Erro de programação

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40 Pesquisadores do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP descobriram mutação em gene do cromossoma 21 que aumenta em duas vezes e meia o risco de câncer de próstata CARTAS •••• • •• •••• • •• • ••••••••••• • • 4 EDITORIAL •••••• • •••••• ••• • •••• • •• • 5 MEMÓRIA • •• •••• • •••••.• • •••• • •• •• • 6 POLÍTICA CIENTÍFICA ETECNOLÓGICA •••• • •••• • • •• •• •• •• • 10 ESTRATÉGIAS .... ...... ........... .. ... 1O INVESTIMENTOS EM BOLSAS CONTINUAM A CRESCER .........• . ... . 23 MULTINACIONAIS INVESTEM MAIS EM P&D ........ .. ......... •..... 24 CIÊNCIA ••• • •••• • •• •••••••• • •• ••••• 26 LABORATÓRIO . . .. . ... . .. . ............ 26 MINERAIS DESCOBERTOS NO BRASIL .... 32 A BIOLOGIA EA EXPLORAÇÃO DO CARANGUEJO-UÇÁ . ... . ....... . ... 34 PERFIL DA PAISAGEM DO PANTANAL .... 38 IMPLANTE DE DNA VIA CLOROPLASTO . . ...................... 44 VITAMINA C CONTRA DIABETES . .. .. ... . 47 NOVAS PERSPECTIVAS PARA TRATAR ASMA .......... . ....... . 48 HOSPEDEIROS DA LEISHMANIOSE . .... . 53

14 Conferência Nacional define estratégias para alavancar a Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil, apostando na parceria com o setor privado

TECNOLOGIA •••••• • ••••••• • •• ••••• 56 LINHA DE PRODUÇÃO ....... . •.. •..... 56 ENTREVISTA COM GUILHERME ARY PLONSKI, NOVO DIRETOR DO IPT .... . . .. . .. •. ... . 62 EQUIPAMENTO ANALISA LESÕES DE PELE ... . . . . .. . . .. . ......... 64 PEQUENA EMPRESA DESENVOLVE ANTENAS PARA RECEPÇÃO DE SATÉLITE . . ........ 66 PESQUISADORES APRIMORAM TRATAMENTO HORMONAL PARA BOVINOS ........ . .......•. .. .... 68 HUMANIDADES •• • •• • •••• • •• • •• • •• • 70 A VIDA DA PIANISTA MAGDALENA TAGLIAFERRO .... . .. •.... 74 COMO JORNALISTAS AJUDARAM A CENSURA ........ . ....... 77 LIVROS •• • •••• • •• ••••••• • •• •••••• •• 80 LANÇAMENTOS •• •••••••••••• • •• • •• 81 ARTE FINAL • •••• • •••• • •• • •• •• • •• •• • 82 Capa: Hélio de Almeida sobre foto de Eduardo Cesar

58 Dois projetas temáticos desenvolvidos na Poli-USP trazem novos estudos que ajudam a Petrobras a tornar mais eficiente a exploração de petróleo em águas profundas

28 A variação no valor da constante alfa, que mantém as partículas atômicas unidas, põe em xeque conceitos estabelecidos sobre o Universo e a origem da vida na Terra

70 Pesquisa mostra que a figura do internauta deu origem a um novo tipo de leitor PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001 • 3


CARTAS Patentes Acho muito bom o incentivo que a FAPESP vem dando às pesquisas científicas de potencial comercial via Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec). Entretanto, as universidades e os centros de pesquisa é que deveriam ter escritórios de transferência de tecnologia responsáveis pela busca de parceiros comerciais e licenciamento de tecnologia. É difícil acreditar que o pesquisador vai querer (ou poder) correr atrás dessas coisas por conta própria, mesmo financiado pelo Nuplitec, e se transformar num "vendedor': Eles nao têm preparo nem motivação para tal e isso deve ser feito por especialistas. RICARDO V ENCIO

Instituto de Fisica- USP São Paulo, SP Resposta do professor Edgard Dutra Zanotto, coordenador do Nuplitec: A FAPESP criou o Núcleo de Pa-

tenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) justamente para estabelecer uma cultura de proteção à propriedade intelectual/industrial, concentrando-se em patentes de alto valor agregado resultantes de pesquisas financiadas por esta Fundação. O Nuplitec pode administrar eficientemente um grande número de patentes, otimizando esforços e custos, aproveitando-se, assim, de massa crítica, que inexiste isoladamente na maioria das universidades, institutos de pesquisa e empresas do Estado de São Paulo. Concordamos que a maioria dos pesquisadores não tem preparo nem motivação para negociar os seus inventos. Por isto, através do Nuplitec, a FAPESP fornece apoio financeiro e logístico relativo ao licenciamento das patentes por ela aprovadas. Mesmo assim, a experiência internacional demonstra que as negociações de sucesso devem contar com a participação ativa dos inventores, ao menos nos estágios iniciais. Para otimizar o complexo pro4 · SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

cesso de licenciamento de tecnologia, o Nuplitec conta com um profissional experiente, Dr. Ricardo Bergamo da Silva, que atende às quartas e sextasfeiras, pelo telefone (11) 3838-4196.

injustiça': Pensamos em relatar no nosso informativo parte dessa matéria, de interesse da comunidade científica paraibana. EQUIPE DO NJC

João Pessoa, PB

Amazônia Parabéns pela matéria sobre os CDs da Amazônia ("Amazônia digitalizada': edição 67). Temos recebido muitos comentários, elogios e visitas ao site. Envio este, que talvez traduza um pouco essas manifestações: "Conheci seu site hoje, a partir de reportagem publicada na revista Pesquisa FAPESP. Naveguei sobre o meu Estado natal (Maranhão). Fiquei emocionado! Este site precisa ser divulgado ao máximo, especialmente para escolas, alunos, professores e TVs educativas. Parabéns por um trabalho que ultrapassa as fronteiras da ciência, e chega a ser poético. Dilermando Ferreira Lopes Filho': EVARISTO DE MIRANDA

Embrapa Monitoramento por Satélite Campinas, SP

Revista Gostaríamos de agradecer a inestimável colaboração de vocês com·a atualização técnica dos profissionais médicos e paramédicos desta instituição, obtida com a doação da revista Pesquisa FAPESP, edição de agosto. S ONIA REGINA SANTOS CONCEIÇÃO

Centro de Referência e Treinamento - DST/Aids da Coordenação dos Institutos de Pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde São Paulo, SP A Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) desenvolve, através do Núcleo de Jornalismo Científico (NJC), um informativo semanal on-line que brevemente será transformado em revista eletrônica. Ao lermos a edição de julho da revista Pesquisa FAPESP, interessou-nos a seção Memória, intitulada "140 anos de uma

Sou estudante da Universidade Federal da Bahia, onde desenvolvo alguns projetas de pesquisas. Tenho acessado a revista Pesquisa FAPESP há algum tempo e gostaria de recebêla para auxiliar nas minhas pesquisas. Já tenho propostas de uma breve transferência para São Paulo, ao término do meu curso, e espero em breve estar fazendo parte dos pesquisadores colaboradores da FAPESP. DAN! LO MONTEIRO DE MELO

Salvador, BA Tenho tido a grata oportunidade de ler esporadicamente algumas edições da revista Pesquisa FAPESP e fico admirado com a qualidade, grau técnico e atualidade dos artigos apresentados. Parabenizo-os por tão importante trabalho. GERALDO M. A. CANÇADO

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais Fazenda Experimental de Caldas Caldas-MG

Colesterol nos ovos Estou interessado em maiores informações sobre reportagem publicada na edição N° 61 desta revista, tratando da alimentação de aves com carvão para diminuir o colesterol nos ovos. Como posso ter acesso ao texto integral da reportagem, via Internet? ALAM KENJI MINOWA

Fazenda Yamaguishi Mogi Guaçu, SP Todo o conteúdo das edições da revista Pesquisa FAPESP e de sua antecessora, Notícias FAPESP, pode ser consultado on-line, acessando diretamente o site da revista (www.revistapesquisa.fapesp. br).


I

EDITORIAL

Pesquisa

Avanço sobre o câncer

PESQUISA FAPESP

~UMA PUBLICAÇÃO MENSAL

DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO PROF. DR. CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ PRESIDENTE PROF. DR. PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO VICE-PRESIDENTE CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLORENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOSVOGT FERNANDO VASCO LEÇA DO NASCIM ENTO HERMANN WEVER JOS~ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MAURICIO PRATES DE CAMPOS FI LHO NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN AGOPYAN CONSELHO T~CNICO-AD MINISTRATIVO PROF. DR FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO PROF. DR. JOS~ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO EQUIPE RES PONSÁVEL CONSELHO EDITORIAL PROF. DR. FRANCISCO ROMEU LANDI PROF. DR. JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER PROF. D R. JOS~ FERNANDO PEREZ EDITORA CHEFE MARILUCE MOURA EDITORES ADJUNTOS MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELDSON MARCOLIN EDITOR DE ARTE H~LIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CI!NCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLITICAC&D MARCOS DEOLIVEIRA (TECNOLOGIA) EDITOR-ASSISTENTE ADILSON AUGUSTO REPóRTER ESPECIAL MARCOS PIVm A ARTE JOSt ROBERTO MEDDA (DIAGRAMAÇÁO) TA NIA MARIA DOS SANTOS (DIAGRAMAÇÁO EPRODUÇÃO GRÁFICA) FOTóGRAFOS EDUARDO CESAR MIGUEL BOYAYAN COLABORAOORES CRISTINA DURÁN MARIA APARECIDA MEDEIROS MARIA LIGIA SANCHES MAURO BELLESA OTIO FILGUEIRAS RICARDO ZORZETIO ROBERTO TANAKA SIMONE BIEHLER MATEOS YURI VASCONCELOS PR!-IMPRESSAO GRAPHBOX·CARAN E GRÁFICA AQUARELA IMPRESSÃO PADILLA INDÚSTRIAS GRÁFICAS S.A. TIRAGEM: 24.000 EXEMPLARES FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP 05468·901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TEL. (O- li ) 3838-4000 - FAX:(O- li) 3838-4181 SITE DA REVISTA PESQUISA FAPESP: http://www.revista pesqui sa.fapesp.br cartas@trieste.fapesp.br

Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP ! PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAl OU PARCIAl DE TEXTOS E FOTOS SEM PR!VIA AUTORIZAÇÃO

SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

ma equipe do Centro do Genoma Humano do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) fez recentemente uma descoberta que trouxe, de cara, duas boas novas para o conhecimento científico. Os pesquisadores demonstraram que já é possível reconhecer um marcador do câncer de próstata no gene COL18A1 - o que abre caminho para o diagnóstico precoce. O trabalho não significa que foi achada a causa desse tipo de tumor- o segundo mais freqüente entre homens no Brasil. Mas já é possível saber que as pessoas com o gene modificado têm um risco real de desenvolver a doença. A relevância da descoberta pode ser medida pelo fato de estar estampada na capa da edição de 15 de outubro da revista Cancer Research, da Associação Americana de Pesquisa sobre o Câncer- eis a segunda boa nova. A publicação é uma das mais importantes da área, em todo o mundo. Não é todo mês que um grupo de pesquisadores brasileiros consegue as duas coisas: finalizar um trabalho de graride significado científico e ganhar reconhecimento internacional. Também vale salientar que o centro do Instituto de Biociências é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids), patrocinados pela FAPESP. Conheça os detalhes da pesquisa a partir da página 40. Para discutir os rumos para a ciência, tecnologia e inovação nos próximos dez anos reuniram-se em Brasília, de 18 a 21 de setembro, 1.200 pesquisadores, empresários, parlamentares e representantes de ministérios, agências de fomento e fundações de amparo à pesquisa. Todos participaram da Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. O objetivo: fazer o diagnóstico dos obstáculos que emperram o avan-

U

ço tecnológico no país e definir estratégias para consolidar e expandir a pesquisa acadêmica e a inovação empresarial. Os participantes não se furtaram a analisar os problemas em profundidade- mas sempre com disposição para indicar as saídas possíveis. Os empresários, por exemplo, criticaram a falta de definição de política industrial para os investimentos em inovação e pediram m edidas fiscais que poderão aumentar a competitividade externa do produto brasileiro no exterior. Uma parte dos pesquisadores, por sua vez, apresentou um posição otimista: o país deve olhar para frente e esquecer as oportunidades perdidas nas últimas décadas. O saldo geral do encontro pode ser conferido na página 14. Um bom exemplo da relação entre universidade/empresas está em outra reportagem desta edição sobre dois projetas que ajudam a Petrobrás a melhorar sua eficiência na extração de petróleo em águas profundas (página 58). Estudo da Escola Politécnica da USP mostrou como aproveitar da maneira mais eficaz superpetroleiros de casco simples como plataformas oceânicas. Hoje, o trabalho ajuda a Petrobrás a cumprir metas. Na seção de Humanidades é possível encontrar um tema m ais ameno, mas não menos intrincado: como é o usuário de Internet, esse novo tipo de leitor? A resposta pode ser encontrada na página 70, em uma reportagem que esmiuça o universo do internauta. Por fim, esta edição vem com mais um suplemento especial. Desta vez, Pesquisa FAPESP mostra a quantas anda o programa Pesquisa em Políticas Públicas, projetas financiados em parceria com organismos públicos, governamentais ou não. Um bom exemplo de como levar conhecimento para a sociedade. PESQUISA FAPESP • SffiMBRO DE2001 • 5


MEMÓRIA

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Sucesso calculado Instituto de Física Teórica completa 50 anos

Sede do 1FT, na Rua Pamplo na, em São Pau lo: est udos originais

O

instituto de Física Teórica (IFT) surgiu há 50 anos em São Paulo em um momento histórico ideaL Com o fim da Segunda Grande Guerra ( 1939-1945), a política científica e tecnológica recebeu um impulso sem precedentes nos anos que se seguiram. Do final da década de 1940 até a de 60, o mundo viu nascer dezenas de novos institutos de pesquisa, centros de estudos, associações e fundações interessadas em abrir novas fronteiras do conhecimento. O Brasil não fugiu à regra. Além do IFT criado em 1951 por um grupo liderado pelo engenheiro civil José Hugo Leal Ferreira com o apoio de militares como Henrique Teixeira Lott -, antes já havia surgido a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1948), o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (1949), o Conselho Nacional de Desenvolvimento

6 · SffiMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

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Científico e Tecnológico ( 1951) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (1951). Sem contar que em 1947 foi inserido na Constituição do Estado de São Paulo um artigo assegurando dotação anual de O,So/o das receitas tributárias estaduais para uma futura fundação destinada a financiar pesquisa científica, que viria a ser a FAPESP. Eram tempos propícios para a montagem de estruturas adequadas ao salto que a ciência brasileira daria nas décadas subseqüentes. Embora fundado em março de 1951, o IFT começou a funcionar efetivamente em 14 junho de 1952, como fundação de direito privado. José Hugo Leal Ferreira pensava em dar todas as condições aos cientistas para estudar física teórica e treinar pesquisadores, sem as dificuldades burocráticas tão comuns nas universidades brasileiras. O modelo adotado foi o do


Auxílio- José Hugo Leal Ferreira com Fiuza de Castro, Henrique Lott e outros dois militares (da esq. para dir.): apoio ao instituto

Recepção- Físicos brasileiros recebem os primeiros professores japoneses (Taketani ao centro, de capa), em 1958: integração

Instituto de Física Max Planck, de Gõttingen, Alemanha, que cedeu o físico Carl Friedrich von Weizsacher e os pesquisadores Wilhelm Macke e Reinhard Oehme. Quando partiram, em 1954, foram substituídos por Gert Moliere, Werner Güttinger e Hans Joos, que ficaram até 1957. A partir de 1958, o instituto entrou na fase japonesa. Vieram para São Paulo Mituo Taketani, da Universidade de Rikko, e Yasuhisa Katayama, da Universidade de Tóquio. Dois anos depois, outros professores japoneses entraram em seus lugares. De acordo com os físicos Pedro Carlos de Oliveira e Lauro Tomio, estudiosos da história do 1FT, a interação entre os especialistas estrangeiros e brasileiros propiciou a base para erigir um eficiente

sistema de pesquisa. Com os japoneses, especialmente, a colaboração possibilitou trabalhos como o modelo de partículas conhecido como Modelo São Paulo. Em 1962, um dos dois filhos de José Hugo - ambos físicos -, Paulo Leal Ferreira, foi nomeado diretor científico. Era a primeira vez que um brasileiro assumia tal cargo. Com a crise financeira dos anos 80, a Fundação 1FT fez um convênio com a Universidade Estadual Paulista (Unesp ), que incorporou o quadro de professores e administrativo. A pós-graduação começou a funcionar em 1971 - 140 mestres e 79 doutores se formaram em todos os ramos da física teórica até 2000. Da fundação do 1FT até 2000 foram publicados 986 artigos em revistas estrangeiras. PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001 • 7




POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ESTRATÉGIAS Pouco dinheiro e mais saúde Cerca de US$ 6 bilhões seriam suficientes para transformar a vida de milhões de pessoas nos 40 países mais pobres do mundo, afirmam economistas da Organização Mundial de Saúde (OMS). A conclusão vem do primeiro estudo que compara a eficiência dos diversos sistemas de saúde do planeta, informa a revista New Scientist ( 18 de agosto). David Evans e colegas do Programa Global para Políticas de Saúde dizem que investir anualmente menos deUS$ 80 em saúde por pessoa é desastroso. Isso ocorre com 41 dos 191 países analisados. Elevar esse patamar custaria US$ 6 bilhões por ano- apenas 0,3% do gasto global em saúde. "O custo para os países ricos é baixo e as conseqüências para os países pobres seriam extraordinárias", diz Evans. O dinheiro extra poderia ser usado para comprar drogas contra doenças que grassam em lugares subdesenvolvidos, como Aids, tuberculose e malária. Omã (na Península Arábica) está no topo dos países com melhor sistema de saúde, seguido por Malta, Itália, França, San

• Japão vai mudar ensino de ciências Alarmados com o declínio do interesse dos estudantes do ensino médio em ciência e com a freqüente superioridade demonstrada por alunos de outros países da Ásia, as autoridades em educação do Japão planejam reformar o ensino do setor, informa a revista Nature (6 de setembro). No passado, o país procurou centrar esforços numa educação padronizada. Agora, a idéia é ressaltar os talentos individuais. O plano é estabelecer, já em 2002, 20 "superciências': 1O • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Eficácia dos sistemas

Marino e Espanha. Os piores são os da África subsaariana, duramente atingidos pela Aids, com Zimbábue em último lugar. Alguns países ricos parecem ser surpreendentemente ineficientes, possivelmente refletindo um excesso de confiança na alta tecnologia e um encarecimento dos tratamentos. Os Estados Unidos, por exemplo, ficaram

em 72° no ranking, a Austrália em 39°, o Canadá em 35° e a Inglaterra em 24°. Alguns especialistas, entretanto, consideram o estudo prematuro. ''Acredito que precisaríamos de mais dados para compor um ranking como esse", comenta Martin McKee, da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. •

Cada uma delas receberá um fundo especial para dispor de material e professores especializados. As escolas deverão criar clubes de ciência e atualizar currículos e métodos com o que melhor se faz na universidade. Testes recentes mostraram que o número de estudantes japoneses que gostam de ciência ou pretendem seguir carreira na área é menor do que em países como Cingapura, Taiwan e Coréia. Os ministérios que farão o trabalho (Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia) estimam em US$ 75 milhões o custo da reforma. •

• Esperança para oMardoAral Ecologistas e economistas alemães preparam um plano com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para tentar evitar que o Mar do Aral, no Usbequistão, Ásia, fique completamente seco. O lago já foi o quarto maior corpo de água interno do mundo e começou a diminuir nos anos 60, quando a então União Soviética desviou a água de alguns rios que o abasteciam para irrigar grandes campos de cultivo de


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Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br

Kettle in Tasman Glacier , New Zealand 2 No te that the sutface debns shdes down thc steep !CC face

Barco encalhado no Mar do Arai: tentativa de salvamento algodão. A situação tornou-se tão crítica que hoje é comum ver barcos enferrujando encalhados na areia tóxica, carregada de pesticidas. Agora, pesquisadores do Centro para o Desenvolvimento de Pesquisas de Bonn, Alemanha, planejam racionalizar o uso da água e da terra na região, segundo a revista Nature (23 de agosto). Por exemplo: parte dos campos de algodão será convertida em florestas e sebes. Uma agricultura mais eficiente permitiria produzir a mesma quantidade de algodão em menor área e não seria necessário tirar tanta água para irrigação. Os alemães trabalharão com pesquisadores de universidades do Usbequistão e devem ter US$ 2,7 milhões do Ministério da Ciência da Alemanha, prometido para o próximo ano. •

• Inglês e espanhol matam outras línguas O domínio do inglês e espanhol como idiomas globais está fazendo com que outras línguas caiam em desuso. A tendência alarma cientistas sociais no mundo inteiro porque a cultura lingüística não apenas fornece informações culturais, mas também a percepção de como pensam as pessoas de outras culturas.

Para combater a diminuição da diversidade de idiomas existentes e tentar desenvolver um eficiente sistema de coleta de informações lingüísticas, uma equipe da National Science Foundation (NSF), liderada por Anthony Aristar, da Wayne State University, está criando um centro de idiomas em risco de extinção e uma central que permitirá a usuários acessar o material remotamente por computador. A NSF liberou US$ 2 milhões para Aristar e colegas de mais três universidades norte-americanas criarem um arquivo público digital. O trabalho deve começar com o estudo de dez idiomas. •

• Alfabetização científica no mundo A Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS) tem um projeto para consolidar até 2.061 noções básicas de ciência e tecnologia. O objetivo da entidade é ambicioso: fazer uma ampla reforma no sistema educacional de todo o mundo. Com um orçamento de US$ 3 milhões por ano, o programa reúne 12 pesquisadores e educadores que começam a definir, em primeiro lugar, que conceitos, para que e, principalmente, por que aprender, em cada faixa etária. •

tvl1 .geo.uc.edu/ice/image/imageref.html

Uma galeria com fotos esplêndidas de geleiras criada como complemento de um curso de geologia da Universidade de Cincinnati.

www.fc.unesp.br/lvq

O laboratório virtual de química da Unesp

permite que técnicos, professores e estudantes analisem procedimentos antes da execução.

grin.hq.nasa.gov

Mais de mil fotos em alta resolução feitas durante os 50 anos de exploração do espaço pela Nasa, a agência espacial norte-americana.

PESQUISA FAPESP · SETEMBRODE 2001 • 11


Ação contra o aquecimento global Algumas empresas e organizações não-governamentais (ONGs) estão agindo de fato contra o aquecimento global, em vez de apenas participar de debates estéreis sobre o tema. A última iniciativa, ainda incomum no Brasil, ocorreu em setembro no Paraná. A ONG Sociedade de Pesquisa em Vida Silvestre e Educação Ambiental (SPVS) comprou uma área na cidade de Antonina, no litoral do Paraná, e vai transformála em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) com o apoio de outra entidade, a Nature Conservancy (TNC), que captou

• Contribuição nacional para enciclopédia A segunda edição de The

Encyclopedia of Materiais: Science and Technoiogy, lançada em setembro deste ano pela Pergamon/Elsevier Science, traz sete contribuições de pesquisadores brasileiros. A obra saiu em 11 volumes, com 2,2 mil artigos e 10 mil páginas nas versões impressa e eletrônica e contou com seis editores-chefes e mais de 60 editores especializados. A primeira edição da enciclopédia foi lançada em 1986 pela Pergamon Press com outro título (Encyclopedia of Materiais Science and Engineering) e tinha 1.580 artigos. Os textos publicados na edição atual têm autoria ou co-autoria de pesquisadores brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto de Pes12 · SffiMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Região de Antonina: projeto será executado em 40 anos US$ 3 milhões da companhia petrolífera norte-americana Texaco para este fim. A SPVS vai reflorestar 1.000 hectares na maior porção

quisas Energéticas e Nucleares (Ipen), da Universidad e Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Northwestern University (Illinois, Estados Unidos). •

• Estados do Sul farão seqüenciamento Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul estão montando uma rede de laboratórios - dez, no total- para mapear o genoma da bactéria Mycopiasma hyopneumoniae, que provoca a pneumonia micoplásmica suína, um problema sério enfrentado por criadores de porcos em todo o mundo. A Região Sul tem 35% do rebanho brasileiro, com 12,5 milhões de cabeças. O Projeto Rede Sul de Análise de Genomas e Biologia Estrutural terá um custo de US$ 1,9 milhão e o grosso

contínua de floresta da Mata Atlântica do país, que formará um cinturão em volta da Reserva do Morro da Mina, área de 2.300 hec-

desse financiamento deverá ser bancado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, governos estaduais, agências de fomento e produtores ligados à suinocultura. O projeto deverá envolver 38 grupos de pesquisa, 114 pesquisadores e 114 estudantes. A bactéria não é letal, mas causa perda de apetite e de peso nos animais e pode ser a causadora de outras doenças. •

tares, também em Antonina, doada à SPVS em 1995. Além de recuperar a região, o objetivo do projeto é entender melhor qual é o papel exato que o reflorestamento pode ter no clima mundial - florestas em crescimento absorvem o dióxido de carbono da atmosfera. Toda a execução do trabalho ocorrerá ao longo de 40 anos e será mantido e administrado pela SPVS. No Brasil existem outros quatro projetos semelhantes e todos trabalham com prazos elásticos para conseguir recuperar a vegetação natural e combater o efeito estufa. •

• Energia nuclear tem nova agência Brasileiros e argentinos promoverão e intensificarão a cooperação conjunta na área nuclear. Em agosto, os dois países criaram a Agência Brasileiro-Argentina de Aplicações da Energia Nuclear (Abaen ) com o objetivo permanente de identificar áreas propícias para elaboração de


Pesq1~1~a re\llslt~pesqutStlftlpespbr projetos conjuntos e estabelecer mecanismos para facilitar a implementação. A idéia é que a Abaen seja uma agência virtual cuja presidência será exercida alternadamente por um representante do Brasil e um da Argentina. Os temas em pauta considerados prioritários são: geração nucleoelétrica; produção de radio isótopos; gestão de rejeitos radioativos; desenvolvimento de tecnologia para o projeto e a construção de reatores de potência avançados; criação de tecnologias inovadoras; formação de recursos humanos; e atividades de divulgação vinculadas à energia nuclear. •

• Pesquisador da Esalq recebe homenagem Otto Crocomo, professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), recebeu uma homenagem da Rutgers, Universidade do Estado de New Jersey, em agosto, pelas atividades pioneiras e de liderança em biotecnologia agrícola. Também foi homenageado o professor Peter Day, da mesma universidade norte-americana, que está se aposentando. O evento ocorreu em New Brunswick, New Jersey, durante a segunda conferência de biotecnologia entre as duas instituições, que têm um acordo de cooperação científica. Houve apresentação de trabalhos não só de pesquisadores da Esalq, mas também de outras unidades da USP, como o campus de Ribeirão Preto e de São Paulo. Crocomo, de 69 anos, aposentou-se em 1989, mas continua trabalhando na Esalq. Especialista em bioquímica e biotecnologia, em 1971, ele introduziu no Brasil

eng~shfes~rlol ~ Ediçio Atual 67

FAPESP INFORM A • MCTeF'Jnep~

estudo alerta para a i mp ort~n cl a da atMdade ffsica

na auto-estima do Idoso Exposição

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Mais do que quinh entos

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Históri~

Separados ap enas pelo mar

Votos % 311

27,33

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Tecnologia

159

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Humanidades

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Suplementos Especiais

25

2,19

1.139

100

a técnica de cultura de tecidos de plantas, até então inédita no país, junto com o professor William Rod Sharp, da Universidade do Estado de New Jersey. •

wteprojeto de Lei da

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Política C&T

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Sociologia

Novo ritrno na terceira idade Nos tempos atuais, em que as pessoas M m mais,

ENQUETE

o que você mais goste de ler em Pe:sq..ãse FAPESP?

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Q~soàreos

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Página de Humanidades no site da revista e o resultado da pesquisa

• Leitores preferem ler Humanidades A primeira enquete feita no site de Pesquisa FAPESP ( www.revistapesq uisa.fapesp.br) mostrou que a editoria de Humanidades é a mais lida pelos internautas. Entre os dias 1o de agosto e 5 de setembro, 1.139 pessoas

responderam à pergunta "Qual o assunto que você prefere ler na revista Pesquisa FAPESP?". Humanidades teve 30,64% dos votos, seguido pela editoria de Política Científica e Tecnológica, com 27,30% (veja quadro ao lado). Os Suplementos Especiais tiveram o menor índice de preferência entre os leitores consultados (2,19%). •

• Novos fundos de desenvolvimento O governo federal criou quatro novos Fundos Setoriais de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. São eles: Saúde, Agronegócios, Biotecnologia e Aeronáutico, que se juntam aos dez existentes - 30% dos recursos de cada um deles serão destinados a projetos das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. •

Pesquisador brasileiro quer voltar ao país As exaltadas condições ideais de trabalho e salários compatíveis com o mercado internacional não são motivos suficientes para prender o pesquisador brasileiro nas universidades e institutos de pesquisa dos Estados Unidos. Estudo da National Science Foundation (NSF), realizado antes dos atentados terroristas a Nova York e Washington, mostrou que 74,8% dos pesquisadores brasileiros que foram estudar ou trabalhar nos centros norte-americanos querem voltar. O mesmo não vale para outros estrangeiros: 70,4% dos cientistas colombianos, 61,2% dos argentinos e 51,3% dos chilenos pretendem permanecer na terra do Tio Sam. Também

os estrangeiros de fora da América Latina não querem voltar para seus países. No caso dos imigrantes indianos nos Estados Unidos e na Europa, 82,5% devem continuar no exterior, assim como 81,9% dos chineses. Até mesmo os cientistas canadenses (64,9%) mani-

festaram vontade de continuar trabalhando nos Estados Unidos. Mais de 80% dos pesquisadores brasileiros que se doutoraram em terras norte-americanas na década passada voltaram para o Brasil- o número é o mais alto conhecido entre estrangeiros, segundo a NSF. Uma das explicações possíveis para o fenômeno da volta dos brasileiros é a ampliação do sistema de ciência e tecnologia. Os freqüentes programas criados pela FAPESP, por exemplo, têm trazido não somente esses pesquisadores de volta, como atraí também cientistas e professores estrangeiros de grandes centros para as universidades brasileiras. •

PESQUISA FAPESP · SETEMBRODE2001 • 13



POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

CONFERÊNCIA

Caminhos e horizontes para avançar Encontro nacional avalia situaçãode a&J epropõe estratégias para o desenvolvimento científico etecnológico do país com maior participaçãodosempresários oram três dias de apresentação de idéias, problemas, propostas, e até mesmo de mudanças institucionais concretas: o governo federal, demonstrando disposição política para pavimentar a trajetória da ciência, tecnologia e inovação no país, durante o evento instalou o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, apresentou o anteprojeto da Lei de Inovação e anunciou a implantação de quatro novos Fundos Setoriais de apoio à pesquisa, os de Biotecnologia, Agronegócios, Aeronáutica e Saúde. Foram muitas horas de debates, divergências e articulações intensas na Academia de Tênis de Brasília, tudo precedido por uma solenidade de abertura em grande estilo, na noite de 18 de setembro, sob o comando do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso:Seria esse um resumo possível para a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, promovida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e Academia Brasileira de Ciências, entre os dias 18 e 21 de setembro, na capital do país. Mas ele diria pouco do desejo perceptível de se fazer um país diferente, de conhecer mais, transformar, construir e inovar, que transpirava das falas e manifestações de boa parte das 1.200 pessoas, vindas de todo o país, para ajudar a delinear estratégias e diretrizes da política de ciência, tecnologia e inovação para os próximos dez anos. Nada a estranhar, portanto, que ao final dos trabalhos o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg, tenha considerado a conferência "um marco na história da Ciência e Tecnologia no Brasil': "Temos a próxima década para alcançar o pelotão dos países que estão na frente", disse. Ao final desse percurso, admitiu, podemos chegar à marca de 2,5% de investimento do Produto Interno Bruto em pesquisa e desenvolvimento (P&D), mas, para isso, "precisamos de esforços sustentados", acrescentou. Entusiasmo um tanto excessivo? Se era, não destoou do clima geral da Conferência, a despeito da exposição franca de algumas visões bastante críticas sobre o que efetivamente tem feito o governo federal para assegurar o desenvolvimento nacional. Assim, por exemplo, foram diagnosticados, entre os principais entraves ao avanço tecnológico do país, a ausência de política industrial e de incentivos fiscais para as empresas de base tecnológica, a

