Outubro 2002 N' 80
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FAPESP
LASER ANTECIPA DIAGNÓSTICO DO CANCRO CíTRICO NO CAMPO SAMAMBAIA USADA COMO ALIMENTO FACILITA AÇÃO DO VíRUS HPV
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iatcbá Árvores tropicais podem limpar a atmosfera ameaçada pelo excesso de gás carbônico
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ÍNDICE
Jatobá pode ser uma alternativa para limpar a atmosfera, por absorver mais gás carbônico do que se imaginava
CARTAS .•.••.................... EDITORIAL OPINIÃO ............•.•......•.• MEMÓRIA .........•.••.•..•.•.•. • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ...•..•.•..•.•. ESTRATÉGIAS ELOGIO INGLÊS AO MODELO DA REDE ONSA PROGRAMA DE POLÍTICAS PÚBLICAS APROVA NOVOS PROJETOS EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
4 6 7 8 10 10 17 18 21
• CIÊNCIA ....•••.••.•.••.•.•.. 22 LABORATÓRIO 22 ENTREVISTA: ANDREW PETERSON 32 A HISTÓRIA GENÉTICA DAS AVES DO BRASIL 36 MACRÓFAGOS EM TEMPO REAL 40 OS INSETOS DA LEISHMANIOSE 43 PARAPLÉGICOS RECUPERAM MOVIMENTOS 48 MOLÉCULAS QUE ABSORVEM LUZ .. 52 NOVA FONTE DE RAIOS GAMA 56 • TECNOLOGIA .......•..•......• LIN HA DE PRODUÇÃO HORMÔNIO VEGETAL MAPAS COM DETALHES TESTE PARA TRANSGÊNICOS LOCALIZAÇÃO DE PETRÓLEO
58 58 67 73 76 78
• HUMANIDADES ..•.••.••..••.•• ESTUDOS DA METRÓPOLE A RESTAURAÇÃO DO PALACETE PENTEADO
82 86
LIVROS .•.............•......•. LANÇAMENTOS .......•.••..•..•• CLASSIFICADOS •................ ARTE FINAL ..•........•......•.
94 95 96 98
Capa: Hélio de Almeida Fotos: Instituto de Botânica
88
14
INVESTIMENTOS
68
NOVOS MATERIAIS
Ministério da Ciência e Tecnologia cria novos institutos de pesquisa e incentivos à inovação tecnológica, mas enfrenta problemas de recursos
Pesquisas com plástico biodegradável produzido com açúcar geram empresa e novos processos de extração do biopolímero do bagaço de cana
44
82
MEDICINA
Samambaia consumida em Minas Gerais beneficia ação do vírus H PV, associado a diversos tipos de câncer
ENSINO
Lançados quatro volumes com artigos de especialistas que discutem educação indígena
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62
AGRICULTURA
Pesquisadores do Centro de Óptica e Fotônica de São Carlos, em parceria com o Fundecitrus, desenvolvem sistema que detecta o cancro cítrico, de forma precoce, com feixe de laser
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HISTÓRIA
No Rio de Janeiro começa o projeto que resgata a memória do médico sanitarista Vital Brazil, com obra completa, site e fundação PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 3
EDITORIAL
Surpresas do mundo vegetal FAPESP CARLOS VOGT PRESIOENTE PAULO
EDUARDO DE ABREU VICE-PRESIDENTE
MACHADO
CONSELHO SUPERIOR ADllSON AVAN$I DE ABREU AlAIN FlORENT STEMPFER CARLOS
HENRIQUE
DE BRITO
CRUZ
CARlOS VOGT FERNANDQVASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOBSON DE ANDRAOE ARRUOA MARCOS MACARI
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NIlSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO
EDUARDO
DE ABREU
MACHADO
RICARDO RENZO BRENTANI VAHAN
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CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI DIRETOR PRESIDENTE JOAQUIM J. DE CAMARGO DIRETORADMINISTRATlVQ
ENGLER
JOSÉ FERNANDO PEREZ OIRETQRCIENTÍFlCO PESQUISA
FAPESP
CONSELHO EDITORIAL ANTONIO CECHELlI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA ZANOHO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANOI, JOAQUIM J. ~E CAMARGO ENGLER,JOSE FERNANOO PEREZ, LUIS NUNES DE OL~X~IL~A'MLoUJ~EHR~~~~~1~1~0~~~~g~ISN~NTOS, DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EDITOR CHEFE
NElDSON
MARCOllN
EOITORA$ENIOR DA GRAÇA MASCARENHAS
MARIA
OlRETOR DE ARTE DE ALMEIDA
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EDITORES CARLOS FlORAVANTI (CIENCIA) CLAUDIA IZIQUE (POLlnCAC&Tl MARCOS DE OLIVEIRA <TECNQLOGIA) HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON lINE> REPÓRTER
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DE ARTE
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TECNOLOGIA ECONOMICO
DE sÃO PAULO
6 ' OUTUBRO DE 2002 ' PESQUISA FAPESP 80
o
s que estão sinceramente preocupados com o futuro do planeta mostram-se indignados com a recusa dos Estados Unidos - o país responsável por um quarto das emissões globais de di óxido de carbono (C02) na atmosfera terrestre - em ratificar o Protocolo de Kyoto, mas perceberam, com alívio, claros sinais, lançados de Johannesburgo em setembro, do crescente isolamento internacional da posição norte-americana, Na dúvida, contudo, quanto aos bons resultados da diplomacia, os pesquisadores que lidam concretamente com problemas do meio ambiente continuam indo à luta e perseguindo soluções capazes de impedir o desastre anunciado que representaria para a humanidade o aumento descontrolado do gás carbônico no ar que respiramos, Entre as idéias gerais que norteiam essa busca de soluções, uma é particularmente polêmica: transformar as florestas tropicais em aspiradores de dióxido de carbono. Mas se um dia isso que parece ter a materialidade diáfana de um sonho for possível, um grupo de pesquisadores brasileiros que participam do programa Biota-FAPESP tem um bom candidato a apresentar para o papel de faxineiro do ar: o jatobáPor que essa grande árvore capaz de alcançar até 20 metros de altura pode ser colocada nessa posição e como os especialistas em fisiologia vegetal chegaram a essa conclusão, é o que mostra Marcos Pivetta na reportagem de capa, a partir da página 26, O mundo vegetal revela outra surpresa nesta edição, só que, neste caso, desagradável e perigosa, É que a samambaia-das-taperas (Pteridium aquilinum), conhecida também como samambaiaverdadeira e pluma-grande, ingrediente obrigatório de uma receita de frango intensamente consumida na região de Ouro Preto, Minas Gerais, favorece, conforme relata Francisco Bicudo a partir da página 44, a proliferação do papilomavírus humano (HPV), causador de problemas amenos como verrugas, e de outros tão graves quanto cânceres de mama, bexiga e aparelho digestivo. A pes-
quisa, que, além de apontar esse dado sombrio da samambaia para seus consumidores, sugere também a possibilidade de transmissão do HPV pelo sangue - o que cria um problema até aqui inesperado de saúde pública -, disputou fortemente com o jatobá a capa desta edição, até pelo seu imediato significado social, a par dos resultados científicos, No front da tecnologia, vale ressaltar antes de tudo uma novidade que estamos introduzindo a partir desta edição: dentro da seção Linha de Produção, uma subseção de patentes de inovação financiadas e registradas pelo Nuplitec, o Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia da FAPESE Dessa forma, empresários interessados podem tomar conhecimento e propor o licenciamento de novas tecnologias úteis a seu campo de atividades, Mas entre as várias reportagens que demonstram avanços significativos na pesquisa tecnológica no país, merece destaque especial aquela assinada por Marcos de Oliveira, em que ele explica, a partir da página 62, uma nova técnica que se vale do laser para o diagnóstico precoce do cancro cítrico, doença cujo controle atualmente exige um trabalho extenuante de um batalhão de inspetores e investimentos anuais, por parte dos citricultores paulistas, de quase R$ 100 milhões. A destacar, também, os aperfeiçoamentos técnicos do plástico biodegradável feito de cana-de-açúcar, produto genuinamente brasileiro que vai ganhando espaço no mercado internacional, como relata Yuri Vasconcelos a partir da página 68. Nas páginas dedicadas a Humanidades, chamamos atenção para a reportagem sobre os quatro volumes recémlançados da série Antropologia, História e Educação, resultantes de um belo e substancioso projeto temático apoiado pela FAPESP, iniciado em 1995 para pensar formas de educação capazes de promover o diálogo interétnico entre índios e não-índios. E para fechar com alegria a leitura de Pesquisa FAPESP, temos o cartunista Claudius, nosso novo colaborador, em Arte Final.
OPINIÃO
ANTONIO
o negócio
C.
M.
CAMARGO
dos remédios
Novos produtos devem vir da união de recursos públicos e privados
X
inovativo farmacêutico está, mais do que nunca, nas ·ndústria farmacêutica mundial sempre viveu o mãos do conhecimento gerado pela ciência, aquela que impasse de inovar ou morrer. Para a indústria investiga a fisiopatologia dos organismos, dos sistemas, brasileira esse dilema é novo e não menos crucial. As multinacionais farmacêuticas dos mecanismos celulares e moleculares. vivem sob a pressão da expiração das A farmacologia brasileira sempre esteve mais ligada ao conhecimento da patentes, agravada pelo crescimento dos ação das drogas, muitas delas extraídas genéricos e da necessidade de terapias de nossa riquíssima fauna e flora. Por inovadoras que reclamam remédios mais eficientes e menos tóxicos. esse motivo, nossa opção mais segura e "Existe muito economicamente viável para o aproveiO ponto de partida das inovações ouro de tamento das inovações farmacêuticas é farmacêuticas é o reconhecimento dos aluvião alvos da ação terapêutica, sejam eles o de utilizar os produtos de nossa bioenzimas ou receptores, envolvidos nas diversidade de interesse médico e terano conhecimento pêutico. O conhecimento que acumuladoenças cardiovasculares, nervosas, tulongamente morais, infecciosas, ete. As informações mos indica que não precisamos buscar investigado por novos remédios nas profundezas das do genoma humano e dos microrganismos patogênicos ampliaram consideramatas brasileiras como se busca o ouro pesqu isadores velmente o número desses alvos. Dos mais na profundeza das minas. Esse processo brasileiros" é caro e demorado e não estaríamos fade 30 mil genes que compõem o genoma humano, pelo menos mil estão enzendo a opção mais inteligente em curto prazo. Existe muito ouro de aluvião volvidos em alguma doença. Esses, por sua vez, dependem de outros cinco ou no conhecimento longamente investigado por pesquisadores brasileiros. dez genes para o desenvolvimento de Entretanto, nem o pesquisador e muiuma patologia, ampliando para 5 mil ou 10 mil os possíveis alvos de ação de novas drogas. Para to menos nossa indústria sabem como fazer riqueza desse conhecímento. Para juntarmos as duas pontas que nas mulatingir esses alvos, uma das abordagens mais utilizadas é a da química combinatória, que produz, de forma aleatinacionais estão dentro dos seus próprios muros, o Centro de Toxinologia Aplicada (Cepid-FAPESP) está buscando tória, milhões de moléculas candidatas a serem as mais eficazes drogas capazes de interagir com os alvos das doenrecursos públicos e privados para possibilitar a geraças sem produzir efeitos colaterais. Procura-se atingir o ção de produtos a partir das inovações farmacêuticas alvo sem tanta necessidade de fazer pontaria. oriundas de nossa fauna e flora. Um bom começo já está Um paralelo pode ser estabelecido entre a abordagem sendo costurado entre a FAPESP, um consórcio de três indústrias farmacêuticas brasileiras, o Instituto Uniemp genômica e a química combinatória no combate às doen(Universidade-Empresa) e instituições públicas, como o ças: ambas geram milhares ou milhões de informações Instituto Butantan e o Ipen, por exemplo. As participações químicas que devem ser selecionadas para identificar, de outros órgãos dos governos federal e estadual e de inrespectivamente, o alvo da doença e a droga capaz de atingi-lo. Os dois processos, embora tenham méritos dústrias farmacêuticas brasileiras nesse esforço serão dedistintos e produzam informações úteis, são processos cisivas para nos capacitarmos à exploração dessa riquede elevado custo e de baixo sucesso no curto prazo. za com tão óbvios benefícios sociais e econômicos. A questão fundamental é a de como transformar informações em conhecimento e quantidade em qualidade. Passada a empolgação pelos avanços que permitiram ANTONIO C. M. CAMARGO, médico, professor a revelação do genoma de microrganismos até o genoma titular de Farmacologia da USp, diretor do Centro humano, a conclusão a que chegou o vice-presidente da de Toxinologia Aplicada (Cepid-FAPESP) Aventis Pharma, Gunther Wess, é a de que o processo PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 7
MEMÓRIA
Onde tudo começou Reforma da Universidade de Coimbra formou os primeiros pesquisadores brasileiros NELDSON
MARcOLIN
U
ma das justificativas para o fato de o Brasil demorar quase 500 anos para ter uma produção científica expressiva é a pouca atenção e baixo investimento oferecidos à educação desde a época da colonização. Isso não significa que não se tenha feito ciência de qualidade no passado. Ao contrário de outros países com herança colonial, os primeiros a fazer pesquisa por aqui eram brasileiros - ou, na visão colonizadora daquele tempo, portugueses nascidos no Brasil. A "reforma da instrução" feita pelo Marquês de Pombal em 1772 foi a responsável pela instituição do ensino das ciências naturais na Universidade de Coimbra. "Nos 20 anos posteriores à reforma, cerca de 430 brasileiros se formaram em ciências em Coimbra e dentre eles se encontram os primeiros que, voltando ao Brasil, aqui iniciaram os estudos da flora, da fauna, dos minerais e das populações primitivas", conta Evando Mirra de Paula e Silva, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, do Ministério da Ciência
8 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Retrato do Marquês de Pombal: reformas transformaram Portugal
e Tecnologia, no estudo A Ciência
na Formação Cultural Brasileira. Na volta ao Brasil, por exemplo, o paulista Francisco José de Lacerda e Almeida, astrônomo e geógrafo, formado em Coimbra em 1776, e o mineiro Antônio Pires da Silva Pontes, bacharelado em 1777, uniram-se para determinar a posição dos rios e outros acidentes geográficos das então capitanias do Rio Negro, de Cuiabá e de Mato Grosso. O baiano Alexandre Rodrigues Ferreira, por sua
vez, já tinha reconhecida capacidade como professor na universidade portuguesa. Mas foi seu trabalho pelo centro e nordeste do país como explorador, médico e naturalista, geógrafo e etnógrafo, entre 1783 e 1793, que o transformou em uma das principais referências do período colonial. Seu relato em Viagem Filosófica e as aquarelas produzidas pelos desenhistas de sua equipe produziram algumas das primeiras imagens dos rincões brasileiros e importantes informações sobre zoologia, botânica e populações nativas. O médico e naturalista mineiro José Vieira do Couto explorou a região das minas e publicou a Memória sobre
a Capitania de Minas Gerais, Seu Território, Clima e Produções Metálicas, em 1798. O paulista Martin Francisco Ribeiro de Andrada fez explorações semelhantes em São Paulo, a mais famosa delas em companhia de seu irmão José Bonifácio de Andrada e Silva, cientista de calibre internacional, membro das principais sociedades científicas da Europa, certamente o maior expoente dentre a geração de
o '~
!
A secular biblioteca
Universidade de Coimbra
brasileiros que freqüentou Coimbra. "Tamanho era seu prestígio que a universidade portuguesa instituiu para ele a cátedra de Metalurgia", conta Evando Mirra. Enciclopedista, conhecedor de 11 idiomas, além da metalurgia dominava as áreas de mineralogia, geologia, química, climatologia, botânica, silvicultura, hidráulica e obras públicas. Quando retomou ao Brasil, em 1819, empreendeu expedição com seu irmão e publicou o relato que se tornou clássico: Digressão
Econômico-metalúrgica pelas Serras e Campos do Interior da Bela e Bárbara Província de São Paulo. Depois desse trabalho, entrou de cabeça na política. Foi ministro do Interior e dos Negócios Estrangeiros e seguiu a trajetória que o tornaria conhecido, no futuro, mais como o "Patriarca da Independência" do que como cientista. Todos esses brasileiros e muitos outros, estudantes de Coimbra, se beneficiaram das reformas levadas a termo por Sebastião José de Carvalho e Mello, o Marquês de Pombal, ministro de dom José I de 1750 a 1777. Pombal baixou decretos, alvarás e leis que mudaram a economia, a educação, a sociedade e até o modo de ver
Quadro retrata reunião de docentes em Coimbra
a religião em Portugal no século 18. Com a ajuda da Inquisição, a Companhia de Jesus, dos jesuítas, dominava soberanamente o ensino em todos os seus níveis, ignorando as descobertas que eclodiram a partir da Renascença. Copérnico, Francis Bacon, René Descartes, Galileu Galilei até Isaac Newton, Iohn Locke, Gottfried Leibnitz, Buffon e Montesquieu - nada passava pelo crivo da Companhia de Jesus. Mas nem sempre foi assim. A Igreja quase
sempre fora o último asilo da inteligência, da cultura e da ciência durante os períodos em que os estados europeus estavam imersos no obscurantismo medieval. Em Portugal, os jesuítas detinham o poder de decisão sobre o que se ensinava e o que era bom e ruim para a população. Para reverter esse quadro e agir com liberdade, Pombal expulsou a Companhia de Jesus de Portugal e das colônias em 1759. Quando decidiu reformar o ensino, instituiu a Junta da Providência Literária, em 1770, presidida por ele. Em 28 de agosto de 1772, o rei d. José I ratificou os novos estatutos da Universidade de Coimbra. Nesse mesmo ano, foram criados o museu universitário, o jardim botânico, o gabinete de física experimental e o laboratório de química prática, antes inexistentes. Como não havia no país professores suficientes que dominassem as ciências naturais, optou-se por buscá-los na Itália. Mais tarde, já com a reforma cristalizada, a universidade passou a utilizar seus próprios quadros. E foi nesse período, nas últimas décadas do século 18, que alguns brasileiros também se tornaram professores de Coimbra e não mais apenas aprendizes. PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
Como comunicar os riscos da cura? Alguém anuncia um novo medicamento ou terapia e, pronto, começam as especulações sobre efeitos colaterais. Entrevistadores de rádio e televisão acuam pesquisadores com a pergunta: é 100% seguro? Dizer que sim pode ser leviano. Citar estatísticas, teórico demais. Afirmar que não se sabe, frustrante. Por isso, responder à questão sem ferir suscetibilidades tornou-se assunto de
• Indignação dos cientistas italianos A comunidade científica italiana está indignada com a intenção do governo de desativar vários centros e institutos de pesquisa no país (Science, 16 de agosto). Os planos, anunciados pelo jornal La Repubblica e negados pelas autoridades, incluiriam o fechamento de oito institutos, entre os quais a Estação Zoológica de Nápoles, o Instituto Nacional de Óptíca, de Florença, e o Instituto de Oceanografia e Geofísica Experimentais, de Trieste. Os principais dirigentes desses órgãos seriam incorporados aos quadros do Conselho Nacional de Pesquisa (CNP). Além disso, mudanças estruturais seriam implementadas no próprio CNP, na agência espacial italiana, no Instituto de Geofísica e Vulcanologia e no Instituto Nacional de Astrofísica. A maior preocu-
um congresso que reuniu, em julho, cientistas, jornalistas e políticos no Science Media Centre, de Londres, órgão criado com o intuito de aprimorar as relações entre os cientistas e a mídia (Nature, 15 de agosto). As opiniões dos congressistas variam. A maioria acredita que acrescentar às explicações um "estou confiante" pode aplacar as suspeitas do público. Ninguém, entretan-
pação dos pesquisadores italianos é a ameaça de ingerência política sobre a ciência. A reforma de cima para baixo, diz Franco Pacini, astrônonomo da Universidade de Florença, "coloca nas mãos dos políticos a escolha das lideranças científicas do país". A preocupação com os aspectos simbólicos é forte também no exterior. "Estou chocado", diz William Speck, do Laboratório de Biologia Marinha,
to, discorda de que é melhor evitar expressões do jargão científico do tipo "taxa conjuntural de incerteza". A questão de como apresentar estatísticas também esteve em pauta. Alguém lembrou que, recentemente, a imprensa informou que a terapia
de Massachusetts. "A Estação Zoológica de Nápoles é o laboratório marítimo mais antigo do mundo." •
• Mudanças no Cern e no Inserm O Cern, o centro europeu para pesquisa nuclear, localizado na Suíça, vai reduzir 600 postos de trabalho, mais de 20% de seu efetivo permanente, até 2007. Com os cor-
Estação Zoológica: o mais antigo laboratório marítimo
10 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
de reposição hormonal aumenta em 26% os riscos de incidência de câncer de mama, omitindo que a cifra significa um acréscimo de apenas oito casos em 10 mil mulheres. Segundo David Purdie, obstetra do Hull Royal Infirmary, isso equivale a dizer que Cristo foi traído por 8,5% de seus apóstolos. "Quando, na verdade", diz, "quem fez o trabalho foi só um dos 12:' •
tes, que devem privilegiar as aposentadorias e os desligamentos voluntários, a instituição pretende deixar de gastar cerca de US$ 340 milhões em cinco anos. A economia cobrirá o estouro no orçamento previsto para a construção do novo acelerador de partículas, o LHC (Large Hadron Collider), que custará US$ 2 bilhões. Por falar em mudanças de pessoal, o Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm), da França, vai flexibilizar suas normas trabalhistas. O intuito é estimular os pesquisadores a estabelecer parcerias com universidades, hospitais e empresas não ligadas ao Insermo Os cientistas que participarem desses acordos vão receber por mês um extra de US$ 1.500 dos novos parceiros do Inserm. Em contrapartida, a instituição pública vai abrir seus laboratórios para funcionários de seus parceiros externos. •
• Quem polui mais paga menos Muitos países tentam melhorar as condições ambientais aplicando, por exemplo, pesadas multas às empresas segundo a parte que lhes cabe na emissão de poluentes. Nem sempre com muito sucesso, é verdade. Agora, Richard Damania, da Universidade de Adelaide, na Tailândia, julga ter encontrado a fórmula para resolver o problema: baixar o valor das multas impostas às grandes empresas - justamente as que poluem mais (New Scientist, 24 de agosto). Damania acredita que, pelo menos nos países pobres, as multas draconianas só servem para alimentar a indústria do suborno. "Grandes grupos têm dinheiro para pagar propina", diz. Ele sugere que quem deveria pagar multas altas são as empresas menores - exatamente as que poluem menos. Como estas não têm cacife para subornar fiscais, as sanções, pelo menos na faixa em que atuam, surtiriam efeito. A proposta é rechaçada por economistas e ecologistas, que preferem não desprezar o princípio da isonomia em política. •
• Grandes centros dominam a pesquisa Levantamento feito pela revista Science (30 de agosto), com base no número de monografias científicas que aparecem na lista do Science Citation Index (SCI) entre 1999 e 2001, concluiu que 39,6% dos mais de 2,92 milhões de papers publicados no período estão, de alguma maneira, associados aos 40 maiores centros de pesquisa do mundo. O quadro não mudou muito desde o levantamento anterior, feito para o período de 1996-
Poluição industrial: especialista tailandês sugere que quem poluir menos deve pagar mais 1998, quando se detectou uma concentração de 40% da pesquisa nos 40 maiores centros. A revista considera "centros científicos" concentrações de cidades e áreas metropolitanans cujas distâncias de uma para outra podem ser percorridas em, no máximo, 45 minutos por terra. Entre os 40 mais cotados, estão 22 centros de pesquisa europeus, 14 norte-americanos, três asiáticos e um australiano. África e América do Sul não se encontram representadas. O circui-
to Tóquio-Yokohama ficou em primeiro lugar, com o maior número de papers publicados, seguido de perto por Londres. Distantes dos dois primeiros, pela ordem, completam o quadro dos dez principais colocados os centros Osaka-Kobe, São Francisco (Estados Unidos), Paris, Boston, Nova York, Moscou, Los Angeles e Amsterdã. •
• O mundo repensa as patentes Relatório da Comissão sobre Direitos de Propriedade Intelectual, publicado em 12 de setembro, traz questões relevantes sobre o polêmico tema patentes, informa a revista The Economist (14 de setembro) . A comissão foi instituída pelo Departamento de Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha para analisar como os Direitos de Propriedade Intelectual (IPR, na sigla em inglês) funciona para os países pobres. A mensagem do relatório é clara: nações pobres deveriam evitar se comprometer com sistemas de proteção de IPR do mundo rico, a menos que eles sejam benéficos a suas necessidades. Os países ricos, que professaram interesse no desenvolvimento sustentável na recente cúpula de Johannes-
burgo, tampouco deveriam pressionar por algo mais forte. Como parte de um acordo comercial forjado há oito anos, países que entravam na Organização Mundial do Comércio assinavam o Trips (aspectos relativos ao comércio dos direitos de propriedade intelectual), que estabelece padrões mínimos para a proteção legal da propriedade intelectual. Os países pobres têm até 2006 para cumprir os requisitos do tratado. O Trips não cria um sistema universal de patentes, mas estabelece uma lista de regras básicas descrevendo a proteção que o sistema de um país deve proporcionar. Agora, Índia e Brasil estão começando a flexionar os músculos quando se trata da batalha entre padrões ocidentais de proteção aos IPR e questões de interesse público, como saúde e agricultura. O fraseado do Trips oferece aos países pobres uma latitude considerável para cuidar de seus interesses. Na questão das drogas, por exemplo, o Trips já permite o licenciamento compulsório sob certas condições. Recentemente, o Brasil usou a ameaça de licenciamento compulsório para conseguir descontos nos preços de companhias farmacêuticas, um truque que a comissão apóia. •
PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 11
Dimensões humanas na Amazônia o Experimento de Grande Escala da Biofera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês), o programa de pesquisa internacional liderado pelo Brasil, nasceu para investigar em profundidade o funcionamento biológico, químico e físico da região e sua sustentabilidade e influência no clima global. O trabalho, feito por equipes multidisciplinares de pesquisadores dessas áreas, ganhou um bom reforço em outro setor: os estudos socioeconômicos-culturais ocuparão um espaço importante no programa. A área de Dimensões Humanas da Mudança Ambiental da LBA ganhou a coordenação da geógrafa Bertha • Novo laboratório de pesquisas Um novo centro de pesquisa voltado para o desenvolvimento de projetos nas áreas de microbiologia e genética foi inaugurado dia 5 de setembro no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ligada ao Instituto de Ensino e Pesquisa (IEP), mantido pelo Einstein, a unidade recebeu investimentos de R$ 6 milhões em equipamentos e infra-estrutura, dos quais R$ 200 mil vieram da FAPESP. A unidade terá duas grandes áreas de estudos: experimental e outra destinada a aplicações clínicas com base nos testes de novos medicamentos e terapias. "A busca pela intersecção dessas áreas pode contribuir rapidamente para a conquista do conhecimento na área cientí-
Vida ribeirinha na Amazônia: dissociação ambiente-sociedade é inaceitável Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Aceitei o convite porque acredito que não é possível explicar a mudança ambiental desvinculada da sociedade", diz Bertha, que faz pesquisas na região há
fica ligada à saúde", disse Nelson Hamerschlak, superintendente do IEP. Durante o evento, o diretor científico da FAPESP,José Fernando Perez, foi homenageado com uma placa de prata e disse que a inauguração do centro tem "um significado simbólico" para o país. "O Brasil apostou
30 anos. "A dissociação ambiente-sociedade é inaceitável nos países periféricos e semiperiféricos e, particularmente, na Amazônia." Bertha trabalhará com três doutores (de São Paulo, do Amazonas, de Brasília) que,
na criação de uma comunidade científica reconhecida internacionalmente que demonstrou o vigor da nossa pesquisa", afirmou. "Os governos federal e estadual apoiaram essa formação, que criou condições para se enfrentar o desafio de transpor os muros da academia:' •
Perez no laboratório: aposta na comunidade científica
12 . OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
com recém-doutores, farão os estudos necessários. No momento, ela inicia um levantamento de pesquisas já realizadas na área socioeconômica-cultural, de 1980 para cá, a fim de identificar contribuições e lacunas. •
• Mais informações sobre biotecnologia Foi criado em setembro, em São Paulo, o Centro de Infomações sobre Biotecnologia (CIB), apoiado por um grupo de empresas como a Monsanto, Basf, DuPont, Syngenta Seeds, Losano e Nestlé, além da Associação Brasileira da Indústria da Alimentação. O centro é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que tem como missão divulgar para instituições, jornalistas e consumidores informações científicas e as diversas aplicações da biotecnologia. O CIB (www.cib.org.br) funciona nos moldes semelhantes aos do Councils for Biotechnology, em operação no Canadá, nos Estados Unidos, no México e na Argentina. •
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
www.prossiga.br/amazonia/
Fartas informações sobre instituições de C&T, fomento à pesquisa, formação de recursos humanos, sites de ciência sobre a Amazônia, etc.
Sociedade
Brasileira
de Fisiologia
• Prêmio de C& T para saúde
• Sai resultado do Jovem Cientista
o
O processo completo de fabricação de um dispositivo de conversão de energia solar em elétrica, com uso de tecnologia inovadora levou Adriano Moehlecke, de 37 anos, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, ao primeiro lugar do 18° Prêmio Jovem Cientista. Phillipe Werneck, de 18 anos, do Colégio de Aplicação João XXIII, de Juiz de Fora (MG), ganhou o Jovem Cientista do Futuro. Os prêmios são fruto da parceria entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnologia (CNPq), Grupo Gerdau e da Fundação Roberto Marinho. •
Ministério da Saúde lançou o Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o Sistema Único de Saúde (SUS). O concurso é aberto a pesquisadores autores de trabalhos científicos que resultaram em teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de especialização/residência, apresentados e aprovados em programas de pós-graduação no período de janeiro de 2000 a agosto de 2002. Os prêmios vão de R$ 5 mil a R$ 15 mil e as inscrições podem ser feitas até 11 de outubro. Informações: (61) 315-3394,223-6846. Ou e-mail: ciencia@saude.gov.br.•
Vegetal
A morte de Mares Guia
orion.cpa.unicamp.brlsbfv
Portal para difundir a fisiologia vegetal e integrar as pessoasque trabalham com o tema. Informações sobre aulas, congressos e eventos.
genomeathome.stanford.edu
Site sobre genética da Universidade Stanford, que pode ajudar pesquisadores a entender melhor algumas funções de genes já conhecidos.
