinha uma cabeleira ruiva e ouriçada que o distinguia da multidão de estudantes. Quando falava, parecia prestes a irromper em chamas. Certa vez, em um baile, uma amiga comum chamada Larissa os apresentou. Era uma boa amiga. Lena e Konstantin dançaram feito loucos naquela noite. Ele tinha um modo trôpego de caminhar que, de início, Lena atribuiu à vodca. Descobriu que ele não bebia somente ao beijá-lo sob a luz amarelada dos postes à margem do Volga. Poucas horas depois, naquela mesma noite, Lena já teria se apaixonado pelo jeito tortuoso de Konstantin de caminhar e de existir no mundo. E no início da manhã seguinte Konstantin já se tornara o mundo inteirinho dela e somente dela e de mais ninguém.
Eles caminharam abraçados até a estação, e só descobriram ao chegar que os trens haviam parado de circular fazia muito tempo. No caminho, conversaram acerca das estrelas e falaram sobre o inverno e a neve e discutiram poesia e o fluir do tempo e Konstantin recitou bem alto uns versos de Pushkin que ela não conhecia. Ele então saltitou pela mureta ao longo do rio e Lena até perdeu o fôlego quando quase caiu. Os dois gargalharam abraçados, depois disso. Ao passarem pela estação Dimitrovskaya, o sol começava a ser refletido pelos tetos de bronze da cidade ao longe. Diante de seu prédio, com o dia fulgurando no horizonte, Lena vacilou, mas acabou conduzindo o rapaz escadaria acima pelas mãos. Eles enroscaram-se no corrimão e se beijaram em celeb"ração a cada patamar vencido, até atingirem a porta estreita de madeira do apartamento de Lena; Konstantin ergueu-a nos braços e a levou até a cama. Bem no início da tarde seguinte, Lena despertou faminta. Sentia-se emergindo de um sono infinito e circular após receber um longo beijo. Enquanto descobria a distância que Konstantin ressonava num volume talvez alto demais para o seu gosto, revirou a cozinha sem encontrar nada que pudessem comer. Ao retirar a segunda lata vazia da prateleira, porém, Lena encontrou uma maçã que não se recordava de ter guardado ali. Sua casca era tão vermelha - Lena partiu-a ao meio e sentiu seu cheiro rubro-, simplesmente a maçã mais bonita que jamais vira; no quarto, Konstantin se espreguiçava. Cada um mordeu sua metade da maçã. Naquele exato instante ambos souberam que estavam unidos para sempre.
JocA REINERS TERRON é autor de Curva de rio sujo (2003) e Sonho interrompido por guilhotina (2006). O livro Do fundo do poço se vê a lua recebeu o Prêmio Machado de Assis de romance concedido pela Biblioteca Nacional em 201 O.
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candidatos devem enviar uma mensagem para o endereço pesquisa@umc.br, até o dia 28/ 02/ 2011, contendo as seguinte; informações:
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1 - Biotecno logia 2- Enge nh a ri a e ln s rrum c nraç~o Biomcd ic.1 3 - C iências Socia is A plicad as
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