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falta de integração entre áreas de produção de conhecimento e setores produtivos e problemas graves na estrutura do ensino superior. Mas, em paralelo, tratou-se de pôr mãos à obra para refinar propostas destinadas a consolidar e expandir a pesquisa acadêmica e a inovação empresarial no país. De certo modo, o mergulho concentrado nos desafios nacionais na área CT&I propiciados pela Conferência - e compreendidos, em boa medida, como desafios básicos para qualquer projeto político de montagem de uma nação próspera e socialmente mais justa-, pro- O presidente Fernando Henrique, o vice Marco Maciel e Aécio Neves abriram os debates vocou um entusiasmo que pareceu espantar ali até mesmo o sil poderia dar para a revisão dessa e Inovação no horizonte de dez anos. Desse trabalho, resultou o Livro Verpesado clima de pessimismo que se ordem assimétrica internacional. de da Ciência, Tecnologia e Inovação, Se nos dias seguintes não se detiabateu sobre o mundo desde os atos veram de forma específica nesse pondocumento básico para a Conferência terroristas de 11 de setembro nos Nacional e para seis conferências reEstados Unidos. De qualquer sorte, to, foram, na verdade, marcadas por gionais preparatórias que a precedena sessão de abertura do evento, foi uma preocupação com o futuro, as reram, nos dias 16 e 17 de agosto (ver o próprio presidente da República flexões produzidas pelos mais de mil convidados à Conferência, entre pesquem se encarregou de retirá-lo da Pesquisa FAPESP edição 67). E da quisadores, empresários, parlamenConferência Nacional, uma espécie de sombra, depois de afirmar que, em tares, jornalistas, gestores e executivos clímax de todo esse empreendimento relação à ciência, tecnologia e inovade políticas de ciência e tecnologia ção "nossa meta é assegurar a partipolítico, deverá resultar o Livro Brancipação na fronteira do 'conhecifederais e estaduais, representantes co, com as estratégias e diretrizes conmento e na tecnologia de ponta, de do Ministério da Ciência e Tecnolosolidadas de ciência, tecnologia e inotal forma que não se continue com gia (MCT), de agências de fomento e vação para uma década. Há que se considerar, no entanto, que resultados uma sociedade nacional desigual e outros órgãos do governo federal e dirigentes de fundações estaduais de práticos do trabalho já aconteceram. com uma globalização assimétrica". amparo à pesquisa (Faps). Em cinco Detendo-se, então, nos aconteciO Centro de Gestão e Estudos Essessões plenárias e cinco simpósios, tratégicos é um deles: será o órgão asmentos internacionais, o presidente compostos por 30 mesas-redondas, disse que eles traziam à cena a necessessor na administração e alocação sidade de "rever, de um ponto de vis136 palestrantes revezaram-se na tados recursos vinculados ao MCT, definindo projetas e prioridades de inta moral, uma série de questões que refa de mostrar diagnósticos e aprevestimentos. "O Centro vai nos ajudar sentar propostas relativas aos cinco não estão sendo colocadas no debate internacional". Observou que "o tergrandes temas sobre os quais foi orgaa ter uma visão estratégica, dirigida parorismo é um inimigo cuja face não ra resultados': explicou o ministro (ver nizada a conferência: Avanço do Copágina 18). Outro, é o anteprojeto da aparece': e por isso "se equivocam os nhecimento, Qualidade de Vida, DeLei de Inovação que o governo encasenvolvimento Econômico, Desafios que buscam localizá-la em algum Estratégicos e Desafios Institucionais. estado, crença ou povo, porque se minhará ao Congresso Nacional, cujo Trata-se de temas sobre os quais trata de um fenômeno em rede". É seu objetivo é amalgamar a interação centenas de pessoas vêm trabalhando das universidade com o setor privado. preciso pensar de novo na idéia de "A lei elimina vários obstáculos", dishumanidade, disse, convocando em desde o ano passado, quando o MCT seguida os presentes para uma reflelançou o projeto DECTI- Diretrizes se Carlos Américo Pacheco, secretário xão sobre as contribuições que oBraEstratégicas para Ciência, Tecnologia executivo do M CT (ver página 17). 16 • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP


E as mudanças não devem ficar por aí. O MCT incluiu no projeto de lei que regulamenta a criação dos quatro novos Fundos Setoriais - Saúde, Biotecnologia, Aeronáutica e Agronegócios - dois artigos que pretendem estimular os investimentos em tecnologias no setor privado. Um deles autoriza a Financiadora de Estudos e Projetas (Finep) a transferir recursos do Fundo Verde-Amarelo para reduzir as taxas de juros para empresas de base tecnológica. O outro aloca recursos para garantir a liquidez no mercado de capital de risco. Apoio governamental- Entre os em-

presários participantes da Conferência, houve consenso de que a competitividade do produto brasileiro depende dos investimentos em inovação. Eugênio Staub, presidente da Gradiente, apontou a necessidade de uma "reindustrialização" do país. "Temos uma engenharia eficiente na substituição de importações. Agora chegou a hora de fazer inovação." O grande entrave para o avanço tecnológico do setor privado, avaliaram, é a falta de definição de políticas industrial e fiscal para os investimentos em inovação. "Apesar de incentivos como os da Lei de Informática e dos Fundos Setoriais, grande parte das empresas não participa desses esforços, já que o retorno sobre o capital de giro é muito baixo", reconhece Herman Wever, presidente da Siemens do Brasil, empresa que, na contramão dessa tendência, faz da inovação uma política estratégica. Wever não tem dúvidas de que a ação do Estado é fundamental para alavancar a inovação empresarial. ''Ao estabelecer políticas industriais o governo brasileiro faria o mesmo que nossos competidores, como Coréia, Estados Unidos e Alemanha. Não se pode achar que o mercado fará tudo sozinho. Existem incentivos fiscais que a Organização Mundial do Comércio (OMC) aceita." A expectativa dos empresários é que o Estado crie ambiente favorável à inovação, com medidas que "estimulem a competição, a redução da

Lei revolucionária para a inovação O anteprojeto de Lei de Inovação que o governo federal vai encaminhar ao Congresso propõe uma verdadeira revolução nos rumos da pesquisa acadêmica no país. O seu objetivo é amalgamar a interação das universidades com o setor privado, abrindo caminho para a inovação empresarial. O anteprojeto prevê, por exemplo, contratos de parceria entre instituições científicas e tecnológicas públicas e o setor privado para desenvolvimento de projetas, além de contratos de transferência de tecnologia e licenciamento de produtos. As novas regras autorizam as instituições de ensino e pesquisa a abrir seus laboratórios para empresas privadas e permitem a redução da jornada de trabalho ou a licença por um período de dois anos de pesquisadores que decidam constituir Empresa de Base Tecnológica (EBT) ou colaborar em projetas de pesquisa com instituições e empresas. Neste caso, ficará assegurada à instituição a manutenção da vaga do pesquisador desligadd e o seu preenchimento imediato por concurso público ou contratação temporária em caráter emergencial. Aprovadas, as regras valerão para órgãos federais. As universidades e institutos estaduais terão que ser regulados por leis específicas. Outro ponto relevante é o artigo 26 do anteprojeto, que autoriza órgãos e entidades da Administração Pública Federal, direta ou indireta, a comprar bens e serviços produzidos por EBTs e por empresas apoiadas por programas governamentais de desenvolvimento científico e tecnológico, com dispensa de licitação. Essa modalidade de

aquisição do governo fica, portanto, fora das regras rígidas da lei que regulamenta as licitações públicas, explicou Elza Brito da Cunha, um dos advogados responsáveis pela confecção do anteprojeto. Noutro artigo, de número 31, a lei cria a possibilidade de encomenda tecnológica por parte das agências de fomento: autoriza a União a contratar empresas "de reconhecida capacitação tecnológica" para a realização de pesquisas que envolvam risco tecnológico para a solução de um problema técnico específico ou para o desenvolvimento de produto ou processo inovador. E, no artigo 32, autoriza a instituição de Fundos Mútuos de Investimento em EBTs, formados por recursos captados por meio do Sistema de Distribuição de Valores Mobiliários e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários. O anteprojeto está sob consulta pública, por um período de 50 dias a partir do 21 de setembro, no site do MCT (www.mct.gov.br). "A idéia é recolher sugestões para aprimorar o projeto", explica Carlos Américo Pacheco, secretário executivo do MCT. "A experiência dos Fundos Setariais nos mostrou que as consultas antecipadas permitem que os projetas tramitem mais rapidamente." No Congresso, a nova lei será apensada ao projeto de lei do senador Roberto Freire (PPS-PE) que tramita no Senado Federal. Freire, presente aos debates, acredita que, havendo consenso e endosso do Ministério da Fazenda, a tramitação do projeto será muito rápida, podendo ser aprovado até o final do ano.

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instabilidade institucional e econômica para minimizar o desvio de recursos para atividades não produtivas e ampliar os investimentos destinados à capacitação", sugeriu Renato Fonseca, diretor da Confederação Nacional das Indústrias (CNI). O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp ), Horácio Lafer Piva, acrescentou à lista de reivindicações a aprovação de um projeto de reforma Com apoio à P&D, Embraer teria economizado US$ 75 tributária. "Temos uma carga tributária alta e burra. O mercado Algumas das medidas propostas pela se vinga com a inadimplência." entidade já integram o projeto de lei Mas o grande pleito do setor prisobre Fundos Setoriais e o anteprojevado é mesmo por medidas fiscais to da Lei de Inovação. As demais poefetivas que aumentem a competitiderão ser apresentadas por parlavidade externa do produto brasileiro. mentares ao Congresso Nacional. A Esse, aliás, é o cerne da proposta deputada Luiza Erundina (PSB-SP), apresentada pela Associação Nacioque participou da Conferência, já se nal de Pesquisa, Desenvolvimento e dispôs a encaminhar à Câmara dos Engenharia das Empresas InovadoDeputados projetas que contribuam ras (Anpei) para o estímulo à inovapara o desenvolvimento tecnológico ção. "O desenvolvimento tecnológico e a competitividade no país. autóctone não pode dispensar o uso dos incentivos fiscais", argumenta a Ação integrada -A falta de incentivos Anpei em documento com 15 pontos tem, de fato, efeitos negativos sobre a apresentado durante a Conferência, grande maioria dos setores da indúsequivalentes aos praticados por paítria brasileira. A Embraer, um dos ses como Coréia, Canadá e Austrália. carros-chefes das exportações brasi-

milhões no projeto do ERJ 145

leiras, por exemplo, teria economizado cerca deUS$ 75 milhões dos US$ 230 milhões investidos no desenvolvimento do projeto do avião ERJ 145 se o Brasil tivesse uma legislação de suporte à P&D semelhante à do Canadá ou dos Estados Unidos. "É preciso uma ação governamental integrada de estímulo à comercialização e de apoio à P&D", propôs Horácio Forjaz, vice-presidente da Embraer. A indústria química brasileira, setor que registra o nono faturamento no mercado internacional, é outro exemplo. As importações ultrapassaram a casa dos US$ 10 bilhões no ano passado e as exportações foram pouco superiores a US$ 4 bilhões, um dé-

Centro vai assessorar na gestão de recursos do MCT Uma organização social para elaborar estudos e assessorar a gestão dos Fundos Setoriais e também as ações do MCT. Essa é a função do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), que teve o estatuto aprovado durante a Conferência. As salas lotadas durante as sessões de apresentação e consulta aos participantes do evento e a longa fila de conferencistas que se formou para a assinatura da ata de constituição mostraram a importância do CGEE para o momento

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ções públicas e privade desenvolvimento da das e por subvenções Ciência e da Tecnologia do governo federal. no país. Chamado simEvando Mirra, atual plesmente de Centro, presidente do CNPq, ele vai funcionar como foi aclamado presidenuma associação civil te pela assembléia, losem fins lucrativos go após a aprovação para ganhar agilidade dos estatutos. na contratação de pesA formulação do soal e na prestação de conselho de adminisserviços para órgãos do Mirra d irigirá CG EE tração do Centro, que governo e para empresas. Os recursos financeiros do Censerá o órgão de orientação e deliberação das linhas de atuação da entitro sairão de contratos com institui-


Exportações brasileiras de alta tecnologia representam 5% do total de negócios. Piva: carga tributária é "alta e burra"

ficit de US$ 6,6 bilhões. Na avaliação de Pedro Wongtschowski, diretorsuperintendente da Oxiteno, empresa do Grupo Ultra, as restrições ao crescimento têm origem nos custos financeiros, na tarifas de importação de bens de capital, na oneração das exportações, na alta carga tributária e na baixa integração entre a indústria e as universidades. "É preciso transformar o empresário em inovador e o inovador em empresário': diz Wongtschowski. Na indústria eletroeletrônica a situação não é diferente. "No ano passado, importamos US$ 9,5 bilhões em

dade, foi estabelecida depois de vários entendimentos, inclusive durante a Conferência. A composição do conselho começa com os membros vinculados ao poder público, ou natos: MCT, Finep, CNPq, Capes e um do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Depois, quatro membros de entidades da sociedade civil que tenham relacionamento com a área de Ciência, Tecnologia e Inovação: SBPC, ABC, Confederação Nacional da Indústria (CNI) e um representante escolhido pelo conjunto das seguintes entidades: Associação Bra-

componentes, contra US$ 3 bilhões em petróleo': comparou Marco Aurélio de Almeida Rodrigues, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). Neste ano, o déficit do setor atinge US$ 5,4 bilhões. "É urgente que se faça um esforço para fabricar componentes efn

sileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica (Abipti), Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), que são as incubadoras, e a Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras (Anpei). A lista se completa com os membros eleitos. Um representante eleito pelos associados, que são todos aqueles que assinaram a ata de constituição do Centro na Conferência e aqueles, pessoas físicas, jurídicas ou instituições de ensino ou representantes da sociedade, aceitos pelo

larga escala e não a simples importação de uma fábrica de chips': adverte. Para Nelson Brasil, diretor da Associação Brasileira de Química Fina (Abifina), a saída é encorajar a fabricação interna com medidas que estimulem a "substituição competitiva das importações': por meio da inovação tecnológica. "Existe capacidade produtiva instalada e uma defasagem tecnológica que pode ser reativada': garante. No caso da indústria química, ele sugere que o governo adote medidas para o Sistema Único de Saúde (SUS), como, por exemplo, programas antecipados de compras, com garantia de compensações tributárias. Os empresários não têm dúvidas de que os investimentos em P&D terão efeitos positivos na balança comercial, melhorando a posição do país nos negócios internacionais de alta tecnologia. Em todo o mundo, as exportações desse setor correspondem a 20% do total exportado. "No Brasil, representam 5% dos negócios externos do país': diz Julio de Almeida, diretor do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial (Iedi). "Em matéria de exportação, o Brasil está próximo de economias fechadas."

conselho de administração. Outros cinco membros, que completam o total de 15, são os seguintes: três eleitos pelo conselho de administração entre pessoas indicadas em listas tríplices pelo Fórum das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs), Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação e pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Ciência e Tecnologia e dois eleitos pelo conselho do Centro entre profissionais ligados ao setor a partir de indicações da ABC, SBPC, do CNI, Sebrae e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese).

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Um salto para o desenvolvimento Conferência define diretrizes estratégicas para o futuro do país FRANCISCO ROMEU LANDI*

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erdoem-me a simplicidade do modelo que vou utilizar, mas foi o que mais me sensibilizou após participar da Conferência Nacional de CT&I. Dizia Clausewits que uma guerra se ganha com um exército bem treinado; modernas armas; uma firme logística de suprimentos contínuos para a frente de batalha; um Estado-Maior organizado, que saiba definir as necessidades e as prioridades das batalhas; e um bom sistema de comunicações. Na luta para implantar de fato a cultura de que CT&I são os elementos estratégicos dos planos de desenvolvimento das nações, temos nós um espaço para a sociedade brasileira? Parece-me que sim. Temos um "exército" precário na base, mas com bons "oficiais': O nosso sistema de educação básica, média e superior ainda deixa muito a desejar e temos muitos anos de enorme esforço pela frente. Curiosamente, porém, a nossa pós-graduação apresenta excelente qualidade. Formamos 5 mil doutores por ano, índice comparável ao de algumas nações desenvolvidas. A nossa produção de papers já coloca o país entre os 20 primeiros (18°) do mundo. Digamos, pois, que para CT&I o nosso "exército" em formação tem um bom potencial. E a logística? A criação dos Fundos Setoriais . abriu a possibilidade de criar um fluxo mais permanente e estável de recursos para as pesquisas, quer setorialmente, por áreas da tecnologia, quer para a pesquisa básica, quer para a infra-estrutura. A garantia de um repasse contínuo é a base lógica para o planejamento e a continuidade das pesquisas. Ao mesmo tempo, o volume de recursos dará um enorme salto e crescerá automaticamente com o crescimento de cada setor. As "armas" são os laboratórios modernizados e as pesquisas básicas que os próprios Fundos Setoriais irão proporcionar. O Livro Verde, as Conferências Regionais, a Conferência Nacional e o futuro Livro Branco, contendo as diretrizes estratégicas, estabelecerão o plano básico para a ação em campo. Milhares de pesquisadores, empresários, políticos e funcionários do governo participaram desse conjunto de atividades. Criou-se um "Estado-Maior': com o surgimento do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE),

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espaço para reflexão e formulação das diretrizes a serem propostas para CT&I e, por extensão, para o Planejamento Estratégico de Desenvolvimento. Os objetivos do CGEE deixam claro a necessidade de que essa reflexão e a formulação das estratégias sejam feitas ouvindo a comunidade e intelectuais dos vários setores. O ''Alto Comando" disporá, então, dos "planos de combate': Para a luta, será importante um bom e eficiente sistema de comunicações ligando o ''Alto Comando" e o "Estado-Maior" ao "exército': tarefa que será cumprida pelo Fórum dos Pró-Reitores de Pesquisa e PósGraduação, Fórum Nacional das Secretarias Estaduais de Ciência e Tecnologia e Fórum Nacional das Fundações e Entidades de Amparo à Pesquisa. Para que estes três fóruns estejam sempre bem informados, eles participam do Conselho de Administração do CGEE. As suas características de capilaridade os tornam ideais para o fluxo de informações e de ações. Cabem ainda dois destaques O primeiro relacionado à participação do setor empresarial. Nossa sociedade já entende a importância das empresas nas atividades de P&D, com apoio público, feito diretamente ou por meio de subsídios fiscais, estimulando parcerias com universidades e centros de pesquisa ou, ainda, pela compra direta de tecnologia- sistemáticas utilizadas em países que se tornaram mais competitivos graças a medidas dessa natureza. O segundo foi a apresentação da Lei de Inovação, que se encontra no site do MCT, aberta para sugestões, e que cria uma excelente oportunidade para transformar pesquisadores em empreendedores e estimular P&D entre os empreendedores. Como consideração final, vale dizer que nosso país não vai dar um salto amanhã porque essas coisas estão sendo criadas. Mas, sem elas, não haverá salto. Os problemas estão sendo diagnosticados para um bom equacionamento. Há coerência e lógica nas medidas. Elas estão se tornando independentes dos governantes; estão se convertendo em leis.

* FRA Ci sco RoMEU L A DI é diretor-presidente da FAPESP e presidente do Fórum Nacional das Fundações e Entidades de Amparo à Pesquisa


plo do Instituto de Física da Unicamp, que gerou 12 empresas nos últimos 30 anos que, juntas, faturam R$ 300 milhões por ano. "Um dos grandes resultados da Conferência foi consolidar-se, entre acadêmicos e empresários, a idéia de que a empresa é o local da inovação, e a universidade é o lugar da educação e da ciência." José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, defendeu um "pacto nacional" para a ciência e Baixa integração entre empresa e universidade afeta desempenho da indústria química tecnologia, o que exigiria, por exemplo, que os Estados As mudanças que estão no camifrente e esquecer as oportunidades percumprissem as determinações consnho da inovação tecnológica exigem didas nas últimas décadas. É preciso, titucionais e repassassem às FAPs os algumas reflexões. "O Brasil é um como ele diz, quebrar tabus como o recursos devidos para investimentos. caso único em que se deram dois da subvenção do Estado e garantia de grandes movimentos de emparelhaDesafios educacionais- O desafio delemercado para as empresas privadas. mento tecnológico e industrial': disse O alto nível de produção de covar a pesquisa para dentro da empreAntonio Barros de Castro, do Instinhecimento no país contrasta com o sa exige qualidade do ensino superior tuto de Economia da Universidade baixo grau de inovação empresarial. no país. "É uma temeridade aumentar Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A solução desse paradoxo, além da o número de universidades privadas Com o primeiro, na década de 80, o intervenção do Estado, exige uma em relação às públicas", advertiu Caspaís se equiparou a um país europeu "aliança do conhecimento", de acortro. Para Glacy Zancan, presidente da de porte médio. O segundo movido com Carlos Henrique de Brito Sociedade Brasileira para o Progresso mento industrial ocorreu nos anos Cruz, presidente da FAPESP. "O coda Ciência (SBPC), "não há como pos90 e produziu avanço notável da intergar as reformas da universidade". nhecimento também tem de estar dústria, produtos, técnicas e das forpresente nas empresas e em outros A universidade pública é responsetores da sociedade", afirmou Cruz. mas organizacionais. "Mas esse ciclo sável pela formação da quase tota se esgotou e é preciso buscar uma solidade dos 6 mil profissionais que O amálgama dessa aliança, sublinhou, lução." E o caminho, para ele, é o de recebem o título de doutor no Brasil. é a capacidade inovativa que decoruma inovação que utilize "o que há rerá de as empresas contratarem pesE esse número cresce significativade mais moderno para produzir proquisadores formados em nossas boas mente. Em 1993, eram mil doutores. dutos mais simples e baratos". Ressaluniversidades. Brito citou o exem"As transformações do Brasil são mais va: "Não estou falando visíveis no exterior. A de renunciar ao técnico ciência brasileira já é e à ciência, mas de usar cidadã do mundo. O a mais avançada ciência grande desafio é a conse tecnologia para dar trução de estratégias e saltos para baixo e com convergências para gerar isso aumentar enormeum ambiente inovamente o poder de comdor", disse Evando Mirpra da população, que ra, presidente do CNPq. teria então acesso a diO Brasil está entre os versos produtos': 17 países que mais faNa avaliação de Luzem ciência no mundo. ciano Coutinho, do Ins"Temos que nos livrar tituto de Economia da do complexo de inferioUniversidade Estadual de ridade", disse Eduardo Campinas (Unicamp ), o Krieger, presidente da país deve olhar para a Senador Roberto Freire e Perez participam dos debates Associação Brasileira PESQUISA FAPESP · SETEMBRODE2001 • 21


Resultados das reuniões regionais No primeiro dia de debates da Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, foram apresentadas as propostas elaboradas durante as seis reuniões regionais realizadas nos dias 16 e 17 agosto.

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São Paulo - As propostas de São

Paulo se pautaram pela seguinte premissa: transformar conhecimento em desenvolvimento requer atividades de P&D na empresa, melhor infra-estrutura de pesquisa e educação e aplicação do conhecimento estratégico em políticas sociais. "Se o lugar da Ciência e da Educação é a universidade, o lugar do Desenvolvimento da Tecnologia é por excelência a empresa", afirmou Hernan Chaimovich, vice-reitor da Universidade de São Paulo (USP), responsável pela apresentação das propostas. São Paulo sugere o acesso das empresas a parte dos recursos dos Fundos Setoriais por meio de projetas de P&D, independentemente de parcerias com universidades e institutos. Essa sugestão, aliás, foi incorporada ao projeto de lei que cria quatro novos Fundos Setoriais. Propõe também a revisão da Lei de Incentivo Fiscal (8.661/93), nos moldes da proposta elaborada pela Anpei, a utilização do poder de compra do Estado e a integração das empresas com as universidades. São Paulo sugere, ainda, a diversificação do ensino superior por meio, por exemplo, de cursos seqüenciais de formação específica. (Ver íntegra da proposta no site www.fapesp.br) Região Centro-Oeste -As propostas tiveram foco na recuperação da defasagem científica e tecnoló-

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gica em relação às demais regiões do país, por meio da implementação de programas de integração nas áreas de Ciência e Tecnologia, diagnósticos regionais, ampliação da oferta de programas de pós-graduação, além da modernização da estrutura das universidades federais . Região Nordeste - O Nordeste

quer fixar doutores na região; reforçar a pós-graduação em nível de doutorado, melhorar as instalações ambulatoriais, reforçar grupos regionais emergentes e priorizar projetos com contrapartidas locais. Região Norte -A região propõe a criação de um Fundo Amazônico de CT&I, a criação de um Fundo Setorial para a Biodiversidade, incentivos para o financiamento de CT&I pelo setor produtivo e estímulo à constituição de redes locais de P&D e difusão. Região Sudeste - A Região Sudeste defende a idéia da interiorização do desenvolvimento, parcerias entre municípios e instituições de C&T, além de arranjos produtivos locais, especialmente no que se refere a financiamentos e formação de recursos humanos. Região Sul - A região reivindica a

regionalização das ações do MCT junto com outros ministérios no apoio ao desenvolvimento e inovação, a criação de Centros de Excelência em Inovação e Gestão de Tecnologia, ligados aos principais centros de pesquisa, e a implementação de um sistema de informações online em CT &1. --·--- -·--

de Ciências (ABC). "O Livro Verde é um excelente registro de onde chegamos em ciência e tecnologia': afirmou Perez. Mas, a despeito das avaliações positivas, a desigualdade regional na produção de conhecimento e a má distribuição geográfica dos pesquisadores, somadas à falta de estímulos, impedem que o país explore todas as suas potencialidades. O relato de Luiz Hildebrando Pereira da Silva, que depois de um longo período no Instituto Pasteur, na França, se instalou no Centro de Pesquisa em Medicina Tropical, em Porto Velho, Rondônia, deixa isso claro. "Em uma das escolas ribeirinhas, propusemos realizar entre as crianças um concurso para identificar frutas nativas da região. O total de frutas trazidas somou 47. Numerosas frutas não puderam ser contabilizadas. Não encontramos biologistas ou botânicos da Universidade Federal de Rondônia (Unir) capazes de dar nome às frutas desconhecidas e nem mesmo a todas as conhecidas." Para Silva, essa história ilustra o potencial econômico da região em termos de biodiversidade, variedade de produtos de interesse alimentar, farmacológico, toxicológico e biotecnológico, contrastando com o frágil ou inexistente potencial humano capaz de utilizá-lo. Experiências positivas - A Conferência Nacional também foi palco para a apresentação de experiências positivas de desenvolvimento tecnológico e de inovação em diferentes pontos do país, como os Programas de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) e de Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP. O secretário de Ciência e Tecnologia de Pernambuco, Cláudio Marinho, apresentou projetas financiados pela Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) para a melhoria dos processos produtivos em setores onde há forte demanda regional, entre eles aqueles relacionados às indústrias de confecção, • vinho, laticínios e ovinocultura.


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PÓS-GRADUAÇÃO

pressivo e constante em bolsas, mas, infelizmente, não consegue atender à demanda': diz Perez. Ele espera que essa situação se modifique, com maior aparte de cotas de bolsas das agências federais para São Paulo. Enquanto isso não acontece, a FAPESP está pedindo a seus assessores uma análise ainda mais rigorosa dos · pedidos de bolsas, de forma a que o parecer possa contribuir para avaliar o grau de excelência do projeto. O parecer deverá permitir que a análise comparativa a que estão sendo submetidas as solicitações com pareceres favoráveis seja mais equânime e criteriosa. A Fundação vai empenhar-se ainda para que as respostas aos pedidos de bolsa, cuja inscrição vai até 30 de outubro, sejam dadas no mês de fevereiro, e não março, como previsto. Deve-se registrar o crescimento do número de bolsas de iniciação científica, modalidade que, em última análise, viabiliza uma pós-graduação mais eficiente e de melhor qualidade. •

Expansão contínua FAPESP continua ampliando investimentos em bolsas, em ritmo mais lento investimento da FAPESP em O bolsas no país continua crescendo, embora a taxas inferiores às de anos anteriores. Isso se verificou ao longo de 2001 e em relação ao ano passado, tomando-se como base de comparação as concessões feitas até o , mês de agosto. Estavam em vigência, no dia 31 daquele mês, 9.291 bolsas no país, contra 9.197 na mesma data do ano passado. A variação positiva de 1% pode parecer pouco significativa. Mas, ela se dá sobre valores de expansão bastante expressivos, acumulados desde 1996. Naquele ano, estavam em vigência 3.199 bolsas, o que significa um crescimento nas concessões de 190,4% nesses últimos cinco anos, conforme mostra a tabela 1. Cabe destacar a expansão das modalidades de bolsas de pós-graduação. As de pós-doutorado registraram, de agosto de 1996 para agosto de 2001, um crescimento de 480,1%, passando de 106 bolsas vigentes para 615. A expansão das bolsas de doutorado, no mesmo período, foi de 444,3% (seu número cresceu de 654 para 3.560) e a das bolsas de mestrado foi de 134%, passando de 1.085 para 2.539. Segundo José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP, a explosão no número de bolsas concedidas pela Fundação, nos últimos anos, reflete o crescimento dos programas de pósgraduação e de solicitações de bolsas. No Estado de São Paulo, de 1995 a 2000, o crescimento da demanda foi inteiramente absorvido pela FAPESP. Neste ano, no mês de agosto e em comparação a março, o número de bol-

sas no país em vigência, compreendendo todas as modalidades, cresceu 2,7%. Dentre as modalidades de pós-graduação, as bolsas de mestrado tiveram redução de 6,4% (caíram de 2.711 para 2.539) . A queda foi compensada pelo aumento do número de bolsas de pósdoutorado- 11,8%, passando de 550 para 615- e de doutorado- de 3,3%, passando de 3.444 para 3.560, conforme mostra a tabela 2, implicando um aumento também no investimento. Afinal, o valor anual da bolsa de mestrado é de R$ 12,1 mil e o da de doutorado, de RS 24,9 mil. De qualquer forma, a expansão está muito abaixo da demanda qualificada. "A FAPESP continua com o seu compromisso de investimento ex-

FAPESP- número de bolsas no país vigentes em 31 de agosto,1996-2001 DATA

MODALIDADE PD SUBTOTAL

IC

AP

MS

DR

31 /08/01

2.059

o

2.539

3.560

i!

TT

JP

TOTAL

106

9.291

615

8.773

412

31 /08/00

2.092

13

2.875

3.268

522

8.770

427

9.197

31 /08/99

1.994

15

2.806

2.581

475

7.871

293

8. 164

31 /08/98

1.812

22

2.349

1.811

373

6.367

260

6.627

31 /08/97

1.456

20

1.674

1.146

265

4.561

121

4.682

31 /08/96

1.330

24

1.085

654

106

3.199

o

3.199

* Bolsas vigentes de março a agosto IC: Iniciação Científica; AP: Aperfeiçoamento; MS: Mestrado; DR: Doutorado; PD: Pós~Do u to rado; TT: Treinamento Técnico; JP: Jovem Pesquisador.

I

I

FAPESP - número de bolsas no país vigentes- 2001

I I

DATA IC

AP

31 / 03/ 01

1.833

4

2.711

3.444

550

8.542

389

117

9.048

30/04/01

1.887

1

2.649

3.468

557

8.562

374

110

9.046

o o o o

2.606

3.497

571

8.638

387

106

9.131

2.617

3.533

582

8.804

397

110

9.311

2.585

3.555

600

8.788

402

107

9.297

2.539

3.560

615

8.773

412

106

9.291

31 /05/01

1.964

30/06/01

2.072

31 / 07/01

2.048

31 /08/01

2.059

MS

MODALIDADE PD SUBTOTAL DR

TT

JP

TOTAL

IC: Iniciação Científica; AP: Aperfeiçoamen to; MS: Mestrado; DR: Doutorado; PD: Pós~Doutorado; TT:Treinamento Técnico; JP:

Jovem Pesquisador.

PESQUISA FAPESP · SETEMBRODE2001 • 23


POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

I NOVAÇÃ O

No Brasil, como os brasileiros Investimentos de empresas transnacionais em P&D superam média nacional percentual de investimentos das empresas em inovação O tecnológica é um dos indicadores comumente utilizados para avaliar as perspectivas de crescimento de um país. No Brasil, os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) representavam, em 1996, 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com dados do Banco Mundial (Bird). Os recursos destinados à inovação, nas contas da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Industriais (Anpei), representavam 1,3% do faturamento das empresas nacionais e estrangeiras instaladas no país, em 1998. Algumas empresas transnacionais instaladas no Brasil parecem ir na contramão dessa tendência, desfazendo o mito de que concentram suas atividades de pesquisa nos paí24 • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

ses de origem e não desenvolvem inovação nos países de destino. Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) constatou que as subsidiárias brasileiras investem, em média, 3,7% do seu faturamento em P&D e em capacíta-

ção tecnológica, entendida aqui como atividades de suporte, apoio e aquisição tecnológica e de engenharia não-rotineira. Vale registrar que, no Japão e nos Estados Unidos, o percentual de investimentos em inovação das transnacionais é de 4,8% sobre o faturamento, e na Alemanha, 3,9%. "As empresas transnacionais atuam em setores dinâmicos e altamente concorrenciais. São motivadas a manter grande volume de investimentos em inovação, que é uma maneira de preservar a liderança de mercado e sair na frente dos concorrentes", justifica Antônio Correia de Lacerda, presidente da Sobeet. Além disso, ele completa, essas empresas têm tradição nesse tipo de investimento no seu país de origem. "Ou seja, a inovação faz parte de sua cultura", completa Lacerda. "E a criação de centros de competência no Brasil tem impulsionado esses investimentos em inovação." Das SOO maiores empresas globais, 405 estão em operação no Brasil. A pesquisa da Sobeet, denominada Comportamento Tecnológico das Empresas Transnacionais em Operação no Brasil, consultou 85 delas, com o objetivo de analisar o seu perfil inovador, medir o montante de recursos destinados à inovação e avaliar as estratégias de competição.

Tipos de atividades de P&D - por origem de capital Dese n~mento

67,50

Outros*

128,83

experimental

66,25

Itália

--

Pesquisa aplicada

33,75

Pesqui sa bá sica

73,33

Inglaterra

26,67

92,50

França 48,25

Japão

38,25 13,50 52,10

EUA Alemanha

33,75

w oo

'

8,00

o

10

14 , 1 ~

87,00

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Percentuais Fonte: Empresas. Elaboração: Sobeet.

