32 Há quantidades elevadas de mercúrio na bacia do Rio Negro, na Amazônia. Mas, como se descobriu, é um fenômeno natural, sem relação com o ganmpo
Inovação Tecnológica
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Seminário na Fiesp e exposição de novos trabalhos atestam a maturidade dos programas de inovação tecnológica da FAPESP, que beneficiam 130 empresas
Unicamp e Rhodia desenvolvem software que substitui programas estrangeiros e de tecnologia fechada para controle de processos químicos industriais .. ~
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Um grupo de pesquisadores paulistas avança na determinação das bases genéticas da hipertensão arterial, que abrem caminho para métodos de prevenção e terapias mais eficientes no futuroaté mesmo com métodos mais apropriados para resolver os problemas de cada paciente
MEMORIAS
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OPINIÃO
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA
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EDITORIAL
18 Os pesquisadores do Programa Genoma Humano do Câncer avançam em ritmo acelerado: 45 mil seqüências genéticas já estão identificadas
CIÊNCIA
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TECNOLOGIA
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HUMANIDADES LIVROS LANÇAMENTOS HUMOR
40 Estudo da cerâmica dos índios Asuriní e da cestaria dos Kayapó-Xikrin revela os valores simbólicos da comunidade e leva a novos modelos na pesquisa arqueológica PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 3
CARTAS PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO Ã PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO CON SELHO SUPERIOR PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE
DR. MOHAMED KHEDER ZEYN VICE-PRESIDENTE PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLOREST STEMPFER PROF. DR. ANTÓNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÃVIO FAVA DE MORAES PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE A. ARRUDA PROF. DR. MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO PROF. DR. RUY LAURENTI CON SELHO TÉC NICO-ADMIN ISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO EQUIPE RESPONSÁVEL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ
Laranja No Notícias FAPESP No 45 v1 uma reportagem sobre pesquisas referentes a variedades de laranja coordenadas pelo Prof. Luiz Carlos Donadio, da Unesp-Jaboticabal. Gostaria de entrar em contato com este pesquisador, para troca de informações sobre o estudo de frutas cítricas. PROFA. DRA. JANETE H. Y. VILEGAS Instituto de Química de São Carlos/USP São Carlos, SP
O e-mail do Prof Luiz Carlos Donadio é: nlynnefcav.unesp.br. O telefone é (0-16) 323-2500, ramal231.
EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIAS) CARLOS HAAG (HUMANIDADES) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO) DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA MOISÉS DORADO TÂNIA MARIA DOS SANTOS COLABORADORES ANA MARIA FlORI MARCOS PIVETTA MAURO BELLESA MÓNICA TEIXEIRA RODRIGO ARCO E FLEXA SÍLVIA DE SOUZA ULISSES CAPOZOLI ENCARTE ESPECIAL EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTÍFICO
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A revista Sou aluno do último ano do curso de engenharia mecânica da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisador de iniciação científica em biomecânica. Tive a feliz oportunidade de receber de presente de um colega de pesquisa o exemplar N° 43 do Notícias FAPESP. Como pesquisador me senti laureado e motivado a continuar meus trabalhos de pesquisa rumo a um mestrado com maior dedicação e conhecimento. Um parabéns pela revista, do Conselho Superior aos colaboradores. DUANE QUIREZA MURADAS Araguari, MG
hnpJ/www.fapesp.br e-mail: mariluce@fapesp.br
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
Gostaríamos de receber o informativo Notícias FAPESP. Somos o colegiado de medicina veterinária da Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus, na Bahia. SONIA NERES Ilhéus, BA
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
4 · OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Estava em Gramado, RS, por ocasião do Congresso Nacional de Genética (3 a 6 de outubro), onde tive
a oportunidade de conhecer a revista Notícias FAPESP, que estava sendo distribuída aos congressistas, no Hotel Serrano. Adorei o encarte especial da edição de julho/1999 sobre o Genoma Humano. Sou estudante de graduação da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Pelotas. KARINA AZAMBUJA CARBONA RI Pelotas, RS
Sou aluno de mestrado do curso de Genética e Melhoramento de Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), USP, e trabalho com cultura de tecido em maracujá. Estive no 45° Congresso Nacional de Genética, em Gramado, RS, e visitei o estande da FAPESP. Gostaria de ser incluído na lista de assinantes da revista Notícias FAPESP. HEIKO ROSSMANN Piracicaba, SP
Considerando a já consolidada importância da FAPESP, também, para as empresas residentes no Cietec e a crescente interação que se está buscando estabelecer entre nossas entidades, consideramos imprescindível que nós _e todos os empreendedores que estão instalados no Cietec acompanhem o "dia-a-dia" da FAPESP. Em função disso, gostaríamos de receber a publicação Notícias FAPESP. St.RGIO WIGBERTO RISOLA Gerente do Cietec, São Paulo, SP
Moradores de rua Gostaria de parabenizar a revista pela reportagem sobre moradores de rua do Japão. Ao mesmo tempo, acrescento que realizei estudos sobre o mesmo assunto. ELAINE PEDREIRA RABINOVICH São Paulo, SP
EDITORIAL
O nascimento de uma revista Informativo alcança a maturidade e transforma-se otícias FAPESP transforma-se, a partir contribuir para aprofundar seu caráter referencial desta edição, na revista Pesquisa FAPESP. - e, em conseqüência, estimular a concessão de O fato marca, primeiro, um novo e immais espaço ou tempo da mídia nacional à produportante passo na relação que esta Fundação vem ção científica brasileira. se empenhando em construir com a opinião púA par desse papel, acreditamos que Pesquisa blica paulista- relação de respeito e de reconheciFAPESPterá significado especial para a comunidamento a seu direito de ser informada sobre o desde científica nacional. Os pedidos de pesquisadores tino dos recursos públicos investidos em ciência e dos quatro cantos do país para receber o informatecnologia neste Estado; ao direito de ser também tivo de que ela se origina registraram crescimento informada sobre o significado das notável nos últimos meses, e desconpesquisas financiadas pela FAPESP fiamos que, com a revista, a tendênpara a construção do conhecimencia deve crescer. Assim, se cerca de to, a melhoria da qualidade de vida 15 mil pesquisadores paulistas consdas pessoas, o aprimoramento da sotituíam o público predominante ciedade ou o desenvolvimento ecodos 22 mil exemplares do Notícias "Esperamos nômico deste país. Sim, a pesquisa FAPESP, essa proporção logo poestimular científica e tecnológica tem em seu derá estar superada. horizonte esses múltiplos alvos. Isso, contudo, não esgota nossas a mídia a O surgimento da revista assinaexpectativas quanto ao papel da reconceder mais la, também, uma possibilidade de vista na divulgação científica: estaapresentação sistemática da pesquimos confiantes de que ela atenderá espaço à ciência sa feita em São Paulo a todo o país, a necessidades de informação espeampliando os canais de diálogo inbrasileira" cializada, mas em linguagem clara, ter-regional e entre instituições, que de empresários, executivos, profespodem representar contribuição . sares, estudantes e profissionais libeimportante ao desenvolvimento rais de todo o país, de quem também científico e tecnológico nacional. vínhamos recebendo cada vez mais Desse diálogo faz parte, naturalmenpedidos de inclusão em nossa mala. te, a abertura gradativa da revista a informações Um comentário final: para a equipe de profissobre a pesquisa feita em outros Estados, com obsionais que transformou o modesto boletim de quajetivos similares ou complementares aos de projetro páginas e mil exemplares, lançado em agosto tas desenvolvidos em São Paulo. de 1995, nesta nova revista de 46 páginas e mais Entendemos que Pesquisa FAPESP tem um um encarte especial, este é um momento de alegria. vasto potencial para aproximar mais o mundo da Essa equipe confia que está veiculando material pesquisa da opinião pública paulista, e mesmo jornalístico diversificado e relevante sobre a pronacional, porque está vocacionada para ser uma dução científica e tecnológica paulista, elaborado publicação de referência para a mídia. Há meses, com rigor profissional, dentro de um projeto gráa repercussão crescente do material publicado fico sóbrio e elegante, desenvolvido por Hélio de pelo Notícias FAPESP mostrava que aos poucos Almeida, um dos artistas gráficos reconhecidaele se transformara em fonte privilegiada de paumente mais talentosos de São Paulo- daí, por que tas, de consultas e de matérias para as editarias de não?, um certo orgulho profissional. Temperado ciência de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV pela certeza de que há muito ainda por fazer para e agências de notícias com sede em São Paulo. O o aperfeiçoamento desta revista, nova, mas enraiavanço que agora apresentamos em seu projeto zada no boletim que a originou. Por isso, com um editorial, conferindo-lhe uma dimensão inquesnome novo - de revista mesmo e não mais de tionável de revista de divulgação científica, deve house organ- ela é número 47, e não número 1.
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5 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
MEMÓRIAS A criação dileta de um governante de visão Uma imagem inaugural: o governador Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (centro) sanciona, no dia 18 de outubro de 1960, no Salão Vermelho do Palácio dos Campos Elíseos, a lei número 5.918, instituindo a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). À sua direita, o secretário da Saúde, Fauze Arape, e à sua esquerda, o advogado Hélio Pereira Bicudo, que secretariou os trabalhos da comissão responsável pela elaboração da lei. Por trás dessa imagem publicada no jornal paulista A Gazeta, danificada pelo tempo . e por condições inadequadas de conservação, mas cujo valor histórico justifica ainda assim sua reprodução nesta seção de Memórias, há uma longa história de luta. Tratava-se de uma luta, liderada por homens com mais visão de futuro, para convencer grande parte de uma elite provinciana e indiferente, senão um tanto avessa à investigação científica, de que o investimento nessa área era vital para o desenvolvimento da sociedade. Adiante dessa imagem, mais que simplesmente a criação de uma agência pública de financiamento à pesquisa, encontra-se a construção de um sólido sistema de produção de ciência e tecnologia no Estado de São Paulo, de que essa agência- a FAPESPé uma das pedras angulares. 6 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
No início, essencialmente didático, atendia à formação prática dos futuros engenheiros da Politécnica. Mas em 1926, tr'\nsformado em Laboratório de Ensaios de Materiais (o nome atual Carvalho Pinto sanciona lei que cria a FAPESP surgiu em 1934), E isso justifica, sem dúvida, mostrou que havia nascido mesmo para servir às indústrias, a declaração temperada sobretudo à de construção civil, de modéstia do governador Carvalho Pinto, anos depois na época em ritmo febril com desse registro fotográfico: a construção dos primeiros "Se me fosse dado destacar arranha-céus da cidade. alguma das realizações da minha A história prossegue: a mudança despretensiosa vida pública, para a Cidade Universitária, não hesitaria em eleger a FAPESP a construção de aviões, o apoio como uma das mais significativas à construção de hidrelétricas, para o desenvolvimento econômico, os projetos para siderúrgicas social e cultural do país". e, recentemente, a biotecnologia. Em renovação contínua, o centenário IPT atualiza O filho independente os laboratórios, redefine as formas de atuação e implanta da Escola Politécnica novas estratégias de parcerias com as indústrias, mantendo Há 100 anos, a partir do a razão de sua existência em Gabinete de Resistência seu próximo século. de Materiais, um discreto galpão anexo à Escola Politécnica, então no bairro do Bom Retiro, constituía -se o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo, o IPT, que se tornaria um respeitado centro de projetos e de ensaios voltados às necessidades Primeiros tempos: o interior do Gabinete de Materiais da indústria.
OPINIÃO Luís
NASSIF
O jornalismo científico É hora de formar profissionais com ampla visão das têm que participar decididamente do co-fiexistência de uma economia fechada e a nanciamento dessas pesquisas, especialmente ausência de uma lei de patentes atrasaram enormemente o desenvolvimento quando foram desenvolvidas sob medida para a empresa. tecnológico brasileiro. Do lado da demanda, as empresas brasileiras preferiam adquirir ou simNesse contexto, a imprensa especializada passa a ter papel fundamental. E não apenas para divulplesmente copiar tecnologias estrangeiras. As multinacionais traziam seus pacotes, sem a pregar de forma fantástica os avanços da ciência mundial, como em muitos programas de televisão. O ocupação de desenvolvimento interno. grande desafio consiste em começar a trabalhar a Do lado da oferta, grande parte das verbas se destinava à pesquisa pura, ao comquestão da ciência profissional e mepromisso de se publicar um paper todicamente, identificando necesno exterior- que muito provavelsidades do lado empresarial, avanços do lado acadêmico, colocando mente seria aproveitado por pesquisadores de outros países para a ambos em contato. produção de patentes. Durante muitos anos, tinham "O desafio Um país pobre, de parcos reacesso à imprensa apenas os chaé trabalhar cursos, financiava pesquisas genémados cientistas de papel- especiaricas, que eram depositadas gratuilizados em declarações superficiais, a questão tamente nas prateleiras da grande mas que rendiam manchete, e da ciência despensa da ciência mundial. Depouco reputados no seu ofício. O pois, americanos, coreanos, japonebom jornalismo científico passa profissional e ses, ingleses e outros, com mais espela capacidade do jornalista em pírito pragmático, se apossavam dos metodicamente" . separar a perfumaria do substantiingredientes, transformando-os em vo, em identificar e divulgar as pespatentes e em instrumentos de dequisas pioneiras, especialmente senvolvimento de seus países. Aos aquelas que possam interessar ao cientistas brasileiros, os louros; aos setor privado. Passa por ajudar a de outros países, os resultados. quebrar as barreiras que dificultam Hoje o quadro é totalmente diferente. Com a a produção de tecnologia, por abrir a couraça das abertura da economia, as empresas nacionais resistências empresariais aos investimentos tecnológicos. E, finalmente, por ajudar na implantapassaram a competir com as estrangeiras de quem copiavam ou compravam a tecnologia. Essa desção de uma verdadeira cultura tecnológica no vantagem tornou claro para todos a importância país, convencendo os governantes da importância a ser conferida ao setor. do desenvolvimento tecnológico autônomo. Ao mesmo tempo, o meio acadêmico passou Aos candidatos às bolsas de jornalismo cientípor profundo processo de discussões internas, fico da FAPESP, exige-se não apenas o conhecisobre os objetivos da pesquisa acadêmica. Acamento acadêmico e científico, mas a capacidade de entender a economia, o universo interno das bou sendo vitoriosa a tese de que a maior parte empresas, e de identificar, nas pesquisas acadêmidas pesquisas - especialmente as financiadas cas, aquelas capazes de se transformar em patencom recursos públicos - tem que gerar resultados concretos para o país, na forma de patentes, tes e produtos. tecnologia e produtos, aumentando a competitividade da economia, a capacidade de gerar emprego e bem-estar social. E as empresas privaL uis N ASSIF - é jornalista.
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7 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
Secretário José Aníbal entre Perez e Landi e com Os ires Silva (dir.), na Fiesp.Ao lado, pôsteres dos programas
INOVAÇÃO
Os novos rumos da pesquisa tecnológica 130 empresas recebem
financiamento para projetas inovadores consolidação de dois programas de inovação tecnológica da FAPESP está reunindo pesquisadores e empresários em trabalhos conjuntos e estimulando a prática de pesquisa nas pequenas empresas do Estado de São Paulo. Elaborados para se transformarem em mecanismos efetivos de transferência tecnológica e desenvolvimento de produtos e sistemas, os programas Parceria para
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8 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
do evento, estiveram presentes o seInovação Tecnológica (PITE) e Inocretário de Ciência e Tecnologia do vação Tecnológica em Pequenas EmEstado de São Paulo, José Aníbal presas (PIPE) já beneficiam 130 Peres Pontes, o diretor de Ciência e empresas que mantêm projetos de Tecnologia da Fiesp, Osires Silva, o pesquisa com financiamento da presidente do Conselho Técnico-AdFAPESP. A exposição dos resultados ministrativo da FAPESP, o professor desses dois programas - o primeiro Francisco Romeu Landi, e o diretor criado em 1995 e o outro, em 1997do Departamento de Mifoi apresentada pelo procro e Pequena Indústria da fessor José Fernando PeFiesp, Ermano Marchetti rez, diretor científico da Moraes. Eles falaram para Fundação, no seminário A um auditório lotado por FAPESP e a Inovação Tecnológica, no dia 27 de oupesquisadores e empresários. Os temas convergiram, tubro, no salão nobre da principalmente, sobre a imFederação das Indústrias Inovação portância do desenvolvido Estado de São Paulo Tecnológica mento tecnológico nas em(Fiesp ). Na mesa diretora
presas para tornar mais competitivos os produtos brasileiros nos mercados interno e externo. No seminário também foram apresentados cinco painéis, todos com temas do PITE, e expostos 54 pôsteres de pesquisas dos dois programas. Os trabalhos conjuntos entre pesquisadores e empresários já resultaram, por exemplo, na síntese de um novo pigmento - eficiente e barato para a indústria de tintas, um novo teste de detecção da cisticercose uma doença que pode ser fatal - e um software de revisão gramatical para a língua portuguesa. São pesquisas em que a FAPESP financia de 20% a 70% do projeto, no âmbito do PITE, sempre com a contrapartida da empresa. Quanto maior o risco do projeto, maior é a parte da FAPESP. "Porém, nos 46 projetas de parceria, 60% dos custos são da empresa e 40% da FAPESP", informa o professor Perez. Fator essencial: Para as pequenas empresas, o incentivo financeiro é total na fase de pesquisa e desenvolvimento do produto. "Estamos dando condições financeiras para que as empresas façam projetas de inovação tecnológica, um fato r essencial para o desenvolvimento de qualquer país': afirma Francisco Antônio Bezerra Coutinho, coordenador-adjunto da área de ciências exatas da FAPESP. "Hoje, o ritmo de inovação tecnológica no mundo é tão acelerado que o Brasil precisa ter capacidade equivalente aos países desenvolvidos para poder exportar de forma competitiva", afirma o empresário José Mindlin, ex-conselheiro da Fundação. "Quem não tiver capacidade de inovar fica marginalizado." A contribuição e o compromisso da FAPESP com o PITE e o PIPE é justamente promover o desenvolvimento tecnológico das empresas com a integração ao meio acadêmico - como forma de enfrentar os efeitos competitivos da globalização e a necessidade de modernização do parque industrial brasileiro. "Iniciamos o programa de parceria, em 1995,
também para romper uma tradição de incompatibilidade de trabalho entre as universidades e o meio empresarial, detentores de uma relação distante e cheia de preconceitos", afirma Perez. "Hoje, a união entre universidade e empresa está acontecendo em maior amplitude e o meio acadêmico se deu conta de que o esforço tecnológico não é um mau comportamento para quem pensa em ciência básica", comenta Mindlin. "A participação explícita de agenciamento da FAPESP não é apenas >'
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Revisor foi elaborado por equipe multidisciplinar
de consulto ria, mas um esforço de pesquisa que gera transferência de conhecimento para as empresas e enriquece o ambiente acadêmico", analisa Perez. Ele cita o exemplo da parceria entre o Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a empresa Serrana de Mineração que desenvolveu um novo pigmento para a indústria de tintas, obtido a partir do fosfato de alumínio. Testado e aprovado pelos fabricantes, em experimentos piloto, o novo pigmento deve ser produzido pela Serrana a partir do próximo ano. Círculo virtuoso: Se as indústrias
adotarem esse produto como maté-
ria-prima, o Brasil pode economizar mais de US$ 80 milhões, por ano, na importação de óxido de titânio utilizado, atualmente, na obtenção de tintas de cor branca. A patente é de propriedade da Unicamp, que está recebendo R$ 90 mil por ano pela cessão de licença de uso para a Serrana. Para esse projeto de pesquisa denominado Novos pigmentos inorgânicos e híbridos à base de fosfatos, a FAPESP disponibilizou R$ 133 mil enquanto a Serrana investiu R$ 150 mil. "Nesse caso, como em outros, criou-se um círculo virtuoso, onde os pesquisadores desenvolveram um projeto, transferiram conhecimento e a instituição gerou um produto e informação científica", analisa Perez. Outro aspecto destacado nesses programas é o caráter multidisciplinar de vários projetas. É o caso da elaboração e implementação de um revisor gramatical automático para o português, coordenado pela professora Maria das Graças Volpe Nunes, do departamento de Ciências da Computação e Estatística . do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos em convênio com a Itautec-Philco. Participaram pesquisadores da Faculdade de Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos e do Instituto de Informática da Unicamp. O software produzido e comercializado pela Itautec teve seus direitos adquiridos pela Microsoft que o incorporou ao programa Office 2000. Na caixa do produto está a inscrição de crédito de financiamento da FAPESP. O programa de Parceria para Inovação Tecnológica também expandese para a área agrícola. O projeto
Avaliação agronômica e industrial de variedades cítricas, recém-finalizado, definiu características e ampliou as possibilidades de uso de variedades PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 9
de laranjas para a indústria de suco. O projeto foi coordenado pelo professor Luiz Carlos Donadio, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), que trabalhou em conjunto com técnicos da empresa Montecitrus Trading. Campo da saúde: As parcerias de em-
presas e instituições acadêmicas também desenvolveram-se no setor da saúde com a elaboração de um teste
ção dos kits na empresa, para uso comercial. Até o final do próximo ano, o produto deve estar no mercado. Para Perez, a eficiência dos programas de parceria depende do interesse da empresa que tem, na universidade, a oportunidade de suprir a sua demanda de pesquisa tecnológica. "Porém, cada vez mais, é preciso estimular a presença de pesquisadores dentro das empresas", lembra. "Isso serviria para aumentar a competitividade e a eficiência do empre-
pei), a patente é uma ferramenta de competição poderosa. "Ela traz a liderança da empresa no seu setor até que os concorrentes consigam resultados semelhantes': afirma Barbosa, que é gerente de tecnologia da Villares. Ele acredita que cresce nas empresas a preocupação pelo desenvolvimento tecnológico. "Depois dos efeitos da abertura às exportações, no início dos anos 90, e o posterior processo de ajuste interno nas empresas com foco na diminuição de custos,
A detecção da cisticercose ficará mais fácil com o teste elaborado na USP
eficaz, simples e barato para detecção da cisticercose, uma doença provocada pela larva do parasita Taenia solium e transmitida por intermédio da carne de porcos criados em más condições de higiene. Para se detectar a forma mais severa da doença, a neurocisticercose, são necessários kits de testes caros e importados ou exames de tomografia. O novo teste foi desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, coordenado pela professora Adelaide José Vaz, juntamente com o laboratório Biolab-Mérieux. O teste, do tipo Elisa, está em processo de padronização e formataIO· OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
sário brasileiro, agregando tecnologia ao produto." A falta dessa preocupação por parte das empresas instaladas no Brasil reflete-se na produção de patentes. "A Coréia do Sul, por exemplo, registrou 2.773 patentes, entre 1996 e 1997, nos Estados Unidos, o maior mercado consumidor do mundo, o Canadá, 2.627, e Taiwan, 1.688, enquanto o Brasil, apenas 68. Desse total, 56 foram da Petrobras", relata o professor Landi. "Patente é, principalmente, um resultado de pesquisa realizada em ambiente empresarial", afirma o professor Perez. Ser competitivo: Para Celso Antonio
Barbosa, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais (An-
hoje, desperta-se para a inovação tecnológica como forma de desenvolver produtos e ser competitivo", analisa. "Há muitas formas de estimular a capacitação tecnológica das empresas, e nisso os programas da FAPESP são muito importantes, mas também devia-se estimular estágios de empresários nas universidades e de professores nas empresas, o que resultaria num banco de idéias mais amplo. Outra forma de incentivo seria o estímulo às empresas estrangeiras para fazerem pesquisas no Brasil, dando a elas, por exemplo, preferência nas concorrências': comenta Mindlin. A Anpei estima que cerca de 400 empresas instaladas no Brasil têm laboratórios ou centros de pesquisas. "O perfil dessas empresas é de médio
e, principalmt:nte, grande porte, porém, as pequenas têm tido um crescimento incrível nos últimos anos': analisa Barbosa. Certamente, tem contribuído para essa performance o mais recente programa de inovação tecnológica da FAPESP, o PIPE, voltado para as empresas industriais de pequeno porte, aquelas com até 100 funcionários. Esse segmento tem aproximadamente 116 mil empresas apenas no Estado de São Paulo, segundo dados da Fundação Seade. Cada vez mais, elas contribuem para o desenvolvimento social e econômico, gerando empregos e impostos. Porém, necessitam também incorporar tecnologia para criar novos produtos ou inovar os já existentes.
