Dieta indigesta

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28 Pesquisador brasileiro ajuda a decifrar o enigma de Eta Carinae, uma estrela supergigante que às vezes deixa de brilhar

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Um ano depois de criado, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) atinge a marca de 150 empresas atendidas

Artigos de André Goffeau, Francisco Mauro Salzano e Marco Antônio Zaga avaliam a importância estratégica da conclusão do seqüenciamento do genoma humano

EDITORIAL

14 FAPESP inicia o Projeto Genoma Estrutural, para análise da estrutura tridimensional de proteínas expressas pelos genes Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de Fabio Colombini

MEMORIAS OPINIÃO POLíTICA CIENTÍFICA E TECNOL0GICA CIÊNCIA TECNOLOGIA HUMANIDADES LIVRO LANÇAMENTOS ARTE FINAL

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50 As telenovelas, analisadas do ponto de vista estético e sociológico, mostram-se como um material rico para compreender o país PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 2000 • 3


PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Correção

Entre minhas atividades de ensino e pesquisa, destaca-se meu interesse pela história da ciência e da tecnologia. Fiquei muito contente quando soube da publicação do suplemento especial da revista Pesquisa FAPESP, tratando do tema "SOO anos de C&T no Brasil".

PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN

PROF. CARLOS ALBERTO DOS SANTOS

Instituto de Física, UFRGS, Porto Alegre, RS

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO

Revista A lobeira, alimento do logo-guará

PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ

EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES) DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA TÃNIA MARIA DOS SANTOS COLABORADORES ANAWEISS BEATRIZ VELLOSO CLAUDIA IZIQUE CLÁUDIO EUG~NIO LUCAS ECHIMENCO MARIA APARECIDA MEDEIROS MYRIAN CLARK THEREZA L O. DE ALMEIDA ULISSES CAPOZOLI WAGNER DE OLIVEIRA ENCARTE ESPECIAL PENSANDO EM SÃO PAULO: DESENVOLVIMENTO E EMPREGO

FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP OS468-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (O- li) 3838-4000- FAX: (O- li) 3838-4117

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SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Recebi um exemplar da revista Pesquisa FAPESP no 52, que traz a reportagem sobre o lobo-guará, e gostei muito. Lamentavelmente, no entanto, uma das fotos publicadas naquela reportagem está com a legenda incorreta: a foto do fruto refere-se a uma planta arbustiva cujos frutos eram muito consumidos pelos lobos na Serra da Canastra, com nome científico de Parinari obtusifolia. Na revista, ela foi identificada como lobeira (Solanum lycocarpum). JOSt CARLOS MOTTA JúNIOR

São Paulo, SP

Em reunião da diretoria, a Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) deliberou um voto de júbilo e congratulações com a revista Pesquisa FAPESP, por sua vitória no Prêmio José Reis de Jornalismo Científico. Merecido. Agora ficamos aguardando que a revista cresça ainda mais: há bastante a percorrer. Joslô HAMILTON RIBEIRO

Presidente da ABJC São Paulo, SP

Cumprimentos pela alta qualidade da nova Pesquisa FAPESP. JÃNIO DE FREITAS

SOO Anos de C&T

Rio de Janeiro, RJ

Foi com grande alegria que recebi o n° 52 da revista Pesquisa FAPESP, principalmente o suplemento especial. Devorei avidamente o trabalho, que tem o mérito de resgatar com muita propriedade nosso desenvolvimento científico e tecnológico. Sou um livreiro importador de publicações científicas há quase 40 anos e tive a honra e o prazer de atender e conviver com muitas das personalidades citadas, ao longo desses difíceis anos, inclusive um dos autores desse trabalho, J. Jeremias de Oliveira Filho.

Meus parabéns à FAPESP pela qualidade da revista que vem sendo editada, destacando, de maneira jornalística, informações sobre pesquisas nas diversas áreas do conhecimento. A informação científica no Brasil ainda é incipiente e a iniciativa desta instituição na edição mensal de uma revista científica de qualidade é muito gratificante para nós, pesquisadores. Convém ressaltar também os encartes sobre patentes e sobre os SOO anos de ciência e tecnologia no Brasil.

JONNY WOLFF

Instituto de Química - UNESP Araraquara, SP

São Paulo, SP

PROFA. VANDERLAN DA SILVA BOLZANI


EDITORIAL

O retorno econômico e social do conhecimento A digestão dos insetos tem tudo a ver com a agricultura e a economia alimento. Assim, a pesquisa, que não previa apliconhecimento abre portas às vezes insuscações práticas, além das repercussões econômipeitas. Mesmo quando ele está voltado cas, tem um significativo impacto ambiental. As para aspectos básicos da ciência, aparentemente sem qualquer vínculo com uma aplicaconclusões a se tirar disso são óbvias. Primeiro, já ção prática. Mas só aparentemente. É o caso de não há limites entre a pesquisa básica e a aplicada. Segundo, o conhecimento científico está por trás um amplo estudo sobre a digestão dos insetos, tema da reportagem de capa desta edição. Um das grandes descobertas e desenvolvimentos. A edição traz, também, três artigos de especiatema que, de início, poder-se-ia supor ser de intelistas sobre o significado e os desdobramentos do resse basicamente de alguns especialistas em Fisioseqüenciamento do genoma hulogia, Entomologia, Química ou mano e, entre outras, uma reportaáreas correlatas, que passam anos gem sobre a Eta Carinae, uma enigdebruçados sobre esses pequenos mática estrela da constelação de animais, aprendendo, à primeira Carina que, em intervalos aproxivista apenas por puro deleite, conhecimento mados de cinco anos e meio, perde como funciona o seu organismo e científico está luminosidade, numa proporção as enzimas que realizam sua digespor trás de equivalente ao brilho de 60 sóis tão. Ledo engano. O conhecimento toda grande num único dia. Seus mecanismos sobre esses mecanismos bioquímidescoberta e cos dos insetos - uma classe que foram melhor compreendidos nos desenvolvimento, últimos anos, devido à persistência abriga cerca de 70% de todas as esde um pesquisador brasileiro que, pécies animais e da qual fazem parpor diversas vezes, teve que convente as mais vorazes e insaciáveis pracer colegas de institutos internaciogas agrícolas - foi a porta para o desenvolvimento de mecanismos nais a apontarem seus telescópios capazes de interferir naquele promais potentes para a estrela, até ·comprovaram suas idéias, que gacesso: bloqueando-lhes a digestão, os insetos morrem de inanição. nham crescente respeito no mundo Não é pouca coisa nem são recientífico. Pesquisa FAPESP destaca, ainda, em três reporsultados restritos a perpetuar trabalhos puramentagens, soluções tecnológicas simples mas de imte acadêmicos. Ao contrário, têm repercussões pacto para as empresas e a economia. Uma delas amplas. No Brasil, a cada ano os insetos devoram aproximadamente, em média, 11 milhões de tomostra os bons resultados obtidos por um projeneladas da produção agrícola nacional, incluindo to de inovação tecnológica em parceria, que levou arroz, feijão, soja, milho, café, algodão, cana-dea 150 micro e pequenas empresas do setor de plástico um laboratório móvel com instrumentos açúcar, hortaliças e frutas. No caso específico do para teste e processamento de experimentos úteis arroz, de cada dez quilogramas produzidos no às indústrias, com enormes benefícios na qualidacampo, as pragas comem quase três. Para um país com necessidade de aumentar a sua produção de dos produtos. Uma outra pesquisa trouxe uma surpreendente solução para o problema do caniagrícola, tanto para baratear a oferta de alimentos no mercado interno quanto para gerar excedentes balismo, estresse e baixa reprodução em cativeiro para exportação, são perdas econômicas considedo peixe matrinxã, viabilizando a sua criação. ráveis. Mas há, ainda, um outro aspecto da quesPara completar, a revista publica o primeiro de uma série de três encartes especiais sobre os semitão. Para combater essas pragas, os agricultores nários sobre Ciência e Tecnologia realizados no aplicam anualmente, sobre suas plantações, cerca âmbito do Fórum São Paulo Século 21, promovide 20 mil toneladas de inseticidas, com graves conseqüências para o ambiente e para o próprio dos pela Assembléia Legislativa do Estado.

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Educador com visão ampla Anísio Teixeira lutou durante 40 anos por uma escola pública de qualidade "Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância. Revolta-me saber que metade da população brasileira não sabe ler e que, neste momento, mais de 7 milhões de crianças entre 7 e 14 anos não têm escola." Começa assim um manifesto publicado pela imprensa nacional no dia 15 de abril de 1958, assinado pelo educador Anísio Teixeira, internacionalmente reconhecido, cujo centenário de nascimento se completa este ano.Seminários e debates programados na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul retomam até o final do ano as idéias e os ideais deste baiano de Caetité, formado em Direito na Universidade do Rio de Janeiro, que se tornou uma presença marcante em Educação e Ciência no Brasil durante quatro décadas. Nos anos 30, assinou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, que divulgava as diretrizes de um programa de reconstrução educacional do País, e criou no então Distrito Federal uma rede municipal de ensino da escola primária à universidade. Ampliou as matrículas, fortaleceu a formação dos educadores e enriqueceu o dia-a-dia 6 · JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Anísio Teixeira e uma de suas obras, a Escola Parque, de Salvador: educação como base da democracia

dos estudantes com atividades como o canto-coral e a radioescola. Durante o Estado Novo, afastou-se da vida pública e, refugiado no sertão da Bahia, dedicou-se ao comércio de minérios. Em Salvador, como secretário de Educação e Saúde, criou em 1950 a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, para desenvolver pesquisas, sobretudo as sociais, a longo prazo. Outra de suas obras começa a funcionar também em 1950: o Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro ou Escola Parque, em Salvador, com educação integral para as crianças, incluindo aulas de ofícios (marcenaria e sapataria, por exemplo) e de artes, orientadas por artistas como Carybé e Mário Cravo.

Ao lado do antropólogo mineiro Darcy Ribeiro, criou e dirigiu, nos primeiros tempos, a Universidade de Brasília (UnB), sempre preocupado com o ensino público em todos os níveis. "Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a escola pública", dizia.Anísio Teixeira transferiu-se para os Estados Unidos nos anos 60, retirado pelo regime militar do cargo de reitor da UnB. Faleceu a 11 de março de 1971 em condições nunca esclarecidas. Foi encontrado morto, com um hematoma no rosto, no poço de um elevador de um edifício do bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro.


OPINIÃO CARLOS ALFREDO ]OLY

CURUPIRA x BIOPIRATARIA O Acordo de Cooperação Técnica entre a BioAmazônia e a Novartis m 29 de maio a Associação Brasileira para o naturais com a melhoria da qualidade de vida da Uso Sustentável da Biodiversidade da Amahumanidade. A questão, portanto, não é se devezônia (BioAmazônia), braço operacional do mos ou não estimular a bioprospecção, mas sim Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para Uso em que condições devemos fazê-lo. Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (ProAté a assinatura da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB), em 1992, o acesso aos rebem) do Ministério da Ciência e Tecnologia, assinou cursos genéticos era livre, pois a biodiversidade era um Acordo de Cooperação Técnica com a multiconsiderada um patrirnônio da humanidade. Com nacional Novartis Pharma AG, sediada na Suíça. O acordo prevê que a Novartis terá, nos próximos a CDB, os países signatários passaram a ter direidez anos, a exclusividade na prostos sobre seus recursos biológicos e o dever de zelar pela sua conservapecção e comercialização de drogas e produtos farmacêuticos oriundos ção e utilização sustentável. Passade microrganismos e plantas da Amaram a ter a obrigação de regulamentar o acesso à sua biodiversidade, zônia Legal. A sua assinatura gerou "A questão mais protestos do que a assinatura, garantindo a repartição justa e não é se em 1999, de um acordo semelhaneqüitativa dos benefícios oriundos devemos ou não te entre a Extracta (instituição ligado uso desses recursos e/ou de proestimular da ao grupo estrangeiro Xenova Disdutos derivados destes. Os signatários a bioprospecção, covery, que atua na prospecção de comprometeram também a resse mas em que novas drogas) e a multinacional bripeitar o conhecimento das comunicondições tânica GlaxoWellcome. dades tradicionais e/ ou indígenas, devemos fazê-lo, garantindo-lhes o retorno derivado Na comunidade científica as opiniões são díspares. Alguns pesquisada sua exploração comercial. dores consideraram a oportunidade O acordo entre a Bio-Amazônia "imperdível", pois finalmente estae a Novartis é ilegal porque fere uma ríamos transformando o jargão "a convenção internacional da qual o biodiversidade é a maior riqueza do Brasil é signatário. Desrespeitando nosso país" em dólares. Outros cona CDB e sem uma legislação naciosideraram o valor do acordo, cerca de US$ 3 milhões nal, não temos nenhuma garantia de que o acorem três anos fora o 1o/o dos eventuais royalties, tão do resguarde os interesses do povo brasileiro. baixo que a iniciativa só teria sentido se tivesse como A urgência da questão contrasta com a moroobjetivo estimular a aprovação da lei que regulasidade de sua tramitação no Congresso, onde desmenta o Acesso aos Recursos Genéticos. Um terceiro de 1995 se discute o projeto de lei da senadora grupo se alinhou com as ONGs, parte do ConseMarina Silva. Neste cenário, não seria nenhuma lho Técnico-Científico da própria BioAmazônia e o surpresa a arbitrária edição de uma medida proMinistério do Meio Ambiente, no repúdio ao acordo. visória para dar respaldo legal ao referido acordo e Na minha opinião é imprescindível que se initirar dos brasileiros a possibilidade de ver esta quescie a bioprospecção da biota brasileira, pois é atratão discutida e equacionada no seu parlamento. vés dos benefícios advindos de sua exploração sustentável que mudaremos nosso modelo econômico. A conservação da natureza deixará de ser CARLOS ALFREDO ]OLY é biólogo, professor da Unicamp e vista como um obstáculo para o desenvolvimento coordenador do Programa Biota-FAPESP e passará a ser o sustentáculo de um novo paraObs.: Artigo escrito antes da ed ição da Med ida Provisór ia 2.052, de digma, que associa o uso sustentável dos recursos 29 de junho de 2000.

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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

GENOMA HUMANO

Três especialistas avaliam a importância do seqüenciamento do genoma humano o dia 26 de junho, simultaneamente em Washington e Londres, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, anunciaram a finalização do mapeamento do genoma humano pelos dois grupos rivais empenhados na tarefa: o consórcio público internacional Projeto Genoma Humano, coordenado por Francis Collins, diretor dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, e a empresa privada norte-americana Celera Genomics, de Craig Venter. O feito foi notícia no mundo inteiro e comparado por Clinton, do ponto de vista do seu impacto no conhecimento, à descoberta da América e à chegada do ser humano à Lua. Para os cientistas, algo que deverá revolucionar a Medicina no futuro, mas que, por enquanto, é só o começo de uma longa jornada na tentativa de aprender a ler um livro, do qual se tem apenas as letras e palavras. De qualquer forma, o anúncio do mapeamento já deflagrou o acirramento do debate sobre se os genes devem ser patenteados ou ser públicos, isto é, colocados à disposição de cientistas de todo o mundo. Outras questões complexas e relevantes na área da bioética também deverão dominar a cena, nos próximos anos. Pesquisa FAPESP pediu a três especialistas que escrevessem sobre o mapeamento do genoma humano e seus desdobramentos, de diferentes ângulos: André Goffeau, pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coordenador do primeiro projeto de seqüenciamento de um organismo complexo, a levedura, realizado por uma rede de laboratórios europeus, e supervisor internacional do Projeto Genoma Xylella, destacou a necessidade do domínio público da informação genética; Marco Antônio Zago, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto e coordenador de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer, escreveu sobre a era pós-genômica e oBrasil; enquanto o geneticista Francisco Mauro Salzano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tratou da evolução da genética e da genômica e seus novos desafios como Ciência.

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E hora de . , . rever pr1nc1p1os • mora1s e políticos A sociedade civil foi a vencedora na disputa entre empresa privada e governos

ANDRÉ GOFFEAU

anúncio do seqüenciamento do genoma humano, no dia 26 de junho, não trouxe nenhuma novidade do ponto de vista científico. Os administradores dos dois projetas de seqüenciamento do genoma humano - o da Celera e o Projeto Genoma Humano - fizeram, sem muita convicção, um acordo de publicação simultânea de seus resultados. A questão de saber se os resultados dos dois grupos serão totalmente públicos e gratuitos não foi levantada, pelo menos publicamente. Não há dúvidas de que aCelera, uma empresa privada, leva vantagem sobre o Projeto Genoma Humano, financiado pelo governo dos Estados Unidos e instituições internacionais. Há duas razões para isso. A Celera está de posse dos resultados do Projeto Genoma Humano enquanto o inverso não é verdadeiro. Além do mais, a Celera tem uma infra-estrutura de informática mais poderosa para o agrupamento das seqüências. E, por fim, foi a Celera que impôs ao governo norte-americano e às instituições internacionais sua estratégia de acelerar o seqüenciamento do genoma humano. Mas, nesta disputa entre empresa privada, governo e instituições envolvidas, o verdadeiro vencedor é a sociedade civil, formada pela comunidade de cientistas "públicos" que fizeram pressão do ponto de vista moral, políti-

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co e econômico- via manipulação do stock exchange rate- para impedir que mais de 3 bilhões de anos de evolução humana fossem monopolizados por alguma companhia de biotecnologia, produto típico da cultura dominante contemporânea, governada apenas pelo lucro a curto prazo. Um dos fatores que criaram essa situação, na qual por pouco não se chegou a monopolizar conhecimentos cruciais para o progresso das ciências biológicas, foi a legislação das patentes que, tanto nos Estados Unidos como na Europa, autoriza o patenteamento não apenas de espécies vivas modificadas geneticamente, como também de genes isolados. Mas, e agora, depois que foi anunciado o seqüenciamento do genoma humano? Ainda falta terminar muitas outras tarefas importantes, entre elas o estudo do genoma dos grandes parasitas que se multiplicam nas populações pobres e que não interessam às empresas farmacêuticas; a análise do genoma dos camundongos e o estudo de seus mutantes; as variações individuais do genoma humano; e o genoma das plantas cultivadas e de seus patógenos, área onde, aliás, a FAPESP criou um nicho que deve explorar energicamente. O fundamental é que não se pode iludir o público. Há dez anos que se busca o seqüenciamento do genoma humano. A fase atual, de deciframento do código genético, levou dois anos. Serão necessários mais dez anos até que esses novos conhecimentos se traduzam em novos medicamentos ou curas que, certamente, serão caros e privilégio dos ricos. Os demais continuarão a sofrer de desnutrição e de infecções diversas ainda por várias décadas. Somente uma revisão dos princípios morais e políticos que conduziram a que o conhecimento científico fosse adquirido e utilizado em algumas regiões do planeta, para benefícios de poucos, poderá acelerar o aparecimento de uma sociedade igualitária, solidária e fraterna. De resto, nos cabe esperar que o conhecimento do genoma humano e de suas fracas variações entre etnias dê um golpe mortal em certos argumentos racistas.

ANDRÉ GOFFEAU é pesquisador do Instituto Curie, de Paris, coordenador do projeto de seqüenciamento da levedura e membro do Steering Committe do Projeto Genoma Xylella PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 9


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Genoma humano e a era pos-genom1ca no Brasil T

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Temos de ver como o seqüenciamento afeta o planejamento científico no Brasil

MAR CO ANTONIO ZAGO

anúncio de que o projeto de seqüenciamento do genoma humano entra em fase de finalização foi saudado como um marco da história da humanidade, comparado à invenção da escrita e da imprensa e à chegada do homem à Lua (http://www.sanger.ac.uk!). De fato, nada tão excepcional ocorreu naquele dia, mas sim na década que o antecedeu. A verdadeira revolução da biologia e da medicina consolidou-se quando os doentes de diabete ou com anemia da insuficiência renal começaram a ser tratados com insulina ou eritropoetina humana recombinante, e quando substâncias como fatores de crescimento, cuja existência presumível era demonstrada indiretamente, passaram a fazer parte do arsenal terapêutico cotidiano. Nem por isso aquela será uma data sem conseqüências. O conhecimento completo da estrutura do genoma humano não levará por si só a resultados práticos imediatos, pois um número considerável de interações possíveis entre as diferentes proteínas e genes terá que ser explorados antes que a atividade biológica possa ser compreendida a partir das relações do genoma com o ambiente. A enorme plasticidade dos sistemas biológicos mais simples garante que esta não será uma tarefa trivial no ser humano. No entanto, o conhecimento,

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ainda que incompleto, do genoma humano tem o importante papel de fixar o limite e, com considerável precisão, o formato da informação, e passamos a trabalhar com o quadro completo e não apenas com uma parcela dele. Mas a conseqüência mais importante é que isto torna possível e necessário o planejamento e a concretização das próximas etapas. E quais são as próximas etapas? Não é difícil especular quanto ao futuro imediato, porque a era pósgenômica começou de fato há algum tempo e já está produzindo resultados. O estudo da expressão do genoma completo do S. cerevisae, a análise da expressão de 8.600 genes em células humanas e de 6.800 genes em neoplasias humanas oferece-nos uma visão completamente nova da vida da célula (Science 283:83, 1999; PNAS97 : 3364, 2000; Science286:531, 1999).Alguns enfoques mais significativos com relação à era pós-genômica humana são indicados no quadro anexo.

MARco ANTON TO Z AGO é professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, USP, diretor técnico-científico

do Hemocentro de Ribeirão Preto e coordenador de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer IO • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP


Uma questão mais relevante no momento é procurar capara fins médicos. Uma forma limitada dessa abordaresponder de que forma isto afeta o planejamento ciengem seria a constituição de redes de colaboradores tífico no Brasil? Quais devem ser nossas preocupações e constituídas por grupos clínicos e cirúrgicos para seleresponsabilidades específicas como pesquisadores, além cionar, seguir e tratar pacientes com doenças definidas e segundo protocolos padronizados, correlacionando os daquelas que são comuns a todos os cidadãos? Devemos responder partindo do recente sucesso da iniciativa da resultados com variações da expressão de genes, no senFAPESP no seqüenciamento de genomas, iniciando pela tido de identificar genes que são relevantes para o diagXylella, que implantou um modelo bem-sucedido (tranóstico, prognóstico ou resposta terapêutica. Formatos balho descentralizado e em rede, objetivo simples e bem mais ambiciosos de projetos de epidemiologia genética definido, colaboração interna e não competitiva dentro já estão em andamento na Islândia e In glaterra ( Science do grupo, supervisão por steering committee externo). 287:1184, 2000) . O sucesso do esforço inicial, centrado em um genoma simples, permitiu uma rápida escalada dos organisntagem da rede ONSA e os diferentes proos genomas da FAPESP mudaram as caracmos a serem estudadas ou considerados para estudo (X. citri, cana-de-açúcar, parasitas, vírus, entre outros). No erísticas de uma grande parcela da comunidade científica de São Paulo, provocando entanto, apenas o Projeto Genoma Humano do Câncer (PGHC) envolveu-se até o momento, e de uma maneium enorme salto de competência, além ra indireta, na área mais complexa e competitiva do gedos efeitos diretos em termos de resultados concretos e visibilidade internacional para os cientistas envolvidos. noma humano, na verdade uma forma de abordagem pós-genômica, pois focaliza seqüências expressas (deriOs recursos empregados podem, no entanto, ser considevadas do mRNA) e não o DNA. O desenvolvimen to des rados m odestos, da ordem de US$ 30 milhões em três anos, e, desses, apenas cerca de US$ 5 milhões foram se projeto tornou evidentes as vantagens dessa estratégia, que levou, por exemplo, à identificação de quase despendidos no único componente do projeto que enmeio milhão de seqüências de ESTs em um ano (comfoca o h omem, o Projeto Genoma Humano do Câncer (juntam en te com cerca de US$ 5 milhões do Ludwig parado com 760 mil no projeto CGAP do National Cancer Institute dos Estados Unidos em três an os) e permiInstitute for Cancer Research) . tiu a descoberta de mais de uma centena de genes ao Para fins comparativos, o Brasil gastou em apenas um longo da seqüência p ublicada do cromossoma 22. O an o (em 1999) cerca deUS$ 120 m ilhões para a imporProjeto Genoma H umano do Câncer deve, pois, servir tação de fatores de coagulação, albumina, e imunoglode base para ampliar a iniciativa dos pesquisadores paubulinas, substâncias biológicas necessárias para o tralistas em relação ao genoma humano, objetivando a tamento de um pequeno grupo de pacientes com hemofilia e outras doenidentificação de genes e estudo das proteínas coças hematológicas. Em Enfoques da Era Pós-Genômica Humana dificadas, análise de exgrande parte obtidos pressão em diferentes por processamento de • Descoberta de genes, identificação situações e estudo da diplasma humano excede proteínas e análise de expressão versidade do genoma dente, alguns desses humano (começando agentes biológicos po• Análise de expressão em diferentes estágios pela descoberta dos sindem ser produzidos por de desenvolvimento ontogenético, variações específicas gle nucleotide polymortecnologia de DNA rede cada tecido e em diferentes estágios de doenças, phisms nas seqüências combinante, e este é como as neoplasias identificadas). apenas um exemplo das • Identificação das bases da diversidade Um desafio necessáaplicações que os pesgenética humana rio a ser vencido agora é quisadores paulistas poa transposição desse deriam ajudar a resolver. • Correlação das variações gênicas com modelo e a extensão do A comunidade científica suscetibilidade a doenças "adquiridas" projeto para as áreas do Estado de São Paulo (como trombose, enfarte, doenças auto-imunes) médicas aplicadas. Gemostrou que tem condinoma clínico poderia ções de alcançar metas • Organização de grupos clínicos e cirúrgicos ser definido como o uso ambiciosas e competitipara estudos de correlação de informações do sevas: basta organizar-se • Aplicações de técnicas de engenharia qüenciamento do DNA em torno de projetos genética para produção de substâncias biológicas e sua variabilidade, descom limites claramente de interesse médico coberta de genes ou padefinidos e com financiadrões de expressão gênimento adequado.

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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

Genética e Genômica: 135 anos de investigação científica O que o futuro

nos reserva são amplos horizontes e não becos sem saída

FRAN C IS C O

M.

SALZANO

udo começou na parte final do século 19, com um padre austríaco que tinha grande interesse pela história natural, e as ervilhas, que ele cultivava no jardim de seu mosteiro. Daí surgiram as chamadas "leis de Mendel", que forneceram as bases para todo o edifício da Genética e da Biologia Molecular. Infelizmente, esses princípios permaneceram ignorados até 1900, quando então seu significado foi finalmente compreendido. Ao longo dos 35 anos seguintes estabeleceu-se, então, um sólido corpo de doutrina que lançava luz sobre os enigmas da herança biológica. Independentemente do que ocorria nos laboratórios de genética, um médico londrino, Frederick Griffith, observou em 1927 um fenômeno curioso, a transformação de pneumococos que possuíam uma determinada cápsula de proteção contra o sistema imunológico de seu hospedeiro (neste caso camundongos) em outra. Novamente, a importância da descoberta passou despercebida (inclusive ao próprio Griffith), e foi apenas 17 anos depois que Oswald T. Avery e colaboradores verifi-

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caram, nos Estados Unidos, que o "princípio transformante" era uma substância denominada ácido desoxirribonucléico, cuja sigla, DNA, está agora na boca de todo o mundo. Não se pense, no entanto, que a aceitação de que o DNA seria o material genético foi pacífica. Houve muita discussão (a alternativa é que ele seria a proteína). Um dos experimentos considerados importantes para a aceitação foi desenvolvido, em 1952, pelos norte-americanos Alfred Hershey e Martha Chase, que utilizaram, para isso, um instrumento tão simples quanto um liquidificador! E então, no ano seguinte, foi publicado o trabalho seminal de James D. Watson e Francis M. Crick sobre a estrutura helicoidal dupla do DNA, seguida, em 1961, pela elucidação do código genético. O resto é história recente. Mais detalhes são apresentados na tabela. Cabe, agora, uma breve reflexão sobre o progresso da ciência. Thomas S. Kuhn, em 1962, estabeleceu convincentemente que o desenvolvimento científico se faz por rríeio de revoluções, que causam a destruição de paradigmas anteriores, seguida de períodos de "ciência normal". O não-reconhecimento imediato de descobertas fundamentais como as de G. Mendel e F. Griffith é explicado por uma frase do físico Max Planck, Prêmio Nobel em 1918: "Uma nova verdade científica não triunfa pelo convencimento de seus oponentes, e porque eles viram a luz, mas, ao invés disso, porque esses oponentes eventualmente morrem e surge uma nova geração que se desenvolve familiarizada com ela". Na primeira metade do século 20, a nossa espécie era considerada como de pouco valor para a compreensão dos mecanismos da herança biológica. Geração longa, tamanho reduzido da prole e impossibilidade de cruzamentos dirigidos eram indicados como obstáculos a trabalhos de ponta. Foi somente devido ao desenvolvimento espetacular dos métodos celulares e moleculares

FRANCISCO M. SALZANO é professor do Departamento de Genética do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul 12 • JUNHO OE 1000 • PESQUISA FAPESP


que a elite intelectual voltou-se para si própria, e o estudo do Homo sapiens ganhou novo ímpeto. No meu caso específico, obtive meu doutoramento em 1955, na Universidade de São Paulo, trabalhando com a mosca-das-frutas, Drosophila; e foi graças a conversas mantidas com Antonio R. Cordeiro que decidi me voltar para a genética humana. Desloquei-me, em 1956, para um pós-doutoramento no Departamento de Genética Humana da Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, localizado em Ann Arbor, Estados Unidos, onde já estagiava outro colega brasileiro, Newton Freire-Maia. E para se ter uma idéia do progresso notável alcançado pelo conhecimento genético de nossa espécie, menciono que o Newton, após regressar do 1o Congresso Internacional de Genética Humana, realizado em Copenhague, Dinamarca, naquele ano, comentou "Imagina que Fisher (Sir Ronald A. Fisher, uma das principais figuras na formulação de conceitos básicos de genética e evolução) iniciou sua conferência dizendo o homem, com seus 46 cromossomas ... - não pode, não está ainda provado!" E eu, em 1957, quando realizei

uma série de visitas a centros de genética humana nos Estados Unidos e Canadá, fiz questão de, em Baltimore, contar pessoalmente sob o microscópio o número cromossômico de um indivíduo de nossa espécie.

oi publicado recentemente nos Estados Unidos um livro de um divulgador de ciência inglês, Matt Ridley, no qual cada capítulo corresponde a um cromossoma (complexo DNA-proteína responsável pela transmissão, na divisão celular, dos genes). Em cada capítulo (com exceção do último ) foi escolhido um gene para a discussão de assuntos tão complexos quanto vida, espécie, destino, inteligência, instinto, saúde-doença, sexo, imortalidade e política. Ao longo de todo o livro, a questão dialética básica da determinação biológica versus história de vida está presente. Somos um produto de nossos genes ou do ambiente em que vivemos? A resposta, em termos quantitativos, será diferente dependendo da característica a ser considerada. O que deve ser salientado, no entanto, é a importância da interação entre esses dois conjuntos de fatores. Em 1989 o GustaEventos decisivos na história da Genética vus Adolphus College (especialmente Genética Humana) e da Biologia Molecular de Minnesota, Estados Unidos, organizou um simpósio com um tíANO EVENTO PERSONAGENS tulo provocador "O 1865 Descoberta das leis da hereditariedade G. Mendel fim da ciência?". E o tema foi retomado por H. de Vries, K. Correns, E. von Tschermak 1900 Redescoberta das leis de Mendel John Horgan (confe1902 Conceito de erros inatos do metabolismo A. E. Garrod rir O Fim da Ciência.