* Referem ~se

a:Canadá, Holanda, Suécia, Chin a, Finlândia e Suíça.


Comparação entre países

Evolução do esforço tecnológico P&D em relação às vendas por porte no período de 1995/ 2001

199511997

• •

Investimentos empresariais em P&D - sobre vendas

11,50

em1998

*Sobeet ·

Empresas Tra nsnacionais. **AnpeiEmpresas Nacionais e Estrangeiras.

1999/ 2001

4,80 4,80

o/o

.,

-o

>= 1.000

< 1.000 e >= SOO < SOO e >= 100

< 100

Média geral

Faixas de vendas em US$ milhões Fonte:

Empresas. Elaboração: Sobeet.

Obs. : Foram consideradas apenas as empresas que respondem às três que stões.

Constatou-se que, de modo geral, as transnacionais gastaram, em média, US$ 12,5 milhões em atividades de P&D, em 1998, sempre utilizando recursos próprios. Esses valores equivaleram a 1,9% do faturamento, menos do que se gastou no triênio 1995-1997, por conta da retração da economia brasileira. A maioria das empresas, no entanto, pretendia retomar os investimentos até atingir a marca de 2,3% de seu faturamento, nos anos subseqüentes. No mesmo período analisado, as transnacionais ampliaram os investimentos na capacitação tecnológica, de 1,7% sobre as vendas, para 2,2%. Os planos futuros, no entanto, não previam a ampliação dos recursos destinados à capacitação, tarefa que cada vez mais se concentra na matriz. Entre as empresas transnacionais consideradas inovadoras, os investimentos médios em P&D atingiram 2,1 o/o de seu faturamento, no mesmo período, e os recursos destinados à capacitação tecnológica, 1,6% do faturamento, totalizando 3,7% de investimentos em inovação. Entre as megaempresas, os dispêndios são ainda maiores, chegando a 4,6% do faturamento de vendas. No caso das empresas de origem alemã, norte-americana e francesa, junto com as dos setores de máquinas e

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Fonte: Departamento de Co mércio e Indú stria do Reino Unido - 1970.

Para o Brasil Anpei e Sobeet - 1998. Elaboração: Sobeet.

equipamentos e eletroeletrônicos, os gastos com inovação podem atingir até 6,9%. A pesquisa, coordenada por Virene Roxo Matesco, diretora da Sobeet, constatou que os investimentos em inováção variam segundo o porte da empresa e setor de atividade. As empresas do setor químico, por exemplo, são relativamente pouco intensivas em inovação, investindo algo em torno de 1,7% do faturamento, de acordo com a pesquisa da Sobeet. As atividades de P& D, geralmente, estão concentradas na matriz. Pesquisa básica - Entre as transna-

cionais, o desenvolvimento experimental é a principal atividade de P&D, absorvendo quase 68% do total de recursos carreados para o setor. A pesquisa básica representa, em média, 8,5% dos gastos totais. As empresas americanas e japonesas são as que possuem percentuais comparativamente maiores em pesquisa básica, algo em torno de 14% do total investido em P&D. Para se ter uma idéia do que esses valores representam, basta lembrar que nos Estados Unidos os gastos médios das empresas inovadoras em pesquisa básica são de 8%. A grande maioria das empresas (87%) executa, elas próprias, as ativi-

dades de P&D. Entre as megaempresas, é comparativamente maior o percentual das que realizam essas atividades por meio de parcerias, geralmente feitas com universidades e institutos tecnológicos. A alemã Siemens, por exemplo, por meio de seu Centro de Gestão de Tecnologia, mantém acordos de cooperação com universidades e institutos. Entre janeiro de 1994 e setembro do ano passado, a empresa investiu R$ 98 milhões em P&D, no âmbito da Lei de Informática, por meio de convênio com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná e do Rio de Janeiro, Mackenzie, universidades federais de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, (Uniemp ), entre outras. "Algumas dessas instituições têm laboratórios que realizam tarefas de engenharia complexa cuja infra-estrutura é financiada pela Siemens", conta Sergio Bruel, gerente da área de Gestão de Tecnologia da empresa. Para a maioria absoluta das empresas (75 % ), a decisão de investir é definida em conjunto com a sua matriz no exterior e está intimamente relacionada à estratégia de aumentar a participação da empresa no mercado nacional, reduzir os custos de produção (85 % ), melhorar a qualidade do produto (82%) e buscar novos mercados (69%). • PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001

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CIÊNCIA

LABORATÓRIO

As luzes que escondem as estrelas Em tempos de racionamento de energia dizer que as cidades têm luz artificial em excesso parece um contra-senso. Mas, pelo menos na Europa e nos Estados Unidos, há um movimento de astrónomos que prega a diminuição da iluminação com o argumento de que está cada vez mais difícil enxergar o céu e suas estrelas e astros à noite. Segundo eles, 50% das pessoas que moram nos países da União Européia e 80% dos que vivem nos Estados Unidos não conseguem ver a Via-Láctea. Pensando em obter uma análise precisa do problema, Pierantonio Cinzano, da Universidade de Pádua, na Itália, e colegas estudaram imagens de satélite colhidas pelo Programa de Satélites Meteorológicos da Força Aérea

• Comover o cheiro das frutas Já é possível ver o odor- pelo menos o das frutas. Técnicas de fotoluminescência podem tornar o cheiro visível, segundo a agência russa de notícias científicas InformNauka. Vegetais normalmente emitem substâncias químicas voláteis. Ou seja, o cheiro percebido pelos animais e seres humanos nada mais é do que uma mistura de vapores com essas substâncias. Para estudar odores, é preciso extrair os componentes aromáticos e analisá-los. Tal processo é complicado. As frutas normalmente emitem mais de 200 tipos de substân26 • SffiMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

dos Estados Unidos durante 1996 e 1997. As imagens registraram as luzes durante noites sem nuvens e os astrónomos usaram modelos matemáticos para calcular a luminosidade artificial da Terra. É esse trabalho que resultou no primeiro atlas mundial de poluição da luz, a ser publicado na Monthly Notices of the Royal Astronomical So~ ciety, informa a revista New ~ ~ Scientist (18 de agosto). "A ~ poluição das luzes cresce ~

lOo/o por ano,, diz Cinzano.

; Nem tudo parece perdido. ~ Veneza, por exemplo, é a ~ única cidade italiana com ~ mais de 250 mil habitantes ~ onde é possível avistar as ~ estrelas da Via-Láctea. "Isto g ocorre em razão da iluminação de baixa intensidade da cidade, algo que merece ser preservado." •

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Paris iluminada e as estrelas da Via-Láctea: incompatíveis

cias voláteis, mas somente algumas delas são responsáveis pelo cheiro que sentimos. Os pesquisadores A.A. Kharlamov, russo, da Universidade de Aveiro, e H. Burrows, português, da Universidade de

Coimbra, expuseram diferentes tipos de frutas - maçãs, pêras, kiwis e morangos - à luz ultravioleta de uma lâmpada de mercúrio. Depois, as fotografaram com um filtro especial. A foto revelou um halo

ao redor da fruta. O espectro da imagem foi analisado digitalmente e os componentes verde e azul prevaleceram sobre os demais. A visualização do cheiro é um método promissor de monitoramento da qualidade de frutas. •

• Cuidado, Popeye: espinafre é um perigo Há pessoas que evitam ingerir carne e laticínios e, para assegurar o necessário suprimento de ferro e cálcio, substituem esses alimentos por vegetaisem geral os verde-escuros como espinafre, couve-manteiga e brócolis. Contudo, segundo Jocelem Mastrodi Sal-


gado, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), nem sempre esses minerais são aproveitados pelo organismo quando se consume verduras: algumas delas contêm substâncias tóxicas que impedem a absorção dos nutrientes. Pior: podem causar efeitos tóxicos, "o que ocorre com a grande ingestão de espinafre'; segundo Salgado. A pesquisadora revela que os ácidos fítico e oxálico, este último presente em grande quantidade no espinafre, têm a capacidade de ligar-se ao cálcio e ao ferro, "fazendo com que fiquem indisponíveis para serem absorvidos pelo nosso corpo" e acabem por ser eliminados nas fezes. E mais: comer espinafre numa refeição "pode reduzir a biodisponibilidade do cálcio" contido em outros alimentos. Quanto aos efeitos tóxicos, ela lembra que em 1951, nos Estados Unidos, "a ingestão de leite batido com espinafre (o objetivo era enriquecer a bebida com ferro) causou a morte de crianças recém-nascidas': O fato, no entanto, acabou encoberto na época. Uma pesquisa orientada por Salgado mostrou que cobaias em cuja dieta acrescentaram folhas de espinafre secas e moídas morreram na primeira semana com hemorragias e toxidade renal. Folhas cozidas tiveram o mesmo efeito. O estudo também avaliou a couve-manteiga e a couve-flor e não constatou nenhum efeito tóxico sobre os animais. Em vista disso, Salgado aconselha a substituição do espinafre: "Couve, brócolis, folha de mostarda, agrião, folhas de cenoura, beterraba e couve-flor, e leguminosas como feijões, ervilha, lentilha e soja são as melhores opções para quem quer consumir fontes alternativas de cálcio e ferro': •

• Supercondutores menos gelados Um novo material entra em cena na busca por supercondutores a temperatura ambiente: os buckyballs, moléculas de carbono em forma de bola de futebol. Pesquisadores da Lucent Technologies, empresa ligada ao Bell Laboratories, relataram que os

buckyballs são supercondutores a -156° Celsius (C), uma temperatura atingida por meio da refrigeração com nitrogênio líquido, e pretendem em breve subir mais 15 graus. É a primeira vez que se encontra uma aplicação prática para essas moléculas, que ganharam esse nome em homenagem aos domos geodésicos criados pelo arquiteto e

Leite sem ferver, nem pensar A extrema riqueza nutricional do leite tem um preço: é um dos alimentos mais sujeitos a agentes microbianos. Equipe da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), coordenada pela professora Mara Queiroz, avaliou a qualidade microbiológica de leite pasteurizado de três marcas diferentes dos tipos B e C (aqueles que vêm em saquinhos) de padarias e supermercados do Rio. O resultado mostrou que todas as amostras continham a bactéria Escherichia coli (que causa diarréia) acima do padrão permitido pela legislação brasileira. "Não identificamos o momento da conta-

Copo de leite: fartos nutrientes e micróbios minação- coleta, manipulação, armazenamento ou transporte-, mas ficou claro que é preciso, sempre, ferver o leite antes do consumo", diz Mara. O estudo saiu na Revista de Saúde Pública (agosto). •

matemático norte-americano Richard Buckminster Fuller ( 1895-1983). O trabalho, relatado na Science, sugere que os buckyballs podem fornecer inspiração para o desenvolvimento de supercondutores a temperatura ambiente. Até agora, o melhor resultado foi de pesquisadores japoneses com o diboreto de magnésio, que se comporta como supercondutor - transmitindo a corrente elétrica praticamente sem resistência- quando resfriado a uma temperatura mais baixa, -234° C. •

• Depois do café, o combate à dengue Um solução simples para um problema de saúde que não pára de crescer no Brasil: quatro colheres de sopa de borra de café diluídas em um copo de água evitam o crescimento da larva do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue. A pesquisa da bióloga Alessandra Laranja, do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto, é importante também porque ajuda a diminuir o uso de inseticidas organofosforados granulados, que podem afetar crianças, animais e plantas. Com o começo da temporada quente, a tendência é a multiplicação rápida do Aedes. A cafeína e a borra mudam alguns dos processos fisiológicos dos insetos, entre eles o que comanda a reprodução. A cafeína também reduziu a longevidade dos mosquitos adultos. ''A prefeitura de São José do Rio Preto já está recomendando à população da cidade para usar essa solução nos pratos dos vasos de plantas'; diz Hermione de Campos Bicudo, orientadora de Alessandra. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2001

27



.......... alvez os físicos já se tePlaneta inviável - Dirac notou que a nho da imagem do átomo, no qual os nham acostumado a, de elétrons se movem em órbitas maioforça elétrica era muito maior que a tempos em tempos, regravitacional: equivale ao número 1 res que hoje. Em conseqüência, poderia haver outras regras químicas e seguido por 36 zeros. Em busca de ver suas concepções de Universo. Sofreram o físicas de formação das moléculas uma explicação para esse valor, que abalo da Mecânica Quântica, que no portanto, os organismos vivos. Num lhe pareceu muito alto, cogitou que início do século 20 pôs a incerteza cocaso extremo, distante da realidade: se em algum momento da história do alfa fosse duas vezes menor ou maior, Universo a diferença entre as consmo ingrediente essencial do comportamento das partículas atômicas, antes a vida na Terra ou a formação de gatantes e e G não fosse tão grande- ou láxias se tornaria inviável, de acordo mesmo que já tivessem sido iguais. aparentemente previsíveis. No final com os atuais modelos teóricos. Segundo Dirac, o valor de G poderia de agosto, outro golpe: pesquisa divulgada numa das mais conceituadas publicações científicas, a Physical Review Letters, mostrou uma variação da chamada constante alfa, um dos valores fundamentais do Universo, que regula a intensidade com que as partículas atômicas interagem entre si e com a luz. Seis bilhões de anos atrás, o valor de alfa pode ter sido levemente menor, da ordem de uma parte em 100 mil- apenas o algarismo final de um número com cinco casas decimais depois do zero. Uma variação mínima, mas o bastante para indicar que a constante não é mais constante. O resultado apontado como uma das maiores descobertas científicas dos Telescópio no Havaí: descobertas redesenham o átomo e as idéias sobre o Big Bang últimos 50 anos - confirma as medições preliminares obtidas por Mais mudanças? - O valor de alfa, variar inversamente com o tempo pesquisadores da Austrália, Inglaterseria menor hoje, portanto. equivalente ao número 1 dividido ra e Estados Unidos, que assinam o por 137,04, está associado a outra O cenário que nasce desse raciocíartigo. Eles analisaram a luz emitida constante, a carga elétrica - identifinio é nebuloso. Se a força de gravidapor quasares - objetos estelares sede já tivesse sido maior, as órbitas dos cada como e-, responsável pela atramelhantes a núcleos de galáxias, sição ou repulsão entre os elétrons, planetas seriam menores: a Terra estaria mais próxima do Sol, um tuados a 8 a 10 bilhões de anos-luz da partículas atômicas de carga negatiTerra- detectada pelos telescópios do astro menor e mais luminoso. E na va, e os pró tons, positivos. A variação Keck Observatory, no Havaí. de alfa preocupa porque implica muTerra, há SOO milhões de anos, haveSemanas depois, já se tem uma danças noutros valores fundamentais ria "oceanos borbulhantes, fazendo a idéia mais clara das implicações da sobre os quais a Física se moldou. vida desconfortável para os trilobivariação de alfa, também chamada Contudo, essa idéia perturbadora tas': os primeiros organismos mais constante de estrutura fina. Primeicomplexos do planeta - conforme o vem dar sustentação às conjecturas ramente, quebra-se um dos pilares do físico inglês Paul Adrien Maurice cenário imaginado pelo físico húngasobre o qual se assenta a ciência moro Edward Teller, um dos cientistas Dirac (1902-1984, Nobel de 1933). derna: a uniformidade temporal do envolvidos no projeto Manhattan, Dirac comparou duas forças atuando sobre um mesmo próton, a força eléUniverso, que por uma época pode que resultou na bomba atômica. ter seguido outras leis, ainda descotrica e a gravitacional. A intensidade Alternativa menos estranha foi nhecidas. Os resultados obtidos pela formulada pelo físico russo George da força elétrica é determinada pela equipe coordenada por John Webb, carga elétrica (e) e a da força gravitaGamow (1904-1968), um dos autoda Universidade de New South Wacional, pela constante gravitacional res da teoria do Big Bang: a carga eléde Newton (G). les, da Austrália, sugerem um redesetrica é que poderia variar com a idaPESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 29


de do universo - hoje estabelecida em 13,9 bilhões de anos, embora existam estrelas supernovas que poderiam ser mais antigas. A proposta de Gamow levanta outras questões. Segundo Rogério Rosenfeld, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp ), a redução do valor da força elétrica levaria a uma diferença ainda menor entre as massas do próton e do nêutron, as partículas que formam o núcleo atômico - hoje, o nêutron é levemente mais pesado (0,1 a 0,2%) que o próton. Seria o bastante, porém, para influir na formação dos elementos químicos mais simples nos três primeiros minutos do Universo depois do Big Bang. Haveria, por exemplo, menos hélio que o previsto. ''Alterações nas Leis Físicas são sempre possíveis, mas todas as implicações devem ser analisadas com cuidado': diz Rosenfeld. menos a interação nuclear forte, que controla o organização do núcleo atômico, deve ter permanecido estável nos últimos 2 bilhões de anos. É o que indicam medições feitas nos anos 70 por pesquisadores russos numa mina de urânio em Uklo, no Gabão. "Nossa visão de Universo depende muito desses números': comenta Élcio Abdalla, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. Além da constante alfa, não se sabe o que pode ter mudado, já que o resultado anunciado na Physical Review decorre de observações cosmológicas, nas quais não é possível separar o efeito de uma constante de outra, lembra Carlos Escobar, pesquisador do Instituto de Física da Universidade de Campinas (Unicamp ). Os próximos anos provavelmente indicarão quais teorias ou concepções teóricas sairão arranhadas ou fortalecidas. Aparentemente, porém, os resultados da novidade reavivam as propostas da Teoria das Cordas, uma

forma de conceber as interações atômicas por meio de entidades imaginárias, as cordas, que dariam origem às partículas atômicas - as cordas seriam como um ônibus do qual os passageiros saem de acordo com o acaso ou a própria vontade. Formulado nos anos 70 pelo físico inglês John Schwartz, atualmente no California Institute ofTechnology (Caltech), dos Estados Unidos, o mo-

Teoria retomada- Ao

30 • SETEMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

Quasares a 9 bilhões de anos-luz da Terra: aproximando teorias

delo foi aperfeiçoado na década de 80 por outro inglês, Michael Green, da Universidade de Cambridge, e, mais recentemente, pelo norte-americano Edward Witten, também do Caltech. Abdalla, da USP, estava a um passo de deixar de lado a Teoria das Cordas (ou Supercordas). Essa ferramenta teórica que lhe parecia útil para explicar a origem e o funcionamento dos buracos negros, um de seus focos de estudo, emperrava pela dificuldade de comprovação experimental. O artigo da Physical Review o fez reconsiderar, por indicar que o modelo das cordas abriga harmoniosamente os elementos que decorrem do trabalho dos pesquisadores australianos. É o caso da possibilidade de existência de partículas atômicas bem menores

que os elétrons e ainda não comprovadas experimentalmente, e de outras dimensões espaciais, ainda não bem explicadas pelas teorias em uso. Dobras no tubo - Outras dimensões? "É como se morássemos num tubo e as outras dimensões fossem dobras ou ramificações nesse tubo, que não podemos ver", compara Abdalla. Ele acha que tanto as partículas quanto as dobras no espaço, para serem entendidas, requeriam um mergulho no âmago da matéria como o viabilizado pelo estudo dos australianos. "Vamos agora trabalhar para ver se as idéias florescem': diz ele. Se frutificar, a Teoria das Cordas poderá realizar um antigo desejo: aproximar duas visões de Física ainda incompatíveis: a Teoria da Relatividade Geral e a Mecânica Quântica, que prevê a existência de novas partículas elementares da matéria e sugere outro modo de compreensão do tempo. Incompatíveis na versão clássica, não dialogam entre si e divergem até mesmo em princípios. Mas, na Teoria das Cordas, a Relatividade já se amolda aos princípios da Mecânica Quântica e há comportamentos das cordas que podem ser explicados ora de acordo com uma, ora de acordo com outra. "Essas duas teorias não podem continuar sem se comunicar", observa Escobar, da Unicamp. A aproximação de duas concepções do Universo, ainda que explique a variação da constante alfa, implica outros terremotos conceituais. O impacto maior, para Abdalla, seria a forma de ver o Big Bang, que deixaria de ser apenas a explosão que originou o Universo e além da qual a Relatividade não consegue avançar, para se tornar parte de uma história mais abrangente - história que, de acordo com propostas do físico inglês Martin Rees, da Universidade de Cambridge, no livro ]ust Six Numbers, publicado no final do ano passado, inclui até mesmo outros universos. •


o www.scielo. br

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BIREME I OPAS I OMS

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CIÊNCIA

MINERALOGIA

Minerais descobertos no Brasil um número muito pequeno': diz ele, "e certamente não condiz com a riqueza mineral brasileira, que muitos comparam às dos Estados Unidos e da Rússia': Cada um desses países tem mais de 600 minerais descritos e no mundo todo já foram descobertos cerca de 4 mil. Isso sugere que o solo brasileiro é pouco explorado - ao menos cientificamente. A região de Poços de Caldas (MG), por exemplo, é rica em nefelina sienito, rocha alcalina onde se desenvolvem minerais raros, como os de zircônio. Na Rússia e no Canadá foram encontrados nessa rocha cerca de 200 minerais. No Brasil, só 20. Dos 39 minerais descobertos no país, 33 foram descritos por estrangeiros. ''A maioria dos alunos só se interessa por pesquisa aplicada, mas a aplicação, invariavelmente, depende de informações que só se obtêm com um bom trabalho de base': diz Atencio, que constatou o problema ao formar-se em 1982. ''As descrições, algumas de séculos passados, estavam Falta o básico- "É

Compêndio atualiza análises ecorrige errosmineralógicos acumulados por séculos M ARIA APARECIDA MEDEIROS

m mineralogista do Instituto de Geociências da UniversidaU de de São Paulo (IGc-USP) resolveu problemas de nomenclatura de minerais brasileiros, complementou estudos antigos e fez um levantamento de todos os minerais descobertos primeiro aqui - em geral, por estrangeiros-, os chamados minerais-tipo do Brasil. Daniel Atencio dedicou cinco anos a colher informações dispersas e fazer análises minuciosas, para produzir o compêndio Memória da Mineralogia Brasileira - sua tese de livre-docência de 1999. Antes de 1959, quando a Associação Mineralógica Internacional criou uma comissão especial onde Atencio representa o Brasil, havia mais de 100 minerais tidos como descobertos aqui - sem contar variações ortográficas ou atribuição de vários nomes a um mineral. Seguindo diretrizes que a comissão fixou para validar os nomes, Atencio verificou que cerca de 80 minerais deviam ser rejeitados - ou porque não eram realmente novos, ou porque o estudo não tinha dados conclusivos. Assim, a lista brasileira ficou reduzida a 39 minerais. 32 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

muito dispersas. Muita coisa se perdeu." Faltava um esforço de compilação dos dados. Decidido a pôr ordem no assunto, descobriu erros e lacunas, já que a maioria dos trabalhos era dos séculos 18, 19 e início do 20, quando a tecnologia não permitia análises apuradas. Um grande feito foi o resgate de estudos dispersos. O maior volume foi enviado pelo belga Jacques Jedwab, da Universidade de Bruxelas. Localizaram-se estudos raros, como os originais sobre o paládio, de William Hyde Wollaston ( 1766-1828), e o trabalho de 1833 de Lampadius & Plattner sobre a paladinita. O paládio é um metal encontrado em Minas Gerais, na forma de grãos opacos, de branco a cinza-aço pálido. E a paladinita é um óxido de paládio e cobre em forma de grãos cinza. Os erros eram comuns porque as análises se faziam por via úmida: volumes relativamente grandes de minerais eram dissolvidos, de modo que muitas vezes os resultados não se referiam a um só mineral, mas a misturas. Já com a microssonda eletrônica, é possível obter composições químicas para áreas muito pequenas. Um dos equívocos constatados envolve a harbortita da ilha de Trauíra (MA), descrita em 1932 por F. Brandt: Ao determinar a composição do mineral, o autor desprezou o sódio e o designou como um fosfato de alumínio hidratado. Atencio desErros de análise -


cobriu um estudo meio Ouro preto e brazilianita perdido nos Anais do 31 o Atencio relata casos curioCongresso Brasileiro de Geosos como o do ouro preto. logia (1980): "Era de pesquiEsse curioso metal recosadores brasileiros, Marberto com uma crosta escondes L. Costa et al., que cura é um equívoco secular. De tão abundante em já haviam comprovado que o mineral coletado na ilha Vila Rica, as autoridades de Trauíra era, na verdade, deram seu nome à cidade. Descrito em 1711 pelo paum fosfato de alumínio e sódio - ou seja, era outro dre jesuíta André João Antonil (1649-1716), queremineral, já conhecido como wardità: Resultado: o nome latava as riquezas do Brasil harbortita foi banido. para a corte portuguesa, era A chernikovita, que foro mineral mais antigo desma placas de cor verde-li- Hainita, de Poços de Caldas: considerado novo, por equívoco crito no país. Até que, em mão, fora descrita na Rús199 5, foi desmascarado sia por Andrey Chernikov (192 7-), Para comprovar erros, é preciso por estudos de Jacques Jedwab: trade amostras, difíceis de obter, sobreta-se de uma mistura de óxidos de mas era chamada de hidrogênio auferro, paládio, platina, ouro, cobre e tunita. Havia uma segunda ocorrêntudo de minerais descritos quando não era obrigatório enviá-las para um manganês. Esses compostos não pocia na capital paulista, no distrito de Perus, em forma de bastonetes que dem receber nome de mineral, pormuseu. Numa busca, Atencio obteve preenchem cavidades de turmalina que são amorfos, ou seja, não têm esos maiores cristais do mundo do chagranito. As análises de Atencio revemado mineral X de Perus: são cristais trutura cristalina- condição essencial, tubulares alongados de cor amarelo laram que o mineral não era do gruem 99,9% dos casos, para a classifipo da autunita, e sim da meta-autuvivo. Descrito em 1965, não fora subcação dos minerais. Já que a fórmula nita, e que continha íons (H30)+, e metido a análises químicas quantitaera incompatível com a definiçãonão simplesmente H+, como se acretivas porque não havia quantidade padrão, o ouro preto foi expurgado. suficiente. Conclusão de Atencio: o E o lugar de mais antigo passou para ditava. Ele renomeou o mineral como chernikovita, em homenagem ao um mineral descrito em 1789 por mineral X era a furcalita, já descrita. mineralogista russo. D.L.G. Karsten: o crisoberilo, de crisHá outros motivos para vasculhar Um mineral coletado em Poços pedreiras de São Paulo, Minas e Goiás: tais tabulares ou prismáticos curtos de Caldas, descrito em 1948 por Djalem várias tonalidades de verde ou "Suspeito que vários minerais tidos ma Guimarães (1894-1973), ocorre como raros são muito mais comuns amarelo. Outro equívoco resultou de uma em forma de cristais que preenchem do que se pensa", afirma. Da zanazziita, por exemplo-, cristais verde-oliva cavidades de rochas e era chamado tentativa de homenagear o país: em giannettita. Atencio analisou a estruem forma de barris ou rosetas - des1818, deu-se o nome brazilianita a tura cristalina por raios X e fez análicrita em 1990, fora registrada uma só um mineral fibroso de Córrego Carse química pontual por microssonda ocorrência, numa ilha do rio Jequitimo, entre Ouro Preto e Mariana (MG). eletrônica: descobriu que se tratava da nhonha em Itinga, nordeste mineiro. Depois, viu-se que se tratava de gibbRecentemente, ele descobriu mais hainita, já descrita em 1893 na Repúsita. Já em 1945, o nome foi merecidamente dado a uma valiosa gema de blica Tcheca. duas ocorrências. A djalmaíta - em octaedros parcristais amarelo-esverdeados, realmente inédita, descoberta em Divino do-amarelados, pardo-esverdeados O PROJETO das Laranjeiras (MG). ou negro-pardacentos- também foi Minerais Descritos pela Primeira A partir de sua tese-compêndio, descrita por Guimarães e em 1957 Vez no Brasil e suas Paragêneses teve o nome mudado para uranomique está na Biblioteca do IGc-USP, MODALIDADE crolita. "Ele foi descrito como um Atencio preparou Type Mineralogy of Linha regular de auxílio à pesquisa mineral de tântalo e urânio, mas eu Brazil, livro de 114 páginas publicado descobri que sua composição é muiem 2000 pelo Museu de Geociências COORDENADOR to variável. Algumas porções são rida USP. Agora, dedica-se a uma lista D AN IEL ATENCIO- Instituto cas em chumbo, outras em urânio, de minerais sem estrutura cristalina de Geociências da USP outras em cálcio, etc." O nome uradeterminada ou sem descrição comINVESTIMENTO nomicrolita não é definitivo: depenpleta. Afinal, a lista de minerais-tipo R$22.539,00 e US$ 26.156,77 derá de novas análises. do Brasil precisa crescer. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRODElOOI

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CIÊNCIA

BIOLOGIA

Vida entre caranguejos Projeto induz mudança nas normas de exploração do crustáceo no Sudeste SIMONE BIEHLER MATEOS

m projeto pioneiro sobre o uçá ( Ucides cordatus) ou caranguejo-verdadeiro integra a pesquisa biológica - de morfologia, biometria, fisiologia e reprodução -com o conhecimento obtido junto às comunidades tradicionais dedicadas à exploração dessa espécie do mangue. O projeto durou dois anos e ofereceu dados decisivos - especialmente sobre época de reprodução, potencial reprodutivo, embriologia, crescimento e tamanho na maturidade sexual- para a elaboração de regras mais adequadas à exploração sustentável. Ao mesmo tempo, aumentou as chances de essas novas regras serem cumpridas, porque estreitou a comunicação com os carangueJeiros (catadores) e contribuiu para que suas necessidades fossem levadas em conta na regulamentação. "Biólogos e fiscais eram vistos com desconfiança pelos catadores, aparecendo apenas para impor proibições e punições. Nós fomos os primeiros que quiseram conhecer suas dificuldades e ouvir o que eles sabiam sobre o caranguejo", conta Marcelo Pinheiro, do Departamento de Biologia Aplicada da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal, que coordenou o projeto. As conclusões do estudo ajudaram na reformulação da portaria do

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34 • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Uçá, o caranguejo do litoral Sul-Sudeste: estudo corrige distorções e ajuda a salvar o mangue

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que regulamenta a exploração do caranguejo nas regiões Sudeste e Sul. O tamanho mínimo para a captura do crustáceo, por exemplo, passou de 5 para 6 centímetros de largura da carapaça. Esse é o tamanho do uçá na idade em que metade da população de cada sexo atinge a maturidade sexual- o que só ocorre a partir dos 3 anos de vida. Isso garante que a maioria dos animais tenha oportunidade de reproduzir-se. Em compensação, o período de defeso - proibição de captura - foi

ligeiramente reduzido, o que favorece os catadores. A portaria de 1998 baseava-se em estudos feitos só no Nordeste, de modo que a captura do uçá era proibida entre 1'? de setembro e 15 de dezembro. Em vista do novo estudo, feito no município de Iguape, a portaria do ano passado passou a proibir a captura entre 1'?de outubro e 31 de dezembro em toda a faixa litorânea que vai do Rio de Janeiro a Santa Catarina. Para este ano, o período foi reduzido para 20 de dezembro e a regulamentação passou a abranger o litoral do Espírito Santo.


