Abril 2002 N' 74
e
www.revistapesquisa.fapesp.br
FAPESP
TERAPIA
FOTO DINÂMICA LASER CONTRA O CÂNCER
Os atalhos do
Pesquisa revela função de estruturas primitivas do cérebro em situações de perigo
ÍNDICE
34 Grupo de Ribeirão Preto descobre funções de antigas estruturas do cérebro, acionadas em situações de perigo
CARTAS EDITORIAL MEMÓRIA • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ......•.......... ESTRATÉGIAS PESQUISADORES CRIAM EMPRESA DE BIOTECNOLOGIA CRIANÇAS DOS EUA ESCREVEM A BRASILEIROS BALA~ÇO DAS PATENTES DE QUIMICA COMUNICAÇÃO MAIS ÁGIL REDE CONTRA A TUBERCULOSE
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• CIÊNCIA LABORATÓRIO ............•...... DESCOBERTAS DOS CHIPS DE DNA ..........••...... NOVAS PROPRIEDADES DO GUACO PLANTA CONTRA FORMIGAS EFEITOS DO DESMATAMENTO NOS RIOS
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• TECNOLOGIA .•..•..•.......... LINHA DE PRODUÇÃO PLÁSTICOS MAIS COMPETITIVOS NOVO CHIP DE SILÍCIO TESTE DE FÁRMACOS NEUROATIVOS NANOCATALISADORES ELIMINAM COMPOSTOS INDESEJADOS DETECÇÃO DE DEfEITOS EM CENTRAIS TELEFONICAS ALIMENTOS ORGÂNICOS ...•......
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• HUMANIDADES TÉCNICAS DE ENSINO A DISTÂNCIA POLÊMICA AMBIENTAL SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA
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LIVROS LANÇAMENTOS ARTE FINAL ................•..•
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Capa: Hélio de Almeida Pinturas: Marianne von Werfkin, Roy Lichtenstein e Lucien Freud
26 o ministro Ronaldo Sardenberq, da Ciência e Tecnologia, defende a cooperação internacional para expandir as fronteiras do conhecimento
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O Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica avança nas experiências com a terapia fotodinâmica, que utiliza o laser para eliminar tumores
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54 Observatório Pierre Auger, fruto da colaboração entre 19 países, põe em operação os primeiros detectores de raios cósmicos
84 Reforma transforma Museu de Arte Contemporânea da USP em instituição modelo no Brasil PESQUISA
FAPESP
• ABRIL DE 2002
• 3
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ambientais. Parabéns aos profissionais do ForESTs. SÉRGIO HEITOR
MARQUES
Ilhabela, SP
Prêmio Na matéria Bons regimes ajudam a crescer, publicada na edição 70, faltou contar aos leitores que o livro dos professores Przeworski, Limongi, Cheibub e Alvarez - Democracy and Development - Political Institutions nd Well-being in the World, 19501990 - recebeu o prêmio Woodrow Wilson de melhor livro do ano, considerado o mais importante dos prêmios atribuídos pela American Politican Science Association. MARIA HERMÍNIA
TAVARES DE ALMEIDA
Depto. de Ciência Política, USP São Paulo, SP
Presidente Na edição passada (no 73) da revista Pesquisa FAPESP, o mapa da Baía do Almirantado, na Ilha Rei George, na Antártica, que ilustrava a reportagem O gelo perdido de uma ilha, foi publicado sem as legendas corretas, impossibilitando a identificação das áreas de retração de geleiras. Estamos publicando o mapa correto, produzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Universidade de Freiburg, na Alemanha.
to de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), mostram algo pior: a cidade está poluída e além disso a fumaça produzida na Grande. São Paulo vem prejudicando outras cidades vizinhas. No passado, alguns presidentes de países se reuniram para tratar do assunto poluição, mas acabou dando em nada. THIAGO
SILVA RODRIGUES
São José dos Campos, SP
Eucalipto Poluição Gostaria de parabenizar a revista Pesquisa FAPESP pelos seus ótimos assuntos. O que mais chamou a minha atenção foi sobre a poluição da Grande São Paulo (edição 71). Em São Paulo, hoje, os dias de verão são cada vez mais quentes e os de inverno, mais secos. A temperatura média da maior cidade do Brasil está lYC (grau Celsius) mais alta do que há quatro décadas. As pesquisas coordenadas por Pedro Leite da Silva Dias, do Institu4 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Sobre a matéria A genética lucrativa do papel, publicada na edição nO 70 da revista Pesquisa FAPESP, não observei qualquer preocupação dos autores com a utilização dos Eucalyptus GM na substituição das madeiras nobres. Acho um grande ganho científi- _ co e ambiental transferir as características dessas madeiras nobres para os Eucalyptus GM, cessando, assim, um degradação das espécies em extinção e amenizando a grande discussão dos OGM junto aos órgãos
Escrevo para parabenizar a FAPESP por ter um presidente que vê a ciência imbricada com a cultura. Temos um presidente culturalista. É o que depreendi do artigo publicado por Carlos Henrique de Brito Cruz no jornal Folha de S.Paulo de 7 de janeiro. Ao conceito de Brito Cruz de ler bem, acrescentaria: ler bem não só a linguagem escrita, mas também a imag~m, a linguagem visual. Como a informação e a formação de mentalidades vêm sendo feitas com larga intervenção da imagem, é necessário também que se aprenda a ler imagens. Neste país onde se ganha eleição por meio da televisão, a leitura crítica da imagem e de sua relação com o discurso verbal instrumentalizaria mais amplamente para "o aprender a aprender". ANA MAE BARBOSA
São Paulo, SP
Suplemento No Suplemento Especial da revista nv 72 há um erro na página 5. O
professor Dirceu Pereira é o coordenador do Laboratório Aberto de Física Nuclear da Universidade de São Paulo e não o professor Alejandro Szanto Toledo, como a revista afirma. O coordenador do projeto Infra 4 do Departamento de Física Nuclear é o professor Mahir S. Hussein. O Projeto Infra 4 deu uma grande ajuda para o Laboratório Aberto se modernizar e adquirir a capacidade de fazer pesquisa de primeira linha na área de núcleos ricos em nêutrons, os chamados "núcleos exóticos" (tema da capa da revista nO64). MAHIR
S. HUSSEIN
quisas associadas à biologia molecular, soubessem que, há mais de 30 anos, Fósforo-32 (P-32) e Enxofre-35 (S-35) já eram produzidos no então IEA e entregues a pesquisadores para a marcação de compostos ou incorporação a moléculas. Paralelamente, o setor de Radiofarmácia, já em 1963, dava seus primeiros passos preparando radiofármacos. O destaque dado ao Ipen, à página 16, é merecido e o apoio da FAPESP é visível em vários de seus setores. Porém, pela importância, poderia merecer, em algum lugar futuro, destaque apropriado. Fica a sugestão.
Instituto de Física da USP São Paulo, SP
Ioss
CARLOS BARBÉRIO
São Paulo, SP
Em relação à reportagem publicada no Suplemento Especial que acompanha a edição 71 da revista Pesquisa FAPESP (página 10, Tecnologia do Plasma), gostaria de fazer uma retificação. Está escrito que o Programa de Infra-Estrutura "financiou a construção de um circuito fechado de água para refrigeração do laboratório': Na verdade, ele financiou a construção de um circuito fechado de água para refrigeração dos fornos, reatores e tochas de plasma do laboratório.
A página 16 do Suplemento Especial que acompanhou a edição 72 de PesquisaFAPESP deixou-me feliz e decepcionado ao mesmo tempo. O título, que a mim tem significado especial, não faz jus a seu conteúdo. Militei, por cerca de 20 anos, entre o Instituto de Energia Atômica e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), anos prioritariamente dedicados à produção de radiofármacos. Tanto a produção de radioisótopos, ali também consagrada, como a de radiofármacos, por sua importância na pesquisa e no diagnóstico médico, mereceria especial destaque na edição porque sua história, evolução e atualidade se confundem com a da própria instituição. Seria interessante que pesquisadores mais jovens, envolvidos nas modernas experiências genéticas e em outras pes-
ANGELES ARlAS-BALDERAS
Presidente e diretora editorial do Ganar Salud México, D.E É gratificante saber que existem pesquisadores brasileiros destacando-se no cenário científico mundial e tomar conhecimento dos trabalhos realizados por nossas universidades. Com o avanço rápido das ciências, é muito difícil, para nós, professores de nível médio, acompanhar esse desenvolvimento. Assim, Pesquisa FAPESP serve-me como capacitação e atualização, pois é uma fonte fidedigna. SÉRGIO DA SILVA ZAVAN
[undiaí,
PROF. DR. ARUY MAROTTA
Instituto de Física da Unicamp Campinas, SP
revista e o seu endereço. Vou enviar exemplares da minha publicação e gostaria de receber a revista. Creio que este pode ser o primeiro passo para uma relação mais pródiga.
Revista Parabéns pela ampliação de oportunidades para assinatura da revista Pesquisa FAPESP. As reportagens veiculadas nas edições mensais têm sido de grande valia para diversas matérias feitas por A Tribuna, especialmente no novo caderno de C&T, editada por Marcus Fernandes (Ciência e Meio Ambiente). Continuem assim. ARMINDA
AUGUSTO
Editora executiva de A Tribuna Santos, SP Sou editora do Ganar Salud, o primeiro jornal mexicano especializado na área. É muito prestigiado e bem cuidado. A revista Pesquisa FAPESP é maravilhosa. Gostaria de reproduzir, com autorização, alguns dos textos da publicação, fornecendo aos meus leitores, no final do texto, dados sobre a
SP
Sou professor-adjunto do Departamento de Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (Minas Gerais). Tomei conhecimento de Pesquisa FAPESP, a qual me chamou a atenção pela qualidade e abundância de informações contidas. A publicação constitui um bom recurso para que pesquisadores de todo o país possam se atualizar e acompanhar os avanços científicos e tecnológicos de vários ramos da pesquisa nacional. FABIO PREZOTO
Juiz de Fora, MG
Correções O crédito da foto de Frederick Soddy, na reportagem Centenário de uma teoria (edição 71) é da Agência France Presse. Os créditos das fotos das págs. 39 e 41, na reportagem Pouco gás na Floresta Amazônica (edição 71), estão invertidos. O da pág. 39 (foto de queimada) é de Ricardo Azoury/Pulsar e o da 41 (torre de medição de CO') é de Luciana Gatti/Ipen. O nome correto da autora de Bibliografia sobre Leibniz, que consta no Cadernos Espinosanos (Pesquisa FAPESP 73), é Tessa Moura Lacerda. PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 5
Somente com sinergia de esforços é possível vencer obstáculos e realizar grandes obras.
A união de uma boa idéia, o conceito inovador de uma rede virtual, somado ao trabalho coordenado de pesquisadores e colaboradores, projetou a pesquisa brasileira no cenário mundial. Destaque para os projetos genoma: Xy/e/la fastidiosa (citrus); Xanthomonas citri; Xanthomonas campestris; Schistosoma mansoni; SUCEST (cana-de-açúcar); Genoma Humano do Câncer; Xylella fastidiosa (videira)
e Leifsonia xyli.
A AppIera Corpondion, formada pelas empresas AppIied Biosystems e CeIera Genornics, está cornpromeIida em prover tecnoIogia e infIlnnaçlíes mundiais 11Ift peaquiIadoII AppIied Biosysterns e o logo AS são mareas registradas da AppIefa Corporation ou de suas subsidiárias nos EUA, Brasil e outros pa/ses. Todos os dinIitos ragistrados.
EDITORIAL
Do medo à esperança FAPESP
CARLOS HENRIQUE
DE BRITO CRUZ
PRESIOENTE PAULO
EDUARDO DE ABREU vleE-PRESIDENTE
MACHADO
CONSELHO SUPERIOR AOILSON AVANSI DE ABREU AlAIN
FLQRENT
STEMPFER
CARLQ$ HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANOO VASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRAOE
ARRUDA
MARCOS MACAR! NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICAROO RENZO BRENTANI VAHAN
AGOPYAN
TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANOI
CONSELHO
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PRESIDENTE
JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR
ADMINISTRATIVO
JOSÉ FERNANOO PEREZ OlRETORC1ENTíF1CO PESQUISA
FAPESP
CONSELHO
EDITORIAL
ANTONIO CECHELlI DE MATOS PAIVA EDGAR OUTRA ZANOTTO FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO FRANCISCO ROMEU LANDI JOAQYÓ~ÉJF~~~t~o~R~~RWLER uns NUNES LUIZ
HENRIQUE
LOPES
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PAULA MONTERO ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA
DE REDAÇÃO
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MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS NELOSON MARCOUN
HÉ~fóTg~oll~EEIDA EDITORES
CARLOS FIORAVANTI ICIÉNCIAI CLAUDIA IZIQUE IPoLlTlCA C&TI MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOlOGIA) HEITOR SHIMIZU IVERSÃOON UNE! REPÓRTER
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MARCOS PIVETTA EDITORES·ASSISTENTES
AOILSON AUGUSTO, OINORAH ERENO CHEFE
DE ARTE
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JOSÉ ROBERTO MEDOA, LUCIANA FACCHINI fOTÓGRAfOS
EDUARDO CESAR, MIGUEL BOVAVAN COLABORADORES
ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ, CAROLINA JULlANO, iucuu ATAS MEOEIROS, MARCIA DE ALMEIOA, MARIA APARECIDA MEDEIROS, RENATA SARAIVA, SUZEL TUNE~, TÃNIA MARQUES, THIAGO ROM ERO IVERSAO ON UNE!, VIOLETA MARIEN, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS
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FERNANDO CHINAGUA FAPESP RUA PIO XI, N' 1500, CEP 05468-901 ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP TH. (l1) 3838-4000 - FAX: (lll 3838-4181
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SECRETARIA DA CI~NCIA TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
GOVERNO 00 ESTADO DE SÃO PAULO
medo em seu estado mais bruto, esse pavor inconsciente e ancestral que trabalha a favor do instinto de sobrevivência de homens e outros animais, que produz reações instantâneas diante de algo, real ou imaginário, percebido como ameaça, aparece bem delineado na reportagem de capa desta edição. Não se trata aqui, decerto, de cantar o medo, "nosso pai e nosso companheiro", à maneira poética aguda, dolorosa, de Carlos Drummond de Andrade em Congresso Internacional do Medo. Trata-se em vez disso de mostrar as evidências, levantadas por um grupo de pesquisadores, de que podem estar implicadas com o medo mais arcaico, primordial, três estruturas extremamente primitivas na escala evolutiva do cérebro, presentes em espécies animais desde a era dos primeiros répteis sobre a terra. São evidências que provocam, necessariamente, uma revisão do circuito estímulo aversivo/reação de defesa do organismo que, neste caso, reduz um pouco o papel da amígdala cerebral dentro dele, ti da até aqui como única estrutura responsável pelo processo de separação entre o que pode ser ameaçador, ou não, para o organismo. A reportagem que começa na página 34, elaborada por Marcos Pivetta, também faz referência à expectativa dos pesquisadores de que um maior conhecimento dos circuitos cerebrais envolvidos no medo e na ansiedade possa resultar em novos tratamentos para doenças psiquiátricas nas quais esses dois fenômenos são componentes fundamentais. Do medo à esperança. Esse é o percurso proposto pela reportagem sobre as experiências com a terapia fotodinâmica, um novo e promissor tratamento contra cânceres, que aqui no país vêm sendo levadas a efeito pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP desde 2000. Aprovada em 1998 pela Food and Drugs Administration (FDA), a agência governa-
O
mental norte-americana de controle de alimentos e medicamentos, a terapia foto dinâmica (TFD) já vem sendo usada em 18 países. No caso brasileiro, relata Marcos de Oliveira na reportagem de abertura da seção de Tecnologia, na página 64, o grupo de quase 30 pessoas envolvidas com sua pesquisa desenvolveu os equipamentos, aprimorou a técnica da TFD e agora faz os testes clínicos para finalizar o protocolo que vai orientar os médicos brasileiros nessa especialidade. Os resultados apresentados até aqui pelos testes são, de fato, animadores. No cenário da política científica e tecnológica, mesmo no Brasil, nem sempre o setor público é o ator principal de determinadas cenas que vão se sucedendo para desembocar, finalmente, no turning point de uma peça que promete. O anúncio de constituição da empresa de biotecnologia Alelly:x: pelo fundo de capital de risco Votorantim Ventures e pelos cinco pesquisadores que são seus sócios fundadores, em 13 de março, relatado nas páginas 14 e 15, mostra claramente que, por vezes, o setor privado domina a cena. E, ao fazê10, aumenta as expectativas de que estejamos nos aproximando do ponto de virada que, no caso específico dessa peça, seria o ansiado equilíbrio entre investimentos públicos e privados em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil. Essencial é observar que o ato em que a cena da Alelly:x:se encaixa foi aberto em 1997, com a decisão da FAPESP de iniciar um programa de pesquisa em genômica, a partir do seqüenciamento da Xylella fastidiosa. É justamente a este fitopatógeno, que em 2000 projetou internacionalmente a competência brasileira em biologia molecular, que o nome da empresa alude, numa inversão quase exata de suas letras. No mais, há que se observar como contracenam e evoluem os atores desta peça para não perder o momento em que o equilíbrio entre investimentos públicos e privados em P&D atestar a inserção madura da pesquisa científica e tecnológica na economia do país. PESQUISA FAPESP , ABRIL DE 2002 ' 7
Rumo aos céus das cidades Há 150 anos, o guincho de segurança para elevadores era criado NELDSON
MARCOLIN
em ele, o mundo na maioria das grandes cidades seria completamente diferente. Os prédios não excederiam poucos andares e a concentração de gente nos centros comerciais icaria mais limitada. Certamente, os horizontes seriam menos poluídos, mas a expansão e o desenvolvimento urbano teriam outra face. A invenção do elevador, propriamente dita, já se perdeu no tempo. Sabe-se que desde a Antigüidade se
S
Elisha Otis: invenções eram projetadas mentalmente, sem modelos ou desenhos
Primeiro prédio a receber um elevador de passageiros, em 1857 8 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Gravura retrata a apresentação de Otis no Crystal Palace, em 1854: platéia reagiu ao invento com espanto
utilizavam elevadores de carga com tração animal e humana, posteriormente substituída por máquinas a vapor. Mas não havia segurança - as cordas se soltavam ou rompiam - e os acidentes eram freqüentes. Em 1852, o inventor e comerciante norte-americano Elisha Graves Otis (1811-1861) criou um mecanismo de içamento inédito: um dispositivo com lingüeta automática que segurava a plataforma elevatória no lugar, caso o cabo que a sustentasse se rompesse. Seu invento era tão eficaz que Otis recebeu três encomendas de fabricantes para fornecimento dos "guinchos de segurança': que ele adaptou rapidamente aos elevadores. No ano seguinte, abriu uma pequena fábrica para fornecer ele mesmo os elevadores de segurança, mas, como o novo mecanismo e sua utilidade ainda eram pouco conhecidos, as vendas não tiveram sucesso. Inventor experiente, com senso de marketing desenvolvido, Otis decidiu construir um elevador para apresentar na feira do American Institute, montada no Crystal Palace, de Nova York, em 1854. Sobre uma plataforma elevada a 10 metros do solo por uma corda, ele explicava como funcionava o dispositivo para uma platéia que assistia à demonstração. De repente, a corda de apoio do elevador foi cortada - e a plataforma permaneceu no mesmo lugar em vez de despencar, como era de se esperar. Os espectadores olhavam maravilhados enquanto Otis espanava a cartola e dizia: "Seguríssimo, senhores, seguríssimo". A partir daí, ele começou a vender elevadores a US$ 300 cada um. Em 1857, instalou o primeiro elevador de passageiros do mundo na E.V. Haughwout and Co., loja de porcelana e cristais de cinco pisos, de Nova York. Estava aberto o caminho rumo aos céus das cidades. PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS Segredos ameaçam a vida Na ânsia de prevenir novos ataques terroristas, a administração do presidente George W. Bush pode estar dando um tiro no próprio pé. As autoridades norteamericanas têm pressionado diretores das associações que publicam revistas científicas a limitar a divulgação de resultados de pesquisas e a participação de estrangeiros nesses trabalhos, segundo informa a revista The Economist (9 de março). O primeiro passo foi dado sob a comoção provocada pelos atentados de 11 de setembro de 200l. Em outubro, o Congresso aprovou uma lei tornando mais rigorosas as restrições para quem trabalha com determinadas toxinas, vírus e microrganismos. À primeira vista, a medida pareceu razoável aos pesquisadores. Mas uma outra proposta - a de barrar estrangeiros não residentes que trabalham com essas substâncias nos Estados Unidos - provocou as primeiras críticas fortes ao governo. O impedimento restringiria também a colaboração com pesquisadores de outros países. George Poste, britânico radicado na América, bombardeou a proposta como "xenófoba e antintelectual". Poste integra a força-tarefa contra o bioterrorismo do Departamento de Defesa dos EUA e o Conselho de Defesa da Ciência. Está longe de ser um purista - já criticou
os biólogos pela ingenuidade de ignorar as terríveis aplicações que pode ter o trabalho que fazem. Hoje, há um debate na academia e no Congresso sobre essas questões, embora o governo Bush insista, de maneira sub-reptícia, em ocultar informações que possam vir a ajudar terroristas. O New York Times de 17 de fevereiro furou o cerco ao publicar reportagem sobre um plano governamental para restringir a divulgação de estudos. O presidente da Sociedade Americana de Microbiologia, Ronald Atlas, teria sido convocado pela Casa Branca para dar explicações e foi acusado de publicar papers que poderiam beneficiar terroristas. O que está ocorrendo agora é uma repetição de movimentos usados na
10 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
guerra fria. Em 1982, o governo do então presidente Ronald Reagan tentou evitar a publicação de papers resultantes de um congresso de engenharia ótica, sem sucesso. Ao mesmo tempo, o FBI investigava pessoas com "nomes que soavam como russos" que estivessem pesquisando em revistas científicas nas bibliotecas. Chegou-se a cunhar um termo para esse novo tipo de material sigiloso: sensível, mas não secreto. Agora, discute-se o seqüenciamento do genoma do Antrax (Bacillus anthracis). Os pesquisadores dizem estar recebendo sinais, nunca confirmados pelo governo, de que o estudo não deveria ser publicado completamente. A comunidade científica reage dizendo que a não publicação 'pode, na prática, atrasar uma possível pesquisa que levaria à solução para o problema causado pelo bacilo. Além disso, a censura atrasaria carreiras e ocultaria detalhes de informações que destruiriam a credibilidade do estudo - seria impossível saber o que é sério e o que foi inventado. Mesmo sob a pressão de proteger seus cidadãos, o governo dos Estados Unidos, um país cuja grandeza muito se deve ao talento científico de norte-americanos natos e imigrados, deveria pensar melhor antes de dar continuidade a esse movimento. •
• A impopular Alemanha Competência, disciplina, respeito. Parece que nenhum desses reconhecidos atributos germânicos tem sido suficiente para atrair jovens bolsistas para universidades e centros de pesquisa da Alemanha. É o que revelam os novos números da Comissão Européia, por intermédio do órgão Marie Curie Fellowships, que concede bolsas de doutorado e pós-doutorado para quem quer estudar em outro país dentro do continente europeu. Só 10% das 2.080 bolsas concedidas entre 1999 e 2001 tomaram o rumo da Alemanha. A Holanda, um país com base científica muito menor, atrai quase o mesmo número de bolsistas. O país mais popular entre os jovens cientistas europeus continua sendo a Inglaterra, atraindo cerca de um terço dos novos bolsistas. Pesquisadores alemães entrevistados pela revista Nature, que divulgou o relatório (28 de fevereiro), culpam especialmente a dificuldade do idioma e a notória burocracia das administrações das universidades. A situação é particularmente difícil na parte oriental da Alemanha, diz Iõrg Oehlmann, um toxicologista da Universidade de Frankfurt, que supervisionou as bolsas da Marie Curie Fellowships no passado. "Muitos estudantes não se animam pelo fato de o inglês ser pouco falado e entendido no lado leste da Alemanha", diz Oehlmann. "Isso pode transformar a vida cotidiana numa verdadeira aventura para estrangeiros", adverte. •
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diz Marília. Um fato curioso é que nos Estados Unidos, Suécia e Alemanha há menos mulheres, proporcionalmente, estudando e trabalhando com física que aqui. "O nosso maior problema é que aqui há poucos estudantes nas universidades." •
• As plantas faxineiras do solo
• A briga por mais mulheres na física
tação feita por Marília Caldas, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) e líder da equipe brasileira, mostrou que o Brasil tem razoável proporção de mulheres nessa área do conhecimento: hoje, elas são 25% dos estudantes de física. Esse número vai caindo à medida que a profissional avança na carreira acadêmica. As que vão para a pós-graduação são 20% e as empregadas na área, em universidades, 16%. "Mas quando se fala em cargos que detêm o poder nas instituições, a 'porcentagem vai a zero na maioria dos lugares",
Cerca de 300 profissionais de 66 países se reuniram em Paris de 7 a 9 de março para tentar entender a razão de haver um baixo número de mulheres físicas e criar estratégias para aumentar esse contingente. A Conferência Internacional sobre Mulheres na Física, da União Internacional de Física Pura e Aplicada (IUPAP), teve como principal coordenadora a brasileira Márcia Barbosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A apresen-
Os Estados Unidos estão investindo numa nova estratégia para descontaminar solos degradados. A Thlaspi caerulescens, da família Brassicaceae, uma plantinha rasteira, de delicadas flores brancas ou
Thlaspi: projeto promissor
rosadas, é um dos principais focos das atuais pesquisas sobre fito-recuperação, o uso de plantas para degradar, remover ou estabilizar componentes tóxicos de solo ou água contaminados. Sete universidades norte-americanas estão recebendo um total de US$ 2,22 milhões da Fundação Nacional de Ciência (NSF) e da Agência de Proteção Ambiental (EPA) para estudar plantas que possam limpar o solo de metais pesados e produtos químicos. Três projetos investigarão componentes genéticos das plantas, um deles com o objetivo de determinar os genes responsáveis pela hiperacumulação de metais pesados na Thlaspi caerulescens. Identificados, esses genes poderiam ser usados para desenvolver transgênicos com a mesma capacidade de recuperação do solo. Serão estudadas outras herbáceas da família Brassicaceae, que concentra mais de 25% de todas as espécies conhecidas com essa capacidade de recuperação do solo. O retorno do investimento é promissor: estima-se que o custo com a limpeza de solo contaminado atinja a casa dos bilhões. •
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A íntegra das famosas cartas de Niels Bohr sobre Werner Heisenberq, liberadas depois de quatro décadas
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biomédicos a redigir artigos científicos e resumos para publicação em inglês
Jay Gould e Ronda Shearer para promover pesquisa sobre ciência e arte
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 11
Mestres e doutores no Brasil Duração de alguns cursos de doutor por grupos de coortes e área •.• ~ •• ~""
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• Unesp ganhará sete novos câmpus A Universidade Estadual Paulista (Unesp) deverá abrir novos câmpus. O conselho universitário decidiu instalar comissões para estudar a viabilidade de ter unidades em Ourinhos, Dracena, Iperó, Itapeva, Registro, Tupã e Rosana. O movimento começou no ano passado, quando foi aberta uma unidade em São Vicente, na Baixada Santista. O objetivo principal é ampliar o número de vagas, embora não se saiba ainda quantas poderão ser criadas com os novos cursos. Para conseguir dar conta do projeto, a Unesp terá R$ 30 milhões de recursos adicionais, já aprovados pelo governo do Estado e pela Assembléia Legislativa. Os estudos de expansão estarão prontos até junho. • 12 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Uma obra para ajudar a entender os caminhos da pósgraduação no Brasil acaba de ser lançada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) em convênio com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unes00). A pós-graduação no Brasil: formação e trabalho de mestres e doutores no pais, uma edição limitada a quem a solicitar (não será vendida em livrarias), é um estudo feito por 1~ especialistas sobre a relação entre a formação acadêmica dos programas de pós-graduação e o trabalho realizado pelos estudantes. Esse primeiro volume envolveu nove áreas do conhecimento e foram entrevistados mais de 5 mil mestres e doutores formados no país a partir de 1990 - um segundo volume abrangerá outras seis áreas. Um dos estudos que constam do livro é sobre a duração do mestrado e do doutorado e a idade de títulação, O tempo em que o mestrado é feito diminuiu entre 1990-94 e 1994-98 em até 20% (hoje é de 2,8 anos na Bioquímica e 3,8 anos na Sociologia, por exemplo). No doutorado, a maioria dos cursos estudados leva um pouco mais de cinco anos para serem concluídos. A idade de quem termina os cursos é alta: no mestrado, os físicos são os que acabam mais cedo (média de 29 anos). Com essa idade, estudantes dos Estados Unidos, da Itália e da França estão terminando o doutorado (média de 28 anos). No Brasil, termina-se o doutoramento entre 34 anos, na Bioquímica, e 43 anos, na Administração e Sociologia. •
• Leça assume secretaria estadual Fernando Leça, membro do Conselho Superior da FAPESP, assumiu a Secretaria de Estado do Emprego e Relações do Trabalho no dia 19 de março, em substituição a Walter Barelli. Diretor-superintendente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) até fevereiro deste ano e deputado estadual de 1983 a 1991, Leça foi o autor da emenda constitucional nv 39, de 1983, que estabeleceu como mensal o repasse dos recursos para a FAPESP, vinculando o cálculo à arrecadação efetivada no exercício imediatamente anterior. Na Assembléia, presidiu as comissões de Educação (198587), de Constituição e Justiça (1987-89) e de Cultura, Ciência e Tecnologia (1989-91). •
• Matemática que não assusta A Estação Ciência, ligada à Universidade de São Paulo (USP), inaugurou uma exposição que ajuda a tirar o medo que a matemática inspira em boa parte dos estudantes. A Exposição de Matemática é uma parceria franco-brasileira composta pela mostra francesa Maths 2000, do Museu de La Villete, de Paris, e outra criada dentro da própria Estação Ciência. O visitante poderá conhecer e manipular as mais de 60 demonstrações e atividades interativas, que vão desde cálculo e geometria em várias dimensões até geometria espacial. Os "experimentos-brinquedos" são explicados pelos monitores, geralmente graduandos de ciências exatas. Um deles, o pêndulo caótico (foto acima, à direita), por exemplo, ilustra o conceito de como corpos maciços atraem os objetos em torno deles. A exposição tem dois formatos: um ficará permanentemente no local e outro vai circular por escolas de todo o país. •
• Pesquisa une Brasil e Argentina Os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Duhalde, argentino, acertaram uma ação conjunta para tentar evitar o desmonte do sistema de pesquisa argentino. Os dois países pedirão US$ 200 milhões de empréstimo ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para aplicar, principalmente, na Argentina, que passa por uma crise financeira sem precedentes. Os acordos bilaterais serão reforçados - laboratórios argentinos, por exemplo, deverão ser integrados ao Projeto Genoma Bra-
10 programa e fomentar a cooperação acadêmica, científica e cultural com a Alemanha. No final de 2001, foi eleita nova diretoria, tendo como presidente Paulo Carlos Kaminski, do Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP). Mais informações sobre a fundação no site www.humboldtbrasil.org. • Pêndulo caótico: "experimento-brinquedo" sileiro. Há também o plano de conceder 50 bolsas para pesquisadores argentinos trabalharem no Brasil (de doutorado "sanduíche", pós-doutorado e professor visitante), com o compromisso de voltar para o seu país. E, ainda, de brasileiros trabalharem em condições iguais na Argentina. •
• Clube Humboldt tem 230 brasileiros A Fundação Alexander von Humboldt, sediada em Bonn, Alemanha, já tem 230 pesqui-
ajuda a aprender
sadores brasileiros como beneficiários dos programas de pós-doutoramento em universidades e outras instituições científicas. Uma das características do programa é manter o vínculo com o bolsista após sua estada inicial, por meio de auxílios à participação de congressos e conferências organizados pela fundação, bem como a viagens adicionais à Alemanha ao longo de toda a carreira profissional. O Clube Humboldt do Brasil foi criado em 1996 com o propósito de reunir os brasileiros que já passaram pe-
• Conferência de empreendedores De 8 a 10 de maio será realizada a 4a Conferência Internacional Endeavor & Anprotec, um grande encontro de empreendedores, investidores, advogados, consultores, gente de universidades e de empresas de tecnologia e instituições de fomento ao empreendedorismo. A Endeavor é uma organização internacional que apóia empreendedores na busca por capital. A conferência será em São Roque, a 50 minutos de São Paulo. Mais informações no site www.endeavor.org.br. •
Vahan Agopyan toma posse na Poli Vahan Agopyan, membro do Conselho Superior da FAPESP, assumiu no dia 11 de março a direção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP), onde se graduou como engenheiro civil e cursou o mestrado na área de engenharia urbana e de construção civil. Em 1982, fez o Ph.D. em engenharia civil no King's College London, tornouse livre-docente em materiais e componentes de construção civil, em 1991,
e professor titular na mesma área pela Poli/USP, em 1994. Agopyan integra diversas instituições científicas do Brasil e do exterior e foi vice-diretor da Poli entre 1998 e 2002. Orientou 20 teses de mestrado e 19 de doutorado, além de publicar mais de 130 artigos completos em periódicos, livros e anais de congressos nacionais e internacio-
nais. Sua principal linha de pesquisa é o desenvolvimento de materiais e componentes de construção civil. •
Agopyan: especialidade em desenvolvimento de materiais
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • l3
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA GENÔMICA
Os sócios: Ana Cláudia Rasera da Silva, João Paulo I<itajima, Jesus Ferro, Paulo Arruda e João Paulo Setúbal
inco cientistas das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Campinas (Unicamp) e Estadual Paulista (Unesp) acabam de criar, com o apoio da Votorantim Ventures, a Alellyx,uma empresa de pesquisa e desenvolvimento de produtos de biotecnologia que terá como objetivo a geração e comercialização de patentes na área de genômica aplicada. Todos eles integraram as equipes de pesquisadores responsáveis pelo seqüenciamento de genes das bactérias Xylella fastidiosa e Xanthomonas citrii e da cana-de-açúcar, iniciados a partir de 1997. Os projetos foram patrocinados pela FAPESP.Agora no papel de empreendedores, enfrentarão o desafio de transformar as informações gênicas em produto. Contarão com recursos da ordem de R$ 30 milhões nos próximos quatro a seis anos, para investir na construção de laboratórios de biologia molecular, que estará pronto em quatro meses. Mas o laboratório de bioinformática, implantado em parceria com a Sun Microsystems, já está em condições de funcionamento.
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O aporte de capital da Votorantim Ventures vai possibilitar também a contratação de 50 pessoas, entre elas, 40 'pesquisadores que participarão da tarefa de buscar novas tecnologias para a agricultura e agroindústria, com foco nas culturas de laranja, cana-deaçúcar, eucalipto, uva e soja. A exemplo das empresas norte-americana de alta tecnologia investidas de capital de risco, que tiveram origem e se desenvolveram próximas das universidades, a sede da Alellyx será em Campinas, perto do campus da Unicamp. A nova empresa será presidida, interinamente, por Fernando Reinach, na condição de diretor-executivo da Votorantim Ventures. Ele teve participação na concepção e execução dos projetos de seqüenciamento da Xylella e da Xanthomonas.
A conclusão do seqüenciamento do genoma da Xylella teve repercussão internacional sem precedentes na história científica do país. O nome de batismo da empresa, não por acaso, remete às origens desse grupo: Alellyx é a palavra Xylella invertida - mudando apenas a posição das letras 1 - e uma referência ao termo alelo, uma das formas alternativas de um gene. Na avaliação de José Fernando Perez, diretor-científico da FAPESP,a criação da Alellyx"é o começo do final" de uma história iniciada com o financiamento do primeiro projeto genoma. "O nosso primeiro objetivo foi formar recursos humanos altamente qualificado e em grande escala para poder alavancar a indústria de biotecnologia molecular no país", afirma Perez. "Conseguimos isto e também
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fazer ciência na fronteira do conhecimento e encaminharmos a solução de problemas de relevância econômica", continua. Esse esforço inaugurou uma nova era que permite ao capital de risco apostar na competência da ciência brasileira. "Estou convencido de que a Alellyx será a primeira de uma série de empresas que surgirão em São Paulo, nos próximos anos, para trabalhar com pesquisa e desenvolvimento em genômica", conclui. Ousadia e competência - A nova empresa soma a ousadia da iniciativa privada com a competência acumulados nos institutos de pesquisa das universidades paulistas. "O Brasil dispõe de talentos na universidade com clara vantagem competitiva, mas sem histórico de empreendedorismo', reconhece Paulo Henrique de Oliveira Santos, presidente da Votorantim Ventures. "Nosso papel como fundo de capital de risco é identificar esses talentos e estimular a criação de empresas em áreas promissoras como a biotecnologia", afirma. A Votorantim Ventures, fundo de capital de risco do Grupo Votorantim, criado há dois anos, está investindo US$ 300 milhões em negócios de alta tecnologia. Já participa de empresas nas áreas de telecomunicações e comércio eletrônico e a Alellyx é a primeira incursão do fundo na área de biotecnologia. O time de sócios da Alellyxé formado por Ana Cláudia Rasera da Silva,do Instituto de Química da USP; Jesus Aparecido Ferro, da Faculdade de CiênciasAgrárias eVeterinárias da Unesp em Iaboticabal, e Paulo Arruda, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp. Também integram o time João Paulo Kitajima e João Paulo Setúbal, ambos do Instituto de Computação da Unicamp. Os dois foram responsáveis pelo desenvolvimento de tecnologias de tratamento e análise dos dados gerados nos projetos genomas financiados pela FAPESP, o que dispensou a necessidade de se buscar cooperação internacional na área de bioinformática. Os pesquisadores-empreendedores não pretendem se afastar da vida acadêmica.
