Os caminhos do cérebro

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32 Lesões iguais, mas com causas distintas, levam o cérebro a se reorganizar de forma diferente

EDITORIAL ••••••••••••••••••• • •••••• 5 MEMÓRIA ••••••••••••••••••••••• • ••• 6 OPINIÃO ••••• • ••••••••••••••••••••• • 9 POLITICA CIENTIFICA ETECNOLÓGICA .................... 1O ESTRATÉGIAS .... . ..... . .. . ......... . .. 1O

CONFLITO ENTRE EMPRESA E UNIVERSIDADE ............ .. ........ 17 A CONFERtNCIA DE C&T .. ............. 18 ENTREVISTA COM RUY ALTENFELDER . .. . .. . . . •. . .. . . . .. . . 20 OS 50 ANOS DA CAPES . ... ...... . . . ... 21 DEBATE SOBRE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA .... . .... . .. . 22 REUNIÃO DA SBPC EM SALVADOR . . . .. . 26 CIÊNCIA .•.•..•• • •• • •••..•.••••••• • 30

LABORATÓRIO ........................ 30 ESTUDO DA AORTA AVANÇA .. . ..... . .. 38 PLANTA CONTRA TUBERCULOSE . . . .. . . . 40

14 Índice de Realização Tecnológica avalia criação, utilização e difusão de tecnologia em 72 países e sugere medidas para estimular investimentos na busca de soluções para regiões em desenvolvimento

56 Tecnologia recupera e moderniza mais de uma centena de empresas do pólo cerâmico de Porto Ferreira

BIODIVERSIDADE DISPONIVEL NA WEB ..... .. . . .. . . . .... . 46 NOVO ESTUDO SOBRE EVOLUÇÃO .... . . 49 EM BUSCA DO PRIMEIRO AMERICANO .... . .. •.. •.. .... 50 TECNOLOGIA •••••••••••••••••••••• 54 LINHA DE PRODUÇÃO .. .. ..... . ....... 54

PARCERIA CRIA EUCALIPTO TRANSGÊNICO .... . .. . . . .. . ... . .. . .... 60 NOVO COMPOSTO PARA INDÚSTRIA DE CELULOSE . . ............ 65 METAIS POLUEM CAMPINAS . ........... 67 HUMANIDADES •••••••••••••••••••• 70

A GUANABARA NO BRASIL COLONIAL ..... •.. •. . ....... 74 MILTON SANTOS . ...................... 77 PRECISA-SE DE MATEMÁTICOS .......... 78 LIVROS •••••• • ••••••••••••••••••••• 80 LANÇAMENTOS •••••••••••••••••••• 81 ARTE FINAL •••••••••••••••• • ••••••• 82 Capa: Hélio de Almeida, sobre foto de SPUStock Photos

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Modelo matemático descreve como o código genético se formou e ajuda a desvendar a origem dos seres vivos

Filósofo da USP faz uma rigorosa tradução da mais polêmica obra de Galileu para o português PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 3


CARTAS Sugestão

referenciais. Parabenizo todos os componentes dessa notável equipe.

Talvez seja lugar-comum elogiar o belíssimo trabalho realizado pela equipe, mas vou correr o risco e insistir na afirmativa de que a revista Pesquisa FAPESP é de excelente nível, contribui, e muito, na divulgação do ótimo trabalho que há muito tempo esta Fundação realiza em prol do desenvolvimento científico e tecnológico deste país tão sem (ou quem sabe com muito poucas) prioridades para com a ciência. É sabido que a FAPESP não nasceu grande como é hoje: foram muitas as lutas para chegar a este ponto e que deverá, com certeza, continuar crescendo. Assim, reitero os meus cumprimentos. O segundo motivo desta carta é fazer uma sugestão. Vou utilizar como exemplo o número 64 (maio). Na seção Memória, na qual é feita a justa homenagem ao cosmonauta russo Yuri Gagarin. Gostaria de ler mais a respeito desse lendário personagem da história espacial e confesso que não tenho tido oportunidade de ter acesso sobre publicações que falem um pouco mais sobre ele. Destarte, sugiro que nesses casos ou naqueles em que isto couber, seja colocado no final da reportagem as principais (ou aquelas utilizadas para a dita cuja) fontes bibliográficas sobre o assunto. ERI VELTO GOULART

Universidade Estadual de Maringá Maringá, PR

ADILSON CEZAR

Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Sorocaba Sorocaba, SP

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pleto. A partir daí, se o pesquisador é do sexo masculino ele é sempre citado pelo sobrenome; se é do sexo feminino ela é sempre citada pelo primeiro nome. Isso ocorre tanto para citação feita no texto quanto para citação feita no título de alguma foto. Gostaria de saber o porque dessa diferenciação, se é que existe alguma explicação lógica. A TENCIOSAMENTE

Inez Staciarini Batista São José dos Campos, SP

Uma das maiores motivações da pesquisa científica e tecnológica da Odontologia é atingir o anseio da sociedade produzindo benefícios na qualidade de vida. Com referência ao desenho publicado na seção Arte Final do no 65 de Pesquisa FAPESP, esclareço que inúmeras são as maneiras de fazer humor e esta, defini.tivamente, não foi a melhor. }OSÉ L UIZ L ACE-MARQUES

Presidente do Conselho Diretor da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica São Paulo, SP

Nome e sobrenome

Nota da Redação: Esta é uma prática comum em toda a imprensa brasileira porque a mulher é normalmente conhecida pelo prenome, induse as famosas como Ruth (Cardoso), Marta (Suplicy) e Hebe (Camargo). As exceções ocorrem quando o sobrenome torna-se mais notório que o prenome, como Thatcher (Margareth), por exemplo.

Rede estrutural Na lista dos laboratórios selecionados para a Rede de Biologia Molecular Estrutural (SMOLBnet), foi omitida a participação do nosso laboratório, que pertence ao Departamento de Genética Médica, da Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). TSCIA L O PES CE DES

Departamento de Genética Médica FCM/Unicamp Campinas, SP

Cumprimentos

Recebo regularmente Pesquisa FAPESP e parabenizo a equipe pelo

Correção

Com grata satisfação, recebi o exemplar no 62 de Pesquisa FAPESP. Acredito serem iniciativas como essa, de produzir uma revista de grande conteúdo cultural e científico como a Pesquisa FAPESP, que realmente contribui à construção e dignificação do homem, auxiliando-o a tornar-se um elemento útil a sua comunidade, por lhe fornecer

excelente trabalho que vem fazendo em relação à qualidade das matérias publicadas. Já há algum tempo observei um comportamento sistemático em relação ao tratamento diferenciado dado aos pesquisadores do sexo feminino e do sexo masculino. Na primeira vez em que um pesquisador é citado em uma reportagem, sempre aparece o seu nome com-

Na lista com os 16 laboratórios selecionados para a Rede de Biologia Molecular Estrutural (SMOLBnet), publicada no no 65 de Pesquisa FAPESP, a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), de Araraguara, foi erroneamente trocada pelo Instituto de Química da mesma universidade.

4 • JULHO DE2001 • PESQUISA FAPESP


• Pesqu1sa

EDITORIAL

Do cérebro, da ciência e da inovação

PESQUISA FAPESP t UMA PUBLICAÇÃO MENSAL DA FUNDAÇÃO DE AMPARO A PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVA NSI DE ABREU ALA IN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQU E DE BRITO CRUZ FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO FLÁVIO FAVA DE MORAES JOSt JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO MOHAMED KH EDER ZEYN NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO T~CNICO-ADMINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROM EU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR.JOSt FE RNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RESPONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROM EU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. DR. JOSt FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENH AS NELDSON MARCOLI N EDITOR DE ARTE Htu O DE ALM EI DA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CitNCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLITICA C&D MARCOS DE OLIVEI RA (TECNOLOGIA) LUIZ FERNANDO VITRAL (ENCARTES) EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO REPÓRTER ESPECIAL MARCOS PIVffiA ARTE JOSt ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÃO) TÂN IA MARIA DOS SA NTOS (DIAGRAMAÇÃO EPRODUÇÃO GRÁFICA) FOTóGRAFOS EDUARDO CESAR MIGU EL BOYAYAN COLABORADORES AFONSO CAPELAS CARLOS TAVAR ES FABIANO GRECCO SUZEL TUN ES TADEU ARANTES TÂNIA MARQUES RE NATA SARAIVA FOTOLITOS GRAPHBOX-(ARAN IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRI AS GRÁFICAS S.A. TI RAGEM: 24.000 EX EMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N° 1500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA- SÃO PAULO- SP TEL (O- 11) 3838-4000- FAX:(O- 11) 3838-41 81 SITE DA REVISTA PESQUI SA: http://www.revistapesquisa.fapesp.br ca rtas@trieste.fapesp.br redacao@trieste.fapesp.br

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA A REPRODUÇAO TOTAL OU PARCIAL DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA A~TORIZAÇÀO

SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

nvestigações sobre o cérebro humano e novos conhecimentos daí decorrentes são, com freqüência, fascinantes para quem acompanha com interesse temas científicos- talvez pela razão simples de ser bemvinda toda pista que nos ajude a compreender porque afinal somos como somos. Na medida em que o cérebro, até prova em contrário, é a base física em que se radicam nossos pensamentos e emoções, nossos talentos criativos e reflexivos, nossos sonhos e angústias, nossa formidável capacidade de criar cultura e civilização e, às vezes, também de tentar destruí-las em síntese, como tomamos o cérebro, fisicamente, como o lugar de tudo aquilo que mais fortemente assinala a singularidade do humano em meio ao reino animal-, qualquer pequeno passo rumo à compreensão da fisiologia e das disfunções cerebrais parece nos aproximar do anseio, afinal nunca realizado, de decifração do enigma humano. É certamente um desses passos que a reportagem de capa desta edição de Pesquisa FAPESP propõe, a partir da página 32. Ela tr,ílta de uma pesquisa que demonstra que o cérebro é capaz de identificar se a morte de um mesmo grupo de neurônios decorreu de uma atividade elétrica anormal nessas células ou do entupimento de uma das artérias que irrigam o órgão e, a partir daí, fazer diferentes rearranjos neuronais, originando enfermidades com características bem distintas: epilepsia ou derrame. Esse resultado, uma espécie de memória da causa original da agressão a um grupo de neurônios, joga luz sobre um mistério que há tempos vinha intrigando os neurologistas, qual seja, por que dois cérebros com lesões praticamente idênticas podem desenvolver doenças diferentes. Em campo muito diferente, resultados econômicos estimulantes do in-

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vestimenta em inovação tecnológica são mostrados, a partir da página 56, na reportagem sobre a recuperação e modernização de 108 empresas do pólo cerâmico de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, conseguidas com o apoio do Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) que são apoiados pela FAPESP desde o ano passado. Saindo da Tecnologia para as Humanidades, uma entrevista (página 70) com o autor de uma rigorosa e exaustivamente comentada tradução para o português da mais polêmica obra de Galileu - Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo permite um mergulho filosoficamente orientado nos fundamentos da ciência moderna e na saudável atitude de desafio à ciosa autoridade da Igreja que os criadores dessa ciência tiveram que adotar para que ela se estabelecesse. No âmbito da Política Científica e Tecnológica, esta edição da revista dá notícia da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação que o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Academia Brasileira de Ciências coordenam, em Brasília, entre os dias 18 e 21 de setembro. O evento nacional, cujo propósito é definir diretrizes e estratégias para o setor, para os próximos dez anos, será precedido por reuniões regionais nos dias 16 e 17 de agosto, entre as quais a Conferência Regional de São Paulo, que deverá apresentar uma série de proposições para o debate e o plano nacional. Finalmente, algumas novidades que se apresentam logo na capa desta edição: uma mudança no logotipo da revista, dando seguimento ao aperfeiçoamento de seu projeto gráfico e o endereço do site novo de Pesquisa FAPESP. PESQUISA FAPESP · JULHODE2001 • 5


MEMÓRIA

140 anos de uma injustiça Máquina de escrever foi inventada por padre paraibano, mas patenteada por estrangeiro

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urante a Exposição Nacional, no Rio de Janeiro, em 1861, os cariocas se espantaram com uma máquina diferente, na qual era possível imprimir sinais taquigráficos apenas pressionando teclas. O invento ficou exposto por 44 dias e foi um dos nove premiados com uma medalha de ouro, entre 1.136 participantes. O padre paraibano Francisco João de Azevedo (18141880), inventor da máquina taquigráfica, terminou por transformá-la, com simples modificações, em máquina de escrever. Mas quem levou a fama e a patente foi o inventor norte-americano Christopher Latham Sholes. E Azevedo entrou para a galeria de inventores injustiçados, como Santos Dumont (avião) e Landel de Moura (rádio).

Pioneira- A máquina de Azevedo tinha 16 teclas que imprimiam as letras em uma tira de papel

6 · JULHO DE2001 • PESQUISA FAPESP


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, Origem- Azevedo (acima, num auto-retrato) radicou-se no Recife, onde foi professor e inventor. Segundo um de seus biógrafos, Ataliba Nogueira, ele queria que a ciência servisse de "guia à prática racional dos oficios"

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ntre junho e dezembro 1872, um estrange1ro, provavelmente norte-americano, levou o protótipo da máquina de Francisco João de Azevedo para o exterior. O padre teria sido dissuadido a deixar levarem o protótipo com a promessa de que havia pessoas interessadas em fabricá-lo. Em março de 1875, Christopher Latham Sholes apresentou como seu um modelo praticamente idêntico (foto à dir.) à máquina brasileira para os armeiros Remington, que a industrializaram.

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Coincidência- A máquina de Sholes apresentada

à casa Remington em 1873: até o pedal é igual

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ntes de Francisco João de Azevedo, há relatos sobre outras tentativas de se construir máquinas de escrever, em 1714 e 1833.Adiferença é que o modelo brasileiro foi o primeiro a funcionar. Azevedo criou seu invento no Arsenal de Guerra de Pernambuco, no Recife, oficina onde se fabricavam equipamentos para o Exército. O padre construiu a máquina taquigráfica pensando em algo prático para registrar discursos e debates orais rapidamente. Em seguida, transformou-a em uma máquina de escrever. Seu desejo era levá-la à Exposição de Londres, em 1862, mas a comissão encarregada vetou o projeto, alegando que não havia mais espaço no pavilhão brasileiro.

PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 7


o www.scielo. br

As publicações científicas brasileiras estão ao alcance de suas mãos. Não importa em que parte do mundo você esteja SciELO - Scientific Electronic Library Online é uma biblioteca de revistas científicas disponível na Internet. Uma biblioteca virtual que reúne 58 publicações científicas brasileiras. Sua interface permite o acesso fácil aos textos completos de artigos científicos, por meio das tabelas de conteúdos dos números individuais das revistas ou da recuperação de textos por nome de autor, palavras-chaves, palavras do título ou do resumo. A SciELO publica também relatórios atualizados do uso e do impacto da coleção e dos títulos individuais das revistas. Os artigos são enriquecidos com enlaces dinâmicos a bases de dados bibliográficas nacionais e internacionais e à Plataforma Lattes no CNPq. SciELO é produto do projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos brasileiros, iniciado em 1997, com o objetivo de tornar mais visível, mais acessível e incentivar a consulta das mais conceituadas revistas científicas brasileiras. Em 1998, a coleção SciELO Brasil passa a operar normalmente na Internet e projeta-se rapidamente como modelo de publicação eletrônica de revistas científicas para países em desenvolvimento, em particular da América Latina e Caribe. Ainda em 1998, o modelo é adotado pelo Chile e em 1999 começa a operar a coleção SciELO Saúde Pública, com as melhores revistas científicas de saúde pública ibero-americanas. Outros países estão em processo de incorporar-se à rede de coleções SciELO. O modelo SciELO destaca e valoriza a comunicação científica brasileira. Ao mesmo tempo, proporciona mecanismos inéditos de avaliação de uso e de impacto das nossas revistas científicas, em consonância com os principais índices internacionais de produção científica.

Adote a SciELO como sua biblioteca científica.

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GOV ERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

BIREME I OPAS I OMS

www . fa pesp . br


OPINIÃO

ISAIAS RAW

Papel das empresas públicas na saúde Financiamento é fundamental para transformar tecnologia em produto oferecendo (como no caso dos medicamentos s novas iniciativas da FAPESP, ao promover contra Aids) preços "de favor", a cerca de 10% dos o desenvolvimento tecnológico na universidade, são fundamentais para o país e para preços que pratica no Hemisfério Norte. Quanto as próprias universidades que têm procurado didurará esse programa? Provavelmente até o últirecionar parte de suas atividades para prioridades mo produtor público fechar as portas ... do Brasil, criando produtos e empregos. Hoje o Brasil produz cerca de 80% das vacinas O setor de saúde é um caso especial. Pasteur que distribui gratuitamente para recém-nascidos e idosos. Dessas, o Butantan fabrica 75% das doconcebeu o instituto para pesquisa e produção, garantindo que a pesquisa se transformasse em ses (DTP, difteria-tétano, hepatite B, BCG, raiva produto para atender à sociedade. em cultura celular), e a Fundação Esse é o modelo centenário que foi Oswaldo Cruz (Fiocruz), 24% (saimplantado no Instituto Butantan, rampo, febre amarela), o restante hoje revitalizado. Desde 1985, o corre por conta do Instituto de TecMinistério da Saúde investiu cerca nologia do Paraná e da Fundação "Desenvolvi menta Ataulfo Paiva. Quando a vacinação de US$ 150 milhões na produção tecnológico de soros e vacinas. Foi o Butantan dos idosos começou a ser aplicada, feito no Butantan que, ao receber cerca de US$ 40 mio Butantan respondeu com 48 mié diferente lhões de investimento da Fundação lhões de doses de difteria-tétano e daquele realizado Nacional de Saúde (Funasa), deacertou a transferência de tecnologia monstrou que não se tratava apepara produzir 14 milhões de dose na universidade, nas de renovar a infra-estrutura, contra influenza. Trocou a compra mas investir no desenvolvimento de três anos de vacina a ser envazatecnológico. Esse desenvolvimento da pela tecnologia nacional, com é diferente daquele feito na univereconomia de US$ 30 milhões por sidade: não basta desenvolver a tecano! Produzirá a vacina em 2003 e nologia de bancada, mas traduzi-la a utilizará como base para uma nova vacina. Com a Fiocruz, está lannum processo de produção que atenda às exigências de Boas Prátiçando a vacina DTP-hemóflios b e, cas de Manufatura para produzir com consistênno próximo ano, a DTP-hepatite B-hemóflios b. cia e a custos compatíveis com os recursos dispoAs empresas farmacêuticas, pública e privada, níveis no Ministério da Saúde. são indústrias de manipulação, sem tradição de Usando auxílios de dezenas de projetas finanprodução da matéria-prima por síntese e sem exciados pela FAPESP e outras agências, o Butantan periência no produto biológico. Na atual conjunfoi reconhecido pela Organização Mundial de tura não serão a resposta para criação de uma inSaúde como um dos laboratórios com o melhor e dústria utilizando tecnologia desenvolvida no maior número de plantas de escalonamento. Nepaís. É, portanto, fundamental o apoio da FAPESP nhum outro produtor público teve o mesmo tipo a projetas de desenvolvimento tecnológico no Bude estratégia e, dos 17 institutos que faziam parte tantan e de aproveitamento de projetas de bancado projeto, o número vem decrescendo ano a ano. da das universidades, que só em institutos como o Não apenas os pequenos produtores públicos naButantan chegarão a produto. cionais foram desaparecendo, mas praticamente todos os institutos do tipo Pasteur dos países em desenvolvimento. A macroindústria de vacinas, ! SAIAS RAw é diretor do in stituto Butantan hoje concentrada em cinco empresas, respondeu de São Paulo

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PESQUISA FAPESP · JULHO DE2001 • 9


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

-~·-· ESTRATÉGIAS . .. ~-·.....,_

Estudo com embriões vira dilema nos Estados Unidos O uso de dinheiro público na pesquisa com embriões humanos divide os Estados Unidos. De um lado, grupos religiosos e de casais com problemas de fertilidade se opõem a esse tipo de pesquisa. Os argumentos religiosos, segundos os quais em qualquer fase o embrião já é um ser humano, são conhecidos. Os casais inférteis se beneficiam da implantação no útero da mulher de embriões obtidos de outra. Do outro lado, estão pais de crianças doentes, que julgam poder curá-las com o avanço das pesquisas com as células-

• O real perigo que vem do céu O verdadeiro risco que virá do espaço não são meteoros gigantes ou bactérias intergalácticas, mas satélites movidos por reatores nucleares e pilhas de plutônio. Hoje existem 56 deles com essas características na órbita da Terra, todos lançados entre 1961 e 1988. "Há cerca de uma tonelada de combustível nuclear no espaço e 1.600 quilos de material radioativo dos reatares", disse ao jornal El País Miguel Belló-Mora, do Grupo Assessor de Dejetos Espaciais, da Agência Espacial Européia. Na época em que foram construídos, a tecno- · logia não era tão avançada e exigia muita energia, difícil de ser fornecida pelos painéis solares. Esses satélites vêm perdendo altura e estima-se que a maioria caia em 20 anos. O problema é que os 1O • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Células-tronco: discussão vai da Casa Branca ao Vaticano tronco - das quais derivam todas as demais células -, obtidas de embriões vivos. O

reatores são blindados e não se destroem no atrito com o ar. Já ocorreram episódios graves no passado com artefatos desse tipo, como em 1978. Nesse ano, o satélite soviético Cosmos 954 caiu na Terra com um gerador nuclear, que não se queimou ao entrar na atmosfera e liberou uma espécie de chuva radioa-

debate chegou à Casa Branca, deixando o governo federal indeciso sobre financiar

tiva de 2 mil quilômetros de extensão. Por pura sorte, o fato ocorreu no norte do Canadá, uma região praticamente desabitada. Para evitar surpresas, a Agência Internacional de Energia Atômica monitora a órl;>ita terrestre para agir quando algum desses artefatos estiver para re• entrar na Terra.

Satélite em construção: hoje, painéis solares garantem energia

ou não tais pesquisas, o que é proibido pelo Congresso desde 1995. O custo delas, segundo o especialista John Gearhart, da Universidade John Hopkins, atingiria cerca de US$ 100 milhões em cinco anos. A questão também agita os congressistas, divididos entre dois argumentos básicos, que se apóiam diferentemente na preservação de vidas humanas. Até o papa João Paulo II entrou na briga e pediu para o presidente norte-americano, George Bush, proibir definitivamente pesquisas com células-tronco. •

• Reciclagem à japonesa Uma nova lei no Japão proíbe que certos eletrodomésticos usados- televisores, refrigeradores, condicionadores de ar e máquinas de lavar sejam simplesmente jogados fora. Desde que a lei entrou em vigor, em abril, eles devem ser entregues aos fabricantes, para desmonte e reciclagem. Brevemente, a lei será estendida a carros, computadores e fornos de microondas. O problema é que o consumidor tem de pagar a conta de duas taxas, uma para o transportador e outra para o fabricante e a soma delas pode chegar a US$ 66. Por isso, na região de Tóquio, longas filas daqueles eletrodomésticos vêm se acumulando à beira de estradas e parques, largados por consumidores que preferem correr o risco de prisão a pagar as


Lançamento na web Pesquisa FAPESP ganha um si te exclusivo, com tudo

o que a revista impressa tem e algumas novidades

taxas. Outro efeito da lei foi a intensificação do comércio de bens usados via Internet e em feiras ao ar livre nos fins de semana- o que contraria a tradicional aversão dos japoneses pelo que é velho. Aproveitando a tendência, as grandes redes nacionais de varejo abriram lojas especializadas em artigos de segunda mão, que também compram artigos usados dos clientes. •

• Clonagem humana está em andamento Uma empresa de Worcester, Estados Unidos, iniciou um programa inédito de clonagem e fertilização de células humanas. Segundo informou The Boston Globe, o trabalho vem sendo feito há pelo menos um ano. A idéia é im-

plantar o DNA de doadores em células de óvulos humanos que poderão vir a se transformar em embriões. Michael West, o presidente da empresa que realiza o programa, a Advanced Cell Technology, confirmou a informação, mas se recusou a dizer se os testes já foram realizados. "Anunciaremos os resultados das pesquisas em uma publicação científica'; informou. Ele afirmou também que o objetivo da empresa é criar novos tratamentos médicos para doenças. Como era de se esperar, a confirmação de West provocou críticas sobre a questão ética de todos os lados. Mas os pesquisadores da Advanced dizem estar convencidos que trabalham em nome do avanço da medicina. •

• Biodiversidade ganha fôlego Os 161 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) fecharam no começo de julho um acordo para tentar preservar a biodiversidade do planeta. Dessa vez, os Estados Unidos aceitaram participar ativamente o governo vai subvencionar agricultores e geneticistas em troca de bancos públicos de sementes. Esses bancos vão facilitar as pesquisas sobre variedades de plantas com resistência a pragas e variações de temperatura. •

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www.revistapesquisa.fapesp.br

A revista Pesquisa FAPESP tem agora um site feito sob medida para os leitores que precisam fazer pesquisas rápidas ou que estão longe de São Paulo, sem a possibilidade de conseguir um exemplar em papel. Até julho, a revista tinha suas edições reproduzidas apenas dentro do site da FAPESP (www.fapesp.br). Agora, a publicação já tem uma morada exclusiva, com serviços como programa de busca, informações da Fundação para os pesquisadores financiados por ela, links para outras revistas científicas e instituições de pesquisa de todo o mundo e um banco de dados com todas as edições anteriores, incluindo as versões em inglês e espanhol. Criado pelo jornalista Heitor Shimizu, no site será mais fácil enviar sugestões e críticas e achar informações sobre a ciência e tecnologia produzida no Brasil e, em especial, em São Paulo. Como o trabalho apenas começou, as edições antigas da revista estão sendo colocadas on-Jine aos poucos, de acordo com as condições técnicas disponíveis. Também as versões em inglês e espanhol serão levadas ao ar assim que estiverem prontas.

PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 11


O superarmazém de vacinas da Fiocruz O Brasil aumentou sua capacidade de armazenamento de vacinas com o novo centro de Bio-Manguinhos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que começou a funcionar em julho. A unidade desenvolve vacinas e reativos para testes de diagnóstico e agora poderá estocar 25 milhões de doses. O investimento do Ministério da Saúde na obra foi de R$ 1,2 milhão: são três grandes câmaras frigoríficas, que podem guardar imunizantes a temperaturas entre 20 graus centígrados negativos e 4 graus centígrados, de acordo com as normas da Organização Mundial de Saúde. BioManguinhos também começa a fabricar este ano a vacina contra rubéola, a dupla viral (sarampo e ru-

• Programa Institutos do Milênio avança Foram pré-selecionados 57 projetos de pesquisa entre 206 inscritos no primeiro edital do Programa Institutos do Milênio. O programa foi criado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) para estimular a formação de redes de pesquisa entre laboratórios de todo o país de modo a produzir conhecimento de ponta juntos, sem a necessidade de se construir infra-estrutura física. Ou seja, serão utilizados os recursos de informática e comunicação já instalados. A seleção final dos 20 projetos (escolhidos entre os 57), que receberão R$ 60 milhões, ocorrerá em outubro. Outros R$ 30 milhões 12 • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Vacinas de Bio-Manguinhos: investimento de RS 1,2 milhão

béola), a tetravalente (contra difteria, tétano, coqueluche e Haemophillus injluenzae), além das tradicionais contra febre amarela, poliomielite, sarampo, meningites A e C e o imunizante HiB do tipo b. A produção no ano passado foi de 100 milhões de doses de vacinas e 2 milhões de tes-

abrangerão estudos voltados apenas para o Norte e Nordeste. A seleção está sendo conduzida pelo MCT e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - até 2003, o ministério investirá R$ 90 milhões no programa. Na pré-seleção, a Universidade de São Paulo foi a campeã de projetos aprovados, 13 no total, seguida pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com nove, da Fundação Oswaldo Cruz e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com quatro cada. O ministério quer criar também Institutos do Milênio induzidos, que diferem dos projetos escolhidos por meio de concorrência. O diferencial do modelo induzido é que ele

tes para diagnósticos de doenças. Bio-Manguinhos deve, ainda, ganhar em breve o Centro de Produção de Antígenos Virais e o Centro de Controle e Garantia de Qualidade, que terão investimentos de R$ 35 milhões. As obras começaram em julho e devem estar concluídas em três anos. •

concentra o foco em tema considerado prioritário pelo MCT. Já foram definidas quatro áreas que devem receber recursos: Popularização da Ciência e Divulgação Científica, Estudos sobre o SemiÁrido, Oceanografia e Amazônia. A previsão é dar R$ 3 milhões para essas atividades por três anos. •

• Banco de sementes para a caatinga A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) está começando a distribuir 4 mil sementes para recompor a flora de 60 hectares da caatinga na divisa dos Estados de Sergipe com Alagoas. A região foi degradada pela construção da Hidrelétrica de Xingó, entre 1987 e 1994, e pela atividade extrativista da população local. A Chesf instalou um banco de sementes de plantas da caatinga com a ajuda dos pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufa!). "Queremos melhorar a germinação e distribuir material para as comunidades poderem plantar com maior chance de sucesso", diz o coordenador do projeto, o engenheiro Ronaldo Jucá, da Chesf. O banco genético e o viveiro de mudas funcionam na cidade de Piranhas, Alagoas. Além de serem usadas na reparação dos danos ambientais de Xingó, também abastecem as prefeituras e moradores de toda a região. As comunidades de Mato da Onça, Xocós e Massapê já receberam as sementes. "As mudas são usadas também nas atividades de educação ambiental que a Chesf promove na área", afirma Ronaldo Jucá. •


dos circuitos eletrônicos", diz Daniel Ugarte, pesquisador do LNLS. A competição no setor é grande - só os Estados Unidos devem investir US$ 495 milhões este ano. Mais informações sobre as linhas de financiamento de projetos nessa área no site do CNPq (www.cnpq.br). •

• Faperj e Vital Brazil fabricarão genéricos A Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e o Instituto Vital Brazil (IVB), ligado à Secretaria de Saúde do Rio, fecharam um termo de cooperação para fabricar dez tipos de medicamentos genéricos. O instituto conseguirá reduzir os custos de produção de sua linha de remédios, que servem os hospitais estaduais e prefeituras dos 92 municípios do Rio. Se fossem vendidos, os medicamentos chegariam à farmácia 45o/o mais baratos que os de marca. O acordo faz parte do Programa de Apoio às Entidades Estaduais da Faperj, que tem o objetivo de capacitar tecnologicamente os órgãos científicos do Estado fluminense, entre eles a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade Estadual do Norte Fluminense. A fundação vai repassar para o instituto R$ 815 mil para serem utilizados em testes de bioequivalência e de biodisponibilidade em dez remédios já produzidos pelo IVB para torná-los genéricos. Os exames são exigidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para verificar a equivalência entre o genérico e o remédio de marca e avaliar as reações que provoca no organismo. Os testes devem estar concluídos entre seis e oito meses. Os dez medicamentos fazem parte de uma lista de 17 itens produzidos pelo IVB para o programa O Rio tem Remédio. Até o primeiro semestre de 2002, o instituto deve receber um total de R$ 4 milhões da Faperj. Os recursos serão também utilizados para reestruturar os laboratórios do Estado. •

Fio nanométrico de ouro: apenas cinco camadas de átomos

• Investimento no mundo das moléculas O Ministério da Ciência e Tecnologia e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) decidiram investir em nanociência e nanotecnologia- a habilidade de trabalhar átomo por átomo, para criar grandes estruturas com organização fundamentalmente molecular (um nanômetro corresponde a um bilionésimo de metro). As novas linhas de financiamento prevêem a implantação de redes de pesquisa em três áreas: materiais nanoestruturados,

nanobiotecnologia/nanoquímica e nanodispositivos. As aplicações já são visíveis em produtos da área de medicina, nos cosméticos, nas indústrias automobilística, aeronáutica e espacial. O Laboratório de Microscopia Eletrônica do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) tem extenso trabalho na área. A foto acima, por exemplo, é um fio nanométrico de ouro formado por apenas cinco camadas atômicas, com um diâmetro igual à milionésima parte do milímetro. "O tipo de pesquisa feita com esse fio pode ter importantes conseqüências na constante miniaturização

• Prêmio para Ubiratan D'Ambrosio O professor da Universidade Estadual de Campinas Ubiratan D' Ambrosio, de 69 anos, recebeu o prêmio Kenneth O. May, a condecoração máxima atribuída a cada quatro anos pela Comissão Internacional de História da Matemática a pesquisadores que se destacam na área. Autor de numerosos livros e artigos e atual presidente da Sociedade Brasileira de História da Matemática, D' Ambrosio recebeu o prêmio na Cidade do México, durante o 21 o Congresso Internacional de História da • Ciência, em julho.

Novos nomes no Conselho da FAPESP O presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, foi reconduzido ao Conselho Superior da Fundação, que ganhou dois novos integrantes: Carlos Vogt e Hermann Wever. Os três foram escolhidos pe- Wever: engenheiro Vogt: lingüista lo governador Geraldo Alckmin e exercerão é professor titular em Seum mandato de seis anos. mântica Língüistica da UniO físico Brito Cruz está no camp, onde foi reitor entre 1990 e 1994. Atualmente terceiro mandato na presidência da FAPESP e é dire- coordena o Laboratório de tor do Instituto de Física da Estudos Avançados em JorUniversidade Estadual de nalismo (Labjor), da mesCampinas (Unicamp). Vogt ma universidade, e é o dire-

: tor de Redação da ~ revista eletrônica § de jornalismo científico ComCiência. O engenheiro civil e eletricista Wever, formado pela Universidade Mackenzie, preside o Grupo Siemens no Brasil desde 1987. É membro do conselho da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Ministério da Ciência e Tecnologia, entre outros, além de ocupar a vice-presidência da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. •

PESQUISA FAPESP • JULHODE2001 • 13


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

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Índice de Realização Tecnológica (IRT),da ONU,avalia processos de criação, utilização e difusão de tecnologias em 72 países e sugere medidas para estimular investimentos na busca de soluções de problemas de regiões em desenvolvimento

14 • JULHO DE2001 • PESQUISA FAPESP


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Relatório do Desenvolvimento Humano 2001, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU ---~~ll!s:!Q.~;.J1;~'7t:re~~ltãa1Jpnmelra vez, um ranking do desenvolvimento tecnológico de 72 países, classificados a partir de um Índice de Realização Tecnológica (IRT). "O desenvolvimento humano e os avanços tecnológicos se reforçam mutuamente", justifica o relatório. O Brasil ficou com a 43a posição, apesar de abrigar dois dos 46 Centros Mundiais de Inovação Tecnógica um em São Paulo e outros em Campina - identificados pela revista Wired e mencionados no relatório. A Wired levou em conta a presença de universidades e centros de pesquisa de nível internacional, de empresas de alta tecnologia e disponibilidade de mão de obra qualificada, entre

outros critérios, para classificar estes centros numa escala de 4 a 16 São Paulo, obteve pontos e Campinas orçando a liderança o a1s no desenvolvimento de novas tecnologias. A ONU ressalva, no entanto, que o IRT não mede o poderio tecnológico. Leva em conta o processo de criação, utilização e, sobretudo, o de difusão de tecnologias, quesito que compromete a participação relativa de países em desenvolvimento no Índice, particularmente, a do Brasil. O IRT foi construído a partir da média ponderada de quatro indicadores: o da criação de tecnologia, medido pelo número de patentes concedidas aos residentes e pela receita externa per capita obtida com patentes e licenciamentos; o da difusão de inovações recentes, que considera o número de sites na Internet per capita e a proporção de exporta-

oes de tecnologia sobre o total das exportações do país; a difusão de inovações anteriores, que leva em conta o número de telefones fixos, celulares e o consumo de energia elétrica per capita; e o indicador de capacitação humana, que mede a escolaridade da população e a taxa bruta de matrículas nos cursos científicos de terceiro grau. Os 72 países analisados foram classificados, em função de sua posição relativa, como Líderes, Líderes Potenciais, Seguidores Dinâmicos e Marginalizados. A Finlândia obteve o primeiro lugar, encabeçando a lista de 18 países qualificados como Líderes do desenvolvimento tecnológico. Bateu os Estados Unidos, por registrar um número maior de acessos à Internet e de indivíduos com formação em ciência avançada. O Brasil ficou entre os 26 países considerados Seguidores Dinâmicos, ao PESQUISA FAPESP • JULHODE 2001 • 15


.

Índice de Realização Tecnológica

LIDERES

LIDERES POTENCIAIS

FINLÂNDIA (2 centros) ESTADOS UNIDOS (13 centros) SUÉCIA (2 centros) JAPÃO (2 centros) REPÚBLICA DA CORÉIA (1 centro) PA[SES BAIXOS REINO UNIDO (4 centros) CANADA (1 centro) AUSTRÁLIA (1 centro) SINGAPURA (1 centro) ALEMANHA (3 centros) NORUEGA (1 centro) IRLANDA (1 centro) BÉLGICA (1 centro) NOVA ZELÂNDIA ÁUSTRIA FRANÇA (2 centros) ISRAEL

ESPANHA ITÁLIA REPÚBLICA TCHECA HUNGRIA ESLOVtNIA HONG KONG (CHINA) ESLOVÁQUIA GRÉCIA PORTUGAL BULGÁRIA POLONIA MALÁSIA CROÁCIA ROMtNIA MÉXICO COSTA RICA CHIPRE CHILE ARGENTINA

lado da Índia, China, Colômbia e Irã. A Argentina, 34 3 colocada, foi alinhada aos 19 Líderes Potenciais, junto com o México. "Se o índice medisse o potencial tecnológico, o Brasil, a China e a Índia não estariam nessa posição", pondera Carlos Américo Pacheco, secretário executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. O IRT, ele diz, compara corretamente o impacto da tecnologia na qualidade de vida da população brasileira com a dos demais países. O problema são os números relativos. O Brasil registra uma média de 33,6 patentes outorgadas a residentes por milhão de habitantes e uma receita baixíssima de royalties por licenciamentos. O maior índice registrado pela ONU foi de 994 patentes por milhão de habitantes. Apesar de o relatório registrar um crescimento espetacular no número de acessos à Internet no Brasil, de 26,5 mil, em 1995, para 1,2 milhão, em 2000, o número de sites por milhão de habitantes, de algo em torno de 2.500, revela que o país ainda tem um longo caminho a percorrer antes de democratizar essa ferramenta de informação. Entre os países líderes, esse número chega a 232,4 por O preço do atraso -

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SEGUIDORES DINÂMICOS URUGUAI ÁFRICA DO SUL (1 centro) TAILÂNDIA TRINIDAD ETOBAGO PANAMÁ BRASIL (2 centros) FILIPINAS CHINA (3 centros) BOlÍVIA COLOMBIA PERU JAMAICA REP.ISLÂMICA DO IRÃ

TUN[SIA (1centro) PARAGUAI EQUADOR EL SALVADOR REP. DOMINICANA REP. ÁRABE DA S[RIA EGITO ARGÁLIA ZIMBABUE INDONÉSIA HONDURAS SRI LANKA fNDIA (1 centro)

milhão de habitantes. Um indicador contestável é o consumo de energia elétrica por habitante, de algo em torno de 2 mil kWh no Brasil, já que a demanda é, basicamente, determinada pelo clima. Os noruegueses, por exemplo, consomem 13 vezes mais eletricidade sem necessariamente serem tecnologicamente mais adiantados. "Se o critério fosse número de domícilios ligados à rede, teríamos uma melhor posição", comenta Pacheco. A participação brasileira no IRT também seria diferente se o indicador agregasse às exportações de alta tecnologia, de US$ 4 bilhões, também as exportações de soja, produto que agrega alta tecnologia agrícola, lembra Carlos Henrique de Brito Cruz, presidente da FAPESP. O Brasil ganhou pontos no quesito telefonia fixa e móvel: já atingimos a marca considerável de 425 telefones por mil habitantes. Mas perde feio no indicador que avalia a capacitação humana. Em 1999, segun-

MARGINALIZADOS NICARÁGUA PAQUISTÃO SENEGAL GANA QUtNIA NEPAL REP. DA TANZÂNIA SUDÃO MOÇAMBIQUE

do o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os brasileiros tinham em média 5,8 anos de escolaridade ante 12 anos dos países desenvolvidos. Nesse aspecto, no entanto, o relatório reflete muito mais o atraso estrutural do sistema de qualificação de recursos humanos do que o quadro atual da educação no país, segundo Pacheco. Entre 1980 e 1994, o número de matrículas nas universidade brasileiras cresceu 20%. Essa tímida expansão do número de vagas que só não provocou uma "revolução" porque a demanda no período foi pequena. Entre 1994 e 1999, a expansão do número de matrículas saltou para 43%, refletindo a expansão de 66% do ensino médio no mesmo período. "Em números absolutos, formamos 13 vezes mais doutores do que o México ou a Argentina e num terceiro grau de qualidade", observa. Nos próximos anos, prevê, da expansão a escolar idade dos brasileiros e das matrículas no terceiro grau será "brutal". O grande mérito do relatório, na visão de Pacheco, está na sua avaliação do papel da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento social. A premissa

Tecnologia e mercado -


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

básica é a de que a tecnologia é um instrumento de desenvolvimento e não apenas a sua recompensa. Ainda que uma iniciativa voltada para o mercado, ela tem que estar a serviço das necessidades da população. Além disso, as demandas dos consumidores europeus, norte-americanos e japoneses, no entanto, não correspondem necessariamente às dos consumidores dos países em desenvolvimento, e as tecnologias precisam ser adaptadas. Os investimentos na criação, adaptação e comercialização de produtos que as populações mais pobres necessitem ou possam custear acabam não ocorrendo já que o retorno é baixo e não representam uma oportunidade de mercado para o setor privado, consta no relatório. A ruptura desse círculo vicioso exige dos países em desenvolvimento políticas ativas de ciência e tecnologia e iniciativas globais que permitam, por exemplo, solucionar a carência alimentar de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo ou suprir a falta de energia elétrica de outras 3 bilhões. O relatório exorta a que se tomem pelo menos quatro medidas em nível mundial. A primeira é o estímulo aos governos, setor privado e instituições acadêmicas a somar sua capacidade de investigação, tanto nos países em desenvolvimento como por meio de colaboração internacional. A segunda diz respeito à administração dos direitos de propriedade intelectual, de forma a se obter um justo equilíbrio entre os incentivos privados e os interesses públicos. A terceira sugestão é ampliar os investimentos em tecnologia para o desenvolvimento, garantindo a criação e difusão de soluções para problemas nacionais urgentes que não tenham sido atendidos pelo mercado mundial. E, finalmente, o relatório propõe que se reforcem os apoios regionais e mundial que fomentem a capacidade tecnológica dos países em desenvolvimento. • Estímulo a investimento-

PARCERIA

Contratos xConflitos Nature comenta relatório

do Fórum que reúne empresas e universidades s contratos são instrumentos fundamentais para resolver as O tensões que comumente surgem nas parcerias de pesquisa envolvendo universidades e empresas. Pelo menos, essa é a conclusão do relatório publicado pelo Fórum de Negócios e Educação Superior dos Estados Unidos, que reúne o Conselho Americano de Educação, associação de 1.800 universidades, e a Aliança Nacional de Negócios, representante das indústrias. O estudo constata que os conflitos de interesses geralmente surgem quando professores e universidades têm participação financeira nos resultados das pesquisas. De acordo com Hank McKinnell, executivo da Pfizer, uma das principais recomendações é sustentar a colaboração em contratos que cubram todos os apectos do empreendimento. Muitas universidades e pesquisadores realizam parte significativa do projeto sem que os termos do acordo estejam completos. Segundo o editorial da revista Nature, edição 6.839, volume 411, de 14 de junho, o relatório é útil quando aponta situações "embaraçosas" em que uma universidade é pressionada a

ceder direitos a tecnologias que tiveram origem em projetas acadêmicos patrocinados por terceiros, incluindo o governo federal. De acordo com a revista, o relatório não menciona, entretanto, ocasiões em que uma companhia pressiona uma universidade que mal pode custear as altas taxas legais para explorar as ramificações. O editorial considera valiosa a sugestão de se estabelecer um prazo entre 60 e 90 dias para as empresas avaliarem o potencial de mercado de uma descoberta. Mas lamenta não constar do relatório qualquer recomendação para problemas que surgem quando pesquisadores desenvolvem técnicas que querem patentear, enquanto a empresa prefere ver esse invento amplamente utilizado. Orelatório, segundo o editorial, também pouco fala sobre a regulamentação das colaborações ou, ainda, sobre consultas públicas a respeito de melhores práticas. "A pressão pelo 'bom comportamento' está implícita nas condições de financiamento estabelecidas por agências como os Institutos Nacionais de Saúde, mas não pode proteger adequadamente o interesse público de preservar os papéis fundamentais da universidade." O relatório é bemvindo por suas visões ponderadas, avalia a Nature. Mas "não constitui uma estrutura para resistir às empresas fortes que lidam de modo predatório com a colaboração acadêmica", conclui. • PESQUISA FAPESP · JULHODE2001

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CONFERÊNCIA

Desafio à competência País vai debater plano estratégico para ciência, tecnologia einovação ob a coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) S e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), um amplo debate deverá, até setembro, fornecer subsídios consistentes para que o governo federal trace, com um horizonte de dez anos, diretrizes e estratégias para o setor de ciência e tecnologia, fundamentais para um projeto nacional de desenvolvimento econômico, social e cultural. O momento central desse debate deverá ser a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, prevista para o período de 18 a 21 de setembro no Distrito Federal, com abertura solene no Congresso Nacional e demais sessões na Academia de Tênis de Brasília. 18 · JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

A conferência será precedida por seis encontros preparatórios, as chamadas reuniões regionais, todas realizadas nos dias 16 e 17 de agosto- a rigor, uma dessas reuniões, a de São Paulo, tem abrangência estadual, em razão da situação peculiar do Estado, ou seja, seu peso econômico e grau de participação na produção científica e tecnológica nacional. De acordo com os organizadores, devem sair dos encontros preparatórios proposições para serem incorporadas aos temas da Conferência Nacional, "baseadas nas discussões das experiências locais e da diversidade de ambientes regionais e culturais que caracterizam o país". Há uma forte expectativa de que os debates envolvam vários segmentos comunidade científica, empresários, políticos, representantes de instituições de ensino e pesquisa, de associações de classe e do terceiro setor para que de fato reflitam interesses da sociedade.