"Como a captura de fêmeas com ovos é proibida durante todo o ano, constatamos que este seria o período mais importante para se proteger a reprodução dessa espécie nas regiões Sudeste e Sul, por ser quando ocorre a muda nupcial e a principal época de acasalamento': explica Pinheiro. As mudanças foram feitas a partir de discussões das quais participaram representantes do Ibama, Polícia Florestal, pesquisadores e os próprios catadores. "Quando as pessoas participam da elaboração da lei, é muito mais provável que venham a cumprila': diz o biólogo. Em trabalho conjunto com o Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira das Regiões Sudeste e Sul (Cepsul), do Ibama, o grupo de pesquisa produziu um manual de orientação para a fiscalização da exploração do uçá e uma cartilha de educação ambiental em forma de história em quadrinhos, para conscientizar as populações locais da importância tanto da espécie - cuja criação em cativeiro é comercialmente inviável devido ao crescimento lentocomo do mangue onde vive, considerado um berçário de peixes e de outros crustáceos, como os camarões. População ameaçada - O trabalho é

oportuno, já que, por seu tamanho e abundância, o uçá é uma das duas espécies de caranguejo de interesse econômico que só vivem nos manguezais - a outra é o guaiamum ( Cardisoma guanhumi) , típico do Nordeste. O uçá, que vive sobretudo no mangue baixo - a parte que fica inundada por mais tempo - , é cobiçado tanto pela carne, que alimenta muitas famílias nas áreas próximas, como pela quitina da carapaça, usada na síntese de filtros, anticoagulantes, adesivos químicos e até cosméticos. Com a intensificação da exploração, entretanto, a abundância e o tamanho médio do uçá se reduziram em algumas regiões. Isso não só afeta os que vivem da cata do caranguejo, como prejudica o equilíbrio do próprio mangue, uma vez que o uçá exerce papel importante na cadeia ali-

mentar desse ecossistema, onde contribui no processamento das folhas que caem e na incorporação de seus nutrientes ao solo. E o manguezal é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas vizinhos. Sua vegetação evita o assoreamento das margens dos estuários e sua riqueza orgânica aumenta a produtividade marinha. Além disso, muitos peixes e crustáceos marinhos de importância econômica usam o mangue como área de alimentação, reprodução e refúgio, o que assegura proteção ao desenvolvimento de suas larvas. Assim, o desaparecimento de um manguezal também ameaça a atividade pesqueira. or tudo isso, o Ibama já manifestara preocupação com a escassez de dados para as regiões Sudeste e Sul, que ajudassem na elaboração de regras eficazes de proteção ao uçá. Os poucos estudos sobre a espécie haviam sido feitos no Nordeste, e o período de reprodução dos caranguejos pode variar muito conforme a latitude. Em vista disso, o Ibama recomendou a proposta de pesquisa à FAPESP. O financiamento custeou barco a motor, refrigerador, balanças, estufa, câmara climática, pagamento des catadores e um equipamento de análise de imagens por computador, usado na mensuração de mais de 3 mil caranguejos. Foram capturados cerca de 150 uçás por mês, durante dois anos, nos manguezais da região de Iguape, no litoral sul. Eles foram divididos em machos, fêmeas com ovos (ovígeras) e sem ovos. Cada um foi pesado e medido no cefalotórax (região da carapaça), no abdome, na pinça (chamada própodo do quelípodo maior) usada para caçar e disputar fêmeas e nos apêndices abdominais masculinos (gonopódios) que são associados ao pênis. Isso permitiu identificar mudanças na taxa de crescimento dessas estruturas e propor limites de tamanho de m achos e fêmeas segundo

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quatro fases de desenvolvimento: jovem, pré-púbere, subadulta e adulta. Reprodução - Como ocorre com ou-

tros caranguejos, o uçá macho tem dois pênis, e a fêmea, duas vaginas. Foram analisadas as gônadas- testículos e ovários - para determinar estágio de maturidade e grau de enchimento das duas espermatecas bolsas onde a fêmea guarda espermatozóides vivos por pelo menos dois meses depois da cópula, até os ovários estarem maduros para a fecundação. O período da cópula está relacionado ao fenômeno da andada, que ocorre sobretudo em dezembro e janeiro nas luas cheia e nova. Duante a andada, a maioria dos caranguejos sai das tocas e perambula sobre o sedimento do manguezal, onde os machos lutam para disputar fêmeas. Os dados indicam que em outubro também ocorre a cópula, em seguida à "muda nupcial"- quando a carapaça do uçá fica com uma intensa coloração azul celeste-, e nessa época do ano a andada é incomum. O estudo constatou que na região de Iguape só há fêmeas ovígeras entre dezembro e março, pouco antes do que ocorre no Nordeste. "Como a lei já proíbe a cata de fêmeas ovígeras em qualquer época, recomendamos proibir a cata durante o principal período de acasalamento, que é quando o caranguejo fica mais exposto", explica o pesquisador. Em cerca de 60 fêmeas ovígeras, os ovos foram contados e usados no estudo do desenvolvimento embrionário, o que permitiu distinguir oito estágios. Experimentos feitos na câmara climática mostraram que a salinidade ideal para o desenvolvimento dos embriões é de 15 partes por mil. Pesquisando a época de maior incidência de fêmeas com espermatecas cheias e de fêmeas ovígeras, o estudo concluiu que entre a cópula e a fecundação decorrem cerca de dois meses. Logo depois da fecundação, entre 36 mil e 250 mil ovos são expelidos para o abdome, onde ficam aderidos aos apêndices, que funPESQUISA FAPESP · SETEMBRODE2001 • 35


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cionam como uma espécie de estojo semi-aberto, no qual os ovos são incubados durante cerca de 18 dias, quando mantidos a uma temperatura média de 27 graus centígrados. Então, os ovos eclodem, liberando as larvas, que são carregadas para o oceano pela maré vazante e voltam ao manguezal ao se aproximar da fase jovem. ma das dificuldades para criar uçá em cativeiro é justamente o controle dos diversos níveis de salinidade adequados a cada etapa do desenvolvimento das larvas, que também têm necessidades específicas de alimentação. A maioria não chega à idade Souza: "para ser catado r de caranguejo não pode ter pena do corpo" adulta, mas como parte do zoodantes raízes que se entrelaçam no plâncton desempenha um papel importante na alimentação de molussolo dos manguezais - fazem parte cos e peixes. do cotidiano dos catadores. "Para ser catador de caranguejo " T ivemos que contratar caiçaTrês anos - Cerca de 50% dos uçás não pode ter pena do corpo", diz José ras para capturar os caranLourenço de Souza, 53 anos, há 21 estão maduros sexualmente aos 3 guejos e acabamos descona atividade. Conhecido como Zecaanos de idade, quando a carapaça brindo não só que tínhamos muito a atinge cerca de 5 centímetros de lardo-Caranguejo, é o mais antigo e exaprender com eles como que era esgura. Decidiu-se ampliar o tamaperiente catador de Iguape. Já trasencial levar em conta o fator social balhou na roça e na pesca, atividades nho mínimo de captura para 6 cenpara uma política eficaz de proteção que considera incertas, enquanto no tímetros devido à reduzida taxa de da espécie." Daí surgiu a idéia de mangue diz que chega a pegar, crescimento da espécie. ampliar o estudo. Entrevistas feit<ts "fácil", 300 caranguejos num dia. Os estudos indicaram que os ao acaso com 43% dos catadores de uçás atingem no máximo 9 centíA maioria deles (64%) captura o Iguape permitiram traçar um perfil metros de carapaça e que sua longeuçá diretamente com as mãos, métosocioeconômico deles. vidade chega aos 9,2 anos para os do que eles chamam de braceamenA maioria (70,6%) não tem primachos e 8,3 anos para as fêmeas. to. Mas 36% admitiram usar armameiro grau completo e quase 12% dilhas- por exemplo, uma redinha-, "Não vale a pena criá-lo comernunca foram à escola. São sobretudo cialmente, porque há outros crustáhomens (88%) de 16 a 58 anos e ceos de crescimento muito mais rápicom tempo de profissão entre 6 meO PROJETO do, como os siris, o que só aumenta a ses e 22 anos. Biologia do Caranguejo Uçá importância de se fazer o manejo Três quartos deles sobrevivem (Ucides cordatus) no Litoral sustentável para proteger a espécie da essencialmente da cata de caranguedo Estado de São Paulo exploração econômica predatória", jos. Mais da metade é casada ou MODALIDADE pondera Pinheiro. Ele lembra ainda amasiada, com média de quatro fiLinha regular de auxílio à pesquisa que a idéia inicial do estudo nasceu lhos por casal. A renda familiar justamente do grande número de mensal varia de R$ 11 O a R$ 1.000, COORDENADOR consultas que recebeu de pessoas incom a média de R$ 400. MARCELO ANTONIO AMARO PINHEIRO Unesp de Jaboticabal teressadas em criar uçá em cativeiro. O fato é que a abrangência da pesSem pena - Ferimentos e infecções INVESTIMENTO quisa foi crescendo na medida em cutâneas nas mãos e nos braços RS 67.850,00 e US$ 10.674,05 que o projeto avançava. causados pela abrasão das abun-

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Ciência caiçara

36 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP


dos dedinhos menores é cabeluda, deixando um rastro fundo e escovado, enquanto nas fêmeas a ponta dos dedinhos é lisa", ensina Zecado-Caranguejo. "Aprendemos também a identificar as pegadas do guaxinim ou mãopelada, um dos mamíferos predadores do caranguejo. O guaxinim pode permanecer sentado, imóvel, em frente à abertura da toca, esperando o caranguejo sair", conta Gláucia. A pesquisa revelou, contudo, uma falta de conhecimento dos catadores sobre características importantes do uçá.

o que é proibido, por não preservar os animais pequenos ou as fêmeas com ovos, ambos facilmente identificados por 85%. Custeio necessário - Embora três

quartos dos catadores dissessem conhecer a época de proibição da captura, só um quarto respondeu corretamente qual era esse período de defeso. Pinheiro considera essencial para a preservação do uçá não só fiscalizar a captura e promover uma educação ambiental como também criar uma forma de custeio para que as famílias de catadores sobrevivam no período de captura proibida: "A situação deles é muito precária. Quando descumprir a lei pode ser uma questão de sobrevivência, só punir não resolve". Baseados no conhecimento empírico dos caiçaras, os pesquisadores montaram um calendário etnobiológico relacionado ao que ocorre a cada mês com os caranguejos- andada, liberação de larvas, troca de carapaça e outras situações. "Para nossa surpresa, descobrimos que cerca de 70% do conhecimento dos catadores sobre o uçá coincidia com os dados científicos que levantamos", diz Pinheiro. Caranguejo-leite - Foi pesquisada a

percepção que os catadores têm sobre o ciclo de vida, a morfologia e o comportamento do uçá, bem como das transformações que o ecossistema do manguezal tem sofrido. Eles mostraram ter plena consciência da degradação do mangue, da redução da população de caranguejos e do seu tamanho com o passar dos anos. Os catadores dão ao uçá o nome de "caranguejo-leite" antes de ele trocar de carapaça, o que ocorre pouco antes do acasalamento. Nessa fase, os órgãos internos do caranguejo ficam com uma cor leitosa característica. "Esse fenômeno ocorre com poucos caranguejos semiterrestres e terrestres, principalmente em ambientes pobres em carbonato de cálcio e

Pinheiro: aprendizado com os catadores

magnésio, substâncias essenciais ao enrijecimento da carapaça", comenta Pinheiro. Por isso, antes de trocar a carapaça velha por uma maior, 'O caranguejo dissolve e incorpora essas substâncias à sua corrente sanguínea, para usá-las na síntese da nova casca. "Os catadores dizem que o caranguejo-leite não presta para comer porque é amargo, dá tontura e dor de barriga. E é verdade: verifiquei em livros de medicina que é esse o efeito do elevado consumo dessas substâncias", revela o pesquisador. "Descobrimos muitas coisas com os catadores", concorda a bióloga Ana Gláucia Fiscarelli, que ficou encarregada da parte etnobiológica do projeto. Muitos catadores sabem até distinguir as tocas dos machos e das fêmeas conforme o rastro deixado na entrada. "Nos machos, a ponta

Uçá 11 a caminho - Nenhum catador, por exemplo, identificava as larvas como uma fase do desenvolvimento do caranguejo. E a maioria deles também não sabia exatamente qual o período de proibição da captura ou de como as leis de defeso são estabelecidas. "Isso evidencia a necessidade de um trabalho de educação sobre a biologia e o manejo deste recurso, bem como de seu ambiente, o que será um dos objetivos do Projeto Uçá II, em fase de elaboração", revela Gláucia. O estudo já resultou num manual ilustrado para ensinar fiscais e policiais a reconhecer o uçá, tratar animais apreendidos e liberá-los nos manguezais. Também se produziu uma cartilha em forma de história em quadrinhos, para conscientizar as comunidades ribeirinhas da importância dos manguezais e do uçá, e de como preservá-los. A idéia surgiu quando o filho de 8 anos de Pinheiro chegou da escola chorando porque os colegas riram quando ele falou que o pai estudava caranguejos. "Percebi que nem meu filho sabia da importância do que eu fazia, então resolvi fazer o livrinho numa linguagem que qualquer um pudesse entender", conta Pinheiro, que busca financiamento para publicar a obra, primeira ferramenta do trabalho de educação ambiental que a equipe pretende desenvolver. • PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001 • 37


CIÊNCIA

AMBIENTE

Visão

apurada Método reduz custos de mapeamento e classifica a vegetação pantaneira m monomotor Cessna 206

U pode ser mais útil para o Pantanal do que o Landsat, satélite de sen-

soriamento remoto da Nasa? Para um grupo de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) de Corumbá, no Mato Grosso do Sul, a resposta pode ser sim. Inspirados em colegas australianos, que desde os anos 60 fazem sobrevôos periódicos para monitorar populações de golfinhos e grandes vertebrados terrestres na Oceania, eles sobem - ano sim, ano não - num aviãozinho desses e percorrem a imensa planície do Centro-Oeste com uma missão: registrar os exemplares das espécies vegetais e animais que vêem. De volta à terra, organizam os dados colhidos, fazem cálculos e produzem um detalhado mapeamento dos tipos de vegetação encontrados e uma radiografia da evolução das populações de bichos selecionados em seus principais hábitats. Tudo isso é barato e eficiente, segundo os pesquisadores da Embrapa Pantanal. "As imagens do Landsat são bons instrumentos de observação geral: são capazes de mostrar grandes tendências, de dizer se há mais ou menos área verde num local. Mas não conseguem diferenciar os tipos de vegetação. Mostram apenas se numa região há vegetação arbórea, herbácea ou água': afirma a zootecnista Marta Pereira da Silva, envolvida no trabalho. 38 • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

"Para o sensor do satélite, uma área de cerradão e outra de mata semidecídua, formas semelhantes de vegetação, que diferem sobretudo por apresentar espécies distintas de árvores, podem ser a mesma coisa." O sensoriamento remoto tem outra desvantagem: não permite observação e caracterização da fauna de um hábitat, um dos trunfos do levantamento aéreo. Com as observações aéreas, Marta e colegas identificaram 16 tipos de cobertura verde, detalhadas em artigo publicado na Revista Brasileira de Botânica. Semelhantes e ocupando terrenos próximos, as áreas de cerradão ou savana florestada (formação densa com árvores de 8 a 20 metros de altura que perdem parcialmente as folhas na época da seca) e de cerrado ou savana arborizada (arbustos e árvores esparsas e menores, de no máximo 10 metros de altura, sobre um estrato herbáceo) são as formas dominantes. Encontrados na parte leste e central da planície, em regiões de solo arenoso, cerradão e cerrado formam, respectivamente, 22,1 o/o e 14,3% da vegetação pantaneira. Outras duas formas de mata têm menor incidência. Situadas sobretudo no norte da região, as florestas semidecíduas (árvores altas, de 8 a 20 metros, que perdem as folhas na estação seca) respondem por 3,9% da cobertura vegetal. A presença das matas de galeria, situadas ge-

ralmente na beira de rios, é ma1s modesta (2,4%) . Quase tão abundantes quanto as florestas e matas, as áreas de campos - sem árvores, mas com grama e vegetação herbácea - foram fartamente encontradas. Os campos secos representam pouco mais de 20o/o do manto verde da região. Os campos inundados, que levam esse nome por serem alagados na época da cheia dos rios, respondem por quase 11 o/o e concentram-se no oeste do Pantanal, perto do rio Paraguai. Chamaram ainda a atenção as numerosas zonas de brejo (7,4% ). Veado em perigo - Além dessas for-

mações de maior destaque, foram apontadas outras com presença mais discreta, como os chacos (vegetação arbustiva espinhosa, com folhas pequenas, que caem na estação seca ou no inverno) e os baceiros ou batumes (ilhas flutuantes de plantas aquáticas densamente enraizadas). Por último, a equipe de Marta detectou áreas com grande concentração de uma espécie de árvore: carandazal, buritizal, babaçual, pirizal/caetezal, cambarazal, paratudal e canjiqueiral. O levantamento também revelou que quase 6o/o do Pantanal é ocupado por espelhos d'água. Em termos de fauna, os pesquisadores concentraram a observação em três espécies nos 16 hábitats da planí-


Cara nd azal (na outra página) e bu ritiza l: vôos a 60 met ro s de a ltitude ajudam a ide ntificar as formas d e vegetação típicas do Pantana l

sectos no sentido leste-oeste, com espaçamento de cerca de 1O quilômetros entre eles. Um transecto é uma faixa em linha reta, que deve ser percorrida pelo avião. O sobrevôo é feito na época menos chuvosa, entre setembro e outubro, quando a tarefa de identificação e contagem de espécies é mais fácil e produtiva. Jogo rápido- Assim que o avião deco-

cie encravada no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: jacaré-do-pantanal ( Caiman c. yacare), cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) e veadocampeiro ( Ozotocerus bezoarticus) . A população estimada de jacarés é de 3,9 milhões de exemplares, mas os técnicos acreditam que possa chegar a 10 milhões. A quantidade de cervos está na casa dos 44 mil e, na década passada, mostrou-se estável. "O único desses bichos realmente ameaçado de extinção é o veado': diz o biólogo Rodiney Mauro, que participa do grupo delevantamento aéreo. No início da década passada, a quantidade de veados chegou a encolher 30% ao ano. "Com o crescimento das áreas de pastagens e projetos agropecuários, o ambiente por excelência dessa espécie- áreas de campo seco ou savanas com poucas árvores - tem diminuído", diz Mauro. Além da intervenção humana, os céus também têm diminuído o espaço vital do veado. Chuvas abundantes nos anos 90 alagaram áreas normalmente livres de inundação, encurralando o bicho em porções de terra cada vez menores. Hoje, o veado-campeiro ocorre basicamente na parte central do Pantanal, não existe no sul e está pouco presente no norte.

cerca de 1,5% do território nacional - , os pesquisadores alugam um monomotor de quatro ou seis lugares. Além do piloto e, eventualmente, um navegador - o piloto pode acumular a função -, vai um técnico que anota a vegetação e dois ou até três para coletar os dados de fauna. Para facilitar a observação de animais, cada um anota só uma ou duas espécies. A metodologia da Embrapa divide a planície pantaneira em 50 tranPerfil verde do Pantanal O peso de cada tipo de cobertura vegetal na região (em porcentagem da área total)

li

Cerradão

22,1

11 Campo seco

20,3

Cerrado

14,3

li

f '

Campo inundado

10,8

Brejo

7.4

Mata semidecídua

3,9

Cambarazal

3,1

Mata de galeria

2.4

Baceiro ou batume

2.4

Carandazal

2,3

Paratudal

1,7

Canjiqueiral

1,2

Pirizal/ caetezal Chaco Babaçual

1,2

0,5 0,3

Buritizal

0,2

A tripulação - Para o levantamento

Áreas com espelho d'água

5,9

aéreo do Pantanal, que se estende por 140 mil quilômetros quadrados -

Fonte: Embrapa

I

la e se estabiliza na altitude de cruzeiro - 60 metros -, os pesquisadores mal têm tempo de respirar. O ritmo das anotações é de tirar o fôlego. A cada 36 segundos geográficos percorridos, aproximadamente 1 quilômetro, o navegador solta um grito. É o sinal para que os demais tripulantes marquem num formulário o que estão vendo na área abaixo: os tipos de vegetação e seu grau de incidência- baixo, médio ou alto-, as espécies animais e sua quantidade. Como o avião se move a 200 quilômetros por hora, na prática, a cada 18 segundos há um novo registro a ser feito. No final do mapeamento, são 11.5 70 pontos de anotação. Depois de radiografar o Pantanal por cinco vezes, a última delas em 2000, os pesquisadores sabem que são necessárias cerca de 100 horas de vôo para esquadrinhar devidamente a região. Visto que uma hora de vôo custa cerca de R$ 200, radiografar o Pantanal implica um gasto de R$ 20 mil com o aluguel de uma aeronave. Não é caro, se for levado em conta o preço das imagens obtidas por sensoriamento remoto. Apenas uma foto de satélite custa entre R$ 800 e R$ 1 200 - e são necessárias pelo menos 15 para cobrir todo o Pantanal. "O método é relativamente barato. Seus resultados se mostram compatíveis com os dados de sensoriamento remoto, com a vantagem de gerar informações adicionais e poder ser empregado para os mais diversos fins", comenta Marta. • PESQUISA FAPESP • SfTEMBRODE2001

39


CAPA

C EN ÉTICA

Abase da diferença Estudo sobre mutação que amplia risco de câncer de próstata ganha a capa da Cancer Research MAR COS PIVETTA

DNA humano tem 3 bilhões de nucleotídeos, as bases niO trogenadas que codificam toda a informação armazenada em nosso genoma. Muitas pessoas não entendem como a troca de um nucleotídeo por outro- há quatro tipos de bases, adenina (A), citosina (C), guanina (G) e timina (T)- pode aumentar ou diminuir a predisposição a doenças. Um 40 · SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

estudo recém-concluído por um grupo de pesquisadores coordenado por Maria Rita Passos-Bueno, do Centro de Estudos do Genoma Humano, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) - um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) criados em 2000 pela FAPESP- revelou que uma alteração dessa ordem, de somente um nucleotídeo, no gene COL18A1, situado no cromossoma 21, eleva em duas vezes e meia o risco de câncer de próstata. Esse tipo de tumor é o segundo mais freqüente entre homens no Brasil, registrando anualmente quase 21 mil novos casos. A descoberta é capa da edição de 15 de outubro da revista Cancer Research, da Associação Americana de Pesquisa sobre o Câncer.

A modificação ocorre no nucleotídeo de número 4349 do gene, que, em vez de apresentar a base guanina, como ocorre na maioria das pessoas, tem uma adenina. A troca de "letras químicas" faz com que o COL18A1 dê origem a um tipo diferente de aminoácido: no lugar do ácido aspártico, sintetizado por indivíduos sem essa alteração genética, ocorre a produção de asparagina. Como as proteínas são sintetizadas a partir da combinação de 20 aminoácidos, a inesperada presença da asparagina altera a receita de fabricação de um composto derivado do COL18A1, a endostatina. A mutação pode ser visualizada por meio de uma técnica de amplificação de trechos de DNA chamada


Pequenos erros, grandes conseqüências: a troca de uma letra (base nitrogenada) da molécula de DNA explica doenças e diferenças externas entre as pessoas

de reação de cadeia de polimerase (PCR). Com esse método, a região de interesse é vista num gel na forma de um fragmento. Quando contém a altera cão genética, o fragmento - de cerca de 170 pares de base pode ser cortado em dois pedaços por uma enzima de restrição. Sem a mutação, o fragmento não se divide no contato com a enzima. Por isso, nos portadores de câncer de próstata, que carregam a mutação com maior freqüência do que indivíduos sadios, é mais comum a presença de dois fragmentos em vez de apenas um. "Acreditamos que o gene defeituoso leve a uma endostatina menos funcional", diz Maria Rita. "É como se a proteína não fosse produzida."

Desde 1996, quando foi descoberta, a endostatina é objeto de pesquisas na área oncológica por apresentar a capacidade de inibir a angiogêne$e de tumores sólidos- processo de formação de vasos sanguíneos que alimentam esses tipos de câncer. Em camundongos, a administração da proteína conseguiu diminuir o tamanho de tumores. Nos Estados Unidos, os cientistas testam agora o tratamento em humanos (ver quadro) . Não se pode confundir o real significado da descoberta da equipe da USP. A mutação no COL18A1 não é a causa do câncer de próstata. Seu impacto é menor, mas importante: a alteração transforma o COL18A1 num gene de risco, espécie de marcador da doenca. Ou seja, quem carrega o gene modificado tem mais riscos de desenvolver essa forma de tumor, o que não quer dizer que necessariamente venha a tê-lo.

Que dados científicos permitem afirmar que a mutação aumenta a probabilidade de câncer de próstata? Resposta: Maria Rita e seus colegas constataram que a alteração genética é mais comum em pacientes com esse mal do que na população geral. Após mapear o trecho do gene COL18A1 responsável pela codificação da endostatina em 379 homens (181 com tumores sólidos na próstata e 198 indivíduos sadios, usados como controle), os pesquisadores da USP verificaram que 25% dos portadores de câncer carregavam a modificação em seu DNA. No grupo de controle, apenas 12% apresentaram a mutação. "Esses resultados dão suporte, pela primeira vez, a uma potencial associação entre um polimorfismo na região codificadora da endostatina e o câncer de próstata", diz Maria Rita. A próxima etapa do trabalho será averiguar se a mutação no COL18A1 pode ter relação com a incidência de outros tipos de câncer, como o de fígado e estômago. A continuação dos estudos deve contar com o apoio de colegas do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer de São Paulo, Faculdade de Medicina da USP e Instituto de Física da USP de São Carlos, que participaram do processo de descoberta da alteração genética ligada aos tumores de próstata. Ratos e camundongos deverão ser utilizados para se entender o papel da alteração genética no desenvolvimento de tumores sólidos. Polimorfismo - O tipo de mutação encontrado no COL18A1 é chamado tecnicamente de SNP, sigla em inglês para single nucleotide polymorphism, ou polimorfismo de um único nucleotídeo. O termo designa as várias formas que um nucleotídeo pode assumir. Essas possibilidades, na verdade, restringem-se às quatro bases nitrogenadas: A, C, G ou T. Quando anunciam que descobriram um SNP relacionado a dePESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 41


CAPA

terminada doença, os cientistas estão dizendo que encontraram uma variação de apenas uma base num trecho do genoma. Para ser classificada como SNP, uma variação deve estar presente em pelo menos 1% da população. Os pesquisadores estimam que haja mais )1 de 2 milhões de SNPs no genoma humano. Esse tipo de alteração seria a forma mais comum de variação genética no DNA de nossa espécie. A implicação prática da existência de um SNP nem sempre é ruim, como pode dar a entender a notícia da descoberta da mutação no gene COL18Al. Aparentemente, a maior parte dos SNPs produz resultados inócuos, pois ocorre em regiões do genoma que não codificam proteínas. Outros apenas determinam certas características físicas, não necessariamente boas ou ruins. Outros ainda - e aí, realmente, mora o perigo - ocasionam ou acentuam a predisposição para doenças. Um dos sonhos da medicina é localizar o maior número possível de genes de risco para as principais doenças. Essa valiosa informação po-

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deria levar à criação de testes preditivos, que mostrariam o risco real de ocorrer, por exemplo, um tumor num indivíduo. A indústria farmacêutica também tem interesse em esquadrinhar a incidência desse tipo de variação genética por outros motivos. "A resposta das pessoas diante de um remédio pode estar ligada aos seus SNPs", comenta Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano. Síndrome de Down- Além de ter ma-

peado a mutação no gene COL18A1, Maria Rita e seu grupo do Centro de Estudos do Genoma Humano realizaram outro estudo inédito relacionado à endostatina, a ser publicado no European Journal of Human Gene-

Os 23 pares de cromossomas humanos, com destaque ao 21 e à localização do gene da end ostatina. Acima, o teste da mutação: trecho de gene normal (apenas um tracinho) e alte rado (com as marcas mais claras)

tics. Mostraram, pela primeira vez, que pacientes com síndrome de Down (nome técnico do mongolismo) apresentam maior quantidade dessa proteína do que a população em geral. Medições feitas em 35 portadores da síndrome (16 homens e 19 mulheres) revelaram níveis de endostatina que variavam de 20 a 38 nanogramas por mililitro de sangue. Na população usada como controle no experimento (54 indivíduos sadios, 22 homens e 32 mulheres), as taxas dessa proteína oscilaram de 11 a 20 nanogramas por mililitro. Por que os pesquisadores resolveram fazer essas medições especificamente em pacientes de Down? De acordo com a literatura científica, os portadores dessa síndrome -

Em teste contra o câncer Quatro testes clínicos com pacientes de câncer que não respondem mais à terapia convencional contra a doença avaliam a viabilidade do emprego de endostatina no combate a mais de 20 tipos de tumores sólidos. Nos Estados Unidos, onde três estudos começaram em 1999, as pesquisas envolvem o Instituto Nacional do Câncer, universidades e a EntreMed, empresa norte-americana que detém a tecnologia e a licença para fabricar endostatina humana

42 · SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

em larga escala. O quarto teste clínico é conduzido pelo Hospital Acadêmico da Universidade Livre de Amsterdã, na Holanda, onde as pesquisas se desenvolvem desde o segundo semestre do ano passado. Todos os estudos estão em fase inicial e ainda não há resultados conclusivos sobre a eficácia do procedimento em inibir a angiogênese do câncer, processo que consiste na formação dos vasos sanguíneos indispensáveis para o crescimento dos tu-

mores. Por enquanto, os testes em humanos mostraram basicamente que a administração da proteína, que em camundongos conseguiu evitar o crescimento de alguns tipos de câncer, não é tóxica. Nessa etapa, era exatamente esse tipo de resposta que os experimentos visavam obter. Segundo a EntreMed, os testes também já forneceram pistas sobre o possível mecanismo de ação da endostatina como agente inibidor da angiogênese. Num trabalho publicado na


clinicamente caracterizada por aparência facial peculiar e comprometimento mental, freqüentemente acompanhados de problemas cardíacos e deficiências imunológicas- apresentam baixa incidência de tumores sólidos. Não se sabe a razão da aparente proteção natural desses indivíduos frente a essa forma de câncer. Alguns pesquisadores, no entanto, sempre acharam que a resposta para o mistério se encontrava no cromossoma 21. Enquanto as pessoas sadias contam com um par desses cromossomas, os doentes de Down exibem uma cópia a mais. Têm três cromossomos 21. Logo, deve haver algo nesses fragmentos de DNA que dificulta a proliferação da doença. De posse desse conhecimento, Maria Rita formulou a seguinte hipótese: por terem uma cópia a mais do gene COL18A1, fornecida pelo seu terceiro cromossoma 21, e quase não desenvolverem tumores sólidos, os pacientes de Down devem carregar altas taxas de endostatina. Os resultados do estudo mostram que o raciocínio estava correto: a existência de quantidades elevadas dessa proteí-

edição de julho/agosto do Journal of Biological Chemistry, pesquisadores da empresa afirmam que o composto se liga a uma outra proteína, a tropomiosina, associada ao processo de movimentação, crescimento e reprodução das células endoteliais, que englobam os vasos sanguíneos. Interferências na ação da tropomiosina, como as produzidas pela presença da endostatina, afetam, de acordo com a EntreMed, a programação das células endoteliais, levando-as à morte. Dessa forma, sem sua fonte de nutrientes, o tumor poderia encolher.

Maria Rit a: pacientes com Dow n, que apresenta m baixa incidência de tumores só lidos, têm alta taxa de endostatina

na parece realmente impedir o desenvolvimento de tumores. "A partir dos dados produzidos pelo trabalho, achamos que uma elevação de cerca de um terço nos níveis normais de endostatina seria suficiente para inibir o crescimento de m uitos tumores sólidos", propõe Maria Rita. Para Mayana Zatz, que colaborou na pesquisa com pacientes de Down, o acompanhamento dos níveis de endostatina pode, eventualmente, dar origem a um teste preditivo sobre a evolução de tumores. "De acordo com o resultado do exame, aumentaríamos ou não a taxa de endostatina das pessoas", afirma Mayana. Seq üência do genoma - A identific-ação da mutação no COL18A1 que altera a produção de endostatina é uma história que ilustra a importância da massa de informação fornecida pelo enorme esforço inte,rnacional desencadeado pelo projeto Genoma Humano, que produziu em fevereiro deste ano um rascunho de alta qualidade do conteúdo de todos os 23 pares de cromossomas de nossa espécie. O COL18A1 foi descrito pela primeira vez em 1994, mas só nos últimos anos seu papel no organismo humano começou a ser mais bem compreendido. Maria Rita descobriu a alteração na região que codifica a endostatina quase por acaso. Há quase dez anos a pesquisadora estuda as raízes genéticas da síndrome de Knobloch,

doença hereditária rara que causa m10p1a severa e cegueira e pode provocar a formação de caroços na cabeça. A partir da análise do DNA de 12 membros de uma família do município baiano de Euclides da Cunha que tinham a doença, Maria Rita deu início ao trabalho. Por volta de 1996, percebeu que a síndrome era originada por algum gene - ou genes situado no cromossoma 21. O estudo progrediu até que, em 1999, restava apenas uma região genética com possibilidade de abrigar a causa da síndrome. O problema é que havia três genes nessa região, de aproximadamente 250 mil pares de base, e era preciso determinar qual (ou quais) desencadeava a patologia. "Tínhamos dificuldade em amplificar esses genes", lembra Maria Rita. Mas aí ficou pronto o seqüenciamento do cromossoma 21, publicado na revista Nature de 18 de maio de 2000, que ajudou a resolver o problema. Com o auxílio das novas informações, a causa da síndrome foi, finalmente, determinada. Era o gene COL18A1, que, além da endostatina, produz o colágeno 18, proteína fibro sa presente no tecido conectivo de pele, tendões e osso. Indo mais a fundo na origem genética da síndrome, Maria Rita passou a vasculhar o COL18A1 à procura de SNPs. Encontrou 20 mutações na porção do gene que codifica o colágeno 18 e uma na região que origina a endostatina. Embora não tivesse nada a ver com sua linha de pesquisa original, o SNP da endostatina lhe chamou a atenção. A geneticista percebeu que podia estar diante de um achado importante. Seguiu em frente em suas pesquisas e o res• to, como se diz, é história. PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE2001 • 43


CIÊNCIA

C; E N () M I <: A

Biotecnologia mais segura Técnica de modificação genética viabiliza transgênicos com menor risco ambiental palavra transgênico causa calafrios em algumas pessoas, temerosas de que a intervenção do homem no DNA de outras espécies espalhe genes na natureza, de forma descontrolada, e altere as características originais de outros seres. Mas, a julgar pelos resultados de uma nova técnica de manipulação do código genético de plantas, essa preocupação pode estar com os dias contados no que se refere a espécies vegetais. Ao atuar numa estrutura celular fora do núcleo, o cloroplasta, que inviabiliza a transmissão do gene introduzido- e, conseqüentemente, do traço artificialmente criado- para outras formas de vida, o método abre caminho para a produção de plantas transgênicas ecologicamente seguras. "Mais de 95% das espécies vegetais não têm cloroplastos em seus grãos de pólen (que contêm as células sexuais masculinas)", diz Helaine Carrer, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), uma das pioneiras no emprego da técnica. "Portanto, a modificação genética não será transferida para outras plantas." Duas exceções: a alfa ta e o gerânio (os grãos de pólen contêm cloroplastos). Num artigo conjunto com pesquisadores alemães da Universidade de Freiburg, publicado na Nature Biotechnology de setembro, Helaine apresentou a primeira planta fértil com fruto comestível gerada por esse método: um tomate (Lycopersicon escu-

A

44 · SETEMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

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Clo roplasta: genoma incorpora genes, mas não os transmite pelos grãos de póle n

lentum, variedade Santa Clara), cujo cloroplasta recebeu o gene aadA , que torna a planta resistente a alguns tipos de antibióticos, como espectomicina e estreptomicina. O trabalho· mostra, na prática, que é possível promover alterações no genoma do cloroplasta em plantas utilizadas como alimento do ser humano, um dado novo nesse campo de estudos. Fábricas vegetais - "Com o desenvolvimento dessa técnica, poderemos usar, de forma controlada, daqui a cinco ou dez anos, as culturas agrícolas como fábricas de proteínas, vitaminas ou vacinas", prevê a pesquisadora da Esalq. Helaine agora se dedica a estudar o cloroplasta da cana-de-açúcar, que vai ser alvo dos primeiros experimentos com a nova técnica no próximo ano. O seqüenciamento do genoma dessa estrutura celular da planta, conduzido pela equipe da Esalq no âmbito do proje-

to Genoma Cana da FAPESP, está praticamente concluído- será o oitavo genoma de cloroplasta mapeado no mundo. Inicialmente, o grupo vai repetir a experiência do tomate com a cana e, no futuro, usar as folhas da planta para produzir um tipo de plástico biodegradável. Organela encarregada pela fotossíntense, o cloroplasta é um dos três compartimentos das células de espécies vegetais que têm fragmentos de DNA- os outros são o núcleo e a mitocôndria, estrutura responsável pela produção de energia. A biotecnologia nasceu na década de 80 de procedimentos que trabalhavam com o material genético contido no núcleo das plantas, que corresponde a mais de 90% do genoma dessas espécies. Desde então, as empresas anunciam novas variedades de produtos agrícolas geneticamente modificados em seu genoma nuclear tomate, milho, arroz e algodão, por


exemplo. Essa abordagem é a dominante. Já as pesquisas com o genoma mitocondrial engatinham e as com o material genético do cloroplasta começam a ganhar corpo.

