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Os 20 anos da internet no Brasil
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FEVEREIRO 2011
SEÇÕES 3 IMAGEM DO MÊS 6 CARTAS 7 CARTA DA EDITORA 8 MEMÓRIA 26 ESTRATÉGIAS 42 LABORATÓRIO 70 SCIELO NOTÍCIAS 72 LINHA DE PRODUÇÃO 92 RESENHA 93 LIVROS 94 FICÇÃO 96 CLASSIFICADOS
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POLÍTICA CIENTÍFLCALIECNOLÓGICA CAPA 16 A história dos primeiros momentos da internet no Brasil
32 INTERNACIONALIZAÇÃO Programa especial atrai professores visitantes do exterior para a Unicamp
ENTREVISTA 10 Com novo livro, o historiador Boris Fausto traz lembranças do Brasil presente
38 DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA Ano Internacional da Química mostra a ciência dos átomos no dia a dia
46 ASTROFÍSICA Braços da galáxia podem estar mais perto e não serem tão espiralados como se pensava
36 INTEGRAÇÃO Pesquisadores interagem com nobéis e planejam experimentos em biologia e física
40 ENSINO DE CIÊNCIAS Professores e estudantes constroem satélite no litoral paulista
52 FÍSICA Estratégia permite avaliar interação magnética entre nanopartículas
54 GEOLOGIA Minerais encontrados pela primeira vez no Brasil já são 54
CAPA GUILHERME LEPCA
58 PALEONTOLOGIA Fóssil uruguaio indica que ave do terror desapareceu pouco antes da chegada do homem
64 FISIOLOGIA Células do endotélio armazenam informação do estado em que foram extraídas do doador
66 NEUROLOGIA 60 ECOLOGIA Larvas de vespas manipulam o comportamento de aranhas
Superexcitação elétrica do cérebro pode desregular o coração e levar à morte súbita por epilepsia
68 HOMENAGEM O adeus de Jayme Tiomno, Victória Rossetti e Lynaldo Cavalcanti
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HUMANJDADES
76 BIOTECNOLOGIA
82 HISTÓRIA
Mosquitos transgénicos serão soltos em Juazeiro, na Bahia, para combater a dengue
80 NANOTECNOLOGIA Alternativas para o combate celular de doenças e diagnósticos mais precisos
A Companhia Siderúrgica Nacional foi o teste inicial do desenvolvimentismo
88 CINEMA Como a sétima arte retrata os distúrbios mentais
IO:APuP
fUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO
EMPRESA QU E APOI A A CIÊN CIA BRASILEIRA
CELSO LAFER PR ESI DENTE EDUARDO MOACYR KRIEGER
VIC E-P RESI DENTE CONSELHO SUPERIOR
CELSO LAFER, EDUARDO MOACYR KRIEGER, HORÁCIO LAFER PIVA, HERMAN JACOBUS CORNELIS VOORWALO, MARIA JOSÉ SOARES MENDES GIANNINI, JOSÉ DE SOUZA MARTINS, JOSÉ TADEU JORGE.
LUIZ GONZAGA BELLUZZO, SEDI HIRANO, SUELY VILELA SA MPAIO, VAHAN AGOPYAN, YOSHIAKI NAKA NO
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CONSELHO TÉCNICO· ADMINISTRATIVO
RICARDO RENZO BRENTANI DIRETOR PRESIDE NTE
FARMACÊUTICA
CARLOS HENRI OUE DE BRITO CRUZ DIRETOR CI ENT fFI CO JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMI NISTR ATI VO
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~!Sql!!!i8 CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADOR CIENTfFICO), CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ, CYLON GONÇALVES DA SILVA, FRANCISCO ANTÓNIO BEZERRA COUTINHO, JOAQUIM J. OE CAMARGO ENGLER, JOÃO FURTADO, JOSÉ ROBERTO PARRA, LUfS AUGUSTO BARBOSA CORTEZ, LUfS FERNANDES LOPEZ, MARIE-ANNE VAN SLUYS, MÁRIO JOSÉ ABDALLA SAAD, PAULA MONTERO, RICARDO REN ZO BRENTANI, SÉRGIO QUEIROZ, WAGNER DO AMARAL. WALTER COLLI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA
CARTAS cartas@fapesp.br
EDITOR CHEF"E NELDSON MARCOLIN EDITORES EXECUTIVOS CARLOS HAAG (HUMANIDADES), FABRfCIO MARQUES (POLiTICA), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA), RICARDO ZORZETTO (CitNCIA)
São Paulo
Matemática
Sou engenheiro civil e fiquei muito orgulhoso ao ler a reportagem ''A cidade dos engenheiros" (edição 178) em razão de minha atividade, que é voltada a projetas hospitalares e de saúde. Lendo a matéria revi a necessidade das ações sanitárias e também humanitárias de nossa profissão. No texto fica patente a contribuição inicialmente dos arquitetos e engenheiros civis, com sua especialidade urbanística, que ajudaram a estabelecer os parâmetros e definições conceituais das cidades, que trouxeram qualidade à população e benefício à saúde. Outro ponto interessante é o paralelo entre os profissionais de engenharia/arquitetura e o higienista. Para nós, que trabalhamos no dia a dia a prática de prover o bem-estar de pessoas, pacientes e da população em geral, é gratificante ver que esse trabalho vem de longa data e foi feito por pessoas que dedicaram suas carreiras à saúde e a alavancar nossas cidades em qualidade de vida. Hoje vemos que a presença dos urbanistas, arquitetos, engenheiros e agentes sanitaristas, ao contrário do que se pensa, se torna mais necessária ainda. A visão dos administradores deve valorizar esses profissionais e trabalhar conjuntamente para reorganizar necessidades e ações.
Acompanho regularmente a revista Pesquisa FAPESP online a partir de Aracaju. Confesso que sinto satisfação e orgulho dos trabalhos financiados pela FAPESP. A reportagem "Equações da vida" (edição 178), por exemplo, é encantadora. Simplesmente fascinante. Por isso, parabéns ao professor Márcio de Castro Silva Filho e ao seu grupo de pesquisadores.
EDITORES ESPECIAIS CARLOS FIORAVANTI, MARCOS P!VETTA EDITORA ASSISTENTE OINORAH ERENO RE V ISÃO MÁRCIO GUIMARÃES OE ARAÚJO, MARG0 NEGRO EDITORA DE ARTE LAURA DAVINA E MAYUMI OKUYAMA (COOF?DENAÇÃQ) ARTE MARIA CECILIA FELLI E JÚLIA CHEREM RODRIGUES FOTÓGRAF"O EDUARDO CESAR EDITORA ON· LINC MARIA GUIMARÃES WEBMASTER SOLON MACEOONIA SOARES COLABORADORES ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ, ANA LIMA, ANDRÉ SERRADAS (BANCO DE DADOS). AZEITE DE LEOS, DANIELLE MACIEL, EVANILDO DA SILVEIRA, GUILHERME LEPCA, ISABELLE SOMMA, LAURABEATRIZ, SALVADOR NOGUEIRA, YURI VASCONCELOS OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REF"LETEM NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DA F"APESP É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E F"OTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO
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6 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQU ISA FAPESP 180
CARLOS H ER NANDES
São Paulo, SP
CLODUALDO DE ÜLIV EIRA LIMA
Aracaju, SE
Terremoto Estudos relacionados a tremores de terra são de grande importância, pois o conhecimento das peculiaridades específicas das diferentes regiões pode mudar o comportamento de toda uma sociedade local e influenciar procedimentos educativos acerca dos efeitos causados por abalos sísmicos ("Terra sacudida", edição 178) _ MART E FERREIRA DA SILVA
Atibaia, SP
Car tas para es ta revista devem ser env iadas para o e-mail cartas @fapesp.br ou pa ra a rua Joaqui m An tun es, 727 - 10° andar- CEP 05415-012 - Pin heiros São Paulo, SP. As cartas poderão ser res umidas por moti vo de espaço e clareza.
O fascínio das redes e das teias MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAÇÃO
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lguém sabe ainda o que é Bitnet? Questão um tanto difícil, não? Pois o que se ocultava por trás dessa sigla relativa a "Because It's Time Network" era a única via de conexão virtual do Brasil com os Estados Unidos e a Europa, antes que n um dia incerto de janeiro, há 20 anos, começassem a entrar nos computadores da FAPESP os primeiros sinais da internet. A velha rede ligava a Fundação diretamente ao Fermilab, o laboratório de física de altas energias de partículas atômicas, em Illinois, e, a partir dele, pesquisadores brasileiros podiam estabelecer contatos e trocar informações com seus pares em outras instituições de pesquisa dos Estados Unidos e da Europa. A conexão iniciada em 1989 funcionava via linha telefônica ponto a ponto, sem necessidade de discagem, através de um fio de cobre dentro de um cabo submarino - não, ainda não estava disponível a fibra óptica para esse tipo de serviço naquele mundo longínquo. Na verdade mais que distante, fa lamos de um mundo inconcebível para as novas gerações- há alguns meses ouvi uma das minhas netas, 6 anos naquele mom ento, interrogar perplexa minha filha, enquanto lidava com um jogo no computador ou, já nem lembro com precisão, criava em frente à televisão um avatar para mim, parecido comigo de forma espantosa: "Mãe, como é que você se divertia quando não existia internet?". Pergunta capital: que outro mundo era aquele em que vivíamos há apenas 20 anos? E como foi se montando este em que hoje vivemos? É um lado político-tecnológico dessa história absolutamente fascinante, e em especial sua face brasileira, que está na capa deste mês de Pesquisa FAPESP, aproveitando as duas décadas de vida da internet no país completadas em janeiro. A reportagem imperdível, que expõe de modo inspirado e detalhado os primórdios da montagem da internet no Brasil e resgata seus personagens centrais, foi elaborada por nosso editor de tecnologia, Marcos de Oliveira. E não poderia mesmo ter sido feita por outra pessoa da equipe, porque ele é, junto com os jornalistas Claudia Izique e Roberto Tanaka, autor de um livro sobre o tema que está em fase final de preparação na FAPESP, sob a batuta da gerente
de comunicação da Fundação, Maria da Graça Mascarenhas. Testemunho que a insistência em fazer esse livro e driblar todos os percalços que se apresentaram no caminho, sobretudo relativos a como encaminhar o texto e checar cada informação, já dura quase uma década. Sua publicação em breve merece ser festejada. E, pode o leitor indagar, o que tem a FAPESP a ver com a implantação da internet no Brasil? Vou me limitar a responder: tudo! E recomendar ao leitor que corra à página 16 para conferir e fazer uma bela viagem no tempo e no espaço virtual. Fiquei, por puro fascínio, presa na teia da internet por mais toques do que pretendia. Mas ainda há espaço no papel para tratar de outras teias, como a das aranhas Araneus omnicolor, onde elas se deixam parasitar de forma vergonhosa pelas vespas Hymenoepimecis veranae. Vou "rodar" só um trechinho da reportagem elaborada por Maria Guimarães, nossa editora da Pesquisa On-line, para o leitor se sentir impelido até a página 60: "( ... ) encontraram uma vespa pousada numa teia sem aranha à vista( ... ) logo em seguida, uma mosca foi capturada pela teia, a aranha saiu da folha enrolada que lhe servia de abrigo e, antes que alcançasse a refeição do dia, foi atacada. A vespa agarrou a aranha e inseriu o ovipositor na boca da dona da teia, liberando uma substância paralisante por tempo suficiente para que pudesse grudar um ovo na parte posterior do abdômen da vítima". Para encerrar nosso percurso por redes e teias, meu destaque final: a reportagem do editor de h umanidades, Carlos Haag, sobre a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e as razões de ela ter sido um teste crucial para o desenvolvimentismo. Mais que fornecer aço para a construção de Brasília e dos metrôs de São Paulo e do Rio de Janeiro, entre tantas outras obras fundamentais da ancoragem do Brasil no século XX, ou seja, mais que seu peso econômico, a CSN se transformou no símbolo do "Brasil do futuro", a promessa de independência econômica e social do Estado Novo. Assim, um pouco de chão do Brasil, a partir da página 82, agrega valor a esta edição que, o leitor terá notado, desperta meu entusiasmo de editora. PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 7
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IMAGEM DO MÊS
Armadilhas na floresta Com seus fios resistentes, as teias da aranha Nephi/a c/avipes podem atingir cerca de 1 metro de diâmetro. Muitas vezes chegam a formar agregados de teias, condomínios que otimizam o uso do espaço entre as árvores e a captura de presas.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 3
MEMÓRIA
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Veneno contra veneno Há 100 anos Vital Brazil publicava A defesa contra o ofidismo NELDSON MARCOLIN
Acima, Vital Brazil em 1912; abaixo, ilustração da edição em português
B • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
m 1911, o imunologista Maurice Arthus concluiu uma experiência na França que confirmou os mais importantes trabalhos do médico Vital Brazil, que, 10 anos antes, havia demonstrado que a ação dos soros antiofídicos é específica, ou seja, cada soro imuniza apenas contra o veneno de um gênero de cobra. O antissoro contra o veneno da cascavel (gênero Crotalus), por exemplo, não serve para quem for picado pela jararaca (gênero Bothrops) e vice-versa. A investigação do pesquisador francês encerrou definitivamente qualquer controvérsia sobre as descobertas realizadas em Botucatu, no interior de São Paulo, e principalmente no Instituto Butantan, que vinham salvando muitas vidas no país. Também em 1911, em fevereiro, Vital Brazil publicou A defesa contra o ofidismo, uma obra que compilou seu amplo conhecimento sobre cobras brasileiras e a profilaxia contra os venenos. A investigação de Arthus serviu apenas para tornar oficial na Europa o que já havia sido comprovado na prática no Brasil, quando o Butantan começou a distribuir soro antiofídico para agricultores. Vital Brazil Mineiro de Campanha (1865-1950) era, como seu nome esclarece, natural de Campanha (MG) . Formou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1891, e foi clinicar no interior de São Paulo, admitido no Serviço de Saúde Pública do estado. Passou por outras cidades, mas teve sua atenção especialmente despertada em Botucatu, onde havia um número elevado de trabalhadores
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do campo atacados por cobras venenosas. Foi lá que começou a testar a eficácia de extratos de plantas contra o veneno que matava, às vezes, em poucas horas. Quando foi trabalhar no então Instituto Bacteriológico em 1897, com Adolpho Lutz, suas experiências se voltaram para o uso da própria peçonha da cascavel e da jararaca na tentativa de imunizar cães e cabritos. O sucesso obtido levou à fabricação dos primeiros soros antiofídicos em 1901, mesmo ano de nascimento oficial do Instituto Butantan. "Mas para obter o veneno e fabricar o soro era preciso ter a cobra. Por isso montou um esquema de permuta entre agricultores de todo o estado: quem enviasse serpentes ao Butantan ganhava em troca soro e seringas para aplicar quando preciso", conta Nelson Ibaíiez, diretor do Laboratório de História da Ciência do Butantan. O cientista não partiu do zero. Ele conhecia os trabalhos dos franceses Césaire Philalix e Gabriel Bertrand feitos em 1894, que indicavam ser possível neutralizar toxinas utilizando antitoxinas extraídas do sangue de animais imunizados contra o veneno da Vipera aspis, serpente do sudoeste da Europa. Simultaneamente, o também francês Albert Calmette chegou à mesma conclusão ao trabalhar com a Naja tripudians, típica da Ásia. Em 1896, Calmette produzira um soro contra a naja, que
Vital Brazil (dir.) extrai o veneno de uma serpente com ajuda de um auxiliar
considerava eficaz contra todos os venenos de qualquer serpente. Vital Brazil mostrou, porém, desde o início de suas próprias pesquisas, em 1897, que essa tese não era verdadeira. O soro de Calmette, fabricado no Instituto
Edição francesa, de 1914 (esq.), e a primeira edição em português, de 1911
Pasteur de Lille, na França, não tinha efeito sobre a ação da peçonha das cobras brasileiras. Brazil e o francês iniciaram um debate científico por cartas que durou vários anos, até a tese sobre a especificidade do veneno obter reconhecimento internacional. Em 1914 A defesa contra o ofidismo foi também editada na França. "Além do aspecto social, os estudos de Vital Brazil tiveram grandes implicações no desenvolvimento da imunologia", diz Osvaldo Augusto Sant'Anna, do Laboratório de Imunoquímica do Butantan, bisneto do cientista e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Toxinas. "Ele mostrou como usar as toxinas a nosso favor. Hoje há anti-hipertensivos e analgésicos poderosos que também derivam da peçonha de serpentes."
PESQU ISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 9
Boris Fausto
A história por puro prazer Com novo livro, professor traz lembranças do Brasil presente CARLOS HAAG
le ouve com resignação: '"Ah, Boris Fausto. Eu conheço o senhor. O senhor escreveu aquele livro A Revolução de 1930'. Eu escrevi em 1969. Parece que de lá para cá eu não fiz mais nada", lamenta-se, em tom brincalhão, o historiador Boris Fausto, relembrando o "incômodo" que tem ao ser abordado, volta e meia, por pessoas que teimam em associá-lo unicamente ao seu primeiro livro. Há, porém, uma inegável dose de "destino" nessa conexão: Boris nasceu no mesmo ano do tema do seu livro e este foi sua porta de entrada para a carreira de historiador. "Muita gente pensa que eu sempre fui ligado à história, mas não é verdade. Eu fiz a Faculdade de Direito do largo São Francisco e sou advogado. Passei um bom período da vida como consultor jurídico da Universidade de São Paulo (USP) e só quando me aposentei é que tive uma experiência como professor no Departamento de Ciência Política. Eu fui historiador além de advogado", conta. Daí o título de seu novo livro Memórias de um historiador de domingo (Companhia das Letras, 2010), segundo volume de sua autobiografia iniciada em 1997 com Negócios e ócios (Companhia das Letras). O "de domingo" revela a sua relação com a história por muito tempo, como uma atividade feita nas "brechas do tempo". "O meu gosto é muito mais pela história do que a história como profissão. Passei muitos anos não querendo ser professor", confessa. Estimulado pela mulher, a educadora Cynira Fausto, Boris, aos 32 anos, profissional feito, voltou à universidade para cursar história na USP. A opção tinha razões pessoais que iam além de seu amor pela matéria: no curso de ciências sociais, mais prestigiado, estavam muitos de seus amigos intelectuais e Boris sentia-se constrangido em virar aluno deles. Mas a escolha rendeu frutos e muitos outros livros além de
A Revolução de 1930: trabalho urbano e conflito social (1976); Crime e cotidiano (1984); História do Brasil
(1994); Fazer a América (1995); Brasil e Argentina (2005); Getúlio Vargas: o poder e o sorriso (2006); O crime do restaurante chinês (2009); e, entre outros, foi um dos editores da coleção História Geral da Civilização Brasileira. Depois de ter sido pioneiro nos estudos sociais, Boris marcou forte presença nas pesquisas sobre movimentos operários e sindicalismo e, mais recentemente, como a mostrar a sua curiosidade irrequieta pela história, enveredou pela chamada micro-história, trabalhando sobre temas do cotidiano, como nesse livro recém-lançado. "Se Deus não tivesse descansado no domingo, teria tido tempo para terminar o mundo", ponderou o escritor Gabriel García Márquez. Boris Fausto concorda. Leia trechos de sua entrevista para Pesquisa FAPESP em que fica claro o seu prazer em falar mais sobre o presente do que sobre o passado.
• Como é para um historiador fazer a história da própria vida? -Tomei o cuidado de relacionar os fatos da minha história com os da história do Brasil: se você comparar a história de um país com a história de um indivíduo, entende que é preciso ter essa percepção de passado. Mais ou menos como faz o psiquiatra ao relembrar fatos da vida de um paciente. As pessoas precisam desse parâmetro. A história é uma paixão antiga minha. Eu fiz direito, mas nunca tive grande encanto pela profissão, que foi uma forma de ganhar a vida. A minha mulher, Cynira, me incentivou e eu fui fazer o curso de história depois de anos como consultor jurídico da USP. Muita gente pensa que eu fui sempre historiador, mas eu fui historiador além de advogado. Eu fui uma exceção na minha geração, porque a carreira estava se profissionalizando e as pessoas faziam pós e iam ser professoras. Eu fui meio como os historiadores do passado que raramente eram professores. Isso me deu liberdade de escrever o que queria, porque eu não tinha compromisso
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 11
com carreira. Também me aproximou de São Paulo, porque eu não podia pesquisar fora da cidade. Outra coisa que me marcou muito foi o meu avô, que era cego e eu lia o Estadão para ele quando eu era criança. O jornal naquela época tinha muita manchete internacional e com isso foi crescendo o meu interesse em história.
• Como nasceu o seu interesse pela Revolução de 1930? -A Revolução de 1930 me interessou porque eu queria fazer uma versão da história de outro ângulo que não fosse o da revolução da burguesia nacional. Eu também não tinha condições profissionais de viajar e pensei em fazer um trabalho que não fosse sobre arquivos, mas desse uma interpretação da revolução. Depois de um tempo estudando isso eu queria um tema novo e comecei a ler sobre crime, que me obrigou a fazer pesquisa pesada em arquivo e acabou me levando a escrever Crime e cotidiano. • No passado havia intelectuais que pensavam a cultura brasileira como um todo. Hoje a história é mais restrita a alguns problemas específicos. Isso é melhor ou pior? -Foi um salto grande, das estrelas como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado e outros para a história acadêmica de agora. Essas cabeças que pensavam o todo fazem muita falta, mas a história de hoje tem mais rigor técnico. Há uma quantidade grande de estudos sendo feitos e antigamente eram poucos. O bom da história é que ela sempre tem um lado concreto: você pode fazer a história da sua cidade e está criando algo inovador. É difícil fazer coisa nova em outros campos. • Quais são os fatores da história doBrasil que ainda influenciam pesadamente o nosso presente? -Eu tendo a ver a história mais se movendo do que parada, mas sem dúvida que o que foi central na Colônia e no Império foi a escravidão. O sistema escravista acabou, mas as marcas da escravidão chegaram até hoje. De formas transformadas, é claro, mas permanentes. Esse é um sistema que marca a história toda do país. Outra coisa que, digamos, marca muito é o patrimonialismo. Quer dizer, o Brasil é um país sem convicções, em que a elite, sobretudo, mas a massa também, se puder se converter em elite, não tem convicções arraigadas sobre o papel do cidadão, sobre o papel do Es12 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
A grande massa está com um projeto pessoal, conservador, de elevação. Não é absurdo, mas é assim, não é revolucionário, é conservador. Subir e consumir
tado, sobre a noção do que é público, a noção do que é privado. Então, a noção de que público e privado se misturam e quando eu tenho um lugar dominante posso tomar as coisas públicas como privadas, essas concepções distorcidas afetam as nossas noções de direito, de individualismo, de cidadania. Basta ver os exemplos recentes. Tudo isso ainda é muito claro no Brasil. Somos um país de grandes erros e acertos. Olha, sei que, por exemplo, um historiador como o Evaldo Cabral de Mello, pelo qual tenho o maior respeito, é totalmente contrário ao que vou dizer. Acho um aspecto positivo a construção do Brasil. Meio aos trambolhões, do jeito que a gente conhece, mas a construção de um Brasil unificado, no século XIX, acho que foi um momento positivo na história do Brasil. A abolição foi positiva? Foi. Mas foi tão insuficiente, tão tardia, que é um pouco como quem diz "veio, mas veio tão tarde". Você já não pode dizer que é um momento tão positivo. Chegando um pouco para tempos mais próximos, a mobilização popular pelas Diretas. Creio que é um momento social extremamente positivo na história do país. E, no plano económico, estou convencido de que o êxito do Plano Real deu a chave para uma mudança da economia brasileira e do sistema financeiro da maior importância.
Negativo há muita coisa. A própria escravidão, que foi abolida tardiamente; o patrimonialismo, de que falei; a enorme desigualdade social, essa coisa que vai se tornando escandalosa dos contrastes, que aparecem em festas, colunas sociais, eventos, carros, o diabo. A desigualdade social é realmente uma coisa muito negativa do país. O baixo nível de educação, apesar das melhoras, é um fator muito negativo na vida do país. Se quiser mais um: o Estado Novo e o regime militar, por mais que tenham tido êxitos económicos, criaram uma mentalidade ruim, provocaram danos que foram muito negativos, sobretudo do ponto de vista político e do ponto de vista da emergência da cidadania.
• Por causa da descrença nas instituições? -Acho que isso é um perigo, dos grandes, uma espécie de volta atrás no que se conquistou do ponto de vista democrático. Isso ocorreu e vem ocorrendo. Por exemplo, a construção da privatização foi acompanhada da criação de órgãos reguladores, de agências reguladoras, mas houve uma quase deliberada intenção de que elas não funcionassem. Vejo um risco por aí, realmente. E a grande massa da população não participa disso. Inútil pensar que a grande massa está preocupada com isso. Quando olhamos a popularidade do Lula, certamente ele é um exemplo. A grande massa está com um projeto pessoal, conservador, de elevação. Não é que eu diga "isso é absurdo", mas é assim, não é revolucionário, é conservador. Subir e consumir. Acho que o grosso da grande massa tem esse tipo de visão. Agora, tudo isso também pode mudar, não são coisas cristalizadas. Se tivermos um desequilíbrio inflacionário ou um grande susto internacional ou se complique a situação no Brasil, todas essas apreciações e até as visões das pessoas, talvez, mudem. Outro ponto importante é que a política perdeu muito da sua importância. O problema é que a gente precisa da política; mas temos que reconhecer que ela perdeu muito da sua força. Tem um lado positivo nisso: ela se tornou menos ideologizada, já não há aqueles confrontos como houve no passado entre udenistas e petebistas, ou a divisão de águas da época da Guerra Fria, com nacionalistas de um lado, entreguistas de outro. Isso tudo envelheceu, tornou-se arcaico e é um ganho. Agora, essa não ideologização, um processo que se desenvolve no mundo ocidental de forma variada, acabou redundando, infelizmente, numa baixa representatividade
uma alternativa que não fosse autoritária, ditatorial, "ah, bom, vamos ver essa alternativa': A comuna rural ou qualquer outra via dessas. Mas não existe. • O senhor fala muito na "flexibilização da ética': A corrupção brasileira cresceu ou só está mais visível? -Acho que ela é mais visível e ao mesmo tempo cresceu. Cresceu porque o país se tornou muito mais complexo. Quer dizer, hoje você tem uma rede de negócios, uma rede financeira, uma rede de organismos que investem em saúde, enfim, tem uma complexidade da sociedade que induz ou facilita o avanço de práticas corruptas. Não estou dizendo que todo mundo é corrupto, mas isso facilita. Ao mesmo tempo aparece muito mais que no passado porque é maior a quantidade em termos de escala, são coisas imensas. E aparece porque temos uma imprensa que incomoda os governantes e que, com todos os defeitos, é uma mídia combativa e que procura ser, o tanto quanto possível, independente. É preciso punir o crime.
dos partidos políticos. Sem idealizar o passado. Quais são os princípios, quais são as metas, por exemplo, do PMDB, que é, afinal, um partido forte e no poder? Ninguém sabe. Ninguém sabe, porque não existe. Estou dando só um exemplo, mas todos os outros partidos sofrem disso em menor grau do que o PMDB. O PT é o que sofre menos, mas também sofre e sua tendência é virar uma máquina política muito forte. Como é que a gente sai disso? É uma pergunta difícil. A educação, por exemplo, não é um fator mágico, mas ela é absolutamente necessária. A possibilidade de que se construa uma cidadania que tenha tempo pelo menos de ler jornal, ver internet, se eduque nesse sentido. A falta de tudo isso faz com que toda a representatividade da população seja muito baixa e que a política fique extremamente desvalorizada. Melhorar a política significaria essas coisas. Você não tem mais claramente o elo que liga toda uma rede da sociedade, ONGs, manifestações, expressões que são importantes, mas que não se transferem ou se transferem com muita dificuldade para o campo decisório da política. Não temos receitas para isso, temos algumas tentativas de remédio, voto distrital combinado com voto misto, mas acho que é um problema que está em aberto e piorando cada vez mais.
• Quais as consequências de não se ter mais uma noção real do que é a política? - Estamos entre os líderes salvadores e o "mar de lama". A tendência do líder salvador é grande em quase qualquer sociedade, com variáveis. Veja a América Latina. Na Argentina, quem é o herói salvador, para um setor da população? Perón. Chávez, por mais que seja combatido por metade da população, passou por herói e por salvador e tinha índices de popularidade muito grandes. Uribe, pensando pela direita: herói salvador. Então essa tendência a construir figuras e ao mesmo tempo se deixar dirigir por grandes personagens acho que é inerente. Aparece também em outros países, mas em ambientes onde a democracia tem dificuldade em se consolidar a tendência é muito forte. O que é mais importante, por exemplo, no Brasil: o Lula ou o PT? O Lula. Quem faz as coisas? É o PT, o partido? Pensando na opinião popular: é o Lula. O outro dado é que as pessoas tomam a parte pelo todo. Com certa razão, porque a parte negativa é muito grande. Então se vê o trabalho político como uma coisa infame. Sob muitos aspectos, é mesmo infame, o problema é que não podemos prescindir dos sistemas de representação, dos partidos políticos, enfim, dessas formas da democracia, que é preciso reconstruir. Se nós tivéssemos
• Em um dos seus livros (Crime e cotidiano) o senhor discute essa questão e diz que o Estado usou a punição como forma de controle social. Isso mudou? - Mudou um pouquinho, mas agora convivemos com um descontrole social. A ideia de uma forma de controle, de uma sociedade regrada, punitiva e que inclusive idealmente pretendia recuperar delinquentes, tudo isso acabou. Acho que as leis, o sistema criminal, tudo isso não dá conta de uma evolução que veio • com coisas novas, como é o crescimento da violência e, sobretudo, a extensão do tráfico de drogas, que não tem no Brasil, diga-se de passagem, a estrutura que tem na Colômbia ou no México, mas que provoca os problemas que tem provocado. Se há uma coisa que claramente se deteriorou é a questão da segurança das pessoas, a que, no princípio, não se dava importância. Sob esse aspecto, nossas cidades de hoje são piores do que as cidades do passado, que eram menores. Mas há fatos novos, como essa invasão do Morro do Alemão, no Rio, que foi uma coisa positiva. Houve violência? Houve. Houve excesso? Sim. Afinal de contas, uma parte dessa operação foi realizada por uma polícia que a gente sabe que tem uma alta dose de corrupção. Mas houve um impacto muito positivo e os esforços que estão se fazendo são inovadores, como a polícia pacificadora etc. Sei que agora está se falando em volta do tráfico ao PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 13
Alemão. O crime vai voltar, claro, porque é um problema que não está decidido. Mas acho que pela primeira vez foram tomadas medidas que tiveram um apoio razoavelmente grande da população favelada. Sou cautelosamente otimista.
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• E a questão da polícia? -Não adianta dizer "os policiais ganham mal e porque ganham mal têm tentações de toda sorte ao alcance deles e então acabam se corrompendo': Há muita gente que diz "se qualquer um de nós tivesse a chance que eles têm para desviar uma droga e ganhando o salário que eles ganham, a gente agiria da mesma forma". Claro que a melhoria salarial é importante, mas ela é insuficiente. Acho que tem que se fazer o que se está tentando fazer. Primeiro acabar com a rivalidade e implantar uma polícia unificada, acabar o quanto possível com as rivalidades e delimitar a competência ou julgar as competências quando for preciso. Você tem que melhorar o nível dos quadros policiais, isso tem a ver com salário, mas tem que ver com educação, formação. Se você comparar a polícia de São Paulo com a do Rio verá que temos aqui uma polícia com corrupção, mas que é muito melhor. Os índices de queda de homicídios no estado apontam para uma melhora real. • Vamos falar um pouco sobre as eleições. Muitos dizem que o Brasil rompeu paradigmas nas últimas escolhas presidenciais. - Acho que elas foram importantes. O povo levou um tempo muito grande 14 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
·para aceitar a ideia de um ex-operário na Presidência da República. Ainda que o Lula tenha sido eleito na quarta tentativa e que tenha mudado muito a sua fala para chegar lá, ele realmente representou uma novidade. O caso de uma mulher no poder é claro que reflete o fato de que ninguém hoje, na sociedade brasileira, pode dizer que "mulher não entende de política, mulher não pode assumir o poder". O que se dizia é "essa mulher não tem experiência política". Nesse sentido, a vitória da Dilma é uma novidade, porque pela primeira vez temos uma mulher na Presidência. Mas obviamente a forma como se deu isso, quer dizer, um presidente com 87% de popularidade interferindo em todos os níveis para garantir a vitória dela, tira muito o aspecto de "essa mulher foi reconhecida como capaz de governar". O que se reconheceu foi "o nosso líder Lula pode escolher homem, mulher, ou quem ele quiser, que a gente vota, porque as condições do país melhoraram, porque minha vida melhorou". Agora, tudo isso impõe mudanças ainda assim, porque ninguém vai discutir que uma mulher não pode ser presidente ou que não se pode eleger alguém com baixa qualificação educacional. A elite política se transformou . Para bem ou para o mal? Eu acho que para mal. Foi inevitável, mas nessa fase é para mal. Ela piorou de qualidade, porque existe um nível de corrupção muito maior nessa elite. Mas esse é um fenômeno quase inevitável. Você vê hoje uma elite sindical como
nunca tivemos no passado. E com uma força controladora, e muitas vezes tendendo ao abusivo, muito grande. Se o Serra tivesse ganhado, acho que a relação seria infernal, em que, quaisquer que fossem os defeitos ou os acertos dele como presidente, haveria uma guerra a quase todas as iniciativas do seu governo. Isso é uma coisa que se tomou de um interesse corporativo vital. No caso do governo Dilma, a tendência, pelas raízes, é apoio. Agora, isso pode esbarrar em interesses. Por exemplo, se o corte de gastos públicos vier a comprometer certas vantagens, se a posição que lideranças sindicais ocupam hoje nos fundos vier a ser alterada, pode dar em atrito. Acho que essa é uma força que está aí e dificulta o projeto de alguns em compatibilizar o que há de melhor no PSDB reconstruído e o que ainda existe de melhor no PT. Acho que esse é o setor sindical, que veta isso. Lula até falava nisso, mas da boca pra fora, porque todas as centrais sindicais, com exceção das menos representativas, dizem amém a ele. O exemplo maior é o Paulinho da Força Sindical. • O sindicalismo brasileiro pode voltar a
ser uma força progressista como antes ou não há retorno após ter virado governo? -Não ouso prever, não ouso dizer. Acho que hoje ele foi para o poder com estruturas que vêm do tempo do getulismo, somadas à estrutura dos grandes fundos de pensão. Vai ser preciso a construção de novas lideranças, mas é muito difícil, porque o paradigma alterou-se de vez. Não é por acaso que se fala tão pouco em classe operária e se fala tanto em massa, mas de que massa, na sopa de letrinhas: A, B, C etc., a D que subiu para C. Isso é curioso após um operário ter sido presidente. Mas é preciso lembrar que Lula nunca foi representante da classe operária. Ele não é o líder trabalhista que chegou ao poder e se identifica com a classe operária. Pelo contrário. Ele fala que o chão de fábrica é uma coisa horrível para se trabalhar. Ao dizer que ficou extasiado quando comprou seu primeiro carro passou muito rapidamente de uma condição restrita a altos níveis de consumo. Cadê a identificação dele com a classe operária? Ele sabe falar para uma grande massa, mas identificação de classe, como a gente pensou no passado, isso não existe, nem ele quis produzir. A "não identificação" de classe era uma condição da sua vitória. Acho que ele percebia isso há muito tempo e o PT é que continuava na sua ideologia classista.
