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8 Governo paulista faz uma grande festa para os cientistas que concluíram o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa e lhes concede a Medalha do Mérito Científico e Tecnológico e o troféu Árvore dos Enigmas
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A empresa Hidro Ambiente desenvolve, no âmbito do PIPE, técnicas de monitoramento de áreas poluídas e de avaliação de riscos ambientais
Pesquisa realizada no âmbito do Biota-FAPESP encontra na Mata Atlântica e no Cerrado paulista plantas com ação antitumoral e antifúngica
36 Projeto temático sobre o ecossistema das águas da Ilha de São Sebastião descobre novas espécies e revela aspectos ainda desconhecidos da geologia do canal
20 Estudos feitos por pesquisadores do IAG apresentam informações novas sobre a evolução química das galáxias e a formação de estrelas na Via Láctea
MEMORIAS
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OPINIÃO
7
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÚGICA
8
EDITORIAL
CIÊNCIA TECNOLOGIA HUMANIDADES LIVROS
Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Leonardo Costa; escultura de Elvio Becheroni
LANÇAMENTOS ARTE FINAL
20 39 46 52 53 54
46 Estudos sobre os sambaquis do litoral de Santa Catarina mostram que suas populações eram sedentárias e possuíam complexa organização social e que os morros de conchas eram monumentos funerários PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 3
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO CONSELHO SUPERIOR PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE PROF. DR.ADILSON AVANSI DE ABREU PROF. DR.ALAIN FLORENT STEMPFER PROF. DR. ANTÓNIO MANOEL DOS SANTOS SILVA PROF. DR. CELSO DE BARROS GOMES DR. FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO PROF. DR. FLÀVIO FAVA DE MORAES PROF. DR. JOSÉ JOBSON DE A.ARRUDA PROF. DR. MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO DR. MOHAMED KHEDER ZEYN PROF. DR. RUY LAURENTI CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) CARLOS HAAG (HUMANIDADES) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (TEXTO) DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA TÃNIA MARIA DOS SANTOS COLABORADORES ANA MARIA FlORI CLÀUDIA IZIQUE LUCAS ECHIMENCO MARCOS PIVETTA MAURO BELLESA MIRIAN IBANEZ OITO FILGUEIRAS SILVIA DE SOUZA ULISSES CAPOZOLI WAGNER DE OLIVEIRA ENCARTE ESPECIAL O FUTURO DA GENÓMICA NO BRASIL FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N" 1500, CEP 05468-90 I ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP TEL (O - 11) 838-'1000 - FAX: (O - 11) 838-41 17 ESTE INFORMATIVO ESTÀ DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP:
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Imprecisões
No último parágrafo do quadro "De Herófilo a Descartes" (Pesquisa FAPESP edição N° 48, pág. 29, reportagem "Proteção durante o sono") consta que "na primavera os dias são mais longos': Rigorosamente, não há dias mais longos ou mais curtos, pois todos os dias duram 24 horas. O que varia é a duração do período diário de luz solar, que é mínimo no solstício de inverno (22 de junho no hemisfério sul e 22 de dezembro no hemisfério norte) e máximo no solstício de verão (22 de dezembro no hemisfério sul e 22 de junho no hemisfério norte). Na mesma edição, na matéria "O valor do conforto ambiental" (penúltimo parágrafo da página 32) se diz que "a água retira calor dos animais somente no estado gasoso" e que "não adianta, portanto, regar ou aspergir água (na forma líquida) sobre os animais." Essa informação está incorreta. É exatamente ao passar do estado líquido para o estado gasoso que a água retira calor do ar ou dos corpos com os quais estiver em cantata. A refrigeração evaporativa consiste em aspergir gotículas de água (líquida, sim) no ambiente. Quando o sistema é bem dimensionado, ao evaporar, essa água absorverá calor do ar (e não diretamente dos corpos das pessoas ou animais), reduzindo, assim, a temperatura ambiental. Nenhum resfriamento, portanto, será obtido através da introdução de vapor d'água em um ambiente.
e-mail: mariluce@fapesp.br
PROFESSOR MAURICIO RORIZ,
SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
4 · HARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Depto. de Engenharia Civil da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) São Carlos, SP
Quanto à primeira observação, definindo-se dia como um período de 24 horas composto de um período de claro e um de escuro, o Prof Maurício Roriz está correto. O dia tem 24 horas e sua duração não varia. No texto em questão, entretanto, a palavra dia foi utilizada em oposição à palavra noite. Os dois
significados estão previstos no Dicionário Aurélio, ainda que cientificamente, haja uma imprecisão. . Quanto à segunda observação, a pesquisadora Irenilza Nii.ii.s responde que realmente o professor tem razão, no que se refere à variação da temperatura do ambiente. Aspergindo água sobre os animais, desde que haja diferença de umidade relativa, ou seja, o ar não esteja totalmente saturado, haverá evaporação, portanto, resfriamento adiabático. Mas o ganho maior de conforto quando se molha o animal (principalmente suínos e bovinos) está na troca térmica por condução, pois a água sempre está em temperatura inferior à de sua pele, portanto a refrigeração se dará por condução entre a água e a pele. Mulheres na ciência
Será mesmo verdade que as cientistas brasileiras são mais consideradas do que as suas colegas do mundo desenvolvido? Tal conclusão foi apresentada na seção Política Científica e Tecnológica, em Estratégias, da edição N° 49, porque 8,85% dos membros da Academia Brasileira de Ciências são mulheres, comparados com os 6,2% da Academia de Ciências dos Estados Unidos. Não deveria ter sido considerado que, no Brasil, provavelmente devido ao pouco valor social da carreira científica, o número de mulheres trabalhando em Ciência é, proporcionalmente, muito maior do que no mundo desenvolvido? Como resultado disso, no ranking dos cientistas brasileiros mais citados na literatura a porcentagem de mulheres é considerável em áreas como Bioquímica (24%) e Química (14%) (Folha de São Paulo, 12/09/1999). Comparar esses números com os correspondentes números dos países desenvolvidos e, então, compará-los com os números das Academias, isso sim, seria muito revelador... PROFESSORA ÜHARA AUGUSTO,
Depto. de Bioquímica do Instituto de Quimica/USP - São Paulo, SP
EDITORIAL
Uma senhora homenagem Governo do Estado ofereceu uma bela festa aos cientistas da Xylella matéria .de capa desta edição de Pesquisa vessia do desconhecimento à competência nessa área nova e altamente estratégica da ciência conFAPESP é singular. Pelo nosso padrão usual, temporânea quanto as definições e especulações tais matérias referem-se a resultados de sobre os próximos passos da pesquisa genômica pesquisas de porte significativo, financiadas pela no Brasil. Passado e futuro se entrelaçam nas falas FAPESP em qualquer área do conhecimento- daí porque projetas temáticos e projetas apoiados por de pessoas que têm indiscutível autoridade para abordar esse tema. E, para que se possa também programas especiais têm sido nossa fonte mais observar olhares sobre a pesquisa científica de freqüente de matéria prima jornalística para as quem a vê de outro·ângulo- o do universo políticapas. Mas desta vez as pesquisas cederam lugar a co e administrativo - estão no enuma festa - uma grande festa procarte as íntegras dos discursos do movida pelo governo do Estado de governador Mário Covas e do miSão Paulo para os cientistas que nistro Ronaldo Sardemberg, profeconcluíram, em janeiro deste ano, o seqüenciamento do genoma da ridos na festa da Xylella. Apesar da insistência, aqui, na bactéria Xylella fastidiosa, o proje"Reconheceu-se bactéria já famosa, esta edição de to pioneiro do programa Genoma a excelência Pesquisa FAPESP é muito diversifimontado por esta Fundação. cada. Entre os destaques, um novo Pode até parecer um tanto estrae o caráter nho uma revista de divulgação ciensoftware desenvolvido em parceria paradigmático tífica dedicar várias páginas a uma Petrobras/Unicamp, que dinamiza cobertura jornalística que guarda e agiliza o processamento de irifordessa mações nas operações de extração e certo parentesco com as colunas sopesquisa" ciais (sem qualquer crítica aqui, rena caracterização dos reservatórios gistre-se, às muito informativas code petróleo. Mas a uma incomensurável distância dos campos petrolílunas sociais, e apenas ressaltando . feros e da tecnologia de uso concrea diferença de natureza das coisas). Mas quando uma festa atesta o reto, imediato, vale a pena conferir conhecimento público do governo informações novas sobre a evolução das galáxias e a formação de estrelas na Via estadual- que se esten~eu também ao governo federal- à excelência e ao caráter paradigmático de Láctea obtidas por pesquisadores do IAG/USP. uma pesquisa, ela merece ser comentada numa Os resultados promissores de uma pesquisa revista desse tipo. Quando uma festa marca uma relacionada simultaneamente à saúde humana e atitude de respeito e aplauso caloroso, por parte ao meio ambiente estão em matéria que conta sobre plantas com ação antitumoral e antifúngide um governo, a duas centenas de pesquisadores ca encontradas na Mata Atlântica e no Cerrado que durante dois anos se dedicaram entusiasticapaulista. E, para concluir, as ciências humanas mente a decifrar uma questão que, além das imcomparecem nesta edição com temas muito insplicações sobre o porte da produção científica nacional, promete repercussões econômicas e sociais tigantes: de um lado, novos conhecimentos sobre de peso, essa festa conquista o direito de pertencer nossas populações pré-históricas, obtidos a parà história social da ciência brasileira. E nesse caso, tir de estudos dos sambaquis do litoral de Santa conceder-lhe a capa e um bom espaço em PesquiCatarina; de outro, informações promissoras sosa FAPESP é apenas bom senso editorial. bre mudanças sensíveis na relação homem-mulher e pai-filhos, apesar (ainda) da relutância A genômica, de qualquer sorte, não é tratada masculina em aceitar um modelo igualitário de nesta edição apenas em seu ângulo festivo. No encarte especial da revista ganham corpo tanto revedistribuição das responsabilidades do casal na lações sobre como foi fazer, em São Paulo, a traestruturação da família.
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PESQUISA FAPESP • MARÇO DE lODO • 5
MEMÓRIAS r
Chegada dos primeiros alunos do ITA, em 1950: corpo de especialistas que projetam e mantêm os aviões no ar
A construção da aeronáutica brasileira O Brasil é hoje um dos principais fabricantes mundiais de aviões de médio porte, graças à Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer). O êxito tem pelo menos duas razões. Uma é a visão a longo prazo do marechal-do-ar Casimiro Montenegro Filho, que insistia: o país poderia brilhar na indústria aeronáutica se investisse em pesquisa e formação de recursos humanos. Falecido no dia 26 de fevereiro, aos 95 anos, Montenegro concebeu e dirigiu o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), uma instituição de pesquisa criada em 1946 em São José dos Campos. A outra razão que faz o Brasil se destacar nas feiras internacionais de aviação é o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), também criado, há 50 anos, por Montenegro. Mais do que uma parte, o ITA é o coração 6 • MARÇO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Montenegro:
do CTA: como órgão de ensino superior do Ministério da Aeronáutica, forma os engenheiros que projetam e mantêm os aviões brasileiros no ar. Patrono da Engenharia Aeronáutica Brasileira, Montenegro nasceu em Fortaleza em 29 de outubro de 1904. Fez parte da primeira turma de aspirantes-a-oficial da Arma de Aviação do Exército, criada em 1927, e formou-se aviador em janeiro de 1928.
Em 1931, participou do primeiro vôo do Serviço Postal Aéreo Militar. Para lecionar no ITA, trouxe especialistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, dos Estados Unidos, e firmou a preocupação com a qualificação dos mestres. Nos anos 60, o ITA incorporou cerca de 20 professores estrangeiros e os primeiros ex-alunos ao corpo docente. Outro marco: em 1996, o ITA passou a admitir o ingresso de mulheres. Em 50 anos, o ITA formou cerca de 4.000 engenheiros, que mostraram coerência com as idéias lançadas naquele 16 de janeiro de 1950, quando Montenegro comentou: "O que mais engrandece uma nação é o conhecimento que ela detém. Conhecimento que, no caso do Brasil, deve ser sempre buscado por instituições como o ITA e as universidades".
OPINIÃO WILSON BUENO
O jornalismo em tempos de Xylella Ampla cobertura mostrou que a boa ciência é sempre notícia a produção de C & T como prioridade nacional. Em seqüenciamento completo do genoma da quarto lugar, de maneira inequívoca, registrou a bactéria Xylella fastidiosa representa, efeapaixonante aventura da atividade científica. A tivamente, um marco da ciência brasileira. Para os jornalistas e pesquisadores voltados emoção e o entusiasmo dos pesquisadores e da própria direção da FAPESP contaminaram os veípara a divulgação da ciência, as conquistas releculos e, desta forma, títulos como "vitória da ciênvantes deste Programa não se encerram, porém, cia': "rara façanha" e "descoberta revolucionária" no campo da investigação científica. foram muito comuns. A amplitude do noticiário associado a esse feiUma vitória importante, porque, geralmente, to extrapolou os limites geralmente tímidos que cientistas e jornalistas têm sido cúmcercam a cobertura da ciência e da plices no processo de divulgação, tecnologia no Brasil, comprovando caracterizando a produção de ciêna tese de que a boa ciência será (ou cia e tecnologia como mero fruto deveria ser) sempre notícia. Centenas de notas, reportagens da razão e do intelecto. Isso talvez explique a visão estereotipada que e, inclusive, editoriais dos nossos " O noticiário os jovens (e a opinião pública) têm principais veículos impressos e hofoi importante do mundo da ciência, definido coras de divulgação no rádio e na TV proclamaram ruidosamente a conmo frio, relegado a senhores de barpara a afirmação quista brasileira. A cobertura não bas brancas, cabelos espetados, irrida nossa real tadiços e sorumbáticos. As jovens se restringiu aos veículos do eixo Rio/São Paulo ou a alguns poucos pesquisadoras paulistas romperam competência jornais que, tradicionalmente, decertamente esses velhos paradigdicam espaço às questões de C & T, mas e isso foi bom para a ciência e científica" . para o jornalismo científico. Finalmas se estendeu a todo o país, com mente, a divulgação do Programa resultados positivos para a afirmaGenoma-FAPESP reforçou mais uma ção da nossa real (mas nem sempre vez a tese, por nós amplamente dereconhecida e divulgada) competência científica. fendida, de que os centros geradoA cobertura teve o mérito de reforçar alguns res e financiadores de C & T precisam cultivar uma atributos importantes da produção da ciência e da cultura de comunicação. É fundamental, como fez tecnologia contemporâneas. Em primeiro lugar, a FAPESP e os seus pesquisadores, assumir um evidenciou a importância da pesquisa científica e compromisso com a partilha do conhecimento, sua relação estreita com o nosso desenvolvimento democratizando o acesso da população às descoeconômico e sócio-cultural. Em segundo lugar, bertas científicas e às inovações tecnológicas. Urge destacou a necessidade e a relevância do trabalho capacitar as fontes para a interação com o público em equipe, da articulação indispensável entre pese, em especial, com os jornalistas, mediadores imquisadores e áreas de conhecimento, dado fundaportantes nesse processo complexo de decodificamental porque a história da ciência, contada pelos ção do discurso especializado da ciência. livros didáticos (e pela mídia), continua privilegianA praga do amarelinho, que destrói os nossos laranjais, fez, por tudo isso, um bem enorme para do heróis e ações isoladas. Em terceiro lugar, mostrou que a ciência e a tecnologia de vanguarda, o jornalismo científico brasileiro. porque complexas e caras, requerem patrocínio e financiamento, de onde emerge a responsabilidade do poder público e a vontade política de eleger WILSON B uENo é professor da ECA/ USP e jornalista
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PESQUISA FAPESP · MAR\0 OE 1000 • 7
PESQUISADORES PREMIADOS •Adilson Leite •Adriana Fumie Tateno •Adriana Yamaguti Matsukuma •Agda Paula Facincani •Aida Maria Backx Noronha Madeira •Aiessandra Alves de Souza •Aiessandro Paris •Alice Akimi lkuno •Aline Maria da Silva •Ana Cláudia Rasera da Silva •Ana Lúcia Tabet Oller do Nascimento •Ana Paula Moraes Fernandes •Anamaria Aranha (amargo •Andersen Ferreira da Cunha •André Luis Dorini •André Luiz Vettore de Oliveira •Andréa de Assis Souza •Andrew John George Simpson •Anete Pereira de Souza •Anita Wajntal •Anna Christina de Mattos Salim •Antônio Carlos Boschero •Antônio Carlos Maringoni •Antônio Nhani Júnior •Ari José Scattone Ferreira IO · MARÇO DE 2000
MARILU C E MOURA E CARLOS FIORAVANTI
ificilmente, os quase 200 pesquisadores que realizaram o seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, conduído em janeiro passado, conseguirão esquecer a noite de 21 de fevereiro de 2000. E como esquecê-la? Foi naquela noite que eles tiveram a oportunidade rara de ver fogos de artifício subindo aos céus do velho centro de São Paulo em sua própria homenagem, na cena, no mínimo insólita, da comemoração de um feito científico avançando até o espaço da rua - num país que até há pouco mal reconhecia sua ,competência científica. Os fogos <seguiam-se à surpresa já provocada pelos banners espalhados pelo bairro do ·Bom Retiro, nas proximidades do Complexo Cultural Júlio Prestes, com a mensagem "São Paulo se orgulha de seus cientistas". Naquela noite os pesquisadores da Xylella viram-se, em clima um tanto hollywoodiano, cercados por flashes de câmaras fotográficas, luzes coloridas saídas de sky-tracers de raios laser, e fumaça de gelo seco, enquanto caminhavam sobre o tapete vermelho dentro do túnel high-tech de nylon branco especialmente montado para a ocasião, que os conduzia
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PESQUISA FAPESP
da Praça Júlio Prestes ao Complexo Cultural. E havia monitores de TV exibindo logomarcas do governo do Estado de São Paulo, da FAPESP e do Programa Genoma, videowall, projeções multimídia, telões no hall do Complexo mostrando a entrada dos convidados, múltiplos elementos, enfim, de uma completa parafernália tecno-estética destinada a fazer aquela noite memorável. Mas definitivamente inesquecível para os cientistas - vindos de universidades públicas e privadas e de institutos de pesquisa de São Paulo, Campinas, São José dos Campos, Botucatu, Ribeirão Preto, Jaboticabal e Mogi das Cruzes - seria a meia hora em que mais tarde, dentro da Sala São Paulo, receberiam os troféus, as medalhas e diplomas do mérito científico e tecnológico instituídos pelo Governo do Estado de São Paulo, e aplausos- muitos aplausos de uma platéia de mais de mil pessoas. Naquela sala para concertos dentro da antiga estação de trens Júlio Prestes, onde se combinou sem choques a arquitetura de estilo eclético do início do século com o tratamento técnico mais moderno para lhe garantir uma acústica perfeita, mesmo os mais discretos devem ter experimentado por instantes o gosto da glória da breve metamorfose de pesquisadores em estrelas. Tudo isso soa como exagerado ufanismo paulista? A resposta fica para o futuro, que melhor revelará as novas possibilidades abertas para a ciência no Brasil com o êxito do
•Arthur Gruber •Artur Jordão de Magalhães Rosa •Augusto Etchegaray Júnior •Ayumi lkai Hasemi Carvalho •Bernardo Rodrigues Peixoto •Bianca Waleria Bertoni •Carlos Augusto Colombo •Carlos Frederico Martins Menck •Cássia Docena •Cassio da Silva Baptista •Catalina Romero Lopes •Celso Luiz Marino
projeto da X. fastidiosa. Hoje, o que se tem como fato irrefutável é que, ao concluir o seqüenciamento da bactéria causadora da clorose variegada dos citros (CVC) ou amarelinho, praga que atinge um terço dos laranjais paulistas, os pesquisadores reunidos pela ONSA- Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos tornaram-se o primeiro grupo de pesquisa do mundo a apresentar o genoma completo de um fitopatógeno, microorganismo causador de doença em plantas. E indiscutivelmente realizaram um trabalho pioneiro, de porte, métodos e alcance inéditos no país, que agora dispõe de algumas dezenas de grupos de pesquisa entre as equipes que compõem a linha de frente da genômica internacional. eja qual for o julgamento do futuro sobre o projeto, a festa da Xylella foi uma das maiores homenagens oficiais já prestadas a cientistas no Brasil. E há que se perceber nessa homenagem organizada pelo Palácio dos Bandeirantes um duplo caráter, ou melhor, dois alvos simultâneos e articulados: premiou-se o talento, o esforço individual, e sublinhou-se a importância decisiva, estratégica, da Ciência enquanto criação coletiva, nos laboratórios, de conhecimento destinado a resolver problemas da sociedade. O duplo reconhecimento ficara claro três dias antes da festa, quando o governador do
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Estado de São Paulo, Mário Covas, anunciou oficialmente, numa bem montada e irrepreensível coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes, a conclusão do seqüenciamento da X. fastidiosa. "Só há 15 grupos de pesquisa no mundo que concluíram o seqüenciamento de microorganismos, e o grupo do Brasil é um deles", insistiu o governador. Foi na coletiva, no final da manhã de 18 de fevereiro, que Covas assinou o decreto número 44.716, que "dispõe sobre a criação da Medalha Paulista do Mérito Científico e Tecnológico, do Troféu Árvore dos Enigmas e dá providências correlatas", e o decreto número 44.717, que outorgou essa medalha aos 192 pesquisadores especificados e o troféu aos institutos de pesquisa indicados. No primeiro artigo do decreto 44.716 define-se que a medalha fica instituída para "galardoar os cidadãos brasileiros ou estrangeiros que se tenham destacado na área da ciência e da tecnologia de maneira a elevar o nome do Estado de São Paulo ou beneficiar seu povo". Seu parágrafo único institui o troféu que se destina a "distinguir as pessoas jurídicas nas mesmas condições deste artigo" (registre-se aqui que a "Árvore dos Enigmas" foi a derradeira obra criada pelo escultor italiano Elvio Becheroni. Ele vivia no Brasil há 16 anos e faleceu em 26 de fevereiro passado, aos 67 anos). Em conseqüência do anúncio, os resultados do projeto da Xylella mereceriam nos
•Christian Claudino Gréggio •Cláudia de Barros Monteiro-Vitorello •Cláudia de Mattos Bel lato •Cláudio Miguel da Costa Neto •Cieusa Camillo Ati que •Cieusa Maria Mantovanello Lucon •Cristina Lacerda Soares Petrarolha Silva •Cristina Yumi Miyaki •Daniela Truffi •Dario Palmieri •David Henry Moon •Diana Azevedo Queiróz •Dirce Maria Carraro Pereira •Edson Luís Kemper •Eduardo Formighieri •Eiko Eurya Kuramae lzioka •Eiaine Pereira Guimarães
PESQUISA FAPESP ·
HAR~O
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•Eiiana Gertrudes de Macedo Lemos •Elisabete Miracca •Eiisângela Monteiro •Eiizabeth Angélica Leme Martins •Eiza Maria Frias Martins •Emmanuel Dias Neto •Eric D' Alessandro Bonaccorsi •Felipe Rodrigues da Silva •Fernando Augusto de Abreu •Fernando de Castro Reinach •Fernando Ferreira Costa •Francisco Gorgônio da Nóbrega •Gilson Soares Saia •Gislayne F. Lemes Trindade Vilas Bôas •Gonçalo Guimarães Pereira •Guilherme Pimentel Telles •Gustavo de Faria Theodoro
dias seguintes tratamento especial por parte da imprensa brasileira, com chamadas de primeira página, amplas reportagens e editoriais nos principais jornais do país. Parte da terminologia complicada do projeto entrou também nos noticiários da televisão e foi dissecada à exaustão em n.oticiários e programas de entrevistas das emissoras de rádio. O feito dos pesquisadores brasileiros na genômica alcançou mesmo alguma repercussão externa, noticiado que foi, por exemplo, pela agência inglesa BBC. O reconhecimento explícito à importância da conclusão do projeto Xylella completou-se com a recepção do presidente Fernando Henrique Cardoso, no Palácio da Alvorada, em 25 de fevereiro, de um grupo dos cientistas responsáveis pelo seqüenciamento da Xylella
(veja a página 15). Além do governador Mário Covas, estavam entre as autoridades presentes na festa da Xylella os ministros da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardemberg, e da Educação, Paulo Renato de Souza; o vice-governador Geraldo Alckmin; o ex-ministro Luís Carlos Bresser Pereira; o secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres; o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz; os diretores e conselheiros da Fundação. Logo no início da cerimônia, seu apresentador, o jornalista Joelmir Beting, disse que a
•Gustavo Henrique Goldman •Haiko Enok Sawazaki
Os laboratórios premiados
•Hamza Fahmi Ali EI-Dorry •Haroldo Alves Pereira Júnior •Helaine Carrer •Helena Cristina F. Oliveira •Hélina Maria dos Reis •Homero Pinto Vallada Filho •Hum berto Maciel França Madeira •Jane Silveira Fraga •Jeanne Blanco de Molfetta 12 · HARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
•Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer •Laboratório de Estudo da Relação entre Estrutura e Função de Enzimas, do Departamento de Bioquímica do Instituto
entrega dos prêmios aos cientistas deveria ser vista "não como a fita de chegada, mas como um tiro de partida para novas conquistas". O conhecimento, ressaltou, "tornou-se finalmente a nova riqueza das nações". O público que lotava a Sala São Paulo assistiu em seguida a um vídeo de oito minutos sobre o projeto Xylella. em realizado, em tom emocional e linguagem clara e didática, o vídeo relembra a identificação da bactéria em 1987, por Victória Rosseti, pesquisadora do Instituto Biológico de São Paulo, hoje com 81 anos; dá a palavra aos líderes científicos do projeto para que eles o expliquem; deixa que alguns dos jovens pesquisadores, cujo talento emergiu no curso do trabalho, expressem o que significou participar do seqüenciamento da X. fastidiosa; e mostra o diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, falando sobre o desafio que a Fundação encarou ao propor o projeto à comunidade científica de São Paulo. Assim, no documento, cuja sintaxe prende a atenção do começo ao fim, aparece o coordenador de DNA do projeto, o bioquímico Andrew Simpson, destacando que a ONSA, a rede virtual que integrou 35 laboratórios espalhados pelo Estado de São Paulo para realizar o seqüenciamento, é uma forma de organização inusitada mesmo internacionalmente.