O professor, pesquisador e empresário Marcos Luiz dos Mares Guia, presidente do Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre 1991 e 1993, IJ10rreu no dia 25 de agosto em Belo Horizonte, aos 67 anos, em conseqüência de complicações no pâncreas. Mares Guia se doutorou em bioquímica na Universidade Tulane, em Nova Orleans, Estados Unidos. Na volta ao Brasil, integrou-se à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde passou pela Faculdade de Medicina e pelo Instituto de Ciências Biológicas. Com a colaboração de seu irmão, Walfrido, criou o curso pré-vestibular Pitágoras. Em 1968 iniciou a implantação da empresa de biotecnologia Biobrás,
Guia: empreendedor também com seu irmão e outros sócios. A companhia cresceu graças à interação fecunda com a universidade e o aproveitamento de pós-graduados, tornando-se pioneira na produção de insulina. Depois do período em que presidiu o CNPq, o pesquisador mudou-se para Miami para cuidar dos negócios internacionais da empresa, vendida no começo deste ano. •
PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 13
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA INVESTIMENTOS
Avanços e problemas Governo federal cria institutos de pesquisa, edita medida de incentivo à inovação e libera recursos para o C N Pq, em caráter de emergência oucomenos de três meses da mudança de comando do país, o governo federal anunciou a criação de três novos institutos de pesquisa em áreas estratégicas - Bioamazônia, Semi-Árido Nordestino e Nanotecnologia - e medidas de incentivo fiscal para estimular os investimentos nacionais em inovação.Simultaneamente, viu-se obrigado a liberar em caráter de emergência R$ 60 milhões para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), dos quais R$ 50 milhões destinados a minorar a difícil situação por que passa o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É um volume de recursos que responde apenas parcialmente às necessidades urgentes do conselho. Com 45% dos recursos orçamentários previstos para este ano sob contingenciamento - ou seja, R$ 279 milhões, num orçamento total de R$ 620 milhões -, o CNPq vinha atrasando a liberação de financiamentos aprovados desde 2001 para vários grupos de pesquisa em todo o país, provocando, assim, a paralisação ou a redução do ritmo de suas atividades. Agora, ele poderá resolver pelo menos a parte dos financiamentos acertados no ano passado. Essa pequena amostra das ações federais recentes na área de ciência e tecnologia é bastante ilustrativa da política federal para o setor no atual governo. Um balanço equilibrado mostra que essa política foi responsável por avanços indiscutíveis para garantir à ciência e tecnologia o papel determinante que ela deve ter no desenvolvimento nacional, como a criação e regulamen-
A
14 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
tação dos 14 fundos setoriais de pes-
quisa, montados nos últimos dois anos sob o comando do MCT; a lei de inovação enviada pelo Executivo ao Congresso, que só deve entrar na pauta de debates e votação no próximo ano; e a ampliação do intercâmbio do Brasil com nações que podem se tornar parceiros-chave para um melhor posicionamento internacional do país em C&T. Mas, em paralelo às mudanças positivas, principalmente no arcabouço legal de sustentação ao setor, o balanço revela também problemas, como, por exemplo, a escassez de verbas para grupos e instituições importantes no sistema nacional de ciência e tecnologia, e a redução significativa dos investimentos federais em bolsas (do CNPq e da Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) no Estado de São Paulo, a partir de 1995 (veja Pesquisa FAPESP edição 63, de abril de 2001). Incentivos fiscais - A decisão mais recente do governo federal para estimular a inovação se traduziu em três artigos incluídos na Medida Provisória 66, editada em 29 de agosto, que autorizam as empresas privadas a descontar no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) parte dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). No caso das empresas que também registrarem patentes de produtos, a dedução
será maior porque, além dos abatimentos já previstos, poderão deduzir uma segunda vez esses gastos na determinação de lucro real junto ao IR. Para tanto, a patente terá que ser depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) ou nas outras três entidades de exame reconhecidas no Brasil: European Patent Office, [apan Patent Office e United States Paten and Trande Mark Office. As deduções só valem para os casos de pagamentos feitos a empresas ou pessoas físicas residentes no país. Nos cálculos do MCT, as deduções de impostos serão, em média, de 30% do valor total aplicado. "A média mundial de incentivos é de 10%", ressalva o ministro Ronaldo Sardenberg. Ele afirma que as medidas de incentivo fiscal completam um ciclo de ações adotadas pelo governo federal desde 2000, que tiveram como objetivo estimular o investimento das empresas em P&D no país. A Lei de Inovação deverá reforçar as medidas de incentivo. Com ela pretendese flexibilizar as relações entre pesquisadores, institutos de pesquisa e empresas privadas e acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias para produtos, processos e serviços. O projeto de lei prevê, por exemplo, que os produtos e processos inovadores, obtidos por instituições de pesquisa, sejam transferidos às empresas privadas interessadas na produção de bens e serviços; que as empresas compartilhem laboratórios e equipamentos com as instituições públicas de pesquisa, mediante remuneração, e que, quando a parceria resultar em patentes, o pesquisador participe dos ganhos econômicos. Tanto os incentivos fiscais como a Lei de Inovação se inscrevem num conjunto de diretrizes estratégicas de longo prazo, reunidas no Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação, divulgado também em agosto último. Elaborado a partir de um amplo debate promovido pelo MCT em todo o país, no ano passado, que culminou na Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em Brasília, em setembro de 2001, o livro é uma espécie de síntese daquela reunião. Ele traça as linhas de um projeto nacional de desenvolvimento em C&T para os próximos dez anos. O documento aponta como um dos principais desafios para o desenvolvimento da C&T e Inovação no país a elevação dos PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 15
investimentos em P&D, dos atuais 0,9% do Produto Interno Bruto (PIE) somados aí os cerca de R$ 300 milhões dos Fundos Setoriais, estimados para este ano, para um patamar de 2%, num prazo de dez anos, projetando-se um cenário de crescimento anual de 4% do PIE. Para atingir essa meta, as aplicações em P&D deverão crescer a uma taxa média anual de quase 11%, até 2012, tarefa que o setor público precisa dividir com as empresas privadas, já que exigirá uma elevação de gastos anuais da ordem de 7%. Para o setor privado, o crescimento médio anual terá de ser da ordem de 15%. quadro atual está muito distante desse cenário ideal. Hoje, cerca de dois terços dos dispêndios brasileiros em P&D têm origem no setor público, e com um agravante: os recursos orçamentários da União estão sujeitos a cortes e contingenciamentos - como o que se abateu sobre as verbas do CNPq -, comprometendo qualquer tentativa de planejamento, mesmo de curto prazo. No próximo ano, pelo menos, esse problema em princípio estará atenuado: a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2003, já aprovada pelo Congresso Nacional, contém um dispositivo que impede o contingenciamento de recursos em ciência e tecnologia, aprovados pelo Legislativo, como já ocorre nas áreas de saúde, educação e assistência social. O orçamento do MCT em 2003, se aprovado pelo Congresso, será de R$ 2,6 bilhões, levando-se em conta o início do funcionamento de quatro novos fundos (saúde, agronegócios, aeronáutica e biotecnologia). É certo que, antes mesmo da edição da medida provisória, o governo federal já tinha adotado algumas ações de estímulo a investimentos privados em P&D. Entre elas deve-se incluir a nova Lei de Informática, a lei 10.332,de 2001- que permite a aplicação de recursos fiscais na equalização das taxas de juros, na subvenção direta a empresas inovadoras de base tecnológica e no estímulo ao capital de risco - e a criação do Fundo de Interação Universidade-Empresas, conhecido como Fundo Verde-Amarelo, em 2001. De todo modo, esses instrumentos têm se mostrado insuficientes para atender às demandas das empresas, e o
governo pretende que os investimentos do mercado sejam mais estimulados com as novas medidas de incentivo fiscal e os mecanismos previstos na Lei de Inovação. Novos institutos - Em relação aos institutos de pesquisa criados para começar a funcionar em 2003, vale assinalar que eles resultam da adoção, pelo governo, de algumas recomendações do Relatório Tundisi. Trata-se de um documento elaborado por uma comissão
O
16 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
formada por 72 especialistas - sob a éoordenação do pesquisador José Galízia Tundisi, ex-presidente do CNPq e atual diretor do Instituto Internacional de Ecologia, sediado em São Carlos -, que durante um ano e meio analisou e avaliou a missão dos 21 institutos de pesquisa ligados ao MCT, com o objetivo de propor novas políticas de atuação. O orçamento do MCT para 2003 reservou R$ 25 milhões para a constituição de dois novos institutos e a incorporação do Instituto Bioamazônia, uma organização social para pesquisas em biodiversidade atualmente supervisionada pelo Ministério do Meio Ambiente. "Estarnos executando um script", diz João Evangelista Steiner, secretário de Coordenação das Unidades de Pesquisa do MCT. Mas, a exemplo da Lei de Inovação, a criação dos novos institutos também depende de o Congresso Nacional acatar a proposta orçamentária encaminhada pelo Executivo.
O Instituto Bioamazônia deverá contar com R$ 10 milhões anuais. Sua tarefa será transformar os resultados das pesquisas realizadas pelos laboratórios e universidades locais em produtos e riqueza para a sociedade. O MCT já conta com três unidades de pesquisa na região amazônica: o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Museu Paraense Emílío Goeldi e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. O Relatório Tundisi ressalva, no entanto, que uma das principais prioridades do MCT deveria ser a de articular, em conjunto com outros órgãos, um programa estratégico de C&T para a região. Ressalta que um dos desafios mais dramáticos "é a carência de recursos humanos qualificados, fixos na região': O Instituto do Semi-Árido Nordestino, com dotação de R$ 8 milhões, terá como principal missão coordenar pesquisas para o desenvolvimento de tecnologias nas áreas de recursos hídricos, controle da desertificação, clima e pobreza. A região, com mais de 25 milhões de habitantes, tem um imenso potencial produtivo, apesar de ser uma das áreas mais desprovidas de recursos de ciência e tecnologia em todo o país, segundo Steiner. Ele lembra, por exemplo, os resultados do trabalho do Centro de Pesquisa sobre o Semi-Árido, da Empresa Brasileirade PesquisaAgropecuária (Embrapa), que promoveu "uma verdadeira revolução" na fruticultura irrigada nas regiões de Petrolina, em Pernambuco, e Iuazeiro, na Bahia. Apesar da presença, na região, do Programa Xingó, um centro de extensão que atua em 29 municípios no baixo rio São Francisco, o Relatório Tundisi sugere que o MCT realize "um esforço adicional de C&T para o semiárido" e propõe a criação do instituto, com sede em Iuazeiro, com ações concentradas em recursos hídricos e biodiversidade da caatinga e para apoio institucional ao Instituto do Milênio sobre o Semi-Árido. O terceiro instituto, de Inovação em Nanotecnologia, contará com R$ 7 milhões anuais. Terá estrutura descentralizada para operar em rede, conectando instituições de pesquisa e indústrias. "Não será propriamente um instituto de pesquisa básica, mas voltado para iniciativas na área, de tal forma a gerar riqueza para a sociedade brasileira", diz Steiner. •
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA GENÔMICA
Modelo brasileiro Sociólogo inglês ressalta a participação do Brasil no cenário da pesquisa mundial
C
om recursos modestos em relação ao orçamento de Ciência e Tecnologia das grandes potências científicas e priorizando áreas estratégicas para o país, o Estado de São Paulo criou um inventivo modelo de pesquisa em genômica e bioinformática: a rede ONSA (Organização para Seqüenciamento e Análise de Nucleotídeos), da FAPESP. Esse modelo colocou o Brasil numa posição de liderança global em dois nichos desse concorrido setor: genomas de bactérias que atacam plantas (Xylella fastidiosa, Xanthomonas citri e Agrobacterium tumefaciens) e de uma importante cultura agrícola tropical (projeto Sucest com a cana-de-açúcar). A opinião é do sociólogo inglês Mark Harvey, do Centro para Pesquisa em Inovação e Competição da Universidade de Manchester, Inglaterra, que, ao lado de . seu colega Andy McMeekin, resolveu estudar a bem-sucedida entrada do Brasil na cena da genômica mundial do ponto de vista da geopolítica internacional. "O Brasil deu uma lição para o mundo. Inicialmente, escolheu algumas áreas que não eram prioritárias para os países desenvolvidos e investiu nesses setores ", afirma Harvey, que esteve em São Paulo no final do mês passado. "Sem copiar o modelo norte-americano, o país desenvolveu caminhos distintos, fora dos grandes centros internacionais de pesquisa, que, no longo prazo, podem ser importantes para equilibrar o desenvolvimento da ciência e tecnologia entre todas as nações do globo." O pesquisador britânico também elogiou a participação nacional, numa ação coordenada pelo Conselho Nacio-
Mark Harvey: \\0 Brasil deu uma lição para o mundo"
nal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CPNq), na criação e desenvolvimento da Rede de Genoma de Leishmaniose, um projeto da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Banco Mundial que estuda as relações do parasita/hospedeiro dessa doença tropical que atinge 12 milhões de pessoas. "O Brasil é o único país em desenvolvimento a fazer parte desse consórcio internacional", salienta Harvey.
Inserção internacional
- Para o sociólogo, o estabelecimento no Estado de São Paulo da rede ONSA, em 1997, um consórcio virtual e descentralizado de 34 laboratórios, serviu, sem dúvida, de plataforma para a inserção internacional da genômica brasileira. A publicação na revista Nature, com destaque de capa, do primeiro trabalho da ONSA - o seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, que causa a Clorose Variegada de
Citrus (CVC), o popular amarelinho que ataca os laranjais - mostrou que a estratégia podia ser produtiva e competitiva no plano internacional. O trabalho com a X. fastidiosa alcançou grande repercussão porque essa bactéria foi o primeiro fitopatógeno a ter seu DNA decifrado. "A estrutura da ONSA redesenhava de forma original a rede européia de laboratórios, que, em 1997, terminou, também de forma descentralizada, o seqüenciamento do genoma da Saccharomyces cerevisiae, a levedura usada na fermentação", diz Harvey. Um dos pontos que impressionam o pesquisador britânico é a capacidade de articulação da ONSA em vários níveis, dentro e fora do Brasil, e com parceiros públicos ou privados. "As ferramentas de bioinformática desenvolvidas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), por exemplo, foram empregadas pela Universidade de Washington com sucesso no seqüenciamento da A. tumefaciens (bactéria com
mecanismos naturais de transferência de genes para plantas) e os dados do genoma da cana-de-açúcar atraíram a atenção de uma empresa belga da biotecnologia, a CropDesign", diz Harvey. Ele pretende relatar a vitoriosa experiência brasileira em genômica em palestras e artigos científicos. "Isso mostra uma boa estratégia para estabelecer parcerias:' • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 17
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
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POLÍTICAS
PÚBLICAS
Saúde em primeiro lugar Projetos do quarto edital também atendem educação e meio ambiente
fi;.
APESP divulgou a relação de 11 projetos aprovados no quarto edital do Programa de Políticas Públicas. Criado em agosto de 1998, o programa financia projetos interdisciplinares de pesquisa desenvolvidos por universidades e institutos em parceria com organizações responsáveis por políticas públicas, com o objetivo de estreitar as relações entre o sistema de pesquisa do Estado de São Paulo e a sociedade. As pesquisas em associação devem resultar em diagnósticos que identifiquem dificuldades na implementação de políticas públicas, análise sobre gestões inovadoras, elaboração de metodologias padronizadas e sistematização, disseminação, avaliação e balanço do conhecimento produzido em cada uma das áreas de estudo. Além de participar
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ativamente de todas as etapas da pesquisa, o órgão parceiro tem o compromisso de utilizar seus resultados, em caso de sucesso. No primeiro edital foram aprovados 61 dos 226 projetos inscritos. No segundo, foram apresentadas 87 propostas e selecionadas 42. No terceiro, dos 42 projetos inscritos, 17 foram considerados aptos. No quarto edital, participaram da disputa 43 projetos. O resultado do quinto edital, no qual concorrem 51 propostas, será divulgado nos próximos meses. Os projetos aprovados são executados em três fases. Na primeira, com duração de seis meses e orçamento limitado a R$ 30 mil por projeto, os proponentes devem consolidar a parceria e realizar estudos que garantam a viabilidade da proposta. Aqueles selecionados para a segunda fase, com duração de 24
meses, contarão com até R$ 200 mil para a pesquisa. A terceira fase do programa, de implementação das propostas, não é financiada pela FAPESP. Segurança pública - Os projetos atualmente em andamento envolvem, de um lado, institutos de pesquisa e universidades e, de outro, 27 prefeituras e oito organizações não-governamentais. Os temas vão da violência urbana, doméstica e sexual contra a mulher à situação de saúde no Estado, passando por ernpregabilidade e digitalização de bibliotecas. Um grupo de pesquisadores da Faculdade de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), em parceria com o Centro de Referência e Apoio à Vítima da Violência, órgão ligado à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, está realizando
UNIVERSIDADE
INSTITUIÇÃO PARCEIRA
TíTULO
Faculdade de Economia e Administração-U SP/Ribeirão Preto
Companhia de Desenvolvimento Econômico de Ribeirão Preto (Coderp)
Novos Instrumentos para o Desenvolvimento Local: Aplicação à Consolidação do Cluster Médico-Hospitalar-Odontológico em Ribeirão Preto
Faculdade de Medicina-USP
(Coas/Secretaria Municipal de Saúde de SP
Implantação do Programa Saúde da Famflia no Município de São Paulo
Instituto de Química de São Carlos-USP
Prefeitura Municipal de São Carlos
A Educação como Instrumento para o Gerenciamento de Resíduos Sólidos Domiciliares - Uma Proposta de Ação Comunitária para o Município de São Carlos
Universidade de Guarulhos
Prefeitura Municipal de Guarulhos/ Instituto Florestal (SPl
Diagnóstico Ambiental para o Manejo Sustentável do Núcleo Cabuçu do Parque Estadual da Cantareira e Áreas Vizinhas do Município de Guarulhos
Faculdade de Medicina-USP
Secretaria de Estado da Saúde
Avaliação da Excreção Urinária de Iodo e Grau de Iodatação do Sal Consumido pela População do Estado de São Paulo
----------------------~
.--------------------------------------------------------------Faculdade de Saúde Coordenadoria dos Institutos de Pesquisa, Contribuição
do Setor de Saúde no Atendimento às Vítimas e na Prevenção da Violência
Pública-USP
Secretaria de Estado da Saúde e Instituto de Saúde da CIP/SES-SP
Faculdade de Ciências Agronôm icas- Unesp/Botucatu
Cati - Coordenadoria de Assistência Técnica Integral
Diagnóstico sobre o Uso, Produção, Extrativismo e ComerciaIização de Plantas Medicinais, Aromáticas e Condimentares na Região do Vale do Paraíba, SP
Universidade Sagrado Coração
Secretaria Municipal de Saúde de Bauru
Avaliação do Serviço de Urgência e Emergência para a Reorganização do Modelo Assistencial de Saúde de Bauru
Faculdade de Educação-USP
Prefeitura Municipal de Diadema; Centro Universitário Fundação Santo André
Educação Inclusiva: O Desafio de Ampliar o Atendimento com Qualidade e a Formação Docente
Instituto Agronômico de Campinas-SAGRSP
Prefeitura Municipal de Campinas
Recuperação Ambiental, Participação e Poder Público: Uma Experiência em Campinas
Secretaria de Estado da Saúde
Estratégias de Avaliação e Diagnóstico das Práticas de Controle de Infecção Hospitalar em Estabelecimentos de Assistência à Saúde do Estado de SP
Escola de Enfermagem-USP
um mapeamento da violência em três regiões da cidade de São Paulo e investigando as expectativas e necessidades • das vítimas de agressões. Resultados preliminares dão conta de que a grande maioria dos homicídios ocorre próximo ao local de residência das vítimas. A pesquisa, cujos resultados finais deverão ser divulgados ainda este ano, vai subsidiar políticas públicas de segurança. O município de Potim, em parceria com a Faculdade de Engenharia de Guaratinguetá, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), conseguiu melhorar a qualidade da água consumida por seus quase 15 mil habitantes com a introdução de dosadores de cloro em três poços artesianos, complementada com a aplicação de flúor, O projeto previa, ainda, a expansão da rede, com a construção de mais dois poços artesianos e a realização
de campanha para incentivar os moradores a manter limpas as caixas de água. O programa também apoiou o projeto desenvolvido por pesquisadores da Embrapa Monitoramento por Satélite e técnicos da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento do Estado de São Paulo, que teve por objetivo avaliar os resultados das políticas agrícolas. A proposta era gerar indicadores de impacto social e ambiental que permitissem medir a eficácia dos nove principais programas implementados pela secretaria. Esse sistema está sendo implantado na capital e nas 40 regionais em todo o Estado. Outro exemplo de sucesso é o da digitalização da hemeroteca da Biblioteca Municipal Professor Ernesto Manoel Zink, de Campinas, implementada com recursos do programa, num projeto coordenado por pesquisadores do Ins-
tituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O acervo da hemeroteca, que reúne jornais e revistas publicados desde 1952, é uma importante fonte de pesquisa, já que guarda parte da memória do município e da região e estará disponível na Internet para consultas do público interessado. Os 11 projetos aprovados no quarto edital envolvem cinco prefeituras municipais, Secretaria Estadual de Saúde e outros órgãos do setor público. As pesquisas pretendem realizar desde diagnósticos sobre o uso da produção, extrativismo e comercialização de plantas medicinais, na região do Vale do Paraíba, até a avaliação da excreção urinária de parte da população do Estado de São Paulo, para medir o grau da iodação do sal consumido (veja quadro). • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 19
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INTERNET
Educação e fibra óptica Rede canadense consolida projetos de educação a distância Canadá, o a Internet se consolidou como um poderoso instrumento de educação a distância (e-learning), alavancada por iniciativas como a da Canarie, um consórcio formado pelo governo e iniciativa privada canadenses, que é responsável pela "Canada's National Research and Innovation Network". A CA"net, como é conhecida, é uma rede de fibra óptica de alta velocidade com 8 mil quilômetros, que conecta mais de
N
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80 universidades, 50 faculdades, 2 mil escolas e cerca de dez centros de pesquisa, desde a Costa Atlântica até o Pacífico.A CA"net tem estrutura muito semelhante à rede que será construída no âmbito do Programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), patrocinado pela FAPESP,que vai implementar, em parceria com a iniciativa privada, uma rede de fibra óptica de extensão estadual, com velocidade de até 400 gigabits/segundo, para o desenvolvimento
de pesquisas de comunicação óptica e aplicações especiais de Internet. Além de investir na construção da rede, orçada em US$ 1,2 bilhão, a Canarie tem em caixa US$ 28 milhões para financiar programas de distribuição de conteúdos na Internet ou de formação de repositório de objetos de aprendizagem (Learning Object Repository - LOR). O projeto Belle (Broadband Enabled Lifelong Learning), por exemplo, que está sendo implantado na província de Alberta, vai permitir que
os alunos da área de ciência da saúde utilizem a base de dados do microscópio eletrônico da Universidade de Lethbridges, cujas imagens, de tão grandes, não podem ser observadas por meio da rede convencional, mas tornam-se acessíveiscom o apoio da rede avançada. "O nosso papel é ajudar o desenvolvimento de redes avançadas e apoiar a próxima geração de redes, tanto na indústria como nas universidades", explica Rafiq Kahn, diretor de desenvolvimento estratégico da Canarie, que participou de uma sessão paralela do 9° Congresso da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), realizada na sede da FAPESP. Alta velocidade - O Tidia também vai
apoiar programas de aprendizado na rede, financiar o desenvolvimento de ferramentas para a produção de conteúdos, assim como a própria geração de conteúdo educacional. "Embora nossa rede seja de pesquisa e não de produção, as dificuldades de implementação são as mesmas enfrentadas pela Canarie e a experiência deles tem um valor
inestimável para nós", diz Luis Fernandez Lopez, coordenador do Tidia. Ele adiantou que a Fundação já iniciou entendimentos com a empresa canadense com o objetivo de, futuramente, firmar acordos de cooperação ou parceria. A Canarie entrou em operação, em 1993, com a CA*netl, rede que tinha capacidade de transmissão de dados de 56 Kbps por segundo e que permitia apenas a transferência de e-mail. Atualmente, já está em operação a CA*net4, com velocidade de 40 gigabits. Custou US$ llO milhões mas permite, por exemplo, que a rede seja controlada pelo usuário. Isso significa que universidades, instituições, empresas e administrações locaispodem, por exemplo, construir seus próprios dutos de fibra óptica, participar de condomínios de fibra óptica e ainda controlar o comprimento da onda e a configuração da rede. A vantagem é que os custos são muito baixos, já que eliminam os gastos com serviço das operadoras. A Universidade de Quebec, por exemplo, já tem um condomínio de fibra óptica com 3.500 quilômetros, orçado em
US$ 2 milhões. Isso só é possível porque, no Canadá, as operadoras de telecomunicações permitem que usuários administrem suas fibras ópticas por meio de contratos de direito de uso. onda - A nova tecnologia, com alta velocidade de transmissão de dados, e a possibilidade de controle do uso da fibra óptica permitem ao usuário da CA*net4 ter acesso a aplicativos e serviços de terceira onda de Internet. "Neste novo momento de Internet, dados e aplicativos são distribuídos no ciberespaço. Em vez de um provedor de conteúdo, teremos provedores múltiplos, com entrega distribuída", exemplifica Rene Batem, engenheiro chefe da Canarie. Batem acredita que a nova rede habilitará o que chama de e-pesquisa (eresearch). Cita o exemplo da Rede Nacional de Observatórios de Ecologia (Neon), apoiada pela National Science Foundation (NSF), formada por dez instituições, que vai servir como plataforma para integrar pesquisas no campo da biologia. • Terceira
PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 21
• CIÊNCIA
LABORATÓRIO
Algo na família cheira mal Ninguém ignora que mães e bebês recém-nascidos se reconhecem pelo cheiro. Afora isso, sabe-se muito pouco sobre o relacionamento olfativo entre familiares. A pesquisadora Tiffany Czilli e sua equipe, da Universidade Estadual de Detroit, nos Estados Unidos, decidiram fazer um estudo de campo sobre o tema e recrutaram 25 famílias com pelo menos duas crianças entre 6 e 15 anos (NewScientist, 24 de agosto). Os pesquisadores deram-lhes camisetas, cada uma com um nome de um membro da família marcado, e pediram-lhes que as usassem durante três noites para dormir. Ao acordar no último dia, teriam de lavá-Ias com o sabão forne-
• Coelhos resistentes aos venenos Nunca nenhuma espccic. além de ratos, tinha desenvolvido resistência a pesticidas. Agora, para o desespero das autoridades australianas, os coelhos parecem sobreviver muito bem aos venenos que os fazendeiros espalham para matá-los (NewScientist, 17 de agosto). Um estudo comparativo feito em Perth, na Austrália, comprova que nada menos que o dobro das doses de sodiofluoracetato (conhecido como 1080) - o mais popular dos pesticidas usados contra os coelhos - se tornou necessário para matar o mesmo número de bichos que o ve-
cido pela equipe e depois lacrá-Ias em sacos plásticos. Tiffany então visitava as famílias apresentando a cada entrevistado uma camiseta usada por um membro de sua família e outra que tinha sido vestida por um estranho. Aos pais, perguntava se reconheciam o cheiro dos filhos. Aos filhos, se re-
neno matava em 1979. Coelhos são uma praga à agricultura na Austrália e Nova Zelândia. Em algumas regiões desses países, há 3 mil deles por quilômetro quadrado. Os pesquisadores agora tentam desenvolver um vírus em laboratório que, esperam, tornará os coelhos estéreis. •
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conheciam o cheiro de seus pais e irmãos. Além disso, pedia-lhes que dissessem qual dos cheiros preferiam. Tanto os pais quanto as mães identificaram os cheiros dos filhos, mas em geral não conseguiram distinguir entre eles. As crianças de 9 a 15 anos reconheceram o cheiro de suas mães,
• Fábrica de antimatéria Uma equipe internacional de físicos conseguiu produzir pela primeira vez uma grande quantidade de átomos de antimatéria a velocidades consideradas baixas, próximas à de átomos na atmosfera. No
Coelho: praga na Austrália e Nova Zelândia
mas as de 5 a 8, não. Todas as crianças identificaram o cheiro do pai. O mais intrigante é que no quesito "que cheiro você prefere': os estranhos ganharam com folga do time dos parentes. As mães não gostam dos cheiros dos filhos e os filhos têm horror ao cheiro do pai. E mais: os meninos preferem o cheiro dos irmãos - do mesmo sexo - ao das irmãs, e vice-versa. Tiffany se pergunta se não estaria aí a causa do repúdio ao incesto. Mas Dustin Penn, da Universidade de Utah, Estados Unidos, adverte: ''A atração olfativa depende do contexto. Nem sempre queremos dormir com alguém porque gostamos de seu cheiro". •
experimento, realizado no laboratório da Organização Européia para Pesquisas Nucleares (Cem), os pesquisadores obtiveram cerca de 50 mil átomos de anti-hidrogênio, partículas com a mesma massa do hidrogênio, mas com cargas elétricas invertidas. O hidrogênio, átomo mais simples e abundante no Universo, tem um próton (partícula com carga positiva) e um elétron (com carga negativa), ao passo que o átomo de anti-hidrogênio contém um antipróton (de carga negativa) e um pósitron (elétron com carga positiva). Dois experimentos anteriores - um feito na Cem, na Suíça, e outro no Fermilab, nos Estados Unidos - geraram
átomos de antimatéria, mas em quantidade muito menor (8 e 100 átomos, respectivamente), que duraram alguns nanossegundos. Agora o grupo de físicos - que inclui os brasileiros Claudio Lenz Cesar, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Alessandro Variola, da Universidade de Gênova - obteve átomos de anti-hidrogênio que duraram milissegundos, tempo suficiente para as medições que permitirão testar um dos pilares da física moderna - o modelo padrão - e ajudar a compreender a composição do Universo. A pesquisa foi divulgada na versão on-line da Nature (19 de setembro). •
• A proteína do esquecimento A memória depende do tempo: torna-se mais consistente quanto mais longo for o período de treinamento. No entanto, mesmo depois de uma aprendizagem eficiente, as informações armazenadas no cérebro se esvaem, a menos que sejam usadas com freqüência. Pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia e da Universidade de Washington, Estados Unidos, descrevem um inibidor da aprendizagem e da memória (Nature, 29 de agosto): a proteína fosfatase 1 (PPl). Quando o mecanismo de produção da PPl é suprimido em camundongos durante a aprendizagem, intervalos pequenos entre os episódios de treinamento de memória são suficientes para se chegar a um desempenho ótimo. Se induzida depois da aprendizagem, a inibição dessa proteína prolonga a memória, numa indicação de que a PPl também promove o esquecimento. Os resultados sugerem que a perda de memória
Cern: antimatéria
coloca em dúvida o modelo padrão
não é um mecanismo irreversível, o que abre novas perspectivas para outras formas de tratamento. •
• Homeopatia, ainda sem explicação Há quase um ano, o químico alemão Kurt Geckeler convidou outros cientistas a repetir os resultados que ele e seu co-
lega Shashadhar Samal obtiveram em um experimento realizado no Instituto Kwangju de Ciência e Tecnologia, da Coréia do Sul. Eles verificaram que sucessivas diluições de uma substância em outra formariam agregados de moléculas cada vez maiores. Esse efeito ajudaria a entender a homeopatia, segundo a qual a ação biológica de uma subs-
tância dissolvida em água é preservada após diluições sucessivas. O químico Alfredo Mayall Simas, seu aluno de doutorado Fernando Hallwass e o físico Mário Engelsberg, da Universidade Federal de Pernambuco, tentaram aplicar essa idéia em uma pesquisa. Só que não chegaram aos mesmos resultados - o que, no mundo científico, põe em xeque qualquer experimento, cujo valor depende da sua reprodutibilidade. "A diluição sucessiva não afetou o tamanho final do agregado em nossos experimentos'; diz Simas, que coordenou também um trabalho sobre moléculas com propriedades ópticas especiais (veja pág. 52). Os brasileiros usaram cloreto de sódio (NaCl) e ciclodextrina, compostos utilizados no trabalho original. O estudo sai este mês na revista Chemical Communications, que já havia publicado o experimento de Geckeler e Samal. •
Cafeína e cocaína: efeitos semelhantes? O velho e bom café que nos põe de pé de manhã e afugenta o sono no trabalho está sob suspeita de ser uma droga semelhante à cocaína. De acordo com estudo publicado na Nature (15 de agosto), a exemplo da cocaína, a cafeína exerceria seu efeito estimulante alterando a bioquímica cerebral. Depois de dar a camundongos normais uma dose de 7,5 mg de cafeína - o equivalente a três xícaras de café para um homem de 65 quilos -, os pesquisadores observaram uma intensa atividade nos animais por um período de 100 mi-
nutos. Já em camundongos geneticamente transformados (desprovidos do gene DARPP-32, que desempenha um papel importante na dependência às drogas) foi preciso dobrar a dose para obter o mesmo nível de atividade. Os resultados são semelhantes aos de um estudo feito anteriormente com a
cocaína. ''A cafeína é a droga de uso recreativo mais difundida no mundo", diz [ames Bibb, professor de psiquiatria da Universidade do Texas, Estados Unidos, e um dos autores do estudo. "Sabemos pouco sobre como ela age no cérebro e que efeito tem se consumida como café expresso ou em z doses menores, em re~ frigerantes e chás. Mas ~ sabe-se que causa eufoZi: ria, melhora a intelecção " e o desempenho e gera dependência." • Cafezinho: intensa atividade em camundongos
PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 23
Esterilização em São Paulo A esterilização feminina está estacionada em São Paulo e em alta nos demais estados. Especialmente entre 1986 e 1996, houve estabilização nos índices no Estado paulista e crescimento das mesmas taxas no resto do país, de acordo com estudo de Elisabeth Meloni Vieira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP- USP), publicado na Revista de Saúde Pública (junho, vol, 36, nv 3). A situação é melhor em São Paulo provavelmente em razão do maior uso dos diversos métodos contraceptivos. Nos outros estados, as mulheres optam pela esterilização depois que já tiveram filhos, normalmente ainda muito jovens. A pesquisadora analisou dados coletados pela Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNAD), de 1996, e comparou com os de 1986. Nesse período, o Sistema Único de Saúde (SUS) não
• Ervas medicinais são contestadas Estudos norte-americanos recentes põem em dúvida a eficácia de nada menos que seis das 12 plantas mais utilizadas nos tratamentos fitoterápicos (The Wall Street [ournal, 29 de agosto). Só neste ano, a ervade-são joão (Hypericum perforatum), usada contra a depressão, a equinácea (Equinacea purpurea e angustifolia), que curaria o resfriado comum, e a ginkgo biloba, recomenda-
Gestante em hospital público: falta de informações pagava a cirurgia de esterilização para as mulheres que desejavam se tornar estéreis. A lei n° 9263 garante o acesso ao planejamento familiar, mas só foi criada em 1997, embora a Constituição Federal de 1988 já a previsse no artigo 226. Em pesquisa feita na periferia de São Paulo, em 1992, por Elisabeth, 80% das entrevistadas disseram ter paga do para fazer a esterilização. Trabalho semelhante também foi reali-
da para melhorar a função da memória, foram alvo de pesquisas que as consideraram inócuas para esses fins. O uso da kava-kava (Piper methysticum), popularmente empre-
Ginkgo biloba: efeito sobre a memória é posto em dúvida
24 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
zado por ela em Ribeirão Preto com 280 mulheres, esterilizadas em 1998, e indicou que 60% delas ainda pagaram pela cirurgia, já que a lei ainda não estava implementada na cidade, o que só ocorreu a partir de 1999. "Os resultados do estudo indicam que ainda é preciso um intenso trabalho de conscientização sobre planejamento familiar, especialmente nas camadas mais pobres da população': diz a pesquisadora. •
gada para combater o stress, foi recentemente proibido no Canadá e na Alemanha, depois de encontrados indícios de que prejudicaria o fígado. O alho, conhecido bacterici-
da, foi considerado perigoso, em 2001, pelos efeitos colaterais que provocaria no tratamento de pacientes com Aids. Agora, a Associação NorteAmericana de Medicina e grupos de consumidores dos Estados Unidos querem proibir a comercialização da éfedra, utilizada como remédio para emagrecer, sob a acusação de que causaria derrames e ataques cardíacos. Os resultados dos estudos norte-americanos diferem frontalmente da pesquisa européia, principalmente alemã, que há décadas encontra efeitos positivos nos suplementos herbáceos. "Não deve ser o tipo de ciência que se apresentaria às autoridades nos Estados Unidos", ironiza Ronald Turner, da Universidade de Virgínia e autor de um estudo sobre a equinácea. Ao que tudo indica, porém, a confusão está apenas começando. A indústria norte-americana de ervas medicinais não é mais um negócio de fundo de quintal, mas um poderoso mercado, que movimenta US$ 4,2 bilhões por ano. E promete contra-atacar. •
• Novas armas contra o câncer Como se sabe, o câncer de mama, doença responsável pelo maior índice de mortalidade entre as mulheres ocidentais, só tem tratamento quando diagnosticado a tempo. Normalmente, é fatal quando se expande para outras partes do corpo. Nesse caso, o problema é determinar a extensão dessa expansão e a expectativa de vida da paciente. Para realizar a tarefa, estão sendo utilizadas novas técnicas de inteligência artificial (New Scientist, 27 de julho). Todas se baseiam na análise estatís-
tica por computador de dados referentes à idade e ao quadro clínico da mulher comparados às características de progressão do tumor. Uma delas, por exemplo - desenvolvida pela equipe dos professores Raoul Naguib e Gajanan Sherbet, na Inglaterra -, consegue prognosticar, com precisão de 90%, se a paciente conseguirá sobreviver em um período de cinco anos. •
• Os chimpanzés já venceram a Aids Se os resultados de estudos feitos na Holanda e nos Estados Unidos forem comprovados, estaria explicado o fato de os chimpanzés serem imunes ao HIV: eles seriam os descendentes de animais que sobreviveram à Aids (New Scientist, 24 de agosto). Depois de comparar genes do sistema imunológico humano com os de 47 chimpanzés em cativeiro, os pesquisadores das equipes de Ronald Bontrop, do Centro de Pesquisa Prima ta, de Rijswijk, na Holanda, e de Paul Gagneux, da Universidade da Califórnia, descobriram uma falha no genoma dos chimpanzés. Ela pode ser o resultado de uma luta pela sobrevivência travada há milhões de anos contra uma poderosa pandemia vira\. As duas equipes se debruçaram especificamente sobre um grupo de genes conhecido como MHCl. Esses genes codificam proteínas na superfí-
cie das células. Quando um vírus ataca uma célula, as moléculas de MHCI o agarram para permitir que o sistema imunológico o destrua antes que a infecção se espalhe. É preciso haver diversos tipos (alelos) de MHCI para combater diferentes espécies de vírus. Mas nos chimpanzés só existe cerca da metade dos alelos de MHCI encontrados no homem. Como nos demais grupos genéticos, os chimpanzés apresentam uma variedade até cinco vezes maior que a dos seres humanos, os cientistas concluem que, talvez, há cerca de 2 ou 3 milhões de anos, os macacos tenham passado por um processo de "seleção cirúrgica': Para sobreviver a um vírus mortal- e aí o HIV é forte candidato -, teriam simplesmente abortado os genes de MHCI que não contribuíam para sua imunidade. •
com outras espécies. Uma equipe de pesquisadores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto Nacional de Tecnologia (INT) trabalha no Staurikosaurus pricei, um dos primeiros dinossauros a surgir no mundo, que habitou a região de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, há cerca de 225 milhões de anos. Sua reconstituição no computador anima os pesquisadores por mostrar que deu certo o método inovador de tratamento de imagens que eles adaptaram para a paleontologia. É uma associação da modelagem tridimensional com a animação em computador, já usada em outros países no estudo de fósseis, mas com um ingrediente original: o método utilizado pela indústria de eletroeletrônicos e de eletrodomésticos para a
produção de modelos concretos em três dimensões - a prototipagem rápida tridimensiona\. Essas técnicas se somam às informações obtidas por tomografia computadorizada, que, na paleontologia, reconstitui imagens de fósseis incrustados em rochas sem os destruir. Ao trabalhar as imagens tomo gráficas com programas de computação gráfica, consegue-se observar detalhes anatômicos inacessíveis no fóssil real, como as estruturas internas do crânio. O objetivo é compreender o modo de vida do réptil, ou seja, como se movimentava e se comportava. "A partir das características que fornecemos, o programa mostra os movimentos que o réptil poderia fazer e quais as limitações", explica Sergio Alex Azevedo, diretor do Museu Nacional e coordenador do projeto. •
• Gigantes na tela do computador Um dinossauro caminha e balança a cauda na tela do computador. Em breve, será capaz de correr, mastigar e, se tudo correr bem, movimentar-se como um animal qualquer. As imagens têm o propósito de reconstituir, com a maior precisão possível, os movimentos e as formas dos dinossauros, até mesmo de partes não-conservadas, como o cérebro, e descobrir como viveram e se relacionaram PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 25
Jatobá: num ambiente saturado de gás carbônico, mais fotossíntese
não é sair plantando
florestas de jato-
bá pelo país na esperança de diminuir o efeito estufa. Mas, sim, entender o mecanismo fisiológico dessa planta, cujas pesquisas estão em estágio mais avançado, para um dia tentar otimizar a assimilação de carbono do jatobá e outras árvores tropicais, que devem ter um metabolismo semelhante."