• Como analisa a evolução do PT? -Acho que o PT mudou muito. Se você pegar o PT que não votou o texto da Constituição, que expulsou os deputados que quiseram assinar o texto da Constituição, que expulsou a Erundina porque ela foi assumir um cargo de poder e o PT que aplaude oficialmente qualquer aliança que o favoreça, há uma diferença muito grande. O partido mudou radicalmente. Aqueles que saíram do PT, por exemplo, são pessoas da maior dignidade que não conseguiram construir um partido. O PSOL é pequeno e não tem significação. Hoje preferimos falar de "refundação", porque criar partidos é uma complicação. • E como fica a situação do PSDB? - Fica mal, não é? Qual foi o segredo da permanência do Getúlio, do prestígio dele? Ele ganhou a massa trabalhadora. Foi um dado fundamental no prestígio getulista, sobretudo pelos últimos tempos no segundo período, ainda que ele tenha terminado dramaticamente. Ora, se eu tivesse que pensar numa forma, uma estratégia, há um dado do momento que não tem muito jeito. O PSDB como organização é extremamente imperfeito. Como necessidade no espectro político, ele tem muita relevância, apesar da sua condução muitas vezes imprópria. Por que digo isso? Porque 50 milhões de brasileiros não votaram na candidatura oficial. E, dentre esses, boa parte simpatizou com o PSDB. O partido governa São Paulo há 20 anos. Agora, qual é a tarefa inicial hoje no PSDB? É tentar virar um partido, ser uma oposição coerente que não apenas busca votos. Já se perdeu muita eleição querendo ser meio "camaleão", meio pragmático, negando o que o partido sustenta. O objetivo inicial é ganhar essa grande classe média que se formou no país. É preciso fazer um encontro entre essa classe sem abandonar o setor popular, mas pensar como trabalhá-lo. Não há dúvida de que se não se abandonar certos hábitos, se não se fizer um esforço grande de aproximação não vai haver encontro do PSDB com uma grande massa popular, o que não é bom. Não estou dizendo que a massa deva ser do PSDB. O que é bom é a massa ter mais alternativas e mais elos. • Como o senhor avalia o governo Lula? - Para falar do positivo, repito o que todo mundo está falando: a incorporação de setores muito grandes a uma classe
A era Lula siQnificou uma banalização da Presidência da República. Não sou daqueles que falam: "Não, o país cresceu, as massas subiram, isso é o que importa
média, algo que não sabemos se é consolidado ou não. Também há o êxito do Bolsa Família, com todos os seus lados assistenciais, embora não seja uma coisa que se possa eternizar. Há o aumento real do salário mínimo, que já vinha do governo Fernando Henrique. A condução prudente na área econômica, contrariando tudo que o PT pensava no passado. Agora, a era Lula significou uma banalização, uma vulgarização da figura do presidente da República que é muito negativa. A Presidência tem uma representação do chefe de Estado, um indicador de procedimento, um parâmetro para o povo da cidadania. Acho que essa perda da liturgia do poder presidencial, essa "avacalhação" do poder presidencial tem consequências muito negativas. Por isso e por um desprezo pelas instituições, pelas alianças a qualquer preço, pelo pragmatismo que abandonou qualquer resquício de princípios, acho que o governo Lula foi um retrocesso quando comparado ao governo anterior. Não sou daqueles que falam: "Não, o país cresceu, as massas subiram, isso é o que importa".
• E em relação ao governo Dilma: qual a sua expectativa? -Do ponto de vista social é difícil dizer o que está acontecendo, os sinais de risco sobraram para ela. Essa é a herança maldita dela. A inflação assusta. Há também um mundo que não resolveu inteiramente os problemas da crise, o que deixa um ponto de interrogação sobre o que pode ser o governo da Dilma no plano econômico. Eu não quero fazer adivinhações. Afinal, quem diria que o governo Lula passaria bem pela crise mundial? Não aconteceu a "marolinha" de que ele falou, mas o Brasil saiu razoavelmente bem da crise. Do ponto de vista político, na composição do ministério, há alguns nomes positivos, ainda que permeado por aquela necessidade que enterra o sistema político brasileiro de fazer acordos com o partido mais forte, que é o PMDB. Tudo isso impõe uma composição ministerial que sempre não é a desejada por quem assume o poder. Aconteceu com o Fernando Henrique. E acontece com ela. Por outro lado, algumas coisas vejo com simpatia. Como a abstenção do Brasil no voto da ONU censurando o Irã no caso do apedrejamento da Sakineh. Outra coisa é a mudança de ênfase, um governo menos espalhafatoso, um pouco mais cuidadoso, que não faz do espetáculo sua grande arma, como foi o governo Lula. • O senhor é um grande fã de futebol. O que ele diz sobre o brasileiro? - Estou desencantado com o nível de mercantilização. Como vejo essa paixão, apesar de tudo? A paixão virou um fenômeno mundial. Porque pode ter marketing, mas tem a beleza do jogo, a sua simplicidade, alguma coisa de emoção, de paixão que o futebol preenche. A seleção brasileira vai jogar no Haiti e parecia que ali estavam chegando deuses. Para aquela população carente, ver o Brasil jogar preenche alguma coisa de emoção, de paixão. No caso do Brasil também é isso. Para mim é uma coisa que vem da infância. Agora que estou inevitavelmente no fim da vida a minha paixão pelo futebol voltou a ser igual àquela do menino de 12 anos que brigava na escola pelo Corinthians. Sempre fui uma pessoa racional, calculada, que cumpre seus compromissos, bom aluno, bom advogado (e espero que bom escritor): a irracionalidade do futebol faz um bem imenso. Quando você se vê, você é outro. E é muito bom. • PESQUISA FAPESP 180 • FE VEREIRO DE 2011 • 15
dos computadores da empresa Digital. Softwares especiais de conversão faziam uma máquina se comunicar com outra. Como a internet crescia no meio acadêmico norte-americano e o Fermilab também resolveu entrar nessa rede sem desligar as conexões Bitnet ou Decnet, a FAPESP, por meio da rede Ansp, foi junto. A partir desse início até 1994, quando começou a internet comercial no país, a conexão com o Fermilab provia todas as transmissões via internet do Brasil com o exterior. Não há registro dos conteúdos das primeiras mensagens da internet que chegaram ao Brasil. Getschko e sua equipe não registraram e não lembram o que diziam os primeiros e-mails. Para eles, naquele momento tratavase de mais uma rede a administrar e fazê-la funcionar, e evidentemente todos, inclusive nos Estados Unidos, não tin ham noção do sucesso que ela alcançaria dentro de poucos anos. Mas, para receber a internet, a equipe de Getschko se preparou. Ela começou a ser planejada em 1990, quando Al-
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FICOU DECIDIDO OUE,OUANDO O FERMILAB MUDASSE PARA A INTERNET, NÓS IRÍAMOS JUNTO, DIZ GETSCHHO
berto Gomide, engenheiro e analista de sistemas da Ansp, esteve no Fermilab para conhecer a nova tecnologia. "Lá eles adiantaram que iriam migrar para a internet, com TCP/IP, e que a rede iria se chamar Energy Science Network (ESNet)", conta Getschko. "Ficou decidido que, quando o Fermilab mudasse para a internet, nós iríamos junto", lembra. O Transmission Control Protocol!Internet Protocol (TCP!IP) é o principal protocolo, ou linguagem, usado pela internet. O software para rece-
1941 1o computador
É criada a Arpa, a agência militar de pesquisa que busca tecnologias que não centralizem o processamento de dados
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Leonard Kleinrock, da Ucla, apresenta tese de doutorado sobre o que viria a ser chamado de comutação de pacotes eletrônicos
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Z3: o primeiro computador programável do mundo. Foi desenvolvido em Berlim, na Alemanha, por Konrad Zuse
18 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
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1958
1961
Criação da Arpa
Kleinrock
ber a internet no Brasil era chamado Multinet, comprado da empresa TGV norte-americana e que Joseph Moussa, especialista em software da rede Ansp na época, instalou no computador VAX da marca Digital na FAPESP. O Multinet tinha características comuns aos computadores da Digital e podia substituir o rateador na conexão com a nova rede. "O jeito certo de conectar a internet teria sido usar uma caixinha externa, um rateador, que só conseguimos um ano depois", diz Getschko. O software Multinet instalado por Moussa foi especificado por Gomide e conseguia estabelecer a conexão usando uma interface comum dos computadores Digital. "Quando o Multinet chegou, no meio das férias do Gomide, o Moussa desempacotou aquilo, pegou as fitas, que eram dectapes [fitas magnéticas para armazenar dados
A Arpa contrata Joseph Licklider, um dos mentores da rede mundial de computadores e um dos criadores da Arpanet
e softwares da Digital], instalou no VAX e conseguiu rodar o software e testar os primeiros pacotinhos [pacotes são a forma de identificar os sinais eletrônicos de dados com informação na internet] ", lembra Getschko. Gomide disse que na época não viu muita diferença entre as duas tecnologias. "A Decnet era tão completa quanto a própria internet. Considerando que não existia nem ao menos a ideia do www, todas as possibilidades de conexão com outras máquinas eram
Primeira comunicação entre computadores da Arpanet. Acima, esquema de funcionamento da rede original e trecho da agenda de Kleinrock do dia 29 de outubro
praticamente as mesmas que tínhamos com a Decnet. A única mudança foi a efetivação do domínio.br para os e-mails", disse Gomide em entrevista para um livro que a FAPESP está preparando sobre o ass unto (os autores são Claudia Izique, Marcos de Oliveira, e Roberto Tanaka). Naquela altura do desenvolvimento de redes, a troca de mensagens servia como correspondência e troca de dados, e não existia a possibilidade de enviar e receber fotos, por exemplo. A conexão com o Fermilab era então de 9.600 kilobits (Kbps)- até setembro de 1990 ela não passava de 4.800 Kbps -, algo muito inferior, por exemplo, a uma conexão doméstica atual de 1 megabit por segundo (Mbps) ou com a atual conexão da Ansp com os Estados Unidos, de 1O Gigabits por segundo (Gbps ).
Raymond Tomlin son, da empresa BBN, cria um programa de correio eletrônico para a Arpanet usando o símbolo @
Robert Kahn, da Darpa, convida Vinton Cerf, do Instituto Stanford, para ajudá-lo a desenvolver um novo protocolo para a Arpanet que resultou no TCP/IP
1962
1969
1971
1974
Licklider
1a conexão da Arpanet
1° e-mail
Kahn e Cerf PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 19
1981
Bitnet
1986
1983
1° PC
NSFnet
1
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A Bitnet é criada por pesquisadores das universidades da Cidade de Nova York e Vale
Depois de anos de testes, o TCP/ lP é implantado em todos os computadores da Arpanet
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Aberto e simples - No final de 1990, a Bitnet e a Decnet, entre outras redes proprietárias, estavam em decadência e a internet crescia e disseminava o TCP/IP, um protocolo aberto e não de um fabricante como os outros. "Até a década de 1990 não existia tecnologia para fazer as redes crescerem em TCP/IP em grande escala. Nos anos 1980, a tecnologia de fibra óptica e de modems sobre fios de cobre já estava dominada, mas ainda era preciso resolver o problema dos protocolos para permitir que os computadores conversassem. Isso limitava a expansão da internet", analisa Luís Fernandez Lopez, professor de informática médica da Faculdade de Medicina da USP e coordenador da rede Ansp. "A grande vantagem do TCP/IP é ele ser um protocolo aberto e simples. Por isso, todo mundo saiu fazendo programas, placas, softwares e hardwares", diz. "O importante da internet é a retirada dos computadores do sistema porque a comunicação não ocorre diretamente entre eles [grandes computadores ou mainframes], mas sim por meio de rateadores [que procuram a melhor rota para a transferência de pacotes eletrônicos em que são transformadas as mensagens]. A rede tornou-se extremamente flexível e fácil de crescer", explica Getschko.
20 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
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. -. A experiência adquirida pela equipe da Ansp permitiu que a FAPESP, além de se tornar a conexão brasileira com a internet, se transformasse no centro técnico do início da internet brasileira, inclusive servindo à Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) criada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. A RNP se formou em 1989 e já se preparava para se ligar à internet em 1990, o que aconteceu em 1992, proporcionando o acesso a várias instituições de pesquisa do país. O grupo do CPD da FAPESP
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A National Science Foun dation lança a NSFnet com o objetivo de interl igar redes à "inter net"
foi formado quando a Fundação decidiu criar uma rede para entrar na Bitnet, que havia começado a funcionar em 1981, desenvolvida por pesquisadores da Universidade da Cidade de Nova York e da Universidade Yale, no estado de Connecticut. Ela interligava grandes computadores em que as pessoas podiam se comunicar usando terminais (monitor mais teclado) conectados a essas má quinas, principalmente para trocar e-mails. O objetivo era conectar instituições acadêmicas. Em 1988 eram mais de 1.400 universidades e agências governamentais interligadas em 49 países, inclusive o Brasil. Na Europa, em 1982, a Bitnet estabeleceu uma conexão com a Rede de Pesquisa Acadêmica Europeia, lançada e mantida pela IBM, que reuniu 19 países e mais de 500 computadores. A Bitnet foi a primeira conexão brasileira com uma rede internacional. Era uma linha direta entre o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro, conectada em setembro de1988, e a Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. A Ansp entrou na Bitnet em abril del989. De forma diferente da conexão pioneira do LNCC no Rio, em São Paulo foi necessário formar uma rede com as universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp) e a Estadual Paulista (Unesp ), mais o Ins-
1988
1989
1990
1991
Rede Ansp
Bitnet na FAPESP
Criação da www
Internet no Brasil
O LNCC, do Rio de Janeiro, entra na Bitnet. É criada a Ansp para implementar também a comun icação via Bitnet, popular rede mundial de computadores
Prime ira conexão internacional na FAPESP. Também é lançada a Rede Nacional de Ensino e Pesqu isa (RNP)
tituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). A necessidade de entrar na Bitnet surgiu entre os pesquisadores e bolsistas que voltavam de estudos nos Estados Unidos e na Europa e sentiam falta das mensagens eletrônicas comuns nos ambientes acadêmicos que haviam frequentado . Aqueles que mais solicitavam os correios eletrônicos eram os pesquisadores do Instituto de Física (IF) da USP. O atual professor do mesmo IF, Philippe Gouffon, em 1987 estava concluindo uma bolsa de estudos de pós-doutorado no Fermilab e já sabia que a instituição norte-americana estava disposta a se conectar com a universidade brasileira por meio de sua rede, a HEPNet (High Energy Physics Network). Ele trouxe a ideia para o professor Carlos Escobar, do IF, que integrava a coordenação da área de física da FAPESP. "Apresentei a proposta ao Oscar Sala, que era o presidente da Fundação", contou Escobar. Tanto Sala, que era físico do mesmo instituto da USP, como o professor Alberto Carvalho da Silva, médico-fisiologista, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor presidente do Conselho Técnico Administrativo da Fundação, acataram o projeto, antevendo que a conexão entre o Laboratório de Física de Altas Energias da USP e o Fermilab permitiria o desenvolvimento de estudos em parceria.
Timothy Berners-Lee, do Cern , escreve o protocolo HTTP da www
EM 1989, UMA ESPÉCIE DE LISTA TELEFONICA DE COMPUTADORES LISTAUA A ANSP NA REDE BITNET. ENDEREÇOS DA INTERNET AINDA ERAM POUCOS À
Quando estava sendo elaborada, em 1987, a rede ganhou a sigla Span, acrônimo de São Paulo Academic Network, mas antes de entrar em operação mudou de nome. "Descobrimos que Span era uma rede da Nasa, a agência espacial norte-americana, com o nome de Space Physics Analysis Network. Aí trocamos para Ansp, que consistiu em inverter
meira conexão no Brasil. Foi recebida por Joseph Moussa, Alberto Gomide e Demi Getschko, a partir da esquerda na foto
o Span", lembra Getschko. Depois de aprovada pelo Conselho Superior da Fundação, a Ansp pôde se conectar à Bitnet em 1988. Logo foi reconhecida como uma das redes mundiais de computadores. Ela consta no livro com nome estranho e cheio de símbolos, os mesmos usados para endereçamento das várias tecnologias utilizadas até aquele momento: !%@::A directory ofelectronic mail addressing & networks, de Donallyn Frey e Rick Adams, da editora O'Reilly, editado em 1989. "Era uma espécie de lista telefônica mundial onde existiam todas as máquinas como mainframes, PCs", lembra Getschko. Além do reconhecimento da Ansp, feito com menos de um ano de conexão, o LNCC também estava listado representando o Brasil. O livro relacionava a Bitnet e as demais redes de computadores e usuários. Percorrendo suas páginas é fácil identificar que as destinadas à internet ainda continham poucos endereços, restritos a algumas universidades norte-americanas. Outro dado interessante é a proliferação de formas de endereçamento. Nem todos usavam @, alguns utilizavam o/o ou !. "Nós tínhamos e-mails bem estranhos na época, juntando essas diversas redes': lembra Getschko. Um exemplo é o da Hepnet concebido assim: usuárioo/ofpsp. hepnet@lbl.gov, sendo fpsp, FAPESP, e o LBL (Lawrence Berkeley National LaPESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 21
1994
1995
Internet comercial
NSFNet
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1993 Mosaic
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Pesquisadores da Universidade de Illinois Urbana-Champaign criam o Mosaic, o primeiro navegador com informações ráficas da web
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boratory) , o ponto de interconexão das redes nos Estados Unidos. A história ou a sorte da internet certamente dá uma guinada positiva com a possibilidade de acesso global a vários tipos de informação que se abriram com a world wide web, a www, a partir de 1991 nos Estados Unidos. A internet cresceu e logo, em 1994, começou a sair do âmbito acadêmico e tornar-se também comercial. No Brasil, em 1995, o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério das Comunicações criam o Comitê Gestor da Internet (CGI), formado por representantes da academia, das empresas envolvidas nas conexões, provedores e usuários. Uma das tarefas do CGI era cuidar do registro de no mes de domínio.br, mas essa tarefa foi atribuída pelo com itê à FAPESP, que já registrava os nomes dos usuários e fazia a distribuição dos números IP, que identificam cada computador. Ele é uma associação de nome com um número que pode ser acessado pela rede. "Em 1989 nós já tínhamos o '.br' registrado para o Brasil antes da internet", diz Getschko. Ele foi designado para a FAPESP em 18 de abril de 1989 por Paul Mockapetris e Jonathan Postei, da Autoridade para Administração de Números Internet (Iana, na sigla em inglês). Em relação aos nomes dos registres da intern et, Getschko e sua equipe não lembram qual foi o primeiro a se inscrever para ter o nome na web. Entre os primeiros 22 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
A internet é aberta para uso comercial no Brasil. A FAPESP continua como único ponto de troca de tráfego até 1998
.com certamente estavam UOL, BOLe Estadão. "Os pedidos chegavam à FAPESP e o Gom ide olhava um por um e dizia: Quem é você? É provedor? Então não pode ser acadêmico, vai ser .com.br. No exterior, o procedimento era idêntico e também gratuito. Os primeiros registres .com.br foram realizados por Gomide à mão. "Não precisava de um software. Ele examinava caso a caso e fornecia o número IP [Protocolo Intern et que identifica cada computador]." Certamente essa forma de registro logo mudou para um software e começou a ser pago devido aos custos envolvidos. A FAPESP teve uma grande participação no início da internet também como o único ponto de troca de tráfego (PTT) até 1998, quando vários provedores trocavam o tráfego no terceiro andar
A NSFNet, que manteve a internet no momento de grande expansão, transfere sua estrutura principal de rede para a iniciativa privada
do prédio da FAPESP, no bairro do Alto da Lapa, em São Paulo. O PTT significa um local onde estão os roteadores que fazem a comutação entre os sistemas autônomos da internet. Por exemplo, é um local onde um e-mail emitido pelo provedor Terra endereçado ao provedor Gmail encontra a rota de destinatário. "A Ansp era um território livre e neutro, onde se podia trocar tráfego à vontade. Todo mundo conseguia chegar com um cabo de telefone ou uma fibra óptica no terceiro andar do prédio da Fundação, que virou um PTT", diz Lopez. "Mas, precisa ficar claro, não passava tráfego comercial na linha internacional dentro da rede Ansp, as empresas simplesmente usavam o local para troca de tráfego", diz. Com a ampliação da rede, PTTs privados foram instalados, além de a FAPESP deixar totalmente as atribuições relativas à in ternet para o CGI. Com a separação total, a Ansp voltou a ser uma rede acadêmica como muitas existentes no mundo. Para suprir a internet acadêmica, ela mantém um PTTA, ponto de troca de tráfego acadêmico na cidade de Barueri, o nde ocorre a troca de tráfego entre as universidades e institutos de pesquisa, além de possuir uma conexão para a internet comercial. •
NASCE A INTERNET_ Os passos científicos e tecnológicos que fizeram a grande rede mundial de computadores
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uitos foram os pais da internet, porque ela não foi obra nem inspiração de apenas uma pessoa. Nasceu e se desenvolveu num ambiente acadêmico com financiamento da Advanced Research Projects Agency (Arpa), uma agência militar de pesquisas ligada ao Departamento de Defesa (DoD) norte-americano, criada em 1958 para enfrentar a chamada Guerra Fria que os Estados Unidos travavam com a então União Soviética. A ideia era buscar tecnologias que não centralizassem o processamento e o arquivamento de informações nos grandes computadores e permitissem a troca de dados entre eles. Em outubro de 1962, a Arpa contratou Joseph Licklider, que havia sido pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e trabalhava na Bolt Beranek and Newman (BBN), empresa formada por professores e alunos do MIT. Licklider pesquisava a interação entre computadores e usuários e havia estudado física, matemática e psicologia. Ele publicou, ainda no início dos anos 1960, uma série de artigos em que comentava a possibilidade de utilizar computadores interconectados para compor uma comunicação global com acesso a bibliotecas eletrônicas. Na Arpa ficaram famosos os seus memorandos chamando seus colegas de "membros da comunidade intergaláctica de computadores': Licklider foi o primeiro diretor do Escritório de Técnicas de Processamento da Informação (IPTO, na sigla em inglês), que foi o embrião da Arpanet, a predecessora da internet. Algumas tentativas iniciais foram feitas pela Arpa para conectar computadores, mas não tiveram sucesso. A história começou a mudar quando Leonard Kleinrock, professor da Universidade da Califórnia de Los Angeles (Ucla), apresentou, em maio de 1961,
no MIT uma tese de doutorado com uma teoria que mais tarde seria chamada de comutação de pacotes, em que a informação seria transformada em pequenos pacotes eletrônicos antes de ser enviada para outro computador, o que caracteriza a internet atual. Na mesma época, o engenheiro Paul Baran, da Rand Corporation, uma organização criada no final da Segunda Guerra Mundial para assessorar a Força Aérea norte-americana, também demonstra viabilidade da comutação de pacotes eletrônicos digitais. Do outro lado do Atlântico, na Inglaterra, a comunicação por pacotes também era objeto de estudo. O professor Donald Davies, do Laboratório Nacional de Física do Reino Unido, coordenou, no início dos anos 1960, um projeto de redes de comunicação de computadores financiado pelo governo britânico. Foi ele que deu o nome packet (pacote) ao sistema em um memorando do NPL em junho de 1966. Nessa época já existia teoria suficiente para seguir em frente na formatação de uma rede de comutação de pacotes e, em 1968, os pesquisadores da Arpa, sob a coordenação de Lawrence Roberts e Robert Taylor, elaboraram com a participação de pesquisadores de outras universidades, inclusive Kleinrock, um sistema chamado de Interface Message Processo r (IMP) para permitir a comutação de pacotes de dados entre computadores de fabricantes diferentes. Já naquele momento foi definida a função dos hosts, computadores hospedeiros de dados que mais tarde seriam chamados de rateadores com a função de levar as mensagens até o destino correto. Para implementar o sistema a Arpa fez uma licitação e a BBN ganhou. Na empresa, entre outros pesquisadores estava Robert Kahn, que anos depois foi um dos autores do protocolo darePESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 23
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de internet, ou Transmission Control Protocol-Internet Protocol (TCP /IP) . Em setembro de 1969 foi instalado o primeiro hostda futura rede na Ucla, no laboratório de Leonard Kleinrock O segundo computador foi conectado no Stanford Research Institute (SRI), em Menlo Park, também na Califórnia, no laboratório do professor Douglas Engelbart, pesquisador que, junto com William English, criou o mouse em 1968. A primeira conexão aconteceu naquele mesmo mês de outubro de 1969, no dia 29, às 22h30, com uma mensagem que partiu do laboratório de Kleinrock para o SRL No seu site ele conta como isso aconteceu: "Eu estava supervisionando o estudante-programador Charley Kline e nós fizemos a transmissão da mensagem do computador Host SDS Sigma 7 para o computador Host SDS 940 da SRL A transmissão era simplesmente para fazer o login [código de acesso] para a SRI com a equipe do professor Engelbart. Nós tivemos sucesso em transmitir o' l' e o 'o' e então o sistema caiu. Por isso, a primeira mensagem na internet foi 'lo' [olhe]. Nós estávamos aptos para fazer o login total uma hora mais tarde". No mês seguinte, entraram na rede as duas outras unidades iniciais da Arpanet, a Universidade Californiana de Santa Bárbara (UCSB) e a Universidade de Utah, instalada na cidade de Salt Lake City. Ela começou como uma rede com quatro grandes computadores e uma velocidade de 2,4 kilobits por segundo (kbps), que logo subiu para 50 Kbps, após acordo com as companhias telefônicas proprietárias das linhas que sustentavam a rede. 24 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
Perto do fim A primeira geração de números Internet Protocol (lP), que identifica cada computador, está se esgotando
Para a internet funcionar e cada mensagem chegar a seu destino ou ainda o usuário encontrar um servidor vinculado a um determinado site, cada equipamento da rede possui um número previamente codificado. Ao se conectar pela primeira vez à internet, o novo computador, e mais recentemente um celular ou tablet, recebe um número lP, o Internet Protocol, que o identifica dentro da rede. Por abranger o mundo todo, a liberação e controle dos números é centralizada na Autoridade para Administração de Números Internet (lana, na sigla em inglês), instalada nos Estados Unidos. Desde o início da internet utiliza-se um conjunto de números existentes, conhecido como lP versão 4 (1Pv4), com 4,3 bilhões de números. Mas ele está se esgotando. Existem disponíveis para o mundo apenas 2,73% do total. A solução que já está sendo implementada é o 1Pv6, um sistema com um número fantástico. A nova versão é igual ao número 340, seguido de mais 36 números, ou 79 trilhões de trilhões de vezes o espaço do 1Pv4. Os novos equipamentos e sistemas operacionais já estão preparados para o novo sistema, que ainda vai conviver com o antigo por muitos anos.
Esquema para guerra - A Arpanet estava então concebida e testada como uma rede de comunicação descentralizada, sem uma central de operações. Dos quatro computadores, se dois não funcionassem em um ambiente de guerra, por exemplo, os outros dois poderiam se comunicar. Por envolver a segurança nacional, naquele momento, a Arpanet ficou restrita a alguns institutos de pesquisa governamentais e universidades. Em dezembro de 1970, o Network Control Protocol (NCP), o antecessor
"O problema está no provedor, se precisar de muitos números e ainda ele não se adaptou ao 1Pv6, terá dificuldades para acessar a rede no futuro", diz Demi Getschko, diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), a entidade que recebe blocos de números do lana e é responsável no Brasil para distribuição e controle dos números lP. Foi ele, quando coordenava o CPD da FAPESP e iniciava a internet no país, que recebeu da lana o primeiro lote de números lP para o Brasil de 4 milhões de números em 1994, quando a internet entrou na fase comercial. "Antes pedíamos diretamente a eles e depois de recebermos os números organizávamos os blocos para a USP, a Unicamp e demais institu ições acadêmicas. Os demais alocávamos gratuitamente por meio de um formulário de justificação", diz Getschko. Somente em 2005 a FAPESP deixou de fazer esse controle. Naquele ano, o Comitê Gestor da Internet (CGI) tomou para si essa responsabilidade e criou o NIC.br.
do TCP/IP, ficou pronto tornando a comunicação mais fácil. Logo depois, universidades como Carnegie Mellon, Harvard, MIT, além da agência espacial norte-americana (Nasa) e empresas como BBN e Rand, estavam conectadas. A troca de mensagens logo ganhou mais facilidades com um programa dedicado a correio eletrônico, desenvolvido em 1971 pelo engenheiro eletrônico Raymond Tomlinson, da BBN. No ano seguinte, a Arpa passa a se chamar Darpa com a adição da palavra "defesa" na sigla.