F

1906

Criação do termo

W Bateson

1901-1908

Controvérsia entre mendelistas e biometristas

W Bateson, F. Galton, C. Pearson, W.F.R. Weldon

1908

"Hipótese do gene múltiplo" Comportamento populacional de traços mendelianos

H. Nilsson-Ehle G.H. Hardy,W.Weinberg

1910-1935

Estabelecimento das bases da Genética, especialmente em Drosophilas

T.H. Morgan,A.H. Sturtevant, C.B. Bridge

1927

Transformação em bactérias

F. Griffith

1944

O DNA seria o material transformante

O.T.Avery, M. Macleod, M. MacCarty

1949

Conceito de doença molecular

L. Pauling

1952

O experimento do liquidificador -confirmação da importância do DNA na duplicação do material genético

A Hershey, M. Chase

1953

Estabelecimento da estrutura helicoidal dupla do DNA

J.D. Watson, F.H.C. Crick

1956

Início da era da Citogenética Humana

H.J.Tjio,A. Levan

1961

Elucidação da natureza do código genético

F.H.C. Crick, L. Barnett, S. Brenner, R.J. Watts-Tobin

1970-atual

Aplicação de métodos moleculares ao estudo da variabilidade humana

Diversos

1988-atual

Projeto do Genoma Humano

Diversos

Uma Discussão So bre os Limites do Conhecimento Científico, Com-

panhia das Letras, São Paulo, 1998) . Após a finalização do Projeto do Genoma Humano, resta ainda algo realmente importante para investigar? Na verdade, estamos apenas no início da era da genômica, na qual a totalidade do material genético de diferentes espécies será identificado e comp arado. Para o alívio de geneticistas e biólogos moleculares, o que o fu turo nos reserva são amplos horizontes, e não becos sem saída. PESQUISA FAPESP · JUNHODE 2000 • 13


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

GENOMA ESTRUTURAL

Decifrando organismos vivos A estrutura das proteínas

dos genes será analisada por 15 laboratórios s pesquisadores brasileiros já

Odominam as técnicas de seqüenciamento de genes e os diferentes

projetos genoma da FAPESP geraram um grande volume de informações. Agora, a análise da estrutura tridimensional das proteínas expressas pelos genes é próximo passo na compreensão do funcionamento dos organismos vivos e a FAPESP acaba de lançar o Projeto Genoma Estrutural em parceria com o Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer. O projeto prevê o investimento de US$ 3,5 milhões, durante quatro anos. Os recursos serão distribuídos por uma rede de 15 laboratórios do Estado de São Paulo para o financiamento de insumos e equipamentos. O bioquímico Rogério Meneghini, diretor do Centro de Biologia Molecular Estrutural do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, em Campinas, será o coordenador do projeto. "Cada vez mais se faz biologia em laboratórios de luz síncrotron. É uma tendência no mundo todo", disse Meneghini. O Projeto Genoma Estrutural prevê o estudo das proteínas cujas seqüências foram geradas num determinado projeto genoma. "A princípio, pensamos em utilizar apenas genes expressos no projeto Genoma Humano do Câncer por serem extremamente relevantes", disse Meneghini, que também é um dos idealizadores do projeto. "Agora estamos pensando em estudar o genoma estrutural da Xylella fastidiosa. Além de interessante, permite que se chegue à etapa de cristalização de 14 · JUNHO OE 1000 • PESQUISA FAPESP

Proteína cristalizada: a análise de sua estrutu ra tridime nsional é o próximo desafio

maneira mais rápida do que no caso das proteínas humanas", completa. O Instituto Ludwig fornecerá as seqüências geradas no Genoma Câncer e já armazenadas em seu banco de genes ou outras a serem geradas no futuro. A idéia é escolher 50 ou 100 genes e fazer o chamado High Throughput Protein Structure Determination: expressão, síntese in vitro, purificação, cristalização e resolução da estrutura da proteína em escala relativamente alta. Esse processo, partindo do genoma e chegando à estrutura, tem sido chamado de genoma estrutural. Análise minuciosa - Ao contrário

dos outros projetos genoma, em que as primeiras seqüências começaram a ser geradas logo na primeira semana, o genoma estrutural é mais minucioso. "Se chegarmos a dez estruturas tridimensionais relevantes, estaremos fazendo uma contribuição significativa para a área de estrutura de proteínas': diz Meneghini. Ele explica que chegar a uma estrutura é um processo extremamente elaborado, exigindo atravessar todos os gargalos

do percurso que vai da expressão até a resolução da estrutura. O conhecimento da estrutura das proteínas propicia a compreensão da sua função nas células. Com base nisso, o genoma estrutural também possibilita que sejam desenhadas moléculas que venham a inibir a atividade da proteína, quando desejado. As doenças, principalmente aquelas causadas por vírus, bactérias e protozoários, estão relacionadas com a ação das proteínas. Daí o interesse dos laboratórios e da indústria farmacêutica pelo conhecimento da estrutura dessas proteínas, o que permitirá desenhar drogas mais específicas para o tratamento dessas doenças. Um dos componentes do coquetel usado por pacientes portadores do HIV, por exemplo, é uma molécula desenhada a partir da estrutura tridimensional da protease do HIV. Essa molécula se liga à protease, inibindo-a. Chama-se isso de drug design. Workshop com especialistas - Pesquisadores interessados em participar do projeto e cientistas que já tra-


balham na área em centros de pesquisa do Brasil e do exterior se reuniram, no dia 13 de junho, no workshop de apresentação do projeto no auditório da Fundação. Os cientistas Roberto Poljak, do Centro de Pesquisas Avançadas em Biotecnologia da Universidade de Maryland, EUA, Christina Redfield, do Centro para Ciências Moleculares de Oxford, Inglater- Meneghini: em busca Poljak: Pesquisando a função ra, e William Studier, do De- de IO estruturas dos genes órfãos partamento de Biologia do tridimensionais relevantes Laboratório Nacional Brookhaven, EUA, que participaram do encontro, farão parte do comitê de acompanhamento do projeto. "Viemos conhecer o projeto brasileiro, trocar informações, sugerir e avaliar", disse Poljak. Christina Redfield lidera um grupo de cinco pesquisadores num dos maiores centros de NMR (Ressonância Nuclear Magnética) do mundo. Lá, a análise se concentra Christina: aposta Studier: recursos do instituto nacional na dinâmica da estrutura em na união para o de saúde solução e na forma como ela progresso do trabalho interage com as moléculas O cristalógrafo argentino Roem seu meio natural. "O que gostei berto Poljak começou seu projeto na idéia deste workshop foi a diversinos EUA com genes órfãos, ou seja, dade de áreas. Apesar de trabalharem aqueles sem função conhecida. de maneira diferente no mesmo pro"Nosso objetivo era contribuir com blema, cristalógrafos e cientistas enidéias sobre qual a função desses gevolvidos com NMR acabam compenes", disse. tindo. Não trocam colaborações. O biólogo, biofísica e bioquímiParece-me que aqui a idéia é uma união para o progresso do trabalho", co William Studier explora em sua rotina de pesquisas estudos de elodisse Redfield.

A história das proteínas O primeiro trabalho elucidando a estrutura dimensional de uma proteína, a mioglobina, foi publicado por John Kenderw, no final da década de 40. Depois, o australiano Max Perutz, trabalhando na Inglaterra, ganhou, na década de 60, o prêmio Nobel por descobrir a estrutura da hemoglobina. A téc-

nica usada para descobrir a estrutura da proteína é a cristalografia. Obtém-se uma solução pura de proteína e tenta-se a cristalização. Até hoje a cristalização é vista como uma arte. Os cientistas brincam que quando há amor pelo cristal ele cresce melhor. A dificuldade é que trata-se de grande quantidade

~ nagem, purificação, cristalig zação e expressão dasproteí6 nas. "O Laboratório Nacio""' nal Brookhaven ainda não ê está trabalhando com uma proteína em particular. Primeiro estamos nos armando de capacidade", disse Studier, cujo projeto piloto, de estudo sobre levedura, começou há dois anos. "Temos uma comunidade de pesquisa na área bastante grande. Além disso, a levedura é um eucarionte e tem muitos genes similares aos humanos." Até o final deste ano o laboratório de Studier deixará de ser financiado pelo Departamento de Energia dos EUA e passará para o orçamento do Instituto Nacional de Saúde. Animado com o que leu sobre os projetos genoma da FAPESP nas revistas científicas internacionais, Studier acha que o importante é dividir experiências para que o Brasil possa formular um bom programa. Na opinião dele, os projetos genoma precisam de coordenação para que os grupos espalhados pelo mundo não percam tempo realizando as mesmas atividades. "A comunidade científica precisa se comunicar. Não é o caso de conseguir vantagem para produzir drogas. Isso a gente deixa para a indústria farmacêutica. O importante é conseguir informações básicas para usufruto de todos", diz. •

de moléculas de proteínas organizadas numa estrutura cristalina complexa. Por outro lado, a espectroscopia de ressonância nuclear magnética é um outro método de estudo de proteínas que não requer a cristalização. Vantajoso por possibilitar o estudo em soluções, este método entretanto ainda é limitado pelo tamanho das proteínas que estão ao seu alcance.

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • IS


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

BIBLIOTECA ELETRÔNICA

Um acervo científico de 841 títulos Programa disponibiliza revistas a professores, pesquisadores e alunos uando foi criado, em maio do ano passado, o Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE) colocava à disposição dos pesquisadores das três universidades estaduais paulistas e das duas universidades federais sediadas no Estado, a de São Paulo e a de São Carlos, mais ao Bireme (Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde), via Internet, um acervo de 606 revistas científicas da editora holandesa Elsevier Science Inc. Pouco mais de um ano depois, o acervo eletrônico disponível já é de 841 títulos, após incorporar publicações das editoras norte-americanas Academic Press e High Wire Press e torná-las acessíveis a professores e estudantes de graduação e pós-graduação. Mas o mais importante: parte considerável desse

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16 · JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

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acervo científico, o da corríamos ao Bireme': Elsevier, já começou diz Anna Simene Leite a ser disponibilizado Gonçalves, responsável também aos profissiopela biblioteca. "Hoje, nais de 15 institutos por meio do ProBE, o de pesquisa estaduais corpo clínico e os pese federais no Estado, quisadores do instituPrograma Biblioteca Eletrônica beneficiando 7.578 to têm acesso a revispesquisadores. Muitas especializadas em tos deles, por falta de cardiologia, enfermarecursos de suas instituições, não tigem e administração hospitalar." nham acesso a qualquer publicação científica internacional. Consultas simultâneas - O ProBE é É o caso, por exemplo, dos 159 resultado de um Consórcio de Coopesquisadores do Instituto Biológico, peração Institucional que reúne a da Secretaria de Agricultura e AbasFAPESP, a Universidade de São Pautecimento. "Não tínhamos nenhuma lo (USP), a Universidade Estadual assinatura impressa e nem recursos para Paulista Júlio de Mesquita Filho isso. Para fazer consultas, a maioria dos (Unesp ), a Universidade Estadual de pesquisadores tinha que se deslocar até Campinas (Unicamp), a Universidaa USP", diz Silvia Helena Marques, de Federal de São Carlos (UFSCar), a bibliotecária do instituto. O mesmo Universidade Federal de São Paulo acontecia com os 564 profissionais (Unifesp) e o Centro Latino-Amerido Instituto Dante Pazzanese de Carcano e do Caribe de Informação em diologia, da Secretaria Estadual da Ciência da Saúde. Por meio de conSaúde, que também não possuía assivênios, assinados neste mês de junatura de qualquer um dos títulos da nho, os institutos de pesquisa aderiElsevier. "Quando era necessário, reram ao consórcio. A Fundação é responsável pela infra-estrutura de , - . ., -" ..:: ...... ~ ~, ~· ..·~ hardware e software adequados à instalação e ao funcionamento da biblioteca eletrônica, bem como pela própria base de dados das revistas. Beneficiando os pesquisadores, ao tornar-lhes acessíveis, de forma ágil, informações científicas internacionais necessárias à sua qualificação e atualização profissional, o ProBE beneficia, também, as instituições, que economizam com a redução do número de assinaturas impressas. "O custo das assinaturas eletrônicas representa ISo/o das assinaturas em papel", compara Rosaly Favero Krzyzanowski, coordenadora operacional do programa. Segundo ela, o acesso eletrônico tem a vantagem de permitir consultas simultâneas, o que otimiza a relação .!

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custo/benefício por assinatura de periódicos científicos. As instituições consorciadas, por exemplo, mantêm ainda uma média de duas assinaturas dos 606 títulos da Elsevier, a um custo de R$ 2, 6 milhões. A assinatura eletrônica dos mesmos títulos, sem necessidade de duplicação, sai por R$ 398 mil. O valor é proporcional ao número de usuários, sendo que o controle do número de consultas é feito pelo IP (Internet Protocol Number) de cada usuário das instituições consorciadas. E o contrato com as editoras permite a impressão e reprodução de artigos para fins de pesquisa. As universidades e os institutos de pesquisa deverão manter as assinaturas das revistas impressas por um período de três anos, ao longo dos quais o programa avaliará a satisfação do usuário. Próximos passos- Racionalizar e agi-

bém a possibilidade de ampliar o número de editoras, de forma a incluir revistas da área de Ciências Humanas, até agora não contempladas", acrescenta Rosaly. Atualmente, cerca de 11.590 professores e pesquisadores e 114.483 alunos de graduação e pós-graduação podem consultar artigos de seu interesse, através da Intranet, a partir dos computadores instalados em seu próprio ambiente de trabalho, nas 86 bibliotecas das instituições

consorciadas ou, em alguns casos, da residência do pesquisador.

lizar cada vez mais o acesso às informações científicas estão também enNovos parceiros - O ProBE é dirigitre os objetivos do ProBE. Assim, do por um comitê que coordena as desde junho, os CD-ROMs com todo atividades de implantação, operação, o conteúdo editorial das três editoras manutenção, treinamento e avaliação foram instalados na rede ANSP do uso da Biblioteca Eletrônica e deAcademic Network at São Paulo, na libera sobre as assinatura de revistas e sede da FAPESP. O acesso a qualquer sobre o ingresso de novos parceiros no uma das publicações, portanto, já consórcio. Estão qualificadas para dispensa a ligação internacional. E participar do programa as instituições mais: a partir de setembro, todas as que desenvolvam atividades de ensi841 publicações das no e pesquisa, públicas três editoras estarão orou privadas, desde que Institutos de pesquisas ganizadas num portal, possuam usuários popermitindo consultas tenciais com projetos de assinantes do ProBE também por assunto. pesquisa em andamen• Centro Tecnológico da Ae ronáutica (CTA/ITA) O programa prevê, to; desenvolvam linhas • Inst ituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (lpen) ainda, o desenvolvide pesquisa com produ• Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (lnpe) mento de ferramentas ção científica; disponham • Inst ituto do Coração do Hospital das Clínicas (lncor) que permitam links de recursos humanos • Laborató rio de Luz Síncroton com os artigos citados capacitados para a ope• Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (I PT) na Web of Science, do racionalização do acesso • Instituto de Tecnologia de Alimentos (ltal) Institut for Scientific ao ProBE; ofereçam tí• Instit uto Dante Pazzanese de Cardiologia Information (ISI) tulos que venham a in• Instituto Flo restal de São Pau lo uma base de dados crementar o Programa; • Inst itut o Biológico com resumos, referêne contribuam com o • Inst itut o Geológico (SMA/SP) cias e citações de artimínimo de 3% do valor gos publicados em cer• Inst ituto de Zootecnia da coleção da Biblioteca ca de 8.400 periódicos Eletrônica." Já existem • Instituto de lnfectologia Emílio Ribas científicos internaciovárias universidades in• Inst ituto Agro nômico de Campinas nais, desde 1974. "Estateressadas", afirma Ro• Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) mos estudando tamsaly Krzyzanowski. • PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Covas e Botelho anunciam a nova fábrica da Embraer

Embraer fica em São Paulo O governador Mário Covas e o presidente da Embraer, Maurício Botelho, anunciaram em 24 de junho a decisão de construir a quarta fábrica da empresa em Gavião Peixoto, município paulista próximo de Araraquara. A empresa tem outras duas unidades em São José dos Campos e uma em Botucatu. O novo empreendimento implica a criação de um distrito aeroespacial que, para sua implantação, contará com um apoio da FAPESP no valor de US$ 1O milhões anuais, por um período de seis anos, realizado por meio de uma linha dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica, voltada para a pesquisa e desenvolvimento de tecnologia aeroespacial. A planta envolve investimentos da ordem de R$ 340 milhões em dez anos e pretende gerar até 3 mil novos empregos diretos nesse período, a partir do início da operação industrial, 18 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

previsto para setembro de 2001. Além da unidade onde serão produzidas oito aeronaves de uso civil e militar, a Embraer construirá uma pista de testes com cinco quilômetros. Na fábrica, que ocupará uma área de 150 milhões de metros quadrados, serão feitos ensaios de vôo, a montagem final de aviões e a manutenção de aeronaves.

Edital para ingresso no Cietec O Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), na Cidade Universitária, USP, está abrindo inscrições para candidatos ao ingresso em sua incubadora de empresas. O objetivo é estimular a criação de novos negócios baseados em tecnologias inovadoras, nas áreas de Biotecnologia, Biomedicina, Materiais, Instrumentação, Tecnologia da Informação, Meio Ambiente, Química, Técnicas Nucleares e Softwares especiais. As modalidades de incubação previstas

no edital são: 1. pré-incubação, destinada a empreendedores que têm uma idéia e sabem como viabilizá-la, mas necessitam de um período de até 12 meses para comprovar a viabilidade técnica e buscar recursos para a formação do capital para início do negócio; 2. incubadora tecnológica de empresas residentes, para empreendedores ou empresas constituídas interessados em desenvolver seu produto ou serviço na incubadora, que já tenham capital assegurado para início da operação; 3. incubadora tecnológica de software, voltada a empreendedores para a criação ou continuidade de negócios na área de softwares especiais (Internet/Intranet, Automação e Controle, Saúde e Educação); e 4. incubadora tecnológica de empresas não residentes, destinada a empreendedores ou empresas já constituídas, de negócios de base tecnológica, que não precisam de espaço físico para se instalarem. A retirada do edital deverá ser feita dos dias 3 a 31 de julho. O Cietec estará recebendo propostas para inscrição na pré-seleção até o dia 11 de agosto. Para maiores informações e inscrição no processo de seleção, os interessados devem dirigir-se ao Cietec, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares IPEN, Travessa R, 400, Cidade Universitária da USP, telefone (011) 212-8466.

ABC elege novos acadêmicos Cinco pesquisadores ligados à Unicamp estão entre os 44 novos acadêmicos eleitos pela Academia Brasileira de Ciências (ABC): Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente do Conselho Superior da FAPESP, Amir Ordacgi Caldeira, Helion Vargas, todos do Instituto de Física Gleb Watagin (IFGW), Bernardo Beiguelman e Paulo Arruda, do Instituto de Biologia (IB). A ABC tem hoje 532 acadêmicos reunidos em seis seções especializadas: Ciências Matemáticas, Ciências Físicas, Ciências Químicas, Ciências da Terra, Ciências Biológicas e Ciências da Engenharia.

Dias Vieira Jr. no Conselho Superior O físico Nilson Dias Vieira Júnior, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN), foi nomeado pelo governador Mário Covas para integrar o Conselho Superior da FAPESP, com mandato de seis anos. O pesquisador foi um dos nomes votados na eleição do representante dos institutos oficiais e particulares de ensino superior e de pesquisa.

Pesquisadores X governo Os pesquisadores argentinos estão muito preocupados com a decisão do governo de reduzir verbas e cortar salários nas áreas


de desenvolvimento científico e tecnológico, anunciada em maio. Em carta encaminhada ao presidente Fernando de la Rua, lembram que a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico são peças-chave para o crescimento industrial e econômico do país, assim como para a melhoria do bem-estar, da educação e da saúde da população. "A Argentina investe cerca de 0,45% do PIB na área de C&T, quando em outros países da América Latina esse percentual alcança entre 0,65% (Chile) e 1,2% (Brasil)", consta no documento. Afirmam, ainda, que o sistema científico argentino sofre de três males crônicos: falta de planejamento e políticas claras, falta de planejamento adequado e falta de uma avaliação periódica, por uma comissão competente, da produção científica nacional e do funcionamento dos diversos organismos de C&T. As últimas medidas governamentais agravarão esse males e acentuarão o atraso do país em relação ao Primeiro Mundo, eles prevêem. Reivindicam o pagamento integral dos salários e a elaboração de um plano

de desenvolvimento para a C&T no país, com aumento de recursos destinados ao setor.

Laboratórios sem resíduos Nas indústrias químicas, o tratamento de resíduos químicos é comum, há anos. Por ser ainda raro nos institutos de pesquisa, o Conselho Superior da FAPESP, na reunião do dia 14 de junho, aprovou o Programa de Infra-Estrutura para Tratamento de Resíduos Químicos, com um orçamento deUS$ 10 milhões, para incentivar o descarte adequado dos materiais utilizados nas atividades de ensino e pesquisa. Há, entre eles, os solventes clorados, já proibidos em alguns países da Europa, éteres, hexanos, toluenos, benzeno e os resíduos com metais pesados, como chumbo, mercúrio, cobalto e cádmio. Os resíduos podem ser descartados diretamente, sem tratamento, "só em casos muito excepcionais", comenta Hans Viertler, membro da Coordenação de Química da FAPESP, que contribuiu com a elaboração do programa, em conjunto com

outros especialistas de universidades e institutos paulistas. Um requisito para os centros de pesquisa se candidatarem a esse programa é a apresentação de Programa de Gerenciamento de Resíduos de Laboratório, que deve prever a aquisição de equipamentos, treinamento de pessoal, reformas de instalações e estratégias de análise, tratamento, descarte e redução dos resíduos.

Ciência vende mais jornal Durante três anos, pesquisadores da Universidade de Pottiers, na França, analisaram 20 jornais de oito países da Europa e constataram que a venda dessas publicações aumenta nos dias em que são publicados os seus suplementos semanais sobre ciência e tecnologia. Entre os jornais pesquisados estavam o francês Le Monde e o espanhol La Vanguardia, de circulação iMternacional. De acordo com o professor Pierre Fayard, do Instituto de Comunicação e Novas Tecnologias da Universidade de Pottiers e coordenador do estudo, o aumento nas vendas do jornal espanhol é de 1Oo/o no dia da publicação do suplemento de ciência. Quanto ao suplemento de ciência do jornal Le Monde, os pesquisadores verificaram que ele era lido por 30% do público leitor regular do jornal, percentual quase igual ao de leitores do caderno diário de economia, de 33%. De acordo com Fayard, que apresentou as conclusões

do estudo no 6° Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico (CBJC), realizado em maio, em Florianópolis, os resultados podem ser explicados, de um lado, pelo interesse da sociedade européia por assuntos de vanguarda e, de outro, pela própria característica dos cadernos semanais, que, além de terem ótima qualidade, abordam temas da atualidade ligados ao cotidiano do cidadão.

Portal ProssigaBrasil apóia a pesquisa O programa CNPq/Prossiga, lança no dia 6 de julho, em parceria com a Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, a Biblioteca Virtual de Engenharia Biomédica. E no dia 9, em Brasília, o programa lança o portal ProssigaBrasil, um banco de dados com informações qualificadas que direciona o usuário para os principais sites brasileiros que tratam de questões relativas às atividades de ciência e tecnologia desenvolvidas em instituições de pesquisa, institutos de tecnologia e universidades do País. O endereço do portal é http:/ /www.prossiga.br/ prossigabrasil. PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 19




Na Esalq, Silva-Filho monta os genes e testa a nova cana em conjunto com o entomologista José Roberto Postali Parra, o formulador das dietas especiais oferecidas às lagartas. Para montar os experimentos e interpretar os resultados, ambos entram em contato com Terra, reconhecido recentemente como um dos cientistas brasileiros mais citados na Web of Science, o banco de artigos científicos organizado pelo Institute for Scientific Information (ISI) (ver PESQUISA FAPESP n° 52). "Por meio dessas parcerias, integramos uma área básica, que trata da caracterização das enzimas de insetos, e a pesquisa entomológica, com o uso dos inibidores em dietas artificiais, para só depois iniciar os experimentos de biologia molecular, clonando genes e obtendo as plantas transgênicas", explica Silva-Filho. untos, os especialistas procuram desatar um dos nós desse trabalho- os complexos mecanismos de interação entre os insetos e as plantas. Já descobriram como um inseto escolhe uma planta como hospedeira. É um processo que envolve a síntese de enzimas insensíveis à ação de inibidores produzidos pela planta hospedeira e apenas parece intencional, pois resulta de mecanismos simultâneos de adaptação dos animais e dos vegetais. Os pesquisadores observaram também que alguns insetos, como a lagarta-docartucho-do-milho ( Spodoptera frugiperda) e a lagarta-da-maçã-do-algodoeiro (Heliothis virescens), conseguem ter várias plantas como hospedeiras porque são capazes de alterar sua produção de enzimas de acordo com o alimento que ingerem. E mais: as novas proteases secretadas em reação ao inibidor são ainda mais eficientes para degradar as proteínas das plantas. Diante dessas artimanhas, podem ser considerados animadores, ainda que à primeira vista pareçam modestos, os resultados obtidos com a cana transgênica. Os inibidores produzidos a partir dos genes de soja provocaram uma deficiência protéica que 22 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

atrasou, de modo acentuado, o desenvolvimento da Diatraea. O tempo de duração da fase larval aumentou 30% e o da etapa pupal, 10%. Houve também um acréscimo de 25% na mortalidade, que deve repercutir nas taxas de reprodução. Segundo Parra, ocorreu um aumento de 20% no ciclo total de desenvolvimento da broca, que passou de cerca de 60 para 72 dias, até a fase adulta.

seres vivos. Isolando e comparando enzimas- às vezes bastante semelhantes às de outros organismos, como a amilase e a tripsina, produzidas pelo pâncreas humano -, ele e a bioquímica Clélia Ferreira verificaram que alguns insetos - como os da ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas, e os Coleoptera, com os besouros - apresentam mecanismos muitos particulares de secreção

"Não queremos acabar com os insetos", ressalta Silva-Filho. O extermínio total é uma técnica muito drástica, tal qual os inseticidas químicos, que levaria rapidamente à formação de gerações cada vez mais resistentes a qualquer intervenção humana. "Nosso objetivo é controlar a proliferação das pragas e retardar ao máximo o processo de resistência, que já ocorre com algumas plantas transgênicas", diz ele. Pesquisadores ingleses da Universidade de Durham, no Reino Unido, mostraram em 1987 que esse objetivo é viável, ao modificarem geneticamente uma variedade de tabaco. Colocaram na planta genes do feijão-de-corda (Vigna ungiculata), que atrapalharam a digestão e o crescimento das lagartas Heliothis virescens. Terra acha que é possível chegar, mesmo, a drogas capazes de interferir no mecanismo de digestão dos insetos e que sejam inofensivas a outros

das enzimas. As diferenças entre os processos digestivos de uma borboleta e de um percevejo, por exemplo, podem ser maiores do que as de um peixe em comparação com o homem. Em termos quantitativos, os insetos produzem um número de enzimas próximo ao liberado pelo organismo humano - ao redor de 14, das quais a equipe da USP caracterizou 12, em diferentes espécies. O conhecimento sobre quantas, como e quando as enzimas são formadas e atuam em cada reduto do aparelho digestivo dos insetos tem dado indicações claras do que pode ou não funcionar no ataque a eles. Uma informação relevante se refere às peculiaridades de um tubo de paredes finíssimas e porosas, a membrana peritrófica, que se assemelha aos filmes plásticos utilizados para guardar alimentos na geladeira. Nesse compartimento os alimentos co-


meçam a ser fragmentados, sob a ação de enzimas, antes de chegar às células nas quais os nutrientes são absorvidos (ver ilustração).