Parceria com clientes - "Na universidade desenvolvemos competência em cultura de patógenos de grande interesse econômico': afirma Paulo Arruda. A Xylella, por exemplo, é a bactéria responsável pela clorose variegada dos citros (CVC), também conhecida como praga do amarelinho, doença que afeta 34% dos pomares paulistas, comprometendo a produção. A solução para esse problema, no entanto, não pode ser deixada só para a universidade.
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ellYX vai tentar resolver uma série de problemas que afetam diversos setores da economia': diz Reinach. Para cada um desses problemas estará associado um projeto de pesquisa, o que explica o tamanho da equipe. A idéia é trabalhar em parceria com as empresas, sem perder o foco do negócio que é a exploração comercial da informação gênica. "Há expectativa de retorno muito grande. O valor da companhia será, em grande parte, determinado pela propriedade intelectual. Mas, sem dúvida, trata-se de um empreendimento arriscado, semelhante ao enfrentado por empresas que desenvolvem novas drogas': Ele acredita, no entanto, que o empreendimento tem a seu favor o fato de o Brasil ser líder em pesquisa genômica de patógenos de plantas e aposta que também terá sucesso no desenvolvimento de soluções para problemas das culturas selecionadas. Banco de dados - A Alellyx vai investigar problemas que afetam a cultura de laranja, como o da CVC, cana-deaçúcar, eucalipto, uva e soja, explorando as informações genômicas disponíveis em bancos de dados de todo o mundo, inclusive entre aqueles gerados pelos projetos patrocinados pela FAPESP. "Vamos trabalhar com dados públicos e não-públicos, por meio de parceria, além de gerar dados também nos nossos laboratórios", adianta Reinach. O projeto de seqüenciamento da Xylella, por exemplo, colocou à disposição dos cientistas informações sobre
2,7 milhões de pares de base do cromossoma da bactéria que ataca os pomares. No caso do Xanthomonas, bactéria causadora do cancro cítrico, foram anotados 4.500 genes, associados a processos metabólicos de produção de energia, síntese de aminoácidos, formação de macromoléculas, patogenicidade, entre outros. Os pesquisadores da Alellyx também terão à disposição as informações públicas sobre os 80 mil genes da cana-de-açúcar identificados no projeto Genoma Cana. A sua análise, em paralelo, deverá dar novas e preciosas pistas sobre como a planta vive, se reproduz e morre, permitindo o redesenho de mudas resistentes a pragas, bactérias e fungos. Os pesquisadores da Alellyx também poderão utilizar para referência das pesquisas, quando forem publicadas, as informações do seqüênciamento da Xylella da videira, projeto que a FAPESP desenvolve em acordo de cooperação com o Ministério da Agricultura dos Estados Unidos (USDA). A Xylella é responsável pela doença de Pierce, que ataca as videiras da Califórnia. "Existe pouca coisa nesta área em que atuar. Não há produtos no mercado com melhoramento gênico", avalia Ana Cláudia. "Há uma grande quantidade de informação sendo geradas. É hora de transformar essas informações em produtos." A nova empresa não tem concorrentes estruturados no mercado, garante, Oliveira Santos. Nem no caso das pesquisas com o eucalipto, Os dois projetos de seqüenciamento da planta - um deles patrocinado pela FAPESP em parceria com quatro empresas do setor de papel e celulose e o outro pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), também com o apoio privado, são pesquisas básicas. "Os grandes competidores se associaram para dar o primeiro passo. A partir das informações geradas no seqüenciamento do gene, cada uma delas vai em frente. Vamos atuar a partir dessa linha de partida para frente", sublinha Reinach."Teremos uma plataforma tecnológica para usar informações genômicas e resolver problemas", observa. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 15
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ENSINO
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Crianças da Califórnia escrevem cartas para cientistas brasileiros ori Connelly é professora de uma turma de alunos da terceira série de uma escola de San Luis Obispo, cidade do interior da Califórnia, Estados Unidos. Cercada de vinícolas, a região é uma grande produtora de vinhos nobres e vive sob o pânico de ser atingida pela doença de Pierce, praga que ataca as videiras, causada por uma variedade da bactéria Xylella fastidiosa, que tanto estrago provoca nos laranjais. Em agosto de 2000, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos propôs à FAPESP uma parceria para seqüenciar a Xylella da videira, aproveitando a experiência brasileira na área. Tendo à frente as pesquisadoras Marie-Anne Van Sluys e Mariana Cabral de Oliveira, ambas da Universidade de São Paulo, e João Paulo Kitajima, da
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Universidade Estadual de Campinas, os brasileiros se uniram aos norte-americanos e realizaram o trabalho. A professora Lori, a partir de uma reportagem do New York Times, mostrou aos alunos, todos entre 8 e 9 anos, como é possível trabalhar em cooperação com pessoas de qualquer lugar do mundo, com sucesso. Vinte e nove estudantes escreveram, então, cartas de agradecimento aos cientistas brasileiros. "Lori ensinou às crianças que os pesquisadores de todo o mundo são iguais e foi além das diferenças entre países pobres e ricos", diz Andrew Simpson, do Instituto Ludwig de Pesquisa contra o Câncer, coordenador do primeiro projeto genoma da FAPESP, o da Xylella. Todas as cartas têm o mesmo tom da escrita por Warren Stevens Crendall: "Obrigado pelo trabalho duro que vocês fizeram". •
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• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PROPRIEDADE
INTELECTUAL
A força das transnacionais Estudo do IN PI analisa 60 anos de história de patentes no setor químico nquanto o número total de pedidos de patentes no Brasil cresceu, entre 1993 e 1999, à expressiva taxa anual de 18,1%, no setor químico a demanda pela concessão de privilégios legais mais do que triplicou no período. Um dos principais motivos desse notável desempenho do setor foi a entrada em vigor da lei 9.279/96, em substituição à lei 5.772/71 (Código de Propriedade Industrial), que por mais de 25 anos engessou a área química, impondo-lhe uma política rigorosamente restritiva.
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Mas outras razões podem também explicar esse desempenho, segundo o economista do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) Eduardo Assumpção, autor do estudo A Patente de Química no Brasil- Uma História Acidentada. De um lado, a maior internacionalização da economia brasileira, com aumento dos fluxos de investimento externo, uma parte dos quais é o próprio capital intelectual que as patentes incorporam juridicamente. E, de outro, o avanço da tecnologia, resultando na nova geração de medicamentos que tem chegado ao mercado nos últimos anos. Descompasso - Nos contornos desse cenário promissor as empresas estrangeiras dão o tom. Dados publicados pelo livro Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo - 2001,
a ser lançado brevemente pela FAPESP, mostram que as patentes concedidas no Brasil a não residentes - em geral, empresas transnacionais - corresponderam, em média, a 85% do total, na década de 90. Os 15% restantes referiam-se a residentes brasileiros, o que traduz a debilidade do desempenho da inovação tecnológica nas empresas de capital nacional. Como define o livro, patentes constituem o direito de explorar comercialmente uma invenção, com exclusividade, por tempo determinado, com a contrapartida de divulgar o conhecimento e a informação correspondentes. O trabalho de Assumpção (cuja Íntegra está no site www.geocities.com/ prop industrial) está centrado na observação do comportamento de empresas e inventores, nacionais e estrangeiros, à abertura de campos de
Invenções retratam necessidades do século 19 A concessão de privilégios (patentes) temporários visando a beneficiar inventores, a "indústria e as artes" remonta a um alvará promulgado por D.JoãoVI, em 1809,como conta Eduardo Assumpção em seu trabalho A Patente de Química no Brasil- Uma História Acidentada. Baseado num meticuloso trabalho realizado por Clóvis Costa Rodrigues, publicado em 1973, Assumpção faz um apanhado histórico das patentes no período 1830-1891, mostrando que houve no Brasil, no século 19, um sistema "surpreendentemente contemporâneo e aderente às necessidades da economia agrícola': ainda que grande parte delas se baseassem numa química pré-industrial e artesanal. Nesse período, o país promulgou leis de pro-
18 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
priedade industrial e participou ativamente de foros internacionais, tor'nando-se um dos países signatários originais do primeiro tratado sobre propriedade industrial, a Convenção da União de Paris, em 1883. Um balanço das seis décadas cobertas no estudo revela a concessão de 1.924 patentes. A primeira, em 1831, registrava a invenção de equipamento para a indústria açucare ira: um alambique que, numa só operação, destilava e retificava os depósitos. A lista de patentes concedida no período segue com a autorização para a fabricação de aparelho para purificar cera de carnaúba; panos de goma elástica; extração e purificação de óleos vegetais; borracha líquida e fabricação de porcelanas. Essas são algumas
invenções que figuram entre os primeiros produtos/processos patenteados pelo setor. Nos primeiros 40 anos, o número de privilégios foi inexpressivo: apenas 155 foram registrados. Na lista de inventos patenteados estão a fabricação de porcelanas, de mármores artificiais, de fósforos de segurança e até uma fórmula para o preparo de líquidos capazes de extinguir formigas saúvas. A partir de 1870, porém, o sistema de patentes brasileiro "ganhou um impulso sem precedentes': segundo o estudo. As inovações passaram a oferecer soluções ligadas aos problemas técnicos enfrentados pelo setor cafeeiro,eixo em torno do qual passou a gravitar a economia brasileira. O tema "café"foi obje-
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proteção na área química. De acordo com ele, as 20 maiores solicitantes de patentes no setor, todas empresas transnacionais, apresentaram em conjunto 784 pedidos em 1993 e 2.519 em 1999. Ao passo que as brasileiras encolheram sua participação no período, passando de 235 para 184 pedidos, dos quais apenas 57 transformaram-se em patentes de química concedidas. "Empiricamente, o que constatei ao verificar cada um dos pedidos foi um alto grau de abandono no meio do processo': comenta Assumpção, o que provocou um enorme descompasso entre as demandas por patentes e as concessões efetivas. Isso ocorreu tanto pela falta de preparo técnico na formulação de pedidos como pela falta de conteúdo - novidade e atividade inventiva, requisitos básicos para o patenteamento - e até mesmo pela impaciência dos depositantes com os trâmites burocráticos, cuja conclusão leva em média cerca de oito anos no setor químico. Esse desajuste entre a demanda e o patenteamento, mostra o estu-
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to de 209 patentes concedidas entre 1930 e 1991, das quais 41 referiam-se a máquinas descascadoras, 31 a aparelhos secadores e 21 a equipamentos beneficiadores, entre outras. Paralelamente, o interesse pela obtenção de privilégios na área química foi crescendo. Pelos critérios atuais de classificaçãode inventos, 381 (um cada cinco) referiam -se ao setor, no período assinalado. Demandas - As patentes de química concedidas no século 19 possuem duas vertentes principais. De um lado, invenções ligadas a demandas do setor agrário (incluindo as atividades de extrativismo vegetal e animal), encaixando-se nas rubricas "indústria do açúcar': "óleos, graxas, ceras" e "bioquímica, vinhos, aguardentes': entre outras. De outra parte, na esteira do início do processo de urbanização e
do, é muito maior para os inventores do que para as empresas. Entre essas, a taxa de sucesso é de uma patente para três pedidos (46 em 138), enquanto para as pessoas físicas a relação é de uma para nove (11 em 97). Presença reduzida - Até mesmo as instituições líderes nacionais reduziram sua presença no ranking, no período analisado. Em 1993, elas participavam com cerca de 23,8% dos pedidos brasileiros, proporção que baixou para 19,6%, em 1999. Registre-se que a queda de apresentação desses pedidos deve-se às empresas, porque é bastante elevado o nível de invenções provenientes de pessoas físicas: 41,3% em 1993 e 54,3% em 1999. Segundo Assumpção, esses percentuais - bem superiores ao padrão internacional - não denotam "um excesso de criatividade dos inventores brasileiros, mas uma fraqueza da demanda empresarial do setor". Nos Estados Unidos, por exemplo, 95% das invenções químicas foram concedi-
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t industrialização, novas necessidades - como iluminação pública e residencial- resultaram na criação de produtos ligados a categorias como "petróleo, gás e coque" e "cimentos, cerâmicas e derivados': segmentos dos mais aquinhoados em termos de privilégios. Um dado notável assinalado no estudo desvenda a importância que grandes inventores da época deram a um
país periférico como o Brasil. Thomaz Edison e Elihu Thornson - criadores de tecnologias ligadas à lâmpada elétrica preocuparam-se em requerer patentes nestes trópicos, o que indicava, de acordo com Assumpção, "que o mercado nacional já se configurava atraente como horizonte de investimentos internacionais em novas tecnologias" A partir de 1891, já na fase republicana, a guarda da documentação, inclusive modelos e protótipos, passou do Arquivo Nacional para a Diretoria de Comércio da Secretaria da Agricultura. Interrompeu-se assim o registro sistemático dos dados, cuja conservação integral só foi retomada em 1923, quando foi criada a Diretoria Geral de Propriedade Industrial, órgão precursor do INPI.
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 19
Duas áreas relacionadas à biotecnologia - Microrganismos ou Enzimas e Peptídeos, Proteínas ingressaram na relação de campos principais em 1999, com 36,9% e 44,8% de crescimento ao ano, respectivamente.
das a empresas em 1998, cabendo aos inventores isolados os 5% restantes. O painel traçado pelo estudo constata ainda que não há empresa privada nacional que conste da lista de líderes em ambos os anos do levantamento. Isso mostra um comportamento "espasmódico": são depósitos que se concentram em determinado ponto do tempo e não denotam ação de continuidade. Entre as dez principais empresas ou instituições brasileiras demandantes, em 1993 e 1999, seis eram estatais. Apenas quatro dessas instituições - entre as quais a Universidade Estadual de Campinas e a Universidade de São Paulo - integraram as listas nos dois anos analisados, indicando uma atividade sistemática de patenteamento. Das empresas nacionais que se destacaram em 1993, três não atuavam propriamente no setor Químico, mas em áreas conexas, como Mineração e Metalurgia (Companhia Siderúrgica Nacional e Vale do Rio Doce) e Papel e Celulose (Suzano). Resultado esperado " A área de Medicamentos e Cosméticos destacou-se entre as dez mais em número de pedidos: foram 1.008, com crescimento anual de cerca de 35,1%, quase o dobro da taxa média dos demais segmentos. Um resultado esperado, dada a situação de exclusão sofrida pela indústria farmacêutica na vigência da lei anterior e à importância que as empresas conferem ao patenteamento. Entre as empresas estrangeiras, a L'Oréal apresentou um alentado portfólio: das 90 invenções divulgadas pela empresa em 1999,97% encontravamse na classe de Medicamentos e Cosméticos. Por outro lado, a empresa de capital nacional Cosméticos Natura aparece no rankingde instituições brasileiras pela primeira vez em 1999,em sexto lugar, à frente de Oxiteno e Ultragaz. 20 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
O segundo maior campo de atuação, Compostos Heterocíclicos, também reflete a liberalização no setor de medicamentos, pois as patentes aqui classificadas têm suas dinâmicas estreitamente associadas aos princípios ativos utilizados nessa área. Outros campos que obtiveram desempenho acima da média foram o de Composições de Detergentes e o de Pesticidas e Herbicidas, ambos com crescimento anual de cerca de 30%.
Presença deslocada " A presença do Brasil no campo internacional é "consideravelmente deslocada" como observa Assumpção. Somente a Petrobras registrou atividade sistemática de patenteamento no biênio 1997-1998. Das 23 patentes brasileiras na área de química obtidas nos Estados Unidos, nesse período, oito pertencem à estatal. Fazendo um apanhado de um conjunto de 14 economias que patenteiam regularmente (excluindo-se os países mais industrializados), de tamanho comparável ou menor do que a brasileira, Assumpção observa que elas responderam, em conjunto, por 12,6% do total de patentes concedidas nesses países, em 1998. Na área Química, de todas as economias analisadas, apenas Hong Kong teve desempenho menor (20 patentes registradas) do que o Brasil, mas deve-se lembrar que o forte desse país é a eletrônica. A Finlândia, por sua vez, contabiliza 136 concessões, e o Canadá, 1.007, somente no setor químico. O estudo destaca que, sob condições institucionais apropriadas, subsidiárias de empresas estrangeiras podem estabelecer plataformas de pesquisa nos países em que investem, gerando empregos qualificados e agregando valor aos produtos. Essa prática foi observada em Israel e na Bélgica, onde filiais de empresas americanas figuraram como titulares na obtenção de patentes. Assumpção sugere que esse poderia ser um caminho para o Brasil, desde que houvesse condições como pessoal, laboratórios e equipamentos adequados - para que as empresas desenvolvessem aqui suas pesquisas de ponta. •
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
IN FORMATIZAÇÃO
Contas on-Iine FAPESP amplia rede de comunicação com pesqu isadores FAPESP está ampliando os serviços oferecidos disponíveis na Internet para agilizar sua comunicação com a comunidade acadêmica. Desde fevereiro, diretores de unidade de ensino, pró-reitores de pesquisa e reitores das universidades paulistas podem utilizar o site da Fundação (www.fapesp. br) para obter informações sobre o número de bolsistas e o total de valores distribuídos em suas respectivas instituições. Até então esses dados - que são públicos - eram divulgados em relatórios e distribuídos em disquete no início de cada ano. Os investimentos na ampliação da interatividade via rede também beneficiarão pesquisadores e bolsistas, que já podem utilizar o site como apoio ao processo de prestação de contas à FAPESP. Esse novo sistema de relacionamento atende à demanda de dirigentes das instituições de ensino e pesquisa por informações atualizadas para subsidiar políticas de desenvolvimento institucional e acompanhar o desempenho da pesquisa em suas unidades. Tanto que, freqüentemente, solicitavam à FAPESP o envio da lista de novos bolsistas. ''A FAPESP atua diretamente com o pesquisador e nem sempre a instituição acompanha esse processo': explica Joaquim de Camargo Engler, diretor administrativo da Fundação. Agora,
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esses dados podem ser acessados num campo específico do site, por meio de senhas e user names que estão sendo distribuídos pelo Centro de Processamento de Dados (CPD). Os reitores e pró-reitores terão acesso a todos os recursos distribuídos pela FAPESP em sua universidade, e os diretores, aos dados relacionados às suas unidades de ensino e/ou pesquisa. As informações podem ser impressas ou transportadas para o programa Excel na máquina do usuário. Os pesquisadores também podem utilizar o site para a prestação de contas das bolsas concedidas pela Funda-
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ção. Igualmente por meio de senhas e user names terão acesso a planilhas que lhes permite, ao longo do período de vigência da bolsa, lançar informações sobre os gastos, à medida que estes forem sendo realizados. O sistema totaliza essas informações e as transpõe para uma tabela que fica armazenada no banco de dados do CPD. A FAPESP só terá acesso à planilha quando o pesquisador apresentar o seu relatório científico. Se o pesquisador preencher as planilhas de acordo com as instruções disponíveis no site e armazenar adequadamente os documentos, ao término do projeto sua prestação de contas estará pronta para ser apresentada e o balancete estará disponível para ser encaminhado ao Serviço de Auditoria. Esse sistema garante ao pesquisador maior facilidade no controle da liberação de recursos e do saldo dos valores recebidos, reduzindo o número de pendências ao final do projeto. Qualquer dúvida pode ser solucionada na opção Ajuda do menu, que dá acesso a orientação sobre os procedimentos que devem ser adotados para uso dos recursos e respectiva prestação de contas. Para a FAPESP, essa mudança de procedimento também apresenta algumas vantagens: agiliza a conferência de prestação de contas e facilita a divulgação de alterações em normas ou procedimentos internos ou ainda de novas exigências legais. Os pesquisadores, no entanto, não estão dispensados da apresentação da documentação exigida na finalização do processo de prestação de contas, que é encaminhada para a avaliação de auditores. A Fundação está testando a possibilidade de utilizar a rede para o encaminhamento de pedidos de bolsa de pós-doutoramento. Os interessados devem entrar no site, se cadastrar e aguardar a senha, enviada pelos Correios, antes de encaminhar o pedido de bolsa. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 21
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
SAÚDE PÚBLICA
Frente de combate à tuberculose Rede - TB reúne 170 especial istas na busca de novas vacinas, medicamentos e testes para identificar a doença
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22 • ABRIL DE 2002 • PESQUISAj,.APESP
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Uberculose ainda é um grave problema de saúde pública em todo o mundo. Durante décadas, acreditou-se que a doença estivesse sob controle e a maioria dos países acabou por reduzir os investimentos em políticas públicas de combate ao bacilo. A tuberculose, no entanto, crescia em várias regiões, junto com as taxas de envelhecimento da população e a disseminação da Aids, expandindo-se com os movimentos migratórios, a ponto de, em 1993, ser considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como emergência global. Hoje, estima-se que algo em torno de 2 bilhões de pessoas hospedem o bacilo Mycobacterium tuberculosis nas células. A cada ano, 6,8 milhões de indivíduos desenvolvem a doença e 3 milhões morrem. A situação é particularmente grave em 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose do planeta. E o Brasil está entre eles, na l3a posição, com um total de 50 milhões de infectados. Ou seja, quase um terço da população hospeda o bacilo sem, no entanto, desenvolver a doença. A incidência da tuberculose no país é de 129 mil casos por ano, dos quais apenas 90 mil são notificados, e um coeficiente de mor- , talidade de 3,5 por 100 mil. Cerca de 80% das vítimas da tuberculose têm entre 15 e 20 anos. A única arma contra a doença cuja eficiência, para muitos, é duvidosa -
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ainda é o velho BCG (Bacilo CalmetteGuérin), uma vacina viva baseada no Mycobacterium bovinus atenuado para uso humano, desenvolvida em 1921, cujo nível de proteção varia de O a 75%. Hoje, o primeiro grande desafio dos pesquisadores é desenvolver formas de imunização mais seguras contra a doença. Esforços nesse sentido se multiplicam por todo o mundo: estão em fase de teste pelo menos 170 vacinas, a maioria delas gênicas ou de DNA, consideradas de terceira geração, entre elas, a que esta sendo desenvolvida pelo Centro de Pesquisa em Tuberculose da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-SP), da Universidade de São Paulo (USP), com o apoio da FAPESP. O segundo desafio é encontrar novas terapêuticas para tratar indivíduos que desenvolveram a tuberculose, já que o tratamento atual - um coquetel formado por seis drogas tóxicas - dura seis meses e registra índice de desistência de 30%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) desejaria que esse período fosse encurtado para dois meses. Novos diagnósticos - Essas duas tarefas mobilizam comunidades .de pesquisadores em todo o mundo. No Brasil, acaba de ser formada a Rede Brasileira de Pesquisa em Tuberculose - Rede- TB, coordenada por Célio Lopes Silva, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP. A Rede é formada por 170 pesquisadores e 47 institutos de pesquisas em todo o país, incluindo-se aí as secretarias de Saúde de nove Estados brasileiros. O seu objetivo é reunir o conhecimento científico, as experiências de pesquisas e os produtos desenvolvidos por grupos de trabalho em todo o país na busca de novas vacinas, novos medicamentos e testes para a identificação da doença. O diagnóstico da tuberculose, por exemplo, há 50 anos é baseado na baciloscopia direta do escarro e apresenta sensibilidade em torno de 50%. O cultivo do bacilo no meio apresenta maior sensibilidade, mas os resultados só saem depois de quatro a seis semanas, retardando o
início do tratamento e facilitando a transmissão do bacilo. "Os avanços técnicos nas últimas décadas deram origem a vários testes promissores, mas houve pouco progresso no entendimento de como operacionalizar tais técnicas': observa Lopes Silva. Biologia do bacilo - Na busca de prevenção efetiva e da cura da doença a troca de informações é uma ferramenta estratégica. ''A Rede- TB reúne pesquisadores preparados para realizar estudos epidemiológicos e clínicos operacionais, usando tecnologia pósgenoma, e para desenvolver pesquisas em áreas básicas direcionadas ao entendimento da biologia do bacilo e imunopatologia da tuberculose. Temos profissionais qualificados e com competência para realizar não só a pesquisa básica, mas também para fazer ensaios clínicos, testes em humanos, desenvolver produtos, fabricá-los e colocá-los no mercado", garante o pesquisador. A meta desse grupo de trabalho é ambiciosa. "Vamos tentar resolver o problema da tuberculose no Brasil", ele diz. E justifica: o bacilo da tuberculose mata mais que qualquer outro agente infeccioso e os óbitos representam 25% de toda a mortalidade evitável nos países em desenvolvimento. Junto com o HIV, forma uma espécie de "dueto letal", já que um acelera a progressão do outro. "A tuberculose é a principal causa de morte em pessoas com HIV positivo", afirma Lopes Silva. Além disso, a alta incidência de abandono do tratamento torna o bacilo resistente aos medicamentos. "Infelizmente, não temos opções de outras vacinas e novas drogas." O custo do tratamento de um caso de tuberculose é de R$ 78,00. Mas no caso da tuberculose multirresistente, pode saltar para R$ 8.500,00, sem levar em conta os custos hospitalares. ''A Rede- TB representa um desafio inovador para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional e, conseqüentemente, para a saúde pública, com grande alcance social",prevê. A partir de abril, a Rede-TB lança um site para auxiliar na formação de PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 23
Lopes Silva pesquisa, há 11 anos, a relacão entre o bacilo e o seu hospedeiro
recursos humanos. "Os testes das pesquisas têm de ser coordenados e padronizados, desde a coleta do exame até a caracterização da bactéria': explica Lopes Silva. No ano passado a Rede- TB passou a integrar, por meio da FMRP- USP, o grupo formado por 17 Institutos do Milênio, um programa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tem como objetivo estimular o desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares na fronteira do conhecimento. Ao longo de três anos, contará com R$ 6 milhões para investimentos em pesqmsas. Vacina gênica - A idéia de formar
uma rede nacional de pesquisa sobre a tuberculose avançou junto com os estudos sobre a doença no Centro de Pesquisas em Tuberculose da FMRPUSP, coordenado por Lopes da Silva. Ele pesquisa, há 11 anos, a relação entre o bacilo da tuberculose e o seu hospedeiro. Num projeto temático financiado pela FAPESP,desenvolveu uma vacina de DNA com potencial para ser aplicada no controle da tuberculose. A vacina de DNA é baseada num pedaço do código genético do agente causador da doença, no caso o Mycobacterium tuberculosis. Aplicado por 24 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
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meio de injeção intramuscular, provou-se que esse DNA pode criar condições para a produção da proteína antigênica a partir das próprias células dos indivíduos infectados. Nos estudos iniciais, Lopes Silva introduziu o gene da hsp65, uma proteína antigênica, em dois plasmídeos que têm a qualidade de dirigir a expressão de genes micobacterianos em células de mamíferos. Inoculado em camundongos, o DNA hsp65 estimulou a produção de anticorpos. Os mesmos experimentos foram feitos em cobaias e os resultados foram igualmente satisfatórios. As pesquisas mudaram de rumo nCl;terceira fase da investigação, antes mesmo que a vacina fosse testada em humanos. "No Brasil já temos um terço da população infectada, portanto, era difícil pensar em prevenção.
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PROJETO Estudos de Novas Vacinas e Terapia Gênica Contra a Tuberculose
MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR CELIO LOPES SILVA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO - USP INVESTIMENTO
R$ 865.918,36 e US$ 846.938,75
Decidimos partir para algo mais prático: desenvolver uma vacina que também tivesse propriedades terapêuticas, ou seja, também curasse a doença': lembra Lopes Silva. Outro aspecto que teve peso no redirecionamento da pesquisa foi o tempo necessário para o teste de uma vacina e de um produto terapêutico. Uma vacina é testada em três fases, por um período superior a 20 anos, e a custos muito elevados. Um produto terapêutico - ainda que acumule a condição de vacina - tem a vantagem de poder ser testado como se fosse uma droga, por um período de um ano antes de ser colocado no mercado como remédio. "Decidimos testar o uso da vacina de DNA no tratamento direto das infecções já estabelecidas, como uma droga antimicobacteriana", lembra. Novos testes foram feitos com animais pré-infectados com o Mycobacterium tuberculosis, e os resultados indicaram que a vacina gênica hsp65 prevenia o desenvolvimento da doença, eliminava a infecção e ainda demonstrou ter propriedade de curá-Ia. Em 2000, Lopes da Silva,a FMRP-USP e a FAPESP patentearam no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) o hsp65 como agente terapêutico gênico. Efeitos colaterais - As pesquisas continuam. Num novo projeto temático recentemente aprovado pela FAPESP, Lopes Silva e a equipe do Centro de Pesquisa em Tuberculose vão avaliar, ao longo de quatro anos, os efeitos colaterais e, principalmente, a autoimunidade dos organismos ao hsp65. Também vão escalonar o produto de forma a obter formulações específicas para a apresentação do medicamento para, em seguida, partir para a realização de testes em macacos. O grande problema, neste momento da pesquisa, será encontrar um laboratório com segurança biológica para os testes. "Existe apenas um laboratório com essas características no país, instalado na Fiocruz. Estamos negociando a possibilidade de utilizá-lo. Mas pretendemos montar um laboratório de segurança em nível P3': adianta. •
Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP,a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq Adote a SciELO como sua biblioteca científica
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ENTREVISTA Ronaldo Sardenberg
Roteiro estratég ico para crescer Ministro investe na integração do sistema de Ciência e Tecnologia no país e na cooperação internacional CLAUDIA
IZIQUE
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embaixador Ronaldo Sardenberg assumiu o Ministério da Ciência e Tecnologia, em julho de 1999, com pelo menos duas obsessões: ampliar o orçamento e levar a pesquisa brasileira até as fronteiras do conhecimento. Menos de três anos depois, os recursos para C&T saltaram de R$ 900 milhões para R$ 1,5 bilhão, avolumados por recursos dos diversos Fundos Setoriais aprovados no mesmo período; o número de doutores atingiu a casa dos 36.300 e a ciência nacional começa a ganhar posição entre os países que apostam em tecnologias de ponta. Hoje, o seu principal desafio é descentralizar as ações do Ministério, integrar as diversas regiões e articular uma política de cooperação internacional que multiplique os esforços e as ações dos países em desenvolvimento. Mas, ele confessa: sua maior "pretensão" é imantar a opinião pública e as instituições políticas em torno da idéia de que ciência e tecnologia têm valor estratégico para o desenvolvimento, de tal forma que os investimentos no setor deixem de ser "uma construção burocrática" para se tornar uma reivindicação da sociedade. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a Pesquisa FAPESP.
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"Hoje gastamos nos estados mais pobres mais que o dobro do que gastávamos antes"
• O MCT apresentou, durante a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, em setembro do ano passado, o projeto de Lei de Inovação. O projeto já foi encaminhado ao Congresso? - O Projeto foi colocado em consulta pública. Recebemos um grande número de contribuições e agora ele está sendo redesenhado. Devemos terminar esta tarefa em três semanas e remeter o projeto ao Congresso. • Será possível votá-lo até julho, quando começam as campanhas eleitorais? - Não sei. O importante é fincar uma estaca. Trata-se de uma lei que não tem valores inscritos, mas representa uma revolução no campo da pesquisa e desenvolvimento no Brasil. • As sugestões enviadas na consulta pública modificaram o projeto original? - Recebemos muitas idéias, mas os elementos centrais do projeto de lei foram mantidos. A nossa proposta é modificar o regime trabalhista de forma a permitir que os pesquisadores da área pública possam trabalhar por um tempo em empresas privadas - e até formar empresas privadas - e, ao mesmo tempo, permitir que os que estão trabalhando na empresa privada possam realizar trabalho dentro da universidade. A nova lei propõe mais autonomia para os institutos de pesquisa e maior capacidade de encomenda de pesquisas e desenvolvimento tecnológico, diretamente à empresa. O projeto engloba, ainda, aspectos relativos a licitações e propriedade intelectual, como a divisão de resultados de patentes entre pesquisador e a instituição pública. Nas sugestões encaminhadas nas consultas públicas, há uma preocupação detalhista, o que é natural, de modificação a regimes estabelecidos. Teremos que decidir se vamos manter um grau mais alto ou mais baixo de generalidade. • Como será a tramitação da Lei de Inovação? - O projeto poderá ser apensado ao projeto de Lei elaborado pelo senador Roberto Freire (PPS-PE). Mas é mais amplo. O do Freire é mais próximo da
Lei de Inovação da França, que tem seus méritos. A nossa proposta de Lei de Inovação tomou um aspecto mais amplo. É uma proposta revolucionária no que se refere a pesquisa e desenvolvimento no Brasil e vai criar condições para uma mudança de atitudes e mentalidade no país. • A que mudanças o senhor se refere? - A dimensão da comunidade cientifica no país, por exemplo, está aumentando rapidamente. No ano passado, formamos 6.300 doutores. Temos 36. 300 doutores no Brasil. Essa tendência de crescimento deve continuar e isso exige a criação de novas formas institucionais para absorver esse novo número de doutores. Além disso, há ainda a relação específica da empresa com a ciência e tecnologia. Estamos criando fórmulas que permitam aproximar a vertente da pesquisa e a do desenvolvimento tecnológico. • O MCT está preparando um Livro Branco da C&T, elaborado com base nos debates realizados na Conferência Nacional. Quando ele estará pronto? - Além do Livro Verde, elaborado antes da Conferência com o auxílio de 400 pesquisadores e o MCT, prometemos também fazer um Livro Branco, que seria uma certa destilação do Verde e do que passou na Conferência. Ocorre que essa é uma tarefa complexa, já que a Conferência foi um êxito. Ele não será um roteiro futurológico, mas um conjunto de possíveis diretrizes para os próximos anos. No Brasil existem cerca de 200 mil pessoas envolvidas com ciência e tecnologia, contando os estudantes. Isso representa um percentual de 0,13% da população. Os Estados Unidos têm 0,9% da população na área. Se vamos trabalhar no sentido de tornar mais forte ciência e tecnologia no Brasil, é preciso trabalhar para aumentar suas dimensões. Quando se diz que o Brasil tem 36.300 doutores, a reação das pessoas é achar que tem gente demais. E isso não é verdade. As diretrizes que estamos formulando no Livro Verde leva isso em consideração. Onde queremos chegar em oito e dez anos, em ter-
mos de qualidade? Temos que almejar investimento semelhante ao dos países desenvolvidos, em termos proporcionais. Em vez de ter uma participação de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB), devemos buscar elevar esse percentual para 2,3% ou 2,4%, como mínimo. Não estaremos nunca, num horizonte de dez anos, competindo com o Japão ou a Suécia, que gastam mais de 3%. Mas podemos almejar uma situação mais forte. O Brasil representa metade do esforço latino-americano em C&T em volume de recursos e taxa de crescimento. Podemos olhar mais para frente. • Como garantir, com eventuais mudanças na orientação do governo, a continuidade desse processo de consolidação do sistema de C&T no país? - Minha pretensão é que a opinião pública e o sistema político reconheçam de maneira mais clara e firme que C&T no Brasil tem valor estratégico, não só em termos de criação de valor, mas em termos de criação de bem-estar, de forma que possamos, com isso, criar uma aliança dentro do país, em favor da ciência e tecnologia, que não precise ser dirigida pelo governo. Assim nós asseguramos a continuidade do processo. E isso vai ocorrer na medida em que se consiga sair dos gabinetes e laboratórios e imantar a opinião pública com a mesma obsessão que existe dentro da comunidade científica no país. Pretendemos firmar os sistemas nacionais de C&T e o trabalho do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos como um ponto de encontro entre as sessões da Conferência. Digamos que daqui a três anos se realize uma nova Conferência Nacional. Isso deveria ser uma reivindicação da comunidade, de todos os interessados, das empresas, da imprensa, com um esforço de roteiro que permita uma revisão de tudo que fizemos até então. Se esse exercício é sério, deixa de ser um exercício a ser resolvido entre quatro paredes. Ele não deve ser mais uma construção burocrática. A própria formulação do orçamento e os campos de pesquisa a serem selecionados precisam ser obPESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 27
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jeto de mais debate. Temos realizado uma série de workshop e seminários para ajudar na determinação dos projetos necessários. Estamos fazendo exercícios de prospecção. É uma visão coletiva, mas que ainda pode ser expandida para fora dos muros do Ministério e da academia e estar mais presente nos debates públicos. Quando vejo a decisão da FAPESP de colocar a revista Pesquisa nas bancas de jornal, percebo que há um movimento nesse sentido. • Quais foram, a seu ver, as principais mudanças do setor, nos últimos anos? - Quando cheguei ao MCT, em julho de 99, havia uma insatisfação muito grande nas regiões menos desenvolvidas, que se achavam relegadas. Fizemos uma aposta para melhorar as relações, primeiro com o Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Ciência e Tecnologia e depois com os estados. A idéia é que, para operar numa lógica nacional, é preciso mobilizar o país inteiro. Mas esse é um trabalho complexo e dispendioso. Quando criamos uma rede nacional de seqüenciamento, reunindo 25 laboratórios de quinze estados diferentes, temos que equipar os laboratórios e formar gente. Terminada esta etapa, começamos a nos preocupar em ter realizações concretas. Em meados de 2000, os Fundos Setoriais começaram a ser aprovados e iniciamos um processo de consulta para ver o que se podia fazer. A metodologia adotada para eleger os projetos de pesquisa prioritários foi a de plataforma tecnológica: uma mesa onde se encontram todos os atores relevantes que têm interesse em desenvolvimento tecnológico estados, órgãos do MCT e outros parceiros. Num processo de negociação e consulta, vão sendo escolhidas áreas específicas. No Rio de Janeiro, por exemplo, identificou-se a de rochas ornamentais e tecnologia da informação; em Goiás, a escolha recaiu sobre o setor de couros e calçados, além de fármacos; em Pernambuco, gesso, caprinos, fruticultura irrigada e tecnologia da informação. Em cada caso, se imaginou um projeto de pesquisa, de 28 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
pré-investimento. Veja o exemplo do gesso. Em Araripina, na fronteira de Pernambuco e Ceará, existe uma jazida de gesso que pode suprir as necessidades do Brasil e exportar. É preciso fazer pesquisa para desenvolver produtos, baixar custos, pensar numa logística de distribuição e na certificação do produto. Para exportar um produto tão frágil e perecível como o gesso é preciso dar garantias ao comprador, via certificação. Esse processo foi interessante. Pela primeira vez o MCT saiu de Brasília, descentralizando sua ação. Mas a desconcentração precisa ser acompanhada de integração nacional. É preciso que isso forme um sistema no país como um todo. Quero sublinhar que estamos falando de pesquisa, não de investimento. A integração está sendo feita via rede. A primeira experiência foi na parte da genômica. Como o resultado foi extraordinário, será estendido para outros setores, inclusive em cooperação internacional. • O senhor menciona a política de des-
centralização, mas entre as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) ainda se tem a sensação de que as decisões vêm sempre do plano federal. - Nunca pensamos em transformar a ação do Ministério numa miríade de projetos localizados. Estamos fazendo projetos sistêmicos. Estamos preocupados com a desconcentração assim como com a integração das ações. Essas críticas são recentes,não tem mais de seis meses de existência. As FAPs têm uma relação tradicional com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e devem até incrementar essa colaboração. Nosso objetivo ao nos dirigir aos estados foi no sentido de estimulá-los a colocar mais recursos em C&T. • Há estados que poderiam colocar mais recursos em ciência e tecnologia do que colocam? - Sem dúvidas. Os estados mais ricos da Federação têm condições de colocar mais na cooperação com o Governo Federal. Não é o caso de São Paulo. É preciso ter uma percep-
ção de que os recursos do Governo Federal são limitados. Não podemos basear o avanço da C&T exclusivamente nos recursos federais, como foi prática tradicional. Temos que pensar que novas fontes de recursos devem ser geradas e uma dessas fontes está nos governos estaduais. De alguma forma os estados estão reagindo. Antes, a ciência e tecnologia não tinha appeal... • O que faltava era uma certa sensibilidade por parte dos estados? - Sim, mas também é preciso ter presente que quem está numa situação muito precária tem dificuldades de formular planos a longo prazo. Por que fazer um conjunto de diretrizes em ciência e tecnologia até 201O? C&T não dá notícia no dia a dia, já que os resultados aparecem em médio prazo, de três a cinco anos. Os recursos dos Fundo Setoriais ajudaram a mudar esta situação. Hoje gastamos nos estados mais pobres mais do que o dobro do que se gastava. Antes, os mais pobres vinham às regiões mais ricas do Brasil captar recursos. Agora, isso não é tão claro. • O anúncio recente de cortes no orçamento do Governo Federal não provoca desânimo nesse trabalho de parceria? - Nunca vendemos a filosofia de que seria fácil. Na construção de um instrumento novo há um processo político complexo. Ainda assim, com todos os cortes, os recursos hoje previstos para o MCT são idênticos aos do ano passado, que foi o melhor ano da série. Temos um orçamento de um bilhão e tanto. Mas o ano não acabou. Continuaremos a trabalhar para expandir recursos existentes. Não tenho ilusões quanto à dificuldade da empreitada. Temos um problema pela frente: os quatro últimos Fundos saúde, agronegócios, biotecnologia e aeronáutica - foram aprovados nos últimos dias de dezembro de 2001, quando a proposta orçamentária já estava fechada. Esses recursos não estão previstos no orçamento. Estamos discutindo como dotar esses fundos de recursos.
