SUPLEMENTO ESPECIAL
O BRASIL RESGATA ASUA HISTÓRIA
Parceiros do
Futuro Os novos Centros
de Pesquisa, Inovação e Difusão-CEPIDs devem transformar a organ1zaçao da pesquisa em São Paulo
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Estudo da Faculdade de Medicina da USP comprova que o uso do álcool e drogas está associado a acidentes e violência
Governador anuncia os dez centros de pesquisa paulista que receberão, por onze anos, recursos da FAPESP, no âmbito do Programa Cepid
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46 A empresa Asga Microeletrônica desenvolve, no âmbito do PIPE, um equipamento que transforma sinais elétricos em sinais luminosos utilizados nas transmissões telefônicas via fibra óptica
Pesquisadores do InstitutoNacional do Câncer dos Estados Unidos vão trabalhar em cooperação com os pesquisadores do Genoma Câncer
24 Descobertas recentes mostram que as dunas do rio São Francisco são um surpreendente reduto ecológico e uma das áreas brasileiras com maior ocorrência de espécies exclusivas
30 Uma coleção de amostras de fungos, vírus, bactérias, nematóides e protozoários está ajudando os agricultores a combater as pragas do campo
MEMORIAS
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OPINIÃO
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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA
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EDITORIAL
CIÊNCIA
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TECNOLOGIA
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HUMANIDADES
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LIVRO Capa: Hélio de Almeida, sobre fotos de Delfim Martins/Pulsar
LANÇAMENTOS
e Miguel Boyayan
ARTE FINAL
52 O historiador francês Michel Vovelle fala sobre Jacobinos e facobinismo, seu livro mais recente, e sobre as perspectivas atuais da pesquisa histórica PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 3
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE PRESIDENTE EM EXERCÍCIO CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE C AMARGO ENG LER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE· MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI~NCIA) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES) DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÃFICA TÀNIA MARIA DOS SANTOS COLABORADORES ADILSON AUGUSTO ANA MARIA FlORI CLAUDIA IZIQUE CLÁUDIO EUGÊNIO EDUARDO STOPATO LUCAS ECHIMENCO OTIO FILGUEIRAS RITA NARDY SHEILA GRECO WILSON MARINI SUPLEMENTO ESPECIAL O BRASIL RESGATA A SUA HISTÓRIA FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN TIRAGEM: 26.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, No I SOO, CEP 05466-90 I ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL (O - I I) 3838-4000 - FAX: (O - I I) 383B-4117 ESTE INFORMATIVO ESTÀ DISPONÍVEL NA HOME-PAGE DA FAPESP: http://www.fapesp.br e-mail: mariluce@fapesp.br
Jornalismo científico
publicação e parabenizo todos os seus responsáveis pela alta qualidade.
Li e adorei a reportagem "A imprensa entre a ciência e a ética", p ublicada na edição de maio. Apenas para não cometer injustiças, agradecemos o apoio da FAPESP e informamos que o VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico, realizado com grande esforço e sucesso em Florianópolis, de 2 a 5 de maio, foi viabilizado pela Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC) e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), especialmente pela sua Agência de Comunicação (Agecom). MOACIR LoTH
Presidente da Comissão Organizadora Nacional do VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico e diretor da ABJC
Genética da surdez Ainda que tarde, gostaria de agradecer à revista Pesquisa FAPESPpela reportagem "Genética da Surdez", publicada na edição de no 50. Foi muito boa a divulgação e repercutiu consideravelmente na mídia. Inclusive, já existe um projeto de lei pedindo a obrigatoriedade do teste, como o teste do pezinho para fenilcetonúria. A partir da matéria da revista, fomos contactados por mais de 15 meios de comunicação. Médicos do Brasil inteiro têm nos procurado para ajudar nos diagnósticos de casos de surdez inconclusivos, assim como estamos realizando um trabalho conjunto com grupos de pesquisadores para a avaliação da prevalência da mutação mais comum, detectada pelo teste, em todo o país. Agradeço em meu nome e de todo o meu grupo de pesquisa. EDI LúCIA SARTORATO Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética, Unicamp Campinas, SP
PROFA. DRA.
SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
Revista
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
4 · SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Sou doutoranda da Faculdade de Educação da Unicamp e docente da Faculdade de Biblioteconomia da PUCCampinas e gostaria de receber a revista Pesquisa FAPESP. Vi dois exemplares da
M ARIANGELA PISON I ZANAGA
Campinas, SP
Estou no último ano da faculdade de jornalismo na Uniso, em Sorocaba, interior de São Paulo. Gostaria de receber a revista Pesquisa FAPESP, pois é de extrema importância para o meu trabalho de conclusão de curso, cujo tema é Biotecnologia, incluindo genoma, alimentos transgênicos, etc. As matérias da revista vêm ao encontro do que eu estou procurando. APARECIDA MO NTESINO
Votorantim, SP
Consultei na home page da FAPESP a revista Notícias FAPESP e pude apreciar o vasto leque de assuntos e áreas do conhecimento que ela abrange, sem cair na superficialidade. Notei também que ela é impressa e eu gostaria de assiná-la, já que meu acesso à Internet é restrito aos computadores da Unicamp, onde curso História. AND~IA ). BARBIERI
Piracicaba, SP
A partir da edição no 47, de outubro de 1999Notícias FAPESP transformou-se na revista Pesquisa FAPESP A revista Pesquisa FAPESP é um ótimo exemplo para quem busca o conhecimento. Ela é saborosa de ler, qualifica as discussões com o seu rigor científico e não se limita a apresentar fatos, mas aprofunda-os. Além de sua excelente diagramação, é uma referência de consulta e fonte de subsídios. Parabéns à FAPESP, que não cansa de produzir e é sinônimo do que há de melhor em São Paulo. Arnaldo jardim, Deputado Estadual Relator Geral do Fórum São Paulo Século 21
Gostaria de externar minha satisfação quanto à qualidade e variedade dos temas abordados pela revista Pesquisa FAPESP, todos muitos atuais e de importante repercussão. SONIA P UR IN
Faculdade Regional de Blumenau, SC
EDITORIAL
O olhar para o futuro e a reavaliação do passado Os Cepids visam a mudar a realidade, o Projeto Resgate, compreendê-la um clima de justificado orgulho e entusirência de conhecimentos, para o governo (deseasmo, com o governador Mário Covas nho e implementação de políticas públicas) ou presidindo o evento que superlotou o aupara a iniciativa privada (desenvolvimento de noditório da FAPESP, e três secretários de Estado vas tecnologias de valor comercial e criação de emabrindo a lista das demais autoridades presentes à presas) e ainda, difundir o conhecimento gerado, solenidade, esta Fundação lançou na manhã de 14 via atividades de caráter educacional, envolvendo de setembro seu mais novo programa, o dos Cenalunos do ensino médio ao pós-doutoramento e tros de Pesquisa, Inovação e Difusão, Cepids. O peso até de educação continuada. Vale a pena ler a reporpolítico conferido ao evento se explica: aquilo a que tagem que começa na página oito para conhecer a FAPESP se propõe com sua nova os primeiros Cepids em detalhes. iniciativa é nada menos que "exploSabidamente rica, a biodiversirar um novo paradigma para a ordade brasileira por vezes parece ter uma capacidade inesgotável para ganização da pesquisa científica e tecnológica" em São Paulo, como surpreender. E é essa sensação, no que se propõe explicou o diretor científico da insmínimo, que transmite a reportaé a exploração tituição, José Fernando Perez, no argem sobre uma pesquisa de novas de um novo tigo Pesquisa e Ousadia publicado no espécies da caatinga, desenvolvida paradigma para mesmo dia 14, na seção Tendências na região das dunas do São Frana o rganização e Debates da Folha de São Paulo. cisco, um valioso reduto biológico. da pesquisa, Em outras palavras, o programa Até agora, os biólogos responsáveis dos Cepids, tema de capa desta edipelo projeto já identificaram mais ção de Pesquisa FAPESP, apresenta de 20 espécies, principalmente de um modelo novo e alternativo à orlagartos, e quatro gêneros que consganização departamental da pesquitituem novidade para a ciência. Musa, prevê uma estrutura para responitas das espécies são endêmicas, ou der exclusivamente às necessidades · seja, exclusivas daquela área de sodo projeto de cada centro e propõe los arenosos e água escassa. o envolvimento de pesquisadores de Vale destacar também, nesta mais de uma instituição, criando, à imagem do Proedição, o suplemento especial sobre o projeto de grama Genoma, eficientes redes de cooperação. resgate dos documentos históricos relativos ao Ousado, baseado em experiências similares Brasil Colônia, integrantes do acervo do Arquivo que vêm sendo testadas com êxito em países mais Ultramarino de Lisboa. De capital importância desenvolvidos, o programa se afirmou, de saída, para a pesquisa histórica, em nível nacional o procomo o mais competitivo na história da pesquisa jeto foi patrocinado pelo Ministério da Cultura, enno país: 112 grupos de excelência apresentaram quanto o resgate da documentação referente à Capré-projetas em atendimento ao primeiro edital, pitania de São Paulo foi financiado pela FAPESP. lançado em outubro de 1998, mesmo sendo de O resultado material mais visível desse belo trabaconhecimento geral que a FAPESP apoiaria apelho são preciosos catálogos com as fichas dos minas uma meia dúzia de centros. Terminou se decilhares de documentos que foram microfilmados dindo por apoiar 10, depois de um dificílimo proem Portugal, e CDs que, além das fichas, reproducesso de seleção, que envolveu mais de 120 zem os próprios documentos relativos à vida, aos cientistas em todo o mundo. Todos esses centros, negócios e à administração das capitanias doBraindependentemente da área de conhecimento em sil colonial. Quanto aos impactos desse material que atuam, terão que gerar conhecimento por na produção de novos conhecimentos históricos, meio de pesquisa multidisciplinar na fronteira do eles são discutidos nas entrevistas dos especialistas conhecimento; fazer inovação associada à transfereunidas no suplemento.
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PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2000 • 5
Os livros de D. João, aqui há 190 anos Sexta do mundo, a Biblioteca Nacional . . amversana em outubro e relança a sua Revista do Livro A família real portuguesa já estava aqui quando foram desembarcados no Rio, em 1810, os muitos caixotes do acervo de 60 mil peças - livros, manuscritos, estampas, mapas, moedas e medalhas -que formava a Real Biblioteca. Em 1822, o Brasil comprou tudo e mudou o nome para Biblioteca Imperial e Pública da Corte, que na República seria chamada Biblioteca Nacional. A sede monumental na Cinelândia, projeto de Francisco Marcelino de Sousa Aguiar que mistura os estilos néo-clássico e art-nouveau, foi inaugurada no seu centenário, a 29 de outubro de 1910. Os 190 anos da Biblioteca, que é uma fundação ligada ao Instituto Nacional do Livro do Ministério da Cultura, serão marcados em outubro pelo relançamento de sua publicação trimestral, a Revista do Livro, interrompida em 1970 pelo governo militar. Enriquecida constantemente por aquisições, doações 6 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
No seu acervo estão relíquias e novos lançamentos
A Biblioteca Nacional é hoje a sexta maior do mundo
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O carimbo da Real Biblioteca: o começo em 1810 Edição de I 572 da obra de Camões, uma das raridades
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Mapa estilizado com plano rodoviário paulista: anos 30
e propinas (entrega obrigatória de um exemplar de toda publicação editada no país), é hoje a sexta maior biblioteca do mundo, reunindo livros, periódicos, desenhos, mapas e fotografias. Tem relíquias como dois exemplares da Bíblia de Mogúncia (1462) e a primeira edição de Os Lusíadas (1572). Acompanhando o avanço tecnológico, também passou a abrigar os novos formatos digitais. Quanto a isso, diz o presidente da fundação, Eduardo Portella: "Ainda sou do bunker gutenberguiano. Os virtuais nos chamam de excessivamente virtuosos, mas eu penso que é no livro que mora a complexidade, que será deixada de lado se o livro for renegado".
OPINIÃO LEWIS ]OEL GREENE ----------------------------------------------------~
Mais visibilidade para a ciência brasileira Biblioteca eletrônica já reúne mais de 50 revistas científicas do gratuitamente artigos completos à disposição ciELO, Scientific Library Online, é uma bidos leitores. blioteca eletrônica virtual que abrange uma O modelo SciELO consiste em três componencoleção selecionada de revistas acadêmicas tes: o desenvolvimento de metodologia para editar, brasileiras. A biblioteca é parte integrante de um proarmazenar, criar Internet hyperlinks, publicar, divuljeto que está sendo desenvolvido pela FAPESPgar e avaliar revistas científicas. O segundo compoFundação de Amparo à Pesquisa do Estado de nente é a aplicação da metodologia para operacioSão Paulo (www.fapesp.br), em colaboração com nalizar os SciELO sites, que são coleções de revistas a Bireme- o Centro Latino-Americano e Carieletrônicas. O terceiro componente é o desenvolvibenho de Informação sobre as Ciências da Saúmento da rede de SciELO sites através de (www.bireme.br). da promoção de parcerias e comuniIniciado em março de 1997, o cações científicas- autores, editores SciELO (www.scielo.br) já atingiu científicos e técnicos, instituições, a marca de aproximadamente agências financiadoras, com conse6.500 artigos publicados em mais "A maioria qüente melhoramento da comunicade 50 títulos de revistas brasileiras. das revistas A interface do SciELO fornece ção científica nos países em desenbrasileiras volvimento. O modelo SciELO está acesso direto e gratuito a todos os não está funcionando não apenas no Brasil, artigos em HTML e, em alguns caincluída em mas também no Chile (www.sciesos, em PDF, através de navegabases de dados lo.cl), Costa Rica (www.scielo.cr) e ções por meio dos números indiinternacionais Cuba (www.sld.cu/scielo). viduais das revistas, assim como de estabelecidas, O critério mais importante para o pesquisa e índices por autores, ascontrole de qualidade das revistas insuntos, palavras chaves e revistas. . cluídas na biblioteca virtual SciELO O SciELO foi desenvolvido em é o número de citações de seus traresposta às tendências atuais à pubalhos por ela mesma e por outras blicação eletrônica global e ao revistas. Este critério, juntamente problema da "Ciência Perdida no com a prontidão na publicação e Terceiro Mundo" (Lost Science in com algumas considerações técnicas formais, dethe Third World, W Wayt Gibbs, Scientific Ameriterminará se uma revista permanecerá no SciELO. can 273, 76-83, 1995). Muitas revistas brasileiras enfrentavam o problema da falta de visibilidade Internet hypertext links são uma via de acesso importante ao sistema SciELO. Hoje é possível e de acessibilidade (devido à sua distribuição lientrar no SciELO ao nível de um trabalho através mitada). Embora algumas sejam indexadas pelo ISI, Medline, etc., a maioria das revistas brasileida citação do mesmo em Medline (Pubmed) ou Liras não está incluída em bases de dados interlacs. Espera-se que, num futuro próximo, o SciELO será conectado, através de hypertext links, a um nacionais estabelecidas. Até mesmo aquelas que estão incluídas em bancos de dados têm enfrennúmero maior de banco de dados e serviços de tado sérios problemas na distribuição de resuinformação. Esta é a contribuição importante do SciELO para o aumento da visibilidade e acessibimos e separatas em nível mundial. É dentro deslidade de revistas brasileiras de qualidade. te contexto que podemos apreciar a revolução causada pelo SciELO para nossas revistas acadêmicas ao providenciar, enquanto índice, uma LEWIS ]OEL GREENE é químico, professor da Faculdade de solução integrada dos problemas de visibilidade das revistas e ao permitir acessibilidade, colocanMedicina de Ribeirão Preto, da USP
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PESQUISA FAPESP · IETEMBRO DE 1000 • 7
CAPA
CEPID
Um novo paradigma para a
Centros de Pesquisa, Inovação eDifusãoterãoamissão de aproximar a ciência da sociedade
organização da pesquisa CLÁUDIA IZIQUE
PESP anunciou, no a 14 de setembro, os dez projetas classificados para integrar o Programa Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids). Os novos centros contarão com recursos da ordem de R$ 15 milhões anuais para desenvolver pesquisas multidisciplinares na fronteira do conhecimento. Essas pesquisas devem ter caráter inovador e gerar um conhecimento que possa ser transferido para os diversos níveis de governo, de forma a subsidiar políticas públicas, e para o setor privado, contribuindo para o desenvolvimento de novas tecnologias e para a criação de novas empresas. Os Cepids terão ainda a missão de promover atividades educacionais. A cerimônia contou com a presença do governador Mário Covas e dos secretários de Estado da Saúde, José da Silva Guedes, das Relações do Trabalho, Walter Barelli, e da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, José Aníbal, e do presidente em exercício da FAPESP, Paulo Eduardo de Abreu Machado. Reitores, conselheiros e diretores da FAPESP, representantes das universidades e dos institutos de pesquisa e os coordenadores e as equipes de pesquisadores dos dez Cepids lotaram o auditório da Fundação. Em seu discurso, Mário Covas qualificou os pesquisadores de "bandeirantes do conhecimento" e, "em nome do povo de São Paulo", agradeceu-lhes por seu trabalho. "Hoje, o desenvolvimento econômico e social só será possível com base na ciência e tecnologia", afirmou.
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8 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Covas, Guedes, Machado e Perez: desenvolvimento com base na ciência
O Programa Cepid, inspirado no modelo norte-americano adotado em 20 Centros de Ciência e Tecnologia da National Science Foundation, estabelece um novo paradigma para a pesquisa científica, de acordo com José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. "O maior desafio da política científica e tecnológica, que é o desafio dos Centros, é propor uma visão integrada da atividade de pesquisa com a transferência de conhecimento para o setor público e privado e a educação': Os dez Cepids, que abrangem diversas áreas de pesquisa, têm a tarefa de viabilizar parcerias com organizações responsáveis pela implementação de políticas públicas e com indústrias, além de estimular a formação de pequenas empresas que mcorporem os resultados das pesquisas. "Todos os centros constituídos ou já têm uma relação com a indústria ou um potencial
claro para isso. A indústria é uma parceira necessária, mas não tem tradição de investir em pesquisa", disse Perez. Além dos programas clássicos de graduação e pós-graduação, os centros terão ainda a responsabilidade de desenvolver atividades na área da educação básica, como cursos e treinamento para alunos e professores de segundo grau. "Em todos os centros a educação já tem um caráter inovador." Os Cepids, afirmou Perez, consolidam as três principais diretrizes de atuação da FAPESP: a pesquisa multidisciplinar, representada pelos projetas temáticos- com 270 em vigência; a transferência de conhecimento, que se faz por meio do programa de Políticas Públicas, com 60 projetas em andamento, e dois de inovação tecnológica- o de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas, com 120 projetas, e o Parceria para Inovação Tecnológica com 50 projetas. Por fim os
programas de educação, o de Ensino Público e o Pró-Ciências. Financiamento - A FAPESP vai apoiar as atividades dos centros por um período de, no máximo, 11 anos. "Trata-se da primeira linha de financiamento de pesquisa de longo prazo", sublinha Perez. Os contratos poderão ser renovados no quinto e no oitavo
dos pesquisadores e pessoal de apoio, cederá as instalações, os equipamentos e a infra-estrutura para o desen volvimento das pesqu isas. Disputa acirrada - O edital para a seleção dos Cepids foi lançado em 1998 e acabou por se tornar um desafio para a comunidade científica de São Paulo. A disputa foi acirrada: insere-
Aud itório da FAPESP recebeu mais de SOO pesquisado res e convidados
ano de funcionamento, sempre por um período de mais três anos. "Depois disso, ou os centros terão cumprido sua missão ou já terão condições de andar sozinhos", afirma, citando o exemplo do Centro de Biotecnologia, que acabou por se tornar um departamento da Universidade de Washington, em Seattle, nos Estados Unidos. As atividades dos centros serão acompanhadas por um • comitê externo permanente que • deverá ser consultado sobre • qualquer decisão da equipe. As • avaliações serão anuais, sendo que no final do terceiro e do • sexto ano terão caráter abran• gente e decisivo para a conti• nuidade do financiamento. • Todos os centros estão vinculados a uma instituição de • pesquisa que, em caráter de • contrapartida, assumirá a responsabilidade pelos salários
projetos semifinalistas. Todos foram submetidos a uma banca de 150 consultores internacionais, especialistas nas diversas áreas de pesquisa, até chegar à classificação dos dez projetos finalistas. Estes últimos passaram ainda por uma análise mais detalhada que incluiu desde a avaliação da capacidade de liderança dos coordenadores dos projetos até visitas in loco. "Imaginávamos classificar cinco ou seis propostas, mas devido à excelência dos projetos e ao entusiasmo dos avaliadores, tivemos que ampliar", revela Perez. Os 20 projetos não classificados respondiam, de alguma forma, ao desafio proposto. "Tanto que a FAPESP está oferecendo a possibilidade de eles serem reapresentados na forma de projetos temáticos, com a vantagem de já contar com o aval de especialistas." "Os Cepids são a prova do grau de excelência da universidade pública", afirmou Jacques Markovitch, reitor da Universidade de São Paulo e presidente do Conselho de Reitores do Estado de São Paulo. "A pesquisa e os recursos humanos são a base para qualquer esforço governamental para o progresso da ciência", completou
veram-se 112 pré-projetos, que foram avaliados a partir dos três paradigmas do programa: pesquisa, inovação e difusão "Foi o programa mais competitivo da história da ciência no país", garante Perez. Do conj unto de propostas, foram selecionados 30
Pesquisa e mercado- Em seu discurso, o secretário José Aníbal destacou a importância da integração entre a pesquisa científica e a inovação tecnológica para o desenvolvimento econômico. "Na nova economia, produtos que não têm inovação não disputam mercado", disse. Os dez aprovados Ele adiantou que o governo do Estado, em parceria com o SeCentro de Estudos do Sono brae, está constituindo um Centro de Biologia Molecular Estrutural fundo de aval para apoiar setoCentro de Toxinologia Aplicada res produtivos, entre eles os Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento que investirem na inovação tecde Cerâmica de Materiais nológica. "O fundo vai garantir Centro de Estudos Metropolitanos até 80% do crédito que as emCentro de Estudos da Violência presas tomarem no sistema Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica bancário. Os recursos virão do Centro Antônio Prudente de Pesquisa Banco Nacional de Desenvole Tratamento do Câncer vimento Econômico e Social Centro de Pesquisa de Terapia Celular (BNDES) e serão operados Centro de Estudos do Genoma Humano pela Nossa Caixa Nosso Banco': afirmou. PESQUISA FAPESP · IETEMBRO DE 2000 • 9
Um mercado diversificado e bastante promissor Centro de Materiais Cerâmicos investirá na formação de profissionais Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos é formado por pesquisadores de cinco instituições distintas: a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a Universidade Estadual Paulista (Unesp/Arara-
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Tecnologia, no âmbito do Programa Pronex/Finep. No Centro, a equipe estará dividida para cumprir duas tarefas: desenvolver pesquisa básica e buscar interação com a indústria. "Temos uma abertura razoável em relação ao setor produtivo. Atuamos na área de cerâmica elétrica com, por exem-
Elson Longo: objetivos são desenvolver pesquisa básica e integrar-se com a indústria
quara), a Universidade de São Paulo (USP/São Carlos), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/CNPq) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/São Paulo). A equipe, que tem como quartel-general o Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica da UFSCar, já participa de projetos conjuntos há alguns anos, tendo sido a ela atribuída a condição de Grupo de Excelência pelo Ministério da Ciência e IO · SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
plo, capacitares cerâmicos, cerâmica refratária, pisos e azulejos, além de desenvolver pesquisas com partículas e filmes finos", explica Elson Longo da Silva, diretor. O Centro terá forte atuação na área de formação de profissionais do setor, como, por exemplo, daqueles responsáveis pela aplicação e colocação de pisos e azulejos. "O problema, na maioria das vezes, não é a qualidade do piso, mas a colocação
que não leva em conta o espaço para a dilatação", justifica Longo. O programa será desenvolvido em parceria com o Senai. "Pretendemos usar a Internet, manter uma home page e utilizar o Centro de Ciências da Unesp e de outras universidades para melhorar a produção cerâmica no país", diz Longo. Com o apoio da FAPESP, além de ampliar a atuação no estado, o grupo pretende estender seu trabalho também às maiores regiões produtoras de cerâmica do país. "Metade da produção brasileira está em São Paulo, mas os exportadores estão no Sul", justifica. Já estão sendo firmados convênios para a realização de cursos de mestrado e doutorado em Cerâmica e Metalurgia no Maranhão. "Também vamos estreitar relações com a Paraíba e o Rio Grande do Norte com a mesma finalidade", adianta Longo. O Nordeste, ele explica, tem fontes de argila de alta qualidade, principalmente para a cerâmica artística, uma matéria-prima praticamente esgotada em São Paulo. Está prevista, ainda, a implementação de um Centro Cerâmico no Brasil, em parceria com as indústrias de piso e azulejo. De acordo com parecer de um dos especialistas responsáveis pela proposta, o Centro representará um grande passo à frente. "As áreas de trabalho definidas pelo grupo são vitais para o progresso e a ampliação da atividade da indústria no Brasil. O financiamento a este Centro permitirá que os pesquisadores avancem na consolidação de uma atividade de nível internacional. Ele deverá significar um impulso para a ciência cerâmica e a engenharia no país. Trata-se de um proposta notável."
Em foco, os proble·mas urbanos de São Paulo Centro de Estudos da Metrópole quer investigar e propor soluções para a região metropolitana
Regina Meyer: centro quer ser multiplicador de novas pesquisas
ta do Centro de Estuos da Metrópole é onjugar um conjunto de pesquisas que terão como objeto a Região Metropolitana de São Paulo, que reúne 39 municípios. A proposta de estudo se apóia nos resultados e nas experiências de pesquisas realizadas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). "Os temas das pesquisas são aqueles relevantes para o estudo de grandes cidades: urbanismo, cultura, demografia, meio ambiente e a estrutura social", afirma Regina Maria Prosperi Meyer, diretora. A idéia é dar continuidade a dois estudos sobre a região realizados pelo Cebrap: São Paulo: Crescimento e Pobreza (1974) e São Paulo: Trabalhar e Viver (1983). No atual
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projeto, sociólogos, economistas, antropólogos e cientistas políticos, sob a coordenação do Centro, terão como foco de pesquisa o estudo dos problemas urbanos decorrentes do processo de transformação da cidade e de seu papel no cenário nacional. "Este é um momento de transformação tão violento quanto foi no início do século, quando a cidade cresceu a taxas nunca registradas, e nos anos 50, quando a região mudou o seu perfil e a indústria se instalou no Grande ABC", comenta Regina Meyer. Hoje, as indústrias migraram para o interior do estado e outras regiões, mas São Paulo ganhou importância do ponto de vista dos serviços. "Diante dessa nova vocação, uma série de questões precisa ser levantada: como a cidade emprega? como as pessoas vivem? qual é o cotidiano das famílias?", ela indaga.
O Centro pretende buscar novas dimensões da vida urbana. "A importância da pesquisa vem do fato de o Brasil ser hoje um país urbano. Pretendemos irradiar formas de lidar com o urbano a partir desse projeto", explica. Para compor esse quadro, além das pesquisas realizadas pelo Centro, também serão utilizados dados coletados pela Fundação Seade. "Teremos também a parceria do Serviço Social do Comércio (Sesc), que, por sua capilaridade, permitirá o contato dos pesquisadores com uma população bastante diversificada." A relevância do Centro, no atual panorama de globalização econômica, parece indiscutível. Os dados divulgados em 1995 pela ONU através da Agenda 21, mostram que das 20 maiores metrópoles do mundo, dezoito estão localizadas em países em desenvolvimento. Tal constatação aponta para questões associadas à dimensão das concentrações urbanas e do perfil econômico e social de seus habitantes. A Agenda 21 mostra ainda que o desequilíbrio entre o crescimento demográfico e o crescimento econômico da maior parte dessas 20 metrópoles aponta para "grandes cidades de pobres". O projeto de difusão ganhou aplausos dos avaliadores internacionais. "Trata-se de uma forma inovadora de abordar as políticas públicas, não as deixando confinadas aos gabinetes de especialistas, mas envolvendo a população, o setor privado, o governo, assim como as organizações não-governamentais." O Centro pretende ser um "multiplicador" de novas pesquisas, oferecer cursos para as organizações responsáveis pela implementação de políticas públicas, uma fonte de informações permanente para todos que têm uma relação direta com a cidade. "Teremos capacidade de responder às questões mais essenciais como, por exemplo, onde investir para resolver a violência ou o melhor investimento para o transporte urbano de massa." PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • li
Fármacos a partir do veneno de serpentes Centro de Toxinologia Aplicada investigará a utilização farmacêutica da toxina de animais
Antonio Carlos de Camargo: tendência
ização de toxinas aniais e de microrgaismos na elaboração de drogas de uso farmacêutica será o foco das pesquisas do Centro de Toxinologia Aplicada. "Certamente nas toxinas encontraremos moléculas que servirão de padrão para o desenvolvimento de novos fármacos': prevê Antonio Carlos Martins de Camargo, diretor. O Centro está vinculado ao Instituto Butantan, cuja tradição de pesquisa remonta ao princípio do século. Carmargo lembra que, até recentemente, o Instituto se dedicava
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à pesquisa de bancada, sem investir na aplicação desse conhecimento. Mas o Butantan se modernizou, integrando aos seus quadros jovens doutores, formando uma equipe multidisciplinar que contribuiu para que se avançasse na direção da utilização prática desse conhecimento. Os trabalhos de pesquisa serão feitos em parceria com a Universidade de São Paulo, com a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), antiga Escola Paulista de Medicina. internacional O uso de toxinas naturais na fabricação de novas drogas é uma tendência internacional que pode ser observada no alto número de aplicações de veneno de vários organismos, como cobras, escorpiões e aranhas, registradas no Escritório de Marcas e Patentes dos Estados Unidos (US Patent & Trademark Office - USPTO). Os pesquisadores do Centro já iniciaram, em parceria com pesquisadores da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, e com o Health Science Center, da Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, estudos de uma toxina da serpente brasileira que previne a adesão celular e tem grande potencial de utilização no tratamento de metástase.
O estudo das toxinas abre várias frentes de pesquisa. Além de impedir o crescimento de tumores, o veneno das serpentes brasileiras é um coquetel de proteínas que desorganiza o sistema vascular e tem enorme aplicação farmacêutica em distúrbios cardiocirculatórios. O veneno de outros insetos, como a aranha, por exemplo, produz toxinas que podem ser utilizadas no tratamento de processos inflamatórios. O estudo das toxinas permitirá também desvendar mecanismos fisiopatólogicos ainda desconhecidos. "No veneno da serpente foi identificada uma toxina que tem alta homologia com hormônios que atuam no equilíbrio iônico renal, secreção de hormônios, etc.", exemplifica Camargo. Para realizar a transição entre a pesquisa e sua aplicação comercial, o Centro pretende criar um programa de parceria com indústrias, que permitirá o acesso dos interessados aos projetos de pesquisa desenvolvidos pelos grupos das três universidades. Se houver interesse mútuo em determinada pesquisa, um acordo será estabelecido para o desenvolvimento de nova droga. "Não há dúvida de que a indústria e outras organizações terão grande interesse no trabalho deste Centro interinstitucional", comentou um dos avaliadores responsáveis pela classificação da proposta. O Instituto Butantan já desenvolve programas que atendem ao interesse da comunidade em relação a amma1s e mKrorgamsmos venenosos, além de desenvolver cursos sobre veneno animal e primeiros socorros para as Forças Armadas, polícia e empresas privadas. Com o apoio da FAPESP, o Centro pretende ampliar essas atividades, de forma a incluir cursos sobre prevenção de doenças transmitidas por microrganismos e sobre a conservação da biodiversidade. O Centro iniciará também cursos sobre biotecnologia médica e de qualificação de profissionais para o desenvolvimento de novos fármacos e processos de biotecnologia. o
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Investigando a desordem genética Centro de Estudos do Genoma Humano vai investigar doenças genéticas e ampliar atendimento a famílias Centro de Estudos do Genoma Humano formou-se a partir da experiência de um grupo de pesquisadores do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) que, há 30 anos, se dedica ao estudo de doenças genéticas e ao
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ção genótipo-fenótipo, ampliando o diagnóstico de certeza de muitas doenças e reforçando o atendimento à população. "Sempre fizemos a integração entre a pesquisa e o aconselhamento genético", sublinha Mayana Zatz, diretora. Com o apoio da FAPESP, o Centro de Estudos do Genoma Humano
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Mayana: programa de difusão das pesquisas será feito por meio de vídeos e softwares
aconselhamento de famílias. Desde os anos 70, ainda sem os recursos da moderna tecnologia, o grupo ganhou respeito internacional ao detectar alterações de cromossomas na síndrome de Down e as mudanças bioquímicas na distrofia de Duchenne. Essa posição de destaque na comunidade científica foi reforçada na década de 80, quando, já com o apoio da biologia molecular, o grupo desenvolveu estudos de correia-
vai ampliar as pesquisas sobre a desordem genética, por meio de mapeamento, clonagem e identificação de proteínas responsáveis por doenças, e reforçar o acompanhamento de famílias pela identificação de situações de risco, aconselhamento genético e diagnóstico pré-natal. "Numa mesma família, pessoas com a mesma mutação patogênica num gene, o que altera a proteína, podem ter quadros clínicos completamente di-
ferentes, por conta dos genes modificadores, que precisam ser identificados", exemplifica a diretora do Centro. Os pesquisadores do Centro realizarão, ainda, investigações na linha da antropologia humana, com o objetivo de conhecer as variações das bases genéticas em diferentes grupos étnicos que formam a população brasileira. Os estudos incluem desde a genética comparativa, já realizada em pequena escala no Instituto de Biociências, até análises evolutivas, como a identificação de semelhanças entre genes humano e animal, explica Mayana Zatz. O Centro de Estudos do Genoma Humano está instalado num prédio recém-inaugurado, construído com financiamento federal do Pronex, que reúne laboratórios de pesquisas e salas de atendimento ligados em rede a um anfiteatro, onde serão realizados cursos, em diversos níveis, para alunos da área de ciências médicas, médicos, profissionais da área de saúde, professores e estudantes de segundo grau, assim como para jornalistas especializados. O programa de difusão das pesquisas em genética humana inclui, ainda, a produção de vídeos e softwares, assim como um jornal com informações científicas e um sumário das atividades educacionais desenvolvidas pelo Centro. Os avaliadores internacionais responsáveis pela classificação da proposta consideraram o plano de trabalho "ambicioso", mas importante para o desenvolvimento da pesquisa genética no País. O programa de educação e difusão foi considerado um dos principais desafios do projeto. "O plano de difusão é importante, pode ser factível e está perfeitamente conectado à pesquisa básica", afirmou um dos especialistas. PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 1000 • 13
A chave para novos medicamentos Centro de Biologia Molecular Estrutural vai criar demandas por P&D na indústria farmacêutica nfor~ações geradas m prOJetas como, por xemplo, o Genoma Humano, serão utilizadas pelo Centro de Biologia Molecular Estrutural, para aprofundar o conhecimento sobre os sistemas biológicos e buscar aplicações práticas em saúde humana,
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rios de Síntese e Produtos Naturais da Universidade Federal da São Carlos (UFSCar); e do Centro de Biologia Estrutural do Laboratório Nacional Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, que é coordenado por Rogério Meneghini. "A longo prazo, poderemos agregar novos laboratórios e pesquisadores, já que hoje é
Glaucius Oliva: o Centro reúne pesquisadores da UFSCar, USP e do LNLS
agropecuária e agronegócios. "O nosso objetivo é estudar como a proteína funciona, elucidar a sua estrutura, utilizando para isso ferramentas da física, química e biologia", explica Glaucius Oliva, diretor. Uma das marcas fortes do projeto é a multidisciplinariedade. O Centro reúne pesquisadores dos laboratórios de Cristalografia de Proteínas e Biofísica Molecular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo em São Carlos; do Departamento de Química e do Laborató14 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
sabido que é possível fazer ciência não pela especialidade, mas pelo foco, por um projeto comum", afirma Oliva. Já existem nove projetas de pesquisa em andamento envolvendo aplicações diferentes, sempre associando genes a doenças. "Temos vários enzimas de Tripanossomas, da Leishmania, vários Xistossomas mansonis, esquistossomose, malária, temos proteínas do vírus da febre amarela e do papiloma humano, que causa o câncer de útero", detalha. "O apoio
da FAPESP vai fortalecer essa iniciativa." O Centro tem como meta aproximar-se do setor produtivo e criar demanda por P&D na indústria farmacêutica nacional. O mercado farmacêutico brasileiro movimenta, anualmente, US$ 10 bilhões, e as empresas de capital nacional representam entre 35% e 40% desse mercado, marca conquistada antes mesmo da Lei de Patentes. Mas, Oliva ressalva, enquanto as multinacionais investem 20% do faturamento em P&D, às empresas nacionais resta trabalhar com genéricos, um produto com pouco valor agregado, ou licenciar segundas marcas, pagando royalties. "A alternativa é investir em pesquisa. Temos que continuar com os projetas criados in house, mas também criar demandas e identificar novos projetas de interesse da indústria", afirma Oliva. Avaliadores da proposta consideraram o projeto fundamental para o futuro das pesquisas em novos medicamentos no país. "Não há dúvidas de que a ciência e a indústria no Brasil dependerão da capacidade de trabalhar com a cristalografia de proteínas, especificamente na pesquisa e no desenvolvimento de drogas e em genômica estrutural. Sem essa capacidade, a pesquisa brasileira básica perderá contato com os parceiros internacionais e a indústria farmacêutica brasileira não será capaz de explorar o desenho de drogas avançadas, sobretudo aquelas relevantes para o mercado sul-americano", afirmou um dos especialistas que avaliaram o projeto. O Centro manterá, em todas as instituições envolvidas, programas de treinamento para estudantes e pesquisadores na área de biologia estrutural. Também estabelecerá estreito relacionamento com o Centro de Difusão Científica e Cultural, da USP de São Carlos, para divulgar noções e a importância da biologia molecular, engenharia genética e biotecnologia nas escolas de segundo grau e por meio de ensino a distância, via Internet, vídeos, conferências, entre outros.