S
e o comportamento
do jato-
bá adulto na floresta for se-
melhante ao de sua muda criada em ambiente controlado, essa árvore poderá engordar consideravelmente caso a atmosfera da Terra atinja os tais 720 ppm de CO2 em 2075, como sugerem algumas estimativas. Nesse hipotético cenário futurista, dizer que a árvore do jatobá vai elevar sua biomassa - ter mais e/ou maiores folhas e raízes e, sobretudo, produzir mais madeira equivale a afirmar que esse vegetal vai seqüestrar mais carbono do ar. Afinal, a celulose da madeira é uma das melhores formas de estocar o carbono hoje presente no CO2 atmosférico. "Ainda não sabemos, no entanto, como a árvore do jatobá, em sua integralidade, responde ao aumento de CO/, comenta Marcos Aidar, outro biólogo do Instituto de Botânica envolvido no projeto. "Não podemos precisar, por exemplo, quanto desse dióxido de carbono a mais que entra na planta acaba saindo em sua respiração." Ao lado da água e da luz, o dióxido de carbono é um composto necessário para as plantas realizarem fotossíntese (produção de energia). O CO2 absorvido por um vegetal só pode ter dois destinos: uma parte fica retida no interior do vegetal e outra é devolvida à atmosfera pela respiração. A parcela que permanece na planta é usada em reações químicas que geram a celulose e outros açúcares. Alterar a mistura da quantidade de CO2 eliminada pelas plantas, e sobretudo da fração empregada na produção de carboidratos e madeira, é um objetivo perseguido pela indústria de papel, setores da agricultura e cientistas como Buckeridge e Aidar. Nas últimas décadas, a elevação nos níveis de dióxido de carbono na atmosfera se deveu basicamente a mudanças no uso do solo (derrubada e queima de florestas) e ao incremento da atividade industrial, sobretudo em razão da com28 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Superfície de uma folha de jatobá em 1919: 40% mais estômatos (pontos em destaque)".
bustão acelerada de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gases). Medidas em nível global para combater uma série de problemas ambientais, entre os quais a escalada do efeito estufa, foram discutidas na Rio + 10, conferência realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na África do Sul no final de agosto e início de setembro. Teoricamente, baixar as emissões de CO2 é a medida mais simples e eficaz para atenuar o impacto do efeito estufa, que deve esquentar em alguns graus o clima na Terra e mudar o regime de chuvas em pontos do globo. Porém, esse objetivo é de difícil execução, pois os Estados Unidos, que sozinhos despejam um quarto do dióxido de carbono da atmosfera, não estão dispostos a assumir tal compromisso, como ficou claro mais uma vez ao fim da reunião da ONU (veja quadro à pago 32). Entre as propostas alternativas ou complementares à redução na emissão de CO2, a manutenção das matas tropicais (e o eventual reflorestamento de novas áreas) é freqüentemente apontada como capaz de atenuar as mudanças climáticas, sobretudo devido ao potencial de seqüestro de carbono exibido pelas árvores. Um potencial que, aliás,
ainda está longe de ser bem conhecido e pode variar muito em função de vários fatores, como a idade e o tipo de árvore analisada. Normalmente, costuma-se dízer que as florestas tropicais têm uma grande capacidade de retirar CO2 do ar. Mas cálculos recentes feitos no âmbito do Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), um megaprojeto internacional liderado pelo Brasil, apontam que o potencial de seqüestro de carbono desse ecos sistema pode ser mais modesto do que se imaginava (veja Pesquisa FAPESP n" 72). É nesse contexto que se encaixam os estudos dos pesquisadores do Instituto de Botânica sobre o metabolismo do jatobá em ambientes ricos em dióxido de carbono. O principal experimento de campo com a Hymenaea courbaril foi conduzido no ano passado em colaboração com Carlos Martinez, então na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, e hoje na Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Em Viçosa, as mudas da planta foram cultivadas em dois tipos de câmaras especiais: uma em que a mistura de gases era igual à da atual atmosfera (360 ppm de CO2) e outra cujo ar era mantido, de
absorção de CO2 e emissão de vapor d'água, os estômatos são conjuntos de células que fazem o papel de poros dos vegetais. que a variação no número de estômatos de um vegetal tem a ver com o maior ou menor volume de CO2 na atmosfera? Em ambientes extremamente ricos de dióxido de carbono, a planta se adapta às condições da atmosfera e reduz seu número de estômatos para não captar uma quantidade excessiva de CO2, o que seria improdutivo ou até prejudicial para o seu organismo. "Mudanças na densidade estomática fazem parte do mecanismo de regulação do metabolismo da planta': diz Buckeridge. "Isso já foi verificado em plantas de clima temperado e na Arabidopsis thaliana (planta-modelo para a biologia) expostas a altas concentrações de CO2.'' Alterações no índice de estômatos das plantas não é um fenômeno previsto apenas para o futuro, quando e se o aumento do efeito estufa se agravar ainda mais. Na verdade, há fortes indícios de que essas mudanças na estrutura celular das folhas acontecem há, pelo menos, dois séculos. Trabalhos feitos em centros do exterior mostram que, com a Revolução Industrial e a elevação gradativa da emissão de gases tóxicos como o CO2, os vegetais de hoje apresentam menos estômatos do que os do passado. A equipe de Buckeridge também comprovou esse fenômeno com o jatobá. No herbário do Instituto de Botânica, pegaram folhas de uma árvore de 1919, época em que a concentração de CO2 rondava as 300 ppm, 20% a menos que a atual, e viram que esse exemplar da espécie tinha uma densidade de estômatos 40% maior do que a das atuais Hymenaea courbaril. "Se confrontado com as mudas de jatobá que cultivamos em Viçosa a 720 ppm, o espécime do início do século passado tinha praticamente o dobro de estômatos", compara Aidar. leitor pode não ter percebido um paradoxo que emerge dos experimentos realizados com as mudas de jatobá no suposto ambiente de 2075, rico em CO2• Nessas condições, a planta exibe um aumento de 50% de seu açúcar e dobra a assimilação de dióxido de carbono. Esses dois últimos dados levam a crer que, em relação à situação atual, a fotossíntese da planta também deve duplicar se os níveis de CO2 aumenta-
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...do que hoje, quando a concentração de gás carbônico é 20% maior (ampliação 25 vezes)
forma artificial, com uma concentração constante de 720 ppm de CO2. Esses dispositivos não reproduzem à perfeição o hipotético ambiente de 2075 por exemplo, a temperatura e a umidade, parâmetros que devem variar com o aumento do efeito estufa, não são controladas. Ainda assim, o uso das câmaras é universalmente aceito para esse tipo de ensaio comparativo. "Há métodos mais sofisticados e caros, mas a maioria dos trabalhos utiliza essas câ-. maras', pondera Buckeridge. Ao longo do experimento, vários parâmetros das plantas criadas sob condições ambientais distintas foram medidos e, posteriormente, confrontados. Outra metodologia usada pelos pesquisadores foi bombear diferentes concentrações de dióxido de carbono apenas nas folhas de jatobá - e não na muda inteira. Com essa abordagem mais direcionada, concentrada na parte da planta que absorve e emite gases, a equipe de Buckeridge descobriu que as folhas do jatobá só atingem o ponto de saturação na absorção de CO2 quando a concentração do gás ultrapassa as 1.000 ppm. Trata-se de um ponto de saturação altíssimo, comparado com o de outras plantas tropicais. A bromé-
lia Alcantarea imperialis, por exemplo, não consegue mais aumentar sua velocidade de assimilação de dióxido de carbono se colocada num ambiente com 600 ppm. Com o pau-brasil (Caesalpinia echinata), o mesmo acontece quando a taxa de CO2 bate em 700 ppm. "Se nossa hipótese estiver certa, o jatobá ainda estará respondendo à mudança de concentração desse gás muitas décadas depois de outras plantas terem chegado ao ponto máximo de sua assimilação de carbono", comenta Aidar.
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ém de mostrar que as mudas de jatobá se comportam de forma diferente quando cultivadas em concentrações distintas de CO2, os trabalhos comprovaram alterações na estrutura celular das folhas da plantas. A equipe do Instituto de Botânica, integrada também por Paula Costa, Solange Viveiros e Sonia Dietrich, verificou que o número de estômatos dos jatobás criados a 720 ppm de CO2 era cerca de 15% menor do que o medido nas mudas mantidas a 360 ppm. Presentes fundamentalmente na superfície das folhas, onde controlam a entrada e saída de gases das plantas, especialmente a
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PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 29
rem em 100% nos próximos 75 anos. Até aí tudo faz sentido. Mas a diminuição no número de estômatos bagunça um pouco esse quadro. Afinal, essa alteração é uma tentativa de ajustar para baixo - e não para cima, como os dados anteriores sugerem - os níveis correntes de fotossíntese da planta. "Pode ser que, apesar de ter diminuído o número de estômatos, a eficiência das estruturas celulares que restaram e são responsáveis por captar CO2 tenha se aprimorado", diz Buckeridge. Essa contradição é um indício de que o metabolismo do jatobá trava uma espécie de luta interna tentando ajustar o nível de fotossíntese num ambiente mais rico em dióxido de carbono. Muitos botânicos acreditam que as plantas têm um mecanismo interno que lhes permite sentir a sua quantidade de carboidratos (açúcares) e, assim, ajustar os seus níveis de fotossíntese para evitar a absorção excessiva de dióxido de carbono. Por essa teoria, quando a produção de açúcares atinge um nível muito elevado, acima da capacidade de uso do vegetal, um sensor manda uma ordem para cessar a fotossíntese e, por conseqüência, diminuir a assimilação de CO2
Mudas: com o dobro de gás carbônico no ar, duplicam a produção de açúcares
e a síntese de celulose. Na opinião de Buckeridge e Aidar, a determinação de genes que codificam proteínas importantes para o funcionamento desse sensor natural de açúcar, como a enzima conhecida como rubisco (ribulose 1,5-difosfato carboxilase), poderá ser útil para tentar controlar a entrada de dióxido de carbono e a produção de celulose de uma árvore.
Entusiasmados com os resultados obtidos com as mudas de jatobá a 720 ppm de CO2, os pesquisadores do Instituto de Botânica resolveram defender publicamente a idéia de pesquisar o uso de terapia gênica em plantas para perseguir tal intento. Num artigo publicado em abril na revista eletrônica Biota Neotropica, mantida pelo programa BiotaFAPESP,a dupla propôs algumas rotas bioquímicas que poderiam ser alteradas nas plantas com o intuito de controlar sua fotossíntese, o metabolismo de carboidratos (açúcares) e também a síntese de celulose. "Sabemos que essa idéia é controversa, mas defendemos abordagens que sejam seguras do ponto de vista ambiental", explica Aidar. Para serem ecologicamente corretas, essas intervenções no genoma das plantas não devem ser repassadas para seus descendentes. Dessa forma, a natureza não seria atingida por espécies transgênicas, que poderiam competir e se tornar dominantes em relação às não-alteradas em seu DNA.
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Rússia viabiliza acordo internacional
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Se a medida do sucesso da Rio + 10,a cúpula mundial da ONU para o desenvolvimento sustentável encerrada mês passado em Iohannesburgo, é a adesão dos Estados Unidos aos compromissos estabelecidos pelo Protocolo de Kyoto, a reunião pode ser considerada um fracasso à primeira vista. Na África do Sul, a administração George W. Bush não deu garantias de reduzir as emissões de dióxido de carbono, o principal responsável pelo efeito estufa. Mas o que pareceu vitória da intransigência dos norte-americanos, responsáveis por um quarto das emissões globais de CO2, pode ser um sinal de isolamento crescente da posição do país. Embora a cúpula não tenha produzido fatos bombásticos, o final
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desse megaevento, que reuniu representantes de 190 países, pode ter pa~imentado o caminho para que Kyoto comece a sair do papel. protocolo prevê, até 2012, a diminuição da emissão de CO2 dos países industrializados aos níveis anteriores a 1990. Para entrar em vigor, o acordo precisa ser ratificado por pelo menos 55 países (o que já foi conseguido) que respondam por, no mínimo, 55% das emissões globais de COz - exigência difícil de ser cumprida sem a adesão dos Estados Unidos e de seus aliados no campo ambiental. Mas o cenário mudou ao término do encontro, pois a Rússia, o segundo maior emissor de CO2 do planeta, e o Canadá, um seguidor do receituário de Washington, disseram que ratifi-
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carão o protocolo em breve. A Austrália também estuda cumprir as normas de Kyoto. Como os 15 países da União Européia e o Japão ratificaram o acordo no início do ano, com a entrada da Rússia, mesmo sem os Estados Unidos, o protocolo pode decolar. Países pobres e em desenvolvimento, como o Brasil, estão isentos de cumprir as metas. Brasil, aliás, foi notícia na Rio + 10 ao apresentar uma proposta que chamou a atenção: defendeu a idéia de que, até 2010, 10% da energia utilizada globalmente viesse de fontes renováveis, como a energia hidroelétrica. A sugestão, porém, foi rechaçada pelos Estados Unidos e os países produtores de petróleo, com exceção da Venezuela.
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Impasse político: redução das emissões de gás carbônico depende da colaboração internacional
ara os pesquisadores do I?stituto ?e Botânica, dois tIpOS de Intervenção, ambas teoricamente seguras do ponto de vista ambiental, poderiam ser tentadas em plantas com o intuito de aumentar a sua eficiência na tarefa de limpar a atmosfera de dióxido de carbono. Uma das possibilidades seria promover alterações genéticas na região dos cloroplastos das plantas, visto que essa parte do genoma não é, na imensa maioria das espécies vegetais, passada hereditariamente para seus descendentes. Outra alternativa seria o desenvolvimento de remédios ou vacinas gênicas que pudessem ser ad-· ministradas temporariamente, apenas pelo tempo que se julgar necessário, às plantas e tivessem por objetivo atuar sobre o seu metabolismo, levando-as à maior produção de fotossíntese e assimilação de carbono. Nem todo mundo aprovou as idéias de Buckeridge e Aidar. No número seguinte da revista Biota Neotropica, dois pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fábio Rubio Scarano e Eduardo Arcoverde de Mattos, fizeram um artigo criticando as propostas de seus colegas paulistas. "(As propostas) pecam por não considerarem importantes aspectos ecológicos e sociopolíticos, tais quais imprevisibilidade ecológica, a existência de um grande potencial de seqüestro
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de carbono por plantas nativas nãomanipuladas e a relevância da soberania científica e política no que se refere ao tema das mudanças globais", escreveram Scarano e Arcoverde. Obviamente, os conhecimentos em fisiologia vegetal e biotecnologia ainda não estão num nível que permita aos cientistas levar adiante, no curto prazo, qualquer uma das duas abordagens sugeridas pelos pesquisadores do Instituto de Botânica. "Mas o tempo está correndo e, se as previsões estiverem corretas, temos apenas 50 anos para decidirmos se vamos usar ou não esses métodos de manipulação de plantas", comenta Buckeridge.
o PROJETO Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade Vegetal do Cerrado e Mata Atlântica: os Carboidratos de Reserva e seu Papel no Estabelecimento e Manutenção das Plantas em seu Ambiente Natural MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR MARCOS SILVEIRA
BUCKERIDGE
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Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente INVESTIMENTO
R$ 309.845 e US$ 378.726
Mesmo que os estudos com o jatobá não abram caminho para o desenvolvimento de técnicas capazes de elevar a capacidade de as florestas tropicais seqüestrarem (dióxido de) carbono da atmosfera, as pesquisas com a Hymenaea courbaril terão servido para outro objetivo, tão ou mais importante do ponto de vista da botânica: ajudar a entender a fisiologia das espécies vegetais e servir de parâmetro para os possíveis rearranjos da flora que devem ocorrer em função das mudanças climáticas. Muitos trabalhos internacionais, quase sempre com plantas de clima temperado ou culturas agrícolas, mostram que pode haver alterações profundas na biodiversidade da Terra devido ao aumento das taxas de CO2 e do efeito estufa. Um estudo da Universidade da Flórida publicado recentemente na revista Global Change Biology mostrou, por exemplo, que o rendimento de uma safra de feijões é um quarto maior quando cultivada a 720 ppm. Com a soja plantada em ambientes ricos de CO2, o mesmo também parece acontecer. No caso de árvores de clima temperado, há indícios de que, num ambiente com concentrações elevadas de CO2, as espécies de sombra vão aumentar mais a sua biomassa do que as variedades acostumadas à luz do sol. Os dados sobre o crescimento do jatobá a 720 ppm de dióxido de carbono reforçam, por ora, essa hipótese. Em tempo: a variedade de jatobá estudada no Instituto de Botânica é uma espécie tropical que se desenvolve à sombra quando jovem, protegida dos raios solares pela copa de árvores maiores. Buckeridge e Aidar planejam agora experimentos com outras espécies tropicais, como o ipês (Tabebuia spp), quaresmeiras (Tibouchina spp), pau-jacaré (Piptadenia gonoacantha)e pau-brasil, para ver o seu comportamento em ambientes com níveis elevados de CO2• Outra meta é levar a cabo ensaios mais complexos com o jatobá, em que, além dos níveis de gás carbônico, sejam controladas a temperatura e umidade nas câmaras especiais em que as plantas são cultivadas. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 31
• CIÊNCIA
ENTREVISTA:
ANDREW
TOWNSEND
PETERSON
Simuladores do futuro Programas de modelagem ambiental antecipam os efeitos das mudanças climáticas e a expansão de doenças no mundo
sbiólogos já conseguem descobrir e entender com precisão os impactos das mudanças climáticas sobre os animais e as plantas, a expansão de insetos danosos à agricultura e o real perigo de vírus causadores de doenças. As projeções sobre situações como essas, que põem em risco o futuro da humanidade, emergem de uma série de programas de computador e compõem uma área de pesquisa relativamente nova, a modelagem ambiental (predictive modelling, em inglês), na qual se destaca o trabalho de um discreto biólogo norte-americano: Andrew Townsend Peterson, do Centro de Pesquisa de Biodiversidade e História Natural da Universidade do Kansas, Estados Unidos. Aos 38 anos, com 13 artigos já publicados este ano, Peterson participou do desenvolvimento do SpeciesAnalist, programa que integra eletronicamente as coleções biológicas (de animais e plantas) de instituições de pesquisas do mundo todo. Nos dois meses em que esteve no Brasil, o biólogo nascido em Ohio trabalhou com a equipe do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria) - a instituição responsável pela manutenção do SinBiota, o sistema de informação do programa de mapeamento da flora e da fauna do Estado, o Biota-FAPESP - no desenvolvimento do programa paulista de modelagem ambiental: o Species-
o
32 . OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Link, concebido para reunir o material de pesquisa guardado em 12 instituições paulistas e, num segundo momento, pôr o Brasil em contato com a nascente rede mundial de informática para a diversidade. Sua estada - a mais longa desde que começou a trabalhar com pesquisadores brasileiros, em 1999 deixou claro como a modelagem pode ajudar a resolver problemas específicos do país, revelando, por exemplo, o deslocamento da leishmaniose, que está deixando as áreas pobres e rurais e se aproximando das cidades. Nesta entrevista, concedida a Carlos Fioravanti na sede do Cria, em Campinas, Peterson conta como essa área de estudos amplia por vezes corrige os rumos da pesquisa no mundo inteiro.
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• O que é modelagem ambiental? - Basicamente, qualquer abstração do mundo natural com algum poder de prever eventos com base em princípios gerais. Usamos especificamente a expressão modelagem de nicho ecológico, que concentra seu poder de previsão em fenômenos que se referem à distribuição da biodiversidade. • Em um de seus artigos mais recentes, publicado na Nature, o sr. assegura que as previsões a respeito das mudanças climáticas mundiais, que já não são nada boas, estão subestimadas. Poderia explicar por quê?
- Na verdade, as previsões do impacto das mudanças climáticas sobre a biodiversidade foram estimadas de forma inapropriada. Existe uma relação biogeográfica geral segundo a qual altitude e latitude são mais ou menos equivalentes. Portanto, algo como 100 metros de altitude é mais ou menos equivalente a um deslocamento de 800 quilômetros em direção ao pólo. Então, a elevação de um grau na temperatura da Terra é essencialmente a mesma coisa que empurrar as zonas climáticas para cima, em direção aos pólos. A partir daí, estimam-se as mudanças climáticas na Terra por meio de grupos de espécies de um ecossistema, indicando para onde vão as zonas climáticas e o tamanho das populações antes e depois de uma aumento de um grau, digamos. O problema com essa abordagem é que o ecossistema da Amazônia, por exemplo, não é homogêneo, mas complexo, composto por milhões de espécies de plantas, animais e microrganismos. Um dos pontos mais importantes do artigo da Nature foi mostrar que as espécies têm reações muito peculiares. Se a temperatura sobe, elas deveriam migrar para os pólos, mas nem sempre isso acontece. Algumas vão literalmente em direção ao equador, outras para o leste ou oeste, de modo que não conseguimos prever o comportamento de todas quando o clima de um ecossistema se altera.
• Algum exemplo? - Há 20 mil anos, no final da última idade do gelo, havia uma floresta de faias e abetos nos Estados Unidos, em uma extensão equivalente ao Estado de São Paulo. Quando o clima mudou, essas espécies deslocaram-se para regiões diferentes e atualmente os abetos estão no norte dos Estados Unidos e no sul do Canadá; e as faias, no leste do Estados Unidos. Não há lugar algum no qual as faias e os abetos apareçam juntos.
• Já é possível prever o que vai acontecer com cada espécie? - É possível estimar se o impacto decorrente do aquecimento global seria pequeno ou grande analisando o número de espécies que entrariam em um ecossistema ou sairiam dele. No México, a taxa de extinção é de apenas 3%, mas o número de espécies que mudariam de comunidade é assustador. Portanto, em alguns casos os efeitos das mudanças climáticas podem ser até menos graves do que se previa, como aconteceu com a estimativa de extinção, mas outras vezes pode-se esperar efeitos mais graves. Explorei também esse efeito em áreas planas versus áreas de montanhas para descobrir as relações entre os efeitos das mudanças climáticas e a topologia, e descobri que as plantas de áreas montanhosas podem perder espaço com as mudanças climáticas. É o caso dos campos de altitude no topo da Serra da Mantiqueira, que correm perigo de desaparecer por estarem bem no topo da montanha. Se as zonas climáticas subirem, para onde vão os campos? Não há nada mais alto. Em terras planas como em São Paulo ou na Amazônia, parece que o problema é o movimento.
• Poderia explicar? - Imagine que estamos olhando para uma árvore da Amazônia. As condições climáticas mais adequadas para essa árvore podem não mudar, mas se deslocar em 400 quilômetros, por exemplo. Nesse caso a árvore, que não consegue se movimentar, pode se encontrar num local fora do seu clima preferido. Portanto, estamos começando a entender os efeitos negativos da alteração climática em certos tipos de topografia. O México, Canadá, o sul da Índia, os Estados Unidos e agora o Brasil são as áreas em que estamos analisando os tipos de
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efeitos das mudanças climáticas e os impactos que podem ocorrer nos planos de conservação. Temos feito planos de preservação baseados no presente, mas rearranjos feitos pelo clima poderão ser tão severos que os padrões atuais de diversidade poderão mudar inteiramente. Ao levar as mudanças climáticas em consideração, poderá surgir um quadro totalmente diferente de prioridades de conservação. Por exemplo, a distribuição do cerrado em São Paulo é considerada periférica e degradada. Entretanto, as mudanças climáticas podem tornar o clima do Estado mais propício para o desenvolvimento dessa vegetação, tornando os remanescentes de cerrado no Estado muito mais importantes para a conservação do bioma.
• Qual é o conceito mais importante para entender as mudanças ambientais? - Na minha opinião, a chave é entender como uma espécie em particular interage com o ambiente. É o que chamamos de nicho ecológico, que é o hábitat específico em que cada espécie vive. Há pesquisadores que priorizam os processos do ecossistema e estão mais interessados em estudar o comportamento de ecossistemas como a Mata Atlântica ou o rio Amazonas. Querem saber como cada ambiente se comporta, como manipula oxigênio e dióxido de carbono e o que excreta. Tratam cada ecossistema como um grande organismo. Um modelo não exclui o outro. Ambos são importantes e complementares.
• Como a modelagem preditiva pode ajudar em outra área, a dinâmica de doenças?Em outro artigo recente, o sr. mostra como um grupo de barbeiros, os triatomas, poderia transmitir a doença de Chagas ...
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- Quando um organismo se instala em outro no qual não deveria estar, a doença surge. Se não deveriam estar em nosso organismo, ficamos doentes. É diferente do que acontece com as bactérias Escherichia coli, que têm uma relação de longa data conosco e não cau34 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
logia e da geografia das doenças com o objetivo de determinar as unidades corretas de gerenciamento e definir um programa de controle de triatomas no Nordeste.
• Está surgindo uma nova abordagem da ecologia?
sam mais doenças. Os problemas surgem quando encontramos um parasita estranho, como o vírus da raiva. O reservatório natural da raiva é principalmente o morcego vampiro, para quem o vírus não causa danos por já ter com ele uma relação antiga. Quando o vírus da raiva infecta os seres humanos, que não têm essa relação antiga com o vírus, ficamos doentes e podemos até morrer. Reconstruindo os modelos de interação do reservatório e do vetor, podemos descobrir a dinâmica da doença. Depois, fica mais fácil definir as áreas de risco. • O que é necessáriopara aplicar a mode-
lagem ao estudo das doenças? - É necessário ter os dados ambientais e mapas eletrônicos de clima, topografia e vegetação, o chamado sistema geográfico de informações, e os pontos de incidência da espécie. Aqui no Brasil, aliás, aqui em São Paulo, vemos uma situação interessante com a leishmaniose, uma doença que sempre ataca as áreas pobres e rurais e de repente está se tornando uma doença preocupante também em áreas pobres urbanas. Além disso, está se deslocando para o sul. Estou trabalhando com Ieffrey Shaw, da Universidade de São Paulo, para entender melhor a dinâmica da doença. Trabalho também com o pessoal da Fundação Oswaldo Cruz com a doença de Chagas, mas com outro grupo de triatomas. Esse grupo de insetos é considerado uma única espécie, mas há dúvidas sobre isso, e meus colegas na Fiocruz ficaram interessados em saber se os membros desse grupo pertencem ao mesmo ecossistema. Analisamos as populações, que são um pouco diferentes morfologicamente, e mostramos que cada uma era ecologicamente diferente. Estamos começando a explorar os detalhes da eco-
- Os fundamentos desta abordagem nasceram em 1917 com Ioseph Grennel, o fundador do Museu de Berkeley. A abordagem, portanto, não é nova, novos são os dados e as ferramentas. Para a comunidade científica, tem sido um longo processo de aprendizado. Quando decidi começar a explorar esses métodos, em 1995, mandei quatro propostas de trabalho para a Associação Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Todas foram rejeitadas. • O pior já passou? - Sim. Está quase ganha a batalha de acesso público aos dados sobre biodiversidade. Até alguns anos atrás, eram pouquíssimos os pesquisadores que realmente acreditavam que a informação sobre a biodiversidade é um patrimônio que pertence a todos. Naquela época, a idéia predominante era a de restringir o acesso à informação de forma a ressaltar a importância dos museus. Hoje, quem pensa assim é exceção. Mas ainda existe a batalha científica, que é estabelecer essa nova metodologia de modelos de nichos ecológicos. Ou apresentamos bons prodqtos científicos e as pessoas se convencem ou falhamos. Não me incomoda mais fazer com que as pessoas compartilhem os dados comigo. Sou curado r de uma coleção com cerca de 100 mil aves do mundo todo, mas os considero parte de um patrimônio mundial. Essa coleção na realidade pertence não apenas à minha instituição, mas também aos países de onde os espécimes vieram.
• E quanto aos limites da modelagem? - Há limites computacionais, de tempo e de velocidade. Eu adoraria fazer os modelos do mundo inteiro com resolução de um metro com mil coberturas ambientais. Não existe nada que nos
impeça, a não ser velocidade e tempo. Em termos práticos, existe uma restrição de área para análise de um milhão de pixels. Já fiz com 23 milhões de pixels, mas o programa fica muito lento. Estamos limitados a um milhão de pixels e 20 a 30 camadas ambientais, mas podemos melhorar. Ricardo Scachetti Pereira, do Cria ( Centro de Referência em Informação Ambiental), está ajudando a criar o DesktopGarp, uma versão mais amigável do Garp ( Genetic AIgorithm for Rule-set Prediction, ou AIgoritmo Gené-
tico para Previsão Baseada em Regras), criado há dez anos por David Stockwell na Agência Ambiental da Austrália e aperfeiçoado no Centro de Supercomputadores de San Diego. O Garp prevê fenômenos diferentes em distribuições limitadas e em lugares diferentes, mas era muito difícil de usar. Freqüentemente falamos de tolerância fisiológica, que é a tolerância de temperatura de uma determinada espécie, mas raramente podemos perguntar como essas tolerâncias mudam de acordo com a distribuição da espécie. Em um trabalho com o vírus ebola, usamos pela primeira vez essas novas ferramentas e percebemos que a faixa de atuação do vírus era determinada em alguns lugares pela precipitação e em outros pela temperatura. O Garp nos permite uma complexidade muito maior para caracterizar a área de incidência de uma espécie. Posso definir os parâmetros de análise, deixar o computador funcionando sozinho por um mês e depois ter 10 mil modelos de nichos ecológicos. Nenhum outro programa tem essa capacidade.
• Como é seu trabalho com o Cria? - O propósito da minha visita é desenvolver aplicações de interesse para o Brasil, em colaboração com pesquisadores locais. Nesses dois meses que vou ficar aqui, espero que no mírumo sejamos capazes de dar uma boa olhada no Estado de São Paulo e começar a estudar a Mata Atlântica e o cerrado. O Cria tem sido um verdadeiro líder,
ao agrupar um conjunto de dados fantásticos sobre a biodiversidade paulista sem que haja a necessidade de reunir os dados fisicamente em um único lugar. Os dados ficam nas universidades e museus, mas se integram via internet.
• Em que pé está o SpeciesLink? - O SpeciesLink é uma rede distribuída de dados, concebida no Cria para conectar 12 instituições de pesquisa do Estado de São Paulo e integrar os dados com os de outras instituições ao redor do mundo. Quando ficar pronto, em alguns anos, permitirá o compartilhamento de dados sobre a ocorrência das espécies, que é um recurso crítico de que precisamos para levar adiante esses modelos. O grupo do Cria adaptou a tecnologia do SpeciesAnalyst, para arcar com necessidades específicas de São Paulo, mas o SpeciesLink funciona também de forma independente, com a idéia de que todas as redes irão conversar entre si.