• Então o MCT pode ter um orçamento maior do que R$ 1,5 bilhão? - Tudo leva a crer que sim. Minha expectativa é que a gente chegue ao final do ano com mais recursos do que temos agora. • O senhor tem intensificado o trabalho para estabelecer cooperações internacionais mais consistentes. Para onde vai esta política? - Alguns poucos países do mundo têm feito esforços nesse sentido, entre eles, os Estados Unidos, França, Alemanha, o Reino Unido e, até certo ponto, Japão. Entre os países em desenvolvimento temos China, Índia, Coréia, Brasil e África do Sul. No Brasil, ao mesmo tempo em que fazemos um esforço nacional de desconcentrar, integrar e investir em ações locais, há ainda a dimensão da cooperação internacional. E isto é irrecusável porque a ciência, a tecnologia e a inovação são, hoje, cada vez mais internacionais. E está havendo um processo de concentração do conhecimento nos países mais desenvolvidos e o aparecimento de certos hiatos, como, por exemplo, na formação de recursos humanos. Nós, que fazemos um grande esforço na formação de recursos humanos, estamos apenas começando a recuperar o atraso. O Brasil forma doutores como a Itália, Canadá e Suíça. Um país como este tem que fazer o possível para acompanhar e, se possível, participar, nas fronteiras do conhecimento. • Nesta cooperação está prevista a transferência de tecnologia? - Não acredito em transferência de tecnologia, especialmente de alta tecnologia. Se precisamos trazer sopros de renovação que venham de fora, o caminho é o desenvolvimento conjunto. E a maneira de fazer isso é reforçar laços com países desenvolvidos. Até agora, a política de cooperação internacional era a tradicional, do mesmo tipo de quando eu entrei no Itamaraty, em 1964:troca de especialistas e visitas, sem nenhum caráter institucional e extremamente pulverizado. É claro que há uma lógica nisso tam-
bém. Mas estamos pressionados por problemas concretos, como o de acompanhar as fronteiras do conhecimento. Somos um país com 170 milhões de habitantes, temos mais de 50 anos de experiência forjada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e CNPq e não podemos perder esse capital de conhecimento, deixar que ele se torne obsoleto. Estamos procurando, nos entendimentos com a França e Alemanha, selecionar temas nos quais poderemos concentrar a atenção, como biotecnologia, tecnologia da informação, nanotecnologia, entre outros. É interessante que, depois que os alemães e franceses entenderam o que queríamos, começaram a demandar de nossa parte a apresentação de projetos mais sofisticados. Não somos um parceiro desprezível. Há também parceiros novos, como a Espanha e Portugal. Temos ainda parcerias com países asiáticos, principalmente a China, com a qual temos uma relação de 13 a 14 anos. Temos um satélite voando, neste ano voa o segundo e vamos anunciar compromisso de desenvolver o terceiro e quarto satélites, em condições diferenciadas: teremos uma posição cada vez mais importante no desenvolvimento de lançamentos. Estamos retomando a antiga cooperação Sul-Sul em alta tecnologia. E isso faz diferença no desenvolvimento conjunto.
de software e eles têm interesse direto em softwares bancário e de segurança produzidos no Brasil. A cooperação Sul-Sul induz a cooperação entre países do Sul e a cooperação Norte-Sul. Estamos nesse momento fazendo esforços para intensificar a cooperação com a Argentina. • As dificuldades econômicas da Argentina não atrapalham a cooperação? - Não, ao contrário, estimulam, porque há um processo de migração dos cientistas argentinos. Nossa estratégia é manter uma parceria permanente com a Argentina. Não temos nenhum interesse nas dificuldades da Argentina. Estamos intensificando projetos na área de biotecnologia, de atividades espaciais e as coisas mais tradicionais como visitas e bolsas. • Esta mudança nas relações internacionais tem a ver com a maior competitivida de brasileira ou é apenas uma política específica? - As duas coisas e tem ainda o aspecto da credibilidade. O fato de estarmos mantendo os recursos,mesmo com a cnse fiscal, e ainda termos aumentado os recursos para ciência e tecnologia dá uma indicação de que é sério. •
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• Como estão os entendimentos com a Índia? - Estive na Índia e observei que há possibilidade de se estabelecer um programa em áreas como, por exemplo, atividades espaciais. Na Índia há avanço interessante na área
"Estamos preocupados com a desconcentração e integração das ações"
• CIÊNCIA
Carros fazem chover na cidade de São Paulo Estudos preliminares, realizados por geógrafos da Universidade de São Paulo (USP), indicam que na cidade de São Paulo a energia gerada pelas atividades humanas - sobretudo a resultante da queima de combustíveis nos automóveis equivale a, no mínimo, um décimo da radiação solar. Em conseqüência, o que pode ser chamado de calor humano, aqui, sem qualquer metáfora, interfere, evidentemente, na temperatura da cidade e, inesperadamente, no regime de chuva: de modo geral, chove menos nos finais de semana e mais durante a semana. O acompanhamento das condições climáticas, hora a hora, mostra que não se trata de coincidência,
• Outros usos para as frutas brasileiras A goiaba vermelha (Psidium guajava L.), o caju-roxo (Anacardium occidentale) e a romã (Punica granatum) são frutas ricas em polifenóis, principalmente taninos e flavonóides, substâncias com ação comprovada contra fungos, bactérias e leveduras, como a Candida albicans, causadora da candidíase. A partir dessas informações, o Grupo de Estudo Multidisciplinar em Plantas Medicinais, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que trabalha em parceria com a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Universidade Federal da Bahia (UFBA), criou quatro pro-
Áreas de sombra durante o dia criam "ilhas de frio" mas de um provável reflexo do movimento dos carros (6 milhões de automóveis de passeio e 600 mil caminhões e ônibus) e da operação das indústrias (30 mil) da região metropolitana. O fluxo de calor é um dos temas tratados de Os Climas na
dutos que podem ser usados em pacientes imunodeprimidos (sob o efeito do HIV, causador da Aids, ou da quimioterapia), contra placas bacterianas e na prevenção da acne. Tratam-se de um creme dental, gel dental (para usar na gengiva), creme tópico e gel tópico (para a pele). "O ex-
Cidade de São Paulo - Teoria e Prática, organizado por José Roberto Tarifa e Tarik Rezende de Azevedo, com os estudos mais relevantes realizados ao longo de 30 anos no Laboratório de Climatologia e Biogeografia do Departamento de Geografia
trato da goiaba vermelha, por exemplo, tem ação bactericida de amplo espectro, inclusive para bactérias Gram negativas, difíceis de serem combatidas com medicamentos comuns'; explica Iane Sheila Higino, da UFPE, que iniciou a pesquisa sozinha e hoje orienta as teses de mestrado de Arqui-
da USP. Nesse livro se vê que, do ponto de vista climático, São Paulo é uma cidade peculiar também por apresentar contrastes tão marcantes. No centro, há ilhas de frio áreas que não recebem luz solar em praticamente nenhum momento do dia, em conseqüência do adensamento de prédios e de viadutos, como o Elevado Costa e Silva. Já na favela Heliópolis, casas com telhado de amianto, ruas asfaltadas sem árvores e lotes pequenos mantêm a temperatura acima de 30°C o ano todo. O conforto térmico e ambiental pode ser encontrado no Parque do Ibirapuera, nos chamados bairros verdes (Pacaembu, Alto da Lapa e Jardins) e, claro, nos shop-
ping centers.
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medes Fernandes Monteiro Melo e Alessandra de Albuquerque Tavares Carvalho, que trabalharam nos cremes e géis. Agora, Iane quer continuar o estudo, desta vez com a . pitanga, a acerola e a jaboticaba para criar o que ela chama de fitocosmecêuticos. Ou seja, fitoterápicos que podem ser usados como cosméticos e medicamentos ao mesmo tempo. •
• O computador quântico mais perto
Goiaba: ação bactericida
30 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Romã: contra fungos
Foi dado mais um importante passo no sentido de tornar viável a produção de computadores quânticos. Uma equipe da Universidade Autônoma de Barcelona e da Universida-
de de Salamanca, na Espanha, descobriu uma maneira de obter um fenômeno nunca explorado até agora: capturar duas partículas de uma vez entre dois estados de energia excitados. A pesquisa, publicada em janeiro na Physical Review Letters, poderá ser muito útil para o desenvolvimento da computação quântica. Enquanto os computadores tradicionais trabalham em sistema binário (os bits, que podem assumir o estado de O ou 1), os computadores quânticos trabalham com partículas, como o elétron ou núcleos atômicos, que podem ficar num estado de superposição, representando simultaneamente O, 1 e tudo o mais que existe entre esses valores - o que confere ao computador quântico uma incrível capacidade de processamento. Uma das linhas mais dinâmicas da física atual é, justamente, a utilização de pulsos de raio laser para manipular os átomos, afetar seus estados eletrônicos e, assim, criar esses bits quânticos. Contudo, esses estados internos de superposição de elétrons são muito instáveis:a interferência do próprio ambiente pode destruílos, num fenômeno chamado decoerência. Os pesquísadores espanhóis deram um passo adíante: conseguiram capturar um par de partículas entre dois estados de energia excitados que permite criar esses estados de superposição, tão úteis para a física quântica, em duas partículas de uma só vez. •
• Desinformação nas bulas brasileiras Ainda este ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária deverá publicar uma nova normatização alterando os textos das bulas de medicamentos. Uma pesquisa feita em Brasí-
lia em 2000, mas publicada agora em março na Revista de Saúde Pública (volume 36, nv 1,www.scielo.br/rsp) daFaculda de de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, revelou que a maioria das bulas estudadas tinha informações insuficientes. Foram analisadas por amostragem 168 bulas de 41 fármacos pertencentes à Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, baseada na lista da Organiza-
ção Mundial de Saúde, que cobre um grande número de patologias. Das 168 bulas estudadas, 91,4% mostraramse insatisfatórias do ponto de vista de informação ao paciente e 97% eram incompletas quanto à parte relativa às informações técnicas. "Quanto à parte reservada a informações ao paciente, a maioria delas trazia informações incompletas, como frases feitas que nada informavam ao consu-
midor", diz Silmara de Almeida Gonçalves, farmacêutica-bioquímica que realizou o trabalho com outras três pesquisadoras. Por exemplo: no item sobre reações adversas ao paciente, muitas bulas se limitaram a incluir a frase "Informe ao médíco o aparecimento de reações desagradáveis';deixando de dízer quais as mais importantes por freqüência ou gravidade. A parte de informações técnicas da bula, útil para médicos, enfermeiros e farmacêuticos, tinha problemas sérios de falta de dados. "Por exemplo: os medicamentos injetáveis, de modo geral, não informavam sobre estabilidade após diluições e possíveis incompatibilidades quando administrados junto com outros injetáveis," A alteração das normas deverão sanar esses problemas. •
Desenvolvimento e desastre ecológico Os resultados do estudo sobre o impacto causado pela construção da Usina Hidrelétrica de Porto Primavera sobre os cervos-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) provaram que o enchimento do lago é uma catástrofe para as populações desse animal. "Como o cervo-do-pantanal é uma espécie típica da várzea e esse ecossistema ocorre às margens dos rios, o sistema energético brasileiro, baseado em hidrelétricas, está sendo responsável pela extinção de várias subpopulações da espécie", afirma José Maurício Barbanti Duarte, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Jaboticabal, coordenador do projeto de avaliação do
Cervo-da-pantanal:
mortes como efeito da inundação
impacto sobre o animal. As mortes por afogamento e causas diretas do enchimento ficaram em 20%, mas o maior problema foi a mortalidade pelo efeito crônico da inundação. "No final do processo, em 2001, estimamos que 95% da população de cerca de mil ani-
mais tenha desaparecido na área de influência direta da usina." A equípe de Barbanti descreveu enfermidades, padrão genético e continua estudando a reintrodução e translocação dos animais para agir corretamente se situações como essa voltarem a ocorrer. •
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de ser um incentivo para a criação de uma técnica específica para mulheres. •
• A imprevisibilidade do clima e a política
Cirurgia especial para mulheres Quando o assunto é doença cardíaca, as mulheres sempre se consideraram privilegiadas em relação aos homens. Até a menopausa, pelo menos, a proteção conferida pelo hormônio estrogênio garantia menor incidência de infartos. Agora, uma pesquisa revela que essa suposta vantagem desaparece diante de um bisturi. De acordo com o estudo da cardiologista Viola Vaccarino, da Emory University, Estados Unidos, as mulheres têm risco três vezes maior do que os homens de morrer durante ou logo após uma cirurgia de implantação de ponte de safena. E o que é pior: o risco aumenta quanto mais jovem é a mulher, de acordo com a revista Circu/ation (18 de fevereiro). A equipe acompanhou a evolução de 51.187 pacientes. A porcentagem de morte entre as mulheres foi de 5,3% e de homens, 2,9%. Surpreendentemente, essas diferenças foram maiores entre as mais jovens. O índice de mortalidade das mulheres com menos de 50 anos foi de 3,4% (1,1% entre os homens). A diferença na taxa de morta-
lidade diminuiu entre os sexos à medida que a idade aumentava. As que foram objeto de estudo tinham doenças coronarianas menos graves do que os homens. Essa maior probabilidade de morte talvez possa ser atribuída à técnica cirúrgica, desenvolvida para homens. "Os homens possuem artérias mais largas do que as mulheres e a operação é mais difícil com artérias pequenas", diz Viola. O estudo po-
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Quem busca compreender e prever o comportamento do clima precisa ter muita cautela com as certezas, sobretudo quando o assunto é aquecimento global. O conselho é dirigido especialmente ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e foi dado por um grupo de pesquisadores do Instituto George C.Marshall, organização da ONU que se dedica a fazer análises de temas científicos que tenham impacto direto sobre políticas públicas. De acordo com os pesquisadores, as projeções de aumento da temperatura para este século, realizadas pelo IPCC, são influenciadas pela política e as emissões de gases podem não ser o principal fator do aquecimento global.
Para eles, o IPCC tem dado pouca importância a nuvens, vapor de água, aerossóis, correntes oceânicas e efeitos solares em suas projeções de aquecimento do planeta. O relatório do Instituto Marshall foi publicado nos Estados Unidos e, depois, discutido no Reino Unido. O pesquisador Philip Stott, da Universidade de Londres, foi uma das primeiras vozes de apoio às conclusões dos colegas norteamericanos. Segundo ele, os autores desafiam a principal contradição do Protocolo de Kyoto, o acordo sobre o clima global, de que o clima é um dos mais complexos sistemas conhecidos, mas, mesmo assim, seria possível administrá10 pelo controle de um pequeno grupo de fatores, como as emissões de gás do efeito
Inseticida para salvar o mogno A grande procura pela madeira de mogno (Swietenia macrophylla), a exploração predatória e o conseqüente risco de extinção levaram ao reflorestamento da planta na região amazônica. O problema é que a lagarta Hypsypy/a grandella, conhecida como broca-do-mogno, ataca a árvore, impedindo seu desenvolvimento, especialmente no reflorestamento, onde a densidade é muito maior que na
floresta. Uma equipe da Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP) , liderada pelo pesquisador Orlando Shigueo Ohashi, achou uma solução conjugada para a questão. Com a colaboração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos (UFS-
Mogno: cultivo e inseticida contra a extinção
estufa. "Cientificamente, isso não é uma mera incerteza: é uma mentira", acusa o cientista. "Kyoto não interromperá a mudança climática." Eileen Claussen, presidente do Pew Center on Global Climate Change, levantou-se em defesa do IPCC. Segundo ela, as conclusões do instituto são aceitas como representativas do atual conhecimento científico sobre clima, e a própria Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos concorda com a tese de que o aquecimento é, ao menos em parte, causado pelo homem. •
• Ciência para crianças, em livros Três lançamentos especiais para crianças chegaram ao mercado: Os Antigos Habitantes do Brasil, da Editora da Unesp, Sexualidade e Eletricidade, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O primeiro é um raro livro voltado especialmente para crianças entre 7 e 14 anos, sobre os primeiros povos que habitaram o Brasil. O autor é Pedro Paulo
Car), e o apoio financeiro do Banco da Amazônia e da SECTAM/Funtec, Ohashi cultiva o mogno ao lado do cedro-australiano ou cedro vermelho (Toona ciliata), cuja planta atrai para si cerca de 80% das posturas feitas pelas mariposas da broca-da-mogno. Quando os ovos eclodem, as lagartas se alimentam das folhas do cedro-australiano, mas morrem por causa de algumas substâncias tóxicas da planta. Ocorre que 20% das posturas são feitas no próprio mogno. Para combatê-Ias,
Livros de ciências para crianças: ilustrações fartas e Iinguagem acessível aos jovens Funari, professor de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade de São Paulo (USP). Os outros dois visam a faixa de 11 a 16 anos. Sexualidade aborda o assunto sob a perspectiva da biologia, psicologia, história, antropologia e medicina. Eletricidade traz artigos sobre os conceitos básicos de eletricidade e magnetismo. Ambos fazem parte da coleção Ciência Hoje na Escola. Os livros podem ser encontrados, respectivamente, nos sites: www.editora.unesp.br e www.uol.com.br/cienciahoje/ chesc.htm. • ,
Ohashi criou uma cola à base de polibuteno misturada a um inseticida químico do grupo dos piretróides, muito usado no Brasil. "Colocamos dois pingos da Colacid somente na brotação nova das plantas de mogno em crescimento': diz o pesquisador. O produto mostrou-se eficaz no controle da praga sem ser tóxico para a planta. Mais uma vantagem: o custo é muito baixo. O tratamento em um hectare com 100 plantas de mogno sai, em média, R$ 24,00 por ano (Colacid e mão-de-obra) .•
• A melhor forma de achar ETs Douglas Vakoch é um cientista norte-americano que se dedica a pesquisar uma linguagem abstrata universal que permita responder a uma eventual mensagem extraterrestre. Focalizado em artigo do New York Times (6 de março), ele critica tentativas de comunicação interestelar. Entre elas, estão as preciosidades incluídas na sonda Voyager, lança da para além do' sistema solar: uma placa metálica levou desenhos de um casal e diagramas "mostrando" a localização da Terra, e um disco foi gravado com imagens e músicas "representativas" de nosso planeta. Vakoch critica a idéia de que a ciência terrestre possa ser a base da comunicação com ETs: "Só porque estamos centrados numa descrição científica de nós mesmos, isso não quer dizer que 'eles' tomarão isso como ponto inicial de uma conversação': Também não acha que diferentes civilizações com histórias e formas físicas diversas devam ne-
cessariam ente convergir para a mesma descrição científica da realidade e passar pelos mesmos estágios de desenvolvimento. Acredita ser possível, por exemplo, que extraterrestres tenham desenvolvido tecnologias de comunicação sem nem sequer conhecer o conceito de átomo ou a molécula de DNA. Nenhuma mensagem, pensa, está livre de ambigüidade. Mas ele não é de todo cético e tem uma sugestão: imagens tridimensionais que pudessem ser vistas de qualquer ângulo e fossem gradativamente agrupadas em posições diversas, como um balé de sinais que sugerisse uma forma de conversação. Já há uma base para isso, a Lincos (Língua Côsmica) criada na década de 1960 pelo matemático alemão Hans Freudenthal. Vakoch está engajado no Projeto Fênix, do Instituto Seti da Califórnia, que esquadrinha mil estrelas próximas do tipo solar com radiotelescópio, em busca de planetas e sinais de vida. •
PESQUISA FAPESP
• ABRIL DE 2002 • ~3
CIÊNCIA I CAPA
Circuitos do
NEUROBIOLOGIA
Projeto temático revela funções de estruturas arcaicas do cérebro, acionadas ante um sinal de perigo real ou imaginário !
MARCOS
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PIVETTA
estudo do percurso neuroquímico das emoções no cérebro de mamíferos superiores - e do próprio ser humano - colhe cada vez mais indícios de que o medo, em seu estado mais bruto, é um sentimento que se assenta em circuitos tão antigos quanto os dos primeiros répteis da Terra. A partir de uma série de artigos que publicaram nos últimos três anos em revistas internacionais, como Brain Research, Behavioural Brain Research, Neuroscience and Biobehavioral Reviews, entre outras, pesquisadores do Laboratório de Psicobiologia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto levantaram evidências de que três estruturas extremamente primitivas na escala evolutiva do cérebro, presentes em espécies animais desde a época dos dinossauros, desempenham tarefas fundamentais em situações de risco, potencial ou real, antes mesmo de ser acionada a amígdala cerebral- estrutura surgida posteriormente, com os primeiros mamíferos, e diretamente implicada nas respostas de defesa do organismo diante de um estímulo aversivo, algo como um ambiente, um som, uma imagem ou uma luz que provoque medo. Com o auxílio de experimentos que provocam vários tipos de estresse e pavor em ratos - cujo cérebro, embora menos complexo, assemelha-se ao do homem -, os cientistas acreditam ter encontrado novas funções para o núcleo mediano da rafe, os colículos inferiores e a parte dorsal da matéria cinzenta periaquedutal. São as três peças primitivas do intrincado quebra-cabeça neuronal envolvido nos caminhos do medo. "Cada uma dessas estruturas cerebrais participa de forma distinta na geração e elaboração de tipos diferentes de medo': diz o médico Marcus Lira Brandão, coordenador dos esPESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 35
tudos, conduzidos no âmbito de um projeto temático da FAPESP."Como o medo e a ansiedade são importantes componentes das doenças psiquiátricas, conhecer os circuitos envolvidos em sua elaboração é fundamental para encontrarmos novos tratamentos para esses distúrbios." Ambiente traumático - De acordo com
esses trabalhos, o núcleo mediano da rafe reconhece temporal e espacialmente um ambiente associado a um trauma - o local de um assalto, por exemplo - e o decodifica como um estímulo aversivo capaz de provocar o medo contextual condicionado, espécie de temor associado a um ambiente traumático. Já os colículos inferiores - são dois, um em cada lado do cérebro - entram em ação num tipo mais particular de medo. Como um filtro, uma região dessas estruturas auditivas, denominada núcleo central, distingue especificamente um som normal de outro considerado ameaçador. Feita a filtragem, o estímulo auditivo considerado normal vai para o lobo temporal, região do neocórtex, a parte mais racional - e nova, do ponto de vista evolutivo - do cérebro. O som tido como perigoso vai, com escala no tálamo auditivo, para a amígdala cerebral, que desencadeia as típicas reações de medo: paralisia de movimentos, dilatação das pupilas, aumento do batimento cardíaco, arrepio, entre outras. Até então, todas as evidências mostravam que a amígdala recebia sempre um sinal sonoro bruto, sem filtragem, e ela mesma tinha de realizar todo o processo de separação do que pode ser ameaçador ou não ao organismo. Por fim, os pesquisadores da USP produziram indícios de que a porção dorsal da matéria cinzenta periaquedutal parece estar ligada a uma das respostas mais primárias de defesa do organismo diante de estímulos aversivos: a reação de congelamento (imobilidade tensa). "Vimos que a estimulação elétrica dessa parte da matéria cinzenta provoca uma paralisia semelhante à que ocorre nos pacientes com distúrbios de pânico", comenta Lira 36 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Brandão. O pânico se caracteriza por episódios recorrentes de ansiedade exacerbada, que podem durar horas ou até dias. Durante essas crises, os pacientes sentem que estão a ponto de morrer, têm medo de enlouquecer e freqüentemente se recusam a andar. pesar de envolvidas em tipos distintos de medo, as três estruturas sobre as quais os estudos da USP jogam luz têm algo em comum: estão situadas numa estrutura maior, o mesencéfalo, que faz parte do tronco encefálico,ligação entre a medula espinhal e uma região denominada diencéfalo. E daí? Perguntaria alguém não familiarizado com a arquitetura cerebral. Daí que, na clássica divisão evolutiva do cérebro humano e de mamíferos superiores em três grandes unidades, o tronco encefálico é uma das áreas da parte mais primitiva desse órgão, o chamado cérebro dos répteis. Presente desde o aparecimento dos dinossauros, há dezenas, talvez centenas, de milhões de anos, essa porção primordial do cérebro não é, teoricamente, o território das emoções, mas apenas de instintos de auto-preservação e agressão. As emoções são o domínio preferencial da segunda parte do cérebro, que se formou nos primeiros mamíferos e abriga o sistema límbico, composto por uma série de estruturas responsáveis pelo substrato neuronal dos sentimentos. A terceira parte do cérebro, presente apenas em animais superiores, como os primatas e o homem, é o neocórtex, responsável pelo raciocínio. No sistema emotivo, a amígdala cerebral tem sido considerada uma peça-chave, a estrutura que tem recebido as maiores atenções dos pesquisadores dos circuitos do medo. Mas, de acordo com os dados da equipe de Lira Brandão, o sistema límbico se expandiu - e, em alguns tipos de medo, seus circuitos primários apresentam raízes na região do mesencéfalo. Neurotransmissores - No caso do núcleo mediano da rafe, os cientistas também conseguiram precisar qual neu-
rotransrnissor - substância liberada por um neurônio excitado com o intuito de passar adiante o estímulo recebido para outro neurônio - encarrega-se de levar os sinais do medo dessa estrutura para as demais áreas do cérebro. Trata-se da serotonina, um dos mais importantes neurotransmissores, cuja ação tem sabidamente efeitos no padrão de sono, humor, comportamento sexual e constrição de vasos, para citar apenas alguns exemplos. A simples inibição das vias de transmissão da serotonina em ratos, experiência feita nos laboratórios da USP,impediu que a mensagem do medo contextual fosse adiante e atingisse outras estruturas responsáveis pela elaboração dessas respostas defensivas, incluindo o hipocampo e a amígdala. O neurotransmissor responsável por conduzir os estímulos auditivos dos colículos inferiores para outras estruturas ainda não foi determinado. Mas há uma boa pista. Esse circuito parece ser modulado pela dopamina, neurotransmissor comumente associado à esquizofrenia - grave problema mental que atrapalha o raciocínio, leva ao embaralhamento das emoções e provoca a perda de contato com a realidade, causando delírios, sobretudo sonoros. Ou seja, a elevação nos níveis de dopamina aumenta a eficiência da transmissão de estímulos aversivos auditivos. No entanto, não foi ainda possível determinar se o bloqueio dos canais de transmissão de dopamina interrompe o fluxo dessa informação no cérebro. "Precisamos de mais estudos para ver se não há outros neurotransmissores envolvidos no processo': afirma Lira Brandão. No que diz respeito à ação da matéria cinzenta periaquedutal na resposta de congelamento, os experimentos com neurotransmissores ainda estão em fase inicial e não permitem maiores comentários. Pela sobrevivência - É preciso deixar claro de que tipos de medo as pesquisas da USP se ocupam. De forma geral, o objeto de estudo é o medo em suas manifestações mais primitivas. É o temor instantâneo que sentimos,
mente, a estratégia de errar para mais do que para menos parece ser mais eficiente. Ou, como diz o neurologista norte-americano Ioseph LeDoux, da Universidade de Nova York, autor de um livro capital sobre as emoções e o cérebro (The Emotional Brain), "é melhor confundir um pedaço de pau com uma cobra do que uma cobra com um pedaço de pau': Esse medo primitivo é, portanto, uma forma de temor muito diferente do receio (racional) que um aluno sente ao fazer uma prova para a qual não estudou. O estudante se inquieta perante o teste porque sabe, conscientemente, que não se preparou para o exame.
nós e os animais, diante de qualquer situação interpretada pelo nosso cérebro como sendo de vida ou morte. Como uma espécie de reflexo condicionado, não racionalizado, esse pavor inconsciente e ancestral trabalha a favor de nosso instinto de sobrevivência. É o medo que nos faz (re)agir,
sem pensar, diante de algo percebido como uma ameaça, real ou imaginária. Sem ele, por exemplo, os animais não conseguiriam fugir de seus predadores. Para ser eficiente na tarefa de garantir a perpetuação das espécies, esse medo se apresenta, muitas vezes, exacerbado e infundado. Evolutiva-
lgumas formas de medo primitivo habitam a mente humana e a dos animais desde o seu nascimento. São receios inatos, herdados geneticamente dos antepassados - e não decorrentes de experiências traumáticas vivenciadas pelos seres que, agora, manifestam esses temores. Nos ratos, a aversão a lugares abertos se encaixa nessa definição. No homem, o medo de grandes altitudes é um desses casos. Ninguém precisa cair de um muro de 10 metros de altura para recear a queda. Já viemos ao mundo "programados" com esse medo. A esse tipo de temor, os estudiosos dão o nome de medo incondicionado. Essa forma de medo é estudada pelos pesquisadores da USP, mas não é seu principal foco de interesse. A atenção deles está mais voltada ao entendimento dos circuitos neuronais usados na elaboração de alguns tipos de medo condicionado, surgidos em função de uma experiência traumática, chamada tecnicamente de estímulo aversivo. Nessa linha de trabalho, o estudo do medo contextual condicionado em ratos produziu resultados interessantes. Como esse tipo de emoção é criada nos animais? Vale a pena descrever um experimento clássico para entender o processo de indução do medo associado a um ambiente. Ratos são colocados num local diferente do biotéPESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 37
Como surge o medo condicionado Um estímulo aciona respostas emocionais se associado a um sinal de perigo Estímulo sonoro
Um rato é exposto a um estímulo sonoro e se volta na direção do som. Se repetido muitas vezes, o estímulo é ignorado.
Fonte: Mareus Lira Brandão, Laboratório
Estímulo sonoro mais choque elétrico
Estímulo sonoro
Depois, o rato é submetido seguidamente ao estímulo sonoro acompanhado de um choque elétrico de baixa intensidade nos pés.
Mais tarde, basta o estímulo sonoro para despertar respostas de medo, que incluem aceleração no ritmo cardíaco.
de PsieobiologiaJUSP
rio em que vivem: um compartimento fechado, iluminado por uma luz vermelha (neutra para os roedores, serve apenas para os animais visualizarem as características discriminativas do ambiente-contexto), onde suas reações podem ser filmadas por uma pequena câmera de vídeo. Dentro desse lugar estranho, as patas dos ratos recebem sistematicamente choques de in-
tens idade moderada para o animal (0,6 miliampêre). A cada 20 segundos, os bichos recebem um estímulo elétrico que dura um segundo. Numa mesma sessão, o procedimento é repetido dez vezes, o que faz os animais associarem o compartimento - o ambiente estranho, o contexto - ao choque elétrico. As conseqüências do trauma .são visíveis no dia seguinte: basta colocar
os ratos no mesmo compartimento, ou num ambiente semelhante para que o medo, instantaneamente, tome conta dos animais. Os bichos congelam seus movimentos, eriçam os pêlos, dilatam as pupilas, urinam e soltam fezes de forma descontrolada e seu coração dispara. Ou seja, exibem todas as respostas típicas de quem se encontra diante de uma situação codificada
Por que é difícil controlar o medo e as emoções Por experiência própria, todo mundo sabe que é mais difícil controlar a emoção do que a razão. Amor, ódio, alegria, tristeza, medo e empatia são sentimentos aparentemente espontâneos do homem, que tomam conta das pessoas independentemente de sua vontade. Ninguém deixa, por exemplo, de detestar seu pior inimigo simplesmente porque botou na cabeça que odiá-lo não serve para nada. Quase por definição, a razão é controlável - a emoção, não. Analisando as conexões nervosas que ligam as
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partes do cérebro, onde razão e emoção se originam a partir dos mais diversos tipos de estímulos, os neurologistas formularam uma teoria para explicar por que o ser humano pena para dominar suas emoções - medo, entre elas -, ao passo que parece considerar-se o senhor da razão. De acordo com essa abordagem, que não deve ser de todo agrado dos psicólogos e psicanalistas, a chave para entender esse mistério está no fato de haver mais conexões nervosas ligando a amígdala (estrutura ce-
rebral que é a chave na determinação de respostas físicas e comportamentais provocadas pelo medo e outras emoções) ao neocórtex (parte do cérebro responsável pelo pensar cognitivo e racional) do que conectando o neocórtex à amigdala. Em outras palavras, a extensão da malha neuronal capaz de levar informações da amígdala para o neocórtex é significativamente maior do que a quantidade de vias habilitadas a fazer o percurso contrário. ''As duas estruturas se comunicam uma com
pelo cérebro como de perigo. O medo contextual exibido pelos ratos é análogo ao experimentado por uma pessoa que tem pavor de andar por ruas estreitas e escuras em razão de ter sido assaltada numa viela mal iluminada tarde da noite. Com algumas variações de procedimentos, os pesquisadores podem fazer com que ratos de laboratório sejam induzidos a desenvolver, além do medo contextual, o medo a estímulos sonoros e luminosos.