Também no campo da saúde, outro experimento resultou na síntese em laboratório de um hormônio de crescimento para crianças com dificuldade de desenvolvimento corpóreo. A proeza é de uma equipe de pesquisadores do Departamento de Bioengenharia do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), coordenada pelo professor Paolo Bartolini. A empresa envolvida, a Hormogen, foi criada pelos próprios pesquisadores. Eles esperam fabricar
Maior ousadia: Ao contrário do PITE, onde as pesquisas são realizadas em maior parte nos laboratórios das universidades ou institutos de pesquisa, o PIPE leva a pesquisa para dentro da pequena empresa, desde que ela tenha um pesquisador, que pode ser o próprio dono do empreendimento. "Esse programa foi nossa maior ousadia", lem- Recém-nascidos com icterícia terão banhos de lu~ com bra Perez. Em dois anos, 85 empresas tiveram seus projetas aproo produto em escala piloto, no início vados e estão com pesquisas em ando próximo ano, a custos menores damento. que os similares importados. Entre aqueles que já apresentam O PIPE foi baseado no Small Buresultados estão o Desenvolvimento siness Inovation Research (Sbir ), dos de equipamento para fototerapia neoEstados Unidos. Lá, toda agência de natal baseado em fibra óptica corfomento com mais de US$ 100 mirugada (modificada mecanicamenlhões anuais de orçamento deve, te), um estudo da empresa Komlux, obrigatoriamente, dispor de, pelo de Campinas, que trabalhou com menos, 2,5% desse montante para o pesquisadores do Centro de AssisSbir. No programa da FAPESP, em tência Integral à Saúde da Mulher dois anos, foram investidos mais de (Caism), da Unicamp, coordenada R$ 7 milhões em financiamento ao pelo médico Fernando Facchini. O PIPE. Para obter o fomento, o projeresultado da pesquisa permite a fato necessita da aprovação de pelo bricação de uma manta luminosa de menos dois assessores científicos da cor· azul produzida com fibras óptiFundação. cas, que elimina os efeitos da icteríEmbora com resultados apreciácia- pele amarelada- e proporciona veis, os programas de inovação tecmais conforto aos recém- nascidos. nológica estão sempre evoluindo.
Eles vão ganhar, em breve, três modificações. "A mais importante é que a complementação salarial paga pela empresa aos pesquisadores das instituições científicas vai passar a ser incluída na conta da contrapartida empresarial, fato que atualmente não é possível", anuncia Coutinho. Outra modificação é na assinatura da conclusão do projeto de pesquisa, que agora deverá ter também o nome do responsável pela empresa. Por fim, será exigida uma declaração da empresa
mais conforto
expondo sua satisfação ou não com os resultados do projeto de pesquisa. A perspectiva da FAPESP é aumentar, nos próximos anos, o número de projetas dos dois programas. Para isso, a Fundação intensifica a publicação, em jornais de todo o Estado, do edital que divulga o PIPE e estabelece duas datas-limite para a apresentação de propostas: 30 de julho e 30 de novembro. Todos os projetas recebidos até essas datas são analisados em conjunto pela FAPESP. Um projeto apresentado, por exemplo, em lo de agosto passará por análise a partir de 1o de dezembro. No caso do PITE, aberto a empresas de qualquer porte, a análise é realizada logo após a entrega dos projetas na Fundação. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • li
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA z
~ produz 117 produtos horti~
frutícolas, ainda vendidos geralmente in natura, para abastecer a região metropolitana. Seu plano é também criar novos empregos, à medida que avance o beneficiamento dos alimentos. Na mesma cerimônia de apresentação dos projetas selecionados, realizada no dia 7 de outubro no Palácio dos Bandeirantes e presidida pelo governador Mário Covas, foi anunciado o edital para a segunda etapa do programa (ver quadro). Compunham a mesa o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, deputado José Aníbal, o reitor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch, o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, e o diretor científico da Fundação, José Fernando Perez. Em seu pronunciamento, Perez lembrou que a FAPESP tem se empenhado nos últimos anos na busca de mecanismos efetivos de transferência de conhecimento. Mencionou, em seguida, os programas precursores, como o Programa de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), :;)
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O governador Mário Covas discursa. À esquerda, Marcovitch e Brito Cruz
POLÍTICAS PÚBLICAS
Parceria para o social Programa integra sistema de pesquisa com a administração pública prefeito de Piedade, José Tadeu de Resende, engenheiro e administrador de empresas, era um dos administradores municipais que se colocaram ao lado de pesquisadores e de secretários de Estado para assistir à apresentação oficial dos 61 primeiros projetas do mais recente programa da FAPESP, o de Pesquisas em Políticas Públicas, que procura resolver problemas sociais relevantes do Estado nas áreas da saúde, educação, ambiente e economia, entre outras. É o caso de Piedade, de 41 mil habitantes, a 98 quilômetros da Capital, que vai desenvolver um programa de apoio à agroindústria, abastecimento e alimentação no município, em conjunto com pesquisadores da
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12 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, em Piracicaba. "Estávamos há dois anos procurando alternativas para agregar valores à nossa produção agrícola", diz.Resende. O município, segundo ele,
A segunda etapa Os pré-projetas para a segunda etapa do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas podem ser apresentados até o dia 29 de fevereiro de 2000. A FAPESP se propõe a analisar e financiar os trabalhos voltados à produção e sistematização de conhecimentos em políticas públicas relevantes, a serem realizados em parceria com instituições, governamentais ou não, que se responsabilizem pela implementação das propostas bem-sucedidas. A fase 1, com duração de seis
meses e financiamento de até R$ 30 mil, consiste no estudo de viabilidade e a consolidação da instituição parceira. Os projetas aprovados poderão se candidatar à etapa seguinte, limitada a dois anos e R$ 200 mil de financiamento, que objetiva a execução do projeto em escala piloto. A Fundação não financiará a fase 3, de implantação das propostas. O edital da segunda etapa do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, que se encontra disponível na home page da FAPESP, relaciona as
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
no qual as empresas participam com parte dos investimentos a serem realizados. No Políticas Públicas, do mesmo modo, as entidades parceiras das instituições de pesquisa- prefeituras, secretarias, fundações e organizações não-governamentais - se comprometem com o desenvolvimento e a implantação do projeto, em caso de sucesso. O diretor científico da FAPESP mostrou a dimensão da primeira etapa do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas (PP). "Superamos as mais otimistas expectativas': observou. A FAPESP recebeu 226 projetos, dos quais 162 foram pré-selecionados e 61 aprovados. Participam dos trabalhos anunciados 18 instituições de pesquisa, estaduais, federais ou particulares, 28 prefeituras, 26 secretarias de Estado e 7 organizações nãogovernamentais. Em relação às áreas, predominam os projetos sobre Ambiente (13), seguidos por Educação (10), Saúde e Administração e Gestão (9 cada), Arquivos (4), Trabalho, Emprego e Renda (3), Agricultura e Pecuária, Habitação, Patrimônio Histórico, Urbanismo e Segurança e Justiça (2) e Economia, Crédito e Taxas, Geração de Empresas e Transporte (1 cada). Brito Cruz, por sua vez, declarou que a FAPESP, que já havia se tornado uma das poucas agências de fi-
dificuldades mais comuns que levaram à desclassificação das propostas apresentadas na etapa anterior. Como se verificou, houve propostas cujos objetivos não estavam claramente definidos ou com metodologias de trabalho inadequadas. Verificou-se também, em alguns casos, a pouca relevância das propostas para a política pública. Em relação ao coordenador, nem todos cumpriam o requisito de estarem vinculados a uma instituição de pesquisa do Estado de São Paulo ou demonstravam experiência anterior na área de pesquisa do projeto.
nanciamento do mundo a apoiar projetas de pequenas empresas, torna-se também, por meio do Políticas Públicas, uma das únicas a atender prefeituras, secretarias de Estado e organizações não-governamentais, que vão desenvolver projetos com instituições de pesquisa. Ele destacou também "o compromisso permanente da Fundação com a geração e a disseminação de conhecimento, no tratamento e na resolução dos numerosos problemas sociais do Estado de São Paulo". Já o deputado José Aníbal relacionou a origem e o destino dos investimentos em ciência e tecnologia. A sociedade brasileira, lembrou, destina cerca de 30% do que ganha aos governos estaduais e municipais. "É preciso que o retorno à sociedade seja feito de modo mais produtivo, para reduzir os desajustes e a exclusão social." Entretanto, prosseguiu, "nem sempre as políticas públicas atendem aos anseios da população". Segundo ele, com o Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, em andamento efetivo a partir daquele dia, a FAPESP oferece a possibilidade de aprimorar o modo de operação do setor público, para atender os que precisam de serviços básicos, como educação e saúde. "A FAPESP está cada vez mais sintonizada com a promoção do bem-estar e da justiça social", comentou. Para o governador de São Paulo, Mário Covas, o fato de a FAPESP estar "sustentando o desenvolvimento da pesquisa em políticas públicas mostra um avanço, mesmo antes de iniciar". Reconhecendo que a ciência e a tecnologia têm uma importância fundamental para o desenvolvimento da nação, Covas comentou que um dia a FAPESP poderá até mesmo contribuir para o desenvolvimento de projetas semelhantes em outros Estados. Mais do que presunção, disse ele, esta seria uma forma de reconhecer o esforço de milhares de pessoas de outras regiões que se transferiram para São Paulo. "O trabalho da FAPESP produzirá enormes benefícios para o país': concluiu. •
DIVULGAÇÃO
Ciência para todos FAPESP lança programa de incentivo ao jornalismo científico jornalista deve ser preciso. E ainda mais quando o seu assunto é a ciência. Foi pensando nisso que a FAPESP lançou, em 21 de outubro, o Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico. Trata-se de uma iniciativa que reúne universidades, empresas de comunicação ou mídia acadêmica e a própria FAPESP MídiaCiência com o objetivo de estimular a formação de profissionais especializados no campo do jornalismo científico. "O interesse do público por assuntos científicos e tecnológicos é crescente. É necessário, portanto, que a divulgação do conhecimento seja feita com qualidade", afirmou Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, durante o evento de lançamento do programa. "O jornalismo científico não é apenas uma técnica. Mas uma arte, que requer múltiplas competências", acrescentou José Fernando Perez, diretor científico da Fundação. A cerimônia teve a participação de representantes das universidades paulistas, jornalistas da grande imprensa e de veículos especializados em ciência, mais a diretoria da Fundação. Durante o evento, houve ainda o lançamento do livro Do Laboratório à Sociedade (leia quadro). A iniciativa do programa vem ao encontro dos três pilares que norteiam a atuação da FAPESP: geração,
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PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 • 13
aplicação e disseminação do conhecimento, justificou Perez, acrescentando que, embora o Brasil tenha experimentado um grande desenvolvimento científico nas últimas décadas, nem sempre as conquistas nesse campo chegam ao grande público. Suprir essa carência é uma necessidade vital, pois o apoio da população é imprescindível para a continuidade e a ampliação da pesquisa científica, fato comum entre os países altamente industrializados. Esse apoio ganha ainda mais importância por ser justamente a sociedade, por meio do pagamento de impostos, que viabiliza o desenvolvimento da ciência. "É o contribuinte que, em última instância, financia a pesquisa. Por isso o público deve ser muito bem informado", apontou Brito Cruz. O Programa José Reis de Incentivo ao Jornalismo Científico oferecerá bolsas remuneradas para estudantes de graduação e profissionais diplomados em qualquer área e que não tenham vínculo empregatício. O valor corresponderá à titulação do candidato, que deverá se submeter a um processo seletivo. Os bolsistas participarão obrigatoriamente de cursos de introdução ao jornalismo científico, os quais serão ministrados em instituições acadêmicas, e desenvolverão, sob a supervisão de um pesquisador-orientador, propostas de pesquisa. Elas visam à produção de documentos jornalísticos de divulgação. "Nossa idéia é conciliar a oferta com a procura. Não nos interessa produzir textos que fiquem engavetados", disse José Fernando Perez. O novo programa homenageia o cientista e jornalista José Reis, um dos pioneiros da divulgação científica no Brasil. Carioca, nascido em 1907, José Reis cursou no Rio de Janeiro a Faculdade Nacional de Medicina. Em São Paulo, para onde se mudou em 1930, trabalhou no Instituto Biológico elecionou nas universidades de São Paulo e Mackenzie. Conciliando seu trabalho em microbiologia com a divulgação científica, dirigiu a revista Ciência e Cultura e foi redator científico do jornal Folha de São Paulo, no qual até hoje mantém uma coluna semanal. Escre14 · OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP
veu também livros infanta-juvenis em que procurou romancear a ciência. Numa entrevista à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), José Reis define a divulgação científica: "É a veiculação em termos simples da ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega. Durante muito tempo, a divulgação se limitou a contar ao público os encantos e os aspectos interessantes e revolucionários da ciência. Aos poucos, passou a refletir também a intensidade dos problemas sociais implícitos nessa atividade': Repercussão positiva: O lançamento do programa recebeu os aplausos da comunidade científica. "É uma iniciativa da maior importância, pois aso-
ciedade precisa tomar conhecimento da ciência que é produzida em nossos laboratórios", afirmou Tupã Gomes Correa, diretor da Escola de Comunicações e Artes da USP. O professor ainda destacou outro aspecto positivo: "As novas gerações de jornalistas deverão ser as mais beneficiadas pelo programa': A repercussão também foi positiva entre os jornalistas que participaram do evento. "O jornalista não precisa ser cientista. Mas deve saber como trabalhar com a ciência", apontou Almyr Gajardoni, 1o secretário da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC). Já o jornalista Alberto Dines apontou as vantagens que o programa oferecerá ao leitor. "É comum a grande imprensa tratar a ciência como um 'pátio dos milagres', divulgando informações fragmentadas e sem densidade. Por isso a importância de programas que visem a uma melhor formação do jornalista que lida com a ciência", disse Alberto Dines, que é editor do Observatório da Imprensa e um dos fundadores do Laboratório de Jornalismo da Unicamp (Labjor). •
Uma amostra da diversidade da pesquisa paulista
Reportagens científicas O livro Do Laboratório à Sociedade reúne reportagens sobre os resultados de 20 projetas temáticos financiados pela FAPESP. Os textos foram publicados originalmente entre novembro de 1997 e maio de 1999 pelo jornal Notícias FAPESP. O lançamento da obra dá continuidade à série "Resultados de Projetas Temáticos em São Paulo': cujo primeiro volume foi publicado há um ano: Vigor e
Inovação na Pesquisa Brasileira.
Do Laboratório à Sociedade torna visível ao grande público a variedade de assuntos investigados pelos projetas temáticos que têm o apoio da Fundação. Neste volume, estão reunidos projetas nas áreas de agricultura e veterinária, fisica, ciência espacial, geociências, engenharia civil, engenharia elétrica, engenharia de materiais, engenharia biomédica, saúde pública, medicina, meio ambiente, teatro, antropologia e educação.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA lti~l'"!.'l~ri~11Ui ~ ~
nômico no Desenvolvimento do Agronegócio no Novo Milénio. O presiden~ te da Fundação, Carlos Henrique de ~ Brito Cruz, destacou que o IAC tem si~ do um dos principais clientes dos pro~ gramas de financiamento da FAPESP. ~ Eduardo Bulisani, diretor do IAC, < r-:!!!!~~~~ ressaltou algumas das realizações mais marcantes da história do instituto: "No caso do café, 95% das plantas doBrasil passaram pelo instituto em algum momento, como sementes da primeira, segunda ou terceira geração. O mesmo percentual de plantas cítricas também passou pelo instituto': Soja, tomate, feijão e cana fazem parte de algumas das outras histórias de sucesso do IAC. Pesquisas do IAC com algodão foram iniciadas em 1912: vanguarda na pesquisa agrícola
AGRONEGÓCIO
Os novos desafios IAC vive revolução permanente para atender demanda da agricultura riado há 112 anos e com participação essencial no desenvolvimento agrícola de São Paulo e do país, o Instituto Agronômico, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, está passando por grandes transformações estruturais e no seu modelo de atuação, para atender às demandas do mercado globalizado e aos avanços tecnológicos no setor agrícola. O instituto contou com recursos do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP para reformar os sistemas hidráulico, elétrico e telefônico e para a implantação de uma rede de fibra óptica entre seus computadores. Também foram recuperados laboratórios e casas de vegetação e adquirido um pivô central com capacidade para irrigar 70 hectares.
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Para marcar essa renovação do IAC (assim conhecido por estar sediado em Campinas), a FAPESP, a Academia de Ciências do Estado de São Paulo e o Instituto de Estudos Avançados da USP realizaram em 20 de outubro o seminário O Impacto da Geração. de Tecnologia e a Inserção do Instituto Agro. - - - - - - - - - - - - - -- . z
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João Carlos Meirelles, Brito Cruz, Junji Abe e Eduardo Bulisani
Novo cenário: Para João Carlos Meirelles, secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado, o IAC está se qualificando para fazer parte da reestruturação do agronegócio no século 21. "Nesse novo cenário, a agricultura não é mais apenas o locus físico de produção de alimentos, mas a parte essencial de uma cadeia que começa na pesquisa científica e termina no consumidor." O deputado Junji Abe, da Comissão de Agricultura e Pecuária da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, manifestou que a primeira coisaque os produtores agrícolas precisam é de um canal de ligação mais estreito com instituições como o IAC. Roberto Rodrigues, presidente da Aliança Cooperativa Internacional e diretor da Associação Brasileira de Agribusiness, destacou que as dificuldades para a agricultura no mundofalta de terras agricultáveis, escassez de água para irrigação e a impossibilidade de que a tecnologia leve a saltos significativos de produtividade não atingem o Brasil. Para ele, o IAC é o "pai" da tecnologia agrícola brasileira e para continuar a ter esse papel de destaque terá de se adaptar às novas condições internacionais e de gerenciamento do agronegócio, onde o que importa não é o produto agrícola individualmente, mas toda a cadeia de agregação de valor ao produto. • PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999
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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
Para entender a genômica A edição de 30 de setembro da revista Nature traz uma advertência sobre a dificuldade que biólogos e cientistas de áreas correlatas vêm tendo de acompanhar os avanços científicos no campo da genética e da genômica, devido à falta de uma nomenclatura comum. Seqüências completas de genes, segundo a revista, podem ser obtidas, em poucas horas, diante de um computador, e os genes, os produtos e as funções de suas proteínas e seus equivalentes em outras espécies (homólogos e ortólogos) estão sendo nomeados, identificados e publicados numa velocidade espantosa. Um efeito colateral disso é, de acordo com a Nature, o crescente caos na nomenclatura. "Uma única proteína é estudada, muitas vezes simultaneamente, por vários laboratórios independentes, cada um usando seu próprio apelido e recusando-se a reconhecer outros nomes ou acatar um único rótulo. Isso causa problemas inevitáveis aos que precisam acompanhar a literatura." Há tentativas para encontrar solução para o problema, mas a velocidade com que os genes estão sendo identificados supera a velocidade de qualquer estratégia de nomeação consolidada em curso. Outras fontes de confusão são os muitos nomes e funções dos genes ou proteínas descritos. 16 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUI SA FAPESP
homenagem da Fundação aos pesquisadores paulistas que marcaram e definiram a história da criação e organização da FAPESP.
Importação de cérebros
Estudos genéticos: critérios para definir nomenclatura
A sugestão é que, ao descrever um gene ou proteína, os pesquisadores declarem todos os outros nomes e funções a eles associados. E ao submeter um trabalho a qualquer publicação, descrevendo um novo gene com uma função determinada, os autores informem a literatura já existente sobre um orto/ homólogo. Para a Nature, um papel muito importante pode ser realizado pelos que administram bases de dados, já que elas deveriam estar em posição de detectar novas entradas e insistir na conformidade com um sistema de nomenclatura, como condição de registro. Com um processo desse tipo funcionando, as publicações poderiam exigir o registro prévio como condição de publicação. "De sua parte,
Nature vai ser, doravante, mais rigorosa na exigência de que os autores de trabalhos que descrevem a função de uma proteína também declarem todos os outros nomes conhecidos daquela proteína na primeira vez que ela for mencionada no texto", anuncia a publicação.
História da FAPESP Será no próximo dia 1o de dezembro, às 18 horas, na sede da FAPESP, o lançamento das publicações FAPESP- Uma História de Política Científica e Tecnológica e Para uma História da FAPESPMarcos Documentais, do historiador da Universidade de São Paulo, USP, Shozo Motoyama. O evento será também uma
Quando esteve recentemente no Brasil, o pesquisador Daniel Nahon, conselheiro do ministro francês da Educação, da Pesquisa e da Tecnologia, Claude Allegre, e novo presidente do Comitê Francês de Avaliação de Cooperação Universitária com o Brasil (Cofecub), disse que seu país vai desenvolver pelos próximos dez anos uma intensa política de atração de estudantes estrangeiros. "Queremos que pelo menos um terço de nossos estudantes sejam estrangeiros. E esperamos atrair muitos brasileiros", comentou durante longa entrevista concedida à Pesquis~ FAPESP e que será publicada na próxima edição da revista. Justificativa para essa política, com certa dose de preocupação: "As universidades francesas têm cada vez menos inscritos em disciplinas científicas fundamentais". A preocupação, ao que tudo indica, não é apenas francesa. A julgar por uma matéria enviada pelo correspondente de O Estado de S. Paulo em Paris, Napoleão Sabóia, publicada no dia 25 de outubro, ela se alastra por vários países europeus e atinge mesmo a maior potência científica
do planeta, os Estados Unidos. Entre outras informações, ele conta que o conselheiro Didier Cunha, despachado por Allegre a Washington para avaliar a situação, declarou após a visita o seguinte: "O colega que assessora o presidente Clinton nas questões de ciência e tecnologia me disse que daqui a cinco anos os americanos não terão mais professores de Matemática e de Física em número suficiente". Contra isso, os Estados Unidos estão tratando de definir uma política para atração de estrangeiros com formação científica, semelhante à que adotaram nos anos 70 e 80 em relação a matemáticos e outros especialistas da lndia.
Desinteresse e desilusão O correspondente de O Estado informa que, na Alemanha, onde a falta de engenheiros químicos e mecânicos na indústria atinge seu ponto crítico, são justamente os cursos de química industrial e engenharia mecânica os mais evitados pelos estudantes. Eles estão se bandeando em massa para cursos de sociologia, artes, gestão de bens culturais e outros da área de Humanas. Na França, na Universidade Paris-VI, o número de matriculados para o primeiro ciclo de estudos científicos caiu de 57 mil, em 1994, para 20 mil, em 1998. E em 12 universidades na região de Paris, uma pesquisa constatou que nos últimos cinco anos a queda de candidatos para carreiras científicas e técnicas foi
superior a 40%. Problema semelhante foi constatado também na Grã-Bretanha e na Suécia. Qual a razão dessa fuga? O problema foi debatido durante a Semana das Ciências, ocorrida na França em meados de outubro, e arriscou-se uma explicação preliminar baseada em testemunhos de estudantes de toda a Europa que se encontravam por lá: as novas gerações estariam imersas numa certa desilusão quanto às conquistas da ciência. Por quê? Segundo eles, essas conquistas não resolveram o problema do desemprego, não neutralizaram os riscos de catástrofes nucleares e ecológicas e, ao mesmo tempo, a extensão da automação e da poluição industrial a todas as esferas da vida, o surgimento e a propagação de novas doenças tornaram ainda mais frágil a condição humana.