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EM 1986, A NSFNET SURGIU PARA INTERLIGAR REDES, A 'INTER NET', OU FAZER UMA REDE DE REDES
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Mesmo criada com fins militares, a Arpanet conectava principalmente pesquisadores acadêmicos e as trocas de mensagens começaram a extrapolar a esfera militar e científica, pulando também para troca de mensagens pessoais. No restante do mundo novas redes como a Bitnet começaram a surgir, mas o NCP era incompatível com elas. Para resolver esse problema, Robert Kahn, agora contratado da Darpa, chamou o professor Vinton Cerf, do Instituto Stanford, para formatar um novo protocolo de intercomunicação. Depois de vários experimentos realizados com o novo protocolo, o Departamento de Defesa resolve que, em janeiro de 1983, todos os computadores da Arpanet deveriam mudar para o TCP. Com a Arpanet fechada para poucos, algumas universidades norte-americanas queriam ter uma rede própria. Em 1979, essas universidades ganham o apoio da National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos. Dois anos depois, com
um orçamento de US$ 5 milhões, começou a funcionar a Compu ter Science Network (CSNet) reunindo grupos de pesquisa de computação que estavam fora da Arpanet. A nova rede usou o TCPI IP e foi a primeira a ter conexão com a Arpanet. A CSNet foi mantida pela NSF por um período de três anos, depois se tornou independente. Sem a CSNet, a NSF planejou uma nova rede mais ampla que pudesse abranger não apenas os estudiosos em computação e transformá-la em uma ferramenta para a pesquisa acadêmica, inclusive fornecendo a tecnologia para qualquer pessoa dentro da universidade, e não apenas para os pesquisadores. A instituição lançou em 1986 a NSFNet com o objetivo de interligar redes, a "inter net", como foi escrito ou fazer uma rede de redes. A NSFNet começou
suas atividades utilizando o TCP/IP a uma velocidade de 56 kbps. Ela estimulou redes regionais nos Estados Unidos e montou uma estrutura de conexões de internet no país. No início dos anos 1990, a maioria das redes, como a Bitnet e a CSNet, passou a ser rateada para a internet, demonstrando a versatilidade do sistema. Nesse ponto, os militares resolveram criar a sua própria rede, a Milnet, e a Arpanet foi extinta. Nos anos seguintes, outros países aderiram à NSFNet e ocorre um aumento sem precedentes que fez crescer os olhos de quem estava fora das redes acadêmicas ou saía da universidade e sentia falta delas. Assim, em 1991, a NSF permite o uso da rede para fins comerciais e a partir de 1995 transfere sua estrutura para a iniciativa privada. Antes de a internet tornar-se aberta a todos, outra tecnologia surgiu para fortalecê-la. Foi o nascimento da world wide web, nos laboratórios da Organização Europeia de Pesquisas Nucleares, conhecida como Cem. Ela foi concebida pelo físico inglês Timothy Berners-Lee, pesquisador da instituição, que estudava um sistema para trocar documentos científicos entre instituições ligadas ao Cern existentes em várias partes do mundo. Ele criou o hipertexto e meios de acessar links, além de facilitar a troca e a exposição de documentos. O termo world wide web foi inventado por ele quando escrevia o código do novo sistema em 1989. Berners-Lee propôs, em 1990,junto com o engenheiro belga Robert Cailliau, o protocolo de transferência de hipertexto (HTTP, na sigla em inglês) e a linguagem de marcação de hipertexto (HTML), um software para desenho de páginas na web. O HTTP é também um protocolo baseado no TCP/IP. Como tudo na internet, o crescimento foi muito rápido. Contou muito para essa expansão o fato de o Cern e Berners-Lee não solicitarem uma patente do invento. Com o sistema HTTP difundido, pesquisadores do Centro Nacional de Supercomputação e Aplicações, da Universidade de Illinois, campus de Urbana-Champaign, nos Estados Unidos, criaram o Mosaic em 1993, o primeiro navegador da web com as informações posicionadas de forma gráfica que depois originou o Netscape, o primeiro comercial, que difundiu a web para todo o planeta. • PESQU ISA FAPESP 180 • FE VEREIRO DE 2011 • 25
ESTRATÉGIAS MUNDO
A AMAZÔNIA DO EQUADOR TEM PREÇO
AR MAIS LIMPO
I NA EUROPA
As cidades da Europa estão mais iluminadas, ou melhor, menos poluídas. As estratégias da União Europeia criadas ao longo das últimas décadas para melhorar a qualidade do ar estão funcionando, de acordo com relatório da Agência Ambiental Europeia (EEA) distribuído em janeiro. A introdução de padrões de controle de emissão de poluentes para os carros reduziu em 80% a liberação de monóxido de carbono nas estradas e em 40% a de partículas finas de 1990 a 2005, mesmo com um aumento de 26% no consumo de combustíveis. Em consequência, altas concentrações de ozônio se tornaram menos frequentes na maioria dos países
europeus, especialmente na região do Mediterrâneo. As emissões atuais de óxidos de nitrogênio e de enxofre pelas indústrias estão bem abaixo da época anterior à implantação das políticas para controle de emissões de poluentes. As áreas mais industrializadas da Alemanha, Itália, Holanda e Polônia foram as que apresentaram as maiores reduções. De acordo com o relatório da EEA, as emissões poderiam ser reduzidas ainda mais se os padrões antipoluição dos veículos fossem inteiramente aplicados em todos os países europeus. Principalmente no sul e no leste, as emissões ainda poderiam ser reduzidas à metade, já que as dos países centrais como Dinamarca, Alemanha e Holanda já estão de acordo com a legislação atual.
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O governo equatoriano está pedindo US$ 3,6 bilhões para manter intacta uma área da floresta amazônica rica em biodiversidade -e em petróleo. O argumento: a exploração de petróleo- iminente, se ninguém bancar essa proposta - poderá trazer benefícios econômicos aos moradores dessa região, uma reserva ecológica, mas também riscos ambientais inerentes à atividade. Não há, porém, nenhuma garantia de que o Equador cumprirá o que promete. O valor pedido corresponderia a cerca da metade do que a exploração dos estimados 850 milhões de óleo cru renderia. Por enquanto, a única proposta veio de um grupo de ambientalistas que conseguiu arrecadar apenas US$ 100 mil depois de três anos de campanha. Os planos para a exploração do petróleo na Amazônia equatoriana avançam. Pelo menos uma empresa, a lshpingo-Tambococha-Tiputini, demonstrou interesse em explorar uma área de 1,2 mil quilômetros quadrados, próximo à fronteira com o Peru. Kelly Swing, diretor da Estação de Biodiversidade Tiputini, da Universidade de San Francisco de Quito, diz que o uso de técnicas modernas poderia reduzir o risco de contaminação do solo e dos rios. Se, porém, a construção das estradas de acesso continuar, o equilíbrio ambiental se perderá (NatureNews).
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CUIDADOS URBANOS Quem, afinal, tem mínimos cuidados ambientais, ao menos separando os resíduos de lixo reciclável em casa? Um levantamento com quase 5 mil pessoas na China indicou que os funcionários de grandes empresas que vivem em cidades populosas como Pequim ou Xangai são até cinco vezes mais pró-ativas ambientalmente do que as com empregos mais modestos de cidades menores. Segundo Xiaodong Chen, da Universidade do Estado de Michigan (MSU), nos Estados Unidos, isso ocorre porque os colegas de trabalho influenciam a adoção de valores ambientais e hábitos como reciclar embalagens; além disso, essas práticas exigem equipamentos, como cestos para classificação de lixo, que as empresas podem oferecer com o apoio das empresas. O questionário indagava se as pessoas separavam o lixo, reciclavam embalagens, conversavam _ _ ___, pequenas
sobre problemas ambientais com a família e os amigos e participavam de programas ambientais. "Como a China é uma das economias de crescimento mais rápido do mundo e as
DADOS
I COMPARTILHADOS Em um comunicado conjunto, as 17 maiores agências de financiamento à pesquisa biomédica do mundo concordaram em compartilhar os resultados dos estudos apoiados por elas. Representantes de
órgãos de governo e de fundações dos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, França e Canadá que assinaram o documento reconheceram que poderão assim ampliar os benefícios à saúde de milhões de pessoas, valorizar ainda mais o dinheiro investido nas pesquisas e prod uzir ciência de qualidade mais alta. Eles reconheceram que o hábito de compartilhar informações está bem estabelecido entre pesquisadores da área biomédica, mas na pesquisa de saúde pública ainda não é a norma, mesmo entre os especialistas. Essa estratégia deve conciliar as necessidades, de um lado, dos pesquisadores que geraram ou querem usar os dados e, de outro, das comunidades que as agências esperam beneficiar. ( Reuters)
cidades apresentam muitos desafios ambientais, é importante entender esse comportamento", diz Jianguo Liu, diretor do Centro de Integração de Sistemas e Sustentabilidade da MSU. O estudo foi financiado pela National Science Foundation, dos Estados Unidos, publicado na Environmental Conservation.
EDITORA5 CORTAM I ACESSO LIVRE As grandes editoras estão cortando o acesso gratuito dos países pobres aos artigos científicos que elas publicam. No começo de 2011, pesquisadores de Bangladesh receberam uma carta comunicando que quatro grandes editoras não mais forneceriam acesso livre às 2,5 mil revistas científicas do sistema Health lnterNetwork for Access to Research Initiative (Hinari) . Pesquisadores de outros países receberam comunicados semelhantes. O Hinari permitia o acesso
a 700 publicações a 4,8 mil instituições de 105 países, dos quais 64 são pobres. Em 2009, a Elsevier obteve um lucro de US$ 693 milhões por meio da publicação e venda de artigos científicos; a Wolters Kluwer, proprietária da Lippincott Williams & Wilkins, outra grande editora, lucrou US$ 234 milhões; e a Springer, € 275 milhões. Tracey Koehlmoos, de Bangladesh, e Richard Smith, da Inglaterra, os dois autores de um artigo da revista The Lancet que descreve essa situação, consideram urgente uma revisão nessas decisões.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 27
UGANDA TENTA OUTRA VEZ
COLEGAS NA JUSTI ÇA I A Corte Superior de Lima anulou uma sentença que condenava Ernesto Bustamante, pesquisador do Colégio de Biólogos do Peru, em um caso inédito naquele país. Ele havia sido processado por uma colega, a bióloga Antonieta Gutiérrez Rosatti, da Universidade Nacional Agrária La Molina, que se ofendeu com as críticas que ele fez ao trabalho dela sobre milho transgênico. Bustamante disse publicamente que o estudo de Antonieta tinha graves erros metodológicos e não havia sido submetido à análise de outros especialistas. Ela reagiu e processou o colega, que em abril de 2010 foi condenado por difamação, obrigado a pagar uma multa equivalente a US$ 1,8 mil e impedido de sair do país. Pesquisadores do Peru e de outros países protestaram, alegando que houve uma coerção à busca da verdade
que caracteri~a o trabalho científico. Bustamante recorreu e inverteu a sentença. O jogo mudou também por outra razão: em junho de 2010, o Instituto Nacional de Pesquisa Agrícola (Inia) informou que, ao contrário do que Antonieta havia afirmado em 2007, nenh u m sinal de milho transgênico havia sido encontrado nas 164 amostras colhidas na região onde ela teria trabalhado. A Corte Superior determinou o reinício do julgamento, caso não haja uma conciliação entre os interessados (SciDev).
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Uganda deu mais um passo na tentativa de implementar, na prática, uma política de ciência, tecnologia e inovação (C,T&I). A estratégia para tanto foi aprovada pelo governo em 2009 e tinha como meta fortalecer a capacidade de gerar, transferir e aplicar tecnologias, mas quase nada aconteceu. No começo de dezembro de 2010, pesquisadores, professores e políticos se uniram para definir o melhor modo de tornar real as metas propostas. Agora será utilizado um estudo do Banco Mundial sobre aplicações industriais, que identificou seis áreas onde o financiamento de projetas poderá trazer benefícios a curto prazo para o país: ciência da computação, engenharia civil, engenharia ambiental, ecologia, ciências da alimentação e ciências agrárias (SciDev). "Esse é o primeiro passo para passarmos da política para a ação", disse uma das autoras do estudo, Sara Farley, da Iniciativa Conhecimento Global, organização com sede em Washington especializada em apoiar parcerias em áreas científicas. O presidente Yoweri Museveni prometeu destinar uma parte da renda dos recém-descobertos campos de petróleo de Uganda para C,T&I e deu aos pesquisadores do setor público um aumento salarial de 30%.
TRATAMENTOS I MAIS CAROS Mesmo que os tratamentos mais caros contra o câncer não sejam adotados de imediato, os gastos
por pessoa com a doença devem aumentar rapidamente nos próximos anos (Nature). Uma equipe do Instituto Nacional do Câncer, que integra os Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, estimou o crescimento da população norte-americana, a incidência de câncer e as taxas de sobrevivência e concluiu que os custos do governo poderiam subir cerca de 20o/o até 2020. De acordo com esse estudo, um aumento de apenas 2o/o nos custos do tratamento no estágio inicial e no final poderia elevar os gastos para US$ 173 bilhões em 2020.
ESTRATÉGIAS BRASIL
FOCO NAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS A FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Pernambuco (Facepe) lançaram nova chamada de propostas para seleção de projetos de pesquisa cooperativa e intercâmbio de pesquisadores e estudantes em ciências agronômicas, ciências da vida, exatas, sociais e engenharias. Os projetos devem estar relacionados às mudanças climáticas globais. As propostas poderão ser articuladas em conjunto, se for o caso, com as de cientistas da França submetidas a duas opções de chamadas da Agence Nationale de Recherche (ANR). As fundações de São Paulo e de Pernambuco consideram temas para pesquisa, entre outros, o monitoramento físico e biogeoquímico do oceano Atlântico tropical ocidental, o mapeamento dos usos e cobertura da terra e a mensuração dos estoques e fluxos de carbono na região semiárida e em outras regiões brasileiras (ver o edital em www.fapesp.br/facep). As propostas podem ser apresentadas até o dia 14 de abril, simultaneamente pelos pesquisadores de São Paulo à FAPESP e de Pernambuco à Facepe. Para propostas franco-brasileiras o proponente francês deve seguir as datas publicadas pela ANR.
DIRETORES SÃO RECONDUZIDOS
Brito e Eng ler: novos mandatos
Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, e Joaquim J. de Camargo Engler, diretor administrativo, foram reconduzidos para exercer suas funções no Conselho Técnico-Administrativo da Fundação pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, em janeiro. Os novos mandatos são de três anos. Brito Cruz é professor no Instituto de Física Gleb
Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que dirigiu por duas ocasiões. Graduou-se em engenharia eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e obteve os títulos de mestre e doutor em ciências no Instituto de Física Gleb Wataghin. Esteve como pesquisador convidado no Istituto Halo-Latino Americano na Universitá degli Studi, na Itália, visitante residente nos Laboratórios Bell da AT &T, nos Estados Unidos, e professor visitante na Université Pierre et Marie Curie, na França. Foi reitor da Unicamp. Na FAPESP exerceu o cargo de presidente e é diretor científico desde 2005. Engler é engenheiro agrônomo formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq)
da Universidade de São Paulo (USP), na qual é professor titular do Departamento de Economia, Administração e Sociologia. É doutor em agronomia pela Esalq e mestre e doutor em economia agrícola pela The Ohio State University, nos Estados Unidos. Entre outros cargos, foi diretor da Esalq, coordenador da Comissão de Especialistas de Ensino de Ciências Agrárias do Ministério da Educação, coordenador de Administração Geral da USP, coordenador e prefeito do campus da USP em Piracicaba, diretor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e chefe de gabinete do reitor da USP. Também foi professor visitante do Centro de Estudos de Economia Agrária do Instituto Gulbenkian de Ciência de Portugal.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 29
PARQUE CREDENCIADO O primeiro credenciamento definitivo no Sistema Paulista de Parques Tecnológicos foi dado ao Parque Tecnológico-São José dos Campos (PqTec-SJC). No estado há 30 outras iniciativas para implantação de parques tecnológicos, 18 delas com credenciamento provisório. O investimento total no PqTec-SJC, até o momento, foi de R$ 996,5 milhões entre recursos da prefeitura, do governo de São Paulo (incluindo FAPESP e Unesp), do governo federal, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e da iniciativa privada.
Parque de São José desenvolverá tecnologias
Com área total de 12,5 milhões de metros quadrâdos, o parque tem quatro Centros de Desenvolvimento de Tecnologias nas áreas de energia, aeronáutica, saúde e recursos hídricos e saneamento ambiental. Já há planos para outros centros relacionados aos setores automotivos, ferroviário e espacial. Os centros funcionam por meio de parcerias entre empresas-âncora, universidades e institutos de pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias específicas. O parque deverá também abrigar nos próximos meses 27 empresas de base tecnológica no seu Centro Empresarial1.
1 MINUTO 1 DE CIÊNCIA O Museu Exploratório de Ciências da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) abriu inscrições para o concurso latino-americano e caribenho de vídeos de divulgação científica. Elas poderão ser feitas até 11 de março em <www.mc.unicamp.br/ redpop2011 >. A premiação ocorrerá dia 30 de maio durante a 12 3 Reunião Bienal da Rede de Popularização da Ciência e Tecnologia na América Latina e Caribe (RedPop ), que será realizada na
Unicamp de 29 de maio a 2 de junho. Com o tema Transformação, o concurso aceitará trabalhos nas categorias Jovem, para participantes com até 18 anos, e Adulta, para os acima dessa idade. Os vídeos, com duração entre 60 e 120 segundos, poderão ser inscritos em uma das três grandes áreas do conhecimento: ciências humanas e sociais, exatas e tecnológicas e biológicas. Os premiados serão exibidos nos sites de Pesquisa FAPESP (www. revistapesquisa.fapesp.br), da 17• Mostra Ver Ciências e do Museu Exploratório da Unicamp.
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COMEÇA CEbJSO
I DEEDUCAÇAO Este mês começa a ser realizado, via internet, o Censo da Educação Superior 201 O em todo o país. O período de coleta de dados será de 15 de fevereiro a 15 de abril e a divulgação dos dados consolidados está prevista para o dia 25 de jul_ho. O trabalho é realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) do Ministério da Educação e reúne informações sobre as instituições de ensino superior, seus cursos de graduação presencial ou a distância, cursos sequenciais, vagas oferecidas, inscrições, matrículas, ingressantes e concluintes, além de colher dados sobre docentes nas diferentes formas de organização acadêmica e categoria administrativa. O Censo de 2009, por exemplo, divulgado em janeiro, mostrou que os cursos tecnológicos tiveram
crescimento de 26,1% de 2008 para 2009. No período foram registradas 680,6 mil matrículas, enquanto no ano anterior a marca foi de 539,6 mil. Dessas 680,6 mil matrículas de 2009, 101 mil foram em instituições públicas. O número de professores chegou a 307,8 mil e o de alunos a 5,9 milhões. Já a quantidade de doutores que lecionam em universidades teve crescimento de 16% em 2009. Nas instituições públicas, 75% dos professores são mestres e doutores. Nas particulares, 55%, de acordo com os dados do Inep.
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UM METEORITO I NO JARDIM Uma pedra de 1,9 tonelada está exposta no jardim do Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast), no Rio de Janeiro, não apenas para ser vista, mas também tocada pelos visitantes. De especial, o pedregulho gigante tem o fato de ter vindo do espaço. Trata-se do meteorito Santa Luzia, o segundo maior objeto espacial conhecido no Brasil, identificado em 1922 no município de Santa Luzia de Goiás, atual Luziânia (GO) . O maior meteorito achado até hoje no país é o de Bendegó, de 5,35 toneladas, encontrado no sertão baiano em 1784. Um meteorito surge quando um meteoroide, formado por fragmentos de asteroide, cometas ou ainda restos de planetas, alcança a superfície da Terra e não se desintegra completamente durante a queda. Quando encontrado, geralmente o meteorito recebe o nome da cidade ou localidade mais próxima de onde foi achado. O Santa Luzia, peça emprestada do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, ficará exposto durante todo o primeiro semestre deste ano no Mast.
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NOVAS AUTORIDADES
O novo ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, definiu em janeiro os principais integrantes de sua equipe. O secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento será Carlos Nobre. Climatologista, o pesquisador é coordenador da Rede Clima e do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais. Para a Secretaria de Política de Informática foi escolhido Virgílio Almeida, coordenador do Centro
de Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Glaucius Oliva, do In stituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP), foi nomeado para o Conselho Nacional
(CNPq) . Ele também é diretor do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural, um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid), financiados pela FAPESP. O ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e diretor-geral do Parque Tecnológico-São José dos Campos, Marco Antonio Raupp, foi convidado para assumir a Agência Espacial Brasileira. Para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) vai o sociólogo Glauco Arbix, da USP, membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e ex-coordenador-geral do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP.
PRÊMIO PARA A LÍNGUA PORTUGUESA A Associação das Universidades de Língua Portuguesa, órgão internacional que envolve países que tenham o português como idioma oficial, lançou a edição 2011 do Prêmio Fernão Mendes Pinto. O prêmio, no valor de € 10 mil, será concedido à tese ou dissertação defendida no ano de 2010 que contribua para a aproximação das comunidades de língua portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, TimorLeste e Macau. Os candidatos deverão enviar currículo e duas cópias da tese, em papel e digital (mais informações em www.aulp.org). A proposta deverá ser acompanhada de uma declaração da universidade ou do instituto ao qual o autor pertence, acompanhada de parecer do orientador. PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 31
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[ INTERNACIONALIZAÇÃO ]
Qualidade e experiência Programa especial atrai professores visitantes do exterio r para a Unicamp lSABELLE SOMMA
o primeiro semestre deste ano começa a etapa mais importante do projeto de internacionalização da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Programa de Professor Visitante. Pelo menos cinco pesquisadores e professores que atuam em outros países deyem desembarcar em Campinas durante 2011 para ministrar aulas e fazer pesquisas na universidade pelo período de um a dois anos. "Estamos resgatando a tradição da Unicamp de receber profissionais experientes do exterior", afirma Ronaldo Pilli, pró-reitor de Pesquisa da universidade. Esse resgate se refere à própria fundação da universidade, que se formou a partir do convite a professores estrangeiros e brasileiros que trabalhavam em instituições fora do Brasil. Os principais objetivos do programa, de acordo com Pilli, são atrair pesquisadores brasileiros ou estrangeiros com experiência internacional e melhorar o conceito de cursos de pós-graduação da universidade que ainda não obtiveram os conceitos 6 e 7 da avaliação trienal realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que atestam serem de nível internacional. Além disso, trazer pesquisadores de fora aumentaria a possibilidade de intercâmbio acadêmico com instituições de pesquisa. Mas o projeto de internacionalização não tem como objetivo fazer a universidade galgar posições em rankings internacio-
O recrutamento foi direcionado a profissionais que tivessem pelo menos cinco anos de nais. "Talvez esta seja uma consequência natural", diz Pilli. O Programa de Professor Visitante teve início em 2009, com a inserção de anúncios em periódicos estrangeiros especializados em ciência, como Science e Nature. O recrutamento foi direcionado a profissionais que contassem com pelo menos cinco anos de doutoramento e que tivessem linhas de pesquisa definidas. Foram recebidos 240 currículos de todo o mundo entre 2009 e 2010. "Cerca de 15o/o deles não preenchiam os requisitos", explica o pró-reitor. Boas condições -Após o recebimento,
a etapa seguinte foi enviar os currículos aos respectivos departamentos. Pelo menos 1O foram selecionados e seis candidatos desembarcaram em Campinas no ano passado para conhecer a universidade e ministrar seminários. Outros estão previstos para este ano com todas as despesas pagas pela Unicamp. Três dos visitantes já foram contratados e devem chegar este semestre. Outros dois estão em processo de contratação. Segundo o pró-reitor de Pesquisa, a maior parte tem entre 35 e 45 anos e experiência em pesquisa e docência. O francês François Artiguenave foi o primeiro candidato a vir conhecer a Unicamp, em março de 2010. Doutor em genética e biologia molecular, dirige desde junho de 2006 o Laboratório de Bioinformática do Genoscope do Centre National de Séquençage, na França. Ele começa a trabalhar na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp em março. O primeiro a iniciar o período de professor visitante será o doutor em 34 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
doutoramento e linhas de pesquisa definidas
física médica pela Universidade Simon Bolívar, na Venezuela, onde é docente, Mario Bernal. "Espero desenvolver minha linha de pesquisa baseado nas boas condições de trabalho que terei na Unicamp. Além disso, acho que posso acrescentar minha experiência em física médica ao programa de graduação da área e espero contribuir para o desenvolvimento de um programa de pós-graduação neste mesmo ramo", afirma Bernal, cuja chegada para o Instituto de Física Gleb Wataghin estava prevista para janeiro. Outro pesquisador experiente que trabalhará na Unicamp será Alan Hazell, fisiologista originário de Trinidad e Tobago que hoje dirige o Laboratório de Neurorresgate da Universidade de Montreal, no Canadá. "Fiquei particularmente impressionado com a história de excelência acadêmica da Unicamp, a qualidade de seus pesquisadores da área médica e com as instalações que já existem", diz Hazell, que estuda doenças neurodegenerativas, linha de pesquisa que desenvolverá no Departamento de Neurologia.
Além das condições de trabalho, outros fatores que impressionaram os pesquisadores foram o corpo discente e o comprometimento do alto escalão da Unicamp com o programa. "Visitei a universidade em agosto e fui recebido pelo reitor e pelo pró-reitor de Pesquisa. Esse fato reflete a importância que as autoridades da universidade dão à pesquisa e especificamente ao Programa de Professor Visitante", opina Mario Bernal. "O que me chamou a atenção especialmente foi o envolvimento dos alunos em pesquisa e o número de pós-graduandos", contou Paulo Martins, do Instituto de Computação da Chaminade University, no Havaí, brasileiro radicado há 15 anos nos Estados Unidos. Martins fez graduação e mestrado na Universidade Federal de Santa Catarina, se doutorou na Universidade de
York, no Reino Unido, e trabalha no Havaí. Viu no anúncio da Unicamp publicado na revista de ciências da computação Communications of the ACM (Association of the Compu ter Machinery) uma ótima oportunidade para voltar à terra natal. Ele desembarcou em Campinas em setembro e deve se fixar na Faculdade de Tecnologia, no campus de Limeira. Especialista em sistemas de tempo real e redes de computadores, gostou do que viu em sua visita. "Conheci os campi de Barão Geraldo e de Limeira. Estive em vários laboratórios e fiquei bastante impressionado com as estatísticas da Unicamp, que de certa forma são comparáveis com instituições do exterior. Também me chamou a atenção, ao conhecer a região de Campinas, o seu potencial como polo tecnológico." Bom momento - Aqueles que atenderam ao chamado se interessaram tanto pela boa fama da universidade quanto pela capacidade de financiamento da FAPESP. O valor internacionalmente competitivo das bolsas e do investimento em pesquisa oferecido pela Fundação, fortalecido pela taxa de câmbio atual do real, é atraente. "Esses professores visitantes vindos do exterior terão também o mesmo tratamento de um docente regular em seus pedidos",
Ronaldo Pilli: oportunidade para todos
Os que
atenderam ao chamado se interessaram tanto pela boa fama da Unicamp quanto pela capacidade de financiamento da FAPESP
garante Ronaldo Pilli. O pró-reitor de Pesquisa lembra que o acesso a financiamento para pesquisas está especialmente difícil no hemisfério Norte em decorrência da crise econômica. Além disso, as oportunidades de contrat'!ção na área acadêmica estão menores por lá. É, portanto, um bom momento para atrair pesquisadores com potencial. Iniciativas como essa já chamaram a atenção da imprensa internacional. A revista The Economist destacou, em reportagem publicada na edição de 6 de janeiro, as oportunidades oferecidas aos pesquisadores no Brasil, principalmente no estado de São Paulo. O investimento vindo da FAPESP e das próprias universidades estaduais paulistas é considerado pela publicação britânica o principal atrativo para os pesquisadores estrangeiros. Outra vantagem apontada é o potencial para crescimento profissional. Os recém-chegados terão a oportunidade de participar de concurso para professor permanente a ser aberto no final de seu período de visita. Não é exigido o domínio do português, pois
tanto as aulas como os concursos para contratação de quadro docente terão, além do português, a língua inglesa como opção. Na outra ponta, os alunos de pós -graduação da universidade terão a oportunidade de se aperfeiçoar no idioma por meio da convivência com esses pesquisadores e de cursos a serem oferecidos pela própria Unicamp. "De um lado, a experiência me dará a chance de conhecer o ambiente de pesquisa no Brasil. Por outro lado, oferece a oportunidade de me candidatar a professor integral, o que considero de importância crucial para mim e para minha família . Além disso, a situação de financiamento é excelente e permitirá um impulso em minhas pesquisas com o apoio de alunos e equipamentos de ponta", afirma o alemão Renê Rosenbaum. Último a conhecer a universidade, Rosenbaum é pesquisador associado do Institute ofDataAnalysis and Visualization da Universidade da Califórnia, em Davis. Mão dupla - A Unicamp quer também enviar seus docentes para períodos fora do Brasil. O incentivo virá com o apoio aos que quiserem fazer pós-doutoramento no exterior. Aqueles que receberem financiamento para estágios de pós-doutoramento no exterior de agências de fomento terão recursos do Fundo de Apoio à Pesquisa/Faepex-Unicamp para serem empregados em seus laboratórios quando retornarem. Os alunos não serão prejudicados no período. "Vamos oferecer vagas para temporários assumirem suas aulas", afirma Pilli. Ele observa que é uma necessidade enviar os professores em início de carreira para uma experiência acadêmica internacional. "Temos 1.800 docentes na carreira de magistério superior. Cerca de 70% têm, pelo menos, seis meses de experiência em pesquisa no exterior." A internacionalização de recursos humanos deverá ser o principal investimento da universidade em 2011. "Temos uma média de 50 docentes contratados por ano na universidade. Com o programa gostaríamos de acrescentar, pelo menos, mais 10 docentes a cada ano." •
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 35
~ [ INTEGRAÇÃO ]
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O mapa da luz
Pesquisadores interagem com nobéis e planejam experimentos em biologia e física
CARLOS FIORAVANTI
36 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA F"APESP 180
uem já trabalhava com luz síncrotron para estudar proteínas, ossos de fósseis, rochas, medicamentos ou materiais para computadores ajustou os planos de trabalho vendo o que outros grupos de pesquisa estão fazendo. Quem ainda pouco sabia desse campo viu que esse tipo de luz pode ter aplicações acadêmicas e industriais. De 17 a 25 de janeiro, 18 especialistas de seis países - entre eles uma ganhadora de um Prêmio Nobel de Química e outro de Física- conviveram com pesquisadores e com 76 estudantes de pós-graduação de 24 países ( 13 deles eram do Brasil) durante a Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA) do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. A ESPCA é uma modalidade lançada em 2009 pela FAPESP para financiar a organização de cursos de curta duração em pesquisa avançada nas diferentes áreas do conhecimento do estado de São Paulo. "Queremos aumentar a visibilidade do laboratório para potenciais pesquisadores do exterior", comentou Antonio José Roque da Silva, diretor do LNLS. "Neste momento, em que começamos o projeto de um novo anel de luz, temos de olhar para o futuro e para o que outros estão fazendo." Chamado de Sirius, o novo anel deve ter 460 metros de circunferência- o atual tem 93 metros- e energia bem maior (ver "Brilho maior", Pesquisa FAPESP n° 172). Única fonte
de luz síncrotron na América Latina e uma das duas no hemisfério Sul, ao lado da Austrália, o LNLS atende pesquisadores de universidades e empresas do Brasil e de outros países. Às vezes, o contraste com outros países é grande. "Enquanto muitas empresas brasileiras ainda estão tentando ver como utilizar a linha de luz síncrotron para melhorar a qualidade de seus produtos, a empresa japonesa Toyota está usando uma linha própria", diz Silva. Antiga usuária do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), em Grenoble, na França, a companhia resolveu construir uma linha própria, que funciona desde 2009 no Japão. Gemma Guillera, pesquisadora que cooperou com a Toyota, contou que essa linha de luz deve apoiar o desenvolvimento de novos catalisadores para redução de poluentes, de baterias e de células a combustíveis. ''A espectroscopia de absorção de raios X [uma das formas de análise por meio da luz síncrotron usadas pela equipe da Toyota] fornece informações sobre comprimentos das ligações atômicas, o tipo e o número de átomos", disse ela. Pesquisadores e estudantes viram como as pesquisas emergem - e o quanto podem demorar até levar aresultados grandiosos. A israelense Ada Yonath contou que trabalhou durante quase 30 anos em seu laboratório do Instituto Weizmann, de Israel, e em fontes de luz síncrotron dos Estados
Unidos, da Alemanha e do Brasil até desvendar a estrutura e a função de componentes celulares conhecidos como ribossomos, essenciais para a produção de proteínas. Para avançar, ela e outros especialistas tinham de obter cristais desses componentes celulares, algo considerado impossível durante décadas, mas finalmente obtido por meio do resfriamento das células. O domínio da técnica e o decorrente salto sobre o conhecimento sobre os ribossomos renderam a ela e a outros dois pesquisadores- Venkatraman Ramakrishnan, do Laboratório de Biologia Molecular em Cambridge, Inglaterra, e Thomas Steitz, da Universidade Yale, Estados Unidos- o Prêmio Nobel de Química de 2009. No final da apresentação, ela agradeceu ao Instituto Weizmann "por ter me permitido perseguir meus sonhos". Novas memória s - O físico francês Albert Fert, pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas Científicas ( CNRS) e um dos ganhadores do Nobel de Física de 2007, falou dos fundamentos e de aplicações da spintrônica, uma nova forma de eletrônica que explora não a carga elétrica, mas outra propriedade, o spin (sentido do giro), dos elétrons. É o fundamento de memórias de computador mais potentes que empresas dos Estados Unidos, da França e do Japão devem lançar nos próximos anos. Fert e o físico alemão Peter Grünberg receberam o Nobel de Física de 2007 por causa da identificação simultânea, em 1988, da magnetorresistência gigante, um efeito mecânico quântico observado em materiais composto por materiais magnéticos e não magnéticos que resulta em uma variação intensa da resistência elétrica com o campo magnético. Esse efeito permitiu a ampliação da memória de computadores e celulares, que agora deve aumentar ainda mais, por meio de uma nova geração de dispositivos, com base na spintrônica. Quem almoçou com Fert verificou que ele pensa com prazer não só nos computadores do futuro, mas também nas próprias férias. Prestes a completar 73 anos, em março, Fert pratica windsurf, normalmente na França ou no Caribe. Ele já esteve duas vezes em Botafogo, no Rio, não para falar de física, mas para surfar. •
[ DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA ]
Em ebulição Ano Internacional da Química mostra a ciência dos átomos no dia a dia
s químicos deixaram de lado a habitual discrição para fazer de 2011 o Ano Internacional da Química. Lançado oficialmente em 27 de janeiro em Paris, com apoio da Unesco, o braço das Nações Unidas voltado à educação e ciência, e da União Internacional de Química Pura e Aplicada (Iupac), o ano consiste de uma série de eventos a serem realizados em vários países, incluindo o Brasil. Aqui a programação prevê exposições itinerantes sobre o papel histórico e atual da química, lançamentos de livros e de materiais didáticos, encontros com expoentes da química brasileira e mundial e palestras organizadas em conjunto pela Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e por Pesquisa FAPESP em São Paulo, com início previsto para abril. Outras atividades para o público em geral ocorrerão também em outras cidades, como no Rio de Janeiro, em Florianópolis, designada Ilha da Química, e em Teresina, que abrigará a Olimpíada Ibero-americana de Química. Por meio dessas atividades, os quím icos pretendem apresentar a química - normalmente ofuscada pelos grandes projetos internacionais da biologia e da física - como uma área de conhecimento essencial para a preservação da vida e para a continuidade de vários outros campos da pesquisa científica. Por estudar a composição e as características dos elementos que constituem a matéria conhecida- gás, líquido ou sólido-, a química como ciência central permeia a física, a biologia, a medicina e a engenharia. No dia a dia, o conhecimento sobre interações moleculares se traduz na forma de alimentos, bebidas, higiene, 38 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA F'APESP 180
medicamentos, combustíveis, roupas e materiais usados em automóveis, aviões, celulares e computadores. O banho-ruaria, uma forma de aquecer alimentos e líquidos indiretamente, por meio de um recipiente com água aquecido no fogo, é uma herança dos primeiros químicos, os alquimistas. O alambique, indispensável para a fabricação de uma boa cachaça, provém dos alquimistas árabes.