A digestão dos insetos O percurso e as transformações do alimento em um besouro

Pa o Câmara de armazenagem do alimento

Proventrículo Órgão triturador

Membrana eritrófica Permite a passagem de alimentos decompostos, enzimas e água

Boca

~ C~e~c~ o~á~s~tr~i~co~----------~ Espaço

Processa a digestão final e a absorção dos alimentos

Intestino anterior...

Após a mastigação, o alimento atravessa o intestino anterior, revestido de quitina e impermeável à maioria das substâncias.

ectoperitrófico

... médio ...

Túbulos de Mal i hi Órgãos excretores, semelhantes aos rins

... e posterior

O intestino médio é onde se processa a produção de enzimas e a maior parte da digestão e a absorção de nutrientes. O alimento atacado pelas enzimas é fracionado no interior da membrana peritrófica. Depois, as partículas digeridas atravessam essa membrana e seguem, por um sistema de circulação, até as células, que absorvem os nutrientes.

O intestino posterior atua na eliminação dos detritos e no equilíbrio de água e de sais minerais.

O reaproveitamento das enzimas As enzimas (setas vermelhas) atravessam a membrana peritrófica e chegam ao espaço ectoperitrófrico acompanhando ----+- ____....--+ ~ os alimentos (setas azuis) à medida que --..... --..... -.... --. são fracionados . Depois, voltam para o interior da membrana peritrófica, na porção inicial do intestino médio. A água (setas amarelas) passa pelo espaço ectoperitrófico até chegar aos cecos, nos quais é absorvida. Espaço ectoperitrófico

Fomes: Walter Ribeiro Terra, IQ-USP;A Digestão dos lnsetos,Walter R. Terra e Clélia Ferreira, Ciência Hoje, vol. 12, n. 70, 1991, p. 31; e Zoologia dos Invertebrados, Robert D. Sarnes ( 1984, Roca)

ipe de Terra verificou que poros da membrana peritrófica têm de sete a oito nanômetros (um nanômetro corresponde à milésima parte do milímetro) . "Conhecendo o tamanho dos poros da membrana peritrófica, vemos que algumas substâncias podem não ter o efeito tóxico desejado caso sejam grandes demais para serem absorvidas pelos insetos': afirma Terra. Essa constatação explica, por exemplo, por que os cristais da toxina da Bacillus thuringiensis, umas das bactérias mais importantes para o controle de diversas espécies de lagarta, são efetivos somente se diminuírem de tamanho, depois de parcialmente digeridos no interior da membrana peritrófica. Quando essa digestão parcial não ocorre- e as enzimas de alguns insetos são incapazes de realizar essa quebra -, a toxina não tem qualquer efeito. Nos anos 60, reinavam os defensivos agrícolas, que ninguém contestava, quando Terra começou a mexer nesse campo. Se no início pouca gente levava a sério a abordagem que dizia respeito puramente à biologia dos insetos, agora é diferente. O trabalho de que Terra cuidou, silenciosamente, ao longo desse tempo, torna-se mais estratégico à medida que crescem as pressões para a preservação ambiental e a busca de alternativas aos produtos químicos. Os Estados Unidos, por exemplo, acabam de proibir o uso de um defensivo bastante utilizado, à base de clorpirifós, uma matéria-prima empregada também no Brasil, por oferecer riscos ao sistema nervoso de crianças. Agora, tanto as motivações quanto as dificuldades estão razoavelmente claras. Nas experiências como as realizadas com a cana, o mais complicado não é identificar os genes úteis para compor novas variedades de plantas, mas indicar as proteínas PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 23


mais adequadas para se tornar alvo dos com postos produzidos pelas plantas. E só se pode chegar a essa clareza por meio do conhecimento profundo da fisiologia dos insetos, que também revela a durabilidade dos produtos no tubo digestivo desses animais. trabalho com as lagartas da broca-da-cana está correndo a contento, mas Terra já contou que não basta descobrir bloqueadores de enzimas para tudo se resolver. Os insetos, como ele demonstrou, possuem um mecanismo de digestão sofisticado e podem secretar enzimas diferentes para digerir um mesmo nutriente. Caso uma das enzimas seja bloqueada por algum inibidor, produzido pela própria planta ou aplicado pelo homem, entram em ação as enzimas substitutas, com a mesma função, mas com propriedades diferentes. Essa capacidade de driblar os atacantes ainda não foi observada na broca-da-cana. Ficou evidente, porém, nos estudos com a lagarta Heliothis virescens. O inibidor de tripsina de soja, adicionado pela equipe da USP à sua dieta, não foi eficaz simplesmente porque a lagarta produzia novas enzimas que escapavam de seu poder. Terra procura agora fazer com que a lagarta expresse todo o repertório de enzimas, até que possa encontrar um inibidor eficiente para todas elas. "Na hora de adotar uma estratégia de controle de pragas, temos de levar em conta essa sofisticação do

O

sistema digestivo dos insetos", sugere o pesquisador. Trabalhos aplicados como o da cana transgênica rep resentam apenas uma parte das pesquisas do Laboratório de Bioquímica de Insetos, financiadas com aproximadamente R$ 600 mil desde 1993 pela FAPESP. O projeto em andamento desde 1998, A Digestão dos Insetos: Uma Abordagem Molecular, Celular, Fisiológica e Evolutiva, conta com R$ 121,6 mil, mais US$ 382 mil e deve terminar em outubro de 2001 . Desta vez, procura-se informação principalmente sobre mecanismos de secreção de enzimas e a natureza das moléculas processadas por enzimas-chave da digestão, como tripsinas e glicosidases, que agem sobre carboidratos, uma família de compostos que incluem os amidos, açúcares e celulose. Terra leva em conta tanto a necessidade de se conhecer melhor as pragas mais comuns no Brasil como a de estabelecer padrões de comparação entre as espécies (ver box) . Terra comprovou que a organização do sistema digestivo depende mais da posição filogenética do que do hábito alimentar. Ou, de outro modo: o sis-

tema digestivo torna-se mais sofisticado à medida que os insetos se situam em posições mais altas na escala evolutiva. Na prática quanto mais evoluídos, mais vorazes. É algo impressionante. Enquanto um besouro come em média apenas 0,3 vez o seu peso, uma larva da mariposa Erinyis ello chega a comer cerca de 2,4 vezes o seu peso, em apenas um dia. É como se uma pessoa de 75 quilos ingerisse diariamente 180 quilos de alimentos. "A capacidade de processar uma quantidade elevada de alimento permite que o inseto cresça e se reproduza rapidamente", conta o pesquisador. Assim, os insetos mais evo-

Perigo para as plantas e para o homem Para a agricultura, o terror são as lagartas, que desfolham plantações. Os adultos nutrem-se de néctar - com exceções, como os gafanhotos - , embora possam transmitir doenças.

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Lagarta-da-maçã-doalgodoeiro: combatida com tabaco transgênico

Mandarová-damandioca: larva come 2,4 vezes seu peso

O Tenebrio molitor: praga de farinha e de cereais armazenados


luídos podem ter várias gerações por ano e deixar descendentes, assegurando a sobrevivência da espécie, mesmo com uma alta mortalidade. "Só se chega a esses resultados com um sistema digestivo bastante eficiente': ressalta Terra. A desvantagem, lembra ele, é que os comilões vivem menos. Uma barata, menos evoluída, pode viver até cinco anos, enquanto uma mosca comum vive cerca de seis semanas. As pesquisas realizadas na USP atestam que há uma correspondência entre os estágios evolutivos e a complexidade dos processos digestivos dos insetos. Os mais primitivos, como os gafanhotos (ordem Orthoptera),

Percevejo da soja (Euschistus heros): praga comum em área tropicais

possuem formas jovens e adultas muito semelhantes, que competem pelo alimento. Apresentam um sistema digestivo mais simples, concentrando todas as enzimas digestivas no mesmo compartimento. Nos insetos mais evoluídos, a exemplo das borboletas e mariposas (Lepidoptera) e moscas (Diptera), a forma jovem, ou seja, a larva, é muito diferente da forma adulta alada. Em cada fase, vivem em ambientes distintos e não competem pelo alimento. Sua digestão é bem compartimentada, e somente as enzimas responsáveis pelo ataque inicial ao alimento, como a amilase e as tripsinas, penetram no interior da membrana peritrófica. Outras enzimas, que continuam o processamento do alimento agindo sobre moléculas de tamanho menor, atuam no fluido compreendido entre a membrana peritrófica e as células intestinais. Há ainda um terceiro grup~ o das enzimas encontradas na superfície das células, que finalizam a digestão produzindo compostos que podem ser prontamente absorvidos. A comparação da dinâmica digestiva dos dois grupos, os mais e os

Dysdercus peruvianus: besouro sugador de sementes de algodão

Gafanhoto: ataca folhagens no mundo inteiro

menos evoluídos, tem levado a descobertas importantes. Foi assim que Terra notou que as regiões responsáveis pela secreção e absorção de água se alteram, de modo que, nos mais evoluídos, sempre exista um fluxo de fluidos contrário ao fluxo do alimento. "Essa circulação permite uma economia de enzimas, que são recicladas em vez de serem excretadas com as fezes': comenta. Segundo ele, a ação das enzimas limitada a compartimentos específicos e o contrafluxo de fluidos ampliam a eficiência digestiva e o aproveitamento dos alimentos. studos semelhantes, que buscam alternativas ao uso de inseticidas, atestam a validade do trabalho da equipe da USP. É o caso do controle biológico, que introduz predadores naturais nas plantações atacadas por pragas. No Estado de São Paulo, o uso da mosca Cotesia flavipes no combate à broca-da-cana fez com que as perdas da produção passassem de 11% em 1980 para 2,5% em 1990. Houve, nesse tempo, uma economia de US$ 37,5 milhões na produção de açúcar e álcool, segundo a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar). Mas esse método, assim como os inseticidas, tem suas limitações: as mosquinhas só funcionam quando a lagarta está exposta. Já as plantas transgênicas prometem atacar o inseto dentro da cana e reduzir ainda mais o índice de perdas, estacionado há uma década. Para

E

Rhodnius prolixus: transmissor da doença de Chagas

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· Terra, os transgênicos não são apenas mais eficientes do ponto de vista econômico. Oferecem também menos riscos de desequilíbrio ecológico do que os inseticidas. As experiências recentes com a soja, porém, não deixaram uma imagem muito positiva dos transgênicos. Ainda há resistência, mas o professor da USP garante que, a rigor, essas novas plantas não diferem muito dos enxertos, comuns na agricultura, como o milho híbrido, hoje largamente utilizado e bastante diferente das espécies que lhe deram ongem. A cana transgênica que cresce na Esalq, mesmo tudo correndo como se espera, ainda terá de passar por outras provas até chegar ao plantio comercial. Um deles é o teste em larga escala, que depende de uma autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o órgão governamental que controla o plantio de transgênicos no País. Ou-

tro desafio será a substituição dos promotores, regiões do DNA que ativaro os genes responsáveis pela expressão dos inibidores. Os testes iniciais valeram-se de promotores que ativam a produção de inibidores em todas as partes da planta e em todos os estágios de desenvolvimento. <::>s

O maior grupo de espécies animais Descritos desde a Antiguidade, quanto o termo entomologia foi empregado pela primeira vez por Aristóteles, os insetos representam uma classe, a Insecta, que abriga cerca de 70% de todas as espécies animais, com aproximadamente 1,2 milhão de espécies. Uma forma de lidar com essa diversidade foi selecionar as espécies de acordo com sua posição na árvore evolutiva, já que as diferenças estão relacionadas, justamente, com o estágio evolutivo. Terra trabalha com 18 espécies, que estão localizadas em pontos estraté-

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gicos da árvore evolutiva e representam as principais ordens da classe Insecta. Na escolha pesou também o papel ecológico de cada espécie, de tal forma que, desse total, dois terços são pragas agrícolas - os maiores competidores do homem por alimento. Representam algo em torno de 10% do total de espécies de insetos e chegam a devorar mais da metade de uma plantação. Nessa composição entra também uma espécie de interesse para pesquisas médicas, por transmitir o protozoário causador da doença de

pesquisadores querem ser mats específicos. "A planta, para se comportar como na natureza, deve produzir os inibidores apenas quando sofrer alguma lesão", comenta Silva-Filho. Uma das razões pelas quais ele participa do projeto Genoma Cana, financiado pela FAPESP, é exatamente essa: encontrar um promotor mais adequado a suas necessidades, para evitar que uma secreção exagerada

Chagas, enquanto as demais foram incluídas para completar o quadro evolutivo. De modo mais amplo, as espécies selecionadas enquadramse basicamente em duas categorias, as menos e as mais evoluídas. Entre os insetos estudados com características mais primitivas, com metamorfose incompleta, destaca-se o gafanhoto Abracris flavolineata da ordem Orthoptera, que inclui também os grilos e compreende 2% do total de espécies de insetos. Também se enquadram nessa categoria os percevejos Rhodnius prolixus, um tipo de barbeiro que é vetor da doença de Chagas, e o Dysdercus


do gene interfira em outros processos da planta e no ambiente. Não se trata apenas de um aperfeiçoamento do processo de produção da cana. É uma prioridade. Pretende-se poupar o Brasil dos problemas ocorridos com um milho transgênico plantado em larga escala nos Estados Unidos, que provocou a morte de borboletas monarcas que se alimentaram do pólen do milho. "Estamos levando em conta que o ambiente é um sistema complexo e que, quanto menos interferência provocarmos, melhor", diz Silva-Filho.

mais detalhado. "O resultado depende das escolhas': ressalta Terra. Em outras palavras, o que está por vir depende tanto do bom senso quanto do conhecimento sobre o que e como modificar nos seres vivos. Os estudos em andamento sobre as estruturas das enzimas digestivas e de seus mecanismos de expressão acenam, enfim, com um quadro mais animador, no qual apenas os insetos serão os atingidos na luta por uma produção maior de alimentos. • PERFIS:

a visão dos pesquisadores, as novas plantas não provocarão efeitos nocivo~ sobre outros seres vivos se forem modificadas para afetar mecanismos muito específicos dos insetos, a cada dia compreendidos de modo

N

• WALTER RlBEIRO TERRA, 55 anos, formou-se em Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo em 1968. Concluiu seu doutorado em Bioquímica em 1972 e livre-docência em 1977, na mesma universidade. É professor titular do Departa-

mento de Bioquímica do Instituto de Química da USP desde 1990. • CLÉLIA FERREIRA, 45 anos, concluiu em 1976 a graduação em Ciências Biológicas na USP, na qual também fez o doutorado em Bioquímica, concluído em 1982, e a livre-docência, em 1994. Ingressou no departamento de bioquímica do Instituto de Química da USP em 1985, onde é professora associada desde 1994. Projeto: A Digestão dos Insetos:

Uma Abordagem Molecular, Celular, Fisiológica e Evolutiva Investimento: R$ 121,6 mil mais US$ 382 mil • MÁRCIO DE CASTRO SILVA FILHO, 39 anos, é engenheiro agrônomo, formado pela Universidade Federal de Lavras, MG, onde também concluiu mestrado em Genética e Melhoramentos de Plantas em 1989. Estudou na Bélgica, de onde retornou em 1994 com o título de doutorado em Biologia Molecular de Plantas na University of Louvain. É professor de genética da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq) da USP desde 1994. Projeto: Caracterização Bioquímica,

Entomológica e Molecular da Interação entre Inibidores de Proteinases Digestivas e Insetos da Ordem Lepidoptera Investimento: R$ 156.838,45 mais US$ 121.201,90

peruvianus, sugador de sementes de algodão, da ordem Hemiptera, com 7% dos insetos, à qual pertencem também as cigarras. Menos primitivos são o besouro Tenebrio molitor, praga de farinhas muito usada como isca por pescadores, e o vagalume Pyrearinus termitilluminans, que se alimenta de outros insetos, ambos da vasta ordem Coleoptera, que abriga 30% dos insetos.

Outros insetos selecionados para estudo são considerados mais evoluídos, como as mariposas Spodoptera frugiperda, cuja lagarta é praga de soja e milho, e Erinnyis ello, cuja lagarta ataca a mandioca. Outro ser indesejado pelos agricultores, que faz parte desse grupo e começa a ser combatido com a cana transgênica, é a brocada-cana-de-açúcar, Diatraea saccharalis. Todos esses insetos pertencem

à ordem Lepidoptera, que inclui as mariposas e as borboletas e representa 13% dos insetos. Também bastante evoluídas são a mosca comum, Musca domestica, e uma mosca próxima do mosquito, Rhynchosciara americana, ambas da ordem Diptera, na qual se encontram 12% dos representantes dessa classe. Outro inseto estudado é uma abelha sem ferrão, Scaptotrigona bipunctata, da ordem Hymenoptera, que abriga as vespas, abelhas e formigas e 25% dos insetos. Essa abelha foi escolhida por sua posição intermediária na árvore evolutiva, entre as moscas e borboletas e os demais insetos.

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE lODO • 27







CIÊNCIA

SAÚDE PÚBLICA

Perigo à beira d'água Cresce o risco de malária na barragem de Porto Primavera

tamento Lagoa São Paulo", comenta Gomes. Segundo ele, outros estudos já haviam indicado que a construção de barragens acentua a disseminação da malária por criar condições favoráveis ao desenvolvimento do mosquito transmissor, como o acúmulo de água associado à vegetação. Gomes desembarcou na reg1ao da futura barragem em 1997, um

onstruída desde 1979 e concluída no ano passado, a Barragem Porto Primavera- ou Usina Hidrelétrica Engenheiro o Sérgio Motta -, no rio g z Paraná, não trouxe 2 apenas mais energia elétrica à região. Provocou também o crescimento da população do Anopheles darlingi, um dos ~ mosquitos transmisso- "l < res da malária, que ~ •j2 atinge cerca de SOO mil ~ brasileiros por ano. -~ ~ Um estudo conduzido " pelo epidemiologista Al- ~ mério de Castro Gomes, ~ da Faculdade de Saúde ~ Pública da Universida- ~ de de São Paulo (USP), ~ ~ indica que a população ~ desses insetos pratica- ~ w mente duplicou: em ~ apenas um ponto de ~----0--A-no_p_h_e-le_s_d_ar-U-ng-i--~

C

coleta no município (no alto) e Gomes: ameaça paulista de Presidente crescente para as cidades Epitácio, a população próximas à hidrelétrica passou de 137 indivíduos, antes da inundação, para 260, depois que o reservatório começou a encher, em 1998. O Anopheles darano e meio antes da primeira inunlingi, que antes ocupava o 48° lugar dação. Até o final de 1998 em Presientre 58 espécies de mosquitos, pudente Epitácio e em Bataguassu, do lou para o terceiro lugar entre as 26 outro lado do rio Paraná, analisou a variedades remanescentes. fase de pré-enchimento antes de ha"A hipótese mais provável para a ver qualquer influência da barraelevação do número de mosquitos gem. Em dezembro de 1998, partiu dessa espécie é que os criadouros, para a etapa seguinte, destinada a antes dispersos pela região, tenham observar o impacto inicial da forse concentrado ao redor da barramação do lago que começava a se gem, nas áreas próximas ao Reassenformar, com o fechamento das com-

portas (hoje, o lago de Porto Primavera tem 2.250 quilômetros quadrados e é maior que o de Itaipu. Agora, na terceira etapa do projeto, que deve terminar em 2002, a preocupação é saber se o mosquito vai se instalar de fato e que papel pode ter no aumento do número de casos de malária numa área considerada de risco, tanto pela concentração de pessoas quanto pela localização, vizinha a regiões endêmicas. No momento, a doutoranda Ana Maria Duarte, de sua equipe, procura avaliar se há, na região, portadores do protozoário Plasmodium vivax, o causador da malária. Havendo o agente e o vetor, estariam completos os requisitos para se iniciar um processo de transmissão, ainda mais crítico porque a população de Anopheles darlingi se encontra em crescimento. Exames parasitológicos demonstraram que não há pessoas contaminadas. Com testes imunológicos, em andamento, pretende-se conferir os resultados de modo ainda mais rigoroso. • PERFIL: • ALM ÉRIO DE C ASTRO GOMES, piauiense de 58 anos, fez a graduação em Farmácia e Bioquímica na Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ) e o mestrado e o doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona desde 1976. Projeto: Avaliação do Impacto da Barragem de Porto Primavera so bre Populações Vetaras de Malária e das Perspectivas Subseqüentes de Controle Investimento: R$ 71.369,97

PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 33


CIÊNCIA

Como o sistema nervoso regula as atividades do dia-a-dia O mecanismo do sono nos seres humanos está relacionado com um ciclo de cerca de 25 horas, o ntmo c1rcad1ano. O controle desse mecanismo é realizado, entre outras estruturas do sistema nervoso, pelos núcleos supraquiasmáticos, grupos de células situadas no hipotálamo anterior, na base do cérebro.

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Quando uma luz forte é captada pela retina do olho, como acontece quando a pessoa acorda pela manhã, os núcleos são avisados , por meio do nervo ótico. A glândula pineal passa então a secretar menos melatonina, um hormônio cuja concentração no sangue sinaliza a ocorrência da noite e do dia.

Núcleo

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Nervo ótico

FISIOLOGIA

Idosos com sono nota dez Saudável é dormir bem à noite, sem muitos cochilos durante o dia entamente, diante da televisão ligada, a cabeça da senhora idosa começa a balançar. Mais uma vez, ela cochilou durante a novela. Durante anos, a Medicina teve urna explicação para essa cena comum: os idosos tenderiam a fragmentar mais o sono, em conseqüência do processo de degeneração das estruturas do cérebro responsáveis pela organização temporal. Não estaria funcionando a sincronização da pessoa com o dia e com a noite. Esse conceito, porém, está mudando. Uma das razões dessa mudança pode ser uma pesquisa realizada em Campinas pelo Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da Universidade de São Paulo (USP).

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34 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

''A fragmentação do sono não é uma fatalidade", afirma, categoricamente, o professor Luiz MennaBarreto do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, coordenador da pesquisa e do GMDRB. Ou seja: se forem saudáveis do ponto de vista físico e psicológico, se mantiverem ativos e conservarem um bom relacionamento social, os idosos têm tudo para manter, mesmo em idade avançada, o mesmo padrão de sono que tiveram durante a vida adulta. Os resultados da pesquisa da USP são apoiados por outros estudos recentes, realizados nos Estados Unidos. Neles, pesquisadores relacionam a fragmentação do sono nos idosos a efeitos secundários de doenças características da terceira idade, ao abandono social e à falta de motivação em geral, associada a estados depressivos. Não, exclusivamente, a um problema de degeneração dos sistemas de temporização, os chamados relógios biológicos, mecanismos

no cérebro que comandam os ritmos do corpo (ver ilustração). A pesquisa da USP foi realizada pelo GMDRB com 23 membros do grupo da terceira idade do Sesc de Campinas. Chamada Padrões de Ati-

vidade e Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas, contou com um financiamento de R$ 43,4 mil da FAPESP. Além da USP, há outros grupos na Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte em Natal, na Universidade Federal de Pelotas no Rio Grande do Sul e na Unesp, em Assis. A cronobiologia surgiu na segunda metade do século 20 com o objetivo de explicar a organização temporal dos seres vivos. Não é algo simples. Assim como os seres vivos passaram por um processo de adaptação ao espaço físico, durante sua evolução, também tiveram de se adaptar aos ciclos da natureza, como as estações do ano e os ciclos lunares.


que sua exposição ao Essa adaptação é um dos O calor do corpo meio ambiente foi antecampos de estudo da cipada. "Esses fatos nos cronobiologia, que pesComo a temperatura varia ao longo do dia levam a afirmar que a quisa ainda os ritmos inPORTA SECUNDÁRIA DO SONO PORTA constância ambiental ternos do organismo, 38 Por volta do meio-dia ocorre uma PRINCIPAL queda na temperatura, em função mantida nas maternidacomo o batimento carDO SONO do aumento do sonolência. des e hospitais, do pondíaco, o ritmo da respiVIGÍLIA 37 to de vista da cronobioração e a variação de o logia, talvez deva ser temperatura corporal ; 36 horas, a temperatura questionada", diz ele. (ver gráfico). está caindo e a pessoa E 35 está pronta para dormir. t "Provavelmente, no fuNão é por acaso que a. EFEITO E A temperatura turo, esses ambientes seo sono das pessoas idoFEIJOADA atinge o ponto 134 mais baixa por É o ampliação do sas merece tanto interesrão planejados de forma volto dos 5 do tendência de cochilar manhã. em decorrência da ingestão a respeitar as variações nase. Um dos ritmos biolóde uma refeição pesado. 33 r I r I 1 1 r r 1 r turais do meio externo." gicos mais estudados é o O I 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 IS 16 17 18 19 20 21 22 23 24 Tempo (em horas) ciclo vigília-sono, cujo Obs.: Os valores do gró(lco referem-se à variação do temperatura Adolescência - Na adoperíodo oscila em torno central de um homem adulto jovem e de hábitos diurnos. Não se aplicam o indivíduos que trabalham à noite ou em horários irregulares. de 24 horas. A determilescência, ocorre outra Fonte: Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos - lCB/USP mudança importante, nação desse ciclo é endógena, ou seja, os sistemas cuja descoberta chamou a atenção dos educadores. Um estuorgânicos de temporização, ou relóram muitas dúvidas em relação ao sodo da pesquisadora Mirian Andrade, gios biológicos, geram um período no. Já se sabe que os recém-nascidos sob orientação de Menna-Barreto, um pouco maior do que 24 horas, levam algum tempo para ajustar seus mostrou que as mudanças hormoque é ajustado a cada dia, por estírelógios biológicos ao ambiente. Seu sonais da puberdade são acompanhamulos ambientais como o dia e a no é bastante fragmentado- dormem noite e horários de atividade e lazer. das de um atraso nos ritmos biológia intervalos de três a quatro horas -, cos. Em conseqüência, o adolescente Uma pessoa em uma caverna, isolada embora existam grandes variações. desses estímulos temporais do ambiensente sono mais tarde e passe a acorA organização do sono noturno pode te, continua a apresentar aproximadar também mais tarde. ocorrer tanto na primeira semana damente o mesmo padrão de alterEssa constatação motivou outra quanto aos quatro meses de vida. nância entre vigília e sono. pesquisa, realizada com os alunos da Outra pesquisa recente de Menquinta série da Escola de Aplicação Os relógios biológicos, sensíveis na-Barreto, com bebês do Hospital aos fatores ambientais cíclicos, tamda USP, com o objetivo de verificar a Universitário da USP, mostrou que bém se ajustam às condições que enadequação dos estudantes ao horário os prematuros saudáveis tendem a contram. No caso do ciclo vigília-soescolar. Ali, os alunos da primeira à organizar o sono mais cedo do que bs no, colocam o período de atividade e quarta séries freqüentam as aulas no nascidos no fim de um período nordescanso em sincronia com o período da tarde. Quando chegavam mal de gestação, provavelmente porclaro e o escuro do dia. Quanà quinta série- justamente no período essa sincronicidade natudo crítico das mudanças hormonais que ral é perturbada, o organismo atrasam o relógio biológico dos adosofre, em situações nem semlescentes -, eram automaticamente pre relacionadas com degenetransferidos para o período da manhã. rações do organismo. É o caso Os pesquisadores demonstraram de pessoas que trabalham à que os estudantes, quase todo dia, noite. Quase sempre, dormem dormiam menos do que gostade dia durante a semana e à riam. A sonolência diurna noite nos períodos de folga, que sentiam poderia explicar, pelo menos parcialmenno fim de semana. Segundo Menna-Barreto, esse ritmo rete, a perda de atenção e de inpresenta uma desordem tempoteresse pelas aulas. Como ral muito grande, do ponto de resultado da pesquisa, a Esvista dos relógios biológicos. cola de Aplicação cancelou, em 1999, a mudança de horário dos alunos que chegaRecém-nascidos - As investiga- Waldemar Simionato, Odilon Ferreira e Lázara Lang: ções da cronobiologia esclarece- no grupo de estudo, com o actígrafo (nos pulsos) vam à quinta série. I