~

executadas no cloroplasta. O alto padrão de expressão pro~ porcionado pelo método alternativo se deve, provavelmente, ao fato de haver em torno de 10 mil cópias do genoma do cloroplasta em cada célula, o que amplificaria os resultados da alteração genética. Já o genoma do núcleo celular é único, sem réplicas.

Até a divulgação do trabalho de Helaine, a única espécie vegetal manipulada via cloroplasta com sucesso total era uma planta Pioneirismo - Não é exagero não-comestível, o tabaco (Nicotiana tabacum). Por sucesso dizer que a pesquisadora pautotal, entende-se a obtenção lista é um dos expoentes munde uma planta transgênica diais na nova técnica. Durante com três características: apta seu doutorado nos Estados para se reproduzir na natureUnidos, Helaine fez parte do za, fora dos meios de cultura grupo de Pal Maliga, do Instide laboratório; capaz de tuto Waksman da Universidaapresentar, de maneira clara de Rutgers, Estados Unidos, e inequívoca, o traço decorque, no início dos anos 90, deu os passos iniciais com a rente da introdução de um nova técnica. De modo semegene originalmente externo lhante ao que foi feito com o ao seu genoma; e sem a possibilidade de transmitir o getomate, a equipe de Maliga ne que lhe foi introduzido conseguiu inserir genes em para outras plantas por meio cloroplastos do tabaco, dedo pólen. Com exceção do Tomate modificado: três anos de pesquisa com os alemães mostrando a viabilidade da então inédita abordagem. A fumo e, agora, do tomate, nePela técnica convencional, senhuma das espécies vegetais altecontribuição da pesquisadora nesse gundo a pesquisadora, esse índice radas pela técnica apresentou resulprojeto rendeu-lhe participação na tados satisfatórios. Mostraram-se gira em torno de 1% e, em alguns patente internacional do uso comerestéreis as versões transgênicas do casos, os resultados podem ser quacial da técnica. Hoje, o nome da pesse totalmente inócuos. "Às vezes,· o arroz, batata e Arabidopsis thaliana, quisadora da Esalq consta de quatro planta modelo para a biologia mogene inserido no genoma nuclear patentes relacionadas ao método, a mais recente delas ligada ao emprego lecular, produzidas a partir dessa simplesmente não é expresso pela planta e permanece silencioso (inada engenharia genética no cloroplasabordagem. tivado )", explica Helaine. É como se Além de permitir um melhor ta do tomate. controle sobre a dispersão de genes esse organismo não tivesse sido alvo Foi durante sua temporada no de nenhuma manipulação genética, Instituto Waksman que Helaine cona natureza, a técnica de trabalhar inconveniente que, aparentemente, nheceu Ralph Bock, hoje pesquisacom o cloroplasta, segundo a pesquisadora, oferece uma vantagem não acontece com as modificações dor da Universidade de Freiburg e adicional em relação ao método traco-autor do artigo na Nature Biotechdicional, que insere genes no núcleo: nology. Em 1997, depois de ambos O PROJETO a planta alterada expressa de forma terem retornado aos seus países de SUCEST- Projeto de Seqüenciamento origem, a brasileira e o alemão iniciamais intensa a característica adquiride EST de Cana-de-Açúcar ram a parceria que levou ao desenvolda após a introdução de um fragMODALIDADE mento de DNA nessa organela. No vimento do tomate geneticamente Linha regular de auxílio à pesquisa tomate, por exemplo, os pesquisadomodificado via cloroplasta. Foram res constataram que mais de 5% da três anos de trabalho conjunto. COORDENADORA HELAINE (ARRER- Esalq/ USP A nova técnica exige paciência e quantidade total de proteína solúvel encontrada nas células resultava da dedicação dos pesquisadores para INVESTIMENTO dar resultados. Primeiro, eles têm de alteração genética. No tabaco, como R$ 49.954.45 e US$ 207.341,15 desenvolver um meio de cultura efijá demonstrado, pode chegar a 40%. Exigências -

PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2001 • 45


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ciente para a regeneração da planta a partir de uma única célula em laboratório, num processo que costuma consumir meses. O passo seguinte é analisar as informações fornecidas pelo seqüenciamento do genoma do cloroplasta da espécie vegetal a ser modificada. Quando se pretende atuar nessa organela celular, esse tipo de dado é indispensável. As etapas- Por ser pequeno (no máximo 180 mil pares de bases, em formato circular), o genoma do cloroplasta tem poucos genes (cerca de 130), todos muito próximos uns dos outros. Há pouco espaço vazio no interior do genoma da organela onde um novo gene pode ser inserido sem alterar a estrutura e o funcionamento dos demais genes. A saída é encaixar o novo gene no ínfimo espaço que separa dois genes originais. A introdução do fragmento externo de DNA no cloroplasta é feita por um método chamado de biolística: microscópicas partículas de ouro ou tungstênio, revestidas com o gene a ser inserido, são bombardeadas contra folhas da planta. Depois de penetrar na célula e alcançar o cloroplasta, o gene se aloja no local previsto do genoma. Parece simples e fácil, mas, de cada 100 tentativas, no máximo cinco funcionam. A etapa final é confirmar se o gene efetivamente foi incorporado pelo genoma do cloroplasta. Quando isso ocorre, a espécie alterada passa a apresentar a característica decorrente da inserção do fragmento de DNA. No caso do tomate elaborado pela Esalq e Universidade de Freiburg, as folhas bombardeadas foram cortadas em pedaços e estes colocados num meio de seleção, uma solução com antibióticos. Os fragmentos da planta que sobreviveram nesse meio, obviamente, incorporaram o gene que lhes conferia essa resistência. Os que morreram, conseqüentemente, não receberam a modificação. "Os fragmentos de folha resistentes aos antibióticos foram regenerados e cultivados em laboratório até gerar uma planta apta a se reproduzir", explica Helaine. •


CIÊNCIA

IMUNOLOGIA

De volta à batalha Vitamina Crecupera a mobilidade das células de defesa do sangue os diabéticos, os glóbulos brancos do sangue, encarregados N da proteção do organismo contra o ataque de substâncias externas e na produção de anticorpos, têm maior dificuldade em migrar para combater focos de infecção. Mas uma pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP), Zuleica Bruno Fortes, comprovou que a administração de antioxidantes, como a vitamina C (ácido ascórbico) e o probucol (droga que reduz a taxa de colesterol), restabelece o nível normal de mobilidade dos leucócitos, as células de defesa, fundamentais no processo inflamatório. Em ratos, com diabetes induzido experimentalmente, essa abordagem não apresentou efeitos colaterais. Zuleica analisou a capacidade de os leucócitos se deslocarem e iniciarem o processo de defesa contra infecções em vários tecidos dos roedores: pele, intestino, fáscia (revestimento transparente do músculo) e músculo esquelético. Com auxílio de fármacos, simulou nos ratos o diabetes mellitus -caracterizado pelo excesso de açúcar no sangue devido à baixa síntese do hormônio pancreático insulina e causou-lhes uma inflamação aguda com carragenina, um agente químico. Utilizando um circuito fechado de TV acoplado a um microscópio que

amplia a imagem até 2.500 vezes, ela observou in vivo o que se passava nos microvasos sanguíneos desses tecidos. Sem tratamento algum, os animais diabéticos deslocavam menos leucócitos para a área inflamada. Se recebiam doses de antioxidantes, o número de células requisitadas para a tarefa voltava aos níveis normais. "O

animal tratado passa a responder ao estímulo inflamatório como se não fosse diabético", diz a pesquisadora. A menor capacidade de migração dos glóbulos brancos do sangue parece ser um fenômeno comum aos animais que contraem a doença. A idéia de testar o efeito da vitamina C e do probucol- que neutralizam a ação negativa dos chamados radicais livres, espécies reativas de oxigênio produzidas em excesso pelo organismo em razão de doenças, por exemplo -surgiu de uma constatação: nos pacientes com diabetes, aumenta a geração de radicais livres, que consomem os antioxidantes sintetizados de forma natural pelo organismo. Coadjuvante - A falta de antioxi-

Leucócitos: combate às infecções O PROJETO Possíveis Mecanismos Envolvidos nas Alterações da Resposta Inflamatória Observadas no Diabetes Mellitus Experimental MODALIDADE

Linha regular de au xílio à pesquisa COORDENADORA

Z ULEICA BRU NO FORTES - ICB/ USP INVESTIMENTO

R$ 47.407,33 e US$ 43.000,00

dantes não é a causa principal da dificuldade dos diabéticos em mobilizar leucócitos e debelar inflamações. O problema decorre da carência de insulina, ~ agravado pelo excesso ~ de radicais livres. Por g isso, a pesquisadora re~ solveu averiguar se o uso de antioxidantes, já testado em diabéticos para controlar outras disfunções decorrentes da doença, teria alguma influência na capacidade de mobilizar leucócitos. Zuleica faz questão de não estimular falsas esperanças. "O uso de antioxidantes é um tratamento coadjuvante", diz. ''A própria insulina que o diabético toma para controlar a doença leva ao restabelecimento da capacidade migratória dos leucócitos." Ainda assim, pode haver uma eventual utilização dessas substâncias na batalha contra as infecções. "Mesmo que um doente receba as doses adequadas de insulina, o diabetes dificilmente deixará de provocar complicações a longo prazo", afirma Zuleica. Uma dessas complicações é justamente a menor capacidade de mobilizar os glóbulos brancos do sangue para debelar infecções. • PESQUI SA FAPESP • SETEMBRO DE2001 • 47


CIÊNCIA

MEDICINA

Um novo olhar sobre a asma Grupos de pesquisa abrem perspectivas para prevenção etratamento mais eficaz SIMONE BIEHLER MATEOS

ma terapia criada no Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) bloqueou completamente o desenvolvimento da asma em camundongos, quando aplicada nos estágios iniciais do processo alérgico causador da doença. Mais eficaz que todos os tratamentos disponíveis, a terapia- uma espécie de antivacina que impede as reações imunológicas responsáveis pela asmapoderá prevenir a doença em crianças filhas de asmáticos e, eventualmente, melhorar o quadro em adultos. E, na Faculdade de Medicina (FM-USP), o Grupo Interdisciplinar de Estudos da Asma, coordenado por Milton de Arruda Martins, descobre que os tratamentos disponíveis poderiam ter muito mais eficiência. Um dos 13 projetas do grupo mostra que a maioria das mortes por asma seria evitada se os pacientes estivessem tomando a medicação adequada. Outro conclui que a intensidade dos sintomas não tem relação direta com a gravidade da inflamação pulmonar e alerta para a necessidade de decidir-se o tratamento não só pelas queixas do paciente, mas a partir de métodos objetivos de mensurar a inflamação. Os estudos comprovaram também que exercícios físicos moderados são essenciais para os asmáticos (ver à pág. 51).

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Excesso de higiene - A terapia contra asma desenvolvida pelo pesquisador Momtchilo Russo, do ICB-USP, traz uma perspectiva nova e promissora de abordagem da doença. Em camundongos, o tratamento mostrouse muito mais eficiente que todos os outros conheci-

Inalação: antinflamatório, que atua apenas sobre os pulmões e tem poucos efeitos colaterais, é medicamentos indispensável


dos. Consiste em tornar o organismo tolerante às substâncias alérgicas, ou seja, evitar que o sistema imunológico se ative desnecessariamente na presença dessas substâncias, que não representam ameaça porque não são tóxicas nem se multiplicam no organismo. Essa linha de investigação de uma "antivacina"- ou, tecnicamente, uma indução de tolerância - teve no Brasil um dos pioneiros mundiais, Nelson Monteiro Vaz. Foi a partir da colaboração de Russo com uma aluna de Vaz, Ana Maria Caetano, que nasceu a idéia da antivacina. A nova abordagem é importante porque o porcentual de asmáticos na população mundial praticamente dobrou nos últimos dez anos. O fenômeno é atribuído ao aumento da poluição, mas muitos imunologistas acreditam que esse aumento se deve também ao excesso de higiene da vida moderna. Restringir demasiado o contato com patógenos estaria impedindo o sistema imunológico de amadurecer adequadamente. Como a provar isso está o fato de a incidência de asma ser muito menor entre crianças que vão cedo para a escola e as que convivem com irmãos ou animais de estimação, fatores de exposição a uma diversidade maior de microrganismos e alergênicos. Alergia desativada - Eficaz em ca-

mundongos, a proposta terapêutica de Russo é desativar o processo alérgico valendo-se de mecanismos naturais do organismo- os que condicionam o sistema imunológico a não reagir com as proteínas normais presentes nos alimentos. O que ele fez foi misturar à água de ratos propensos à asma pequenas quantidades da proteína que desencadeava neles a doença. O procedimento bloqueou totalmente a doença, ao menos nos camundongos que não haviam desenvolvido plenamente a alergia. E foi eficaz para todos os tipos de asma. Se a estratégia de desativar o processo alérgico mostrar-se tao eficaz em seres humanos quanto foi em ratos, seria possível produzir um tra-

tamento oral que bloqueasse a asma em crianças predispostas a ela por serem filhas de asmáticos. A idéia seria substituir a albumina de ovo proteína usada nos testes com ratos -pelas proteínas dos alergênicos mais comuns ou fazer uma vacina sob medida, a partir das proteínas específicas às quais seus pais são alérgicos. utros centros de pesquisa no mundo desenvolvem trabalhos relacionados à tolerância oral ou a outras formas de imunoterapia, injetável ou inalável, contra a asma. É verdade que, até o momento, as terapias eficazes em ratos não tiveram resultados satisfatórios em seres humanos. Mas a experiência de Russo de induzir tolerância via oral entusiasma cientistas da comunidade internacional, porque o método inibe exatamente a célula que orquestra todos os outros fatores responsáveis pelo desencadeamento da asma no organismo, a Th2. A despeito dos resultados negativos obtidos com as cobaias que já tinham desenvolvido plenamente a asma, o tratamento poderia ter bons resultados também em adultos asmáticos, já que a asma humana é produzida por reações imunológicas muito menos agudas que as apresentadas por animais de laboratório. É o que acredita, por exemplo, a imunologista Lauren Cohn, especialista em doenças pulmonares da Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, EUA, que se entusiasmou com os resultados de Russo. Lauren lembra que todas experiências clínicas de indução de tolerância resultaram em alguma melhora dos pacientes. -As alergias causadoras da asma estão associadas aos linfócitos Th2, células da circulação sanguínea que amplificam as reações imunológicas e proliferam na presença de patógenos grandes, como os vermes intestinais. Já os microrganismos, como vírus e bactérias, induzem a produção de linfócitos Thl. Como funciona

Quando os Th2 se ativam equivocadamente na presença de substâncias não relacionadas a parasitas, ocorrem as alergias, como as causadoras da asma, enquanto a produção anormal de Th1 resulta nas doenças autoimunes. Os Th2 ativam a liberação de substâncias cristalinas chamadas citocinas (dos tipos IL-5, IL-4 e IL13). Essas citocinas comandam a produção dos principais ingredientes causadores da asma: muco, anticorpos IgE e um tipo de glóbulo branco ou leucócito que provoca inflamação, o eosinófilo. Russo usou diversos modelos de camundongos, capazes de desenvolver os tipos de asma que ocorrem nos seres humanos- com mais eosinófilos, ou mais citocinas IL-5 ou IL-13, ou anticorpos IgE. Para induzir a asma, conhecendo previamente a substância capaz de desencadeá-la, Russo injetou nos ratos albumina de ovo misturada a hidróxido de alumínio, uma substância que provoca a produção de Th2 no organismo. Com isso, ele educou o sistema imunológico dos ratos para reconhecer a albumina de ovo como antígeno que, como o hidróxido de alumínio, também deve ser combatido com Th2. O processo, chamado de sensibilização ou imunização, torna o rato alérgico à albumina, capaz de desenvolver asma quando a mucosa pulmonar entra em contato com essa proteína. O procedimento foi feito duas vezes num intervalo de sete dias. No 14° e no 21 o dia, Russo fez com que os ratos aspirassem albumina para desencadear a asma. Vinte e quatro horas depois, os animais sensibilizados e um grupo de ratos normais foram submetidos a exercícios físicos e a substâncias broncoconstritoras que contraem a musculatura dos brônquios- para se comparar o nível de obstrução e de inflamação pulmonar dos dois grupos. A avaliação foi feita medindo-se a quantidade de eosinófilos, muco e anticorpos típicos da asma nos pulmões dos ratos. Para isso, foram analisados sangue, cortes de tecido PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001 • 49


clientes pulmonares pulmonar (para ob- ~ servar células) e lítípicos da asma. quido injetado nos "~ O processo teve pulmões dos ratos êxito com todos os (procedimento chamodelos de camunmado lavado brondongos, o que significa que funcionou coalveolar, que é a para todos os tipos injeção de líquido, de asma. Isso inclui seguida de aspiração para análise). Todos um modelo de caos exames compromundongo especialvaram que os ratos mente resistente a sensibilizados desendesenvolver tolerânvolviam asma. cia e outro, transgêRepetiu-se então nico, que apresenta a experiência, só que, naturalmente 50% desta vez, antes de mais leucócitos eosiiniciada a indução, nófilos que o normal, os ratos receberam a sendo, portanto, ex"antivacina", capaz Conta-gotas: teste com alérgeno tremamente alérgico de bloquear a reação e asmático. Melhor ainda, constatou-se que o alérgica do sistema imunológico causadora da asma: por cinco dias seguibloqueio da asma não fora obtido por dos, 1% de albumina foi misturada à um aumento de citocinas imunossuágua dos animais. A idéia era provopressoras ou de citocinas que desviam car tolerância, ou seja, fazer com que a produção de Th2 para Th1, o que o sistema de defesa deles se acostupoderia representar alterações indemasse a reconhecer a albumina como sejáveis no sistema de defesa. O experimento foi repetido três uma proteína normal da alimentavezes, com o início do tratamento ção, à qual não deveria reagir. em diferentes momentos: no dia do Bloqueio total - Com esse tratamento, início da primeira imunização, no Russo conseguiu bloquear totalmendia da segunda e logo após a primeite o desenvolvimento da asma, elira aspiração de albumina, quando o minando tanto a hiper-reatividaderato já está alérgico à substância. No contração muscular dos brônquios primeiro caso, o êxito continuou tocomo a produção anormal dos ingretal, no segundo, reduziu-se muito a

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reação alérgica - foram bloqueados os eosinófilos, mas não a hiperatividade -,enquanto no terceiro produziu-se uma piora da doença. Falta desenvolver uma terapia para seres humanos que, no lugar da albumina, ministre via oral as proteínas dos alergênicos mais comuns, para se desenvolver tolerância do organismo a esses agentes. Enquanto aguarda quem queira desenvolver a "vacina" antiasma para seres humanos, Russo trabalha para tornar sua terapia eficaz em pacientes já asmáticos. Para isso, começou novos estudos com ratos, submetendoos a terapias que combinam a indução de tolerância com manipulações que desativam o sistema imunológico. A idéia é desativar provisoriamente o sistema imunológico de ratos plenamente asmáticos para, então, induzir a tolerância. • O PROJETO Modulação de Reações Imunológicas Polares em Animais Imunológica ou Geneticamente Manipulados MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR

MOMTCHILO RUSSO- Instituto de Ciências Biomédicas da USP INVESTIMENTO

R$ 295.488,28

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e US$ 123.789,25

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Crônica, fatal e em grande expansão A asma é a doença crônica mais freqüente na infância, das mais comuns entre adultos e uma das que mais crescem no mundo: segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), todo ano a asma atinge cerca de 150 milhões e mata 180 mil. No Brasil, estima-se que atinja de 7% a 15% da população e chegue a 20% das crianças de certas regiões. Trata-se de uma doença alér-

50 · SETEMBRODE 2001 • PESQUISA FAPESP

gica dos pulmões que provoca inflamação permanente nas vias aéreas e obstrui a passagem do ar tanto devido ao inchaço das paredes do brônquio como à produção exagerada de muco. A inflamação resulta de uma reação indevida do sistema imunológico a certas substâncias alergênicas, como poluentes atmosféricos, ácaros, pólen, vírus e produtos químicos inaláveis. Acrescenta-se

a isso a hiper-reatividade do brônquio asmático, isto é, a tendência de os músculos lisos que o envolvem se contraírem exageradamente diante de estímulos como emoções fortes, frio, exercício físico intenso, fumaça ou baixa umidade do ar: esses estímulos causam a liberação no sangue de várias substâncias, como histamina e leucotrienos, que contraem a musculatura lisa.

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As linhas de tratamento Estudos nãodispensam ainalaçãode corticóides, exceto em casos mais leves á muito tempo, a asma é tratada com bronco dilatadores ministrados durante as crises de falta de ar por meio das bombas de inalação. Quando, entretanto, ficou claro o caráter inflamatório da doença, o tratamento passou a incluir corticóides (antinflamatórios) inalados. A inalação regular dos corticóides permite quase sempre controlar a inflamação e evitar crises, com poucos efeitos colaterais, uma vez que o produto fica quase todo restrito aos pulmões. Embora nos últimos anos se tenham desenvolvido muitos estudos para a obtenção de novas drogas contra a asma, nenhuma, por enquanto, se compara em eficiência aos corticóides inalados. Um estudo do grupo interdisciplinar de Martins na FM-USP mostra que, em São Paulo, mais de 80% das mortes por asma poderiam ser evitadas. Marisa Dohlnikoff analisou 30 casos fatais e verificou que ao menos 25 pacientes tomavam medicação totalmente inadequada - só broncodilatadores e nenhum antinflamatório. E 28 estavam em crise havia mais de 24 horas quando chegaram ao hospital. A necropsia mostrou que a inflamação crônica produzira alterações irreversíveis nos tecidos pulmonares, com o acúmulo de fibras de colágeno, que favorecem a perda de elasticidade e a obstrução dos alvéolos. "Com exceção dos pacientes que têm menos de uma crise por semana,

é essencial tratar a asma com antinflamatórios para evitar essas alterações irreversíveis. Só os broncodilatadores não bastam", frisa Martins. Assim, a equipe de Martins procura contribuir para aprimorar as terapias com antinflamatórios. Um estudo de Ana Lúcia Cabral, por exemplo, mostrou que a medicação não pode ser prescrita apenas com base na intensidade dos sintomas, como costuma ocorrer. Isso porque, em muitos casos, não há uma correlação direta entre gravidade da inflamação e/ou da obstrução pulmonar e nível do desconforto sobretudo falta de ar - sentido.

cepção que subestimava o problema, enquanto outras, apenas com asma leve, tinham uma sensação exagerada em 100% das vezes. Esses resultados motivaram o grupo a desenvolver métodos eficientes e não invasivos de medir o nível inflamatório. "É importante avaliar a intensidade da inflamação, para ministrar o medicamento mais eficiente na dose certa", frisa Martins. E lembra que distúrbios psicológicos como estresse e depressão, que acentuam os sintomas da asma, podem ser agravados por alguns dos broncodilatadores usados. Por outro lado, uma pesquisa do grupo comprovou a in-

Mortes evitáveis -

Teste de resistência física na Faculdade de Medicina da USP: exercício é essencial

Para chegar a essa conclusão, Ana Lúcia estudou 84 crianças asmáticas, de 5 a 14 anos. Durante três meses, as crianças anotaram diariamente seus sintomas e mediram, com um aparelho especial, a velocidade máxima com que o ar era expelido do pulmão, um bom indicador do nível da inflamação. O estudo mostrou que, na maioria dos pacientes, não há relação direta entre intensidade dos sintomas e situação objetiva do pulmão. Percepção distorcida - Algumas crianças portadoras de asma grave tinham, em 45% das vezes, uma per-

fluência das alterações nervosas no desencadeamento de crises asmáticas. Exercícios, si m - Os estudos da equipe de Martins também mostraram que, ao contrário do que muitos acreditam, os exercícios físicos- desde que feitos na intensidade apropriada são essenciais para garantir a qualidade de vida dos asmáticos. Assim, no Laboratório de Exercício, montado com financiamento da FAPESP e coordenado pelo fisioterapeuta Celso Fernandes Carvalho, um grupo de asmáticos adultos foi submetido a esforços físicos intenPESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 51


um estudo sobre crianças encaminhadas ao Hospital Darcy Vargas. "Nenhuma voltou a ser internada depois que passou a receber a medicação adequada." Homeopatia e genética -Apesar de

Células alveolares ao microscópio: em pulmão normal (à esquerda) e de asmático

sos, o que propicia crises de asma. A comparação entre os sintomas e o nível de obstrução pulmonar mostrou, porém, que, em boa parte dos pacientes, o momento de maior falta de ar não coincidia com o de maior obstrução pulmonar. "Isso mostra que o desconforto maior é, muitas vezes, causado pela falta de condicionamento físico e não pela asma", explica Martins. Drogas específicas - Os pesquisadores enfatizam que nenhuma nova droga ou novo tratamento contra asma, imunoterápico ou não, teve em seres humanos uma eficácia tão ampla quanto os corticóides inalados. O problema dessas drogas, entretanto, continua a ser seus efeitos colaterais. Apesar de raros quando elas são aplicadas por via inalatória, os efeitos podem incluir rouquidão, infecção na garganta, agravamento de osteoporose e, no caso de crianças, até atraso no crescimento. Uma novidade terapêutica são os antileucotilenos, mas só funcionam bem em asmáticos para os quais exercício e aspirina desencadeiam as crises, grupo que só representa 10% do total de pacientes. 52 · SffiMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

Outra família de drogas, em fase final de testes, é a da antimunoglobulina E (IgE), que inibe a produção desse anticorpo relacionado à asma. A expectativa, porém, é que as antiIgE também só sejam eficazes para um subgrupo de asmáticos. "Talvez o futuro seja esse: tratamentos específicos para cada tipo de asma", especula Martins, destacando, porém, que, de imediato, os pacientes poderiam ganhar muito com a aplica: ção dos conhecimentos já disponíveis sobre a doença e com o aprimoramento do uso dos corticóides. "Infelizmente, boa parte dos médicos ainda trata asma somente com broncodilatadores", diz, lembrando O PROJETO Avaliação da Inflamação de Vias Aéreas na Asma: Desenvolvimento de Modelos Experimentais e Estudos Clínicos MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR

MILTON DE ARRUDA MARTINS- Faculdade de Medicina da USP INVESTIMENTO

R$ 295.488,28 e US$ 123 .789,25

defender os corticóides, Martins admite que outros tratamentos, como a homeopatia, podem levar a bons resultados: "Há poucos estudos sobre isso, mas a maioria dos pacientes conta ter conseguido resultados satisfatórios com a homeopatia': A busca por drogas e tratamentos é só uma das linhas de pesquisa sobre asma no mundo. Outra, em plena expansão, é a investigação dos mecanismos genéticos que tornam algumas pessoas predispostas a desenvolver a doença e outras não. Embora ainda distante de aplicações práticas, esses estudos poderão revolucionar o tratamento da asma. Pesquisadores da Europa, dos Estados Unidos e doCanadá estão nessa linha de trabalho, em que um dos nomes mais expressivos é o pneumologista gaúcho Noé Zamel, que trabalha há décadas na Universidade de Toronto. O destaque brasileiro nos estudos da asma concentra-se nos fatores ambientais que fazem a doença crescer no mundo. Há importantes grupos de pesquisa nessa área nas universidades federais de São Paulo (Charles Naspitz e Dirceu Solé) e do Rio de Janeiro (José Roberto Lapa e Silva), e na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Porto Alegre. "O que está claro é que a asma é uma síndrome provocada por inúmeras causas e que seu tratamento deve incluir não só drogas, mas educação de pacientes e família sobre como identificar e evitar alergênicos e sobre a importância de exercícios moderados", avalia Martins. Exatamente com esses objetivos, associações de asmáticos estão crescendo no mundo todo (recentemente criouse uma no Brasil) e a Organização Mundial de Saúde criou o Global Iniciative for Asthma (Gina), que man• tém um site na Internet.


CIÊNCIA

E PI D EJ\1 I O LOG I A

Os vilõezinhos da leishmaniose Ratos silvestres são hospedeiros do micróbio da doença tropical RICARDO ZORZETTO

m estudo desenvolvido nos últimos cinco anos sob a coordenação do parasitologista Jeffrey Jon Shaw, da Universidade de São Paulo (USP), comprovou pela primeira vez que dois pequenos roedores - o rato-do-mato (Bolomys lasiurus) e o rato-preto (Rattus Rattus) -são os animais silvestres que carregam naturalmente o protozoário Leishmania (Viannia) braziliensis, causador da leishmaniose tegumentar americana (LTA). Essa é a forma mais comum de leishmaniose em seres humanos no país. A descoberta permitirá compreender melhor o ciclo do parasita e sua transmissão do hospedeiro natural ao homem. Também abre caminho para novas propostas de combate à leishmaniose, pois um dos fatores que inibia as medidas de controle era a falta de informação sobre os hospedeiros silvestres da L. (V.) braziliensis, espécie do protozoário encontrada no país todo. A identificação dos hospedeiros, também chamados reservatórios, é importante porque é neles que o parasita encontra condições para se reproduzir.

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A LTA é uma enfermidade de tratamento longo e também difícil, pois requer medicamentos muito tóxicos: antimonial pentavalente e anfotericina B, que podem causar insuficiência renal aguda, e pentamidina, associada ao surgimento de diabetes mellitus. A Medicamentos tóxicos -

LTA pode manifestar-se de duas formas: cutânea e mucocutânea. A primeira provoca feridas na pele, em número e tamanho variados - desde uma lesão semelhante a uma espinha até grandes úlcerações. A forma mucocutânea é mais agressiva: destrói mucosas e cartilagens da boca, do nariz e da garganta, causando deformidades, embora dificilmente seja fatal. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a leishmaniose é uma das seis doenças infecto-parasitárias mais importantes. Calculase que surjam 1,5 milhão de casos por ano e existam 12 milhões de pessoas contaminadas no mundo. No Brasil, é um problema de saúde pública que se expande em todas as regiões: entre 1985 e 2000, atingiu 422,5 mil pessoas e nos últimos dois anos foram detectados 66,8 mil novos casos da doença, que permanece sem controle. Caça ao parasita - Professor do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, Jeffrey Shaw estuda os protozoários do gênero Leishmania desde que se mudou para o Brasil, em 1965. Foram 30 anos de trabalho, iniciado por uma fatalidade (ver quadro), até a recente identificação dos hospedeiros naturais do parasita, em pesquisas de campo feitas nos Estados de São Paulo e Pernambuco.

Embora desde a década de 70 houvesse estudos que apontavam roedores e marsupiais como possíveis reservatórios do L. (V.) braziliensis, nenhum deles comprovou que o protozoário encontrado nos animais fosse dessa espécie. Shaw considera que ter identificado os dois roedores como hospedeiros naturais do parasita foi um dos fatos mais memoráveis de sua vida. Entre 1965 e 1994, Shaw investigou as espécies do protozoário existentes na Amazônia, estudando o ciclo de vida dos parasitas, seus possíveis reservatórios e os prováveis vetores - os insetos transmissores dos parasitas. Finalmente, para estudar a LTA causada pelo L. (V.) braziliensis, teve de sair da Amazônia e voltar-se para regiões dos Estados de São Paulo e Pernambuco, onde a infecção por essa espécie era endêmica e não havia registro da doença causada por outras espécies de Leishmania. A tarefa envolveu uma caçada nas áreas próximas às cidades de três regiões paulistas e um município da Zona da Mata em Pernambuco. Em busca do protozoário, a equipe de Shaw capturou nessas áreas 770 exemplares de animais silvestres de cerca de 20 espécies e 79.446 insetos do grupo dos flebotomíneos - chamados vetores, pois transmitem os parasitas de um hospedeiro para outro. Rato-do-mato (Bolomys lasiurus). um dos roedores que abrigam o microrganismo

PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001 • 53


Infectado em Londres, foi pesquisar em Belém Jeffrey Jon Shaw começou a estudar leishmaniose por acaso. No final dos anos 50, era aluno de doutorado na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Inglaterra. Como não gostava do frio londrino, o orientador Percy Garnham sugeriu-lhe que fosse estudar protozoários comuns na América Central. Ele acatou a idéia. Depois de algum tempo na região, surgiram em seu pescoço feridas que não conseguia curar.