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Mulheres - Um dos propósitos do Ano Internacional da Química é apresentar essas contribuições para o bem-estar das pessoas e, ao mesmo tempo, diluir os preconceitos negativos que cercam a química. "Muitas pessoas ainda dizem que alimentos sem química não fazem mal ou associam a química a guerras e destruições", diz Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Química e uma das organizadoras do Ano Internacional da Química no Brasil. "Mas não há nada no dia a dia que deixe de expressar o conhecimento acumulado pelos químicos ao longo de séculos." O ano é também uma homenagem ao centenário do segundo Prêmio Nobel recebido pela cientista de origem polonesa Marie Sklodowska Curie. Ela nasceu em uma família pobre na Polônia em 1867, viveu em Paris e se destacou em um ambiente acadêmico dominado pelos homens a ponto de ter sido a primeira mulher a receber um Nobel e a primeira pessoa a receber duas vezes o Nobel em áreas diferentes. O primeiro, de Física, foi em 1903, ao lado de Pierre Curie e Antoine Henri Becquerel, pelos estudos pioneiros da radiação, identificada por Becquerel. O segundo, de Química, em 1911, pela descoberta de dois elementos químicos, o polônio e o rádio. Uma parte das atividades programadas deve apresentar as contribuições das mulheres para a ciência. No Brasil, o Ano da Química representa novas possibilidades de aproximação entre os químicos que trabalham em universidades e institutos públicos de pesquisa com os químicos que trabalham no setor industrial, representados pela Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), com
quem Vanderlan e outros organizadores dos eventos deste ano no Brasil planejam atividades em conjunto para aumentar o interesse e o entusiasmo dos jovens pela química. "A indústria química brasileira, hoje um setor de grande vitalidade e importância econômica, demanda profissionais químicos cada vez mais bem formados", diz ela. "Por essa razão, alguns cursos com currículos ainda distantes do mundo da indústria necessitam ser repensados. O profissional químico deve ser bastante eclético e familiarizado com outras áreas, como a biologia e a toxicologia, para avaliar os eventuais riscos dos produtos químicos à saúde humana ou ao ambiente." Ela acredita que a SBQ, a Abiquim, a Associação Brasileira de Química (ABQ) e outras instituições ligadas a essa área "poderão auxiliar na construção de uma ciência que responda ao conteúdo da temática do Ano Internacional, Química: nossa vida, nosso futuro". Outro grupo que está ganhando mais atenção são os professores de química do ensino médio. Com apoio dos ministérios da Educação e da Ciencia e Tecnologia, a SBQ pretende imprimir e pôr em cada sala de aula a tabela periódica dos elementos químicos, um material básico, mas nem sempre à mão, para fazer da química algo mais atraente nas escolas. Não é a primeira vez que os professores universitários de química olham para os colegas do ensino médio. Desde 1995 a SBQ publica a Química nova na escola, revista trimestral com materiais de apoio às aulas de química. "As aulas de química do ensino médio, que podem formar novos cientistas para essa área, não têm de ser apenas abstratas, nem chatas", assegura Vanderlan. "Precisamos de mais químicos, não só ousados, criativos e entusiasmados, mas também conscientes do papel deles como cidadãos, diante dos problemas sociais e ambientais que temos pela frente." As atividades nacionais podem ser acompanhadas pelo site da SBQ (www.quimica201l.org.br). A programação completa encontra-se no site do Ano Internacional da Química (www.chemistry201l.org). • CARLOS FIORAVANTI
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[ ENSINO DE CIÊNCIAS ]
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,,o• 'f'' ' o início deste mês, tão logo voltem das férias, os estudantes da sexta série da escola municipal Tancredo de Almeida Neves, em Ubatuba, litoral norte paulista, já sabem que terão de se organizar em grupos e começar a construir as placas de circuito impresso do protótipo de um satélite artificial que um dos professores de matemática, Candido Osvaldo de Moura, resolveu construir no ano passado. Em horários alternados às aulas, as 108 crianças de 10 a 11 anos de idade vão também assistir aulas de eletrônica e de informática para programar o computador de bordo que controla o satélite. As equipes que mostrarem mais habilidade vão fazer as quatro placas finais do satélite de 750 gramas e quase 13 centímetros de comprimento que deve ir para o espaço ainda este ano. Quando estiver em órbita, a 31 Oquilômetros de altitude, o satélite deve emitir continuamente uma mensagem - o plano é que seja em português, inglês e espanhol- a ser escolhida por meio de um concurso que mobilize os 1.200 estudantes e cerca de 100 professores da escola. Como prêmio, o autor ou autora da melhor frase poderá acompanhar o lançamento do satélite nos Estados Unidos. Para chegar a esse ponto, Moura teve de superar muitos obstáculos. Sua trajetória começou em fevereiro de 2010, quando ele leu em uma revista de divulgação científica que uma empresa dos Estados Unidos, a Interorbital Systems, vendia kits de satélites chamados TubeSats, capazes de permanecer em órbita durante três meses. Uma das primeiras pessoas a quem Moura expôs sua intenção foi seu professor de inglês, Emerson Yaegashi, que o apoiou de imediato. Seus alunos, a quem ele disse que iriam trabalhar com cientistas de verdade, também gostaram de seu plano. "Fizemos uma videoconferência e as crianças conversaram em inglês, com a ajuda de Emerson e de uma das professoras de inglês da escola, Mariana César, com
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os diretores da Interorbital, Roderick e Randa Milliron, que se encantaram com a ideia. Segundo eles, no mundo, somos a equipe mais jovem a entrar na pesquisa espacial. Geralmente, são estudantes universitários que montam esses satélites. Disseram que não poderiam nos ajudar muito, por causa da distância, e que precisaríamos de suporte técnico", conta Moura. Em seguida ele bateu à porta do prefeito de Ubatuba, Eduardo de Souza Cesar, e avisou: "Queremos entrar na corrida espacial". Segundo ele, o prefeito disse que o apoiaria e, melhor ainda, se dispôs a ajudar a levantar os U$ 8,6 mil necessários para comprar o kit com as peças básicas do satélite. O orçamento incluía outros U$ 14 mil de viagens aos Estados Unidos, a primeira delas prevista para maio deste ano, de um grupo restrito de estudantes e professores. Um grupo de empresários da cidade com quem conversaram cobriu as despesas, um deles repassando o dinheiro à Associação de Pais e Mestres (APM) da escola. A burocracia foi outro desafio.
Moura conversou com os dirigentes da escola, com os políticos da cidade e com um amigo banqueiro e por fim conseguiu registrar a APM como importadora e exportadora na Receita Federal. "Tomamos um caminho diferente, que traz dificuldades, mas muita gente tem ajudado. Tivemos de preparar documentos e ler contratos em inglês", diz Moura. Ele teve de batalhar também o apoio técnico do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão federal sediado em São José dos Campos, interior paulista a 130 quilômetros de Ubatuba, que constrói e gerencia satélites no Brasil. Seus e-mails chegaram à divisão de engenharia e tecnologia espacial, cujos integrantes marcaram uma reunião com Moura e ofereceram cursos de astronomia e de tecnologia espacial para os professores que já haviam se engajado no projeto, entre eles os de ciência, Marcelo de Mári, Rogério Stejanov Bueno e Adriana Cabral Barbosa. "Estamos concluindo um convênio de cooperação tecnológica entre o Inpe e nossa escola", diz ele. Vizinhos - Como os sete professores do grupo não entendiam de eletrônica o bastante para construir as placas dos protótipos e da versão final do satélite, Moura procurou uma empresa de robótica e desenvolvimento de software sediada na cidade de São Paulo, a Globalcode, e teve a grata surpresa de saber que os diretores da empresa, Vinicius Senger e Yara Mascarenhas Hornos Senger, moravam em Ubatuba. Depois de coordenarem o treinamento sobre eletrônica básica para os professores, Vinicius e Yara começaram voluntariamente a ajudar a equipe da escola a desenhar, sulcar e soldar as placas dos protótipos do satélite.
Em conjunto, sob a coordenação das professoras Mariléa Borine D' Angelo e Patrícia Patural, eles criaram uma placa que ganhou o nome de Ubatubino, que pode ser reutilizada, com outras funções, e as próprias crianças podem fabricar, usando programas de fonte aberta ( open source) e material simples, como um ferro de passar roupa. "As crianças estão fazendo pequenos computadores, com capacidade similar aos que os astronautas usaram na década de 1960 quando pousaram na Lua", diz Vinicius Senger. "É totalmente viável construirmos satélites educacionais inteiramente no Brasil, sem depender de importações, e promover, por exemplo, competições entre escolas." Sérgio Mascarenhas, coordenador de projetas do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP ) em São Carlos, tem acompanhado com entusiasmo a construção do satélite de Ubatuba: "O apoio à iniciativa do professor é a saída para melhorarmos a educação no Brasil", comenta. Reconhecida como pioneira na edição de janeiro da revista SatMagazine, a experiência da escola de Ubatuba tem motivado o debate sobre a criação de outros cursos e atividades pedagógicas. "Pela primeira vez no ano passado os estudantes desta escola participaram da Olimpíada Brasileira de Astronomia", celebra Moura. "Queremos mudar radicalmente a forma de ensinar ciências, a matemática entre elas. A função da escola e dos professores, a meu ver, é mostrar como o mundo real funciona, por meio de problemas concretos e empolgantes, para que as crianças possam ver os resultados práticos do que estudam." O lançamento do satélite, previsto para março, talvez atrase, já que algumas peças ainda não chegaram dos Estados Unidos. "Lá no Inpe me disseram que todo satélite atrasa", diz Moura, que não persegue apenas o cumprimento das datas. "A parte mais importante deste trabalho não é o que vai subir para o espaço, mas o que vai ficar na cabeça dos alunos na terra. Mostramos que dá para fazer muito e para pensar grande. Quem faz um satélite com 11 anos de idade tem mais serenidade para enfrentar outros desafios." • CARLOS FIORAVANTI
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 41
LABORATÓRIO MUNDO
TAMANHO GG Os bebês humanos são proporcionalmente maiores que os dos outros primatas. Ao nascer, uma criança tem 6% do peso da mãe, enquanto os filhotes de macacos do Velho Mundo, entre eles os chimpanzés, 3%. Se a relação entre o peso de filhos e de mães que vale para outros grandes primatas tivesse sido preservada ao longo da evolução, os recém-nascidos humanos deveriam ter, em média, 2 quilos - e não 3. Com base em registres paleontológicos, calculava-se que os bebês grandes só tivessem surgido entre os hominídeos mais modernos, como o Homo erectus, que viveu entre 1,7 milhão e 200 mil anos atrás. Jeremy de Silva, da Universidade de Boston, Estados Unidos, tem indícios de que a história foi outra (PNAS, janeiro). Ele usou medidas do crânio de várias espécies de hominídeos para estimar o peso de recém-nascidos e verificou que bem antes, há 3 milhões de anos, fêmeas de Australopithecus já poderiam ter parido bebês grandes. Como carregar filhos tão pesados consome mais energia e exige equilíbrio, dificultando a vida nas árvores, essa característica, sugere Silva, pode ter contribuído para consolidar o bipedalismo dos hominídeos.
FAZENDEIRAS I PRIMITIVAS As amebas sociais Dictyostelium discoideum praticam uma forma primitiva de agricultura. Esses organismos unicelulares de hábito peculiar - passam a maior parte da vida como seres independentes, mas se agrupam para reproduzir- cultivam as bactérias que lhes servem de alimento. Quando os nutrientes de uma região
escasseiam, algumas cepas de Dictyostelium discoideum assumem uma forma mais resistente (esporo) e carregam consigo algumas bactérias que semeiam em seu novo lar, observou Debra Brock, da Universidade Rice, no Texas. Ela chamou de fazendeiras as cepas que armazenam bactérias e observou que jamais consomem seu alimento até o fim, como se guardassem um pouco para semear (Nature, 20 de janeiro).
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POR QUE A BCG
I ÀS VEZES FALHA Surgem novas evidências de um mecanismo fisiológico que pode explicar a baixa eficácia em algumas áreas do mundo da BCG, a única vacina existente contra a tuberculose, causada por uma bactéria (Mycobacterium tuberculosis) que mata quase 2 milhões de pessoas por ano. Estudos indicam que a BCG protege cerca de 80% das pessoas vacinadas na Inglaterra, mas quase não tem ação preventiva na Índia e na África. Para alguns grupos, essa variação
se deve à diversidade genética das populações. Outros propõem que a exposição a outras bactérias do gênero Mycobacterium antes da vacinação mascare ou reduza a resposta imune. Testes de pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura favorecem a última hipótese. A equipe de Peiying Ho aplicou a BCG em dois grupos de camundongos: um que havia tido contato com M. cheloane, que não causa a doença; e outro sem contato com a bactéria. O primeiro grupo produziu mais comunicadores químicos que bloqueiam a atividade imune do que o segundo. Em outro teste, eles extraíram dos dois grupos de animais células de defesa T reguladoras, que inibem a ação do sistema imune, transferiram-nas para roedores que não haviam entrado em contato com M. cheloane e, em seguida, os vacinaram. Os animais que receberam as células T
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Bactéria da tuberculose: milhões de mortes ao ano
dos camundongos expostos
à M. cheloane apresentaram
TEMPESTADE DE ANTIMATÉRIA
resposta imune mais baixa (Journal of Leucocyte Biology, dezembro). "Descobrir as razões da ineficácia da BCG pode auxiliar no desenvolvimento de vacinas mais eficientes", disse Geok Teng Seah, membro da equipe.
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O MAIS EXT~NSO MAPA DO CEU
A maior imagem do céu foi divulgada em janeiro por astrofísicos ligados à terceira fase do levantamento do Sloan Digital Sky Survey (SDSS- III). Resultado de mais de uma década de trabalho, que juntou milhões de flagrantes do firmamento captados pelo telescópio do Apache Point Observatory no Novo México, Estados Unidos, o arquivo com o registro unificado tem mais de 1 trilhão de megapixels. O mapa, que abrange um terço do céu, é tão grande e detalhado que seria necessário meio milhão de aparelhos de TV de alta definição para contemplá-lo
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em sua definição total. "Muitas descobertas serão feitas com as possibilidades abertas por essa imagem", diz Bob Nicho!, da Universidade de Portsmouth, que participa do SDSS-III. A partir de dados do levantamento, quase meio bilhão de objetos astronômicos já foi identificado, entre os quais estrelas, galáxias e quasares longínquos.
Além de raios e trovões, as tempestades sobre a Terra produzem mais um fenômeno natural: feixes de antimatéria. Desde seu lançamento em 2008, o satélite Fermi, da Nasa (agência espacial americana), detectou 130 flashes de raios gama, rápidas explosões que ocorrem no interior das tempestades e estão associadas aos relâmpagos. A intensa atividade elétrica gera raios gama com energia da ordem de 511 mil elétrons-volt, Relâmpagos: um indício de que um elétron enfonte de controu e anulou sua respectiva pósitrons antipartícula, o pósitron. "Esses sinais são a primeira evidência de que as tempestades produzem feixes de partículas de antimatéria", diz Michael Briggs, da Universidade do Alabama em Huntsville, Estados Unidos, um dos autores do estudo sobre o assunto, publicado on-line na revista Geophysical Research Letters. Os pesquisadores estimam que, diariamente, quase 500 flashes de raios gama são produzidos por tempestades acima do planeta. A maioria, no entanto, passa despercebida.
OXIGÊNIO, O GÁS DA VIDA· O aparecimento rápido de um grande número de formas de vida complexa no período Cambriano, entre 540 milhões e 480 milhões de anos atrás, pode estar relacionado com flutuações nos níveis de oxigênio ( 0 2 ) nos oceanos. A partir dos níveis de carbono, enxofre e molibdênio medidos em rochas dos Estados Unidos, da Austrália e da Suécia, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Riverside, Estados Unidos, conseguiram inferir a quantidade do
gás presente nos mares no momento em que ocorreu a deposição de sedimentos calcários e argilosos (Nature). Segundo o estudo, os oceanos se tornaram ricos em 0 2 há 600 milhões de anos, mas entraram numa fase de pouco oxigênio 499 milhões de anos atrás, que durou no máximo 4 milhões de anos. "Essas flutuações moldaram, talvez de forma dominante, a evolução inicial dos animais do planeta ao estimular extinções e limpar o caminho para que novos organismos tomassem seu lugar", afirma Timothy Lyons, autor do trabalho.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 43
LABORATÓRIO BRASIL
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O SOL, A LUA E A ARAUCÁRIA
COMO O PÓLEN CAUSA ALERGIA Entender como o organismo reage ao contato com certas substâncias que causam alergia pode ser a chave para desenvolver vacinas eficazes contra a asma, a rinite e outros problemas de saúde de origem similar. Um grupo de pesquisadores brasileiros e austríacos acredita ter dado um passo importante nessa direção ao flagrar
Estrutura da proteína Art v 1
as interações em três dimensões entre um tipo importante de anticorpo humano, a imunoglobulina E (IgE), e uma das proteínas mais comumente envolvidas em reações alérgicas do tipo I, a Art v 1, presente no pólen da planta artemísia (Structure, agosto 2010). Com o emprego da técnica de ressonância magnética nuclear, os cientistas mapearam as alterações químicas provocadas pela ligação entre os anticorpos, obtidos de um paciente alérgico, e a superfície do antígeno em questão. Os dados do trabalho devem facilitar o desenho de moléculas que possam ter bom potencial terapêutico e baixo risco de provocar efeitos colaterais. A equipe envolvida no estudo incluiu especialistas das três universidades (Federal do Rio de Janeiro, de Salzburgo e Médica de Viena).
44 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
É sabido que variações na atividade do Sol, em especial seu conhecido ciclo de 11 anos, podem ficar registradas no padrão de desenvolvimento do tronco de algumas árvores. Um estudo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe) e da Universidade do Vale do Paraíba indica que os anéis de crescimento das araucárias do município gaúcho de Severiano de Almeida podem refletir algo mais do que as flutuações da radiação solar ao longo dos últimos 359 anos. Alterações no padrão de marés da Lua, que apresentam uma periodicidade de 18,5 anos, e o chamado ciclo de Brückner, de 33 anos, associado à ocorrência de anos chuvosos e secos, também parecem deixar marcas na forma apresentada pelos anéis dessa espécie arbórea (Journal of Atmospheric and Solar-Terrestria/ Physics).
I
VULCANISMO NO NORDESTE
A atividade vulcânica na Região Nordeste do Brasil se estendeu por dezenas de milhões de anos a mais do que se imaginava, sugere estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), do Serviço Geológico Nacional e da Universidade de Queensland, na Austrália. A datação de rochas vulcânicas extraídas nos municípios de João Câmara e Afonso Bezerra, no norte do Rio Grande do Norte, indica que elas se formaram entre 8,9 milhões
e 7,1 milhões de anos atrás (Earth and Planetary Science Letters, fevereiro). "Nossos
dados geocronológicos mostram que a atividade vulcânica no continente não terminou antes de começar a ocorrer vulcanismo na ilha de Fernando de Noronha, em Pernambuco", comenta o geólogo Zorano de Souza, da UFRN. Se confirmados, esses serão os registras mais recentes de extravasamento de magma no país. Quatro outros surtos de derramamento de magma já haviam sido identificados no Nordeste brasileiro entre 210 milhões e 50 milhões de anos atrás.
EFEITOS I INDESEJADOS
PLANTAS EXÓTICAS
I NO MOSTEIRO
A análise de seis códices intitulados "livros de receitas de medicamentos" adotados pela enfermaria e farmácia do Mosteiro de São Bento no Rio de Ja neiro mostra que 152 espécies e variedades distintas de plantas medicinais eram usadas nos tratamentos ministrados aos doentes da instituição religiosa duran te boa parte do século XIX (Acta Botaníca Brasilíca). Apenas 16o/o das plantas usadas nos remédios eram nativas do Brasil e 84o/o eram exóticas, oriundas basicamente da Europa. Os livros registram as práticas médicas do mosteiro em quatro períodos, entre os anos de 1837 e 1839 e as décadas de 1840, 1860 e 1880. Nas formulações estudadas foram encontrados 150 nomes populares de vegetais, dos quais só 12 não puderam ser identificados na literatura científica. Em alguns casos, o nome popular da planta podia remeter a mais de uma espécie descrita por
botânicos. O trabalho foi feito por equipes de duas universidades fluminenses (Federal do Rio de Janeiro e Santa Úrsula) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco.
O glicocorticoide sintético dexametasona, com potente ação anti-inflamatória, altera o funcionamento do pâncreas mesmo se administrado por apenas um dia em dose elevada. Sabia-se que um dos efeitos indesejáveis do uso prolongado desses compostos é a resistência à insulina: redução do efeito em tecidos periféricos desse hormônio que facilita a entrada de glicose nas células. Mas não estava claro se a resistência à insulina ocorria também após tratamento agudo. Experimentos feitos pelo fisiologista Alex Rafacho, da Universidade Federal de Santa Catarina, em parceria
com pesquisadores de São Paulo e Minas Gerais, sugerem que sim. Ele aplicou dexametasona a diferentes grupos de ratos por períodos que variaram de um a cinco dias seguidos -um grupo recebeu uma única dose; outro tomou uma dose por dia durante três dias; e ao terceiro foi dada uma dose ao dia por cinco dias. Rafacho observo u que apenas a dose única não provocou resistência à insulina. Mas quase. Ela induziu um estado de pré-resistência: aumentou a secreção de insulina pelas células pancreáticas (Hormone and Metabolic Research, janeiro). A continuidade do tratamento levou à instalação do problema.
A MICOSE DAS RÃS O zoólogo Luís Felipe Toledo e os microbiólogos Conrado Vieira e Domingos Leite, da Universidade Estadual de Campinas, conseguiram isolar e cultivar em laboratório três variedades encontradas no Brasil do fungo Batrachoc/ytrium dendro-
batidis, associado ao declínio das populações de anfíbios em diferentes regiões do mundo. Causador de uma infecção de pele em sapos, rãs, pererecas e salamandras, o fungo foi identificado em 1998 no Panamá e pouco depois em outros países das Américas, Europa, África e Oceania. Toledo e Célio Haddad, da Universidade Estadual Paulista, descreveram os primeiros casos de infecção por 8. dendrobatidis no Brasil em 2006 em exemplares da rã Hylodes magalhaesi coletados na mata atlântica em Minas Gerais. Desde então, sabe-se que o fungo contamina também outras espécies de anfíbios na mata atlântica e em criadouros de rã-touro (Lithobates catesbeianus), introduzida no Brasil para a produção de carne. Segundo testes preliminares, as variedades brasileiras do fungo são distintas das de outros países, mas nada se sabe sobre sua virulência. "Queremos saber de onde vieram e se também estão matando os anfíbios", afirma Toledo.
Batrachoclytrium dendrobatidis: fungo (acima) infecta a pele e ameaça anfíbios
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 45
DUAS VISÕES DA GALÁXIA Dependendo da versão do desenho, a Via Láctea pode ter dois ou quatro braços principais
Divulgado no início de 2008 por astrofísicos do satélite Spitzer da Nasa, o mapa maior mostra uma Via Láctea com dois braços principais (Escudo-Centauro e Perseu) e dois secundários (Norma e Carina-Sagitário), que aparecem mais esmaecidos. Alvo de críticas, o desenho é uma atualização da ilustração menor, de 2005, na qual a galáxia surgia com quatro braços centrais
curvatura voltada para fora da galáxia. "O que determina a forma dos braços é a órbita das estrelas em torno do centro galáctico", diz Lépine, autor do livro de divulgação A Via Láctea, nossa ilha no universo (Edusp ). "É falsa a ideia de que os braços de nossa galáxia sejam espirais quase perfeitas." A Via Láctea seria então meio quadradona? Tecnicamente, a Via Láctea é descrita como uma galáxia espiral barrada. Além de ser circundada por um halo com baixa densidade de matéria, é formada por um grande disco achatado, do qual os braços fazem parte, e por um bojo esférico de formato parecido ao de uma bola de futebol americano em sua região central. Apresenta ainda uma concentração de estrelas que atravessa o bojo e origina uma estrutura de contorno' similares a uma barra. Nesse tipo de galáxia, os braços "nascem" geralmente nas pontas da barra. As estrelas mais velhas, de cor entre o amarelo e o vermelho, se concentram 48 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
na região central. As de maior massa e mais novas, em tons azulados, delineiam os braços. Bem no coração da galáxia, no centro do bojo, há evidência de que se esconde um buraco negro, um tipo de objeto celeste misterioso que suga toda a matéria à sua volta e do qual não escapa nem a luz. Nem todas as partes da galáxia se formaram de uma vez. As estrelas mais antigas da Via Láctea têm mais de 13 bilhões de anos, mas os braços devem ter pouco mais da metade dessa idade. Embora importantes pontos de consenso tenham sido estabelecidos nas últimas décadas, não faltam divergências de interpretação e lacunas de dados sobre algumas características centrais da Via Láctea. "Nossa visão esquemática da galáxia não mudou muito nos últimos 20 anos, mas sim a compreensão de seus detalhes e mecanismos", explica o astrofísico português André Moitinho, da Universidade de Lisboa, outro participante do encontro ocorrido no deserto
chileno. A massa total e o tamanho da Via Láctea, parâmetros que pareciam razoavelmente bem determinados há tempos, ainda suscitam questionamentos periódicos. Não se sabe ao certo a distância do Sol e de outras estrelas em relação do centro da galáxia, tampouco a velocidade de rotação da matéria em cada ponto do raio galáctico. De todas as dúvidas, talvez o tema que gere mais debates e revisões seja mesmo a estrutura espiral da Via Láctea. Afinal, a galáxia tem quatro ou dois dos braços principais? Como eles seriam e onde exatamente estariam? "Achei que estaríamos caminhando para um consenso sobre essa questão depois de tantas décadas de estudos", diz Damineli. "Mas os resultados dos diferentes métodos de observação usados para analisar os braços nem sempre são convergentes." A técnica mais segura para determinar a distância de um objeto celeste da Terra é baseada no cálculo do ângulo da paralaxe trigonométrica, procedimento
usado para esta finalidade há quase dois séculos. O astrônomo mede a variação da posição aparente de uma estrela contra um fundo fixo em dois momentos distintos de observação, em geral pontos opostos da órbita da Terra. A paralaxe é esse suposto deslocamento da estrela e é dada por um ângulo, variável-chave utilizada numa triangulação que permite descobrir quão longe o objeto está de nosso planeta. O método, no entanto, tem uma limitação: não serve para determinar a localização de objetos muito longínquos ou de brilho excessivamente tênue. No caso da Via Láctea, as estrelas que estão do lado completamente oposto ao do Sol, no outro canto da galáxia, não podem, em geral, ser estudadas por meio do cálculo da paralaxe. Distâncias menores - Em seu trabalho, Damineli e seus colaboradores, entre os quais se destacou o então aluno de doutorado Alessandro Moisés, usaram uma variante moderna desse método. Analisaram uma enorme série de espectros e imagens obtidas ao longo de 14 anos, no comprimento de onda do infravermelho próximo, por três telescópios instalados no Chile (Blanco, Gemini e Soar) e ainda se utilizaram de registras no infravermelho médio fornecidos pelo satélite Spitzer, da Nasa, a agência espacial americana. Com todos esses dados, os pesquisadores calcularam a distância de 35 regiões HII da galáxia, a maioria delas de gigantescas dimensões. Formada por nuvens de gás (hidrogênio) ionizado, esse tipo de região é caracterizada por intensa formação de estrelas de grande massa. "As regiões HII são consideradas boas indicadoras de onde devem passar os braços da Via Láctea': diz Damineli. O estudo do grupo da
O PRO-JETO Nova física no espaço - Formação e evolução de estruturas no Universo - n° 2006/56213-9 MO DALI DADE
Projeto Temático COORD ENADOR
Reuven Opher- IAG/USP INV ESTIM ENTO
R$ 1.178.363,33 e US$ 523.179,96
ESTUDO SUGERE QUE ALGUNS TRECHOS DOS BRAÇOS DA VIA LÁCTEA PODEM SER RETOS E QUESTIONA AIMAGEM TRADICIONAL DA NOSSA GALÁXIA USP foi publicado on-line no dia 25 de novembro passado na edição eletrônica da revista científica britânica Monthly
Notices of the Royal Astronomical Society e mostrou que boa parte desses berçários estelares se encontra até 50% mais próxima da Terra do que sugerem trabalhos feitos com o emprego do chamado método cinemático. Por essa segunda técnica, também clássica, os astrofísicos inferem a distância do gás que envolve as estrelas a partir do cálculo de sua velocidade de aproximação ou de afastamento do sistema solar. De acordo com o artigo de Damineli, 14 das 35 HII analisadas estão mais perto do que o sugerido por estudos feitos pelo método cinemático, enquanto duas se encontram mais distantes.
Para as demais regiões HII, os resultados foram inconclusivos (10 casos) ou bateram com estudos anteriores (nove casos) . Se os dados do estudo estiverem certos, o diâmetro da Via Láctea - não confundir o tamanho com a massa da galáxia- pode ser menor do que os difundidos 100 mil anos-luz. "Conhecer as distâncias dos objetos é fundamental para compreender melhor a nossa galáxia e todo o Universo", afirma Damineli. Um ano-luz equivale à distância percorrida pela luz em um ano, cerca de 9,5 trilhões de quilômetros. O estudo de Lépine usou o método cinemático para construir um mapa de como seriam os braços da galáxia. Além de utilizar uma técnica distinta, o astro fisico optou por analisar um tipo diferente de indicador da estrutura espiral da Via Láctea. Um grupo de radioastrônomos chilenos obteve a velocidade de 870 fontes de emissão do gás monossulfeto de carbono, que haviam sido identificadas a partir de medições no infravermelho realizadas pelo satélite espacial Iras. Com as velocidades, Lépine calculou a distância dos objetos. O monossulfeto de carbono é uma molécula associada à presença de regiões HII de pequeno porte, ou seja, a zonas em que há grande densidade de estrelas jovens. "Nenhum outro estudo sobre as clássicas regiões HII empregou mais objetos para desenhar os braços da galáxia do que o nosso", afirma Lépine, cujo artigo, escrito em parceria com colegas brasileiros e um russo, já foi aceito para publicação também na Monthly No-
tices of the Royal Astronomical Society. Os contornos que emergem do mapeamento de Lépine desafiam a visão mais tradicional da Via Láctea. De acordo PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 49
com o estudo, a galáxia pode ter apenas dois grandes braços em sua porção central, mas, sem dúvida, quatro na vizinhança solar. O detalhe mais surpreendente é que, sempre segundo o trabalho, os braços não formam espirais logarítmicas perfeitas. Alguns de seus trechos exibiriam ângulos retas. Dessa forma, a Via Láctea poderia ter braços que geram uma figura com um quê de losango. "A gente vê com certa frequência esse tipo de estrutura em outras galáxias", comenta Lépine, um dos principais pesquisadores de um projeto temático da FAPESP sobre a formação e evolução de estruturas no Universo. Outro achado do estudo é a aparente presença na periferia da galáxia de um desconhecido e pequeno braço, denominado pelo brasileiro de Sagitário-Cefeu por estar situado perto dessas constelações. Com curvatura voltada para fora da Via Láctea, o braço estaria a uma distância aproximada de 33 mil anos-luz do centro da galáxia. Visão do plano da galáxia - Estudar a Via Láctea impõe uma dificuldade única que, por definição, nenhuma outra galáxia jamais apresentará aos astrofísicos. Estamos dentro do objeto a ser observado e, para tornar as coisas ainda mais complicadas, num ângulo nada favorável para visualização. O Sol está apenas cinco graus acima do plano de toda a matéria que compõe a galáxia. "Como não podemos viajar para uma galáxia próxima, dar meia-volta e tirar uma foto da Via Láctea, precisamos usar outros métodos para construir uma 'imagem' dela", afirma Mark Reid, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, de Cambridge, Estados Unidos, um dos maiores estudiosos da galáxia. "Toda vez que medimos a distância de uma estrela jovem podemos colocar um ponto no mapa da Via Láctea." Os astrofísicos acreditam que a feição dos braços seja ditada essencialmente pela presença de grandes concentrações de gás e estrelas jovens em certas partes da galáxia. Há ainda outros empecilhos que as técnicas observacionais tentam contornar para melhor entender a natureza da Via Láctea. Em nossa galáxia, como em qualquer outra, apenas uma parte de sua matéria total pode ser vista na faixa de luz visível do espectro eletromagnético. Frequentemente é preciso
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recorrer a outros comprimentos de onda, como os raios X, ultravioleta ou infravermelho, para estudar certos objetos. A existência de poeira em meio aos gases que compõem o espaço interestelar também não facilita em nada essa tarefa. Seus grãos absorvem e espalham as radiações emitidas pelas estrelas em diversos comprimentos de onda, inclusive no da luz visível. Na prática, o fenômeno da extinção, como é conhecido o efeito causado por essas finas partículas, altera o brilho de muitos objetos e inviabiliza observações em certos cantos e distâncias da galáxia. No infravermelho, comprimento de onda usado tanto nos estudos de Damineli e Lépine, o efeito da extinção é menor. Embora os estudos dos dois astrofísicos da USP não apontem para uma mesma configuração dos braços da Via Láctea, ambos concordam num ponto: -seus colegas do telescópio Spitzer deveriam corrigir a ilustração mais difundida sobre a galáxia. Trata-se de um belo mapa, divulgado no início de 2008, que mostra a Via Láctea com apenas dois braços espirais principais, Escudo-Centauro e Perseu. Outros dois braços, Norma e Carina-Sagitário, que se encontram entre os braços maiores, foram rebaixados à condição de secundários. Surgem mais tênues, com traços enfraquecidos. "Eles praticamente sumiram com obraço de Carina, a região mais visível da galáxia", reclama Damineli. Aparecem ainda na figura um minibraço recentemente descoberto, quase reto e que corre em paralelo à barra central da galáxia, e também o pequeno braço (ramo) de Orion, onde está o Sol. Na versão anterior do mapa, de 2005, também disponibilizada pelo Spitzer, os quatro braços principais tinham o mesmo status. A crítica de vários astrofísicos ao mapa, no qual a simetria da estrutura é perfeita demais para ser real, é quase sempre a mesma. "O desenho reflete uma visão mais artística do que científica e não usou os melhores indicadores dos braços da galáxia", afirma a francesa Delphine Russeil, do Observatório de Marselha, outra especialista no tema. "Se analisarmos a presença de objetos jovens na Via Láctea, todos concordam que há quatro braços, ainda que não saibamos direito como as diferentes partes dessas estruturas se interconectam se vistas dos hemisférios Sul e Norte."