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de Química da USP • •Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp •Centro de Bioinformática do Instituto de Computação da Unicamp •Laboratório de Expressão Gênica, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP •Laboratório de Estrutura e Função de ATPases, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP •Laboratório de Regulação da Expressão Gênica em Microorganismos, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da USP •Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da USP •Departamento de Botânica
do Instituto de Biociências da USP •Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento da UNIVAP •Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP •Departamento de Psiquiatria do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP •Laboratório de Biologia Molecular do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP •Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da USP •Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP •Departamento de Química da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP •Departamento de Patologia de Plantas da Escola Superior
•Jesus Aparecido Ferro •João Bosco Pesquero •João Carlos Campanharo •João Carlos Setúbal •João Meidanis •João Paulo Fumio Witaker Kitajima •João Paulo Theophilo Di Benedette •Joaquim Aparecido Machado •Jomar Patrício Monteiro •Jorge Enrique Araya •José Eduardo Krieger •José Elias Gomes
Outros países que buscam uma posição de destaque na genômica, a exemplo da Inglaterra, constata ele, optaram por construir prédios e laboratórios em vez de aproveitar a estrutura já existente, que, no caso brasileiro, permitiu reduzir os custos e ampliar a produtividade. "Não copiamos ninguém", frisou Simpson. "Inventamos, e deu certo." Aparece também um dos dois coordenadores de seqüenciamento, o biólogo Fernando Reinach, da Universidade de São Pau-
lo (USP) - na verdade, a primeira pessoa a propor ao diretor científico da FAPESP que a Fundação patrocinasse um grande projeto de seqüenciamento genético em São Paulo-, falando da imagem que mais utiliza para explicar a estrutura do DNA, base do genoma, ou seja, um colar de pérolas. E surge o outro coordenador, o biólogo Paulo Arruda, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), notando que sua carreira científica encontra-se agora
•José Franco da Silveira •José Humberto Machado Tambor •José Odair Pereira •Juliana Dezajacomo •Katucha Weber Lucchesi •Laurival Antônio Vilas Bôas •Lin Tzy Li
de Agricultura Luiz de Queiróz da USP •Laboratório de Biotecnologia do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz da USP •Departamento de Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP •Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP •Departamento de Parasitologia, Microbiologia e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP •Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Unifesp
•Departamento de Biofísica da Unifesp •Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia da Unicamp •Hemocentro da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp •Departamento de Tecnologia da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Unesp •Departamento de Biologia Aplicada à Agropecuária da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal da Unesp •Departamento de Defesa Fitossanitária Fazenda Lageado da Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu da Unesp •Departamento de Genética do Instituto de Biociências de Botucatu da Unesp
•DepartamentO' de Biotecnologia de Plantas Medicinais do Centro de Ciências Exatas, Naturais e Tecnológicas da Universidade de Ribeirão Preto •Núcleo Integrado de Biotecnologia do Centro de Ciências Biomédicas da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) •Centro de Citricultura Sylvio Moreira do Instituto Agronômico de Campinas •Centro de Genética, Biologia Molecular e Fitoquímica do Instituto Agronômico de Campinas •Centro de Biotecnologia do Instituto Butantan •Seção de Bioquímica Fitopatológica do Instituto Biológico
•Luci Deise Navarro Cattapan •Lúcia Maria Carareto Alves •Luciana Cézar de Cerqueira Leite •Luciane Prioli Ciapina •Luciano Takeshi Kishi •Lucienne Medeiros •Luís Eduardo Aranha (amargo •Luís Eduardo Soares Netto •Luiz Lehmann Coutinho •Luiz Roberto Furlan •Luiz Roberto Nunes PESQUISA FAPESP · MAR(O DE 1000 • 13
•Luíza Caria Duarte •Lyndel Wayne Meinhardt •Manoel Victor Franco Lemos •Mara Lúcia Zucheran Silvestri •Marcelo Brocchi •Marcelo Eiras •Marcelo Ribeiro da Silva Briones •Márcia Heloísa lquegami •Márcio Acêncio •Márcio de Castro Silva Filho •Márcio Rodrigues Lambais •Marco Antonio Zago •Marco Aurélio Takita •Marcos Antônio de Oliveira •Marcos Antônio Machado •Marcos Aparecido Gimenes •Marcos Macari •Marcos Renato Rodrigues Araújo •Maria Antônia I. Etchegaray •Maria Aparecida Nagai •Maria de Lourdes Junqueira •Maria Florência Terenzi •Maria Helena de Souza Goldman •Maria Heloísa Tsuhako •Maria Inês Tiraboschi Ferro •Maria Rita Passos-Bueno •Mariana Cabral de Oliveira •Mariângela Cristofani •Marie-Anne Van Sluys •Marília Caixeta Franco
dividida em duas etapas - antes e depois do genoma da Xylella. Está também no vídeo o registro das dificuldades e das emoções vividas ao longo de dois anos de trabalho, a estafante mas gratificante interpretação dos trechos finais do DNA da bactéria, a resolução dos gaps, que fazia os pesquisadores saírem pelos corredores dos laboratórios anunciando-a em clima de festa. noite prosseguiu em clima de entusmo com o governador, o minisro Sardemberg, Brito Cruz e José Aníbal entregando o troféu aos coordenadores dos laboratórios, e as medalhas a cada pesquisador. Com a palavra, depois, Simpson exaltou a dedicação da equipe e agradeceu toda a colaboração e o esforço dos colegas. Em seguida, o diretor científico da FAPESP, aplaudido de pé, preferiu olhar emocionado para o futuro: ''A ciência brasileira chegou a um ponto que exige ousadias ainda maiores': disse Perez. Olhou para trás apenas para lembrar que ele, físico, teve de aprender muito sobre genética para propor, defender e acompanhar o projeto que se tornou um dos maiores trabalhos cooperativos da história da ciência e que teve também a participação da iniciativa privada, por meio do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura Fundecitrus. O ministro Sardemberg, em seu discurso, reiterou o "esforço exemplar de colaboração, que congregou laboratórios e o setor privado" e lembrou que o governo federal
14 · MAR(O OE 2000 • PESQUISA FAPESP
também está desenvolvendo vários projetas na área da biotecnologia "para enfrentar os desafios agrícolas, de nítido interesse para os países em desenvolvimento." Já o governador Mário Covas, encerrando a sucessão de discursos, situou o seqüenciamento da Xylella na história mundial da Ciência, fazendo referência aos feitos do astrónomo italiano Galileu Galilei (1564-1642) e do botânico e monge austríaco Gregor Mendel (1822-1884), um dos formuladores dos princípios da genética moderna (veja os pronunciamentos do ministro e do governaaor no encarte especial desta edição). Joelmir Beting fechou a primeira parte da festa lembrando que "a aplicação monitorada em ciência é investimento com retorno garantido". A homenagem aos cientistas prosseguiu com uma apresentação da Orquesta Sinfónica do Estado de São Paulo, sob a regência do maestro Roberto Minczuk. O concerto foi aberto com a peça Salvador Rosa, do paulista Antonio Carlos Gomes (1836-1896). Em seguida, foi executada Batuque- Dança de Negros, do cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920), e por último, ouviu-se do paulista Francisco Mignone (1897-1986) a Congada-DançaAfro-Brasileira, da ópera O Contratador de Diamantes. Para encerrar, Minczuk conduziu o Hino Naciona~ cantado pelo Coral Sinfónico do Estado de São Paulo, sob a regência de Naomi Munakata. Felizes, pesquisadores e convidados puderam trocar suas impressões durante o coquetel que fechou uma segunda-feira especialíssima.
•Marília Dias Vieira Braga •Marilis do Vali e Marques •Marilza Antunes de Souza •Marinalva Martins Pinheiros •Mario Henrique de Barros •Marli de F. Fiore •Mayana Zatz •Mi riam Vergínia Lourenço •Nalvo Franco de Almeida Junior •Nelson Barros Colanto •Nirlei Aparecida Silva •Patrícia Garnica Roberto •Paula Azevedo Kageyama
Os cientistas no Alvorada er recebido em palácio pelo primeiro dirigente do país é uma distinção concedida a cidadãos que reconhecidamente fizeram alguma coisa relevante em benefício da nação. Quando esse palácio é também a casa do presidente, a audiência tem um caráter especial, indicativo de uma particular proximidade do presidente com as pessoas que está recebendo, ou com a área à qual estão ligadas. Assim, como de certa forma o presidente Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, homem de universidade, estava entre pares, pareciam naturais a descontração e o bom humor com que ele recebeu no Alvorada, no dia 25 de fevereiro passado, o grupo de 16* cientistas que representava os quase 200 pesquisadores que fizeram o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa. O grupo foi capitaneado pelo governador Mário Covas, e mais o secretário da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, José Aníbal Peres, o presidente e o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz e José Fernando Perez, e o presidente do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura-Fundecitrus, Ademerval Garcia. Do
S
governo federal, recebendo o grupo junto com o presidente, estavam o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardemberg, e o ministro chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, deputado Aloísio Nunes. Fernando Henrique, logo que desceu à sala de estar do Alvorada, cumprimentou, um por um, todos os presentes e convidou o grupo adescer até o hall do palácio onde estava postada a muralha de fotógrafos da imprensa para as fotos de praxe. Em tom brincalhão, chamou as moças do grupo para se colocarem mais perto dele na foto. Disparadas as máquinas uma centena de vezes, voltaram todos à sala de estar, seguiram-se mais alguns minutos de conversa leve, e o grupo desceu para a pequena sala de cinema do Alvorada. O foco do projetar não estava exatamente no ponto, o que não chegou a prejudicar seriamente a exibição do documentário em curta-metragem sobre o projeto da Xylella, aplaudido no final pelo presidente. Finda a exibição, o coordenador de DNA do projeto, Andrew Simpson, foi o escalado para dar algumas explicações a mais ao presidente, o que incluiu uma revelação cuidadosa sobre achados científicos que só podem ser divulgados depois da publicação do paper da X. fastidiosa em revista científica internacional. O presidente Fernando Henrique falou em seguida, primeiro, parabenizando os pesquisadores por seu feito, e detendo-se depois numa breve apreciação da base de pesquisa do país
•Paula Cristina Brunine Crialesi •Paulo Arruda •Paulo Inácio da Costa •Paulo Lee Ho •Pilar Drummond Sampaio Correa Mariani •Regina Lúcia Batista da Costa de Oliveira •Regina Yuri Hashimoto •Renata Guerra •Renato Alvarenga •Renato Fonseca Furquim Werneck •Ricardo Harakava •Roberto Vicente Santelli •Roberto Willians No da •Ronaldo Bento Quaggio •Roseli lzildinha Jovino Luduvério •Sérgio Furtado dos Reis •Sérgio VerjovskiAimeida
PESQUISA FAPESP • MAR(O DE 2000 • IS
•Silvana Auxiliadora Bordin da Silva •Sílvio Aparecido Lopes •Simone Kashima •Siu Mui Tsai •Spartaco Astolfi Filho •Suely Lopes Gomes •Suzelei de Castro França •Thiago Claudino Gréggio •Vagner Katsumi Okura •Valentina de Fátima D' Martin Orelli •Vanderlei Rodrigues •Vanessa Parpinelli Gonçalves •Vânia Fernandes •Vera Cecília Annes Ferreira •Vicente Eugênio de Rosa Júnior •Walter José Si queira •Wanderley Dias da Silveira •Wilson Araújo Silva Júnior •Wilton José da Rocha Lima •Zanoni Dias 16 · MARÇO DE 2000
que, "com a ajuda de gente que veio de fora': vem sendo formada há cerca de 50 anos, e hoje possibilita projetas ambiciosos como o da Xylella. "Há um sistema produzindo 4 mil doutores por ano e que se está casando com o setor produtivo. Por isso o Brasil tem futuro': disse o presidente. "O capital vem ao país porque existe aqui uma base de conhecimento': acrescentou. Fernando Henrique terminou situando a imaginação como mais importante do que a lógica para a ciência, "assim como para a música, a pintura e qualquer arte". Sem imaginação, sem a criatividade que resulta em realizações como o projeto Xylella, "é inútil toda a lógica do mundo': disse. indo o pronunciamento, Fernando Henrique recebeu de Fernando Reinach, um dos coordenadores de seqüenciamento do projeto, uma cópia emoldurada do mapa completo do genoma da X. fastidiosa, assinado no verso pelos 17 pesquisadores que foram ao Alvorada, e, sempre brincando, prometeu decorar toda a seqüência de letras dos 2,7 milhões de bases da bactéria. Saindo da sala de exibição, ao saber por Simpson que, além da FAPESP, também o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer investe US$ 5 milhões no Genoma Humano do Câncer, provocou o ministro da Ciência e Tecnologia lhe dizendo: "ô, Sardemberg, coloque também US$ 5 milhões nesse projeto!" De volta à sala de estar do Alvorada, o presidente circulou entre os grupos que se formaram, pediu mais detalhes sobre o trabalho de seqüenciamento, perguntou sobre o papel da bioinformática e usou de um leve humor con-
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PESQUISA FAPESP
tra os biólogos, quando Simpson lhe disse que hoje os pesquisadores que atuaram como coordenadores de bionformática do projeto, João Meidanis e João Setúbal, sabem mais biologia que ele próprio - "É que biologia é fácil': rebateu Fernando Henrique. Indagou das possibilidades de São Paulo estabelecer acordos de cooperação com outros estados brasileiros para difundir a competência adquirida em genômica e ouviu de Perez e de Paulo Arruda, o outro coordenador de seqüenciamento da Xylella, que no projeto Genoma da Cana já existem acordos estabelecidos com Pernambuco e Alagoas, além de estar em discussão o estabelecimento de parcerias com grupos de outros países. Ouviu também do pesquisador Sérgio Verjovski, da USP, informações sobre possibilidade de parcerias com o Rio de Janeiro. O presidente fez perguntas às jovens pesquisadoras que integravam o grupo e a conversa seguiu amena até que o chefe do Gabinete Civil, Pedro Parente, veio avisar ao chefe que eram horas de encerrar o encontro. Estava-se por volta do meio-dia e meia e o grupo que chegara às 11 horas deixou o Alvo• rada visivelmente gratificado.
* Além dos citados no texto, integraram o grupo de pesquisadores que foi ao Alvorada: Anamaria Aranha Camargo, Ana Cláudia Rasera da Silva, Claudia Vitorello, Eliana Gertrudes de Macedo Lemos, Elizabeth A.L. Martins, Jesus Aparecido Ferro, Marcos Antônio Machado, Mariana Cabral de Oliveira, Marie-Anne Van Sluys e Marilis do Valle Marques. Estava também a jornalista Mariluce Moura, editora chefe da revista Pesquisa FAPESP.
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PERSONALIDADE
16 títulos de doutor honoris causa de universidades nacionais e do exterior. Chagas Filho também foi a quarta personalidade a receber o Prêmio Del Duca, o similar francês ao Nobel da Paz. Filho do cientista Carlos Chagas, descobridor da doença de Chagas, O cientista conseguiu. Carlos Chanasceu no Rio de Janeiro em 1910. gas Filho conduziu o processo de reaDesde cedo, passou a conviver com bilitação de Galileu. Coordenou tamos pesquisadores do Instituto Oswalbém, a pedido da Igreja, os estudos do Cruz, em Manguinhos, dirigido para datação do Santo Sudário. Depois pelo seu pai. Mais do que uma herande encaminhar pedaços do manto para nove laboratórios ça paterna, descobriu a espalhados pelo paixão pela ciência: "Não mundo, descobriuposso dizer que houve escolha, porque não hase que o Sudário não era o lençol que covia possibilidades para mim': disse certa vez. Chagas criou na década de 40 - e posteriormente deu seu nome -, a um dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil: o Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aonde continuava com o pai e o irmão dando aulas nos curEvandro (esq.). sos de mestrado e doutorado. Estudando na França, na década de 40, o cientista constatou que todos os animais, incluindo o ser humano, produzem eletricidade, por meio da energia química que recebem através dos alimentos e que se transforma em energia elétrica. A partir dessa constatação, a equipe do cientista desenvolveu uma produtiva atividade acadêmica que ainda hoje prossegue briu Jesus, e sim um artefato do sénos laboratórios da UFRJ. culo VI. Chagas preparou, ao longo da O prestígio internacional levou o carreira, mais de trezentos trabalhos cientista a integrar comissões da Orsobre o sistema neuromuscular do ganização das Nações Unidas (ONU) peixe-elétrico (Electrophorus eletricus), e ser nomeado representante brasileifornecendo dados para o estudo de ro na Unesco entre 66 e 70. Na ONU, doenças neuromusculares, deficiências ocupou a presidência do Comitê Cienrelacionadas ao mecanismo de geração tífico para a Aplicação da Ciência e de corrente elétrica e que podem impeda Tecnologia ao Desenvolvimento. dir os movimentos normais de uma Foi o segundo brasileiro a ser aceito pessoa. Outro alvo de suas pesquisas foi na Academia Francesa de Ciência - o o curare, veneno vegetal paralisante primeiro foi dom Pedro II - e recebeu usado por índios sul-americanos. •
Fé e religião conciliadas Carlos Chagas Filho viveu respirando ciência e dizia trazê-la dentro da pele s esforços para a reabilitação do astrônomo Galileu Galileu O - acusado de heresia pela Inquisição pelos seus estudos que mudaram as noções sobre o Sistema Solar -, a datação do Santo Sudário e uma série de pesquisas sobre o sistema neuromuscular do peixe-elétrico foram alguns das contribuições do cientista Carlos Chagas Filho, falecido em 16 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Biofisico, médico, humanista, escritor, religioso, Chagas Filho teve uma trajetória pontuada pela atuação em áreas tão diversas e dizia que havia um grande mistério a desvendar: a origem da vida. Se morreu sem obter uma resposta definitiva sobre o tema, Chagas Filho trouxe novas luzes e mostrou que é possível conciliar campos tão opostos como religião e ciência. Como presidente da Academia de Ciências do Vaticano, entre 1972 e 1988, destacou-se por mobilizações de cientistas, como as campanhas pelo desarmamento e pela paz. Teve estreita convivência com os papas João Paulo II e Paulo VI, que o convidou para dirigir a Academia do Vaticano. Nesta, criou grupos de trabalho para estudar os problemas na ciência mundial e lançou outro desafio: abrir um canal de comunicação entre Igreja e Ciência.
PESQUISA FAPESP · MARÇO OE 2000 • 17
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS Universidade pública A Reitoria da Universidade de São Paulo lançou no dia 16 de fevereiro, em cerimônia presidida pelo reitor Jacques Marcovitch, o documento "A Presença da Universidade Pública", uma síntese do relatório preparado pela Comissão de Defesa da Universidade Pública, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. De acordo com o documento, é a universidade pública a responsável pela quase totalidade da pesquisa científica e tecnológica realizada no país e pelos melhores cursos de graduação e pós-graduação ministrados, o que indica, em tese, que forma os melhores profissionais brasileiros. Apesar disso, ela tem sido alvo freqüente, nos últimos anos, de uma série de críticas, que vão do alto custo que apresenta por aluno ao volume de verbas que absorve, o que desagua na defesa da eliminação da gratuidade do ensino superior. O documento apresenta dados que refutam algumas das críticas. Mostra, por exemplo, que o número de estudantes matriculados em universidade públicas é de apenas 34%, no Brasil, contra 72,4% nos Estados Unidos, 92,08% na França e 99,9% no Reino Unido. Ou seja, nos países desenvolvidos é o governo o grande responsável pelo ensino superior. Quanto ao custo por aluno no Brasil, o texto assinala 18 • HAR(O DE lODO • PESQUISA FAPESP
Gasto por aluno em instituições públicas de ensino superior em países da OCDE Países
Despesa por aluno em US$ no Ensino Superior Público
América do Norte
Canadá
Países do Pacífico
12.350
Estados Unidos
11 .880
Austrália
6.550
Japão
11 .850
Nova Zelândia
6.080
Comunidade Européia Alemanha (ex FRA)
Outros Países
6.550
Bélgica
6.850
Dinamarca
6.710
Espanha
3.770
França
6.020
Holanda
8.720
Irlanda
7.270
Itália
5.850
Re ino Unido (Público e dependente de recu rsos públicos)
10.370
Áustria
5.820
Finlândia
8.650
Noruega
8.720
Suécia
7. 120
Suíça
12.900
Fonte: A Presença da Universidade Pública- USP
que ele é muito inferior às cifras normalmente citadas, de US$ 17 mil por aluno nas universidades federais e US$ 20 mil nas estaduais. Para chegar a esses valores, segundo o documento, os críticos costumam dividir o total dos orçamentos das universidades públicas (incluindo os gastos com os hospitais universitários e todas as despesas com inativos) pelo número de alunos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não considera aqueles gastos nos seus cálculos para medir o custo por aluno nas universidades públicas dos países desenvolvidos.
Adotando-se esse critério, o custo por estudante nas universidades públicas brasileiras é de US$ 6,5 mil, semelhante ao da Alemanha e da Austrália, e inferior ao dos Estados Unidos e Japão (respectivamente US$ 11,88 mil e US$ 11,80 mil). A íntegra do documento "A Presença da Universidade Pública" está disponível no site do IEA: www.usp.br/iea.
Cientistas premiados O professor e pesquisador Esper Abrão Cavalheiro, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e atual secretário de Política Científica do Ministério
Sérgio Henrique Ferreira
Esper Abrão Cavalheiro
de Ciência e Tecnologia, recebeu o Prêmio para Ciências Médicas Básicas de 1999 concedido pela Academia de Ciências do Terceiro Mundo, pelas suas pesquisas sobre epilepsia, na disciplina de Neurologia Experimental. Já o pesquisador Sérgio Henrique Ferreira, do Departamento de Farmacologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, recebeu o Prêmio México de Ciência e Tecnologia, concedido anualmente pelo governo mexicano. Ex-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), entre as muitas pesquisas desenvolvidas por Sérgio Ferreira estão os estudos com substâncias
do veneno da serpente jararaca, que abriram caminho para sua descoberta da molécula do BPF, fator de potenciação de bradicinina, base do captopril, medicamento anti-hipertensivo, usado no mundo inteiro para as mais diversas doenças cardiovasculares.
Convênio de cooperação O Conselho Superior da FAPESP, em reunião extraordinária realizada no dia 16 de fevereiro, referendou a aprovação
do Convênio de Cooperação Técnica celebrado, em novembro passado, entre a Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas FAPEAL e a FAPESP. O Convênio tem como objetivo a cooperação no desenvolvimento de ações visando a montagem, em Alagoas, de uma infraestrutura de laboratórios de seqüenciamento genético e de bio-informática e a capacitação de recursos humanos, para que pesquisadores daquele Estado participem da rede Onsa e do Projeto Genoma Cana -de-Açúcar.
Novos números Alguns números de fax da FAPESP foram mudados. Eis os novos números: Geral da FAPESP: (Oxxll) 36452421; Importação: (Oxxll) 3645-2382; Finanças: (Oxxll) 3645-2416;
Diretoria administrativa: (Oxxll) 3645-2385;
Diretoria científica: (Oxx 11) 3645-2383; e Presidência: (Oxxll) 3645-2386.
Revistas eletrônicas O SciELO- Scientific Library Online
(scielo@brm.bireme.br), realização da FAPESP, acaba de incluir mais três revistas científicas brasileiras à relação de periódicos que já são integralamente publicados na Internet. As publicações são: Materiais Research (Revista Brasileira de Materiais), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Química Nova, da Sociedade Brasileira de Química; e a Revista Brasileira de Geofísica, publicação da Sociedade Brasileira de Geofísica.
Manifesto a favor do livre acesso ao genoma
Contra o uso indevido da informação genética
Pesquisadores norteamericanos e britânicos manifestaram-se a favor do livre acesso às informações básicas descobertas sobre o genoma humano, por meio de um comunicado publicado na Nature de 23 de março. O documento - assinado por Bruce Alberts, presidente da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, e por Aaron Klug, presidente da Real Sociedade de Londres chega uma semana após o pronunciamento público do presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e do primeiro ministro do Reino Unido, Tony Blair, que no dia 14 se mostraram favoráveis à divulgação do código genético. Clinton, Blair e os cientistas argumentam que as seqüências genéticas devem estar disponíveis a todos os pesquisadores
Qualquer agência federal dos Estados Unidos está proibida de usar informação genética como base para contratação, promoção ou dispensa de pessoal. O presidente Bill Clinton assinou decreto nesse sentido no começo de fevereiro. Ele também endossou o Genetic Nondiscrimination in Health Insurance and Employment Act, proposto no ano passado pelo senador democrata Thomas Daschle e pela deputada, também democrata, Louise Slaughter, que deve estender tal proteção aos empregados do setor privado e a quem adquire planos de saúde. Como se vê, os Estados Unidos estão se adiantando de várias formas aos riscos de mau uso das informações que as pesquisas científicas do genoma humano já começaram a gerar.
"sem custos ou outro impedimento", segundo o documento publicado na Nature, por terem sido financiadas com recursos públicos. A descoberta de seqüências de DNA que levem à identificação das função dos genes "não deve ser premiado com amplas patentes para futuras terapias ou diagnósticos, quando as verdadeiras aplicações ainda são apenas especulação", registra o comunicado dos cientistas. ''A intenção de algumas universidades e de interesses comerciais de patentear seqüências de DNA,
reivindicando çlireitos sobre um grande número de genes humanos sem necessariamente ter a compreensão de suas funções, soa contrária à essência da lei de patentes", acrescenta. Segundo as declarações tanto de Clinton e de Blair quanto a dos cientistas, teriam direito a patentes somente as inovações criadas a partir dessas seqüências - uma posição contrária à do geneticista Craig Venter, da empresa privada Celera, que tem solicitado a patente de milhares de trechos deDNA.