• Há quantas redes desse tipo funcionando no mundo? - Cinco. Uma na Austrália, outra no México, uma terceira na Europa, o Species Link no Brasil e o SpeciesAnalyst, desenvolvido na Universidade de Kansas. São redes muito diferentes, mas estam os em uma fase de integração em que as soluções convergem para uma solução única. Acho animador ver pessoas de cinco países, incluindo alguns chamados de países em desenvolvimento, conversando em condições de igualdade. Os representantes de cada um estão colaborando num projeto chamado DiGIR (Distributed Generic Information Retrieval, ou Siste-
ma Genérico e Distribuído de Recuperação de Informação), uma tecnologia em
comum para o futuro das redes distribuídas de biodiversidade. Nos próximos meses, o pessoal do México, de Kansas, Berkeley, do Cria e da Austrália estarão completando o DiGIR, as redes poderão se integrar e o SpeciesLink poderá não só ver as 12 instituições do Estado de São Paulo mas também as 80 do SpeciesAnalyst e as 30 da rede mexicana. A riqueza de dados crescerá de maneira marcante.
• Quais seriam, a seu ver, as questões prioritárias para o Brasil nessa área? - Existem questões bastante interessantes. Uma delas, que é uma prioridade mundial, é a previsão de análise de espécies básicas, que está muito associada ao deslocamento de populações. Os seres humanos estão se deslocando muito mais que há 50 anos. Esse movimento faz com que as espécies também se movam, criando novos problemas. Há, por exemplo, um inseto, o Homalodisca coagulata, que transmite a doença de Pierce, causada por uma das variedades de Xylella fastidiosa. É originário do sul dos Estados Unidos, mas invadiu a Califórnia, a oeste, e se tornou uma praga perigosa não só para as árvores cítricas, mas também para as videiras. Para descobrir qual o potencial de a Xylella que ataca as videiras da Califórnia invadir a América do Sul, por meio desses insetos, aplicamos os modelos no sudeste dos Estados Unidos.
• E o que aconteceu? - No lado nativo, os testes foram muito precisos. Aplicado à Califórnia, sem pontos de infestação sobrepostos, o modelo indica uma correspondência com uma estatística significativa. Não só pode prever a distribuição nativa como também a distribuição do invasor. Projetamos o modelo para a América do Sul, preocupados com as plantações de citrus do Estado, mas os citrus parecem não ser vulneráveis a esse inseto. Mas regiões como Salta, na Argentina, ou mesmo o Rio Grande do Sul parecem ser bastante vulneráveis. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 35
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"Como não é possível preservar tudo, é preciso estabelecer prioridades e saber o que cada grupo de aves representa no conjunto da biodiversidade de uma região ou do Brasil", comenta Anita. Seu trabalho atraiu pesquisadores de todo o país pela perspectiva de conservar espéciesbrasileiras e pela simplificação do exame do DNA, viabilizada pela equipe da USP: em vez de levar equipamentos ao campo, coletam-se uma ou duas gotas de sangue, enviadas para análise em laboratório. Por meio desse teste, que resulta num tipo de código de barras, único para cada indivíduo, pode-se também determinar o sexo de algumas aves - apenas pela aparência, é impossível distinguir um macho de uma fêmea de periquito ou de arara, por exemplo. Antes, para saber o sexo, era preciso submeter as aves a uma pequena cirurgia, em que se fazia um corte de 1 centímetro no abdômen para observar as gônadas. Associadas, a análise do sexo e da variabilidade genética facilitam a formação de casais para reprodução em cativeiro e permitem propor um programa de fortalecimento das populações por meio de cruzamentos entre indivíduos geneticamente mais diferentes entre si. Foi o que aconteceu com a ararinhaazul (Cyanospsitta spixii), em um dos casos em que os especialistas do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Re-
cursos Naturais Renováveis (Ibama) solicitaram a colaboração da equipe da USP para salvar a espécie, considerada extinta na natureza - o último exemplar solto, localizado em dezembro de 2000, em Curaçá, na Bahia, era macho, conforme a sexagem feita com DNA extraído de penas encontradas na região. A situação dessa espécie é crítica: a análise de exemplares de cativeiros mostrou que podem ser considerados parentes, com grau de similaridade de 70%. Em todo o mundo, existem apenas cerca de 60 ararinhas-azuis. ojeo grupo da USP mantém parcerias com pesquisadores de sete estados. A primeira nasceu há dez anos com a bióloga Neiva Guedes, da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp), que coordena o projeto de conservação da arara-azul (A. hyacinthinus), ameaçada de extinção, com uma população estimada em 5 mil indivíduos. Da análise do DNA do sangue que Neiva enviou veio uma má notícia: a arara-azul apresenta variabilidade genética baixa, de 0,34, o que pode dificultar o trabalho de preservação dessa espécie. Mas, entre os filhotes, a quantidade de machos é igual à de fêmeas, importante para haver um equilíbrio populacional.
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Destinos opostos: mutum (à esquerda) e jacupemba (à direita), reintroduzidos na natureza, e canário-da-terra, quase desaparecido
o trabalho permitiu também a reconstituição da história e das relações entre as espécies de três grupos de aves neotropicais que vivem desde a América do Sul até o México: os psitacídeos (papagaios, periquitos e araras), os ranfastídeos (tucanos e araçaris) e os cracídeos (mutuns, jacus e aracuãs - as chamadas galinhas brasileiras). No total, são 122 espécies e 40 gêneros, que representam 85% dos gêneros desses grupos de aves neotropicais. Com base nos exames de DNA e com o apoio de registros fósseis, as pesquisadoras calcularam o número de mutações incorporadas no genoma de cada espécie ao longo do tempo, o chamado relógio molecular, e montaram uma tabela da evolução dos três grupos e dos períodos geológicos em que ocorreu a diferenciação entre eles. "Há 76 milhões de anos, houve uma separação no grupo dos psitacídeos, entre os neotropicais e os australianos': diz Cristina. Nessa época ocorreu também a separação do supercontinente Gondwana, quebrando-se em África, América do Sul e Antártica. A análise de DNA indica que não foram apenas os papagaios, os periquitos e as araras que se isolaram e começaram uma história própria: as galinhas brasileiras também se separaram de suas irmãs australianas nessa mesma época. Nesse ponto, a equipe da USP tem uma opi-
nião própria, divergente da maioria dos ornitólogos, que tendem a achar que a origem não foi um evento ocorrido em Gondwana, mas que os cracídeos teriam vindo da América do Norte para a do Sul. Anita e colaboradores sustentam seu ponto de vista no artigo que será publicado em dezembro na revista
Systematic Biology. Bem depois, há 35 milhões de anos, ocorreu a separação entre os psitacídeos de cauda curta (papagaios) e os de cauda longa (periquitos e araras). Na mesma época, separaram-se os cracídeos: de um lado, o grupo dos mutuns e jacus; de outro, o dos galináceos menores conhecidos como aracuãs. Era o fim de uma era de mudanças paleogeográficas em que surgiram as calotas polares, o planeta se resfriou, o nível dos oceanos baixou e as chuvas diminuíram. ristina situa entre 22 e 18 milhões de anos atrás a separação de gêneros entre os psitacídeos de cauda longa, numa data próxima à da separação de gêneros dos cracídeos, há 19 milhões de anos. "Essas diversificações ocorreram ao fim de uma época em que as placas tectônicas continentais se engavetavam, elevando a cordilheira dos Andes e mudando o curso de grandes bacias fluviais, como a do Amazonas. Essa movimentação fez o mar avançar pelo continente adentro e depois recuar': diz ela. Finalmente, a defmição das espécies atuais também ocorreu com certa coincidência: entre 12 milhões e 1 milhão de anos para os psitacídeos, e entre 9,8 milhões e 1,1 milhão de anos para os cracídeos. Quando se propôs a trabalhar com aves brasileiras, Anita deu preferência às espécies ameaçadas, que perdem hábitat e são intensamente caçadas por esporte, para servir de alimento ou ainda para abastecer criadores e zoológicos do exterior. A importância de estudar as aves se deve ao papel de bioindicador desempenhado por elas: o desaparecimento de uma espécie em uma região indica a destruição de seu hábitat. É o caso do canário-da -terra (Sicalis flaveoIa), em gradativo desaparecimento em conseqüência do avanço das monoculturas, dos alagamentos causados pelas hidrelétricas e da caça: seu canto é um dos mais apreciados pelos passarinheiros. "As aves ameaçadas podem se to r-
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o PROJETO Estudo da Estrutura Populacional e Relações Filogenéticas de Aves MODALIDADE
Projeto temático COORDENADORA
Instituto de Biociências/USP ANITA WAJNTAL -
INVESTIMENTO
R$ 478.127,54
nar símbolos para atrair as comunidades locais no esforço de preservação dos ecossistemas', sugere a pesquisadora. Anita é contra soltar animais na natureza, ainda que o ato seja bem-intencionado, sem rígidos cuidados que determinem se esse ato pode ou não prejudicar os indivíduos da mesma espécie. "As aves muitas vezes estão fragilizadas pela vida no cativeiro, podem pegar uma virose e, quando soltas, espalhar a infecção, com resultados catastróficos': alerta. "Os animais só devem ser soltos depois de todos os cuidados veterinários e, ainda assim, só em regiões onde não existam mais. Além disso, as solturas devem ser monitoradas para posterior avaliação dos impactos." Como a todo momento chegam amostras de sangue de aves do país inteiro, o laboratório da USP vive-tomando sustos. A arara-canindé (Ara ararauna), embora considerada extinta em São Paulo, é comum nos buritizais e nos cerrados da América do Sul, do Paraguai ao Panamá. Mesmo assim, uma população estudada exibe índice de similaridade próximo ao das espécies mais ameaçadas, de 0,34. Um dos motivos que podem explicar essa exceção é o fato de essa população de arara-canindé viver muito isolada, de modo que os acasalamentos só ocorram dentro do grupo - dessa forma tende a cair a variabilidade genética. A equipe da USP sabe, há tempos, que toda ajuda é preciosa quando se
deseja realmente conservar as espécies brasileiras. O estudo dos cracídeos, o grupo dos mutuns, jacus e aracuãs, avançou um bocado com a participação dos funcionários da hidrelétrica de Paraibuna, no Vale do Paraíba. Criou-se ali um viveiro desses galináceos, capturados antes da formação do lago para a construção da represa, concluída em 1978. Após o reflorestamento de uma área em torno da hidrelétrica, os filhotes de duas espécies de jacu (Penelope obscura e Penelope superciliares) foram reintroduzidos na natureza. A comparação posterior de amostras de sangue das aves soltas e da cativas mostrou um grau de parentesco elevado. "Isso indica que as aves soltas permaneceram na região e estão bem adaptadas", comemora Anita. Em torno de outra hidrelétrica, Porto Primavera, no extremo oeste paulista, ganharam a liberdade os mutuns (Crax fasciolatta), recuperados após ficarem presos em pequenas ilhas. Os biólogos da USP não esperavam encontrar nessas aves, de ampla distribuição, uma alta similaridade genética (0,35). Mas, ao observarem os mapas de antes e depois da inundação, viram que a região já havia sido devastada e apresentava pouquíssima vegetação nativa, escassas matas ciliares e abundantes eucaliptos, uma espécie exótica. Uma situação nada favorável para os mutuns. •
Papagaio-da-ilhade-marajó: situação tranqüila
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BIOFÍSICA
Como as ondas do mar Pesquisadores desvendam na superfície de células movimentos para combater parasitas
mapenas dois minutos, uma célula do sistema imunológico imobiliza, envolve, engole e destrói uma partícula estranha ao organismo, como uma bactéria ou um parasita. O fenômeno é conhecido como fagocitose - do latim fagos (comer) e citosis (célula) - e decorre de um tipo específico de flutuações na superfície da célula classificadas como grandes por formarem ondas semelhantes às do mar, com uma altura de alguns micrômetros (um micrômetro é a milionésima parte do metro), como provou uma série de experimentos recentes feitos por pesquisadores do Laboratório de Física Estatística e Biofísica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O resultado altera um dos modelos teóricos proposto há quase 30 anos por pesquisadores norte-americanos para explicar a fagocitose, o modelo zíper, segundo o qual pequenas vibrações normais - também chamadas aleatórias, que permeiam toda a superfície celular e assemelham à de uma piscina em dia de pouco vento - provocariam o processo, usado pelas células no combate a agentes estranhos ao organismo, como bactérias e fungos. No futuro, a descoberta pode levar ao desenvolvimento de drogas mais eficientes no combate a infecções. O caminho até essa conclusão foi longo. Primeiro, os pesquisadores mineiros desenvolveram uma técnica inovadora, descrita em um artigo científico em via de publicação, que permitiu observar e filmar detalhes dos dois tipos de movimento da superfície celular
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ao microscópio óptico. Chamada microscopia de desfocalização, altera o foco da imagem por distâncias inferiores a um micrômetro e assim permite ver e medir a curvatura da superfície celular, parâmetro importante para a avaliação da quantidade de energia gasta pelas células de defesa, como os macrófagos, para engolfar o patógeno. Pinças de luz - O método só funcionou quando associado a outro, criado nos anos 70 pelo físico norte-americano Arthur Ashkin, dos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos. Conhecida como pinças ópticas - feixes concentrados de laser capazes de prender e manter suspensos átomos, moléculas e células -, essa técnica, antes aplicada à física, foi adaptada a estudos em biologia nos últimos anos. Com auxílio dessas pinças de luz, o físico Oscar Nassif de Mesquita, da UFMG, e seu aluno de doutorado Ubirajara Agero conseguiram isolar um único macrófago de camundongo, sem o destruir, e alimentá-lo com partículas de zymosan, levedura usada em experimentos de fagocitose em laboratório. ' Na análise desse fenômeno, apareceram tanto as ondas grandes quanto as pequenas - embora apenas as grandes participassem ativamente da emissão de prolongamentos para englobar a partícula. "Nosso objetivo era entender como as propriedades mecânicas da superfície da célula afetam o processo de fagocitose', explica Mesquita, coordenador do trabalho, desenvolvido em colaboração com Catherine Ropert, do Centro de Pesquisas René Rachou,
da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, e Ricardo Gazzinelli, que trabalha na Fiocruz e no Departamento de Imunologia e Bioquímica da UFMG. Ao medir o tamanho das ondas, os pesquisadores conseguiram calcular a energia gasta pelas células para gerar os movimentos. Enquanto as pequenas flutuações, que ocorrem em toda a superfície da célula, praticamente não gastam energia (a temperatura do corpo de po Cvé suficiente para produzi-Ias), as ondulações grandes consomem 100 vezes mais energia. Perspectivas - Faltava, no entanto, a comprovação do novo mecanismo da fagocitose. Os pesquisadores acrescentaram ao meio de cultura dos macrófagos uma droga que altera a consistência do esqueleto das células e inibe a formação das grandes ondulações, a citocalasina D. Ao medir novamente a duração do processo, verificaram que O' tempo gasto para aniquilar o invasor aumentou 60 vezes, de dois minutos para duas horas, confirmando a importância das grandes ondas para a fagocitose. "Esses resultados abrem caminho para o estudo de medicamentos que atuem na estrutura de sustentação das células e na produção de energia para aumentar a eficácia da fagocitose", comenta Mesquita, que há três anos enveredou pela análise de sistemas biológicos e neste ano publicou dois artigos sobre o uso de pinças ópticas - um na revista Physical Review E e outro na Applied Physics Letters, ambas da Sociedade Americana de Física.
permeabilidade, que se mostrou bem menor do que as estimativas anteriores: apenas 5 micrômetros por segundo - os trabalhos que haviam avaliado a osmose por observação indireta, em agrupamentos de células, estimavam essa velocidade entre 0,5 e 50 micrômetros por segundo. "Diminui-se muito a possibilidade de erro com a eliminação da interferência de outras células e do contato com a lâmina de vidro do microscópio, que deforma a célula e impede a medição direta", comenta Mesquita.
As pinças ópticas também vêm auxiliando a equipe mineira a estudar fenômenos biológicos na escala molecular, mais especificamente a elasticidade da molécula de DNA. Essa propriedade física garante ao material genético a capacidade de dobrar-se sobre si mesmo para caber no núcleo da célula, que tem uns poucos micrômetros - o DNA contido em uma única célula chega a quase 2 metros de comprimento se esticado.
Interação . Após isolar um único
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segmento de DNA com o auxílio das pinças, Mesquita e seu aluno Nathan Viana mediram a flexibilidade da molécula com um método criado por eles. Chamado espalhamento dinâmico de luz e descrito no doutoramento de Viana, concluído em maio, o método avalia a intensidade de um laser refletido por esferas de poliestireno ligadas ao DNA. O experimento permitiu a validação da técnica que, ainda neste ano, deve ser empregada para analisar a interação do material genético com proteínas e com medicamentos, substâncias que alteram a elasticidade da molécula. Desse modo, os pesquisadores esperam compreender melhor o processo de replicação do DNA. Recentemente, a equipe começou a avaliar os danos causados em uma única molécula de DNA pela radiação ultravioleta, como a que causa as queimaduras solares. "Pretendemos ver a evolução ao longo do tempo dos danos provocados em um única molécula", explica Mesquita. ''Ainda não sabemos todas as possíveis implicações disso, mas creio que será importante para avaliar o risco de câncer de pele, causado pelo mesmo tipo de dano': Outra linha de pesquisa na qual a equipe do pesquisador investe é o estudo do transporte de água nas células renais, mais especificamente o processo de perda de água da célula para o meio externo, mais concentrado, por exemplo, em sal, a substância empregada no experimento. Em decorrência desse processo, chamado osmose, a célula começa a murchar e imediatamente ativa 42 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
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Rasso a passo: macrófago de rato (no alto) aproxima-se de células de carneiro e em seguida as engloba e as digere
seu mecanismo de regulação de volume, de modo a voltar ao estado inicialé a osmorregulação, outro mecanismo essencial. Num trabalho em parceria com Robson dos Santos, do grupo de hipertensão do Departamento de Fisiologia da UFMG, Mesquita e sua aluna de doutorado Aline Duarte Lúcio mediram, com precisão maior que outros métodos, o volume de água perdido no processo, ao observar uma célula renal de cachorro isolada e suspensa no meio de cultura com o auxílio de pinças ópticas. Também calculou a velocidade da osmose, chamada pelos especialistas de
Permeabilidade . Os pesquisadores acompanharam em tempo real a osmose e quantificaram, em função desse tempo, a permeabilidade da membrana da célula em relação à água, que se deve à criação de canais na membrana celular pela ação de proteínas especializadas, as aquaporinas. Nas experiências foram usadas quantidades variadas de NaCI (cloreto de sódio, o sal de cozinha) no meio externo para forçar a saída da água da célula, que murcha rapidamente, em alguns segundos, mas logo em seguida aciona o seu mecanismo de regulação de volume, o processo de osmorregulação, para retomar praticamente ao seu volume original, em cerca de dez minutos. Essa fase é mais demorada porque o soluto - os compostos dissolvidos no interior da célula, entre os quais estão minerais como o potássio - tem de migrar para regiões específicas da célula, osmoticamente ativas, de modo a inverter o fluxo de água. A adição do hormônio vasopressina, produzido naturalmente no corpo e relacionado à hipertensão, aumenta a permeabilidade porque causa a migração de novas aquaporinas para a superfície da célula. O passo seguinte, comenta Mesquita, é realizar experimentos em células renais de dois grupos de animais, hipertensos e normais. Podem surgir daí mais detalhes sobre alterações nos mecanismos de transporte de água potencialmente úteis na busca de novas drogas para tratar pressão alta e problemas nos rins. •
• CIÊNCIA
EPIDEMIOLOGIA
Os tons da diferença Variações no canto de acasalamento mostram que pode haver mais de uma espécie de transmissor da leishmaniose visceral mosquito tlebótomo transstudosfeitos pemissor da leishmaniose visla Fundação Oswaldo Cruz (Fioceral. "Podemos estar diante cruz), do Rio de de uma situação semelhante ao mosquito Anopheles gamJaneiro, sugerem biae, que transmite a maláque os mosquitos tlebótomos ria na África", diz Peixoto. hoje chamados de Lutzomyia longipalpis, principais transPor meio de uma série de esmissores da leishmaniose tudos, os cientistas descobrivisceral em humanos nas ram que há um complexo Américas, podem pertencer de sete espécies de mosquitos ao redor do A. gambiae. a várias espécies irmãs de insetos hematófagos - e não Se ficar comprovado que apenas a uma única, como os mosquitos capazes de se acredita. A análise do matransmitir a leishmaniose terial genético de populações L. longipalpis: indícios de pelo menos três espécies distintas visceral pertencem a um diferentes, provenientes de complexo de espécies apapontos do país, reforça a tese de que há, Do ponto de vista da aparência (morrentadas, será preciso descobrir o papel no mínimo, três tipos distintos talvez dessas desconhecidas variedades de L. fologia), não há diferenças significatiquatro, de L. longipalpis. vas entre os exemplares do mosquito longipalpis na disseminação da doença. Os pesquisadores ainda não conseobtidos em cada uma dessas localidaCada uma dessas potenciais novas esguiram precisar se cada uma dessas vades, mas há distinções perceptíveis do pécies pode ter um peso diferente na riedades de L. longipalpis, que praticapropagação dessa moléstia, caracterizaponto de vista molecular e comportamente não cruzam entre si, pode vir a ' mental. Depois de seqüenciar e analisar da por febres de longa duração, perda ser rotulada de uma nova espécie. Esuma região de um gene chamado de de peso e inchaço do baço e fígado. Se tão, no entanto, convencidos de que toperiod em populações de L. longipalpis não tratados, os sintomas podem levar dos os mosquitos não são exatamente dessas quatro regiões, Luiz Guilherme à morte em um ou dois anos. iguais."Na Venezuela,já foram levantaBauzer, do grupo de Peixoto, viu que ''Além de ser fundamental para o das evidências consistentes de que há esse material genético é bastante diverestudo evolutivo dos tlebótomos, a pelo menos duas espécies irmãs de L. confirmação da existência de um comso em cada uma das amostras, uma evilongipalpis", diz Alexandre Peixoto, da dência a favor da idéia de que se trata plexo de espécies irmãs em torno do L. Fiocruz, coordenador dos estudos, que de quatro espécies distintas. longipalpis pode ter repercussões na trabalhou com tlebótomos oriundos epidemiologia da doença", avalia PeixoCom a colaboração de colegas de das localidades de Sobral (Ceará), Jacoduas universidades britânicas (Keele e to. O jeito mais comum de uma pessoa bina (Bahia), Lapinha (Minas Gerais) e Leicester) e de Nataly de Souza (Fiopegar leishmaniose visceral é ser morNatal (Rio Grande do Norte.). "No Bracruz), Peixoto gravou e analisou o condida por um L. longipalpis infectado sil, parece ocorrer o mesmo." Esse tipo teúdo do canto entoado pelos machos pelo protozoário Leishmania chagasi, o de informação taxonômica é imporde L. longipalpis dessas diferentes loagente causador da doença. No país, há tante na luta contra a doença, pois o calidades. Mais uma vez, o resultado cerca de 2 mil casos novos de leishmacombate da leishmaniose visceral reaponta para a existência de cantos disniose visceral por ano, com um índice quer um melhor controle - e conhecitintos, outro indício de que pode haver de mortalidade próximo dos 10%, de mento - de seus agentes transmissores. um complexo de espécies em torno do acordo com o Ministério da Saúde. •
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rus obrigatoriamente desenvolverão as doenças: o HPV necessita de outros elementos, os chamados co-fatores, que facilitam sua ação. Até recentemente, não havia nenhum alimento entre os principais co-fatores - tabagismo, álcool, drogas e pílula anticoncepcional e o número de parceiros sexuais. As pesquisas coordenadas por Willy Beçak, diretor-científico do Instituto Butantan, de São Paulo, demonstram que a Pteridium pode ser um poderoso co-fator que abre caminho para a ação do HPV e a formação de tumores. "No organismo humano, além de causar anomalias cromossômicas, a samambaia age como um imunossupressor, diminuindo a capacidade de resistência do sistema de defesa': diz Beçak. Não há consenso sobre qual composto químico da samambaia age como imussupressor, mas já se tem como certo que o HPV não deve ser o único vírus cuja ação pode ser potencializada. Até agora, pensava-se também que, em seres humanos, o contato sexual fosse a única via de contágio das formas malignas do vírus. Mas os estudos realizados pelas equipes do Butantan e da UniversidadeFederalde São Paulo (Unifesp), em parceria com a Universidade de Oslo, na Noruega, sugerem outra possibilidade: o HPV pode ser transmitido também pelo sangue. Pesquisas inicialmente feitas com bovinos mostraram que o BPV (papilomavírus bovino, que apresenta uma estrutura molecular básica comum ao HPV) aloja-se nos linfócitos - células do sangue que integram o sistema de defesa como um espaço em que permance latente, antes de se espalhar pelo corpo e ajudar a desencadear o processo de formação de tumores. Os pesquisadores recolheram o que julgam ser as primeiras evidências de que o mesmo processo possa ocorrer com seres humanos. Eles próprios insistem: por enquanto, é uma forte indicação, que chama a atenção porque transformaria o combate à doença em um problema mais complexo. "Os experimentos de comprovação são fundamentais", ressalta Rita de Cássia Stocco dos Santos, pesquisadora do Butantan envolvida no trabalho. "Caso a hipótese seja confirmada, a transmisssão do HPV poderá se equiparar à do HIV, que causa a Aids." Charles Lindsey, do Departamento de Biofísica da Unifesp e colaborador 46 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Cristal de H PV: milhares de vírus dentro do núcleo de uma célula
do projeto, colheu um indício que reforça a hipótese. Num estudo paralelo, com 30 mulheres tratadas de infecção do HPV; 29 tinham o vírus no sangue. Ficou claro também que o vírus altera o material genético: duas mulheres do grupo apresentavam pelo menos dez vezes mais anomalias cromossômicas que o normal. "Observamos cromossomos completamente pulverizados', diz Lindsey.A situação que se desenha pode ser grave porque os testes realizados em doações ou transfusões de sangue le.vam em consideração a Aids, a hepatite, a sífilis e a doença de Chagas, mas não avaliam a presença do HPV."O sistema público de saúde ainda não está preparado para combater a nova forma de transmissão do vírus, se confirmada",diz Beçak. A busca da relação do HPV com diversostipos de câncer começou nos anos 80, a partir de estudos em outros países que relacionavamo consumo da samambaia à incidência maior de tumores de bexiga e do aparelho digestivo em bovinos. De lá para cá, a equipe do Butantan, em parceria com a Unifesp e a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), resolveu verificar se a situação também valia para humanos. Mas precisaram contar com a sorte e encontrar pessoas que consumissem a planta.
onseguiram. Em Ouro Preto, a Pteridium é consumida por populações pobres na forma de refogados, com carnes ou ainda em chás. Mas não é um hábito exclusivo dos mineiros. Os japoneses também consomem samambaia, que na Venezuela e na Escócia entra na alimentação de bovinos. Segundo Rita, pesquisadores venezuelanos acharam resquícios da samambaia no leite de vacas, numa região em que a incidência de câncer de estômago em humanos era mais alta que a normal. Um dos méritos do grupo do Butantan foi criar o modelo experimental em bovinos e procurar entender o efeito da samambaia em humanos. Em Ouro Preto, os pesquisadores estudaram 40 moradores, metade consumia a samambaia e a outra metade, não. A análise citogenética, que avalia o número de cromossomos, mutações e quebras do material genético, mostrou que, no primeiro grupo, a freqüência de anomalias e alterações era cerca de 30% maior. Por isso,uma equipe da Ufop, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde, procura orientar os moradores de Ouro Preto sobre os males causados pela Pteridium, na tentativa de mudar os hábitos alimentares.