Cerco integrado a um inimigo poderoso Centro de Pesquisa e Tratamento do Câncer vai utilizar informações geradas no Projeto Genoma Câncer
doença. Agora será possível informar a população de que não adianta fugir do diagnóstico. Isso só reduz suas chances de cura, que são grandes com a identificação precoce do ' cancer. O Centro pretende ainda intensificar a atuação da rede feminina de voluntárias, responsáveis por cursos dirigidos à comunidade leiga, e ampliar os cursos de pós-graduação, doutorado e de especialização no diagnóstico e tratamento da doença. "Nas 90 escolas médicas existentes no País, não mais que 20 ensinam cancerologia na graduação. A falta de informação aumenta a mortali))
ois institutos com lonseguirmos tratar pacientes com doença primária", diz Brentani. ga tradição de pesquisa e tratamento Outro foco de trabalho do Cendo câncer, o Hospitro será a prevenção da doença. Setal do Câncer A. C. gundo Brentani, pelo menos 75% Camargo e o Instituto Ludwig de dos tumores têm causas conhecidas: Pesquisa sobre o Câncer, constituiram 35% decorrem do consumo de cigarros, 15% do uso de álcool, 10% o Centro Antonio Prudente de Pesquisa e Tratamento do Câncer. "Com o apoio da FAPESP, o Centro vai utilizar as informações geradas pelo Projeto Genoma Câncer para avançar na identificação de novos genes, buscar novas formas de diagnóstico e tratamento e desenvolver novas drogas", explica Ricardo Renzo Brentani, diretor. As mudanças que vêm ocorrendo na disÚibuição demográfica no Estado de São Paulo e o limitado avanço em relação à prevenção e terapia de tumores malignos indicam que, nas próximas décadas, o câncer será fator de grande impacto na saúde pública. Para enfrentar essa situação, a idéia dos pesquisadores do Centro é desen- Brentani: a falta de informação aumenta a mortalidade e os custos para o Estado volver formas de combater o câncer segundo uma abordagem multidisciplinar e integrada, dade e os custos para o Estado", resão causados por vírus, como a heonde a pesquisa é a principal compatite ou o papiloma vírus, e 15% vela Brentani. ponente. A prevenção, o diagnóstisão hereditários. E, neste último caDe acordo com especialistas inco e o tratamento serão focos para so, já existem metodologias de laboternacionais responsáveis pela avaas três principais áreas de atuação: a ratório para avaliar os riscos de heliação da proposta, os resultados das reditariedade. A idéia é realizar uma pesquisa, a educação e a transferênpesquisas terão repercussão na imcia do conhecimento científico. ampla campanha com a população, plementação de políticas públicas. O hospital já tem uma marca de "Não há dúvidas de que as informapor meio de vídeos e CDs, para incura de 66%. "E só não é maior porformar sobre as situações de risco. ções que serão obtidas com a análise que o paciente procura o tratamento "Já fizemos experiências isoladas, do genoma humano vão suscitar promovendo cursos para professoquando a doença já está bastante deuma série de questões que devem senvolvida. Só avançaremos com os res da rede pública com a intenção ter respostas em políticas públicas benefícios da pesquisa básica se conde massificar as informações sobre a adequadas."
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PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • IS
Concentração de renda e violação dos direitos civis Centro de Estudos da Violência analisará a relação entre violência e pobreza e a impunidade Centro de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) vaiampliar o trabalho de pesquisa desenvolvido, há 12 anos, pelo Núcleo de Estudos da Violência. Nesse período, o Núcleo ganhou projeção nacional e internacional pelos estudos sobre os Direitos Huma-
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de avaliar o que é feito em relação à pobreza e ao desemprego. Uma sociedade com formidável concentração de renda, a realização dos direitos civis e políticos é precária", argumenta Paulo Sérgio Pinheiro, diretor. A segunda tarefa da equipe será analisar as bases da política de segurança pública em São Paulo, desde o século 19 até os nossos dias. "O nos-
Pinheiro: pelo menos metade dos ho micídios é de auto ria desco nhecida
nos no país, por sua participação ativa na formulação do Programa Nacional de Direitos Humanos e por denúncias sobre a violação desses direitos junto a organismos internacionais. O primeiro desafio a que se propõem os 25 pesquisadores que integram o Centro é cruzar as informações sobre a violação dos direitos civis e políticos em São Paulo, desde a transição democrática, com os indicadores de direitos econômicos e sociais. "Hoje está claro que temos 16 · IETEHBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
so objetivo é entender as políticas relativas a penitenciárias e prisões, o que vai requerer exame da legislação e da sua tradução em práticas concretas", afirma Pinheiro. A terceira linha de pesquisa será a análise do processo de construção da impunidade no país. "No Brasil, pelo menos metade dos homicídios é de autoria desconhecida, em função do processo de investigação policial e da forma como esses processos tramitam no Judiciário", revela.
O quarto objetivo é realizar experimentos concretos de intervenção em algumas comunidades, utilizando como modelo os contratos de segurança, em parceria com o governo e a sociedade civil. Em área a ser selecionada, serão identificados os agentes da comunidade que possam atuar como mediadores de conflitos, buscando soluções pacíficas, e melhorar a relação entre polícia e comunidade. "A maior parte dos homicídios ocorre por motivos fúteis, como briga de bar ou de rua. Não podemos esperar que a situação social melhore para pacificar esses ambientes", explica. Essa proposta se desdobra no projeto Observatório de Direitos Humanos/Radares de Desenvolvimento Humano, um conjunto de relatórios sobre cidadania que terá como objetivo manter a sociedade informada das violações de seus direitos. "Colocaremos à disposição da comunidade estatísticas produzidas por vários órgãos com a finalidade de fortalecer a participação", diz Pinheiro. Finalmente, o Centro pretende produzir uma teoria integrada dos Direitos Humanos, por meio de seminários e conferências, mantendo a sua linha de cursos de formação de alunos na universidade e a relação estreita que desenvolveu nestes anos com a sociedade civil. De acordo com um dos avaliadores internacionais, responsáveis pela classificação da propostas, "a maneira como as pessoas no Brasil, e em particular aquelas dos estratos sociais mais baixos, são precariamente atendidas pelo sistema legal precisa ser estudada, divulgada e resultar na abertura de canais para programas de legislação e reformas. Os conceitos de Direitos Humanos e regras da lei fornecem uma boa estrutura para este trabalho".
O uso das células no tratamento de doenças Centro de Pesquisa de Terapia Celular terá estreito relacionamento com o setor público
Zago: meta também é desenvolver métodos de laboratório para diagnósticos
specialistas de três áreas distintas- biologia molecular, hematologia e química de proteínas-, tendo como base a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), estão reunidos no Centro de Pesquisa de Terapia Celular, num projeto comum. O foco das pesquisas será o tratamento de doenças. O modelo mais simples de terapia celular é a transfusão de sangue. Podese, ainda, transfundir células, como é o caso do transplante de medula óssea. Também é possível modificar as células antes de transplantá-las, fazendo a inserção de um gene diferente da célula primitiva, ou, ainda, coletar e expandir uma determinada coleção de célula, fazendo com que ela prolifere. "Existem abordagens que precisam ser mais bem exploradas, como, por exemplo, 'vacinar' uma cé-
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lula para fazer com que ela reconheça a célula cancerosa como anormal e reaja contra ela", explica Marco Antonio Zaga, diretor. ' Estão envolvidos nesse projeto o grupo de pesquisadores do Hemocentro e do Laboratório de Biologia Molecular, que participam dos projetas Genoma Xylella e Genoma Câncer; os pesquisadores do Centro de Hematologia, que estudam neoplasias do sangue; a Unidade de Transplante de Medula Ossea do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto; e o Centro de Química de Proteínas, que estuda a estrutura da proteína e sua purificação. O Centro surge já com estreito relacionamento com o setor público de saúde. "O Hemocentro atende a 212 municípios no Estado de São Paulo, com uma população de 4 milhões de pessoas, e já é um foco ge-
radar de políticas públicas na área de saúde", afirma Zaga. Há dois anos, com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep), o Hemocentro desenvolveu um programa de controle de qualidade em todas as suas áreas de atuação, o que lhe valeu a certificação ISO 9002, conferida pela Fundação Paulo Vanzolini. A meta, agora, é aproximar suas atividades do setor produtivo. "Pretendemos atuar na área de desenvolvimento de produção de métodos de laboratório para diagnóstico", antecipa Zaga. "Já temos relação com uma indústria farmacêutica de Ribeirão Preto que quer desenvolver produtos na área de terapia celular." De acordo com parecer de avaliadores internacionais, responsáveis pela inclusão do grupo no Cepid, "a proposta de trabalho do Centro de Pesquisa de Terapia Celular é altamente inovadora e muito provavelmente vai prover de novas e importantes informações não apenas os pesquisadores brasileiros, mas a comunidade científica de todo o mundo". O projeto prevê a continuidade dos cursos de formação de especialistas em biologia celular, em nível de mestrado e doutorado, e o desenvolvimento de um programa que terá a participação de alunos e professores da escola secundária. "O nosso objetivo é proporcionar um contato direto dessa comunidade com pesquisadores das áreas de genética, imunologia, câncer e educação em saúde", detalha Zaga. A idéia é desenvolver, por exemplo, estimular e orientar alunos e professores a realizar trabalhos em uma dessas áreas. Faremos um congresso para selecionar o melhor estudo e o aluno selecionado iniciará um trabalho de educação científica em nossos laboratórios", diz. Está prevista, ainda, a realização de cursos de verão para alunos de graduação nas áreas de ciências biológicas, com programas de experimento prático em laboratório. "Já fizemos o primeiro, com o nome de Viagem através do Genoma, e deu muito certo." PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 17
Mais luz para diversas áreas do conhecimento
cidade de transmissão de dados pela Internet, o que só será possível se os sistemas eletrônicos forem substituídos por sistemas ópticos. Isso requer o estudo de vários fenômenos fundamentais da Física dos Materiais e dos Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica Estados Sólidos. Um dos grandes desenvolverá projetas com tecnologia de ponta objetivos da fotônica é a substituição z do transistor eletrônico por um tran~ sistor óptico. Será preciso, ainda, inlil ül vestigar como os pulsos de luz se ~ comportam ao se propagarem por diferentes materiais que serão utilizados nessa engenharia. "É a óptica não linear de materiais", ressalva Brito. O Instituto de Física da USP de São Carlos e o da Unicamp têm larga experiência de difusão de conhecimento para pequenas, médias e grandes empresas para o desenvolvimento de tecnologias baseadas em óptica e fotônica. A Optoeletrônica São Carlos, por exemplo, a principal empresa brasileira produtora de lentes, componentes ópticos e instrumentos de meBagnato: Centro estudará trologia, nasceu do grupo de diversas aplicações da óptica Optica do Instituto de Física da USP de São Carlos. O Instituto de Física de Campinas geCentro de Pesquisa rou e transferiu a tecnologia de fibras ópticas para a Telebrás, em Optica e Fotônino que foi um dos mais bem ca reúne pesquisasucedidos programas de transdores do Instituto ferência de tecnologia no Brade Física da Universidade Estadual de Campinas (Unisil. Hoje colabora com empresas camp ), do Instituto de Física da Unicomo a KomLux, fabricante de versidade de São Paulo (USP), em fibras ópticas, a Corning Inc., São Carlos, e do Instituto de Pesquie a Ericsson Telecomunicações. Os dois institutos somarão, sas Energéticas e Nucleares (Ipen). ainda, bem-sucedidas experiên"Eram duas propostas distintas, cias em educação desenvolvidas a de um Centro de Optica e a de um de Fotônica, que a FAPESP, depois por meio de programas de recida análise, recomendou que fossem clagem de professores e de curunificadas, já que tinham forte nasos para alunos de segundo grau, tureza complementar nas áreas de além do projeto Ciência na Espesquisa", explica Carlos Henrique Brito: na óptica não linear cola, apoiado pela FAPESP no dos materiais, tudo se conjuga Programa Ensino Público. Tamde Brito Cruz, diretor do Instituto de Física da Unicamp. "As investigabém estão previstos investimenções vão convergir para os estudos tos na ampliação dos programas de fenômenos da óptica e suas aplicaA integração das duas áreas de code divulgação de pesquisa e cursos nhecimento será fundamental, por ções nas áreas de telecomunicações, básicos de ciências que, atualmente, exemplo, para as pesquisas das aplibiologia, medicina e física atômica, são transmitidos pela TV Educativa e entre outros", completa Vanderlei cações da luz nas telecomunicações. Rádio Universitária de São Carlos. Bagnato, do Instituto de Física da Um dos projetas do Centro será enCom apoio da FAPESP, os programas USP-São Carlos. contrar forma de multiplicar a velode educação chegarão à Internet. :J
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Por uma melhor qualidade do sono Centro de Estudos do Sono investirá no desenvolvimento de novas tecnologias
Sérgio Tufik: interação com a iniciativa privada tende a se consolidar
a década de 70, por iniciativa de um grupo de pesquisadores do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), tiveram início os estudos sobre o distúrbio do sono no Brasil, antes mesmo da primeira classificação internacional da doença. Esses estudos fizeram parte da primeira leva de projetos temáticos aprovados pela FAPESP. Atualmente, a equipe multidisciplinar, composta por 12 doutores, conta com dois laboratórios para o desenvolvimento de pesquisas básicas nas áreas de pediatria, neuropsiquiatria e doenças respiratórias, 26 apartamentos para exames clínicos, além de desenvolver programas de formação profissional. Com o apoio da FAPESP, o Centro de Estudos do Sono pretende am-
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pliar as suas atividades e investir no desenvolvimento de tecnologia para produzir, em parceria com a iniciátiva privada, aparelhos como o CPAP, que injeta ar com pressão contínua nas narinas, produzido no Canadá. Sérgio Tufik, diretor do Centro, quer desenvolvê-lo aqui, em parceria com os canadenses. Outro equipamento é um aparelho oral para o deslocamento da mandíbula. Ambos são utilizados no tratamento da apnéia. Na avaliação de especialista que compôs a banca julgadora do projeto, "a experiência do grupo na interação com a indústria privada é razoável e tende a se consolidar. O grupo tem a nítida percepção do mercado que é emergente, neste caso': Os distúrbios do sono têm um custo social alto. "Somos campeões em acidentes de tráfego, cujas maiores causas são o álcool e o sono. E a
maior parte dos acidentes de ônibus ocorre porque o motorista dormiu na direção", revela Sergio Tufik. Com o apoio da FAPESP, o Centro vai realizar polissonografias em 300 motoristas de uma empresa de ônibus. A polissonografia avalia as condições respiratórias, cardiológicas e neurológicas do paciente durante o sono. "Se ele tiver apnéia, que é a parada respiratória noturna, terá sonolência durante o dia. Tem que se tratar." A apnéia e o ronco são distúrbios que atingem pelo menos 40% da população masculina. "As pesquisas revelam que as pessoas que roncam morrem entre 60 e 70 anos porque têm oximetria menor e baixo nível de saturação, o que sobrecarrega o coração", afirma Tufik. Essa dificuldade respiratória pode, muitas vezes, produzir arritmia cardíaca. "Tem muita gente com marcapasso que poderia ter o seu problema resolvido com CPAP." Entre as mulheres, o distúrbio mais freqüente é a insônia, que acaba por resultar no uso, e abuso, de benzodiazepínicos, que causam dependência. "De cada três medicamentos vendidos no Brasil, um é psicotrópico e, entre esses, o segundo mais vendido são os benzodiazepínicos. Existem outros métodos, como a medicina comportamental ou o bio feedback, que ajudam a resolver o problema", diz Tufik. Com o objetivo de esclarecer a população sobre os distúrbios mais freqüentes do sono, o Centro pretende realizar uma ampla campanha com informações sobre os efeitos da doença e dos tratamentos adequados. Além da pesquisa básica, do desenvolvimento de tecnologia nacional e de campanhas populares, o Centro vai investir na formação de especialistas em distúrbios do sono. "Há mais de 130 laboratórios de sono no Brasil, mas as faculdades não estão preparadas para ensinar. Só a Unifesp, antiga Escola Paulista de Medicina, tem curso de especialização, além de mestrado e doutorado nessa matéria. Estamos preparando professores • para formar profissionais." PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000
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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
GENOMA CÂNCER
Avança•
parceria Brasil-EUA Trabalho conjunto com americanos entra numa fase mais ambiciosa
epois de um ano e m eio de trabalho com resultados expressivos, entra em nova fase o Projeto Genoma Humano do Câncer, realizado por um consórcio da rede Onsa, financiado pela FAPESP e o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer. Uma reunião a ser realizada em outubro, em Genebra (Suíça), deverá consolidar a parceria do grupo com o Instituto Nacional do Câncer (NCI) dos Estados Unidos e marcar a adoção de metas mais ambiciosas. De agora em diante, com as informações já obtidas, os dois grupos passam a
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Metas ampliadas Robert Strausberg, assistente de direção do NCI, Victor Junheneel, coordenador de bioinformática do Instituto Ludwig em Lausanne (Suíça), e Andrew Simpson, coordenador do Projeto Genoma Humano do Câncer, comentam a seguir as perspectivas do trabalho conjunto entre pesquisadores brasileiros e norte-americanos no seqüenciamento do genoma humano.
• Vocês só trabalham com tecidos de câncer? STRAUSBERG: Nossa aproximação com o Brasil foi para estudar tecidos
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seqüenciar não apenas fragmentos de genes, como vinha sendo feito, mas também genes inteiros. Além disso, mudam-se as estratégias e amplia-se a meta: o que se pretende agora não é apenas trabalhar com os genes expressos em células cancerosas, mas com todo o genoma humano. Robert Strausberg, coordenador da pesquisa do NCI, e Andrew Simpson, coordenador do Projeto Genoma Humano do Câncer, estão convictos que os dois grupos serão os
cancerosos, mas a cooperação cresceu. Agora, coletivamente, falamos que vamos estudar todos os tecidos.
• Não vão mais se limitar a estudar células cancerosas? SIMPSON: É isso mesmo. Houve uma globalização do projeto. Os dois projetos cresceram e estamos assumindo o espaço que existe no mundo para definir todos os genes humanos. Crescemos e temos uma ambição muito maior. No mundo todo há muita gente tentando fazer o que fazemos, recorrendo aos bancos de dados. Mas só nós usamos computação de alta qualidade no projeto. Tudo indica que podemos liderar essa tecnologia no mundo.
maiores responsáveis pelo seqüenciamento do genoma humano no mundo (ver quadro) . O trabalho brasileiro ajuda no projeto conjunto por causa de uma tecnologia criada aqui: a estratégia Orestes, que permite seqüenciar o centro do gene, no qual se concentram as informações mais relevantes para os genes desempenharem suas funções. É uma técnica complementar à pesquisa norte-americana, que se dedica ao seqüenciamento das pontas dos genes.
• O Brasil estaria na liderança da
bioinformática? Não somos o máximo, mas somos respeitados entre os grupos acadêmicos do mundo. JONGENEEL: Os pesquisadores brasileiros têm uma especialização substancial em bioinformática e um dos projetos mais importantes do mundo na área. Pode-se contar nos dedos esses grupos existentes no mundo. SIMPSON: Há muitos grupos teóricos, mas poucos com experiência de executar e gerenciar projetos. Os pesquisadores do NCI têm e nós também. Poucos têm a experiência de quem executou um projeto de seqüenciamento do porte do da Xylella fastidiosa. Temos a capacidade de mesclar SIMPSON:
Jongeneel (esquerda), Strausberg, Simpson e Buetow: abordagens complementares
Acordos como esse são sempre produtivos, "desde que sejam realmente uma colaboração e que todas as partes envolvidas saiam ganhando", observa Maria Aparecida Nagai, coordenadora de um dos centros de seqüenciamento do Projeto Genoma Humano do Câncer, na Faculdade de Medicina da USP. O anúncio da nova fase do projeto foi feito em seminário realizado em 29 de agosto na FAPESP, com a presença de Strausberg, de Simpson, de Victor Jongeneel, coordenador de
bioinformática com biologia experimental, e isso é muito custoso.
• Parece que os dois projetas, americano e brasileiro, serão responsáveis pelo maior parte do desvendamento de todo o genoma humano. SIMPSON: Essa impressão é correta. Quase todos os genes já identificados, cerca de 10 mil, têm seqüências dos dois projetos.
bioinformática do Instituto Ludwig em Lausanne (Suíça), e de Keneth Buetow, chefe do Laboratório de Genética Populacional do NCI. Strausberg se declarou "orgulhoso da parceria com os cientistas brasileiros" e relatou a pesquisa que coordena no NCI, onde está disponibilizado o banco de dados que ajuda a mapear as variações genéticas sistemáticas relacionadas ao câncer. Segundo ele, o objetivo desse trabalho é intervir em funções moleculares de células cancerosas: "É um banco de dados sobre expressão genética destinado à farmacologia molecular do câncer. É uma nova era para o tratamento do câncer': Novo patamar- Strausberg e Simpson revelaram que o trabalho conjunto chega a um novo patamar depois de os americanos terem feito 1 milhão de seqüenciamentos e os brasileiros, 500 mil. Com os avanços obtidos, foi necessário adotar novos procedimentos, já que o rendimento das técnicas até então usadas tendia a diminuir. Do lado brasileiro, por exemplo, o uso da estratégia Orestes deve esgotar-
a planos e metas, porque uma característica dos dois programas, que define sua afinidade, é a flexibilidade. Chegaremos a novas tecnologias que ainda nem foram inventadas. Porque nós somos visionários. Achamos que a maior parte dos genes que falta identificar será feita por nós. O que vocês têm que os outros não
têm? SIMPSON: Temos
• Quais as diferenças entre os programas de câncer do NCI e do Brasil? STRAUSBERG: 0 objetivo é O mesmo, as estratégias é que são diferentes. Mas são abordagens científicas complementares. SIMPSON: Não ficamos muito presos
visão. Temos recursos e especialização. Já somos os maiores produtores de seqüências de genes humanos expressos no mundo. SIMPSON: Entendemos que esse trabalho, que é muito árduo e complexo, vale a pena. Outros grupos têm STRAUSBERG:
se até o fim do ano. Simpson revela que a partir daí passará a trabalhar com o seqüenciamento completo de genes indicados a partir do banco de dados dos Estados Unidos. Os pesquisadores do NCI também passarão a trabalhar no seqüenciamento completo e, além disso, vão produzir fisicamente uma cópia dos genes. "Esse trabalho tem um enorme valor para a comunidade mundial", diz Simpson, "porque a partir do gene transcrito completo pode-se produzir proteínas e anticorpos". Segundo ele, não se trata de clonagem, mas de "construir o gene a partir da informação computacional". Dos dois lados, enfim- aqui se trabalhando com o gene virtual e lá fora também com o gene físico- trata-se de preencher as lacunas deixadas pela fase inicial das pesquisas. Strausberg e Simpson salientam: a colaboração é mútua e aberta a outros grupos, o que é coerente com a meta de construir a mais abrangente base de dados possível. Depois, caberá a cada país participante utilizar as informações sobre o genoma depositadas no GeneBank para produzir medicamentos ou testes diagnósticos. "Cabe ao Brasil não parar o incentivo aos laboratórios': lembra Maria Aparecida, da USP. •
interesse num gene só. Clonam o gene e o estudam dentro de um contexto biológico. Nossa visão é diferente: temos uma visão global de que é essencial ter a totalidade dos genes humanos definida. Baseados nisso, e não somente no gene do câncer, é que vamos entender o câncer. Temos em comum a visão de que o mais importante é a definição do conjunto do genoma humano. JONGENEEL: Há outros projetos no mundo, mas acho que fazemos melhor. SIMPSON: Outros que compartilhem nossa visão e queiram se agrupar a nossa iniciativa serão bemvindos. Temos um objetivo pelo bem da humanidade.
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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS Europa contra a clonagem humana
Xylella: brasileiro considera exceção Em carta à Nature de 24/8 (pág. 826), um pesquisador brasileiro que trabalha nos Estados Unidos discorda da afirmação feita na revista de que o seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa (da praga do amarelinho que atinge os laranjais) seria "um sinal aos jovens cientistas brasileiros de que eles não precisam deixar o país para engajar-se na ciência de nível internacional". "A maior parte da produção científica brasileira", diz ele, "vem de São Paulo, o Estado mais rico da nação, que sustentou o consórcio seqüenciador da X. fastidiosa. A disparidade entre o fomento à pesquisa em São Paulo e nos outros estados brasileiros é enorme: esse esforço de pesquisa de modo algum representa o estado geral da ciência brasileira. (... ) Para a maioria dos cientistas brasileiros com posições acadêmicas nos Estados Unidos ou na Europa, voltar para casa continua perto de um suicídio acadêmico. Reverter essa situação, pode ser muitíssimo mais difícil do que seqüenciar e juntar 22 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
genomas inteiros". O signatário é Tomás A. Prolla, do Departamento de Genética da Universidade de Wisconsin em Madison.
EUA pesquisam dioxina com Vietnã Uma oportunidade única para estudar os efeitos da exposição humana à dioxina. Foi o que pesquisadores americanos vislumbraram ao decidir entrar em parceria com colegas vietnamitas num projeto que está em fase de planejamento. Um tipo altamente tóxico de dioxina (chamado TCD D) estava presente no chamado Agente Laranja, o desfolhante altamente empregado pelas tropas dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã para produzir clareiras na floresta e expor instalações militares vietnamitas. "Talvez nunca mais tenhamos uma população exposta nesse nível", explica o toxicologista Michael DeVi to, da Agência de Proteção Ambiental americana. O projeto, tocado com fundos aprovados pelo Congresso dos Estados Unidos, inclui a pesquisa dos efeitos carcinogênicos da dioxina,
das doenças neurológicas e de crescimento em crianças expostas ao produto e da contaminação residual. Em contrapartida, o Vietnã poderá receber assistência no combate à poluição ambiental.
~esquisa
sobre Etica na Science Quais as questões éticas que preocupam os pesquisadores científicos de hoje? Uma pesquisa feita através do site www.nextwave.org, da revista Science, procura as respostas. A sondagem é promovida pela Comissão de Ética da Unesco e a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS). Uma das perguntas é: "Se o ensino da ética fosse incluído no currículo da sua disciplina, que temas seria necessário cobrir?" A idéia surgiu na conferência mundial da Unesco de 1999 em Budapest, Hungria, cuja declaração recomenda: "Todos os cientistas devem se comprometer a respeitar elevados padrões éticos e um código de ética - baseado em normas relevantes espelhadas em instrumentos internacionais de direitos humanos - estabelecido por profissionais da ciência".
Contrariando as posições britânica e americana, o Parlamento Europeu (órgão da União Européia) aprovou em Estrasburgo no início de setembro uma resolução em favor da proibição da clonagem de embriões humanos. Um comitê médico ligado ao governo britânico havia recomendado em agosto a clonagem de embriões para a extração de células. Os Estados Unidos também anunciaram na ocasião que financiariam pesquisas com células-tronco embrionárias (que podem originar qualquer tipo de tecido). Opondo-se a isso, a resolução dos parlamentares europeus afirma que a clonagem "atravessa uma fronteira irreversível nas normas da pesquisa". Sua liberação para fins terapêuticos - como a cura de doenças neurológicas e a produção de órgãos para transplante - poderia ser o primeiro passo para objetivos como
a "criação de crianças sob medida". Reafirmando o que já se pratica na Europa, a resolução proíbe o uso de dinheiro público no financiamento de pesquisas com células-tronco. Também pede que a União Européia, com apoio da ONU, busque a extensão da proibição a todo o mundo. A resolução foi aprovada por 237 votos contra 230 e 43 abstenções.
Em foco, a paixão de Oswaldo Cruz O CNPq e a Fiocruz lançaram em 30 de agosto a Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz (www. prossiga.br/oswaldocruz),
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e 20 de dezembro de 200 l. Mais "' informações podem ser obtidas no site www.fsp.usp.br. N
5o
Comunicação em saúde na Unifesp
FAPESP: prazos de inscrição Os interessados em três programas espeCiais da FAPESP devem providenciar logo as suas inscrições. O Programa Pró-Ciências, de apoio ao aperfeiçoamento de professores de ensino médio em matemática, física, química e biologia, recebe até o próximo dia 31 de outubro as propostas para financiamento de equipamentos necessários a atividades de capacitação. O Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, que financia projetes desenvolvidos em parceria com organizações (governamentais ou não) responsáveis pela implementação de políticas públicas de importância social, recebe pré-projetes até 30 de novembro. Essa é também a data-limite para as solicitações ao Programa de Apoio à Infra-estrutura de Centros Depositários de Informações e Documentos (museus, arquivos, bibliotecas e sedes de bancos de dados). Maiores informações no link Programas Especiais do site da FAPESP (www.fapesp.br).
professores Arlindo Philippi Jr (FSP) e Marcelo de Andrade Romério (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP). Será ministrado às segundas, quartas e quintas-feiras à noite, entre 5 de fevereiro
"para resgatar a paixão com que ele conduziu sua carreira científica". O site contém dados sobre vida, produção intelectual, correspondência trocada com personalidades, textos de historiadores, reportagens, fotos e charges. Há também um link especial sobre a cidade do Rio de Janeiro na época do cientista, quando se fizeram a reforma urbana e as campanhas sanitárias por ele conduzidas.
Curso formará gestor ambiental Estão abertas até 16 de outubro as inscrições para o Curso de Especialização em Gestão Ambiental, na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Destinado a profissionais de nível superior com atuação e interesse em meio ambiente, o curso é coordenado pelos
A Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) promoverá seu II Workshop de Comunicação em Saúde nas manhãs dos dias 9 e lO de outubro. O objetivo é mostrar como ocorre a divulgação científica,como os meios de comunicação recebem e tratam as informações e como o trabalho dos cientistas é avaliado. O evento é gratuito e as vagas limitadas. Inscrições pelo e-mail stella@proex.epm. br.
Capes e Texas fazem cooperação A Capes, do Ministério da Educação, firmou acordo com a Universidade do Texas (Estados Unidos) para cooperação no âmbito do ensino superior, voltada para as áreas de ciências sociais, ambientais e tecnologia. O acordo incentivará o intercâmbio e projetes conjuntos entre docentes, pesquisadores e estudantes brasileiros e daquela universidade.