PESQUISA FAPESP · MAR(O DE 2000 • 19
A história de nossa galáxia registra períodos de surtos, ocorridos entre 2 e 4 e 7 e 9 bilhões de anos atrás, e épocas de baixa formação estelar ou calmarias
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Cassio leptophylla e uma laurácea (ao lado): fonte de compostos químicos que podem simplificar a produção de medicamentos
CIÊNCIA
BIOTA
Novos medicamentos das matas Pesquisadores descobrem plantas com ação antifúngica e antitumoral uando os ventos sopram a favor e o terreno é bom, os resultados logo florescem. Menos de um ano depois de lançado, o BiotaFAPESP- que desde março de 1999 reúne cerca de 200 especialistas de instituições paulistas com a finalidade de mapear e analisar toda a flora e a fauna do Estado - começa a apresentar os primeiros trabalhos concluídos. Um grupo de 45 pesquisadores identificou compostos químicos extraídos de plantas de áreas remanescentes de Mata Atlântica e do Cerrado paulista, que em experimen-
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24 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
tos preliminares de laboratório apresentaram atividade contra fungós, tumores e a doença de Chagas. A seleção de 229 extratos de plantas resultou em seis espécies com ação antibiótica, das quais duas, as mais conhecidas, já podem ser citadas. Uma é a Rauvolfia sellowii. Também conhecida como casca-de-anta ou jasmim-grado, é uma árvore que pode chegar a 25 metros, comum nos Estados de Minas e São Paulo. Pertence à famíliaApocynaceae e encontra-se muito próxima a uma espécie asiática, a Rauvolfia serpentina ou tronco-serpente, a fonte de reserpina, um alcalóide usado no tratamento de desordens nervosas. Outra planta com ação antibiótica é a Aspidosperma olivaceum, também chamada de guatambu ou guatambu-branco, árvore de 10 a 15 metros de altura, freqüen-
te na Mata Atlântica de Minas a Santa Catarina, onde é chamada de peroba. De 102 espécies de plantas da Mata Atlântica analisadas, oito espécies - das famílias das apocináceas, bignoniáceas, leguminosas, lauráceas e miristicáceas, cujos nomes permanecem bem guardados- apresentaram alguma ação antioxidante, antitumoral ou antichagásica. As antioxidantes despertam interesse por reagirem com os chamados radicais livres, que produzem a morte celular. Abre-se assim a perspectiva para a descoberta de novos modelos de medicamentos, que, a partir das plantas, poderiam ser elaborados a custos baixos pela indústria farmacêutica. Do ponto de vista ecológico, a pesquisa aprimora a análise do perfil químico das plantas e apresenta informações valiosas para entender os
processos de adaptação das plantas e sua interação com os outros seres vivos - e, portanto, fundamentais nos estudos de conservação e do desenvolvimento sustentável das matas remanescentes de São Paulo. Os resultados apóiam-se nos estudos realizados em parceria desde os anos 80 pela farmacêutica Vanderlan da Silva Bolzani, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Araraquara, e pela química Maria Cláudia Marx Young, pesquisadora do Instituto de Botânica, respectivamente coordenadora e vice-coordenadora do projeto Conservação e Uso Sustentado da Flora do Cerrado e Mata Atlântica: Diversidade Química e Prospecção de Fármacos Potenciais, que contou com R$ 585 mil financiados pela FAPESP. Essa história se enraíza nos ensinamentos do orientador de pós-graduação das duas pesquisadoras, o químico Otto Richard Gottlieb. Tcheco naturalizado brasileiro, Gottlieb criou as bases de uma área nova, a quimiossistemática, integrando química, biologia e geografia de modo a permitir a identificação de grupos de substâncias químicas encontradas nas plantas uma abordagem que lhe rendeu inclusive uma indicação para o Prêmio Nobel (ver Notícias FAPESP no43). Numa primeira etapa, a equipe de Vanderlan e Maria Cláudia- com 17 pesquisadores, 30 alunos de mestrado e doutorado e um aluno de pósdoutorado- avaliou 214 espécies de plantas. Coletaram espécies típicas de Mata Atlântica na Estação Ecológica de Juréia-Itatins, no litoral Sul doEstado; em Pincinguaba, no litoral Norte; e no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, que constitui a mata do Jardim Botânico, na cidade de São Paulo. De uma área da Fazenda Campininha, localizada em Mogi-Guaçu, nordeste do Estado, a cerca de 200 km da capital, trouxeram exemplares do Cerrado. O material coletado encontra-se depositado no herbário do Instituto de Botânica de São Paulo. Se essa foi a fase das longas caminhadas na mata, dos escorregões e dos pernilongas, a seguinte, que tratou
da extração dos compostos químicos das plantas, compensou: 3% dos extratos das plantas coletadas apresentaram alguma atividade antifúngica, antitumoral ou antioxidante. "Como em uma pesquisa de bioprospecção a expectativa de encontrar espécies com atividade biológica de interesse real é de apenas 1o/o, nossos resultados são bastante animadores': diz Vanderlan. Por enquanto, os nomes das substâncias isoladas e das plantas circulam apenas em relatórios internos, de acesso restrito aos coordenadores do Biota-FAPESP. Nem sequer foram publicados em revistas científicas. Procura-se assim assegurar as exigências para o patenteamento desses compostos químicos, uma medida indispensável quando se pensa em produção comercial (ver box na pág. 26). Compostos especiais - Desde feve-
reiro de 1999, quando começaram as coletas, os pesquisadores buscam especificamente as substâncias chamadas metábolitos secundários. São compostos químicos com atividade biológica (diferente de ação farmacológica) produzidos pelas plantas em resposta a estímulos do ambiente. "Um ataque de fungos pode levar uma planta a produzir uma substância antifúngica", exemplifica Maria Cláudia. Mas uma mesma planta, como Gottlieb demonstrou, pode produzir metabólitos diferentes de acordo com o ambiente onde vive, de suas condições fisiológicas (se está plenamente sadia ou não) e de situações de estresse, como a escassez de água, altas temperaturas ou geadas. Por essa razão, ao isolar uma substância, Maria Cláudia lembra que é vital conhecer as condições em que a planta vive. Outra preocupação é saber se as plantas estudadas constituem uma população representativa. "Isolar uma substância de interesse de uma planta em extinção ou com uma pequena distribuição geográfica pode levar a uma situação frustrante, pois a quantidade de substância pura necessária para avaliação posterior ao bioensaio primário é em geral muito elevada", diz Vanderlan. "Quase sem-
pre, as substâncias com atividade de interesse estão presentes em quantidades mínimas na planta." Igualmente importante, lembra Maria Cláudia, é a variabilidade sazonal, que implica saber a estação do ano em que a substância isolada está presente na planta em maior quantidade. As pesquisadoras alertam: ainda há um longo caminho a percorrer até que a atividade detectada seja confirmada por ensaios mais específicos. Só após cumpridas essas exigências, as substâncias isoladas poderão ser consideradas modelos potenciais para novos medicamentos. Uma parte desse trabalho conta com a participação de dois professores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo: Massayoshi Yoshida, já aposentado, que durante 20 anos trabalhou diretamente com Otto Gottlieb, e Massuo Jorge Kato. Em parceria com o farmacêutico Norberto Peporine Lopes e o farmacólogo Sérgio Albuquerque, da USP de Ribeirão Preto, eles isolaram em grande quantidade duas substâncias de uma planta do gênero Piper, que inclui as pimentas, originária da Mata Atlântica, com ação contra o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. São compostos químicos chamados de glandisinas. As duas substâncias isoladas são lignóides, uma classe de metabólitos que abarca uma série de substâncias usadas como medicamentos, 26 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Riquezas químicas da Mata Atlântica: a Psycho/ma nuda (acima) e Massuo Kato coletando folhas de apocináceas
a exemplo do teniposídeo e do etoposídeo, usados no tratamento de algumas formas de câncer. Perspectivas- A identificação de compostos de efeitos interessantes abre dois caminhos. De um lado, torna-se possível alterar os trechos das moléculas responsáveis pela atividade biológica, de modo a potencializar sua ação. De outro, é uma fonte potencial
Pedido de patente tem hora certa Quando os pesquisadores da Unesp verificaram que a guaçatonga ( Casearia sylvestris, comum do Rio Grande do Sul à Amazônia) produz compostos químicos do grupo das casearinas com atividade antitumoral, pensaram em patentear a descoberta. Mas não puderam: os japoneses haviam solicitado a patente das casearinas em 1998. O patenteamento assegura os direitos do inventor sobre as apli-
de substâncias para serem modificadas por meio de sínteses mais simples que as atuais. É o que está ocorrendo com uma das substâncias caracterizadas pelo grupo, a espectalina, um alcalóide piperidínico retirado da Cassia leptophylla, uma árvore ornamental de flores amarelas - é o falso barbatimão, que chega a 10 metros cações industriais e cria obstáculos para o desenvolvimento de pesquisas futuras. Por essa razão, os cientistas decídiram não demorar mais para patentear os compostos químicos cuja ação biológica se mostre interessante em laboratório. Pretendem desse modo assegurar a autonomia no prosseguimento das pesquisas e o direito comercial às substâncias. Vanderlan Bolzani comenta que os professores Massuo Jorge Kato e Massayoshi Yoshida, preocupados com a proteção intelectual de suas descobertas, enca-
atividade biológica de de llitura, comum nas maior interesse. Sob florestas de araucárias do Paraná e de Santa condições controladas, Catarina. é possível induzir o estresse na planta, por Testada no DNA de fungos Saccharomyces meio da simulação, por cerevisiae, em células de exemplo, de condições ovário de macaco e de de seca, e aumentar a harnster, a espectalina produção da substância que interessa. Por anaprovou ter urna ação antiturnorlli, com baixa logia, segundo Vandertoxicidade. Isolada em lan, torna-se possível compreender melhor a 1995 e retornada com o Biota, a molécula origiriqueza do ecossistema paulista. "Está provado nal de espectalina torque as áreas de cerrado na-se assim um protótipo, a partir do qulli se Vanderlan e Maria Cláudia: próximo passo é a cultura de tecidos e de Mata Atlântica posbuscam outros comsuem urna diversidade postos. "Descobrindo a estrutura orinão apenas botânica mas também Química da USP, e Maysa Furlan, da ginal da molécula, poderemos pensar química': diz ela, numa indicação de Unesp de Araraquara, é desenvolver em modificações planejadas visando que ainda se pode esperar mais noviurna cultura de tecidos que preserve ao mapeamento das funções respona vegetação naturlli e ao mesmo tempo dades desse trablliho, cujo término sáveis pela ação antiturnoral", diz otirnize a produção das substâncias está previsto para 2002. • Vanderlan. Nessa empreitada, sua que mais interessam. "A cultura de equipe conta com a colaboração do tecidos é urna forma mais racional e PERFIS: farmacêutico Eliezer de Jesus Barreirápida de obter esses produtos, dimiros, professor da Universidade Fedenuindo o tempo de propagação, caso • VANDERLAN DA SILVA BOLZANI, 49 rlli do Rio de Janeiro (UFRJ) e espehaja necessidade de cultivo, ou tamanos, professora do Instituto de cialista em química rnedicinlli. bém por produção em biorreatores, Química da Universidade Estadual Num projeto de preservação arnque elimina a fase de cultivo em camPaulista (Unesp) em Araraquara e bientlli corno o Biota, seria de estrapo", comenta Vanderlan. Em vez de pesquisadora II A do CNPq, é granhar se a busca por novos fármacos esperar anos até a planta crescer e duada em Farmácia pela Faculdafornecer folhas em abundância, basdependesse da derrubada de matas de de Ciências Farmacêuticas da tam alguns meses. para a obtenção de matéria-prima. Universidade Federlli da Paraíba, Por essa razão, urna das missões dos A cultura de tecidos permite tamcom mestrado e doutorado no pesquisadores Massuo Kato e Paulo bém o estudo das rotas pelas quai,.s a Instituto de Química da UniversiRoberto Moreno, do Instituto de planta sintetiza as substâncias com dade de São Paulo (USP) e pósdoutorado pelo Institute of Chemistry do Virginia Polytechnique rninhararn em agosto de 1999 o peno rnonitorarnento de populações Institute and State University, nos dido de patentearnento de duas de plantas e, por meio de análises Estados Unidos. substâncias antichagásicas, isoladas químicas, procuram descobrir se e • MARIA CLAUDIA MARX YOUNG, 55 de urna laurácea da Amazônia e de corno o teor de casearinas se altera anos, graduou-se em Química pela urna piperácea da Mata Atlântica de acordo com o ambiente ou a Universidade Federlli de Minas Gede São Paulo. Os pesquisadores de época do ano. Pretendem criar um rais (UFMG) e fez o mestrado na Araraquara estão atentos para pamétodo científico de padronização Universidade Federal Rurlli do Rio tentear também outras duas, do dos produtos medicinais feitos com de Janeiro (UFRRJ), o doutorado grupo dos iridóides e das arnidas, plantas do Estado de São Paulo. O na USP e o pós-doutoramento no tão logo os ensaios adicionais conperfil químico das casearinas, por Instituto de Botânica de São Paulo, firmem a potente atividade antirniexemplo, vai indicar se um produonde trablliha como pesquisadora crobiana que podem apresentar. to medicinal vendido corno guaçacientífica. O patentearnento impõe limites tonga pelo Brasil afora é realmente Projeto: Conservação e Uso Sustenà produção, mas não ao desenvolviguaçatonga e se o teor de casearinas tado da Flora do Cerrado e Mata mento científico. No caso da guaçaé suficiente para a ação biológica Atlântica: Diversidade Química e tonga, os pesquisadores trabalham pretendida. Prospecção de Fármacos Potenciais Investimento: R$ 585.216, 59 PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 27
CIÊNCIA
LABORATÓRIO
Tucano e Mutum: caça leva também as árvores à extinção
As extinção das
aves e das plantas Já não se encontram tantos tucanos, mutuns, jacus e arapongas nas áreas remanescentes de Mata Atlântica ao norte do Rio São Francisco. A conseqüência é o empobrecimento da vegetação. Pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco estimam que o desaparecimento de animais que se alimentam de frutos ameaça de extinção 34o/o (ou 145) das espécies de árvores nessa região. Segundo o biólogo José Maria Cardoso da Silva, um dos autores do estudo publicado na Nature do início de março, essas espécies de árvores podem se perder inteiramente em dez a vinte anos, como resultado da caça indiscriminada de pássaros e de mamíferos e da destruição dos lugares onde esses animais vivem. Outras plantas e animais, principalmente insetos, também poderão desaparecer, por causa da extinção das árvores, alerta o pesquisador. O solo, com uma cobertura vegetal menor, estaria mais sujeito à erosão. De Alagoas ao Rio Grande do Norte ainda existem 427 espécies endêmicas de ár28 • MARÇO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
vores típicas da Mata Atlântica, um dos ecossistemas mais ricos em biodiversidade do planeta. Dessas, 305 dependem de animais vertebrados (a maioria, pássaros e mamíferos) para que suas sementes sejam espalhadas. Desse conjunto, um terço depende justamente de pássaros de bico largo, com mais de 15 milímetros, bastante vulneráveis à interferência humana. Outros 16o/o dependem de mamíferos que comem frutas, como os macacos, cuja população também se encontra em redução, pelas mesmas razões. •
O raro roedor das montanhas Durante uma expedição às montanhas de Vilcabamba, no Peru, num local próximo às ruínas incas de Macchu Picchu, a bióloga Louise Emmons, do Instituto Smithsonian, dos Estados Unidos, descobriu um novo gênero de mamífero: um rato gigante do tamanho de um gato doméstico e parecido com uma chinchila. Cinza-claro com uma faixa larga que se estende da cabeça até a cauda, o animal vive na copa das árvores e tem poderosas garras -
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características desconhecidas em roedores. Emmons chamou de Cuscomys ashaninka (em homenagem a Cusco, a cidade mais próxima da descoberta, e ao povo Ashaninka, que vive na região) o exemplar que encontrou e tinha acabado de ser morto por uma doninha. O achado impressionou os especialistas internacionais porque é muito raro atualmente identificar novas espécies de mamíferos. •
A descoberta de um núcleo atômico Um grupo de físicos do GrandeAcelerador Nacional de Íons Pesados (GNAIL), da França, encontrou evidências da existência de um novo núcleo atômico, o níquel-48. Procurado há pelo menos dez anos, tem características raras: 20 nêutrons e 28 prótons, além de um déficit em comparação com o níquel estável, de 38 nêutrons, que o coloca no limite de existência dos núcleos, no qual as forças nucleares perdem o poder de manter as partículas próximas. A pesquisa, que contou com a participação de especialistas das universidades de Varsóvia, Polônia, e de Tennessee, Estados Unidos, deve agora ajudar a compreender melhor os mecanismos de
coesão dos núcleos atômicos. Os aceleradores de partículas atômicas do Ganil- um laboratório conjunto do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e do Comissariado de EnergiaAtômica (CEA) -produziram dois núcleos de níquel-48, identificados entre bilhões de outras partículas. Viveram 100 nanossegungos antes de se desintegrarem. •
Um recuo de 20 mil anos Os genes dos índios é que deram a pista: o homem pode ter chegado às Américas há cerca de 40 mil anos, não há 20 mil, como supõem as teorias vigentes. O geneticista Francisco Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chegou a essa conclusão estudando as marcas de migrações, separações e combinações de tribos impressas no DNA. Foi analisado o material genético de 400 índios de 50 tribos do Rio Grande do Sul, Amazônia, Argentina, Bolívia e Paraguai. Um dos grupos a que a equipe de Salzano se dedica atualmente são os índios ache, do Paraguai, que têm pele clara e modo de vida semelhante ao dos primeiros habitantes das Américas. •
Linha de alta energia do Ganil: evidências de partículas raras
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CIÊNCIA
MEDICINA
Sinais biológicos do pânico A variação de uma substância no sangue facilita o tratamento uas pesquisas, capazes de levar a uma melhor compreensão do transtorno do pânico e de seu tratamento, acabam de ser produzidas na Faculdade de Medicina em colaboração com o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Uma delas, conduzida pela farmacêutica- bioquímica Tania Marcourakis, do Centro de Investigações em Neurologia do Hospital das Clínicas da USP, pode ser inclusive o ponto de partida para o estabelecimento dos níveis de uma substância específica, o AMP cíclico (monofosfato de adenosina cíclica), nas plaquetas do sangue dos pacientes como um marcador biológico da presença do transtorno de pânico (TP). A outra, da bioquímica Clarice Gorenstein, professora do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas e pesquisadora do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina, estabeleceu que o uso continuado do antidepressivo clomipramina, um dos medicamentos mais usados contra o transtorno, não cria problemas importantes para o paciente. Nos dois casos, as pesquisadoras tiveram o apoio da FAPESP. O estudo de Tania, Avaliação do Óxido Nítrico Sintase (NOS)- GMP Cíclico e AMP Cíclico em Pacientes com Transtorno do Pânico Antes e Durante o Tratamento com Clomipramina e em Voluntários Sadios, concluído no fim
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de 1999, durou dois anos e contou com a colaboração do laboratório do farmacêutico-bioquímico Cristoforo Scavone, do ICB. O investimento da FAPESP, usado principalmente para compra de materiais de pesquisa no exterior, foi de US$ 28,3 mil. O trabalho de Clarice, Efeitos Cognitivos e Psicomotores da Clomipramina em Usuários Crónicos com Transtorno do Pânico, também durou dois anos e ter-
minou no fim do ano passado. O investimento da FAPESP foi de R$ 9,8 mil mais US$ 2.640. Os estudos ganham importância pelo fato de o transtorno do pânico ser uma doença cujo reconhecimento é relativamente recente. Só em 1980 ela foi incluída no Manual Diagnóstico da Psiquiatria. Mesmo assim, não é rara: atinge, aproximadamente, 3,5% da população. Ela se caracteriza por ansiedade, taquicardia, dificuldade de respiração e tre-
mores. Alguns pacientes chegam a descrever as crises como "uma sensação de morte iminente". Muitas vezes, a sucessão de crises leva à agorafobia - o medo mórbido e angustiante de lugares públicos e abertos à depressão, ao alcoolismo e à hipocondria. De acordo com Clarice, as mulheres são mais sujeitas ao problema, numa proporção entre duas e três vezes maior do que entre os homens. O transtorno do pânico costuma aparecer antes dos 30 anos e pode ser desencadeado por uma situação de alto estresse, como a morte de uma pessoa próxima ou o desemprego. Limite - A causa exata do transtorno não é conhecida. Mas os médicos descobriram que medicamentos benzodiazepínicos, antidepressivos que inibem arecaptura de neurotransmissores como serotonina e noradrenalina, têm efeitos benéficos para os pacientes. Assim, a avaliação da recaptura de serotonina e dos sítios de ligação da serotonina e dos receptores de noradrenalina - o neurotransmissor que prepara o organismo para reagir a situações de estresse - a partir do exame de plaquetas e leucócitos do sangue dos pacientes não é algo incomum nos estudos sobre a doença. Em sua tese de doutorado, Tania já tinha constatado que o nível sérico da medicação tinha um limite. Acima de certo nível, não produzia mais efeitos. "Não adiantava aumentar a dose, pois o paciente não melhorava': lembra a pesquisadora. "Era preciso mudar a medicação." A partir daí, Tania se interessou por verificar como a medicação, especialmente a clomipramina, um antidepressivo usado normalmente no tratamento do TP, atuava na transPESQUISA FAPESP • MARÇO DE 1000 • 29
missão dos estímulos neratendidos no Ambulatório vosos para as células. Escode Ansiedade do Instituto lheu como caminho para sua de Psiquiatria do Hospital pesquisa observar, a partir das Clínicas de São Paulo, e da análise das plaquetas do 22 pessoas sadias, 13 musangue, as variações e altelheres e nove homens. Alrações dos sistemas que caguns deles participaram racterizam as doenças neutambém da pesquisa de Claropsiquiátricas. "A intenção rice Gorenstein sobre os efeiera procurar um marcador tos crônicos da clomipramibiológico e avaliar a ação na. Os pacientes começaram do medicamento por meio o tratamento recebendo 25 de comparações do demg de clomipramina, com sempenho desses sistemas a dose sendo aumentada com os de pessoas sadias': progressivamente, de acorexplicou. Decidiu-se fazer a Tania: "O AMP cíclico é um marcador periférico do pânico" do com a resposta clínica. Dos 34 pacientes que avaliação com base em três fatores: o óxido nítrico sintase (NOS), do pânico", diz Tania, "e que, possivelcomeçaram o tratamento, apenas 17 o GMP cíclico e o AMP cíclico. chegaram ao final. Tania acha que há mente, é um marcador periférico da Foi feita rapidamente uma verificadoença:' De qualquer maneira, a pesduas explicações para isso. De um ção importante: o nível basal médio de quisadora pretende aprofundar o tralado, há pacientes com dificuldades AMP cíclico no sistema noradrenérbalho. "É necessária a realização de de adesão ao tratamento, que só progico (o relativo à noradrenalina, o neuestudos com amostras maiores e em curam o médico quando os sintomas rotransmissor das situações de perigo) outras patologias, como a depressão e o são mais evidentes. Do outro, duranera mais baixo nos pacientes com transte o período em que foi realizada a transtorno obsessivo-compulsivo, para pesquisa, o transtorno do pânico tortorno do pânico do que nos indivídua verificação da especificidade desses os sadios. "Mas, depois do tratamenachados': observa. nou-se mais conhecido, tanto do púto, os níveis de AMP cíclico voltaram Na pesquisa, as amostras de sangue blico como dos médicos em geral. aos níveis normais': diz a pesquisaforam colhidas apenas antes do início Dessa forma, alguns pacientes podora. "De forma interessante, nem o do tratamento e depois do desaparedem ter passado a seguir um trataGMP cíclico nem o NOS se alteraram mento com um médico clínico, deicimento das crises de pânico. Uma das com a medicação:' O AMP cíclico é um xando de fazer a viagem até o dúvidas da pesquisadora é se a alteranucleotídeo que atua como segundo ção do nível do AMP cíclico é provoambulatório. mensageiro em várias vias de conducada diretamente pela ação da clomição de neurotransmissores. Inicia pramina ou se é uma conseqüência Longo prazo- A curto prazo, o tratauma cascata de eventos pela ativação do desaparecimento do transtorno .. mento do TP com antidepressivos é da proteína quinase A (PKA), relacioParticiparam do estudo 34 pacieneficaz e não costuma causar grandes nados à fosforilação protéica, um dos tes, 26 mulheres e oito homens, com efeitos colaterais. Mas, como se trata de processos básicos da célula. diagnóstico de transtorno do pânico, uma doença relativamente nova, não se conhecem os efeitos a Marcador periférico - Os longo prazo da utilização ataques de pânico dos padessas drogas. Averiguar as cientes desapareceram a conseqüências a longo partir das oito semanas de prazo do uso da clomipratratamento. Mas, em todos mina, um dos medicamenos casos, os exames comtos mais usados no trataprovaram um claro aumento do transtorno, era o mento da concentração de objetivo da pesquisa de AMP cíclico nas plaquetas. Clarice, que contou com a Na maioria dos pacientes, participação da pós-graa quantidade de AMP cíduanda Stefania Caldeira clico dobrou ou triplicou. de Carvalho. Por meio de "Nossos estudos sugerem testes e questionários, o que níveis baixos de AMP projeto mediu os desempecíclico podem ser uma canhos cognitivo e psicomoracterística do transtorno Stefania e Clarice: estudando o uso prolongado de medicamentos tor e os níveis de memória 30 · MAR(O DE 2000 • PESQUISA FAPESP
de pacientes que tomavam a clomipramina, e nenhum outro medicamento,hámais de dois anos. Os resultados foram então confrontados com os dos membros de um grupo de controle. Os dois grupos, o de pacientes e o de controle, eram muito parecidos. Nos dois casos, tinham 26 pessoas, 14 mulheres e 12 homens. A média de idade era em torno de 40 anos e a média de escolaridade ligeiramente inferior a 12 anos de estudo. De acordo com Clarice, os resultados da pesquisa não condenam o
forma que a clomipramina. "Na maior parte dos casos, os efeitos a longo prazo desses outros medicamentos ainda não foram testados': diz. O problema mais importante que acompanha o uso prolongado da clomipramma parece ser uma pequena perda de memória. De acordo com Clarice, isso parece ser algo suportável. Ela dá o exemplo das compras no supermercado. Com o uso do remédio, a pessoa pode esquecer alguns itens da lista de compras. Sem ele, ela nem sairia de casa para fazer compras.
