Um mistério em partículas

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Com participação brasileira, está nascendo na Argentina o Observatório Pierre Auger de raios cósmicos

Seminário realizado na Assembléia Legislativa paulista debateu a regulação dos serviços públicos privatizados e a atuação das agências reguladoras

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Projeto Genoma Humano do Câncer coloca à disposição da comunidade científica internacional 280 mil fragmentos de seqüências de genes expressos em tumores

As incubadoras de micro e pequenas empresas tornam-se o principal meio de transferência de tecnologia dos laboratórios de universidades e centros de pesquisa para o mercado.

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23 Estudo consegue isolar um peptídeo presente no sangue da aranha caranguejeira (Acanthoscurria gomesiana) com potente ação antimicrobiana e que age mais rápido do que os antibióticos convencionais EDITORIAL MEMORIAS

Pesquisadores do projeto Genoma Funcional encontram a chave para realizar a transformação genética da bactéria Xylella fastidiosa

e abrem caminho para o controle da CVC

OPINIÃO POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA CIÊNCIA TECNOLOGIA HUMANIDADES LIVRO LANÇAMENTOS

Capa: Hélio de Almeida, sobre foto do HST

ARTE FINAL

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50 Pesquisa sobre a história da indústria farmacêutica nacional revela que ela nasceu forte e ligada aos laboratórios de pesquisa PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 3


CARTAS PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DEABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

FERNAN~~~bCZ.-i!'b~ ~<;:E~CIMENTO JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN

Pesquisa FAPESP Como pesquisador científico aposentado pelo Instituto Florestal paulista e assessor (ex) da FAPESP, desejo congratular-me com a equipe responsável, conselho editorial e colaboradores pela excelência da revista Pesquisa FAPESP, de maio do corrente. Seu texto engrandece o trabalho encetado pelos pesquisadores em nosso meio. ALCEU DE ARRUDA VEIGA

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE

São Paulo, SP

PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNAi>!DO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENG LER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÉNCIA) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES)

DIAG~r~~~A~I~Rgg~~~Tg'tFICA COLABORADORES ADI LSON AUGUSTO CLAUDIA IZIQUE CLÁUDIO EUGÉNIO CRISTINA DURÀN EDUARDO STOPATO LIGIA SANCHES LUCAS ECHIMENCO MARGARETH LEMOS MYRIAN CLARK OITO FILGUEIRAS MARIA APAR ECIDA MEDEIROS RODRIGO CAETANO SÉRGIO ADEODATO SILVANA PISANI WAGNER DE OLIVEIRA ENCARTE ESPECIAL PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN TIRAGEM: 22.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N" I SOO, CEP 05~68-90 I ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP TE L. (O - I I) 3838-~000 - FAX: (O - li) 3838-~ 117 ESTE INFORMATIVO ESTÀ DISPONIVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP: http://www.fa.Pesp.br e-mail: mariluce@fapesp.br

SECRETARIA DA CI ÊN CIA TECNOLOGIA E DESENVO LVIMENTO ECO NÔMICO

GOVERN O DO ESTADO DE SÃO PAULO

4 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

Dilema Excelente a matéria sobre a pesquisa de Paulo de Carvalho Fortes, da Faculdade de Saúde Pública da USP ("Salvar, uma decisão dramática", edição N° 53). Houve um pequeno problema na apresentação da tabela sobre os dilemas da escolha para internação. Há dados que diferem da interpretação do texto (a tabela indica 71% de estudantes do quarto

ano que optaram pela opção 1, mas o texto menciona a opção 2). Pena que a tabela não reproduz as escolhas da amostra de 400 pessoas de Diadema. Serià possível reproduzir a tabela mais completa a que se refere a reportagem? LUI Z A. DE CASTRO SA TOS

Professor Adjunto Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Houve, de fato, um erro no texto da reportagem e outro na tabela publicada. A criança de 1 ano (Opção I) e não a de 7 (Opção II) é que foi escolhida por 60% dos alunos de primeiro ano de curso de administração hospitalar. A criança de 1 ano foi também a opção de 29% dos alunos de quarto ano, e não 71 %, como publicado. De fato, 71% dos estudantes do quarto ano escolheram a opção II ( criança de 7 anos). As escolhas dos acompanhantes de usuários do hospital de Diadema, recém-pub licada na tese de livre-docência de Paulo de Carvalho Fortes, são as seguintes:

Dilemas apresentados a acompanhantes de usuários do Hospital Público de Diadema OPÇÃO I

OPÇÃO 11

SEM RESPOSTAS

Criança de I ano = 280 (70.9%)

Criança de 7 anos = 81 (20.5%)

34 (8.6%)

Criança de 7 anos = 287 (72%)

Homem de 65 anos = 90 (22.8%)

18 (4.6%)

Homem de 25 anos = 143 (36.2%)

Homem de 65 anos = 240 (60.8%)

12 (3.0%)

Mulher= 314 (79.5%)

Homem= 44 ( 11. 1%)

37 (9.4%)

Mulher com 3 filhos menores = 354 (89.6%)

Mulher com I filho menor= 27 (6.9 %)

14 (3 .5%)

Mulher casada = 297 (75.2%)

Mulher solteira = 70 ( 17.7%)

28 (7.1 %)

Homem empregado = 30 (7.6%)

Homem desempregado = 353 (89.4%)

12 (3%)

Mulher com renda familiar de R$ 500,00 = 376 (95.2%)

Mulher com renda fam iliar de R$ 3.000,00 =6 ( 1.5 %)

13 (3.3%)

Professor de colégio estadual de 40 anos = I02 (25.8%)

Trabalhador na construção civil de 40 anos = 264 (66.8%)

29 (7.3%)

Trabalhador na construção civil com 2 filhos menores = 366 (92.7%)

Padre católico = 12 (3.0%)

17 (4.3%)

Operário metalúrgico sem filhos = 251 (63.5%) Pastor evangélico = 116 (29.4%)

28 (7.1%)

Homem fum ante= 178 (45. 1%)

Homem não-fumante = 203 (51.4%)

14 (3.5%)

Mulher de 25 anos e HIV positivo= 192 (48.6%)

Mulher de 25 anos e diabética= 188 (47.6%)

15 (3.8%)

Mulher de 40 anos com hepatite = 325 (82.3%)

Mulher de 40 anos e alcoólatra = 57 ( 14.4%)

13 (3.3%)

Homem de outra cidade = 238 (60. 3 %)

Homem residente na cidade = 128 (32.4%) 29 (7.3%)

Fonte: Fortes, Paulo Antonio de Carvalho O dilema bioétko de seledonar quem deve viver: um estudo de microolocoção de recursos escassos em saúde. São Paulo 2000; tese de livre-docência - Faculdade de Saúde Pública - Universidade de São Paulo


EDITORIAL

Um enlace visível entre ciência e tecnologia Mesmo a pesquisa de partículas produz inovação e efeitos no mercado or mais notáveis que tenham sido os avanços Nesta edição, vale também destacar as matérias obtidos no conhecimento sobre a estrutura referentes ao campo do conhecimento que recene a origem do universo ao longo do século 20, temente projetou a ciência feita no Brasil para um lugar de visibilidade e reconhecimento internaciofenômenos que permanecem como mistérios fasnal jamais alcançado antes em sua história. Estamos cinantes nesse campo continuam a desafiar a vonfalando, é claro, de genômica. E aqui damos notítade de saber e de explicar de cientistas do mundo todo- dos físicos em particular. As chamadas partícia da elevação significativa dos investimentos no culas de altíssimas energias ou de energias extremas Genoma Humano do Câncer, decidida pelas duas constituem, sem sombra de dúvida, um desses graninstituições responsáveis pelo projeto - FAPESP e Instituto Ludwig de Pesquisas sobre des mistérios. Afinal, o que são essas o Câncer -, em paralelo à decisão partículas com massa ínfima, subade dobrar a meta inicial de produtômica, e que, no entanto, são dotadas de uma tal energia que o fenôção de seqüências de genes expressos meno mais energético produzido na em tumores, de SOO mil (já atingi"Além da ciência, Terra, a aceleração de partículas denda) para 1 milhão de seqüências até a indústria tro do Fermilab, só consegue atingir o final deste ano. Damos noticia tamnacional também um quantum de energia 1 milhão bém dos dois novos projetas genoparticipa de vezes menor do que a que elas ma iniciados há pouco pela Fundado projeto carregam? De que parte do Univerção: o de uma variedade da Xylella Pierre Auge r, so provêm essas partículas raras, que que ataca as videiras da Califórnia, chegam à atmosfera da Terra na freem parceria com o Departamento qüência de apenas uma por século, de Agricultura dos Estados Unidos por quilômetro quadrado? (o que, aliás, provocou ciumeira e Ninguém tem, por enquanto, resdisputa por parte de um laboratório norte-americano), e o da Leifsopostas a oferecer para essas questões • nia xyli subsp.xyli, conhecida antee entre os que estão empenhados em obtê-las destacam-se os cientistas riormente como Clavibacter, que envolvidos no projeto do Observaafeta a cana-de-açúcar, em parceria tório Pierre Auger de Raios Cósmicos, tema de com um instituto de pesquisa australiano e a Copersucar. E finalmente, ainda nos domínios da gecapa desta edição de Pesquisa FAPESP. Com apoio de US$ 1,6 milhão da FAPESP e de US$ 340 mil nômica, esta edição traz uma reportagem sobre do Ministério da Ciência e Tecnologia, a particium avanço muito importante obtido em relação à pação brasileira é decisiva nesse grande empreentransformação genética da Xylella fastidiosa- pela dimento internacional, seja em termos dos recursos primeira vez conseguiu-se em laboratório uma humanos de alto nível colocados à disposição do seqüência de DNA que foi "aceita" pelo genoma da projeto, seja em relação à infra-estrutura do obbactéria-, que abre o caminho para estratégias de servatório, que conta com equipamentos essenciais, base genética de combate à praga do amarelinho, centrais mesmo, aqui desenvolvidos e produzidos peum inimigo poderoso da citricultura paulista. la indústria nacional. Idealizado pelo físico norteDe uma certa maneira, nas matérias citadas há americano James Cronin, prêmio Nobel de 1980, um enlace visível entre ciência, tecnologia e socieo Observatório Pierre Auger terá primeiro um sítio dade. Já a reportagem sobre incubadoras de emsul, que já começou a ser implantado em Mendoza, presas, na seção de Tecnologia, lança algumas luna Argentina, com previsão para estar completamenzes especificamente sobre os efeitos benéficos da te instalado em 2003. Feito isso, os coordenadores construção de pontes institucionais entre laborado projeto definirão a estratégia de implantação tórios de universidades e o mercado, num país do sítio norte em Utah, nos Estados Unidos. como o Brasil.

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PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 5


MEMÓRIAS

O inventor do país mestiço "'>-

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Na África, com chapéu de antropólogo: pioneiro no estudo de culturas Com o pai, Alfredo, em 1917

Casa-grande, senzala e carro de sinhá ' - - - - - - -----"'""""'""""------'

Em 1933, a publicação do livro Casa Grande & Senzala, do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), cujo centenário se comemora, deu nova dimensão à historiografia nacional: ela Ao lado do escritor e amigo José Lins do Rego Com o educador Anísio Teixeira e Jorge Amado deixou de ser mera sucessão de fatos no mundo e indispensável e nomes grandiosos e passou ao entendimento desta a fixar-se no cotidiano, nação tropical. "O tempo na vida social, no jeito de ser nunca é só passado, nem só brasileiro. Freyre, que fez presente, nem só futuro, mas estudos superiores em Recife os três simultaneamente. e nos Estados Unidos, foi Vivo nesses três tempos", pioneiro aqui em sociologia disse o autor, que e antropologia. Lançou complementaria o clássico um olhar sobre o país com Casa Grande com Sobrados a frieza do analista e a paixão e Mocambos (1936). O do nativo. Uma mistura, resultado de seus "esforços como a mescla étnica de ressurreição do passado" e cultural brasileira que ele foi uma obra pluridisciplinar tanto estudou, da qual surgiu em que dissecou uma obra reconhecida O lugar de trabalho da casa de Apipucos, Recife as entranhas da nação. 6 · AGOITO OE 2000 • PESQUISA FAPESP


OPINIÃO ANTONIO CARLOS DE CAMARGO

Serpentes e indústria farmacêutica Como mostra o Butantan, venenos podem originar medicamentos raca, que a indústria farmacêutica multinacional omo entender por que as serpentes, uma desenvolveu o captopril, o remédio mais usado padas espécies animais mais temidas pelo hora tratar a hipertensão arterial. As pesquisas que lemem desde a pré-história, exercem em nós varam ao desenvolvimento desse remédio por multão irresistível atração? Essa atração é uma das printinacionais farmacêuticas geram um faturamento cipais razões que têm feito do Butantan uma insde cerca de US$ 10 bilhões por ano. Essa quantia tituição conhecida mundialmente. é de três a quatro vezes superior à que nosso presiA fascinação pela serpente é milenar. Para os dente quer investir no combate à pobreza no Brasil, sumérios, há 4.000 anos, a imortalidade ou a cura ou cem vezes superior àquela que gastamos na fadas doenças era uma atribuição do deus Ningisbricação de vacinas para todo o país. hzida, representado pelas cobras gêQue obstáculos nos impedem de meas. Essas são até hoje o emblema utilizar nosso imenso potencial de da medicina. Os romanos herdarecursos naturais e humanos na geram dos etruscos o culto às serpenração de produtos e evitar que fatos tes antes de cederem à influência "Temos de semelhantes se repitam? Citamos da medicina grega. Já entre os hesuperar o fosso aquele que é uma das mais visíveis cabreus, simbolizavam maldição. No que separa o racterísticas do subdesenvolvimenButantan, elas são tratadas com laboratório de respeito e admiração, pois seu veto, traduzida pelo fosso que separa o pesquisa, mantido laboratório de pesquisa (mantido neno tem ajudado o homem a encom recursos com recursos públicos) da iniciativa tender e a curar doenças. públ icos, da privada. Na área farmacêutica teComo o poder mortal do veneno iniciativa privada, mos, numa ponta, recursos humanos das serpentes pode ser convertido em remédio? Na Antigüidade, muiqualificados provenientes do meio ·científico e, na outra, uma indústos curandeiros, feiticeiros, médicos tria farmacêutica brasileira desenvole cientistas buscavam nos venenos vida em muitos aspectos, mas com o remédio para as doenças por acrepouquíssima capacidade de aproveiditar que "o mal com o mal se cura" tamento das pesquisas biomédicas. (equivalente ao aforisma médico Passos importantes pará a necessária aproxima"similia similibus curantur"). Foi buscando no veção entre a bancada dos laboratórios e a iniciativa neno da serpente o remédio para a cura dos males privada têm sido dados pela FAPESP, criando inipor ele causado que o médico Vital Brazil, fundaciativas que ajudam a contornar a dificuldade do dor do Instituto Butantan, fez companhia a dezegoverno para enfrentar as engrenagens emperranas de personagens famosos da história da medicina. Sua admiração por esses animais ajudou a das de muitas instituições públicas. Mas é fundadesenvolver no país o soro antiofídico e ainda desmental que tais instituições se associem à iniciativa pertou em nossos cientistas o interesse pelas suas toprivada para ganhar competitividade e eficiência, xinas. Os venenos são também uma fonte de cobiça desonerando o Estado e beneficiando a sociedade. pelo potencial de gerar riquezas que têm, por servirem de modelo para novos remédios e pesticidas. ANTONIO CARLOS M. DE CAMARGO, médico, é professor da É notório que nós, brasileiros, não sabemos USP e diretor do Centro de Toxinologia Aplicada do Insvalorizar nossas riquezas naturais. Exemplos existituto Butantan tem também no uso farmacêutico dos venenos. Poucos sabem que foi a partir das pesquisas feitas **Artigo publicado originalmente na íntegra na Folha de em laboratórios brasileiros, com o veneno da jaraSão Paulo de 24/08/2000

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PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 7


POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

SETOR PÚBLICO

Ocontrole social da privatização Seminário organizado pela Assembléia Legislativa e FAPESP debate a regulação dos serviços públicos FAPESP aposta que as universidades e os institutos de pesquisa paulistas têm grande contribuição a dar na avaliação do impacto das privatizações dos serviços públicos e das estratégias de atuação das agências reguladoras. E, em parceria com a Assembléia Legislativa de São Paulo, está promovendo uma série de debates sobre os direitos e deveres dos usuários e das empresas concessionárias, as formas de controle social da qualidade e preço dos serviços dos diversos setores e as perspectivas de universalização do acesso aos serviços públicos privatizados. A primeira rodada de discussão do tema ocorreu durante o seminário Regulação dos Serviços Públicos, realizado nos dias 3 e 4 de agosto, na Assembléia Legislativa, que teve como objetivo avaliar os resultados obtidos com a concessão de serviços públicos no Brasil. O evento integrou a pauta do Fórum São Paulo Século 21. O público, composto por especialistas de diversos setores, formadores de opinião, representantes de entidades de defesa do consumidor, entre outros, lotou o auditório Teotônio Vilela, superando as expectativas dos organizadores.

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8 • AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

Diretores das agências reguladoras dos serviços explicaram a atuação e as dificuldades encontradas pelos órgãos criados para o controle das concessionárias. O diretor da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Júlio Colombi Netto, afirmou que todas as legislações deverão ter maior dinamismo para acompanhar as evoluções tecnológicas que estão acontecendo no mundo moderno. "Muitos dos problemas enfrentados na área de regulação são frutos de erros cometidos no processo de elaboração dos contratos de concessão': afirmou Colombi. Marcelo Poppe, assessor especial da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), explicou que a Agência está atuando de forma rigorosa com as empresas. Segundo ele, a sensação de ausência de medidas ocorre por causa do grande número de empresas que recorre das multas aplicadas. "As concessionárias estão recorrendo das multas para não correr o risco de perder as concessões", afirmou. Modelo de regulação- Mas não faltaram críticas ao processo de privatização das empresas públicas. Para o professor da Universidade Estadual

de Campinas Márcio Wohlers, o atual modelo de regulação não tem dado conta das questões que estão surgindo na sociedade. "As mudanças e os avanços tecnológicos que estão ocorrendo no mundo obrigam as agências a fazerem reavaliações permanentes em suas atuações", disse. Na sua opinião, essas instituições precisam estar sempre incorporando as novas questões que surgem a cada dia. "A Internet é um bom exemplo. Enquanto se fala em universalização do telefone, já existe uma nova demanda social por acesso à Internet, que não foi planejada ainda", afirmou Wohlers. Flávia Lefevre Guimarães, coordenadora jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), afirmou que a população quer entender o que está acontecendo no processo de privatização, mas ressalvou que a carência de informações é o que impera neste momento. Steve Thomas, da Universidade de Sussex, na Inglaterra, país que já vivenciou a experiência da privatização, avaliou que muitos dos problemas registrados na concessão dos serviços decorrem da rapidez do pro-


Especialistas de diverso s seto res avaliaram os resultados obtidos

tágio da sociedade brasileira. "Muitas pessoas pensam que a FAPESP só financia pesquisa sobre raio laser, genoma, biologia molecular e computadores': disse. Lembrou que, para atender ao setor público, a entidade mantém o Programa de Apoio à Pesquisa em Políticas Públicas, que incentiva a parceria entre universidades, institutos de pesquisa e órgãos de governo para o desenvolvimento, a análise e o diagnóstico de políticas públicas e até mesmo para a aplicação em escala piloto. "O evento foi muito importante e funcionou como um balanço da situação das empresas privatizadas'~ afirmou Francisco Romeu Landi, diretor-presidente da FAPESP. Ele explicou que, ao promover o seminário e os debates em torno do tema, a Fundação tem como objetivo estimular o desenvolvimento de pesquisas que apóiem os diversos setores envolvidos. Publicação especial- Em continuida-

cesso de transferência das emTho mas: rapidez presas públicas à iniciativa na concessão pode privada. Sugeriu que as agêntrazer problemas cias reguladoras no Brasil avaliem as experiências dos diversos países para evitar vários equívocos. Para o secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Aníbal, o STEVE O THOMAS grande desafio das agências reguladoras é criar instrumentos para que a sociedade inalertou que é necessário que as Agênteraja com as empresas privatizadas de cias possuam "independência decisóforma benéfica. "O interesse despertaria", sem que sejam contaminadas do pelo evento demostrou de forma pelos órgãos e interesses do governo. clara que muito ainda precisa ser feito ''A função das agências é estimular a para que o modelo de agências imconcorrência e melhorar a qualidade plantado no Brasil atenda às necessidades da população." José Geraldo Pidos serviços públicos", concluiu. quet Carneiro, membro da Comissão Criação do conhecimento - A particide Ética Pública do Governo Federal, ressaltou que o conceito de Agências pação da FAPESP na organização do seminário é reflexo do interesse da insde Regulação ainda não foi assimilatituição na criação do conhecimento. do no Brasil. Lembrou o caso das priO presidente da Fundação, Carlos Henvatizações do setor de transportes que, rique de Brito Cruz, ressaltou que a ainda hoje, não possui uma agência fiscalizadora. "É errado privatizar prinecessidade de avanços na esfera do pomeiro para depois regulamentar. O der público e a incorporação de conheprocesso correto é o contrário': Depois cimento são fundamentais no atual es-

de ao seminário, serão organizados encontros por áreas, onde grupos de trabalho detalharão propostas institucionais e farão sugestões de pesquisa em diversos setores dos serviços públicos envolvidos. Os resultados do seminário e dos debates nos grupos de trabalhos serão reunidos numa publicação especial, editada pela FAPESP em parceria com o Legislativo paulista. O deputado Arnaldo Jardim (PPSSP), relator do Fórum São Paulo Século 21, afirmou que o encontro funcionou como mola propulsora para estimular o interesse de novos pesquisadores para essa área da sociedade. "Eu acredito que o número de pesquisadores dos meios acadêmicos se multiplique e o seminário estimule profissionais para isso", disse. "Os trabalhos com essas questões tendem a aumentar em número e profundidade", estimou Jardim. • PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 9


POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓG ICA

GENOMA CÂNCER

Projeto ganha mais US$ 5 milhões

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Governador Mário Covas anuncia publicação de resultados do Genoma Câncer em banco de dados internacional

FAPESP e Ludwig publicam resultados e ampliam investimentos FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer agências financiadoras do projeto Genoma Humano do Câncer - estão compartilhando com a comunidade científica internacional os dados obtidos no seqüenciamento de genes ativos em tumores do câncer. A maior parte dos dados brutos, como é chamado o conjunto de letras correspondentes aos nucleotídeos que se obtêm com o seqüenciamento de genes, já está disponível na Internet, no maior banco de dados públicos internacional, o GenBank. O sucesso do projeto levou a FAPESP e o Ludwig a investir, até o fim

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IO · AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

do ano, mais US$ 5 milhões no projeto, totalizando US$ 20 milhões, o dobro dos recursos inicialmente previstos. A divulgação dos resultádos da pesquisa e os novos investimentos foram anunciados em São Paulo, no dia 21 de julho, em entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes. "Estamos dobrando os investimentos para dobrar as conquistas" afirmou o governador Mário Covas. Desde março de 1999, data do início do Genoma Câncer, os pesquisadores obtiveram 500 mil fragmentos de seqüências de genes humanos expressos em tumores de mama, intestino, estômago, cabeça, pescoço e outros. Desse total, 280 mil já foram depositados no GenBank. Atualmente o Brasil é o segundo país produtor de seqüências derivadas do câncer e o terceiro maior do mundo em termos de ESTs humanas (Expressed Sequence Tags). Perde apenas para os proje-

tos americanos do CGAP (Cancer Genomic Anatomy Project), que tem 990 mil, e do MERC, na Universidade de Washington, que produziu 600 mil seqüências. A previsão da coordenação do Genoma Câncer brasileiro é gerar, até o fim do ano, 1 milhão de seqüências. A técnica utilizada para o seqüenciamento dos genomas, batizada de Orestes, foi desenvolvida no Brasil por Andrew Simpson, coordenador do projeto, e o biólogo mineiro Emmanuel Dias Neto, de 33 anos. A Orestes surgiu ao longo da tarefa de selecionar, clonar, seqüenciar e observar os resultados de cada um dos genes identificados na pesquisa de variabilidade genética do Schistosoma mansoni, objeto da tese de doutorado de Dias Neto, sob a supervisão de Simpson. Os recursos da bioinformática ainda não estavam disponíveis, mas eles se aproximavam cada


vez mais de genes raros e de sua posição exata, o que permitia, por exemplo, identificar a proteína. A técnica foi aperfeiçoada na análise de 1O mil seqüências de tumores de mama, financiada pelo Ludwig e FAPESP, que, em função dos resultados, decidiram propor o desenvolvimento do projeto em larga escala.

Patenteamento - Tanto a FAPESP como o Instituto Ludwig têm adotado a posição de aceitar o patenteamento de genes, desde que completos e com a função conhecida. "Somos a favor de patentear o invento. Só faremos patente de genes quando soubermos a sua utilização prática e função. Não queremos patentear um conjunto de letras ou a própria natureza", completou Perez. Segundo ele, um dos desafios do Programa Genoma da FAPESP, em particular do projeto Genoma Câncer, é avançar na discussão da questão das patentes. "Não podemos ficar numa si-

guma companhia alimentícia poderia fazê-lo" justifica Perez. "Estamos patenteando inventos, gene com função e com utilização prática." No Genoma Humano do Câncer já há alguns genes sendo considerados, mas ainda nenhuma patente. Para cuidar da proteção à propriedade intelectual de inventos originários das pesquisas que financia, Publicação de dados - Os cientistas a FAPESP criou o Núcleo de Patenresponsáveis pelo projeto não temem teamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) . "Estamos aprenque a publicação dos dados, ainda que dendo como funciona. O Brasil tem brutos, prejudique os pesquisadores brasileiros. "O importante é avançar carência enorme de patentes. A Cona busca da cura. Quanto antes ela réia deposita nos EUA cerca de vier, melhor", afirz 1.500 patentes por ano mou Simpson. Antes ~ e o Brasil apenas 30. § de estarem disponíTemos poucas paten~ veis no banco público z: tes acadêmicas porque de dados, as informao pesquisador não ções passam por um sabe como agir. Preciprocesso que lhes samos criar uma culconfere um critério tura que valorize a de qualidade, garanpropriedade intelectual", disse Perez. tindo a correção do que está sendo divulO próximo passo gado. No decorrer será partir para o esdesse processo, os tudo do Genoma Clípesquisadores já conico do Câncer, cuja meçam a fazer hipóverba prevista será de teses sobre a função US$ 1 milhão. Numa dos genes, o que dá primeira etapa serão uma certa vantagem Técnica Orestes foi desenvolvida por Dias Neto com su~ervisão de Simpson analisados os genes competitiva em relaque podem ser usados tuação que iniba o investimento em ção àqueles que observam os genes como marcadores no diagnóstico e biotecnologia no país porque vamos pela primeira vez na base de dados prognóstico, além de predisposição, ficar numa posição diferente da dos pública. em diversos tumores humanos. A países desenvolvidos", disse. Perez se A publicação dos dados do Genopartir daí, as pesquisas irão se conreferia à possibilidade de patenteama Humano do Câncer no GenBank centrar em pacientes individuais. A mento de fragmentos de genes, admarca uma posição das instituições idéia é analisar os genes associados mitida pelos Estados Unidos e Infinanciadoras em relação às pesquiao câncer, o que permitiria elaborar glaterra, embora o presidente dos sas genéticas: quando os dados pasum tratamento mais adequado para sam a ser de domínio público ninEstados Unidos, Bill Clinton, e o pricada paciente, melhorando o diagguém mais pode patenteá-los, nem meiro-ministro britânico, Tony Blair, nóstico. "Se a doença for identificatenham se manifestado favoráveis ao mesmo redescobrir um gene isoladada mais cedo é possível otimizar o patenteamento de genes inteiros e mente. " É uma espécie de 'sabotauso das ferramentas que já se tem e com função definida. gem' contra aqueles que não têm a ampliar a incidência de cura", afirA FAPESP já patenteou nove genes mesma posição que a nossa", explica ma Simpson. José Fernando Perez, diretor científidescobertos no projeto Genoma da O endereço para acessar o GenBank bactéria Xylella fastidiosa. Os genes paco da FAPESP. "O que deve ou não na Internet é www.ncbi.nlm.nih.gov tenteados estão relacionados à produser patenteado é uma discussão a ser Trata-se da página central do Nafeita em congressos. O nosso dever é ção da goma xantana, um espessante tional Center for Biotechnology Inutilizado na indústria alimentícia. produzir dados científicos e dar para formation, com links para o Gena humanidade", acrescenta Simpson. "Se não registrássemos a patente, alBank. • PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • li


POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

CANA-DE-AÇÚCAR

Reforço na pesquisa do genoma Universidade de Pernambuco inaugura laboratório de genética

O sucesso dos projetas de seqüenciamento da Xylella e de genes específicos da cana-de-açúcar, ambos financiados pela FAPESP, deverá alavancar recursos federais. Em Recife, Sardenberg anunciou a intenção do governo federal de investir R$ 240 milhões, nos próximos quatro anos, na conservação de recursos genéticos por meio da biotecnologia no país.

Nordeste, a mais antiga região produtora de cana-de-açúcar do Brasil, integrou-se ao esforço nacional pelo seqüenciamento de genes específicos da planta, coordenado pela FAPESP. Marco dessa nova investida foi a inauguração do Laboratório de Genética da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no dia 20 de julho. Nas modernas instalações, cientistas pernambucanos trabalham em regime frenético para seqüenciar 2 mil fragmentos do genoma da cana até o fim de agosto, quando todo o trabalho dos 23 laboratórios que integram a Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos - Onsa, estará concluído. A meta é atingir, neste Pesquisado res da UFRPE t ra balham no seqüenciamento de prazo, 200 mil seqüênGenoma funcional - Concluído o secias de genes estudadas, o que torna qüenciamento, os cientistas iniciam o projeto brasileiro, iniciado em julho as pesquisas com o genoma funciodo ano passado, o maior do mundo nal da cana para identificar as funna área de genética vegetal. ções dos vários fragmentos genétiO ministro da Ciência e Tecnolocos. Para tanto, a Fundação de gia, Ronaldo Sardenberg, presente à Amparo à Ciência e Tecnologia do solenidade de inauguração do laboEstado de Pernambuco (Facepe) ratório, comemorou a recente reperestá investindo R$ 1 milhão em lacussão internacional do projeto braboratórios de biologia molecular. sileiro envolvendo a bactéria Xylella Paralelamente, vão garimpar, no fastidiosa, causadora de doenças nos data mining, dados para comparalaranjais. "Seguiremos o mesmo cação dos genes da cana com seqüênminho com a cana-de-açúcar, planta cias genéticas semelhantes existentes de grande impacto econômico e social em bancos de dados internacionais. no Nordeste", destacou o ministro.

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"Já encontramos na cana-de-açúcar proteínas análogas às presentes no genoma humano, responsáveis por processos de infecção", revela o pesquisador Paulo Arruda, diretor do Centro de Biologia Molecular da Unicamp e coordenador do Projeto Genoma Cana, da FAPESP. Atualmente, 150 cientistas brasileiros participam de 12 projetas de

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2 mil fragm entos do genoma

data mining. Uma das possibilidades é, no futuro, usar a genética para produzir açúcar que não engorda. Desde agosto, 37 trabalhos estarão sendo desenvolvidos em diferentes áreas de pesquisa do genoma da cana. Pernambuco aprovou quatro deles. Na UFRPE, serão identificados genes relacionados à fertilidade da cana, permitindo no futuro fazer clonagens para evitar plantas estéreis. Além do laboratório recém-inaugurado, que custou R$ SOO mil, outros três centros de pesquisa pernambucanos preparam-se para participar do


projeto. O Instituto de Pesquisas em Agronomia (IPA), órgão estadual, se dedicará ao estudo de genes ligados à resistência da planta a doenças. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um projeto estudará o papel dos genes na defesa da cana contra pragas e outro identificará proteínas produzidas pelo vegetal submetido a situação de estresse. O objetivo é chegar a variedades de .cana-de-açúcar mais resistentes à seca. Na última estiagem, em 1998 e 1999, os canaviais pernambucanos perderam até 82% da produção.

Cooperativa dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), o Projeto Genoma Cana, prevê o seqüenciamento de genes, especialmente aqueles ligados com o metabolismo da sacarose, com a resistência da planta a pragas e doença e a condições adversas de clima e solo. O método utilizado é o ESTs (Expressed Sequence Tags), uma tecnologia de seqüenciamente rápida e baseada apenas nas proporções dos genes expressos, que codificam proteínas. O genoma da cana pode ser tão vasto quanto o humano. Até agora, já foram identificados mais de 5 mil ge-

Seqüências homólogas - No

Departamento de Genética da UFPE, dez computadores ligados em rede e conectados à Internet fazem o trabalho de garimpo de seqüências genéticas homólogas às da cana-de-açúcar em bancos de dados internacionais. No Centro de Informática, um computador de R$ 150 mil foi instalado para o desenvolvimento de software e ferramentas computacionais de suporte aos futuros projetas de seqüenciamento genético. Com alto poder de memória, a máquina faz o cruzamento de dados para o desenho do complexo mosaico genético de seres vivos. Um dos benefícios será aplicar ao milho, ao arroz e ao sorgo os resultados obtidos com a cana-de-açúcar, pertencente à mesma família vegetal. Os novos laboratórios são fruto da parceria inédita entre Arruda: 37% dos genes identificados são novos duas fundações estaduais de apoio à pesquisa - a FAPESP e a nes, um avanço sem precedentes nas Facepe. O intercâmbio, formalizado pesquisas da cana. Deste total, 37% no ano passado, previa, além da monsão absolutamente novos, sem semetagem de uma infraestrutura de labolhança em qualquer outro organisratórios de seqüenciamento genético mo. Os pesquisadores supõe que ese de bioinformática, a capacitação tes genes inéditos podem ser a chave de cientistas pernambucanos em biopara identificar a cana em relação a outros seres. Estas novas estruturas logia molecular e genética. Quarenta pesquisadores já participam dos propodem estar associadas à produção jetas com a cana-de-açúcar. de proteínas importantes. Os outros Lançado oficialmente em abril genes já identificados têm similaridade ou são homólogos aos já seqüendo ano passado, em parceria com a

ciados em outras espécies. Por serem conhecidos, será mais fácil saber quais são realmente importantes nas pesquisas aplicadas. Leishmania chagasi - A partir do conhecimento gerado no seqüenciamento genético do vegetal, o grupo de Pernambuco pretende centralizar, ainda neste ano, uma rede de laboratórios dedicada às pesquisas com o genoma da Leishmania chagasi, parasita transmissor da leishmaniose visceral. A doença é endêmica no Brasil, principalmente no Nordeste. Em todo o mundo, registram-se, por ano, 2 milhões de novos casos de leishmaniose, incluindo os dois tipos: a visceral e a cutânea. Já foram identificados dezenas de genes envolvidos na absorção e no transporte de nutrientes, que servirão de base para o desenvolvimento devariedades de plantas mais eficientes na absorção iônica. Os pesquisadores também já reconheceram 57 genes anteriormente identificados em outras plantas, que viabilizam a fixação do dióxido de carbono, a síntese de amido e sacarose e o metabolismo de frutose e manose, processos vitais para a planta, que a tornam mais ou menos interessante do ponto de vista econômico. As pesquisas revelaram ainda, dezenas de genes da cana semelhantes a outros, de outras espécies, que conferem resistência a bactérias, fundos e vermes nematóides. "O pior é que a doença, tipicamente rural, está invadindo as grandes cidades em decorrência da deterioração das condições de vida nas periferias", adverte a bióloga Luíza Martins, da UFRPE. O projeto de pesquisa vai seguir o modelo criado pela FAPESP para os estudos do genoma da cana-de-açúcar. De início, dez laboratórios nordestinos deverão participar da rede que, no momento, busca adesão das instituições de São Paulo. • PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 13


POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

NOVOS GENOMAS

Mais duas bactérias • na m1ra da Onsa Pesquisadores vão decodificar genes da Xylella da videira e da Leifsonia epois de decifrar o genoma da D Xylella fastidiosa e se aproximar da conclusão dos projetos genoma cana, câncer e Xanthomonas axonopodis pv citri, pesquisadores ligados à Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos - Onsa, a rede virtual de laboratórios de pesquisa genômica criada pela FAPESP, iniciam a decodificação dos genomas de duas outras bactérias: o da variedade da Xylella responsável pela destruição das videiras e o da Leifsonia xyli subsp.xyli, conhecida anteriormente como Clavibacter, que ataca o talo da cana-de-açúcar. Os dois projetos se desenvolvem no âmbito de um novo programa, batizado de Genomas Ambientais e Agronômicos. O projeto de seqüenciamento da Xylella das videiras será desenvolvido em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A bactéria, parente próxima da Xylella fastidiosa, ameaça as videiras da Califórnia, região produtora de vinhos nobres. Igualmente transportada por espécies da cigarrinha, a 14 • AGOSTO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

Xylella da vinha provoca a doença de Pierce, que entope os vasos que transportam a seiva, causando a redução de tamanho e amarelamento das folhas e a morte da planta. O resultado é um prejuízo anual estimado em US$ 40 milhões. O acordo de cooperação entre o USDA e a FAPESP já está assinado. As duas instituições vão dividir um investimento de US$ SOO mil na aquisição de seis máquinas de última geração que serão utilizadas na decodificação do genoma. Os resultados serão divulgados até agosto de 2001. O projeto de seqüenciamento do DNA da Xylella da videira foi disputado por laboratórios norte-americanos. Na tentativa de fechar o acordo com o USDA, os pesquisadores do Joint Genome Institute (JGI) de Walnut Creek, na Califórnia, se ofereceram para realizar a leitura do DNA da bactéria em duas semanas e, posteriormente, chegaram a reduzir esse prazo para apenas um dia. Mas a pressa pode ser inimiga da perfeição. Edwin Civerolo, do Serviço de Pes-

quisa Agrícola (ARS) do USDA, declarou à Folha de S. Paulo que "nunca ficou claro como esse seqüenciamento poderia ser feito tão rápido': Além disso, a equipe do JGI não se comprometia a fazer as anotações do genoma, ou seja, identificar, entre milhões de "letras" químicas, as receitas de proteínas específicas. Essa omissão contou pontos a favor da rede Onsa. "Tempo é um parâmetro crítico, mas a qualidade e a interpretação dos dados também", comentou à Folha o responsável por programas internacionais no ASR/USDA, Richard Greene. O Brasil ganhou a disputa e o JGI ficou com a tarefa de seqüenciar outra cepa da Xylella que ataca plantas da amendoeira. Genômica comparativa - O acordo

com os americanos é estratégico, uma vez que coloca o Brasil como parceiro de uma instituição do porte de um USDA, uma espécie de Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, e reafirma o interesse internacional pelo programa funcional da


Xylella da videira: projeto vai buscar o controle da doença de Pierce

diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. No caso da Xylella da videira, os pesquisadores brasileiros vão utilizar a mesma estratégia adotada na decodificação do genoma do Xanthomonas axonopodis pv citri para facilitar a anotação. "Não vamos seqüenciar o genoma completo", explica Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que, junto com Mariana Cabral de Oliveira, coordena o projeto. O genoma da bactéria que ataca as vinhas deve ter entre 2,7 milhões e 3 milhões

A bactéria Leifsonia se propaga pelo uso do facão contaminado e ataca as touceiras de cana

Xylella, praga que ataca mais de 150 plantas em todo o mundo. "Não se trata de venda de serviços, mas de uma pesquisa de importância científica que permitirá a genômica comparativa das Xylellas da uva e da laranja e que pode ajudar a entender a patogenicidade de cada uma delas",

de pares de base. Serão seq üenciados pedaços aleatórios do genoma, de tal forma a cobrir entre 1.000 e 4.000 pares de base, ou seja, a oitava parte do genoma. "A nossa intenção é chegar o mais próximo possível da cura e caminhar na direção do controle da doença", afirma Marie-Anne. Os resultados também permitirãq identificar semelhanças e diferenças que possam existir entre a Xylella dos

citros e a da videira e até mesmo confirmar se as duas bactérias são inesmo variedades distintas da Xylella, já que a classificação atual foi feita por critérios convencionais da bacteriologia e não pelo seqüenciamento do genoma. O programa de seqüenciamento do genoma da Leifsonia xyli subsp.xyli também será resultado de cooperação internacional. A proposta de parceria foi feita por um instituto de pesquisa da Austrália, país produtor de cana-de-açúcar que convive com a praga nas touceiras da planta. Também será co-financiado pela Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar), que já tinha manifestado interesse em patrocinar a pesquisa. Neste caso, será seqüenciado o genoma completo da bactéria, que, os pesquisadores suspeitam, deve ter algo em torno de 3 milhões de pares de base. A Leifsonia se desenvolve no mesmo núcleo ecológico da Xylella, mas com hospedeiro distinto, no caso a cana-de-açúcar, e é transmitida pelo caldo da cana que fica no facão, na hora da colheita. A decodificação do genoma deverá expor os genes envolvidos com a patogenicidade da bactéria e permitir a identificação dos genes-candidatos ao controle da doença. "Queremos observar se ela tem os mesmos padrões quando em contato com a uva ou com a laranja", explica Luís Eduardo Aranha Camargo, do Departamento de Fitopatologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP. • Genoma da Leifsonia -

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • IS


POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS . . .

Fernando Hen rique com Perez, Br ito e o mi nistro Sardenberg

Prêmio e medalha O presidente Fernando Henrique Cardoso fez a entrega, no dia 14 deste mês, do Prêmio Almirante Álvaro Alberto ao cientista Aziz Ab'Saber e ao empresário Ozires Silva e das medalhas da Ordem Nacional do Mérito Científico, em solenidade no Palácio do Planalto. Entre os 70 agraciados nos diversos graus estavam os pesquisadores paulistas Carlos Henrique de Brito Cruz e José Fernando Perez, ambos da área de Ciências Físicas; Elisaldo Luiz Carlini, Maurício Rocha e Silva, Mayana Zatz e Gerhard Malnic, na área de Ciências Biológicas; Adolpho José Melfi, na área de Ciências da Terra; Jacques Marcovitch, na área de Ciências Sociais; Fernando Galembeck, Hernan Chaimovich, Walter Colli e Paulo Arruda, na área de Ciências Químicas. David Zylberstajn, José Aníbal Peres Pontes, Vilmar Evangelista Faria 16 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

e José Augusto Guilhon de Albuquerque receberam medalhas como personalidades nacionais e o pesquisador Andrew Simpson, coordenador do Genoma Xylella e do Genoma Humano do Câncer, recebeu uma das medalhas destinadas a personalidades estrangeiras.

Prêmio de educação a distância Os pesquisadores Maurício Prates de Campos Filho, membro do Conselho Superior da FAPESP, e Waldomiro Loyolla, ambos da Pontifícia Universidade

Católica de Cam pinas (PUC-Campinas), receberam , no dia 16, o Prêmio Nacional de Excelência em Educação a Distância, concedido pela Associação Brasileira de Educação a Distância. O prêmio fo i dado pelo desenvolvimento, por Prates e Loyolla, da Metodologia EDMCEducação a Distância Mediada por Computador. A metodologia surgiu em 1997 para atender à enorme dem anda de profissionais de todo o país pelo m estrado em Informática, im plantado pela PUC-Campinas em 1992. Incapaz de abrigar a todos, a alternativa encontrada foi o ensino a distância do programa do mestrado. A aplicação da EDMC- que pressupõe um conjunto de ferramentas tecnológicas e pedagógicasocorreu em 1998. Atualmente, o mestrado em Gerenciamento de Sistemas da PUCCampinas atende a mais de 150 alunos, de cidades e estados diversos. A metodologia foi aplicada

Prates (à dir.) e Loyola: democratizando o ensino

também pela Universidade Católica de Brasília, no mestrado em Gestão de Tecnologias da Informação.

Prêmio de inovação tecnológica A técnica Orestes, uma nova metodologia de análise de genes desenvolvida pelos pesquisadores do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer Andrew Simpson e Emmanuel Dias Neto, foi a vencedora da etapa brasileira do III Prêmio Alcatel à Inovação Tecnológica na América Latina, concorrendo com outros 32 projetos de diversas áreas de todo o Brasil. O projeto, agora, irá representar o país na próxima etapa, em outubro, no Peru, quando será escolhido o vencedor latino-americano.

Ciência e tecnologia em Alagoas No âmbito de uma reforma administrativa realizada há dois meses, foi criada, em Alagoas, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Estado. A posse do primeiro secretário, Williams Soares Batista, foi no dia 10 deste mês. Compõem a estrutura da nova secretaria a Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas (Fapeal), o Laboratório Farmacêutico do Estado de Alagoas (Lifal), a Fundação Universitária de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) e a Fundação Universidade do Estado.


Ciência e tecnologia no Maranhão No ano passado, o governo do Estado do Maranhão realizou uma reforma administrativa que extinguiu as secretarias e os órgãos a elas vinculados, entre os quais a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (Fapema). No seu lugar, criou o Fundo de Apoio à Pesquisa do Estado do Maranhão (Fapem), ligado à Gerência de Planejamento e Desenvolvimento Econômico. A secretaria executiva do Fapem ficou sob a responsabilidade da subgerência de Ciência e Tecnologia. No dia 16 deste mês, o titular do cargo, Carlos Alberto dos Santos Marques, esteve em visita à FAPESP. O objetivo foi buscar uma parceria com a fundação paulista para a implantação de um novo modelo de gestão para a pesquisa no Maranhão.

Alterações mudam estrutura do MCT O governo federal promoveu uma série de alterações na estrutura do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No âmbito do MCT, foram criadas quatro secretarias. Três possuem fins bem específicos, como a de Coordenação das Unidades de Pesquisa, de Política Tecnológica e Empresarial e de Política de Informática. A quarta, de Políticas e Programas de C&T, terá atuação mais ampla e contará com três

departamentos: de Programas Temáticos, de Política Científica e Programas Especiais e de Assuntos Nucleares e de Bens Sensíveis. OCNPq teve seu estatuto modificado e nove centros de pesquisa foram transferidos para o MCT. São eles: Museu Paranaense Emílio Goeldi, Observatório Nacional, Museu de Astronomia e Ciências Afins, Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, Instituto de Matemática Pura e Aplicada, Centro de Tecnologia Mineral, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Laboratório Nacional de Astrofísica e Laboratório Nacional de Computação Científica. Também foi extinta a Fundação Centro Tecnológico para Informática.

Solidariedade à Argentina A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) encaminhou ao secretario de Estado para la Tecnologia, la Ciencia y la Innovación Productiva da Argentina nota de solidariedade à comunidade científica daquele país, na defesa da preservação de seu patrimônio científico. Segundo a nota, "qualquer mudança nas instituições ligadas ao avanço do conhecimento, particularmente em épocas de dificuldades financeiras, deve ser ampla

e profundamente discutida, de modo a evitar os impactos negativos, que por vezes são irreversíveis". E prossegue: "Tanto para sobreviver como para revigorar-se, o sistema de C&T depende basicamente de ações continuadas e apoiadas com absoluta regularidade. Reestruturações abruptas e unilaterais podem levar a prejuízos inestimáveis e até à rápida destruição daquilo que custou décadas para ser construído". A nota da SBPC atendeu a uma solicitação dos próprios cientistas argentinos dirigida a toda • a comunidade científica do Hemisfério, com o objetivo de gerar uma pressão internacional sobre o governo. Depois de haverem encaminhado, no mês passado, uma carta ao presidente Fernando de la Rua (Pesquisa FAPESP 54), os cientistas argentinos elaboraram um manifesto em defesa da pesquisa científica e do Conselho Nacional de Ciencia (Conicet) daquele país. Segundo eles, o Conicet, principal agência estatal de apoio à pesquisa, está sendo desmantelado e ameaçado de extinção. O orçamento para

educação e C&T na Argentina foi reduzido em US$ 120 milhões e hoje apenas 0,4o/o do Produto Nacional Bruto do país é destinado à ciência e tecnologia. Os salários dos servidores públicos, inclusive os da área de C&T, foram reduzidos em 12o/o e o pagamento dos auxílios a pesquisadores foram adiados temporariamente.

A França e o genoma humano "A França pode e deve permanecer no primeiro plano no campo da pesquisa genômica." A afirmação, feita pelo primeiro-ministro Lionel Jospin, está se traduzindo em investimentos. O país decidiu destinar 1 bilhão de francos, por cinco anos, para as pesquisas sobre o genoma humano. Essa quantia vem somar-se aos 500 milhões de francos anuais que a França já destina às pesquisas nessa área do conhecimento. Uma parte substancial dos novos recursos suplementares irá para a nova rede GenHomme, criada para coordenar os trabalhos de laboratórios públicos, associações filantrópicas e indústrias, a fim de acelerar a valorização dos conhecimentos obtidos. A criação da rede GenHomme faz parte do programa Génomique, que o governo francês lançou em janeiro de 1999 para coordenar e estruturar os esforços de laboratórios e empresas. PESQUISA FAPESP · AGOSTO OE 1000 • 17


CIÊNCIA

GENOMA FUNCIONAL

AXyle//ase rende e deixa entrar os convidados CARLOS FlORAVANTI

Bactéria do amarelinho incorpora fragmento de DNA que pode mudar as funções originais de seu genoma stá aberto o caminho para a transformação genética da Xylella fastidiosa, de modo que se possa reduzir a ação indesejada da bactéria causadora da clorose variegada dos citros (CVC), o popular amarelinho, que tornou improdutivo um terço dos laranjais paulistas. A bióloga Patrícia Brant Monteiro, pesquisadora do Fundo Paulista de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), com apoio da FAPESP, desenvolveu um plasmídeo - no caso, uma seqüência de DNA construída em laboratório com partes do cromossoma da própria bactéria, que conseguiu se integrar ao seu genoma. Até então, a Xylella não era receptiva a qualquer outro fragmento de DNA. Daqui para a frente, ao transportar genes que alterem as funções originais do genoma, o plasmídeo dará origem às Xylellas mutantes, cuja construção,

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na medida em que se torne rotineira, deve pôr em ritmo mais acelerado os estudos que buscam a compreen~ão dos genes da praga do amarelinho tanto os já conhecidos, quanto, principalmente, os desconhecidos. É esse, justamente, o objetivo prioritário do Projeto Genoma Funcional, iniciado no ano passado pela FAPESP. Com esse plasmídeo, a Xylella enfim se rendeu. É agora o que se chama de transformante, uma célula modificada geneticamente por meio da introdução de um DNA de origem externa. Processo largamente utilizado para modificar o genoma de outros microrganismos, era inédito no caso da praga do amarelinho. "É a primeira vez que se fazem transformantes de Xylella': atesta o bioquímico Jesus Aparecido Ferro, coordenador do Funcional. A seu ver, o projeto vai agora "sair da possibilidade remota para a possibilidade real" de realizar desco-

bertas importantes a respeito do genoma dessa bactéria. Segundo Ferro, pode ocorrer até mesmo uma explosão de resultados, pois as equipes do Funcional que se dispuserem a testar genes vão se beneficiar diretamente do novo plasmídeo, resultado, por sua vez, do seqüenciamento do genoma da Xylella, concluído no início do ano. A inovação de Patrícia, que fez com que o plasmídeo funcionasse, reside essencialmente no emprego de um trecho do cromossoma da própria bactéria, chamado origem de replicação ou, de modo abreviado, OriC. É esse fragmento que inicia o processo de replicação do cromossoma, durante a duplicação da bactéria. Outra abordagem que ela pôs em prática e não se mostrou tão proveitosa foi tentar introduzir na Xylella plasmídeos com origens de replicação vindos de outras bactérias, como a Escherichia coli, Xanthomonas ou


Patrícia Monteiro no viveiro de mudas com as marias-sem-vergonha: planta modelo para a pesquisa de Xylellas mutantes

Pseudomonas. Com ela, não funcionou. "Os plasmídeos feitos com origens de replicação de outras bactérias são incompatíveis com o sistema de replicação de DNA da Xylella", explica. "Podem até entrar na bactéria, mas são instáveis." Um ano perdido - A certeza é a filha

da persistência, tanto foram as tentativas mal-sucedidas. Entre dezembro de 1998 e junho deste ano, Patrícia trabalhou como pesquisadora do Fundecitrus no Institut National de La Recherche Agronomique (INRA), semelhante à Embrapa brasileira, na cidade portuária de Bordeaux, sul da França. Seu objetivo era o mesmo de outros grupos do Funcional: estudar a biologia molecular da Xylella e construir um plasmídeo que permitisse sua transformação genética. Mas, agora ela sabe, insistiu durante um ano no caminho errado.

Uma bactéria muito semelhante à Xylella, a Xanthomonas citrii, que causa o cancro cítrico e é o objeto de outro programa de seqüenciamento financiado pela FAPESP, aceita plasmídeos de outras bactérias. Por essa razão, tinha-se como certo que a Xylella também aceitaria. Patrícia testou 15 plasmídeos, por métodos diferentes - e nada. Em dezembro de 1998, imaginou que poderia conseguir o que queria se usasse partes do genoma da Xylella, mas seu próprio orientador, o biólogo francês Joel Renaudin, a desestimulou a seguir por esse caminho. Ele havia gasto dez anos até conseguir mutantes de uma bactéria que ataca laranjais na Europa, o Spiroplasma citri, com fragmentos do próprio microrganismo. E sugeriu que ela tentasse todos os plasmídeos disponíveis para Xanthomonas, dada a semelhança que havia entre as duas bactérias.

Mineira de Bocaiúva que decidiu ser cientista aos 13 anos, ao conhecer na escola as Leis de Mendel, Patrícia no primeiro momento aceitou o conselho. Os franceses, afinal, são respeitados internacionalmente pelo trabalho com bactérias que atacam os vasos condutores das plantas, como a Xylella. Por essa razão é que estava ali. Mais tarde- após ver centenas de experimentos fracassados e ter acesso ao banco de dados do genoma de Xylella, que mostrava que ela se assemelha, de fato, à E. coZi - resolveu apostar na intuição. Com a ajuda de Diva do Carmo Teixeira, farmacêutica de formação e primeira pesquisadora do Fundecitrus a fazer um estágio no INRA, em 1997 e 1998, que lhe enviava informações por e-mail sobre como cultivar Xylella, Patrícia, às vésperas do Natal do ano passado, começou a montar plasmídeos com trechos copiados, ou melhor, clonados do genoma da bactéria. Desta vez, foram apenas quatro arquiteturas até verificar, no final de junho, dez dias antes de voltar ao Brasil, que uma de suas invenções havia finalmente se incorporado ao genoma da bactéria e se mantinha estável nas células filhas resultantes do processo de divisão celular. Bagagem preciosa - Da França, além de dezenas de tubos de ensaio com as bactérias transformadas, outros vidros com o plasmídeo na forma de um pó cor de baunilha e umas poucas garrafas de vinho, que aprendera a apreciar, Patrícia trouxe uma planta com flores brancas que promete ser bastante útil na etapa inicial de testes das Xylellas mutantes, provavelmente daqui a dois anos. É a maria-sem-vergonha, mimosa ou vinca ( Catharanthus roseus), que cresce facilmente em áreas sombreadas. Essa planta é um dos hospedeiros naturais de Xylella fastidiosa, que, nesse caso, provoca uma doença denominada PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 19


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periwinkle wilt (PW) ou, literalmente, murchamento da vinca. Os exemplares que Patrícia trazia a tiracolo, delicadamente assentados em embalagens de perfume, com as raízes envolvidas por papel embebido em água, haviam sido há um ano e meio infectados com a linhagem de Xylella usada para o seqüenciamento do genoma, a 9a5c. Tinham problemas de crescimento e as folhas um pouco retorcidas e pontuadas por manchas amarelas. Eram os sintomas não de periwinkle wilt, mas de CVC. Uma raridade, portanto. A partir dessas evidências, a maria-sem-vergonha - bastante pesquisada por conter alcalóides empregados no tratamento de alguns tipos de câncer torna-se uma alternativa a mais de planta experimental, na qual a bactéria cresce mais rápido do que nos laranjais. Em dois meses, a maria-semvergonha apresenta os primeiros sintomas do amarelinho, que demora de cinco a nove meses para despontar nos pés de laranja. No início do ano, os pesquisadores do Funcional não contavam sequer com uma planta para acompanhar em laboratório o desenvolvimento da infecção causada pela Xylella. O fitopatologista Sílvio Lopes, do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp ), resolveu o problema ao demonstrar que a bactéria poderia crescer de modo satisfatório em uma variedade de tabaco (Nicotiana tabaccum), bem mais fácil de cultivar que uma laranjeira (ver Pesquisa Fapesp no53). A falta de uma planta modelo era um dos gargalos do Funcional, mas não foi o primeiro. Logo depois de iniciado o projeto, os pesquisadores também sentiam falta de um meio de cultura definido para a Xylella crescer e se multiplicar. Poucos meses depois, o desafio foi superado com uma formulação elaborada pelas bioquímicas Eliana de Macedo Lemos e Lúcia Carareto Alves, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, que trabalhavam há cinco anos com a bactéria do amarelinho (ver 20 • AGOSTO OE 1000 • PESQUISA FAPESP

Uma forma de modificar a Xylella

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As funções originais do genoma podem ser alteradas acrescentando-se genes transportados por um plasmídeo feito com partes do DNA da bactéria


Notícias Fapesp no 45). Patrícia arrisca que, com a possibilidade de criar mutantes, seja possível também reduzir o tempo de reprodução da XyZella, hoje de seis a dez horas. É quase uma eternidade quando comparado com os 20 minutos da E. coZi, uma bactéria bastante usada em laboratório para multiplicar plasmídeos. A estrutura bem-sucedida - O plas-

mídeo que deu certo é chamado de pl6KOC por causa das três partes que o constituem: a origem de repli-

Zelia pela técnica de PCR (reação em cadeia de polimerase), é o Pl6SrRNA. Tem esse nome porque dirige a formação de um tipo especial de RNA, o RNA ribossomal, que compõe os ribossomos, compartimentos das células onde se produzem proteínas. Relativamente pequeno, o Pl6 tem 831 pares de bases. Os promotores regulam a expressão dos genes. Na prática, informam quando e quanto de um gene vai atuar na formação de uma proteína- para quebrar as moléculas de glicose e produzir energia, por

combinação homóloga, como é chamada a troca de partes no genoma. A recombinação homóloga, que tem esse nome por se tratar de fragmentos do próprio organismo, é um mecanismo natural dos seres vivos que permite a contínua rearrumação entre genes dispersos entre os cromossomos. "Quanto maior a variabilidade genética, maiores são as chances de uma espécie passar pela seleção natural e evoluir': diz ela. Nesse caso, ocorre uma troca única, chamada singZe crossing over, entre

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Seleção de Xylel/as: cresce apenas a colônia que aceita o plasmídeo (esfera maior)

cação, um trecho de DNA chamado promotor, ambos copiados da própria XyZella, e o gene que confere resistência ao antibiótico kanamicina, proveniente de um plasmídeo de E. coZi. A origem de replicação, OriC, que controla o processo de duplicação do único cromossoma da XyZella, é o maior dos três fragmentos . Tem 1.890 pares de bases nitrogenadas ou nucleotídeos (adenina, citosina, guanina ou timina), elementos básicos do genoma de qualquer ser vivo. Formado por sua vez de duas partes, o gene dnaA e os dnaABoxes, o trecho OriC permite ao plasmídeo se multiplicar algumas vezes no interior da bactéria, independente do cromossoma. Desse modo, diz a pesquisadora, dá tempo de ocorrer a re-

o promotor do plasmídeo e o promotor da XyZella. Algo que, à primeira vista, pode parecer um pouco estranho: é uma troca em que apenas um lado sai ganhando. Em outras situações, quando a operação prossegue, no chamado doubZe crossing over, um cromossoma cede trechos de DNA para outro cromossoma- aí, sim, se dá urna real permuta. Mas haveria também o risco de a bactéria não incorporar outras partes do plasmídeo além do promotor. Na troca única, o resultado final, é a incorporação de todo o plasmídeo no cromossoma da XyZella. É algo incomurn. Em outras situações, apenas partes dos plasmídeos saltam para qualquer lugar do genoma. O outro fragmento do plasmídeo, também copiado do genoma da Xy-

exemplo. Como um chefe de equipe, o Pl6 dirige a expressão do segundo trecho, o gene Kan, retirado de um plasmídeo de E. coZi. O Kan, com 1.100 pares de bases, produz uma proteína que permite à bactéria escapar à kanamicina. É esse gene que seleciona as bactérias cujo cromossoma incorporou o plasmídeo, quando submetidas a um banho de kanamicina, que elimina as que o recusaram, por não serem resistentes a esse antibiótico. Esses três fragmentos de DNA foram adicionados à estrutura de um plasmídeo de E. coZi, o pBS, bastante utilizado no seqüenciamento da XyZella para transportar e multiplicar fragmentos do genoma. Mas agora o caminho é inverso: o mesmo vetar que transporta pedaços da XyZella para longe dela mostra-se, com alguns ajustes, eficaz também para transportar DNA para dentro dela. O próprio plasmídeo, independentemente do que lhe foi adicionado, consegue se duplicar por conta própria, como resultado da ação da origem de replicação colElori, vinda de E. coZi. Desse modo, ao dar carona para os outros fragmentos de DNA, torna-se apto a se multiplicar no interior da E. coZi e da XyZella. Ganhou versatilidade, portanto. "O plasmídeo tinha de ser o mais semelhante possível para ser aceito e permanecer no cromossoma", diz a pesquisadora. Mesmo assim, havia o risco de nem sequer entrar na bactéria. Por essa razão, Patrícia não deu chance de a XyZella recusar o hóspePESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 21


de. Por meio de uma técnica chamada eletroporação, submeteu a praga do amarelinho a pulsos de alta voltagem, de 2,5 kiloVolts, quase 200 vezes a energia de uma tomada comum. Foi o bastante para fazer com que amembrana externa da bactéria se tornasse mais permeável e deixasse passar o plasmídeo. Lá dentro, o promotor Pl6 do plasrnídeo emparelha-se com o promotor da bactéria. "Esse foi o único ponto em que a operação progrediu com sucesso", diz a pesquisadora. O plasmídeo integra-se ao cromosso-

genicidade da Xylella no lugar do promotor, por exemplo, o espião pode de fato mostrar como impedir que a Xylella se instale nos laranjais interrompendo a condução de água e sais minerais no xilema, os vasos condu-

~

Colônia de Xylella ampliada cerca de IO vezes e uma laranjeira infectada: queda de produtividade

mo quando é copiado pela enzima DNA polimerase, no início do processo de divisão celular (ver ilustração).

Maria-sem-vergonha com CVC: folhas retorcidas com manchas amarelas

Refinamentos - Patrícia criou um espião perfeito. Consegue enganar a Xylella, instala-se em seu genoma, 378, 2 vezes maior, e passa despercebido, de modo que cumpre sua missão, ainda amena. Os plasmídeos enviados até agora são, de certo modo, inofensivos. Têm a tarefa, tãosomente, de testar a vulnerabilidade das defesas inimigas. No centro de pesquisas da Fundecitrus, em Araraguara, Patrícia dedica-se ao desenvolvimento de plasmídeos com versões mais refinadas, evidentemente com missões mais difíceis. Portando genes diretamente envolvidos com a pato22 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

tras partes do cromossomo. Utilizando alternativas como essa, ela acredita que será posssível anular, bloquear ou, como se diria a partir da expressão knock out, nocautear os genes indesejados, para que não mais se expressem. Outra 51 ~ possibilidade, é acrescenz ~ tar ao genoma da bactéria ~ genes que dêem alguma ~ ~ vantagem à planta, de ~ modo a informar à planta < que a Xylella está se instalando no xilema, antes que sejam entupidos. "Aí é que começa o trabalho que não sei quanto tempo vai demorar", suspira, ainda com resquícios do sotaque do norte de Minas. O plasmídeo, segundo ela, agora carrega qualquer gene. Sobrando tempo, quer trabalhar também com as cigarrinhas, os insetos que transmitem a Xylella às laranjeiras. "Quem sabe não é possível fazer com que a bactéria produza uma proteína que possa matar as cigarrinhas?': imagina. Novamente, a pesquisadora mineira diz ter apenas uma vaga noção de como desenvolver o trabalho. Mas comentava algo parecido ao iniciar a busca de genes para a construção dos plasmídeos. • P ERFIL:

34 anos, cursou Biologia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, fez o mestrado e o doutorado na Universidade de São Paulo (USP) e o pós-doutorado na Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos. É pesquisadora do Fundecitrus desde 1998. Projeto: Produção e Caracterização de Mutantes Não-Patogénicos de Xylella fastidiosa Investimento: R$ 42.860,00 mais US$ 45.410,45 • PATRICIA BRANT MONTEIRO,

tores mais internos dos vegetais mais evoluídos. À frente do projeto Produção e Caracterização de Mutantes Não-Patogénicos de Xylella fastidiosa, que conta com R$ 42,8 mil mais US$ 45,4 mil financiados pela FAPESP, Patrícia criou um plasmídeo em que encurtou o trecho OriC. Ficou apenas com uma das partes, a região dnaABox, que funcionou do mesmo modo. Com uma vantagem: por ser menor, reduz as chances de encaixes com ou-


CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Antibiótico extraído da aranha Peptídeo encontrado em caranguejeira exerce forte ação antimicrobiana s antibióticos não precisam ser produzidos apenas a partir de fungos. Pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) extraíram da aranha caranguejeira (Acanthoscurria gomesiana) uma substância- a gomesina- que funciona como um antimicrobiano mais eficaz e de efeito mais rápido que os convencionais. Tem também um efeito mais abrangente: em laboratório, mostrou uma forte ação contra 24 espécies de bactérias, nove fungos e cinco leveduras. Podendo ser testada em seres humanos daqui a pelo menos três anos, a gomesina representa uma nova linha de antibióticos -formados por moléculas empregadas por animais invertebrados no combate aos microrganismos - e uma saída promissora contra o surgimento de bactérias super-resistentes, que exigem mais potência e eficiência dos medicamentos, numa velocidade que a indústria farmacêutica não consegue mais acompanhar. Hoje, não é mais tão simples tratar uma infecção como após a descoberta da penicilina, em 1928. Naquela época, bastavam cinco a sete dias de tratamento à base de antibiótico e a recuperação era completa. "O uso dessa nova geração de antibióticos em infecções é muito promissor", afirma Antonio Gildo Bianchi, professor do Departamento de Parasitologia do ICB e coordenador do projeto temático Genes, Peptídeos e Proteínas de Artrópodes de Interesse

O

Médico e Veterinário, que conta com um financiamento de R$ 380,6 mais US$ 358 mil da FAPESP. "Também é muito interessante descobrir essa aplicação a partir de um estudo básico do sistema imunológico de invertebrados': comenta Bianchi. No carrapato do boi (Boophilus microplus), outro invertebrado estudado, os pesquisadores do ICB identificaram três peptídeos (moléculas de baixo peso molecular formadas por uma cadeia

e fungos, é na verdade um fragmente da hemoglobina (a molécula que transporta oxigênio para as células) do boi. Para ela, trata-se de uma indicação de que o carrapato deve ter uma ou mais enzima capaz de cortar a hemoglobina do boi, extraindo dela um fragmento que lhe serve de proteção contra infecções. "Faz sentido': diz. Os carrapatos habitam regiões próximas aos genitais do boi, uma área bastante suscetível à contaminação, e extraem do próprio alimento digerido um peptídeo que lhe garante imunidade. "É um parasita perfeito", comenta. Situação grave - O

Caranguejeira: no sangue, substâncias eficazes contra bactérias, fungos e leveduras

de aminoácidos) que, embora não estejam tão bem caracterizados quanto o similar da aranha, exercem a mesma função: formam uma primeira barreira contra microrganismos invasores. Um deles encontra-se no intestino do carrapato e dois, com ação antibacteriana, na hemolinfa, como é chamado o sangue dos artrópodes, o grupo de animais que inclui também os insetos e as aranhas. Sirlei Daffre, pesquisadora do ICB que coordena o subprojeto voltado à identificação e caracterização dessas novas substâncias, ficou surpresa ao descobrir que um dos peptídeos do carrapato, com ação contra bactérias

problema da resistência a antibióticos, que agora começa a ser amenizado, é sério principalmente nos hospitais, onde as infecções encontram um campo fértil para a disseminação, em vista da baixa resistência do organismo dos pacientes que se encontram ali para se tratar. Segundo o Ministério da Saúde, a infecção hospitalar no Brasil é da ordem de 13,1% e ainda está fora de controle, mesmo com as medidas preventivas exigidas pelo Programa de Controle de Infecção Hospitalar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVS). A superlotação de hospitais, o uso indiscriminado de antimicrobianos e a falta de atualização de profissionais da saúde são alguns dos motivos apontados pela ANVS para o crescimento das taxas de infecção hospitalar, hoje a quarta causa de óbitos no Brasil. Dos antibióticos hoje comercializados, a maioria atua seletivamente sobre um grupo de bactérias, inibindo seu crescimento e assim as destruindo. Sua ação, porém, é lenta, se comparada à velocidade de duplicaPESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 23


ção de uma bactéria, que é de apenas cionais demoram de 4 horas (no caso cies de bactérias causadoras de infec20 minutos. Segundo Sirlei, essa difeda vancomicina) a 24 horas (no caso ções hospitalares, Staphylococcus aurença de ritmos leva à formação de de norfloxacina). Além do tempo de reus, Staphylococcus saprophyticus, Streptococcus pyogenes e Pseudomonas gerações cada vez mais resistentes de ação, estão a favor dos peptídeos os inaeruginosa, que também causa infecbactérias e põe em xeque a eficácia dícios de que provocam menos efeidos antibióticos convencionais. Espetos colaterais e são pouco ativos contra ções no trato urinário e em queimaduras. Seguem-se, igualmente dizimacializada em imunologia de insetos e células musculares e de outros tecidos. biologia molecular, a pesquisadora das, as Staphilococcus saprophyticus, A princípio, são também pouco hetem encontrado uma situação oposta molíticas, ou seja, destróem menos que provoca infecção urinária, as e bem mais confortável à medida que glóbulos vermelhos que os antibiótiStaphylococcus aureus, causadora de meningite e furúnculos, e a avança seu trabalho com a gomesina, extraído das caStreptococcus pyogenes, da febre reumática. A lista é reranguejeiras fornecidas pelo Instituto Butantan e cuidaforçada com a Klebsiella das no ICB pelo doutorando pneumoniae, causadora da Pedro Ismael da Silva Jr. no pneumonia; Listeria monocytogenes, associada à meningilaboratório. É ele, geralmente e pneumonia; Candida alte, no primeiro passo para a bicans, origem da candidíase; purificação e caracterização dos peptídeos antimicrobiaCryptococcus neoformans, da meningite; Salmonella thynos, que extrai a hemolinfa phimurium, da salmonelose; do vaso dorsal das aranhas. Para fazer isto, as aranhas são e Tricophyton mentagrophytes, da micose superficial. A depiladas e mantidas por 15 minutos a -20°C. gomesina atua também con"A gomesina tem ação tra o parasita que causa leismais rápida que os antibiótihmaniose, Leishmania amacos convencwna1s porque zonensts. atua diretamente na memOs peptídeos exercem brana da bactéria': explica um papel importante no sisSirlei. Os experimentos inditema imunológico de anicam que os peptídeos antimais e plantas. Constituem as primeiras barreiras contra microbianos fazem buracos na membrana da bactéria e bactérias e fungos invasores, assim a levam rapidamente à antes que o organismo elamorte. Os antibióticos conbore respostas mais específivencionais têm outro meca- A estrutura tridimensional da gomesina: em forma de grampo cas, por meio da produção nismo: atuam no interior da de anticorpos e de células de células, em processos de formação de defesa. Para os invertebrados, que cos convencionais, algo que pode ser proteínas e na síntese de ácidos nucontam somente com o sistema uma tábua de salvação em casos excléicos como o DNA e o RNA. Por imunológico inato, os peptídeos são tremamente graves, quando se trata isso, são mais lentos. Essas diferenças vitais. "Diferentemente dos vertebrade organismos muito debilitados. tornaram-se evidentes com um expedos': conta Sirlei, "os invertebrados rimento que comparou os antibiótinão produzem anticorpos e a resposta Efeito abrangente - Além da baixa cos convencionais com um peptídeo a um microrganismo invasor é semconcentração necessária para obter o semelhante à gomesina, a protegrina, pre a mesma". Os vertebrados conefeito desejado, o gomesina é um forextraída de leucócitos (células do tam com peptídeos como defensinas, te candidato a ser utilizado como ansangue) de porcos, animais que não protegrinas e lisozimas do sistema tibiótico peptídico por ter um largo perderam os mecanismos de defesa inato que atuam em secreções das espectro de atividade. Testes realizamais antigos mesmo com sistema mucosas nas vias respiratórias, no dos em cultura de células demonstraimunológico mais sofisticado. trato digestivo, urinário e nos genitais ram que esse peptídeo apresenta uma Resultado: a protegrina leva 1Omiimpedindo que microrganismos peforte ação contra 14 bactérias do tipo nu tos para provocar uma redução no netrem e se instalem no organismo. gram-positivas, dez bactérias gramnúmero de bactérias de 1.000.000 para Segundo Sirlei, o estudo das aplinegativas, nove tipos de fungos e cin1.000, enquanto antibióticos convencações dos peptídeos, para avançar, co leveduras. Abrem a lista três espé24 · AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP


teria de contar com uma estrutura de pesquisa mais sotifisticada e o interesse das indústrias farmacêuticas. Além de resultados consistentes, atestados por revistas científicas de circulação internacional- a mais recente é o ]ournal Biological Chemistry, que aceitou para publicação o estudo de determinação da estrutura da gomesina-, a equipe do ICB dispõe de ou-

uso local, mas testes realizados com camundongos indicam que são também eficientes na forma injetável. "A administração oral também seria viável, mas depende do desenvolvimento de uma composição que não se altere com a ação das enzimas digestivas", diz ela. Quando comparada com alguns entre os cerca de 500 peptídeos identificados, a gomesina

Há um ano e meio, sob a orientação de Osvaldo Marinotti, que implantou no ICB a linha de pesquisa com mosquitos geneticamente transformados, uma equipe se dedica à identificação de subespécies de Anopheles, o gênero de mosquitos transmissores da malária, e ao estudo de sua relação com o parasita Plasmodium, o protozoário causador da doença. O que se quer é impedir a sobrevivência do parasita no inseto. "Já se estudou muito a ação do Plasmodium em humanos, mas ainda pouco se sabe da relação do parasita com o mosquito", afirma Bianchi. "É claro que criar um mosquito transgênico implica uma série de questões éticas e exige pesquisas sobre o impacto no meio ambiente." Os resultados, embora já bastante animadores, não devem ganhar uma aplicação tão imediata quanto o controle das infecções com os peptídeos extraídos dos invertebrados. • PERFIS: 58 anos, formou-se em Biologia em 1967, concluiu o doutorado em 1972 e a livre-docência em 1977 Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor convidado do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. • S!RLEI DAFFRE, 42 anos, formada em Biologia em 1980, terminou o mestrado em 1983 e o doutorado em 1988 no Instituto de Química da USP. Concluiu em 1992 o pósdoutorado sobre o sistema imunológico da Drosophila melanogaster, a mosca-da-fruta, na Universidade de Estocolmo, na Suécia. É professora do Departamento de Parasitologia do ICB da USP desde 1988. Projeto: Genes, Peptídeos e Proteínas • ANTONIO GILDO DE BIANCHI,