Bolsas no exterior na mira do CNPq O CNPq iniciou um levantamento para avaliar a eficácia do investimento que faz em bolsas de pós-graduação no exterior, em forma de retorno dado às universidades brasileiras. Quer saber, por exemplo, quanto tempo os pesquisadores ficam no país depois de concluir suas bolsas no exterior com financiamento público. Há bolsistas que alegam voltar ao país onde estudaram por não encontrar emprego aqui mas, nesses casos, o CNPq pode exigir a devolução do dinheiro gasto com as bolsas. A fiscalização mais efetiva das bolsas é pedida desde 1997 pelo Tribunal de Contas da União. Na FAPESP, o programa de bolsas de doutoramento no exterior foi praticamente desativado há já alguns anos. A FAPESP entende que, até passado recente, a ida de brasileiros para programas de doutorado em centros de excelência no exterior foi fundamental para a formação de recursos humanos e a implantação de um sistema de ciência e tecnologia no país. Hoje, entretanto, o sistema de pesquisa do estado já oferece programas de pós-graduação de excelente nível, na maioria das áreas do conhecimento. Assim, bolsas para doutoramento no exterior são concedidas apenas em caráter extraordinário, quando não há programa de pós-graduação de bom nível no país, na área do projeto ou em área afim. Nos últimos dois anos, nenhuma nova bolsa foi concedida. PESQUISA FAPESP · IETEMBRO OE 1000 • 23
CIÊNCIA
ECOLOGIA
Um
tesouro à beirado VelhoChico Descobertas recentes firmam as dunas do rio São Francisco como um espaço único para o estudo da formação de novas espécies no Brasil CARLOS FIORAVANTI
A
s paisagens se juntam.
tamos no alto da Serra do Assuruá, a 680 metros de altitude, no povoado de Santo Inácio, norte da Bahia. De um cenário pedregoso, rico em cactos e bromélias, avista-se o vale do São Francisco, que começa a correr para leste, rumo ao mar. Vemos primeiro a lagoa Itaparica - um desvio do rio que se fechou - ao lado de outras menores. Mais à frente, nas duas margens, formando morros de até 150 m, alargam-se as dunas do São Francisco. Reduto ecológico surpreendente, essa é uma das áreas do Brasil com maior endemismo - ocorrência de espécies exclusivas, que não vivem em nenhum outro lugar e se adaptaram ao solo arenoso e à escassez de água. De lagartos, por exemplo, há uma diversidade que supera a dos desertos norte-americanos e africanos. Das 44 espécies de lagartos da Caatinga, 40 ocorrem ali e 20 são endêmicas das dunas - área de pouco mais de 5 mil quilômetros quadrados que é apenas 24 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Tropidurus divaricatus: só à esquerda do rio
0,6% da Caatinga e se estende por 120 km ao longo do rio, entre as cidades de Barra e Sobradinho. Uma surpresa: nas dunas de cada lado do rio naquele trecho, de 200 a 300 metros de largura, há animais muito parecidos com os do outro lado, mas de espécies diversas. São as espécies-irmãs, com pequenas diferenças de aparência ou constituição genética, resultantes de uma história evolutiva própria. Por isso, essas dunas são um espaço único para estudo da formação de espécies - comparável ao
arquipélago de Galá pagos, no Pacífico, em cuja fauna Charles Darwin (1809-1882) se baseou para elaborar a teoria da Evolução. Os bichos das dunas são tão típicos que vivem isolados: as adaptações para a vida na areia são tão elaboradas que os impedem de entrar na Caatinga circundante. E espécies típicas da Caatinga, como o preá ( Cavia aperea), nunca foram vistos nessas dunas. "Era tudo novo" - Ali, em meio à vegetação esparsa e à areia fina, cuja temperatura ao meio-dia pode chegar a 60 graus Celsius, as descobertas não
as dunas do São Fra ncisco: refúgio biológico de es pécies únicas
param. Miguel Trefaut Rodrigues, do Instituto de Biociências (IB) e diretor do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), percorreu os arredores do povoado de Santo Inácio (200 habitantes) pela primeira vez em 1980, com uma expedição de botânicos. "Era tudo novo': diz. Voltou com uma espécie de lagarto de cerca de 30 centímetros exclusiva dali, o Tropidurus amathites. Quatro anos depois, Rodrigues desceu a serra que delimita a Chapada Diamantina e achou - nas areias da margem oposta - exemplares de um Tropidurus parecido e ainda não descrito, que chamou de Tropidurus divaricatus. Depois, não parou de
exclus ivo da margem direita
nenagae. A nova Typhlops completa-
achar novidades: até agora, são mais de 20 espécies e quatro gêneros. Da viagem mais recente, em junho, trouxe dois bichos inéditos: um lagarto (Ameiva sp) e uma cobra de duas cabeças (Amphisbaena sp) com 50 centímetros. Um mês antes, sua ex-aluna Flora Acunã Juncá, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Bahia, coletara nas dunas da margem esquerda uma cobra subterrânea de 40 a 50 centímetros cuja espécie-irmã, da margem direita, Rodrigues descrevera como Typhlops yo-
va o quinto par de espécies vicariantes prmumas filogeneticamente, mas separadas geograficamente. "Estou certo de que há mais espécies endêmicas e outros pares de vicariantes': afirma Rodrigues, que coordena o projeto Es-
tudos sobre a Ecologia e Diferenciação da Fauna de Répteis das Dunas do Médio Rio São Francisco (Lepidosauromorpha, Squamata), iniciado em 1997 e financiado pela FAPESP. Realmente, o labirinto de ilhas desse trecho do rio é pouco explorado. Foi na ilha do Gado Bravo, a maior do São Francisco, na altura de XiquePESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 25
Xique, que Rodrigues descobriu em junho um novo lagarto do gênero Ameiva. A espécie mais próxima, o calango Ameiva ameiva, é um dos colonizadores mais agressivos de paisagens abertas ou modificadas pelo homem. Por espalharse rapidamente, suas populações não mostram diferenças apreciáveis exceto nas dunas. O fato de uma espécie nova de Ameiva, de colorido muito diferenciado, viver na ilha do Gado Bravo indica um isolamento efetivo, já que nas margens adjacentes se vê o Ameiva ameiva com o padrão de cor que o caracteriza em todo o Brasil. Outro caso de adaptação é odorabo-de-facho (Proechimys yonenagae), rato de 20 centímetros que tem um tufo de pêlos na ponta da cauda e orelhas grandes, mora em tocas profundas e anda aos saltos, apoiado sobretudo nas patas traseiras. Só há similares nos desertos dos Estados Unidos e da África. Esse rato foi descoberto por Pedro Luís Rocha, ex-aluno de Rodrigues 26 • SETEMBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP
As dunas separadas pelo rio: espécies têm histórias evolutivas próprias. Lagarto Calyptommatus /eiolepis: exemplo de adaptação à vida na areia
que leciona na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em Salvador. Sá ali vive também o bacurau Nyctriprogne vielliard~ ave de hábitos noturnos com cerca de 20 centímetros de altura. Refúgios - Um levantamento recente indicou áreas da Caatinga com endemismo acentuado ou que deveriam ser mais estudadas (ver box). É o caso das serras Negra e dos Cavalos (PE), de Baturité (CE) e da Chapada do Araripe, na fronteira entre Pernambuco, Piauí e Ceará. São áreas tomadas por matas densas - os refúgios - e riquíssimas em vida: a fauna e a flora dessas "ilhas" acumulam diferenças em relação às mesmas espécies da Mata Atlântica e da Amazônia, às quais se ligaram um dia, antes de a Caatinga se formar. Esses refúgios biológicos foram identificados nos anos 70 pelo zoólogo
Paulo Emílio Vanzolini e pelo geógrafo Aziz Ab'Saber, ambos da USP. Ab'Saber foi um dos primeiros cientistas a classificar as dunas como paleodeserto, no que teve o respaldo do geomorfologista Jean Tricart, da Universidade Louis Pasteur, de Estrasburgo (França). As dunas também têm uma flora especial. Há touceiras de quipá ( Opuntia inamoena) e macambira (J?romelia laciniosa), entremeadas por arbustos geralmente isolados. Nos lugares baixos e úmidos, são comuns a carnaúba ( Copernicia cerifera) e o arbusto Poligonacea ruprechtia, que tem a proteção de formigas no caule: "Quando se corta um galho, as formigas atacam", conta Luciano Paganucci, professor da Uefs que vai às dunas todo ano. Ele identificou ali a leguminosa endêmica Pterocarpus monophyllus, árvore de cerca de 4 metros com madeira muito dura, frutos adaptados à dispersão pela água e, algo raro, folhas não divididas.
As plantas são geralmente baixas e tem folhas decíduas (caem na estação seca) muito pequenas. Mas o maior sinal de adaptação ao ambiente não é visível. São as raízes: profundas e bem espalhadas, aproveitam ao máximo os nutrientes disponíveis no solo seco. História das dunas - O passado das dunas explica sua biodiversidade. A geóloga Alcina Magnólia Franca Barreto, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), estudou as transformações da área em seu doutorado, feito no Instituto de Geociências da USP com financiamento da FAPESP (projeto Morfologias e prováveis idades
Rodrigues com duas espécies de lagarto a serem descritas: um Cnemidophorus (acima) e um Ameiva (abaixo)
do sistema de dunas fósseis do Médio Rio São Franscisco, BA). "Nos últimos 11 mil anos': diz ela, "as dunas já existiam, embora um pouco diferentes" Ao estudar sedimentos com restos vegetais (turfeiras) colhidos às margens do Icatu, afluente do São Francisco, Alcina deduziu as mudanças. Ali já houve, por exemplo, florestas. Os exames de datação de material orgânico e areias indicam que houve fases com temperatura e umidade diversas. Antes de 11 mil anos, o clima era árido ou semi-árido, mas com
temperaturas mais baixas. Depois, foi sucessivamente muito úmido e frio, úmido e quente, seco e quente, úmido e quente e, afinal, de novo seco e quente- o atual semi-árido. "Há cerca de 4.000 anos a vegetação e as condições de clima e temperatura são bastante semelhantes às atuais", diz.
As dunas do São Francisco __________________ .:4f~op' _____ ---~-- ___________________ :41 ~Q9' _.___
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dos rios Área inundada pela Represa de Sobradinho
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A origem do campo de dunas é incerta, pois as areias são profundas (até 150 metros) e Alcina só coletou amostras das últimas camadas. Mas há duas hipóteses. A primeira supõe um lago formado pelas águas do atual São Franscisco, antes que ganhassem volume a ponto de abrir caminho até o mar. A segunda: o rio pode ter tido outro sistema de drenagem- seguindo para oeste em vez de leste. O certo é que com o tempo ele mudou de curso e volume de água. Nas fases mais secas, pode ter havido mais espaço para os animais conviverem e partilharem uma história evolutiva. Nos períodos mais úmidos, as passagens se fechariam e o rio serviria de barreira naturaÍ entre áreas antes unidas. DNA em estudo -Até meados dos anos 70, as dunas ficaram intactas. Em 1975, houve alterações profundas, devido à barragem de Sobradinho, que inundou áreas extensas. Mas sobreviveram nas duas margens as espécies vicariantes, como o lagarto Tropidurus amathites, só na margem direita, e sua espécie-irmã Tropidurus divaricatus, só na esquerda. O isolamento levou a distinções. ''As taxas de evolução não são as mesmas para espécies que se separaram", PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 27
explica Rodrigues. Supõe-se que o ritmo de evolução não tenha sido linear. É preciso saber se houve saltos ou mudanças rápidas, como as sugeridas pelo estudo comparativo das espécies de Calyptommatus e Nothobachia, que divergiram há dois ou três milhões de anos, no máximo. E por que, em alguns casos, é a mesma espécie que ocorre nos dois lados do rio? É possível que, nesses casos, a espécie tenha capacidade de dispersão tão grande aponto de ter rompido as barreiras do isolamento. É também provável que ainda não tenha tido tempo de se diferenciar, ou tenha ficado igual dos dois lados por alguma razão histórica ignorada. A investigação das diferenças genéticas entre espécies vicariantes da área e espécies aparentadas é feita por Maria Lúcia Benozzati, do Instituto de Biociências da USP, com base no estudo do DNA (ácido desoxirribonucléico) das mitocôndrias celulares. O seqüenciamento que ela fez de fragmentos do DNA mitocondrial tem confirmado análises morfológicas de Rodrigues: à medida que se passa dos gêneros mais primitivos de um grupo de lagartos para as espécies típicas das dunas, nota-se a redução dos membros e o alongamento do corpo. Nothobachia e Calyptommatus, os gêneros mais recentes do grupo e mais adaptados à vida nas dunas, por exemplo, têm membros anteriores tão discretos ou ausentes que parecem uma cobra, a ponto de rastejarem sinuosamente cobertos por fina camada de areia. Até julho de 2001, quando deverá finalizar o projeto, Rodrigues espera ter conclusões mais claras sobre o que determina a diferenciação dessas espécies. Além disso, acha necessário dar atenção urgente a algo que está por ser feito: a catalogação e informatização das coleções zoológicas armazenadas nos centros de pesquisa e museus do Brasil. Para ele, bastaria isso para se dar um salto no conhecimento da biodiversidade brasileira, indicar áreas que merecem estudos mais intensivos e descobrir outros tesouros de espécies raras, como as dunas do São Francisco. 28 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
A surpreendente diversidade da Caatinga
tes para conservação, pela alta diversidade e endemismo de espécies, e o outro, as áreas pouco conhecidas, para estudos prioritários. Parte da equipe tratou de políticas que viabilizem a recuperação ou a preservação: cada prefeitura, por exemplo, poderia diversidade da Caatinga adotar como símbolo uma espécie único ecossistema exclulocal, cuidando dela e de seu hábitat. ivamente brasileiro, que O estudo, assinado pela UFPE, a cobre quase todo o NorConservation International do Brasil, deste mais o norte de a Fundação Biodiversitas e a EmbraMinas Gerais- está surpreendendo. pa Semi-Árido, inclui um tema polêUm estudo que reuniu cerca de 150 mico: transposição das águas do rio pesquisadores mostrou que no ecosSão Francisco para irrigação. Sugere sistema de ocupação mais antiga do que, antes de tudo, se priorize a capBrasil há 327 espécies animais endêtação de água de chuva ou subterrâmicas (exclusivas dali), quase o dobro nea. Só depois é que se examinaria a das 183 conhecidas. .---~~---1111111!!!111 z transposição, em de~ bates com especialistas São típicas da área, por ~ exempl o, 13 espécies de e estudos de impacto :> mamíferos, 23 de lagar~ ambiental. tos, 20 de peixes e 15 de A bióloga Ana Maaves. De plantas, há 323 ria Giulietti, da Uniespécies endêmicas, mas versidade Estadual de só estavam listadas ao Feira de Santana (BA), redor de 190. cuidou do inventário Reunidos em Petrovegetal. De imediato, lina (PE) no Workshop notou a riqueza da Biodiversidade da CaaCaatinga em paisagens tinga, os cientistas estude exceção, ou encradaram outros fatores ves, que vão de mata naturais (solo, clima, fechada aos areais, com flora e fauna prórelevo e hidrologia) e Silva:"A falta d'água pode as condições de vida ser resultado do mau prias. Descobriu uma (educação, saúde, ren- uso dos recursos naturais" leguminosa que em da e índice de desensua homenagem foi volvimento humano) das comunidades chamada Anamaria heterophila: é locais. Mais surpresas: cerca de metauma erva que chega a 30 centímetros de da paisagem foi degradada pela e dura no máximo dois meses, pois ação do homem e de 15% a 20% está depende do nível da água das lagoas em alto grau de degradação (com risque se formam na época de chuvas. co de desertificação). Os 20 gêneros vegetais endêmicos lis"A região perdeu suas riquezas tados são o dobro do que se conhenaturais sem gerar riqueza para a pocia. "Quando há um gênero endêmipulação local, ainda uma das mais co, a necessidade de conservação é pobres do país", diz o biólogo José muito maior', diz ela. Maria Cardoso da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Formigas alert am - Carlos Brandão, que coordenou o workshop. "A falta da USP, coordenou o estudo dos invertebrados da Caatinga, ainda poud'água hoje talvez seja conseqüência co conhecidos, como desdobramento do mau uso dos recursos biológicos da Caatinga no passado." de seu projeto Insetos Sociais nas ForDois mapas mostram o que pode mações do Nordeste Brasileiro: Levanser feito: um delimita áreas importantamentos Faunísticos e Ecologia Com-
A
25 hotspots (áreas críticas) do mundo. "O mesmo pode acontecer com a Caatinga", diz. Há bons argumentos. Vive na Caatinga a ave com maior risco de extinção no Brasil, a ararinha azul (Anodorhynchus spix), da qual só se encontrou um único macho. Também é dali a segunda mais ameaçada do país, a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari): nos arredores de Canudos (BA), há menos de 150 exemplares, um décimo da população ideal nesses casos de aves que demoram para reproduzir. •
As prioridades do Nordeste Pesquisadores do Brasil inteiro delimitaram as áreas a serem conservadas (em vermelho, laranja e amarelo) ou estudadas de modo mais intenso (em verde).
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PERFIS:
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Importância Biológica •
Extrema Muito alta
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Áreas com informação insuficiente Umite do Bioma Caatinga . iDO
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portamental, concluído em 1991 com financiamento da FAPESP. Além de registrar áreas com espécies endêmicas, ele confirmou a possibilidade do uso de formigas como indicadores ecológicos: podem indicar o estado de conservação dos espaços naturais mais precisamente que outros animais. Uma área de caatinga mais conservada pode abrigar ao redor de 200 espécies de formigas, enquanto nas mais degradadas, há de 30 a 40. O estudo da Caatinga encerra o ciclo de seminários sobre prioridades para conservação dos ecossistemas brasileiros. O primeiro, do Cerrado e do Pantanal, foi em março de 1998. Seguiram-se em 1999 os encontros sobre
Fonte: Fundaçõo 8iodiversitos
Mata Atlântica e Campos Sulinos em agosto, Amazônia em setembro e Zona Costeira e Marinha em outubro. O relatório de Cerrado e Pantanal, em novembro de 1999, indicou 70 áreas prioritárias para conservação e 21 para pesquisa. Constatou-se ainda que 67% do ambiente do Centro-Oeste está alterado. "Não imaginávamos esse resultado': diz o biólogo mineiro Luiz Paulo de Souza Pinto, coordenador de projetos da Conservation. O levantamento indicou que ali vivem 6.387 espécies de árvores (40% endêmicas), 837 de aves (3% exclusivas) e 809 de abelhas (51% de endemismo). Com base nisso, o Cerrado foi incluído entre os
• MIGUEL TREFAUT URBANO RODRIGUES, 47 anos, formou-se em Biologia pela Université de Paris VII, França, em 1978. Na USP, doutorou-se em 1984 no Instituto de Biociências, onde leciona desde 1986, e é diretor do Museu de Zoologia. Projeto: Estudos sobre a Ecologia e Diferenciação da Fauna de Répteis das Dunas do Médio Rio São Francisco (Lepidosauromorpha, Squamata) Investimento: R$ 76.700 e US$ 115.307,01 • ALCINA MAGNOLICA FRANCA BARRETO, 42 anos, formou-se em Geologia pela UFPE e fez mestrado e doutorado no Instituto de Geociências da USP. É professora do Departamento de Geologia da UFPE desde 1997. Projeto: Morfologias e Prováveis Idades do Sistema de Dunas Fósseis -do Médio Rio São Franscisco, BA Investimento: R$ 21.229,79 • CARLOS ROBERTO FERREIRA BRANDÃO, 47 anos, fez graduação, mestrado, e doutorado no Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP. Trabalha desde 1991 no Museu de Zoologia da USP, onde é professor titular e diretor técnico da Divisão Científica desde 1997 Projeto: Insetos Sociais nas Formações do Nordeste brasileiro: Levantamentos Faunísticos e Ecologia Comportamental Investimento: R$ 105.344,55 PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2000 • 29
CIÊNCIA
CONTROLE BIOLÓGICO
Banco de inseticidas naturais Acervo de fungos, vírus e bactérias ajuda a combater as pragas do campo
lógico de pragas na agricultura, em andamento em centros de pesquisa de São Paulo, Paraná, Bahia e Pernambuco (ver box). É também com esse material que o Banco de Microrganismos Entomopatogênicos Oldemar Cardim Abreu - assim chamado em homenagem ao pesquisador que iniciou no Biológico, no final dos anos 70, os estudos de produção e armazenamento do fungo Metarhizium anisopliae- produz seis tipos de bioin-
em 1982 pelo engenheiro agrônomo Benedicto Pedro Bastos Cruz, viveu anos de avanços discretos até agosto do ano passado. Foi quando começou a ser reorganizado, com um apoio financeiro de R$ 44,3 mil da FAPESP, ao longo do projeto Formação de um Banco de Microrganismos Entomopatogênicos no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico, sob sua coordenação. Com novas salas de criações de
ma coleção de vidros com amostras de fungos, vírus, bactérias, nematóides e protozoários está mudando a forma de combater as pragas que devastam a agricultura brasileira. Vindos continuamente de todo o Brasil, esses seres formam o acervo do Banco de Microrganismos, implantado no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico, em Campinas. E com eles são feitos bioinseticidas que podem substituir os agrotóxicos na luta contra algumas pragas de alcance nacional, como a cigarrinha-de-pastagem, o percevejo-de-renda da seringueira, o moleque-da-bananeira e a broca-dos-citrus. Com uma vantagem: são atóxicos. "Não há nenhum relato de plantas, animais e homens que tenham sido atacados por microrganismos ento- Almeida e Batista: pesquisa, armazenamento cuidadoso e produção intensiva de bioinseticidas mopatogênicos", diz José Eduardo Marcondes de Alinsetos, incubadoras, microscópios e seticidas. Não é pouco: no ano passameida, o curador do banco. Uma razão geladeiras para armazenamento dos do, o banco produziu 1,5 tonelada de a mais para comemorar: "Os bioinsemicrorganismos, ocorreu um salto: o bioinseticidas, vendidos aos agriculticidas podem ser usados da mesma tores e empresas agrícolas do país inacervo passou de 63 para 260 amosforma como os agrotóxicos, sem teiro, em líquido ou na forma sólida, tras isoladas. qualquer equipamento específico." a um preço próximo ao custo (R$ 20 Cada tipo de microrganismo receOs microrganismos entomopatoo litro ou R$ 15 o quilo). be o tratamento que merece. Os fungos gênicos- que não fazem mal a plansão armazenados em tubos de cultura tas ou animais, mas causam doenças com óleo mineral estéril em geladeiDinamismo - Na avaliação de Antoem insetos - permanecem na sala rera ou em eppendorfs (pequenos tubos nio Batista Filho, que coordena o frigerada que lembra os centros de banco e dirige o Centro Experimenplásticos com tampa) no freezer. Com produção de vacinas, tal o controle tal, esses resultados devem-se a uma a reviravolta iniciada no ano passado, da assepsia. É dali que sai a matériaguinada na história do banco. Criado as 63 amostras- antes conservadas peprima para estudos de controle bio-
U
30 • SETEMBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP
la técnica antiga, em arroz pré-cozido - foram reisoladas e agora se acomodam nos eppendorfs e tubos de cultura. As bactérias também são mantidas em tubos de cultura na geladeira e os vírus em suspensão e em insetos mortos no freezer. Já os nematóides são conservados em culturas, e os protozoários, em insetos mortos no freezer. Como a qualquer momento podem ser requisitados para novas pesquisas, os microrganismos são mantidos vivos, ainda que eventualmente em estado de dormência, quase como em ibernação. Crescimento - Almeida tinha 14
anos e ainda morava com os pais em
Almeida realizou o sonho de menino, mas como engenheiro agrônomo ainda não chegou onde deseja. Para o banco dar suporte aos programas de controle biológico de pragas, diz ele, será preciso obter no mínimo SOO isolados de fungos, 25 de vírus, bactérias e de nematóides das espécies mais importantes. É quase o dobro do acervo. Não se trata de uma meta impossível: a cada semana chegam em média dez novas amostras de microrganismos. Até agora, pelo menos 80% dos microrganismos do acervo são fungos. Prevalecem em relação aos demais porque atuam sobre os insetos por ingestão e contato. São, por isso,
Os fungos mais pesquisados:
Metharhizium anisopliae (acima à esquerda), Sporothrix inseaorum (acima) e Beauveria bassiana
Campinas quando decidiu: dali para a frente, queria estudar seriamente os mecanismos que permitissem o controle de pragas na agricultura, sem poluir o ambiente e contaminar plantas, animais e o próprio homem. Uma alternativa, enfim, aos agrotóxicos, que começavam a ser malvistos. A par de sua decisão, é mais fácil entender o mal contido orgulho com que hoje, aos 32 anos, ele exibe o acervo do Banco de Microrganismos.
mais fáceis de serem manejados durante a coleta, identificação, isolamento e produção de bioinseticidas. Nem sempre é tão fácil. Ainda são pouco desenvolvidas, por exemplo, as técnicas de isolamento, conservação e manipulação de vírus, bactérias, nematóides e protozoários, que provocam doenças somente quando ingeridos pelos insetos. "Num inseto morto", lembra Almeida, "as bactérias se deterioram em dois a três dias, enquanto a deterioração dos vírus dura dez dias':
Para montar o acervo, a equipe (cinco pesquisadores e dois técnicos) percorreu todo o estado em busca de amostras de material. Coletaram em regiões diferentes porque muitas vezes os microrganismos de uma mesma espécie apresentam peculiaridades genéticas e atacam tipos diferentes de pragas. Ao contar da origem do acervo, Almeida não deixa de ressaltar a intensiva troca de materiais com bancos semelhantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Jaboticabal. Intercâmbios - O Centro Experimental fornece material para bancos em formação- como os da Universidade Estadual de Londrina, no Paraná, e da Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais. E mantém intercâmbios com centros do exterior. É o caso da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, do Ministério da Agricultura e Pecuária, na Costa Rica, e do Instituto de Sanidade Vegetal de Cuba. Só recebem material as instituições públicas que desenvolvem pesquisas de controle microbiano de insetos ou melhoramento genético de microrganismos benéficos à agricultura. Há um cuidado indispensável: em um documento, o técnico responsável pela instituição se compromete a utilizar o material somente em pesquisas. Para empresas produtoras de bioinseticidas, o material só segue após a assinatura de um convênio para o recolhimento de royalties. Atualmente, a pesquisa concentra-se em cinco espécies. Três são de fungos: o Metarhizium anisopliae, o Beauveria bassiana e o Sporothrix insectorum. Uma é de vírus, o Baculovírus. A quinta é de uma bactéria, o Bacilus thuringiensis. Cada uma delas merece uma rápida apresentação. O Metarhizium ataca o maior número de espécies de insetos e pragas. Dois exemplos: a broca-do-citrus, que prejudica sensivelmente as laranjeiras e limoeiros, e a cigarrinha-de-pastagens, PESQUISA FAPESP · IETEHBRO DE 2000 • 31
que faz o capim amarelar e assim cair a produção de carne e leite. O Beauveria é outro fungo de ação ampla: infecta a broca-do-café e a brocada-banana, entre outras. O Sporothrix controla o percevejo-de-renda da seringueira e é a principal praga dessa cultura no Estado de São Paulo. O Baculovírus é o vírus de um dos maiores programas de controle biológico do mundo no combate da lagarta da soja, uma praga que come a folha da planta e faz a produção despencar. Por fim, o Bacilus thuringiensis controla diversas espécies de lagartas, entre elas a lagarta da soja e a traça do tomateiro. A descoberta de cepas mais virulentas permite a formulação e produção de bioinseticidas específicos. É o caso do CB 66, uma cepa do fungo Beauveria bassiana, que ataca o ácaro vermelho da ervamate. Também controla a broca ou moleque-da-bananeira, que perfura a raiz e o caule da planta e veicula doenças como o mal-dopanamá, um fungo que ataca a bananeira e contamina o solo. É um perigo crescente. "Em São Paulo, as variedades de banana-maçã e prata estão em extinção por causa do mal-do-panamá", informa Batista Filho. O Biológico participa desde 1995 do manejo da broca-da-bananeira com o fungo Beauveria bassiana, desenvolvido para a região do Vale do Ribeira, em São Paulo. O uso do bioinseticida contribui para preservar o ecossistema e assegurar a qualidade de vida dos habitantes da região. A experiência no Vale do Ribeira atestou a relevância do banco e apontou novas necessidades. Desde o ano passado, os pesquisadores trabalham na produção intensiva de bioinseticidas à base de fungo s vivos, que conta com um financi amento de R$ 50 mil da FAPESP para o projeto Desenvolvimento de Processos de Produção e Formulação de Beauveria bassiana, Metarhizium
Tubos com fungos e bionseticida liofilizado contra a lagarta-da-soja: alternativas aos agrotóxicos
Bananeiras -
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anisopliae e Sporothrix insectorum. O objetivo: resolver um problema, a conservação, e fazer com que esses produtos possam ser mantidos em condições naturais, fora da geladeira, nem sempre presente nos sítios Brasil afora. Com essa preocupação, a equipe do Biológico formulou, já em 1997, um bioinseticida oleoso com o Baculovírus anticarsia, que apresentou uma eficiência superior a 80% no controle da lagarta da soja. E, como se pretendia, pode ser guardado em armários comuns por até dois anos. Quando se comprova que uma formulação dá certo, a produção cresce rapidamente. Um exemplo: na última safra, os agricultores do Estado de São Paulo, o maior produtor nacional de látex, pulverizaram 5 mil hectares de seringueira com 5 mil litros do bioinseticida líquido CB 79. Elaborado com uma cepa do fungo Sporothrix insectorum, o CB 79 controla uma das pragas mais indesejadas no cultivo da seringueira, o percevejo-de-renda, quereAlta produção-
duz a produção de fotossíntese da planta e, em conseqüência, a produção de látex, matéria-prima natural para a produção de borracha. Do bioinseticida feito com o fungo Metarhizium anisopliae E9, utilizado no combate à broca-do-citrus e à cigarrinha-das-pastagens, foram aplicados mais de 460 quilos, especialmente no Vale do Paraíba. Bioinseticidas para controle biológico de pragas são produzidos também por empresas, em alguns casos com tecnologias repassadas por institutos de pesquisa como o Biológico.
Boas notícias por todo lado Encontram-se em andamento . oito projetos com as amostras de microrganismos enviadas pela unidade do Instituto Biológico em Campinas. Em um dos laboratório do próprio instituto, em Pindamonhangaba, o pesquisador engenheiro agrônomo Hélio Minoru Takada está testando o controle do gorgulho aquático do arroz Oryzophagus oryzae com o fungo Beauveria bassiana CB 74 e comprovou que o isolado causou mortalidade de 70% na população da praga.
A broca-dos-citros
(Diploschema rotundicolle) é atacada pelo fungo
Metarhizium (acima), o percevejo-da-renda
... e uma cigarrinha pelo Batkoa (acima): alvos específicos
(Leptopharsa heveae) pelo Sporothrix ...
