N
a.
o
VOCÊ NÃO CALCULA QUANTA TECNOLOGIA FOI PRECISO PARA FAZER O INFOCLUSTER. ELE CALCULA.
Do trabalho conjunto entre a Itautec e a Escola Politécnica de São Paulo, surge o Infocluster: o primeiro supercomputador brasileiro. Com capacidade mil vezes superior à do primeiro supercomputador do mundo, o Infocluster tem uma incrível capacidade de processamento de informações. Capaz de realizar bilhões de cálculos por segundo, é uma ferramenta importantíssima para a pesquisa científica, cálculos de operações financeiras, previsão do tempo e até localização de poços de petróleo. Infocluster. O supercomputador que colocou a Itautec do Brasil no topo do mundo da tecnologia.
Itautec Tecnologia de soluções.
r'if 1
I
ÍNDICE
I
Duas empresas brasileiras começam a produzir em 2003 hormônio de crescimento
CARTAS .•...•......••........... EDITORIAL MEMÓRIA ..•••...•••............ • POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA ESTRATÉGIAS o INVESTIMENTO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS EM INOVAÇÃO GENÔMICA DE RESULTADOS • CIÊNCIA .............•...•... LABORATÓRIO O ALCANCE DOS RADICAIS LIVRES FACILITANDO OTRANSPLANTE DE MEDULA PITOMBA CONTRA CARUNCHO ALTERNATIVAS DE EXPLORAÇÃO NA MATA ATLÂNTICA OS ENIGMAS DOS RAIOS OVALOR DOS RUÍDOS
4 7 8
10 10 20 22 30 30 38 42 48 50 52 56
• TECNOLOGIA ......•.•.•......• LINHA DE PRODUÇÃO ........•... SISTEMA DE AVALIAÇÃO ÁRVORE DE NATAL CHIPS DE ÓXIDO DE HÁFNIO PÃO NO LABORATÓRIO CALIBRADOR DE LASER
58 .58 66 70 73 74 76
• HUMANIDADES l<IT DA CIDADE OSTEMÁTlCOS DA FILOSOFIA
78 84 88
RESENHA LANÇAMENTOS CLASSIFICADOS •............•... ARTE FINAL
94 95 96 98
Capa: Hélio de Almeida Fotos: Eduardo Cesar
14
CONJUNTURA
34
INSULINA
Importação de insumos e equipamentos científicos elevam o custo da pesquisa no Brasil
Elevação nas taxas de proteína transportadora de insulina explica a obesidade que geralmente antecede o aparecimento do diabetes
44
78
REPARO DE DNA
COMUNICAÇÃO
Equipe da USP corrige lesões do DNA causadas por luz ultravioleta que provocam um tipo raro de câncer de pele
Crescimento desse campo de estudos provoca polêmica sobre seu objeto e status científico
24
9O
BIODIVERSIDADE
Software permite integração de bancos de dados com informações sobre plantas, animais e microrganismos
ENTREVISTA
Leandro Konder lança novo livro em que reafirma suas crenças na atual idade do ideário ideológico de Marx
PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 3
CARTAS cartas@fapesp.br
Varíola bovina Em relação à nota "Varíola bovina no Vale do Paraíba" (edição 81), cabem os seguintes comentários: há cerca de três anos, nosso instituto e a Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (prof. Nissin Moutssache) investigaram surtos de poxvírus em bovinos e pessoas no norte do Estado do Rio de Janeiro, sendo identificado um Orthopoxvirus. O prof. Moutssache posteriormente seqüenciou a amostra, demonstrando tratar-se de um vírus vaccinia e que recebeu o nome de amostra Cantagalo. Durante as campanhas de vacinação contra a varíola, na década de 60, estudamos dois episódios de infecção de bovinos com o vírus vaccinia a partir de vacinados e também a situação inversa. Todos esses dados estão publicados no Brasil e no exterior e indicam que o vírus vaccinia está circulando no Sudeste. Será importante determinar que animais mantêm o vírus na natureza, pois bovinos e humanos devem ser hospedeiros acidentais. HERMANN
SCHATZMAYR
Departamento de Virologia Instituto Oswaldo Cruz Rio de Janeiro, RJ
DNA de aves ("Histórias ernplumadas", nv 80). Após a publicação dessa matéria, foi possível constatar que, além da divulgação realizada pela revista sobre as diferentes conquistas em ciência e tecnologia, ocorre também um efeito multiplicado r de transmissão do conhecimento: como conseqüência da matéria, já fomos entrevistados pela Globo News, pela TV Cultura (Repórter ECO) e pela revista Ciência Hoje (on-line). ANITA WAj
TAL E CRISTINA YUMI MIYAKI
Instituto de Biociências,USP São Paulo, SP
Núcleo Li a última edição da revista Pesquisa FAPESP (novembro 2002) e queria cumprimentar toda a equipe pela excelente qualidade da publicação. Ela traz vários artigos interessantes, como sempre. Gostei particularmente da reportagem "Matéria efêmera", sobre o projeto temático do professor Manoel Robilotta, da Universidade de São Paulo. É sempre um grande desafio tornar inteligíveis os objetivos de um projeto como esse e passar ao leitor não especialista da área as idéias principais que motivam os pesquisadores. Vocês conseguiram vencer esse desafio. Também li com interesse a entrevista da professora Chana Malogolowkin, que é uma pessoa admirável. É difícil pegar a revista sem ler várias das matérias integralmente! Vocês estão de parabéns! CAROLA DOBRIGKEIT
CHINELLATO
Instituto de Física da Unicamp Campinas, SP
Aves Revista
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'J f.-J.
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iI.
Gostaríamos de parabenizar os jornalistas e a equipe técnica da revista Pesquisa FAPESP pelo trabalho excelente e de altíssima qualidade desenvolvido a partir de uma entrevista sobre o nosso trabalho com DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
~4' .~
Tomei conhecimento da revista Pesquisa FAPESP por meio de uma universidade. Como professor de uma escola de 1° e 2° graus do interior do Estado de São Paulo, dificil-
mente temos acesso a essas informações. Como desenvolvemos vários projetos em nossa escola, gostaríamos de obter os números de setembro e outubro de 2002. Esta publicação estimula e divulga para professores, pesquisadores e alunos a produção científica do Estado e do Brasil, realizando uma tarefa que os grandes veículos de comunicação não fazem. Parabéns e sucesso. JOÃO PAULO VARGAS
Tanabi, SP
Santa das vidraças Na seção "Cartas" da edição nv 80, vimos uma fotografia muito interessante com apenas a informação "ocorrência em Clearwater, Flórida". Ela mostra um fenômeno semelhante ao de Ferraz de Vasconcelos, somente que em tamanho bem maior. Nestes tempos de Internet, aquela informação foi suficiente para encontrarmos a página: http://www. witchvox.com/media/mary_shrine.htrnl, que informava se tratar de fenômeno acontecido em 1998 naquele local, em prédio comercial, que a seguir foi alugado por uma igreja (pois o proprietário não quis vender). E que cientistas não teriam dado um veredito claro sobre o caso, sem indicar quem foram esses cientistas. Olhando a foto, vemos que há uma parte superior idêntica àquela de Ferraz de
(densidade óptica) maior que o vidro. A dedução resulta da comparação com as figuras de lâminas de sabão, e pela presença de franja preta. Ioss J. LUNAZZI Instituto de Física da Unicamp Campinas, SP Resposta do professor Edgar Dutra Zanotto, do Laboratório de Materiais Vítrios da Universidade Federal de São Carlos, autor do artigo "Mistério desvendado'; publicado na edição 79, e um dos especialistas que deram parecer sobre a imagem de Ferraz de Vasconcelos:
Igreja em Clearwatter, na Flórida
(
Vasconcelos, e uma inferior bem diferente e da qual não se reconhece semelhança com coisa alguma (ou tenho falta de imaginação e a "Clearwater Madonna" aparece com roupas psicodélicas). A página em questão se refere ao fenômeno como estando em disputa por várias igrejas, sendo que os autores apóiam a difusão da religião (se religião for) das bruxas. Deixando de lado as interpretações, notamos que as várias partes de vidro da janela seguem uma seqüência, ou seja, que o fenômeno aconteceu com as janelas instaladas. Não parece, então, que possa ter sido gerado por água depositada entre dois vidros. Poderia se pensar que no interior do prédio existia uma temperatura diferente da do exterior, e que . um choque térmico ou chegada de agente contaminante tivesse produzido o efeito. Chama a atenção que o formato seja semelhante em dois tamanhos tão diferentes, em Clearwater e em Ferraz de Vasconcelos, mas isso não seria de tudo incomum. Um choque térmico somente poderia ser um fenômeno rápido; uma contaminação do ar teria de ser também rápida para dar uma figura definida e não a média de uma longa exposição ao agente contaminante. Finalmente, a única certeza que posso concluir é que a camada fina criada vai se afinando de dentro para fora na figura, e tem índice de refração
A imagem nos espelhos de Clearwater é realmente espetacular e convida à reflexão (sem trocadilho). A figura nos três vidros superiores lembra a de Ferraz de Vasconcelos e pode ser associada à Virgem Maria; ou a um polegar ... O ponto pertinente levantado pelo professor Lunazzi é que aparentemente, nesse caso, a imagem teria se formado após a instalação dos vidros, o que desqualificaria o mecanismo de ataque químico proposto para a janela de Ferraz de Vasconcelos - isto é, corrosão provocada por água aprisionada entre dois vidros durante o armazenamento, antes da instalação da janela. Diante da impossibilidade de analisar aqueles vidros em laboratório, assim como ocorreu com a janela de Ferraz de Vasconcelos, neste caso também somos obrigados a elaborar hipóteses, que esperamos sejam razoáveis. É importante enfatizar que, diferentemente do vidro de Ferraz de Vasconcelos, os vidros de Clearwater são do tipo refletor e contêm um fino filme metálico ou óxido em sua superfície. A redução do filme (se for óxido) para seu estado metálico, que pode ser causada pelo descontrole da temperatura durante a fabricação, ou a corrosão do filme (se for metálico) podem levar à iridescência. Aliás, é oportuno lembrar que alguns artistas utilizam ácidos para provocar uma corrosão controlada, ou aplicam vapores de SnCl2 ou PbCl2 - com posterior aquecimento em atmosfera re-
dutora, pobre em oxigeruo - para precipitar finas camadas metálicas que provocam o desejado efeito arcoíris em vidros de decoração. Como filmes metálicos são muito suscetíveis à corrosão por poluição atmosférica ou produtos de limpeza, nesse caso o fenômeno pode realmente ter ocorrido após a instalação dos vidros. Mas é também perfeitamente admissível que os vidros de Clearwater com imagens - resultantes de defeito de fabricação ou de corrosão - tenham sido cuidadosamente instalados para formar um mosaico belo e sugestivo! Especialistas norte-americanos não chegaram a um consenso sobre os detalhes da formação das imagens, mas concluíram que se tratava de corrosão do filme metálico. A seguir reproduzimos parte do texto encontrado no site indicado pelo Prof. Lunazzi: "Glass experts who happened to be meeting near the "Virgin Mary" building, examined the window where the image is seen, but failed to explain it completely. For two days, scientists and manufacturers who were gathering at a nearby convention visited the site and debated the possible origins. After some discussion, they concluded that the image is the result of"corrosion of metallic elements of the glass'scoating" - a common process in certain types of glass that have aged".