Em busca do diagnóstico, Shaw, então com 22 anos, retornou a Londres. Passou três semanas internado no hospital da universidade em que era aluno, mas os médicos não conseguiram identificar a causa das lesões. Ralph Lainson, um cientista amigo, levantou a suspeita de leish-

O resultado mais importante veio da parte do projeto desenvolvida em Pernambuco de 1996 a 2000, em colaboração com Sinval Brandão Filho, do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães - unidade da Fundação Oswaldo Cruz no Recife. Shaw e Brandão estudaram a leishmaniose no município de Amaraji, área de colonização antiga a cerca de 100 quilômetros do Recife, na porção sul da Zona da Mata. A vegetação local é formada por resquícios de Mata Atlântica, hábitat original dos insetos vetores. Nos últimos 15 anos, registra-se em Amaraji o maior número de casos novos de LTA em Pernambuco. Os pesquisadores analisaram o material coletado em lesões de pessoas e animais domésticos - cães, cavalos e jumentos - com suspeita deLTA. No período, foram registrados 309 novos casos em humanos: desses, foram analisados 205 casos e em 30 deles comprovou-se que o agente causador era o L. (V.) braziliensis. Em relação aos animais domésticos incluídos na pesquisa, o teste com a técnica da reação de cadeia de polimerase (PCR) mostrou que cerca de 20% dos 61 cães e 14% dos 58 eqüinos testados apresentaram infecção por Leishmania. No

Jeffrey Shaw: jovem doente dedicou a vida a est udar a leishmaniose nos trópicos

squamipes), rato-do-mato (Bolomys lasiurus) e ratopreto (Rattus rattus).

Zona da Mata -

54 • SffiMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

maniose. Os exames do hospital deram negativo, mas testes feitos pelo próprio pesquisador confirmaram a suspeita. "Estou numa escola de medicina tropical e ninguém conhece a doença. Vou estudá-la': decidiu Shaw, que confessa ter-se apaixonado pelo assunto. Por indicação do amigo, veio em 1965 para o Instituto Evandro Chagas, de Belém, onde ficou até transferir-se para a USP, em 1994.

entanto, os exames não permitiram comprovar a espécie do protozoário. Também foram coletados insetos flebotomíneos, além de animais silvestres e mamíferos que vivem próximos às habitações. A captura foi feita em três espaços físicos: interior das casas, proximidades (área externa das casas e estábulos) e ambiente silvestre (plantações e resquícios de floresta). Foram apreendidos 588 exemplares de roedores e marsupiais, num total de 11 espécies. A grande maioria era formada por três espécies de roedores silvestres: rato-d'água (Nectomys

Os pesquisadores extraíram material de 460 desses animais silvestres para submeter ao teste da PCR, feito em colaboração com Lucile Floeter-Winter, do Departamento de Parasitologia do ICB-USP, e Edna Ishikawa, do Instituto Evandro Chagas de Belém. O resultado mostrou que cerca de 18% deles (81 roedores) eram positivos para leishmaniose. Apesar disso, o exame não permitiu identificar a espécie do parasita apenas o subgênero Viannia. "Embora não dê para garantir, a chance de o agente causador da leishmaniose ser da espécie L. (V.) braziliensisé de 99% nessas regiões", revela Shaw. Para não deixar dúvida, os parasitas isolados de animais com resultado positivo da PCR foram testados com anticorpos monoclonais. Além disso, no Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, a pesquisadora Elisa Cupolillo tentou

Culpados e suspeito -


identificar as mesmas amostras de protozoário com uma técnica que usa enzimas específicas para aquela espécie. Os testes demonstraram que em seis roedores - cinco ratos-do-mato e um rato-preto - o parasita encontrado era da espécie L. (V.) braziliensis. Embora o protozoário não tenha sido isolado no rato-d'água, ele permanece sob suspeita, devido aos resultados positivos da PCR. Além da identificação do rato-do-mato e do rato-preto como reservatórios, o trabalho levantou dados que sugerem o possível caminho percorrido pelo parasita até o homem. Todos os ratos-d'água, por exemplo, foram capturados em ambiente silvestre. Uma pequena parcela (3%) dos ratos-do-mato foi encontrada nas proximidades de casas. Já com o rato-preto ocorreu o inverso: 10% apanhados em ambiente silvestre, 64% nas proximidades das moradias e o restante no interior delas. Esses dados levam à seguinte hipótese para a evolução epidemiológica da doença: pouco a pouco, os insetos vetores da Leishmania a transmitiram dos reservatórios silvestres para outros roedores que vivem próximos aos domicílios. A transmissão prosseguiu até chegar aos animais domésticos e ao homem. No caso de Pernambuco, embora não se tenha conseguido isolar o protozoário nos 5.626 insetos flebotomíneos dissecados, o provável vetor do parasita é o Lutzomyia whitmani, a espécie mais abundante da região, com 98% dos 64.806 insetos coletados. Há evidências de que a contaminação do homem ocorra principalmente nas proximidades das casas. Mudança de hábitat - A parte paulista do estudo foi desenvolvida nos municípios de Ilhabela, São Sebastião, Iguape e Eldorado (na Planície Costeira), Itupeva (Planalto Atlântico) e Araçatuba e Guararapes (Planalto Ocidental) . Os resultados não foram tão conclusivos como os de

partir da ação humana e da destruição da vegetação original, contudo, esse padrão começou a mudar. Na segunda metade do século, a eliminação progressiva da mata original alterou o hábitat do ~ vetor do protozoário e a distribuição do inseto. Atual~ mente, surtos de leishmaniose ocorrem em áreas ~ abertas, fora da floresta. Com base em dados coletados no Vale do Paraíba, Tolezano sugere que, nos ambientes modificados, o provável vetor seja o inseto Lutzomyia intermedia, enquanto, na floresta, duas outras espécies - Lutzomyia fischeri e Lutzomyia ayrozai- desempenhem esse papel.

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O agente: Leishmania (v.) braziliensis

Pernambuco. Não foi possível, por exemplo, isolar o parasita em animais silvestres ou domésticos nem no homem. Mas o teste da PCR registrou casos positivos para o Leishmania do subgênero Viannia. O trabalho, que resultou na tese de doutorado defendida ano passado por José Eduardo Tolezano no ICBUSP, também aponta algumas mudanças na situação da leishmaniose em relação à primeira metade do século 20. Até a década de 50, aLTA era considerada doença ocupacional no Estado. Afetava principalmente líomens em idade produtiva que trabalhavam em atividades relacionadas à expansão econômica e à ocupação do interior, em áreas desflorestadas. A O PROJETO Ecoepidemiologia da Leishmaniose Tegumentar Americana no BrasilEstados de São Paulo e de Pernambuco. Areas Endêmicas de Colonização Antiga, Correspondentes à Zona da Mata Atlântica MODALIDADE

Projeto temático COORDENADOR

JEFFREY JoN SHAW - Instituto de Ciências Biomédicas da USP INVESTIMENTO

R$ 97.710,00

Próximos passos - A pesquisa faz parte de um projeto temático de três anos financiado pela FAPESP, com apoio do Ministério da Saúde, da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe) e da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Ministério da Educação). Já resultou em duas teses de doutorado e em artigo publicado em 1999 na revista Transactions of the Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene. Os detalhes da descoberta serão divulgados num artigo preparado por Shaw e Brandão em colaboração com seis outros pesquisadores, que deve ser submetido para publicação na revista britânica Nature. De agora em diante, os pesquisadores tentarão isolar o L. (V.) braziliensis nas outras espécies em que o resultado da PCR foi positivo e avaliar a distribuição dos animais nas regiões em que foram capturados. Também estudarão o processo de adaptação do protozoário às mudanças ecológicas dos locais analisados. "Seria ingênuo pensar que em cinco anos elucidaríamos a complexa relação parasita-hospedeiro de uma das formas mais comuns da leishmaniose na América Latina", acrescenta Shaw, • já satisfeito com o que obteve. PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001

55


TECNOLOGIA

LINHA DE PRODUÇÃO

Empresa de São Bernardo exportará ônibus híbrido A empresa Eletra, de São Bernardo do Campo, entregará nos próximos meses três ônibus com tração elétrica e motor a diesel para a concessionária de transportes urbanos Transeletric, de Santiago do Chile. Esses veículos economizam até 30% do combustível e emitem 70% menos poluentes do que seus congêneres movidos somente a diesel. Os ônibus híbridos possuem um motor a combustão que tem a função de fornecer energia para o motor elétrico, mantendo as baterias carregadas. Eles funcionam como tróleibus, sendo que no lugar da rede elétrica recebem a energia gerada pelo motor a diesel. Com essas características, o veículo torna-se muito silencioso e permite a instalação de diversos dispositivos para aproveitar sobras de energia, como ar-condicionado e sinais luminosos. Dois ônibus

• Disque-Tecnologia completa dez anos O Disque-Tecnologia, programa de "socorro tecnológico" mantido pela Universidade de São Paulo (USP) em convênio com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), está completando dez anos de atividades com muitos motivos para comemorar. Nesse período, foram feitos mais de 22 mil atendimentos a micro e pequenos empresários, que, com um simples telefonema, apresentam o 56 • SffiMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

Eletrabus: eco nomia de 30% de diesel e 70% menos poluentes que os convencionais <

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Moto r elétrico recebe energia do motor a combustão

seu problema tecnológico e, se necessário, agendam uma encontro com um consultor da universidade. O sucesso do serviço foi reproduzido em outras cidades brasileiras e argentinas. Realizado por intermédio da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais (Cecae), o Disque-Tecnologia é um serviço gratuito e conta com a consultaria dos 4 mil docentes e pesquisadores da USP. Aos interessados, o telefone do Disque-Tecnologia é ( 11) 3818-4166. •

• Unicamp abre vagas em nova incubadora Até 31 de outubro, estarão abertas as inscrições para micro e pequenas empresas interessadas em uma das oito vagas da nova incubadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ). Inaugurada em agosto, a Incubadora de Empresas de Base Tecnológica (Incamp) foi criada para apoiar projetas de tecnologias inovadoras que possam resultar em negócio e ganhar mercado. Ela está instalada em um prédio de SOO m 2 no Cen-

híbridos da Eletra já rodam em São Bernardo do Campo e a empresa está em negociação com as prefeituras de São Paulo e Porto Alegre. O contrato com a concessionária chilena, no valor de US$ 450 mil, é patrocinado pelo Banco Mundial e faz parte de um programa para melhorar o ar nas grandes metrópoles do mundo. •

tro de Tecnologia da universidade onde as empresas nascentes terão módulos de 25 m 2 e completa infra-estrutura. Os empreendedores terão o suporte de todas as unidades da Unicamp e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). O prazo de incubação é de 24 a 36 meses e os critérios de seleção levarão em conta a viabilidade técnica e econômica do empreendimento, grau de inovação, qualificação dos empreendedores e um plano de negócio. Maiores informações: (19) 3788-5020. •


cia útil instalada de 180 kW, energia suficiente para abastecer mais de 100 casas populares. "Além de ser limpa, é uma energia barata: um quilowatt sai por cerca de US$ 1,5 mil, enquanto a mesma quantidade de energia gerada por um sistema hidrelétrico custa de US$ 2 mil a US$ 2,5 mil", afirma. •

As piscinas térmicas podem ser instaladas em caixas d'água

• Piscina produz energia elétrica Em tempos de racionamento de energia, uma dissertação de mestrado defendida na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PoliUSP) apresenta uma interessante alternativa para o setor energético brasileiro. Tratase de piscinas solares capazes de fornecer energia elétrica para abastecer casas populares, chuveiros e aparelhos de ar-condicionado. A idéia, relativamente simples, já é empregada em Israel, Austrália, Bélgica, Índia e nos Estados Unidos, onde a Universidade do Texas mantém, desde 1986, um amplo experimento chamado de El Paso Solar Pond. Tanques de fundo negro com diferentes níveis de concentração de água salgada retêm o calor e inibem sua perda por convecção natural, efeito que ocorre quando camadas superiores de água, mais quentes, descem fazendo com que camadas inferiores, mais frias, subam para a superfície, devido à diferença de densidade. A partir da energia térmica armazenada nas piscinas, é gerada a energia elétrica. "Para que isso ocorra, a energia térmica aquece, através de um trocador de calor, um

reservatório de água com amônia. A amônia se transforma em gás e aciona uma turbina produzindo eletricidade", explica José Roberto Abbud, autor da dissertação. As piscinas térmicas podem variar do tamanho de uma caixa d'água para vários campos de futebol. Segundo o pesquisador, uma piscina de 1.000 m 2 tem uma potên-

• Prêmio para estudo sobre vinhote Um estudo sobre o aproveitamento do vinhoto, coordenado pela professora Maria Eugênia Ribeiro Borges, do Centro de Ciência e Tecnologia da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), ganhou o 1~ Prêmio Mostra PUC-Rio, evento anual promovido pela universidade carioca que premia os projetos inovadores realizados pela comunidade universitária.

De acordo com a pesquisa da Uenf, o vinhoto, resíduo tóxico resultante da destilação do álcool da cana-de-açúcar, pode transformar-se em fertilizante, aditivo para ração animal e até ser usado na geração de metano, gás com alto poder calorífico, quando submetido a um processo chamado osmose inversa. Nesse processo, o vinhoto é submetido a uma filtragem e o material resultante, com alta concentração de potássio e sódio, será usado nas novas aplicações. Segundo a pesquisadora, o projeto é importante do ponto de vista ecológico, já que o vinhoto tem provocado grandes prejuízos às áreas adjacentes às usinas de cana-de-açúcar. "Meu desejo é que os usineiros encampem o projeto, já que ele traz enormes benefícios ao meio ambiente", afirmou Maria Eugênia. •

Aparelho auditivo na medida exata Um projeto do Hospital de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (USP) em Bauru determinou critérios objetivos para a prescrição de aparelhos a deficientes auditivos. O estudo permite otimizar as verbas disponíveis no serviço público para a aquisição desses equipamentos em larga escala. "Caracterizamos, por exemplo, a porcentagem de pacientes com deficiência auditiva profunda que vão precisar de um aparelho específico", explica Maria Cecília Bevilacqua, fonoaudióloga que coordenou o projeto. A metodologia foi aprovada durante o Fórum de Amplificação do 15° Encontro Internacional de Audiologia, reunido no Rio de Janeiro em

abril. A intenção é que outras universidades, além da USP, em nível nacional, sirvam de suporte a instituições gover-

namentais na compra de aparelhos em grande quantidade. Para a pesquisadora, é preciso analisar a deficiência sob a perspectiva do usuário: "Se você compra pelo menor custo e o usuário não é beneficiado, então o governo gasta dinheiro à toa, porque o aparelho acaba na gaveta". A pesquisa abrangeu 486 pessoas com deficiência auditiva, de diferentes faixas etárias, num total de 955 orelhas. As orelhas foram analisadas, separadamente, porque, em determinadas patologias, os ouvidos são muito diferentes. "Nossa opção foi pela amplificação do ouvido menos deficiente como forma de melhorar a situação de comunicação", explica Maria Cecília. •

PESQUISA FAPESP • SffiMBRO DE 2001 • 57


TECNOLOGIA

A P-37 é um dos navios fundeados em alto-mar que operam como plataformas de produção: superpetroleiro transformado

Dois projetas ajudam a Petrobras a cumprir metas em águas profundas m estudo do comportamento dinâmico dos navios-tanque fundeados, que funcionam como plataformas de exploração de petróleo no mar, permite melhorar sua eficiência e contribuirá para a Petrobras atingir suas metas de produção em águas profundas para os próximos anos - até 2005 a produção total da empresa no país deverá atingir 1,85 milhão de barris de petróleo por dia, contra 1,1 milhão atuais, na média de agosto. Iniciado em março de 1998 e com duração prevista de quatro anos, o projeto sobre sistemas de ancoragem é coordenado por Hernani Luiz Brinati, do Depar-

U

58 · SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

tamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). É mais um reforço à liderança da Petrobras na tecnologia de exploração de petróleo em grandes profundidades. Um exemplo desse domínio é o campo Marlim Sul, na bacia de Campos, onde se extrai óleo a 1.709 metros, recorde mundial de produção em lâmina d'água. O desenvolvimento dessa liderança tecnológica teve um estímulo forte: dos 9,8 bilhões de barris que compõem as atuais reservas de petróleo e gás da empresa, 75% estão em águas profundas (entre 400 e 1.000 metros) ou ultraprofundas (a mais de 1.000 metros). Os técnicos acreditam que o crescimento da produção depende muito da exploração bem-sucedida desses campos, onde os sistemas flutuantes - plataformas semi-submersíveis e navios-

tanque fundeados - são as únicas formas viáveis de produção no mar. O sucesso brasileiro na exploração em águas profundas só foi possível graças a um intenso programa de pesquisas, iniciado há mais de 20 anos, com cientistas e engenheiros de todo o país. Um dos estudos mais recentes é o que Brinati coordena, com foco nos navios-tanque fundeados ou FPSOs - sigla de floating production storage and offloading, ou sistema flutuante de produção, armazenamento e descarga. Casco simples - Originalmente, os

FPSOs eram superpetroleiros de casco simples e até 300 mil toneladas, que foram transformados em plataformas de produção de petróleo. É o caso do Vidal de Negreiros, de 320 metros de comprimento e 240 mil toneladas, fabricado nos anos 70 e que opera na bacia de Campos.


Ta nque de provas do IPT: simulações do comportamento dinâmico servem de base a cálculos e pesquisas em situações reais

No início dos anos 90, esses navios de casco simples começaram a sofrer restrições de navegação pelo risco que representavam ao meio ambiente- pela atuallegislação internacional, os navios-tanque devem ter o casco duplo, mais resistente e menos sujeito a avarias e vazamentos. A saída das empresas foi transformá-los em plataformas de produção em alto-mar, e hoje a Petrobras opera 12 FPSOs construídos nos anos 70. Eles têm uma vantagem sobre as plataformas normais: além de abrigar plantas de produção para separar óleo e gás, têm grande capacidade de armazenamento. "O objetivo do projeto temático foi tentar encontrar um melhor domínio do comportamento do FPSO com as diferentes configurações de seus sistemas de ancoragem", explica Brinati. Quando a exploração se faz em águas rasas, até 400 metros de

profundidade, pode-se instalar como estrutura de produção uma plataforma fixa, enorme estrutura metálica presa ao fundo do mar. No ca!>o de poços em águas mais profundas, contudo, a única alternativa é instalar sistemas flutuantes, que ficam amarrados ao solo submarino por correntes, cabos de aço ou de poliéster. Forças marinhas - Aí começam os problemas. As forças ambientais incidentes sobre o sistema de amarração em águas profundas são muito altas: incluem ondas de até 15 metros, ventos de alta velocidade e correntezas de 2 metros por segundo. Por isso, as linhas de amarração do sistema flutuante, que chegam a ter 3 mil metros de extensão, movimentam-se muito e correm riscos de avarias. Ao mesmo tempo, podem desestabilizar a plataforma ou o navio, prejudicando a produção.

Note-se que, pela própria concepção de projeto, os navios-tanque são naturalmente sujeitos a movimentos de grande amplitude. "O grande desafio dos engenheiros oceânicos é manter o posicionamento de embarcações de grande porte em lâminas d'água de mais de 1.000 metros, de modo confiável e com baixo custo", diz Brinati. Para isso, há dois sistemas de ancoragem em uso. O mais tradicional, adotado pela indústria petrolífera de todo o mundo, é o sistema torreta, que consiste de um enorme eixo vertical trespassado na proa do navio, de onde saem cabos de amarração e tubos em alguns casos, são mais de 40 tubos - em direção ao fundo do mar. Nesse sistema, a embarcação pode movimentar-se livremente ao redor da torreta, orientando-se de acordo com o ângulo de incidência das ondas, do vento e da correnteza. PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 59


Já o sistema Dicas Com o sistema de abreviatura de differenamarração tradicional, tiated compliance anbaseado no lançamenchoring system, ou sisteto de âncoras e próprio ma de ancoragem de para profundidades metensionamento diferennores, a operação era ciado -, criado pela Pemuito mais lenta e comtrobras, parte de um plexa. Depois de lançamétodo de ancoragem das algumas centenas convencional, com cade metros de tubos, a bos de amarração ao barcaça tinha que ser redor do navio. A disdeslocada para a frente para continuar a operatribuição das amarras e ção, o que tornava o o seu tensionamento, trabalho custoso e deentretanto, são criteriosamente planejados de morado, pois exigia o modo que a embarca- Malha de vórtices: no simulador, escoamento em volta de um cilindro reposicionamento das ção possa oscilar denâncoras ao longo do tro de uma amplitude determinada. percurso, por meio de embarcações formulação de modelos hidrodinâauxiliares, os "rebocadores de manu"O bom desse sistema é o custo, micas, aerodinâmicos e de controle, seio de âncora': bem inferior ao da torreta. A grande a BGL-1 deixará de ser uma barcaça Kazuo Hirata, do Instituto de Pesdesvantagem é que ele só permite ao do tipo amarrada e passará a ser poFPSO uma oscilação de aproamento quisas Tecnológicas (IPT), comenta: sicionada dinamicamente, com seis (verificada na proa) próxima a 45 "Essa nova operação, que tornará o sistemas propulsores': graus, tornando-o mais sujeito aos lançamento de tubulações muito A BGL-1, que atua na consfatores ambientais", explica Celso mais eficiente, permitindo ampliar a trução e manutenção de módulos Pesce, do Departamento de Engeoperação da BGL-1 para águas prono convés de plataformas, serve nharia Mecânica da Politécnica e que fundas, só foi possível graças ao depara lançar oleodutos no mar. Seu faz parte do grupo de Brinati. senvolvimento de modelos computaposicionamento preciso é essencial cionais confiáveis, criados na Escola ao sucesso da operação de lançaLançamento de tubos - Embora as Politécnica e calibrados a partir de mento de tubos. Os propulsores, copesquisas do grupo venham com experiências feitas nos laboratórios mandados por um sistema de conum forte conteúdo teórico e criação de hidrodinâmica do IPT': trole, funcionam automaticamente de modelos matemáticos não-lineapara corrigir a posição e o rumo, de Estudo de vórtices -André Paiva Leires para a simulação numérica dos modo que as tubulações sejam lanmovimentos do sistema flutuante, te, pesquisador do Departamento de çadas no lugar correto. há outras aplicações Engenharia e Produpráticas, revela Pesce: ção da Petrobras, reve"Além de particila que o trabalho da parmos ativamente de equipe da USP tem sidiversos estudos refedo de grande valia parentes ao projeto de ra a empresa. FPSOs, como o do fu"Independentementuro P-50 (Petrobraste de qualquer resulta50), no início deste ano, do direto, esses projetas nossa equipe concluiu têm o mérito de manum estudo de viabilidater a Petrobras em cande e dimensionamentata com pesquisas de ponta", afirma. "Além to para a instalação de um sistema de posiciodisso, as pesquisas estão namento dinâmico nuauxiliando na formação ma barcaça lançadora de mão-de-obra espede tubulações, a BGLcializada, essencial pa1. Graças a essas pesra o desenvolvimento quisas, que incluem a BGL- 1: na nova configuração dinâmica, seis sistemas propulsores da tecnologia nacional 60 • SITEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP


na exploração de pedores só são capazes de tróleo offshore (no mar):' simular numericamenUm segundo projete uma pequena parte to, coordenado por Jodelas. sé Augusto Penteado "Temos avançado de Aranha, da Engenharia forma consistente. EsNaval e Oceânica da Potamos muito próximos litécnica, está intimade poder simular o femente ligado ao prinômeno de vibrações induzidas por vórtices meiro. Visou ao estudo de um dos fenômenos em risers, com inclusão mais complexos da mede efeitos tridimensiocânica clássica: as vinais no escoamento", salienta Julio Meneghibrações induzidas por vórtices. "Esse fenômeni, responsável pela fluino ainda não está bem do-dinâmica compuentendido do ponto de Brinati, Aranha e Pesce: análise para p reservar eq uipamentos caros tacional. "Foi possível vista experimental e de criar o LIFE- Laboramodelagem teórica", explica Pesce, preender o fenômeno, pois ele tem tório de Interação Fluido-Estruturas responsável pela parte experimental. - equipando-o com estações de traum impacto econômico muito granVórtices são movimentos turbide na exploração de petróleo em balho de última geração, de grande alto-mar." lhonares, como os redemoinhos, capacidade de processamento", acrescenta Clóvis Martins, da Engenharia Para ter uma idéia da amplitude que podem acontecer tanto no ar (o Mecânica. turbilhão gerado na ponta das asas da pesquisa - que se valeu de estudos aviões, por exemplo) quanto na dos computacionais da dinâmica água (o redemoinho que se forma dos fluidos, de ensaios com modelos Compreensão acurada - "O projeto reduzidos feitos no tanque de provas foi essencial para colocar juntas no ralo das pias). do IPT, bem como de simulações do pessoas de diferentes departamenVibrações intensas - Na exploração comportamento dinâmico de uma tos que trabalhavam em torno de de petróleo no mar, os vórtices surtubulação ou riser -, basta saber que um campo comum. Com isso, proa estrutura dos vórtices é tão comgem da interação das correntes macuramos chegar a uma compreensão física mais acurada do fenômerinhas com as tubulações de perplexa que atualmente os computano da vorticidade, na tentativa de furação e produção (os risers) que OS PROJETOS pendem das plataformas. Quando construir modelos capazes de reisso ocorre, cabos e tubos vibram produzir o fenômeno observado em Métodos de Dinâmica Não-Linear devido à excitação produzida pela laboratório", diz Penteado Aranha. Aplicados ao Projeto e Análise emissão alternada de vórtices, e isso "Acredito que em dois anos vamos de Sistemas de Ancoragem gera tensões que podem causar até a atingir esse objetivo." MODALIDADE ruptura do material por fadiga. "É Dos dois projetas temáticos parProjeto temático vital que as características críticas de ticiparam cinco pesquisadores do uma nova estrutura que esteja sujeita IPT, 11 da Politécnica e dos instituCOORDENADOR HERNANI L UIZ B RINATI - USP tos de Física e de Matémática da a vibrações induzidas por vórtices sejam conhecidas numa fase inicial USP, além de cerca de 20 alunos de INVESTIMENTO do projeto", diz Penteado Aranha. iniciação científica e pós-graduação. R$ 247.000,00 Também colaboraram cientistas do A síntese do projeto, concluído Vibração Induzida por Emissão Imperial College de Londres e das depois de cinco anos de pesquisas, de Vórtices (Vortex Shedding) em universidades de Michigan e Corera o desenvolvimento de um métoEstruturas Marítimas e Oceânicas do de análise que permitisse estimar neli, nos Estados Unidos. MODALIDADE a vida útil de tubos sujeitos a corA produção acadêmica a partir Projeto temático rentes marítimas. "Esses sistemas de das pesquisas incluiu 60 documenrisers chegam a custar dezenas de tos apresentados em conferências COORDENADOR milhões de dólares e sua integridade internacionais, 15 artigos em revisJ os~ A UGUSTO PENTEADO A RANHA- USP é ameaçada pelas intensas vibrações tas científicas no exterior, além de INVESTIMENTO geradas por vórtices", diz o pesquimonografias, dissertações de mesR$ 44.03 2,52 e US$ 69.395,1 5 sador. "É, portanto, importante comtrado e teses de doutorado. • PESQUISA FAPESP • SETEMBRODE2001 • 61


TECNOLOGIA

ENTREVISTA: GUILHERME ARY PLONSKI

Mudança estratégica Dinamizar, essa é a missão principal do novo diretor do /PT MARILU CE MO U RA

Sem rejeição a qualquer traço de sua imagem centenária, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) decidiu encarar o desafio de tornar-se uma referência mais forte e renovada do sistema paulista de inovação tecnológica, com fôlego de atleta. É disso, antes de mais nada, que o instituto vai precisar para amarrar os fios da extensa rede de inovação que a nova diretoria pretende montar, como anunciou o diretor-superintendente, Guilherme Ary Plonski, na cerimônia de posse, em 13 de agosto. A essa altura, diz Plonski, "trabalhar em rede não é nenhuma idéia original, mas um recurso para o IPT responder com competência e agilidade às demandas por soluções tecnológicas que nos chegam do governo, das prefeituras, da indústria e de outros setores". Plonski é professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) desde 1977 e da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da mesma USP desde 1980. Ele imagina o IPT como um grande portal de 62 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

tecnologia, retomando uma posição de liderança em inovação, sem restringir-se ao papel de mero difusor de tecnologias prontas. É desses planos que ele fala nesta entrevista: • Quais são as mudanças que o senhor quer para dinamizar o IPT?

-A primeira, é entender que temos um instituto de pesquisas tecnológicas, e não um conjunto de pequenos institutos com pouca relação entre si. O modelo de gestão adotado até aqui estimulou uma visão paroquial das divisões e dos agrupamentos do instituto. Gostaríamos que os projetas, as iniciativas e as demandas fossem tratados pelo instituto como um todo. Uma segunda mudança, até mais estratégica, é entender que o instituto tem uma tradição centenária, muitas realizações, mas o ambiente atual é muito diverso daquele de suas origens, quando existiam poucas instituições voltadas para pesquisa tecnológica. Hoje, cabe ao instituto desenvolver uma competência de gerenciar, de articular redes voltadas à inovação. Antes, havia uma visão linear de circulação do conhecimento desde a universidade até o mercado, onde os institutos de pesquisa tinham um papel bem definido. • Então, o IPT estava no meio do caminho entre a universidade e o mercado?

- Sim. Isso, considerando uma certa "tubu-


lação virtuosa" que faria, a partir do dinheiro colocado na pesquisa básica, o conhecimento gerado na universidade seguir para o instituto de pesquisa, daí para a pesquisa aplicada, para a área de engenharia de uma empresa, que levaria o conhecimento embutido no produto para o mercado. Há pelo menos década e meia esse modelo é considerado superado, a não ser em poucos casos. Ou seja, tem que haver um esforço articulado para criar um movimento em que os conhecimentos se transformem em produtos, serviços, qualidade de vida, etc. O IPT tem uma boa condição para essa articulação, porque está próximo da universidade e também da empresa e dos responsáveis por políticas públicas. • Como seria essa articulação?

- Por exemplo, estamos revitalizando a relação com a USP. Durante muito tempo o IPT era o braço de pesquisa da Poli e estava todo mundo feliz. A Poli dava aula, fazia extensão, o IPT fazia pesquisa, e havia um trânsito fluido de docentes que eram ao mesmo tempo professores da escola e pesquisadores do instituto. Acontece que, com a mudança dos critérios de avaliação na universidade, passou-se a exigir, também, da Poli, atividade de pesquisa e publicações. Em poucos anos, criou-se uma percepção, evidentemente inadequada, da universidade como "concorrente" do IPT. Concorrente com maior competitividade no mercado, porque os salários dos docentes são pagos pelo Estado, com recursos estabelecidos em lei, e os salários dos pesquisadores não são igualmente garantidos. • Os salários no IPT não são pagos pelo Estado?

- Nesse momento, cerca de metade do orçamento anual do IPT - da

ordem de R$ 100 milhões- é coberta com serviços prestados e projetas, ou seja, depende de consegmrmos recursos externos. • Há algum projeto desenvolvido pelo IPT que aponte para a visão de rede?

-Muitos. Um exemplo é o do Centro de Desenvolvimento de Cilindros, inaugurado em 10 de setembro, uma parceria entre a Poli, o IPT e a Aços Villares Sidenor, com apoio da FAPESP e da Financiadora de Estudos e Projetas (Finep). É um exemplo muito positivo da relação com a Poli.

há sentido em situá-la apenas no avanço do conhecimento, nem somente na difusão do conhecimento já existente. O desafio é conseguir competência para fazer pesquisa e difusão ao mesmo tempo. • Há pessoal suficiente para isso no IPT?

- Claro que não. Se o IPT não renovar seu quadro, em cinco anos ele vai ser uma instituição muito pouco relevante. Mas sinto que há no IPT uma energia muito grande das pessoas e, na medida em que exista uma orientação de trabalho colegiado, com adesão a valores básicos e mudança de certos conceitos, a competência e os novos talentos Instit uto de Pesquisas Tecnológ vão florescer.

Ep EL

• O IPT tem uma dívida considerávél. De quanto ela é atualmente?

- Estou encontrando o IPT com uma dívida de cerca de R$ 32 milhões já identificados e outros itens que ainda estamos avaliando. • Em sua posse, o senhor falou sobre o risco que o IPT corre de ser apenas um difusor de tecnologias prontas. Por quê?

-O IPT atua numa área que envolve pesquisa e desenvolvimento, serviços tecnológicos, engenharia não rotineira e apoio à aquisição de tecnologia. É isso que se conhece internacionalmente como "pesquisa e desenvolvimento ampliado". Nós precisamos definir qual o esforço da instituição em cada um desses itens. Acho que não

• O IPT tem quantos funcionários?