nho médio cerca de 1Oo/o inferior ao do grupo de controle. Nas avaliações cognitivas e psicomotoras, o desempenho dos dois grupos, de maneira geral, foi equivalente. Mas houve alguns testes, como um teste motor que consistia na cópia de símbolos, em que os pacientes do TP tiveram desempenho superior ao do grupo de controle. O motivo? Não é possível saber. Uma explicação pode ser a de que os pacientes estivessem mais motivados e mais dispostos que as pessoas sadias, obtendo, assim, resultados melhores. As pesquisas feitas na Faculdade de MediciO efeito dos antidepressivos na da USP não deram todas as respostas. Mas permitiram Os medicamentos empregados no tratamento de portadores com transtorno de pânico alteram a produção de AMP cíclico no interior das células bons avanços nos conhecimentos sobre uma doença que, até Pacientes com transtorno Pacientes em tratamento Pacientes em tratamento do pânico sem tratamento antidepressivo agudo antidepressivo crônico há pouco mais de 20 anos, nem se sabia que existia. • P ERFIS:
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AMP --.•••• cíclico (monofosfato de adenosina cíclica) Sem uso de medicação, o terminal pré-sináptico libera noradrenalina, aciona os receptores beta-adrenérgicos do terminal pós-sináptico e ativa a produção de AMP cíclico
O aumento da quantidade de noradrenalina na fenda sináptica ativa uma quantidade de receptores equivalente à situação sem tratamento e induz à produção maior de AMP cíclico
Há mais noradrenalina do que na situação sem tratamento e diminui o número de reéeptores acionados, mas ainda há um aumento de AMP cíclico quando comparado à situação sem tratamento
Fonte: Duman, RS.; Heninger, GR.; Nestler, E.J.A molecular ond cellulor theory of depression. Arch. Gen. Psychiatry, 54:597-606, 1997
uso a longo prazo da clomipramina nos pacientes de transtorno do pânico. Mas indicam a necessidade de que o médico procure sempre estabelecer a dosagem exata e suficiente para cada pessoa, sem exageros no uso da droga, de maneira que o paciente controle as crises, mantenha o convívio social e reduza ao mínimo as perdas de memória que acompanham o uso do produto. A pesquisadora destaca que ainda não se sabe se outros remédios usados nesse tipo de transtorno, como a fluoxetina, princípio ativo do Prozac, e semelhantes, funcionam da mesma
Na pesquisa de Clarice, a avaliação da memória foi feita em dois componentes, um objetivo, outro subjetivo. Na avaliação objetiva, feita com testes nos quais a pessoa selembrava de seqüências de números e palavras e trechos de histórias, os pacientes e o grupo de controle tiveram desempenhos similares. Na subjetiva, uma série de perguntas que a própria pessoa respondia sobre falhas de memória em sua vida pessoal, como o pagamento de contas e nomes de pessoas, os pacientes medicados com a clomipramina tiveram desempe-
• CLARJCE GORENSTEIN, graduada em Farmácia e Bioquímica na Faculdade de Ciências Farmacêuticas, com mestrado e doutorado em farmacologia no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e pesquisadora do Laboratório de Psicofarmacologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. É professora do ICB desde 1979. Projeto: Efeitos Cognitivos e Psicomotores da Clomipramina em Usuários Crônicos com Transtorno do Pânico
Investimento: R$ 9.892,02, mais US$ 2.640 • TANIA MARcouRAKJS, farmacêutica-bioquímica, com mestrado e doutorado em farmacologia no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo. É pesquisadora do Centro de Investigações em Neurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP desde 1981. Projeto: Avaliação do Óxido Nítrico Sintase (NOS) - GMP Cíclico e AMP Cíclico em Pacientes com Transtorno do Pânico Antes e Durante o Tratamento com Clomipramina e em Voluntários Sadios
Investimento: US$ 28.313,93 PESQUISA FAPESP · HARÇO OE 2000 • 31
CIÊNCIA Achatina fu/ica,
ZOOTECNIA
Escargot sem preconceito O molusco pode ser a fonte de um cicatrizante e de proteína a baixo custo ão foi exatamente amor à primeira vista. Há dez anos, quando estudava animais transgênicos na Escócia, no mesmo laboratório onde se fez a ovelha Dolly, a geneticista Maria de Fátima Martins dos Santos Lima viu a imagem de um escargot num cartão de Dia dos Namorados. Estranhou e, confessa, não gostou de seu aspecto, levemente asqueroso. Tempos depois, vencido o preconceito, interessou-se pelo animal e o adotau como tema de suas pesquisas na Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (USP), em Pirassununga. Fez com que o molusco fosse visto como fonte de proteína a baixo custo - antes ali entendida apenas como sinônimo de bovinos e suínos - e conseguiu pôr no currículo dos alunos a disciplina Helicicultura Tropical, que trata da nutrição, do manejo e da seleção genética desse ser pouco estudado no Brasil. Seu trabalho mostrou que o escargot pode ir além da mesa de jantar e da sala de aula. Quase por acaso, após um pequeno acidente, Maria de Fátima verificou que a saliva do escargot é um eficaz cicatrizante. Em 1995, o engenheiro florestal Pedro Pacheco, que a acompanha nas pesquisas, cortou-se no pulso com uma lâmina afiada. Em uma parte do ferimento, fechado com dez pontos, resolveu passar a tal saliva, secreção, muco ou, como é mais chamada, a baba do escar-
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32 • HAR(O DE 2000 • PESQUISA FAPESP
got. Pacheco ficou espantado com o resultado. "Nesse trecho os pontos caíram e o corte fechou em três dias", relata. "Onde não passei o muco os pontos só foram retirados sete dias depois e mesmo assim o corte abriu." Maria de Fátima, que conhecia essa propriedade terapêutica do muco apenas de remotas referências bibliográficas, partiu para os testes microbiológicos. Confirmou as propriedades antimicrobianas e constatou que a saliva, liberada em abundância pelo animal, é rica em alantoína, uma proteína regeneradora de células da pele. A partir daí, chegou a uma pomada cicatrizante, testada com resultados animadores em coelhos, ratos e camundongos. Em processo de patenteamento, a pomada ganhou o nome de Akatinide, por causa da espécie de escargot utilizada nas pesquisas, a Achatina 11111""'-fulica, proveniente da África. Em breve, devem começar os trabalhos que levem a novos métodos de coleta, filtragem e purificação da baba do escargot, que &e pretende usar também com outras finalidades, como já se faz em outros países. Na França, diz a pesquisadora, há um xarope indicado para bronquite e outras complicações pulmonares. No Chile se produz com o extrato de uma espécie nativa, a Helix arpesa muller, um creme regenerador epidérmico para tratar rugas, manchas na pele, estrias, cicatrizes e verrugas. Segundo Maria de Fátima, pesquisadores japoneses trabalham com afinco no desenvolvimento de aplicações das propriedades medicinais das substâncias retiradas do escargot. Europa e África - Foi Pacheco, em
1991, quem começou a estudar e a criar escargots em casa, movido pela curiosidade científica e por um
espécie africana utilizada nas pesquisas
de seus passatempos, a culinária. Tinha vivido uma temporada de martírios, sem meios de resolver os problemas com a alimentação e o crescimento dos animais. Havia centenas de criadores no Brasil, a maioria, como ele verificou, com pouco embasamento científico: usava-se uma variedade européia, inadequada ao país, do gênero Helix, da família Helicidae. A espécie mais comum é o Petit gris, que prefere temperaturas baixas e, portanto, é menos resistente ao clima tropical. Nem é dos mais produtivos: tem apenas três posturas no ano e demora seis meses para chegar ao abate. Do Helix, derivam os termos helicicultura, a técnica de criar o escargot, e heliciário, o local da criação. Pacheco e Maria de Fátima descobriram uma alternativa nas espécies de caracóis herbívoros terrestres comestíveis da família Achatinidae, originária das regiões de florestas tropicais úmidas da África. Uma delas, a espécie Acha tina fulica, é mais rústica e tem uma carne mais escura do que a européia. Resiste mais ao clima tropical brasileiro e apresenta uma produtividade bem maior: pode ter seis posturas ao ano, com até SOO ovos cada, e ser abatida aos 90 dias. Dois anos depois, em 1993, quando comprovaram a rusticidade e o potencial produtivo da Achatina, Pacheco e Maria de Fátima decidiram dar à pesquisa ainda doméstica um caráter mais formal. Não foi fácil. Na universidade, afloraram preconceitos e resistências, pois na época os especialistas em produção animal trabalhavam apenas com bovinos, eqüinos, suínos e aves. "Não nos levavam a sério", lembra a pesquisadora. "Não
podíamos nos dar ao luxo de errar." Ainda se associava fortemente o escargot, do qual pouco se conhecia, a uma atividade elitista. De fato, lembra Maria de Fátima, o escargot atende à sofisticada cozinha francesa, mas é também importante na alimentação humana desde a Era Paleolítica (ver box na pág. 34). Uma a uma, as muralhas cederam. Em 1995, a FAPESP liberou um financiamento de R$ 25 mil para o primeiro projeto da equipe, Obtenção e Desenvolvimento de Procedimentos Zoo técnicos para a Produção do Escargot Africano Achatina fulica nas Condições Climáticas do Sudeste Brasileiro, que se concentrou em nutrição animal. Não existia ainda uma ração básica apropriada para a criação de escargots no Brasil, segundo a pesquisadora. Ela e Pacheco testaram várias formulações e chegaram em 1998 a um programa de alimentação para o escargot do primeiro dia de vida ao abate ou ao período final de formação da matriz. No caso dos animais de engorda, descobriram como converter um quilo de ração em 1,1 quilo de peso de animal vivo. A persistência rendeu um manual informal de criação de escargots. Segundo Pacheco, para produzir um quilo de escargot vivo, o custo de produção, incluindo mão-de-obra e ração, chega no máximo a R$ 1,30. O mercado paga R$ 6,00 por quilo. Material didático - Maria de Fátima descobriu no escargot um animal ideal para suas aulas de melhoramento genético: tem várias gestações durante o ano e produz uma carne de alta qualidade, com 32% de proteína, além de cálcio, ferro e zinco. Tem apenas 0,5% de
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nidade no desenvolvi-
g mento do plantel de ~ três mil matrizes do
;:
Pacheco,Adriana, Maria de Fátima e a pomada (ao /ado): resistências vencidas
gordura, menos do que os peiXes, e um pH (indicador de acidez ou alcalinidade) em torno de 8,2 (alcalino, portanto), o que o torna adequado para o tratamento de úlcera. Os estudos de seleção genética conduziram a novas linhagens. Entre as cinco classes de tamanho de Achatina (anão, pequeno, médio, grande e gigante), a pesquisadora escolheu o médio, para evitar dados superestimados. Descobriu dois padrões de forma de concha: a alongada e a arredondada, que associam características de produtividade. O número de posturas e a produção de ovos dos oblongos são mais elevadas. Enquanto um grupo de seis animais alongados faz onze posturas em 90 dias, com um total de 2.900 ovos, outro de oblongos faz 21 posturas, com 7.141 ovos. O trabalho de seleção concentrase agora na definição de um tipo entre o oblongo e o alongado, para chegar numa linhagem de matrizes com padrão genético conhecido, que em dois anos possa estar disponível para os criadores. Maria de Fátima pretende estudar o DNA dos animais para identificar o nível de consangüi-
Heliciário Experimental, no campus da USP em Pirassununga, e de outros criadores. Implantado em 1994, o heliciário passou por uma reforma no ano passado, apoiada com . R$ 46 mil liberados pela FAPESP. Ganhou também laboratório, almoxarifado e uma cozinha semi-industrial, onde se preparam pratos mais ajustados ao gosto brasileiro, como strogonoff, patês, tortas e novas formas de oferecer e consumir receitas francesas e italianas, temperadas com ervas secas e verdes, cebola, alho, manteigas e diferentes tipos de queijos. O heliciário reúne atualmente uma equipe multidisciplinar, algo incomum naquela unidade da USP há poucos anos. Por ali circulam as biólogas Adriana Fusetto e Paula Ripamonte, a médica veterinária Marinil Landgraf e a psicóloga Taciana Pinto. As farmacêuticas (e irmãs) Cristina e Mamie Mizuzak, professoras da Faculdade de Farmácia e Odontologia da USP de Ribeirão Preto, estudam a regeneração dos tecidos tratados com a baba de escargot. Como parte do projeto Obtenção e Desenvolvimento de Sistema de Forrageamento para Criações Extensivas de Caracóis Comestíveis, que conta com um financiamento de R$ 50 mil da FAPESP, a equipe de Maria de Fátima desenvolve um sistema de criação de escargot consorciado com plantas. Ali há dezesseis canteiros, de 16 e 12 metros quadrados, feitos em alvenaria sem reboque, cobertos com tela e eletrificados para evitar a entrada de predadores como ratos, lagartos, cobras, galinhas e cachorros. Nesses espaços vão crescer, junto com os PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 33
campos. Um deles é, ao mesmo escargots, 14 tipos de vetempo, terapêutico e educacional: getais: acelga, alface, ,___ o projeto Dr. Escargot, que conalfafa, brócoli, batatadoce, beterraba, bardata com a participação de psicóna, cenoura, chicória, couve, logos e professores do ensino fungirassol anão, m andioca doce, damental. Num primeiro momento, nabo branco e taioba. Segundo Pedro pretende-se avaliar os benefícios da convivência com o escargot no cotiPacheco, trata-se de um processo itadiano das crianças autistas e com Sínliano que proporciona as mesmas drome de Down. Na etapa seguinte, a condições que o molusco encontra na natureza, testado pela primeira meta é desenvolver a curiosidade de estudantes a respeito do comportavez no Brasil. mento e da alimentação do escargot. Maria de Fátima pretende estenMaria de Fátima, que tanto se surder o uso do escargot para outros
Um alimento pré-histórico O escargot é um ser peculiar. Praticamente não vê, não ouve, carrega o abrigo (um caracol) nas costas, tem um único pé do tamanho do próprio ventre e só anda para a frente, sem qualquer pressa, a uma velocidade máxima de 10 metros por hora. É hermafrodita incompleto: tem os dois sexos, mas não se autofecunda. Precisa, portanto, de um parceiro e ambos se fecundam ao mesmo tempo, numa cópula que dura de dez a doze horas seguidas. Tornou-se símbolo do amor. Por essa razão é que na Europa os convites para a celebração do Dia dos Namorados costumam trazer impressa a imagem de um escargot. É um companheiro antigo da espécie humana. Nas proximidades das cavernas do homem pré-histórico, arqueólogos encontraram depósitos de conchas de 10 a 200 metros de comprimento com 1 a 1,5 metro de altura, numa indicação de que os caracóis eram largamente consumidos. O engenheiro florestal Pedro Pacheco lembra que nessa fase da evolução humana, quando o homem estava mais para presa do que para predador, os moluscos terrestres representavam uma opção alimentar sem riscos, ao contrário da caça de
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aves e mamíferos. Podem também ter permitido ao homem abdicar da dieta vegetariana para tornar-se carnívoro. Gregos e romanos eram grandes apreciadores desse molusco, conta Pacheco, ele próprio um gourmet. O elitismo que marcou esse alimento também é antigo, pois levantamentos arqueológicos do acampamento de uma legião romana acantonada na antiga Gália, hoje França, demonstraram que o escargot era um prato exclusivo dos oficiais romanos. Já na Idade Média, era largamente consumido nos mosteiros, como alimento nas vigílias e nos dias em que era proibido o consumo de carne, como a SextaFeira da Paixão. Atualmente, é um petisco comum em bares da Espanha e de Portugal- frito e empanado, acompanhando cerveja. Famoso como iguaria, o escargot é também alimento do camponês europeu, inclusive na França. Em alguns países da África, a exemplo de Gana, é não apenas uma das fontes protéicas mais consumidas mas está também associado à tradição e a rituais religiosos.
preendeu com a biologia e a genética, mostra-se agora impressionada com o potencial pedagógico do escargot um animal pacífico, que não morde, não arranha, não causa alergia, é indiferente ao som e, segundo a pesquisadora, pode assim contribuir para melhorar as relações humanas. • PERFIS: • MARIA DE fATIMA MARTINS DOS SANTOS LIMA formou-se em Medicina Veterinária na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, em 1981. Fez o mestrado em genética e melhoramento na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba e o doutorado em genética na Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. Entre 1990 e 1991, fez um estágio de especialização no Instituto de Fisiologia Animal e Pesquisa Genética em Edimburgo, na Escócia. É professora da Faculdade de Medicina Veterinária da USP, em Pirassununga, desde 1984. • PEDRO PACHECO é formado em Engenharia Florestal pela Universidade Federal do Paraná, de Curitiba, em 1984, com mestrado em ,_..____ Ciências Florestais na Esalq da USP e doutorado em conclusão na área de Ecologia e Recursos Naturais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) . É pesquisador na área de Ecologia Aplicada e Produção Anim al da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, em Pirassununga, desde 1993. Projetas: Obtenção e Desenvolvi-
mento de Procedimentos Zootécnicos para a Produção do Escargot Africano Achatina fulica nas Condições Climáticas do Sudeste brasileiro e Obtenção e Desenvolvimento de Sistema de Forrageamento para Criações Extensivas de Caracóis Comestíveis Investimentos: R$ R$ 54.126,00
24.320,00 e
CIÊNCIA
A região sul do canal de São Sebastião é a principal porta de entrada de navios e da maior parte das correntes marítimas
OCEANOGRAFIA
Descobertas no mar paulista USP faz estudo sobre o ecossistema das águas da flha de São Sebastião navegador italiano Américo Vespúcio viajava a serviço da Coroa portuguesa, em janeiro de 1502, na primeira expedição de reconhecimento ao Brasil recém-descoberto, quando encontrou e batizou a Ilha de São Sebastião e o canal que a separa do continente, no litoral norte paulista. Desde então, a paisagem mudou bastante, mas não perdeu o encanto. Duas cidades cresceram nas margens do canal, São Sebastião, no continente, e Ilhabela, na própria
O
ilha. A região se tornou um pólo turístico e as águas calmas do canal abrigam hoje um porto e um terminal de navios petrolíferos da Petrobras. Mesmo com tantas transformações, ainda faltava um estudo abrangente do ecossistema marinho, das correntes marítimas, da evolução geológica e dos impactos ambientais provocados pela ação do homem nas águas e no fundo do mar. Todas essas questões, como a importância ecológica da Ilha e a poluição do canal, foram detalhadas e elucidadas por uma equipe de 58 pesquisadores coordenados pela bióloga Ana Maria Setubal Pires Vanin, do Departamento de Oceanografia Biológica, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP. Ela esteve à frente dos estudos que fizeram
parte do projeto temático Oceanografia da Plataforma Interna de São Sebastião, financiado pela FAPESP. Durante o período de sete anos foram concluídos 45 estudos acadêmicos, sendo 12 de iniciação científica, 19 de mestrado, quatro de doutorado, sete de aperfeiçoamento, dois de livre-docência e um de pós-doutorado. Os resultados que vêm à tona constituem uma radiografia do canal e da plataforma, que corresponde à área entre 10 e 70 metros de profundidade, incluindo a região em torno da Ilha de São Sebastião. "Concluímos que a ilha serve como um anteparo físico que diminui o impacto das correntes marinhas de mar aberto, modificando as condições físicas da área costeira ao continente, em relação ao PESQUISA FAPESP • MARÇO DE 2000 • 35
Profundidade máxima BRASIL
o
N Fonte: Instituto Oceanográfico ·
transporte de sedimentos e de nutrientes': explica Ana Maria. Entre as novidades encontradas nos estudos estão pelo menos 11 novas espécies não esperadas pelos pesquisadores e muito menos pelo navegador Vespúcio. Foram descobertas, durante a pesquisa, 10 novos crustáceos da ordem Isopoda, animais semelhantes a tatuzinhos de jardim ou baratas de praia, e uma nova espécie de zooplâncton do gênero Chaetognatha. Como a coleta de animais foi
grande, há muitas espécies em fase de identificação e classificação, de modo que ainda se podem esperar mais novidades. Outro aspecto importante apontado no estudo é o papel do canal, que "se caracteriza como uma entidade ecológica particular, com características distintas daquelas das regiões adjacentes em volta da Ilha", diz Ana Maria. Isso ocorre porque o movimento das correntes marítimas geralmente é muito mais rápido no canal,
Boa vida para os animais A presença maciça da fauna marinha em grande parte do canal é um fator que, para os pesquisadores, comprova o bom estado do ecossistema. Foram localizados, por exemplo, a dez metros de profundidade, dois grandes bancos de preguaí (Strombus pugilis), um molusco comestível da ordem dos gastrópodes, só encontrado no canal. Também foram identificadas muitas espécies de poliquetas, animais vermiformes que vivem livres ou em tubos e servem de comida para os peixes e outros inver-
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tebrados. "Algumas espécies desses animais são muito sensíveis e sua presença ajuda no reconhecimento do estado de alteração do ambiente", observa a pesquisadora. Os animais só não foram encontrados nas duas únicas áreas com condições ruins de sobrevivência, onde ocorre uma drástica diminuição de organismos marinhos. Um desses locais são as imediações da saída do emissário submarino do Araçá, em São Sebastião, que bombeia o esgoto de parte da cidade a uma
não deixando que se acumule a poluição dos portos e dos esgotos das duas cidades costeiras, São Sebastião e Ilhabela, que abrigam até 300 mil pessoas nos feriados e períodos de férias.
Diversidade - As correntes são importantes também por trazerem diversos tipos de sedimentos em suspensão, agitando o fundo de tal forma que o transformam em um mosaico sedimentar. Durante a pesquisa foram detectados oito tipos diferentes de solos, sendo alguns, como os lamosos, particularmente enriquecidos por matéria orgânica, fonte de nutrientes para algas e animais. As correntes e a sedimentação do canal explicam, em parte, a maior diversidade de espécies da fauna marinha e substratos de fundo em suas águas. Somente entre os animais que vivem junto ao chão marinho, foram catalogadas 95 espécies de megafauna, que inclui camarões, siris, estrelasdo-mar, ouriços e moluscos. Encontraram-se também 117 espécies de peixes, como raias, bagres e linguados. Grande parte desses seres vive no
profundidade de 10 metros. ''Ao redor dessa saída do emissário, a densidade de espécies cai muito, passando de um número médio de 270 indivíduos por décimo de metro quadrado, para 7 indivíduos", diz Ana Maria. Outra área dentro do canal com baixíssima presença de fauna está na região da boca sul, em uma mancha no solo marinho formada por areia impregnada de petróleo modificado pelo tempo, num local possivelmente ligado a lavagem clandestina de tanques de navios. A origem dessa mancha é objeto de estudos em andamento no 10.
Eventuais derramamentos de óleo do maior terminal petrolífero do país são dissipados pelas rápidas correntes marítimas do canal
canal ou utiliza essa passagem em ocorrido em 1994, os pesquisadores busca de alimento e abrigo. observaram ao longo do tempo a reA velocidade das correntes também cuperação do ambiente. Embora os é responsável pela dissipação do pehidrocarbonetos estejam sempre presentes nos sedimentos do canal, três tróleo derramado no mar em eventuais meses depois do derramamento suas acidentes no terminal petrolífero - o concentrações foram consideradas maior do Brasil, com a recepção, estocagem e distribuição de 55% do norma1s. óleo utilizado no país. Além disso, o porto, as marinas e a lavagem irregular dos tanques dos navios petroleiros no canal contribuem para a produção de estranhas substâncias à água marinha. "Com tantos ingredientes poluidores, o canal deveria ser um ambiente mais degradado, com menos vida marinha do que o observado neste estudo", diz Ana Maria. Sua equipe verificou também que o petróleo derramado no mar acaba nas praias e nos costões rochosos ou é levado para o altomar. Nesses dois caminhos, esses materiais, formados por hidrocarbonetos, sofrem uma série de transformações físicas, químicas e biológicas. Uma delas é a degradação provocada pela luz solar, a chamada fotooxidação, pois os produtos gerados são mais solúveis do que os originais. Aproveitando um derrame de petróleo Vanin: visão integrada do mar de São Sebastião
Correntes e poluição - Fora as áreas
com excesso de retenção de poluentes, (ver quadro na pág. 36) a maior parte do canal se livra da poluição graças ao movimento rápido das correntes marinhas que fluem, principalmente, no sentido nordeste (ver quadro na página 38). Essas correntes z são influenciadas pela intensidade ~ e sentido dos ventos que percoriil g rem o canal numa espécie de tú~ nel formado pelo maciço da Serra do Mar, no continente, e pela cadeia montanhosa de Ilhabela. Essa condição é facilitada pela pouca distância entre as duas partes de terra, que têm entre si, no ponto mais próximo, apenas dois quilômetros de extensão. Das áreas envolvidas no projeto temático, a região sudeste da ilha é o ponto onde se concentra a maior população de larvas de peixes. "É uma região com muito material em decomposição e sedimentos ricos em matéria orgânica. No verão, com as chuvas, muito material vegetal e mineral da ilha é levado para o mar, sendo aí depositado." Esse material, que também é oriundo do continente, após decomposição, se transforma em fonte de alimento para a PESQUISA FAPESP · HARíO DE 1000 • 37
O canal que já foi um rio A peculiaridade do canal de São Sebastião foi estudada também sob o ponto de vista geológico. Uma das conclusões a que chegaram os pesquisadores é que há 8 mil anos não existia mar dividindo a ilha do continente e o canal era terra emersa. Provavelmente, foi um rio em eras passadas, o que explica o processo de escavação e a profundidade atual máxima de 42 metros. Para análise da estrutura geológica do fundo do canal, foram realizadas perfurações no solo que chegaram a 3 metros de profundidade. "Ao longo dos anos, o leito do canal também foi escavado por águas frias vindas de grandes profundidades e que entram no canal", afirma Ana Maria. Essas águas vêm da região externa da plataforma continental, além dos 200 metros de profundidade, aproximadamente, e tem grande influência no ecossistema marinho das regiões sul e sudeste do país. De tão importantes, elas têm até nome próprio: Água Central do Atlântico Sul (Acas). Essa corrente fria, que anualmente penetra na plataforma no início do verão ou fim da primavera, já era conhecida, mas foi detalhadamente estudada neste projeto temático. "A Acas é caracterizada por ter um grau de salinidade mais alto e uma temperatura mais baixa que a água costeira. Ela se espalha sobre o fundo do mar, formando uma coluna de água fria abaixo da superfície, entre 15 e 17° C, enquanto sobre ela a temperatura da água varia entre 25 e 28°C. Nem no inverno a temperatura do fundo fica tão baixa. Nessa ocasião, temos da superfície ao fundo temperaturas da ordem de 20 a 25° C. As conseqüências não são de todo estra-
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nhas ou danosas. Essas águas frias das profundezas oceânicas trazem muitos nutrientes e, com a exposição à luz solar, o processo de fotossíntese pelo fitoplâncton se acelera, causando uma maior oferta de nutrientes para toda a cadeia alimentar que se inicia nesse microvegetal e segue para o zooplâncton, peixes e organismos
de fundo. "O aumento da população de fitoplâncton é cerca de dez vezes maior no verão com a entrada da Acas", afirma Ana Maria. Com as águas frias, peixes que se dão melhor com temperaturas baixas, como a merluza, que tem valor comercial, ingressam na região. Outro ser que ' vem no rastro da água da Acas é uma espécie de siri (Portunus spinicarpus) oriundo de regiões mais profundas da plataforma, situadas em profundidades entre 50 e 100 metros. Ele invade as áreas próximas à Ilha de São Sebastião em busca de comida e acaba desalojando outros crustáceos, peixes pequenos, moluscos e estrelas-do-mar. "Em apenas um arrasto com rede, durante a pesquisa, foram capturados 36 mil indivíduos desse siri", lembra Ana Maria. "Por causa da voracidade dessa espécie, muitos outros animais ficam comprimidos na faixa costeira."
cadeia vegetal e animal. Ao contrário, na parte sul e sudoeste, onde os sedimentos no fundo são arenosos e com pouca matéria orgânica, quase não se encontram larvas e a população de animais adultos diminui bastante. Todas as constatações desse projeto temático foram feitas com informações colhidas em até 53 estações instaladas no mar, em bóias ou por meio do navio oceanográfico Prof. W. Besnard e dos barcos de pesquisa Veliger II e Albacora, todos do 10 da USP. Além de coletas ao longo do ano, a pesquisa se concentrou no verão de 1994 e no inverno de 1997. O financiamento da FAPESP, de US$ 280 mil, permitiu a compra de equipamentos, como seis correntômetros, para medir correntes marítimas, dois estereomicroscópios para estudos biológicos, vários sensores de salinidade, um aparelho de identificação do fundo marinho, além de uma unidade de destilação de substâncias químicas para analisar os compostos do petróleo. Visão integrada - Segundo Ana Maria,
esse projeto representa um grande salto para o conhecimento oceanográfico de parte do litoral norte paulista, sob o ponto de vista da estrutura e dos processos físicos e biológicos que o governam. Para ela, se as pesquisas fossem realizadas de modo isolado, sem o cunho multi e interdisciplinar, não seria possível ter, hoje, a visão integrada e abrangente do mar do canal e da Ilha de São Sebastião. • P ERFIL: • ANA MARIA SETUBAL PIRES VANIN,
50 anos, graduou-se em Biologia no Instituto de Biociências da USP. Fez mestrado e doutorado no 10 da USP, onde é professora do Departamento de Oceanografia Biológica. Projeto: Oceanografia da Plataforma Interna de São Sebastião Investimento: US$ 280 mil
TECNOLOGIA
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Duas fotos da região de Bebedouro, PE, processadas por radar, co m (à dir.) e sem o novo software
Software melhora informações de radar Um programa de computador elaborado pelo Departamento de Informática (DI) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) está proporcionando um melhor processamento e análise das imagens obtidas por radares instalados em aviões e satélites. As fotos da superfície terrestre ganham mais qualidade e melhor caracterização das classificações de cada ponto da imagem, identificando desde construções, florestas e culturas agrícolas até veios de água. ''Antes, as imagens chegavam aos centros de estudo com muitas interferências e imprecisões", lembra Alejandro Frery, professor do DI da UFPE. O estudo teve também a participação dos pesquisadores Corina da Costa Freitas, Antônio Correia e Sidnei Sant' Anna, do INPE, e de alunos da UFPE, da Faculdade de Matemática, Astronomia e Física da Universidade de Córdoba, na Argentina, e do Instituto Espacial da Alemanha, centros de estudo onde o software já está
em operação. A pesquisa teve recursos financeiros da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e CNPq.
Feixe de elétrons elimina resíduos Uma nova tecnologia que elimina resíduos e microorganismos de efluentes industriais e residenciais está próxima de ser concluída no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Trata-se do bombeamento de feixes de elétrons para destruir compostos qúímicos indesejáveis como benzeno, tolueno, corantes e outros produtos, além de eliminar vírus e bactérias existentes na água e no lodo não mais utilizados. A destruição ocorre com a energia desprendida por um acelerador de elétrons que reduz e degrada rapidamente as moléculas dos poluentes. "Com isso, a água dos efluentes pode ser reaproveitada na própria indústria ou em qualquer estação de tratamento sem a necessidade de produtos químicos': afirma a pesquisadora Maria Helena Sampa, chefe da Divisão de Pesquisa e Desenvolvimento
do Centro de Tecnologia das Radiações do Ipen. Os pesquisadores esperam agora a possibilidade de implantar uma planta de demonstração dentro de uma unidade da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). A empresa é um dos agentes financiadores do projeto junto com a Agência Internacional de Energia Atômica, Comissão Nacional de Energia Nuclear e CNPq, além de diversas indústrias paulistas.
Tomógrafo analisa trincas do asfalto O asfalto das ruas e estradas brasileiras já pode ser anali-
sado por meio de um tomágrafo. O uso desse equipamento e a criação de um software específico para esse tipo de análise foram desenvolvidos no Laboratório de Instrumentação Nuclear da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Eles permitem visualizar e quantificar a estrutura interna da camada de asfalto, principalmente em relação às trincas que geram buracos e desníveis indesejáveis. O tomógrafo, no entanto, não é portátil, as amostras devem ser retiradas da via pública ou moldadas em corpos-de-prova no laboratório. Essa técnica foi desenvolvida nos trabalhos de mestrado, doutorado e pós doutorado do engenheiro Delson Braz, da Faculdade de Engenharia da UFRJ, que recebeu bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). A pesquisa contou também com a orientação dos professores Laura Goretti da Motta e Ricardo Tadeu Lopes, dos programas de engenharia civil e nuclear da Coppe.