Correções Na entrevista com Chana Malogolowkin ("Pesquisadora itinerante", edição 81), a quantia recebida por ela para criar o laboratório de drosófilas da Universidade Hebraica de Jerusalém foi de US$ 500 mil e não de US$ 500 milhões. Na reportagem "Saber engajado", publicada na página 24 da edição de novembro, cometemos dois equívocos: Goverdan Mehta, diretor do Instituto de Ciências da Índia, é o presidente eleito do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) e não seu presidente atual, e José Galizia Tundisi não é mais o vice-presidente científica da entidade. PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 5
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EDITORIAL
Clube seleto FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO EDUARDO DE ABREU vleE-PRESIDENTE
MACHADO
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GOVERNO
DO ESTADO
OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO
TECNOLOGIA ECONÔMICO
DE SÃO PAULO
F
oi um ano difícil. Arrecadação em baixa, dólar em alta, dúvidas quanto à condução da economia no próximo ano e um cenário internacional imprevisível. No meio de tudo, os pesquisadores seguem trabalhando. E há o que comemorar. A capa desta edição é prova de que a ciência e a tecnologia brasileiras continuam avançando (página 62). Duas pequenas empresas nacionais, a Hormogen Biotecnologia e a Genosys Biotecnologia, desenvolveram, separadamente, as primeiras doses de hormônio de crescimento humano (hGH), O Brasil importa cerca de um 1 milhão de doses por ano, a um custo de US$ 15 milhões. Em 2003 esse quadro vai mudar - graças às parcerias promovidas por essas empresas com laboratórios também nacionais, o país entrará no seleto clube das nações exportadoras do medicamento. Hoje, apenas Suécia, Dinamarca, Estados Unidos e Itália dominam as técnicas de engenharia genética que produzem o horrnônio. Há outros exemplos de inovações tecnológicas promissoras em outras áreas. Pesquisa FAPESP tem destacado a maioria deles, que começam a 'ser pensados ainda nas bancadas dos laboratórios e percorrem um longo caminho até chegar ao mercado. Parte deles recebeu financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, que continua apoiando diversas iniciativas semelhantes. É um indicativo seguro de que mais boas notícias surgirão dentro de um prazo médio. Também a médio prazo, todos os que trabalham com biologia receberão boas novas. Está nos ajustes finais um software que permitirá a integração de bancos de dados com informações detalhadas sobre espécies de plantas, animais e microrganismos do Estado de São Paulo (página 24). A idéia é expandir essa rede para poder integrá-Ia a uma futura rede mundial que trate do tema com tal abrangência, que teremos uma espécie de catálogo de toda a vida
na Terra, acessível pela Internet. O projeto é ambicioso e ainda é preciso criar uma rede igual à de São Paulo para todo o Brasil. O final desse trabalho ainda está distante, mas a parte paulista anda a passos largos. Outro trabalho que caminha muito bem e em que já é possível notar resultados trata de obesidade e diabetes (página 34). Equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo revelou que a grande variação nas taxas de uma proteína transportadora de glicose, o Glut 4, em certos tecidos, parece ser determinante para a ocorrência dos dois problemas. A descoberta poderá ser a chave para evitar o acúmulo de gordura e o diabetes do tipo 2. Para isso, será preciso criar um modo de reduzir a produção do Glut 4. A trilha está aberta, mas há muito que desbravar. Em Humanidades, também há muito que descobrir. Os comunicólogos procuram saber qual o status real da área da comunicação (página 78). A ciência que estuda a mídia seria de fato uma ciência? E, se for, que lugar ocupa dentro das ciências humanas? Por que os especialistas dessa área parecem tão distantes do objeto que estudam? O debate é internacional, embora no Brasil ele alcance níveis institucionais e políticos por envolver organismos de fomento como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Um ano com essas novidades, avanços e debates em ciência e tecnologia não pode ser considerado ruim para o setor. A entrevista com o filósofo carioca Leandro Konder (página 90), autor do recém-lançado Questão de Ideologia, nos dá mais esperança de tempos melhores. Nela, ele reafirma sua crença no marxismo - mas despido do caráter doutrinário, que aprisiona, gera cobranças e cria dificuldades de abertura para o novo - e fala de ideologia, religião, Carlos Drummond de Andrade e de seu amor pelas aulas para os alunos de graduação. Por todos os temas ele passa com sabedoria e tranqüilidade. Um alento para 2003, PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 7
MEMÓRIA
40 primaveras depois Livro que fundou o moderno movimento ambiental foi lançado em 1962 NELDSON
MARCOLlN
Rachei Carson em seu trabalho como bióloga
m1939,o químico suíço Paul Müller apresentou um uso prático para a substância diclorodifeniltricloroetano (DDT), sintetizado em 1874 por um estudante de química alemão. Müller percebeu que o produto era eficiente no combate a insetos e o transformou em inseticida. Em pouco tempo, o DDT passou a ser utilizado na agricultura de modo intensivo e indiscriminado nos Estados Unidos e espalhou-se pelo mundo. O trabalho acabou por render o Prêmio Nobel de 1948 a Müller. Tudo parecia ir muito bem quando a bióloga marinha norte-americana Rachel Carson escreveu Primavera Silenciosa (Silent Spring), lançado em 1962. Rachel
E
Autora de sete Iivros, escritora morreu aos 57 anos
Avião pulveriza DDT em lavoura nos Estados Unidos, em 1949: aplicações se tornaram ainda mais intensas
Pulverização de plantação em 1929 (abaixo): livro denunciou o contínuo envenenamento do ambiente
dizia, em resumo, que o DDT e outros inseticidas sintéticos eram perigosos não apenas para insetos, mas também para seres humanos pelo poder de acumulação no organismo, o que, fatalmente, causaria problemas irreversíveis na saúde das pessoas. Em linguagem clara e com numerosos exemplos reais, a bióloga mostrou que a vida de boa parte dos seres vivos seria comprometida no futuro se não se parasse de envenenar o ambiente. Primavera Silenciosa
tornou-se o estopim do moderno movimento ambiental. "A obra de Rachel Carson foi uma resposta da comunidade científica a uma situação ambiental grave",explica José Roberto Postali Parra, chefe do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq). "Um dos desdobramentos mais importantes do livro foi o uso de manejo integrado de pragas", diz o professor titular aposentado da Esalq Gilberto Casadei Baptista, leitor de primeira hora da obra, esgotada no Brasil. Rachel Carson não viveu para ver os efeitos de seu alerta - inseticidas perigosos banidos, novos métodos de controle de insetos, o surgimento de uma verdadeira consciência ambiental. Morreu em 1964, em conseqüência de câncer.
• POLÍTICA CIENTÍFICA
-
E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
CXC,Genoma e populações Cientistas de cinco países Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, China e Japão - iniciaram estudos para mapear as principais áreas do genoma humano associadas a genes causadores de doenças como câncer, diabetes e distúrbio mental. O Projeto Internacional HapMap, que vai custar US$ 100 milhões e deve durar três anos, é descrito por Francis S. Collins, diretor do Instituto Nacional de Pequisa do Genoma Humano, como a "personalização do genoma" e considerado uma ferramenta poderosa para o entendimento da contribuição dos genes para essas doen-
• Universidades ~ .Q.!1corremno Japão Tradi ional praticante de um modelo que privilegia a estabilidade à competição, o Japão decidiu estimular a luta pela sobrevivência no mundo acadêmico (Nature, 10 de outubro). Ao fim de uma disputa acirrada, 113 das 464 equipes formadas por cerca de 10 mil professores de todas as universidades foram guindadas à condição de centros de excelência, com direito a verbas para pesquisa do Ministério da Educação. Cada um desses centros - distribuídos nas áreas de biologia, química e materiais, tecnologia da informação e eletrônica, humanidades e estudos interdisciplinares - receberá um total de US$ 800 mil
ças. Serão coletadas amostras de sangue de 200 a 400 pessoas na Nigéria, Japão, China e Estados Unidos, para verificar se as variações genéticas causadoras de doenças são comuns nas diferentes populações. Os cientistas já sabem que alterações nas seqüências genéticas conhecidas como polimorfismo de nucleotídeo único geralmente aparecem em bloco no genoma de uma pessoa, são herdadas em conjunto e se agrupam de acordo com um modelo que Collins chama de vizinhança. Acreditam que, com o projeto, conseguirão identificar e mapear muitas
a US$ 4 milhões por ano para tocar projetos em suas universidades. A cada cinco anos, esses valores serão renovados, mas os centros reprovados nas revisões bienais serão fechados. Os grupos
1\
vencedores concentram-se em apenas 50 das 163 universidades púbJ.icas ou privadas do país; 49 deles ficaram nas mãos das sete antigas universidades imperiais; e as universidades de Tóquio e Kioto fo-
ças. As informações coletadas serão disponibilizadas na Internet. "Esses dados serão de domínio público", afirma Collins. •
ram as mais premiadas, com 11 centros cada uma. Não faltam, é verdade, críticas quanto aos critérios de seleção. Mas a comunidade científica acredita que a competição fará bem à ciência japonesa. •
Harvard ainda é a número 1
A Universidade Harvard continua em primeiro lugar entre as 100 mais importantes dos Estados Unidos (Science,11 de outubro). É o que indica o rankingdo
Institute for Scientific Information (IS1), que avalia as escolas a partir do número de citações feitas sobre os trabalhos que publicam. O índice deste ano reflete o impacto das publi-
10 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
dessas vizinhanças, fornecendo subsídios para as pesquisas que buscam genes específicos associados ao desenvolvimento de doen-
Posição
Universidade
1"
Harvard
2" 3" 4"
Stanford
5"
Vale
MIT UC San Diego
6"
UC Berkeley
7"
Columbia Caltech U. Michigan Duke
a"
9" 10" Fonte: ISI
cações entre 1997 e 200l. Nesse período, Harvard permaneceu entre as mais citadas em 15 de 21 áreas de conhecimento. Stanford ficou com o segundo lugar. Ambas mantiveram seus postos em relação ao ranking anterior, de 1998. MIT, San Diego, Yale, Berkeley, Columbia, Caltech, Michigan e Duke completam a lista das dez mais. •
• Ciência européia quer os melhores
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
·---1
p..... =--
hUp-//www.bvs-psi.org.br/
A Biblioteca Virtual de Saúde - Psicologia (BVS-Psi) garante acesso à informação rápida e precisa a livros, periódicos e textos sobre a área.
Anatomical
Dreamtime
Introduction Anatomical Prirnitíves
hUp://www.nlm.nih.gov/exhibition/dreamanatomy/index.htmI
autoridades científicas da União Européia esperam lançar em janeiro o primeiro Prêmio Europeu para Jovens Pesquisadores (Science, 11 de outubro). Ainda não se sabe quantos dos 15 países do bloco apoiarão a iniciativa, mas basta a adesão de cinco deles, representando 100 milhões de habitantes, para viabilizar o programa. O concurso será aberto a pesquisadores do mundo inteiro, em todas as disciplinas, e distribuirá subvenções da ordem de US$ 1,5 milhão durante cinco anos. Quem não for brilhante está fora, pois os critérios de avaliação serão extremamente rigorosos. Os vencedores terão de trabalhar em um dos países patrocinadores. Os candidatos de fora desses países deverão inscrever-se em organizações que mantêm convênio com suas universidades. Os selecionados em nível nacional disputarão as finais na sede da Fundação Européia de Ciência, em Estrasburgo, na França. Estarão
qualificados para a disputa os pesquisadores com idade máxima de 35 anos ou que tenham concluído tese de pósdoutorado nos últimos dois a cinco anos. •
Más notícias sobre o aquecimento A i tensificação do aquecimento global pode ajudar a aumentar a produção de alimentos no futuro (NewScientist, 26 de outubro). As alterações de temperatura, volume das chuvas e duração dos dias deverão favorecer um crescimento de até 16% das terras cultiváveis do planeta, segundo uma projeção de computador feita por pesquisadores da Universidade de Winsconsin, nos Estados Unidos. Nesse caso, os maiores beneficiários seriam os nortes gelados do Canadá e da Rússia. Nas regiões tropicais, a tendência é inversa. "O que preocupa", diz Ionathan Foley, supervisor da pesquisa, "é que as piores conseqüências estão previstas justamente para as regiões em que vivem os mais pobres." •
Os mais fantásticos desenhos sobre anatomia humana feitos desde a Antiguidade são expostos nesse interessante site.
\Velcome
to the Dynamics
of Development!
..."'_•.•.. ·~ ..~~-.I"" •......•• L4J' T_""- .• _.--dooa..-__.•••....-.u.....,.•.._ _ T••••••• •.•••cf••~h_-'•. __ N......,s..-.F ........,.~ •. ~::;:..~.:..L>a!owtnp .•••••.••••••.• "..,~ f ••••
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n.
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••
http://worms.zoology.wisc.edu/embryology_main.html
Bom lugar para professores e estudantes colherem informações didáticas sobre as mais importantes noções de embriologia.
PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 11
• Acordo entre Brasil e Índia
o casarão da ciência -.---------------------------------------------------------------,0
Fapesb está instalada no Lazareto, que do século 18 ao 20 funcionou como hospital A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia, Fapesb, inaugurou, no dia 8 do mês passado, sua sede própria: uma casarão do século 18 implantado na Colina de São Lázaro, no bairro da Federação, em Salvador. Sonho e reivindicação da comunidade científica baiana desde a Constituinte estadual de 1989, a Fapesb foi criada em janeiro de 2001, a partir da Comissão de Apoio ao Desenvolvimento Científico (CADCT), depois Superintendência, órgão da Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia. Como Fundação, ganhou autonomia, patrimônio (a colina e o casarão) e orçamento próprio: 0,6% da receita tributária líquida do Estado - que corresponde, em 2002, a aproximadamente R$ 21,5 milhões - mas com previsão de chegar em 2006 a 1% da receita. A autonomia, maior solidez e a garantia de recursos regulares próprios já permitiu à Fapesb, segundo
sua diretora geral, Cleilza Ferreira Andrade, lançar programas mais ambiciosos. Um deles é o Programa de Atração de Doutores na Bahia (Prodoc), concebido com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ficando a Fundação responsável por dois terços dos recursos. Em seu primeiro edital, foram feitas chamadas para 15 doutores; houve 45 inscritos, sendo 51% de fora do Estado da Bahia. Para o segundo edital do Prodoc estão sendo selecionados 10 doutores, de áreas consideradas prioritárias para o estado. Outro programa lançado recentemente foi o de Bolsa de Estudos e Auxilio à Pesquisa. "O CADCT apoiava pontualmente alguns projetos, mas um programa continuado de bolsas exigia um volume maior de recursos e garantia de continuidade, só possível com a Fundação': comenta Cleilza. O mesmo vale para o Programa de Infra-Estru-
12 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
tura, para o qual foram alocados inicialmente R$ 4 milhões. "Fizemos chamada para nove projetos e recebemos 129 propostas, revelando a enorme demanda reprimida nas universidades federais, que vivem uma crise prolongada': diz ela. Na área de pesquisa tecnológica, a Fapesb criou seu programa Inovação na Pequena e Média Empresa, que procura estimular a inovação nas empresas. A nova sede da Fapesb é parte integrante da história médica da Bahia. Usada inicialmente para fazer triagem de escravos e, em seguida, abrigar os que chegavam doentes, o local, conhecido como Lazareto, passou acolher os leprosos pobres da cidade de Salvador, em sua maioria negros. No final do século 18, teve início a edificação do atual casarão, tendo o Lazareto se transformado em um hospital, que funcionou até o começo do século 20. •
I
O Brasil e a Índia assinaram memorando de entendimento para iniciar um programa de cooperação na área da biotecnologia. O futuro acordo prevê o desenvolvimento conjunto de projetos de pesquisa e treinamento de cientistas e técnicos em instituições indianas e brasileiras, assim como a transferência de tecnologia para produtos e processos. Entre os projetos estão a fabricação de novos medicamentos de combate à malária, dengue, tuberculose e leptospirose. O acordo prevê, ainda, a realização de estudos sobre a biodiversidade e o monitoramento de ecossistemas. •
• Rede nacional de biodiesel Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) lançou, no dia 25 de outubro, um programa nacional de desenvolvimento tecnológico de biodiesel (ProBiodiesel) para avaliar a viabilidade técnica, socioambiental e econômica do produto. O programa reúne em rede nacional 250 empresas e instituições de pesquisa que investigam o desenvolvimento de combustíveis limpos e renováveis. O ProBiodiesel dará prioridade ao desenvolvimento do biocombustível MAD8 - uma mistura de álcool e diesel a 8% - e B5 - mistura de 5% de éster de soja no diesel. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) reconhece que o Brasil ainda precisa de muita pesquisa para solucionar problemas como a queda de potência, aumento de consumo e redução do número de cetano nos motores. •
• Perez reconduzido ao cargo José Fernando Perez foi reconduzido ao cargo de diretor científico da FAPESP. Ele exercerá seu quarto mandato consecutivo. Perez obteve, em primeira votação, unanimidade de votos entre os 12 membros do Conselho Superior da Fundação e encabeçou a lista tríplice elaborada em 6 de novembro pelo órgão e encaminhada ao secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, Ruy Martins Altenfelder Silva. Também faziam parte da lista os nomes dos pesquisadores Mário José Abdalla Saad, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e José Arana Varela, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Araraquara. O decreto de nomeção de Perez foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo no dia 13 de novembro. •
.sos Cerrado O Programa Biota/FAPESP e a Secretaria do Meio Ambiente reuniram pesquisadores, representantes do governo e da sociedade civil para debater
Perez, entre Carlos Vogt, presidente da FAPESp, e Altenfelder, obteve unanimidade na primeira votação
a conservação e desenvolvimento sustentado nos fragmentos de cerrado no Estado de São Paulo, em Atibaia, entre os dias 18 e 20 de outubro. No encontro concluiuse que as áreas de Cerrado em São Paulo são tão pequenas e esparsas que não há mais como explorá-Ias de forma sustentável. A sua abordagem dependeria de um conjunto de atitudes que garantissem, inicialmente, sua conservação. Entre as principais medidas sugeridas estão a continuidade das pesquisas sobre a fisiologia das plantas do Cerrado para a produção de mu~as de qualidade; o início de estudos e programas de recuperação de áreas de cerrado degradadas; a continuidade da prospecção de
"produtos" economicamente viáveis do Cerrado para o cultivo de plantas in vitro; entre outros. Considerou-se necessário, ainda, mudanças na legislação em vigor, e a criação de mecanismos de incentivos e compensação para os proprietários que ainda possuem essa vegetação. Foi sugerida a criação da SOS Cerrado, uma organização não-governamental que represente a conservação desse ecossistema. •
• Nova linha de fomento no RJ A Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj) lançou três novas linhas de fomento. O Programa de Auxílio a Projetos de
Geração e Consolidação de Novas Tecnologia (PGT) vai apoiar pequenas e médias empresas de base tecnológica, universidades e instituições de pesquisa. O Programa de Bolsas de Inovação Tecnológica na Empresa (PBT) tem como objetivo levar pesquisadores ou especialistas para atuarem em pequenas e médias empresas de base tecnológica instaladas no Estado. A Bolsa de Pesquisador Associado vai criar condições para que doutores, com até sete anos de titulação, participem de pesquisas desenvolvidas em instituições de pesquisa. •
• Banco genético da ucuúba A Eidai do Brasil Madeiras SI A, empresa especializada na fabricação de compensados, formou o primeiro banco genético com 182 matrizes de espécies vivas de Virola surinamensis, também conhecida como ucuúba, árvore nativa da várzea amazônica, muito valorizada pela indústria madeireira na estrutura interna dos móveis. O projeto, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro (UFRRJ) , tem como objetivo conservar os recursos genéticos, identificar as matrizes mais bem adaptadas às regiões pesquisadas, selecionar as plantas mais fortes, que, depois de melhoradas geneticamente, serão levadas para áreas de reflorestamento. •
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14 . DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA CONJUNTURA
Crise, virtudes e oportu nidades Importação de equipamentos e insumos eleva o custo da pesquisa no Brasil CLAUDIA
IZIQUE
ualidade e o dinamismo da produção científica brasileira são incontestáveis. Em muitas áreas - como na bio- . tecnologia, genômica e imunologia, apenas para citar alguns exemplos - já se atua na fronteira do conhecimento. Noutras, como engenharia, física e ciências agrárias, as pesquisas ganham competitividade e projeção internacional. Essa posição de destaque que vem sendo conquistada nos últimos anos deve ser considerada um grande feito, porque fazer pesquisa no Brasil custa caro. O país ainda consolida a sua infra-estrutura de ciência e tecnologia, o que exige investimentos pesados na compra de equipamentos de ponta, insumos e serviços, que, em sua quase totalidade, são importados e cujos gastos são feitos em dólar. Importam-se equipamentos como microscópios, cromatógrafos, centrífugas, freezers de baixa temperatura, lasers, espectofotômetros, entre outros. Isso sem falar nos materiais utilizados nas pesquisas, como reagentes perecíveis, explosivos, corrosivos, pipetas, ponteiras e até animais vivos. Apesar das gestões do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) com a iniciativa privada, nos últimos anos, e do know-how na confecção de produtos e protótipos acumulado nas próprias universidades e institutos de pesquisa, a empresa nacional, provavelmente pela ausência de uma política de incentivos, ainda não se interessou em produzir equipamentos ou insumos similares. O Brasil investe cerca de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento, algo em torno de US$ 5 bilhões. Pelo menos 60% desses gastos, US$ 3 bilhões, portanto, são de res-
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ponsabilidade do setor público. É difícil calcular precisamente quanto se gasta com a importação de equipamentos e material de consumo para a pesquisa acadêmica: pelo menos 312 instituições estão credenciadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para realizar compras externas diretamente, com isenção de pagamento de tributos, a partir de um sistema de cotas estabelecido anualmente. Além disso, não existem dados consolidados e disponíveis sobre as importações brasileiras para a pesquisa científica e tecnológica. É possível fazer apenas estimativas a partir das operações de compras externas de algumas agências de fomento. O primeiro edital do CT-Infra I, um dos Fundos Setoriais administrados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), destina, por exemplo, R$ 149,3 milhões para apoiar 68 projetos de instalação e modernização da infra-estrutura de pesquisa em universidades e instituições públicas. Desse total, reservou R$ 80,5 milhões para compras de equipamentos para laboratórios, redes de informática, entre outros itens, dos quais 28%, ou seja, R$ 23 milhões, pagam produtos importados, segundo Fernando Ribeiro, diretor da Finep. Os gastos com obras no conjunto dos projetos somaram R$ 63 milhões, e as despesas de custeio e serviços gerais, mais R$ 5,7 milhões, sendo que, destes, R$ 4,1 milhões também estão relacionados à importação, pois incluem despesas alfandegárias, fretes, etc. á em São Paulo, os gastos da FAPESP com importações atingem, anualmente, algo em torno de 30% do orçamento. No ano passado, foram autorizadas importações no total de US$ 61,7 milhões, de um orçamento de US$ 171,8 milhões. Em 2002 - a projeção é de um orçamento de US$ 165 milhões - foram autorizados gastos de US$ 34,4 milhões para importações de bens e serviços para projetos de pesquisa. Na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), com um orçamento de R$ 35 milhões neste ano, as importações representarão entre 30% e 40% do total de investimentos nos projetos de pesquisa, nos cálculos de Naftale Katz, diretor científico da instituição. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fa16 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
pergs) também consumia até 30% do seu orçamento nas compras externas de equipamentos e insumos de pesquisa, até que uma crise sem precedentes reduziu o orçamento de R$ 19 milhões para R$ 12 milhões, neste ano, paralisando os investimentos, tanto em reais como em dólares. A proporção de gastos em dólares é de 20% do orçamento da recéminaugurada Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), com um orçamento de R$ 21,5 milhões, em 2002. Há exceções. No Rio de Janeiro, os gastos em dólares representam em torno de 10% do orçamento, de R$ 50 milhões, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Faperj), segundo o diretor científico Luís Manoel Fernandes. Feitas as contas, constata-se que as seis FAPs, com um orçamento total de US$ 199 milhões, investiram, neste ano, US$ 64,4 milhões, ou 32% de seu orçamento na compra de materiais, insumos e serviços importados. Essa amostra pode ser considerada significativa: as seis entre as 15 fundações brasileiras reúnem 69,4% dos grupos de pesquisa, segundo o Diretório Nacional de Grupos de Pesquisa do CNPq. Ainda assim é impossível projetar esse porcentual de gastos em dólares das FAPs ou do CI -Infra I para o conjunto da atividade de pesquisa no país, mas esses dados podem ser um bom indicador do grau de dependência externa da ciência brasileira.