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No adulto, os padrões de sono vavelhecimento, então, quanto mais riam muito de um indivíduo para idoso, maior deveria ser a fragmentaoutro, mas, uma vez estabelecidos, se ção. "Mas pudemos constatar que isso não ocorre e que, portanto, a mantêm estáveis ao longo de toda a vida. Ou seja, uma pessoa que precifragmentação não parece ser uma fatalidade", afirma Menna- Barreto. sa de nove horas de sono por noite Outro fato importante foi observado deverá apresentar esse mesmo padrão por toda a vida. A pesquisa mostra na comparação entre os extremos. "Tanto os idosos que fragmentavam que o padrão continua mesmo deo sono quanto os que não fragmenpois de certa idade e joga por terra a antiga idéia de que, com o avanço da idade, os relógios biológicos se deteriorariam, fazendo com que o sono voltasse a ser fragmentado, como ocorre com os bebês. A pesquisa trouxe elementos importantes para o estudo da fisiologia do idoso. Sabiase que o número de queixas em relação ao sono crescia muito a partir dos 45 ou 50 anos, mas faltavam dados sobre o sono do idoso sadio. "Nossa dúvida era se esse padrão mais fragmentado era uma característica intrínseca ao avanço da idade ou se estaria associado a algum estado de sofrimento", explica Menna-Barreto. Na primeira fase da pesquisa, a equipe da USP selecionou 23 idosos sadios do Grupo da Terceira Idade do Menna-Barreto: Sesc de Campinas. Na segun- pequena fragmentação de sono é normal da fase, os idosos passaram 23 tavam tinham uma vida bastante sadias usando um aparelho de pulso tisfatória, o que prova que o hábito sensível aos movimentos, o actígrafo, da sesta não é sinal de desorganizaque produz um gráfico das ocorrênção temporal': concluiu. cias de sono, dia após dia. Também registraram suas atividades num diário. Sofrimento - O fato de que todos os Os dados dos dois métodos indiidosos estudados eram muito sadios caram os padrões de sono mais extremos. Assim, na terceira etapa, entre e nenhum fragmentava o sono de forma excessiva sugere que a fragos 23, foram selecionados seis idosos, mentação pode indicar um envelhequatro homens e duas mulheres, que cimento não-saudável. "Quando um apresentaram as médias mais elevada idoso começa a fragmentar demais o (um cochilo por dia) e mais baixa sono, ele deve, antes de mais nada, (nenhum cochilo) de fragmentação. avaliar se isso não é conseqüência de Depois disso, o grupo passou mais algum estado de sofrimento", reconove dias fazendo registras de sono e menda Menna-Barreto. Qualquer de temperatura corporal. dor pode prejudicar a qualidade do Uma das hipóteses a ser verificada sono porque impede que se atinjam era que, se a fragmentação do sono os estágios mais profundos do sono. era uma decorrência normal do en36 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Isso é freqüente entre os idosos que sofrem de doenças cardíacas ou reumatismo, por exemplo. "Mas tanto quanto a dor física, a dor da alma também tem efeitos negativos sobre o sono", afirma. A falta de motivação que acompanha os quadros depressivos pode comprometer a sincronicidade dos relógios biológicos com os ciclos ambientais. Uma pequena fragmentação é perfeitamente normal. "Alguns indivíduos dormem regularmente a sesta depois do almoço, outros não", diz o pesquisador. "Dependendo da situação de vida, alguns podem simplesmente não expressar essa necessidade, passando a fazê-lo mais tarde, quando os compromissos deixam de ser obstáculos." As pesquisas estão mostrando, de forma cada vez mais intensa, as conseqüências negativas do desrespeito aos ritmos biológicos. Esses elementos, diz o pesquisador, sugerem a necessidade de uma melhor reflexão sobre as relações entre o indivíduo e a sociedade. "Valores como competitividade, qualidade e produtividade são verdadeiras armadilhas temporais, que geram muita angústia", afirma. "É preciso refletir sobre essas armadilhas que • criamos para nós mesmos." PERFIL:

• LuiZMENNA-BARRETO tem 53 anos e atua no Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Formou-se em 1972 em Ciências Biológicas, modalidade Médica, pela USP de Ribeirão Preto, onde concluiu o mestrado em 1976. Terminou o doutorado na USP de São Paulo, em 1981. Completou o pós-doutorado em Cronobiologia na Universidade do Franche-Comté, em Besançon, na França. Projeto: Padrões de Atividade e de Fragmentação do Sono em Pessoas Idosas Investimento: R$ 43.450,00


CIÊNCIA

deos sulfatados encontrados em invertebrados marinhos. Essas substâncias apresentam potentes ações anticoagulante e antitrombótica. •

Controle genético do presento

Cápsula de tabaco com sementes: dentro de dois anos, insulina

Tabaco produz pró-insulina

Farmácia marinha na UFRJ

Uma equipe do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp conseguiu produzir pró-insulina em sementes de tabaco (Nicotina tabacum). É uma vitória parcial. A pró-insulina é uma forma preliminar - um rascunho- da insulina, hormônio produzido pelo pâncreas. Chega à forma final por meio da eliminação de um trecho central de sua estrutura, como resultado da ação de uma enzima, a pró-insulina-convertase. Com apoio da FAPESP, o bioquímico Adilson Leite pretende agora fazer com que a própria planta produza essa enzima e retire o pedaço indesejado da pró-insulina, fornecendo assim a própria insulina, em mais um ou dois anos. Em busca de alternativas mais práticas e econômicas para a produção de proteínas de interesse humano, já se conseguiu que plantas transgênicas produzissem enzimas, hormônios e anticorpos e antígenos que podem ser utilizados como vacinas. •

Os pepinos-do-mar e os tunicatos - espécies de búzios pontudos encontrados nas praias - contêm substâncias com princípios ativos contra a trombose e coagulação. A constatação é de um estudo do Laboratório de Tecido Conjuntivo do Hospital da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os ensaios que indicam essa atividade terapêutica foram realizados em ratos e coelhos. Uma das linhas da pesquisa, coordenada pelo cientista Paulo Mourão, envolve o estudo dos chamados polissacarí-

Pesquisadores franceses identificaram um gene, chamado RN, cuja mutação altera o metabolismo energético do músculo do porco e, !;; de modo mais ~ 125 prático, prejudica a qualidade 155 do presunto. Essa 185 mutação causa 215 um excesso de 215 glicogênio, uma forma pela qual 275 a glicose é arl OS mazenada, prinll5 cipalmente no figado e nos músl65 culos, e acentua a acidez e a capacidade de retenção de água na carne. O mesmo consórcio de instituições que chegou a essa descoberta - três unidades do Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA), da França, e as universidades de Ciências Agrícolas da Suécia

Porcos: mutação no gene RN altera o metabolismo muscular

e a Christian Albrechts, da Alemanha - desenvolve agora um teste genético simples e eficaz para determinar portadores dessa mutação, mais comum em animais obtidos a partir da raça Hampshire. •

Programa alemão de previsão de tempo Começou a funcionar, em caráter experimental, o Modelo

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Brasileiro de Alta Resolução (MBAR), desenvolvido pelo Sistema Meteorológico Alemão (DWD) e implantado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), com adaptações à geografia brasileira. É uma alternativa para saber, pela internet (no endereço www.inmet.gov.br), se vai chover ou qual a situação das nuvens, da pressão, dos ventos e da temperatura com algumas horas ou até dois dias de antecedência, com informações da região de interesse a cada 25 quilômetros. Até o final do ano, o Inmet deverá receber dois supercomputadores, o Origim 2000 e o Cray SVl, que devem otimizar a utilização do novo programa de previsão de tempo. • PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000

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TECNOLOGIA

Furgão do Prumo leva equipamentos para dar suporte técnico às micro e pequenas empresas do setor de plásticos

PLÁSTICOS

Laboratório dentro da fábrica Prumo atende a 150 empresas e mostra bons resultados após um ano o atingir a marca de 150 micro A e pequenas empresas atendidas, o Projeto de Unidades Móveis (Prumo) contabiliza, depois de um ano e quatro meses, os bons resultados da transferência de conhecimento tecnológico para o setor de processamento de plásticos. Peças sem defeito, ajustes de matéria-prima e a eliminação de erros operacionais são alguns dos benefícios auferidos por dezenas de empresários que estão agora mais aptos a enfrentar o mercado nacional e a conquistar espaço na pauta de exportações. 38 • JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), qne opera o programa, entre empresários atendidos pelo Prumo, mostra alguns dos principais resultados conquistados como aumento da lucratividade, diminuição da devolução de pedidos, conquista de clientes mais exigentes e possibilidade de substituição das importações. O mesmo levantamento revela, ainda, aumento de 25% no processamento de matérias-primas, de 29% no faturamento e de 18% no número de empregos. Lançado em março do ano passado, o projeto inova ao levar às empresas um laboratório móvel, dentro de um furgão, com instrumentos para teste e processamento de vários experimentos úteis para as indústrias do setor de transformação de plástico do Estado de São Paulo. As unida-

des móveis são operadas por um engenheiro e um técnico em plástico. O Prumo é resultado de um acordo de parceria assinado entre IPT, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Instituto Nacional do Plástico (INP), com o apoio da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica Universidade-Empresa (PITE). A Fundação financiou a compra de dois furgões e dos equipamentos para os laboratórios. O Sebrae subsidia 70% do atendimento, que custa R$ 2.900,00, restando 30% ao empresário, ou R$ 900,00. Pensando em facilitar a vida dos empresários que não podem pagar de uma vez pelos serviços do Prumo, o Sebrae decidiu parcelar o pagamento. Desde o início deste ano já é possível receber a visita do Prumo e pagar os 30% em quatro


parcelas. A divulgação do projeto entre as indústrias ficou com o INP. Custo menor - As unidades móveis

estão preparadas para realizar 19 ensaios, com equipamentos de última geração. São testes de extrusão, absorção de água e vários de resistência, à flexão, ao rasgamento, à tração e à compressão. Alguns deles, até o início das operações do Prumo, eram acessíveis somente para empresas de grande porte, em razão do alto custo. O projeto, além de promover ajustes necessários nas empresas, está funcionando também como porta de entrada para as diversas áreas de atendimento mantidas pelo IPT. O instituto tem a fama, entre os pequenos e microempresários, de ser uma instituição voltada somente às grandes empresas, cobrando preços elevados pelos serviços. "Com o Prumo, o IPT assumiu uma nova postura e saiu para ajudar o empresário no seu ambiente de trabalho", afirma Vicente Mazzarella, 67 anos, diretor técnico do IPT e idealizador do projeto. Para ele, as atividades realizadas pelo Prumo conseguiram mostrar aos participantes as vantagens da atualização tecnológica. Mazzarella planeja a ampliação do projeto para outras áreas da indústria. Se tudo der certo, ele gostaria de ver atendidos setores como mobiliário, couro e calçados, tratamento de superfície, cerâmica e de transformação de borracha. ''A expansão dos serviços do Prumo ajudará no processo de aprimoramento tecnológico desses setores", afirma. Uma das dificuldades do Prumo atualmente é convencer seu públicoalvo da importância de receber esse tipo de serviço. "Temos de mudar alguns conceitos arraigados na mentalidade do nosso empresário e isso não é fácil", afirma Paulo Dacolina, diretor-superintendente do INP. Para ele, o processo é lento, mas mostra bons resultados.

Ajustes

para ampliação

- Para

aumentar o número de empresas atendidas, o INP fechou, no início deste ano, acordo com 12 distribuidores da indústria de resinas petroquímicas no Estado de São Paulo. O objetivo é conseguir custeadores para

no ambiente de trabalho

testar os processos industriais e métodos utilizados. Foi quando descobriu que o IPT tinha um serviço móvel que ia até as empresas. Stegmann decidiu inscrever-se para receber a visita do Prumo. "Até então eu pensava que os serviços do IPT eram voltados somente para grandes projetos e proibitivas para o tamanho da Aquaterra': conta. Em três dias de trabalho, os técnicos do IPT traçaram parâmetros e fizeram algumas correções de

Dentro do furgão, são realizados testes de resistência, compressão e tração

os 30% do custo do atendimento, que hoje cabe à empresa. "Cada distribuidor fica com uma cota de 20 empresas e paga a parte que caberia a elas", afirma. Segundo Dacolina, o INP investiu neste primeiro ano cerca de R$ 40 mil para divulgar o projeto. Quem já recebeu o atendimento do Prumo não se arrepende. O empresário Jorg Stegmann, 43 anos, proprietário da Aquaterra, em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, é um deles. Stegmann procurava uma maneira de verificar se o produto que fabrica tinha um nível de qualidade igual para atender os clientes mais exigentes. A empresa fabrica barcos, peças de playgrounds e canoas. Os materiais utilizados na produção são o plástico reforçado e a fibra de vidro. Para atingir seu objetivo era necessária uma série de ensaios para

rota na Aquaterra. "Agora sinto-me seguro com relação ao grau de qualidade dos meus produtos, conferido pelo IPT", comemora Stegmann, que nas horas de folga pratica iatismo. Ele conta que fornecedores e clientes da sua empresa ficaram surpresos com a presença do IPT na Aquaterra. ''As pessoas ficam bem impressionadas quando se fala em busca de melhorias tecnológicas", diz. Segundo ele, a presença do laboratório móvel no chão de fábrica facilitou a equação de diversas questões que surgem na rotina diária. "O acompanhamento dos processos de colagem, pintura, resistência e métodos foi crucial para os bons resultados obtidos", avalia. A Aquaterra tem 30 funcionários e faturou no ano passado R$ 1,5 milhão. Para este ano, a expectativa é de crescimento PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 1000 • 39


de 25%, atingindo cerca de R$ 2 milhões. Agora, Stegmann vislumbra vôos mais altos: o mercado externo. Com a segurança de estar com tudo ajustado, a empresa passa por um estudo de viabilidade técnica, referente à primeira fase do Programa de Apoio Tecnológico à Empresa Exportadora (Progex), desenvolvido pelo IPT. "A partir do trabalho do Prumo, estou descobrindo um novo universo de negócios", conta Stegmann. Segundo a diretora adjunta de projetos especiais do IPT, Mari Katayama, o Prumo resolve com sucesso alguns dos principais pro- Nanci, da Bom Pastor: menos 18% de matéria-prima e aumento de 20% na produtividade blemas técnicos enfrentados pelos considera segredos industriais. Na rePlástico em São Paulo (Brasilplast), o empresários, que dificultam a exporalidade são preconceitos sem paraleempresário ficou sabendo da existêntação. "Apesar de não ter como meta lo com as funções do Prumo. cia do Prumo e logo fez a inscrição. principal a exportação, o Prumo meAntes de ter acesso ao Prumo, "Fomos a primeira empresa a ser lhora a qualidade e a produtividade, Uemura conta que se julgava um atendida pelo programa", gaba-se ele. ao mesmo tempo que contribui para Em três dias de ensaios e análises, os dos maiores especialistas em plástireduzir custos de produção, criando, co na face da Terra. "Eu acreditava técnicos conseguiram resolver os assim, um potencial exportador", diz. ter o domínio absoluto do assunto e "misteriosos" problemas que afliMari relata que o Prumo desperta a realidade mostrou-se bastante diinteresse de outros estados e poderá giam o empresário. Foram feitas muferente", confessa. Hoje, Uemura danças na temperatura e na velociter sua metodologia disponibilizada dade de injeção do plástico, entre não dá um passo na área tecnológiem outros pontos do País. ca sem fazer consultas aos especiaoutros detalhes. Os equipamentos Certamente, existem muitas emforam ajustados e os primeiros kits presas em situações críticas que, com listas do IPT. sem defeitos começaram a sair da lio apoio do Prumo, desenvolvem meProdutos de qualidade - A Mebuki lhor seus negócios. Foi o caso da Menha de produção a tempo de serem tem, atualmente, 65 funcionários. buki, Guarulhos. No ano passado, falexpostos na Feicon. "Fizeram grande Com o sucesso do kit para banheiro e tando 15 dias para o início da Feira sucesso': lembra Uemura. um novo lançamento ainda neste Hoje, os kits são comercializados Internacional da Indústria da Consano, a empresa espera aumentar o fatrução (Feicon), o empresário Jairo em todo o Brasil e exportados para turamento em 40%. "Estamos crianUemura sentiu que o investimento EUA, Argentina, Uruguai e Caribe. do produtos de qualidade voltados de R$ 150 mil, feito para o lançamenEm um ano, eles passaram a reprepara as classes C e D, que são muito to de um kit para banheiro, estava sentar cerca de 30% do faturamento malservidas", diz Uemura. ameaçado. "Não tínhamos a menor da Mebuki, que no ano passado atinAlém de fazer correções nos progiu R$ 2,5 milhões. A Mebuki fabrica noção da origem do nosso problema': cessos industriais, a equipe do IPT afirma, hoje, o empresário aliviado. ainda assentos sanitários, bóias, destambém esclarece dúvidas dos traO kit para banheiro da Mebuki, feito cargas suspensas e sementeiras para o balhadores envolvidos no processo. com um tipo de plástico, o ABS, e acrísetor agrícola. O contato direto com os proprietálico, consumiu várias noites de todos "O pequeno e microempresário rios e seus funcionários faz parte da têm muito medo de abrir a sua emos envolvidos e, mesmo assim, a quarotina do engenheiro Walmir Hirolidade não agradou. "Tínhamos tenpresa para organizações que tenham, haru Wada, que acompanha uma tado de tudo e a única saída era abande alguma maneira, ligação com o das unidades móveis do Prumo. Ele governo", observa Uemura. O motivo donar o projeto", lembra Uemura. está no projeto desde o início e diz é a desconfiança em ver sua empresa que os problemas apresentados peKits sem defeitos - Na visita que fez esmiuçada em relação aos impostos, las empresas geralmente são de fácil à Feira Internacional do Setor de à tecnologia e aos produtos que ele Novo universo -

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Uemura, da Mebuki: mudar a temperatura e a injeção do plástico elimina defeitos

solução. Ele lembra, porém, que a resistência dos empresários às mudanças necessárias é muito grande. "No primeiro contato alguns ficam temerosos quanto à eficácia do trabalho, mas depois que enxergam os resultados passam a confiar no nosso trabalho e tornam-se até bons amigos", afirma Wada, que visitou cerca de 50 empresas espalhadas por todo o Estado. "Já fui visitar empresa instalada até numa granja desativada", diverte-se.

Principiante no ramo - Outro bom exemplo do atendimento prestado pelo Prumo é a Plásticos Bom Pastor, situada em Santo André, que tem como uma das sócias a empresária Nanci Rodrigues Correa. Ela preocupava-se com a variação de peso apresentada por um frasco plástico de cinco litros, produzido pela sua empresa, além da pouca experiência dos seus funcionários. Principiante no ramo de plásticos, Nanci e sua família, por meio do Sebrae, descobriram o Prumo. Fez inscrição e

em 48 horas a origem do problema do produto foi determinada. "Era a qualidade da matéria-prima", diz ela. Algumas das soluções apontadas para a Plásticos Bom Pastor foram adicionar 10% de uma resina para dar estabilidade à massa plástica e ajustar o método de injeção. "Conseguimos reduzir em 18% o uso de matéria-prima e aumentar a produtividade em 20%': conta Nanci, formada em Letras. Para ela, a ida do IPT à sua empresa foi um divisor de águas. Além de resolver os problemas técnicos, eles aplicaram um treinamento para todos os funcionários da empresa, que atualmente emprega dez pessoas e produz brinquedos, peças para a indústria automotiva e para outros setores. No ano passado, a empresa faturou R$ 350 mil e neste ano, a expectativa é de aumento de 30% . Para isso, fizeram também um investimento de R$ 100 mil na aquisição de mais três máquinas sopradoras, usadas. "Estamos seguros para dar passos mais firmes após a visita do Prum o", diz Nanci. Mazzarella conta que, neste primeiro ano, o projeto mostrou sua viabilidade técnica e excelentes frutos. "A nossa grande surpresa é que os resultados práticos ultrapassaram todas as expectativas iniciais." • PERFIL:

Stegmann, da Aquaterra: sucesso nos processos de colagem, resistência e métodos

• VICENTE MAZZARELLA é engenheiro metalurgista, formado pela Escola Politécnica da USP. É pós-graduado em Metalurgia Física pelo Instituto de Tecnologia de Carnegie, em Pittsburgh, nos Estados Unidos, e em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Projeto: Prumo -Projeto de Unidades Móveis de Atendimento Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas Investimento: R$ 94.847,00 e US$ 253.992,00, da FAPESP, e R$ 1.182.000,00, do Sebrae, por meio do Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Em presas (Patme), IPT e INP. PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 41


TECNOLOGIA

PISCICULTURA

Cor da água deixa peixe tranqüilo Em cativeiro, o matrinxã tem um índice de canibalismo de até 98%. Ao colorir a água de azul, a agressividade cai IS%

Projeto entre a Unesp e a Fish-Braz torna viável a criação do matrinxã anibalismo, estresse e baixareprodução em cativeiro. Esse C roteiro de horrores quase eliminou o matrinxã (Brycon cephalus) do círculo dos cinco peixes de água doce mais utilizados comercialmente no Brasil, principalmente em estabelecimentos conhecidos como pesque-pague. Uma grande ajuda para a solução desse problema veio com os resultados dos estudos do biólogo Gilson Luiz Volpato, professor do Instituto de Biociências de Botucatu e do Centro de Aqüicultura, da Universidade Estadual Paulista (Unesp ). Ele conseguiu uma solução simples e surpreendente para o problema, colocando papéis celofanes coloridos sobre as incubadoras 42 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

de 60 ou 200 litros usadas na criação das larvas de matrinxã, promovendo um ambiente colorido aos peixes. A coloração azul da água, por exemplo, acalmou os pequenos matrinxãs, fazendo diminuir em 15% o índice de canibalismo. A cor verde aumentou em 50% a reprodução dessa espécie em cativeiro. Das nove fêmeas utilizadas no estudo, oito se sentiram tranqüilas com o ambiente esverdeado e efetuaram a desova. Se não bastasse a melhor disposição feminina, os machos também apresentaram maior volume de sêmen. No grupo utilizado como controle, com luz ambiente normal, apenas quatro de nove fêmeas reproduziram. "Este dado é muito importante, pois todos os cuidados metodológicos foram tomados", afirma Volpato. O estudo foi realizado durante dois anos em parceria com a empresa Fish-Braz, de Botucatu, que vinha tendo problemas com a criação desse

peixe. O projeto intitulado Coloração Ambiental como Facilitador da Reprodução e Redutor de Canibalismo em Matrinxã fez parte do Programa de Inovação Tecnológica UniversidadeEmpresa (PITE), da FAPESP. Situação dramática - As soluções do

estudo diminuem um hábito arraigado dessa espécie de matrinxã, originária de vários rios da Bacia Amazônica. Esse peixe exibe índices de canibalismo impressionantes. Na incubadora, ele não precisa nem de inimigos. Algumas horas após a desova, as larvas já são altamente vorazes, podendo chegar a um índice de 92% a 99% de perdas por canibalismo. Simplesmente, uma larva devora a outra. Isso numa fase de vida em que não medem mais do que sete milímetros. Esse comportamento, pelo que se descobriu, não dura mais do que duas semanas, mas sua fase mais intensa está nos primeiros cinco dias.


Na década de 80, esse peixe esteve ameaçado de extinção na natureza. Além da natural voracidade infantil, outros fatores também contribuíram para esse problema. O matrinxã é uma espécie reofílica, ou seja, que migra na época da reprodução. Assim, a construção de represas impede ou atrapalha essa migração. Mas há outros fatores, como a destruição da mata ciliar, que induz ao assoreamento e reduz lagoas marginais onde as larvas se desenvolvem e algumas conseguem escapar vivas. A poluição crescente dos mananciais também mata diretamente os peixes, quando a qualidade da água é reduzida. A pesca predatória, que diminui os espécimes adultos, também pode ter

é estimulada pela injeção de extrato de hipófise de carpa, o que viabiliza a propagação artificial da espécie. Mesmo assim, os resultados demoram e dependem de conhecimentos mais aprofundados sobre vários aspectos do comportamento da espécie, como relata o pesquisador Paulo Sérgio Ceccarelli, autor da dissertação Canibalismo em Larvas de Matrinxã, concluída em 1997 no Instituto de Biociências da Unesp sob orientação do professor Volpato. Parte dos obstáculos à criação comercial rentável foi contornada com a adoção de criações consorciadas, nas quais as larvas de matrinxã conviviam e se alimentaRetorno comercial-

mente para o segmento popularmente chamado de pesque-pague, ao qual se destina mais de 80% da produção. Somente no Estado de São Paulo existem cerca de 1.500 pesque-pague. Na comparação com as demais espécies de água doce, os preços pagos por lotes de mil alevinos (forma jovem vendida com 2 a 4 centímetros) favorecem a criação comercial do matrinxã. Enquanto para essa espécie o milheiro custa de R$ 200,00 a R$ 450,00, dependendo da época e região, peixes como o pacu são vendidos de R$ 70,00 a 120,00. Além disso, a pesca do matrinxã é emocionante. "Parece que ele reage de um jeito que dá mais prazer aos pescadores': diz Volpato. Essa reação corporal é diferenciada desde as primeiras horas após a eclosão das larvas. Com pouco mais de 6,5 mm de comprimento, pesam ao redor de 2,30 miligramas, têm narinas e olhos bem desenvolvidos, abertura da boca em sentido vertical, correspondente a 15% da extensão total do corpo, e tubo digestivo completamente formado. Seu nado é em sentido horizontal, mas com surtos freqüentes de abertura exacerbada e fechamento da boca, dizem os pesquisadores. Como mostra a dissertação de Ceccarelli, tal grau de contorção do corpo e da articulação da mandíbula, mais a possibilidade de grande dilatação do ventre, possibilita a ingestão das presas com alguma facilidade.

Uma larva de matrinxã abocanha uma irmã, em foto de microscopia eletrônica

contribuído para esse processo, pois o matrinxã passa a apresentar bons índices de reprodução somente a partir do terceiro ano de vida. Pior, como é comum nas espécies reofílicas, somente com o processo de migração os matrinxãs conseguem atingir naturalmente o amadurecimento das gônadas e completar seu processo reprodutivo. Assim, pescados precocemente ou envenenados nas águas poluídas, a salvação da espécie, como de muitos peixes de água doce, acabou ficando nas mãos de pesquisadores e piscicultores. Eles passaram a reproduzir esse peixe de forma induzida, processo no qual a reprodução

vam de larvas de outras espécies, de custo mais baixo e perfeitamente administrável em termos de rentabilidade. No início da década de 90, a criação consorciada com larvas de pacu começou a se tornar uma prática comum nas pisciculturas. Contudo, as dificuldades permaneceram porque, ao lado da indução hormonal, estão o restrito período de desova da espécie na região Sudeste do Brasil e a alta taxa de canibalismo nos primeiros dias de vida. As possibilidades de retorno comercial, contudo, fazem com que os criadores sejam insistentes. "Tudo o que se produz é vendido': explica Volpato, principal-

Dinâmica do bote - A capacidade de predar é, nos matrinxãs, intra e interespecífica, isto é, come indivíduos de sua e de outras espécies. O comportamento predatório foi estudado com cuidado por Ceccarelli. Apresenta uma seqüência constante: fixação, perseguição, aproximação, bote, mordida, apreensão e ingestão. Para um matrinxã, tamanho não é documento. Devora um concorrente pouco menor ou do seu próprio porte. "Tal padrão comportamental pode estar associado também à dinâmica motora do bote, o que atribui ao peixe maior velocidade e, por conseqüência, maior poder de surpreender as presas", lembra Ceccarelli. PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 1000 • 43


O estabelecimento dos parâmetros corretos que diminuem o canabalismo e aumentam a reprodução do matrinxã teve início em estudos anteriores financiados pelo Conselho Nacional de Desenvilvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com outras espécies de peixes. A idéia de colorir a água também baseou-se em outros estudos não-científicos de cromoterapia. Volpato definiu as cores azul, verde, vermelho e branco (transparente) para os experimentos, por z serem as que poderiam ~ interferir com o ((bem- ~ estar" dessas larvas. No ~ projeto junto à FAPESP, a hipótese de Volpato era que uma pequena perturbação no "bemestar" dessas larvas faria com que reduzissem a agressão direcionada às irmãs e, com isso, reduziria o canibalismo nessa fase. E o pesquisador procurou reduzir o "bemestar" por meio de alterações na coloração do ambiente de criação dessas larvas, que são as incubadoras. Num primeiro teste, Volpato observou que a coloração azul fez com que a taxa de sobrevivência fosse de 15%, contra uma porcentagem de cerca de 7% nas outras condições. No início dos trabalhos do projeto de inovação tecnológica, o professor Volpato teve de deparar com outra característica desses peixes de água doce. "O matrinxã morre facilmente se manejado de forma inadequada, principalmente se a manipulação ocorre em temperatura fora da faixa de conforto térmico da espécie, por volta dos 26° C", informa. O problema enfrentado por Volpato foi que o lote de reprodutores comprados morreu entre o transporte e o manejo de separação em viveiros. "Restaram apenas duas fêmeas e alguns machos." A pesquisa pôde ser levada em frente porque a Fish-Braz rapidamente financiou a reposição dos reprodutores. Outros problemas surgi:;,

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Volpato: A busca do bem-estar do matrinxã resultou na colocação de celofanes coloridos sobre as incubadoras

(acima)

ram, como é comum nas pesquisas, e o Centro Nacional de Pesquisa de Peixes Tropicais (CEPTA), ligado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Pirassununga, também auxiliou muito para a conclusão do estudo. Mas o projeto de Volpato e da Fish-Braz junto à FAPESP também investigou a coloração do ambiente na melhoria da indução hormonal da reprodução do matrinxã. Como o estresse é um fator que inibe a procriação, o pesquisador procurou encontrar alguma coloração ambiental que produzisse um efeito calmante nas fêmeas. Volpato verificou que indivíduos jovens de matrinxã criados na coloração verde são mais agressivos quando transferidos Água verde é melhor-

a um novo ambiente, comparativamente aos mantidos nas cores amarelo, azul, vermelho e branco. Mas o pesquisador não achou que o verde aumentou a agressividade, mas sim que as outras cores é que reduziram a agressão. Achou que, no ambiente novo, os animais que haviam estado na coloração verde se ajustaram rapidamente e, assim, passaram a lutar em defesa de seu novo território. Essa idéia foi fortalecida, pois o pesquisador viu que o crescimento dos animais no ambiente de cor verde foi quase três vezes maior que nos demais. Larvas de pacu - Com esses resultados, estimula-se uma área incipiente na piscicultura, que é o uso de técnicas "alternativas" (coloração ambiental) na modulação do comportamento dos peixes. Volpato acredita que, no caso do canibalismo, a técnica proposta (ambiente azul), embora ainda em caráter experimental, possa ser associada a outras técnicas já existentes (consorciação com larvas de pacu ou curimbatá) para melhorar a produção. No caso da reprodução, otimizam-se os reprodutores e garante-se maior sucesso na safra. Além disso, é uma técnica simples e que pode ser usada mesmo nas pisciculturas mais modestas. Pode também direcionar melhor os fabricantes de incubadoras e tanques na escolha da coloração desses recipientes. Volpato


TECNOLOGIA

adverte que seus estudos mostram o efeito da coloração, mas ainda não se sabe o quanto é, de fato, a cor ou a intensidade luminosa o principal responsável pelos efeitos. Para se ter uma idéia da importância desses estudos, o retorno monetário na safra de um único viveiro de piscicultura produzindo alevinos (jovens) de matrinxã gira em torno de R$ 25.000,00 (uma piscicultura pequena deve ter cerca de dez viveiros desses). Assim, os pequenos percentuais de incremento tecnológico na produção são significativos. Entender a natureza - Outro ponto positivo, visto por Volpato no projeto com a FAPESP, é que a Fish-Braz está muito empolgada com o desenvolvimento dos trabalhos e até pretende criar, dentro da empresa, um setor específico para a pesquisa científica. Em outro importante estudo a ser publicado por Volpato junto com sua doutoranda, Luciana Jordão, ele trata de outra espécie, o pacu, em situações de estresse. Ele mostrou que esses peixes reconhecem um predador apenas pela visão e, ao se afastarem dele, liberam na água substâncias químicas que sinalizam o perigo aos outros membros do grupo. O entendimento desses mecanismos naturais dos peixes, tanto do pacu como do matrinxã, propicia que tecnologias eficazes sejam criadas para a solução de problemas cruciais da piscicultura nacional. •

EMBALAGENS

Contra o desperdício Novas caixas de papelão reduzem perdas de frutas e de legumes m novo conjunto de embala-

U gens de papelão está disponível para toda a cadeia produtiva e comercial de hortifrutícolas. São caixas mais adequadas à fragilidade desses produtos, reduzindo as perdas motivadas por problemas na estocagem e no transporte. O objetivo é evitar o desperdício de frutas e legumes, que varia de 10% a 30% dependendo do produto. A novidade foi desenvolvida em uma parceria entre o Centro Tecnológico de Embalagens (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas, e a Associação Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), com o apoio da FAPESP. O projeto Desenvolvimento de Sistemas de Embalagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas faz parte do Progran:a

Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e recebeu R$ 41 mil daABPO e US$ 52 mil da Fundação. A ABPO colaborou ativamente nas discussões técnicas e confeccionou os diversos protótipos de caixas de papelão avaliados no decorrer do projeto. O estudo resultante da parceria, iniciado em 1998 e finalizado no ano passado, elaborou e aprovou três modelos de caixas de papelão para atender às necessidades do mercado (a primeira com 596 milímetros (mm) de comprimento, 396 mm de largura e 160 mm de altura, a segunda com a medida 495x295x160 mm e a terceira, 397x294x146 mm). As três novas embalagens foram projetadas para acondicionar sete produtos: tomate, laranja, uva, berinjela, pepino, pêssego e cenoura. Eles foram escolhidos pela ABPO em conjunto com o Cetea, de acordo com as principais demandas dos consumidores. A princípio, essas caixas podem ser utilizadas para outros produtos, como morango e mamão, mas essa possibilidade ainda não foi avaliada.