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H PV (esferas vermelhas>: associado a quase todos os casos de câncer de colo de útero
Estabelecida a relação entre a samambaia e o HPV, os pesquisadores dedicam-se agora à etapa mais difícil: avaliar as novas formas de transmissão do vírus. A observação dos rebanhos bovinos levantou uma dúvida: como animais que não haviam mantido relações sexuais podiam se contaminar com o BPV? As feridas, que os animais coçam se esfregando uns nos outros, e o uso compartilhado de seringas para aplicar vacinas chamaram a atenção e jogaram as suspeitas sobre o sangue. No final dos anos 90, as equipes confirmaram a presença do BPV em linfócitos de bovinos e indicaram a possibilidade de transmissão pelo sangue, atestada num artigo publicado em 1998 no [ournal of General Virology. Um ano antes, ao divulgar os resultados iniciais numa conferência internacional sobre papilomavírus, em Siena, na Itália, os brasileiros foram procurados por pesquisadores da Universidade de Oslo, que buscavam ajuda para solucionar um problema: 56 pacientes atendidas no hospital da universidade apresentavam câncer de colo de útero, depois de terem sido completamente curadas, cinco anos antes, de tumores de mama. Em nenhum dos casos houve metástase, o espalhamento do tumor para outros te-
cidos, mas o câncer reapareceu em outras partes do corpo. A equipe do Butantan analisou amostras de sangue das mulheres e constatou a presença do HPV nos linfócitos. Entre os mais de 100 tipos do vírus, os que mais infectavam as pacientes eram o HPV-16 e o HPV-18, ligados aos tumores de mama e colo de útero. "O sangue atuava como meio de transporte do HPV para outras partes do corpo. Quando o vírus achou as condições ideais, gerou um novo tipo de câncer, mesmo após certo tempo", afirma Beçak. "É a primeira evidência de que, em humanos, a situação é semelhante à observada em animais." Para
o PROJETO Estudos Integrados sobre o Possível Sinergismo entre o Vírus do Papiloma e Co-fatores e Oncogenes: Estudos Citogenéticos e Moleculares MOOALlOAOE Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR WILLY BEÇAK- Instituto INVESTIMENTO
R$ 315.886,78
Butantan
Lindsey, os resultados, mesmo preliminares, causam uma revisão no conhecimento médico sobre o vírus e podem gerar benefícios concretos para a sociedade: "Se e quando for incorporado aos exames de rotina, o teste que indica a presença do HPV nos linfócitos poderá tornar o diagnóstico de tumores mais simples e menos invasivo" Os pesquisadores admitem a necessidade de buscar mais evidências que confirmem a transmissão pelo sangue, até porque, em seres humanos, os estudos são mais complicados do que em animais. É certo: a confirmação dessa tese só pode vir com a reunião de várias evidências que garantam a validade dos resultados experimentais. Não foi por acaso que a comunidade científica internacional recebeu com incredulidade os resultados dessa pesquisa, apresentados em 2000 na Conferência Internacional de Papilomavírus, na Espanha. Os pesquisadores pretendem ampliar os estudos feitos em Ouro Preto e avaliar as gestantes que comem a samambaia, a fim de saber se produzem alterações cromossômicas nos bebês. A proposta permitirá estabelecer o cruzamento dos dados obtidos pelos dois estudos - o da Pteridium e o do sangue e, se a hipótese de transferência se confirmar, será mais um indício de que a transmissão do HPV em humanos pode ocorrer via sangue, já que a comunicação da mãe com o bebê se dá pela placenta. Eles também consideram estudos de grupos da Universidade de Baltimore (Estados Unidos), da Universidade de Genebra (Suíça) e da Universidade da Tailândia, que discutem a possibilidade de o DNA do vírus ser transportado pelo plasma sangüíneo (e não pelos linfócitos) . Internacionalmente, o esforço converge para a produção de uma vacina capaz de combater o HPV. No Brasil, o projeto de chegar a duas vacinas de DNA de HPV, uma preventiva e outra terapêutica, reúne as equipes do Butantan, da Universidade de São Paulo (USP), da Unifesp e do Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, em colaboração com a Universidade de Glasgow, na Escócia, enquanto outros grupos, principalmente nos Estados Unidos, trabalham com vacina de antígenos, que estimula a produção de anticorpos. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 47
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• CIÊNCIA
NEUROLOGIA
Conexão
reativada
Tratamento com estímulos elétricos auxilia a recuperação de movi mentos em pacientes com lesão na medula espinhal
Os últimos anos, a medicina começou a jogar um pouco de luz sobre os rearranjos que podem se processar no cérebro de pessoas que sofreram lesões neuronais e perderam alguma capacidade motora ou cognitiva. Às vezes, funções originalmente controladas pelas áreas nervosas danificadas e mortas em razão do trauma são transferidas, de forma quase misteriosa, para regiões sadias do cérebro. Essa ainda pouco compreendida e rara habilidade de se recompor e aprender a contornar uma lesão pode não ser exclusiva do cérebro. A medula espinhal - que, com o cérebro, compõe o sistema nervoso central- também parece exibir, em alguma medida, esse mecanismo de adaptação diante de uma agressão. Evidências nesse sentido começam a se tornar mais freqüentes no grupo de cerca de 100 paraplégicos e tetraplégicos que participam de pesquisas do bioengenheiro Alberto Cliquet [unior, da Universidade de São Paulo (USP) em São Carlos e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sobre o uso de estímulos elétricos na reabilitação desse tipo de paciente. Com o auxílio de um exame chamado de potencial evocado, que permite registrar se ocorre troca de impulsos nervosos entre a medula lesionada e o cérebro, Cliquet verificou que em al-
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guns pacientes foi restabelecida, ainda que de maneira precária, alguma forma de conexão entre as duas pontas do sistema nervoso central. Deve ser por isso que esses paraplégicos e tetraplégicos começaram a movimentar e sentir membros antes paralisados, a ficar em pé e, eventualmente, dar alguns passos com o auxílio de aparelhos e estímulos elétricos aplicados aos músculos - técnica semelhante à usada no tratamento do ator Christopher Reeve, consagrado como o Super-Homem no cinema, que ficou tetraplégico após uma queda em uma competição de hipismo em 1995. «O teste mostra, de forma objetiva, que a melhoria relatada pelo paciente não é uma sensação subjetiva», diz Cliquet. «Como os neurônios mortos pela lesão não se regeneram, o estímulo nervoso, para chegar ao cérebro, deve ter encontrado um caminho alternativo através de setores sadios da medula." Por ora, no entanto, não há como saber qual é exatamente a nova rota percorrida pelo impulso elétrico. «Não existe exame nem teste capaz de mostrar isso de forma dinâmica, que deixe claro toda a trajetória vencida pelo impulso nervoso entre a medula e o cérebro e vice-versa', afirma Cliquet, que desenvolve equipamentos e pró teses para paraplégicos e tetraplégicos no departamento de engenharia elétrica da USP de São Carlos (veja quadro à pág. 34) e coordena o
Reabilitação: eletrodos acionam os músculos das pernas e sensores na esteira medem o esforço do movimento
atendimento a vítimas de lesões na medula na Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. O pesquisador não descarta a hipótese, levantada em trabalhos internacionais, de que a medula exiba um grau de independência em relação ao cérebro maior do que se pensa. Nesses casos, mesmo sem conseguir restabelecer uma conexão com o cérebro, a medula, sozinha, poderia controlar alguns movimentos básicos do corpo, sobretudo os involuntários ou reflexos. Em lesões sérias em alguma região da medula, o maior feixe de nervos que leva e traz impulsos do cérebro para o resto do corpo, todas as partes do organismo situadas abaixo da área danificada se desconectam do cérebro. Em outras palavras, não recebem nem mandam sinais para esse órgão vital, perdendo, assim, sua capacidade motora e sensibilidade. Quanto mais alta for a lesão na medula (que tem extensão de quase meio metro, da base do cérebro até a cintura), maior a área paralisada do corpo. Tetraplégicos geralmente não conseguem mexer nem sentir os braços, as pernas e o tronco, enquanto os paraplégicos perdem o controle dos membros inferiores. Quando se faz o exame de potencial evocado nesses pacientes - um procedimento que consiste em aplicar um leve choque numa parte de seu corpo situada abaixo da lesão e verificar, com a ajuda de um aparelho, se o
estímulo nervoso atravessa a medula e chega ao cérebro -, o sinal neuronal pára na altura da espinha onde há a lesão. gumas vezes, no entanto, o estímulo nervoso encontra algum caminho alternativo pela medula e atinge o cérebro. Um dos pacientes em que o exame de potencial evocado mostrou recentemente algum ganho de comunicação entre as duas pontas do sistema nervoso central é a publicitária Iulia D'Amico de Almeida Serra, 49 anos, que, desde agosto de 1999, perdeu o controle e a sensação táctil da cintura para baixo em razão de um infarto medular (morte dos neurônios por falta de oxigênio). Há dois anos, Iulia, moradora dos arredores de Campinas, começou o trabalho de reabilitação motora defendido por Cliquet com o emprego de estímulos elétricos. No início do tratamento, o pesquisador fez o exame de potencial evocado na publicitária e viu que os sinais nervosos provenientes da região abaixo da lesão medular não alcançavam o cérebro, algo totalmente esperado devido à sua condição de paraplégica. Recentemente, um novo exame verificou que existe alguma troca de informação, tênue, entre o cérebro e a medula da paciente. A constatação ganha ainda mais sentido frente aos
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Apoio artificial Boa parte dos equipamentos empregados nos paraplégicos e tetraplégicos atendidos no Hospital das Clínicas da Unicamp saiu de projetos tocados no Laboratório de Biocibernética e Engenharia da Reabilitação (Labciber) da Escola de Engenharia da USP em São Carlos, também chefiado por Alberto Cliquet Junior. O mais recente produto desenvolvido pelos bioengenheiros são protótipos de bengalas e muletas instrumentalizadas, aparelhos dotados de sensores capazes de me-
dir a força aplicada pelas mãos dos paraplégicos sobre esse tipo de apoio. As informações colhidas pelos equipamentos são enviadas a um computador, onde são armazenadas e processadas. A bengala e a muleta podem ser úteis para médicos e fisioterapeutas avaliarem a condição clínica de seus pacientes. "A força que um indivíduo
avanços apresentados pela publicitária após ter iniciado o trabalho de reabilitação na Unicamp. "Comecei a mexer dedos do pé esquerdo e o quadríceps (músculo das coxas)", diz Iulia. "Os progressos ocorrem, mas são lentos. Como, além da eletroestimulação, faço outros tratamentos de reabilitação, não sei dizer o que dá mais resultado." Estímulos elétricos - Esse tipo de retorno tardio de movimentos e sensações experimentado por Iulia e outros pacientes, ocorrido vários anos após a lesão, ainda não é explicado de forma clara pela ciência. De acordo com a linha clássica que ainda orienta a maioria dos trabalhos de reabilitação de paraplégicos, os médicos estimam que as vítimas de danos na medula podem apresentar alguma melhora até, no máximo, 12 meses após o acidente. Vencido esse prazo, a situação do paciente, segundo esse ponto de vista mais convencional, apenas se estabiliza ou tende a piorar se ele não fizer algum trabalho fisioterápico de manutenção de suas articulações. As técnicas de reabilitação empregadas por Cliquet no tratamento de lesões medulares, a exemplo de outras pesquisas conduzidas no exterior, colocam esse postulado em xeque. 50 . OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Muleta experimental: sensores detectam a pressão exercida pela mão
A metodologia usada pelo pesquisador paulista é conhecida como estimulação elétrica neuromuscular e pode ser resumida em poucas palavras: por meio de eletrodos controlados por computador, o paciente recebe pequenos choques, da ordem de miliamperes, em músculos dos membros paralisados, e esse estímulo elétrico leva à contração muscular necessária ao movimento. Quando surte efeito, o que nem sempre acontece, o estímulo pode, por exemplo, fazer uma perna paralisada, que se encontrava dobrada e imóvel, enrijecer e se tornar totalmente ereta. Com a firmeza nos membros inferiores propor-
aplica à bengala ou à muleta para se manter em equilíbrio é diretamente proporcional ao grau de sua lesão", explica Cliquet. Numa iniciativa mais ambiciosa, os pesquisadores da USP trabalham na criação de uma pró tese para membros superiores, apelidada de Mão de São Carlos. O primeiro protótipo dessa articulação artificial, que terá aparência externa de uma mão humana e deverá ficar pronta daqui a um ano e meio, será capaz de realizar algumas tarefas básicas. "A pró tese tem de abrir e fechar a mão de pelo menos
cio nada pelo estímulo elétrico, o paciente pode tentar os primeiros passos, sempre amparado por andadores. A repetição desse procedimento por meses, às vezes anos, pode restaurar o movimento e as sensações em partes paralisadas do corpo de alguns pacientes. "Mas não sabemos exatamente por que o tratamento funciona melhor em algumas pessoas e não produz resultados em outras:' Cliquet conta com outros testes que sugerem alguma alteração da atividade neuronal em paraplégicos e tetraplégicos que seguem sua terapia alternativa. Exames de ressonância magnética mostram que a quantidade de áreas do cérebro ativadas durante o trabalho de reabilitação por meio de estímulos nervosos é maior do que quando as vítimas de lesões na medula não são submetidas a esse tipo de tratamento. É mais um indício de que o estímulo elétrico aplicado no músculo do paciente provavelmente passa - sabe-se lá como - pela medula lesionada e atinge regiões do cérebro normalmente não utilizadas pelos pacientes. Com a melhora do quadro motor e o retorno de algumas sensações tácteis, os pacientes da Unicamp freqüentemente necessitam de cada vez menos estímulos elétricos para se movimentar.
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três formas distintas", afirma Fransérgio Leite da Cunha, um dos engenheiros que participam do desenvolvimento da Mão de São Carlos. Dos dedos da mão artificial, apenas três serão capazes de realizar movimentos (polegar, indicador e médio). Os outros dois permanecerão imóveis, com funções apenas estéticas. A pró tese da mão contará com sensores de força, temperatura e deslizamento. "Isso permitirá ao usuário do membro artificial dosar a força empregada para segurar objetos, reconhecer o calor ou frio proveniente dos artefatos e ainda perceber quando algo escorrega de seus dedos", diz Cunha. Se as pesquisas no Labciber atingirem seus objetivos, a Mão de
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A história de Luis Carlos de Castro, que sofreu uma lesão medular na altura do peito em um acidente de carro em 1997, ilustra bem o fato. Quando começou a reabilitação com a equipe de Cliquet, há dois anos, Luis precisava da ajuda de oito eletrodos - quatro em cada perna - para ficar de pé e dar alguns passos, sempre amparado por andadores. Hoje, bastam dois eletrodos em cada membro inferior para o paraplégico realizar os mesmos movimentos. "Com o trabalho aqui (na Unicamp), também consegui recuperar o controle do meu tronco, que antes estava paralisado", afirma Luis. Provavelmente, os sinais que eram fornecidos pelos dois eletrodos suprimidos voltaram, com a repetição do trabalho de reabilitação, a ser produzidos pelo cérebro, o que tornou dispensável o auxílio do estímulo artificial. Ao atingirem o estágio de Luis - ser capaz'de ficar em pé e dar alguns passos com o auxílio de eletrodos e aparelhos de apoio -, os pacientes de Cliquet passam por uma bateria de exames no laboratório de biomecânica e reabilitação do aparelho locomotor do Hospital das Clínicas da Unicamp. Dão passos sobre uma esteira revestida de sensores, que medem a força mecânica aplicada contra o solo. E os movimentos de suas articulações e protuberâncias ósseas realçadas por bolinhas plásticas colocadas em 30 pontos do corpo - são filmados e armazenados digitalmente, sob os mais diversos ângulos, por seis câme-
São Carlos poderá ser controlada por qualquer parte sadia do deficiente, como sua voz ou músculos preservados de seu corpo. Recentemente, a equipe de Cliquet começou a pesquisar a possibilidade de transformar um dos dedos da mão artificial (o indicador, possivelmente) num artefato útil para cirurgias realizadas a distância. A idéia dos pesquisadores é fazer do dedo uma espécie de bisturi eletrônico, que poderá ser controlado via Internet de qualquer parte do globo. "A Nasa (agência espacial norte-americana) está pesquisando essa tecnologia e nós, junto com a Universidade de Dundee, na Escócia, vamos entrar firme nessa área", garante Cliquet.
ras de infravermelho. Periodicamente, também é feito o controle do consumo de oxigênio dos pacientes durante o exercício,para evitar que eles façam um esforço exagerado que possa provocar problemas cardíacos. Dogmas contrariados - Comparados aos feitos de outros mamíferos superiores, que, mesmo com graves danos na medula, reaprenderam a andar de forma quase normal, os progressos exibidos pelos seres humanos com lesões nesse órgão não chegam a ser uma surpresa total. A medula dos gatos, por exemplo, parece ter uma circuitaria neuronal tão sofisticada e versátil que felinos com paraplegia severa são capazes de ficar de pé e até dar passos. Desde 1910,quando o neurofisiologista in-
o PROJETO Desenvolvimento de Mecanismos, Órgãos Artificiais e Biossensores na Modulação, Controle e Comunicação em Sistemas Biomecânicos e de Reabilitação MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR
ALBERTOCUQUET JUNIOR- Faculdade de Ciências Médicas - Unicamp e Escola de Engenharia - USP em São Carlos INVESTIMENTO
R$ 1.521.587,09
glês (e futuro Prêmio Nobel de Medicina em 1932) Charles Sherrington, da Universidade de Oxford, constatou que gatos com a medula totalmente lesionada conseguiam voltar a caminhar se devidamente exercitados, a ciência tenta entender essa habilidade. Independentemente de ter encontrado vias de acesso alternativo para levar sinais para o cérebro e trazer de volta, a medula desses felinos, por si só, tem a capacidade de controlar alguns tipos de movimento do corpo, inclusive os envolvidos no ato de andar. Ela é capaz de coordenar certos atos e sensações ainda que totalmente desligada do cérebro, algo que contraria um dos dogmas da neurologia. Diante dessa constatação e de uma série de estudos posteriores com animais, alguns cientistas começaram, nas últimas décadas, a pesquisar a fundo a hipótese de que a circuitaria neuronal da medula de pessoas lesionadas também pode reorganizar suas vias de ligação nervosa com o cérebro - ou mesmo trabalhar de forma mais ou menos independente daquele órgão. Afinal, se gatos lesionados voltam a andar quando treinados para isso, talvez um paraplégico também possa, em maior ou menor grau, (re)adquirir essa capacidade. Em várias partes do mundo, a partir dos anos 80, multiplicaram-se os relatos de paraplégicos que ganharam movimentos e sensação táctil depois de submetidos a intenso trabalho de fisioterapia, com ou sem o auxílio de drogas ou leves estímulos elétricos. Entre os pacientes de Cliquet na Unicamp, houve pelo menos dois casos de paraplégicos que voltaram a caminhar de maneira quase normal com o auxílio dos estímulos elétricos. "Um deles voltou a andar de forma tão natural que nem dá para perceber que ele um dia foi paraplégico", conta o pesquisador. De quebra, outro benefício experimentado por alguns pacientes submetidos à reabilitação com estímulos elétricos foi a redução nos níveis de osteoporose, a perda progressiva de massa óssea. Nos paraplégicos, a descalcificaçãoóssea decorre fundamentalmente da não-utilização das partes do corpo afetadas pela lesão. Com o emprego da eletroestimulação e, em alguns casos, de ondas de ultra-som de baixa intensidade, o problema, que aumenta o risco de fraturas, pode ser reduzido nesses indivíduos. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 51
• CIÊNCIA
QUÍMICA
Abismos de luz Síntese de moléculas que absorvem fótons deve facilitar a produção de películas e dispositivos ópticos VERONICA
FALCÃO
nxergaro mundo colorido é algo tão natural que dificilmente nos perguntamos como o cérebro distingue o azul, verde ou vermelho, as cores fundamentais, que compõem todas as outras. A percepção da luz ocorre graças a uma substância presente na retina dos olhos, o retinal. Ao absorver luz, o retinal sofre uma espécie de deformação e uma mensagem é enviada para o cérebro, por meio dos nervos ópticos. Acontece um fenômeno semelhante com os compostos mesoiônicos, grupo de substâncias orgânicas feitas de ponta a ponta, do projeto em computador à síntese, por um grupo de químicos e físicos das Universidades Federal de Pernambuco (UFPE) e da Paraíba (UFPB). • Quando esses compostos absorvem luz, sofrem uma rearrumação das cargas elétricas, que muda suas propriedades ópticas. Os pesquisadores descobriram que os mesoiônicos são capazes de absorver dois fótons - partículas de luz - de uma única vez e muito mais rapidamente que outras substâncias dotadas da mesma propriedade. Desse modo, abriram caminho para o desenvolvimento de aplicações para um material mais adequado que os vidros ou polímeros normalmente empregados em dispositivos ópticos, como películas e óculos de proteção contra raio laser. "Os resultados experimentais comprovaram as previsões teóricas e temos agora compostos capazes de absorver dois fótons de modo comparável ao que de melhor já foi descrito por outros grupos", comemora Alfredo Mayall Simas, do Departamento de Química Fundamental da UFPE, que decidiu há oito anos projetar compostos mesoiônicos, classe de compostos sintetizados pela primeira vez em 1935, na Austrália. No computador, o químico fez o cálculo de 10.584 moléculas formadas por átomos de carbono, nitrogênio, oxigênio, hidrogênio e enxofre - e selecionou as estruturas mais promissoras. Em seguida, a equipe de Ioseph Miller, da
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UFPB, sintetizou cerca de 40, resultando num pozinho vermelho, cor de tijolo. Doze moléculas já foram submetidas a experimentos de óptica não-linear, a parte da física que trata de fenômenos ópticos que dependem da intensidade da luz. Antes, os compostos orgânicos mais usados nessa área eram os poliênicos, formados por átomos de carbono ligados entre si, alternando ligações simUm dos ples e duplas com átomos de hidrogênio. Os poliênicos são formados por cadeias longas, enquanto os mesoiônicos são cíclicos (fechados), em forma de anel. Simas e Miller resolveram apostar nos mesoiônicos por causa de uma propriedade dessas moléculas: têm uma densidade eletrônica distorcida, com um lado positivo e outro negativo. "Essa característica faz com que essas substâncias tenham, naturalmente, um estado fundamental do tipo push-pull, em que um grupo de átomos empurra e outro puxa os elétrons, muito importante para os efeitos de óptica não-linear", afirma Simas. émdisso, os mesoiônicos absorvem luz em comprimentos de onda menores que os poliênicos. "São mais transparentes", explica o químico da UFPE. O físico Cid Araújo, do Departamento de Física da UFPE, que analisa o comportamento óptico das moléculas, completa: "Por apresentarem maiores não-linearidades ópticas, os compostos mesoiônicos poderão também ser usados em dispositivos baseados em lasers de menores potências". Comparado com o retinal, os mesoiônicos apresentam uma resposta mais rápida. O retinal está presente nos cones, células da retina que detectam luz. Há três tipos de cones: um é sensível ao vermelho, outro ao verde e o terceiro ao azul. Quando olhamos uma gema de ovo, os cones sensíveis ao vermelho e ao verde (cores que compõem o amarelo) enviam sinais ao cérebro. A detecção da luz pelos cones que resulta na percepção das cores é uma espécie de chaveamento, comparável a um interruptor de corrente usado para acender uma lâmpada. O cérebro percebe as cores como uma mistura das cores
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fótons, apenas esse ponto será polimerizado. Em maio, pesquisadores da Universidade de Osaka, no Japão, anunciaram um processo experimental de endurecimento de resina com aplicações biomédicas que se vale justamente da técnica de absorção de dois fótons. "Os melhores compostos ainda estão por vir", garante Simas. Já em 1996, ele, seu aluno Gustavo Moura e Miller publimesoiônicos: ajustes mais simples que os cristais caram um artigo na revista holandesa Chemical Physics Letters revelando o potencial dos mesoiônicos fundamentais e o sinal decodificado para aplicações em óptica não-linear. por ele reflete as diferentes sensibilidaMas, se já existem dispositivos inorgâdes dos cones. nicos, mais resistentes e com as mesmas O composto mesoiônico pode ser funções, por que pensar nos orgânicos? usado como uma chave óptica, o equi"Embora tenham um tempo de vida valente a um interruptor que abre e femenor, os mesoiônicos têm vantagens cha, só que para permitir a passagem de que compensam o fato de serem orgâluz. É essa uma das principais aplicanicos", explica Araújo. "Uma delas é que ções vislumbradas para os compostos são mais fáceis de serem aprimorados mesoiônicos. O grupo pretende desenque os vidros ou cristais normalmente volver películas de dimensões microempregados nos dispositivos ópticos," métricas (um micrômetro equivale a O estudo dos mesoiônicos comeum milionésimo de metro), chamadas çou em 1935, quando os químicos ausfilmes finos, que poderiam ser usadas tralianos Alan Mackney e [ohn Campnão apenas em chaves ópticas, mas em bel Earl (1890-1978) sintetizaram o outros dispositivos para comunicações primeiro composto da classe, batizado ópticas e processamento de sinais. de sidnona em homenagem à cidade O sistema de chaveamento óptico, de Sidney. Na época, propuseram que em que se usa um feixe de luz para ense tratava de uma estrutura bicíclica, viar mensagens codificadas, pode ser com duas cadeias fechadas de átomos. comparado ao usado primitivamente Quinze anos depois, os pesquisadores pelos índios americanos, a parti. de britânicos David Ollis (1925-1999) e uma fogueira e um cobertor: a mensaWilson Baker estudaram novamente a gem dependia do número de baforadas de fumaça que produziam. A fumaça estrutura dos mesoiônicos, propondo que se tratavam de compostos aromátiseria a luz que se deixa passar - portancos, e não bicíclicos. to, uma luz modulada, transmitida em Ao contrário do que o nome sugere, pulsos. Outra aplicação são os óculos em química, aromáticos não são, nede proteção contra laser, nos quais as cessariamente, compostos com odor. películas - na realidade um detecto r de luz muito sensível atuam como limi"Aromaticidade é uma propriedade associada à estabilidade termodinâmitadores ópticos. Revestidos com esse ca, muito mais forte que a esperada, filme, os óculos ficariam escuros de súde certas moléculas orgânicas", lembra bito, quando expostos ao laser, evitanSimas. O termo nasceu de uma expedo acidentes com os olhos. riência realizada em 1825, quando o A absorção simultânea de dois fócientista britânico Michael Faraday tons também é usada na nanousina(1791-1867) descobriu o benzeno ao gem - manipulação de dispositivos pirolizar (espécie de queima) óleo de nanométricos (um nanômetro equivabaleia. A fragrância típica do benzeno e le a um bilionésimo do metro) - de resinas poliméricas. Se a luz penetrar seus derivados levou esses compostos a serem classificados como aromáticos. uniformemente, toda a resina, que é Hoje, essa classificação tem um signifilíquida, vai endurecer. Do contrário, cado químico relacionado à estrutura, focalizando a luz sobre um único ponnão mais ao cheiro. • to, no qual se dará a absorção de dois >-
J
Das 6às 9:30h.
Em 2001 a programação da Eldorado AM ganhou vários prêmios, entre eles o de Melhor Rádio Jornalismo, conferido pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Em 2002, quem sai ganhando é você, que agora pode ouvir de segunda a sábado o Jornal Eldorado 1a edição, das 6h às 9h30 sintonizando os 700 kHz da AM ou os 92,9 MHz da FM.
92.9 MHz: Um novo canal a serviço da informação, cidadania e do meio ambiente.
da
UMA EMPRESA DO GRUPO O ESTADO DE s. PAULO
• CIÊNCIA
ASTRO FÍSICA
Explosão de energia Soma de técnicas permite a identificação de fontes mais fracas de raios gama
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ma equipe de astrofísicos brasileiros e astrônomos norte-americanos identificou um tipo bastante raro de galáxia, conhecida como blazar, situado a 10 bilhões de anos-luz da Terra (cada ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros) um dos mais distantes objetos cósmicos já encontrados. Entre as 93 galáxias desse tipo já conhecidas, essa é a mais fraca fonte de emissão em raios gama e em ondas de rádio. Mesmo assim, é mil vezes maior que a emitida por toda a Via Láctea e 100 quatrilhões de vezes superior à liberada pelo Sol. Só foi possível descobrir esse blazar, chamado 3EG J2006-2321, porque técnicas refinadas de pesquisa se uniram a
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recursos que poderiam ser chamados de arcaicos. Vai longe o tempo em que bastava apontar o telescópio para o céu e encontrar novas galáxias. Hoje, a busca de objetos celestes, sobretudo os mais distantes, exige a integração de técnicas que detectam a energia emitida nas diferentes formas de radiação eletromagnética, de um extremo a outro do espectro - dos raios gama às ondas de rádio, passando pelos raios X e pela luz visível. Cada tipo de radiação funciona como peças de um quebra-cabeça que se encaixam e lentamente dão uma idéia da imagem que vai se formar. A descoberta partiu das informações do Telescópio de Experimentos Energéticos em Raios Gama (Egret) do Observatório Compton, o satélite da
Nasa, a agência espacial norte-americana, que vasculhou o céu de 1991 a 2000 em busca de fontes de raios gama, catalogou algumas novas possíveis galáxias. Mas foi um telescópio do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP), equipado com uma câmara digital e cristais de calcita - material usado pelos vikings há mil anos para navegar por permitir localizar a posição do Sol com base na polarização da luz -, que confirmou a identificação do blazar. A cooperação aprimorou o método de detecção desses objetos, com a associação da análise da emissão de raios gama, ondas de rádio e luz visível. "Está cada vez mais claro que é preciso coletar informação de vários com-
+ U sin
Núcleo ativo de galáxia: mais energia que em toda a Via Láctea. Acima, um cristal de calcita, que divide em dois os feixes de luz
primentos de onda para compreender melhor um objeto", afirma o astrofísico Antônio Mário Magalhães, do IAG, que coordenou a etapa brasileira desse estudo, publicado na edição de abril da revista The Astrophysical Iournal. A soma de técnicas permite compreender melhor a estrutura e a formação dos blazars já conhecidos e identificar outras fontes fracas de raios gama, radiação composta por luz de comprimento de onda da ordem da milésima trilionésima parte do metro (o tamanho do núcleo dos átomos) e milhões de vezes mais energética que a luz visível. Os blazars pertencem a uma classe de galáxias com núcleos ativos, que' apresentam uma característica que as distingue de galáxias mais calmas, como a Via Láctea: a região central das galáxias ativas, concentrada numa região menor que o Sistema Solar, emite mais energia que o restante da galáxia, justificando o nome de núcleos ativos de galáxias ou NAGs. O blazar recém-identificado, mesmo com emissão de radiação gama relativamente baixa entre os já conhecidos, libera 1040 watts (o número 1 seguido de 40 zeros). Os pesquisadores acreditam que a energia dos núcleos ativos de galáxias resulte de um buraco negro com massa muito elevada, de 100 milhões a 1 bilhão de sóis, situado no centro daquela galáxia, que pode permanecer ativo por
100 milhões de anos. A cada ano, esse buraco negro consome o equivalente a um Sol e lança dois jatos de gás, em sentidos opostos, a uma velocidade próxima à da luz, com até 100 mil anos-luz de extensão. Os elétrons desses jatos emitem radiação com comprimento de onda nas faixas de raios X, ondas de rádio e luz visível. Presume-se que sejam os fótons de rádio que, espalhados pelos elétrons energéticos, se convertam em raios gama. Apenas com o método tradIcional os astrônomos não conseguiam avançar. Após analisar as 271 fontes de radiação dessa mesma faixa do espectro eletromagnético catalogadas pelo telescópio Egret, Paul Wallace, do Berry College, selecionou um objeto que apresentava maior probabilidade de ser um blazar
o PROJETO Manutenção das Atividades em Polarimetria Astronômica MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR ANTÔNIO MÁRIO MAGALHÃES
IAG/USP INVESTIMENTO
R$ 73.106,21
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entre os ainda não-identificados. Essa provável galáxia, embora emitisse pouca energia, tinha uma das marcas dos núcleos ativos: o fluxo de energia variava com o tempo. Diferentemente dos objetos observados no óptico, porém, as fontes de raios gama vêm de uma direção no céu não conhecida com exatidão. Fontes de Rádio - Seguindo por um caminho complementar, Dave Thompson, do Centro de Vôos Espaciais Goddard, da Nasa, analisou fontes de rádio, as menos energéticas do espectro eletromagnético, que no céu apareciam próximas à fonte de raios gama. Thompson encontrou seis objetos que poderiam corresponder à fonte gama identificada por Wallace. Quatro foram logo excluídos. Os restantes eram peculiares: geravam um fluxo de energia em ondas de rádio entre quatro e seis vezes mais fraco que o normal para um blazar. Iules Halpern, da Universidade de Colúmbia, tomou imagens ópticas e notou que uma das fontes era uma galáxia normal e a outra, um objeto pontual. Por ser pontual, podia ser um blazar ou qualquer outro astro dentro ou fora de nossa galáxia. Mas o espectro da radiação emitida por esse objeto exibiu um deslocamento para o vermelho, o chamado redshift, indicando que a fonte estava bem distante da Via Láctea. Magalhães deu a palavra final. Com o polarímetro que ele mesmo havia projetado, a equipe do IAG estudou as duas fontes de rádio, mas na luz visível. Acoplado ao telescópio do IAG no Laboratório Nacional de Astrofísica, em Brasópolis, Minas Gerais, o polarímetro mede qual fração da luz captada é polarizada, ou seja, vibra num único plano. Em seis horas de observação, em duas noites de 2000 e 2001, os astrônomos paulistas fecharam o diagnóstico ao associar o 3EG J2006-2321 à fonte distante de luz visível que também emitia em rádio: o objeto pontual apresentava variação da polarização da luz, outra característica dos blazars. O próximo passo: avaliar a polarização da luz de outros 15 possíveis blazars do Egret com um polarímetro conectado a um telescópio de Cerro Tololo, no Chile. "A identificação de fontes ainda não estudadas ajudará a conhecer a origem dos fótons mais energéticos que permeiam o Universo", conclui Magalhães. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 57
ITECNOLOGIA
LINHA
DE
PRODUÇÃO
Mais segurança nas estradas Projetar e construir párachoques de caminhões que reduzam o número de vítimas de trânsito no Brasil é o principal objetivo do trabalho desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O reconhecimento aos seis anos dedicados ao Projeto Impacto veio na forma de mais um prêmio, o Volvo de Segurança no Trânsito 2002, na categoria geral, recebido em agosto. Em 1997, o grupo já havia sido premiado como o melhor trabalho apresentado no congresso da SAE Brasil (Society of Automotive Engineers). Segundo Celso Arruda, coordenador do projeto, os pára-choques tradicionais são muito altos, recuados para dentro do caminhão e não têm resistência suficiente para segurar o carro que bate na traseira. "Das dezenas de milhares de pessoas que morrem em acidente de trânsito no Brasil, uma parcela considerável morre em colisões traseiras contra caminhões", avalia Arruda. "Estima-se que esse tipo de acidente é a
• Museu virtual de autópsias Alunos de medicina de universidades de Pernambuco, do Ceará e do Paraná acompanham a distância, uma vez por mês, a realização de uma autópsia no Hospital das Clí-
faculdade e do módulo de teleautópsia. Os procedimentos efetuados durante a autópsia são acompanhados por uma câmara digital instalada em um robô. Os participantes têm ainda acesso a um banco de imagens digitalizadas, com 15 mil fotografias. Quando a aula termina, o caso estudado é preparado para ser colocado na rede, com prontuário do paciente, exames clínicos, textos de apoio e seleção de referências bibliográficas. Para acessar a base de dados é preciso se cadastrar no site da Faculdade de Medicina (www. usp.br/fm). •
• Energia eólica em pequena escala
Pára-choque mais baixo impede colisões fatais
causa isolada de maior número de óbitos no trânsito do país." O projeto teve início quando a General Motors e a Mercedes- Benz foram procuradas para colaborar com a pesquisa. A GM doou quatro veículos para testes, e cedeu o uso das instalações no Campo de Provas
nicas em São Paulo. As aulas, que tiveram início em junho, fazem parte do Programa de Telemedicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). "É um instrumento de ensino muito importante porque, pela autópsia, é possível avaliar se os
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da empresa, em Indaiatuba (SP). A Mercedes emprestou um caminhão e construiu os pára-choques projetados pela equipe. Eles não foram patenteados, para que possam ser usados pelo maior número de caminhões e pelas empresas que produzem as carrocerias e carretas. •
métodos escolhidos para tratar o paciente, antes de morrer, eram os mais adequados e também permite aos estudantes saber qual a influência exercida pelas doenças nos órgãos e sistemas do corpo humano", diz Paulo Saldiva, coordenador de patologia na
Um microssistema instalado em uma turbina capaz de aproveitar ao máximo a energia do vento - e transformá-Ia em eletricidade - foi desenvolvido por uma empresa gaúcha, a Hyperlogic, em parceria com o Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Com ventos de 20 quilômetros por hora, em média, o sistema é capaz de produzir cerca de 180 quilowatts-hora/mês, suficiente tanto para atender ao consumo de uma residência como para iluminar outdoors em locais de difícil acesso, sinalizar rodovias e outras aplicações. O projeto, que tem financiamento do Fundo Setorial do Petróleo e Gás Natural, teve início em 2000. "Depois que o primeiro protótipo foi feito, novas demandas começaram a surgir", conta o engenheiro eletricista Sérgio Severo, dono da em-
presa, que faz mestrado na universidade gaúcha. No Nordeste, o aproveitamento da energia eólica consta de um programa de desenvolvimento tecnológico com a participação do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Operadora Nacional do Sistema Elétrico. Na prática, o programa destina-se a definir modelos de interligação de centrais eólicas de mais de 3 mil megawatts ao sistema elétrico brasileiro. •
• Cura para o botulismo bovino O botulismo bovino, doença que se caracteriza pela paralisia progressiva que pode levar o animal à morte, agora tem cura. O tratamento pode ser feito com o Botulin C- D, em dose única, fruto de cinco anos de pesquisas realizadas pela Embrapa Gado de Corte, de Campo Grande (MS), e do Laboratórios Vencofarma do BrasiL Antes dessa descoberta, só havia no mercado vacinas preventivas. A doença, causada pela toxina da bactéria Clostridium botulinum, acomete principalmente as vacas em gestação ou em lactação, que necessitam de alimentação mais rica. Esse desequilíbrio alimentar faz com que o animal passe a ingerir carcaças de animais mortos e, com isso, a toxina presente
no material orgânico em decomposição. "Surtos no Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins mataram 600 mil matrizes em um ano': conta Pedro Paulo Pires, coordenador da pesquisa. •
"c, u
• Telefone para deficiente auditivo Um aparelho para deficientes auditivos, ligado a uma linha telefônica convencional, foi desenvolvido pela Fundação Centro de Pesquisa de Desenvolvimento (CPqD), de Campinas, com a colaboração da Texas Instruments. O TDD (Telephone Device for Deaj) ou aparelho telefônico para surdos, que realiza a comunicação por meio de texto, é composto de teclado, display para leitura de mensagens enviadas e recebidas e monofone para uso alternativo de voz. A geração e detecção de tons, que serão convertidos em mensagens, são .realizadas por processadores digitais de sinais. Norberto Alves Ferreira, gerente de terminais, conta que a idéia de desenvolver o aparelho surgiu porque poucas pessoas podiam comprar o importado. "O desenvolvimento foi 'totalmente feito aqui", conta Ferreira. A tecnologia do TDD será transferida pelo CPqD para empresas do
Mensagens escritas pela linha telefônica mercado. Ainda este ano, deverá ser vendido pelas operadoras de telefonia. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (rBGE), com dados de 2000, mostra que existem hoje no Brasil 5,75 milhões de portadores de deficiências auditivas, dos quais 1,037 milhão são surdos ou têm dificuldade permanente de ouvir. •
• Iniciativas premiadas Uma incubadora mineira, outra de Limeira (SP) e uma empresa cearense foram as grandes vencedoras do Prêmio Anprotec 2002. A Associação Nacional das Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas indicou a Incubadora de Empresa de Base Tecnológica em Informática de Belo
Horizonte (Infosoft -BH) como a ganhadora na categoria de empreendimento de base tecnológica. Além de várias empresas com casos de sucesso na área de informática, a incubadora também tem iniciativas pioneiras, como o ensino de planos de negócio a distância e a divulgação de conhecimentos para 1.200 professores de graduação universitária e de segundo grau, com o objetivo de disseminar a cultura empreendedora nos cursos que ministram, Na categoria empresa do ano, a vencedora foi a Nuteral, que teve sua gestação na incubadora do Parque de Desenvolvimento Tecnológico (Padetec) da Universidade Federal do Ceará (UFC) (veja matéria na edição 79 de Pesquisa FAPESP) para o desenvolvimento e produção de suplementos nutricionais. O prêmio para a incubadora tradicional (que não abriga empresas de tecnologia de ponta) foi para a Núcleo de Desenvolvimento Empresarial Incubadora de Limeira. Em três anos, ela aglutinou 18 empresas com faturamento total de R$ 2,8 milhões, gerando mais de cem postos de trabalho. Uma das empresas, a ZZF, de um ex-torneiro mecânico, aproveita a vocação da cidade na área de bijuteria, desenvolvendo e produzindo ferramentas para esse setor. •
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Cultivo preserva ostras nativas Preservar o meio ambiente e aumentar a renda de uma comunidade de pescadores do litoral sul de São Paulo. Com esses dois objetivos, teve início em 1994 o projeto de exploração e cultivo de ostras do mangue em Cananéia. A iniciativa conjunta do Instituto de Pesca, da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, e da Fundação Florestal, da Secretaria do Meio Ambiente, de ensinar a comunidade a produzir e comercializar a ostra nativa de forma sustentável, resultou na preservação da espécie. Este ano, foi um dos 24 projetos escolhidos no mundo e um dos quatro brasileiros para concorrer ao prê-
• Incubadoras em ritmo crescente A instalação de incubadoras de empresas no país continua crescendo. Entre 2001 e 2002, o número desses estabelecimentos pulou de 150 para 183, um aumento de 22%. O total de empreendimentos em gestação é de 1.731 pequenas empresas (com menos de cem funcionários). Incluindo os sócios, elas contam com 7 mil postos de trabalho. Segundo o levantamento da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecnologias Avançadas (Anprotec), 87% das incubadoras possuem vínculo formal ou informal com universidades ou institutos de pesquisa. O estudo indica que 42% dos proprietários das empresas incubadas têm cur-
Cananéia: criação de ostras para preservar o mangue
mio Iniciativa Equatorial 2002. "Introduzimos a criação em viveiros como mecanismo para diminuir a pressão sobre o mangue e, com isso, recompor o estoque': conta Ingrid Cabral Machado, pesquisadora do Institu-
so superior e 12% possuem título de mestrado, doutorado ou pós-graduação. A principal área de formação desses profissionais é inforrnática, com 32%; engenharia, 30%; e administração, 16%. A região Sul possui 46% do total das incubadoras; Sudeste, 34%; Nordeste, 13%; Centro-Oeste, 4%; e Norte, 3%. •
to de Pesca responsável pela parte científica do projeto. Antes de irem às mesas para ser degustadas, as ostras passam por uma depuradora para descontarninação, montada segundo critérios estabelecidos pelos pesqui-
qualidade final com preços de mercado", ressalta Pedrosvaldo Caram Santos, gerente de desenvolvimento da aplicação do aço na Usiminas. Um edifício de quatro andares, com 16 apartamentos, demora de 115 a 120 dias para ser construido, enquanto uma casa de 36 metros quadrados é feita em apenas 12 dias. A
sadores. A venda do produto é feita por uma cooperativa de pescadores da comunidade - a Cooperostra -, formada por 48 associados. O projeto da Cooperostra não ficou entre os seis finalistas, anunciados no final de agosto, durante a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, na África do Sul, mas mesmo assim recebeu o prêmio de US$ 30 mil destinado aos primeiros colocados. A organização não-governamental (ONG) norte-americana TNC (The Nature Conservancy) estendeu o prêmio aos projetos escolhidos na primeira fase por entender que todos tinham relevância ambiental e contribuíam para a redução da pobreza. •
casa é composta por engradamento metálico e por colunas, que servem de guias para o alinhamento das alvenarias. A grande vantagem é que ela pode ser construída em módulos. A Companhia de Habitação (Cohab) de Minas Gerais está iniciando um projeto que utiliza o engradamento metálico na cobertura. •
• Mais rapidez nas construções O sistema Usiteto de construção de habitações populares, desenvolvido pela Usiminas, tem como saldo, em quatro anos, 105 prédios e 3 mil casas entregues em Minas Gerais e outros estados. "O principal diferencial desse sistema em relação aos convencionais é a diminuição no prazo de entrega das construções e
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Engradamento
metálico substitui cobertura tradicional
• Controle de poços petrolíferos A fibra óptica é a base da tecnologia desenvolvida pelo Centro de Pesquisas da Petrobras (Cenpes) para monitorar a produção brasileira de óleo e gás natural. A última etapa antes de ser instalada nos campos de petróleo do país deverá ocorrer no ano que vem, quando será testada nos poços de Marlim Sul e Roncador, na bacia de Campos (RJ). A fase atual é de testes em um poço da Petrobras, em terra, no Rio Grande do Norte. As medições de vazão, pressão e temperatura, os três parâmetros utilizados para monitorar os poços, são feitas atualmente com sensores eletrônicos. A leitura é feita para cada um dos parâmetros. "O grande ganho com a fibra óptica é que uma única fibra pode ter até cem pontos de leitura", ressalta Luiz Felipe Bezerra Rego, gerente de Tecnologia de Engenharia de Poços da Petrobras. Considerando que cada campo de petróleo tem, em média, 30 poços - 12 para injeção de água e 18 produtores de gás -, concentrar um maior volume de informações permitirá à empresa tomar decisões mais rápidas em relação à produção. A Petrobras patenteou a tecnologia em parceria com a Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, que participou no desenvolvimento dos sensores. Foram investidos US$ 300 mil no sistema. Mas os ganhos nos próximos dez anos devem ser da ordem de centenas de milhões de dólares, segundo Bezerra. "Essa tecnologia em fibra óptica permite uma avaliação mais precisa e confiável não só de um poço, mas de todos os campos de petróleo da Petrobras," •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplítec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
• Extração da sílica da casca de arroz
• Aumento do teor de proteína do leite
Um processo inédito de extração da sílica da casca do arroz foi patenteado por um grupo formado por duas equipes da Universidade de São Paulo em São Carlos. O material pode ter a dimensão de partículas nanométricas. O trabalho do grupo resultou em um produto com alto grau de pureza, o que torna a sílica atraente para múltiplos usos industriais. Pasta de dente, pneus, sabonetes, vernizes, tintas e concreto para a construção civil são alguns dos produtos que podem utilizar a matéria-prima em suas fórmulas. A pesquisa com casca de arroz, um resíduo agrícola poluente do solo e da água e, normalmente, desprezado pelos agricultores, teve o processo de extração desenvolvido no laboratório do professor Milton Ferreira de Souza, do Instituto de Física, e os testes de aplicação da sílica em concretos na Escola de Engenharia, sob o comando do professor Iefferson Benedicto Libardi Libório.
