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22 Grupo estuda os movimentos da Terra dos últimos 15 milhões de anos no Sudeste brasileiro para delinear o futuro geológico da região
44 Pesquisa da USP de Ribeirão Preto sobre a diversidade de peixes de água doce na bacia do Alto Paraná descobre novas espécies em riachos e cabeceiras
14 Projeto Resgate completa a recuperação de toda a documentação histórica referente à vida colonial da Capitania de São Paulo, já disponível em microfilme e CD-ROMs
32 Congresso Nacional de Genética mostra a interação entre especialistas dos diversos campos da ciência, da história à arqueologia
48 Universidades e empresas começam a sentir os efeitos positivos dos projetas de parceria, com o surgimento de novos produtos e processos de produção EDITORIAL
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MEMORIAS
6 7 8 20 48 60 68 69 70
OPINIÃO POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA CIÊNCIA TECNOLOGIA HUMANIDADES
Capa: Hélio de Almeida, sobre imagem do Departamento de Petrologia e Mineralogia - Unesp. Vale do Paraíba entre São Paulo e Rio de Janeiro
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LIVRO LANÇAMENTOS ARTE FINAL
Pesquisa revela como a arquitetura moderna brasileira articulou-se com a habitação social PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 3
CARTAS Correção
Reconstrução obtida com um elemento óptico difrativo que realiza a modulação de fase e amplitude (modulação complexa completa) de uma frente de onda.
Reconstrução obtida com uma elemento óptico difrativo que realiza apenas a modulação de fase de uma frente de onda.
Comparação Na reportagem Controle fino das ondas luminosas, publicada na edição do mês de julho de 2000, foi omitida a figura que compara a imagem obtida por um elemento que realiza apenas a modulação de fase com a imagem obtida com nosso elemento, que realiza a modulação de fase e amplitude. Essa comparação é necessária para demonstrar a superioridade do método desenvolvido por nosso grupo de pesquisa, e premiado pela Optical Society of America. LUIZG. NETO
Depto. de Engenharia Elétrica Escola de Engenharia de São Carlos/USP São Carlos, SP 4 · OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
A revista Pesquisa FAPESP vem adquirindo um espaço importante na divulgação dos trabalhos realizados pelos pesquisadores do Estado de São Paulo. A linguagem de divulgação é bastante cuidadosa e agradável à leitura. No entanto, na reportagem Mais duas bactérias na mira da ONSA, publicada na edição de agosto de 2000, houve uma pequena falha de interpretação no parágrafo que se refere à estratégia de seqüenciamento que será utilizada pelo grupo AEG para decodificar o genoma da Xylella da videira. Neste caso, à semelhança do que foi feito no projeto Xanthomonas, o genoma da bactéria (cerca de 2,7 milhões de bases) será quebrado em milhares de pedaços, variando de 1.000 a 4.000 bases, de modo aleatório. É objetivo do grupo seqüenciar pelo menos 30.000 desses pedaços, o que corresponderia a fazer uma cobertura de oito vezes do genoma (e não a oitava parte!), gerando em torno de 24 milhões de bases seqüenciadas do genoma da Xylella da videira. Para o acordo com o USDA não há a necessidade. de se trazer o genoma à condição de genoma fechado, como é o caso para os outros genomas realizados pela rede ONSA, mas certamente as regiões de interesse deverão ser finalizadas com os mesmos critérios dos outros projetos. MARIE-ANNE VAN SLUYS MARIANA CABRAL DE OLIVEIRA
Departamento de Botânica Instituto de Biociências/USP São Paulo, SP
Revista e suplemento Acabei de receber o exemplar da revista Pesquisa FAPESP de setembro, com o Suplemento Especial intitulado "O Brasil resgata a sua História". A revista está cada vez melhor, tanto na qualidade/diversidade das
matérias como na apresentação gráfica. A idéia dos suplementos também é ótima, e os temas têm sido bem escolhidos. A revista constitui um excelente instrumento de divulgação científica no país. Portanto, quero cumprimentar a equipe pelo trabalho até agora realizado. MARIA MÉRCJA
BARRADAS
Presidente da Sociedade Botânica do Brasil (SBB) Brasília, DF Tive a oportunidade, ontem, de ver a revista Pesquisa FAPESP n° 57, que traz um suplemento especial O Brasil resgata a sua História-, que muito me interessa. Não conhecia a publicação, embora tenha sido bolsista dessa instituição. Gostaria de saber se é possível que vocês me enviem esse número e, se for também possível, passem a me enviar a revista. PROF. EDUARDO FRANÇA PAIVA
Depto. de História da Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte, MG Solicitamos a gentileza de enviar gratuitamente esta excelente publicação, revista Pesquisa FAPESP, às 16 bibliotecas da Fundação Cultural de Curitiba. CESAR MUNIZ FILHO
Diretor do Patr. Histórico e Cultural ROSANA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
Coordenação de Literatura RENATA MELE
Divisão de Bibliotecas Fundação Cultural de Curitiba Curitiba, PR O exemplar da revista Pesquisa FAPESP do mês de setembro que me foi enviado, extraviou-se no correio. Solicito o reenvio e também o do mês de agosto. Aproveito a oportunidade para dizer que esta revista possui informações cientificas muito importantes e relevantes e irá me servir bastante. Sou bolsista desta instituição. }OSÉ EUDES DE MORAIS OLIVEIRA
Jaboticabal, SP
EDITORIAL
PESQUISA FAPESP É UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO FLÀVIO FAVA DE MORAES JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURÍCIO PRATES DE CAMPOS FILHO MOHAMED KHEDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELH O T ÉCNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE
PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTÍFICO EQUIPE RESPON SÁV EL
CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSÉ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORA ADJUNTA MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS EDITOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÊNCIA) MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA) MÁRIO LEITE FERNANDES (ENCARTES) DIAGRAMAÇÃO E PRODUÇÃO GRÁFICA TÀNIA MARIA DOS SANTOS COLABORADORES ADILSON AUGUSTO CLAUDIA IZIQUE EDUARDO STOPATO LUCAS ECHIMENCO MARCO ANTÔNIO COELHO MARIA APARECIDA MEDEIROS MAURÍCIO LIBERAL AUGUSTO NELDSON MARCOLIN ROBINSON BORGES COSTA SHEILA GRECCO ULISSES CAPOZOLI FOTOLITOS E IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN TIRAGEM: 26.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N• I SOO, CEP OS468-901 ALTO DA LAPA- SÃO PAULO - SP TEL (O- li) 3838-4000- FAX: (O- li) 3838-4117
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SECRETARIA DA CIÊNCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Revelações, reavaliações e lucros sensação normal de quem pisa sobre solo paulista é de completa estabilidade: a terra parece firme, absolutamente imóvel sob os pés. Mas isso é, de fato, só sensação. Sob a aparente placidez da terra, movimentos geológicos poderosos, que se processam desde uma profundidade de 700 quilômetros, provocam lentamente a elevação de determinadas áreas, que vão sofrer erosão contínua, e o afundamento de outras, que serão assoreadas por sedimentos, e tudo isso resulta em modificações no relevo, nos cursos d'água, nas fontes termais e nos solos. As serras do Mar e da Mantiqueira, imponentes em sua aparente solidez e imutabilidade, crescem como gigantescos organismos vivos, enquanto a metade oeste do Estado de São Paulo afunda. Essas são apenas algumas das informações que saíram do projeto temático de pesquisa Neotectônica, Morfogênese e Se-
A
dimentação Moderna no Estado de São Paulo e Regiões Adjacentes, objeto da reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP. O estudo cobriu uma área de 400 mil quilômetros quadrados, incluindo, além do território paulista, partes dos estados do Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais. E para além de achados interessantes, seus resultados são dados científicos que mostram o passado, o presente e permitem delinear o futuro geológico da região. Por isso, no plano da vida concreta, ajudam a que se assegure a estabilidade geológica de obras, em especial rodovias, túneis, hidrelétricas e usinas nucleares, a prever fenômenos preocupantes como os deslizamentos de encostas, e ainda fornecem pistas para a descoberta de jazidas minerais e de água. Num outro campo, a reportagem feita a partir da cobertura do 46°
Congresso Nacional de Genética mostra como essa disciplina, além de seus próprios e vastos objetivos, com fronteiras cada vez mais expandidas graças à Genômica, tornou-se também uma ferramenta preciosa para áreas do conhecimento tão diversas quanto a história e a demografia. E por falar em história, merece leitura e reflexão a reportagem provocada pela conclusão da parte paulista do projeto de resgate da documentação histórica do Arquivo Ultramarino de Lisboa, referente ao Brasil colônia. Mal começaram a ser examinados, alguns dos 300 mil documentos microfilmados - que estão sendo reproduzidos em CD-ROM e organizados em belos catálogos - já obrigam a uma revisão de verdades longamente estabelecidas e de olhares convencionais ou tradicionais sobre alguns aspectos de fenômenos marcantes de nossa história, como a escravidão. Finalmente, na seção de tecnologia, tomando por base os resultados de alguns dos mais importantes projetas apoiados pelo Programa de Parceria para Inovação Tecnológica, iniciado pela FAPESP no final de 1994, temos uma reportagem que investe contra a visão anacrônica de situar recursos aplicados em inovação de produtos ou processos industriais como despesa. Essa aplicação é investimento- e tem retorno muito significativo.
No editorial da edição anterior dissemos que o prêmio José Reis de Jornalismo Científico foi concedido pelo CNPq, neste ano, à revista Pesquisa FAPESP. Mas essa é uma meia verdade. O prêmio foi concedido à FAPESP como instituição, pelo conjunto dos trabalhos em benefício da popularização da ciência no país, a revista aí incluída (CHBC). PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 5
MEMÓRIAS
O primeiro observatório da América Em 1638, o conde Maurício de Nassau chegou a Recife para comandar a ocupação holandesa na região, trazendo em sua comitiva um jovem cientista alemão, Georg Marcgrave. Nascido na Saxônia em 20 de setembro de 1610, Marcgrave estudara astronomia, botânica, zoologia, química
de Nassau com o observatório sobre o telhado. Ao lado, o local na atual Recife
Detalhe do observatório: ciência no Novo Mundo
e medicina, além de cartografia. Integrou-se à expedição de Nassau interessado no estudo da flora e da fauna do Novo Mundo e para realizar observações astronômicas das estrelas do Hemisfério Sul e dos planetas mais pertos do Sol, como Mercúrio e Vênus. "Marcgrave veio com o intuito de fazer ciência no Novo Mundo", diz Marcomede Rangel, físico do Observatório Nacional do Rio de Janeiro e fundador da Sociedade Brasileira de História da Ciência, acrescentando que, devido aos seus conhecimentos, Marcgrave caiu nas graças do conde. E foi exatamente sobre 6 • OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
o telhado do palácio residencial de Maurício de Nassau que o cientista instalou o primeiro observatório astronômico na América, em 28 de setembro de 1639. Dali se fizeram as primeiras observações astronômicas e meteorológicas de modo sistemático do Hemisfério Sul, como o eclipse do Sol de 13 de novembro de 1640. Foi no observatório, também, que Marcgrave utilizou pela primeira vez a luneta com fins astronômicos e não de navegação. A antiga residência de Nassau
não mais existe, destruída pelos portugueses em 1654, quando da retomada da cidade. Estudos do arquiteto e historiador pernambucano José Luiz Mota Menezes definiram a localização do prédio na atual Recife: Rua 1o de Março, número 61, cruzamento com a Rua do Imperador. No dia 28 de setembro último, a Prefeitura de Recife afixou ali uma placa de bronze, exatamente 361 anos após a primeira observação feita por Marcgrave, que deixou o Brasil rumo à África, em 1644, onde morreu no mesmo ano, de febre amarela. Quatro anos depois foi publicada na Europa a sua Historia Naturalis Brasiliae.
OPINIÃO ]OSÉ ELLIS RIPPER FILHO
Da academia para a empresa Uma proposta para tornar pesquisadores empresários ciativa e conhecimentos; a universidade, em troca raças ao apoio à pesquisa acadêmica, no qual a FAPESP se destaca, vem crescendo a da remuneração do pesquisador durante a licença participação brasileira na produção cientíe eventuais usos de laboratórios; a FAPESP, em troca do financiamento da transformação dos cofica. A produção tecnológica nem de longe tem acompanhado esse progresso; poucas empresas banhecimentos básicos em produtos, e, em alguns seiam seus negócios em tecnologias desenvolvidas casos, capitalistas de riscos. Um dos critérios para localmente. Enquanto governos de países do a renovação seria a demonstração da viabilidade da empresa. Após o período máximo, o pesquisador Primeiro Mundo concentram a maior parte de seus teria de optar em se demitir da universidade ou se recursos na contratação de desenvolvimentos em afastar da administração da empresa. empresas, visando ao seu desenvolAlém dos benefícios óbvios vimento tecnológico, no Brasil se para a sociedade como um todo, a espera que o mercado resolva tudo sozinho. Também é incipiente a universidade ganharia muito com passagem de conhecimentos do o programa. Ao interagir com a em"Deveria haver meio acadêmico para o empresarial. presa, inclusive participando do uma licença O sucesso da Embraer é a exceconselho de administração, outros especial para ção que confirma a regra; sua tecdocentes passariam a ter mais conhepesquisadores nologia original foi contratada pelo cimento da vida empresarial, traque desejem governo e teve apoio de uma instizendo para dentro da universidamontar empresas tuição pública de ensino e pesquisa de conhecimentos que ajudarão sua a partir dos praticamente criada com esse fim . missão de formação de recursos resultados de suas Em relação à contratação de desenhumanos. Será natural a participapesquisas, volvimentos em empresas, a FAPESP, ção de alunos em estágios, colabocom seu Programa de Inovação ·rando na sua formação. Essas vantaTecnológica em Pequenas Empregens superam em muito o risco da sas, deu o primeiro passo. O que poperda de talentos pela universidaderia fazer em relação à transferênde. Aliás, esse risco não é relevante. cia de conhecimentos acadêmicos Mesmo que o programa seja extrepara a empresa? Um dos mecanismos mais eficienmamente bem-sucedido, poucos pesquisadores estes, o próprio pesquisador "empresariar" essa transtarão de fato envolvidos: a maioria das pesquisas da ferência, ocorre raramente no Brasil. Falta de capiuniversidade não é apropriada para gerar empretal de risco é um fato r, mas talvez o maior inibidor sas; poucos pesquisadores têm vocação empresarial seja a diferença dos regimes de aposentadoria púe estarão dispostos a correr os riscos, e, finalmente, blico e privado, que aumenta o risco pessoal. essa licença só deve ser concedida nos casos onde No Estado de São Paulo o problema poderia houver interesse também da parte da universidade. ser resolvido se houvesse uma colaboração entre a Finalmente, não se deve desprezar o fato de FAPESP e as universidades (e/ou institutos de pesque o programa poderá se tornar um bom negóquisas) . Estas deveriam criar a possibilidade de uma cio. Se ele existisse quando a AsGa foi criada, a licença especial para pesquisadores que desejem Unicamp estaria auferindo bons lucros. montar empresas a partir dos resultados de suas pesquisas. Essa licença deveria ser por um período inicial de um ano, renovável no máximo por duas ]OSÉ E LLIS RIPPER FILHO, ex-professor do Instituto de vezes. A empresa teria como acionistas o próprio Física da Unicamp, é diretor presidente da AsGa pesquisador, que participaria com seu trabalho, iniMicroeletrônica.
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PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 1000 • 7
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
Academia Sueca premia o pragmatismo A Academia Real de Ciências da Suécia optou pela praticidade. Em 1999, alguns dos trabalhos ganhadores pareciam tão intrincados que o holandês Martinus Veltman, um dos premiados em Física por seu trabalho na área de mecânica quântica, declarou que os benefícios sociais de sua teoria eram "absolutamente nulos". Neste ano, a academia premiou outro perfil de pesquisa. Os trabalhos dos ganhadores de Química, Física, Medicina e Economia de 2000 têm importante aplicação prática. Veja por que eles foram escolhidos. Física: O inventor do chip, o norte-americano Jack Kilby, da Texas Instruments, levou metade dos US$ 915 mil do prêmio. O alemão naturalizado americano Herbert Kroemer, de 72 anos, da Universidade da
Califórnia, e o russo Zhores Alferov, de 70, do Instituto Físico-Técnico Ioffe, de São Petersburgo, dividiram a outra metade do prêmio. Eles desenvolveram um novo tipo de semicondutor usado em comunicações via satélite, telefones celulares, CD-ROM e leitores de código de barras. Alferov declarou que a premiação é o "reconhecimento à física russa e soviética': Explica-se: além de cientista, ele é deputado pelo Partido Comunista russo. Química: Alan Heeger, de 64 anos, e Alan MacDiarmid, de 73, norte-americanos, e o japonês Hideki Shirakaw, de 70, descobriram como conduzir eletricidade pelo plástico no fim dos anos 70. O primeiro é pesquisador da Universidade da Califórnia, o segundo da Pensilvânia e o último de Tsukura. Com os polímeros condutores, como é
Faria (esq.) e Mac D iarmi d: trabal ho co nju nto
Heckman: notícia no Rio
C arlsson : prêm io esperado
chamado esse material, será possível baratear toda a produção de eletrônicos de plástico. Mac Diarmid é bem conhecido dos pesquisadores do Grupo de Polímeros do Instituto de Física da USP de São Carlos com quem publicou trabalhos . O norte-americano já esteve em São Carlos e é amigo e colaborador do professor Roberto Mendonça Faria, que participa de um projeto temático financiados pela FAPESP. Medicina: A possibilidade de se entender
8 • OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
melhor a comunicação entre neurónios e criar medicamentos contra doenças neurológicas e psiquiátricas deu um esperado Prêmio Nobel para o sueco Arvid Carlsson, de 77 anos, da Universidade de Gotemburgo, e os norte-americanos Paul Greengard, de 74, da Universidade Rockfeller, e Eric Kandel, de 70, da Universidade de Colúmbia. Trabalhando separadamente, eles desvendaram mecanismos básicos para o funcionamento do cérebro e do sistema nervoso. Economia: James Heckman, de 56 anos, da Universidade de Chicago, e Daniel McFadden, de 63, da Universidade da Califórnia, norte-americanos, ganharam o prêmio por terem criado métodos estatísticos para analisar as tendências de escolhas individuais das pessoas, como a profissão pela qual optam, onde morar, ou quantos filhos desejam ter. Heckman, recebeu a notícia no Rio de Janeiro, onde participou na mesma tarde de um seminário na Fundação Getúlio Vargas. Paz e Literatura: O
presidente da Coréia do Sul, Kim Dae-jung, de 74 anos, foi o premiado com o Nobel da Paz por sua luta em favor dos direitos humanos. O de Literatura foi para o chinês naturalizado francês Gao Xingjian, de 60 anos.
de 42, Mariana de Oliveira, de 33, Marie-Anne Van Sluys, de 38, e Marilis do Valle Marques, de 35 anos. Se forem as ganhadoras, o grupo receberá o título de Mulher do Ano, um troféu e R$ 20 mil. As outras quatro premiadas ganharão um troféu e R$ 5 mil.
Mais títulos no ProBE As sete cientistas finalistas: competência e espírito de colaboração
Na final do Prêmio Cláudia As sete pesquisadoras que tiveram um papel de destaque na conclusão do seqüenciamento genético da bactéria Xylella fastidiosa são finalistas do Prêmio Cláudia 2000, concedido desde 1996 pela revista, da Editora Abril. A publicação premia, a cada ano, cinco mulheres que, pelo talento, perseverança e capacidade de criar soluções originais, contribuem para o desenvolvimento do país. É o caso das cientistas que trabalharam no projeto financiado pela FAPESP. Noventa por cento do código genético da bactéria causadora do amarelinho, praga que ataca a laranja, foi decifrado em um ano. Sobraram 10%, cheios de gaps, interrupções do seqüenciamento que podem até mesmo paralisar o projeto. O problema foi entregue às sete mulheres, que deram conta do recado. Elas surpreenderam o comitê internacional que assessorou e avaliou os brasileiros pela extrema competência e espírito de colaboração demonstrado. ''As pesquisadoras tiveram uma participação tão
fundamental que estão sendo requisitadas para coordenar outros programas", diz José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. As cientistas são Ana Claudia Rasera da Silva, de 33 anos, Anamaria Aranha Camargo, de 28, Claudia MonteiroVitorello, de 34, Elizabeth Angélica Leme Martins,
O Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE), da FAPESP, analisa a possibilidade de acrescentar 660 títulos da área de ciências humanas ao seu acervo de 841 publicações das editoras Elsevier Science Inc., Academic Press e High Wire Press. Nos dias 5 e 6 de outubro, no auditório do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), representantes
Presidência da FAPESP O governador Mário Covas sancionou, no dia 1O de outubro, o nome do professor Carlos Henrique de Brito Cruz como presidente da FAPESP. Brito Cruz, que é diretor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ocupa o posto pela terceira vez. Este ano, ele voltou a ser o candidato mais votado para o cargo. Engenheiro eletrônico, Brito formou-se em 1978 pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), mas conduziu sua carreira na Unicamp, onde permanece como titular da área de Eletrônica
Brito: mais votado
Quântica. Entre março de 1986 e agosto de 1987, foi pesquisador residente nos Laboratórios Bell da AT&T, em Holmdel, Nova Jersey. Publicou até agora mais de 50 trabalhos em revistas especializadas internacionais.
de 20 institutos de pesquisa e universidades consorciados ao programa e representantes de órgãos do governo do Estado de São Paulo que também têm acesso à Biblioteca Eletrônica, reuniram-se com agentes da Galegroup e WDSCO on-line, que representam pequenas editoras especializadas, para conhecer as novas publicações, estratégias de busca e recursos que poderão estar disponíveis aos pesquisadores interessados. "Se aprovadas, as novas publicações estarão disponíveis em 2001 ", afirma Rosaly Favero Krzyanowski, coordenadora operacional do programa.