PERFIL:

LUIZ VOLPATO graduou-se em Ciências Biológicas na Unesp de Botucatu. O mestrado e o doutorado foram feitos na Unesp de Rio Claro. Seu pós-doutorado realizou-se no Fish and Aquaculture Unit, da Agricultura! Research Organization, de Bet-Dagan, Israel. É o responsável pelo Laboratório de Fisiologia do Departamento de Fisiologia do Instituto de Biociências Biológicas da Unesp de Botucatu. • GTLSON

Madi, à frente, com A ssis e A nna Lúcia: compro misso com a qualidade dos produtos PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 2000 • 45


No Brasil, o sistema de embalagem de hortifrutícolas é dominado atualmente pela antiga caixa de madeira tipo K, feita com material de baixa qualidade. O uso desse produto remonta ao período em que o País não dispunha de luz elétrica e a iluminação tinha querosene como fonte de energia. As caixas usadas para o transporte desse combustível eram reaproveitadas para a embalagem de frutas, legumes e verduras. O querosene foi praticamente aposentado da vida dos brasileiros, mas as caixas continuam a ser fabricadas e encontradas facilmente em feiras, varejões e Ceasas. O problema da caixa K são os danos que ela causa aos produtos. Um feirante que comercializa tomate, por exemplo, perde até 30% do produto devido a estragos causados pela embalagem inadequada, que amassa e inutiliza os produtos transportados. Com isso, os consumidores pagam preços mais altos, embutidos nos prejuízos do processo. As embalagens de papelão ondulado desenvolvidas no estudo também servem ao comércio varejista, por apresentar boa apresentação, facilidade de transporte e de acomodação nas gôndolas e nas residências dos consumidores. Menos agressiva- "O papelão ondulado é a embalagem mais apropriada para frutas, por minimizar os desper-

dícios", diz o presidente da ABPO, Paulo Sérgio Peres. Para ele, a caixa de papelão reúne características importantes para preservar a qualidade da fruta. " É descartável, o que inibe a propagação de doenças e fungos, e facilita a manipulação das caixas, minimizando os custos do sistema como estocagem, Um dos testes realizados foi a medição da rigidez do papelão fretes e mão-deUm sistema de embalagem moobra." derno, segundo os especialistas da Embora mais higiênica e menos área, deve utilizar materiais que seagressiva para frutas, legumes e verjam descartáveis ou que possam ser duras, a caixa de papelão, aparentemente, perde no item de custos para higienizados. "A caixa K, além de danificar os produtos, é um importante a caixa K. Os dois tipos de caixas, foco de transmissão de doenças e conquando capazes de levar 15 quilos de frutas, por exemplo, custam R$ 1,20 traria as exigências fitossanitárias", cada uma. Assim, existe uma vantaafirma Gerardo Galvez, consultor da ABPO e gerente regional de vendas gem para a K pelo fato de não ser descartável e poder ser usada diversas da Klabin, a maior fabricante de pavezes. Mas essa diferença não deve ser pelão ondulado no Brasil e uma das levada em conta, segundo Luís Fernove empresas que participaram do nando Ceribelli Madi, coordenador projeto. Para Madi, o trabalho desenvolvida pesquisa e atual diretor-geral do Ital. "O custo-benefício proporcionado pelo Cetea faz parte de um amplo esforço da cadeia produtiva para modo pela caixa de papelão, que evita perdas e doenças, não permite comdernizar a comercialização do setor paração com a caixa K", avalia. no Brasil. "A melhoria das embala-

Embalagem para exportação A utilização de papelão ondulado para a embalagem de hortifrutícolas cresceu 58,4% em 1999, comparado com o ano anterior. Foram comercializadas 55,4 mil toneladas do produto para a área agrícola. No total, o setor de papelão ondulado cresceu 3,74% no ano passado, vendendo 1.676 mil toneladas. O faturamento do setor cresceu 18,1% em 1999, em relação a 1998, e atingiu a cifra de R$ 1,852 bilhão.

46 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Esses dados e todos aqueles relativos às embalagens são considerados verdadeiros sinalizadores da economia de um país porque indicam o movimento da atividade industrial e comercial. Por representar apenas cerca de 4% do total das vendas do setor, as caixas de papelão ainda têm um grande campo para crescer dentro da área de hortifrutis. Segundo Paulo Peres, presidente da Associa-

ção Brasileira de Papelão Ondulado (ABPO), o resultado do estudo e do aumento das vendas do setor refletem o grande esforço feito pela entidade para a adoção do papelão pelos setores envolvidos na produção e na comercialização de frutas. A melhoria das embalagens para hortifrutícolas é fundamental para a expansão dos negócios do setor, principalmente no que se refere à exportação. O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas. A produção média anual é de mais de 31 milhões de toneladas. Desse total,


Mesa vibratória simula os movimentos de

gens deve ser acompanhada por uma mudança de comportamento em todos os setores envolvidos com produção e comercialização, desde o campo até o consumidor final", diz. Madi é um apaixonado pelo tema. Está envolvido com o assunto desde que saiu da universidade em 1973. Pertencente à segunda turma

somente 1% é exportado. O principal motivo do fraco desempenho das frutas brasileiras é a falta de padrões de qualidade, que são exigidos pelas normas internacionais, incluindo o cuidado com as embalagens. A Argentina, por exemplo, proíbe a reutilização de embalagens de produtos cítricos e não permite a entrada de produtos hortifrutigranjeiros em caixas que não sejam descartáveis. No ano passado, a receita brasileira proveniente das exportações de frutas foi de US$ 180 milhões.

de engenharia de alimentos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), ele defendeu, em 1977, uma dissertação de mestrado com o tema Caixas de Papelão para a Embalagem de Tomates. De lá para cá não parou mais de pesquisar. "Em 23 anos, muita coisa mudou neste País, menos a forma de embalar os hortifrutis", afirma. Para ele, a abertura do mercado no início dos anos 90 impulsionou uma mudança de atitude do consumidor brasileiro e até do próprio mercado. "A chegada de produtos importados foi fundamental para o consumidor brasileiro conhecer as noum caminhão vas tecnologias existentes e exigir produtos de melhor qualidade", explica Madi. Para atingir a excelência nos três tipos de caixa, a equipe coordenada por Madi executou uma série de testes de resistência com diversos protótipos. Foram experimentos com as caixas empilhadas contendo produtos hortifrutícolas, submetidas a mesas vibratórias que, por exemplo, repro-

A União Européia, principal comprador dos produtos brasileiros, gastou cerca de US$ 130 milhões. A partir de 2003, os países da União Européia só deverão aceitar frutas e hortaliças produzidas de forma integrada, com níveis mínimos de resíduos de agrotóxicos e selo de qualidade. A produção integrada envolve o acompanhamento da fruta desde o plantio até a distribuição, comercialização e consumo, tendo como base o respeito ao meio ambiente e aos consumidores.

duzem os movimentos do transporte em um caminhão. Depois de períodos de até três horas, as caixas passam por uma avaliação para verificação de possíveis danos de compressão e abaulamento do fundo, quando comprometem os produtos que estão na caixa de baixo. O Cetea desenvolveu as novas embalagens utilizando os equipamentos e os laboratórios mais modernos disponíveis na América Latina. O fmanciamento do PITE permitiu ao Cetea adquirir alguns instrumentos de ponta, utilizados no desenvolvimento desse estudo. É o caso do aparelho, que mede a rigidez em flexão do papelão ondulado, comprado por R$ 35 mil. Participação de mercado - "A cadeia produtiva está despertando para o problema do desperdício", afirma Assis Euzébio Garcia, diretor do Cetea. "Muitos produtores estão descobrindo que a utilização de novas técnicas de melhoria da mercadoria podem aumentar a participação do produto no mercado", afirma. "Nos países em que predomina o uso de embalagens mais adequadas, as perdas são mínimas", diz Paulo Sérgio Peres, presidente da ABPO. Para Peres, a parceria entre o Ital e a ABPO foi fundamental para o sucesso da conclusão dos três modelos de caixas. "Estamos unindo nossa experiência no setor de papelão com a tecnologia e o aval oferecidos pelo Ital", afirma Peres. Para ele, o resultando dessa união foi o estabelecimento de um verdadeiro tratado de como manusear os hortifrutícolas após a colheita. A melhoria da qualidade dos produtos por meio de novas técnicas e materiais chega ao mercado brasileiro em um momento crítico para o setor de produtos in natura. A concorrência dos produtos industrializados fez com que o setor perdesse espaço na mesa do brasileiro. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma diminuição de 25% no consumo de frutas em São Paulo, o estado mais rico do país, que passou de 59,6 kg PESQUISA FAPESP · JUNHO OE 1000 • 47


em 1987 para 44,6 kg per capita em 1997, com exceção da faixa entre 20 e 30 salários mínimos. O consumo domiciliar no Brasil encolheu de 47,98 kg para 40,39 kg per capita, com redução de 16% no mesmo período. Nos Estados Unidos, ao contrário, houve crescimento de 22% no consumo nos últimos dez anos. O resultado desse processo foi sentido principalmente pelos supermercados que, ao mesmo tempo que se tornaram os principais agentes de distribuição, também se transformaram em receptores das queixas dos consumidores insatisfeitos com a qualidade dos produtos. Hoje, 10% do faturamento supermercadista é proveniente do setor de hortifrutis. "Melhorar a qualidade dos produtos oferecidos pelo setor é uma questão vital para ampliar o número de consumidores", afirma Omar Assaf, presidente da Associação Paulista de Supermercados (Apas). A entidade participa, juntamente com diversos outros setores, do programa de modernização dos processos agrícolas. Novos padrões - Segundo Assaf, a adoção de técnicas modernas pode reduzir as perdas que estão em 23%, registradas atualmente pelos supermercados, para 8%. "Esse é o padrão internacional aceito pelos países que adotam medidas como as que começam a ser tomadas no Brasil", conta. Assaf afirma que os supermercados também estão lutando para implementar os novos padrões usados nos países com sistemas de embalamento mais modernos, com caixas de papelão ondulado, de plástico e de madeira. "É preciso conscientizar os produtores da importância das novas técnicas como instrumento de reconquista do consumidor", afirma Anita de Souza Dias Gutierrez, diretora do Centro de Qualidade em Horticultura, ligado à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp). O Centro lidera um grupo de normatização para o 48 · JUNHO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

setor. O trabalho engloba desde a classificação do produto até a venda ao consumidor. "As normas definem características de identidade, qualidade, acondicionamento, embalagem, rotulagem e apresentação do produto", explica Anita. Os produtos classificados passam a fazer parte do Programa Paulista para a Melhoria dos Padrões Comerciais e Embalagens de Hortigranjeiros. Nove produtos já tiveram as normas de classificação aprovadas pelas Câmaras Setoriais,

transportado em caixa adequada evita perdas de até 30%

inclusive com a adoção de caixas de papelão. São eles: alface, banana, batata, berinjela, caqui, goiaba, nectarina/pêssego, pimentão e tomate. Melhor desempenho - "Resultados concretos já foram obtidos pelos associados da Cooperativa Agroindustrial Holambra, da região de Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo, que melhoraram o desempenho económico em 21% ao adotar, por duas safras consecutivas, os padrões de qualidade para pêssego e nectarina': afirma Anita. Ela conta também que no ano passado foi realizada a primeira campanha do caqui de qualidade, que demonstrou a eficiência dos programas de padronização. Com a adoção das normas de classificação por parte do produtor e do atacado, a fruta ficou mais atraente e teve um aumento de consumo. Além disso, o consumidor passou a receber uma melhor orien-

tação sobre o produto e foram abertas frentes de degustação. Num dos supermercados onde aconteceu a campanha, houve aumento de 150% no consumo do caqui. ''A melhoria das embalagens foi um ingrediente dessa campanha e faz parte de um projeto amplo da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo", conta Anita. Para ela, a melhoria da qualidade dos produtos do setor passa necessariamente pelo setor de embalagens. Com toda essa movimentação no setor produtivo de hortifrutis e na distribuição desses produtos, o Cetea foi sondado por fabricantes de plástico e também pelo de resíduos de madeira para desenvolver caixas que estejam de acordo com as necessidades de conservação dos produtos e às normas que estão sendo estabelecidas. O Cetea, no entanto, continua a estudar caixas de papelão para acondicionar frutas e legumes mesmo com o término do projeto com a ABPO. ''Agora, necessitamos pesquisar novos modelos de caixas que acondicionem a quantidade média de cada produto que o consumidor final costuma levar para casa': afirma Anna Lúcia Mourad, pesquisadora científica do Cetea e uma das participantes do projeto de embalagens de papelão ondulado. Assim completa-se o cerco às perdas, desde o produtor rural até • a geladeira de todos nós. PERFIL:

• Luís FERNANDO CERJBELLI MADI é graduado em Engenharia de Alimentos pela Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp. Fez mestrado na Escola de Embalagens da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. É diretor-geral do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital). Projeto: Desenvolvimento de Sistemas de Embalagens de Papelão Ondulado para Hortifrutícolas Investimento: US$ 52.520,00, da

FAPESP, e R$ 41.040,00, da ABPO.


TECNOLOGIA

A farinha do bagaço do caju possui excelente teor de fibras

Salgadinhos de bagaço de caju Crocantes, apetitosos e, principalmente, saudáveis. São essas as características alimentares dos salgadinhos tipo snack ou chips produzidos com bagaço de caju e quirera de arroz pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). A empresa desenvolveu técnicas que aproveitam esses dois subprodutos, muitas vezes descartados pela indústria, para transformá-los em alimentos apreciáveis e baratos. Somente a indústria de suco de caju descarta um milhão de toneladas de bagaço por ano, a maior parte nos Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. O arroz quebrado, quando não descartado, é utilizado na ração animal e na indústria de cerveja. Segundo o processo agroindustrial desenvolvido pela Embrapa, tanto o bagaço como a quirera são transformados em farinha e utilizados em receitas caseiras ou industriais para a produção, também, de pães, biscoitos e bolos. A farinha de bagaço

de caju, que possui maior porcentagem de fibras que suas similares, apresentou também bons resultados em receitas preparadas ainda com farinha de trigo. O desenvolvimento dos produtos foi realizado por duas unidades da empresa, a Embrapa Agroindústria de Alimentos, do Rio de Janeiro, e a Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza. Elas oferecem consultaria e suporte técnico aos interessados nes• te novo agronegócio.

Requeijão brasileiro nos Estados Unidos Os americanos e os brasileiros que moram nos Estados Unidos vão poder, em breve, se deliciar com o requeijão cremoso, um produto comum no Brasil, mas inexistente naquele país. A empresa Lacta Dairy, instalada na cidade de Houston, no estado do Texas, firmou um convênio com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) para montar uma linha de produção onde, além do requeijão, serão fabricados, doce de leite, queijo minas

fresca!, queijo minas curado e pão de queijo. Fabricante de queijos do tipo cheddar e monterrey, a Lacta quer atingir a comunidade brasileira que, em grande número, vive, principalmente, no vizinho estado da Flórida. O professor Mauro Mansur Furtado, do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFV e coordenador do convênio iniciado em maio deste ano, diz que grande parte dos equipamentos que estão sendo comprados pela Lacta é de indústrias brasileiras. A empresa Biasinox, por exemplo, situada na cidade de Lambari, em Minas Gerais, está exportando máquinas para fabricar requeijão, produto também inédito no mercado americano. Outras empresas são a Metal Rogek, de Diadema, em São Paulo, e a Stephan Geiger, de São José • dos Pinhais, no Paraná.

Flúor-18 garante uso de tomc)grafo O Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), do Rio de Janeiro, adquiriu um novo acelerador de partículas do tipo ciclotron capaz de produzir o radiofármaco Flúor-18, substância essencial para a produção de imagens de alta

PET: tomógrafo com imagem mais nítida e de alta definição

qualidade dos tomógrafos por emissão de pósitrons (PET). Essa tecnologia permite detectar doenças com mais antecedência, como o câncer, e melhorar a visualização de outros órgãos do corpo humano. No sistema PET, o flúor é injetado no paciente e distribui-se pelo organismo ligando-se às moléculas de glicose. "No câncer, por ser um tecido com metabolismo alterado, a glicose fica concentrada naquele local por menor que seja o tumor", explica Sérgio Cabral, superintendente do IEN. O Flúor-18, no entanto, tem meia-vida de 109 minutos, uma limitação para a expansão do tomógrafo PET. Ele precisa ficar localizado próximo a uma unidade de produção. No Brasil, esse tipo de substância só é produzido por empresas da Comissão Nacional de Energia (Cnen) como o IEN ou o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), de São Paulo, único fabricante desse radioisótopo. Nos Estados Unidos são 96 ciclotrons. No mundo, os tomógrafos PET chegam a 400. Aqui, o único aparelho é o do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo. Segundo José Cláudio Meneghetti, diretor do serviço de radioisótopos do Incor, o Brasil não pode ficar na dependência dos institutos governamentais que têm assegurada a produção de radioisótopos pela Constituição Federal. "Os hospitais e clínicas deveriam ter a possibilidade de possuir aparelhos chamados de mini ciclotron. Isso permitiria a expansão do tomógrafos PET e facilitaria os diagnósticos." • PESQUISA FAPESP • JUNHO DE 2000 • 49


HUMANIDADES

TELEVISÃO

Brasil mostra a sua cara na Pesquisas mostram que novelas ajudam a compreender o país m janeiro de 1995, um grupo

Ede pesquisadores da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP deu início a um projeto de pesquisa. O amplo estudo, batizado de Ficção e Realidade: A Telenovela no Brasil; o Brasil na Telenovela, começou a se desenvolver, dividido em nove pesquisas separadas. O objetivo era estudar a novela brasileira, gênero considerado menor por tantos estudiosos - e até mesmo por uma parcela considerável da população -, identificar suas nuances, suas características predominantes e, principalmente, como ela é recebida pelos telespectadores. Era uma iniciativa pioneira de mapear uma manifestação que, apesar de ser extremamente popular, havia sido muito pouco analisada até então. O trabalho foi desenvolvido por um centro de pesquisas da ECA chamado Núcleo de Pesquisas em Telenovela (NPTN). O trabalho acabou atingindo objetivos muito mais amplos que os esperados a princípio. Além de identificar uma série de questões interessantes, curiosas e relevantes sobre a telenovela e o telespectador brasileiro, Ficção e Realidade veio para acabar com os 50 • JUNHOOE 2000 • PESQUISA FAPESP

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preconceitos que rondam o gênero. A partir do trabalho desse grupo de pesquisadores ficou possível afirmar, sem nenhuma dúvida, que a novela feita no Brasil é um produto cultural de qualidade e extremamente interessante como material para compreender o País. Os folhetins, é claro, têm defeitos e falhas, mas definitivamente não poderiam mais ser desprezados. As pesquisas encerraram-se no final de 1999, sob a coordenação da professora Ana Maria Fadul. A gama de assuntos coberta pelos nove trabalhos que compuseram o projeto foi variada. Falou-se desde a participação dos personagens negros nas novelas até a influência de formas de narrativas infantis, como os contos de fadas, na construção de um drama para a TY. Alguns trabalhos contaram com bolsas-auxílio da FAPESP, entre eles: O Campo da Comunicação: Os Valores dos Receptores de Telenovelas, da professora doutora Maria Aparecida Baccega; Recepção da Telenovela Brasileira: Uma Exploração Metodológica, da professora doutora Maria Immacolata Vassallo de Lopes; e O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica, da professora Maria Cristina Castilho da Costa. Cada um chegou a conclusões diferentes e dignas de atenção. Juntos, os trabalhos ajudam a compor um

perfil dessa forma de narrativa tipicamente brasileira - que tem essa cara nacional justamente por refletir tão bem o País. Temas tabus - Uma das pesquisas que

causaram maior polêmica - em parte pelos resultados que teve, em parte pela perseverança com que a autora defende a telenovela- foi a desenvolvida pela lingüista Maria Aparecida Baccega, de 57 anos. Entre 1995 e 1998, ela recebeu um total de R$ 23,1 mil da FAPESP para comparar a visão da sociedade sobre temas ligados à família com a abordagem que as no-


to com a mesma tranqüilidade retratada pela televisão': lembra a professora. Mas ela ressalta que, independentemente da trama fictícia, nenhum pai deve ter passado a aceitar um filho gay apenas porque era assim que acontecia na novela. "A trama apenas traz os assuntos para o debate na sociedade, mas não influencia o comportamento de ninguém." Maria Aparecida rejeita com veemência a velha idéia de que novela é uma manifestação artística menor e alienante. "O telespectador não é bobo. Ele sabe que uma família negra de classe média ainda é coisa rara na sociedade brasileira, tem consciência de que isso pode existir na ficção, mas está longe de ser corriqueiro na vida real. Acontece que ver este tipo de assunto tratado no horário nobre por atores que as pessoas conhecem, e admiram, pode ajudar a quebrar preconceitos. Isso não é utopia." Esta relação entre os fatos da ficção e da realidade é uma via de mão dupla. Da mesma maneira que a novela discute temas latentes na sociedade, o gênero também reflete as mudanças e evoluções da esfera real. A prova está nos números colhidos pela pesquisadora. Na primeira fase do trabalho, por exemplo, 33% das personagens femininas das novelas eram donas de casa. Na segunda etapa os autores tiraram as mulheres de dentro de casa (apenas 17% faziam trabalhos do lar) e colocaram-nas no mercado de trabalho, dando a elas as ocupações mais variadas: havia desde grandes executivas até chefes de esquemas de máfia, passando por professoras universitárias e fazendeiras. "São dois caminhos. Um teledramaturgo precisa refletir sobre temas ainda escondidos pela sociedade, mas também deve estar atento às mudanças que acontecem de fato e trazê-las para suas tramas", explica. Ficção e realidade -

Cenas de Rainha da Sucata (acima, à esquerda), A Indomado (acima) e O Salvador da Pátria (ao /ado): sem influenciar espectador

velas mostram sobre esses mesmos assuntos. Assim, enquanto centenas de entrevistados respondiam perguntas sobre casamento, separação ou sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, observavase de que maneira as telenovelas do horário nobre da Rede Globo retratavam tais questões. O trabalho de pesquisa quantitativa de campo foi dividido em duas etapas e reuniu ao todo 622 entrevistados. As novelas estudadas na primeira fase ( 1986 a 1990) foram Roque Santeiro (1985/ 1986), Selva de Pedra (1986), Roda de Fogo (1986/1987), O Outro (1987),

Mandala (1987/1988), Vale Tudo (1988/1989), Tieta (1989/ 1990), Meu Bem, Meu Mal (1990/ 1991). Na segunda parte da pesquisa entraram O Salvador da Pátria (1988/ 1989), Rainha da Sucata (1990), A Próxima Vítima (1995) e O Rei do Gado (1996/1997). As conclusões foram surpreendentes. "Descobrimos que muitas ~e­ zes as novelas tratam de temas considerados tabus pela sociedade e, mesmo assim, estão longe de alterar o comportamento das pessoas. Essa história de que novela influencia a maneira do telespectador pensar é balela", afirma Maria Aparecida. Segundo ela, a maioria das tramas traz à tona temas polêmicos que estão latentes na sociedade, esperando por uma oportunidade de entrar em discussão. A oportunidade, muitas vezes, aparece na forma de personagens e histórias da ficção televisiva. Tome-se o caso de A Próxima Vítima: na trama de Sílvio de Abreu, havia uma família negra de classe média, um jovem casal homossexual e um garoto viciado em drogas. "Quando entrevistamos as famílias, nenhum desses temas era vis-

Trabalhando a partir de um conceito diferente - o do estudo das mediações, do pesquisa-