O astrofísico americano Robert Benjamin, da Universidade de Wisconsin, um dos envolvidos na confecção do polêmico mapa, explica como o desenho foi concebido. "É extraordinariamente difícil encapsular numa única imagem os resultados de mais de 50 anos de pesquisas, feitas por nós e por outros grupos no mundo", diz Benjamin. "Algumas populações de estrelas parecem indicar que há dois braços mais fortes e outros mais fracos. O mapa foi a nossa melhor tentativa de refletir esses dados." Aprimorar periodicamente a ilustração é um objetivo do time do Spitzer- e uma nova versão da ilustração deve ser produzida até o fim deste ano. Com a massa de Andrômeda - Não são só os braços da Via Láctea que provocam polêmica. Recentemente, sua massa e o status de segunda maior galáxia de sua vizinhança cósmica foram postos em xeque. Até uns poucos
AMASSA TOTAL DA VIA LÁCTEA PODE SER ODOBRO DO QUE SE PENSAVA EIGUAL ÀDE ANDRÔMEDA. AMAIOR GALÁXIA DE NOSSA CERCANIA CÓSMICA
anos, todas as evidências indicavam que Andrômeda tinha o dobro da massa da Via Láctea e era a maior das mais de 45 galáxias que formam o chamado grupo local. "Parece que a Via Láctea e Andrômeda têm mais ou menos a mesma massa total", afirma o astrofísico Mark Reid, do Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics. "Essa é a interpretação mais simples e direta de nossos dados." No início de 2009, Reid divulgou medições consideradas bastante precisas que aumentaram em cerca de 15% a velocidade de rotação atribuída à Via Láctea. O estudo indicava que a galáxia girava a 966 mil quilômetros por hora em vez de 805 mil quilômetros por hora, conforme se acreditava. Se o cálculo de Reid estiver correto, e quase ninguém duvida disso, uma conclusão indireta do trabalho é que a galáxia precisa ter o dobro de sua massa total (matéria comum mais a misteriosa matéria escura) para girar a essa velocidade. A massa extra pode signi-
ficar uma má notícia no longo prazo: nossa galáxia poderia se chocar com Andrômeda daqui a menos tempo do que os previstos 5 bilhões de anos. Outra descoberta recente, de novembro de 2010, pode, a exemplo da questão dos braços da Via Láctea, render muita discussão. Dados do satélite Fermi sugerem que existem duas gigantescas bolhas formadas por raios gama acima e abaixo do plano da galáxia. As surpreendentes bolhas seriam produzidas pela suposta atividade do buraco negro localizado no núcleo galáctico. Mais debates e po• lêmicas à vista, pelo jeito. Art igos científicos l. MOISÉS, A.P. et ai. Spectrophotometric distances to Galactic HII regions. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. Publicado on-line 25 nov. 2010. 2. LÉPINE, J.R.D. et ai. The spiral structure of the galaxy revealed by CS sources and evidence for the 4: l resonance. Monthly Notices of the Royal Astronomical Society. No prelo.
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[ FÍSICA ]
Vizinhança inquieta Estratégia permite avaliar interação magnética entre nanopartículas
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RICARDO ZORZETTO
ueli Hatsumi Masunaga e Renato de Figueiredo Jardim, físicos da Universidade de São Paulo (USP), desenvolveram uma estratégia relativamente simples de medir um fenômeno que afeta o armazenamento e a transmissão de informações registradas em meios magnéticos, como o disco rígido (HD) dos computadores. Caso essa forma de avaliar as características do material que compõe a memória magnética dos computadores se mostre viável comercialmente, pode se tornar possível produzir, com o mesmo material usado hoje, discos rígidos com capacidade de armazenamento até cinco vezes superior à atual. Calcula-se que o HD de um computador comum, que registra as informações em filmes de pequenas partículas magnéticas de cobalto (Co), cromo (Cr) e platina (Pt), cobertos com material isolante, armazene 200 gigabytes de dados em uma superfície comparável à de uma caixa de fósforos. "Otimizada a fabricação desse componente, amesma área seria capaz de abrigar 1 terabyte", afirma Jardim, diretor do Instituto de Física (IF) da USP. A ampliação do poder de armazenamento desse material, cuja composição e capacidade exatas não costumam ser divulgadas pela indústria, depende do controle da influência que as nanopartículas exercem umas sobre as outras- fenômeno do mundo atômico que recebe o nome de interação dipolar porque as nanopartículas se comportam 52 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
como minúsculos ímãs (dipolos magnéticos). "Essa interação, cuja intensidade aumenta com a redução do espaço entre as partículas, ocorre mesmo a distâncias consideradas grandes no mundo nanométrico", conta Sueli. Quando se pressiona a tecla enter de um computador para salvar um arquivo de texto, por exemplo, uma pequena bobina (cabeça de leitura) que flutua a décimos de milionésimo de milímetro do disco rígido converte pulsos elétricos em magnéticos e orienta o campo magnético das nanopartículas em um determinado sentido ou no seu oposto, girado 180 graus. A orientação desse campo magnético- imagine uma seta apontando para cima ou para baixo- funciona como unidade de informação: o bit, representado pelos números Oe 1. Acionado o comando de salvar a informação, uma longa sequência de zeros e uns é codificada na orientação magnética das nanopartículas, que não se altera com a máquina desligada. Aumentar a capacidade de armazenamento desse tipo de memória, criada nos anos 1950 pela IBM, exige acomodar um número maior de partículas magnéticas numa mesma área. Mas isso é dificultado, entre outros fatores, pela interação dipolar. À medida que as nanopartículas se tornam mais próximas, os campos magnéticos gerados por elas interagem entre si até que, a depender da distância, provocam a inversão de sentido das nano partículas - ou, como dizem os físicos, fli-
por três horas. A resina que se formou foi triturada e mais uma vez aquecida, agora em atmosfera de nitrogênio, para eliminar impurezas. O resultado foi a formação de nanopartículas esféricas de níquel imersas numa matriz de carbono e óxido de silício. Com cinco nanômetros de diâmetro, em média, cada nanopartícula é, na verdade, um aglomerado de quase 6 mil átomos dispostos na forma de cubos que se comporta como se fosse um só dipolo.
Cubo metálico: arranjo em 3D dos átomos de níquel à temperatura ambiente
O PROJETO Estudo de fenômenos intergranulares em materiais cerâmicos - n° 2005/53241-9 MODALIDADE
Projeto Temático COORDENADOR
Reginaldo Muccillo- lpen/SP INVESTIMENTO
R$ 945.914,22 (FAPESP)
pam. E, nesse caso, flipar é sinônimo de instabilidade, o que não é desejável para armazenar informações. Jardim e Sueli propuseram em janeiro na Applied Physics Letters um modo de driblar o problema. A sugestão é usar dois conjuntos de características do material para estimar a partir de que ponto a interação dipolar se torna relevante. O primeiro conjunto, de ordem estrutural, leva em conta o tamanho das partículas e a distância entre elas. A outra medida é a susceptibilidade magnética- resposta do material a um campo magnético. A dupla chegou a essa estratégia investigando o comportamento de um material contendo nanopartículas de níquel sintetizado por Sueli, parte de um projeto temático da FAPESP coordenado pelo físico Reginaldo Muccillo. Naturalmente magnético à temperatura ambiente, assim como o Fe e o Co, o níquel (Ni) é um metal modelo para o estudo de propriedades magnéticas. No laboratório, Sueli misturou um ácido (cítrico), um álcool (etilenoglicol) e um sal (nitrato de níquel) e manteve o líquido a 80 graus Celsius até que se transformasse em um gel, que mais tarde levou ao forno a 300 graus
lnteração - Aumentando a concentração de níquel, que variou de 1,9% a 12,8% da massa do composto, Sueli observou ao microscópio eletrônico que a distância entre as nanopartículas diminuiu de 21 para ll nanômetros. Em paralelo, a susceptibilidade magnética revelou maior interação entre as partículas. A partir de certa distância, a susceptibilidade magnética deixou de ser descrita da forma esperada para partículas independentes, sinal de que os campos magnéticos das nanopartículas começaram a interferir uns sobre os outros. "A interação di polar se tornou importante em distâncias menores que 14 nanômetros", conta Sueli, que descreveu os resultados em um artigo da Physical Review B de 2009 e em outro a ser publicado no fournal of Applied Physics. Um HD contendo nanopartículas que estivessem tão próximas entre si se comportaria como uma memória com Alzheimer: poderia perder a informação logo depois de adquiri-la. "Essa característica que torna o material impróprio para armazenar dados pode ser interessante para fenômenos que não exijam a preservação do estado, como a transmissão de informações", conta Jardim. Segundo o físico, a estratégia pode ser aplicada a qualquer material, o que pode atrair o interesse da indústria. "O método", diz ele, "poderia ser adotado como protocolo para monitorar a construção de memórias magnéticas de computador e testar a qualidade delas': • Art igo científico MASUNAGA, S. H. et ai. Increase in the magnitude of the energy barrier distribution in Ni nanoparticles dueto dipolar interactions. Applied Physics Letters. v. 89. jan. 2011.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 53
MATIOLIÍTA_ (acima e no detalhe) Fosfato de sódio, magnésio e alumínio, com cristais prismáticos azuis Aprovada em 2005 Encontrada em Mendes Pimentel, MG Homenagem a Paulo Anselmo Matioli (1975-), colecionador e fundador e curador do Museu de Ciências Naturais Joias da Natureza, São Vicente, SP
[ GEOLOGIA ]
As pedras no caminho
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asceu!" Daniel Atencio disparou um e-mail com esse título no dia 2 de novembro de 2010 para comunicar, como ele explicou em seguida, "o nascimento de minha décima segunda filha, carlosbarbosaíta, que veio fazer companhia a chernikovita, coutinhoíta, lindbergita, matioliíta, menezesita, ruifrancoíta, footemineíta, guimarãesita, bendadaíta, brumadoíta e manganoeudialita". Professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), Atencio tinha acabado de receber uma mensagem da Associação Mineralógica Internacional aprovando seu pedido de registro do novo mineral, o 54° encontrado pela primeira vez no Brasil e seln registras em qualquer outro país. Novas espécies de minerais, chamadas minerais-tipo, aparecem agregadas a minerais de valor comercial, as gemas, como topázio e turmalina, comuns em Minas Gerais. Só duas gemas, porém, o crisoberilo e a brazilianita, tiveram o registro inicial feito no país. Novos minerais exibem composições químicas ou arranjos atômicos inusitados, inicialmente sem aplicações comerciais. São encontrados com frequência em rochas ígneas conhecidas como pegmatitos, formadas nas últimas etapas da cristalização do magma no interior da Terra. Das primeiras fases do resfriamento de um magma, resultam rochas e minerais mais simples e homogêneos. À medida que o magma cristaliza, os elementos químicos mais raros formam uma espécie de sopa residual. Em um segundo momento, esse líquido residual se solidifica e dá origem
Minerais encontrados pela primeira vez no Brasil já são 54 CARLOS FIORAVANTI
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RUIFRANCOÍTA_ Fosfato de cá lcio, fer ro e be ríl io, com cristais fib rosos ma rrons Aprovada em 200 5 Encont rada em Ga lil eia, MG Homenagem a Rui Ribe iro Fra nco (1916-2008), professor da USP
aos pegmatitos, muitas vezes ricos em fosfatos. No Brasil, uma das áreas mais ricas em pegmatitos - e, portanto, em novas espécies de minerais - é o leste de Minas. Em Divino das Laranjeiras, um dos municípios dessa região, foram encontradas quatro, incluindo a atencioíta, mineral marrom caracterizado pelo russo Nikita Chukanov, e a brazilianita, uma gema de cristais amarelo-esverdeados. Da vizinha Galileia saíram 10 minerais novos. Desde dezembro de 2006, quando saiu de uma pedreira vizinha a um campo de futebol do município de Jaguaraçu, leste de Minas, a carlosbarbosaíta fez um percurso que mostra como encontrar novas espécies de minerais combina paciência, amizade e muita colaboração entre especialistas não acadêmicos e acadêmicos. Luiz Menezes, engenheiro de minas, colecionador e comerciante de minerais que coletou 56 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA F"APESP 180
o que lhe parecia ser um novo material, fez as primeiras análises em um microscópio eletrônico da Universidade Federal de Minas Gerais. Como não pôde ir adiante, mandou sua amostra para a USP. Atencio examinou-a por raios X, confirmou que se tratava de uma espécie nova de mineral, mas também não conseguiu avançar: os cristais de 50 x 1Ox 5 m ilésimos de milímetro eram minúsculos demais, dificultando as análises. Pela mesma razão, durante quatro anos, pesquisadores da USP de São Carlos, do Canadá, da Rússia e dos Estados Unidos que entraram na histó-
O PRO.JETO Minerais novos do Bras il: caracterização cristaloquímica e síntese - n° 2009/09125-5 MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa COORDENADOR
Daniel Atencio - IG/USP INVESTIMENTO
R$ 79.750.75
ria avançavam pouco, até que, em abril de 2009, Mark Cooper, da Universidade Manitoba, Canadá, conseguiu um equipamento de raios X que finalmente completou as análises, elucidando a estrutura atômica do mineral, cujos cristais formam longas agulhas ricas em óxido de urânio e nióbio. A pedido de Menezes, Atencio escolheu o nome para o novo mineral, em homenagem a Carlos do Prado Barbosa, engenheiro químico e colecionador de minerais falecido em 2003 que participou da identificação da bahianita, reconhecida como novo mineral em 1978, e da minasgeraisita, de 1986. Geólogos vivos também são homenageados, embora, como os biólogos, não possam pôr o nome deles próprios em espécies novas que descobrirem. A menezesita, mineral rico em bário, zircônio e magnésio, ganhou esse nome em reconhecimento ao trabalho de Menezes, que mora em Belo Horizonte e vive enviando coisas interessantes para geólogos. Reconhecida em 2005 e publicada em 2008, a menezesita apresenta uma estrutura atômica similar à de um composto que havia sido sintetizado em 2002 para combater o vírus causador da Aids. A luz dos minerais - A coutinhoíta, mineral amarelo como o enxofre, um silicato de urânio e tório, que Atencio e Paulo Anselmo Matioli, geógrafo formado pela Universidade Católica de Santos, trouxeram de Galileia, Minas, é outro exemplo de gratidão aos pioneiros - neste caso, a José Moacyr Vianna Coutinho, professor da USP que, no final dos anos 1950, ao voltar da Universidade de Berkeley, Estados Unidos, disseminou no Brasil o uso da microscopia polarizadora, que indica o desvio da luz e, a partir daí, as estruturas atômicas, facilitando a identificação de minerais no Brasil. Como resultado, ele participou da caracterização de nove dos 16 novos minerais brasileiros identificados nos últimos oito anos, incluindo a carlosbarbosaíta. "Ajudo sempre que posso", diz Coutinho, aos 86 anos, ainda assíduo em sua sala no Instituto de Geociências da USP. "Coutinho, além de um olhar fantástico no microscópio, tem uma habilidade imensa para desenhar cristais e orientações ópticas dos minerais", diz
Atencio, mostrando os desenhos de artigo de 1999 em que eles e outros colegas descreveram a hainita, de Poços de Caldas, na divisa de Minas com São Paulo. Em outro canto da estante de metal estão as amostras de sílex que Atencio coletou aos 10 anos de idade de uma obra próximo à sua casa em São Bernardo do Campo, em um episódio que o fez escolher mais tarde ser geólogo. Duas por ano - Muitos minerais novos são encontrados em apenas um lugar, mas um mineral avermelhado com um dos nomes mais difíceis de pronunciar, tupersuatsiaíta, já tinha sido identificado na Groenlândia e na Namíbia antes de 2005, quando Atencio, Coutinho e Silvio Vlach, também da USP, relataram que o haviam encontrado em Poços de Caldas. Às vezes, a descrição oficial de uma nova espécie de mineral concilia descobertas paralelas. É o caso da bendadaíta, mineral de cristais alongados esverdeados encontrado em Portugal, no Brasil, no Chile, em Marrocos e na Itália, que geólogos de sete países - Áustria, Alemanha, França, Rússia, Austrália, Brasil e Estados Unidos apresentaram em junho de 2010 na Mineralogical Magazine. "Às vezes é mais fácil colaborar com pesquisadores da Rússia e da Alemanha do que daqui", diz Atencio. Segundo ele, a principal razão é a escassez de especialistas na identificação de minerais- menos de uma dezena no Brasil, enquanto a Itália abriga cerca de 200
COUTINHO ÍTA_ Silicato de urânio e tório, com cristais placoides amarelos Aprovada em 2003 Encontrada em Galileia, MG Homenagem a José Moacyr Vianna Coutinho (1924-), professor da USP
MENEZESITA_ Óxido de nióbio, bário, zircônio e magnésio, com cristais vermelhos de 12 faces Aprovada em 2005
e a Rússia, bem mais. Mesmo assim, o número de novas espécies de minerais identificadas originalmente no Brasil está crescendo. Até 1959 havia no país apenas 19 espécies de minerais consideradas válidas, a maioria descrita apenas por estrangeiros. De 1959 a 2000, a comissão de novos minerais da Associação Mineralógica Internacional reconheceu 18 espécies novas, com uma média de 0,43 por ano, e nos últimos oito anos, outras 16, subindo a média para duas por ano. Segundo Atencio, o Brasíl está
Encontrada em Cajati, SP Homenagem a Luiz Alberto Dias Menezes Filho (1950-), engenheiro de minas e colecionador de minerais
entre os países em que atualmente se descobrem mais minerais novos, quase sempre próximo dos Estados Unidos. A Rússia é o país onde mais se descobrem minerais novos. Não é só por falta de especialistas que as descobertas não proliferam. Nas pedreiras, um procedimento comum é tratar as gemas, de valor comercial, com banho de ácido, para remover as impurezas, que incluem possíveis novidades. Os interessados em novos minerais às vezes conseguem chegar antes do banho de ácido. Outro problema é a transformação do espaço. Atencio conta que em 1991 descreveu com Reiner Neumann, o primeiro estudante que orientou, Antonio Silva e Yvonne Mascarenhas, seus colaboradores do Instituto de Física de São Carlos da USP desde os anos 1980, minerais raros de urânio, encontrados em Perus, no município de São Paulo. "Devia ter muito mais", diz ele, "mas o Rodoanel cobriu tudo". • PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 57
[ PALEONTOLOGIA ]
Extinção tardia
igantes, carnívoras e incapazes de voar, as chamadas aves do terror desapareceram depois do que se pensava e qiiase foram contemporâneas do homem moderno nas Américas. Paleontólogos do Brasil e do Uruguai descobriram um fóssil de Phorusrhacidae, nome científico dado a essa família de aves extintas, que viveu nos arredores da atual Montevidéu há cerca de 15 mil anos, apenas 2 mil anos antes da data mais difundida sobre a entrada do Homo sapiens nas Américas. Trata -se do registro mais recente de algum membro desses míticos predadores, que surgiram provavelmente na América do Sul pouco depois da extinção dos dinossauros, aproximadamente 65 milhões de anos atrás. Antes da identificação do fóssil uruguaio, que parece pertencer a uma nova espécie ainda não descrita na literatura científica, os pesquisadores acreditavam que as aves do terror tinham sumido do continente há cerca de 2 milhões de anos. Vestígios dessa idade de exemplares encontrados nos Estados Unidos da espécie Titanis walleri, único Phorusrhacidae que migrou para a América do Norte, amparavam essa hipótese. "Agora temos evidências de que as aves do terror se extinguiram um pouco mais tarde': afirma o paleontólogo Herculano Alvarenga, fundador e diretor do Museu de História Natural de Taubaté, no interior paulista, um dos autores da descoberta. Um artigo com a descrição do fóssil foi publicado na edição de maio passado da revista científica alemã Neues ]ahrbuch für Geologie und
Fóssil uruguaio indica que ave do terro r desapareceu pouco antes da chegada do homem às Américas
Pali:iontologie - Abhandlungen.
Apenas um pedaço de um osso do pé direito do animal foi encontrado em sedimentos do final da época Pleistocena que compõem a formação Dolores, situada no munícipio de La Paz, nas redondezas da capital uruguaia. "Essa área é rica em fósseis da megafauna sul-americana': afirma Washington Jones, do Museu Nacional de História Natural de Montevidéu, 58 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
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-~ ~~: ;_ tr.> v~ Detalhes do fóss il e desenho de ave do gênero Psilopterus, com a qual a nova espécie se parec ia
coautor do artigo. Bastou um fragmento do tarsometatarso, osso que liga a perna da ave (fíbula e tíbia) aos seus dedos, para Alvarenga classificá-la como pertencente aos Phorusrhacidae. "A gente tem o olho treinado para reconhecer os detalhes anatômicos característicos dos vários grupos de aves", afirma o paleontólogo de Taubaté. Ortopedia e paleontologia - Apaixo-
nado por ossos e seres alados,Alvarenga é médico ortopedista de profissão e se dedica paralelamente ao estudo de fósseis de aves desde o final da década de 1970. Fez doutorado em paleontologia na Universidade de São Paulo nos anos 1990 e, em sua tese acadêmica, estudou justamente as aves do terror. Por seu trabalho científico de qualidade e por ser o administrador de um acervo com
fósseis de mais de mil espécies de aves mantidas em seu museu, ganhou respeito da comunidade de paleontólogos do Brasil e do exterior. Entre as duas espécies de Phorusrhacidae descobertas e descritas em solo brasileiro por Àlvarenga, destaca-se um esqueleto quase completo do Paraphysornis brasiliensis, predador de dois metros de altura que aterrorizava o Vale do Paraíba com seu bico em forma de gancho há 23 milhões de anos. Referência no estudo dessa família de aves, o brasileiro publicou em 2003 um artigo de revisão científica sobre os 14 gêneros e 18 espécies conhecidos desses antigos carnívoros. Recentemente, escreveu um capítulo sobre as aves do terror para o livro Li-
guns fósseis das espécies T. walleri e Brontornis burmeisteri, chegavam a medir três metros de altura e pesar 180 quilos. Mas o osso resgatado no Uruguai sugere que a possível nova espécie era um dos menores representantes dos Phorusrhacidae. "Sem dúvida, trata-se de um osso de um animal relativamente pequeno", afirma Alvarenga. Seu peso não devia passar dos 10 quilos e a altura não chegava a um metro. Devia ser semelhante às aves do terror do gênero Psilopterus, que, por sua vez, se pareciam com a moderna seriema ( Cariama cristata). Encontrada atualmente na América do Sul, a seriema é considerada a espécie viva mais aparentada dos Phorusrhacidae. Costuma-se atribuir a extinção das aves do terror à entrada na América do Sul de grandes mamíferos carnívoros vindos da América do Norte, como os tigres-dentes-de-sabre e os ancestrais dos lobos. A mistura de fa una entre as duas partes principais do continente se intensificou depois do estabelecimento do istmo do Panamá, que, há 3 milhões de anos, facilitou a circulação dos animais de porte mais avantajado. Por algum motivo ainda não totalmente conhecido, as espécies de Phorusrhacidae, que não tinham dentes, teriam se mostrado menos competitivas quando confrontadas com os predadores oriundos do Norte. O mesmo processo pode ter sido decisivo para levar ao desaparecimento de outros antigos animais da América do Sul, como as preguiças gigantes. Se isso realmente ocorreu, o fóssil uruguaio indica ao menos que a extinção dos Phorusrhacidae se deu de forma relativamente mais vagarosa. "Diria que a possibilidade de as aves do terror terem tido contato com humanos não é nula, mas, mesmo com essa nova descoberta, é muito baixa", afirma Jorres. • MARCOS PrvETTA
ving dinosaurs: the evolutionary history of modern birds, lançado no início deste ano nos Estados Unidos. Dada a escassez do material encontrado nos arredores da capital uruguaia, é impossível fazer uma reconstituição de como era essa derradeira manifestação de ave do terror. Os maiores exemplares conhecidos desses predadores, como al-
Artigo científico ALVARENGA, H. et ai. The youngest record of phorusrhacid birds (Aves, Phorusrhacidae ) from the late Pleistocene of Uruguay. Neues Jahrbuch für Geologie und Paliiontologie - Abhandlungen . v. 256, n. 2, p. 229-34. mai. 2010.
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SêidfAep el!f../dê!N e4ueJe e:>ele JOfO:>Jq SfJê!Wfdê!OUê!WÁH edsaA :o1ana
[ ECOLOGIA ]
Marionetes de oito patas Larvas de vespas manipulam o comportamento de aranhas MARIA GUIMARÃES
m busca de teias com duas a três centenas de aranhas de uma espécie que vive em colônias, os biólogos Marcelo Gonzaga e Jober Sobczak encontraram algo ainda mais surpreendente: uma vespa pousada numa teia sem aranha à vista. Um excursionista desavisado provavelmente passaria sem dar atenção à cena, mas Gonzaga rapidamente armou a câmera fotográfica. O instinto estava certo: logo em seguida, uma mosca foi capturada pela teia, a aranha saiu da folha enrolada que lhe servia de abrigo e, antes que alcançasse a refeição do dia, foi atacada. A vespa agarrou a aranha e inseriu o ovipositor na boca da dona da teia, liberando uma substância paralisante por tempo suficiente para que pudesse grudar um ovo na parte posterior do abdômen da vítima. O pesquisador não tirou o dedo do obturador da câmera e documentou tudo. "Foi muita sorte, não imaginávamos encontrar isso", conta Gonzaga, professor na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em Minas Gerais, e membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Hymenoptera Parasitoides da Região Sudeste Brasileira. O encontro fortuito na serra do Japi, uma reserva de mata atlântica em Jundiaí, interior de São Paulo, aconteceu em 2007 e deu origem à primeira descrição de parasitismo de uma aranha (Araneus omnicolor) por uma vespa (Hy menoepimecis veranae) no país. Um caso similar fora relatado sete anos antes por William Eberhard, da Universidade da Costa Rica. De lá para cá Gonzaga manteve conta to com o colega da América Central e descreveu o comportamento parasitoide, interação em que o hospedeiro sempre é morto pelo parasita, de mais seis espécies de vespas, duas delas até então desconhecidas pela ciência.
O que descreveram Gonzaga e Sobczak- aluno de doutorado de Angélica Penteado Dias, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), co-orientado por Gonzaga- é um procedimento complexo que envolve manipulação do hospedeiro pela vespa. Depois de paralisar a aranha (o veneno atinge o sistema nervoso central pelo gânglio subesofágico ), a vespa inspeciona o abdômen da vítima e, se necessário, mata e remove alguma larva competidora. Na sequência, deposita ali um ovo de onde sai uma larva que adere ao corpo da aranha, faz furos em seu abdômen e se alimenta de hemolinfa, fluido correspondente ao sangue. Duas semanas depois, na hora de a larva formar o casulo em que se tornará uma vespa adulta, a aranha subitamente altera a estrutura de sua teia. Ela praticamente deixa de produzir a espiral de fios viscosos que capturam as presas e monta uma estrutura mais simples e resistente - em alguns casos, cria até uma barreira de seda protegendo o casulo. A larva então se prende aos fios da teia com estruturas em forma de gancho que surgem em sua carapaça na última muda, mata a aranha e forma seu casulo (ver vídeo no si te www. revista pesquisa .fapesp. b r). Em 40% das 85 teias examinadas em trabalho publicado em 2007 na Naturwissenschaften, a dupla de biólogos encontrou fêmeas maduras de aranhas com parasito ides ou já só o casulo preso à teia. É uma proporção alta, até porque as vespas não atacam qualquer aranha. Gonzaga e Sobczak não encontraram machos parasitados, mas é cedo para dizer se eles não são vítimas por serem menores ou se não estavam à disposição dos pesquisadores na época do ano em que foi feito o levantamento, entre março e abril. Gonzaga explica que as fêmeas muito grandes têm mais capacidade de PESQU ISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 61
lutar e virar o jogo, transformando a vespa em almoço. "Nunca encontramos fêmeas grandes parasitadas", conta. Já as aranhas pequenas parecem não ser um bom alvo por não terem tamanho suficiente para sustentar o desenvolvimento de uma larva de vespa. Além disso, as habitantes imaturas de teias ainda têm de passar por mudas (troca do esqueleto, que é externo) até chegar ao tamanho de um adulto, o que deixaria a larva presa a uma casca seca e oca nada nutritiva. Para sobreviver, as vespas precisam escolher bem. Encontrar novos casos de vespas parasitoides e descrever a interação entre
elas e os hospedeiros foi só o primeiro passo da pesquisa. Até agora, as espécies identificadas no Brasil foram achadas na mata atlântica, em São Paulo e no Espírito Santo. No entanto, isso não significa que vespas parasitoides de aranhas sejam exclusivas desse ecossistema. A restrição geográfica é determinada pela região onde Gonzaga fez seus levantamentos- ele trabalhou na mata atlântica durante o pós-doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e no período no qual foi pesquisador na UFSCar com financiamento do programa Jovens Pesquisadores da FAPESP.