Genoma Cana: além de São Paulo Paulista de origem, o projeto Genoma Cana
está sendo aberto para especialistas de outros Estados e de outras áreas do conhecimento, além da biologia molecular e da bioinformática. Segundo Paulo Arruda, coordenador de DNA do projeto, químicos, físicos e matemáticos podem aproveitar a base de dados sobre genes da cana-de-açúcar, que cresce sem parar. E pelo menos alguns matemáticos já descobriram isso: alguns deles estão interessados em verificar se há algum modelo que explique a seqüência de nucleotídeos nas moléculas de DNA. "Precisamos de mais cabeças criativas", diz Arruda. A participação de pesquisadores pode ocorrer especialmente na atividade de data mining (prospecção de dados): basta dispor de um computador ligado à Internet e uma senha de acesso à base de dados do projeto. É o caso da pesquisadora Adriana Hemerly, do D~partamento de Bioquímica da UFRJ. Seu grupo estuda os genes envolvidos no controle do ciclo celular e na fixação
Pesquisa da cana: abertura para pesquisadores de outras áreas
de nitrogênio em cana. O projeto Genoma Cana permitiu a identificação de genes que ela tentava isolar da cana há mais de um ano. Outras dezenas de genes envolvidos no ciclo celular e na fixação de nitrogênio já foram identificadas pelo grupo da UFRJ. Segundo Arruda, há também entendimentos com grupos de pesquisa do Plant Genome Initiative, financiado pela National Science Foundation (NSF) dos Estados Unidos, para incluir a cana no projeto de construção de um mapa genômico integrado das gramíneas e descobrir os genes que fazem a diferença entre as espécies de milho, arroz, sorgo e cana.
Pequenas empresas Encerra-se no dia 30 de novembro o prazo para inscrição de novos projetos no Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. A inscrição deve ser feita por um pesquisador, ligado, de alguma forma, à empresa. O pesquisador será o responsável pela pesquisa, que deverá resultar no desenvolvimento ou aperfeiçoamento de produto ou processo. Os projetos aprovados receberão financiamento da FAPESP, a fundo perdido. Podem participar empresas sediadas no Estado de São Paulo, que tenham até 100 empregados. Para maiores informações, acessar o endereço eletrônico: http:/ /www.fapesp.br, selecionando, no menu, a opção "Programas Especiais': PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 17
CIÊNCIA
GENÉTICA
Descobertas em ritmo acelerado Genoma Humano do Câncer chega a 45 mil seqüências espira-se contentamento nos corredores do Instituto Ludwig, onde trabalham os cinco coordenadores principais do projeto Genoma Humano do Câncer: Andrew Simpson, coordenador de DNA, Emmanuel Dias Neto, coordenador de bibliotecas,
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Luis Fernando Lima Reis, à frente dos trabalhos de RNA, Sandra José de Souza, em bioinformática, e Juçara de Carvalho Parra, gerente do projeto. O discreto entusiasmo do íntimo e bem azeitado grupo de pesquisadores aparece nos sornsos com que mos-
O mecanismo de expressão do gene O organismo de todo ser vivo é formado por células. É nelas que ocorrem todos os processos bioquímicos que levam à produção de energia e ao crescimento e manutenção do organismo. Nos organismos eucariotos, é o núcleo, uma das estruturas básicas da célula, que governa todas as funções da célula e contém a informação genética, na forma de ácido desoxirribonucléico, DNA. O DNA está contido em estruturas chamadas cromossomas. Na descrição construída principalmente pela bioquímica das décadas de 70 e 80, a palavra gene designa, materialmente, determinados trechos das moléculas de DNA. O que dá a um trecho da molécula de DNA o status de gene é o fato de a célula encontrar ali as informações de que precisa para criar proteínas - os compostos que animam o movimentado interior da célula. Os cientistas dizem que um gene se expressou quando produziu sua proteína. Em média, um gene estende-se por 10 mil nucleotídeos- os blocos que formam a molécula de DNA e
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que diferem entre si pela base nitrogenada, apenas quatro: adenina, timina, citosina e guanina, designadas por A, T, C, G. Os biólogos moleculares entendem que a informação está na ordem em que se apresentam os nucleotídeos do gene, na sua seqüência. No espaço, a molécula de DNA apresenta-se como uma dupla hélice, duas fitas que se mantêm enroladas uma na outra graças às forças que aproximam e mantêm ligados os As de uma fita com os Ts da outra; e os Cs de uma dos Gs da outra. A regra de formação é conhecida - a cada A liga-se um T, a cada T um A; a cada C um G, a cada G um C. Ao longo de uma cadeia de DNA, os cientistas já sabem relacionar certos conjuntos de bases na seqüência, que se arranjam de determinada maneira, com o processo de transcrição da informação contida no gene. Esses arranjos são sinais; caminhando sobre a seqüência de bases da esquerda para a direita (sentido 5'-3'), downstream, como se diz no jargão, os cientistas sabem, por exemplo, que o gene "começou" quando
tram os gráficos de produtividade por centro de seqüenciamento. É só olhar: desde julho, mês a mês, todos os centros aumentam consistentemente o volume de produção. Destaca-se, de agosto para setembro, um entre os seis envolvidos no trabalho - é o do professor Marco Antonio Zaga, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que, de SOO seqüências em um mês, disparou a produzir 4.200. Destaca-se também um único centro de seqüenciamento - ironicamente, o dos ilustres coorde-
encontram uma região promotora, promoter, reconhecível por apresentar um certo arranjo das bases do DNA. O sinal que ela dá é: "Logo adiante na seqüência vem um gene que deverá expressar sua proteína': Ainda downstream, para marcar o fim do gene, há uma região terminadora, terminator, caracterizada por outro arranjo de sinais. Na região promotora liga-se o complexo de proteínas e enzimas envolvidas na transcrição, que inicia e vai regular o processo de cópia do DNA em RNA- o outro tipo de ácido nucléico, passo intermediário entre o gene e a proteína. A diferença de composição entre oRNA (ácido ribonucléico) e o DNA, na composição, é a base uracil, U, que substitui a base timina do DNA. Este RNA é chamado de RNA mensageiro porque carregará a mensagem que a célula vai animar para fabricar a proteína. Há genes que expressam não proteínas como seu produto final, mas outros tipos de ácido ribonucléico, como o RNA transportador ou o RNA ribossômico. No caso de organismos procariotos- cujas células não têm núcleo-, a transcrição do gene em RNA men-
nadores- que diminuiu a produção. A subida de um tem a ver com a queda do outro e não tolda a evidência: os centros de seqüenciamento, em geral, já lidam bem com os novos seqüenciadores capilares Megabace 1000 e obtêm deles bom rendimento. Também é evidente que quem está puxando o bom ritmo de produção do projeto como um todo é o centro de seqüenciamento do professor Zago. O aperfeiçoamento das rotinas criadas e desenvolvidas pelo paraense Wilson Araújo Júnior, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, foi o santo que fez o milagre da multiplicação das seqüências- o crescimento foi de 350% de um mês para o outro. A performance de Ribeirão Preto mostra que não deverá haver problemas para cumprir o cronograma de
sageiro se dá em um só passo. Não é assim (conforme a descoberta de Phil Sharp em 1977) nos organismos eucariotos - entre os quais nos encontramos. Neles, há duas etapas: num primeiro passo, a célula gera a partir do gene uma molécula "bruta'' de RNA , chamada pré-RNA mensageiro. Este pré-RNA mensageiro é a transcrição linear de toda a seqüência do gene; ele se tornará um RNA mensageiro "maduro" depois da segunda etapa de processamento, que se dá ainda dentro do núcleo: a célula remove partes da molécula do pré-RNA - esta parte do processo chama-se splicing -, acrescenta a ela determinadas seqüências nas extremidades que lhe conferem maior estabilidade e só então a envia, como RNA maduro, para o citoplasma, onde se dará sua tradução em proteína. Os segmentos removidos da molécula do RNA mensageiro correspondem a trechos do gene chamados íntrons; os segmentos que restam se chamam exons. Os íntrons são, então, trechos internos ao gene que não expressam proteína; exons, os que sim, se expressam como proteína. Essa estrutura de exons e íntrons não exis-
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O gene e a sua proteína em organismos eucariotos
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I. O DNA. do núcleo, contém os genes que codificam proteínas específicas. 2. Em condições adequadas, esses genes são transcritos e formam o RNA mensageiro.
3. É produzida, então, uma fita longa de pré-RNA transcrito.
\~.J~\~l.:.~l.:.\l.:.'Jlr~.r~.~~\\l\\. Transcrição DNA--RNA
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Pré-mRNA
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mRNA Processado
4. O pré-mRNA é processado - partes são removidas ou acrescentadas e o mRNA resultante é enviado ao citoplasma.
5. No citoplasma, os ribossomos realizam o processo de tradução do mRNA, que forma a proteína (polipeptídeo) codificada pelo gene.
te nos genes da maior parte dos pro- . se complementary DNA - cDNA. Os cariotos: toda a seqüência do DNA ESTs, então, são segmentos pequedo gene das bactérias, por exemplo, nos de cDNA- variam de 200 pares é regularmente usada para comande bases a 700 pares de bases. dar a formação das proteínas. Uma A EST é uma etiqueta (tag), uma característica do processo nos eucarioespécie de bandeirinha, que marca tos é a possibilidade que a célula tem um lugar do cromossoma que conde combinar diferentemente os exons; tém as informações para a síntese de o que resulta em diferentes moléculas proteína- isto é, que é gene. No ende RNA mensageiro maduro; e, por tanto, a técnica tem limitações imconseqüência, em diferentes proteíportantes. Entre elas: da maneira conas traduzidas no citoplasma. mo o cDNA é obtido hoje na maior Este RNA mensageiro é a matéparte dos laboratórios, resulta uma ria-prima de projetos como o Genoconcentração muito grande de amosma Câncer, projetos de seqüenciatras das extremidades dos genes que mento de Expressed Sequence Tags: se expressam em maior quantidade. obtém-se dele uma molécula de DNA Nos bancos de dados de todo o munque só contém, do gene como um do, há poucas ESTs que marquem o todo, os exons escolhidos pela célucentro de genes pouco expressos. As la. Esse tipo de molécula de DNA, Orestes da parceria FAPESP/Ludwig sintetizada nos laboratórios, chamavêm preencher esta lacuna.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 19
produção de seqüências. Já a análise dos dados que estão sendo depositados todos os dias, e sua comparação com os bancos internacionais de DNA, mostra que a tecnologia Orestes cumpre o que prometia ser, no lançamento do projeto, no final de março. Também as últimas notícias importantes do mundo da genômica reforçam o acerto e a oportunidade dos projetos que seqüenciam não diretamente o gene, mas sua transcrição a partir de urna molécula de RNA mensageiro - como ocorre nesta primeira parceria da FAPESP com um instituto privado de financiamento de pesquisa. Será esta informação já elaborada pela célula que vai iluminar os dados da seqüência completa dos 23 cromossomas humanos (ver quadro).
mas nem 10% estão completamente seqüenciados) e devem ser localizados numa cadeia maior - talvez 4 bilhões de nucleotídeos. Mesmo com o próximo lançamento da seqüência completa do genoma humano - o esboço dos 23 cromossomos, prometido até o final de junho pelos pesquisadores financiados com dinheiro público; ou o genoma finalizado, que a Celera afirma que termina até o final de 2000 -,qual a melhor estratégia para localizar os genes nas cadeias dos cromossomas e, depois, para estudar o que a célula bus-
seqüência ordenada de todas as bases das moléculas de DNA presente no núcleo de cada uma dos trilhões de células do corpo humano- o produto ao qual os biólogos moleculares terão acesso até o final de 2000 - é o começo e não o fim da investigação sobre o patrimônio genético humano. Nesta altura do desenvolvimento da genética molecular, não há ferramentas de bioinformática tão sensíveis e precisas a ponto de detectar sem erro todos os genes, que são os trechos relevantes da cadeia - aqueles que têm a informação que permi-
As notícias: É Andrew Sim-
pson quem descreve o cenário. Há muitos indícios de que o número de genes do genoma humano esteja mesmo próximo dos 140 mil, como a Incyte - uma das companhias privadas que dão contribuição significativa nesta área da pesquisa de ponta - afirmou na badaladíssima 11 a Conferência de Seqüenciamento e Análise de Genomas, Souza, Juçara, Dias Neto, Simpson e Reis: novas metodologias promovida pela Tigr, em Miami, no final de setembro. te a construção das proteínas. Além ca de informação neles? A estratégia O número não era mais surpresa, de ESTs - Expressed Sequence Tags, das da questão topológica, há outra: o e corrobora os achados de outro imquais a tecnologia Orestes, criada prinsplicing alternativo. portante parceiro privado - a Celera, Os cientistas sabem desde a descocipalmente por Emmanuel Dias Neto e por Andrew Simpson - é um caso parceria de Craig Venter e da Perkin berta de Phillip Sharp, em 1977 (ver Elmer, fabricante de equipamentos. particular e um desenvolvimento. Notícias FAPESP N° 46), que os orgaO cientista - que anunciou o térnismos eucariotos cujas células têm númino do seqüenciamento do genoRazões: Randy Scott, cientista e precleo usam a informação bruta contisidente da Incyte, palestrante na ma da Drosofila melanogaster na reuda na seqüência de DNA dos genes de nião de Miami - já percebera que o conferência, comparou a competimuitas maneiras diferentes- ao contrátamanho da seqüência da mosca seção em torno da seqüência completa rio do que acontece entre as bactérias. do DNA humano, e em torno da priria 40% maior do que previsto. ImaNo caso da nossa espécie, estimamazia na obtenção das informações gina-se o mesmo do tamanho do getivas apresentadas na mesma confenoma humano. rência em Miami indicam a possibirelevantes, não a uma corrida de 100 metros rasos, mas a uma maratonaEntão, no que toca ao DNA do lidade de cada gene humano "se apresentar", em média, de 50 maneiHomo sapiens, há mais genes do que o que não é uma novidade para eso previsto (os cientistas já sabem da pecialistas. A observação aponta paras diferentes- quer dizer, ser lido de ra o fato de que o conhecimento da existência de cerca de 85 mil genes; 20, ou 60, ou 100 combinações de seus 20 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
trechos internos, segundo momentos e necessidades diferentes na vida de uma célula. Mesmo que essa nova estimativa da freqüência de combinações diferentes seja alta demais, as diferenças de combinação continuarão importantes. Esses trechos internos ao gene dos organismos superiores, e que se emendam de maneira alternativa para codificar esta ou aquela proteína, chamam-se exons; de novo, não há ferramentas refinadas a ponto de localizá-los sem erros significativos diretamente da seqüência; novamen-
te nos bancos de dados, são informações novas, que aparecem entre as seqüências brasileiras por causa das peculiaridades da metodologia usada aqui, e que tornam os resultados únicos no mundo da genômica. À medida que a produção aumenta, aumenta também a possibilidade de descoberta de novos genes, relacionados aos tumores dos cânceres mais comuns no Brasil. Simpson gostaria de entrar no ano 2000 com 100 mil seqüências produzidas; se, em um ano, atingir o objetivo de 500 mil, o projeto terá contribuído
Material para exame microscópico de tipos variados de câncer: de estômago (acima), intestino (à dir.) e colo de útero (ao /ado)
te, é na estratégia de ESTs que os pesquisadores depositam as esperanças de fazê-lo com rapidez e precisão. Os cientistas esperam encontrar na diversidade de combinações mais explicações sobre a biologia do câncer, por exemplo. Daí o interesse de Phillip Sharp- Nobel de 1993- em participar do corpo de consultores do Genoma Câncer paulista. O andar da carruagem: Até dia o 24 de outubro, os centros já haviam depositado 35 mil seqüências geradas com a metodologia patenteada pela FAPESP e pelo Instituto Ludwig. Somadas a elas as 10 mil seqüências produzidas durante o projeto piloto, são 45 mil - quase 10% das 500 mil contratadas, que deverão ser produzidas até o fim do projeto, previsto para 2001. Vinte e sete por cento delas não têm nenhum corresponden-
com 20% de todas as ESTs geradas internacionalmente. Com uma diferença: além de pelo menos um quarto delas ser completa novidade, a maior parte do que será seqüenciado aqui virá do centro dos genes, que só a metodologia Orestes alcança. O processo tradicional de obtenção de ESTs enfrenta a limitação técnica de serem, quase sempre, seqüências das extremidades dos genes, menos relevantes para a codificação de proteínas. O protocolo: Animado com o salto
na produção, Simpson já fala em dobrar o objetivo de produção de se-
qüências do projeto. Se as rotinas e os métodos desenvolvidos e consolidados em Ribeirão Preto puderem ser adaptados e estendidos aos outros centros de seqüenciamento, a velocidade de cruzeiro poderá ser atingida antes de maio do ano que vem, para quando está prevista. O seqüenciador capilar do centro funciona de dez a doze horas por dia; são cinco "corridas" diárias, de segunda a sexta, que fornecem a leitura de qualidade, em média, de mais de 90 das 96 amostras processadas de cada vez. O protocolo testado e aperfeiçoado por eles abrevia etapas e gasta menos reagentes um item importante no custeio das plantas genômicas. Sete laboratórios abastecem o centro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - dois a mais do que o padrão dos centros de seqüenciamento. Estes dois laboratórios desprenderamse do Ludwig e integram agora o grupo de Ribeirão. A mudança é uma das razões que explicam a queda, em setembro, na produção do instituto; e não a única que explica a disparada de Ribeirão. Há espaço para a produção crescer bastante, em todos os centros - daí o discreto otimismo reinante. A continuar tudo indo bem, Simpson poderá botar em andamento um de seus planos: pedir ao coordenador de bioinformática, Sandro de Souza, e a seu grupo que analisem as seqüências do genoma humano disponibilizadas pelos cientistas do Hemisfério Norte à luz das informações vindas das Orestes. "Você vai ver: vamos achar 50% de erro na anotação dos genes feitas por eles", prevê o coordenador, que acredita numa contribuição significativa ao conhecimento na área a ser feita pelo projeto que comanda. Para ele, não há outra metodologia capaz de fornecer dados complementares tão importantes a toda a informação que • está sendo gerada no mundo. PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999
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CIÊNCIA
Câmara de crescimento de fibras de materiais cerâmicos: matéria-prima para rádios e
FÍSICA
Os cristais de futuro Grupo de São Carlos desenvolve materiais para indústria eletrônica Física fez história em 1986. Com alarde, era anunciada a descoberta dos supercondutores, materiais cerâmicos que oferecem uma resistência muito baixa à passagem de corrente elétrica a temperaturas consideradas relativamente altas, próxima a 200 graus Celsius negativos. Os autores da descoberta - os físicos Karl Alex Muller, da Suíça, e Johannes Georg Bednorz, da Alemanha, cujo trabalho precursor seria reconhecido com o Prêmio Nobel no ano seguinte - fortaleceram o sonho dos pesquisadores de conseguir a supercondutividade a temperatura ambiente, que traria um enorme impacto ambiental, ao permitir a redução das perdas de energia. Numa lâmpada comum, por exemplo, apenas 30%
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da energia se transforma em luz - a maior parte se perde, na forma de calor. Em São Carlos, nos laboratórios do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e no Departamento de Física da Universidade federal de São Carlos (UFSCar), um grupo de 20 pesquisadores não está atento apenas à supercondutividade e à possibilidade de melhoria das propriedades elétricas dos materiais cerâmicos. Sob a coordenação da física Yvonne Primerano Mascarenhas, da USP, e com um apoio financeiro de R$ 173.130,00 da FAPESP, desenvolvem o projeto temático Síntese,
caracterização e crescimento de fibras monocristalinas de cerâmicas ferroelétricas, com objetivos bastante amplos: investigam desde processos de obtenção do material básico até técnicas para o crescimento de fibras com periodicidade atômica regular, chamadas monocristalinas. A importância desses materiais era conhecida antes mesmo da entrega do Nobel aos responsáveis pela
descoberta dos supercondutores. Desde os anos 40, quando foram descobertas, as cerâmicas ferroelétricas, materiais com propriedades elétricas diferenciadas, têm uma participação crescente na indústria eletroeletrônica. Com elas são feitos componentes especiais de uso em radares, telefones e televisores, por exemplo. A tendência tecnológica mundial em preparação de materiais cristalinos é de redução do diâmetro e o aumento do comprimento das fibras, como se elas fossem fios de cabelo. As fibras monocristalinas cada vez mais telefones delgadas que devem sair do laboratório do físico Antonio Carlos Hernandes, também da USP, podem substituir com vantagens os materiais convencionais, ao se mostrarem competitivas nas aplicações práticas. Na primeira fase, os especialistas obtiveram fibras monocristalinas de materiais de uso conhecido, como o titanato de estrôncio e o titanato de rutênio. "A segunda fase será caracterizada por uma maior abrangência de materiais", conta José Antonio Eiras, da UFSCar. Atualmente, a equipe trabalha com materiais mais complexos, os niobatos de estrôncio-bário e de estrôncio e chumbo, com os quais obtiveram fibras e resultados novos a respeito das propriedades desses materiais. Impõe-se também o desafio de conseguir uma maior aproximação com a indústria eletrônica, sensibilizando-a para as vantagens operacionais dos produtos desenvolvidos em laboratório. A organização: As cerâmicas resul-
tam de uma anatomia especial de átomos de oxigênio, que formam estruturas em forma de sólidos com oito faces regulares, os octaedros. No espaço entre essas estruturas podem alojar-se cátions- átomos ou grupa-
mentos atômicos com falta de elétrons tivo, não uma superposição de tarefas': e, por isso, eletricamente positivos. avalia Hernandes. Os pesquisadores As propriedades específicas das asseguram que o grupo, com essa comcerâmicas dependem de situações que plementariedade na área de materiais cerâmicos, é o único em atuação na covão da maneira como os cátions se distribuem nos espaços entre os octaemunidade acadêmica internacional. dros até o arranjo que assumam essas Segundo Eiras, a vantagem desse próprias estruturas. Uma distribuitipo de colaboração é principalmenção alinhada ou torcida dos octaete a possibilidade de cada equipe dros faz com que o material apresenaprofundar as investigações, uma este características distintas. É essa pécie de contribuição verticalizada. organização ou arranjo estrutural que determina as características finais do material sintetizado. Por essa razão, adescrição estrutural das cerâmicas é uma parte importante do trabalho de obtenção do material básico e do desenvolvimento de fibras monocristalinas. Da formulação à caracterização do produto final, cada pesquisador tem sua área específica, mas nessa investigação conjunta as experiências e as histórias, como os próprios componentes das cerâmicas, se fundem e na prática é cada vez mais difícil dizer exatamente de quem ou de onde partiu cada uma das questões que vão sendo investigadas. Na USP, Yvonne Mascarenhas, com uma equipe de cinco pesquisadores, cuida dos trabalhos de cristalografia, a ciência que trata da caracterização da forma e da estrutura dos cris- Yvo nne e Einstein: a harmonia do grupo tais, neste caso, os materiais cerâmicos. No mesmo prédio, Ao mesmo tempo, a interação permiHernandes, da área de ciência de mate uma certa horizontalização, relacioteriais, trabalha com o desenvolvinada aos objetivos finais. "Uma equimento de monocristais. Na UFSCar, pe define o trabalho da outra e, por José Antonio Eiras, do grupo de cerâsua vez, tem suas próprias tarefas remicas ferroelétricas, responde pela formuladas pelos resultados obtidos obtenção do material cerâmico básico. nas outras fases da pesquisa", diz ele. O trabalho começou em 1994 com O material obtido por Eiras pode a chegada a São Carlos da química se apresentar na forma de pó ou de argentina Sílvia Cuffini. Yvonne conum corpo cerâmico. Ao passar pela ta que Sílvia, então candidata a um fase de cristalografia, suas caracteríspós-doutorado nessa área, trouxe alticas estruturais são determinadas. "À guns problemas relacionados à deterprimeira vista podem parecer tarefas minação da estrutura cristalina de rulineares, livres de dificuldades e de tenatos, que acabaram levando à surpresas, mas não é assim", diz montagem da atual equipe. "Temos Yvonne, sob o olhar complacente do um trabalho complementar e interafísico alemão Albert Einstein, o cria-
dor da Teoria da Relatividade, que ocupa um enorme pôster atrás de sua mesa de trabalho. A história e as idéias de Einstein- a exemplo da frase "A paz não pode ser obtida pela força, mas conquistada pelo entendimento", impressa no cartaz- sintetizam o espírito de trabalho da equipe, segundo ela. Propriedades: O sólido tem basicamente dois estados distintos: amorfo e cristalino. Na matéria amorfa, as propriedades são as mesmas em qualquer direção. Na cristalina, algumas propriedades físicas variam de acordo com a direção adotada. Propriedades gerais como peso, calor específico, ponto de fusão e composição química não variam quanto à direção. Mas as propriedades de transporte, ópticas, térmicas e elétricas, dependem da direção. A periodicidade da matéria cristalina faz com que as propriedades direcionais sejam as mesmas em todas as direções paralelas. Mas pode ocorrer uma repetição simétrica das direções ao longo das quais as propriedades são as mesmas. A cristalografia procura justamente entender e descrever essas características dos cristais. Mas não é fácil detalhar as características cristalográficas, como as pequenas distorções, previne a pesquisadora. Uma das dificuldades é que átomos pesados, como os de ferro, por exemplo, podem difundir nos cristais e influir na estrutura dos materiais cerâmicos, modificando suas propriedades. A cristalografia, uma área de pesquisa antiga na qual o Brasil detém uma certa tradição, acabou servindo como ponto de partida para o trabalho integrado de materiais cerâmicos em São Carlos. Nas últimas décadas, além do avanço teórico, mudou basicamente o instrumental de pesquisa, diz Yvonne Mascarenhas. Entre 1959 e 1960, quando esteve nos Estados Unidos com uma bolsa da Fundação Fulbright, rememora, "não havia a PESQUI SA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 23
facilidade proporcionada pelos computadores". Como em outras áreas, os computadores revolucionaram a cristalografia, acentua a pesquisadora, apontando para as estruturas cristalinas que o físico cubano Juan Guevara Carrio manipula num computador ao lado. Carrio, que estudou Física em Dresden, na exAlemanha Oriental, é um dos pósdoutorandos nessa área no Instituto de Física.