São cinco os grandes temas de debate. O primeiro deles, No Caminho do Futuro, enfoca, segundo a divulgação do MCT, a educação para ciência, tecnologia e inovação, difusão de conhecimento, incentivo aos jovens talentos, formação de pesquisadores e avanço do conhecimento por meio da pesquisa. Outro tema, Qualidade de Vida, abrange as proposições e debates sobre a contribuição da ciência e tecnologia nacional para o aumento da qualidade de vida do cidadão brasileiro e para o uso apropriado do patrimônio natural e cultural do país. O terceiro tema, Desenvolvimento Econômico, compreende a geração e distribuição da riqueza, crescimento econômico e superação dos desequilíbrios regionais apoiados nos avanços da ciência, tecnologia e inovação. O quarto tema, Desafios Estratégicos, trata das ações de ciência e tecnologia visando a conhecer, integrar e explorar fronteiras que ainda se constituem em obstáculos ao desen-


volvimento e à defesa nacionais: Território, Amazônia, Semi-Árido, Mar, Espaço Exterior, além de iniciativas de largo alcance como Tecnologia da Informação, Comunicação e Biotecnologia, que terão importância crescente na próxima década. Finalmente, o tema Desafio Institucional abarca as discussões sobre marcos legais, arranjos institucionais, modelos de gestão e cooperação e instrumentos de financiamento voltados ao desenvolvimento da pesquisa e inovação e à articulação Estado/Sociedade. Contribuição paulista - A conferência

de São Paulo, segundo o presidente da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, que está na coordenação do comitê regional da Conferência, vem sendo orientada para analisar todos os temas do ponto de vista paulista. Mas há três deles - No Caminho do Futuro, Qualidade de Vida e Desenvolvimento Econômico - que são particularmente importantes no Estado, em decorrência da qualidade de sua pesquisa acadêmica, de seu nível de desenvolvimento e industrialização. Por isso mesmo, São Paulo deverá oferecer corltribuições significativas ao debate nacional nessas áreas. Brito Cruz acrescenta que "um outro tema muito caro a São Paulo é a ne-

cessidade que o Estado tem de receber mais apoio do governo federal para o ensino superior". Nesse nível, a situação paulista é peculiar, porque trata-se do único Estado da Federação em que o governo estadual é o grande suporte do ensino. "Hoje precisamos de uma participação maior dos recursos federais", diz Brito Cruz. A conferência de São Paulo ocorrerá na Assembléia Legislativa do Estado, local bem apropriado a um debate em que devem se manifestar diferentes segmentos sociais. A propósito, a participação dos empresários, tanto nas discussões regionais quanto no evento nacional, vem sendo considerada crucial para a consistência das estratégias e diretrizes que devem sair da Conferência Nacional. É natural: o lugar por excelência da geração de tecnologia e inovação - que no Brasil ainda segue em descompasso com o desenvolvimento científico - é a empresa. Em outras palavras, das empresas depende a transformação do conhecimento em PIB. Precisamente por ter essa visão foi que o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, reuniu em 26 de julho um grupo de 30 empresários, em São Paulo, para um café da manhã na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico, comandada desde junho último pelo secretário Ruy Altenfelder. Sardenberg convocou os empresários, entre eles o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ), Horácio Lafer Piva, o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Gabriel Jorge Ferreira, e o presidente da Associação Brasileira da Indústria Eletro-Eletrônica (Abinee), Carlos Paiva, a participarem dos debates da Conferência, contribuindo com idéias e posições para a definição do documento final de um plano de desenvolvimento do setor de C&T para a próxima década. Em paralelo aos debates, na Assembléia paulista, nos dias 16 e 17, os participantes da conferência regional e o público em geral poderão ver exemplos concretos de como a pes-

quisa científica e tecnológica se transforma em produtos e serviços para a sociedade. Uma mostra de projetas dos programas de Pesquisa em Políticas Públicas, de Ensino Público e de Inovação Tecnológica, financiados pela FAPESP, tem a função de apresentar isso da maneira mais didática possível. Do verde ao branco - A última grande conferência nacional sobre ciência e tecnologia no Brasil ocorreu há 16 anos, quando o país vivia o começo do processo de redemocratização e, entre as mudanças institucionais daí decorrentes, incluía-se a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Desde então, profundas transformações ocorreram no setor, no mundo inteiro, seja em termos do avanço do conhecimento científico, das inovações tecnológiças, ou da organização da produção científica e de sua inserção nos processos de desenvolvimento econômico. Grandes mudanças aconteceram também no Brasil, revelando melhor pontos fortes e grandes fragilidades (por exemplo, a insuficiência da transferência do conhecimento para a sociedade) do sistema nacional de C&T. Isso justifica a necessidade de um novo e grande debate nacional sobre o setor, que o Ministério da Ciência e Tecnologia e a Academia Brasileira de Ciências juntos resolveram propor, contando com um instrumento prévio para reflexões: o Livro Verde, um cartapácio de 264 páginas, disponibilizado pela Internet, no site do MCT, desde meados de julho (www.mct.gov.br) . Se esse documento coordenado pelos pesquisadores Cylon Gonçalves da Silva e Lúcia Carvalho Pinto de Melo, com base em colaborações de cerca de 300 pessoas de dezenas de instituições, oferece um extenso diagnóstico da situação brasileira em ciência, tecnologia e inovação, um documento de outra cor, com número maior de colaboradores, deverá dizer o que o país pretende fazer nesse campo, e como, nos próximos dez anos: o Livro Branco

da Ciência, Tecnologia e Inovação.

PESQUISA FAPESP · JULHO DE2001 • 19


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

NOVO SECRETÁRIO

Foco na matriz energética Altenfelder Silva assume a SUDE com planos de investir em pesquisa novo secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Ruy Martins Altenfelder Silva, pretende comandar a Pasta num constante diálogo com as universidades, fundações e institutos de pesquisa e com os agentes da produção e do trabalho. Seu plano é ampliar, "cada vez mais, a interseção da ciência e tecnologia com o desenvolvimento econômico': afirmou em entrevista à Pesquisa FAPESP, uma semana após ter sido empossado no cargo. Altenfelder Silva substitui o ex-secretário e deputado federal José Anibal, que voltou à Câmara dos Deputados, em Brasília, e assumiu a presidência nacional do PSDB. Um dos principais desafios do novo secretário será elaborar, em conjunto com outras secretarias do governo paulista, projetos na área de energia que contribuam para mudanças na matriz energética. "A nossa intenção é levar ao governador propostas para o desenvolvimento de projetos na área de oferta de energia, uma vez que a questão da demanda já está sendo bem encaminhada pelo governo federal, com o fantástico apoio da população", explica. Do ponto de vista da oferta de energia, continua, a ciência e tecnologia terão um papel preponderante, principalmente no que se refere às novas tecnologias, aos esforços de mudança da matriz e de inserção de novas fontes energéticas no mercado. "O país não pode ficar tão dependente da hidreletricidade", justifica. Ele adiantou já

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ter iniciado contatos com diversas universidades e institutos de pesquisa. "Os bons projetos serão os primeiros a integrar os planos do governo, até porque já têm avaliação técnica por parte dos responsáveis." O secretário disse ter pressa para dar andamento aos projetos, já que se trata de buscar solução para um problema urgente. "Já iniciamos contato com as áreas acadêmicas", adianta.

"Contatos com as áreas acadêmicas"

Os recursos para o financiamento do programa de energia, afirmou, serão definidos pelo governador Geraldo Alckmin. Nesse programa, assim como nos demais desenvolvidos pela Secretaria, a FAPESP deverá ter uma participação significativa. Ele observou que todos os projetos patrocinados pela Fundação, ou aqueles ainda em fase de avaliação para desenvolvimento, estão perfeitamente afinados com a linha de pensamento e de ações do governo de São Paulo. "A FAPESP, ao mesmo tempo que desenvolve pesquisas calcadas nas necessidades nacionais, buscando aprimorar a presença de São Paulo entre os centros

de excelência internacionais, também norteia suas ações para sondar aquilo que as empresas brasileiras realmente precisam." Considera a Fundação "o orgulho da ciência e tecnologia brasileira e uma das jóias da coroa, nesta área". Enfatiza seu respeito à autonomia universitária - "um dogma': em sua opinião-, que também pressupõe a participação da comunidade e do Executivo em projetos de interesse comum. Garante que a Secretaria será uma forte aliada da FAPESP nas ações que dependerem do Executivo como, por exemplo, a aceleração de projetos importantes, principalmente, volta a sublinhar, aqueles ligados à oferta de energia. Altenfelder Silva é presidente do Instituto Roberto Simonsen, um centro de estudos avançados ligado à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e ao Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp ), que desenvolve pesquisas nas áreas de relações internacionais, tecnologias, ciências jurídicas e sociais e problemas ligados à pequena e média indústria. Para assumir a Secretaria, afastou-se da superintendência da Fundação Bunge, que sucedeu a Fundação Santista, responsável, há 46 anos, pelo Prêmio Moinho Santista, e da presidência da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, que reúne cinco mil associados e cujo foco de atuação são as áreas estratégicas de resultado. Licenciou-se também da vice-presidência do Ciesp. "Vim do setor privado, mas conheço de perto a academia", afirmou. Afirma que o principal desafio do cargo é fazer com que os "agentes da produção e do trabalho ajam em profunda consonância com os responsáveis pela . ciência e tecnologia". •


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

COMEMORAÇÃO

Educação e democracia Capes completa 50 anos apostando na formação de recursos humanos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) comemorou, no dia 11 de julho, 50 anos de existência. Criada como uma campanha do Ministério da Educação (MEC) para o aperfeiçoamento do ensino superior, a agência desempenhou, ao longo de toda a sua história, um relevante papel na formação de recursos humanos. Desde o surgimento dos programas de pós-graduação, em 1965, eles multiplicaram-se aceleradamente. Somam hoje mais de 1.500 programas com mais de 2.300 cursos de mestrado e doutorado. No ano passado, esses cursos registravam um total de 100 mil estudantes matriculados. ''A Capes, idealizada por um grupo no qual se destacava Anísio Teixeira, nasceu da percepção de que a qualificação do ensino superior, com a criação de condições estruturais e formação de pessoal, seria fundamental para o desenvolvimento do país", comenta Luiz Loureiro, diretor de Programas da agência. Adepto da visão de educação do filósofo norteamericano John Dewey, Teixeira fundou a Universidade do Distrito

A

Federal, em 1935. Em 1960, fundaria também a Universidade de Brasília (UnB), da qual se tornaria reitor em 1964. ''Anísio Teixeira, que permaneceu à frente da Capes até 1962, era um fervoroso defensor da educação pública como instrumento democrático", diz Loureiro. "Três fatores contribuíram para a fundação da Capes': observa o historiador Shozo Motoyama, diretor do Centro de História da Ciência da Universidade de São Paulo (USP). "O primeiro foi a inserção, na Constituição de 1946, da exigência de que o governo federal destinasse 10% de seu orçamento à educação; o segundo, u.cn forte movimento dos intelectuais brasileiros por melhorias no ensino, que se tornaria conhecido por Escola Nova': diz ele. "Por fim, o terceiro foi a importância da ciência e tecnologia durante a II Guerra Mundial, que chamou a atenção do governo Vargas para a necessidade de aperfeiçoar o ensino superior para a formação de engenheiros, cientistas e pesquisadores." "Em seus primeiros tempos, a Capes, por tratar-se de uma campanha do MEC, tinha sua ação limitada pela falta de um orçamento próprio e concentrava esforços na formação de bolsistas no exterior", conta Loureiro. A instituição conquistaria dotação orçamentária no final dos anos 50 e se consolidaria em 1966, quando, depois de ter respon-

dido ao Gabinete da Presidência da República, voltou a se subordinar ao MEC. "Outro momento importante na história da Capes é a criação, em 1972, de seu sistema de avaliação da pós-graduação, que em 1976 passou a ser divulgado': comenta. O sistema, fundamentado em comissões formadas por especialistas das mais diversas áreas, serve de base para a definição e execução das políticas de desenvolvimento da pós-graduação nacional e, em última instância, determina a descontinuidade dos cursos de baixa qualidade. Em 1990, Fernando Collor de Mello extinguiu a Capes, provocando forte reação da comunidade acadêmica. Poucos meses depois, a agência foi reativada, com o status de fundação. O orçamento da Capes, afirma Loureiro, tem-se mantido estável em torno de R$ 450 milhões desde 1998. Os programas da instituição agrupamse em quatro categorias básicas: bolsas no país e no exterior; cooperação interinstitucional em âmbito nacional e internacional; apoio à infra-estrutura de ensino e pesquisa; e iniciativas de menor porte para o atendimento de necessidades específicas da formação pós-graduada. No primeiro grupo, o principal programa é a distribuição de bolsas, para o qual foram alocados R$ 308 milhões no ano passado. A Capes distribuiu 20.827 bolsas desse tipo em 2000, sendo 11.652 para mestrado e 9.175 para doutorado. O número de bolsas no exterior distribuídas pela instituição mantémse estável em torno de 1.500 . • PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 21


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

rápido processo de industrialização com base na substituição de importações, sobretudo nas décadas de 30 e 70, impediu que o país tivesse problemas críticos de acesso a tecnologias. Mas comprometeu a capacidade de inovação de alguns setores produtivos, principalmente no que diz respeito a processos e produtos. Essa assimetria é hoje, na visão do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), um obstáculo à competitividade, e sua superação, um desafio que exige ações não apenas do Estado e agências de fomento, mas também das empresas. A definição de estratégias para a alavancagem da inovação tecnológica empresarial é, portanto, fundamental. Esse foi o tema da 1a Conferência da Associação Nacional de P,D&E

O

COMPETITIVIDADE

privados não ultrapassam os 20%", comparou o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, presente na conferência. Aqui, o Estado começa, agora, a criar estímulo para investimentos em inovação. Exemplo disso são os Fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que financiarão pesquisa e projetas para implementação de novas tecnologias nos setores de petróleo, energia, recursos hídricos e telecomunicações, entre outros. O governo federal também pretende revigorar a Lei 8.661, de 1993, que prevê a concessão de incentivos fiscais para investimentos em P&D, e estuda a criação de regime tributário simplificado para atrair recursos dos fundos de pensão para pesquisa. "As empresas precisam investir em tecnologia e aumentar o teor tecnológico de seus pro-

Pesquisa com lucro Anpeireúne representantes de empresas para debater a inovação tecnológica eanalisar formas de estímulo ainvestimentos em pesqwsas edesenvolvimento

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das Empresas Inovadoras (Anpei), em São José dos Campos, entre os dias 21 e 22 de junho. "Precisamos virar esse jogo", sintetizou o diretor executivo da Anpei, Miguel Chadda.d. A Coréia do Sul, que enfrentava problemas semelhantes, conseguiu "virar o jogo" graças a políticas públicas de incentivos a investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Song Hyun, representante da Korea Industrial Technology Association (Kita), informou aos associados da Anpei que o governo coreano adotou facilidades corporativas e incentivos fiscais para estimular a inovação "Em dez anos, conseguimos um nível de industrialização que os países desenvolvidos demoraram 25 anos para atingir", disse. Atualmente, as empresas coreanas são responsáveis por 90% dos investimentos em P&D no país, percentual semelhante ao registrado nos Estados Unidos. "No Brasil, os investimentos

dutos para não serem excluídas do mercado e conquistar o mercado internacional", aconselhou o ministro. Investimentos de resultado- Além de garantir competitividade, a inovação também dá lucro. "Os investimentos em tecnologia têm retorno", garantiu Antonio da Cunha Campello, gerente de Organizações e Processos da Embraer, outro expositor convidado pela Anpei. O faturamento da empresa cresceu de US$ 360 milhões, em 1996, para US$ 2,8 bilhões, em 2000, período em que houve uma aposta pesada em P&D. O ciclo de desenvolvimento de projetas, por exemplo, foi reduzido de cinco para três anos e o de produção de aeronaves, antes de 12 meses, caiu pela metade. A produtividade cresceu: a relação faturamento por empregado aumentou de US$ 40 mil, em 1994, para US$ 307 mil, no ano passado. "Isso demonstra a capacidade da em-


presa de gerar resultados e ter competitividade global", disse Campello. O processo de inovação que garantiu a abertura do mercado internacional, atualmente, tem reflexos até mesmo na estruturação de negócios. É o caso do projeto de desenvolvimento do ERJ 170-190, um avião com capacidade de transporte de 108 passageiros, orçado em US$ 850 milhões. A nova estratégia de organização prevê, por exemplo, parcerias da Embraer com fornecedores e técnicas de engenharia simultânea. Nos últimos anos, a empresa ampliou consideravelmente seu acervo de conhecimento. Dos 11 mil funcionários, cerca de 10% são engenheiros, parte deles com curso de especialização na Universidade Embraer. Por meio de um convênio no valor deUS$ 60 milhões com a FAPESP, a empresa tem acordos com várias universidades e está definindo novos projetas.

menta de gases alternativos ao CFC, na década de 90", lembra. Num mercado consolidado e altamente regulado, o foco de interesse da empresa é na pesquisa aplicada. Para isso, além de 23 laboratórios em três países- Brasil, Itália e China-, a Embraco mantém outros também na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A empresa também tem acordos com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com duas universidades no exterior, a de Purdue, nos Estados Unidos, e a de Glasgow, na Escócia. Para preservar os quadros de pesquisadores e mantê-los ativos nas atividades tecnológicas, a estrutura das carreiras técnicas da empresa é paralela à das carreiras administrativas, desde 1987. Um pesquisador sênior, por exemplo, tem o mesmo status, salários e benefícios dos gestores que ocu-

Multinacional brasileira - Outro exemplo de bons resultados obtidos com investimentos em tecnologia apresentado na conferência da Anpei foi o da Embraco, fabricante de compressores para refrigeração, com unidades de negócio nos Estados Unidos, Itália, China e um escritório em Cingapura. A empresa detém 70% do mercado nacional, 25% do mercado internacional de compressores e 94 patentes. Investe, anualmente, cerca deUS$ 20 milhões em P&D. "Investimos o mesmo percentual de faturamento em pesquisa, desde a década de 70, mesmo nos períodos de redução de atividades", justifica Ernesto Heinzelmann, superintendente da Embraco que já ocupou o cargo de diretor de Tecnologia da empresa. A Embraco iniciou suas atividades em Santa Catarina, em 1974, utilizando tecnologia adquirida da dinamarquesa Danfoss. "Eles foram bons professores, e nós, bons alunos", disse Heinzelmann. Em 1983 criaram uma área de P&D e, em 1984, já produziam compressores com tecnologia 100% Embraco. "Fomos pioneiros no desenvolvi-

pam o mesmo nível na organização da empresa. Para Heinzelmann, uma boa alternativa para alavancar a inovação seria estimular os fornecedores a acompanhar o desenvolvimento tecnológico das empresas. "Temos de transferir competitividade para os fornecedores", disse. Sugere também que as empresas invistam mais pesado na relação com as universidades. "Não existe lugar mais barato para se fazer pesquisa com universidades do que no Brasil: os professores ganham pouco, os laboratórios são malservidos e qualquer adicional é bem-vindo", concluiu. Para Campello, da Embraer, a Anpei, junto com o governo federal, deveria desenvolver ações para estimular as dez maiores empresas nacionais a apostar no futuro tecnológico do país. Já existem alteranativas bem sucedidas de apoio à modenização das empresas. Exemplo disso são os Pro-


gramas de Parceria paO Patme ainda está longe de ter a mesma dira Inovação Tecnológica (PITE) e o de Inomensão daAnvar, agênvação Tecnológica em cia francesa de inovaPequena Empresa (PIção, que dispõe de um PE), ambos financiaorçamento anual de dos pela FAPESP, que US$ 200 milhões para já operam com, respecfinanciar projetas de tivamente, 162 e 55 empresas com até 2 mil funcionários. "Pelo meempresas. "Não internos 74% têm uma méferimos no desenvolvidia de 50 funcionários", mento das pesquisas, contou a representante mas a parceria tem que da Anvar, Sylvie Leaute, gerar conhecimento", Heinzelmann: aposta em P&D Campello: mais competitividade diz José Fernando Peaos associados da Anpei. dos e Projetas (Finep), o Sebrae lanNo ano passado, foram encamirez, diretor científico da FAPESP. nhados à Anvar um total de 3 mil çou o Programa de Apoio TecnolóPequena empresa- Se entre as grangico às Micro e Pequenas Empresas projetas e 1.317 foram viabilizados. O des corporações há pouco estímulo (Patme), que será desenvolvido com financiamento inclui o pagamento de o respaldo de universidades e instimetade do salário dos pesquisadores para investimentos em P&D, entre as pequenas e médias empresas o tutos de pesquisa e um orçamento contratados pela empresa ao longo problema é ainda mais grave, diz de R$ 80 milhões. do primeiro ano do programa. • Júlio Sérgio de Maya Pedrosa Moreira, diretor presidente do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae). Em parceria com a Financiadora de Estu-

Múltis investem na customização de produtos Os centros de P&D da grande maioria das empresas multinacionais estão instalados no seu país de origem. No Brasil e demais regiões onde elas operam, essas empresas mantêm centros de aplicação e de customização de produtos, de forma a adequálos aos padrões culturais e legislação locais. No caso da Johnson&Johnson, por exemplo, o centro de pesquisas é em New Jersey, nos Estados Unidos, dividido em áreas por produto. "Quando uma empresa é global, a liderança não está no país", explicou Susan Nettesheim, vicepresidente de P&D da Johnson&Johnson, que participou da

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reunião da Anpei. "A maior parte dos produtos é desenvolvida num país e depois lançada em todo o mundo." A regulação também é um forte estímulo à pesquisa, sobretudo nos países latino-americanos, ela ressalva. "Os melhores insights vêm dos pequenos países, porque estão mais próximos do mercado." As várias equipes se reúnem quatro vezes por ano, "para estudos futuros". Ao longo de todo o ano, as informações sobre projetas são intercambiadas por meio de sites.

A Renault também investe em pesquisa aplicada para adaptar os automóveis às exigências da legislação ambiental e padrões de consumo brasileiros. Os projetas de P&D são desenvolvidos, em ordem hierárquica, no que a empresa qualifica de Centro de Competência, Escritórios de Coordenação e Gerenciamento a Distância. "No Brasil, a Renault mantém um Escritório de Coordenação e de Gerenciamento a Distância", explicou Kim Lansford, gerente do Grupo Internacional de Pesquisa da Renault.


Bolsas de pós-doutoramento da FAPESP. O sistema brasileiro de pesquisa se expande. A FAPESP está revolucionando sua política de pós-doutoramento, ampliando o prazo de duração das bolsas e possibi litando estágios no exterior dentro de uma concepção que torne o intercâmbio com centros de pesqui sa de outros países prod utivo para a ciência brasileira. Os bolsistas devem vincular-se aos mais importantes programas de pesqu isa financiados pela Fundação. São centenas de proj etos, em todas as áreas do conhecimento, que permitem uma sólida formação aos j ovens doutores integrados a grupos de excelência. Para mais informações, acesse www.fapesp.br ou ligue (11) 38 38 4000. Projetos Temáticos (150 projetos de pesquisa) Grandes equipes formadas por pesquisadores de diferentes instituições em busca de resultados científicos, tecnológicos e socioeconômicos de grande impacto. Programa Genoma (60 laboratórios) Projetas com o objetivo de pesquisar genomas, identificar e analisar genes com impacto sobre o conhecimento genômico, a saúde humana e a produção agropecuária.

Secretaria da Ciência, Tecno logia GOVERNO DO lSTADO Df

SÃO PAULO

e Desen vo lvimen to Econômico

Programa CEPID (10 centros de pesquisa) Centros para desenvolver pesquisas inovadoras na fronteira do conhecimento, t ransferir seus resultados para os setores público e privado e contribuir para a criação de novas tecnologias e empresas.

Programa Biota (25 projetos) Projetas que visam ao levantamento e novos conhecimentos sobre a biodiversidade do Estado de São Paulo e outras regiões do país.

Programas Jovens Pesquisadores (270 projetos) Programa que fomenta a formação de novos grupos de pesquisa em centros emergentes do Estado de São Paulo.

Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP Tel.: (11) 3838 4000 - www.fapesp .br


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

IDÉIAS

Espaço da diversidade Em Salvador, encontro da SBPC reúne expressões culturais erelatos científicos num exercício de reflexão sobre o país 26 • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

abitual palco de troca de idéias, impressões e informações sobre a realidade nacional, o encontro anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizado este ano em Salvador, Bahia, de 13 a 18 de julho, fez um notável inventário da produção científica nacional: 32 conferências, 80 simpósios e 950 trabalhos expostos. Uma maratona, enfim, que contou com cerca de 11 mil participantes, sobretudo pesquisadores e estudantes universitários, embora se destacasse um grupo bastante animado, identificado pelas camisetas brancas e azuis que vestiam: eram os 2.706 professores do ensino básico e médio de Recife. "Muitas de nós nem conhecem a cidade vizinha e agora estamos aqui!", comemorava Alda do Espírito Santo, uma das integrantes de um programa de atualização de conhecimentos, viabilizado por meio de uma operação que mobilizou 60 ônibus, a um custo de aproximadamente R$ 1 milhão. Nas palestras a que assistiam, não hesitavam em levantar o braço e fazer perguntas simples, que certamente ajudarão no dia-a-dia

H


O dragão de Luiz Marfuz, movido por 14 bailarinos, e o grupo Afoxé Filhos de Gandhi: outras formas de ver o mundo

bantes brancos. Em seguida, ganhou o palco um inquieto dragão de 15 metros de comprimento, com face de carranca de barco do Rio São Francisco, cabelo no estilo rastafári, chapéu de cangaceiro, penas indígenas e corpo e rabo que remetem mais diretamente a origens chinesas. Criado pelo diretor teatral e professor da UFBa Luiz Marfuz, moviase por meio de 14 bailarinos e homenageava os espetáculos de rua, tradicionais na Bahia, e o cineasta baiano Glauber Rocha (1939-1981 ), que dirigiu O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro ( 1969). "Historicamente, o dragão representa a confusão, mas também a reconstrução", comentou Marfuz. Outra obra original foi o símbolo da reunião deste ano: uma esfera de cimento, medindo cerca de cinco metros de diâmetro, com imagens de homens e animais feitas de cacos de cerâmica. Criada pelo artista baiano Bel Borba, que fez os mosaicos de azulejos que retratam iguanas e dinossauros e adornam as ruas de Salvador, ocupa a entrada da UFBa. escolar- queriam saber, por exemplo, como um gene funciona. A 53a reunião anual, organizada sob o tema central Nação e Diversidade, abrigou debates que refletiram a busca de alternativas, os componentes culturais e a multiplicidade de visões sobre os problemas do país. "Devemos ter a coragem de produzir ciência com idéias próprias", ressaltou a professora da Universidade Federal da Brahia (UFBa) Eliane Azevedo na cerimônia de abertura, realizada, com muita animação, no Centro de Convenções de Salvador. Logo depois dos discursos de autoridades ouviu-se o batuque do afoxé Filhos de Gandhi, grupo tradicional da cidade, criado em 1949 e formado exclusivamente por homens, vestidos com túnicas e tur-

cias entre átomos, a substituição de trechos da estrutura química ou a construção de membranas celulares para entender a velocidade de absorção de medicamentos. Além da imaginação - Mas Barreiro

ressaltou: não convém confiar apenas nos computadores: ''A natureza constrói moléculas com estruturas altamente originais, que nossa imaginação não conseguiria conceber", comentou. Essa é outra razão pela qual, a seu ver, é importante estudar intensamente os recursos biológicos brasileiros. ''As plantas e os animais fornecem a maioria das substâncias que inspiram os medicamentos." Foi assim com o LassBio-294, um fármaco desenvolvido no próprio laboratório de Barreiro. Capaz de aumentar a contraç_ão dos músçulos do coração e, ao mesmo tempo, atuar como vasodilatador, derivou-se do safrol, um composto extraído do óleo de sassafrás, encontrado em plantas como a casca-cheirosa ( Ocotea odorifera). Patenteado em 1999 pela UFRJ em conjunto com a Universidade de Maryland, Estados Unidos, já passou pelos testes de toxicidade em animais de laboratório e prepara-se a próxima etapa, em humanos.

Sapos e plantas - Estudantes, pesquisadores e professores testemunharam as perspectivas da produção científica nacional em apresentações concorridas como a de Eliezer Barreiro, da Univesidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que tratou das tendências de desenvolvimento de fármacos. Com base na modelagem molecular, as novas técnicas de trabalho permitem a determinação de distânO símbolo da SBPC deste ano, criado pelo artista baiano Bel Borba: mosaico de imagens PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 27


O problema é que, a despeito do esforço nacional, as perdas se acumulam. Recentemente, a Abbot, dos Estados Unidos, patenteou um analgésico conhecido há séculos pelos índios da Amazônia: 200 vezes mais potente que a morfina, é extraído do muco da pele do sapo Epipadobates tricolor. "Está em jogo a soberania científica da Amazônia", alertou Adalberto Luis Val, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Segundo ele, é dramática a escassez de pesquisadores na Amazônia uma das causas para que pesquisas estratégicas sejam feitas fora do país. Em seu próprio laboratório, com equipamentos avaliados em US$ 2 milhões, trabalham apenas dois pesquisadores - há espaço para pelo menos dez. No Inpa, onde trabalham 266 especialistas, "cabem tranqüilamente 2 mil", comentou Warwick Kerr, diretor da instituição. À espreita da praga - Também se mostrou como a pesquisa pode, no caminho inverso, desenvolver-se antes que os problemas surjam. É o caso do plano de combate à cochonilha rosada (Maconellicoccus hirsutus), inseto devastador que pode chegar a qualquer momento ao Brasil: ataca 200 plantas de importância econômica, entre elas feijão e citros, e já se instalou em 14 ilhas do Caribe e nos Estados Unidos. ''Adotamos uma estratégia de país inteligente, fazendo como deve ser", contou Luiz Alexandre Nogueira de Sá, pesquisador da Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa), em Jaguariúna. Motivados, os moradores das cidades de fronteira estão atentos para avisarem caso encontrem a cochonilha no Brasil, descrita em cartazes e folhetos. Ao mesmo tempo, em aeroportos, plantaram-se hibiscos (Hibiscus cisplatinus), um dos alvos prediletos da cochonilha rosada. Se a planta secar e o ataque for confirmado, começará a distribuição de uma joaninha, a Cryptolemus montrouzieri, que 28 • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

come as formas jovens e adultas da praga invasora. Mantida na Embrapa de Jaguariúna, pode ser reproduzida, aos milhares, nos Estados atingidos. Está pronto também, segundo Sá, um vídeo, a ser exibido em aeroportos, alertando sobre os riscos e as possibilidades de transmissão da cochonilha, que pode migrar envolta nos cabelos dos passageiros dos vôos internacionais ou nas entranhas de frutos. Nessa área, o alerta é permanente. "A todo momento, entram carregamentos de commodities agrícolas, como milho e arroz, que, apesar de examinados, podem trazer pragas novas", comentou. A polêmica das águas - Uma das

apresentações mais animadas tra-

tou do polêmico projeto de transposição de águas do Rio São Franscisco, que contou com uma platéia de cerca de 700 estudantes e professores. Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), é favorável à idéia. "Se não houver uma fonte alternativa de água, será impossível tirar o sertanejo da miséria", comentou. "A chuva deve se reduzir e a seca se intensificar nos próximos anos." "Tenho dificuldade em compreender como esse projeto vai resolver os problemas de minha região': comentou, com uma pitada de ironia, Edmilson Lacerda Evangelista, sertanejo de 65 anos que mora em Patos, Paraíba. Com sapato em um pé e chinelo no outro, comentou que seu re-


fazer parte da teia social e se as professoras do interior começarem a ganhar pelo menos R$ 40 por mês." Rodrigues mostrou que levar água de uma bacia hidrográfica a outra, como se cogita, implica alterações profundas nas estruturas de populações de animais - se os peixes do Rio São Francisco se misturarem com os do Jaguaribe, por exemplo, seria mais complicado conhecer a história evolutiva de cada comunidade. "Temos de encontrar soluções próprias, sem inércia intelectual, fugindo do lugar-comum e de soluções imediatas", enfatizou. "Trouxeram a manga, uma fruta asiática, para o Nordeste. Mas será que a longo prazo é bom para a região? Não haveria alternativas mais criativas, num país tão rico em diversidade?"

ceio era que a transposição de águas beneficie apenas os latifundiários. Abertamente contrário ao projeto, João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco (FJN), de Recife, lembrou que a região do semi-árido é ambientalmente frágil e a extinção de nascentes já afeta irremediavelmente a vazão do principal rio do Nordeste, de 2.850 m 3 por segundo. "Na minha avaliação, não existe água para tirar': disse. Segundo ele, Pernambuco é o Estado com a menor oferta de recursos hídricos (1.320 m 3 por habitante/ano): os moradores de Caruaru só têm água uma vez por mês e os de Recife vivem ultimamente nove dias sem água e um com. "Temos de usar melhor a água, ainda desperdiçada nos açudes e na irrigação': alertou.

Antes de fechar as conclusões, aconselhou Aziz Ab'Saber, da Universidade de São Paulo (USP), é indispensável conhecer e entender a região, principalmente os impactos ambientais. "É preciso também exigir uma reforma agrária nas áreas que podem receber as águas do São Francisco", ressaltou. Miguel Trefaut Rodrigues, diretor do Museu de Zoologia da USP, compartilha dessa visão abrangente: o projeto das águas do São Francisco deve ser acoplado a uma "obrigatória mudança na estrutura social e cultural brasileira". "Só compensa levar água se forem corrigidas as injustiças sociais, se a população pobre do Nordeste começar a Mudança social -

As raízes da violência- Enquanto no campus corriam os debates científicas- intercalados por apresentações de capoeira, terno de Reis e grupos musicais típicos do sertão -, Salvador vivia momentos de tensão, ocupada por tropas do Exército com fuzis e tanques, em resposta à greve de policiais civis e militares. Não se deixou de examinar a explosão de violência, que tomou a forma de arrastões e saques a lojas. Em uma das conferências, Wander Melo Miranda, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), lembrou que a opressão, a miséria e a exclusão social constituíam não apenas as causas mais profundas dos embates travados nas ruas de Salvador. Representam também a temática, a seu ver atual, do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953), especialmente em Vidas Secas, levado para o cinema em 1963 pelo paulista Nelson Pereira dos Santos. "Graciliano desfaz a imagem da pátria mãe e mostra a pátria madrasta, de boca e olhos maus", comentou Miranda. Numa das cenas, um dos filhos de Fabiano, o personagem central, pergunta à mãe o que é o inferno. Em resposta, leva uma pancada com os nós dos dedos na cabeça. • PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 29


CIÊNCIA

LABORATÓRIO Propostas de prioridades para a Mata Atlântica Acaba de sair um estudo de avaliação para estabelecer áreas e ações prioritárias para a conservação da biodiversidade na Mata Atlântica. O trabalho Avaliação e Ações Prioritárias para Conservação dos Biomas Floresta Atlântica e Campos Sulinos resultou do programa de workshops regionais da organização não-governamental Conservation International e é um subprojeto do Probio, do Ministério do Meio Ambiente, que traz uma extensa base de dados e mapas que poderão servir para que especialistas definam áreas prioritárias para conservação. Um dos pro-

Mata: inte nsa d iversidade bio lógi ca em 18 Estados

blemas constatados é o fato de a Mata Atlântica e os Campos Sulinos (formação campestre não savânica que ocorre no Sul do país) estarem numa região que abriga 70o/o da população,

Peixe-elétrico sempre alerta Peixes-elétricos são excelentes vigias para monitorar a qualidade da água em rios e lagos. Uma pesquisa em desenvolvimento no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) já mostrou que alguns peixes-elétricos, da ordem Gymnotiformes, têm um ritmo de descarga elétrica pouco variável. Essa regularidade permite que se note qualquer mudança na voltagem emitida pelo peixe quando a água é atingida por poluentes. "Tudo o que altera a condutividade da água, como óleo e metais pesados, altera também a voltagem da descarga do peixe", explica o pesquisador José

Gomes, do Inpa, responsável pelo estudo. Gomes trabalha com algumas espécies de Apteronotus (fotos ao lado) e pretende montar aquários com eles em áreas críticas às margens de rios e lagos para verificar se há alteração na água, que poderá ser detectada por aparelhos que medem a voltagem emitida. Os R$ 290 mil terão financiamento do CTPetro, fundo que arrecada recursos de empresas petrolíferas, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetas. "Em setembro teremos condições de fazer os primeiros testes." •

além das maiores cidades e dos grandes pólos industriais do país. Não à toa, a Mata Atlântica está reduzida a 8o/o de sua cobertura original e figura entre as 25 áreas mais ricas e ameaçadas do

• Rússia faz teste com veleiro solar Embora sem dinheiro para competir em pé de igualdade com os Estados Unidos na corrida espacial, a Rússia continua ativa, usando todas as alternativas possíveis para continuar produzindo pesquisa de qualidade. No final de julho, os russos testaram um protótipo do primeiro veleiro espacial, o Cosmos 1. Lançada de um submarino nuclear do Mar de Barent, a nave foi financiada com dinheiro de uma organização

planeta. Outra dificuldade é que a cada ano são descritas novas espécies, mas faltam pesquisadores para investigá-las e investimentos, além de políticas claras que definam prioridades. O estudo foi criado justamente para pensar novas estratégias. Algumas informações que constam do documento dão a dimensão de sua importância. Por exemplo, apesar da devastação, a riqueza biológica é tão significativa que o segundo maior recorde mundial de diversidade para plantas lenhosas foi registrado na Mata Atlântica: 458 espécies em um único hectare, no sul da Bahia. •

privada, a Sociedade Planetária, de Pasadena, Califórnia, nos Estados Unidos. O objetivo da missão russa é saber como se comporta uma nave com uma vela solar e verificar se é possível viajar pelo espaço sem necessidade de combustível, apenas com a energia captada do Sol. O coordenador do projeto, Victor Kudriashov, afirmou que os pesquisadores russos estudam há muitos anos a utilidade do vento solar para vôos não tripulados aos lugares mais distantes do Universo. Vento solar é uma corrente

Albifrons JOHN LUNDBERG

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de micropartículas emitidas pelo Sol. A cauda dos cometas, por exemplo, sempre aponta para o lado oposto do Sol por ser formada pelo vento que varre a matéria do núcleo do cometa para o espaço. "Ao contrário dos ventos que sopram na Terra, o solar é constante, um fluido de micropartículas que partem do núcleo do sistema solar", disse Kudriashov à Agência Lusa. •

• Quanto mais //quente~ melhor A razão de a pimenta ser "quente" acaba de ser descoberta por pesquisadores da Universidade de Montana e da Universidade do Norte do Arizona, ambas nos Estados Unidos. Joshua Tewksbury e Gary Nabhan afirmam em artigo na Nature (26 de julho) que o sabor ardido, que provoca a sensação de queimação na boca, é uma espécie de truque evolucionista para evitar que animais como os mamíferos comessem o fruto e destruíssem a semente. Os pássaros, por tolerarem o sabor excessivamente picante, comem a fruta e dispersam a semente sem que seu aparelho digestivo a destrua, como ocorre com os outros animais. Tal particularidade teria permitido a sobrevivência dessa espécie de planta e poderá ser usada para o desenvolvimento de comida de pássaro e de novos venenos contra roedores de plantações, sem ameaçar as aves. •

Novos números para o Genoma Humano uma ciência exata. O número de genes ~ ~ !i A equipe liderada do homem continua ~ ~ pelo pesquisador Bo a provocar surpreYuan, da Universisas. Os dois grupos dade do Estado de que trabalharam no Ohio, Estados Unimapeamento no Prodos, usou a base de jeto Genoma Hudados do consórcio mano, o consórcio público para procupúblico, liderado por Frank Collins, e Venter (esq.) e Collins: resultados diversos rar agulhas no palheiro, informa a a empresa privada revista Economist ( 14 de Celera Genomic, do polê- gar a resultados mais precijulho). Em seu trabalho, mico Craig Venter, calcula- sos. Um estudo publicado ram o número de genes enna revista Genome Biology Yuan procurou usar técnicas e programas de comtre 26 mil e 31mil - antes acaba de trazer outra inforputador diferentes dos do anúncio, a estimativa mação, bem distante da variava entre 80 mil e 140 anunciada por Collins e usados tradicionalmente para procurar genes (o esmil. Diversos cientistas ao Venter: o homem teria, na tudo está disponível no redor do mundo discorda- verdade, entre 65 mil e 75 endereço www.genomeram dos dados dos dois mil genes. Tamanha difegrupos e continuaram trarença se justifica: achar e biology.com/200 1/2/7 /rebalhando para tentar che- contar genes ainda não é search/0025/). •

Gado europeu: novo método aj uda a diag nosticar a doença

• Avanço na pesquisa do mal da 11Vaca louca// Cientistas europeus criaram um método para cultivar rapidamente o agente infeccio-

Apteronotus hasemani DAVID SANTANA

so causador do mal da "vaca louca". Desenvolvido por pesquisadores da Serono, a maior empresa de biotecnologia da Europa, o método deve ajudar a diagnosticar

mais precocemente a doença, que surge em razão do acúmulo progressivo no cérebro de proteínas anormais - chamadas prions. O mal já atingiu centenas de milhares de cabeças de gado na Europa, sobretudo no Reino Unido, e também provocou a morte de cerca de 100 pessoas que ingeriram carne de animais contaminados. Os testes atuais com tecidos do cérebro do animal não permitem identificar a doença no seu começo. A nova técnica usa ultra-som para acelerar a multiplicação de prions a partir de uma amostra de tecido e detectar mais precisamente as moléculas anormais. •

Apteronotus sp. DAVID SANTANA

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C~P~

celular. Modifica-das, essas células constituem a lesão, foco de futuras crises epilépticas. O espaço antes ocupado pelos neurônios que morreram é preenchido pelas células gliais. O cérebro tenta então restabelecer as conexões (sinapses) perdidas e, nesse processo, as células passam a fazer sinapses consigo mesmas, excitando-se ou inibindo-se. É o chamado "rebrotamento supraglanular de fibras musgosas", definido de forma sintética pela palavra em inglês sprouting. A Epilépticos crônicos - Já as três conseqüência desse desenvolvipesquisadoras da equipe de Ca- Tomografia: áreas de alta (amarelo) e baixa atividade mento anômalo é a epilepsia. valheiro investigam diferentes Nos ratos, o estado de excitaaspectos do tipo de lesão que na - droga extraída da planta sulção neuronal dura de 10 a 12 horas e torna o indivíduo um epiléptico crônico. Maria da Graça estuda a bioamericana Pilocarpus jaborandi, utilileva a um alto índice de mortalidade. Os animais que sobrevivem ao quazada como colírio no tratamento de química do processo - uma cascata glaucoma - e induzem nos ratos um dro agudo experimentam um període eventos que precedem e sucedem estado de excitação neuronal conhedo livre de crises, que dura em média a morte neuronal; Maria José, o metabolismo cerebral; Débora, a in15 dias. Mas, depois dessa ausência cido como mal epiléptico. de convulsões, passam a apresentar fluência dos fatores hormonais, que A administração da substância ativa os receptores neuronais, que facrises espontâneas e recorrentes por podem facilitar ou dificultar a morte zem com que maior quantidade de cáltoda a vida, numa média de dois a e a reorganização dos neurônios. No estudo das lesões associadas cio e sódio penetre nas células nervosas. três episódios por semana. Nos experimentos de indução de epilepsia por ao mal epiléptico, as pesquisadoras O resultado da invasão é devastador: pilocarpina, a equipe de Cavalheiro utilizam um método experimental há grande destruição de tecido e o genoma de parte dos neurônios sopercebeu que o cérebro de ratos jovens estabelecido por Cavalheiro e pelo polonês Lechoslaw Turski. Minisbreviventes se modifica, provocando suporta melhor uma crise do que o adulto. "Esses animais resistem mais tram uma elevada dose de pilocarpialterações em seu comportamento

gliais. Esse tipo de tecido cicatricial, que até recentemente era considerado um simples suporte dos neurônios, desempenha um papel ativo no processo de morte e regeneração dos tecidos. Outra descoberta: vítimas de isquemia que apresentam febre, aparentemente uma reação benigna do organismo, têm provavelmente maior chance de desenvolver o mal de Alzheimer (veja box).