Trabalho de fantoche Teias originais e alteradas (centro)
d~
aranhas parasitadas por vespas
Cyclosa fililineata, hospedeira da vespa Polysphincta janseni
Nephila clavipes, que abriga larva da Hymenoepimecis bicolor
Aranha Leucage roseosignata, vítima da Hymenoepimecis japi
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Em Uberlândia desde 2008, Gonzaga começa agora a explorar o cerrado na Estação Ecológica do Panga, uma área de pesquisa da UFU a 30 quilômetros da cidade. "Já vi que a interação entre Nephila e Hymenoepimecis bicolor, que observamos na serra do Japi, também existe no cerrado", relata o biólogo. Ele também descobriu uma espécie devespa parasitoide de aranhas que vivem em colônias, mas falta publicar a descrição. Parte do processo de descrição do parasitoidismo tem sido comparar os comportamentos que Gonzaga e Sobczak encontram aqui no Brasil com aqueles achados por Eberhard na Costa Rica. "Até agora os padrões comportamentais se repetem, e as modificações nas teias são parecidas." Mecanismos - Outra fase do estudo, que vem acontecendo ao mesmo tempo, é entender o que dá à aranha o sinal de modificar a teia. Os biólogos brasileiros já descartaram a hipótese de que a energia sugada pelas larvas alteraria o comportamento da aranha, como mostraram em experimento descrito em 2010 na Ethology, Ecology and Evolution. Em campo, eles puseram gaiolas de bambu e tela em volta dos galhos e arbustos que sustentavam 15 teias, de maneira a impedir que os insetos chegassem a elas. Eles então controlaram a alimentação das aranhas por 21 dias. Um grupo sem parasitoides ganhava uma mosca por dia, outro também sem a larva ficava sem comida e o terceiro grupo, de aranhas parasitadas, recebia uma mosca a cada dia. As aranhas ficaram mais fracas com o tratamento, mas não passaram a produzir teias como as que sustentam casulos. Em colaboração com um grupo da Unicamp, Sobczak tenta descobrir possíveis alterações químicas nas larvas em estágio final do desenvolvimento. "Não sabemos se a larva injeta um composto desconhecido na hospedeira ou se induz a aranha a produzir uma substância parecida com a que libera antes da muda, já que a teia modificada lembra a que as aranhas constroem nesses momentos", explica Gonzaga. Sobczak tem investido boa parte de seu tempo na serra do Japi, onde faz experimentos de campo para avaliar a importância da modificação das teias para a sobrevivência das larvas. Segun-
do Gonzaga, uma teia normal se desfaz em poucos dias sem a manutenção constante da aranha, en quanto a modificada dura mais de um mês, tempo mais do que suficiente para a larva, que passa cerca de uma semana no casulo, se transformar em vespa adulta. A teia que abriga o casulo é mais robusta porque é feita com fios reforçados que a prendem a galhos e folhas e porque não tem os fios adesivos que servem de armadilha para insetos. "Uma presa se debatendo na teia poderia derrubar o casulo", imagina o biólogo da UFU. Na tentativa de provar que a teia modificada interfere na sobrevivência
O PRO.JETO Cuidado maternal em aranhas da família Theridiidae n° 2006/59810-8 MODALIDADE
Jovens Pesquisadores COORDENADOR
Marcelo de Oliveira Gonzaga- UFSCar INVESTIMENTO
R$ 52.450,78 (FAPESP)
Puxando os fios : teia modificada por influência da larva de
das vespas, Sobczak vem instalando casulos em teias norH. bicolor, mais. Assim que a à dire ita aranha modifica a teia e a larva está prestes a matá-la e a se encasular, ele transfere para uma teia intacta e desabitada a aranha e a larva, que faz seu casulo numa teia que continuará a capturar insetos e n(io receberá a manutenção de uma aranha. Os resultados, ainda iniciais, apontam na direção esperada: os casulos não são bem-sucedidos nas teias normais. Gonzaga tem muito trabalho pela frente. O universo da manipulação de hospedeiros por parasito ides tem uma série de exemplos fascinantes. É o caso da lagarta de mariposa que vira babá dos casulos das vespas que se alimentaram dela na fase larval, estudado por um grupo holandês, da Universidade de Amsterdã, em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, liderados por Eraldo Lima e Angelo Pallini. As lagartas Thyrinteina leucocerae e as vespas do gênero Glyptapanteles foram coletadas no campus da UFV e mantidas em laboratório. Nesse caso os ovos, cerca de 80, são postos dentro
do corpo do hospedeiro. As larvas saem por furos que fazem na lagarta, que permanece junto aos casulos até o final do desenvolvimento da vespa, segundo artigo de 2008 na PLoS ONE. Ante os ataques de predadores, a guardiã faz vigorosos movimentos com a cabeça e espanta até metade deles. Mas morre pouco depois que as vespas adultas emergem dos casulos. É possível que larvas que permanecem vivas dentro da lagarta puxem os fios da marionete, mas não se sabe como. Manipulações ainda mais espetaculares por vespas parasitoides já foram descritas em outros países, mas é difícil imaginar que sejam localizações privilegiadas. Diante da espantosa diversidade biológica que os ecossistemas brasileiros abrigam, é questão de tempo- e de muito trabalho- até que mais exemplos surjam. Dignos, quem sabe, dos mais arrepiantes filmes de terror. •
Artigo científico GONZAGA, M. O. et ai. Modification of Nephila clavipes (Araneae Nephilidae) webs induced by the parasitoids Hymenoepimecis bicolor and H. robertsae (Hymenoptera lchneumonidae). Ethology Ecology & Evolution. v. 22, p. 151-65.2010.
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[ FISIOLOGIA ]
Memórias de origem Células do endotél io armazenam informação do estado em que foram ext ra ídas do doador
s células têm memória. Possivelmente não são todas, mas algumas conseguem reviver tempos mais tarde as condições do organismo e do ambiente de que foram extraídas. Essa capacidade de reter e transmitir informações aos descendentes não foi observada, como talvez fosse de esperar, em neurônios, as células cerebrais que transportam informações na forma de sinais elétricos de um ponto a outro do organismo e as armazenam no cérebro. A equipe da farmacologista Regina Pekelmann Markus identificou a memória celular no endotélio, camada de células que forra internamente os vasos sanguíneos. Até o momento observada em ratos, essa forma de memória, descrita em artigo de novembro na PLoS ONE, deve despertar o interesse médico por poder influenciar os transplantes de órgãos e o desenvolvimento em laboratório de tecidos que substituam os naturais. "Se os achados forem confirmados em seres humanos, será preciso passar a prestar atenção à memória celular a fim de obter culturas de tecido mais homogêneas e reduzir o risco de rejeição em transplantes", comenta a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). A descoberta da memória celular se deu de modo inesperado. No Laborató64 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
rio de Cronofarmacologia do Instituto de Biociências (IB) da USP, o grupo de Regina cultivava em recipientes de acrílico células endoteliais de ratos saudáveis e de animais submetidos a um teste que simula uma inflamação aguda, disparada pela injeção de moléculas -lipopolissacarídeos (LPS)- da parede celular de bactérias. Depois de se reproduzirem in vitro por quase três semanas, as células descendentes das retiradas dos ratos ainda se comportavam como suas tataravós. Aquelas extraídas de um roedor com inflamação reproduziam os processos fisiológicos que ocorrem no endotélio de uma região lesionada: atraíam e retinham células de defesa- em especial os neutrófilos, as mais abundantes do organismo e uma das primeiras a chegar à região inflamada. Já as células endoteliais filhas das retiradas de ratos sem inflamação agiam como se estivessem em ambiente saudável. Se o fenômeno ocorre em ratos, modelo experimental de várias doenças, é possível que também se manifeste nas pessoas, já que a fisiologia e a estrutura de órgãos e tecidos humanos e murinos são muito semelhantes. Caso seja verificada em seres humanos, essa memória pode explicar, ao menos em parte, arejeição a transplantados. É que logo após um infarto, por exemplo, as células do
endotélio produzem e expõem em sua superfície moléculas que atraem neutrófilos. Normalmente arrastados em alta velocidade pela corrente sanguínea, os neutrófilos aderem às células endoteliais, que os freiam até parar. Em seguida os neutrófilos se espremem entre as células do endotélio, atravessam o vaso sanguíneo e movem-se entre os tecidos até alcançar as células danificadas. Esse processo, o mesmo que ocorre na infecção por bactérias, causa inchaço, aumento da temperatura e dor no local. E, segundo Regina, deixa uma cicatriz molecular no organismo. Por isso é possível que um rim retirado de uma pessoa que sofreu infarto carregue em suas células a memória desse quadro inflamatório, aumentando o risco de rejeição. "Esse conceito é importante e, em princípio, pode afetar o resultado de transplantes, mas ainda não é possível saber", comenta o imunologista Mauro Teixeira, da Universidade Federal de Minas Gerais. Salvatore Cuzzocrea, pesquisador da Universidade de Messina, na Itália, e especialista em inflamação, diz mais: "A ideia de monitorar o estado de ativação das células do doador parece um bom começo para reduzir o risco de rejeição. Não podemos esquecer que danos no endotélio são a principal causa de insucesso dos transplantes':
A suspeita de que as células pudessem conservar a memória de um estado por longos períodos surgiu em 2008. No laboratório de Regina, o biólogo Eduardo Tamura, na época aluno de doutorado, trabalhava na padronização dos testes de inflamação e tentava saber se a produção de um composto sintetizado pelas células do endotélio durante a inflamação- o óxido nítrico (NO), que faz vasos sanguíneos relaxarem, aumentando o fluxo de sangue para a área
OS
PRO~ETOS
1. Glândula pineal e melatonina mecanismo de temporização de respostas neurais e processos inflamatórios - n° 2002/02957-6 2. Eixo imunepineal: produção endócrina e parácrina de melatonina em condições de injúria - n° 2007/07871-6 MODALIDAD E
1 e 2. Projeto Temático COORDENADORA
1 e 2. Regina Pekelmann Markus IB/USP INVESTIMENTO
R$ 523.465,57 (FAPESP) R$ 932.222,87 (FAPESP)
lesada- variava ao longo do dia. Anos antes Regina e a farmacologista Cristiane Lopes haviam demonstrado que a intensidade da inflamação oscilava em ciclos de 24 horas, sendo mais intensa de dia e branda à noite. O que controla a oscilação é o hormônio melatonina, cuja produção aumenta após o sol se pôr. Sintetizada pela glândula pineal, na base do cérebro, a melatonina indica ao organismo que está escuro e que suas células devem executar as tarefas que normalmente realizam à noite. A fisiologista Celina Lotufo, pesquisadora da Universidade Federal de Uberlândia e ex-aluna de Regina, constatou que a melatonina inibe a inflamação por agir sobre o endotélio: ela impede os neutrófilos de aderir às células endoteliais e iniciar a resposta inflamatória. Mas faltava detalhar essa interação do ponto de vista bioquímico. Tamura viu que a melatonina bloqueia a produção de óxido nítrico, reduzindo o relaxamento dos vasos e a chegada de sangue e neutrófilos à lesão. Em 2008, por causa do curso de inverno oferecido pelo Departamento de Fisiologia do IB, Tamura alterou o horário em que preparava os roedores para os experimentos e se surpreendeu com o resultado. Em vez de injetar o composto inflamatório de dia, passou a fazer também à noite. Ao comparar
a resposta, viu que os animais que recebiam LPS à noite produziam menos NO, sinal de inflamação menos intensa. O efeito anti-inflamatório, observou, resultava da ação da melatonina, que reduz a produção de óxido nítrico pelos neutrófilos e pelas células endoteliais. Ao cultivar as células do endotélio por períodos mais longos, Tamura e os biólogos Marina Marçola e Pedro Fernandes perceberam que elas armazenavam por até 18 dias a memória do estado de saúde dos ratos de que haviam sido extraídas- as retiradas de roedores com inflamação se comportavam como se ainda vivessem num organismo inflamado. Em certas condições, essa memória foi apagada pela melatonina. "Dada ao animal antes de estimular a inflamação, ela impediu esse tipo de memória", conta Regina. "Mas ainda não sabemos se a ação desse hormônio sobre as células endoteliais é direta ou indireta nem se é possível reverter a memória da inflamação in vitro." • RICARDO ZoRZETTO
Art igo cient íf ico
TAMURA, E. K. et ai. Long-lasting priming of endothelial cells by plasma melatonin le~els. PLoS ONE. v. 5(11). 12 nov. 2010.
PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 6 5
[ NEUROLOGIA ]
CURTO-CIRCUITO ampliado
Superexcitação elétrica do cérebro pode desregular o coração e levar à morte súbita por epilepsia
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Co nexões: neurô nios dese nhado s por Sant iago Ra món y Cajal, Nobel de 1906
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lgumas pessoas com epilepsia podem apresentar batimentos cardíacos acima do normal e um risco de morrer subitamente, sem nenhuma causa aparente, três vezes maior que as pessoas saudáveis. Agora essas duas características da doença se encaixam: alterações no ritmo cardíaco- principalmente a aceleração dos batimentos, chamada taquicardiapodem ser um dos mecanismos desencadeadores da morte súbita por epilepsia, de acordo com estudos recentes feitos no Brasil e em outros países. "Quanto mais constantes as crises epilépticas e a taquicardia, maior o risco", diz Fulvio Scorza, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ). Ele conta que apresentou as conclusões a que chegou com sua equipe a cardiologistas da Unifesp, que se interessaram pela possibilidade de aplicar os resultados e, em conjunto, estão preparando um estudo de monitoramento cardíaco constante de pessoas com a doença que não respondam ao tratamento convencional em busca de meios para reduzir a incidência desse tipo de morte súbita, a principal causa de óbito de pessoas com epilepsia. Em média, um em cada mil indivíduos com esse distúrbio neurológico morre de modo inesperado, durante ou logo após uma crise, enquanto dorme
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ou ao acordar. De 2000 a 2009, Vera Terra, médica do Centro de Cirurgia de Epilepsia da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, acompanhou 1.054 crianças (de Oa 18 anos) com epilepsia; 12 tiveram morte súbita. Definida como uma morte sem testemunhas nem qualquer causa aparente, a morte súbita por epilepsia tem sido um problema difícil de ser investigado, porque não pode ser prevista - nem as crises, marcadas principalmente por intensas contrações e tremores musculares. Alguns fatores de risco já estão delineados: idade entre 27 e 39 anos, início precoce e duração das crises epilépticas, frequência de crises não controladas, exposição contínua a ambientes frios , dificuldade em responder aos tratamentos convencionais e efeitos colaterais de medicamentos usados para tratar epilepsia. As causas é que permaneciam incertas. Havia apenas indicações de que a superexcitação elétrica de regiões do cérebro que gerava as crises epilépticas pudesse causar um
descontrole fatal do coração ou uma queda brusca da pressão arterial. Scorza começou a procurar as possíveis causas e formas de prevenção desse problema em 2004. O que o motivou foi um comentário da neurologista Marly de Albuquerque, que trabalhava na Unifesp e atualmente leciona na Universidade de Mogi das Cruzes. Em uma noite de segunda-feira, ela lhe contou que um adolescente de que tratava tinha morrido subitamente. Scorza deixou-se tocar pela tristeza da colega e, como seu filho Miguel tinha acabado de nascer, aproximou-se do desespero dos pais do adolescente que tinha morrido. Fora de ritmo - Em um dos primeiros experimentos, ele e Diego Colugnati, hoje professor da Universidade Federal de Goiás, notaram que o coração deratos com epilepsia induzida apresentava taquicardia. No entanto, se removiam o coração e o mantinham funcionando em meios apropriados fora do corpo do animal, a taquicardia cessava e o ritmo cardíaco voltava ao normal. "Em um corpo com um cérebro doente, o coração apresenta taquicardia", diz Scorza. O estudo mais recente desse grupo, publicado em novembro de 2010 na Epilepsy & Behavior, detalhou esse fenômeno, registrando em ratos uma desaceleração do ritmo cardíaco, a bradicardia, logo após o início da crise epiléptica, e depois uma taquicardia, que prosseguiu mesmo quando a descarga elétrica que gerou a crise já tinha passado. • Quatro meses antes, Scorza, Ricardo Arida e Esper Cavalheiro, da Unifesp, e Vera Terra, da USP, assinaram um editorial da Epilepsy & Behaviorpropondo algumas formas de prevenir a morte súbita: controlar as crises com o máximo rigor possível; reduzir o estresse, que pode disparar as crises; ampliar a participação de pessoas com epilepsia em atividades esportivas; providenciar uma supervisão noturna, principalmente de crianças com epilepsia, por meio de monitores ou alarmes; e ampliar o conhecimento dos familiares sobre técnicas de ressuscitação cardíaca. Scorza, com outros pesquisadores de instituições paulistas, verificou que o consumo diário de ácidos graxos poliinsaturados do tipo ômega-3, complementando a medicação tradicional, pode reduzir a frequência e a intensi-
dade de crises, o que faria cair o risco de morte súbita. Ele e seu grupo mostraram em 2008 que o ômega-3 tinha ajudado a regular o funcionamento de neurônios sujeitos ao descontrole elétrico e induzido a formação de novos neurônios. Há um problema extra para serresolvido: os médicos devem ou não contar às pessoas com epilepsia, ou a seus familiares, que, além de não poderem dirigir carros nem tomarem bebidas alcoólicas, estão sujeitas à morte súbita? Em seu doutorado em fase final na Unifesp, Ively Abdalla verificou que a maioria dos 44 médicos entrevistados conta apenas para os que perguntam sobre essa possibilidade. Um dos autores de um artigo de 2008 na Epilepsy, Martin Brodie, professor da Universidade de Glasgow, Escócia, argumenta que todos os pacientes e seus familiares têm o direito de saber dos riscos do tratamento, enquanto o outro autor, Gregory Holmes, da Universidade de Dartmouth, Estados Unidos, diz que não é necessário contar a todos, mas apenas aos que apresentam fatores de risco mais elevados, como os que têm crises constantes e refratárias aos tratamentos convencionais. As opiniões divergem porque o risco de morte inesperada não é o mesmo em todas as pessoas com epilepsia. A maioria das que recebem um diagnóstico positivo para epilepsia para de ter crises quando começa a tomar os remédios e as que apresentam todos os fatores de risco nem sempre morrem desse modo. "Contar ou não contar sobre o risco de morte súbita depende da situação", diz Marly. "Geralmente não conto porque a maioria dos indivíduos que chegam para fazer diagnóstico não é do grupo de risco e também porque não perguntam. Temos de ir devagar. É muita informa• ção que eles têm de assimilar." CARLOS FIORAVANTI
Art iços científicos 1. PANSANI, A.P. et ai. Tachycardias and sudden unexpected death in epilepsy: a gold rush by an experimental route. Epilepsy & Behavior. v. 19, n. 3, p. 546-7. nov. 2010. 2. SCORZA, F. et ai. What can be clone to reduce the risk of SUDEP? Epilepsy & Behavior. v. 18, n. 3, p. 137-8. jul. 2010.
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[ HOMENAGEM ]
Vazios na ciência brasileira O adeus de Jayme Tiomno, Victória Rossetti e Lynaldo Cavalcanti
os últimos dois meses o Brasil -perdeu dois de seus principais cientistas e um atuante gestor da área da ciência e tecnologia. Morreram a engenheira agrônoma Victória Rossetti, aos 93 anos, em São Paulo, no dia 26 de dezembro; Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de 1980 a 1985, aos 78 anos, em Brasília, dia 6 de janeiro; e o físico Jayme Tiomno, aos 90 anos, no Rio de Janeiro, no dia 12 de janeiro. Jayme Tiomno nasceu no Rio e integrou a geração de importantes físicos brasileiros, que inclui Marcello Damy, Roberto Salmeron, César Lattes, Oscar Sala, Mário Schenberg e José Leite Lopes, entre outros. Formado pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ) em 1941, fez mestrado e doutorado na Universidade Princeton, nos Estados Unidos. No período em Princeton trabalhou com os físicos John Archibald Wheeler, Chen Ning Yang (Nobel de 1957) e Eugene Paul Wigner (Nobel de 1963), este último seu orientador no doutorado. Com Yang, Tiomno desenvolveu a teoria da universalidade da interação fraca, publicada em 1950, que levou Wheeler a indicá-lo, sem sucesso, para o Nobel de 1987 juntamente com outros pesquisadores dos Estados Unidos, Índia e China que trabalharam sobre o tema. Físico teórico, teve participação na criação de grupos de pesquisa em todo o Brasil. Com Lattes e Leite Lopes, foi um dos fundadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) , em 1949. Em 1966 estava ao lado dos criadores da Sociedade Brasileira de Física. Ensinou e pesquisou também na Universidade de Brasília, Universidade de São Paulo (USP) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). "O professor Tiomno, por ter sido um dos grandes físicos brasileiros, valorizado na comunidade internacional de física, foi um exemplo 68 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
Ofísico Tiomno e a agrônoma Victória se tornaram referência para outros cientistas. Cavalcanti teve uma gestão elogiada
à frente do CNPq
Xylefla fastidiosa - Reconhecida co-
Tiomno (esq.), Victória e Cavalcanti
estimulante para muitas gerações mais jovens de cientistas brasileiros", lembrou Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP e também físico. "Ele foi um dos pioneiros da física de alta qualidade no Brasil. Nas várias instituições por onde passou criou núcleos de grupos de pesquisa", disse à Agência FAPESP o físico Luiz Davidovich, professor da UFRJ e um dos diretores da Academia Brasileira de Ciências. "Ele inspirou estudantes de diversas gerações. E devemos lembrar que foi um dos cientistas cassados e aposentados prematuramente pela ditadura militar." O físico carioca teve morte natural em sua residência. Era casado com atambém física Elisa Frota Pessoa.
mo uma das maiores pesquisadoras no mundo em doenças que atingem a citricultura, Victória Rossetti era natural de Santa Cruz das Palmeiras, interior paulista. Foi a primeira engenheira agrônoma formada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em 1939. Em 1940 ingressou como estagiária no Instituto Biológico, onde desenvolveu sua carreira. Dedicou-se sempre à pesquisa das doenças dos citros. Em 1947 seguiu para os Estados Unidos para cursar estatística experimental na Universidade da Carolina do Norte. Em 1951 e 1952, com bolsa da Fundação Guggenheim, estudou na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Em 1960, com apoio da Fundação Rockefeller, visitou as estações de pesquisas em citros na Flórida e na Califórnia. A convite do governo da França e do Institut National de la Recherche Agronomique (Inra), desenvolveu programa de colaboração científica trabalhando com Joseph Bové em estudos sobre viroides em 1961. Capacitou-se nas técnicas de diagnóstico de vírus transmissores por enxertia, visando ao Programa de Registro de Matrizes de citros livres de vírus, implantado no estado de São Paulo. Um dos resultados relevantes que conseguiu, a partir de 1958, foi a comprovação do ácaro Brevipalpus phoenicis como vetor da leprose e da clorose zonada. Estudos sobre o cancro cítrico e sobre a clorose variegada dos citros (CVC)- nome sugerido pela pesquisadora em substituição ao popular "amarelinho" -, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, motivaram vários trabalhos com colegas do Brasil e do exterior. Recebeu numerosos prêmios, honrarias e homenagens durante sua longeva vida. A agrônoma morreu em consequência de pneumonia. "Victória Rossetti, por sua enorme contribuição científica, foi exemplo de tenacidade e dedicação ao trabalho e orgulho para o setor agronômico brasileiro", afirmou Antonio Roque Dechen, diretor da Esalq. "Lamentamos o falecimento dessa pioneira no estudo
das doenças que acometem as plantas cítricas, cientista de carreira belíssima e de grande importância, responsável por formar e apoiar gerações de pesquisadores brasileiros", disse Celso Lafer, presidente da FAPESP, à Agência FAPESP. A cientista foi especialmente importante para o Programa Genoma, que sequenciou o DNA da X. fastidiosa entre 1997 e 2000. "Foi a colaboração entre ela e Joseph Bové, da França, que permitiu a ele estabelecer a relação causal entre a CVC e a bactéria", conta José Fernando Perez, então diretor científico da Fundação, que financiou o sequenciamento. Foi o cientista francês quem trouxe a técnica de crescimento da cultura de Xylella para que houvesse DNA suficiente para sequenciar. "Logo, se não fosse o trabalho anterior da Victória com o Bové, realizado por iniciativa dela, talvez não tivéssemos escolhido a Xylella para trabalhar." Gestão em C&T - O paraibano Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque, de Campina Grande, era engenheiro civil graduado pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi diretor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), de 1964 a 1971, embrião da atual Universidade Federal de Campina Grande. Passou pelo Ministério da Educação, foi reitor da UFPB (1976-80), presidiu o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (1977 -78) e dirigiu a Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica Industrial (Abipti). No CNPq foi o presidente de 1980 a 1985, onde teve uma gestão marcante. Implementou o programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT). Criou o primeiro parque tecnológico do país com incubadora de empresas, além de atuar nos estados e municípios para a criação de secretarias estaduais e municipais de Ciência e Tecnologia. Concebeu instituições como o Laboratório Nacional de Computação Científica, o Museu de Astronomia e Ciências Afins e o Observatório Astrofísico de Brasópolis, entre outros. Como Victória Rossetti, morreu em consequência de pneumonia. •
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na internet
\\ ENDOCRINOLOGIA
Depressão e hi potireo idismo O estudo "Sintomas depressivos e ansiosos em mulheres com hipotireoidismo", de Nelson Elias Andrade Junior, Maria Lúcia Elias Pires e Luiz Claudio Santos Thuler, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, avaliou a associação entre o hipotireoidismo e a ocorrência de sintomas depressivos e ansiosos. Foi realizado um estudo do tipo caso-controle, no período de julho de 2006 a março de 2008, no qual foram incluídas 100 mulheres (50 pacie~tes com hipotireoidismo primário e 50 controles eutireoidianos) com idade entre 18 e 65 anos. Foram realizadas dosagens do hormônio TSH e utilizadas as escalas de ansiedade e de depressão de Beck em todos os casos e controles. Não foram verificadas diferenças significativas entre pacientes com hipotireoidismo primário e controles no que se refere às variáveis demográficas e epidemiológicas. A presença concomitante de ansiedade e depressão foi cinco vezes maior entre os casos do que entre os controles. A ocorrência de sintomas ansiosos foi cerca de três vezes maior entre os casos (40%) do que em relação aos controles (14%), enquanto a prevalência de sintomas depressivos mostrou-se 75% superior entre os casos (28%) quando comparada aos controles (16%). Não foi observada associação entre os níveis de TSH e a prevalência de sintomas de ansiedade e depressão. Este estudo caso-controle apontou maior probabilidade de pacientes com hipotireoidismo apresentarem sintomas ansiosos e depressivos em comparação a controles eutireoidianos. Em razão das altas prevalências de hipotireoidismo e depressão observadas na prática clínica, a presença de sintomas depressivos deve ser investigada em pacientes com disfunção tireoidiana e pacientes deprimidos devem ser testados com dosagem do TSH. REVISTA BRASILEIRA DE GINECOLOGIA OBSTETRÍCIA - VOL. 32 - N°
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DE JANEIRO- JUL. 2010
\\NUTRIÇÃO
Guias alimentares O guia alimentar brasileiro é baseado parcialmente nas recomendações norte-americanas a despeito das críticas e problemas identificados no documento dos Estados Unidos. No estudo "Recomendações dietéticas: comparação entre os guias alimentares brasileiro e americano" as recomendações alimentares para o Brasil são resumidas e discutidas em com-
I www.sc ielo.org
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paração com as recomendações norte-americanas. Os guias alimentares brasileiro e americano são bastante similares em diversos aspectos, particularmente aqueles relacionados com a variação da dieta, a importância da atividade física e o gerenciamento do peso. Diferentemente dos Estados Unidos, o guia brasileiro estimula o consumo de alimentos frescos, aconselha o uso de fontes saudáveis de gorduras, a limitação de gordura trans, a ingestão de boas fontes de proteínas, mas não indica o consumo de grãos integrais. Além dos desafios relacionados com a sua implantação, os indicadores para a avaliação da eficácia dos guias alimentares devem ser estabelecidos desde sua implantação, particularmente os relacionados a mudanças nos hábitos alimentares e à prevalência da obesidade, de acordo com os autores do trabalho Rosely Sichieri, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Stephanie E. Chiuve e Walter C. Willett, da Harvard School of Public Health (Estados Unidos), Rosângela Alves Pereira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Aline Cristine Souza Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais. CADERNOS DE SAÚDE PúBLICA- VOL. 26- N° 11-
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JANEIRO- NOV. 2010
\\MUDANÇA CLIMÁTICA
Efeitos na cultura do arroz A partir da Revolução Industrial houve um aumento da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera terrestre, como o dióxido de carbono (C0 2), o que poderá levar a um aumento na temperatura global até o final do século XXI. O efeito direto do incremento na concentração de co2 nas plantas é a possibilidade de aumento da taxa de crescimento e produtividade das culturas, uma vez que o co2é o substrato para a fotossíntese. Se o aumento da concentração de co2for acompanhado de aumento da temperatura do ar, poderá haver encurtamento do ciclo e aumento da respiração do tecido vegetal, reduzindo ou anu lando os efeitos benéficos do C0 2 • No entanto, a resposta aos aumentos na concentração de C0 2 e temperatura do ar varia de acordo com a cultura considerada. Assim, o objetivo desta revisão foi reunir informações da resposta ecofisiológica da cultura do arroz (foto), um dos três cereais mais produzidos e consumidos
pela população mundial, à mudança climática. Plantas com metabolismo C3, como o arroz, são mais beneficiadas pelo aumento da concentração de co2atmosférico do que plantas com metabolismo c4. Altas temperaturas diurnas e noturnas podem reduzir drasticamente o potencial produtivo da cultura do arroz devido ao encurtamento do ciclo da cultura e à esterilidade de espiguetas. Essa tendência pode ser mitigada com a seleção de genótipos mais resistentes às condições de alta temperatura do ar durante o florescimento, bem como a alteração da época de semeadura. O estudo está descrito no artigo "Mudança climática e seus efeitos na cultura do arroz", de Lidiane Cristine Walter, Nereu Augusto Streck, Hamilton Telles Rosa, Cleusa Adriane Menegassi Bianchi Krüger, da Universidade Federal de Santa Maria. CiÊNCIA RURAL-
VOL. 40- N° 11- SANTA MARIA- NOV.
2010
\\ARTES PLÁSTICAS
Acadêmicos e modernistas A partir de uma citação do romance Mocidade morta, de Gonzaga-Duque, e da análise de algumas pinturas brasileiras, produzidas entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, o texto "De Anita à academia: para repensar a história da arte no Brasil", de Tadeu Chiarelli, da Universidade de São Paulo, problematiza alguns paradigmas da história da arte no Brasil (na imagem, Autorretrato, de Anita Malfatti). E enfatiza a necessidade de rever a periodização da arte brasileira, uma vez que as diferenças entre produções "acadêmicas" e outras "modernistas" parecem apenas tópicas.
\\QUÍMICA
Degradação de compostos tóxicos Em vista da eficiência comprovada da biorremediação na degradação de compostos tóxicos ao ser humano, como o benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos (BTEX), diversas empresas, principalmente as relacionadas com consultarias e remediação ambiental, têm despertado grandes interesses pela implantação dessa técnica como opção para a reabilitação de áreas contaminadas. De modo geral, a biorremediação baseia-se na degradação bioquímica dos contaminantes por meio da atividade de microrganismos presentes ou adicionados no local de contaminação. Em países como os Estados Unidos, Canadá e alguns da Europa, a técnica bioquímica de remediação vem sendo amplamente utilizada em trabalhos que se baseiam, por exemplo, no tratamento de solos contaminados por hidrocarbonetos de petróleo. No Brasil, porém, os projetas de biorremediação ainda estão no campo da teoria, com poucos casos práticos, embora exista uma probabilidade real de expansão. A esse despeito, uma das maiores pertinências da revisão "Biorremediação de solos contaminados por petróleo e seus derivados", de Juliano de Almeida Andrade, Fabio Augusto e Isabel Cristina Sales Fontes Jardim, da Universidade Estadual de Campinas, é elucidar as vantagens que essa técnica pode oferecer quando é utilizada para a degradação de compostos, como os BTEX, em solos tipicamente brasileiros, cujas características físico-químicas contribuem, em muito, para a degradação desses contaminantes. Nessa conjuntura, pesquisas revelam que os fatores ambientais (como teores de umidade e oxigênio) e a disponibilidade de nutrientes nos solos, além das condições climáticas do Brasil, são bastante adequadas para o emprego da técnica. Isso pode trazer, como vantagens, ótima relação custo-benefício e maior eficiência na degradação de compostos tóxicos e recalcitrantes ante a maioria das técnicas convencionais de remediação. ECLÉTI CA QuiMI CA -
VOL. 35- N° 3- SÃO PAULO- SET. 2010
Novos EsTUDOS
CEBRAP-
N° 88- SÃo PAULO- DEZ. 2010
\\COMUNICAÇÃO
Contradições da internet A intenção do artigo "Coisas velhas em coisas novas: novas 'velhas tecnologias"', de Pedro Demo, da Universidade de Brasília, é oferecer uma discussão atualizada em torno das inovações tecnológicas, realçando tanto rompimento quanto continuidades. Assim como se defende que as tecnologias demonstram u.m sentido de convergência, também demonstram continuidades. Os hackers e outros defensores do software livre pregam liberdade e libertação, imaginando computador e internet como arenas da liberdade. Apenas em parte isso parece correto, também porque os mesmos hackers que se proclamam libertários se submetem a estruturas de poder (chefes autocráticos, por exemplo). Ao mesmo tempo, a internet acaba subordinando-se ao poder dos Estados. A França impôs mudanças em conteúdos de sites e é notória a resistência da China e de outros regimes mais fechados ao fluxo desimpedido da informação. A aura inicial de liberdade está sendo fortemente contestada, seja por conta de fluxos ilegais e imorais, seja pela invasão de spams e marketing, seja pela contaminação de vírus. A assim dita "internet generativa" vai cedendo, sob pressão também de usuários que querem produtos acabados, garantidos e mais fáceis de manipular. CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO-
VOL. 39- N° 1- BRASÍLIA- JAN./
ABR. 2010
\\ O link para a íntegra dos artigos citados nestas páginas estão disponíveis no si te de Pesquisa FAPESP, www.revistapesquisa.fapesp.br
LINHA DE PRODUÇÃO MUNDO
DETECTOR PREVt TERREMOTO Uma nova forma de prever terremotos foi desenvolvida na Universidade Nacional Autônoma do México, onde pesquisadores criaram um dispositivo de baixo custo capaz de detectar o gás liberado pelas rochas momentos antes da ocorrência do cataclismo. Presume-se que antes de um tremor as cavidades e fissuras das rochas do solo e das águas subterrâneas liberem gás radônio. Mas os detectores comerciais são muito caros para testes em ampla escala. O dispositivo criado pelos mexicanos tem o formato de um tubo de alumínio de 20 centímetros de comprimento e nove de largura. No interior possui cabos conectados em cada extremidade a eletrodos. Quando o radônio entra no tubo, ele expulsa as moléculas de ar, provocando uma corrente elétrica. A principal diferença do dispositivo para detectores existentes no mercado é o fato de ele trabalhar com o ar do ambiente. A tecnologia mostrou-se eficaz em testes laboratoriais e agora os pesquisadores buscam parceiros ao redor do mundo para fazer ensaios de campo e provar a viabilidade do aparelho, que deve custar entre U$ 66 e US$ 132.