A economia propiciada pela construção desse equipamento pode ser contabilizada facilmente. Segundo Hernandes, o desenvolvimento do equipamento consumiu recursos de US$ 35 mil, dos quais US$ 20 mil foram aplicados na compra do laser no exterior. Se tivesse sido adquirido no mercado internacional, diz o pesquisador, os custos poderiam chegar a US$ 65 mil. Técnicas que não utilizam o laser, ele calcula, demandariam
pneus para automóveis, entre outros usos intensivos. Neste projeto também houve um resultado importante e inesperado: a obtenção de fibra de um rutenato de estrôncio com propriedades supercondutoras, da mesma natureza que o descoberto por Muller e Bednorz, mas sem a presença do átomo de cobre. • PERFIS: • YVONNE PRIMERANO MASCARENHAS é graduada em Química e Física pela Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fez o doutorado em Física na Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). É professora titular do Instituto de Física de São Carlos, do qual já foi diretora. • ANTONIO CARLOS HERNANDES, 40 anos, bacharel em Física pela Universidade Estadual de Londrina, com
Hernandes (esquerda), Yvonne e Eiras: da formulação à caracterização das fibras monocristalinas (ao lado)
A equipe de desenvolvimento de monocristais, liderada por Hernandes, desenvolveu um equipamento alimentado por um laser de dióxido de carbono com 100 Watts de potência para a obtenção das fibras monocristalinas, num trabalho que conjuga engenho e arte. O equipamento funde materiais a temperaturas entre 1.000 e 2.600 graus Celsius. O que contém o material nestas temperaturas é sua própria tensão superficial, o mesmo princípio que impede que um copo cheio d'água apresente uma resistência a transbordar até um limite crítico. Hernandes conta que, para agregar os componentes da cerâmica, seria impraticável utilizar os recipientes comuns, como os cadinhos, por causa da temperatura elevada e do risco de ameaçar a pureza desejada do material que está sendo manipulado. 24 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
equipamentos que não sairiam por menos de US$ SOO mil.
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Descobertas inesperadas: Em trabalhos de pesquisa básica como o conduzido pelo grupo de São Carlos, a investigação é feita sem que se conheçam antecipadamente as características dos materiais que vão se revelar ao longo do trabalho. Resultados inesperados podem ocorrer a qualquer momento - é o que os filósofos da ciência chamam de serendipidade, um termo que acabou se consagrando para se referir a descobertas acidentais. A vulcanização da borracha, por exemplo, foi uma serendipidade. Mas este acidente acabou se revelando fundamental para a transformação da borracha num material estratégico, incorporada na produção de
mestrado e doutorado no Instituto de Física e Química de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1995. • ]OSÉ ANTONIO EIRAS, 47 anos, é graduado em Física pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com mestrado no Instituto de Física e Química de São Carlos da USP e doutorado em Ciências Naturais no Institut für Allgemeine Metallkunde and Metallphysik, em Aachen, Alemanha. É professor da UFSCar desde 1985. Projeto: Síntese, Caracterização e Crescimento de Fibras Monocristalinas de Cerâmicas Ferroelétricas Investimento: R$ 173.130,00
CIÊNCIA
A célula virtual
Produção de surfactante pu lmonar, no Butantan: agi lidade
Os novos produtos do Butantan O Instituto Butantan concluiu o desenvolvimento em tempo relativamente curto e deve iniciar em novembro a produção nacional de dois novos medicamentos, em laboratórios recém-inaugurados, construídos com financiamento da FAPESP, da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep) e da Fundação Butantan. Um deles é a eritropoietina, hormônio que induz à produção de glóbulos vermelhos, cujo desenvolvimento, que custou até dez anos de trabalho em outros países, tomou apenas quatro no Butantan, segundo o diretor da instituição, Isaís Raw. O outro, o surfactante pulmonar, utilizado em recém-nascidos prematuros que possam apresentar dificuldades para expandir os alvéolos pulmonares, foi "um acontecimento': "Toda idéia que jamais tinha sido aplicada dava certo, logo na primeira vez", diz ele. Construída em um ano, a planta piloto apresentou um rendimento surpreendente, a ponto de permitir, ela própria, o atendimento da
demanda prevista, estimada em 216 mil doses, suficiente para cerca de 54 mil tratamentos. Raw atribui o resultado à integração da equipe do Centro de Biotecnologia, com 25 doutores que se especializaram em áreas complementares, como a produção de vacinas, cultura de células e processos de purificação. "Quando vamos começar um trabalho, metade do caminho • já está andado': diz Raw.
Película de cana-de-açúcar Uma película elaborada a partir da cana-de-açúcar tem se mostrado eficaz para combater infecções e contribuir com a cicatrização de ferimentos em animais tratados experimentalmente no Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). O método consiste na produção da película utilizando o caldo de cana (garapa) em sua aplicação após a limpeza do ferimento. A pesquisa conta com o apoio da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe). •
O Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (Lika), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), criou o projeto Célula Virtual, voltado ao ensino de bioquímica, em especial o ciclo de glicose, um dos quatro módulos já disponíveis no endereço www.lika.ufPe.br/ bioinfo/virtual/vcell.htm, que disponibiliza textos, testes e um software para ensaios virtuais com enzimas. Criado a partir de um acordo entre os governos do Brasil e do Japão, o Lika dedica-se ao estudo de doenças infecciosas e parasitárias tropicais. •
Penicilina, a descoberta do século Médicos britânicos elegeram a descoberta médica deste século: a penicilina, o primeiro antibiótico desenvolvido no mundo, criada pelo escocês Alexander Fleming, em 1928. Na pesquisa, realizada na Grã-Bretanha c~m mais de 500 médicos de diferentes especialidades, a aspirina foi escolhida por 13o/o dos cardiologistas e a quimioterapia por 28o/o dos oncologistas. •
Fleming: reconhecimento
Congresso de Genética Em Gramado, no Rio Grande do Sul, em meio a temperaturas baixas, incomuns para esta época do ano, a comunidade científica conheceu os primeiros resultados e os desdobramentos do Programa Genoma-FAPESP, durante o 45° Congresso Nacional de Genética, realizado pela Sociedade Brasileira de Genética (SBG), no Centro de Convenções do Hotel Serrano, de 4 a 6 de outubro, com cerca de 2.600 participantes. Os pesquisadores Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto fizeram palestras sobre o projeto Genoma Humano do Câncer. Sobre o Genoma Cana falou o seu coordenador, Paulo Arruda, enquanto a pesquisadora Ana Maria Camargo falou sobre o projeto Genoma Xylella. A FAPESP complementou as apresentações com o material impresso distribuído num estande de 18 metros quadrados, anexo ao Congresso. As conferências, que se somaram aos seminários, cursos e mesas-redondas, trataram também de patentes de genes, terapia gênica em tuberculose, animais e plantas transgênicas, história da genética de abelhas no Brasil, uso de marcadores biológicos, mapeamento genético comparativo e evolução cromossômica evidenciada pela citogenética clássica e molecular. Apesar do frio, também foi concorrida a Genética na Praça, um encontro aberto entre pesquisadores e estudantes de primeiro e segundo graus, numa rua próxima ao Congresso. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999
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CIÊNCIA
SAÚDE PÚBLICA
Cerco à matadora
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Projeto avança na determinação das bases genéticas da hipertensão e abre caminho para métodos de prevenção e terapias mais eficientes no futuro m grupo de pesquisadores paulistas está avançando de modo promissor na identificação dos componentes genéticos da hipertensão, que devem permitir, no futuro, a determinação precoce do risco de desenvolvimento de patologias e de morte a elas relacionada, em cada paciente que apresente elevação em seus níveis de pressão arterial. Mais que isso, o conhecimento das bases genéticas da hipertensão promete o desenvolvimento de métodos preventivos e de terapias muito mais eficientes do que os adotados hoje para controlar a doença e, o que é muito importante, métodos adequados para cada caso - porque as causas e os efeitos da hipertensão variam muito de pessoa para pessoa. O grupo, formado por 11 pesquisadores, entre biólogos moleculares, fisiologistas e médicos clínicos, sob a liderança do professor Eduardo Moacyr Krieger, chefe da Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração, o Incor, participa de uma espécie de cerco genético internacional à hipertensão, com o projeto Bases fisiológicas da hipertensão: estudo integrado. Trata-se de um temático financiado pela FAPESP, que até o momento lhe destinou cerca de US$ 650 mil. Desenvolvido a partir de 1995, o projeto conta, em alguns estudos específicos,
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com a colaboração de pesquisadores do Medical College de Wisconsin, das universidades de Harvard e da Carolina do Norte, e já apresentou alguns resultados muito concretos à comunidade científica internacional. O primeiro deles foi a identificação de cinco regiões cromossômicas em animais de experimentação (ratos), que explicavam em grande parte o aumento da pressão arterial nessas cobaias. A partir desse resultado (publicado na revista científica Genome Research, já em 1995), muito sugestivo .de que nessas regiões há genes diretamente envolvidos com a hipertensão, os pesquisadores iniciaram uma trabalhosa caçada a esses genes, valendo-se de múltiplas abordagens. Nesse momento, o cerco está se fechando e o grupo espera responder, dentro de alguns meses, às seguintes perguntas: qual ou quais dessas cinco regiões participam da gênese da hipertensão? Qual a importância relativa de cada uma delas na emergência da hipertensão? E em quais cromossomos humanos encontram-se as regiões identificadas nos ratos? - porque se as regiões são muito parecidas (homólogas) entre uma espécie e outra, elas não estão, no entanto, nos mesmos lugares, ou melhor, nos mesmos cromossomos. Nos ratos, duas delas se encontram no cromossomo 2 e as
outras três estão nos cromossomas 4, 8 e 16. Nos homens, ainda não se sabe e há que procurá-las nos 23 pares de cromossomas da espécie. Encontrar os genes defeituosos é essencial para entender os vários sistemas de controle da pressão arterial, as razões das diferenças no comportamento desses sistemas mesmo em indivíduos igualmente hipertensos e, por fim, para estabelecer as práticas preventivas e terapêuticas mais adequadas para cada paciente. Afinal, cortar o sal da dieta, prática recomendada de forma genérica pelos médicos para todos os hipertensos, "ajuda somente 20% deles", diz Krieger, presidente da Academia Brasileira de Ciência, entre outros cargos. Há pessoas,
completa ele, em que a hipertensão nada tem a ver com a alimentação. Os genes que apresentam defeitos de que resulta a hipertensão não são necessariamente os mesmos em dois diferentes pacientes, ainda que tenham o mesmo nível pressório. "Não temos a ilusão de explicar a hipertensão por um único defeito genético': diz o professor José Eduardo Krieger, diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do lncor e filho do professor Eduardo Moacyr Krieger. Coordenador de toda a parte de genética da pesquisa, ele observa que em nenhum problema biológico complexo, ou mais precisamente, em nenhuma das doenças complexas que normalmente corres-
pondem a grandes linhas dos programas de saúde pública, caso de diabetes, câncer, asma, aterosclerose, epilepsia e esquizofrenia e outras, encontra-se um único gene responsável pelo mal. O que as explicam são defeitos em vários genes que, sob a influência de diferentes fatores ambientais, determinam as manifestações da doença': diz. Danos cumulativos: A hipertensão, que se caracteriza por uma elevação dos níveis de pressão arterial acima do limite de 140/90 milímetros de mercúrio, ou, como se diz comumente no Brasil, acima da medida de 14 por 9 (centímetros de mercúrio), "é uma matadora silenciosa", define Krieger pai, especialista em
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 27
fisiologia cardiovascular. Por longo tempo, o hipertenso não apresenta sintoma algum e, quando ele finalmente sente alguma coisa estranha, a doença já está em seu estágio mais avançado, já tem um longo tempo de ação e acumulou muitos danos para o organismo. A par do que representa de ameaça para cada paciente em particular, porque altera a fisiologia normal do coração, do cérebro e dos rins, tornando-se uma causa poderosa de enfarte do miocárdio, de acidente vas-
para controle da pressão e, em conseqüência, verificou-se uma redução significativa na ocorrência de derrames, insuficiência renal e enfartes resultantes da hipertensão. De qualquer sorte, um grande número de pacientes desenvolve essas complicações e a hipertensão permanece, assim, como um dos maiores fatores de risco da maior causa de morte no mundo atual, ou seja, as doenças cardiovasculares. Peneira genética: O estudo desenvolvido no lncor examina também como
(
cular-cerebral ("derrame") e de insuficiência renal, a hipertensão é um grave problema de saúde pública. Ela acomete, no Brasil, 20% da população adulta e nada menos que 50% dos idosos com mais de 60 anos, percentuais muito similares aos de grande parte dos países ocidentais. Na medida em que sua base genética ainda permanece desconhecida, não se pode falar em cura da hipertensão, e sim em controle ou em regulação da doença. De fato, os médicos tentam controlá-la reduzindo os níveis da pressão arterial, por meio de alteração dos hábitos do paciente e da administração de medicamentos. Nos últimos 20 anos, registrou-se um desenvolvimento notável dos fármacos 28 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP
os fatores ambientais (como estilo de vida, fumo, alimentação, sedentarismo e estresse) influenciam e determinam a hipertensão. Em outras palavras, busca-se estabelecer a natureza de sua interação com os determinantes genéticos no desencadeamento da doença e de suas complicações. Mas são mesmo os aspectos genéticos que constituem a parte mais fundamental e excitante da pesquisa. Nesse campo, o projeto desdobra-se por duas grandes vertentes. Na primeira vertente - a que resultou na identificação das regiões cromossômicas relacionadas com o aumento da pressão arterial dos ratos -, os pesquisadores trabalham com cruzamentos e caracterização fenotípica
das cobaias, e com a caracterização dos marcadores moleculares utilizados no processo de procura dos genes. Os marcadores são determinadas moléculas que "engancham" nas regiões cromossômicas alvo do estudo e por isso mesmo têm um papel informativo ou revelador daquilo que se procura. No caso, para os 21 pares de cromossomas das cobaias, os pesquisadores dispõem de um painel de 336 marcadores, cuja utilização tornou-se possível graças à colaboração do lncor com centros z de pesquisa norte-americanos ~ (Harvard e Medical College de ~ Wisconsin), particularmente o ~" laboratório do doutor Howard Jacob, que vem trabalhando intensamente no projeto genoma do rato. O cruzamento entre animais hipertensos e normotensos (com pressão arterial normal) visou à obtenção de netos, isto é, de uma segunda geração de animais cuja carga genética apresentasse uma distribuição aleatória dos genes de cada um dos dois tipos. E nas experiências com essa geração, os pesquisadores buscaram determinar com precisão, por meio de marcadores moleculares, que regiões cromossômicas aqueles netos que se tornaram hipertensos haviam herdado de seus avós hipertensos. Dessa forma, obteve-se o primeiro resultado significativo do projeto: a identificação das cinco regiões que podem guardar os segredos genéticos da hipertensão. A partir daí, o grande trabalho nos últimos três anos passou a ser substituir cada uma das regiões identificadas por uma região similar normal, ou seja, "construir" gerações seguidas de animais (processo chamado linhagem de ratos congênicos) até chegar ao desenvolvimento de um rato idêntico a seu ancestral hipertenso, exceto por uma região cromossômica proveniente do ancestral normotenso. Como se faz isso? Simplificando, quando se cruza um animal norma-
tenso com um hipertenso, obtém-se um descendente cuja carga genética é 50% resultante de um e 50% resultante do outro. Num processo de retrocruzamento, ou seja, tomando ba cardíaca leva no processo de esse descendente e fazendo seu cruDe maneira muito simplifienchimento é maior que o tempo zamento com o rato hipertenso, o cada, pode-se tentar explicar a gasto na ejeção do sangue (respressão arterial assim: quando o novo descendente terá 75% da carpectivamente, dois terços e um coração, que é uma bomba sofisga genética do hipertenso e 25% do normotenso. Repetindo-se sucessivaticada, ejeta o sangue para os vaterço do tempo entre um batimento e outro), mas mesmo asmente o mesmo processo, quer dizer sos (no movimento de sístole), e o acumula ali, a pressão artesim o fluxo sanguíneo na perifesempre tomando representantes de ria do corpo é constante e rial chega a seu ponto mais alto. uma nova geração e cruzando-os equilibrado. Para conseguir isso, No espaço entre este e o próxicom o velho hipertenso, em determio organismo conta com a resismo batimento, tempo em que o nada altura consegue-se um animal tência das arteríolas e a elasticicuja carga genética é 99,9% resultanventrículo está se enchendo com dade do sistema arterial, que o sangue que retorna das veias te do hipertenso e um quase nada é amortecem as flutuações de des(diástole), a pressão arterial cheproveniente do normotenso. Mas é carga da bomba cardíaca. ga a seu ponto mais baixo. Cujusto nesse "restinho" transferido do São muitos os fatores que normotenso que está uma chave prerioso é que o tempo que a bom. . interferem no comcwsa para se mvestigar de forma mais plexo equilíbrio desEsquema básico da pressão arterial se sistema, vital para profunda a relação o organismo, e que entre determinada Curva da pressão Pulsação cardíaca aparentemente está região cromossômino rmal bem quando o limite ca e as manifestaSístole . - Pressão sistólica máximo da pressão ções da hipertensão. (contração do músculo cardíaco) até 14 am/hg sistólica é 14 centímePorque não se tratros de mercúrio e, o ta de um restinho da diastólica, 9 centíqualquer, mas de metros de mercúrio. uma determinada região cromossômimáximo de sangue ca que os pesqmsadores escolheram a para mais uns cinco anos", priori e mantiveram diz José Eduardo Krieger. Diástole presente ao longo (distensão do músculo cardíaco) de todo o processo Sistemas de controle: A de linhagem. Como? segunda grande vertente "Nesse processo, nasdos estudos genéticos da Aorta com volume cem uns 100 ratos hipertensão desenvolvimínimo de sangue por geração. Estabedos pela equipe de KriePressão lecemos a tipologia ger vem utilizando um diastólica genética de todos e conjunto de ferramentas até 9 am/hg ____! escolhemos para os analíticas e sintéticas da novos cruzamentos biologia molecular para Com essa espécie de análise comsempre os que trazem a região que conhecer melhor os sistemas de binatória em marcha, a esperança nos interessa", explica José Eduardo controle da pressão arterial. "Acredidos pesquisadores é estabelecer, denKrieger. tamos que são alterações nas difetro de alguns meses, com rigor expeNesse percurso trabalhoso, os pesrentes vias que controlam a pressão rimental, qual ou quais das cinco requisadores já estão trabalhando com que levam o indivíduo a responder giões cromossômicas estão de fato a décima geração das linhagens refeinadequadamente aos estímulos implicadas com a doença. E, demonsrentes a cada uma das cinco regiões de ambientais, com o desenvolvimento trado isso, começar a caçada dentro interesse e Krieger comemora agora de patologias", resume José Eduardo de alguns milhões de bases existentes o fato de, em relação a duas delas, se Krieger. na região dos genes que interessam. ter obtido as linhagens desejadas e Um desses sistemas é o renina-an"Imaginamos que isso é trabalho que começarão a ser investigadas. giotensina, que participa de maneira
Uma bomba, um sistema de freios
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importante da homeostasia cardiovascular, ou seja, o equilíbrio normal da função cardiovascular. A angiotensina é uma substância formada na circulação pela renina secretada pelo rim, e admite-se hoje que é também gerada localmente nos vasos arteriais. Um dos componentes desse sistema é a enzima conversara de angiotensina (ECA), e os pesquisadores do Incor vêm testando, por meio de três abordagens diferentes, a hipótese de que ela seja um gene de suscetibilidade cardiovascular.
A primeira abordagem cuida de verificar como o gene liga e desliga nas mais diversas situações fisiológicas e patológicas, isto é, como ele é ativado e como é desativado, diminuindo, nesse caso, a síntese da ECA e influenciando, por conseqüência, a produção da substância ativa do sistema, a angiotensina II (num esquema rápido: o substrato, ou a grande proteína na base de tudo isso é o angiotensinogênio que, por ação da renina, converte-se em angiotensina I e que, por ação da ECA, converte-se em angiotensina II). Para observar o processo liga-desliga, os pesquisadores, primeiro, criam uma molécula recombinada, ligando a região promotora do gene da ECA 30 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
(os genes têm sempre uma região codificadora e outra promotora ou reguladora), onde estão suas seqüências regulatórias, a um gene repórter ou gene marcador - o escolhido tem sido a luciferase (encontrada no vagalume, por exemplo), cuja emissão de luz possiblita uma quantificação da atividade que se quer observar. Em seguida, a molécula recombinada é injetada em célula em cultura ou no ventrículo do rato - dessa forma, quando analisam-se as células ou tecido, uma maior ou menor emissão
ne da ECA que carregam - de zero a quatro cópias (configurando camundongos knock-out e knock-in). Verifica-se, por exemplo, qual o efeito de um determinado estímulo, como o exercício físico, no desenvolvimento da hipertrofia cardíaca (que está associada à hipertensão) em cada um dos grupos. A hipótese que está sendo testada é: um maior número de cópias do gene da ECA determina respostas mais graves - maior hipertrofia do músculo cardíaco, enfartes maiores, etc. Esses estudos estão sendo viabili~------. z zados graças à colaboração com ~ o laboratório do doutor Oliver f;l Smithier, na Universidade da :::> ~ Carolina do Norte, que produziu e cedeu os camundongos para o grupo brasileiro. A terceira abordagem, partindo do conhecimento de que na população humana encontram-se variantes genéticas funcionais que influenciam na atividade da ECA, tenta responder se naquelas pessoas em que esse gene é mais ativo as probabilidades de aparecimento de complicações cardiovasculares são mais elevadas. Essa parte do estudo vem sendo feita diretamente com pacientes do Incor, portadores de diferentes cardiopatias, dentro de um esforço para estratificar variantes genéticas e riscos da hipertensão e de luz é proporcional à atividade da outras patologias cardiovasculares. região regulatória do gene sob invesOs estudos fisiológicos feitos no tigação. Assim identificam-se as seIncor dentro do grande projeto sobre qüências regulatórias que trabalham hipertensão têm confirmado, por no sistema liga-desliga do gene. "Se testes sofisticados, algumas suspeitas essa seqüência for identificada, abrique os especialistas da área já tinham mos caminho para uma melhor comhá muito tempo. Um exemplo: a atipreensão do funcionamento do gene vidade física em ritmo intenso não da ECA e uma oportunidade para o altera os níveis de pressão e não traz, desenvolvimento de terapêuticas mais portanto, benefícios aos hipertensos. eficazes'; comenta José Eduardo Kreiger, O exercício moderado, sim, lhes é befugindo de uma conclusão taxativa néfico, porque diminui a atividade porque as pesquisas nesse campo ainsimpática- do sistema nervoso autôda não terminaram. nomo, um dos controladores da A segunda abordagem para decipressão arterial - para o coração, frar o sistema renina-angiotensina com repercussões positivas sobre o vem trabalhando com um estudo nível da pressão. Em outras palavras, comparativo entre animais idênticos, o exercício moderado melhora a exceto pelo número de cópias do geelasticidade das grandes artérias. Re-
gistre-se como curiosidade que filhos de pacientes hipertensos apresentam desde muito cedo, antes de começarem a apresentar pressão alta, um aumento das atividades simpáticas. Uma série de testes vem sendo feita no Incor para medição dessa atividade. Um deles é a microneuronografia, que consiste na implantação de uma agulha no nervo peronero para identificar as descargas do sistema simpático. Um outro teste é mergulhar a mão em água gelada por 1O segundos. Um terceiro consiste em estudos do endotério, que libera substâncias vasodilatadoras. São exemplos, segundo José Eduardo Krieger, de como o estudo da fisiologia humana se tornou realidade, porque antes essas técnicas só podiam ser usadas com animais de laboratório. Com o trabalho percorrendo diferentes abordagens, o que José Eduardo Krieger destaca, no entanto, é que em doenças complexas a informação de um só marcador nunca é suficien-
PERFIS
te. "É por isso que estamos investigando simultaneamente nos indivíduos variantes da ECA e angiotensinogênio e, no futuro, esperamos fazer uma análise combinatória que leve em consideração os diferentes componentes do metabolismo de lípides e cascata de coagulação sanguínea." Segundo o jovem Krieger, isso permitirá uma estratificação da genética de cada indivíduo, uma percepção das variantes que podem levar a determinado fenótipo e, daí, a uma avaliação de risco com precisão. "Só assim teremos uma medicina cada vez mais preventiva e, quando ela precisar ser curativa, o será com • grande precisão e eficácia."