Febre após isquemia aumenta risco de Alzheimer Em seus estudos com ratos, o médico Cícero Galli Coimbra, da Unifesp, descobriu que a equação isquemia mais febre não controlada pode produzir, anos mais tarde, uma maior taxa de indivíduos com mal de Alzheimer. Caracterizada pela progressiva perda e morte de células nervosas em várias áreas do cérebro, a enfermidade, que não tem cura, afeta a memória e a capacidade de aprendizagem. Em seu estágio avançado, é a principal causa de demência, que ocorre em 1% da população aos 65 anos e provoca gastos anuais

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de US$ 100 bilhões nos Estados Unidos. "Verificamos que a isquemia seguida de hipertermia (febre ) provoca a morte de neurônios e o desenvolvimento de alterações típicas do mal de Alzheimer nos animais': diz o pesquisador. Causada por uma parada cardíaca ou derrame, a isquemia caracterizase pela diminuição da circulação sanguínea e oxigenação cerebral. A constatação de Coimbra deve mudar radicalmente o procedimento médico pós-isquêmico. Muitos indivíduos que sofrem

derrames cerebrais apresentam febre na primeira semana de recuperação, devido a pneumonias ou outras complicações hospitalares. Mas raramente os médicos receitam antitérmicos, pois costumam considerar essa febre como algo benigno ou até mesmo um bom marcador da resposta do organismo a antibióticos. Mal sabem que, no futuro, esses pacientes poderão desenvolver a doença pelo simples fato de sua temperatura não ter sido controlada depois da isquemia. "Hoje, 30% dos pacientes com derrame apresentam o mal


Esper Cavalheiro e aparelho que analisa impulsos nervosos em fatias do cérebro

O PROJETO ao aparecimento da lesão e não apresentam crises Epileptogênese em Seres crônicas, a não ser após o Humanos. Caracterização Eletrofisiológica e Estrutural do Tecido terceiro episódio de estaCerebral obtido nas Cirurgias do de mal epiléptico': diz para Tratamento das Epilepsias. Maria da Graça. Correlação com Altera ções Clínicas, Eletroencefalográ ficas Os pesquisadores aine Anatom opatológicas. da não sabem com certeza por que isso acontece. MODALIDADE Projeto temático "Uma explicação possível seria o fato de o céreCOORDENADOR ESPER A BRÃO C AVA LHEI RO - Unifesp bro em desenvolvimento apresentar um baixo conINVESTIMENTOS sumo energético em comR$ 344.328,85 e US$ 459.055,48 paração com o cérebro adulto", arrisca Maria Jo"Isso faz com que a excitação desensé. Numa outra linha de raciocínio, os especialistas acreditam que, no cérecadeada pela crise produza menos bro em desenvolvimento, muitos redanos do que provocaria num cérebro adulto", explica Maria da Graça. ceptores ainda não estão ativos.

de Alzheimer cinco anos mais tarde", revela Coimbra. O médico da Unifesp ainda não sabe por que isso ocorre. Mas sugere uma linha de raciocínio que tenta explicar o processo. Aco metido quase concomitantemente pela isquemia e febre, o sistema imunológico perderia a capacidade de distinguir as proteínas amigas das inimigas do sistema nervoso. Confusas, as células de defesa do organismo passariam, anos depois, a atacar o sistema nervoso, desencadeando o mal de Alzheimer. Uma explicação alternativa, proposta por outros especialistas, é que o binômio "isquemia mais

febre" provoca uma grande liberação de radicais livres. Esses íons tendem a lesar o DNA mitocondrial, acelerando o envelhecimento das mitocôndrias, que são os motores das células. Com a performance característica dos velhos engenhos, essas organelas passariam a apresentar baixo rendimento e gerariam muita poluição - ou seja, mais radicais livres. No limite, esse sistema de retroalimentação desembocaria no mal de Alzheimer. Seja qual for a causa, a descoberta de que isquemia seguida de febre pode desencadear o mal de Alzheimer permite produzir intencionalmente essa doença em

Há apenas duas décadas, praticamente se desconheciam os fatores que, nas patologias cerebrais, levam à morte de um número enorme de neurônios e pouco se sabia do intrincado processo de reorganização pelo qual passa o cérebro depois da lesão. Nos últimos anos, no entanto, pesquisas, feitas aqui e no exterior, fizeram o conhecimento avançar. Sabese hoje, por exemplo, que a morte neuronal decorre da liberação exagerada de um neurotransmissor, o glutamato. Essa substância promove a entrada maciça de cálcio e outros elementos nas células, que morrem em razão do excesso de ingredientes que, em quantidades normais, são indispensáveis à sua existência. Sabe-se, também, que o sistema nervoso central não aceita passivamente a destruição de neurônios: reage à agressão. ''Após sofrer uma lesão grave, o cérebro cria conexões totalmente inéditas. E aprende a lidar com essa nova circuitaria. O que chamamos de doença é, na verdade, uma reação vital", afirma Cavalheiro. "Nosso objetivo é conhecer melhor os mecanismos da morte neuronal e da reorganização do sistema nervoso para interferir no processo." •

animais de laboratório, para testar drogas que possam bloquear ou ao menos retardar a enfermidade. "Já temos as linhas gerais de um modelo experimental. O próximo passo é quantificar o processo: por exemplo, o quanto uma segunda ou terceira crise de febre aumenta a probabilidade do mal de Alzheimer", afirma Coimbra. "E, simultaneamente, iniciar testes com drogas potencialmente inibidoras da doença, como substâncias reconhecidamente capazes de auxiliar na reparação do DNA lesado. O trabalho com animais prepara o caminho para o estudo clínico, abreviando o tempo de pesquisa de 50 para cinco anos."

PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 35


CAPA

Golpe na epilepsia pós-traumática Projeto da Unifesp pede patente de remédio à base de sais de escopo/amina, substância usada normalmente para causar amnésia, que pode evitar o aparecimento da doença em vítimas de fortes pancadas na cabeça

primeira droga com potencial para evitar o surgimento da epilepsia pós-traumática, manifestação da doença decorrente de forte pancada na cabeça, está nascendo de um estudo conduzido pela equipe do médico Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello, do Laboratório de Neurofisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Em testes de laboratório, a administração de sais de escopolamina, medicamento originalmente utilizado para provocar amnésia, foi capaz de evitar o aparecimento dessa for- Mello e Simone: 15% dos roedores com epilepsia induzida ma de epilepsia em 15% dos ratos que sofreram sérios traumas no crânio. ressaltar que, em seres humanos, lesões semelhantes às simuladas nos aOs resultados foram animadores mesmo entre os roedores que não finimais levam a um quadro de epilepcaram curados. Nesses animais, as sia em 50% dos casos e não em 100%, como aconteceu com as cobaias", crises convulsivas demoraram três vezes mais tempo para ocorrer ou se afirma Mello, cujo projeto de pesquimanifestaram em menor freqüência sa recebeu cerca de R$ 400 mil da FAe de forma isolada, um padrão totalPESP e também conta com a particimente diferente do exibido pelos rapação das bolsistas Cristina Massant tos não submetidos ao tratamento, e Simone Benassi. "Por isso, se puderque passaram a ter crises constantes e mos extrapolar os resultados com os sucessivas num único dia. "É bom animais para os seres humanos, o í~-

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36 • JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

não tiveram crises de convulsão

dice de sucesso da escopolamina poderia alcançar os 30%." Mercado- Em

no máximo um ano, os resultados dos experimentos com sais de escopolamina em macacos estarão concluídos e os testes em humanos deverão ter sido iniciados. Confiante em sua descoberta e precavido contra eventuais cópias, o pesquisador já entrou com o pedido de registro de patente do novo medicamento


no Brasil e em mais de 30 países. Para isso, recebeu R$ 7,8 mil do núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Anualmente, o mercado de drogas contra epilepsia movimenta em torno de US$ 2 bilhões apenas nos Estados Unidos, Japão e Europa. Por ser um medicamento com uso potencial bastante específico, a escopolamina poderá abocanhar uma pequena fração desse valor. As drogas hoje disponíveis no mercado são eficientes apenas no controle das crises convulsivas em 80% dos pacientes. Para os 20% restantes, a única conduta possível, em alguns casos, é cirúrgica, com a remoção da porção do cérebro lesionada para a supressão do quadro. "Até agora, não há nenhum medicamento capaz de prevenir as crises da epilepsia pós-traumática", diz Mello. Em tese, o mercado consumidor da nova droga em desenvolvimento é de 9 milhões de pessoas no planeta. Os médicos estimam que cerca de 1% da população mundial (60 milhões de indivíduos) sofre de algum tipo de epilepsia. Em cerca de 85% dos casos, a doença é desencadeada por fatores genéticos ou pela existência de um tumor ou uma intervenção cirúrgica na cabeça. Em 15% dos pacientes, a enfermidade se origina de traumas na cabeça. Somente esses pacientes- e não o universo total de doentes- são candidatos a usuários dos sais de escopolamina. Segundo Mello, entre 15% e 50% das vítimas de traumatismo craniano grave desenvolvem epilepsia depois de algum tempo. O aparecimento do problema depende da área e extensão da lesão. "O risco de epilepsia em pessoas com traumatismo craniano é 13 vezes maior do que na população em geral", afirma o médico. Nos Estados Unidos, 400 mil pessoas sofrem lesões na cabeça por ano e 5% delas, ou 20 mil indivíduos, desenvolvem um quadro de epilepsia pós-traumática. No Brasil, não há estatísticas disponíveis sobre

O PROJETO Uso de Sais de Escopo/a mina na Prevenção de Epilepsia Pós-Traumática MODALIDADE

Auxílio-pesquisa COORDENADOR LU!Z EUG~N /0 ARAÚJO DE M ORAES MELLO -

Unifesp INVESTIMENTOS

US$ 158.876,00

e R$ 114.770,29

O remédio: patente foi pedida no Brasil e em mais 30 países

o número de pessoas que sofrem traumas na cabeça e acabam se tornando vítimas da doença. Durante as pesquisas com ratos, a administração por via injetável dos sais de escopolamina foi iniciada três horas após a ocorrência do trauma cranial e estendeu-se por duas semanas. Os bons resultados do tratamento levam os médicos da Unifesp a crer que essa abordagem seja suficiente para prevenir o aparecimen!o da epilepsia em um bom número de vítimas de lesões na cabeça. Ação da escopolamina -A escopolamina é uma substância que age em receptores sensíveis à acetilcolina, um neurotransmissor que faz a conexão entre neurónios. Esses receptores dividem-se em dois tipos: os sensíveis à nicotina e os à muscarina. A escopolamina age principalmente no segundo grupo, nos chamados receptores muscarínicos, que existem em abundância no sistema nervoso. Quando atua nesses receptores, a escopolamina causa amnésia temporária no indivíduo. A idéia por trás do uso da substância para evitar a epilepsia pós-traumática explora justamente essa capacidade de provocar

perda de memória no cérebro. "Acreditamos que a amnésia é uma condição necessária para bloquear o surgimento da epilepsia': diz o pesquisador. Mello explica esse conceito, que tem uma lógica similar à do coma induzido, que diminui a atividade cerebral para minimizar lesões nesse órgão: ''Acho que, em certas ocasiões, a epilepsia é um aprendizado. Nesses casos, depois de sofrer uma lesão aguda, o cérebro lança mão de mecanismos de emergência para se recuperar, fazendo com que os neurónios restantes se reorganizem para retomar suas funções. Mas essa reorganização nem sempre é perfeita e o cérebro, muitas vezes, fica com seqüelas, como a epilepsia. Isso ocorre quando a reorganização dos neurónios é feita de forma muito rápida e desorganizada. Com a escopolamina, estamos tentando fazer com que esse reordenamento seja lento e gradual e, portanto, mais bemsucedido': Além de ser empregado para provocar perda de memória em seres humanos, a escopolamina, quando associada a outro elemento, o butil, é usada no tratamento de espasmos. Nesse caso, a substância derivada é a butil-escopolamina, que é o princípio ativo do Buscopan, medicamento do laboratório alemão Boehringer Mainheim, desenvolvido nos anos 60. Os bons resultados das pesquisas com sais de escopolamina atraíram o interesse da indústria farmacêutica. "Estamos em negociação com o laboratório Novartis, que tem medicamentos para tratar epilepsia. Nossa intenção é que a empresa assuma os testes clínicos em humanos. Afinal, ela tem mais know-how para isso", diz Mello. Caso as tratativas sejam concluídas, os dividendos resultantes serão repartidos entre os pesquisadores, a FAPESP e a Unifesp. A expectativa do médico é que, se tudo correr bem, o medicamento possa ser comercializado em menos de cinco anos. • PESQUISA FAPESP • JULHODE2001 • 37


CIÊNCIA

MED IC INA

Dissecando as forças do aneurisma Estudo das tensões da aorta avança com aparelho de engenheiro indiano

disciplina de Técnica Cirúrgica e Cirurgia Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) . O brasileiro pesquisa em cadáveres de pacientes que desenvolveram o aneurisma, mas não chegaram a ter ruptura. ''A necropsia", explica o pesquisador, "é a única forma de analisar minuciosamente as propriedades biomecânicas da parede do aneurisma, que tem características e propriedades heterogêneas".

O indiano já pesquisava aortas de animais e, em 1999, fez uma palestra para médicos, nos Estados Unidos, mostrando a importância de se analisar todas as porções da parede do aneurisma a fim de obter melhores conclusões. A única forma de fazer essa análise, contudo, é examinar aneurismas ainda sem rompimento por meio de necropsia, uma prática quase inexistente nos Estados Unidos. "É impossível, por exemplo, fazer uma biópsia de todas as porções de um . . aneunsma num paClente vivo, pois não há como coletar amostras de tecido nas paredes de uma artéria vital, que não pode ser perfurada", explica Silva. Raghavan conheceu o trabalho do médico brasileiro no Journal

pesquisa do aneurisma da aorta feita em necropsias desde 1992 pelo médico Erasmo Simão da Silva acaba de receber uma contribuição importante. Numa estada de um mês no Brasil, em julho, o engenheiro biomédico indiano Madhavan Lakshmi Raghavan troco u idéias com o pesquisaNas extremidades do aneurisma dor brasileiro e trouxe o aparelho que desen(trechos em vermelho), o risco de a volveu para medir a artéria se romper é maior tensão das paredes do aneunsma. Essa anomalia - tão grave quanto po u co divulgada - consiste na dilatação de uma área (em Newton/ cm 2) da aorta abdominal, 29 que se pode romper sem aviso prévio, cau26 sando séria hemorragia 24 e muitas vezes a morte. 21 Nos Estados Unidos, o aneurisma da aorta 18 consta nas estatísticas 16 médicas como a décima terceira causa da 13 morte de homens com 10 mais de 60 anos. No 8 Brasil, atinge cerca de 4% dos homens dessa 5 faixa de idade. 3 Os estudos de Rao ghavan, que trabalha há dez anos na Universidade de Iowa, Estados Unidos, vieram ao encontro dos de Simão da Silva, pesquisador da

A

Nível de tensão na aorta

38 • JULHO OE 2001 • PESQUISA FAPESP

of Vascular Surgery, em 1999, e no Cardiovascular Surgery, em 2000. Como nos hospitais norte-americanos a prática de necropsia não é comum, Raghavan entrou em contato com Silva pela Internet para, juntos, pesquisarem o comportamento mecânico dessa anomalia vascular, com o objetivo de obter um modelo matemático de análise da tensão de sua estrutura. Fatores de risco - O aneurisma da aorta abdominal tem origem hereditária ainda não bem definida. O que se sabe é que fatores


como arteriosclerose, tabagismo e hipertensão arterial em sexagenários do sexo masculino colaboram bastante para o desenvolvimento desse problema. Ele é facilmente detectado com exames de ultrasonografia, ressonância magnética ou ainda tomografia computadorizada. A mortalidade ocorre em mais de 50% dos casos em que há ruptura e não existem medicamentos específicos para evitar o progresso da dilatação das paredes da aorta ou estimular sua diminuição. Assim, a única solução é detectar o aneurisma antes que as paredes se rompam. Identificada a anomalia, é preciso então fazer uma cirurgia, para retirar o segmento dilatado e substituí-lo por uma prótese sintética. A cirurgia pode ser feita por incisão no abdome - técnica consagrada há mais de 50 anos - ou por cateterismo de artérias periféricas - recurso adotado há apenas dez anos e ainda em evolução, com a vantagem de dispensar a incisão abdominal. Mas há um dilema entre os médicos: submeter ou não pessoas de idade avançada aos riscos da cirurgia. "Uma vez que os aneurismas ocorrem em idosos já com doenças correlacionadas, o ideal seria, antes de tudo, identificar o paciente com maior risco de ruptura da aorta. Desse modo, um contingente significativo seria poupado de uma operação bastante delicada", avalia Simão da Silva. Os especialistas já determinaram que, em geral, o perigo de rompimento fica evidente quando a dilatação atinge 5 centímetros de diâmetro. Mas há muitos casos em que Cirurgia -

propriedades mecamcas são isotrópicas e uniformes", informa Simão da Silva. Um estudo detalhado de toda a parede do aneurisma detectando a espessura e a força necessária para a ruptura - só pode ser obtido se toda a parede for devidamente analisada. De agora em diante, a partir de um modelo matemático, Silva e Raghavan esperam conseguir o cálculo individualizado Estudo da Tensão na Parede de Raghavan e Silva: da tensão a que Aneurismas da Aorta Abdominal equipamento um aneunsma Obtidos em Necropsia indica os pontos estaria sujeito. de tensão a que MODALIDADE "Com esse moAuxílio-visitante um aneurisma delo poderemos está sujeito e ajuda entender melhor COORDENADOR a determinar a por que a ruptuERASMO SIMÃO DA SiLVA- Faculdade necessidade de de Medicina da USP ra de um aneucirurgias risma acontece INVESTIMENTO em diferentes R$ 5.089,15 níveis de dilatação. Dessa maneira, fica mais fácil determinar se o rompimento só ocorre com 10 ou um paciente deve ser submetido a até 12 centímetros de dilatação. cirurgia ou não", completa o médi"Ainda não sabemos porque tal fato co brasileiro. acontece. Por isso, muitas vezes, ao Como as paredes da aorta abdose optar pela cirurgia, fatores associados à evolução natural dos aneuminal são heterogêneas, é preciso especificar suas espessuras, bem como rismas têm de ser contrabalançados sua morfologia e as forças que sobre com os riscos cirúrgicos para caq.a ela atuam, tal como a pressão arteindivíduo." rial. "Com essa análise, fica mais fácil estudar o comportamento meCálculo de tensões - Imagens de tocânico e projetar os modelos matemografia computadorizada podem máticos para calcular o estresse proser utilizadas, por meio de uma escala de cores, para determinar os nívocado nos tecidos", diz Silva. O aparelho de Raghavan foi traveis de tensão na parede de um zido temporariamente e levado de aneurisma típico. Nessas imagens, a cor vermelha representa os maiores volta para os Estados Unidos. "Mas níveis, e a azul os menores, com os foi de grande valia para o desenvolvimento de um projeto piloto", convalores intermediários em amarelo e ta Silva. "Para avançarmos no traverde. O cálculo da tensão baseia-se num modelo biomecânica compubalho, pretendemos agora adquirir tadorizado. Mas esse modelo tem o equipamento, que custa em torno limitações, pois não se pode obter de US$ 13 mil, e estabelecer uma via dados sobre certas propriedades biode cooperação permanente entre o mecânicas dos aneurismas. "ErroneDepartamento de Bioengenharia da Universidade de Iowa e o Departaamente, os modelos atuais assumem mento de Cirurgia da Faculdade de que essas anomalias têm a mesma • Medicina da USP." espessura em toda a parede e que as PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 39


CIÊNCIA

FARMACOLOGIA

Planta contra tuberculose Em laboratório, extrato de camapu extermina seis tipos de micobactérias á três anos, a química Suzelei

H de Castro França lançou uma

provocação aos colegas da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp): "Faz dez anos que pesquisamos plantas com potencial terapêutico contra os mesmos organismos, com resul- ~ tados bons, mas mo- ~ destos. Por que não ~ trabalhamos com o g~ bacilo da tuberculose, 5 ~ que está causando um problema mundial?" Resultado: descobriram que o extrato bruto de uma planta da Amazônia, o camapu ou balãozinho (Physalis angulata), inibe a multiplicação das micobactérias (gênero Mycobacterium) causadoras da tuberculose e de doenças oportunistas em pacientes com defesas orgânicas enfraquecidas. Os usos populares do camapu já indicavam seu potencial farmacológico: além de ser usado como diurético e digestivo, é considerado bom também contra inflamações, febres, reumatismo e até malária. Os testes atuais do grupo da Unaerp - feitos diretamente sobre as bactérias - são o primeiro passo rumo a medicamentos mais eficazes e menos tóxicos. Se tudo correr bem, pode estar no mercado num prazo de cinco a dez anos - necessário à efetivação de todos os testes requeridos - uma alternativa às drogas em uso: isoniazida, rifampicina e pirazinamida, hoje com a eficácia reduzida 40 · JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

diante das variedades de bactérias multirresistentes. Estima-se que 2 bilhões de pessoas- um terço da população mundial - estejam infectadas pelo bacilo da tuberculose, que mata 2 milhões por ano no mundo todo. Mecanismos de ação - No Centro de Biotecnologia Vegetal da Unaerp, dirigido por Suzelei, o que se busca atualmente são frações cada vezes menores do extrato de camapu, nas quais se concentram as substâncias

mento, realizado num laboratório da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto em que se estudam vacinas de DNA contra a tuberculose. Foi então que conheceu a gravidade do problema e as perspectivas de pesquisa. Uma mistura de fisalinas identificada pelo código Al2912 destruiu células de seis cepas (variedades) do gênero Mycobacterium: duas da espécie tuberculosis, causadora da tuberculose; uma de avium, uma das bactérias oportunistas mais freqüentes em pacientes com Aids e resistente ao tratamento convencional; uma de kansasii, uma de malmoense e uma de intracellulareque causam tipos diversos de tuberculose, principalmente em doentes

Suzelei, Rosemeire e o cama pu : alternativa contra o Mycobacterium tuberculosis (acima)

que provavelmente exterminam as micobactérias: são as fisalinas, obtidas das raízes e das folhas da planta. As fisalinas já são vistas como antitumorais e tripanossomicidas (matam o Trypanosoma cruzi, protozoário causador do mal de Chagas). No início dos anos 90, estudos realizados na China atestaram que uma das fisalinas, a B -já purificada pela equipe da Unaerp -, atua contra leucemia em animais de laboratório. "Queremos agora saber se as fisalinas funcionam do mesmo modo juntas ou isoladas", diz Rosemeire Cristina Linhari Rodrigues Pietro, coordenadora do projeto. Quando Suzelei lançou o desafio à equipe, ela acabara de voltar do pós-doutora-

com sistema imunológico debilitado. Notou-se também uma ação discreta contra o Staphylococcus aureus, bactéria associada à infecção hospitalar com que a equipe já trabalhava O PROJETO Análise da Atividade Antimicobacteriana de Extra tos Vegetais MODALIDADE

Auxílio a projeto de pesquisa COORDENADORA

ROSEMEIRE CRISTINA LINHARI RoDRIGUES PIETRO- Unaerp INVESTIMENTOS

R$ 23.503,61

e US$ 16.465,28


ao llliClar a pesquisa com as micobactérias. O trabalho foi publicado em agosto de 2000 na revista Phytomedicine. Parceria americana - Na próxima

etapa, os testes de toxicidade das fisalinas, inicialmente em células, poderão consolidar a parceria com Scott Gerald Franzblau, especialista em atividades antimicrobianas de produtos naturais, da Universidade de Chicago, Estados Unidos. Franzblau prontificou-se em 1999 a testar a eficácia do extrato em animais. Foi Franzblau, a propósito, quem enviou - gratuitamente, como é hábito entre pesquisadores- o reagente alamar blue, um líquido azul que ele próprio havia testado contra micobactérias. Em contato com uma solução que contenha micobactérias vivas, torna-se cor-de-rosa. Foi uma ajuda e tanto: não era mais preciso esperar quase um mês para ver se as bactérias haviam mesmo morrido. "O alamar blue funciona mesmo com uma única célula viva", conta Daisy Nakamura Sato, responsável pelo laboratório de micobactérias do Instituto Adolfo Lutz em Ribeirão Preto, que cuidou dos testes. Outras plantas - As pesquisadoras analisaram também outras plantas. Com a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) e a caapeba (Potomorphe umbelatta), os resultados não se revelaram promissores. Mas o extrato de carqueja (Baccharis trimera), um arbusto das florestas tropicais sulamericanas, e da mangaba (Hancornia speciosa), uma planta do cerrado, mostraram potencial atividade antimicobacteriana. De outra planta da mesma família que a mangaba, a maria-sem-vergonha ou vinca ( Catharanthus roseus), se extraem substâncias usadas como antitumorais. Suzelei conclui: "Se queremos de fato contribuir para o avanço científico na exploração do potencial de plantas medicinais, temos de ampliar as atividades biológicas a serem testadas". •

ConSITec

Você só ganha • o JOgo com uma equipe entrosada No esporte ou na atividade empresarial, time vencedor é o que combina esforços. Por isso a FAPESP criou o ConSITec- Consórcios Setoriais para Inovação Tecnológica. Eles devem reunir no mínimo três empresas de um mesmo setor industrial e um ou mais pesquisadores paulistas para a realização de pesquisa tecnológica destinada ao desenvolvimento de produtos ou processos ou à solução de problemas do setor. A FAPESP entra com uma parte significativa dos recursos, cobrindo até 50% dos investimentos necessários por até seis anos, dentro de um Umite anual de R$ 200 mil por consórcio. Será financiado apenas um consórcio por setor e, quando formado por pequenas empresas, não há necessidade imediata de contrapartida. Os projetas podem ser apresentados em qualquer época do ano. Monte o seu consórcio, o seu time. E ganhe o jogo. Acesse www.fapesp.br e obtenha mais informações.

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO

Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico

www . fapesp.br

PESQUISA FAPESP • JULHOOE2001 • 41



Neblina, Ballet Stagium: harmonia e movimento

rinos num palco - exemplifica Hornos: ambos executam movimentos simétricos, espelhados, a partir de uma linha imaginária central. "Ordem e simetria não significam situações paradas, mas o contrário, que é o movimento", diz ele. Se um dos dançarinos se move mais devagar que o outro, ou tropeça, a simetria se rompe. Foi justamente esse rompimento de harmonia ou quebra de simetria, capaz de desfazer só um pouco a ordem inicial, que os pesquisadores detectaram como origem das mudanças do código genético. Para combinar os 64 códons com os 21 aminoácidos e demonstrar a quebra de simetria, valeram-se da Teoria dos Grupos, parte da matemática que mostra como fazer operações seguidas com um conjunto finito ou infinito de elementos (ver quadro na próxima página). Logo verificaram que o código genético não se poderia ter formado ao acaso, já que as possibilidades de combinação aleatória dos 64 códons com os 21 aminoacidos são da ordem de 1O elevado à potência 70- ou o número 1 seguido de 70 zeros. "O universo não teria tempo para experimentar todas essas possibilidades e dificilmente acertaria logo nas primeiras tentativas", conclui Forger. Segundo o modelo ao qual chegaram, há quatro bilhões de anos os códons estavam em fendas vulcânicas ou no oceano, misturados com aminoácidos formados ao acaso. Era o momento zero da vida, quando os códons ainda não se haviam diferenciado: não montavam aminoácidos, não tinham função biológica. Só começaram a diferenciar-se e a dirigir a montagem dos aminoácidos depois da primeira quebra de si-

metria. A partir daí, não mais funcionaram- ou dançaram- do mesmo modo e o DNA começou a sintetizar proteínas. Terminava o estado prébiótico, quando só havia as rochas, os oceanos e a atmosfera primitivos, e começava a síntese biótica - um conjunto de mecanismos que permite aos códons passar adiante as informações sobre a produção de proteínas. Resultado: surgtram as primeiras células.

das forças ou interações entre partículas subatômicas, todas inicialmente unificadas. Mas por que pensar em simetria na organização e no funcionamento das trincas de bases do DNA? Para Forger, "o princípio de simetria é uma das metodologias que podem estabelecer um pouco de ordem no processo de evolução em geral". Hoje são nítidas ao menos duas semelhanças entre os modelos de

Os códons, que inicialmente eram um só grupo, passaram a formar seis, correspondentes aos aminoácidos com os quais podiam lidar. A diferenciação prosseguiu: outra quebra de simetria originou 14 agrupamentos de códons. Surgiram mais dois no terceiro estágio e cinco no quarto e último, quando os 64 códons se organizaram em 21 agrupamentos - é o código genético atual. "A diferenciação dos códons ocorreu há quatro bilhões de anos, num período relativamente curto, que não deve ter passado de 400 milhões de anos", afirma Forger. A quebra de simetria aparece em teorias que descrevem a formação do Universo pela diferenciação

quebra de simetria que explicam a organização das partículas atômicas e o código genético: ambos têm um ponto final definido - não podem criar outras coisas além do que já existe- e dificilmente podem retroceder a estágios anteriores.

Momento zero-

Mas, há alguns anos, o que era óbvio para os físicos incomodou os biólogos, ainda que alguns deles acreditassem que o código genético se teria formado de estruturas mais simples, até que, por alguma razão, a diferenciação teria cessado- o congelamento do código, agora caracterizado. "Ninguém acreditava que houvesse simetria em sistemas vivos': lembra Hornos, cujo Surpresas -

PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 43


estudo inicial foi sucessivamente devolvido por revistas de bioquímica e evolução, até ser aceito na Physical Review Letters. Um trabalho recente, do qual participaram Lígia Braggion e Márcio Magini, também da USP de São Carlos, mostra que o código genético padrão - do núcleo de quase todas as células - tem uma simetria exata desde que se formou, há cerca de 3,8 bilhões de anos. Verificou-se a mesma simetria na grande maioria dos códigos mitocondriais, contidos nos compartiO PROJETO Quebra de Simetria e Evolução do Código Genético MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR Jos~ EDUARDO MARTINHO HORNOS -

Instituto de Física de São Carlos, USP INVESTIMENTO

R$ 115.696,93

mentos celulares chamados mitoA tentativa não funcionou naturalcôndrias. O DNA mitocondrial mente: exigia caminhos de evolução emprega menos de dez aminoácidistintos para cada caso. dos. Trata-se de um grupo de códiA segunda abordagem deu certo: "Olhamos as diferenças com mais gos genéticos chamados desviantes. Há pelo menos uma dezena deles, carinho e percebemos que era mais encontrados com pequenas variacoerente interpretar as mudanças nos códigos genéticos mitocondriais ções nas mitocôndrias de bactérias, a partir do código genético padrão", fungos, animais e plantas- e o cóconta Hornos. "Às vezes, as mudandigo genético no núcleo das células ças até tendem para a retroatividade cada um é geralmente idêntico. de, que procura restabelecer parte Mas o que veio primeiro, o códa simetria perdida." digo genético padrão ou os mitocondriais? Em busca da resposta, que sena uma pequena peça a mais para As rotações de um sólido de 14 faces representam ... montar o quebracabeça da origem da vida, os pesquisadores da USP usaram o arsenal matemático de que dispunham para ver se era possível gerar os códigos genéticos mitocondriais em paralelo ao padrão.

As transformações do código...

Adecifração do código Em 1953, o inglês Francis Harry Compton Crick (1916-) e o norteamericano James Dewey Watson ( 1928-) descobriram que é a molécula do DNA que transmite as informações genéticas - achado que lhes valeria o Nobel de Medicina de 1962. Logo foi posta a questão de como essas informações são lidas e traduzidas em estruturas biológicas de modo a formar os tecidos, desde folhas de plantas até a pele humana -o que diferencia um tecido de outro são as proteínas que o compõem. O próprio Crick e o sul-africano Sidney Brenner (1927-) resolveram a charada ao descobrir, em 1961, o código genético presente no DNA, que organiza a montagem das proteínas. Enfim, ficava claro: a informação genética contida no DNA é

44 • JULHO DE2001 • PESQUISA FAPESP

transmitida por meio de conjunOs códons (esferas), que inicialmente tos de três das formam um único agrupamento, começam ... quatro bases nitrogenadas adenina (A), citosina (C), timina de uma molécula de ácido ribonu(T) e guanina (G) -,chamados de cléico, o RNA mensageiro, formado códons, e que são as unidades do a partir de uma das duas fitas do DNA, e montam o aminoácido código genético. Combinadas três a três, as quacorrespondente. Os aminoácidos se tro bases formam 64 códons, que encaixam um a um até se compleorientam a montagem dos aminoátar a proteína, às vezes com milhacidos na proteína. O código genétires de aminoácidos. co é o conjunto dos códons e resOs 64 códons, como se compropectivos aminoácidos, reunidos vou experimentalmente, correspondem a apenas 21 aminoácidos, numa tabela tão importante para os bioquímicos como a tabela periincluindo o chamado sinal de teródica para os químicos. São os ataminação, que informa o momento res de um processo que ocorre a de encerrar a leitura do RNA mentodo momento nas células: enzisageiro. O mesmo aminoácido, mas específicas identificam trechos portanto, está associado a mais de


A conclusão matemática de que os códigos genéticos desviantes se formaram a partir do código padrão coincide com estudos biológicos recentes. Syuozo Osawa, da Universidade de Nagoya, no Japão, autor do Evolution of the Genetic Code, estima que o desvio mais antigo ocorreu há aproximadamente um bilhão de anos, bem depois da formação do código padrão. Nesse ponto, o modelo matemático e as investigações biológicas se tocam: ambos apresen-

tam a tendência à mudança e ao mesmo tempo à conservação. "Na linha que leva aos vertebrados, a evolução preserva a simetria do código padrão e às vezes até procura restau., rar uma simetria mais ampla e mais antiga", diz Hornos.

-Esse tipo de simetria não é exclusivo do código genético. É bem semelhante à da tautomeria, fenômeno que faz duas moléculas com os mesmos componentes terem propriedades diferentes conforme as posições de grupos ... o processo de diferenciação dos códons específicos de átomos. As comparações vão além: "A noção de simetria", diz Hornos, "é tão antiga quanto a cultura humana. Os maias nunca viram nada dos egípcios, mas adotaram a mesma noção de siPrincípio universal

... genético em três dimensões

o

o

Cartan ( 18691951) -, abriu milhares de possibilidades de organizar os 64 ... a se diferenciar com a primeira quebra códons com os de simetria: surge a vida na Terra 21 aminoácidos, sem fugir um códon- fenômeno conhecidos dados experimentais. Cada do como degenerescência do códiresposta teve de ser examinada go genético. A combinação é pecuuma a uma. Um trabalho árduo, só liar: três aminoácidos derivam de concluído este mês, mostra que há seis códons, cinco se formam a pelo menos dez modelos baseados partir de quatro, dois provêm de no princípio de quebra de simetria três e nove podem ser produzique reproduzem o código genétidos a partir de dois. Somente dois co padrão. aminoácidos, a metionina e o tripA resposta que se tem destacatofano, dependem de apenas um do é justamente a proposta origicódon. nal de Hornos lançada em 1993, A Teoria dos Grupos, criada por construída a partir do grupo simtrês matemáticos - o francês Evaplético Sp( 6), assim batizado pelo riste Galois (1811-1832), o noruematemático alemão Hermann guês Marius Sophus Lie (1842Klaus Hugo Weyl (1885-1955). O 1899) e outro francês, Elie Joseph Sp( 6) é constituído de transforma-

metria quando construíram suas pirâmides". Arte suméria, arquitetura tailandesa ou árabe, nas artes de todos os povos em todos os tempos está presente a simetria, um princípio universal. O trabalho acena com perspectivas de aplicação na medida em que representa cada códon por uma série de números, correspondentes a suas coordenadas numa figura geométrica tridimensional que descreve a diferenciação do código genético. É uma espécie de carteira de identidade, que, segundo Hornos, pode ajudar na busca das conseqüências biológicas do modelo, medidas, por exemplo, de modo ainda puramente especulativo, pela produção de proteínas anormais que causem doenças. Como todo modelo, esse dá algumas respostas, mas não diz tudo. Persiste uma dúvida essencial: o que provoca a quebra de simetria, que faz com que o código genético se diferencie? A resposta talvez demore um pouco. •

ções de objetos em seis dimensões, que são abstrações puras, mas podem ser comparadas às três dimensões do espaço físico - largura, comprimento e profundidade. Pode ser aplicado também a objetos em 64 dimensões - os códons. Com base nas idéias de Weyl, que se somaram às de outro matemático alemão, Felix Christian Klein (1849-1925), enfatizador das conexões entre a geometria e a Teoria dos Grupos, os pesquisadores construíram um modelo tridimensional com 64 pontos - ou bolinhas -, cada um correspondente a um códon. O resultado é um sólido de 14 faces - oito hexágonos e seis quadrados- com um octaedro regular que permite visualizar a quebra de simetria: as bolinhas pintadas de cores distintas representam a diferenciação dos códons, em cada estágio.

PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 45


CIÊNCIA

ECOLOGIA

Vale do Paraíba: formações vegetais variadas e terreno fértil para pesquisas de campo que alimentem o sistema

Base do SinBiota já em operação Biodiversidade paulista está na Internet, com muitos dados ecentenas de mapas A biodiversidade paulista estréia flno mundo virtual: entrou no ar este mês no endereço eletrônico www.biota.org.br/sia o Sistema de Informação Ambiental do Programa Biota-FAPESP (SinBiota), com dados de mais de 4 mil espécies de plantas, animais e microrganismos registrados no Estado. Os dados aparecem na forma de uma ficha preenchida pelo pesquisador que coletou a amostra da espécie ou representados graficamente sobre uma versão digital- e interativa- do mapa. Mais do que um banco de dados dos 28 projetas temáticos do Biota programa de mapeamento da biodiversidade e dos recursos naturais 46 · JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

paulistas iniciado há dois anos -, o SinBiota é uma ferramenta virtual para a definição de estratégias de preservação. Com o novo instrumento, será mais fácil estabelecer regiões e. espécies prioritárias para preservação, fornecer subsídios para delimitar zonas de expansão agrícola ou apontar para que lado uma cidade pode se expandir sem prejudicar a biodiversidade. "Em 2004, quando o

SinBiota estiver abastecido com os dados da maioria desses projetas temáticos, poderemos iniciar análises que nos darão uma idéia de quão eficiente é o sistema de conservação in situ no Estado de São Paulo e de como e onde ele pode ser aperfeiçoado", afirma Carlos Alfredo Joly, coordenador do SinBiota e do Biota. Iniciativa regional de impacto global, o SinBiota põe a biodiversidade de São Paulo - e, por extensão, do Brasil- na era digital, como iniciativas similares na Europa e na Austrália. Até o final do ano, além de ser alimentado com os primeiros registras do Biota, o SinBiota terá dados sobre coleções de espécies catalogadas por instituições nacionais e do exterior, por meio de acordos e convênios que estão Flores de Tabernaemontana /aeta: Mata Atlântica sendo firmados, e fornecerá


informações para outros bancos de dados, daqui e de fora.

três bacias restantes, todas do litoral, essas informações devem entrar até o fim do ano. Das 19 bacias mapeadas, a do rio Mogi Guaçu, no nordeste paulista, tem a maior riqueza de dados. Nem poderia ser diferente: o SinBiota tomou forma a partir da cidade de Mogi Guaçu e arredores. A região foi escolhida como piloto porque dispunha de boa base cartográfica - 44

Ambiente, e auditados pelo Instituto de Geociências e o Centro de Pesquisa Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). As informações sobre a bacia do Ribeira de Iguape - provavelmente a última a entrar no SinBiota, por conter os maiores remanescentes de Mata Atlântica nas reservas de JuréiaItatins, Cardoso e Intervales ·- são trabalhadas em conjunto com a ONG

Estágio atual - Uma amostra da versão inicial do banco de dados: se o internauta está interessado, por exemplo, em acácias, o sistema revela as 50 coletas já feitas de cinco espécies dessa árvore, em especial da Acacia polyphylla. Pode-se saber quando, onde e quem fez cada coleta, ou localizar num mapa do Estado ou de uma sub-região as áreas onde se registrou a presença de cada espécie. O sistema permite pesquisar de várias formas a partir do mecanismo de busca. EnMapas tre outras possibilidades, podeBacia Aguapei Cobertura Vegetal se digitar o nome da espécie • I:Jnapa Capo erra procurada, do autor de uma • I:Jnapa Cerradáo • I:Jnapa Cerrado coleta, de um município ou • I:Jnapa Mata Não ldenbficado • I:Jnapa de uma bacia hidrográfica. • I:Jnapa Varzea } Para localizar com precisão Sacra Alto • I:Jnapa Paranapanema a incidência de espécies no Bac1a Alto T1etê • I:Jnapa território paulista, a equipe teAdicionar coletas cujo ve de construir um atlas virtual. campo Iespécie ii Composto de 430 mapas juscontém! tapostos na escala 1:50.000, o atlas é uma atração à parte e ,4 serve de base para estudos amAtravés das setas é posslvel mCNer o mapa de posl çlo. bientais e trabalhos de campo. Clique naa •etas para atuallzar o mapa. Pesquisadores e professores podem dar um zoam para ver os pontos de ocorrência de Tela do SinBiota: linhas divisórias delimitam bacias hidrográficas. Em azul, áreas das coletas uma ou mais espécies, impriecológica paulista Instituto Socioammir o mapa e sair a campo para conmapas detalhados- e já havia na litebiental. "Se fôssemos fazer sozinhos, seferir, no local, a diversidade que o ratura levantamentos preliminares ria muito mais demorado e custoso", computador mostrou. "Por si só, a de flora e fauna em pontos de coleta criação de uma base cartográfica dide espécies bem definidos. Por isso, diz Vanderlei Perez Canhos, da Faculpara essa bacia há, além dos dados dade de Engenharia de Alimentos da gital para o Estado já é um passo giUnicamp, subcoordenador do Biota. comuns às outras, informações exgantesco para a pesquisa", avalia Joly. O atlas só abrange a terra firme, tras como padrão de uso do solo: esTerra e mar- Nem todos os mapas espor enquanto. "Como a equipe do tão demarcadas as áreas ocupadas Kronka digitaliza também a platafortão prontos, mas já há muito o que por rios, cidades, culturas agrícolas ma continental do Estado -e há prover. Com alguns cliques, vê-se na tela cana, café, cítricos e outras- e de solo jetos de biologia marinha no Biota -, exposto. Um ponto alto do trabalho uma carta geográfica do Estado que ao final, teremos cerca de 450 mapas pode ser preenchida com uma ou vásão as informações detalhadas sobre justapostos, incluindo a parte maririas camadas de dados básicos: áreas drenagem. "Qualquer riacho, qualurbanas, divisas de municípios, ronha", revela Joly. quer olho d'água está lá. Para as oudovias, unidades de conservação, retras bacias, inicialmente, só vamos presas e as 22 bacias hidrográficas. Vale do Paraíba- O sistema é alimenindicar os rios principais", diz Joly. Numa área de 19 bacias, ainda há datado sobretudo por levantamentos Os mapas são feitos sob coordedos mais específicos, sobre o tipo de e listas de espécies registrados em nação de Francisco José do Nascivegetação - Cerradão, Cerrado, Mata pesquisas feitas antes do Programa mento Kronka, do Instituto Florestal, Atlântica e várzea, entre outros. Nas Biota, mais os resultados iniciais ligado à Secretaria Estadual do Meio

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PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 47


desse programa. Nos estudos de campo, os quase 400 pesquisadores envolvidos preenchem uma ficha - padrão de coleta de dados geo-referenciados- com latitude e longitude medidas por aparelho de GPS (Sistema de Posicionamento Global). A visualização do mapa com todas as coletas feitas até o início de junho revela áreas pouco exploradas, como o Vale do Paraíba, O PROJETO onde foram recolhidas instrumento Sistema de Informação Ambiental relativamente poucas para do Programa Biota-FAPESP (SinBiota) espécies. A constatação preservação torna o vale um campo MODALIDADE ambiental fértil para a pesquisa de Projeto temático e delimitação campo, sobretudo porde áreas de COORDENADOR que abriga os fragmenexpansão CARLOS ALFREDO JOLY- Unicamp tos de Cerrado mais rural e urbana próximos do litoral. "E INVESTIMENTOS nenhuma área de CerR$ 1.074.782,00 mais US$ 48.800,00 rado do Vale do Paraíba está dentro de uma das paulistas. Essas coleções deverão ga23 unidades de conservação", afirma nhar uma versão digital para se inteJoly. "Uma das mais preservadas pergrar ao sistema. "Algumas já têm um tence à Aeronáutica e fica ao lado da certo nível de informatização. PorRodovia dos Tamoios." tanto, só estaremos complementanO SinBiota é paulista, mas pesquido a digitalização e conectando essas. sadores de outros Estados podem concoleções entre si", diz Joly. tribuir, sob uma condição: os dados têm de ser repassados por meio da fiDados internacionais - Para aumentar cha-padrão do sistema. "Os dados sea abrangência e incorporar logo os rão bem-vindos': diz o coordenador. avanços mais recentes em informátiPor norma, o sistema respeita a inforca para biodiversidade, o SinBiota faz mação original repassada. "O autor alianças estratégicas com museus, da ficha é o único que pode alterar herbários e sobretudo grandes banseus dados", salienta Joly. Qualquer cos de dados do exterior. pessoa, leigo ou pesquisador, pode Quando tudo estiver conectado, acessar as fichas, mas não integralas informações sobre o Estado serão mente: alguns dados, como o ponto acessíveis por esses bancos, que, em exato de coleta, são de acesso restrito e contrapartida, estarão disponíveis paa lista de espécies coletadas só é libera os usuários do sistema paulista. rada depois de estudos mais aprofunJoly acredita que em poucos anos dados ou da publicação de artigos. será possível ver no computador maAlém de ser enriquecido pelo repas com rios, cobertura vegetal e dispasse direto de dados, o acervo virtribuição geográfica de qualquer estual contará com as informações das pécie animal ou vegetal já catalogada, antigas coleções de flora e fauna em qualquer lugar do planeta. Assim, mantidas por museus e herbários 48 · JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

ficará mais fácil e barato buscar os dados de que se precisa. "Imagine a grande economia de tempo e dinheiro que essa integração provocará: o pesquisador brasileiro não precisará deslocar-se até os Estados Unidos para obter informações", destaca Joly. E a Internet 2, que permitirá velocidades de conexão bem superiores às atuais, garantirá uma consulta ágil. Inicialmente, num projeto desenvolvido em conjunto com a Universidade do Kansas, Estados Unidos, o SinBiota se integrará ao Species Analyst, sistema mundial que já reúne 20 coleções biológicas com cerca de 50 milhões de registros da ocorrência de animais, vegetais e microrganismos na América do Norte e na Europa. É o primeiro grande passo para a internacionalização do sistema. Em agosto, cumprido o estágio de um ano na Universidade do Kansas para entender a tecnologia da conexão dessas coleções num só banco de dados, o engenheiro de computação Ricardo Scachetti Pereira segue para o recém-criado Centro de Referência e Informação Ambiental (Cria), sociedade civil sem fins lucrativos (www.criabr.org.br) sediada nas proximidades da Unicamp e que administrará o acervo e os projetos do Biota. "Uma das minhas atribuições será desenvolver um sistema similar que, na primeira etapa, integrará 12 coleções biológicas do Estado de São Paulo", informa Pereira. "Queremos criar ferramentas para a realidade brasileira, como já fazem outros países", diz o subcoordenador Canhos. O Cria, aliás, é referência para outro grande banco de dados, o Species 2000, coordenado pela Universidade de Reading, Inglaterra. O objetivo desse projeto, com o qual o Biota mantém laços, é montar um catálogo com 1,8 milhão de organismos já descritos no mundo. •


CIÊNCIA

COMPORTAMENTO ANIMAL

Pedras no meio da evolução regiões lascas de pedra usadas como ferramentas que eram originárias de outros lugares. A remontagem feita pelos pesquisadores deixou claro que elas eram de áreas diferentes, isto é, foram transportadas pelo Homo abilis. ''A evidência concreta do uso e confecção de instrumentos era o fato reconstituição do caminho de de serem levadas pelos hominídeos e como se deu a emergência do foi isso que, provavelmente, teve inuso e confecção de ferramentas na fluência na evolução desevolução humana gase uso." Logo, o modelo nhou um obstáculo inesimaginado até agora faperado. Ao observar o lha em capturar o aspeccomportamento do mato crucial da questão: o caco-prego ( Cebus apelestabelecimento de amplas la), pesquisadores do Insredes de transporte de tituto de Biociências da ferramentas e os mateUniversidade de São Pauriais para sua produção. lo (USP) desmontaram Assim, o comportamenum modelo construído to entre os macacos-prehá alguns anos, segundo go não apresenta analoo qual os símios mostragia funcional e formal riam o caminho que secom o comportamento ria seguido mais tarde tecnológico dos primeipelos hominídeos. ros hominídeos. Além do homem, O objeto de estudo apenas o macaco-prego, o para ajudar a entender a chimpanzé (Pan troglodyevolução, o macaco-pretes), o orangotango (Pongo go, foi escolhido por ser pygmaeus) e o gorila ( Goconsiderado como uma rilla gorilla) são capazes de das espécies mais inteliusar pedras e paus como gentes das Américas, além ferramentas - para quede sua reconhecida habibrar cocos e castanhas, por lidade. Curiosos, inquieexemplo. Se treinados, os tos e com no máximo quatro fazem isso em catimeio metro de altura, veiro, mas apenas os dois eles são cada vez mais esprimeiros são natural- Macaco-prego quebra coquinho: habilidade rara entre símios tudados por pesquisadomente capazes de repetir res brasileiros, norte-americanos e o feito no próprio hábitat, segundo primeira espécie de hominídeo a ser europeus - até como uma opção para associada às lascas de pedras usadas relatos de alguns pesquisadores. Foi trabalhos comparativos ao chimpantal fato que transformou o macacocomo instrumentos. zé, natural da África. Na América do prego em possível modelo para en"Pesquisas na Etiópia, Tanzânia e Sul, encontram-se macacos-prego da tender como o homem começou a no Quênia indicam que o Homo abiColômbia à Argentina; no Brasil oculis andava por amplas áreas carreganusar machadinhas, martelos, arpões e pam ambientes tão variados quanto a outros instrumentos. do seu próprio material e essa caracAmazônia, o Cerrado, a caatinga e a terística o macaco-prego não tem", O trabalho dos pesquisadores Mata Atlântica. • Euphly Jalles- Filho, Rogério Grassetexplica Jalles. Foram achadas nessas

Estudo da USP derruba modelo sobre uso econfecção de ferramentas

A

to Teixeira da Cunha e Rodolfo Aureliano Salm, publicado no ]ournal of Human Evolution (maio), mostrou que tal modelo, até então amplamente aceito, não é verdadeiro. Eles mostraram que os macacos-prego não têm a habilidade de transportar as ferramentas em seus deslocamentos pelo ambiente como fazia o Homo abilis, 2,6 milhões de anos atrás, a

PESQUISA FAPESP · JULHODE 2001 • 49


CIÊNCIA

ARQUEOLOGIA

Partes de três ossadas humanas de cerca de 8. 400 anos - que acabam de ser encontradas por uma equipe paulista na região arqueológica mineira de Lagoa Santa- ajudam a reforçar teoria de pesquisadores da USP sobre o povoamento da América

Africanos vieram antes MARCOS PIVETTA

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urante todo o mês de julho, uma expedição de 25 pessoas chefiada pelo bioarqueólogo Walter Neves, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IBUSP), .fez escavações em sítios préhistóricos da região mineira de Lagoa Santa. Situada 40 quilômetros ao norte de Belo Horizonte, a área forneceu, há 26 anos, o mais antigo fragmento de esqueleto humano en-

D

contrado na América - o crânio de Luzia, jovem que viveu há 11.500 anos e tinha traços similares aos dos aborígines australianos e negros africanos. Agora, partes de três novas ossadas que a equipe acaba de encontrar, com características semelhantes às de Luzia, alimentam a teoria de Neves, segundo a qual o território americano foi ocupado antes do que se imaginava - e por popu-


lações originalmente africanas e não-mongolóides, diferentemente do proposto pela linha mais tradicional de pesquisa nessa área. Os novos ossos foram descobertos no sítio arqueológico de Lapa das Boieiras, município de Matozinhos, onde há um cemitério pré-histórico que não era escavado desde 1956. Primeiro, no dia 5 de julho, a

meros 30 centímetros de profundidade, acharam um ilíaco (osso da bacia), algumas costelas, pedaços de ossos de mãos, pés e um crânio. Sete dias depois, resgataram outro crânio e uma arcada dentária. E, no dia 21, uma articulação de joelho. "Pela localização e profundidade onde foram encontradas, as ossadas devem ter cerca de 8.400 anos", estima Neves. A idade exata só será conhecida quando for feita a datação pelo método do Carbono 14. Além dos ossos, os pesquisadores desenterraram restos de fogueiras, lascas, instrumentos de pedra e ossos de animais. Os pesquisadores também começaram a escavar outro sítio pré-histórico de Matozinhos, o de Lapa de Cerca Grande. Logo pararam ostrabalhos: em vez de um cemitério, depararam com um terreno arrasado pela exploração mineral de calcário e calcita. "Ficamos muito tristes e tensos com essa destruição", lamenta Neves. "Mas, como tínhamos outro sítio para escavar, não perdemos as esperanças."

daram os cientistas a se orientar nas cavernas e grutas da região. Mesmo bem mais novas que o esqueleto mais antigo da América, as ossadas de Bo1eiras têm significado especial. São as primeiras desenterradas da região de Lagoa Santa desde 1975, quando o crânio de Luzia foi descoberto na caverna de Lapa Vermelha 4, em Pedro Leopoldo. Até hoje, 62 crânios, mais ou menos íntegros, foram retirados da região, mas só 12 estavam em condições de ser submetidos à datação por Carbono 14. A idade atribuída às ossadas que puderam ser situadas no tempo variou de 8 mil a 11.500 anos, Neves (de joelhos) e todas apresentavam as mesmas cae equipe no sítio de raterísticas físicas de Luzia. Lapa das Boieiras, "Por uma peculiaridade do terem Matozinhos (MG). reno local, é difícil encontrar ossos onde encontraram com colágeno preservado, elemento os fragmentos das três ossadas indispensável para realizar esse tipo de análise", explica Neves. "Tomara que esses novos Lagoa Santa fragmentos de esqueleto estejam em condições de ser submetidos ao processo de datação." Encontrar mais ossadas humanas na área é o principal objetivo da expedição, bancada pelo ambicioso projeto temático chefiado por Neves, que propõe uma nova teoria do povoamento do continente. Amparada nos esqueletos de Lagoa Santa, sobretu(1801-1880), que na primeira metado o de Luzia, a teoria sustenta que de do século 19 desenterrou ali mais de 30 ossadas humanas - a maioria o processo de colonização da Améenviada a seu país. rica se deu de forma diferente da defendida pela linha mais tradicionalista da arqueologia, impregnada Dia-a-dia - Depois de uma jornada pela visão norte-americana. de escavações que começava às 8 e terminava às 17 horas, a equipe plaAo estudar os crânios e arcadas nejava o dia seguinte no quarteldentárias encontrados na região, general da expedição, o Hotel Eliana, Neves percebeu que sua conformano centro de Matozinhos. Ali estação não batia com a dos esqueletos vam pesquisadores da USP (a maiodos indígenas de hoje dos Estados ria), Universidade Federal de Minas Unidos. Os crânios brasileiros eram Gerais (UFMG), Faculdade de Ciênmais estreitos e longos, com queixo cias Humanas de Pedro Leopoldo e proeminente e faces estreitas e curCentro de Arqueologia de Lagoa tas- em suma, para os arqueólogos, Santa. Também colaboraram com o eram crânios típicos de uma popuprojeto espeleólogos locais, que ajulação afro-australiana e não de po-

Os fragmentos de Boieiras foram enviados à Base de Pesquisa Peter Lund, situada na Quinta do Sumidouro, no município vizinho de Pedro Leopoldo. Posto avançado da expedição, distante 12 quilômetros das escavações, é uma casa adaptada para abrigar temporariamente o material resgatado, que ali é limpo e inventariado. O nome da base homenageia um pioneiro da descoberta de ossadas na região de Lagoa Santa: o naturalista dinamarquês Peter Lund

PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 51


vos mongolóides, de traços orientais, como os atuais indígenas. "Os norte-americanos me criticam dizendo que fiz uma teoria a partir de um esqueleto que é uma aberração (o crânio de Luzia) e não representa uma população", comenta Neves. "Isso não é verdade. As outras ossadas de Lagoa Santa que também conseguimos datar apresentam as mesmas características de Luzia." Outro argumento a favor de sua tese: 40 ossadas humanas desenterradas em outra região mineira, a Serra do Cipó, distante 80 quilômetros da área de Lagoa Santa, revelaram idade de 8 mil a 11 mil anos e os mesmos traços de Luzia. Basicamente, há dois pontos de discordância entre Neves e seus contestadores. Segundo ele, o povoamento do Novo Mundo começou cerca de 15 mil anos atrás- e não há apenas 11,5 mil anos, como diz o antigo modelo - e os primeiros habitantes eram semelhantes aos atuais africanos e aborígines da Austrália - e não mongolóides, como sustenta a maioria dos arqueólogos. Mas Neves e os norte-americanos tradicionalistas estão de acordo num ponto fundamental: os povos pré-históricos chegaram à América pelo Estreito de Bering, que separa a Ásia do Alasca. Fizeram provavelmente a travessia de barco, parando de ilha em ilha, numa espécie de navegação de cabotagem, ou caminhando sobre as águas congeladas do estreito, que, durante a última grande glaciação (entre 1,6 milhão e 10 mil anos atrás), formou uma ponte natural entre os dois continentes. Mas como ocorreu exatamente o povoamento primordial das Américas? Para Neves, foi a última etapa do primeiro deslocamento de grandes proporções do homem - sua saída da África rumo a outras partes do globo. Há cerca de 120 mil anos, o Homo sapiens deixou a África e se dirigiu ao Sudeste Asiático. Há 40 mil anos, uma parte dessa população migrou para a Austrália e Primeira onda -

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Silva, com o crânio de Luzia e a reconstituição da face da mais velha american·a

outra para o nordeste da Ásia. Nesse ponto da história, entra a contribuição de Neves: há 15 mil anos, diz o pesquisador, descendentes desses coletores e caçadores, originalmente africanos, cruzaram o Estreito de Bering. Foi a primeira onda migratória a chegar e espalhar-se, de norte a sul, na América. Ela deu origem aos paleoíndios, extintos depois. Só mais tarde, há aproximadamente 11.500 anos, pisariam aqui as

levas iniciais de mongolóides, que também atravessaram o Estreito de Bering. Dessa população de traços orientais, que veio em sucessivas ondas migratórias e também se dispersou de norte a sul, derivaram os atuais grupos indígenas. "É provável que esses dois povos, o de origem afro-australiana e o mongolóide, tenham convivido por algum tempo na América", supõe Neves. Se essa visão estiver correta,


- da comunidade arqueológica se re'" cusa a reconhecer sítios e ossadas o humanas mais antigas do que Clovis. Não só no Brasil, mas em várias partes da América do Sul e até acima do Equador já foram encontrados sítios ou ossadas que demolem a antiga teoria. "Na América do Norte, há seis crânios com datação superior a 8 mil anos", comenta Neves. "E eles também não são mongolóides típicos." Ele defende sua teoria desde o final da década de 80. Suas idéias, constantemente ignoradas, circularam basicamente no meio acadêmico. A polêmica chegou ao público não especializado em 1998, quando a BBC, a rede pública de televisão dos britânicos, fez um documentário sobre as teses de Neves. 8u<:'i.

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nosso continente foi uma sociedade multicultural em seus primórdios. Pelo menos durante algum tempo. Até que, há oito milênios, o ramo de Luzia desapareceu do Novo Mundo, talvez subjugado pela linhagem concorrente ou por qualquer outro evento, deixando o território livre para os indígenas de traços orientais. "É por isso que todos os esqueletos encontrados na América com idade inferior a 8 mil anos não exibem traços afro-australianos, mas sim mongolóides': explica o arqueólogo. tradicional teoria de colonização primordial, obra dos norte-americanos, costuma ignorar ou questionar todos os achados arqueológicos com idade superior a onze milênios. Essa visão dominante, que as teses de Neves põem em xeque, foi construída a partir do pressuposto, hoje muito questionado, de que o sítio pré-histórico mais antigo do continente é o de Clovis, no Novo México, Estados Unidos, onde há 11,5 mil anos viveram os primeiros indígenas.

Nunca foram encontradas ossadas humanas em Clovis, apenas pontas de lança e outros instrumentos de pedra. Ainda assim, os arqueólogos construíram a tese de ocupação do continente sempre levando em conta esse local. Seu raciocínio foi simples: se existia uma cultura nesse ponto há mais de 11 milênios, é porque a tnrvessia no Estreito de Bering pelos mongolóides ocorreu um pouco antes, talvez há 11,5 mil anos. Agarrada a essa tese, que só começou a ser questionada mais seriamente na década de 90, grande parte

Vi são dominante - A

O PROJETO Origens e Microevolução do Homem na América: uma Abordagem Pa/eoantropológica (11) MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR

WALTER NEVES- Instituto

de Biociências da USP INVESTIMENTOS

R$ 538.172,80 e US$ 76.000

Faca de dois gumes - Para o programa, o inglês Richard Neave, especialista forense da Universidade de Manchester, fez uma reconstituição de como seria a face de Luzia, a partir de tomografias do crânio mais antigo da América. Essa imagem, de uma jovem afro-australiana de no máximo 25 anos, com lábios grossos e nariz largo, correu o mundo. "Luzia foi uma faca de dois gumes em minha vida", afirma Neves. Trouxe notoriedade, mas acirrou as contestações dos norte-americanos. "A hipótese de Clovis ter sido a primeira cultura do continente está ultrapassada", diz Hilton Silva, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição que guarda o crânio de Luzia. "No entanto, ainda precisamos de mais pesquisas de campo e estudos laboratoriais para termos informações mais precisas." Nos próximos três anos, sempre em julho - mês mais seco do ano, ideal para escavações -, Neves vai juntar sua equipe e rumar de novo para a região de Lagoa Santa na esperança de resgatar mais ossadas. "Não vamos deixar a área pelos próximos 25 ou 30 anos", garante. ''A qualquer momento, podemos encontrar um esqueleto mais antigo do que Luzia': • PESQUISA FAPESP • JULHODE 2001 • 53


TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Sucesso da vespa contra a mosca-das-frutas Diminuir as perdas na plantação e atender às exigências cada vez maiores do mercado externo na aquisição de frutas sem resíduos químicos são dois fatores que impulsionam o controle biológico de pragas. Em São Paulo, entre os citricultores já é famoso o uso da vespa Diachasmimorpha longicaudata no combate a uma espécie de mosca-dasfrutas, a Ceratitis capitata, e cerca de 50 do gênero Anastrepha. A infestação por Cera ti tis pode causar perdas de até 25% na produção de frutas. O controle acontece de forma natural. A vespa ataca as larvas das moscas no interior da fruta e coloca nelas os ovos de sua espécie. A larva da vespa, então, passa a se alimentar da pupa da mosca. "Assim, são reduzidos a população de moscas e o uso de inseticidas': afirma Júlio Marcos Melges Walder, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), de Piracicaba, da USP. Ele coordena uma verdadeira fábrica de vespas dentro do Cena. No ano passado, quando a produção ficou à disposição dos agricultores, 30 milhões de ves-

• Aço à prova de microrganismos Microrganismos que se desenvolvem em dutos de aparelhos de ar-condicionado são responsabilizados por muitas mortes causadas por 54 · JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

A vespa, acima, é usada por citricultores no controle biológico da mosca-das-frutas

pas foram comercializadas em forma de pupa para serem criadas no campo. O estudo da vespa foi iniciado no Brasil em 1994, quando a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) trouxe esse inseto da Flórida, nos Estados Unidos, e distribuiu para alguns centros de pesquisa. Outro tipo de controle de pragas a esterilidade dos insetos também está em estudo no Cena. Esse método consiste em criar a Ceratitis e esterilizar essa população com o uso da radiação de cobalto.

uma doença semelhante à pneumonia. A solução pode estar numa capa protetora que, aplicada sobre produtos de aço, evita o crescimento de bactérias e outros micróbios, bem como fungos e algas. O produto será usado em dutos

Ao liberar os insetos estéreis, eles passam a acasalar com os férteis do campo sem possibilidade de crias. Depois de algumas gerações, a população de moscas pode ser erradicada. Esse tipo de técnica está na mira da Embrapa, que deve instalar no país uma fábrica de machos estéreis de mosca-de-fruta para produzir 200 inilhões de insetos por semana. A verba, de US$ 2,5 milhões, é do Banco Mundial. A fábrica poderá ser instalada na Bahia, no Ceará ou em Pernambuco. A decisão será da Agência Internacional de Energia Atômica, que ainda este ano vai examinar as regiões candidatas. •

de aparelhos de ar-condicionado e aquecedores, baixelas de aço inoxidável e outros produtos domésticos. Já disponível no mercado norteamericano, segundo o jornal Financial Times, o produto foi desenvolvido em conjun-

to pela siderúrgica AK Steel, de Middletown, Ohio, e pela Agion Technologies, de Wakefield, Massachusetts, especializada em compostos antimicrobianos. A capa protetora - que inclui um produto químico da indústria japonesa Sinanen e uma cerâmica ultraporosa de nível molecular fabricada pela Agion- é aplicada como uma espécie de pintura sobre a superfície do aço. •

• Vagas para empresas de fina tecnologia O Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec) abriu inscrições para abrigar mais 78 empresas que queiram desenvolver negócios baseados em tecnologias inovadoras. Instalado no prédio do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), na Cidade Universitária em São Paulo, o Cietec espera receber empreendedores das áreas de biotecnologia, biomedicina, meio ambiente, química, engenharia de materiais, técnicas nucleares, softwares, entre outras. As empresas incubadas contam com o apoio técnico da USP, do Ipen e do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). O Cietec passou recentemente por uma reforma em suas instalações, que passaram de um total de 1.300 m 2 para 3.600 m 2 de área. A ampliação foi viabilizada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep ), com R$ 450 mil, Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SebraeSP), R$ 265 mil, Secretaria da Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, R$ 297 mil, e Conselho Nacional de De-


São Paulo terá ônibus com célula a combustível As ruas da cidade de São Paulo vão ganhar, até o final do próximo ano, oito novos ônibus urbanos. A novidade é que eles terão índice zero de emissão de poluentes. Serão movidos a motor elétrico alimentado por células a combustível, equipamento que produz energia elétrica com hidrogênio. O projeto faz parte do Programa da Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), num total de investimentos de US$ 20 milhões. Desse montante, US$ 6 milhões deverão vir da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep ). "Nosso objetivo é trazer a tecnologia de célula a combustível para o Brasil ao mesmo tempo em que ela é desenvolvida em vários países", afirma Márcio Schettino, superintendente de desenvolvimento da Empresa

senvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), R$ 75 mil. Mais informações no site: www.ipen.br/cietec/cietec.html. •

Onibus movidos a hidrogê nio da Dai ml e r, acima, e d a Universidade de Geo rgetown Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU-SP), que vai implementar o projeto no país com o Ministério de Minas e Energia. "Vamos testar os ônibus e fazer adaptações de acordo com as condições brasileiras de uso:' Por enquanto, apenas três grupos

empresa. "O hardware já existe no mercado, é fabricado pela Sony, Siemens e Polaroid, entre outras." Nos Estados Unidos, o sistema está

• Software reconhece impressão digital A empresa Compuletra, de Porto Alegre, desenvolveu um software de reconhecimento de impressão digital e já exporta o produto para os Estados Unidos e Colômbia. Chamado de Bioweb, o software usa o dedo como senha em bancos e para acesso à Internet. "A identificação biométrica substitui as senhas alfanuméricas que podem ser esquecidas pelo usuário ou roubadas", afirma Jaime Bergmann Scalco, diretor da

Biowe b: sen ha no d edo

de pesquisa montaram ônibus completos e são eles que devem participar da licitação internacional prevista no projeto. A primeira é a Daimler-Chrysler, que pos-

em testes na empresa de investimentos Merrill Lynch, e na Colômbia, fqi adotado nas agências do banco Conavi, o maior daquele país. No Brasil, o Bioweb está instalado na sede do 2° Exército, em São Paulo, e na Receita Federal, em Brasília. Entre outras utilidades do Bioweb está a identificação civil e criminal. "Em vez de molhar o dedo em tinta e colocá-lo em papéis como a carteira de identidade, é possível registrar a digital de cada pessoa num scanner e colocá-las num banco de dados:' A Compuletra mantém convênios para desenvolver produtos com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), PUC-RS e Fundação Universidade do Rio Grande (Furg). •

sui alguns ônibus em testes na Europa. Os outros são a empresa canadense Ballard, fabricante de células para a própria Daimler, Ford, Nissan, Honda e Volkswagen, e a Universidade de Georgetown, de Washington, nos Estados Unidos, que montou um ônibus com tecnologia da XCellsis, empresa alemã formada pela Daimler, Ballard e Ford. No projeto para o Brasil está prevista uma estação de produção e abastecimento de hidrogênio por eletrólise da água. As células a combustível são consideradas a solução futura para os motores a combustão e uma alternativa para a geração de energia elétrica. Para essa última função, duas empresas e diversos grupos de pesquisa, no Brasil, estão com protótipos em testes (veja Pesquisa FAPESP no 65). •

• Transistor de silício da IBM é mais rápido Pesquisadores da lnternational Business Machines (IBM) revelaram ter desenvolvido o mais rápido transistor de silício. Operando a 210 GHz (gigahertz), ele liga e desliga 210 bilhões de vezes por segundo, que é o dobro da velocidade dos atuais chips de telecomunicações. O produto foi obtido por meio da aplicação de uma fina camada de um composto de germânio sobre o chip de silício e por um novo desenho do transistor bipolar. O dispositivo poderá ser usado em redes ópticas, estações de telefonia celular e comunicações sem fio, segundo notícia do The Wall

Street fournal. PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001

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TECNOLOGIA

CERÂMICA

Novo molde de desempenho industrial Cepid apóia modernização das 108 empresas do pólo cerâmico de Porto Ferreira CLAUDIA IZIQUE

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pólo cerâmico de Porto Ferreira, no interior de São Paulo, está investindo na inovação tecnológica para garantir a sobrevivência de suas 108 empresas. Nos últimos anos, a baixa qualidade da matéria-prima, o alto custo de produção e o design pouco inovador comprometeram o desempenho da indústria local, levando à falência centenas de empreendimentos. O pólo produz, atualmente, uma média mensal de 3 milhões de peças, fatura R$ 50 milhões por ano e gera 4 mil empregos diretos - 45% da mão-de-obra da indústria local. As empresas apostam na expansão da atividade e, com o apoio do Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), estão modernizando processos para conferir padrão internacional de qualidade ao produto. "Porto Ferreira é o maior centro de cerâmica artística no país. Se não houvesse uma mudança tecnológica, a tendência seria o pólo desaparecer", afirma Elson Longo, coordenador de pesquisas do Liec, que integra o Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) patrocinados pela FAPESP. O projeto de recuperação do pólo é resultado de parceria técnica entre o Sindicato das Indústrias de Produtos Cerâmicos de Louça, Pó de Pedra, Porcelana e Louça de

O


Barro de Porto Ferreira (Sindicer) e o Liec, firmada no final de 1999, com três objetivos básicos: melhorar a qualidade da massa cerâmica, reduzir gastos de energia e buscar um novo design para o produto. "Hoje, as palavras de ordem são preço e competitividade", justifica Longo. O primeiro passo foi reativar o laboratório do Sindicer, instalado num prédio da prefeitura municipal de Porto Ferreira, dotando-o de infra-estrutura, financiada pela FAPESP, de forma a desenvolver pesquisa aplicada. As mudanças começaram pela substituição da matéria-prima. A grande maioria das empresas utilizava argila de São Simão, um veio considerado fabuloso 90 anos atrás, mas há muito exaurido. ''Agora é só rebarba", comenta Longo. Com alta absorção de água, a peça cerâmica era frágil, além de contribuir para elevar o custo de produção: as empresas pagavam R$ 270,00 a tonelada, quando o preço cobrado por fornecedores do Paraná e de Minas Gerais não era superior a R$ 45,00. Antes de prospectar novos mercados, o laboratório definiu especificações e padrões de qualidade para a matéria-prima, desde a quantidade adequada de argila até a tonalidade dos pigmentos cerâmicos. Mais que isso: utilizando tecno-

logia de ponta, foi criada uma espécie de banco de dados de cores como branco e bege, para conferir homogeneidade aos conjuntos cerâmicos e lotes de produtos. "Quando a empresa faz um pedido, descreve as características do material e assim é possível verificar, por características simples, se ela está comprando o que solicitou': explica Longo. Com o objetivo de melhorar ainda mais a qualidade e reduzir custos de transporte de matéria-prima, o Liec, o sindicato e a prefeitura de Porto Ferreira avaliam, junto com um grupo de especialistas da Sociedade Espanhola de Cerâmica e Vidro, do Departamento de Química Inorgânica da Universidade Jaume I, da Espanha, e da empresa Tierra Atomizada, também espanhola, a viabilidade de instalar no município uma indústria de produção de massa cerâmica. O segundo objetivo do projeto prevê a conversão dos fornos elétricos, nos quais são queimadas as peças cerâmicas, para operar com gás, em pelo menos 30 empresas do pólo. "O gás queima com temperatura controlada e mais elevada, o que é mais adequado para materiais cerâmicos': diz o coordenador do Liec. Também reduz o teor de absorção de água de 28% para 14% a 15%, um percentual compatível com pa-

PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 57


drões internacionais de qualidade, critério fundamental para que os fabricantes pudessem disputar o mercado externo. Vinte e duas empresas já adaptaram seus fornos para utilizar o novo combustível e, na maioria dos casos, a troca representou uma economia de, no mínimo, 30% nos gastos com energia. "O consumo de 66 mil kW/mês caiu para 2 mil kW/mês': conta Ademir Varaldo, presidente da Pirâmide Cerâmica Artística Ltda. Desde que o governo federal adotou medidas de racionamento de energia A matéria-prim a ut ilizada tem quantidade adequada de argila e padrão de qualidade garantido elétrica, impondo cortes no consumo das indústrias, a substida produção ser vendida pelo sistema mercado e, portanto, não consegue tuição dos fornos tornou-se prioridaporta a porta em todo o Brasil, por imprimir identidade às peças. "Pelo de entre as demais empresas do pólo. um batalhão de 15 mil vendedoras. menos 70% da produção do pólo é "Muitas ainda não utilizam o gás voltada para consumidores de baixa "É preciso diversificar as vendas. O porque não existem empresas especirenda. Isso desvaloriza o nosso promercado formado por lojas e grandes alizadas em número suficiente para magazines, por exemplo, ainda é muduto, não traz resultado financeiro e atender à demanda': justifica Longo. ito pouco explorado, justamente por desestimula as empresas a investir no A conversão dos fornos é a pridesign': afirma, descrevendo um círcufalta de produto de qualidade", diz. meira etapa do projeto de energia. lo vicioso cruel no qual se enredou Nessa faixa de consumidores das "Temos de partir para a substituição classes C e D, a cerâmica artística disparte dos produtores local. Outra cados queimadores, o que é mais caro, racterística do mercado consumidor puta mercado com objetos de acrílimas já estamos buscando alternativas co, alumínio e com presentes vendique não contribui para a inovação para novos investimentos", afirma dos a preços populares. ''A cerâmica das peças é o fato de pelo menos 30% Hans Otto Kurt Beran, presidente do Sindicer e diretor da Cerâmica Ana Maria. Também está sendo avaliada, com os especialistas espanhóis, a possibilidade de adaptar os fornos para a co-geração de energia. "Os fornos da A parceria com empresas é tários. A interação com a White Martins também resultou no deindústria cerâmica jogam na atmosuma prática desenvolvida pelo Liec há mais de 13 anos, com senvolvimento de tecnologia infera gás quente, que pode ser utilizado para produzir energia elétrica': diz dustrial de controle da atmosfera apoio financeiro da FAPESP, da de oxigênio dos fornos durante a Longo. Financiadora de Estudos e Projetas (Finep), do Sistema Brasileiro queima, sem ônus para a produNovo design - O terceiro objetivo da ção. O novo processo, adotado de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae), do Conselho Naparceria, e talvez o mais complicado, pela Cerâmica Gerbi, em Mogi é melhorar o design das peças. Um cional do Desenvolvimento CienGuaçu, melhorou a qualidade da tífico e Tecnológico (CNPq) e das grupo de três técnicos do Liec está queima da matéria orgânica, pertrabalhando com os fabricantes, busindústrias. A primeira delas foi mitiu ganhos de produtividade cando dar personalidade aos produfirmada com a Cerâmica Saffran. com a redução de 44 para 35 mitos das indústrias. O grande probleAs pesquisas tinham como objetinutos no ciclo total da queima e ma, na avaliação do presidente do vo reduzir custos e aumentar a um aumento de 30% na produção produtividade de materiais refraSindicer, é que a maioria das empredo forno industrial. sas não tem definido o seu foco de

Uma história de boas parcerias

58 • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP


mavam a base da economia do município de 43 mil habitantes. "Hoje, os investimentos em tecnologia nos dão perspectivas de sobrevivência': afirma Beran. Na Espanha, por exemplo, ela é a base da economia da região de Castellon de la Plana, disputada por consumidores em todo o mundo. A produção cerâmica tem a vantagem de ter custos muito baixos e agregar uma grande quantidade de mão-de-obra. Beran calcula que o investimento exigido para a geração de um emprego não é superior a R$ 1,5 mil. Técnicos auxiliam empresas a melho rar o desing das peças ce râ micas pa ra ampl iar mercado O projeto de moderniitaliana e portuguesa compete não fabricantes, exportou, no ano passazação do pólo cerâmico é antigo. Em pelos preços, mas por seu design e 1989, o Sindicer e a prefeitura de Pordo, um container para a África. "Mas qualidade", compara Beran. to Ferreira firmaram um convênio ainda são negócios esparsos': pondera A substituição da massa cerâmica técnico com a Secretaria Estadual de o presidente do Sindicer. Os investie a conversão dos fornos já começam Ciência, Tecnologia e Desenvolvimenmentos no design e na qualidade do a apresentar resultados. A Cerâmica to Econômico e com o Instituto de Pesproduto, ele prevê, criarão novas oPirâmide, por exemplo, há três meses quisas Tecnológicas (IPT) para importunidades para as empresas. iniciou a exportação de peças. Hoje, as plantar um laboratório de pesquisas vendas externas representam 5% do e buscar novas tecnologias de produAgregando mão-de-obra - O pólo cefaturamento mensal. "Fechamos o ção. A distância de São Paulo, o atrarâmico de Porto Ferreira, que comenosso quarto negócio", comemora so na liberação de verbas e a falta de çou a se formar em 1957, teve seu Varaldo, presidente da empresa. A disponibilidade de técnicos, no enauge no final da década de 80. Na Unicer, um consórcio que reúne oito tanto, fizeram com que o projeto não época, 260 pequenas indústrias fordecolasse. "Queríamos parceiros mais próximos e procuramos o apoio do O invento, patenteado pela Liec", lembra Beran. menta de 24%. O processo permite, White Martins e UFSCar, mereceu ainda, aproveitar matérias-primas O processo de recuperação comeo Prêmio de Inovação Tecnológica menos puras, sem prejuízo da quaçou como um Projeto Integrado, da Associação Nacional dos Fabricom recursos financiados pela FAlidade do produto. cantes de Materiais de Construção O Liec desenvolve pesquisa, PESP. Desde setembro do ano passa(Anamaco). A nova tecnologia audesde 1989, com a Companhia Sido, passou a integrar os programas menta a quantidade de oxigênio cirderúrgica Nacional (CSN), queredos Cepids, que têm como objetivo cundando os revestimentos cerâsultou num retorno no valor total desenvolver pesquisas de caráter inomicos, acelera a eliminação de de US$ 70 milhões. Essas pesquisas vador e que contribuam para o dematérias orgânicas, reduzindo o senvolvimento de novas tecnologias. geraram, por exemplo, nova tecnotempo de queima. Dessa forma, a Também participam deste Cepid logia para reforma do alto-forno velocidade e a produtividade do pesquisadores da Universidade Estada siderurgia. "Conseguimos um forno são aumentadas, e o ciclo de recorde mundial. O tempo médio dual Paulista (Unesp/ Araraquara), queima, reduzido. No forno de queipara a reforma do alto-forno, que Universidade de São Paulo (USP/São ma de revestimentos para paredes, era de 28 a 31 dias, caiu para 20, reCarlos), do Centro Brasileiro de Pespor exemplo, a produção cresceu presentando uma economia de quisas Físicas (CBPF/CNPq),do Insde 290 mil metros quadrados (m 2 ) tituto de Pesquisas Energéticas e NuUS$ 2,5 milhões para a compamensais para 360 mil m 2, um aucleares (Ipen/São Paulo) e Centro nhia", conta Longo. Cerâmico Brasileiro (CCB) . • PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001

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ENGENHARIA FLORESTAL

Eucalipto com gene

de ervilha

Parceria entre Esalq eCia. Suzano elabora planta transgênica que deverá desenvolver maior quantidade de celulose SUZEL TUNES

arlos Alberto Labate, professor do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), e sua equipe de pesquisadores comemoram os primeiros resultados de um projeto iniciado há quase três anos: a produção de eucaliptos modificados com um gene de ervilha. A metodologia pioneira pretende obter árvores com maior biomassa e maior rendimento de celulose, o que interessa diretamente à Companhia Suzano de Papel e Celulose, parceira nesse projeto no âmbito do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP. "Já temos as primeiras plantas transgênicas", afirma Labate. "No momento, estamos avaliando essas plantas modificadas que contêm o gene Lhcbl *2 da ervilha (Pisum sativum)." A seu favor, ele conta com o próprio comportamento do objeto de sua pesquisa: o eucalipto tem a vantagem de crescer rapidamente e apresentar alta capacidade de brotação, o que permite obter um grande número de clones em pouco tempo. Nos experimentos, foram utilizadas a espécie Eucalyptus grandis e o híbrido Eucalyptus grandis com

C

Eucalyptus urophylla. La bate explica que o projeto foi iniciado em junho de 1998 com duas metas básicas: a primeira, já concluída, era o desenvolvimento de uma tecnologia de transformação genética, que resultou na solicitação de uma patente da metodologia de transformação do eucalipto desenvolvida na Esalq. A outra meta é a melhoria do desempenho da planta. Para atingi-la, os passos seguintes são os testes em labo-



ratório e na casa-de-vegetação, onde as plantas crescem em ambiente controlado. Depois, os experimentos serão transferidos para testes no campo. A introdução da planta no processo produtivo deve ocorrer em cinco anos. Para atingir esse ponto, todas as fases do trabalho seguem as normas da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Nenhuma planta modificada geneticamente será introduzida no campo sem todas as autorizações aprovadas pela CTNBio (veja quadro na página 63). estudos realizados na Esalq se baseiam na introdução de um gene capaz de melhorar a captação de luz solar, via transformação genética, para aumentar a biomassa do eucalipto, gerando maior produção de celulose por árvore. A experiência de Labate começou tomando por base trabalhos anteriores realizados com o tabaco, que ele denomina de "sistema-modelo': muito utilizado nos atuais estudos de genética. "Plantas transgênicas de tabaco e de petúnia apresentaram folhas mais largas e maior capacidade fotossintética em condições de baixa luminosidade", explica o pesquisador. No futuro, outros genes podem se somar a esses, com funções que gerem resistência a pragas ou a condições climáticas adversas. "Poderemos até usar outros genes para alterar a qualidade da fibra da madeira': almeja o pesquisador. Os experimentos com tabaco e, agora, com o eucalipto utilizam a bactéria Agrobacterium tumefaciens, que funciona como um veículo para a transferência de genes. Ela possui a capacidade intrínseca de transferir parte de seu genoma, o T-DNA (DNA de transferência), localizado em um plasmídeo (fragmento de DNA circular de replicação autônoma), para o genoma da planta. O plasmídeo carrega três elementos fundamentais: o primeiro é o gene Lhcbl *2 da ervilha, responsável pela captação de luz e aumento de bio-

Transformação da planta .

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62 • JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

O plasmídeo tem três segmentos fundamentais: Lhcb1 *2, aumenta a captação de luz solar; 355, expressa grande quantidade de protéinas e o nptll, resistente a antibióticos.

(o e) 1

Na placa, a infecção da Agrobacterium nas folhas dura 24 horas. Começa, então uma formação celular, chamada de calo. Aí, coloca-se um antibiótico que reage com o gene nptll. As células sobreviventes são as transgênicas. Nesse ponto, são adicionados hormônios que fazem o calo brotar. Depois, as plantinhas são transferidas para frascos de vidro em meio de cultura.