Experimentos realizados e patenteados pelo engenheiro agrônomo Dante Pazzanese Lanna, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, mostraram que é possível aumentar a produção de leite e o teor de proteína do produto em até 10% com uma ração à base de moléculas modificadas de um ácido graxo denominado ácido linoléico conjugado (eLA). Ácidos graxos são os blocos que formam os lipídios (gorduras). Adicionado à alimentação animal, o ácido funciona como um composto farmacêutico, inibindo os genes responsáveis pela síntese de gordura na glândula mamária. O leite produzido contém menor produção de gorduras saturadas de cadeia curta, o que beneficia o consumidor.
Titulo: Processo de Extra-
ção de Sflica Contida na Casca e na Planta do Arroz Inventores: Milton Ferreira de Souza e Jefferson Benedieto Libardi Libório Titularidade: Universidade de São Paulo/FAPESP
Escopolamina: reduz crises convulsivas
• Novo uso para os sais de escopolamina O grupo de pesquisa coordenado pelo médico Luiz Eugênio Araújo de Moraes MeTIo,da equipe do Laboratório de Neurofisiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), registroú patente no Brasil e em outros 30 países para o uso de sais de escopolamina contra epilepsia póstraumática. Originalmente usada para provocar amnésia temporária, a escopolamina mostrou eficácia tanto para evitar como para reduzir a freqüência das crises convulsivas. Titulo: Uso de Sais de Esco-
polamina na Prevenção de Epilepsia Pós-Traumática Inventores: Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello, Cristina Gonçalves Massant e Simone Kastropil Benassi Titularidade: Universidade Federal de São Paulo Wnifesp)/FAPESP
Titulo: Processo para Incre-
mentação do Teor e da Produção de Prote/na no Leite e Aumento da Persistência em Ruminantes Utilizando Modificador Metabólico e Proteínas Inventores: Dante Pazzanese Duarte Lanna, Sérgio Raposo de Medeiros, Dimas Estrasulas de Oliveira, Mark McGuire, Luiz Januário Aroeira Titularidade: Universidade de São Paulo/FAPESP
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do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), instituição mantida por produtores e indústrias de suco. Energia absorvida - Para chegar ao detector de cancro cítrico, os professores Vanderlei Salvador Bagnato, coordenador do Cepof, em São Carlos, e Luis Gustavo Marcassa partiram de um fenômeno fisico chamado espectroscopia de fluorescência presente em determinadas moléculas que absorvem energia e emitem luz depois de excitadas por meio de uma outra fonte luminosa. "Nesse caso do cancro, quando lançamos um feixe de laser monocromático na cor verde sobre a laranjeira, as substâncias presentes nas bactérias absorvem essa energia e respondem com outra cor, ou melhor, em outra freqüência", 64 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
. explica Bagnato. A doença, no entanto, não é verificável somente com o feixe de laser verde. É preciso um visor de cor amarela que barra a freqüência verde para o olho humano. Assim, as lesões da doença ficam mais fáceis de ser identificadas durante uma inspeção. Existem também grandes chances de ser possível a identificação de plantas doentes que não tenham ainda apresentado os sintomas do cancro cítrico. Essa possibilidade, que será testada em laboratório, é totalmente descartada em uma simples inspeção visual. Bagnato e Marcassa já haviam utilizado o laser e a espectroscopia de fluorescência para diagnosticar diversos tipos de câncer (pele, boca, esôfago, bexiga, pulmões) num projeto que está em desenvolvimento no Cepof. Da mes-
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ma forma, um feixe de laser é jogado sobre a região que se quer verificar no corpo humano e a resposta determina o tipo de tumor, se maligno ou benigno (veja Pesquisa FAPESP n° 74). O feixe é conduzido por uma fibra óptica, normalmente utilizada em transmissões telefônicas, composta de sete segmentos. Um serve para enviar a luz, e seis, para coletar a resposta luminosa. Tanto a detecção dos cânceres como a do cancro cítrico são feitas por softwares específicos desenvolvidos pela equipe. Nas plantas, a comparação, feita na tela do computador, permite visualizar em gráficos as freqüências diferenciadas quando a planta está sadia e quando está infectada pela Xanthomonas. O padrão de fluorescência muda da planta normal para a infectada, onde existe
alteração metabólica das moléculas pro- , porcionada pela bactéria. O equipamento que vai para o campo possibilitará, primeiro, um teste visual por meio do uso do feixe de laser e da observação via óculos especial. Depois, se for detectado algum problema, a parte afetada da planta será submetida a uma confirmação da presença do cancro pelo software instalado num lap top que estará acoplado a um sistema de fibras ópticas para coletar o espectro das folhas. A identificação de outros microrganismos presentes nos citros também está nos planos da equipe. "Sabemos que a emissão do laser pode ser igual e as respostas diferentes em cada bactéria ou fungo': diz Marcassa. "Vamos criar um banco de dados com uma sistemática de detecção de doen-
ças abrangendo o espectro de fluorescência de cada microrganismo de modo a facilitar suas identificações': relata Bagnato. Os pesquisadores já obtiveram as respostas preliminares diferenciadas de outras doenças, como a clorose variegada dos citros (CVC), também conhecida como amarelinho, causada pela bactéria Xylella fastidiosa, e do sarampo, doença que ainda não teve seu agente causador reconhecido. No experimento com o cancro foram realizados testes comparativos, confrontando plantas da variedade laranja-pêra rio inoculadas com a Xanthomonas e plantas sadias. Com os primeiros dados em mãos, os dois pesquisadores registraram a nova técnica para detecção do cancro cítrico em patente depositada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) em abril deste ano. As pesquisas no Cepof certamente abrem um campo imenso na construção de novos equipamentos que possam auxiliar no diagnóstico de doen-
ças agrícolas sem a necessidade de levar uma amostra para identificação em laboratório. Um procedimento que retarda muito o início do controle das doenças. O desenvolvimento da nova técnica começou há dois anos, quando o engenheiro agrônomo José Belasque [únior, do Departamento Científico do Fundecitrus, procurou o Instituto de Física de São Carlos. "Queríamos algo para aumentar a eficiência da inspeção", conta Belasque. "Pensávamos em um óculos ou em pulverizar a planta com uma tinta para que pudéssemos identificar mais facilmente o cancro."
Folha certa - Atualmente, a inspeção é visual, com pessoal treinado pelo Fundecitrus. "Existem árvores com até 4 metros de altura onde é possível que apenas duas ou três folhas estejam infectadas no meio de 20 a 30 mil': explica o agrônomo. No procedimento atual, todas as propriedades que apresentaram contaminação são inspecionadas periodicamente e, uma vez por ano, 10% das plantações de citros em São Paulo são sorteadas e inspecionadas. Ao encontrar uma folha com suspeita de cancro, o inspetor convoca o produtor e um representante da Secretaria da Agricultura do Estado ou do Fundecitrus. Só aí a folha pode ser arrancada e levada para um laboratório do Instituto Biológico, que emitirá um laudo. Se positivo, em apenas uma planta, corta-se um raio de 30 metros ao redor dessa, o que equivale a cerca de 100 árvores. Se o número de exemplares doentes exceder 0,5% do número total existente no talhão (pomares com, no mínimo, 2 mil plantas), toda essa área será erradicada. Aquelas PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 65
que forem cortadas devem ser queimadas no próprio local e todas as outras árvores de citros da região devem ser investigadas. Na região da Flórida, nos Estados Unidos, país que é o segundo produtor mundial de citros, atrás do Brasil, onde o clima é mais favorável à disseminação da doença, a erradicação é obrigatória num raio de 576 metros. Prejuízo para todos - A incidência da doença tem caído nos últimos três anos nos estados de São Paulo e de Minas Gerais, regiões onde o Fundecitrus atua. No ano passado, a presença do cancro atingiu 0,07% dos talhões em São Paulo, e em Minas ele não é detectado há dois anos. Mesmo com esse índice baixo, a erradicação representou, desde 1999,o corte de cerca de 3,5 milhões de plantas e prejuízos diretos no patamar dos R$ 100 milhões. Soma-se a esse prejuízo, no Estado de São Paulo, mais R$ 20 milhões anuais em recursos do Fundecitrus e dos governos estadual e federal na inspeção e na erradicação das plantas doentes.
ssabactéria, portanto, provavelmente originária da Ásia, onde a doença é endêmica, não é como um fantasma que apenas assombra, mas um real inimigo para a maior citricultura do mundo e a segunda agroindústria do Brasil, depois da cana-de-açúcar. Ela movimenta US$ 3,5 bilhões por ano no país e emprega cerca de 400 mil pessoas. A receita gerada na exportação atinge, anualmente, US$ 1,2bilhão em sucos e frutas in natura. O peso do cancro na citricultura brasileira, aliás, influenciou a decisão da FAPESP de escolher a bactéria Xanthomonas citri como o segundo patógeno vegetal a ter seu genoma seqüenciado, após o pioneiro da Xylella fastidiosa. ''A incidência do amarelinho é maior, chega a 38% no Estado de São Paulo, mas nesse caso não é preciso cortar a planta, controla-se a doença com podas dos pontos atacados e combate-se às cigarrinhas vetoras da
E
bactéria", explica Belasque. Sempre em parceria com o Fundecitrus, o seqüenciamento da Xylella teve um investimento de US$ 13 milhões, e o da Xanthomonas, finalizado em dezembro de 2000, de R$ 2,2 milhões. Os pesquisadores envolvidos nesses projetos estudam agora as interações químicas dentro de cada genoma e as proteínas sintetizadas pelos genes. A manutenção da competitividade do setor citrícola brasileiro depende tanto das pesquisas realizadas nos laboratórios do projeto Genoma como no desenvolvimento de novas técnicas e de equipamentos para a detecção de doenças. Belasque acredita que, dentro de pouco tempo, o uso do laser ganha. rá espaço e importância na identificação do cancro e de outras doenças dos citros. "Esperamos que seja útil tam-
o PROJETO Detecção do Cancro Cítrico por Meio de Laser MODALIDADE
Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) COORDENADOR VANDERLEI
SALVADOR BAGNATO-
Instituto de Física da US P de São Carlos/Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica INVESTIMENTO
R$ 50 mil
66 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80 ~'------------------------~---------=-==-~=----
bém, por exemplo, na identificação precoce da pinta-preta, uma doença causada pelo fungo Guignardia citricarpa." Essa doença não atinge todas as regiões do Estado e não envolve erradicação, mas os sintomas só aparecem como pequenas manchas escuras durante o amadurecimento do fruto. "O fungo está ali há muito tempo, mas não é possível sua detecção antes do aparecimento dos sintomas", explica Belasque. A intenção do Fundecitrus é usar o futuro equipamento de detecção de cancro e de outras doenças via laser também nos locais onde se produzem as mudas, estratégia que pode evitar uma maior disseminação de fungos e bactérias. No caso do cancro, a contaminação pode ocorrer via combinação de vento e chuva e pelo homem, que pode levar a Xanthomonas na mão, na roupa, no sapato, ou ainda em objetos. Parcerias produtivas - Segundo Bagnato, o primeiro protótipo de um equipamento para ser usado no campo deve ficar pronto dentro de um ano. "Estaremos, assim, cumprindo uma das missões do Cepof, que é estabelecer parcerias para a resolução de problemas da sociedade e do setor produtivo': diz Bagnato. "Queremos estabelecer uma tradição nesse sentido:' O Cepof, em dois anos, registrou oito patentes, em equipamentos utilizados na medicina e na odontologia, por exemplo. Além das soluções tecnológicas, o centro promove a pesquisa científica e tem publicado cerca de 40 trabalhos, por ano, em revistas científicas internacionais, elaborados por uma equipe de cinco professores, 45 graduandos com bolsas de iniciação científica, 36 estudantes de pós-graduação (mestrado e doutorado) e três pós-doutorandos. "Outra coisaimportante é o sentido multidisciplinar dos nossos trabalhos." No caso da detecção do cancro cítrico via laser, um engenheiro agrônomo tomou contato com a física da luz e os físicos passaram a entender de doenças vegetais que prejudicam a citricultura. •
ITECNOLOGIA
BIOQUÍMICA
Fortificante vegetal Pesquisadora sintetiza fitormônio que faz crescer a massa de plantas e aumenta o número de sementes mento da massa e do número de sementes do grãode-bico, de sementes do arroz e dos grãos por vagem do feijão foram algumas mudanças observadas nas plantas após a aplicação, na parte aérea, de um hormônio de origem vegetal sintetizado em laboratório. As flores ornamentais também mantiveram suas características preservadas durante um período de tempo maior que o habitual nos testes feitos por pesquisadores do Laboratório de Fitoquímica, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), com o fitormônio 24-epibrassinolídeo, da classe dos brassinosteróides. Os resultados foram obtidos num projeto que recebeu apoio da FAPESP na modalidade Apoio a Jovem Pesquisador, coordenado por Mariângela de Burgos Martins de Azevedo. "Vários grupos do exterior tinham feito testes.. e os resultados eram muito bons para a colheita", conta Mariângela. A idéia era sintetizar alguns brassinosteróides naturais e, se houvesse tempo, alguns análogos, ou seja, substâncias com estrutura semelhante à desses fitormônios, mas não encontradas na natureza. No decorrer do processo, o grupo começou a fazer testes para potencializar sua atividade. Para isso, resolveu encapsular os brassinosteróides em ciclodextrinas. Essas substâncias naturais, produzidas pela degradação do amido, são formadas por seis, sete ou oito moléculas de glicose, cuja estrutura apresenta uma cavidade capaz de alojar moléculas em seu interior. O sucesso do experimento levou os pesquisadores a requerer a patente do composto de in-
A
Processo de inclusão do hormônio de origem vegetal na cavidade da ciclodextrina
clusão dos fitormônios em ciclodextrinas para aplicação agrícola. Quando estão inclusos, sua liberação ocorre conforme a necessidade da planta. Segundo Mariângela, essa técnica é usada para produtos farmacêuticos e cosméticos.
o PROJETO Síntese de Brassinosteróides, Importantes Promotores de Crescimento Vegetal MODALIDADE
Programa de Apoio a Jovem Pesquisador COORDENADORA MARIÂNGELA DE BURGOS MARTlNS DE AZEVEDO - IAC INVESTIMENTO
R$ 74.985,00 e US$ 43.800,00
Os análogos também demonstraram ter grande potencial de aplicação. "Embora a atividade biológica seja um pouco inferior à dos hormônios naturais, eles são mais viáveis em termos de custo de preparação", avalia MariângeIa. A preparação dos análogos faz parte de um outro trabalho, desenvolvido por Marco Antonio Teixeira Zullo, também do Laboratório de Fitoquímica do IAC. A patente já despertou o interesse de uma empresa de capital de risco, mas as negociações não foram adiante porque ela não quis investir em estudos para o emprego do produto em larga escala. Mariângela, no entanto, se considera satisfeita com os resultados porque a proposta inicial levou a novas perspectivas de pesquisa, agora na área de fármacos, com o desenvolvimento de um medicamento antitumoral que está em fase de testes. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 67
Pe/lets: pequenas pastilhas de bioplástico que servem de matéria-prima para a indústria transformadora moldar vários tipos de produtos
p:(
úcar e álcool deixaram de ser os únicos produtos de importância comercial extraídos da cana. Agora, incorpora-se a essa dupla a produção de plástico biodegradável a partir do açúcar. Desde dezembro de 2000, a PHB Industrial, pertencente ao grupo Irmãos Biagi, de Serrana (SP), e ao grupo Balbo, de Sertãozinho (SP), tem capacidade de produzir em uma planta piloto entre 4 e 5 toneladas mensais do biopolímero a partir da sacarose presente no açúcar. Toda a produção obtida na planta industrial da empresa, que fica ao lado da Usina da Pedra, em Serrana, é exportada para países como Estados Unidos, Alemanha e Japão. "Pretendemos iniciar nossa operação comercial entre 2004 e 2005 com a construção de uma planta com capacidade para produzir 10 mil toneladas por ano de bioplástico", afirma o físico Sylvio Ortega Filho, responsável pelo desenvolvimento do plástico biodegradável na PHB, empresa que recebe financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. "Não conhecemos nenhuma outra indústria no mundo que tenha produção comercial desse tipo de resina bioplástica", diz Ortega Filho. O desenvolvimento tecnológico desse polímero, passível de rápida decomposição por microrganismos quando descartado em aterros sanitários, lixões ou exposto a ambientes com bactérias ativas, é resultado de uma parceria bemsucedida entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo (Copersucar) e o Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Os primeiros estudos sobre o tema foram realizados no começo dos anos 90 e, dez anos depois, o país é reconhecido como um dos mais avançados centros mundiais em pesquisa e desenvolvimento de bioplásticos. A tecnologia proporcionou à área um outro avanço. Foi o desenvolvimento de um processo que facilita a obtenção desse polímero a partir do bagaço de cana hidrolisado, um resíduo da indústria de álcool e de açúcar. O projeto, também financiado pela FAPESP, foi coordenado pela pesquisadora Luiziana Ferreira da Silva, bioquímica do Agrupamento de Biotecnologia do IPT, que 70 . OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Acima, a bactéria Ralstonia eutropha, que transforma açúcar em polímero. Ao lado, utensílios fabricados com bioplástico
fez parte da equipe que criou o bioplástico. A hidrólise (quebra estrutural do produto) libera açúcares presentes no bagaço que podem ser consumidos pelas bactérias utilizadas no processo de transformação do açúcar nesse tipo de poliéster natural. Entretanto, a hidrólise induz também a formação de compostos tóxicos para as bactérias. O IPT desenvolveu um procedimento para desintoxicar o hidrolisado e tornar possível o seu uso pelos microrganismos. "Com esse processo é possível fabricar o mesmo biopolímero já exportado, que recebe o , nome de polihidroxibutirato ou, simplesmente, PHB, com o açúcar extraído do bagaço", diz Luiziana. A diferença entre a técnica criada por Luiziana e a anterior, desenvolvida em conjunto pelo IPT, Copersucar e USP, e utilizada pela empresa PHB, está na matéria-prima empregada. Enquanto Luiziana utiliza a xilose (substância açucarada contida no bagaço da cana), o processo anterior, cujas pesquisas foram coordenadas pelo professor José Geraldo Pradella, do IPT, emprega a sacarose presente no açúcar. A pesquisadora também identificou duas novas bactérias (Burkholderia sacchari e Burkholderia cepacia), à primeira até então desconhecida, altamente eficientes no processo de síntese e produção do bioplástico do hidrolisado do bagaço. A sacchari também pode ser
utilizada para produzir o PHB a partir de melaço ou sacarose. As características físicas e mecânicas do plástico biodegradável são semelhantes às de alguns polímeros sintéticos, que utilizam o petróleo como matériaprima, mas oferecem o benefício de se decompor muito mais rapidamente depois de descartados do que os plásticos convencionais. "Esse é o grande diferencial do produto", afirma Luiziana. Enquanto as embalagens de Poli (Tereftalato de Etileno), chamadas de PET e usadas principalmente para refrigerantes, levam mais de 200 anos para se degradar, e os plásticos tradicionais, mais de cem anos, as resinas plásticas biodegradáveis se decompõem em torno de 12 meses, dependendo do meio em que se encontram. Em fossas sépticas, a perda de massa chega a 90% em seis meses, enquanto em aterros sanitários a degradação atinge 50% em 280 dias. Quando se decompõem, elas se transformam em gás carbônico e água, sem liberação de resíduos tóxicos. Reserva de energia - O início do processo produtivo do PHB, utilizado na planta piloto, começa no cultivo de bactérias da espécie Ralstonia eutropha em biorreatores empregando açúcares (sacarose, glicose, ete.) como matéria-prima. Os microrganismos alimentam-se desses açúcares e os transformam em grânulos (pequenas bolinhas) intrace-
lulares que são, na verdade, poliésteres. "Para as bactérias, esses poliésteres (o plástico biodegradável) são uma reserva de energia, semelhante à reserva de gordura nos mamíferos", diz Luiziana. A etapa seguinte do processo produtivo é a extração e purificação do PHB acumulado dentro das bactérias. Com um solvente orgânico (que não provoca danos ao ambiente quando descartado), promove-se a quebra da parede celular dos microrganismos e a natural liberação dos grânulos do biopolímero. Cálculos realizados em laboratório apontam que para obter 1 quilo de plástico são necessários 3 quilos de açúcar. O PHB pode ser usado como maté- . ria-prima em um amplo campo de aplicações, principalmente naqueles setores em que características como pureza e biodegradabilidade são necessárias. Ele pode ser usado na fabricação de embalagens para produtos de limpeza, higiene, cosméticos e produtos farmacêuticos. Também serve para produzir sacos e vasilhames para fertilizantes e defensivos agrícolas, vasos para mudas e produtos injetados, como brinquedos e material escolar. Além disso, por ser biocompatível e facilmente absorvido pelo organismo humano, pode ser empregado na área médico-farmacêutica, prestando-se à fabricação de fios de sutura, pró teses ósseas e cápsulas que liberam gradualmente medicamentos na corrente sanguínea. "Graças às proprieda-
des de barreira a gases, o bioplástico pode ainda ser usado em embalagens de alimentos de papel cartonado do tipo 'longa vida' para o envase de sucos naturais, leite pasteurizado e bebidas isotônicas", diz Ortega Filho. A FDA (Food and Drug Administration), órgão que normatiza o setor de alinientos e remédios nos Estados Unidos, já aprovou o uso do plástico biodegradável de PHB em embalagens alimentícias. ara a produção de artefatos mais flexíveis, como frascos de xampu, ou que necessitem do processo de extrusão por sopro, como sacos plásticos, os pesquisadores já desenvolveram outro produto da mesma família, um tipo de polímero chamado de PHB- HV (polihidroxibutiratohidroxivalerato), produzido com açúcar e ácido propiônico. A principal dificuldade no desenvolvimento do PHB está centrada na escolha das bactérias. "Para encontrar a bactéria ideal, que melhor transformasse o açúcar em plástico, testamos mais de 50 cepas até chegarmos às duas maisa adequadas linhagens, no caso as espécies Burkholderia sacchari e Burkholderia cepacid'; conta Luiziana, que finalizou seu projeto no primeiro semestre deste ano. Os dois microrganismos conseguiram o melhor desempenho em função da velocidade de crescimento, eficiência
P
em converter a xilose em PHB e capacidade de acúmulo do polímero. Para aumentar a produção de bioplásticos, as bactérias foram e continuam submetidas a técnicas de melhoramento genético. ''A vantagem dessa nova tecnologia é a transformação de um resíduo da indústria sucroalcooleira, no caso o bagaço, em um material nobre, os bioplásticos", afirma Luiziana. Atualmente, entre 60% e 90% do bagaço (de um total de 81 milhões de toneladas anuais) produzido nas usinas é usado na geração de energia elétrica. O excedente desse resíduo, que em 1999 chegou a 8 milhões de toneladas, causa sérios problemas de estocagem e poluição ambiental. "O emprego do bagaço para produzir PHB minimizará esses problemas': diz ela. A técnica de obtenção do PHB por meio de bactérias não é novidade. Ela é conhecida desde o início do século 20. O uso comercial desse polímero, porém, não foi implementado em função dos elevados custos envolvidos na sua produção. O mérito dos pesquisadores brasileiros foi conseguir reduzir consideravelmente esse custo quando comparado ao dos plásticos biodegradáveis sintetizados nos Estados Unidos e na Europa. Lá, eles são fabricados apenas em plantas piloto e em laboratório a partir de outras fontes, como açúcar da beterraba e milho. Essa redução ocorreu, principalmente, em função do baixo custo da cultura da cana, que inclui a energia elétrica barata, produzida com o bagaço de cana. "Por isso, para ter um preço competitivo, o ideal é que a unidade de produção do plástico biodegradável funcione junto a uma usina sucroalcooleira", diz Ortega Filho, da PHB. Mesmo com a redução dos custos, o plástico biodegradável ainda é mais caro do que o convencional. "Um quilo do polímero sintético custa cerca de US$ 1, enquanto o do PHB está na casa de US$ 4 ou US$ 5, dependendo de sua aplicação", explica Ortega Filho. Apesar dessa diferença de preço, ele é considerado competitivo, principalmente no mercado externo. Nos Estados Unidos, Japão PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 71
e países europeus, por exemplo, a reciclagem é obrigatória, como também a comprovação, pela indústria fabricante do polímero, de que ela foi efetivamente feita. Os gastos com essas etapas não estão incluídos no custo do plástico. No Brasil, o cálculo desse custo considera a compra da resina e sua transformação. Não existe preocupação nem custos efetivos com reciclagem. A Alemanha, por exemplo, pretende substituir, nos próximos 60 anos, pelo menos 60% do plástico sintético consumido internamente por polímeros biodegradáveis. A medida visa, entre outras coisas, a aliviar os aterros sanitários do país. O longo tempo de permanência dos plásticos sintéticos nesses locais provoca graves problemas ambientais, porque eles formam uma camada impermeabilizante que impede a passagem de líquidos e gases originados do apodrecimento dos detritos, retardando a estabilização da matéria orgânica. O problema é preocupante quando se sabe que eles representam cerca de 20% de todo o lixo urbano no Brasil. Segundo Luiziana, outra vantagem das resinas plásticas biodegradáveis é que elas são produzidas a partir de recursos renováveis, enquanto as convencionais utilizam como matéria-prima o petróleo, uma fonte não renovável.