Sirlei: descobertas resultam do estudo do sistema imunológico de invertebrados

tro trunfo para negociar essa próxima etapa: a gomesina está patenteada há já dois meses. No exterior, as pesquisas avançam e até mesmo os testes com seres humanos, ainda distantes no Brasil. A própria Sirlei trabalha em colaboração com Philippe Bulet, do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) de Estrasburgo (França), que se aliou com outros pesquisadores para abrir uma empresa e produzir peptídeos de artrópodes em escala industrial, com fins terapêuticos. Nos Estados Unidos, uma linha de pesquisa em fase empresarial trabalha com a protegrina, em busca de um composto para tratamento de úlceras na mucosa bucal. No Canadá, um produto para assepsia de cateteres com base nessas substâncias já foi liberado para uso. Perspectivas- Segundo Sirlei, a aplicação dos peptídeos está focada no

apresenta uma vantagem: é uma cadeia relativamente pequena, com apenas 18 aminoácidos. Por essa razão, sua produção por síntese química torna-se mais simples. Há indícios de que a gomesina pode também ser obtida por engenharia genética. Sirlei conta que, embora essa experiência ainda não esteja concluída, o gene da aranha responsável pela produção desse peptídeo já foi clonado. Abre-se também a perspectiva de, por meio da clonagem gênica, modificar geneticamente mosquitos transmissores de doenças de forma que se tornem menos hospitaleiros aos parasitas- contra os quais os peptídeos antimicrobianos também atuam. Desse modo, o parasita seria atacado pelos peptídeos no interior do inseto, rompendo o ciclo parasitário. É nesse direção que corre outro subprojeto coordenado por Bianchi.

de Artrópodes de Interesse Médico e Veterinário Investimento: R$ 380.670,00 mais US$ 358.000,00 PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 2000 • 25


CIÊNCIA

BIOQUÍMICA

Estudando o metabolismo das frutas depois de colhidas, equipe desvenda os processos bioquímicos que as tornam doces e macias. A pesquisa abre o caminho para mudanças que retardem o amadurecimento e o amolecimento

cem. Para sua preservação, as amostras ficam congeladas em nitrogênio líquido a 80 graus Celsius negativos.

erá que os quadros de naturezamorta retratam de fato naturezas mortas? A resposta negativa surge inevitavelmente quando entramos no laboratório do professor Franco Lajolo, chefe do Departamento de Alimentos e Nutrição Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP): ali, bananas e mamões respiram normalmente em compartimentos com tubos, por onde absorvem oxigênio e soltam gás carbônico. Esse é o cenário principal do projeto temático Transformações Bioquí-

S

micas Pós-Colheita e Qualidade de Ali26 • AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

mentos e Matérias-primas. Iniciado há dois anos com financiamento da FAPESP, ele abrange dois temas: o adoçamento e a textura dos vegetais. Os resultados poderão permitir a produção de bananas mais (ou menos) doces. No caso da textura, o estudo das paredes celulares poderá ajudar a prevenir problemas inversos: amolecimento do mamão e endurecimento do feijão. As frutas são mantidas em condições controladas de umidade e temperatura, enquanto se recolhem amostras periodicamente para estudar o metabolismo delas à medida que amadure-

Mais qualidade - As frutas estão "vivas", inteiras ou cortadas, porque seus processos fisiológicos continuam depois da colheita, fazendo-as mudar de cor, cheiro, sabor e maciez. Coordenado por Lajolo, farmacêuticobioquímico doutorado em Ciência dos Alimentos, o projeto busca desvendar as atividades metabólicas nessa fase- ou seja, descobrir tudo o que acontece nas frutas desde a colheita. As frutas são de procedência conhecida e os pesquisadores acompanham seu desenvolvimento desde que surge a flor. "Temos o controle da vida do fruto, para poder fazer todas as comparações necessárias': diz a química Beatriz Rosana Cordenunsi. São feitos controles de umidade, temperatura e respiração, bem como estudados os compostos químicos e a dosagem de


Outra conquista possibilitou essas conclusões. "Um dos resultados inéditos do trabalho foi a clonagem e o seqüenciamento dos genes da enzima SPS da banana bem como da ss': ressalta João Roberto Oliveira do Nascimento, também farmacêutico-bioquímico, doutorado em Ciência de Alimentos e que trabalha na área de biologia molecular do projeto. Ele isolou e clonou o pedaço de DNA (ácido desoxirribonucléico) que contém o código para essas enzimas. Os fragmentos de DNA foram seqüenciados e então se pôde determinar a fórmula desses genes. "O que nós percebemos sobre a SPS é que, quando a banana amadurece e produz bastante açúcar, durante dois, três dias, vemos um aumento da quantidade de RNA (ácido ribonucléico), sinal de que aquele gene está sendo ativado': resume Nascimento. Esse resultado foi confirmado por análises com anticorpos produzidos contra as proteínas do fruto previamente purificadas. O grupo continua a estudar a função das demais enzimas que quebram as moléculas dos grãos de amido, fornecendo substrato para a síntese do açúcar. Também já foram parcialmente obtidas as seqüências dos genes de fosforilases a e ~ amilases. Resultados iniciais com sondas de DNA e anticorpos mostram que a atividade de algumas enzimas depende da ativação de genes no amadurecimento, enquanto a de outras (como a fosforilase) não. Genes seqüenciados -

, Enzimas adoçam banana -

carboidratos, açúcares, amido, sacarose e frutose, entre outras substâncias. Lajolo está otimista com os resultados já obtidos. Explica que as frutas ficam doces porque seus carboidratos mudam e macias porque há alterações nas paredes celulares da polpa. São diversas as transformações bioquímicas em estudo. Altamente coordenadas, essas modificações se relacionam à ação de enzimas e têm participação de hormônios. "A idéia do projeto': diz ele, "é saber o que controla essas transformações, qual o mecanismo e as bases moleculares envolvidas nesse processo. Por isso estamos estudando mais a fundo os mecanismos associados aos carboidratos (para o adoçamento) e à parede celular (para a textura), que são parâmetros importantes de qualidade." Quando se conhecer bem todo esse processo, será possível desenvolver tecnologias que aumentem a qualidade e a durabilidade dos frutos.

Para o adoçamento, a pesquisa se concentrou na banana (Musa paradisíaca), considerada um bom modelo do metabolismo de carboidratos: é fácil acompanhar seu amadurecimento, por exemplo, pelas sucessivas mudanças de cor. Enquanto amadurece, sua respiração se acelera. Além disso, seu consumo de oxigênio cresce à medida que as mudanças aumentam. Medindo a respiração, os pesquisadores captam os sinais do trabalho interno de amadurecimento. A equipe já fez descobertas importantes. A banana é composta por cerca de 20% de amido, que no amadurecimento se transforma em açúcar: isso ocorre porque várias enzimas agem sobre os grãos de amido e os degradam, ehquanto outras enzimas os transformam sintetizando a sacarose (uma das formas naturais do açúcar). "Uma dessas enzimas, a SPS (sacarose-fosfato sintase), interessou-nos particularmente. O que nós vimos e que não se sabia- é que, no processo de amadurecimento, essa enzima tem a quantidade aumentada por ativação do respectivo gene: então, é ela que pode controlar a síntese da sacarose': conta Lajolo. Ele revela que outra enzima, asacarose sintase (SS), também pode atuar na formação da sacarose, mas não se sabia como intervinha no processo. Agora se sabe que na banana a SS não participa da síntese da sacarose: enquanto o gene da enzima SPS é ativado, o da SS é desligado.

Por dentro da célula - A metodologia básica é avançada: microscopia eletrônica, sondas de DNA, anticorpos, espectrometria de massa. Mas nem tudo precisa ser tão sofisticado, e um exemplo são os modelos que o grupo desenvolveu. Beatriz Cordenunsi, doutorada em Ciência de Alimentos e responsável pelos estudos bioquímicos do adoçamento, explica: "Pegamos a banana, limpamos bem por fora para que não haja contaminação e a colocamos em caixas especiais numa temperatura controlada. No recipiente, há uma séPESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 27


rie de tubos para entrada e saída de ar. O ar que sai passa por um aparelho, onde é medida a respiração do fruto." Outro modelo de estudo usa fatias de banana. Os pesquisadores infiltram nas fatias substâncias que interferem no metabolismo, para posterior estudo das reações. Aqui, outra descoberta: as infiltrações com os hormônios vegetais ácido indol-acético e ácido giberélico atrasaram o amadurecimento da banana. Verificou-se que eles afetam a expressão

clonado e seqüenciado. Revelou-se que no amadurecimento aumenta a atividade dessa e de outras enzimaspectinametilesterase (PME), poligalacturorase (PG) e celulase. Constatou-se que radiações ionizantes (com raios gama) atrasam em dois dias o início do amadurecimento e também retardam o aumento da presença dessas enzimas (exceto a celulase) -ou seja, retardam o amolecimento. Estudos de imunolocalização, desenvolvidos em colaboração com o

dos genes ligados à quebra do amido (a e~ amilase). Textura do mamão - Os estudos sobre

textura estão sendo feitos justamente a partir do mamão ( Carica papaya), que amolece com rapidez, além do feijão (Phaseolus vulgaris), que tende a endurecer depois de colhido. O mamão foi considerado um bom modelo pela evolução de sua textura: como em outros frutos tropicais, ele muda rapidamente depois da colheita e o amolecimento acelerado causa grandes perdas. Pouco se sabe sobre as bases bioquímicas desse amolecimento, mas a equipe resolveu concentrar-se na parede celular. "Estamos associando a estrutura química da parede celular e sua organização química com as enzimas que fazem todas essas transformações. E já vimos que há pelo menos uma enzima importante sintetizada no processo- a betagalactosidase (~­ gal)': adianta Lajolo. Os pesquisadores amplificaram parte do gene dessa enzima, que foi 28 • AGOSTO DE lODO • PESQUISA FAPESP

John Innes Center (do Reino Unido), são feitos com anticorpos específicos e microscopia eletrônica. Eles estão mostrando os locais na parede celular e na lamela média, onde ocorrem modificações estruturais associadas a essas enzrmas. Já com o feijão, freqüentemente armazenado nas condições de umidade e temperatura elevadas que prevalecem em grande parte do país, ocorre o endurecimento pós-colheita. Então, sua reidratação fica difícil e o tempo necessário ao cozimento aumenta. "Há prejuízo sensorial, nutricional e econômico': ressalta Lajolo. No caso, estuda-se a evolução dos processos nas paredes celulares, cujos polissacarídeos são isolados para estudo de sua composição. Não há

conclusões decisivas, mas a pesquisa aponta o ácido ferúlico e a extensina como possivelmente envolvidos no processo de endurecimento. Transgênicos - "Com esses estudos,

estamos dando a base para que possam ser desenvolvidos novos processos de conservação e de qualidade dos frutos, até o limite de propiciar o desenvolvimento de novas variedades por engenharia genética", admite Lajolo. Ele diz nada ter contra produtos transgênicos, pois considera importante usar os avanços disponíveis para criar novas variedades, aumentar a vida útil e melhorar a qualidade dos alimentos. "Do ponto de vista de segurança, não há evidências científicas de risco à saúde." O trabalho também poderá influir no setor de alimentos semiprocessados - caso dos vegetais já descascados, cortados e embalados-, que são mais perecíveis. Assim, é importante saber como o fruto amadurece não só inteiro, mas também quando semiprocessado, para aumentar sua vida útil e sua qualidade. • PERFIL:

• FRANCO MARIA LAJOLO, 59 anos, formado em Farmácia e Bioquímica pela USP, fez pós-doutorado em Bioquímica de Alimentos no Massachusetts Institute ofTechnology (MIT), dos Estados Unidos, é professor de Ciência de Alimentos e Nutrição Experimental e responsável por várias disciplinas de graduação e de pós-graduação na USP. Projeto: Transformações Bioquímicas Pós-Colheita e Qualidade de Alimentos e Matérias-primas Investimento: R$ 180.245,97 e US$ 345.645


CIÊNCIA

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LABORATÓRIO

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Problemas no Pólo Norte

Fruto do babaçu: experimentos atestam novas aplicações

Babaçu contra úlceras gástricas Adotado popularmente como remédio contra reumatismo, celulite e até leucemia, o babaçu ( Orbignya phalerata martins) ganhou outra indicação, desta vez atestada cientificamente: pode também ser usado para lesões gástricas. Especialistas do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em experimentos com ratos, comprovaram que o babaçu pode ter, nesses casos, uma eficácia de 70%, enquanto os medicamentos tradicionais variam ao redor de 27%. Nesse estudo, coordenado por Maria Bernardete Maia, empregou-se o pó do fruto do babaçu, a partir do qual se faz o extra to. Vindo do Maranhão, um pacote de 250 gramas do pó de babaçu custa R$ 2,50. Em farmácias, cinco vezes mais. •

O bicho-da-seda transgênico Após 12 anos de trabalho, finalmente deram certo as experiências de manipulação

genética do bicho-da-seda (Bombyx mori), realizadas por duas equipes francesas uma do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS) e outra do Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas (INRA) de Lyon - em colaboração com grupos japoneses e americanos. Usando os mesmos métodos de manipulação genética do camundongo e da drosófila, os pesquisadores criaram um vetor, o transposon piggyBac, que se mostrou eficiente para enxertar, no patrimônio genético do inseto, genes que a partir de agora podem ser úteis não só para a produção de seda como para a indústria farmacêutica. O bichoda-seda é um dos primeiros insetos do grupo dos lepidópteros a incorporar genes que lhe são estranhos. •

A última vez foi há 50 milhões de anos, mas aconteceu de novo: o Pólo Norte está começando a derreter. De modo totalmente inesperado, pesquisadores da Comissão Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, patrocinada pela ONU, verificaram que uma faixa de gelo de pelo menos 1,6 quilômetro de largura do Oceano Polar Ártico virou água, numa indicação de que o aquecimento global pode de fato estar afetando as condições climáticas em escala planetária. No início deste mês, numa viagem a bordo de um quebra-gelo russo, o oceanógrafo James McCarthy, da Universidade de Harvard, Estados Unidos, e um dos coordenadores da Comissão da ONU, encontrou camadas de gelo finas a ponto de serem atravessadas pela luz solar, que sustentava o plâncton, logo abaixo. Segundo ele, nunca antes havia sido encontrado água na superfície do pólo. •

Os novos sagüis da Amazônia

Três novas espécies de sagüis descobertas na Amazônia alargam a vantagem do Brasil como o país que apresenta a maior diversidade de primatas do mundo, com 25% de todas as espécies conhecidas. Na Bacia do Rio Madeira, um grupo de primatologias apoiados pela União Mundial Bombyx mori: com genes de outra espécie

de Conservação (IUCN) Marc van Roosmalen, Tomas van Roosmalen, Russell Mittermeier e Anthony Rylands - identificaram duas novas espécies, o Callithrix manicorensis e o Callithrix acariensis, ambos com o tamanho aproximado de um esquilo. O primeiro tem o corpo banco ou prateado e a cauda preta. O outro é branco, com a cauda preta terminando com uma mancha laranja. Foram encontrados em 1996 vivendo próximos a comunidades ri-

O Callithrix acariensis

(esq.) e o manicorensis beirinhas, que os adotavam como animais de estimação. Tais relatos somam-se aos de dois primatologistas brasileiros, José de Sousa e Silva Júnior, do Museus Goeldi, do Pará, e Maurício de Almeida Noronha, da Fundação Floresta Amazônica, que anteriormente haviam identificado outra espécie, a Callithrix saterei sp.n. Encontrado em 1994 entre os rios Madeira e Tapajós, tem a face dourada e nua, coberta por raros pêlos alaranjados, orelhas nuas e a genitália também cor de laranja brilhante. É também conhecido como mico-leão ou sauimde-cara-branca. Desde 1990, dez novos macacos foram descobertos no Brasil. O total • agora é de cerca de 80. PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 2000

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erra Observatório deverá decifrar partículas de altas energias que atravessam a atmosfera MARILUCE MOURA

30 · AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

m Pampa Amarilla, uma região semidesértica no sul da província argentina de Mendoza, que se estende a oeste até o pé da Cordilheira dos Andes, está nascendo, com participação do Brasil e de duas dezenas de outros países, o Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos. Por ora, apenas uma torre de comunicação, um edifício em início de construção e o primeiro tanque detector anunciam, perto de Malargue, o futuro empreendimento nessa área de baixíssima densidade populacional só pequenos criadores de bovinos e caprinos animam aqui e ali uma paisagem em que a planície é a regra, desdobrando-se por uma imensidão de 70 por 50 quilômetros, quebrada por pequenas elevações de, no máximo, 60 metros. Mas, em 2003, nessa região deverão estar espalhados por uma área total de 10 mil quilômetros quadrados, à distância regular de 1,5 quilômetro entre cada um, os 1.600 detectores de superfície do observatório - os chamados tanques Cerenkov. Deverão estar instalados também quatro detectores de fluorescência- os telescópios "olho-de-mosca"-, um dos quais esférico, com 12 espelhos, no lugarejo chamado Los Leones e três semi-esféricos, com seis espelhos, em pontos periféricos nos limites norte, sul e leste do imenso sítio sul do Pierre Auger. A partir daí, o observatório estará completamente equipado para dectetar, analisar e interpretar as partículas raras de altíssimas ener-

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PANGUIPALLI 3740

Telescópio de fluorescência

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PONTO DE IMPACTO

PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 31


gias que, ao bater na atmosfera da Terra, a uma altura de cerca de 50 mil metros da superfície do planeta, iniciam um processo de produção múltipla de novas partículas que geram um enorme chuveiro de mais de 1 bilhão de partículas a atravessar celeremente a atmosfera. que se quer com essa caçada de tais partículas? Saber o que elas são e de onde vêm. E se possível, a partir desse conhecimento, compreender algo mais sobre o bigbang, a portentosa explosão primordial que, segundo uma das teorias mais aceitas pela física, deu origem ao nosso universo. Em termos concretos, os cientistas envolvidos no projeto Pierre Auger - que, além do sítio sul, em Mendoza, deverá ter, mais adiante, um sítio norte em Utah, nos Estados Unidos - vão investigar partículas que chegam à Terra na freqüência de apenas uma por século, por quilômetro quadrado. São, portanto, agentes de um fenômeno astrofísico raro, que por isso mesmo demandam para sua observação direta, além de uma área com céu límpido, com pouca cobertura de nuvens e quase nenhuma interferência de luz decorrente da atividade humana (que atrapalharia o trabalho dos telescópios), grandes extensões e

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32 • AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

equipamentos detectores de superfície em número considerável. Para ter uma idéia mais clara da raridade do evento, vale observar que, em média, apenas 30 partículas atingem, por ano, a atmosfera sobre a área de 10 mil quilômetros quadrados reservada para o observatório em Mendoza. E uma vez que uma dessas partículas tenha chegado à atmosfera, em apenas 10 (-4) segundos ou, o que é o mesmo, 100 microssegundos, o chuveiro a que elas deram origem atinge a superfície da Terra. Ou seja, além de raro, o fenômeno todo é muito rápido, daí a necessidade também de um sistema lógico de transmissão e análise de informações extremamente preciso e sofisticado como o que foi concebido para o Pierre Auger. Mas certamente a característica mais essencial das partículas em questão é que, sendo subatômicas, com uma massa ínfima de 10 -27 quilogramas, elas têm uma energia que alcança 50 joules, algo equivalente à energia de uma bola de tênis de cerca de 100 gramas no momento em que parte do saque potente de um tenista profissional, da categoria do brasileiro Gustavo Küerten ou, melhor ainda, do suíço Marc Rosset, a uma velocidade em torno dos 200 quilômetros por hora. Assim, não é à toa a fascinação que exercem sobre os físicos: note-se, a propósito, que a energia gerada pela aceleração de partículas dentro do famoso laboratório norte-americano Fermilab, situado em Illinois, a cerca de 60 quilômetros de Chicago, que vem a ser nada menos que o fenômeno mais energético produzido no planeta, é 100 milhões de vezes menor do que a energia das partículas que estão no alvo do projeto Pierre Auger. Formalmente, a participação brasileira nesse projeto foi anunciada em 17 de julho último, numa cerimônia no Instituto de Física Gleb Wataghin da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), presidida por seu diretor (e presidente da FAPESP), Carlos Henrique de Brito Cruz. Em termos financeiros, isso deverá se tradu-


zir, até 2003, num investimento total de US$ 3,5 milhões. Por enquanto, foram concedidos quase US$ 2 milhões, dos quais US$ 1,6 milhão estão sendo aplicados pela FAPESP e US$ 340 mil pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através do Programa de Núcleos de Excelência em Pesquisa (Pronex). Da parte da Fundação, conforme detalhou seu diretor científico, José Fernando Perez, US$ 1 milhão destinam-se a equipamentos (boa parte deles produzida no Brasil) e material de consumo, enquanto US$ 600 mil são para bolsas de doutoramento e pós-doutoramento para pesquisadores de São Paulo engajados no projeto.

professor no Departamento de Física Nuclear do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), depois de ter passado alguns anos no Departamento de Física Matemática, Escobar pouco tempo depois foi convidado a participar de uma reunião da Associação Física Argentina, em Bariloche, onde a questão do observatório seria discutida. Foi em Bariloche que, junto com colegas argentinos e brasileiros, Escobar se preparou para liderar o esforço pela implantação do sítio sul do observatório na Argentina. Retornando ao Brasil, procurou Perez, na ocasião já diretor científico da FAPESP, e Lourival Carmo Mônaco,

as se a entrada institucional do Brasil no Pierre Auger é recente, a efetiva participação de pesquisadores brasileiros no projeto vem ocorrendo desde que ele começou a ser mais seriamente formulado. A rigor, o observatório começou a ser pensado em 1992, pelo físico norte-americano James Cronin, ganhador de um Nobel em 1980 (ver entrevista na página 36). Logo em seguida, Cronin obteve o apoio de um colega escocês, Allan Watson. Em 1994, tornou-se claro que o observatório teria de ser muito grande e dispor de tecnologia avançada, o que exigia cooperação internacional- e nesses termos, organizouse uma reunião de trabalho em Paris. Em julho de 1995, nova reunião, de cerca de dez pessoas, no Fermilab. Ali se encontrava um entusiasmado físico brasileiro, Carlos Escobar, hoje professor titular do Departamento de Raios Cósmicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Originário, como Cronin, da comunidade dos físicos de aceleradores de partículas, e àquela altura

então presidente da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep ), para sondar as possibilidades de apoio institucional ao projeto. "Imaginávamos, naquele momento, que a participação brasileira no projeto teria de ser da ordem deUS$ 10 milhões, até porque o Menem (Carlos Menem, então presidente da Argentina) acenava àquela altura com uma oferta deUS$ 15 milhões para a implantação do observatório em seu país", lembra Escobar. Apesar da cifra um tanto espantosa, que terminou serevelando bastante superdimensionada, como de resto se mostraram muito fora das reais possibilidades argentinas os acenos de Menem, Escobar recebeu estímulos, nas duas agências de fomento, para ir tocando adiante o projeto. Ele faz questão de ressaltar o apoio que também recebeu do físico Oscar Sala, ex-presidente da FAPESP. "As pessoas compreendiam o alcance que o projeto poderia ter para a pesquisa, e até para a indústria brasileira, já que os recursos seriam gastos em sua maior parte no país", comenta. Escobar explica que uma cláusula do projeto do observatório estabelece que no máximo 20% PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 33


dos investimentos de cada país destinam-se a fundos comuns do empreendimento. Em novembro de 1995, "com a lição de casa bem feita", um grupo de 20 argentinos e brasileiros, entre os quais, além de Escobar, estavam Ronald Shellard, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), do Rio de Janeiro e Armando Turtelli Jr., da Unicamp, seguiu para uma reunião na sede da Unesco, em Paris, onde seria decidido, entre outras coisas, o local para o sítio sul do Pierre Auger. A Argentina dispunha de três diferentes locais, enquanto Austrália e África do Sul dispunham cada uma de um local, todos já visitados por um search team integrado por um francês, um inglês e um norte americano. Para encurtar a história, com condições objetivas de fato melhores e uma torcida bem organizada (na reunião só havia dois cientistas australianos e dois da África do Sul), a Argentina terminou ganhando a parada, com a área de Mendoza. A lamentar apenas que a escolha da Argentina tenha afastado temporariamente o Japão do projeto, sob alegação da grande distância entre 34 • AGOSTO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

os dois países. Há uma possibilidade em aberto de ele participar do sítio norte, que deverá ser em Utah, conforme decisão tomada em 1997 e cuja implementação está, na verdade, condicionada à demonstração, no sul, de que a concepção técnica geral do observatório é boa. Outro resuhado da reunião em Paris foi a escolha de Escobar como chairman do Colaboration Board do projeto por dois anos, função para a qual foi reconduzido uma vez- desde setembro do ano passado, o cargo é ocupado pelo físico francês Murat Boratav. esde a reunião de novembro de 1995, o projeto andou muito. Hoje estão instalados na área do observatório dois tanques, outros 18 deverão seguir para lá até o final de setembro e, se tudo correr conforme o cronograma, em novembro já serão 40. São todos produzidos pela Alpina Termoplástica Ltda., uma empresa paulista instalada no bairro do Jabaquara, na capital, que pode ser situada entre pequena e média (100 empregados), pertencente a um grupo familiar que começou a se formar em 1953, a partir da Alpina Equipamentos Industriais Ltda. "Estamos muito orgulhosos de trabalhar para esse projeto': diz o gerente geral da empresa, Estéban Peres, um espanhol de Madrid que há 45 anos trabalha para o grupo. "Fomos escolhidos para fazer o trabalho por

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cientistas que visitaram várias outras empresas em outros países. Se concluíram que tínhamos capacidade de realizá-lo, é porque estamos de algum modo na vanguarda tecnológica nessa área", completa ele. Os tanques, em resina especial, têm 3,60 metros de diâmetro e altura de 1,20 metro, na parte do reservatório de 12 mil litros de água. Considerando-se também a estrutura de reforço da parte superior, a altura total alcança 1,60 metro. O que acontece nesses tanques quando as partículas atingem a água é, primeiro, a produção de uma radiação azulada, que é captada por fotossenso-

Área do observatório Pierre Auger Sul Rodovia Ferrovia

...

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res imersos nessa água. Trata-se de uma radiação diferente daquela produzida na atmosfera, passível de ser captada pelos telescópios, porque neste caso as partículas excitam as moléculas de nitrogênio, em seguida elas sofrem uma "desexcitação" e aí é que emitem uma luz que sai em todas as direções, com intensidade equivalente à de uma lâmpada de 5 wats, que percorre a atmosfera à velocidade da luz, a 30 quilômetros de distância. Trata-se, assim, de um processo atômico. Já na água, explica Escobar, "a partícula provoca uma modificação das propriedades dielétricas do líquido, e é coletivamente que suas moléculas vão emitir aradiação". E aí trata-se de uma radiação muito mais intensa, com quantidade muito maior de fótons e direção cônica, como uma onda de proa. "Como a velocidade da

partícula que entra na água é maior do que a velocidade da luz na água, a captação da radiação nesse meio é muito mais eficiente", diz Escobar. as é a combinação entre os dois processos de detecção a grande sacada do projeto Pierre Auger. Porque se as partículas de um chuveiro entram, em determinado instante num tanque, há ali uma única informação, de alta precisão, enquanto em algum dos telescópios que olham para dentro da área do observatório vai se encontrar uma medida mais contínua da radiação do chuveiro, refletindo o acompanhamento do fenômeno em vários pontos, ao longo de seu percurso de 30 quilômetros. E, mais que isso, há uma "conversa" entre os dois sistemas intermediada por um sistema lógico. Como? Primeiro, os fotossensores do tanque mandam sinais para um sistema lógico do próprio tanque e, se os pontos de radiação superarem um determinado limiar, esse sistema alerta o sistema central de computação, que distribui a informação para o telescópio e para outros tanques. Já no telescópio, se seus fotossensores dispararem e três deles formarem um padrão geométrico razoável, também ocorre o envio de informações para o sistema central e daí para os tanques. Posteriormente, na área de processamento de dados, coordenada por Shellard, o evento será analisado e, se for o caso, guardado. "Mas de modo geral nosso database ficará mais ocupado com eventos de calibração do que com eventos físicos", prevê Escobar. Mas a grande questão que persiste para quem não é do ramo é por que os físicos acreditam que essa observação poderá levá-los a saber o que são e de onde vêm as partículas de altíssimas energias. Bem, eles acreditam que as partículas em questão não são fótons, são matéria: têm massa e carga elétrica. Portanto, em princípio seriam desviados pelos campos eletromagnéticos que permeiam o universo. Mas esses campos são fracos e a energia das partículas, ao contrário, imensa. Assim, parece difícil tal desvio, e as partículas provavelmente mantêm sua rota, que talvez seja possível investigar até uma distância de 300 milhões de anos luz. Ao fim dessa rota talvez estejam colisões de galáxias, núcleos ativo de galáxias ou, mais provavelmente, matéria escura, relíquias do big-bang apri- · sionadas no halo da galáxia, massa escura escondida no universo. Por ora, ninguém sabe. Os físicos do Pierre Auger querem saber. PESQUISA FAPESP · AGOITO OE 1000 • 35


Aassimetria que possibilitou

acria~ãodo

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Havia um pouco mais de matéria que de anttmatéria no big-bang. Ainda bem!

universo mat m tanto cansado da rotina de sua área tradicional de trabalho- aceleradores de partículas -, o físico norte-americano James Watson Cronin, 68 anos, decidiu, em 1992, que passaria a explorar a região de energia dos raios cósmicos. Mas decidiu igualmente que levaria para seu novo campo de atuação, sem dúvida bem mais especulativo, a filosofia de trabalho pragmática da comunidade dos físicos de aceleradores, que inclui entre seus pilares usar sempre a melhor tecnologia de ponta disponível para pesquisa e, se necessário, desenvolver a instrumentação apropriada aos objetivos de cada projeto. Foi a partir dessas decisões que ele começou a idealizar o projeto do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos que, coerentemente com sua experiência passada, é bastante inovador na concepção técnica e dispõe de uma série de equipamentos desenhados especificamente para os objetivos de detecção das partículas de altas energias. Cronin, que em 1980 dividiu com o colega Val Logsdon Fitch o prêmio Nobel de Física, pela descoberta das violações de princípios fundamentais de simetria no decaimento dos mesons-k neutros, esteve em São Paulo em julho, participando da cerimônia que marcou o apoio formal do Brasil ao projeto Pierre Auger. E foi nessa ocasião, no Instituto de Física Gleb Wataghin, na Unicamp, que ele concedeu a Mariluce Moura a entrevista que se segue.

U

de desdobrar-se de tal modo que a matéria dominasse, nas galáxias com rerteza e, provavelmente, no Universo. Então, toda partícula é gêmea de uma antipartícula, o próton é carregado positivamente, e o antipróton, negativamente. E quando eles se juntam, todas as estruturas se anulam.

• O senhor poderia tentar explicar em palavras inteligíveis para um leigo o que é antimatéria, um conceito fundamental na descoberta que lhe valeu um Nobel?

-Antimatéria ? O.k. É um fato descoberto empiricamente para toda porção de matéria. Tomemos um hidragênio: é um próton com um elétron girando em volta. Mas sabemos que há um antipróton. Foi descoberto e fisicamente produzido num acelerador. E a natureza da antimatéria é tal que, quando se encontra com matéria, ela se destrói e simplesmente se torna ... bem, digamos, pura energia ou partículas instáveis e acaba se transformando no que chamamos fótons ou "partículas leves': Mas o importante é que não poderia haver nenhuma vida, não poderia haver nada se tivéssemos uma igual mistura de matéria e antimatéria. É extremamente importante que a Natureza de algum jeito tenha sido capaz 36 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

• O senhor e Val Fitch receberam o prêmio Nobel em 1980 pela descoberta das violações de princípios fundamentais de simetria no decaimento de mesons-k neutros. O que isso tem a ver com a relação entre matéria e antimatéria?

-Creio que não é o caso de explicar aqui os detalhes dessa violação de simetria em mesons-k. O que de fato interessa é que encontramos uma violação no que pensávamos ser uma simetria entre matéria e antimatéria. E vimos que, de fato, no estudo em detalhe dessa partícula elementar encontra-se uma pequena diferença nas leis da física, entre o universo da matéria e o universo da antimatéria. E acho que a importância da descoberta transcende de longe a própria física das partículas, porque ela permite que se entenda como o Universo começou com um big-bang quente, ou o que quer que seja, onde a energia é tão alta que não


há como separar matéria e antimatéria. Contudo, com a violação da simetria, e alguns outros detalhes, a assimetria resultante entre matéria e antimatéria pôde conduzir a um pequeno excesso de matéria. E o modo como percebemos as coisas agora nos diz que no big-bang havia quase tanta matéria quanto antimatéria, mas um pouquinho menos desta, algo, digamos, como uma parte em um bilhão. E, no mais, toda matéria e antimatéria se aniquilaram produzindo os fótons, esse pano de fundo de microondas que está lá, do qual sabemos e que vemos. O que sobrou, somos nós: uma parte em um bilhão. Isso foi tudo o que foi preciso para fazer a matéria do Universo. Se você calcular a quantidade de matéria, ou seja, os prótons, e calcular os fótons, é exatamente este o fator que encontrará, de um em um bilhão.

• Mas exatamente o que impediu que no big-bang matéria e antimatéria se aniquilassem completamente? - Mas elas se destruíram! Só que por causa da assimetria, da violação da simetria, um pouco de excesso foi produzido. Quero lembrar que foi o físico Andrei Saka-

''Toda matéria e antimatéria se anig,uilaram produzindo os fotons. O que sobrou somos nós: uma parte em um bilhão,, rov, num artigo publicado em 1967 num jornal russo, quem primeiro exprimiu a idéia de como a noção de uma assimetria entre matéria e antimatéria poderia conduzir a um universo dominado pela matéria. Foi ele, portanto, a primeira pessoa que apontou a significação cosmológica do nosso experimento, que havia sido feito três anos antes, em 1964.

• E o fechamento do Universo? Ele vai entrar em colapso ou vai continuar a se expandir? - Bem, o que sugerem os dados atuais- e são dados, não especulações - é que ele não vai se fechar nem explodir, apenas gradualmente irá crescendo. Não há fim para ele.

• Quais são suas expectativas quanto ao Observatório Pierre Auger? - Minhas esperanças são de que sejamos capazes de coletar eventos de alta energia o bastante e que eles mostrem, por seu caráter, tanto o que são quanto de onde vêm, e que tipos de energia têm. Esses eventos deverão nos dar os tipos de pistas de que precisamos para decidir se há desordem no Universo jovem ou que processos nele acontecem, se há objetos astrofísicos que não conhecemos etc. Quem sabe nos dêem algumas pistas de coisas que simplesmente não entendemos na nova física, coisas necessárias para entendermos nossas medições. Nosso trabalho, então, é fazer as melhores medições possíveis e, ao mesmo tempo, excluir quaisquer preconceitos sobre as respostas que estaremos encontrando. • O senhor vê seu trabalho no Pierre Auger como uma con-

seqüência natural daquela pesquisa que lhe valeu o Nobel? -A única coisa em comum entre um momento e outro é a nossa procura por fenômenos grandes e importantes. Tem a ver com a cosmologia, num certo sentido. Ela estava presente quando fizemos o experimento original, ainda que estivéssemos trabalhando num espaço apertado como um acelerador. E sempre me espantou que ali tivéssemos feito algo tão especial, tão misterioso e com conseqüências de t'ão extraordinária magnitude.

• Vocês não estavam procurando o que encontraram? -Não. E isso é o que chamamos "cientificidade": você faz uma coisa numa direção e, no fim das contas, faz uma descoberta que tem conseqüências extraordinárias.

• O senhor poderia estabelecer uma relação entre a sua des-

coberta e as mais recentes especulações cosmológicas?

• O trabalho com o Observatório Pierre Auger vai obrigá-lo

a vir ao Brasil com freqüência? -Você deve estar se referindo às mais recentes medições cosmológicas, ao "universo plano", coisas dessa natureza. Mas acho que a importância da nossa descoberta, no que toca à cosmologia, é o que acabamos de discutir, ou seja, ela permite entender por que estamos num universo dominado pela matéria. As novas descobertas da cosmologia são fantásticas. Sabemos agora que, ao que parece, o Universo é muito plano, não tem uma geometria curva de um modo ou do outro. E temos também estes belos sinais do Universo muito jovem, ainda com 4 mil anos, quando o pano de fundo de microondas foi originado.

- O meu trabalho, além de procurar ficar a par do que as outras pessoas estão fazendo, é tentar garantir o apoio político e financeiro para o projeto. Temos um diretor de projeto que realmente se ocupa de todos os detalhes. Isso quer dizer que eu venho para o Brasil, vou ao Vietnã, à Argentina, aonde for preciso. Aqui já estou certo de que temos o apoio do Estado de São Paulo e também do governo federal. Na Argentina temos um apoio extraordinariamente bom da província de Mendoza, mas ainda temos problemas com o governo federal. • PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 37


CIÊNCIA

QUALIDADE DO AR

A saúde dos prédios em exame Concentração de gases maléficos cria edifícios "doentes" nas cidades qualidade do ar em interiores é um problema quase desconhecido no Brasil, segundo o professor Racine Prado, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), autor de uma pesquisa financiada pela FAPESP para detectar poluentes em prédios da cidade de São Paulo. Racine, que teve a ajuda do bolsista Adriano Trotta do Carmo, baseou-se em limites toleráveis segundo padrões norte-americanos e canadenses. O trabalho revelou a importância da ventilação para dispersar poluentes e mostrou que a concentração deles depende muito do tamanho das áreas internas e do número de usuários.