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Novas funções - Foi desencadeando essa gama de temores em roedores que a equipe de Lira Brandão chegou aos resultados de suas pesquisas, que apontam novas funções para três estruturas cerebrais. No caso dos ratos com medo contextual condicionado, os cientistas constataram que roedores com o núcleo mediano da rafe inativado, química ou cirurgicamente, não apresentavam as respostas típicas de quem estava diante de uma situação de perigo. «Já os que tinham o núcleo preservado exibiam as respostas esperadas", diz a bióloga Viviane Avanzi, que participa dos trabalhos conduzidos pelo Laboratório de Psicobiologia. Em 1978, pesquisadores da própria USP de Ribeirão Preto, liderados por Frederico Graeff (hoje aposentado), já tinham levantado evidências de que a estrutura poderia desernpe-' nhar essa função, mas acabaram não
a outra, mas essa comunicação é assimétrica", diz Marcus Lira Brandão, do Laboratório de Psicobiologia da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. «Durante os estados aversivos, as respostas emocionais predominam sobre a razão." O neurologista norte-americano Ioseph LeDoux, da Universidade de Nova York, renomado estudioso do medo condicionado, é o maior difusor dessa visão. Para ele, essa comunicação assimétrica ajuda a explicar por que a terapia psiquiátrica nem sempre dá bons resultados com vítimas de ansiedade e outros problemas mentais. Um tratamento mais
prosseguindo com os estudos, que só foram retomados recentemente. hipótese de que os colículos inferiores, estruturas sabidamente envolvidas na captação de sons, funcionam como filtros dos estímulos auditivos, separando os sinais perigosos dos inofensivos, ganhou corpo depois que Lira Brandão e seus colegasde laboratório, um time de 15 jovens pesquisadores, fizeram algumas surpreendentes constatações. Primeiro, verificaram que estímulos elétricos produzidos nos colículos, cujo impacto é similar ao de sons sabidamente aversivos aos animais, causavam respostas de medo. Depois, o mais importante de tudo, perceberam que essas reações podiam
o PROJETO Neurobiologia do Medo e da Ansiedade MODALIDADE Projeto Temático COORDENADOR MARCUS LIRA BRANDÃO Laboratório de Psicobiologia da U SP em Ribeirão Preto INVESTIMENTO
R$ 641.059,54
eficiente para esses distúrbios, de acordo com os adeptos dessa abordagem, poderia ser conseguido se fossem desenvolvidas drogas que facilitassem a interação do neocórtex com a amígdala. Embora as emoções já tivessem sido alvo de trabalhos com enfoque biológico desde a época de Charles Darwin, na segunda metade do século 19, a neurologia começou a explorar mais a fundo o terreno movediço e irracionalmente desafiador dos circuitos cerebrais envolvidos com esses sentimentos (e comportamentos) há apenas duas décadas. Na chamada neurobiologia das emoções, o medo
ser neutralizadas pela administração de ansiolíticos diretamente nos colículos. «Concluímos então que o medo de estímulos sonoros é mediado pelos colículos" diz outro pesquisador do grupo, o psicólogo Jorge Manuel Nobre. A ligação entre a porção dorsal da matéria cinzenta periaquedutal e a reação de congelamento foi determinada por meio da estimulação elétrica dessa região da estrutura. Havia uma suspeita de que a matéria cinzenta como um todo, ou apenas sua parte ventral, estivesseenvolvida com os mecanismos neurais mesencefálicos que levam à paralisia (congelamento ou imobilidade) associada ao medo. Para mostrar que a porção ventral não é determinante nessa reação, os pesquisadores a lesionaram, inutilizando-a, e deram estímulos elétricos de baixa intensidade na parte dorsal. Foi o suficiente para provocar a típica reação de congelamento da musculatura. «Com as nossas pesquisas, não queremos minimizar a importância da amígdala no circuito do medo. O estímulo aversivo precisa chegar a ela para que seja detonado o processo de reação defensiva do organismo': pondera Lira Brandão. «O objetivo de nossos estudos é entender melhor todo o circuito do medo, destacando a importância de várias outras estruturas, que recebem e integram essas informações mesmo antes de elas chegarem à amígdala." •
tornou-se o alvo preferencial de estudos por estar na raiz biológica de vários distúrbios mentais e por ser uma condição de fácil identificação e indução em laboratório. Em pouco tempo, essa linha de pesquisa, tocada em centros de todo o mundo, pôs em evidência várias estruturas do tronco encefálico que participam da geração e elaboração do medo e que se somam a uma pequena estrutura cinzenta, situada na parte mediana do cérebro, cujo formato lembra uma amêndoa - a amígdala, que, aliás, são duas, uma em cada hemisfério cerebral e, claro, nada têm a ver com as glândulas homônimas da garganta.
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 39
• CIÊNCIA
GENÔMICA
Caçadores de genes
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Domínio da técnica de chips de DNA pode facilitar diagnóstico de doenças como câncer de próstata
om a ajuda de lâminas especiais de vidro com as dimensões aproximadas de um dedo indicador - os chamados microarrays ou chips de DNA -, o pesquisador Sergio Verjovski-Almeida, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ/USP), encontrou seis genes nunca antes descritos na literatura médica que podem estar relacionados com o câncer de próstata, o segundo tipo mais freqüente de tumor entre homens no Brasil, onde são registrados anualmente quase 21 mil novos casos da doença. Se ficar comprovada sua ligação com esse tipo de câncer, os genes, cujos nomes e localização ainda são mantidos em sigilo, podem se transformar em uma ferramenta importante para auxiliar o diagnóstico precoce da enfermidade ou a sua evolução clínica. "Ainda temos de realizar mais estudos, com mais pacientes, para ter certeza da possível implicação desses genes com o câncer de próstata", diz Verjovski, coordenador de um dos sete subprojetos do instituto que fazem parte do Cage (sigla em inglês que significa Cooperação para Análi-
C
,
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se de Expressão de Genes). Além de aprofundar as pesquisas com tecidos da próstata, o bioquímico faz um trabalho semelhante de procura de genes ligados ao câncer de pulmão. O domínio de todo o processo de construção, experimentação e análise de microarrays- principal objetivo do Cage - permite confeccionar chips sob medida. Isso pode levar a resultados Ínteressantes, ainda mais quando se tem a mão matéria-prima diferenciada para pôr nesses chips - genes ou potenciais genes ainda não estudados em relação a determinadas patologias ou situações. Esse foi o caso da equipe de Verjovski. Utilizando os equipamentos do laboratório de microarrays do Cage, inaugurado no Instituto de Química em dezembro de 2000, os pesquisadores construíram um chip de DNA inédito no mundo. Num microarray, onde cabem milhares de seqüências genéticas, depositaram 4 mil genes. Metade desses genes já eram conhecidos, muitos deles com envolvimento em alguns tipos de câncer. A outra metade era composta por 2 mil ESTs (Etiquetas de Seqüências Expressas, regiões do genoma candidatas a serem genes), geradas pelo próprio
instituto para o Projeto Genoma Humano do Câncer, iniciativa conjunta da FAPESP e da filial de São Paulo do Instituto Ludwig. Nessas 2 mil ESTs obtidas pela pesquisa genômica paulista e não disponíveis nos chips comerciais de DNA vendidos no mundo está um dos grandes segredos do bom resultado alcançado pelo microarray de Verjovski. "Dificilmente alguém no mundo tem um chip igual ao nosso", afirma o pesquisador. Detalhe importante: os chips e seus experimentos têm de ser feitosnum ambiente extremamente asséptico e controlado, para não comprometer a confiabilidade dos dados. Para microarrays, a chamada sala limpa deve ter temperatura em torno de 22° C, umidade relativa do ar de 45% a 53% e no máximo 10 mil partículas de poeira por pé cúbico de ar, um padrão mil vezes mais severo que o de uma sala de operação esterilizada de hospital. "Montar e manter um laboratório desses não é uma operação trivial': diz Hugo Armelin, também do Instituto de Química, coordenador geral do Cage. O laboratório de microarray pode fabricar simultaneamente 36 chips de DNA em quatro horas.
Placa com clones é colocada no robô que monta os chips: assepsia mil vezes maior que em uma sala de Cirurgia
Como se colocam genes numa lâmina? A descrição do que foi feito no Instituto de Química dá uma noção do processo. Mantidos em freezers junto ao laboratório do Cage, danes das ESTs do Genoma Humano do Câncer foram amplificados por um método chamado PCR (reação em cadeia da polimerase) e, com a ajuda de um robô, depositados um a um em reservatórios microscópicos (na forma de um ponto ou circunferência) do chip. Algo semelhante foi feito com os outros 2 mil genes já conhecidos. Depois, material celular de tecidos normais e com câncer - retirados de 60 pacientes do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, e do Hospital do Câncer do Instituto Nacional do Câncer, do Rio de Janeiro, com tumores de próstata em estágio intermediário - foram adicionados ao chip com 4 mil genes, num processo chamado hibridização. Os tecidos sadios foram marcados com co- . rante fluorescente verde e os com câncer, de vermelho.
Feito isso, o microarrayestá pronto para fornecer indícios de quais genes são mais ou menos expressos (usados) por células sadias e pelas com tumores. Mede-se a expressão dos genes nos dois tipos de tecido com a ajuda de um scanner a laser e de soft.wares. O
resultado são figuras como a publicada abaixo. Cada bolinha representa um gene. A cor verde significa que o gene em questão é mais expresso em tecido normal do que em tumores. O vermelho quer dizer o contrário. E o amarelo significa que a expressão é a mesma tanto num como em outro tipo de tecido. Depois de tratamentos e modelagens computacionais, a expressão dos genes nos dois tipos de tecido é comparada e analisada. Toda célula de um organismo, normal ou com câncer,tem o mesmo DNA, os mesmos genes. Mas cada célula, de acordo com sua função e outros parâmetros, expressa (usa), com maior ou menor intensidade, certos genes em alguns momentos, enquanto os demais permanecem inativados. Portanto, apesar de disporem de DNAs iguais, uma célula normal exibe um padrão de expressão de genes distinto de uma célula tumoral. O uso de microarrays permite conhecer que genes são usados (e com que intensidade) em uma infinidade de situações.
I
Resultado das lâminas: bolinhas vermelhas indicam os genes mais atuantes em células tumorais PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 41
o freezer
com clones: matéria-prima para o estudo de expressão dos genes
vezesmenor, são semelhantes ao conjunto de genes humanos), a bactéria Xanthomonas campestris (que provoca doenças em espécies vegetais) e a levedura Saccharomyces cerevisiae. Programas - Por fim, o Cage
Mamíferos e laranjas - Além do câncer de próstata, seis projetos do Cage trabalham com a tecnologia de chips de DNA, analisando a expressão de genes ligados a diferentes processos ou patologias em organismos distintos. Armelin, por exemplo, estuda o ciclo celular em mamíferos e, para isso, está desenvolvendo um microarraya partir de 33 mil ESTs de camundongos. Outro grupo, coordenado por Suely Lopes Gomes, conseguiu colocar em um chip mais de 90% dos cerca de 2.800 genes da bactéria Xylella fastidiosa, cujo genoma foi seqüenciado pela Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos (Onsa), rede de laboratórios criada pela FAPESP. A meta principal dos pesquisadores é comparar a expressão de genes em distintas cepas da bactéria, que causa a Clorose Variegada dos Citros (CVC) , a popular praga do amarelinho, nociva aos laranjais. "Vamos procurar entender por que uma dessas linhagens não pode ser modificada pela engenharia genética enquanto a outra aceita essas alterações", diz Aline Maria da Silva, do Departamento de Bioquímica, que participa do subprojeto e é uma das responsáveis pelo laboratório de microarray. "Em um mês, devemos conseguir colocar todos os genes da Xylella no chip e ter a versão final do microarray." 42 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Outra iniciativa do Cage é construir chips de DNA para estudar a expressão genética de diferentes linhagens e estágios evolutivos do parasita Trypanosoma cruzi, protozoário causador da Doença de Chagas. O objetivo central do trabalho é, eventualmente, identificar genes ou conjuntos de genes que possam ser determinantes para o grau de severidade da moléstia. "Cerca de 60% dos portadores do parasita não desenvolvem a doença', diz Bianca Zingales, coordenadora desse subprojeto, cujos primeiros resultados com microarray estão previsto para o próximo ano. "Mas 30% desenvolvem cardiopatias graves e outros 10% apresentam problemas digestivos:' Ainda no âmbito do Cage, há mais três subprojetos que estudam a expressão de genes em distintos microrganismos: a ameba Dictyostelium discoideum (cujos genes, embora em menor número dez
o PROJETO Cage - Cooperation for Ana/ysis of Gene Expression MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR HUGO AGUIRRE
ARMELIN
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Instituto de Química da USP INVESTIMENTO
R$1.973.072,96
conta ainda com a participação de um grupo de pesquisadores do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, que trabalha em sintonia com os pesquisadores da Química no desenvolvimento de uma série de bancos de dados, softwares e modelos computacionais para análise de expressão de genes em chips de DNA. É uma área estratégica dos estudos com microarrays, que geram uma quantidade enorme de informações e necessitam de programas e modelos matemáticos eficientes para realizar a chamada mineração de dados - separar o que é estatisticamente importante do que é secundário. Há programas comerciais ou de domínio público que fazem isso, mas apresentam limitações. "Muitos são uma caixa-preta", diz [unior Barrera, coordenador do Núcleo de Bioinformática do IME e membro do Cage. "Não sabemos exatamente como eles funcionam nem temos certeza do que medem:' Fora isso, alguns softwares requerem uma interação tão intensa do usuário que dois pesquisadores, usando o mesmo programa, podem chegar a resultados diferentes. Os bioinformatas paulistas, que já publicaram pelo menos três artigos em revistas internacionais em razão de seus trabalhos no Cage, estão tentando minimizar esses problemas. Em alguns casos, obtiveram bons resultados: em conjunto com colegas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, criaram um software para visualização de imagens. Em breve, o programa estará disponível para download na página do NIH. •
" .•
• CIÊNCIA
FARMACOLOGIA
Amplo espectro o guaco, planta
nativa da Mata Atlântica, tem mais propriedades terapêuticas do que se supunha
muito á a medicina popular receita o guaco (Mikania glomerata e Mikania laevigata) para problemas respiratórios. Já em 1942, a primeira farmacopéia (guia de/plantas medicinais) brasileira, escrita por Pio Correa, recomendava a erva para chás e xaropes expectorantes, graças à sua riqueza em cumarina. Agora se descobre que as propriedades fitoterápicas dessa erva nativa da Mata Atlântica vão muito além do seu uso popular: em pesquisas coordenadas por Vera Lúcia Garcia Rehder no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), foram comprova-
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dos os efeitos do guaco contra câncer, úlcera e afecção por microrganismo, além de prevenção da cárie e da placa bacteriana dos dentes. Verificou-se, por exemplo, que simples bochechos com guaco podem evitar a cárie e a placa dental bacteriana. Os resultados foram obtidos com experimentação in vitro feita durante um ano e meio pelo grupo de Jaime Curye Pedro Rosalen, da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Unicamp, com a ajuda do pesquisadorHyun Koo, da Universidade de Rochester em Nova York. A ação terapêutica foi eficiente contra estreptococos do grupo mutans, responsáveis pelo desenvolvimento do processo da cárie e também da placa dental. Os testes mostraram PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 43
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que, além da capacidade de inibir ou mesmo matar as bactérias, o efeito foi obtido em concentrações baixas - o que motivou o grupo para a busca de uma patente de medicamento. "O interesse em trabalhar com as duas espécies do guaco, que é uma planta de largo uso popular, é por serem elas muito parecidas, mas com propriedades diversas: M. laevigatatem mais atividade antiulcerogênica devido à maior concentração de seu princípio ativo, a cumarina, que foi testada isoladamente. Já M. glomerata apresenta melhores resultados para atividades antimicrobianas sobre os diversos microrganismos testados". Vera acrescenta que, no caso da atividade anticancerígena, não se verificaram diferenças importantes, pois os princípios ativos - ácidos diterpêrnicos estão presentes nas duas espécies.
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Contra úlcera - A parceria de Vera com João Ernesto de Carvalho, coordenador de farmacologia e toxicologia do CPQBA, começou em 1998, no estudo da ação do guaco sobre úlceras gástricas. "Nossa surpresa foi detectar, em testes de laboratório com ratos, ser o guaco mais ativo que a já conhecida espinheira-santa", conta Carvalho. Isso significa que, testado no mesmo modelo experimental de indução de úlcera nos animais e na mesma dose ou concentração de extrato, o guaco provocou um efeito mais acentuado contra a doença. O laboratório para a realização desses estudos não exigiu aparelhagens sofisticadas e, desde 1994, pesquisa extratos de várias plantas medicinais. A equipe de Vera fez as purificações necessárias para que a Divisão de Farmacologia conduzisse os estudos e determinasse qual o mecanismo de ação antiulcerogênica exercida pelos extratos e pela cumarina que deles era isolada. Os estudos de-
Bem mais que expectorante: contra cárie, placa bacteriana, úlcera e câncer 44 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
monstraram que os extratos e a cumarina exercem efeito antiulcerogênico por meio da diminuição da secreção de ácido pelo estômago. Essa diminuição é conseqüência do bloqueio dos receptores do neurotransmissor acetilcolina. Os mesmos receptores também estão presentes no sistema respiratório e sua estimulação, pela acetilcolina,produz broncoconstrição e aumento de secreção. Assim, o bloqueio desses receptores pelos princípios ativos do guaco provoca a broncodilatação e a diminuição da secreção brônquica. Portanto, o mesmo mecanismo envolvido na atividade antiulcerogênica do guaco é considerado responsável pela atividade broncodilatadora e antisecretora que ele exerce no sistema respiratório. O estudo de atividade antiulcerogênica do guaco é objeto de tese de doutorado da farmacêutica Aparecida Érica Bighetti, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, orientada por Carvalho.
Contra melanoma - A fase atual é de
estudo de outras substâncias, como os ácidos diterpênicos, nos princípios ativos do guaco que atuam contra o câncer. Carvalho testou o extrato de guaco in vitro em cinco linhagens tumorais - mama, mama resistente a medicamentos conhecidos, melanoma, leucemia e pulmão. Os resultados apontaram uma forte ação inibidora sobre o crescimento e a morte das células tumorais humanas. Sua ação foi mais eficiente no melanoma, com 78% de morte de células. Nos demais tumores, o índice ficou entre 40% e 50%. "Cada tipo de câncer': lembra Carvalho, "é uma doença, com etiologia, evolução e tratamento próprios e, portanto, é praticamente impossível a descoberta de uma única droga eficaz em todos os tipos de câncer. Por isso, a pesquisa nessa área procura agentes seletivos para cada tipo de neoplasia" O pesquisador ressalta, porém, que a ação poderosa do guaco na morte de células cancerosas faz surgir uma preocupação quanto a uma possível toxicidade para as células normais, o que ainda não foi avaliado. Outra etapa, já em andamento, expande a pesquisa para quatro outros tipos de tumor - próstata, ovário, rim e cólon - e também envolve a utilização de modelos de teste in vivo com animais de laboratório. - Marta Cristina Teixeira Duarte, coordenadora da Divisão de Microbiologia do Centro, entrou na pesquisa há três anos para investigar a atividade antimicrobiana do guaco em oito linhagens de bactérias patogênicas, bem como na levedura Candida albicans, causadora de candidíase na região genital feminina (afecção conhecida como flores brancas) ou na boca de bebês (sapinho).
Antimicrobiano
Uma avaliação preliminar comprovou ação eficaz dos extratos - especialmente de M. glomerata - contra várias bactérias. No caso, a fração química do extrato, enriquecida nos ácidos que atuam sobre o câncer, também foi eficiente contra as bactérias. "No momento, os testes buscam determinar a concentração mínima inibidora para frações e substâncias isoladas das plantas': diz Marta. Vera Lúcia: surpresa ao detectar ação acentuada contra A avaliação incluiu o chá da folha seca de M. laevigata,que A pesquisa conduzida pelo centro é a forma mais popular de consumo da Unicamp começou pela parte agrícola. Buscava-se o desenvolvido guaco, e observou-se a presença de mento de um sistema de cultivo que cumarina ativa não só para a função expectorante mas também para o evitasse o extrativismo e permitisse combate a úlceras gástricas. um controle de qualidade. A preocuNa avaliação feita com 20 extratos pação com o cultivo tem forte motivavegetais distintos, as duas espécies de ção preservacionista: outras espécies guaco apresentaram o melhor denativas de valor fitoterápico, como a sempenho como agente potencial espinheira-santa (Maytenus ilicifoanticárie e antiplaca bacteriana. "Oulia), o jaborandi (Pilocarpus jaborantros estudos são desenvolvidos, com di) e a ipecacuanha (Cephaelis ipecavários modelos (in vitro, in vivo e in cuanha) já foram quase extintas pela situ), de forma a esclarecer o mecaextração predatória, lembra Pedro nismo de ação da Mikania sobre os Melillo de Magalhães. Coordenador patógenos bucais, e os resultados inida divisão de agrotecnologia do Cenciais são promissores", diz Rosalen .. tro, Magalhães conseguiu resolver esse problema, ao menos para o guaco, Extração predatória - O guaco é uma e padronizar a produção em larga esplanta da família das compostas, do cala: "Do ponto de vista da produção tipo cipó-trepadeira, que se enrosca. É da matéria-prima, já existe um pacouma trepadeira sem garras, mas com caule muito flexível. As flores pePROJETO quenas, unidas em inflorescências, Estudos Farmacológicos, atraem abelhas e têm um aroma agraMicrobiológicos e Químicos dável, que se acentua depois da chuva. de Mikania laevigata As folhas são largas e as de Mikania e Mikania glomerata laevigata, quando amassadas, exalam MODALIDADE um leve aroma de baunilha. As folhas Linha regular de auxílio à pesquisa dessa espécie também são mais grosCDORDENADORA sas e têm bordas mais arredondadas VERA LÚCIA GARCIA REHDER que as de Mikania glomerata. Folhas Centro Pluridisciplinar de de guaco foram amplamente coletaPesquisas Químicas, Biológicas das na Mata Atlântica, para uso em e Agrícolas da Unicamp medicamentos fitoterápicos. Hoje já INVESTIM E NTO existem cultivos comerciais, principalR$ 51.349,26 e US$ 16.566,91 mente no Paraná. /'
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te tecnológico pronto': afirma, após dez anos de trabalho. Sem secagem - A do-
mesticação das espécies foi feita com exemplares de M. laevigata e M. glomerata trazidos de várias regiões do país. O cultivo, desenvolvido numa área de 630 metros quadrados e com 310 plantas, foi espaldado (orientado por varetas de madeira), conduzido a pleno sol e com uso de irrigação. úlcera gástrica Experiências com secagem revelaram que com o calor, mesmo à temperatura moderada de 40° Celsius, a planta perde até 50% de seu teor do princípio ativo cumarina. Concluiu-se que o ideal é usar a planta fresca."Amolécula da cumarina tem uma estrutura simples e o calor provoca a redução de seu teor na planta", explica Vera, que coordena a divisão de química orgânica do centro. Acontece que o ponto de fusão da substância é baixo - entre 68°C e 70°C: assim, ela se volatiliza facilmente com o aquecimento e portanto se perde. A equipe de Vera também trabalhou com extratos hidroalcoólicos, pela facilidade de manipulação e reprodução dos ensaios. A partir dos extratos, obteve frações para avaliação das atividades microbiológica e farmacológica. "Chegamos a isolar dez substâncias, que estão sendo avaliadas individualmente, para as funções anticancerígena, antiulcerogênica e antimicrobiana," A medição do teor de cumarina foi feita nas plantas frescas, nas secas e nos extratos, por meio da técnica de cromatografia líquida de alta eficiência. Para as plantas frescas, constatou-se um teor médio de cumarina de 1,30% para M. laevigata e de 0,0082% para M. glomerata. Nas plantas secas, houve uma redução de 50% no teor. Os teores presentes nos extratos foram de 2,88% para M. laevigata e 0,033% para M. glomerata. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 45
CIÊNCIA
BIOLOGIA
A inversão do jogo: plantas contra saúvas Defensivos naturais, feitos com substâncias extraídas de vegetais, matam as formigas cortadeiras e os fungos que elas cultivam para comer
ara controlar formigas, plantas. Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro descobriram substâncias, extraídas de folhas e sementes, que matam formigas cortadeiras como a saúva (Atta sexdens), velha e persistente praga da agricultura brasileira. Os mesmos compostos foram letais contra os fungos que esses insetos cultivam e que lhes servem de alimento. Testados com sucesso em laboratório, os produtos começam agora a ser submetidos a estudos de campo e, se tudo correr bem, dentro de alguns anos estarão disponíveis no mercado de inseticidas e fungicidas agrícolas, dimensionado em cerca de R$ 900 milhões por ano. Coordenado por João Batista Fernandes, do Departamento de Química da UFSCar - há dez anos dedicado a criar um inseticida natural contra a saúva -, o projeto começou pelo estudo de plantas popularmente conhecidas como tóxicas para a formiga. Um exemplo é o gergelim (Sesamun indicum), que os agricultores usam consorciado à cultura que querem proteger. Então, os pesquisadores constataram que algumas plantas são realmente evitadas
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pelas formigas cortadeiras: elas geralmente não cortam folhas de mamona, por exemplo. Centrados em 15 plantas, eles concluíram que quatro substâncias contidas em algumas delas tinham maior potencial: a ricinina, extraída da folha da mamona (Ricinus communis); a sesamina, da semente de gergelim; uma eumarina presente na maioria dos cítricos; e ácidos graxos de várias plantas. O grupo verificou que a ricinina mata as formigas, enquanto a sesamina, a cumarina e os ácidos graxos atuam contra os fungos. "Encontramos outras substâncias que parecem ter o mesmo grau de eficiência, mas que não existem em concentrações tão elevadas': diz Fernandes. Venenos proibidos - Inseto herbívoro domi-
nante em vários ecossistemas sul-americanos, a saúva faz muito estrago. Um sauveiro adulto, com três anos, pode abrigar até 5 milhões de formigas, cobrir uma área de 100 metros quadrados e consumir uma tonelada de matéria vegetal fresca por ano, danificando pastagens, culturas (como cana -de-açúcar e cítricos) e áreas de reflorestamento, em particular aquelas em que se utiliza eucalipto. O prejuízo chega a 20% da área infestada. Hoje, o combate à praga é feito com insetici-
das altamente poluentes e tóxicosao ponto de a comercialização de alguns deles, como DDT, Aldrin e BHC, estar proibida desde 1992. Em busca de inseticidas mais seletivose menos agressivos ao meio ambiente e ao homem, os pesquisadores começaram por estudar o comportamento do formigueiro. Depois, no laboratório, trataram de extrair as substâncias, verificar quais delas eram atrativas e quais funcionavam como repelentes para os insetos, para então desenvolver inseticidas e fungicidas. Digestão pelo fungo - Além disso,
foi muito importante para a equipe entender a dinâmica de vida das saúvas. Elas são insetos sociais e, ao contrário das formigas comuns, não são predadoras de outros inse- Folha de mamona: evitada pelas cortadeiras, contém uma substância letal para elas tos: há cerca de 50 milhões de anos, bém das resultantes da degradação do não comem os pedaços de folha que explica Fernandes, as formigas da trimaterial vegetal pelo fungo. levam para o ninho, mas os deixam lá bo Attini evoluíram para o cultivo de Para decompor esse material vegepara serem degradados pelo fungo, este fungos, com os quais vivem em simbiotal, o fungo secreta um conjunto de ensim o principal alimento da rainha e se. Elas cortam material vegetal, que zimas (xilanases, amilases, celulases e único das larvas. As formigas adultas usam como substrato para o desenpectinases) que transformam polissase alimentam de substâncias da seiva volvimento, no formigueiro, do fungo carídeos presentes nas folhas em açúdas plantas e, aparentemente, tamLeucoagaricus gongylophorus. Ou seja,
Por dentro da tribo No grupo, Maurício Bacci Júnior encarregou-se do estudo gênico.Analisou a evolução da tribo Attini, que tem cerca de 200 espécies, das quais as mais evoluídas são as saúvas (14 espécies do gênero Atta) e as quenquéns (gênero Acromyrmex). A partir do estudo, que concluiu neste mês, ele propõe a existência de uma nova espécie de formiga cortadeira, derivada da Atta sexdens, e descreve variedades genéticas em outras espécies. Também identificou, na escala evolutiva das Atta, a parente mais próxima da sexdensque não tem sido relatada como praga, embora também coma matéria vegetal fresca: é a Atta robusta: "Sua ocorrência se limita aos estados do Rio de Janeiro e Es-
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pírito Santo, ao contrário da Atta sexdens, que ocorre em todo o país. Assim, estudos comparativos entre as duas espécies podem identificar as características que tornaram a Atta sexdens uma praga': Bacci analisou genes nucleares e mitocondriais para distinguir as formigas. Para isso selecionou marcadores moleculares a partir do seqüenciamento de DNA. "Entre esses marcadores, uma região do genoma mitocondrial mostrou-se extremamente útil:' Enquanto dois genes permitem estabelecer relações evolutivas entre diferentes gêneros e espécies, com a região escolhida se pode diferenciar populações da mesma espécie que vivam em regiões diferentes.
Outra descoberta dele refere-se aos fungos. Depois de juntar 18 fungos usados por diferentes formigas cortadeiras, Bacci estudou suas características. A comparação entre seqüências de DNA ribossomal sugere que eles são geneticamente semelhantes. "Esses resultados demonstram que formigas que apresentam diferenças de hábitos, preferências alimentares e ocorrência como pragas agrícolas sobrevivem a partir de fungos idênticos. Dessa forma, esses fungos tornam-se alvos preferenciais para o controle das formigas cortadeiras, pois, provavelmente, o mecanismo de controle que atingir um fungo será eficiente para combater a maioria delas:'
cares solúveis (glicose e xilose, principalmente), nutrientes essenciais para as formigas. ''A inibição dessas enzirnas reduziria a formação dos nutrientes e acabaria inibindo ou mesmo eliminando o formigueiro': diz o farmacêutico Maurício Bacci Iúnior, pesquisador do Centro de Estudos de Insetos Sociais (CEIS) e professor do Departamento de Bioquímica e Microbiologia da Unesp de Rio Claro. Patente requerida - Cerca de quatro anos foram dispendidos pelo grupo na extração do princípio ativo das folhas de mamona e das sementes de gergelim, e também nos bioensaios para comprovar sua ação inseticida e fungicida. De cada órgão da planta - folha, caule, casca, flor, semente, fruto e raiz -, os pesquisadores fizeram quatro extratos diferentes. Depois, processaram os extratos que mostraram atividade, até obter ricinina e sesamina puras. Os ácidos graxos, por sua vez, foram tirados das folhas de diversos vegetais ou obtidos de triglicerídeos presentes em certas sementes. A obtenção dos princípios ativos baseou-se na metodologia do fracionamento em contracorrente: "É uma técnica baseada na existência de pelo menos dois solventes que não se misturam e na solubilidade das substâncias nesses solventes', explica Femandes. Aplicada pela primeira vez para obtenção de ricinina e sesamina, essa técnica permite extrair o princípio ativo em menor tempo, com menor custo e grau de pureza bem superior em relação às metodologias comuns, de cromatografia em colunas com um suporte sólido, como sílica ou albumina. Segundo Femandes, tanto essa metodologia como as iscas que desenvolveram e as formas de aplicação individual ou associada dos compostos estão sendo descritas para que se encaminhem os pedidos de patente. As iscas são formas de uso do formicida com suporte sólido - em geral polpa de fruta cítrica com um atrativo para
De cítricos como o limoeiro foi extraída a cumarina: é uma das substâncias que se mostrou ativa contra os fungos
tos comerciais de baixo custo e utiliza processos simples", resume Femandes, evitando mais informações sobre o segredo a ser patenteado. "E algumas delas provaram ter ação igualou superior às substâncias naturais, principalmente no combate ao fungo", acrescenta. Num artigo publicado em 2001 na revista Pest Management Science, o grupo detalha a atividade de compostos sintéticos baseados em sesamina sobre a saúva e o fungo.
os insetos - misturado à substância ativa e oferecido no olho do formigueiro ou na trilha das formigas. A elaboração por vias sintéticas de substâncias ativas com poder inseticida ou fungicida também mostrou bons resultados. Os ensaios corri compostos baseados em sesamina, amida, flavanóides, cumarina e derivados de ricinina mostraram que eles têm uma ação eficaz contra formigas ou fungos. ''A síntese de algumas dessas substâncias é realizada a partir de produ-
Produção viável - Com os avanços já obtidos, os pesquisadores descortinam claramente a viabilidade da produção em escala industrial, mas ainda não fecharam nenhum acordo com indústrias para o desenvolvimento conjunto dos produtos. Comprovada a eficácia dos novos inseticidas em laboratório, o grupo iniciou em março os ensaios ambientais, para avaliar se fatores como variação de temperatura, umidade ou intensidade de luz interferem no efeito biológico dos compostos. Só depois disso os produtos elaborados pelos cientistas da UFSCar e da Unesp estarão prontos para controlar as saúvas. •
OS PROJETOS Espécies Vegetais e Produtos Naturais Sintéticos para o Controle de Formigas Cortadeiras MODALIDADE
Projeto Temático COOROENADOR
JOÃo BATISTA FERNANDESLaboratório de Produtos Naturais da Universidade Federal de São Carlos INVESTIMENTO
R$ 919.304,64
Estudo da Evolução das Attini Derivadas e Isolamento de seus Fungos Simbiontes MODALIDADE
Programa Jovem Pesquisador COORDENADOR
MAURÍCIO BACCI JÚNIOR - Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista/Rio Claro INVESTIMENTO
R$ 212.334,43
PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 49
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• CIÊNCIA
AMBIENTE
o alerta da poluição nos rios da Amazônia Estudo na maior bacia hidrográfica de Rondônia comprova o impacto do desmatamento sobre as águas
uando derruba um pedaço de floresta na Amazônia e ali estabelece uma área de pastagem, o homem não produz impactos apenas sobre o clima e a biodiversidade. Causa outra alteração no ecossistema, ainda pouco dimensionada: rios de pequeno e médio porte passam' a ter trechos nitidamente alterados, tendendo a se tornar poluídos, devido à substituição da mata por fazendas de gado. Estudos feitos em Rondônia revelam que a condutividade elétrica - a quantidade de íons, 'grupos de átomos com carga positiva ou negativa, presente nas águas, parâmetro usado para inferir a quantidade geral de materiais dissolvidos - de alguns rios da bacia do Ii-Paraná, a maior 50 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
do Estado, já atinge níveis semelhantes aos de cursos d'água contaminados do interior paulista. Os dados indicam que, nas áreas sem vegetação abundante, parte do carbono e dos nutrientes - sobretudo fósforo e nitrogênio - que normalmente seriam absorvidos pela mata e pelo solo acaba atingindo os rios, carregada pela chuva e pela erosão das encostas. Em altas concentrações, esses compostos funcionam como poluentes dos rios e podem ser detectados até em trechos situados fora da área desmatada. Ainda não há impactos escandalosamente visíveis, como peixes mortos ou grandes detritos flutuando, mas a contaminação dos rios é uma realidade em alguns pontos. Nos afluentes Rolim de Moura, Urupá e [aru, situados na porção mé-
dia do Ii-Paraná, no coração da zona mais devastada de Rondônia, os níveis de condutividade variam de 50 a 100 IlS/cm (microsiemens por centímentro de água), valores até 20 vezes maiores que os encontrados em trechos menos impactados da bacia. Os maiores valores de condutividade ocorrem no período de estiagem (setembro), quando é menor a capacidade de os rios diluírem os poluentes com a ajuda da chuva. "Os níveis mais elevados refletem provavelmente a ação do homem na região e são da mesma ordem dos verificados em rios medianamente poluídos como o Atibaia, um dos afluentes do Piracicaba, no estado de São Paulo", afirma Reynaldo Victoria, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo
Rio e cidade de Ji-Paraná: em alguns trechos, quase tão alterado quanto o Piracicaba, no interior paulista
(Cena/USP), em Piracicaba, coordenador de biogeoquímica das águas do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia) e de um projeto temático financiado pela FAPESP sobre o impacto das mudanças no uso do solo na biogeoquímica (processos biológicos, geológicos e químicos) dos rios da bacia do [i-Paraná. Condutividade elétrica - Os valores de condutividade nesses três afluentes é preocupante e previsível. Eles têm pouca vazão, estão perto de cidades e, conseqüentemente, acusam mais facilmente a presença de íons em sua composição. Não é à toa que justamente nesse grupo de rios, os níveis de cloreto, indicador de possível poluição por esgotos ou despejos indus-
triais, foram os maiores da bacia, de novo chegando perto dos números do rio Atibaia. Por isso, a condutividade elétrica nesse trecho da bacia não surpreendeu. O que realmente causou espanto foram as taxas encontradas ao longo do Ii-Paraná. Nos cinco pontos medidos, a condutividade atingiu níveis médios, entre 25 e 50 I-lS/cm. O que isso quer dizer? Vamos por partes. Em três pontos da porção intermediária, onde o rio ainda não alcançou sua plenitude em volume de água, o resultado ruim não espanta. Afinal, nesses setores altamente modificados pela ação humana, o Ii-Paraná serpenteia por zonas em que freqüentemente a floresta foi derrubada, dando lugar a pastagens e, em menor escala, a cidades (como o município de [i-Paraná), É
esperado, portanto, que esse trecho registre claramente os efeitos da brutal mudança na ocupação do solo. "Em grande medida, um rio é uma função da paisagem ao longo da qual flui': comenta o pesquisador. Nos outros dois pontos de coleta, na porção final da bacia, a história é diferente. Por terem a mesma ordem de grandeza dos valores verificados nos três pontos anteriores, os níveis de condutividade nesses trechos são um sinal de que o rio está realmente no mau caminho. Isso porque, a essa altura, o [i-Paraná corre em meio a áreas de floresta preservadas, tendo já atingido a vazão máxima, de 20 a 30 vezes maior do que na nascente. Por tudo isso, os pesquisadores acreditavam que o rio - nesse ponto bem volumoso e presumivelmente com maior capacidade de recuperação tivesse condições de absorver facilmente os impactos da ação humana, mais marcantes na porção intermediária anterior. Por esse raciocínio, perto da desembocadura, o [i-Paraná deveria ter uma condutividade de 5 a 25 I-lS/cm, a mesma que seus tributários mais limpos, igualmente situados em áreas de baixo impacto - os rios Machadinho, Preto, Comemoração e o trecho inicial do Pimenta Bueno. "O problema é que o sinal da contaminação por íons ainda persiste, numa evidência de que o rio não superou totalmente o impacto da mudança", comenta Reynaldo Victoria. Se um dia o sinal se tornar forte o bastante para ser detectado no Madeira, rio cerca de 25 vezes mais volumoso que o Ii-Paraná, possivelmente a bacia estará totalmente alterada. Para avaliar o impacto da mudança de uso do solo em cada setor, os pesquisadores estabeleceram, em 1999, 14 pontos de coleta de amostras de água ao longo da bacia. Escolheram áreas com graus baixo, médio, alto e muito alto de alteração no uso da terra. Assim, os cientistas do Cena poPESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 51
dem comparar o que acontece sim por diante. Já foram feitas com um rio num trecho muinove viagens. to desmatado, em outro meQuando encontram alQuanto mais floresta é convertida em dianamente devastado e, por gum parâmetro apapastagens, maiores as alterações nos rios fim, numa área de floresta prerentemente alterado, i servada. como as altas taxas de Porto elho O ideal seria recolher as condutividade em tre• amostras mensalmente, de jachos da bacia, surge a neiro a dezembro. Isso permidúvida: esses números refletem mesmo a mudantiria um monitoramento praticamente ininterrupto das águas ça de ocupação de solo, a troca durante um regime hídrico, de áreas de floresta por pastaminimizando efeitos e fenômegens e cidades ou são um fenônos sazonais. A mesma concenmeno natural? Para responder ! é preciso, primeiro, conhecer em tração de um componente químico, por exemplo, quer dizer detalhes a área e saber como os uma coisa no período de cheia componentes do sistema inteConteúdo iom e gra ~ acto baixos D Conteúdo iônico baixo e grau . pacto médio e outra na época de seca. Mas, ragem. Paralelamente à coleta D Conteúdo iônico médio e grau de rmp ixo como são necessários 20 dias e à análise das amostras de D Conteúdo iônico e grau de impacto médio D Conteúdo iônico médio e grau de impacto muito alto de trabalho de campo para coágua, é imprescindível prepac=J Conteúdo iônico e grau de impacto alto letar amostras nos 14 pontos rar uma radiografia completa Conteúdo iônico e grau de impacto muito alto da bacia e os principais pesquida região. Fante Reynalda Victoria - Cena/U SP sadores moram no interior Isso foi feito. Produzindo paulista, a milhares de quilôdados novos e organizando ingramaram 12viagens a Rondônia, semmetros de distância, essa opção se torformações antigas, os cientistas denou inviável. . terminaram as características físicas pre em meses diferentes. Dessa forma, "Pensamos então numa alternatiterão dados de um ano hidrológico de cada trecho - sua geomorfologia va': comenta o biólogo Alex Krusche, (depressões, lagos, deltas, planícies, híbrido. vales, etc.), relevo (altitude de cada do Cena. A saída encontrada foi monOs dados de fevereiro, por exemtar um cronograma para quatro anos plo, dizem respeito a fevereiro de trecho), rede de drenagem e compode trabalho, de 1999 a 2002: ao longo 2000, os de maio se referem a coletas sição química dos solos. E contabilidesse período, os pesquisadores prode 1999, os de dezembro a 2001, e aszaram as marcas deixadas pelo ho-
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Uma rede no tamanho ideal Os pesquisadores do Cena escolheram a dedo a bacia do [i-Paraná para estudar alterações nos ciclos biológico, geológico e químico de rios amazônicos. Nos anos 80, Reynaldo Victoria participou de estudos semelhantes no canal principal do Amazonas e de seus tributários, que, em alguns trechos, como nos arredores de Manaus, passam por áreas bem modificadas pela ação humana. Os resultados renderam cerca de cem artigos, mas não foram conclusivos na detecção de alterações nos rios pela ação do homem. A imensidão do sistema hidrológico 20% da água doce do planeta pas-
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sam pelo Amazonas - inibia a percepção de sinais de contaminação. A saída foi procurar uma bacia de tamanho médio em áreas desmatadas, onde as conseqüências pudessem ser mais facilmente medidas nas águas dos rios. Com mais de 75 mil quilômetros quadrados de extensão, a bacia do Ii-Paraná tem peculiaridades que a tornam ideal para o estudo em questão. Corta todo o Estado, abrange 45 municípios e é habitada por 560 mil pessoas, dois terços delas na porção intermediária. O rio nasce no sudeste de Rondônia, atravessa a porção centro-oeste e termina no nordeste.