As vendas atingem valores significativos. Almeida estima que 20 toneladas de bioinseticida com Baculovírus sejam aplicadas em mais de 1 milhão de hectares de soja e movimentem cerca de US$ 2 milhões por ano. Os preparados com o Bacillus thuringiensisumas das bactérias mais importantes para o controle de diversas espécies de lagarta, que devem movimentar 60% das vendas de bioinseticidas em todo o mundo- aproximam-se no Brasil de 160 toneladas e geram uma receita de US$ 2,5 milhões. A cada ano, a agricultura nacional canso-
Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), outra pesquisadora do Biológico, a biomédica Leila Barci, seleciona os isolados de dois fungos, o Beauveria bassiana e o Metarhizium anisopliae, para controle de carrapatos bovinos. Esse é o tema de sua tese de doutoramento. Na Universidade do Oeste do Paraná, em Cascavel, o biólogo Renato Cassol, sob a orientação do professor Luiz Francisco Alves, estuda o controle do ácaro rajada do chá-mate, em cujo plantio, a princípio, não poderiam ser usados produtos químicos que pudessem contaminar as plantas, consumidas diretamente.
me também cerca de 66 toneladas de bioinseticidas à base de fungos: 55 toneladas de Metarhizium anisopliae, 3 de Beauveria bassiana e 8 de Sporothrix insectorum, que equivalem a vendas de aproximadamente US$ 1 milhão. Assim que puder, a equipe do Biológico pretende iniciar os estudos de caracterização e melhoramento genético dos microrganismos. Outro objetivo: providenciar as patentes dos bioinseticidas. Porque está provado: ainda há um Melhoramento genético -
O próprio Almeida coordena um projeto de controle da cigarrinha da raiz da cana, que causa amarelecimento da cana colhida sem queima no Estado de São Paulo e prejuízos de até 30% em toneladas por hectare de açúcar. No dou- · torado que faz na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, o engenheiro agrônomo Luís Garrigós Leite, do Centro Experimental do Instituto Biológico, desenvolve meios de cultura para a produção de três espécies do fungo do grupo Entomophthorales, que ele pretende empregar no controle de cigarrinhas e ácaros. Leite já conhece o efeito de sais, vitaminas, aminoácidos e açúcares no crescimento dessas espécies.
espaço imenso pela frente. Segundo Almeida, existem mais de 1 milhão de espécies de insetos conhecidos em todo o mundo que causam pelo menos uma doença. "No século 21, o controle biológico será um dos principais métodos de controle de pragas': diz o pesquisador, que, mesmo empolgado, não tira o pé da realidade. Segundo ele, é importante conferir se há impacto ambiental em função da quantidade de microrganismos e da área em que são aplicados. "De antemão': diz ele, "acreditamos que o impacto seja muito reduzido ou praticamente nulo, quando comparado com o provocado pelos agrotóxicos." • PERFIS: • ANTONIO BATISTA FILHO, paulistano de 42 anos, formou-se engenheiro agrônomo em 1981 e concluiu em 1997 o doutorado em Entomologia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) . É coordenador do Banco de Microrganismos Entomopatogênicos Oldemar Cardim Abreu e diretor do Centro Experimental do Instituto Biológico, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, em Campinas, onde é pesquisador desde 1983. • JOSÉ EDUARDO MARCONDES DE ALMEIDA nasceu em Campinas e tem 32 anos. Formou-se engenheiro agrônomo em 1990 pela Universidade Federal de Lavras, em Minas Gerais, e concluiu o doutoramento em Entomologia, há dois anos, pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP). É o curador do Banco de Microrganismos e pesquisador científico Instituto Biológico desde 1998. Projeto: Formação de um Banco de
Microrganismos Entomopatogênicos no Laboratório de Controle Biológico do Centro Experimental do Instituto Biológico Investimento: R$ 44.327,50 PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 33
CIÊNCIA
Varíola: vírus da vacina reaparece O exemplo mais recente das chamadas doenças emergentes é o vírus Cantagalo: da mesma família do que causa a varíola, ele provoca bolhas e pústulas nas mãos e nos braços. O vírus, que no ano passado infectou pessoas e gado bovino de Cantagalo (RJ) e municípios vizinhos, foi identificado este ano pelos cientistas Clarissa Damaso e Nissin Moussatche, do Instituto de Biofísica da UFRJ. É provavel que seja produto de mutações do vírus usado na vacinação antivariólica, que pode ter escapado para a natureza na época (a vacinação foi encerrada no Brasil no fim dos anos 70). É um vírus bem menos agressivo, mas capaz de estimular o sistema imunológico contra a varíola. Ele entra no organismo humano por pequenas lesões da pele e a transmissão se dá por contato com lesões infectadas. •
O fluxo de gases da floresta Durante a fotossíntese e arespiração, as plantas trocam gás carbônico e oxigênio com a atmosfera. A novidade é que também podem emitir outros gases, como metano e óxido nitroso, além de absorver ozônio - gás tóxico que dificulta a abertura dos estômatos, os poros das folhas que controlam a entrada de água. A conclusão é do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), pesquisa internacional liderada pelo Brasil. Outra constatação é que, nas queimadas de Rondônia, as 34 • SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
tempo, além de permttlr comparações da situação de hoje com a de uma época pré-industrial. Os dados ficarão disponíveis na Internet. •
Três países no genoma abacaxi
Q ueimadas: excesso de ozônio prej udica áreas não desmatadas
altas concentrações de ozônio podem danificar a parte não atingida da floresta, pois, ao alterar o fluxo de radiação solar, afetam o metabolismo das plantas. Supõe-se que também possam alterar o mecanismo de formação das nuvens e, a longo prazo, modificar o ecossistema. •
Diários de bordo revelam clima É uma longa viagem no tempo: um levantamento nos diários de bordo dos veleiros que atravessavam os mares entre 1750 e 1850 vai rastrear passo a passo as situações e
mudanças climáticas da época. Durante três anos, equipes de ingleses, franceses, espanhóis, holandeses e argentinos pesquisarão milhares desses livros. Como os navios eram veleiros, totalmente dependentes das condições atmosféricas, os diários registravam a situação de cada local em cada época, com atualizações feitas até de hora em hora. São informações minuciosas sobre o clima marítimo, ainda hoje pouco conhecido. O objetivo do proj~to, financiado pela União Européia, é formar um banco de dados que alimentará modelos computadorizados de previsão do
O Reso/ution, do inglês James Cook: estudos meteorológicos
O mapeamento do genoma do abacaxi (Ananas comosus), que é nativo do sul do país mas encontrou ambiente mais propício na Amazônia, será concluído até o fim do ano que vem. Ele é parte do projeto Avaliação e utilização de recursos genéticos de abacaxi da Amazônia para obtenção de variedades resistentes, de-
Abacaxi: combate à fulariose
senvolvido em parceria pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), seu congênere francês Cirad e a Universidade do Algarve (Portugal). A Embrapa, dona de uma coleção de 701 variedades da espécie, promoveu uma reunião de avaliação com os pesquisadores em sua sede de Cruz das Almas (BA), de 3 a 7 de julho último. O mapeamento é feito na Universidade do Algarve (o projeto é financiado pela Comunidade Européia) e abrirá caminho para o desenvolvimento de variedades resistentes a doenças como a fusariose, maior problema da cultura. •
CIÊNCIA
BIOQUÍMICA
Avanço no estudo de peptídios Trabalho de grupo brasileiro é reconhecido internacionalmente
tem obter dados sobre a conformação dela e suas interações, por meio da técnica de espectroscopia por ressonância paramagnética eletrônica (RPE). É um estudo difícil, demorado e caro, sobretudo pela complexidade dos peptídios, que são formados por uma cadeia de aminoácidos. Cada aminoácido tem uma cadeia lateral
de das cadeias laterais, dificultando a obtenção de dados precisos.
Novo marcador - A grande contribuição do grupo foi usar um marcador de spin que pode ser ligado à cadeia principal. O marcador é o TOAC (ácido 2,2,6,6-tetrametilpiperidinarês pesquisadores brasileiros 1-oxil-4-amino-4-carboxílico), única ganharam destaque mundial molécula conhecida que é ao mesmo num setor estratégico da bioquímica tempo um aminoácido e um de hoje: desenvolveram técradical livre bem estável. nicas para analisar com mais O Toac faz a diferença eficiência a estrutura molecuComo aminoácido, pode ser introduzido em peptídios, lar de proteínas e peptídios proteínas e outras macromo(compostos de aminoácidos formados sinteticamente ou léculas, e o fato de conter um radical nitróxido permite por hidrólise de proteínas). que funcione como marcaSuas descobertas, iniciadas na década de 80, foram relador de spin. Sendo um composto patadas na edição de 29 de ramagnético (por ter um elémaio último da prestigiada revista Chemical & Engitron desemparelhado), o neering News (páginas 54TOAC permite a espectros59), da American Chemical copia de RPE para estudar as propriedades estruturais e Society. dinâmicas do marcador isoO trabalho de Clóvis Nalado e da molécula à qual kaie, chefe do Departamenestá acoplado, bem como os to de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo efeitos de alterações do meio (Unifesp), Shirley Schreier, onde está a molécula. Com espectros de RPE se do Departamento de BioPor meio da espectrosco pia por ressonância pode, por exemplo, observar química da Universidade de paramagnética eletrônica (RPE) usando Toac, tornam-se claras as diferenças entre as duas São Paulo (USP), e Antônio alterações conformacionais formas do peptídeo tricogina: a da esquerda é mais Cechelli de Mattos Paiva, quando um composto se liga desordenada e apresenta mais estruturas em forma a uma membrana biológica professor de Biofísica da de hélice que a da direita. As moléculas de Toac, usadas como marcadores, estão em laranja Unifesp, facilita o estudo da ou modelo. Assim, a ligação e o peptídeo em cinza. de um marcador de spin perconformação molecular de proteínas e peptídios, bem mite obter dados sobre o Fonte: Glenn Milhauser e Claudio Toniolo/Chemical & Engineering News n. 78 como da interação desses grau e a natureza da movicompostos entre si e com mentação, da conformação e (r), que fica pendente da cadeia prinmembranas celulares. Os resultados da estruturação da molécula ou do cipal do peptídio. sistema investigado. têm muitas aplicações, entre elas a RPE O método convencional por possível criação de drogas terapêuera ligar numa cadeia r algum marcaticas. Desafio superado - O TOAC tem a dor, para obter um sinal no aparelho. O objetivo era aperfeiçoar o mévantagem de ser aminoácido e a desMas, dessa forma, o marcador ficava todo que usa marcadores de spin vantagem de ser radical livre - porlonge da cadeia principal, objeto (direção do eixo de rotação do elétanto, passível de degradação químimaior do estudo, e as informações tron). Inseridos numa molécula, esca, conforme o meio em que esteja. eram mascaradas pela alta mobilidases marcadores (spin labels) permiEsse era o grande desafio quando se
T
PESQUISA FAPESP • SETEMBRO OE 1000 • 35
pensou em ligá-lo a cadeias peptídicas pela metodologia de síntese e química de peptídios, já dominada pelo grupo. Paiva, especialista em química de peptídios, e Shirley, em cujo laboratório se usa muito a técnica RPE, discutiram o problema, com a participação do então pós-graduando Nakaie. Das discussões, e de resultados iniciais promissores, surgiu a técnica que permitiu incorporar o TOAC à cadeia peptídica e estudar as propriedades conformacionais do peptídio, desenvolvida em 1980 na tese de doutoramento de Nakaie. O avanço de Nakaie consistiu em encontrar uma seqüência de procedimentos (ou protocolos) de pesquisa química, que permitiu ligar o TOAC à ponta de um peptídio. Devido à sua estrutura química e à rigidez de sua ligação à cadeia peptídica, esse marcador fornece dados mais precisos sobre a conformação do peptídio do que os obtidos com os spin labels usados até então, em geral ligados só a cadeias laterais dos aminoácidos. Paiva salienta: "Desenvolvemos a síntese e a aplicação de uma molécula especial que se incorpora ao peptídio de maneira bem estreita, íntima. Dali para a frente, poderíamos lidar com seqüências peptídicas cuja dinâmica estaria sendo fielmente reportada por um eficiente marcador". "Até então", diz a pesquisadora Shirley, "ninguém tinha comprovado a possibilidade de marcação peptídica com um aminoácido paramagnético como o TOAC. Além do mais, mostramos também que o espectro de RPE do TOAC ou do TOAC-peptídio era afetado pelo pH (índice de acidez), resultante da ionização do grupamento amínico desse marcador de spin. Esse resultado deixava em aberto, portanto, a possibilidade intrigante de que esse marcador ou o peptídio marcado poderiam funcionar como sensores de pH do local onde se encontrassem."
Depois do doutoramento, Nakaie prosseguiu nessa linha e tem sido responsável pelos principais avanços no desenvolvimento de estratégias de síntese, marcação e uso de peptídios marcados com TOAC e derivados nos últimos anos.
Aparelho de RPE captando os sinais emitidos pelo marcador de spin: molécula desvendada
Molécula especial -
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pós-graduação Reinaldo Marchetto - hoje docente do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista em Araraquara - resolveram o problema: combinaram etapas de dois métodos de síntese peptídica, introduziram um tratamento alcalino ao final da síntese e obtiveram assim o primeiro peptídio marcado com TOAC numa posição interna da seqüência (TOAC7-angiotensina II). Estava vencida a última barreira ao uso de TOAC com um aminoácido qualquer e abria-se a possibilidade de colocá-lo em qualquer posição na cadeia, o que ampliava enormemente sua potencialidade de uso. "Então, mandamos o trabalho a uma importante revista de Química (Journal of Ame-
Estratégia incomum - "Vencido o primeiro desafio", diz Nakaie, "existia um outro, e mais complexo: sendo o TOAC um aminoácido, deveria idealmente ser possível sua inserção também em posições internas de seqüências peptídicas e não só na ponta. Entretanto, por problemas de instabilidade química no protocolo de síntese empregado, isso não foi viável na época. Na estratégia de síntese necessária para a introdução do marcador no meio da cadeia ocorria uma decomposição irreversível do grupo nitróxido do TOAC, inviabilizando a obtenção dos espectros de RPE." Só na década seguinte (em 1993), com os avanços na química de peptídios, Nakaie e seu estudante de
rican Chemical Society). O artigo foi aceito como uma comunicação para publicação rápida, evidenciando o reconhecimento de sua importância", comenta Shirley. Nakaie prosseguiu as pesquisas, corrÍ recursos da FAPESP, para melhorar a síntese de peptídios em resinas e verificar, com o TOAC, como essas resinas se comportam em diferentes situações. A marcação pelo TOAC permite acompanhar bem a síntese, que é um trabalho muito caro. O acompanhamento permite, por exemplo, mudar o meio solvente, escolhendo fases em que o sinal do marcador indica maior mobilidade (ou solvatação) do composto, o que melhora os resultados. Nakaie explica: "Há solventes em que o grão da resina fica 'empacota-
do' e outros em que o grão se 'solta' mais, as cadeias ficam mais livres e a reação vai mais veloz, com mais rendimento". Com a mobilidade maior, a síntese de peptídios fica mais barata. Esses resultados mais recentes foram tema de uma publicação em 1999. Relevância biológica - Proteínas e peptídios têm grande importância fisiológica. O estudo de suas interações com outros peptídios, proteínas, carboidratos, oligonucleotídeos, anticorpos e variados componentes da membrana celular pode dar informações essenciais, em nível molecular, para entender como hormônios, enzimas e outros compostos agem. Isso pode permitir a criação de novas drogas terapêuticas.
e por G.L. Millhauser, da Universidade da Califórnia (EUA).
a Proteínas G: Receptores de Peptídios Vasoativos
Repercussão- Além de atrair pesquisadores americanos e europeus, o trabalho do grupo, pioneiro na simplificação e no barateamento da síntese de peptídios, repercutiu no setor privado: a Toronto Research Chemicals, do Canadá, investiu em marcadores de spin e iniciou a produção de TOAC. Os pesquisadores só lamentam não ter patenteado a técnica em
Investimento: R$ 331.886,26 e US$ 130.840,00 ·CLOVIS RYUICHI NAKAIE, formou-se em Ciências Farmacêuticas (1974) e fez doutorado em Bioquímica (1980) na Escola Paulista de Medicina, atual Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desde 1978 é professor na Unifesp, onde chefia o Departamento de Biofísica. Projeto: Síntese e Estudos Físico-Quí-
Shirley Schreier, Antônio Paiva e Clóvis Nakaie: esforço conjunto de duas décadas ganha destaque
Também se intensificam estudos para relacionar conformação e função biológica de peptídios biologicamente ativos, como os hormônios envolvidos em processos de manutenção da vida ou que influem na causa de doenças. Shirley salienta: "A função fisiológica de um composto é conseqüência de sua estrutura, por isso é que esses estudos são importantes". É nesse contexto que se salienta a investigação dos pesquisadores, reconhecida no artigo da Chemical & Engineering News, que os descreve como iniciadores de uma linha de investigação também seguida nos últimos 20 anos por outros - em especial os grupos liderados por Claudio Toniolo, da Universidade de Roma (Itália),
1993, quando publicaram a descoberta no fournal of American Chemical Society. "Na época não se falava em patente por aqui. Era uma coisa que nem passava por nossa cabeça", revela Nakaie. Nos últimos anos a situação mudou e ele obteve patentes ligadas a etapas recentes do trabalho. • PERFIS: • ANTONIO CECHELLI DE MATTOS PAIVA formou-se médico pela Escola Paulista de Medicina (1952), onde foi professor titular de Biofísica (1966-1998) . Também foi titular de Bioquímica no Instituto de Química da USP (1980-1984). Projeto: Relações entre Estrutura e Atividade de Receptores Acoplados
micos de Copolímeros de Estireno como Matrizes de Síntese Peptídica e de Cromatografias Líquidas em Coluna
Investimento: R$ 65.858,45 e US$ 107.779,00 . • SHJRLEY SCHREIER graduou-se em Química pela USP (1962), onde também tornou-se professora (1965), doutora ( 1969) e titular do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química (1990). Foi pesquisadora visitante em vários centros do exterior, notadamente no National Research Council do Canadá, nos anos 70. Projeto: Anestésicos Locais: Síntese, Propriedades Estruturais e FísicoQuímicas e Interação com Membranas Modelo e Biológicas
Investimento: R$ 206.415,79 e US$ 259.048,91 PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 37
CIÊNCIA
A médica Jú lia Maria: pesquisa fo rneceu parâmetros co nfiáveis a campanhas de prevenção como as de acidentes do trânsito
É intensa a presença das
drogas em vítimas de traumas atendidas no HC abe-se que álcool e outras drogas têm grande relação com traumatismos e mortes em acidentes e agressões. Agora, um estudo pioneiro, baseado em atendimentos no ProntoSocorro do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), vem quantificar essa relação causa-efeito: 46% das vítimas de agressão estavam sob efeito de doses excessivas de álcool, assim como 24% das vítimas do trânsito e 20% das vítimas de quedas. E ainda: 14% dos acidentados ou agredidos haviam usado maconha, cocaína ou anfetaminas poucas horas antes. O estudo, Álcool e Drogas em Vítimas de Causas Externas, foi financiado pela FAPESP e coordenado pela médica especialista em traumatismo raquimedular Júlia Maria D'Andréa.
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Causa externa, ela explica, abrange "acidentes de trânsito, atropelamentos, agressões, quedas e acidentes no trabalho': No Brasil, são a segunda causa de morte e a primeira entre pessoas de 10 a 49 anos (dados de 1996). Lícito e barato - Já em 1996, o Departamento de Traumatologia e Ortopedia do HC- cujo pronto-socorro cirúrgico é o maior centro de atendimento de urgência do país- fora convidado pelo programa federal de prevenção de acidentes de trânsito (o PARE) para informar sobre influência do álcool nos acidentes. Júlia sabia dessa relação, pelos depoimentos de pacientes do H C. Afinal, como salientou, "o álcool é a droga mais consumida pela nossa população, pois seu uso é lícito, o acesso fácil e o preço baixo': Faltava uma pesquisa que não deixasse dúvidas. Procurou o que havia no país sobre o assunto e não achou uma amostragem precisa. Qualquer programa preventivo, como o PARE, se ressentiria da lacuna: não teria parâmetro para avaliar seus resultados.
Em conversas com colegas, Júlia concluiu que um levantamento no pronto-socorro do HC daria a medida da influência do álcool nos acidentes. Ao entrar em cantata com o Instituto Médico Legal (IML) do Estado de São Paulo e com Ovandir Alves da Silva, professor da Faculdade de Farmácia da USP, decidiu ampliar o projeto. A equipe, que também contou com Naim Sawaia, do Departamento de Medicina Preventiva, Dario Birolini e Renato Poggetti, ambos do Departamento de Cirurgia do HC, resolveu em 1998 analisar não só acidentes de trânsito, mas todos os eventos de causas externas, e, além do álcool, as drogas ilícitas. Então requereu o financiamento da FAPESP. Primeiro, alunos de Enfermagem e Medicina da USP colheram amostras de sangue e urina dos atendidos que consentiram em participar anonimamente. Também foram aplicados questionários. Como o álcool é facilmente metabolizado, a amostra de sangue era colhida até no máximo seis horas após o acidente, enquanto apre-
Constatou-se a universasença de outras drogas era O estudo e o álcool lidade do uso do álcool, sem verificada na urina. Seriam distinções de nível cultural. necessários cerca de SOO ESCOLARIDADE NÚMERO DE CASOS ALCOOLEMIA(+) Mesmo entre os que têm pacientes para uma amosSem escolaridade 161 43 (26.7%) ou Io grau incompl eto mais escolaridade, o númetragem adequada, todos ro de vítimas é semelhante com menos de 6 horas desIo grau incompleto 114 27 (23,7%) ou 2° grau incompleto (e até um pouco superior) de a ocorrência do evento. r grau co mpleto 74 18 (24,3%) ao dos que têm menos ou A coleta de dados ocorreu nenhuma escolaridade. em 71 plantões semanais Superior 50 16 (32,0%) Sexo e idade, contudo, de 12 horas, entre julho de Fonte: Júlia Maria D'Andréa Greve- FMU SP pesaram. O álcool foi detec1998 e agosto de 1999. tado em 34% dos homens A equipe acompanhou e apenas 14,8% das mulheres. Estava 1 g/litro). As outras drogas estavam 476 pacientes, fez 469 análises de domais presente nas pessoas solteiras em 14,1% das amostras de urina. Nos sagem de álcool em sangue e 34 7 de (33,2% delas) e separadas (26,7%) do drogas em urina. No IML, Vilma casos de internação devido à gravidade dos traumas, o índice dos que tique nas casadas (17,6%), além de os Leyton coordenou a análise das dois primeiros grupos serem usuánham álcool no sangue subiu para amostras de sangue com um cromarios mais freqüentes. O grupo mais potógrafo, enquanto o Laboratório de 41,6%- coerente com levantamentos do IML que relacionam morte viositivo para o álcool foi o dos homens Farmacologia da Faculdade de Farentre 20 e 40 anos. O uso abusivo foi lenta e álcool em 40% dos casos. mácia da USP cuidou dos exames de mais evidente nos homens solteiros dosagem de cocaína, maconha e anUma conclusão, diz Júlia Maria, é entre 18 e 44 anos. A equipe acha que fetaminas. que "o álcool não apenas provoca mais a dosagem de alcoolemia deveria ser acidentes e agressões, como também rotina nos atendimentos de urgência. agrava os riscos de lesões e morte': Mortes no trânsito - Os resultados Reforça essa conclusão o alto índice são surpreendentes. Em 29% dos cada presença de álcool nas vítimas de Coquetel de drogas - Embora a presos, havia álcool no sangue (e, entre agressão atendidas: 46,7%. sença de drogas seja menor do que a esses, 84,1% com dosagem acima de de álcool, eles consideraram alarmante a porcentagem de 14%. A Os efeitos do álcool mais utilizada é a maconha (6,3% dos analisados), seguida de perto SINAIS CLÍNICOS E SINTOMAS ALCOOLEMIA (g/L) ESTÁGIO pela cocaína (5,7%) e, surpreendenO. I A 0,5 Sobriedade Nenhuma influê ncia aparente; testes especiais revelam temente, por um explosivo coquetel pequenos transtornos cl ínicos. de drogas (5,9% tinham álcool, ma0,3 a 1,2 Euforia Suave euforia; sociabilidade; decréscimo das inibições; conha e cocaína misturados). diminuição da atenção, julgamento e controle; perda Se os dados obtidos no HC pauda eficiência em testes especiais. listano forem complementados por Excitação Instabilidade emocional; decréscimo da inibição; perda 0,9 a 2,5 do julgamento crítico; enfraquecimento da memória pesquisas em outros locais e em escae da compreensão; decréscimo da resposta sensitiva; la nacional, teremos uma dimensão alguma incoordenação muscu lar. m~is geral do problema. • 1,8 a 3,0
Confusão
Desorientação; confusão mental e vertigens; estado emocional exagerado (medo, aborrecimentos, aflição); distúrbio da sensação e da percepção às cores, formas, movimentos e dimensões; debilidade no equilíbrio; incoordenação muscular; vacilação no modo de andar e dificuldade na fa la.
2,7 a 4,0
Estupor
Apatia; inércia geral; diminuição marcada das res postas aos estímulos; marcada incoordenação muscu lar com instabilidade para suportar o andar; vômitos; inconti nência de urina e fezes; debilidade da consciência.
3,5 a 5,0
Co ma
Completa inconsciência; coma; anestesia; debili dade e abolição dos refl exos; incontinência de uri na e fezes; dificul dades circulató rias e respiratórias; morte possível.
> 4,5
Morte
Parada respiratória
Obs.: 0,1 g/L corresponde a um copo de cerveja.
Fonte: Dubowski KM.Akohol determination in clinicolloboratory. American Journal Clinkal Pathology, 1980; 74:747-50.
PERFIL:
49 anos, paulista de Limeira, formada em Medicina (1975) pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, com mestrado (1989) e doutorado (1995) em Reumatologia pela FMUSP. É médica fisiatra do Departamento de Traumatologia e Ortopedia do HC da FMUSP desde 1992. Projeto: Álcool e Drogas em Vítimas • JúLIA MARIA D'ANDRÉA GREVE,
de Causas Externas PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 39
CIÊNCIA
BIOELETRÔNICA
Pigmento da pele em baterias Composto com melanina aumenta a vida útil de dispositivos eletrônicos elanina (do grego mélanos, "escuro"), o pigmento responsável pela coloração da pele, é normalmente associado à proteção solar: ao absorver luz, protege o organismo dos raios solares. É também um material semicondutor - e essa característica amplia sua importância. Por essa razão, Carlos Graeff, professor associado do Departamento de Física e Matemática da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, mergulhou no estudo da melanina para ir além de sua função natural e avaliar a possibilidade de novas aplicações. A melanina é um material biológico diferente, devido à sua natureza semicondutora. Semicondutores são os componentes básicos de dispositivos eletrônicos como os circuitos integrados. O domínio da preparação e da análise dos semicondutores com o objetivo de produzir tais dispositivos é atualmente crucial para o desenvolvimento científico e tecnológico. O projeto pelo qual Graeff estudou a produção e as características da melanina é Propriedades Optoele-
M
trônicas de Polímeros Condutores e Biopolímeros, desenvolvido entre 1997 e 1999 com financiamento da FAPESP. Pele, penas e lulas - Na verdade, há várias melaninas, classificadas em grupos segundo a origem. Existem, por exemplo, as feomelaninas, responsáveis pela cor avermelhada do cabelo, e as alomelaninas, encontradas em plantas. 40 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Carlos Graeff: buscando unir vantagens de sistemas biológicos ao mundo da eletrônica
O grupo mais freqüente e estudado, porém, é o das eumelaninas, que elimina radicais livres e age como antioxidante. Esse tipo de melanina é encontrado em muitos sistemas naturais, desde plantas como a bananeira até fungos. Sua presença na pele e nos cabelos protege contra lesões produzidas pela luz solar e por poluentes. É o pigmento responsável pela cor da pele, dos cabelos, das penas, dos pêlos - e até mesmo da tinta da lula e do polvo, segundo trabalho dos pesquisadores americanos Miles Chedekel e Lisa Zeise na publicação Cosmetics & Toiletries. A eumelanina também é comestível: a tinta da lula é usada para colorir, aromatizar e dar textura aos molhos. Entre os que estudam a melanina no Brasil está o professor Amando Ito, do Instituto de Física da USP em São Paulo. Ele chamou a atenção de Graeff para as propriedades da melanina como semicondutor amorfo (não cristalino). Entre as vantagens dos semicondutores amorfos sobre os cristalinos estão a possibilidade de produção a custo menor e a de cobrir áreas maiores (como em uma célula de painel solar, por exemplo). Outros pesquisadores, como Douglas Gaivão, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), e
Marília Caldas, da USP, deram contribuições importantes ao estudo, especialmente sobre a estrutura eletrônica da melanina. Propriedades eletrônicas - É incomum que um material de origem biológica tenha a propriedade de ser um semicondutor, daí o interesse de Graeff. Uma das prioridades do estudo sobre semicondutores amorfos desenvolvido pelo aluno de mestrado Pablo José Gonçalves, sob a coordenação de Graeff, foi investigar a interação de moléculas de água com melanina. Esse estudo foi feito com a melanina sintética chamada DOPA-melanina. Graeff explica que a DOPA-melanina em sua fase sólida é composta por 20% de água, mas pouco se sabia do papel que a água desempenha em sua estrutura. Para estudar essa interação, o grupo usou a técnica deressonância paramagnética eletrônica (RPE): "Pudemos tirar informações indiretas sobre a ligação da água e seu papel na estrutura física e eletrônica da melanina", informa o físico . A água tem uma importância até então não avaliada na condutividade elétrica da melanina: quando se altera a proporção de água, por exemplo,
Síntese da melanina: líquido escurece no processo, que demora cinco dias Ferramenta de estudo: diafômetro de raios-X mostra arranjos atômicos
a condutividade pode ser reduzida em até 1.000 vezes, segundo medições e experimentos realizados em laboratório. Já na fase final de desenvolvimento do projeto, Graeff soube que na Universidade de Houston (EUA) o professor Melvin Eisner conduzia pesquisas na mesma linha. Ambos fizeram um trabalho conjunto sobre o assunto. O projeto também despertou o interesse do químico Sérgio Galembeck, que realiza cálculos para descrever a interação água-melanina em nível molecular.
dutividade significativamente superior à do pentóxido de vanádio puro, que pode ser usado em baterias de lítio. O estudo da síntese, da caracterização e das propriedades desse novo material teve os resultados publicados no ]o urna[ of Material Chemistry dos Estados Unidos e recebidos com interesse num encontro realizado em 1999 em São Francisco (EUA), onde Oliveira fez uma preleção. "A melanina melhora a estabilidade do material no processo de carga· e descarga de íons de lítio", afirma Graeff, com base nos primeiros experimentos. A conseqüência importante disso: aumenta o tempo de vida útil das baterias baseadas nesse material híbrido e diminui o tempo necessário para a carga e a recarga.
Baterias melhores - Outro estudo, dentro do projeto patrocinado pela FAPESP, é feito em colaboração com o professor Herenilton Oliveira, do Departamento de Química da USP em Ribeirão Preto: o objetivo é avaliar a intercalação da DOPA-melanina com o pentóxido de vanádio. As pesquisas já desenvolvidas indicam que, ao se combinar melanina e pentóxido de vanádio, forma-se um novo composto: é um híbrido de con-
Bioeletrônica - Além da melanina, Graeff se interessa por outros materiais e dispositivos potencialmente úteis na chamada bioeletrônica. A bioeletrônica tem como objetivo acoplar unidades de funções biomoleculares, como moléculas ou proteínas, com dispositivos eletrônicos. Um exemplo são os sensores capazes de medir e estimular impulsos neuronais, que podem ser usados para entender funções ou corrigir disfunções cerebrais.
"Consideremos o cérebro humano em comparação com os computadores", diz ele. "Fica claro que um grande desafio será unir em dispositivos futuros as vantagens de sistemas biológicos ao mundo da eletrônica atual à base de semicondutores inorgânicos." A melanina, por ser um material de origem biológica, é naturalmente biocompatível, portanto pode ser útil no desenvolvimento dessa nova tecnologia que acopla a eletrônica aos seres vivos. Para tanto, Graeff acredita que materiais híbridos orgânicos e inorgânicos, como o pentóxido de vanádio intercalado com a melanina, têm grande potencial de uso em diversas áreas, como na indústria de baterias para telefones celulares. Um exemplo clássico de utilização de materiais híbridos orgânicos e inorgânicos são os chamados biossensores (ver Notícias FAPESP n° 46). Tudo, por enquanto, está no campo das possibilidades. Graeff e sua equipe prosseguem nos estudos com materiais de interesse para a bioeletrônica, em busca de novas tecnologias de baixo custo. • PERFIL: • CARLOS FREDERICO DE OLIVEIRA GRAEFF, 32 anos, paulista de Ribeirão Preto, formou-se em Física (1989) na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), onde fez mestrado (1991) e doutorado (1994) em Física Aplicada. Fez pósdoutorado em Ressonância Magnética Eletrônica, Semicondutores e Dispositivos Eletrônicos no Walter Schottky Institut de Munique (Alemanha). Professor associado do Departamento de Física e Matemática da USP em Ribeirão Preto desde 1999, é vice-coordenador de pós-graduação em Física Aplicada à Medicina e à Biologia. Projeto: Propriedades Optoeletrônicas de Polímeros Condutores e Biopolímeros Investimento: R$ 16.489,99 e US$ 33.293,50 PESQUISA FAPESP · SETEMBRO OE 1000 • 41
TECNOLOGIA
QUÍMICA
Mistura fina, sensível e seletiva Pesquisa produz filtros com a junção de óxidos de metais e celulose ma nova família de filtros químicos com potencial para U uso em laboratórios e indústrias foi elaborada por pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). São filmes finos e microscópicos, compostos de fibras ou membranas de celulose com uma cobertura de óxidos metálicos, numa junção chamada de compósito. Esses filtros têm características seletivas e, de acordo com a sua formulação, conseguem identificar em meio a inúmeras substâncias, durante uma análise química, apenas aquela em que os pesquisadores estão interessados. Um exemplo é a identificação do crômio 6, um elemento de alto potencial tóxico tanto para o homem como para o ambiente, que ocorre em rejeitas industriais, principalmente em efluentes de curtumes. Em geral, essa substância está acompanhada do crômio 3 (pouco tóxico), dificultando a sua localização. Com o desenvolvimento de um compósito de óxido de titânio e celulose, que funciona como um filtro, é possível detectar níveis ínfimos de crômio 6. A pesquisa foi coordenada pelo professor Yoshitaka Gushikem, do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Unicamp. O projeto Propriedade de Compósitos de Óxidos Metálicos/Celulose: Desenvolvimento de Novas Membranas e Fibras Quimicamente Modificadas foi financiado pela FAPESP por meio do programa de Auxílio à Pesquisa. O trabalho, executado entre 1997 e 1999, garantiu um pedido 42 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
de patente e a publicação do capítulo "Preparation ofOxide-Coated Cellulose Fiber", no livro Polymer Interfaces and Emulsions, editado nos Estados Unidos pelo professor Kunio Esumi, da Science University of Tokyo, do Japão. Embora os compósitos celulose/ óxidos metálicos ainda estejam restritos à universidade, suas aplicações potenciais na indústria são grandes. Eles poderão, por exemplo, retirar todos os metais pesados presentes no etanol usado como combustível. Outra aplicação desse filtro seria a retirada de cobre da cachaça, garantindo uma bebida mais pura. Pequenas quantidades desse metal são encontradas na cachaça porque a destilação acontece em alambiques com esse material. Ligado ao oxigênio - Para a fabricação dos compósitos são utilizadas substâncias que reagem de acordo com o que se quh detectar, filtrar ou imobilizar. A variação ocorre com a escolha do metal. Eles são ligados ao oxigênio, por isso são chamados de óxidos metálicos. De acordo com Gushikem, seria difícil utilizar outras substâncias no lugar de óxidos metálicos. Ácidos e bases, na maioria das vezes, não têm metal na composição e não ficam depositados sobre a celulose. Além disso, os óxidos metálicos permanecem insolúveis no meio líquido em que acontecem as reações químicas. O aspecto de um óxido metálico, composto de partículas microscópicas, é de um pó fino muito disperso como um talco finíssimo. A celulose foi escolhida por ser estável tanto no aspecto mecânico como químico. Os pesquisadores es-
tavam acostumados a fazer camadas finíssimas de óxidos metálicos sobre outras superfícies como a sílica. Com o know-how de anos de pesquisa, ficou mais fácil desenvolver os filtros substituindo sílica e outros
uso do filtro na indústria e no laboratório
substratos por celulose. Quando aquecida, manipulada ou inserida em meio a outras substâncias químicas, ela não se quebra, não se esfarela e não é destruída facilmente. Para formar o filtro é pre!=iso recobri-la com películas extremamente finas, constituídas de óxidos metálicos de titânio, zircônio, antimônio, alumínio ou nióbio. Caráter renovável - Essa fibra ou
membrana de celulose recoberta por uma película de óxido metálico recebe o nome de compósito de óxido metálico/ celulose porque não há uma nova formulação química após a reação. Entre as vantagens do uso da celulose na construção dos filtros
estão a facilidade em moldá-la na forma de fibras ou membranas e seu caráter renovável, já que é um biopolímero, ou seja, um polímero encontrado na natureza. Os polímeros são agregados de moléculas simples, que se repetem inúmeras vezes, numa estrutura tridimensional. As moléculas se unem tanto no sentido horizontal, umas do lado das outras, quanto no vertical, umas acima e abaixo das outras. No caso da celulose, cada
muito pouco reativa sozinha. "Quando filmes finos de óxidos metálicos são colocados sobre sua superfície, eles funcionam como uma interface de ligação entre a celulose e outras substâncias químicas, ou seja, a celulose se torna mais reativa", explica. A patente originada no projeto e requerida ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) pela Unicamp refere-se ao processo de preparação de um polieletrólito so~ lúvel em água - que foi ~ imobilizado sobre celuz ~ lose modificada com u ~o óxido de alumínio. Os o inventores são o profesre i? sor Gushikem e os alu;:: ~ nos de pós-graduação Reni Ventura da Silva Alfaya e Antônio Alberto da Silva Alfaya.