Pacto federativo - Pode-se argumentar que esse é o preço da recuperação de um atraso histórico nos investimentos . em ciência e tecnologia. Ou até considerar que esses gastos são a contrapartida do atual dinamismo da produção científica nacional e dos esforços recentes do MCT de descentralizar a atividade de pesquisa, obedecendo a vocações e demandas regionais. "A pesquisa no Brasil está em estágios diferentes. E sua realização é mais cara nos primeiros passos, quando ainda não se domina a máquina e o diálogo não é tão amplo", lembra Evandro Mirra, presidente do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), do MCT. Aos investimentos na implementação da infra-estrutura, é preciso somar os dispêndios com as cada vez mais freqüentes necessidades de atualização e mesmo a substituição de equipamentos, sem falar no apoio dos serviços contratados fora do país exigido
pelos saltos na instrumentação científica no plano internacional. Essa equação até poderia justificar o alto custo da pesquisa no Brasil. Mas é bom que se diga que o desafio da atualização não é exclusivamente brasileiro. Está na agenda internacional e tem de ser enfrentado por qualquer país que deseja se manter competitivo em ciência e tecnologia. caso o brasileiro, no entanto, há ainda outros pontos frágeis. O primeiro está diretamente relacionado à instabilidade da moeda. E o segundo, à ausência de uma agenda que priorize a ciência e tecnologia como estratégia de desenvolvimento. "Ciência e tecnologia é uma questão de política econômica", diz José Carlos Silva Cavalcanti, da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe). "É fundamental a implementação de uma política de substituição de importações combinada num plano nacional", acrescenta Fernandes, da Faperj. "Temos de pensar num pacto federativo para ciência e tecnologia que redefina as prioridades e a articulação das agências de fomento estaduais e federais, da União e dos estados", sugere José Fernando Perez, diretor científico da FAPESP. Neste ano, o aumento de 52,4% na cotação do dólar provocou um imenso estrago no orçamento e nos programas de compras externas da agência de fomento com grave repercussão para a investigação em quase todas as áreas do conhecimento. A FAPESP, por exemplo, teve de suspender, em agosto, ainda que em caráter emergencial e temporário, a liberação de recursos para a importação de bens e serviços para projetos em andamento, assim como o apoio a novos projetos. Estão autorizadas apenas as compras de material de consumo e peças de reposição, na quantidade mínima indispensável e em caráter excepcional. A Fapemig, agência de fomento de Minas Gerais, Estado que reúne 1.257 grupos de pesquisa, ou 8,3% do total no país, também sentiu os efeitos da variação cambial no seu orçamento, afirma Naftale Katz. Mas decidiu não interromper as importações. "Resolvemos continuar financiando a importação do material de consumo permanente e estamos autorizando compras no limite do
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teto previsto para os gastos", ele diz. Na área de biotecnologia, por exemplo, um dos pontos fortes da pesquisa mineira, não há produtos nacionais. Katz prevê que será inevitável reduzir o ritmo da aprovação de projetos. "Neste ano, os investimentos destinados a projetos de demanda espontânea eram de R$ 10 milhões. Quando atingirmos esse patamar, teremos de parar': diz. "Espero que esses aumentos sejam um acidente de percurso porque não dá para sobreviver com esses saltos cambiais:' s exemplos de dificuldades nas universidades e institutos de pesquisa se multiplicam por todo o país. O aumento da cotação do dólar obrigou a recém-inaugurada Fapesb a rever as bolsas para apoio à viagem ao exterior. "Estamos apagando incêndios", diz Cleilza Andrade, diretora geral da entidade, que apóia 473 grupos de pesquisa baianos, ou seja, 3,1 % do total brasileiro. A instabilidade cambial também comprometeu projetos como o da Rede de Abatimento para Poluentes Atmosféricos (Reapa), desenvolvido no âmbito das Redes Cooperativas de Pesquisa (Recope) do Estado, implementado em parceria com a Finep. A equipe responsável está montando um equipamento de controle de poluição que será utilizado por empresas do Pólo Petroquímico de Camaçari, entre outras, cujos componentes são adquiridos na Alemanha. "As dificuldades já começaram quando eles tiveram de identificar e negociar com uma firma alemã o fornecimento de todas as peças, reunindo material de outros fornecedores, de tal forma a realizar uma única importação, facilitando o processo de compra", conta Tânia Mascarenhas, coordenadora do projeto. "Enquanto isso, o dólar subiu e os recursos alocados já não eram suficientes", ela conta. A saída foi atrasar o projeto e aguardar uma possível queda na cotação do dólar para então retomar os procedimentos para a importação. A crise cambial só não teve repercussões tão graves nos meios acadêmicos
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Espectômetro de massas construído por pesquisadores da USP custou 10% do similar importado PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 17
no Rio Grande do Sul. Ali, a Fapergs já estava com sua carteira de projetos praticamente paralisada em função de uma quebra no orçamento: os R$ 21 milhões inicialmente previstos para o ano, com sorte, chegarão a R$ 12 milhões. O governo estadual, que de acordo com a sua Constituição deveria destinar à fundação 1,5% do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), reduziu a transferência de verbas para o apoio de 1.769 grupos gaúchos de pesquisa, que representam 11,7% dos grupos brasileiros. "O Estado não repassou os recursos", explica Rogério Isotton, diretor administrativo. Em 2001, o orçamento da Fapergs foi de R$ 19 milhões. Historicamente, os gastos em dólares da fundação equivalem a 30% do orçamento. No Rio de Janeiro, apesar de os investimentos em importação consumirem cerca de 10% dos recursos da Faperj, a virada no câmbio foi sentida na forma de uma "chuva" de pedidos de aditivos para cobrir contratos já firmados, de acordo com o presidente da entidade. "Revisitamos alguns projetos, enviamos para a análise do comitê assessor e, quando for possível, remanejamos verbas dentro dos orçamentos aprovados': ele diz. "Em alguns casos, aprovamos aditivos para os contratos." No Rio de Janeiro, atuam 2.111 grupos de pesquisa, ou 13,9% do total brasileiro.
gias mais produtivas, buscando parcerias internacionais que não comprometam o pagamento de equipamentos e permitam a substituição de importações': diz José Carlos Silva Cavalcanti, presidente da entidade. O carro-chefe desse novo modelo de negócios é o Porto Digital, uma plataforma de geração e atração de negócios de tecnologia da informação que vem sendo implementada há dois anos, em parceria com o governo do Estado, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Finep. "Já temos parceiros como Siemens, Motorola, Orade, entre outros", explica Cavalcanti. No início de novembro, fecharam mais um acordo, desta vez na Alemanha, envolvendo o governo estadual, "para uma grande iniciativa nessa área': ele diz, sem revelar a identidade do futuro parceiro. "Não dá para comprar tecnologia estrangeira", reitera. O câmbio pode até voltar a ficar favorável, mas a decisão da Facepe já está tomada. A engenharia e a ciência da computação são pontos fortes da pesquisa em Per-
emanejamento de verbas e aprovação de aditivos para os contratos têm sido a alternativa adotada pela maioria das agências de fomentos para não comprometer gravemente o desenvolvimento das pesquisas. A boa notícia é que a comunidade científica brasileira está tendo de compartilhar equipamentos de porte. "Isso aumenta a sua taxa de utilização, fazendo convergir para o aparelho competência complementar. E isso não é uma tradição brasileira", observa Mirra, do CGEE. Mas, no caso da Facepe, optou-se por uma solução mais radical e definitiva: o redirecionamento da sua política de investimentos. "Estamos refreando projetos importadores e partindo para estraté-
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Importam-se reagentes, pipetas, ponteiras e material de vidraria 18 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
nambuco, onde atuam 579 grupos de pesquisa, ou 3,8% do total no país.
C&T e política econômica - O atual quadro da pesquisa no país, avalia o presidente da Facepe, mostra, "de maneira chocante", um fato inegável: que os investimentos em pesquisa no país têm de ser tratados no âmbito da política econômica. "Se quisermos fortalecer o Brasil numa perspectiva global, é preciso investir em P&D modernos, e isso requer comprometimentos e ousadia." Cavalcanti cita o exemplo da China, que, recentemente, apresentou ao mundo um padrão para TV digital para concorrer com os padrões norte-americano, japonês e europeu. "O Brasil também precisa ousar, já que existe competência para isso, e fazer tecnologia," As perspectivas, no entanto, não são muito otimistas. "Nenhum candidato à Presidência da República colocou a ciência e tecnologia nos planos de sua política econômica", observa o diretor científico da FAPESP, José Fernando
Perez. "E o desafio é fazer isso como prioridade absoluta para garantir mais competitividade, menos importação e mais exportação." O emprego, ele continua, é de fato uma política essencial, mas não se resolverá essa questão sem ciência e tecnologia. Perez sugere que se pense num pacto federativo para a ciência e tecnologia em que se redefina a forma de articulação das agências federais e estaduais, assim como da União e dos estados. "É preciso uma política mais pró-ativa na avaliação de prioridades e no compromisso de financiamento", diz. Nos estados com uma atividade de pesquisa intensa, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Sul, sublinha, o tamanho da comunidade científica já ultrapassou, e muito, a capacidade de financiamento das suas agências de fomento. A redefinição da agenda de ciência e tecnologia no Brasil deveria contemplar também política de substituição de importações. ''A pesquisa científica e
tecnológica é um patrimônio de um país em desenvolvimento. E a indústria nacional reluta em investir na produção de equipamentos científicos e até em inovar", afirma Fernandes, diretor científico da Faperj. "E isso depende da uma agenda mais ampla e estratégica que envolva ações articuladas no sentido da substituição das importações e de linhas especiais de financiamento", sugere. Ele lembra que todos os candidatos à Presidência da República defenderam uma política de substituição em áreas estratégicas. "E esse é o caso da ciência e tecnologia." Substituição de importação - Em que pesem as dificuldades do setor, as universidades e os institutos de pesquisa desenvolveram, nos últimos anos, diversas competências, inclusive em instrumentação de alta precisão. ''As empresas já perceberam isso", sublinha Perez. O laboratório de Cromatografia do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, em São Carlos, por exemplo,
detém técnica de desenvolvimento de cromatógrafos, um equipamento que tem aplicabilidade para avaliação qualitativa de qualquer composto químico e ampla utilidade, desde a análise de resíduos de inseticidas nos alimentos até controle de combustível, passando pela medição do tempo de absorção de novos fármacos. A equipe de pesquisadores já implementou essa tecnologia no Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobras e na Usiminas, neste caso, para controle de qualidade de matéria-prima. "Nunca tivemos contato com empresas nacionais interessadas na sua produção", observa Fernando Lanças, vice-diretor do Instituto de Química. O cromatógrafo, geralmente importado, custa entre US$ 30 mil e US$ 100 mil. "O Brasil precisa investir na produção desses equipamentos, sem protecionismo, e aproximar a indústria das universidades", sugere. "Um programa específico de instrumentação seria de grande valia." Outro exemplo da capacitação dos pesquisadores na área de instrumentação científica está no Laboratório de Instrumentação de Partículas (LIP), do Instituto de Física da USP, em São Paulo. O grupo construiu um espectômetro de massas de ionização por dessorção a Iaser com auxilio de matriz, uma espécie de balança para pesar proteínas conhecida pela sigla Maldi, financiado pela FAPESP, a um custo de US$ 50 mil. O similar importado custa US$ 500 mil. "Não é nossa função comercializar esses equipamentos. Estamos contribuindo para o desenvolvimento da pesquisa básica, como o da tecnologia nacional e formando pessoas", ressalva Suzana Salem Vasconcelos, do LIP. Não é o primeiro equipamento desenvolvido pelo grupo. Eles já fizeram, por exemplo, dois detectores sensíveis à posição para trabalhar com cristalografia. Esses detectores fizeram parte de um catálogo elaborado pelo MCT, com uma série de equipamentos desenvolvidos por pesquisadores brasileiros com o intuito de apresentá-los às empresas privadas, no final da década de 90. Não apareceram interessados. Argumenta-se que a pesquisa não tem escala para justificar investimentos na produção. Há dúvidas: existe, por exemplo, demanda para seqüenciadores genéticos para exame de DNA? "Não dá para pensar em substituir tudo, mas apostar no que for de uso intensivo e extensivo'; diz Perez .• PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 19
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
INDICADORES
Inovação limitada Compra de máquinas e equipamentos é o principalinvestlrnento tecnológico de empresas, segundo I BG E indústriasbrasileiras investiram 3,84% de seu faturamento em inovação tecnológica, em 2000, de acordo com a Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Das 70 mil empresas industriais com dez ou mais pessoas ocupadas consultadas, 31,5% tinham implementado inovações de produtos e/ou processo, entre 1998 e 2000. Das 70 mil empresas, 6,3% inovaram em produtos, 13,9% nos processos de pro-
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dução e 11,3% nos produtos e proces-
sos. O porcentual de empresas que criaram foi de 17,6%. Dentre elas, apenas um quarto apresentou as novidades ao mercado nacional, Mas, para 76,6% das empresas, a principal atividade inovadora se traduz na compra de máquinas e equipamentos, independentemente do tamanho da empresa, A compra de máquinas no total dos gastos em inovação diminui na razão inversa do porte das empresas, mas ainda assim representa, nessa categoria, mais de 40%, Essa conclusão bate
com os resultados da pesquisa ''A Indústria e a Questão Tecnológica", patrocinada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), divulgada no início de agosto. O investimento das empresas em máquinas com mais tecnologia contribui para a inovação de processos, "Entretanto, mesmo sendo uma parte importante da atividade inovadora, a compra de equipamentos não substitui, em geral, a atividade de criação de conhecimento, denominada generica-
mente de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)" , observa Carlos Henrique de Brito Cruz, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Estudioso da questão da Inovação, Brito observa que sem atividades de P&D empresariais não será possível desenvolver a economia brasileira. A Pintec identificou 41,6 mil pessoas ocupadas em P&D nas empresas consultadas, sendo que a metade tinha formação superior. Constatou ainda que 48,84% desse pessoal se dedicava exclusivamente à P&D, enquanto 51,16% tinha tempo parcial. De acordo com Brito, o número de pessoas com nível superior envolvidas em P&D mostra que há muito pouca atividade de criação de conhecimento nas empresas no Brasil. "Num universo de 70 mil empresas, há menos de uma pessoa com nível superior em cada empresa dedicada a criar conhecimento. Isto é muito pouco", conclui. Metodologia internacional - Em ordem decrescente, a segunda e terceira atividades inovadoras no ranking da Pintec são complementares à compra de máquinas tecnologicamente mais avançadas: são elas, respectivamente, o trei-