PARA ENTENDER
I AS FOLHAS
Um caminho promissor para monitorar a resposta das plantas às alterações ambientais decorrentes do aumento da temperatura global é estudar a rede de padrões das nervuras das folhas . Essas redes impactam o processo de fotossíntese e as propriedades mecânicas do vegetal. Para examinar rapidamente essas nervuras, pesquisadores do Instituto de
Tecnologia da Geórgia, nos Estados Unidos, criaram um software capaz de extrair informações sobre a estrutura macroscópica desses vegetais. O programa
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capta uma fotografia da folha e revela informações sobre as redes de nervuras, como dimensão, posição e conectividade entre elas. Os inventores do software acreditam que ele pode também ser usado para identificar os genes responsáveis pelas características principais de nervação foliar e testar hipóteses ecológicas e evolutivas sobre a estrutura e o funcionamento das plantas. O software pode ser obtido no sítio www.leafgui.org Aná li se das
COMBUSTÍVEL A PARTIR DA LUZ Um novo reator criado no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech ) pode se transformar em uma nova opção e fonte para a geração de energia a partir da luz do Sol. A equipe projetou e construiu o protótipo de um reator que possui uma janela de quartzo e uma cavidade que absorve luz solar concentradao concentrador age como uma lupa colocada contra a luz solar. O coração do dispositivo, descrito em artigo da revista Science (23 de dezembro), é formado por um revestimento cilíndrico de óxido de cério, material usado em fornos autolimpantes. O reator se vale da capacidade desse óxido de liberar oxigênio quando exposto a altas
temperaturas e absorver de volta oxigênio quando a temperatura cai. Para a geração de energia, o reator é preenchido com dióxido de carbono e água, e a temperatura é elevada, gerando monóxido de carbono ou hidrogênio. O hidrogênio pode ser empregado na produção de energia elétrica por meio de células a combustível, enquanto o monóxido de carbono, combinado com o hidrogênio, é capaz de ser usado na criação de gás de síntese, utilizado para fazer metanol.
FÓTONS INDIVIDUAIS Quando os computadores quânticos se tornarem um produto real, provavelmente deverão mover dados por meio de fótons que são partículas de luz. Uma das dificuldades em criar esses computadores é justamente controlar essas partículas. Para torná-las mais confiáveis e permitir avanços na construção dos aparelhos, pesquisadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (Nist), dos Estados Unidos, desenvolveram dois sistemas
de produção de fótons. Um produz partículas uma a uma e somente as envia quando o processador está esperando para receber. Segundo os pesquisadores liderados por Alan Migdail, em colaboração com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa Metrológica (Inrim), da Itália, essa é uma solução óbvia, mas ninguém até agora tinha construído um equipamento com essas características. A segunda solução está relacionada ao trabalho em paralelo de várias fontes de fótons num circuito. Eles criaram uma única fonte capaz de emitir vários tipos de fótons individuais com diferentes comprimentos de onda ( Optics Express, 14 de janeiro).
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USO NOBRE PARA O GÁS CARBÔNICO
O dióxido de carbono (C0 2), maior vilão do efeito estufa, ganhou uma aplicação nobre. Pesquisadores do Fraunhofer Institute for Environmental, Safety and Energy Technology
(Umsicht), na Alemanha, desenvolveram um método para impregnar plásticos com co2comprimido. A técnica pode ser usada para diferentes finalidades, como a fabricação de lentes de contato coloridas e a produção de maçanetas. Os alemães colocaram o C0 2 num container e o expuseram a 30,1 graus Celsius e a uma pressão de 73,8 bar. Nessas condições, ele atinge um estado que lhe confere propriedades similares às dos solventes- com a vantagem de ser atóxicoe pode ser introduzido em polímeros ou atuar como um agente "transportador" no qual pigmentos, aditivos, compostos medicinais e outras substâncias são dissolvidos.
GLICERINA NA RAÇÃO SUÍNA O aumento da produção global de biocombustíveis e a preocupação com a descoberta de novos insumos para ração animal levaram pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Esta~os Unidos, a testar a glicerina na alimentação de porcos. Os resultados mostraram que é possível incluir glicerina na dieta suína sem que exista alteração no desempenho do rebanho ou na qualidade da carne. A glicerina, um líquido viscoso e incolor, é um subproduto importante da produção de biodiesel e já apresenta excesso de oferta no mercado. De cada mil litros de óleo sobram 100 de glicerina. Ela é empregada na fabricação de resinas, cosméticos e fármacos, entre outros produtos. A partir de uma avaliação padrão de digestibilidade dos animais, os pesquisadores americanos perceberam que é possível incluir até 15% de glicerina na ração dos porcos. Nesses níveis, segundo eles, a dieta mostrou resultados comparáveis à alimentação à base de milho e soja. PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 73
LINHA DE PRODUÇÃO BRASIL
ENERGIA ELÉTRICA COM ETANOL
VACINA VEGETAL
I NA FIOCRUZ Uma vacina contra a febre amarela produzida nas folhas de uma espécie de tabaco. Essa é a novidade que deverá ser produzida no Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos) da Fiocruz, no Rio de Janeiro. Isso será possível com o acordo tecnológico firmado entre o instituto brasileiro, a empresa de biotecnologia norte-americana iBio e o Fraunhofer USA Center for Molecular Biotechnology (FCMB), organização dos Estados Unidos, que desenvolveram a tecnologia. A nova vacina será produzida em uma plataforma vegetal onde as plantas de tabaco vão produzir o imunizante na forma de um antígeno que é uma proteína codificada
por um gene do vírus inserido no genoma da planta. A nova vacina, segundo o comunicado da Fiocruz, é mais eficaz e mais segura com relação às reações adversas.
LEVEDURA PARA A SUÍÇA I O estudo do processo de fabricação da cachaça por parte do professor Carlos Rosa, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), resultou em um licenciamento de tecnologia, e não patente, por se tratar de um organismo, para a empresa suíça Danstar. Trata-se de uma linhagem selecionada da levedura
Saccharomyces cerevisiae capaz de aumentar a produtividade no processo de fabricação. O sabor
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Um ônibus elétrico híbrido que funciona a etanol e com um sistema de baterias foi produzido pela ltaipu Sinacional e por uma série de empresas brasileiras e uma suíça. É um protótipo com motor a combustão movido a etanol que fornece energia mecânica a um gerador elétrico responsável por fazer funcionar, junto com as baterias, os motores elétricos de tração do veículo. Quando o ônibus está parado, em descidas ou em velocidade com pouca aceleração, o sistema de gerenciamento transfere a energia do motor para recarregar as baterias de sódio, que também são abastecidas em tomadas de 220 volts. Nas frenagens, parte da energia cinética gerada se transforma em outra opção de recarregamento. As baterias sozinhas podem ser responsáveis pela autonomia, quando o veículo atinge a distância máxima de 60 quilómetros. Elas são fabricadas pela empresa suíça FZ-Sonick e o motor flex pela Mitsubishi do Brasil. A coordenação técnica e montagem foram feitas pela ltaipu e pela paulista Eletra. Os geradores e motores elétricos são da catarinense WEG, a carroceria da paranaense Mascarello e o chassi da gaúcha Tutto Transporti.
e o aroma de cada cachaça são determinados, normalmente, por linhagens diferentes, chamadas de caipiras, preparadas em cada destilaria. Rosa começou a coletar e fazer testes com linhagens de leveduras em 1996, inclusive com o apoio da indústria da cachaça de Minas. Em 2008 a UFMG fez uma parceria com a Danstar, que é uma fornecedora de leveduras para a indústria cervejeira.
CENTROS D,E P&D
I PARA O PRE -SAL Os desafios da exploração do petróleo na camada pré-sal do litoral brasileiro já atraíram vários centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de empresas para o Rio de Janeiro. As mais recentes a assinar contrato para se instalar no Parque Tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foram as multinacionais Halliburton, prestadora de serviços de engenharia e de softwares para a indústria petroleira, e a TenarisConfab, fabricante de tubos de aço. A primeira deve investir entre US$ 10 e US$ 15 milhões, e a outra,
que já possui centros de P&D na Argentina, Itália, Japão e México, US$ 21 milhões. Também confirmaram presença a Schlumberger, com um centro de pesquisas em geoengenharia já inaugurado, um dos seis da companhia no mundo, e a FMC, prestadora de serviços de engenharia, que instala no Rio o seu terceiro centro de P&D mundial, além dos Estados Unidos e da Noruega. A brasileira de maior destaque é a Usiminas, que chega ao Rio para desenvolver aplicações em aço para as demandas do pré-sal. O Centro de Tecnologia Usiminas começa a ser construído neste ano.
CAFÉ TECNOLÓGICO PARA TODOS Comunicar novas tecnologias é um passo importante para a disseminação de inovações. Atingir um público mais amplo e interessado pode fazer diferença para os negócios que envolvem a transferência tecnológica. É esse o objetivo da unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa Café, ao lançar um portfólio de tecnologias na internet no endereço <www.embrapa.br/cafe>. Em fase de implantação, o site vai inicialmente disponibilizar duas tecnologias em biotecnologia. A primeira trata de sistemas para expressão dirigida de genes em raízes e folhas. São promotores que agem de forma específica na planta do café. Esse sistema serve para possíveis plantas geneticamente modificadas em que o gene só será ativado se houver algum ataque de agente biológico à planta. É um trabalho realizado em parceria com o Instituto Agronômico de Campinas (IA C) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). A segunda tecnologia é um sistema pós-colheita para limpar e purificar a água usada no processamento dos frutos, tornando esse recurso reutilizável.
ÁRVORE ENERGÉTICA Produzir papel e celulose também pode render bons litros de etanol. É essa a conclusão de um estudo realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) pelo estudante de doutorado Juliano Bragatto, sob orientação do professor Carlos Alberto La bate. Eles demonstraram a viabilidade do uso das cascas de eucalipto descartadas pela
indústria de papel e celulose para produzir o etanol. Cada tonelada de casca gera 200 quilos de açúcar que resultam em 100 litros de álcool. Esses números poderão até dobrar, segundo os pesquisadores, com a quebra da celulose da casca, em processos de hidrólise, por exemplo. O processo utilizado para obtenção do etanol é semelhante ao utilizado com a cana-de-açúcar, com fases de fermentação e contato com leveduras. A melhor situação de aproveitamento da casca, utilizada em baixa porcentagem na queima para gerar energia elétrica, é o uso logo após o corte, quando a presença de açúcares solúveis é de 20%, em três ou quatro dias esse número cai pela metade. Cerca de 20 toneladas de cascas de eucalipto são geradas em um hectare de plantação. Elas podem ainda servir de matéria-prima para a produção de bioplásticos.
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[ BIOTECNOLOGIA ]
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Eliminar as fêmeas ainda na fase larval, estratég ia que começa a ser testada
ara os animais, o ato sexual é o caminho para a perpetuação da espécie. Um objetivo primordial que está se invertendo- pelo menos para o Aedes aegypti, o mosquito transmissor da dengue. Por meio de manipulação genética, uma população de machos criados em laboratório recebeu um gene modificado que produz uma proteína que mata a prole do cruzamento com fêmeas normais existentes em qualquer ambiente. Essa estratégia pode levar à supressão de um grande número de indivíduos dessa espécie, reduzir a pulverização de inseticidas para eliminar os mosquitos e, consequentemente, diminuir a incidência da doença entre seres humanos. A primeira liberação na natureza desses animais geneticamente m odificados no Brasil foi aprovada em dezembro de 2010 pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) . A linhagem transgênica do Aedes aegypti desenvolvida pela empresa britânica Oxford Insect Tecnologies ( Oxitec) deverá ser liberada no município de Juazeiro, no estado da Bahia, a partir deste mês pela bióloga Margareth Capurro, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a empresa Moscamed Brasil, instalada na mesma cidade baiana. A dengue é um dos principais problemas de saúde pública do mundo, especialmente em países tropicais como o Brasil. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 50 m ilhões de pessoas contraem a doença anualmente, causando 550 mil internações hospitalares e 20 mil mortes. Hoje a única forma de controlá-la é eliminando seu transmissor, o mosquito Aedes aegypti. Os insetos transgênicos desenvolvidos pela Oxitec poderão se transformar em uma opção para essa tarefa. Os machos da linhagem OX513A, como foi denominada pela empresa,
TECNOLOGIA
são liberados para copular com fêmeas selvagens. Os descendentes desses acasalamentos herdam a proteína letal, morrendo ainda na fase de larva ou pupa. Para que sua produção seja possível em laboratório, eles foram programados para sobreviver quando recebem o antibiótico tetraciclina. Sem esse antídoto, que reprime a síntese da proteína letal, não haveria sobreviventes para serem soltos na natureza. A cepa transgênica contém um marcador genético fluorescente que se torna visível nas larvas quando elas recebem luz ultravioleta. Isso garante um controle maior de qualidade na produção e na dispersão no campo. A liberação contínua e em número suficiente desses insetos geneticamente modificados em ambientes infestados deve reduzir com o tempo a população dos mosquitos selvagens a um nível abaixo do necessário para transmitir a doença. A história do trabalho de Margareth com esses m<1squitos começou num encontro casual, numa conferência em 2007, que ela teve com o cientista britânico Luke Alphey, da Universidade de Oxford, fundador da Oxitec. Ele propôs que ela testasse no Brasil os transgênicos que ele havia desenvolvido. Na ocasião a pesquisadora brasileira achou que não seria viável a experiência, por causa dos entraves burocráticos e legais. Pouco depois mudou de ideia e resolveu fazer a experiência. Então, ela solicitou autorização da CTNBio, responsável pela regulamentação de transgênicos no país, para importar os insetos. "A importação foi concedida no dia 21 de setembro de 2009", recorda Margareth. "Uma semana depois recebemos da Oxitec, sem custos, um envelope com 5 mil ovos." A pesquisadora começou então a criar o Aedes aegypti transgênico no insetário de seu laboratório no ICB. Mas para eles serem soltos e testados na natureza precisariam ser criados em grande escala. Além disso, também seria necessário um local adequado, isolado e com incidência de mosquitos selvagens, para sua liberação. Foi então que o PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 77
ex-professor da USP e fundador da Moscamed, Aldo Malavasi, se propôs a produzir os mosquitos transgênicos em sua biofábrica e sugeriu que eles fossem soltos lá mesmo, em vilas isoladas de Juazeiro. Margareth aceitou a proposta. Para colocá-la em prática, foi assinado um convênio entre a empresa e a USP. A Moscamed também não está cobrando pelo trabalho. "Com esses testes ganhamos visibilidade, capacitação técnica, ao mesmo tempo que podemos ter uma alternativa para o controle desses insetos", justifica Malavasi. A empresa dele tem experiência na criação em massa de insetos. Ela produz machos estéreis por irradiação de cobalto da mosca-do-mediterrâneo ( Ceratitis capitata) e da mosca-da-bicheira ( Cochliomyia hominivorax), que são soltos nas plantações de frutas da região de Juazeiro e Petrolina, Pernambuco, no Vale do São Francisco, para competir com os selvagens pelas fêmeas (ver Pesquisa FAPESP n° 133). lnsetos em massa - Quando acontece a cópula, não nascem novas moscas. Com o tempo as populações desses insetos vão diminuindo. "Como criamos insetos em massa já há algum tempo, vamos entrar com essa experiência e a infraestrutura da Moscamed para a multiplicação dos mosquitos transgênicos", explica Malavasi. "Para isso construímos um laboratório para trabalhar com transgênicos que já foi aprovado pela CTNBio." A equipe da Moscamed escolheu os locais favoráveis para os testes de campo na região de clima semiárido do entorno de Juazeiro. "São cinco bairros isolados, por plantações, rodovias ou áreas des-
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povoadas, com alta incidência de Aedes aegypti", conta Margareth. "Só numa caixa-d'água de uma residência encontramos cerca de 300 larvas do mosquito:' A pesquisadora cita outra vantagem dos • locais escolhidos. "Por causa da atuação da Moscamed na região, a população local está acostumada com a liberação de insetos no ambiente': explica. "Por isso não ficará com receio dos mosquitos que vamos liberar." Nesse sentido, Margareth faz questão de dizer que apenas os machos, que não picam e não transmitem a doença, serão soltos. Com a autorização da CTNBio em mãos, o próximo passo será fazer um estudo de dispersão, para avaliar o tamanho das populações locais do Aedes aegypti. Isso é necessário para calcular quantos transgênicos terão de ser soltos. Margareth explica que para cada macho selvagem devem ser liberados de 5 a 10 transgênicos. A pesquisadora não espera uma diminuição significativa das populações selvagens com as pri-
O
PRO~ETO
Promovendo mortalidade em Aedes aegypti infectado pelo vírus da dengue - n° 08/10254-1 MODALI DADE
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa COORDENADORA
Margareth Capurro - USP INVESTI MENTO
R$ 347.263,34 (FAPESP)
Larvas de Aedes
transgênicos com marcador genético fluorescente
meiras liberações dos insetos produzidos em laboratório. "Para que isso ocorra é necessário que sejam soltos transgênicos em pelo menos dois verões", explica. A julgar pelos resultados obtidos em outros lugares do mundo, onde os mosquitos produzidos pela Oxitec foram soltos, há bons motivos para se esperar que a experiência dê certo no Brasil. Testes realizados no ano passado nas Ilhas Cayman, no Caribe, com 3 milhões de mosquitos geneticamente modificados, mostraram que houve uma supressão de 80% da população selvagem no local da liberação. Na Malásia foram obtidos resultados semelhantes. Eles motivam outros países a também realizar experiências com os transgênicos da empresa britânica. A Oxitec informa em seu site que França, Índia, Cingapura, Tailândia, Estados Unidos e Vietnã já aprovaram a importação dos insetos. O caminho escolhido pela Oxitec para desenvolver mosquitos geneticamente modificados é apenas um dos vários que são trilhados mundo afora. Um exemplo veio a público no início de 2010, por meio de um artigo publicado na revista científica Proceedings
of the National Academy of Sciences (PNAS), assinado por uma equipe de cientistas internacionais, que inclui o biólogo brasileiro Osvaldo Marinotti,
ex-pesquisador da USP e atualmente professor da Universidade da Califórnia de Irvine (UCI), nos Estados Unidos. Em vez de criar machos da espécie Aedes aegypti que deixam uma herança genética mortal para seus descendentes, eles desenvolveram uma fêmea transgênica que é incapaz de voar. Para isso, eles se aproveitaram de uma diferença natural entre os sexos. Sobram os machos - Os músculos que dão sustentação à capacidade de voar são mais fortes nas fêmeas. Não se sabe exatamente por que, mas supõe-se que isso se deva ao fato de serem os mosquitos do sexo feminino que sugam o sangue de outros animais, inclusive o homem, e carregam os ovos. Elas levam mais peso e por isso precisam de mais força nas asas. Em nível genético essa diferença se explica porque os músculos que impulsionam o voo das fêmeas dependem de uma proteína, chamada actina-4, que é codificada (produzida) por um gene bem mais ativo nelas que nos machos. Eles possuem o mesmo gene, mas que se expressa de forma mais branda. Os machos têm outro tipo de actina que atua nos músculos responsáveis pelo voo. Sabendo disso, os cientistas projetaram um gene que produz uma substância tóxica para a actina-4, impedindo que essa proteína, presente nas células dos músculos do voo, desempenhe sua função. O resultado são fêmeas que se desenvolvem normalmente até a fase de larva, mas que, ao se tornarem adultas, são incapazes de voar. Por causa disso, elas não conseguem sair da água e morrem, sem se reproduzir e se alimentar de sangue. Assim, não deixam descendentes nem transmitem a dengue. Os machos transgênicos conseguem voar, mas isso não causa problemas. Eles não se alimentam de sangue, e sim de néctar e sucos vegetais. Também continuam ativos sexualmente e cruzam com as fêmeas selvagens, passando à sua descendência o gene que impede os mosquitos do sexo feminino de voar. Outras linhas de desenvolvimento de mosquitos transgênicos estão no foco dos estudos da própria professora Margareth. Uma para o transmissor da malária e outra para o da dengue. No primeiro caso, ela retira um gene de carrapato, que é responsável pela produção de um peptídeo, um fragmento
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Aedes: macho,
O uso de mosquitos transgênicos diminui o uso de inseticidas. Assim, os insetos deixam de adquirir resistência a esses venenos de proteína, antimicrobiano, chamado microplusina. "Esse gene é alterado para que possa ser inserido num mosquito", explica a pesquisadora. "Uma vez no genoma do inseto, ele passa a produzir a microplusina, que elimina o protozoário Plasmodium, microrganismo unicelular agente da malária, antes que ele seja transmitido ao ser humano." No caso do mosquito da dengue, em projeto financiado pela FAPESP, Margareth manipula o genoma do inseto de tal forma que, quando a fêmea transgênica é infectada pelo vírus da dengue ao se alimentar de sangue, são produzidas proteínas que aceleram o processo de morte celular (apoptose), causando também a do próprio inseto. "A presença do vírus da dengue desen-
à esquerda,
é inofensivo. A fêmea transmite a dengue
cadeia a ativação da proteína indutora de apoptose causando a morte celular em todos os tecidos dos mosquitos infectados, levando essa fêmea à morte, o que resulta em 100% de bloqueio da transmissão vira!", explica Margareth. Para inserir esses mosquitos transgênicos na natureza existem algumas técnicas de introdução gênica que estão sendo testadas. Uma delas recebe o nome de Medeia porque induz, por meio de sistemas biotecnológicos, a morte de filhotes não transgênicos do cruzamento de fêmeas normais com aqueles machos com genoma manipulado. "Somente a prole que carrega o transgene sobrevive. A introdução do transgene em uma população de mosquitos, via Medeia, leva apenas oito gerações." Se as pesquisas e o tempo mostrarem que essas estratégias, de usar engenharia genética para criar mosquitos transgênicos, são eficientes para controlar doenças como a dengue e a malária, haverá ainda outra vantagem. Essa forma de controle diminuirá a necessidade do uso de inseticidas e larvicidas. A curto prazo esses venenos podem ser mais baratos, mas com o tempo os insetos adquirem resistência a eles. Por isso, o uso de mosquitos transgênicos e estéreis parece ser uma boa opção para o futuro. • PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 79
[ NANCTECNOLOGIA ]
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Partículas certeiras
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Alternativas para o combate celular de doenças e diagnósticos . . maiS preCISOS SALVADOR NO GUElRA
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m grupo de pesquisadores do Instituto de Física da Universidade São Paulo (USP) em São Carlos está desenvolvendo o que pode ser uma pequena arma contra o câncer. E trata-se de apenas uma das muitas linhas de pesquisa conduzidas pelo Laboratório de Nanomedicina e Nano toxicologia instalado no instituto, sob o comando do professor Valtencir Zucolotto. A equipe tem testado, com bons resultados, o efeito de nanopartículas como forma de diagnosticar e até mesmo combater alguns dos tipos de câncer mais comuns. Os principais estudos do grupo vêm da interação dessas partículas especialmente preparadas com amostras de câncer de fígado e do colo do útero. "Escolhemos esses dois tipos porque são cânceres bastante comuns, de diagnóstico e tratamento complicado", explica Zucolotto. "Também foram usados porque são células que cultivamos com certa facilidade em laboratório." As nanopartículas utilizadas pelos pesquisadores são formadas com materiais diferentes, mas os dois tipos principais são baseados em ouro e óxido de ferro. Depois de preparado, esse material é recoberto com biomoléculas. ''A ideia é que essa molécula se encaixe a receptores na superfície das células cancerosas", diz Zucolotto. Tudo acontece numa escala medida em nanômetros, ou, traduzindo para as medidas mais comuns, milionésimos de milímetro. Com um porte desses, as partículas se
apequenam diante das células humanas, o que ajuda a explicar como elas ftmcionam. ''Agora passaremos a tratar individualmente as células do paciente." Por enquanto, os experimentos conduzidos pelo grupo são todos feitos in vitro. Quando o objetivo é realizar o diagnóstico, as nanopartículas são ligadas a uma biomolécula capaz de produzir fluorescência quando dentro de uma célula cancerosa. Assim, ao observar o material em microscópio, se houver um tumor, haverá pontos "acesos" visíveis dentro da célula. Trata-se de uma forma poderosa de realizar o diagnóstico. Mas os resultados mais interessantes de fato são os ligados ao potencial terapêutico das nanopartículas. Estudos comparativos conduzidos pelo grupo mostram que o efeito dessas substâncias nas células cancerosas pode ser devastador, matando-as diretamente ou induzindo nelas a apoptose, o "suicídio celular", em que é ativada uma programação genética que leva à morte da célula. O grande drama de qualquer tratamento para câncer é sempre o mesmo: como matar o tumor sem matar o paciente junto. Afinal, como as células doentes são basicamente as mesmas da pessoa, salvo por algumas alterações genéticas e metabólicas deletérias, normalmente o que afeta o câncer atinge também o resto do organismo. ''Atualmente, nos tratamentos convencionais de quimioterapia, existem algumas poucas drogas", diz Zucolotto. "Já foi muito pior que hoje, mas todas essas drogas em uso afetam fortemente o paciente.
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Na foto ao lado, fluorescência produzida por biomolécula dentro de célula cancerosa. Em amarelo
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(na ilustração),
imagens de nanopartículas de ou ro
O potencial das nanopartículas para reduzir os efeitos colaterais é grande." O pesquisador da USP admite, porém, que os estudos de toxicidade mostram que as nanopartículas também podem fazer mal a algumas células sadias, sobretudo as sanguíneas. Mas seus efeitos deletérios são muito mais agressivos onde são bem-vindos: nas células de câncer. Além disso, Zucolotto ressalta que os efeitos tóxicos em células sadias são bem menores do que os causados pelas terapias anticâncer convencionais. E, para tornar o quadro ainda mais atraente, a nanotecnologia pro me-
OS
PRO~ETOS
1. Estudo da interação entre materiais nanoestruturados e sistemas biológicos: Aplicações ao estudo de nanotoxicidade e desenvolvimento de sensores para diagnóstico - n° 2008/08639-2 2. Desenvolvimento de nanocompósitos contendo materiais nanoestruturados e biomoléculas
te reduzir radicalmente os efeitos colaterais por meio de manipulações que podem ser feitas já dentro do organismo para concentrar as partículas onde elas são mais necessárias, poupando o resto do corpo dos efeitos agressivos. "Uma das vertentes do nosso grupo é produzir partículas superparamagnéticas", revela o cientista. "Nesse caso administramos essas partículas e elas são guiadas pelo campo magnético. Se aplicarmos um campo em cima do tumor, elas deverão se concentrar todas ali. É possível também induzir o aquecimento das partículas com uma técnica chamada nano- hipertemia. "Com o aquecimento, a morte das células tumorais é mais eficiente." O estudo dessas propriedades magnéticas está avançando bastante também no exterior. "Já há testes com animais de grande porte, então a previsão é que o uso em tratamentos seja iniciado de forma relativamente rápida. Mas para colocar qualquer medicamento no mercado leva tempo." Outras doenças - A equipe de Zu-
MODALIDADE
1. Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa 2. Programa Jovens Pesquisadores COORDENADOR
1.
e 2. Valtencir
Zucolotto - USP
INVESTIMENTO
1. R$ 274.210,79 (FAPESP) 2. R$ 87.000,00 (CNPq)
colotto trabalha em outras frentes . O grupo acabou de desenvolver, por exemplo, um dispositivo nanoestruturado para diagnosticar leishmaniose em colaboração com pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, ambas da USP, da Universidade Federal de Rondônia e da unidade da Fiocruz no mesmo estado. Trata-se de
uma doença confundida com o mal de Chagas, causado por outro patógeno, o Trypanosoma cruzi. "Existem testes de laboratório hoje para fazer o diagnóstico correto, mas são muito caros", diz Zucolotto. A alternativa oferecida pelo grupo consiste na elaboração de um biossensor composto por microchip montado em várias camadas que imobilizam antígenos das duas espécies: Leishmania amazonensis e T. cruzi. A plaquinha é então exposta a uma amostra de sangue do paciente, e os anticorpos presentes reagem com o antígeno específico. Por meio de uma corrente elétrica, os pesquisadores conseguem identificar qual dos dois antígenos foi conectado aos anticorpos e, com isso, determinar qual é o patógeno. "Poderemos fabricar esses chips por centavos de dólar e deixá-los disponível para o sistema público de saúde': diz Zucolotto, ressaltando que a mesma estratégia pode ser adaptada para identificar outros patógenos, trocando-se apenas os antígenos nas camadas do biossensor. Os resultados obtidos com esse dispositivo foram reportados na revista científica Analytical Chemistry, e o grupo já solicitou patente do biossensor, por meio da Agência USP de Inovação. • Artigo científico
PERINOTO, A. C.; ZUCOLOTTO, V. et ai. Biosensors for efficient diagnosis of Leishmaniasis: Innovations in bioanalytics for a neglected disease. Analytical Chemistry. v. 82 (23 ), p. 9.763-68. 2010.
PESQUISA rAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 81
HUMANIDADES
[ HISTÓRIA ]
Uma
cidade feita de suor eaco ..a
A Companhia Siderúrgica Nacional foi o teste inicial do desenvolvimentismo CARLOS HAAG
á exatos 70 anos Getúlio Vargas assinou a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Quando a usina entrou em funcionamento, em 1946 (sem a presença de seu criador, então em ostracismo político), a CSN se transformou na principal fonte do aço brasileiro. A construção de Brasília, a Ponte da Amizade para o Paraguai, os metrôs do Rio e de São Paulo e a avenida Atlântica, no Rio, todos são marcos que consumiram aço feito em Volta Redonda. A empresa, porém, não teve significado apenas econômico, mas se transformou no símbolo do "Brasil do futuro", a promessa do Estado Novo de independência econômica e social. "O regime de Vargas queria fazer da CSN um caso exemplar da implantação das novas políticas de bem-estar social para os trabalhadores industriais. Volta Redonda seria um modelo do desenvolvimento social do país na era industrial", explica o historiador Oliver Dinius, da Universidade de Mississippi, autor de Brazil's steel city:
developmentalism, strategic power, and industrial relations in Volta Redonda: 1941-1964 (Stanford University Press), cuja pesquisa contou com apoio da FAPESP. Dinius busca agora uma editora nacional para traduzir o livro. "A usina foi idealizada como uma company-town' (cidade-empresa), com moradias subsidiadas e uma ampla rede de serviços urbanos, que seriam referência da modernidade industrial e do progresso social do Brasil. Com a CSN o governo queria afirmar a possibilidade de relações trabalhistas sem conflitos entre capital e trabalho, encorajando a direção da empresa a aplicar as conquistas da Consolidação 82 • FE VEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
engenheiro
das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Ao mesmo tempo, a usina foi o local dos primeiros ensaios das novas instituições de controle dos trabalhadores, como a polícia política", observa o pesquisador. "Assim, os operários da companhia foram, ao mesmo tempo, agentes da industrialização estatal, beneficiários das novas políticas de bem-estar social do Estado Novo e os primeiros alvos do controle político sobre o trabalho." A siderúrgica era a "menina dos olhos" do governo Vargas, símbolo do progresso e da industrialização bem embalada pela ideologia nacionalista que legitimava a intervenção estatal. "A CSN foi pensada como modelo, uma empresa exemplar para o resto do país: além de toneladas de aço, ela deveria produzir um novo tipo de trabalhador, saudável, capaz e disciplinado", analisa a socióloga Regina Morei, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora do estudo A ferro e a fogo : construção da família siderúrgica.
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as, como revela o estudo de Dinius, engana-se quem atribui aos trabalhadores de Volta Redonda o estereótipo de massa de manobra do getulismo e do sindicalismo corporativista em razão do recorde de 43 anos sem uma única
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greve de trabalhadores. Segundo ele, compreender a evolução da força de trabalho da empresa é entender os dilemas do desenvolvimentismo nacional. "O sucesso do modelo de desenvolvimento que gerou a CSN dependia da capacidade do Estado de garantir uma produção contínua e crescente nas poucas empresas estratégicas produtoras de bens de capital. Isso favoreceu a posição dos trabalhadores de Volta Redonda, colocando o Estado no imperativo econômico e político de manter essa produção em marcha. A mera ameaça de uma greve era suficiente para gerar uma crise política e provocar uma resposta imediata às demandas do sindicato", diz Dinius. "O caso da CSN é exemplar ao revelar como trabalhadores em lugares estratégicos têm o poder de conter o controle capitalista do trabalho, organizar um sindicato forte, redefinir as regras das relações industriais em seu benefício e defender ganhos salariais contra pressões políticas. Eles tinham o poder latente de subverter todo um modelo de desenvolvimento." Essa visão dá ao estudo seu caráter inovador. ''As interpretações sociológicas da relação entre Estado, capital e movimento operário colocam o Estado como um servo dos interesses do capital, usando seus
poderes repressivos contra os trabalhadores. É preciso repensar esse modelo para entender um momento histórico em que o Estado virou administrador de uma grande empresa industrial e ganhou o papel de mediador das relações entre capital e trabalho, com a implantação das leis trabalhistas, e se adaptou a uma nova realidade política do voto popular", explica. "A história da CSN ilumina essa nova complexidade das relações entre Estado e movimento operário no capitalismo industrial hegemônico. Não é uma história de conflito aberto, com greves e embates entre trabalhadores e a polícia, mas de negociações complexas entre o governo, os operários e a administração da empresa." Segundo o pesquisador, os sindicatos da CSN conseguiram arrancar concessões extensas em salários e benefícios, fazendo com que a promessa trabalhista de bem-estar social do Estado Novo se transformasse em realidade em Volta Redonda. Afinal, o caminho até a construção da usina foi longo e tortuoso como o problema siderúrgico nacional que se arrastou ao longo da história do país e só começou a se modificar após a Revolução de 1930, embora já na campanha da Aliança Liberal Vargas já se comprometia em dar uma solução sem que os
brasileiros ficassem "à mercê de estrangeiros", referência ao contrato de 1920 assinado entre o governo e a Itabira Iron Ore Company do empresário americano Percival Farquhar. Pelo acordo, a empresa americana se comprometia a construir uma usina siderúrgica em troca do monopólio do transporte do minério, promessa nunca concretizada. Em 1931, Getúlio declarou que a siderurgia era um "ideal", decretando nulo os contratos com os americanos e anunciando a formação da Comissão Nacional de Siderurgia. Apenas com a instalação do Estado Novo, em 1937, é que a usina efetivamente se transformou em prioridade governamental e trunfo brasileiro nas relações entre o país e as duas potências rivais, Estados Unidos e Alemanha. Em 1939 foram iniciadas conversações com a empresa americana United Steel para uma participação no programa siderúrgico brasileiro, com o apoio do presidente Roosevelt, interessado em alinhar oBrasil aos EUA, mas as expectativas foram frustradas. No famoso discurso a bordo do encouraçado Minas Gerais, Vargas deixou ambígua uma possível aliança com a Alemanha, arrancando do governo americano, enfim, uma resposta positiva em forma de empréstimo.