• EDUARDO MOACYR KRIEGER, gaúcho, fisiologista, 71 anos, é um dos maiores especialistas brasileiros em hipertensão. Presidente da Academia Brasileira de Ciências, dirige a Unidade de Hipertensão do Incor e é professor aposentado, desde 1985, da Medicina da USP de Ribeirão Preto. Krieger é um dos três fundadores e editores da revista Brazilian Journal of Medical and Biological Research. Publicou mais de 120 trabalhos científicos em revistas internacionais. • Jose EDUARDO KRIEGER, 39 anos, é médico formado pela USP de Ribeirão Preto, PhD em Fisiologia pelo Medical College of Wisconsin e pós-doutorado em Biologia Molecular nas universidades de Harvard e Stanford. É livre-docente do Departamento de Clínica Médica da FM-USP e diretor do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular do lncor. Publicou 21 trabalhos científicos em revistas internacionais. Projeto: Bases Fisiológicas da Hipertensão: Estudo Integrado Investimento: US$ 542,4 mil e R$ 236,2 mil
As chances do Brasil na pesquisa mundial A pesquisa sobre hipertensão já atravessa décadas, mas a determinação de todos os genes responsáveis por ela ainda parece distante. Nesse sentido, as duas descobertas mais importantes foram a descrição do angiotensinogênio como gene implicado com a hipertensão, em 1992, e a identificação, em 1991, de uma região no cromossoma 10 do rato, mais tarde encontrada no cromossoma 16 do homem, como locus onde se encontra um gene (talvez, genes) também ligado ao problema. A descoberta de 1992 foi feita pela equipe do francês Pierre
Curvol, do Colege de France. A outra corresponde a resultados obtidos pelo grupo, também francês, de M. Lathrop, do Inserm, em conjunto com as equipes de Victor Dzau, da Universidade de Harvard, e de Erick Lander, do MIT. No ambiente de pesqmsa da hipertensão, com especialistas dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Canadá, Austrália e Japão, o Brasil não faz feio. Desenvolve pesquisa qualitativamente avançada- falta quantidade, problema que, os especialistas apostam, será minorado com os resultados do programa Genoma-
FAPESP. Afora o Incor, o grupo de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina investiga as bases genéticas da hipertensão. E muitos grupos paulistas e de outros Estados brasileiros fazem pesquisa experimental de aspectos variados da hipertensão. Aliás, vale não esquecer que o Brasil, em meados dos 60, deu uma contribuição fundamental à pesquisa de doenças cardiovasculares: o BPF, fator de potenciação de bradicinina, molécula descoberta por Sérgio Ferreira, que deu origem ao captopril, remédio usado no mundo para as mais diversas doenças cardiovasculares.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 31
CIÊNCIA
AMBIENTE
Fim do mistério Há muito mercúrio natural no Rio Negro, sem relação com o garimpo ma pesquisa realizada entre setembro de 1995 e janeiro pasU sado na bacia do Rio Negro, na Amazônia, desfaz a conexão tradicional entre contaminação de populações ribeirinhas por mercúrio e atividade garimpeira. O garimpo utiliza o mercúrio para amalgamar o ouro, especialmente em baixos teores, e assim viabilizar a atividade, num processo que afeta todo o ecossistema. No Rio Negro e seus afluentes de águas pretas, no entanto, a alta concentração deste mineral deve-se a emanações naturais do solo em interação com complexos processos naturais, como a ação fotoquímica da luz solar. O que os pesquisadores definem como efeito redox inibe a volatilização do mercúrio em corpos de água preta, ricos em matéria orgânica e com baixo pH. Essa inibição torna esses corpos d'água ricos em teores de mercúrio, a exemplo do que ocorre em regiões afetadas pela industrialização. O trabalho Química Aquática do Mercúrio no Rio Negro: Importância da Luz Solar nos Processos Redox, coordenado pelo professor Wilson de Figueiredo Jardim, do Laboratório de Química Ambiental do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), com participação de investigadores científicos de outras entidades nacionais, permitiu que um dos pesquisadores, diretamente envolvido com as investigações, Pedro Sérgio Fadini, obtivesse seu título de doutorado naquela universidade. Se de um lado a pesquisa, que recebeu um auxílio da FAPESP de R$ 36,2 mil, possibilitou novos conheci32 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
mentos sobre a dinâmica do mercúrio nos 700 mil km 2 da bacia do Rio Negro, de outro, estimula investigações complementares. Essas pesquisas adicionais devem responder por que populações com alto teor de mercúrio no organismo não desenvolveram sintomas clássicos dessa intoxicação com essas substâncias, como perda de visão periférica e tremores no corpo, avalia Jardim, que também foi o orientador da tese de doutorado.
Rio Negro, no Amazonas: quantidades espantosas de mercúrio, que se acumula nos peixes e nos moradores da região
Amostras de cabelos: As pesquisas
envolvendo o mercúrio na bacia do Rio Negro, uma área equivalente a um sexto de toda a Amazônia Legal, tiveram como ponto de partida um levantamento feito no início da década pelo pesquisador Bruce Forsberg, do Instituto Nacional da Pesquisas éia Amazônia (Inpa), de Manaus. O levantamento de Forsberg mostrou concentrações elevadas de mercúrio em amostras de cabelo de populações ribeirinhas, numa média de 75 miligramas por quilo, mas atingindo até 171 miligramas por quilo. A concentração limite em cabelos está estabelecida em 10 miligramas por quilo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A partir de 30 mg/kg, a pessoa começa a exibir sintomas da contaminação. Forsberg e seus colaboradores também detectaram concentrações elevadas de mercúrio no organismo de peixes predadores típicos da Amazônia, como o tucunaré. Esse trabalho pioneiro foi justificado pela intenção demonstrada pela Cooperativa dos Garimpeiros da Amazônia (Coo-
gam) de envolver-se com a extração do ouro no Vale do Rio Negro. O desejo de Forsberg, neste caso, era montar um banco de dados de referência envolvendo os teores de mercúrio distribuídos na região antes da eventual ocorrência dessa ação antrópica e localizada. As altas concentrações detectadas por essa primeira pesquisa numa região onde até então o garimpo era reprimido levaram a Unicamp a interessar-se pelo estudo, apoiada pela FAPESP, justifica Jardim. Foi quando começou o trabalho que, ao final de quase quatro anos, reformulou metodologias científicas, detectou processos naturais de contenção do mercúrio em rios de águas pretas como o Negro, estabeleceu novos parâmetros para a discussão da contaminação mercurial, demonstrou o risco de se praticar o garimpo com uso desse metal e também apontou para a necessidade de novas pesquisas, na área médica, capazes de explicar a inibição dos sintomas de intoxicação.
coluna d'água e conseqüentemente na biota, descobriram os autores deste estudo.
Antes deste trabalho realizado pela Unicamp, aceitava-se a associação única e direta entre garimpo com uso de mercúrio e altas concentrações desse poluente no ambiente, especialmente no organismo de populações ribeirinhas, pois o mercúrio tem efeito cumulativo e sua concentração ocorre principalmente pela cadeia alimentar. A partir do paradoxo determinado pela equipe de Forsberg, os trabalhos conduzi-
dos sob a direção de Jardim mostraram que os solos da bacia do Rio Negro - que ao desaguar no Solimões, na altura de Manaus, forma o Rio Amazonas- são ricos neste mineral. A liberação constante desses estoques naturais, especialmente estimulada por processos de cheia e vazante da bacia, além da atuação da fotoquímica solar, intensa na região, são os responsáveis pelas elevadas concentrações de mercúrio na
Estoques naturais: Escavações realizadas a até um metro de profundidade em diferentes pontos da área investigada pelo trabalho conduzido por Jardim indicaram teores de mercúrio que, levando em conta a área de 700 mil km 2 da bacia do Rio Negro, somam uma disponibilidade natural de 126 mil toneladas de mercúrio na região estudada. Esses índices, consideram Fadini e Jardim, são incompatíveis com o aporte trazido pelo garimpo na Amazônia, estimado entre um mínimo de 4,6 a um máximo de 6,7 toneladas/ano. Medições atmosféricas realizadas também a um metro do solo permitiram estabelecer um estoque de mercúrio na atmosfera da região de 10,8 toneladas, enquanto um ciclo complexo do metal no ambiente, com influência especialmente da radiação solar, permitiu estimar uma deposição anual de 14 toneladas/ano de mercúrio sobre a região. Considerando-se ainda o teor do metal presente nas águas do Negro, com uma descarga de 29 mil m 3 por segundo no Solimões, os pesquisadores estabeleceram uma exportação anual de mercúrio, apenas pelo Rio Negro, de 4,1 toneladas/ano. Esse total é quase equivalente ao aporte mínimo considerado para a atividade garimpeira e assim também não pode ser justificado apenas por essa intervenção humana. O mercúrio está presente no ambiente a partir de liberações naturais como vulcanismo, volatilização de corpos aquáticos e emanações da crosta terrestre. A forma dominante desse mineral na atmosfera é a gasosa, onde, segundo Fadini, é pouco solúvel em água. Essa característica, de acordo com o pesquisador, "implica um tempo de residência relativamente longo", estimado em um ano. A velocidade com que esse elemento é removido da atmosfera para depositar-se sobre o solo ou nas águas depende de vários processos físico-quíPESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 33
utilizados como preservantes em grãos na Europa e América do Norte". Esses grãos, consumidos por pássaros e pequenos mamíferos, atingiram predadores maiores como águias, falcões e corujas. Mas a contaminação não ficou apenas nos animais. Ainda nos anos 60, agricultores e seus familiares que consumiram grãos tratados com fungicidas à base de metil e etilmercúrio, especialmente pelo consumo de pão caseiro, também foram afetados. Apenas no Iraque, os dados demonstram que 6 mil pessoas morreram vítimas desse tipo de intoxicação no início da década de 70. Como resultado desses g acidentes, os governos comeFadini (esq.) e Jardim: estudo das O ciclo do mercúrio na bacia do Rio Negro . origens e das conseqüências do acúmulo ~ çaram a controlar as emisde mercúrio na bacia do Rio Negro ~ sões do mercúrio decorren"' tes da ação do homem. Com DISPO SI ÃOATMOSFÉRICA = 14 tano· l base no levantamento de vámicos que o confinam no estado gaAPORTE DE ESTOQUE ATMOSFÉRICO = 10,8 t GARIMPOS: soso ou particulado. rios autores, Fadini sustenta 4,6 a 6,7 t ano· TEMPO DE RES I ST~NC I A NA ATMOS FERA ;::; 0,8 ano Na água, o metal sofre modificaque as emissões de mercúrio na atmosfera caíram de ções físico-químicas e fotoquímicas provocadas por processos bióticos 10 mil a 30 mil toneladasou abióticos. E uma das descoberano na década de 70 para tas interessantes, interpreta Jardim, apenas 1 mil a 6 mil na dé"foi justamente estabelecer que, nas cada seguinte. Em casos de águas pretas, como é o caso do Rio intoxicação pelo metilmerNegro, um processo físico-químico cúrio, as investigações deESTOQUE NO PRIMEIRO METRO DE SOLOS = 126.000 t deflagrado por mecanismos fotomonstraram que a vida intraquímicos cria uma contenção que uterina é a mais sensível, EXPORTAÇÃO FLUVIAL= 4,1t ano· I inibe a volatilização do mercúrio, produzindo deformações impedindo que ele atinja a atmosferesultantes do que pode ser uma interferência dessa substância ra e se espalhe por via aérea". Nas O risco ambiental representado nos processos de divisão celular. Nas águas claras de rios como o Branco e pelo mercúrio começou a despertar intoxicações severas do feto, deo Solimões, onde a concentração de atenção nos anos 60, especialmente monstra Fadini, "relatos apontam pamatéria orgânica é menor, esse procom a contaminação da Baía de Micesso não se manifesta, avaliam os ra problemas neurológicos graves, namata, no Japão, onde uma indúsinclusive com má formação cefálica". pesquisadores. O resultado disso, é tria, a Chisso, que utilizava esse meAí emerge um segundo paradoxo que os corpos de água preta, caso do tal como catalisador, atirou com Rio Negro, são mais ricos em merdo mercúrio na região estudada. Se displicência, durante anos, resíduos cúrio. Daí a maior contaminação da a análise de cabelos de populações do metilmercúrio nas águas. Essa é a fauna aquática e da população ribeiribeirinhas aponta para elevados ínforma química mais tóxica do merrinha local. dices de contaminação, o que explicúrio. A intoxicação, que ficou coca que eles não tenham desenvolAs contribuições do ser humano nhecida como Doença de Minamapara a concentração de mercúrio no vidos os sintomas esperados, como ta, afetou pelo menos 2.252 pessoas, ambiente, localiza Fadini, "começaperda da visão periférica e tremores com 1.043 mortes. ram com a Revolução Industrial, quansemelhantes aos produzidos pela malária? Os pesquisadores entendem do o metal começou a ser usado para Efeitos ambientais: Em seguida ao que essa resposta só pode ser dada a produção de produtos como lâmacidente de Minamata, mostra Fadipadas, baterias, termômetros, barôpor uma pesquisa complementar. ni em sua tese de doutorado, "seguimetros e ainda com emprego na proAdmitem que alguns casos podem ram-se constatações de biomagnifidução de pesticidas e tintas". ser simplesmente confundidos com cação de fungicidas mercuriais ·;;;
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a malária. Mas aceitam também que isso possa estar relacionado às elevadas quantidades de selênio, elemento presente na castanha-do-pará, que integra a dieta alimentar da população local. "O selênio pode estar por trás dessa inibição, ou pode estar ocorrendo até mesmo um processo de adaptação por tolerância ao mercúrio", considera Jardim. Ocupação do solo: O trabalho pio-
neiro de Forsberg, segundo Fadini, já encontrou concentrações de mercúrio em peixes do Rio Negro e seus tributários bem maiores que as detectadas em rios de outras regiões amazônicas. Exemplares coletados no Rio Negro demonstraram até 2,63 miligramas de mercúrio por quilo, em oposição ao máximo de 0,71 miligrama por quilo de coletas feitas em regiões distintas e isentas de garimpo. No Brasil, o limite de tolerância estabelecido para o mercúrio é de 0,5 miligrama por quilo. Essas altas taxas de mercúrio em peixes do Rio Negro são semelhantes às registradas em áreas antigas de garimpo e com problemas crônicos de contaminação por mercúrio, compara Jardim. O perfil vertical (escavações) da distribuição do mercúrio ao longo dos testemunhos dos sedimentos de lagos estudados sugere que atualmente as taxas de acumulação do metal na Amazônia são maiores que no passado. Isto está sendo avaliado em parceria com uma equipe liderada pelo professor Antonio Mozeto, da Universidade Federal de São Carlos, que está realizando trabalhos de datação dos sedimentos. As primeiras evidências, no entanto, avalia Fadini, "sugerem que o mercúrio realmente apresenta um ciclo global e que o incremento das deposições atmosféricas em função da industrialização já detectado em lugares remotos de outras regiões do mundo pode também estar acontecendo na Amazônia': O pesquisador também não descarta a possibilidade de que, na Amazônia, a liberação do mercúrio de origem natural possa estar au-
mentando em conseqüência da intensificação de usos e ocupação dos solos da região. Assim, do ponto de vista ambiental, o problema desloca-se do garimpo para o desmatamento, queimada ou criação de pastagens de maneira indiscriminada. Contribuição científica: Os pesquisadores avaliam que o trabalho que realizaram traz uma série de contribuições à percepção da dinâmica ambiental na bacia do Rio Negro. Avaliam, por exemplo, que os teores de mercúrio encontrados sugerem um cuidado para qualquer aparte adicional desse minério na região, o que, em princípio, inibe qualquer ini-
posta é a implantação de um programa de educação ambiental para esclarecer a população dos riscos de contaminação por mercúrio e da conveniência de se preferir peixes não predadores, especialmente para consumo por mulheres grávidas. A médio e longo prazos, sugere-se um plano de gerenciamento da região para determinar o uso e ocupação mais conveniente para o solo e demarcar a intensidade e extensão das atividades extrativistas. • PERFIS: • WILSON DE FIGUEIREDO JARDIM tem 45 anos, graduou-se em Quí-
Os instrumentos de pesquisa: formas de conter o impacto ambiental
ciativa ligada ao garimpo do ouro. Além disso, as atividades que implicam a remoção de cobertura vegetal, queimada de floresta e perturbação das margens do Negro e seu sistema de afluentes, com aumento do assoreamento, devem ser evitadas. Os pesquisadores também sugerem iniciativas e pesquisas complementares capazes de minimizar o impacto dos elevados teores naturais de mercúrio no ambiente regional. Neste caso está incluído diagnóstico mais detalhado da extensão da contaminação pela análise de amostras de cabelo. Eles defendem ainda o incentivo a técnicas agrícolas capazes de estimular uma diversidade agrícola para a ampliação da dieta alimentar. Outra iniciativa pro-
mica na Universidade Federal de São Carlos e fez o doutorado na Universidade de Liverpool, Inglaterra. É professor do Departamento de Química Ambiental do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desde 1985. • PEDRO SÉRGIO FADINI graduou-se em Química na Universidade Federal de São Carlos e fez mestrado e doutorado na Unicamp. É professor do Instituto de Ciências Biológicas e Química da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Projeto: A Química Aquática do Mercúrio no Rio Negro: Importância da Luz Solar nos Projetas Redox
Investimento: R$ 36.207,09 PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 35
TECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Controle cerrado Unicamp desenvolve software de controle de processos industriais s grandes empresas químicas A brasileiras têm um problema em comum. Para manter a competitividade e produzir com baixos custos, otimizar a produtividade e aumentar a segurança, os processos precisam trabalhar com a maior eficiência possível. Sem isso, os custos se elevam e a empresa perde poder de concorrência no mercado. Para tanto, as plantas são controladas por programas de computador. Não são softwares comuns. Aplicam, por exemplo, várias técnicas de controle avançado e otimização em tempo real. Adaptam-se a diversas situações e quantidades de material. Normalmente, a estrutura atual das empresas não comportaria manter um departamento apenas para desenvolver e produzir esses softwares. De fato, pelas dificuldades de desenvolvimento, eles são comprados de terceiros. Todos os fornecedores são estrangeiros e só fornecem o material na forma de pacotes fechados, fornecendo também o treinamento do pessoal que vai operar o software, assim como sua manutenção. Os programas desse tipo exigem ajustes periódicos. É preciso fazer regularmente uma análise dinâmica, para definir as variáveis mais importantes do sistema. Normalmente, o ajuste dos parâmetros também fica com o fornecedor do software, o que toma a transferência de tecnologia um processo extremamente marginal e de difícil execução. Resultado: custo muito alto e dependência tecnológica. Isso pode estar mudando. Um software desse tipo já foi criado na Faculdade de Enge36 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP
nharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em um projeto de inovação tecnológica da FAPESP e Rhodia. Ele foi testado e mostrou ser eficiente nas instalações da empresa Rhodia S.A., em Paulínia, operando um reator de hidrogenação de fenol. O projeto, que tem o título Otimização e Controle Avançado do Reatar de Ciclo-Hexanol da Usina Química de Paulínia - Rhodia, está
da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp. Foi um trabalho complexo. Para se ter uma idéia de suas características, o valor do software desenvolvido no projeto é estimado em R$ 1,5 milhão. O software da parceria UnicampRhodia foi desenvolvido para trabalhar em reatores trifásicos, como o reator de ciclo-hexanol de Paulínia. Nele, o fenol é convertido em ciclohexanol por meio de uma reação de hidrogenação em meio multifásico. O reator é permanentemente alimentado por uma corrente de água e outra de reciclo, com catalisador. O controle da temperatura é feito por um fluido de refrigeração, pois as reações
Rubens Maciel Filho: formando Recursos Humanos em área de dependência tecnológica
sendo realizado no âmbito do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP. Os investimentos na pesquisa totalizam R$ 366,4 mil e ainda um aporte deUS$ 20 mil. A Rhodia S.A. está entrando com R$ 340,6 mil e a FAPESP com o restante. Área carente: "O desenvolvimento de um software desse nível ajuda a formar recursos humanos, na universidade e na empresa, em uma área bastante carente no Brasil, onde há enorme dependência tecnológica", comenta o coordenador do projeto, o professor Rubens Maciel Filho, diretor do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (Lopca) e do Departamento de Processos Químicos
liberam calor. É importante que todo o fenol que entra na reação seja convertido no produto desejado. Do contrário, a economia e a segurança do processo ficam comprometidas. "O processo é multivariável", explica Maciel Filho. A produção de ciclo-hexanol ocorre num reator de grande porte. O volume de produto processado diariamente pode chegar a algumas dezenas de toneladas. Há diversas variáveis operacionais, que podem ser controladas separada ou simultaneamente. "O processo é fortemente não-linear, com complexos fenômenos de transferência de calor e de massa", prossegue o professor. "Somando-se a isso as características multivariáveis, temos um problema
TECNOLOGIA
desafiante e complicado para a implementação de técnicas de controle avançado e otimização em tempo real." A utilidade do software é especialmente importante na indústria química. Mas suas aplicações não param por aí. Ele pode ser usado em diversas indústrias com processos contínuos de produção. Maciel Filho dá como exemplos os reatores de leito fixo para a produção de anidrido maleico; reatores de hidrogenação para a produção de margarina e creme vegetal; indústrias de craqueamento ou quebra de moléculas do petróleo, por meio de processos catalíticos ou térmicos; indústrias de produção de etanol; e fabricação de penicilina por processo fermentativo. O software desenvolvido na Unicamp tem inclusive algumas vantagens com relação aos similares estrangeiros. Em sua versão adaptativa, é possível encontrar os melhores parâmetros do controlador para chegar a finalidades específicas, dentro do processo, sem a necessidade de interferência humana. O acoplamento com algoritmos, conjuntos de regras expressas sob formas matemáticas para a realização de funções com vistas a um objetivo, facilita a análise dinâmica. E, como se trata de um software aberto, o usuário compreende todos os procedimentos de cálculos. "Isso possibilita a qualificação do pessoal envolvido no trabalho", destaca o professor Maciel. Desde o início dos trabalhos, em fevereiro de 1995, o software passou por seis etapas. Na primeira, foi feita a modelagem dos processos, por meio de modelos matemáticos determinísticos. Na segunda, foi feita a validação dos modelos com os dados industriais. Seguiram-se o desenvolvimento dos algoritmos de controle avançado, o teste de desempenho por simulação e a implementação e teste de desempenho no processo real. A última é o desenvolvimento dos algoritmos de otimização, para a busca das condições ótimas de produção. Os relatórios finais de prestação de contas deverão ser entregues em fe-
vereiro. O software está sendo devidamente preparado para ser registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI).