Data para Políticas Públicas A data limite para a apresentação de pré-projetos para o Programa de Políticas Públicas é 30 de novembro. O projeto de pesquisa aplicada pode ser realizado em parceria com instituições governamentais ou não. As propostas individuais também poderão ser acolhidas, mas o programa dará prioridade aos grupos de especialistas. A FAPESP financiará as atividades de pesquisa e também a participação de técnicos da instituição parceira, na forma de bolsas. Cada proposta deverá ser apresentada por um coordenador, necessariamente um pesquisador com capacidade de liderança e experiência na área de conhecimento em questão. Os formulários podem ser preenchidos no si te da FAPESP (www.fapesp.br), no qual há mais detalhes sobre o programa. PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 9
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
PERSONALIDADE
O legado de Johanna DObereiner Uma contribuição decisiva para a agropecuária brasileira MARco ANTONIO COELHO
"A
contribuição de Johanna Dõbereiner para a Ciência e o Brasil foi de um nível invulgar e por isso teve amplo reconhecimento internacional". Essa é a opinião de seu colega e amigo, o geneticista Crodowaldo Pavan. Alquebrada nos últimos anos e por insuficiência respiratória, Dobereiner faleceu no dia 5 de outubro, aos 75 anos, em Seropédica, interior do Rio de Janeiro, no mesmo lugar em que há décadas morava e trabalhava, no Centro Nacional de Pesquisa de Agro biologia da Embrapa. Por diversas razões o prestígio dessa cientista ultrapassou as fronteiras do país. Suas pesquisas abriram caminhos para o desenvolvimento de nossa agropecuária, notadamente da cultura da soja, a tornando mais racional. Ela demonstrou que, na sojicultura no Brasil, era possível recorrer-se a certos tipos de bactérias que fixam o nitrogênio, dispensado o adubo mineral, caro e nocivo ao meio ambiente. Com isso, o Brasil tem economizado anualmente cerca de US$ 1 bilhão. Para a implantação desse processo, Dõbereiner enfrentou sérias resistências. Isto porque, quando a soja começou a ser introduzida no Brasil, seguia-se a experiência dos Estados Unidos, onde a aclimatação e o melhoramento genético da soja foi realizado com o elevado uso, e até abuso, da adubação nitrogenada. A firmeza em torno de sua tese - segundo ela confessou- entre outras coisas, partiu de sua curiosidade ante o fato "estranho" de certas plantas no Brasil IO • OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
deste país a minha pátria". No Rio de Janeiro, procura emprego e já havia traçado seu futuro- um lugar no Serviço Nacional de Pesquisa Agropecuária. Consegue o que desejava com muito custo, pois chegou a propor trabalhar ali sem nada receber. Esse foi o inicio de sua formação científica, ocorrida quase toda no Brasil, pois só posteriormente estudou e pesquisou no exterior. Durante mais de 40 anos dedicou-se com paixão ao seu trabalho, pois este era a motivação de sua vida. Seu currículo é uma coleção infindável de informações: membro de três Academias de Ciências - da Brasileira, do Vaticano e do Terceiro Mundo; mais de 350 artigos publicados em revistas internacionais e brasileiras; orientação e supervisão de dezenas de estudantes de graduação e pós-graduação brasileiros e estrangeiros; conferencista em mais de 60 seminários internacionais; diversos prêmios, como o Bernardo Houssay (OEA, Agricultura, 1979), Unesco (1989), Frederico Menezes Veiga (Embrapa, 1976), Ciência e Tecnologia do México (1992); condecorada por inúmeros governos, como o doBrasil e da Alemanha; doutora Honoris Causa de várias universidades do Johanna: economia de US$ I bilhão com a soja mundo; consultora de muitas organizações brasileiras e internacionais. é que, nos escombros de uma Europa O que ela fez, assim como as indicadestruída e dilacerada, ela pode inições que deixou, comprovam a capaciciar uma vida normal. Vai para Munidade dos cientistas brasileiros em avanque e se matricula numa escola de çar no conhecimento dos mistérios Agronomia, graduando-se em 1950. No da agricultura tropical, área em que mesmo ano, casa-se com Jurgen Dõbeno mundo estamos num patamar inreiner, seu companheiro para sempre. vejável. Tal é a lição que retiramos do Seus familiares não querem e nem trabalho de Johanna Dobereiner. • podem viver na Alemanha. Não conseguem imigrar para os Estados Unidos e amigos facilitam a vinda para o Brasil. Aqui chega em 1950 e naturaMARCO ANTONTO COELHO, jornalista liza-se brasileira em 1956. Ela conta: editor executivo da revista Estudos Avan"Escolhi o Brasil porque queria fazer çados do IEA/USP como a grama-batatais e a cana-deaçúcar- permanecerem verdes e viçosas, sem que ninguém as adubasse com nitrogenados. Johanna nasceu na Checoslováquia, em 1924, na cidade de Aussig. Sua família vivia em Praga, pois seu pai trabalhava na Universidade Alemã dessa capital. Mas, desde menina, ela envolvia-se com as lidas na agricultura. Só depois da guerra, aos 21 anos,
POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
INFRA-ESTRUTURA
Mais memória, menos resíduos Programa financiará acervos de arquivos e gerenciamento de resíduos FAPESP está iniciando mais uma fase do Programa de Apoio à Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo. Agora, a Fundação vai apoiar planos de reestruturação e reorganização de instituições, como museus, bibliotecas e arquivos, que reúnem um amplo material de pesquisa nem sempre de fácil acesso a pesquisadores e financiar projetos de gerenciamento dos resíduos químicos, apresentados por laboratórios e centros de pesquisa. Lançado em 1994, em caráter emergencial, para recuperar a base física de pesquisa do Estado de São Paulo, que se encontrava naquele momento fortemente sucateada, o Programa de Infra-Estrutura investiu desde então cerca de R$ SOO milhões. Esse montante de recursos efetivamente recuperou e modernizou centenas de instalações de pesquisa de universidades e institutos em todo o território paulista, ligadas aos vários campos do conhecimento. Nesta nova fase, um dos focos do Programa é o Apoio à Infra-Estrutura de Centros Depositários de Informações e Documentos que, a rigor, estende os investimentos destinados à recuperação e modernização de bibliotecas, museus e arquivos, previstos no Programa Emergencial de Infra-Estrutura, para as instituições que não contam com equipe de pesquisadores mas que são fonte de consultas para pesquisas científicas. Com
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No caso dos arquivos, a relevância do acervo deve ser atestada por dois ou mais pesquisadores PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 2000 • li
o encerramento do Programa Emergencial de Infra-Estrutura, em 1999, a Fundação transformou o apoio à infra-estrutura das instituições de pesquisa em mecanismos regulares, por meio das reservas técnicas tanto para projetos temáticos - correspondendo a 40% do total do auxílio concedido a cada um deles - quanto para projetos ordinários de pesquisa, nesse caso correspondendo a 25% do valor de cada auxílio, e ainda para bolsas de pós-graduação, correspondendo a 30% de seu valor. Existem no entanto, segundo Luiz Henrique Lopes dos Santos, o assessor científico da FAPESP responsável pelo programa, muitas bibliotecas, arquivos e museus que não se beneficiam da reserva técnica porque não concentram grupos de pesquisa e, por isso mesmo, não solicitam bolsas e auxílios à FAPESP. E essas instituições são importantes para muitas atividades de pesquisa. Daí terem se tornado o alvo do novo programa de apoio à infra-estrutura. "O nosso objetivo é capacitar essas instituições para que tornem mais acessível e facilmente disponível o seu acervo aos pesquisadores", explica Luiz Henrique. O programa vai apoiar a infra-estrutura de museus, arquivos, bibliotecas e sedes de bancos de dados, com base na avaliação de sua relevância para a pesquisa e de sua capacidade para manter, ampliar e disponibilizar aos pesquisadores os acervos de que são depositários. Serão financiados equipamentos, mobiliários e materiais de consumo indispensáveis para a preservação do acervo, materiais e serviços para pequenas reformas de instalações e parte dos custos de serviços de terceiros no arranjo, catalogação e informatização do acervo. Estão fora do programa a construção de novos prédios e obras civis de 12 · OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
Luiz Henrique: o objetivo do programa é facilitar o acesso de pesquisadores ao acervo de bibliotecas
ou mais pesquisadores que coordenem a realização de projetos de pesquisas para os quais o acervo seja relevante, com a respectiva lista de projetos de pesquisa aprovados por agências grande porte ou que resultem na ampliação da área construída. As propostas das instituições interessadas, que devem ser apresentadas até o dia 30 de novembro próximo, serão julgadas por especialistas de outros Estados e divulgadas num prazo de até cinco meses. Na avaliação serão consideradas a relevância do acervo para as atividades de grupos de pesquisadores, o caráter inovador da política de aperfeiçoamento infra-estrutura!, a adequação dos critérios de organização e documentação do acervo da instituição e a facilidade de acesso a pesquisadores, assim como a sua capacidade de ampliar regularmente o acervo. No caso das bibliotecas, também será considerada a lista dos pesquisadores diretamente atendidos, que coordenem a realização de pesquisas apoiados por agências de fomento. No caso dos arquivos, museus e bancos de dados, a relevância do acervo deve ser atestada por dois
de fomento. Segurança na pesquisa - Na área de
química, especificamente, só em reformas, adaptações e modernização dos equipamentos dos laboratórios, foram investidos R$ 13 milhões. Mas hoje, bem aparelhados, esses laboratórios estão produzindo quantidades consideráveis de resíduos químicos e faltam instalações adequadas para o seu tratamento ou descarte. "Há 20 anos, os resíduos químicos eram jogados na pia dos laboratórios, sem preocupação sequer com a segurança do pesquisador. Há alguns anos, passou-se a tomar alguns cuidados, como, por exemplo, a substituição do benzeno, utilizado como solvente, pelo tolueno, que é menos tóxico", diz Marco Aurélio De Paoli, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), coordenador do novo programa de gerenciamento de resíduos químicos, junto com Hans Viertler, do Instituto
de Química da Universidade de São Paulo (USP), e Elias Zagatto, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena/USP), em Piracicaba. Mais recentemente, observa De Paoli, começou a crescer a preocupação também com o meio ambiente e com os riscos de contaminação dos
devem eliminar o impacto das pesquisas químicas no meio ambiente
lençóis freáticos. Os solventes clorados, já proibidos em alguns países da Europa, éteres, hexenos, toluenos e benzenos, ou metais pesados como chumbo, mercúrio e cobalto, ou os ácidos, têm de ser tratados de maneira adequada, antes de serem descartados. Outros podem até ser reaproveitados, desde que purificados. Várias instituições já têm programas de coleta e os reagentes são descartados seletivamente. "Mas a maioria dos laboratórios não faz isso de forma
sistemática e com o apoio de um laboratório de análise de resíduos", revela o pesquisador. É precisamente para reverter essa situação que foi lançado o Programa de Infra-Estrutura para Tratamento de Resíduos Químicos, com orçamento inicial de R$ 10 milhões. E os projetos submetidos à FAPESP no âmbito desse programa devem visar à adequação das instalações dos laboratórios para tratamento ou armazenagem temporária de resíduos e à aquisição de material de consumo e eqmpamentos de segurança individuais e coletivos. Em situações especiais, os laboratórios interessados poderão organizarse em consórcios para solicitar veículos apropriados, recipientes para transporte ou estações de tratamento e, se for o caso, de sistemas de combustão de resíduos. "O objetivo imediato é eliminar o impacto das pesquisas químicas
no meio ambiente. Mas há, ainda, um objetivo educacional, que é o de preparar pesquisadores e alunos para o trabalho na indústria química", explicam os coordenadores. Estão credenciados a pleitear recursos do programa todos os laboratórios de pesquisa que têm projetos financiados pela FAPESP. Além do projeto de gerenciamento do uso e descarte dos resíduos, as instituições interessadas deverão apresentar, ainda, um projeto de redução de resíduos ou monitoramento de aterros. "Queremos adequar os centros de pesquisa e laboratórios paulistas à legislação existente, cuja fiscalização é responsabilidade da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental ( Cetesb) ", conclui De Paoli. "Numa próxima etapa, todos os projetos na área de química financiados pela FAPESP deverão incluir programas de destinação de resíduos", adianta o coordenador. Apoio às instituições - Na primeira
fase do Programa Emergencial de Apoio à Infra-Estrutura foram investidos um total de R$ 77,1 milhões no financiamento de 849 projetos. Na segunda fase, o Programa foi divido em cinco módulos e a demanda por recursos cresceu de 1.103 para 3 .O 17 projetas. Foram contratadas 1.261 propostas num total de R$ 146,4 milhões. Em 1996, no início da terceira fase, as propostas de financiamento do Módulo I, relativo a aquisição de equipamentos multiusuários, passaram a ser recebidas ao longo de todo o ano. Nesta fase a FAPESP recebeu 1.825 propostas e investiu R$ 122,2 milhões no financiamento de 1.045 projetos. O Conselho da Fundação, em 1997, decidiu prorrogar o Programa, considerando que ainda havia deficiências infra-estruturais no sistema estadual de pesquisa e uma demanda reprimida a ser atendida, mas reduziu para três o número de módulos. A FAPESP recebeu 1.797 solicitações, aprovando 1.054 projetos num valor total de R$ 133,3 milhões. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000
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POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA
PROJETO RESGATE
São Paulo já tem ,., OS em ma a Sua h·lsto' r·la · ~oloni~lp~rtugue:areferente Entregue às un~versidades a documentaçao a Capttanta de Sao Paulo
MAURlCIO LIBERAL AUGUSTO*
oi completada a recuperação, no Arquivo Histórico Ultramarino português, de toda a documentação histórica referente à administração colonial da Capitania de São Paulo (que chegou a abranger Minas Gerais e todo o Sul do Brasil). Parte financiada pela FAPESP do Projeto Resgate Barão do Rio Branco - coordenado pelo Ministério da Cultura e que visa à recuperação de cerca de 300 mil documentos referentes ao período colonial do país, então dividido em capitanias -, essa documentação já está disponível em microfilmes e CD-ROMs, e logo chegará à Internet. O material foi entregue no último dia 25 de setembro no auditório da Fundação, na abertura do Congresso Projeto Resgate & Agenda do Milénio, que reuniu brasileiros e portugueses envolvidos na pesquisa (ver em seguida). Na ocasião, o presidente em exercício da FAPESP, Paulo Eduardo de Abreu Machado, acentuou o "esforço de levantamento dessa documentação" e afirmou que o projeto significa "o resgate até mesmo de nossa cidadania, ao termos conhecimento de nossas raízes': Revelou que "o próximo desafio é colocar esses dados à disposição da comunidade internacional na Internet": o Projeto Resgate deverá estar no site Projeto SciELo (Scientific Electronic Library on line), que, ao formatar eletronicamente as principais revistas científicas brasileiras, garante visibilidade a toda a produção científica nacional. O historiador José Jobson de Andrade Arruda membro do Conselho Superior da FAPESP e que coordenou a parte paulista do Projeto Resgate, comemorou o encerramento dessa fase, que resultou em mais de mil documentos até então desconhecidos (além dos 5.100 já conhecidos, mas que foram recatalogados), 11 CDs e 103 rolos de microfilmes, agora depositados no Arquivo do Estado e nas bibliotecas universitárias.
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Acentuou que, com o armazenamento desse grande volume de fontes primárias - as mais importantes na historiografia - , os pesquisadores recebem "uma diretriz, um mapeamento do território por onde caminha a história': O representante do Ministério de Ciência e Tecnologia de Portugal, Fernando de Souza, revelou que "no final do ano recolheremos pareceres para definir uma política de cooperação em projetas comuns" luso-brasileiros. Resgate da cidadania - Depois de entregar pessoalmente o material do Projeto Resgate paulista aos representantes de universidades, o ministro da Cultura, Francisco Weffort, enfatizou a participação dos coordenadores nacionais do projeto, embaixador Wladimir Murtinho e professora Esther Bertoletti. "Se tivemos três projetas importantes na comemoração dos SOO anos do Brasil e dos Grandes Descobrimentos portugueses, este foi um deles': disse. Considerou que o projeto "recupera o sentido de uma cidadania em relação a Portugal" e elogiou a "cooperação extraordinária dos portugueses". Ao relatar o andamento do "esforço enorme" do Projeto Resgate, citando os Estados em que já foi concluído e onde está em andamento, Weffort destacou a idéia de pôr os documentos ao alcance do público na Internet: "Isso tem um significado intelectual enorme em nível internacional". Revelou que já começa a fase de resgate ALEIJADINHo da documentação colonial nos arquivos holandeses e que ainda este ano o projeto se encaminhará para arquivos de Espanha, Itália e França. E avisou: "Preparem-se: novos pedidos de financiamento virão, porque isto vai multiplicar os projetas de pesquisa no Brasil inteiro". De acordo com José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, o Projeto Resgate, coordena-
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mais relevante. O lado português também lucrou. "O Arquivo", diz Maria Luísa, "é muito procurado e, em benefício dos que pesquisam os séculos 19 e 20, não tínhamos tempo de organizar tudo". Ao ser agitado pela presença de cerca de 50. brasileiros, pôde alcançar um avanço nos seus 15 quilómetros (medidos em extensão de prateleiras) de documentação que ainda esperavam um ordenamento Weffort: "esforço enorme" que "recupera o sentido de uma cidadania" na celebração dos SOO anos adequado. Quanto ao Brasil, diz Maria Luísa, do pelo Ministério, assim como os programas Genoma "conseguimos organizar toda a documentação". e Biota, da Fundação, são mobilizadores, porque, além de gerarem alentados acervos de informações, transformam esses dados em conhecimento. Durante o coquetel oferecido em seguida, o embaixador Murtinho revelou que dois terços do projeto estão finalizados, está em conclusão a documentação da capitaPesquisadores apresentam seus achados no nia da Bahia (sede do Governo Geral por mais de dois Anfiteatro de História da USP séculos e meio) e que a do Rio de Janeiro (que foi nada menos que a capital do reino) ainda exige algum trabam capitão-mor maldizendo seus domínios, a lenda lho, por ser maior. "Já aprendemos muito': diz o embaique ganha status de realidade, o mistério da riqueza xador, para quem o que se obtém de mais importante é mineira depois do fim do ouro, os desconhecidos escra"a visão de conjunto': Ele destacou ainda o formato do vos vaqueiros, o Estado fantasma na dominação holanmaterial de pesquisa proporcionado pelo projeto: "O CD-ROM tornou mais democrático o acesso ao docudesa, a denúncia anónima contra um governante corrupmento. Os aparelhos para microfilmagem são poucos, os to ... São fatos que pesquisadores do Projeto Resgate relataram no seu encontro: nos dias 25, 26 e 27 de setemcomputadores são muitos". bro, o Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP) Guardiã do tesouro - A portuguesa Maria abrigou uns 90 estudiosos - 30 Luísa Abrantes salienta, antes da facilidaportugueses, 60 brasileiros - no de de acesso, a abundância dos doeucongresso A História que Nasce do Promentos cujo levantamento ela facilitou jeto Resgate (ver Suplemento Especial, Pespacientemente, como diretora do Arquisa FAPESP no 57) e no colóquio Agenquivo Histórico Ultramarino. Para se ter da para a História do Milênio. uma idéia, diz, "50% dos documentos O objetivo foi consolidar o projeto, queredo Arquivo sobre todas as ex-colónias cupera, em microfilmes e CDs, toda a docuportuguesas se referem ao Brasil". E mentação sobre o Brasil colónia existente em acrescenta que, se considerarmos que a alimentação do Arquivo cessou no iníoutros países, em especial no Arquivo Histórico Ultramarino de Portugal - onde estão cio do século 19, com a independência brasileira, enquanto os documentos das 80% dos documentos sobre o assunto, o que outras colónias perduraram até a década terá impacto já a curto prazo nas pesqui-
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Um olhar renovado para a história do Brasil
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sas. Nas primeiras sessões, discutiram-se aspectos gerais, como as novas tecnologias, que aceleram o acesso às fontes e a troca de informações. Depois, houve sessões por blocos temáticos: Amazônia, Nordeste, Capitania da Bahia, Centro-Oeste, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Partes Meridionais. O colóquio Agenda do Milênio encerrou o encontro.
longo do século 18 e na virada para o 19, o número de escravos em Minas equivalia a 20% do total da América portuguesa. Essa virada de século, contudo, é o período apontado como o da decadência da região, já que os primeiros 30 a 40 anos do século 18 foram o auge da exploração aurífera. Boschi questiona: como pode ser decadente uma reDocumentos trazem revelações sobre a vida cotidiana nas capitanias gião que mantém esse contingente de escraA voz do súdito- Paulo Knauss, da Universidade Federal vos? Isso indica que havia outras atividades produtivas a Fluminense, que trabalhou na documentação do Rio de sustentar essa economia. Janeiro, enfocou o pensamento de Capistrano de Abreu e "Imaginar Minas calcada exclusivamente na exploração Oliveira Viana, para dizer que eles fizeram "uma leitura aurífera é uma inverdade histórica': sustenta. E sugere que se substitua a palavra decadência por declínio, já que a angustiada acerca de nosso destino coletivo". Para eles, exploração do ouro era aluvional e assim apresentava ne"aqui não havia sociedade, porque não havia vida social': cessariamente uma curva descendente. Daí as famosas Depois, Gilberto Freyre inverteria essa visão: se para Capistrano e Viana o passado colonial responderia por derramas, com que a coroa exigia o complemento do pagamento de impostos mesmo com a produção declinannossas mazelas, para Freyre, ao contrário, "traduziria nossas virtudes, na aproximação da casa -grande à senzala pelo te, até que se atingissem as costumeiras 100 arrobas anuais. universo da intimidade da vida social". Em reforço a essa Boschi vai além, no que chama de "Civilização Mineirevisão, diz Knauss, o projeto revelou um tipo de docura": se Aleijadinho, os poetas árcades, a música, a pintura mento extraordinário, que dá voz ao súdito da colônia: "Ali de Manuel da Costa Athaíde floresceram na virada do séo súdito se manifesta, ele reclama ao rei. Não é um súdito culo 18 para o 19 e início deste, quando a extração de qualquer, porque não é o súdito metropolitano, é o súdiouro entrara em declínio inexorável, "como explicar esse to do universo colonial': intervalo de tempo se não por uma consistente atividade Caio César Boschi, da Pontifícia Universidade Catóprodutiva que não a exploração mineradora?" É tarefa lica (PUC) de Minas Gerais, tem uma abordagem seque o Projeto Resgate entrega aos historiadores mineiros. melhante. Para ele, a documentação relativa à Capitania de Minas deixa clara uma necessidade de revisão, Direto ao rei - Maria do Socorro Ferraz Barbosa, da Uniespecialmente das teses de Oliveira Viana versidade Federal de Pernambuco (UFPE), destacou uma e Raimundo Faoro, que viam a prenovidade que o projeto trouxe para a história da ocupasença do Estado se antepondo à soção holandesa em Pernambuco no século 17. A doeuciedade. "O Estado", diz Boschi, "só mentação confirma que, mesmo no período de domínio holandês, a correspondência juríse vai fazer presente na região das dica e institucional com Portugal não só Minas quando ela já está mais do que em ebulição, apresentando movimencontinuou como foi permanente, como tos no seu corpo social que não pose houvesse um Estado por baixo do /. . outro -"o que significa que o Esta- ~ dem prescindir da presença do Estado." 1 Enquanto os primeiros achados de ouro do Português nunca se afastou, I( datam de 1693, é só em 1710 que o Essempre esteve presente de forma sub-reptícia". tado português se faz presente, para paAinda sobre Pernambuco, Virgícificar a Guerra dos Emboabas e criar as nia Maria Almoedo de Assis, tamprimeiras vilas. bém da UFPE, localizou uma carta Minas sem ouro - Boschi expôs ainda anônima dirigida ao rei, assinada "Perum dado intrigante sobre Minas. Ao nambuco Afligido", que denuncia des16 • OUTUBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP
ser atividade extensiva ~ e que não requer grande contingente de mãode-obra - ao contrário do engenho de cana ou da mineração-, optavase pela mão-de-obra livre que, em geral, era paga com gado. Até hoje é isso que se diz nas escolas e consta da maioria dos Sr., livros aprovados pelo Queixa-se PernamMEC. Entretanto, a julgar pela documenbuco à Vossa Real Majestade do governo que tação inventariada no hoje o está governando Projeto vai exigir uma nova leitura sobre a questão da escravidão Arquivo pela equipe do para que Vossa Real Nordeste, esses arguMajestade com a pressa possível remedeie as grandes faltas mentos terão de ser revistos. Segundo Lourival Santana e misérias destas capitanias que padecem e mais padecem. Santos, da Universidade Federal de Sergipe, a documen(... )por mui diferentes modos se furta muito com capa de tação sobre o Piauí não só mostra a criação de gado como virtude(... ) não guarda respeito nem jurisdição a ninguém principal atividade econômica, mas revela que mais da (.. .) o escrivão da fazenda e matrícula é criado particular de metade da mão-de-obra empregada nessa atividade era portas adentro e consigo tem os livros para melhor fazer seu composta por escravos! negócio (.. .) os míseros moradores, todos pagam e repagam "Anexos e combativos": assim Fátima Martins Lopes, por todas as vias que seja, suas fintas [uma espécie de taxada Universidade Federal do Rio Grande do Norte, refeção] e donativos (. .. ) seis moças donzelas tem deflorado, não riu-se aos súditos de sua terra, que foi anexada à capitase nomeiam os pais por não escandalizar honras, e muitas nia de Pernambuco. Segundo ela, a história potiguar vicasadas: tudo conclui a força, acuda Deus" nha sendo feita em cima de documentos que o poeta Gonçalves Dias preparou em meados do século 19, quanA carta mostra que, em que pese a natureza político-addo foi a Portugal a pedido do imperador para "copiar doministrativa dos documentos levantados, pode-se captar cumentos interessantes". Neles, convenientemente, os neles não só aspectos da administração colonial, mas da viconflitos da colônia não apareciam e, além da duvidosa da cotidiana. A vertente que lida com a chamada história seleção, havia muitas lacunas. das mentalidades e do cotidiano terá ali um rico manancial. O levantamento do Projeto Resgate, ao contrário, reTambém Mozart Vergetti de Menezes, da Universidavela muitos conflitos entre os capitães-mores do Rio de Federal da Paraíba (UFPB), mostrou-se impressionaGrande do Norte e os governadores gerais de Pernamdo com as manifestações dos súditos nos requerimentos, buco, principalmente quanto à doação de sesmarias. documentos em que se solicita algo à autoridade: "Na leiDessa papelada do poeta, diz Fátima, "muitas vezes só tura deles você vê que tanto pessoas ligadas à elite como tínhamos o documento ascendente"- a consulta, que pessoas comuns faziam solicitações e mercês direpartia da colônia para Portugal -, "mas não o destamente ao rei. Parecia que pela primeira vez eu cendente, que é a ação administrativa corresponvia as pessoas comuns se expressando. E com dente para resolver os problemas". O Projeto Resproblemas diversos, que iam desde o trato cogate trouxe o complemento. tidiano, de questões mais prosaicas, até as de Fátima revelou ainda a estranha história fundo administrativo". da Mina da Serra do Cabelo Não Tem, há muito contada por uma família potiguar, de Vaqueiros escravos- A equipe nordestina pingeração em geração. Na dita serra haveria uma çou grandes novidades no Arquivo Ultramarimina de ouro, que os índios locais teriam tono. Clássicos da historiografia econômica, como mado num ataque ao colonizador. Era consiCaio Prado Júnior e Celso Furtado, derada só uma lenda. Pois bem: a documensustentaram que as zonas de pecuária, tação mostrou que a mina existiu de fato e tanto no Nordeste como no Sul, praticaa família, que pôde confirmar sua velha mente desconheceram o escravismo. história, foi redimida da O argumento parecia razoável: por fama de mentirosa.
mandos da autoridade local. É um bom exemplo da voz do súdito, usado por Virgínia em sua tese de doutorado sobre as relações com a Metrópole entre 1650 e 1720. Datada de 28 de julho de 1653, diz a carta:
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Catálogos das capitanias que já tiveram concluído o resgate de seus documentos. Os catálogos contêm verbetes dos . ..
Vazio paraibano - Quanto à Paraíba, capitania também anexada à de Pernambuco, diz a coordenadora Rosa Maria Godoy (da UFPB): "A importância do pau-brasil paraíbano - que é ressaltada por todos os cronistas de época, uma vez que dava mais tinta que o de outras capitaniasestá agora confirmada': bem como a forte resistência indígena regional, uma das maiores de que se tem notícia na colônia. Rosa ressaltou a importância que a Paraíba teve na expansão portuguesa, servindo de retaguarda para assegurar a cultura da cana-de-açúcar em Pernambuco. A presença holandesa em Pernambuco produziu um nó na história da Paraíba que resultou, segundo Rosa, "num vazio historiográfico, uma vez que, após a expulsão dos holandeses, a Paraíba entra numa crise sem precedentes e acaba sendo anexada à Capitania de Pernambuco durante 44 anos". Esse vazio, que a documentação vem sanar, também está ligado "ao tardio aparecimento, em 1905, do Instituto Histórico e Geográfico, que estava mais preocupado em legitimar o jovem regime republicano, descuidando muito da documentação colonial".
Bahia comunicativa - Onildo Reis David, da Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), e Avanete Pereira de Souza, doutoranda da USP, desmentiram a tese de que as capitanias não se comunicavam entre si: a Bahia mantinha "uma relação muito estreita" com Pernambuco, Paraíba e Piauí. Ambos acham que a documentação estimulará pesquisas sobre mineração, cobranças fiscais, problemas de abastecimento, migrações e doenças. E assuntos já relativamente estudados, como extração e contrato de pau-brasil, construção naval, atividades comerciais e independência da Bahia terão, para Avanete, "a chance de ser reinterpretados e acrescidos': A historiografia baiana produziu uma série de trabalhos sobre a escravidão, por exemplo, mas quase toda ela se reporta ao século 19. O Projeto Resgate permitirá, ainda que de forma panorâmica, trabalhar o tema da escravidão no século 18.
"Escabrosa capitania" - A documentação relativa ao Ceará, segundo Gisafran Nazareno Mota Jucá, da Universidade Federal do Ceará, revela uma série de conflitos nas relações entre as autoridades coloniais e o clero. Referências à seca também já apareciam, bem como ao comércio do couro e do charque. Gisafran estranha a escolha de Fortaleza como capital, uma vez que a geografia- e a documentação aponta isso- não oferecia boas condições para a instalação de um porto. Aliás, o descaso para com a Capitania do Ceará se revela no modo como os administradores a ela se referiam. Diz o capitão-mor João Batista de Azevedo Coutinho, que a governou de 1762 a 1789, num documento que Gisafran recolheu: "Desde que cheguei a esta desgraçada e escabrosa capitania e tomei posse de seu infeliz governo ..." Noutro documento, o mesmo capitão-morre-
Falso exterminio - Juciene Ricarte Apolinário, da Universidade do Tocantins (que até há poucos anos pertencia a Goiás), ressaltou que "mesmo em documentos considerados de cunho jurídico-administrativo ou oficial, nas entrelinhas percebem-se exatamente as intrincadas relações sociais que ocorriam no mundo da Capitania de Goiás". Temas sobre o relacionamento entre colonos, missionários, militares, comerciantes, índios e não-índios poderão ser apreciados. No terreno da etno-história, muita coisa deve mudar. Juciene lembra que alguns autores aceitaram de pronto o extermínio de certos grupos indígenas locais. Ela assegura, contudo, que a documentação mostra a resistência de alguns grupos e, ao contrário do que se supunha, eles sobreviveram ao migrar para outras capitanias. A consulta aos CDs do Projeto Resgate per-
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fere-se "à indolência dos habitantes do Ceará, cujo pão vinha de Pernambuco por preguiça de cultivar a mandioca" (eles se dedicavam basicamente à pecuária).