Tomógrafo da Coppe simula o peso e o t rafégo de veículos PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 1000 • 39
TECNOLOGIA
AMBIENTE
Avaliação de riscos , em areas
poluídas A partir de um antigo lixão, empresa introduz novas técnicas ambientais ma área com vegetação densa contornada por rios, de acesso U fácil, sem barulho e sem agitação de turistas, enfim, um paraíso na terra. Esse lugar existe e está a menos de 70 quilômetros da capital de São Paulo. Mas, sob a sua aparência paradisíaca, escondem-se resíduos residenciais e industriais perigosos, a exigir cuidados constantes para não contaminar as águas nem prejudicar a saúde da população que mora ao redor. O controle dessas ameaças presentes nos 200 mil metros quadrados do terreno, encravado dentro dos limites do município de Cubatão, está a cargo da empresa Hidra Ambiente. O objetivo é monitorar a área e pôr em prática novas técnicas de avaliação de impactos ambientais causados por processos produtivos. Essa busca de incremento metodológico é estimulada pelo projeto Desenvolvimento de Tecnologias para Avaliação de Riscos Ambientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas, financiado pela FAPESP, dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Foram R$ 45 mil na fase 1 e outros R$ 180 mil, liberados durante a fase 2, que deverá ser finalizada em dezembro deste anO. A área estudada está situada ao longo dos vales do Rio Cubatão e do
Ribeirão dos Pilões, num território abraçado pelo Parque Estadual da Serra do Mar. O local foi um recanto aprazível até a década de 60, quando a paisagem começou a ser alterada. O processo de urbanização e de industrialização que avançava naquela região escolheu aquele lugarejo para a instalação de um aterro sanitário destinado a ser depósito do lixo produzido nas cercanias. Mais tarde também foram constatados despejos irregulares de lixo hospitalar. O problema agravou-se com a invasão da área por duas centenas de pessoas, divididas em 70 famílias, que ali passaram a residir. E complicou-se ainda mais quando surgiram os casos de contaminação em algumas dessas pessoas, que apresentaram problemas de inflamação de pele e complicações respiratórias. Na década de 70, a prefeitura local desativou o lixão e removeu os moradores. A imagem do lugar foi, portanto, recomposta, mas aquilo que a natureza foi obrigada a absorver ainda está lá, na forma de resíduos, carentes de cuidados constantes, como indica a própria condição legal da região, enquadrada na condição de Área de Proteção Ambiental (APA). Contudo, nos 30 anos que se passaram desde o fim do aterro, o mundo mudou. Novos processos industriais foram desenvolvidos. Leis especiais foram aprovadas, fruto também dos movimentos ambientalistas com suas reivindicações. O que não mudou muito foram os restos do lixo doméstico, industrial e hospitalar acumulado durante duas décadas naquele lugar, justamente o mundo escondido pela vegetação farta e bonita. É por isso que, a cada três meses, uma equipe de geólogos e técnicos, comandada pela Hidro Ambiente, se dirige até Cubatão. Ali verifica as con-
bém em outras áreas do Estado de São Paulo, como os municípios de Santa Gertrudes, Taubaté e São Caetano.
dições da mata, do solo e das águas subterrâneas. O nome técnico dessa operação é monitoramento. Parece pouco. Mas algo muito mais importante está em curso. Os técnicos da Hidro fazem parte de um grupo de profissionais que, ao avançar mata adentro, coloca o Brasil em novo rumo, com a adoção de práticas dentro do conceito de "avaliação de riscos': Do bom andamento desse trabalho deve resultar um conjunto de procedimentos que definirão, caso
Novos conceitos - Avaliação de risco é a expressão-chave para entender os novos procedimentos. "Ela introduz uma nova postura técnica e até mesmo filosófica em relação ao pensamento reinante a respeito de fatores de controle ambiental", explica Nelson Ellert. Em vez de tentar limpar o solo e a água, para deixá-los como se-
a caso, qual atitude tomar, seja preventiva ou de remediação. Trata-se de um avanço metodológico que a Hidro começou a pôr em prática em 1997, quando mandou um dos seus pesquisadores para a Holanda, e, em seguida, incorporou ao dia-a-dia da empresa, explica o professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) Nelson Ellert, geólogo e um dos sócios fundadores da Hidro Ambiente, criada há oito anos. Esse projeto objetiva a aplicação do conceito de avaliação de risco não apenas em Cubatão mas tam-
nam encontrados idealmente antes da presença humana, a técnica de avaliação de risco estabelece fatores de observação que, uma vez cruzados, devem fornecer um cenário mais próximo de uma condição aceitável e factível de intervenção, ou não. Tais fatores são: fonte de contaminação, rota de exposição dos materiais indesejáveis e receptores potenciais desse material. Ellert dá um exemplo prático: um posto de gasolina pode ter um tanque do qual vaze combustível. Se o líquido for absorvido pela água subterrânea do tipo PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 2000 • 41
salgada, numa região de baixíssima exposição de seres humanos, o risco é contornável e os custos ficam restritos à eliminação das causas do vazamento e ao monitoramento dos processos de diluição e biodegradação dos resíduos no decorrer do tempo. Em Cubatão, todos os problemas existentes foram levados em conta. Seguindo uma sugestão do pesquisador holandês Rob Theelen, um dos mais conceituados no mundo, a Hidra Ambiente escolheu, como principal objeto de monitoração, a água como rota de exposição, não por ser bebida diretamente do rio, mas por ser a fonte de nutrição dos frutos que podem ser ali colhidos e consuo midos. As análises Embu químicas desses frutos mostraram resío duos de chumbo, mercúrio, cobre, cádmio e zinco, entre outros. "Há aqui a necessidade de um cuidadoso cruzamento de fatores': diz Ellert. Com base em estudos toxicológicos, os técnicos da Hidra constroem hipóteses para tentar definir com precisão os cenários em que as pessoas podem ser afetadas pelas contaminações. Na verdade, os riscos imediatos são pequenos. São os vários desenhos permitidos pelos dados recolhidos que indicam uma ou outra situação como mais grave. Por exemplo: crianças que vivem na área e tomam banho no rio comem frutas colhidas nas plantas da área, sejam nativas ou cultivadas. Embu-Guaçu
Montanha de resíduos - Com os dados à mão, Ellert vai revelando a extensão dos problemas encontrados em Cubatão. São mais de 25 mil metros cúbicos de resíduos amontoados. O solo foi absorvendo, a mata foi encobrindo. Lá estão hoje as camadas que variam de um a dois metros de espessura, abrigando produtos químicos variados. "Quando o lixão foi aberto, não havia nenhuma técnica de controle e gerenciamento do que 42 • MARÇO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
se depositava ali", lembra Ellert. Faltaram também medidas preventivas. "Não se acompanhou o desenvolvimento populacional, que era pequeno na época. Mas o fato é que o lixão acabou invadindo as áreas próximas:' Os resíduos foram sendo colocados ao longo das estradas e também c;le maneira esparsa nas áreas periféricas. Por isso, para os levantamentos e análises a região foi dividida em três áreas: Pilão 1, o antigo lixão, Pilão 2, que são os terrenos vizinhos invadidos pelo lixão, e Pilão 3, trecho que faz divisa com o município de São Vicente. Os depósitos mais perigosos, por sua quantidade e concentração, estão localizados às margens do Rio Cubatão, que corta todas as áreas. Clorobenzeno- As primeiras conclusões sobre o que pode ou não ser feito em Cubatão já estão definidas. Por exemplo, a simples desocupação da área não resolve o problema. Está igualmente contra-indicada a remoção do material depositado. Os cuidados com manejo de massa verde e
técnicas avançadas de avaliação são cruciais: qualquer acúmulo que seja carregado, por água de chuva ou por movimentações causadas pela abertura de estradas ou de construções clandestinas, pode descer para o Rio Cubatão, cuja água é captada pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para abastecer cerca de 2 milhões de habitantes fixos da Baixada Santista. Além de todos os cuidados com o movimento de pessoas, os serviços de monitoramento levam em conta os fatores climáticos do lugar, quente, úmido e chuvoso. "A atividade biológica ali é muito grande, o que favorece os processos de biodegradação e de fixação da vegetação superficial, evitando a dispersão de particulado (como o pó que se desprende do solo em tempo seco ou por lixiviação em tempo chuvoso)", explica Ellert. Mexer nesse material seria abrir a porta para um sem-número de efeitos. A prova das migrações de partículas está nos laudos que mostram, nas águas subterrâneas, baixas concentra-
ções de metais, como chumbo e croLongo trabalho - Uma demanda jumo, e de hexaclorobenzeno, comdicial da ordem de US$ 200 milhões posto orgânico semivolátil. Também forçou a entrada da Hidra Ambiente constatou-se a presença, em concenna história, com um processo instautrações altíssimas, de compostos voláteis como diclorobenzeno, clorobenzeno, tricloroeteno, dicloroeteno e cloreto de vinil. As amostras de clorobenzeno, por exemplo, estão muito acima do limite. Enquanto a legislação estabelece como limite a concentração de 0,1 a 3,0 miligramas por litro (mg/1), os poços de monitoramento perfurados indicam a presença de água com taxas acima desses valores (de 6,0 a 170 g/1). Nas análises da massa bruta foram encontrados oito tipos de resíduos derivados de metais tóxicos. Nas avaliações feitas pela Hidra Ambiente, tendo como base o grau de exposição da população local aos fatores de risco, constatou-se serem críticos os níveis de mercúrio, cromo e cianeto encontrados no nível do solo superficial e nas águas subterrâneas. Ellert, da Hidro Ambiente: nova postura técnica
rado em 1982 com base numa ação civil pública contra as 33 indústrias da região representadas pelo Centro de Integração Empresarial (Ciesp) da Baixada Santista, ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ). Depois de várias representações, que alongaram os prazos da demanda, em 1997 o Ciesp contratou a Hidra Ambiente para que fosse feita uma espécie de inventário dos resíduos acumulados. "Todo material encontrado na região, por mais incorporado que esteja ao meio ambiente pelo tempo em que ficou conservado, pode se tornar muito perigoso numa eventual manipulação': analisa Ellert. "Se entramos na área e manejamos os resíduos com máquinas, vamos liberar uma quantidade enorme de resíduos acumulados, provocando reações químicas certamente incontroláveis." Em resumo, escavar o solo da área do antigo lixão, para deixá-lo livre de resíduos químicos, seria pôr em movimento uma montanha de riscos. Além de novos métodos, a equipe da Hidra está munida de um velho ingrediente: paciência. "Deve-se ter consciência de que decisões quanto à necessidade de medidas de rez mediação devem ser feitas à luz ~ de um contexto social e político, !il diz Ellert." Ele espera uma pos"~ tura mais aberta do próprio meio científico, que, ao dar a conhecer à sociedade os seus métodos e resultados, pode orientar o debate em qualquer plano das ciências ambientais. • PERFIL: • NELSON ELLERT, 61, professor titular do Instituto de GeociênciasUSP, é geólogo, formado pela USP. Fez doutorado e livre-docência também na USP. Especializou-se na área de Engenharia Geofísica no Institut Français du Pétrole, na França. Projeto: Desenvolvimento de Tecnologia para Avaliação de Riscos Ambientais de Locais com Solos e Águas Subterrâneas Contaminadas Investimento: R$ 225.700,00 PESQUISA FAPESP · MARÇO DE 1000 • 43
TECNOLOGIA
ENGENHARIA DE PETRÓLEO
Memórias integradas Unicamp e Petrobras elaboram software para controlar reservatórios
agilizar o processamento de informações nas operações de extração, a Petrobras propôs um estudo conjunto a um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Iniciado em maio de 1996, o projeto foi aprovado pela FAPESP para integrar o programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) . A coordenação do projeto, chamado de Paralelização de Ajuste
Brasil produz 1,1 milhão de barris de petróleo, em média, por dia. São toneladas desse óleo negro e valioso retiradas diariamente do subsolo. Para executar essa operado Histórico de Produção em Rede de ção gigantesca, a Petrobras necessita obter o controle e o conhecimento de vários fatores que influenciam na produção de petróleo. A extração é complexa, seja na terra ou no fundo do mar, e envolta em incertezas, principalmente, na caracterização dos reservatórios. É preciso saber as propriedades das rochas e dos fluidos, que devem ser bem determinados para otimizar a produção. São informações que incluem, por exemplo, o tamanho do poço, a viscosidade do óleo e o tamanho do aquífero (a água existente numa camada inferior ao óleo). O volume de informações é enorme e acaba deixando os sistemas pesados, acarretando problemas no processamento computacional, por envolver um número muito grande de cálculos. Com isso, as operações e as simulações para otimizar a produção de um campo de petróleo tornam-se lentas. Para dinamizar e Co mputadores em paralelo facilitam a extração de petróleo
O
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Estações Usando PVM (Parallel Virtual Machine ou Máquina Paralela Virtual), foi entregue ao professor
Denis José Schiozer, também coordenador do Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) e professor da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. A solução encontrada pelo grupo foi o desenvolvimento de um software que distribui as tarefas computacionais pesadas para o processamento em uma rede de computadores ligados em paralelo. Essa solução já finalizada e incorporada pela Petrobras permitiu uma economia de até 85% do tempo para a elaboração das informações. A computação paralela montada, por exemplo, em uma estação de trabalho com cinco a dez máquinas, da Petrobras ou da Unicamp, executa, em algumas horas, o processamento de informações que levaria alguns dias. Conta, para essa maior eficiência, com a adoção de processos automáticos que permitem processar informações mesmo durante a noite e nos fins de semana. Produção confiável - A
nova ferramenta possibilita integrar as memórias e ·os processadores de vários computadores para que funcionem de forma virtual. Trata-se, segundo Schiozer, de uma metodologia de trabalho em que prevalece a automação de várias etapas de um processo chamado de "ajuste do histórico". Ele é usado para caracterizar reservatórios e obter previsões de produção confiáveis no menor tempo possível, utilizando técnicas de computação
da Petrobras e da Fiparalela e distribuída. nep (Financiadora de A caracterização exige, Estudos e Projetas ), na prática, muitas sique, para este ano, limulações até que o beraram R$ 30 mil e processo de extração R$ 70 mil, respectivaesteja definido. Além disso, a constante revimente. Segundo Schiozer, são do modelo geolóo projeto passa por esgico e a aquisição de tudos de manutenção, mais dados de produaprimoramento e deção tornam o processenvolvimento de noso contínuo. vas ferramentas. Ele Os pesquisadores acredita que, futuradesenvolveram o novo mente, outras empresoftware com base no sas e a Agência Naciosistema PVM criado nal de Petróleo (ANP) no ORNL (Oak Ridge poderão vir a se beneNational Laboratory), ficiar dos resultados de Tennessee, nos Esdesse projeto. Na área tados Unidos. O PVM Schiozer: menos 85% no tempo gasto para processar informações acadêmica, o UNIPAR permite que uma rede foi uma oportunidade tanto para heterogênea de computadores funciA primeira versão do software alunos de pós-graduação tomarem one como uma máquina única com foi entregue para a Petrobras em processadores e memórias distribuconhecimento de problemas práti1997. Inicialmente, ele apenas tesídos entre eles. cos de engenharia de petróleo quantava o paralelismo. Depois, o softAs maiores vantagens do PVM to para os alunos de graduação na ware foi sendo aperfeiçoado e, hoje, área de ciências da computação. estão no fato de ele ser um sistema inclui vários módulos com diferenAlém disso, a parte relativa à comde domínio público, ter grande tes aplicativos como computação aceitação e ser utilizado por um putação paralela não se restringe aos paralela, ajuste do histórico, produgrande número de usuários. "Ele problemas da extração de petróleo, ção e gerenciamento de campo de mas vale também para outras áreas, funciona como uma rede que pode petróleo. que utilizam processos computacioincluir computadores paralelos convencionais, estações de trabalho, minais pesados e não têm recursos para Várias etapas - Para Schiozer, a maior investimentos, igualmente pesados, croprocessadores e mainframes", exdificuldade técnica com a qual sua em máquinas de grande porte. • plica Schiozer. equipe teve de se confrontar (e contornar) foi integrar todo o processo, Melhor distribuição - A utilização desde a eficiente distribuição de taPERFIL: de máquinas com vários processarefas numa rede de computadores dores paralelos não é uma novida• DENIS Jos~ SCHIOZER, 36 anos, foraté convencer os engenheiros dos de. A diferença introduzida pela mado em engenharia aeronáutica benefícios dos novos procedimentos equipe liderada por Schiozer foi no Instituto Tecnológico de Aeroautomáticos utilizados na simulação distribuir, de forma eficiente, a penáutica (ITA). Fez mestrado na dos reservatórios de petróleo. sada carga de infomações. Outro faUnicamp e doutorado na UniversiO projeto já foi finalizado no tor importante é que o processo dade de Stanford, nos Estados Uniâmbito da FAPESP. O aparte finanpermite um melhor uso dos comdos. Atualmente, é professor da Faceiro da fundação foi de R$ 1,3 mil e putadores disponíveis, sem grandes culdade de Engenharia Mecânica e US$ 160 mil e, da empresa, R$ 261 investimentos. O novo software recoordenador do Centro de Estudos mil. Além da FEM e do Cepetro, o cebeu o nome de Módulo de Paralede Petróleo (Ceperto) da Unicamp. UNIPAR conta com os laboratórios lização de Simuladores (MPS) e se Projeto: Paralelização de Ajuste do da Faculdade de Engenharia Elétritransformou na parte central do Histórico de Produção em Rede de ca, do Instituto de Geociências, além programa UNIPAR (aglutinação Estações Usando PVM (Parallel Virda colaboração de alunos de póstual Machine ou Máquina Paralela das siglas iniciais de Unicamp e de graduação em Engenharia de Petróparalelo), que vem a ser o pacote Virtua[) leo e estagiários da Faculdade de Enresponsável pela automatização de Investimento: O aporte financeigenharia de Computação, todos da várias etapas da extração e da proro da fundação foi de R$ 1,3 mil e Unicamp. Agora, o projeto está em dução de petróleo. US$ 160 mil, da empresa, R$ 261 mil uma nova fase com financiamento
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PESQUISA FAPESP · MARíO DE 1000 • 45
HUMANIDADES
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Sambaqui: morros de conchas em quase toda a costa do país, onde se descobriu artefatos de antigos nativos (páginas seguintes)
ARQUEOLOGIA
Muito antes da chegada de Cabral Sambaquis revelam a vida dos primeiros habitantes do nosso litoral á SOO anos, quando Cabral aportou na Terra de Santa Cruz, encontrou nativos mui "fremosos': populações de língua Tupi e Jê do sul (tupi, tupinambá, carijó, caingangue e outros), mas esse povos não foram os pnme1ros a povoar a nova terra descoberta. Muito antes deles (e ainda mais anteriores aos navegadores lusitanos), e por milhares de anos,
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outros povos dominavam o litoral do Brasil : os sambaquieiros, os construtores dos sambaquis, pequenos morros de conchas presentes em quase toda a costa do país. Até o final dos anos 80, para os arqueólogos o sambaqui seria produto de grupos nômades que, após comerem moluscos, ostras e mariscos, teriam deixado os restos amontoados. Mas estudos e análises mais recentes estão desfazendo essa idéia. A população sambaquieira era sedentária, demograficamente expressiva, estável no território em que vivia, com tecnologia e conhecimento muito grandes e com uma comple-
xidade de organização social suficiente para justificar cemitérios comunais e alguma rede de troca regional. Os sambaquis, assim, não seriam obra do acaso, mas, ao contrário, construções propositais. Essas são algumas das importantes conclusões do arqueólogo Paulo De Blasis, do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP), um dos coordenadores do Projeto Arqueológico Camacho: Padrões de Assentamento e Formação de Sambaquis em Santa Catarina, que contou com apoio da FAPESP e que pretende desvendar os hábitos, organização social e cultura desses povo-
ta-se de um projeto interdisciplinar, envolvendo arqueólogos, biólogos, zoólogos e geólogos brasileiros e norteamencanos.
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adores pioneiros do Brasil. O trabalho é co-coordenado pela antropóloga Maria Dulce Gaspar e contou também com o apoio financeiro das fundações Wenner-Gren e Heinz e da Universidade do Arizona, dos Estados Unidos. Os sambaquis - de tambá (conchas) e ki (amontoado), em tupi- se concentram em regiões lagunares. Sua presença é marcante entre o litoral sul de São Paulo e Santa Catarina (a maior concentração global de sambaquis, o que revela a importância desse estudo), na região de Cabo Frio (Rio de Janeiro) e no Recôncavo Baiano. No caso específico desse projeto, é estudado um conjunto de sambaquis instalado em uma área entre os municípios de Jaguaruna, Laguna e Tubarão, no litoral meridional catarinense, tendo seu epicentro na Lagoa de Camacho. Tra-
Monumentos- "Trabalhamos os sambaquis com uma perspectiva mais antropológica e passamos a considerá-los como monumentos propositais, não como área de descarte; sendo monumentos grandiosos, não poderiam ser trabalho de uma população nômade", comenta De Blasis. "É muito difícil lidar com as características estruturais dos sambaquis e explicá-las como restos de comida, pois restos de comida formam montículos em volta das cabanas; logo, deveriam existir restos de carvão e outros tipos de lixo de caráter doméstico. E isso nem sempre acontece." Um exame zooarqueológico detalhado dos restos da fauna consegue identificar, por exemplo, espécies, número de animais e proporção de cada espécie em cada camada do sambaqui. Com isso, pode-se fazer um cálculo de quanto os detritos representam de massa alimentar consumida: "Apesar de também consumidas, as conchas eram na verdade usadas como material de construção", diz o pesquisador. Os estudos zooarqueológicos também podem revelar como era a biodiversidade na época e, assim, os sambaquis se re-
velam importantes para trabalhos paleoambientais. Outro braço interdisciplinar do projeto é a bioantropologia, para a análise dos esqueletos: "Além de os sepultamentos serem importantes pelas informações culturais que carregam, os esqueletos poderão informar muito sobre as populações: estatura, alimentação, hábitos, doenças e número aproximado de filhos", observa o professor. A hipótese sobre a construção do sambaqui Jaboticabeira II e de outros da região de estudo em Santa Catarina é de que tenham sido monumentos funerários, mas nem todos os sambaquis brasileiros tiveram esse objetivo. Uma estimativa preliminar sugere que o Jaboticabeira II tenha até 43 mil pessoas enterradas. Os se-
pultamentos aconteceram desde o início da formação do sambaqui, há 2.800 anos, e duraram 1.000 anos. "Isso nos fala de demografia, de uso contínuo do sítio durante esse período, o que significa estabilidade territorial", explica De Blasis. Descarnados - Os sepultamentos eram elaborados e cerimoniais, individuais e em grupo. Em geral, os corpos ficavam deitados e fletidos (com os membros dobrados e próximos ao tronco), algumas vezes estendidos. Possivelmente, eram descarnados, dada a posição do fêmur, muito próximo ao tórax. É também comum esqueletos que têm adornos e instrumentos. De Blasis explica que depois de o corpo ser enterrado havia um banquete, pois há muitos restos de comida. Isso ocorria na superfície do PESQUISA FAPESP · HARÇO DE lODO • 47
sambaqui, onde uma estrutura de madeira marcava o túmulo. Iniciava-se então, possivelmente com um intervalo de tempo, outra fase de deposição de conchas naquela parte do sambaqui, até que esse fosse utilizado novamente para sepultamentos. "Na medida em que se tem cemitérios coletivos, isso traz indicações sobre estabilidade regional, com a integração de várias aldeias."
Sambaquis de Santa Catarina • Cabeçuda
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Evidências de epidemia - Outra
evidência de densidade demográfica é encontrada pela paleopatologia. Têm sido encontradas sistematicamente evidências de epidemias, que causaram lesões nos ossos, características de doenças infecciosas. Essas doenças são típicas de adensamentos humanos. "Populações com grande mobilidade territorial e baixa densi-
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Sambaquis pequenos
dade demográfica são muito mais resistentes a doenças endêmicas. Teremos condição de avaliar a demografia da região, mas isso ainda não pode ser feito antes de um estudo cronológico de camadas de vários sambaquis, para sabermos quantos estavam ativos ao mesmo tempo."
Há indícios de que, no final do período da ocupação, os samba~ quieiros estavam começando a ter um controle da alimentação vegetal: "É provável que tenha começado o que é chamado de 'garden agriculture', isto é, os indivíduos acabam por conhecer bem a mata e a trazer mudas para plantá-las próximo da habitação. Começam a aparecer mais cáries, por causa do consumo de carboidratos. Os sambaquieiros clássicos tinham pouca cárie, pois tinham baixo consumo de carboidratos." "Estamos digerindo as informações coletadas. Cada mês de trabalho de campo exige seis ou sete meses de trabalho de laboratório. Há trabalhos a sair sobre a indústria lítica, óssea e sobre os esqueletos humanos. Pretendemos transformar o sítio de Jaboticabeira II num canteiro de exploração sistemática. O objetivo passa a ser agora o estudo dos processos de sepultamento e a própria população esqueletal. Vamos investir também no estudo de possíveis níveis de hierarquização social dos sepultamentos e estudar as características da própria população, além fazer a cronoestratigrafia de cada um dos sítios, para poder 8i} ~
A Arqueologia brasileira e os sambaquis Maria Dulce Gaspar, co -coorden adora do projeto, lan çou recentemente um livro destinado à divulgação científica, Sambaqui: A rqueologia do Litoral Brasileiro (Jorge Zahar Editor, 2000). Nele pode-se acompanhar a história do desenvolvimento dos estudos arqueológicos no Brasil referentes aos sambaquis nos últimos 130 anos e também o estágio atual das pesquisas da autora sobre sítios no Rio de Janeiro e na área do Projeto Arqueológico Camacho. No início da arqueologia brasileira, no período de 1870 a 1930, o debate foi acalorado entres os que
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viam os sambaquis como fenômeno natural e os que os consideravam produto de povos pré-históricos. O livro da arqueóloga cita o fato de D. Pedro II ter acompanhado escavações realizadas em São Vicente e assistido à retirada de esqueletos de um sambaqui. Diante das descobertas de muitos indícios de atividade humana, a corrente que via os sambaquis como produto da natureza perdeu sua força. De acordo com a autora, a corrente "artificialista" - que vê os sítios como obra de seres humanos reúne duas vertentes que norteiam as pesquisas até hoje: uma os consi-
dera resultado da acumulação casual de restos de comida e, portanto, os vê como local de moradia; e outra, que os vê como construções propositais e, inclusive, devido à existência de muitos sepultamentos, os considera em parte monumentos funerários. Independentemente das características que assumem em cada região, Maria Dulce e os demais pesquisadores do projeto consideram os sambaquis fruto de um trabalho social ordenado visando à construção de "imponentes marcos paisagísticos': De acordo com a arqueóloga, até a década de 1950, a pesquisa em
to de Biociências da USP, que trabalha com a parte de bioantropologia, e Marisa C. Afonso, geoarqueóloga também do MAE/USP, especialista no período Quarternário. • PERFIS: • PAULO DE BLASIS, 45
Esqueleto: sepultamento elaborado e ceri monial
Paulo de Blasis: em busca do passado perdido
anos, pesquisador e professor de arqueologia e história pré-colonial do Brasil no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, é graduado em História pela USP, onde fez o mestrado em Antropologia Social e o doutorado em Arqueologia. •MARIA DULCE GASPAR, 45
compará-los. Os trabalhos até agora desenvolvidos já resultaram em nove artigos: quatro já impressos, dois no prelo e três em gestação." Os sambaquis foram muito destruídos até o começo dos anos 80, pois eram minerados para fazer cal. Atualmente acontecem depredações casuais, como a prática de motocross, mas é necessá-
sambaquis cons1st1a de trabalhos pontuais que não permitiam compreender a ocupação do litoral: "Nessa década começaram pesquisas arqueológicas consideradas modernas, quando foram obtidas as primeiras datações radiocarbônicas e feitas as primeiras análises sistemáticas dos sítios:' Renovação -A partir de 1965, a arqueologia brasileira passou por uma renovação significativa, com a criação do Programa Nacional de Pesquisa (Pronapa), cujos pesquisadores dedicaram-se sobretudo aos sítios cerâmicos, e depois com a Missão Franco-Brasileira, instituída
ria vigilância constante para a preservação desses monumentos. Além dos dois coordenadores, a equipe do projeto conta com a participação de Paul Fish e Suzanne Fish, arqueólogos da Universidade do Arizona, EUA, Levy Figuti, zooarqueólogo do MAE/USP, encarregado da zooarqueologia do projeto, Sabine Eggers, bióloga do Institu-
em 1973, voltada para o estudo sistemático de regiões de Minas Gerais e do Piauí. Segundo Maria Dulce, esses projetas foram essenciais na estruturação institucional e intelectual dos arqueólogos brasileiros, mas os sambaquis ficaram de certa forma à margem das pesquisas no período. Os trabalhos realizados até o final dos anos 80 seguiram um esquema de referência, de acordo com as informações presentes no livro: os sambaquis teriam sido ocupados por bandos de coletores de moluscos e as alterações ambientais causadas pela mudança no nível do mar e/ou pelo esgotamento dos bancos
anos, arqueóloga do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é doutora em Arqueologia pela USP, com pós-doutorado em Arqueologia na Universidade do Arizona, EUA Projeto: Projeto Arqueólogico Camacho: Padrões de Assentamento e Formação de Sambaquis em Santa Catarina Investimento: R$ 48.000,00
de moluscos teriam feitos com que se tornassem pescadores. Entre o final dos anos 80 e início dos anos 90 a arqueologia brasileira passou a sofrer transformações significativas, graças ao cantata com debates e arqueólogos dos grandes pólos internacionais de pesquisa. Os sambaquis voltaram a receber atenção e os próprios sambaquieiros passaram a ser vistos de outra forma, não mais como bandos nômades de coletores de moluscos: "Busca-se analisar sua complexidade social, a possibilidade da existência de chefes e de especialistas na produção de esculturas de pedra e ossos e destaca-se a grandiosidade dos sítios como resultado de um trabalho social."