Margarina e pen icilina:
O projeto foi retomado na terceira semana de outubro, depois de uma interrupção que se seguiu ao pré-teste, em maio, na unidade da Rhodia em Paulínia. O engenheiro Alexandre Tresmondi, da Rhodia, encarregado da continuação do desenvolvimento do processo, vê várias possibilidades para o futuro, inclusive a automatização de algumas operações hoje feitas manualmente na fábrica. Ele diz que, a partir dos modelos matemáticos desenvolvidos pela Unicamp e dos dados industriais, será feito um estudo para a colocação em prática de melhorias no processo e a introdução do controle avançado no reator. Maciel Filho, por outro lado, informa que conhecimentos adquiridos com o projeto do software já levaram a colaborações com outras empresas, como a Copene Petroquímica do Nordeste, de Camaçari, perto de Salvador, e a trabalhos em outros processos na Rhodia. Com a Copene, a maior empresa petroquímica da América do Sul, a parceria envolve a implementação de controles avançados, testes de desempenho, desenvolvimento de modelos matemáticos e acoplar mento com técnicas de otimização para planejamento de produção em vários processos químicos. • Modelos mat emáticos:
ALIMENTOS
Argila no refino de óleos vegetais Novo método não utiliza água e reduz impacto ambiental s indústrias de óleos vegetais poderão contar em breve com uma alternativa ao método tradicional empregado na etapa básica do processamento dos grãos, o refino, que dispensa o uso de água e evita a formação de efluentes. Atualmente, usa-se um litro de água para cada dez de óleo. Por dia, correm pelas empresas pelo menos 20 toneladas de água de lavagem, que contém sabões e resíduos de óleo, depois separados por uma centrífuga, com intenso consumo de eletricidade. A água pode ser reaproveitada algumas vezes, mas depois de perder seu poder de filtragem deve ser descartada e devolvida à natureza, devidamente tratada. Há um ano e meio, o engenheiro químico Daniel Barrera-Arellano, da Faculdade de Engenharia de Alimen-
A
PERFIL: • RuBENS MACIEL FILHO, 41 anos, é graduado em engenharia química pela Universidade Federal de São Carlos. Fez mestrado e doutorado na mesma área, respectivamente na Universidade Estadual de Campinas e Universidade de Leeds, na Inglaterra. É professor titular da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp. Projeto: Otimização e Controle Avançado do Reatar de Ciclo-Hexanol da Usina Química de Paulínia- Rhodia Investimento: R$ 25,8 mil e US$ 20 mil, da FAPESP, e R$ 340,6 mil da Rhodia S.A.
Barrera-Arellano: testes em planta pi loto, no laborató rio PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 37
tos (FEA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), perguntouse se tanta água seria mesmo indispensável. Por fim, conseguiu desenvolver um método que a dispensa por completo. Sua pesquisa recém-concluída Refino a Seco de Óleos Vegetais, que contou com um financiamento da FAPESP no valor de R$ 17.383, mostrou que é tecnicamente viável substituir a água por um tipo de argila conhecida como silicato. O resultado é um processo de refino mais simples, de menor impacto ambiental, que em laboratório, segundo o pesquisador, conduz a um óleo que tem se mostrado idêntico ao processado nas indústrias, com o processo convencional. Barrera-Arellano sabe que os resultados obtidos, embora satisfatórios, ainda não são suficientes para motivar novos investimentos do setor que movimentou US$ 4,7 bilhões apenas em exportações no ano passado, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). As indústrias do setor devem este ano esmagar cerca de 22 milhões de toneladas de soja e produzir cerca de 4 milhões de toneladas de óleo, mantendo o Brasil como segundo maior exportador de grãos e de óleo. Dada a dimensão desse mercado, o pesquisador empenha-se no momento na realização de testes de uma planta piloto, construída no próprio laboratório, e na da viabilidade econômica do processo. As etapas: Inicialmente, o silicato, de
preferência o silicato de alumínio, uma espécie de argila natural, sofre um tratamento térmico, para eliminar suas impurezas e melhorar as propriedades químicas do produto. Depois, é mergulhado em uma solução, para ser impregnado com hidróxido de sódio (NaOH), a soda cáustica, que mais tarde é liberada no óleo vegetal. O silicato impregnado com hidróxido de sódio é então particulado e pulverizado. Num reator sob vácuo e agitação a 70° Celsius, é adicionado ao óleo degomado, assim chamado porque dele foram extraídas apenas as gomas ou fosfolípides, também chamadas de lecitinas. Essa é a maté38 • OUTUBRO DE 1999 • PESQUISA FAPESP
compostos voláteis que provocam o indesejado ranço e assegura um produto muito mais estável, com vida útil prolongada e cheiro suave. Pronto: aí está o óleo refinado. As diferenças: O silicato de alumínio
Estudo com soja vale para girassol, canola e algodão
ria-prima com a qual as refinadoras trabalham. Barrera-Arellano conta que as partículas de silicato impregnadas com hidróxido de sódio reagem com um dos componentes do óleo degomado, os ácidos graxos livres, na primeira etapa do refino. Formam-se os compostos químicos classificados como sabões, que se ligam ao silicato num processo conhecido como adsorção. Adsorver, lembra o pesquisador, é diferente de absorver. "Uma esponja absorve água, mas quando a esprememos a água sai facilmente, enquanto na adsorção os compostos ficam presos a outro material." A etapa seguinte é a filtração, que separa o óleo do silicato. Como ainda restam resíduos de sabão no óleo, o processo inclui um cuidado adicional, a clarificação, em que são adicionadas ao óleo duas espécies de argila. Uma delas é a argila clarificante, utilizada também no processo convencional de refino para a retirada de pigmentos. A outra é um adsorvedor de sabões, outra argila industrial comercializada no mercado, que retira os resíduos restantes. Em seguida, uma nova filtração separa o óleo das argilas. Por fim, é a vez da desodorização do óleo, como no processo convencional, com um tratamento térmico, sob vácuo, que elimina os
termicamente ativado funciona como suporte para o hidróxido de sódio, também utilizado no método convencional, mas em uma solução aquosa. Outra diferença: pelas técnicas atuais, os sabões que se formam pela reação do hidróxido de sódio com os ácidos graxos livres do óleo são retirados por meio de uma ou duas lavagens, que consomem dez litros de água para cada 100 de óleo a ser refinado. Depois, uma centrífuga separa o óleo da água com sabões. "O refino a seco tem uma filtração a mais, mas elimina as duas lavagens e a centrifugação': diz Barrera-Arellano. "Desse modo, não utilizamos água e eliminamos os efluentes." Barrera-Arellano trabalhou com óleo de soja, o ~1ais utilizado como alimento no Brasil. Mas o processo de refino a seco pode ser utilizado para qualquer outro óleo comestível, especialmente os de girassol, canola e algodão, quimicamente similares ao de soja. Os ganhos científicos também podem ser avaliados facilmente. O pesquisador pretende encaminhar dois pedidos de patente ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI ), uma sobre a impregnação do silicato com hidróxido de sódio e outro sobre as modificações no proces• so de refino. PERFIL • DAN IEL BARRERA-ARELLANO, engenheiro bioquímico, 46 anos, nasceu no México, onde graduou-se pelo Instituto Tecnológico e de Estudos Superiores de Monterrey. Fez mestrado e doutorado na FEA (Unicamp) e pós-doutorado no Instituto de la Grasa, Sevilla, Espanha. É professor da FEA/Unicamp desde 1988. Projeto: Refino a Seco de Óleos Vegetais Investimento: R$ 17.383,00
TECNOLOGIA
tem 670 m', 370 m' a mais que o anterior chamado de "Operações Unitárias e Processos Químicos". A adequação e montagem desse espaço de 670 m' fez parte do Programa de Infra-Estrutura da FAPESP. O montante gasto foi de R$ 170 mil na adaptação do prédio. •
Síncrotron faz relatório O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) editou o Activity Report, um compêndio com 177 trabalhos científicos realizados desde o início das atividades do laboratório, em julho de 1997. São artigos resumidos, nas áreas de Biologia Molecular Estrutural, Ciência dos Materiais, Química, Física, Ciência Ambiental, Geociências e Instrumentação Científica para Aplicação de Luz Síncrotron. Pesquisadores interessados no relatório podem solicitar um exemplar pelo e-mail isis@lnls.br. •
Capital da tecnologia A cidade de São Carlos mostrou mais uma vez por que possui o slogan "Capital da Tecnologia". Durante o mês de outubro, ela sediou a Oktobertech 99, um verdadeiro festival onde são realizados, anualmente, diversos eventos nas áreas de ciência e tecnologia, empresas e negócios, educação, cultura e cidadania. A promoção é da Fundação ParTec São Carlos em parceria com mais de 50 instituições. Um dos eventos mais importantes foi a XIII Feira de Alta Tecnologia de São Carlos (Fealtec), realizada entre os dias 13 e 17 de outubro. A FAPESP esteve presente com um estande de 18m' e contou com uma palestra do professor Edgar Zanotto, assessor da Fundação, sobre programas de inovação tecnológica. Outro destaque deste ano foi a inauguração do Centro de
Livro mostra pesqu isas com luz síncrotron
Modernização Empresarial que vai fornecer infra-estrutura laboratorial, principalmente para pequenas empresas nas áreas de cerâmica e prototipagem - equipamentos para desenhar e moldar um produto de plástico- com serviços de treinamento, design, certificação e plotagem. •
Laboratório de partículas O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) inaugurou em outubro o Laboratório de Tecnologia de Partículas (LTP). Oito pesquisadores e dez bolsistas já estão trabalhando para desenvolver, no país, a transformação microscópica de partículas substâncias sólidas com ordem de tamanho entre milímetro e mícrons - que necessitem de alteração em
caraterísticas como pureza, tamanho, resistência mecânica, porosidade e na forma dos cristais. O LTP também está desenvolvendo pesquisas na área de microencapsulação de substâncias biológicas e químicas. Com esse procedimento, remédios ou suplementos alimentares resistem melhor ao meio ácido do estômago e são absorvidos pelo intestino com mais sucesso. Além da microencapsulação, o laboratório estuda métodos de cristalização para sintetizar e purificar materiais para as indústrias farmacêutica, biotecnológica, química e petroquímica. "Nossa idéia é dominar a área de conhecimento de tecnologia de partículas para dar suporte às empresas brasileiras", afirma Maria Inês Ré, coordenadora do LTP. O novo laboratório faz parte do Agrupamento de Processos Químicos do IPT. Ele
Part ícula cristalizada (esq.) e partícula de cobre
Registro de parcerias A cooperação entre institutos de pesquisas e empresas privadas está resultando em vários casos de sucesso em todo o país. Para mostrar a dimensão desse crescente tipo de parceria, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), por meio do Instituto Euvaldo Lodi, e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) elaboraram um cadastro com 198 casos em que empresários e pesquisadores trabalharam lado a lado na confecção de um produto ou um sistema inovador. Do total, foram escolhidos 58 para compor um livro que descreve os resultados das pesquisas e traz os perfis dos institutos e das empresas. Também foram elaborados um CD-Rom com 23 pesquisas e duas fitas de vídeo que mostram a importância da transferência de tecnologia das universidades para as indústrias. Cinco mil kits já foram distribuídos para universidades, institutos de pesquisa e associações de empresas de todo o país. O Instituto Euvaldo Lodi está aceitando inscrições de novos trabalhos para a edição do próximo ano, no si te www. cni.iel.org.br/programas. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1999 • 39
HUMANIDADES
Índia Asuriní prepara cerâmica: tarefa exclusiva das mulheres
ETNOARQUEOLOGIA
A tecnologia ditada pelo coração Índios do Xingu definem seus processos técnicos por razões simbólicas amos imaginar que todos os
V registras tenham desaparecido e que, daqui a alguns séculos, um ar-
queólogo pesquisa as ruínas do local onde se erguia, no fim do século 20, a aldeia dos índios Asuriní, no Rio Xingu, perto de Altamira, no sul do Pará. Provavelmente, ele vai estranhar o aparecimento de certo tipo de cerâmica com uma freqüência muito maior entre os restos deixados pelo grupo. Nada demais. As mulheres Asuriní acreditam, piamente, que o mingau de milho que cozinham na época da colheita do cereal, em março e abril, não fica gostoso se for prepa40 • OUTUBRO OE 1999 • PESQUISA FAPESP
rado em panelas velhas. Assim, todos os anos, dedicam-se afanosament~ a preparar novas panelas de barro para garantir o sabor do alimento do grupo, enquanto as panelas do ano anterior são desprezadas e vão parar no lixo. Como esse costume não é aplicado a outros tipos de cerâmica usados pelo Asuriní, não é de se admirar que apareçam muito mais cacos de panela-de-fazer-mingau-demilho entre os restos que o grupo está deixando para o futuro. Esse tipo de contribuição, capaz de esclarecer aspectos que a simples análise de vestígios materiais não conseguiria resolver, é dada por uma disciplina chamada etnoarqueologia, surgida na década de 1960, quando um grupo de arqueólogos dos Estados Unidos desenvolveu trabalhos que procuravam estabelecer uma relação mais estreita entre a ar-
queologia e a antropologia. O objetivo da etnoarqueologia, em resumo, é obter subsídios para que contextos arqueológicos possam ser interpretados a partir de contextos etnográficos. A disciplina é também um dos recursos usados por Fabíola Andréa Silva, do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), na tese de doutorado que está terminando, com base em pesquisas sobre a produção de cerâmica dos Asuriní e a fabricação de cestos de palha pelos Kayapó-Xikrin, outro grupo que vive no sul do Pará. As informações obtidas por Fabíola na região do Xingu estão servindo para sua tese de doutorado, em fase de conclusão, As tecnologias e seus significados: um estudo etnoarqueológico de sistemas tecnológicos dos KayapóXikrin e dos Asuriní do Xingu, sob a orientação da professora Lux Vidal,
do Departamento de Antropologia da USP. O objetivo do trabalho, que conta com recursos da FAPESP para auxílio à pesquisa de R$ 10.780,00, é o de debater o papel desempenhado pelas necessidades de adaptação e pelos aspectos simbólicos na escolha dos processos tecnológicos adotados pelos índios da região. Além da prática: Tecnologia, no
caso, é entendida de uma maneira bem ampla. ''A tecnologia não é apenas uma estratégia de adaptabilidade ou de aproveitamento de energia, como se diria no senso comum': diz Lux Vidal. "O evolucionismo e o economicismo já falaram muito sobre tecnologia e divulgaram a tese de que a necessidade é a mãe da invenção", prossegue. "Não discordo totalmente disso. Mas a natureza das escolhas tecnológicas e, conseqüentemente, a definição dos estilos tecnológicos são muito diversificadas. Elas passam por esferas que transcendem as razões práticas:' As duas influências, acha Lux, devem ser ponderadas sem que nenhuma exclua ou se mostre totalmente superior à outra. Pesquisas etnológicas como as que são realizadas em sociedades indígenas têm grande valor, pois todo o processo tecnológico, da escolha da matéria-prima aos procedimentos de produção, pode ser seguido no local, ao lado de variáveis culturais como a organização social, a divisão do trabalho por sexos, a época do ano em que se realizam as atividades. Aspectos cosmológicos também podem ser levados em conta. Tudo isso poderá levar a novos modelos, mais adequados, para a pesquisa arqueológica. E poderá, também, dar uma grande contribuição para o grande debate que, de acordo com Lux Vidal, ocorre atualmente sobre a tecnologia. "A fronteira entre o orgânico e o mecânico e tecnológico está sendo discutida até em termos evolutivos, pois queremos entender o que é o ser humano hoje", comenta. "Estão em pauta questões filosóficas relacionadas com a tecnologia e por isso é natural que se revigore o inte-
resse na história do desenvolvimento tecnológico das sociedades indígenas e na análise da maneira como tecnologia, meio ambiente e comportamento se relacionam nesses grupos:' Entender o comportamento: Fabíola
Andréa Silva destaca que, em etnologia, arqueologia e etnoarqueologia, a discussão teórica não chega a ser muito diferenciada. "O interesse geral de todas essas disciplinas é o mesmo,
Tarefa feminina: Entre os Asuriní, fa-
zer cerâmica é trabalho de mulher. Até mesmo a extração da argila para a fabricação dos vasilhames é tarefa exclusiva do sexo feminino. Mulheres grávidas e menstruadas não podem participar da extração. O grupo acredita que isso estragaria o depósito e, além disso, os vasilhames resultantes seriam danificados durante uma das fases da produção. A fabricação em larga escala do japepaí, a panela usa-
Lux Vida! (à esq.) e Fabíola Silva: passado ilumina presente
entender o comportamento humano", afirma. No caso de seu estudo.. havia também o interesse na relação entre o homem e o seu mundo material. "A diferença entre as disciplinas está na natureza dos dados que cada uma tem à sua disposição para analisar", prossegue. "A etnologia tem os grupos vivos e a arqueologia apenas os vestígios materiais. Por isso, pratica-se a etnoarqueologia, por meio da qual se tem acesso a aspectos operatórios de produção de itens materiais que não podem ser resgatados apenas nos contextos arqueológicos." Na sua pesquisa, Fabíola adotou os princípios metodológicos da chamada living archaeology. "As observações e registras seguem os pressupostos de uma pesquisa de campo antropológica, mas a orientação e a direção partem do olhar, problemas e estratégias de uma pesquisa arqueológica", explica ela.
da para preparar o mingau de milho, durante a fase da colheita, faz com que esse tipo de cerâmica seja muito mais comum na aldeia que os outros tipos. Isso, diz Fabíola, pode ajudar na elaboração de propostas arqueológicas sobre restos de cerâmica e mesmo estabelecer modelos para explicar o tempo de ocupação de um assentamento. "A quantidade de deposição de um determinado item material num sítio pode nem sempre estar associada diretamente com o tempo de ocupação do local", afirma a pesquisadora. "Pode ter mais a ver com a intensidade e a sazonalidade da produção", acrescenta. A panela japepaí transformou-se, entre os Asuriní, no símbolo do alimento. É o único tipo de cerâmica usado pelo grupo para ir ao fogo e preparar alimentos. Fabíola acredita que as questões soClals e de gênero envolvidas no PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 41
processo de produção da cerâmica apresentam os dados fundamentais para que seja desenvolvida uma arqueologia do grupo de residência, ou household archaeology, cuja ênfase é a organização do trabalho doméstico. "Na arqueologia, sempre houve uma posição muito centrada no papel do homem, mas o papel da mulher é muito importante na household archaeology", afirma Lux Vidal. Trabalho de cestaria dos Kayapó-Xikrin: "No caso Asuriní, a confecção prerrogativa e obrigação dos homens da cerâmica pelas mulheres é parte de um conjunto de atividades pois irá começar a trabalhar com pamuito mais amplo", prossegue. "Sua lha, mas sempre sob a supervisão do importância está relacionada não mais velho. apenas com a sobrevivência do grupo Fabíola acredita que as restrições doméstico do qual elas fazem parte, impostas ao aprendizado da técnica mas também à dinâmica da vida sorefletem relações de poder entre dicial e ritual." versas categorias dentro do grupo, mas só parcialmente. "Quem sabe pode Proibição ao s jovens: No caso dos negociar mais facilmente bens e serKayapó-Xikrin, o trabalho de cestaviços': declara. "Mas seria mais aderia é prerrogativa e obrigação dos quado falar em prestígio social, recohomens. Mas não de todos os honhecimento e construção do eu, para mens. Os mais jovens não podem mesi e para os outros, o que é mais funxer em certas matérias-primas sem damental entre os índios", diz. Lux autorização expressa e estão proibiVidal tem opinião parecida. "Existe a dos de fazer certos produtos. A pena questão da hierarquia e do poder para a desobediência, segundo o nessas práticas", afirma. "Mas a rigigrupo, é o envelhecimento precoce, dez de aspectos como interditar o doenças, fadiga dos olhos e, em caacesso a uma matéria-prima ou à sos extremos, até mesmo a morte. produção de um bem material a l}m Quando alguém quer aprender a fasexo ou faixa etária está vinculada a zer cestos, primeiro simplesmente diversos fatores, como a estruturação observa o trabalho de um velho artesocial, a progressividade do aprensão, sem mexer no material. Só dedizado e a preservação dos processos
Sinais de pedra Desde que começou a pesquisar os Asuriní na aldeia do Posto Indígena Kuatinemu, na margem direita do Rio Xingu, em 1996, a doutoranda Fabíola Andréa Silva verificou a presença de vários materiais arqueológicos na região. Entre os mais importantes estão sítios líticos em afloramentos rochosos nas margens do rio. Esses locais existem, inclusive, no porto de de-
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sembarque, em frente ao posto da Funai, e em locais destinados aos banhos da comunidade. Os Asuriní chamam as bacias de polimento de Mayra enewa, o banco de Mayra, e os amoladores de machados de Gapypapera, as pegadas dele, referindo-se a Mayra. O nome Mayra significa o ancestral mítico e criador dos Asuriní e do gênero humano. Ele também criou os animais e objetos culturais e ensinou aos Asuriní as técnicas e atividades envolvi-
de produção, entre outras atividades." Os Kayapó-Xikrin fazem cestos seguindo dois tipos de produção. Um, chamado pelos especialistas de cestaria expediente, leva a produtos simples, de confecção rápida, quase sempre descartados depois do uso imediato. O outro, a cestaria de curadoria, leva a produtos mais elaborados, de fabricação sofisticada, melhores e mais duradouros que os outros. Como no caso das panelas dos Asuriní, esses registras podem levar a comparações importantes. E, sem dúvida, facilitar o trabalho dos arqueólogos, atuais e futuros. • PERFIS o Lux VIDAL é professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP). Obteve o bacharelado no Sarah Lawrence College, no Estado de Nova York, nos Estados Unidos, e especializou-se em Antropologia, com mestrado e doutorado pela USP. o FABfOLA ANDRÉA SILVA tem 35 anos. É doutoranda em Antropologia Social no Departamento de Antropologia da USP. Projeto: As Tecnologias e Seus Significados: Um Estudo Etnoarqueológico de Sistemas Tecnológicos dos Kayapó-Xikrin e dos Asuriní do Xingu Investimento: R$ 10.780,00
das com sua subsistência. Para os Asuriní atuais, as pedras com as marcas de Mayra caíram do céu, há muito tempo. Além dos sítios próximos à aldeia, Fabíola encontrou mais sete, num igarapé próximo a uma antiga aldeia usada pelo grupo. Fabíola também encontrou restos de cerâmica que não foi produzida pelos Asuriní num dos sítios líticos, na antiga aldeia e na aldeia atual. A datação dos cacos revelou uma idade de 650 anos.