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... documentos microfilmados e digitalizados e servem de guia para a pesquisa e utilização dos CD-ROMs e microfilmes.
mitirá cruzar dados para identificar esses grupos e sua movimentação. Os documentos sobre Goiás permitirão pesquisar a presença da Igreja na região, pois tratam de algumas irmandades e confrarias, além de registrarem muitas queixas dos eclesiásticos contra o governo civil e vice-versa. Um destaque apontado por Antonio Cesar Caldas, da Universidade Católica de Goiás, é a documentação cartográfica e iconográfica, que preenche muitas lacunas. Amazônia em polêm ica - O diretor do Museu Amazô-
nico, Francisco Jorge dos Santos, levantou uma polêmica. Depois de lembrar que, quando jovem, indignava-se com o fato de os historiadores não tratarem da história colonial do Amazonas, sustentou: "Mas eles estavam certos, porque a Amazônia constituía uma unidade colonial que era independente do Brasil". Acrescentou que a documentação levantada no Arquivo Ultramarino confirmaria isso, pois os temas que verificou até 1808 não apontavam qualquer documento que se reportasse à Bahia ou ao Rio de Janeiro, as duas sedes administrativas coloniais. Isso só teria mudado com a vinda da Corte para o Brasil em 1808. Se a partir de então os documentos amazonenses se reportam ao Rio de Janeiro, isso não se deveria ao fato de ser o Rio "a sede do Brasil", mas ao de ser "a sede do Reino". A pernambucana Maria do Socorro se contrapôs: "Ao contrário do que sugere a posição do meu colega, o Nordeste quer ser Brasil. Nos Estados Unidos, aquela imensidão, tudo é história nacional! Nós somos todos brasileiros, com as nossas especificidades': Juciene Apolinário, da Universidade do Tocantins (que faz parte da Amazônia Legal), contradisse diretamente o amazonense: na documentação relativa a Goiás, ela constatou que na verdade havia uma intensa comunicação entre os
capitães-generais de Goiás e do An1azonas, especialmente sobre o intrincado problema, à época, da navegação no rio Tocantins. Sua descoberta exemplifica o potencial dos documentos resgatados, que permitem cruzar facilmente, pelos CD-ROMs, as informações de várias capitanias. Numa das sessões, Caio Cesar Boschi, da PUC de Minas, comentou que, em termos da quantidade de documentos inventariados, havia "pequenas e grandes capitanias': Sem querer, acendia outra polêmica. João Eurípedes Franklin Leal, da Universidade Federal do Espírito Santo, replicou: "No final do século 16, o Espírito Santo era superior à Capitania de São Vicente em produção e qualidade do açúcar. Era superior ao Rio de Janeiro em população e em comércio! Então, como era uma pequena capitania?" E prosseguiu, veemente: "Até o século 17, o Espírito Santo ia muito bem, e os documentos o comprovam. De repente descobre-se, desculpem, o maldito ouro de Minas Gerais! Aí viramos um forte, um forte natural. Tudo para defender as Minas Gerais!" Outro momento de descontração foi proporcionado por Sérgio Conde Albite, da Universidade Rio-Grandense: disse que fahrria de algo "que não é nem grande, nem pequeno, nem capitania e nem está no Brasil': É que ele trabalhou na documentação da Colônia do Sacramento (atual Uruguai), parte dela levantada em Montevidéu. Os documentos confirmam que a Colônia servia sobretudo como posto avançado da Metrópole para resguardar seus domínios mais ao norte. O projeto certamente provocará muitas polêmicas, pois vem sacudir a historiografia colonial. Além disso, brasileiros e portugueses se resgataram e reencontraram na tarefa de reunir os milhares de documentos, não só do Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, como também dos arquivos públicos brasileiros, que já foram microfilmados e estão em Portugal, no que é informalmente chamado de "Retorno"- o equivalente português ao projeto. • *Colaborou: ADILSON AUGUSTO PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1000 • 19
CIÊNCIA
LABORATÓRIO
Pesquisadores na trilha de Humboldt Desta vez, a inspiração veio da História. Um grupo de pesquisadores brasileiros e estrangeiros vai refazer a viagem do cientista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859) à Amazônia, em 1799. Considerado um dos maiores cientistas de seu tempo, Humboldt fez relatos acurados sobre o ambiente, as populações ribeirinhas e os povos indígenas da Amazônia venezuelana. Viajando de canoa e no lombo de burro, estava atento, ao mesmo tempo, à História, Arqueologia, Etnografia, Fitogeografia, Zoologia e Geologia. Duzentos anos depois, a Expedição Humboldt Amazônia 2000 também tem um enfoque multidisciplinar: reúne especialistas em botânica, zoologia, ecologia, biologia molecular, geologia, engenharia florestal, antropologia, história, geografia, saúde, po-
Água de coco contra a malária Pesquisadores do Peru descobriram uma forma nova de matar os mosquitos que causam a malária: o coco. Para matar as larvas do Plasmodium falciparum, cientistas do Instituto de Medicina Tropical Alexander von Humboldt, em Lima, inocularam soluções com uma bactéria inofensiva no homem, o Bacillus thuringiensis var. israelensis, Bti, no fruto do 20 • OUTUBRODE 2000 • PESQUISA FAPESP
nas, da Universidade de Paris e do Institute Venezolano de Investigaciones Cientificas (IVIC). A expedição partiu do município de Ciudade Guayana,
e um de seus desenhos, feito durante a expedição: enfoq ue multi disciplinar
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lítica indigenista e educação ambiental, além de um desenhista e um fotógrafo, sob a coordenação do historiador Victor Leonardi e do biólogo Cezar Martins de Sá, ambos da Universidade de Brasília (UnB). Ao longo do trajeto, devem integrar-se à equipe especialistas da Universidade do Amazo-
na Venezuela, no início de setembro. Os pesquisadores vão percorrer 7 mil quilômetros pelos rios Amazonas, Negro e Orinoco, em três barcos diferentes, e 3,5 mil quilômetros por terra. O ponto de chegada é em Belém, no Pará, onde os pesquisadores querem estar em 4 de novembro.
coqueiro. Ali dentro, os microrganismos cresceram, com fartura de nutrientes, e depois de 96 dias estavam prontos para serem usados. Com a água de coco tratada foram então regados os pântanos em que crescem os mosquitos transmissores da malária. Na mesm a área também foram espalhadas as cascas dos cocos. Resultado: em no máximo três semanas as larvas já estavam infectadas e começavam a morrer. "A solução para prevenir
uma epidemia está em nossas mãos", comentou Palmira Ventosilla, coordenadora da pesquisa peruana. A pesquisadora já aplicou a mesma técnica em Piura, no litoral peruano, e em Yurimaguas, leste do país. Os testes mais recentes realizaram -se em fazendas próximas a cidade de Iquitos, bem no meio da floresta amazônica, onde durante a estação chuvosa se for mam lagoas propícias ao desenvolvimento das larvas do mosquito da malária. •
Fóssil de rato intriga argentinos Um rato pré-histórico até então restrito a ilha de Fernando de Noronha, a 540 quilometras do Recife, e provavelmente extinto no século 16, foi também encontrado na Argentina. O achado é considerado um enigma biogeográfico pelos pesquisadores, que não sabem como o mesmo roedor pode ter existido em dois lugares tão distantes. "É provável que a distribuição dele se estendesse por toda a América do Sul", especula o paleontólogo Ulyses Pardifias, do Museu de La Plata, na Argentina, autor da descoberta. Para tal hipótese ser confirmada, é preciso que fósseis semelhantes sejam descobertos no Brasil continental. Pardifias descarta a possibilidade de o rato ter sido transportado por navios de Noronha para a Argentina ou que tenha sido levado por correntes marítimas. O mamífero pertence ao gênero Noronhomys, descrito no ano passado por pesquisadores do Museu Americano de História Natural, em Washington. •
O parque das cavernas O Parque Nacional da Serra da Bodoquena, em Mato Grosso do Sul, passou a existir oficialmente em setembro. O objetivo é proteger um dos últim os remanescentes de Mata Atlântica no Estado e uma área rica em cavernas. A paisagem estava sendo transformada com a atividade turística, que agora deve ser controlada. O novo parque tem 76,4 mil hectares •
stellata (coral-pétreo) e a gorgônia Phyllogorgia dilatata (coral orelha-de-elefante). Búzios é considerada uma região importante para essas espécies, com colônias centenárias de até três metros de diâmetro. A coleta indiscriminada para comercialização, além da poluição e atividades náuticas, são as causas da devastação. • Interior do ESO, no Chile: primeiras imagens são promissoras
Estréia bem-sucedida A noite de 3 para 4 de setembro foi histórica para a astronomia. Começou a funcionar, para a alegria incontida dos astrônomos, o quarto e último elemento do conjunto de quatro telescópios, o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Austral Europeu (ESO), no norte do Chile, um dos maiores do mundo, construído ao longo dos últimos 15 anos. As primeiras imagens captadas pelo Yepun (Sirius, na linguagem dos índios mapuche) , como é chamado o quarto telescópio, foram promissoras. Elas mostraram com grande nitidez a nebulosa planetária Hen 2428, as galáxias-anãs NGC 6822 e a galáxia espiral NGC 7793. Nesse equipamento de última geração, um grupo de pesquisadores da Finlândia, Dinamarca, Itália e Estados Unidos detectou logo no início de outubro os mais antigos registros de raios-gama, emitidos quando o Universo ainda era jovem - tinha um décimo da idade atual. Eles são resultado de uma explosão cuja luminosidade equivale a cerca de 1 trilhão de vezes à do Sol e viajaram durante cerca de 11 milhões de anos até chegar à Terra. Embora fique no alto da montanha Cerro Paranal de 2.635
metros, no Chile, o observatório foi financiado e é administrado por americanos e europeus. •
Corais em perigo A situação é pior do que se imaginava. Em alguns pontos de Búzios, no litoral fluminense, não há mais corais. Ou melhor: todos estão mortos, principalmente nas praias que recebem muitas embarcações. Chamados pelos moradores da região, biólogos do projeto Ecorais, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), chegaram a conclusões alarmantes ao estudarem as condições de sobrevivência das três espécies típicas do litoral brasileiro: a Mussismilia hispida (coral-cérebro), a Siderastrea
Armas simples contra poluição Pesquisadores da Universidade da California descobriram uma solução que reduz pela metade o excesso de smog- a neblina poluída que cobre as regiões urbanas: simplesmente duplicar o número de árvores da cidade e aplicar material mais claro e refletor de calor na pavimentação e nos telhados. O estudo, conduzido por Hashem Akbari, contou com financiamento deUS$ I milhão da agência ambiental americana e concentrou-se na área urbana de Sacramento. Baseou-se num trabalho detalhado de aerofotogrametria com câmaras de infravermelho para detecU!r o calor refletido pelas superfícies. Os pontos mais quentes constatados na pesquisa foram os telhados, seguidos dos esta-
Coral: condições de sobrevivência em Búzios são alarmantes
cionamentos pavimentados com material escuro. O aumento da temperatura acelera a formação do smog, que é constituído basicamente pelo ozônio produzido na reação dos raios solares com os gases poluentes emitidos pelos automóveis. A diminuição da temperatura reduz, portanto, a formação de smog. A Comissão de Energia da Califórnia pretende alterar o código de edificações para incluir incentivos aos construtores cujos projetas reduzam a absorção de calor - por exemplo, que usem concreto e não asfalto na pavimentação dos estacionamentos. •
A múmia renasce Otzi, o homem do gelo, perdeu o sossego outra vez. Depois de viver entre 3350 e 3100 a.C., a múmia mais antiga do mundo foi encontrada em 1991 numa geleira do vale de Otz, a 3 mil O homem do metros de alti- gelo será melhor tude, na fron- conhecido em teira da Itália seis meses com a Áustria. Sem contaminações e com os órgãos intactos, passou esses anos num freezera 6 graus Celsius negativos e umidade relativa de 96% a 98%, no Museu Arqueológico de Bolzano, na Itália. Mas no domingo, 24 de setembro, a temperatura subiu para 2 graus e pesquisadores de seis instituições de pesquisa da Europa colheram amostras de ossos, dentes, sangue e outros tecidos para entender do que pode ter morrido e o que comia. Os primeiros resultados devem sair em seis meses. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 2000
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do Departamento de Petrologia e Mineralogia do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no câmpus de Rio Claro, coordenado pelo professor Yociteru Hasui.
a balsa rochosa em que viaja o Brasil. Ela está em movimento, como as demais placas em que se divide a litosfera - a camada sólida mais externa da Terra, que inclui a crosta e a parte de cima do manto pastoso, e tem cerca de 200 quilômetros de espessura. O movimento produz tremores de terra, vulcanismo e elevação de montanhas na região andina, além de alterar a estabilidade de terrenos em seu interior, que inclui todo o Brasil. Líder do grupo da Unesp, que tem a colaboração de pesquisadores de outras universidades brasileiras e da Universidade de Freiburg (Alemanha), Hasui recolhe dados que abrangem pólens fossilizados, registros de antigos sismos (terremotos), espessura e tipo de sedi-
as ruas tranqüilas de Rio Claro, não se imagina os relatos impressionantes que o professor Hasui gravou em seus arquivos, mostrando os movimentos geológicos na paisagem do Sudeste: há porções que se elevam e sofrem erosão continuada, enquanto outras afundam e são assoreadas por sedimentos. Isso produz modificações no relevo, nos cursos d'água, nas fontes termais e nos solos. Como se fossem enormes orTremores de terra no Sudeste ganismos vivos, as serras do Mar e da Mantiqueira crescem, enOs pontos assinalados indicam os epicentros (projeções superficiais) dos tremores ocorridos quanto a metade oeste do Estado nos últimos SOO anos, com base em registres históricos e instrumentais (sismógrafos) o o o de São Paulo afunda, o que o~ MINAS GERAIS ooo muda o relevo e altera os cursos o o MATO o o • ube:!ba o de rios. Uma larga faixa em que 1 ,.,..·---. ___..... .._.~ o ..... ~ GROSSO (r ' ~-"vr<([ o o rio Paranapanema escoa, e que DO ,..·' Ja~s ·,.f~[......,"' Franca? i o o . ..... se prolonga para o Rio de JaneiSUL Três .i • O pp ~ 8 lagoas i e S. José do O Jb ro, tem trechos que afundam e _1• Andradina • Rio Preto O Oq, 8 ( Araçat'I.Jba 00 O RibeirãcP O odJ outros que se elevam lentament' Preto Q, ( • 11 Adamantina Araraquara 'S te, um fato até então desconheci/1 o iii o 00 do e que deverá ser incluído em / o ..9. 00 o ·"' Presiarn7e Mari~a B~uru ,·""" O Prudente 0 _ a mapas e livros-texto de geologia. /~·a..,.,;-·~ ....,~a- ~ • . SAO PAULO S p;,..c;caba / AsSIS Os rios adaptam-se às mu,· ÁREA DA / O -tr•-. 0 C • ] Paranav! ~~~~~Ç~~ O . ~rinhos DAvaré O ampmas danças de relevo e ganham tre,.-' • 8 Londnna tupetininga ooB chos acidentados, com canyons, Maringâ . o ogq o o ! % corredeiras e cachoeiras- ou cal~. g • ltapeva 0 0 Campo Mourão mos, com meandros e planícies '·I o \ sujeitas a inundações. DetectaPARANÁ o ram-se muitos casos de rios que Guarapuava sofreram grandes desvios: no co• o tovelo da região de Guararema, por exemplo, o Paraíba tem um desvio de quase 180°. Um exemplo dramático de previsão feita no estudo é mentos, lento crescimento de montanhas e afundameno do rio Grande, um dos formadores do Paraná: nas to de regiões. suas cabeceiras, ele corre para leste, mas a lenta escavaO trabalho é um refinamento da teoria do geofísico ção que o rio Aiuruoca faz na serra da Mantiqueira acaalemão Alfred Wegener, que explicou a origem dos contibará por capturar as cabeceiras do Grande e fazer com nentes com base no movimento das placas tectônicas (ver que esse formador do Paraná corra para norte, alteranquadro). Desde que foi proposta, essa teoria seduziu um do radicalmente as condições ambientais da área. Nada número crescente de pesquisadores, determinados a exa temer, por ora: isso só ocorrerá ao final de um tempo plicar não só os terremotos, mas também o vulcanismo e geológico ainda não mensurado - e tempos geológicos a formação de cadeias de montanhas tão distantes e disão longos. versas como as do Himalaia e da Mantiqueira. Tentava-se Concentrado nos últimos 15 milhões de anos- um associar esses fenômenos ao atrito ou à separação das piscar de olhos na história de 4,6 bilhões de anos do plabordas das placas. neta-, o grupo da Unesp usou um conjunto inovador de E, até fins dos anos 80, diz Hasui, pensava-se que o métodos indiretos para determinar a estabilidade dos terinterior das placas, enormes balsas rochosas que flurenos. A equipe de Hasui também já iniciou uma investituam sobre o manto, era formado por "regiões estáticas gação mais consistente da placa tectônica Sul-Americana, e tranqüilas". j
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A captura de um rio: o rio Aiuruoca está escavando a serra e vai encontrar as nascentes do rio Grande, que então mudará de trajeto
O problema é que as observações só confirmavam em parte essa previsão teórica: eram insuficientes. Por que, por exemplo, ocorrem sismos no interior das placas, em lugares muito distantes das bordas, como é o caso das regiões paulistas de Pinhal ou São Luís do Paraitinga? Isso significava que mecanismos desconhecidos provocavam esses tremores e deveriam ser explicados satisfatoriamente. As investigações no interior das placas ganharam impulso no início dos anos 90. Os pesquisadores partiram de pistas antigas, as falhas (fissuras) geológicas. A questão básica, ainda não respondida inteiramente, é: qual a estrutura do subsolo e como se comportam as rochas em cada região? Hasui diz que, para esclarecer as dúvidas, é preciso estudar o interior das placas com uma visão algo diferente da adotada para suas bordas e também restringir as investigações a tempos mais recentes. Em busca dos dados que preencham grandes vazios teóricos no espaço e no tempo, a equipe reuniu geólogos, geomorfólogos, geofísicos, estudiosos do solo, especialis-
tas em datação de sedimentos e em informática. Da combinação dos estudos emergiram os dados do trabalho, que se desdobrará em novos projetas, já que a área estudada não chega a cobrir So/o do território brasileiro. As medidas obtidas são quase todas indiretas e se enquadram no quebra-cabeça que Wegener começou a montar há quase um século. Para saber a taxa de crescimento das serras da Mantiqueira e do Mar, por exemplo, examina-se o perfil de áreas mais baixas, onde se acumulam os sedimentos trazidos do alto pela chuva ou pelo vento. Então, a datação do pólen com a técnica de carbono-14 permite obter a idade de camadas de sedimento. A partir daí, por cálculos relativamente simples, avalia-se o material perdido por erosão e a relação delevantamento/afundamento entre as áreas consideradas. Informações colhidas por sismógrafos (sensores de tremores de terra) permitem traçar o perfil rochoso de cada região estudada. Coletas de amostras e observações do comportamento de certas áreas indicam efeitos de pressões e movimentos rochosos que, para um investigador meticuloso, podem relatar fatos acumulados em milhões de anos. A própria topografia de uma região, como a da serrania próxima de Rio Claro, é testemunha de processos PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 25
geológicos iniciados em tempos remotos e que ainda não cessaram. As falhas geológicas, responsáveis por boa parte do perfil topográfico, resultam dos esforços de ruptura do continente único original, o Pangea. Outros acontecimentos entraram em cena, contudo, e o grupo brasileiro participou da descoberta deles. As placas Sul-Americana e Africana, por exemplo, separaram-se devido ao impacto de imensos "projéteis" rochosos disparados do interior da Terra. Os disparos ocorreram a partir do limite entre o manto pastoso e o núcleo, que é uma estrutura sólida formada especialmente por ferro e níquel, materiais densos e pesados. Essa fronteira de onde saem os projéteis- com até 200 quilômetros de largura e 700 quilômetros de altura - é a Camada D", uma esfera enrugada cujo perfil lembra os dentes irregulares de uma serra de disco. Um desses projéteis ou plumas fósseis disparados há cerca de 130 milhões de anos, sem força para romper completamente a litosfera, foi localizado sob a bacia do Paraná, num trabalho recentemente conduzido pelo geofísico Marcelo Souza de Assumpção (ver Pesquisa FAPESP 53), do Instituto Astronômico e Geofísico (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). Mesmo sem irromper inteiramente, essa pluma fóssil foi responsável por derrames de lava que, resfriadas e transformadas ao longo do tempo, originaram as rochas que alicerçam a Cuesta Basáltica - uma serrania entre Rio Claro e São Carlos - e se decompõem nas terras roxas da região (tradução equivocada de terra rossa, ou terra vermelha, em italiano). Pegajosas e férteis, essas terras foram a base de muitas fortunas no oeste paulista e norte do Paraná, onde a cafeicultura prosperou por quase um século.
sença da pluma do Paraná permitiu corrigir rte importante da teoria clássica. Até recenemente, pensava-se que só a crosta, película externa com espessura em torno de 40 quilômetros (o raio equatorial da Terra é de 6.378 km), deslizava sobre o manto. O trabalho de Assumpção revelou que parte do manto também desliza por efeito da convecção - a corrente de calor que sobe do interior quente da Terra. A usina de força que alimenta as correntes de convecção combina o calor remanescente da formação da Terra com a desintegração espontânea de átomos radioativos, como o urânio, e mesmo com a pressão gravitacional. O grupo de Hasui não pode perder nenhuma pista, se quiser responder satisfatoriamente às dúvidas, principalmente de engenheiros responsáveis por obras de vulto. Do esforço a que as rochas estão submetidas pelo deslocamento da placa para oeste - à velocidade de 6 centímetros ao ano - depende a estabilidade geológica de cada região. Embora pareçam sólidas e indeformáveis, as rochas que formam uma placa tectônica como a Sul-Americana deslocam-se mediante o atrito de blocos ao longo de falhas, que em geral são remanescentes de períodos tão antigos quanto o Pré-Cambriano- tempo decorrido entre a origem do planeta e 570 milhões de anos atrás. Esses deslocamentos e os terremotos que originam comprometem a estabilidade geológica e podem afetar, por exemplo, certas edificações. Mesmo na calmaria do interior das placas podem ocorrer sismos tão intensos quanto os das bordas, explica o geólogo José Augusto Mioto, da equipe de Hasui. No Brasil, a construção de grandes reservatórios para hidrelétricas, sobretudo a partir dos anos 70, permitiu
Os saltos incômodos da ciência "Os cientistas não parecem entender o suficiente que todas as ciências da Terra precisam contribuir com evidências para desvendar o estado de nosso planeta em tempos remotos, e que a verdade sobre a matéria só pode ser alcançada pela combinação de todas essas evidências. É só por meio de uma varredura das informações fornecidas por todas as ciências da Terra que podemos esperar determinar a 'verdade' aqui, ou seja, encontrar um quadro que revele todos os fatos conhecidos no melhor arranjo possível e que portanto tenha o mais alto grau de probabilidade. Além disso, temos de
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alemão Alfred Lothar Wegener (1880-1930), incomodou a comunidade científica. Os historiadores da estar sempre preparados para a possiciência interpretam o trabalho de bilidade de que cada nova descoberta, Wegener como um desdobramento não importa qual ciência a forneça, da revolução do italiano Galileu Gapossa modificar as lilei (1564-1642),que conclusões que traçadestronou a Terra do mos." centro do universo, sustentou que ela se Alfred Wegener, em A move e, ao estudar as Origem dos Continentes quatro grandes luas e Oceanos, 4• edição de Júpiter, afirmou ainda que as estrelas A idéia de que a não estavam fixas na Terra se move sob esfera celeste, mas nossos pés, exposta também se movian1. em 1912 pelo geofísiGalileu foi enquaco e meteorologista Galileu: pioneiro e "herege" drado como herege e
Movimentos tectônicos no Sudeste Brasileiro '"',·, Região em processo
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Exame das falhas geológicas mostra o que aconteceu nos últimos 15 milhões de anos e o que está acontecendo: em São Paulo, áreas mais baixas estão afundando e as mais altas, subindo
Wegener acusado de charlatanismo. Como Galileu, o alemão estava No livro A Origem dos Continentes e certo. O reconhecimento do seu acerto só ocorreria nos anos 60, com Oceanos (1915), Wegener propôs que o encaixe da costa brasileira e da as pesquisas do geofísico inglês Fred África Ocidental, como peças de um Vine, que trabalhou com computaenorme quebra-cabeça, não era dores na análise de dados colhidos coincidência: antes, no fundo do oceano Índico. num tempo geológico ainda sem seres huAs grandes revomanos, o que hoje são luções científicas defios territórios separanem sínteses históri. dos do Brasil e da cas de movimentos . I África faziam parte que recuam ou avande um continente úniI çam no tempo. Neste ·• .;.; co (que ele chamou caso, pode-se retornar Pangea, a "terra toa Aristarco de Samos tal"), envolto por um ll . ' ; e Eratóstenes, astrôsó oceano (Pantalasnomos gregos que VIWagener: "charlatanismo" sa, o "mar total"). veram entre os sécu-
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ESTUDO
los IV e II a.C. e avançar até o trabalho da equipe da Unesp. Bem antes de Galileu, Aristarco foi o primeiro a defender a idéia de que a Terra gira em torno do Sol e não o contrário, como se pensou por quase 20 séculos. E Eratóstenes foi o primeiro a tomar as medidas do planeta. Já os brasileiros, com apoio na teoria de Wegener, querem conhecer os movimentos da superfície da Terra nos últimos 15 milhões de anos com objetivos bem práticos: dados capazes de orientar a implantação de uma enorme variedade de obras civis, além de detectar reservatórios subterrâneos de água e depósitos de minérios. Certamente não serão condenados por isso.
PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2000 • 27
A geologia de Curitiba (os trechos em laranja
indicam os sedimentos terciários, mais antigos, e os em amarelo, os quaternários): auxílio à pesquisa de águas subterrâneas, mais comuns em áreas com cascalho e areia (ao lado, em vermelho; as argilas, mais abundantes, estão em azu0
um conhecimento mais íntimo dessas condições, em casos chamados de "sismos induzidos": os reservatórios paulistas de Paraibuna e Capivara, por exemplo, com 2,95 bilhões e 10,5 bilhões de metros cúbicos de água respectivamente, geraram sismos desse tipo, relata Mioto. O que ocorre nesses casos não é exatamente conseqüência do peso da água sobre as rochas da região, explica ele, mas um efeito combinado entre o peso e a lubrificação das falhas em locais submetidos a grandes pressões pela torção da placa. Lubrificadas as falhas, os blocos de rochas deslizam entre si e liberam a pressão sob a forma de terremotos. 28 • OUTUBRO OE 2000 • PESQUISA FAPESP
formações coletadas são amplas o bastante ra que seu uso não se limite à segurança de bras. A investigação da estrutura e da composição rochosa também pode denunciar a existência de depósitos minerais. "A demanda crescente por estoques de água potável é uma boa razão para trabalhos desse tipo", argumenta o geólogo Norberto Morales, outro colaborador de Hasui, citando o exemplo da bacia hidrográfica do rio Piracicaba, em situação já crítica para o abastecimento regional. Os pesquisadores entendem que seu trabalho tem a ver com o padrão contemporâneo do uso das terras. As
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Ebert, Hasui e Morales: estudo da estrutura das rochas explica os tremores de terra provocados pelas hidrelétricas
ocupações pioneiras, baseadas quase sempre na agropecuária, não demandavam estudos detalhados e em geral os estoques de água superficiais bastavam para o abastecimento de rebanhos e alguma irrigação temporária. O padrão atual, em áreas valorizadas do Sudeste, depende crescentemente de obras pesadas e de grande oferta de água, avalia Mioto. O desconhecimento do comportamento dos solos em obras como a de Itaipu e mesmo nas usinas nucleares de Angra dos Reis (RJ), estas edificadas numa área que índios litorâneos já haviam identificado como instável (chamavam o lugar de Itaorna, que significa "pedra podre"), não chega a oferecer riscos: as estruturas dessas obras gigantescas foram dimensionadas para suportar solicitações extremas, segundo os pesquisadores. O inconveniente é que estruturas de grandes dimensões implicam custos muito elevados, como foi o caso das fundações de Angra.