Segundo dados de 1999, quase 30% da área da bacia viraram pasto, principal destino dado aos setores de floresta que foram postos abaixo. As matas tropicais ocupam pouco mais de 60% da bacia, as áreas de rebrota quase 5%, há um pequeno trecho de cerrado (0,7%). O restante é ocupado por áreas urbanas (0,5%), solo exposto, cursos d'água e plantações. O eixo da ocupação urbana e agropecuária do Estado se formou em torno da rodovia BR 364, que rasga o Estado. ''A bacia do Ii-Paraná é didática", diz Reynaldo Victória: "Exibe todos os níveis de alteração do uso do solo, do mais baixo ao mais alto': -
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Pastagem em Rondônia: isótopos diferentes de carbono em rios que cortam áreas desmatadas e trechos conservados de floresta
mem - mapearam o número de habitantes das cidades, o uso do solo e da cobertura vegetal. Em geral, os solos do sistema Ii-Paraná são pobres, com poucos íons. Logo, espera-se encontrar níveis baixos de condutividade elétrica nas águas. Quando isso não ocorre, como é o caso de alguns afluentes, alguma atividade humana pode estar por trás da anomalia. Em Rondônia, a origem do excesso de íons parece estar associada às pastagens, não à floresta. Outros parâmetros - Além de medir a condutividade, analisa-se a composição química das águas. Resultados preliminares mostram uma correlação estatisticamente relevante entre a porcentagem de áreas de pastagem de cada setor e a concentração nas águas de cloretos, sulfatos, sódio, cálcio, magnésio, carbono orgânico e inorgânico dissolvido, e dióxido de carbono. Observou-se que o aumento das áreas de pastagem faz crescer os níveis desses compostos, mas ainda não se pode afirmar em que proporção cada composto aumenta. Há uma constatação intrigante: os teores de oxigênio nos
rios de Rondônia, mesmo os mais impactados, mantêm-se relativamente altos quando comparados aos de rios poluídos do interior paulista. ''Ainda temos de estudar e entender muitos processos biogeoquímicos na região': comenta Reynaldo Victoria. A principal meta é saber como a substituição das áreas de floresta por pastagens e cidades altera a distribuição de carbono e nutrientes em rios tropicais. Outra é acompanhar a mudança dos sinais emitidos por essas substâncias à medida que passam de um sistema hídrico de microescala
o PROJETO Alterações na Dinâmica da Matéria Orgânica em Rios de Micro e Meso-escala do Estado de Rondônia, em Função de Mudanças no Uso da Terra MOOALIOADE
Projeto temático COORDENADOR REYNALDO VICTORIA
- Cena/USP
INVESTIMENTO
R$ 565.456,97 e US$ 427.226,95
(pequenos rios ou riachos) para um mediano (uma bacia como a do [i-Paraná). Os estudos de microescala são feitos nos rios que cortam a Fazenda Nova Vida, perto de Ariquemes, noroeste do Estado. Sua área de influência é cerca de sete vezes menor que a da bacia do [i-Paraná, Ali os pesquisadores verificaram, como era esperado, a existência de isótopos diferentes de carbono em águas que cortam áreas desmatadas para pastagens e em trechos conservados de floresta. Ao cruzar zonas de pecuária, o rio revela carbono da composição isotópica característica de plantas de ciclo fotossintético C4, de gramíneas tropicais (pastagens). Em setores com mata preservada, o carbono predominante provém de plantas com ciclo fotossintético C3, de árvores de floresta. "Estamos tentando entender por que o sinal do carbono das gramíneas desaparece em trechos mistos, onde há floresta perto de pastagens': diz o pesquisador. Nesses trechos, a influência das áreas de pastagens parece ser neutralizada pela proximidade da floresta nativa, mas ainda não se sabe por que isso ocorre. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 53
• CIÊNCIA
ASTROFÍSICA
Os raios cósmicos estão chegando Dezenas de detectores entram em operação no Observatório Pierre Auger e colhem as primeiras informações sobre as partículas que viajam 150 milhões de anos-luz antes de chegar à Terra
CARLOS
Câmera do telescópio de fluorescência:
onhecida como principal região produtora de vinhos da Argentina, Mendoza ganha espaço em outro campo, o científico. Numa área semidesértica ao pé da cordilheira dos Andes, sob um clima seco e uma temperatura amena, está sendo viabilizado um projeto internacional de estudo dos raios cósmicos, as partículas de mais alta energia encontradas na natureza, que podem contar, um pouco melhor do que hoje, como o Universo surgiu e tomou as formas atuais. Após dois anos de trabalho e uma complexa articulação nacional e internacional (ver Pesquisa FAPESP 56), estão concluídos os prédios administrativos, as oficinas e as obras de infra-estrutura do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos, que reúne 250 cientistas de 19 países e conta com um orçamento de US$ 54 milhões. A FAPESP participa de dois modos: com cerca de US$ 1 milhão, aproximadamente um terço da participação brasileira, fmanciada também pelos programas de apoio à pesquisa do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), e na própria gestão
C
FIORAVANTl
resultados
do projeto - desde novembro do ano passado, o diretor científico da Fundação, José Fernando Perez, ocupa a presidência do comitê financeiro do Pierre Auger. Neste momento, num espaço que às vezes lembra o refinamento de uma nave espacial e outras, as obras robustas de uma hidrelétrica, dezenas de operários, técnicos e pesquisadores trabalham intensamente na montagem dos equipamentos de medição dos raios cósmicos. Um a um, os detectores começam a funcionar e, à medida que registram as primeiras partículas que caem do céu, respira-se com alívio, porque se verifica que o projeto do maior laboratório de estudo de raios cósmicos já construído no mundo corre conforme o esperado. Em Pampa Amarilla, um deserto nos arredores de Malargüe, cidade a 450 km de Mendoza, a capital da província, e a 70 km de Las Leíias, uma estância de esqui, encontram-se em funcionamento 40 detectores de superfícies, chamados tanques Cerenkov, cada um com 11 mil litros de água pura, que captam a radiação azulada produzida quando um raio cósmico encontra a água. PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 55 I
1 !...J
Também já estão em operação dois telescópios de fluorescência, os chamados olhos-de-mosca, capazes de registrar a luz produzida pela radiação cósmica ao colidir com a atmosfera terrestre. Os telescópios estão instalados num prédio construído no morro chamado Los Leones, que se destaca na paisagem por ser cerca de 15 metros mais alto que a planície e, sobretudo, por causa da torre de observação de 51 metros. O segundo conjunto de telescópios ficará em outro prédio, em fase final de construção, no morro Coihueco. Os pesquisadores exultaram em dezembro com os primeiros 21 eventos híbridos - quando as mesmas partículas são registradas pelos telescópios e pelos detectores de superfície. Outro avanço: o primeiro evento de ouro, golden event, como o chamam por lá, registrado no dia 17 de janeiro, às 2h49. Um evento de ouro é um híbrido especial, visto ao mesmo tempo por um telescópio de fluorescência e por três ou mais tanques - importante porque, quando se tem mais de um ponto simultâneo de registro, é mais fácil calcular a velocidade, a direção e a energia dos raios cósmicos. Progressos - "Estamos muito animados porque os resultados dos detectores de fluorescência e dos tanques estão coincidindo': comenta o físico escocês Alan Watson, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, um dos mentores do projeto. Faz exatos dez anos que ele e o norte-americano Iames Cronin, da Unirersidade de Chicago (Nobel de Física de 1980), nos Estados Unidos, lançaram a concepção do Pierre Auger num encontro de físicos em Paris. "Desde a cerimônia de lançamento do observatório, em março de 1999, fizemos progressos fantásticos", avalia Watson. Até agora, os detectores registram apenas partículas com energia 300 vezes menor que as que se pretende realmente capturar. Mas, à medida que se instalam mais tanques e telescópios, cresce a probabilidade de se detectarem partículas de altíssima energia comparável à de uma bola de tênis de 56 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
cerca de 100 gramas no momento em que parte de uma saque potente de um tenista profissional, a uma velocidade de 200 km por hora. Evidentemente, não se tem a menor idéia de quando os detectores e telescópios vão acusar a chegada da primeira dessas partículas. Pode ser a qualquer momento. Já está tudo preparado: nos tanques há sensores e processadores que instantaneamente transmitem as informações sobre os raios que caem na água, por meio de ondas de rádio, para os prédios dos telescópios de fluorescência. E, de lá, os dados dos tanques e dos próprios telescópios seguem por internet para o prédio central do Observatório, já na zona urbana de Malargüe. Mas os pesquisadores têm de conter a ansiedade porque sabem: os raios cósmicos que pretendem estudar são extremamente raros. "Um dos maiores problemas da pesquisa nessa área': diz o físico norte-americano Paul Mantsch, gerente do projeto, "é que chega à Terra apenas uma partícula de altíssima energia por quilômetro quadrado por século': Essa é a razão pela qual se pretende ampliar rapidamente a área ocupada pelos detectores - quanto maior a área, maior a probabilidade de registrar a chegada desses viajantes do espaço. Os 1.600 detectores de superfície e os 30 telescópios de fluores. cência que serão instalados até 2004 vão se espalhar por 3 mil km quadrados, o dobro da área ocupada pela cidade de São Paulo. Os tanques - cada um com 3,7 metros de diâmetro e 1,2 metro de altura e, por alguma razão, identificados por nomes de mulheres, como Laura, Carmen, Fabiana e Flávia - são colocados a 1,5 km de distância um do outro em meio a uma vegetação rala, entremeada por vinhedos e oliveiras. Em meio à imensa planície, quebrada, ao fundo, pela Cordilheira dos Andes, aparentemente próxima, mas na verdade a dezenas de quilômetros de distância, há também uns bois que pastam e, quando se põem ao lado dos detectores, atestam a possibilidade de convivência entre a tradição gaúcha e a ciência do século 21.
Comunicando-se em inglês, a língua oficial, mas entendendo-se também em espanhol, embora se ouçam também, mais raramente, conversas intrigantes (será grego, polonês, russo?), quem trabalha nesses campos não perde de vista as metas do cronograma: até julho, devem estar em operação 100 tanques, e o ano deve terminar com 300 deles captando informações sobre as partículas que chegam do céu. Em 2004, terminada a construção do observatório na Argentina, o ritmo frenético de trabalho vai se transferir para os arredores de Millard County, em Utah, nos Estados Unidos, onde será construída a segunda metade do observatório, de modo a se rastrearem os raios que chegam também no Hemisfério Norte. Em cada um dos observatórios, os físicos esperam registrar, por ano, 30 raios cósmicos de altíssimas energias, da ordem de 1020 (o número 1 seguido de 2l zeros) elétrons-Volt (eV, a unidade de medida da energia das partículas atômicas). Até hoje, houve cerca de uma dezena de eventos com energia acima desse patamar, obser-
Obra internacional: estrutura produzida pela Equatorial (ao lado) vai abrigar lentes da Schwantz e fi Itros de luz italianos (acima,
durante fases de testes)
vados no Akeno Giant Air Shower Array (Agasa), em Akeno, no Japão, e no Fly's Eye Group em Utah, nos Estados Unidos. "Por estarmos no Hemisfério Sul, teremos o privilégio de observar os raios cósmicos que chegam do centro da V~a Láctea", observa Carlos Ourívio Escobar, professor titular do Departamento de Raios Cósmicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante brasileiro no projeto. Mas não é por terem chegado da região mais densa de nossa galáxia, o centro, que os raios cósmicos tenham se formado aí. Partículas que chegam com tanta energia, supõem os físicos, devem ter sido produzidas em um local relativamente próximo, a cerca de 150 milhões de anos-luz nos arredores da Via Láctea. "Um dos modelos hoje estudados para explicar os raios cósmicos de altíssima energia': comenta Escobar, "atribui essa radiação à desintegração de partículas superpesadas, relíquias do Big-Bang aprisionadas nas galáxias vizinhas e na nossa própria que só agora estariam se desintegrando': As partículas-mães,
portanto, teriam uma idade aproximada de 15 bilhões de anos, a mesma do Universo. Duas perguntas básicas perseguem os físicos. Uma se refere à origem dos raios cósmicos e a outra, ao fato de serem, numa linguagem mais informal, pacotes ambulantes de energia intensa. Um elétron, que tem normalmente menos de 10 eV, pode ser acelerado até 20 milhões (107) de eV para irradiar e destruir tecidos com câncer mesmo assim, uma intensidade 120 vezes menor que a das partículas aguardadas na Argentina. Mistérios - Já se tem como certo que
os raios cósmicos sejam prótons, um dos elementos do núcleo atômico, quase 2 mil vezes maior que os elétrons. Só não se sabe como é que podem exibir uma energia 100 milhões de vezes superior à das partículas do mesmo tipo produzidas no Tevatron, o mais poderoso acelerador de partículas do mundo, situado no Fermilab, Estados Unidos. ''A física teórica não prevê os mecanismos de produção de energia tão alta", diz Mantsch.
o que
se conhece razoavelmente bem é o escândalo que provocam quando chegam à Terra, onde chegam, literalmente, soltando faíscas. Ao colidirem com a atmosfera, numa velocidade próxima à da luz (300 mil quilômetros por segundo), os raios cósmicos iniciam uma cascata de partículas, que se torna maior e mais densa à medida que se aproxima da superfície. As sucessivas colisões com as moléculas de hidrogênio do ar originam partículas de outros tipos, como elétrons, fótons, píons e múons, e produzem uma luz que pode ser observada a distância - os espelhos dos telescópios e os fotodetectores captam essa luminosidade a 20 km do ponto em que foi gerada. Uma cascata de raios cósmicos com energia de 1020 eV origina centenas de bilhões de partículas, cobre cerca de 50 km quadrados e dura cerca de 10 milionésimos de segundo. Pode-se ter a impressão de que se avançou pouco desde que o físico francês Pierre Victor Auger (1899-1993) relatou, em 1938, o primeiro chuveiro ou cascata de raios cósmicos de alta energia - de 1015 eV, 10 milhões de vezes maior que qualquer outra conhecida na época. Acontece que a pesquisa em raios cósmicos vive um problema dramático: não a rapidez dos fenômenos (nos aceleradores de partículas as colisões têm durações próximas à relatada por Auger), mas a esPESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 57
Em operação: Los Leones, o primeiro conjunto de telescópios, sensíveis à luz produzida a 20 km, e um dos tanques Cerenkov que se espalham ao pé dos Andes
cassez de matéria-prima de alta qualidade: quanto maior a energia, mais raras partículas. Se a energia cresce dez vezes, o número de partículas cai 100 vezes. Mantsch, num dos artigos que escreveu sobre o Pierre Auger, fez as contas: os raios cósmicos mais energéticos têm mais de 1019 eV - e somente um deles chega à Terra por quilômetro quadrado por ano. Para as partículas com 1020 eV,o número cai para uma por quilômetro quadrado por século. Desde já, além dos resultados preliminares, anunciados na Conferência Internacional de Raios Cósmicos realizada em outubro do ano passado em Hamburgo, na Alemanha, há outra forma de avaliar o impacto do obser-
vatório na Argentina - e na própria terra em que toma forma. As obras de infra-estrutura e, depois, a montagem dos tanques absorveram dezenas de operários dispensados pela YPF, uma das maiores empresas da região, que
o PROJETO Observatório Pierre Auger MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR CARLOS
OURÍVIO
ESCOBAR
-
Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 1.884.287,12
desistiu da prospecção de petróleo e vai se concentrar apenas nas áreas de exploração já existentes. Além disso, os cursos de inglês proliferam em Malargüe, a cidade adquire ares internacionais, com tantos hóspedes de línguas tão diferentes, e seus habitantes, vencida a inibição inicial, expressam hoje o interesse pelo projeto - um dos programas dos finais de semana é visitar a sede do observatório, com tanques e obras de arte. Com o tempo, é provável não apenas que partículas mais energéticas caiam do céu, mas também que a produção de conhecimento científico sobre raios cósmicos seja motivo de orgulho para os habitantes de Mendoza, tal qual os vinhos. •
Equipamentos dos quatro cantos do mundo o Observatório Pierre Auger conta com equipamentos de 19 países:Alemanha, Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, China, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, França, Grécia, Itália, Japão, México, Polônia, Reino Unido, República Tcheca, Rússia e Vietnan. "De modo geral, 80% da contribuição dos países é com componentes': comenta o físico argentino Carlos Hojvat, vicegerente do projeto. Os produtos brasileiros já estão lá faz algum tempo. Desde o início do ano passado, a Alpina, uma empresa de São Paulo, envia os 58 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
tanques Cerenkov, em viagens que não levam menos de duas semanas. A Schwantz, de Indaiatuba, fabrica as lentes corretoras, enquanto a Equatorial, de São José dos Campos, vai montar um dispositivo de 2,5 metros de diâmetro que permitirá a regulagem automática das lentes dos telescópios e os shutters (obturadores), que expõem o telescópio para observação noturna. A Argentina contribui com a infra-estrutura e com as máquinas para purificação de água. Vai também fabricar uma parte dos tan-
ques e das baterias para os painéis solares que alimentam os detectores de superfície, numa divisão de tarefa com os mexicanos e os norte-americanos. Da Austrália chegam os detectores de nuvens e da França, os dispositivos eletrônicos para os detectores de superfície. Os tchecos enviam os espelhos dos telescópios e os espanhóis, os painéis solares dos tanques. Os detectores de luz fluorescente dos telescópios vão unir câmeras italianas e comandos eletrônicos feitos uma parte pelos ingleses e outra pelos alemães.
e
Be ês B-
•
~ ~..•. GOVERNO
.. DO ESTADO DE
SÃO PAULO
Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico
Rua Pio XI, 1500 - Alto da Lapa 05468-901 - São Paulo - SP Te!. (11) 3838-4000 www.fapesp.br
• TECNOLOGIA
LINHA
DE
PRODUÇÃO
Mira a laser feita sob medida para a polícia Em meio às discussões de segurança pública, surge, em São Carlos, o primeiro protótipo de mira a laser nacional, feito de alumínio e aço inox. Ele foi desenvolvido a pedido do comando da Polícia Militar na cidade para uso nos revólveres e pistolas da corporação em situações de confronto. Os modelos disponíveis atualmente no mercado, importados, custam em torno de R$ 700,00, o que restringe o uso desse equipamento, utilizado para dar segurança ao tiro. O nacional, que está em fase de patenteamento, deverá ser vendido por cerca de R$ 100,00. A concepção do projeto e a construção da mira a laser é do chefe do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Fernando Araújo Moreira. Tudo começou com uma reflexão do professor. "Como poderia, com nosso conhecimento, tentar modificar a situação e combater os problemas de segurança?': foi a pergunta que se fez ao se dar conta de que a questão
• Sensor baixa custo de fabricar papel Engenheiros do laboratório nacional Lawrence Berkeley, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, desenvolveram um senso r ultra-sônico a laser que mede a flexibilidade do papel enquanto este percorre a linha de produção, a até 100 quilômetros por hora. Por dispensar contato me-
Alumínio e aço inox são a base da mira a faser nacional, que pesa apenas 60 gramas
está cada vez mais presente no dia-a-dia. Ele decidiu, então, procurar a PM da cidade para saber como poderia ajudar e, nessa conversa, decidiu desenvolver a mira a laser com luz vermelha. Durante um ano foram feitos testes - com apoio operacional dos policiais militares -, que resultaram no pro-
cânico, o sistema evita danos ao papel e permite examinar sua umidade, tensão e peso. Um protótipo testou satisfatoriamente seis tipos de papel numa fábrica da Mead Paper Corporation, em Ohio. Atualmente, as propriedades mecânicas do produto são verificadas pelo exame manual de uma amostra da bobina. Se não estiver dentro das especificações, toda a bobina de três
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duto final. O ponto de laser funciona como as canetas sinalizadoras usadas em palestras. "A mira a laser com-
toneladas é rejeitada ou vendida a preço inferior. Para vitar isso, os fabricantes costumam ir além das especificações - o que implica gastar mais polpa e energia para a secagem do que seria necessário. Já o sensor mede a flexibilidade em tempo real, no início do processo, sem tocar no papel- o que é muito importante, pois, à velocidade de 30 metros por segundo, o mais
pensa a dificuldade da mira física existente sobre a arma': explica Moreira. Os gastos com o protótipo ficaram em torno de R$ 1 mil, bancados pelo próprio pesquisador, que considera o projeto - que não faz parte de sua atividade de pesquisa - uma contribuição como cidadão científico. Outro diferencial destacado pelo professor é que a peça foi desenvolvida para ser acoplada rapidamente à arma, dentro de um conceito de integração, enquanto o módulo disponível no mercado dispõe de um fio de cobre que sai da mira e vai para o cabo da arma, o que dificulta a ação policial rápida, além de quebrar com facilidade. A mira pesa 60 gramas e pode ser carregada no colete dos policiais. Duas empresas já manifestaram interesse em fabricá-Ia, mas ainda não podem ter os nomes revelados por questão de sigilo. Outros projetos na área de segurança estão em andamento, entre os quais um sensor para detectar drogas. •
ligeiro toque pode estragar papéis mais leves, como os de jornal. O senso r funciona medindo o tempo que as ondas ultra-sônicas levam para se propagar desde um ponto de excitação induzido por laser até outro de detecção, a poucos milímetros de distância: a velocidade das ondas entre esses pontos e através do papel está ligada a propriedades elásticas do produto. •
• Plástico magnético é sensível à luz
o primeiro
e
e e
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material plástico que é ao mesmo tempo magnético e sensível à luz - e que se espera permita aperfeiçoar as bases de dados dos computadores - é a novidade apresentada por um grupo de pesquisadores de materiais da Universidade de Ohio, Estados Unidos. Ao ser atingido por raios de luz azul, o material se torna uma vez e meia mais magnético, enquanto a incidência de luz verde reverte esse efeito em 60%. Esse magnetismo induzido pela luz só ocorre a partir da temperatura de 200 graus Celsius negativos. O plástico magnético consiste de uma película do polímero tetracianoetileno combinado com íons de manganês (átomos de manganês sem os elétrons). Depois de receber uma carga de seis horas de luz laser azul, o material mantém um alto grau de magnetismo, mesmo no escuro. Arthur Epstein - que desenvolveu o material em colaboração com Ioel S. Miller, da Universidade de Utah, e com fundos da Força Aérea e do Departamento de Energia - explica que os diferentes comprimentos de onda das luzes azul e verde devem fazer as moléculas do polímero mudar de forma e de propriedades magnéticas. Acredita-se que sistemas óptico- magnéticos trabalhem mais rápida e eficientemente que os da eletrônica tradicional, mas isso ainda exigirá anos
de pesquisa, ressalta Epstein: "Gostaríamos de ver o magneto trabalhando a temperaturas mais altas, antes de falarmos sobre um desenvolvimento comercial': •
• Boi monitorado desde o nascimento Um ehip eletrônico é a mais recente ferramenta à disposição dos criadores brasileiros para identificar e acompanhar os rebanhos desde o nascimento até o abate. Esse dispositivo, desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Gado de Corte, de Campo Grande (MS), permitirá saber o que o animal comeu, quais vacinas recebeu, que doenças teve e outros dados fundamentais para acompanhar o históGado de corte pode ser acompanhado em todas as fases da vida com chip eletrônico da Embrapa
rico do rebanho. O processador pode ser colocado de duas maneiras nos animais. Nos recém-nascidos é instalado na "prega" umbilical (o que sobra do cordão após o corte) e nos adultos é depositado pela boca. Envolto em porcelana, o dispositivo fica alojado no rume (primeiro estômago dos ruminantes). Esse sistema de monitoramento permite que o produtor acompanhe cada animal, já que o ehip tem um número de identificação individual. A informação que o
ehipcarrega é captada por uma antena e vai diretamente para um programa de computador que faz o gerenciamento do rebanho. O produto já está patenteado e é resultado de cinco anos de pesquisas. O consumidor também terá vantagens com esse método de certificação. "Quando a leitora de código de barras do supermercado passar sobre o pedaço de carne que está sendo comprado, todas as informações referentes ao animal poderão ser acessadas': conta Pedro Paulo Pires, coordenador do projeto. •
• Motorola investe no Cesar A Motorola, empresa norteamericana de telecomunicações, vai investir cerca de US$ 2 milhões em dois projetos do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), instituição ligada à Universidade Federal de Pernambuco. Um deles prevê a criação de um grupo de pesquisas para o padrão de telefonia móvel digital TDMA (Time Division Multiple Aeeess ou Acesso Múltiplo à Divisão de Tempo). O outro, fruto de parceria firmada em 2001 e renovada recentemente, tem como objetivo desenvolver aplicações de softwares para aparelhos celulares com tecnologia J2ME (fava Miero Edition). Em apenas um ano, o grupo de pesquisas já desenvolveu 16 aplicações que serão usadas nos . celulares Motorola até o final deste ano. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 61
Imagens radiológicas com mais nitidez Um software capaz de melhorar imagens radiológicas vai ajudar na detecção precoce do câncer de mama, doença que mata cerca de 10 mil mulheres por ano no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). De acordo com Marcelo Zanchetta do Nascimento, da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (SP), responsável pela pesquisa de mestrado que resultou no software, muitos cânceres são diagnosticados tardiamente devido à má qualidade das radiografias. O programa desenvolvido por Zanchetta corrige o efeito heel- fenômeno causado pelos aparelhos que dificulta a visualização de pequenas estruturas anatômicas nas imagens. Ele possibilita a identificação de
• Estabilizante a partir da cana A goma xantana é um polímero natural utilizado em larga escala pela indústria alimentícia, farmacêutica e de cosméticos. Embora entre na composição de muitos produtos como espessante e estabilizante, o que garante consistência ao alimento, a indústria brasileira ainda depende totalmente do produto importado. Pensando em como reduzir essa dependência, pesquisadores da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Assis, conseguiram produzir a goma xantana isolando a bactéria Xanthomonas, encontrada no caule da cana-
microcalcificações que não podem ser visualizadas por estar com pouco contraste. O sistema funciona da seguinte forma: a imagem é digitalizada e inserida em um computador onde o software tenha sido configurado com os parâmetros utilizados na exposição do filme.
de-açúcar. "Devido à nossa linha de atuação em biotecnologia de alim'entos e energia, procuramos alternativas para agregar valor a agroprodutos que o país produz, dentre eles o açúcar da cana, que serve como matéria-prima para a goma xantana. Esse biopolirnero é cerca de 30 vezes mais caro que a sacarose e, para cada 100 kg de sacarose, são produzidos 40 a 50 kg de xantana. A sacarose é sobretaxada no exterior, e esse biopolímero não", explica o coordenador do projeto, Pedro de Oliva Neto, do Departamento de Biociências. A Xanthomonas é uma bactéria fitopatogênica que pode ser encontrada na terra e em plantas. Segundo o coordenador, eles já sabem
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Na seqüência, todos os passos do software são aplicados para eliminar o efeito heel e aumentar o contraste dos detalhes. O software corrige todos os pontos da imagem em função do excesso ou da falta de radiação a que a mama foi submetida. Em seguida, constrói-se uma imagem digital com as variações de irradiação uniformizadas, proporcionando uma imagem mais nítida, visualizada na tela do computador. Esse pré- processamento possibilita realçar a imagem que será analisada pelo médico. Mas a pesquisa ainda não terminou. Zanchetta vai continuar com o tema na sua tese de doutorado, que tem o apoio da FAPESP,para melhorar características como ponto focal e testar o software em bancos de imagens médicas. •
como produzir a xantana em pequenas quantidades (escala laboratorial) e agora estão testando formas mais econômicas de purificá-Ia. O pesquisador acha que ainda é cedo para falar em vantagens, considerando que a comparação é entre um produto produzido em laboratório e outro comercial. "Mas estamos bastante satisfeitos com a performance de nossas linhagens em relação a uma linhagem de referência internacional de Xanthomonas campestris. Nas mesmas condições testadas, tivemos uma vantagem com nossas bactérias de cerca de 5% a mais tanto na produção do biopolímero como na qualidade da goma, mais viscosa. •
• Menos combustível durante o plantio Um novo modelo de haste sulcadora para semeadoraadubadora de plantio direto, concebido pelo Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), exige menos potência do motor do trator e, conseqüentemente, menor gasto de combustível. Segundo Rubens Siqueira, da área de Engenharia Agrícola do instituto e coordenador do projeto, o modelo se diferencia dos outros disponíveis porque trabalha com uma nova angulação em relação ao solo. Além disso, a nova haste é mais estreita. "Em determinados modelos de trator, houve redução de até 50% na potência do motor necessária para tracionar a plantadeira", conta Siqueira. "O pesquisador explica que no oeste do Paraná, assim como nas regiões com solos com altos teores de argila, a compactação superficial constitui forte restrição para a semeadura direta. Essa limitação foi o ponto de partida para o desenvolvimento do projeto da nova haste, que foi repassado para oficinas mecânicas do oeste paranaense, que estão fazendo as adaptações necessárias. "Os discos duplos, usados normalmente para plantio direto, não penetram em solos tão compactados", conta. Para romper a argila, os agricultores estão utilizando como alternativa sulcadores do tipo haste ou facão nas semeaduras diretas. Durante a fase de testes, verificou-se ainda que, trabalhando-se com a umidade adequada, houve diminuição do revolvimento do solo, o que diminui o risco de erosão, já que a camada de palha amortece a energia da gota de chuva. •
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~ • Tratamento deixa grão mais atraente
• Energia com cartão pré-pago
o consumidor
residencial de algumas cidades do interior de São Paulo poderá, já no final deste primeiro semestre, comprar energia elétrica com um cartão pré-pago, semelhante a um cartão telefônico. A Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) está fechando com a empresa Procomp um contrato de fornecimento para instalar o sistema em 30 mil a 40 mil residências. A tecnologia do cartão pré-pago para medir energia foi desenvolvida pelo Lactec - Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento,
Grãos de cereais: com fungos, antes do tratamento, e limpos para o mercado brasileiro", explica Henrique Temes Neto, diretor-superintendente do instituto. Segundo Temes, se a energia contratada terminar no fim de semana ou durante à noite, não haverá interrupção no fornecimento. •
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Usuário poderá controlar o gasto de energia com cartão pré-pago
do Paraná, que a transferiu para a empresa. O instituto, entidade privada sem fins lucrativos, que tem a Universidade Federal do Paraná como associada, vai receber royalties sobre o valor do contrato e prestar assessoria técnica. O sistema consiste de um medidor eletrônico, que fica no lugar do relógio convencional, e de uma unidade adicional instalada dentro das residências, onde o cartão será inserido e controlado. A Inglaterra e a África do Sul já adotam sistema semelhante, mas com outra tecnologia. "Toda a base de microeletrônica do Lactec tem desenvolvimento próprio. E também agregamos itens
• Banco de dados para sondagens Uma sonda rotativa com sensores, ligados a um sistema de aquisição de dados digital, vai permitir que as informações coletadas durante o processo de investigação de rochas pos-
Medidor de torque aplicado no eixo da sonda usada em perfurações de rochas
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sam ser sistematizadas e utilizadas em projetos de prospecção geotécnica para obras civis e mineração. O professor Fábio Taioli, do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), coordenador da pesquisa que resultou na tese de doutorado de Flávio Almeida da Silva, ressalta que operadores mais experientes conseguem perceber as modificações durante a perfuração de rochas, mas essas informações não são anotadas. "Para tirar a subjetividade da avaliação,colocamos sensores na máquina para medir a pressão na saída da bomba, na temperatura e no deslocamento" conta Taioli. Os dados coletados destinam-se a obter parâmetros de perfuração, como o índice de qualidade do maciço rochoso. Dependendo desse índice, que corresponde a uma nota, é escolhido o tipo de projeto que será adotado para a obra. O trabalho resultou em duas patentes. Uma para a arquitetura do sistema e outra para o torciômetro eletrônico, um sensor de torque. •
Uma nova técnica para remover os fungos que atacam os grãos de cereais rendeu à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) seu primeiro contrato de licença para exploração de patente e know-how. O contrato foi assinado entre a universidade e a Cooperativa Agrária Mista Entre Rios, de Guarapuava, no Paraná, com duração de cinco anos. O processo, essencialmente químico, envolve soluções especiais que não retiram nada do grão, a não ser as características indesejáveis, preservando as características físicas, biológicas e químicas, como descreve José Antonio Martinelli, do Departamento de Fitossanidade da Faculdade de Agronomia da universidade gaúcha, coordenador do projeto. O clima úmido do Sul do Brasil, especialmente no inverno, é a porta de entrada para o surgimento de fungos e bactérias, que causam doenças nos cereais e deixam os grãos escuros. Até agora a indústria tem se utilizado de recursos mecânicos para tentar diminuir esses efeitos, com a escarificação da superfície do grão por meio de abrasivos. Mas, segundo Martinelli, essa técnica tem problemas porque, além de não remover totalmente as manchas, danifica o grão. Os estudos que chegaram a essa nova técnica começaram há oito anos, com aveia, cevada e trigo. Milho e soja também são sementes que podem hospedar grande número de fungos. "Questões básicas de pesquisa relacionadas com o ataque de fungos aos grãos levaram a essa tecnologia, que patenteamos e que a universidade está tentando transferir para a sociedade", conta Martinelli. •
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PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 63
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TECNOLOGIA ÓPTICA
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Arma a laser contra o câncer Pesquisadores desenvolvem equipamentos e elaboram estudo clínico para a disseminação da terapia fotodinâmica
MARCOS
DE OLIVEIRA
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reensão. Talvez essa palavra resuma de forma branda a reação das pessoas quando recebem o diagnóstico de que estão com algum tipo de câncer, um problema que atinge cerca de 350 mil brasileiros todos os anos. Quando recebem a notícia, essas pessoas, entre muitas perguntas, questionam sobre a forma do tratamento. Cirurgia, radioterapia e quimio terapia são as três alternativas consagradas que têm salvo muitas vidas. O que muitos pacientes e médicos ainda desconhecem é que um novo tipo de tratamento - a terapia fotodinâmica (TFD ou PDT, do inglês Photodynamie Therapy) - está ganhando terreno rapidamente, num avanço promissor na cura ou na melhora da qualidade de vida dos pacientes com câncer sem deixar seqüelas. No Brasil, a nova técnica, que utiliza um feixe de laser de características especiaiscomo meio terapêutico principal, está sendo impulsionada pelo Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica, um dos dez Centros de Pesquisa, Ino-
A dentista Cristina e o médico Cestari fazem aplicação com feixe de laser no Hospital Amaral 64 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Carvalho, em Jaú
vação e Difusão (Cepids) criados no
ano 2000 pela FAPESP.Um grupo de quase 30 pessoas, composto de pesquisadores, médicos, biomédicos e técnicos, desenvolveu os equipamentos, aprimorou a técnica e agora faz os testes clínicos para finalizar o protocolo que vai orientar os médicos brasileiros nessa especialidade. Aprovada em 1998 pela Food and Drugs Administration (FDA), agência que faz o controle de alimentos, medicamentos e técnicas de terapias em humanos nos Estados Unidos, a TFD já está presente em 18 países. "Já atendemos cerca de 230 pacientes e tratamos mais de mil tumores, porque cada paciente pode ter muitas lesões",conta o coordenador do grupo, o professor Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física (IF) de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP). Uma das grandes vantagens para os pacientes que recebem a TFD é a eliminação dos efeitos desagradáveis da quimioterapia e da radioterapia, que provocam enjôos, vômitos e queimaduras na pele. Evita-se também as cirurgias que, muitas vezes, mutilam e diminuem o volume da pele e dos músculos. "A TFD promove a regeneração dos tecidos da pele, não deixa cicatrizes, além de não provocar afundamento do local tratado e nem provocar a perda de cartilagem", enumera o médico Guilherme Cestari Filho, coordenador dos trabalhos clínicos no Hospital Amaral Carvalho, na cidade de Iaú, um centro de referência em oncologia que atende preferencialmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), onde foi realizada grande parte das primeiras aplicações da TFD no Brasil. Cura e redução" Num primeiro levantamento apresentado pelo grupo de pesquisadores, de 63 pacientes com câncer de pele, 79% tiveram seus tumores eliminados. Com o mesmo tipo de~Oblema na boca, de dez pacientes 40 o tiveram cura completa. "A cura co leta depende muito do estágio da doenç , no início as chances são muito boas de eliminação total das lesões", afirma a dentista Cristina Kurachi,
que faz as aplicações em pacientes no hospital Amaral Carvalho e finaliza seu doutorado no IF com a temática do uso de laser no diagnóstico de tumores bucais. "Mesmo nos casos em que a eliminação do tumor não foi completa, sempre observamos uma redução de 50% na lesão': diz Bagnato. O feixe de luz da TFD tem uso mais consagrado nos cânceres de pele e de boca chamados de carcinomas não-melanorna, ou seja, aqueles que não provocam metástases, se reproduzindo por outras regiões do corpo. Felizmente, o melanoma representa apenas 4% dos cânceres de pele. O não-rnelanoma é o tipo de câncer mais freqüente na população brasileira, segundo o Instituto Nacional do Câncer, órgão do Ministério da Saúde. Dos quase 350 mil casos de câncer por ano no Brasil, 17%, ou um pouco mais de 50 mil, são de carcinomas de pele. O principal motivo para essa "epidemia" é a excessiva exposição da população ao sol. A TFD também já foi aprovada para tumores, do tipo carcinoma, que crescem em outras partes do corpo, como esôfago, estômago, bexiga, laringe e faringe. entro da perspectiva oferecida, a TFD ganha espaço e novas frentes de pesquisa sob uma ampla linha de estudo que utiliza o laser como matéria-prima, num dos braços do Cepid em Óptica e Fotônica, o IF de São Carlos da USP - o outro é o Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Um dos efeitos práticos desse trabalho é que o IF de São Carlos está prestes a repassar a tecnologia desenvolvida na produção de equipamentos a laser para uma empresa da cidade, a Fotonmed, formada, em grande parte, por ex-alunos do instituto. O objetivo dessa transferência tecnológica é tornar os equipamentos mais baratos e eficazes, possíveis de ser adquiridos por amplo número de hospitais e clínicas do país. Além de disseminar o tratamento de câncer com a terapia fotodinâmica
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de forma pioneira na América Latina, Bagnato também prepara um sistema de diagnóstico de câncer por meio de luz. "Com um instrumento de laser, possivelmente portátil no futuro, será possível para um médico ou dentista, sem a necessidade de biópsias tradicionais, verificar em segundos, durante uma cirurgia ou numa simples consulta, se uma mancha, por exemplo, é ou não um câncer", explica Bagnato. ''As bases da chamada biópsia óptica já existem, e nós aqui no Brasil, graças ao grupo interdisciplinar formado no Cepid, estamos em pé de igualdade ou até mais avançados que o resto do mundo': compara Bagnato de forma entusiasmada. "O nosso objetivo é entender e promover inovações importantes nessa técnica:' A equipe interdisciplinar de Bagnato envolve cinco instituições que trabalham em aplicativos de lasere fazem os testes clínicos. São elas, o IF e o Instituto de Química da USP de São Carlos, o Hospital Amaral Carvalho, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e a Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, ambos em Ribeirão Preto. "O centro permite o desenvolvimento de parcerias para incorporar a TFD à medicina", garante Bagnato, que recebeu autorização especial da USP para também acumular a função de diretor científico do Amaral Carvalho.