~

massa, também conhecido como gene CAB, sigla para chZorophyll a/b ~ binding protein, nome da proteína o ~ que ele codifica. Os outros dois são a ~ a região promotora 35S do vírus cau~z< sador do mosaico da couve-flor, que ~ tem a qualidade de expressar grande : quantidade de proteínas o tempo o ~ todo, e o gene nptii isolado da bacté~ ~ ria Escherichia coZi, que confere resist; tência a antibióticos. A bactéria in~ fecta pedaços de folhas jovens e transfere a elas esses elementos. Para saber se o método de transformação do eucalipto estava funcionando, os pesquisadores introduziram um marcador conhecido como gene repórter ( uidA), também extraído da bactéria Escherichia coZi, que codifica a enzima betaglucoronidase. O tecido vegetal transformado com esse gene fica azul quando submetido ao teste histológico (análise microscópica dos tecidos vegetais) de atividade dessa enzima, permitindo a visualização do resultado. Folhinhas com pontos azuis ao microscópio deram aos cientistas a certeza do sucesso da técnica. õ

Dosagem certa - O passo seguinte foi obter a regeneração de plantas a partir de diferentes estruturas vegetais do eucalipto, produzindo plantas que conterão os novos genes. A regeneração permite que a partir de um pedaço de folha, por exemplo, obtenha-se uma planta inteira, com raiz, caule e folhas. "Essa foi uma das etapas mais difíceis do projeto", lembra Lábate. Demorou quase dois anos. Era preciso encontrar a dosagem certa dos hormônios que fariam a regeneração. Durante esse tempo, foram testadas várias concentrações até a obtenção da dosagem ideal, que Labate guarda como segredo industrial. As plantas que crescem a partir dessas folhas podem ser transgênicas ou não. Para fazer a seleção, os pesquisadores utilizam um antibiótico que inibe apenas o desenvolvimento das plantas não transformadas, uma vez que os eucaliptos modificados receberam o gene nptii que confere re-


sistência à droga. Não é realizadas com tabaco e tão simples quanto papetúnia, é o resultado rece. "Às vezes, algumas que também esperamos células não transgênicas com o eucalipto", expliresistem, pois o eucaca ele. Para a produção de celulose e papel, isso lipto tem uma tolerância natural a determipoderá significar mais nados antibióticos e, biomassa, o que é ftmpor isso, estamos pesdamental para aumentar a competitividade quisando formas mais eficientes de seleção", do produto brasileiro adianta Labate. Selecionos mercados nacional nados, os eucaliptos e internacional. transgênicos vão para as câmaras de crescimenSem pressa - Hoje, o Brasil é o 7° produtor to com temperatura e Tecido vegeta l co m pontos azuis: prova do sucesso da nova técnica mundial de celulose luminosidade controlacom a produção de 7,4 milhões de das, em equipamentos novos adquiterações na morfologia das plantas, como, por exemplo, comparar o tatoneladas em 2000 - e o maior proridos no Canadá, com recursos da parcena. manho da folha transgênica com a dutor de fibra curta (fibra de eucalipoutra não transformada, originária to) do mundo. Mas sabe que pode Agora é esperar as plantinhas da mesma planta matriz. "Um aue deve - ir além. A parceria entre a crescerem. Segundo o professor, é necessário, como primeiro passo, analimento da fotossíntese e da produtiviEsalq e a Suzano segue nesse sentido. sar o desempenho fisiológico e as aldade, já ocorrido nas experiências Para isso contam com o financia-

Legislação para os organismos transgênicos Depois de reunir uma boa coleção de mudas geneticamente modificadas nas estufas, o próximo passo da pesquisa do professor Carlos Labate será avaliar as plantas no campo. Para essa etapa, será necessário requerer uma autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. A CTNBio é responsável por fazer cumprir a Lei 8.974, de janeiro de 1995 -a Lei de Biossegurança-, que estabelece as diretrizes para o controle das atividades e de produtos relacionados aos organismos geneticamente modificados (OGMs), como os produtos transgênicos. É uma comissão composta por 36 membros entre titulares e suplentes: oito especialistas em biotecnologia, representantes dos ministérios da Ciência e Tecnologia, Saúde, Meio Am-

biente, Educação, Relações Exteriores e Agricultura, além de representantes de órgãos de defesa do consumidor, do setor empresarial e de entidades de proteção à saúde do trabalhador. Para orientar as instituições de pesquisa e as empresas quanto a critérios e procedimentos de biossegurança, a comissão publica, no Diário Oficial da União, instruções normativas que estabelecem as diretrizes técnicas para garantir a segurança desses produtos. Atualmente, existem 18 dessas instruções normativas. A no 3 estabelece as normas para a liberação no meio ambiente de OGMs e é composta por um questionário técnico no qual o pesquisador dá informações detalhadas sobre o experimento, referências bibliográficas e experiências anteriores realizadas no Brasil ou em outros países. Se ne-

cessário, a CTNBio pode requerer a realização de um Estudo de Impacto Ambiental (ElA) e de um Relatório de Impacto no Meio Ambiente (Rima) . Após uma apurada avaliação técnica, o organismo vegetal modificado é liberado para plantio, decisão que também é publicada no Diário Oficial. Mas esse ainda não é o último passo. Depois da análise de inúmeros ensaios realizados em campo é que a CTNBio emitirá um parecer a respeito da comercialização do produto, que também deverá atender às exigências estabelecidas pelos ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. O Brasil tem 130 instituições credenciadas para desenvolver pesquisas com OGMs. Nos últimos cinco anos, a CTNBio avaliou mais de 800 experimentos. Mais informações: www.ctnbio.gov.br .

PESQUISA FAPESP • JULHO DE 2001 • 63


mento a fundo perdido de R$ 125 mil e US$ 163 mil, da FAPESP, além de R$ 83 mil em bolsas de estudo do Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Áreas Estratégicas (Rhae) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A Cia. Suzano investe R$ 75 mil e não espera retorno financeiro imediato, segundo o gerente da Divisão de Recursos Naturais, Osni Sanchez. "Não dá para ser imediatista. Nossa meta mais importante é a ampliação do conhecimento': diz ele. E isso não é demagogia. A Suzano tem uma longa história de parceria com centros de pesquisa e sabe que o tempo de espera é plenamente recompensado. Na década de 50, em parceria com a Universidade da Flórida, em Gainsville, Estados Unidos, a empresa apoiou pesquisas para o desenvolvimento da tecnologia de fabricação de papel com 100% de fibra de eucalipto, conquistando reconhecimento internacional pelo pioneirismo. A empresa foi também uma das sóciasfundadoras do Instituto de Pesquisa e Estudos Florestais (Ipef), criado na década de 60 pela união de empresas florestais brasileiras e o Departamento de Ciências Florestais da Esalq para desenvolver novas técni64 · JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

tecnologia é estratégico", afirma Oda. "Existe uma corrida mundial nesse sentido. Da década de 70 para cá, o Brasil desenvolveu invejável tecnologia no setor florestal. Mas hoje enfrenta uma grande concorrente: a Ásia. Países como Malásia, Indonésia, Filipinas e China evoluem rapidamente nesse setor, beneficiados por uma política de incentivos fiscais - financiamentos com juros baixos e a longo prazo - que falta ao Brasil", explica ele. Mas não é só a Suzano que ganha com a parceria. Labate está entusiasmado com o dinamismo que a empresa injetou em seu laboratório na Esalq. "Não deixei de fazer pesquisa básica", alegra-se. "A empresa está interessaAumento da Biomassa de Eucalipto da no domínio dessa tecpela Introdução do Gene CAB via Ela tem um denologia. Transformação Genética partamento de pesquisa, MODALIDADE mas seria um investimento Parceria para Inovação Tecnológica muito alto equipá-lo." A (PITE) empresa adota assim um COORDENADOR sistema de integração com CARLOS ALBERTO LABATE- USP a universidade, processo INVESTIMENTOS comum em países com R$ 125.057,00 maior produção científica e US$ 163.791,76, da FAPESP, e tecnológica. "A cobrança e R$ 75 .127,00, da Cia. Suzano da empresa é intensa e com isso ganhamos muito mais agilidade", diz Labate. Hoje, o cas e promover o crescimento do seprojeto conta com 11 integrantes, tor. Os resultados não tardaram a com dedicação exclusiva: três técnisurgir. "Na década de 70, a produçãq cos, um pós-doutor, um doutor, um de eucalipto era de 25 estéreos (memestrando e cinco alunos de iniciatro cúbico empilhado) por hectação científica. Além disso, o investire/ano. Hoje são produzidos, em mento permitiu a compra de novos média, 60 estéreos. A melhora na equipamentos, como centrífugas, produtividade nestes 30 anos deve-se freezers e câmaras de crescimento às pesquisas de melhoramento genécontrolado. tico e manejo de plantas", reconhece Segundo Labate, o vínculo com a Osni. Agora ele acredita que chegou empresa traz, ainda, outros benefío momento de outro grande salto, cios à universidade. "O programa de com a engenharia genética. inovação tecnológica dá a oportunidade de mostrarmos ao setor proTecnologia estratégica - O professor dutivo o potencial da universidade Carlos Labate conta que os primeiros como parceira para o desenvolvicontatos com a empresa foram feitos mento tecnológico e geração de capiem 1997, quando o engenheiro agrônomo Shinitiro Oda, gerente de pestal. E nós temos condições de criar uma massa crítica. Podemos ser, inquisas da Suzano, esteve na Esalq clusive, o embrião para o desenvolvipara se informar sobre os avanços na mento de futuras novas empresas", área de engenharia genética. "Para a acredita o pesquisador. • empresa, o desenvolvimento dessa


TECNOLOGIA

QUÍMICA

Barato, eficiente e líder de mercado Novo composto para a indústria de celulose reduz custos enão polui

do segmento de quelantes para branqueamento de celulose no Brasil. Detalhe: nessa área, a Logos, que tem clientes como Aracruz Celulose, Cenibra e Jafel, concorre com gigantes da indústria química internacional, como Dow, Basf e Monsanto. As perspectivas comerciais do produto apontam também para o exterior. "Estamos testando a aplicação dos quelantes Logosperse para um fabricante de celulose e papel de Portugal", conta o diretor comercial da empresa, Valério Gabrielli. Segundo ele, são grandes as perspectivas de exportação do produto. "Não se trata de substituir um produto tradicional, mas de um avanço tecnológico real", comenta o engenheiro Hugo Antonio Vilca Meléndez, que coordenou o projeto a partir do Laboratório de Eletroquímica e Corrosão da Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), com consultaria da professora Idalina Vieira Aoki, responsável pelo labora-

Logos Química, de Barueri, na região metropolitana de São Paulo, estabeleceu, em 1997, uma meta que alguns centros tecnológicos internacionais ainda perseguem desenvolver uma alternativa ao uso do ácido dietileno trilamino pentacético (DTPA). Na época, esse produto era a única substância química (queJante) utilizada na eliminação de compostos metálicos indesejáveis no processo de branqueamento da polpa da celulose de eucalipto que possuía a chancela "tecnologia limpa". Com o apoio da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), a Logos atingiu seus objetivos. Em 1999, a empresa lançou a família de quelantes polifuncionais Logosperse, que combina três moléculas à base de fosfonatos sintetizadas em seu laboratório. Esse produto, que não causa danos ao ambiente, substitui o DTPA com vantagem porque pode ser utilizado tanto em meio alcalino quanto em meio ácido, reduzindo os custos de produção e diminuindo a corrosão nos equipamentos e componentes de aço inoxidável utilizados pela indústria de papel e celulose. O novo produto já conquistou a participação de 36% do mercado nacional, posicionando-se como líder Bancada de testes na Poli-USP: produto diminui a corrosão

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tório." Os quelantes Logosperse reduzem a utilização de peróxido de hidrogênio, a popular água oxigenada, no branqueamento da celulose, e outros insumos, o que promove uma queda de custos em torno de 50%", afirma Gabrielli. Não é à toa, portanto, que já no ano 2000 o produto representava 5% do faturamento da Logos, que foi de R$ 15 milhões. Segundo José Paulo Bonsonaro, diretor administrativo, a empresa deve chegar a R$ 20 milhões ao fim deste ano. A empresa atua na fabricação de produtos químicos para a industrialização de tintas, plásticos, tratamento de águas, açúcar e álcool e, claro, celulose e papel. Processo de depuração- A fabricação da celulose consiste, basicamente, na transformação da madeira em material fibroso - a pasta ou a polpa. Depois de um processo trabalhoso com o cozimento e a eliminação de impurezas, o material resultante ainda possui compostos orgânicos que

no aço inoxidável dos equipamentos PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 65


muito positivos para o mantêm a cor natural produto da Logos. da celulose, o marrom. Para análise de corÉ aí que o material é rosão, foi utilizado o aço submetido ao braninoxidável 304, matequeamento com alverial usado nos equipajante, que será seguido mentos e componentes de nova depuração. da indústria de celulo"A necessidade do se. Esses testes foram uso de um quelante no feitos na Engenharia branqueamento surgiu Química da Escola Poquando, a partir do litécnica da USP. Mais início da década de 90, uma vez, o quelante uma parte da indústria polifuncional revelouadotou processos mese vantajoso em relação nos noc1vos ao amao DTPA. biente, com a substi- Meléndez: não é substituição de um produto, é um avanço tecnológico Para o Laboratório tuição parcial do cloro de Eletroquímica e Corrosão da Poli, pelo peróxido de hidrogênio", diz o depois eleger as duas que produzio apoio da FAPESP ao projeto da Loprofessor Francides Gomes da Silva ram os melhores resultados. gos trouxe também boas novidades. A viabilização comercial das moJúnior, do Departamento de CiênCom ele, foi possível adquirir diverléculas que resultaram na linha Locias Florestais da Escola Superior sos equipamentos. "São instrumentos de Agricultura Luiz de Queiroz gosperse dependia, porém, da realique propiciaram ao laboratório rea(Esalq-USP). O papel do quelante é zação de ensaios para avaliar sua lizar testes considerados de ponta "seqüestrar" os íons metálicos, eficiência como quelante no processo em nível nacional e internacional", como o ferro, o cobre e o manganês, de branqueamento e seus efeitos corrosivos sobre os equipamentos utiliobserva Meléndez. existentes na pasta marrom de celuzados pela indústria. "Recorrendo ao lose, que, de outro modo, reagiriam Produtos avançados - Do lado da Locom o peróxido de hidrogênio, dePIPE, realizamos testes de última gegos, o projeto foi importante para ração", alegra-se Bonsonaro. Os engradando-o e comprometendo o ínreafirmar seu potencial em pesquisa. saios relativos à ação quelante das dice de alvura do produto. Nascida há dez anos, a empresa tem moléculas sintetizadas pela Logos fiA introdução no processo do por política investir de 3% a 5% de DTPA, que já era utilizado para quecaram a cargo da Esalq. "Trabalhasua receita em pesquisa e desenvolvilação nos setores de tintas e de medimos com a seqüência da indústria, na mento. "Para nós, garantir que pelo camentos, exigiu, porém, o estabelequal a polpa é tratada com dióxido menos 30% das vendas sejam gerade cloro e, depois, com peróxido de cimento de uma nova etapa no das por produtos lançados nos últihidrogênio': lembra Silva. Compabranqueamento. Como o composto mos três anos é ponto de honra", rou-se também o desempenho dos não pode ser utilizado em meio alcaafirma Bonsonaro. Além do laboraprodutos da Logos com o DTPA. Em lino, era preciso incluir um novo tório próprio, a Logos contrata serviprocesso para baixar o pH da pasta. todos os ensaios, os resultados foram ços nas universidades, como a Esalq e "Essa etapa torna-se desnecessária a Poli, da USP, e a Universidade Fedecom o uso dos produtos da Logos, O PROJETO ral de Viçosa (UFV). que trabalham tanto em meio ácido Desenvolvimento e Avaliação quanto alcalino", comenta Silva. "Estamos desenvolvendo cerca de de Pseudoquelantes 30 projetos em nosso laboratório", no Branqueamento de Pasta afirma Bonsonaro. "Além disso, estaEscolha das moléculas - "A opção pela de Celulose por H202 e na Inibição de Corrosão dos Equipamentos mos ampliando a nossa capacidade família dos fosfonatos fundamentoude produção. Pulando de 650 tonelase em menções a suas propriedades MODALIDADE das mensais (t/mês) de produtos quíquelantes em publicações científicas Programa de Inovação Tecnológica micos para 3.500 t/mês, ainda este originárias, principalmente, da Rússià: em Pequenas Empresas (PIPE) ano, com uma nova unidade produconta Ademir de Azevedo Marques, COORDENADOR tiva, no município de Leme, entre diretor de pesquisa e desenvolviHUGO ANTONIO ViLCA MELtNDEZ - logos Campinas e Rio Claro." Uma ampliamento da Logos. "Uma vantagem ção que vai alargar as possibilidades adicional desses compostos é sua INVESTIMENTOS de produção e fornecimento de proação anticorrosiva:' A Logos sintetiR$ 175.806,80 e US$ 85.940,80 dutos químicos industriais no país .• zou, de início, quatro moléculas, para 66 • JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP


TECNOLOGIA

ENGENHARIA AMBIENTAL

Radiografia da poluição de Campinas Pesquisadora da Unicamp detecta a presença de metais nos efluentes, na água eno ar

resposta da energia emitida por cada um desses componentes do objeto analisado. Essa técnica é usada desde os últimos anos da década de 90, para a avaliação qualitativa e quantitativa da composição química em vários tipos de amostras, de interesse agropecuário, industrial, geológico e ambiental. Uma de suas vantagens é não serdestrutiva. Ela permite análisar vários elementos em uma única medida sem provocar alterações na amostra, preservando a qualidade das provas. Os estudos ambientais em Campinas foram iniciados em 1995 com apoio financeiro da FAPESP. Um dos primeiros resultados surgiu no chamado Lixão de Americana, onde estima-se que existam cerca de 150 mil

toneladas de resíduos tóxicos sólidos acumulados. "Verificamos que a presença de vários elementos contidos nas amostras do aterro estava bem acima do permitido pela legislação federal", aponta a pesquisadora. O mais grave é que o lixão fica numa área de 19 hectares nas proximidades da confluência dos rios Atibaia e Jaguari, onde eles se juntam para formar o rio Piracicaba.

ovas técnicas do uso de raios X tornam-se aliadas importantes para um melhor controle ambiental. Com elas, é possível detectar concentrações de metais na água, nos Efluentes industriais- Outro estudo que efluentes e no ar com muito mais precisão do que pelos métodos conventambém mostrou os riscos da agressão à natureza e à saúde humana foi cionais de análise química. No Brasil, o uso pioneiro dessas novas técnicas elaborado no município de Limeira, na área ambiental foi realizado em que possui o maior pólo de fabricavários estudos, na região de Campição de bijuterias da América Latina e nas, sob a coordenação da professora várias indústrias de autopeças. SilvaSilvana Moreira Simabuco, ....-------------~--------., :;! na analisou os efluentes da da Faculdade de Engenhaindústria de galvanoplastia, ramo da metalurgia que ria Civil da Universidade Estadual de Campinas opera com metais e deriva(Unicamp). E os resultados químicos para revestidos não foram bons para a mento de peças metálicas. saúde da população. Eles Os resultados permitiram detectaram a presença de concluir, por exemplo, que metais acima dos níveis as concentrações de cromo permitidos pela legislação. total no resíduo sólido Foram achados cromo e (lodo) nas amostras dos efluentes industriais de Liníquel em lixões e efluentes industriais, cobre, nímeira ficaram bem acima quel, cobalto e ferro nas do limite máximo que eságuas dos rios Capivari e tabelece a Associação Brasileira de Normas Técnicas Atibaia e cobre, chumbo e cobalto no ar de Campinas. (ABTN), que é de 100 mg A pesquisa de Silvana de cromo por quilo. "O nível de metais peutilizou raios X em duas versões, a de fluorescência sados nos efluentes dessas por dispersão de energia empresas é bastante elevado, o que inviabiliza a sua (ED-XRF) e por reflexão total (TXRF). Nesses casos, concentração em aterros e os raios X são bombardeainduz as empresas a depodos contra uma amostra, sitar os efluentes em taroprovocando uma excitação bores. Isso não resolve porque eles se deterioram dos elementos químicos existentes nela. Sabe-se qual com a ação do tempo. é o elemento químico pela Além disso, em virtude

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dos grandes volumes de lixo tóxico que se formam, surge o problema de espaço físico", explica a professora. "A situação dos efluentes da região é bastante grave, mas pode mudar. Algumas indústrias já nos procuraram para encontrar alternativas contra a poluição e para reaproveitar os efluentes", comenta a pesquisadora. Uma das alternativas que a indústria galvanoplástica procura consolidar é reaproveitar os metais dos efluentes lí-

quidos, antes mesmo do tratamento, ou utilizar o lodo tratado como matéria-prima para a construção civil. Níquel por milhão - Os estudos também detectaram a presença do níquel nos efluentes líquidos em concentrações na faixa de 977 a 3.794 partes por milhão (ppm) e acentuaram a periculosidade desse resíduo. Essa pesquisa foi realizada a pedido de uma indústria do setor de autopeças, com unidades industriais em Limeira. Silvana comenta que depois dessa empresa outras indústrias da região a procuraram para realizar o mesmo trabalho. Foram feitos convênios e contratos de prestação de serviço entre a Unicamp e diversas empresas e órgãos públicos. Outro projeto importante desenvolvido por Silvana e sua equipe, composta de oito alunos de mestrado e doutorado da Unicamp, que trabalham com bolsas de estudo da FA68 • JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

PESP e do CNPq, foi o de monitoramento de metais pesados em águas de rios e tratadas da região de Campinas, feito com amostras cedidas pela Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento (Sanasa) de Campinas. A análise do material mostrou que, nas amostras dos rios, os padrões de alguns metais estavam acima dos limites aceitáveis pela legislação federal, principalmente os níveis de cobre, níquel, cobalto e fer-

raios X é a que obtém a excitação dos elementos químicos das amostras por meio da radiação de luz síncrotron. Esse feixe luminoso é diferente da luminescência (que não emite calor) emitida pelos raios X comuns porque possui amplo espectro eletromagnético, de especial intensidade, que abrange o infravermelho, o ultravioleta, além da faixa de luz visível. Vários trabalhos da pesquisadora foram feitos em parceria com o La-

Laboratório Nacional de Luz Síncrotron: feixe de luz que opera na faixa de raio X é usado para análise da presença de metais com a precisão de partes por bilhão

ro. Desses elementos, o cobre e o níquel são os mais prejudiciais à saúde humana quando encontrados em valores superiores aos permitidos pela lei. Nas águas dos rios, também foi detectada a presença de zinco, manganês e cromo, o que aumentou a preocupação dos pesquisadores. Na amostra de água tratada, os resultados foram considerados normais. Feixe de luz- Uma das variantes mais eficientes, rápidas e econômicas da técnica nuclear de fluorescência de

boratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas. A luz síncrotron detecta os níveis mais baixos de um elemento químico, com a precisão de contagem em partes por bilhão. Um desses projetas mediu a concentração de cromo III e VI em amostras de efluentes industriais despejados nos rios Capivari, Atibaia e foz do ribeirão Pinheiros, nas proximidades de Piracicaba e de Campinas. Os resultados mostraram que é alta a concentração dos dois tipos de cromo nos efluentes.


tração de metais nesses fluidos. "Trata-se do uso de uma nova variante das técnicas nucleares de raios X para fazer análises de amostras de pequenos volumes, da ordem de microlitros." A coleta desses materiais deverá ser feita de pessoas residentes em diversos locais do município de Campinas e de variadas classes sociais. O trabalho desenvolvido Chumbo no ar- A fluorescência pela pesquisadora pode abrande raios X e a radiação de luz ger também outras aplicações, síncrotron também foram usacomo as recentes exigências da das pela professora Silvana paOrganização Mundial de Saúde ra medir níveis de poluição do (OMS), que passou a requerer a análise de produtos da indúsar. Nesse caso, ela se utilizou da tria farmacêutica tendo como ajuda de folhas de duas plantas alvo principal os elementos ornamentais: a espirradeira cádmio, chumbo, arsênico e Nerium Oleander e a azaléia mercúrio. Duas indústrias de Rhododendron ferrigineum, muiSão Paulo já se anteciparam e to comuns em parques e praças públicas da região. "A escolha levaram amostras de guaraná em pó e óleo de eucalipto para dessas espécies vegetais deve-se à existência de literatura sobre Silva na: azaléias na avenida absorvem a poluição do ar serem analisadas. Os dados, resultantes da experiência feita suas propriedades bioindicadoras e por serem facilmente enconpela equipe de Silvana no LNLS, tron reafirmam que os níveis crestradas em Campinas, em diversos com a técnica de fluorescência de centes de poluição atmosférica em cilocais, e em outras cidades do país", raios X por reflexão total, indicaram dades dos portes de Campinas e Rio a ausência de todos esses elementos explica Silvana. Elas funcionam de Janeiro devem ser considerados como uma alternativa de análise para nas amostras testadas. gravíssimos pelas autoridades. Cobre, o método de filtragem convencional chumbo e cobalto foram os elemende material particulado do ar por tos detectados em maior quantidade Mil utilidades - Em sua longa lista de pelas espirradeiras e azaléias localizameio de bombas de sucção acopladas projetos, surgem como prioritários em filtros de membrana porosa. A das em pontos de circulação intensa os que medem o acúmulo de metais idéia foi medir os poluentes em áreas em sedimentos dos rios Atibaia e Cade veículos nas duas cidades. de grande concentração de indústrias Silvana Simabuco pretende, agora, pivari. Outro importante projeto é o e de tráfego intenso de veículos. que analisa óleos lubrificantes e adina fase atual de seu trabalho, fazer meAlém de Campinas, o estudo contivos de gasolina, também em parcedições em amostras de sangue e de tou com experimentos realizados na ria com o Síncrotron. "Temos ainda, leite materno para avaliar a concencidade do Rio de Janeiro, com a colapara este ano, projetos em colaboraboração de pesquisadores da Univerção com a Faculdade de Farmácia de O PROJETO sidade Federal do Rio de Janeiro Ribeirão Preto, da Universidade de Implantação da Técnica Analítica (UFRJ). Foram analisadas as concenSão Paulo (USP), sobre plantas mediNuclear e Instrumental, Fluorescência trações de titânio, manganês, vanácinais e medicamentos e estamos trade Raios X por Dispersão de Energia na Pesquisa Ambiental e Industrial dio, ferro, cobre, zinco, bromo e balhando em Limeira, com a compachumbo. As azaléias capturaram os nhia Águas de Limeira para avaliar os MODALIDADE níveis de poluição no centro de Camefeitos da irrigação, com esgoto domésLinha regular de auxílio à pesquisa pinas, na Av. Francisco Glicério, onde tico tratado, em plantios de milho:' A COORDENADORA idéia, nesse caso, é medir a concentracirculam 2.199 veículos por hora, e SILVANA MOREIRA SIMABUCO- Unicamp ção de metais nas plantações de mino Jardim Shangrilá, um condomínio fechado, onde o fluxo é de menos lho, em suas folhas, raízes e grãos. Um INVESTIMENTOS R$ 28.228,48 e US$ 44.618,00 de 100 veículos por hora. Os resultatrabalho que, como os outros, é esdos obtidos pela fonte de luz síncrosencial para a boa saúde humana. • Segundo Silvana, os problemas apontados na pesquisa poderiam ser resolvidos com maior empenho dos empresários e autoridades públicas. "Hoje existem formas de tratamento de água e várias técnicas de descarte e reaproveitamento de efluentes industriais que reduzem ou até mesmo zeram os níveis de contaminação."

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HUMANIDADES

ENTREVISTA PABLO RUBÉN MARI C ONDA

lnconformismo perene Filósofo faz cuidadosa tradução de Diálogo, obra capital de Galileu Galilei MARILU CE MOURA E NELDSON MARCOLIN

a era difícil no Brasil de 1971, durante a fase mais dura do regime militar. Não só para políticos de oposição e sindicalistas, mas também para jornalistas, intelectuais e artistas em geral. Pois foi nesse ano que o diretor teatral José Celso Martinez Correia decidiu sair pelo Brasil em turnê com uma peça chamada Galileu Galilei, um clássico de Bertolt Brecht. O que à primeira vista parecia mera história era, na verdade, constestação e rebeldia pura, uma forma de mostrar discordância com a situação vigente na época. É exatamente esse espírito de inconformismo com o que está solidamente estabelecido que o professor de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) Pablo Rubén Mariconda, de 52 anos, mostra, entre outras coisas, com a tradução da obra mais polêmica do fundador da ciência moderna Galileu Galilei (1564-1642), Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo, que deve sair em agosto. São quase 900 páginas, com 60% de material inédito, entre ele 637 notas explicativas e um sumário analítico dos assuntos e argumentos desenvolvidos pelo sábio italiano. Obra de fôlego que Mariconda explica a seguir.

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• Por que é importante ter a tradução desse trabalho de Galileu, e comentado da forma como o senhor o fez, com um detalhamento sem igual? -O Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo é um dos textos basilares da ciência moderna e pode-se dizer que o nascimento da mecânica moderna se dá com ele. Como o texto teve uma importância grande, na época, em razão da proibição e de a toda a questão que se originou a partir daí, ele tornou-se uma obra clássica, constantemente citada sempre que surgem problemas ligados à liberdade da pesquisa científica, ao avanço da ciência, ao impacto da ciência na sociedade. Por isso, me pareceu que valeria a pena fazer uma tradução fiel da obra. Eu até poderia ter modernizado o estilo do autor. Há algumas edições que fazem isso e traduzem o texto não respeitando o estilo barroco de Galileu. Para manter o estilo, inclusive, quer dizer, longas frases, uma argumentação em determinados momentos tortuosa que pode desencaminhar o leitor, mas que foi feita exatamente para ele pudesse desviar-se de certos impedimentos impostos pela censura na época. Então, procurei manter o estilo barroco e, para isso, me apoiei muito nos sermões do padre Antonio Vieira (1608-1697). O padre Vieira, como jesuíta, tem basicamente a mesma forma-


ção de Galileu e está escrevendo na mesma época, em português e no mesmo estilo.

• Sua preocupação de manter-se fiel ao texto original era filosófica? - Em geral, os tradutores e as pessoas que trabalham com o texto estão preocupados com as concepções científicas. A minha preocupação, além da recuperação da linguagem e de permitir ao público, através das notas explicativas, que ele ascendesse à mecânica e à ciência de Galileu, era também com o alcance intelectual da obra. Era mostrar ao leitor a importância que o Diálogo teve em todo o processo de condenação de Galileu. Pareceu-me que respeitar o estilo barroco permitiria ao leitor uma ambientação maior. • Embora em estilo barroco, a estrutura não se assemelha aos diálogos de Platão? Sim e não. Os diálogos de Platão têm uma estrutura dialógica que está baseada na idéia de uma maiêutica (processo dialético e pedagógico socrático) e de um procedimento pelo qual aquele que sofre as perguntas de Sócrates traz o conhecimento. Às vezes, Galileu faz uso disso no diálogo retórico, em geral para mostrar como o aristotélico se desencaminha das questões exatamente porque segue demais Aristóteles ao invés de procurar por si mesmo encontrar as respostas. Nesse momento é que ele apresenta o diálogo numa forma dialógica mais próxima da forma platônica, como expressão do espírito crítico. • O Diálogo foi o causador do processo inquisitorial contra Galileu e inspirou Brecht e outros autores. Mas, dentro da obra de Galileu, esse texto não seria secundário? -Na verdade, o trabalho mais importante de Galileu é o Discurso e Demonstração Matemática Acerca de Duas Novas Ciências. Esse é o trabalho fundador da física moderna, onde ele cria duas novas ciências, como ele as chama. A primeira é a ciência da resistência dos materiais- par-

te importante da física porque vai dar diretamente nas aplicações práticas e na engenharia - e a outra é a ciência do movimento. O Discurso contém a primeira teoria cinemática em sentido moderno - ele não faz uma dinâmica, nem trata das causas do movimento, mas faz uma descrição matemática de como o movimento ocorre na natureza. A obra é de 1638, ou seja, foi publicada seis anos depois de o Diálogo. Ela tem grande importância científica, mas não tem mais nenhum dos aspectos intelectuais e do caráter revolucionário que caracterizam o Diálogo.

• Sendo sua tradução trabalho de um filósofo, seria interessante situar o peso do autoritarismo da Inquisição no século 17. -A questão da autoridade é, na verdade, mais complexa do que parece. Ela não se resume apenas à defesa incisiva que a Inquisição vai fazer do princípio de autoridade. Essa questão já vem desde os quattrocénto, do século 15, na Itália. O próprio Humanismo e o Renascentismo acabam trazendo como ponto central dessa cultura a autoridade. No caso renascentista era a autoridade dos autores: os grandes artistas têm de ser imitados, respeitados e entendidos. Isso o Humanismo tomou como uma receita, de certa maneira, cultural. Em grande medida é uma cultura que, vai sobre a base dessa autoridade dada aos autores e artistas antigos, vai construir um novo patamar. Mas será sempre uma cultura balizada por formas de autoritarismo. Quando se chega ao final do século 15 e temos o nascimento da imprensa, a descoberta da América, etc., isso faz com que haja, dentro da própria perspectiva renascentista, uma total quebra dos princípios de autoridade, que eram mantidos no interior dessa cultura. Então ela se universaliza e vamos ter um período de abertura que vai culMariconda e Galileu: fascínio pela herança do cientista italiano


minar na metade do século 16 com a Reforma, a separação da cristandade e a reação católica no processo de Contra-Reforma. É interessante notar que tanto a Reforma quanto a Contra-Reforma representavam reações autoritárias a uma cultura que abria os horizontes, no sentido de que ela estava mais aberta do que se podia admitir naquele momento. Então, tanto os reformistas quanto a Igreja fazem um movimento em nome da autoridade e da tradição. • Voltando ao século 17: por que, tendo Galileu criado duas ciências, além de ser o protagonista da questão ciência versus a tradição aristotélica, Francis Bacon (1561-1626) é que é considerado o criador da ciência moderna?

- Vamos colocar uma pitadinha de sal nessa história. Bacon não contribuiu com nenhuma realização científica, pelo contrário, as suas posições eram até bastante tradicionalistas. Sua grande contribuição é na idéia da institucionalização da ciência, no uso que o Estado poderia fazer desse conhecimento científico para o desenvolvimento material do homem, para a satisfação das necessidades materiais. Em Bacon há uma perspectiva utilitarista da ciência e ele vê bem que essa ciência que está nascendo precisa ser institucionalizada. • Então, para o senhor, Galileu é o real fundador da ciência moderna, e não Bacon?

- Exatamente. • Em termos conceituais e não instituczonats. É, temos duas faces do mesmo problema. Podemos dizer: "bom, não resolveria nada a ciência de Galileu se ela não fosse institucionalizada", e isso é verdade. Então, Bacon tem o seu papel: a percepção de que a ciência precisa ser institucionalizada e de que o Estado pode obter vantagens com essa institucionalização da ciência. Ele traz, de maneira muito clara, o aspecto utilitário da ciência e, com isso, a sua vinculação com o poder.

Enquanto isso, Galileu produz as primeiras teorias científicas numa concepção de ciência ativa, mas não tem uma concepção de ciência utilitária.

acabar tendo impacto na ética e na política. Não é mais possível uma ética e uma política nos moldes tradicionais, porque não há mais a tradição.

• Para ajudar a entender o século 17, como o senhor situaria Galileu em relação a Isaac Newton (1643-1727)? Ele resolve a questão do movimento das marés de uma forma que Galileu não conseguiu. E como situaria Galileu em relação a filósofos importantes do século 17, como Espinosa?

• A tradição e, particularmente, a tradição defendida pela Igreja Católica, vai ser derrotada nesse embate?

-Dentro das figuras que marcaram de maneira clara o século 17 eu colocaria Galileu, Descartes (Renê, 15961650) e Espinosa (Baruch, 16321677). Newton está entre o 17 e o 18, e a perspectiva newtoniana acaba sendo a do século 18. O que há de interessante na ciência desse século é que os pensadores mais criativos da época se caracterizam por um abandono radical da tradição e pela consciência de que é preciso construir tudo de novo, partir do zero. Quem articula esse verbo de maneira clara é Descartes, que diz mais ou menos o seguinte: "Todas as vezes que eu pego um livro e, logo no começo, o autor me promete ter resolvido um problema, eu fecho o livro, resolvo o problema por mim mesmo e depois vou lá para ver se a minha solução não é melhor do que a dele e, invariavetmente, ela é melhor". Isso mostra essa idéia de independência e de abandono total do que a tradição fez. Tenho a impressão de que é o mesmo movimento de libertação, do ponto de vista cosmológico, e todo o impacto que vai ter a questão da posição da Terra no Cosmos. E, finalmente, que vai

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72 • JULHODE2001 • PESQUISA FAPESP

O PROJETO Galileu Galilei, Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo MODALIDADE

Auxílio à publicação PESQUISADOR

PABLO RUBtN MARICONDA- FFLCH/USP INVESTIMENTO

R$ 20.300,00

- Digamos assim, o que se perde aí, do ponto de vista da tradição, é o espírito do universalismo do cristianismo, de um governo único da cristandade. O que nós vamos ter é, do ponto de vista econômico e político, o surgimento de Estados nacionais. • Galileu sai do processo da Inquisição engrandecido ou como uma figura ambígua?

-Bom, digamos que há dois planos. No plano pessoal, obviamente Galileu sai arrasado do processo inquisitorial. Ele pensava sempre que conseguiria fazer rever o édito anticopernicano de 1616, o que não conseguiu. A condenação é de 1632 e o édito só vai ser revisto em 1847, quando a Igreja vai dizer "bom, nós temos que aceitar que há um movimento da Terra, que o copernicanismo é uma cosmologia mais aceitável do que a cosmologia tradicional, ptolomaica". • Mas o fato de ele ter conseguido escrever uma obra em que reafirmava suas convicções, ter conseguido publicá-la, sair vivo de toda a história e continuar escrevendo não acabou por representar uma vitória? - Certamente. A publicação do Discurso, em 1638, é fundamental por

isso. Com ela, ele conseguiu mostrar, seis anos depois do processo, que falava em nome de uma ciência, que não era apenas um ideal. No Diálogo ele, de certa forma, anuncia que escreveria o Discurso. Isso ocorreu porque o desenvolvimento da mecânica galileana já estava acabado quando ele escreve o Diálogo, que Galileu faz para defender o movimento da Terra. Na minha leitura, esse livro foi escrito não para apresentar os dois sistemas do mundo (e por isso o título é enganoso), mas para provar o movi-


mento da Terra. Por isso ele fala sobre as marés no quarto capítulo, o que, para ele, seria a grande prova desse movimento. E, com isso, ele poderia obrigar a uma revisão do édito anticopernicano. • É curioso que ele use as marés como

suporte para afirmar o ponto mais revolucionário das suas visões. Parecenos que o capítulo sobre o fenômeno é o mais sujeito a críticas. -As marés são um fenômeno extremamente complexo e sempre fascinaram os cientistas. Na sua explicação do fenômeno, Galileu tinha razão em parte: cada uma das bacias marítimas tem uma freqüência de transmissão do impulso primário que depende do movimento de rotação da Terra. E essa parte escapa à visão da mecânica do Newton. É interessante porque Newton acerta na causa primária do movimento das marés, que é a atração gravitacional, mas dá pouca atenção para as causas secundárias. Galileu erra na causa primária, mas acerta em todas as causas secundárias. • Retomando seu raciocínio: Galileu escreve o Diálogo antes do Discurso menos para uma demonstração da mecânica e mais para fazer o debate com as idéias vigentes? - A obra defende o movimento da Terra, que é a hipótese central de Copérnico. E, conseqüentemente, se a Terra se move, todos nós nos movemos juntos com ela e, portanto, muda completamente a relação entre o observador e o observado. Porque nós não temos mais um observador parado no centro do mundo, mas em movimento. A partir daí, tudo que nós observamos tem de ser corrigido. • O trabalho de Galileu já é uma ante-

cipação da separação entre ciência e filosofia? -Sim. Eu acho que é uma separação muito clara entre fato e valor, ou ainda, uma separação entre ciência e religião, razão e fé. Vai haver uma cisão aí, e as questões de fato podem ser

resolvidas cientificamente com métodos autónomos e não valorativos, que são independentes de qualquer juízo de valor; e as questões filosóficas acabam ficando do lado do valor, junto com as questões morais, religiosas, que são dependentes do valor e que não po- Maricond a: fôlego Galileu: fundador dem, portanto, ser decidi"A Igreja errou. E esse das por métodos autónoerro foi trazido até o século 21" mos e imparciais. Essa separação é extremamente importante, marca o -Eu acho que ela está numa posiinício da modernidade e nós temos ção central hoje. Na verdade, o proproblemas até hoje, na repercussão blema da condenação que a Igreja que se dá com a separação entre ciênfez ao Diálogo é que ela não condecia e valor. nou o livro por questões morais, mas tentou uma condenação em • Uma separação problemática, aliás. termos factuais. A Igreja tinha todo - Essa separação traz todos os proo direito, sob a perspectiva dos valoblemas que vão estar ligados à neures, da moral e da religião, de tentar tralidade. Podemos dizer que juízos estabelecer controles à aplicação da científicos são imparciais porque há ciência. O que ela não pode é afirum método que, independentemenmar que tal coisa não acontece ou te de qualquer valor, nos permite julnão é verdadeira, porque aí é como gar se uma dada teoria é verdadeira dizia Galileu: "Não se deve empeou falsa, gostemos dela ou não. Mas, nhar passagens da Escritura em conentão, temos juízos que podem ser denar teorias ou concepções que poautônomos, não dependem de nedem se revelar verdadeiras". Ora, nhuma outra autoridade, e imparpodemos dizer que a aplicação de ciais, porque podem servir a qualuma teoria talvez não pudesse ser quer julgamento de valor uma vez feita independentemente dos valoestabelecidos e, portanto, são inderes éticos e morais que estão nas Espendentes do valor. Mas surge um crituras. Então, dessa perspectiva, a problema na neutralidade: eles são Igreja poderia ter feito a condenaneutros com relação às perspectivas ção. Mas ela não a fez dessa persde valor? Não, porque a ciência tampectiva: tentou fazê-la dizendo que a bém é aplicação, e no momento em teoria de Copérnico é falsa. que eu aplico o conhecimento científico na tecnologia, eu tenho uma • Ou seja, a Igreja optou pela estraténeutralidade que não é mais indegia errada. pendente dos valores. Depende de Sim. E esse erro teve repercussão perspectivas obviamente valorativas, muito grande e acabou sendo trazipode ser de perspectivas comerciais do até o século 21. Agora, a grande ou mesmo de Estado, de por que se dificuldade é saber como é que se faz tal aplicação ou não se faz e, aí, pode estabelecer limites éticos à nós temos condicionantes sociais. pesquisa científica. Então, eu acho que nós continuamos com o mes• Em que medida a publicação de sua mo problema, porque nós não tetradução, com comentários e notas, mos ainda uma solução que seja alimenta o debate sobre os limites em aceitável para ele. • termos de valor de uso da ciência? PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001

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HUMANIDADES

HISTORIA

Amaravilhosa terra estrangeira Pesquisador compila relatos sobre a Baía da Guanabara antes de O. João VI "Tud~ me le~a a crer que ess~s

nat1vos sao o povo ma1s bárbaro que existe sobre a Terra. No dia 1O de novembro, chegamos à Guanabara. No lugar, encontramos SOO ou 600 selvagens, todos nus e armados de arcos e flechas. Essa nação se mantém em estado de guerra contra outras cinco ou seis. Quando fazem um prisioneiro, oferecem-lhe como esposa a mais bela da tribo. Essa relação é mantida por um certo tempo. Expirado esse, os nativos fazem uma grande quantidade de vinho de milho e bebem-no até a exaustão com os amigos convidados para a cerimônia. Nessa ocasião, o prisioneiro é espancado até a morte com um porrete de madeira e, posteriormente, dividido em pedaços, que são assados na brasa e comidos com grande prazer." Essa descrição é apenas uma - e das mais sutis - feita pelo piloto francês Nicolas Barré em carta enviada a Paris, em 1SSS. Ele narrava a travessia do Atlântico e as primeiras impressões sobre a terra e os hábitos na Baía da Guanabara. Barré fazia parte da comitiva de mais de SOO homens que acompanharam o cavaleiro da Ordem de Malta Nicolas Durand de Villegaignon, responsável por fazer vingar uma ambiciosa aventura francesa no Novo Mundo: fundar a França Antártica, a partir da qual os franceses conquistariam o caminho das Índias. 74 · JULHO DE2001 • PESQUISA FAPESP

A empreitada de Villegaignon fracassou - Henriville, primeira cidade européia erguida no território do Estado do Rio, fundada por ele dez anos antes de os portugueses inaugurarem o Rio de Janeiro, foi destruída pelos lusitanos após quatro anos. Mas as aventuras do cavaleiro nos trópicos renderam vários relatos sobre o Brasil colonial, como o de seu companheiro Barré, que faz parte do livro Visões do Rio de Janeiro Colonial