HUMANIDADES
Por apresentarem uma moral, as fábu las facilitam uma metaleitura
EDUCAÇÃO
Leitores críticos Por meio de fábulas adolescentes desvendam o espírito do texto receita para se fazer um país, A segundo Monteiro Lobato, é simples: basta reunir homens e livros. Mas a mistura dos dois ingredientes pode ser uma tarefa complexa em tempos modernos, com o vício cômodo das informações visuais, quando poucos lêem e ainda menos entendem o que acabaram de ler. Por isso, as professoras Maria Augusta Ribeiro, do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, e Eliete Marly D'Onófrio resolveram trabalhar o problema a partir da perspectiva do leitor no projeto Metaleitura - Um Objetivo a Atingir, que recebeu da FAPESP auxílio de R$ 10 mil. "O nosso objetivo foi, a partir de e em conjunto com um grupo de alunos de 7" e 8" séries, reconstituir o processo de leitura, de um nível básico até o domínio do discurso, o entendimento crítico do que se leu e dos usos da
linguagem'; explica Maria Augusta. Nas classes selecionadas,as professoras, semanalmente, ao longo de dois anos, distribuíam textos de fábulas- que, por apresentarem uma moral, faci- Maria Augusta: • litam uma meta- preparando leito res leitura - entre as crianças. Em seguida, os alunos eram convidados a fazer associações e a localizar o tema de cada história para, por fim, criarem um novo texto a partir dos elementos levantados na análise do original. "Queríamos que eles aprendessem a questionar o que liam, transformando-os de leitores passivos em críticos, capazes de dialogarem com o discurso e com os seus elementos formadores, desvendando os sentidos latentes de um texto", diz ela. Níveis de leitura: O desafio da pesquisa era encontrar estratégias de ensino que despertassem as crianças do entendimento superficial e mecânico dos textos, mostrando a elas a possibilidade de manipular as formas es-
critas e questionar o uso que dela fizeram outros autores. Antes, foi preciso recuperar o percurso dessa apreensão, que as pesquisadoras chamaram de níveis de leitura. Inicialmente, o literal, em que se reconhecem os elementos básicos de uma história. Depois, partiu-se para a leitura contextualizada, a percepção da presença de elementos simbólicos no enredo da fábula. Então, pediu-se uma análise intertextualizada, ou seja, questionando os valores propostos pelo discurso. Por fim, procurou-se levar os alunos ao estágio ideal de leitura, o da metaleitura, em que, seja na recriação literária de um original, seja na sua teatralização, a criança se capacitava a entender as várias facetas da linguagem e perceber que essa pode ser manipulada como um jogo de poder e de opressão na sociedade. "Estamos certas de que o método funciona e pode ser aplicado oficialmente em outras instituições e em níveis mais avançados de escolaridade", diz Maria Augusta. Um dos exemplos que impressionaram as professoras foi a transcriação feita pelos alunos da célebre fábula da menina que faz planos com o que vai ganhar com o leite que carrega, distrai-se e deixa o líquido que embala seus sonhos cair no chão. "Eles recriaram a história com uma garota que, perdida no sonho de ser bailarina, não vê o trombadinha que chega e rouba as suas sapatilhas, destruindo suas chances do futuro", conta Maria Augusta. Sem dúvida, leitores capazes de ir da dimensão da folha escrita para a realidade. Por mais dura que essa seja. • P ERFIL • MARIA A UGUSTA
H.W.
RI BEIRO
é
graduada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez o mestrado e o doutorado na Escola de Comunicações e Artes da USP. É professora do Instituto de Biociências da Unesp, Rio Claro. Projeto: Metaleitura - Um Objetivo a Atingir
Investimento: R$ 10 mil PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1999 • 43
LIVROS OSCAR CESAROTTO
O inconsciente nos manuscritos O que está por trás da obra concluída
k
lha em branco sempre foi, para qualquer critor, a prova da verdade. A inspiração, usa volúvel, pode faltar ao encontro marcado, e o escrevinhador sofrer por causa disto. Todavia, quando tudo dá certo, eis ali o texto, pronto para ser lido e relido, rasurado, revisado, formatado, por fim impresso. Assim realizado, em letras de forma, torna pública uma versão que, doravante, será considerada oficial, ou até definitiva. Antes, entretanto, estava o manuscrito; depois, também. E nada garante que entre o escrito primevo e o derradeiro exista coincidência total. Talvez o último passe por copidesques competentes, alterando o saldo final. Mas o primeiro, provavelmente, seria tão-só rabiscado pelo próprio autor, no zelo da perfeição almejada. Em todos os casos, algo fica diferente, e a distância entre o original e as reformulações abre espaço para olhares irrequietos e especulações acadêmicas. Este é, em grande medida, o objetivo que Philippe Willemart se propõe no seu livro, adequadamente titulado Bastidores da Criação Literária (Editora Ilurninuras/FAPESP). A acepção mais comum da palavra bastidor remete ao teatro, nomeando aquilo que está por trás do palco, invisível na cena aberta. Num outro sentido menos corrente, o termo faz referência ao suporte que permite bordar em cima de um pano. Trata-se, portanto, de um elemento imprescindível para a tarefa, ainda que independente do resultado desta. Analogamente, na pintura, junto com os croquis e rascunhos, denomina-se pentimento ao traço oculto - a ser coberto pela tinta - que norteará o pincel. O manuscrito, registro inaugural de' uma escritura vindoura, possibilita o acontecimento do processo; mais tarde, o prelo o torna desnecessário, embora permaneça como testemunho perimido de urna inscrição primordial. Fica então como um resto, talvez acabando no lixo ou, quem sabe, adquirindo
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inéditos destinos. Dois exemplos são ilustrativos das distintas alternativas: apesar de alguns fragmentos isolados, Sigmund Freud costumava queimar sistematicamente sua papelada após publicação. Gustave Flaubert, pelo contrário, confiou o Salammbô ímpar à sua sobrinha, que, por sua vez, o legou para a posteridade. Por estas e outras, não faltam manuscritos de obras-primas que por aí circulam incitando a curiosidade da crítica literária genética. Esta especialidade, da qual Willemart faz parte e honra com sua dedicação, leva em conta a discrepância entre o conteúdo manifesto e o latente, fossem estes os parâmetros psicanalíticos assimilados à versão oficial, por um lado, e ao manuscrito, por outro. No intervalo entre ambos, desfilariam os efeitos de um inconsciente genético, por assim dizer, mostrando, além e aquém de rasuras, rabiscos e garatujas, a ação do significante, pari """" passu o peso específico da letra. O manuscrito corre o risco de ser uma espécie em extinção. O computador, ameaça privar de prato textos às gerações futuras, graças à tecla delete. Conseqüências podem ser previstas: a escrita produzida por meios informatizados, bem arrumada e certinha, ganha legitimidade e verossimilhança em função do seu acabamento eficiente. E os manuscritos, escassos, serão valorizados cada vez mais pela sua raridade, atingindo status de fetiche. Como fazer "boa letra" nunca é suficiente, o trabalho de Willemart destaca a potência e o alcance de uma leitura cabal. Pois não adianta prezar o manuscrito como uma relíquia, porque o trabalho de decifração é sempre profano.
OsCAR CESAROTTO - Psicanalista, doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP
LANÇAMENTOS
REVISTAS
Uma Nova Física, André Koch Torres Assis Será que Einstein estava mesmo certo ou ainda não sabemos toda a verdade? Pois talvez nem Einstein, ao rever a mecânica clássica, baseada nas leis de Newton, esperasse Uma Nova Física. André Assis, professor do Instituto de Física da Unicamp, baseado numa lei de Weber e nas idéias de Leibniz, Berkley e Ernst Mach, traz uma nova crítica aos conceitos newtonianos de tempo e espaço absolutos, a chamada Mecânica Relacional. O livro é indicado a todos que, no espírito dos grandes cientistas, são curiosos insaciáveis. (Editora Perspectiva, 176 págs., R$ 22,00)
Comunicação e Educação Uma discussão sobre o futuro da ciência e dos meios de comunicação. Em meio a tantos canais de informação, a escola ficou algo esquecida como o veículo primordial de divulgação das novas tecnologias. Possíveis formas de integrar educação, ciência e os novos meios de comunicação estão presentes nos artigos do número 16 da revista Comunicação e Educação, do curso de Gestão de Processos Comunicacionais da ECA- USP. Entre os vários textos, destacam-se o de Jacques Marcovitch, reitor da USP, e uma entrevista com Armand Mattelart, sobre comunicação e interesse público.
Idealistas Isolados, Glória Kreinz e Crodowaldo Pavan, org. Pesquisadores estão analisando os caminhos percorridos pela divulgação científica. Para a sociedade, os cientistas, como os poetas, se isolam nas torres de marfim dos laboratórios. Essa coletânea de ensaios revê esse retrato, mostrando a divulgação científica em sua relação com a sociedade leiga, na sua configuração histórica e em seu viés prático, vis-à-vis a quantidade de informações apresentadas nos jornais brasileiros. Do Núcleo José Reis, pode ser comprado junto ao órgão (O:xxll 818-4021) por R$ 10,00 e na Edusp por R$ 14,00.
Estudos Avançados Dossiê Nordeste Seco Os geógrafos Aziz Ab'Saber, Nilo Bernardes e José Grabois analisam nesta edição (n o 36, vol. 13, maio-agosto de 1999) a paisagem geográfica e humana do Nordeste .\'ordt:'ste seco brasileiro, destacando propostas que podem amenizar os efeitos da seca. Publicada pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) , a revista apresenta também trabalhos de quatro poetas atuais (Alcides Villaça, Augusto Massi, Fernando Paixão e Alberto Martins).
Fapesp, Uma História de Política Científica e Tecnológica Shozo Motoyama, org. Embora nascida apenas em 1962, a Fundação de Amparo à Pesquisa Ciemffiça c: Tccool6gica do Estado de São Paulo (FAPESP) é o resultado simbólico da luta pela construção de um sistema de ciência e tecnologia no Brasil desde os anos 20. É esse o espírito desse belo lançamento em dois volumes, que conta não apenas a história da instituição, mas de como o seu surgimento deu novo impulso à pesquisa científica no Estado de São Paulo, inicialmente carente de condições para sua expansão. O volume 2 traz uma importante série de documentos sobre a estruturação da FAPESP.
Materiais Research - Revista Brasileira de Materiais
FAPESP
UmaHiitõriadePoli~
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Este número especial da revista ( n° 3, vol. 2, julho de 1999) reúne 20 trabalhos apresentados no 1o Simpósio Brasileiro de Estruturologia, realizado em Belo Horizonte no ano passado. Há artigos sobre microestruturas, processos de segmentação de imagens e caracterização de materiais. A revista, em inglês, é editada pelo Departamento de Estrutura de Materiais da Universidade Federal de São Carlos.
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PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1999 • 45
FINA S GuiO LACAZ
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Experiências em
Jornalismo Científico ESPECIAL
A informação decifrada Divulgação de ciência e tecnologia exige, cada vez mais, profissionais bem fo rmados ançado pela FAPESP em outubro deste ano, o Programa José Reis de Jornalismo Científico-MídiaCiência (objeto de matérias no Notícias FAPESP 45 e nesta Pesquisa FAPESP 47) deverá representar uma contribuição importante para a formação de profissionais que lidam com informação sobre ciência e tecnologia, na grande imprensa ou na imprensa especializada, em novas L-mídias, como a Internet, ou em estruturas de divulgação de instituições de pesquisa. Esses profissionais enfrentam continuamente o desafio de tentar traduzir para a linguagem comum as buscas empreendidas e os resultados obtidos por pesquisadores em campos complexos do conhecimento e, quase sempre, apresentados num jargão fechado, irredutível, à primeira vista, a termos usuais. Encaram a exigência de explicar como as conquistas da ciência e da tecnologia, que parecem ocorrer num mundo tão alheio às preocupações cotidianas dos mortais comuns, podem afetar, para o bem ou para o mal, a vida de todos e de cada indivíduo em particular. E devem, na medida do possível, estar sempre lembrando as relações da ciência e da tecnologia com a cultura, com a política e com a economia. Que a opinião pública deve ser informada sobre o que se passa nos domínios da ciência e da tecnologia é uma questão sobre a qual, há muito tempo, não resta a menor dúvida. Porque a própria noção de democracia, com seu corolário, a cidadania, pressupõe o direito do público de ser bem informado sobre novos dados e decisões que podem afetar sua vida. E, já que a pesquisa em C&T mobiliza grandes somas de recursos públicos, é também a noção de direito do contri-
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buinte que exige informação sobre quanto, em que e para que se investe nessa pesquisa. Muito mais recente, no entanto, é a idéia da necessidade de uma formação específica para profissionais responsáveis pela difusão da informação sobre C&T. Em princípio, jornalistas com uma cultura média e gosto pelas coisas da ciência, do mesmo modo que cientistas com habilidade verbal suficiente para transpor os obstáculos lingüísticos de seu campo em direção à planície da língua comum, estariam aptos para realizar a contento esse trabalho. Mas a prática tem demonstrado que não é bem assim, ante a complexidade crescente e a extraordinária velocidade do desenvolvimento científico e tecnológico, que impõe rápidas e profundas mudanças sociais. Daí decorrem os esforços pela melhor formação de profissionais de informação em C&T, iniciados no país, ainda que de forma assistemática e descontínua, desde os anos 70, e dentro dos quais o MídiaCiência agora pode se constituir numa nova e produtiva abordagem. Este encarte oferece um apanhado de experiências do jornalismo científico no país, tanto no desdobramento de sua prática ao longo de algumas décadas quanto nas iniciativas de formação de profissionais para essa especialidade do jornalismo. E, para completar, oferece algumas informações sobre a formação de jornalistas científicos no exterior. Os dados sobre essas experiências certamente serão úteis como marco referencial para pesquisadores e jornalistas que neste momento estão elaborando ou pensando em elaborar propostas de cursos e de pesquisas qualificados para receber o apoio proposto pela FAPESP no MídiaCiência. E, esperamos, para outros interessados no jornalismo científico.
EXPE RI ~NC I AS EM J O R NA LI SMO C I EN TI F I CO
A lenta conquista do espaço •
na 1111prensa Depois de cinco décadas, a ciência torna-se fonte usual de notícia no país difundiam. Foi nesse contexto que Edwin W. Scripps, um magnata da imprensa, a virada da primeira para a sefundador de 30 jornais e de uma agên"Havia uma visão cia de notícias, criou, em 1921, o Science gunda década do século XX, o arraigada no país abismo crescente entre o cienService, a primeira agência de notícias tista e o leigo tornou-se tema corrente sobre ciência nos Estados Unidos. de que a atividade Scripps ironicamente considerava na imprensa norte-americana. Em que os cientistas eram "tão terrivelmen1919, relata Dorothy Nelkin em seu licientífica era te sábios e tão estufados de conhecimenvro Selling Science, o New York Times pertinente publicou uma série de editoriais sobre a to" que não compreendiam "por que incompreensão do público a respeito Deus fez quase todo o resto da humaniapenas aos gênios" dade tão infernalmente estúpido". De dos novos desenvolvimentos na física e qualquer sorte, ele próprio percebia a sobre as perturbadoras implicações para a democracia que decorriam do fato de ciência como base de um modo de vida democrático e, dadas as profundas mudanças sociais e tecnoapenas um punhado de pessoas poder entender importantes conquistas intelectuais. Segundo Nelkin, a teoria da relativilógicas do período, apostava que notícias sobre ciência seriam a partir dali perfeitamente vendáveis. Com essa condade, de Einstein, tornava-se nesse momento o símbolo da obscuridade, a ponto de Morris Cohen, amigo do cientista, vicção, juntou-se ao respeitado zoólogo William E. Ritter, ter afirmado para o Times que o desenvolvimento recente da atraiu a cooperação da Academia Nacional de Ciências e da ciência, envolvendo um maior domínio de técnicas compleAssociação para o Progresso da Ciência, reuniu alguns desxas, significava, com efeito, "o retorno a uma barreira artifitacados jornalistas e criou a agência de notícias que deveria cial entre o leigo não iniciado e o especialista': traduzir ciência para que se tornasse inteligível "às pessoas comuns". A barreira erguia-se também para os jornalistas. Mas, mesmo atordoados pela complexidade da ciência, diz Nelkin, Sem desconsiderar, obviamente, análises bem elaboradas sobre as razões económicas - além de políticas e culturais eles estavam fascinados com o progresso que ela implicava, com seu potencial económico e com as possibilidades de deque explicam ao extraordinária difusão dos feitos da ciência e senvolvimento tecnológico que abria- e com essa imagem a da tecnologia norte-americanas para o mundo inteiro, essa MARILUCE MOURA
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Um idealista isolado Aos 92 anos, José Reis é um símbolo vivo do trabalho de divulgação científica no Brasil. O médico carioca, formado pela Faculdade Nacional de Medicina, especializado em microbiologia e patologia pelo Instituto Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, contratado pelo Instituto Biológico de São Paulo em 1929, experimentou suas primeiras possibilidades de explicar problemas científicos para um público não especializado escrevendo folhetos e artigos para seções agrícolas de jornais e, principalmente, colabo-
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rações sistemáticas para a revista Chácaras e Quintais, a partir de 1932. Ele falava então, para granjeiros, das doenças, das pragas, dos muitos problemas e dos cuidados que deviam ser tomados na criação de galinhas. Mas sua atividade regular no jornalismo científico começa, de fato, em abril de 1947, quando ele passa a colaborar com as Folhas (da Manhã, da Tarde e da Noite), e desde então não mais interrompe esse trabalho. As Folhas tornaram-se o poderoso jornal Folha de S. Paulo e lá está, no caderno Mais,
a cada domingo, a coluna Periscópio, do doutor José Reis- um profissional tão respeitado no jornal que se tornou seu diretor de redação de 1962 a 1967. Em seu já longuíssimo tempo de trabalho, José Reis teve garra para batalhar, na primeira metade da década de 40, pela criação da FAPESP e, na segunda metade, pela criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC, da qual foi o primeiro secretário-geral, em 1948. Fundou e tornou-se o primeiro editor da revista Ciência e Cultura da SBPC, em 1949 (até 1954 e, depois, de 1972 a 1985). Em 1958, aposentando-se do
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EXPERI ~NC IA S EM JOR N ALISMO C IE N TIFI CO
pequena história parece ilustrativa do jornalismo científico nos Estados Unidos. Ajuda, certamente, a formar uma idéia sobre como ele foi ganhando peso e dimensão empresarial na imprensa do país. E fornece uma pista do porquê do forte sentimento favorável aos investimentos em C&T enraizado na opinião pública norte-americana - afinal, há muitas décadas ela vem sendo cultivada neste sentido. Não há paralelismo possível entre esse quadro e a emergência do jornalismo científico no Brasil. Embora já em seu primeiro número, em 4 de janeiro de 1875, O Estado de São Paulo tivesse publicado uma "secção scientífica", só no início da década de 60 o jornalismo científico começa a tomar uma certa configuração no país. Na década seguinte ele se organiza um pouco mais, para crescer de forma sensível a partir da segunda metade dos anos 80. Atividade de gênios - Na verdade, a cultura brasileira era
"marcada por uma visão arraigada de que a atividade científica é pertinente apenas aos gênios': como observa o historiador de ciência Shozo Motoyama no primeiro capítulo do livro FAPESP: uma história de política científica e tecnológica. Nesse ambiente, pouco favorável à utilização da ciência como fonte usual de notícia e, mais ainda, de negócios, só em meados da década de 40 irá aparecer na imprensa um profissional cujo nome ficará ligado às origens do jornalismo científico no país: José Reis. Por muitos anos, ele permanecerá como um pioneiro solitário em seu campo, escrevendo sobre ciência em linguagem clara e defendendo as posições avançadas de pesquisadores e intelectuais que, contra toda a oposição política, insistiam na batalha pela montagem de um sistema de ciência e tecnologia no Brasil. Na verdade, tratava-se de uma batalha iniciada, ain-
Instituto Biológico, fundou com outros dois sócios a editora !brasa-Instituição Brasileira de Difusão Cultural S/A, para lançar livrosfermentos que trouxessem idéias novas e provocassem debate. Sua atuação na José Reis: artigos editora estende-se até 1978. Conquistou prêmios (Prêmio Governador do Estado de Jornalismo Científico, em 1962, Prêmio John R. Reitemeyer de Jornalismo Científico, da Sociedade Pan-Americana de Im-
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da que de forma incipiente, nos idos de 1919, mesma época em que a imprensa americana começava a dar bases empresariais ao jornalismo científico. Naquele ano, a Sociedade Brasileira de Ciências (atual Academia) manifestava-se em favor da criação de um conselho nacional de pesquisa que permitiria transformar o trabalho dos cientistas em atividade sistemática no país. Mas só em 1945 ela encontraria condições adequadas para levar mais longe essa luta pela constituição do CNPq- criado, finalmente, em 1951. A Segunda Guerra Mundial terminara, ciência e tecnologia alcançavam um prestígio impressionante no mundo inteiro, adensara-se de certa maneira o pensamento pró-ciência no Brasil com o trabalho dos Fundos Universitários de Pesquisa para a Defesa Nacional, formados logo depois de o país ter entrado na guerra, em 1942, e tudo isso forjava um momento histórico favorável à quebra da oposição de grande parte da elite nacional ao projeto de estruturação de um sistema de ciência e tecnologia com financiamento público regular. Tanto assim que, além do esforço pela criação do CNPq (mais tarde Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), em São Paulo, na mesma época, os cientistas conseguem fazer introduzir na Constituição estadual de 1947 um artigo destinando 0,5% das receitas tributárias do Estado a uma futura fundação de amparo à pesquisa- que, entretanto, só 15 anos depois se tornará realidade. Longuíssimas serão as discussões, as marchas e contramarchas no caminho de construção dessa fundação, cujo projeto original foi apresentado por integrantes do Partido Comunista (àquela altura colocado na ilegalidade), à frente Caio Prado Júnior. O que ocorre é que, a despeito da criação de alguns importantes institutos de pesquisa científica, e mesmo tecnológica, no país ainda no final do século XIX, a despeito da criação da USP e da Universidade do Brasil na década de 30 deste século e a despeito da industrialização que começa a tomar um
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~ no mesmo jornal desde 1944
prensa e União Pan-Americana de Imprensa, em 1964, Prêmio Kalinga, da Unesco, em 1975) e tornou-se nome do primeiro prêmio nacional de jornalismo científico, instituído pelo CNPq,
em 1979. Tornou-se alvo e nome de um núcleo de estudos sobre divulgação científica na Escola de Comunicação e Artes da USP, ei:n 1992. Essa trajetória impressionante tem sido cumprida por um homem definido por aqueles que o conhecem mais de perto como extremamente discreto e suave. E que sem nenhuma dúvida mereceria o epíteto que ele, em agosto de 1988, num de seus artigos no Mais, atribuiu a cientistas e jornalistas que, há muitos anos, vêm fazendo a divulgação da ciência e da tecnologia e de sua importância para o desenvolvimento econômico, social e político do país: idealistas isolados.