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Sem anestesia " Na prática, a aplicação da TFD varia de alguns minutos até poucas horas, dependendo do caso e da extensão das lesões. "Tivemos um paciente que possuía 37 tumores na cabeça", lembra o médico Cestari. "Todas as lesões foram curadas com o paciente recebendo feixes de laser durante um dia. Sem a TFD, ele teria que se submeter a várias cirurgias, possivelmente mutiladoras, além de tomar anestesia geral", explica Cestari. Com a TFD é possível atender também pacientes idosos ou com problemas que impedem a adoção de cirurgias, contra-indicada para quem precisa tomar anestesia ou tem complicações clínicas como, por exemplo, diabetes. PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 65
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tratamento varia de alguns minutos até poucas horas
Vanderlei Bagnato guarda em seu computador e adiciona aos estudos do Cepid que dirige diversos casos de cura, com fotos dos pacientes antes das aplicações e após o tratamento. Quem vê as fotos impressionantes para um leigo - nota com facilidade a melhora e os benefícios que o tratamento traz para pacientes muitas vezes desenganados por outras técnicas. Em alguns casos, com tumores crônicos e avançados, o tratamento serve como paliativo. "Tentamos melhorar a vida do paciente. Temos um caso de um homem de 41 anos que tinha um tumor na cabeça desde os 17 anos, conseguimos diminuir a área e ele voltou a trabalhar': conta Cristina. Experiências acumuladas não faltam também na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. A coordenadora dos estudos clínicos naquela unidade, Cacilda da Silva Souza, conta que uma paciente do interior de Minas Gerais, possuía um tumor de pele de 17 centímetros de diâmetro por mais de 15 anos. "Após uma aplicação de TFD, o tumor diminuiu em 80% e na segunda aplicação, ele foi eliminado em 100%': Satisfeita com os resultados, ela lembra das dificuldades iniciais para o desenvolvimento dos primeiros estudos com TFD em 1997, em Ribeirão Preto. "Não tínhamos dinheiro para a compra dos equipamentos - as fontes de laser são instrumentos caros e não havia interação com outros grupos de pesquisa para montar equipamentos aqui. O impulso para o projeto aconteceu com~nossa interação com o Cepid. Aí, c nseguimos recursos tanto para o equi mento como para as drogas sensibilizadoras, que são importadas 66 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
dos Estados Unidos, Rússia e Alemanha': conta Cacilda. As drogas sensibilizadoras, que a professora Cacilda fala, são a chave para se entender como o laser elimina, ou como Bagnato prefere, "mata" as células tumorais. A maior parte dessas drogas é sintetizada a partir de um componente do sangue, a porfirina, um pigmento dos glóbulos vermelhos, tornando-se, portanto, pouco . tóxicas ao organismo. Essas drogas são injetadas na corrente sangüínea do paciente e percorrem todo o corpo, se concentrando nas células cancerosas em até 20 vezes mais que nas células sadias. Para que se estabeleça a concentração desejada, é preciso injetar a droga antes do tratamento, em pelo menos 24 horas. Reação com oxigênio - Quando essa
droga fotossensível concentrada nos tumores é iluminada por um feixe de laser de cor específico na freqüência equivalente a 630 nanômetros, começa uma cadeia de reações químicas que levam a célula cancerosa à morte. ''A droga absorve a energia do laser e reage com o oxigênio, que torna-se altamente reativo às membranas das células do tumor': explica Bagnato. A
profundidade que a luz laser penetra na pele é de 1 centímetro. Em lesões mais profundas, são feitas várias aplicações no mesmo local, para se atingir a eliminação do tumor. Com a técnica, o tumor seca, forma uma casca, como uma ferida qualquer, que cai após alguns dias. O único efeito colateral do tratamento é o aumento da fotossensibilização da pele do paciente. Assim, se o paciente sair ao sol por um período de até 30 dias após o tratamento, pode sofrer queimaduras ou ter irritações na pele. Para tentar diminuir esse efeito, os pesquisadores de Ribeirão Preto estão testando novas drogas fotossensibilizadoras em forma tópica, aplicadas sobre o tumor. "Elas têm efeito apenas sobre o local e são mais indicadas para os tumores superficiais", afirma Cacilda. Pesquisadores de Ribeirão Preto e São Carlos estão desenvolvendo também modelos experimentais - animais de laboratório - para testar as novas drogas que estão surgindo no mercado. "O que estamos desenvolvendo são pesquisas que possam definir melhor a dosagem de luz e de medicamentos, a área a ser atingida pelo laser, gerando assim conhecimento médico e cientí-
Diagnóstico de câncer com faser e software
fico, além de treinar profissionais para disseminar essa nova técnica", diz Bagnato. "Ainda falta, por exemplo, estabelecer um planejamento de iluminação de acordo com a geometria do tumor. Isso quer dizer que muita coisa nessa técnica ainda não está estabeleci da." Bagnato diz que, no futuro, será possível eliminar câncer de cérebro com TFD. "De acordo com a alta seletividade de células proporcionada pelo laser, será possível abrir a cabeça do paciente, matar o tumor e fechá-Ia com segurança e sem seqüelas, como já acontece em alguns centros internacionais." Nova modalidade - Hoje, se um hospi-
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tal ou clínica fosse adquirir um equipamento de laser para tratamento de câncer iria desembolsar algo em torno de, no mínimo, US$ 100 mil. Pensando nesses altos custos do laser, que tem a fonte de luz importada, a equipe de Bagnato já patenteou um equipamento baseado na tecnologia Light Emitting Diodes (Led) que emite luz na mesma frequência do laser da TFD. "O problema do LED é que ele emite uma luz espalhada e não concentrada como no laset", explica Bagnato. "Estamos ainda numa fase muito experimental e, se conseguirmos viabilizar esse novo aparelho, poderemos baixar de US$ 100 mil para menos de US$ 3 mil o preço de um equipamento usado em câncer de pele:' A equipe de Bagnato também testa um avançado sistema de diagnóstico de câncer por meio de laser. Conjugando emissores de laser de várias cores e o desenvolvimento de um soft-
ware específico, os pesquisadores estão montando um sistema que vai proporcionar um rápido diagnóstico de tumores. Com uma haste metálica com uma luz azul na ponta, que lembra as varas-decondão das feiticeiras das histórias infantis, Bagnato explica o funcionamento da técnica de diagnóstico. "Quando jogamos uma luz monocromática - que pode ser azul ou verde sobre a pele, provocamos um fenômeno chamado de fluorescência que devolve luz em outras freqüências." De posse dessa informação o computador determina a malignidade ou não da lesão. Nessa área também existe uma corrida mundial de pesquisadores e empresas para sistematizar o diagnóstico e desenvolver softwares e aparelhos específicos. Nesse projeto, a equipe conta com o físico Luís Marcassa, do IF de São Carlos, estudioso da interação da luz com a matéria. Com a experiência clínica e tecnológica adquirida, além de vários artigos publicados em revistas especializadas, o Cepid em Óptica e Fotônica se credenciou para ser um dos organi-
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PROJETO Laser em Medicina e em Odontologia
MODALIDADE Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepidl Centro em Óptica e Fotânica COORDENADOR VANDERLEI
SALVADOR BAGNATO -
Instituto de Física da USP de São Carlos INVESTIMENTO R$ 60 mil por ano
zadores do 1 Workshop Internacional em Terapia Fotodinâmica, realizado em fevereiro no Rio de Janeiro. Compareceram 70 participantes, com representantes - a maioria médicos dos Estados Unidos, Rússia, Alemanha, Chile, França e Portugal. 0
Centro de produção - Com um orçamento total anual de R$ 3,4 milhões (divididos meio a meio entre São Carlos e Campinas), o Centro de Óptica e Fotônica acumula uma série de estudos e desenvolvimentos que resultaram em oito novos produtos. Entre eles, está um relógio atômico produzido em São Carlos, o primeiro construído no Brasil. "Estamos pensando em fazer equipamentos que atendam às necessidades e aos limites de um país de economia emergente com poucos recursos para investir em equipamentos caros': diz Bagnato. Recentemente, o grupo desenvolveu também um óxigrafo, aparelho capaz de medir com precisão a respiração celular. Além de mais de 120 artigos científicos internacionais publicados e oito patentes registradas somente no seu primeiro ano de vida, somado o trabalho da USP e da Unicamp, o centro tem um amplo impacto social, como a produção de 45 títulos de vídeos didáticos que servem desde às universidades do país até as escolas de primeiro e segundo grau. Com eles e em palestras como a "Semana de Óptica" e programas especiais realizados na Unicamp todo ano, os professores recebem informações adicionais sobre o campo da óptica e da fotônica. Por tudo isso, o centro se credencia, cada vez mais, a ser um pólo de pesquisa básica e de aplicação tecnológica que atinge um amplo espectro de atuação. Suas ações colaboram no entendimento dos fenômenos ópticos, formam pesquisadores, preenchem as necessidades tecnológicas na área de fotônica, como a fibra óptica nas telecomunuicações, e cobrem de informações os professores de primeiro e segundo grau. Agora, o centro prepara verdadeiras armas inovadoras de combate e diagnóstico do câncer, a segunda doença que mais mata no país. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 67
• TECNOLOGIA
ENGENHARIA
DE MATERIAIS
Plásticos mais competitivos Parceria entre OP P e Ipen produz polipropileno de alta resistência e fácil de reciclar m processo para tornar os produtos plásticos mais fáceis de produzir e de reciclar é o resultado de um projeto entre o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e a OPP Química, uma empresa do grupo Odebrecht, dentro do Programa Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP.Em conseqüência da pesquisa conjunta, já foram depositadas três patentes que envolvem os procedimentos e os produtos obtidos. O foco do projeto é um processo de síntese do polipropileno de alta resistência do fundido. Esse nome referese à fase liquida desse material depois que a resina original sólida é transformada, em uma máquina chamada extrusora. Isso acontece antes da moldagem final do produto plástico. O que os pesquisadores conseguiram foi proporcionar mais elasticidade ao polipropileno na fase fundida. Esse tipo de material, conhecido por HMS- PP (high melt strength polypropylene), vem ganhando mercado sobretudo na Europa, por motivos ambientais, onde a indústria passou a empregá-lo na fabricação de espumas para vários usos, principalmente, em painéis de veículos, porque são mais fáceis de serem reciclados. "As peças produzidas a partir da mistura de diversas outras resinas plásticas oferecem muitos obstáculos à reciclagem,
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podendo inviabilizá-la', explica Ademar Benévolo Lugão, coordenador do projeto e do Departamento de Engenharia Química e Ambiental do Ipen. No Brasil, os painéis dos automóveis ainda combinam componentes de polipropileno com elementos em
polietileno, poliuretano, PVC e ABS. Todos esses materiais são termoplásticos, que, com os termofixos - como a resina epoxi, por exemplo - e os elastômeros, categoria que abrange todas as borrachas, constituem a família dos polímeros. Ou seja: são compostos
por macromoléculas orgânicas, que, a grosso modo, é constituída pelo encadeamento de unidades básicas chamadas meros, com aparência semelhante à de um cordão ou de uma corrente. Os polímeros são sintetizados pelo entrelaçamento desses cordões, formando uma espécie de novelo, em imensos reatores industriais. No polipropileno, originado do monômero propeno, a força de ligação entre as moléculas é baixa. Sua estrutura totalmente linear determina que o material seja altamente fluido e de difícil proce~amento no estado fundido, o que inibe sua aplicação em algumas técnicas de moldagem e na produção de espumas especiais. "De início, chegamos a pensar em tornar o polipropileno fundido mais elástico aumentando o tamanho da molécula e criando, assim, um emaranhado molecular", lembra Lugão. "Conseguimos obter resultados melhores, porém, enxertando fragmentos de polipropileno no próprio polipropileno por irra-
diação com fonte de cobalto 60. Essas
ramificações de cadeia longa criaram um nível muito elevado de emaranhamento. É quase como um prato de espaguete de fios compridos. Quanto mais compridos e ramificados, mais enrolados eles ficam, facilitando o processamento da resina." Na primeira fase do projeto, que teve início em 1999 e foi concluído há alguns meses, foram utilizadas fontes de radiação de cobalto de pequeno porte, típicas dos laboratórios de ensaios. Depois, quando os testes ganharam maior escala, o Ipen recorreu aos serviços da Empresa Brasileira de Radiações (Embrarad), de Cotia (SP), que fornece radiação gama com cobalto 60 a diversos segmentos econômicos. ''A contribuição da Embrarad foi fundamental", diz Lugão. Segundo o pesquisador, considerando-se como referência o índice de fluidez, a resistência do polipropileno fundido multiplicou-se por 15 até 30, quando as tecnologias atualmente
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disponíveis nos países desenvolvidos surtem efeito multiplicador entre oito e dez. "Do ponto de vista da qualidade do material, estamos perfeitamente preparados para suprir a futura demanda dos mais exigentes usuários': celebra Alexandre Elias, engenheiro de produto da OPP Química e representante da empresa na parceria com o Ipen. Elias acredita que a procura por HMS- PP será uma tendência absolutamente consolidada no mercado brasileiro dentro de, no máximo, cinco anos. Mercado e escala - "Pretendemos iniciar a produção comercial antes disso", observa ele. Por ora, a OPP e o Ipen continuam empreendendo esforços para aprimorar métodos e reduzir o custo do processo, que, para Lugão, ainda é alto. Na visão da OPP, o desenvolvimento do mercado para o HMS- PP no Brasil depende das montadoras de automóveis. ''A utilização em veículos dará a escala necessária para a disseminação de outras aplicações possíveis': prevê Elias. Entre elas, estão, por exemplo, as chapas extrudadas - aquelas que passam pelo processo líquido e são solifificadas antes do molde - usadas para a fabricação de peças de grande porte como cestas de lixo, móveis, caixas etc. "Na verdade, há oportunidades em todos os segmentos nos quais o polipropileno não consegue conquistar participação expressiva devido à sua constituição semicristalina, que impõe limites à transformação e à baixa resistência': postula Lugão. O polipropileno, comercializado desde a década de 1960, vem registrando o maior crescimento mercadológico entre os polímeros plásticos. Produzido em quase 50 países, tem volume de vendas anual de mais de 30 milhões de toneladas. Dados da Solvay, gigante internacional da petroquímica, indicam que 33% desse total é utilizado na fabricação de embalagens.
Polipropileno: mais elasticidade, resistência e facilidade em reciclar PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 69
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Nos países desenvolvidos, as aplicações para as quais o HMSPP tem potencial consomem cerca de 1 milhão de toneladas de polímeros a cada ano, tomandose em conjunto as vendas físicas de poli estire no, poliestireno de alto impacto, PVC, polietilenos de baixa e de alta densidade e ABS, entre outros, afirma Lugão. No Brasil, este mercado representa, pelo menos, algo em torno de 30 mil toneladas por ano, segundo estimativa da OPP. O valor do HMS- PP pode superar em US$ 100 o preço da tonelada do polipropileno convencional. Ele destaca, também, a emergência de novas aplicações na área de embalagens de alimentos pré-cozidos para forno de microondas, na qual o HMS- PP pode concorrer com o polietileno tereftalato (PET) mais conhecido como matéria-prima das garrafas plásticas de refrigerantes. "As regulamentações ambientais
estão desenhando duas tendências: a de redução do lixo sólido e a de aumento da fração reciclável desse lixo': diz. "O HSM -PP pode contribuir para a consolidação de ambas, porque ao permitir maior controle da espessura, pode propiciar a produção de embalagens com paredes mais finas, e oferece bem menos problemas de reciclagem que o PVC, amplamente utilizado na produção de tubos e conexões, esquadrias prediais, pisos e forrações."
Irradiação de cobalto no laboratório do Ipen
Produto avançado - Na área de PVC, obtido pela polimerização do cloreto de vinila, a OPP também está preparada para dar conta de incrementos na demanda - pode, aliás, dobrar sua produção, que hoje gira em torno de 400 mil toneladas anuais, cerca de 60% do volume comercializado no país. Em novembro passado, a OPP recebeu o Prêmio FINEP de Ino-
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No rumo .das fusões e da inovação A OPP Química deve passar a chamar-se Braskem até o final do ano, com a formalização da incorporação da Companhia Petroquímica do Nordeste (Copene), de Carnaçari, que o Grupo Odebrecht adquiriu em 2001, em associação com o Grupo Mariani. Ao mesmo tempo em que a trajetória da empresa pode ser descrita como uma sucessãode fusões e aquisições nitidamente orientadas pela estratégia do conglomerado originário da indústria da construção de se fazer presente em toda a cadeia produtiva do setor petroquímico, a busca constante da inovação tecnológica é uma de suas marcas registradas. "Com atividades de pesquisa voltadas para a multiplicação de resultados, a redução dos custos e o aumento da produtividade, investimos mais de US$ 70 milhões em P&D ao longo dos últimos dez anos': afirma Antônio Bra-
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gança, diretor de tecnologia da OPP. A companhia emprega 117 pesquisadores, dos quais seis são doutores e cerca de 20 têm nível de mestrado. Mantém acordos para.o desenvolvimento de tecnologias com diversos institutos de pesquisa e universidades. Além do Ipen e do IPT, sua extensa lista de parcerias com instituições acadêmicas inclui, por exemplo, a Universidade Estadual de Campinas, a Universidade Federal de São Carlos, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Algumas vezes trabalhamos também com universidades estrangeiras, como a de Wisconsin, nos Estados Unidos, e a de Waterloo, no Canadá." De acordo com Braga, a OPP não enfrenta problemas em função da
diferença de ritmo entre a academia e as empresas. "Desde que o planejamento seja bom e as diferenças respeitadas, há entendimento e as duas partes saem ganhando': ressalta. Lucien Rebello dos Santos, responsável por desenvolvimento de processos da divisão de PVC, afirma que, da política de P&D da OPP, faz parte recorrer a universidades e institutos de pesquisa para a realização de projetos de domínio de tecnologias a longo prazo, mesmo que não gerem resultados imediatos. "Esse intercâmbio traz conhecimentos que em algum momento serão utilizados:' Líder sul-americana na produção de polímeros termoplásticos e sodacloro para fabricação do PVC e outros produtos como parafinas e aditivos a OPP, que detém 27,3% do capital da Copesul, centro do pólo petroquímico de Triunfo (RS), tem
vação Tecnológica, na categoria processo, pelo desenvolvimento, em conjunto com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de um sistema automatizado de controle da temperatura nos reatores de Pvc. Outro aspecto do projeto foi o acoplamento de condensadores de refluxo automaticamente acionáveis quando o calor ultrapassa limites previamente definidos, conforme as características a ser obtidas no produto. O processo, que já foi implementado em três reatores da empresa, em Camaçari, na Bahia, reduziu o tempo da síntese do PVC de 12horas para apenas 3,5 horas, proporcionando um incremento de produtividade da ordem de 80%. ''Além disso, registramos ganhos de qualidade, porque aprimoramentos no controle do processo obviamente facilitam a conformação a padrões': afirma Lucien Rebello dos Santos, responsável por desenvolvimento
seis unidades operacionais naquela região, três no Estado da Bahia, duas em Alagoas e uma em São Paulo. Para realizar testes de produtos e de tecnologias em larga escala, a OPP utiliza quatro plantas piloto - três no Rio Grande do Sul e uma na Bahia. A OPP foi assimilada pelo Grupo Odebrecht em meados dos anos 90, logo depois da aquisição do controle acionário da Trikem, antiga Companhia Petroquímica de Camaçari, em 1995. Posteriormente, as duas empresas unificaram sua administração. A compra da Copesul e da Copene consolida a importância do grupo no cenário petroquímico brasileira. A OPP não divulga seus resultados financeiros desde o fechamento de capital do Grupo Odebrecht, em maio de 2000. A Braskem será uma companhia de capital aberto, com ações nas bolsas de valores.
com empresas, estudou o caso da Companhia Petroquímica de Camaçari, em sua tese de doutorado em Administração de Empresas, que tratou da interação entre os meios acadêmico e corporativo, com suas vantagens e seus desafios. O controle acionário passaria às mãos do Grupo Odebrecht em 1995, quando o governo deu início à privatização do setor petroquímico (leia quadro sobre a OPP). Bom senso - ''A parceria consolidou-se em 1997, com um programa de formação gerencial dos técnicos da empresa para habilitá-los ao intercâmbio com institutos e universidades", lembra Bruno. Esse primeiro passo, diz Santos, foi fundamental para a definição das responsabilidades de cada uma das partes e para a geração de conhecimentos a partir do esforço comum. "Sem essa base, Cobalto na Embrarad: maior escala nas irradiações provavelmente não teríamos conseguido evoluir tanto': reflete ele. Do ponto de vista da companhia, de processos da divisão de PVC da OPP. "Outro aspecto em que há meum ingrediente importante da receita do sucesso do projeto foi a preservação lho rias sensíveis é o da segurança: dos aspectos da tecnologia tradicional conseguimos reduzir riscos para as de polimerização - a instalação dos pessoas e os equipamentos." condensadores de refluxo foi a única alA aproximação entre a companhia teração a que os equipamentos foram e o instituto paulistano teve início em submetidos. "Usamos o bom senso, evi1994 e cresceu de maneira cuidadosatando tanto a necessidade de fazer gran- / mente planejada. Naquele ano, Mardes investimentos em bens de capital cos Alberto Castelhano Bruno, hoje quanto o aumento do consumo enerdiretor executivo do IPT e responságético do processo", observa Santos. vel pela administração das parcerias Na fase de conclusão do projeto, que no total teve duração de aproximaPROJETO damente um ano e meio, dois pesquiDesenvolvimento de um sadores do IPT passaram em torno de Novo Processo de Síntese um mês em Camaçari, acompanhande Polipropileno com do o trabalho da OPP, primeiro em Alta Resistência do Fundido uma planta piloto e, por fim, nos reaMODALIDADE tores industriais da companhia. Um Parceria para Inovação Tecnológica dos grandes desafios foi transformar (PITE) as medidas de um reator de laboraCOORDENADOR tório para a fase industrial. "Um seADEMAR BENÉVOLO LUGÃo - Ipen gundo protótipo é dez vezes maior que o produzido em laboratório, e o INVESTIMENTO R$ 36.500,00 e industrial multiplica seu tamanho por US$ 67.360,00 (FAPESP) dois. Juntos, aprendemos a mudar de E R$ 136.000,00 (oPP) escala", conclui Santos. •
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• TECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Desafios para o futuro IB M desenvolve chip que dá sobrevida ao silício e estuda técnicas que vão permitir ao computador tomar decisões TÂNIA
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MARQUES
ma das gigantes do setor de informática, a IBM lançou recentemente um desafio à comunidade científica, inclusive a brasileira, e a seus concorrentes ela quer desenvolver máquinas capazes de comportar-se como o sistema nervoso autônomo humano, que administra funções orgânicas básicas, como a respiração, a pressão arterial e os batimentos cardíacos, sem nenhuma intervenção da consciência. "Está na hora de projetar e construir sistemas computacionais capazes de se autogerir, ajustando-se a condições variáveis e mobilizando recursos para lidar de maneira mais eficiente com as cargas de trabalho que colocamos sobre eles': escreveu Paul Horn, vicepresidente sênior da IBM Research, no manifesto da computação autônoma, que começou a ser divulgado nos Estadj>sUnidos em outubro passa~o. ___ _',/(.0 mesmo tempo em que orgaruza os estudos para essa inovação, a empresa também se preocupa com problemas mais corriqueiros e concretos e prevê para o final deste ano o lançamento do chip mais rápido do mundo, cujo processador tem velocidade superior a 100 gigahertz (GHz). Hoje, a velocidade dos computadores de mesa está um pouco acima de 1 GHz.
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Em fase de protótipo, o chip fundamenta-se em nova abordagem para a tecnologia do silício-germânio (SiGe), que já havia resultado no lançamento de um processador no ano passado. A aplicação dessa nova tecnologia vai garantir sobrevida aos chips de silício, que, como anunciam os especialistas da área, estão chegando quase ao limite de sua utilização. As pesquisas para substituir o silício nas próximas décadas envolvem vários materiais, mas um dos mais cotados são os nanofios de ouro, como mostra a maté'ria de capa da revista Pesquisa FAPESP n= 72, de fevereiro deste ano. "Atéo surgimento do SiGe, eu imaginava que o silício estava com seus dias contados': observa Fábio Gandour, gerente de Novas Tecnologias da IBM Brasil. "O aumento da velocidade dos processadores tornou os circuitos tão densos que sua temperatura estava próxima de atingir o ponto de fusão do material. A adição do germânio propicia o alinhamento dos átomos da estrutura do silício sem, com isso, prejudicar sua condutividade", explica Gandour. Segundo ele, a combinação dos dois metais resulta em incremento de velocidade da ordem de 35%, com igual redução de calor. Com isso, também diminui o consumo de energia elétrica no sistema de refrigera-
ção das máquinas. A IBM pesquisa a tecnologia SiGe desde 1989 e deu o nome de SiGe 8HP à sua mais recente evolução. Será uma evolução que certamente irá contribuir para o já tão esperado sistema nervoso autônomo dos computadores. Mas até que ponto a computação autônoma vai conferir inteligência aos sistemas automatizados é uma questão cuja resposta depende, em grande parte, do significado que se estiver dando à palavra "inteligência". Não se trata, a empresa frisa bem, de dar às máquinas a capacidade de pensar. Afinal, o sistema nervoso autônomo (SNA), ou vegetativo, não é privilégio humano - o que nem de longe significa que seu funcionamento seja simples. No homem, o SNA antecipa situações perigosas ou marcadas pela urgência antes que a consciência acuse sua emergência efetiva. A IBM reorganizou toda a sua divisão de pesquisa, com 3.200 profissionais e orçamento anual de cerca de US$ 5 bilhões, em torno da meta de dar autonomia aos sistemas de informação e está apoiando projetos acadêmicos que possam contribuir para a sua consecução. "Temos interesse em conversar com as universidades e os institutos brasileiros que estejam trabalhando no desenvolvimento de hardware, software e tecnologias de rede compatíveis com o conceito de computação autônoma': anuncia Gandour, que apresentou o modelo para um público constituído, em sua maioria, por clientes da companhia, no Infra-estrutura @ Business, seminário realizado em São Paulo em fevereiro. O Brasil foi o terceiro país a tomar contato com o assunto, que, antes, havia sido abordado em apenas três eventos: dois nos Estados Unidos e um na Alemanha. Parceiros famosos - "Sabemos que a tarefa de desenvolver a computação autônoma será árdua e não temos sequer a pretensão de realizá-Ia sozinhos': afirma Gandour. A IBM, que já conquistou a adesão da Microsoft e da Sun à iniciativa, está trabalhando com diversas universidades, em uma
série de áreas afins ao conceito. A Universidade da Califórnia em Berkeley, por exemplo, contribui para o projeto OceanStore, concebido de acordo com os princípios da computação introspectiva, que pretende dar aos sistemas de informação capacidade de adaptação e continuidade operacional em caso de falhas em servidores ou travamento de sistemas. A empresa-participa, em associação com a Universidade de Stanford, de um projeto de computação orientado para a recuperação, que busca tomá-los aptos a recuperar-se quando há problemas. A Universidade de Bolonha, na Itália, desenvolve estudos sobre sistemas peer-to-peer (igual a igual), que se caracterizam pelo controle descentralizado e por ambientes operacionais
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de grande escala e altamente dinâmicos que podem ser vistos como os sistemas complexos que, tipicamente, são objeto de estudo das Ciências Biológicas e das Ciências Sociais. No Brasil, a IBM, que já há algum tempo suspendeu doações de equipamentos para universidades, vem se reaproximando do meio acadêmico desde a instalação do departamento de novas tecnologias, em outubro de 2000. Atualmente, a empresa mantém acordo com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) para o intercâmbio de informações sobre novas tecnologias, organizando reuniões semanais com estudantes de graduação e pós-graduação da escola."Pretendemos formar novas alianças em São Paulo e em outros Estados': revela Gandour.
o conceito de computação autônoma começou a ser esboçado a partir dos resultados de uma pesquisa realizada por encomenda da IBM em 1999. O estudo voltou-se para a demanda de mão-de-obra especializada em Tecnologia da Informação (TI) e chegou a conclusões alarmantes. "Descobrimos que, se a complexidade dos sistemas continuar crescendo ao ritmo dos últimos 20 anos, já na próxima década a demanda por especialistas pode se aproximar de 200 milhões de pessoas, e isso é quase o total da população norte-americana", diz Gandour. Autogerir o trabalho - Do ponto de vista das demandas que se colocam para os sistemas autônomos, o primeiro pressuposto é a máxima socrática: conhece-te a ti mesmo. Para se autogerir, reagindo ao aumento - ou à diminuição - das cargas de trabalho, e, em última instância, evitar e até reparar falhas localizadas. O segundo ponto crítico é a habilidade que os sistemas devem ter para se configurar e reconfigurar, adaptando-se a mudanças ambientais. Para isso, pode ser preciso utilizar o que se poderia chamar de clonagem de software, com a criação de múltiplas imagens de programas, como um sistema operacional, por exemplo, e a realocação de recursos d~ memória, armazenamento e banda de comunicações, conforme as necessidades que se apresentarem. Uma das características importantes dos sistemas autônomos inclui a caçacidade de prever e corrigir falhas, recorrendo a elementos redundantes ou subutilizados para assegurar a manutenção da operação e identificando a causa primária do problema. "No início, os sistemas autônomos se auto-repararão seguindo regras criadas por especialistas': prevê Horn. "Contudo, à medida que conseguirmos embutirlhes mais inteligência, eles começarão a descobrir, por si mesmos, novas regras que colaborarão para o uso de recursos redundantes ou adicionais para se recuperar e cumprir seu principal objetivo: o de atingir as metas especificadas pelos usuários." • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 73
• TECNOLOGIA
ENGENHARIA
BIOMÉDICA
Eficácia comprovada Equipamento usa retina de aves para testar fármacos com ação neurológica
mequipamento automatizado que permite saber em sete horas se um'remédio receitado para pacientes é falsificado ou não poderá, em pouco tempo, fazer parte da rotina de hospitais de qualquer parte do país. Chamado de plataforma de testes, ele avalia os efeitos das drogas neuroativas, aquelas com ação no sistema nervoso receitadas para pacientes com epilepsia ou enxaqueca. O aparelho é dotado de um sistema de videomicroscopia que permite monitorar com precisão a ação da droga num tecido orgânico - no caso, a retina do olho de uma ave - e informar o resultado do teste numa tela de computador. A retina de aves, principalmente de pintinhos de galinha, é um material de fácil manipulação e possível de ser encontrado em qualquer parte do país. A plataforma automatizada também poderá ser bastante útil para a indústria farmacêutica, como exemplifica a coordenadora do projeto, a
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74 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
médica Vera Maura Fernandes de Lima. "Digamos que uma empresa fez engenharia reversa para a obtenção de um fármaco (na engenharia reversa, parte-se do produto final e, refazendo o processo de desenvolvimento de trás para a frente, tenta-se descobrir como ele foi feito). O farmacêutico pode ter feito tudo certinho e obter um produto quimicamente igual ao que ele pretendia copiar, mas sem o mesmo efeito. Isso porque, em biologia, conta também a disposição espacial das moléculas." A comprovação da qualidade da droga pode ser verificada facilmente na plataforma de testes. Vera Maura é pesquisadora da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), entidade que tem sob sua responsabilidade a eficácia e a segurança dos fármacos utilizados no Brasil. A médica desenvolve seu trabalho como pesquisadora visitante na Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Da equipe também fazem parte engenheiros da Poli e do
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Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Foi nos estudos de um brasileiro que Vera Maura se inspirou há mais de dez anos para iniciar as pesquisas com videomicroscopia de retina que resultariam no equipamento que ela tem agora. "Desde o segundo ano de medicina, apaixonei-me pela neurofisiologia.E,em 1989,comecei a trabalhar com o modelo de retina que foi criado pelo professor Hiss Martins Ferreira, na década de 60" (veja quadro). Para visualizar os resultados de seus estudos, Vera utiliza retina de pintinhos, material biológico que, na sua opinião, traz grandes vantagens em relação a outros tecidos neurais tradicionalmente utilizados no teste de fármacos, como hipocampo de rato, por exemplo.