Leque da Baía: encantando os europeus

-Antologia de Textos 1531-1808 (Jbsé Olympio, 261 páginas, R$ 2S,OO), do historiador Jean Marcel Carvalho França. A publicação é o primeiro volume de uma antologia de 62 textos escritos por estrangeiros que estiveram no Rio colonial. O segundo, da mesma editora, recebeu o nome de Outras Visões do Rio de Janeiro Colonial- Antologia de Textos 15821808 (346 páginas, R$ 34,00). Entre os anos de 199S e 2000 (os dois últimos tiveram apoio de uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP na Universidade Estadual Paulista/Assis), França vasculhou arquivos portugueses, ingleses, brasileiros e australianos para reunir os raros e dispersos relatos de viajantes que estiveram no Rio de Janeiro antes de 1808, ano em que a Corte portugue-

sa chegou à cidade e transformou-a em capital do Império. Compilação- Sua

intenção inicial era fazer uma análise da vida cotidiana do Rio. Porém, em razão da escassez de documentos - há mais relatos pós-1808 devido a incentivos da Família Real -, França decidiu fazer uma compilação do que encontrasse. Com isso, além de reunir subsídios para futuramente analisar o dia-adia da cidade, prestou um serviço útil a outros pesquisadores. "Foi um trabalho pensado para especialistas, mas acabou despertando o interesse do público em geral, como o sucesso dos livros demonstra", observa o historiador. O que se encontra nos relatos reunidos por ele é uma visão abrangente das impressões que esses estrangeiros tiveram do Rio. "A grande surpresa é a homogeneidade dessas visões", diz o pesquisador. "Curiosamente, homens de diferentes épocas, nacionalidades e classes sociais deixaram descrições semelhantes da cidade e de seus habitantes", diz França. "Há um pouco de tudo: batedores de carteira, como George Barrington e James Hardy Vaux; grandes navegadores, como James Cook e Oliver van Noort; aventureiros corajosos, como Antony Knivet e Richard Flecknoe; e cirurgiões da Marinha, como John White e George Hamilton, bem como muitos marinheiros profissionais." O Rio de Janeiro descrito por eles é bonito e agraciado com o que Deus poderia dar a uma urbe para ter cidadãos prósperos e felizes. "Esse verdadeiro paraíso terrestre, no entanto, tem uma mácula: os homens que o habitam, violentos, corruptos, vai-



dosas, indolentes e, sobretudo, desregrados na sua conduta sexual- homens e mulheres", observa França. A maior parte das narrativas, diz ele, é do século 18 e início do 19, período em que o Rio de Janeiro tornou-se quase uma parada obrigatória para as embarcações européias que rumavam para o Cabo da Boa Esperança e para o Estreito de Magalhães. "Há relatos para atender às necessidades mais diversas dos pesquisadores, relatos nos quais podem ser encontrados detalhes sobre navegação, comércio, e também sobre inúmeros assuntos: cotidiano dos habitantes, arquitetura da cidade, etc.", assegura o pesquisador. Entre seus viajantes favoritos estão Barré, "pela riqueza de detalhes", o espanhol Aguirre ( 1783 ), "que descreve demoradamente os hábitos dos cariocas", George Staunton (1793 ), "um inglês culto, com senso apurado de observação", e James Tuckey (1804), "que traça um panorama da vida local amplo e permeado por observações importantes 76 • JULHO OE2001 • PESQUISA FAPESP

para o estudo da sociedade carioca anos antes de D. João VI e a corte portuguesa se instalarem na cidade". Confiável - As

traduções dos textos, a maioria originalmente em francês e inglês (havia também outros em espanhol, um em italiano, um em alemão e outro em holandês), foram feitas pelo pesquisador. "Sempre que possível, traduzi a primeira edição da obra ou uma edição organizada pelo próprio autor, ou ainda uma edição mais recente que tenha se tornado mais confiável", explica O PROJETO Visões do Rio de Janeiro Colonial MODALIDADE

Bol sa de Pós-Doutoramento ORIENTADOR LUIZ ROBERTO V ELLOSO C AIRO -

Unesp de Assis PESQUISADOR JEAN M ARCEL C ARVALHO F RANÇA-

Unesp de Assis

França. O trabalho de tradução, segundo ele, foi facilitado pela existência de diversos dicionários, na Internet, que apresentam os termos em desuso das línguas. A Internet, por sinal, fez com que essa pesquisa colocasse na ordem do dia um novo paradigma para a pesquisa histórica. "Cerca de 50% do material foi localizado e obtido por meio da rede", conta o historiador. Ele encontrou relatos em arquivos de diversas partes do mundo, como da Biblioteca de Washington, da Biblioteca Nacional da França e dos arquivos de Sevilha, sem sair doBrasil. "Confesso que me tornei um ardoroso defensor das pesquisas pela Internet", observa. O material não pesquisado virtualmente foi encontrado em Portugal (Biblioteca Nacional de Lisboa, Biblioteca da Ajuda e Sociedade de Geografia de Lisboa) e no Brasil (Biblioteca do Instituto de Estudos Brasileiros - IEB/ USP e biblioteca particular de José Mindlin). Agora, ele pretende pesquisar as cidades de Salvador e Recife. •


HUMANIDADES

PERSONALIDADE

Ogeógrafo da inclusão Milton Santos, morto em junho, defendia opapel vital dos despossuídos

O currículo, impressionante, deu a ele credenciais para convencer seus compatriotas de que suas idéias, polêmicas, deveriam ser levadas a sério. Um crítico ferrenho da globalização, Santos dizia que ela exigia um sotaque nacional para poder exercer sua política. E, acima de tudo, não era o único caminho a ser seguido, pois a crença numa técnica internacional toda-poderosa só serviria ao capital e à sua

uma pe_squisa feita pela revista IstoE, sobre quem seria o brasileiro do século, o geógrafo baiano Milton Santos recebeu 19,3% dos votos dos leitores. Ainda assim, o professor, morto em junho deste ano, aos 75 anos, conhecia bem os seus compatriotas. "Os prêmios são um dia e vivem no círculo que sabe deles. A minha vida de todos os dias é a de negro e, como tal, mantenho com asociedade uma relação de negro. No Brasil, ela não é das mais confortáveis", disse em uma entrevista. Foi justamente essa visão "desconfortável" de outsider em seu país que permitiu a ele enxergar as nossas mazelas como poucos. Nascido em 3 de maio de 1926, em Brotas de Macaúba, na Chapada Diamantina, Bahia, publicou ao longo de sua car- Milton Santos: críticas à elite que, segundo ele, teria reira 40 livros e 300 artigos, a ideologia, uma invasão de territórios maior parte no exterior, tendo lecionado na França (inclusive na celee nacionalidades, como afirmou a um brada Sorbonne), Canadá, Venezuejornal. Para o geógrafo, era melhor penla, Tanzânia, Inglaterra e nos Estados sar nos excluídos, segundo ele, a úniUnidos, onde foi parte dos quadros ca fonte de criação dos países pobres. do Massachusetts Institute of TechOs miseráveis, desprezados pela nology (MIT). Também foi consultor elite, seriam, como descreve em A Nada OIT, da OEA e da Unesco. Em tureza do Espaço (1996), a única cama1994, recebeu a maior honraria que da dotada do poder transformador da sociedade, os seus únicos atores se pode dar a um geógrafo, o prêmio Vautrin Lud, pela primeira vez consociais. Os pobres, em especial os dos cedido a um pesquisador que não era setores urbanos, não têm o emprego, mas têm o trabalho, fonte de descoanglo-saxão. Morreu como professor do Instituto de Filosofia e Letras da berta cotidiana. A elite, segundo ele, Universidade de São Paulo (USP). estaria presa ao conforto, amolecida

N

pelo consumo e sem interesse nadescoberta, no novo, na mudança. Nisso, o seu alvo principal era a classe média, a maior defensora da globalização. O amor pelos homens despossuídos começou cedo, quando Santos, no ginásio, leu A Geografia Humana, de Josué de Castro, obra reveladora que o levou aos estudos da geografia não sob o prisma da ciência, mas das humanidades. Por isso, após se formar, em 1948, em Direito, na Universidade Federal da Bahia, partiu para um doutorado em Geografia na Universidade de Estrasburgo, na França. A distância prática do seu principal objeto de estudo, o Brasil, fez com que se tornasse um teórico preocupa-

perdido o seu papel de agente social

do com os problemas sociais brasileiros. Essa visão não lhe rendeu amigos durante o regime militar. Preso por 90 dias pelos militares, em Salvador, teve um enfarte e um derrame facial. A doença livrou-o da cadeia, mas ele se viu obrigado a um exílio forçado de 13 anos. De volta ao Brasil em 1977, encontrou espaço na USP. Era, porém, um crítico ferrenho do que chamava "capitulação dos intelectuais", que, segundo ele, estariam mais preocupados em sobreviver do que em . . . pesqmsar, o que os aprmamava pengosamente do establishment. • PESQUISA FAPESP • JULHO OE2001 • 77


HUMANIDADES

EDUCAÇÃO

Precisa-se de matemáticos Estudo mostra que o Brasil padece de uma grande carência desses profissionais eospoucos que existem não interagem com setoresdas ciências matemática brasileira, que nos últimos 30 anos conquistou prestígio no cenário internacional e com freqüência publica trabalhos científicos em periódicos relevantes, não está conseguindo formar quadros em número suficiente para o atendimento da demanda nacional por qualificação. A necessidade de dimensionar o problema, já há algum tempo identificado pela comunidade dos matemáticos em seu dia-a-dia, levou um grupo de pesquisadores a realizar um primeiro levantamento da situação da formação de pessoal na área. Os resultados desse trabalho, reunidos em Panorama dos Recursos

A

Humanos em Matemática no Brasil: Premência de Crescer, revelam uma

situação crítica. "A matemática nacional está diante de três grandes desafios que não são independentes: aumentar o número de pesquisadores e a interação com outras áreas e capacitar um enorme contingente de docentes para atuação no ensino superior", alerta o estudo, que leva as assinaturas de especialistas da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal Fluminense, Laboratório Nacional de Ciências da Computação, Universidade de São Paulo (São Carlos), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PU CRio) e Instituto de Matemática Pura e Aplicada. 78 • JUlHODE 2001 • PESQUISA FAPESP

"É necessário atuar urgentemente em diversas frentes", comenta Jorge Hounie, professor titular da Universidade Federal de São Carlos e consultor da FAPESP. "É preciso elevar o nível dos cursos de licenciatura, promover a aproximação dos departamentos de matemática de seus congêneres de áreas aplicadas e abrir um canal de comunicação com as empresas, que poderiam aproveitar melhor os matemáticos': diz ele. De acordo com a proposta, um dos principais desafios da área Desafio: projeto que aumente a produção de mestres é a formulação de um Formação fraca - Há, conforme inforprojeto capaz de ampliar rapidamação do Ministério da Educação mente a produção anual de mestres (MEC), 369 cursos de graduação em para atender às demandas de qualifimatemática no país, dos quais 117 cação dos professores das disciplinas estão nas universidades federais, 85 de matemática e dos demais cursos, nas estaduais e 167 nas instituições além da formação de mestres qualide ensino superior particulares, que ficados para os programas de doutoformam , respectivamente, 11,8, 26 e rado e mestres destinados ao merca28,4 alunos por curso a cada ano. De do de trabalho. Segundo dados da acordo com o estudo, muitos dos doCoordenação de Aperfeiçoamento centes de graduação ressentem-se de de Pessoal do Nível Superior (Cauma formação acadêmica fraca e não pes), 2.800 mestres em matemática reúnem condições para enfrentar um foram formados nos cursos de póscurso de mestrado em matemática graduação brasileiros, 1.180 dos nos moldes atuais. E os matemáticos quais titulados nos últimos dez anos.


concretos", observa Hounie, dando, hoje constituída por 800 indivíduos, estimam que o índice de evasão nos como exemplo, a mobilização de escursos de graduação gire em torno precisa chegar ao dobro em cinco pecialistas da área nos Estados Unide 75%, e 88,2% dos graduandos anos e ao triplo em dez. O Brasil está dos na Segunda Grande Guerra em matemática que se submeteram formando, em média, 50 doutores Mundial. Na interface com outros ao Exame Nacional de Cursos em em matemática por ano - e 50% decampos do conhecimento, Tomei 2000 obtiveram conceito menor que les já têm emprego assegurado ao se percebe falta de estímulos por parte 2,24, em uma escala de O a 10. Entre titular. Isso significa colocar, na meda própria comunidade e das agênas medidas recomendadas pelo dolhor das hipóteses, 25 novos doutocias. Ele vê, porém, alguns bons sicumento para enfrentar o problema res no mercado a cada ano, para nais no ar, sobretudo nas áreas de está o fortalecimento das bolsas de concorrer às vagas de concurso para estatística, atuária, matemática fiiniciação científica em matemática e as universidades- esse número não nanceira, computação gráfica e moa criação de um mecanismo no estirepõe sequer a perda, por aposentadelagem. doria, de pessoal qualificado. O corlo do Programa Especial de TreinaPródigo em sugestões, o estudo mento (PET), da Capes, direcionado po de docentes dos cursos de póspede, por exemplo, a criação de curgraduação é composto por doutores, para a área. sos de mestrado devotados à atuáA qualidade do ensino nos curem sua totalidade. ria, economia matemática, sos de licenciatura é um matemática da biologia, dos fatores fundamentais entre outros, e de cursos de para a boa formação de doutorado com alternativas professores do ensino funde qualificação em áreas damental e médio, no qual aplicadas; a formação ou a os dados também estão importação de especialistas longe de ser animadores. As em estatística e em várias informações resultantes dos novas subáreas da matemáexames realizados pelo Sistica com importância para tema de Avaliação do Ensino Brasileiro (Saeb) mostram o desenvolvimento do país; que, nos exames realizados e o estabelecimento de um em 1985, 1997 e 1999, os programa de bolsas que Déficit na sala de aula seja específico para o treialunos da terceira série obNúmero de doutores queatuam na pós-graduação diminuiu 12% entre 1996 e 7999* namento de estudantes tiveram notas na faixa de 225 a 275, em uma escala pós-graduados, no exterior, 1998 1999 1996 1997 em áreas de aplicação da de O a SOO. 480 476 Matemática 530 533 matemática. O documento aponta a necessidade de formar com 110 Mat.Aplicada 133 139 99 Relações com os setores urgência, só para atender 579 586 Total 663 672 produtivos - No âmbito exàs exigências da Lei de Di• Regime de dedicação exclusiva em unNersidades púbJicas retrizes e Bases, 1.650 mestra-acadêmico, o docuFonte: Panorama dos Recursos Humanos em Matemática mento recomenda o estreitres. Em 1999, os 24 protamento de relações com o gramas de pós-graduação Diálogo- Por sua vez, a ampliação do setor produtivo, para uma maior em matemática/matemática aplicanúmero de profissionais de mateda formaram, apenas, cerca de 200 compreensão dos benefícios que os mática no setor produtivo e em ounovos mestres- ainda assim, levanespecialistas em matemática podem tras ciências demanda, na visão dos do-se em conta áreas do conhecioferecer para diversos segmentos. autores do documento, "toda uma O estudo afirma que qualquer mento agregadas à matemática. "A revisão" da cadeia do ensino que tentativa de solução dos problemas ociosidade dos programas de póspermita o diálogo com cientistas e levantados só será possível por meio graduação é inevitável enquanto se técnicos de outras especialidades e mantiver a baixa procura dos alude um projeto nacional para a mateincentive parcerias multidisciplinanos", reflete Carlos Tomei, profesmática e Tomei esclarece que a deres em pesquisa e na solução de prosor titular da PUC-Rio e um dosesfinição de um plano de ação de blemas com origem na realidade sotalhado ainda deve ser objeto de pecialistas que assinam o estudo. cioeconômica do país. discussões entre os matemáticos e, O estudo indica ainda a necessi"Historicamente, os matemátidade de dupiicar a formaçao anual entre outros interlocutores, as agêncos sempre tenderam a apresentar de mestres em cinco anos e triplicácias de fomento. "Nossa intenção é respostas muito sólidas a problemas la em oito. A população de doutores, • abrir esse debate", diz ele. PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001

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LIVROS

Ahistória múltipla da canção paulista na Estudo recém-lançado preenche lacuna importante na cultura brasileira WALTER GAR C IA

á livros que conseguem ultrapassar o círculo de interesse traçado por sua área sem abrir mão do rigor. Tornam-se assim referência básica para vários campos do conhecimento, menos por nascerem de uma ~ proposta transdisciplinar que pela profundidade e extensão com que abordam seu problema. Metrópole em Sinfonia: História, Cultura e Música Popular na São Paulo dos Anos 30, de José Geraldo Vinci de Moraes, é um desses casos. O livro, que foi editado pela Estação Liberdade Editora, contou com o apoio da FAPESP. Por isso, antes de tudo esse é um lançamento a ser saudado. Os acertos da obra são muitos, a começar pela lacuna que preenche em nossa literatura, tão necessitada de estudos que discutam com profundidade e sabor esse importante período. Mas existem outros elementos que também revestem o lançamento desse livro de especial relevo, pois, com Metrópole em Sinfonia, a história da canção e demais estudos da cultura urbana brasileira passam a contar com um novo parâmetro, se não a ser diretamente seguido em sua forma de investigação, ao menos a ser imitado em sua falta de preguiça. Originalmente tese de doutorado em História Social apresentada à USP, o trabalho é minucioso sem cuidar de pormenores inúteis, perseguindo com afinco os documentos e a análise de um quadro "fragmentado e disperso", como lhe chama o autor. A pesquisa recorre a fontes que vão das administrações públicas municipais à memória coletiva, dando ênfase às modinhas paulistanas recolhidas por Antônio de Alcântara Machado e às canções de Adoniran Barbosa e de Paulo Vanzolini. Os dados históricos incluem cinco mapas da cidade, números e estatísticas, mas não dispensam sínteses biográficas de artistas e a referência mais

H

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Metrópole em Sinfonia

ampla à história do Brasil, dos EUA e da Europa. Enfim, a proposta de José Geraldo compreender a cultura poVinc i de Moraes pular de São Paulo por meio da canção, nos anos 30, inteEstação Liberdade grando-a aos movimentos 338 páginas sociais e históricos, é desenR$ 28,00 volvida com cuidado exemplar. A compreensão do autor, por sua vez, gira em torno do eixo formado pelas "ambigüidades e contradições" da metrópole, que no período se caracteriza pela "paradoxal situação" de conjugar "múltiplas temporalidades': Os exemplos são vários, mas podem ser reduzidos à soma moderno/industrial + rural/provinciano. Talvez seja o caso, porém, de discutir a postura final de Moraes: se as relações entre canção popular e meios eletrônicos merecem ser vistas de modo simpático (o termo é meu) -nem apocalíptico, nem integrado-, qual o verdadeiro motivo? As conquistas estéticas? Contudo, a difusão em massa COIJl fins publicitários não é responsável pela descaracterização dos programas de calouros, a partir dos 50 (p. 82)? Esse processo ruinoso não estaria desde então se acelerando a olho nu, atingindo cada vez mais a canção, produzida majoritariamente "em favor do lucro ou da ideologia" (p. 292) conformista? Por outro lado, se o motivo se liga à ascensão do artista popular, como avaliar "a concentração de riquezas de um mercado em franca expansão" (página 108)? A discussão se justifica pela qualidade mesma do livro. De resto, o autor apenas fica devendo uma melhor inserção da análise musical. Sem negligenciar a linguagem da canção, o que é um fato raro, seu estudo ainda deve muito à análise temática e parcial das letras.

W ALTER GARCIA é professor da PUC-SP, músico e autor de Bim Bom: a Contradição sem Conflitos de João Gilberto (Paz e Terra Editora).


REVISTAS Cadernos de História e Filosofia da Ciência

O Equilíbrio das Estrelas Annablume Renato Luiz Pucci Jr. 250 páginas I R$ 25,00

Uma análise intensa sobre a obra de um dos maiores cineastas do país, Walter Hugo Khouri, que procura desvendar os principais enigmas deixados pelo diretor em seus muitos e polêmicos filmes. Conhecido pela profundidade com que trata temas ligados à sexualidade, Khouri também marca pela avalanche de citações eruditas com que recheia seus filmes. Pucci mostra como elas se enquadram no roteiro dos filmes e quais relações mantêm entre si. Igualmente se discute o mistério da identidade de Marcelo, o eterno protagonista de suas obras. Boa leitura. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL FERRAMENTAS E TEORlAS 2• cd1çào

volume 9- número 1-2

Neste número da revista publicada pelo Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ciência, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os seguintes artigos: A Fisiologia e as Paixões em Descartes, de Marisa Franco Donatelli; Galileu e a Teoria das Marés, de Pablo Mariconda; uma análise comparativa entre os livros História e Consciência de Classe e a Ciência Histórica Burguesa, do professor Gustavo Caponi; Alguns Aspectos Lógicos e Epistemológicos Relacionados aos Fundamentos da Mecânica Quântica, de Olímpia Lombardi, entre outros.

Inteligência Artificial

Impulso

Editora da UFSC Guilherme Bittencourt 364 páginas I R$ 25,00

2001 -volu me 12

O tema, mais do que nunca, está no ar. Em especial com a chegada no Brasil, em breve, do novo filme de Steven Spielberg, I.A., com roteiro GUH :ERMrllT NU: IT de Stanley Kubrick. A obra traz um interessante e aprofundado painel de como se desenvolveu a idéia de se conseguir produzir um ser artificial com uma inteligência próxima da dos seres humanos. Bittencourt mostra que esse é um antigo desejo do homem e de que forma vem se tentando reproduzir a consciência nas máquinas.

O Universo Vermelho

Publicação quadrimestral editada pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep ), este novo volume da revista de ciências sociais e humanas traz um dossiê dedicado ao filósofo alemão Friedrich Nietzsche, cujo centenário de morte foi homenageado em 2000. São dissecados vários aspectos de sua vida e obra por alguns dos especialistas nacionais desse poderoso pensador. Entre os muitos artigos: Em Busca do Discípulo Amado, de Scarlett Martin; O Caos e a Estrela, de Oswaldo Giacoia Júnior; Cultura e Educação no Pensamento de Nietzsche, de Rosa Dias; História e Verdade, de José João Pinhanços de Bianchi.

Editora Perspectiva Halton Arp 455 páginas I R$ 40,00

Escrito por um pesquisador do renomado Instituto Max Planck, da Alemanha, este estudo traz conclusões polêmicas que poderão modificar o nosso conhecimento sobre a gênese do cosmos, a partir da teoria do Big Bang. Para Arp, as galáxias ativas não seriam ilhas isoladas, mas interagem dinamicamente. A partir dessa descoberta, o autor pretende colocar em xeque a cosmologia atual, para a qual as galáxias tenderiam a se afastar para o vermelho do espectro da luz. Dessa forma, caso isso se confirme, seria preciso repensar a hipótese do Big Bang e a matéria escura, bem como tudo que depende da relação entre velocidade e desvio para o vermelho. Leitura obrigatória.

Revista de Saúde Pública 2001 -nú mero 1

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Fundada em 1967, esta revista é editada sob a responsabilidade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), com circulação bimestral.

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Neste volume agora lançado, temos os seguintes estudos: Minimizando Perdas e Maximizando Eficiência na Detecção de Casos de Desnutrição Aguda, de Michael Reichenheim; Contraceptivos Orais e Câncer de Mama, de Sérgio Tessaro; Age Transition ofTuberculosis Incidence and Mortality in Brazi~ de Flavio Chaimowicz; Atenção Primária em Diabetes no Sul do Brasil, de Maria Cecília Assunção; Fatores Associados à Obesidade Abdominal em Mulheres em Idade Reprodutiva, de Gilberto Kac. PESQUISA FAPESP · JULHO DE 2001 • 81


LAURABEATRIZ

82 • JULHO DE 2001 • PESQUISA FAPESP




INFRA-ESTRUTURA 3

A recuperac茫o dos laborat贸rios de pesquisa



ESPECIAL

INFRA-ESTRUTURA 3

Casa equipada e em ordem A recuperação e modernização dos laboratórios tornou possível a pesquisa de ponta uando a FAPESP decidiu, em 1994, criar o Programa Emergencial de Apoio à Recuperação e Modernização da Infra-Estrutura de Pesquisa do Estado de São Paulo, ou simplesmente Programa de Infra-Estrutura, a justificativa baseou-se no consenso de que a situação de sucateamento das instalações de pesquisa do Estado, na ocasião, impedia o desenvolvimento normal da atividade. Ou seja, mesmo havendo recursos para financiar projetas de pesquisa, a falta de equipamentos e principalmente a inadequação dos laboratórios inviabilizavam ou comprometiam os seus resultados. Assim, a recuperação e a modernização dos laboratórios foram prioridades absolutas desde o começo do programa, em 1995. Do total de R$ SOO milhões aplicados pela FAPESP no Programa de Infra-Estrutura, R$ 244 milhões foram diretamente para os laboratórios, por meio dos módulos Infra Geral e Biotérios. O restante foi para os outros módulos do programa: Bibliotecas, Arquivos, Museus, Redes Locais de Informática, Equipamentos Multiusuários e FAP-Livros. PESQUISA FAPESP

''Ao criar o Programa de Infra-Estrutura, a FAPESP rompeu com um paradigma: o de que as agências voltadas ao fomento da pesquisa não deveriam se ocupar da infra-estrutura, que seria responsabilidade das universidades e dos institutos': diz Jailson Bittencourt de Andrade, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Federal da Bahia e que acompanha, como consultor, o programa desde o seu início. E ele acrescenta: "Com o programa, reconheceu-se a infra-estrutura como parte da atividade normal de pesquisa': Ainda é muito cedo para dimensionar o impacto do Programa de Infra-Estrutura na pesquisa científica e tecnológica paulista, mas já há resultados bastante visíveis, tanto no volume quanto na qualidade da pesquisa. Neste suplemento, o terceiro da série sobre o Programa publicado pela revista Pesquisa FAPESP, vamos mostrar as transformações ocorridas em laboratórios das áreas de Ciências Agrárias, Ciências Biológicas e Saúde. As reportagens são de Cely Carmo, Lara Lima e Maria Aparecida Medeiros, a edição de Luiz Fernando Vitral e Maria da Graça Mascarenhas e a diagramação de Luciana Facchini.


trutura dos laboratórios a cargo das universidades e institutos", diz ela. As necessidades eram imensas. A falta de condições de trabalho, como pode ser observado nas reportagens e nos depoimentos dos pesquisadores e na própria demanda por recursos do programa, mostrada nas tabelas, que trazem dados globais, abrangendo laboratórios de A atividade de pesquisa, para ter resultados e comtodas as áreas do conhecimento. No primeiro edital, ou petitividade, não depende apenas da competência do Infra I, as demandas dos pesquisadores foram direcionapesquisador e da eficiência dos equipamentos. Esses, das para dois módulos: Infra Geral, que compreendia os evidentemente, são pressupostos fundamentais, mas laboratórios em geral, exceto os Biotérios, que constituíam que não dispensam instalações com infra-estrutura um módulo específico. Nos editais seguintes - Infra II, adequada: rede elétrica e hidráulica, bancadas, amIII e IV- os dois módulos foram reunidos em um só. bientes climatizados, por exemplo. Coisas aparentePara poder traçar um quadro da situação dos labomente prosaicas, mas que compõem o alicerce do sisteratórios anterior ao programa e informar sobre os prima e para o qual, até o surgimento do Programa de meiros impactos que se delineam com a recuperação Infra-Estrutura, não havia recursos. dos ambientes de pesquisa, foram ouvidos pesquisado"Para formar o tripé essencial à pesquisa- composto res de diversas instituições e de vários pontos do Estapor bolsas, auxílios a projetos e infra-estrutura- faltado, das áreas de Ciências Agrárias e Veterinárias, Biova este último." Assim o pesquisador José Antonio logia, Saúde, Física, Química, Engenharia e Artes e Visintin, da Faculdade de Medicina Veterinária e ZooCiências Humanas. Muitos não chegaram a ser ouvitecnia da Universidade de São Paulo, opina sobre o dos- afinal, para a recuperação dos laboratórios foram programa e tem a concordância da pesquisadora Maliberados recursos para 2.356 projetos. Outros tantos yana Zatz, do Instituto de Biociências da USP. "Foi deram seus depoimentos, mas, no entanto, não têm muito feliz a percepção da FAPESP de que não bastava seus nomes citados, por absoluta impossibilidade de investir na atividade de pesquisa, deixando a infra-escontemplar a todos nos limites de uma reportagem. Esses depoimentos, entretanto, foram fundamentais para que se resgatassem as condições anteriores de tra(Situação em 30.06.01) balho do pesquisador PROJETO$ INFRA FASE I INFRA FASE 11 INFRA FASE III INFRA FASE IV TOTAL com o colorido das INFRA-GERAL BIOTÉRIOS emoções envolvidas e os Recebidos 1.005 1.209 98 939 1.051 4.302 primeiros impactos após Denegados 226 21 441 465 1.925 772 a sua recuperação. Este suplemento reúAprovados 772 77 432 494 581 2.356 ne reportagens sobre os Cancelados 7 5 4 21 5 laboratórios das áreas Concluídos 771 77 430 532 2.292 482 de Ciências Agrárias e Veterinárias, Biologia e Saúde. O próximo traOS RECURSOS LIBERADOS tará das áreas de Física, (Situação em 30.06.01) Química, Engenharia e FASE DO W APROVADOS VALOR (R$) Artes e Ciências HumaPROGRAMA nas. E, embora seja ainINFRA BIOTÉRIOS TOTAL INFRA BIOTÉRIOS TOTAL da um pouco cedo para GERAL GERAL avaliar efetivamente os lnfra Fase I 772 77 849 66.953.338,94 9.998.331,78 76.951.670,72 impactos do Programa lnfra Fase 11 432 432 50.269.108,46 50.269.1 08,46 de Infra-Estrutura na lnfra Fase III 494 494 47.585.470,00 47.585.470,00 produção científica, as reportagens não deilnfra Fase IV 581 581 68.715.921,82 68.715.921,82 xam dúvidas de que Total 2.279 77 2.356 233.523.839,22 9.998.331,78 243.522.171,00 eles, na verdade, já começaram a aparecer.

Os alicerces do sistema

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PESQUISA FAPESP


Passado, presente e futuro

cultiva e estuda fungos e sua aplicação na agricultura, na recuperação ambiental e na área de alimentos, constantemente viam todo o seu material ser contaminado por fungos indesejáveis que proliferavam nas paredes úmidas, devido a vazamentos. Esses são apenas dois exemplos, que resumem a situação, qualificada pelo professor Eduardo Moacyr Ciências Agrárias e Veterinárias. Biologia. Saúde. Krieger, do Instituto do Coração (Incor) e presidente Três áreas do conhecimento que sempre foram fortes da Academia Brasileira de Ciências, como "à beira na pesquisa paulista. Três áreas do conhecimento que da calamidade". Ao investir nos laboratórios, o Prograpossuem tradicionais instituições, algumas centenáma de Infra-Estrutura influiu nas condições de trarias, responsáveis por pesquisas cujos resultados transbalho e no ânimo dos pesquisadores. Linhas de pesquiformaram o panorama do Estado em questões fundasa que estavam paralisadas foram retomadas e outras mentais como a de saúde pública, atendimento médico, novas foram criadas. As pesquisas aumentaram em produção agrícola. Três áreas do conhecimento que quantidade e em qualidade, dizem os pesquisadocontam com instituições jovens, mas já com importanres, que assinalam ainda, como conseqüências positites contribuições científicas. Todas elas, infelizmente, vas, o incremento na publicação de resultados científicom os seus ambientes cos e do intercâmbio com de pesquisa compromepesquisadores de outras tidos, em maior ou meinstituições do país e do nor grau. Esse era o quaexterior. INVESTIMENTO POR INSTITUIÇÃO dro antes do Programa "Mesmo com uma de Infra-Estrutura. equipe reduzida em relaVALOR {R$) INSTITUIÇÃO W PROJETOS CONTRATADOS Juntas, essas três áreas ção aos anos anteriores USP 708 109.940.035,58 receberam R$ 125,4 miao Infra, conseguimos UNICAMP 451 32.307.589,36 lhões para a recuperação aumentar a produtividade seus laboratórios. A de e a qualidade das pesUNESP 40.473 .631 ,20 586 maioria tinha as redes quisas, ampliar as linhas OUTRAS INST. ESTADO 366 39.526.398,17 elétrica e hidráulica em de pesquisa e o leque de 212 INST. FEDERAIS 19.281.254,52 ruínas, incapaz de suporexame de rotinas", diz o INST. PARTICULARES 1.801.140,17 32 tar a instalação de um pesquisador Odair ZeneINST. MUNICIPAIS 192.122,00 novo equipamento que bon, do Instituto Adolfo demandasse energia eléLutz. Antônio Carlos SeTOTAL 2.356 trica. O professor Wagguro, da Faculdade de ner Farid Gattaz, do InsMedicina da USP, faz a INVESTIMENTO POR ÁREA DE ATIVIDADE tituto de Psiquiatria da sua avaliação: ''A partir ÁREA VALOR {R$) W PROJETOS CONTRATADOS Faculdade de Medicina de 1996, ano em que os da USP, recordou, em seu projetos do Infra comeAgrárias 346 44.371 .015,15 depoimento, o seu priçaram a ser concretizaArquitetura 13 1.402.403,24 meiro dia de trabalho dos, tivemos um aumenAstronomia 470.175,98 8 num local improvisado to de pelo menos 100% Biologia 27.857.028,77 265 para ser o laboratório de no número de trabalhos Economia 9 878.396,98 neurociências. Ao ligar o publicados no exterior". ar-condicionado, causou E Carlos Martins Menck, Engenharia 470 40.908.657,60 uma pane no sistema elédo Instituto de Ciências Física 196 19.968.689,85 trico do prédio, impeBiomédicas da USP, desGeociências 92 7.561.347,41 dindo até que se completaca: "Só nos últimos três Humanas e Sociais 144 15.437.447,86 tasse uma cirurgia que anos, o Departamento Interdisciplinar 635.31 3,11 2 estava sendo realizada no de Microbiologia doHospital das Clínicas. No brou sua produção cienMatemática 7.007.319,68 43 Instituto de Botânica, da tífica. A reforma possibiQuímica 216 23.805.766,98 Secretaria de Estado do litou também a vinda de Saúde 552 53.218.608,39 Meio Ambiente, os pesnovos professores e pesTotal 2.356 243.522 .171,00 quisadores do laboratóquisadores que estavam rio de micologia, que no exterior". PESQUISA FAPESP

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Reformas descentralizam pesqu1sa agronom1ca •

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Instituições mais jovens se põem ao lado das mais antigas

Casa de vegetação: a recuperação dos laboratórios permitiu a retomada de pesquisas e o início de novas linhas ências Agrárias e Veteririas sempre foram uma rea de tradição da pesquisa paulista. Os resultados de estudos realizados por instituições centenárias, como a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, , e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado, modificaram e impulsionaram, ao longo do século 20, a atividade agrícola no Estado e no país. Por outro lado, instituições mais novas, como a Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, a Facul4

dade de Ciências Agronômicas de Botucatu e a de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, todas da Unesp, descentralizaram o ensino e a pesquisa agronômica de alto nível e deram importantes contribuições. Todas elas, entretanto, enfrentavam, na década passada, sérias dificuldades para dar prosseguimento às suas atividades. Algumas linhas de pesquisa estavam paralisadas. A aplicação de métodos e técnicas mais modernas, inviabilizadas pela falta de equipamentos e de condições estruturais dos laboratórios. O Programa de Infra-Estrutura mudou esse cenário, com a injeção

de recursos da ordem de R$ 44,4 milhões. Reformas básicas como as das redes de energia elétrica e hidráulica, bancadas novas, adequação de espaço, climatização de ambientes, sistema de filtragem de ar, capelas para exaustão de gases tóxicos, pivôs de irrigação, casas de vegetação e estufas modificaram as condições de trabalho. No laboratório de Genética de Microrganismo, da Esalq, por exemplo, foram colocados vidros com proteção solar em 465 janelas, porque a insolação e o calor afetavam certas reações, informa a professora Aline Pizzirani Kleiner. As reformas no ambiente de pesquisa PESQl:JISA FAPESP


, foram complementadas com a aquisição de novos equipamentos. Resultados visíveis - Os resultados

não tardaram a aparecer. O Centro de Pesquisas em Sanidade Animal, uma unidade auxiliar da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal, funcionava em condições precárias e hoje é citado como referência em revistas científicas internacionais. "Devido à estrutura que foi montada, firmamos convênios com empresas, que hoje garantem o nosso sustento': diz o professor Alvimar José da Costa, que coordena pesquisas para combater a cisticercose bovina, doença transmitida por um verme que pode contaminar o ser humano. "Antes, quando acabava a luz, toda a cultura de embriões morria", conta José Antonio Visintin, do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. "Hoje, não ficamos devendo nada aos centros mais desenvolvidos de pesquisa." Com o espaço quatro vezes maior e novos equipamentos, o departamento refinou as pesquisas sobre clonagem de bovinos e avança nos experimentos de suínos transgênicos. No Departamento de Patologia, o setor de necropsia por anos impregnou corredores com o cheiro de animais mortos. "Não tínhamos câmara fria e os restos dos animais apodreciam em menos de 24 horas", relata o pesquisador Benjamin Malucell, do setor de microscopia. "Era comum encontrar nos corredores jibóias das pesquisas de Patologia Comparada, que escapavam das caixas onde ficavam, próprias para ratos", conta. Essas histórias estão na lembrança dos pesquisadores, uma vez que agora há uma sala adequada para a conservação das cobaias. Por sua vez, o biotério da faculdade, com novas instalações e equipamentos, recebeu recentemente a aprovação do Comitê Internacional de Ética Médica para importar duas linhagens transgênicas de camunPESQUISA FAPESP

dongo, usadas em pesquisas sobre câncer, informa o diretor da faculdade, José Palermo Neto. A pesquisa agronômica também ganhou novo impulso. Na Esalq, em Piracicaba, os oito laboratórios do Departamento de Genética foram reestruturados. "Pudemos dar condições Resultado: mais embriões ótimas de trabalho aos pesquisadores': diz o professor Ricardo Antunes Azevedo, do laboratório de Genética Departamento de ReBioquímica. O Departamento de Enprodução Animal da tomologia, Fitopatologia e Zoologia Faculdade de MediciAgrícola da Esalq viveu readaptação na Veterinária e Zoosemelhante. "Sem as reformas, não temia da USP registeríamos desenvolvido a tecnologia de trou um aumento de 15% para 50% produção in vitro do Trichogramma, no desenvolvimento de embriões na qual somos líderes na América fecundados in vitro desde a concluLatina': afirma José Roberto Parra, são das obras nos laboratórios, fique pesquisa o controle biológico de nanciadas pelo Programa de Infrapragas agrícolas. No IAC, a Divisão de Física do Solo pôde re1moar as suas pesquisas depois de passar por reformas e receber equipamentos, como um granulômetro a laser para realizar análises de amostras de solo e um novo sistema coletor de perdas por erosão. E o Projeto Seringueira, do Centro de Café e Plantas Tropicais do instituto, montou seus primeiros laboratórios com Estudos de fecundação in vitro de bovinos e suínos recursos do programa. Estrutura. Segundo o professor José Desde que foi criado, em 1992, as Antonio Visintin, esse resultado, pesquisas eram feitas nas plantações. que tem evidente impacto nas pes"Tudo na base do olho, observando quisas na área, foi possível depois as características externas da planta, que o laboratório passou a contar o fenótipo': diz Paulo Gonçalves, com gerador de energia, caixa d' coordenador do projeto, que agora água de 15 mil litros, sistema de repode acompanhar o desenvolvimenfrigeração e filtragem de ar e, tamto das seringueiras em laboratório. bém, à reforma que separou os la"O impulso à seringueira veio nos boratórios de fecundação in vitro do últimos seis anos", diz, referindo-se de clonagem e transgenia animal. ao período pós-Infra. Os trabalhos "Trabalhamos com embriões, do IAC certamente contribuíram papor isso precisamos de água e ar ra tornar o Estado de São Paulo, em puros para evitar contaminações. 1999, o maior produtor nacional de Quando ocorria corte de energia, borracha natural, com mais da meem segundos toda a cultura de emtade das 85 mil toneladas produzibriões morria, e com ela, o trabalho das no país.

Agua e ar puros

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de vários dias", relata José Antonio Visintin. Antes da reforma, todas as atividades laboratoriais eram feitas em apenas dois ambientes. "Imagine preparar meios de cultura entre ovários de vacas e porcas." A aquisição de uma máquina para lavagem de materiais com água filtrada aumentou os padrões de higiene. Novos espaços - Atualmente, o departamento mantém uma sala somente para o sistema de refrigeração, que distribui ar refrigerado nos ambientes com pressão suficiente para impedir que o ar externo invada os laboratórios. Com o espaço físico duplicado e mais bem adequado, novos laboratórios foram construídos e equipados, viabilizando a abertura de linhas de pesquisa. A montagem de um estábulo de suínos permitiu que o estudo da maturação de óvulos de porcas fosse complementado com pesquisas sobre espermatozóides e sua capacidade de fecundação. O centro cirúrgico construído ao lado, que realiza pesquisas de fecundação in vitro, já dispõe de toda a infra-estrutura para a implantação, em dois anos, de procedimentos de transgenia em porcas. Isto fechará uma linha de pesquisa com suínos, que inclui inseminação artificial, fecundação in vitro e clonagem. Entre os outros novos laboratórios do Departamento de Reprodução Animal estão três de biologia molecular, um de fisiologia e um biotério. A ampliação e modernização do estábulo de bovinos, que antes abrigava todos os animais objeto das pesquisas, possibilitaram que se duplicasse o rebanho de touros e se incluíssem 15 vacas na criação. O lugar, que "era só lama': teve o chão concretado e ficou mais bem organizado com a instalação de cinco currais. No total, a Faculdade de Medicma Veterinária e Zootecnia recebeu, para reforma e modernização de seus laboratórios, aproximadamente R$ 5,1 milhões do Programa de Infra-Estrutura. 6

Preparada para se manter na História A centenária Esalq ganha novo fôlego

ola Superior de Agriculra Luiz de Queiroz Esalq), da USP, acaba de completar cem anos. Uma das mais antigas instituições de ensino agrícola do país, a Esalq é também uma tradição na pesquisa agronômica. Hoje, a escola continua sendo um centro de excelência. Mas, para manter esse padrão, seus laboratórios receberam cerca de R$ 12,5 milhões do Programa de Infra-Estrutura, para recuperação e melhoria de instalações e aquisição de equipamentos mais modernos. Os oito laboratórios do Departamento de Genética, por exemplo, foram todos reestruturados. "Só assim

pudemos dar condições ótimas de trabalho aos pesquisadores", diz o professor Ricardo Antunes Azevedo, do laboratório de Genética Bioquímica. Há 40 anos, lembra ele, quando o prédio foi construído, a manipulação de microrganismos era bastante restrita. "A estrutura antiga nos impedia de introduzir novas tecnologias:' Controle biológico - O Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola viveu readaptação semelhante. Ali, os pesquisadores estudam e desenvolvem métodos de controle biológico de pragas agrícolas. Para isso, utilizam agentes naturais - vírus, bactérias, fungos ou PESQUISA FAPESP


mesmo insetos, como moscas e vespinhas - para o combate às pragas. Os insetos, chamados de parasitóides, são produzidos em laboratório: in vivo, isto é, criando juntos a praga e o seu inimigo natural, e in vitro, criando apenas o parasitóide, sem seu hospedeiro. "Sem as reformas, não teríamos desenvolvido a tecno-

Instalação do Departamento de Entomologia da Esalq: ali são realizados importantes estudos para controle biológico de pragas agrícolas logia de produção in vitro do Trichogramma, da qual somos líderes na América Latina", diz José Roberto Parra, professor do Departamento. O parasitóide do gênero Trichogramma ataca e destrói ovos de outros insetos. Seu estudo permitiu a criação de outros parasitóides que atacam culturas diversas, como as de algodão, cana-de-açúcar, milho e tomate. Várias outros departamentos da Esalq foram beneficiados com recursos do Infra, como o de Solos e Nutrição de Plantas e o de Epidemiologia de Doenças de Plantas. PESQUISA FAPESP

Suporte microscópico Embora integre o complexo de ensino e pesquisa da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, o Núcleo de Apoio à Pesquisa em Microscopia Eletrônica Aplicada à Pesquisa Agropecuária (NAP/Mepa) dá suporte Kitajima: acesso livre aos pesquisadores não apenas aos pesquisadores dos diversos deredura de pressão variável - o partamentos da escola, mas, Núcleo já dispunha de dois mitambém, de outras instituições croscópios eletrônicos, um de de vários Estados brasileiros e transmissão e outro de varredudas mais diversas áreas. Com ra convencional. freqüência o Núcleo recebe estuApesar de atuarem em difedantes e professores de odontorentes áreas do conhecimento, logia, ciências agrárias, bioméos usuários do NAP/Mepa têm dicas e das áreas tecnológicas, algo em comum: trabalham além de atender ao setar privado. com materiais de proporções O acesso aos equipamentos é tão reduzidas que não podem franqueado aos pesquisadores. ser observados em microscópio "Fazemos uma espécie de presóptico, como por exemplo tação de serviços. Eles podem grãos de lipídios e fragmentos vir aqui e executar seu próprio de célula, diz Kitajima. O mitrabalho", diz o professor Elliot croscópio de varredura destinaWatanabe Kitajima, coordenase ao exame de superfícies. O dor do NAP/Mepa. Uma estimicroscópio eletrônico de transmativa do Núcleo é que o uso missão permite a observação de dos seus aparelhos já permitiÚ o amostras em suspensão ou cordesenvolvimento de pelo metes ultrafinos. Para preparar esnos 300 projetas de pesquisa. sas amostras, foi adquirido, Fundado em 1990, o Núcleo com recursos do Infra, um ulrecebeu, inicialmente, recursos tramicrótomo, aparelho para do Banco Interamericano de cortar seções ultrafinas: 1/20.000 Desenvolvimento (BID) para de milímetro - algo como cortar aquisição de parte dos equipauma peça de 1 mm em 20 mil mentos necessários. Em 1995, fatias. Outro aparelho adquirirecursos da FAPESP para a comdo com recursos do Programa pra de acessórios e alguns oude Infra-Estrutura foi o de criotros equipamentos permitiram fratura, que permite o congelaque ele iniciasse as suas atividamento de um material biológico des. Posteriormente, recursos em temperaturas criogênicas do Programa de Infra-Estrutu(em nitro gênio líquido) e, em ra foram utilizados na melhoria seguida, o fratura. Moldes das da infra-estrutura do laboratósuperfícies fraturadas podem rio e na aquisição de novos eser feitos e observados no miquipamentos. Um deles foi um croscópio de transmissão. microscópio eletrônico de var-

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Mantida segurança no campo da energia nuclear Cena avança no estudo em melhoramento de plantas uando foi criado, em 1966, o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) tornou-se a primeira instituição na América Latina voltada exclusivamente para a utilização da energia nuclear na pesquisa agronômica. Entre as suas linhas de pesquisa estão o melhoramento de plantas, com a obtenção de novas linhagens por melhoramento genético, utilizando o bombardeamento de partículas como método de transferência genética, e por indução de mutações, a produção e a conservação de alimentos e o estudo dos ecossistemas tropicais. Para realizar essas pesquisas, o centro, que integra o campus da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), necessita de laboratórios e equipamentos modernos e seguros, já que trabalha com elementos radioativos. Passados 35 anos de sua fundação, o Cena acumulava deficiências físicas que afetavam as pesquisas. A FAPESP, por meio do Infra, investiu R$ 4,1 milhões no centro, aplicados na reestruturação de 19 laboratórios, além da execução de obras e a aquisição de equipamentos. Foi realizada a reforma dos painéis de força, com substituição de disjuntares; o páraraios acabou com a freqüente queima de equipamentos; o telhado com infiltrações foi trocado, pondo fim às goteiras que inutilizavam os aparelhos de pesqfiisa; uma nova rede hidráulica oferece agora água limpa. Também a Casa de Vegetação central foi recuperada, assim como o depósito de rejeitos químicos, onde são armazenadas as sobras de todos os 8

Laboratório de Carbono 14: estudo de paleovegetações

laboratórios. Este setor foi equipado com recipientes para classificação, armazenagem e reciclagem dos resíduos. "Os impactos do Programa de Infra-Estrutura foram e ainda serãÓ úteis por vários anos': diz o diretor do centro, Augusto Tulmann Neto. "Os reflexos foram altamente positivos na quantidade e na qualidade das pesquisas e nas atividades de extensão da instituição." Carbono 14- Um dos 19laboratórios reestruturados foi o de Carbono 14, responsável por determinar a idade de amostras de solo, carvão, madeira, celulose, colágeno de ossos, conchas, corais e outra infinidade de materiais que contenham aquele elemento. Com base na presença de carbono -quanto menor, mais antiga é a amostra -, o laboratório reconstrói ambientes passados e pode até inferir mudanças sofridas pela vegetação e pelo clima de determinado lugar.