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Sem vento - Racine explica que, nas

cidades, boa parte das pessoas passa entre 80 e 90% do tempo em prédios, muitos considerados "doentes" devido à existência de fontes poluentes neles próprios ou nas vizinhanças e à má ventilação. Hoje, para economizar energia, pouco se usa a ventilação natural das janelas abertas já que, depois da crise do petróleo dos anos 70, generalizaram-se os "edifícios com poucas aberturas para ventilação, que gastam menos energia para manter a circulação e a refrigeração do ar". Os prédios ficaram cada vez mais fechados e dotados de controles de ventilação, temperatura e umidade, enquanto a qualidade do ar foi ignorada. Assim, "as concentrações médias de vários poluentes no ar interno aumentaram Racine: acúmulo de gente e carros, climatização artificial e geração de calor em cozinhas favorecem a poluição 38 • AGOSTO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

muito, devido à pouca troca de ar entre o interior do edifício e o exterior". Vários gases - monóxido e dióxido de carbono, amônia, óxidos de enxofre e nitrogênio - são gerados por materiais de construção e de limpeza, mofo, cozinhas, lavagem/secagem de roupas e pelo metabolismo humano. Isso causa duas patologias. Uma é a "síndrome do edifício doente': estado transitório de parte dos usuários (cerca de 20%), cujos sintomas- dor de cabeça, náusea, irritação de olhos, nariz e garganta, cansaço, falta de concentração e problemas de pele - costumam sumir quando as pessoas saem. A outra é a "doença relacionada ao edifício", causada por bactérias, vírus e fungos. Os mais expostos - Racine destacou

os poluentes amônia, monóxido e di-

óxido de carbono, dióxido de nitrogênio, dióxido de enxofre e formaldeído. E selecionou prédios que estariam mais expostos a eles, por características como fachada com poucas aberturas, probabilidade de grande geração de calor interno ou grande movimentação de pessoas e carros. Escolheu hospitais, shoppings, oficinas mecânicas, prédios comerciais e universitários. Dos 23 escolhidos, 12 permitiram as medições: 2 hospitais, 1 oficina, 5 prédios comerciais e 4 do câmpus da USP. Racine usou um medidor portátil de gases com microprocessador. A escolha também considerou o tipo provável de poluente. Numa sala escolar, por exemplo, a respiração dos alunos produz dióxido de carbono (COz), gás relativamente não tóxico, mas considerado bom indica-


dor da qualidade do ar. Na sala pesquisada, havia 1.000 ppm (partes por milhão) de COz, nível acima do qual pode haver sensação de abafamento e que indica ventilação insuficiente para diluir poluentes mais nocivos. Na oficina, ao COz somou-se um gás tóxico, o monóxido de carbono (CO), produto da combustão de material fóssil, sobretudo por carros, e cujo limite de segurança é 50 ppm. A oficina, um galpão de 2.400 m 2 com pé direito de 6 m, janelas frontais e cinco aberturas verticais no teto, revelou níveis médios de CO que iam de 173 ppm junto à entrada bem ventilada até 500 ppm na área de funilaria e pintura ao fundo - um excesso que causa problemas respiratórios. Os hospitais estavam poluídos: a esterilização de objetos, bem como o grande número de pessoas e de microrganismos contribuem para isso. Num deles, o nível de CO era de 148 ppm na sala de espera e na área de endoscopia, bem mais do que na casa de máquinas (52 ppm), cheia de equi-

pamentos poluentes, mas com eficiente sistema exaustor. No outro hospital, o nível máximo de CO era menor na garagem (98 ppm) que na recepção (110 ppm) e na lanchonete (125 ppm). Num restaurante, a combustão de gás liquefeito de petróleo na cozinha liberava no limite do tolerável tanto monóxido (média de 55 ppm) como dióxido de carbono (1.000 ppm) . Outros gases danosos encontrados foram amônia, dióxido de enxofre e formaldeído. Presente na urina, a amônia (NH3) tem cheiro sufocante e níveis toleráveis de 25 a 50 ppm. O dióxido de enxofre (SOz), outro subproduto da combustão fóssil, também tem cheiro sufocante e, acima de 6 ppm, já irrita o sistema respiratório. O formaldeído, exalado por materiais de limpeza e de construção, irrita as mucosas e tem índices máximos de 0,4 ppm nos ambientes internos e 1 ppm nos industriais. Conclusões - A conclusão básica foi a

de que a quantidade excessiva de pes-

soas em determinada área favorece a concentração de poluentes muito mais do que se esperava- mais ainda que a presença de fontes poluidoras como certos equipamentos e revestimentos de piso. O nível de CO aumenta muito onde há combustão, sobretudo a gerada por carros. Já a presença de CO num escritório, ainda que em níveis aceitáveis, sugeriu que esse gás, não produzido pelas pessoas, tivesse sido introduzido pelo sistema de ar-condicionado. Dados obtidos num prédio comercial em condições distintas (ambiente fechado e aberto) mostraram que computadores, impressoras e carpetes exalam, além de amônia, dióxido de nitrogênio (NO z) - um gás de cor marrom escura e cheiro pungente, produzido sobretudo no tráfego de veículos, que irrita olhos, garganta e sistema respiratório, com máximo recomendável de 5 ppm em ambientes industriais. Em todos os casos, salienta o trabalho, seria possível controlar as fontes poluidoras ou ao menos aumentar a circulação do ar, o que dispersaria os poluentes. O objetivo foi fornecer dados básicos sobre qualidade do ar interno a alunos de graduação, definir os poluentes, suas fontes mais conhecidas e os efeitos para a saúde, bem como dar uma visão geral de como prevenir e resolver o problema. No Brasil, quase não há pesquisas na área, mas existem muitos prédios doentes, a começar por alguns da capital federal, como se noticiou recentemente. O trabalho, que pode embasar outros mais abrangentes, aponta procedimentos que minimizariam o problema. • PERFIL:

45 anos, engenheiro civil formado na Escola Politécnica da USP (1987), onde fez mestrado ( 1991) e doutorado ( 1996). Especializado em sistemas prediais. Projeto: Investigação de Campo sobre Poluentes no Ar Interno de Edifícios Investimento: R$ 20.348,75

• RACINE TADEU ARAú JO PRADO,

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 39


TECNOLOGIA

No Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, no câmpus da USP, 50% das empresas têm projetes iniciados na universidade

INCUBADORAS

Do laboratório para o mercado Pesquisadores fazem a ponte entre a pesquisa e o mundo dos negócios MAR C OS DE OLIVEIRA *

a

crescente aumento no número de incubadoras de micro e pequenas empresas no Brasil está se transformando na principal ponte de transferência de tecnologia elaborada nos laboratórios de universidades e centros de pesquisa para o mercado 40 • AGOSTO OE 2000 • PESQUISA FAPESP

de produtos e serviços. Em um país não acostumado a fazer pesquisa dentro de empresas, o crescimento de 35% no número de incubadoras instaladas, entre julho de 1999 e junho deste ano, é sem dúvida uma boa notícia. Segundo o recente levantamento da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), o total desses condomínios empresariais atingiu a marca de 135 unidades contra cem computadas no período anterior. Esses números não param de crescer há duas décadas. Em 1989,

eram quatro incubadoras. Cinco anos depois, em 1994, elas somavam 19, subindo para 60 em 1997. O acelerado salto na instalação dessas empresas representa uma nova postura no cenário industrial brasileiro. Elas garantem um espaço crescente no ainda carente grupo de empresas brasileiras de base tecnológica. Um grupo empresarial que, ao redor do mundo, ganha cada vez mais importância por ser um forte indicador de competitividade dos países neste mundo globalizado. Vide a emergente influência exercida nos investidores internacionais pelo índice Nasdaq, centrado em Nova York, que concentra ações de empresas de tecnologia. Os dados da Anprotec apontam a existência de 1.100 empresas nas incubadoras brasileiras, em fases que vão da gestação à juventude empresarial. Todas têm menos de cem funcionários e, em conjunto, geram 5.200 mil postos de trabalho, incluindo os sócios.


Essa movimentação empreendedora só foi possível com uma mudança cultural despertada no meio acadêmico e apoiada por órgãos públicos. Universidades federais e estaduais, além de prefeituras e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) têm bancado a instalação desses condôminios. ''A estabilidade econômica também deu tranqüilidade para a estruturação da passagem do conhecimento científico para o setor produtivo", afirma Luís Afonso Bermúdez, presidente da Anprotec.

tre pessoas físicas e bancos, procuraram o Cietec em busca de informações sobre a incubadora e suas empresas. "Nada foi fechado, mas as perspectivas de novos investimentos são grandes", avalia. Instalado em um prédio cedido pelo Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen), no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), o Cietec segue um padrão comum a grande parte das incubadoras espalhadas pelo país. O espaço é cedido por universidades, centros de pesqui-

Olho dos investidores - Do

total de incubadoras, 57% mantêm vínculo formal com universidades e centros de pesquisa e 20% in-

Para o crescimento da empresa dentro da incubadora também vale a convivência entre os pares. "É muito importante a sinergia existente entre os empreendedores instalados em salas vizinhas ou do outro lado do corredor. Há uma constante troca de informações e de cooperação no desenvolvimento dos projetas", conta Risola. ''As empresas ajudam-se, tanto no intercâmbio de informações tecnológicas como nas questões burocráticas", afirma Gerhard Ett, sócio da Anod-Arc, uma empresa criada em 1998. Ele desenvolve no Cietec uma série de experimentos na área de tratamento de superfície de alumínio, que trouxe do seu doutorado realizado no Ipen. Até agora, ele conseguiu melhorar em três vezes o revestimento desse metal em relação à dureza do processo utilizado nas indústrias metalúrgica, têxtil e aeronáutica. /i 5

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CENTRO INCUBADÇR DE EMPRESAS TECNOLOGI C

Apoio

Risola: nos últimos oito meses, 19 grupos de investidores buscaram informações sobre as empresas incubadas

formal. Nesse caso, mesmo sem papel assinado, os laboratórios, as consultarias de professores e outros recursos são incorporados ao conhecimento necessário para a efetivação dos projetas. "Das nossas 15 empresas incubadas, 50% têm projetas iniciados na universidade, sendo que cerca de 75% dos sócios têm doutorado", informa Sérgio Wigberto Risola, gerente do Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), de São Paulo. Ele revela também que, nos últimos oito meses, 19 grupos de investidores, en-

sa e prefeituras. As empresas utilizam-se de toda a infra-estrutura, geralmente gratuita, como telefone, Internet, água e energia elétrica, além de laboratórios da própria incubadora ou da vizinhança acadêmica. Pagam aluguéis que variam de R$ 150,00 a R$ 600,00 ou, dependendo da incubadora, nem pagam. Todas disponibilizam consultores em áreas como administração, marketing e jurídico. As empresas têm prazos que variam de dois a seis anos para se graduar e sair da incubadora.

financeiro

A

Anod-Arc é uma das sete empresas instaladas no Cietec, das 15 existentes, que recebem financiamento da FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequena Empresa (PIPE). A manutenção do Cietec, como outras incubadoras do país, é realizada pelo Sebrae. Algumas, como o Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento de Empresas (Nade), a incubadora da Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia de Campinas (Ciatec), são custeadas pela prefeitura da cidade. No âmbito do Nade, a FAPESP financia projetas para sete empresas das 20 existentes. Segundo o gerente administrativo da incubadora, Décio Sirbone Júnior, 70% dos projetas se originaram na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Inaugurada em 1995, a Nade conta com quatro empresas em fase de graduação. São elas a Orion, que fabrica aparelhos de fisioterapia, a Geocamp, uma consulPESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 41


toria de mercado, e a Mult Way e a Well Done, na área de informática. Outra contribuição importante no financiamento de empresas é dada pelo Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (RHAE), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em forma de bolsa aos sócios e funcionários das empresas. Tomando o Cietec como exemplo, a contribuição do CNPq foi de R$ 1 milhão em bolsas de estudo desde 1998, quando foi criada a incubadora. Nesse mesmo período a FAPESP deu um aporte financeiro total de R$ 1,1 milhão no financiamento para a execução dos projetos. O Cietec conta com projetos que já resultaram em produtos e serviços, como é o caso da LaserTools (veja matéria na Pesquisa FAPESP no 50), que está até exportando. "Estamos fazendo gravações a laser no painel do rádio de um carro da Ford Americana", conta Spero Penha Morato, um dos sócios da empresa. E a Hormogen (veja Notícias FAPESP n° 43) prepara os testes finais para a aprovação de um hormônio de crescimento desenvolvido por ela. Outra empresa, a Pro-line, já comercializa próteses de compostos cerâmicos para reconstituição de problemas bucofaciais. "Nós temos um projeto na primeira fase do PIPE que prevê o desenvolvimento de um implante dentário inovador", anuncia Laura Braga, uma das sócias da empresa. "Além de todas as facilidades da incubadora, temos acesso a diversos laboratórios do Ipen e do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP onde são realizados os testes em animais." Rápido crescimento - A história das incubadoras no Brasil é curta. A primeira surgiu em 1984, em São Carlos. "Foi pioneira", afirma Sylvio Goulart Rosa Júnior, presidente da Fundação Parque de Alta Tecnologia (Parqtec). "Contribuiu para essa iniciativa o perfil da mão-de-obra local, que ajudou a atividade de incuba42 • AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

oo

A evolução das Incubadoras no Brasil

2

Fonte:Anprotec

Relação Incubadoras - Universidades

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cionamento de máquinas industriais.

~ No começo, eles não pagavam nada ~

pelo espaço de 35 m 2 e tinham à dis;;; posição linha telefônica e toda a infra-estrutura necessária para o trabalho. Hoje, pagam R$ 600,00 de aluguel e estão perto da graduação. As incubadoras têm proporcionado muitas novidades e a participação das universidades é grande. Mas nem sempre esse apoio do meio acadêmico foi tranqüilo. "No início, nossas Inexistente D Informal D Formal • atividades eram vistas como subverFonte:Anprotec sivas e fomos acusados de ajudar na privatização da universidade", conta ção", diz Rosa. Ele fala das universidao professor Afrânio Aragão Craveiro, gerente do Parque de Desenvolvides e centros de pesquisa da região, com duas unidades da Embrapa; a mento Tecnológico (Padetec) da USP e a Universidade Federal de São Universidade Federal do Ceará Carlos (UFSCar). "São a base de for(UFC). Alguns setores acreditavam mação diferenciada do empresariado que esse tipo de atividade não tinha nada a ver com o meio acadêmico. e da mão-de-obra." Para capacitar "Mas conseguimos mostrar que essa esse pessoal no mundo dos negócios, é uma tendência mundial e a univera Parqtec criou a Business School para treinar o empresariado a monsidade não pode ficar longe do setor de maior valia atualmente, que é o tar empresas e a administrá-las. uso do conhecimento." Cerca de 40 empresas passaram pelo Parqtec nos seus 15 anos de Criada em 1992, a incubadora especializou-se na área de alimentos, vida. Das 12 incubadas atuais, três têm projeto financiado pela FAPESP. química e produtos naturais. Hoje, as Uma delas é a Sensis Eletrônica, emdez empresas incubadas proporcionam um faturamento anual de R$ presa fundada em 1995 dentro da in2,2 milhões, com a comercialização cubadora por cinco alunos da pósde 19 produtos, como cápsulas de graduação do Núcleo de Manufatura quitina, substância extraída da casca Avançada da Escola de Engenharia Mecânica da USP. Eles desenvolvede crustáceos um subproduto da inram sensores eletrônicos capazes de dústria de pesca do estado. É um pó usado na redução de peso por se tracontrolar com mais precisão o fun-

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tar de uma fibra natural que evita a absorção de gordura por parte do organismo humano. Também faz sucesso comercial as cápsulas de vegetais liofilizados (em pó), que substituem o consumo diário de verduras, produzidas pela empresa Polimar, que depois de três anos na incubadora está em fase de se tornar independente. Experiência no ramo - A vocação da incubadora de Fortaleza pela área de produtos naturais seguiu o perfil do ambiente acadêmico existente no local. Foi assim na Parqtec como também é o caso da Fundação Biominas, que há dez anos foi criada por profissionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para atuar no ramo de biotecnologia. "Hoje, 90% das empresas incubadas são de doutores, mestres ou pesquisadores que atuam ou se formaram na UFMG", informa Patrícia Mascarenhas, gerente da Biominas. Atualmente, as 13 empresas incubadas já possuem 69 produtos registrados no Ministério da Saúde e 31 em desenvolvimento. Elas tiveram, no ano passado, um faturamento médio de R$ 321 mil mensais, produzindo um total de R$ 438 mil em impostos. Uma das empresas de sucesso da Biominas é a Katal,

que produz reagentes para diagnósticos de exames de colesterol, glicose e mais 21 tipos de análise laboratorial. O professor aposentado do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG e sócio da Katal, Leonides Rezende, desenvolveu uma nova técnica de produção para esses produtos aproveitando sua experiência acadêmica. "É uma tecnologia inédita no Brasil em que os reagentes são liofllizados, proporcionando uma diminuição de custo do produto em 30%", inLaura Braga, da Pro-line: acesso a laboratórios do lpen e da USP

(

Unicamp terá incubadora no câmpus A mais nova incubadora do Estado de São Paulo vai nascer dentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela deve estar em funcionamento no início de 2001. "Campinas necessita de mais uma incubadora", afirma Davi Sales, assessor técnico do Escritório de Difusão e Serviços Tecnológicas (Edistec) da Unicamp e futuro gerente da incubadora. "Nossa idéia é somar com o Nú-

cleo de Apoio ao Desenvolvimento de Empresas (Nade) e criar mais espaço para alunos que deixam a universidade com uma boa idéia e um espírito empreendedor." A estrutura da nova incubadora será instalada dentro do Centro de Tecnologia da Unicamp e terá dez boxes com 30 m 2 cada um. Sem espaço, a Nade não lança, há dois anos, um edital para sele-

forma Rezende. Com isso, a empresa atingiu um faturamento mensal de R$ 60 mil. "Foi a incubadora que permitiu a existência da empresa, porque eu não tinha o capital necessário para Imciar o negócio!' O apoio das incubadoras na criação e no fortalecimento de pequenas empresas é fundamental para que elas possam sobreviver no futuro, depois de graduadas. Segundo a Anprotec, o índice de sobrevivência das empresas nascidas em incubadoras é de 84%. Esse dado é proporcionalmente inverso aos levantamentos do Sebrae que apresentam índices de mortalidade de 80% das pequenas e médias empresas (não incubadas) nos dois primeiros anos de vida. "As incubadoras reúnem vantagens que minimizam a taxa de mortalidade dos empreendimentos", diz o engenheiro de produção Maurício Guedes, coordenador da incubadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) . Criada em 1994 dentro do Parque Tecnológico do Rio de Janeiro, situado na área da UFRJ, a incubadora abriga 12 empresas. Outras 12 já passaram por suas instalações antes de se consolidarem no mercado. A incubadora produz cerca de 200 empregos e desenvolve 40 produtos e serviços de inovação tecnológica. O faturamento total das empresas ali instaladas foi de R$ 5 milhões no ano passado.

ção de novos pretendentes a se instalar na incubadora. A Nade chegou a 22 empresas em menos de um ano da inauguração, em 1995. Numa região com tanta demanda de empresas de base tecnológica como é Campinas, uma nova incubadora é bem-vinda. Na futura incubadora uma novidade deve atrair novos empreendedores. A universidade vai colocar à disposição as 142 patentes que são de sua propriedade para quem se habilitar a licenciar e a desenvolver os produtos.

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 43


Guedes credita o bom índice de sobrevivência ao rigoroso processo de escolha das empresas. Ou seja, a triagem indica o que é viável ou não. Vários itens são checados na seleção. Possibilidade de interação com a universidade, viabilidade técnica e econômica, perfil das pessoas envolvidas

Prédio da Fundação Biominas onde o professor Rezende, da Katal, produz reagentes para exames clínicos

e impacto da tecnologia no mercado. "Não apoiamos sonhos. Escolhemos as empresas com idéias que melhor vão aproveitar o ambiente da incubadora", explica Guedes. "Metade das empresas que estão aqui teria morrido se não estivesse na incubadora': garante. A Oceansat, que realiza consultoria ambiental por meio de sensoriamento remoto, foi uma das quatro empresas escolhidas recentemente pelo processo de seleção da incubadora. Ela é dirigida por pesquisadores que trabalharam na área de sensoriamento no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os computadores da empresa são abastecidos com informações de satélites sobre as condições ambientais do litoral brasileiro. São boletins que reúnem dados como temperatura da água, velocidade das correntes e até aparecimento de manchas de óleo no 44 · AGOSTO DE 2000 • PESQUISA FAPESP

mar, rios ou lagoas. "Indústrias pesqueiras utilizam esses dados para captura e localização de peixes, e as companhias petrolíferas, para moÍJ.Ítorar vazamentos", diz o oceanógrafo Reynaldo Solewicz, da Oceansat. Processo de seleção -Ter boas idéias não basta para ser aceito em uma incubadora. É preciso muito mais. "Os empreendimentos são analisados sob critérios como grau de inovação dos produtos, potencial mercadológico e capacidade gerencial, além da interação com a universidade': explica Sheila Oliveira Pires, gerente da Incubadora de Empresas do Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de Brasília (UnB). "O processo de seleção ocorre uma vez por ano e é feito por uma comissão técnica que julga as solicitações." Com 11 anos de existência, a incubadora da UnB apoiou 45 empre-

sas que produziram 154 novos produtos. Hoje, são 13 empresas que estão no processo de gestação. Entre 1997 e 1999, essas empresas criaram 160 postos de trabalho nas áreas de informática, mecânica, telecomunicações, biotecnologia, racionalização de energia e geofísica. Alguns laboratórios da UnB são utilizados no desenvolvimento das pesquisas de inovação tecnológica, professores prestam consultaria às empresas e os alunos de graduação são convidados a fazer estágio. Dos sócios e funcionários das empresas da incubadora, 68,5% têm graduação completa, 14,2% possuem mestrado e doutorado e 17% estão na graduação. Cerca de 70% dos projetos assistidos pela incubadora são apresentados por alunos e ex-alunos da UnB, como é o caso do "pasteurizador híbrido", idealizado por Rubens Júnior no trabalho final do curso de Engenharia Mecânica. Com ajuda dos colegas de turma Weyder Jorge e Jovelino Júnior, o invento ganhou forma e vem chamando a atenção de pequenos produtores. O pasteurizador tem preço baixo e elimina o risco de contaminação. "É cem por cento seguro", diz Jorge. Em uma hora e meia, o equipamento eleva a temperatura de até 50 litros de leite e depois a reduz rapidamente para matar os microrganismos nocivos à saúde humana.


Detalhe: esse processo é realizado com o leite envasado. Normalmente o envase é feito após a pasteurização -procedimento que o novo pasteurizador também pode executar, daí porque é chamado de híbrido. O equipamento custa R$ 10 mil, metade do preço de um pasteurizador convencional, e está em testes na Secretaria de Agricultura do Distrito Federal. Nesses casos em que o resul-

nna. O embrião dessa incubadora surgiu nos primeiros anos da década de 80 quando grandes empresas instaladas no estado, como Cônsul, Metal Leve, Weg e Embraco, procuraram a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em busca de soluções para problemas tecnológicos. Daí nasceu, em 1984, a Fundação Certi Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras, uma entidade privada sem fins lucrativos. A idéia era inten-

Solewicz, da Oceansat: empresa de consultoria ambiental

tado do trabalho é comercializado, a UnB tem direito a 1o/o do faturamento do produto a título de royalties. "A incubadora tem planos ambiciosos para o futuro': afirma a gerente Sheila. No próximo ano será construído um novo prédio para o empreendimento dentro do parque tecnológico da UnB. Isso aumentará a capacidade do CDT em abrigar cerca de 25 empresas. Essa é mais uma etapa dessa incubadora que recebeu no ano passado o título de melhor projeto do gênero no País, concedido pela Anprotec "Foi o reconhecimento de um trabalho realizado ao longo desses anos': comenta Sheila. Outra incubadora reconhecida pelo trabalho prestado nos últimos anos é o Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), de Florianópolis, Santa CataNova etapa-

sificar a transferência de tecnologia da universidade para o setor privado, com ganhos para ambos os lados.· Em 1986, a Certi propôs a criação de uma incubadora em Florianópolis com a missão de dar suporte à criação e ao crescimento de novos empreendimentos de base tecnológica. Hoje, o Celta funciona em um prédio de 10.500 m\ onde trabalham cerca de 600 pessoas. Na incubadora, os empresários dispõem de toda a infraestrutura necessária à produção, incluindo secretaria, limpeza, segurança, office-boy, correio, bancos, restaurantes e lojas. Contam também com diversas assessorias. "Só precisam sair daqui para dormir': afirma o gerente de Negócios, Tony Chierighini. Inovação para o país- Para candidatar-se a uma vaga na incubadora é preciso apresentar um plano de ne-

gócios nas áreas de eletroeletrônica, telecomunicações, informática, engenharia biomédica, mecânica de precisão ou novos materiais. Em qualquer dos casos, o plano deve incluir alguma dose de inovação, pelo menos para o Brasil. O perfil dos incubados é de jovens estudantes ou recém-formados oriundos das universidades, principalmente da UFSC. "Isso acontece porque, antes, os cursos universitários estavam voltados para formar empregados. Hoje a ênfase é para gerar empreendedores': avalia Chierighini. Ele se orgulha em dizer que o Celta é auto-sustentável. "Na fase inicial o governo do estado bancava um terço das despesas operacionais e também construiu este prédio. Mas hoje vivemos com recursos próprios." O Celta também se encarrega de buscar parceiros capitalistas para idéias "boas e novas". Nos últimos meses, com a criação do programa Alavanke, a incubadora viabilizou o investimento de R$ 1 milhão de um banco privado em uma empresa incubada. Os nomes ainda não podiam ser divulgados no início de agosto. E há outros cinco investimentos dessa magnitude em andamento. Ao todo, 21 empresas saíram do Celta. Dessas, 15 foram liberadas entre 1986 e 1995, quando a incubadora ocupava uma área de apenas 1 mil m 2 e podia abrigar, no máximo, dez empresas. Atualmente há 30 incubadas e a expectativa é que, até março de 2001, mais dez saiam da incubadora. Das 51 empresas que passaram pelo Celta, 23 nasceram com tecnologia gerada na UFSC. Segundo Chierighini, o índice de mortalidade de empresas após a saída do Celta é zero. "Nós temos empresas que morrem aqui dentro. É um índice de 10%. Mas depois da saída, até agora, nenhuma morreu." Uma que vai muito bem, obrigado, é a Conversores Estáticos Brasileiros (Cebra). A empresa nasceu na incubadora e lá permaneceu de 1990 a 1994. O investimento inicial dos quatro sócios, todos mestres pela UFSC na PESQUISA FAPESP · AGOSTO OE 1000 • 45


TECNOLOGIA

área de Eletrônica de Potência do curso de Engenharia Elétrica, foi de apenas R$ 6 mil. Eles decidiram tentar a sorte como empreendedores durante o mestrado. Não receberam qualquer tipo de financiamento. Apenas o incentivo, entre 1992 e 1994, de duas bolsas RHAI para dois técnicos contratados. Hoje, os dois estão entre os 35 funcionários da empresa que faturou R$ 2,5 milhões em 1999 e prevê faturar R$ 3,5 milhões este ano. Outro foco - A Cebra produz fontes

de alimentação elétrica chaveadas para as áreas de telecomunicações, automação bancária e comercial. Entre seus clientes estão grandes empresas como Siemens, Intelbrás, IBM, Itautec, Olivetti e Bematec. "Nossa intenção quando entramos na incubadora era fabricar fontes de computadores, mas hoje elas podem ser encontradas por R$ 35,00 em qualquer lojinha de informática. Por isso redirecionamos o nosso foco e passamos a produzir, sob encomenda, fontes especiais, com mais conhecimento tecnológico agregado': explica Alexandre da Cunha, de 36 anos, um dos quatro sócios da Cebra. "Procuramos nichos de mercado que precisem de produtos especiais, produzidos em pequena escala", revela. Certamente muitos casos de sucesso estão presentes na história desse tipo de condomínio empresarial, com prevalência acadêmica, surgido na década de 50 nos Estados Unidos e na Europa. Os mais famosos são as empresas de informática do Vale do Silício, na Califórnia, e as de eletrônica de Boston, formadas por profissionais vindos do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Hoje, existem cerca de mil incubadoras espalhadas pelo mundo. Pouco mais de SOO ficam nos Estados Unidos. Agora, chegou a vez de as incubadoras • ganharem espaço no Brasil.

*Col ab o r ar am: W AGNER DE O LI VE IRA

(RJ),

SI LVANA PI SAN I ( SC) , RODRIGO CAETANO

(DF)

E L UCAS ECHI MENCO ( São Ca rlos )

46 • AGOITO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

AGRONOMIA

Na sintonia do tempo Aparelho controla umidade e permite uso correto de agrotóxicos ois engenheiros, um agrônomo e outro eletrônico, uniram-se num projeto que protege plantações e o meio ambiente: um equipamento que prevê ataques de fungos e a conseqüente doença das folhas, serve para qualquer cultura tropical e reduz dras-

D

Painel solar mantém bateria e sensores do

ticamente o uso de agrotóxicos. Fábio Valadão, em sua pequena empresa de Campinas, a Microdesign Informática, desenvolveu o projeto Equipamento para Previsão de Doenças Fúngicas em Vegetais, e Nilson Villa Nova, professor da Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (Esalq), de Piracicaba, coordenou o trabalho que é financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. O aparelho reduz os gastos com fungicidas para até um terço do total - o que, dependendo da cultura, equivale a até 25% dos custos de produção. Também indica o momento adequado de pulverizar a lavoura e o número de aplicações. Além de tudo, o uso do defensivo na medida certa evita excessos na contaminação das plantas, do meio ambiente, bem como da pessoa que faz a aplicação do veneno e dos consumidores do produto. Os pesquisadores explicam que o potencial de infestação de doenças fúngicas é diretamente proporcional ao número de horas que a água fica sobre as folhas. E está sempre associado a temperaturas elevadas, e a índices altos de umidade relativa do ar e de chuvas, que contribuem para manter as plantações molhadas. Em geral, o agricultor resolve pulverizar as plantas simplesmente porque nota que elas fiequipamento cam molhadas por mui-


to tempo. O equipamento, que opera como uma estação de alerta sanitário, evita essa tomada de decisão sem critério científico. Para isso, é dotado de um sistema de previsão da ocorrência de fungos numa cultura, que funciona por meio do processamento de dados meteorológicos. Painel solar - Chamado de Equipamento de Previsão de Doenças Fúngicas (EPF System), ele tem raio de ação variável, dependendo da topo-

A arquitetura do equipamento, por meio de suas interfaces, permite que as informações dos sensores agrometeorológicos possam ser coletadas em até 30 pontos diferentes. Além da coleta ser disponibilizada por um sistema de rádio de forma automática, existe ainda uma pulseira com um botão metálico que necessita apenas ser encostado no EPF para a coleta dos dados. Depois, todas as informações são armazenadas e processadas num computador do agricultor, de onde é

Vi lia Nova e Valadão: alta precisão, custo baixo e software para cada cultura

grafia do terreno. Nas áreas planas, a amplitude de monitoração pode atingir 10 hectares. Em qualquer situação, ele dispensa a energia elétrica. O EPF é alimentado por meio de baterias de 6 volts, que são carregadas por um painel solar. Todas as informações são coletadas pelo aparelho por meio de um conjunto de sensores acoplados a um microprocessador, que processa e indica em um visor ou por um tipo de interface de coleta (rádio ou coletores eletrônicos) a possibilidade de infestação da doença e do grau de severidade esperado. Os sensores medem as temperaturas máxima, mínima e média de um período, a umidade relativa do ar, o índice de chuvas, além da intensidade e a duração do período de molhamento foliar.

possível elaborar um relatório que serve para analisar e programar, com facilidade, os momentos mais adequados para a pulverização. Existem no país outros equipamentos de previsão de doenças vegetais, na maioria importados. São caros - as configurações básicas custam de US$ 3 a US$ 5 mil nos países de origem e chegam ao Brasil pelo dobro -,não contam com assistência técnica aqui e sua manutenção é difícil. "Esses aparelhos': acrescenta Valadão, "também não fornecem ao usuário comum uma informação simples e clara que o ajude a decidir, porque são destinados mais ao uso na área científica. Não possuem display gráfico e, como os dados são registrados de forma 'empilhada', exigem prévio conhecimento das grandezas monitoradas e

de seu peso no resultado final, o que dificulta o manuseio pelo agricultor." Tecnologia nacional- Já o equipamen-

to da Microdesign, segundo Valadão "está adaptado às condições tropicais e à realidade agrícola brasileira': Ele revela que só três componentes do equipamento- transdutor de umidade relativa (capta as informações e transforma em grandeza elétrica), pluviômetro (mede a quantidade de chuva) e caixa do abrigo do termohigrômetro (mede a umidade relativa do ar e temperatura) - são importados, porque são produzidos em escala mundial, com preços compatíveis e boa qualidade. O restante é fruto da tecnologia nacional. A equipe da Microdesign desenvolveu os circuitos eletrônicos utilizados nos sensores do molhamento foliar e os do termohigrômetro, pois os convencionais existentes no mercado não atendiam às especificações do projeto- alta precisão, repetibilidade, confiabilidade, custo baixo e possibilidade de conexão em rede. A empresa também desenvolveu o software embutido no microprocessador (firmware), onde todos os processamentos de sinais matemáticos foram incorporados. O equipamento está em fase de acabamento. Depois de testados os sensores e o sistema de aquisição dos dados, começaram os testes de campo. Valadão revela: "Estamos encaminhando 20 protótipos para centros de pesquisa como o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), a Esalq e a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, que farão testes de fitopatologia para verificar o desempenho do equipamento e particularmente dos sensores, para saber se há necessidade ou não de alguma modificação no modo de operação deles, para adequá-los a alguma condição mais específica, como a maneira de integração dos sinais, ou mesmo para otimizar ou tornar mais prática a aplicação de campo e, assim, aperfeiçoar o uso do aparelho". Participação científica - Para Valadão, os convênios entre sua empresa e a PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 47


área científica são fundamentais para o estabelecimento dos parâmetros confiáveis nos algoritmos (conjunto de regras bem definidas para solução de problemas com número finito de etapas) de prevenção específicos para cada cultura. Isso é importante porque os algoritmos variam conforme a cultura. "No nosso projeto", acrescenta Villa Nova, "o algoritmo de alerta tem uma fórmula específica para cada cultura, que rela1. ~-.. ciona a temperatura, a umif dade e dá o grau de severidade de ataque da doença. Se em determinada cultura a planta fica molhada 20 horas, por exemplo, a uma temperatura média de 18 graus centígrados, ela estará sujeita a uma infestação fúngica grave." O equipamento na concepção atual, com quatro tipos de sensores e destinado a funcionar numa área plana, tem o seu custo estimado entre R$ 3,5 mil e R$ 4 mil (ou deUS$ 1,8 a US$ 2 mil), pode monitorar 10 hectares e ser usado para qualquer cultura, desde que configurado com o software correspondente. A forma de leitura das informações também vai influir no preço do aparelho. A simples visualização das informações no visor do equipamento ou a captação por meio da pulseira com botão vai deixar o EPF System mais barato. Já com a adaptação para um sistema de radiotransmissor, que leva as informações diretamente ao computador do agricultor, haverá um aumento de R$ 2,5 mil nos custos. O equipamento processa e prepara as informações agrometeorológicas, faz os cálculos baseados nos algoritmos instalados e responde se haverá ou não ocorrência de doenças, bem como o grau de severidade da infestação. A partir daí, o agricultor calcula a dosagem da pulverização, conforme critérios definidos por um fitopatologista. Valadão pretende patentear o equipamento antifungo e calcula que ele

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48 • AGOITO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

estará disponível até o início de 2001. O agricultor poderá comprá-lo numa rede de revendas autorizadas, que terão técnicos treinados para instalar e fazer a manutenção. Poderá ser adquirido em operações de leasing, via Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal: o usuário paga uma prestação mensal, recebe assistência técnica e ao fim de 24 meses fica com o aparelho. Além dis.so, paga o soft·_ • ware de cada

motobomba e válvulas de controle hidráulico). Esses aparelhos foram lançados no mercado e já estão à venda. Tratase de uma receita importante para o faturamento médio mensal de R$ 20 mil da Microdesign, uma empresa com apenas três empregados que produz e vende 12 produtos. Fundada em 1984, a empresa concentrou-se em informática e aparelhos eletrônicos de uso agrícola. Valadão desenvolveu, por exemplo, um • " sistema de automação, por controle remoto, de Sensor de molhamento pivôs centrais de irrigade folhas, à esquerda, ção e um sensor para e o termohigrômetro monitoramento de pasque mede a umidade sagem de grãos em planrelativa do ar e a tadeiras, com o qual temperatura ambiente conquistou o Prêmio Governador do Estado no 18° Concurso Nacional do Invento Brasileiro, em 1990. Em 1994, um produtor de tomate lhe falou dos problemas que tinha com a pulverização da plantação e cultura, no valor de queixou-se de gastar muicerca de R$ 500. to dinheiro com veneno, O financiamenmuitas vezes, desperdiçato da FAPESP já do quanto aplicado antes foi empregado no das chuvas. Então o engedesenvolvimento da nheiro começou a pesqmmecânica, na compra de instrumensar seu novo invento. • tos de laboratório e na montagem dos protótipos que vão para os centros de PERFIS: pesquisa, onde devem ficar em testes por seis meses. Esses centros recebe• NILSON AUGUSTO VILLA NOVA, 67 rão royalties pelo trabalho que levar anos, é engenheiro agrônomo forao aperfeiçoamento das soluções nemado na Esalq, de Piracicaba, onde cessárias para cada cultura. também fez doutorado em Agrometeorologia. É professor associaSubprodutos - O projeto não se esgodo da Universidade de São Paulo tou no equipamento para previsão (USP) na Esalq. de doenças fúngicas: teve como sub• FABIO TAVEIRA VALADÃO, 47 anos, produtos uma série de aparelhos formou-se em Engenheira Eletrôcontroladores para serem usados em nica e de Telecomunicações na Faestufas, ambientes internos, filtros de culdade de Engenharia Elétrica da lavagem (retrolavagem e lavagem em Universidade Estadual de Campiirrigação localizada), mesas-balanças nas (Unicamp ). de viveiros (indicam os períodos corProjeto: Equipamento para Previsão retos de irrigação) e conjuntos bomde Doenças Fúngicas em Vegetais ba-válvula (permitem sincronizar Investimento: R$98.277,20 ~(~)' I<

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TECNOLOGIA

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Pixy: baixa altitude com câmaras fotográficas e de vídeo

Instrumento alado é útil em pesquisas Um pequeno avião sem piloto e guiado por radiocontrole pode ser o novo objeto de desejo de alguns pesquisadores. Principalmente, aqueles de áreas que necessitem de sensoriamento a baixa altitude como agronomia, geologia, pedologia, hidrologia e geografia. Esse artefato voador capaz de carregar câmaras fotográficas e de vídeos foi desenvolvido na França numa cooperação entre o Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento (IRD), Escola Superior de Engenharia de Construções Aeronáuticas (Ensica) e a empresa ABS Aérolight, que já está produzindo o aparelho. Com o nome de Pixy, o avião voa entre 15 e 30 km/h e também está indicado para localizar sítios arqueológicos, acompanhar fenômenos como inundações, desmoronamentos e ajudar na vigilância de

áreas expostas a riscos de poluição. É portátil e pesa • seis quilos.