Microscopia: celulose coberta com óxido de antimônio
Íon gigante - O polieletrólito, tema da patente, ~ é um tipo de íon gigante, positivamente carregao do, que em contato com f2 i? o compósito celulose/ t;; .: óxido de alumínio forma filmes finos sobre o óxido de alumínio, deixando essa superfície positivaPontos brancos indicam a posição do metal na fibra mente carregada. Por enquanto, o pólieletrólito está em uso molécula é constituída por duas apenas no laboratório, mas o potenunidades derivadas da glicose e unicial de aplicação é bastante amplo. Gushikem explica que polieletrólidas por um átomo de oxigênio. Essa tos são trocadores aniônicos, ou molécula pode se repetir por 1 mil, 10 mil ou 100 mil vezes. seja, substituem íons negativos por As fibras são retiradas de um tecioutros íons negativos. Nas indústrido vegetal, de uma planta, do jeitinho as, esses trocadores são utilizados que estão nesse vegetal, por meio de em conjunto com os catiônicos processamentos químicos. Elas po(substituidores de íons positivos) dem ser posteriormente transformaem processos de dessalinização de das em membranas por processo meágua industrial. Exemplos desse uso cânico, como um esmagamento sob são as caldeiras, que precisam de água muito pura para seu funcionapressão. Nesse caso, em vez da fibra mento, e os reatores nucleares instaque se assemelha a um fio, se obtém a membrana, com uma superfície forlados em prédios com grandes piscimada pelas fibras pressionadas. nas de água dessalinizada. Gushikem diz que o grande segreO professor Gushikem diz que do do projeto foi vencer a relativa outra aplicação importante do poliinércia química da celulose, que é eletrólito será a subsituição de fosfa~"
i
to ou nitrato da água do mar por um tipo de cloreto. Essas duas substâncias, mesmo em níveis relativamente baixos, trazem problemas sérios de poluição para o ambiente marinho. A troca de íons com o polieletrólito, nesse caso, é uma alternativa para despoluir a água. Balanço acadêmico - Todo o projeto consumiu R$ 39 mil, valor utilizado em equipamentos e reagentes. O projeto teve também a colaboração da professora Sandra de Castro, do Instituto de Física da Unicamp, e gerou três teses de doutorado e outras duas que ainda estão em andamento. Também foram publicados 20 trabalhos, um no Brasil e os outros 19 em revistas científicas americanas e européias. Entre os pesquisadores envolvidos, merecem destaque Eduardo Aparecido Toledo, da Universidade Estadual de Maringá, que se doutorou em 1999 e foi co-autor do capítulo publicado no livro Polymer Interfaces and Emulsions, e o professor Ubirajara Pereira Rodrigues, do Instituto de Química da USP, de São Carlos, que se doutorou em 1996, e foi o pioneiro no grupo nesse tipo de trabalho. Todos contribuíram para o conjunto dessas pesquisas sobre esses novos compostos e estabeleceram uma tecnologia inédita para a indústria química. • PERFIL:
• YOSHITAKA GUSHIKEM, 58 anos, formou-se no Instituto de Química da USP e fez doutorado na mesma universidade. Concluiu o pós-doutorado no Japão, na área físico-química. É professor do Departamento de Química Inorgânica do Instituto de Química da Unicamp, onde leciona desde 1971. Gushikem recebeu duas vezes o prêmio Zeferino Vaz, da Unicamp, de reconhecimento acadêmico, em 1997 e 1999. Projeto: Propriedade de Compósitos de Óxidos Metálicos/Celulose: Desenvolvimento de Novas Membranas e Fibras Quimicamente Modificadas Investimento: R$ 39.000,00 PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 43
TECNOLOGIA
ENGENHARIA ELETRÔNICA
Sob o domínio do barulho fabril Empresa desenvolve sensores que controlam máquinas industriais
O problema do BM12 é sua limitação analógica, ou seja, ele funciona sem nenhum aparato digital, e assim é incapaz de se comunicar com as novas máquinas geradas ou melhoradas pelo processo de informatização. "Nosso desafio foi descobrir o que precisava ser feito para o BM12 incorporar as funções digitais, resultando num processo de usinagem mais confiável e de melhor qualidade': explica o coordenador do proje-
Cerca de 30 protótipos da nova geração ganharam vida em máquinas instaladas no chão de fábrica de várias empresas, como a Norton, nos Estados Unidos, e a Zema Szelics, no Brasil. A norte-americana é líder mundial na fabricação de rebolos- discos abrasivos que cortam metais- para máquinas retificadoras e pertence ao grupo Saint-Gobain. A Zema fabrica aqui máquinas que utilizam o rebolo. "Eu uso o produto da Sensis com sucesso. Estou até juntando dados que mostram sua importância para o nosso negócio': relatou o pesquisador Chris Arcona, da empresa Saint-Gobain Abrasives, o homem que gerencia o processo de adaptação do DM42 nas máquinas da Norton.
uem entra no setor de usinagero de uma indústria depara com diversas máquinas multiformes em operações barulhentas. Algumas são chamadas de robôs e todas ganharam recentemente um novo tipo de controle, por meio de sensores que detectam se há algo errado de acordo com o som emitido pelo equipamento. Esse sistema de controle avançado é o tema do trabalho da Sensis, empresa de São Carlos que está prestes a terminar a segunda fase do projeto Pesquisa e Anéis de cerâmica - A Desenvolvimento de Sistechave do sucesso do apamas Microcontrolados para relho são os sensores. Eles Monitoramento de Operasão montados em seis ções de Usinagem de Comformatos, todos levando ponentes de Precisão Utiem suas entranhas pelizando Emissão Acústica, quenos anéis de cerâmica do Programa de Inova- Para aperfeiçoar o aparelho foi necessário criar um software próprio ção Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Com ele, a empresa Sento e sócio da Sensis, Luiz André Mepiezoelétrica, matéria-prima escolhisis conclui as pesquisas para a elabolara de Campos Bicudo. da pela sua enorme capacidade de ração de um novo modelo de sensor. Entre as buscas para aperfeiçoar o funcionar como captador de som. De O novo sistema é um avanço em reaparelho, os cinco sócios da Sensis acordo com as operações a serem lação aos produtos existentes no mervasculharam o mundo dos softwares executadas (fresamento, torneamencado que fazem medição de ruídos to, etc.), os modelos foram sendo depara encontrar um sistema de monipara checagem de processos de protoramento eficaz e confiável. "Tivemos senhados. dução. Na usinagem, esses aparelhos Uma das versões é fixada na base de desenvolver tudo. Não encontramos fazem o controle, por meio de sensode trabalho das máquinas por ímãs, nada que nos interessasse", reforça Bires, em funções como fresamento, fupara que a instalação e o funcionacudo. Assim, ao mesmo tempo em que ração, retificação e torneamento. A mento não dependam de parafusos. avançavam nos modelos de sensores, própria Sensis fabrica um modelo de Um segundo modelo (sensor fluídidesenvolviam um software próprio. sensor, o BM12, capaz de fornecer daco) requereu ainda mais ajustes porDepois de receber todas as inovados confiáveis. Mais de 60 unidades que capta o som da interação das ferções e ser batizado com um novo nodesse equipamento foram vendidas a ramentas com as peças a partir do me, DM42, o modelo foi exaustivafábricas de autopeças do Brasil. mente testado nos últimos meses. óleo de lubrificação da própria má-
Q
44 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
quina. O tempo de resposta do sistema é da ordem de 7 a 8 milissegundos. Em outra versão do DM42, foram acrescidos instrumentos de temporização e lógica, dispositivos que controlam os ciclos de interação das peças com as máquinas, além de definir a natureza dos sinais registrados. No conjunto, mais de 20 parâmetros são definidos, tais como o nível do som que vem do sensor para ser amplificado e em seguida comparado no computador. Monitorar uma peça fundida em processo de retificação é apenas uma das missões do DM42. "É perfeitamente possível analisar o grau de desgaste do rebolo e assim aferir maior qualidade ao processo final", explica Juarez Felipe Júnior, sócio da Sensis. Devidamente alimentado por parâmetros de sons, o DM42 é capaz de detectar a posição real do rebolo e as características de sua superfície. Ao fazer isso evita problemas. Pelas características da imagem mostrada numa tela de computador o operador de uma máquina retificadora pode acionar uma etapa de correção do rebolo, conhecida como dressagem, que consiste no reavivamento dos milimétricos grãos do rebolo com o uso de um diamante afiado.
(Numa) da Escola de Engenharia o DM42 para os fabricantes de máMecânica da Universidade de São quinas industriais. Assim, como nas Paulo (USP), câmpus de São Carlos. linhas de montagem da indústria Ali, o atual coordenador João Gomes automobilística, o DM42 deverá ser um dispositivo montado no painel de Oliveira abriu uma linha de pesquisa, em 1993, depois de ter retornade comando de retificadoras, tornos do dos Estados Unidos onde fez seu furadeiras etc. pós-doutorado. Nos laboratórios da Com a inovação proporcionada Área de Fabricação Mecânica da Unipelo DM42, os processos na área de versidade da Califórnia, Gomes trausinagem continuarão barulhentos e balhou como assistente do pesquisaaté inóspitos, mas ficarão mais sofisdor David Dornfeld, um visionário ticados, precisos e econômicos. • que no início da déca- z . - - - - - - - - - - - - - - - - , da de 90 fazia um estu- ~ do de caráter acadêmi- ~ DM42: será acoplado co sobre processos de ~" ao painel de várias emissão acústica.
Juarez e Luiz: pesquisa de ponta na USP e na empresa
Sem colisões - Por eliminar etapas lentas, como a vagarosa apro-
ximação dos rebolos, e também por ser capaz de detectar colisões com peças colocadas acidentalmente, o DM42 torna o processo de usinagem mais rápido e seguro. Ao simples contato da ferramenta com um objeto que não deveria estar no campo operacional da máquina, o dispositivo interrompe automaticamente o funcionamento do conjunto de rebolos. "Numa fábrica que ganhe um minuto por peça fabricada, a conta no fim do mês pode ser impressionante", lembra Bicudo. O nascimento da Sensis ocorreu no Núcleo de Manufatura Avançada
Início da criação- A Sensis foi fundada, por alunos de Gomes, em 1995 como uma empresa incubada na Fundação ParqTec. O primeiro dos cinco sócios que começou a pensar na criação de uma empresa foi Luiz André Bicudo. Em 1993, ele iniciou os estudos que o levaram ao desenvolvimento do primeiro torno didático, o Didat. Esse equipamento acabou sendo comercializado pela Sensis, principalmente para escolas técnicas. No momento, a Sensis concentra seus esforços em entrar firme no mercado de implementos, vendendo
PERFIL:
• Luiz ANo~ MELARA DE CAMPOS BICUDO, formado em Ciência da Computação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Fez mestrado e doutorado na Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Projeto: Pesquisa e Desenvolvimento de Sistemas Microcontrolados para Monitoramento de Operações de Usinagem de Componentes de Precisão Utilizando Emissão Acústica
Investimento: R$ 135.505,00 e US$ 29.229,00 PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 45
Ripper e Scarabucci: investimento na pesqu isa para desenvolver novas tecnologias e novos aparelhos salvou a Asga da falê ncia
política de abertura do mercado brasileiro ao exterior, no início da década de 90, levou empresas de diversos setores a fechar as portas. A indústria de componentes para telecomunicações praticamente desapareceu. A solução que algumas empresas encontraram para permanecer no mercado foi mudar ou ampliar o ramo de atuação - caso da Asga Microeletrônica, que produz equipamentos para rede de acesso em telefonia e foi uma das primeiras participantes do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) lançado em 1997 pela FAPESP. O projeto, que está prestes a ser finalizado, recebeu o nome de Desenvolvimento de Multiplexador/Modem Óptico 16xE1 com Inovações Tecnológicas. Sediada em Paulínia, a 118 km da capital paulista, a Asga conseguiu superar anos de prejuízo e tornar-se uma referência para o mercado de telecomunicações. Foi a primeira empresa nacional a desenvolver e produzir um multiplexador óptico, o
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MM016xE1, equipamento que transforma sinais elétricos em sinais luminosos utilizados nas transmissões telefônicas via fibra óptica. Segundo estimativa formulada pela Asga, esse mercado deve movimentar no Brasil cerca de US$ 25 milhões este ano e US$ 80 milhões até 2004. Exportação em pacote - Com 90 funcionários e faturamento de cerca
O bom momento da telefonia O Brasil é considerado um dos mercados mais cobiçados em todo o mundo na área de telefonia. O país vive um momento de grande expansão e até 2003 estima-se que os investimentos no setor cheguem a US$ 80 bilhões, ou 12% do mercado mundial, avaliado em US$ 626,5 bilhões. Desse total, US$ 119,7 bilhões são para a área de equipamen-
de R$ 25 milhões previsto para este ano, a Asga já responde por 60% do total de multiplexadores ópticos comercializados no país. Entre os seus clientes estão operadoras como Telefônica, Telemar, Telecentrosul e empresasespelho. Além disso, o MM016xE1 começou a ser exportado recentemente dentro de um pacote de soluções completas comercializado por uma multinacional.
tos e o restante, US$ 506,8 bilhões, para serviços. Hoje, o molde da atual realidade brasileira no setor, que continuará a valer por muitos anos, baseia-se na construção de infra-estrutura e na instalação de equipamentos, um nicho a ser explorado por grandes e pequenas empresas que tenham produtos com tecnologia agregada. Até o próximo ano, as operadoras que assumiram o comando das 12 empresas do Sistema Telebrás terão de entregar mais de 15 milhões de
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A Asga não esconde o segredo que a fez atingir sua invejável posição: investimentos em pesquisa. Nos últimos dez anos, investiu cerca de R$ 25 milhões, boa parte gasta com pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias e novos produtos. Fundada em 1989 por um grupo de ex-professores do departamento de física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), a empresa começou fabricando componentes optoeletrônicos para equipamentos de telefonia como o multiplexador. Com a abertura às importações e a chegada de concorrentes internacionais, ela teve de diversificar as atividades e investiu na área de equipamentos completos de rede de acesso para centrais telefônicas, inclusive para aparelhos de PABX de grandes empresas. Nos anos de 1992 a 1994 a empresa teve quedas de até 70% Linha no faturamento, mas investiu cerca de R$ 2,5 milhões em projetos. Finalmente, em 1995, veio o primeiro resultado positivo da década. Nos quatro anos seguintes, a empresa apresentou um crescimento de 30%. "Migramos do mercado de componentes para o de equipamentos e conseguimos superar a crise com investimentos em tecnologia': diz o diretor-presidente, José Ellis Ripper Filho. Carioca de 61 anos, Ripper formou-
telefones fixos, totalizando 33 milhões de terminais. Em 2003, a estimativa é que serão mais de 40 milhões de terminais, o que significa um crescimento de mercado de 20% ao ano. A Associação Brasileira da Indústria de Eletro-Eletrônicos (Abinee) calcula que até lá haverá investimentos de R$ 67 bilhões para a compra de novos equipamentos. Como comparativo, em 1999, segundo o anuário Telecom 2000, o faturamento de produtos de telecomunicações no Brasil chegou a US$ 11 bilhões.
.,~iêii;i;!~ ~ :il~ mado de modem óptico, nome
que mais tarde foi difundido na área de telecomunicações. Em 1996, a empresa conseguiu um grande contrato de fornecimento do modem óptico para várias operadoras de telefonia, então estatais, como Telegoiás e Telebahia, e introduziu vários aperfeiçoamentos em seus produtos. A função do multiplexador modem óptico MM16xE1 é recolher os sinais elétricos que chegam a uma central telefônica, transformá-los num feixe de luz e transmitir para outra central por meio de fibra óptica. "É como se fosse um transporte coletivo, que nesse caso leva ao mesmo tempo diversos sinais elétricos num único feixe de luz': explica Rege Romeu Scarabucci, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Asga e coordenador do projeto. Quando chegam à outra central, os sinais são novamente transformados em pulsos elétricos e seguem para novos caminhos. "O equipamento consegue transmitir uma grande quantidade de sinais com ótima qualidade': afirma Scarabucci. O MM016xE1, chamado naAsga de 16E1, pode transportar ao mesmo tempo 480 linhas num só feixe de luz, a uma velocidade de 34 Mb/s (megabites por segundo) . Essas linhas podem transportar voz, dados e imagens. ::>
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de produção: aparelho para exportação
se engenheiro elétrico, tem paixão pela Física e morou nove anos nos EUA, onde fez doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Transporte coletivo - Na nova fase
da Asga, o primeiro equipamento d~ senvolvido foi um conversor eletroóptico de sinais elétricos padrão G703 para fibra óptica, conhecido como elo-2 (ou elinho) e depois cha-
Na área de telefonia celular os números também são grandiosos. As empresas registram o crescimento anual de 40% na adesão de assinantes a esse tipo de serviço. Só a abertura da nova Banda C, no próximos meses, vai movimentar cerca de R$ 7 bilhões. Além do mercado de telefonia, o País tem grande potencial para uma série de serviços com grande demanda reprimida, como comunicação de dados, texto e vídeo e serviço troncalizado (truncking).
O potencial do mercado brasileiro de telefonia atrai grandes fabricantes internacionais de equipamentos de telecomunicações, como Motorola, Nortel, Siemens e Ericsson (veja a seção Linha de Produção na página 49). Essas empresas estão montando suas plantas no País ou expandindo investimentos já existentes para aproveitar o bom momento pelo qual passa o Brasil. A maioria dessas empresas está instalada, principalmente, na Grande São Paulo e nas regiões de Campinas e São José dos Campos.
PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 1000 • 47
te, com a realização de um estudo de viabilidade, alguns testes dos circuitos principais e levantamento das necessidades de controle e de gerência do equipamento. A segunda fase ocorre junto com o processo de industrialização dos equipamentos de acesso dotados de tecnologia SDH, para serem utilizados principalmente em estações telefônicas. Também está sendo desenvolvido um novo modem, com a mesma tecnologia, para ser utilizado em sistemas de disz ~ tribuição de serviços de iil voz, dados e internet. A 'õ ~ Asga espera colocar o novo STM-1 no mercado no primeiro semestre do próximo ano. O gerente industrial, Laércio Bonon, é um exemplo do entusiasmo existente na empresa. Network Management "Eu me sinto muito orProtocol), aberto a outros gulhoso de fazer parte sistemas e de amplitude de um time que deseninternacional, destinado volve e produz equipaà gerência de equipamenmentos de alta tecnolotos de telecomunicações e O multiplexador 16xE I é ulitizado nas transmissões via fibra óptica gia, ainda mais em um a provedores de Internet. país onde esse setor quase não tem "O projeto do 16E1 foi muito trabaMais velocidade - A Asga tem outro apoio", conclui. • lhoso, pois tivemos várias dificuldaprojeto em andamento no Progrades. Por exemplo: aprender a projetar ma de Inovação Tecnológica em Peequipamentos com chips de última quenas Empresas. Ela desenvolve PERFIL: um multiplexador bem mais velt>z, geração, além de utilizá-los de forma a obter o melhor desempenho do siso STM-1, com capacidade de trans• REGE ROMEU SCARA BU CC I, 62 tema", conta Scarabucci. portar 1.890 canais num só feixe de anos, é formado e pós-graduado luz à velocidade de 155 Mb/s. O em Engenharia Elétrica pelo InstiCarro chefe - Em 1998, o produto STM -1 é voltado para o mesmo tuto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Fez doutorado em Telecochegou ao mercado e a empresa segmento de mercado do 16E1 e atingiu a vendagem média de 200 usa a tecnologia SDH (Synchronous municações na Universidade de Stanford (EUA). Em 1999, recebeu Digital Hierarchy) . "O STM-1 é imunidades por mês. Em dois anos, a produção aumentou 100% e o equio Prêmio Santista de Cientista do portante, pois irá consolidar a Asga pamento passou a ser o carro-chefe da no ramo de transporte de serviços Ano na área de telecomunicações empresa. Atualmente, são vendidos de comunicação da área de acesso pelo desenvolvimento de tecnolocerca de 400 multiplexadores por mês, para a rede pública", afirma Scaragias e equipamentos. responsáveis por 60% do faturamenbucci. Poderá ser usado dentro de Projeto 1: Desenvolvimento de Multiplexador/Modem Óptico 16xE1 to da Asga, que foi de cerca de R$ centrais telefônicas, em estações de 15,5 milhões em 1999. O crescimentelefonia celular e em provedores com Inovações Tecnológicas. to de até 50%, esperado para este ano, de internet. Investimento: R$ 46.000,00 e US$ deve-se ao aquecimento do mercado "É um produto bastante sofistica180.770,00. de telefonia celular, que requer a exdo, cuja tecnologia é dominada por Projeto 2: Desenvolvimento de Multiplexador STM-1 para Rede Óptica pansão da infra-estrutura do setor. um número pequeno de empresas estrangeiras", explica. A primeira fase Ripper participou do lançamento de Acesso. do PIPE em 1997 e discursou em nodo projeto foi concluída recentemenInvestimento: R$ 226.300,00.
Scarabucci diz que as principais me dos pequenos empresários. "A iniinovações introduzidas no projeto ciativa do programa para pequenas emsão a medida de desempenho em presas da FAPESP foi excelente, mas tempo real e a função cross conect. eu acredito que é hora de rever alguns Enquanto a medida de desempenho pontos': diz. Para ele, as mudanças no mede a qualidade do sinal durante setor de telecomunicações são muito todo o tempo, a função cross conect rápidas e o atual modelo do PIPE não permite inserir ou retirar canais ao acompanha as necessidades do desenlongo de uma rota, além de garantir volvimento industrial. "Acredito que o o funcionamento do sistema caso projeto possa obter melhores resultados com algumas mudanças conceituais, haja rompimento de qualquer fibra óptica. Além disso, o 16E1 permite como ser avaliado numa única fase, medir a potência óptica de transmiscom liberação do dinheiro em etapas." são, de recepção e a taxa dos erros que possam existir no sistema. A primeira fase do projeto foi encerrada e a segunda deve terminar em novembro. Para a conclu. ~ são, falta juntar ao 16E1 um software de gerência de sistema SNMP ( Simple
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48 · SETEMBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
TECNOLOGIA
\ . -: . LINHA DE PRODUÇÃO ~
trás. "O problema são os declives e as ondulações na pista que agem como forças físicas no carro", explica Alfaro. •
Cooperação busca novas tecnologias
Cycab: serviu de inspiração para pesquisa entre a UnB e a Fiat
Estacionar o carro ficará mais fácil Estacionar o carro em uma pequena vaga é sempre uma situação incômoda, mesmo para quem gosta de dirigir. Se a direção hidráulica minimiza o esforço, um outro dispositivo deverá eliminar de vez o desconforto de manobrar em pequenos espaços. É um sistema dotado de sensores eletrônicos que estaciona automaticamente o carro, depois que o motorista deixa o veículo e aperta um botão no chaveiro. A novidade, que deve ser apresentada a custos baixos - algumas montadoras já formularam protótipos ainda caros e não totalmente confiáveis-, está sendo desenvolvida por pesquisadores do Grupo de Automação e Controle (Graco) do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Brasília (UnB). A pesquisa é realizada em conjunto com a Fiat brasileira, que fornece carros dos modelos Palio e Marea para o experimento. O estudo tem como base o carro-conceito CyCab desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisa em Infor-
mática e Automação (Inria) da França e que também teve participação do Graco, inclusive com a vinda do carro para o Brasil. O CyCab é um veículo elétrico movido a bateria com capacidade de estacionar sozinho. "O mais difícil é transferir esse conhecimento para um carro a gasolina'; afirma o professor Sadek Absi Alfaro, coordenador do Graco. "Queremos transformar esse sistema baseado em sensores de ultra-som em algo popular e mais barato que um equipamento de ar-condicionado automotivo." A equipe já tem a tecnologia para fazer o carro ir para a frente e para
Um amplificador óptico e fibras de vidro enriquecidas com terra rara são dois produtos que servem para aumentar a capacidade de transmissão de dados na área de telecomunicações. Eles estão sendo desenvolvidos com tecnologia de ponta no Brasil. O primeiro no Grupo de Optica do Departamento de Física da Universidade Federal da Universidade de Pernambuco (UFPE) e o segundo no Departamento de Eletrônica Quântica do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Esses dois projetos de pesquisa fazem parte de um conjunto de sete convênios de cooperação técnico-científica firmados entre a Ericsson e mais cinco universidades e institntos, além da Unicamp e da UFPE. São a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Pontifícia Univer-
Robô criado pelo computador é capaz de se locomover sozinho
sidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Universidade Federal do Ceará (UFC) e o Centro de Pesquisa de Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). A empresa está investindo, neste ano, R$ 10 milhões nesses convênios. Eles são destinados a desenvolver pesquisas nos segmentos de comunicação de dados e de voz. •
Máquina projeta e fabrica máquinas Inteligência artificial é o assunto: uma máquina computadorizada e programada segundo leis da seleção natural projeta e fabrica pequenos robôs que se movem sozinhos. A façanha inédita é dos cientistas Jordan Pollack e Hod Lipson, da Universidade de Brandeis, em Massachusetts (EUA), que desenvolvem o Projeto Golem ( Genetically
Organized Lifelike Electra Mechanics) . Os robozinhos são feitos de 10 a 20 peças plásticas, fios que compõem um "sistema nervoso" rudimentar e motores miniaturizados que lhes permitem arrastar-se por uma superfície horizontal. "É a primeira vez que robôs são roboticamente projetados e roboticamente fabricados", dizem os pesquisadores. Primeiro, o programa de computador produz desenhos de robôs ao acaso, depois seleciona os que considera mais capazes de se mover no mundo real e então comanda a máquina que os fabrica. Os pesquisadores apenas obedecem ao computador em pequenas tarefas, como a de conectar os motores. Entre os exemplares mais hábeis estão os que foram chan1ados Tetra (de forma piramidal) , Flecha, Cobra e Caranguejo. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO OE 1000 • 49
HUMANIDADES
SOCIOLOGIA
O homem é (ainda) quem manda Estudo mostra como o desemprego afeta a estrutura familiar homem vale mais que a mu-
O lher. A tese capaz de provocar a ira de qualquer feminista americana, à la Lorena Bobbit, é uma constatação do trabalho de Maria da Conceição Quinteiro, do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. Em Família, Trabalho e Gênero: Uma Análise Comparativa Portugal-Brasil, a socióloga afirma que, apesar da surpreendente emancipação feminina neste século, a discri50 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
minação no trabalho é forte e o homem é quem manda ainda no sustento familiar. O estudo, que contou com o apoio da FAPESP, em São Paulo, e do Instituto de Cooperação Científica Internacional (ICCI), em Lisboa, investiga o impacto do desemprego na organização da família em Portugal e no Brasil. Apoiada em depoimentos, estatísticas e vasta bibliografia, Maria da Conceição Quinteiro mostra como o desemprego masculino tende a causar efeitos mais negativos, uma vez que o trabalho assalariado feminino é visto apenas como uma ajuda complementar ao masculino na família e sociedade. "O homem desempregado vive um verdadeiro
inferno do ponto de vista da autoestima. Já as mulheres, mesmo sofrendo a queda nos padrões de vida, sabem lidar melhor com isso, ocupando esse 'tempo livre' em maior cantata com os filhos e as tarefas domésticas", explica. Trabalho comparativo - Embora os
encontros luso-brasileiros nas universidades brasileiras ocorram desde a década de 60, os trabalhos comparativos entre Brasil e Portugal são ainda recentes. E o da professora Conceição Quinteiro, como ela mesma ressalta, procurou "preencher essa lacuna e ampliar os horizontes". A idéia de aproximar os dois países quanto ao impacto do trabalho na
estrutura familiar surgiu em 1997 e encontrou várias motivações: o catolicismo, a visão da mulher onipresente nas fases essenciais da vida do homem, mais fortemente marcado nessas culturas, e o fato de a população economicamente ativa apresentar graus de escolaridade relativamente baixos, sérias dificuldades, portanto, para países que querem fazer parte da economia globalizada. Para compor o trabalho, que levou três anos de dedicação, Conceição Quinteiro serviu-se das fontes oficiais (Seade e IBGE, no caso do Brasil, e INE, em Portugal) e do depoimento de pessoas, os chamados desempregados de longa duração (12 meses sem vínculo empregatício). Foram entrevistados 40 desempregados em São Paulo e Lisboa, pertencentes a dois setores da economia, modelos no atual processo de reestruturação produtiva em tempos de globalização: indústria e serviços.
te são as posições desiguais no mercado de trabalho, na família, no casal, na política e assim por diante", argumenta. A pesquisa aponta também como o padrão de consumo e de expectativa social dos desempregados da área de indústria é menor em relação aos do setor de serviços. "Um
Fator de tensão- Os depoimentos mostraram que o fato de o homem não ser mais o provedor do sustento é fator de tensão e desorganização, mesmo em famíli- Conceição: desigualdade no trabalho e na família as nas quais a mulher continua trabalhando- e muitas vezes gaempregado da indústria não se ennhando mais do que o homem. Mais vergonha em dizer que está desemdo que os problemas de consumo, pregado. Ele, inclusive, recorre aos conforto e sobrevivência, isso acaramigos e aos sindicatos, faz bicos, reta danos profundos aos homens no vende coxinha. Se é metalúrgico, âmbito emocional, já que se sentem mas entende de encanamento, vai subestimados e marginalizados. fazer isso para sobreviver", ressalta. As dicotomias que remontam à Essa flexibilidade de saber fazer papólis grega - o homem ligado ao esrece ser muito mais freqüente no paço público, à racionalidade e à pessoal da indústria do que no de sercultura, a mulher ao doméstico, à viços. O desempregado nessa área natureza e à passionalidade -já não não é capaz de inventar e de criar seriam traços superados? Segundo a experiências para sobreviver a não pesquisa, não. Se a entrada maciça ser dentro do ramo em que foi criade mulheres na vida profissional do. E mais do que isso, freqüentecontribuiu para evitar que estivesmente, não diz que está desempresem sempre na defensiva, por outro gado com medo da repressão social. lado não assegurou um equilíbrio. "Os exemplos mais visíveis de que a Lendo nos entrenúmeros - Embora valoração social diferenciada persisMaria da Conceição Quinteiro te-
nha se servido de números oficiais para traçar um quadro comparativo da ocupação feminina e masculina nas áreas metropolitanas de Lisboa e São Paulo, ela insiste em dizer que o trabalho é mais qualitativo do que quantitativo. "Os números não dizem muita coisa, não pegam as nuances do processo. Eles precisam ser capturados pela fala das pessoas." O ato de ler nos "entrenúmeros" se aplicaria ao relativo êxito feminino no mercado de trabalho hoje no Brasil. As feministas nacionais argumentariam que há um boom de ofertas de emprego para as mulheres. Segundo informam dados do IBGE, entre 1989 e 1999, foram abertos 10,1 milhões de postos de trabalho no Brasil. Quase 7 milhões de vagas foram ocupadas exclusivamente pela mulher, enquanto somente 3,1 milhões de postos de trabalho foram preenchidos pelos homens. A entrada da mulher no mercado de trabalho depende muitas vezes não da capacitação profissional e da oferta de empregos, mas da conciliação possível entre suas responsabilidades familiares e profissionais. Nesse sentido, a aprovação da licença-maternidade, na Constituição de 1988 no Brasil, teria sido dado positivo. Mesmo assim, a professora alerta que é preciso relativizar esses números: "Quanto mais alto o cargo, mais s~rá preenchido por homens. Isso não significa que elas sejam incapazes ou menos instruídas- a participação crescente das mulheres nos bancos escolares é maior que a dos homens -, mas o salário é inferior, um dado concreto da discriminação salarial." A pesquisa também constata que Portugal está mais preparado que o Brasil para reintroduzir os profissionais no mercado. Lá há inúmeros centros de formação e capacitação e a legislação trabalhista está muito mais flexível - embora ainda não seja completamente para a mulher. PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2000 • 51
HUMANIDADES Para a suposta corrosão do caráter e perda de valores trazida pela flexibilização e instabilidade do trabalho hoje, a família aparece como único porto seguro. Apesar do rótulo de repressora para as gerações dos anos 60 e 70, a família continua a ser o lócus de segurança emocional. "Na medida em que a solidariedade, sobretudo nas grandes cidades vai se desfazendo com o narcisimo, só resta a família. Ela é vital para a sobrevivência material e emocional."
ENTREVISTA ·
Investidas contra a fragmentação Para Michel Vovelle, é tempo de reencontrar um sentido para a história
O ônus da liberdade - Quanto ao
quadro nada róseo para as mulheres, a romancista Louise de Vilmorin, colecionadora de amantes célebres (Malraux e Orson Welles), teria razão ao afirmar que "para uma mulher não há nada pior do que ser livre"? "A liberdade para as mulheres é recente e relativa, significa ir à luta, trabalhar mais de oito horas por dia, ir para casa trabalhar outras tantas horas, cuidar da família, dos filhos, das tarefas domésticas que continuam à espera. É um ônus muito grande, uma jornada tripla. A liberdade plena só existirá quando houver eqüidade entre direitos e deveres de homens e mulheres", argumenta. Por enquanto, o mundo do trabalho remunerado ainda faz parte da identidade masculina, e sobre essas injustiças a professora Maria da Conceição Quinteiro espera desenvolver outros projetas - sempre no eixo Brasil-Portugal. • PERFIL:
• M ARI A DA
Co
CEIÇÃO Q u i NT EIRO
é graduada em Ciências Sociais
pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde fez o mestrado e o doutorado em Sociologia e pós-doutorado pela Universidade de Oxford. É pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. Projeto: Família, Trabalho e Gêne-
ro: Uma Análise Comparativa Portugal-Brasil Investimento: R$ 12.550,00 52 • SETEMBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
ichel Vovelle foi um dos conferencistas do XV Encontro Regional de História, promovido pelo núcleo paulista da Associação Nacional de História, de 4 a 8 de setembro, no departamento de História da Universidade de São Paulo (USP). O tema do encontro, que recebeu da FAPESP auxílio a organização de reunião científica, foi História no Ano 2000: Perspectivas. O tema da conferência de Vovelle, Jacobinos e Jacobinismo: his-
M
Paulo, Vovelle concedeu a Mariluce Moura a seguinte entrevista.