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HUMANIDADES
reitos e obrigações paternais. "É comum entre eles a visão de que a maternidade é parte da natureza das mulheres, cabendo aos homens o papel de fecundadores de plantão, prontos a engravidá-las quando elas o desejarem", comenta a pesquisadora. E as experiências do passado tampouco os ajudam a ado-
mulheres, os homens relutam em aceitar o modelo igualitário, que acreditam ser extremamente exigente", diz Malvina. "Há, no entanto, que se considerar a ruptura severa que ocorre no ciclo vital masculino por causa da reprodução, que os obriga a passar do estágio filial para o familiar ou parental, quando, num casal, entram em colisão a diferença entre sexos e culturas, fazendo surgir novos conflitos e reaparecer outros, que se julgavam resolvidos", observa a psicóloga. Uma ilustração desse fato foi verificada ao longo do
tar uma postura mais igualitária na estruturação da família. "Os homens, em geral, ressentem-se da relação com os próprios pais, classificados como ausentes e autoritários, e vêem a paternidade como um fardo excessivo, na medida em que se exigem ser pais melhores do que aqueles que tiveram", analisa a psicóloga e psiquiatra Malvina Ester Muszkat, também envolvida no estudo. "Assim, embora reconheçam a sobrecarga de trabalho e responsabilidade colocada sobre as
estudo: das 16 mulheres descasadas entrevistadas, nove se separaram logo após o nascimento do primeiro filho. Mais: ao pesquisarem indivíduos na faixa dos 18 aos 24 anos, os professores tiveram dificuldades em encontrar homens casados para entrevistar. "Eles mudam de estado civil em média aos 27 anos e, mesmo tendo relações fixas, muitos preferem continuar a morar com os pais", conta a socióloga Elisabete Dória Bilac, outra das pesquisadoras da equipe coordenada por Maria Coleta.
SOCIOLOGIA
Toma, que o filho é teu Para homens, reprodução é "coisa só de mulher" "Mãe é mãe, pai é pai". Uma frase que reflete o pensamento da maioria dos homens, para quem reprodução e família são "coisa de mulher". Ou eram, como indicam os resultados da pesquisa Os Homens, esses Desconhecidos: Masculinidade e Reprodução, coordenada pela professora Maria Coleta de Oliveira, do Núcleo de Estudos de População (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas, e que contou com o apoio financeiro da FAPESP de R$ 19,9 mil. "O estudo aponta mudanças sensíveis nas relações homem-mulher e pai-filhos, embora ainda não se configurem em novos modelos", explica a pesquisadora. No entanto, uma verdade descoberta na análise das entrevistas, feitas em 1997, com homens e mulheres, é certa e surpreendente: as mulheres é que decidem quando os homens vão ser pais. "O que moveu nossas indagações era descobrir os motivos pelos quais as mulheres têm tanta dificuldade com os homens", diz Coleta. "Mas quase tudo o que se escrevia sobre reprodução humana centrava-se apenas na figura feminina, o que deixava os homens de lado, como se esses não participassem do processo", completa a professora. Os pesquisadores queriam entender de que forma o sexo masculino via seus di50 • MARÇO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Já na faixa entre os 40 e 59 anos, vez mais envolvidos nessas questões: embora confessem que consideram os homens quase sempre admitem a a pílula o método anticoncepcional possibilidade de assumir o papel de ideal, assumem as queixas das mupai-amigo-companheiro, mas poulheres dos sintomas colaterais indeco o exercitam de verdade. A boa nova foi encontrada no grupo entre sejáveis", conta. Logo, prefere-se o uso do preservativo (também em 25 e 39 anos, para o qual esse papel é um padrão. Alguns dos depoimenfunção da Aids) associado ao métotos chegaram a ser emocionados: do do ritmo ou tabelinha. "Ou você tem presença ou não é O aborto é prática comum, em pai", afirmou um dos entrevistados; especial entre os homens mais ve"A paternidade só se define com a lhos. "O aborto foi e ainda é adotapresença", sentenciou outro. Nem do amplamente no início dos relacionamentos; na geração mais velha, sempre, porém, desejo e realidade se misturam. no entanto, ele foi utilizado ao lonVários dos "super pais" queixago da vida conjugal, como forma de ram-se, por exemplo, de que, quanadiar ou espaçar o nascimento dos do o filho chorava, corriam para atendêlo, zelosos. Apenas para ouvir do pimpolho de olhos marejados: "Quero a mamãe". "Esses homens demonstram um maior reconhecimento sobre a importância da atividade familiar de suas companheiras, até mesmo porque, como observa V. Manninem, uma das mais importantes e mais conscientes manifestações do ideal de masculinidade é o desejo de ser capaz de oferecer, à Maria Coleta (centro) com Malvina (à esquerda) e Elisabeth parceira que se escolheu, perfeita satisfação", lembra filhos", fala Coleta. "Os mais jovens Malvina. Para quem, no entanto, recorrem bem menos ao aborto, ainda não há uma resposta conclusiembora sua utilização ainda contiva para a célebre pergunta: para que nue em uma intensidade notável e servem os pais? "Ainda assim, o lusurpreendente", observa a pesquigar do pai existirá sempre que housadora. ver uma mulher para legitimar esse Há, porém, um obstáculo forte lugar e um filho capaz de identifiquando o peso da anticoncepção recar-se com ele", completa. cai sobre os ombros masculinos, em A pesquisa trouxe igualmente especial a vasectomia. "Como os hodesdobramentos interessantes relamens assumem um papel de fecuncionados com métodos anticoncepdadores de plantão, sentem-se tecionais e aborto. "Eles têm uma conmerosos de não poder, uma vez esterilizados, satisfazer no futuro os cepção naturalizada dos gêneros, fonte da idéia de que a reprodução e desejos de maternidade de suas parceiras, eventualmente mais jovens", a anticoncepção são assuntos e responsabilidades femininos", nota Conota a professora. Assim, Coleta leta. "Ainda assim, eles estão cada acredita que, apesar de algumas mu-
danças ocorridas nos últimos anos, os novos modelos de participação masculina na reprodução e na estruturação da família ainda não estão configurados de maneira desejável. "O que se vê é um processo de experimentação constante, muitas vezes dolorosa, em que homens e suas companheiras tentam compatibilizar valores e expectativas", conclui a pesquisadora. E as novas gerações constituem família incluindo em sua agenda de casal a perspectiva da separação e do divórcio. "As relações afetivas são vistas como eventualmente efêmeras", nota Coleta. Por fim, uma constatação algo desoladora. "Há todo um discurso sobre a importância da mulher no mercado de trabalho, mas a situação dentro de casa não mudou e a pergunta que nos guiou ao longo da pesquisa era: 'As mulheres estão participando mais da produção, mas os homens estão participando mais da reprodução?"', questiona Coleta. Apesar das muitas mudanças e avanços, para a mawria dos homens, pai é pai, mãe é mãe. • PERFIL: • MARIA COLETA FERREIRA ALBINO DE OLIVEIRA é graduada em Ciências Políticas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro. Fez o mestrado e o doutorado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. É professora no Departamento de Antropologia da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Estudos de População dessa universidade. Projeto: Os Homens, esses Desconhecidos: Masculinidade e Reprodução Investimento: R$ 19.901,00 PESQUISA FAPESP · MARÇO OE 2000 • 51
CLÁUDIO GRADILONE
Oportuno debate sobre a globalização Livro discute os efeitos do fenômeno sobre os países emergentes globalização é um fenômeno bem conhecido e discutido até em excesso. O fim das fronteiras, o fim dos Estados nacionais, a supremacia do mercado em relação às políticas econômicas estatais, tudo isso já foi suficientemente comentado. Em alguns fóruns, o debate não admite sequer uma alternativa à globalização: o mundo "moderno" (globalizado) se contrapõe ao mundo "arcaico", que rejeita a globalização. Porém, os entusiastas da globalização freqüentemente esquecem sua contrapartida: a criação de um caldo de cultura fértil para o recrudescimento de movimentos que pareciam sepultados após a II Guerra Mundial. A resposta de uma crescente parcela da economia e da população mundial à supremacia da globalização é a volta de movimentos como o nacionalismo, a xenofobia, o fundamentalismo religioso e até as políticas de limpeza étnica. As mudanças provocadas pela globalização são primordialmente econômicas, mas não se restringem à economia. O fenômeno afeta também a sociedade, a política e a cultura. Para discutir o tema, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) realizou, em setembro de 1995, um seminário internacional. Agora, em conjunto com a FAPESP, a Editora da Unesp editou as palestras no livro Globalização, Regionalização e Nacionalismo, organizado por Flávia Arlanch Martins de Oliveira. Nos 13 capítulos, os palestrantes discutem desde as mudanças teóricas sociais e econômicas decorrentes dos recentes processos de integração mundial até seus efeitos sobre zonas econômicas tão distintas quanto a África e o Mercosul. Entre os destaques está o artigo inicial A Era do Globalismo, do sociólogo Octávio Ianni, uma participação de fôlego que discute em profundidade os efeitos da integração global dos mercados.
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Um dos aspectos mais discutidos é o impacto das mudanças tecnológicas nos países em desenvolvimento. Talvez a face mais visível da nova divisão internacional do trabalho, a posse do conhecimento técnico define com crescente nitidez o recorte da exclusão econôrnica, seja em um país, um continente ou de forma global. Quatro das treze palestras que formam o livro discutem esse tema, com especial destaque para as do economista Luciano Coutinho, do historiador Jacob Gorender e de Jean Lojkine, diretor do Centre d'Études des Mouvements Sociaux, na França. Os quatro últimos capítulos discutem os efeitos das mudanças tecnológicas e geopolíticas em seu lado mais fraco: os países emergentes. Um desses efeitos, talvez o mais perverso, seja a geração de um desemprego estrutural em níveis elevados em economias que não possuem nenhuma estrutura organizada de bem-estar social e proteção. Por conta desse . lado sombrio da globalização, nascem as principais reações sociais. Não por acaso, a Europa do euro, do fim das fronteiras nacionais e da Comunidade é o mesmo continente que abriga o nacionalismo sérvio e aviolenta guerra civil que devastou a antiga Iugoslávia. Duas palestras tratam do exemplo de globalização mais próximo do Brasil: o Mercosul. Clodoaldo Bueno, da Unesp de Assis, discute brevemente, mas com bastante pertinência, as dificuldades da inserção do Brasil no novo mercado comum. Segundo o palestrante, o País precisa adotar uma atitude mais realista nas negociações para definir os limites do novo bloco comercial. Caso contrário, a iniciativa de unificar em termos comerciais os países do Cone Sul pode vir a sofrer um profundo e grave esvaziamento.
CLAUDIO GRADILONE
é jornalista.
REVISTAS A Expressão e a Emoção no Homem e nos Animais Quando um ex-ministro referiu-se à sua cadela como sendo "um ser humano" poderia, se usasse melhor a cabeça, ter invocado este livro de Charles Darwin para melhorar o seu argumento. O último dos estudos publicados pelo naturalista pretende demonstrar que os animais têm emoções como os homens, de raiva, medo, ciúme, todas manifestadas por meio das expressões. Mais: Darwin defende que algumas de nossas expressões são remanescentes de antepassados comuns aos seres humanos e os outros animais. Um lançamento da Companhia das Letras, 376 páginas.
Regras para o Parque Humano Com o subtítulo de "Uma resposta à carta de Heidegger sobre o Humanismo", este é o livro polêmico de Peter Sloterdijk, em edição da Estação Liberdade (64 págs.) que trata do destino dos homens em plena era da bioengenharia, pondo em questão a sobrevivência dos valores humanistas no futuro. O desenvolvimento trará uma reforma genética do ser humano? Teremos, um homem cujas características serão milimetricamente planejadas? Essas e outras questões fundamentais e até certo ponto atemorizantes estão presentes nesta pequena obra de grandes idéias.
Hiperespaço Escrito por Michio Kaku, professor de Física do City College, de Nova York, essa "Odisséia Científica através de Universos Paralelos, Empenamentos do Tempo e a Décima Dimensão" (Rocco, 384 págs.) defende a possibilidade de uma teoria unificadora de todas as forças conhecidas, uma "teoria do tudo" que ligue a relatividade einsteniana e a teoria quântica. Muitos especialistas torcem o nariz para as explicações de Kaku, que afirma as leis da natureza se simplificarem e precisarem ao serem descritas em um número maior de dimensões. Paranóia, mistificação? Decida.
Química Nova Este volume 23, número 1 (Janeiro/Fevereiro) do órgão de divulgação da Sociedade Brasileira de Química, financiado pela FAPESP, traz em sua capa a utilização do Diagrama de Veen exibindo as relações conceituais entre as principais teorias ácido-base do século 20 (Arrhenius, Lux, sistemas solventes, etc). A partir daí, o professor Aécio Pereira Chagas, da Unicamp, discute aspectos históricos e filosóficos no ensino da Química atualmente. Outro dos artigos presentes neste tomo é: A Química Medicinal na Próxima Década, de Celso Montanari.
Jornal Brasileiro de Patologia Este é o volume 35, número 4 (Outubro/Novembro/ Dezembro) da publicação conjunta da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC), da Socidade Brasileira de Patologia (SBP) e da Sociedade Brasileira de Citopatologia (SBC). Seguindo o objetivo central proposto pelos editores da revista, de divulgar o desenvolvimento eientífico e tecnológico das especializações de patologia, este tomo traz, entre vários artigos: A Inibina-A no Soro Materno no Segundo Trimestre Gestacional; Um Novo Marcador Bioquímico da Síndrome de Down; Leveduras do Gênero Candida na Cavidade Bucal; Técnica do Etest, etc
Palavra A bela revista fundada por Ziraldo atualmente editada por José Eduardo Gonçalves, chega agora ao seu número 11 do primeiro ano de circulação. Uma vitória comemorada com artigos inteligentes e bem escritos sobre arte, comportamento, cultura e idéias. Entre esses: uma entrevista com o dramaturgo Augusto Boal; um artigo sobre a retomada da obra de Lúcio Cardoso e uma conyersa descontraída e frutífera com o letrista e escritor Hermínio Bello de Carvalho. PESQUISA FAPESP · MARÇO OE 2000 • 53
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ESPECIAL
O futuro da genômica no Brasil Demonstrada a expertise dos paulistas, abrem-se novas chances para a pesquisa de genoma no país
~alizado e larga~ente reconhecido o feit? p~u hsta de seqüenCiar completamente o pnme1ro genoma de um fitopatógeno, o momento se apresenta fecundo para reflexões sobre o futuro da genômica no Brasil, contra o pano de fundo mais amplo do futuro da pesquisa científica neste país. E são reflexões nesse sentido que emergem dos textos reunidos neste encarte especial, mesmo quando, para traçar essas antevisões, as palavras esquadrinham muita coisa do passado recente e remoto do panorama da pesquisa brasileira - detendose no que significa São Paulo ter feito o projeto da Xylella ou nos esforços nacionais de acumulação de competência científica que floresceram, por exemplo, nesse projeto. O encarte reúne entrevistas do pesquisador George Simpson, coordenador de DNA do projeto Genoma Xylella fastidiosa, do pesquisador belga André Goffeau, membro do comitê consultivo externo do projeto, e do físico José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP; a transcrição dos discursos do governador paulista Má-
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rio Covas e do Ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Mota Sardemberg, proferidos durante a bela festa oferecida pelo governo estadual aos pesquisadores da Xylella, em 21 de fevereiro passado; e um artigo do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, originalmente publicado na Folha de São Paulo, de 22 de fevereiro e, gentilmente cedido pelo jornal para publicação neste encarte (por razões de espaço, fizemos alguns cortes na versão original). As visões apresentadas nesses textos são diferentes, multifacetadas e, em alguns pontos- especialmente naqueles que tratam do que deve ser feito daqui por diante para que o país consolide a posição de destaque que conquistou na pesquisa internacional de genômica -, francamente divergentes. E é natural que assim seja. Como bem diz o professor Perez, quando se olha do alto de um morro uma paisagem totalmente aberta, as visões são múltiplas. Daí, o desafio passa a ser precisamente definir qual o melhor caminho a tomar.
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ
Boa Ciência no Brasil conclusão do primeiro Projeto Genoma organizadurante décadas houve apoio do governo federal, principaldo pela FAPESP para determinar o código genétimente na forma de bolsas de estudo na pós-graduação, para co da bactéria Xylella fastidiosa representa uma a formação dos cientistas que hoje lideram e tocam o dia-a-dia das grandes realizações da Ciência e da Tecnologia (C&T) do projeto. Sua maioria esmagadora formou-se e trabalha no Brasil. Demonstra a capacitação científica desenvolviem universidades públicas, estaduais ou federais, e é auxida em São Paulo e sinaliza o domíliada por um exército de pós-granio de tecnologias essenciais ao duandos, muitos deles bolsistas de desenvolvimento econômico e soagências federais. Seria uma ilusão cial, num setor da economia que perigosa para a C&T em São Paulo resultado responde por milhares de emprecrer que o sistema paulista possa fundestaca o papel gos e por faturamento anual supecionar exclusivamente com os rerior a US$ 4 bilhões para este estacursos proporcionados pelo contriinsu bstitu ível do. A bactéria causa a praga do buinte paulista através da FAPESP. e essencial do Estado "amarelinho", que danifica laranPor outro lado, a FAPESP pôde jais inteiros. A determinação do realizar o projeto por dispor de reno desenvolvimento genoma da Xylella disponibiliza cursos para custeio de projetas de conhecimentos que poderão ser pesquisa, o que envolve outras descientífico'' usados para a identificação de mepesas e investimentos além de bolsas canismos de controle da praga. de estudo. A FAPESP soube reconheEsta realização mostra que a cer que havia uma capacidade insciência brasileira se tem desenvolvido ao longo dos últitalada e encontrou um problema cientificamente avançado mos 50 anos, devido ao apoio do Estado. O papel do see desafiador, que facilmente envolveu a comunidade cientor privado no desenvolvimento científico e tecnológico tífica. Houve no setor empresarial inusitado interesse. brasileiro ainda é mínimo, ao contrário do que ocorre O sucesso do Projeto Genoma FAPESP destaca que há nos países desenvolvidos e em outros .que são competidoboa ciência sendo feita no Brasil exatamente quando se res agressivos, caso da Coréia do Sul. inicia uma era na qual o desenvolvimento da economia e do É papel essencial e inalienável do Estado apoiar o dehomem será baseado em conhecimento. O resultado dessenvolvimento científico e criar as condições para que haja taca o papel éssencial e insubstituível do Estado no desendesenvolvimento tecnológico, este realizado por emprevolvimento científico. Mas somente com o envolvimento sas. Mas o apoio do Estado à C&T no Brasil tem sido marempresarial como elemento determinante no desenvolvicado por defeitos e erros. Os recursos hoje destinados ao mento tecnológico haverá qualquer chance de competitisetor, especialmente pelo governo federal, são insuficientes. vidade para o Brasil. Aliás, tecnologia para a competitiviAinda assim, é o apoio estatal que explica por que a produdade não se compra, se faz, ao contrário do que pensam ção de artigos científicos originados no país quintuplicou nossos planejadores econômicos. É bom lembrar o dizer de 1985 a 1999, ou como nossos cursos de pós-graduação de Lord Rutherford, citado no documento "Ciência e Peschegaram, em 1998, a formar mais de 4 mil doutores. quisa" que foi, em 1947, a base conceituai para a criação Duas são as razões fundamentais por que ciência no da FAPESP: "A ciência está destinada a desempenhar um Brasil deve ser ainda mais apoiada pelo Estado: porque há papel cada vez mais preponderante na produção induspesquisadores excelentes e porque mais ciência será bom trial. E as nações que deixarem de entender essa lição hão para o desenvolvimento do país. Para isto, é preciso que a inevitavelmente de ser relegadas à posição de nações esempresa no Brasil possa se apropriar desse conhecimencravas: cortadoras de lenha e carregadoras de água para os povos mais esclarecidos': Qual das duas queremos ser? to, tornando-se mais competitiva e gerando riqueza e empregos. Isto só acontecerá se ela valorizar o conhecimento, empregando cientistas e engenheiros voltados às CARLOS H ENRIQUE DE BRITO C RUZ É PROFESSOR TITULAR E DIRETOR atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). DO I NSTITUTO DE F!SICA G LEB W ATAGHIN, DA U N ICAMP, E PRESIDENTE O Projeto Genoma em São Paulo é um resultado do apoio DA FAPESP estatal à C&T. Mesmo que tenha sido estabelecido pela FAPESP, uma agência estadual, só foi possível fazê-lo porque A versão original deste artigo foi publicada na Folha de São Paulo de 22/02/2000
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Dificuldades superadas pela coragen1 de arriscar
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ô • Como o senhor se sentiu sendo pudoutor Andrew Simpson, ~ blicamente homenageado pelo goverum amável e firme inglês no paulista, em razão do sucesso do de 45 anos, começou a § projeto da Xylella? chegar ao Brasil há 11 anos. < Parece estranho, mas começou -Ninguém imaginava ser recebido com tanta cerimônia, e obviaé exatamente o termo que mente não há nada melhor do quer se aplica ao caso, porque, ser publicamente reconhecido. Em a princípio, ele veio duas alguns momentos, ao longo do proou três vezes, para desenvolver jeto, pensei que não haveria qualalguns trabalhos temporários quer comemoração, porque sempre Andrew Simpson trabalhamos com uma preocupade pesquisa e mantinha seu ção: "será que a gente vai conseguir?". Pessoalmente, é vínculo institucional com o National lnstitute uma coisa maravilhosa. for Medical Research, em Londres. Na última dessas viagens, na véspera de seu retorno, • Alguma vez o senhor imaginou esse tipo de grande homemuito triste ante a perspectiva de deixar nagem? Suponho que quando alguém começa uma carreira científica com garra se imagina recebendo um Nobel em alo país, colocou-se diante de uma questão gum momento. existencial crucial: "por que tenho que voltar?" Uma noite inteira de debate íntimo, solitário, - É claro. Qualquer jovem entrando em qualquer prolevou-o na manhã seguinte à decisão que fissão deve sonhar. Se começa no esporte, deve se imaimediatamente comunicou a seus perplexos ginar recebendo a Copa do Mundo ou o prêmio mundial de Fórmula 1. Não há nada de errado em estimular colegas ingleses e que transformaria a ambição das pessoas. Às vezes, temos de acordar às a sua vida: permaneceria no Brasil. cinco da manhã para trabalhar e precisamos de um soFoi uma escolha feliz para a pesquisa brasileira nho. Por outro lado, não acreditamos muito que esse ree absolutamente compreensível partindo conhecimento um dia chegue. Nossa festa não foi um de uma pessoa que, ao lembrar dos passos Nobel, foi muito mais importante porque foi uma afirmação de uma nação, da importância da Ciência. O prêiniciais para o desenvolvimento do projeto mio é o reconhecimento ao papel da Ciência no desenda Xy/e//a diz: "aposto que foi o projeto volvimento do país. de sequenciamento de genoma que começou pior preparado no mundo", para acrescentar • O senhor sentiu que enfrentaria desafios maiores no Brasil mais adiante: "quem quer chegar longe na vida do que na Inglaterra, devido à diferença de maturidade da pesquisa nos dois países? não faz somente as coisas que são garantidas". Na entrevista concedida a Pesquisa FAPESP, - No início, verifiquei que tudo aqui é um desafio. Até Simpson, pesquisador do Instituto Ludwig as coisas mais simples são mais difíceis de executar, mas de Pesquisa sobre o Câncer e coordenador senti muito entusiasmo dos pesquisadores para resolver de DNA do projeto Genoma da Xy/e//a os problemas. Nunca pensei que este país iria me oferecer a oportunidade de coordenar um projeto dessa magnitufastidiosa, falou detalhadamente das de, que é extremamente rara em qualquer país. dificuldades enfrentadas e superadas ao longo de sua execução. Abordou a importância • Existe uma grande expectativa em relação às aplicações científica do projeto e, de passagem, falou deste projeto. Ainda se está longe de intervir sobre a patogedas possibilidades comerciais que ele abre. nicidade da Xylella?
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tenção de seqüenciar tudo. Quando se faz um shot-gun, - Sim. No começo dos anos 80, foi descoberta a Aids. Em poucos meses, foi identificado o vírus HIV, que cauem princípio só se seqüenciam as extremidades e, em cersa a doença. Depois, foi feita a seqüência inteira do vírus, tos casos, quando é inevitável, se seqüencia tudo, uma, um ser simples, com meia dúzia de genes. Vinte anos duas, três ou quatro cabeças (reads) de plasmídeos. Senão, mais tarde, ainda não temos nada que permita a cura deé muito trabalho para pouco resultado. finitiva. É errado pensar que apenas o conhecimento do genoma de um organismo leva imediatamente a qual• Tudo aquilo que está sendo usado internacionalmenquer intervenção ou cura. O importante é que o Brasil é te para seqüenciamento genético foi usado no projeto da suficientemente maduro e sofisticado para contemplar essa Xylella ou alguma técnica mais nova ficou fora? abordagem para o problema conhecido como "amarelinho': É muito sofisticado procurar conhecimento e fazer ciên- Uma técnica bastante utilizada em genomas grandes, cia como uma ferramenta para reque não utilizamos, foi a dos BACs solver problemas. Esse projeto, a (Cromossomos Artificiais da Bactémeu ver, reflete o amadurecimenria), um pouco antiga. Ela é a base do to da nossa comunidade. O Estado projeto Genoma Humano e de ouprêmio dado também tem de ser suficientementros projetos. pelo governo o te maduro para entender que essas descobertas não levam a uma soluEspecificamente, o que foi difícil nesreconheci menta ção imediata. Vai levar a uma soluse projeto? ao papel da Ciência ção e permitir a aplicação das ferramentas da biotecnologia, mas -Houve dificuldades a cada mono desenvolvimento não podemos esperar uma solução mento. Primeiro, foi difícil decidir para amanhã. O problema é comqual organismo seqüenciar. Levou do país'' plexo e leva mais anos de pesquisa. muito tempo. Foi difícil escolher os laboratórios, dos 100 inscritos apenas 35 foram escolhidos. Foi • Gostaria que o senhor comentasse também muito difícil aprender a lidar com os equipamenas técnicas que foram utilizadas no Brasil pela primeira vez tos, ninguém tinha muita experiência e até erramos ao num projeto de seqüenciamento que jamais havia sido feito. usar dois tipos de seqüenciadores, apenas um teria sido - Seqüenciamento em si é uma ferramenta básica da biomelhor. Então, não houve só dificuldades, houve erros, logia molecular que tem sido bastante utilizada no Brasil, também. Depois disso, a logística para importar, instalar mas para seqüenciar um gene, um plasmídeo ou um tree treinar todo mundo para usar as máquinas foi um procho pequeno, com um objetivo específico. A novidade é seblema enorme. Havia experiência em montar centros de qüenciar um genoma. É muito mais do que um aumenpesquisa, não ·em espalhar aparelhos em muitos lugares. to quantitativo. É uma mudança fundamental porque se Mas as equipes administrativas da FAPESP e do Instituto Ludwig conseguiram superar rapidamente as dificuldatem de seqüenciar uma coisa completa. Não pode haver buraco e é preciso pegar e anotar e decidir o que é o quê. No des, com muito trabalho e muito empenho. início, seguimos um caminho que foi ótimo para a aprendizagem e certamente garantiu, no final, um projeto mui• E na parte científica, propriamente? to bom, mas não é exatamente o que as pessoas fariam para seqüenciar um genoma, que são os cosmídeos (grandes - Quando começamos, ninguém conhecia a bactéria. pedaços clonados de genomas). Depois, complementamos Aposto que esse foi um projeto de seqüenciamento de gecom outras abordagens, como as bibliotecas de lâmbda, que noma que começou pior preparado do que qualquer ousão pedaços grandes de genoma, não tão grandes quanto os tro na história do mundo. Porque havia um coordenador cosmídeos. No final fizemos bastante shot-gun sequency, o que nunca seqüenciara um genoma, não trabalhara com arroz-com-feijão do seqüenciamento, e coisas complexas, bactéria e sequer sabia o que era a Xylella fastidiosa. Hacomo o PCR (reação de polimerase em cadeia). via um coordenador de informática que nunca havia lidado com um projeto de DNA na vida e uma equipe es• Quando se fala em plasmídeo e cosmídeo, a diferença é palhada por todo o Estado de São Paulo. Nenhum pesquisador havia seqüencionado nada e vários não sabiam basicamente de tamanho? quase nada de biologia molecular. Pior: ninguém no es- Sim. Usamos fragmentos de SOO a 5 mil nucleotídeos, tado tinha a bactéria viva, muito menos DNA, muito meenquanto o plasmídeo tem 40 mil nucleotídeos. A difenos ainda a biblioteca de DNA. Começamos sem qualrença é que quando se seqüencia um cosmídeo se tem a inquer evidência de que o trabalho iria funcionar.