Teste detecta soja transgênica Como saber se um produto é ou não transgênico? Essa dúvida já pode ser elucidada por um teste desenvolvido no Brasil, capaz de detectar se um grão ou um subproduto de soja têm modificações genéticas. O teste, que possui similares somente fora do país, foi criado por pesquisadores do Instituto de Biotecnologia Aplicada à Agro pecuária (Bioagro) da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais. A coordenação foi dos professores Maurílio Alves Moreira e Everaldo Gonçalves de Barros. A pesquisa identificou o gene de uma bactéria resistente ao herbicida glifosato que foi incorporado ao código genético da planta de soja. "Hoje, po-

demos identificar o DNA de qualquer material transgênico existente em outras espécies vegetais, como o milho", informa Moreira . Diversas empresas estão procurando a Agrogenética, empresa criada pelos professores na incubadora da UFV para comercializar a aplicação do teste. Embora a soja transgênica continue proibida no Brasil, a vigilância sobre esse produto é severa. "Empresas que exportam, principalmente para a Europa, nos procuram em busca de um laudo comprovando a negatividade transgênica." Entre elas está uma que coleta amostras de navios de vários portos do País. O índice geral de detecção de soja modificada não chega a 10%. "São amostras de soja coletadas no porto de Rio Grande (RS), com produtos argentinos ou paraguaios", esclarece Moreira. Grandes empresas como Carrefour, Nutrimental e Seara também pedem análises de matéria-prima de seus produtos e da ração que alimenta os animais comercializados por elas. •

Soja: como tirar a dúvida

Computador fala bem em português Escutar uma mensagem enviada por e-mail em português fluente, falado de forma natural, é a alternativa que está prestes a ser concretizada em qualquer computador instalado no País. Um projeto de pesquisa que leva o nome de "Síntese de Fala para a Língua Portuguesa" está em fase final de desenvolvimento no Laboratório de Instrumentação Eletrônica (Linse), do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, existem softwares "falantes" em outras línguas, como inglês, francês e espanhol, mas faltava um em língua portuguesa. "O sotaque será o padrão do Rio de Janeiro, não o popular, mas o falado por locutores de noticiosos da TV e do rádio, por exemplo", explica Rui Seara, coordenador do projeto. Além de fazer a conversão do texto de um e-mail para a fala, o software poderá ser aplicado ao ensino da língua portuguesa, no auxílio à comunicação de deficientes e no uso em diversas aplicações na área de telecomunicações. "Na elaboração desse sistema estão envolvidas a identificação do tipo de palavra, se substantivo, adjetivo, etc., e a sintaxe (disposição das palavras nas frases), resultando num falar mais natural que nos softwares existentes." A pesquisa recebeu cerca de R$ 200 mil de financiamento da Digitro Tecnologia, empresa catarinense do ramo de telecomunicações. • PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000

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HUMANIDADES

ECONOMIA

Uma indústria que já teve remédio Setor farmacêutico nacional nasceu forte e teve o apoio do Estado ra uma "criança" forte e com tudo para ser um grande brasileiro. Mas algo ocorreu para deixá-la à mercê de seus colegas estrangeiros. Para entender essa mudança, é preciso conhecer a sua história. É o que propõe a professora Maria Alice Rosa Ribeiro em Estado e Indústria Farmacêutica: Ciência, Tecnologia e a Indústria Farmacêutica no Brasil 1890-1950, pesquisa sobre o nascimento da indústria farmacêutica nacional que traz dados pouco conhecidos sobre os primórdios de um dos setores econômicos que mais influência tem sobre o cotidiano dos brasileiros. O estudo, por exemplo, revela a existência de empresas de sucesso logo no primeiro momento de seu surgimento, como o Instituto Pinheiros e o Laboratório Paulista de Biologia. "Essas empresas, constituídas com capital nacional, foram capazes de desenvolver pesquisas e produzir conforme critérios de qualidade rigorosos': afirma a pesquisadora O estudo também mostra que a participação do Estado (que incentivou e forneceu recursos para alguns dos primeiros laboratórios farmacêuticos) na implantação do setor foi fundamental para a criação de uma massa crítica de cientistas brasileiros. O trabalho desses homens - levando-se em conta a crescente urbanização ocorrida a partir do final do século 19 e suas implicações- está associado tanto ao desenvolvimento de planos de saúde pública como ao trabalho em laboratório e, finalmente, na produção de soros, vacinas e medicamentos feita por empresas pioneiras em um país que entraria tardiamente no sistema capitalista.

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Ao trabalhar com apoio da FAtal nacional fundada por médicos treiPESP, de quem recebeu R$ 8 mil conados por cientistas ligados ao Instimo auxílio à pesquisa, Maria Alice tuto Butantan, de São Paulo. O lP, que verificou que essa indústria (que se estabeleceu intercâmbios e contratos fortaleceu no início deste século) reucom cientistas ligados a instituições nia os recursos necessários para a exepúblicas de pesquisa, adquiriu projecução do seu trabalho - como boas instalações, equipamentos adequados e profissionais capacitados- e também as condições que levariam ao crescimento desse setor em nível nacional, o que não ocorreu devido a mudanças de rumo ditadas pela adoção de medidas e planos econômicos - como o Plano de Metas JK - que abriram as portas ao capital estrangeiro, estimulando a implantação de indústrias vindas de outros países e com as quais a indústria nacional não podia concorrer. Para Maria Alice, que é professora do Departamento de Economia da Maria Alice: Faculdade de Ciências e Le- nacionalização tras de Araraquara, da das e mpresas perde u fo rça Universidade Estadual com JK Paulista (Unesp ), "a história dessa indústria no Brasil guarda forte relação com a instituição da saúde pública, das práticas sanitárias de prevenção e combate a doenças infecção nacional e tornou-se o maior prociosas e, em especial, com as instituidutora de antitoxinas e vacinas (resções de pesquisa básica e aplicada, pondia por 80% do abastecimento criadas com a organização do Servinacional), podendo competir com ço Sanitário de São Paulo, tais como Manguinhos e o próprio Butantan. o Instituto Biológico, que respondia Outra empresa destacada e já estupela defesa sanitária da agropecuária, dada por ela é o Laboratório Paulista ligado à Secretaria de Agricultura do de Biologia (LPB), fundado em 1912 Estado de São Paulo". por ex-funcionários do Instituto PasAo apontar a construção da rede teur, cuja ascensão foi rápida justade relações entre instituições públimente porque contava com profissiocas criadas no âmbito da saúde púnais de reconhecida competência. Na blica e a formação da indústria farfundação do LPB, o principal nome é macêutica nacional, a economista o do médico Ulisses Paranhos, que, ao destaca o Instituto Pinheiros -Produlado de dois técnicos de alto nível tos Terapêuticos SA. (lP), criado em Valentim Giolito e Rodolfo Pasqualin 1928, uma empresa privada de capi-


- foi capaz de dar o ponto de partida para um projeto ambicioso que englobava vários produtos, entre eles soros antidiftéricos e antitíficos, soro antigangrenoso e antitetânico e, depois, uma variada gama de medicamentos, imunizantes, soros e vacinas e extratos orgânicos terapêuticos (ototerápicos). A pesquisadora faz um cruzamento entre a história social (saúde pública, práticas terapêuticas,

Saúde pública -

O que veio mudar essa realidade foi a expansão cafeeira para o oeste paulista, criadora de novas necessidades, o que deu início a um trabalho que incluía instituições de pesquisa e a definição de uma política de saúde pública. O combate às doenças infecciosas incluía, então, ações de isolamento, vacinação e desinfecção. Para isso, o Serviço Geral de Desinfecções utilizava grandes volumes de substâncias químicas para higienizar portos,

foi o de produção de anilinas vegetais, óleos e ceras, óleos essenciais e medicamentos nativos. Nas últimas décadas do século 19, novas descobertas, como a síntese orgânica, feita em empresas estrangeiras, levaram à diminuição da produção de artigos químicos brasileiros com base em vegetais. Já a fabricação de produtos derivados de minerais, por depender de maior complexidade tecnológica e matérias-primas importadas (enxofre, nitratos, cloro, etc.), começou mais tarde. É verdade que os ácidos comerciais (sulfúrico, clorídrico e nítrico) começaram a ser elaborados em 1895 pelo Luiz de Queiroz & Cia (mais tarde, Elekeiroz S.A.), mas a empresa sempre dependeu de importação. Com a Primeira Guerra, que escasseou a importação da soda cáustica, foi preciso partir para a fabricação do produto, o que foi feito pela Companhia Brasileira de Produtos Químicos, do Rio, a partir de 1921.

Micróbios e vacinas- A mudança em relação às medidas de saúde pública e desinfecções ocorreu no final dos anos 20, devido aos avanços no campo epideTheodore Roosevelt no Butantan, em 1915: know how dos pesquisadores a serviço de empresas miológico. Os cientistas descobriram que os canais de transmissão das doenças eram mais cortiços, a Hospedaria dos Imigranformação de uma elite científica) e a complexos do que se acreditava até tes, em geral espaços urbanos deteriohistória econômica (formação da inali. Maria Alice cita (conforme o livro rados com moradias baratas e moradústria farmacêutica privada, origem Manguinhos do Sonho à Vida, de Jaidores pobres. Utilizava-se toda uma dos empresários e técnicos e do desenme Benchimol): "Os novos conhecivariedade de químicos (entre eles volvimento científico e tecnológico). mentos sobre o comportamento dos sulfato de cobre, cloreto de cal, ácido É preciso, então, voltar ao período anmicróbios patogênicos reduziram a sulfúrico, cresol, permanganato de terior a 1892, quando começou a ser importância das antigas noções da potássio, etc.), importados em granestruturado o Serviço Sanitário de São bacteriologia pasteuriana sobre o pede volumes da Alemanha, Inglaterra Paulo. Naqueles idos, as medidas sanirigo do ar e contágio das doenças( ... ) e Estados Unidos. taristas eram episódicas, sempre com uma nova concepção arquitetônica vistas ao combate de epidemias que substituiu a lógica da organização Indústria brasileira - O pequeno parsurgiam em cidades portuárias como hospitalar (... ) por meio da construque industrial químico brasileiro esRecife, Salvador e Santos, além do Rio ção de hospitais pavilhonares ...." Node Janeiro, especialmente, onde estatava relacionado aos recursos natução presente, por exemplo, no Hospirais - vegetais, minerais e animais. O va a capital do Império e depois capital de Isolamento de São Paulo primeiro segmento a se formar aqui tal da República. PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 2000 • 5 I


(Emílio Ribas), onde cada pavilhão nio Teixeira afirmam que a produção era específico para cada doença - fenacional de medicamentos aumentara no pós Primeira Guerra, com a bre amarela, tifóide, escarlatina, etc. transferência de pesquisadores da O Instituto Vacinogênico (de instituições públicas para empresas 1802) e o Butantan (criado em 1899, privadas. "Cientistas das instituições em função de uma epidemia de peste públicas, que detinham o saber-fazer, na cidade de Santos) foram as pripassaram a ter interesse no estabelemeiras instituições encarregadas de cimento de empresas ou no trabalho fabricar produtos biológicos em São realizado na iniciativa privada" fala a Paulo. O primeiro voltava-se à proprofessora. "O know-how adquirido dução de vacina contra varíola, e o segundo ao soro contra a peste, e, pelos profissionais seria posto a sermais tarde, às vacinas e soros contra mordida de cobras, aranhas e escorpiões. "Uma peculiaridade foi que os institutos públicos de pesquisa pertencentes ao Serviço Sanitário foram criados como instituições independentes, antes mesmo da instalação do ensino médico. No caso de São Paulo, o Butantan, o Bacteriológico (em 1892) e o Biológico (em 1927, este ligado à defesa sanitária da agricultura e pecuária) foram responsáveis pela difusão dos conhecimentos da microbiologia e pela revolução no campo da Medicina", afirma Maria Alice. Vital Brazil é um dos nomes de peso em saúde pública. Ele, que em 1901 produziu Vital Brazil (ao centro) no Instituto Bacteriológico, as primeiras doses de soro an- em 1898: um dos defensores da saúde pública • tiofídico, descobriu as proprieviço de interesses mercantis", comdades dos soros - ou melhor, que pleta. O próprio Vital Brazil, ao deipara cada tipo de cobra havia um xar o Butantan, devido à discordânsoro específico para neutralizar seu veneno. "Nos anos 20, ao mesmo cia com a orientação de Arthur Leiva na direção do Serviço Sanitário, foi tempo em que surgia a BCG, o Bupara Niterói e instalou o Instituto Vitantan passou a produzir em larga escala a vacina contra a febre tifóide. tal Brazil. E o próprio Laboratório Paulista foi criado por profissionais Na próxima década, ao lado da orgaque vieram de institutos. nização mais racional na produção de vacinas antivariólicas, o Butantan atravessou uma séria crise institucional. Pesquisa e produção -A pesquisadora recorre aos estudos de Wilson RoTal situação se estendeu até meados berto Gambeta, de 1982, para mosdos anos 50, mas já em 48 o governo trar os laços entre instituições de limitou sua atuação à preparação de produtos de defesa sanitária e à pespesquisa e produção de imunológiquisa de animais peçonhentas", revecos e o estabelecimento de uma produção nos moldes capitalistas. "O la a pesquisadora. Estudos de pesquisadores como Pasteur, fundado por médicos, membros da elite paulista, comerciantes, Jaime Larry Benchimol e Luiz Anto52 • AGOSTO DE 1000 • PESQUISA FAPESP

banqueiros e industriais (e que contava com ajuda financeira do Estado), contribuiu para o desenvolvimento da tecnologia necessária ao fabrico de medicamentos com base científica; introduziu a farmacologia bacteriana complementando a galênica e estimulou a divulgação de industrialização de medicamentos", diz a pesquisadora. Para desenvolver seu trabalho, Maria Alice recorreu a arquivos, depoimentos de ex-funcionários e parentes de proprietários das antigas empresas. Descobriu que o Laboratório Paulista teve uma vida de sucesso. A empresa cresceu, diversificou sua produção, ampliou suas instalações (em 1919, tinha dois laboratórios, uma fazenda de criação de animais e uma ftlial no Rio de Janeiro). Além disso, manteve-se atualizado cientificamente, contratou novos profissionais, brasileiros e estrangeiros, e entrou no segmento das exportações. Em 1936, com 147 funcionários, inaugurou uma sede nova na Avenida São Luís. Parte do sucesso de sua trajetória pode ser atribuída, segundo análise de Gambeta, às "facilidades" da época. "O segredo industrial e o protecionismo das patentes não eram práticas correntes, de modo que o avanço da farmacologia era possível a todos através da bibliografia de domínio público", diz. De acordo com a pesquisa, o crescimento da empresa foi constante, passando pela Segunda Guerra e os dourados anos 50. "Nos 60 vieram as primeiras dificuldades, pois as grandes empresas estrangeiras assumiram a liderança do mercado, o governo passou a admitir o protecionismo das patentes industriais, concederam-se incentivos a investidores estrangeiros e houve a sofisticação crescente dos processos de produção dos modernos antibióticos." Logo, o LPB estava exposto à concorrência muito mais acirrada do que em outros segmentos do mercado farmacêutico. "O grau de obsoletismo de sua linha de produtos era imenso, pois mais rápida era a inova-


HUMANIDADES

ção no segmento, quando em 1966 foi comprado pelo Instituto Pinheiros': conta Maria Alice. E o Instituto Pinheiros era, a essa altura, o maior laboratório nacional. Um caminho estava aberto, conforme divulgou a direção do lP, "para se manter a indústria farmacêutica nacional, por meio da formação de um pool de recursos materiais e humanos': Seis anos depois, o lP não resistiu ao assédio e à concorrência dos estrangeiros e foi vendido à americana Sintex do Brasil. "Tal situação, somada ao problema de sucessão, que não pode ser desprezado", como lembra a economista, "levaram ao desaparecimento de várias empresas nacionais do setor." Com o trabalho em andamento, Maria Alice irá complementar entrevistas e buscar o mais difícil. "São os dados relativos à administração, à parte econômica das empresas, papéis que, por falta de tradição, poucas famílias preservaram", diz a economista. Em sua pauta está, também, levantar o histórico de mais dois laboratórios: o Laboratório Torres, onde trabalhou o cientista Otto Bier, e o Laborterápica, que foi comprado pe• la Bristol de São Paulo. PERFIL: • MARIA ALICE ROSA RIBEIRO é graduada em Ciências Econômicas pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS e tem 48 anos. É mestre em História pela Unicamp, doutora em Economia pela Unicamp, tem pós-doutorado pela Universidade de Londres (com a pesquisa Indústria e Mercado de Trabalho. São Paulo, 1914-1945) e foi residente na Chemical Heritage Foundation, CHF, com uma pesquisa sobre a formação e o desenvolvimento da indústria farmacêutica. É professora da Unesp nos programas de pósgraduação em níveis de mestrado e doutorado. Projeto: Estado e Indústria Farmacêutica: Ciência, Tecnologia e a Indústria Farmacêutica no Brasil1890-1950 Investimento: R$ 8.056,00

ARTES PLÁSTICAS

Que história é essa? Pesquisa pretende elaborar uma história crítica da arte brasileira tese de doutorado da crítica de arte Sonia Salzstein Gold-

AA Questão Moderna: Impasses e

berg, Perspectivas da Arte Brasileira, 1910/

1950, procura constituir uma perspectiva teórica com o objetivo de elaborar uma história crítica da arte brasileira. Orientanda da filósofa Marilena Chauí, Sonia iniciou o trabalho em 1994 (recebeu bolsa da FAPESP durante 36 meses), terminou em maio e deve apresentá-lo em novembro ao Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Desde que se formou em Artes Plásticas pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP), em 1977, as inquietações de Sonia, que também estudou Filosofia na mesma universidade, recaem na problemática da arte contemporânea, tanto pelo aspecto histórico, quanto no da sua divulgação e organização. Em Arte, Instituição e Modernização Cultural no Brasil! Uma Experiência Institucional, dissertação de mestrado também orientada por Marilena Chauí (e que ela apresentou no Departamento de Filosofia, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, em 1994), Sonia discutiu a possibilidade de a arte brasileira irradiar-se por um espaço público com uma presença mais inos1va na vida cultural brasileira. Além disso, a pesquisadora partiu para a prática, organizando um bem-sucedido espaço de arte contemporânea no Centro Cultural São Paulo (CCSP), no qual inObra de Al eijadin ho: realização poét ica de auton o mia co lonial PESQUISA FAPESP • AGOSTO DE 1000 • 53


centivou a mostra de obras dos chamados artistas emergentes. Foi a partir dessa experiência- e de curadarias de exposições e na Bienal Internacional de Arte de São Paulo em 1987 - que a pesquisadora pôde constatar uma carência de material crítico e teórico para a compreensão da arte brasileira. "Nós ainda não temos uma história da arte moderna brasileira, apesar de sua internacionalização nas últimas três décadas", afirma Sonia. Segundo ela, foi apenas a partir do início dos anos 70 que começaram a surgir com mais regularidade trabalhos sobre o modernismo brasileiro. E cita como exemplos obras como Artes Plásticas na Semana de 22, de Aracy Amaral (Perspectiva, 1972), e De Anita ao Museu, de Paulo Mendes de Almeida (Perspectiva, 1976), entre outras. "Do ponto de vista do enraizamento da arte na vida social, no entanto, o material existente ainda é escasso e o lugar que as artes plásticas passaram a ocupar não redundou no reforço das instituições", avalia Sonia. As iniciativas nesse sentido, de acordo com ela, são pontuais e não revertem em ações sistemáticas a longo prazo, capazes de fazer deslanchar a ~ i< história da arte brasileira. ~ ;: ~

Sonia optou, então, por se debruçar exclusivamente sobre o período entre 1910 e 1950. Para ela, esse foi o momento que assinalou um profundo processo de renovação formal. "Mais genericamente, da renovação dos temas e motivações do debate cultural no país", observa. "Afinal, foi nessas quatro décadas que a produção artística brasileira começou a ganhar autonomia frente às matrizes culturais que se fixaram como paradigmas importantes no curso de toda a sua formação." Sonia explica que, mais do que discutir as realizações das gerações inaugurais de nossa arte moderna, o trabalho trata das soluções formais híbridas e contraditórias que uma aspiração ao moderno emancipado produziu nas obras dessas gerações, conferindo-lhes, em suas palavras, "uma pátina inescapavelmente ideológica." Para ela, tal aspiração foi a tônica da produção artística em toda esta primeira metade do nosso século. Nesse contexto, Sonia procurou analisar as contradições que isso suscitou no ambiente cultural brasileiro, durante aquele período, e as formações ideológicas que se detectam na análise do interior das obras produzidas por artistas como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Guignard e, mais tarde, Mira Schendel.

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Contradições - O problema gerado "~ por essa carência funciona como fio ~

con d utor d e A Questão Mo derna: Impasses e Perspectivas da Arte Brasileira, 1910/1950. A tese procura, assim, contribuir para o preenchimento dessa lacuna e para "despertar a discussão em torno das contradições na produção artística contemporânea no país", como explica a pesquisadora. Em um primeiro momento, Sonia pensou em orientar sua tese ligando a produção artística da primeira metade do século 21 ao barroco mineiro, do século 18, e mais precisamente à obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. "Isso me interessava muito, porque assinalaria geneticamente a possibilidade de pensar 54 • AGOSTO OE 1000 • PESQUISA FAPESP

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Mira Schendel: trajetória solitária em busca da fo rma

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em uma história da arte brasileira", diz. Em sua opinião, a obra de Aleijadinho é um caso exemplar de realização poética e formal da autonomia colonial. Filho de mãe negra, pai português e de classe não abastada, o artista mulato, para Sonia, é a representação da visualidade autóctone. "Isso me permitiria partir do objeto, o Aleijadinho, para o moderno", conta ela. "Por fim, isso me pareceu uma idéia pretensiosa que redundaria em uma espécie de mosaico superficial da história da arte brasileira."

"Ao ligar-se ao processo de busca da emancipação cultural, a idéia do moderno na arte brasileira marcou, naquele período, a pulsação dessa busca", ressalta. "Isso se manifesta por lados luminosos e renovadores, mas também com momentos regressivos", observa Sonia. Ela ainda constatou que a irregularidade nas obras de arte produzidas no país ocorreu, sobretudo, entre a década de 10 e o fim dos anos 40. "As obras conciliam facetas transformadoras com algum retorno a cânones acadêmicos", explica. A sua crítica apon-


ta, assim, a vinculação orgamca dessas contradições e formações ideológicas a um ambiente cultural formado numa dinâmica de dependência e submetido a embates com ondas cíclicas da modernização. A ideologia na obra - Esse processo

de modernização cultural, segundo Sonia, não se desassocia do processo de modernização do país. Ela assegura, porém, que, apesar da perspectiva histórica, toda a sua análise centrou-se na busca dessas nuances

Questão da Identidade da Arte Brasileira - a Obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari/1922-1945 (Funarte, 1982, 1" edição). "A tese busca revisitar a idéia do moderno e olhar o que há de construção ideológica dentro da própria obra, porque essa ideologia, de certa forma, colocou uma camisa-de-força na produção artística", conta a autora. Seu trabalho revela, ainda, que se em um primeiro momento o processo de modernização aparecia de forma incipiente nas obras de Tarsi-

Guignard e Sonia Goldberg: contradição

pos como os cariocas do neoconcretismo. "A década de 50 presenciou a plenitude da experiência moderna e ao mesmo tempo seu estilhaçamenta ou desfibramento", conta Sonia. Assim, para ela, a produção artística naquele período abriu o horizonte dos problemas artísticos contemporâneos. Nos últimos capítulos de seu trabalho, Sonia trata do ambiente artístico brasileiro contemporâneo. "A tese mostra que, graças a tal experiência heterodoxa da forma, a arte brasileira pôde, em geral, demonstrar consistência e originalidade em face do fenômeno recente da globalização", explica. "O fenômeno que marca a integração da arte brasileira ao meio artístico internacional é analisado como espécie de culminação e esgotamento da potência renovadora que o movimento modernista teve desde os anos 20, e fulcro dos novos desafios que se apresentam à produção e reflexão de arte no país", ~ conclui. • ~

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PERFIL:

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SONIA

SALZSTEIN

é crítica de arte formada na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo, com mestrado em Filosofia na USP, onde faz o doutorado. Iniciou sua vida profissional em 1976, no Idart - Informação e Documentação Artística, da Secretaria Municipal da Cultura. Foi diretora da divisão científica do Museu de Arte Contemporânea (MAC) de São Paulo. Organizou o espaço de arte contemporânea no Centro Cultural São Paulo, da Secretaria Municipal da Cultura. Projeto: A Questão Moderna: Impasses e Perspectivas da Arte Brasileira, 1910/1950 GOLDBERG

nas obras, estritamente do ponto de vista formal. Por tudo isso, nas cerca de 200 páginas da tese - divididas em 12 capítulos e extensa bibliografia -, Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti ganharam, cada um, capítulos à parte. Assim como a tríade Tarsila/Di/Portinari ganhou texto em que Sonia analisa e critica a imagem consagratória e celebratória que se formou em torno desses artistas. Ela ressalta que o primeiro estudo crítico dessa ideologia da arte moderna brasileira foi feito por Carlos Zílio em A Querela do Brasil, A

la do Amaral ou de Guignard, próximo à década de 50 ele desabrochou na produção desses artistas. Finalmente, a tese desemboca na contribuição que esse amadurecimento da idéia moderna original deu à produção neoconcreta do final da década de 50 e em obras como as da artista Mira Schendel. Nesse sentido, a crítica de arte observa que a produção artística dos anos 50 percorre uma trajetória solitária, por um lado - pelas mãos de artistas como Volpi ou Mira e, mais tarde, Sérgio Camargo -, e em gru-

PESQUISA FAPESP · AGOSTO DE 1000 • 55


JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA

Herdeiros das confrarias Livro refaz a trajetória do jacobinismo até os dias atuais acobinos e jacobinismo (EDUSC/FAPESP) é um texto para iniciados, apesar do reduzido número de páginas. Destina-se a leitores eno hados com a gramática das revoluções e a sintaxe dos radicalismos políticos. E é o fruto maduro de incomparável historiador, um dos pioneiros na travessia da ponte entre a história de fundamentação marxista e a nova história das mentalidades, no cenário da história da cultura, cujo ímpeto se redobra nos anos 70. Sem abandonar a temática das conspirações, revoluções, contrarevoluções, Michel Vovelle adentra o campo do imaginário, das atitudes diante da morte, buscando uma síntese própria em que análise e descrição se entremeiam, em que técnicas e métodos são refinados na tensão da pesquisa concreta. Inscrita na longa duração, indispensável à percepção das inflexões no plano das sensibilidades coletivas, a atitude das populações provençais diante da morte revela a laicização dos procedimentos fúnebres, inserindo-se no vasto campo da descristianização. Seu estudo clássico, Ideologias e Mentalidades, publicado em 1986, consagra a reflexão teórica sobre esse procedimento metodológico. É este historiador referencial que incursiona agora por um tema nevrálgico da história propriamente política: a ação das sociedades políticas, o jacobinismo histórico e transhistórico, levando-nos a uma viagem que parte do decênio revolucionário até os dias atuais. Quem foram os jacobinos? Qual foi a sua herança? Quem foram seus herdeiros? São questões que busca responder numa trajetória que recusa a hipótese de pensar o jacobinismo como uma bolha radical na história, um acidente, retraçando suas origens até as "redes de confrarias de devoção", profanas ou devotas, das quais é tributário singular. Percorre a diás-

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pora ecumênica do jacobinismo, suas múltiplas filiações e configurações, ancorando-as em suportes sociais concretos baseados em acuradas elaborações estatísticas, até os mais remotos confins, onde se encontrariam os filhos perdidos da aventura revolucionária, a exemplo dos alfaiates da Bahia, em 1798. Partindo da noção de "máquina política", construída por Michelet, estabelece os fluxos e refluxos das visões e contravisões a partir da história, da historiografia, da mídia e da literatura, especialmente a romanesca, com sua poderosa carga de representação simbólica coletiva. O rejuvenescimento do jacobinismo no século 20, atrelado à revolução socialista em sua identificação com o bolchevismo, só tem paralelo na desconstrução empreendida no contexto da crise do socialismo, especialmente por historiadores que foram outrora co. munistas, como François Furet, membro ativo da célula Saint-Just da Sorbone. A trajetória de políticos franceses recentes que não recusam a herança jacobina, como Jean-Pierre Chevenement, completa o quadro de sua análise. Persistências longínquas do jacobinismo surgem na coincidência entre franceses que disseram não a Maastricht e os locais onde preponderavam os clubes jacobinos. Por que voltar ao tema do jacobinismo? O que mudou, desde sua morte anunciada nos anos 80? O que traz o tema de volta? Seria a indignação frente à mesmice da história aplastada pela avassaladora hegemonia norte-americana? Só a leitura desta obra inquietante responderá.

]OSÉ ]OBSON DE ANDRADE ARRUDA -Historiador, é professor do Departamento de História da FFLCH da USP.


LANÇAMENTOS

REVISTAS

Isaac Newton

Revista de Antropologia f ~

O subtítulo desta biografia (lançamento da Editora Record) do cientista inglês, escrita pelo jornalista Michael White, dá a pista para a novidade que ela traz: "O último feiticeiro". Sim, o profeta da razão, mostra o estudo, teria extraído boa parte da inspiração para suas grandes descobertas científicas de um intenso interesse pela alquimia: dos três milhões de palavras escritas pelo gênio da Física, um milhão delas trata dessa "ciência" esotérica. O livro dá uma imagem inusitada de Newton, um homem obsessivo, neurastênico, inseguro e que perseguia, com ódio exacerbado, os seus rivais.

Neste que é o volume 43 da revista do Departamento Antropologia de Antropologia da Universidade de São Paulo Klaas Woortmann analisa o tema da alteridade, do outro, entre os gregos, partindo do conceito do "selvagem", o estrangeiro. Cristina Adams mostra como as populações caiçaras podem ser vítimas de admiradores excessivos que tendem a deformar a sua real natureza e a sua riqueza cultural. João da! Poz discute a crônica de uma morte anunciada: o suicídio entre os índios Sorowaha. E Aloisio Cabalzar fala sobre a descendência e aliança no espaço tiyuka. Revista de

Um Olhar sobre o Passado Organizado por Silvia Figueirôa, editado pela Unicamp em parceria com a Imprensa Oficial, este livro quer ser uma "História das Ciências na América Latina". É uma coletânea de textos que tentam entender como foi o desenvolvimento científico nos vários países e de como se deu a transferência e a posterior adaptação do conhecimento importado no contexto cultural e social da América Latina, tão diverso da fonte original. Para tanto, foram convidados a participar do projeto, feito em conjunto com a Universidade de Rostock, na Alemanha, historiadores do Brasil, México, Chile, Argentina, entre outros.

Mapa da Violência 11

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ÊNCIA 11

Escrito por Jacobo Waiselfisz, este estudo, editado em conjunto pela Unesco,Instituto Ayrton Senna e pelo Ministério da Justiça, trata especificamente dos jovens do Brasil. Com dados atuais, a obra mostra como a violência, tão presente no dia-a-dia nacional, vem afetando a nossa juventude. O Mapa da Violência II traz dados sobre como morrem os jovens e como essas mortes são causadas pela violência do cotidiano. Os números assustam: 41,8% das mortes juvenis se ligam a homicídios e outras violências. Assim, uma em cada duas mortes de jovens em regiões metropolitanas se deve a esses fatores. Jllf__ ...... _

UNB Revista Na edição especial do informativo da Universidade de Brasília (cuj'a bela capa traz uma foto de Sebastião Salgado), o destaque é, claro, para o trabalho educativo do professor Anísio Teixeira, cujo nascimento é lembrado neste ano. Outros tempos, a atualidade traz em questão o problemas das verbas nas universidades, tema do artigo "Uni~rsidade Estrangulada". Menos dramático, "Cordon Bleu à Moda da Casa" conta como o campus de Brasília vai ganhar em sabor com a instalação da célebre escola culinária francesa. ENGENHARIA·-·--· AGRÍCOLA

Engenharia Agrícola

A revista da Sociedade Brasileira de Engenharia Agrícola, de Jaboticabal, chega ao seu número 18. Entre os vários artigos científicos desta edição: "Fatores críticos no sistema de produção da cana-de-açúcar", "Comparação entre três métodos de estimativa de resistência da cobertura vegetal para a determinação de estresse hídrico em cultura de soja", "Simetria de microbacias de primeira ordem de magnitude na região de Ilha Solteira", "Avaliação do regime de vazão continuamente reduzido em irrigação por sulcos", entre outros. PESQUISA FAPESP • AGOSTO OE 1000 • 57


E FINA í.S MIADAIRA

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ESPECIAL

PENSANDO SAO PAULO Universidades e Institutos Reitores e diretores mostram como suas instituições se preparam para os desafios do século 21

niversidades e os institutos de squisa estão conscientes de que seu papel é muito importante para que São Paulo e o Brasil superem seus problemas e consigam, no século 21, sociedades mais justas. Esta é a conclusão geral de uma série de palestras nas quais reitores de universidades e diretores de institutos apresentaram suas visões para o futuro, em mais uma fase do Fórum São Paulo Século 21, promovido pela Assembléia Legislativa do Estado. Resumos dessas conferências aparecem neste encarte da revista Pesquisa FAPESP. Durante dois dias no mês de março, reitores e diretores apresentaram suas idéias, seus problemas e, também, suas vitórias. Cláudio Rodrigues, do Ipen, por exemplo, mostrou dados que indicam o sucesso da incubadora de empresas montada no câmpus da USP; Hermano Tavares, da Unicamp, contou como o país montou o melhor

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sistema de pós-graduação do Terceiro Mundo, e Alberto Duque Portugal, da Embrapa, lembrou que o Brasil, hoje, é o maior detentor de tecnologia agropecuária tropical e subtropical do mundo. Os problemas, porém, não foram escondidos. "O Instituto acumula dívidas no mercado': lembrou Plínio Assmann, do IPT. Sidney Storch Dutra, da Universidade de Santo Amaro, comparou o Brasil a uma saci, que p).lla com uma perna só, produzindo conhecimentos científicos, mas poucas patentes. "As tecnologias de que o mundo tropical precisa não chegam pela Internet nem por satélite", destacou o presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos, Nelson Raimundo Braga. O presente encarte inclui um texto especialmente preparado pelo deputado Carlos Zarattini, coordenador do grupo de Ciência, Tecnologia e Comunicações do Fórum. Nele, ele expõe suas idéias sobre a situação dessa área no estado.


Transfortnar o conhecitnento etn políticas públicas ;::::::====::::;:;::;~=::::~- z O Fórum São Paulo Século 21 foi criadeputado estadual Carlos "~ ~ do, em 1999, com o objetivo principal de Zarattini é o coordenador das 0 estabelecer um diálogo entre a Assembléia áreas de Ciência, Tecnologia " Legislativa do Estado de São Paulo e os die Comunicação do Fórum São Paulo versos setores da sociedade. A partir desse Século 21, organizado pela encontro, o Legislativo quer discutir um projeto capaz de fazer com que São Paulo Assembléia Legislativa do Estado. se mantenha no rumo do desenvolvimenPreparou cuidadosamente to e esteja à sua frente, aumentando a os trabalhos do grupo encarregado qualidade de vida da população do estado dessas áreas. Um conselho formado e melhorando as condições de produção. por 20 pessoas, incluindo O fórum e esta reflexão só estarão terminados no fim deste ano. Mas o que se conrepresentantes das universidades seguiu até agora já é muito importante. e dos institutos de pesquisa Surgiram novas propostas. Foram dados de São Paulo, de cientistas subsídios para que tanto o Executivo coe de empresas, discutiu mo o Legislativo apresentem novos projeprofundamente como tematizar Carlos Zarattini tos. No caso específico da Comissão de Ciência e Tecnologia, a Assembléia tem a questão, antes do próprio início agora um conhecimento muito melhor do que representa dos debates. "Os resultados foram e como se constitui esse sistema no estado. Principalmenmuito bons", afirma. te, são visualizadas de maneira mais ampla as perspectivas Zarattini não chegou a fazer uma exposição de que esse sistema leve a indústria, a agricultura, os serdurante os debates. O texto destas páginas, viços de São Paulo a se desenvolverem mais e aumentarem o bem-estar de seus habitantes. resumindo suas idéias sobre a situação da Muitos problemas ainda têm que ser enfrentados. Enciência e tecnologia no Estado, foi produzido tre eles, os problemas financeiros das universidades púespecialmente para a revista Pesquisa blicas do estStdo, que não estão ainda resolvidos, nem FAPESP. Defensor dos investimentos equacionados. As universidades não conseguem mais reem pesquisa científica e tecnológica, acha ter seus professores. Eles saem, em muitos casos aposentados, para ganhar mais em outros lugares. O número de importante a sociedade entender que essas profissionais que deixa as universidades públicas atingiu aplicações são decisivas para o futuro. dimensões muito grandes. Não é só isso. Há a questão do "Muitas vezes, não se obtêm resultados grande volume de aposentadorias, que pesa de forma sigem um ano ou dois", explica, "mas, dado nificativa nos orçamentos das universidades. o passo, certamente eles vão aparecer". Há o problema dos hospitais universitários, que atendem a população e não são devidamente ressarcidos pelo Formado em Economia pela Universidade SUS. São assuntos para os quais é necessário apresentar de São Paulo (USP) e técnico em transporte soluções. Precisam ser resolvidos para que as universidapúblico da Companhia do Metropolitano des públicas paulistas não sofram do mesmo mal que de São Paulo, Zarattini elegeu-se deputado acomete as universidades federais. Nelas, qualquer coisa estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), se torna difícil, pois nenhum tipo de recurso está garanElas dependem, para funcionar, de verbas e da exetido. em 1998. Antes, foi suplente de vereador cução orçamentária do Ministério da Fazenda. Não se na Capital, entre 1992 e 1996, e participou pode deixar que as três universidades públicas paulistas das políticas estudantil e sindical, ocupando, tenham o mesmo problema. inclusive, o cargo de secretário-geral Quanto aos institutos, eles claramente precisam de maiores investimentos. Os institutos poderiam ser bem do Sindicato dos Metroviários de São Paulo.