• Na apresentação de seu livro Jacobinos e Jacobinismo, o professor José Jobson de Andrade Arruda o classifica como um pioneiro na construção da ponte entre a história de fundamentação marxista e a história das mentalidades. Em sua própria visão, como se constitui essa ponte em sua obra? -
Eu pertenço a uma geração de historiadores formados no
tória de uma prática revolucionária e historiografia de um conceito (séculos XIX e XX) -, o mesmo de seu livro mais recente, lançado em 1998 na Itália, em 1999, na França e, agora, no Brasil.
Jacobinos e Jacobinismo, saudado por historiadores um tanto esgotados com as teses de uma nova história que pulveriza seus próprios objetos para chegar, no limite, ao próprio fim da história, é um entre cerca de três dezenas de livros de Vovelle. Historiador respeitado, ele é considerado um dos maiores especialistas em Revolução Francesa o que ajudou a levá-lo à direção do Instituto de História da Revolução Francesa, em sua atuação como homem público. Professor da Sorbonne (Paris 1), suas pesquisas, embora concentradas na história das mentalidades, nunca descartaram o arsenal teórico e metodológico de fundamentação marxista que constituiu a base de sua formação. Em sua passagem por São
método da história social dos anos 60, da qual meu mestre, Ernest Labrousse, era o representante. E essa história social quantitativa, que estabelece medidas e pesos, mantém de bom grado suas referências no marxismo. O próprio Labrousse se inscreveu sem ostentação nessa continuidade. E sob sua direção, eu empreendi estudos de história social, história agrária, de relações no campo... A minha geração, em grande parte, conheceu essa tradição e depois, talvez, uma mutação da vocação. Tomo como exemplo um colega
e amigo, Maurice Agulhon, mas outros também não foram infiéis à história social de tradição marxista, embora aparentemente tenham abandonado essa perspectiva. Isso ocorre numa crise ideológica e de um contexto político geral, a partir de 1956, e que foi acompanhada por um esforço avassalador de revisão. Mas de forma mais simples, diria que nesse contexto nos apercebemos, eu como Maurice Agulhon, que era preciso ir buscar alhures perspectivas mais complexas que os princípios de dependência da superestrutura ideológica à infra-estrutura, apreendidos num processo de tomada de consciência, como então se dizia. E isso para tratar de entender o que se passa na cabeça das pessoas, a história tal como elas a vivem e contam.
va finalmente de meu perfil. E empreendi, entre 1963 e 1971, a pesquisa que conduziu à minha tese sobre piedade barroca e descristianização e ao trabalho sobre atitudes coletivas diante da morte na Provença.
• Como o senhor passou da descristianização à morte? - A própria dinâmica da pesquisa nos arrasta a resultados não previstos. Parti para estudar a revolução profana que, na Idade das Luzes, nos fez passar da religiosidade barroca, investida nos gestos, ao que podemos chamar de secularização, revolução profana ou mesmo descristianização. Daí encontrei outras coisas como a atitude das representações diante da morte.
• De certa forma, passar da história social para estudar as mentalidades era então uma necessidade?
''O jacobinismo histórico é uma experiência precisamente inscrita na Revolução Francesa,, - Para mim, sim. E isso se operou em muitas etapas, desde meus primeiros estudos em história social, passando por um tema em que já se encontravam minhas futuras inquietações - a contra-revolução no Midi -, até concentrar minhas pesquisas na religião, com toda importância que ela ganhou no conflito entre revolução e contra-revolução. Assim, entrei no trabalho sobre a descristianização brutal do ano II (o ano de 1794, na terminologia da Revolução Francesa), portanto, num domínio de história religiosa que se aproxima-
• Seus estudos sobre a morte, o purgatório, etc., o levaram a compreender mais a história da França? É possível estabelecer essa relação entre tais estudos e a história geral de um país? - Com certeza. Penso que os estudos sobre a sensibilidade, sobre o imaginário coletivo, se integram diretamente numa história das representações que é parte integrante, agora, da nossa compreensão da história nacional. Há, se quisermos, uma especificidade francesa nesse comportamento. Como por exemplo, a Fran-
ça, que foi chamada de filha dileta da Igreja, tornou-se, entre os séculos 18 e 19, o país do anticlericalismo, o lugar onde a liberação do olhar adquiriu uma importância prioritária em comparação com outros países? Creio que não seria preciso opor uma história oficial clássica, aquela da estrutura política, a uma outra que seria, senão marginal, de tal maneira diferente que não haveria conexão possível entre uma e outra. Para mim, não há duas histórias.
• Para os historiadores na França, a Revolução Francesa é sempre um paradigma. Como o senhor passou a lidar com esse marco essencial quando começou a estudar o purgatório, a morte, etc.? - Há uma historiografia de longa duração e, depois, há um acontecimento, um corte, um capítulo no qual é preciso contar uma história muito complicada de 10 anos. Então a Revolução pode aparecer como um tipo de fenômeno incongruente, porque é a revanche do acontecimento, a revanche da história que se deve contar e analisar. Mas é isto que me apaixona: a dialética entre o tempo curto e a longa duração. Tenho um trabalho sobre a festa- felizmente, não trabalhei apenas sobre a morte-, A metamorfose da festa no campo, entre 1750 e 1850, em que me interroguei sobre o encontro entre a festa provençal na longa duração, já folclorizada às vésperas da Revolução, e a festa cívica. E esta, de fato, ligava-se à festa provençal, abrandada com um modelo nacional de celebração. É uma questão talvez inocente, mas, em todo caso, fundamental para mim: como se deu esse encontro? E com formas, digamos, de contaminação: a árvore da liberdade retomada de uma herança de maio, as árvores que plantamos PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 53
em maio na porta das jovens que vão casar, ou retomada do cortejo carnavalesco, da herança do Charivarie, isso que chamamos a Asinade, isto é, o passeio de uma pessoa, que representa o marido enganado, sobre um asno, tendo a cabeça voltada para o rabo. É a Charivarie à antiga, que é reinscrita no saturnal, no espetáculo derrisório da festa de descristianização do Ano II.
• Seus estudos sobre a visão do purgatório estão também no quadro dos estudos dos afetos, não? -Sim, porque há alguma coisa na morte que a partir do século 18 atinge diretamente a história dos afetos. A relação do mundo dos vivos com o mundo dos mortos foi regulada, na longa duração, de maneira diferente, sempre como forma de compromisso que constitui o trabalho de luto.
• E nesse quadro, o purgatório aparece como uma região necessária entre os dois mundos? -Sim. A cristianização propôs primeiro o modelo da coabitação dos vivos e dos mortos, o modelo da ressurreição e depois o modelo do fim dos tempos, com o céu de um lado e, do outro, o inferno. E, então, há a invenção do purgatório, que Jacques le Goff situou em algum momento próximo de 1150. É uma invenção que não está de forma alguma no discurso original da Igreja cristã, uma invenção da religião popular, uma coisa formidável, porque trata-se de um terceiro lugar, reservado, como dizia Santo Agostinho, àqueles que não são nem inteiramente bons nem inteiramente maus. O purgatório caminhou entre 300 imagens até o século 14, quando começa a encontrar uma imagem que alça vôo e busca sua expressão figurada: será que é um lago, um fogo, uma prisão? Tem-se necessidade de uma imagem. E, finalmente, depois de uma peripécia penosa da alma humana, a 54 • SETEMBRO OE 1000 • PESQUISA FAPESP
época barroca, depois do Concílio de Trento, dá sua consistência de longa duração ao purgatório, isto é, um tipo de pseudo inferno de duração determinada. O que é maravilhoso é que se pode fazer preces pelos que estão no purgatório, pode-se intervir por sua salvação, e assim se supera de uma maneira elegante o trabalho do luto.
''Há uma historiografia delonga duração e depois, um corte. E apaixonante é a dialética entre eles''
• Quando o senhor passa a estudar o jacobinismo está, em certa medida, sinalizando uma crise na historiografia hegemônica na França? - Sim, uma crise no interior da historiografia francesa, mas, de forina mais ampla, na historiografia em geral, no mundo. Os grandes sistemas e as histórias globalizantes, totalizantes se adaptam mal às escolas que se expressaram de forma hegemônica nas últimas décadas. Temos vivido o que François Dosse chama a história em migalhas, que é uma fragmentação expressiva de campos: há a história dos afetos, a história dos odores, há um monte de histórias que, creio, é necessário reunir numa cadeia. Porque na pulverização renuncia-se a dar um sentido à história. • É o fim da história ...
- Sim, é o fim do movimento da história, a locomotiva da história foi para a garagem. O perigo dessa pul-
verização é essa grande crise da historiografia, que se inscreve num quadro maior, na crise das ideologias que vivemos hoje. Nesse sentido, o capítulo conclusivo sobre o legado da Revolução, trabalho dirigido por François Furet, é brilhante: ele explica que só haveria agora uma revolução tecnológica, da comunicação. Portanto, de uma certa maneira, no quadro do pensamento neo liberal hoje, o fim da história aparece como essa estabilização.
• O senhor situa essa crise das ideologias em que década? - Penso que começou nos anos 50 de forma bastante visível. Na guerra fria. Com uma interrogação coletiva sobre as aventuras do socialismo real, que gerou a crise de consciência que evoquei ao falar no naufrágio dos historiadores de minha geração. E depois se acentuou na última década.
• Dá para resumir seu conceito de jacobinismo? -Não a tese, mas a idéia mestra que desenvolvi é a da dualidade, de uma ambigüidade do conceito. Isto é, há de um lado o jacobinismo histórico, uma experiência precisamente inscrita no contexto da Revolução Francesa, e que poderíamos chamar a experiência de uma tomada de consciência, com um elemento de descoberta da política, -no quadro do êxtase de comunicação que forma a opinião pública, a sociedade pública francesa. Mas há um outro jacobinismo diferente desse. O termo foi retomado numa aventura secular, e tornou-se também, podemos dizer, transhistórico - é o termo de Proudhon. Este jacobinismo foi trazido pelas correntes democráticas e liberais do século 19, e foi retomado e enriquecido depois de 1830 pela herança neo-babovista de Buonarotti, encontrando-se de forma bastante expressiva em 1848, na Comuna de Paris - o jacobinismo republicano e
democrático encontra-se com o movimento revolucionário depois de um movimento social. Essa história do jacobinismo como migração, não apenas de um conceito, mas da prática que o acompanha, vai reconduzi-lo dos radicais franceses ao partido de ação italiano como um jacobinismo, digamos, pequeno burguês, não suficiente ainda para fazer triunfar sua hegemonia, o que depende do voluntarismo, que será expresso por Clemenceau. Progressivamente, passa-se a esses radicalismos tão bem quanto mal realizados, isto é, o sufrágio universal, os sistemas representativos, a laicidade, a nação, o exército ... A partir de certo momento os radicais perdem sua pugnacidade, o jacobinismo torna-se uma postura, uma atitude, um verbalismo certamente. Mas é aí que advém o movimento histórico que lhe dará de uma só vez sua sorte e sua má sorte: sua retomada pelo movimento revolucionário, socialista. O jacobinismo migrou para o coração mesmo da ideologia revolucionária, mesmo se Lênin, como Marx e ainda mais Gramsci desconfiam das analogias. Por isso o emprego do signo jacobino vai durar, bem ou mal, até o colapso do socialismo real.
pensamento único do fim da história, do pensamento, digamos, neo liberal.
história social, económica e história das mentalidades?
• Nesse sentido, seu livro é também uma espécie de resposta ideológica?
- Pode-se ainda pensar que de uma certa maneira toda história é social, porque toda história se inscreve em uma situação, em um contexto, em relações e na realidade. Mas seria muito simples se refugiar nessa evidência contextua!. Na tendência atual da historiografia há leituras, como por exemplo a de Roger de Chartier, segundo as quais a história das representações testemunha a preocupação ou a necessidade de se reencontrar o ancoradouro da história no imaginário e nas representações, concebidas inclusive como conflito. O ancoradouro dessa história darepresentação é uma referência para a história social e, se ainda se desconfia - sem dúvida, com razão - de uma história globalizante como totalizante, pelos mesmo motivos de que se desconfia do totalitário, creio que se deve guardar essa preocupação. Mas para mim é muito importante estabelecer correlações, redescobrir a importância da política, da geopolítica, e ir além de uma leitura que estaria fora do todo social ou do todo político e que abandonaria muito daquilo que faz a riqueza, a complexidade, da história.
- Digamos que seja uma resposta que vai direto ao ponto nesse momento que é de interrogação, de in-
''O que sinto é afeição por um~ herança da Epoca das Luzes que estipula que o mundo pode ser mudado,,
quietação. E eu não defendo os jacobinos com paixão, como os últimos moicanos que mereceriam nossa simpatia. Há uma reflexão geral que atravessa a idéia de cidadania, de república, por exemplo, e nos interroga de maneira não arcaica, mas muito contemporânea.
• E que jacobinismo resistiria hoje? • O senhor ainda concede espaço para
- O que se expressa, por exemplo, na atitude dos movimentos de cidadãos, de Jean Pierre de Chevenement. Seria mais a herança do jacobinismo radical ou democrático, mas que insiste na defesa de valores como a república, a cidadania, os valores políticos, a laicidade, a nação, a pátria. São valores hoje muito prejudicados, quando se tem o individualismo como indicação de identidade, o que repõe em questão os aspectos diretivos, de autoridade, de centralidade. Mas há uma outra herança da revolução francesa, aquela da aspiração a uma democracia direta. De qualquer forma, todo sentido de jacobinismo foi ameaçado pelo
o conceito de luta de classes hoje? - Eis uma questão embaraçante. Penso a luta de classe tanto no sentido tradicional do termo, elaborado durante a Revolução Industrial, quanto no contexto atual de mudanças sociais profundas que nos afetam na sociedade liberal, no equilíbrio mundial de ricos e pobres. Se observarmos na escala do planeta os que possuem e os que não possuem, a luta de classes toma um sentido que não só não é arcaico, como é inteiramente trágico.
• Osenhor vislumbra novas tendências de pesquisa em história que articulem
• O senhor recupera um lado positivo do jacobinismo. Sua visão sobre o futuro é otimista? - O que você vê como meu jacobinismo poderia ser identificado, senão como otimismo, pelo menos como afeição a uma espécie de herança das luzes que estipula que o mundo pode ser mudado. E se, evidentemente, as esperanças podem parecer perigosas em um historiador, porque isso traduz um tipo de finalidade consciente ou inconsciente, não se pode esquecer que os historiadores estão, eles mesmos, inscritos num processo histórico, em uma vida, em um engajamento. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO OE 1000
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SHEILA GRECCO
A privatização do espaço urbano Geografia do apartheid nos centros de São Paulo ão Paulo é, hoje, o "avesso do avesso do avesso" da própria noção de cidade. Assiste-se a um processo esquizofrênico de privatização do espaço, com condomínios fechados, convivência dentro de shoppings e praças de complexos empresariais apartados do mundo das ruas. Nessa paulicéia desvairada, haveria ainda um espaço de vida pública que se possa chamar de centro? Heitor Frúgoli Jr. identifica três espaços hegemônicos: o centro tradicional e as avenidas Paulista e Luis Carlos Berrini. O livro Cen-
S
tralidade em São Paulo. Trajetórias, conflitos e negociações na metrópole (Cortez/ Edusp/FAPESP), resultado de um doutorado em sociologia na USP, mostra como esses centros encontraram o apogeu e declínio num único século - doença crônica de cidades de novo mundo, "eternamente jovens e nunca totalmente saudáveis': para Claude Lévi-Strauss. Frúgoli investiga o campo minado de interesses nos projetos de intervenção urbana destinados à valorização desses centros (Viva Centro, Paulista Viva e o da Bratke-Collet). Os percursos históricos são bem-vindos para compreender como uma cidade provinciana, que em 1900 contava com 240 mil habitantes, é hoje a segunda maior do mundo com 16,5 milhões, incluindo a área metropolitana. Os primeiros projetos urbanísticos procuraram reproduzir os modelos europeus até os últimos tijolos. Nos anos 30 e 40, fachadas foram uniformizadas e bulevares à Paris de Haussmann foram criados. Já nessa época, o centro abrigava um contingente de migrantes nordestinos. As atividades informais tornaram-se problemas gritantes. Os projetos de restauração do Anhangabaú, do Teatro Municipal e a pedestrianização de ruas foram incapazes de reverter o processo de deterioração. Os pobres foram cada vez mais confinados em cortiços e hoje em favelas. A deslocação deu -se em 56 • SETEMBRO DE lODO • PESQUISA FAPESP
direção à Paulista. Os casarões cederam à verticalização. Com a ação do capital financeiro nos anos 70, a avenida passou a sediar federações de empresariado e o Masp. Nos 80, firmou-se como cenário de celebrações políticas e exposições. Mas o "símbolo da cidade", segundo polêmica votação do Banco Itaú, sofre com sujeira, congestionamento, falta de segurança e esgotamento do estoque construtivo. Uma nova Paulista surgiu na Berrini nos anos 80. Trata-se de construção feita com planejamento para atender à criação de novo pólo terciário e recentemente ao fetiche dos netties. A Berrini possui arquitetura magistral e anomalias decidade modernista tropical: vida dentro da edificação e não fora dela. Apoiada em vasta bibliografia, a tese dá margem a questionamentos. Frúgoli usa como termo comparativo Los Angeles, metrópole da dispersão moderna. A Cidade do México, contudo, parece mais próxima dos paradoxos paulistanos por sua diversidade étnica e periferização. Outro ponto discutível é a fixação de três centros, quando outros populosos emergem - Zona Leste e ABC. Frúgoli contribui decisivamente ao analisar o urbanismo sob viés sociológico e mostrar como a revitalização é excludente, atendendo a empresários. Veja-se a violência na remoção de camelôs no centro e Paulista ou de favelados no Córrego das Águas Espraiadas. Se o diagnóstico é pessimista, é preciso ser otimista quanto à mobilização da sociedade civil. São Paulo não pode continuar a ser "lar e prisão" (segundo o geógrafo Milton Santos), cujo progresso só faz renascer a barbárie. Para ser, de fato, cidade com pretensões globais, o homem deve ser também um projeto.
-Jornalista, historiadora, mestranda em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP
SHEILA GRECCO
REVISTAS Múltipla Personalidade
Revista USP
lan Hacking
Este lançamento da José Olympio (360 págs.), escrito pelo professor da Universidade de Toronto, Ian Hacking, traz um curioso paralelo entre a múltipla personalidade e a constituição da memória, que ele chama de as ciências da memória. Que, segundo o autor, se transformaram na chave do selfhumano moderno. Partindo da dupla personalidade, em geral associada a abusos infantis, Hacking analisa o clima moral de nossos dias e de como fatos traumáticos (sejam micros ou macros, como o Holocausto) são retrabalhados pela memória.
Os Alimentos Transgênicos Marcelo Leite, editor de ciência da "Folha de S.Paulo" e membro do Conselho Editorial da série "Folha Explica", analisa o tema mais polêmico e discutido do momento, mesmo entre os leigos. De forma didática e inteligente, o jornalista esclarece uma série de questões sobre o real potencial dos trangênicos, de como os genes são manipulados até quais são os limites científicos e válidos dessa nova forma de ciência, alertando para os perigos tanto do excesso de entusiasmo até o seu oposto igualmente errôneo, o da condenação imediata sem reflexão.
Editada pela Universidade de São Paulo, a revista chega ao seu número 45 trazendo, muito apropriadamente, o dossiê "Durante Cabral: os Portugueses", com textos de João Medina ("Gilberto Freyre ~ :::..7..:-· Contestado"), Luís Adão da Fonseca ("O Sentido de Novidade na 'Carta' de Pero Vaz de Caminha"), Joaquim Romero Magalhães (''As Descrições Escritas e a Identidade do Brasil"). Há também uma bonita homenagem a Décio de Almeida Prado, celebrado por artigos de João Roberto Faria, Flávio Aguiar, Boris Schnaiderman e, entre outros, Jacob Guinsburg.
Ciência e Ambiente A revista editada pela Universidade Federal de Santa Maria igualmente concentra-se sobre os SOO anos do Brasil, com o dossiê "Olhares sobre o Brasil", abrindo com um artigo escrito pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ("O Brasil e o Desenvolvimento Sustentável"). Além disso, o número 19 da publicação traz entre outras: "O Olhar do Outro", de Miriam Moreira Leit(:, "Náufragos no Rio Grande", de Jean Marcel Carvalho França, e "Como era Gostoso o meu Brasil", de Sandra Pesavento, analisando o olhar da França sobre o Brasil do século 16.
Complexidade e Caos Organizado por Moysés Nussenzveig, neste lançamento da Editora UFRJ/COPEA, as conferências do ciclo homônimo foram reunidas trazendo um painel fascinante das maiores questões da ciência, como a origem da vida, o funcionamento do cérebro, a evolução das espécies, dissecadas por especialistas brasileiros e estrangeiros. Entre eles, Gilberto Velho, Jacob Palis, John Holland, Robert Lent, Sérgio Ferreira. O ciclo ocorreu entre 1995 e 1996, promovido pela Coordenação de Programas de Estudos Avançados (COPEA). É uma boa contribuição para o interesse atual da ciência por seus aspectos mais complexos e caóticos.
Revista de Literatura Brasileira - Teresa Com um bonito nome e uma igualmente bela edição, eis o primeiro número da revista publicada em conjunto pela Editora 34 e pelo Programa de Pós-Graduação de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo. Só há artigos de "feras" como Gilda de Mello e Souza ("O Mestre de Apipucos e o Turista Aprendiz"), José Miguel Wisnick ("Cultura pela Culatra"), Marco Antonio de Moraes ("Editando um Ensaio de Mário de Andrade"), Arnaldo Antunes ("Abraço"), e Carlos Rennó ("Oswald foi ouvido") entre outros. PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 1000 • 57
NEGREIROS
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Suplemento
Especial
o Brasil resgata a sua hist贸ria
ESPECIAL
O Brasil resgata a sua história Documentos trazidos de Lisboa falam da vida nas capitanias or trás do longo título Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco, há um trabalho formidável de mais de uma centena de pessoas que a partir de 1996 vasculharam o acervo do Arquivo Ultramarino de Lisboa, e leram, decifraram, organizaram, microfilmaram e digitalizaram documentos, para ficar apenas nas tarefas mais evidentes que um empreendimento desse tipo abarca. Como efeito de um tal esforço há, no enCarta da costa do Brasil, dos padres Diogo Soares e Domingos Capaci: século 18 tanto, um resultado monumental, muito maior, em múltiplos sentidos, que a carga de trabalho investida: são gues às universidades, entre outras instituições. Mais adiancerca de 250 mil documentos referentes ao Brasil Colôte, essa documentação deverá se tornar acessível também nia, que trazidos ao país cumprem papel fundamental na pela Internet; democratizando ainda mais sua consulta. preservação da memória do Brasil. Mais: cumprem uma Quanto aos produtos mais intangíveis do Projeto, função de democratizar o acesso à informação, na medipor ora é impossível dimensioná-los. Mas os pesquisada em que se tornam acessíveis a qualquer interessado. dores diretamente envolvidos nesse resgate histórico estão convencidos de que ele é um marco referencial. Tanto Os documentos atingem, de certo modo, todos os aspectos da vida pública nas capitanias e mesmo aspectos que o evento organizado para seu encerramento em São da vida pessoal de seus habitantes entre os séculos 17 e Paulo, de 25 a 27 de-setembro, com a participação de historiadores brasileiros e portugueses, tem por título A 19. E por isso tornam-se uma fonte agora próxima e inesgotável de pesquisas em história e outras áreas das ciênHistória que Nasce do Projeto Resgate. Mais: ele está comcias humanas, que poderão lançar novas luzes sobre o binado com o simpósio Agenda da História para o Milêque fomos e o que hoje somos como nação. nio, cujos debates podem delinear uma nova política de Patrocinado pelo Ministério da Cultura, com a particicooperação luso-brasileira para a pesquisa histórica. pação de dezenas de instituições públicas e privadas de toNeste suplemento especial de Pesquisa FAPESP, pesdo o país- e em São Paulo financiado pela FAPESP- o Proquisadores brasileiros- incluindo o ministro da Cultura, jeto Resgate pode ser considerado emblemático dentro das Francisco Weffort - e portugueses expõem em detalhe comemorações dos 500 anos do Descobrimento. Seus prosuas visões sobre o Projeto Resgate, sobre seu significado dutos materiais são os microfilmes guardados na Biblioe prováveis desdobramentos. As entrevistas foram feitas teca Nacional, no Museu Histórico Nacional e nos arquivos pelos jornalistas Maria da Graça Mascarenhas, Mariluce públicos estaduais, abertos à consulta de todo interessado. Moura e Mário Leite Fernandes. O documento da capa é uma planta da baía de ParaSão os CD-ROMs que os reproduzem e os catálogos que connaguá, de 1653, recuperada pelo Projeto Resgate. têm os índices desses documentos e que vêm sendo entre-
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Ainda há mais para ser feito Projeto vai continuar em outros arquivos europeus ministro da Cultura, Francisco Weffort, considera o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco uma obra emblemática do Ministério. Por isso, ele está sob controle direto de seu gabinete, em Brasília. Weffort pretende agora ampliar a busca e o registro de documentos do Brasil Colônia para outros lugares. • Como teve início o Projeto Resgate?
Francisco Weffort O ministro da Cultura do Brasil é professor titular do departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). Foi eleito chefe desse departamento em 1994. É também presidente do Conselho Superior da Facuidade Latino-Americana de Ciências Sociais. Paulista da cidade de Quatá, no oeste do Estado, tem o título de doutor em Ciência Política pela USP. Já lecionou e pesquisou nos Estados Unidos, Inglaterra, Chile e Argentina. Tem livros publicados no Brasil, Chile e Costa Rica.
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interessavam pelo Projeto. Estabelecemos diversas parcerias, com instituições privadas e públicas, no âmbito dos governos federal, estaduais e mumC!pats. • E os resultados?
- Os resultados já estão aí. Os documentos referentes a 18 capitanias, que correspondem hoje a 22 estados, já foram microfilmados e digitalizados para sua divulgação em CDROM. Os catálogos com os verbetes-resumo estão sendo publicados. Já se encontram no Brasil mais de 1.500 rolos, com cerca de 200 mil documentos. Eles estão à disposição de todos na Biblioteca Nacional e no Museu Histórico Nacional, instituições vinculadas ao Ministério da Cultura. Os microfilmes vêm sendo entregues aos arquivos públicos estaduais, e os CDs, às universidades de todos os estados. Os institutos históricos e geográficos estaduais e obrasileiro têm sido igualmente contemplados com os CDs, eles que foram
-Tomei conhecimento das tentativas recentes e dos antigos sonhos relativos ao resgate dos documentos do Período Colonial existentes nos arquivos europeus, notadamente em Portugal, logo que assumi o Ministério. A ocasião era propícia para uma ação conjunta, de caráter nacional, diante da proximidade das comemorações dos SOO anos do Descobrimento do Brasil. Pedi ao embaixador Wladimir Murtinho que atuasse para viabilizar o Projeto. Ele, por sua vez, obteve a colaboração de uma funcionária da Fundação Biblioteca Nacional, Esther Caldas Bertoletti, que desde 1975 atuava como consultora na área de documentação e microfilmagem de documentos em todo o Brasil, com o Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos Brasileiros. Então, convocamos todos os que, direta Vila Nova da Fortaleza de Assunção: Ceará, 1730 ou indiretamente, se
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os pioneiros, no século 19, da copiagem dos documentos no exterior. • Qual o significado e a importância disso para o Ministério?
-O significado e a importância do Projeto Resgate são exatamente o apoio à preservação da memória nacional e a facilitação do acesso às fontes, um preceito constitucional que o Ministério da Cultura se empenha muito em ver cumprido.
• Qual o volume de recursos liberados?
- O próprio Ministério da Cultura investiu cerca de US$ 1 milhão, em suas três modalidades, orçamentária, fundo de cultura e lei de incentivo fiscal. Outros ministérios também contribuíram, como o da Ciência e Tecnologia, por meio do CNPq, e o
• Quantas pessoas e instituições foram envolvidas?
nômica Federal, o Banco do Nordeste e o BEM-Fundação Clemente Mariani; de fundações, como a Vitae, a Waldemar Alcântara, a Demócrito Rocha e a Casa da Memória de Campo Grande; e de empresas, como a Auvepar, Telems, Microservice, Tap-Air Portugal e Varig. Houve a participação de algumas instituições portuguesas, públicas e privadas, como a Fundação Calouste Gulbekian e a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, além das luso-brasileiras, como o Real Gabinete Português de Leitura, a Fundação Cultural BrasilPortugal e a Federação das Associações Portuguesas e Luso-brasileiras. Como se vê, ocorreu um verdadeiro mutirão em favor da cultura e da memória nacional, onde todos apartaram alguma coisa e todos saíram gratificados, pelo desdobramento positivo e pela conclusão, dia a dia, de diversos projetas, cujos benefícios para o Brasil, podemos dizer, serão imensuráveis.
- Enumerar todas as pessoas e instituições que foram e estão envolvidas com o Projeto Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco não é tarefa das mais fáceis. Mas posso dizer, pelos relatórios fornecidos pela coordenação do Projeto, que mais de cem pessoas estiveram até agora diretamente ligadas a ele. Várias atuaram em Lisboa, lendo, decifrando os documentos em leituras paleográficas e organizando-os em -: : . . . • No âmbito das comemoracaixas após tê-los resumido em verbetes. Outras elaboções dos 500 anos do Desco7~~·.: ·.·.~ ·:.: brimento, como o Ministério raram os índices e organizaram a publicação dos catásitua o Projeto Resgate? Joaquim José da Silva Xavier pede à rainha licença para viajar logos aqui no Brasil. Várias - No momento mesmo empresas, em Lisboa e no Brasil, nos ajudaram na microfilmada Educação, por intermédio de di- · em que o presidente da República lançava em Porto Seguro, em 1996, a gem e na digitalização. A divisão de versas universidades. Não podemos agenda das comemorações, já se inmicrofilmagem da Biblioteca Nacioesquecer os governos dos estados, cluía o Projeto Resgate como um nal assumiu a tarefa de preservar os através de suas secretarias de Estado, microfilmes e duplicá-los para disdos projetos emblemáticos dos SOO principalmente as da Cultura, e suas seminação. Quanto às instituições anos. A essa altura, estava em desenfundações culturais. Tivemos tamvolvimento desde 1994, quando reparticipantes, tivemos seguramente bém as fundações de amparo à pescebeu os primeiros recursos orçauma média de cinco por estado, o quisa do Rio de Janeiro, Rio Grande mentários do Ministério da Cultura que nos dá, só para os conjuntos já do Sul, Minas Gerais e São Paulo, e e os primeiros aportes da Fundação microfilmados, 11 O instituições. Pomesmo alguns municípios, como o Vitae e do CNPq. Fomos buscar os demos somar cerca de 15 para os esde Olinda. Isso trouxe mais US$ 1 professores e pesquisadores que hatados que ainda estão sendo organimilhão. O restante dos recursos, viam sonhado em recomeçar o trabazados e verbetados em Lisboa, Pará, mais de US$ 1 milhão, veio da inilho que, por todo o século 19, ocupou Pernambuco e a segunda parte da ciativa privada, por meio de bancos, ilustres pesquisadores e historiadodocumentação do Rio de Janeiro. como o Banco Santos, a Caixa Eco-
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res, copiando à mão alguns dos mais significativos documentos, para a melhor compreensão da nossa história. Em torno dos trabalhos isolados, fomos formando uma cadeia nacional. Conseguimos vencer um desafio: organizar, identificar, ler, decifrar e elaborar verbetes-resumo, para depois microfilmar, como forma de preservação e de transferência da informação. Seguimos os moldes preconizados pela Unesco em suas resoluções sobre esse tema e em seu programa Memória do Mundo.
centram cerca de 80% dos documentos sobre o Brasil existentes no exterior.
melhor a memória brasileira e como uma forma de entender melhor o Brasil atual?
• E agora?
- Como professor universitário e pesquisador de ciência política, posso dizer da imensa capacidade que tem o povo brasileiro de encontrar em si mesmo as forças de sua permanente renovação. ~ Nada explicaria este g imenso território e es~ ta força sempre renovada se os brasileiros não tivessem um passado do qual podem orgulhar-se. É exatamente para relembrar os momentos do passado, para conhecer e melhor interpretar o que somos hoje, que esses documentos nos ajudarão, e muito, a valorizar a memória brasileira, a valorizar cada construção, cada estrada, cada árvore, cada animal, cada montanha, pois o ambiente que nos cerca é o cenário em que se desenrolou a nossa história. Se passamos por momentos mais difíceis e até incompreensíveis aos olhos de hoje, podemos sempre melhorar com a compreensão dos erros do passado.
-O trabalho do Ministério da Cultura não parou no Arquivo Histórico Ultramarino. No próximo ano,
• As novas tecnologias ajudaram?
-Sim. Com o avanço da tecnologia e da informática, pudemos pensar em duplicar e Cidade de Salvador, por Manoel Roiz Ferreira, 1786 disseminar o mais possível o conteúdo informacional dos documentos, de forma avançaremos com a documentação que ele chegasse a todos os pesquide outros arquivos portugueses, como o da Torre do Tombo, e a de sadores, universitários ou não. A transposição para CD-ROMs permiarquivos espanhóis, franceses, holandeses e italianos. Este ano, estate o acesso onde houver um compumos fazendo um mapeamento nestador com drive de CD. Isso signifises países, para sabermos o que ca que o estudante do interior da microfilmar e onde. Até o final de Paraíba ou do câmpus avançado da Universidade do Amazonas poderá 2000, estaremos com quatro guias ler os documentos da mesma forma publicados. A partir deles, vamos deque o estudante e o interessado em finir, juntamente com os pesquisahistória do Rio de Janeiro ou de São dores, o que microfilmar primeiro. Paulo. Isso significa a verdadeira deCreio que, pela sua importância, mocratização da informação. E já podemos pensar na documentamais. Com a ajuda das secretarias de ção dos arquivos espanhóis de SiCultura dos diversos Estados e de mancas, Sevilha e Tenerife, referenvárias universidades, através de suas tes ao período colonial brasileiro, editoras, pudemos editar os catáe nos documentos da Nunciatura logos, colocando no papel e ao em Lisboa no Arquivo Secreto do alcance de todos as informações Vaticano. O Projeto Resgate situa-se resumidas que remeterão aos docuna linha dos projetas especiais do mentos em verdadeiros fac-símiles, Ministério da Cultura, diretamente captados pela microfilmagem e diligado ao meu gabinete em Brasília. gitalização. Até junho do ano 2001, É um projeto emblemático. estarão no Brasil todos os documentos do Arquivo Histórico Ul• Como o senhor situa o Projeto na tramarino de Lisboa, onde se conimportância de preservar e valorizar 4
• E como isso pode influenciar a autoestima brasileira?