Os pesquisadores estão otimistas com o trabalho, e não só pelos resultados imediatos: a formação de recursos humanos também é levada em conta. O trabalho já permitiu a conclusão de dez teses de doutorado, três mestrados e dois pós-doutorados, além de haver mais cinco doutorados em fase avançada. Os objetivos do projeto - deslindar a evolução do meio físico nos últimos tempos geológicos, consolidar uma nova linha de investigação, formar recursos humanos para desenvolvê-la e instalar um laboratório de datação por análises de traços de fissão- que está implantado e em operação - foram atingidos. Com ele, a Geologia ganha no conhecimento da história da Terra nos últimos tempos e a Geografia Física avança no entendimento de processos que esculpem o relevo e a rede de drenagem. O desafio de integrar todas as áreas envolvidas, reconhecem Hasui e colaboradores, passa pelo uso e a oferta de novas tecnologias, especialmente o recurso da modelagem tridimensional por computador, que é a área de interação com a Universidade de Freiburg. O geólogo Hans Dirk Ebert, responsável por esse trabalho, é o elo cóm Freiburg, conhecida no fim do século 18 como a capital da geologia européia. É por interações como essa que os pesquisadores de Rio Claro buscam, como Alfred Wegener, uma integração científica que lhes permita avançar mais nas novas etapas de desvendamento do passado e antevisão do futuro da Terra. • PERFIL: • YocrTERU HASUI, 62 anos, formado em Geologia (1961) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, onde se doutorou na Escola Politécnica (1967) e fez livre-docência (1989) no Instituto de Geociências. Aposentado desde 1995 como professor titular pela UnespRio Claro, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências de São Paulo. Edita a revista Geociências da Unesp. Projeto temático: Neotectônica, Morfogênese e Sedimentação Moderna no Estado de São Paulo e Regiões Adjacentes
Investimento: R$ 395.000,00 PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 29
CIÊNCIA
l\lEDICINA
Vírus herdados pelos filhos Ainda é alta a contaminação dos recém-nascidos risco de contaminação de recém-nascidos por doenças transmitidas intra-útero, no momento do parto ou pelo leite materno pode ser minimizado quando se descobre a infecção no início da gravidez. Contudo, uma pesquisa conduzida pela médica pediatra Maria Teresa Zulini da Costa, na região do Butantã, na capital paulista, mostra que muitas gestantes, em número bem maior que o esperado, chegam infectadas aos hospitais públicos na hora do parto. Seu estudo, feito com financiamento da FAPESP, reforça a necessidade de uma triagem sorológica de rotina em gestantes na rede pública de saúde. Chefe da Unidade Neonatal da Divisão de Clínica Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP), Maria Teresa aponta as infecções perinatais, ocorridas intra-útero ou próximas ao parto - sobretudo as doenças de transmissão sexual (DST) ou por meio de sangue e secreções contaminados -, como causas crescentes de mortalidade infantil. Para ela, a rede básica de saúde da cidade não faz o acompanhamento devido das gestantes para detectar essas doenças. Sua pesquisa buscou a prevalência nas gestantes dos vírus HIV (da Aids), HTLV tipos I e II (associado a leuce-
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de prevalência; 0,32% apresentavam infecção ativa pelo HBV e 3,5% apresentavam marcadores sorológicos de infecção pregressa; para o HCV, 0,64% eram soropositivas embora assintomáticas. Segundo a pesquisadora, como nenhuma mãe sabia previamente que era portadora de uma dessas infecções, as com HIV, no momento do parto, não receberam tratamento com ziduvidine (AZT) para diminuir o risco de contaminação do recém-nascido. Uma criança morreu aos 2 meses de idade com diagnóstico de septicemia (infecção generalizada) em provável decorrência da infecção por HIV. Sua mãe era portadora do vírus e Maria Teresa (ao /ado): exames durante a gravidez não fez tratamento dupodem reduzir a transmissão rante o pré-natal. de doenças pela mãe A transmissão vertical foi zero para o mia, linfoma e alHTLV e o HBV, segundo a pesquisaterações neurolódora. O resultado pode ser atribuído gicas), HBV (da à prestação imediata da prevenção hepatite B) e HCV necessária no hospital, como aplica(da hepatite C). ção da vacina para o HBV e suspenTambém se fez são do aleitamento materno nos caanálise clínica e sos de HTLV I-II. Nos demais casos, sorológica dos recém-nascidos das a transmissão foi alta: 10% para o HCV e 25% para o HIV. mães contaminadas, para indicar a taxa de transmissão vertical (da mãe A possibilidade de contágio do bebê varia. É alta para o HIV, se não para o filho). O número de casos superou o esdescoberto no início da gestação e se perado, já que a região do Butantã a gestante não receber a dose certa não é considerada endêmica para as de AZT. Se o HIV estiver no leite, a doenças estudadas. O vírus HIV foi mãe não pode amamentar diretamente, mas já se comprovou que a pasteudetectado em 0,26% das gestantes analisadas; o HTLV I-II teve 0,13% rização elimina o vírus. Para o HTLV,
CIÊNCIA
estudos sugerem que o contágio ocorre principalmente pelo leite e que a pasteurização também poderá eliminar esse vírus. Quanto ao HBV, há risco de contaminação neonatal entre 40% e 90% dos casos. A transmissão pelo leite também é possível, mas a aplicação imediata de imunoglobina e vacina pode evitar o contágio. A transmissão vertical do HCV ainda é incerta, mas há cuidados recomendados, como "um parto vaginal, que expõe menos o bebê ao cantata com o sangue da mãe': alerta Maria Teresa. A pesquisa abrangeu 1.540 gestantes da região do Butantã e requereu dez meses para a coleta das amostras de sangue e mais 18 meses para acompanhar os bebês das mães infectadas. As amostras das mães foram colhidas no momento do parto e as dos filhos das infectadas no 3°, 6°, 12° e 18° ou 24° meses de vida. Colheram-se 10 ml de sangue de cada gestante. Para cada amostra positiva, houve ao menos dois testes confirmatórios, por pesquisa do DNA ou RNA viral. Caso houvesse triagem sorológica de rotina em gestantes na rede pública de saúde, como sugere o estudo, se poderia adotar terapêutica específica e precoce para as soropositivas e seus bebês, com interrupção do aleitamento em casos de risco. Isso e "a priorização da rede básica de saúde poderiam", diz a pesquisadora, "contribuir muito para a diminuição da alta mortalidade infantil em nosso meio': • PERFIL: • MARIA T ERESA ZULINI DA COSTA
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graduada, com mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). É professora da USP desde 1981 e chefe da Unidade Neonatal da Divisão de Clínica Pediátrica do Hospital Universitário desde 1992. Projeto: Prevalência de HIV, HTLV I-II, HBV e HCV em Gestantes da Região do Butantã e Avaliação Clínica e Sorológica dos Recém-Nascidos de Gestantes Soropositivas.
Investimento: R$ 28.822,40
AGRICULTURA
Outra vítima da Xylella Acumulam-se as evidências de infestação da bactéria em cafeeiros gora é certo: a bactéria Xylella A causadora do amarelinho em laranjais paulistas, infecfastidiosa,
escassez de água. Prejudica o crescimenta dos cafeeiros, encurta o internódio (o espaço entre os nós) para um terço do tamanho normal e reduz o tamanho dos frutos. Conseqüência: a produtividade cai. Atualmente, o Brasil produz 25 milhões de sacas de 60 kg, com exportações da ordem deUS$ 3,1 bilhões. A participação no mercado mundial, de 80% no início do século, hoje é de 20%. Em Araraquara, o agrônomo Li Wenbin, pesquisador do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus),
ta também os cafezais - e do Brasil inteiro. A contaminação dos cafeeiros pode até ser mais antiga. "É provável que a Xylella tenha ido do café aos citros", diz o fitopatologista Osvaldo §~ Paradela Filho, do Ins- ~ tituto Agronômico de ..z~ Campinas (IAC). Para ~ ele, só assim se pode explicar a ocorrência da doença em cafezais de Minas Gerais, Paraná e Bahia há pelo menos 30 anos, conforme os levantamentos de campo e relatos que tem colecionado. Essa hipóte- Comparação: café saudável e infectado com Xylella se ganha o reforço de provou o caminho inverso: a Xylella dois fatos: a cigarrinha (o inseto transpode também ir dos laranjais aos camissor da bactéria) tem vôo curto e fezais. Em estufa, Wenbin infectou praticamente não há plantações de cem mudas de café com a variedade laranja fora do Estado de São Paulo. de Xylella dos citrus e verificou que os "Todo cafezal com mais de cinco sintomas apareceram. Agora, vai tenanos está infectado por Xylella, em tar o caminho de transmissão natural, maior ou menor intensidade", diz o as cigarrinhas, para confirmar o depesquisador. Em 1995, foi ele quem senvolvimento da Xylella do café em comprovou a presença da bactéria citrus. Há mais um ano de trabalho também nos pés de café. No Centro pela frente, mas já há sinais de que, Experimental do Instituto Biológico, teoricamente, um laranjal contamiem Campinas, o bacteriologista Luis nado pode infectar um cafezal saudáOtávio Saggion Beriam prepara os vel. A boa notícia é que o recém-conexperimentos de infestação controlacluído genoma da Xylella deve servir da, para conhecer melhor o desentanto para a laranja quanto o café. Esvolvimento da doença chamada de tima-se que exista uma homologia (seatrofia do ramo de cafeeiro. Causada melhança) de 85% entre o material por deficiência de zinco, induzida genético das variedades de Xylellas pela presença da bactéria, é mais inque infestam uma planta e outra. • tensa quando a planta se submete à ::l
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 31
CIÊNCIA
CONGRESSO
O estudo do DNA
revela o alcance da miscigenação e aproxima especialistas de áreas distintas ética não entrou apeas para a história, com seqüenciamento do genoma de pragas da agricultura e o contínuo esclarecimento das estruturas moleculares de animais e plantas. Entrou também na História, ao explicar ou confirmar fenômenos que permaneciam nebulosos sobre a origem, a composição e os movimentos migratórios da população brasileira e mundial. No 46° Congresso Nacional de Genética, realizado dos dias 19 a 23 de setembro em Águas 32 • OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
de Lindóia (SP) especialistas de diversas áreas abdicaram das linguagens próprias de suas atividades e, em conjunto, decidiram encontrar respostas para problemas comuns. Havia ali, além de geneticistas e historiadores, geógrafos, lingüistas, engenheiros agrônomos, ecologistas, botânicos, médicos, arqueólogos e mesmo arquitetos. Mas deu certo. O geneticista Lynn Jorde, da Universidade de Utah, dos Estados Unidos, exemplificou o alcance dessa interação entre os campos da ciência já na primeira conferência do Congresso. ''A origem do homem encontra-se, mesmo, na África", sentenciou, como resultado de suas análises do cromossoma Y (associado à descendência paterna) e do DNA mitocondrial (ligado à linhagem materna) de asiáticos, europeus e africanos. Naturalmente, não faltaram debates e palestras sobre o estado da arte da própria genética, da
biologia molecular, da evolução, da conservação de florestas, da ética em pesquisas e de patentes. Na abertura do Congresso, José Fernando Perez - um físico doutorado em engenharia eletrônica que ali, gentilmente, ganhou o título (ainda que informal) de geneticista - relatou a repercussão internacional do Projeto Genoma Xylella, do qual ele foi um dos formuladores, como diretor científico da FAPESP. Foi uma experiência que, a seu ver, consolidou a competência científica nacional e confirmou uma antiga impressão: a melhor estratégia para formar pesquisadores é mesmo em instituições brasileiras. "Formar doutores no exterior é caro e demorado", disse. Dois dias depois, o oncologista José Cláudio da Rocha, do Hospital do Câncer A.C. Camargo, instituição-irmã do Instituto Ludwig, anunciava um avanço no conheci-
menta do genoma humano: a descoberta de quatro mutações genéticas associadas ao câncer de mama hereditário. Segundo ele, não basta analisar regiões especificas dos três genes associados à doença, o BRCA 1, BRCA 2 e P53. A prática tem mostrado que é preciso examinar o gene inteiro em busca de alterações. A seu ver, o estudo das características genéticas da população brasileira, marcada por intensa miscigenação, deve facilitar a prevenção e o tratamento dos problemas de ·saúde em geral. Sob o tema SOO Anos de Mistura Gênica, o congresso contou com a participação de cerca de 3 mil estudantes, que trouxeram um pouco mais de agitação à cidade serrana de 18 mil habitantes. Este ano, a personalidade homenageada foi o geneticista Warwick Estevam Kerr, por sua contribuição científica e pela capacidade de formar equipes (ver entrevista na pág. 36).
uma demonstração de que os biólogos procuram agora alargar suas interpretações, sem olhar apenas ao microscópio, o geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), reconheceu: "Quando não entendemos algum resultado das pesquisas, vamos aos livros de História". Pena se considera um dos primeiros leitores de O Povo Brasileiro, que saiu em 1995 não apenas por ser conterrâneo do autor, o etnólogo Darcy Ribeiro (ambos são mineiros), mas porque o livro oferece uma interpretação da mistura de raças no país, sobre a qual também ele trabalha. No ano passado, Pena concluiu um estudo com 200 brasileiros brancos mostrando que o ancestral paterno é predominantemente europeu, e o materno, africano ou ameríndio (ver Pesquisa FAPESP n° 52).
N
No congresso, Pena anunciou que os resultados obtidos por sua equipe - antes restritos às classes média e média alta- ganharam a confirmação de um estudo realizado este ano com 180 moradores da área rural do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do Brasil, situada no norte de Minas Gerais e ocupada antigamente por índios aimorés. ''A cor da pele, no Brasil, diz muito pouco sobre o genoma", afirmou Pena, ele próprio descendente de índios. O primeiro censo oficial no país, realizado em 1872, refletia claramente essa miscigenação. De uma população total de 9,9 milhões de pessoas, os pardos eram a maioria (4,2 milhões). Seguiam-se os brancos (3,8 milhões), os negros (1,9 milhão) e os ameríndios (440 mil). A mistura gênica - ou hibridização, diriam os geneticistas - prossegue de modo intenso. No censo de 1991, os pardos formavam 42% e os negros So/o PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 33
da população que apresentava apenas uma leve superioridade numérica dos autodenominados brancos (52%). Mas que conseqüências esse fato pode ter? A constituição genética original dos brancos, índios Klein: "A genética e negros tende é um bom começo a se perder. "Do para a História" ponto de vista genético, não há mais negros como os africanos que chegaram ao Brasi", observou o médico hematologista Marco Antonio Zago, da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto. Desde 1992, Zago coordena uma equipe que analisa a herança genética de um grupo de mais de 400 negros. Um estudo inicial envolveu negros urbanos de Ribeirão Preto, por meio de marcadores genéticos associados à origem da mutação de um dos genes da globina, uma proteína formada a partir de uma região do cromossoma 11 que leva à anemia falciforme. Esse estudo confirmou o que os historiadores já sabiam: os negros brasileiros são predominantemente bantos (sul e sudoeste da África). Mas inicialmente alguns dados não batiam. Em Belém do Pará, por exemplo, havia menos bantos do que o esperado. Zago foi outro que teve de consultar os livros de História até descobrir que muitos escravos de outras origens foram comprados dos portos do Rio de Janeiro e levados para o Norte. Outra conclusão: os negros brasileiros têm características genéticas próprias, sem equivalente em outras partes da América. A genética apurou também traços invisíveis de miscigenação. "Mesmo negros urbanos que asseguram ter os quatro avós negros têm uma contribuição considerável de 34 · OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
Outro cuidado é o enfoque. "Qualquer tentativa de encontrar normas genéticas com base em padrões europeus ou norte-americanos não vai . dar certo", alertou Francisco Mauro Salzano, da Universidade Federal do Pena: "A cor da pele Zago: "Os negros do diz muito pouco Brasil têm características Rio Grande do sobre o genoma" genéticas únicas" Sul (UFRGS) , que estuda a origem e os riscos de doenças genéticas em popuoutros povos", comentou Zago, com lações indígenas da América. Para base nos dados das pesquisas conele, ainda é preciso muito esforço duzidas por Wilson Araújo Silva Jupara estabelecer claramente o que se nior e Kiyoko Abe Sandes, sob sua chama de retrato genético do brasiorientação. Havia marcas genéticas leiro. "E o ideal", recomendou, "é de europeus (22%) e ameríndios que os retratistas sejam brasileiros." (6%). Um estudo em andamento De modo mais amplo, a genética em duas comunidades mais fechatem permitido reconstituir a trajedas que os negros urbanos, em Serra tória dos seres vivos sobre a Terra. e São Gonçalo (BA), também tem "Foi necessário 1 bilhão de anos registrado esse tipo de entrosamenpara surgirem e se aperfeiçoarem os to genético. "Podem-se notar indíorganismos unicelulares e cerca de 3 cios de miscigenação mesmo selebilhões de anos até aparecerem os cionando negros aleatoriamente", primeiros vestígios de pluricelulaafirmou Zago. res", anunciou Antonio Rodrigues Cordeiro, da Universidade Federal respaldo à sua tese do Rio de Janeiro (UFRJ). Especiavem agora da História. lista em evolução, ele adotou um "A miscigenação foi exemplo contundente para dar formuito mais intensa no ma às idéias: os olhos, originados de Brasil do que nos Estamodo independente em diferentes dos Unidos", disse o historiador norlinhagens de animais. "Seriam nete-americano Herbert Klein, da cessárias 400 mil etapas para que as Universidade de Colúmbia, cuja células sensíveis à luz desenvolvesconferência sobre tráfico de escravos sem um órgão completo, com um manteve os biólogos da platéia de progresso de 1o/o por geração", disse. olhos bem abertos. ''A genética", coSegundo Cordeiro, "é extraordimentou, "é um bom começo para a nária" a semelhança entre a estrutuHistória, por mostrar as origens e as ra dos olhos, digamos, de uma lula e misturas de raças." Já é certo que há de um vertebrado. "Os genes que fapelo menos dois cuidados a serem zem os olhos são os mesmos", cotomados quando se trata de sobremunicou. Em outras palavras: a napor especialidades. O primeiro é lemtureza das proteínas é a mesma, a brar que a genética tem limites: só função é que é diferente. Um exempode estudar as populações atuais, plo são as cristalins, como são chamasem condições de analisar as extintas.
das as proteínas do cristalino, a parte Ali dentro, sabugos e grãos de As leituras de Arqueologia, cultimilho - com SOO a 1.100 anos de vadas desde a graduação, clarearam branca do olho. Com funções originais modificadas, não se atraem e a situação. O fluxo de sementes pode idade - estavam enterrados dentro ser explicado por meio de levas miservem como enchimento inerte e de cestas junto com feijão (Phaseotransparente do olho - resultado da lus sp), mandioca (Manihot esculengratórias humanas, pela troca devatransferência de promotores e inibita), algodão ( Gossypium), amenriedades entre populações antigas dores genéticos. Em microrganisdoim (Arachis hypogea) e pimenta das Américas ou por guerras e conmos, as mesmas proteínas estão requistas territoriais. "Houve pouco ( Capsicum). Para entender como contato entre as populações do noraquele material chegou até lá, Freilacionadas à formação de estruturas reprodutivas, os esporos. Nos crocote da Bolívia e do Peru com os antitas obteve amostras modernas de dilos, atuam como enzimas. O acúmilho, no banco de germoplasma da gos povos do Brasil, pelo menos em Embrapa de Sete Lagoas (MG), ecomulo de evidências levou Cordeiro a relação ao milho", diz o pesquisador. formular uma teoria complementar ~ ao darwinismo. "O ~ organismo não é ~~ um joguete da evo- >~ lução natural, mas ~ tem suas próprias ~ regras e restrições", ~ disse. "Não estamos ~ mais sujeitos às "' mesmas forças evolutivas originais." Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), os médicos veterinários Simone Guimarães e Paulo Sávio Lopes desenvolvem o Milho de SOO a 1. 100 anos: Caverna em Januária: ponto de partida de um estudo que ajudou a rever a história da migração Programa de Iden- do México para os Andes e dos povos pioneiros da América do Sul tificação Genômica depois para o Brasil em Suínos (Pigs). • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • Até o próximo ano, pretendem identificar genes responletou variedades ainda utilizadas peO padrão genético do passado se sáveis pelo crescimento, pela maciez manteve: na maioria das amostras los índios waura, no Parque do Xingu, da carne e de resistência a doenças, atuais, permanecem distantes os e xavantes (MT). No ano passado, também com o objetivo de acelerar foi à Universidade de Manchester, marcadores genéticos das variedao melhoramento genético e elevar na Inglaterra, para extrair e examides das terras altas e os das terras a produtividade. nar o DNA de todas. baixas. Explica-se agora o resultado Mas se há uma pesquisa que de pela colonização da América do Sul, Freitas identificou uma região certo modo resume as tendências do com três trechos distintos (alelos) de um lado ocupada pelos espacongresso deste ano é o doutoraque permitiram traçar a rota do minhóis e de outro pelos portugueses, mento de Fábio de Oliveira Freitas que mantiveram esse isolamento. lho até Januária. Até então, cogitavana Escola Superior de Agricultura se que o milho brasileiro teria vindo Persiste também uma preocupação Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. Ele a respeito dos estudos genéticos, exprovavelmente dos Andes. Mas ele trabalhou com amostras arqueolóverificou que essa planta deve ter saípressos por João Stenghel Morgan te, gicas de milho (Zea mays mays), enpresidente da Sociedade Brasileira do das terras altas do México e da contradas nas cavernas do Vale do de Genética e organizador do evenGuatemala e chegado aos Andes há Peruaçu, entre as cidades de Januáto: "Os descobrimentos da genética, cerca de 5 mil anos, sem ter se expanria e Itacarambi, no noroeste de Miadequadamente aplicados em uma dido para as terras baixas da Amérinas Gerais. Essas cavernas serviram sociedade ética e justa, devem perca do Sul. Apenas há 2 mil anos é de abrigos humanos de 10 mil anos manecer como um dos objetivos suque deve ter chegado a Januária, vinatrás até a chegada dos europeus. do diretamente da América Central. premos da humanidade". • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000
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CIÊNCIA
ENTREVISTA: WARWICK ESTEVAM KERR
Sempre atento ao Brasil ngo de uma peregrinação científica - que meçou em Piracicaba nos anos 50 e prosseuiu em Rio Claro, Ribeirão Preto (SP), Manaus (AM), São Luís (MA) e Uberlândia (MG) -,o paulista Warwick Estevam Kerr tem exibido uma rara habilidade de criar e deixar raízes, na forma de equipes e linhas de pesquisa bem estruturadas que florescem mesmo depois que ele parte. Por causa desse carisma e de sua própria contribuição à Ciência brasileira, Kerr foi o homenageado no 46° Congresso Nacional de Genética, realizado em setembro em Águas de Lindóia, São Paulo. Nascido em Santana do Parnaíba em 1922 e formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), tornou-se uma das autoridades mundiais em genética de abelhas, a ponto de ser o primeiro cientista brasileiro elei-
A
• O senhor foi o primeiro diretor cien-
tífico da FAPESP, entre 1962 e 1964. Que problemas enfrentou? - O primeiro problema foi uma pergunta subjetiva: "Será que eu estou fazendo certo?". Com uma verba da Fundação Rockfeller, viajei para os Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Noruega, Suécia, França, Alemanha, Itália e Portugal. Queria ver como esses países faziam o financiamento à pesquisa científica. O sistema dos Estados Unidos era impraticável: o julgamento era muito caro, já que os assessores eram pagos. Optamos pelo processo de avaliação dos países mais pobres. Usei muito as idéias de Israel, mesmo sem ter ido para lá, e da Noruega. Israel estava em dificuldades econômicas, mas recebeu muito dinheiro de fora, e a Noruega em dificuldades econômicas, por causa da guerra. Mas os meios que tinham de gastar esse dinheiro eram muito sérios e muito bons.
• Que idéias o senhor aproveitou desses países?
to na Academia de Ciências dos Estados Unidos, em 1990. Além de cuidar de sua própria produção, expressa em 622 artigos publicados em revistas especializadas do país e do exterior, soube fazer Ciência de modo ainda mais amplo: foi o primeiro diretor científico da FAPESP e está de volta à direção do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que havia dirigido nos anos 70. Nesta entrevista a Carlos Fioravanti, entre histórias e conselhos bem-humoradas, Kerr fala de sua experiência à frente dessas instituições e da diretriz de seu trabalho: fazer a Ciência contribuir para o bem-estar do povo brasileiro. É uma preocupação tão intensa que em suas constantes viagens nunca deixa de levar punhados de sementes de moringa (Moringa oleifera), um arbusto cujas folhas, ele descobriu, são riquíssimas em vitamina A e as sementes, depois de moídas, têm o poder de limpar a água mais suja possível.
- Uma das coisas que coloquei em prática foi que o projeto não precisava redundar diretamente no benefício do Estado de São Paulo. Mas o pesquisador tinha de estar prevenido e assinava um documento se comprometendo a fazer o possível para buscar o benefício científico do estado. A pesquisa também poderia ser feita fora de São Paulo, desde que favorecesse o estado. Um caso é a pesquisa do Vanzolini [Paulo Emílio Vanzolini, zoólogo]. Com um barco comprado pela FAPESP, ele rodou a Amazônia inteira à cata de lagartos e descobriu muitas coisas importantes, a ponto de fazer um panorama globalizado dos lagartos em todo o Brasil.
• Como diretor científico, quais eram suas preocupações? - Minha primeira preocupação foi fazer um regimento interno, que depois foi aprovado pela Assembléia Legislativa. Eu contava com dois excelentes juristas, um era José Geraldo de Ataliba Nogueira, que era assessor jurídico da FAPESP, e o outro William Saad Hossne, seu diretor
administrativo. Os dois faziam a lei e traziam para mim. Eu saía literalmente da sala, voltava e dizia: "Agora eu sou o usuário, quero saber como isso prejudica ou melhora minha atividade de cientista". Dessa maneira foi feito não só o regimento, depois copiado por outras instituições, como também as próprias leis que regem a Fundação. A própria Constituição de São Paulo já dizia que era função da FAPESP executar pesquisas que favorecessem o estado de São Paulo. Também me preocupava muito com a agilidade no julgamento dos processos. Eu poderia decidir rapidamente se entendesse do assunto. Se não, teria de convocar assessores, especialistas no assunto. Nunca fizemos perseguição política. Schenberg
[Mário Schenberg, físico, 1914-1990] era comunista e recebeu uma verba boa. O reitor da USP Miguel Reale era considerado de direita e também ganhou recursos para vários projetos.
• Como era o ambiente político? -Na década de 60 havia a ditadura, que é sempre ruim para a universidaPESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1000 • 37
de. Chamo de ditadura o período entre 1964 a 74. Geisel [Ernesto Cei-
sei, presidente do Brasil entre 1974 e 1979] acabou com a ditadura e começou uma abertura política maior. Veio um grupo de americanos, desses chamados brasilianistas, que queria exatamente mostrar que a ditadura foi a pior coisa que aconteceu no Brasil. De repente concluíram que para a universidade não foi. O governo militar criou uma universidade em cada estado. Não quer dizer que tenham bons professores, a ditadura sempre esquece que ter bons professores é essencial. Mas nunca houve outro governo que, em proporção à população, tivesse dado mais dinheiro para a pesquisa científica no Brasil. Mas, apesar do dinheiro e do progresso aparente, ditadura nunca é bom para a Ciência. Temos de ter liberdade de pensamento.
• Que tipo de danos a ditadura causou à Ciência? - O primeiro dano foi a saída de pesquisadores do Brasil, que estão saindo agora por razões econômicas, não mais políticas. Mas ainda pagamos mais aos professores do que a Argentina e o Chile. • O que significava ser diretor científi-
co da FAPESP naquela época? -O diretor científico tem muito poder. Sem querer ou querendo, corremos o risco de dirigir a Física, a Biologia, a Química do país numa só direção. Era uma responsabilidade muito grande- era, não; é. A do Perez
• Que ligação o senhor poderia estabelecer entre os momentos pioneiros da genética e a pesquisa genética atual? - As novas técnicas de seqüenciamento só melhoram o conhecimento sobre a biodiversidade, que sempre foi importante na minha vida. Mesmo assim, nem tudo é fácil. Tenho atualmente seis alunos, fazendo as mais diversas coisas. Um deles, Maurício Bezerra, fez doutoramento e agora é professor na Universidade Estadual do Maranhão. Ele está fazendo a caracterização e descrição das abelhas daquela região, de ma-
• Que conselho o senhor daria para quem está começando?