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PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTO S

melhor aproveitados do que ocorre hoje. Alguns estão em também, por meio de incentivos fiscais e de crédito. Uma empresa que realiza um investimento para desenvolver um situação bastante difícil. Outros estão um pouco melhor. novo produto não pode pagar a mesma taxa de juros e o Mas todos enfrentam o problema de que é preciso memesmo nível de impostos de quem não faz nada e simlhorar a remuneração de sua mão-de-obra. Ao lado disso, existe a questão de situar qual é o papel dos institutos. plesmente compra uma patente estrangeira. O governo não definiu isso claramente. É preciso deterMuitas vezes se avalia que uma nova tecnologia, ao ser incorporada a um sistema de produção, leva ao desempreminar como eles serão interligados com a produção, com go. Esse debate vem sendo mal colocado. É verdade que setores do desenvolvimento e da economia. As universidades públicas devem também ser racionovas tecnologias, muitas vezes, levam ao desemprego nalizadas e democratizadas. Da maneira como é montanuma área específica. Mas, se o Brasil desenvolver inteiramente novas tecnologias, estará gerando mais e melhores do, o sistema universitário público de São Paulo sofre da empregos. Hoje, até projetas de falta de uma dinâmica muitas vezes edifícios são feitos fora do país. O necessária. E não se pode esquecer as universidades particulares. Elas que o Brasil compra de projetas e vêm tendo um crescimento explopatentes no exterior é gerador de deBrasil, sivo. Está na hora de exigir que semprego na sua população. Qual hoje, não tem elas também façam investimentos a solução? É ter dentro do país um em pesquisa científica. Essa deve sistema de pesquisa e desenvolviautonomia ser uma cobrança da sociedade. É mento capaz de criar novos tipos do ponto de emprego, de maior qualificação. preciso criar condições para que a Não se trata de um problema de expansão dessas universidades de vista leve a uma qualidade comparável tecnologia versus emprego. A quesà das universidades públicas. tão é de como o Brasil se inseriu da tecnologia'' Apesar de todas essas dificuldana chamada globalização e no sisdes, São Paulo tem o sistema de tema produtivo mundial. Até agora, o país se inseriu de maneira suciência e tecnologia mais avançabordinada. O Brasil está mais a reboque do que na diando do país. Mas não tem ainda algo necessário para dar o grande salto. Trata-se da participação da empresa privada teira. Aliás, bem a reboque. na pesquisa científica e, principalmente, no desenvolviUm grande desafio é o que universidades e institutos podem fazer para diminuir a desigualdade social. O número mento tecnológico. Essa é a grande questão que ainda está por ser resolvida. Ainda não está claro de que forma de pesquisas é bastante grande. Mas o retorno em termos esse salto vai ocorrer. de democracia social tem sido pequeno. A desigualdade Particularmente, creio que o governo estadual pode ter social no Brasil não está diminuindo. Pelo contrário, está aumentando. ·um dos objetivos da pesquisa científica e um papel decisivo nesse assunto. Ele pode determinar quais são suas prioridades e, por meio de suas empresas e de do desenvolvimento tecnológico deve ser evitar que isso ocorra. O país, hoje, não tem autonomia do ponto de visiniciativas governamentais, incentivar as empresas privadas a desenvolver pesquisas sobre questões básicas para a quata tecnológico. Não consegue crescer e ao mesmo tempo lidade de vida da população. Em outros países, especialdiminuir as desigualdades de renda de sua população. É mente nos Estados Unidos, existem políticas nesse sentido. preciso inverter isso. A solução não está somente no deAs Forças Armadas dos Estados Unidos e a NASA estimusenvolvimento científico e tecnológico. Mas passa por ele. lam empresas privadas a resolver questões relacionadas Evidentemente, tudo o que se fala e discute no fórum com a defesa e o programa espacial. Uma boa parte do dese transforma numa discussão política. Com certeza, o senvolvimento científico norte-americano saiu dessa base. que se discute no fórum chegará à sociedade por meio do Os problemas de São Paulo são outros. Mas pesquisas debate político. É necessário aproveitar o conhecimento sobre algumas questões fundamentais para a população acadêmico e transformá-lo em políticas públicas. paulista poderiam ser incentivadas dessa forma. Há o Não é possível conceber qualquer tipo de crescimento, exemplo do lixo, do saneamento básico. São Paulo tem no Brasil ou em qualquer outro lugar, sem grandes investiproblemas gravíssimos nessa área, especialmente nas rementos em ciência e tecnologia. No Brasil, esse investimengiões metropolitanas da capital, de Santos e de Campinas. to ainda é muito pequeno. Não existe ainda uma consciência de como é necessária a autonomia nesse campo. O país As condições são dramáticas. Novas técnicas são necessátem um número enorme de necessidades, de problemas. O rias. As que existem hoje não resolvem mais os problemas. O governo estadual poderia agir, por exemplo, garanpatrimônio intelectual brasileiro tem condições de resolvêtindo a compra, por intermédio de suas empresas, de um los. Mas é preciso organizar o sistema de ciência e tecnoproduto após seu desenvolvimento. Poderia trabalhar, logia. Sem investir nessa área, será muito difícil avançar.

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O prin1eiro lugar do sisten1a cabe à educação

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~ Penso que este evento começa num professor Jacques Marcovitch ~ ambiente de realização da comunidade é reitor da Universidade 3 científica. O projeto Genoma Xylella, amde São Paulo (USP) desde " piamente divulgado, mostrou a vitalidade novembro de 1997. Antes, entre e a capacidade de articulação dessa comu1994 e 199 7, foi pró-reitor nidade, para obter resultados reconhecidos internacionalmente. Sem dúvida, de Cultura e Extensão Universitária. sempre haverá preconceitos, por parte de Com 35 unidades espalhadas alguns. Mas acho que temos a capacidade pelo Estado e um posto avançado de conseguir resultados que se destacam em Marabá, na Amazônia Paraense, em escala internacional. a USP é uma das maiores Não se pode subestimar o momento histórico pelo qual passa a humanidade. universidades do Hemisfério Sul. O ser humano passou da comunicação Foi criada na década de 30. Mas pelo gesto para a comunicação pela fala e algumas de suas unidades são começou a se comunicar pela palavra esbem mais antigas. A Facuidade crita há apenas 7 mil anos. Só SOO anos de Direito, por exemplo, é de 1827. Jacques Marcovitch atrás teve origem a comunicação impressa. Foi há poucos anos que se iniciou o A Escola Politécnica, de 1893. uso da digitalização como forma de armazenar, acessar e Marcovitch formou-se em Administração comunicar informações. em 1968, na própria USP. Em 1972, obteve Cada uma dessas migrações trouxe grandes mudanças. o mestrado na Graduate School A migração do escrito para o impresso levou a humaniof Management da Universidade Vanderbilt, dade a duas grandes revoluções, uma científica, por volta de 1600, e uma tecnológica, por volta de 1800. Pode-se nos Estados Unidos. O doutorado, dizer que a era digital, na qual a humanidade está entranem Administração, foi conseguido na USP, do, antecipa duas grandes revoluções, semelhantes às ancom uma tese sobre Eficácia Organizacional. teriores mas ·ainda mais intensas, porque muito provavelMarcovitch fez o pós-doutoramento em 1978, mente ocorrerão simultaneamente. no lnternational Management lnstitute, Medindo as tendências, observamos que nos últimos 100 anos, o Brasil e o Estado de São Paulo se destacaram de Genebra, na Suíça. Sua experiência inclui mundialmente com relação à sua evolução demográfica. a diretoria da Faculdade de Economia, A população mundial, nesse período, aumentou de 1,6 Administração e Contabilidade (FEA), de 1983 bilhão para 6 bilhões de habitantes. Portanto, cresceu a 1986, e a do Instituto de Estudos Avançados em torno de 3,5 vezes. Já o Brasil, que passou de 17 mi(IEA) da USP, entre 1988 e 1993. Entre 1987 lhões para 170 milhões de habitantes, aumentou dez vezes em termos demográficos. Esse aumento, sem quale 1995, foi coordenador do Núcleo de Política quer discussão, provoca dores de crescimento, semee Gestão Tecnológica da USP. lhantes às de um jovem adolescente que cresce de maSuas atividades de ensino e pesquisa estão neira muito rápida. concentradas nas áreas de Gestão da Inovação, Assim, as dificuldades do Brasil não são as de uma Gestão da Cooperação Internacional, Gestão estrutura que sofre as dores terminais. Pelo contrário, são dores de crescimento. São elas as que devemos equaTecnológica e Estratégia Empresarial. Como cionar e enfrentar. Esse crescimento, único em escala professor, além de lecionar nos cursos de mundial, ocorreu de maneira simultânea com um prograduação e pós-graduação de Administração, cesso de urbanização que também se deu no menor praparticipa de programas de especialização zo conhecido em todo o mundo. Em apenas 30 anos, e em cursos de desenvolvimento gerencial. passamos de uma relação de 75% para 25%, na compa4

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PE NS A N DO SÃ O PAULO: U N IVER S IDADE S E IN STIT U TO S

O primário é o local básico que deve desmistificar, ração entre as populações rural e urbana, para exatadesde os primeiros dias de aula, os meios de comunicamente o inverso. ção que acabam por desenvolver um falso imaginário na Mas, se os brasileiros nunca foram tantos e nunca esmente das crianças, quer seja a televisão, quer seja o espativeram tão próximos, nunca estiveram tão distantes, na ço virtual. O secundário deve familiarizar o jovem com a distribuição da renda e na dualidade socioeconômica. A linguagem que o acompanhará ao longo da vida. O curdistância entre os níveis socioeconômicos está crescendo, so superior deve ser entendido como a primeira etapa da cobrando os preços de violência e de criminalidade dos educação continuada, que acompanhará o ser humano quais todos são testemunhas. ao longo de toda a sua vida. As rupturas tecnológicas fazem parte dessas tendênO segundo componente desse sistema de inovação é o cias. Mas, felizmente, no Brasil, e este fórum é um exemsistema de pesquisa, que inclui universidades, instituplo disso, estrutura-se uma consciência na qual as geratos, laboratórios de pesquisa e deções presentes preocupam-se com senvolvimento das empresas e as as gerações ainda não nascidas. A agências de financiamento. O teridéia de um fórum que olha para ceiro é o subsistema empresarial, os próximos 25 anos, mas estende ''Queremos de produção e prestação de serviseu horizonte até o final do séuma economia ços, constituído de dirigentes, caculo, constitui um exemplo dessa pitalistas, acionistas, sindicalistas, preocupação. de mercado, organizações não-governamentais A universidade, que recebe nao uma e associações de pequenas e méhoje jovens de 18 anos, que devem dias empresas. Finalmente, existem viver até 2070, sabe como é imsociedade os sistemas articulador e regulaportante esta visão voltada para o dor, que são de responsabilidade futuro. Pois também há notícias de mercado'' positivas. A esperança de vida audo Estado. mentou, a qualidade de vida meEsses quatro componentes aslhorou, a interdependência entre seguram o surgimento do novo. os atores sociais se ampliou. Mas, infelizmente, uma ecoPortanto, quando se fala em mais investimentos na área nomia criminosa está crescendo. Um fundamentalismo da ciência e tecnologia, isso significa mais recursos hude tipo religioso se instala pelo mundo, com a erosão do manos e financeiros para todo o sistema de inovação, papel do Estado, quando, na nossa sociedade, por ser aquele que abre o novo para enfrentar novos desafios. fragmentada, o Estado precisa consolidar-se. Não quer dizer mais dinheiro para um ou outro componente, mas sim recursos para que esses quatro compoQuais são os impasses? A tecnologia está avançando nentes possam assegurar uma relação mais harmoniosa, mais que as habilidades humanas. O desenvolvimento sustentado precisa de uma visão a-médio e longo pravoltada para ó futuro. zo. A instabilidade monetária de um lado e uma estruMas o que resta a ser feito? Lembremos o Projeto Genoma. Ele envolveu 196 cientistas, dos quais 172 eram de tura partidária que acaba privilegiando o curto prazo de outro tornam difícil qualquer equacionamento de universidades públicas em geral e 144 eram das universium desenvolvimento sustentado. A competição, que é dades públicas do Estado de São Paulo. Desses, 76 eram natural na economia de mercado, não é natural numa de minha universidade, a USP. Eles contribuíram para que sociedade. Queremos uma economia de mercado, mas o Brasil desse esse salto para o futuro. não uma sociedade de mercado. Não se pode substiAs universidades públicas ajudaram a formar novas tuir o ser pelo ter. gerações e colaboraram para o avanço do conhecimento. Por outro lado, do ponto de vista da comunicação, o Na USP, a universidade que melhor conheço, isso não Brasil sai de uma era na qual a informação era a comuniocorreu apenas na capital. Aconteceu na Escola Superior cação libertada. Quem viveu o período da ditadura no de Agricultura Luiz de Queiroz, em Piracicaba; aconteceu Brasil sabe como a comunicação libertava. Mas hoje, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; ocorreu em como disse Ignacio Ramonet, editor de Le Monde DiploBauru, em São Carlos, em cada canto do estado onde as matique, entramos numa era de tirania da comunicação. universidades estão instaladas. A comunicação, pelo excesso e pela falta de filtros qualiAs universidades públicas contribuíram também com tativos, está inibindo o poder criativo de adultos e jovens. suas atividades de extensão. Desde 1911, os alunos da FaIsso nos leva a entender a ciência e a tecnologia como inculdade de Direito, do Centro XI de Agosto, prestam astegrantes de um sistema de inovação mais amplo, constisistência jurídica gratuita aos excluídos. Outros exemplos tuído em primeiro lugar pelo sistema educacional, do importantes são a Estação Ciência e o Projeto Avizinhar, primário até a educação continuada. que aproxima as universidades das comunidades de exPESQUISA FAPESP

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P ENSAN DO SÃO PA U LO: UN IVER S IDADE S E I N STITUTO S

cluídos em sua volta. As universidades também ajudaram conformismo e a incerteza que conduzem o jovem a pera preservar e consolidar uma identidade nacional. O Muceber, no conhecimento incompleto, a forma de lidar seu Paulista, cujo patrimônio a Universidade de São Paucom o desconhecido. Um jovem que está hoje nos bancos da universidade e lo tem o privilégio de zelar, é um exemplo de como os deverá enfrentar os desafios de 2030 e 2040, longe de rehistoriadores e os museólogos estão dedicados à preserceber um quadro profissionalizante acabado, precisa devação da identidade nacional. Finalmente, não menos importante, a USP se debrusenvolver em si mesmo a capacidade de lidar com o inçou sobre os temas das políticas públicas, saúde, educacerto, por meio do inconformismo. Isso se aplica desde a ção, meio ambiente, violência, emprego. Colocou fora pesquisa nas áreas exatas e biomédicas até a que ocorre da universidade o que cada um de seus 4. 700 professonos setores mais aplicados da engenharia. res e 25 mil alunos de pós-graduação fizeram sobre esÉ preciso fazer mais na formação de recursos humanos. Isso significa uma graduação ses temas. Mas isso não chega. É preciso fazer mais, é preciso ajuque deve ser ampliada, mas sempre tendo uma referência qualitadar a abrir um espaço de reflexão tiva favorável à estruturação dos estrutural, baseado na prospectijovem projetos de vida dos jovens; uma va. Nas palavras de Antônio Cânprec1sa dido, as universidades fizeram pós-graduação que forme não só muito, mas ainda não fizeram o pesquisadores, mas prepare os desenvolver a quadros docentes necessários à suficiente. capacidade As Humanidades têm o papel expansão do ensino superior, púdeterminante de construir essas blico e privado; e uma educação de lidar com visões do futuro, centradas no ser continuada formada de maneira a humano, como epicentro da sociedar a todos um espaço acessível, o incerto'' dade moderna. Não se trata mais no qual possam atualizar-se consde ciência e tecnologia no sentido tantemente. Quanto à Assembléia Legislarestrito. Mas de filósofos, antropótiva, que vem dando toda a consideração às universidalogos, psicólogos, sociólogos que se debruçam para endes públicas, peço que continue a entender o ciclo lontender como o ser humano se insere numa sociedade onde o material e o tecnológico passaram a constituir o go das instituições universitárias e sua necessidade de centro das atenções. previsibilidade de recursos e de autonomia, com rigoro sa avaliação. As universidades públicas querem ser coAs Letras têm a missão de transformar visões e linguagens, de forma que sejam capazes de arquitetar novas bradas, mas é preciso entender que seus ciclos de tempo mentalidades que possam conciliar valores humanos e o são diferentes. Teses podem levar dez ou 15 anos para sistema econômico e político. Esses valores devem proserem conclÚídas. Um ciclo de formação, em algumas áreas, leva mais de dez anos. mover a cultura do respeito humano, apesar das difeAs universidades precisam de previsibilidade e autorenças. Devem ser valores de solidariedade e de universanomia. Uma forma de sedimentar a previsibilidade seria lismo, buscando um sistema econômico que induza a constitucionalizar a quota parte das universidades. Hoje, eficácia e a complementaridade nas cadeias setoriais, asnos recursos das universidades, estão embutidas, por segurando a competição de mercado, mas sem nunca inibir a cooperação entre os agentes econômicos. exemplo, despesas com hospitais e com a previdência. A Deve buscar-se também um sistema político que assesociedade tem uma falsa percepção dos investimentos que estão sendo realizados. gure o pluralismo de idéias, mas com o imprescindível consenso duradouro, que permita a implantação de proÉ necessário também cada vez mais promover estujetas ousados de políticas públicas. Já houve, no passado, dos estratégicos, usando as metodologias disponíveis. Por exemplo, olhar para o século 21 e ter dados razoaclássicos da literatura que influiram no imaginário da juventude. Cada um desses clássicos tem seu papel. Como velmente sólidos sobre demografia, urbanização, dualileitura obrigatória nas escolas, eles mostram muito bem dade socioeconômica e tecnologia, para que a sociedade como as letras dão sua contribuição para a arquitetura possa ser mais responsável com relação ao futuro. das mentalidades. As universidades públicas do Estado de São Paulo estão prontas para empreender esse trabalho, visando à É preciso também fazer mais no avanço do conhecimento, e isso quer dizer a pesquisa. Ela deve constituir a alimentação das decisões a serem tomadas sobre as pobase do inconformismo com o qual se lida com as incerlíticas públicas. Este espaço, aberto na Assembléia Legislativa, destinado a articular os atores sociais para tezas. Não se pode imaginar a pesquisa isolada do ensino. pensar sobre o futuro, deve ser multiplicado. O pesquisador que ensina leva para a sala de aula o in-

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Pesquisa brasileira precisa de u111 novo perfil ~ Mais do que nunca, São Paulo preciprofessor Hermano ~ sa de iniciativas como este fórum. OBrade Medeiros Ferreira Tavares, il sil atravessa uma década que não pode reitor da Universidade " ser considerada perdida. Nos últimos Estadual de Campinas (Unicamp), dez anos, o país evoluiu e trilhou camijá completou 25 anos de trabalho nhos, embora sem qualquer planejamento. O professor Jacques Marcovitch, na universidade. É professor titular reitor da Universidade de São Paulo, reda Facuidade de Engenharia Elétrica feriu-se à possibilidade de que este fóe de Computação. Com cerca rum pense os próximos 25 anos, talvez o de 90 trabalhos científicos próximo século. Vou restringir-me a penpublicados, suas principais áreas sar os próximos dez anos. Se este fórum fizer o trabalho de pende atuação estão nos campos sar os próximos dez anos do Estado de da pesquisa operacional/problemas São Paulo, particularmente no que diz combinatoriais, inteligência artificial, respeito ao desenvolvimento econômico e planejamento de sistemas seu relacionamento com a ciência e a tectelefônicos e análise de sistemas Hermano de M. Ferreira Tavares nologia, fará não somente um trabalho útil para toda a população. Será uma tareeconômicos. fa particularmente preponderante e indispensável para o Tavares é engenheiro eletrônico, formado desenvolvimento das universidades públicas do Estado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), de São Paulo, as quais, ao cabo de dez anos de autonomia, de São José dos Campos, em 1964. enfrentam dificuldades claríssimas. Em 1966 e 1968, fez mestrado e doutorado A revista inglesa The Economistpublicou recentemente dados sobre a evolução do Produto Nacional Bruto per na Universidade de Toulouse, na França. capita da Europa Ocidental nos últimos 1.000 anos. Pela Antes de ir para a Unicamp, ausência de contas públicas rigorosas, esses dados, natulecionou nas universidades federais ralmente, envolvem muitas suposições. Mas pode-se ver da Paraíba e de Pernambuco, com clareza que do ano 1000 até por volta de 1700, a renno ITA e na Escola de Engenharia da per capita do europeu manteve-se particularmente estável, oscilando por volta de US$ 700 anuais (em valores da USP em São Carlos. corrigidos para 1990). Apesar de relativamente nova, pois começou Dentro do espaço de vida de um ser humano, que a funcionar em outubro de 1966, a Unicamp era de entre 40 e 50 anos, não havia, assim, qualquer é uma das mais importantes universidades evolução. De um ano para outro, o avanço econômico brasileiras. De seus institutos sai 15% era quase que rigorosamente zero por cento. O avanço econômico era praticamente insignificante, resuminda produção científica do país. Eles abrigam, do-se basicamente a cobrir o aumento da população, ainda, 10% dos estudantes de pós-graduação. que também era bastante lento. O ser humano nascia e Com 2 mil professores, a Unicamp vivia sem qualquer perspectiva de crescimento e mutem cerca de 10.500 alunos de graduação dança nas suas condições econômicas e em sua qualie 1O mil de pós-graduação. dade de vida.

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Essa camisa de força, de dificuldade para a mudança econômica, foi rompida por volta de 1750, época em que se observa o início de um nítido avanço na renda per capita dos europeus. O processo se acelerou notavelmente nos últimos 100 anos. Em 1900, a renda per capitada Europa Ocidental era de cerca de US$ 2 mil por ano. Hoje, PESQUISA FAPESP

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PENSANDO SÃO PAULO: UN I VE RS ID A D ES E I NST I TUTOS

tituto de Pesquisas Tecnológicas, muito importante, mais a cifra ultrapassa os US$ 20 mil na maioria dos países países europeus. dirigido para a área produtiva, multissetorial. O que aconteceu nessa época para causar tal mudanAs indústrias respondem, por sua vez, por uma parceça? Houve o início do processo de incorporação da tecla mínima do desenvolvimento da ciência e da tecnologia nologia à produção de bens, processo esse que a partir no Estado de São Paulo. Essa é uma das características bádesse ponto se intensificou. Esse foi um fenômeno inicialsicas do sistema brasileiro. As universidades brasileiras tiveram um aparecimente europeu, mas que se irradiou para países como o Brasil, de cultura européia. Não é possível admitir, pomento bastante tardio. Rigorosamente, pode-se dizer rém, sem qualquer possibilidade de erro, de que esse que a primeira universidade brasileira, na acepção plena do termo, foi a Universidade de São Paulo, criada em avanço seja algo inexorável. Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 1500, 1934, por meio de um movimento extremamente meritório, facilitado pelo momento a cultura mais importante do mundo, em termos científicos e político vivido então pela Europa. Na década de 50, foram criatecnológicos, era a chinesa. Mas das várias outras universidades essa cultura sofreu percalços e não modelo no país, sobretudo federais. Fiavançou. Pelo contrário, a qualidade universidade nalmente, na década de 70, ocorde de vida de seu povo piorou. Há reu uma importante reforma na outros exemplos que apontam existente hoje nessa mesma direção. Um deles é universidade brasileira, que levou talvez tenha o da cultura islâmica, que teve deao modelo de universidade existente hoje e que, talvez, tenha chesenvolvimentos notáveis até 1300, chegado sobretudo na área da Matemática. gado ao seu esgotamento. Essa reforma universitária da Mas esses desenvolvimentos não ao esgotamento'' década de 70 tinha como pilares tiveram seqüência. Portanto, não podemos prebásicos a organização em departasumir que o crescimento como o mentos, com a derrubada das cátedras, a adoção do regime de dedicação exclusiva e a imverificado na Europa vá continuar para sempre. Esse crescimento é decorrente da incorporação da tecnoloplantação da pós-graduação. A criação da pós-graduação gia à produção. A tecnologia, por sua vez, é, com algum talvez seja o fato mais relevante da evolução da universitempo de atraso, puxada pelo desenvolvimento das ciêndade brasileira nos últimos 30 anos. Ela fixou a pesquisa e permitiu a criação de quadros cias básicas. renováveis, jovens que se dirigem cada vez mais para a O que garante a incorporação da tecnologia ao mununiversidade, dando ao Brasil uma posição ímpar no cedo produtivo é, provavelmente, um conjunto de valores nário mundiál. O país tem, talvez, o melhor sistema de culturais, instituições políticas e instituições econômicas. Portanto, é da maior importância que estejam juntos, pós-graduação do Terceiro Mundo. Desse modo, embocomo aqui neste fórum, segmentos universitários, que ra tenha começado a montar suas universidades tardiaimprimem os valores culturais de um povo, e segmentos mente, o Brasil tem hoje as melhores universidades da políticos, como o representado por esta Assembléia LeAmérica Latina. gislativa. Juntos, como está proposto na carta básica do Na década de 70, assim, com a reforma pela qual Fórum Século 21, eles podem pensar o futuro do estado, passaram na ocasião, as universidades brasileiras assufixar metas e determinar trilhas para serem seguidas pemiram papel de destaque. A principal característica deslas autoridades. se papel foi a integração entre a pesquisa científica e o ensino de pós-graduação. Entretanto, por ser um país A pesquisa científica no Brasil é feita, sobretudo, nas que pratica uma ciência relativamente nova, o Brasil universidades públicas e nos centros de pesquisa do sistema do Ministério de Ciência e Tecnologia. Uma fração tende a praticar uma ciência reflexa dos países avançados. A pesquisa desenvolvida nas universidades brasimenor dessa atividade é encontrada nas empresas estatais leiras não é, necessariamente, aquela da qual o país pree nos institutos de pesquisa estaduais. No Estado de São cisa. De certa maneira, ela segue a tendência acadêmica Paulo, em particular, existe um segmento bastante immundial, o que facilita, por exemplo, sua inclusão em portante de institutos estaduais de pesquisa. Existe, por exemplo, a rede de institutos de pesquisa grupos internacionais e a publicação de artigos em periódicos de circulação mundial. da Secretaria da Saúde, representada pelo Instituto BuÉ preciso, neste momento, com o amadurecimento da tantan e outros, igualmente notáveis. Há também a rede pós-graduação no Brasil e a necessidade de um desenvolda Secretaria da Agricultura, representada pelo Instituto Agronômico de Campinas. Pode-se citar, também, o Insvimento de um perfil competitivo no mercado mundial,

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PENSANDO SÃO PAULO: U NIVERSIDADES E INSTITUTOS

próximos dez anos. Não será necessária nenhuma mágique a pós-graduação e a pesquisa brasileira procurem caca. O objetivo não é extremamente difícil. A Argentina e minhos próprios. Faz-se necessário, sobretudo, que seja o Chile têm proporções superiores à brasileira. Não dos incorporada à nossa pesquisa, que é de boa qualidade, a 15% atuais, mas do dobro, dos 30%. indispensável preocupação com problemas de relevância Tenho 60 anos. Estou às portas da aposentadoria. social para o país. É necessário fazer pesquisa que tenha Passei a vida trabalhando no sistema universitário. Esrelevância social e cuja aplicáção possa ir ao encontro das perei a vida inteira por uma oportunidade como a que necessidades de melhoria da qualidade de vida da popuexiste no momento no estado. Temos, através deste Fólação brasileira. rum São Paulo Século 21, a oportunidade de pensar, Oitenta por cento das atividades científicas brasileiras planejar e preparar o Brasil, e especialmente o Estado estão concentrados na Região Sudeste. É o que mostra o de São Paulo, para os próximos dez anos. E é mais que mapa. Boa parte desta concentração está em São Paulo, o óbvio: o desenvolvimento cientíestado mais rico e mais populoso. fico, a melhoria da qualidade de Nem por isso, aliás, a situação do vida e o resgate da dívida social estado é extremamente cômoda. passam necessariamente pelo cresEssa distorção geográfica decorre ''As universidades cimento de uma ciência e uma de um processo de desenvolvimenpúblicas tecnologia que possam ser aplicato heterogêneo. Não poderá ser sodas à melhoria das condições de lucionado apenas com um esforço de São Paulo vida do povo brasileiro. financeiro de promoção à pesquiformam a metade Existe a possibilidade de que sa. É necessário um esforço mais isso seja feito agora. As universiprofundo. Não se trata, simplesdos doutores dades públicas devem ser colocamente, de um problema de finandas a serviço desse objetivo. Não ciamento da pesquisa. do Brasil'' se pode adiar mais uma posição. Um aspecto muito importante É possível criar metas válidas papara a compreensão do problema ra esses próximos dez anos, deliestá na distribuição da formação neando, por exemplo, quantos estudantes universitários de quadros para o ensino superior. O Brasil, em termos queremos ter no futuro e que tipo de pesquisa se pretende graduação, forma cerca de 300 mil bacharéis por ano. de fazer. Nesse total, a contribuição das universidades públicas no Devem ser cobrados resultados dessas pesquisas e o Estado de São Paulo é bastante modesta, de cerca de 10 processo de avaliação das universidades deve ser permamil bacharéis, ou 3% do total brasileiro. As instituições nente. O financiamento das universidades públicas do federais de ensino superior, que de certa maneira constiEstado de São Paulo precisa ser encarado com o máximo tuem a espinha dorsal do ensino universitário, contride seriedade: Parte substancial desse financiamento é buem com cerca de 18% desse total. destinada, no momento, ao pagamento de inativos e à Mas, quando se trata da pós-graduação, a posição das manutenção dos hospitais universitários. São pelo menos universidades públicas paulistas é bem mais expressiva. esses dois fatores que vêm estrangulando atualmente as As cinco universidades públicas existentes no Estado de São Paulo, três estaduais (USP, Unesp e Unicamp) e duas universidades públicas estaduais paulistas. Finalmente, há mais um fator que não pode deixar de federais (Unifesp e Universidade Federal de São Carlos) ser pensado pelo Fórum São Paulo Século 21. Trata-se da são as responsáveis por cerca de 50% da formação de necessidade de revigorar a rede de institutos de pesquisa doutores no país. De certa maneira, as universidades púdo Estado de São Paulo. Essa rede é da maior importânblicas paulistas são escolas de escolas. Elas formam uma cia. O desenvolvimento do sistema agrícola paulista, que boa parte dos profissionais que vão lecionar nas universié importantíssimo, dependeu fortemente dos institutos dades brasileiras. Esse quadro é da maior importância ligados à Secretaria da Agricultura. Mas boa parte deles quando se trata de pensar o futuro. mereceu, nas últimas décadas, um tratamento que não foi De qualquer maneira, deve-se estar atento para o fato de que apenas 15% da população potencialmente univero melhor que poderiam ter recebido. sitária do Brasil- os jovens com entre 20 e 24 anos- cheEssa rede de institutos é de importância fundamental gam às escolas superiores. Mesmo em São Paulo, onde se para o desenvolvimento de nosso estado. Mesmo assim, não tem recebido a atenção e o tratamento adequados. É poderia esperar um resultado bem melhor, devido à sua indispensável pensar no revigoramento e no crescimento situação com relação ao restante do país, essa proporção desse sistema. E, ao seu lado, pensar também no probleé de apenas 17%. Essa parcela é dramaticamente baixa. ma do dimensionamento das universidades públicas e do Para se ter um futuro melhor, é preciso estabelecer metas seu financiamento. com cuja aplicação será possível dobrar esse número nos PESQUISA FAPESP

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Cuidado cotn as falsas detnandas sociais A Unesp é uma universidade nova. reitor da Universidade Foi criada em 1976. Mas também é uma Estadual Paulista (Unesp), universidade com origens que remontam Antonio Manoel dos Santos ao início do século. Muitas das unidades Silva, é um veterano da instituição, que formaram o conglomerado para sua na qual leciona há 33 anos. constituição são antigas. Suas faculdades mais antigas são as de Odontologia e Com dez livros e mais em Araraquara; começaram a Farmácia de 100 artigos publicados, funcionar em 1923. A Faculdade de Ciêné professor de Literatura Brasileira cias Agrárias e Veterinárias de Jaboticano Instituto de Biociências, Letras bal tem origem numa escola agrícola e Ciências Exatas do câmpus fundada em 1921. A Unesp tem esta particularidade: é a mais nova das universida Unesp em São José dades públicas, mas, em alguns pontos, do Rio Preto. Antes de ser também é antiga. Sua estrutura foi muiescolhido para a reitoria, ocupou to violentada quando de sua criação: foos cargos de pró-reitor ram extintos cursos de graduação, oude Pós-Graduação e Pesquisa Antonio Manoel dos Santos Silva tros foram deslocados, alguns foram criados. Sua reitoria estava oficialmente e de vice-reitor. Entre seus em Ilha Solteira, a 666 km de São Paulo. trabalhos, está a consolidação do sistema Em 1984, a Unesp passou por uma reestruturação. de pós-graduação da universidade. De certa maneira, foi democratizada, uma vez que muiEntre 1989 e 1993, o professor Silva to mais pessoas passaram a participar dos órgãos colefoi vice-reitor da Universidade Ibero-Americana giados que definem seus destinos. Importantíssimo foi o ano de 1989, quando se estabeleceu a autonomia das de Pós-Graduação, com sede em Salamanca, três universidades públicas do Estado, entre elas a na Espanha. Desde então, é diretor regional Unesp, que passaram a ter aplicado nelas um índice do da Associação Universitária Ibero-Americana orçamento do Estado. A partir desse ano, a Unesp tepara o Brasil, Portugal e Cone Sul. Foi até ve um crescimento relativamente muito forte. Isso ino início deste ano membro fluenciou seu papel de preparar cientistas e diferentes tipos de profissionais e situar-se na fronteira do conhedo Conselho Superior da FAPESP. cimento dentro do Estado de São Paulo, em pesquisas e A Unesp está presente na maioria das regiões desenvolvimento. do Estado, com 15 campi universitários, No início da autonomia, em 1989, a Unesp tinha 12 três campi avançados, 24 unidades mil alunos de graduação. Hoje, tem 21 mil. Tinha 900 universitárias e dez unidades alunos regulares na pós-graduação. Hoje, tem 7 mil. Os números relativos ao crescimento do número de alunos complementares em 15 cidades. Com cerca das outras duas universidades estaduais não devem ser de 3.500 professores, atende cerca muito diferentes. Esse crescimento em dez anos mostra de 23.260 alunos. Mantém 80 cursos como foi importante para a universidade ter autonomia de graduação e 46 de pós-graduação, na gestão dos recursos que, aprovados pela Assembléia Legislativa, o Estado é obrigado mensalmente a repassar com 92 programas de mestrado para a universidade pública. e 67 de doutorado.