Sua principal linha de pesquisa é o estudo de paleovegetações brasileiras, desde o Sul do Brasil até a região amazônica. No mundo, poucos grupos de pesquisa realizam trabalho semelhante. No Brasil, apenas o Cena. Segundo o professor Luiz Carlos Ruiz Pessenda, responsável pelo laboratório, cerca de R$ 800 mil, de R$ 1 milhão investidos nesse laboratório nos últimos anos, partiram do Programa de Infra-Estrutura. O restante foi repassado pela Agência Internacional de Energia Atômica, com sede em Viena, na Áustria. ''A linha de síntese de benzeno, que é o coração do laboratório, nunca parou, graças aos recursos da FAPESP", reconhece Pessenda. Entre 100 e 11 O amostras são datadas a cada ano. Cerca de 70% delas referem-se à pesquisa, principalmente básica, desenvolvida pelos pesquisadores do centro, e o restante atende a pedidos de arqueólogos e geólogos de universidades e empresas. PESQUISA FAPESP


Da nutrição animal à pesquisa clínica veterinária Na Unesp de Botucatu, o cuidado com a saúde da criação ois tratares da década de 50, que até há poucos meses eram usados em todo tipo de serviço no campus Lageado - uma das três fazendas da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, da Unesp -, foram parar no museu. Na última missão que cumpriram ajudaram a superar recentes dificuldades no cultivo de feno e legumes, itens necessários à produção de ração para os animais destinados à pesquisa. O projeto de recuperação e renovação de máquinas e implementas das fazendas de ensino, pesquisa e produção da faculdade foi apenas um dos que a professora Eunice Oba, do Departamento de Reprodução Animal e Radiologia Veterinária, encaminhou à FAPESP, há quatro anos, quando era diretora da unidade. A aprovação do projeto, no entanto, resultou em benefícios para toda a faculdade. Exemplo foi a recuperação da fábrica de ração, que, construída há quatro décadas, operava em ritmo lento nos últimos anos. Do total de aproximadamente R$ 1,5 milhão destinados pela FAPESP a projetas de pesquisa na faculdade, parte foi aplicada na renovação do maquinário e na modernização das instalações, na compra de dois tratares, de duas plantadoras- de capim e de milho-, de uma ensiladeira, entre outros equipamentos. Resultado: hoje a fábrica atende a toda a demanda por ração, gastando apenas um terço dos valores despendidos anteriormente. Assessorada pelo setor de nutrição animal, a fábrica produz rações especí-

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PESQUISA FAPESP

Sistemas de climatização e iluminação induzem os ovinos à reprodução

ficas para bovinos, eqüinos, suínos, ovinos, caprinos, búfalos, coelhos e cães. "Hoje conhecemos a proporção de proteína bruta ingerida por animal", diz Eunice. Dados como esses aumentam o controle das pesquisas nas áreas de Reprodução Animal,

Cirurgia Veterinária, Clínica Veterinária e Higiene e Saúde Pública, realizadas a oito quilômetros dali, no campus Rubião Júnior. O campus abriga as faculdades da Unesp em Botucatu, onde os investimentos do Programa de Infra9


Estrutura mudaram a realidade do ensino e da pesquisa. O Departamento de Reprodução Animal - um dos quatro da Medicina Veterinária- passou a contar com nove laboratórios. O que hoje é o Centro de Biotecnologia da Reprodução - instalado segundo padrões internacionais não passava de um "barracão de madeira, de chão batido, com esgoto problemático, rede elétrica comprometida e completamente sucateado': segundo o professor Frederico Ozanam Papa, responsável pelo centro. Ali são feitas pesquisas e cirurgias em bovinos e eqüinos e, desde a conclusão das obras, no começo de 2000, o número de pós-graduandos que freqüenta o centro subiu de menos de dez para 50. Estudantes de vários Estados brasileiros e também de outros países da América Latina são atraídos pelo alto nível alcançado pelo curso. Na graduação, estudam cerca de SOO alunos.

o outono e, assim, induzir os ovinos à reprodução. A estrutura do assoalho, com espaços entre as ripas, tornou o ambiente mais saudável. Até o final de 1999, nada disso existia. Não havia nem lugar próprio para o manejo dessas espécies. Coletas de sangue e sêmen, pesagem e ultra-sonografia de ovinos, caprinos, bovinos e eqüinos dividiam o mesmo espaço. ''As éguas se assustavam com o comportamento inquieto das ovelhas", conta o professor Dimas Bicudo. Ele e sua equipe perdiam tempo cercando bichos arredios.

Animais

Ambientes integrados - A reestrutu-

ração dos ambientes do centro integrou a prática clínica, cirúrgica e de pesquisa. Antes, as diversas etapas de uma pesquisa eram feitas em lugares distantes: a coleta de sêmen, no campo; a colocação do corante na lâmina, num prédio; o congelamento do sêmen coletado, em outro. Agora, junto à nova área de coleta foi montado o laboratório didático, onde os alunos analisam as amostras recémcolhidas em microscópios eletrônicos conectados a uma câmera de vídeo. O setor de microscopia é um dos ambientes acrescentados pelareforma, assim como o laboratório de meios, onde são preparados os materiais de pesquisa, e o local onde são feitos exames de prenhez em éguas. 10

Pesquisa agrária- A Faculdade de Ciências Agronômicas de Botucatu - que tem a maior parte de sua estrutura localizada nas fazendas, principalmente no campus Lageado também recebeu recursos do Programa de Infra- Estrutura: cerca de R$ 1, 7 milhão para a reforma de criados sob as novas condições atingiram maior peso seus laboratórios e de três casas de vegetação, duas de Horticultura e uma de Defesa FiO Laboratório de Ovinos e ca: tossanitária. Nesta, os recursos perprinos também foi reestruturado mitiram torná-la três vezes maior, com verba do Infra-Estrutura. Pesalém de passar a contar com moquisa iniciada antes da reforma perdernos sistemas de irrigação e dimitiu comparar um rebanho criado matização. As pesquisas ali desensob as condições antigas com outro, volvidas buscam soluções para que cresceu nas novas instalações. sanar doenças em culturas agrícoSegundo o professor Sony Dimas Bilas com a utilização de agentes cudo, os animais do segundo lote químicos, físicos, biológicos ou atingiram maior peso. "Ficamos empela mudança no manejo. polgados. A qualidade dos experi"Vinte projetos tiveram suas etamentos depende da saúde dos anipas prejudicadas pela falta de espamais." Mais funcional, o laboratório ço': conta o professor Antonio Carpassou a contar com aparelho de lapalos Maringoni, referindo-se ao roscopia para inseminação artificial, período anterior à reforma. Ele eo que garante 70% de fertilidade conxemplifica com o caso de experitra os 30% da inseminação natural. mentos com feijão e soja. Feitos em O estábulo de madeira deu lugar túneis plásticos, não permitiam o a uma construção de concreto, equicontrole adequado do desenvolvipada com sistemas de climatização e mento da cultura e das doenças. iluminação que possibilitam simular PESQUISA FAPESP


Um hospital veterinário que é referência no Estado Em ]aboticabal, a preocupação com a extensão uldade de ências Agráias e Veterinárias de Jaboticabal recebeu cerca de R$ 6,5 milhões do Programa de Infra-Estrutura, para reforma de seus laboratórios e instalações de pesquisa. Criada em 1964 e integrada à Unesp em 1976, quando do surgimento da universidade, a faculdade sempre teve atuação de destaque nas diversas linhas de pesquisa agronômica e veterinária, como nutrição animal e manejo das diversas espécies, sementes, A Clínica e Cirurgia Veterinária realiza 35 intervenções diárias em pequenos animais plantas forrageiras, manejo de plantas danide Patologia Veterinária, que como conhecimento gerado à comutlinhas, controle biológico de pragas e põem a unidade do hospital, foram genética. dade. O Hospital Veterinário pode ser citado como exemplo dessa inA modernização dos laboratórecuperados. Na Clínica e Cirurgia Veterinários permitiu aos seus pesquisadotegração entre ensino, pesquisa e ria, 800 metros quadrados foram reextensão. Ali, os alunos têm aulas res estar na linha de frente das mais construídos. Nesse departamento, em salas integradas às atividades do avançadas pesquisas. Muitos particique trata e faz cirurgias em pequehospital, que, por sua vez, com cenparam dos projetas Genoma Xylella, nos animais, os atendimentos autros cirúrgicos modernos, pode pôr Genoma Xanthomonas citri e Genoma mentaram 25o/o, atingindo a média em prática novas técnicas e oferecer Cana-de-Açúcar, e continuam a pardiária de 35 intervenções. "O teta, ticipar da rede de laboratórios ligamelhor atendimento. Desde que foi construído, há 27 de lã de vidro, tornava o calor insudos ao projeto Genoma Funcional da portável nos dias mais quentes; o anos, o Hospital Veterinário é refeXylella fastidiosa, que visa obter inpiso não era lavável; as redes hirência na região Nordeste do Estado formações sobre os mecanismos endráulica e elétrica estavam expostas, volvidos no modo de ação dos gede São Paulo. Suas instalações, contudo, eram inadequadas, segundo o com risco de incêndio e de quedas nes da bactéria. A faculdade sedia freqüentes de energia", enumera Catambém o Brazilian Clone Collection professor Aparecido Antonio Camacho, do Departamento de Clínimacho. O departamento foi ampliaCenter, o primeiro centro de estocaca e Cirurgia Veterinária. Com os do e recebeu novos ambientes, o que geem de genes de bactérias e canarecursos do Infra, esse departamenpermitiu separar as práticas ambude-açúcar. latoriais das emergenciais e essas, Mas, desde a sua criação, a faculto e mais os de Medicina Veterinária dos atas cirúrgicos. A clínica odondade sempre se preocupou em levar Preventiva e Reprodução Animal e PESQUISA FAPESP

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tológica, equipada para cirurgias, possibilitou o oferecimento de serviço inédito no hospital e criou um ambiente propício para o desenvolvimento de estudos. Diagnósticos e cirurgias- Os recursos do Infra possibilitaram também a compra de aparelhos para anestesia e de facoemulsificação- este utilizado em cirurgias de catarata-, devidamente instalados numa ala exclusiva para cirurgias oftalmológicas em pequenos animais. Anteriormente à reforma, essa cirurgia era feita manualmenü~~ com índice de êxito 20% menor se comparado à nova técnica, pela qual a margem de sucesso chega a 90%. Pela facoemulsificação, o cristalino é fragmentado e aspirado de forma ultra-sônica. Um outro equipamento, o de eletroretinografia, adquirido um ano antes, permanecia encaixotado por falta de instalações físicas apropriadas para instalá-lo, relata o professor José Luiz Laus, responsável pela oftalmologia. Único do gênero em escola pública na América do Sul, esse aparelho, que serve para diagnosticar doenças da retina, passou a examinar três animais por semana. Antes da reestruturação, atendimentos cirúrgicos, emergenciais e de ambulatório eram feitos no mesmo espaço. "Não tínhamos a higiene necessária para cirurgias, havia alto risco de contaminação", salienta Camacho. Atualmente, além de sala para cirurgia oftalmológica, o hospital tem sala de cirurgia geral, também equipada com recursos do Infra. O setor de cardiologia, outra novidade viabilizada pelo programa, permitiu a expansão das pesquisas sobre doenças do miocárdio. Também o laboratório de emergência e de anestesiologia recebeu recursos do programa. "Com certeza, hoje conseguimos salvar mais vidas do que no passado", comemora Camacho, salientando ainda a melhoria de condições para realizar pesquisas sobre novos agentes anestésicos. 12

Um patrimônio científico livre de ameaças No IAC, linhas de pesquisa paralisadas foram retomadas m junho do ano passado, os 250 pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) comemoraram os 113 anos da instituição com uma marca de 400 cultivares desenvolvidos e lançados no Estado de São Paulo e em outras regiões do país e relativos a cerca de 130 produtos agrícolas ali pesquisados. Há cerca de sete anos, contudo, todo o patrimônio científico, reunido no IAC em mais de um século de pesquisas, estava ameaçado, tal o estado de abandono e deterioração

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dos laboratórios de sua sede e das estações experimentais. Muitas áreas e linhas de pesquisa estavam paralisadas. Para reverter esse quadro, desde a primeira fase do Programa de Infra-Estrutura os pesquisadores do instituto encaminharam projetas de reforma e modernização de seus laboratórios. No total das quatro fases, foram aplicados nos laboratórios do IAC cerca de R$ 6,1 milhões. De início, foram recuperados 22 laboratórios instalados nos quatro prédios da sede e outros do Centro Experimental de Campinas. Divisó-

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rias de madeira foram substituídas por paredes de concreto, as redes elétrica e hidráulica foram reformadas, como também o teto. Bancadas foram renovadas e equipamentos fundamentais adquiridos. Em algumas áreas, isso possibilitou a retomada de atividades, como ocorreu na Física do Solo, desativada antes da reestruturação dos laboratórios de Análise de Estabilidade de Agregados no Solo, Curva de Retenção da Água no Solo e Análise Granulométrica. "Não se pode conceber a avaliação de um sistema de manejo sem a Física do Solo", diz a pesquisadora Sonia Carmela Falei Dechen, da seção de Conservação do Solo. ''A retomada permitiu acesso a informações preciosas e a parâmetros importantes no estudo do manejo." O granulômetro a laser, adquirido com recursos do Infra, analisa 100 amostras por hora; no processo manual, a média era de 50 determinações a cada mês.

Enxurrada monitorada - Construído há 70 anos, o prédio que abriga a Física do Solo, localizado no Centro Experimental, em Campinas, passou a abrigar as cinco seções de pesquisa do Centro de Solos e Recursos Agroambientes. ''Atendemos à demanda de todo o Estado nessa área", salienta a pesquisadora. Ela destaca ainda a reforma total do campo de sistemas coletores de perdas por erosão, em área externa vizinha aos laboratórios. "Temos o único Sistema Coletor de Perdas por Erosão funcion.ando ininterruptamente na América Latina", orgulha-se. Talhões são plantações delimitadas por barreiras físicas, que fornecem dados para orientar o manejo do solo, com registras de perdas de água e terra de cada cultura, em enxurradas. No IAC, essas estruturas foram construídas em 1943 e nunca haviam recebido qualquer tipo de reparo. Além de reconstruir 80 dos 108 ta-

lhões- distribuídos nas estações experimentais de Campinas, Mococa e Pindorama -, o programa viabilizou a automação do sistema no Núcleo de Campinas. ''A principal vantagem da automação é que, agora, tenho a enxurrada monitorada minuto a minuto. Sei a que horas começou a chover e por quanto tempo, além de precisar o período crítico da enxurrada. Ou seja, tenho muito mais informações para indicar que tipo de cultura é melhor para cada solo': assinala Sonia Duchen. Recursos genéticos - As obras deram estímulo também a outras atividades estratégicas do IAC. Na seção de Botânica Económica, o herbário foi protegido dos fungos e o Laboratório de Anatomia de Plantas recebeu novas bancadas e capela. No Laboratório de Biotecnologia, além das reformas, foram adquiridas duas autoclaves e uma estufa climatizada para as culturas de tecidos. O Projeto Seringueira, desenvolvido pelo Centro de Café e Plantas Tropicais, conseguiu receber o seu primeiro laboratório. Criado em 1992, todas as pesquisas só eram realizadas no campo. De acordo com o coordenador do projeto, Paulo Gonçalves, foi apenas após o Infra que elas ganharam impulso. Também o intercâmbio de recursos genéticos foi intensificado com a construção de um novo quarentenário. Com a nova casa de vegetação, especialmente projetada para a quarentena de plantas, o instituto intensificou a troca de germoplasma com outras instituições de dentro e de fora do Estado. Os recursos do programa também serviram para materializar equipamentos que há muito se faziam necessários, como o sistema de irrigação com pivô central, capaz de irrigar 70 hectares, implantado no Núcleo Experimental de Campinas. Plantio do Projeto Seringueira, do Centro de Café e Plantas Tropicais: primeiro laboratório montado

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Um sopro de vida nos laboratórios de biologia Investimentos permitiram um salto de qualificação na área os principais centros de pesquisa em biociências no Estado de São Paulo, o ânimo dos pesquisadores está em alta com o salto de competência observado na área nos últimos anos. A principal evidência da mudança está nos recentes resultados da pesquisa genômica - iniciada, em 1997, com o projeto Genoma Xylella, realizado por uma rede de cerca de 200 pesquisadores de mais de três dezenas de laboratórios, no primeiro seqüenciamento completo de um fitopatógeno. O feito rendeu reconhecimento nacional e internacional à competência dos cientistas. Para a coordenadora do Centro de Genoma Humano da Universidade de São Paulo, Mayana Zatz, a conclusão daquele projeto mostrou, de forma muito clara, que é possível desenvolver pesquisa de ponta no Brasil. Mas é consenso entre os pesquisadores que esse avanço científico não teria sido possível se alguns anos antes a FAPESP não tivesse começado a investir na recuperação dos laboratórios e instalações de pesquisa do Estado de São Paulo, por meio do Programa de Infra-Estrutura. "Foi muito feliz a percepção da FAPESP de que não bastava investir na atividade de pesquisa, deixando a infra-estrutura dos laboratórios a cargo das instituições", afirma Mayana. A diretora-geral do Instituto Biológico, Vera Cecília Annes Ferreira, concorda e acrescenta: ''A maior parte da verba orçamentária das instituições é gasta com a folha de pagamento. No máximo, dá para fazer algum pequeno reparo, o que não é suficiente para manter em dia a estrutura de

tiam a estrutura de prédios inteiros e minavam o resultado das experiências. Além do risco de desabamento, havia ainda o perigo de incêndio, diante da fragilidade das instalações elétricas e das ligações improvisadas para que se mantivessem as atividades em andamento.

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Mayana: não basta investir na pesquisa

que os laboratórios necessitam': De fato, a situação da maioria dos laboratórios de biologia até a metade da década de 90 era precária. As construções, sem reformas, estavam se deteriorando. Para que fossem desenvolvidas pesquisas faltava tudo: espaço, bancadas adequadas, energia elétrica, água, sistema térmico e de segurança e equipamentos. Mais grave: em muitos casos, havia problemas tão sérios que colocavam em risco a saúde dos pesquisadores ou comprometiam os resultados das pesquisas. Goteiras nos telhados ameaçavam os equipamentos e tornavam as paredes úmidas, que se tornavam hábitat para colônias de fungos. As infiltrações comprome-

Passos de tartaruga - Esses problemas de infra-estrutura eram extremamente comuns e faziam parte do diaa-dia das pnne1pa1s universidades públicas do Estado - USP, Unicamp e Unesp - e de importantes centros de pesquisa do país, como os institutos Biológico, de Botânica e o Butantan. É evidente que essa precariedade comprometia os resultados das pesquisas. Apesar da persistência e da boa vontade dos pesquisadores, a biologia no Brasil estava ficando para trás. "A situação me deixava angustiada. Enquanto os pesquisadores lá fora estavam voando de jato, nós aqui andávamos a passo de tartaruga", compara Mayana. "Não tínhamos equipamentos e acabávamos pedindo emprestado dos outros. Andávamos quilômetros para analisar uma coisa aqui, outra lá", lembra a cientista. A partir da aplicação dos recursos do Infra, começaram as mudanças. A FAPESP investiu nos laboratórios da área de Biologia R$ 27,8 milhões, beneficiando, entre outros, os institutos de Biociências da PESQUISA FAPESP


USP, em São Paulo, da Unesp em Botucatu e Rio Claro, o Instituto de Biologia, Letras e Ciências de São José do Rio Preto (também da Unesp ), o Instituto de Biologia da Unicamp e os institutos estaduais de pesquisa: Butantan, Biológico e de Botânica. O investimento permitiu reformar e modernizar laboratórios, que hoje estão em condições de atuar nas mais diferentes linhas de pesquisa. Outro aspecto positivo dessas reformas, destaca Ivo Lebrun, do Departamento de Bioquímica e Biofísica do Instituto Butantan, foi o fortalecimento do intercâmbio entre os pesquisadores. "Aumentou a presença de pesquisadores de outras instituições, até do exterior, que se sentem animados porque o laboratório tem condições de desenvolver pesquisas mais avançadas", diz. E a comunidade científica comemora. Os laboratórios ficaram mais espaçosos - o que proporciona autonomia para as equipes de pesquisa, que, em alguns casos, criavam um rodízio informal para poderem ocupar assalas e usar os equipamentos em turnos - e já têm condições de receber também um número maior de alunos. "Acredito que vamos poder acomodar pelo menos mais três alunos de doutorado e pós-doutorado': afirma Mayana. Com as reformas dos laboratórios, os pesquisadores passaram a trabalhar em ambientes mais limpos, arejados, seguros e, por conseguinte, mais agradáveis, o que trouxe reflexos importantes também sob o ponto de vista psicológico. "Nós vivíamos num ambiente escuro e deprimente. Hoje ficou tudo muito mais leve, melhorou o ânimo e, assim, também a produção", diz João Vasconcellos Neto, do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia da Unicamp. A mudança que trouxe essa sensação de bem-estar, para Vera Cecília, pode ser resumida numa única frase: "Foi um sopro de vida". PESQUISA FAPESP

Biólogos festejam as boas condições de trabalho Crescem as pesquisas em áreas tradicionais e de ponta

Kerbauy: pesquisadores conviviam com falta de espaço e tubulação enferrujada epois de 40 anos, o prédio do Departamento de Botânica do Instituto de Biociências da USP, um dos mais antigos do campus da Cidade Universitária, mostrava marcas do tempo e sinais de abandono. Entre as variáveis com as quais os pesquisadores deparavam estavam a falta d'água e um sistema elétrico inoperante. Os laboratórios inundavam depois das chuvas, o que era uma ameaça para os equipamentos. Sem verba para reformas, a saída era improvisar. "Quando um laboratório ficava sem água, puxávamos um cano lá de fora", conta Gilberto Barbante Kerbauy, vice-diretor do Instituto. Velha e enferrujada, a tubulação estava entupida; a rede elétrica, cheia de remendos e fios puxados de uma sala para a outra. "Para ligar um equipamento, precisava desligar outro." A falta de espaço era outra agravante: o pessoal de Biologia Molecular dividia o laboratório com a

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equipe de Fisiologia Vegetal, por exemplo. ''As bancadas viviam ocupadas por docentes, pós-graduandos e estagiários, às vezes simultaneamente", conta Kerbauy. Nos corredores, armários, geladeiras e freezers bloqueavam a circulação. Todos esses fatores limitavam o volume e a qualidade das pesquisas. "Mesmo com pessoal capacitado, faltava infra-estrutura para desenvolver pesquisas na qualidade desejada': avalia o pesquisador. A solução começou a ser desenhada na metade dos anos 90, com a construção pela universidade de um novo prédio para abrigar a graduação, liberando espaço para os pesquisadores. O Programa de Infra-Estrutura chegou nessa hora. Para Kerbauy, foi uma feliz coincidência. "Com a verba que recebemos pudemos expandir e modernizar todos os laboratórios. Foi a realização de um sonho de 20 anos." Os recursos foram aplicados na ampliação e adequação dos laboratórios. Quatro casas de vegetação 15


dos, prejudicando os re(estufas) ganharam sistesultados dos estudos", diz ma de climatização e foÁlvares Esteves Migotto, ram criadas três salas de cultura de plantas de clipesquisador do centro e responsável, no Biota, pelo ma quente, com temperacenso dos cnidários, grutura estável e umidade repo que inclui águas-vivas lativa do ar própria para e corais. No centro tamespécies amazônicas em se desenvolvem pesbém extinção. quisas aplicadas sobre Ainda no Departasubstâncias bioativas e mento de Botânica, o Promonitoramento da poluigrama de Infra-Estrutura ção marinha, entre outras. permitiu à pesquisadora Marie-Anne Van Sluys Suas dependências são montar um laboratório ocupadas para aulas de de Biologia Molecular. graduação e pós-graduação, cursos de extensão Depois de adequado, foi esse laboratório o primeiro universitária e simpósios. As estações de meteono Estado de São Paulo a instalar um seqüenciador rologia e de oceanografia automático. O laboratório completam as atividades ali desenvolvidas. Com participou dos projetos intervalos de 10 minutos, Genoma Xylella, Genoma Xanthomonas citri, e inos equipamentos registram a temperatura do ar, tegra o projeto Genomas temperatura e salinidade Agronômicos e Ambientais, que realizou o seqüen- Estação do CEBIMar: em breve, informações na Internet do mar, direção e velocidade da corrente, nível do ciamento genético da Leifsonia xili e de outras duas mar e transparência da água. "São informações importanvariantes da Xylella. com a umidade do solo, facilita a No total, o Instituto de Biociêntes para pesquisas de ecologia, que ventilação e a manutenção das reprecisam de um monitoramento des de água e luz, agora expostas cias da USP recebeu do Programa de Infra-Estrutura, para reforma de constante das variações ambiensob a laje. Na parte interna, ar-conlaboratórios, cerca de R$ 4,2 mitais", explica Migotto. Antes, os dadicionado e desumidificador ajulhões, que beneficiaram as pesquidam a preservar os equipamentos,· dos eram anotados à mão, duas vesas de outros departamentos, como zes ao dia. como lupas e microscópios, sensíos de Biologia, Fisiologia, Zoologia veis à ação de fungos. Para lidar e Ecologia Geral, e também de um Sonho antigo - Ampliar e reformar o com organismos marinhos, os pesimportante centro de apoio para prédio do Departamento de Zooloquisadores contam hoje com água estudos marinhos, o Centro de Biodo mar encanada. As pias do labogia do Instituto de Biologia da Unilogia Marinha (CEBIMar). ratório têm duas torneiras, de água camp também era um sonho antigo doce e outra de água salgada, fundos seus pesquisadores. O departaLaboratório à beira-mar- Inaugurado damental para manter vivos os ormento fora instalado de forma preem 1954, o CEBIMar foi construído no ganismos marinhos. cária, num barracão de estrutura litoral de São Sebastião quando ainA revitalização do CEBIMar, metálica, e já não comportava os da não existia a SP-55, trecho pauliscerca de 200 professores, funcionápossível com os recursos do Infra ta da rodovia Rio-Santos. Modesto, rios, alunos e estagiários. que liberou cerca de R$ 1,1 milhão mesmo depois de reformas e adappara o centro-, acabou por benefiHavia infiltrações causadas por tações realizadas ao longo dos anos, vazamentos de água e esgoto e a reciar pesquisadores de outras instio principal laboratório do centro conde elétrica estava bastante danificatuições, como os da Unicamp e tinuava sujeito aos efeitos corrosivos da, com risco de incêndio. Os laboUnesp que atuam no Programa da maresia e da umidade penetranratórios não ofereciam condições Biota, estudando organismos marite. Foi preciso demolir e reconstruir. nhos. "Sem laboratório à beira-mar, mínimas de assepsia. Segundo João O novo laboratório é apoiado eles não teriam condições de manVasconcellos Neto, professor do laem pilares, o que evita o contato ter vivos os organismos pesquisaboratório de Interações Animais e 16

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Plantas, a quantidade ~ equipamentos à dispode poeira e substâncias " sição, ele pode ousar "i mais nos seus projetas contaminantes era alarde pesquisa", afirma. mante e prejudicava sua pesquisa, voltada Pesquisa comprometida para o controle bioló- Um outro departagico de pragas agrícomento do Instituto de las. O trabalho corria Biologia da Unicamp bem em campo, mas beneficiado pelos rederrapava no laboratócursos do programa de rio. Os recursos do InInfra-Estrutura foi o fra destinados ao Instide Imunologia. Seus tuto de Biologia da pesquisadores perceUnicamp somaram beram que a falta de cerca de R$ 3,4 milhões, Laboratório de Biologia Molecular: seqüenciador automático condições dos seus aplicados na adequadois biotérios estava ção de 70 laboratórios, comprometendo as pesquisas. Um dores era usar microscópios de oude diversos departamentos, o que tras instituições, como faziam na estudo, coordenado pela pesquisapermitiu novo ritmo às pesquisas. dora Liana Verinaud, demonstrou Escola Superior de Agricultura Luiz Vasconcellos Neto tem novos de Queiroz, USP, em Piracicaba. ''A que os animais ali mantidos estaplanos de pesquisa. "Em zoologia, Unicamp dispunha de outros mivam expostos a contaminações que ainda há grupos inteiros que são croscópios, mas era raro encontrar interferiam nas respostas aos testes totalmente desconhecidos. Temos uma brecha para poder usá-los", cocom patógenos específicos. "Vínhamuito trabalho pela frente." Outra menta Mary Anne. mos observando sérias alterações que também está bastante animanos resultados das pesquisas: não Do antigo centro ficou a estruda com as novas instalações e contura do prédio. Dentro, tudo foi reeram repetitivos e de repente nos dições de trabalho é a pesquisadora deparávamos com dados inesperaformado: da instalação elétrica, que Fosca Pedini Pereira Leite. O labodos", diz Liana, que confirmou as não suportaria a carga de novos ratório de Biologia Marinha em equipamentos, até paredes, pisos e suspeitas ao detectar um vírus que que trabalha é sede da coordenabancadas. Também foi preciso insinterferia em testes da doença de ção do Programa Biota para a área talar um aparelho de ar-condicioChagas. de organismos marinhos. Todos os Foi preciso isolar áreas comuns nado a fim de garantir a temperatumeses eles fazem coletas em três de circulação daquela em que os áreas do Litoral Norte. O material ra necessária para o funcionamento animais são mantidos e submetidos dos novos microscópios eletrônico~ coletado na areia e nos costais a experimentações. A circulação do de transmissão e de varredura. Forochosos é levado para Campinas, ar passou a ser controlada por meio ram equipadas ainda duas salas onde é feita a triagem, catalogapara o preparo de materiais para de filtros e foi instalado um sistema ção e classificação. "Isso seria imanálise. de exaustão para dissipar odores. A possível sem espaços e bancadas adequadas." O centro agora realiza análises temperatura passou a ser estável e para pesquisadores de diversos detodo o material que entra em canpartamentos e é procurado princitata com as cobaias é esterilizado. Ousando mais - O único microscó"Reduzimos em quase 100% o nível palmente para estudos de biologia pio eletrônico de transmissão do de contaminação, o que nos dá um celular, histologia e anatomia, além Centro de Microscopia Eletrônica grau de certeza muito maior em rede microbiologia, zoologia e botâdo Instituto de Biologia da Unilação aos resultados", diz Liana. nica. "Hoje estamos equiparados camp estava em atividade havia 30 Não é difícil avaliar a importância aos melhores laboratórios e atendeanos. A sua capacidade original de aumento, de 60 mil vezes, acabou disso. Além da doença de Chagas mos a pesquisadores de várias parreduzida com o uso a 10 mil vezes. pesquisa desenvolvida com o Instites do país, que não têm os mesmos recursos em suas cidades", diz Mary tuto Pasteur de Paris -, os estudos "Esse índice é muito baixo para Anne. Para o pesquisador Áureo ali desenvolvidos buscam respostas quem lida com biologia celular e Tatsumi Yamada, ex-diretor, a recupara muitas dúvidas que ainda exisprecisa de um aumento de no míniperação do centro fez mais do que tem sobre inflamações, infecções mo 50 mil vezes", explica Mary Anne Heidi Dolder, diretora do atender a uma demanda reprimida. por fungos e desenvolvimento de "Quando o pesquisador tem esses centro. A alternativa dos pesquisatumores. PESQUISA FA PES P

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Butantan equilibra linha de produção e pesquisa Recursos do Infra incentivam trabalho no laboratório

tribuição que o InstituButantan - um centro de excelência internacional em pesquisas e produção de soros antipeçonhentos - já deu para o pa1s e inestimável. Criado em 1901, pelo médico Vital Brazil, para combater uma epidemia de peste bubônica no porto de Santos, em seus laboratórios foi desenvolvida a tecnologia de produção em larga escala devacinas e soros contra venenos animais e doenças que ameaçam o ser humano. Lá são fabricados atualmente 15 variedades de soros antipeçonhas, seis tipos de vacina simples e combinadas contra tétano, difteria, coqueluche, tuberculose e raiva e ainda o Anti CD3, usado na prevenção de rejeições em cirurgias de transplante. Todos os anos, ali são produzidos muitos milhões de doses para abastecer postos de saúde de todo o país. Apesar do reconhecimento no campo científico e da importância para a saúde pública, seus pesquisadores enfrentavam dificuldades. Até 1984, a produção de soros era artesanal. Sem investimentos para a introdução de técnicas modernas, a produção de vacinas ficaria seriamente comprometida. Criouse então, naquela época, o Centro de Biotecnologia: a linha de produção passou a ser automatizada e foi lançada uma nova geração de produtos destinados ao sistema público de saúde. O investimento resultou na ampliação da linha de medicamentos: vacinas contra meningite C e hepatite B, a toxina botulínica e biofármacos, como a eri-

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tropoetina (para pacientes que aguardam transplante de rim) e o surfactante pulmonar (usado no combate à síndrome de imaturidade pulmonar). No entanto, o Butantan precisava suprir uma lacuna na área de pesquisas. Isso porque a maior parte do seu orçamento- verba governamental e faturamento com a venda de vacinas e soros - é prioritariamente destinada à produção. Por isso, os laboratórios conviveram com problemas de infra-estrutura, que minavam o desenvolvimento das pesquisas. Os prédios eram da época

da fundação da instituição e alguns foram construídos para abrigar animais, como as cocheiras que acabaram transformadas em laboratórios. Ivo Lebrun, do Laboratório de Bioquímica e Biofísica, lembra que as instalações estavam inadequadas à linha de pesquisas ali desenvolvida, que lida com o isolamento de toxinas de venenos de serpentes para identificação de princípios ativos com potencial de uso na área médica. Totalmente modernizados com verba do programa de Infra-Estrutura da FAPESP, que investiu cerca de R$ 2,7 milhões no instituto, os laPESQUISA FAPESP


boratórios passaram a operar com outro padrão de qualidade. As reformas no laboratório de Lebrun permitiram, por exemplo, adequar espaços e instalar os equipamentos necessários para o emprego de técnicas de biologia molecular. São técnicas fundamentais, pois permitem que as toxinas usadas nas pesquisas sejam produzidas no próprio labo-

!saias Raw: recursos beneficiaram vários laboratórios-fábrica do Centro de Biotecnologia, onde são produzidos medicamentos

ratório. Com isso, os pesquisadores não precisam mais ficar na dependênCia de alguma sobra de veneno. A técnica também evita a constante necessidade de extração de venenos dos animais, alguns bastante raros. "A quantidade de veneno sempre foi um fator limitante, principalmente de animais como aranha e escorpião. Hoje temos a possibilidade de obter esse material em meio de cultura ou na bactéria na quantidaPESQUISA FAPESP

de que queremos e estudar com mais freqüência e com menos dificuldade", afirma Lebrun. O potencial é grande. "Esses venenos produzidos pela natureza oferecem uma série de compostos biologicamente ativos que ainda não passaram por um estudo mais intensivo", diz. Um bom exemplo disso é o recente registro de uma patente para um anti-hipertensivo originado do veneno da jararaca. O estudo foi desenvolvido no Centro de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantan, que é um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento (Cepids) criados pela FAPESP. Outra linha importante das pesquisas é realizada no laboratório de Inflamação e Dor- uma área totalmente reformada e adequada para esse tipo particular de estudo. Lá os animais, geralmente camundongos, passaram a ser mantidos em salas com temperatura e luminosidade adequadas e à prova de ruídos, para evitar que o estresse provocado pelo movimento de pessoas e o cheiro de outros animais interfiram nos resultados dos testes. Eles são inoculados com vários tipos de toxinas e submetidos a testes mecânicos para avaliação do nível de dor ou de analgesia provocada pelo en.venenamento. Antes das reformas, o laboratório funcionava junto com a Fisiopatologia, o que trazia sérios inconvenientes. "Estávamos constantemente perdendo resultados por interferências externas. Agora não temos mais que repetir tantas vezes os testes, então a pesquisa avança muito mais", diz Yara Cury, da Unidade de Dor. A expectativa aqui também é melhorar a eficácia dos soros, adicionando substâncias que possam reduzir a forte dor provocada pelo veneno da maioria dos animais peçonhentas. O ambiente principal de trabalho na Fisiopatologia, que compreendia quatro salas, foi transformado num amplo laboratório, iluminado e com mais espaço para bancadas.

"Esperávamos por isso desde 1994", conta a pesquisadora Ida SanoMartins, que desenvolve experimentos em animais e pacientes envenenados para estudar os efeitos das toxinas e sua atividade biológica. Identificando mais detalhadamente a ação das toxinas no organismo, Ida acredita que seja possível melhorar a eficiência dos soros antivenenos. Para isso, ela conta com o apoio de centros médicos em todo o país. No laboratório de Farmacologia, dificuldades também foram superadas. "Chovia e tínhamos que cobrir os equipamentos com plásticos", conta Catarina Teixeira, chefe do setor. Outro problema era observar as mudanças de comportamento dos animais nos testes com venenos que atuam no sistema nervoso central, uma das principais linhas de pesquisa do laboratório. Vários fatores colaboraram para as melhorias: um antigo banheiro deu lugar a um bem montado biotério, com sistema de exaustão e câmera de vídeo para observação. A sala de cultura foi construída em uma área ociosa de acordo com padrões internacionais; a parte elétrica também recebeu atenção especial que garante funcionamento ininterrupto da estufa e a qualidade no fluxo laminar para não comprometer as culturas. Também no Centro de Biotecnologia, onde as pesquisas são dirigidas para a produção em larga escala, vários laboratórios-fábrica foram beneficiados. Um dos resultados dos investimentos do Programa de Infra-Estrutura foi a montagem do laboratório onde está sendo criada a linha de produção de surfactante pulmonar, motivo de comemoração para Isaías Raw, diretor do centro. Os pesquisadores também comemoram: cresceu a troca de informações e trabalhos em colaboração com colegas de outras regiões do país e do exterior. "Hoje as pesquisas são multidisciplinares e multiinstitucionais. Só é possível desenvolvê-las em condições materiais adequadas", diz Lebrun. 19


Instituto de Botânica ganha espaço e dá aula de ciência Com novas instalações, cresceram as linhas de pesquisa odernização dos labotórios do Instituto de Botânica já começa a produzir os primeiros frutos. As pesquisas deslancharam num ritmo que surpreende até os pesquisadores e a preparação de trabalhos científicos para publicação também está mais acelerada. O laboratório de Ficologia, por exemplo, já reuniu mais de 3.500 amostras de algas de água doce e salgada, coletadas em quatro décadas de dedicação. O pesquisador Carlos Bicudo, que coordena no Programa Biota-FAPESP o levantamento das espécies de algas que ocorrem em São Paulo, está animado e afirma categórico: "Produzimos mais nestes últimos dois anos do que nos 40 anteriores". Com melhores condições de trabalhos e equipamentos mais modernos, os resultados estão aparecendo. O primeiro dos 13 volumes sobre a fauna de algas do Estado está pronto para ser publicado. "As pesquisas agora saem. É uma linha de produção", diz Bicudo. Nem sempre foi assim. Criado em 1938 com o objetivo de desenvolver pesquisas na área de botânica para subsidiar a política ambiental do Estado e mantido pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, os 18 prédios do instituto, que abrigam laboratórios, herbários, palinoteca (coleção de pólen), xiloteca (amostras de madeiras) e o Museu do Jardim Botânico, foram construídos nas décadas de 60 e 70 e há mais de 20 anos não recebiam nenhum investimento em infra-estrutura. O apoio da FAPESP, cerca de R$ 2,2 milhões, permitiu recuperar a infra20

Maria Amélia, da seção de Dicotiledôneas, dispõe agora de quatro microscópios

estrutura de pesquisa, deteriorada após anos de adaptações, como ocorria no prédio do laboratório de Ficologia. Construído para abrigar um herbário, nada ali estava adequado ao estudo de algas. Em outros laboratórios, a umidade provocada por vazamentos e goteiras gerava a proliferação de fungos indesejáveis nas paredes, como no de Micologia, onde trabalha o pesquisador Adauto Ivo Milanez, que dirigiu o instituto de 1995 a 1999. Era uma ameaça constante de contaminação para outros fungos, cultivados com finalidades específicas. Na seção de palinologia, as pesquisas com pólen também estavam comprometidas. Enferrujados, os caixilhos das janelas não vedavam adequadamente e o pólen das árvores que circundam o instituto invadiam o laboratório na época da floração e contaminavam as amostras.