-No quadro, 947 pessoas. Existem também umas 300 contratadas, mais estagiários e bolsistas. O número de freqüentadores do campus do IPT é da ordem de 1. 700 pessoas. E cerca de 450 são pesquisadores. • Se o senhor tivesse que resumir numa frase, qual é a grande vocação do IPT?

-O IPT é um instituto de pesquisa pluridisciplinar. Isso tem sido questionado, porque se diz que o espaço existente hoje é para institutos de pesquisa focalizados num certo setor, numa certa área. Penso que o papel do IPT é articular, desenvolver e manter redes para fazer o conhecimento ser um propulsor de competitividade e qualidade de vida. Nesse sentido trabalharemos para transformar a pluridisciplinaridade em interdisciplinaridade, permitindo ao segmento empresarial e aos responsáveis por políticas públicas, soluções sistêmicas para seu desafios, fundamentadas no melhor conhecimento tecnológico disponível. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE 2001 • 63


TECNOLOGIA

ENGENHARIA BIOMÉDICA

Um diagnóstico àflor da pele Um sistema para análise de lesões permite a detecção precoce do câncer cutâneo ma empresa de São José dos Campos desenvolveu um sisU tema computacional para análise de lesões cutâneas que ajudará a fazer um diagnóstico objetivo e precoce do câncer de pele, o de maior incidência no Brasil. "O problema é que o diagnóstico desse tipo de câncer é muito subjetivo", diz o engenheiro elétrico Antônio Francisco Junior, sócio-diretor da Atonus Engenharia de Sistemas, que desenvolveu o sistema em três anos de pesquisa. "Só em menos de 40% dos casos o médico é capaz de afirmar com certeza, por meio de um exame clínico, se a lesão é ou não maligna. Nosso sistema ajudará o especialista na emissão de seu parecer." Ele também diminui o número de biópsias, principalmente em casos em que é necessário o acompanhamento periódico da lesão. Videodermatoscópio - O Sistema de

Videodermatoscopia (SVD) da Atonus consiste de uma filmadora especial - o videodermatoscópio - que utiliza iluminação por cabo de fibra óptica, mais um software e um banco de dados remoto na Internet. O videodermatoscópio funciona como um microscópio de pele, com microcâmera e sistema especial de iluminação. Em contato com a epiderme, filma a lesão e transmite a imagem colorida a um computador, onde uma placa de captura digitaliza a imagem. Então o software, chamado VisualMed, analisa morfologicamente a lesão com base na regra ABCD da dermatoscopia e armazena 64 · SffiMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

as seguintes ocorrências na lesão: coceira, mais de 1 centímetro de diâmetro, histórico de crescimento ou outra mudança, contorno irregular, cores variadas e irregulares, hemorragia e inflamação na borda ou perto dela. Quando avaliados os parâmetros da regra ABCD, o programa calcula automaticamente o valor de uma pontuação dermatológica preestabelecida, chamada de TDS. Com base no valor do TDS, o programa determina se a lesão é benigna, maligna ou se ainda existe dúvida. Em todos os casos, o médico ainda tem a opção de enviar as imagens digitalizadas das lesões, pela Internet, a outro especialista, para uma segunda opinião. Debates pela Internet - O

sistema criado pela Atonus prevê a criação, na Internet, de um fórum de debates entre profissionais da área médica e de um grande banco de dados sobre o câncer de pele no país. Será um emVideodermatoscópio: precisão com fibra óptica brião da teledermatologia no Brasil. O local www. visualmed.com.brjá está no ar, mas aindados usando um método de diagda não foi abastecido com imagens nóstico com checagem de sete aspectos - o seven point-checklist. das lesões cutâneas, já que o SVD só começa a ser comercializado agora. Para a regra ABCD, são extraídos O SVD também permite acompapor computador os seguintes atribunhar o desenvolvimento de uma letos da lesão: assimetria, irregularidasão por meio da justaposição de imade da borda e diâmetro da lesão. Ougens captadas em datas diferentes. tro item é a detecção de cores e de "Sabemos que a análise comparativa estruturas diferenciadas, aspectos vede uma lesão é essencial para a emisrificados pelo médico e inseridos são de um diagnóstico seguro': afirmanualmente no programa. Já o método seven point-checklist considera ma Francisco Junior.


SVD em ação: análise automática de imagens reduz subjetividade do diagnóstico

Com dois equipamentos de SVD já em funcionamento - no Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) e na Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) -, a Ato nus prepara a comercialização. "Esperamos colocar no mercado uma média de 15 unidades por ano", diz Francisco Junior. O SVD é o primeiro do gênero no país e foi desenvolvido com tecnologia nacional. "Alguns países no Primeiro Mundo - como Estados Unidos, Alemanha e Áustria- dominam essa tecnologia", diz o engenheiro. E o equipamento custa cerca deUS$ 9 mil, quase a metade do preço dos concorrentes. O projeto começou em 1998 e foi concluído no primeiro semestre deste ano dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. "Os recursos recebidos foram utilizados essencialmente no pagamento de mão-de-obra, já que contratamos uma numerosa equipe para desenvolver o vídeodermatoscópio, o software e o site na Internet", explica o diretor da Atonus. Situada em São José dos Campos, a empresa foi fundada em 1995 e atua sobretudo na área de visão computacional, criando sistemas que tenham componentes de captura e análise de imagem. Já desenvolveu equipamentos de óptica e software para análise de sêmen humano.

"Com o SVD desenvolvemos não apenas um equipamento, mas um sistema, que permitirá a troca remota de informações e imagens relacionadas a um sério problema de saúde pública", enfatiza o engenheiro. "Com esse intercâmbio de imagens, nosso objetivo é reduzir o grau de subjetividade dos diagnósticos de lesões de pele:' Maior incidência - Cerca de 57 mil

dos 305 mil novos casos de câncer estimados para este ano no país terão como localização primária a epiderme, superando em muito os casos d~ mama (31 mil), estômago (22 mil) e próstata (20 mil). Os dados são do Instituto Nacional do Câncer (Inca), do Ministério da Saúde. Na raiz do problema estão redução da camada de ozônio do planeta, falta de cuidado da população ao se O PROJETO Um Sistema Computacional para Análise de Lesões Cutâneas MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR ANTONIO FRANCISCO JUNIOR-

Engenharia de Sistemas INVESTIMENTO

R$ 106.164,00

Atonus

expor ao sol e casos da doença na família. Das novas notificações de câncer de pele, cerca de So/o deverão ser de melanoma, o mais grave. Ele atinge os melanócitos- células produtoras de melanina, substância que determina a cor da pele - e, dependendo da profundidade, pode chegar à corrente linfática e aos órgãos internos, causando metástase e morte. "Felizmente, embora as notificações da doença, especialmente as de melanoma, venham aumentando nos últimos anos, as chances de cura do câncer de pele são muito altas. Quando o diagnóstico é feito precocemente, o sucesso dos tratamentos atinge 98o/o dos casos", afirma o dermatologista Aldo Toschi, do IBCC. Por isso, o equipamento é recebido com entusiasmo. "O SVD será um valioso aliado na luta contra o câncer de pele. O aparelho é muito bom e se equipara a similares estrangeiros em termos de captura de imagem e software de análise': afirma o dermatologista. ''A grande vantagem do sistema está no armazenamento das imagens, o que permitirá que os pacientes sejam catalogados", completa o médico Sérgio Yamada, professor de dermatologia da Unifesp que há um ano usa um protótipo do SVD. "Vamos dispor de um equipamento confiável para acompanhar pessoas que têm múltiplas lesões e cujo diagnóstico não é preciso. Os pacientes, por sua vez, ficarão mais tranqüilos sabendo que suas lesões pigmentadas estão sendo monitoradas de perto", avalia Toschi. A Atonus prepara mais um aparelho inovador: o Subsistema de Anatomia Patológica (SAP). "Consiste de um microscópio adequado à análise de anatomia patológica, conectado a câmera de vídeo, placa de captura de imagens, computador com monitor, scanner, impressora e placa de rede. O software disponível nesse subsistema terá funções de captura, pré-processamento e armazenamento em banco de dados de imagens de tecidos removidos das lesões cutâneas", antecipa Francisco Junior. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO OE 2001 • 65


O conjunto antena-amp lificador fabricado no Brasil vai reduzir a importação e tornar o produto mais barato ao consumidor

ENGENHARIA ELETRÔNICA

Imagem e som diretos do espaço Proqualit desenvolve, no país, equipamento de TV por assinatura via satélite ainda elitizado serviço de televisão paga por satélite poderá O tornar-se mais acessível nos próximos anos graças a um projeto da Proqualit, empresa que recebe financiamento da FAPESP no âmbito do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). A idéia foi desenvolver no país equipamentos de recepção de sinais de satélite para tevê, numa iniciativa pioneira para reduzir as importações que dominam o setor e baratear o custo inicial do produto para o consumidor. Os primeiros conjuntos de antenas miniparabólicas e amplificadores de baixo ruído (Low Noise BlockLNBs) totalmente brasileiros devem chegar ao mercado até o final do ano, somando-se a 1,2 milhão de receptores residenciais de satélites já insta66 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

lados no país. Além da nacionalização, os equipamentos desenvolvidos na sede da Proqualit, em São José dos Campos, deverão reduzir custos de implantação e de manutenção. Fundada em 1991, a Proqualit começou com a montagem de placas de circuitos impressos. "Hoje, desenvolvemos cerca de 150 famílias de produtos para recepção, transmissão e distribuição de sinais de tevê para emissoras abertas e por assinatura': informa o engenheiro eletrônico Alexandre Nunes da Trindade, diretor de desenvolvimento.

A empresa recorreu à consultaria de pesquisadores e ex-pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos. Grande parte do projeto, contudo, foi desenvolvida pelos próprios técnicos e engenheiros da Proqualit. Para Trindade, o desenvolvimento desse equipamento não foi um caminho natural: "O apoio da FAPESP foi decisivo, porque, tecnicamente, trabalhar com esse tipo de freqüência de recepção de sinais é muito difícil (veja quadro abaixo). A empre-

Apoio decisivo -

Sinais tão longe de casa Para entender melhor a dificuldade técnica do projeto da Proqualit é preciso conhecer um pouco melhor as exigências da operação de uma recepção doméstica de um sinal de TV via satélite. O amplificador de baixo ruído, item principal

do trabalho, é assim chamado porque tem a capacidade de receber sinais em níveis muito baixos. Isso significa que ele capta sinais que quase se perdem junto ao ruído que normalmente existe no ar. E mais, ele consegue amplificar só o sinal e não


sa não poderia dispor de recursos próprios para dom inar essa tecnologia e, com o projeto do PIPE, atingimos um salto na geração de conhecim ento". O projeto com eçou n o final de 1997. Prim eiro, foi desenvolvido um sistem a de recepção, amplificação e O maior desafio foi conversão dos sinais de tedesenvolver o ampl ificador vê utilizados no Brasil pelas de baixo ru ído utilizado na frente da antena operadoras do sistema DTH (Direct to Home), hoje dominado Cliente antigo - A Proqualit já aprepela Sky (O rganizações Globo) e sentou projeto de com ercialização pela Direct TV (ex-grupo Abril e para as empresas que operam as teatual Galaxy Latin Am erica) . levisões pagas por satélite. "Nós soNa segunda fase, a equipe técnica m os fornecedores de outros produtos construiu o protótipo da placa de cirpara essas empresas", conta Trindade. cuito impresso m ontada em uma O m ercado poten cial dos canais de caixa própria, ainda que provisória. tevê por assinatura, inclu indo os Ela fo i aprovada nos testes e a avaliatransm itidos por satélite (DTH), ção final será feita com o retletor paracabo e MMDS (Mu ltipoint Multibólico, o amplificador de baixo ruído chanel Distribuition System), é estie m ais o receptor. Falta, para a conmado em 3,1 milhões de assinantes. clusão, o desenvolvimento da parte m eDepois de certo período de estagnacânica e ferramental da caixa onde estão acondicionados o receptor e o O PROJETO conversor. "Esse produto só funciona Amplificador de Baixo Ruído com em caixas adequadas, onde não exista Conversor de Freqüência em Banda KU vazam ento de sinais. A caixa possui (LNB-Low Noise Block) para Utilização uma complexidade razoável e é nisso com Refletor Parabólico que trabalham os no momento", exMODALIDADE plica Trindade. No desenvolvimento Programa de Inovação Tec no lógica da caixa também há absorção de tecem Pequenas Empresas (PIPE) nologia como a criação de ferramentas COORDENADOR de produção que o Brasil ainda não ALEXANDRE NUNES DA T RINDADE tem tradição. Depois de acumular Proqualit investimentos que chegam a R$ 700 INVESTIMENTO mil, a finalização do projeto está preR$ 175.700,00 e US$ 27.206,40 vista para novembro próxim o.

amplificar o ruído. Não é bem uma filtragem: como o sinal está muito distante da Terra - o satélite fica numa órbita estacionária a cerca de 36 mil metros de altitude -, ele chega à superfície num nível muito baixinho, algo como menos 100 decibéis. Basicamente, o amplificador compõe-se do seguinte: primeiro há uma guia de onda em forma de cor-

neta que recebe o sinal de microondas. É uma peça mecânica calculada para receber exatamente essa faixa de freqüência de 12,5 gigahertz. Depois o sinal original vai para um mixer e para um oscilador. Este último gera uma freqüência muito próxima da original, enquanto o mixer vai fazer a mistura desses sinais, de forma que se obtenha, ao fi-

ção, nota-se desde o final de 1999 significativa retomada de crescimento. Neste ano, o setor deve ter um crescimento de 20% e prevê-se a duplicação do número de assinantes para os próximos cinco anos. Entre os fabricantes nacionais que produzem os receptores de satélite, mas importam o conjunto de antenas e amplificadores de baixo ruído (LNB), estão Gradiente, Philips e Century. O principal atrativo do equipamento da Proqualit deverá ser o custo final do produto. Ao promover a manufatura de antenas de custo mais baixo, a empresa pretende viabilizar o acesso à tevê por satélite também para a classe C. Passo à frente - A partir desse novo equipamento, a empresa dá um salto tecnológico para desenvolver outros produtos de ponta, não só para o uso televisivo, como também para os novos serviços de telefonia sem fio. "Na prática, este é também um projeto estratégico para o futuro da empresa': justifica. E exemplifica: "Nós desenvolvemos antenas para celular, que ocupam a faixa de 800 a 900 megahertz e agora trabalhamos com antenas para a faixa de 1,8 a 3 gigahertz': adianta. Essa última é utilizada para novas aplicações em telefonia sem fio, incluindo os celulares das bandas D e E (na faixa de 1,9 gigahertz), já em funcionamento na Europa e parte dos Estados Unidos. O uso dessa faixa permite o acesso à Internet por meio do televisor doméstico. Tudo indica, portanto, que cada vez mais antenas estarão no cenário do nosso dia-a-dia. •

nal, um sinal de, por exemplo, 100 MHz. Faz-se, na prática, a conversão e o tratamento de sinais de freqüência. O sinal resultante é então novamente amplificado para poder ser absorvido pelo receptor de canais por satélite que fica ao lado do televisor. Uma longa jornada para se livrar dos ruídos e ampliar o sinal de TV que vem do espaço.

PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 67


TECNOLOGIA

PECUÁRIA

Ovulação sincronizada nos rebanhos Método aumenta uniformemente a fertilidade de bovinos ebubalinos s criadores que usam inseminação artificial sempre têm dificuldade para identificar o período do cio das vacas por meio da observação do momento em que elas passam a aceitar a monta dos touros. É que, em muitas delas, o começo e o fim do cio ocorrem à noite, o que impede a verificação. Para resolver o problema, que implica prejuízos, uma equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Universidade de São Paulo (USP) aprimorou tratamentos hormonais para sincronizar a ovulação de vacas e búfalas e permitir a inseminação artificial com hora marcada, dispensando a observação do cio. Os estudos começaram em 1991, coordenados pelo veterinário Ciro Moraes Barros, do Instituto de Biociências da Unesp em Botucatu. Ele estudou o gado Nelore porque pelo menos 100 milhões dos 150 milhões de bovinos brasileiros são dessa raça ou aparentados.

O

sete dias e sete noites nos piquetes, de lanterna na mão, para observar o início do cio. ''A primeira constatação foi que 30o/o das vacas Nelore entram e saem no cio à noite. E, como o peão só faz a observação em campo durante o dia- pela manhã e no final da tarde -, ele desconhece que muitas vacas já passaram pelo período do cio." Outra conclusão é a de que o intervalo do início do cio à ovulação é

semelhante ao de raças européias: começam a ovular 26 horas depois da primeira monta. Ed Hoffmann Madureira, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP em Pirassununga, confirmou isso: "Ele usou um aparelho na garupa da vaca que, quando pressionado pela monta, transmite a informação para um computador". Hoffmann obteve uma taxa de detecção do cio do gado Nelore, em campo, de 40o/o a 60%.

Sinal da monta - Depois de estudar

com ultra-som o aparelho reprodutor das vacas para ver o desenvolvimento dos folículos - cada uma das estruturas do ovário que abriga um óvulo -, passou a pesquisar um modo de sincronizar a ovulação. O estudo incluiu a observação do comportamento sexual do gado na fazenda São Manuel, da Unesp em Botucatu, e na fazenda da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Campo Grande (MT). Barros comandou um grupo que ficou 68 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

Gado Nelore: inseminação artificia l com hora marcada torna a criação mais ren tável


resultou em taxa de prenhez similar à obtida com a dose integral, por via intramuscular, embora esse estudo se restrinja a poucos animais. O objetivo é que o tratamento seja usado amplamente tanto em gado de leite quanto de corte, pois no Brasil só 5% das vacas são inseminadas artificialmente. No gado de leite, mesmo ao custo de R$ 15,00 por animal, o tratamento já compensa e é usado no país há pelo menos três anos, segundo José Luiz Moraes Vasconcelos, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp em Botucatu, que faz parte do grupo. Ele diz que o atraso de um dia para a vaca de leite emprenhar custa R$ 2,00 ao criador. Assim, um atraso de 20 dias implica a perda de R$ 40,00, enquanto a alternativa proposta é a de se gastar só R$ 15,00 no tratamento hormonal e antecipar a produção de leite. Além do tratamento com prostaglandina, Madureira e Pietro Sampaio Baruselli, da Veterinária e Zootecnia da USP, testam a sincroni~a­ Barros: ultra-som auxilia na análise do ovário bovino ção com outros hormônios: os progestádo outro hormônio, o benzoato de genos, aplicados por meio de estradiol (BE) ou o fator liberador de implantes na orelha ou de dispositigonadotrofina (GnRH), que estimuvos vaginais. "Os progestágenos lará a liberação de LH e promoverá a apresentam a característica de inovulação sincronizada na maioria das duzir a manifestação de cio em fêvacas. E, de 16 a 24 horas depois da meas que não estão nesse período. última injeção, as vacas são insemiO PROJETO nadas artificialmente.

A sincronização dos folículos ovarianos requer três injeções de hormônios em qualquer momento do cio- que dura 21 dias. A primeira injeção é do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) ou seus análogos sintéticos, que por sua vez liberam o hormônio luteinizante (LH), desencadeador da ovulação. O objetivo é induzir outra onda de estruturas foliculares em todas as vacas ao mesmo tempo. "Sete dias depois, aplicamos o hormônio prostaglandina (PGF), cuja função é destruir o corpo lúteo (parte dos folículos responsável pela produção de progesterona), o que naturalmente só ocorre no 17? dia do ciclo", diz Barros. Entre 24 e 48 horas, é aplica-

Quanto vale- Em razão do custo, esse

tratamento é mais usado em gado de leite do que de corte. Custava R$ 15,00 por animal. Barros passou a usar BE na segunda dose no lugar de GnRH e o custo baixou para R$ 10,50. Há três anos, passou a testar técnicas para baixar mais o custo. Experimentou meia dose de prostaglandina por via intravulvar, o que

Sincronização da Ovulação para Inseminação Artificial (IA) com Horário Predeterminado em Vacas Nelore MODALIDADE

Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR

(IRO MORAES BARROS- Unesp-Botucatu INVESTIMENTO

R$ 1.170,00 e US$ 19.000,00

Isso é importante no Brasil, onde as vacas se alimentam quase exclusivamente de pasto e demoram a entrar no cio no pós-parto." Bubalinos no cio - Outro estudo do

grupo é o da sincronização da ovulação para inseminação artificial e transferência de embriões para a população de bubalinos (búfalos), que têm comportamento reprodutivo e resposta a tratamento diferentes dos bovinos. O Brasil tem o maior rebanho bubalino do Ocidente cerca de 3 milhões de animais -, que requer otimização do ganho genético. O trabalho coordenado por Baruselli e Madureira já trouxe um resultado positivo: verificou-se a viabilidade técnica da inseminação artificial em tempo fixo, sem a necessidade de detecção do cio. Ciro Barros também estuda a sincronização do cio das matrizes doadoras, que passam por tratamento de superovulação para produzir mais embriões. O objetivo é obter uma resposta superovulatória mais homogênea e saber por que as vacas produzem embriões heterogêneos. O tratamento concebido por Barros é o melhoramento de um sistema desenvolvido por um grupo de pesquisadores holandeses com a eliminação da observação do cio. "Já conseguimos melhorar o manejo, mas a resposta ovulatória continua na mesma, porque o grande problema da superovulação em todo o mundo é a variação da reação individual das vacas ao tratamento." Os pesquisadores fizeram experiências com 40 animais, mas a variabilidade continuou a mesma: "Algumas matrizes produzem 15 embriões, e outras, nenhum". Barros, naturalmente, confia em obter melhores resultados ao longo desse projeto. Ele afirma que os estudos do grupo estão voltados para o desenvolvimento de sistemas mais baratos e mais eficientes, que melhorem a relação custo-benefício e se tornem acessíveis à grande maioria dos pecuaristas, de todas as regiões do país. • PESQUISA FAPESP • SETEMBROOE2001 • 69


HUMANIDADES

SEMIÓTICA

Navegando entre Platão e salsichas Pesquisa mostra que complexidade da hipermídia gera um novo tipo de leitor, com habilidades distintas tanto do intérprete da palavra escrita como do receptor dos signos urbanos uem sempre se intimidou diante de um computador ficou ainda mais apavorado quando essa caixa mágica trans ormou -se na porta de acesso para o mundo virtual. Se já era difícil para algumas pessoas lidar com os micras quando esses não passavam de máquinas de escrever e de calcular melhoradas, o advento da face amigável da Internet em 1990- o mundo maravilhoso da World Wide Web, ou simplesmente WWW, com suas teias invisíveis e aparentemente sem fim, que podem levar a tudo (ou a nada) - exacerbou o mal-estar. Por que tanta gente, sobretudo os mais velhos e os menos instruídos, sente-se perdida no emaranhado de páginas eletrônicas, sons, textos, imagens, links e ícones do universo digital? Enfim, por que a comunicação no ciberespaço é um desafio, às vezes quase intransponível, para os neonavegadores? Para a semióloga Maria Lucia Santaella Braga, diretora do Centro 70 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

de Investigação em Mídias Digitais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Cimid/PUC-SP), financiado pela FAPESP, que encerrou um estudo prático e teórico sobre os usuários da hipermídia, a figura do internauta deu origem a um novo tipo de leitor, do qual são exigidas habilidades totalmente diferentes das solicitadas dos receptores da palavra impressa ou da imagem em movimento do cinema e da televisão. "É um leitor revolucionariamente novo", diz a pesquisadora. Navegar é uma atividade mais complexa do que ler um livro ou ver um programa de TV. "O internauta está num estado permanente de prontidão perceptiva e sua atividade mental deve estar em perfeita sintonia com as partes motora e cognitiva. A linguagem do mundo digital só existe quando o usuário atua e interfere na mensagem", afirma. Não é de se estranhar, portanto, que os não iniciados nos meandros da rede se percam em seu labirinto de opções, todas a

poucos cliques de distância, e se cansem rapidamente de vagar no meio virtual. Parafraseando o semiólogo e escritor italiano Umberto Eco, o internauta pode ir de Platão a salsicha "com cinco passos apenas". Lucia qualificou o usuário da Internet de leitor imersivo, um ser mergulhado nas arquiteturas líquidas do ciberespaço, onde todas as formas de signos (som, imagem e texto) encontram-se lado a lado, digitalizadas e interligadas por redes de dados sem fim e começo aparentes. Quem estabelece a ordem dessa informação fragmentada disponível no universo virtual é o usuário. Ainda que tenha de passar, muitas vezes, por pontos preestabelecidos pelos autores das páginas eletrônicas - os links, atalhos que ligam os incontáveis fragmentos de informação que flutuam pela rede -, cada internauta tece sua teia particular de conexões, de modo asseqüencial e multilinear, às vezes com uma lógica que é peculiar apenas a ele e a mais ninguém.


Com toques no mouse ou teclado, o usuário percorre as teias virtuais que formam a arquitetura do mundo virtual

''Ao final de cada página, é preciso escolher para onde seguir", afirma Lucia. "É o usuário quem determina qual informação deve ser vista, por quanto tempo e em que seqüência." Essa peculiaridade, segundo a semióloga, faz da Internet a única mídia inteiramente dialógica e interativa. No livro, jornal, rádio e TV, a comunicação tem um só sentido - do emissor para o receptor. O telefone e o fax são interativos, mas só conectam um número limitado de pessoas e são monossemióticos - o primeiro só transmite o som e o segundo textos (e imagens) sobre um papel. Livro e cidade - A postura do internauta é diferente do comportamento exibido pelos dois tipos de leitores que o antecederam: o leitor contemplativo de livro, surgido no final da Idade Média (século 15) e hegemônico até meados do século 19, e o leitor movente e apressado da sociedade industrial, habitante das grandes cidades que se locomove em

meio a uma miríade de signos urbanos, consumidor de jornais, ouvinte de rádio e, mais tarde, da televisão. O primeiro é um ser sem pressa, que depara com objetos e signos duráveis, palpáveis e imóveis: pinturas, gravuras, mapas, partituras, além ae livros. Sua relação com esses signos perenes obedece quase sempre a uma seqüência clara, e a visão é o sentido mais requisitado, a serviço de sua imaginação. O segundo é o cidadão de um mundo mais acelerado, onde esbarra a todo momento nas mais variadas formas de signos móveis que povoam as metrópoles: sons e ruídos da vida urbana, a palavra escrita agigantada em letreiros e outdoors, telas luminosas, nervosas, com imagens em movimento, como se fossem grandes televisores. Nesse ambiente, quase tudo é fugaz, para consumo rápido e imediato, como o jornal, primeiro grande rival do livro, que, em 24 horas, passa de novidade para velharia. Lucia ressalta que, depois da revolução industrial, esses dois tipos de

leitor passaram a coexistir na sociedade. As novas tecnologias de comunicação e a crescente urbanização da população mundial aumentaram progressivamente o peso do leitor movente, do homem que literalmente anda entre os signos. Não liquidaram, no entanto, com o mundo das coisas fixas e perenes, com o apreciador de livros. Neste início de século 21, acontece um processo semelhante. O internauta ganha espaço entre os leitores de livros e os intérpretes dos signos urbanos. Mas sua chegada não é vista como indício da extinção de seus antecessores. Os três tipos de leitores vão conviver lado a lado, materializando-se, às vezes, numa mesma pessoa em momentos distintos. "O livro não vai desaparecer", afirma a pesquisadora da PUC. Para a semióloga, pessoas que valorizavam demais os livros e que têm pouca familiaridade com o universo urbano dos signos em movimento têm mais dificuldade em virar um leitor imersivo, digital. Num primeiro momento, pode parecer inusitado o interesse de uma especialista em semiótica pela Internet, assunto normalmente visto e analisado sob a ótica das ciências exatas. Mas, na medida em que essa disciplina representa o estudo dos signos (objetos, formas ou fenômenos que representam algo diferente de si mesmos), a análise da rede por esse tipo de pesquisador é hoje em dia mais do que natural. Afinal, em toda a história da humanidade, a Internet é o primeiro meio de comunicação que conseguiu reunir todos os tipos de signos - texto, som e imagem, o verbal, o auditivo e o visual, - numa mesma forma de linguagem, a linguagem digital dos bits, onde a informação, sob qualquer forma, pode ser codificada e decodificada. De repente, tudo que era real e palpável passou a ter uma versão virtual, PESQUISA FAPESP · SETEMBRODE2001 • 71


distante apenas alguns cliques do mouse: o jornal do dia-a-dia, a revista do fim de semana, as imagens da televisão, o som do rádio, o texto integral de um livro antigo. Até aquele outdoor que víamos na rua foi transportado para a tela do computador. "O ciberespaço é o signo dos signos': diz Lucia. O desafio de entender como o ser humano raciocina e interage com a Internet é tão grande e novo que Lucia resolveu realizar pela primeira vez em sua carreira um trabalho de campo. "Sempre fui teórica e não tinha experiência em pesquisa prática': reconhece a semióloga, que contou com a colaboração de três bolsistas de iniciação científica do CNPq em seu estudo. "Inicialmente, tudo o que pensei não deu certo:' A idéia original de Lucia era entrevistar e observar 30 pessoas usando a Internet, 15 que já acessavam a rede e 15 não familiarizadas com o mundo virtual. Muito esquemá-

tica, a abordagem, que simplesmente dividia os indivíduos em iniciados e não iniciados no mundo virtual, não deu certo. As respostas eram lacônicas e a observação não relevou quase nada de significativo. "Essa fase serviu para indicar que o caminho era outro", afirma a pesquisadora, com humildade e bom humor. Novato, leigo e esperto - Assim que

percebeu as limitações do método, Lucia fez algumas correções de rota. Aumentou o número de pessoas estudadas para 45 e as classificou em três grupos de 15 indivíduos, criando uma categoria

intermediária entre os dois extremos. A primeira categoria compreendia os indivíduos sem conhecimento prévio da rede, que foram chamados de novatos. No nível seguinte, foram

Um admirável mundo novo, cheio de som e de fúria

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Música e som potencializam a imersão do internauta no mundo virtual. As pessoas dedicam muito mais tempo à fruição de uma versão multimídia de um escrito li terário do que ao texto original, retirado de um livro. As afirmações são da semióloga alemã Karin Wenz, da Universidade de Kassel, que estuda as diferenças de percepção proporcionadas pela palavra impressa e o cibertexto. Em uma de suas pesquisas, Karin comparou e analisou o comportamento de um grupo de alunos diante do poema The Angel of History, de autoria da americana Carolyn Forché. Os estudantes foram expostos a uma versão digital dos versos da poeta, com links, música, sons e imagens, e ao texto original. Todos os alunos, sem exceção, preferiram o cibertexto ao poema impresso. Em alguns casos, o tem-

72 • SETEMBRO DE 2001 • PESQUISA FAPESP

po dedicado aos versos digitais foi até quatro vezes maior que ao poema no papel. No experimen to, independentemente do número de palavras exibidas na tela; o internauta sempre mantinha a janela aberta sobre o cibertexto enquanto tocava música. Os resultados dos estudos da alemã, ainda preliminares, são diferentes das conclusões de alguns trabalhos anteriores, que compararam o grau de imersão de leitores diante de hipertextos simples (apenas com links, mas sem recursos de áudio e vídeo ) e textos impressos. Nesses estudos, o resultado foi o inverso do obtido por Karin: as pessoas ficaram m ais tempo lendo o texto impresso. "O fato de os estudantes dedicarem mais tempo a um hipertexto com recursos multimídia não é necessariamente um sinal de leitu-

ra atenta, m as d e observação con templativa", pondera. Karin também percebeu que o ato de ler na Internet foi influen ciado pela experiência dos alunos com outros meios de comunicação e seu grau de intimidade com hipertextos. Leitores que se descreveram como telespectadores que gostam de trocar constantem ente de canal adotaram uma postura semelhante no computador: zapeavam na Internet, passando por muitas páginas, como se estivessem sempre procurando algo. Já as pessoas que não tinham experiência alguma com o mundo virtual lan çavam m ão das m esm as técnicas empregadas na leitura de um texto impresso: tentavam ler todas as palavras que apareciam n um site e, conseqüentem ente, gastavam m ais tem po diante de um h ipertexto.