E
m abril de 1941 a CSN foi constituída como empresa de capital misto, sendo inaugurada apenas em 1946, na administração Dutra. No auge das obras chegaram a trabalhar em Volta Redonda quase 10 mil homens e a usina ganhou status de instalação militar de "segurança nacional". A decisão de construir uma cidade foi uma necessidade de acomodar a imensa mão de obra necessária para construir e, depois, manter o funcionamento da usina. "O ideal da CSN era aculturar homens de origem rural que vieram para as obras a fim de que se 'civilizassem' para trabalhar na usina criando uma comunidade de famílias trabalhadoras", diz Dinius. "Vargas e os ideólogos do Estado Novo viam a cidade como uma vitrine de uma ordem cristã que permitiria ao país fazer a transição para uma sociedade industrial sem males sociais e evitando luta de classes. Eles queriam criar uma utopia industrial para dar um exemplo ao Brasil e além. Chegou-se ao extremo de apelidar Volta Redon-
da como 'a doce Pittsburgh do Rio de Janeiro'. Para concretizar essa visão da 'família siderúrgica', a CSN usou todo o poder coercivo de um Estado autoritário, sempre embalado numa ideologia de paternalismo católico com uma agenda de desenvolvimento econômico e social. A promessa era transcender a racionalidade do capitalismo industrial", observa o pesquisador. Embora a realidade não desse conta do mito, o discurso conquistou o imaginário dos brasileiros. "Desde o início, a CSN procurou criar uma cultura de orgulho e lealdade com base em valores cristãos, que combinava noções de dever e disciplina com generosos serviços sociais como moradia, tratamento médico, escola para crianças e atividades de lazer. A direção esperava que essa cultura trouxesse aumentos de produtividade." Ao mesmo tempo, a
CSN exercia um controle total sobre a vida dos moradores da company-town, estendendo o domínio da empresa ao âmbito privado dos trabalhadores por meio de vários mecanismos de disciplinamento. "As casas variavam em localização, tamanho e comodidades em função da ordem hierárquica da empresa, inscrevendo-se no espaço urbano essa hierarquia, prescrevendo a cada um o seu lugar", nota a pesquisadora Regina Morei da UFRJ. A direção instruía os trabalhadores a se pensarem como "soldados" construindo um Brasil melhor, em que o sacrifício de todos seria recompensado com a segurança econômica e com a vida confortável de uma cidade moderna. Para tanto, era imprescindível uma cultura católica. "Volta Redonda foi também o balão de ensaio da Igreja brasileira, então em boas relações com PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 85
o Estado Novo, sobre formas de ação no mundo laico do trabalho, empregando novas estratégias de integração com os fiéis. Por uma ironia, em menos de 10 anos a igreja local, antes fonte do poder paternalista, se transformou de instrumento em oposição à CSN. Nos anos 1980 ainda existia uma forte cultura de catolicismo entre os sindicalistas, mas não da antiga obediência e disciplina, e, sim, da Teologia da Libertação, que, por sua vez, perdeu força social e política nos anos 1990, após a privatização da usina e a chegada das igrejas evangélicas", conta Dinius. utra das especificidades da CSN é a origem do seu sindicato, cuja criação não contrariou os desejos da diretoria da empresa, antes teve o seu aval. "A criação do sindicato vinha reforçar a fórmula corporativa de controle do movimento de trabalhadores, visando garantir a sua articulação à usina e, por extensão, ao governo", observa Regina. "A partir de então, o caráter estatal terá um peso importante
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nas escolhas do sindicato nas reivindicações e nas posições contraditórias assumidas ante a CSN. Mas, apesar disso e da ausência de greves, o sindicato foi um veículo importante de conquista dos direitos de cidadania." Com o passar do tempo, o paternalismo do início foi perdendo sua força. "Nos anos 1950, por causa das novas exigências de produtividade do processo de industrialização, a empresa adotou novas formas de racionalização que aumentaram a individualização e a hierarquização dos trabalhadores e um controle mais rígido sobre os processos de trabalho", afirma a pesquisadora. "Além disso, houve a aposentadoria, nos anos 1970, da primeira geração de trabalhadores, altamente identificada com a companhia por causa do passado paternalista, um grupo que construíra sua identidade profissional dentro da usina, e as novas gerações tinham muito menos envolvimento com a CSN", explica asocióloga Wilma Manga beira, professora da Universidade de Middlesex, Inglaterra, e autora do livro Os dilemas do
novo sindicalismo: democracia e política em Volta Redonda. "Se, no passado, a identidade dos operários se apoiava na história da empresa e nas diferenças entre seus empregados e os de outros setores, agora eles se aproximavam de outros grupos operários fora da usina. As gerações mais jovens não se ligavam mais à noção de trabalhador de estatal, mas ao conceito de operário metalúrgico." Nos anos 1960, a CSN começou a se retirar das responsabilidades sociais e o paternalismo declinou. O golpe de 1964 intensificou essa queda e uma nova identidade trabalhista. "O regime militar, que ocupou a companhia com tropas após a queda de Goulart, optou por um desenvolvimentismo com muito pouco trabalhismo. A crença entre os militares era que a grande contribuição da CSN ao desenvolvimento brasileiro era produzir grandes quantidades de aço de boa qualidade e os direitos ao bem-estar social da agenda trabalhista não deveriam interferir nessa missão", observa Dinius. "Ao mesmo tempo que procuravam preservar e ampliar benefícios, os trabalhadores tentaram romper o modelo paternalista e ter acesso direto às garantias da CLT, passando de membros da 'família siderúrgica' a cidadãos brasileiros", diz Regina. "O caso da CSN mostra como a CLT, apesar do seu caráter corporativista, pode, em algumas situações, criar transformações nas formas de controle da força de trabalho e construir uma concepção de cidadania", avalia. Mas o sindicato forte que conseguira altos salários (muito superiores aos da média de empresas privadas) e muitas outras concessões nos anos 1950 e início dos anos 1960 abateu-se com a chegada do regime militar. "Os militares prenderam líderes sindicais destes anos, cassaram direitos políticos de muitos deles e intervieram no sindicato colocando uma junta que cooperava com a direção da CSN no corte de gastos. Apesar disso, o poder do sindicato conseguiu melhorias salariais em tempos de indexação salarial", fala Dinius. Segundo o pesquisador, entre 1968 e 1983 a principal preocupação das lideranças sindicais era manter as boas relações com os governos militares a fim de preservar esse status privilegiado dos trabalhadores da CSN. "O sindicato evitou um confronto aberto com a empresa
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• no Sete de Setembro. Vargas e o presidente da usina
e a maior oposição à companhia vinha dos movimentos sociais católicos, fortes na periferia da cidade, onde viviam os trabalhadores menos privilegiados. O sindicato juntou forças com esses grupos depois da eleição de JuarezAntunes, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) e partidos de esquerda (PT e PDT) levando à radicalização do movimento nos anos 1980." O país, lembra Dinius, passava por uma forte crise econômica, o que levou o Estado a pressionar a CSN para diminuir gastos, uma medida que detonou a greve de 1988, a mais famosa e violenta, ainda que não a primeira de uma série deflagrada nos anos 1980 sob a liderança da CUT. "Foi, porém, a primeira com baixas, no esteio de uma longa tradição do Estado brasileiro de responder a crises da CSN usando as Forças Armadas."
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divisão entre o grupo ligado à CUT, no começo dos anos 1990, deu espaço para a eleição de uma chapa ligada à Força Sindical, o que facilitou o processo de privatização, oposto ao desejo da Central. "As consequências da privatização da CSN foram sentidas, acima de tudo, em Volta Redonda, com ondas de demissões que mudaram o perfil social e econômico da cidade e acabaram com qualquer resíduo do laço paternalista entre a companhia e a cidade. O movimento sindical dos anos 1980 e as greves adiaram esse processo, mas era claro que a empresa tinha que diminuir
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História da companhia evidenciou os pontos fracos do modelo econômico, diz Dinius
a força de trabalho para competir com outras indústrias domésticas", analisa o pesquisador. "Não podemos, porém, dizer que a privatização tenha resolvido o grande problema da CSN: a posição estratégica de seus trabalhadores, ou seja, a capacidade que eles tinham de, a partir desses postos fundamentais na escala de produção, organizar uma greve geral, paralisar a usina e, com isso, partes importantes da economia nacional. A privatização viabilizou a usina como empresa comercial dentro da lógica do capitalismo, mas não aboliu essas posições estratégicas", afirma o pesquisador. "Houve literalmente um projeto corporativista na era Vargas que pretendia reconstruir o Brasil como uma nação moderna sustentada por uma aliança do Estado com o capital
e os trabalhadores, e a CSN foi concebida como o lugar onde essa visão do futuro do país seria realizada no presente. Volta Redonda era a versão em pequena escala desse novo mundo." Segundo Dinius, nos dois governos de Vargas houve pressão para que a direção da companhia implantasse os serviços sociais e as leis trabalhistas da CLT de forma exemplar e os metalúrgicos entenderam esse status especial. "Os sindicatos sempre apresentaram suas demandas como justa recompensa pela contribuição que os trabalhadores davam ao desenvolvimento do país. Assim, usaram o discurso desenvolvimentista para justificar suas demandas, as quais, no longo prazo, agravaram os problemas financeiros da CSN e, indiretamente, contribuíram para a crise do desenvolvimentismo e para o golpe militar de 1964." Assim, continua o pesquisador, embora não fosse responsável direto pelo fracasso do desenvolvimentismo, o sucesso do sindicato criou problemas para esse modelo desenvolvimentista nacional, já que suas vitórias acabaram por diminuir os benefícios econômicos trazidos pela CSN ao Brasil. "Podemos concluir que a história da companhia evidenciou os pontos fracos do modelo de desenvolvimentismo baseado em poucas indústrias de grande porte. A CSN deu uma grande contribuição para o crescimento do Brasil, mas menor do que a projetada pelos tecnocratas, que não imaginaram que os trabalhadores mobilizariam seu poder estratégico para reivindicar uma parcela maior dos seus esforços", analisa Dinius. O retrato do "velho" insiste em manter-se no mesmo lugar. • PESQUISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 87
08l dS3dV.:I VSinOS3d • HOc 30 Ol:ll31:l3A3.J • SS
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Loucura ~artística -
Como a sétima arte retrata os distúrbios mentais ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
Loucura de Dalíem Quando fala
o coração
cinema se presta, mais do que qualquer outra forma de arte, à representação de transtornos mentais. Paranoicos, psicóticos e outros transtornados fascinam ou perturbam o espectador porque a loucura interrompe a ordem imanente do mundo e as modalidades habituais de percepção deste. Cinema e loucura- Conhecendo os transtornos mentais através dos filmes (Artmed), de]. Landeira-Fernandez e Elie Cheniaux, é a primeira obra publicada entre nós a classificar sistematicamente os distúrbios mentais de personagens cinematográficos. Cada capítulo descreve os aspectos clínicos de um determinado transtorno mental e, em seguida, exemplos cinematográficos do mesmo transtorno são apresentados e comentados. Os autores discutem um total de 184 filmes, muitos deles bastante conhecidos. "O livro é uma ferramenta acadêmica para o ensino de psicopatologia e de psiquiatria, fornecendo exemplos concretos que em sala de aula são tratados de maneira mais abstrata", afirma]. Landeira-Fernandez, professor do Departamento de Psicologia da PU C-Rio. "Usar filmes motiva o aluno e é especialmente interessante nos casos de alunos que não têm acesso a pacientes de carne e osso", observa Elie Cheniaux, professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ. A relação entre o cinema e o psiquismo é uma evidência, pois a sétima arte representa o humano sob todas as suas formas, das mais risonhas às mais sombrias. Por outro lado, o próprio dispositivo cinematográfico- a sala escura em que são projetadas imagens, com o espectador em situação de passividade relativa, de imobilidadedetermina um estado regressivo artificial que remete ao sonho. Este implica sujeito que se afasta do real e é envolvido por suas imagens. No cinema, acontece algo semelhante com o espectador. A experiência do sonho, com suas associações livres, também pode ser comparada à montagem cinematográfica, que faz coexistir mundos aparentemente heterogêneos.
Além dessas analogias, convém lembrar que o cinema e a psicanálise, oriunda da psiquiatria, nasceram praticamente ao mesmo tempo, entre o fim do século XIX e o começo do seguinte, revolucionando a abordagem da realidade. Hanns Sachs, discípulo de Freud, foi um dos primeiros psicanalistas a manifestar interesse pelo cinema. Em seu seminário, Jacques Lacan, outro pioneiro da psicanálise, fez uma análise do personagem principal de O alucinado (1953), de Luis Bufíuel, um célebre caso de paranoia. ''A dramaturgia se baseia no conflito. Um filme, segundo o modelo clássico, tem três atos: a introdução dos personagens, o desenvolvimento de conflitos entre eles e a resolução dos conflitos. Muitos desses conflitos são de natureza mental. Um filme com personagens 'normais', resolvidos e sem conflito, não despertaria o interesse do público. Mas um filme com figuras perturbadas, fora da normalidade, traz conflitos, que fazem a narrativa avançar. O personagem 'maluco' é mais cinematográfico. O desvio seduz; a norma, não", argumenta Flávio Ramos Tambellini, coordenador docente da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, no Rio. Em Cinema e loucura, os personagens cinematográficos são encarados como casos clínicos. Farrapo humano (1945), de Billy Wilder, retrata muito bem a riqueza dos sintomas presentes no quadro de abstinência de álcool. Noivo neurótico, noiva nervosa (1977), PESQU ISA FAPESP 180 • FEVEREIRO DE 2011 • 89
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ne Deneuve, tem horror à penetração e apresenta uma série de comportamentos estranhos. Qual transtorno mental teria estas características? Os distúrbios de Carol não se enquadram nas categorias descritas pelo Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IVTR), que orientou os autores. Os problemas de diagnóstico, contudo, estão longe de ser uma especificidade do cinema. "Na medicina, as doenças são definidas a partir de suas causas. Mas na psiquiatria as categorias são descritas apenas pelos sintomas e isso é bastante criticável. Frequentemente, um mesmo paciente preenche critérios diagnósticos para mais de uma categoria nosológica ao mesmo tempo. Fica difícil acreditar que ele tenha três ou quatro doenças psiquiátricas ao mesmo tempo. É algo até certo ponto arbitrário", afirma Cheniaux.
N O louco de Nicholson em O iluminado
de Woody Allen, apresenta o transtorno distímico- caracterizado por sintomas depressivos menos intensos do que os observados em um quadro depressivo típico- e também o transtorno de ansiedade generalizada. Porém muitas vezes os transtornos mentais não estão bem representados, pois o filme não tem finalidade educativa, obedece a injunções artísticas e comerciais. "Roteiristas e cineastas não têm obrigação de ser fiéis à realidade. O cinema não tem a obrigação de ser didático. É arte, não ciência", constata Cheniaux. Entretanto tais distorções não desautorizam a abordagem proposta pelos autores, ao contrário. Em Uma mente brilhante (2001), de Ron 90 • FEVEREIRO DE 2011 • PESQUISA FAPESP 180
Howard, biografia de John Nash, matemático e Prêmio Nobel de Economia, a esquizofrenia do personagem está mal descrita. "Ele tem alucinações visuais, cinestésicas e auditivas. Está errado, pois os esquizofrênicos têm alucinações unimodais, sendo a modalidade auditiva a mais comum. Efetivamente, o John Nash real tinha apenas alucinações auditivas. Mesmo estando errada, a representação do sintoma já serve como exemplo negativo", diz Landeira-Fernandez. m outros casos, o personagem tem um comportamento que não se encaixa em nenhuma categoria diagnóstica. Frequentemente, essa "loucura" reflete o senso comum, é muito diferente dos sintomas de um doente mental real. O livro também compila filmes com estas distorções. Em Repulsa ao sexo (1965), de Roman Polanski, Carol, personagem vivida por Catheri-
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as primeiras décadas do século passado, os "loucos" estavam geralmente confinados ao gênero fantástico e eram, em geral, criminosos. Com O gabinete do doutor Caligari (1919), clássico do expressionismo alemão, de Robert Wiene, a loucura entra nas modalidades de representação cinematográfica. Como em outros filmes expressionistas, os cenários fortemente estilizados e a gestualidade brusca dos atores traduzem simbolicamente a mentalidade dos personagens e seus estados de alma. Caligari é um médico louco que hipnotiza César, seu assistente, para que ele cometa crimes, afirmando uma vontade de poder paranoica. Outra figura perversa e inteligente desta época é o personagem central de Doutor Mabuse (1922), de Fritz Lang. Trata-se de um psiquiatra que também recorre à hipnose para manipular as pessoas e cometer seus crimes. Mabuse é devorado pelo desejo de governar por meio do dinheiro, enquanto a sede de poder de Caligari é abstrata. A loucura de Mabuse e a passividade mórbida de suas vítimas apontam para a decadência da sociedade alemã da época e para o caos que então grassava no país. Outro filme de Lang, M-O vampiro de Dusseldorf(l931), se interessa de maneira mais realista pela psicologia dos personagens. A figura central é um assassino de meninas, que, entretanto, é mostrado com humanidade em seu horror.
Mas a sociedade não é melhor: diante da incapacidade da polícia em prendê-lo, ele é "julgado" por outros delinquentes, prefigurando o que iria acontecer na Alemanha em poucos meses com a chegada dos nazistas ao poder. A partir dos anos 1940, a psicanálise ganha espaço nos meios de comunicação. Surgem os thrillers psicanalíticos, que utilizam o arsenal da psicanálise de maneira rústica e ingênua. O protótipo destes filmes é Quando fala o coração ( 1945), de Alfred Hitchcock. Constance (Ingrid Bergman) é uma jovem psiquiatra de um asilo que se apaixona pelo novo diretor. Mas ela logo se dá conta de que o homem que ama (Gregory Peck) é um doente mental que se faz passar pelo doutor Edwards. A partir dos sonhos do doente e depois de uma sessão de análise, Constance descobre que ele perdera a memória e compreende por que o doente assumira a culpa por um crime que não cometera: ele testemunhara a morte do verdadeiro Edwards, assassinado pelo ex-diretor do asilo, assim como ele mesmo, em uma brincadeira quando era criança, empurrara o irmão menor para amorte. Além da angústia diante da loucura,
Cena de
Apartir dos anos 1940, a psicanálise ganha espaço no cmema e surgem os thrillers psicológicos como os do diretor Alfred Hitchcock
o filme mostra a angústia da loucura, figurando o medo do personagem por meio de sonhos (desenhados por Salvador Dalí) que revelam um mundo cheio de alucinações e símbolos pretensamente produzidos pelo inconsciente. Neste e em outros filmes do período, a psicanálise é reduzida a um método capaz de resolver obscuros conflitos por meio do deciframento de um conjunto de signos geralmente claríssimos. A partir dos anos 1950, sob o impacto dos horrores da Segunda Guerra Mundial, tem início o questionamento da reclusão do doente. Ao mesmo
tempo, surgem novos psicofármacos, que provocam graves efeitos colaterais, levando muitos pacientes a recusar o tratamento. Como reação à psiquiatria da época, aparece a antipsiquiatria, que ganhou vulto nos anos 1960, no auge da contracultura. Alguns filmes retratam bem este momento, como Family life (1971), de Ken Loach; Uma mulher sob influência (1974), de John Cassavetes, e Um estranho no ninho (1975), de Milos Forman, criticando uma sociedade que prefere confinar os doentes em vez de ajudá-los a mitigar seu sofrimento, oferecendo como tratamento apenas a camisa de força, choques elétricos e drogas. stes filmes afirmam uma nova visão do cinema sobre a loucura, mais preocupados com o peso da sociedade sobre os indivíduos. Alguns deles interrogam a "loucura" desta sociedade, da família, levantando a questão da normalidade. O grande precursor desta vertente é Ingmar Bergman, que fez da loucura um de seus temas obsessivos. Apesar das transformações na representação da loucura pelo cinema, a imensa maioria dos filmes continua a banalizar a loucura, com velhos clichês que fazem dos doentes mentais criminosos de filme policial ou abobalhados de comédia. •
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Repúdio
ao sexo
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RESENHA
Os sons reliQiosos da Colônia Estudo revela a importância da música entre os jesu ítas LENITA
W. M.
NOGUEIRA
s documentos musicais mais antigos que se conhece até hoje no Brasil são aqueles proven ientes de Mogi das Cruzes, cidade situada na Região Metropolitana de São Paulo, datados de aproximadamente 1730. Entretanto, isso não indica que a atividade musical em terras brasileiras iniciou-se nesta época. Ao contrário, documentos localizâdos em arquivos brasileiros e no exterior revelam a existência de atividade musical no Brasil alguns anos após a chegada dos portugueses. Por esta época, além dos primeiros mestres de capela portugueses, responsáveis pela música nos ofícios religiosos, aportaram integrantes da Companhia de Jesus, fu ndada por Ignacio de Loyola e oficializada pelo papa Paulo III em 1540. Os primeiros registras da chegada dos jesuítas ao Brasil datam de 1549, quando Manoel da Nóbrega desembarcou em Salvador, juntamente com a expedição de Tomé de Souza. Ficaram no Brasil por mais de dois séculos, até serem expulsos por determinação do Marquês de Pombal em 1759. Durante este período tiveram na música u ma importante ferramenta na sua tarefa de catequização dos gentios. Poucos estudiosos se aventuraram a explorar esta questão, provavelmente pela dificuldade de localização de uma documentação de produção bastante remota, esparsa e de difícil acesso. O livro de Marcos Holler, Os jesuítas e a música no Brasil colonial, publicado em 2010 pela Editora da Unicamp, vem preencher diversas lacunas nesta questão, trazendo à luz fatos e documentos da maior relevância, que extrapolam o aspecto musicológico, já que estão ligados à própria formação do Brasil. Este livro é resultado da tese de doutorado de Holler, defendida no Ins-
O Os jesuítas e a música no Brasil colonia l Marcos Holler Editora Unicamp 256 páginas R$ 44,00
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tituto de Artes da Unicamp, na qual fez extensa pesquisa em arquivos brasileiros e estrangeiros sobre a utilização pelos jesuítas da música como elemento de catequese. Embora não tenham sido localizados documentos musicais, como folhas de música ou partituras, o extenso estudo, baseado em documentação primária localizada no Brasil, em Portugal e na Itália, apresenta documentos oficiais e correspondências entre jesuítas e autoridades, demonstrando que, mesmo contrariando os preceitos da Companhia de Jesus, que vetava a utilização da música para fins de catequização, a prática musical foi constante no Brasil colonial. Já na introdução o autor procura esclarecer o sentido de alguns termos musicais recorrentes que sempre geram dúvidas, sendo esta uma importante contribuição para os estudos musicológicos referentes ao Brasil colônia. No primeiro capítulo, "Fontes documentais e revisão bibliográfica", é discutida a questão dos registros levantados, abrindo espaço para que no capítulo seguinte, "Os jesuítas no Brasil", seja iniciada a discussão sobre a atividade dos jesuítas propriamente dita. Após o histórico sobre a atuação dos jesuítas no Brasil, há um interessante capítulo sobre as "Referências aos instrumentos musicais nos documentos jesuíticas'; no qual é realizado um levantamento dos instrumentos utilizados na prática catequética. Discutindo em separado os séculos XVI, XVII e XVIII, pode-se observar como a prática musical foi sofrendo modificações com o passar dos anos. Ainda neste capítulo, o trecho "Os inventários nos autos de sequestro dos bens jesuíticas" apresenta diversas referências a instrumentos musicais quando da expropriação dos bens de membros da Companhia de Jesus: rabecas, rabecões, violas, cravos, harpas, manicórdios, baixões, flautas, oboés, charamelas, sacabuxas e órgãos, No quarto capítulo, "A atuação musical dos jesuítas no Brasil colonial", pode-se ter uma ideia de como este instrumental era utilizado na tarefa de catequização. É interessante notar que os jesuítas davam mais atenção às crianças, acreditando que, além de sua maior receptividade, através delas atingiriam os adultos com mais facilidade. Estratégias para atingir este objetivo incluíam o ensino de instrumentos e a tradução de textos sacros para serem cantados na língua indígena. Podemos tirar algumas conclusões de como isso acontecia, mas, infelizmente, o material musical que utilizavam ficou perdido em algum canto da história.
W. M. NoGUEIRA é professora do Departamento de Música do Instituto de Artes da Unicamp.
LENITA
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FICÇÃO
Duas vias
YARA CAMILLO
!e abriu a porta do carro para que ela entrasse. -A velhice dando passagem à juventude? - Não: a sabedoria dando vez à pretensão. Riram. Era uma brincadeira antiga, da época em que se conheceram: ela, preparando a tese. Ele, o orientador que não chegou a sê-lo ... A relação aconteceu e, de comum acordo, decidiram que ela procuraria outro professor. Nem por isso a pressão foi menor. Em muitos olhares, o imediatismo rotulava, sem sursis: veterano-estende-as-asas-sobre-a-novata. E poderia ter sido pior; tivesse a "vítima" alguns anos a menos e o crime estaria consumado, não se podia brincar com essas coisas. -A maré do politicamente correto extrapolou, afrontando os limites do bom senso - dizia ele. - Facilite ... E até Lolita e Morte em Veneza acabarão queimados em praça pública. - Não exagere - dizia ela. Ele ria: -E a lei contra os Adônis que enfeitiçam os velhinhos? Deveria existir uma, não? Ela ria: -E qual seria o nome desse crime ... Gerofilia? -Sim ... Muito próprio.- E ele improvisava a premissa: -Não gerofile, para não ser pedofilado. -Proponha esta na próxima reunião e estaremos condenados em duas vias, sem direito a habeas corpus. - Falando em habeas .. . -Falando em corpus .. . A brincadeira se repetiu ao longo dos anos, mesmo depois de perder a graça; ela, mais que ele, chamava o riso como tábua de salvação, como refúgio das crises que também se repetiam, indefinidamente. Passado o espanto geral, que de roldão consumira também certos encantos, as coisas começaram a se acomodar. Ninguém mais estranhava a parceria, nem a ironia que permeava o enredo natural daquele amor: ela, já não bastassem os muitos anos a menos, aparentava ser tão menina ... Para
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entrar no cinema, só mostrando identidade que provasse ao menos dezoito, dos vinte e três já completos. Ele, em contrapartida, já aos dezesseis se passava por "maior", nos bailes e cinemas da cidade interiorana onde nascera. Cabelos precocemente grisalhos e o sagrado costume da cerveja completavam o quadro, adiantavam o tempo e, aos olhares alheios, alongavam mais ainda a distância entre os dois. O tempo. O curso. Da universidade e das coisas. E a tese, que não saía nunca. -Se você não pode ser meu orientador, então não quero mais ninguém- ela dizia. E se por algum tempo esse argumento surtiu efeito, foi também se desgastando, como tudo, como um todo. -Não era isso- ela confessou, numa das raras noites de cerveja que conseguiram a sós, porque a universidade era um mundo que se estendia para além do campus, até o bar, até a casa, até os amigos e tantas horas compartilhadas. A Dança seria o princípio e a Geografia, o meio ... Sabe? O meio pelo qual a Dança viria a acontecer, sem as amarras das concessões profissionais necessárias à sobrevivência. Mas tudo virou do avesso a Geografia se espalha e não faço outra coisa a não ser projetas. -Não há lugar para dois, com a Geografia. Ou é ela ou é ela, se é que você me entende, e eu às vezes acho que não. -Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no tempo e no espaço? Nunca, dirá você. -Nunca, tu o disseste. - "Salvo quando se amam", disse o poeta. E se essa verdade não pode harmonizar a Dança e a Geografia, então quero nascer de novo. -Você já nasceu tantas vezes, lembra ... Ou não, não mais? Ela fechou os olhos, fazia isso quando sentia dor ou acusava o golpe, claro, quantas vezes não dissera "acho que nasci de novo", depois do amor? Foi naquele amanhecer que os dois se descobriram de
partida, ele para o campus, de corpo e alma, porque aquela era mesmo sua vida, sua escolha, desde antes dela e, com um pouco de sorte, também depois dela- embora no momento ele não soubesse, não tivesse a menor ideia de como faria para sobreviver àquela ausência. E ela enfim para a dança, habeas corpus, habeas anima. Ele, que não acreditava em deuses, acabou maldizendo os desígnios que deram a ela uma bolsa, no ano seguinte, para um estágio fora do país. Encontraram-se uma vez, na Europa, mas aquela não valeu: ela estava embriagada demais com a liberdade e ele embriagado demais com a alegria de revê-la. Agora, anos depois, um novo reencontro: ele gostou de achá-la, ainda, bela. Gostou de gostar de vê-la, embora a dor. - Você ficou bem famoso - ela brincou, recurso que sempre usava para driblar o embaraço.- Ouvi falar, por aí. -E você? -Como? Você não ouviu falar de mim? Ele ficou sério, um segundo antes do riso. Ela riu também, e tudo foi como antes, por um instante. -Você está dançando? -Às vezes. - O que houve? - O de sempre. Não sou articulada, não me relaciono com as pessoas "certas", não me enquadro muito nas coisas. - E imitou o tom de voz que ele usava quando queria ser categórico: - Se é que você me entende, e eu acho que não. Ele riu, de novo, agora sem muita vontade. Ela continuou: -Mas eu tinha que ver, não é? Eu precisava ir. E fui bem, por uns tempos ... E "ir bem", ainda que por uns tempos, deixa um gosto de "sempre", quando se trata de Arte. - Isso me lembra aquela sua velha máxima: ''A Arte acima de tudo". - Não - ela responde. E ele vê nisso algo de novo. Não existe acima, nem medida alguma, nesses casos. Só uma sensação de que as coisas têm um sentido.
- Isso você podia ter ... -Você podia. Não eu. -Então, perdemos uma geógrafa brilhante ... para uma bailarina ... -Apenas razoável? - Eu não disse isso. -Claro que disse. Mas não faz mal. - Escute, ainda dá tempo. -Tempo do que, meu amor? - Esse "meu amor" me pegou de surpresa. -O que prova que você continua o mesmo ... Surpreendendo-se com o óbvio e olhando com cara de velho para o que é realmente novo. Agora me leve daqui para um lugar mais decente, onde se possa tomar um bom vinho. -Você também não mudou. E isso, não sei por que, me faz bem. -Não era o que você dizia. -Não era o que você pedia. Ele abre a porta do carro, ela sorri: -A velhice dando vez à juventude? -Não, o cansaço dando lugar a algo que não quero definir agora. -E quem disse que é preciso definir? - Temes definhar ao definir? - Idiota! - Ela ri. - O fim vai chegar para nós. Para todos nós. Mas não hoje. -Você não vai acreditar, mas isso, para mim, já é alguma coisa. "Acredito'; ela quis dizer, mas achou que não seria preciso.
é formada em comunicações pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), com especialização em cinema. É autora de Volições (Massao Ohno Editor, 2007) e Hiatos (RG-Editores, 2004).
YARA CAMILLO
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A Univer~ id ade de Mogi das Cruzes, em parceria com a Fundação de Amparo ao Ensino e à Pesquisa (FAEP), está contratando profissionais interessados em desenvolver ativid ades de pesquisa e ensino superior. Os candidatos deverão possuir titulação de Doutor e comprovada produção científica, atestada por publicações em periódicos, participações em congressos ou patentes. Experiência prévia em atividades de ensino é desejável, embora não constitlla condição indispensável para participar da seleção.
Os candidatos devem enviar uma mensagem para o endereço pesquisa@umc.br, até o dia 28/ 02/ 2011, contendo as seguintes informações:
• Link de acesso para o CV Lacres (q ue deverá se r detalhado e aru ali zado); • Resum o de projeto de pesq ui sa (máx imo de 2 páginas) que se encaixe em um a d ~L'i áreas de concenrtação abaixo relacio nadas: 1 - Bio tecnologia 2- Engenh ari a e Instrumentação Bio médica 3 - C iências Sociais Aplicadas
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Concurso de Professor Doutor - Computação
O Departamento de Ciência da Computação do IME-USP abriu um concurso para a contratação de um professor doutor em RDIDP. O Departamento é responsável pelo Bacharelado em Ciência da Computação, pela Pós-Graduação em Computação e pelo Centro de Competência em Software Livre - CCSL, em SP. O Departamento está interessado em pesquisadores de áreas ligadas ao desenvolvimento de sistemas de software, mas bons candidatos de todas as áreas da Computação são incentivados a se inscrever. Mais informações sobre a inscrição (prazos e documentação) podem ser obtidas em http://www.ime usp.br/dcc . Email: dcc@jme.usp.br
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