e está relacionada a alguns quadros neurológicos, como os sintomas da epilepsia e da enxaqueca clássica. Manifesta-se por surtos de excitação neuronal, ou seja, excesso de atividade elétrica, seguidos por depressão, ou inatividade, das ondas elétricas. Essas ondas de excitação extrema, seguidas de ondas de inatividade, propagam-se pelo córtex cerebral, que é a camada mais superficial do cérebro. Fenômeno estimulado . A depressão alastrante é uma propriedade geral da matéria central do cérebro, da mesma maneira que a arritmia cardíaca é uma propriedade do coração': compara Vera. A probabilidade desse estado aumenta com a densidade de terminais sinápticos, a parte das células nervosas Um ligeiro impulso elétrico provoca uma reação que se propaga na retina. Com um fármaco neste meio, a velocidade de propagação é alterada
Além disso, "um técnico com alguma, experiência prepara as retinas em apenas dez minutos': garante a pesquisadora. A retina é a parte do olho responsável pela captação da imagem. Ela fica no fundo do globo ocular e transforma os estímulos visuais em sinais elétricos que são levados ao cérebro pelo nervo óptico. Quando o tecido retinal é exposto a compostos neuroativos, algumas propriedades fisiológicas sofrem alteração. Uma das mudanças mais significativas - e facilmente monitoráveis - ocorre na evolução das ondas de depressão alastrante. Fenômeno descrito na década de 1940 por outro brasileiro, o cientista Aristides Leão (veja quadro), a depressão alastrante é uma brusca alteração nas ondas elétricas do cérebro que pode durar por vários minutos
que transmite as informações. O que a pesquisadora faz é estimular a ocorrência do fenômeno na retina in vitro sem a droga a ser analisada e, depois, com ela. A mudança do padrão de onda, ou seja, do sinal óptico, dá a medida da ação da droga sobre o tecido. A época em que Vera Maura começou a trabalhar com sinal óptico, em 1991, foi também o momento de grande avanço da videomicroscopia. Com o auxílio dessa ferramenta, a pesquisadora conseguiu acompanhar com maior precisão as alterações do tecido retinal exposto a drogas neuroativas. Com esse objetivo, ela e sua equipe criaram o projeto de máquina que não dispensa a atuação de um operador humano. Segundo a pesquisadora, o treinamento para o uso da máquina não dura mais do que uma semana. O equipamento
trabalha com quatro retinas. Primeiro, o operador tem de colocar as retinas numa solução composta de glicose e sais minerais. Propositadamente, as concentrações dessas substâncias são mais elevadas do que no estado normal, para manter o tecido em um nível próximo da instabilidade. Nessa condição, um ligeiro toque mecânico sobre a retina é suficiente para desencadear as ondas. Na máquina desenvolvida pela equipe coordenada por Vera Maura, esse toque é automatizado. "Outros estímulos poderiam ser usados, como a adição de potássio ou um simples flash de luz': diz ela. A partir desse estímulo, começa o que Vera chama de "tempestade eletroquímica". Enquanto ela acontece, o computador mede a intensidade e a velocidade de propagação do sinal óptico, ou seja, da onda que, agora, passa a ser considerada como onda controle. Após cerca de 20 minutos, gera-se mais uma onda controle. Sinal óptico . Todos os dados da reação são filmados por uma câmera de vídeo e armazenados na unidade microprocessadora. Depois de mais um período de descanso, necessário para a retina se restabelecer, o operador introduz a solução teste. Se é um medicamento que diminui a excitabilidade do cérebro - como os remédios para epilepsia, por exemplo -, é de" esperar que ele diminua a velocidade de propagação e intensidade do sinal óptico. ''A onda fica menos visívele menor, dois parâmetros fáceis de quantificar', explica a pesquisadora. Mas .o operador nem precisa se preocupar em fazer essa avaliação. É o computador que vai comparar o resultado com um banco de dados obtido a partir de testes com vários tipos de drogas comprovadamente eficazes. Uma vez com o registro do padrão de eficácia, será possível ver se a solução teste comporta-se igual, pior ou melhor que o padrão. "O banco de dados tem de ser permanentemente atualizado. A Anvisa vai ter parte da patente e controlar esse arquivo", afirma Vera. Mas não é só a aplicação prática do equipamento que entusiasma a pesPESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 75
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Nas ondas do cérebro "Depressão alastrante de Leão" é um termo bastante conhecido pelos estudiosos da neurofisiologia. Trata-se de uma onda de excitação que se alastra pelo córtex cerebral, seguida de uma depressão, um "silenciamento" das ondas elétricas. O fenômeno recebeu o nome do primeiro cientista a descrevê-lo em 1944, o brasileiro Aristides Azevedo Pacheco Leão, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e também presidente da Academia Brasileira de Ciências, entre 1967 e 1981.
quis adora. Simular lesões no tecido e acompanhar seu comportamento é, para a cientista interessada em modelos de auto-organização do cérebro, uma das maiores aplicações do equipamento. Por que um paciente com derrame pode ficar com seqüelas e outro não? Por que duas lesões iguais induzem a respostas diferentes? "Essa é a pergunta que eu gosto de fazer': diz Vera, capaz de passar horas "brincando" com as evoluções em espiral dos sinais ópticos e com os gráficos que dão forma aos eventos caóticos do cérebro. A próxima etapa da pesquisa é a realização de experimentos em ambiente de microgravidade. "Se o cérebro é um meio excitável, ele deve ser influenciado por campos eletromagnéticos e gravidade", deduz Vera. Para estudar efeitos de gravidade, já foram realizados experimentos em centrífuga, no laboratório, e em vôo parabólico, no qual uma aeronave sobe rapidamente num ângulo de 45 graus e então desliga suas turbinas, fazendo com que a proa aponte para o solo para completar a parábola. Assim, durante 10 a 20 segundos, o avião entra em queda livre, situação na qual tudo o que se encontra dentro dele fica quase livre do efeito da gravidade, ou seja, entra num ambiente de microgravidade. Os resultados obtidos serão, agora, confrontados com os experimen76 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Ao estudar as ondas elétricas no cérebro de um coelho, um toque acidental sobre o córtex exposto provocou o curioso fenômeno. Atualmente, sabe-se que a chamada "aura" da enxaqueca clássica, manifestações visuais que precedem a dor de cabeça, tem correlação com a depressão alastrante. Hoje, um dos . . maiores espeClalistas em depressão alastrante é o professor Hiss Martins Ferreira, professor da UFRJ
tos embarcados em foguetes de sondagem, que permitem criar condições de microgravidade por vários minutos. Gel em vôo - Em abril, o foguete brasileiro VS-30, desenvolvido pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Centro Técnico Aeroespacial do Ministério da Aeronáutica, em São José dos Campos, levantará vôo da base de Alcântara, no Maranhão, carregando duas placas . de Petri (pequenos recipientes de vidro ou de plástico) com um gel que reage de forma muito similar à retina. "Queremos avaliar as semelhanças e diferenças entre as estruturas dinâmicas na retina e no gel'; explica Vera.
o PROJETO Auto-Organização, Espaço Temporal (Estruturas Dissipativas em Sistemas Complexos Longe do Equilíbrio) MODALIDADE Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR VERA MAURA FERNANDES Anvisa e Poli/USP
DE LIMA -
INVESTIMENTO
R$ 11.170,90
e US$ 87.566,90
que trabalhou com Leão e, mais tarde, com Gustavo Oliveira e Castro, também professor do Instituto de Biofísica da mesma universidade. Na década de 60, Castro desenvolveu a preparação de retina e demonstrou que a onda que se forma no tecido retinal é semelhante à onda formada no córtex.
Pacheco Leão: excitação e depressão no córtex cerebral
Enquanto isso, uma plataforma para oito retinas estará sendo preparada na Alemanha, para decolar da Suécia, em 2003. Esses experimentos fazem parte de um acordo de colaboração em microgravidade em biologia entre a USP e a Universidade de Hohenheim. O professor José Roberto Castilho Piqueira, da Poli, e o professor Wolfgang Hanke, diretor da Divisão de Fisiologia de Membrana da universidade alemã, coordenam esse estudo . O desenvolvimento de um protótipo portátil o bastante para embarcar em um foguete resultará num produto que poderá ser interessante sobretudo para os hospitais distantes dos grandes centros urbanos. "Basta que o local tenha o mínimo de infra-estrutura, como água de boa qualidade e uma tomada para ligar", diz Vera. E uma produção em escala poderia baratear o custo da plataforma, que está estimado em US$ 180 mil nessa fase de desenvolvimento do projeto. Embora ainda não exista contato com empresas interessadas em produzir a plataforma de testes, o importante, nesse momento, é que da pesquisa básica em neurologia à aplicação, esse é um trabalho nascido e fundamentado no Brasil. •
• TECNOLOGIA
QUÍMICA
Menos poluição Nanocatalisador criado na U FRGS elimina compostos aromáticos do petróleo
orgânicos, os nanocatalisadores tanto diminuem os custos industriais como resolvem outros problemas de ordem operacional em uma refinaria. Solventes são substâncias de trato difícil, como a acetona, que serve tanto para tirar esmalte de unha quanto para purificar cocaína - razão pela qual seu uso tem sido controlado. Os novos catalisadores são agentes de estabilização chamados de líquidos
urge uma nova forma de retirar compostos do petróleo que poluem o ambiente. A boa notícia vem da nanotecnologia, um campo emergente da pesquisa mundial, no qual se trabalha átomo por átomo. O professor [airton Dupont, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), desenvolveu nanocatalisadores que permitem diminuir a concentração dos compostos aromáticos durante as fases de refino de petróleo onde aparecem a gasolina e o benzeno. Assim, a combustão dos motores a gasolina, por exemplo, será mais completa sem deixar no ar resíduos que podem ser cancerígenos e contribuem para a formação de chuva ácida. Esses nanocatalisadores servem a um processo de catálise (que modifica a velocidade de uma reação química) que resulta no ciclohexano, uma molécula bem menos danosa ao meio ambiente. Nanocatalisadores: substituem solventes Os nanocatalisadores recémiônicos derivados de uma substância ormulados no Laboratório de Catáliquímica que recebe o nome imidazol. se Molecular da UFRGS são grupos Desenvolvido pelo grupo de Dupont de partículas com cerca de 300 átoe do professor Roberto de Souza, mos de irídio - elemento químico que também do Instituto de Química da na tabela periódica se encontra no UFRGS e patenteado em 1996 em congrupo dos metais de transição, acima junto com a Petrobras, o líquido iônico do ródio, rutênio e ósmio, com diâprepara e estabiliza as nanopartículas metro médio de 2 nanômetros (um de irídio que catalisam as reações de nanômetro corresponde a um miliohidrogenação (adição de átomos de nésimo do milímetro). Esses grupos, hidrogênio aos compostos aromátichamados de nanoclusters, são imcos). Um artigo científico com a desportantes porque podem substituir os crição do catalisador e do mecanismo solventes orgânicos usados nos disde atuação foi aceito no [ournal of the pendiosos processos industriais nas American Chemical Society, um dos refinarias para eliminar os compostos mais conceituados do mundo. aromáticos. Ao substituir os solventes
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Resumidamente, a reação - bemsucedida em escala experimental ocorre do seguinte modo: as olefinas, também oriundas do refino do petróleo, são acrescentadas ao líquido iônico, contendo os nanocatalisadores e o hidrogênio gasoso. Como resultado, os aromáticos ganham átomos de hidrogênio e são convertidos em hidrocarbonetos. Segundo Dupont, os produtos finais podem ser retirados facilmente por decantação, onde o produto da hidrogenação separa-se do líquido iônico que contém as nanopartículas (catalisador), num processo equivalente à separação do azeite da água. Além disso, o catalisador pode ser reaproveitado e as reações podem ser realizadas em condições brandas de pres~ são e temperatura (60°C e apenas 2 atmosferas). Os catalisadores empregados normalmente nesse tipo de reação, diz ele, funcionam em temperatura e pressão elevadas (300°C e 150 a 200 atmosferas).
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Entender o acaso - Dupont contou até fevereiro com o apoio financeiro do Fundo Nacional do Petróleo (CTPetro) e, no momento, negocia a patente e a produção em escala comercial com uma grande empresa. "Nem imaginava que eu seguiria para esse lado", diz. Foi por acaso, há nove meses, após 15 anos de trabalho em catálise, que ele ingressou na nanotecnologia, ao verse intrigado diante de "uma reação que inesperadamente formou partículas nanométricas e funcionou maravilhosamente bem". Passaram-se semanas até ele entender o que estava acontecendo e assegurar-se de que havia descoberto catalisadores heterogêneos "solúveis". A pesquisa nesse campo agora alimenta teses e dissertações, além de ter consolidado a colaboração com os grupos dos professores Paulo Fichtner e Sérgio Teixeira do Instituto de Física da UFRGS, que têm participado da caracterização das nanopartículas. O grupo sabe que não basta eliminar os aromáticos. No petróleo há também compostos sulfurados e nitrogenados que também devem ser eliminados. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 77
• TECNOLOGIA ENGENHARIA
ELETRÔNICA
Assistência técnica inovadora Equipamento detecta problemas com rapidez e faz o reparo em módulos das centrais telefônicas
p(
ferta de serviços de telecomunicações no Brasil registrou acelerada expansão, nos últimos anos, com a privatização das empresas públicas do antigo sistema Telebrás. Administrar os problemas decorrentes desse crescimento exige, cada vez mais, novos instrumentos de controle. Foi a percepção desse mercado o ponto de partida para a Qualibrás Eletrônica, de Campinas, desenvolver o Sistema Automático Reconfigurável de Teste de Módulos Eletrônicos (Sartme). Esse sistema torna-se fundamental neste momento de ampliação e multiplicação de centrais telefônicas, equipamentos que centralizam as linhas telefônicas de um bairro ou cidade e estabelecem as interconexões entre as centrais de outras regiões. O Sartrne foi desenvolvido para testes e reparo de módulos eletrônicos que compõem essas centrais. A grande vantagem desse produto, segundo o engenheiro eletrônico Gilberto Antônio Possa, coordenador do projeto e um dos diretores da Quali-
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brás, é que ele poderá ser utilizado em equipamentos eletrônicos de qualquer fabricante, bastando para isso o desenvolvimento de um software específico para cada uso. Assim, num laboratório de assistência técnica ou linha de produção de produtos eletrônicos, o Sartme poderá ser utilizado no teste de placas - onde estão instalados os chips e demais componentes do circuito eletrônico -, diagnosticar defeitos e auxiliar na localização e solução das falhas. Basta conectar a placa eletrônica ao aparelho, escolher na tela do computador um tipo de teste desejado e verificar na tela se há algum defeito e onde ele está localizado. A Qualibrás foi criada em 1990, quando a Promon, empresa que fabrica as centrais telefônicas Trópico, terceirizou os serviços de manutenção e assistência técnica de seus produtos. Em pouco tempo, Possa e seus três sócios, Carlos Henrique, Marco Bezzi e Fernando Ferreira - ex-funcionários da Promon -, perceberam que existia uma grande possibilidade de crescimento se a empresa também pres-
tasse assistência técnica aos setores de telecomunicações e da indústria eletrônica. O problema é que cada fabricante tem suas especificidades. Assim, fazer a manutenção das placas de diversos tipos de centrais ou outros equipamentos seria muito complicado e oneroso. Qualidade no espaço . A solução foi criar um sistema que fizesse esses testes e pudesse ser reconfigurado para se adequar aos tipos de módulos eletrônicos de cada fabricante. Em março de 2000, depois de obter o apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP,a empresa começou a desenvolver o Sartme, que já chamou a atenção inclusive de técnicos do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) do Ministério da Aeronáutica. Eles estão interessados no sistema para uso na montagem do"'-Veículo Lançador de Satélites (VLS), em desenvolvimento naquela instituição. Nesse caso, o sistema será usado como um controle de qualidade para testes do equipamento eletrônico do VLS.
Ao conectar a placa eletrônica ao Sartme, o diagnóstico aparece na tela do computador
Empresas (Sebrae) e dos contatos nascidos no Venture Fórum que pude dar nova dimensão à empresa': conta Possa. Ele ressalta que, graças a esse apoio e à explosão do setor de telefonia, no ano passado, o faturamento da empresa mais que dobrou em dois anos. Em 2001, a Qualibrás faturou R$ 3,4 milhões e cresceu 69% em relação a 2000, ano em que ela já havia registrado crescimento de 34%.
Segundo Possa, a idéia inicial era apenas ampliar os serviços de reparos oferecidos pela empresa, fazê-los em grande escala. Mas, com o Sartme, acabou mudando um pouco o foco. De simples prestadora de serviços passou a ser também empresa que desenvolve tecnologia. Mas seus diretores não pretendem, pelo menos por, enquanto, mudar o perfil da Qualibrás. Ela continuará no ramo de assistência técnica e manutenção. Quanto ao Sartme, ele será fornecido, juntamente com as adaptações de software necessárias para cada aplicação, para outras empresas de manutenção e para fabricantes e montadoras de produtos eletrônicos. Para os diretores da Qualibrás, o produto cria as bases para o desenvolvimento de novas tecnologias. Para Possa, o Brasil ainda não é forte na área de reparo em grande escala de equipamentos eletrônicos e de telecomunicações. Nos Estados Unidos, o maior mercado mundial desse setor, a área de assistência técnica e manutenção é atendida por grandes empresas,
que prestam serviços de reparo em larga escala. Para viabilizar a produção em escala do equipamento, Possa tem procurado agências de financiamento em busca de capital de risco para sua empresa. A primeira experiência aconteceu em abril do ano passado, quando participou de uma rodada do Venture Fórum, reunião organizada pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) entre empresários e investidores. "Foi a partir do apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
o PROJETO Sistema Automático
Reconfigurável
de Teste de Módulos Eletrônicos MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPEl COORDENADOR
GILBERTOANTÔNIO INVESTIMENTO
R$ 328.706,00
POSSA- Qualibrás
Medição remota - Ao mesmo tempo em que finaliza o Sartme, a Qualibrás prepara-se para buscar recursos para um outro produto que está em gestação num segundo projeto da empresa, também financiado pelo PIPE, ainda na sua primeira fase. Trata-se de um sistema que transmite remotamente as medições de consumo, monitora e pode ligar e desligar o fornecimento de energia elétrica. Essas informações seguem pela própria linha de transmissão com os dados enviados diretamente para a companhia de distribuição de energia. Além da vantagem de dispensar a instalação de cabos entre esses pontos, esse sistema estimula o uso de tecnologia e instrumentação digital em sistemas elétricos. O projeto ganha importância com o fim do racionamento, pois o governo estuda a redução da tarifa para quem consome energia fora dos horários de pico - a chamada tarifa amarela. As perspectivas dos produtos da Qualibrás mostram que a empresa começa a enveredar por novos caminhos. Ela começou a ampliar o leque de interesses no exato momento em que percebeu a necessidade de um equipamento para melhorar a sua prestação de serviços. Mesmo ao manter o nicho original na manutenção e assistência técnica para centrais telefônicas, já incorporou à sua trajetória um comportamento típico de empresa que investe em inovação tecnológica para se tornar mais competitiva. • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 79
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• TECNOLOGIA aumento da demanda . por alimentos orgânicos, livres de pesticidas, herbicidas e aditivos químicos, tem crescido significativamente nos últimos anos, estimulado, principalmente, pelos países que ímportam produtos agrícolas do Brasil. Mas a grande dúvida que aflige o consumidor final, que paga até quatro vezes mais por esses alimentos, é saber se o produto realmente se enquadra no conceito de orgânico em todas as etapas do processo. Para dar garantia de qualidade a esses alimentos, de forma materializada num selo verde - também reivindicado pelo Ministério da Agricultura -, pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) estão desenvolvendo métodos avançados para análise de rotina, capazes de comprovar se um produto foi mesmo produzido sem nenhum tipo
O
AGRICULTURA
resultou na cnaçao de parâmetros para a certificação de vários produtos, como café, açúcar, soja, milho, batata e feijão. É um bom começo, porque foi necessário criar padrões de referência para a análise, exigindo o cultivo controlado para garantir a completa ausência de insumos químicos. Para implementar as novas análises e promover futuramente a certificação de produtos agropecuários, o Cena criou o Laboratório de Segurança Alimentar, que deve estar pronto em maio. A nova unidade vai se dedicar à certificação de produtos agrícolas, incluindo os alimentos orgânicos. Com isso, espera atender à atual demanda por análises, gerada tanto pelo aprimoramento das políticas de segurança alímentar como por eventos ocasionais, como o surgimento da doença da vaca louca e de surtos de febre aftosa. "À medida que o mercado se torna cada vez mais exigente, os pro-
Orgânico com selo verde Projeto do PITE e novo laboratório do Cena preparam estudos para a certificação de alimentos produzidos sem insumos químicos
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de tratamento químico, desde a plantação até o ponto-de-venda. Mais eficiente e menos dispendiosa do que os testes atualmente disponíveis, a análise vai permitir o aprimoramento do atual sistema de certifica'ção, que se baseia apenas na avaliação do processo de produção. Com isso, espera-se que o setor ganhe mais credibilidade, tanto no mercado interno como no externo, contribuindo para elíminar as atuais barreiras sanitárias para a exportação. Todo o trabalho de certificação teve início com uma pesquisa coordenada pela professora Siu Mui Tsai, do Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Cena, que teve início com um projeto financiado pela FAPESP dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). A Shimura's Alimentos, fazenda dedica da à atividade agropecuária no município de Batatais, na região de Ribeirão Preto, deu apoio logístico ao projeto, que já
dutores são obrigados a se adequar a novas normas, obedecendo padrões que antes não eram exigidos': explica Elisabete De Nadai Fernandes, do Laboratório de Radioisótopos do Cena. As exportações de grãos, por exemplo, preocupam, pois podem ser rejeitadas em países europeus, como a Suíça, caso contenham porcentagem superior a 0,1% de sementes transgênicas. A fiscalização não é menos rigorosa à presença de hormônios e antibióticos na carne para exportação. Fim das incertezas - Atualmente, quem compra produtos com o selo "alimento orgânico" não está totalmente livre de ser enganado. Embora exista no país um sistema de certificação bem estruturado, com quatro organismos responsáveis por fiscalizar a produção no campo e garantir que os produtores estão seguindo todas as normas técnicas de cultivo e obedecendo à proibição do uso de qualquer
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a
insumo químico, o consumidor ainda tem motivos para duvidar. "Quem garante que a fruta não foi pulverizada com defensivos para preservação póscolheita ou que o produto não tenha sido misturado ou mesmo trocado por outro não orgânico?': questiona Tsai. Para a pesquisadora, a falha do atual sistema está no método de certificação, que se baseia apenas na avaliação do processo de produção, e não na análise do produto final. Isso acontece porque, até hoje, a pesquisa laboratorial era muito cara e pouco sensível.O método mais usual para detecção de toxinas microbianas, a análise imunoquímica, não é indicado para a rotina, pois elevaria ainda mais o custo de produção, inviabilizando os negócios do setor.A alternativa se baseia em técnicas isotópicas e nucleares utilizadas para d~ctar radioatividade em alimentos, realiz as no Instituto de Pesquisas Energé icas e Nucleares (Ipen). Os alimentos são irradiados e ficam mais susceptíveis à análise dos elementos químicos que os compõem. "Assim, testar produtos orgânicos vai se tornar bem mais acessível, além de mais eficiente': garante Elisabete. A técnica foi empregada para analisar grãos de café, numa das pesquisas ligadas ao Cena. Ainda em fase de conclusão, a tese de doutorado de Fábio Sileno Tagliaferro permitiu identificar diferenças na concentração de algumas substâncias presentes no café que são indicadoras do cultivo orgânico. Comparado ao café convencional, o orgânico apresenta concentrações mais baixas de bromo, cobalto, césio e rubídio, enquanto o nível de cálcio é maior. O resultado comprova que o uso de agroquímicos deixa rastros, que podem ser detectados como alterações na composição química dos alimentos. "São diferenças muito pequenas, mas facilmente detectadas, desde que se tenha estrutura laboratorial adequada e pessoal capacitado': afirma a pesquisadora.
Feira de produtos orgânicos em São Paulo: análise mais eficiente dá maior garantia ao consumidor
Minhoca esterilizada
e desidratada
A implementação dessas análises em larga escala para atender o produtor ainda pode levar de um a dois anos. Antes, é preciso conhecer a composição de cada produto, ou seja, criar padrões que permitam comparar o que é e o que não é alimento orgânico. Produção limpa - A parceria com a Shimura's levou a caminhos não previstos no início do projeto, mas que ajudaram a comprovar a eficácia de alguns procedimentos da produção limpa. Logo no início, surgiu a necessidade de encontrar uma solução para fechar o ciclo produtivo da fazenda. A maior dificuldade era eliminar a contaminação de um lago com os dejetos da criação de porcos. A solução encontrada pela pesquisadora foi lev~ a fazenda um exército de minhocas.Ianimais que são, por sua própria natureza, agentes transformadores. Foram então COllStruídos canteiros para o minhocário, onde passaram a ser depositados os resíduos da produção de milho (cultivado para a alimentação dos porcos) e o esterco do gado (bovino e suíno). No experimento, foram usadas minhocas conhecidas pelo nome de gigantes africanas (Eudrilus eugeniae), originárias da África Ocidental e que medem de 20 a 22 centímetros. O composto orgânico (fezes decompostas) produzido pela minhoca, identificado como vermicomposto e popularmente chamado de húmus, possui uma forma granulada que favorece o arejamento do solo e melhora o enraizamento. Além disso, as substâncias que ele contém proporcionam maior 82 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Farinha: recomendada como ração animal
quantidade de nutrientes assimiláveis pelas plantas - é rico em nitrogênio, fósforo (que é a maior deficiência encontrada nos solos), potássio, ferro, zinco, manganês e sais minerais - e aumentam a retenção de água. Testescom feijoeiros mostraram que as plantas se tornam mais robustas, com raízes mais fortes. Com o húmus, os nutrientes são liberados gradativamente, numa ação mais prolongada que a adubação tradicional, podendo durar até dois anos. Com o projeto do PITE foi possível formatar o processo de fabricação de um produto nada convencional: a farinha de minhoca. Nesse processo, as minhocas ficam de quarentena e passam por sucessivaslavagens antes de serem esterilizadas. Num liofilizador'(um desidratador a vácuo), elas são congeladas a 40 graus negativos e depois
o PROJETO Qualidade Alimentar e Agricultura em uma Economia de Mercado: Produção Orgânica e Certificação de Produtos Agropecuários para Obtenção da Chancela do Selo Verde MODALIDADE Parceria para a Inovação Tecnológica (PITE) COORDENADORA SIU MUI TSAI - Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Cena INVESTIMENTO
R$ 124.500,00 e US$ 56.111,11 (FAPESP)
e R$ 74.200,00 (Shimura's)
Cápsulas: diminui o colesterol
aqueci das gradativamente até 40 graus positivos,para eliminar toda a água. Por fim, são moídas e encapsuladas. As propriedades nutricionais da farinha de minhoca têm sido descritas em várias pesquisas no exterior,sobretudo nos Estados Unidos, China e Austrália, onde o produto é recomendado para alimentação de animais em crescimento, como pintinhos, alevinos de peixes ornamentais, camarões e pássaros. Teste de segurança - Há indícios de
que a farinha de minhoca é também um poderoso suplemento alimentar para humanos. "Já sabemos que ela reduz o colesterol no sangue e tem ação anticoagulante', afirma Tsai. Mas, segundo Hélio Vanucci, membro da Câmara Técnica de Alimentos Funcionais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a liberação do produto para consumo humano ainda depende de testes que comprovem sua eficácia e segurança. Para incentivar a atividade de criação de minhocas, a equipe envolvida no projeto começou um trabalho de conscientização dos agricultores, com a distribuição de uma cartilha, no formato de história em quadrinhos, onde os personagens contam, de forma bem-humorada, as mil e uma utilidades da minhoca. Em As Aventuras do Superminhoca, os personagens fazem um passeio pela natureza, mostrando o papel das minhocas na manutenção do equilíbrio ecológico, explicam como se constrói um minhocário e apresentam uma fábrica de farinha de minhocas. •
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HUMANIDADES ARTES
PLÁSTICAS
Museu universitário de estatura nacional Após reforma, Museu de Arte Contemporânea da USP ganha importância, visibilidade e torna-se modelo a ser seguido
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o Paradoxo
do Santo, obra de Regina Silveira: acervo abriga o melhor da arte contemporânea
o coração do câmpus da Universidade de São Paulo (USP), bem ao lado da Praça do Relógio, uma caixa modernista abriga uma das maiores e mais importantes coleções nacionais de arte do século 20. Com cerca de 8 mil obras, o Museu de Arte Contemporânea (MAC/USP) durante muito tempo ficou esquecido pela comunidade da universidade. E mais desconhecido ainda do público em geral. Mas uma reforma implementada em sua sede e uma política de aumento da visibilidade do museu o reintegraram no roteiro dos grandes museus nacionais, extrapolando os domínios da vida universitária. 84 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
A iniciativa foi tomada pelo último diretor do museu, José Teixeira Coelho Netto, cuja gestão terminou em março. Com financiamento do Programa de Apoio à Infra-Estrutura da FAPESP e contribuições da Fundação Vitae e da própria reitoria da universidade, ele transformou a sede em modelo museológico, composto de equipamentos e material de pesquisa que respeitam as mais exigentes normas internacionais. ''As conseqüências do programa e da reforma podem ser vistas agora", diz Teixeira Coelho. "Nós estamos sendo visitados por representantes de museus que estão sendo organizados fora de São Paulo. Eles têm notícia do que foi feito aqui e
querem saber como podem aproveitar nossa experiência", explica Teixeira Coelho. A FAPESP deu a maior contribuição para a reforma da sede: R$ 2,7 milhões. A Fundação Vitae cedeu cerca de R$ 100 mil para a construção do Gabinete de Papel e a reitoria da USP forneceu R$ 54 mil para a construção do auditório, última obra entregue pela gestão, em fevereiro. Paralelamente à preocupação com o aspecto físico do museu, que antes da reforma apresentava condições precárias para a apreciação da arte - por exemplo, com a presença de um restaurante entre o espaço expositivo e a reserva técnica -, Teixeira Coelho estabeleceu alianças importantes para recuperar uma visibilidade que o museu já tivera no passado. Uma delas foi com a Galeria do Sesi,no prédio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), situada na Avenida Paulista. Nela realizam-se mostras temporárias, como Estratégias para Deslumbrar, em cartaz atualmente, com obras de Bill '\ Viola, Bia Lessa, Amélia Toledo, Eder )Santos e outros. "Hoje, os museus não podem prescindir de alianças com a iniciativa privada': diz Teixeira Coelho. "Aquele espaço, por estar em um local de passagem e ser bem central, faz com que um público muito maior conheça o museu': avalia.A Galeria do Sesi também foi importante por abrigar mostras durante o tempo em que a sede da USP ficou fechada para a reforma. A visibilidade do museu foi ampliada ainda com o site do museu (www.mac.usp.br).no qual é possível conhecer suas atividades e seu acervo. Por outro lado, um projeto educacional desenvolvido nos últimos cinco anos aumentou a proximidade entre o MAC e o público infantil. Desenvolvido na Divisão de Ensino e Ação Cultural do museu, o Projeto Museu, Educação e o Lúdico é coordenado por Mariangela Serri Francoio e orientado por Maria Helena Pires Martins. Tem
como objetivo pesquisar uma metodologia lúdica capaz de fazer com que crianças entre 4 e 6 anos tenham o desejo de voltar e permanecer no museu. "Nós acreditamos que, nessa idade, o fundamental é a criança ter uma relação prazerosa com o museu", afirma Maria Helena. Para isso, a divisão criou exposições pedagógicas que duram cerca de dois anos. Nelas, sempre estão em contraste obras originais de artistas consagrados da coleção do MAC, como Picasso, Tarsila
do Amaral e Aldemir Martins, e jogos baseados nas mesmas obras e produzidos especialmente para o museu, como quebra-cabeças, dominós, jogos de memória e outros. "Os jogos acabam tendo uma função educativa. Nosso objetivo é dar às crianças condições cognitivas de entender o universo artístico, assim como de criar um vocabulário relativo às artes e desenvolver a capacidade de observação", comenta. Metodologia lúdica - Com apoio de
Escultura de Boccioni: forma de gesso da peça foi cedida pelo MAC para a Tate, de Londres
bolsas fornecidas pelo Programa Melhoria do Ensino Público, da FAPESP, o Projeto Museu, Educação e o Lúdico firmou um convênio, nos últimos três anos, com a Escola Municipal de Educação Infantil Desembargador Dalmo do Valle Nogueira, do bairro de Vila Sônia, na Zona Oeste de São Paulo. "Nossa proposta era levar aos professores a capacitação para a metodologia lúdica indicada no museu", conta Maria Helena. "No primeiro ano, fizemos uma preparação dos professores. E nos dois anos posteriores promovemos visitas das crianças ao museu e atividades na escola. Toda a metodologia foi desenvolvida com base na filosofia educacional de Piaget", continua. O trabalho pôde ser desenvolvido a partir da exposição pedagógica que acaba de se encerrar na Divisão de Ensino e Ação Cultural, intitulada Ciranda de Formas: Bichos - Jogos, Brinquedos e Brincadeiras. "No fim do projeto, percebemos que o museu passou a fazer parte da vida da escolà e da comunidade': diz ela. "Os corredores da escola ficaram lotados de trabalhos relativos à arte produzidos pelas crianças. E os pais também se envolveram em atividades paralelas': continua. Em outros casos, conforme ela narra, a arte serviu como exercício de cidadania. Por exemplo, quando se estudou a obra de Frans Krajcberg, artista que faz uma crítica à PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 85
destruição da natureza, utilizando-se de elementos naturais mortos, como folhas e raízes, a escola realizou trabalhos de ~éia educação ambiental, pro_»__ movendo uma visita à reserva de Mata Atlântica, no Sesc Interlagos. As bolsas dos professores foram pagas pela FAPESP,assim como bolsas de recém-formados responsáveis pela construção, na escola, dos brinquedos necessários para a aplicação da metodologia lúdica, idealizada no projeto. Assim como as crianças podem, na Divisão de Ensino e Ação Cultural, ter um acesso facilitado ao mundo das artes, Interior do museu: em cartaz, exposição para celebrar a nova sede do MAC permite ao público uma compreensão linear da história da vista estético. O melhor é que o visiarte no século 20, por meio de cerca de tante pode manusear à vontade as ga120 peças do acervo que estão em exvetas e trilhos, o que aumenta o praposição permanente. As obras estão zer e o contato com as obras. Na sala na qual normalmente endispostas basicamente em ordem cronológica, de maneira a conduzir o vicontram-se obras das duas primeiras décadas do século, atualmente pode-se sitante a um panorama de como os movimentos artísticos se desenvolvever a exposição 22 e a Idéia do Moderram no decorrer do século, tanto no no, em homenagem aos 80 anos da Brasil como no mundo. Semana de Arte Moderna de São Paulo. Saindo dela, encontram-se os anos 30 Nova sede - Obras das duas primeiras e 40, onde se vê o embate entre duas décadas do século 20 podem ser vistas escolas vanguardistas: a de Paris e a na sala ao fundo do museu, junto ao italiana. As décadas de 60 e 70 estão Gabinete de Papel. Este Gabinete merepresentadas por obras do expressiorece um capítulo especial na história nismo abstrato brasileiro, como de da nova sede do MAC. Construído Yolanda Mohalyi, Manabu Mabe e com apoio da Fundação Vitae, abriga Tomie Ohtake. Outras formas de abscentenas de obras feitas sobre esse sutração podem ser vistas ainda nas porte, o qual em geral é considerado obras de Kandinsky, Cícero Dias, Volcomo uma arte menor. "Ouvimos pi, Milton da Costa, Hélio Oiticica e muitos elogios por parte de críticos e outros. A mais nova arte contemporâapreciadores da arte por privilegiar esnea, como não poderia deixar de ser, ses trabalhos", diz Teixeira Coelho. está representada com obras grandiAlém das obras, um dos atrativos da loqüentes, como O Paradoxo do Santo sala é sua arquitetura, que combina (1994), de Regina Silveira, trabalhos um moderno sistema de trilhos e gade Waltercio Caldas e outros. vetas, na qual os desenhos e gravuras Embora esteja em geral organizada estão guardados, com materiais cuicronologicamente, a mostra permadadosamente escolhidos do ponto de nente do MAC também aglutina al-
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86 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
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Obra
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Canlmo
os 80 anos da Semana de Arte Moderna
guns trabalhos sob o mesmo tema. É o caso de uma área totalmente dedicada a marinas, na qual há quadros de Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Pancetti. Ou ainda a das naturezas-mortas, com Matisse, Bonadei e Maria Leontina. Algumas esculturas merecem destaque, como Formas Únicas da Continuidade no Espaço (1913), do italiano Umberto Boccioni, cuja fôrma original em gesso foi cedida à Tate Gallery, de Londres. Em outros espaços, há narrativas específicas, como a que praticamente conta o início da ditadura militar no país, com obras produzidas no ano de 1964 por artistas como Flávio Shiró, Iberê Camargo e Ivan Serpa. Tratamento especial - Todo esse acervo ganhou um tratamento especial após a reforma do prédio. Equipamentos específicos garantem a segurança contra incêndio (além de sprinklers, há dispositivos que detectam quando uma pessoa acende um cigarro) e contra vandalismo. "O sistema antincêndio foi implantado pela mesma empresa que desenvolveu o do Museu do Louvre', conta Teixeira Coelho. Além disso, o museu ganhou sis-
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MAC com obra de Regina Silveira: projeto de construção de nova sede para mostrar compromisso entre a USP e São Paulo É
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temas de climatização e iluminação especiais. E, antes mesmo de o país ter entrado na crise energética, foi comprado um gerador próprio, o que o ajudou a se manter aberto ao público durante os meses de racionamento. "Essas medidas tornaram o MAC um dos mais capacitados museus do país, conforme atestaram vários técnicos estrangeiros que visitaram q Brasil para avaliar as condições técnicas dos museus nacionais': comemora Teixeira Coelho. Uma bancada de computadores permite aos visitantes realizar pesquisas e fazer consultas sobre as obras. As reformas duraram nove meses. Segundo Teixeira Coelho, para a manutenção dos sistemas de segurança e climatização, foram feitos contratos e parcerias especiais. O projeto arquitetônico foi desenvolvido por Maria Cecilia Barbieri Gorski e a reforma teve consultoria técnica do engenheiro João Paulo Miguel.