Os recursos do Programa de Infra-Estrutura foram utilizados para reforma dos ambientes de trabalho, recuperação de rede hidráulica e elétrica, instalações e equipamentos. E os resultados não se fizeram esperar, em quantidade de trabalhos produzidos e em qualidade. Maria Amélia Vitorino da Cruz Barros, chefe da seção de Dicotiledôneas, da Divisão de Fitotaxonomia, está entusiasmada. O laboratório adquiriu quatro novos microscópios, três comuns e um fotônico, acoplado a uma câmera e impressora. "O fotônico revolucionou nosso trabalho." O feixe de luz desse microscópio faz cortes que permitem visualizar e medir de forma precisa as estruturas das camadas do pólen, cujos grãos podem chegar a 2 micrômetros de diâmetro. Conectado a outros meios informatizados, o aparelho acelera a preparação de artigos científicos. "Um PESQUISA FAPESP


trabalho que antes levava três meses hoje é feito em apenas um mês", afirma Maria Amélia. Por permitir a identificação de espécies vegetais, o estudo do pólen tem grande aplicação em programas de preservação ambiental. A partir de amostras colhidas no solo de regiões já devastadas, os pesquisadores podem identificar as espécies que cresciam no local e até mesmo obter, por dedução, dados de clima, chuvas e indicar que animais habitavam a região. No laboratório de Fisiologia e Bioquímica de Plantas, as cinco novas capelas (eram duas) e as condições de estocagem dos reagentes e solventes orgânicos resultaram no aumento de segurança. Climatizadas, as salas de cultura permitem avaliar melhor a resposta das plantas a estímulos que afetem o seu desenvolvimento e provoquem mudanças bioquímicas. Para o pesquisador Edson Paulo Chu, sem essas reformas, dificilmente o laboratório conseguiria dar conta dos projetos. Na linha de pesquisas com plantas medicinais, uma substância com atividade anticancerígena está praticamente pronta para ser testada em animais. Livre do bolor e de outros obstáculos técnicos, Milanez ganhou mais um motivo para adiar a aposentadoria. Suas pesquisas com fungos também indicam resultados promissores. Especialista em fungos da Mata Atlântica, ele estuda agora os do Cerrado. "Queremos descobrir que fungos existem no solo e que papel eles podem desempenhar na agricultura", explica. Milanez acredita que algumas espécies poderiam ser eficientes agentes naturais contra pragas agrícolas ou para a recuperação de solos contaminados por resíduos industriais e exploração mineral. Mas Milanez assinala outros resultados positivos do Programa de Infra-Estrutura. O Instituto de Botânica, agora, tem condições de receber mais alunos e já há interesse na criação de um curso de mestrado sobre biodiversidade. PESQUISA FAPESP

Biológico entra na era da pesquisa de fronteira Instituto, em São Paulo, supera a crise de infra-estrutura

Antes, águas entravam pelas janelas sobre os equipamentos

esde 1927, quando foi criado com a missão de controlar a infestação da broca-do-café, qúe devastava os cafezais paulistas, o Instituto Biológico fez história como centro de excelência em pesquisas voltadas à defesa sanitária animal e vegetal. Ali se desenvolveram vacinas contra a febre aftosa dos bovinos e a doença de Newcastle, que ataca as aves. Seus pesquisadores descobriram doenças que dizimam plantações e seus agentes, como o carvão-da-cana-de-açúcar, causado pelo fungo Ustilago scitaminea, e, em colaboração com pesquisadores franceses, a clorose variegada de citrus (CVC), causada pela bactéria Xylella fastidiosa. Mas nem mesmo esse histórico repleto de feitos científicos foi capaz de livrar a instituição da escassez de investimentos em infra-estrutura

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para pesquisa, que lhe permitissem acompanhar a evolução científica. O orçamento, repassado pela Secretaria da Agricultura, à qual o instituto está vinculado, consome-se integralmente com a folha de pagamento de funcionários e despesas de manutenção. Durante anos, reformar laboratórios ficou em segundo plano. "Nossa instituição vinha numa curva descendente", afirma Vera Cecília Anes Ferreira, diretora-geral da instituição. Por trás da imponente fachada do prédio principal, construído nos anos 60, o que se via no Instituto Biológico era o efeito do tempo. Pouca coisa funcionava. Um vazamento de gás no jardim culminou no corte do fornecimento. A tubulação estava comprometida e exigiria uma reforma que consumiria vultosos recursos. A rede elétrica não suportava a carga exigida pelos equi21


pecial. "É fundamental tratar efluO trabalho do instituto para repamentos e os canos d'água estavam cuperar a sericicultura (cultura do enferrujados, com pontos de vazamenentes, separar área limpa e área suja bicho-da-seda), uma atividade famito. "Perdemos equipamentos e até e ter bons sistemas de exaustão", liar em franco declínio por probleum destilador, por causa da ferruexemplifica Vera Cecília. "Sem esses mas sanitários, é um exemplo desse cuidados, é muito arriscado trabagem", conta Joana D'arc Felício de avanço. As novas técnicas de bioloSouza, pesquisadora do Laboratório lhar com zoonoses", diz. gia molecular podem identificar os de Produtos Naturais. Quando chopatógenos que atacam essa cultura, Vida nova - Hoje, com 80% dos labovia, a água atravessava as janelas corratórios totalmente modernizados, o facilitando o controle sanitário. O roídas pela ferrugem, escorria pelas projeto conta com o apoio da indúsparedes e inundava bancadas. "As jaânimo voltou ao Instituto Biológico. tria da seda e dos sericicultores. O investimento da FAPESP- de R$ nelas tinham de ser forradas com No laboratório de Bacteriologia 2,7 milhões- foi suficiente para replásticos e, para proteger os equipaGeral e Micobacterioses, a pesquisamentos da água, era preciso colocácuperar não apenas os laboratórios dora Eliana Roxo também se mostra los sobre caixotes de madeira': remeda capital, mas também os de outras animada com o novo rumo das pes13 unidades em municípios do intemora Joana D'arc. quisas. Eliana participa de um projeto rior do Estado. Entusiasmada com a Além de embaraçosa, a situação de pesquisa, financiado pela FAPESP nova instalação de seu laboratório, era perigosa. Sem armários adequano âmbito do Programa de Pesquisa Vera Cecília comenta: "É um laborados, reagentes e solventes orgânicos em Políticas Públicas, para avaliar o tório de Biologia Molecular, mas paficavam em prateleiras ao longo dos potencial de veiculação de agentes rece uma casa de noiva". corredores, sem qualquer proteção. patogênicos no leite e derivados. PaNão havia acessórios de segurança, Teto, piso, bancadas, armários, ra identificar micobactérias responfundamentais em caso de acidentes tudo foi reformado. Criaram-se assáveis pela transmissão da tubercucom produtos químicos. E pior: as sim as condições para que o laboralose, sua equipe analisa amostras capelas de exaustão estavam quetório pudesse receber seqüenciadoapreendidas pela Defesa Sanitária bradas. "Já não serviam nem para res e participar do Projeto Genoma Animal do Estado. A contaminação Xylella. "Se hoje estamos desenvolrezar", brinca Vera Cecília. Joana do leite pode ocorrer tanto na origem, D'arc foi uma das que mais sofrevendo pesquisas na fronteira do coou seja, a vaca doente, como no manhecimento, é porque tivemos anram com o problema. Sua linha de nuseio inadequado do produto. Em tes apoio do Infra", reconhece Vera pesquisa - química e farmacologia outra linha de pesquisa, Eliana busca de produtos naturais - exige o uso Cecília. Para ela, participar do prométodos mais rápidos de diagnósticonstante de reagentes e solventes. jeto foi fundamental não apenas co para a tuberculose bovina, o que Sem um sistema de exaustão adepelos resultados obtidos, mas, prinpode levar até seis meses. Sua meta, quado, os gases produzidos pela evacipalmente, por seus desdobramencom novas técnicas, especialmente tos. "Hoje temos metodologia em poração desses produtos contamimoleculares, é reduzir a identificação navam o ambiente. No final de um biologia molecular para diagnósti"dos bacilos para um ou dois dias. dia de trabalho, ela precisou ser inco das principais doenças na agriOs planos e as perspectivas do cultura", afirma. ternada em um hospital, com diagInstituto Biológico são tão nóstico de bronquite, posanimadoras que Vera Cecísivelmente ocasionada pela lia não se atém mais ao teminalação de gases tóxicos. po em que precisava visitar A segurança é um asos colegas de outros instisunto sério no Instituto tutos apenas para centrifuBiológico, que conta com gar material de pesquisa. A laboratórios de segurança, sensação de desânimo proclasses 2 e 3 (segundo a vocada pela falta de condiclassificação de segurança, ções de trabalho de Joana os níveis extremos são o 1 D' are também ficou para - de baixa periculosidade trás. No lugar dela, um sa- e 4 - de alta periculosibor de vitória e reconhecidade), onde se trabalha mento pelo trabalho de com patógenos que ameaquase uma vida. "Graças a çam a saúde humana, coesse investimento, estamos mo vírus da raiva e bacilos escrevendo uma outra hisda tuberculose, o que exi- Locais para pesquisa: espaços totalmente modernizados tória", afirma. ge uma infra-estrutura es22

PESQUISA FAPESP


Laboratórios essenciais para a saúde pública Recursos garantem melhor pesquisa e atendimento Programa de Infra-Estrutura destinou aos laboratórios das diversas instituições de pesquisa da área da Saúde R$ 53,2 milhões. Um recurso -testemunham em uníssono os pesquisadores da área -que chegou no momento limite, a tempo de evitar um colapso nas pesquisas. "As instituições públicas de pesquisa em geral, incluindo os laboratórios essenciais para o desenvolvimento da medicina e da saúde pública no país, estavam de tal forma deterioradas que, se não fosse o Bancada de ensaios no Hospital das Clínicas de São Paulo: alvenaria e equipamentos Infra, a maioria delas estaria hoje sem quaisquer conimportantes, como o Instituto de dições para a realização das pesquidos realizados nos hospitais de clíni.Ciências Biomédicas da USP, a Faculsas." A afirmação é do diretor da ca das faculdades de Medicina e em dade de Ciências Médicas da Unicarnp Unidade de Hipertensão da Divisão instituições como o Instituto do Coe a Faculdade de Ciências Farmacêude Cardiologia e Cirurgia Cardíaca ração (Incor), diretamente relaciodo Incor, ligado ao Hospital das Clínados com o atendimento médico. ticas da Unesp em Araraquara. O primeiro passo foi investir na nicas da USP, Eduardo Moacyr KrieOu, ainda, situações como as do Insger, presidente da Academia Brasileitituto Adolfo Lutz, da Secretaria de recuperação das instalações dos lara de Ciências. Ele acrescenta: "A boratórios. Os investimentos não Saúde do Estado, e da Faculdade de situação estava tão drástica, à beira ficaram restritos às reformas emerCiências Farmacêuticas da USP, que desenvolvem trabalhos - como os de da calamidade, que muitos laboratógenciais de alvenaria, sistemas elétrico e hidráulico e à instalação de norios não dispunham nem da mais análise toxicológica de alimentos e a vos armários e bancadas. ''Antes do básica infra-estrutura, muito menos análise de composição de medicamentos - diretamente relacionados podiam contar com os recursos tecInfra, disputávamos espaço com banológicos sofisticados, fundamentais ratas e cupins e sofríamos amargacom a saúde pública. para qualquer pesquisa séria': mente com as chuvas e inundações As conseqüências se faziam senque atingiam o interior do prédio e Instalações e equipamentos - Os recursos do Infra beneficiaram institir na pesquisa, mas, também, no os laboratórios': diz, empolgada, a tuições tradicionais, como a Faculatendimento à sociedade. Afinal, a pesquisadora Mileni Ursich, do Dedade de Medicina da USP, a maior parte dos resultados das pespartamento de Endocrinologia da quisas na área da saúde tem aplicabiFaculdade de Medicina da USP. Universidade Federal de São Paulo e lidade imediata ou de médio e longo o Adolfo Lutz, mas, também, instiOs resultados foram quase que prazos. Isso para não falar nos estuimediatos. "Ficou mais fácil trabatuições mais novas, mas não menos PESQUISA FAPESP

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lhar. A qualidade das pesquisas melhorou em mais de 100%': avalia o professor do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Athanase Billis, depois que passou a usar o fotomicroscópio, adquirido com recursos do Infra, que, acoplado a um sistema de morfometria, permite analisar fragmentos de células de órgãos comprometidos de pacientes com câncer e doenças renais com maior acuidade. Os biotérios, instalações indispensáveis à pesquisa na área, também foram beneficiados. "Um biotério com rígido controle dos parâmetros ambientais e com animais de origem estritamente confiável, em acordo com as linhagens aceitas e catalogadas pelos padrões internacionais, é de extrema importância para a qualidade das pesquisas, principalmente dos estudos em medicina", explica Maria Inês Rocha Miritello Santoro, responsável pela reforma geral do biotério de cria- ção, manutenção e experimentação que serve a todos os pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e do Instituto de Química da USP. Maria Inês estuda a eficácia de filtros solares para a prevenção do câncer de pele. Para ela, o programa mexeu até com o lado psicológico dos pesquisadores, técnicos e estudantes em todos os laboratórios da faculdade beneficiados. "A meu ver, a melhoria da qualidade de vida do ambiente de trabalho, no qual todos passam a maior parte do dia, foi um dos fatores que influenciaram no ganho de produtividade." Na Unesp de Araraquara, o Departamento de Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas ganhou um laboratório de biossegurança nível P-3, para a pesquisadora Clarice Queico, da microbiologia, que trabalha com a Mycobacterium tuberculosis. O laboratório recebeu a certificação para trabalhar com organismos geneticamente modificados de alto risco. 24

Experimentos com drogas e terapias Biotérios ganham melhores condições de trabalho

Biotério credenciado: de acordo com o Comitê Internacional de Ética Médica xperiências em animais são úteis para que pesquisadores testem futuras técnicas terapêuticas e medicações. Por isso, ds biotérios dos centros de pesquisa onde são criadas e mantidas as cobaias foram tambéu. contemplados com recursos d " Programa de Infré:l ·Estrutura. ''Antes, todos os procedi mentos com animais eram feitos dentro dos laboratórios e o cheiro era insuportável. Operávamos ratos no meio do corredor, em uma mesinha improvisada em lugar por onde circulam dezenas de pessoas", lembra a pesquisadora Helena Bonciani Nader, coordenadora do Instituto Nacional de Farmacologia (Infar), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ), que recebeu cerca de R$ 860 mil. No Laboratório de Experimentação Animal do Infar, criado com recursos do Infra, o biotério está sen-

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do utilizado para o estudo do metabolismo hepático, com a investigação da ação das calicreínas - enzimas envo~ v idas nos processos de inflamação e coagulação-, depois depuradas no fígado. Outras linhas de pesquisa também se beneficiaram, como o estudo das plantas medicinais, da ação de várias drogas e das p1 oteínas envolvidas no processo de trombose. "Reformamos e espaço para receber o biotério, compramos estantes e gaiolas metabólicas e equipamentos necessários para isolar as diferentes linhagens de animais", conta Helena. A maior parte das pesquisas necessita de cobaias, especialmente ratos e camundongos. Traumas e hipertensão - Parte dos

cerca de R$ 720 mil destinados pela FAPESP à pesquisa ao Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da USP, foi aplicada na adequação do biotério para ser utilizaPESQUISA FAPESP


do pelos pesquisadores dos grupos de choque, hipertensão, condicionamento físico, biologia vascular e aterosclerose e cirurgia toráxica. "Agora o Incor pode dizer que tem um biotério dentro do padrão de um centro de pesquisa", comenta Maurício da Rocha e Silva, chefe do Serviço de Fisiologia Aplicada e responsável pelo biotério. Além das vantagens para a unidade de hipertensão e para outros grupos de estudo, o biotério trouxe benefícios para o projeto temático do professor Maurício da Rocha e Silva, que trabalha com fisiopatologia do choque circulatório. "Estudo as hemorragias graves causadas por traumas, para verificar como elas evoluem e quais os procedimentos iniciais que devem ser tomados': explica. Os traumas com hemorragia são causados principalmente por acidentes de automóveis e ferimentos criminosos. Todas as experiências são feitas em cães e ratos. O campus da Unesp em Araraquara renovou pelo menos dois dos seus biotérios para pesquisas médicas, localizados nos departamentos de Ciências Biológicas e de Princípios Ativos Naturais e de Toxicologia, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas. A faculdade recebeu cerca de R$ 2,13 milhões do Infra. O primeiro biotério ficou a cargo da professora Deise Pasetto Falcão e atende 12 pesquisadores do departamento de Ciências Biológicas, que inclui os segmentos de microbiologia, imunologia, saúde pública e parasitologia. Deise estuda uma bactéria patogênica intestinal, a Yersinia sp, e prepara anti-soros em coelhos para estudo. "Não tínhamos biotérios. Os animais ficavam dentro dos laboratórios ou nos porões da faculdade, em condições precárias e com alto risco de contaminação", conta Deise. O professor Georgina Honorato de Oliveira, do Departamento de Princípios Ativos Naturais e Toxicologia, usou a verbas na construção Araraquara -

PESQUISA FAPES P

de um biotério que atende aos laboratórios de farmacologia, farmacognosia, toxicologia e botânica. Esse biotério conta com uma sala de monitoramento de vídeo para pesquisas comportamentais. "O novo biotério possibilitou aumento do número de pesquisas e ganho de qualidade. Também

ajudar os transplantes de córnea e a trazer novas informações sobre as alterações do olho provocadas por doenças, como diabetes", explica. Outro estudo desenvolvido no biotério aborda as modificações do comportamento de medo e defesa dos ratos frente a lesões no sistema nervoso central (SNC).

Biotério na Unifesp: estudo do metabolismo do fígado e de plantas medicinais

abrimos novas linhas, como trabalhos de neurotoxicidade a praguicidas, usando experimentos em galinhas", diz ele. Ribeirão Preto - No Departamento de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto, o professor Eduardo Miguel Laicine aplicou recursos do Infra na reforma total e modernização de um biotério de manutenção e experimentação. "Todos os projetas do departamento usam o biotério. Depois da reforma, já foram publicados 19 trabalhos, 18 deles no exterior. Impacto que mostra o ganho de qualidade que tivemos." A pesquisa que coordena, sobre a biologia dos componentes glicoprotéicos do olho (vítreo e aquoso) e do sistema muscular liso da coróide do olho, é realizada em coelhos. "Essa pesquisa pode vir a

Para Reginaldo Ceneviva, professor do Departamento de Cirurgia e Anatomia, o novo biotério trouxe apoio inestimável para as pesquisas de 40 docentes, úteis para os médicos do H C. "Docentes dos departamentos de clínica médica, ortopedia, ginecologia, otorrino e oftalmologia também utilizam os animais do biotério:' Ali, as cobaias são usadas para pesquisas ligadas a doenças cardiovasculares, como aterosclerose, transplantes de órgãos, função hepática e vários tipos de tumores. A Faculdade de Ciências Farmacêuticas e o Instituto de Química da USP, na capital, também passaram a contar com um grande e moderno biotério de criação, manutenção e experimentação. Um dos destaques são os estudos para a produção de medicamentos na Fundação para o Remédio Popular (Furp ), que distribui remédios para a rede pública de saúde, realizados por pesquisadores das Ciências Farmacêuticas. 25


Um avanço na pesquisa das doenças infecciosas Estudos do ICB beneficiam populações carentes quisadora Magda Maria les Carneiro Sampaio, o Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, isolou os anticorpos contidos no leite materno que defendem os recém-nascidos de diarréias e, agora, a sua pesquisa está na fase de encontrar uma vacina, usando lactobacilos geneticamente modificados. É uma pesquisa de grande impacto, que beneficia especialmente populações carentes, cujas crianças são as mais afetadas pelas diarréias. O Departamento de Imunologia foi um dos que receberam maior volume de recursos do Programa de Infra-Estrutura para a reforma e modernização dos laboratórios. No total, o ICB recebeu do Programa de Infra-Estrutura cerca de R$ 11,3 milhões. Os recursos do Infra foram aplicados na recuperação da rede elétrica de dois prédios do ICB (ICB 1 e 2), favorecendo as pesquisas de seis departamentos (fisiologia, farmacologia, histologia, microbiologia, parasitologia e anatomia). O restante foi direcionado para o Departamento de Imunologia, para reformas estruturais, rede de abastecimento de água e mobiliário. Um novo espaço, mais amplo, passou a abrigar 20 laboratórios. Além da pesquisa sobre os anticorpos presentes no leite materno, outros estudos ligados ao mecanismo das doenças infecciosas foram beneficiados. "Os estudos nesse campo são relacionados à doença de Chagas, esquistossomose, leishmaniose e paracoccidioidomicose. Esta última, representa um enorme risco para pessoas imunodeprimidas", diz 26

tripanossoma tídeos causadores da doença de Chagas e os agentes causadores do tifo e de doenças transmitidas por carrapatos. Também estão na lista o de bioquímica da Leishmania sp. e amebas de vida livre, associadas a meningoencefalite, infecções cutâneas e ceratites, o de leishmaniose e o de malária, que estuda a bioquímica do protozoário Plasmodium falciparum e decodifica o genoma do P. vivax, além dos laboratórios de hanseníase e mal de Chagas. O laboratório do professor Camargo foi o único que ficou fora das reformas. Lá são Imunologia no ICB: estudo de anticorpos feitas pesquisas de vigilância de doenças emergentes, como riquetsioses, erliquioMagda. Outras linhas de pesquisa ses e borreliose. O laboratório conta desenvolvidas no departamento recom uma base no município de ferem-se à imunologia aplicada ao Montenegro, em Rondônia, onde foi câncer, imunodeficiências congêniinstalado o Centro Avançado de Pestas e vários tipos de alergia e inflaquisas do Departamento de Parasimações. tologia do ICB. Esse centro serve às pesquisas de todos os docentes do Parasitologia - Chefiado pelo prodepartamento. "Rondônia é uma área fessor Erney Felicio Plessmann de de colonização recente, com grande Camargo, o Departamento de Paraagressão ao meio ambiente. O desesitologia do ICB da USP também conquilíbrio ecológico resultante desse tabiliza avanços em suas pesquisas. processo aumenta o risco de o hoCamargo aplicou a verba do Infra mem desenvolver novas doenças, para a reforma física da maioria dos antes presentes apenas no ciclo sillaboratórios do departamento. São vestre", diz Camargo. eles, o de biologia de desenvolviNo Departamento de Microbiomento de nematóides, o de glicologia do ICB/USP, as reformas foram biologia de parasitas, que estuda os PESQUISA FAPESP


coordenadas pelos professores Sebastião Timo Iaria e Carlos Martins Menck. Iaria cuidoú da substituição das redes elétrica, hidráulica e de gás e de reformas gerais de alvenaria em todo o prédio do ICB 2, onde se situam diversos departamentos. Menck, professor da microbiologia, recebeu uma das alas reformadas e partiu para a montagem final de seu laboratório de DNA, instalando bancadas e armários, e na reforma de áreas afins, destinadas à lavagem de material, eletroforese de DNA, cultura de células bacterianas, bioquímica, aparelhos multiusuários e manipulação de substâncias radioativas. Também foi criado um laboratório de genoma, que participou dos projetas de seqüenciamento da Xylella, da Xanthomonas citri, da cana-de-açúcar e participa do seqüenciamento do Schistosoma mansoni (causador da esquistossomose) . Fisiologia - No Departamento de Fisiologia e Biofísica, que reúne vinte laboratórios, além das reformas gerais foram adquiridos equipamentos e instrumentos indispensáveis à pesquisa como ultracentrífugas, freezers com temperaturas de até -85°C, para armazenamento de material vivo, capelas de fluxo para material radioativo. Também foram adquiridos aparelhos de PCR, técnica para duplicação de DNA, e equipamentos de Northen Blot e Western Blot - técnicas usadas para a separação de RNA, proteínas e para clonagem. Os resultados do programa podem ser medidos pelo aumento da produção científica do instituto. ''A partir de 1995, o ICB teve um enorme salto em sua produção científica': diz Magda. Além do crescimento do número absoluto de trabalhos, as pesquisas ganharam em qualidade, a julgar pelo aumento do índice de publicação, medido a partir de dados do Institute for Scientific Information (ISI): o índice subiu de 0,8 trabalho por pesquisador para 1,3 trabalho. PESQUISA FAPESP

Faculdade de Medicina-USP: salto de 38% na produção científica

Nas artérias do velho prédio da Medicina Reforma total na rede elétrica e hidráulica culdade de Medicina da niversidade de São Pauo, na capital paulista, iniciou um amplo projeto de restauro e modernização de seu prédio, erguidç> entre 1928 e 1931 e tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico (Condephaat). O estímulo para a realização do projeto surgiu depois que o Programa de Infra-Estrutura investiu cerca de R$ 5,6 milhões na recuperação dos seus laboratórios e da infra-estrutura interna do prédio. Uma parte significativa desses recursos foi utilizada para trocar as redes elétrica e hidráulica, rede de esgoto e sistema de climatização da maioria dos 62 Laboratórios de Investigação Médica (LIMs) da faculdade. Os laboratórios foram reformados e ganharam equipamentos. "Trocamos todos os encanamentos, separando os esgotos em duas redes isoladas: uma para pias e banheiros e outra, feita de material ade-

quado para dejetos químicos, exclusiva para os laboratórios", diz o professor Gregório Santiago Montes, chefe do Laboratório de Biologia Celular do Departamento de Patologia e que coordenou, como diretor dos LIMs, os projetas dirigidos ao programa. O sistema hidráulico também foi substituído, melhorando as condições de funcionamento dos laboratórios e permitindo a instalação de um sistema de ar-condicionado central movido por um fluxo independente de água gelada, que serve para a climatização dos laboratórios. Afinal, o fato de o prédio ser tombado impede intervenções na sua fachada, para instalação de aparelhos comuns de ar-condicionado. Os efeitos de tudo isso não se fizeram esperar na produção de estudos e na sua maior visibilidade. "Em 1996, os resultados obtidos nos experimentos dos pesquisadores da faculdade renderam cerca de 420 artigos publicados em revistas científicas- 37% em publicações indexadas 27


pelo Institute for Scientific Information (ISI). Em 2000, o número de artigos teve um salto de 38%, passando para 580 trabalhos, 51 o/o deles avalizados pelo ISI", compara Montes. Lípides, hormônios e diabetes - Na área de Endocrinologia, quatro laboratórios passaram por reformas e os resultados já foram contabilizados. "A maior parte dos estudos realizados nesses LIMs são pesquisas clínicas, que têm conexão estreita com o Hospital das Clínicas (HC), o maior hospital da América Latina", diz o professor Éder Carlos Rocha Quintão. No LIM 42 - que realiza dosagens hormonais de rotina para o HC, além de pesquisas de biologia molecular - houve aumento de 26 mil para 38 mil no número de dosagens hormonais mensais. "Com a reforma, pudemos também desenvolver novas técnicas, como o Fish (Fluorescence in situ hibridation), que permite identificar mutações genéticas por meio de marcadores cromossômicos, melhorando o diagnóstico de doenças como a síndrome de Turner': informa Berenice Mendonça, chefe do laboratório. No LIM 18, onde são realizados estudos de carboidratos e radioimunoensaios voltados a diabetes, novas linhas de pesquisa foram abertas. Entre elas, a professora Mileni Josefina Ursich destaca a de autoimunidade ao diabetes tipo 1, que ocorre em crianças. "Isto foi possível com a melhoria do biotério do laboratório e com a criação de novos espaços, como a sala de PCR e a de cultura de células", diz. Foram reformados também o LIM 1O, de metabolismo de lípides e proteínas, e o LIM 25, de biologia molecular de diabetes e dos tumores glandulares, bioquímica do tecido adiposo e que participa do projeto Genoma Humano do Câncer. Antônio Carlos Seguro, professor de Nefrologia e responsável pelo LIM 12, usou os recursos do programa para a reforma geral do laboratório e do biotério de manutenção. 28

Eficiência no estudo das doenças neurológicas Esquizofrenia e Alzheimer, alvos de pesquisa

Laboratório de neurociências: equipamentos e ampliação da área física

m 1996, quando voltou da Alemanha, onde lecionou e dirigiu o setor de neurobiologia da Universidade de Heidelberg, Wagner Farid Gattaz recebeu do Instituto de Psiquiatria da USP um espaço de 300 m 2 para iniciar suas pesquisas. "A área era um antigo depósito de colchões", conta. No primeiro dia de trabalho naquele laboratório improvisado, Gattaz ligou o ar-condicionado e causou uma pane no sistema elétrico do prédio. "Um paciente do HC que estava sendo operado na neurocirurgia foi transferido às pressas': lembra. Construído em 1952, o prédio praticamente mantinha a rede elétrica original, apesar do salto na demanda por energia para os delicados e numerosos aparelhos de pesquisa introduzidos nos últimos 50 anos. O laboratório de neurociências foi um dos muitos da Faculdade de

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Medicina da USP a receber recursos do Programa de Infra-Estrutura. Instalou, é claro, um novo sistema de ar-condicionado, mas adquiriu também equipamentos para análises neuroquímicas, de biologia molecular e de genética, além de um aparelho de eletroencefalografia digital de alta resolução. Depois que o laboratório passou a oferecer condições de trabalho, três outros cientistas se juntaram a Gattaz- Orestes Forlenza, Luís Basile e Homero Vallada- e os quatro apresentaram à FAPESP um projeto temático de pesquisa sobre o metabolismo de fosfolípides na esquizofrenia e na doença de Alzheimer. Com os recursos da reserva técnica, conseguiram ampliar a área física do laboratório de neurociências." Criou-se um setor de neuroquímica, onde são feitas dosagens de neurotransmissores que podem servir como marcadores biológicos do sangue e do tecido cerebral, o que auPESQUISA FAPESP


xilia a compreender a causa de doenças neurológicas e, assim, a detectar e diagnosticar as doenças antes que elas se manifestem. "Esse tipo de pesquisa é essencial para investirmos na prevenção': explica Gattaz. Abriuse também espaço para estudos de genética, criando-se áreas para pesquisas afins, como a que estuda neurônios isolados, com o uso de imagem de um espectrofluorímetro; a de cultura de neurônios; e a de DNA, com quatro máquinas para separação de amostras sanguíneas e purificação de enzimas e concentrados protéicos, os quais ajudam no estudo do metabolismo de fosfolípides das membranas das células nervosas. Cerca de 22 pessoas, entre pesquisadores, pós-doutorandos, pósgraduandos e alunos de iniciação científica trabalham no laboratório de neurociências desde a sua inauguração, em 1999. Resultados de seus trabalhos já foram apresentados em Berlim, no Congresso Mundial de Psiquiatria Biológica, em junho, e em congresso no Brasil. Em um dos trabalhos, Gattaz e sua equipe mapearam o metabolismo de fosfolípides em diferentes áreas do cérebro de pacientes esquizofrênicos e concluíram que as principais alterações ocorrem no lobo frontal. A partir desses resultados preliminares, Gattaz concluiu também, por meio de outra pesquisa, que há uma redução do metabolismo de fosfolípides na membrana dos neurônios, o que supõe que esteja relacionada à formação das placas de amilóide. "Esses são achados neuropatológicos importantes da doença de Alzheimer': diz. laboratório do sono- O professor Valentim Gentil também abriu novas frentes de pesquisa no Instituto de Psiquiatria. Numa área cedida pela faculdade, totalmente reformada e equipada, ele instalou dois novos laboratórios·- o de psicobiologia e o de eletrocardiograma- e deve concluir a montagem do laboratório de sono. "Temos cerca de dez docentes ligados a esses temas': diz Gentil. PESQUISA FAPESP

Unifesp ganha reformas e novos laboratórios Impulso para estudos sobre envelhecimento e artrose adquiridos: um microscópio confocal com fonte multifóton (único no país), um citômetro de fluxo e um seqüenciador de DNA, aparelhos fundamentais para as pesquisas de ponta na área de farmacologia e biologia molecular. Foi criado, ainda, um laboratório de dicroismo circular e outro especialmente adequado para o uso de materiais radioativos. As melhorias nos laboratórios atingiram 300 docentes e estudantes que usam as instalações comuns. No Departamento de Biofísica, os novos equipamentos auxiliam nas pesquisas ligadas a hipertermia maligna, doenças da medula óssea humana e função renal, pois permitem o estudo de peptídios vasoativos que agem nessas moléstias. Na área de bioquímica, o Infar ganhou reforço da técnica de dicroismo circular para o estudo de proteinases e inibidores que têm papel importante na coagulação do sangue e em doenças como a trombose. Os estudos ligados ao metabolismo hepático e à investigação de glicoconjugados relacionados com câncer e doenças causadas por fungos e parasitas também foram ampliados. Outra área essencial do Infar, a farmacologia, absorveu novas e modernas técnicas de pesquisa para o estudo da ação de fármacos na hipertensão e no diabetes; do metabolismo de cálcio no processo de contração muscular; no segmento de endocrinologia experimental; e no estudo farmacológico de planOlga: estudos em farmacologia e biologia molecular tas medicinais. estudo de fibras com colágeno e elastina contidas na matriz extracelular do tecido conjuntivo de todo o organismo é o principal trabalho desenvolvido pela pesquisadora Olga Toledo, do Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp ). Essas pesquisas- e outras realizadas no departamento- ganharam impulso a partir da melhoria da infra-estrutura das instalações, que resolveu problemas graves e permitiu incorporar técnicas de ponta. Segundo ela, já houve reflexos no aumento do número de pesquisas, algumas delas ligadas a processos de envelhecimento e artrose e a doenças dos ossos e dentes. "Trabalhamos com substâncias perigosas, como o ósmio. Antes da reforma, os experimentos tinham que ser feitos ao lado das janelas, pois não tínhamos nem capelas adequadas", diz Olga. No Instituto Nacional de Farmacologia e Biologia Molecular (Infar), três modernos equipamentos foram

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Antes da boca, passa pelo Adolfo Lutz Comida, remédio e cosmético no crivo de dois centros almente, cerca de 12 mil mostras de alimentos, beidas e remédios à venda no mercado chegam para análise no Instituto Adolfo Lutz, da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. "Como cada amostra é submetida a cerca de cinco exames, realizamos aproximadamente 60 mil exames por ano': contabiliza o pesquisador Odair Zenebon, chefe da Divisão de Bromatologia e Química. São análises indispensáveis para a detecção de alimentos contaminados e de remédios adulterados, que põem em risco a saúde do consumidor brasileiro, encaminhados pelos órgãos de fiscalização da secretaria e por entidades de defesa do consumidor. Além das análises bacteriológicas de produtos, o instituto desenvolve, ainda, pesquisas e fornece serviços de diagnóstico de doenças por vírus, bactérias, fungos e parasitas, exames para avaliação de surtos e epidemias e faz vigilância de campo para detecção de agentes infecciosos em animais reservatórios silvestres. É uma atividade essencial para prevenir e debelar epidemias. Pela sua competência, o Instituto Adolfo Lutz é um reconhecido centro internacional de pesquisa na área de vigilância sanitária. Criado em 1892, com o nome de Instituto Bacteriológico, desde o início a sua atuação teve grande impacto na saúde pública. Há alguns anos, contudo, sua atividade estava comprometida pela falta de condições de seus laboratórios e de equipamentos mais modernos. O Programa de Infra-Estrutura destinou ao Adolfo Lutz cerca de R$ 3,3 milhões, grande parte dos quais aplicada na Divisão de Bromatolo30

rio. O impacto já percebido foi que as análises de qualidade de alimentos que pleiteiam registro no Ministério da Saúde ganharam em agilidade e volume. Água para hemodiálise-

Os recursos do Infra também permitiram a instalação de duas novas áreas no setor de Bromatologia: o laboratório de Análise Sensorial, para testes que simulam os sentidos humanos, especialmente tato, olfato e gustação; e uma Sala Limpa, totalmente livre de partículas e contaminantes usada para análise da água utilizada nos hospitais para hemoTestes na Divisão de Química: rigor na análise diálise. Por meio de recurgia e Química. O prédio fora conssos de um outro módulo do progratruído em 1971 e nunca havia pasma, o de Equipamentos Multiusuásado por uma ampla reforma. O rios (depois transformado em primeiro passo foi instalar a nova programa autônomo ), foi possível a rede elétrica que alimenta os cinco aquisição de equipamentos para uso pavimentos da edificação. Laboracomum de vários pesquisadores, tórios dos setores de Alimentos (micomo cromatógrafos a gás, com decrobiologia, microscopia, cromatotectores de massa para identificar e grafia, bebidas, óleos e gorduras, quantificar contaminantes e fraudes amiláceos, laticínios e doces), Quínos alimentos; cromatógrafos líquimica Aplicada (embalagens, cosmédos, para a separação de partículas; e ticos, águas, química biológica, adium espectrofotômetro de absorção tivos e pesticidas residuais) e atômica, que determina a presença Medicamentos (química farmacêude resíduos de metais em alimentos tica, antibióticos, farmacognosia e e amostras biológicas. controle de esterilidade e pirogênico) ganharam reformas, com consFarmácia da USP - Outra instituição trução de bancadas e novo mobiliátambém dedicada aos testes e análiPESQUISA FAPESP


ses de produtos para uso da população é a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, que recebeu cerca de R$ 2,5 milhões do Programa de Infra-Estrutura. A pesquisadora Maria Inês Miritello Santoro, responsável pelo Laboratório de Controle Físico e Químico de Qualidade de Medicamentos e Cosméticos, foi uma das beneficiadas. Uma de suas linhas de pesquisa é o desenvolvimento de novos métodos analíticos para estabelecer as condições ideais de produção, transporte e armazenamento de medicamentos em climas tropicais, além de determinar os prazos corretos de validade, verificando o tipo de degradação química que ocorre com as substâncias terapêuticas. "Essas pesquisas têm, entre outras finalidades, aplicação imediata na produção de medicamentos pela Furp (Fundação para o Remédio Popular)", diz Maria Inês. A Furp, da Secretaria de Saúde, produz mais de cem itens de medicamentos, de analgésicos e soluções salinas até os quimioterápicos, antivirais (como o AZT, usado contra a Aids) e antibióticos (amoxicilina, cefalotina e tetraciclina) para distribuição a pessoas carentes. Em 2000, a fábrica produziu 1,81 bilhão de unidades, distribuídas para 3.200 municípios brasileiros. Na área de cosméticos, a cientista dedica-se ao estudo da qualidade dos filtros solares, fundamentais para a proteção da pele contra os raios ultravioleta e infravermelho do sol e, conseqüentemente, para a prevenção do câncer de pele. A verba do Infra permitiu ainda a instalação de um laboratório de ressonância magnética no setor de química farmacêutica, para o estudo de moléculas sintetizadas. Foi possível, também, modernizar o laboratório de microbiologia, que faz análises de rotina para a indústria farmacêutica e de cosméticos e recuperar o laboratório de farmacognosia, especializado em plantas medicinais. PESQUISA FAPESP

Mais pesquisa e ganhos no atendimento médico Equipamentos elevam a produtividade de hospitais

Unicamp: medicina nuclear, neurologia, oncologia e assistência à mulher

s hospitais de clínica das faculdades de Ciências Médicas da Unicamp e de Mediei-· na da USP, em São Paulo e Ribeirão Preto, desenvolvem atividade de pesquisa e de atendimento. A adequação dos laboratórios, complementada com a aquisição de equipamentos multiusuários, está promovendo um avanço nas duas atividades. Na Unicamp, as áreas de medicina nuclear, oncologia, neurologia, nefrologia, anatomia patológica e assistência à mulher da faculdade foram diretamente favorecidas com a compra de equipamentos de ponta. Na USP de São Paulo, o programa ampliou os recursos da Unidade de Hipertensão do HC, que atende milhares de pacientes. Na USP de Ribeirão Preto, foram as áreas de oncologia, cardiologia, gastroenterologia e transplante de medula que mais tiraram proveito do Infra.

Na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp os recursos do Infra - da ordem de aproximadamente R$ 5,7 milhões- foram usados principalmente em equipamentos, que já trouxeram resultados benéficos para os pesquisadores e para a população de Campinas e municípios da região. A equipe do professor Edwaldo Eduardo Camargo, diretor do Serviço de Medicina Nuclear, foi uma das beneficiadas. Três novos equipamentos deram novo ritmo ao trabalho e são usados em tempo integral para exames nos pacientes do HC e para o desenvolvimento de 13 projetos de pesquisa de 27 cientistas das áreas de neurologia, radiologia e ortopedia. "De forma menos freqüente, os equipamentos também são usados por outros cem docentes dos departamentos de pneumologia, psiquiatria, nefrologia e medicina da mulher", diz Camargo. 31


Avanço na pesquisa - Na câmara de cintilação híbrida PET /Spect são feitas tomografias com substâncias radioativas emissoras de pósitrons

(Positron Emission Tomography ),

metria- recurso antes inexistente no departamento- e ligado a um computador. O conjunto óptico do equipamento faz a medição exata das células contidas na área focalizada. "Com esse novo recurso, foi possível ampliar a oferta de exames e abrir novos campos de pesquisa", garante Athanase Billis, professor do departamento. "O único microscópio eletrônico do HC, usado em pesquisas e para exames de rotina de pacientes com câncer e doenças renais, estava quebrado e ficou quase três anos sem conserto", revela Billis.

para o diagnóstico de vários tipos de câncer e de infarto em pacientes que sofrem de miocárdio hibernante. Esse aparelho utiliza uma substância rara no país, o fluor-desoxiglicose (FDG), marcado com flúor 18, produzido apenas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo. "O aparelho ajudou a transformar a Unicamp em um dos centros de pesquisa e atendimento em radiologia mais avançados do país", comemora Camargo. O Serviço de Medicina Nuclear dispõe de quatro câmaras de cintilação, mas só a nova máquina permite o uso de FDG marcado com flúor 18. Anualmente são realizadas mais de 12 mil cintilografias do cérebro, do coração e do pulmão na universidade. No Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) são realizadas cerca de 5.800 consultas por mês, Ressonância magnética: 2 mil exames mensais em sua maioria de casos de Transplante de medula- Aos labmacomplicações da gravidez. Com o novo aparelho de Ultra-som Biditórios da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto o Infra destimensional com Doppler Colorido as imagens permitem identificar lenou cerca de R$ 4,6 milhões, aplicasões no útero e as condições do feto. dos, em parte, em um equipamento Segundo o professor Ricardo Barini, que trouxe melhorias para o setor de atendimento de pacientes com leuda Obstetrícia, o Caism já possuía três equipamentos de ultra-sonocemia e nas pesquisas de transplante de medula óssea no Hospital das grafia, mas estavam ultrapassados Clínicas. O pesquisador Júlio César tecnologicamente e em más condiVoltarelli, da área de Clínica Médica ções de uso. Antes desse novo equie coordenador do grupo de Transpamento, o Caism realizava entre 800 e 1.000 ultra-sonografias por plante de Medula Ossea, passou a mês. Agora, além do ganho de quacontar desde 1995 com um citômelidade, ultrapassa a marca de 2 mil tro de fluxo FACS Vantage, que está sendo usado por cinco grupos de exames mensms. pesquisa. Esse aparelho é o mais avanUm microscópio eletrônico e um fotomicroscópio mudaram a rotina çado para realizar nos pacientes a do Departamento de Anatomia Patécnica de sorting (separação de célutológica, que passou a oferecer 400 las para a análise) da medula óssea. exames por ano. O fotomicroscópio No Departamento de Clínica é acoplado a um sistema de morfoMédica, um equipamento produz 32

imagens nucleares do coração e órgãos do tubo digestivo. Segundo José Antonio Marin Neto, professor de Cardiologia, o aparelho está causando um salto de qualidade nos tratamentos de cardiologia e gastroenterologia. "São feitas marcações de órgãos ou do sangue com elementos radioativos e, então, o paciente é examinado no aparelho, que permite visualizar a distribuição de sangue no interior do coração, checar seu funcionamento e obter diagnósticos de obstruções coronárias, duplicando a capacidade de atendimento." Pesquisa no lncor - Dos R$ 720 mil destinados aos laboratórios do. Instituto do Coração (Incor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, uma parcela foi aplicada na Unidade de Hipertensão da Divisão de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca, dirigida pelo pesquisador Eduardo Moacyr Krieger. Ele se empenhou na renovação da área física dos laboratórios de fisiologia humana e fisiologia experimental e para a criação do laboratório de biologia molecular. "Todos são usados em pesquisas de hipertensão e servem também para o atendimento dos mais de 3 mil pacientes regularmente matriculados na unidade", diz ele. Segundo Krieger, o número de pacientes beneficiados, de forma indireta, é ainda maior. ''As pesquisas realizadas aqui são prontamente aplicadas no tratamento e servem também aos médicos de outros hospitais da rede de saúde que cuidam de hipertensos." Nos laboratórios da Unidade de Hipertensão são desenvolvidos estudos de epidemiologia e pesquisas visando ao tratamento, controle da doença e aplicação de métodos em cirurgias. ''As pesquisas são integradas e abrangem estudos de biologia molecular, experimentação animal e estudos clínicos nos pacientes': explica Krieger. PESQUISA FAPESP




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