namento, de acordo com 59,06% das empresas consultadas, e os projetos industriais, na avaliação de 44,08%. No pólo oposto, com menor relevância, encontra-se a aquisição de conhecimento externo, não incorporado às máquinas. esquisa,realizada pela primeira vez no país, é resultado de parceria do IBGE . com a Finep, do Ministério da Ciência e Tecnologia, e será atualizada a cada três anos. Ela utiliza metodologia aplicada internacionalmente, o que permite comparações com o desempenho de países da União Européia, Canadá, Austrália, entre outros. A taxa de inovação das empresas brasileiras é muito semelhante à da Espanha, onde 34,8% delas investem 1,86% no desenvolvimento de novos produtos e processos. Ali, também, os gastos se concentram nos itens máquinas e equipamentos (41,28%). Os setores industriais que mais inovaram, segundo a Pintec, atingindo taxas superiores a 60%, foram, por exemplo, o de fabricação de máquinas para escritório e equipamentos de informática (68,5%), material eletrônico básico (62,9%), aparelhos e equipa-
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mentos de comunicações (62,1%), entre outros, que igualmente se caracterizam pela rápida incorporação de conhecimentos técnico-científicos. As taxas mais baixas foram encontradas nos grupos de atividades extrativas, exceto os setores de fabricação de celulose e outras pastas (51,8%) e do refino de petróleo (39,4%). Pintec também constatou que o número de empresas que realizam P&D em caráter ocasional supera aquele das que investem de forma contínua. No primeiro caso, está a grande maioria das empresas com até 99 pessoas ocupadas; e no segundo, a grande maioria das empresas com cem funcionários ou mais. A primeira conclusão é que, quanto maior a empresa, mais se investe continuamente em P&D. Enquanto na menor faixa de tamanho, apenas 27,8% realizam P&D sistematicamente, nas maiores empresas este porcentual é de 79,9%. A grande maioria das empresas consultadas pela Pintec afirma implementar inovações para manter sua participação no mercado (79,60%), ampliar essa participação (71,02%) ou para melhorar a qualidade de seus produtos (78,27%). • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 21
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
GENÔMICA
-" .uencta ,
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e negocias Alellyx contrata mais 25 doutores e promete produto em dois anos
A casa de vegetação da empresa abriga diversas variedades de plantas para enxerto
mno máximo dois anos, o Brasil deverá ter o primeiro produto da genômica aplic.ada~ agricultura. As i~vestigações avançam em ntmo acelerado, conduzidas por 25 pesquisadores da Alellyx,empresa de pesquisa e desenvolvimento em biotecnologia criada há oito meses e inaugurada no dia 7 de novembro. "Estamos contratando mais 25 doutores", conta Fernando Reinach, presidente interino da empresa e diretor executivo da Votorantim Ventures, fundo de capital de risco do grupo Votorantim, que aportou R$ 30 milhões na implantação dos laboratórios e no custeio dos projetos. Apoiado na genômica, esse grupo de pesquisadores busca solução para problemas que comprometem a produção de laranja - como a praga do amarelinho e o cancro cítrico - e investiga formas de aumentar a produtividade dos setores açucareiro e de papel e celulose, melhorando a qualidade
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da cana-de-açúcar e do eucalipto. Em 2003, iniciam-se as pesquisas' com a soja e a uva. Além dos projetos idealizados pela equipe, a Alellyxjá tem contrato com empresa para o co-desenvolvimento de produto, diz Reinach, sem no entanto revelar a identidade do parceiro. Outras propostas, adianta, já estão sendo negociadas. "Vamos ter produtos antes do retorno do capital': ele prevê, supondo que os investimentos serão recuperados num prazo de seis ou sete anos. Trata-se de uma aposta de risco, já que algumas linhas de pesquisa, como é clássico nesse tipo de investigação, não vão dar resultados, diz Paulo Henrique de Oliveira Santos, presidente da Votorantim Ventures. As perspectivas, no entanto, são muito otimistas, tanto do ponto de vista do desenvolvimento de novos produtos como do negócio: em caso de sucesso, a Alellyx divide a vantagem competitiva com o cliente. Isso sem falar nos resultados obtidos com a
geração e comercialização de patentes. A solução para o problema da bactéria Xylella fastidiosa, por exemplo, que devasta os pomares de laranja, resgataria para os setores produtores da fruta e de suco algo em torno de US$ 100 milhões anuais. Parte desse valor seria da Alellyx. "Os contratos são complexos, semelhantes àqueles firmados para o desenvolvimento de novas drogas em empresas de biotecnologia", ressalva Oliveira Santos. Ciência e negócios - A Alellyxpretende ser a prova cabal de que fazer ciência na fronteira do conhecimento e buscar soluções para problemas de relevância econômica pode ser um bom negócio. "O setor privado precisa descobrir que investimentos em biotecnologia são uma boa fonte de renda", recomendou o ministro da Agricultura, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, presente à cerimônia de inauguração da empresa. Ele calcula que os investimentos anuais
em biotecnologia, no Brasil, somem US$ 60 milhões, grande parte deles vinda dos cofres públicos. "É preciso quintuplicar esses recursos, nos próximos três anos, num esforço conjunto dos setores públicos e privados, para que possamos chegar perto dos outros países e recuperar a melhoria de produtividade", afirmou o ministro. Nesse aspecto, ele disse, a Votorantim dá um bom exemplo. Por meio da Votorantim Ventures,criada há dois anos e meio, o grupo vai investir até R$ 300 milhões em projetos de riscos, apostando no desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. Até agora, oito projetos foram selecionados, dois deles na área de biotecnologia: a Alellyx e a Scyla,empresa de bioinformática, também formada por pesquisadores que integraram o Programa Genoma, financiado pela FAPESP. De acordo com Antonio Ermírio de Moraes, presidente do grupo Votorantim, a aposta na Alellyxé apenas o começo. "Somos um
país privilegiado: temos 20% da água do planeta, sem contar os aqüíferos, e tudo indica que seremos o celeiro do mundo. Estamos esperando o quê?",indagou Ermírio de Moraes. "Precisamos . ter qualidade, ciência e tecnologia."
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riação de empresas como a Alellyx, segundo Reinach, res~lta ?a convergência .de tres elXOS:uma agromdústria nacional competitiva, disponibilidade de capital de risco e a competência dos pesquisadores brasileiros, formada ao longo de 20 anos de investimento nas universidades e, particularmente, durante o Programa Genoma. A competência e a experiência do grupo de sócios da nova empresa são o principal aval dos projetos desenvolvidos pela Alellyx. Paulo Arruda, Jesus Ferro Neto, João Carlos Setúbal, João Paulo Katajima e Ana Claudia Rasera da Silva,das universidades de São Paulo (USP), Estadual de Cam-
pinas (Unicamp) e Estadual Paulista (Unesp), participaram do seqüenciamento e análise dos genomas de bactérias causadoras de doenças em plantas, patrocinados pela FAPESP, entre eles os das Xylella fastidiosa da laranja e da uva, Xanthomonas citrii e Agrobacterium tumefaciens; além dos genomas da cana-de-açúcar e do eucalipto. "Ao financiar projetos de seqüenciamento genético, a FAPESP se propunha a demonstrar um teorema", diz José Fernando Perez, diretor-científico da Fundação. A primeira hipótese, ele explica, era que essas pesquisas seriam estratégicas para o país. A segunda, era que havia necessidade urgente de formar profissionais qualificados para viabilizar a criação de empresas de pesquisa e desenvolvimento em genômica. "A tese era que, com projetos em genômica, seria possível formar um grande número de jovens cientistas, capazes de criar alternativas para investidores que acreditassem na biotecnologia e em projetos voltados para problemas da maior relevância científica e de importância socioeconômica", acrescentou. A criação da Alellyx é a plena demonstração desse teorema, conclui. Esses pesquisadores, agora no papel de empreendedores, têm pela frente o desafio de transformar as informações genômicas em produtos, num ambiente diferente do acadêmico. ''A natureza das pesquisas nos dois ambientes é semelhante: aqui é mais rápida e precisa", compara Arruda, que ainda dedica parte de seu tempo às aulas e pesquisas no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética da Unicamp. "Na universidade, trabalha-se com a visão acadêmica da pesquisa, que tem como foco a formação de recursos humanos. Aqui, o foco está na investigação, e os pesquisadores dedicam-se o tempo todo a isso",diz. "Na academia, todo o problema encontrado é relevante. Na empresa, é diferente, é preciso mais foco': acrescenta Jesus Ferro, que também dedica parte do seu tempo à Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária da Unesp, em Jaboticabal. Não é por acaso que a Alellyx, instalada num prédio com área de 2,3 mil metros quadrados, está próxima ao câmpus da Unicamp, em Campinas. A tecnologia, no caso, é a principal responsável por fazer a transição entre a ciência e o mercado. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 23
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
MEGACIÊNCIA
Rede da vida Software permite integração de bancos de dados com informações sobre plantas, animais e microrganismos RI CARDO
ZORZETTO
um futuro próximo, os usuários da Internet terão acesso a uma rede integrada de bancos de dados com informações sobre o nome, a classificação e a distribuição de milhares de espécies de plantas, animais e microrganismos naturais do Estado de São Paulo - conhecimento essencial para a definição de estratégias de preservação da biodiversidade local. Ainda sem nome definido, essa rede integrará os dados do projeto Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo, que há nove anos cataloga 7.500 espécies de plantas com flores (fanerógamas), com os da rede Species Link, que reúne informações sobre 12 coleções de herbários e museus paulistas, além de dados de plantas, animais e microrganismos registra dos no SinBiota, o Sistema de Informação do Programa Biota-FAPESP, responsável pelo levantamento da biodiversidade e dos recursos naturais paulistas. Será também o passo inicial que deve permitir a participação brasileira de uma rede muito mais ampla, voltada para a conservação da diversidade biológica do planeta. Tecnicamente, a concretização dessa iniciativa, pioneira no Brasil e sob alguns aspectos no mundo, vem se tornando possível graças a um protocolo de comunicação chamado DiGIR (Distributed Generic lnformation Retrieval), que permite rastrear informações em bancos de dados distintos e apresenta os resultados ao usuário como se as informações tivessem origem numa base de dados
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única. A equipe internacional que desenvolve o software há cerca de um ano apresentou a versão de testes mais recente, a última antes do DiGIR 1.0, no final de outubro, em Indaiatuba, no interior de São Paulo, durante o Fórum Tendências e Desenvolvimento em Informática para a Biodiversidade - ramo da informática voltado para a criação de ferramentas aplicáveis ao estudo de distribuição e análise das espécies. A equipe inclui pesquisadores do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), instituição responsável pela manutenção do SinBiota, e especialistas australianos, alemães e das universidades do Kansas e da Califórnia, nos Estados Unidos. A idéia de desenvolver um programa que permita integrar dados de diferentes sistemas de informações - a chamada interoperabilidade, essencial para permitir o acesso do maior número de pesquisadores à maior quantidade possível de informações sobre biodiversidade - surgiu em uma reunião do Grupo de Trabalho de Bancos de Dados Taxonômicos, realizada em 2000, em Frankfurt, na Alemanha. "Até aquele momento, cada rede havia desenvolvido um software próprio para troca de informações. Estávamos em via de desenvolver o Species Link, e provavelmente criaríamos mais um programa diferente, sem capacidade de se comunicar com as outras redes': conta o analista de sistema Ricardo Scachetti Pereira, do Cria. "Durante a reunião, foi apresentada a idéia do DiGIR, que permitia essa troca de informação. Decidimos então parti-
cipar do desenvolvimento desse protocolo de comunicação." Justamente por possibilitar a troca de informações entre bancos de dados diferentes, a influência do DiGIR não deve se restringir à rede paulista. Será também a ferramenta utilizada na integração virtual dessa rede com outras redes de bancos de dados sobre biodiversidade existentes na América do Norte (Species Analyst), na Europa (European Natural
History Specimen lnformation Network) e na Austrália (Australia's Virtual Herbarium). E, segundo o pesquisador Vanderlei Perez Canhos, diretor presidente do Cria, o DiGIR é ainda um forte candidato a ser adotado como o protocolo que fará a integração dos sistemas de informação de uma iniciativa multinacional muito mais ambiciosa: a Global Biodiversity lnformation Facility (GBIF). Catálogo da vida - Estabelecida em 2001, no âmbito do Fórum de Megaciência da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a GBIF é uma iniciativa internacional responsável pela coordenação de uma rede que pretende integrar e disponibilizar na Internet informações não apenas de coleções biológicas do mundo todo - calcula-se que museus, herbários e outras coleções armazenem 3 bilhões de exemplares de todos os orAcesso difícil: prancha do arbusto Physoca/yx major, parte da obra Nova Genera et Species P/antarum, do botânico I<arl von Martius
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ganismos extintos ou vivos atualmente -, mas também uma lista eletrônica com o nome e a classificação taxonômica de 1,75 milhão de espécies de plantas, animais e microrganismos descritos cientificamente, o chamado catálogo da vida. Tudo isso, com a meta de auxiliar na solução de uma questão tão antiga quanto importante: a perda da biodiversidade do planeta. "Essa é uma crise global em que todos perdem. Só será desacelerada se houver medidas concretas de preservação ambiental, para as quais é necessário um grande aporte de conhecimento científico e tecnológico", comenta Canhos. mbora se discuta a degradação ambiental desde a década de 70, as perspectivas de reversão da perda da biodiversidade não são animadoras. O próprio autor do termo biodiversidade, o biólogo norte-americano Edward Wilson, da Universidade Harvard, alerta em seu livro mais recente, O Futuro da Vida, para a necessidade não apenas de se tornar disponível informações sobre as espécies descritas, mas de completar, num prazo de 25 anos, esse inventário das espécies vivas com as de cerca de 8 milhões ainda não descritas. E por um motivo preocupante: no último século, a atividade humana iniciou uma extinção em massa jamais vista desde a era Mesozóica, que pode eliminar ou pôr em risco de extinção um quarto das plantas e dos animais ao longo dos próximos 30 anos. Em artigo publicado em 2000 na revista Science, Wilson estima que seriam necessários até 20 anos e um investimento de US$ 5 bilhões para completar esse mapeamento, feito comparável ao Projeto Genoma Humano, que levou 13 anos para seqüenciar o material genético do homem. Tornar as informações existentes disponíveis, completar o mapeamento das espécies e analisar esses dados com ferramentas da informática é uma tarefa impossível de ser cumprida por poucas instituições. É um esforço que exige a colaboração de pesquisadores de diversas áreas e o envolvimento do maior número possível de países, trabalhando de forma cooperativa e integrada - característica dos projetos de megaciência, inaugurados na biologia com o Genoma. "Nenhum país é capaz de fazer isso sozinho", comenta Dora Ann Lange
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Catálogo da vida: informatização preserva dados sobre diversas espécies, como o buriqui tEriodes arachnoides) e as solanáceas Cà dir.)