Inserção internacional - As melhorias no espaço físico e a maior visibilidade do museu para a comunidade ajudaram o MAC a caminhar na efetivação de um terceiro objetivo lançado pela
gestão Teixeira Coelho no início de seu mandato. Trata-se da inserção do museu no circuito internacional, a qual começa de algum modo a ser alcançada com a escolha do MAC, por parte da Tate Gallery, de Londres, para abrigar uma grande exposição de arte inglesa moderna e contemporânea no Brasil, em 2003. Trata-se de uma mostra de cerca de 120 obras, de cerca de 50 artistas, entre eles nomes fundamentais da arte inglesa, como David Hockney, Francis Bacon e a dupla Gilbert & George. "Estamos de braços abertos para receber exposições internacionais, mas, é claro, também
o PROJETO Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo MODALIDADE
Apoio à infra-estrutura COORDENADOR JOSÉ TEIXEIRA
COELHO NETTO -
MAC/USP INVESTIMENTO
R$ 2J milhões
queremos saber de intercâmbios': disse Teixeira Coelho em fevereiro, logo após voltar de visita a Londres, onde se encontrou com a direção da Tate Gallery. "Queremos que o acervo do MAC também seja exposto lá. Mas não é tão fácil assim:' Seja como for, o desafio de inserir o acervo do museu definitivamente no cenário internacional ficará a cargo do sucessor de Teixeira Coelho. Fica para ele também a opção de seguir ou não algumas sugestões da última gestão no que diz respeito a diretrizes neste começo de século. Uma delas é a construção de uma nova sede, localizada no centro de São Paulo, com o objetivo de mostrar, segundo Teixeira Coelho, "o compromisso da universidade não só com as artes, mas com a cultura da cidade, do Estado e do país". O prédio deverá ter mais espaço e condições para abrigar a coleção do MAC. ''A Associação dos Amigos do Museu está disposta a levar adiante esse projeto. Ele também já foi apresentado ao presidente da República e ao governador do Estado e houve claramente um apoio à idéia", diz Teixeira Coelho. • PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 87
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• HUMANIDADES ducação
I~
Computadores na escola: ensino a distância não deve substituir a atividade convencional
EDUCAÇÃO
De casa, pelo computador Pesquisa investiga técnicas de ensino a distância para comprovar resultados e disseminar seu uso
88 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
a distância (EAD) é uma metodologia de ensino difundida no Brasil desde ~ a década de 30 e sua eficácia vem sendo comprovada com o passar dos anos no mundo todo. No sistema educacional brasileiro, esse sistema concretizou-se depois de experiências bem-sucedidas, como a criação do Movimento de Educação de Base, que tinha como objetivo iniciar o processo de alfabetização de jovens e adultos das regiões Norte e Nordeste por meio de "escolas radiofônicas" O avanço da tecnologia, principalmente no setor da comunicação, e o surgimento de sistemas altamente interativos permitiram o aprimoramento das técnicas de educação a distância e o surgimento de outros sistemas. O mais polêmico deles, talvez por ser também o mais ousado, é a Educação a Distância Mediada por Computador (EDMC). Esse sistema já é bastante difundido nos Estados Unidos, mas no Brasil está apenas em fase inicial em algumas universidades e ainda provoca muita discussão no meio acadêmico. Para investigar a metodologia EDMC e sua proposta no âmbito do ensino profissional, desenvolver e aprimorar suas técnicas, consolidar experiências que deram certo e comprovar sua eficácia, Maurício Prates de Campos Filho elaborou o projeto Pesquisa sobre a Metodologia Educação a Distância Mediada por Computador e Sua Aplicação às Necessidades de Formação Profissional no Estado de São Paulo, que contou com o apoio da FAPESP. Prates é engenheiro aeronáutico e professor das Faculdades Integradas de São Paulo (Fisp). Coordena desde abril do ano passado dez professores, que estão recebendo treinamento para ministrar aulas a distância para, em seguida, desenvolverem novos programas de ensino. A pesquisa está sendo desenvolvida
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em parceria entre a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp) e o Centro de Estudos Paula Souza (CEETEPS). A primeira fase deve ser encerrada em abril de 2003 e a segunda, que se inicia em maio do mesmo ano, está prevista para ser concluída em 2007. A FAPESP financiou parte do projeto - orçado em R$ 60.200 - concedendo bolsas de desenvolvimento técnico para os estudantes. ''A primeira etapa já está praticamente concluída", diz Prates. "Os professores do CEETEPS que foram treinados atuarão como multiplicadores do sistema", explica o pesquisador. A metodologia EDMC (já registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial do Ministério do Desenvolvimento e na Biblioteca Nacional) é formada por um conjunto de métodos pedagógicos construtivistas com interação educacional a distância, mediada e suportada por redes de computadores. "O conceito fundamental dessa metodologia é a Unidade de Aprendizado (UA), base para o aluno a distância 'aprender a aprender' e 'aprender a fazer', em vez daquela abordagem puramente cognitiva que domina os processos convencionais de ensino presencial", explica o professor. "O primeiro uso oficial desse sistema no Brasil será feito pelo Centro Paula Souza quando termi-: narmos a pesquisa:'
Eficiência - A polêmica que a metodologia EDMC ainda causa deve-se, grande parte, à crítica que ela faz ao sistema educacional convencional. Esse novo método propõe discutir a eficiência pedagógica no sistema baseado no uso exclusivo da sala de aula, de forma sincronizada e exigindo presenças física e simultânea de um instrutor de alunos. A EDMC baseia-se em condições assíncronas de aprendizado, que podem ser combinadas parcialmente com o sistema convencional. O aluno é o gesto r de sua aprendizagem e escolhe os horários e ambientes mais adequados para estudar. "Mas o meio acadêmico brasileiro mostra um ranço desmesurado com relação à
educação a distância", diz. "Nos Estados Unidos já são oferecidos mais de mil cursos de pós-graduação de MBA, mestrado e doutorado a distância ou semipresenciais." Apesar disso, os defensores da educação a distância ressaltam que essa metodologia não deve - nem pode - ser vista como substituta da educação convencional e presencial porque são duas modalidades diferentes de um mesmo processo. A EAD apresenta como diferencial a separação física e temporal entre os processos de ensino, e o desafio dos educadores é combinar a ação de uma e outra metodologia.
DMC
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tem ainda mais uma característica, que é a possibilidade de dispor de modernas tecnologias que permitem o oferecimento de várias combinações de ferramentas pedagógicas. De acordo com Prates, não existem desvantagens para a sua aplicação. Esse sistema pode contribuir até mesmo para tornar viáveis redes acadêmicas cooperativas, que poderão agrupar em um mesmo curso alunos e docentes distantes geograficamente. "Nossa intenção é abrir essa metodologia para o uso do CEETEPS para desenvolvê-Ia e ajustá-Ia ao ensino técnico." Em boa parte do mundo, principalmente nos países desenvolvidos, a adoção da metodologia EDMC está
o PROJETO Pesquisa sobre a Metodologia Educação a Distância Mediada por Computador e Sua Aplicação às Necessidades de Formação Profissional no Estado de São Paulo MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR MAURICIO PRATES DE CAMPOS FILHO -
Faculdades Integradas de São Paulo (Flsp) INVESTIMENTO US$ 5 mil
em crescimento. A maior universidade on-line do planeta é norte-americana. A Electronic University Neework fica na Califórnia e foi fundada há mais de 15 anos. Seus cerca de 300 cursos já formaram mais de 25 mil alunos. No Brasil, antes da elaboração desse projeto, professores especializados treinaram cerca de uma centena de outros professores em vários pontos do Estado de São Paulo. Por isso, já há alguns cursos universitários disponíveis em metodologia EDMC.
Informática
- A PUCCamp oferece uma opção nessa metodologia nas disciplinas de mestrado em Informática, voltada para a área gerencial de sistemas de informação. O sistema foi implantado formalmente nesse curso em 1998 e, a partir daí, a universidade registrou um aumento na procura. Atualmente, esse mestra do atende a mais de 150 alunos que vivem em diferentes Estados do Brasil e têm de comparecer à universidade apenas três vezes por semestre letivo. A Universidade Católica de Brasília (UCB), depois do sucesso alcançado pela PUCCamp, implantou o sistema em um curso de mestrado em Gestão de Tecnologias da Informação. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) já há um programa de pós-graduação com mestrado e doutorado em Engenharia de Produção que envolve uma rede estadual de mais oito universidades oficiais e privadas. O Centro de Informática na Saúde da Universidade Federal de São, Paulo oferece pela Internet programas de educação em Biologia Molecular e Engenharia Genética. A pesquisa que está sendo coordenada por Prates tem como interesse principal a implantação dessa metodologia apenas no ensino técnico do Estado de São Paulo. "Inicialmente, não temos pretensões nacionais", diz. Apesar de estar ainda na primeira fase do estudo, o pesquisador diz que já foi possível tirar a primeira - e talvez mais importante - conclusão de sua análise. ''A metodologia EDMC permitirá a democratização do acesso aos cursos técnicos." • PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 89
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• HUMANIDADES
LITERATURA
CIENTÍFICA
Um cético provoca polêmica Livro que reavalia problemas ambientais suscita críticas de pesquisadores
enhumlivro sacudiu tanto o meio científico nos últimos meses como The Skeptical Environmentalist Measuring the Real State of the World (numa tradução livre, O Ambientalista Cético - Medindo o Estado Real do Mundo), escrito por Bjorn Lomborg, 36 anos, professor de estatística do Departamento de Ciência Política da Universidade de Aarhus, Dinamarca. Em 540 páginas, um terço delas ocupado pelas fartas notas de rodapé (2.930) e extensa bibliografia recheada de fontes oficiais, esse exativista do Greenpeace manda um recado claro ao leitor: esqueça o que você leu antes sobre problemas ambientais. Se o mundo não vai bem, na pior das hipóteses está melhorando dia após dia, graças aos avanços da tecnologia. Em linhas gerais, Lom-
N
90 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
borg sustenta a tese de que o planeta, do ponto de vista ambiental, está hoje em melhor forma do que no passado. Aquecimento do planeta, chuva ácida, destruição de florestas, extinção de espécies, poluição do ar e da água, buraco na camada de ozônio, escassez de recursos naturais - tudo isso, e muito mais, de acordo com Lomborg, é um problema menor, cujos danos, reais ou potenciais, têm sido exagerados pelo movimento verde e meios de comunicação. Em sua avaliação, não vai faltar energia ou comida para o mundo no futuro. E o Protocolo de Kyoto, o acordo internacional que tenta limitar as emissões de gases dos países desenvolvidos, ligados ao aumento do efeito estufa na Terra, é um mau acordo. "George Bush está fazendo o certo, mas por motivos errados", opina, em entrevista a Pesquisa FAPESP, Lomborg, que aca-
ba de ser escolhido para dirigir o novo Instituto de Avaliação Arnbiental da Dinamarca, órgão criado pelo primeiro-ministro Anders Fogh Rasmussen, do Partido Liberal. O presidente norte-americano, principal crítico de Kyoto, diz que o acordo limitaria a capacidade de crescimento da economia de seu país. Esse não é o grande problema do protocolo, na opinião do estatístico: "O dinheiro que gastaríamos para implementar Kyoto, talvez US$ 150 bilhões por ano - eujos possíveis benefícios só seriam sentidos pelas gerações futuras de habitantes do Terceiro Mundo -, seria mais bem empregado em ajuda direta aos países pobres, o que teria impacto imediato': Lomborg evita apontar diretamente a comunidade científica como co-responsável pela dominante visão pessimista acerca dos destinos do pla-
o dinamarquês
Bjorn Lomborg dá pouca atenção à poluição em megacidades como São Paulo
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eting
neta. Ainda assim, tem sido acusado de fraude e chamado de manipulador de dados por vários cientistas. Até um site contra ele foi criado: www.antilomborg.com. Mas ele garante: "Não queria causar polêmica, apenas levantar esse debate". É curioso notar que, a rigor, O Ambientalista Cético nem é um livro novo. Foi lançado originalmente em dinamarquês em 1998. Em 2000, ganhou uma versão em islandês e, no ano seguinte, foi vertido para o sueco. Até então, os efeitos da obra de Lomborg que, antes de se lançar ao exame das questões ambientais, ocupava-se de temas como simulações de estratégias em dilemas de ação coletiva e do comportamento de partidos políticos em sistemas de votação proporcional - restringiam-se à Escandinávia. As repercussões de seu pensamento nos Estados Unidos e demais países da
Europa - e, por tabela, nas outras partes globalizadas do mundo - começaram para valer apenas depois de 30 de agosto passado, quando a Cambridge University Press lançou a versão em inglês do livro. Rapidamente, a obra se tornou um sucesso internacional. O dinamarquês, que admite não ter formação técnica nos assuntos sobre os quais escreveu, recusa-se a dizer quantos exemplares de O Ambientalista Cético já foram vendidos. "Minha editora pediu para não divulgar isso." Mas garante que não ficou rico com os direitos autorais da obra. Lomborg, ao se autodenominar um ambientalista cético em seu polêmico livro, define de saída e claramente o que entende por isso, numa tradução livre: "Ambientalista, porque eu - como a maioria das pessoas - me preocupo com nossa terra, com a saúde e o bemestar das gerações futuras. Cético, por-
que me preocupo a ponto de desejar que não atuemos sobre mitos, sejam pessimistas ou otimistas': Em vez dos mitos, acrescenta, "temos que usar a melhor infOrm~- disponível para nos unirmos a ou os no objetivo comum de fazer um a anhã melhor': No meio científico, contudo, as teses defendidas no livro tornaram-se alvo de ácidas críticas de conhecidos pesquisadores, em artigos escritos para publicações de peso, como Nature e Science. E, fora dele, valeram até uma torta atirada ao rosto de seu autor por ambientalistas ingleses, em setembro passado, numa livraria de Oxford. As chamadas de alguns artigos contra o trabalho de Lomborg dão bem o tom das recriminações que lhe são endereçadas, que, longe de apenas científicas, são também políticas. Dois exemplos: Contando com maná do céu?, título do artigo escrito por Michael Grubb, do Grupo de Manejo e Política Ambiental do Imperial College de Londres e do Departamento de Economia Aplicada da Universidade de Cambridge,na edição de 9 de novembro de 2001 da revista Science; e Matemática Enganadora sobre a Terra, chamada formulada pela revista de divulgação científica norte-americana Scientific American para remeter a quatro textos escritos por especialistas em questões ambien-: tais, que ocupavam 11 páginas da edição de janeiro. Confronto de visões - Fortes evidências do caráter político da polêmica provocada pelo livro estão na cobertura que lhe tem dispensado a respeitada revista inglesa The Economist. Em editorial publicado na edição de 2 de fevereiro, por exemplo, em que a~alisa a fúria inspirada pelo trabalho de Bjorn Lomborg e as visões de seus críticos, a revista recupera uma curiosa afirmação de Stephen Schneider, um dos autores dos textos da Scientific American de janeiro contra o ambientalista cético, feita 13 anos antes para a revista PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 91
Previsões de Lomborg: matas não correm perigo e vento vai gerar 50% da energia do mundo
Discover. Nela, Schneider, professor de Biologia Ambiental e Mudanças Globais da Universidade Stanford, assegurava que cada cientista, tratando das questões ambientais, precisava decidir "o equilíbrio correto entre ser eficaz e ser honesto': Observava que os cientistas "são também seres humanos", que, como a maioria das pessoas, gostariam de ver um mundo melhor. Para isso, era necessário obter apoio para capturar a imaginação popular, o que implicava conseguir ampla cobertura da mídia. Desse ponto, ele concluía o seguinte: "Então, temos que oferecer cenários assustadores, fazer afirmações dramáticas, simplificadoras e fazer poucas menções a qualquer dúvida que possamos ter". As reportagens da Economist, mesmo favoráveis a Lomborg, não se furtam a levantar problemas no seu trabalho. Numa delas (edição de 2 de fevereiro), é apontada essa falha: "Sua abordagem ao examinar dados em nível global, embora faça sentido do ponto de vista estatístico, tende a mascarar tendências ambientais locais". Outro problema da visão de Lomborg, segundo a publicação, desta vez apoiando-se num argumento de Allen Hammond, do World Resources 92 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
Institute: o postulado central de que a Terra, como um todo, está melhorando, ainda que altamente questionável, só faria sentido para os países desenvolvidos. "Os números oferecidos pelo livro mascaram a piora nos níveis de poluição em megacidades do mundo pobre': afirmava a reportagem. Por fim, um terceiro pecado de Lomborg, sempre segundo The Economist: "O livro dá pouco crédito à política ambien-
tal como a causa de aprimoramentos na área ambiental". Aos olhos de um morador do Primeiro Mundo, esses senões metodológicos podem até parecer falhas secundárias de O Ambientalista Cético, como dá a entender o tom da Economisto Para quem não está na Europa Ocidental, nos Estados Unidos ou no Japão, a distorção criada pelo uso exclusivo de estatísticas globais gera um cenário descolado da realidade em boa parte da Terra. Lomborg admite as limitações do livro, escrito para o público dos países desenvolvidos. Também reconhece que cometeu falhas ao mexer com a montanha de dados explorados em seu tratado cético-ambiental- alguns desses deslizes são apontados em seu site (www.lomborg.cornl.rio qual coloca reportagens e comentários sobre o livro. "São erros menores, que não comprometem a argumentação': diz Lomborg, para quem grande parte dos problemas ambientais dos países pobres se resolverá com o progresso econômico das nações. Muita gente séria acredita que as falhas metodológicas não são tão inofensivas assim. Para Carlos Alfredo Ioly, da Universidade Estadual de Campinas e coordenador do programa BIOTA, da FAPESP,o livro constrói seu raciocínio de' que as florestas não estão em perigo a partir de dados sobre cobertura vegetal que não fazem distinção entre mata nativa, onde a biodiversidade deve ser alta, e área reflorestada com, por exemplo, eucaliptos, onde a variedade de espécies que alivivem é muito menor. "Acho que isso leva a erros grosseiros", diz Joly. "Se fizermos uma avaliação de qual é a cobertura florestal do Estado de São Paulo considerando só os remanescentes de vegetação nativa, teremos de 8% a 9% de mata. Mas, se adicionarmos a isso as áreas de reflorestamento, talvez a porcentagem de área florestal dobre." •
• HUMANIDADES
HOMENAGEM
As centenárias raízes do Brasi I A partir deste mês,
uma cultura imhistoriaseminários, debates, dor Sérgio pressionante, quaBuarque exposições marcam a se não cabia na atde Holanmosfera cultural celebração dos 100 da, cujo brasileira das pricentenário se comemomeiras décadas anos do nascimento ra em julho, foi um dos do século 20", diz intelectuais mais engaAntonio Arnoni de Sérgio Buarque jados na tarefa de comPrado, professor de Holanda preender o Brasil, seus de teoria literária dilemas e sua identidade. da Universidade Foi um pensador multiEstadual de Camdisciplinar muito antes da polivalênpinas (Unicamp). Erudito, avesso ao cia ser valorizada. Além da história, pedantismo, o historiador sempre asestava à vontade em domínios como a sumiu posições políticas comprometisociologia, antropologia, psicologia, das com uma concepção popular da etnologia e crítica literária. "Ele tinha Democracia: participou da criação da
O
)
o pesquisador
em sua biblioteca:
uma cultura impressionante
Esquerda Democrática, em 1945 - que se transformou no Partido Socialista Brasileiro dois anos depois -, opôs-se ao regime militar instaurado em 1964 e foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, em 1980. Afastouse da Universidade de São Paulo (USP) em 1969, em solidariedade aos professores cassados pelo AI-S. Desde seus primeiros escritos, ainda nos anos 20, Sérgio Buarque foi pioneiro na articulação entre a cultura material e as representações do espírito, que seria formalizada mais tarde pela École des Annales. "Para ele, a literatura convergia para a história, aspecto que vai aparecer pontual-
que não cabia na atmosfera
intelectual
do Brasil do seu tempo
PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 93
)
mente mais tarde em suas reflexões teóricas sobre as séries histórica e literária. Sérgio via o passado como uma coisa viva. Assim como a literatura não evolui como a ciência - afinal Cervantes é tão atual quanto Joyce-, os fatos do passado não estão embalsamados", afirma Arnoni. O que interessava a ele era saber em que momento o escritor - a partir do seu ângulo -, o imaginário puro - e o historiador - com sua perspectiva embasada na documentação e na pesquisa - buscam essa seqüência viva, essa permanência dos fatos, brilhando naquilo que têm de mais expressivo no seu contexto, mas que transcende esse contexto, iluminando o passado, o presente e a ficção. "Caberia, então, ao escritor convergir para o historiador, que tem o papel de interpretar o seu tempo, antecipar-se a ele'; comenta. "Mas há uma figuração pessoal na compreensão desse tempo, que pressupõe no historiador um pouco da intuição do crítico e do ficcionista em ter habilidade para interrogar os fatos a partir de suas latências, que cabe a ele discernir," De acordo com Arnoni, se isso acontece, a obra por si só se escora. Trata-se de uma coisa muito sutil e muito moderna, pois está na ponta de todas as penas hoje. Cúmplice· Sérgio Buarque foi o primeiro crítico do Modernismo e seus impasses, o primeiro a tratar teoricamente da poesia de Manuel Bandeira, da prosa de Oswald de Andrade, do papel quase antropológico da veia imaginária de Mário de Andrade. Quando percebeu que o Modernismo estava se cindindo em duas correntes - uma progressista, liderada por Oswald - e outra mais cúmplice do passado e da retórica - que contava com nomes como Plínio Salgado, Menotti Del Piechia e Cassiano Ricardo -, rompeu com o movimento. Viajou para a Europa, onde viveu por alguns anos. "Voltou de lá com o projeto de Raízes do Brasil (1936), uma resposta àquilo que esperava do Modernismo: compreender o Brasil, acertar o passo do país com o seu tempo. O livro é um 94 . ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
ajuste de contas com a ala conservadora do Modernismo, que emprestou alguns mitos literários para a formação do Estado Nacional do Integralismo", afirma. Raízes faz um diagnóstico do Brasil, aponta os adversários a combater. Critica a cultura personalista, o sentido da colonização predatória, o modo de agir das elites, o lugar da literatura - um mero apêndice à vida bacherelesca - e nisso retoma idéias já presentes em textos fundamentais do movimento modernista, mais engajado estética e politicamente, como o Manifesto da Poesia Pau-Brasà (1924) e o Manifesto Antropofágico (1928), de Oswald de Andrade. Estudo sobre a alma brasileira, Raízes fornece os elementos para uma reflexão acerca da identidade nacional, tema relevante ainda hoje, num mundo em plena transformação. Impacto . O livro é uma das obras que mais impacto causou em sua época, ao lado de Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, e Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Junior. "Esses três livros desarticularam uma geração, puseram em discussão algumas categorias que sintetizaram os erros profundos que a historiografia anterior cometera', explica o professor Arnoni. "Sérgio Buarque vai mais fundo que Gilberto Freyre, que olhava a senzala do ponto de vista da casa grande. Sérgio virou isso do avesso, pois, quando falou dos pobres, dos mamelucos, o fez criticando a oligarquia", afirma Richard Graham, discípulo do historiador e professor aposentado
de História, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. "Raizes está entre a história e a literatura: é um ensaio literário. A questão da cordialidade, uma visão da nossa exterioridade, é um conceito civilizacional que abrange a literatura, a brincadeira, o humor, o ócio'; afirma Antonio Arnoni. A noção de homem cordial foi mal interpretada por alguns círculos intelectuais e provocou polêmica na época. A categoria é complexa e apresenta uma certa fluidez, pois na concepção de Sérgio Buarque há um movimento duplo em torno dela, de adesão e repulsa. A visão da cordialidade como bondade, receptividade ao outro e leveza nas relações interpessoais configura uma generosidade peculiar. Esses são os aspectos mais exteriores do conceito, mais "positivos". O aspecto central da categoria diz respeito ao diagnóstico da interferência entre as
esferas pública e privada da vida social brasileira. A partir da fraca distinção entre essas duas instâncias, o historiador analisa as relações sociais de modo geral. Na sociedade brasileira, o Estado funciona como extensão da família, do ambiente doméstico. Os homens públicos são formados nessa teia de relações, em que primam laços pessoais, sentimentais, clientelísticos. Aqui, cordial não significa afável, mas se refere ao coração, designando os afetos como mediadores das relações. Essa sociabilidade afetiva e voluntarista está presente em todas as instâncias da vida social. A confusão entre público e privado repercute na estabilidade das instituições, dificulta o fortalecimento da democracia e da cidadania. Antonio Arnoni Prado lembra que o conceito também é útil para iluminar as relações sociais no campo cul-
tural, explicando o papel das academias, a fruição do ócio intelectual, além de contribuir nas análises de fundo da obra de escritores marginalizados, como Lima Barreto e Oswald de Andrade. "Sérgio via nos artistas que estão fora desse âmbito paternalista de relações a possibilidade de uma outra literatura", diz. Segundo Arnoni, essa categoria entrou na própria visão que ele tinha de sistema literário, que remete mais à organização das séries histórica e estética do que ao isolacionismo do sistema literário, caro a certas correntes da crítica, desligando-o de seu contexto. Além disso, a categoria entra no mérito da crítica literária: o valor de uma obra não vem da sua recepção, nem dos grupos de amigos do escritor, mas dos temas. "Ele distingue temas originais, fecundos, críticos, de temas mais aceitos por grupos de recepção preconcebida, que antecipam o sucesso ou garantem a circulação de um livro." Para o professor da Unicamp, Raízes é uma espécie de figuração simbólica de todas as outras raízes da obra de Sérgio Buarque, dá organicidade a elas. O livro recupera e organiza os artigos de crítica literária publicados antes. "Se não tivesse havido Raízes, esse material não teria organicida de e não teria projetado a fantástica intuição de Visão do Paraíso (1959), livro só comparável a produções da alta his-
o
intelectual feliz no ócio: a cordialidade de Raízes do Brasil se transformou num conceito amplo para definir o país
toriografia européia", comenta. Original e extremamente erudito, Visão só começou a ter impacto na historiografia brasileira a partir de meados dos anos 80. Homem puro - "O livro examina como o colono entendia a natureza e as possibilidades do mundo em que estava. Nos primeiros anos, o motivo edênico estava muito presente: o homem seria puro e a terra generosa': afirma Richard Graham. Mas a concepção paradisíaca logo perdeu força. "Essa perspectiva é contraposta à visão do Brasil que tinha o europeu, que nunca havia saído de seu continente. Para isso, Sérgio teve de se colocar nesse segundo ponto de vista, muito complexo, pois pressupunha a cultura e a visão de mundo do colonizador:' Escrito como tese de cátedra para a Universidade de São Paulo (USP), Visão continua de alguma forma o programa de Raízes, enfocando a dominação das elites, baseada na exploração econômica dos grupos sociais subalternos. Outra obra seminal é a colossal História Geral da Civilização Brasileira, coordenada por Sérgio Buarque. "Seus 11 volumes são leitura obrigatória nos cursos de pós-graduação em história do Brasil em todo o mundo': diz Graham. "A visão do Sérgio está presente em toda a obra, que enfoca a evolução Histórica do Brasil privilegiando o estudo dos conflitos que a moldaram. Sem nenhuma dúvida, ele é o historiador brasileiro com maior ressonância no exterior." O centenário de nascimento de Sérgio Buarque, em 11 de julho, será comemorado com alguns eventos em torno da vida e da obra do historiador. De 16 a 18 de abril, o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro organiza um seminário. E o departamento de História da USP, o Centro de Demografia Histórica da América Latina, o Instituto de Estudos Brasileiros, o Museu Paulista, e o Centro de Memória da Unicamp convocam, durante o mês, pessoas que tenham convivido com o historiador para gravar depoimentos que farão parte de um vídeo sobre ele. • PESQUISA FAPESP . ABRIL DE 2002 • 95
A luta do escritor como dono da obra Estudo explica razões do atraso brasileiro no setor gráfico e autoral MARCIA
DE ALMEIDA
o terminar a leitura de mais essa excelente pesquisa de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, O Preço da Leitura - Leis e Números por Detrás das Letras, nos deparamos com duas sensações. Uma, de prazer pela forma como as autoras conduzem o contar a história da escrita no Brasil, indo da proibição da imprensa no país até 1808, passando pela longa (e ainda existente) luta do escritor como proprietário da sua obra, enquanto criação, e merecedor de pagamento pelo produto em que ela se transforma. A outra, a sensação de rodamoinho, pois, embora tenhamos uma Lei de Direitos Autorais razoavelmente decente (pelo menos no papel), deparamos nesse começo de século e milênio com o problema desses mesmos direitos na Internet e os direitos conexos dos autores de televisão e demais veículos eletrônicos ainda por resolver. Da mesma forma que, na primeira metade do século 20, os contratos editoriais buscavam amarrar a obra adquirida nas modalidades de reprodução existentes à época (teatro e cinema), hoje os editores também pretendem igualmente amarrar o autor, incluindo-se aí, além do teatro e do cinema, a televisão e a própria Internet. Assim, voltamos à compra pelo editor não da obra na sua forma impressa, mas da obra in totum, o que nada mais é do que absurdo completo. Embora não tenha tratado dos direitos autorais mais a fundo nessas vertentes, O Preço da Leitura proporciona ao público informações preciosas para que ele possa entender os motivos do atraso do Brasil no setor gráfico e na área de direitos autorais - entre eles, taxas abusivas para livros feitos no país, em contraposição a benesses alfandegárias concedidas aos livros importados da Europa. Essa atitude da Coroa Portuguesa, porém, estava relacionada apenas com o Brasil e as colôni-
A
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o Preço da Leitura - Leis e Números por Detrás das Letras
as portuguesas na África, pois na Ásia, Goa e Macau não sofreram proibições tipográficas. Ao contrário. No trabalho de Marisa Marisa Lajolo Lajolo e Regina Zilberman e Regina a luta para o reconheciZilberman mento do direito autoral Editora Ática ocorrido, na verdade, apenas em 1710, com o Estatu190 páginas to de Ana, decretado na R$ 29,90 Inglaterra - vem amalgamada no binômio sobrevivência/criação, na dificuldade do reconhecimento pela sociedade da obra literária como produto; nas tentativas dos autores em obterem a profissionalização, e num certo paternalismo de mão dupla (autor/editor), onde problemas pessoais, de saúde e proventos advindos da produção literária, se confundem muitas vezes. Através de documentos e cartas, temos nessa luta Diderot e Beaumarchais; Almeida Garrett e Alexandre Herculano; Camilo Castelo Branco, Euclides da' Cunha, a figura dos mecenas; Clóvis Bevilácqua; o editor francês radicado no Rio de Janeiro, Baptiste Louis Garnier (B.L. Garnier); o jornalista gaúcho Pardal Mallet; a criação das primeiras associações de escritores (mulheres fora, claro ...) para organizar um pouco este reconhecimento necessário da autoria, e, finalmente, a criação da Academia Brasileira de Letras, em 1897, presidida por Machado de Assis, e que abandonou de vez a luta pelos direitos do autor, para achar que ser escritor era uma posição e, nunca, uma profissão. Sem falar, claro, em Mario de Andrade e Castro Alves, entre vários outros. O livro tece um caminho documentado, com um extensa bibliografia e cópias de contratos assinados entre autores e editores, e suas autoras sabem que, até hoje, as prestações de contas continuam a vir, quando vêm, muito tempo depois. Sem nenhuma correção, é claro.
MARCIA DE ALMEIDA
é jornalista e escritora.
LIVROS
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Uma Mente Brilhante Editora Record Sylvia Nasar 580 páginas / R$ 35,00 Embora tenha sido transformado em roteiro de cinema (o filme está concorrendo ao Oscar de 2002), o estudo de Sylvia Nasar, professora da Columbia University e repórter de economia do New York Times, é um estudo sério e aprofundado sobre a delicada linha que separa a genialidade e a loucura, no caso, do professor de matemática de Princeton Iohn Nash Ir., vencedor do Nobel de Economia de 1994 após 20 anos doente, com esquizofrenia. O livro traz ainda uma boa reconstituição do ambiente acadêmico da universidade.
o laboratório O Laboratório
~i~ e Pandol'o /
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de Pandora
Garamond Universitária Fanny Tabak 262 páginas / R$ 24,00
Um estudo polêmico que disseca a participação das mulheres no mundo científico nacional. Analisando estatisticamente o espaço ocupado pelo sexo feminino neste universo, a pesquisadora revela as raízes e as conseqüências da falta de interesse das estudantes de ensino médio em seguir uma carreira científica. Fanny Tabak, com conhecimento de causa, mostra as dificuldades enfrentadas pelas poucas mulheres que querem vencer essa resistência.
Introductian to Bioinformatics Prentice Hall Teresa 1<.Attwood e David J. Parry-Smith 238 páginas / f 26.99 Obra britânica de 1999, recérn-Iançada nos Estados Unidos, é uma leitura extremamente didática para aqueles que querem entender e precisam trabalhar com bioinformática uma ferramenta cada vez mais essencial na biologia molecular para se lidar com a enorme quantidade de informações dos projetos genomas. Os autores se concentram em duas áreas-chaves: genômica e análise de seqüência de proteínas. Para conseguir o livro, pode-se importar pela internet nos sites www.amazon.co.uk, www.amazon.com ou consultar a Livraria Cultura (11-3285-4033).
Educação e Pesquisa
Educação e Pesquisa
2001 - volume 27 A publicação semestral da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo traz neste volume 27, número 2, os seguintes artigos: Brinquedos e Materiais Pedagógicos nas Escolas Infantis, de Tizuko Kishimoro; Formar o Mestre na Universidade: a Experiência Paulista nos Anos de 1930, de Olinda Evangelista; Convergência e Divergência na Conexão entre Gênero e Letramento: Novos Avanços, de Nelly Stromquist; Educação de Adultos Presos,de Manoel Rodrigues Portugues; Questões em Torno da Construção de Indicadores de Analfabetismo e Letramento.
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Teresa 2002 - número 2 R$ 23,00 Publicação do programa de pós-graduação de literatura da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Editora 34, Teresa - Revista de Literatura Brasileira traz como destaque dossiê sobre Graciliano Ramos, com uma pérola: uma crônica inédita do escritor. Há textos sobre o autor de João Luiz Lafetá, Roger Bastide, Rubem Braga, Otto Maria .Carpeaux e Zenir Campos Reis. Teresa tem outros destaques como o ensaio de João Adolfo Hansen (Barroco, neobarroco e outras ruínas) e uma narrativa de Modesto Carone. Poemas e resenhas completam o segundo número da publicação.
Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo 2002 - volume 44 Nesta edição da revista, os seguintes artigos: Prevalência de Periodontopatógenos em Pacientes com Doença Periodontal e Indivíduos Sadios de São Paulo de Avila-Campos, Mario J. e Velásquez-Meléndez; Relação entre o Estado Nutricional e a Eficácia da Vacina Tetravalente contra Rotavírus de Origem Simio-Humana, Geneticamente Rearranjada, em Crianças de Belém, Pará, de Linhares, Carmo, Oliveira, Freitas, Bellesi, Monteiro, Gabbay e Mascarenhas; Associação entre Parvovírus B19 e Artropatias em Belém, de Freitas, Monteiro, Silva Filho e Linhares, entre outros. PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 97
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98 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP
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2
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Pesquisador com curso superior, preferencialmente com pós-graduação na área de Biologia Molecular, experiência em técnicas de DNA recombinante e química de ácidos nucléicos.
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Pesquisador com curso superior, preferencialmente Biologia Molecular, experiência em genõmica.
Assistente de Pesquisa
Pesquisador, preferencialmente Biologia Molecular.
Assistente de Pesquisa
Pesquisador, preferencialmente com curs.o superior, com experiência em técnicas de Biologia Molecular ou Bioquímica.
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Pesquisador com curso superior, desejável pós-graduação áreas afins, noções básicas de computação.
Assistente de Pesquisa
Pesquisador, preferencialmente com curso superior, com experiência em técnicas de Biologia Molecular ou Bioquímica, noções básicas de computação.
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Assistente de Pesquisa Sênlor
Pesquisador com curso superior, preferencialmente com pós-graduação em Biologia Molecular e transformação de plantas, experiência em cultura de tecidos de plantas, noções básicas de computação.
Assistente de Pesquisa
Pesquisador, preferencialmente com curso superior, com experiência em técnicas de Biologia Molecular ou Microbiologia, noções básicas de computação.
Assistente de Pesquisa
Pesquisador, preferencialmente com curso superior na área de agrárias, experiência em cultivo e manejo de plantas, noções básicas de computação.
Analista de Bioinformátlca
Formado em Computação ou área afim, com conhecimento de sistema operacional Unix e Microsoft Windows, experiência de no mínimo 2 anos em administração de sistemas, instalação e manutenção de rede local, programação Perl, C++ e/ou lava.
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Analista de Bioinformátlca
Formado em Computação ou área afim, com experiência em bioinformática, conhecimento de sistema operacional Unix, programação Perl, C++ e/ou lava, programação Web, capacidade de desenvolver aplicações baseadas em SGBDs (preferencialmente Oracle).
15
Analista de Bloinformátlca
Formado em Computação ou área afim, com experiência de no mínimo 2 anos com sistemas de bancos de dados (preferencialmente Oracle), incluindo modelagem, documentação de dados e geração de aplicativos e interfaces, performance tuning, conhecimento de sistema operacional Unix.
10
com pós-graduação
na área de
com curso superior, com experiência em técnicas de
em Biologia Molecular ou