''Temos de trabalhar para as pessoas que pagam • nossas pesqu1sas também progredirem na vida'' neira morfológica e molecular. Mas a universidade em que ele está não tem muitos recursos. Eu aconselho: "Não desanime, continue trabalhando é use bem o pouco dinheiro que você está recebendo, que é dado pelo povo maranhense. E não se esqueça de que, além de sua pesquisa, você tem de fazer alguma coisa para as pessoas que pagam sua pesquisa também progredirem na vida': Vivo lembrando: temos de trabalhar para o povo brasileiro.
[José Fernando Perez, atual diretor científico] é maior que a minha, porque
• Essa preocupação é comum?
ele administra um orçamento muito maior. Mas era também uma felicidade muito grande. Conheci praticamente todos os bons pesquisadores do estado e é muito bom ter uma visão globalizada do que o estado produz ou pode produzir e como a ciência pode se envolver em seu desenvolvimento.
- Não, não é. Não sei por que, não sou sociólogo, mas nosso presidente não soube juntar o povo ao redor dele para realizar projetas melhores. Episódios como a venda da Vale do Rio Doce e a privatização de modo geral diminuíram muito o patriotismo. A gente perdeu muita coisa de que se orgulhava e não se orgulha
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mais. Sou absolutamente contra a globalização. Sou brasileiro. Não quero a globalização porque acho que está nos prejudicando demais! Prefiro pagar um pouquinho mais por um produto brasileiro do que pagar menos por um que veio da China ou veio não sei de onde ... Meu compromisso é com o povo brasileiro. Há quem diga que sou fanático. Mas não. Estou simplesmente vendo como posso melhorar a vida do povo brasileiro. Cientista às vezes tem a idéia de que ele não tem nada a ver com o país ...
- A primeira coisa é ter amor pelo povo que nos rodeia e gradualmente pensar o que pode fazer pelo bem dessas pessoas. Uns seis meses atrás, numa festinha, perguntaram para um caboclo lá do Inpa, Osmarino, aposentado: "Como é que deve ser feita a pesquisa?': Ele pensou um pouco e respondeu:
"Pesquisa tem que ser feita com muito amor". Também recomendo a todos os meus alunos que tenham um caderninho de idéias. (tirando o dele, de capa azul) Aqui está. (lendo) Fazer uma linha de dois alelos ... toda a idéia de como fazer abelhas que tenham alelos precisamente conhecidos. Inves-
tigar a respiração e a temperatura usando infra-vermelho e analisar o co2 que sai da colónia. Esse caderninho tem umas quarenta idéias, dos últimos 15 dias. Antigamente eu fazia anotações em guardanapo e jogava dentro de um saco. Era o meu saco de idéias.
• E encontrava as anotações? -Um dia uma senhora lá do Maranhão, pensando que estava fazendo bem, me comunicou: "Professor, o senhor me desculpe, não sei como ficou tanto tempo um saco de papel velho atrás da sua mesa, eu mesma
levei ao incinerador e queimei tudo!': "Obrigado': eu disse, com um nó na garganta. Lá se foram 1.400 pesquisas boladas durante anos! Um exemplo, só para mostrar que a gente tem idéia o tempo todo: vimos lá fora uma planta amarela fantástica. Vi outra também muito bonita, há uns dez quilômetros daqui. Mas só vi duas. Por que não pegamos sementes dessas árvores e fazemos uma multiplicação de maneira a transformar a cidade, nessa época, numa cidade mais alegre? Aqui faltam árvores que dêem flor em várias épocas do ano. Outra coisa: sou um amante das abelhas brasileiras, nativas, sem ferrão. É importante que os professores falem delas, de maneira que todo aluno tenha umas 10, 20 ou 40 caixas em casa, a fim de manter a variabilidade local de abelhas, que estão desaparecendo. Cada vez que se faz uma plantação de cana-de-açúcar, destruímos todas as abelhas sem ferrão. Mas se antes o pessoal coletar as abelhas das árvo-
res que serão cortadas ... Temos de marcar essas idéias e passar para o prefeito, que não é obrigado a ter todas as idéias boas do mundo.
• E para os atuais chefes de equipe, o que o senhor recomenda? -A primeira coisa é ter capacidade, estudar bastante e investir em si mesmo e no seu preparo. Às vezes vejo pesquisadores reclamando que não têm dinheiro para trabalhar, mas tiveram para comprar um carro novo. Quando eu estava em Piracicaba, em vez de comprar um automóvel, comprei uma bicicleta e fazia assinatura de revista científica e comprava livros que iam para a biblioteca. É muito triste quando o aluno faz uma pergunta e o professor não pode dizer: "Agora eu não sei, mas amanhã eu lhe digo': Melhor ainda é quando ele já sabe e responde imediatamente.
• O que o senhor pretende fazer no Inpa? - O Inpa é um instituto de certa maneira bem dotado e bem formado. O diretor anterior, Ozório José de Menezes Fonseca, fez um bom trabalho. Agora é só tocar para frente, acrescentando algumas linhas de pesquisa e reduzindo outras. Preciso também melhorar alguns aspectos, porque recentemente vi uma crítica preocupante. A primeira coisa que se tem que dar atenção para manter uma floresta é a polinização. Sem polinização não há semente, nem frutos, nem dispersão do frutos. Mas
''Vou pôr marcadores na alface para que não roubem do caboclo nem me impeçam de distribuir minha própria semente'' recentemente foi rejeitado o financiamento para três projetos que tinham como âmago o estudo da polinização. Ou seja: as pessoas que estâo olhando para os projetos não têm uma visão ecológica perfeita.
• O que o senhor está pesquisando no momento? - Estou pesquisando fruteiras e hortaliças, como sempre. Já estou conseguindo uma variedade nova de tangerina, que agüente mais a seca. Peguei as boas tangerinas do Maranhão, que resistem a até seis meses de seca, e plantei lá em Uberlândia. Estou com 15 pés que vão variar, claro, porque foram plantadas de semente, mas são muito bons e já estão produzindo. Duas já deram fruta, foi ótimo. Este ano todas devem frutificar. Agora vou ver como eles se comportam na enxertia, que é uma necessi-
dade na cultura da laranja. Depois vou oferecer essas tangerinas para todos os lugares que têm um período grande de seca. Outra fruteira que estou mexendo é o camu-camu, que na minha opinião deve ser distribuída para o mundo inteiro. Cada 100 gramas tem de 3.000 a 3.500 miligramas de vitamina C! Pretendo ampliar essa pesquisa e fazer com que mais pesquisadores se interessem por essa planta.
• Tudo isso lá na Universidade de Uberlândia? -Sim. A pesquisa de fruteiras e hortaliças são pagas pela Fapemig [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais]. Nas hortaliças, estou trabalhando com alface, que todo mundo gosta de comer. Mas a alface mais consumida não chega a ter mil unidades internacionais de vitamina. A que estamos fazendo está com 10 mil. Duas folhas dela já fornecem toda a vitamina A de que uma pessoa precisa em um dia. Essa pesquisa já está com 16 anos. Já deu certo, mas continua porque temos de saber a que ela não é resistente.
• Já foram publicados os resultados? -Ainda não publicamos nada porque tenho medo de uma firma grande e poderosa roubar a alface e pôr certos marcadores genéticos que indiquem que ela é que fez. Quero fazer esses marcadores para que a alface seja facilmente identificável se ela for roubada. Não quero é que cobrem do caboclo. Pode até roubar, mas não quero que roubem do caboclo nem que me impeçam de distribuir minha própria semente.
• Os marcadores substituem as patentes, de que o senhor não gosta, não é? -É verdade. Não gosto de patentes.
Sou um velho socialista. PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000
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CIÊNCIA
QUÍMICA FINA
Reagentes em destaque mundial Grupo sintetiza compostos de selênio e telúrio para remédios e agroquímicos
dades do mundo. No projeto que ele coordena (Reagentes de Selênio e Telúrio em Síntese Orgânica) e que deu origem ao artigo, por exemplo, a FAPESP investe R$ 326 mil e US$ 353 mil. Comasseto trabalha há mais de 20 anos em métodos de síntese orgânica para desenvolver reagentes ou "blocos de construção" Arquitetura molecular -
étodos brasileiros de síntese orgânica para produzir reagentes com atividade biológica- que possam ser usadas, por exemplo, em medicamentos e agroquímicos- ganharam destaque com a publicação de um artigo numa revista internacional. Os reagentes químicos, à base de selênio e telúrio, foram desenvolvidos por um pesquisador do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP) e entraram para o catálogo de produtos da maior empresa de química fina do mundo, a norte-americana Aldrich. Também se formalizou um acordo entre a empresa e o IQ-USP para a comercialização de vários desses reagentes no mercado internacional. O artigo, Add a Little Tellurium to Your Synthetic Plans! (Acrescente um Pouco de Telúrio a seus Planos de Síntese), do pesquisador João Valdir Comasseto e seu doutorando Rafael E. Barrientos-Astirraga, foi publicado na revista trimestral da empresa, Aldrichimica Acta (vol. 33, no 2, 2000), que tem 130 mil exemplares distribuídos entre indústrias do ramo e cientistas de todo o mundo. É a primeira vez, em seus mais de 40 anos, que essa revista publica um trabalho brasileiro. Para Comasseto, o fato mostra que o trabalho do instituto, reconhecido internacionalmente com centenas de citações em publicações científicas, desperta interesse comercial. E destaca que isso também resulta das condições técnicas do laboratório, que, graças a constantes investimentos, está equipado como os das grandes universi-
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que servem para construir moléculas bioativas (medicamentos, agroquímicos, aromas). Os reagentes sintetizados atuam como os blocos pré-moldados da arquitetura, que podem ser montados para se construir o "edifício", que são estruturas moleculares complexas com propriedades biológicas. O método em destaque usa blocos com átomos de selênio ou telúrio
(ver quadro). Uma reação especial, a hidroteluração de acetilenos, dá origem a blocos chamados teluretos vinílicos. Esses compostos, por serem estáveis na água e no ar, têm a vantagem de poder ser facilmente armazenados e transportados e, portanto, comercializados. Exemplos notáveis - Um exemplo é a macrolactina A, produzida naturalmente por bactérias marinhas em pequeníssimas quantidades. Essa substância despertou interesse no mundo por revelar uma potente atividade antiviral, inibindo a replicação dos ví-
rus Herpes simplex (da herpes) e HN (da Aids), além de atividade anticancerígena. Sua síntese teve a colaboração de pesquisadores da Universidade de Michigan, Estados Unidos. Outra molécula bioativa que o laboratório sintetiza é a isocicutoxina, identificada em 1999 por cientistas japoneses como componente do veneno cicuta (o que matou Sócrates). Por ter se mostrado citotóxica (causadora da morte de células), ela pode ser usada no combate ao câncer. O mesmo reagente usado na síntese da macrolactina A serve para sintetizar a isocicutoxina. Várias outras substân-
cias bioativas estão sendo obtidas no laboratório do IQ por meio desses blocos de construção, chamados teluretos vinílicos, que podem ter diferentes estruturas. O laboratório pode fornecer esses reagentes para o setor industrial ou para outros centros universitários por meio da Aldrich, revela Comasseta. Ele salienta que a importância do trabalho está justamente no desenvolvimento de métodos gerais de síntese que possam ser aplicados por grupos de pesquisa do mundo inteiro, inclusive indústrias farmacêuticas, para sintetizar compostos bioativos. Exportando idéias - O artigo na Al-
drichimica Acta rendeu muitos emails para Comasseto: pesquisadores dos Estados Unidos, Europa e Japão fazem comentários e mostram interesse em trabalhar na área. "Esse interesse de laboratórios por nosso trabalho mostra que o Brasil já exporta idéias em um campo extremamente importante, que é o da química fina." Aliás, o país sediou este ano o mais importante evento internacional da área, a sa Conferência Internacional sobre a Química do Selênio e do Telúrio, realizada em Águas de São Pedro (SP) . Por fatos como esses, Comasseto acha que é hora de derrubar o mito de que o Brasil sempre copia o que se faz lá fora: "Na verdade, hoje são eles que estão de olho no nosso laboratório". E a política do instituto é justamente a de promover um intercâmbio constante com centros de pesquisa do mundo todo. Desde 1986, o laboratório promove encontros entre químicos daqui e do exterior para uma semana de palestras e debates com estudantes brasileiros. O Encontro Brasileiro sobre Síntese Orgânica (BMOS), por exemplo, já é consagrado como evento internacional e tem 300 participantes por ano em média. "Geralmente esses encontros acabam culminando numa série de trabalhos Comasseto cria "blocos" para poder construir moléculas bioativas PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2000 • 41
Pó cinza: um dos reagentes
Tricloreto de aril-telúrio
em conjunto e, freqüentemente, nossos alunos passam pelo menos um ano estudando em países como EUA, Canadá e Inglaterra", diz ele. Além das relações com centros do exterior, o instituto acrescenta à sua função acadêmica a atuação com a comunidade local. Criada em 1986, a Central Analítica do IQ-USP presta serviços para outras universidades e para o setor industrial. Desde 1997, produz em média 11 mil análises por ano. O IQ também participa de um programa de capacitação para Micro e Pequenas Empresas Paulistas, em convênio com o Sebrae e a Fiesp.
Os malcheirosos Como o selênio e o telúrio passaram da rejeição à glória Descoberto em 1782 pelo mineralogista austríaco Franz Joseph Muller von Reichstein, o telúrio (Te) só foi reconhecido e nomeado 16 anos depois pelo alemão Martin Heinrich Klaproth (1743-1817). Em 1817, o sueco Jõns Jakob Berzelius (1779-1848) descobriu um elemento com propriedades semelhantes: o selênio (Se). Semimetais do grupo do enxofre, ambos são elementos raros, encontrados sobretudo como subprodutos da mineração de cobre. O curioso na história desses elementos é que por muito tempo fo-
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Ditelureto de difenila
Métodos limpos - Foi a partir da dé-
cada de 80 que Comasseto começou a desenvolver métodos de síntese de compostos de telúrio, que resultaram em vários teluretos vinílicos. Hoje se dedica também a implementar no IQ uma nova linha de trabalho que, entre outros objetivos, visa a reduzir o grande volume de subprodutos tóxicos gerados nas reações químicas. "Estima-se que, para cada quilograma de medicamento sintetizado, são
Brometo de fenilselenenila
produzidos 100 quilogramas de poluentes': afirma. Por isso, um dos grandes desafios da química é substituir métodos tradicionais altamente poluentes por métodos "limpos': que utilizem menos solventes, substituam solventes orgânicos por água, usem reagentes em menores quantidades e que sejam biodegradáveis. O pesquisador sugere o desenvolvimento de métodos de síntese orgânica a partir de enzimas produzidas por microrganismos, seguindo um princípio natural: "O açúcar da cana ou da uva, por exemplo, passa por um processo de fermen-
em eletricidade), esteve presente nas pesquisas de transmissão de imagem que culminaram na criação da televisão e tamJõns Berzelius Martin Klaproth bém participa de processos de reprodução ram rejeitados pelos químicos por xerográfica, coloração de vidros e causa de seu mau cheiro. Isso tamrecuperação de monumentos e bém ajudou a nutrir noções equiabóbadas encobertos pelo esvervocadas dos efeitos de ambos sobre deamento produzido por impureo organismo humano (mais tarde zas no ferro. se descobriria que alguns de seus O telúrio é usado na fabricação compostos podem ser praticamende transformadores e aparelhos te inodoros). Por várias décadas, termoelétricos, produção de aditiforam considerados muito tóxicos vos antidetonantes para a gasolina, e sem utilidade bioquímica, de moprocessos de vulcanização e coloração de vidros. do que seu uso ficava praticamente restrito à indústria de materiais. Assim, o selênio, por ser bom Tradição brasileira - A química de condutor elétrico na presença de selênio e do telúrio é uma tradição luz, há tempos é usado em células no Instituto de Química da USP fotoelétricas (que convertem luz desde sua fundação, em 1933. Foi
tação provocado por microrganismos, para ser transformado em etanol. Podemos imitar esse método natural no laboratório para sintetizar outras substâncias sem gerar poluentes. Com isso, pretendemos ensinar novas gerações de químicos a trabalhar de maneira ecologicamente correta, de forma a eliminar os poluentes dos processos produtivos". • PERFIL:
Por meio do reagente telureto vinílico (acima à esquerda), o laboratório sintetizou as moléculas da isocicutoxina (acima), que exerce ação citotóxica, e a macrolactina A (ao lado), um antivírus HIV
introduzida por Heinrich Rheinboldt (1891- 1955), seu fundador, por ser uma área pouco explorada na época. Nas décadas de 30 e 40, quando poucos laboratórios se dedicavam a esses elementos, o IQUSP, que se firmava como primeiro centro de excelência internacional em química no Brasil, centralizava o desenvolvimento da química de selênio e telúrio. Foi só a partir da década de 60 que os dois elementos despertaram o interesse dos laboratórios internacionais, incentivados por grandes companhias exploradoras de cobre, que acumulavam montanhas de selênio e telúrio nas minas. A criação da Associação Internacional para o Desenvolvimento da Química de Selênio e Telúrio, patrocinada pelas mineradoras, contribuiu para que, nos 20 anos se-
guintes, a química orgânica do selênio se consolidasse como um dos campos de maior atividade em síntese orgânica. Nutrientes básicos- Então, ao contrário do que se pensava, descobriu-se que os compostos de selênio são micronutrientes essenciais: sua falta provoca disfunções musculares e cardíacas, ele é necessário ao bom funcionamento do sistema imunológico e protege as membranas celulares contra alterações oxidativas associadas ao câncer e ao envelhecimento precoce. Estudos mais recentes mostraram que a ingestão de selênio acima das quantidades mínimas recomendadas - O, 1 miligrama por grama da dieta - reduz a incidência de câncer no cólon retal, no pulmão e na próstata. E descobriu-se
• }OÃO VALDIR COMASSETO, 50 anos, é professor titular do Instituto de Química da USP desde 1992. Formou-se em Química (1972) na Universidade Federal de Santa Maria (RS). Fez mestrado em Química Orgânica e doutorado em Química de Selênio no IQ da USP (1973-1977) e pós-doutorado (1980) na Universidade de Colônia (Alemanha) e obteve o título de livre-docente (1984) na USP. Projeto temático: Reagentes de Selênio e Telúrio em Síntese Orgânica Investimento: R$ 326.896,69 mais US$ 353.142,25
que exerce papel fundamental na fertilidade: sua ausência na dieta de ratos provocou lesões nos espermatozóides, enquanto a atividade deles foi consideravelmente aumentada com uma elevação na dose de selênio. Hoje existem vários suplementos alimentares à base de selênio, que também pode ser obtido numa dieta natural: muitos alimentos contêm pequenas doses de selênio e os cientistas procuram saber quais as fontes naturais mais ricas desse elemento. O malcheiroso elemento está definitivamente reabilitado. Quanto a seu parente, a carreira de sucesso apenas começa, segundo Comasseto: "Em relação ao telúrio, esse tipo de estudo está bem menos avançado, mas há algumas evidências de que ele poderia ajudar no controle do colesterol".
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CIÊNCIA
ECOLOGIA
m retrato de alguns riachos e cabeceiras da bacia do Alto Paraná revela: a biodiversidade da fauna paulista de peixes de água doce é bem maior do que se supunha. Só em 3 quilômetros de estreitos cursos d'água, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto encontraram dez novas espécies. Nos 30 trechos de riachos paulistas já estudados (no total serão 66), foram colhidas 58 espécies- um número muito grande, já que o último estudo em riachos de todo o sistema do Alto Paraná, numa área muito maior que a do Estado de São Paulo, contou 71 espécies. Das 58 já encontradas, 17% são novas e estão sendo minuciosamente descritas. Certamente há outras à espera do pesquisador Ricardo Macedo Correa e Castro, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP), que coordena o projeto Diversidade de
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Plana/tina sp.n: "pacotes" de esperma
Corydoras sp.n: um limpa-fundo
Peixes de Riachos e Cabeceiras da Bacia do Alto Rio Paraná no Estado de São Paulo/Brasil, financiado pela FAPESP.
-A espécie de peixe de riacho mais abundante da região estudada é o lambarido-rabo-amarelo, peixinho de 80 milímetros de comprimento que há tempos era identificado como Astyanax bimaculatus. Ao estudá-lo, contudo, Valdener Garutti, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas (Ibilce) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em São José do Rio Preto, e Heraldo Antonio Britski, do Museu de Zoologia da USP, descobriram que, na verdade, é uma espécie nova. Restrito à bacia de drenagem do Alto Paraná e também chamado pelos pescadores de tambiú, o lambari-dorabo-amarelo é muito usado como isca viva para peixes maiores, como tucuna-
Castro também foi um dos coordenadores do diagnóstico da biodiversidade paulista de vertebrados (incluindo peixes) do Programa Biota/FAPESP, lançado em março de 1999 e que envolve cerca de 300 especialistas em mapeamento da biodiversidade. Responsável pelo levantamento e o estudo da ictiofauna de várias regiões do país, ele reuniu cerca de 30 mil exemplares, que formarão um núcleo do futuro Museu de História Natural do Departamento de Biologia da FFCLRP-USP. Suas descobertas dão uma idéia do que ainda se pode encontrar de novo pelo Brasil afora.
Abundante e desconhecido
mas em número insuficiente para o estudo e a descrição adequados. Como os demais lambaris da subfamília, esse parece ser onívoro, tendendo a insetívoro. Tudo indica que seja diurno, localize o alimento primariamente pela visão e só ocorra na bacia do Alto Paraná. Se realmente for endêmico (exclusivo) dessa bacia, sua existência, como a de outros peixes endêmicos da região, será mais uma evidência do possível isolamento evolutivo da fauna de peixes local em relação ao restante da bacia do Prata (que, além do Paraná, abrange as bacias dos rios Paraguai e Uruguai).
FOTOS: RICARDO M. CORREA E CASTRO
ré e traíra. Reconhecida agora sua diversidade, recebeu um nome inspirado em seu hábitat: Astyanax altiparanae. Por ser a espécie numericamente dominante até agora- foi encontrado em 25 trechos e representa 16% dos exemplares e 39% do peso dos peixes coletados -, o lambari-dorabo-amarelo foi escolhido como símbolo do projeto. É uma espécie bem-sucedida na ocupação de espaços: habita desde pequenos riachos de cabeceira até os canais principais dos maiores rios do sistema do Alto Paraná e os grandes lagos das barragens de hidrelétricas. "Como era de se esperar, é um peixe onívoro, que tende a insetívoro, mas é capaz de se utilizar de pratica-
Astyanax sp.n: lam bari em estu do
Lambari-do-rabo-amarelo: o astro
mente todos os alimentos disponíveis", explica Castro. Além disso, desova várias vezes ao ano, o que contribui para a multiplicação rápida e a renovação das populações. Isolament o evolut ivo- De outro lambari desconhecido, pertencente à subfamília Tetragonopterinae da família Characidae, foram coletados 19 exemplares, vindos das sub-bacias do Aguapeí, do rio do Peixe e do Pontal do Paranapanema. Também é pequeno - cerca de 50 milímetros - e está sendo descrito por Castro. Ele já coletara a nova espécie, por enquanto chamada Astyanax sp. n. (as letras indicam que falta o nome definitivo),
Espécies endêmicas - O abundante lambari-do-rabo-amarelo é exceção entre os peixes de riacho, cuja maioria é pouco numerosa e vive em ambientes restritos. É o caso de Planaltina sp. n., outra espécie nova em estudo: 20 deles, coletados na subbacia do São José dos Dourados, estão sendo analisados por Naércio Aquino Menezes, do Museu de Zoologia da USP, e Stanley Howard Weitzman, da Divisão de Peixes do Museu Nacional de História Natural da Smithsonian Institution em Washington (EUA). Esse peixe do gênero Planaltina tem cerca de 30 milímetros e pertence à subfamília Glandulocaudinae da família Characidae, cujos machos inseminam as fêmeas de modo ainda desconhecido, com "pacotes" de espermatozóides. Também típico é o pequeno cascudo Corydoras sp. n., do qual só foram coletados cinco exemplares nas sub-bacias do Pardo e do Mogi-Guaçu. Mede 30 milímetros e é estudado por Castro em parceria com Marcelo Ribeiro de Britto, do Instituto de Biociências da USP. Peixe do tipo limpa-fundo, come pequenas larvas de insetos enterradas na areia fina do fundo dos riachos. Castro revela que, devido à posição evolutiva dessa espécie, seu estudo deverá trazer mudanças importantes na classificação da família Callichthyidae, uma das maiores de peixes de água doce sulamericanos. PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 1000 • 45
Uma aventura no mato Um bom diagnóstico da fauna de peixes não depende só do conhecimento científico. Exige disposição para o trabalho pesado. A parte mais árdua é a coleta dos peixes, que começa numa viagem de um dia inteiro dentro de uma caminhonete com tração integral, comprada especialmente para esse fim. Depois de comer muita poeira por estradas vicinais sem asfalto, chega-se a um vilarejo apenas a tempo de encontrar um lugar para dormir. Conforto é dispensável. No dia seguinte, logo que o sol aparece, os cinco pesquisadores saem à procura de um ponto com as características necessárias para a coleta- um mínimo de preservação vegetal em torno do riacho. Não é fácil. É preciso pedir licença ao proprietário. O proprietário não está ... São apenas as primeiras dificuldades. Quando finalmente está tudo acertado em relação ao local, o trabalho braçal pode começar. Descarregar o equipamento do carro que ficou lá longe, armar mesas e redes, medir o riacho, posicionar o gerador, ligar eletrodos, analisar a água, pegar amostras do fundo e da vegetação, tirar fotos do lugar. Depois, é hora de fechar o cerco aos peixes. São armadas duas redes, a uma distância de 100 metros uma da outra, para isolar completamente a área. Só então começa a coleta. A intenção é remover todos os peixes daquele trecho. Para garantir o máximo de eficiência, são feitas três passagens rio acima com aparelhagem de pesca elétrica, que produz uma descarga de 220 volts na água. Isso deixa os peixes completamente tontos, facilitando a retirada, mas é perigoso para os coletores. São
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feitas ainda duas passagens com arrastão manual e uma última com duas peneiras grandes, para retirar os peixes escondidos debaixo da vegetação. Depois de comer um macarrão instantâneo, os pesquisadores começam a organizar o material coletado. Primeiro, os peixes são separados e as amostras de material para análises genéticas são recolhidas. Em seguida, os exemplares são mergulhados em solução de formol, que conserva todas as suas características, inclusive os conteúdos estomacais. Ali mesmo os peixes são fotografados e acondicionados para a viagem de volta. Quando começa a escurecer, é hora de desmontar o equipamen-· to e voltar para a pousada. "A gente chega com a roupa molhada, cheia de lama, cheirando a peixe, literalmente podre': descreve Castro. Trabalhando nesse ritmo, os pesquisadores conseguem fazer três dias seguidos de coleta em pontos diferentes. Quando possível, tiram um dia para descanso e limpeza e reorganização do equipamento. Fazem mais três dias seguidos de coleta e por fim, geralmente dez dias e 2.500 quilômetros depois, estão de volta a Ribeirão Preto, com vários quilos de peixe no bagageiro, muitas picadas de insetos pelo corpo, mortos de cansaço e felizes pelos achados.