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sérios conflitos, quando se dizia "preciso disso para hoje" e como resposta se ouvia "mas não pode':
• Como fizeram?
-Arrumamos a bactéria rapidamente. O que nos deu a confiança para iniciar o trabalho foi a promessa do professor José Bové (do Centro Nacional de Pesquisa Científica, da França) de fornecer a bactéria e o DNA que fosse necessário. E ele fez isso. No final, Marcos Machado, do Instituto Agronômico de Campinas, deu todo o DNA que eu logo usei no projeto. Esse não foi um problema, mas uma grande dificuldade, porque anunciamos que iríamos fazer uma coisa sem condições para fazer. • O senhor não achou que tudo era uma loucura de brasileiro?
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• A burocracia emperrou?
-Apesar de toda agilidade e qualidade, a FAPESP, corretamente, tem um sistema de checking and balances que não é muito ágil. A dificuldade da importação de reagentes e os processos de alfândega complicam a pesquisa. Já com as pessoas, não tive dificuldade nenhuma. Dado o tamanho do grupo, houve muito poucos conflitos. Não tive nenhum problema com a qualidade científica da equipe, de altíssimo nível. O projeto é que é complexo. Tudo o que estávamos fazendo era inédito. deve ser
-Não. Foi confiança na habilidamaduro para de da comunidade de executar • Um dos momentos mais desafianqualquer tarefa dada. Não há nada tes foi vencer os gaps que restavam entender que essas de loucura. Na vida, temos de are concluir o genoma da Xylella, não? descobertas não riscar. Quem quer chegar longe na vida não faz somente as coisas que - Foi a parte mais difícil do gelevam a uma são garantidas. Mas confesso que, noma, que ficou mais difícil ainda quando saiu o anúncio de que a para nós por dois motivos. Primeisolução imediata'' gente ia fazer esse projeto, sem ro, eu não tinha a menor idéia de DNA e sem bactéria, deu uma cercomo fazer. Nunca havia feito e os ta ansiedade. Aí, decidi levar o papers não contam exatamente coprojeto a sério, porque se não saísse iriam dizer que a mo fazer. Era preciso inventar uma solução. Segundo, tínhaidéia era boa, mas o coordenador era incompetente. Eu mos muito pouca informação sobre o genoma da Xylella nunca tinha organizado um grupo desse tipo e não sabia antes de começar o seqüenciamento. Não sabíamos secomo fazer. No final, quase não sei como fiz. Foi acontequer o tamanho dos gaps, porque não sabíamos o tamacendo no calor das coisas. nho total do genoma (2,7 milhões de pares de bases). Esse é um problema comum em projetas desse tipo, que acumu• Antes da Xylella, o senhor tinha coordenado grupos de lam muitos dados. Uma porção dos dados não está corquantas pessoas? reta e deve ser excluída. Às vezes faltam dados, mas não se sabe quanto e onde. Ou há dados repetidos que não de-Acho que o máximo foi tentar reunir minha família e vem ser repetidos ou mesmo que devem ser repetidos, ir para a praia, mas tenho de confessar que não consegui mas não se sabe isso. É um enorme quebra-cabeça. Mas o fazer muito bem ... Na área científica, coordenei só um laque me agrada muito são esses pontos finais, o dose, a boratório com meia dúzia de pessoas e não trabalhando anotation e o ato de escrever o paper, que também conseem grupo. Normalmente, cada projeto tinha dois ou três guimos fazer em grupo. Um ano atrás, quando já havíapesquisadores envolvidos. Mas outra dificuldade no promos completado os cosmídeos, minha idéia era que os jeto da Xylella foi ter muita gente dependendo da rede de coordenadores fechassem os problemas e escrevessem o informática, que no início era precária. Houve dificuldapaper, mas rapidamente vi que isso teria sido um enorme des para transmissão e muitos não tiveram uma ligação erro. Primeiro, porque tenho um grupo pequeno aqui no adequada à Internet. Eu mesmo não tive, pois ainda estaLudwig, e demoraria um tempo tremendo. É um perigo va usando modem, que é totalmente inadequado para em termos de dinâmica de grupo concentrar em poucos esse tipo de trabalho. Por estar fora da rede, eu tinha de ligar os esforços de muitos. Inevitavelmente, muitos começariam o telefone para saber se alguém havia seqüenciado algo a cobrar. Segundo, porque para acelerar essa parte final naquele dia. A distância era uma dificuldade. A FAPESP tive de envolver mais pessoas. Todo mundo se conheceu havia assumido um projeto que precisava de agilidade e e entrou com sua cabeça no problema. Foi muito agradámuito dinheiro para ser gasto num curto período de temvel. A idéia sempre foi que todo mundo participasse da po e não sabíamos realmente como fazer. Uma equipe pequeanotation, mas funcionou muito bem com várias pessoas na trabalhou muito para enquadrar as regras da FAPESP assumindo áreas que às vezes não eram de conhecimento dentro da necessidade do projeto. Tivemos momentos de delas, mas aprenderam e fizeram um excelente trabalho. PESQUISA FAPESP
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• Dr. Simpson, para nossos leitores não biólogos, daria para lembrar novamente o que é anotation? - Anotation é o trabalho de identificar um pedaço da seqüência do genoma que representa um gene, que codifica uma proteína e, em seguida, decidir qual tipo de proteína é e qual sua função. Desse modo, descobrimos as prováveis funções biológicas da bactéria com a interpretação das seqüências do genoma. • Existe algum conjunto de gene em processo de patenteamento? - Sim. São genes que achamos que podem ter alguma relação com a clorose variegada dos citros ou algum valor comercial. Independentemente disso, estamos fazendo o pedido de patente. Estamos pedindo primeiro nos Estados Unidos.
• Como o senhor situaria o Brasil no quadro internacional da pesquisa em genômica a partir do projeto da Xylella?
tratégico para o Brasil. Esse trabalho demonstra que a sociedade pode contar conosco. O fato de o projeto ter sido financiado mostra que, se a gente trabalha bem, há lugar para a ciência no Brasil. Nunca tive dúvidas, e no mundo inteiro também não há muita discussão, sobre a qualidade do cientista brasileiro. Temos uma comunidade de pessoas jovens, inteligentes e motivadas que ainda estão optando por fazer ciência. A surpresa, se houve, foi o Brasil colocar US$ 12 milhões num projeto científico. Essa decisão implica coragem, investimento e visão estratégica- agora, sabemos que existem. O complemento já sabíamos que existia: é o talento científico.
''Podemos criar uma capacidade de serviços ou de comércio internacional de tecnologias''
-O Brasil torna-se um país participante. Já estávamos participando, porque há projetas genoma cooperativos, principalmente de parasitas, que contam com grupos brasileiros. Hoje não é mais notícia o seqüenciamento de uma bactéria, que já foi feito dezenas de vezes, mas em poucos países. Essa certamente é uma condição sine qua non para demonstrar que o Brasil é um país onde a genômica está sendo feita. Esse trabalho, na comunidade de especialistas em patógenos de planta, é muito bem visto. Estamos, sim, numa posição de liderança, mas a Xylella por si não é de grande importância. O fato de o projeto ter sido feito em um país do Mercosul vai chamar um pouco a atenção, mas não tanto. Seria notícia muito maior se Angola tivesse realizado um feito desse. Não creio que seja visto com tanta surpresa o fato de o Brasil tê-lo feito. Trata-se de um processo de desenvolvimento natural de nossa comunidade científica, que já publica bastante em revistas internacionais.
• Qual é a importância económica do projeto para o País?
-A importância econômica potencial desse projeto apresenta dois aspectos. Um é o domínio do conhecimento sobre genomas e sua aplicação em agricultura, medicina e meio ambiente. É uma maneira de agregar valores a esses setores e de ajudá-los a se desenvolver. Torna-se possível monitorar melhor a pureza genética dos animais ou realizar testes genéticos em humanos, por exemplo. O outro aspecto é que a tecnologia por si é uma semente de uma nova vertente comercial, que é a própria biotecnologia. Hoje se pode pensar em criar uma capacidade de serviços ou de comércio internacional de tecnologias. Fora do Brasil já há interesse em alugar a ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análises de Nucleotídeos), que chamou atenção também de indústrias brasileiras.
• Na medida em que o Brasil é um país rico em biodiversidade, esse conhecimento se torna mais estratégico, não? - Certamente. Vamos ver como tudo se desenvolve, mas possivelmente se pode contemplar, com grande êxito, a aplicação de genomas em biodiversidade de plantas ou para preservação de espécies, mas não de imediato.
• Qual é o lugar da genômica na ciência do século XXI? • E qual é o impacto na comunidade científica brasileira? - O astral dos participantes é excelente. Dá uma grande confiança à comunidade científica saber que a sociedade como um todo está nos apoiando, dando os recursos necessários e a infra-estrutura suficiente para realizar projetas de maior porte, comemorando junto quando temos sucesso e percebendo que ciência faz parte do plano es6
-Uma das ciências-chave do século XXI será a biotecnologia e biologia molecular, cuja base será a genômica. Em alguns anos, como já disseram, não haverá nenhum projeto de pesquisa de biologia que não utilize de uma maneira ou de outra o genoma. A genômica será uma das bases da ciência neste século. E vai mudar nossa vida. PESQUISA FAPESP
Un1a proposta de especialização en1 genon1a de patógenos
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~ O projeto da Xylella fastidiosa foi belga André Goffeau, ~ concluído com êxito. O que o senhor respeitado pesquisador ~ poderia acrescentar à opinião que deu do Instituto Curie, " sobre ele, em novembro passado? em Paris, foi o coordenador do projeto de seqüenciamento - Em novembro, a seqüência já estava completa, os buracos já tinham do genoma da levedura, feito sido fechados, portanto nós estávamos por uma grande rede de cerca bastante satisfeitos. Restava a incerde 100 laboratórios europeus, teza sobre a capacidade de a rede fae concluído em 1996. Quando zer uma anotação correta dos genes, a FAPESP começou a discutir, André Goffeau quer dizer, a determinação da função de genes por análise informática. ainda no primeiro semestre de 1997, a possibilidade de realizar • Mas ainda faltava seqüenciar uma base em novembro, em São Paulo o seqüenciamento de um não é mesmo? microorganismo, Goffeau foi o primeiro especialista estrangeiro chamado a opinar - Não, na última vez em que estive no Brasil antes da conclusão do projeto, os pesquisadores me disseram que sobre o assunto. E sua avaliação, naquele dia mesmo fechariam a última lacuna. Portanto, de que São Paulo estava preparado para o que era preciso era ter uma confirmação da segunda o empreendimento, teve um grande peso parte. Não se sabia como a anotação havia se desenrolana decisão da FAPESP de propor do, sobretudo porque era um trabalho feito por uma o seqüenciamento da X. fastidiosa. rede, com muitos laboratórios, e isso jamais havia sido feito no Brasil ou em qualquer outro país. Normalmente, Como se poderá ver por sua entrevista, as anotações vão para um número limitado de pessoas. Goffeau jamais encontrou razões para Desde então - não faz muito tempo: dezembro, janeiro, se arrepender de sua opinião. Ele se mostra fevereiro- tcrrnou-se claro que a anotação é muito boa. um entusiasta absoluto do feito realizado pelos pesquisadores paulistas, não poupa adjetivos • E o senhor já viu os resultados da anotação? de louvação à estrutura montada para - Não de maneira detalhada, mas eu vi as duas versões o primeiro seqüenciamento completo de um do manuscrito. Li em detalhe e, para mim, está muito clagenoma no Brasil, nem à FAPESP, cuja eficácia ro que a anotação foi bem-feita e, inclusive, apresentou qualifica de extraordinária, identificando-a resultados ao mesmo tempo totalmente inesperados e incomo o primeiro fator de sucesso do projeto. teressantes, no sentido de que se definiu uma série de regiões e de genes possivelmente relacionados à virulência Sua idéia sobre o que o Brasil deve fazer e à patogenicidade da Xylella fastidiosa. daqui por diante em genômica é, com certeza, polêmica. O país, aconselha ele, deve • Há nove genes encontrados na bactéria que estão relaciose concentrar em genomas bacterianos nados à clorose variegada dos citros (CVC), não é mesmo? patogênicos, realizando um projeto desses -Já não sei mais se são nove, mas há toda uma série de a cada ano, e dessa forma se consolidar genes que podem estar relacionados, quer seja com a vicomo a liderança mundial nesse campo. rulência, quer seja com a goma (N.R. - a goma xantana, "Por ora - incentiva - vocês já bateram que, nas laranjeiras afetadas pela CVC, bloqueia o xilema os Estados Unidos. Eles não têm um genoma da planta, prejudicando a circulação da seiva) . H á o operon, que sintetiza a goma, que não é um gene, mas vários fitobacteriano. O de vocês é o primeiro".
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genes, e depois há toda uma série de outras seqüências • E o senhor crê que essa política deveria continuar nos próque poderiam estar relacionadas com a adesão da bactéximos anos? ria ao inseto (N.R.- a cigarrinha transmissora da CVC) e com a virulência em geral. Então, tudo isso é verdadeira- Eu diria que sim, porque é sempre perigoso pensar mente exciting, como se diz em inglês. Em paralelo, há que se pode formar pesquisadores localmente tão bem mecanismos de patogenicidade que eram esperados, coquanto nos EUA ou na Europa. Pois mesmo na Europa mo a secreção pelo complexo três, e que não se confirmaeu exijo que todos os meus estudantes que querem fazer pesquisa façam um curso nos EUA, de maneira a aprenram, da mesma forma que os genes da virulência clássica em patógenos de animais não foram encontrados. Ao der outros métodos, outras abordagens, outras formas de mesmo tempo, encontramos toda uma série de genes que trabalhar, e estou convencido de que é indispensável condão verdadeiramente uma imagem interessante da patotinuar a fazer isso. É preciso continuar e o projeto genoma da Xylella é uma demonstração de genicidade e pelo menos duas classes de genes que não estão presenque isso não é dinheiro perdido. A outra coisa que é preciso dizer: tes que não foram encontrados em outros patógenos, sobretudo anitodos os pesquisadores brasileiros ''Não se trata de um mais. Isso é muito interessante e proproclamam que sua limitação não milagre. Tudo ocorreu va que a anotação foi bem-feita, na é o conhecimento científico e, no minha opinião, justamente porque porque havia uma reserva Estado de São Paulo, nem mesmo é o dinheiro, mas a burocracia. ela trouxe resultados. É isso que é de competência em São novo nesses últimos meses: o interesse e, provavelmente, a qualida• A burocracia? Paulo que foi mobilizada de da anotação, com a detecção de uma seqüência de candidatos age- Em particular, eles dizem que para o projeto'' nes relacionados à virulência. não têm acesso aos produtos e aos equipamentos que vêm quase to• Podemos falar sobre o começo do dos dos EUA, às vezes da Europa, projeto? Quer dizer, o que o levou a pensar, em 1997, que porque os procedimentos aduaneiros são extraordinao Brasil seria realmente capaz de realizar um projeto geriamente ineficazes; e a burocracia universitária, assim noma? como a do governo, exige que se faça o planejamento das despesas com mais de um ano de antecedência. -Há duas coisas a dizer. O Brasil manteve por pelo menos dez anos, ~as talvez por mais tempo, uma política de • E no caso da Xylella? enviar pesquisadores ao estrangeiro- aos Estados Unidos e à Europa - para pós-doutoramento, quase todos, ou a - No caso da Xylella, processou-se um curto-circuito maioria deles, com uma bolsa financeiramente excelente, sobre esse sistema graças à ação da FAPESP, que interveio oficialmente ou oficiosamente para acelerar esse procespor três anos. Era, assim, uma política geral, que o Brasil so. Mas na vida cotidiana essas mesmas regras continuam liquidou há muitos anos. Essa política foi às vezes criticada num certo sentido, dizia-se que custava muito caro, a existir e são sempre um fator limitante da pesquisa braos melhores nem sempre voltavam, e, uma vez que tivessileira. Não posso ficar fazendo julgamentos, mas é uma sem voltado, ficavam sem meios para trabalhar, quer dicomédia. zer, sem ter como utilizar o conhecimento adquirido. Mas para mim ficou muito claro, pela primeira vez, que • E como poderemos, em sua opinião, resolver o problema foi graças a essa política, que durou muitos anos, que o da burocracia? Brasil teve a capacidade de assimilar quase instantanea-Creio que a primeira coisa é ser muito claro em relamente uma tecnologia relativamente nova, para o país, ção a esse problema, que nunca foi realmente exposto pelo menos, que é o seqüenciamento genético. E em topela imprensa. Dizer claramente isso: "É nosso fator lidos os seus aspectos: o da seqüência, mas também o da informática, o de mapeamento do genoma e, agora, o da mitante"; e agir no nível dos governos e dos políticos dianotação. E, portanto, não se trata de um milagre. Tudo zendo: "É isso que limita nossa pesquisa, não é nossa ocorreu porque havia competência, uma reserva de comcompetência, não é nem mesmo o dinheiro; são os papetência no Estado de São Paulo, que foi mobilizada logo péis que os senhores nos fazem preencher com coisas em seguida para esse novo projeto. Foi, portanto, uma inúteis". Como estrangeiro, posso dizer isso facilmente, demonstração de que aquela política foi útil e isto deve porque não estou envolvido, mas para os brasileiros talvez seja muito difícil, não sei. Em todo caso, eu queria ser dito claramente. 8
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sublinhar muito claramente esses dois pontos relevantes: um, o fecundo resultado da política de enviar brasileiros ao exterior; dois, os problemas burocráticos que, no caso da Xylella, foram resolvidos eficazmente graças a uma ação pontual da FAPESP. • Podemos usar a conclusão do Projeto Xylella como um marco, algo que poderá dividir a ciência brasileira num antes e num depois do genoma? Como o senhor vê essa questão?
não fez mais que dez genomas bacterianos em quatro anos. O que mostra que o Brasil pode rapidamente ocupar esse nicho do genoma bacteriano patogênico de plantas, animais ou humano, em vez de se dispersar. • Como pensar nisso, quando já há projetas genoma de outra natureza em curso?
- Sei que é muito difícil agora, quando já há projetas como o da cana-de-açúcar e o do câncer. São projetas que, -Para mim- e não tenho nenhuma dúvida- se o Prona minha opinião, terão menos impacto porque não são de um genoma inteiro; são aquilo jeto Xylella for de fato publicado na Nature (e acho que o será, porque chamamos de ESTs, etiquetas. que o artigo é muito bom), será São úteis, mas provocam menos como um tiro de canhão na cena impacto psicológico e científico ''só quatro países internacional. Há só quatro paíque o genoma inteiro - talvez não haviam feito um genoma ses no mundo que fizeram um científico, mas decerto psicológico. genoma completo dentro de seu Como estratégia, eu diria, se esticompleto em seu próprio país - desde a obtenção vessem em jogo o meu dinheiro e próprio território: do DNA até a análise informática, o meu país: "especializemo-nos no passando pelas seqüências: os Esgenoma bacteriano fitopatogênico EUA, Japão, Alemanha e outros': tados Unidos, o Japão, a Alemanha (com um genoma) e a Suécia e Suécia'' (também com um genoma). Nem • Terminado o projeto da levedura, a França, nem mesmo a Inglatera rede de laboratórios europeus forra, com o enorme Sanger Center, mada para desenvolvê-lo também fizeram, que eu saiba, um genoma inteiro sozinhas. Foi acabou. Mas no Brasil a ONSA deverá continuar seu percurso. Qual a sua opinião sobre isso? sempre um trabalho de colaboração. Creio que o Brasil marca de verdade um ponto importante, porque está realmente na ponta da competição. E isso será bastante -Eu repito o que disse: com a infra-estrutura que foi considerado durante um tempo. Geralmente essas coiconstruída e a competência que foi estabelecida, o Brasas têm um efeito psicológico durante uns meses, um sil deve se especializar em genomas bacterianos patogêano, talvez, mas, se o Brasil vai manter esse lugar que alnicos. E, por exemplo, apresentar todos os anos um cançou, vai depender do que será feito e publicado no novo genom~ de bactéria fitopatogênica, de maneira a futuro. ocupar esse campo como líder mundial bem antes dos Estados Unidos. É possível fazer isso mantendo a rede de laboratórios. A competência existe, o dinheiro existe, • Quais as suas expectativas quanto ao futuro do Brasil na a única coisa que impediria esse caminho seria o foco genômica? das estratégias. Penso que é claro como resposta: eu aconselho fazer um genoma fitobacteriano a cada ano, -O Brasil pode se tornar muito competitivo nesse domínio, diante da Suécia, Japão, Alemanha, França e Reino como objetivo. Unido. Mas para isso é preciso que faça outros genomas com a mesma eficácia, isto é, genomas bacterianos pato• Em algum momento o senhor duvidou da possibilidade de gênicos. O país pode ocupar muito bem esse campo, dessucesso do projeto? de que se especialize. Tem toda a estrutura para fazê-lo e há um segundo genoma similar em curso, o Xanthomo- Na verdade não, mas o período difícil, que tomou nas. Eu diria muito claramente que em vez de diversificar, quase seis meses, foi o fechamento dos últimos 14 gaps. Naquele momento pensamos que talvez fosse mesmo imem vez de estudar outros genomas de plantas, de parasitas, e mesmo de doenças humanas, o Brasil deveria se espossível fechá-los. A rede brasileira respondeu a isso tenpecializar em genomas bacterianos patogênicos. Poderia tando, em paralelo, todas as abordagens prováveis. Tentase especializar nisso tudo que os pesquisadores já sabem ram de tudo ao mesmo tempo, de modo que no Brasil o shot-gun, uma biblioteca lâmbda, lâmbda dúplex, crofazer bem e, portanto, podem fazê-lo rapidamente, tanto que tem um segundo projeto sendo feito. Mesmo a Tiger, mossoma walkinge, finalmente, cada uma dessas abordaque é a grande estrela do seqüenciamento americano, gens foi útil e pôde fechar uma lacuna. Em novembro, fePESQUISA FAPESP
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chou-se o último buraco graças a uma seqüência de shot gun. Mas alguns também foram fechados por lâmbda, outros por dúplex, cromossoma walking, primer extension. Isso mostra, mais uma vez, que a competência
teve uma atitude que favorecia acima de tudo a colaboração, e não a impressão de que alguns estariam tirando proveito em particular do projeto. Assim, repito: a eficácia da FAPESP, o financiamento do qual depende a infraestá presente no Brasil. Ela não é aparente, não sei por estrutura, o comitê externo, a informática de Campinas e a ação do coordenador do ponto de vista psicológico, que que, mas fazer o fechamento do genoma, com todas as é mais importante que o técnico. E havia, enfim, a comabordagens ao mesmo tempo, mostra uma competência petência necessária para fazer todas as abordagens ao que estava no país e não era utilizada. mesmo tempo. Havia sempre alguém, em algum lugar, que tinha a competência. A receita do milagre é tudo isso. • O senhor quer acrescentar mais alguma coisa? Não sei se vai continuar. Agora os outros estados brasileiros também vão tentar fazer geno- Na minha opinião, são cinco os ma (o Rio de Janeiro vai tentar... ), elementos do sucesso do projeto não sei se vai dar certo por muitas brasileiro - e estamos falando de razões, mas uma delas é que os um verdadeiro sucesso, quase úni''concentrem-se em co, para além dos esforços eurooutros estados vão ter dificuldade genomas bacterianos de fazê-lo sem contar com a eficápeus de seqüenciamento em rede da levedura e do Bacilus suptilis. E da FAPESP. cia patogênicos e sejam é preciso ser muito claro sobre esos mais fortes do • Isso é um problema para o Brasil? ses cinco elementos: número um, A eficácia dos outros laboratórios... e é o principal, como eu jamais mundo; por ora, vocês havia visto antes, é a eficácia da - Para mim não são os laboratóFAPESP. É uma coisa extraordinájá bateram os EUA'' rios, mas a estrutura, eles não têm ria e, nesse caso, foi algo fenomenal. a FAPESP, não têm dinheiro sufiPodemos nos perguntar por quê. ciente, não têm acordo, foco. De É devido a fatores humanos, com todo modo eles vão fazer, mas não sei se vai dar certo. certeza, e o empenho pessoal determinou que se fizesse Aqui em São Paulo o objeto a ser seqüenciado foi muito isso muito rapidamente e de maneira eficaz, e se escapou da burocracia. A segunda razão é que o financiamento esbem escolhido: é um pequeno genoma. E, entretanto, ele mostrou ser muito difícil de seqüenciar. E ele tem uma tava disponível e não foi jamais um fator limitante. Essas grande importância para a economia. Os outros estados são as duas razões principais do sucesso. A terceira, talvez, é que o projeto teve um comitê de consultores independificilmente escolherão tão bem. O que quero dizer é que os outros estados somente copiarão e, assim, o Estado de dente da política local. Escapou-se da política local porSão Paulo contribuiu mostrando muito bem o exemplo. que havia esse board de pessoas que davam conselhos, que nem sempre foram seguidos, mas que permitiram um processo de tomada de decisões alheio à influência da • O Rio de Janeiro já declarou sua intenção de seqüenciar o política local do país. Penso que isso foi importante na Trypanosoma cruzi. eficácia da FAPESP, que pôde sempre dizer "sim, nossos - Creio que isso será difícil, porque o genoma é bem conselheiros estrangeiros disseram isso e aquilo e, portanto, não podemos nos deixar levar por considerações maior. De outro lado, há muitos outros países do mundo locais". Compreende? Houve esse board independente, que vão fazer o Trypanosoma ou uma parte dele, quer dicujas opiniões foram muito consideradas. A quarta razão zer, será um esforço muito diluído no tempo e também é realmente extraordinária e inesperada, acho que foi geograficamente, e poderá não ter o mesmo impacto. Acho que não é uma escolha tão boa quanto foi a de São mesmo uma sorte: vocês tiveram uma informática rigorosa, um pessoal de informática rigoroso. É um verdadeiPaulo. Certamente é importante ter esse genoma, mas isso tomará vários anos e, além disso, ele não será totalro milagre! Isso também é resultado da política a longo mente brasileiro como o daXylella; será 30%, 10% brasiprazo de enviar pessoas ao exterior. E essas pessoas foram leiro, uma vez que há outros países que também fazem muito determinantes. Seu rigor, sua competência e sua determinação são um verdadeiro milagre. O último fator outros cromossomas do genoma do Trypanosoma. É por isso que digo: não cometam esse mesmo erro. Concendo sucesso foi a boa vontade reinante entre todos os pesquisadores. Não houve muitas, aliás, quase nenhuma pestrem-se em pequenos genomas bacterianos fitopatogêsoa que puxasse o tapete. Não sei se isso vai continuar no nicos e sejam os mais fortes do mundo; por ora, vocês já futuro, mas durante esses três anos a coesão foi exemplar. bateram os Estados Unidos: eles não têm um genoma fiE isso acho que se deve ao coordenador do projeto. Ele tobacteriano, o de vocês é de fato o primeiro. 10
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No cenário aberto, o desafio é escolher betn os próxitnos passos ;::;;:::::;:;;;;;;;;;;;;;;::::=::======:::;;;;;;;;::::::::; ~ • O que significou para o senhor, proominado por um ~ fissionalmente sempre ligado à acadeentusiasmo irreprimível mia, ver-se num grande palco, aplauque o sucesso do projeto dido por mais de mil pessoas de pé? da Xylella fastidiosa só fez expandir, o físico -Acho que aquele aplauso destinava-se ao sucesso de uma iniciativa. José Fernando Perez, 55 anos, Não era dirigido à minha pessoa, mas diretor científico da FAPESP, à FAPESP e a todas as instâncias da olha para o futuro com instituição que estiveram nesse proalgumas certezas, muitas jeto de forma exemplar. Eu disse ali, esperanças e umas tantas mas gostaria de ter enfatizado mais: José Fernando Perez o sucesso da iniciativa deve-se ao Conindagações. Uma das certezas: selho Superior da Fundação, que aceitou a proposta de um ele está convencido de que há um antes projeto de natureza singular, que envolvia uma ousadia e um depois no panorama da pesquisa enorme, riscos e a exigência de um volume de recursos sem científica no país, demarcados exatamente precedentes na história da ciência brasileira; o sucesso depela êxito do trabalho com a X. fastidiosa, ve-se à diretoria e às outras instâncias da FAPESP que também assumiram o risco. Outro ponto muito importante que constitui, em sua avaliação, "uma para o sucesso foi o gerenciamento do projeto pela Internet, afirmação da ciência brasileira em escala". desde quando as solicitações chegavam por e-mail e... Entre suas esperanças, inclui-se a de o Brasil apresentar, num horizonte de apenas cinco • ... E o que acontecia, então? anos, um quadro novo no campo da ciência - ... Chegavam as solicitações por e-mail, e tudo ia sene da tecnologia, com o sistema acadêmico do pilotado na diretoria científica pelo (assessor de infordando contribuições ainda de maior impacto mática) Carlos Pian, que teve um desempenho notável, ao desenvolvimento do país, e o sistema uma dedicaÇão e um entusiasmo impressionantes pelo de inovação tecnológica revelando-se vigoroso projeto. Todo o processamento seguia em ritmo acelerano ambiente empresarial. Mas ele mesmo do, até mesmo para os padrões normalmente ágeis da FAPESP, com destaque para a importação sob o controressalva que há algumas pré-condições le da (gerente) Rosely Prado, para as contratações tocadas macroeconômicas para que isso aconteça, pelo pessoal da diretoria administrativa, sob o comando às quais fez referência na entrevista do professor (Joaquim José de Camargo) Engler, e para o concedida a Pesquisa FAPESP. excelente trabalho de divulgação feito pelo pessoal da Finalmente, entre as indagações que se Comunicação, sob a coordenação do diretor-presidente Francisco Romeu Landi. impõem ao raciocínio fervilhante de Perez estão: dentre tantas possibilidades, qual • A importação era principalmente dos seqüenciadores. o melhor caminho a tomar agora para o desenvolvimento da pesquisa genômica - Sim. E devo relatar que, quando fizemos a primeira no Brasil? e qual o melhor modelo para reunião do grupo de participantes do projeto e informei da decisão da FAPESP de processar a importação, porque institucionalizar a rede ONSA, sem cair em não podíamos correr o risco de sofrer os percalços que normecanismos tradicionalmente pouco eficazes malmente se sofre quando ela é feita por outros órgãos, para viabilizar uma interação entre a FAPESP, houve aplausos. E o pessoal da importação esteve à altura instituições de pesquisa paulista, eventuais da expectativa. Depois veio a decisão de investir mais ftmdo no genoma, de transformar o projeto em programa, e parceiros e os próprios pesquisadores?