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...__ ..J Vivendo em meio a imagens e palavras: ambos os universos foram transpostos para o computador

reunidos os indivíduos com pouco conhecimento de Internet, rotulados de leigos. No terceiro plano, ficaram os internautas experientes, que dominam os meandros do mundo virtual e passaram a ser chamados de espertos. Para explorar toda a gama deraciocínios desses três grupos de usuários, a semióloga também alterou a forma de extrair informações dos participantes do estudo. Em vez de lhes fazer perguntas sobre o processo de navegação, passou a lhes propor tarefas, cujo grau de complexidade variava de acordo com o grupo a.que pertencia a pessoa. Tarefas como encontrar informações sobre o campeonato paulista de futebol ou entrar num site de bate-papo. Para obter impressões ainda mais detalhadas sobre os usuários novatos e espertos, também foram realizadas gravações em vídeos de alguns usuários. A análise do trabalho de campo deixou claro que a forma de raciocinar de cada grupo no ciberespaço é norteada por diferentes mecanismos de inferência, por distintas formas de tirar conclusões, o que confere características particulares a cada categoria de internauta. Nos usuários novatos, as conclusões são fruto, basicamente, de uma forma de pensar chamada abdução, muita

usada pelas pessoas diante de coisas ou indivíduos sobre os quais pouco ou nada se conhece. O que é abdução? É um processo mental no qual o entendimento de um signo é feito com o auxílio de um código familiar ao intérprete. Uma pessoa que, por exemplo, nunca navegou no ciberespaço abre um CD-ROM multimídia de acordo com as instruções que lhe foram dadas sobre como operá-lo. Ao entrar no programa, depara com um ambiente em três dimensões e não sabe mais o que fazer. Movendo o mouse, passeia o cursor sobre a tela e percebe que um ponto se ilumina. O usuário presume, então, que deve clicar o mouse nesse ponto. Pronto: ele acabou de realizar uma inferência abdutiva. Por navegar ancorado majoritariamente nesse tipo de raciocínio; o novato é definido por Lucia como um "intemauta errante, aquele que pratica a arte da adivinhação': Os usuários leigos, em processo de familiarização crescente com a Internet, locomovem-se no espaço virtual de forma diversa. Seu processo O PROJETO Revolução Digital e Novas Formas de Produção e Difusão Científicas MODALIDADE

Equ ipamentos mu lt i-usuários COORDENADORA MARIA LUCIA 5ANTAELLA BRAGA -

PUC/SP

INVESTIMENTO

R$ 107.861,92

e US$ 10.835,54

de inferência predominante é a indução: a partir de um caso específico, tiram conclusões gerais. Lucia chama-os de "internautas detetives, que aprendem com a experiência". Um exemplo de raciocínio indutivo. Em um programa de busca, o usuário digita o assunto que pretende pesquisar, mas obtém um número muito grande de respostas, de links para sites que podem conter a informação desejada. Ele cruza, então, mais informações, refina sua pesquisa e consegue uma resposta mais específica, próxima da que procurava. A partir dessa forma de refinar pesquisas nesse programa, o Sherlock Holmes do mundo cibernético conclui que sempre deve proceder assim em todos os sites de busca. Já a lógica de inferência dos usuários espertos assenta-se fundamentalmente sobre processos dedutivos, modo de pensar no qual, a partir de uma ou mais premissas tomadas como verdadeiras, demonstra-se uma terceira proposição, conseqüência direta de suas antecessoras. É o "internauta previdente, que antecipa as conseqüências" de seus atas. Durante a navegação, quase todos os cliques com o lado direito do mouse são exemplos de dedução. Somente usa esse recurso, que permite desempenhar uma série de funções (downloads, avançar, voltar, etc.), quem de antemão conhece as regras de funcionamento do espaço virtual. Em seu estudo, a pesquisadora da PUC também percebeu que internautas com um determinado perfil têm mais facilidade em se locomover pelo ciberespaço. Esse foi o caso de pessoas, em geral jovens, que passaram muito tempo jogando videogames. "Fiquei embasbacada com isso", diz Lucia. Os jogos eletrônicos pedem um casamento perfeito entre a cognição mental e a parte motora, estimulando um processo de prontidão perceptiva que será muito útil no ciberespaço. A forma atual de passatempo, criticada por alguns educadores, é uma avant-premiere lúdica para esses futuros internautas. • PESQUISA FAPESP • SETEMBRO DE 2001

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HUMANIDADES

nista Magdalena Tagliarro (1893/1986), criadoa, nos anos 40, das aulas públicas que levaram jovens pianistas ao encontro das platéias, costumava recomendar a seus alunos que não ficassem apenas trancados em casa ensaindo piano. Tão importante quanto os treinos e as aulas, defendia, era a experiência de vida. "Leia, viaje", dizia a mulher de porte miúdo e cabelos ruivos que costumava escrever cartas com tinta verde e anotar as partituras dos alunos em azul e vermelho. A propósito, disse de si mesma: "Devo muito ao meu país: os milagres da natureza, as flores, as

K

mas seu legado- o rigor interpretativo, o talento como pedagoga, as idéias inovadoras - continua vivo. Prova disso é o livro Magdalena Tagliaferro - Testemunha de seu Tempo,

resultado da pesquisa (realizada com o apoio da FAPESP) do maestro, organista, professor e bacharel em direito Édson Leite. Ele defendeu sua tese de doutoramento na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP) em 1999, após dois anos e meio de pesquisas, sob a orientação do professor Marco Antônio Guerra. "Eu quis mostrar a importância que o artista pode ter na sociedade, mostrar não só o musicista isolada-

de gola fechada; mas, quando se sentava ao piano, o público a via de costas e um decote bem ousado surgia, imponente. "Isso fazia parte de sua política também, ela sabia vender seu peixe. Era uma artista fantástica e uma mulher vaidosa, aqueles cabelos vermelhos, os lábios sempre pintados. Nunca ninguém a encontrou sem batom, mesmo pela manhã", diz o pesquisador. Nascida em Petrópolis, Rio de Janeiro, em 1893, Magdalena era filha de pais franceses (o pai, Paulo Tagliaferro, dava aulas de canto e piano). Menina prodígio, fez seu primeiro concerto em 1902 e, aos

Garota prodígio -

MÚSICA

l Nos 75 anos da morte da pianista, livro narra a história e a carreira da artista praias, as cores. Na música, sou uma colorista': afirmava a artista que conviveu com Ravel, Fauré e Poulenc na capital francesa, cidade que ela conheceu ainda menina, quando foi para o Conservatório de Paris, então dirigido por Gabriel Fauré, aprimorar a sua arte. Lá, seus mestres foram Raoul Pugno e Alfred Cortot. Com esse último, manteve uma intensa relação musical (e correu mundo que o professor, casado, apaixonou-se perdidamente pela aluna), sobre a qual disse numa entrevista: "Muito instintivo! Cortot me abriu horizontes de interpretação fantásticos. Foi, sobretudo, isso que ele me deu, não é? Ele abriu a minha imaginação musical de um modo extraordinário. Imaginação para o pedal. Fantástico!" Agora, completam-se 15 anos da morte da pianista, ocorrida em 1986, 74 • SETEMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

mente, mas seu papel como agente cultural': diz Édson Leite. "E também colocá-lo em dia com a memória, preservar sua memória. A Magdalena era uma figura forte, que conquistava quem gostava e também quem não gostava dela. Ninguém ficava indiferente." O professor lembra a modernidade da artista, que já nas primeiras décadas do século 20 trabalhava, com suas atitudes personalíssimas, sua própria imagem. Como lembra o pesquisador, muitas vezes, nas aulas públicas, por exemplo, ela chegava usando luvas finíssimas e ia tirando o acessório aos poucos, lentamente, de forma teatral, na medida em que tocava e ia explicando e fazendo comentários sobre a música. Outro aspecto de seu jeito de ser: às vezes, chegava para dar um concerto com um vestido discretíssimo,

13 anos, foi para a Europa com a família. O pai estava doente e ia tratar da saúde, mas o que o motivava de fato era o talento da filha. Assim, ele tomou a iniciativa de escrever a seu antigo professor de piano, Raoul Pugno, solicitanto atenção para Magdalena. Depois de ouvi-la tocar, Pugno recomendou-a Antonin Marmotel, que o sucedera na classe do conservatório. Magdalena foi admitida por unanimidade e passou a estudar com Marmotel. Depois, ainda teve aulas com o próprio Pugno, que carinhosamente a chamava de "meu macaquinho do Brasil". Sua carreira estava delineada. Em 1907, ela conquistou o primeiro prêmio e a medalha de ouro do concurso do Conservatório de Paris. Em 1928, recebeu a Legião de Honra da França e em 1937 foi nomeada cate-


drática do Conservatório de Música de Paris. Entre suas apresentações históricas está a do Carnegie Hall, em Nova York, em 1940, como solista do

Concerto em lá maior, opus 54, para piano e orquestra, de Schumann. Apesar da ligação intensa com a França, ela teve de passar quase uma década inteira no Brasil. No início dos anos 40 fez uma turnê pelos Estados Unidos e, dizem, em decorrência das dificuldades impostas pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945), não pôde voltar à França. Também nessa época estava terminando um casamento. Assim, veio para o Brasil. E, ainda em 1940, criou seu curso de interpretação e apreciação musicais com o apoio do Ministério de Educação e Saúde. Ensinou em vários Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo, e em 1956, com o incentivo de Cortot, levou-o para a França. Ela planejava tais cursos cuidadosamente, desde a escolha das peças a serem executadas em cada aula até as informações históricas, biográficas, estilísticas, formais. Tudo era pensado de maneira a dar um todo coerente e estimulante. Mais tarde, fundou em São Paulo a Escola Magda Tagliaferro e continuou promovendo as aulas públicas, as quais permitia aos alunos mostrar ao público sua arte, com todas as responsabilidades que isso implica. Fábio Caramuru, pianista, um de seus ex-alunos em Paris nos anos 80, hoje divulgador da obra da mestra e diretor artístico da Fundação Magda Tagliaferro, assistiu a uma delas, no Masp, quando tinha apenas 16 anos. "Naquele dia, uma menina tocou muito bem, foi uma perfeição. Quando terminou, Magda disse: 'Minha filha, você tem 19 anos, já amou alguma vez na vida?'", lembra Caramuru. "Essa pergunta já diz tudo. Apesar de estar perfeito do ponto de vista técnico, faltava vivência, coisa que consiTagliaferro em Nova York (1940): guerra na Europa trouxe-a de volta ao Brasil, onde ajudou a criar uma geração de músicos


derava essencial", conta ele. O conselho que dava aos alunos tirava da própria vida. Mulher viajada e supervaidosa, gostava de ir à praia, à montanha, a festas. Projetos culturais - A Fundação Magda Tagliaferro é uma instituição que desenvolve projetas culturais, oferece bolsa de estudos a novos pianistas de talento e faz publicações e remasterizações de gravações Mãos de Magda: elogios à musicalidade do brasi leiro da artista. Também tem um bom material biográfico sobre a o impressionismo e também com o simbolismo. "Como Paris, Magda é a pianista - textos, livros, fotos e disarte em renovação", diz Leite. Os ares cos. Um dos livros que podem ser e a vida parisiense estavam também consultados ali é a autobiografia de refletidos nas grandes cidades brasiMagda, Quase Tudo, esgotada, que leiras. Em sua tese, o pesquisador Édtambém foi uma das fontes de Leite son Leite lembra, por exemplo, que a em seu trabalho. França (com a literatura de Flaubert, Outra iniciativa da fundação é o Zola, Maupassant, Anatole France) lançamento da segunda edição do CD Reviva[, de 1991, vencedor do dava o tom aos artistas e intelectuais. Em São Paulo, sustentado pela febre grande prêmio da crítica da Ascafeeira, lia-se Machado de Assis e sociação Paulista dos Críticos de Arte Coelho Neto e a "mania do piano (APCA) naquele ano. Produzido por Caramuru, Reviva[ tem, segundo ele, grassava na sociedade sob a orientação do maestro Chiaffarelli". um critério de seleção unicamente A brasilidade, em tons modermusical. Com tiragem de 5 mil nos, seria apresentada logo máis, exemplares patrocinada pelo Fundo com a Semana de Arte Moderna de Nacional de Cultura, o CD inclui composições como A Vida Breve: 1a 1922 e, na década seguinte, com a Dança, de Manuel de Falia, Suíte Espublicação de obras como Casa panhola: Sevilha, de Isaac Albeniz, Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Evolução Política do Brasil, de Prelúdio, Coral e Fuga, de Cesar Frank, Suíte Bergamasque: Clair de Caio Prado Junior, e, depois, Raízes Lune, de Claude Debussy, e Tocata, de do Brasil, de Sérgio Buarque de HoFrancis Poulenc. Os estudiosos concordam: a imporO PROJETO tância de Magda é inquestionável, Magda/ena Tagliaferro: Testemunha pois, além de concertista de nível inde seu Tempo ternacional, era também pedagoga, transmitia o que sabia para as geraMODALIDADE Bolsa de doutorado ções seguintes. Caso raro no métier, porque normalmente os artistas ou só COORDENADOR se dedicam aos recitais e concertos ou MARCO ANTONIO GUERRA- ECA/ USP são professores. Muito desse talento e criatividade INVESTIMENTO RS 43.439,00 ela apurou nos anos de ouro do início do século passado, no convívio com 76 • SffiMBRODE2001 • PESQUISA FAPESP

~ landa sugennam uma

~ releitura e redescober~ ta do país. No prefácio de Magdalena Tagliaferro - Testemunha de seu Tempo, Maria de Lourdes Sekeff lembra: "Se Chiaffarelli (1856-1923), que fora professor de Antonieta Rudge, Guiomar Novaes e Souza Lima ( ... ), fizera de São Paulo o centro musical mais adiantado doBrasil, caberia a Magda Tagliaferro tratar da questão da modernidade musical representada pela música francesa, tratar da importância de Debussy, Ravel , Milhaud, colocando-nos lado a lado com os novos rumos estético-musicais". E ela captou muito bem, e ao vivo, toda a musicalidade francesa . Não poderia ser de outro modo. Afinal, o Conservatório de Paris, fundado em 1795, foi o celeiro de praticamente toda a música francesa da modernidade. "Magda pôde respirar o mesmo ar que os grandes mestres da música francesa respiraram, participar de suas aulas, conhecer suas histórias de perto e, algumas vezes, até tomar parte nelas", diz Leite. Povo musical - Intérprete famosa por suas turnês européias, como professora sempre estava atenta aos aspectos técnicos, à execução, mas não descuidava do efeito musical que se podia conseguir em alguma frase, em determinado momento da música. "Ela queria um resultado diferenciado, que reproduzisse a música do período e com características de intérprete. Achava que o mais importante para o pianista era mostrar sua personalidade musical e desenvolver sua especificidade", lembra o ex-aluno Caramuru. Pois, como ela dizia: "O brasileiro é o povo mais musical que existe no mundo, é uma musicalidade natural que dá de dez • a zero na do europeu".


HUMAN IDADES

III ST() lU A

Censurou, virou manchete Estudo revela que jornalistas ajudaram a ditadura a calar amídia

Janeiro e os arquivos de Brasília e da Academia Nacional de Polícia. Ela também fez pesquisas nos bancos de dados do jornal Folha de S. Paulo, na editora Abril e nos arquivos pessoais dos jornalistas Joel Silveira e Ana Maria Machado (Rádio JB) . Ela fez, ainda, entrevistas com jornalistas que passaram especificamente pela Folha da Tarde e com outros jornalistas de outros veículos. Também entrevistou o cineasta Roberto Farias, ex-presidente da Embrafilme e diretor do filme Pra Frente Brasil e 11 censores - mulheres e homens de faixas etárias diferentes entre 1950 e 1986 que estão aposentados ou ainda são funcionários do Departamento de Polícia Federal (DPF). Vale ressaltar que, dos 11 cen-

ães de Guarda: jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 deve jogar um balde de água fria na idéia romântica de que os jornalistas da imprensa brasileira esgrimavam freqüentemente suas canetas contra a ditadura. Tese de doutorado de Beatriz Kushnir, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp ), Cães de Guarda tem como cenário o período sombrio da ditadura no Brasil. O motivo inicial do trabalho, patrocinado pela FAPESP, era entender a lógica interna da censura naqueles anos. Mas, no meio do caminho, a pesquisadora deparou com uma trilha paralela que ampliou sua análise. "Havia a idéia quixotesca de que o jornalista, mesmo no período do pós-64, usou os jornais como uma frente de resistência, mas isso só ocorreu fortemente na imprensa alternativa, não na grande imprensa como um todo", enfatiza Beatriz. "Escrevendo nos jornais ou riscando o que não poderia ser dito ou impresso, os jornalistas colaboraram com o sistema autoritário implementado naquele período." A pesquisadora iniciou esse doutorado em 1996. A partir de 1997, ela começou a vasculhar a documentação do Arquivo Nacional do Rio de Cha rge de Fortuna, pu b licad a na Pif-Paf(1964)

C

sares entrevistados, apenas dois autorizaram a divulgação de seus nomes. Solange Hernandes foi uma delas. Outro foi Corioleano de Loyola Cabral Fagundes, hoje pastor evangélico. Ele era o chefe do Departamento de Censura de Diversões Públicas (DCDP) quando o então presidente José Sarney (1985-1990) vetou ]e Vaus Salue Marie, do cineasta JeanLuc Godard, o último filme a ser censurado no país, e quando decretou-se o fim da censura. Tramas legislativas - Inicialmente,

Beatriz mapeou a legislação censória no período republicano. Embora quase não tenha encontrado documentação sobre a censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) no Estado Novo (1937-1945), ela procurou cruzar as semelhanças e as diferenças entre os dois períodos. "Tentei registrar o 'locus' institucional das agências de censura no aparelho de Estado, as tramas legislativas construídas no período republicano e as gerações dos técnicos de censura do (DCDP), além de toda a estratégia corporativa montada por este grupo para sobreviver após a decretação do fim da censura oficial em 1988", resume a pesquisadora. Ao entrar no corte temporal escolhido para sua análise, Beatriz começou a encontrar nomes e alguns rostos dos censores. Foi ao começar as entrevistas que percebeu que poderia ampliar sua tese. Nessa fase, ela se deu conta de que os dez primeiros censores deslocados para Brasília, quando da transferência da capital, tinham o jornalismo como ocupação anterior, o que a fez ampliar a sua investigação. "Há duas explicações para isso; uma é que, nos concursos para técnico de censura, a única ocupação que se podia ter além de ser censor era a de jornalista", explica. Beatriz ressaiPESQUISA FAPESP · SffiMBRO DE2001 • 77


ta, ainda que, no Brasil, também havia a prática do duplo emprego dos jornalistas, um deles dentro de órgãos do governo. O Correio da Manhã, de acordo com ela, tentou quebrar essa prática nos anos 60, mas não obteve sucesso. O escritor Carlos Heitor Cony conta isso com clareza em seu livro Quase Memória, sobre o pai que também era jornalista. "Daí dá para compreender como eles se tornaram censores. O problema é que depois eles continuaram censores", conclui a pesquisadora. Um dos jornalistas-censores que Beatriz aponta foi José Vieira Madeira. "Ele trabalhava no Jornal do Brasil e, depois que deixou de ser censor, teve uma coluna em O Dia", conta. Quarta capa da revista Binócu lo, de 1881 Assim, em Cães de Guarda Beatriz foca sua análise em dois cenásistema repressivo a partir das redarios e no diálogo que eles estabeleções. Para entender esse último grupo Beatriz redesenhou a trajetória da cem entre si: os jornalistas que trocaFolha da Tarde. Sobre essa empresa ram as redações pela burocracia e se tornaram técnicos de censura e os do Grupo Folha da Manhã a pesquipoliciais de carreira que atuaram sadora dedica especial atenção a dois como jornalistas colaborando com o momentos da história do jornal:

"Primeiro, o foco é em 1967, quando a FT renasceu, dirigido por Miranda Jordão (hoje, ele trabalha em O Dia) para fazer frente ao Jornal da Tarde, do Grupo Estado, que acabara de ser lançado." Beatriz ressalta que era um momento em que a redação da FT estava repleta de bons jornalistas, ainda na ativa - como Rose Nogueira ou Tonico Ferreira, entre vários outros que ela entrevistou. "Muitos deles eram simpatizantes de esquerda, engajados ou militantes que atuavam na luta armada, principalmente na Aliança Libertadora Nacional (ALN). Mas na noite da morte do líder Carlos Marighella, em novembro de 1969, começaram a cair militantes, muitos deles jornalistas daquela redação", diz Beatriz. "Finalmente, com o Al-5, Miranda Jordão foi mandado embora e o jornal mudou completamente de perfil", conta. No lugar de Jordão, de acordo com ela, foi colocado Aggio (Antonio Aggio Jr. atual assessor de imprensa do senador Romeu

Para curar a amnésia da censura na imprensa A escuridão da censura foi jogada duas vezes sobre a imprensa brasileira: de 1937 a 1945 e de 1964 a 1978. Muito tempo se passou sem que o assunto fosse tratado como merece, mas aos poucos livros e teses acadêmicas vão vasculhando seus meandros e acendendo a luz sobre seus principais personagens. No prefácio de A Censura Política na Imprensa Brasileira, 19681978 (Global Editora, 1980), do

jornalista Paolo Marconi, um dos primeiros livros a chafurdar fundo nessa lama, o escritor Antonio Callado aponta Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, como único documento sobre a censura

78 • SETEMBRO DE2001 • PESQUISA FAPESP

de 1937. "Mas, aos poucos, livro a livro, vai se ocupando toda a área da repressão (do pós-64)': escreve Callado. Em 1969, Marconi ainda estudava jornalismo e trabalhava em redação. "Eu via misteriosos bilhetinhos circulando pela redação, com determinadas proibições para não publicar as mais variadas informações", testemunha ele. "Diante desta violência exercida diariamente (pelos órgãos de segurança e informação), a censura patronal ia ficando relagada a um segundo plano." Voltando da França em 1975, ele pesquisou o assunto, entrevistou jornalistas, foi em busca das

fontes ideológicas da censura e documentou tudo em seu livro. Passados 19 anos, o próprio Marconi escreveu sobre o livro Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-1978 ), de Maria

Aparecida de Aquino (Edusc, 1999). "Que este livro estimule outros, acadêmicos ou não. É a única forma de clarear as zonas de sombra, passadas e presentes", disse. A tese Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, que a histo-

riadora Beatriz Kushnir acaba de concluir, preenche um pouco mais essa lacuna. E ela adverte que ainda lhe sobrou material sobre o assunto.


Tuma), que veio do jornal Cidade de Santos. "Durante uma década e meia o jornal ficou sob o comando de policiais e muitos dos jornalistas que ali trabalharam também exerciam cargos na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo", diz a professora. "Alguns achavam que o local mais lembrava uma delegacia e o jornal ganhou o apelido de ser o de 'maior tiragem', dado o Charge de Otávio, Folha da Tarde, São Pau lo, 3/9/1971 número de tiras (policiais) ra. Seixas contou que, em abril de que empregava." A família Frias só 1971, quando ele tinha 16 anos, fora voltou a ter o nome no expediente preso com o pai depois da morte do do jornal em 1984. Otávio Frias Fiempresário Henning Albert Boilesen, lho assumiu a Folha de S. Paulo, Agum dos milionários que financiaram gio saiu da PT e entraram Carlos a Operação Bandeirantes (Oban). O Brickman e Adilson Laranjeira. O assassinato era atribuído ao Movijornal passou por uma reformulamento Revolucionário Tiradentes ção e foi modernizado. (MRT), organização à qual os dois Em entrevista à Pesquisa FAPESP, eram vinculados. Na prisão, pai e fiAggio contou sua versão dos fatos. "A lho foram torturados. reformulação da PT e o Projeto Folha À certa altura, de acordo com o dede 1984 nada tiveram a ver com ideopoimento do jornalista, os policiais logia, mas com mercado", observa. O foram passear com o jovem pela cidajornalista lembra que, ao sair da direde. "Pelo rádio ele ouviu que os polição do jornal, Miranda Jordão perciais receberam ordem de matá-lo; maneceu na empresa. "Quem ficou pararam em um boteco para tomar no seu lugar foi Antonio Pimenta café e Ivan olhou pela janela para uma Neves e, depois, o diretor foi Francisbanca de jornal na qual uma manco de Célio César': diz. "Só depois é chete anunciava que seu pai fora que fui chamado por Frias para dirimorto ao ser capturado': conta ela. gir a PT. Era o final de 1969 e ali per"Mas não era verdade, pois quando maneci até 1984." Aggio garante que Ivan e os policiais voltaram para a o único policial que atuou na redaprisão ele viu o pai ainda vivo e ainção foi levado por ele da Cidade de da sendo torturado", conta. "Ao anaSantos. "Era o Carlos Antonio Guimarães Sequeira, estudante de direito que queria ser jornalista e, ao mesmo O PROJETO tempo, prestou concurso para deleCães de Guarda: Jornalistas e gado': afirma. "Passou no concurso, Censores, do AI-5 à Cons tituição mas como se revelou um excelente de 7988 jornalista de Internacional o convidei MODALIDADE para ser editor da PT." Tese de doutorado Tortura - Durante sua investigação, a

Beatriz conheceu Ivan Seixas, jornalista que foi militante da esquerda armada e que, com outros ex-militantes, acusa a PT daquele período negro de legalizar mortes em tortu-

COORDENADORA M ARI A 5TELLA M ARTINS BRESCIAN I -

Instituto de Filosofia e Ciências Huma nas da Un icamp INVESTIMENTO

R$ 116.553,00

lisar essa e outras reportagens daqueles tempos percebi que elas refletem boa parcela da cobertura desses casos com o desfecho que interessava na época, ou seja, percebe-se que não eram um mero texto imposto, há um material jornalístico com o interesse de que se divulgue uma imagem da luta armada como subversivos e terroristas", diz. "Por isso, a partir desse caso, procurei me aprofundar na história desse jornal para tentar entender o que foi e quem estava naquela redação." Esse estudo, de acordo com ela, toca sobretudo na questão da ética, mas principalmente se centra nas práticas do ofício jornalístico, nas normas a se seguir e principalmente nos seus momentos de quebra. "Nesse sentido, é importante não se esquecer que a imprensa vende um . . servtço, ao se comprar o tmpresso adquire-se uma informação, portanto, negocia-se a veracidade de um relato", observa ela. "Assim, o que ocorreu na Folha da Tarde de 1969 a 1984 é algo muito relevante para pensar as normas que regem esse 'negócio' e no colaboracionismo da grande imprensa com o sistema." Resumindo o resultado de seu trabalho, que rendeu mais de 400 páginas, Beatriz considera que ao focar seu estudo na imprensa encontrou caminhos para refletir a relação entre jornalistas e historiadores na investigação e feitura da história do tempo presente. "Devemos considerar que, passados 30 anos, os jornalistas recontam sua história se colocando como lhes interessa", diz a pesquisadora. As surpresas e provável tema para polêmica não param por aí: "O que mais me surpreendeu foi detectar a autocensura nas redações mesmo antes desse período e depois de 1988: o jornalista, conhecedor do veículo em que trabalha, seleciona o que pode ou não falar", acrescenta. • PESQUISA FAPESP · SETEMBRO DE2001 • 79


LIVROS

Além dos clichês e chavões Revista Estudos Avançados traz boa contribuição para o debate sobre educação JOSÉ SÉRGIO FONSECA DE C ARVALHO

á décadas que o inte:ess~ pela ~du,') caçao nao maiS se EsruoosAvAN<.ALXJs 4L restringe ao universo de seus profissionais - professores e responsáveis por Educação políticas públicas- e ocupa um lugar de destaque crescente nos debates sociais. Políticas públicas, como a progressão continuada, têm gerado polêmicas que mobilizam os mais diversos segmentos da sociedade. Na medida em que a escola pública foi deixando de ser uma instituição seletiva e abriu-se a camadas da população que não tinham acesso a ela, a importância e a complexidade de seus problemas passaram a ser objeto de preocupação generalizada. Essa ampliação do interesse geral por questões educacionais tem inegáveis méritos. Ela ressalta o caráter público de sua importância e a necessidade de uma ampla discussão acerca de seus rumos, já que tais problemas não são de teor exclusivamente técnico. Por outro lado, não é raro, nessas discussões, um excesso de clichês e slogans substituir a reflexão crítica rigorosa ou a pesquisa sistemática, mesmo no meio acadêmico. Nesse sentido, o Dossiê Educação da revista Estudos Avançados 42 (maio/agosto) é um retrato fiel da ampla diversidade de perspectivas, interesses e influências presentes nesse debate. Nele são abordados desde problemas amplos e gerais- como a formação de professores, a implantação de ciclos e a avaliação dos sistemas- até relatos de experiências pontuais, como a Escola Itinerante do Movimento dos Sem-Terra (MST). A amplitude temática e o tratamento sumário de certas questões nem sempre propiciam o aprofundamento de problemas cuja importância exige da universidade análise crítica criteriosa e não só debates acalorados. Isso não impede, contudo, que encontremos nessa publicação reflexões preciosas sobre o panorama da educação no Brasil hoje.

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80 • SffiMBRODE 2001 • PESQUISA FAPESP

Estudos Avançados 42 Dossiê Educação Edição especial

Vários autores São Pau lo, IEA/USP 486 pági nas R$ 18,00

Esse é o caso, dentre outros, dos artigos de José Mário P. Azanha e Franklin Leopoldo e Silva. Ambos, embora voltados para temas específicos, apresentam contribuições significativas para debates gerais sobre os rumos da educação, exatamente por superarem chavões. Em Uma reflexão sobre a formação do professor da escola básica, Azanha se

afasta das prescrições abstratas comuns, que concebem a formação docente em termos de desenvolvimento de qualidades pessoais do professor ou de supostas características da criança para focalizá-la em seu contorno institucional. A noção de vida escolar- apresentada por ele como um conceito nuclear na formação de professores - rompe com toda sorte de psicologismos e economicismos dominantes nos discursos educacionais atuais, que obscurecem a peculiaridade das práticas e valores que historicamente têm marcadó os objetivos das instituições escolares. Preocupação, aliás, que reaparece em Reflexões sobre o conceito e a função da universidade pública, artigo de Franklin.

Suas observações sobre a independência nos processos de investigação e de debate dentro da universidade sinalizam para uma possível especificidade da contribuição que a universidade pode dar ao debate público sobre educação. Não se trata de transformá-la numa "especialidade técnica", acessível somente a iniciados, mas de superar os clichês, submetendo-os ao crivo da análise crítica rigorosa e de estudos sistemáticos, tarefas que caracterizam os ideais universitários. Isso não substitui o diálogo amplo e diversificado, mas o enriquece de modo ímpar.

]OSÉ SERGIO FONSECA DE CARVALHO é professor de Filosofia da Educação da FE/ USP e autor do livro Construtivismo: Uma Pedagogia Esquecida da Escola


LANÇAMENTOS

REVISTAS

Relojoeiro Cego RICHARD DAWKINS O Companhia das Letras Richard Dawkins 488 páginas I R$ 37,00

O relojoeiro cego do título é nada menos do que a evolução, que Dawkins, neste seu novo livro, defende, explicando para os leigos as suas facetas mais polêmicas que, em geral, assustam os menos acostumados com temas científicos. O princípio adotado é o de mostrar a profunda coerência do pensamento darwinista, conquistando novos adeptos para o ideário científico, tarefa, paradoxalmente, importante nestes tempos de temor contra a razão. Dawkins mostra como a teoria de Darwin não trabalha com o acaso e também desmistifica a relação entre darwinismo e genética.

A Ciência: Deus ou Diabo? Editora Unesp Guitta Pessis-Pasternak 226 páginas I R$ 28,00

Escrito num estilo que pode ser definido como heterodoxo, o livro, organizado pela mesma autora de Do Caos à Inteligência Artificial, reúne uma vasta gama de artigos que discutem o conceito de ciência, em seus aspectos mais polêmicos, permitindo ao leitor uma viagem pelo interior desse assunto tão delicado. Entre os textos: É Preciso ter Medo da Ciência?, de Luc Ferry; A Inteligência Coletiva, de Pierre Lévy; A Ciência necessita de Mitos?, de Paul Caro.

Cinquentenário do CNPq Notícias sobre a pesquisa no Brasil CNPq 252 páginas

O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) completou meio século de existência este ano e, entre outras comemorações, lançou o livro Cinquentenário do CNPq. Lançada durante a Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, em setembro, a obra faz um completo apanhado das principais realizações da área no Brasil, desde as primeiras excursões de exploradores até as conquistas atuais. Vinte pessoas se debruçaram sobre o projeto durante um ano para compor 252 páginas de história. O livro teve tiragem de 2 mil exemplares e não será vendido, mas enviado para institutos de pesquisa e universidades.

UnB Revista 2001 - número 3

A publicação editada pela Universidade de Brasília traz como artigo de capa um dossiê sobre ciência e tecnologia, um longo e interessante debate em que vários pesquisadores analisam o passado, o presente e o futuro da ciência brasileira, dando especial relevo à inexistência de um projeto nacional para a matéria, com estratégias de longo prazo para o setor tecnológico. Mas há espaço igualmente para as letras, com uma homenagem da revista aos 80 anos do poeta Cassiano Nunes. Ainda neste número: a crise de energia e a busca de fontes alternativas; e um diálogo entre João Pedro Stédile, líder do MST, e o ministro Raul Jungmann.

CBPF ~

Revista CBPF 2001

Trazendo como manchete de capa o tema Na Vanguarda da Pesquisa, a revista CBPF é a mais recente publicação de divulgação científica do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia. Fundado em 1949, tendo como pano de fundo a corrida nuclear do pós-guerra, o CBPF, nesta revista, reúne artigos que explicam e divulgam o seu trabalho, fruto de um rec~nte relatório técnico. Entre os temas discutidos: Energias Externas do Universo, Moléculas e Superfícies, Modelagem de Sistemas Naturais, Caos e Mecânica Quântica, entre outros.

Revista Brasileira de Botânica 2001 - volume 24 Brazilian Journal of Botany

A publicação da Sociedade de Botânica de São Paulo traz em sua edição de junho os seguintes textos:

Biometria de Frutos e Sementes e Germinação de jatobá-curuba, de E.D. Cruz; Biologia de Polinização e da Reprodução de Três Espécies de Combretum Loefl, de Z.G.M. Quirino; Alteração no Potencial Osmótica e Teor de Carboidratos Solúveis em Plantas Jovens de Lobeira em Resposta ao Estresse Hídrico, de J.T. Chaves-Filho e de E. Stacciarini-Seraphin; Biologia Floral e Sistema de Reprodução de Merostachys riedeliana, de F.A.G Guilherme e K. Resssel; Aspectos Nutricionais na Vegetação do Manguezal do Rio Mucuri, de A. Campos. PESQU ISA FAPESP • SETEMBRODE2001 • 81


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