Canhos, diretora de projetos do Cria. Por esse motivo, no encontro de 1996 da OCDE, recomendou-se a criação de uma megaestrutura (a GBIF) capaz de estimular a participação de pesquisadores e instituições de diversos países principalmente, dos que possuem grande diversidade biológica.
Falta de consenso - Apesar de detentor da maior biodiversidade do planeta, o Brasil ainda não aderiu oficialmente à GBIF - da qual fazem parte cerca de 30 nações - e participa apenas de maneira informal, por meio do desenvolvimento de ferramentas de informática para a biodiversidade. E não é por questão de verba - a adesão custaria ao país cerca de US$ 50 mil por ano, o equivalente a manter dois alunos de doutorado no exterior por esse período -, mas sim por falta de consenso. Enquanto técnicos do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e parte expressiva da comunidade científica são favoráveis à adesão, o Ministério das Relações Exteriores acredita que o Brasil estaria em desvantagem, pois cederia mais informações para o exterior do que receberia em troca - e, desse modo, a decisão ficará para o próximo governo.
"Se integrasse oficialmente a GBIF, o Brasil só teria a ganhar': afirma o diretor do Cria. "Conseguiríamos uma participação mais ativa na definição do programa de trabalho da GBIF, além de financiamento para desenvolver projetos nacionais ligados à repatriação de dados sobre biodiversidade." Na opinião de Ione Egler, da Secretaria de Políticas e Programas do MCT, a adesão do país à GBIF seria importante principalmente nessa etapa inicial, em que os membros da iniciativa estão definindo as prioridades de ação. Durante o fórum de Indaiatuba, organizado pelo Cria, com apoio da FAPESP e de outras instituições, estabeleceram-se os critérios para a seleção de projetos de digitalização de dados de coleções biológicas, que devem ser contratados no primeiro semestre de 2003. A participação ativa do Brasil na implementação da GBIF contribuiria para sanar uma das principais dificuldades da pesquisa nacional na área: a falta de acesso a informações sobre espécies brasileiras que se encontram no exterior, principalmente em instituições norteamericanas e européias, nas quais estão depositados exemplares e tipos brasileiros (um tipo é exemplar usado para
descrever uma espécie) coletados por expedições exploratórias históricas, como as de Hans Langsdorff e Karl Friedrich Philipp von Martius. Fora da GBIF, o Brasil perde, por exemplo, a oportunidade de propor ações prioritárias, como a digitalização das informações de interesse nacional, o que permitiria acelerar a repatriação dos dados existentes em instituições no exterior. Para ilustrar a necessidade de acesso a essas informações, Ione cita o caso da Flora Fanerogâmica de São Paulo: "Há 7.500 espécies identifica das da flora de São Paulo, mas menos de 500 tipos se encontram em coleções nacionais. O restante está no exterior. Com esse material digitalizado, cederíamos informações sobre 500 espécies, mas receberíamos sobre 7 mil." Flora Brasiliensis - Outro exemplo dessa dificuldade de acesso é o que ocorre com a obra Flora Brasiliensis, coleção de 40 volumes editada por von Martius com informações sobre cerca de metade da flora nacional, estimada hoje em 56 mil espécies. A maioria das cópias da obra, principalmente as completas e bem conservada p/encontra-se no exterior. Como conseqüência, esse recurso é subutilizado pelos pesquisa-
dores brasileiros, segundo o botânico George Shepherd, da Universidade Estadual de Campinas - situação que pode começar a mudar em breve: Shepherd coordena um projeto, ainda em fase inicial, que pretende digitalizar uma cópia completa dessa obra, iniciativa que pode servir de base para a produção de uma nova flora brasileira - digital e atualizada.
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e forma independente, instituições estrangeiras já fornecem esse tipo de acesso a outros países. Um exemplo é o Jardim Botânico de Nova York, que disponibiliza on-line dados sobre 600 mil exemplares de plantas - de uma coleção de 7 milhões. Mas ainda é insuficiente. Para conhecer melhor a biodiversidade nacional, é necessário o acesso a informações do maior número possível de coleções. Ione Egler, do MCT, é enfática: "Sem informações sobre suas espécies, o país não consegue conhecer sua biodiversidade e não implementa a Convenção da Diversidade Biológica (que visa pro-
mover a conservação, o uso sustentável dos recursos biológicos e a redistribuição equitativa dos benefícios decorren-
tes do uso de recursosgenéticos dessa biodiversidade)". Caso não integre a iniciativa, o país deixa ainda de se beneficiar das possibilidades de aprimorar a capacitação de pessoal que a GBIF proporciona e fica sem um papel ativo na definição do sistema de informação adotado por ela. Uma dúvida freqüentemente, quando se trata da disponibilização de informações sobre a biodiversidade nacional na Internet, é saber se isso facilitaria a biopirataria. "Esse é um engano. No caso da GBIF, não se trata de saída de material, mas de troca de informações há muito disponíveis em revistas científicas", explica Ione. A forma como o sistema está sendo proposto permite ainda que o pesquisador controle a informação que pretende colocar na rede. Mas a maior dificuldade que a equipe de Campinas vislumbra para a implantação efetiva da rede paulista é mudar a mentalidade dos pesquisadores para que passem a compartilhar dados e a trabalhar de modo cooperativo, como exige o projeto. "As pessoas precisam perceber que a informação científica é essencial para a formulação de políticas e a tomada de decisão", diz Dora. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 27
A Revolução da Linha Chronos
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A Natura Alinha Natura Chronos revolucionou os conceitos de tratamentos cosméticos anti-sinais. Com ela, a Natura introduziu no mercado brasileiro o ácido glicólico e os AHAs (alfa-hidroxiácidos), para estimular a renovação celular. Em seguida, incorporou as talasferas - microcápsulas de origem marinha - que protegem e transportam as vitaminas puras até as camadas mais profundas da epiderme. Essa tecnologia, desenvolvida nos laboratórios Natura, com o apoio de parceiros internacionais, permitiu que se preservassem nas formulações as propriedades das vitaminas C, E e A, altamente instáveis. Entre vários grupos de pesquisadores especializados, escolhemos o Prof. Dr. Ladislas Robert, renomado cientista da Universidade de Paris, para ser nosso parceiro em um projeto de desenvolvimento de um ativo que revertesse a perda da elasticidade cutânea e cujo mecanismo de ação ocorresse por meio da comunicação celular. Nas pequisas foi identificado o ativo mais promissor; o elastinol. A área de Pesquisa e Desenvolvimento criou, então, novas formulações da linha Chronos, testadas em análises clínicas e dermatológicas, quanto a sua segurança e performance.