Para ele, essas descobertas são um forte indício de que realmente houve um longo isolamento evolutivo da fauna local de peixes em relação ao restante do sistema do Prata. Isso pode indicar a existência de um grande número de espécies endêmicas fortemente ameaçadas por mudanças ambientais. Assim, ao traçar um diagnóstico da biodiversidade paulista, o programa Biota/FAPESP é um passo fundamental para o lançamento de um plano de preservação.
Equipe em ação: o trabalho duro de coleta toma o dia todo
Por que riachos - A escolha dos riachos para o levantamento tem motivo: por unidade de área, são os ambientes mais ricos em biodiversidade de peixes. Castro calcula que metade das espécies sul-americanas de peixes de água doce viva em riachos. Não grandes peixes de importância comercial, como dourados ou surubins, mas peixinhos de até 15 centímetros, que geralmente se deslocam em pequenas distâncias e formam populações isoladas. São as espécies de água doce menos estudadas e sua sobrevivência depende de fatores ambientais aos quais se adaptaram ao longo de milhões de anos. Sua alimentação depende quase exclusivamente da vegetação das margens- folhas, pequenos
frutos, flores- além de insetos terrestres que caem na água, larvas aquáticas de insetos, outros invertebrados que também se alimentam desse material e galhos que caem na água. São em geral muito sensíveis a variações de temperatura, luminosidade e oscilações no nível da água, condições que também dependem da vegetação. Esse ambiente rico e complexo tem sido brutalmente alterado. No Estado, só restam de 8% a 9% da ve- Margens preservadas: garantia de vida aos peixinhos getação original, concenser usada por professores, estudantes, trada basicamente na Serra do Mar. No ambientalistas e o público em geral. interior, os riachos correm em meio a extensas plantações, pastagens e cidaSaldo positivo - Os 35 quilogramas des, onde recebem detritos doméstide peixes já coletados estão no novo cos e uma ampla gama de pesticidas. prédio do Laboratório de Ictiologia "Essa agressão ambiental tem um da USP de Ribeirão Preto (Lirp ), amreflexo catastrófico sobre o número pliado e melhorado com a verba do de espécies': afirma Castro. Prova programa. São 8.710 exemplares de disso é que o ponto mais rico até agopeixes, classificados em 6 ordens, 17 ra encontrado é um riachinho do famílias, 44 gêneros e 58 espécies. Alto Paranapanema que corta uma Quando a análise do material estiver fazenda onde há 73% da vegetação completa se poderá conhecer toda a nativa: ali se acharam 23 espécies. Já nas sub-bacias do Aguapeí e do Peixe, população de cada trecho estudado e muito desmatadas, a média de espécies coletadas por riacho foi de 12 a 15.
ter informações sobre a população de cada espécie, tamanho, estrutura de idade, biomassa, hábitos alimentares (pelo estudo do conteúdo estomacal) e até a existência ou não de hábitos migratórios (pela análise comparativa de material genético). O estudo também poderá dar boas pistas de como algumas espécies evoluíram. Castro espera reunir informações que ajudem a criar uma sistemática para medir a integridade biótica desses riachos, com índices que indiquem pontos críticos para a execução de programas de preservação. Também confia em que esse trabalho ajude a mudar as mentalidades para evitar que muitas espécies sejam extintas. "São espécies pouco valorizadas porque não têm importância comercial. Mas as pessoas se esquecem de que, assim como o homem e os outros vertebrados, elas são o produto final de uma história evolutiva única, de bilhões de anos de duração, que jamais vai se repetir", afirma. • PERFIL: • RlCARDO MACEDO CORREA E CAS-
45 anos, professor e co-responsável pelo Laboratório de lctiologia do Setor de Zoologia de Vertebrados da FFCLRP-USP e pesquisador associado da Divisão de Peixes do Departamento de Zoologia de Vertebrados do Smithsonian Institution (Washington, EUA). Formado em Biologia Marinha (1977) e Zoologia (1978) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, concluiu mestrado (1984) no Instituto de Biociências da USP. Fez um PreDoctoral Fellow ( 1986 e 1987) na Smithsonian Institution e doutorou-se pela USP (1990). Projeto: Diversidade de Peixes de Riachos e Cabeceiras da Bacia do Alto Rio Paraná no Estado de São Paulo/Brasil Investimento: R$ 368.142,27 mais US$ 2.212,65 TRO,
O levantamento da ictiofauna coordenado por Castro envolve mais seis pesquisadores, dois técnicos biólogos e 16 estudantes. Até o final, previsto para 2002, o projeto deverá consumir R$ 368 mil mais US$ 2,2 mil, financiados pela FAPESP. A análise dos resultados produzirá um grande banco de dados, com informações ambientais dos riachos, estatísticas, descrições das novas espécies e dados sobre relações evolutivas entre espécies com base em análises morfológicas e genéticas, incluindo estudos sobre movimentos migratórios. Boa parte desses dados, inclusive fotos, estará disponível na Internet, para Banco de dados -
Castro: poluição extingue espécies
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TECNOLOGIA
INOVAÇÃO
Benefícios
deuma e
arcer1a Projetas entre o mundo acadêmico e o empresarial têm bons resultados MAR C OS DE OLIVEIRA
uitas empresas brasileiras começam a sentir os bons efeitos da parceria com universidades e institutos de pesquisa. Novos produtos e processos de produção industrial surgem e têm garantido um bom retorno financeiro para quem apostou nessa interação. Um dos caminhos dessa forma de trabalho que cresce em todos os setores econômicos é o Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), implementado pela FAPESP há seis anos. Empresas como Petrobras, Itautec e Montecitrus provaram dessa parceria e querem continuar nesse caminho. A estatal do petróleo, por exemplo, garantiu um ganho adicional de US$ 0,25 por barril de petróleo processado nas refinarias, depois da instalação de um sistema de controle estabelecido junto com a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) . A notícia do sucesso das parcerias é certamente um forte argumento para reverter a atual concepção de tecnologia de ponta no Brasil. Hoje, a maior parte das inovações tecnológicas desenvolvidas no país sai dos laboratórios das universidades e dos institutos de pesquisa, ao contrário do restante do mundo globalizado. Empresas de países como Estados Uni-
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dos, Japão, França e Coréia do Sul realizam cerca de 80% das pesquisas em ambiente empresarial com investimentos próprios em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), muitas vezes agraciadas com isenção fiscal. A falta de maior empenho por parte das empresas em fomentar a pesquisa leva o Brasil a uma limitação tecnológica e ao risco de novas dependências futuras, que implicam a saída do país de milhões de dólares na compra de direitos de uso, processos e equipamentos industrializados avançados. Uma situação que também barra o aumento de produtos com tecnologia agregada na pauta de exportações brasileiras. A reversão dessa situação, passa, certamente, pela parceria de pesquisas entre o mundo acadêmico e o empresarial no desenvolvimento de inovações tecnológicas.· Sem preconceitos - A história dessas parcerias começa com projetos formalizados no final dos anos 80, época em que a universidade começou a deixar de lado preconceitos do tipo "trabalhar com empresas é incompatível com o mundo acadêmico". Do lado dos empresários também houve flexibilização. Eles começaram a perceber o funcionamento das universidades e a necessidade dos pesquisadores em publicar papers e ter tempo suficiente para concluir seus estudos. Desde a criação do PITE, em 1994, as parcerias ganham corpo e servem como sinalizadores de um novo tempo. Oxalá, sirvam a um momento de transição. "É essencial evitar a ilusão de que a interação univer-
sidade-empresa será a solução para os problemas de financiamento da universidade e de tecnologia da empresa. Essas parcerias servem sim para uma melhor formação dos estudantes na universidade e contribuem para levar a cultura de valorização da pesquisa para a empresa': analisa Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP, em artigo na revista Parcerias Estratégias (no 8, maio de 2000). O encontro entre o mundo empresarial e os pesquisadores acadêmicos, neste momento, é essencial para o país não ficar fora da competitividade mundial. Nesse caminho, a contribuição do PITE é alocar recursos financeiros para uso dos laboratórios dos centros científicos e tecnológicos em pesquisas encomendadas e de manifesto interesse das empresas. São projetos com objetivos específicos que, para serem aprovados, precisam de pareceres favoráveis de pelo menos dois
Antes dessa solução não havia um sistema que olhasse todos os parâmetros de forma conjunta. Com a continuação das pesquisas realizadas com a USP e a implantação do Sistema Integrado de Programação da Produção (SIPP), Carvalho acredita ser possível atingir um ganho de US$ 0,30 a US$ 0,50 por barril. Se fizermos a conta deUS$ 0,50 por 1,8 m ilhão de barris processados diariamente teremos um ganho da empresa deUS$ 900 mil/dia. Um alto faturamento se comparado com o investimento da Petrobras, de R$ 573 mil, nesse projeto com a USP. A pesquisa conto u também com o aporte financeiro da FAPESP em R$ 22 mil e US$
Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, é uma das unidades da Petrobras com novo software. Ao lado, a indústria de suco de laranja ganha novas variedades agrícolas
assessores da FAPESP. Durante esses seis anos, foram aprovados 49 projetos e investidos, no total, R$ 13,5 milhões e US$ 3,9 milhões. Participaram 45 empresas ou associações de classe quatro universidades e seis institutos de pesquisa (veja tabelas na pág 52). Controle avançado - Entre os projetas do PITE, dois são em parceria com a Petrobras. Um deles foi realizado com o Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP sob a coordenação do professor Claudio Oller do Nascimento. A parceria desenvolveu um software que está otimizando a produção das dez refinarias de petróleo da empresa e mais uma fábrica de
processamento de xisto. "Esse software contribuiu para atualizar o Sistema de Controle Avançado da Petrobras (Sicon) e garantiu um ganho adicional de US$ 0,25 por barril de carga (petróleo ou outros produtos) processado", informa Gilberto Ribeiro de Carvalho, chefe do Setor de Automação de Processos da Petrobras. Na USP são geradas as matrizes do software, os algoritmos (cálculos e fórmulas), as soluções que são, muitas vezes, desenvolvidas em teses de mestrado e doutorado, normalmente por funcionários da própria Petrobras. A aplicação prática e o desenvolvimento do software são realizados nas unidades de refino.
167,9 mil, ao longo de dois anos. Carvalho explica que esses sistemas de controle e otimização são uma novidade em todo o mundo, embora existam softwares semelhantes ao Sicon. "Cada programa desses custa cerca de US$ 600 mil, incluindo a licença de uso e o serviço de implantação. Multiplique isso por 30, o número de unidades- cada refinaria pode ter mais de uma - onde hoje está instalado o Sicon': avalia Carvalho. O gasto, nesse caso, seria de cerca de US$ 18 milhões. Histórico do poço - O outro projeto da Petrobras no PITE foi realizado com o Centro de Estudos de Petróleo (Cepetro) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O tema de PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 49
estudo foi outro software, agora para a área de extração de petróleo. Coordenado pelo professor Denis Schiozer, da Faculdade de Engenharia Mecânica e também coordenador do Cepetro, o projeto resultou num programa de computação paralela, com processamento de informações em seqüência com vários computadores, para analisar o histórico do comportamento de reservatórios antigos. "É preciso saber todos os parâmetros do poço para, por exemplo, saber da necessidade de injetar fluidos e deslocar o petróleo subterrâneo", explica Francisco Roberto Couri, assistente da Gerência Geral de Reservas e Reservatórios da Petrobras. "Às vezes gastávamos até seis meses para fazer as previsões de extração. Com o sistema de paralelização a kndência é fazer isso em poucas semanas. Estamos economizando horas de trabalho e obtendo as informações para os projetos de extração com mais antecedência, facilitando a tomada de decisões." O novo software está em uso em poços mais antigos na região Nordeste do país, em campos petrolíferos do Rio Grande do Norte e da Bahia. Nesse projeto, a FAPESP investiu R$ 1,3 mil e US$ 160 mil, e a empresa, R$ 261 mil. Para Couri, o trabalho com a Unicamp é uma satisfação. "Até há pouco tempo, a única universidade com conhecimento em petróleo era a Unicamp, hoje diversos centros de pesquisa têm competência em vários
CSN: processo mais econômico na produção de embalagens e novo tipo de aço elétrico
segmentos na área petrolífera", avalia Couri, com a experiência de ter sido gerente de tecnologia da área de exploração e produção da empresa. Revisor gramatical - A parceria com universidades e institutos de pesquisa também é utilizado como forma de terceirizar um trabalho quando ele não é o foco principal da empresa. É o caso da Itautec, que necessitou desenvolver, em 1993, um revisor ortográfico para um processador de texto utilizado nos computadores fabricados por ela. "O primeiro pass·o foi identificar um centro de excelência", conta Elizabeth Costa, gerente de Desenvolvimento de Aplicativos Comerciais da Itautec. A escolha recaiu
Produtos novos geram faturamento A despesa das empresas brasileiras em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) está atrelada ao faturamento (gasta-se em pesquisa se o faturamento for bom). Essa condição é oposta à de empresas japonesas e americanas onde o faturamento está condicionado à despesa em P&D (fatura-se mais com o gasto em pesquisa) . A constatação está na tese de
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doutorado Estudo das Relações entre
Indicadores de P&D e Indicadores de Resultado Empresarial em Empresas Brasileiras, do professor Tales Andreassi, da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "No Brasil, os investimentos em P&D ainda estão atrelados aos bons resultados alcançados pela empresa,
no Núcleo Interinstitucional de Lingüística Computacional (NILC), formado por pesquisadores dos Institutos de Ciências Matemáticas e de Computação e de Física da USP de São Carlos e da Faculdade de Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), de Araraquara. "Fomos buscar o know-howonde ele se encontrava': afirma Elizabeth. O projeto foi aprovado no PITE, em 1996, e contou também com a colaboração dos professores Claudio Lucchesi, Tomas Kowaltowski e Jorge Stolfi, do Instituto de Computação da Unicamp. "Em São Carlos, sob a coordenação da professora Maria das Graças Volpe Nunes, foram desenhados os algoritmos e formado o banco
o que não é recomendável", analisa Andreassi. Ele relata também que no Brasil o surgimento de produtos novos ou melhorados causam um impacto favorável no faturamento das empresas. "Os produtos novos aqui representam, em média, 37% do faturamento". Andreassi realizou a pesquisa, finalizada em 1999, com 125 empresas, de todos os portes, da base de dados sobre indicadores empresariais de inovação tecnológica da Associação Nacional de Pes-
de base de palavras e, em Campinas, desenvolveu-se a compactação do sistema e a diminuição do tempo de resposta do programa': explica Elizabeth, ex-aluna dos professores da Unicamp. Em 1997, a empresa começou a vender, no varejo, a primeira versão do revisor gráfico e gramatical, em caixas próprias, como um produto de prateleira. No final desse mesmo ano, a grande surpresa, a Microsoft procurou a empresa para mcorporar o revisor no programa Office, o mais vendido no Brasil e em todo o mundo. O antigo revisor criado em Portugal para a língua portuguesa comportava 200 mil palavras, o da Itautec já dispunha de 1,5 milhão de palavras. O revisor foi incorporado ao Office 2000. A empresa brasileira licenciou o produto por um período de três anos pelo valor de US$ 421 mil.
universidade com o direito intelectual para uso em outros projetos que não impliquem produto semelhante. A empresa continua vendendo seu produto individual, o Redator, com uma série de outros atrativos, como um módulo sobre literatura brasileira. "São vendidas de SOO a 600 cópias por mês ao preço de R$ 139,00 a unidade para o consumidor final", informa Elizabeth. Assim, é gerado um ltautec: licença para a Microsoft
Grande dimensão - No projeto, a
Itautec gastou R$ 78 mil, enquanto a FAPESP investiu R$ 17,9 mil e US$ 9,2 mil, utilizados na compra de máquinas e equipamentos para a USP. "Quando começamos esse trabalho não tínhamos idéia da dimensão que tomaria todo o projeto, principalmente com o contrato com a Microsoft': lembra Elizabeth. Tanto dentro do Office como na prateleira, não coube qualquer valor para a USP, porque o contrato garante o direito de comercialização para a Itautec, ficando a
quisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei). No exterior, já foram realizados diversos estudos sobre o retorno financeiro de empresas que investiram em P&D. Embora com metodologias diversas, a taxa de retorno desses investimentos é medida de acordo com a quantia ganha pela empresa, normalmente representada no faturamento e na economia de custos. O professor Ishaq Nadiri, do Departamento de Economia
volume de vendas mensal de R$ 83 mil, antes de ser descontada a margem do revendedor. Competitividade, ganho de mercado, exportação e inovação tecnológica são conceitos relacionados entre si no momento atual da economia. Eles permeiam o setor industrial e de serviços e também o setor agrícola brasileiro, principalmente em áreas
TAXA DE RETORNO DE P&D EM EMPRESAS E INDÚSTRIAS País/Pesquisador Estados Unidos/Minasian Estados Unidos/Link (I) Estados Unidos/Nadiri-8itros França/Cuneo-Mairesse Canada/Hanel (I) Japão/Goto-Suzuki (I) Japão/Griliches-Mairesse Estados Unidos/Lichtenberg-Siegel Estados Unidos/ Bernstein-Nadiri (I)
Ano 1969 1978 1980 1984 1988 1989 1990 1991
Taxa 54% 19% 26% 55% 50% 26% 30% 13%
1991
IS%
Fon te: "lnnovation s and Technological Spillove rs",
de M. lshaq Nadiri ( 1993) (I) ind ústrias
de ponta como é a produção de laranjas. Nesse segmento, destacou-se no PITE o projeto entre a empresa Montecitrus e a Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), de Jaboticabal, sob a coordenação do professor Luiz Carlos Donadio, que definiu, durante três anos, as melhores variedades cítricas para a produção de suco. "Não dá para quantificar os ganhos, mas o projeto já teve retorno ao gerar uma série de informações como porta-enxertos e copas de laranjeiras específicos para a produção de sucos': afirma Marcos Pozzan, coordenador da área técnica da Montecitrus, uma empresa que produziu 25 milhões de caixas de laranja no ano passado. "Nesse projeto, os benefícios não se restringiram à nossa empresa, porque os resultados podem ser acessados por todos os interessados por meio de um boletim editado pela Estação Experimental de Citricultura de Bebedouro, onde foi realizada a pesquisa." O projeto contou com um investimento da FAPESP de R$ 41,8 mil e da Montecitrus de R$ 18,1 mil. Projetos CSN - Outra área em que a competitividade nacional e internacional exige uma ferrenha busca de inovação tecnológica é o setor de siderurgia. Dentro do PITE, dois projetos têm a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) como co-participante. O primeiro desenvolveu novos
da Universidade de Nova York, analisou diversas pesquisas - para a Agência Nacional de Pesquisa Econômica (NBER) - que relacionam investimento em P&D e taxas de retorno. Ele constatou uma forte relação entre o desenvolvimento de P&D e crescimento de produção e de produtividade e condensou os dados obtidos por seus pares. Na tabela ao lado, mostramos algumas taxas de retorno relacionadas nos estudos.
PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 51
Balanço do Programa Parceria para Inovação Tecnológica ÁREA DE CONHECIMENTO
No DE
VALOR APROVADO EMPRESA
PROJETOS R$
TOTAL
FAPESP US$
US$
R$
R$
US$
AGRÁRIAS
9
1.179.981,03
0,00
457.560,03
391.804,46
1.637.541,06
391.804,46
BIOLÓGICAS
7
1.246.538,91
288.000,00
. 558.58 1,00
1.089.342,81
1.805.119,91
1.377.342,81
4
556.572,00
12.600,00
304.908,54
180.794,00
861.480,54
193.394,00
ENGENHARIA
22
5.460.868,62
85.545,00
1.263.905,93
1.61 1.283,39
6.724.774,55
1.696.828,39
COMPUTAÇÃO Biomédica
3
309.124.00
84.545,00
152.910,53
190.339,76
462.034,53
274.884.76
Civil
I
414.962,62
0,00
13.900,00
196.651,60
428.862,62
196.651,60
Elétrica
2
312.500,00
1.000,00
110.600,00
5.000,00
423.100,00
6.000,00
Materiais e Metalúrgica
6
1.583.800,00
0,00
515.511,00
175.333,07
2.099.31 1,00
175.333,07 290.096,96
Mecânica
2
453.700,00
0,00
163.307,40
290.096,96
617.007.40
Produção
I
59.300,00
0,00
65.300,00
0,00
124.600,00
0,00
Química
4
2.231.122,00
0,00
197.647,00
700.943,00
2.428.769,00
700.943,00
Sanitária
2
55.320,00
0,00
44.730,00
399,00
I
41.040,00
0,00
0,00
399.00 52.520,00
I00.050,00
Outras
41.040,00
52.520,00
FÍSICA
2
463.000,00
0,00
360.000,00
429.180,00
I
104.412,48
0,00
37.173,00
429.180.00 0,00
823.000,00
HUMANAS E SOCIAIS
141.585,48
0,00
MATEMÁTICA E ESTATÍSTICA
I
188.000,00
0,00
96.000.00
0,00
284.000,00
0,00
QUÍMICA
2
354.950,00
0,00
97.442,30
169.597,31
452.392,30
169.597,31
SAÚDE
2
678.250,00
0,00
501.637,00
158.160,20
1.179.887,00
158. 160,20
50
I0.232.573,04
386.145,00
3.677.207,80
4.030.162,17
13.909.140,84
4.416.307,17
TOTAL
aços elétricos, produto usado na fabricação de motores e eletrodomésticos, em parceria com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), sob a coordenação do pesquisador Fernando Landgraf. O outro foi realizado junto com o Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), coordenado pela pesquisadora Silvia Tondella Dantas, em que foi desenvolvido um novo processo de recravação de latas para embalagem. Com essa nova técnica foi possível diminuir em até 50% o uso de matéria-prima. "Nesses projetos, o objetivo foi tornar nosso produto mais competitivo, dando novos parâmetros, analisando características do material e fazendo ensaios", explica Rogério Itaborahy Tavares, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento da CSN. Para ele é difícil quantificar os benefícios financeiros desses dois projetos. "Os resultados fazem parte de um conjunto de iniciativas e decisões da empresa que não podem ser desmembradas e computadas." Itaborahy conta que, além de um centro de pesquisas na própria em52 • OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
presa, na cidade de Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, a CSN tem convênio com mais 12 universidades e institutos de pesquisa. "Essas parcerias servem para complementar os recursos que temos em nosso laboratório a um custo mais baixo do que se tivéssemos de comprar outrós equipamentos e contratar pessoal", afirma o gerente. Nos dois projetos, a empresa investiu R$ 109,9 mil e US$ 80 mil, enquanto a FAPESP financiou R$ 93,4 mil e US$ 72 mil.
tos da produção de tintas entre 10% e 15% ao substituir o óxido de titânio, um produto que em grande parte é importado. A pesquisa foi realizada num projeto entre a empresa e o Instituto de Química da Unicamp, coordenada pelo professor Fernando Galembeck. A Unicamp recebe royalties sobre esse invento, embora o produto ainda não esteja à venda. A FAPESP investiu R$ 25,9 mil e US$ 107,1 mil, e a empresa, R$ 67,3 mil. Todos ganham- "Estamos produzin-
Pigmento barato - Grande parte das
inovações atuais é fruto da necessidade de reduzir custos, principalmente em relação à matéria-prima. A aposta nesse sentido está sendo bancada pela empresa Serrana. Situada em Cajati, a meio caminho entre Cananéia e Registro, a empresa montou em Diadema, na Grande São Paulo, um laboratório para demonstrar aos fabricantes de tintas os benefícios de um novo tipo de pigmento produzido a partir do polifosfato de alumínio. Esse insumo deve reduzir os cus-
do o fosfato em escala laboratorial e em julho de 2001 devemos inaugurar uma planta semi-industrial, num investimento de R$ 600 mil para iniciar a produção comercial", informa João Brito, gerente de tecnologia da Serrana. São iniciativas como essas que demonstram a vitalidade e a necessidade de mais encontros entre cientistas e empresários. São dois mundos que começam a se entender mutuamente e a trabalhar juntos. Todos ganham, e o Brasil também. •
TECNOLOGIA
BIOTECNOLOGIA
Luz no interior da célula viva Pinça e bisturi a laser manipulam diversas partículas biológicas manipulação de diversos tipos de partículas biológicas por A meio de um sistema que usa a luz la-
ser está se transformando em uma poderosa ferramenta na área de biotecnologia. Quando utiliza um feixe de laser é chamado de pinça óptica e tem a capacidade de capturar e mover pedaços de DNA, espermatozóides, bactérias e outros componentes do interior de uma célula. Com o feixe duplicado, o sistema se torna um bisturi óptico, capaz de perfurar e cortar partes de uma célula. Anunciados em 1986 pelo físico Arthur Ashkin, dos laboratórios Bell da empresa AT&T, hoje chamada Lucent, dos Estados Unidos, eles foram trazidos para o Brasil pelo professor Carlos Lenz Cesar, do Laboratório de
Fotônica do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Além de permitir a manipulação de microrganismos e partículas em células vivas sem causar nenhum dano, as pinças também são capazes de medir propriedades mecânicas e forças muito pequenas em sistemas biológicos, como a viscosidade de fluidos e a elasticidade de membranas celulares. O Laboratório de Fotônica da Unicamp integra o Centro de Pesquisa em Optica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) recém-criados pela FAPESP. Com maior amplitude e a garantia da continuidade dos estudos, o professor Lenz espera expandir a técnica do uso da pinça e do bisturi óptico, além de desenvolver pesquisas em colaboração com outros pesquisadores do país. Atualmente, ele coordena duas pesquisas em áreas bem distintas: uma em física, outra em medicina. A distância entre as duas, porém, é pe-
quena. Os pesquisadores Adriana Fontes, do Instituto de Física, e Marcelo Mendes Brandão, da Faculdade de Ciências Médicas, trabalham lado a lado. Ela, há quatro anos, pesquisa o uso de lasers na manipulação de células vivas. Ele estuda a deformabilidade das hemácias- os glóbulos vermelhos do sangue - usando a pinça óptica, com orientação da médica Sara Teresinha Olalla Saad, do Centro de Hematologia da Unicamp. A nova técnica implementada por Lenz viabilizou uma série de descobertas sobre doenças hereditárias dos glóbulos vermelhos, com dados comparativos entre hemácias sadias e doentes e o efeito de fármacos usados para tratar distúrbios nessas células. Reu nião d e e quipame nt o s - Desde
1990, o desafio de Lenz tem sido demonstrar as inúmeras aplicações da pinça óptica. A maior dificuldade foi conseguir reunir todos os sofisticados equipamentos necessários para fazê-la funcionar, fato que só aconte-
Caminhos da imagem do laser
D
A pinça óptica opera com um feixe de laser e o bisturi com dois. Eles são direcionados para a lâmina do microscópio onde interferem na partícula analisada
1:1 A imagem registrada
H
pela câmara de TV capta apenas a luz do iluminador. O laser não é registrado porque o divisor de feixe barra
D
O pesquisador analisa o experimento pela TV e arquiva as imagens no vídeo·cassete. Por meio de um transcodificador, elas seguem para um computador onde são realizadas, por exemplo, as medições de hemácias. Nas telas, o corte de uma membrana celular.