P H B Industrial: até 2005, empresa deve produzir 10 mil toneladas de bioplástico por ano
Produção de pellets - O mercado mundial de plástico é da ordem de 200 milhões de toneladas por ano. Segundo estimativas de vários especialistas, a fatia desse mercado que deve ser ocupada pelos bioplásticos gira em torno de 1% a 2% nos próximos dez anos. E a PHB quer participar dessa fatia. "Mas, para que isso seja possível, precisamos antes concluir o desenvolvimento da tecnologia para produção dos pel/ets que serão vendidos aos transformadores", diz ele. Pel/ets são pequenas pastilhas-cilíndricas de alguns milímetros de comprimento feitas a partir da mistura da resina granulada de PHB com outros . polírneros ou fibras naturais. Eles são a matéria-prima usada pelas indústrias, que os transformam em utensílios.''As
OS PROJETOS Obtenção e Caracterização de Polímeros Ambientalmente Degradáveis (PADJ a Partir de Fontes Renováveis: Cana-de-açúcar MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)
Obtenção de Linhagens Bacterianas e Desenvolvimento de Tecnologia para a Produção de Plásticos Biodegradáveis a Partir do Hidrolisado de Bagaço de Cana-de-açúcar MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR
JEFTER FERNANDES DO NASCIMENTOPH B Industrial
COORDENADORA
INVESTIMENTO
INVESTIMENTO
R$ 338.840,00
72 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
LUIZIANA FERREIRA DA SILVA - IPT
R$ 52.133A7 e US$19.645,00
indústrias não compram o PHB puro. Elas querem que ele já esteja preparado para ser transformado no produto final': diz Ortega Filho. Para fazer a engenharia dos pellets, a PHB Industrial fez um convênio de cooperação e pesquisa com o Departamento de Engenharia de Materiais (DeMa), da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), e obteve um financiamento de R$ 338 mil da FAPESP por intermédio do PIPE. Iniciado em 2001, o projeto deverá se estender até o próximo ano. Os recursos foram utilizados na aquisição de equipamentos básicos em tecnologia de polímeros, visando à fabricação dos pel/ets. "Compramos um medidor de índice de fluidez e um equipamento de ensaio universal para analisar tração, flexão e compressão", afirma Ortega Filho. "Até o final do ano, receberemos uma máquina extrusora, na qual faremos estudos para desenvolver o produto com as características que o mercado demanda:' Toda essa aparelhagem será instalada na UFSCar, em um laboratório a ser construído. "Os recursos da FAPESP estão sendo essenciais para a viabilização comercial do Biocycle, nome comercial dado por nós ao PHB", afirma o engenheiro de materiais Iefter Fernandes do Nascimento, coordenador do projeto do PIPE. Por enquanto, as 60 toneladas anuais de Biocycle produzidas na PHB Industrial são enviadas principalmente para empresas e centros de pesquisa no exterior, que também trabalham no desenvolvimento dos pellets. "Exportamos para centros dos Estados Unidos e da Europa, como o Fraunhofer Institute, na Alemanha, e a empresa norte-americana Metabolix, cujos donos eram pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT)", diz Ortega Filho. "Eles estão fazendo o mesmo que a gente: tentando encontrar o pel/et ideal para cada aplicação." O bom é que a PHB está na frente e, se tudo der certo, a empresa estará exportando, em breve, pellets de plástico biodegradável. •
ITECNOLOGIA
SENSORIAM
ENTO
Relevos inéditos Empresa usa informações de satélite canadense para fazer mapas com detalhes topográficos mazônia atrai a atenção mundial pela sua biodiversidade, seus recursos minerais e áreas ainda intocadas. Mas o olho humano, as câmeras fotográficas ou mesmo os sensores ópticos a bordo de aeronaves ou satélites têm enormes dificuldades em desvendá-Ia por completo, principalmente em relação à variação de altitude do terreno. Encoberta quase todo o tempo pelas nuvens que integram seu
A
clima e pela fumaça freqüente das queimadas, a região ainda é de difícil mapeamento. O céu começou a clarear, no entanto, desde que, há dois anos, uma empresa de São José dos Campos, a Geoambiente, detectou nessa dificuldade uma boa oportunidade de avançar no desenvolvimento de sistemas para uma melhor captação de imagens; principalmente dos solos da Amazônia. A empresa criou um projeto, financiado pelo Programa de Inovação
Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, que propõe a autocapacitação para extrair das imagens orbitais do satélite Radarsat -1 material para confecção de cartas topográficas atualiza das e mais precisas. Com escala de 1:250.000 (cada centímetro no papel equivale a 2.500 metros no terreno), muitas cartas que retratam a Amazônia não contêm dados de altimetria, que permitem conhecer a topografia da superfície. PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 73
o Radarsat-l, lançado em 1995, foi desenvolvido pela Canadian Space Agency (CSA), a agência espacial canadense, como o primeiro sistema comercial para monitorar recursos naturais e mudanças ambientais do planeta. Esse satélite é equipado com um sensor imageador de microondas, chamado de Radar de Abertura Sintética (Synthetic Aperture Radar - SAR), que permite "ver" em condições climáticas adversas e também durante a noite. Da mesma forma, captura imagens em diferentes ângulos de observação, as quais, combinadas em computador, possibilitam a obtenção de dados de altimetria das áreas observadas, ou seja, de mapas em três dimensões, com detalhes das elevações do terreno. Resolução elevada" O radar imageador funciona como uma câmera fotográfica com flash, que fornece a própria iluminação para a cena. Ele faz isso ao emitir microondas de rádio e captar a imagem na mesma região do espectro eletromagnético (comprimentos de onda da radiação entre 1 centímetro e 1 metro). Com isso, o Radarsat capta imagens com elevada resolução espacial (8 74 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
metros por 8 metros), melhor que as captadas pelos sensores ópticos multiespectrais no espectro visível e infravermelho de outros satélites, como o Thematic Mapper (TM) Landsat, lançado pela Nasa, que faz imagens da Terra na resolução espacial de 30 metros por 30 metros e tem sido usado para estimar o desflorestamento na Amazônia. Mesmo com resolução espacial menor, as imagens do TM-Landsat também são usadas no projeto da Geoambiente. "Elas são utilizadas em fusões com as do Radarsat-1 para identificarmos estradas, povoados, vegetação e culturas agrícolas no terreno': explica o geólogo Waldir Renato Paradella, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do projeto. A vantagem do Radarsat é que ele opera em comprimento de onda maior que o dos sensores remotos ópticos. Dessa forma, não é afetado pelas condições atmosféricas adversas. Ele também tem a versatilidade de poder colher imagens em 35 modos diferentes de uma mesma região, ampliando assim as opções em adquirir informações do terreno, além de possuir sistemas de visores com pares estereoscópicos (per-
cepção tridimensional) usados na extração de altitude e obtenção de curvas de nível da carta topográfica. Os potentes radares imageadores dos Sistemas Integrados de Vigilância e de Proteção da Amazônia (Sivam/Sipam) também conseguem atravessar o nebuloso céu amazônico e captar o relevo em maior detalhe que o Radarsat -1, mas há limites para que sejam utilizados. Como os sensores estão baseados em aviões, os custos são muito mais elevados.Além disso, um grande esforço de capacitação ainda precisa ser feito no país para dominar a tecnologia de transformar dados em informações adequadas. Segundo Paradella, a qualificação de técnicos no Brasil é um dos maiores benefícios da proposta da Geoambiente. Isso possibilitará a redução dos custos dos mapas obtidos a partir de imagens do Radarsat-l- que até agora têm sido confeccionados com tecnologia desenvolvida no exterior - e o atendimento da demanda de uso da tecnologia e de formação desses profissionais pelo Sipam. "Já estamos negociando também com a Diretoria de Serviço Geográfico, órgão do Exército brasileiro, a possibilidade de desenvolver projetos conjun-
hidrografia, ocupação urbana e vegetação nativa. "Como o acesso muitas vezes é impossível e os custos são elevados, visitamos 50 dos cem pontos selecionados. Com parte dos pontos medidos em campo pudemos gerar o DEM absoluto e os demais serviram para validar o modelo", explica Paradella. Em setembro, teve início o trabalho de campo da segunda fase do projeto, que se encerra em julho do próximo ano e resultará em uma carta topográfica inédita de parte central da serra de Carajás, também no Pará.
tos de aplicações cartográficas com dados do Radarsat -1 para a Amazônia", informa a presidente da Geoambiente, a geóloga Izabel Cecarelli. Iniciado há dois anos, o projeto receberá, no total, cerca de R$ 230 mil. O investimento já rendeu o primeiro fruto: a carta cartográfica da Floresta Nacional de Tapajós, área de 1.940 quilômetros quadrados em Belterra, no Pará. Na confecção da carta, os técnicos pri-, meiramente processaram no computador duas imagens do Radarsat-1, em tonalidades de cinza, obtidas de ângulos diferentes - o que possibilita a modelagem das três dimensões do relevo. Desse processo, obtém-se o Modelo Digital de Elevação (DEM) relativo, que permite gerar altimetria para cartas na escala de 1:250.000. Mas o DEM absoluto, do qual se pode extrair altimetria para cartografia na escala 1:100.000 (cada centímetro no mapa representa 1.000 metros no terreno), como a de Tapajós, só é obtido depois de um extenso trabalho de campo. Quanto maior a escala, mais detalhes podem ser observados no mapa. No caso de Tapajós, uma equipe de três técnicos e um oficial do Exército brasileiro - também parceiro no proje-
to - embrenharam-se na floresta durante dez dias, percorrendo mais de mil quilômetros em busca de cem pontos escolhidos previamente. Em cada ponto alcançado foi instalado um aparelho receptor Global Positioning System (GPS), sensor de posicionamento que fornece medidas de precisão de latitude, longitude e altitude do local. Com esses dados, o computador modelou o relevo de toda a área, permitindo a confecção do mapa cartográfico com dados altimétricos e planimétricos de detalhes como malha viária,
o PROJETO Geração de Modelos Digitais de Elevação através da Radargrametria com Imagens do Satélite Radarsat-l MOOALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR WALDIR
RENATO PARADELLA -
Inpe/Geoambiente INVESTIMENTO
R$ 129.118,00 e US$ 30.126,18
Levantamentos precisos - Os resultados já obtidos indicaram que a escala de 1:100.000 é a maior possível para cartografia por meio das imagens de alta resolução do Radarsat-1 para a Amazônia. Em menos de dois anos, porém, quando for lançado o Radarsat-2, com melhoria em resolução espacial (3 metros por 3 metros), essa escala poderá atingir 1:50.000 ou maior, aproximando-se das obtidas por meio de sensores ópticos de outros satélites. Segundo Paradella, as informações mais detalhadas e a disponibilidade do DEM abrem caminho para o Brasil fazer na Amazônia levantamentos de maior precisão. Mas ainda há muito a percorrer. "A luta agora é para divulgar a tecnologia do radar imageador", afirma Izabel. É que, embora o sensor radar esteja disponível já há alguns anos, ele ainda é pouco conhecido no Brasil, inclusive por alguns órgãos do governo, os quais chegam a solicitar levantamentos cartográficos de regiões amazônicas baseados em sensores ópticos. Mesmo assim, a empresa já começou a comercializar produtos integrados, resultantes da fusão de imagens de radar e dados de geofísica, relativos à região amazônica. Nesse mercado há sete anos, a Geoambiente até agora se dedicava exclusivamente a processar imagens de sensores ópticos, segmento promissor em um país onde a escassez de informações chega a ser crítica. O próprio crescimento da empresa demonstra essa situação: no ano passado, faturou cerca de R$ 3 milhões, 50% mais do que em 2000, e este ano deve repetir o bom desempenho. "Devemos crescer mais 50% em 2002'~ prevê Izabel Cecarelli. O domínio da tecnologia do Radarsat-1 certamente vai contribuir para desenvolver ainda mais os negócios. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 75
• TECNOLOGIA
ALIMENTOS
Transgênicos no microscópio Empresa domina técnica e monta laboratório para detecção de produtos geneticamente modificados empresas
exportadoras de soja para Europa, China e Japão são os principais clientes do primeiro labora~ tório nacional privado capaz de fazer testes moleculares para detectar alimentos transgênicos. Tratase da Tecam - Tecnologia Ambiental, uma empresa paulistana especializada em análises laboratoriais nas áreas de química e de biologia. Antes dela, poucos laboratórios estrangeiros e instituições públicas de pesquisa dominavam essa tecnologia. O laboratório de Biologia Molecular foi implementado com o apoio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. Foram investidos, no total, cerca de R$ 350 mil na sua criação. A maior parte dos recursos foi usada na importação de equipamentos e de insumos laboratoriais. A procura por testes de detecção de alimentos transgênicos tende a crescer
Empresas brasileiras preferem testar a soja antes de exportar
quando esse mercado for regulamentado no Brasil. Por enquanto, a demanda é limitada, já que a legislação em vigor não permite a comercialização de alimentos transgênicos. Quando eles forem liberados, os testes ganharão importância porque o país é o segundo maior produtor de soja do mundo, tendo exportado 15 milhões de toneladas do grão no ano passado. As nações européias e asiáticas desejam diferenciar alimentos geneticamente modificados dos convencionais e, em breve, deverão exigir certificados que comprovem se as sementes e os produtos importados sofreram ou não modificações genéticas. O teste, portanto, servirá para certificar alimentos convencionais brasileiros destinados à exportação. "Sabemos que os carregamentos de soja brasileira que chegam à Europa já estão sendo testados", conta a bióloga Ianete Walter Moura, uma das diretoras da Tecam. "Por isso, as empresas nacionais
preferem fazer testes aqui para conhecer a soja com a qual estão trabalhando, evitando assim surpresas futuras'; afirma. Isso acontece, apesar da proibição, porque existem fortes indícios de que uma parcela significativa da lavoura de soja da região Sul do país contenha organismos geneticamente modificados (OGMs). A informação está presente num estudo elaborado recentemente pela Câmara dos Deputados. Também há indícios de que agricultores brasileiros estão comprando o grão da Argentina, país onde o plantio de soja transgênica está liberado. Sementes importadas - Para a diretora da Tecam, além da soja, outro mercado potencial para realização de testes é o do milho e de produtos derivados. Nos últimos anos, a região Nordeste do Brasil tem sido um grande importador do produto. Só no ano passado, foram compradas 634 mil toneladas
de milho, mais da metade da Argentina e dos Estados Unidos, países onde não há restrições ao plantio de sementes transgênicas. A única forma de garantir que o milho importado pelo Brasil não seja geneticamente modificado é realizando testes moleculares nesses grãos. A análise para detecção de alimentos transgênicos é feita por meio da identificação do novo gene que foi introduzido na planta. A procura por esse elemento, que diferencia a planta geneticamente modificada de sua correspondente convencional, é realizada com a técnica chamada reação em cadeia de polimerase, ou simplesmente PCR, do inglês Polymerase Chain Reaction. Devido à alta sensibilidade da técnica, os resultados ~são bastante precisos. "Existem outras técnicas para detecção de transgênicos, que analisam a proteína, mas esta, que faz a leitura do material genético (DNA), é a mais eficaz de todas", afirma Janete. "A PCR torna visível o novo gene ou a nova seqüência de DNA que procuramos identificar, produzindo bilhões de cópias desse organismo que foi introduzido na planta", diz a farmacêutica Daniela Contri, da Tecam. O resultado do exame demora de quatro a cinco dias para ficar pronto. Para fazer o teste de detecção de alimentos transgênicos, a Tecam precisou de um certificado de biossegurança emitido pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Esse documento, uma espécie de alvará, é obrigatório para todas as empresas e
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o PROJETO Implantação da Técnica de PCR para Detecção de Alimentos Geneticamente Modificados MOOALIOAOE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADORA JANETE WALTER MOURA -
Tecam
INVESTIMENTO
No Japão, esse índice sobe para 5%. "Normalmente, limites relacionados a alimentos estão ligados à questão da saúde, mas, no caso dos transgênicos, o limiar é arbitrário, uma vez que ainda não há estudos relacionando o consumo de OGMs com riscos à saúde humana", diz a diretora da Tecam. Para fazer os testes de quantificação, a empresa planeja adquirir um aparelho importado, capaz de realizar a PCR em tempo real, que custa entre US$ 50 mil e US$ 100 mil, dependendo do seu grau de sofisticação.
R$ 73.100,00 e US$ 105.000,00
instituições que trabalham com OGMs. Isso não significa, no entanto, que os resultados dos exames devam ser comunicados à CTNBio. "Nosso trabalho é confidencial e só diz respeito à Tecam e aos nossos clientes': afirma Ianete. O próximo passo da empresa é aparelhar-se para realizar testes que possam quantificar o porcentual de OGMs encontrado nas amostras, já que a PCR é originalmente uma técnica qualitativa e permite apenas informar se o produto é ou não transgênico, sem especificar a quantidade de OGMs presente nele. Essa quantificação é importante porque alguns países estão estabelecendo limites para definir se um produto deve ou não ser rotulado como geneticamente modificado. Na Europa, por exemplo, esse limiar é de 1%. Isso significa que se a amostra tiver mais de 1% de material de OGMs ela é considerada transgênica.
Testes toxicológicos - O Laboratório de Biologia Molecular é um novo passo na capacidade de inovação da Tecam, que começou a funcionar em 1992, realizando testes toxicológicos para o mercado de defensivos agrícolas. Em seguida, passou a fazer ensaios em efluentes industriais e testes de potabilidade de água. Em 1996, a empresa entrou no mercado de alimentos, oferecendo análises microbiológicas, físico-químicas e microscópicas. Hoje, conta com 40 funcionários, sendo que 60% deles têm nível superior, índice que atesta a vocação tecnológica da empresa. O estabelecimento do laboratório e a padronização da metodologia contaram com a colaboração do pesquisador José Eduardo Levi, do Laboratório de Virologia do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP). Um bom começo que deve impulsionar a empresa a trilhar com mais preparo o ainda polêmico caminho dos transgênicos. •
Análise com técnica PCR detecta se há um novo gene no milho
• TECNOLOGIA
PETRÓLEO
Formação dos casulos negros Movimento de sedimentos no fundo do mar é objeto de estudo de equipe gaúcha
ada vez mais a Petrobras procura diminuir custos e riscos nas suas operações de prospecção de poços de petróleo em águas oceânicas profundas, área onde a empresa é líder mundial em tecnologia. Para isso investe em parcerias, como a iniciada há três anos com o Núcleo de Estudos de Correntes de Densidade (Necod), do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O objetivo é tentar conhecer melhor os deslocamentos dos sedimentos que dão origem ao petróleo e as áreas mais prováveis onde estão depositados. "Em 1999, fomos procurados por técnicos da Petrobras, que desejava criar um centro de excelência, dentro do Programa de Fronteiras Exploratórias da empresa, para prospecção em águas profundas'; conta o professor Rogério Maestri, coordenador do projeto. "Nosso desafio é saber como se formam, para onde se dirigem e onde estão localizadas as rochas que compõem os reservatórios:'
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Os estudos concentram-se na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, onde se extrai quase 80% da produção nacional de petróleo, de 1,5 milhão de barris/dia. Um tanque em alvenaria, com 1,80 metro de altura e área de 300 metros quadrados, reproduz em seu interior a topografia do cânion Almirante Câmara, na bacia fluminense. A escolha desse local é estratégica. Como já foi explorado pela Petrobras, é excelente fonte de dados para a pesquisa. Segundo Maestri, o modelo opera numa geometria tridimensional - reproduzindo as grandes irregularidades horizontais e verticais que constituem a topografia do cânion -, com dados de corrente de densidade. Eras passadas - O fenômeno corrente de densidade pode ser visto na progressão de uma frente fria, no movimento de uma avalanche, nas correntes sedimentares formadas durante a explosão de um vulcão ou em outras situações que ocorrem na natureza. A definição científica desse fenômeno é que há o escoa-
mento de um fluido de maior densidade embaixo de outro, de menor densidade. Segundo cálculos de especialistas no setor, 98% do petróleo brasileiro tem sido encontrado em depósitos de correntes de densidade que ocorreram em eras passadas. Depositado em ambientes marinhos profundos, o material orgânico compactado junto ao sedimento transforma-se, em condições ideais de pressão, temperatura e tempo, em petróleo. O processo de acumulação desse material na costa marítima brasileira teve início há cerca de 130 milhões de anos, com a separação do continente africano do americano. Nesses primeiros movimentos, o material mais grosso, depositado na plataforma continental, e o material orgânico, encontrado naturalmente no fundo do mar, foram jogados, na forma de correntes de densidade, para dentro das bacias marítimas. Em determinado momento, essas bacias sofreram rupturas, formando pequenas ravinas, conhecidas na linguagem geológica como cânions, localizados na borda
Águas profundas: Petrobras quer continuar na liderança da prospecção de petróleo
da plataforma marítima. São eles que conduzem a mistura de água com sedimentos, por centenas de quilômetros, no fundo abissal, formando canais, onde é depositado, em pontos estratégicos, o material que dá origem ao petróleo. "Esses pontos e a qualidade dos depósitos são o objeto maior das nossas pesquisas': explica Maestri. Se o material for mais grosso, é considerado um depósito de maior qualidade. Se for mais fino, não contém tanto petróleo. A maioria dos depósitos em que se encontra petróleo tem de 30 milhões a 40 milhões de anos, datas que coincidem com os ciclos de rebaixamento e subida do nível dos oceanos. Quando o nível do mar recua, a plataforma fica descoberta e o material que se depositou ao longo de milhares de anos é carreado para a parte mais funda do mar, formando sedimentos que dão origem ao petróleo, que é formado em rochas geradoras e migra para rochas reservatórias. São elas que seguram o óleo, o gás e a água que ficam em seu interior.
Nas pesquisas feitas pelo grupo gaúcho são simuladas correntes de alto grau de turbulência em fluidos riewtonianos (fluidos com comportamento semelhante à água e ao ar). As partículas carregadas pela corrente desenvolvem um movimento composto no interior do fluxo, apresentando uma trajetória circular em torno do início da corrente.
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urbulênciano fluxo imprime ao material depositado no fundo do mar uma estrutura característica. Um depósito padrão é o que apresenta o material mais grosso na base dessa estrutura, enquanto o mais fino vai para o topo. "A gênese dessa corrente sinaliza onde se encontram os depósitos de petróleo", diz Maestri. Segundo dados da Petrobras, a prospecção de uma área em águas profundas requer investimentos superiores a US$ 30 milhões. Quase 90% desse total é gasto na perfuração de um poço, que efetivamente comprova a existência ou
não de petróleo e gás. A indústria petroleira considera um bom resultado quando 30% dos poços perfurados na fase de prospecção resultam na descoberta de novos campos. Para Maestri, qualquer progresso, mesmo que seja de apenas 1% em relação ao objetivo proposto, representa grande economia de tempo, de recursos e de controle ambiental na exploração de petróleo. "Os ganhos da pesquisa ainda não são mensuráveis economicamente, mas do ponto de vista científico já houve acréscimo de conhecimento, com o desenvolvimento de duas dissertações de mestrado sobre o tema, uma tese de doutoramento e trabalhos apresentados em congressos e encontros acadêmicos e científicos", relata. Os resultados obtidos nas pesquisas são repassados, periodicamente, à Petrobras e ao Fundo Setorial do Petróleo, do Ministério da Ciência e Tecnologia, que participa do financiamento do projeto. Desde que teve início, já foram liberados R$ 460 mil para o desenvolvimento dos modelos. O geólogo Fernando Del Rey, um dos interlocutores da Petrobras com os pesquisadores do Necod, salienta que as pesquisas ainda se encontram na fase inicial, mas representam um grande avanço. "O núcleo já está sendo considerado por muitos pesquisadores internacionais como um dos laboratórios mais bem equipados para a realização desse tipo de pesquisa. É o único centro do Brasil onde são estudadas correntes de densidade com enfoque nos processos sedimentares marinhos:' Os equipamentos de última geração, a especialização na área e os 49 anos de experiência do instituto certamente são credenciais suficientes para que os pesquisadores consigam responder ao desafio proposto pela Petrobras, de tornar a prospecção de petróleo em águas profundas uma atividade com menos riscos e custos. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 79
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As reportagens exclusivas sobre as pesquisas mais avançadas de ciência e tecnologia brasileira, publicadas pela revista Pesquisa FAPES~ são lidas por pesquisadores, professores, estudantes de pós-graduação, parlamentares, empresários, executivos e profissionais de pesquisa e desenvolvimento do setor privado. São 41 mil exemplares mensais que ajudam a formar opinião sobre o que realmente importa para o desenvolvimento do país.
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HUMANIDADES ENSINO
uando a render é programa de índio Série Antropologia, História e Educação, em quatro volumes, é resultado de projeto temático que discute a educação indígena
princípio o era o verbo, mas não foi fácil entendê-lo. "Eu ficava com o ouvido aplicado na boca do bárbaro sem poder distinguir sílabas ou perceber vogais ou consoantes", escreveu o padre Vieira sobre a sua dificuldade em entender os índios. Nascia o pecado original da educação indígena: ensiná-los a falar português, afastando-os da sua cultura e negando o diálogo entre as diversidades. No epicentro estava a escola. "A instituição da educação foi fundamental na configuração dos índios brasileiros, pois da catequese ao positivismo, sempre se quis assimilã-los ao Estado", explica LuxVidal. A antropóloga é um dos mais de 20 pesquisadores do Mari - Grupo de Educação Indígena da USP -, criado em 1995 para pensar formas de educação que promovam o diálogo interétnico entre índios e não-índios. Mas, para eles, o verbo não bastava. "Sempre houve um lapso entre prática e teoria antropológica para pensar essa questão, fazer avançar a área e dar um retorno aos índios dos resultados de nossos estudos", conta Lux.
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Os índios segundo o traço de Cândido Portinari: \\A aldeia não está mais isolada no mundo globalizado e os indígenas querem informação", diz Lux Vidal
o resultado
desse desejo de prática são os quatro volumes' recém-lançados da série Antropologia e Educação. Antropologia, História e Educação (organizado por Aracy Lopes da Silva e Mariana Kawall Leal Ferreira), Práticas Pedagógicas na Escola Indígena (mesma organização), Crianças Indígenas: Ensaios Antropológicos (de Aracy Lopes, Ana Vera Lopes Macedo e Ãngela Nunes) e Idéias Matemáticas de Povos Culturalmente Distintos (organizado por Mariana Ferreira) acabam de ser lançados pela Editora Global, com apoio da FAPESP. Reunindo vários artigos de especialistas do Mari, os livros são produto de um ambicioso temático iniciado em 1995 e financiado pela FAPESP, Antropologia, História e Educação: A Questão Indígena e a Escola. No meio do caminho, uma perda terrível: a pesquisadora Aracy Lopes, morta em 2000. "A finalização do temático e esses livros resultantes devem muito à dedicação de Aracy, que soube reunir todos em torno do projeto': elogia Lux Vidal. "O tema da educação indígena não é novidade, mas graças a esse esforço agora ele tem um novo espírito e direção", acredita a antropóloga. PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 83
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o atual direcionamento chega bem a tempo de contemplar um novo desafio, a globalização. Se antes era preciso integrar o índio à sua e a nossa cultura, a educação de hoje precisa reuni-lo ao mundo. ''A aldeia não está mais isolada no mundo globalizado. Os índios estão sendo informados disso e querem participar dessa união sem deixar de ser o que são", analisa Lux. Mais uma vez, o epicentro de tudo está na escola, o lugar privilegiado dessa discussão, desta vez num contexto positivo.
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Dominação - "Uma das reivindicações mais sólidas do movimento indígena organizado no Brasil nas últimas duas décadas, ao lado da questão fundiária e do atendimento à saúde, diz respeito à educação", observa Mariana Kawall Ferreira. Após 500 anos vendo a escola usada como instrumento de dominação e integração forçada, os indígenas querem se relacionar com a sociedade brasileira em novas bases. Mas foi preciso esperar a mudança da Constituição em 1988 que os reconheceu como brasileiros plenos de direitos, entre os quais o direito à própria língua e cultura. Foi um longo caminho. Mariana Ferreira lembra como a catequese foi colocada a serviço do aniquilamento cultural dos índios no Brasil Colônia. O ensino obrigatório de português foi um meio de inserir os indígenas na civilização cristã, "concentrando esforços para destruir instituições nativas, como o xamanismo e os sistemas de parentesco, instaurando relações de submissão e dominação, perpetuando as desigualdades sociais". Os nativos só eram capacitados na medida para trabalhar como mão-de-obra barata para os colonizadores. Apenas em 1910,observa ainda Mariana, é que o Estado brasileiro, influenciado pelos ideais positivistas, passou a se preocupar minimamente com a cultura e língua indígenas, a partir da implementação do Serviço de Proteção ao índio (SPI).As escolasensinavam menos religião, mas ainda queriam os índios preparados apenas para se integrar no mercado de trabalho. Em 1967,com a criação da Funai, que substituiu o SPI, o ensino bilíngüe entrou na agenda do governo para a política indígena. Em 1991, durante o governo Collor, o controle educacional saiu da fundação e passou para o Ministério da Educação. 84 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
Um novo dispositivo legal garantia "que as ações educacionais destinadas às populações indígenas fundamentem-se no reconhecimento de suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças, tradições e nos seus processos próprios de transmissão do saber". Estava aberto o caminho para a escola diferenciada e para os professores indígenas. "Essa nova educação reúne uma preocupação com a manutenção da identidade dos índios e ao mesmo tempo dá a ele os tão desejados novos conhecimentos da sociedade dos nãoíndios", avalia Lux Vidal. Os indígenas logo perceberam que, além de ganhar o conhecimento para estabelecer relações igualitárias com os não-índios, também podiam usar a instituição "branca" da escola com um novo significado,mais próximo da sua realidade e necessidade. O antigo feitiço da catequese destrutiva virava contra o feiticeiro: o ensino podia ajudar os índios na preservação de suas tradições, costumes e fala."Os professores índios hoje têm o auxílio de antropólogos para pensar maneiras de criar a sua educação, sem deixar de lado o instrumental necessário para 'vencer no mundo dos brancos' ",analisa Lux.
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sim,além de aprender o português e se tornar bilíngüe, a nova geração também domina operações matemáticas (dentro, é claro, do espírito índio de entendimento dessa matemática, ligada a uma delicada cosmogonia nativa). "Para muitos, curiosamente, foi uma surpresa se descobrirem ainda índios, como pude presenciar em uma visita ao Oiapoque. Com o trabalho de resgate de sua língua e histórias, muitos puderam se reencontrar com a identidade 'perdida' de indígena", conta a antropóloga. Por isso, o aumento do número estatístico de índios no Brasil,que pulou em poucos anos de 350 mil para 850 mil. "Em verdade, o que houve foi um reconhecimento, a partir da nova educação indígena, da parte de muitos de que eram índios", explica Lux Vidal. Afinal, agora os próprios indígenas produzem seu material escolar, suas cartilhas, mapas e atlas, contando a sua versão, com suas palavras, da história do país. Mas nem tudo são maravilhas, adverte a antropóloga. Em especial no
conceito de escola diferenciada. "Muitos índios pensam que se trata de um ensino menor, inferior. Além disso, há muito aparato formal que os afasta do crescimento real necessário. Não adianta prepará-los para um vestibular, pois eles não passam. E nem seria bom isso", adverte. "Poucos chegam à universidade e a maioria prefere ficar nas aldeias e, logo, é preciso pensar um ensino específico para isso. Há muito potencial para pesquisa socioambiental entre os índios, análise e catalogação de fauna e flora, etc., que eles, com certeza, poderiam fazer e muito bem", acredita Lux. Fragilidade - Além disso, a antropóloga teme que falte vontade política futura para continuar os empreendimentos relatados nos quatro volumes da série Antropologia e Educação. "Há, como os pesquisadores relatam nos livros, uma imensa fragilidade nesse sistema. E a população indígena aumenta e quer um ensino bom", avisa. Segundo a pesquisadora, o ano eleitoral já provocou bastante estragos em várias fases do projeto, que foram deixadas de lado e relegadas a um segundo plano. Lux Vidal diz também que é complicado manter os professores por muito tempo numa área e várias organizações de professores indígenas pedem, sem receber, ajuda do governo para que esse estado de coisas possa vir a ser modificado. Caso contrário, as conquistas podem ser facilmente perdidas. É preciso também a formação de professores não-índios para pensar a questão e ajudar o processo a continuar. Acima de tudo, lembra a pesquisadora, deve-se estudar a situação particular da criança indígena, tema de um dos livros resultantes do projeto temático. Afinal,a educação igualmente criou atritos entre gerações. "Velhos se sentem diminuídos pela instrução adquirida pelos jovens", conta. "Mas, se pensarmos bem, o mesmo se dá em nossa realidade, com a Internet separando gerações", diz. Falando em "nosso mundo", o projeto Antropologia, História e Educação igualmente se preocupa com o outro lado da moeda: a visão estereotipada dos não-índios sobre os indígenas. A sociedade branca aprende na escola a entender os nativos como "pobrezinhos,
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A visão idealizada do "bom selvagem": hoje, índios sofrem com o estereótipo de vítima, igualmente danoso a eles
bonzinhos, que não desejam sair da 'idade da pedra' e devem ser preservados como primitivos", lembra Lux."Isso é tão ruim quanto o preconceito, em especial nesL .• ses tempos em Aracy: projeto e que há muita vilivros devem muito sibilidade sobre os índios na míà pesquisadora dia. Fazer tal coisa é não reconhecer a população indígena em sua dinâmica", avalia a pesquisadora. "É preciso ainda perceber que não se pode falar em educação indígena sem levar em conta que entre essas populações há grandes diferenças e necessidades. Tudo isso está presente como matéria de discussão no projeto temático", fala. Por fim, Lux Vidal lembra que a educação indígena trouxe frutos inesperados, como a inserção política de indígenas. "O voto dos índios em alguns lugares é expressivo e, por isso,
eles são muito assediados por políticos, o que, por um certo lado, é bom, já que força o legislativo a pensar também a questão indígena", avalia a professora. Mas o destino dos indígenas deve permanecer fundamentalmente nas mãos dos próprios nativos. Comunidade - Como observa um documento do I Encontro Nacional de Coordenadores de Projetos na Área de Educação Indígena, realizado em 1997: "A família e a comunidade são os responsáveis pela educação dos filhos. É na família que se aprende a cuidar da saúde, a geografia das matas, dos rios e
o PROJETO Antropologia,
História
e Educação
MODALIDADE Auxílio publicação COORDENADORA
ARACY LOPES DA SILVA - FFLCH-USP INVESTIMENTO
R$ 25.000,00
serras; aprende-se a matemática e a geometria para fazer canoas. Não existe sistema de reprovação ou seleção. Os conhecimentos específicos estão a serviço e ao alcance de todos. Todos são professores e alunos ao mesmo tempo", observa o documento. "A escola não é o único lugar de aprendizado. Escola não é o prédio construído ou as carteiras dos alunos. São os conhecimentos, os saberes. Também a comunidade possui a sua sabedoria para ser comunicada, transmitida e distribuída", completa o texto. A questão é mesmo complexa. "É necessário formar e valorizar profissionais voltados para a própria comunidade, visando a nossa autonomia e para que as escolas sirvam como instrumento de permanência dos jovens em nossas aldeias e não como portas de saída': fazia eco o documento final do IX Encontro dos Professores Indígenas do Amazonas, Roraima e Acre. Hoje, no Brasil, ainda há 218 povos indígenas, falando 180 línguas diferentes e dialetos nativos. É, Oswald de Andrade tinha razão: "Nós, brasileiros, nunca fomos catequizados". Ainda bem. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 8S
• HUMANIDADES
A pobreza escondida: novos produtos mostram focos de concentração
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A miséria oculta revelada CD-ROM e Servidor de Mapas do Centro de Estudos da Metrópole dão retrato real das carências sociais de São Paulo
ocê olha pela janela do seu carro e lá está a pobreza, mais do que visível. Mas as estatísticas não são tão ~ palpáveis quanto a realidade, e quando se fala na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) não é difícil que os números se mostrem otimistas, falem em riqueza e escondam boa parte da miséria. "Em geral, as médias escondem a pobreza e sabíamos que era preciso prover o Estado e as pessoas de elementos que permitissem identificar de fato as carências sociais e a falta de 86 • OUTUBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 80
acesso aos serviços na RMSP. Assim, disponibilizamos para o setor público não apenas um conhecimento mais fino da situação social, mas ferramentas para a intervenção sobre a realidade", afirma Argelina Cheibub Figueiredo, diretora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), que é um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) apoiados pela FAPESP. O CEM lança, neste mês, produtos que, além de apoiar os cerca de 20 projetos de pesquisa que desenvolve, ajudarão a minimizar essa imprecisão e fa-
cilitarão o acesso do público em geral a informações sobre a RMSP. O primeiro deles é um CD-ROM com dados censitários desagregados da RMSP. Ele contém a cartografia digital e os dados do questionário dos censos demográficos de 1991 e de 2000 e da Contagem Populacional de 1996, todos realizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Grande parte da digitalização desses dados foi realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), que é uma parceira do CEM nesse projeto.