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em todo esse processo o apoio da instituição foi determinante. Portanto, a sensação que tive na hora dos aplausos foi de que ali estava um reconhecimento de clara dimensão institucional. Eu representava a FAPESP, não formalmente, digamos, mas em sua face de interlocução com os cientistas, que é uma das responsabilidades da diretoria científica.
• Mas há sempre uma gratificação pessoal.
• Quais, por exemplo? -Já fomos consultados por uma empresa norte-americana sobre a possibilidade de fazermos, sob encomenda, o seqüenciamento de uma variante da própria Xylella. Também um grupo australiano, que está seqüenciando a Clavibacter Xyli, uma bactéria que ataca a cana-de-açúcar e que já era uma hipótese para um futuro projeto nosso, nos propôs uma parceria, considerando que assim o projeto será concluído em velocidade muito maior. Refiro-me apenas aos desdobr.amentos do Projeto Xylella. Acredito que a publicação, em breve, do trabalho da Xylella deve aumentar muito toda essa repercussão.
-Veja, eu acho que é um privilégio, realmente uma honra muito grande, estar aqui na FAPESP durante todo esse tempo, participar desse projeto desde a sua concepção e chegar a esse ponto culminante, do projeto terminado, com sucesso, dentro do praprojeto da Xylella zo, dentro do orçamento. Há, então, foi possível graças base uma sensação de realização muito grande e eu obviamente fico muito de recursos humanos honrado em ter tido esse privilégio.
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• Numa visão sem ufanismo, como o sucesso desse projeto situa o Brasil no contexto internacional da ciência?
que vem sendo construída no país ao longo dos últimos 35 anos''
-A visibilidade internacional do projeto Xylella e do Programa Genoma começa a ficar muito grande. O fato de a X. fastidiosa ser o primeiro patógeno vegetal que se iria seqüenciar já havia sido ressaltado pela Nature, na notícia que publicou quando começamos. Depois, em meados de 1998, a revista publicou o trabalho escrito pelo Andrew Simpson e por mim, a convite da própria Nature, em que descrevemos a arquitetura inovadora do projeto. Isso também mostra o interesse que suscitaram o projeto, a estratégia traçada para executá-lo e o fato de ele estar sendo feito fora do eixo tradicional, digamos, das grandes potências científicas e tecnológicas.
• Mas e a repercussão internacional depois da conclusão do projeto? - Em janeiro, quando a conclusão foi anunciada, em San Diego, Califórnia (no I Encontro de Genomas Microbianos Relevantes para a Agricultura), a repercussão foi muito grande. Logo em seguida, a Sociedade Americana de Fitopatologia convidou o doutor Simpson para falar da Xylella, e o professor (Fernando) Reinach, do projeto Xanthomonas, em sessões plenárias de seu congresso, em agosto próximo. E a presença dos dois não esgota a participação brasileira no evento, porque haverá outras contribuições derivadas de estudos que estão sendo realizados no projeto funcional da X. fastidiosa. Além disso, eu fui convidado para um encontro de genômica da Comunidade Européia, na França. Mas há outros desdobramentos. 12
• O interesse despertado pela Xylella na área política pode servir de alavanca a um maior investimento nacional em genômica e na pesquisa científica em geral?
-Estou convencido de que temos um antes e um depois desse projeto, também nesse aspecto. Faço uso das palavras do professor Paulo Arruda, um pesquisador de primeiríssima qualidade que, em seu depoimento no vídeo sobre o Projeto Xylella, disse que sua vida científica tem um antes e um depois do projeto. Penso que temos a mesma demarcação do ponto de vista da política científica, porque esse projeto propiciou uma afirmação da ciência brasileira em escala, e isso pode ser até mais importante do que se tivéssemos ganhado o Prêmio Nobel. Porque há a dimensão coletiva da realização, que está ausente em premiações. Essa dimensão tem que ser sublinhada, porque ela mostra que temos um potencial muito grande para dar saltos em nossa competência. E o fato de o governo do Estado encampar essa realização lhe confere uma dimensão maior, uma dimensão política.
• A Xylella então repõe a ciência na pauta da política nacional? - Exatamente. E acreditamos que a ciência entrar na pauta da política é o primeiro passo para ela ser incorporada numa visão estratégica de país. Então, realmente é importante a dimensão que o projeto adquiriu, sua divulgação, o passo acertado do governo, feliz passo, ao lhe atribuir uma grande dimensão pública.
• Concluído o projeto, alguns estados se mobilizaram para estabelecer parceria com São Paulo em pesquisa genômica, não é mesmo?. - Sim, o que mostra a percepção de que há uma forma nova de fazer ciência, cooperativa e, ao mesmo tempo, PESQUISA FA PES P
competitiva internacionalmente. Ciência que produz grande visibilidade científica, que remete a problemas nacionais e cujo papel estratégico, portanto, a classe política começa a perceber. Mas há o perigo de se concluir que, daqui por diante, deve-se fazer só projetas dessa natureza, o que sena um erro. • É preciso todo tipo de projeto para consolidar a base científica no país...
ma Cana e o projeto Biota têm relação com isso. Mas aos três elementos do Dyson eu junto a questão do trabalho coletivo na ciência. • Parece-me que sua visão de uma dinâmica completa de pesquisa científica e tecnológica, num estado ou num país, pressupõe simultaneamente grandes projetas sendo feitos em cooperação, projetas tocados por equipes menores e projetas individuais; pesquisa sendo feita no ambiente acadêmico e pesquisa, sobretudo tecnológica, na empresa. Em quanto tempo esse será o quadro rotineiro no Brasil?
- Exatamente. Aliás, o projeto da Xylella só foi possível, desde sua concepção, graças à base de recursos humanos em ciência que vem sendo construída neste país ao longo dos últimos 35 anos. ''Em cinco anos teremos E é importante perceber que o um novo panorama projeto chegou ao fim apresentando entre seus principais parâmede pesquisa científica tros de sucesso exatamente a ame tecnológica no Brasil, pliação dessa base de competência - gente formada e treinada na se houver uma retomada fronteira do conhecimento e novas lideranças científicas. de crescimento'' • Estão previstos convênios com outras fundações estaduais de amparo à pesquisa para treinar pessoal de outros estados em genômica?
-Já temos convênios assinados com Pernambuco e Alagoas para o projeto da cana. Novos convênios podem ser estabelecidos com outras Faps, e até com órgãos federais, no sentido de articular um grande esforço nacional na área de genômica, principalmente na parte de informática. A competência para a cooperação tem que ser desenvolvida, sem o que não conseguiremos processar eficientemente o enorme volume de dados que começa a ser gerado pelos projetas genoma.
- Acho que em cinco anos teremos um novo panorama de pesquisa científica e tecnológica no Brasil, determinado por alguns fatores que devem convergir nesse sentido: primeiro, a própria necessidade de inovar para competir, de que as empresas começam a tomar consciência, e, em segundo lugar, o estímulo que novas condições de desenvolvimento do país devem exercer para a ampliação de nossa base já existente de produção de ciência e tecnologia. É claro que as coisas serão assim se houver, de fato, uma retomada significativa de crescimento nos próximos anos, uma diminuição da taxa de juros, a entrada de mais capital de risco no país, e uma forma mais efetiva de organização desse capital de risco. Nesse caso, como acho que já estamos com uma base preparada para essa ampliação, penso que o governo poderá exercer o papel de articular novas iniciativas em C&T - e a própria FAPESP também pode, eventualmente, ter algum tipo de atuação nessa dimensão. Vejo bons sinais vitais. Por isso acho que em cinco anos vamos ver o sistema científico acadêmico dando contribuições ainda de maior impacto e um sistema de inovação tecnológica forte em ambiente empresarial, ou pelo menos muito mais forte do que atualmente.
• A impressão, para um leigo, é de que o século XXI será orientado pela informática e pela genética. Pergunta-se até onde o computador vai transformar a vida cotidiana e quanto as conquistas da genética molecular vão transformar a vida humana. Qual é a sua visão?
• A rede ONSA terminou um projeto genoma e está tocando mais três. Ela está pronta agora para deixar de ser virtual e se tornar institucional?
- Há um livro do físico norte-americano Freeman Dyson, The Sun, the Genome and the Internet, muito provocativo, que propõe esses três ingredientes - o sol, o genoma e a Internet- como os que terão o maior impacto na vida do homem nas próximas décadas. Eu concordo. E acho que em São Paulo, dos três elementos, só não estamos usando na pesquisa, como poderíamos, o sol, que nesse contexto está posto como o grande gerador de novas energias. De todo modo, o projeto Geno-
- Temos hoje, como disse, vários contatos internacionais sendo feitos, seja para seqüenciamento de bactérias, para cooperações na área do genoma cana ou para verificar as possibilidade de uso do método ORESTES em identificação de genes. Isso mostra que o potencial da ONSA para participar ou liderar projetas, tanto acadêmicos quanto de natureza mais empresarial, poderá exigir uma nova configuração da rede. Acho que a estrutura virtual vai continuar existindo, mas talvez tenhamos que achar
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pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar um formato institucional que não seja simplesmente o de que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em um conjunto de projetos, que é, de fato, o que hoje a São Paulo um processo cultural de migração de jovens ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações que tiveram sua formação na área de física, matemática entre si, com uma visão integrada e integradora conferie tecnologia da informação para laboratórios de genétida pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escrica. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a ta, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos conformato diferente da interação da FAPESP com a rede e ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da competência de trabalhar com um grande volume de daFundação com os pesquisadores. É uma coisa compledos se acumulou, em astrofísica, xa, porque esses pesquisadores física de partícula elementar, menão estão em qualquer lugar; estão teorologia, e agora ela precisa se em instituições de pesquisa. Enpotencial da ONSA transferir para o ambiente da getão, trata-se de uma relação que tem de envolver a FAPESP, as insnética. para participar ou liderar tituições e eventuais parceiros, sem • O senhor diria que persiste um cair em mecanismos tradicional''gap" entre as exigências das novas mente pouco eficientes para viabiou empresariais poderá áreas da biologia e aquilo que os cu rlizar a interação. sos de graduação oferecem? ex1g1r uma nova • Para quando o senhor espera a configuração da - Sim, e mesmo nos países deconclusão do Genoma Humano do senvolvidos isso só começa a ser Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar? corrigido agora. Os cursos de biologia precisam treinar mais seus estudantes em matemática, não só em matemática estatística, que era a úni- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos dialogar de forma eficiente com quem faz matemática e fítempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previsica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros são é de que o projeto esteja terminado dentro de um ano. O genoma do câncer também está muito avançado, têm de incorporar em sua formação básica mais biolojá foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sengia. Chegamos à necessidade de uma formação mais integrada e a universidade brasileira, as universidades do verificadas, então a meta de 500 mil seqüências vai ser paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma dispofacilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz respeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre corcoisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando responde a igual capacidade de ação institucional. A o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investiuniversidade tem seus rituais, que precisam ser agilizamento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o dos para responder rapidamente a esse desafio. projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento mos a parte de seqüenciamento. pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista? • Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso? -O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa situação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um - Queremos ter uma visão articulada da tecnologia cenário completamente novo à sua frente, com um núnova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira senLudwig para a expansão da bioinformática, está finansação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas ciando um grande centro na USP liderado pelo profeso cenário existe e vai continuar existindo como oportusor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exavai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro em todos os projetos genoma já em curso. É importante passo essencial é consolidar nossa liderança em certas aumentar nossa competência em todas as novas tecnoloáreas, demonstrar essa competência, porque isso é que gias que tornam mais eficiente detectar quais são os gevai nos permitir fazer as opções que são reais dentro desnes que se expressam mais, investigar a questão da exse cenário, e não apenas miragens.
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um formato institucional que não seja simplesmente o de pressão gênica. Essa parte é essencial. E é bom observar um conjunto de projetas, que é, de fato, o que hoje a que, como ocorreu no mundo, está começando aqui em ONSA é. Temos 54 laboratórios trocando informações São Paulo um processo cultural de migração de jovens entre si, com uma visão integrada e integradora conferique tiveram sua formação na área de física, matemática da pela ação da FAPESP, que não está formalizada, escrie tecnologia da informação para laboratórios de genétita, nada- é apenas uma ação. Talvez se possa pensar num ca. Esse é um fenômeno importante, inclusive porque a migração, além de física, tem de ser de atitude. Dos conformato diferente da interação da FAPESP com a rede e em maneiras criativas de redefinir o relacionamento da ceitos e da competência. Ao longo das últimas décadas, a Fundação com os pesquisadores. É uma coisa complecompetência de trabalhar com um grande volume de daxa, porque esses pesquisadores dos se acumulou, em astrofísica, não estão em qualquer lugar; estão física de partícula elementar, meem instituições de pesquisa. Enteorologia, e agora ela precisa se potencial da ONSA tão, trata-se de uma relação que transferir para o ambiente da genética. tem de envolver a FAPESP, as inspara participar ou liderar tituições e eventuais parceiros, sem cair em mecanismos tradicional• O senhor diria que persiste um projetas acadêmicos mente pouco eficientes para viabi''gap" entre as exigências das novas ou empresariais poderá lizar a interação. áreas da biologia e aquilo que os cu rsos de graduação oferecem? ex1g1r uma nova • Para quando o senhor espera a configuração da conclusão do Genoma Humano do - Sim, e mesmo nos países desenvolvidos isso só começa a ser Câncer, do Genoma Xanthomonas e do Genoma da Cana-de-Açúcar? corrigido agora. Os cursos de biologia precisam treinar mais seus estudantes em matemática, não só em matemática estatística, que era a úni- O genoma da Xanthomonas é duas vezes maior que o da Xylella, tem 5,4 milhões de pares de bases, está sendo ca formação nesse campo exigida tradicionalmente de feito com pessoal duas vezes menor e vai gastar o mesmo um biólogo. Hoje, um biólogo precisa pelo menos diatempo. Como o cronograma está adiantado, nossa previlogar de forma eficiente com quem faz matemática e físão é de que o projeto esteja terminado dentro de um sica. Do mesmo modo, os matemáticos e os engenheiros ano. O genoma do câncer também está muito avançado, têm de incorporar em sua formação básica mais biolojá foram obtidas 170 mil seqüências que continuam sengia. Chegamos à necessidade de uma formação mais indo verificadas, então a meta de SOO mil seqüências vai ser tegrada e a universidade brasileira, as universidades facilmente atingida antes do fim deste ano. No que diz paulistas têm de se preparar para isso. Sinto uma disporespeito à anotação, ou seja, à identificação dos genes, a sição das lideranças nesse sentido, que nem sempre corcoisa demora um pouco mais, mas estamos finalizando responde a igual capacidade de ação institucional. A o acerto com o Instituto Ludwig relativo a um investiuniversidade tem seus rituais, que precisam ser agilizamento para acelerar a bioinformática. E, finalmente, o dos para responder rapidamente a esse desafio. projeto da cana também está indo num ritmo muito acelerado, tanto que acho que antes do fim do ano tere• Qual o passo mais importante a ser dado nesse momento mos a parte de seqüenciamento. pela FAPESP para criar o futuro na direção que o senhor apontou ao longo da entrevista? • Comentam-se outros desdobramentos do projeto Xylella na área de bioinformática. O senhor pode falar sobre isso? -O que fazer nesse instante? Veja, estamos na curiosa situação de uma pessoa que sobe o morro e do alto vê um - Queremos ter uma visão articulada da tecnologia cenário completamente novo à sua frente, com um núnova de microarrays e a FAPESP, além da parceria com o mero enorme de opções. Ao olhar isso, sua primeira senLudwig para a expansão da bioinformática, está finansação é de prazer por contemplar esse novo cenário. Mas ciando um grande centro na USP liderado pelo profeso cenário existe e vai continuar existindo como oportusor Hugo Armelin. É um projeto muito ambicioso, que nidade, se agirmos rapidamente. É difícil dizer o que exavai envolver a utilização dessa tecnologia de microarrays tamente temos de fazer agora. Acho que nosso primeiro em todos os projetas genoma já em curso. É importante passo essencial é consolidar nossa liderança em certas aumentar nossa competência em todas as novas tecnoloáreas, demonstrar essa competência, porque isso é que gias que tornam mais eficiente detectar quais são os gevai nos permitir fazer as opções que são reais dentro desnes que se expressam mais, investigar a questão da exse cenário, e não apenas miragens.
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rede''
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RONALDO MOTA SARD EMBERG
Resultado da cooperação Hoje, a biotecnologia se inscreve num quadro amplo grande feito alcançado pelos pesquisadores do Proem que dominam novas tendências com relação à ciência jeto Genoma muito orgulha a ciência brasileira e confirma, mais uma vez, a capacidade de nossos e tecnologia, à globalização e à sustentabilidade. Essas são cientistas. Congratulo-me com a FAPESP e demais instiquestões-chave no plano internacional e continuarão, tuições participantes do projeto, bem como com toda a ainda por longo tempo, a dominar os debates públicos equipe envolvida na pesquisa. dentro e fora do País. É com satisfação que registro o Os avanços da biotecnologia têm nítido interesse para os países apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, ainda na etapa inicial em desenvolvimento, devido a seu ''A biodiversidade potencial de enfrentar os desafios do projeto, quando o Subprograe a base científica associados ao incremento da proma de Biotecnologia do PADCT financiou seis Plataformas Tecnodutividade agrícola e a conquisinstalada nos lógicas na área de citricultura no tas na área da saúde. Com efeito, beneficiam rumo Estado de São Paulo. Como resuluma de suas promessas é contritado, surgiu o interesse e a base buir para o atendimento das neao desenvolvi menta técnica para o estudo da Xylella cessidades de nossos países, como fastidiosa, que foi assumido pela pobreza, fome e doenças, o que sustentável'' FAPESP em colaboração com ourequererá a conjugação de esfortros parceiros de São Paulo. O Proços para a promoção de políticas grama Agronegócios do CNPq públicas que as privilegiem, além de considerável reorientação dos atuais padrões de deapoiou diversas ações resultantes das recomendações senvolvimento tecnológico. dessas Plataformas, entre elas o Projeto Genoma que, Por outro lado, a ausência de benefícios claramente posteriormente, também recebeu bolsas de desenvolviidentificáveis leva-nos, algumas vezes, a perceber essa tecmento tecnológico e bolsas de apoio técnico. Mais do que fato isolado, essa conquista deve ser examinologia em termos dos riscos - reais ou imaginários - e dos potenciais danos que a ela possam estar vinculados. nada sob uma perspectiva mais abrangente, como o ápice de Para superar essa percepção negativa, são necessárias esum esforço exemplar de cooperação que congregou comunidade científica, setor empresarial, instituições públicas tratégias que permitam maximizar os benefícios reais da de amparo e fomento à pesquisa e órgãos governamentais. biotecnologia e controlar e minimizar seus riscos. A capacitação do Brasil na área da biotecnologia figuPara isso, a Comissão Técnica Nacional de Biosseguranra entre os principais propósitos da política de ciência e ça- que o Dr. Andrew Simpson ajudou a estruturar e intetecnologia do governo do presidente Fernando Henrique grou durante sua fase inicial- mobiliza, desde 1996, seus Cardoso. Mais que em outros domínios do conhecimenmelhores esforços no sentido de oferecer à sociedade a mais to, a biologia e a biotecnologia são setores onde as transcriteriosa análise, sob o ponto de vista da saúde humana formações são mais evidentes e atingem de forma mais e animal e da proteção ao meio ambiente, de todos os proprofunda o ser humano individualmente e a coletividade. jetas envolvendo organismos geneticamente modificados. Por essa razão, a biotecnologia está incluída entre as A conquista que hoje celebramos deve sinalizar, para prioridades do Avança Brasil (2000-2003). O Ministério da nossa sociedade e para a comunidade internacional, que Ciência e Tecnologia e os órgãos a ele vinculados, em partisomos parceiros viáveis em projetas de desenvolvimento cular o CNPq e a FINEP, juntamente com a Embrapa, do de médio e longo prazos - nesta e em outras áreas. A riMinistério da Agricultura, e a Fiocruz, do Ministério da queza de nossa biodiversidade, associada à base científica Saúde, estão envolvidos no processo de implementação do de pesquisadores e laboratórios aqui existente e aos invesPlano Plurianual de Biotecnologia e Recursos Genéticos. timentos nacionais em pesquisa e desenvolvimento, perMais de 270 milhões de reais serão aplicados nos mite que aspiremos a uma participação ativa nessa tranpróximos quatro anos, com os objetivos de desenvolver sição rumo ao desenvolvimento sustentável. produtos e processos biotecnológicos relevantes para a produção industrial, a agropecuária e a saúde humana e conservar recursos genéticos. R ONALDO M OTA S ARDEMBERG É MIN ISTRO DA CiENCIA E T ECNOLOGIA
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MÁRIO COVAS
Utna grande conquista biotecnologia está na confluência da química, da física e argumento era decisivo: se Deus parou o Sol, para permitir que os hebreus, chefiados por Joda biologia. O fato ressalta a importância do Estado como articulador desses setores não apenas entre si, mas sué, continuassem a combater os amoritas, era também com a iniciativa privada. evidente que o grande astro- e não a Terra- é que estaria em movimento. O argumento não foi suficiente para Não há, hoje, como pensar em crescimento econômico sem competitividade. Para interromper a trajetória do planeque nossos produtos sejam comta, que continuou a girar em torpetitivos, é necessário tecnologia. no ao Sol. Eppur, si muove. São Paulo dispõe de um vasto Anos antes, em 1609, Galileu ''Não faltará aparato criador de ciência e tecassestara seu telescópio contra os a este governo nologia. Mantém uma grande encéus. E descobrira os anéis de Satidade fomentadora de seu desenturno, as luas de Júpiter, as mondeterminação volvimento, que é a FAPESP. É tanhas da Lua. O universo em para apoiar projetas dotado de profissionais altamente movimento... Contou mais de especializados. Conta, por fim, quarenta estrelas ali, no aglomerade pesquisa do que forma as Plêiades - onde com a vontade política do Governo de facilitar o acesso à tecnoloa olho nu os antigos viam sete e semelhantes'' gia, inclusive para as micro e peonde hoje se distinguem milhares. quenas empresas. E São Paulo No mesmo século em que o quer continuar a ser multiplicahomem se voltava à imensidão do dor de conhecimentos para o país, universalizando o cosmos, debruçou-se também sobre a micrographia, os pequenos traçados, descobrindo e batizando as células. progresso e o bem-estar por todo o território nacional. A liberdade do homem se fundamenta em três prinPor um prato de lentilhas, Esaú vendeu a Jacó seus dicípios: a justiça, a cultura e a ciência. Todo governo dereitos de progenitura. Com uma semente da mesma famímocrático tem a obrigação de garantir o seu exercício. lia- a ervilha- o padre Gregor Mendel começou a decifrar as leis da hereditariedade. Da modéstia de um pomar Para tanto, necessita do concurso de toda a sociedade. A FAPESP, os 35 laboratórios envolvidos no Projeto Gee de algumas plantas chegamos aos 3 bilhões de caracteres componentes dos 100 mil genes dos seres humanos. nomaXylella é os 192 profissionais premiados fizeram e continuarão a fazer a sua parte. E não faltará a este Governo Tem uns poucos que são amigos-da-onça, e que, por determinação para apoiá-los e a projetas semelhantes. isso mesmo, são um autêntico perigo. Mas tem muita Nos últimos cem anos, "desconstruiu-se" a matéria gente que é amiga da ONSA e, então, é verdadeiramente amiga. É o caso dos 192 pesquisadores e dos 35 laborapara melhor construir-se a vida, perscrutou-se o microtórios que se integraram em uma rede de conhecimencosmo para que mais completamente fosse atingido o tos e experiências que resultou em dos mais brilhantes universo: um movimento que surpreendeu no infinitafeitos científicos da atualidade: o seqüenciamento do gemente pequeno o incomensuravelmente grande. Os cientistas de São Paulo, cuja contínua presença no noma da Xyllela fastidiosa. É uma honra para São Paulo oferecer à comunidade inque Isaac Newton chamou de "vasto mar do conheciternacional os frutos da sua competência. É motivo de espemento" é uma distinção para todos brasileiros, merecem cial alegria ter propiciado ao nosso país essa grande cono .reconhecimento por mais um êxito. São Paulo tem orquista. Um sucesso que decorre da inequívoca excelência gulho dos seus cientistas. Não aquela vaidade que é a bem-aventurança dos tolos, mas o justificado orgulho de dos nossos cientistas- muitos deles formados em outros esquem admira no outro as virtudes, o empenho e os métados, resultando, por isso, do acervo de conhecimentos acumulado por toda a nossa terra. Daí a satisfação de compartiritos do conhecimento. lhar esse avanço com os demais centros de pesquisa do Brasil. Em nome do povo de São Paulo, recebam nosso muiO êxito obtido trouxe consigo duas outras importo obrigado. tantes conseqüências: qualificou ainda mais os recursos humanos que se dedicam à genética e conferiu maior experiência a nossos profissionais da bioinformática. A MÁRIO COVAS É GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
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