· - Conhecer melhor como foi fundada a nação brasileira, antes e depois da Independência, é talvez a forma de reflexão que levará cada vez mais o povo brasileiro a ser senhor do seu destino. O Brasil depende de nós. Nós somos o Brasil, como no passado colonial foram os habitantes destas terras, índios, negros e brancos amalgamados, que venceram as montanhas, cruzaram os rios e levaram as fronteiras do Brasil de hoje aos extremos nunca sonhados pelos que aqui primeiro chegaram às nossas praias. PESQU ISA FA PES P
Documentos abrem novas oportunidades Material poderá também ser colocado na Internet reocupado com a aproximação entre pesquisadores portugueses e brasileiros, o historiador José Jobson cita uma das grandes vantagens do Projeto Resgate: qualquer pessoa tem agora à mão o que antes exigia longas temporadas no Arquivo Ultramarino de Lisboa.
cumentação nova. Os dois primeiros volumes têm cerca de 400 páginas cada um. O terceiro, cerca de 200.
• As previsões feitas quando o resgate da documentação paulista começou, em agosto de 1998, eram de que seriam encontrados cerca de 6.500 documentos referentes à Capitania de São Paulo, dos quais mais ou menos 1.500 não estavam ainda inventariados. Esses números se confirmaram?
- Este material já está pronto. O trabalho esteve ligado ao projeto de São Paulo, mas foi realizado por pesquisadores de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Além dos documentos que esperávamos encontrar, foram descobertas mais ou menos 145 latas, com mais de 5 mil documentos, referentes a questões de
P José Jobson de Andrade Arruda O responsável pela coordenação do Projeto Resgate dos documentos da Capitania de São Paulo formou-se em História pela Universidade de São Paulo (USP) em 1966. Nesta instituição fez mestrado, doutorado e livre docência. É professor titular de História Moderna. Ocupa também o cargo de coordenador da cátedra Jaime Cortesão, do Instituto de Estudos Avançados, e é membro do Conselho Superior da FAPESP. Foi chefe do Departamento de História e diretor do Instituto da Pré-História da USP, além de diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia. PESQUISA FAPESP
- Sim, eles se confirmaram. Tínhamos antes pouco mais de 5.100 documentos, que faziam parte do catálogo organizado pelo historiador Mendes Gouveia, em 1954. Agora, foram encontradas cerca de 30 latas, que continham um pouco mais de 1.500 documentos. Em termos de números, está confirmado.
• Como os catálogos serão publicados? - Em dois volumes, mais um de índice. O primeiro volume é o catálogo de Mendes Gouveia, reavaliado, recondensado e retomado com procedimentos técnicos e políticas atuais. Quem conduziu esse processo foi a professora Heloísa Bellotto. O segundo volume é o da do-
• E quanto à documentação referente à parte mais meridional do país, subordinada à Capitania de São Paulo? Nenhum dos documentos relativos a essa área estava catalogado.
IMPRENSA ÜOOALI
Documentos C manuscntos avUlsos
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Catálogo 1 r1644 • 18JOJ
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José )obson de Andrade Arruda
Capitania de São Paulo: 6.500 documentos
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fronteira, à Colônia do Sacramento e a contratos referentes ao sal.
• Essa documentação nova trouxe revelações também novas? - Essa é uma preocupação que todas as pessoas têm. Querem saber o que há de novo. O que nós sabemos é o seguinte: essa documentação é uma documentação ampla. Ela fala da vida dos homens que viveram durante esse período aqui na colônia, na Capitania de São Paulo. Então, é claro que somente um trabalho em cima dessa documentação poderá dizer se há algo novo.
globalização; a história econômica; os movimentos sociais; a população, família e migrações; e a relacionada com a historiografia e a memória social.
tre Brasil e Portugal nos próximos 20 ou 30 anos.
• O que resultará disso?
• Qual será, então, o impacto do Projeto Resgate para o estudo da história do Brasil?
- Cada bloco será composto por 50% de historiadores portugueses e
-Acho que isso está mais ou menos consignado no título do congresso, A
• E o que virá agora? - Há o encontro neste mês de setembro: o congresso A História que Nasce do Projeto Resgate e o colóquio Agenda da História para o Milênio. A reunião na FAPESP, no dia 25, é apenas a abertura oficial do evento. Para a tarde, no Departamento de História da Planta de ranchos construídos no caminho de São Paulo a Santos: século 18 Universidade de São Paulo, está marcado um encontro do qual História que Nasce do Projeto Resgate. 50% de brasileiros. Cada pessoa vai participarão cerca de 30 pesquisadoCreio, verdadeiramente, que há uma elaborar um texto individual e todos, res portugueses e 60 brasileiros. Alem conjunto, farão um texto síntese. história nascendo do Projeto Resgate. guns dos maiores pesquisadores porEla vai nascer porque a massa de doEsses textos serão publicados num litugueses participarão desse encontro. cumentos que está chegando e fican São dois os objetivos desse encontro: vro, que deverá estar pronto até o fim do à disposição dos pesquisadores é do ano. Nele, estará o que cada pesconsolidar o Projeto Resgate, no que tão grande que, tenho certeza, grande é, de certa maneira, uma festa de enquisador pensa sobre como deve ser parte da história terá de ser reescrita. cerramento, e pensar na possibilidaa cooperação. de de abrir um Projeto Resgate 2, para • Um objetivo amplo, não é? • Haverá uma democratização? obter documentos sobre o Brasil em outros arquivos portugueses e de - Sim, acho que sobretudo é isso. - Sim, muito amplo. Fazer melhor vários países europeus. Passamos a ter a informação demoseria difícil. Pense, não é fácil trazer cratizada. Os documentos vão estar para um lugar no Brasil e pôr para • Mais alguma coisa? reunidos em CDs, que qualquer pesdiscutir 30 historiadores portuguesoa pode comprar. Além disso, preses de uma vez só. Não são só dois, - Sim, vamos aproveitar a oportutendemos, mais tarde, colocar todo três, cinco ou dez, são 30. Mais os nidade e colocar frente a frente os esse material na Internet. Já há um brasileiros. A lista dessas pessoas historiadores brasileiros e portugueprojeto relativo a isso na FAPESP. Aí mostra o que há de melhor nas hisses. Juntos, eles podem pensar quais será a democratização absoluta dessa toriografias brasileira e portuguesa. serão as diretrizes de nossa cooperação São essas as pessoas que vão pensar e documentação. na área da história, em seis áreas prinescolher nossas diretrizes. Esta será cipais. Temos as áreas da cultura e da • Há dois anos, quando fizemos uma uma espécie de política pública para religiosidade; os trabalhos relacionareportagem sobre o lançamento do a área de história na cooperação endos com o município, o poder local e a 6
PESQUI SA FAP ESP
Projeto Resgate de Documentação Histórica Referente à Capitania de São Paulo, surgiu o dado de que o Ar-
quivo Ultramarino era muito mais visitado por pesquisadores brasileiros do que por portugueses. Isso continua a ser verdade? - Bem, foi feita uma estatística no Arquivo Ultramarino. Num período de quatro anos, ele foi visitado por cerca de 2.200 pesquisadores. Os brasileiros eram maioria absoluta. Representavam aproximadamente 1. 700 do total de 2.200.
começaram o contra-resgate em Pernambuco, na Bahia, nas outras capitanias. Ora, nós estamos trazendo de Portugal 250 mil documentos. Talvez, no final, o total chegue a 300 mil. Acho que o número de documentos que os pesquisadores portugueses vão microfilmar no Brasil, transformar em CDs e levar para Portugal
~ • Há exceções? r.::: ;~_~,J
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- Majoritariamente, recursos públicos. Foram bolsas pagas pela Capes, pelo CNPq, pela FAPESP e por outras fundações que permitiram aos pesquisadores ir ao Arquivo Ultramarino nesse período. É um custo que não teremos mais. Esse período se esgotou. O Arquivo e os pesquisadores portugueses terão como um presente, dado por nós, a documentação toda catalogada e microfilmada. Mas existe um contra-resgate. Planta de fortaleza no litoral de São Paulo
-No Brasil, há documentos fundamentais para a história de Portugal. Eles dizem respeito, principalmente, ao tempo em que a Corte Portuguesa se instalou no Brasil, com dom João VI. Eles ficaram, por exemplo, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Os portugueses nem tinham noção de quantos documentos eram, nem de quais os interessavam. Então, ao fazermos o resgate de lá para cá, também fizemos um resgate da documentação que está no Brasil e que interessava aos portugueses. Esses documentos vão permanecer aqui. Os portugueses estão fazendo agora o levantamento no Rio de Janeiro. O total chega a perto de 100 mil documentos. Os portugueses ainda não PESQUISA FAPESP
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• Quem bancava isso?
• E qual é esse contra-resgate?
ses são muito caros no Brasil. Os brasileiros não são distribuídos lá. Além disso, também há um problema de língua. A sintaxe do português falado e escrito no Brasil não é muito agradável aos portugueses. A forma como os portugueses escrevem, por outro lado, não é muito agradável para o leitor brasileiro.
será equivalente ao dos que eles nos irão repassar.
• Quais são as perspectivas de um trabalho conjunto entre historiadores brasileiros e portugueses, inclusive a partir de toda essa documentação que vem sendo resgatada? -Bem, durante muito tempo houve um distanciamento. Brasileiros e portugueses se mostraram arredios, uns com relação aos outros. São poucos os livros de historiadores brasileiros que se encontram em Portugal. De forma semelhante, são poucos os livros de historiadores portugueses encontrados no Brasil. Há problemas editoriais sérios. Os livros portugue-
- Sim. Como historiador, eu pertencia à cadeira de História Moderna e Contemporânea, na Universidade de São Paulo. Ocatedrático era o professor Eduardo de Oliveira França. Ele achava que, para se fazer bem a história do Brasil, era necessário ligá-la, entrelaçá-la, à história de Portugal e da Europa. Em sua opinião, era difícil fazer a história do Brasil, sobretudo nos tempos coloniais, nos séculos iniciais da colonização, sem enlaçar a história do Brasil com a da Europa. Para ele, a idéia de que alguém pudesse fazer só história do Brasil, sem conhecer a história de Portugal, era uma idéia estúpida. E efetivamente não é?
• Houve algum resultado concreto desse trabalho? - O próprio professor França começou a fazer uma tese sobre a monarquia portuguesa. Trata-se de um estudo considerado até hoje como -de alto nível em Portugal. É reconhecido, em Portugal, como um excelente trabalho sobre o Estado monárquico português e sobre os fundamentos do Estado português. Ele fez outro trabalho, sobre a restauração portuguesa, que até hoje é considerado um clássico. Além disso, como na época os catedráticos tinham muita força, ele empurrava seus assistentes para prepararem teses sobre os assuntos nos quais tinha mais interesse.
• Há exemplos? 7
- Os professores que fizeram parte dessa cadeira seguiam à risca o menu do mestre França. O professor Fernando Antônio Navais, por exemplo, fez um estudo, chamado Portugal e Brasil na
Crise do Antigo Sistema Colonial, um estudo do sistema colonial e do império português, sobretudo nas suas relações com o Brasil, que é considerado um clássico. Outro historiador conhecido, Carlos Guilherme Mota, também estudou as relações entre Brasil e Portugal, especialmente pelas atitudes de inovação e as questões relacionadas com a Independência e a Revolução Pernambucana de 1817.
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Brasileira Contemporânea.
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• Na década de 1980, o senhor participou de uma espécie de projeto-piloto do Projeto Resgate, não foi?
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• E o senhor? - Bom, também segui esse caminho. Tenho um estudo sobre o império luso-brasiCarta leiro que é uma quantificação das relações comerciais no contexto do império português. Esse trabalho, efetivamente, me levou a estudar não só Portugal, mas, sobretudo, a Inglaterra. No contexto da formação da sociedade, do capitalismo, as relações envolvendo Brasil, Portugal e Inglaterra se tornaram privilegiadíssimas num momento essencial da vida brasileira, aquele que antecede a Independência.
• Isso continuou? - Não. Depois da aposentadoria do professor França, percebemos que as pessoas estavam gradativamente abandonando esse campo. Era, então, necessário formar uma nova geração de pesquisadores interessados em Portugal. Foi assim que tomei uma série de iniciativas junto aos historiadores portugueses. Eles vieram ao Brasil, deram aulas, interessaram os alunos na história de Portugal, e vice-versa. Ultimamente, essa aproximação en8
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- Sim, o pessoal que fez a adaptação é muito competente. O resultado é um texto acessível para um público de estudantes brasileiros. Esse é um caso. Outros certamente virão. Eu mesmo acabo de escrever um livro em conjunto com o historiador português José Penha Arriga. Ele se chama Historiografia Luso-
- Se formos repassar essa história pregressa, vamos encontrar muitas pessoas que tiveram consciência da importância dessa documentação. Mas o movimento mais sistemático começou há cer~· ca de dez anos, quando eu era diretor de Ciências Husobre venda de negros de navio francês apreendido manas e Sociais Aplicadas do CNPq. A propósito de comemorar o centenário de acontecimentre Portugal e Brasil cresceu muito. tos como a Proclamação da RepúbliCresceu a tal ponto que agora já é ca e a Abolição da Escravatura, foram possível trabalharmos em conjunto. organizados vários eventos. Houve congressos, publicações de livros e • E as publicações? documentos. Um acontecimento especial, relativo à Inconfidência Mi- Ultimamente, os livros dos histoneira, foi a publicação da documenriadores portugueses começaram a tação do Arquivo Ultramarino ser publicados no Brasil. A Editora da relativa a Minas Gerais. Foram aberUniversidade do Sagrado Coração de Bauru, por exemplo, publicou o livro . tas cerca de 190 latas. O CNPq, na oportunidade, mobilizou recursos História de Portugal. Trata-se de uma para que um pesquisador, o professor história de Portugal escrita por váriCaio Boschi, fosse a Portugal. os professores. É uma obra coletiva. Os principais historiadores portugueses fizeram sínteses de cada peda• E depois? ço da história de Portugal, dentro de - Em 1994, o Ministério da Cultura sua especialidade. O importante é encarregou Esther Bertoletti de fazer que esses historiadores aceitaram ser o trabalho em escala nacional. A Es"traduzidos" para o português falado ther assumiu o bastão e distribuiu estíno Brasil. Então, o livro foi publicado mulos para que o trabalho fosse realicom grafia usada no Brasil, não na de zado nacionalmente. Em 1997 e 1998, Portugal. achei que estava na hora de fazer o trabalho também em São Paulo. • O resultado ficou bom? PESQUISA FAPESP
A diversidade também é importante Opiniões diferentes ajudam a estudar a história m dos principais historiadores portugueses, Romero Magalhães defende a diversidade de enfoques, diz que a contribuição luso-brasileira passa pelas universidades e adverte que o pesquisador não precisa esperar pela documentação para abrir novas linhas no estudo da história.
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• O que vem marcando, em Portugal,
Joaquim Antero Romero Magalhães O coordenador das comemorações do Quinto Centenário do Descobrimento do Brasil em Portugal é professor catedrático da Facuidade de Economia da Universidade de Coimbra. Foi deputado à Assembléia Constituinte de 1976, secretário de Estado da Orientação Pedagógica e presidente da Assembléia Municipal de Coimbra. É licenciado pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Obteve o doutorado, em História Econômica e Social, pela mesma universidade. Já lecionou como professor convidado na Universidade de São Paulo (USP). PESQUISA FAPESP
as comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil?
-Muito tem sido feito em Portugal para assinalar a efeméride dos SOO anos da chegada de Pedro Álvares Cabral a terras que v1nam a ser parte do Brasil. Instituições oficiais e universidades muito em especial se preocuparam com isso. Mas não apenas. Fundações e outras entidades privadas também procuraram assinalar a passagem desses primeiros cinco séculos de um imenso e portentoso país que fala português. Não tanto apenas quanto ao que interessa à história, mas também ao que nos pode interessar, como pessoas e como cidadãos. • Como o trabalho de catalogação e microfilmagem dos documentos do Arquivo Ultra-
marina relativos ao período colonial do Brasil se vincula com as comemorações do Descobrimento, do ponto de vista de Portugal?
-A Comissão Nacional para asComemorações dos Descobrimentos Portugueses, entidade governamental, colaborou ativamente nesse processo. Foi entendido que o que importa é o que fica feito e publicado. Importa tudo o que contribua para o alargamento dos nossos conhecimentos sobre um passado comum. Isso explica, a aposta feita no projeto, que da parte do Brasil se chama "resgate", e da parte portuguesa, "reencontro".
Homens pardos de confraria requerem licença ao rei
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• Com a catalogação e a microfilmagem dos documentos, um número maior de historiadores brasileiros terá condições de realizar mais estudos sobre o período colonial do Brasil. Os historiadores portugueses também se sentiram estimulados com as comemorações do Descobrimento e propuseram novos trabalhos, tomando por base os documentos do Arquivo Ultramarino?
pectativa quanto a esses documentos e quais perspectivas eles abrem para a historiografia portuguesa?
- Toda a documentação disponível é bem-vinda para os historiadores. Mas não devem estes esperar por novos documentos para se lançarem nas pesquisas que lhes interessam. E,
concordam é na necessidade de estudar a construção do Brasil, muito mais do que a sua descoberta. Não vale a pena pensar em descobrir documentos sobre o que se terá passado em 1500. Eles até podem vir a aparecer. Mas não será muito provável que isso aconteça. • Particularmente, o que o senhor espera quanto ao desenvolvimento de estudos históricos conjuntos de Brasil e Portugal?
-O Arquivo Histórico Ultramarino é apenas uma parte do que foi o arquivo do Conselho Ultramarino, entidade que durante os séculos 17 e 18 era a responsável pelo aconselhamento do rei absoluto de Portugal em matéria de administração do ultramar. Os investigadores brasileiros e portugueses sabem-no. E não precisaram da microfilmagem para iniciarem a busca de documentação em tal acervo.
- Feliz ou infelizmente, as pesquisas históricas passam sobretudo pelas universidades. Tudo correrá bem se entre as universidades portuguesas e as brasileiras se estabelecerem linhas de investigação comuns ou, pelo menos, convergentes. E é bom que assim seja. O contributo do conhecimento do outro é sempre parte indispensável do nosso próprio conhecimento.
• Esse trabalho pode ser ampliado?
- Sim. É bom não esquecer que outros fundos, como os da Torre do Tombo, os dos municípios (como Lisboa, Porto, Viana do Castelo, Braga, ou muitos outros) e misericórdias são indispensá- Animais do Maranhão: no século 17 veis para alargar as nossas fontes de informação. E, como não, os arquivos dos tabeliães. Indispensásobretudo, há que não esquecer o que veis. Todos. Veja-se os recentíssimos há muito nos ensinaram Marc Bloch trabalhos de Ângela Domingues, de e Lucien Febvre: sem história, não André Ferrand de Almeida ou de Máhá documentos. O inverso não é verrio Olímpia Ferreira, que utilizam dadeiro. com apurada minúcia materiais que estavam depositados em arqmvos • Qual a visão predominante da histoportugueses e brasileiros. riografia portuguesa sobre as navegações e o descobrimento do Brasil? • Como uma espécie de contrapartida à liberação para a microfilmagem e envio ao Brasil dos documentos do Arquivo Ultramarino de Lisboa, os historiadores portugueses poderão inventariar e microfilmar documentos do período colonial que permanecem em arquivos brasileiros. Só na antiga capitania do Rio de Janeiro, existem 100 mil desses documentos. Qual sua ex10
- Em Portugal não há uma visão predominante sobre a historiografia. Há visões, plural mais rico e mais enriquecedor. As divergências são possíveis e desejáveis. Por isso, há quem teime em pensar que a chegada de Pedro Álvares Cabral ao Brasil foi intencional e os que persistem em refutar essa possibilidade. No que todos
• Em que medida a relação de Portugal com o Brasil, sua ex-colônia, continuou a influenciar a história portuguesa depois da Independência, em 1822?
- Até cerca de 1960, o Brasil foi o maior "importador" de emigrantes portugueses. Alguns milhões de portugueses e seus descendentes continuam a ter importância. Isto diz tudo. -• Quais as principais tendências hoje da historiografia em Portugal? Há uma relação maior com a história das mentalidades ou são seguidas outras linhas, como, por exemplo, a fundamentação econômica da história?
- O tempo das tendências de um só sentido já não têm audiência. A historiografia portuguesa continua plural, variada nas suas inspirações teóricas e interesses empíricos. E, como sempre, há que distinguir entre bons e maus historiadores. Porque em todas as correntes sempre os há. PESQUISA FAPESP
Ter sido colônia é a diferença do Brasil Cada país tem características que o tornam único
Fernando Antonio Nova is Um dos mais conhecidos historiadores brasileiros, Novais é pesquisador do Núcleo de Estudos Econômicos do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi professor da Universidade de São Paulo (USP), instituição onde se formou em Geografia e História, em 1957, e obteve o doutorado em ciências, em 1973. É autor de diversas obras. É dele a obra Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial e a organização do trabalho História da Vida Privada no Brasil, editado em quatro volumes em 1997 PESQUISA FAPESP
Planta da Igreja Matriz de Vila do Desterro: Santa Catarina, 1747
ara Fernando Novais, as descobertas não terminaram. Milhares de documentos, inclusive os originais de Os Lusíadas, como foram escritos por Camões antes de serem submetidos à censura, ainda esperam nos arquivos de Lisboa.
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• Na sua tese de doutorado, o senhor trabalhou com documentos de entre 1777 e 1808. Foi muito difícil achar esses documentos? - A posição da documentação em meu trabalho não se distingue em nada de outros trabalhos de história. É característica dos trabalhos de história estarem centrados na documentação. Todos os trabalhos são baseados em fontes de documentação diretas. Elas não têm, necessariamente, de ser inéditas. Mas há uma tradição, sobretudo quando se trata de te-
ses, de que se deve sempre trabalhar com fontes primárias.
• A documentação, então, é central? - Sim, a documentação sempre ocupa uma posição central nas pesquisas de história, mais do que em outras áreas. Em todas as ciências sociais, a - documentação equivale à pesquisa empírica nas ciências exatas, à experimentação na química. Na história, é ainda mais fundamental do que nas outras ciências sociais. Certamente, a história é menos ciência do que elas. Além de tentar explicar o acontecimento, ela procura reconstituir.
• Por que a história é menos ciência do que as outras ciências sociais? - Porque seu objeto não é perfeitamente definível. Como dizem os manuais de metodologia científica, duas 11
coisas caracterizam qualquer ciência: a delimitação de um objeto e a adequação de um método a esse objeto. Qual é o objeto da história? Tudo o que acontece ao ser humano, em qualquer época e em qualquer lugar. Logo, o que caracteriza esse objeto é ele não ter limites.
• Como era na época o Arquivo Ultramarino?
ta do arquivo para o catálogo. Mas, por mais que a catalogação seja bem feita, e considero esta do Resgate muito ampla, ela não destrói de todo a descoberta no Arquivo, pois há coisas que ficam fora do lugar. O pesquisador, por exemplo, está mexendo na documentação do Ministério do Reino e acha uma coisa sobre o Brasil
mães. Ele o enviou para a censura, antes de ser publicado. Na época, a Inquisição arquivava os originais, inclusive para determinar se não fora feita alguma mudança quando o texto era publicado. Os historiadores de Literatura já indicaram vários versos de Os Lusíadas que devem ter sido modificados pela censura. Como? Porque se trata de um assunto perigoso e o verso está num patamar de qualidade muito inferior ao de Camões.
-Não fiz a pesquisa somente nesse arquivo. Trabalhei em outros arquivos portu• Até hoje, então, não se achagueses, em Lisboa e em Évoram os originais de Camões? ra, e em arquivos brasileiros. Mas, no conjunto, o mais - Não. E ele está lá, no Arusado foi o Arquivo Ultraquivo Nacional de Lisboa, na marino. Hoje, ele está muito Torre do Tombo. Só os promelhor organizado. Havia na cessos da Inquisição são deépoca um índice de códices, zenas de milhares, cada um preparado por uma historiacom cerca de 2 mil páginas. dora alemã. Eram mais de 3 Além dos processos, há oumil códices. Não era um catros textos relativos à Inquisitálogo, que descreve o que há ção. Creio que só 10% dos em cada códice, era simplesprocessos estão catalogados. mente um índice. Além desse Imagine o que vai acontecer material, havia a chamada quando alguém, finalmente, documentação avulsa. Eram descobrir os originais de Camaços ou caixas, com indicamões. Além do valor de um ções sumárias, o local e o pedocumento escrito e assinaríodo. Uma enorme parte da do pelo próprio Camões, sadocumentação não estava beremos, finalmente, como nem em maços. Provaveleram os versos realmente esmente, estava totalmente inécritos por ele. dita. Não existe mais isso. Todo o material está pelo • Dos vários documentos existenO governador das Minas: plano contra extravios de ouro menos dividido por área. tes no Arquivo Ultramarino, Mas, na época, boa parte do quais o senhor achou mais inteque consegui foi fruto de um autênque deveria estar no Ministério do . ressantes para sua pesquisa? tico trabalho de garimpo. Um bom, Ultramar. Se até hoje as coisas são catálogo é muito importante. Facilita - Há vários tipos de documento postas no lugar errado, imagine namuito a pesquisa. Chega-se já sabennesse arquivo. Existem, inclusive, doquela época. do o que se vai pedir, não é mais precumentos totalmente avulsos, que ciso garimpar. Mas desaparece um ninguém sabe como foram parar lá. • Então sempre poderá haver uma certo prazer que o historiador tem, de Só com a garimpagem será possível descoberta? ficar garimpando coisas num arquivo avaliá-los. Muitos são cartas pessoais. até achar algo interessante. Nesse sentido, a catalogação facilita - Sim. Além disso, há arquivos que muito o trabalho. ainda não estão totalmente cataloga• A catalogação, então, diminui o endos. Imagine que há entre 35 mil e 40 tusiasmo do pesquisador? • Quais são os documentos básicos? mil processos da Inquisição em Lisboa. Num desses processos deve estar - Não, de forma alguma. A catalo- Creio que são as atas das reuniões o original de Os Lusíadas, escrito pela gação transfere o prazer da descoberdo Conselho Ultramarino. Esse conprópria mão do poeta Luís de Ca12
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selho era o órgão da administração portuguesa equivalente a um Ministério das Colônias. Foi criado pouco depois de 1640, quando houve a restauração e Portugal se separou da Espanha. A restauração ocorreu sem maiores problemas nas colônias. Mesmo assim, o novo governo queria consolidar o poder sobre as colônias. Outros documentos importantes são as consultas dos benefícios, as consultas do Conselho Ultramarino. • O que são essas
consultas? É um documento de assessoria. No regime absolutista, a terminologia reflete o conceito do poder. Por exemplo, a carta régia é um alvará com força de lei. Os docuPlanta do Forte de mentos legais assinados pelo rei tinham uma introdução informando o assunto sobre o qual tratavam. A passagem da descrição do assunto para a determinação é feita pela expressão "sou servido a': Geralmente, "sou servido a ordenar e como rei o faço': A introdução é uma justificativa porque o rei é generoso e acede em dar explicações. Mas ele não precisa explicar nada. O motivo pelo qual ele determina é a sua vontade, por isso é servido a dar uma ordem. -
• Essas justificativas são longas? -Às vezes, sim. A introdução é sempre muito importante, porque define o problema.
• Como era o processo? - Toda a correspondência dos governadores de capitanias, governadores-gerais e vice-reis, no período final PESQUISA FAPESP
da colônia, vai para o Conselho. Só chega ao rei pelo do Conselho. Os conselheiros se reúnem, discutem e encaminham o problema para o rei. Muitas vezes, há reclamações que seguem diretamente para o soberano, pois a gente da alta nobreza podia se dirigir pessoalmente ao rei. Mas o rei encaminhava tudo ao Conselho.
tomar tais e tais providências': O que acontece é o inverso. O rei é quem está consultando. Mas o rei não pode consultar nem pedir o conselho de ninguém. Esses documentos são chamados de consultas. Falamos, por exemplo, na "Consulta do Conselho Ultramarino de março de 1749 sobre tal assunto':
• A correspondência dos governadares não era dirigida ao rei? -Sim, mas ia para o Conselho. As únicas exceções ocornam com parentes do rei ou com pessoas de quem o re1 gostava muito. A correspondência também é muito importante porque registrava os proNossa Senhora dos Remédios, Ilha de Fernando de Noronha: 1739 blemas que ocornam nas capitanias. É interessante comparar a Como o rei, por definição, sabe tudo, correspondência com as leis que ele é rei por direito divino, é represeneram promulgadas. O Conselho Ultante de Deus na Terra, não pode ser tramarino também cuidava de leis. instruído, nem pode ser assessorado. Nem toda a legislação do período colonial já foi publicada. • Ele sabe tudo? - Sim. Mas, na prática, o rei precisa da assessoria do Conselho. Às vezes, ele é um menino, às vezes ele é um débil mental. Mas a terminologia tem de estar de acordo com o conceito. É o rei que é consultado, não o contrário. Digamos que chega ao conhecimento do rei que jesuítas e colonos estão brigando no Maranhão por causa do preço dos estábulos. O rei, então, envia o problema ao Conselho Ultramarino, com a ordem: "Consultem-me sobre esse assunto". Os conselheiros, então, escrevem longos relatórios, onde diziam: "De fato constatamos e consultamos Sua Majestade sobre se talvez não se devesse
• Há mais material? - O material das instruções é muito interessante. Todos os vice-reis que serviram no Brasil, de 1763 a 1811, receberam instruções e fizeram as residências. As residências são documentos nos quais o vice-rei presta contas à Coroa. Quando a residência não era aprovada, ele podia até ser preso.
• Quem aprovava, o rei? -Era o Conselho Ultramarino, que "consultava" o rei. Localizei todas as instruções no Arquivo Ultramarino. Antes, só duas ou três tinham sido 13
a da América do Norte. É por isso que o estudo da colônia é fundamental, porque esse estudo é o estudo da formação do Brasil. Nossa formação é uma formação escravista. É colonial e escravista. Quanto melhor compreendermos isso, melhor compreenderemos o que somos. É a base da nossa sociedade.
publicadas. Algumas estavam catalogas, outras não. Consegui localizar todas e as analisei, uma por uma. Não consegui todas as residências. Mas o que obtive foi suficiente para ter uma visão geral. Além das instruções e residências, há os relatórios. Um dos mais importantes é do vice-rei marquês de Lavradio. Ele foi publicado num dos primeiros números da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em
• E daí?
1841.
• O senhor vê a investigação do
período colonial brasileiro como uma necessidade para compreender mais profundamente a construção do Brasil? - Todo país, toda nação, quando faz sua história, deve procurar aquilo que é específico. O específico, no caso do Brasil, é ter sido uma colônia. É isso que diferencia o Brasil de Mato outros países e aproxima o Brasil dos países da América. É o que distingue o país, também, dos países da Europa. Se perguntarmos o que é específico de Portugal como nação, é o de ter sido um feudo que se transformou num reino e, mais tarde, num Estado moderno. A França, por outro lado, é formada por feudos que se juntaram. Portugal é um feudo que se destacou, a França é um conjunto de feudos que se agregaram. A Espanha não é uma junção de feudos, mas de reinos. Cada país tem seu processo de formação.
• E o Brasil? - O específico do Brasil é ter sido uma colônia. Antes de ser Brasil, era uma colônia de Portugal. Se a colônia se chamava Brasil ou não, não importa. Não era o Brasil nação, era o Brasil colônia. Aliás, o nome Brasil só foi aplicado a toda a colônia depois de certo tempo. O norte foi chamado várias vezes de Estado do Grão- Pará 14
Grosso: proibição para a compra e venda de mulas
e Maranhão e o nome Brasil só se aplicava ao sul. O Brasil, assim, é uma colônia que se transformou numa nação, algo diferente de um feudp que se transformou em reino. A vinculação de uma colônia com sua metrópole não é a mesma de um feudo com seu senhor. A relação do feudo com o senhor é uma relação desuserania, a de uma colônia com sua metrópole uma relação de soberania. Um feudo não se torna independente. Ele se torna autônomo. A colônia, sim, se torna independente. Por isso, o Brasil teve uma independência.
• Isso aproxima o Brasil dos Estados Unidos e da América Espanhola. - Sim, essa é a formação dos países da América em geral. Mas precisamos ver também que tipo de colônia o Brasil era de Portugal. Isso nos aproxima mais da colonização espanhola e da encontrada nas Antilhas do que
- Daí que as pesquisas relacionadas com o período colonial são absolutamente indispensáveis. Qualquer estudo sobre o Brasil contemporâneo, o Brasil nação, tem embutido uma visão da colônia. Não se pode estudar o Brasil atual sem uma visão da colônia, queira ou não queira, seja ela melhor ou pior. A visão do Brasil nos séculos 19 e 20 será melhor ou pior, conforme os estudos dos historiadores sobre a colônia. Sejam estudos de historiadores ou de cientistas sociais.