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EXPERI~NCIAS EM JORNALISMO CIENTIFICO
rumo também nos anos 30, o ambiente brasileiro vai se manter rarefeito para a produção de C&T por muito tempo -e o que se passa no jornalismo é conseqüência. Em 1941, conforme relato de Motoyama no livro sobre a FAPESP, o empresário Roberto Simonsen, um defensor incansável da industrialização, apresenta na IV Reunião da Associação Brasileira de Normas Técnicas, talvez numa provocação à autoestima nacional, alguns números relativos à ciência e tecnologia nos EUA, naquele momento: são "mais de 30 bilhões de dólares investidos em pesquisas científicas, 2.200 laboratórios industriais, 100 universidades em íntima correlação com investigações científicas, 75 associações de classes com órgãos de pesquisa industriais, 600 laboratórios independentes e outros pertencentes a empresas, resultando em nada mais, nada menos que 50 mil invenções anuais': A reação nos anos 70 - Em trabalho apresentado no segundo Congresso Ibero-Americano de Jornalismo Científico, realizado em Madri, em 1977, Marco Antonio Fillipi, então editor da seção Atualidade Científica, no Estado de S. Paulo, traça o seguinte resumo do que seriam os domínios do jornalismo científico brasileiro, entre o último quarto do século passado e o final da década de 40: "Sensacionalismo era a tônica, a mística imperava. Ciência e pseudociência se confundiam, da mesma forma que ciência e tecnologia. Jornalistas totalmente despreparados cometiam erros graves. Nenhum interesse havia por parte dos chefes de redação". Havia, é claro, exceções. Ele lista as seguintes: em sua luta pela criação da USP, no início da década de 30, O Estado de S. Paulo "abriu espaço à divulgação da ciência, recebendo a colaboração de expressivos nomes da ciência mundial". E, em 1947, José Reis "inicia a publicação, pela primeira vez sistemática, de textos de divulgação" na Folha. Em sua visão, até o início da década de 60 o panorama não era animador, mas ocorre uma mudança significativa em 1963, quando O Estado de S. Paulo cria a seção Atualidade Científica, "destinada a dar ampla divulgação de temas científicos nacionais e estrangeiros e criar uma consciência pública para a importância da ciência. Vários cientistas-divulgadores são chamados a colaborar. A seção chega a ocupar 21 colunas". Era um momento, lembra ele, em que a corrida espacial entre Estados Unidos e União Soviética motivava o grande público "e, com ele, os periódicos, o rádio e a TV a tratar de assuntos científicos". Essa espécie de euforia científica, que provoca a formação de editarias especializadas em muitos veículos, prolonga-se até a chegada do homem à Lua em 1969. Segundo Fillippi, nesses anos a ciência internacional é rotineiramente cober4
ta por Visão, Manchete, Veja, Ciência e Vida, Planeta e Ciência em Fascículos. Num outro trabalho apresentado para o mesmo congresso, a partir de pesquisa efetuada em 25 periódicos de todo o país, Júlio Abramczyk, 67 anos, médico e jornalista da Folha de S. Paulo desde 1960, mostra que apenas quatro publicações brasileiras - duas revistas semanais, Veja e Visão, e dois jornais diários, Folha e O Estado de S. Paulo- mantinham, em 1977, editarias de ciência e cobriam rotineiramente a área. Uma curiosidade que ele apresenta é que jornais como O Globo, do Rio, e Zero Hora, de Porto Alegre, que não dispunham de editores de ciência, publicavam rotineiramente uma coluna médica distribuída pela UPI e assinada por F. J. L. Blasingame, da Associação Médica Americana. Os depoimentos dos jornalistas ligados a C&T mostram que foi nos anos 70 que os profissionais da área tentaram efetivamente dar uma certa organização à prática do jornalismo científico no Brasil. O conhecido jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando, que viera ao país em 1972 dar um curso de extensão em jornalismo científico na USP (ver página 6), algum tempo depois convidou dois jornalistas do Estado de S. Paulo e dois da Folha para participar do I Congresso Ibero-Americano de Jornalismo Científico, que se realizaria em Caracas, em 1974. "Foi lá que Abram Jagle, Andrejus Corocovas, Nesse e eu começamos a pensar na formação da Associação Brasileira de Jornalismo Científico", conta Abramczyk. Em 1977, a ABJC estava formada e no ano seguinte foi registrada, com José Reis indicado como seu primeiro presidente. Seis meses depois, o decano dos jornalistas científicos demitiu-se da presidência, por problemas de saúde, e Abramczyk assumiu o cargo, no qual permaneceria por três gestões. "Durante essa época, elaboramos, em 1982, uma bibliografia de referência sobre jornalismo científico, publicada nos anais do I Congresso Brasileiro, com ajuda da FAPESP e do CNPq, e chegamos a fazer uma única edição dos Cadernos de Jornalismo Científico': diz. A ABJC, que começou com pouco mais de meia dúzia de jornalistas, conta hoje com cerca de 350 associados e tem cadeira cativa no júri do Prêmio José Reis de Divulgação Científica, promovido desde 1979 pelo CNPq. O esforço de valorização do jornalismo científico no Brasil empreendido pela ABJC é inegável. No entanto, entre associados e ex-dirigentes da instituição, sobram dúvidas sobre os reais resultados desse trabalho, que em sua avaliação poderiam ser mais palpáveis se a associação não enfrentasse contínuas crises de identidade. "Como se diz na área de administração, você só cria uma empresa ou uma instituição forte com intuito persana, ou seja, com todos aqueles que têm a responsabilidade PESQUISA FAPESP
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de conduzi-la imbuídos dos mesmos objetivos", diz o jornatituições brasileiras de pesquisa ou de apoio à pesquisa por lista Roberto Medeiros, presidente da ABJC no começo dos essa via. "Por enquanto, as instituições estrangeiras estão anos 90. O problema da associação, completa, é que às vezes muito à frente das nossas nessa forma de disponibilização das informações", diz. Valem ainda como registro do fim da ela é vista como entidade sindical, às vezes praticamente como uma entidade acadêmica, com a responsabilidade de década: a tiragem da Ciência Hoje, depois de ter atingido quase 50 mil exemplares, caiu para 15 mil; uma nova revista, promover cursos, seminários, etc., e outras vezes como uma entidade que deve apenas propugnar a excelência das prátiPesquisa FAPESP (originária do informativo Notícias FAPESP) alcança uma tiragem de 22 mil exemplares; no âmbito da cas de divulgação científica, num viés claramente saudosista. Para Medeiros, a associação não deve ser isoladamente qualgrande imprensa, a Superinteressante apresenta uma tiragem quer dessas coisas, mas uma instituição pluralista, compráde cerca de 350 mil exemplares e a Galileu, de 120 mil exemticas e objetivos claros. plares; e, dentre as revistas semanais, um destaque é obrigaAnos depois da criação da ABJC, outório para o grande espaço concedido tras iniciativas já na década de 80 comeinicialmente pela Época (tiragem atual em çam a configurar melhor o campo prátitorno de 900 mil exemplares), da Edito"Os anos 90 co do jornalismo científico no Brasil. A ra Globo, à editoria de ciência e tecnoloSBPC lança em 1982 a revista Ciência gia: cerca de 15 páginas, que caíram para vão encontrar Hoje (bimestral, de início, mensal, a parem torno de 12. tir de 1987), com artigos de divulgação editorias de da ciência produzida no país, escritos Ciência e opinião pública- A despeiciência em todos sobretudo por pesquisadores; em 1987, to da notória expansão do jornalismo a Editora Abril lança a revista Superintecientífico no Brasil, o país está a enorme os grandes ressante, voltada para um público jovem distância da multiplicidade de títulos e na qual resultados da ciência universal de livros e revistas, de esquemas de disjornais e revistas" são apresentados em seu caráter fascitribuição de informações, de pesquisas nante ou curioso; na mesma época o e sondagens de opinião que a divulCNPq promove uma total renovação da gação científica gera nos Estados UniRevista Brasileira de Tecnologia, título que mantinha desde dos, por exemplo. Mas não há muito o que estranhar: afios anos 60 e que a partir daí, feita por jornalistas, vai mostrar nal, os investimentos em C&T nos EUA estão na altura dos os resultados de pesquisas financiadas pelo Conselho em toUS$ 205 bilhões anuais, enquanto no Brasil não chegam a US$ 10 bilhões. dos os campos do conhecimento; em 1990, a Editora Globo A sociedade norte-americana tem uma visão extremalança a Globo Ciência (atual Galileu), no mesmo veio da Superinteressante. mente positiva de C&T, a que atribui papel central na inOs anos 90 vão encontrar editorias de ciência organizafluência que os EUA exercem sobre o mundo e em seu pródas praticamente em todos os grandes jornais e revistas seprio padrão de vida. Assim, uma pesquisa de 1981 sobre o manais da grande imprensa nacional. Em alguns casos, como apoio público aos investimentos federais em P&D, patrocio da Gazeta Mercantil, a edito ria é de tecnologia, mas abre-se nada pela National Science Foundation e realizada por Jonh D. Miller e Kenneth Prewitt, mostrou que 90% do público que também generosamente a matérias sobre ciência. O espaço acompanha atentamente ciência acredita que seus benefícios concedido à produção científica e tecnológica brasileira é muito variável de veículo para veículo - alguns abrem-se superam largamente os riscos que ela cria. Isso é também francamente a ela, enquanto outros continuam a manter-se verdade para 79% do público apenas interessado no assunto e para 66% do público que não dispensa maior atenção ao a enorme distância, como se, em face do porte da produção internacional, e norte-americana em particular, a produção tema. O apoio manteve-se intocado na década de 90: um lebrasileira sequer fosse efetivamente fonte de notícia. A décavantamento da NSF de 1994 mostrou que 68% da população crê que a ciência resolverá muitos problemas do mundo. da vai também assistir à entrada da ciência internacional e No Brasil, o quadro revelado pela única grande pesquisa nacional na televisão, em programas especializados como Globo Ciência, mas também nos noticiários normais. de opinião já realizada sobre a imagem que a população urbana tem de C&T, em 1987, mostrou que mais da metade Do chamado outro lado do balcão, organizam-se melhor dela (52%) acha o país atrasado em pesquisa científica e tecas assessorias de imprensa de universidades, instituições de nológica. Concebida pelo CNPq e pelo Museu de Astronopesquisa e agências de fomento à pesquisa. Surgem e cresmia e Ciências Afins e realizada pelo Instituto Gallup, a pescem os informativos, jornais e revistas dessas instituições, quisa informou que 71% dos brasileiros adultos das áreas que vão contribuir para um processo de alimentação contíurbanas tinham algum ou muito interesse por descobernua da mídia. tas científicas. E os cientistas, em sua avaliação, ocupavam o A década fecha com a informação científica por via elequinto lugar entre os profissionais que mais contribuem trônica, produzindo alterações no jornalismo científico cujos para o desenvolvimento do país- atrás dos agricultores, inefeitos são difíceis ainda de avaliar. No entanto, um jornalisdustriais, professores e médicos. ta como Júlio Abramczyk reclama mais informações das insPESQUISA FAPESP
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EXPERIENCIAS EM JORNALISMO CIENT!FICO
A fortnação de jornalistas científicos no Brasil É hora de ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica pesquisa na área, originando dissertações de mestrado e teses de doutorado. Já no final da década, em 1978, criacrescente influência da ciência na "A formação se uma linha de pesquisa em Comtfi;licasociedade tem levado a população nessa área ção Científica e Tecnológica no Prograbrasileira a se interessar, cada vez mais, pelos resultados da pesquisa cienma de Pós-Graduação em Comunicação tem ocorrido tífica e a se preocupar com sua participaSocial do Instituto Metodista de Ensino Superior (atual Universidade Metodista ção na formulação de políticas públicas quase sempre de Ciência e Tecnologia. As grandes quesde São Paulo). O programa- que inicialde forma tões são: a quem cabe decidir sobre as áreas mente funcionava apenas como mestrado e, a partir de 1995, incorporou tamprioritárias para investimentos governaautodidata" mentais e empresariais? De que maneira bém o doutorado - é a experiência mais a sociedade civil está sendo informada soduradoura de ensino e pesquisa sobre divulgação científica no país. Nele surbre a produção científica e tecnológica do país? Como subsidiar a opinião pública com informações para gem vários estudos empíricos sobre a divulgação de C&T nos que ela possa participar ativamente desse processo? A quem meios de comunicação, além de projetos de pesquisa em concabe a formação de uma cultura científica no país? vênio com instituições internacionais. É o caso do "Projeto Os meios de comunicação podem certamente contribuir Comsalud': patrocinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), para isso. Falta, porém, ampliar e aprimorar a competência da cobertura científica. No Brasil, a formação de jornalistas e que estuda a divulgação de saúde na imprensa, rádio e TV em vários países da América Latina. divulgadores ocorre quase sempre de forma autodidata, em função da ausência de cursos regulares na área. Entretanto, Em 1982, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal nas últimas duas décadas, várias iniciativas têm surgido para de Nível Superior (Capes) promove o Curso de Especialização incentivar a formação de profissionais especializados. por Tutoria a Distância. Na ocasião, selecionaram-se 30 jorO crescimento desses cursos pode ser creditado, em parnalistas do país inteiro, que recebiam textos, por módulos (fíte, à necessidade de os cientistas buscarem respaldo na opisica, química, informática, biologia, geologia, etc.). Cada mónião pública para legitimar seu trabalho e conquistar novos dulo possuía um tutor - cientista experiente na área -, que investimentos para a pesquisa básica e aplicada. Além disso, orientava os trabalhos. Como parte das atividades houve, a informação científica é de interesse dos meios de comunitambém, um seminário em Brasília, com patrocínio da Funcação, pois desperta a atenção de leitores e espectadores. Ciendação Fullbright, que teve a presença de jornalistas internatistas e jornalistas começam, então, a entender a necessidacionais, inclusive representantes da National Association of de de uma atuação conjunta para aprimorar a qualidade do Science Writers. Esta experiência também não teve continuijornalismo científico. Nesse sentido, ampliam-se as ocasiões dade, provavelmente porque em sua concepção pretendia-se em que sentam, lado a lado, para uma reflexão sobre a práque os jornalistas dominassem extensos conteúdos de cada tica e os rumos da área. área da ciência, meta difícil de ser atingida. Poucos anos depois, em 1988, o Núcleo de Política CientíCursos de pós-graduação- Os cursos destinados à formafica e Tecnológica da Universidade de Brasília (UnB) desenvolção de profissionais especializados em divulgação científica ve, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento são um fenômeno recente. Ainda assim, é possível localizar Científico e Tecnológico (CNPq), o I Curso de Especialização na década de 70 algumas experiências pioneiras. em Divulgação Científica. O curso teve duração de um semesA primeira delas realiza-se em 1972, na Escola de Comutre, com palestras de pesquisadores e jornalistas científicos. nicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP). Em 1999, o Laboratório de Estudos Avançados em JornaTrata-se do Curso de Extensão em Jornalismo Científico, milismo (Labjor) da Unicamp inicia um curso de especialização nistrado pelo professor e divulgador espanhol Manuel Calvo em Jornalismo Científico voltado a um público misto, de jorHernando, do qual resultou o livro Teoria e prática do jornanalistas e pesquisadores. Oferecido em conjunto com o Deparlismo científico. O curso, no entanto, não teve continuidade, tamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT) do Insapesar de a pós-graduação da ECA ter mantido projetos de tituto de Geociências e com o Departamento de Multimeios GRAÇA CALDAS E MONICA MACEDO
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EXPERIEN C IA S EM JORNALI S M O C I EN TIFI C O
(DMM) do Instituto de Artes da Universidade, o curso é estruExperiência semelhante aconteceu de setembro de 1981 turado em três semestres, com disciplinas teóricas e oficinas a fevereiro de 1982, na Universidade Metodista de São Paude divulgação. Uma de suas atividades é a revista eletrônica lo, com o apoio do CNPq. Trata-se da Agência Brasileira de Com Ciência (http://www.epub.org.br/comciencia), lançada Divulgação Científica (ABDC), que, com a participação de em agosto deste ano, com reportagens elaboradas pelos alunos. alunos de pós-graduação do mestrado em Comunicação No âmbito da pós-graduação, vale ainda ressaltar duas Científica e Tecnológica, produziu matérias de divulgação experiências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). científica para a mídia. Há que se mencionar, também, a iniciativa do Centro A primeira delas, na Escola de Comunicação (ECO), que oferece em seu mestrado uma área de conde Divulgação Científica e Cultural da centração em Ciências da Informação, USP/São Carlos, cujo site na Internet com a linha de pesquisa "Informação, (http://www.cdcc.sc.usp.br) traz infor"Mas os cursos Ciência e Sociedade': que inclui pesquisas mações sobre eventos, programas edusobre a informação científica em diferencativos, "experimentoteca", minicurde divulgação tes contextos sociais, políticos e culturais. sos, etc. E a segunda, no Departamento de científica estão Bioquímica Médica do Instituto de CiênExtensão - Interessadas em capacitar proliferando cias Biomédicas, que cria, em 1995, uma profissionais para a divulgação científiárea de concentração em "Educação, Dica, algumas instituições têm também em vários fusão e Gestão em Biociências': aberta a oferecido cursos de curta duração, muigraduados de diferentes áreas, inclusive tos dos quais abertos ao público. Há cantos do país" o jornalismo. Nesse programa, uma das cerca de cinco anos, a Fundação Oswaldisciplinas ofereceu, em setembro últido Cruz, por exemplo, ofereceu um mo, um curso intensivo de divulgação curso de Biologia Molecular para jorcientífica a distância, pela Internet, do qual participaram jornalistas, cujo objetivo era municiá-los com conceitos básinalistas e pesquisadores de diferentes regiões do Brasil. Uma cos dessa área de conhecimento e promover uma divulgasíntese dos trabalhos resultantes do curso está sendo publição mais competente do tema. No mesmo sentido, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeicada na forma de jornal eletrônico. ro (Faperj) ministrou, no início dos anos 90, um curso soGraduação- Face à crescente demanda dos meios de comubre ciências para jornalistas. nicação e à valorização da atividade de divulgação, alguns Em 1997, o Labjor da Unicamp, numa parceria com a cursos de graduação em Jornalismo começam a incluir em Brasmotor S.A. e Multibrás Eletrodomésticos S.A., realizou seu currículo disciplinas de Jornalismo Científico e/ou prouma oficina on line de jornalismo científico, a Ojjor Ciência, jetas de pesquisa na área. É o caso da Universidade Federal que teve entre seus participantes funcionários da empresa, rede Pernambuco (UFPE), Universidade de São Paulo (USP), pórteres, editores e estudantes de jornalismo. Os trabalhos Universidade Metodista de São Paulo (Umesp ), Universifeitos pelos alunos podem ser consultados no site do Observatório da Imprensa (http:/ /www2.uol.com.br/observatorio ). dade de Mogi das Cruzes (UMC), Universidade do Vale do Paraíba (Univap), Universidade Santa Cecília (Unisanta), enAs várias experiências aqui descritas mostram que os curtre outras. sos de divulgação científica, embora ainda sejam poucos, estão Na UFPE, por exemplo, os alunos, orientados por profesproliferando em vários cantos do país. A preocupação com a melhoria da qualidade da cobertura científica nos meios de comusores, elaboram um informativo mensal, por correio eletrônico, sobre a produção científica da Universidade. Produzem, nicação não se restringe apenas ao âmbito acadêmico. Entidaainda, o WebGT (http://www.cac.ufpe.br/virtus/webgt), um des profissionais, como a Associação Brasileira de Jornalismo site com textos do Grupo de Trabalho em Comunicação e Científico (ABJC) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, por exemplo, promovem há anos conCiência da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e outros materiais. gressos e seminários, reunindo jornalistas e cientistas para reflexão conjunta sobre a prática da divulgação. Núcleos de pesquisa- Junto a seus programas de formaIniciativas conjuntas entre universidades, entidades profissionais e o incentivo das agências de fomentos, como Cação, algumas universidades brasileiras desenvolvem atividapes, CNPq e mais recentemente a FAPESP, poderão não só des de pesquisa sobre divulgação científica. Na ECA/USP, uma das mais importantes é o Núcleo José Reis de Divulgaampliar como melhorar substancialmente a qualidade do jorção Científica, que também oferece, periodicamente, cursos nalismo científico no país. como o de "Exercício e Prática da Divulgação Científica': Na mesma universidade, a Agência Universitária de Notícias (AUN) realiza, desde 1971, atividades de divulgação dos conGraça Caldas e Mônica Macedo são jornalistas, pesquisadoras gressos e trabalhos de pesquisa da Instituição, com a partido Labjor!Unicamp e professoras da área cipação de alunos de graduação em jornalismo. de Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp ). PESQUISA FAPESP
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EX P ER I ~NC I AS E M J O R N ALI S M O C I ENT I F I CO
Apesar da Internet, atnplia-se o aperfeiçoatnento fortnal Multiplicam-se no exterior os programas de jornalismo cientifico empregados contratados ou free-lano artigo Como a Internet está cers, ligados a jornais, serviços eletrônimudando o jornalismo científico, cos, revistas, rádio, televisão, produção publicado no HMS Beagle, com "O programa de textos de livros ou textos na Web. data de 3 de setembro último, David de bolsas do M IT Não estão qualificados profissionais Whitehouse, editor de ciência do BBC cujo emprego principal é de "relações News Online, considera com impecável busca jornalistas públicas" ou "informação pública" para ironia britânica que, atualmente, para qualquer cliente. ser um jornalista científico passável, basexperientes, No caso de empregados contratata ter meia dúzia de marcadores de páfree-lancers ou dos, normalmente eles são licenciados gina em seu browser na Web. "São eles pelo empregador para se dedicar inteEurekAlert- que é, obviamente, o prinempregados" gralmente ao programa. E a maioria cipallugar, na Internet, para jornalistas dos empregadores complementa as bolde ciência; HMS Beagle, é claro; o site de sas, pagando a diferença em relação ao divulgação de Nature; e o site europeu salário normal do jornalista. Em troca, eles têm o direito de Alpha Galileo. Acrescentem-se a eles algumas ligações para o Departamento de Saúde do Reino Unido e pronto: você é pedir aos bolsistas que voltem e permaneçam pelo menos um jornalista de ciência de altos vôos:' um ano no emprego após a bolsa. A seleção dos bolsistas é feita por um conselho de jornaEmbora Whitehouse tenha flagrado com seu olho crítico um viés real da atual cobertura jornalística de ciência, manlistas e destacados cientistas do corpo docente do MIT. No ano passado foram recebidos 43 pedidos e na avaliação sotêm-se no mundo inteiro, ou pelo menos nos países mais debraram 12 finalistas. senvolvidos, possibilidades de formação especializada de profissionais que trabalham ou pretendem trabalhar com diInvestigação na Int e rnet- Com paciência para navegar na fusão de informações de ciência e tecnologia. Entre dezenas Internet, pode-se descobrir os detalhes de muitos outros de programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico espalhados pelos Estados Unidos e Europa, pode-se citar, por programas de aperfeiçoamento em jornalismo científico. exemplo, o famoso Knight Science ]ournalism Fellowship, iniHá, por exemplo, o mestrado oferecido pela Universidade de Boston (ver http://www.bu.edu), que também é voltado ciado em 1983 e pelo qual passaram até hoje 162 jornalistas. O programa propõe aos candidatos passar um ano acapara jornalistas que trabalham com informações de ciência, dêmico (nove meses, de setembro a maio) no MIT, o Institecnologia, meio ambiente e saúde para o grande público. O Centro de Jornalismo Científico da Universidade de Mistuto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge. Destina-se principalmente a jornalistas com experiência mínima souri (http://science.jour.missouri.edu), fundado em 1987, de três anos na cobertura de ciência, tecnologia, medicina oferece cursos e workshops nas mesmas áreas. A Universidade da Califórnia, em Santa Cruz (http://www.ucsc.edu), tem ou meio ambiente, para o público em geral, mas jornalistas também, desde 1982, um programa de pós-graduação em que trabalham há pelo menos cinco anos com outros temas jornalismo científico. e desejam mudar para a área de C&T também são aceitos. As bolsas, de US$ 35 mil, são concedidas somente a norteDo outro lado do Atlântico, a British Association (http://britassoc.org.uk) preocupa-se mais em mostrar aos americanos. Os estrangeiros devem custear suas despesas, cientistas como a mídia trabalha (programa Media Fellowships) que, segundo advertência dos responsáveis pelo Knight, são altas mesmo para padrões norte-americanos. Um pequeno do que em formar jornalistas para a cobertura de ciência. apartamento para uma pessoa em Cambridge custa cerca de De qualquer sorte, é possível procurar no site iniciativas que sejam de maior interesse dos jornalistas. Já a Universidamil dólares mensais. de de Salamanca, na Espanha, tem um respeitado mestraO programa do MIT, segundo os termos de sua divulgado em Cultura e Comunicação em Ciência e Tecnologia ção na Internet, pretende atingir também jornalistas vetera(http://cts.usal.es), voltado para jornalistas e outros profissinos. "Aqueles com muito mais tempo de experiência são alonais. Sem cair na caricatura esboçada por Whitehouse, é tamente incentivados a se candidatar." As bolsas do Knight recomendável aos jornalistas científicos algumas pesquisas, são oferecidas para repórteres, escritores, editores, produinclusive sobre a formação de jornalistas, na Internet. tores, ilustradores e fotógrafos . Os solicitantes podem ser
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