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Mas a Unesp está, de certa maneira, estrangulada. Não porque não esteja desenvolvendo bem o que desenvolve hoje. Mas porque não pode usar seu potencial para se desenvolver mais. A Unesp tem uma potencialidade altíssima para desenvolver o ensino e pesquisa. lO

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P ENSAN D O SÃ O PAUL O: UN I V ER S ID A DE S E I NST ITU T OS

As universidades têm de expor isso às instâncias que Mas não pode fazer mais do que faz. Os cordões que fatomam as decisões, o Executivo e o Legislativo. Esses prozem este estrangulamento são vários. Vou citar um exemplo. Em 1989, no começo da autonomia, o pagablemas não são só das universidades, são também da somento de inativos consumia 7% dos recursos da Unesp. ciedade que as sustenta. As universidades públicas e os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo formam a Hoje, consome 26%. estrutura e a base para o desenvolvimento científico e tecMesmo assim, a Unesp continua a crescer. Em 1989, nológico fundamental para o desenvolvimento do País. a proporção do corpo docente com titulação mínima Assim, um dos problemas das universidades é como de doutor era de 38%. Hoje, subiu para 72%. Há a pretrabalhar as demandas sociais de maneira a distinguir as visão de chegar ao fim do ano 2000 com uma proporrealmente humanas das ditadas pelo eixo exclusivo do ção próxima às da USP e da Unicamp, de 85%. Daqui a seis anos, a Unesp terá condições de abrigar 30 mil alumercado. Elas têm de trabalhar isso muito bem, até nos na graduação e 12 mil na mesmo para atender às próprias pós-graduação. O papel da uniexigências do mercado. Têm de pensar muito nisso. Essa é uma versidade na preparação de cienquestão que vem sendo discutida tistas e profissionais qualificados ''Para matar de maneira candente dentro das é justamente este: o de formar sea universidade res humanos, na graduação e na próprias universidades. Outra insuficiência da univerpós-graduação. As universidades pública, basta fizeram muito, de acordo com os sidade pública é sua territorialiexigir que atenda objetivos ou metas estabelecidos dade. As universidades públicas por diversas instâncias, quando ocupam quase todo o Estado de ao imediato do foram criadas. Mas não fizeram o São Paulo, mas não todo o estasuficiente. do. Há vazios. Pode-se citar dois mercado'' Um dos problemas diz respeilugares, o Vale do Ribeira e o litoto às relações da universidade ral. Eles não têm universidades com as empresas inovadoras. públicas e lá o desenvolvimento Falta algo para que elas possam absorver e desenvolver científico e tecnológico é precário. As três universidades estaduais não podem resolver a pesquisa nacional. Outro é sua situação no que diz os problemas que estrangulam o sistema público do enrespeito às demandas sociais. Quem lidera essas demandas e quais são elas? Hoje, as universidades públisino superior de São Paulo. Mas podem contribuir com cas recebem demandas de diversas instâncias. Uma das as instâncias que decidem, deliberando ou executando. mais agressivas é a mídia. Ela pensa a curto prazo, enIsso não está fora do tema central deste encontro, o dequanto o prazo na universidade é no mínimo médio e senvolvimento científico e tecnológico, pois isso nos longo. Não se faz melhoramento genético em menos de conduz para ó eixo central, a sociedade do conhecimendez anos. Pode ser que com as novas tecnologias esse to. Se, de fato, a sociedade do século 21 for a sociedade prazo diminua. Mas não se fazem coisas assim em prado conhecimento, quem não tiver acesso direto ou indizo curto. reto aos atores do conhecimento, que são as universidaUm dos elementos a serem considerados é o tempo des, estará excluído dessa sociedade. do próprio pesquisador. Ele tem de dividir a tarefa de Se me perguntassem como resolver esses problemas, responderia "não sei". Mas sou professor há 37 anos e pesquisar com a docência, o tempo dedicado a formar creio que as universidades, com seu grande corpo de esaqueles que vão dar continuidade às linhas de pesquisa. Isso é demoradíssimo. É necessário levar em conta, tampecialistas, doutores, cientistas, pesquisadores de ponta, bém, o tempo dedicado à própria constituição da unipodem juntar-se aos que devem pensar o futuro do esversidade. Ela precisa ser dinâmica e perceber as mutado. Assim, será possível chegar a algumas soluções, indanças que ocorrem em sua volta. clusive a de dobrar o número de alunos nas escolas púAs demandas sociais feitas às universidades são de blicas superiores de São Paulo. dois tipos. Algumas são ditadas pelo mercado e podem Isso não é tão difícil. Lugares mais pobres do que São ser extremamente perigosas. Outras são demandas soPaulo já o conseguiram. São Paulo é privilegiado com ciais realmente humanas. Sua identificação é um dos relação à infra-estrutura física, comercial, industrial. A maiores problemas das universidades, não só para o deinfra-estrutura oferecida pelas suas universidades públisenvolvimento da pesquisa e da tecnologia como para a cas e por algumas universidades privadas pode fazer formação dos recursos humanos. Para matar a universicom que, além de não ter excluídos pela miséria da fome dade pública, basta exigir que elas atendam ao imediato e da falta de moradia, São Paulo não tenha também os do mercado. excluídos do conhecimento. PESQUISA FAPESP

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O gigante que pula colll ullla perna só A vigésima sétima Conferência Geral eitor da Universidade de Santo iiiiiiiiiiiiiiiiii;:::====;;jjjjjjjjiiiiiiiiii ~ ~ da Unesco sobre educação superior, realiAmaro (Unisa), Sidney Storch ~ zada em novembro de 1993, em Paris, Outra é o representante ;o apresentou ao mundo uma definição soda Região 3, que compreende bre o que efetivamente é educação supeos Estados de São Paulo, rior. Trata-se, afirma, de "todo tipo de estudos, treinamento ou formação para Rio de Janeiro e Espírito Santo, pesquisa em nível pós-secundário, ofereno conselho deliberativo cido por universidades ou outros estabedo Conselho de Reitores lecimentos educacionais aprovados como das Universidades Brasileiras instituições de educação superior pelas (CRUB). Outra é formado autoridades competentes do Estado." Essa definição tem a ver efetivamente em Engenharia Eletrônica pela com o papel das universidades no processo Universidade Federal da Paraíba de desenvolvimento das nações e dos povos, (UFPB), tem especialização tema central deste fórum. A proposta que em Administração Financeira pela trago para este seminário é a de que as Escola de Administração Sidney Storch Outra universidades assumam, de fato, um papel de liderança no processo de desenvolde Empresas da Fundação Getúlio vimento, no que tange à ciência e tecnologia. Essa é uma Vargas e MBA na Sociedade conclusão óbvia, devido ao fato de que as universidades de Desenvolvimento Empresarial de São Paulo. dispõem de trunfos únicos para desempenhar este papel. Atualmente, faz doutorado em Educação Isso está inerente à sua própria missão, que consiste, pela Universidade Andrews, dos Estados primeiramente, em formar os dirigentes de amanhã. Essa formação é papel da universidade. Ao mesmo tempo em Unidos. Foi diretor-geral do Hospital que ela forma pessoas no nível superior, forma líderes. A São Vicente, de Curitiba, e diretor pesquisa dentro da universidade deve, acima de tudo, administrativo e financeiro da Amico procurar ampliar os horizontes e expandir as mentes. AsAssistência Médica de São Paulo. sim, os líderes poderão, de fato, pensar no benefício do A Universidade de Santo Amaro funciona seu próximo e da sociedade. A natureza fundamental da existência da universidaem dois campi na Zona Sul da cidade de é a de ser o motor do saber dentro da sociedade. Nos de São Paulo. Surgiu em 1968, como 35 anos que correram até 1995, o número de alunos matriOrganização Santamarense de Educação culados em cursos superiores em todo o mundo multiplie Cultura (Osec). Ganhou o novo nome cou-se por mais de seis. Hoje, existem provavelmente 90 ao adquirir o status de universidade, em 1994. milhões de pessoas matriculadas no ensino superior. A afirmação de que a educação é a alavanca do conhecimento Tem 10 mil alunos e 800 professores, não é ouvida só no Brasil. Ela ocorre em todo o mundo. em 27 cursos superiores. O CRUB reúne Esse aumento quantitativo não foi acompanhado por reitores de dezenas de universidades um crescimento qualitativo no sentido e contexto do debrasileiras. Participa da busca de soluções senvolvimento das nações. Ficou constatado que ocasiopara problemas como o financiamento nou um aumento ainda maior na disparidade entre os países. No contexto mundial, 75% de novos conhecimendos hospitais universitários e participa tos no mundo provêm de um número restrito de países, a de projetas como a Ação da Cidadania saber, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Japão, Francontra a Fome e a Universidade Solidária. ça e Canadá. Esses países representam apenas 13% da popu-

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lação do globo. Praticamente todos os 87% restantes compram e consomem conhecimento, tecnologia e ciência. 12

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PEN S ANDO SA O PAULO: U NIVER S IDAD ES E IN S TITUTO S

Isso pode ser corroborado por um dado publicado na ses países, quem paga a pesquisa básica é o governo, quem executa é a universidade. Na pesquisa aplicada, quem paedição de março de 1995 da revista Science. De acordo ga, fundamentalmente, é a indústria, com alguma particom esse dado, a América Latina produz apenas 0,9% das cipação do governo. A parcela governamental corresponpesquisas realizadas no mundo. Deve-se ressaltar que, destes 0,9%, 70% das pesquisas da América Latina são de em grande parte à compra de patentes e de tecnologia, realizadas no Brasil. Portanto, apesar do número global para que elas sejam trazidas para dentro do país. Quanto não ser favorável, o Brasil é líder dentro do contexto da ao desenvolvimento de novos produtos, quem paga e quem realiza é o setor privado. É a outra perna do Saci. América Latina. Trata-se de um fator importante. Este modelo, no qual a universidade faz a ciência funDe qualquer forma, pode-se fazer o diagnóstico de damental, a pesquisa básica, e a indústria aplica e desenque o Brasil é fundamentalmente um consumidor de covolve tecnologia, parece ser o que mais fomenta o desennhecimento. Vamos analisar um pouco mais profundavolvimento de forma rápida e mente essa questão. Para isso, vou segura. Não é função da universiusar dados de um trabalho produdade desenvolver produtos finais. zido pelo presidente da FAPESP, Isso exige conhecimentos de caracprofessor Carlos Henrique de Bri''Não faz parte terísticas do mercado e um envolto Cruz. Nele, é comparada a disdas funções vimento comercial não pertinentribuição institucional da atividade de pesquisa e desenvolvimento tes à universidade. A universidade da universidade faz a pesquisa básica e a indústria no Brasil com a de outros países. desenvolver faz a pesquisa aplicada. Os dados mostram que existe uma diferença significativa. Nos No modelo brasileiro, já existe produtos finais Estados Unidos, Japão, Alemanha, uma perna. Está faltando a outra, França, Inglaterra, Itália e Canadá, que é a aplicação e o investimento para o mercado'' a maior parte da atividade de pesdo setor privado. As universidades podem e devem tomar a iniciatiquisa e desenvolvimento é realizava, liderar e buscar esse processo. da na indústria. No Brasil, ocorre exatamente o inverso. A pesquisa é realizada fundamenDurante muitos anos, a universidade brasileira esteve um talmente na universidade. O trabalho também compara pouco dissociada de sua real função. Isso ocorreu como artigos científicos publicados e patentes registradas nos uma reação ao regime militar, no qual a universidade, com Estados Unidos. O Brasil aparece entre os países que proraras exceções, esteve mais voltada para a questão polítiduzem artigos científicos de maneira significativa, mas ca, para a implantação da democracia. No setor privado, não havia razão para investir em pesquisa e gerar novas tecnão está entre os que registram patentes. nologias. Havia um exagerado protecionismo e a reserva Vale uma comparação com a Coréia, país que há 20 de mercado, ~orno no caso da informática, por exemplo. anos estava numa situação muito semelhante à do Brasil. Hoje, a sociedade brasileira paga por esses 20 anos de Hoje, a Coréia aparece significativamente como grande publicadora de artigos científicos e registro de patentes, nossa história. Para solucionar o problema, o Brasil precisa ser ágil. Não pode demorar muito. A impressão é a de ou seja, possui as duas pernas que medem a questão da que as instituições não-públicas têm um pouco dessa agipesquisa e desenvolvimento de forma mais equilibrada. Todos devem concordar que no Brasil temos uma situalidade. Devido a essa velocidade, as instituições privadas podem exercer um papel importantíssimo de atrair contração diferente, estamos com uma perna só, publicamos tos de parceria com o setor público e rapidamente gerar muito e quase não registramos patentes. Usando uma figura da mitologia brasileira, poderíamos afirmar que expertise em determinados nichos de mercado. A partir ainda sofremos da síndrome do Saci. O Brasil está pulandaí, é possível ter o retorno desejado em termos de desenvolvimento que tanto se almeja, do qual o país tanto predo com uma perna só. Faz pesquisa nas universidades, cisa, e que certamente nos conduzirá a um Brasil mais mas não consegue transformar esta ciência e tecnologia em efetivo desenvolvimento para benefício de seu povo. justo. Afinal, esta é a proposta fundamental deste fórum. Na década de 80, o Brasil tinha uma situação até um Concluindo, reafirmo que acima de tudo a função primeira das universidades ainda é a de combater a escaspouco melhor que a da Coréia. Por volta de 1984 e 1985, posez de material humano. As grandes indústrias mundiais rém, houve uma grande mudança na situação coreana. Naquele período, houve um significativo aumento nos invesimplantarão suas atividades de pesquisa e desenvolvimento onde houver potenciais de recursos humanos. timentos das empresas em pesquisa e desenvolvimento, o Portanto, o aumento do investimento privado em ciência que gerou um grande acréscimo no registro de patentes. e tecnologia depende significativamente da nossa capaciÉ possível observar que o modelo coreano é quase dade de recrutar e desenvolver talentos. uma cópia do modelo seguido nos Estados Unidos. NesPESQUISA FAPESP

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Surgetn novas oportunidades para a educação continuada

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~ Quando se analisa o papel de uma insprofessor José Rubens § tituição social em relação aos vários segRebelatto, reitor il mentos sociais, é necessário estabelecer da Universidade Federal " com clareza quais são seus objetivos, suas de São Carlos (UFSCar), formou-se metas, sua missão. É preciso determinar em Educação Física em 1975 qual é seu contrato social ou, pelo menos, qual era na sua gênese, quando a instituie em Fisioterapia em 1978, ção foi concebida. O assunto é polêmico, nos dois casos pela Pontifícia mas neste debate vou assumir uma deterUniversidade Católica de Campinas. minada missão para a universidade públiComeçou a lecionar na UFSCar ca. Trata-se da tarefa de produzir conheciem 1980. Nessa universidade, mento e de torná-lo acessível a todas as pessoas que possam precisar dele. fez especialização em Análise Até pouco tempo atrás, era usual ouvir e Programação de Condições que os objetivos das universidades, pelo de Ensino, em 1983, o mestrado, menos as públicas, eram o ensino, a pesem Educação Especial, em 1986, quisa e a extensão. Mais recentemente, dee o doutorado, em Educação, José Rubens Rebelatto monstrou-se, inclusive em trabalhos acadêmicos, que essas são apenas atividades. em 1991. Suas áreas principais As razões de ser dessas atividades é que devem evidenciar de pesquisa são as de Prevenção a missão da instituição. Para que fazer pesquisa, para que em Fisioterapia e de Ensino em Fisioterapia. produzir o conhecimento, para que realizar a atividade Antes de chegar à reitoria, o professor do ensino de extensão, se não for para a produção do coRebelatto ocupou diversos cargos na UFSCar, nhecimento e tornar esse conhecimento acessível? A primeira parte é a produção do conhecimento. A inclusive os de chefe dos departamentos universidade pública está produzindo o conhecimento? de Ciências da Saúde e de Fisioterapia Quais são as atividades dessa instituição no seu dia-ae Terapia Ocupacional, vice-coordenador dia que caracterizam a consecução desta parte de seu dos órgãos suplementares, pró-reitor compromisso social? Aparentemente, sim. Mais de 96% de extensão e vice-reitor. do conhecimento científico e tecnológico brasileiros são produzidos nas universidades públicas. As atividades de A Universidade Federal de São Carlos pesquisa e de formação de futuros cientistas são feitas, tem atualmente cerca de 4.800 alunos majoritariamente, nas universidades públicas. na graduação e 1.400 na pós-graduação, Quais as atividades desenvolvidas cotidianamente peçom 25 cursos de graduação e 28 opções las instituições públicas para tornar esse conhecimento em pós-graduação. Além das instalações acessível? Uma das mais tradicionais e conhecidas dessas maneiras é a formação dos futuros profissionais, que vão em São Carlos, tem outro câmpus permanente interferir na sociedade para resolver seus problemas. Ouna cidade de Araras, onde funciona o curso tra, menos conhecida, é a pós-graduação. Ao formar prode Engenharia Agronômica. Dos seus fissionais cientistas para o país, torna acessível à sociedaprofessores, nada menos do que 96,31% de o conhecimento gerado pela universidade. Existe, porém, uma atividade ainda menos conhecida, têm mestrado ou doutorado. que é a de extensão. Ela está passando por uma evolução É a maior proporção entre as universidades muito grande. Ela entra na concepção da educação confederais brasileiras.

tinuada, educação permanente ou educação para a vida toda. Essa atividade tem características que a tornam diferente das outras. Nem melhor nem pior, mas diferente e com um potencial de atendimento de demanda superior

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PENSANDO SÃO PAULO: UN I VERSIDADES E I NSTITU T OS

bastante privilegiado. Esse privilégio vem, entre outros O terceiro exemplo é a incubadora de cooperativas fatores, de não ter os limites formais da graduação e da que a Universidade Federal de São Carlos está pondo em pós-graduação, podendo, por isso, atender demandas esprática em conjunto com a UniTrabalho. O problema a pecíficas da sociedade. ser enfrentado, no caso, é o desemprego e a exclusão social, resultados do momento político-econômico existente A extensão é pouco explorada, especialmente por ser atualmente em todo o mundo e também no Brasil. O um universo inacabado. Existe uma quantidade signifiprojeto partiu da convicção de que determinadas camacativa de formas de atividades de extensão que precisam das sociais poderiam usar o auxílio de várias áreas do coser mais bem estudadas, descobertas e implementadas. A Universidade Federal de São Carlos está desenvolvennhecimento, como engenharia de produção, engenharia civil, ciências sociais, psicologia, advocacia e outras, para do várias experiências nesse campo. Três formas vão ser citadas, por suas características especiais. São os núenfrentar essa situação. cleos de extensão, os escritórios A universidade fornece o coregionais e as incubadoras de conhecimento e uma infra-estrutura básica para que as pessoas foroperativas. mem uma cooperativa. A partir Os núcleos de extensão da Uni''Primeira daí, elas vão ao mercado e ofereversidade Federal de São Carlos cooperativa cem seus serviços. A primeira coestão voltados para determinados operativa formada na Universidasegmentos sociais. Eles surgiram formada na de Federal de São Carlos foi uma da necessidade de organizar ativiUFSCar hoje faz cooperativa de serviços de limpedades da universidade. Há núcleos za. Antes, eram pessoas excluídas voltados para empresas, sindicaa limpeza totalmente do mundo do trabatos, município, saúde e cidadania. lho. Hoje, fornecem serviços de Além de se mostrarem eficazes na da universidade'' limpeza inclusive para a própria organização das atividades interuniversidade, pois ganharam a linas, eles se mostraram potentes citação. A universidade consegue organismos de interlocução do serviços por um preço bem menor que o pago a outras diagnóstico das demandas dos segmentos sociais e de empresas e os cooperados ganham muito mais do que agilização de trabalhos. receberiam como empregados dessas empresas. Quanto ao segundo exemplo, a UFSCar tem hoje escritórios regionais em três cidades: Araçatuba, Assis e A educação continuada tem relação com o compromisso da universidade pública de, além de formar futuros Fernandópolis. Eles surgiram da freqüência com que preprofissionais, ser responsável pela educação do cidadão feitos ou associações comerciais de municípios distantes no decorrer de sua vida. Isso exige outra concepção do da sede procuravam a universidade, pedindo seu auxílio que deve ser o papel da universidade no que era chamapara a solução de problemas específicos. Isso levou à criado de extensão. A Universidade Federal de São Carlos esção de um programa, com o qual, a partir de uma infratudou o que vem sendo chamado de educação continuaestrutura fornecida pelos interessados e com a supervisão da ou educação permanente em vários países, Portugal, de um pesquisador e professor da universidade, eram traEspanha, Itália e Inglaterra. Descobriu que grande parte çados alguns objetivos, como diagnosticar mais corretado que é feito nesses países já se faz nas universidades púmente o problema levantado. blicas brasileiras. O programa envolve o uso de grupos de pesquisa e A diferença exigida para que esse passo seja dado é baalunos de graduação e pós-graduação da universidade sicamente uma postura a favor dessas atividades, com para o treinamento de pessoas do próprio município, maior agilidade administrativa e disposição para a captacapazes de resolver os problemas quando a universidação de recursos. A diferença está principalmente nessas de se retira. Nem sempre o programa corre bem. Esse três posições, embora nem mesmo elas devam ser encatipo de atividade levanta um grande número de probleradas como fundamentais. mas. Um deles é a descontinuidade político-partidária A missão de produzir o conhecimento e torná-lo acesna direção dos municípios. Muitas vezes, o escritório está funcionando muito bem, mas é fechado quando se sível e a realização das atividades de pesquisa, ensino e principalmente de extensão são exemplos do compromisso e muda o prefeito. Houve cidades em que o mesmo escrida contribuição das universidades públicas para o desentório foi inaugurado quatro vezes. Quando isso acontevolvimento da ciência e tecnologia. Isso, se concatenado ceu, foi estabelecida a exigência de que um escritório regional só é montado depois que uma legislação a rescom uma política governamental, da Secretaria de C&T, poderia fazer do Estado de São Paulo um exemplo único peito é estudada e aprovada pela Câmara Municipal. de desenvolvimento regional e evolução social no país. Isso deu maior estabilidade ao programa. PESQUISA FAPESP

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Sucesso leva à atnpliação da incubadora de etnpresas

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O Instituto de Pesquisas Energéticas e professor Claudio Rodrigues, Nucleares (Ipen) foi fundado em 19S6. superintendente do Instituto Pouco mais de um ano depois de sua funde Pesquisas Energéticas dação, começou a operar, no câmpus da e Nucleares (lpen), é um dos mais Universidade de São Paulo (USP), o priexperientes cientistas brasileiros meiro reator nuclear de pesquisa do Hemisfério Sul. É uma instituição científica no campo da física nuclear. Desde e tecnológica cujo compromisso é melho1965, quando foi contratado como rar a qualidade de vida do povo brasileiro. pesquisador auxiliar do Instituto Para isso, produz conhecimento científico, de Energia Atômica, antigo nome desenvolve tecnologias, gera produtos e do lpen, ele trabalha nessa área. serviços e forma recursos humanos. Tem cursos de pós-graduação que outorgaFormado em física pela ram, no ano passado, 29 títulos de doutor Universidade de São Paulo (USP), e 43 de mestre. Sua área, de SOO mil meRodrigues obteve o doutorado tros quadrados, ocupa cerca de um quarem 1970, na Universidade Estadual to do câmpus da Cidade Universitária de de Campinas (Unicamp), com Claudio Rodrigues São Paulo. A principal atividade atual do Ipen uma tese sobre os movimentos está na área da saúde. Produz medicamentos e outros dos átomos do metanol estudados através materiais radioativos para diagnóstico e terapia de diverdo espalhamento de nêutrons. sas doenças. A distribuição desses medicamentos atinge De 1971 a 1973, com uma bolsa todo o território brasileiro. Mais de SOO hospitais e clínide pós-doutorado da FAPESP, esteve cas recebem, em média quatro vezes por semana, materiais radioativos produzidos pelo Ipen. Os produtos do no Instituto de Tecnologia da Califórnia, Instituto foram responsáveis, em 1999, pelo atendimento nos Estados Unidos, participando de mais de um milhão e meio de pacientes. de pesquisas sobre a presença do dióxido A distribuiÇão do material radioativo é just in time. O de carbono de origem industrial na atmosfera. material radioativo produzido é transportado aos hospiO atual mandato é o segundo de Rodrigues tais imediatamente; se não chegar rapidamente ao cliente, perde a atividade. Há materiais radioativos com meiacomo superintendente do lpen. Ele ocupou vida de duas horas, ou seja, depois de duas horas, o o mesmo cargo de 1985 a 1990, período medicamento já perdeu metade da atividade. É por isso no qual entrou em funcionamento o primeiro que o Ipen funciona sem interrupções, em três turnos. reatar nuclear construído no Brasil, Há alguns anos, o Ipen desenvolveu um novo mecao IPEN/MB-01. Os produtos preparados nismo de gestão. Adotou uma política e um planejamento de gestão que focam principalmente as atividades do no lpen são usados hoje na medicina, Instituto dirigidas para a demanda da sociedade e para o na indústria e na agricultura de todo o Brasil cliente. Em função disso, entrou fortemente num projeto e de vários países da América Latina. de excelência tecnológica patrocinado pelo Conselho NaAs atividades de pesquisa desenvolvidas cional de Pesquisas e pelo Ministério da Ciência e Tecnono instituto, no entanto, não se limitam logia. Todos os produtos médicos que saem do Ipen têm o certificado ISO 9002. ao campo estritamente nuclear. O Instituto, porém, não está ausente do novo paradigAli se investigam, também, áreas como ma da participação das instituições de pesquisa de São a obtenção de hormônios humanos Paulo. Faz parte de uma importante parceria constituída por engenharia genética e o crescimento pelo Ipen, o IPT e a USP, com a forte participação do Sebrae, que instalou no câmpus da USP em São Paulo uma de monocristais para uso em lasers. 16

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P ENSANDO SA O PA U LO : U N I V ER S IDADE S E I NS TIT UT O S

incubadora de negócios de base tecnológica. Trata-se do USP, aproveitando espaços ainda disponíveis. Ele conCentro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec). tribuiria para a política de atração de investimentos de A missão do Centro é ajudar o nascimento de novos qualidade da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, contribuiria para a alteração da negócios, idéias e empreendimentos de base tecnológica. Fornece uma infra-estrutura básica com condições de vocação econômica da Região Metropolitana de São aumentar o índice de sobrevivência e competitividade Paulo e intensificaria a interação do Ipen, IPT e USP das novas empresas. Seu objetivo é auxiliar o crescimencom as empresas. O parque serviria, ainda, como motivação para a parto da economia brasileira, aumentar a geração de empreticipação dos cerca de 4 mil pesquisadores que trabalham gos e melhorar a capacidade de exportação. A incubadohoje na área e seria um estímulo para a ampliação dos ra foi inaugurada no segundo semestre de 1998. empreendimentos bem-sucedidos a partir da incubadora Há vários exemplos de empresas já incubadas no do câmpus. Esse parque tecnolóCietec. Na área da biomedicina, há gico já está em gestação. Um gruempresas que desenvolvem tecnopo executivo formado pelos parlogias para a produção de válvulas ceiros e constituído pela Secretaria para catéteres, grampeadores ciconhecimento da Ciência, Tecnologia e Desenrúrgicos e endoscópios. Na biotece a tecnologia volvimento Econômico está dannologia, a fabricação de hormônio do os primeiros passos para transde crescimento humano, sintetizaobtidos nas formá-lo em realidade. do por bactérias geneticamente universidades Há várias sugestões, proposimõdificadas, é exemplo de uma ções e ações para que a produção pesquisa que começou no Ipen e devem chega r científica e tecnológica seja efetique está sendo transformada num vamente utilizada no desenvolvinegócio de importância significasociedade'' mento social e econômico de São tiva para a sociedade, principalmente se considerarmos o alto ínPaulo. É importante, de qualquer maneira, captar o interesse do setor, dice de nanismo encontrado na por sua participação na definição de políticas e dos propopulação brasileira. gramas de incentivo à cooperação entre instituições de pesNo início, havia o prognóstico de que seriam necessáquisa e empresas. É preciso tentar flexibilizar os mecanisrios entre três e quatro anos para que empresas de base mos legais que impedem ou dificultam essa cooperação. tecnológica ocupassem o espaço alocado, capaz de abriSão necessários novos programas governamentais de gar 15 empresas. O prognóstico estava errado. Em pouco apoio à inovação tecnológica que estejam voltados para a mais de um ano, os 15 módulos já estavam ocupados. realidade, que sejam capazes de apoiar a inovação nas Hoje, mais de 80 empresas e negócios esperam a oportuempresas de ·acordo com sua capacidade. As instituições nidade de serem incubadas no parque. de pesquisa precisam contar com o apoio de programas e Já existe uma proposta da parceria Ipen-IPT-USP, enorganismos governamentais capazes de auxiliá-las no decaminhada à Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desensenvolvimento dessas atividades, principalmente na sua volvimento Econômico, para a adequação de um número maior de galpões. Assim, o Centro receberia um número interação com as empresas e na preparação de novos negócios dentro ou perto dos câmpus universitários. bem maior de empresas. Num primeiro momento, seriam Não é possível, ainda, esquecer o problema do capital criados mais 15 módulos. Mas é possível que o total de 70 de risco. As empresas residentes ou incubadas num Cenempresas incubadas possa ser atingido antes do fim do tro de Criação de Empresas Tecnológicas ou num parque ano. É provável que seja aberto no câmpus do IPT um espaço para empresas que tenham sinergia com esse Instituto. tecnológico precisam de capital de risco. Mas a solução desse probléma ainda está distante dos modelos proposÉ um novo modelo. Pela primeira vez, uma incubadora instos para a interação da ciência e da tecnologia. talada na área da USP teve sucesso e o sucesso foi forte. As novas empresas não estão acostumadas a buscar O objetivo desse trabalho é criar condições para que a capital de risco e não sabem onde procurá-lo. As grandes iniciativa privada participe um pouco mais da ciência no empresas, por sua vez, ou não estão interessadas numa Brasil. O conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico obtidos nas universidades devem chegar reassociação ou, muitas vezes, não sabem falar a linguagem existente no mundo científico. Nosso mundo científico almente à sociedade, ao mercado. A proposta é fazer isso não está acostumado ou não está interessado em ouvir o em parcerias com empresas privadas, pequenas, médias e discurso das empresas. É preciso fazer com que esses pamesmo grandes. radigmas sejam destruídos. Só assim, realmente, o saber Esse seria o objetivo de um parque tecnológico que poderia ser instalado inicialmente dentro da área da alcançará o fazer.

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Área da saúde precisa de tratatnento diferenciado professor José da Rocha Carvalheira é o responsável pela Coordenação dos Institutos de Pesquisa, um órgão da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. É também o presidente da comissão brasileira que estuda as vacinas contra a Aids. O estudo das doenças transmissíveis, como o mal de Chagas, faz parte de sua carreira. Carvalheira era professor titular do Departamento de Medicina Social da Facuidade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade José da de São Paulo, de onde se aposentou, em 1994, para dirigir o Instituto de Saúde, outro órgão estadual. Da direção do Instituto, passou para a coordenação dos institutos. Embora a coordenação seja relativamente recente, pois foi criada em 1969, ela é responsável por alguns nomes muito tradicionais da ciência brasileira, como o Instituto Butantan, o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Emílio Ribas, o Instituto Pasteur, a Hemorrede e outros organismos do governo estadual de São Paulo. Uma de suas funções é justamente a de servir como órgão de gestão, política, técnica e orçamentária, desses organismos, dos centros de vigilância e dos programas de ação coletiva ligados à saúde no estado.

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O esforço de coordenação de ciência e

~ tecnologia na Secretaria da Saúde come-

a çou há pelo menos 30 anos, com a refor" ma administrativa de 1969, quando foi criada a coordenadoria dos Institutos de Pesquisa. Os institutos tradicionais de pesquisa da área, porém, trabalham desde o início do século. Portanto, por serem anteriores até à constituição da própria Universidade de São Paulo, têm um papel extremamente relevante na história da pesquisa básica, da pesquisa aplicada e dos processos de produção associados. O Instituto Butantan fará 100 anos em 2001. O Instituto Adolfo Lutz é anterior ao Butantan. O Hospital Emílio Ribas e o Instituto Pasteur também são do começo Rocha Carvalheira do século. Essas instituições deram o tom da introdução da pesquisa experimental no Brasil. É preciso refletir sobre o que representava o paradigma adotado nessa época e que norteou a composição dessas instituições. A questão era sempre determinada socialmente. Havia problemas com os quais a sociedade se defrontava e para os quais era necessário encontrar algum tipo de solução. Na área da saúde, o paradigma era dado pelo Instituto Pasteur de Paris. Era um aprofundamento da pesquisa básica, dentro aa percepção de que a pesquisa básica deveria ser informada pela realidade concreta, por meio de trabalhos de campo. Mais que isso, havia uma associação íntima com a pesquisa clínica e com a produção de soros e, posteriormente, de vacinas. Era assim que as instituições enfrentavam os problemas colocados pela sociedade. A coordenação incorporou essas estruturas com toda a sua perspectiva e todo o seu trabalho acumulado. A estrutura mais nova a ser criada foi o Instituto de Saúde, voltado fundamentalmente para uma característica da área de saúde menos existente em outras áreas, que é o aparecimento de uma tecnologia que não é material, mas tem maior importância. O papel de uma secretaria da saúde é dar conta da situação de saúde da população, promover e preservar a saúde, prevenir no que for possível a ocorrência de doenças, atender as pessoas que caíram doentes e, no final, tentar recuperar as seqüelas dos que adoeceram e completaram o ciclo da doença. Uma secretaria desse tipo não pode, assim, valer-se única e exclusivamente de tecnologias materiais, como PESQUISA FAPESP


PENSANDO SAO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

medicamentos, equipamentos, vacinas e outros produtos dor Mário Covas. A comissão fez várias sugestões ao Exedessa natureza. Na área da saúde, é da maior importância cutivo, ao Legislativo e a outras áreas de âmbito federal. a tecnologia não material, de organização de serviços e das Uma dessas recomendações propunha a criação, no âmmodalidades de gestão e atendimento, para que o poder bito federal, de um organismo parecido com o Conselho público possa cumprir seus papéis. Este é o grande prode Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (Concite). blema com o qual se defronta, atualmente, a coordenação. Esse conselho teria caráter deliberativo e, portanto, podeApesar de seu nome indicar uma coordenação de insres muito maiores, com comissões voltadas para diversos titutos de pesquisa, ela assumiu uma dimensão mais amsetores e que acompanhariam o estado da arte em cada pla. Passou a incorporar uma parcela do que se convenárea, mantendo o conselho informado sobre o assunto. cionou chamar de saúde coletiva, envolvendo aí todos os Recomendava-se, ainda, a criação de um Instituto de sistemas de vigilância epidemiológica e sanitária e mesAltos Estudos associado ao Congresso Nacional para cuimo estruturas ambulatoriais e dar dessas questões. O Congresso hospitalares destinadas ao combados Estados Unidos tem um orgate a doenças transmissíveis, como nismo semelhante. Uma Assemé o caso do Instituto Emílio Ribas bléia Legislativa do porte da de ''os principais e do Centro de Referência de Aids. São Paulo também poderia penbeneficiários não sar em ter um instrumento como Trata-se de um problema de extrema complexidade e inclui a esse, de modo a acompanhar os consegu1nam análise do processo social mais processos que tramitam pelo Lecomprar a importante vivido atualmente pegislativo estadual. Existem permanentemente lo Brasil, o processo de municipavacina contra lização da saúde. Um processo em tramitação questões de extredessa envergadura não pode deima complexidade e que, portana Aids'' to, devem merecer uma reflexão xar de ser analisado por um pensamento crítico, de passar por uma de grande profundidade. Na área análise científica detalhada. Essa é da saúde, há situações de extreuma das tarefas a que estão associadas as instituições de ma sensibilidade, nas quais o problema da propriedade pesquisa da Secretaria da Saúde de São Paulo. intelectual e transferência de tecnologia precisa ser traNos últimos dez anos, apareceu uma característica de tado com uma ótica diferente da mera análise do ponto de vista do mercado e da consideração de produtos ou extrema relevância na área da saúde. Foi a criação de um mecanismo de controle social representado por conseprocessos como meras mercadorias. Um exemplo, no qual estou diretamente inserido atualmente, é a tentatilhos municipais, estaduais e, no nível federal, pelo Conselho Nacional de Saúde. Além dos conselhos, que são o va, da qual participa toda a humanidade, de se conseinstrumento paritário de controle social, existem, de maguir uma vaéina contra a Aids. neira também paritária, as conferências municipais e esExatamente sobre esse ponto, no qual os principais taduais e a Conferência Nacional de Saúde. As conferênbeneficiários seriam seguramente países incapazes de adcias, realizadas periodicamente, são os instrumentos que quirir a vacina em quantidades suficientes, coloca-se em indicam os rumos desejados pela população brasileira nível internacional uma discussão de extrema profundidade sobre mecanismos alternativos para trabalhar a para seu sistema de saúde. Foi realizada em 1993, em Brasília, uma primeira conquestão da propriedade intelectual. ferência nacional de ciência e tecnologia em saúde. Entre A Fundação Rockefeller, por exemplo, propôs que as teses mais importantes levadas por São Paulo a essa uma terceira parte, a Organização Mundial de Saúde ou conferência estava a de que, na convergência do sistema a própria Fundação, sirva como intermediário sobre esde ciência e tecnologia com o sistema de saúde, a oriensas questões, permitindo que fossem abrandadas as exitação deve ser dada pelo SUS, com base nas necessidades gências de propriedade intelectual para a transferência da de saúde da população. Propôs-se, na época, a criação de tecnologia de produção de alguns produtos mais avançauma Secretaria Nacional de Ciência e Tecnologia em Saúde, dos do ponto de vista tecnológico. O objetivo seria tornáque nunca foi constituída, e de coordenações estaduais, los acessíveis aos necessitados sem obedecer, obrigatoriasemelhantes à existente em São Paulo. mente, às leis do mercado. Antes disso, em 1991, o Congresso Nacional organiO preço da vacina contra a hepatite levou quase 20 zou uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para anos para cair de US$ 50 por dose para alguns centavos por dose e poder, assim, ser distribuída nos países pobres, examinar as causas e dimensões do atraso tecnológico brasileiro. A rela tora era a deputada Irma Passoni e o predo Terceiro Mundo. Na área da saúde, assim, esta é uma sidente da comissão era o então senador e hoje governaquestão de extrema importância. PESQUISA FAPESP