Laser Nd:YAG
o
PESQUISA FAPESP • OUTUBRO OE 1000 • 53
ceu com o projeto de auxílio-pesquisa financiado pela FAPESP, Pinça e Bisturi Ópticos para Manipulação Biológica e Estudo de Propriedades Elásticas de Membranas. Foram comprados dois lasers Nd:YAG (Neodímio Yttrium Alluminium • Garnet) - um contínuo, para a pinça, e outro pulsado, para o bisturi -, várias lentes e espelhos especiais que direcionam o feixe de laser a um microscópio ópFeixe de laser envolve e aprisiona o espermatozóide tico comum acoplado a uma câmera digital de vídeo. As imagens captadas pela câmera são visualizadas no computador e num aparelho comum de TV. São imagens nítidas do interior de uma célula viva. Pode-se observar partículas sendo aprisionadas pelo feixe de laser e movidas com grande precisão, sem danos celulares. Isso é possível porque o material manipulado é transparente à luz do laser, que é Glóbulo vermelho submetido a teste de flexibilidade do tipo invisível e opera na faixa infravermelha de comprimento de onda eletromagnética. microscópicas é muito pequena tamNão havendo absorção de luz, não se bém. A força óptica normal é incapaz produz calor, evitando, assim, danos de movimentar partículas do tam~ térmicos. Mas, apesar de fraca, a ponho de milímetros, mas consegue tência do laser é suficiente para promedir em mícrons certas propriedades vocar o deslocamento das partículas mecânicas como elasticidade e viscosidade das membranas, além de forças dentro de uma célula. muito pequenas, da ordem de picoNewtons (1/ltrilhão de N), que não Força Óptica - Ao atravessar a objetiva, o feixe de laser forma um cone poderiam ser medidas de outra forma. de luz que funciona como uma arComo instrumento de medição, a madilha, capaz de aprisionar corpúspinça óptica tem sido empregada, culos no seu foco. Isso acontece porpor exemplo, para medir a elasticidaque a luz se comporta como uma de de uma molécula de DNA ou a mopartícula, transferindo impulso semtilidade de espermatozóides. Nessa lipre que é desviada ou absorvida. nha de trabalho, segundo Lenz, já há Quando uma partícula penetra no vários estudos publicados. Para testar cone de luz do laser e desvia seus a motilidade de espermatozóides, raios, ela se desloca e se mantém preusa-se a pinça para aprisioná-los e, sa no foco do cone. A força óptica asenquanto eles tentam escapar da arsim gerada é muito pequena. Entremadilha óptica, a intensidade do latanto, nesse contexto, a aceleração é ser vai sendo reduzida, até que eles grande porque a massa das partículas consigam se desprender. Essa intensi54 • OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
dade é então registrada e pode ser comparada ao padrão de motilidade considerado normal. Mais estudos - A utilização
dessas ferramentas ópticas cresce com o passar dos anos. De 1986 a 1998, a pinça óptica foi o tema central de cerca de 400 trabalhos publicados em todo o mundo, nos mais variados campos de pesquisa. Em 1990, quando Lenz começou a trabalhar com a pinça óptica, havia menos de dez trabalhos publicados. Hoje publica-se uma média de 60 por ano. Grande parte dos estudos publicados pelo grupo da Unicamp foi realizada com o Hemocentro, na análise de hemácias. Essas células precisam ser muito flexíveis para conseguir desempenhar bem a função de transportar oxigênio e nutrientes. Elas têm vida média de 120 dias, medem de 7 a 9 mm (mícrons - 1mícron é igual a !milímetro dividido por mil) de diâmetro e percorrem, durante esse período, cerca de 250 km no interior de vasos sanguíneos e capilares do corpo humano. Dentro do baço, esses capilares chegam a medir 3 a 4 mm, menos da metade do diâmetro das hemácias que, para atravessá-los, chegam a se alongar até 230% de sua dimensão original. Mas, com o tempo, elas vão se tornando cada vez mais rígidas, até o ponto em que ficam retidas no baço e são retiradas da circulação. Algumas doenças, no entanto, podem comprometer essa propriedade das hemácias, tornando-as prematuramente rígidas, de forma a reduzir sua vida útil. Com isso, pode haver uma acentuada queda na concentração de glóbulos vermelhos no sangue, o que caracteriza um quadro anêmico. Na esferocitose hereditária, por exemplo, que acomete 1 em cada
Lenz, à esquerda, junto com Brandão e Adriana: pesquisas multidisciplinares que serão expandidas para todo o país
furar membranas celulares sem comprometer o seu funcionamento. Assim, a pinça e o bisturi ópticos permitem inserir um espermatozóide num óvulo com muita precisão e segurança.
5 mil indivíduos, uma grande quantidade de hemácias perde a capacidade de deformação e assume uma forma esférica (esferócitos). Na eliptocitose hereditária, as células vermelhas tornam-se elípticas devido a mutações de proteínas que compõem o esqueleto celular, diminuindo a sobrevida das hemácias Em doenças como a anemia falciforme, a hemoglobina assume a forma de uma foice, com pouca flexibilidade e vida curta. Ocorre também um aumento da viscosidade sanguínea, o que dificulta o fluxo nos capilares, levando a uma deficiência de oxigênio nos tecidos. A importância da elasticidade das hemácias levou os pesquisadores a desenvolver um método que permitiu obter informações muito precisas sobre a flexibilidade dessas células usando a pinça óptica. Foram estudadas células normais e de portadores de vários tipos de anemia, incluindo casos em que os pacientes vinham sendo submetidos a tratamento com hidroxiuréia, medicamento usado para tratar anemia falciforme. Uma a uma, as hemácias eram pinçadas e colocadas em movimento em 18 velocidades diferentes (de 110 a 280 mm/s). Com isso foi possível captar as medidas do alongamento das hemácias por meio de um software de processamento de imagens. Com esses dados
mediu-se a elasticidade de cerca de 2 mil hemácias de diferentes pacientes. Estocagem de sangue - A caracterização da deformabilidade da membrana de hemácias normais e de portadores de todos esses tipos de anemia resultante do estudo é muito útil para ajudar patologistas a compreender melhor os mecanismos dessas disfunções, assim como o efeito de certos fármacos. Descobriu-se, por exemplo, que o uso de hidroxiuréia melhorava a deformabilidade das hemácias em pacientes com algum grau de enrijecimento dessas células. óutra conclusão importante diz respeito à estocagem de bolsas de sangue. O estudo demonstrou que hemácias estocadas por mais de 15 dias começam a apresentar perda significativa da elasticidade, sendo que o tempo usual de estocagem é de até 35 dias. Essa constatação, no entanto, não compromete as transfusões de sangue, segundo a professora Sara. Outra área de grande aplicação para a pinça óptica são os experimentos em engenharia genética. Acoplada a outra microferramenta, o bisturi óptico, ela pode ser usada para transportar partículas de uma célula para outra. Diferentemente da pinça óptica, o bisturi emprega um laser pulsado e muito mais potente, o Nd:YAG verde, na região visível, capaz de per-
Pinçar no Genoma - No Departamento de Eletrônica Quântica do Instituto de Física da Unicamp, os experimentos com a pinça e bisturi ópticos têm sido acompanhados de perto pelo biólogo Paulo Arruda, coordenador do projeto Genoma Cana-de-Açúcar. Para ele, essa nova tecnologia abre uma grande perspectiva em todos os campos da biologia. Dentro do projeto, uma das vantagens da microferramenta é propiciar o transporte de moléculas grandes de DNA, com centenas de milhares de nucleotídeos, de uma célula para outra. "Com o bisturi, podemos perfurar as espessas paredes das células vegetais e manipular cromossomas inteiros", afirma. A julgar pela efervescência que o assunto tem provocado no exterior, Lenz acredita que no máximo em cinco anos a técnica estará bem difundida no Brasil. "O interesse pelo assunto vem crescendo a cada dia", afirma Lenz. Com a prática adquirida, o laboratório de Fotônica da Unicamp certamente vai contribuir para difundir essa técnica no Brasil, envolvendo outros centros de pesquisa interessados no uso da pinça e do bisturi ópticos .•
PERFIL: ·CARLOS LENZ CESAR formou-se em Física na Universidade Federal do Ceará (UFC). Fez mestrado e doutorado na Unicamp e concluiu seu pós-doutorado na AT&T Bel! Laboratories, nos Estados Unidos. Projeto: Pinça e Bisturi Ópticos para Manipulação Biológica e Estudo de Propriedades Elásticas de Membranas Investimento: R$ 78.507,08 e US$ 108.081,68 PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 55
TECNOLOGIA
NOVOS MATERIAIS
Cimento nobre com casca de arroz Processo inédito extrai sílica de resíduo agrícola para uso em concreto o elaborar um processo inédito de obtenção de sílica de alta pureza a partir da casca de arroz, pesquisadores do câmpus de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP) abrem a possibilidade de uma ampla oferta desse material para a produção de cimento de alta qualidade. Pela nova técnica se obtém sílica com grau de pureza de 99% e alta reatividade química, o que a torna muito atraente para o uso industrial, sobretudo na construção civil. A tecnologia foi consolidada e aperfeiçoada no projeto temático Concretos de Alto Desempenho com Sílica de Arroz, coordenado pelo professor Jefferson Libório, do Laboratório de Engenharia Civil do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos, e financiado pela FAPESP. Libório trabalha lado a lado com outro grupo de pesquisadores de São Carlos, coordenado pelo professor Milton de Souza, do Instituto de Física e Ciência dos Materiais. Eles sistematizaram o novo método de extração da sílica. Com isso, o professor Libório viabilizou o uso desse aditivo para a produção de concretos estruturais com características variáveis, destinados ao uso em vários setores da construção civil. Segundo o professor Souza, os resultados já obtidos por Libório em corpos-de-prova, que são amostras em miniatura de concreto contendo a sílica obtida em escala laboratorial, indicam a boa qualidade do produto
A
56 • OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
e a excelente resistência proporcionada pelo cimento. Gerou patente - "Nosso processo é
original e não existe nenhum tão bom", garante Souza, com a autoridade de quem vasculhou bancos de patentes dos principais países que conduziram experimentos sobre o tema. Do método criado também resultou uma das primeiras patentes processadas no Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec), que a FAPESP criou recentemente. A extração da sílica da casca de arroz, além de aproveitar um resíduo agrícola normalmente desprezado (e poluente), é um recurso renovável e inédito na construção civil, onde serve de alternativa às sílicas obtidas como resíduos da produção de ligas de ferro-silício ou silício metálico. Com esses resíduos siderúrgicos obtêm-se uma sílica que deve ter pelo menos 85% de pureza, conforme especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Sobras suficientes - A vantagem do
novo método é que a fonte agrícola é farta. Dos 1Omilhões de toneladas de arroz que o país produz por ano, sobram 2 milhões de toneladas de casca - que rendem cerca de 400 mil toneladas de sílica, o suficiente para suprir o mercado de concretos estruturais e outros. Dependendo da quantidade de cimento usada, a proporção de sílica nos concretos varia de 5% a 10% e é particularmente importante para o concreto de elevado desempenho. O processamento das cascas e a extração de sílica podem, segundo Souza, influir em várias etapas da atividade econômica. Em primeiro lugar, o arroz se tornaria fonte barata de um
A cu ltura do arro z é uma fo nte barata de um insumo de alta qualidade para a co nst rução civil
insumo de alta qualidade para a construção civil, segmento responsável por 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Considerando que o quilograma da sílica de maior grau de pureza custa US$ 36, Souza brinca: "É mais negócio gerir a cultura para obter sílica e ter o arroz como subproduto': Proteína da terra - Souza também prevê melhorias na cultura do arroz: "O que faz o transporte desse material da terra para a planta e destapara a casca é uma proteína, que pode ser manipulada para que tenhamos cultivares destinados a facilitar o processamento". Ex-diretor do Instituto de Física, o primeiro contato de Souza com o tema ocorreu há cerca de dez anos, quando recebeu um pacote de pó preto resultante da queima das cascas de arroz, que é prática ainda co-
queima e melhora a qualidade dos produtos cerâmicos': Libório acrescenta: "Essas partículas de sílica são mais leves que as da fumaça de cigarro': Calor e pressão - Para obter a sílica,
o primeiro passo foi retirar os componentes que reagiam com ela, tais como os sais. "No começo, lavávamos as cascas com ácidos, mas o processo era muito demorado", explica Souza. "Depois, resolvemos colocar as cascas numa autoclave (câmara que suporta altos índices de temperatura e pressão), onde são lavadas com ácidos a uma temperatura controlada. Ao passar pela autoclave, as cascas de arroz perdem os sais. Após outros procedimentos simples, o material é calcinado a mais de 400°C." Essa parte do estágio final para a obtenção da sílica na forma mais pura, branca, é seguida de procedimentos que o professor Souza guarda com cuidado.
mum na rizicultura. Na época, as disciplinas de estudo e caracterização de materiais em São Carlos já pesquisavam o uso da cinza da casca de arroz na produção de concretos, mas sem resultados promissores. "No início dos estudos, em 1991, não conseguimos fazer muita coisa. Para separar a sílica do pó preto precisávamos usar temperaturas de mais de 1.000 °C, o que deteriorava a sílica obtida", conta Souza. Cinco anos mais tarde, já com a ajuda de alunos da área de química que iniciavam a pós-graduação entre os quais Souza destaca o coautor da patente Paulo dos Santos Batista -, houve uma associação de projetas na área de ciência de materiais. Então os rumos do trabalho mudaram: "Descobrimos um jeito de tratar a casca antes de extrair a sílica". Na época, Souza e Libório mantiveram o primeiro contato e discutiram a possibilidade de usar a sílica junto com o cimento Portland.
Souza e Li bório: patente e testes garantem a resistência do co ncreto co m sílica
Souza sabia da importância das nanopartículas no processamento de cerâmicas: "Por estar dispersa na celulose da casca, a sílica poderia ser extraída na forma de agregados de nanopartículas. Foi sob essa ótica que os estudos recomeçaram em 1997. As nanopartículas, de tamanho igual à milionésima parte do milímetro, têm elevada reatividade química e capacidade de sinterização, o que reduz a temperatura de
A contribuição da sílica para a melhoria dos cimentos tem mais de duas décadas. Libório lembra que, no Brasil, por volta de 1985, o engenheiro Epaminondas do Amaral Filho "doou ao Laboratório de Estruturas da Escola de Engenharia de São Carlos sílicas importadas, de ligas de ferro-silício e silício metálico': Isso permitiu a Libório começar pesquisas com esse material, para a construção PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 57
de um elemento estrutural (um pilar). "Desde então, realizamos vários estudos de melhoria de cimento, com relatos feitos em congressos nacionais e internacionais. Assim, produziram-se concretos com 60 MPa (Mega Pascal), o equivalente a 600 quilogramas por centímetro quadrado de resistência à compressão simples:' Os corpos-deprova, amostras de pouco mais de 7 centímetros de diâmetro, são analisados por ele com base nesse parâmetro ( 1 MPa = 1O kg/cm 2 ), que indica o tanto de compressão a que se pode submeter uma peça de concreto. Sempre se ensinou que o concreto tem uma durabilidade extrema. Libório faz a ressalva: "O concreto é um excelente material de construção, porém sua durabilidade tem limites. A deterioração geralmente ocorre por uso inadequado e pela interação de concretos de má Fases qualidade com substâncias presentes no ar ou em meios líquidos, como as redes de água e esgoto (todas com estruturas de concreto) e os resíduos ambientais corrosivos, tais como o dióxido de carbono': Desastres evitáveis - Para Souza, uma matéria-prima barata como a sílica de arroz ajudará a solucionar problemas já detectados e prevenir a deterioração de obras novas. No primeiro caso, serviria para fabricar placas de revestimento especiais: "Pontes e viadutos não podem simplesmente ser postos no chão e reconstruídos". Outros setores podem ser beneficiados e Souza destaca um: "Hoje, os canais de irrigação do Nordeste precisam de reforços de grossas mantas de borracha, por causa da permeabilidade do concreto. Um concreto de alto desempenho, que dispense os reforços, poderá representar uma economia gigantesca, tornando a irrigação uma realidade naquela região': A sílica ativa da casca de arroz 58 • OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
medida à idade de 28 dias, emhora já se tenham registrado utilizações de 60 MPa, e atingido valores de até 80 MPa". No projeto, continua Libório, esses números sobem drasticamente: "Já atingimos a resistência à compressão de 120 MPa aos 28 dias de idade e 50 MPa com um dia. E esperamos ultrapassar os 200 MPa. Nesse nível, o concreto não interessa mais à construção civil: ele serve para outras utilidades como, por exemplo, a fabricação de moldes para peças da indústria mecânica". Outros estudos, liderados por Libório, estão em curso, como adições de sílica da casca de arroz a produtos como tintas, polímeros, argamassas decorativas, selantes, contrapesos e pisos especiais. A adição de sílica de alta qualidade ao cimento é só uma etapa. Além de aprimorar os processos de coleta de casda sílica: da casca ao pó branco e no concreto cas de arroz e extração da sílica, é preciso agora demonstrar a toserá uma alternativa tão eficaz dos os usuários da tecnologia dos quanto as outras sílicas quando reconcretos estruturais, como os ensolvidos a contento os desafios do genheiros civis e os arquitetos, os processamento. Nas condições atubenefícios oriundos desse novo maais, a casca de arroz continua a ser terial e dessa nova tecnologia para a queimada e deixada no campo, onde construção civil. É o que pretendem produz fortes danos: "No solo onéle os pesquisadores. • se joga o material queimado não brota mais nada. Na forma de poeiPERFIS: ra, essa cinza pode causar nos seres humanos a silicose, uma séria doen·JEFFERSONLIBORIO formou-se engeça nos pulmões", adverte Souza. nheiro civil na Escola de Engenharia O processamento das cascas tem de São Carlos (EESC) da USP, onde sido alvo de muitos estudos desde o fez mestrado e doutorado. É diretor início da década de 90. O grande do Instituto Brasileiro do Concreto. desafio era conseguir um grau ele• MILTON FERREIRA DE SOUZA forvado de pureza na sílica isolada, de mou-se em Química pela Univerforma economicamente viável em sidade do Brasil (RJ), doutorou-se custos e em escala de produção. em Física pela EESC da USP e "Essa é precisamente a novidade complementou os estudos nas que temos", diz Souza. universidades de Illinois e Utah, nos Estados Unidos. Compressão máxima - As conseProjeto: Concreto de Alto Desempenho qüências são bem práticas. Libório excom Sílica Ativa da Casca de Arroz plica: "Muitas obras ainda utilizam Investimento: R$ 230.993,27 e US$ concretos convencionais, com resis166.979,51 tência à compressão de 25 MPa,
TECNOLOGIA
LINHA DE PRODUÇÃO Bicicletas ganham banco confortável Em vez de um selim de bicicleta fino e arredondado para baixo, um banco macio e confortável. Melhor, um assento capaz de evitar dores, tensões musculares e até impotência sexual. A novidade é dos irmãos Wagner e Flávio Duarte, sócios na empresa Excentric, instalada na incubadora Centro de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (CDT) da Universidade de Brasília (UnB). Eles criaram o desenho do banco, fizeram protótipos
que já foram testados por ciclistas e patentearam o invento. Agora, negociam financiamentos e a terceirização de parte da fase industrial. Antes de partir para o projeto, eles fizeram uma pesquisa em conjunto com a Stat Jr, uma consultaria em estatística da UnB, onde constataram que 65o/o dos ciclistas estão insatisfeitos com o selim de suas bicicletas e 85o/o querem trocá-lo por um novo, de anatomia menos agressiva. •
Design inovador evita dores, tensões e impotência
Controle automático das chuvas de verão O verão está próximo e com ele são esperadas as fortes chuvas da estação na região Sudeste do país. A monitoração dessas chuvas é apontada como essencial para evitar os riscos de desabamento de morros e conseqüentes tragédias. Nesse sentido, foram instalados 30 pluviômetros em pontos estratégicos da cidade do Rio de Janeiro. Esses aparelhos são inovadores e foram criados pela Grom, uma empresa formada por quatro ex-alunos da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O modelo coleta as informações e as envia por rádio para o prédio da Defesa Civil. É uma unidade autônoma composta de uma placa solar que alimenta uma bateria e energiza o sistema. •
Sem falcatruas pela Internet O mundo da informática resolve e facilita muitos problemas, mas acaba criando outros. Por exemplo, nas transações comerciais e bancárias pela Internet, as em-
presas operadoras podem saber tudo sobre a localização do computador do usuário, o servidor, a rede, o país, etc., mas é impossível elas saberem quem é a pessoa que está utilizando a máquina. Isso pode proporcionar a ação de hackers e de roubos simples quando cartões e senhas são extorquidos da vítima. Para colaborar na resolução desse problema, o professor Lee Luan Ling, do departamento de Comunicações da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está finalizando um sistema de Identificação Pessoal via Internet. "Estamos possibili tando o cadastramento, consulta e verificação de características biométricas, como assinatura, impressão digital e face", afirma Ling. Com dispositivos periféricos como câmara e scanners garante-se a identidade de um comprador O\l cliente de banco, sem riscos de roubos. Os usos são destinados não só para empresas ou para quem está na frente do com-
. putador, mas também para quem está atrás do balcão. Via Internet, lojistas terão a possibilidade de reconhecer a assinatura de cheques e • cartões de crédito.
Nova liga corta custos de motores O prêmio Henry Ford de Tecnologia deste ano va1 para uma equipe formada por engenheiros do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e da Ford Brasil. Eles desenvolveram uma nova liga de alumínio para o cabeçote - a ferramenta que é fixada ao bloco do motor e tem a função de movimentar os pistões dos cilindros - de motores automotivos. A inovação dispensa o uso de tratamento térmico na fabricação da liga, mantendo as características de resistência e durabilidade, além de proporcionar um custo menor do motor. A empresa estima uma economia de cerca de US$ 4,9 milhões, em três anos. A nova tecnologia tem patente conjunta IPT-Ford e poderá ser comercializada com outras empresas. •
Personal Identijication Network
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ClknJ's ID : vl51277-0
Identificação: assinatura, rosto e impressão digital PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 59
HUMANIDADES
ARQUITETURA
Pelo menor preço e espaço, a
me or Estudo mostra como a arquitetura moderna brasileira articulou-se com o desenvolvimentismo cc Que
se racionalizem os métodos de construção, de modo a se obter pelo menor preço, a melhor casa." O lema do presidente Getúlio Vargas foi seguido à risca, mas com criatividade, pelos arquitetos dos primórdios do modernismo no Brasil. Como mostra a pesquisa Ha-
bitação Econômica e Arquitetura Moderna no Brasil, os projetos de habitação social no período de 1930 a 1964 buscavam aliar economia, prática e técnica à estética. "Apesar de buscar racionalidade e economia, os projetos eram mais flexíveis que os atuais. Hoje há quitinetes de apenas 24m\ é o extremo da miniaturização", explica a Maria Ruth Amaral de Sampaio, coordenadora-geral do projeto. "As plantas não apresentavam a solução padronizada e monótona das produções 60 • OUTUBRO OE 1000 • PESQUISA FAPESP
feitas pelo BNH/Cohabs das últimas décadas", completa o arquiteto Nabil Bonduki. O projeto, com apoio da FAPESP, reuniu pesquisadores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP) e do Departamento de Arquitetura da Escola de Engenharia de São Carlos, USP, centrando-se em São Paulo, embora também tenham sido analisados exemplos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Natal, Belém, Florianópolis e Brasília. "O nascimento da habitação como uma questão social significou não só a formulação de uma nova proposta de arquitetura e urbanismo, mas de produção, com a incorporação dos pressupostos do movimento moderno que propunham a edificação em série, com padronização e
pré-fabricação", explica Maria Lucia Gitahy. O trabalho quis recuperar essa história, a planta e as origens dessas construções, analisá-las in loco, registrá-las, catalogá-las, conversar com os pioneiros desses projetos, estudar a legislação e a normatização dos materiais, identificar as origens da habitação social no que antecede à criação do Banco Nacional de Habitação (BNH). Para abranger esses aspectos, os idealizadores, os professores Nabil e Maria Ruth, resolveram dividir o projeto em cinco frentes, cada qual com um coordenador: 1) Produção habitacional realizada pelo poder público, Dr. Nabil Bonduki (EESC); 2) Zonas laboratoriais das cidades novas, Carlos Roberto Monteiro de Andrade (EESC); 3) Promoção privada da habitação econômica, Maria
Copan, de Oscar Niemeyer: projeto nos moldes de Le Corbusier e que conta com 1.200 apartamentos
Ruth Amaral de Sampaio (FAUUSP); 4) Construção civil habitacional, Paulo César Xavier Pereira e Maria Lucia Caíra Gitahy (FAU/USP) e 5) Legislação habitacional, Sarah Feldman (EESC) . O projeto contou com jovens alunos, como Georgia Novis de Figueiredo, da FAU/USP, com 17 anos. "Foi importante verificar como a indústria de construção civil regrediu, tornando o trabalho mais segmentado. Hoje há o profissional que só sabe assentar tijolos, o outro, piso, etc." Tal entusiasmo se estende a outros pesquisadores, como Adriano Bosetti, de 24 anos. Ele finaliza artigo sobre análises de edifícios do eixo da nova avenida 9 de Julho, exemplo da ânsia modernista da época: colocar abaixo vários quarteirões para reconstruí-los. ''A abertura da avenida
9 de Julho propiciou um novo esP.aço para a verticalização, onde quase uma centena de edifícios foi erguida pela força dos empreendedores privados que se fizeram expressar em seus grandes edifícios de dezenas de apartamentos': explica. Público x privado- A produção pública e a privada acabam se relacionando. "O Estado não deu conta de atender a toda a demanda, mas tomou a dianteira e serviu de guia para a produção privada", sintetiza Maria Ruth. A partir de 1930, a concepção keynesiana e a ascensão do fascismo e do socialismo criaram um clima favorável à intervenção do Estado na economia e no provimento da moradia aos trabalhadores. A questão assumiu papel fundamental nas realizações do Estado Novo, emergindo
como aspecto preponderante das condições de vida do operariado. A habitação aparece como fator decisivo para a criação do "homem novo". A ordem era eliminar os cortiços, a insalubridade, e dar ares de metrópole a uma cidade com resquícios lusitanos. A atuação do Estado na produção direta de conjuntos habitacionais e no financiamento de moradias para trabalhadores deu-se por meio da criação de órgãos federais ou regionais de produção, como os Institutos de Aposentadoria e Pensões (1938), a Fundação da Casa Popular (1946) e o Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. "Esses órgãos atendiam famílias de baixa renda, mas não exclusivamente, já que, ligados a carteiras de aposentadoria, abrangiam diversas classes de trabalhadores, do peão de fábrica ao engenheiro': ressalta Nabil. Em 1942, num contexto em que 70% dos domicílios ainda eram alugados, o governo interfere no mercado de locação, congelando todos os aluguéis por meio da Lei do Inquilinato. ''A lei acabou gerando uma redução das construções nesse período, pois mostrava aos proprietários e capitalistas a intenção de uma política de restrições", completa Maria Ruth. A ênfase na habitação social permanece durante o pós-guerra. O governo Dutra, por exemplo, sente a necessidade de se contrapor ao avanço do Partido Comunista do Brasil nos grandes centros, temendo que a insatisfação gerada pela crise de habitação e de abastecimento em geral pudesse causar perigosas rebeliões. "Os governos populistas trataram a questão da moradia mais como instrumento para assegurar apoio eleitoral aos partidos governistas do que como política pública", analisa Nabil. Nabil Bonduki conclui que a proliferação de órgãos públicos promotores de habitação social e a escassez de resultados gerou uma política PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000 • 61
miúda de clientela e uma visão pouco abrangente da questão habitacional. "Se os institutos mais entravaram do que contribuíram para a consolidação de uma política de habitação social, por outro lado, realizaram uma produção significativa, de grande valor arquitetônico e urbanístico, que introduziu tendências urbanísticas inovadoras."