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• CIÊNCIA
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Efeito comprovado 22 anos depois
Não é todo dia que os físicos teóricos vêem suas previsões serem comprovadas experimentalmente. Em 11 de outubro, um estudo publicado por pesquisadores da Alemanha e da Suíça como principal artigo da Science virou motivo de comemoração para uma dupla de físicos brasileiros. O trabalho, coordenado pelo físico iraniano Vahid Sandoghdar, do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Genebra, demonstrou pela primeira vez um efeito previsto teoricamente 22 anos antes por Cid de Araújo e José Rios Leite, ambos da Universidade Federal de Pernam-
• Micro reprovado na sala de aula A notícia não agradou aos fabricantes de computadores: um estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e da Universidade de Jerusalém, publicado no Economic [ournal, concluiu que o emprego de micros na sala de aula não traz benefícios evidentes para os alunos do ensin fundamental. O trabalho comparou o desempenho de estudantes de 9 e 13 anos que freqüentavam escolas israelenses com e sem computadores e não apontou nenhuma vantagem em se recorrer às máquinas digitais como aliadas do processo pedagógico. Entre os alunos mais jovens, os pesquisadores acreditam que a adoção de softwares edu-
Nitidez: duas moléculas próximas em um cristal
buco. Num trabalho publicado na Chemical Physics Letters de abril de 1980, os brasileiros indicavam que dois átomos distintos, in-
cacionais até prejudica seu desempenho nas provas de matemática. Se a pesquisa estiver correta, o chip de silício ainda se mostra dispensável diante do velho trinômio giz/quadto-negro/professor, sobre o qual a educação se assenta há tempos. •
teragindo entre si, eram capazes de absorver simultaneamente dois fótons (corpúsculos de luz). Foi justamente essa proprieda-
doim, escassas na estiagem, quando a desnutrição aumenta. Simene Borges e Maria das Graças Gomes, da UFC, analisaram sementes de 12 frutos - melancia, tangerina e outros -, além de cascas de amendoim, macaúba e tamarindo. Viram que justamente a casca da macaúba
de que permitiu à equipe de Sandoghdar observar não dois átomos, mas duas moléculas imersas num cristal e distantes entre si 12 nanômetros (um nanômetro é a bilionésima parte do metro). Esse resultado significa uma melhora de cerca de dez vezes a resolução de um tipo especial de microscópio óptico, chamado confocal, que permite produzir imagens tridimensionais. "O artigo da Science é o primeiro que mostra claramente a existência desse efeito", comenta Araújo. "O próximo passo é observar esse efeito em moléculas biológicas", diz Sandoghdar. •
tem um teor de ferro quatro vezes mais elevado do que a multimistura, além de concentrações razoáveis de cálcio e fosfato. Secas e trituradas, como as sementes, as cascas de macaúba tornam-se assim fortes candidatas a integrarem a multimistura, distribuída no Ceará pela Pastoral do Menor
Cascas e sementes contra a desnutrição Um coquinho abundante no Nordeste, a macaúba (Acrocomia aculeatai, mostra-se valioso no combate à desnutrição infantil. Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) descobriram que a casca da macaúba pode substituir alguns componentes de um suplemento alimentar chamado multimistura, como a semente de girassol e o amen-
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Fontes de minerais: complementando
a multimistura
No ar: em busca de medições mais precisas sobre ozônio e vapor d'água
e pelo Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade (Iprede). Não se descartam as outras sementes e cascas estudadas, já que nenhuma delas mostrou níveis detectáveis de três substâncias tóxicas - cianeto, chumbo e EDTA (ácido etilenodiaminotetracético)."Se tudo der certo, vamos propor à Pastoral para fazer os testes e acompanhar o ganho de peso das crianças", diz Maria das Graças. •
• Balões analisam atmosfera tropical
centrações de vapor de água e aerossóis, a exemplo do ozônio e dióxido de nitrogênio, na atmosfera dos trópicos. As operações de lançamento serão realizadas por especialistas da CNES, a agência espacial francesa, com apoio dos técnicos do IPMet, uma unidade complementar da Universidade Estadual Paulista (Unesp), que cuida também do resgate dos equipamentos levados pelos balões. ''A validação dos dados coletados a bordo desse satélite, particularmente o vapor da água, tem grande interesse para o satélite Aqua, da Nasa", relata Ngan Andre Bui Van, coordenador do Hibiscus. Em 2000 e 2001, subiram dois balões de curta e três de longa duração. •
Em janeiro ou fevereiro, pesquisadores da Inglaterra, França, Noruega e Itália vão se integrar à equipe do Instituto de Pesquisas Meteorológicas (IPMet), em Bauru. Eles acompanharão o lançamento ,-.... Estatística perde de sete balões: três deles de para a realidade curta duração, sem ultrapas-/ sar o Estado de São Paulo, e· relatório do Instituto Naquatro destinados ao vôo ao cional do Câncer, dos Estados redor da Terra. Os balões faUnidos, revela que, ao conzem parte do projeto Hibistrário do que suas próprias cus, financiado pela Comuniestimativas indicavam nos úldade Européia, que pretende timos anos, os casos de vários detalhar os perfis das contipos de câncer estão aumen-
tando - e não diminuindo no país (The Wall Street [ournal, 16 de outubro). Segundo as autoridades, os resultados otimistas dos relatórios anteriores só refletem a morosidade nos registros da doença. Os novos números levantam suspeitas sobre a eficácia dos métodos de prevenção. Festejada como prova do sucesso das campanhas de conscientização, a taxa de câncer de mama - que, segundo relatórios anteriores, se mantinha estável desde 1987 -, na verdade, está crescendo 0,6% ao ano. Mesmo em casos que indicavam declínio, como os de melanoma e câncer de próstata, os números estão subindo - o segundo registra uma incidência até 14% mais alta que se imaginava. A prioridade, agora, é descobrir por que algumas taxas estão subindo. "Não sabíamos se os programas de prevenção estavam realmente funcionando", diz Ahmedin Iernal, diretor do programa de vigilância da Sociedade Americana de Câncer. •
• Adolescentes com ./ -rebeldia cerebral Quando um adolescente bate portas, reclama do mundo ou profere o clássico:"Eu não pedi para nascer", pode estar manifestando um sintoma das alterações que se passam em seu cérebro, segundo o neurologista Robert McGiven, da Universidade de San Diego, nos Estados Unidos (NewScientist, 19 de outubro). A equipe desse pesquisador descobriu que, ao entrar nessa fase da vida, as crianças passam por distúrbios de entendimento que as fazem perder a capacidade de compreender o sentimento dos outros - e normalmente só a recobram por volta dos 18 anos. Isso ocorreria por causa da intensificação da atividade cerebral na puberdade, que gera dificuldades de processar informações. Nesse contexto, o adolescente seria acometido de uma inépcia socioemocional que desencadearia sentimentos de incompreensão e revolta. •
Jovens: inépcia socioemocional que passa lá pelos 18 anos
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Plutão vive aquecimento global '"
Como a Terra, Plutão também está passando por um aquecimento global (MIT News,9 de outubro). Nos últimos 14 anos, o planeta sofreu tamanhas elevações de temperatura, que sua pressão atmosférica se tornou três vezes maior. A descoberta é de uma equipe de astrônomos norte-americanos, que detectou o fenômeno pela sombra projetada por uma estrela que Plutão ocultou no dia 20 de agos-
Plutão
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esquerda) e sua lua Charon: mudanças
• O frio que veio do calor
• Dentes novos, mitos velhos
Pesquisadores franceses e austríacos conseguiram demonstrar pela primeira vez, de maneira experimental e direta, a existência da chamada capacidade calorífera negativa - uma paradoxal idéia defendida pela física teórica. De maneira muito simplificada, o conceito diz respeito a sistemas microscópicos que, ao serem aquecidos e mudar de estado da matéria, resfriam-se de forma brusca. O grupo de cientistas, do Instituto de Física Nuclear de Lyon, da Universidade Claude-Bernard Lyon 1 e do Instituto de Física Iônica de Innsbruck, provocou colisões entre um agregado de moléculas de hidrogênio e um átomo de hélio em repouso. Durante o breve espaço de tempo em que havia energia (calor) no sistema, o agregado evaporou-se - e sua temperatura diminuiu. O estudo foi publicado na Physical Review Letters (28 de outubro). •
O bebê tem febre, diarréia ou brotoejas? Lá vem a explicação: é por causa dos dentes que estão nascendo. Os estudos mais recentes, no entanto, garantem que o nascimento dos dentes não provoca nada além de dentes. A não ser, é claro, inflamações na gengiva. Muitos profissionais de saúde, porém, são os primeiros a perpetuar esses mitos, de acordo com a pediatra Melissa Wake, do Royal Children's Hospital, de Mel-
bourne, na Austrália, que ouviu 464 desses especialistas sobre o assunto (NewScientist, 19 de outubro). Quase a metade dos entrevistados acredita que os novos dentes causam febres. Um em cada dez pediatras afirma que eles provocam infecções. E é quase consenso universal que eles tiram o soI}o e o sossego do bebê. Para Melissa, no entanto, tudo isso pode ser explicado de maneira mais simples. As insônias são comuns entre os 8 e os 10 meses, porque os bebês, provavelmente, come-
Fato sem maiores implicações: apenas os dentes crescendo
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~ to. O fato surpreendeu os cientistas, que, até julho, acreditavam que o planeta estava se resfriando. "Sabíamos desde 1988 que a atmosfera de Plutão está mudando", comenta [ames Elliot, professor de astronomia planetária do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e chefe da equipe de observação. "Mas só em agosto pudemos ter certeza que tipo de mudança era essa." •
çam a perceber que seus pais aparecem quando, em vez de dormir, eles choram. Já as febres, infecções e diarréias são sintomas comuns que acometem os bebês por diversos motivos. "Pôr a culpa nos dentes': diz ela,"além de retardar o socorro nos casos mais graves, pode levar a tratamentos supérfluos com analgésicos e calmantes." •
• Para onde vão os genes saltadores Não se pensava que fosse tão intensa a troca de genes entre uma espécie e outra, a chamada transmissão horizontal. Fabiana Herédia, pesquisadora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, descobriu nove casos em que um tipo de seqüência genética conhecido como elemento transponível ou transposon - também chamado gene saltador - passa de uma espécie a outra de moscas-dasfrutas do gênero Drosophila. Antes, só havia um trabalho descrito para o transposon que
ela estudou, chamado gypsy (cigano, em inglês). "Quando o gypsy salta de uma espécie para outra, pode levar pedaços de genes ou genes inteiros, promovendo um intercâmbio de material genético absolutamente distinto do que ocorre por transmissão vertical, que envolve cruzamento entre indivíduos da mesma espécie", diz ela. Em sua pesquisa, realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fabiana analisou um trecho de 500 pares de base (pb) do gypsyem 23 espécies de moscas, incluindo uma muito aparentada da Drosophila, a Zaprionus indianus, que veio da África em 1999 e hoje é uma praga para os plantadores de figo em São Paulo. Já caracterizado como um retrovírus, o gypsy passa de uma espécie a outra fazendo uma cópia de si mesmo, que é empacotada como vírus e invade o genoma de outro organismo. A participação dos genes saltadores no genoma de Drosophilas é de cerca de 15%, mas no dos seres humanos pode chegar a 45%. São fontes de variabilidade genética, por acionarem ou desativarem outros genes, além de promoverem quebras e rearranjos cromossômicos. •
• As diferenças entre as árvores
80% das condenações anuladas com base em provas de DNA são obtidas a partir de identificações errôneas. Por que a memória das testemunhas falha? Duas experiências de 2001 ajudam a esclarecer o assunto (The Wall Street [ournal; 25 de outubro). Em simulações com estudantes, Stephen Goldfinger, da Universidade do Arizona, mostrou que é mais difícil para uma testemunha branca reconhecer o cúmplice negro de um assaltante negro do que o cúmplice branco de um assaltante negro. Expli-
cação: a diferença atrai mais atenção. Outra experiência, feita por neurologistas em Londres, examinou a atividade cerebral em situações em que as pessoas percebem ou deixam de perceber pequenas mudanças ao retomar a um ambiente. De novo, o problema é de atenção. Se certas áreas da retina não são ativadas, a pessoa não percebe as mudanças. Ao que tudo indica, nossa atenção claudica nos detalhes periféricos. Se a arma na mão do ladrão nos impressiona mais do que o ladrão, não vemos o seu rosto. •
• Testemunhas nem sempre confiáveis Para prender o atirador que recentemente aterrorizou Washington, a polícia norte-americana rastreou extratos bancários, impressões digitais e outras pistas técnicas. Antes disso, porém, alimentou a esperança de apanhá-lo com ajuda das testemunhas que presenciaram um de seus ataques. Infelizmente, os depoimentos eram tão conflitantes que os policiais não tiveram o que fazer com eles. Outro dado:
Amazônia:
identificação
beneficia pesquisa e indústria
Pesquisadores do projeto Dendrogene - Conservação Genética em Florestas Manejadas da Amazônia, gerenciado pela Embrapa Amazônia Oriental, estão tocando um trabalho de identificação botânica das 50 principais espécies de árvores de valor comercial da floresta tropical- entre elas angelim, ipê-amarelo e copaíba. O objetivo é distinguir as plantas de forma clara e didática: por serem semelhantes aos olhos não-treinados, as espécies acabam sendo confundidas e exploradas de forma desordenada, não-sustentável, pelos agentes econômicos locais. Além de aumentar o conhecimento científico sobre os tipos de árvores da região, o esforço taxonôrnico pretende transferir esse saber - ou pelo menos uma parte dele - para os habitantes da floresta. "A correta diferenciação de espécies arbóreas é importante para a pesquisa, a indústria e o mercado da Amazônia", afirma Milton Kanashiro, da Embrapa, coordenador do Dendrogene. "Às vezes, uma madeireira acredita ter cortado uma determinada espécie de árvore, mas, por falta de informações, acaba retirando outra, cuja exploração só traz prejuízos." Para as empresas, em termos econômicos, os erros de identificação são ruins porque dificultam a entrega de um produto minimamente uniforme. Do ponto de vista da manutenção da biodiversidade genética da Floresta Amazônica, a confusão de espécies também não é boa: inviabiliza qualquer controle mais fino das árvores exploradas numa regilio. •
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cio da meia-idade. Nessa fase da vida, com mais Glut 4 disponível nos tecidos adiposos, ocorre um aumento da sensibilidade à ação da insulina, criando, assim, uma propensão a engordar. Mais tarde, da meia-idade em diante, quando possivelmente esse indivíduo obeso se torna diabético, a situação se inverte: os níveis de Glut 4 nas células de gordura (e em outros tipos de tecidos) oscilam para baixo e diminuem a sensibilidade à ação da insulina. Mais glicose, então, fica no sangue. Prevenção - A diminuição nos níveis de Glut 4 em diabéticos do tipo 2 já era um fenômeno bem conhecido. Tanto que as principais drogas usadas para tratar esses pacientes procuram aumentar a quantidade de Glut 4 e, dessa forma, restabelecer a sensibilidade do doente à insulina. A novidade do estudo, publicado na edição de 6 de setembro da revista Life Sciences, foi a detecção da elevação precoce nos níveis dessa proteína nos tecidos adiposos de ratos que passam por um processo rápido de ganho de peso. Se essa linha de pesquisa estiver correta, o combate à subida nos níveis de Glut 4 pode ser a chave para evitar o acúmulo de gordura e o diabetes do tipo 2. "Se um dia conseguirmos reduzir a produção de Glut 4 nos tecidos adiposos das pessoas que estão engordando, talvez possamos prevenir a instalação da obesidade e até o desenvolvimento do diabetes do tipo 2': afirma Machado. Numa outra linha de trabalho, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), chefiados por Mario Saad, investigam as eventuais implicações da insulina e seus receptores no cérebro sobre a gênese do acúmulo de gordura em diabéticos. "Problemas de sinalização no hipotálamo também podem levar à obesidade nesses pacientes", afirma Saad (veja quadro ao lado). Diferentemente das pessoas que sofrem de diabetes do tipo 1, chamadas de insulino-dependentes, visto que seu pâncreas não produz as quantidades necessárias desse hormônio, os pacien36 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
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Estrutura tridimensional da insulina: ação do hormônio depende do Glut4
tes de diabetes do tipo 2 geralmente fabricam grandes quantidades de insulina. O problema é que, por alguma desordem metabólica, a partir de um determinado ponto da vida, os principais tecidos normalmente sensíveis à ação da insulina - as células adiposas, do músculo esquelético e do coração passam a não reagir à presença do hormônio com a mesma eficiência de antes. No jargão médico, os especialistas dizem, então, que esses tecidos desenvolveram uma resistência à ação da insulina, possivelmente por uma diminuição, nessas células, da presença de proteínas transportadoras de glicose, das quais a mais importante parece ser o Glut 4. Até um certo limite, o pâncreas compensa essa menor eficiência da ação do hormônio secretando quantidades ainda maiores de insulina. Quando essa estratégia passa a não surtir mais efeito, o quadro de diabetes se instala no paciente e sua taxa de açúcar no sangue dispara. Propensão a engordar - No experimento que deu origem ao estudo da equipe de Machado, os pesquisadores do ICB acompanharam durante sete meses o ganho de peso e os níveis de Glut 4 em dois grupos de ratos: um que recebeu o glutamato monossódico com propensão a engordar e desenvolver diabetes - e outro que não foi submetido a esse tratamento. As medições foram efetuadas em três momento da vida dos animais, aos 2, 4 e 7 meses de idade. "Em seres humanos, esses períodos equivalem mais ou menos aos 20, 40 e 50 anos de idade", compara Machado.