Visões de classe-

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dor espanhol Jesus Martin-Barbero -, a socióloga Maria Immacolata de Lopes, de 54 anos, deu sua preciosa contribuição ao projeto Ficção e Realidade. Em dois anos de trabalho, ela ganhou R$ 20,1 mil da FAPESP. Durante o período em que foi exibida a novela A Indomada, de fevereiro a outubro de 1997, ela realizou uma pesquisa qualitativa com quatro famílias: uma de classe baixa, favelada, outra de classe média baixa, residente em um bairro da periferia de São Paulo, uma terceira de classe média alta e, finalmente, uma família de classe alta da capital paulistana. ''A idéia era ver como essas famílias, com suas diferentes estruturas, formações, hábitos culturais e estilos de vida, enxergavam o que era retratado na novela", esclarece Immacolata. Além de fazer entrevistas com todos os membros das famílias, os pesquisadores destacados para o trabalho (alunos de graduação de diferentes faculdades da USP) pediam aos participantes que escolhessem determinadas cenas que julgassem importantes a cada capítulo diário. "Foi uma experiência muito curiosa. Cada família dava valor a trechos diferentes. De uma certa maneira, um grupo assistia a uma novela completamente diferente do outro." É certo que algumas cenas eram destacadas por todas as quatro famílias. Uma delas, lembra a professora, foi a passagem em que a personagem Scarlet (Luiza Thomé) conversava com a filha sobre a importância de fazer da primeira relação sexual uma experiência especial. "Este foi um dos temas que todos os entrevistados consideraram importante e disseram ter sido tratado com delicadeza pelos autores (Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares)." Curiosamente, em alguns aspectos a família de classe alta mostrou-se infinitamente mais conservadora que a família pobre. A cafetina Zenilda, por exemplo, personagem de Renata Sorrah, era dona de um bordel candidamente conhecido como Casa de Campo, onde trabalhavam garotas chamadas de "camélias': "Os entrevistados que viviam na 52 • JUNHO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

favela enxergavam em Zenilda uma Núcleo de Pesquisa de Telenovela. mulher forte e batalhadora, apesar de Formada em Ciências Sociais, ela reter uma profissão considerada pouco cebeu R$ 5 mil da FAPESP, num penobre. Por outro lado, a família mais ríodo de um ano e meio de trabalho. rica considerava a personagem de Sua pesquisa foi chamada de O Ganbaixo nível, achava que o tema da cho da Telenovela: Análise Estética e prostituição não deveria ser tratado Sociológica. O gancho, objeto do estudaquela maneira e dizia que a novela do, é o nome que se dá ao recurso de estava fazendo propaganda da prointerrupção de uma narrativa num fissão:' Neste momento, era como se momento de tensão. Em última anáessas duas famílias estivessem assistindo a novelas distintas. Além de perceber que diferentes classes sociais recebem as telenovelas de maneiras diversas, Maria Immacolata concluiu que há outros fatores envolvidos na percepção do telespectador sobre os folhetins. "O conceito das mediações, levantado por Martin-Barbero, Maria Aparecida Baccega: defesa polêmica da telenovela estabelece vários 'fillise, Maria Cristina trabalhou com o tros' até que a informação chegue às pessoas", explica a professora. Assim, elemento que segura o telespectador tudo influi na maneira que se recebe à poltrona entre um bloco e outro e o faz voltar à mesma posição no dia sea história. Há questões como o tipo guinte, para ver o que aconteceu no de relação que existe dentro da própróximo capítulo. "O gancho costura pria família, a dinâmica de cada casa todos os retalhos da trama. É fundae a maneira que aquelas pessoas se mental à novela - que, como qualrelacionam em sua vida cotidiana; quer outro produto da televisão, usa considera-se também o fato de ser uma linguagem extremanente fragum gênero de ficção, onde se sabe que os fatos são inventados (muito mentada e por isso pede um truque para manter a platéia atenta." diferente, por exemplo, de colocar-se Neste estudo que disseca e exemdiante da TV para ver o Jornal Naciona[); e até mesmo os passos envolviplifica o uso do gancho na telenovela, Maria Cristina trabalhou com O dos na produção da novela, como a Rei do Gado, novela de Benedito Ruy tecnologia usada, os atares em cena e o fato de tratar-se de uma novela da Barbosa, exibida entre junho de 1996 Rede Globo - o que já predetermina e fevereiro de 1997. Barbosa, considerado um dos maiores mestres do parte da visão que as pessoas têm do produto. "Tudo isso constrói o sentigênero no Brasil, conseguiu com esta do da telenovela. Ela, sozinha, quantrama trazer de volta o brilho para uma forma de narrativa que atravesdo fica pronta nas ilhas de edição da sava uma crise e parecia estar esgotaemissora, é apenas parte do processo. da. Pior: sofria de uma baixa audiênO que chega para aquele sujeito sencia crônica e nunca vista antes pela tado no sofá da sala é muito diferenGlobo. Como autor que usa com te': esclarece Immacolata. maestria a estrutura mais tradicional dos folhetins aliada a fatos históRetalhos da trama - Das três professoras, Maria Cristina Castilho Costa, ricos e assuntos em destaque na sociedade contemporânea, ele misturou de 50 anos, foi a última a juntar-se ao


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São elementos como este que constroem o il perfil da trama. E, I' numa escala menor, cada capítulo tem seu gancho ao final: uma revelação, uma surpresa, uma dúvida que surge para ser esclarecida no dia seguinte. "O gancho é como um tijolo na história, uma síntese do que aconteceu naquele episódio. É como se o autor dissesse: 'hoje nós descobrimos isso sobre tal personagem.' E é a habilidade de o dramaturgo colocar esses tijolos que vai determinar a fidelidade do espectador à novela."

brasileira. Guarda o espírito da história oral, que segura o ouvinte mais pelas emoções do que pela sofisticação de seu aspecto formal", completa Maria Aparecida. "As novelas são, sem dúvida, uma manifestação cultural de massa. Mas isso não significa que devem ser desprezadas. Dinamarca, Alemanha, França e Estados Unidos estão desenvolvendo teses de estudo especificamente sobre nossos folhetins. Até nesses países foi descoberto o valor sociológico do gênero. Não há por que tratá-los como manifestações menores por aqui", diz Maria Immacolata. Os cinco anos de trabalho dessas três mulheres para o Núcleo de Pesquisa de Telenovela certamente vão ajudar a reverter o quadro e a garantir um final mais feliz para a novela brasileira. •

Audiência- A fidelida-

• MARIA APARECIDA BACCEGA é graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde fez o mestrado e o doutorado, e livre-docente pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP), da qual é professora. Projeto: O Campo da Comunicação: Os Valores dos Receptores de Telenovelas Investimento: R$ 23.132,00 • MARIA IMMACOLATA VASSALLO DE LOPES é graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, com mestrado e doutorado em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, da qual é professora. Projeto: Recepção da Telenovela Brasileira: Uma Exploração Metodológica Investimento: R$ 20.128,00 • MARIA CRISTINA CASTILHO COSTA é graduada em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Fez o mestrado e o doutorado também em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. É professora da ECA/USP. Projeto: O Gancho da Telenovela: Análise Estética e Sociológica Investimento: R$ 5.000,00

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Maria lmmacolata: dissecando A Indomado

Maria Cristina: o que segura o espectador

em O Rei do Gado uma história de amor nos moldes de Romeu e Julieta (envolvendo famílias rivais) a uma trama que trouxe para o horário nobre o debate sobre a questão dos semterra no Brasil. Ótimo material para discutir a importância do gancho. "Como uma novela dividida em duas fases, O Rei do Gado foi pontuada por exemplos interessantíssimos de gancho", diz a professora. O personagem Geremias Berdinazzi (Raul Cortez), por exemplo, começou como uma figura de perfil enigmático e misterioso. Poderia encaminharse para se tornar o vilão da trama ou ser uma figura respeitável. "Só este fator já era um elemento que mantinha o telespectador fiel à novela. Ele queria saber que rumo ia tomar aquele sujeito", lembra ela. Havia ainda o mistério inicial em torno da origem de Luana (Patrícia Pillar), ou das intenções de Rafaela (Glória Pires).

de do brasileiro, não se duvide, continua intensa. Fala-se em esgotamento do gênero, diz-se que a novela está na poltrona sendo surrada pela competição com a lnternet e com a TV a cabo e chama-se atenção para índices de audiência que diminuem a cada ano. De fato, dificilmente a Globo -líder de audiência e exemplo de qualidade quando o assunto é telenovela- vai voltar aos tempos de Roque Santeiro, em que chegava a registrar quase 100% de audiência. Em anos recentes, a emissora vem sendo criticada por falta de criatividade, por apelar para cenas mais picantes em horários inadequados e até mesmo por repetir formas à exaustão. "Novela é isso mesmo: repetição", afirma Maria Cristina. Ela lembra que muitos dos recursos usados na construção do gênero existem há séculos, desde as narrativas das Mil e Uma Noites, passando pelas lendas indígenas, chegando aos romances publicados semanalmente nos jornais no início do século e às radionovelas. "Por isso esta é uma forma de narrativa tão

PERFIS:

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HUMANIDADES

ARTES PLÁSTICAS

nhecidas como "Heranças Contemporâneas': A exposição hoje é festejada pela crítica de arte. No ano passado, por exemplo, a mostra trazia uma série do que se pode classificar como uma influência du-

A trama inventariada por Kátia, as obras realizadas ou escolhidas para as exposições e as análises críticas sobre a origem do que hoje se chama de ageração 90 estão agora reunidas em livro, Novíssima Arte Brasileira, também realizado com o apoio da FAPESP, a sair no segundo semestre pela Iluminuras. Trata-se do primeiro registro geral da mais recente produção contemporânea, legitimado pelo fato de ter sido resultado de uma comparação

pla. Tunga, eleito mestre por Renata Pedrosa, apresentou uma de suas esculturas orgânicas da série "Lips" e escolheu também sua própria influência, Lygia Clark. Representada por uma de suas esculturas geométricas, a que chamou de "Bichos", Lygia funcionava então como uma espécie de avó de Renata, que trazia sua própria leitura do corpo em desenhos confecionados com mercúrio. "São esses diálogos entre gerações que cumprem o papel de contar a história da arte contemporânea", conclui a pesquisadora.

objetiva entre trabalhos - comparação realizada, em primeiro lugar, por seus próprios autores e, em seguida, constatada pela curadoria e pelo público que visitou as três edições da mostra realizada no MAC. Ou seja, Novíssima Arte Brasileira não apresenta um grupo de emergentes eleito pelo olhar de um crítico, mas sim uma leitura comparativa do que mudou e o que permaneceu nos últimos dez anos no cenário artístico nacional. O leitor poderá conhecer, de forma sistematizada, o que se viu no

Trocando influências Pesquisa dá perfil da arte dos anos 90 e suas ascendências sete anos, a professora e cuH áradora da USP Kátia Canton entendeu que, para construir um perfil da arte dos anos 90, era necessário promover um levantamento entre os jovens artistas que começavam suas carreiras, ou mesmo os que ainda freqüentavam faculdades, sobre suas principais influências. A pesquisa, que contou com o apoio da FAPESP e do Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC, surpreendeu sua idealizadora. Praticamente todos os entrevistados não fizeram referência alguma a monstros consagrados da história da arte moderna ou da antiga e menos ainda à cena internacional. Quase em unanimidade, os então futuros artistas desta década, segundo seus próprios depoimentos, espelhavam-se na geração em atividade naquele momento. Kátia percebeu então, que, para compreender a novíssima arte da década que mal começava, era necessário, antes de mais nada, estabelecer paralelos com a própria arte contemporânea, de preferência com a imediatamente anterior e vigente, no caso a dos anos 80. Como atuava na divisão de curadoria do MAC, Kátia abriu sua agenda de telefone e acirrou a pesquisa. Ela passou a visitar pessoalmente ateliês de artistas em atividade em diferentes cidades brasileiras com a pergunta: quem é seu mestre? A curadora levantou, na época, 56 nomes (que hoje já somam 70), quase todos eles de artistas contemporâneos em atividade no País, como Regina Silveira, Tunga ou Waltércio Caldas, realizando mostras co54 • JUNHO DE 2000 • PESQUISA FAPESP


MAC: artistas, que hoje têm os nomes registrados em catálogos de museus e galerias importantes, criando em função do trabalho de seus mestres. Assim, Mônica Rubinho, Fábio Bittencourt e Cristina Rogozinski estão representados no livro pelas obras que criaram para a primeira edição de "Heranças Contemporâneas", realizada em abril de 1997. São trabalhos que apresentam, por exemplo, referência à fra-

tão próximas, foi a maneira mais concreta para traçar um perfil de um movimento que o tempo ainda não teve tempo de decantar", observa Kátia. Daí, percebe-se que o livro é uma obra que já nasce para ser revisada e ampliada. "Até porque, como as próprias edições de 'Heranças Contemporâneas' demostraram, a chegada de novos nomes e a transformação do cenário nunca foi tão veloz como nos anos 90."

gilidade emocional ou física e à experimentação com materiais que esses discípulos herdaram, respectivamente, de Leonilson e Leda Catunda, que, ao lado de Nelson Leirner, compunham a trinca de mestres daquele ano. "A comparação com a fonte, ainda mais se tratando de referências

Depoimentos dos artistas que participaram da pesquisa ganharam um capítulo à parte. Nele, os jovens criadores, apresentados por uma breve biografia, mostram seus conceitos de arte e falam sobre seus mestres e influências. Cada um desses tem a obra escolhida para a mostra "Heranças Contemporâneas" reproduzida e identificada. Para não entrar diretemente nos conceitos mutáveis que permeiam a produção desta década, a curadora optou por uma introdução histórica com um breve resumo da passagem

dos modernos para os dias de hojelinha do tempo a que pertencem mestres e discípulos registrados pelo livro. A partir daí, ela distribuiu as tendências detectadas entre os trabalhos em capítulos, nos quais incluiu os artistas que compartilham essas características. São aspectos ou questões comuns a muitos dos participantes da amostragem, como a noção de memória, presente no trabalho de Mônica Rubinho e Renata Pedrosa, por exemplo, ou a chamada domesticidade na arte, caso da produção de Cristina Rogozinski, e mais uma vez de Mônica e de Renata, já que as tendências organizadas pela autora são constantes na obra de artistas diferentes. Esse momento do texto, entretanto, corre o risco de se tornar datado em pouco tempo, pelo fato de que muitas questões trazidas pela autora podem perfeitamente ser abandonadas ou ganharem outros aspectos no trabalho dos artistas a quem elas são atribuídas. "O que não tira o caráter do registro de um momento na trajetória desses artistas; um momento que corresponde ao percurso da década de 90', argumenta a curadora. Kátia define a mostra que empresta as ilustrações para o livro como um work in progress, novo nome para obra aberta que se tornou uma verdadeira síndrome na arte dos anos 90. Assim também pode ser definida esta primeira publicação do projeto, que tende, como a arte contemporânea, a • sofrer constantemente revisões. PERFIL: • KÁTIA CANTON é graduada em jornalismo pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado em crítica da arte na Universidade de Nova York. É professora e diretora técnica de divisão do Museu de Arte Contemporânea da USP. Projeto: Tendências Contemporâneas: Discussão sobre a Produção Artística da Geração 90 Investimento: R$ 10 mil

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DRAUZIO VARELLA

Violência nas prisões Uma história do encarceramento em São Paulo ostei muito de ter lido o livro As Prisões em São Paulo (Annablume/FAPESP), de Fernando Salla. O autor examinou quinze latas de documentos manuscritos, inéditos, sobre as cadeias de São Paulo, no Arquivo do Estado e encontrou, no Museu Penitenciário, registras administrativos e prontuários de presos que continham o dia-a-dia da Penitenciária do Estado nas suas duas primeiras décadas. O resultado dessa análise é uma investigação sociológica imprescindível para os que têm a pretensão de entender os caminhos da violência e o encarceramento em São Paulo. O autor recua até 1787, quando a Cadeia de São Paulo foi construída no Largo São Gonçalo. Já, então, o espaço ocupado pelos presos era dividido de forma pouco democrática: as "enxovias", celas com acesso por alçapões abertos no piso superior, destinadas aos escravos e aos pobres em geral, e as "salas livres" para a gente "qualificada". Havia, ainda, uma cela "oratório", na qual os condenados à morte recebiam conforto religioso. As freqüentes tentativas de fuga, imundície e a entrada de bebidas alcoólicas através das grades que davam para a rua levaram à construção da Casa de Correção, inaugurada em 1852, na avenida Tiradentes. Surgem as muralhas para separar os detentos do "cidadão de bem", e as primeiras preocupações com a requalificação dos criminosos, de acordo com os dois principais modelos adotados na época: o de Filadélfia, segundo o qual o prisioneiro devia ser mantido em isolamento contínuo, diurno e noturno, trabalhando na própria cela; e o modelo de Auburn, que preconizava uma fase inicial de isolamento, seguida de outra em que o condenado trabalhava de dia, em silêncio completo, e era trancado à noite. Embora o modelo de Filadélfia tenha sido rejeitado na Casa de Correção, os documentos examinados por Fernando Salla relatam punições violentas, por meio das quais os desobedientes eram castigados fisicamente e trancados em ca-

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labouços a pão e água. Os dados mostram que, em 1878, a prevalência de suicídios foi de 1,8%; a mortalidade geral foi de 21%, em 1884. A seguir, Salla faz um levantamento das idéias que começaram a ganhar consistência nos últimos anos do século XVIII, atribuindo à ciência "um papel fundamental na prevenção do crime e punição do criminoso". Nessa época, surge a escola de antropologia criminal, ou lombrosiana, que procurava caracterizar o crime e as penas punitivas de acordo com suas determinações biológicas, sociais e psicológicas. Segundo ela, o criminoso seria portador de uma doença que lhe escaparia ao arbítrio e exigiria tratamento penal. Assim, segundo Salla, "as elites compuseram uma representação de sociedade ordeira e disciplinada, na qual todo aquele que não estivesse a ela adaptado seria candidato às instituições especializadas para o seu atendimento": prisões, hospícios, asilos para mendigos e recolhimento de menores. Essas idéias levaram à inauguração da Penitenciária do· Estado, no Carandiru, em 1920, "modelo de disciplinamento do preso como trabalhador", concebida com o firme propósito de conter o crime e regenerar o criminoso. Com ela, o Estado de São Paulo, que se industrializava rapidamente, "acompanhava a marcha geral dos países civilizados no tocante ao regime penitenciário". Não havia visitante ilustre que não fosse levado a conhecer a Penitenciária. Segundo relatos, apenas no ano de 1927, mais de 26 mil pessoas visitaram as instalações do presídio. No entanto, ao lado do trabalho ordeiro e silencioso dos presos exibido aos visitantes, havia uma realidade que não escapou ao escrutínio do pesquisador. Por meio de documentos oficiais e prontuários de detentos, Fernando Salla penetrou o mundo secreto da prisão.

DRAUZIO VARELLA é oncologista clínico e médico voluntário na Casa de Detenção


REVISTAS Fundamentos em Ecologia Escrito pelo professor Ricardo Motta Pinto-Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, este lançamento da Artmed Editora preenche uma lacuna importante no estudo da ecologia no Brasil como uma das obras pioneiras (e o que é melhor, com informações atualizadas) nesta matéria em língua portuguesa e com as vistas voltadas para o estudo de regiões tropicais, tocando de perto os nossos problemas com o ambiente. Destinado a estudantes (mas também a profissionais da área), o livro analisa a ecologia de populações, de comunidades e a ecologia de processos.

Estudos Avançados 38 Publicação quadrimestral do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo SSJl fsruoos A VANÇADOS e dirigida pelo professor Alfredo Bosi, este novo número de Estudos Avançados traz um alentado dossiê sobre o trabalho escravo de hoje e no passado, com textos de Ricardo Figueira, William Cohen, Ela Wiecko Castilho. Além disso, a revista também apresenta uma série de ensaios sob a rubrica Brasil: Dilemas e Desafios, reunindo nomes como Celso Lafer, Helio Jaguaribe, José de Souza Martins, Luiz Carlos Bresser Pereira e Paul Singer. Mais: Lorenzo Mammí discute a música no pensamento de Santo Agostinho e Mauro Leonel revisa a Bio-sociodiversidade.

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O Quinto Milagre Cada vez mais o "quem somos e de onde viemos" ganha respostas mais esclarecedoras. É o que se propõe o físico (doutor pela Universidade de Londres) Paul Davies nesta edição da Companhia das Letras. Revendo todas as teorias conhecidas sobre a formação da vida na Terra, o pesquisador britânico, autor de mais de 20 livros sobre esse assunto, não teme a polêmica de discutir algumas novas hipóteses, entre elas a panspermia, que postula ter a vida terrena se originado de formas microscópicas vindas de outros planetas por meio de asteróides. Concorde-se ou não com essas teorizações, Davies as apresenta com rigor científico, deixando ao leitor as conclusões finais.

Pierre Bourdieu Com o subtítulo Teoria do Mundo Social, este lançamento da Editora FGV traz uma reflexão de Louis Pinto sobre as idéias nem sempre bem aceitas do ousado sociólogo francês. Pode-se não gostar dele, mas é preciso, sem dúvida, conhecer suas idéias, que colocam em que a relação do indivíduo com a cultura e refletem sobre a própria prática científica. Este guia permite entrever os meandros do pensamento de Bourdieu, já em si herméticos, na medida em que disseca os jogos sociais em geral invisíveis ao nosso entendimento.

Comunicação e Educação 18 Publicação do Curso de Pós-Graduação lato sensu do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP, a nova edição traz o sociólogo Renato Ortiz numa entrevista em que se discute a identidade cultural e a crise do Estado-Nação. Ismail Xavier discute a nova produção do·cinema nacional e A.P. Quartim de Moraes avalia sua experiência à frente da Editora do Senac. Professoras analisam o papel da mídia impressa e televisiva na formação de seus alunos. Ainda neste número, uma homenagem a poeta Cora Coralina.

Brazilian Journal Este é o volume 33, de maio, da publicação mensal (em língua inglesa) Brazilian fournal of Medical and Biological Research, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), com artigos sobre investigação clínica, biologia experimental, imunologia, comportamento, farmacologia e biofísica. Entre os textos deste número: Introduction of Fos protein immunoreactivity for spinal cord contusion, Coexistence of potentiation and fatigue in skeletal muscle, entre outros. PESQUISA FAPESP · JUNHO DE 2000 • 57


BRUNO LIBERATI

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ESPECIAL

PENSANDO SAO PAULO Desenvolvimento e Emprego Seminário aponta caminhos para ampliar a capacidade de inovação e a consequente competitividade das empresas

o ano passado, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo tomou uma iniciativa inédita. Criou um organismo destinado a debater e a organizar soluções para o futuro do Estado. Chamado de Fórum São Paulo Século 21, esse organismo não se limita a discutir problemas. Quer também definir um modelo de sociedade e traçar um roteiro para chegar a esse objetivo. "A busca na construção de um projeto estratégico de desenvolvimento para o nosso Estado foi o grande caminho traçado no início dos nossos trabalhos", diz o presidente da Assembléia, deputado Vanderlei Macris. Os trabalhos do Fórum foram divididos em 16 grupos temáticos. Um deles é dedicado à Ciência, à Tecnologia e à Comunicação. O primeiro seminário promovido por esse grupo teve como tema o Desenvolvimento e o Emprego

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no Estado de São Paulo. Participaram como expositores Roberto Sbragia, do Núcleo de Política e Gestão em Ciência e Tecnologia da Universidade de São Paulo (USP); Luiz Henrique Proença Soares, da Fundação Seade; Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP; e Antônio José Corrêa Prado, do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas e Sócio-econômicas (Dieese). Neste encarte, a revista Pesquisa FAPESP publicaresumos das quatro exposições. Mais do que simples discursos, os expositores buscaram explicações e apresentaram caminhos para a solução dos problemas que cercam a produção de inovações e sua aplicação em São Paulo, além de seus efeitos sobre o índice de desemprego no Estado. A conclusão: os problemas existem, mas não são insolúveis. Acordar para a sua existência já significa andar boa parte do caminho.


A capacidade de inovação será diferencial no futuro

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O foco desta apresentação é o comara o professor Roberto portamento tecnológico do setor produSbragia, coordenador tivo brasileiro, do qual São Paulo particicientífico do Núcleo pa em boa proporção, diante da força de de Política e Gestão em Ciência sua indústria. Tive oportunidade de fae Tecnologia da Universidade zer, recentemente, uma apresentação semelhante, num fórum internacional, o de São Paulo (USP), a diferença Conselho de Pesquisa Industrial das competitiva entre as empresas, Américas, o Cira. É uma instituição que no próximo milênio, vai ocorrer à luz congrega as principais entidades voltadas inovações em produtos das para a articulação tecnológica, no e processos. "Isso é um axioma, âmbito das empresas e do setor produtivo, do Canadá à Argentina. não se discute", afirma. O grupo mais conhecido entre os inteMas, para que as empresas grantes do Cira é o Instituto de Pesquisas brasileiras se tornem realmente Industriais, o IRI, dos Estados Unidos. competitivas, há muitas barreiras Esse instituto congrega 300 empresas a serem superadas. Especialmente, Roberto Sbragia americanas. Tem 60 anos de existência e suas empresas são responsáveis por 80% a postura do próprio empresariado. dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecSbragia é professor titular do Departamento nológico nos Estados Unidos. Seu equivalente, no Brasil, de Administração da Faculdade de Economia, é a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Administração e Contabilidade da USP, das Empresas Industriais. Congrega, hoje, cerca de 55 na qual leciona desde julho de 1976. empresas, responsáveis por aproximadamente 25% dos investimentos empresariais em desenvolvimento tecnoÉ ainda assessor técnico lógico no Brasil. Portanto, está muito abaixo do que reda Associação Nacional de Pesquisa, presenta o IRI nos Estados Unidos. Desenvolvimento e Engenharia das Empresas O início da década de 90 foi um período no qual a Inovadoras (Anpei) e supervisor de projetas empresa brasileira procurou colocar a casa em ordem. na Fundação Instituto de Administração. Houve motivos para isso. A abertura económica, os planos de estabilidade e outros fatores marcaram o períoDepois de graduar-se pela USP, do. Vieram então uma certa estabilização económica, a em 1974, Sbragia obteve o mestrado abertura comercial, a atração de investimentos externos, e o doutorado em Política e Gestão a promoção da competição via valorização do consumida Inovação Tecnológica na mesma dor, a busca da eficiência e da qualidade e, também, a reuniversidade. Tem pós-doutorado novação de produtos. Esses fatos marcantes da década de 90 levaram as em Gerência de Pesquisa e Desenvolvimento empresas a uma grande evolução nos padrões de produno Instituto Tecnológico da Northwestern tividade e qualidade. Comparando os dados atuais com University, dos Estados Unidos, os do começo desta década, vemos que a indústria braobtido em 1986. No mesmo ano, teve sua sileira passou por um período de otimização produtiva. Houve uma grande elevação nos parâmetros. Melhoradissertação de livre-docência ram, por exemplo, os índices de refugos, de devolução aprovada na USP. de produtos pelos clientes e de reclamações. A diminuição dos prazos de produção e outros fatores revelam, em geral, uma otimização e uma busca de eficiência e produtividade. Esses fatores marcaram a primeira metade da década de 90. 2

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P ENSAN D O SÃO PA U LO: D ESENV OLVIM EN TO E E MPRE GO

De acordo com estudos feitos pela Comissão EconôSe tomarmos como vértices de um triângulo o setor mica para a América Latina (Cepal), a indústria brasileiprodutivo, a infra-estrutura em ciência e tecnologia e o ra passou por um miniciclo de investimentos no período governo e suas agências promotoras, a integração, no de 1995 a 1997. Esses investimentos, porém, foram muisentido da promoção da inovação, deve partir da indústria. Ela é o segmento próximo do consumidor e, porto heterogêneos em termos de setores industriais. Seus efeitos foram pouco duradouros. Mas alguns setores obtanto, o elemento que reconhece as necessidades. É a tiveram maior rentabilidade, sobretudo os de transforpartir da indústria que a inovação deve passar por oumação e, nessa área, especialmente os relacionados com os tros elementos, com a agregação de valores, e retornar bens de consumo, devido a saltos tecnológicos e à adona forma de produtos e serviços melhores, mais baratos ção de novos produtos para tornar viáveis as exportações. e mais diversificados à disposição da comunidade. Na década de 1971 a 1980, os investimentos no BraEssa passagem, no Brasil, é bastante problemática. É sil representaram 8,4% do PIB. cheia de obstáculos que não perHouve, depois, decréscimos e mitem o funcionamento pleno acréscimos. Em 1997, com o audesse triângulo e de suas interfamento verificado nos estudos da ces. Examinemos, em primeiro ''Instrumentos Cepal, os investimentos chegalugar, o setor governamental. do governo, ram a 18% do PIB. Entre os setoApesar de alguns avanços recenres que tiveram crescimentos tes, o Brasil é caracterizado, nas quando existem, maiores estão a siderurgia e meáreas federal e estaduais, por inssão complicados talurgia, o setor de material de trumentos de política governatransporte e o setor de alimentos. mental pouco eficazes, quando se e de difícil Um fator importante são os trata de privilegiar a empresa investimentos diretos estrangeicomo foco de inovação tecnolóaplicação'' ros. Entre os países emergentes, o gica ou como carro-chefe da inoBrasil foi o que mais atraiu recurvação e da transferência de prosos durante a década de 90. Foi dutos e serviços inovadores para também o que menos perdeu investimentos no ano cría sociedade como um todo. tico de 1998, com relação à participação de cada país no Os instrumentos, quando existem, são muito comtotal dos investimentos mundiais das empresas transnaplicados e de aplicação difícil. São pouco transparentes cionais. A evolução foi notável. No início da década de e, muitas vezes, quase desconhecidos. Não ficam em vi90, o Brasil participava com 3,6% do fluxo mundial de gor por muito tempo e mudam a todo momento. Algucapitais estrangeiros. No fim da década, essa participamas vezes estão valendo, outras, não. Podem ser cortação subiu para cerca de 16%. No mesmo período, oudos e reeditados a qualquer momento, dependendo de tros países latino-americanos mostraram crescimento fatores externos. negativo. Esses instrumentos são excessivamente burocratizaHá muitas discussões sobre o valor real desses invesdos. Perde-se muito tempo para entendê-los e para usátimentos. As empresas transnacionais agregam valores los. Quando chegam a ser aproveitados, são pouco efiem diversas frentes. De um lado, há o investimento procazes, devido ao alto custo de utilização, o que acaba por dutivo, em fábricas e instalações. Do outro, o valor agreafugentar os usuários potenciais. Esses instrumentos gado em desenvolvimento tecnológico, emprego e ousão pouco participativos, no sentido de serem criados, tros fatores. Mas há quem seja pessimista com relação a testados e receberem o feedback dos usuários, serem reesses investimentos. Cita-se que os investimentos estranmodelados e melhorados ao longo do tempo. Acabam geiros muitas vezes se atêm à ciranda financeira e não influindo muito pouco no comportamento das empresignificam, necessariamente, uma soma de valor tecnosas. Não cumprem seu papel, assim, de alavancar o delógico. A questão tem vários pontos que merecem ser senvolvimento tecnológico no âmbito das empresas. discutidos. Mas o que interessa a este painel é o futuro. Existem vários exemplos disso. Vamos tomar apenas No novo milênio, a competitividade empresarial vai um, os incentivos fiscais para pesquisa e desenvolvimenestar cada vez mais atrelada à capacidade de inovação to tecnológicos empresariais, no âmbito da Lei 8661/93. das empresas. Ou seja, a diferenciação competitiva vai Essa legislação foi criada no Brasil depois de vários estuocorrer à luz das inovações em produtos e processos. dos, que começaram por volta de 1983 e 1984. Eles levaIsto é um axioma. Não se discute. É uma realidade. Mas ram a algumas leis, que foram sendo modificadas contemos, no País, uma série de barreiras que dificultam a forme novos governos tomavam posse. Finalmente, em relação entre empresa, governo e infra-estrutura cientí1993, os incentivos entraram em vigor. Pois bem. Essa lefica e tecnológica para a promoção da inovação. gislação, criada em 1993 e modificada recentemente, em PESQUISA FAPESP