• E o papel de Portugal? - O estudo da colonização portuguesa é fundamental. O Brasil é uma colônia que virou nação. Para estudar a colonização, é essencial ter uma documentação, a documentação do Arquivo Ultramarino, do qual se está fazendo o resgate. Mas também é preciso dizer algo que talvez distoe das comemorações. Toda documentação é importante. Ela precisa ser conhecida. Mas o conhecimento definitivo de uma realidade não se esgota com o estudo da sua documentação. Por quê? Porque estamos falando de história, não de peixes, pedras ou árvores. Se fosse assim, quando todos os documentos do Arquivo Ultramarino estiverem lidos, não haverá mais história da colonização portuguesa. Não é isso o que vai ocorrer. Os mesmos documentos podem ser lidos de maneira diferente, a qualquer momento. PESQU ISA FAP ES P
A história é um patrimônio comum Brasileiros e portugueses podem colaborar mais istoriador português Rui Rasquilho vê no Projeto Resgate um sinal de aproximação dos pesquisadores dos dois lados do Atlântico e usa argumento de peso para defender os trabalhos conjuntos: só o conhecimento da verdade para substituir os equívocos nas relações entre brasileiros e portugueses.
H Rui Rasquilho Professor de História, Rasquilho ocupa, desde 1995, o cargo de conselheiro cultural da embaixada de Portugal em Brasília. Faz parte desde 1994 do corpo especializado do Ministério dos Negócios Estrangeiros. É diretor do Instituto Camões no Brasil e membro do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal e da Academia Lusíada de São Paulo. Poeta, publicou seu primeiro livro de poesias, Do Lado Oposto do Tempo, em 1996, quando já estava em Brasília. O mais recente, O Limite do Fogo, saiu em 1998. PESQUISA FAPESP
• Como as comemorações dos 500 anos da viagem de Pedro Álvares Cabral ao Brasil estão ajudando a desenvolver o conhecimento da história comum de portugueses e brasileiros? -
As comemorações conjuntas dos SOO anos do descobrimento do Brasil, unindo portugueses e brasileiros, trouxeram um importante estímulo à investigação histórica. De maneira particular, intensificaram o acesso de equipes brasileiras de pesquisa ao Arquivo Histórico Ultramarino de tisboa. Uma parte substancial deste arquivo, importantíssima para a história do Brasil, estava ainda por ser estudada. Nem mesmo estava classificada. Por isso, a S!Ja reorganização, levantamento e passagem para microfilme e CD-ROM são importantíssimos para futuras pesquisas.
• Em que medida este trabalho, o Projeto Resgate, poderá ser útil também para futuras colaborações entre Portugal e Brasil na área da história?
- Cada vez mais, o Brasil e Portugal descobrem um ao outro. Cada vez mais, historiadores de ambos os países se encontram em congressos. Disso resulta que fazem investigações comuns, escrevem sobre a história dos dois países. A continuação deste trabalho conjunto será, a partir da conclusão do Projeto Resgate, feita a partir dos milhares de documentos agora colocados à disposição dos historiadores.
• Então esse projeto pode ser considerado muito importante para o futuro? - Desde que em 1943 se criou a Comissão de Estudos dos Textos de História do Brasil que nada de tão importante havia sido feito nesse campo de estudos como o Projeto Resgate. As notícias de que o trabalho de microfilmagem será ampliado são muito interessantes. Deve-se assinalar que não é apenas em Portugal que oBrasil tem uma vasta documentação histórica sobre o seu passado. Em outros países da Europa, na Holanda e
Pará: planta e alçada de um trem de artilharia
IS
na França, sobretudo, há conjuntos de documentos muito importantes, que terão inegavelmente uma enorme valia para a compreensão do passado do Brasil. • O trabalho de microfilmagem tam-
bém facilitará o acesso dos historiadores portugueses aos documentos do Arquivo Ultramarino? Podemos esperar novos estudos de historiadores portugueses, nos quais o material recolhido pelo Projeto Resgate será aproveitado? - Não tenho qualquer dúvida de que os historiadores contemporâneos, dos dois lados do Atlântico, poderão, a partir da microftlmagem sistemática dos documentos da época colonial do Brasil, vir a redesenhar novas teorias ou chegar a novas conclusões sobre a história comum luso-brasileira. Falo sobre todos os documentos existentes na Europa, não apenas os que estão no Arquivo Ultramarino ou mesmo em território português.
decidida pela verdade. Compartilhar o passado é prestar um serviço ao futuro.
• Qual é a situação atual do interesse de estudos sobre o Brasil por parte da historiografia portuguesa?
• Foi publicado recentemente um livro de um historiador português, Jorge Couto, sobre os primeiros anos do Brasil, chamado A Construção do Brasil. Esse livro seria um exemplo do apro-
-
É cada vez mais evidente o interesse dos pesquisadores portugueses sobre o Brasil. Ele aparece em diversas áreas do estudo da história. As publicações recentes demonstraram de maneira muito clara o interesse que brasileiros e portugueses manifestam, em sucessivos colóquios e congressos bilaterais, sobre a divulgação mútua de sua história.
• Na sua opinião, como poderia ser alcançada uma maior articulação entre as investigações históricas portuguesas e brasileiras? Quais os grandes temas que deveriam ser estudados em primeiro lugar num projeto comum de pesquisas históricas, envolvendo Brasil e Portugal? É inquestionável que durante cerca de 300 anos Brasil e Portugal viveram em comum. Melhor dizendo, o Brasil fazia parte do território português. Por isso, os projetas comuns luso-brasileiros são fundamentais para que se compreenda o nosso passado comum. Quanto aos grandes temas, os novos levantamentos feitos por meio do Projeto Resgate vão com certeza indicar caminhos para novas e interessantes pesquisas.
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• Numa espécie de contrapartida à abertura do Arquivo Ultramarino para os pesquisadores brasileiros, os historiadores portugueses terão acesso a documentos, inclusive aos relativos à administração portuguesa que Ofício sobre o padre Nicolau, que exportava ouro em pó permanecem em arquivos brasileiros desde a viagem de dom João veitamento de fontes çomuns, em PorVI para o Rio de Janeiro. O senhor acre• Esses projetas precisariam ter um cadita que esses documentos serão úteis tugal e no Brasil? ráter nacional? para a historiografia portuguesa? -O livro do doutor Jorge Couto, da -Não. É certo que muitos dos pro- A filosofia é a mesma. Isto é, só Faculdade de Letras da Universidade jetas luso-brasileiros poderão ser eshaverá benefícios para Portugal se as de Lisboa, é provavelmente o mais importante estudo contemporâneo taduais ou no mínimo regionais, tal a fontes e documentários existentes no riqueza da documentação escrita leBrasil forem colocados em Portugal, sobre a formação do Brasil e sobre a vantada e tratada nos últimos anos. sua construção, antes e depois da cheà disposição dos nossos historiadoTambém é certo que esse trabalho cogada dos portugueses. O doutor Jorres. O princípio do patrimônio comum entre portugueses e brasileiros ge Couto trabalhou exaustivamente mum, estabelecido pela Unesco para casos como este, é um modelo muito as fontes disponíveis e o seu texto é é de insuspeitado alcance cultural e eficaz para que nos conheçamos meum testemunho evidente do trabalho histórico. Só não uso a palavra exemde pesquisa que os historiadores cosplar porque se trata de um conceito lhor e acabemos com os equívocos, substituindo-os de maneira firme e tumam realizar. que não é de meu particular agrado. 16
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Um Brasil com contornos mais nítidos Aumenta a consistência do retrato do país
Heloísa Liberalli Bellotto A professora Heloísa chefiou, em Lisboa, a equipe encarregada do resgate dos documentos do Arquivo Ultramarino relativos à Capitania de São Paulo. Ela é professora do curso de pós-graduação do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) e do curso de especialização em Arquivística do Instituto de Estudos Brasileiros, da mesma universidade. Formou-se e obteve o doutorado em História na USP. Tem ainda o grau de bacharel em Biblioteconomia e fez cursos de especialização em Arquivística na França, Espanha e nos Estados Unidos. PESQUISA FAPESP
Planta do novo palácio episcopal: São Paulo, 1743
ara a historiadora que chefiou o resgate dos documentos referentes a São Paulo no Arquivo Ultramarino, não se devem esperar informações espetaculares do Projeto. Mas está para vir um quadro muito mais claro ·e consistente do que era a vida e o jogo do poder no Brasil Colônia.
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• Qual o ponto de partida para o trabalho de descrição e microfilmagem dos documentos referentes à capitania de São Paulo existentes no Arquivo Ultramarino de Lisboa?
- Os trabalhos de descrição dos documentos referentes à Capitania de São Paulo começaram em 1998. Estavam dentro da seqüência da
programação do Projeto Resgate. Soubemos que teríamos de trabalhar com duas vertentes. Uma era a revisão de um catálogo preexistente, finalizado e publicado em i954, por ocasião do quarto centenário da cidade de São Paulo pelo historiador Alfredo Mendes Gouveia. Seria feito o confronto entre o catálogo e a documentação que ele descrevia. A segunda parte do trabalho seria a descrição de outros documentos, isto é, a elaboração de verbetes descritivos do restante dos documentos referentes a São Paulo. Esse material ainda não tinha sido submetido à descrição porque estava inserido, quando foi feito o trabalho de Mendes Gouveia, em outros conjuntos. Estava em outros lugares do arquivo. 17
• Havia muito material?
• O que é diplomática?
-As peças documentais descritas no catálogo totalizavam 5.113, e as inéditas, a serem trabalhadas, 1.383. Primeiro, fixamos e redigimos os verbetes. Depois, eles foram impressos e recortados. Numa etapa seguinte do trabalho, que já era da alçada dos funcionários do Arquivo Ultramarino, esses verbetes foram presos aos respectivos documentos, para assim constarem na microfilmagem. Isso e a passagem dos fotogramas para CD-ROM foram atividades de grupos portugueses e brasileiros alheios à nossa equipe, que era encarregada apenas do trabalho científico propriamente dito.
- Trata-se da área das ciências documentárias que se ocupa não só da estrutura formal do documento e da sua natureza jurídica, mas que também analisa o seu contexto de produção. Seu raio de ação desenvolve-se entre a actio, isto é, a ação, o fato, o
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• Esse trabalho de Planta geral da nova Sé de São Paulo, em 1743 descrição exige conhecimentos históricos, mas também preparo em paprocesso/procedimento jurídico-asministrativo, e a conscriptio, isto é, a leografia, em muitos momentos. É sua concretização, enquanto veículo possível descrever um pouco o processo de um trabalho dessa natureza e as documental, válido para produzir suas diversas etapas? efeito jurídico. Só fazendo uso desses - A primeira parte é a leitura e análise dos documentos. Depois, vem o trabalho de síntese, aquele que conduz à elaboração de um verbete unitário de catálogo. O verbete, por sua natureza, precisa ser conciso. Mas não pode esconder informações necessárias à compreensão prévia do que a arquivística chama de estrutura e substância do documento. Este trabalho, sim, tem as suas exigências. Além da necessidade do conhecimento da história, há a necessidade de conhecimentos de diplomática. 18
conhecimentos o documentalista, ao redigir o verbete descritivo, será capaz de estabelecer aquele elo suficiente e necessário entre o documento e o pesquisador.
• Quantas pessoas se envolveram no trabalho de descrição dos documentos de São Paulo e quanto tempo levou esse trabalho? -Foram cinco os integrantes do Projeto Resgate a compor a equipe para São Paulo. Dois eram arquivistas do Arquivo do Estado de São Paulo, historiadores e bolsistas do Conselho
Nacional de Pesquisas (CNPq), Eliane Bisan Alves e José Roberto de Souza. Havia também uma historiadora, mestranda em História do Brasil da Universidade Clássica de Lisboa e bolsista da Comissão Nacional dos Descobrimentos Portugueses de Portugal, a portuguesa Paula Gonçalves. Tínhamos ainda um historiador que já atuara em arquivos brasileiros e no trabalho do Projeto Resgate para outras capitanias, bolsista do CNPq e doutorando em Paleografia da Universidade Nova de Lisboa, Gilson Sérgio Matos Reis. Finalmente, eu, professora da pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e do curso de Arquivística do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e, além disso, bolsista de pós-doutorado da FAPESP.
• Quanto tempo levou o trabalho? - O ciclo completo do trato dos documentos foi de 14 meses. Teve lugar de junho de 1998 a agosto de 1999. O cronograma cumprido foi de cerca de três meses para as tarefas iniciais, oito meses para a elaboração dos verbetes e três meses para a revisão final, que incluía correção de texto, ajustes topográficos, equivalência de notações (chamadas de cotas, na terminologia arquivística portuguesa) e a substituição de unidades de arquivamento, as capilhas.
• Há fatos e situações novas relatados nesses documentos? É possível descrePESQUI SA FA PESP
ver descobertas ou curiosidades neles reveladas? - O que o Projeto Resgate traz de novo é o que poderíamos chamar de um certo preenchimenta, uma certa reintegração entre os cheios e os vazios no tecido esgarçado da história. Foi com essa expressão que alguém já adjetivou aquela construção que o historiador vai elaborando, ao amalgamar os dados obtidos nos documentos com a sua própria percepção e compreensão dos momentos estudados e a partir, mesmo, das outras ferramentas que fazem parte da sua formação profissional. No ponto de vista do Projeto Resgate, não interessa tanto dizer que ele traz à luz fatos ou situações antes não conhecidas, descobertas ou curiosidades, e sim afirmar que ele torna a história do Brasil colonial mais consistente, meConsulta ao príncipe sobre terras no sul do Brasil nos permeável, mais nítida em seus contornos e mais suscetível de ser entendida numa macroviexemplo, os atas das chancelarias, os são de espaço, tempo e circunstânatas dispositivos da Coroa, os regiscias. Isso, a meu ver, é infinitamente tras das outras agências governamenmais importante. tais do governo central. Também não se encontram os atas da área judiciá• Ainda há espaços não cobertos? ria, da área financeira e da área mllitar, mesmo quando dizem respeito às - É preciso ter-se em mente que o colônias. Estes documentos, em PorArquivo Histórico Ultramarino custugal, acham-se nos arquivos naciotodia os documentos produzidos, renais da Torre do Tombo, no arquivo cebidos e acumulados pelo Conselho histórico do Tribunal de Contas e em Ultramarino e pela Secretaria de Esvários outros arquiyos. tado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos, no exercício • O que há, então, nesse trabalho? das suas funções, no período em que existiram. Não é um arquivo total da -O que vamos encontrar no Arquihistória do Brasil, mesmo porque vo Histórico Ultramarino é o pulsar isto não existe, os arquivos são semadministrativo, é o dia-a-dia da gopre institucionais. Por exemplo, o vernação colonial. Isso porque o Conselho Ultramarino só foi formaConselho Ultramarino, além de estudo depois da restauração, depois que dar relatos, requerimentos e petições, Portugal recuperou sua independênfaz análises e emite as consultas, que cia da Espanha. Além disso, ele não são pareceres elucidativos para as recobria todas as áreas das relações ensoluções a serem baixadas pelo rei. tre o Brasil e a administração de LisFazia isso, além de exercer outras funboa. Nesse sentido, ali não estão, por ções administrativas que lhe foram PESQUISA FAPESP
delegadas, relativas ao manejo dos domínios ultramarinos. Percorrer a documentação que foi objeto do Projeto Resgate é flagrar, no seu real tempo e lugar, as atitudes e comportamentos dos provedores, ouvidores, governadores, vice-reis e capitães-generais, sargentosmores, oficiais das câmaras municipais e, sobretudo, pessoas, sejam funcionários civis, militares ou eclesiásticos, sejam povo simplesmente. É acompanhá-los, nos relatórios formais, nas queixas e solicitações, nas intrigas e prestação de contas, nas obediências e desobediências ao governo metropolitano. Também é possível detectar, de forma inequívoca, as reações desse governo metropolitano, em suas mais variadas nuances, durante quase 200 anos.
• Como historiadora, como a senhora avalia o Projeto Resgate e as possibilidades de estudo que se abrem para os historiadores brasileiros? - Como historiadora que, para sua tese de doutoramento, anos atrás, utilizou largamente a documentação do Arquivo Histórico Ultramarino e ainda a vem utilizando, compreendo quanto o Projeto Resgate alarga as possibilidades da pesquisa no material existente nesse arquivo. Os novos dados agora revelados e a facilidade de acesso representada pelo suporte em microfilme e em CD-ROM complementam informações e respondem a indagações que, durante anos, haviam ficado sem resposta. Além disso, vai ser possível a pesquisa quase que simultânea em documentos das várias antigas capitanias brasileiras, o que era bastante complicado de ser feito no recinto do próprio arquivo, como é natural. Ora, isto facilita enormemente a confrontação de dados, em qualquer momento em que ela se fizer necessária. 19
tante ampla a pesquisa sobre a história.
• Como a senhora vê a atual situação da historiografia brasileira?
• Como assim? - A historiografia brasileira, durante muito tempo, de certo modo, deixou de lado a história colonial, isto é, a história luso-brasileira dos séculos 16 ao 19. Não sei se esta mudança ocorreu pela oportunidade de revisitação proporcionada pelas comemorações dos SOO anos do Descobrimento do Brasil, ou se apareceu, nos últimos tempos, um esforço voltado para aquele período da nossa história. Havia um problema a mais. Os estudos de história colonial tinham ficado marcados pela sua inserção num tipo de historiografia tradicional, positivista, pouco científica e, num certo período, muito ligada, em suas publicações e em seus congressos e seminários, ao próprio salazarismo, o goCarta verno de tipo ditatorial que dominou Portugal da década de 1930 à de 1970. A atual "saúde", se me for permitido usar essa expressão, que encontro na historiografia colonial, será sensivelmente beneficiada pelo Projeto Resgate.
• Quais áreas ou temas serão mais beneficiados? -Abrem-se na área da história do Brasil possibilidades de pesquisa em campos antes pouco explorados. Posso citar o direito administrativo luso-brasileiro, as relações sociais entre os colonos e os funcionários vindos do reino, as disputas de jurisdição geopolítica entre sesmarias, comarcas, distritos, municípios, capitanias e governos gerais. Vamos poder também estudar melhor as lutas pelo poder entre as autoridades delegadas, sobretudo entre capitães-generais e ouvidores ou bispos, entre provedores e ouvidores, entre estes e os juízes de fora, etc., questões muito freqüentes na documentação do Projeto Res20
- No momento em que se torna senhor dos processos administrativos, que aprende como se originam, atuam e vigoram os atos normativos, comprobatórios e de informação, o historiador pode iluminar sua própria análise e fazer generalizações. Um dos integrantes da equipe de São Paulo do Projeto Resgate, Gilson Sérgio Matos Reis, está preparando seu doutorado, na Universidade Nova de Lisboa, justamente na área da diplomática, com uma tese sobre o funcionamento do Conselho Ultramarino, nos seus 70 anos iniciais. Ele analisa toda a legislação que comanda a empresa da colonização de Portugal, dos meados do século 17 aos iníreclama da falta de trilha para minas de Cuiabá cios do 18. A tese vai levantar e descrever a trama de documentos entre a colônia e a metrópogate. E não serão só os historiadores le, os contextos de produção, a traos que vão ganhar mais recursos. Oumitação e o arquivamento final tras áreas do conhecimento também dos documentos ascendentes (dos terão suas pesquisas facilitadas. súditos para a Coroa) e dos documentos descendentes (da Coroa pa• Com a colaboração de pesquisadofes ra os súditos). dos dois países? - Tudo isso poderá ser objeto de pesquisas conjuntas. Na área da diplomática histórica, que tão pouco tem sido alvo de estudos teóricos ou aplicados no Brasil, há todo um campo virgem a explorar. O estudo do funcionamento das instituições, sua base legal, os documentos que são produzidos, recebidos e acumulados no seu processo decisório não um exemplo. Os interessados poderiam analisar a estrutura formal de cada espécie ou tipo de documento, além de sua tramitação habitual ou homogênea, desde a gênese da conscriptio até a consecução final pretendida pela actio. Isso viria a enriquecer de maneira bas-
• O que podemos concluir?
- Esses estudos revelarão, mais do que as hipóteses há muito levantadas pelos historiadores, que houve, seguramente, nas relações entre o Estado português e a colônia brasileira, uma governação legal, aparente, controlada e sobreposta. Mas nem por isso ela era mais poderosa do que uma outra, que funcionava nas entrelinhas, nos bastidores. Essa autoridade estava à margem dos textos. Mas podemos detectar sua presença até por esses mesmos textos. Contribuir para desvendar toda essa trama é o fascinante trabalho que está à espera dos usuários do Projeto Resgate. PESQUISA FAPESP
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Os pesquisadores diante de um desafio Chegou a hora de repensar a história da colônia
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Esther Caldas Guimarães Bertoletti A coordenadora técnica nacional do Projeto Resgate é formada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Jornalismo pela PUC da mesma cidade. Fez outros cursos em Buenos Aires, Roma e na Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Como consultora da Fundação Ford, coordenou e implantou o Plano Nacional de Microfilmagem de Periódicos Brasileiros, trabalho pelo qual recebeu vários prêmios. Foi diretora de vários departamentos da Biblioteca Nacional e diretora substituta do Museu do Índio do Rio de Janeiro. PESQU ISA FAPES P
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No século 18, o Rio de Janeiro torna-se importante porto e capital da colônia
oordenadora técnica nacional do Projeto Resgate acha que a nova facilidade de acesso aos dowmentos sobre o período colonial vai obrigar os historiadores a examinar outra vez fatos e interpretações e fazer surgir opiniões divergentes sobre o mesmo assunto.
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• O trabalho de registro dos documen-
tos do Arquivo Histórico Ultramarino só começou agora? -Não, ele vem de muito longe. Começou no século 19. Mas os pesquisadores que iam a Lisboa não tinham uma concepção de arquivista de história, de fazer verbetes, como agora. Eles copiavam ipsis litteris os documentos. Iam ao Arquivo Ultramarino, passavam os olhos pelo material, achavam um documento curioso ou interessante e então o copiavam inte-
gralmente, sem fazer um resumo. Um desses pesquisadores foi o poeta Gonçalves Dias. Em várias cartas, ele se queixou do trabalho. Escrevia, por exemplo: "Não suporto mais, minha mão está muito cansada':
• Isso continuou por muito tempo? - No começo do século 20, compreendeu-se que seria impossível copiar à mão todos os documentos. Por essa altura, nem 5% do que havia tinha sido copiado. Só no Arquivo Ultramarino, são 3 milhões de páginas manuscritas. Se formos contar os outros arquivos portugueses, mais o que há na Holanda, na França, na Itália, o total deve ultrapassar os 5 milhões. Por mais que se mandasse gente para Lisboa, o trabalho não terminaria. • O que se fez, então? 21
-Passou-se a contratar pesquisadores portugueses, como Castro de Almeida e Mendes Gouveia, com instruções para que fizessem resumos. Mas, em vez de fazer sumários breves, eles faziam resumos de três ou quatro páginas. Muitas vezes, transcreviam todo o documento e o juntavam ao resumo. Veja o exemplo do Rio de Janeiro. Ele tem, no total, 414 caixas. Castro de Almeida conseguiu completar os resumos de apenas 88. Todas as outras 326 caixas estão sendo feitas agora.
me, quando no Arquivo Ultramarino usamos cerca de 3 mil. Também vamos copiar os documentos da Casa da Suplicação, que recebia todos os processos. Com esses dois conjuntos, o da Inquisição e o da Casa da Suplicação, pretendemos encerrar a massa documental em Portugal. • O trabalho estará completo?
• Como se trabalha atualmente? - Faz-se um resumo breve. Um verbete de São Paulo, por exemplo, diz: "ofício do governador tal ao secretário tal, comentando sobre a epidemia de bexiga e pedindo a chegada imediata de remédios para atender a população': Agora, basta o resumo, pois temos a íntegra do documento em microfilme.
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O trabalho de resgate começou com Minas Gerais
mentação Barão do Rio Branco tem duas etapas. A primeira, a maior, foi o registro dos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino. Ele tem 80% da documentação sobre o Brasil no exterior. São 300 mil documentos, cerca de 3 milhões de páginas manuscritas. Até junho do próximo ano, este trabalho terminará. A última capitania a fechar a microfilmagem será a do Rio de Janeiro. • E depois? - Pretendemos fazer um adendo em Portugal, com os documentos da Inquisição que estão na Torre do Tombo. Relativamente, é pouco material. Serão cerca de 80 rolos de microfil22
- Esperamos terminar até o fim deste ano o Guia de Fontes para a História do Brasil Holandês. Será uma lista dos arquivos holandeses com documentação sobre o Brasil. Logo depois, talvez ainda em 2000, sairão trabalhos semelhantes sobre França, Espanha e Itália. São países que tiveram uma aproximação muito grande com o Brasil. Veja, por exemplo, o caso da França Antártica. A partir desses guias, vamos identificar os grandes acervos de documentos, para que eles, também, sejam microfilmados.
Caio ( . Boschi (Cnord.)
• Qual é a previsão para o fim dos trabalhos? - O Projeto Resgate de Docu-
do preparado?
- Vai faltar um documento aqui, outro ali, mas correr atrás de tudo é impossível. O professor Caio Boschi fez há algumas décadas um guia dos arquivos onde havia coisas de interesse para o Brasil em Portugal. Partindo desse guia e de outros depoimentos, fizemos um levantamento. A conclusão é que praticamente tudo está no Arquivo Ultramarino e na Torre do Tombo. Há outros lugares, como a Cidade do Porto, Évora, a Universidade de Coimbra. Mas são lugares com apenas 30 ou 50 documentos, nada que se compare aos 300 mil do Arquivo Ultramarino.
• Para fora de Portugal, o que está sen-
• Este trabalho já está muito adiantado?
- Sim, algumas partes dos guias já estão até em fase de editoração. Na Espanha, onde a documentação vem sendo trabalhada há mais tempo, já sabemos que os três principais arquivos com material sobre o Brasil são os de Simancas, de Sevilha e de Tenerife. Então, já sabemos que vamos microfilmar esses três arquivos. Na Holanda, os documentos estão em língua holandesa e letras góticas. Mas, mesmo assim, vários pesquisadores brasileiros, como João Cabral de Melo Neto e José Antônio Gonçalves de Melo, estiveram lá e fizeram livros sobre o assunto. Vamos microfilmar esses documentos e trazê-los para cá. Quem quiser lê-los, que aprenda aquela língua, que aprenda a ler aquelas letras.
• Será um trabalho rápido? -Bem, pretendemos começar a microfilmagem já em 2001. Mas o material está muito espalhado. Em Portugal, foi possível concentrar os esforços no Arquivo Ultramarino. Mas, nos outros países, há grupos de PESQUISA FAPESP
1.000 documentos aqui, SOO ali. Se tivermos condições, vamos também microfilmar documentos sobre o Brasil no Arquivo Secreto do Vaticano.
será feita no próprio arquivo. Não será preciso transportar o material.
ca em que Portugal ficou unido à Coroa espanhola estão na Espanha?
• Arquivo secreto?
,. E para trabalhar com o arquivo da Inquisição, em Portugal, houve algum problema?
-Os arquivos sobre o período filipino estão na Espanha, na parte do Conselho de Portugal nos arqmvos de Simancas e de Sevilha.
- Sim, o nome é este mesmo. Os preparativos foram feitos em parceria com Portugal. Durante muito
-Não. Está todo à nossa disposição. O material está na Torre do Tombo. Quando houve a separação entre a
• Como aproveitar esse material?
A documentação recolhida pelo Projeto Resgate estará disponível também em CD-ROM
tempo, esse arquivo era inacessível. Mas, nos últimos anos, o Vaticano fez uma ligeira abertura. Portugal, no fim do ano passado e no começo deste, colocou pesquisadores lá. Eles estão fazendo os verbetes, documento por documento. Estamos em negociação com o arquivo e já conseguimos o dinheiro para o trabalho.
• Em que pé estão as negociações? - Já estive no Vaticano e conversei com o diretor do Arquivo Secreto. Em tese, ele já liberou a microfilmagem. Estamos esperando que os pesquisadores portugueses completem os verbetes, para selecionar o que queremos, calcular a verba necessária e passar a conta para o Ministério da Cultura bancar. Deve ficar em cerca de US$ 20 mil. São pouco mais de 3 mil documentos, a metade da documentação de São Paulo no Arquivo Ultramarino. Com algumas bulas e outro material agregado, o total pode chegar a 4 mil documentos e as despesas a US$ 25 mil. A microfilmagem PESQUISA FAPESP
Igreja e o Estado, o governo português assumiu toda a documentação eclesiástica. Os documentos da Igreja passaram a fazer parte da documentação oficial do governo.
• Mas, mesmo antes do Projeto, já eram feitos microfilmes. - Sim, mas antes eram microfilmados dois processos, cinco processos. O que estamos fazendo agora é uma microfumagem sistemática, de ponta a ponta. Sem nenhuma exceção. Taunay, por exemplo, trabalhou com documentação da Espanha. Publicou alguns verbetes e alguns textos integrais na revista do Museu Paulista. Mas ele pegava um documento, vamos dizer, sobre Palmares, achava interessante, mandava transcrever e publicava. Era um documento no meio de cem. Hoje, a historiografia diz que um documento não fala sozinho. Ele está dentro de um contexto e fala junto com outros documentos.
• Os documentos sobre o Brasil da épo-
- Pense uma coisa. Antigamente, um pesquisador brasileiro ia para a Europa e trabalhava na Espanha, na Holanda ou em Portugal. Não em todos esses países simultaneamente. Mas, com a microfilmagem de todo esse material, o pesquisador vai poder acessar ao mesmo tempo a versão holandesa, a versão italiana, a versão espanhola. A versão francesa é importante. A França estava continuamente tentando invadir o Brasil. Então, o pesquisador vai poder trabalhar pela primeira vez todo um período histórico em conjunto. Antes, não havia tempo, dinheiro ou fôlego para que um pesquisador mergulhasse de quatro a seis anos em vários arquivos europeus para preparar uma tese.
• E agora? - Os verbetes facilitam tudo. Se o pesquisador está preparando uma tese sobre a colaboração entre os índios e os invasores no período colonial, pode ir aos verbetes e escolher os documentos dos quais vai preci23
sar. Ou passar o rolo de microfilme por uma máquina e fazer a mesma coisa. O sonho do Ministério da Cultura é conseguir, daqui a dois ou três anos, consolidar uma grande base de dados, colocar num mesmo lugar todos os verbetes de todas as capitanias. Aí, você vai querer, por exemplo, fazer um estudo sobre a questão de salários durante o período colonial e reunir de uma vez material de todas as capitanias. Atualmente, para fazer isso, é preciso pesquisar capitania por capitania. Esse é o desenrolar normal do trabalho. Veja o exemplo do catálogo do Espírito Santo. Fizemos uma edição de SOO exemplares. Esgotou-se rapidamente. Agora, estamos tentando fazer outra edição. Daqui a 20 anos, será dificílimo encontrar esse catálogo. Talvez só em grandes bibliotecas. Mas hoje, com a Internet, uma grande base de dados pode substituir a ida à biblioteca.
joanino está sendo agora microfilmada por pesquisadores portugueses. É o chamado Projeto Reencontro, coordenado no Brasil também pelo Ministério da Cultura. Há muitas coisas também na Bahia e em Belém do Pará. No Instituto de Estudos Brasileiros da USP, há a coleção Lamego, que deixou pesquisadores portugue-
• Haverá conflitos?
• Inclusive, com acesso de qualquer parte do mundo. - Sim, e isso é muito importante. A Unesco, numa certa altura, se viu enfrentando o problema dos países africanos que adquiAta riam a independência e queriam os documentos sobre seu passado que estavam nas metrópoles. Mas não era possível chegar num país europeu, abrir um armário, reunir os documentos e levá-los para Angola ou Argélia. A Unesco determinou então que, em países de passado comum, o arquivo passa a ser um patrimônio comum. É o caso dos documentos relativos ao Brasil que estão em Portugal.
• E vice-versa? - Sim, os documentos que estão no Brasil também pertencem a Portugal. Como o Brasil foi governado a partir de Lisboa, Dom João VI governou Portugal a partir do Rio de Janeiro. Toda essa documentação do período 24
ser interpretado e confrontado com outros documentos. Hoje o fato já passou, não existe mais a história oral. Trabalha-se com os documentos. Um pesquisador vai ver coisas nas entrelinhas de um documento, conforme a sua formação, e apresentar novas idéias.
de reunião do Vise. de Barbacena em Vila Rica
ses encantados. Lamego era um pesquisador do fim do século passado que comprou, em Portugal e outros países da Europa, muitos documentos sobre o Brasil e Portugal. Ao voltar para o Brasil, levou a coleção para Campos, no Estado do Rio, onde morava. Publicou três ou quatro livros e deixou a coleção lá. Foi comprada pelo escritor Mário de Andrade e hoje está no IEB. As coisas vão mudar, e muito. Antigamente, um pesquisador fazia um livro de história e todos aceitavam o que ele dizia, pois ele pesquisara os documentos, ele fora lá. Hoje, com o acesso mais fácil aos originais, o que um pesquisador disser poderá ser rebatido por outros dez. Pois o documento precisa
-Num julgamento, os advogados interpretam uma peça do processo de maneira diferente. Um documento histórico também pode servir de base a pelo menos duas interpretações. Com isso, muitas coisas serão repensadas, vários fatos ou interpretações serão confirmados ou desmentidos. Antigamente, havia quatro ou cinco professores que eram donos do Brasil holandês. Só eles eram autoridade sobre o assunto. Com os documentos na mão, provavelmente não haverá mais isso. Hoje, aprender uma língua não é tão difícil. Há até fitas cassete ensinando holandês. Além disso, boa parte do material holandês está em latim, uma língua básica, também, para o material italiano. Conheço vários ex-padres que estão ganhando a vida dando aulas de latim para professores de história.
• E para as pessoas? -Não sou historiadora, sou coordenadora do Projeto. Minha função é organizar esse material e jogá-lo nas mãos dos pesquisadores. É a eles que cabe o desafio. Na realidade, os pesquisadores estão hoje diante do desafio de reconfirmar ou reescrever a história do Brasil. A história do índio, por exemplo, ainda está toda para ser feita. Quando o projeto começou, o professor Darcy Ribeiro fez uma carta muito bonita, na qual dizia: "Finalmente, vamos poder conhecer coisas': Hoje, ninguém podemais ficar de 30 a 50 anos trabalhando num só projeto. PESQUISA FAPESP
ESTE SUPLEMENTO ESPECIAL É PARTE INTEGRANTE DA REVISTA PESQUISA FAPESP W 57, DE SETEMBRO DE 2000 - CAPA HÉLIO DE ALMEIDA - DOCUMENTOS PROJETO RESGATE