As informações referem-se a 21 municípios da RMSP,compreendendo cerca de 95% de sua população. Serão produzidas inicialmente 200 unidades do CD-ROM, que serão distribuídas gratuitamente ao setor público e a pesquisadores por meio de pedido via e-mail. Esse CD traz também o programa gratuito Terraview, desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que tem por objetivo tornar a cartografia digital cada vez mais acessível a usuários brasileiros. "Com esse CD-ROM, o CEM dá acesso a um conjunto integrado de informações, antes dispersas em várias agências do setor público e em empresas que cobravam por esse serviço. Os dados do CD- ROM já estão sendo usados em cursos de introdução ao uso de um Sistema de Informações Geográficas(SIG) para o pessoal do setor público ligado à formulação de políticas sociais", diz Argelina. As áreas com alta concentração de pobreza ou atendidas insuficientemente por políticas públicas aparecem com clareza, já que o tamanho dos setores censitários é restrito a 300 famílias. Com essa desagregação das informações, já que são mais de 20 mil setores para a RMSP em 2000, torna-se possível identificar os grupos sociais que, no interior de cada um dos municípios ou na confluência de municípios, deveriam ser o alvo preferencial de políticas sociais. "Constitui, assim, um instrumento fundamental para que o poder público possa tomar suas decisões e beneficiar grupos sociais que, sem essa ferramenta informativa, estariam excluídos das políticas governamentais", afirma a professora. Ela ressalta também que as informações permitirão a pesquisadores refinar o conhecimento existente sobre os inúmeros processos sociais em curso na metrópole. A utilização desses dados de forma associada a um SIG sobre prestação de serviços públicos, como vem sendo fei-
Fila de desempregados na Grande São Paulo: dados ajudarão a conhecer as demandas sociais
to pelas pesquisas do CEM, permite traçar um diagnóstico das demandas latentes, ou seja, de grupos que, em razão das próprias condições de vulnerabilidade em que vivem, não têm meios de canalizar suas demandas. Educação e desenvolvimento - Nessa linha de ação, o CEM já desenvolveu estudos nas áreas de planejamento urbano, para a prefeitura de Mauá, de educação, para as prefeituras de Guarulhos, Embu e São Paulo, e vem fazendo pesquisas nas áreas de habitação, assistência social e desenvolvimento econômi-
o PROJETO Centro de Estudos da Metrópole (CepidJ COORDENADORA ARGELINA CHEIBUB FIGUEIREDO Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) INVESTIMENTO
R$ 4.283.995,70 (total
por cinco anos)
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co para a prefeitura de São Paulo. Um outro produto que está em funcionamento é o Servidor de Mapas, que pode ser acessado via Internet pelo www.centrodametropole.org.br, site no qual os pesquisadores e gestores públicos podem encontrar também parte da produção de pesquisas do CEM. O aplicativo, cuja tecnologia foi desenvolvida pelo CEM com apoio do Inpe, permite ainda a visualização espacial de indicadores socioeconômicos de variáveis censitárias do IBGE, para os anos de 1991,1996 e 2000. "Aocontrário de outros aplicativossemelhantes existentes em instituições como o IBGE,cujo servidor de mapas só disponibiliza dados por municípios, o servidor do CEM mostra-os por distrito (são 162 na RMSP)", explica Argelina. O sistema oferece recursos de zoom, busca seletiva,elaboração de legendas e impressão dos mapas. Entre os dados que poderão ser encontrados por esse instrumento estão: população, gênero, idade, escolaridade, rendimento, condições de domicílio, escolaridade e migração. Mais tarde, os interessados terão acesso também a dados referentes a eleições, equipamentos culturais, igrejas e políticas públicas. "O aplicativo foi desenvolvido de forma a facilitar ao extremo o seu uso, permitindo mesmo a um aluno da 7" série manuseá-lo sem problemas", garante a diretora do CEM. Por meio desses produtos, o CEM, com sede no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cumpre uma de suas funções como Cepid. "Um dos principais objetivos da FAPESP ao criar um Cepid foi o de vincular estreitamente as atividades de pesquisa à transferência e à difusão de conhecimentos. Com esses produtos, garantimos o acesso fácil e sem custo a informações georreferenciadas aos pesquisadores, pessoal do setor público e população em geral, para formulação e avaliação de suas políticas públicas", afirma a professora Argelina. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 87
• HUMANIDADES
PATRIMÔNIO
Tecnologia na casa dos Penteado Palacete centenário da família está sendo restaurado e abrigará biblioteca informatizada da FAU-USP
orges - e, com certeza, o Umberto Eco, de O Nome da Rosa -, já avisava que uma biblioteca, mais que um depósito de livros, pode ser a porta para novos mundos. Ao iniciar a reforma de uma das salas da antiga residência da família Álvares Penteado, na rua Maranhão, 88, em São Paulo, para abrigar a biblioteca do curso de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), o professor José Katinsky, da mesma unidade, e seus colegas, viram o eventual depósito de documentos se transformar num canteiro de pesquisas. "Como a casa, que vai completar seu centenário este ano, foi tombada pelo Condephaat e pelo Conprest, tomamos cuidados especiais com o seu restauro e acabamos por reunir um grupo de especialistas que, em suas áreas específicas, descobriu um grande material de estudo no trabalho de recupera-
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ção", conta Katinsky. Foram arquitetos, engenheiros, historiadores, químicos, especialistas em madeira, pintura, etc., , que encontraram na casa informações preciosas sobre formas de construção do passado e de como o tempo pode manipular essas formas. "Pesquisadores da Escola Politécnica (Poli) da USP, por exemplo, estavam diante de uma argamassa e um revestimento centenário e puderam avaliar como esses cem anos agem sobre essas estruturas", diz o professor. E a situação de conservação da casa podia prover trabalho para todos. "Desconhecíamos o estado precário em que ela se encontrava, com cupins e tudo o mais." As obras foram feitas com o programa de Apoio à Pesquisa e Modernização da Infra-estrutura de Pesquisa da FAPESP. Dinheiro fundamental para a pesquisa na recuperação do palacete em estilo art nouveau, cuja construção foi iniciada em 1898 sobre projeto do arquiteto sueco Carlos Ekman.
"Foi a primeira obra de arquitetura brasileira feita em consonância com esse estilo europeu. Mais que uma residência, o edifício é um símbolo do poder e do amor pela cultura de uma das famílias mais poderosas do país no início do século", conta o pesquisador. Ligados à indústria do café (produtores de sacas e, mais tarde, distribuidores dos grãos), os Penteado (também fundadores. da Escola de Comércio de São Paulo) estavam comprometidos com o desenvolvimento capitalista paulista. Assim, em 1945, tempos após a morte do patriarca, a família doou o casarão para a USP com a condição de que fosse utilizado para ensino e pesquisa em arquitetura. "Os Penteado tiveram a percepção extraordinária na época e para o país de que a cultura não era apenas o sorriso da sociedade, mas um elemento dinamizador desta, em especial a arquitetura", elogia Katinsky. E assim foi feito. O edifício de 1.500 m- abriga hoje os cursos de pós-graduação da FAU-USP e, a
Sala da biblioteca no palacete dos Álvares Penteado: leitura de teses em meio ao luxo art nouveau e afrescos na parede
partir de outubro, com a inauguração da nova biblioteca, o palacete dos Álvares Penteado reunirá a súmula das teses defendidas pela instituição, além dos acervos da Assessoria em Planejamento, (Asplan S.A.) e da Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (Sagmacs), espécie de centro de documentação em planejamento urbano.
sete ambientes, que, para deleite extra dos pesquisadores, abrigam, nas paredes, pinturas decorativas do delicado estilo europeu, atualmente restauradas para a inauguração da biblioteca da pós-graduação. "O ideal agora é continuar o trabalho e recuperar todo o resto do edifício, deixando-o pronto para que se possam
o PROJETO
Palacete - O acervo da Asplan é de especial importância, pois a organização foi a responsável pelo Plano Urbanístico Básico de São Paulo (PUB), tendo sido adquirido com auxílio da FAPESP. A nova biblioteca complementará os recursos disponíveis na outra unidade, localizada na Cidade Universitária (feita com recursos da FAPESP). Agora, os usuários - pesquisadores - poderão ter acesso ao material de referência em meio ao luxo art nouveau do palacete dos Penteado numa bibiblioteca de 223 m- dividida em
Biblioteca da Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUJRua Maranhão, 88 MODALIDADE
Infra-estrutura 4 - Bibliotecas COORDENADOR JULIO KATINSI<Y - FAU-USP INVESTIMENTO
R$ 200.000,00
fazer visitas monitoradas pelo prédio em breve", promete Katinsky. Uma biblioteca pode ser mais do que uma biblioteca. "Queremos dividir essa experiência adquirida com outros pesquisadores e instaurar uma discussão dentro dos meios acadêmicos em relação à necessidade da implementação de estudos sobre restauro interdisciplinar", fala o pesquisador. "Afinal, durante o restauro, fomos obrigados a procurar as soluções mais adequadas que não ferissem as decorações internas do casarão, as pinturas art nouveau, e as paredes", diz o professor. "E, assim, aprendemos muito sobre como essas delicadas operações são feitas", completa. Foi necessário mesmo procurar testemunhos pessoais, pois as lacunas em projetos e traçados de época tiveram de ser preenchidas com lembranças pessoais de como o casarão da rua Maranhão, 88 se parecia em seu apogeu. Segundo Katinsky, todo esse cuidado é também uma homenagem ao pioneirismo intelectual da família que construiu o palacete e o doou à universidade. "Eles perceberam o poder da arquitetura no desenvolvimento artístico e industrial do Brasil. Foram casos raros, pois, por aqui, quase não se entendeu, naqueles tempos, que a indústria poderia florescer como um processo criativo", observa. O pesquisador acredita que o trabalho renderá, além da biblioteca, um livro sobre os esforços de restauração da residência dos Álvares Penteado- "Será uma forma de mostrar que restauro, ao contrário do que muitos pensam, não é coisa para um especialista, mas a obra conjunta de um grupo de profissionais das mais variadas áreas do conhecimento científico", assegura. "Se queremos romper com a terrível tradição brasileira da falta de memória e reconstruir, com precisão, a nossa cultura material, essa discussão precisa ser colocada dentro do ambiente universitário", diz. Lugar para guardar livros? O que alguns chamam de biblioteca, Borges chama de universo. • PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 89
• HUMANIDADES
HISTÓRIA
Projeto recupera memória do cientista, sanitarista, biólogo e clínico carioca, com publicação de suas obras completas, que também estarão disponíveis pela Internet
o vital Brazil com MARIA
INÊS NASSIF
V!
ital Brazil vai deixar de ser apenas nome de rua. Do Rio, inicia-se um movimento de resgate da memória do cientista, sanitarista, farmacêutico, biólogo e clínico, que atuou intensamente em São Paulo e no Rio do final do século 19 e pela metade·do século 20, até a sua morte, em 1950, com 85 anos. O Instituto Vital Brazil, de Niterói - cria do cientista - editou este ano um volume de mais de mil páginas, com a sua obra científica completa, organizada pelo historiador André de Faria Pereira Neto. O material está disponibilizado também no site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), trabalho feito em convênio com o Instituto Vital Brazile igualmente a cargo de Pereira Neto (www.prossiga.br/vitalbrazil/). A numerosa família, que está em sua maior parte concentrada no Rio, organizou-se numa fundação chamada CasaVital Brazil.Além de responsável pelo gerenciamento do nome do cientista, a fundação recentemente comprou a casa em que ele nasceu, em 28 de abril de 1865, na cidade mineira de Campanha. Lá está sendo or-
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ganizado o Museu Vital Brazil, sob a direção da bisneta Rosa Esteves. É o início do resgate de sua memória e do papel que teve na ciência brasileira e na história da saúde pública do país. Afinal, hoje, para as novas gerações, fora da família e do grupo de seguidores fiéis no mundo da ciência, o nome do cientista quase nada representa. Na Enciclopédia Mirador, por exemplo, três parágrafos fazem menção ao cientista e um deles o menciona como um auxiliar de Emílio Ribas na produção do soro antiveneno. A redução de Vital Brazil a ajudante de Ribas é lamentável. Embora tenha atuado numa época em que o movimento sanitarista uniu as grandes figuras da ciência brasileira - como o próprio Ribas, que teve um grande papel institucional na saúde pública do final do século 19, início do século 20, pelo fato de ter ocupado um cargo correspondente ao de secretário estadual da Saúde; Oswaldo Cruz, Adolpho Lutz e o próprio Brazil -, ele manteve durante toda a vida um espaço próprio de pesquisa, onde as cobras ocuparam o lugar central. O cientista descobriu a especificidade do soro de cobra,
o cientista
(de barrete) e seu "instrumento de trabalho": como constatar que espécie de cobra era responsável pelo ataque?
PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 91
que permitiu o desenvolvimento do soro antiofídico, responsável pelo salvamento de milhares de vidas no interior de um país que expandia suas fronteiras agrícolas e criava desequilíbrios ecológicos responsáveis pela proliferação dos ofídios venenosos. Além disso, desenvolveu medicamentos a partir da sua investigação sobre os venenos, vertente de pesquisa que tem produzido resultados bastante significativos nos últimos anos. Mas houve um tempo em _:':::'."~·L.;.l.-- . que o nome do cientista bra~.~ -- ~- sileiroera muito maior do que - -- ~ -- - a instituição que ele criou e dirigiu, o Instituto Butantan. E maior até do que o Instituto Vital Brazil, em Niterói, sua aventura no mundo dos negócios privados que produziu Lembrança do Congresso Médico em São Paulo, 1903 (banco de trás. à direita): mais pesquisas científicas do cientista interessado na melhora do homem que propriamente dinheiro para o seu dono. Afinal, o cientista nasceu pobre e morreu sem patrimônio. Foi arrimo de família, formou-se tantan e os outros nove simultaneamente ao instituto de Niterói e aos médico graças a um emprego de escrinetos do primeiro casamento -, teve vão de polícia arrumado por amigos apenas dois que seguiram os seus pasmais influentes do pai. Construiu do sos. Um deles, Vital Brazil Filho, que nada o Instituto Butantan, originalseria o seu herdeiro, morreu de septimente Instituto Serumtherapico do Escemia, após ser contaminado em pestado de São Paulo - e junto com o seu . .. espaço de investigação científica e proqmsas com germes e mIcrorgamsmos no laboratório do instituto em Niterói. dução de soros formou uma família de nove filhosvivoscom a primeira mulher, Oswaldo Vital Brazil, formado médico, ainda vivo - que ganhou o nome em Maria da Conceição Filipina de Magahomenagem a Oswaldo Cruz - trabalhães, com quem viveu praticamente os lhou ao lado do pai, mas fezcarreira cien20 anos em que esteve em São Paulo. tífica na Universidade Estadual de CamViúvo, partiu em 1919 para Niterói, pinas (Unicamp), em farmacologia. onde iniciou a construção, também do Se não deixou dinheiro para os desnada, de sua empresa, o Instituto Vital cendentes, nutriu-os de um legado Brazil. Casou-se novamente em 1920 com Dinah Carneiro Viana, 30 anos moral que até hoje une os seus incontáveis netos e bisnetos. A família cultua-o mais nova, e teve mais nove filhos. até hoje. O biólogo Oswaldo Augusto Sant'Anna, primeiro bisneto, que nasVitalidade - Quando morreu, em 1950, a família teve que vender o instituto ceu apenas um ano antes da morte do bisavô e o único de sua geração a torpara o governo do Rio: a obra era do nar-se cientista como ele (da geração dos cientista e sobrevivia à sua sombra. netos, apenas duas mulheres seguiram Sem os recursos que ele trazia para a o avô), guarda como relíquia uma foto pesquisa e sem a sua vitalidade para autografada pelo bisavô, com os seunir especialidades e pessoas em torno guintes dizeres: "Ao Oswaldo Augusto, de suas investigações, o instituto não andaria. Além de tudo, com dezoito fique ao nascer trouxe grande alegria ao lhos - nove crescidos junto com o Bucoração de teu bisavô por ser o seu pri-
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meiro bisneto, os votos de que lhe siga as pegadas". Sant'Anna não sabe, contudo, se seguiu o bisavô ao caminhar para a ciência ou simplesmente ao abraçar a causa da ciência com um sentido humanista. "Esse foi o grande legado do meu bisavô: ele era um humanista, e a vocação familiar não é a ciência, mas as humanidades", diz o biólogo. "Eu cresci vendo a fotografia do 'Vô Vital' e ouvindo histórias sobre ele': conta a socióloga e artista plástica Rosa Esteves, que elegeu o cientista para tema de sua dissertação de mestrado na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1984. Especificidade
antigênica
-
Ao descobrir, no despertar do século 20, que um soro produzido do veneno da cascavel (Crotalus spp) não surtia efeito sobre a pessoa envenenada pela jararaca (Bothrops spp) , o cientista concluiu que o ser humano tem um mecanismo imunológico que responde de forma diferente a tipos diversos de toxina. A molécula da toxina combina com uma molécula específica da imunoglobulina ou dos receptores, com similaridade funcional, para dar uma resposta imunológica precisa. "Essa é a base da imunologia moderna", afirma Oswaldo Augusto Sant' Anna, o bisneto que hoje pesquisa no Laboratório Especial de Microbiologia do Instituto Butantan. Segundo o professor do Departamento de Bioquímica e Farmacologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), Nelson Vaz, a descoberta da especificidade do soro antipeçonhento por Brazil convergiu para os resultados das pesquisas imunológicas que ocorriam em todo o mundo na época. Pouco antes, Karl Landstein também havia chegado ao conceito de especificidade antigênica, mas analisando pequenas partículas. Vital Brazil chegou a essa conclusão por um método experimental meticuloso. Em 1897, após passar um ano em Botucatu, onde foi clinicar depois de formado, foi trabalhar com Adolpho
Instituto Bacteriológico (Vital
em 1908
Brazil ao centro): suas pesquisas
ainda têm repercussão atualmente
Lutz no Instituto Bacteriológico de São Paulo. Um ano depois, foi indicado para dirigir um novo laboratório ligado ao instituto, mais tarde transformado em Instituto Serumtherapico do Estado de São Paulo, destinado a produzir soro contra a peste bubônica que assolava o país. De Botucatu, no entanto, havia trazido a realidade do interior brasileiro: os óbitos por mordidas de cobras. No final do século 19, prevaleciam os estudos sobre o soro antipeçonhento desenvolvidos pelo francês A. Calmette. Vital Brazil testou o soro produzido pelo Instituto Pasteur, da França, simultaneamente a experiências desenvolvidas no seu próprio instituto com o veneno das duas cobras brasileiras que registravam o maior número de incidências no interior do Estado: a jararaca e a cascavel. Em 1901, Brazil já constatava que o soro de Calmette, produzido por meio do veneno de cobras indianas najas, não surtia efeito curativo ou preventivo nas cobaias picadas por jararaca e cascavel; e mais ainda: que as cobaias contaminadas pelo veneno da jararaca não respondiam aos soros fabricados com veneno de cascavéis e vice-versa. Era a chamada "especificidade antigênica"
"Essa descoberta teve uma importância regional que não pode ser minimizada', afirma Vazo "A produção de soros contra picadas de cobras diferentes foi fundamental para a época", concorda Isaías Raw, presidente da Fundação Butantan. "A descoberta da especificidade do soro teve uma grande importância para a saúde pública", afirma a bióloga Maria de Fátima Furtado, do Laboratório de Herpetologia do Butantan. "A constatação de que o tratamento de acidentes envolvendo cobras deveria ser resolvido em cada região, país ou continente foi importantíssima no combate ao problema", diz. Elite científica - A exemplo dos sanitaristas do início do século, que reagiam a problemas práticos e emergenciais, imediatamente após a primeira descoberta Vital Brazil se debruçou sobre o problema que ela impunha: como constatar, com precisão, a cobra responsável pelo acidente ofídico? Daí para o desenvolvimento do soro polivalente, batizado por ele de soro antiofídico, foi rápido: em novembro de 1901 o Instituto Serumtherapico entregava à população o remédio, feito com os imunizantes da ja-
raraca e da cascavel, que abarcavam a quase totalidade dos acidentes ofídicos ocorridos no Brasil. Segundo o organizador das suas obras completas, Pereira Neto, Brazil foi totalmente envolvido pelo encanto da serpente. Nos 20 anos que ficou no Butantan - nome posteriormente dado ao Instituto Serumtherapico -, o cientista brasileiro dedicou-se às cobras: fabricava soros, fazia trabalho educacional para expandir o seu uso pelo interior do Brasil e simultaneamente mapear por região os acidentes ofídicos, pesquisava as propriedades terapêuticas do veneno e procedia um minucioso trabalho de classificação das serpentes brasileiras'. O desenvolvimento de fármacos a partir dos venenos é uma das ciências de Vital Brazil que têm repercussão na pesquisa atual. Nisso, ele foi precursor, diz Nelson Vazo"O soluto crotálico, à base de veneno de cascavel, foi produzido pelo Instituto Vital Brazil até os anos 70'; conta Aníbal Melgarejo, do instituto. O botopril, feito a partir do veneno da jararaca, age como coagulador do sangue e nas dores de origem cancerosa e reumática. Brazil produziu também medicamentos para tratar câncer. • PESQUISA FAPESP 80 ' OUTUBRO DE 2002 ' 93
RE:SE:NHA
o rio da minha terra
deságua em meu coração
Obra traz histórias e problemas do afluente do São Francisco
ANTONIO CARLOS ROBERT MORAES
j\
Marto ~
Antônio
Tavares Coelho
•• IobriaHeleNAndrfJ
erra do Espinhaço atravessa o território de Minas Gerais no sentido norte-sul, dividindo porções bem demarca das do relevo mineiro. De sua forma deriva o nome, dado pelo barão .\t, de Eschwege ao particularizar esse compartimento da serra Geral. Na sua borda ocidental, também reproduzindo o sentido predominante, corre por uma extensão de 761 quilômetros o rio das Velhas, num itinerário pleno de meandros, até demandar a calha do rio São Francisco, do qual se constitui um dos principais afluentes. Esse rio representa a "espinha vertebral" do Estado, o eixo de seu povoamento e uma importante via de comunicação ao longo de sua história. Na área de sua bacia, localizam-se várias das principais cidades mineiras, como a pioneira Sabará e a atual capital estadual, a já quadrimilionária Belo Horizonte. Esse espaço conheceu precocemente as atividades de mineração em solo brasileiro, com a extração do ouro, dos diamantes e, posteriormente, do minério de ferro. A pecuária desde os primórdios da colonização e, em tempos bem mais recentes, a agricultura da soja também compõem a vida econômica regional. A primeira rede de cidades do Brasil em grande parte se estruturou no vale do rio das Velhas, o qual abriga contemporaneamente uma significativa industrialização. Tais características têm um rebatimento forte nas paisagens e nas condições ambientais ali observáveis hoje, com destaque para os impactos sobre o próprio rio, que apresenta níveis de poluição bastante elevados e uma visível diminuição em sua vazão média. Uma combinação perversa entre o uso intenso das águas e o pouco cuidado com os rios marca a situação atual. Todos os temas acima enunciados estão presentes em Rio das Velhas - Memórias e Desafios, de Marco Antônio Tavares Coelho. Tomando o rio como um eixo de argumentação, o autor comenta a história, a geografia, a economia, as lutas sociais e a mobilização ambientalista ocorrentes nessa região, en-
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tremeando OS resultados de uma rica revisão bibliográfica com o conhecimento pessoal de campo, traduziMarco Antônio do em memórias, vivências Tavares Coelho e histórias dos lugares anaEditora Paz e Terra lisados. Num texto fluido e agradável, no qual a sensi205 páginas I R$ 30,00 bilidade literária caminha junto com o rigor histórico, visitamos o passado e o presente dessa porção central do território mineiro, conhecendo seus personagens e conjunturas, num percurso que se abre para o futuro, enquanto desafio de recuperar um patrimônio ambiental ameaçado. O otimismo (nada ingênuo) daqueles que na prática lutam pelas causas democráticas no país expressa-se em cada página do livro, no qual a simpatia pela perspectiva popular associa-se ao realismo político do militante, onde a avaliação dos processos objetivos de exploração e destruição dos lugares e das pessoas combina com a sensibilidade afetiva pelo 'espaço natal (enriquecida pela leitura da paisagem local nos poetas mineiros e nas ilustrações de Maria Helena Andrés). É a vida que flui - como um rio (na metáfora de Heródoto) - no Recolhimento das Moças em Macaúbas, nos quilombos do São Francisco, nos banhos na Lagoa Santa, nas reuniões dos Luzias no teatro de Sabará, nas greves da mina de Morro Velho, no planejamento da nova capital do Estado e na luta atual pela recuperação da lagoa da Pampulha. O livro termina com a discussão de temas contemporâneos, como o polêmico projeto de transposição das águas do rio São Francisco. E noticia o Projeto Manuelzão, de mobilização ambiental pela defesa do rio das Velhas. Um final adequado para uma obra dedica da "a todos os engajados na causa dos rios - o sangue da terra': Rio das Velhas Memória e Desafios
ANTONIOCARLOSROBERTMORAESé geógrafo e sociólogo, professor associado do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.
LIVROS Bibliografia de Antonio Candido e Textos de Intervenção (coleção em dois volumes) Livraria Duas Cidades e Editora 34 Vinicius Dantas 540 páginas / R$ 54,00 Um estudo primoroso publicado em uma edição cuidadosa. Fruto de uma pesquisa intensa sobre os muitos escritos do professor Antonio Candido, esses dois livros são uma fonte de referência essencial sobre o celebrado crítico literário. São 20 anos de pesquisas que resgataram não só a bibliografia, mas também textos pouco conhecidos do intelectual, em especial o seu polemismo.
Coração Partido Cosac&Naif Davi Arrigucci Jr. 160 páginas / R$ 25,00 Um livro de crítica literária obrigatório sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade, no ano em que se celebra o seu centenário de nascimento. O professor Davi Arrigucci Ir, , com enorme concisão (são 160 páginas definitivas), traz um novo viés no estudo do genial criador mineiro. O detalhe curioso é que essa é a primeira vez em que o acadêmico escreve sobre Drummond. A novidade de sua leitura é tentar encontrar, dentro dos versos do poeta de Itabira, uma verdadeira teoria poética, oculta por entre os poemas, configurando um verdadeiro sistema de escrita. . Aprendizado
do
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Aprendizado do Brasil: A Nação em Busca dos seus Portadores Sociais Editora da Unicamp / FAPESP André Botelho 176 páginas I R$ 19,00
Eram os tempos em que os escritores acreditavam ser destinados a cumprir uma missão complexa: acabar com o atraso do Brasil. O livro trata dos casos de Olavo Bilac e Manoel Bomfin, nos primórdios da República e suas tentativas de erradicar de vez o analfabetismo, visto por eles como o mal maior da nação. Reunindo educação e ficção, os dois literatos produziram Através do Brasil, de 1910, usado nas escolas primárias por mais de 50 anos como manual de "reforma moral" da sociedade.
REVISTAS Revista Brasileira de Ciências Sociais Número 49 A publicação quadrimestral da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Ciências Sociais, em seu volume 17, traz uma entrevista com o professor Octavio lanni, "Tipos e Mitos do Pensamento Brasileiro". Ainda na mesma edição: "De Perto e de Dentro", de José Guilherme Cantor Magnani; "A Radicalidade de 'Os Parceiros do Rio Bonito"', de Luiz Antonio C. Santos; "Entre o Estado e a Revolução", de Cícero Araújo; "Reflexidade, Individualismo e Modernidade", de José Maurício Domingues; um atual artigo sobre ''A Institucionalização do PSDB entre 1988 e 1999", de Celso Roma, entre outros.
Scientia Forestalis Número 60 A revista é uma publicação semestral do Instituto de Pesquisas e Estudos Florestais, em convênio com o Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP. Entre os textos desta edição: "Avaliação de Diferentes Coberturas do Solo no Controle da Erosão em Taludes de Estradas Florestais", de Cintia Rodrigues de Souza; "Recuperação de Povoamento de Eucalyptus urophylla com Aplicações de Nitrogênio, Potássio e Calcário Dolimítico", de Sérgio Valiengo Valeri, Manoel Evaristo Ferreira; "Compactação do Solo Devido ao Tráfego de Máquinas de Colheita de Madeira", de Fernando Seixas.
The Brazilian Journal
• ~!:,~~?~~~!! of Irish Studies Número 4
Publicado anualmente pela Associação Brasileira de Estudos Irlandeses, com o apoio da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, a revista traz em sua edição de junho de 2002: "The Vanishing Ideas of Sean O'Faolain", de Ierry Nolan; "Authors Response: The Inside Outside Complexity of Sean O'Faolain" de Marie Arndt; "Deconstructing the Question of lrish Identity", de Tony Corbett; "Iarnes Joyce and the Life Cycle", de Donald Morse; entre outros. J •••
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CLASSIFICADOS
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Instituto de Botânica
www.revistapesquisa.tapesp.br
PesqlJisa SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE
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GO~fRNO DO ESTADODE
SAO PAULO
PÓS-GRADUAÇÃO EM BOTÂNICA
Pós-Graduação
em Zootecnia
Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP Cursos de Mestrado e Doutorado em Zootecnia Área de concentração: qualidade e produtividade animal. Informações gerais para ingressantes 2003:
o INSTITUTO
DE BOTÂNICA, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, única instituição nacional com especialistas em todos os grupos vegetais, inclusive fungos e cianobactérias, acaba de ter o Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Vegetal e Meio Ambiente, níveis Mestrado e Doutorado, aprovado pela CAPES para início em 2003. O objetivo do Programa é formar e aperfeiçoar profissionais para interpretar as situações de impacto ambiental que afetam a vegetação, visando sua preservação ou recuperação e enfrentando, para tanto, os desafios e avanços científicos e tecnológicos nas áreas de Botânica e Meio Ambiente. O Mestrado terá duração de 24 meses e o Doutorado de 36 meses, ambos exigindo a participação em disciplinas na área, defesa da dissertação/tese, exame de qualificação e proficiência na língua inglesa. As inscrições para a primeira seleção de candidatos ao Programa estarão abertas no período de 23/09 a 11110/2002 para as duas Áreas de Concentração: • Plantas Avasculares Ambientais; • Plantas Vascularesem Ambientais.
e Fungos em Análises
Análises
Os documentos necessários para as inscrições, os critérios para a seleção dos interessados, conteúdo programático para a prova específica e outras informações adicionais podem ser encontrados no endereço eletrônico www.ibot.sp.gov.br, na Secretaria da Pós-Graduação do Instituto (Av. Miguel Stéfano, 3031/3687 - Água Funda, SP), ou na Portaria IBt 7, publicada no DOE em 14/09/2002. Dúvidas podem ser tiradas pelo e-mail pgibt@ibot.sp.gov.br telefone 5073 6300 - R.318.
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http://www.fzea.usp.br Programa com seleção anual de candidatos Período de inscrição: de 1 a 11 de outubro de 2002 Local e horário de atendimento Seção de Pós-Graduação da FZEA - USP Av.Duque de Caxias Norte, 225 Pirassununga, SP CEP 13630-900 (De segunda a sexta-feira da 8:30 às 11:00 e das 14:00 às 17:00) Fone/Fax: (19) 3565-4247/3565-4211 e-mail: posfzea@usp.br
Jovens Pesquisadores A Universidade de São Paulo (USP) tem interesse em projetos nos programas Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes e de Pós-Doutorado. Entre as unidades particularmente interessadas em abrigar tais projetos está a Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), que tem atuação nas três grandes áreas do saber. A FFLCRP está em fase de expansão para atender a seus novos cursos de graduação e tem experiências muito bem-sucedidas com projetos de recém-doutores. Se você tem um currículo destacado e quer desenvolver um bom projeto de pesquisa, procure mais informações no endereço www.ffclrp.usp.br, ou entre em contato pelo correio eletrônico: adm-diretoria@ffclrp.usp.br ou ffclrp@edu.usp.br. Informações sobre Programas de Jovem Pesquisador ou Pós-Doutorado em outras unidades da USP podem ser encontradas na página da Pró-Reitoria de Pesquisa: www.usp.br/prp.
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Instituto Agronômico (IAC) uma das instituições de pesquisa mais respeitadas na área agronômica irá oferecer, a partir de 2003, curso lafu sensu na área agronômica. Essa modalidade é destinada à atualização de conhecimentos e técnicas de trabalho do agronegócio O curso é adequado ao profissional que trabalha e não dispõe de tempo suficiente para se dedicar .ao mestrado acadêmico. O ingresso não requer formação em agronom ia. Graduados em biologia ou engenharia agrícola, por exemplo, também têm condições de participar do curso.
estrada e Agricultura Tropicale Subtrapical Interessados em se prepararem para o mercado de ensino e pesquisa também encontram no Instituto Agronômico a oportunidade para cursar o mestrado acadêmico. O curso siriciu sensu tem como objetivo a formação de profissionais especializados, pesquisadores e docentes. Criado em 1999, o Curso de Pós-Graduação em Agricultura Tropical e Subtropical do IAC iá resultou em 28 dissertações, com inúmeras contribuições para o agronegócio brasileiro. O mestrado é realizado em três áreas de concentração: Gestão de Recursos Agroambientais, Melhoramento Genético Vegetal e Tecnologia da Produção Agrícola, envolvendo 15 linhas de pesquisa. Recomendado pela CAPES, o Curso de Pós-Graduação do IAC dispõe de bolsas de estudo. Informações: www.iac.br , e-mail pgiac@iac.br. Fone (19) 3231-5422, ramal 194. PESQUISA FAPESP 80 • OUTUBRO DE 2002 • 97
CLAUDIUS
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Iniciado em 1997, SciELO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP,a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq Adote a SciELO como sua biblioteca científica