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PENSANDO SÃO PAULO: DESENVOLVIM E NTO E EMPR EG O

1996, por força da crise fiscal, reduziu, na prática, os benefícios fiscais às empresas a patamares muito inferiores aos praticados no mundo desenvolvido. O Canadá é o país mais avançado na legislação fiscal para beneficiar os investimentos empresariais. Ele permite que as empresas reduzam do imposto de renda a pagar de 20 a 25% dos gastos comprovados em desenvolvimento. Os Estados Unidos concedem benefícios semelhantes. A Austrália permite uma dedução única na forma de dedução das despesas operacionais, com um impacto no imposto de renda a pagar. O Brasil permite uma redução muito pequena, limitada a 4% do imposto de renda a pagar pelas empresas. Nesse limite, porém, também entram programas como os subsídios à alimentação e ao transporte do trabalhador. Na prática, não existe nenhum benefício fiscal hoje para uma empresa que queira investir em pesquisa e desenvolvimento tecnológicos no Brasil. Isso acontece apesar de as boas empresas conhecerem a legislação. Numa pesquisa recente, feita pela Fiesp, 77% das empresas declararam conhecer esses incentivos. No entanto, 90% não utilizam a legislação. Como causa, foram citados diversos problemas, principalmente os custos envolvidos. O uso dos incentivos demanda, por exemplo, a contratação de consultores externos e a preparação de minuciosos projetos para serem aprovados pela máquina governamental. Na prática, exige muito mais tempo do que o prazo necessário para que uma inovação seja produzida com sucesso e chegue ao mercado antes dos concorrentes. Quanto ao papel das universidades e institutos, eles ainda estão vinculados a tradições nas quais o papel da empresa é pouco reconhecido como parte do sistema de inovação. Isso é particularmente destacado, caracterizado e evidenciado pela excessiva ênfase na produção de papers e não em patentes para o uso dos resultados da pesquisa. A produção de patentes no Brasil é baixíssima. Os investimentos do poder público para a inovação por meio das universidades são pouco orientados para a demanda. É uma atitude ainda muito ofertista, que pretende colocar o conhecimento à disposição de quem quiser fazer uso dele, mas sem estabelecer uma vinculação a priori com a demanda. Existem estudos mostrando que somente as grandes empresas interagem com as universidades e tiram proveito do trabalho dessas instituições. Isso ocorre em detrimento das pequenas e médias empresas. Por mais paradoxal que isso possa parecer, são justamente as pequenas e médias empresas as 4

que mais necessitam do apoio da infra-estrutura externa, devido à sua pouca capitalização. Mas são também aquelas com menos condições de usar esse apoio, em função de suas deficiências. Elas começam pela inexistência de pessoas capazes de articular, interagir e falar o linguajar mínimo necessário para colocar a empresa em condições de comunicar-se com a infra-estrutura científica. As grandes empresas, por sua vez, investem mais em desenvolvimento tecnológico e têm mais pessoas alocadas internamente para o esforço de inovação. Têm, assim, uma infra-estrutura mais capaz de aproveitar o esforço de pesquisa efetuado pelas universidades e institutos. Apesar desse ambiente pouco estimulante, as empresas mostram uma preocupação levemente crescente com relação ao futuro. No que se refere ao esforço em inovação, porém, ele tende mais à estabilidade do que ao crescimento. Isso fica evidente quando se analisa o histórico da alocação de recursos financeiros pelas empresas para a inovação e para o aumento da qualidade do esforço de inovação. De qualquer maneira, há uma certa preocupação em não diminuir as equipes técnicas mais do que proporcionalmente se diminuiu a força de trabalho global das empresas nestes últimos anos e, principalmente, em obter ganhos de competitividade com a introdução de novos produtos no mercado. Esses são fatores muito importantes. De qualqúer maneira, os dados sobre indicadores empresariais e inovação tecnológica entre 1993 e 1997 mostram números bastante estáveis. O gasto anual fica na faixa deUS$ 7 milhões por empresa, em média. Trata-se de um gasto bastante estável, sem muitas variações ao longo do período. A pequena tendência de aumento do investimento total ocorreu muito mais pela entrada de novos players e pelo reconhecimento de operações antes desconhecidas do que propriamente pelo aumento das despesas das empresas que já participavam do jogo. É assim que se explica o aparecimento, nas estatísticas governamentais, de um crescimento da participação do setor produtivo nos gastos em desenvolvimento tecnológico no Brasil. Por esses dados, essa participação passou de algo em torno de 15 a 20%, no início da década de 90, para 32% em 1997. É importante notar: as empresas que respondem por esses números representam apenas um terço do PIB industrial brasileiro. Isso significa que existem grandes possibilidades de expansão, se não ocorrerem grandes crises econômicas e os PESQUISA FAPESP


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governos colocarem em prática medidas de ordem políutilizado no País. Há a questão dos incentivos fiscais, que tica com esse objetivo. tendem a ser confundidos, muitas vezes, com subsídios e O futuro do comportamento empresarial e inovador doações. Isso cria uma atitude negativa, não só para a sono Brasil está atrelado à busca de uma competência inciedade, mas para o governo e o empresário. Os incentiternacional, não somente nacional. Ela pode ser obtida vos acabam por não ser utilizados, quando países desenpor meio de ganhos de produtividade, eficiência e quavolvidos, que competem com o Brasil, os usam e usam lidade e mediante outros fatores, como qualificação de muito bem. Aliás, é o único incentivo permitido no âmpessoal e interesse na busca do conhecimento. Isso deve bito da Organização Mundial de Comércio (OMC). ocorrer num ambiente de flexibilidade total, sob todos Outro problema é o da qualificação universitária e os pontos de vista, operacional, financeiro e outros. absorção de pessoal universitário pelas indústrias, espeEssa competência internacionalizada, por meio desses cialmente no nível de doutores. Já formamos 4 mil doufatores, é que permitirá ao Brasil tores por ano. Mas uma parcela atingir um estágio de sustentabiliínfima desse pessoal está na indade dinâmica. Ela depende de dústria. A formação básica profismuito mais do que do aumento da sional no Brasil é ruim. O ensino mercado eficiência produtiva e de otimizatécnico, para não falar da educabrasileiro ções de plantas e produtos. Essa ção básica, é apenas sofrível. No sustentabilidade dinâmica deve Brasil, há pouco pessoal de nível pouco crítico criar condições para que as emmédio trabalhando nas empresas. com relação presas brasileiras sejam capazes de Isso faz com que os PhDs, os poucompetir internacionalmente e se cos que existem, façam trabalhos aos produtos insiram na cadeia mundial. Isso de bancada, deixando de se connão se consegue apenas com a oticentrar no principal objeto do seu que consome'' mização de plantas e produtos, trabalho, o criativo. Nos países mas com conhecimento, qualificadesenvolvidos, há uma relação de ção e flexibilidade. um PhD para três técnicos de níPara que isso aconteça, o Brasil e principalmente vel médio. No Brasil, a relação é quase o inverso. seus Estados desenvolvidos, que querem progredir e Existe também uma questão cultural. O Brasil precitêm massa crítica para isso, vão ter de criar uma série de sa melhorar muito a interação e parcerias entre a emcondições. Elas passam por vários fatores que não são presa e as universidades e os institutos. Esta não é uma triviais, simples ou singulares. Uma das primeiras dessas crítica apenas os institutos e universidades. É também condições é a governabilidade, a capacidade mínima de uma crítica aos empresários, à sua postura imediatista e gestão do País. Há países ingovernáveis. Esses não têm à pouca credibilidade que dão a essas instituições. A sinenhuma possibilidade de progresso. tuação melhorou muito nesta década. Vários paradigNão se podem esquecer as condições económicas. Enmas foram rompidos. Mas ainda está distante o aparecitre elas estão a estabilidade e a liberalização. Elas são immento de uma relação profícua entre os dois setores. portantes, precisam ser mantidas e conquistadas. Os inA sociedade deve ser mobilizada em torno da inovavestimentos necessitam dessas condições. Há também ção. É necessário, particularmente, aguçar o espírito críuma série de políticas públicas que precisam ser aplicadas, tico do consumidor. O mercado brasileiro é pouco críprincipalmente na área das exportações. O Brasil é um país tico com relação aos produtos que consome. Agindo muito carente no setor das exportações, que são pequeassim, não estimula a competitividade e não apóia o nas e concentradas em pouquíssimas empresas. A grande diferencial competitivo das empresas. Aceita o que se massa de empresas pequenas e médias não exporta. coloca na mesa, sem rejeitar. Isso é importante. O merPara que as pequenas e médias empresas brasileiras poscado é um dos maiores indutores do investimento tecsam exportar, é necessário proteger a propriedade industrial nológico por parte das empresas. e intelectual e criar redes de excelência. O Brasil precisa Mas isso pouco adiantará se não houver uma mucapitalizar aquilo que sabe fazer melhor, o que conhece dança na postura empresarial. O Brasil ainda está longe bem e onde é diferente das grandes potências mundiais. de ter uma postura empresarial voltada para a inovação É preciso definir prioridades setoriais. O País não pode e para a valorização da tecnologia como instrumento de ser o melhor em tudo. É necessário selecionar setores e competitividade. Há ilhas de excelência, empresários potencialidades. Com os parcos recursos dos quais oBranotáveis, posturas dignas de nota. Mas isso é muito mais sil dispõe, é impossível atacar em todas as frentes. exceção do que regra. O Brasil ainda sente a necessidaÉ preciso tratar, também, da situação financeira, em de de uma classe empresarial com uma visão mais volparticular os desafios ao capital de risco, muito pouco tada para o futuro.

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Esforço de inovação ainda restrito a poucas empresas ~ No ano passado, a Fundação Sistema s números transmitidos § Estadual de Análise de Dados (Seade) diao grupo de trabalho pelo 0 vulgou os resultados de uma pesquisa sodiretor-adjunto de Produção " bre a atividade econômica do Estado de de Dados da Fundação Sistema São Paulo que trouxe dados inéditos soEstadual de Análise de Dados bre o panorama empresarial. Trata-se da Pesquisa da Atividade Econômica Paulis(Seade), Luiz Henrique Proença ta (PAEP). A metodologia desta pesquisa Soares, não deixam dúvidas: foi criada no início da década de 90. Ela o interior está crescendo, surgiu da percepção da Fundação Seade, mas a parcela da capital e das como órgão produtor de informações socidades próximas na atividade bre o Estado de São Paulo, de que faltavam estatísticas econômicas sobre oBraeconômica do Estado de São Paulo sil e, especificamente, sobre o Estado. O continua a ser de enorme maioria. último censo econômico do IBGE fora Com base numa minuciosa pesquisa realizado em 1985; em 1990, não houve realizada pela Fundação, censo econômico; em 1994, finalmente o Proença Soares levantou também Luiz Henrique Proença Soares IBGE começou a aplicar uma nova estratégia de produção de estatísticas econôdois aspectos muito importantes micas, sem, no entanto, contemplar indicadores qualitapara o futuro da capacidade inovadora tivos. do Estado: a pesquisa e o desenvolvimento Todo o processo de mensuração econômica em relaestão concentrados em apenas umas poucas ção às atividades produtivas estava, assim, bastante deempresas; e a maioria das empresas fasado e carente. Além de o Censo de 1990 não ter sido realizado, as pesquisas anuais do IBGE, sobre indústria, usa a inovação apenas como atividade comércio, construção civil e transportes, estavam com defensiva, para manter fatias de mercado, sua divulgação atrasada. Isso era resultado de uma renão como instrumento para o futuro. forma admini:Strativa, na minha opinião bastante desasProença Soares formou-se em 1977 em trada, que no início dos anos 90 e final dos anos 80 atinCiências Sociais pelo Instituto de Filosofia, giu a administração pública federal e penalizou sensivelmente o IBGE . Ciências e Letras da Universidade A Fundação Seade e um conjunto de usuários de inde São Paulo (USP). Em 1979, obteve formações econômicas identificaram três focos de preoo diplôme d'études approfondies pelo Instituto cupação em relação às estatísticas econômicas. Um dede Urbanismo de Paris, da Universidade les era a mensuração econômica propriamente dita, de Paris XII, e, em 1982, um doutorado tradicionalmente coberta pelo censo econômico e pelas pesquisas anuais, as quais, apesar de serem amostrais, tiem Urbanismo pelo mesmo instituto. Entre nham cobertura bastante expressiva. suas áreas de atuação, estão administração Além da mensuração, havia uma preocupação sobre pública, planejamento urbano e regional, a questão da reestruturação produtiva, que, nos primeipolíticas públicas e sistemas de informações ros anos da década de 90, já se anunciava na economia sacio econômicas. Suas atividades brasileira. Havia, nessa época, muito pouca, ou mesmo nenhuma, informação estatisticamente representativa na Fundação Seade incluem a supervisão sobre os vários aspectos envolvidos nesse processo, nem geral da homepage e de toda a política sobre sua abrangência, intensidade, distribuição setorial de informática da entidade. e outros fatores.

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Em terceiro lugar, no caso do Estado de São Paulo, era muito importante acompanhar uma dinâmica socio6

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e mais do que 5, foi feita uma amostragem. No caso do econômica territorial que as pesquisas anuais do IBGE comércio, foram investigados todos os estabelecimentos não mostram. A partir dessas pesquisas, só é possível secom mais de 20 empregados e, abaixo disso, feita uma parar dados para a Região Metropolitana e para o resamostragem, até os que contavam apenas 1 empregado. tante do Estado. A economia regional no Estado de São Além disso, foram investigados dois segmentos no setor Paulo é bastante dinâmica e significativa em determinade serviços, as empresas produtoras de serviços de infordos aspectos. Era, assim, uma questão fundamental ter mática e os bancos. No caso dos bancos, todos os grandes uma idéia dessa representatividade no âmbito regional. e médios bancos responderam à pesquisa. A PAEP cobriu indústria, comércio e serviços, sendo No setor de informática, foram investigadas todas as que, dentro da indústria, houve uma extração específica empresas com mais de 20 empregados e, abaixo disso, para a construção civil. Foi criada também uma abordaf~ita uma amostra. Tanto as empresas maiores como o gem específica para a agroindústria, que no Estado de São universo amostral das empresas Paulo é um segmento econômico de menor porte respondem por bastante importante e significativo. uma proporção de 80 a 85%, tanPara todas as variáveis, espeto com relação ao valor adicionacialmente as que dizem respeito à ''No setor do como ao pessoal ocupado no reestruturação produtiva, procude informática, Estado de São Paulo. Portanto, os rou-se obter dados capazes de seresultados da pesquisa puderam rem comparados com os resultanforam investigadas ser expandidos para todo o unites dos sistemas estatísticos de todas as empresas verso de empresas do Estado de âmbito nacional, especialmente a São Paulo, com bastante proprienova Classificação Nacional das com mais de Atividades Econômicas (CNAE), dade e tranqüilidade. A tarefa era bastante complexa e toda a série de procedimentos 20 empregados'' e inovadora e precisou ser partilhametodológicos adotada pelo da com outros parceiros. A FunIBGE. Também foram consideradação procurou de imediato as dos os procedimentos internacioprincipais universidades e centros de pesquisa paulistas, nais, especialmente os ancorados nos procedimentos reem busca de apoio metodológico e teórico. Em seguida, comendados pela OCDE e consubstanciados no Manual foi às entidades do empresariado - Fiesp, Federação do de Oslo. Assim, os resultados são altamente comparáveis Comércio, Associação Comercial, Sinduscon - buscar o com os produzidos por outras pesquisas em todo o seu apoio institucional, a divulgação por meio de sua roímundo. Essas comparações estão sendo feitas e esperamse alguns resultados bastante interessantes. dia específica e também um diálogo, para verificar se as questões estavam adequadamente formuladas e se se conNa mensuração econômica, algumas variáveis básicas foram investigadas. Em relação à reestruturação seguiria nívei~ de compreensão adequados por parte do universo empresarial. O objetivo era reduzir as recusas e produtiva, procurou-se gerar indicadores para itens aumentar o nível de confiabilidade das respostas obtidas. como inovação tecnológica, novas formas de gestão, fuFoi mantido um contato constante com o IBGE e sões, automação, informática e requisitos para contrataobtido o apoio extremamente importante da agência fição de pessoal. nanciadora de pesquisas no Estado de São Paulo, a FAHá uma abordagem importante na área de requisitos de contratação, já que a Fundação Seade, juntamente PESP, responsável pelo financiamento do trabalho de com o Dieese, realiza pesquisas de emprego e desemprecampo da pesquisa. A FAPESP respondeu por uma parcela importante do custo total. A Fundação recebeu, go. Havia uma percepção muito nítida das mudanças no também, um financiamento da Finep para a realização mercado de trabalho ao longo dos quase 13 anos de desse trabalho. Ambas arcaram com cerca de um terço existência da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED). do custo total da pesquisa, sendo o restante financiado No entanto, não havia nada em relação ao universo empelo orçamento da própria Fundação. presarial, sobre a visão das empresas em relação à mudança do mercado, seja do ponto de vista do aumento Essa articulação foi muito interessante, porque enriquedos índices de desemprego, seja do ponto de vista da ceu a pesquisa e a tirou dos muros da Fundação Seade, que, precarização dos vínculos e das relações de trabalho. por mais capacitada que possa ser, jamais poderia dar conta, sozinha, de uma tarefa tão complexa. Na disseminaEm relação às indústrias, foram investigados todos os ção dos resultados, foi adotada uma postura inovadora, no estabelecimentos com mais de 30 empregados. Realizousentido de divulgar os microdados, preservando-se o sise, portanto, um verdadeiro censo em todos os estabelegilo da fonte. Os microdados são divulgados para que os cimentos de maior porte do Estado de São Paulo. Nos estabelecimentos industriais com menos de 30 empregados próprios pesquisadores possam construir suas tabulações. PESQUISA FAPESP

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car, do leite, do fumo e das conservas. São Paulo é o priHá um CD-ROM com os dados à disposição dos meiro produtor nacional de cana-de-açúcar e o maior usuários na Fundação Seade. A intenção é que uma pesprodutor mundial de suco de laranja, produzindo soziquisa desse tipo seja realizada a cada quatro anos. Esta foi a primeira e estabelece um patamar de comparação nho mais suco de laranja do que os Estados Unidos. Do ponto de vista da distribuição da agroindústria para toda uma série de indicadores. Há a intenção de no território paulista, um dado que salta à vista é, tamproduzir uma nova pesquisa no ano 2001, relativa à sibém, a forte concentração da atividade agroindustrial tuação do ano 2000. na Região Metropolitana. Quase 25% da agroindústria Ocorreu outro fato muito importante na questão das parcerias. O Consórcio Intermunicipal do ABC manipaulista está concentrada na Região Metropolitana. Somando-se a participação da região de Campinas, chegafestou interesse em conhecer melhor sua realidade. Prese à metade. No resto do Estado, a distribuição regional tendia fazer um censo econômico. Acabou tornando-se é bastante menos expressiva, apeum parceiro regional. Financiou sar de importante na estrutura uma expansão da amostra, de econômica regional. maneira que há dados específicos As atividades ligadas ao copara a região do ABC e cada um ''A concentração mércio estão melhor distribuídos seus municípios, sobre o proda atividade das. Existe uma proporcionalidacesso de reestruturação produtiva de maior, que quase acompanha a na região. produtiva distribuição populacional. Isso só O Estado de São Paulo tem na Região não ocorre com o comércio atauma estrutura bastante diversificadista, que ainda está fortemencada quanto às suas empresas. Há Metropolitana te concentrado na Região Metroconcentrações que variam conpolitana e pela existência de forme o tipo de análise. Mas, do fortíssima'' comércio mais sofisticado na · ponto de vista de qualquer um Grande São Paulo. dos três enfoques usados na pesNo caso dos serviços de inforquisa, confirma-se de que se trata de uma economia bastante complexa, diversificada e mática, considerados nobres no processo de reestruturação produtiva, a concentração na Região Metropolitana com a presença de praticamente todos os setores signié infinitamente maior. É um setor de apoio à produção ficativos da indústria de transformação. Do ponto de vista regional, o que se nota, em prifortemente associado ao processo de modernização tecnológica e de reestruturação produtiva. Nada menos do meiro lugar, é uma fortíssima concentração da atividaque 79% das unidades, 85% do pessoal ocupado e quase de econômica na Região Metropolitana de São Paulo. 91% do valor adicionado estão concentrados na Região Ela representa quase 57% dos empregos e mais de 60% Metropolitana. Fora dessa área, há apenas duas particido valor adicionado do Estado. Há uma expansão despações dignas de nota: a região de Campinas, em que há sas atividades para a região imediatamente próxima. Se traçarmos um círculo com raio de 150 quilômetros a um grande número de locais e pessoal ocupado, mas um partir da capital, os valores chegam de 80 a 85% do toíndice baixo de valor adicionado, e a região de São José tal do Estado. Entram nessa área, basicamente, cidades dos Campos, onde ocorre o inverso. É interessante notar a existência, no Estado, de um como Jacareí, São José dos Campos, Jundiaí, Campinas, grande número de empresas industriais de pequeno Americana, Limeira, Sorocaba, Votorantim e seus enporte, responsáveis por parcelas muito pequenas do vatornos. lor adicionado e do pessoal ocupado. Inversamente, Essa forte concentração da atividade econômica, num raio de alguns quilômetros a partir da praça da Sé, existe um pequeno número de grandes empresas, resocorre apesar de todo o processo de interiorização veriponsáveis por uma parcela extremamente significativa do valor adicionado e também do emprego. ficado ao longo dos anos 70 e no começo dos anos 80, Essa é a distribuição das unidades industriais no noscomo fruto da política de atenuamento de desigualdaso Estado. A análise por porte que se seguiu à coleta de des regionais do segundo PND. A interiorização acontedados mostrou que a estrutura salarial das empresas do ceu. Grandes investimentos públicos foram realizados Estado tem forte assimetria. Os salários médios pagos no interior, levando indústrias e empresas para fora da capital. Mas, paralelamente, continuaram a ocorrer inpelas grandes empresas chegam a ser o triplo dos pagos vestimentos muito fortes na atividade industrial dentro pelas empresas menores. Mesmo assim, há algumas surda Região Metropolitana. presas. Das grandes empresas, 8% por exemplo, não têm programas de alimentação para os funcionários e 23% A agroindústria tem uma situação específica. Existe não têm programas de transporte. um peso muito grande da agroindústria da cana-de-açú-

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contratam pessoal para Pesquisa e Desenvolvimento. A forte assimetria existente com relação ao porte das Mas, em termos absolutos, sua participação na estrutuempresas industriais no Estado de São Paulo foi repetida com freqüência em vários indicadores produzidos ra econômica do Estado como um todo é baixa. Um interesse da pesquisa foi o de conhecer os motipela pesquisa, não deixando dúvidas de que ele reprevos considerados importantes ou muito importantes senta uma variável capaz de explicar vários aspectos da pelas empresas para a realização de inovações. Os moperformance de uma empresa. tivos mais freqüentemente mencionados para as inovaA pesquisa investigou também, do ponto de vista da ções, tanto de produtos como de processos, estão ligaorigem do capital, a questão do controle patrimonial das dos a razões defensivas, para a manutenção de fatias de empresas. Entre as empresas de capital estrangeiro, o líder participação no mercado. Portanto, as variáveis de entre os investidores é a União Européia, tomada como mercado pesam mais que uma postura pró-ativa, destium bloco. Isoladamente, os Estados Unidos ocupam o nada a antecipar novas tecnoloprimeiro lugar. Mas a União Eurogias ou novos processos tecnolópéia, tomada como um todo, supera os Estados Unidos, ficando a gicos, ampliar o mix de produtos da empresa ou substituir produAlemanha, membro desse bloco, ''os motivos tos obsoletos. Essas razões, muium pouco abaixo dos Estados mais mencionados tas vezes importantes, estão entre Unidos: . as menos mencionadas ou entre Em relação à competitividade, para as movaçoes as consideradas menos imporforam selecionados, para esta estão Iigados apresentação, quatro indicadores: tantes. A pesquisa tentou conhecer exportações, treinamento, técnia razoes também as fontes da inovação, as cas de gestão de qualidade total e áreas onde as empresas mais freinovação, aqui entendida tanto defensivas'' qüentemente buscam conhecicomo de produto como de promentos para suas inovações. Oucesso. Os quatro mostraram comportamento semelhante, fortetra vez, ficou claro que as fontes mente explicado pelo porte das empresas. ligadas ao mercado, como clientes, fornecedores, concorrentes e feiras, têm um peso muito grande. O porte da Outro trabalho foi o de analisar a distribuição de aspectos ligados às estratégias de reestruturação produtiempresa é significativo para explicar algumas respostas. va pelos diversos segmentos empresariais. Um exemplo As grandes empresas aparecem com muito mais freqüêndisso é dado pelo setor de alimentos e bebidas, que recia entre as que têm departamento próprio de pesquisa e presenta uma parcela bastante expressiva do setor indesenvolvimento. O trabalho confirmou uma participação relativamente dustrial paulista, aparecendo em penúltimo lugar com baixa dos ins~itutos de pesquisas e das universidades nesrelação ao número de empresas consideradas inovadoras, mas no qual o valor produzido por essas empresas se processo de geração de inovação das empresas. É inteinovadoras é proporcionalmente elevado. É possível diressante notar que há uma forte corroboração das concluzer que na indústria do Estado convivem empresas com sões a que o professor Roberto Sbragia, que falou antes de mim, chegou com relação à falta de mecanismos para estrutura empresarial e tecnológica antigas com empreuma adequação entre oferta e demanda de novas tecnosas modernas e avançadas. logias, entre produção de teses e registro de patentes. Outro aspecto importante é que, entre as estratégias Há ainda na pesquisa um bloco de questões voltadas da gestão de produção mais freqüentemente adotadas para a relação das empresas com meio ambiente e a pelas empresas, há uma ocorrência maior de respostas voltadas para os novos métodos de organização do traidentificação de oportunidades de negócios ou de riscos balho, os quais, entre outros aspectos, comportam um para a atividade desenvolvida, a partir de seu envolviaumento do desemprego. mento nessa área. Os dados sobre pessoal alocado em Pesquisa e DeNós, na Fundação Seade, estamos à disposição para senvolvimento mostram que o esforço de inovação é aprofundar esta reflexão e trazer novos aspectos inexbastante desigual. Uma presença muito forte da Emplorados. Mais que isso: contamos com a comunidade de usuários, no sentido de utilizar essa pesquisa e nos braer, por exemplo, pode elevar um índice até torná-lo muito superior ao de outros setores. Quando se exclui a dar retorno em relação à realização da próxima PAEP. A Embraer, há uma queda para um patamar inferior. Exisprodução de estatísticas é assunto eminentemente pútem, assim, empresas que elevam os indicadores para blico, financiado pelo setor público, e não deve haver patamares mais elevados, mas de um ponto de vista nenhuma ilusão quanto a este aspecto. Ela deve ter reapenas relativo. São empresas que alocam recursos e torno para os usuários.