ou ainda de livros e revistas importadas. Corbusier, que esteve no Brasil nos anos 1929 e 1936, proferindo conferências e, na segunda viagem, para dar consultaria sobre os projetos do Ministério de Educação e da Cidade Universitária, seduziu profundamente os urbanistas da época. O raciocínio que seguia a lógica da articulação de muitas células foi um marco decisivo. "Em São Paulo, tive-
empresa, a atividade da construção começava a assumir um caráter mais empresarial, surgindo num contexto de evolução dos profissionais liberais, dos engenheiros e arquitetos", conta Paulo César. ''As habitações econômicas produzidas pela iniciativa privada investiram na verticalização, já as financiadas pelo poder público exploraram experiências com blocos
Influência européia- Mais do que estilo, o moderno aparece como causa para os arquitetos da época. Viu-se com freqüência na habitação social o caminho para modificar as condições de classe trabalhadora, introduzindo novos hábitos e um modo de vida "moderno': capaz de romper o atraso do país. Para Lúcio Costa, a casa moderna seria o instrumento de libertação dos trabalhadores. O ideal de casa moderna era um projeto com o máximo de aproveitamento de espaços úteis e o mínimo de gastos, maior aproveitamento do terreno, redu- Edifícios Montreal (à esq.) e Paim: produção com racibnalidade e economia ção da área útil da habitação e conseqüente diminuição de unidade métrica das ram influência, além de Warchavchik de no máximo quatro ou cinco paobras, tais como gastos com instalavimentos, casas geminadas, sobree Le Corbusier, alguns arquitetos esções de esgotos, água, entre outros. trangeiros que vieram exercer a propostas ou isoladas. Mas a variedade Era uma influência da arquitetura das produções no período é muito fissão, como Franz Heep e Rino moderna européia de proposta utiliLevi': explica Maria Ruth. grande, sendo impossível generalitarista, segundo a avant-garde na Alezar", sintetiza Maria Ruth. A pesquisa aponta que, quanto manha, França, Áustria, Suíça, HoNesse contexto experimental, meaos materiais, não houve grande difelanda e Bélgica. A forma deveria estar rece destaque o Pedregulho, imenso rença entre as construções estatais e determinada por uma função interna as privadas. Os blocos prensados de edifício serpenteante, no Rio de Jae uma estrutura necessária, militavaconcreto foram usados em substituineiro, do arquiteto Affonso Eduardo se por uma Neue Wohnkultur, uma Reidy, financiado pelo poder público. ção aos tijolos de cerâmica e às placas nova cultura do "morar". compensadas e revestidas para diviEm Pedregulho, a exemplo da Gávea sões internas. "O maior uso do ciEsse repertório chega ao Brasil e Deodoro, concretizou-se a rua suspor meio de profissionais brasileiros mento era uma novidade para todos, pensa proposta por Le Corbusier, com que estudaram ou estagiaram no exacesso ao terceiro andar por uma as vantagens econômicas eram consiterior - como Attílio Corrêa Lima e deráveis", explica Maria Lúcia. ''Além ponte suspensa, aproveitando o desCarmen Portinho - diretamente pela nível do terreno. Foram implantadas da mudança visível de tipologia mapassagem de arquitetos estrangeiros áreas comerciais, de serviços e recreaterial, houve uma organização da 62 • OUTUBRO DE 2000 • PESQUISA FAPESP
ção. "Pedregulho precisa ser situado no contexto de um ciclo de projetos habitacionais e não como uma obra de exceção, apesar de seu enorme significado ser indiscutível", alerta Nabil. É o caso das unidades de habitação deLe Corbusier, que geraram um grupo expressivo de projetos habitacionais, sobretudo os destinados à classe média, com obras promovidas pela iniciativa privada. São exemplos os edifícios projetados por Niemeyer (Copan, JK, Montreal), Abelardo de Souza (Nações Unidas), Zarzur e Kogan (São Vito, Paim), entre outros. O Copan (Companhia Pan Americana de Hotéis), obra de Nieme-
60 anos no país. A saída para grande parte da população foi o auto-empreendimento, já que os trabalhadores só se tornavam proprietários depois de décadas de muito trabalho e poupança. A partir dos anos 40, há uma tendência forte do crescimento da periferia. Intensificam-se os loteamentos periféricos e os assentamentos informais. Na ausência de uma ação mais efetiva do governo, a Lei do Inquilinato foi sucessivamente prorrogada com o argumento de que era preciso
Maria Ruth Amarai de Sampaio: São Paulo cresceu sob a influência de Le Corbusier e Warchavchik
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yer, foi um dos pioneiros nesse sentido, composto de quase 1.200 apartamentos de diferentes programas organizados em setores estanques. À moradia estavam associados hotel, serviços de lazer, comércio e área livre presente em um amplo terraço-jardim. Inchaço populacional - Com o inchaço populacional, ao pobre, em geral, restavam os cortiços ou a construção de uma casa com as próprias mãos. As ações do Estado e da iniciativa privada não deram conta de atender à demanda, mesmo com a criação do BNH. Os números são taxativos: 100 milhões de pessoas passaram a viver na cidade nos últimos
resolver o problema da habitação antes de se liberar os aluguéis. Crescem as favelas em São Paulo, os mocambos em Recife, os alagados em Salvador, num período de contradições. Enquanto os trabalhadores sofrem com a falta de moradia, cidades como São Paulo são renovadas por novas avenidas e "embelezadas" por arranha -céus. O projeto da FAPESP conclui mostrando como o período de 1930 a 1964 foi modelar para a construção social no país, na medida em que a política habitacional do BNH, a partir de 1964, é voltada para o produtor e não para o usuário final. "Predominaram, salvo raríssimas exceções,
projetos medíocres, uniformes, monótonos e desvinculados do meio físico e da cidade, uma intervenção urbanística muito inferior à dos IAPs", sintetiza Nabil. É difícil precisar o porquê de essas construções permanecerem, ainda hoje, como exemplos sociais no país. "Havia, sem dúvida, uma menor pressão do caráter financeiro, o que possibilitava um certo dinamismo e liberdade de criação. Era um enfrentamento muito mais com o capital comercial do que com o financeiro", afirma Paulo César. Num momento em que se assiste hoje a um processo de liquidação da herança Vargas com a privatização do espaço urbano, a pesquisa serve como contraponto. "Talvez a maior contribuição deste trabalho seja o resgate de uma produção arquitetônica de grande qualidade e desaparecida na historiografia. E a formação de um novo tipo de documento, o depoimento desses pioneiros", diz Paulo César. Os resultados desse denso trabalho poderão ser vistos em breve com a publicação de uma série de artigos dos pesquisadores, livro destinado a entrevistas e perfis biográficos dos pioneiros dessa construção e também CD-ROM com a catalogação desses exemplos, no mínimo, "áureos" de habitação social no país. • PERFIL:
·MARIA RuTH
AMARAL DE SAMPAIO é
graduada em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Fez curso de especialização na École Pratique de Hautes Etudes, Sorbonne. Doutorou-se na FAU-USP, onde defendeu tese de livre-docência e tornou-se professora titular. Foi presidente da Comissão de Pesquisa da FAU-USP e, desde 1998, é diretora da faculdade. Projeto: Habitação Econômica e Arquitetura Moderna no Brasil (193064)
Investimento: R$ 98.527,95 PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 2000 • 63
HUMANIDADES
SOCIOLOGIA
Injustiça com as próprias mãos Banco de dados mostra painel trágico dos linchamentos no Brasil m julho de 1998, enquanto a Eseleção do Brasil buscava o título da Copa, em Paris, e 160 milhões de brasileiros balançavam a bandeira com a inscrição "ordem e progresso" por aqui, o placar da violência em São Paulo ficou inalterado. Durante os dias da maratona, as delegacias policiais do Centro não registraram um único crime grave, assim como não houve um linchamento em todo o país (ao contrário do que ocorria a cada 2,5 dias). A explicação para o fenômeno pode ser simples: as pessoas estavam com uma rara sensação de segurança. "Isso é emblemático. Nesse momento se re- José de Souza forçam os laços comunitários, pois é justamente a ausência deles que motiva os linchamentos. Quando os vínculos comunitários se dilaceram, se produz medo e insegurança': explica José de Souza Martins, professor titular do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP). Martins acaba de concluir uma pesquisa patrocinada pela FAPESP para a criação de um banco de dados com 1.999 casos de linchamentos em todo o país. O estudo, com base em notícias de jornal, focaliza um período de 54 anos: de 1. 0 de janeiro de 1945 a 31 de dezembro de 1998 (a 64 • OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
FAPESP financiou apenas o período de 1995 a 1998).0 pesquisador, entretanto, não se limitou à elaboração de um arquivo. O estudo inclui a análise de três regiões que foram palco para linchamentos no país: o sertão da Bahia, o oeste de Santa Catarina e Ribeirão Preto (SP). "Quando se faz um estudo de caso em um corpo de pesquisa como esse, ele baliza a pesquisa. Ele permite trabalhar qualitativamente as ocorrências", afirma o
pessoa quando a vítima do linchado é do sexo masculino. Por outro lado, as características mais vulneráveis para o linchamento são ser homem, jovem e estar entre 15 e 30 anos de idade. "Há pouquíssimos linchamentos de mulheres e os que ocorreram foram porque elas estavam no lugar errado e na hora errada': diz o professor. Segundo ele, já houve muitos casos em que mulheres cometeram delitos similares aos de hoz mens linchados e elas ~ não foram agredidas. Isso ocorre porque os "~ linchamentos não são contra as pessoas em si. Eles estão relacionados ao estereótipo da vítima. Um dos casos mais impressionantes relatados na pesquisa mostra bem a dimensão do problema. Dois bóias-frias que trabalhavam em um canavial de Ribeirão Preto sofreram uma tentativa de linchamento por serem os pnnCipais suspeitos da morte de uma linchamento garota de 4 anos. Mais tarde, porém, uma autópsia revelou que a menina não havia sido violentada e assassinada, como supunha a população local. Sua morte havia sido provocada por desidratação após cinco dias perdida na plantação. O caso adquiriu cores ainda mais fortes dois anos depois, quando foi preso, em São Paulo, um rapaz acusado de estupro e assassinato de uma criança de 4 anos. No interrogatório, ele confessou espontaneamente que havia sido responsável pela morte daquela criança de Ribeirão Preto. Mesmo com essas revelações, permaneceu na cidade um movimento pela canonização da criança e os participantes do linchamento não se de-
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Martins: insegurança leva ao extremismo do
professor, que pretende publicar um livro sobre o tema no ano que vem. O pesquisador procurou compreender melhor o universo do linchamento. No sertão da Bahia, por exemplo, Martins investigou duas agressões motivadas por assassinatos simbólicos: o de uma professora do povoado rural por um aluno e o de um padre de família local. Os dois linchamentos são indicadores dos principais estimulantes a esse tipo de agressão. Dos crimes que causam maior indignação estão violações ou assassinato de mulheres jovens, solteiras e virgens, mulheres grávidas e crianças. Raramente se lincha uma
monstraram culpados pela agressão contra inocentes. "Não houve arrependimento porque o que caracteriza o linchamento é a isenção de culpa. O linchador não age em nome próprio, mas em nome da sociedade. Ele nunca acha que o golpe dele foi o que matou. Não dá para trabalhar na linha do que, pela justiça, é considerado crime", analisa o pesquisador. De acordo com o professor, o linchamento é uma reação autodefensiva em que só opera a partir da multidão. "Não existe um número que defina multidão. É um comportamento. Ele existe quando ninguém individualmente é responsável e consciente por aquilo." No estudo realizado em Santa Catarina, entretanto, Martins investigou dois casos de linchamentos cujos participantes foram julgados, condenados e presos. Esses exemplos são pouco comuns, pois o Código Penal brasileiro não reconhece o linchamento especificamente como crime. Existe, apenas, uma pequena insinuação do chamado crime coletivo, que ainda tem atenuante. "Já houve casos de pessoas que, sabendo disso, participaram de linchamentos. Estavam cientes de que com a participação de mais de sete pessoas não seria caracterizado crime. No momento, um sujeito que se seguraria, vai em frente e lincha", diz Martins. Essa questão já foi muito debatida e ganhou muita força no linchamento de Danatto Carreta, diretor da prisão de Regina Celli, em Roma, em 1945. Trata-se do primeiro a ser completamente filmado (por ninguém menos do que Lucchino Visconti, que começava a carreira de cineasta). Carreta seria testemunha em um julgamento que não houve e, quando estava saindo do tribunal, uma mulher apontou para ele dizendo: "Esse era o diretor da prisão onde meu marido foi preso': Sua frase foi considerada uma senha para o linchamento. "Esse é um caso clássico. Carreta era inocente e, por causa do filme, conseguiram identificar os agressores, mas foi complicado, pois é um crime coletivo. É difícil se identificar um ins-
Estados Unidos, Georgia, 7 de fevereiro de 1903 PESQUISA FAPESP • OUTUBRO DE 2000 • 65
tigador. Há um impulso motivado pela raiva e pelo ódio, que leva a uma participação sem clara avaliação do que está acontecendo", diz Martins. A definição de um perfil de linchadores, de acordo com o pesquisador, é mais difícil de ser determinada do que a das vítimas do linchamento. Em geral, são homens e adultos, mas é possível verificar, eventualmente, a presença de mulheres, crianças e adolescentes. "Os linchamentos comunitários envolvem todos, assim como o crime cometido pelo linchado", analisa o professor. As características do linchamento indicam que o ato é, na realidade, um rito de sacrifício e funciona como forma de punição. "Se não existisse uma motivação de praticar um rito sacrificial, o criminoso seria entregue à justiça. Há um rito sacrificial no modo como o sujeito é morto. Sempre lentamente", diz. O rito do linchamento sofre variações em virtude das motivações, mas o pesquisador definiu um padrão brasileiro: uma aproximação vagarosa com pedradas em relação à vítima e, em geral, concluída com a pessoa sendo queimada viva. Se o linchado cometeu um crime sexual, ele é castrado ou mutilado no rosto. "Isso porque há uma dimensão sagra-
da importante que indica ser a desfiguração facial um impedimento para a ressurreição", observa Martins. A pesquisa revela que um linchador pode estar na maior parte das castas sociais, com exceção da elite. Nas áreas metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, a massa popular mais pobre é a grande responsável pelos linchamentos. Em geral, isso é conseqüência da instabilidade de bairros de populações recentes, migrantes, cujas referências estruturais do ponto de vista sociológico ainda não estão construídas na cidade. Nascidades do interior, porém, a maior parte dos linchadores é da classe média. Em contrapartida, o linchamento inclui vítimas integrantes da elite (mais de 10%). A explicação está na violação de um estereótipo da sociedade. "Houve um caso no interior do Paraná de um médico linchado porque sua enfermeira havia movido uma ação trabalhista contra ele e, por vingança, ele encomendou seu assassinato.
A crueldade popular com sotaque ianque crueldade dos ritos de sacrifício nos Estados Unidos foi, recentemente, tema da exposição "Without Sanctuary", encerrada em julho, na New York Historical Society. A mostra apresentava uma série de fotografias e cartões-postais do colecionador americano James Allen, que durante 25 anos viajou pelos Estados Unidos em busca de registros de linchamentos. O material, hoje apresentado como raridade, era comercializado como uma espécie de suvenir. A coleção de Allen também
A
66 · OUTUBRO DE 1000 • PESQUISA FAPESP
As pessoas não toleraram. O médico foi apanhado na cadeia junto com o policial pago para matá-la e os dois foram mortos': conta Martins. Em Santa Catarina, há outro relato de uma tentativa de linchamento contra um juiz do Tribunal Superior do Trabalho porque ele estava com a família, em período de férias, utilizando carro oficial: uma multidão depredou o automóvel e o juiz teve de fugir com a família. "Você tem no linchamento uma definição negativa do que
Estados Unidos, Georgia, cerca de 1908
foi editada em livro (Without Sanctuary, Twin Palms Publishers, 212 páginas, US$ 48). "Fotografar fazia parte do rito de sacrifício. Quem havia participado daquilo queria guardar as fotos e os cartões-postais como lembrança, assim como os dedos e as orelhas do linchado", diz o professor José de Souza Martins, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. O registro de linchamentos nos Estados Unidos tornou-se freqüente
por um período de cerca de 50 anos (de 1880 até 1930). As vítimas eram, em geral, negros que haviam acabado de ser libertados. "Foi a forma de enquadrar o negro americano nos limites inferiores de uma sociedade de classes", avalia o professor. "Historicamente, o linchamento aumenta dentro de uma conjuntura de exacerbação do conflito étnico social, que resulta na morte das pessoas", diz. No prefácio de Without Sanctuary, o líder de direitos civis na dé-
é propriamente social, mas você tem uma expressão da consciência social, o que são os direitos e os deveres': afirma. Essa questão pode ser uma explicação para o aumento dos linchamentos no final da ditadura militar, pois o momento é caracterizado por uma certa consciência da desordem. "Há um questionamento da população: quem é que manda nisso aqui? Onde está a autoridade? Isso é bastante claro", avalia Martins. Para ele, o linchamento é uma condenação à
justiça institucional e uma manifestação de descrença nos mecanismos de justiça e poder. "É uma justiça direta, com as próprias mãos", afirma. No entanto, a degradação do sistema judiciário, cujas funções foram desviadas pela ditadura militar, teria criado uma representação associada mais à dominação do que à justiça em uma sociedade que deveria ser baseada no princípio da igualdade. "Isso desperta muito medo, que tende a se manifestar coletivamente. Individualmente, as reações são de outro tipo': afirma. Para ratificar a análise, Martins aponta que um outro ciclo de linchamento no país também começou a se intensificar no fim de outra ditadura, a de Getúlio Vargas. Durante seu austero governo, no entanto, houve poucos linchamentos. A análise do rito sacrifical e da quebra do sagrado indica que há a emergência de uma consciência oculta dos linchadores, que quando os mecanismos de controle social não funcionam o "véu" protetor desses códigos caem e as pessoas
Igualdade na morte: brancos e negros podiam (e podem) ser vítimas da barbárie
Estados Unidos, Flórido, 191 O
cada de 60, John Lewis, diz que o livro traz à tona um dos períodos mais horríveis e doentios da história da americana. ''As fotografias tornam reais os crimes hediondos que foram cometidos contra a humanidade. Atrocidades que aconteceram na América não muito tempo atrás. Temos de nos prevenir para que nada igual a isso aconteça novamente", afirma. O pretexto para o linchamento naquele período era quase sempre relativo à conduta sexual do negro,
na maioria das vezes acusado de ter estuprado uma branca. Algum tempo depois, graças à atuação de um movimento feminino, verificou-se que o argumento era uma falácia. O movimento de mulheres era formado por brancas, protestantes e da elite dos Estados Unidos. O grupo foi criado justamente para denunciar os próprios maridos das integrantes, que se baseavam no fato de que a maioria dos casos de violação de mulheres brancas era de responsabilidade dos próprios brancos.
começam a ter atitudes de épocas mais antigas. "É como se a consciência fosse formada por camadas. Ao se deteriorar a camada protetora e moderna, vem uma mais antiga", diz Martins. Segundo algumas pesquisas experimentais, quando as regras de um grupo humano são quebradas, em uma fração de segundos surgem outros códigos. Na realidade, esses códigos já estavam presentes na estrutura de comportamentos, mas escondidos. Isso explicaria alguns ritos medievais usados no linchamento, que não por acaso se evidenciam em momentos de trevas. • PERFIL:
• JOSÉ DE SOUZA MARTINS graduouse em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, onde fez o mestrado e o doutorado e da qual é professor titular. É professor titular também da Cátedra Simon Bolívar da Universidade de Cambridge. Projetas: Linchamentos no Brasil e Linchamentos no Brasil II- As Condições do Estudo Sociológico dos Linchamentos no Brasil Investimento: R$ 4.311,02 e R$ 11.725,73
"Era a saída para limpar a honra e culpar o negro", diz Martins. De acordo com o professor, está havendo um revigoramento dos linchamentos nos Estados Unidos, sobretudo no norte do país. "No ano passado, houve um linchamento de um negro por um grupo de negros, ou seja, o linchamento deles está ficando parecido com o nosso, que apresenta um limite da transgressão: é possível transgredir, mas tem um limite': avalia. No Brasil e em outros países, entretanto, não foram produzidos materiais com essa característica. "Aqui, teve um ou outro caso de fotografia, como o caso de Matupá (MT), fUmado e exibido na TV. As fotos americanas não têm nada a ver com nosso linchamento", diz Martins. • PESQUISA FAPESP · OUTUBRO DE 1000
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LIVROS LUíZA MENDES FURIA
Relatos de um tempo de crise Tudo o que você queria saber sobre a menopausa mulher emancipada, contestadora, sem medo de viver sua sexualidade, que ganhou cada vez mais espaço a partir dos anos 60, chegou ao climatério e até à menopausa. Como ela lida com essa situação- do mesmo modo que sua mãe ou de forma menos sofrida? E como ela é tratada atualmente, seja pela classe médica, seja pela sociedade e pela família? Foi dessas questões que partiu a psicoterapeuta com especialização em Gestalt Selma Ciornai, ela própria chegando aos 50 anos, para defender sua tese de doutoramento em Psicologia, em 1997, no Saybrook Institute, na Califórnia, agora publicada no livro Da Contracultura à Menopausa Vivências e Mitos da Passagem (O ficina de Textos/Fapesp, 267 págs.). Como explica a autora, um dos principais objetivos do trabalho foi "pesquisar se a geração de mulheres que vivenciou os movimentos alternativos, libertários e contestatários dos anos 60 e 70 iria, também nessa fase da vida, ter um papel transformador em relação à maneira com que as mulheres e a sociedade se relacionam com o climatério e a menopausa". Selma esclarece que climatério vem do grego klimacton, klimakter, que significam degrau, crise. É a fase em que os hormônios femininos entram em período de diminuição gradual e desequilíbrio de seus níveis de produção e atividade. Ao lado da adolescência e da gravidez, esse período é de marcantes transformações e a mulher tem de lidar com questões ligadas ao físico, ao psicológico e ao social. "A discrepância entre a importância do climatério e da menopausa na vida de uma mulher e a atenção que esse período recebe da mídia e dos profissionais das áreas sociais e de saúde é absurda", observa Selma. As publicações sobre o assunto são poucas e na maioria delas pesa a conotação de que a menopausa é um período de
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perda e aproximação da morte. "Como existem muito poucos estudos sobre a experiência interna de mulheres durante a menopausa, pareceu-me fundamental que essas experiências fossem relatadas e definidas pelas próprias mulheres, ao invés de escutarmos ou lermos de médicos e especialistas o que deveríamos sentir ou experienciar", diz. Assim, reuniu 30 brasileiras de nível universitário e, para conduzir o trabalho, fundamentouse no conceito de "conscientização criativa" da Gestalt terapia: "Tornar-se consciente no sentido de tornar transparente a realidade dos valores, mitos e imaginário social, assim como de suas internalizações, é um modo de trazer à luz crenças arraigadas e questioná-las, uma maneira de desconstruir e possibilitar uma reconstrução mais positiva da complexa rede de interações psicossociais que se estabelece entre cada mulher e o grupo a que pertence." As mulheres, de 43 a 57 anos e de várias profissões, foram entrevistadas pela psicoterapeuta - que reproduz grande parte de seus depoimentos - e participaram de workshops nos quais trocaram experiências, entre outros temas, sobre reposição hormonal, sexualidade, relações familiares, medos e conquistas e, ao final, expressaram o que sentiam em desenhos e textos poéticos. A conclusão a que chegou Selma, é de que embora a mitologia da contracultura estivesse muito presente na vida das participantes, a maioria sabia pouco sobre a fase de climatério e menopausa e "o silêncio, a vergonha e o preconceito social eram bastante persistentes em seu depoimento", situação a se combater pelo esclarecimento.
é jornalista e poeta, autora de "In ventário da Solidão" (Giordano).
L u fZA M ENDES F URIA
LANÇAMENTOS
REVISTAS
Natureza em Boiões Um digno representante da chamada "história das mentalidades" aplicado às ciências. Escrito por Vera Regina Beltrão Marques, doutora em História Social pela Unicamp (que, aliás, edita o livro) e professora de História da Educação na Universidade Federal do Pará, "Natureza em Boiões" dá voz aos boticários da colônia setecentista, trazendo à luz o seu trabalho experimental com a fauna e a flora exuberante de então, fonte de matéria-prima de suas loções e remédios. É um retrato da cura por meio direto da manipulação curiosa (e sábia) da Natureza. Baseado em extensa pesquisa.
Interface A revista de Comunicação, Saúde e Educação da Fundação UNI-Botucatu/Unesp traz no número 6os seguintes ensaios: Arte, Técnica e Indústria Cultural, de Ari Fernando Maia; Uma Discussão do Papel da Tecnologia na Práxis, de Alfredo Pereira jr.; Política de Saúde no Brasil e Estratégias Regulatórias em Ambiente de Mudanças Tecnológicas, de José Mendes Ribeiro, Nilson Rosário da Costa e Pedro Luís Barros Silva; Entre o Funcional e o Lúdico: a Camisinha nas Campanhas de Prevenção de aids, de Mônica Benfica Marinho.
Arte e Cultura da América latina
Galeria de Curiosidades Médicas Lançamento da Editora Record e escrito por Jan Bondenson, Ph.D. em medicina experimental. O professor dá diagnósticos médicos atuais às chamadas "aberrações" médicas da história. jan Bondeson Entre os casos, estão: Mary Toft, a inglesa que ficou famosa por "ter dado à luz" a 17 coelhos e Julia Pastrana, a índia mexicana cujo corpo coberto de pêlos deu a ela o apelido de "mulher-macaco", condenada a ser exibida em feiras. Há um arsenal de estranhezas, mas o fim de Bondenson é mostrar como o homem via o diverso.
A Sociedade Científica de Estudos da Arte, com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (FAPESP), lança o número 1, volume VII, dessa publicação que pretende abrir um canal de comunicação entre cientistas sociais e pesquisadores de cultura, em especial, a de raízes latino-americanas. Neste número, o foco está centrado nas questões da identidade latino-america como produtóra e consumidora de arte. Entre os ensaios: Narrativas de Final de Milênio na América Latina, de Graciela Ravetti; e Conceitos Sociais e Cotidianos no Jogo Teatral, de Ricardo Japiassu.
Cidadania Ambiental Com o subtítulo de "Novos Direitos no Brasil", Solange S. Silva-Sánchez, do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, traz em seu livro, lançamento conjunto da Anablume e Humanitas (FFLCH/USP), uma boa discussão sobre as mudanças na condução da questão ambiental no Brasil. O texto mostra como as propostas do movimento ambientalista vêm (ou não) sendo assimiladas pela nossa cultura, trazendo o novo conceito de "cidadania ambiental". Mas a autora alerta: não basta entender a importância da preservação e os direitos das novas gerações a um meio ambiente limpo. É preciso pôr em prática essa cultura.
C IÊNCIA &EDUCAÇÃO
Ciência e Educação
Este é o volume 6, número 1, da publicação editada pela Unesp. A revista abre-se com dois ensaios dedicados às questões do aprendizado (O Trabalho em Grupos no Laboratório Didático e A Sobrevivência do Alternativo, este último sobre os alunos de Engenharias e Matemática). Há também artigos dedicados aos docentes como em Expectativas sobre o Desempenho do Professor de Física e Formação Permanente: a Necessidade da Interação entre a Ciência dos Cientistas e a Ciência da Sala de Aula. E também o ensaio Corpo, Comunicação e Educação. PESQUISA FAPESP · OUTUBRO OE 2000 • 69
E FINA S ORLANDO
E então, senhor Da Vinci, conseguiu inventar o helicóptero?
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Não, inventei o cortador de grama.
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