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En1 busca de recursos para novas necessidades ;;;;;;;=:==========::;;.;;;;;.; ~ O Instituto de Pesquisas Tecnológicas armado em Engenharia § já completou 100 anos. Sua existência tem Elétrica e Mecânica & sido um exemplo de pioneirismo. É o retrapela Escola Politécnica " to da saga paulista da busca da construção da Universidade de São Paulo de um país industrialmente competitivo e (USP), Plínio Assmann acumulou de um povo que quer a modernidade. O IPT foi o berço do concreto armado no uma enorme experiência Brasil. Foi também a origem da indústria antes de assumir o cargo aeronáutica brasileira, muito antes da Emde diretor-superintendente braer, com seus protótipos de aviões com do Instituto de Pesquisas estrutura de madeira brasileira, muitos, Tecnológicas (IPT), em junho muitos mesmo, ainda hoje servindo aos aeroclubes do país. . de 1998. Entre os cargos Foi também a origem da engenharia de que ocupou estão o de secretário construção naval, experimentada no seu dos Transportes do Estado banco de provas para navios, o primeiro de São Paulo, o de presidente do Brasil. Esteve no começo do estudo da da Companhia Siderúrgica Paulista Plínio Assmann mecânica de solos para áreas de risco em obras de infra-estrutura e áreas urbaniza(Cosipa), o de presidente do Metrô das. Isso também ocorreu com a tecnologia do álcool-mode São Paulo e o de presidente tor. O IPT foi a principal base tecnológica de todo um prodo conselho de administração do Metrô cesso de desenvolvimento econômico brasileiro durante do Rio de Janeiro. o meio século da política de substituição das importações. Assmann foi ainda fundador e primeiro Durante esse tempo, o IPT forjou um conceito de pesquisa industrial básica adequada aos movimentos de depresidente da Associação Nacional senvolvimento do país, adequou extensões tecnológicas dos Transportes Públicos, fundador às necessidades do mercado e formou uma numerosa e presidente da Associação de Administração equipe de pesquisadores competentes na gestão de polítiParticipativa (Anpar) e da Agência cas públicas, ética e profissionalmente preparados. Em de Desenvolvimento de Cubatão (ADC) fase importante de sua vida o IPT teve continuidade administrativa invejável. Inquestionavelmente, o IPT é um e presidente do Instituto Brasileiro elemento significativo da política industrial. de Siderurgia e do Instituto de Engenharia No caso brasileiro atual, o IPT é parte da política inde São Paulo. Também ocupou a presidência dustrial real e não formal. Atrás de cada laboratório do dos conselhos de administração da Ferrovia IPT há procedimentos básicos para setores industriais Paulista (Fepasa), da Dersa, da Caraíba que podem progredir ou não, direcionar-se nessa ou naquela direção, na medida dos estímulos tecnológicos doMetais e da Companhia Brasileira do Cobre. minados no IPT. Com cerca de 1.000 funcionários, Uma recente pesquisa divulgada pela Sobeete, a assodos quais 800 são pesquisadores e técnicos, ciação de empresas e profissionais dedicada aos estudos o IPT tem 72 laboratórios, com condições dos impactos da globalização no país, mostrou que emde realizar mais de 3 mil tipos de ensaios, presas multinacionais, que representam 15% do PIB industrial, investem 3% do seu faturamento em inovação e testes e análises. O Instituto já está entrando capacitação para adaptar os produtos e processos já deem seu segundo século. Foi fundado senvolvidos pelas suas matrizes e, em 40% dos casos anaem 1899, como Gabinete de Resistência lisados, para desenvolver novos produtos. de Materiais da Escola Politécnica. Se, por um lado, isso mostra que a abertura da econo-

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mia não resultará no extermínio dos esforços de inovação 20

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PENSANDO SÃO PAU LO: UN I VERS I DADES E I NST I TUTOS

tecnológica no Brasil, indica, por outro, o quanto a inprática, de objetivos e de caráter nitidamente pró-ativo, dústria nacional precisa investir para se manter competielegeu dois programas-mestres: o primeiro, de apoio tecnotiva e o quanto é preciso fazer para dominar tecnologias lógico a micro e pequenas empresas, por meio de laboratórios itinerantes que vão às fábricas prover conhecimenem nosso ambiente, particularmente aquelas tecnologias adequadas às vantagens competitivas brasileiras, que soto e o domínio tecnológico do qual essas empresas estão mente serão estudadas por nós mesmos. Vale dizer, por hoje órfãs. É o chamado Projeto Prumo. O segundo, de nossos institutos de tecnologia. apoio de extensão tecnológica à exportação, é o Projex. Há que mencionar um dilema que não é apenas do As instituições de fomento à pesquisa estão cada vez mais abrindo programas de cooperação com empresas. IPT, mas de todos os institutos que trabalham abaixo de Esse caminho está certo e tudo que se fizer nessa parte seu ponto de equilíbrio. De um modo geral, as agências ainda será pouco. A ciência tem sido mais fomentada do de fomento não remuneram a aplicação de mão-de-obra que a tecnologia com recursos púprópria da instituição nos projetas propostos. Cobrem apenas blicos. O que distingue o esforço materiais, equipamentos e mãocientífico do esforço de desenvolde-obra contratados com terceivimento tecnológico é a política ''os últimos industrial. Atrás do desenvolviros. No caso do IPT, temos difiinvestimentos mento científico vem o conheciculdade de usar esses fundos de mento, atrás do conhecimento agências na proporção adequada significativos tecnológico vem o emprego. para o programa de metrologia. feitos pelo O IPT tem grande potencialiSe forem usados os próprios pesdade de crescimento e pode fazêquisadores do IPT no trabalho, ele IPT ocorreram lo rapidamente. Sua vocação é será obrigado a pleitear maior multidisciplinar. Os seus 70 labosubsídio do Tesouro do Estado pana década de 70'' ratórios abrangem praticamente ra compensar a receita cessante, todos os campos da tecnologia para o que não há lógica. Outra questão relevante é a práindustrial e podem trabalhar em conjunto, o que praticamente coloca o IPT numa situatica do fomento de não financiar a pessoa jurídica. As agências organizaram-se para financiar o pesquisador. Isso poção ímpar no contexto. Mas o IPT precisa modernizar-se. de ser adequado para a pesquisa científica, mas nem sempre Os últimos investimentos significativos que fez ocorreram na década de 70. é para a pesquisa tecnológica. Esse assunto precisa ser reDe lá para cá, o país abandonou a sua política indussolvido até para o benefício das próprias agências de fotrial autárquica, a economia modernizou-se e o mundo mento, que estão sujeitas a críticas, ao privatizarem recursos públicos à margem das práticas da legislação em vigor. se globalizou. Particularmente, hoje é importante a ação na tecnologia metrológica, fundamental para a competiO IPT vai crescer para atender às demandas da moção industrial, tanto no mercado interno como externo. derna tecnologia. Neste ano, pretende aumentar em 50% o seu ritmo de investimentos e crescer 15%. Mas a situaDificilmente duplicaremos as exportações brasileiras sem ção financeira do Instituto não é boa. Ele acumula díviuma base metrológica moderna. Igualmente o comércio eletrônico, business to business, somente será possível com das no mercado, vencidas e não pagas. Necessita rapidametrologia garantida nos produtos comercializados. mente de um aporte extraordinário para poder continuar A atualização dos laboratórios de metrologia do IPT é atuar normalmente. É certo que o desenvolvimento do orçada em aproximadamente US$ 12 milhões. A metroIPT não deverá estrategicamente basear-se em recursos logia é essencial para embasar a exportação e conter a imextras. Eles são, no entanto, agora necessários na situação portação de produtos de baixa qualidade. É ainda funde curto prazo, mas, superado esse problema, o IPT tradamental para agilizar a elaboração de normas, feitas balhará no seu ponto de equilíbrio, o que não consegue profissionalmente e não de forma amadora, como ocorre fazer hoje. A partir daí, poderá crescer em condição sauno Brasil, assim como para construir barreiras técnicas e dável e permanente. regulamentos que respondam às necessidades de controles Na base desse crescimento, é imprescindível a presenquanto aos aspectos de saúde, segurança e meio ambiença permanente de recursos do Tesouro, como hoje, numa te. O Brasil não pode escancarar as porteiras à importaproporção de 50% do orçamento total. Para cada real que ção sem se proteger, como fazem os países adiantados, o IPT crescer com recursos auferidos de sua atuação no contra produtos que não lhe interessam. mercado, o Estado deverá crescer numa participação Além de propugnar pela agilização da normalização igual. Esta é uma proposta aceitável para a sociedade, e com base em modernização metrológica, o IPT, incorposua execução dará a ela um IPT tão atuante como no seu primeiro século de vida. rando uma opção consciente por uma política industrial PESQUISA FAPESP

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Novas responsabilidades . se sotnatn a' pesquisa iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii;;;;;:::::;;;;;;:==::; z Os institutos de pesquisas ligados à engenheiro agrônomo ~ agricultura em seu sentido amplo foram Eduardo Antonio Bulisani, fundados no Estado de São Paulo para re6 diretor-geral do Instituto " solver problemas da comunidade por meio Agronômico de Campinas (IAC), de experimentação e pesquisa, essencialformou-se pela Escola Superior mente, e também para se conseguir apropriação de conhecimento e prestar serviços de Agricultura Luiz de Queiroz tecnológicos. A impressão é a de que os ca(Esalq) da Universidade sos paulistas foram extremamente bem-sude São Paulo. Em 1979, obteve cedidos. Em poucos lugares do mundo foi o mestrado, pela Universidade possível alcançar tanto sucesso com relação do Estado de Washington, aos recursos investidos. Os cálculos de taxa de retorno desses investimentos são todos nos Estados Unidos, e em 1994 altamente expressivos e ainda mais quano doutorado, pela Esalq. do se consideram produtos individuais, coDesde 1969, Bulisani é pesquisador mo café, cana-de-açúcar, algodão e citros. do Instituto Agronômico, É sempre bom lembrar casos que reletrabalhando especialmente no setor Eduardo Antonio Bulisani vam a importância da pesquisa agrícola. Um dos mais citados é o do algodão. de Leguminosas. De 1981 a 1992, Quando, em 1929, houve uma crise de excesso de produfoi chefe da seção técnica e, ção de café, o algodão já existia como uma alternativa tecde 1992 a 1998, diretor de divisão. nológica pronta para ser adotada. Isso contribuiu para Tem cerca de 30 artigos científicos que o Estado de São Paulo e o país sofressem menores publicados, especialmente sobre feijão, soja perdas do que ocorreria normalmente. Há exemplos mais recentes. A importância da existêne adubação verde. Ganhou duas vezes cia de uma tecnologia brasileira foi realçada por um fato, o prêmio de Honra ao Mérito do governo também ligado ao algodão, que ocorreu na safra de 1998 de Estado de São Paulo, pelo desenvolvimento e 1999 no Esrado de Goiás. Os produtores, trabalhando de novos cultivares de soja e feijão. com material importado, tiveram um prejuízo de aproxiO Instituto Agronômico já completou madamente R$ 55 milhões, devido ao intenso ataque de uma doença pouco importante para os cultivares de algoseu primeiro século. Foi fundado em 1887 dão desenvolvidos no Brasil. Ou seja, devido ao açodapelo imperador dom Pedro 11, com o nome mento da iniciativa privada em importar materiais novos de Estação Agronômica de Campinas, e plantá-los em larga escala, sem verificar se estavam pere passou para o governo do Estado feitamente adaptados ao meio, o potencial dos prejuízos de São Paulo em 1892. Nos últimos 50 anos, causados por um agente, responsável por uma moléstia, elevou-se a tal ponto que nem os cultivares aqui desenvollançou mais de 300 novos cultivares vidos, tidos como tolerantes, suportaram o ataque. Centede diversas plantas. Atualmente, nas de outros exemplos mostram como os institutos da seus pesquisadores trabalham em cerca área agrícola trabalhavam e trabalham com questões de de 140 projetas, usando 6 mil hectares alta relevância para a socioeconomia do país. distribuídos por 20 estações experimentais Os institutos paulistas ligados à agricultura, com o passar do tempo, passaram por um processo de especiaespalhadas pelo estado.

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lização. Os diversos institutos criaram escolas e, principalmente, uma competência para resolver problemas, especialmente quando atuam de maneira multidisciplinar e articulada. Sua capacidade instalada sempre pronta a se organizar e reorganizar permitiu que em pouco tempo 22

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PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

fossem resolvidas dificuldades como a ocorrida em Goiás, chamar de "agro-silvo-pastoril e pesca" é o de que eles asa do nematóide de cisto da soja, a da nova mosca branca sumiram, de maneira clara e precípua, a tarefa da difusão e transferência de conhecimento. Os institutos não poe dezenas de outras. dem prescindir dessa atividade. Mas essa responsabilidaNessa trajetória, os institutos se especializam cada vez de ajudou a quebrar um tripé que existia há algum temmais. Vão sendo formados especialistas focados no conhecimento dos produtos e relativamente poucos voltapo, no qual os componentes do ensino, da pesquisa e da dos para os sistemas produtivos como um todo. Mas, de extensão rural apareciam separados. Agora, os institutos são cobrados permanentemente pela difusão e transferênqualquer maneira, eles têm uma participação importancia de tecnologia, de uma maneira até um tanto contundente na definição de uma tecnologia agrícola tropical. Trate, pois há uma certa confusão entre difundir e transferir ta-se de uma tecnologia que não pode ser importada. Ela precisa ser brasileira. E hoje, sem dúvida, o Brasil é detencom treinar. Treinar um determinado número de produtor do maior e mais abrangente cotores ou industriais é até relativanhecimento desse setor no mundo. mente fácil. Coloca-se o pessoal num auditório e passam-se as exMas estão ocorrendo aconteciplicações. Porém, treinar todos os mentos importantes. ExaminanEstado produtores do estado, ou mesmo do-se o quadro de pessoal, de fins não tem ainda de 1992 até hoje, verifica-se que o segmentos de cadeias produtivas em IAC conseguiu manter, aproxisua totalidade, é muito mais commecanismos madamente, o mesmo número de plicado, especialmente com as eseficazes para pesquisadores. Entretanto, vem truturas e pessoal hoje existentes. Houve, assim, uma mudança ocorrendo uma perda sensível de a proteção pessoal de apoio. Nessa área, a de trajetória com relação à pesquiredução atingiu praticamente a sa agropecuária, à produção de do conhecimento'' metade do quadro de pessoal do bens e à prestação de serviços feiInstituto. Trata-se de uma grantas pelos institutos da área agrícola. Existem hoje, como diretrizes de dificuldade, que deve ser mais básicas em função da realidade socioeconômica do país, bem avaliada. Quando se examina a produção científica e tecnológida globalização e da modernização dos produtos e proca dos institutos, somada à sua prestação de serviços, cessos, quatro pontos que devem ser incorporados na concepção de sua atuação como básicos à sua inserção nota-se uma diferença em relação a um passado não distante. O que aconteceu, e está acontecendo cada vez com nas políticas públicas e na comunidade. Esses pontos são a geração de renda, a geração de trabalho, a inclusão somaior intensidade, não é um desvio de função ou missão. cial e a qualidade certificada dos produtos. Os institutos, Mas eles estão assumindo cada vez mais o papel de difuhoje, têm dificuldade para articular sua programação sores de tecnologias e principalmente, em conjunto com as universidades, um papel de apoio ou de complemencientífica dentro dessas diretrizes básicas. Os próximos taridade nos cursos de pós-graduação. Esse é um fato obpassos para que eles consigam continuar a trabalhar bem, servado praticamente em todos os países onde se desenprestar serviços à comunidade e avançar no conhecimenvolvem pesquisa e ensino públicos. to devem estar ligados à criação de mecanismos de aproO processo, incipiente até 1970, foi evoluindo em funpriação do conhecimento gerado. Existe porém, nesse campo, a questão do tratamento ção da capacidade instalada e da competência do pessoal desse conhecimento e da maneira como os institutos poformado em pós-graduação nos institutos. Hoje, é fato dem apropriar-se desse conhecimento em seu benefício corriqueiro, na análise de currículos de pesquisadores, próprio, auferindo recursos dele. Hoje, esse conhecimenencontrarmos também a qualificação de docente. Isso pode explicar em parte por que não ocorre uma to é público e o que é público não protege o seu conheciqueda na produção científica dos institutos. Muito pelo mento. O Estado não tem ainda mecanismos eficazes para sua proteção, ou mesmo para cobrar royalties ou contrário, observa-se em determinadas áreas até um acréscimo acentuado. Isso ocorre porque a participação dos usar processos de outra natureza para que esses recursos bolsistas está aumentando. O Instituto Agronômico abriga, voltem para as instituições geradoras. Além disso, será necessário criar novos mecanismos hoje, um grande número de bolsistas, estagiários de universidades e empresas ou recém-formados. Com 212 pesda gestão da pesquisa propriamente dita, principalmente quisadores científicos, atende até 300 bolsistas por ano, da gestão das instituições, do ponto de vista financeiro, não propriamente trabalhando, mas estudando no IAC. administrativo e patrimonial, a partir do imenso patriOutro fator que levou a mudanças de imagem e ativimônio e da capacidade instalada para se executar ciência dade dos institutos de pesquisa na área que podemos e tecnologia no estado.

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Medidas para tnotivar e tnanter os funcionários

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~ A conjuntura mundial vive, hoje, um presidente da Associação ~ processo de implosão dos Estados naciodos Pesquisadores Científicos 6 nais. Tudo o que ocorre hoje em termos do Estado de São Paulo, i' de debilitamento de empresas públicas, Nélson Raimundo Braga, de institutos de pesquisa e de universidaé engenheiro agrônomo formado des vem de uma compressão orçamentária com relação aos gastos sociais, resulpela Universidade Federal Rural tante desse processo. O prioritário para o do Rio de Janeiro (UFRJ) Estado, hoje, é pagar dívidas. Como se e trabalha como pesquisador fosse uma homenagem aos 500 anos do do Instituto Agronômico descobrimento, a dívida pública brasileide Campinas (IAC). Obteve ra, interna ou externa, atingiu cerca de US$ 500 bilhões. Esse é o fato maior da o mestrado no departamento conjuntura em que vive o Brasil e o munde Fitotecnia da Universidade do. Sem olhar isso, não é possível falar de Federal do Rio Grande do Sul instituições de pesquisa ou de coisa algu(UFRGS), com um trabalho ma. A situação das instituições de pesquide comparação de dez cultivares Nélson Raimundo Braga sa reflete o que ocorre com o país. Quanto à dimensão do setor de ciênde soja num ambiente de alto cia e tecnologia, é dispensável e redundante falar da imrendimento. O doutorado foi portância de instituições como os 17 institutos de pesquiconseguido no departamento de Fitotecnia sa paulistas, da Embrapa e das universidades públicas, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), estaduais e federais, em termos de geração de conheciem Minas Gerais. A tese examinou mento básico e de sua tradução em tecnologias capazes de responder a questões concretas apontadas pela socieas possibilidades do cultivo do grão-de-bico dade. As tecnologias de que o mundo tropical precisa não · na área de Viçosa. chegam pela Internet nem por satélite. Por isso, é fundaNo IAC, onde está desde 1975, Braga mental que o 13rasil revigore os institutos de pesquisa e as trabalha no Centro de Plantas Graníferas universidades do sistema público. e é autor de diversos trabalhos sobre As dificuldades em São Paulo não começaram hoje. Uma pesquisa feita em 1984 pelo Conselho Estadual de a adaptação do cultivo de grão-de-bico Ciência e Tecnologia indicava já um quadro de crise, de ao Estado de São Paulo e sobre retração orçamentária, de evasão de pessoal, de descontio melhoramento da soja. Participou nuidade de medidas governamentais que sustentassem os do lançamento de diversos novos cultivares institutos de pesquisa. É preciso, porém, conhecer os motide soja. Nos últimos anos, vem pesquisando vos da crise que atinge instituições de pesquisa da dimensão do Instituto Agronômico de Campinas. Em 1975, o IAC também a adubação verde, uma técnica dispunha de 3.200 servidores. Hoje, tem menos de 1.500. com a qual é possível melhorar o solo Se for feito o mapeamento desse pessoal, será possível e a produtividade das plantas com pouco observar que os pólos de criação de tecnologia no Instiou nenhum uso de adubos químicos. tuto Agronômico foram os mais debilitados. Um dos laEste é o seu terceiro ano, num segundo boratórios do Instituto, que participou do Projeto Genoma, merecedor de uma homenagem expressiva do mandato, na presidência da Associação governo do Estado, não dispunha de nenhum servidor de dos Pesquisadores.

apoio permanente. Realizou a sua missão com competência, mas recrutando pessoas na forma de bolsas e outras formas de emprego não-estáveis. A situação dos institutos de pesquisa está chegando ao limiar do escândalo.

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PE NS AN DO S ÃO PA U LO: UN I V ERSIDADE S E I NS TIT U T OS

Eles hoje recrutam pessoal para trabalhar inclusive sem nha condições de custear nossas atividades, como parte respeitar a legislação trabalhista. do trabalho. Assim, perderemos nossa autonomia e a isenNo caso do Instituto Agronômico, em particular, seus ção imprescindíveis a quem cumpre uma função pública pesquisadores tiveram este ano uma surpresa desagradáde interesse social. vel. Em janeiro, foram informados de que, diante da falta Não é digno que isso aconteça, não é justo. Ou se tode recursos, teriam de pagar parte do custo da publicação mam medidas urgentes de recuperação e de restauração de seus trabalhos. Ou seja, o autor de uma pesquisa tem dos institutos de pesquisa, ou eles passarão a representar de tirar do seu bolso, do seu salário, os recursos para coo papel de tradutores de tecnologias importadas, difusobrir os custos de um periódico da instituição. O estado res de tecnologia feita por outros e com interesse diferende penúria dos pesquisadores seria ainda pior se, no ano te do brasileiro. O país precisa buscar um caminho própassado, o governador Mário Covas, após quatro ou cinco prio, independente, autônomo e soberano, embora anos de luta de parte da Associação evidentemente com uma visão dos Pesquisadores e de setores soglobal e universal. É preciso inseciais solidários, não tivesse consarir-se nesse mundo, dito globaligrado a equiparação que os peszado, mas com soberania, com país precisa quisadores tinham por lei com os independência e com a cara de buscar um salários dos docentes das universiBrasil. É a isso que os institutos de dades estaduais. pesquisa se prestam. É para isso caminho próprio, Sem dúvida, foi um ato de que foram edificados. independente, grandeza do governador. Mas, A médio e longo prazo, o cacom relação ao pessoal de apoio, minho definitivo para recuperar autônomo nada, porém, foi concretizado. A uma política de pessoal que fixe, associação encaminhou ao govermotive e dê estabilidade aos instie soberano'' nador um anteprojeto que sinalitutos é proteger a carreira de peszava uma nova concepção de carsoal de apoio. Em caráter emerreira. Até o valor correspondente gencial, porém, é básico estender o do orçamento era secundário naquele instante. O objetidiferencial salarial concedido ao pessoal de apoio à saúde a todos os outros servidores, de maneira universal e não vo da associação era mostrar ser possível uma gestão moexcludente. Se o Brasil não tiver a Embrapa, empresas esderna nos institutos, para que eles possam recrutar, fixar, motivar e dar estabilidade ao seu pessoal permanente. taduais e universidades fortalecidas, não terá como reagir Parece, porém, que dentro de todos os governos, inpara desenvolver-se com soberania e justiça social. Abriclusive do atual governo estadual de São Paulo, existe um gará uma população de consumidores e produtores reentulho burocrático, formado por pessoas que aprendeféns de poucas transnacionais, que imporão aos brasileiram profissionalmente a técnica de dizer não. Sempre ros o que e cÓmo eles vão produzir e consumir. que se encaminha ao governo alguma coisa que tenha Os institutos de pesquisa vivem hoje um momento mérito social, essas pessoas têm o capricho de justificar o dramático. A associação tem sugerido que o Poder Execunão, de explicar o não. tivo e a Assembléia Legislativa realizem visitas e audiênDe qualquer maneira, vive-se hoje um processo de cias públicas nos próprios institutos. A posição dos pessensibilização do governo, da Assembléia Legislativa, de toquisadores científicos é de transparência, é de respeito à dos os deputados, de todos os partidos. Esse movimento verdade dos fatos. Não há nada a esconder. É preciso evinão tem caráter partidário, é um movimento em defesa do denciar méritos e carências de cada instituição. Brasil, de São Paulo e das suas instituições. Quem estiver O governador teria uma caminhada muito positiva se ao lado dessas instituições, integra o movimento. Deveele fosse aos institutos. Apesar das crises, ele encontraria mos buscar o caminho definitivo para conquistar uma poo Instituto Agronômico, por exemplo, produzindo novas lítica de recursos humanos que dê estabilidade aos instivariedades de manga, de café, de soja, amendoim, trigo, tutos a médio e longo prazo. Para isso, é fundamental tomar feijão, participando do Projeto Genoma, com espírito criamedidas que protejam os servidores de apoio à pesquisa. tivo e produtivo e tentando romper as dificuldades. DeO objetivo é evitar um mal maior, o colapso de instipois destas audiências, governador e deputados poderiam tuições que vão perder a sua característica de instituições assumir suas decisões com mais convicção. O que os pespúblicas para se transformarem talvez, na melhor das hiquisadores representados pela associação pedem neste momento é a ajuda do Poder Legislativo e do Executivo póteses, em prestadoras de serviços a terceiros. Daqui a para retirar os institutos do isolamento e da marginalidaalguns anos, nós, que pesquisamos soja, talvez sejamos compelidos a sair fazendo palestras ou outras atividades, de e para que suas realidades, finalmente, sejam conhecisob o patrocínio da Monsanto ou de quem quer que tedas e modificadas.

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Para crescer, a agricultura precisa ser cotnpetitiva o defender a adoção de novos parâmetros para avaliar os resultados da pesquisa agropecuária no Brasil, o ~ngenheiro agrônomo Alberto Duque Portugal pisa em terreno conhecido. Ele concentrou seus estudos e pesquisas nas áreas de gestão de pesquisa, socioeconomia, economia agrícola e desenvolvimento rural. Desde maio de 1995, ele é presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura Alberto e Abastecimento, responsável, em boa parte, pela posição de destaque do país com relação à agricultura em áreas tropicais e subtropicais. Sua experiência inclui um período, entre setembro de 1993 e março de 1994, no qual foi secretário-executivo e ministro interino, no Ministério da Agricultura. Portugal formou-se engenheiro agrônomo pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1968, e obteve o doutorado em sistemas agrícolas pela Universidade de Reading, na Inglaterra, em 1982. Trabalhou como engenheiro agrônomo e agente de extensão rural em Minas Gerais e Goiás. Foi chefe do Departamento de Zootecnia e diretor de Operações Técnicas da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Antes de ir para Brasília, chefiou o Centro Nacional de Pesquisa de Gado de Leite (CNPGL) da Embrapa, em Coronel Pacheco (MG). No setor privado, foi produtor rural e serviu como presidente da Associação de Produtores Rurais do Vale do Rio Preto (MG).

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O americano Jeffrey Sachs afirmou

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de gerar e absorver tecnologia. Informa-

~_ recentemente que o mundo não está divi~ dido pela ideologia, mas pela capacidade g ~ ções da Unesco e do Banco Mundial in-

dicam, realmente, que há uma forte correlação entre indicadores de renda e intensidade de ciência e tecnologia entre países. Relacionando-se a renda per capita PPA (Paridade de Poder Aquisitivo) com o número de pesquisadores científicos por milhão de habitantes, constatase que as regiões mais desenvolvidas do mundo, as que têm renda per capita acima de US$ 20 mil ao ano, têm acima de 3 mil pesquisadores por milhão de habitantes. Blocos de países em desenvolviDuque Portugal mento, como a América Latina, possuem uma renda per capita PPA entre US$ 5 mil e US$ 10 mil, e sua relação é de menos de 500 pesquisadores por milhão de habitantes. A mesma relação é observada quando se compara a renda per capita PPA com a porcentagem de investimentos em ciência e tecnologia ( C&T) com relação ao Produto Interno Bruto (PIB). Tomando apenas o produto agrícola bruto, os países desenvolvidos investiram, em média, 2,3% no ano de 1997. Alguns se aplicaram mais do que i~so. Os Estados Unidos investiram 3,4%, o Reino Unido, 3,7% e o Canadá, 5,3%. Os países desenvolvidos investem mais de 2% de seu PIB em C&T, enquanto, para as nações em desenvolvimento, o valor médio é de 0,5%. Estima-se que a África invista apenas ao redor de 0,3% de seu PIB em C&T. Um fator importante é que essa diferença está aumentando. Entre 1971 e 1992, houve um crescimento de 68,7% nos investimentos em ciência e tecnologia dos países mais ricos. Nos menos desenvolvidos, o aumento foi de 27%. O Brasil melhorou bastante, nos últimos anos. Estima-se que esteja investindo ao redor de 1,0% de seu PIB em atividades de C&T, computando-se os setores público e privado. Este valor está muito acima da média dos países em desenvolvimento, de 0,5%, graças a esforços do governo federal e de vários estados, inclusive São Paulo. Mas, embora os investimentos estejam aumentando, ainda estão aquém das potencialidades e necessidades para que o Brasil entre num ritmo de desenvolvimento mais rápido. PESQUISA FAPESP


PENSANDO SÃO PAULO: UNIVERSIDADES E INSTITUTOS

Que fatores levam a essa diferença entre países ricos sível de agentes econômicos, especialmente pequenos e países pobres? Primeiro, os países ricos dão maior improdutores rurais. Esses desafios só poderão ser venciportância à C&T do que os países pobres. Portanto, indos se a estrutura produtiva brasileira tiver o suporte de vestem mais em C&T. Outro fator é a participação do uma forte estrutura de ciência e tecnologia. Estado. Nenhum país é capaz de criar um sistema forte Há áreas de C&T que farão a diferença, com impacde ciência e tecnologia, capaz de proporcionar desentos muito fortes sobre a agricultura no século que se inivolvimento, sem a ativa participação do Estado. Além cia. Entre elas há áreas inovadoras como a biotecnodisso, em todos os países mais ricos há uma crescente logia, incluindo a engenharia genética. Elas estão presença do setor privado, complementando ou somanmudando as vantagens competitivas entre regiões e paído esforços com o poder público. É um diferencial que ses. Elas tornam possível, por exemplo, desenhar um não se observa nos países em desenvolvimento. produto de acordo com os desejos do mercado. Podem Existe ainda um fator extretambém levar a métodos de promamente importante, que é a dução mais baratos e com o meexistência de um arcabouço legal nor uso de defensivos. adequado, capaz de proteger a Outra área inovadora é a agriagronegócio propriedade intelectual. O Brasil cultura de precisão. Constitui-se pOSSUI Um começou agora, na década de 90, em um sistema integrado de ina montar um arcabouço legal formações e tecnologias, baseado grande desse tipo, com agilidade e flexino conceito de que as variabilidapotencial bilidade, capaz de dar condições des espacial e temporal influenpara que a ciência e a tecnologia ciam os rendimentos de cultivos de crescimento avancem rapidamente e de estie a sua sustentabilidade. Seu uso mular a participação do setor permite a redução do risco econo Brasil'' privado em parceria com o setor nômico, ao diminuir custos de público. produção. Permite também reduHá vários motivos para que o zir o risco de contaminação, do Brasil e, em particular, o Estado de São Paulo contisolo e da água, já que os insumos são aplicados localizanuem a investir em pesquisa agropecuária. Embora tedamente, em quantidades variáveis e em tempos especínha decrescido a participação da agricultura na renda ficos, de conformidade com mapeamentos obtidos annacional, o que é normal num processo de desenvolviteriormente. mento, a contribuição do agronegócio, como um todo, Outras tecnologias são aquelas que agregam valor ao representa ao redor de 25% do PIB nacional. Além de produto agropecuário, ou atuam sobre o processamenser, isoladamente, o setor mais importante da econoto ou a diversificação de seu uso. Há ainda as tecnolomia, possui um grande potencial de crescimento, pela gias que torn(lm mais ágil o acesso e a disseminação de abundância de seus recursos naturais, como terras nos informações. Se o Brasil não conseguir dominar bem escerrados, e pela disponibilidade de tecnologia e capacisas tecnologias, dificilmente será capaz de vencer os seus dade empresarial. desafios e manter-se no mercado. Todas essas tecnoloNum mundo em rápido processo de globalização, gias terão um impacto muito grande no século 21. com crescente abertura comercial, a agricultura para A superação dos desafios e o domínio dessas tecnocrescer deve ser competitiva, em termos de qualidade logias são importantes não somente para a agricultura dos produtos, preços e continuidade de oferta. Ao mesbrasileira. Eles têm outros efeitos positivos. O Brasil tem mo tempo, precisa estar constantemente preocupada uma posição geográfica similar à de países menos desencom a sustentabilidade, especialmente do ponto de visvolvidos no mundo tropical: África, Ásia e América Lata ambiental. O Brasil precisa ser competitivo, mas sem tina. País tropical e subtropical, é detentor de um forte perder de vista essa questão. A questão ambiental já esestoque de conhecimento de tecnologia para o agronetá colocada de maneira decisiva e definitiva em toda gócio nessas áreas. O estoque de tecnologia tropical e a sociedade. Há ainda a questão da qualidade da nutrisubtropical desenvolvido pelo Brasil pode ser um exceção. Serão cada vez mais valorizados os vínculos exislente instrumento de cooperação técnica com países da tentes entre agricultura, alimento, nutrição e saúde. EsÁfrica, Ásia e da própria América Latina e do Caribe, tes são três desafios comuns à agricultura de qualquer com a conseqüente integração comercial e política, copaís do mundo. locando o Brasil em posição privilegiada. O Brasil tem, ainda, outro desafio: a eqüidade social. A Embrapa está inserida em todo esse contexto. A Precisa incorporar ao processo produtivo de mercado, sua missão é viabilizar soluções para o desenvolvimenao processo de desenvolvimento, o maior número posto sustentável do agronegócio brasileiro por meio da

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PENSAN D O SÃO PAU LO: UN I VERS ID ADES E I NS TI TU T OS

buscar a eficiência e a racionalização no uso de recursos geração, adaptação de transferência e conhecimentos e tecnologias em benefício da sociedade. O papel da Eme ter foco nas necessidades dos mais diversos segmentos brapa hoje não é simplesmente fazer pesquisa, mas da sociedade. Devem ser modelos com processos azeitaviabilizar soluções por meio da pesquisa, com a preodos, embasados em avaliações por resultado. cupação de olhar a do agronegócio com uma visão que Outro aparte é o necessário engajamento do setor vai desde a do pequeno produtor até à do grande emprivado. Esse setor participa ativamente no desenvolvipresário. mento da ciência e tecnologia em países desenvolvidos. A Embrapa entende como agronegócio não só a A equação do desenvolvimento brasileiro, em todas as grande empresa, mas todo um conjunto, composto pelo áreas, mas especialmente no agronegócio, não poderá que está dentro da fazenda, antes da fazenda e depois da ser adequadamente resolvida somente com os recursos do Estado. O setor privado terá de participar decisivafazenda, incluindo aí o pequeno produtor. Sua política de administração está baseada mente desse esforço. numa filosofia de relacionamento Finalmente, investimentos em com a sociedade e com o mercaciência e tecnologia agropecuária do, entendido num sentido ampelo Estado de São Paulo mantepequeno plo, não se limitando ao que se rão a sua liderança, em relação ao tem de receber refere a transações financeiras, e resto do Brasil, que resultará em com três políticas setoriais bem futuros bons negócios para o esa tecnologia, definidas, uma de pesquisa e detado. A Embrapa tem hoje em po1s nao senvolvimento, outra de negócios São Paulo cerca de 40 projetas de tecnológicos e uma terceira de copesquisa em andamento, envoltem condições municação empresarial. vendo 13 instituições em JaguaEssas políticas partem da preriúna, Campinas e São Carlos. A de comprá-la'' missa de que a Embrapa está num Embrapa tem procurado fazer negócio, como outro qualquer. um grande esforço. Acho que Mas está entendido que a Embratoda a estrutura de ciência e tecpa não vai vender tecnologia para o pequeno produtor. nologia tem que fazer seu dever de casa nesse sentido. Ele tem de receber essa tecnologia, pois não tem condições de comprá-la. Então, é óbvio que órgãos de desenvolvimento, ministérios, secretarias estaduais, cooperaFORU M S Ã O PAULO SÉCU LO 2 1 tivas, associações, têm de tornar viável essa tecnologia. PRESIDENTE: DEPUTADO VANDERLEI MACR IS Mas como podem o Estado de São Paulo e o Brasil RELATOR-GERAL: DEPUTADO ARNALDO JARDIM aumentar suas capacidades de gerar ciência e tecnologia agropecuárias? Há quatro questões fundamentais a conGRU PO T E M Á TIÇO NÚ M E RO 13 CL~NC JA, T E C NOLO G IA E C OMUNIC A ÇOES siderar. A primeira é a valorização institucional. É de fundamental importância que a população brasileira enCOORDENADOR: DE PUTADO CARLOS ZARATTINI care a questão da ciência e tecnologia como um seta r esRELATOR: DEPUTADO EDMUR MESQUITA CONSELHO TEMATICO: tratégico, tão importante para o seu futuro como a eduJosB ANIBA L PERES DE P ONTES cação, a segurança e o transporte. F LAV IO GRYNSZPAN Outro ponto é o arcabouço legal. Felizmente, nos OZIRES S ILVA últimos anos, o Brasil aprovou uma legislação sobre ALDO M ALAVAS I propriedade intelectual, o que aumentou a possibilidaH ERNAN CHA IMOVICH ANTON IO M ANOEL DOS SANTOS S ILVA de de o setor privado investir também na área. Mas, CARLOS V OGT ainda, é preciso buscar, dentro do arcabouço legal braCRODOWALDO PAVAN sileiro, um nicho que dê à ciência e tecnologia um amJOAO PISYSIEZNIG F ILHO biente propício para o desenvolvimento institucional. NELY BACELAR A pesquisa precisa de continuidade, estabilidade, agili0 TAVIANO H ELENE dade e flexibilidade, características essenciais a instiNBLSON RAIMU DO B RAGA EDUARDO ANTON IO B ULISAN I tuições que queiram acompanhar o avanço científico FERNANDO L EÇA mundial. CARLOS H ENRIQUE DE BRITO CRUZ Também é fundamental desenvolver e exercitar moCLAUD IO RODRIGUES delos de gestão capazes de atender às expectativas da soH BLIO WALDMAN ciedade e do próprio governo, que é quem banca os reMARCOS ANTON IO MONTE IRO M ONICA TEIXEIRA cursos das instituições públicas. Esses modelos devem

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