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Como o Brasil pode • • se manter competitivo

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Dizem que a anedota seguinte nasceu

z uando estabelece g no curso de Economia da Universidade ~ as diferencas entre ~ Harvard. Dois sujeitos estão fugindo de universidade e empresa, ~ um tigre. Na floresta, um deles pára para calçar o tênis. O outro diz: "Não adianta o professor Carlos Henrique calçar o tênis, você nunca vai conseguir de Brito Cruz fala com correr mais do que o tigre': O que está calconhecimento de causa. çando o tênis responde: "Não, mas vou O presidente do Conselho Superior correr mais do que você". da Fundação de Amparo à Pesquisa Competitividade vem da capacidade de agregar conhecimento ao que se faz. do Estado de São Paulo (FAPESP) Para analisarmos a situação paulista, usae titular da área de Eletrônica rei algumas comparações internacionais. Quântica da Universidade Estadual Assim, poderemos situar os dados que tede Campinas (Unicamp) trabalhou mos e ver se está boa ou ruim. É a história num dos mais conceituados do tigre. Estamos correndo mais depressa ou mais devagar do que os competidores? centros de pesquisas particulares Carlos Henrique de Brito Cruz Já conseguimos, tanto no Brasil quando mundo, os Laboratórios Bell, to em São Paulo, um notável desenvolvida AT&T, de março de 1986 mento da capacidade de fazer ciência. O número de proa agosto de 198 7. A isso se soma duções científicas originadas do trabalho feito no Brasil a experiência de ter sido diretor do Instituto publicadas em revistas internacionais praticamente quadruplicou. Pouco mais que a metade dessa produção é de Física da Unicamp, de 1991 a 1994, feita no Estado de São Paulo (figura 1). e em seguida pró-reitor de pesquisa Ao lado desse aumento na capacidade de se produzir da mesma universidade, até 1998. ciência, simultaneamente, houve também um aumento Na sua exposição, ele demonstrou na capacidade de formar pessoas com a qualificação neque o Brasil e São Paulo ainda têm muito cessária para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, pessoas com conhecimento, que é o objeto do o que caminhar para se tornarem nosso assunto. Estamos formando mais de 4 mil doutoverdadeiramente competitivos, mesmo res por ano no Brasil. com relação a países como Israel e Coréia É importante registrar que o crescimento dessa capado Sul. Mas também citou fatos positivos, cidade deve-se, praticamente, ao esforço do Estado, na escomo o aumento da formação de doutores fera federal e estadual, que fez os investimentos necessários. Podemos, porém, discutir se esses investimentos e a publicação cada vez maior de papers deveriam ser maiores. Minha conclusão, com base nos pelas universidades brasileiras. dados que vou mostrar a seguir, é a de que os investimenBrito Cruz é engenheiro eletrônico formado tos deveriam ser mais intensos. pelo ITA de São José dos Campos, Na análise da capacitação tecnológica a situação nos é em 1978. Fez mestrado e doutoramento mais desfavorável. É possível dimensionar essa capacidade por meio do número de patentes que o Brasil registra nos pelo Instituto de Física Gleb Wataghin, Estados Unidos. Em 1996, a soma de todas as patentes orida Unicamp, onde iniciou sua carreira ginárias de pessoas do Brasil e lá registradas foi de 56. A de professor em 1982. soma das originárias da Coréia do Sul, foi de quase 1.500,

um número 30 vezes maior. Se olharmos para o tigre, o tênis deles está melhor do que o nosso. As empresas e as indústrias sul-coreanas estão mais capazes de gerar e trabalhar com conhecimento do que as do Brasil. lO

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PE N SAN DO SÃO PAUL O: DESE NVO LVIME N TO E EMPRE G O

No Brasil há alguns mal-entendidos, quando se fala de outros 99%. É mais ou menos com isso que o Brasil prepatentes. Tem-se a impressão de que pesquisa é assunto cisa preocupar-se. Por outro lado, na capacitação tecnológica nossa participação é muito menor. Países que prode universidade. Isso é um equívoco. Pesquisa é assunto de duzem ciência tanto quanto nós, como Coréia do Sul e universidade, sim, mas é, talvez muito mais, assunto de emIsrael, têm situação bem superior na tecnologia. presa. É um equívoco achar que o Brasil produz poucas paOs investimentos totais em pesquisa e desenvolvimententes porque nossas universidades não fazem e não prito feitos pelos países são medidos em percentagem do PIB, vilegiam fazer patentes. Vamos considerar o número de não em volume. Assim, São Paulo costuma aparecer acima universidades nos Estados Unidos e quantas patentes fazem do Brasil. A percentagem do PIB paulista investido em pespor ano. Tomando o conjunto de todas as universidades quisa e desenvolvimento é maior do que o percentual brados Estados Unidos, vê-se que há dez universidades responsileiro. Se São Paulo fosse um país, estaria situado até um sáveis por duas patentes por ano e 25 universidades com 20 pouco acima da Espanha. patentes por ano. Quando se fala em investiO primeiro destaque é o FIGURA I seguinte: no ano de 1996, tomentos totais, porém, somaNúmero de artigos científicos cadastrados mado como exemplo, foram se o dinheiro que vem do gono Science Citation Index originados no Brasil de 1980 a 1999 verno com o das empresas. registradas 53 mil patentes nos Quando se considera apenas Estados Unidos. Delas, apenas -10.000 o dinheiro investido pelas in9.000 1.600, ou seja, 3%, vieram 8.000 dústrias, a situação fica dide universidades. Isso mos7.000 ferente. Há uma diferença tra que o produtor de paten6.000 5.000 avassaladora entre o que tes em massa não é a univer4.000 sidade, mas a empresa. O acontece em São Paulo e no 3.000 segundo destaque é assinaBrasil com relação ao resto do • I 2.000 1.000 mundo. O Brasil investe muilar que os números relativos I I I I I I I I I I o to menos que os outros países. à produção de patentes, mesÉ novamente a história mo no sistema universitário de que eles estão com o tênis, norte-americano, são medinós não e o tigre vem atrás. dos em dezenas. Há poucas Essa diferença nos investimentos se traduz diretamente universidades que fazem mais do que 100 patentes por nos locais de trabalho dos cientistas. Uma norma de clasano. Talvez apenas seis instituições estejam nesse caso. sificação usada internacionalmente é o local onde estão É muito importante ter a noção de que, ao mesmo temos cientistas engenheiros. O Brasil tem 60 mil cientistas enpo em que registra 20 ou 25 patentes, uma universidade pugenheiros trabalhando em universidades e 12 mil em insblica 3, 4 ou 5 mil papers em um ano. Esses, sim, são o protitutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico, o IPT duto mais característico da instituição universitária. Esse e o INPA da Amazônia. Os que trabalham para empresas destaque é importante para evitar o equívoco de gerar exsão talvez 9 mil. Em São Paulo, são perto de 4 mil. pectativas de que a universidade, além de educar os estuA fração de pesquisadores trabalhando para empresas dantes e fazer ciência, também tem que fazer patentes e inovação tecnológica, resolvendo o problema. no Brasil é extremamente baixa. Nos Estados Unidos, a relação é inversa. Enquanto no Brasil 11% dos cientistas Uma comparação entre os investimentos que as empresas de vários países fazem em pesquisa e desenvolvimenengenheiros trabalham em empresas, nos Estados Unidos to e o número de patentes que esses países registram nos a participação chega a 80%. Esse percentual vai contra a Estados Unidos mostra uma correlação muito notável. opinião comum de quem pensa em ciência e tecnologia Quanto mais a empresa investe em pesquisa, mais patentes, no Brasil. Ele mostra que considerar ciência e tecnologia tecnologia, conhecimento e competitividade consegue. como assunto de universidade é um vício. Como se pode Além disso, pode-se dizer que um volume de investiver no caso dos Estados Unidos, o papel principal das universidades é educar e formar as 800 mil pessoas que vão mentos de milhões de dólares corresponde a empregos para milhares de pessoas, porque o maior custo de fazer fazer as empresas americanas serem competitivas. Essa distribuição é bastante desfavorável para o Brasil. pesquisa é o salário das pessoas que fazem a pesquisa. O valor dos investimentos, então, pode ser traduzido no núOs Estados Unidos têm um milhão de cientistas engenheiros. Às vezes, as pessoas pensam: "É demais. Não é mero de pesquisadores que trabalham, no total de assalariados que geram conhecimento para a empresa. possível que haja lugar para caber mais". Não é o caso. Uma notícia publicada na revista Science, em agosto de A presença dos artigos científicos originados no Brasil na produção científica mundial é superior a 1%. Com 1998, se referia a reclamações de que o Congresso norteesse 1%, o País consegue educar pessoas capazes de ler os americano saiu de férias sem votar assuntos considerados

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importantes. Um desses assuntos era uma autorização é uma parte da solução, mas não pode ser a solução inteipara aumentar o n úmero de vistos de entrada que os Esra, porque não é possível assumir, a partir dos dados existados Unidos concediam anualmente para cientistas ententes, que a universidade possa ser o único responsável genheiros estrangeiros. Estava sendo solicitado um aupor gerar desenvolvimento tecnológico numa nação. mento de 65 mil vistos para 115 mil. Quem está perto do desenvolvimento tecnológico é a Lembrem-se que o número de cientistas engenheiros empresa. Em todos os lugares do mundo, isso é tarefa cenque mostrei para o Brasil era próximo a 77 mil. Os Estatral da empresa, embora a universidade possa contribuir dos Unidos estavam discutindo a admissão, por ano, de bastante. Digo que a universidade não pode resolver esse duas vezes mais do que isso, ou seja, dois Brasis em termo problema completamente com base em dados que serede ciência e tecnologia. Um destaque que precisa ser feiferem, novamente, ao caso dos Estados Unidos e ao que deto é que quem estava solicitando esses cientistas não eram nomino o mito do investimento privado na universidade. as universidade nem os insNo Brasil, existe o costutitutos de pesquisa dos Estame de dizer que os pesquisaFIGURA 2 dos Unidos, mas o lobby das dores não querem buscar a Número de cientistas na empresa, empresa e deveriam fazer empresas. São elas que prena universidade e em institutos de pesqusia no Brasil e na Coréia do Sul cisam desses 115 mil cientiscomo nos Estados Unidos, tas engenheiros para funcioonde todas as pesquisas das • Empresas narem, serem competitivas e universidades são financiaO Universidades e"' ganharem espaço. 'iii das pelas empresas. Os da..c .,c Talvez seja exagero fazer dos mostram que isso não é ""c UJ verdade. Os números refeuma comparação com os Es., tados Unidos. Mas, mesmo rentes a 1994 indicam que E . ., "' quando fazemos uma correnesse ano foram assinados .,c lação com a Coréia do Sul, a contratos no valor total de u situação é bastante desfavoUS$ 21 bilhões para a realiBrasil Coréia rável para o Brasil. No País, zação de projetos de pesquihá 9 mil cientistas engenheisa em todas as universidades ros nas empresas. Na Coréia do país. Desse total, US$ 1,4 do Sul, são 75 mil (figura 2) . Novamente, se fizermos bilhão, ou 6,8%, correspondiam a contratos com empresas. aquele exercício esquisito de imaginar São Paulo como Ou seja, a participação das empresas foi inferior a 7%. um país, com população mais ou menos semelhante à da A maior parte dos financiamentos veio do governo feCoréia do Sul, veremos que a quantidade de cientistas enderal, com US$ 14 bilhões, dois terços do total. Além disgenheiros trabalhando em atividade de pesquisa e desenso, uma parte apreciável veio dos fundos institucionais volvimento em São Paulo é insuficiente para competir das próprias úniversidades. Na contabilidade norte-amecom um país como a Coréia do Sul. ricana, o dinheiro de uma universidade pública, como a Como, assim, a empresa vai conseguir gerar conheciUniversidade da Califórnia, é da própria universidade, não do Estado da Califórnia. Assim, os fundos instituciomento para ser competitiva? Uma distorção do sistema de ciência e tecnologia brasileiro e, também, do sistema nais são compostos em boa parte de dinheiro dos goverpaulista, é o fato de o número de cientistas engenheiros nos locais, estadual e, às vezes, municipal. nas empresas ser extremamente reduzido. Esse talvez seja É uma ilusão a que existe no Brasil de que os contrao principal problema da ciência e tecnologia no Brasil. tos com empresas sustentam a pesquisa nas universidaEmpresas geram riquezas. No Brasil, somos capazes de fades norte-americanas. Na maioria dos casos, a proporção zer ciência, mas não de converter ciência em riqueza. fica entre 4% e 5%. São números semelhantes aos que O contribuinte que está pagando impostos começa existem hoje na Unicamp, na USP, na Universidade Fedecada vez mais a questionar, preocupado, porque está danral de Santa Catarina. Nessas universidades, a proporção do dinheiro e quer ver algum benefício, que não seja apeestá entre 2% e 6%, dependendo da maneira como se faz nas aumento do conhecimento para a humanidade. Ele a conta. A interação da universidade com a empresa, emquer emprego, quer uma vida melhor e que seus filhos tebora seja extremamente importante, é limitada a esses nham mais oportunidades. Existe no Brasil uma situação 7%, no caso dos Estados Unidos. na qual a ciência tem avançado, mas a competitividade da Por outro lado, esses 7% podem parecer pouco mas não empresa avança muito menos. são. São ainda mais importantes porque esses contratos Quando se faz essa afirmação, geralmente aparece alpermitem que as universidades eduquem seus estudantes guém dizendo que a solução é fazer a universidade intenum ambiente no qual existe uma convivência com a'emragir com a empresa para gerar tecnologia. Creio que isso presa, onde vão aprender que pesquisa, ciência e tecnologia 12

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não são aquelas coisas de torre de marfim, mas têm aspecIsso leva à questão da diferença, do tipo de pesquisa tos práticos do dia-a-dia. que se adapta melhor à universidade. Provavelmente, é a Outro fator importante é o representado pelos trapesquisa de natureza mais básica, embora haja espaço ços culturais. Eles existem, embora hoje em dia estejam para outras atividades e para o tipo de pesquisas mais nemais fracos. Há 10 anos, era considerado pecaminoso, cessário para a empresa, que é o desenvolvimento tecnonuma universidade como a USP ou a Unicamp, dizer lógico e a pesquisa aplicada. que iria ser feito um convênio com uma empresa. Hoje Em 1991, o professor Edward Mansfield fez uma pesem dia, é uma coisa até propagandeada. Mas ainda exisquisa em empresas norte-americanas com a pergunta: de tem barreiras. Um exemplo interessante desses obstácuonde vem o conhecimento para se fazer a inovação? As emlos é uma lei estadual que proíbe as universidades públipresas responderam que, em cada 10 vezes, nove vezes ele cas de fazerem convênios com empresas que pertençam vinha de dentro da empresa ou dos fornecedores e uma a pessoas que já foram funcionávez da universidade. Outra pesquirios públicos. Assim, se um professa, feita em 1996, chegou à mesma conclusão. No Brasil, a Confederasor da Unicamp ou da USP, deção Nacional das Indústrias fez tampois de aposentado, abrir uma ''Empresa e empresa de alta tecnologia, não bém uma pesquisa e chegou exauniversidade são tamente à mesma conclusão. Ou poderá por lei fazer um convênio com a Unicamp ou a USP. seja, a maior parte do conhecimeninstituições Há ainda alguns fatores que dito que a empresa precisa vem da prócom m1ssoes zem respeito à natureza das instipria empresa e de seus fornecedores tuições. Há coisas que não podem e clientes. Se pensarmos sobre isso, e objetivos veremos que é uma coisa totalser mudadas, pois a troca ou vai estragar a empresa ou a universimente natural, pois são essas pesdiferentes'' dade. São instituições com missoas que estão perto do produto. Em conclusão, o que eu quis dessões e objetivos diferentes. Não se tacar aqui foram os seguintes pontos: pode querer integrar uma na outra. Um desses aspectos é a questão do sigilo. Ele é impora. Existe em São Paulo uma enorme capacidade para a tantíssimo para a empresa. Para a universidade, não é tão geração de ciência, instalada em nossas melhores uniimportante assim. Aliás, para a universidade, há ocasiões versidades. em que ele até atrapalha, pois o projeto da pesquisa na b. A pequena quantidade de cientistas e engenheiros fauniversidade precisa ser um projeto que sirva para ensizendo atividades de P&D como empregados de emnar um estudante. presas compromete a capacidade da empresa em São Não se pode dizer a um estudante que ele será obriPaulo de gerar inovação tecnológica. gado a atrasar a sua tese por mais três anos, porque a emc. No Sistema Estadual de C&T é preciso reconhecer presa que contratou o projeto está pedindo esse prazo que cada organização tem missões diversas e complepara ter vantagens sobre o competidor. Esse estudante mentares. d. A universidade é primariamente responsável pela eduestará com a carreira arruinada se não puder publicar seus papers, ir a conferências, preparar teses. De qualquer cação, e só poderá fazê-lo bem ao desenvolver atividamaneira, é um problema que pode ser resolvido. Aprendes de pesquisa científica e tecnológica. di no MIT que a cláusula de sigilo é, para o instituto, e. Para que haja desenvolvimento econômico é impresmotivo de rompimento da discussão. O MIT pára de cindível que a empresa seja o ator principal na ativiconversar com a empresa na mesma hora, se a empresa dade de inovação tecnológica. Há, hoje, importantes razões porque ela não pode fazer isto eficazmente: judisser que quer colocar uma cláusula de sigilo no convênio. Mas, como me explicaram, sempre se consegue preros altos, instabilidade e carga tributária. parar os contratos e seus termos de tal maneira que essa f. A colaboração universidade-empresa é desejável cocláusula não é necessária. mo instrumento para melhorar a educação que a universidade faz e para trazer a cultura da pesquisa Outra questão é o tempo disponível para a realização da pesquisa. Tem a ver com a diferença que é pesquisar para dentro da empresa. Mas só pode haver estacoensinando. Não se pode perder de vista que o papel funlaboração quando a empresa tem suas próprias atividamental da universidade é educar, formar pessoas. Fazer dades de P&D. uma pesquisa ensinando estudantes é completamente diA Fapesp tem dado contribuição destacada a todos os ferente de fazer uma pesquisa para ser encerrada da maobjetivos destacados acima e convido o leitor a conhecer neira mais rápida, para colocar o produto no mercado ou mais sobre os programas da Fundação em nossa homeatender a pedidos do departamento de reclamações. page em http:/ /www.fapesp.br. PESQUISA FAPESP

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Política governatnental e o autnento do desetnprego Em 1997, o Departamento Intersinsituação do desemprego dical de Estudos e Estatísticas Sóciopoderia não estar tão séria econômicas (Dieese), iniciou uma pesse o País estivesse passando quisa sobre as relações entre o emprego por uma fase de expansão e o desenvolvimento tecnológico, com o econômica, afirma o coordenador apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Produção Técnica (CNPq). No momento em que essa pesdo Departamento lntersindical quisa se iniciava, ocorria um debate sigde Estudos e Estatísticas nificativo no Brasil sobre a questão do Sócio-econômicas (Dieese), desemprego. Antônio José Corrêa do Prado. Até o final de pezembro de 1996, o País passou por uma situação bastante Ele lembra que Estados Unidos curiosa. Oficialmente, o governo federal e Europa também passaram dizia que o Brasil não tinha problemas de por uma fase de profundas desemprego e a taxa de desemprego era modificações tecnológicas próxima da dos Estados Unidos. no período que se seguiu ao fim Antônio José Corrêa do Prado A partir de 1997, porém, até mesmo a taxa de desemprego oficial, calculada da Segunda Guerra Mundial. pelo IBGE, apresentou um salto significativo. A questão Mas uma soma de crescimento econômico do desemprego tornou-se ainda mais candente. Essa com políticas governamentais manteve pesquisa do Dieese, assim, ficou bastante condicionada o índice de emprego em níveis pela conjuntura do desemprego. adequados e levou até a uma melhor O Brasil tem hoje uma taxa de desemprego que é praticamente o triplo da que existia em dezembro de distribuição da renda. 1989. A taxa na Região Metropolitana de São Paulo está Prado combina seu trabalho no Dieese, entre 19 e 20% e vem flutuando nesse patamar. Em deonde é membro da direção técnica zembro de 1~89, a taxa na mesma região era de 6,7%. e economista sênior, com o papel Assim, o desemprego na capital de São Paulo triplicou de professor do Departamento de Economia na década de 1990. A busca das causas desse aumento na taxa de deseme de professor e coordenador técnico prego levou ao desenvolvimento de uma das linhas do do curso de especialização em Economia projeto, que procurou verificar os efeitos do desenvolvie Gestão das Relações de Trabalho mento tecnológico sobre o emprego. No debate que da Pontifícia Universidade Católica (PUC) vem ocorrendo a partir de 1997, é muito comum atride São Paulo. Ele é formado em Economia buir o desemprego a causas estruturais amplas, como, por exemplo, a questão da globalização e as mudanças pela Faculdade de Economia, Administração estruturais do ponto de vista tecnológico e organizacioe Contabilidade da Universidade de São Paulo nal. A pesquisa do Dieese procurou investigar as dimen(USP) e tem mestrado em Economia sões reais desses fatores. pelo Instituto de Economia da Universidade O primeiro passo foi o de tentar verificar, a partir da Estadual de Campinas (Unicamp). análise das séries das taxas de desemprego da Região Me-

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tropolitana de São Paulo, se o comportamento dessas séries era coerente com o que seria esperado da mudança na taxa de desemprego provocada por razões estruturais. Verificamos que, de janeiro de 1990 a 1999, a taxa de desemprego cresceu continuamente, mas com uma característica muito específica. Em determinados momen14

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Tailândia, Coréia e Malásia. A política adotada pelo gotos, apresentava saltos nos seus patamares. Ou seja, não se verno foi outra vez a de fazer um choque de juros e converificou um crescimento acelerado contínuo em todo o ter o crédito e a economia, como forma de manter as reperíodo, mas uma série de saltos concentrados no tempo. servas internacionais e interromper a fuga de capitais. Essa característica do comportamento da série impeOu seja, o choque foi usado como forma de defesa de de que o crescimento do desemprego seja associado diuma moeda sobrevalorizada. retamente a mudanças estruturais. As mudanças estruEm 1998, depois da moratória russa, o mesmo expeturais ocorrem no decorrer do tempo de forma lenta e diente foi utilizado a partir de novembro, com a diferennão ficam concentradas em períodos curtos. Assim, não se pode associar os saltos nas taxas de desemprego no ça de que, dessa vez, não funcionou. Mas essa é uma outra dimensão da análise. O importante para o problema do Brasil a mudanças estruturais, sejam elas relacionadas à desemprego é que a partir de novembro de 1998 foi adoabertura da economia brasileira a partir de 1990, a mutado outro choque de juros e ele danças tecnológicas ou a inovaestá claramente associado à muções organizacionais. dança do patamar da taxa de dePor outro lado, esses saltos podem ser associados, claramende 18 para 20%. semprego, ''os saltos podem Esse elemento mais conjuntute, à gestão da política econômica ser associados ral de gestão da política econômino período. Comecemos por ca explica os saltos muito concen1992. Nesse ano, a taxa de desemclaramente trados da taxa de desemprego em prego médio na Região Metropogestão determinados períodos de tempo. litana de São Paulo teve um salto Esses saltos ocorrem em períodos de cerca de 40%. Ela saiu de 10 o/o da política curtos, de seis meses a um ano. para chegar a 14%. Em 1995 e 1996, a taxa, que Isso não significa, de forma aleconômica'' havia recuado alguns pontos, duguma, que não exista também um elemento de natureza estrutural rante o período inicial da chamada fase expansiva do Plano Real, para explicar o comportamento da série de desemprego ao longo do tempo. A primeira voltou a se acelerar, até atingir o patamar de 16% em 1996. Em 1997, saltou novamente, de 16 para 18%, e, indicação disso decorre de um questionamento muito em 1998, chegou a 20%. simples. Se os choques de juros explicam os saltos na Em 1992, 1995, 1997 e 1998, a economia brasileira taxa de desemprego, por que, quando o choque de juros é revertido, a taxa de desemprego não volta para trás? experimentou os choques de juros. Os choques de juros foram usados pela primeira vez como abordagem da É aí que se pode associar esse elemento conjuntural política econômica em 1992, pelo então ministro Marda gestão da política econômica ao elemento de natureza estrutural.. cílio Marques Moreira. Seu objetivo era atrair capitais Basicamente, a idéia é a seguinte: a partir de 1994, internacionais tipicamente especulativos para reforçar as reservas internacionais do País e tentar conter o proem cada momento em que houve uma atuação no sentido de defender a moeda sobrevalorizada por meio de cesso de desestruturação que se verificava naquele moum choque de juros, era emitida uma sinalização para o mento de crise política na economia brasileira. Inaugusetor privado de que a moeda se manteria sobrevalorirou, porém, um padrão de intervenção na política zada por mais um determinado tempo. Portanto, ao seeconômica que consiste em utilizar os choques de juros como mecanismo para ampliar as reservas internaciotor privado cabia aproveitar a oportunidade desse período, em que as importações estariam relativamente nais e, de alguma forma, defender a moeda. mais baratas, por conta da moeda sobrevalorizada, para Em 1995, após alguns meses de Plano Real, ocorreu um evento semelhante, em termos de abordagem de poampliar as compras no exterior, tanto de insumos como lítica econômica. Em dezembro de 1994, com a quebra de máquinas e equipamentos. Esse tipo de mecanismo ajudou a acelerar, em deterdo México, o País experimentou uma grande fuga nas minados momentos, o processo de reposição e moder~ reservas cambiais. Então, a partir de março e abril de nização dos equipamentos que fazem parte da estrutura 1995, houve uma mudança na política cambial, principrodutiva brasileira. Existe uma relação entre os dois fepalmente na política monetária e de crédito. O Brasil nômenos. Ao adotar uma política econômica para passou por um novo choque de juros, que foi aprofundado no segundo semestre de 1995. Isso explica a muapoiar a moeda sobrevalorizada, o governo sinaliza, com isso, que haverá mais um período de tempo para as dança de patamar da taxa de desemprego. empresas continuarem seu processo de modernização, A partir de outubro de 1997, novamente ocorreu o com um câmbio altamente favorável. processo, após a quebra dos tigres asiáticos, Hong Kong,

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Um segundo indicador usado para verificar essa quesmercado de trabalho como um todo. Oque vai detertão mais estrutural foi a comparação entre dois períodos minar se essa mudança tecnológica e organizacional de crescimento da economia brasileira na história recenresulta em desemprego líquido no mercado de trabate. Um é o período do Plano Cruzado, de 1986 e 1987, e lho como um todo é basicamente a taxa de cresoutro o período expansivo do Plano Real, em 1994 e cimento da economia. 1995. Para essa análise, o período do Plano Real foi diviNeste momento, o Brasil passa por uma mudança dido em duas fases, uma expansiva e a outra recessiva. tecnológica dentro de limites estreitos. A taxa de invesNa fase expansiva do Plano Real, nos dois anos consetimento está em cerca de 18% do PIB. Na década de 70, cutivos de 1994 e 1995, o Brasil teve um crescimento de essa taxa era de 24%. O Brasil está muito longe de taxas cerca de 10% do PIB, tanto no âmbito nacional quanto de investimento que impliquem mudanças tecnológicas no Estado de São Paulo. Em 1986 e 1987, ocorreu amessignificativas. Hoje, o padrão de mudança tecnológica ma coisa. O País e o Estado tivecontinua a ser mais seletivo. Não ram um crescimento semelhante, é tão abrangente como se houvesde 10% do PIB. se, novamente, uma taxa de inÉ interessante associar a taxa vestimento de 24%. ''A capacidade de crescimento do PIB à do cresciMas, nas circunstâncias atuais, de o crescimento mento da ocupação e à taxa de em que a mudança tecnológica se queda no desemprego nos dois soma à recessão, o resultado lído PIB gerar períodos. No biênio 1986-1987, quido, infelizmente, é de desempostos de prego tecnológico. Esse ponto para um crescimento de 10% no PIB, houve um crescimento da deve ser destacado porque se tortrabalho caiu ocupação na Região Metropolitana necessária outra abordagem na de São Paulo também de 10%. de política económica, uma aborpela metade'' Portanto, ocorreu uma relação de dagem capaz de permitir que a um para um no que se referia à mudança tecnológica ocorra gesensibilidade da ocupação ao cresrando ganhos do ponto de vista cimento do PIB. A taxa de desemprego, conseqüentesocial. Na abordagem que existe hoje no Brasil, a soma mente, caiu nesse período. da mudança tecnológica com o processo recessivo gera Em 1994 e 1995, porém, isso não ocorreu. Para uma desemprego. taxa de crescimento do PIB de 10%, o crescimento da Com uma política econômica expansiva, seria comocupação ficou em torno de 5%. Ou seja, a sensibilidapletamente viável a realocação dos trabalhadores demide da ocupação ao crescimento do PIB caiu pela metatidos em determinados setores, nos quais o processo de de. A taxa de desemprego não diminuiu 20%, como mudança é mais acelerado do que em outros, para áreas ocorreu no Plano Cruzado, mas sim 9%. menos atingidas. Certamente, essa diminuição, tanto no coeficiente Um aspecto muito interessante do caso e que vale a que relaciona o crescimento do PIB com o da ocupação, pena ser lembrado é o período de quase 30 anos de como no coeficiente que relaciona o crescimento do PIB crescimento econômico que Europa e Estados Unidos com a queda na taxa de desemprego, é resultante de muexperimentaram no pós-guerra. Nesse período, ocordanças estruturais e não de abordagens ou da forma de reram mudanças tecnológicas significativas. Elas, pogestão da política económica. Significa que houve uma rém, tiveram lugar num período de crescimento ecoperda bastante significativa. Caiu pela metade capacinômico e foram acompanhadas pela estruturação de dade de o crescimento do PIB gerar postos de trabalho mecanismos macroeconômicos institucionais. Isso e reduzir a taxa de desemprego. permitiu que a mudança tecnológica e o aumento de O debate sobre a relação entre o desemprego e tecprodutividade fossem realimentando o processo de nologia é bastante estimulante, mas o problema do Bracrescimento, gerando aumento de emprego e melhor sil, neste momento, é o de que o crescimento da produdistribuição de renda. tividade industrial e o processo de mudança tecnológica Uma política de inovação tecnológica, de ampliação organizacional ocorrem em um contexto macroeconôda geração e adoção de novas tecnologias para as emmico completamente adverso do ponto de vista da gerapresas, teria um enquadramento mais adequado se fosção de postos de trabalho. se considerada dentro de um contexto de política ecoSob a ótica do desemprego tecnológico, as mudannômica mais geral, capaz de permitir que os aumentos ças tecnológicas e organizacionais, com freqüência, de produtividade sejam transformados, de fato, em gaimplicam a ampliação do desemprego em níveis setanhos efetivos de bem-estar para os trabalhadores e para riais. Mas isso não é verdade, necessariamente, para o a sociedade em geral.

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