Em relação aos ratos do grupo de controle, os animais que receberam o glutamato monossódico exibiram quantidades aumentadas da proteína em dois dos três momentos estudados. Aos 2 meses, no início do processo de aumento de peso, apresentaram taxas de Glut 4 por unidade de área superficial das células de gordura (adipócitos) 36% mais elevadas do que as verificadas no grupo de controle. Quando atingiram 4 meses e já estavam visivelmente gordos, os animais submetidos ao tratamento para ganhar peso tinham índices de Glut 4 em suas células de gordura cerca de 220% acima dos encontrados nos animais de referência. A escalada das taxas de Glut 4 só se interrompeu quando os ratos que receberam glutamato atingiram 7 meses. Nessa fase, 25% mais obesos do que seus pares do grupo de controle, esses animais apresentavam níveis reduzidos da proteína em todos os seus tecidos analisados, inclusive nas células de gordura, que, durante o processo de engorda, exibiam taxas acima do normal de Glut 4. Glicose estocada - Um detalhe interessante do experimento: nos dois primeiros períodos estudados, aos 2 e 4 meses, só foi constatado aumento na taxa de Glut 4 nas células adiposas - e em mais nenhum outro tipo de tecido dos ratos submetidos ao tratamento de engorda. "Em células do coração e do músculo esquelético, também sensíveis à insulina, os níveis dessa proteína não estavam aumentados em nenhum dos dois grupos de ratos", diz Machado. O dado mostra que a elevação nas taxas de Glut 4 parece ser muito seletiva. Com mais Glut 4 à sua disposição nos tecidos adiposos do que em outras partes do corpo, a insulina realiza de forma mais eficiente seu trabalho justamente na região das células de gordura. Resultado: mais glicose é estocada nos tecidos adiposos, onde é armazenada na forma de triglicérides como fonte de energia, do que no resto do corpo. Se as variações das taxas de Glut 4 nos vários tecidos sensíveis à ação da
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Quando o problema está no cérebro
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i Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) reforça uma hipótese que vem ganhando corpo desde a década de 80: uma das causas da obesidade em diabéticos do tipo 2 pode estar relacionada a problemas nas etapas iniciais da ação do hormônio insulina, que ocorrem numa região do cérebro chamada hipotálamo, dotada de centros nervosos ligados a uma série de funções e sensações, entre as quais o controle do apetite. A equipe de cientistas, chefiada por Mario Saad, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, produziu evidências de que um dos receptores envolvidos nesse processo,
a enzima PI 3-quinase, é 50% menos sensível à ação da insulina em ratos obesos do que em roedores magros. Como o principal efeito desse hormônio no hipotálamo é diminuir a ingestão de alimentos, o mau funcionamento desse receptor pode ser um fator importante na perpetuação da obesidade em diabéticos. Em um dos experimentos, os pesquisadores deram insulina aos roedores e verificaram que, em relação ao seu padrão normal de consumo, houve uma redução de 50% a 90% na quantidade de comida ingerida pelos animais magros. Os ratos obesos, no entanto, apresentaram uma baixa mais modesta em seu apetite, entre 30% e 45%. "Há algum tem-
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insulina forem mesmo um dos fatores cruciais para o surgimento da obesidade e do diabetes do tipo 2, controlar o funcionamento do gene responsável pela produção dessa proteína será uma importante medida profilático-terapêutica dessas duas condições. Infelizmente, esse intento ainda é um sonho distante. "Não sabemos quais fatores regulam a expressão do gene dessa proteína", comenta Machado. Há, no entanto, pelo menos uma medida simples que aparentemente ajuda os diabéticos a aumentar seus níveis de Glut 4 e otimizar a ação da insulina: comer menos. Num trabalho de 1997 publicado no
International ]ournal of Obesity, a equipe de Machado mostrou que a administração de uma dieta 20% menos calórica para ratos obesos e diabéticos, que apresentavam índices reduzidos de Glut 4, era capaz de elevar a quantidade dessa proteína a níveis normais em todos os tecidos sensíveis à insulina.
Efeitos do café e do álcool - Entender o que favorece e o que dificulta o aparecimento do diabetes do tipo 2 nem sempre é uma tarefa fácil. Muitos estudos apontam resultados contraditórios. Um exemplo recente: um trabalho de pesquisadores do Instituto Nacional de
OS PROJETOS Regulação do Transportador de Glicose Glut 4 no Diabetes Mel/itus Tipo 2: Papel da Resistência à Insulina MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR UBIRATAN FABRES MACHADOICB/USP
Mecanismos Moleculares de Resistência à Insulina em Hipotálamo e Tecidos Periféricos: Influência da Leptina, Grelina e Resistina MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR MARIO JOSÉ ABDALLA SAAD Unicamp
INVESTIMENTO
R$ 332.194A2
INVESTIMENTO
R$ 1.061.489,86
po, sabemos que a insulina inibe a fome': comenta Saad, coordenador de um projeto temático sobre os efeitos desse hormônio no sistema nervoso central. "Nossa prioridade agora é entendermos as vias de sinalização utilizadas pelo hormônio para atuar no hipotálamo. Dessa forma, poderemos um dia desenvolver drogas que diminuam a resistência à insulina no cérebro." Outra proteína desse processo, a enzima MAP, também foi testada, mas seu papel não se mostrou relevante para a questão da obesidade. Os resultados do estudo, que foi tema do doutorado de José Carvalheira, na Unicamp, devem sair em breve no [ournal of Clinical Investigation.
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Saúde Pública e Meio Ambiente da Holanda, publicado mês passado na respeitada revista inglesa The Lancet, sugere que o consumo de sete xícaras de café reduz à metade o risco de alguém desenvolver a doença. O dado é curioso por um motivo: a cafeína, um estimulante presente no café, sempre foi vista como uma droga que dificultava a absorção de glicose do sangue e aumentava a resistência à insulina. Outra pesquisa recente, conduzida no ICB, também chegou a dados interessantes e intrigantes em termos de possíveis tratamentos do diabetes. Num estudo conjunto com o pesquisador alemão Ralf Binsack, que fez pós-doutorado na USP, Machado constatou que o consumo moderado de álcool ~ na verdade, água com uma concentração de 3% de etanol ~ em ratos aumentava a sensibilidade à ação da insulina. Em tese, esse procedimento poderia melhorar os efeitos desse hormônio sobre a regulação da quantidade de glicose no sangue. "Sabemos que, em altas concentrações, o álcool é prejudicial ao diabético", comenta Machado, que vai publicar os resultados de seus estudos numa revista científica nacional no início do próximo ano. "Mas, como o consumo moderado talvez possa ser benéfico, estamos estudando os mecanismos envolvidos nesse possível efeito benéfico do etanol." • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 37
• CIÊNCIA
HEMATOLOGIA
Transplante sob medida
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Estudo mostra como mutações genéticas ajudam a selecionar doadores de medula óssea revera recuperação mais rápida ou até mesmo o sucesso de um transplante de medula óssea depende de muitos fatores, como as condições clínicas e nutricionais do paciente e o estágio da doença sangüínea ou imunológica que obrigou os médicos a recorrerem a esse caro e delicado procedimento clínico. Fora isso, a busca da melhor compatibilidade genético-imunológica possível entre o doador e o receptor da medula - um tecido líquido que ocupa a cavidade dos ossos e é responsável pela produção de todos os componentes do sangue - é crucial para o êxito da operação. Com esse intuito, os laboratórios realizam testes no sangue do enfermo e dos candidatos a doador, geralmente um irmão ou parente próximo do doente. O processo de seleção de quem vai ceder a medula geralmente pára por aí. Se os exames indicam um risco baixo de rejeição, o enxerto de tecidos recebe o sinal verde e é realizado. Mas um trabalho recente de uma equipe de pesquisadores da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto e do Hospital Saint Louis, de Paris, defende a idéia de que é possível dar um passo adiante na busca pelo transplante quase perfeito se a medicina adotar um procedimento extra: procurar, sobretudo no DNA do doador, mas também no do receptor da medula, pequenas mutações em genes ligados à resposta inflamatória e aos mecanismos de defesa do organismo. Depois de analisar as repercussões clínicas de um grupo de 12 alterações genéticas chamadas tecnicamente de SNP,sigla em inglês para single nucleotide polymorphism, ou polimorfismo de um único nucleotídeo (as unidades químicas
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42 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
Produção distribuída: medula de ossos fabricam células do sangue
com as quais o código genético é escrito), a equipe de cientistas concluiu que algumas dessas mutações podem ser usadas como marcadores úteis para refinar ainda mais a busca pelo transplante ideal e prever com mais precisão a evolução clínica dos pacientes. "Quando houver mais de um doador de medula com tipo sangüíneo compatível com o do receptor, poderemos usar esses polimorfismos para escolher qual deles é o mais indicado para ceder os tecidos", diz Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, um dos coordenadores da equipe binacional envolvida no trabalho.
Medula normal com diversidade de células ...
dula do doador para produzir novas células de defesa contra as infecções. Num primeiro momento, a fabricação de glóbulos brancos pela nova medula ainda é reduzida. "Nessa fase, qualquer pequena variação na produção de leucócitos, como a provocada por esse polimorfismo, pode ser crucial para o transplantado", comenta Zago. "No futuro, talvez possamos desenvolver antibióticos que estimulem o gene da MPO", afirma o principal autor do estudo, Vanderson Rocha,médico brasileiro que trabalha no Hospital Saint Louis.
Efeito protetor - A mutação no gene da MPO foi, sem dúvida, a de maior repercussão clínica para o transRiscos menores - Publicado plantado. Isso não quer dizer na edição de 1 de dezembro que os demais polirnorfismos da revistaBlood, o estudo mosestudados não tenham se tra que a utilização da medumostrado úteis para antever la de um doador que carrepossíveis problemas com o gue a mais perigosa das 12 paciente que recebe uma memutações - que afeta os níveis de produção da enzirna dula de terceiros. Ao contrámieloperoxidase (MPO), aurio. Pelo menos outros três ... precursoras do sangue, que se perde na leucemia xiliar do sistema de defesa no SNPs forneceram dados recombate a bactérias - acarlevantes. Os pesquisadores constataram que um deterreta um risco extra para o reminado polimorfismo, presente no ceptor do tecido. Nesse caso, o emprego soas apresenta a base nitrogenada guanina (G) nesse local, os que carregam o gene IL-1Ra de alguns doadores, tem de uma medula com tal polimorfismo polimorfismo têm a base nitrogenada um efeito negativo sobre o transplandobra as probabilidades de o transplanadenina (A). Do ponto de vista funciotado ser alvo de infecções causadas por tado: a mutação aumenta o risco de nal, esse SNP provoca uma redução na bactérias. "A maior propensão a esse ocorrer a forma mais grave e aguda produção da mieloperoxidase.Responsáda doença do enxerto contra o hostipo de problema no pós-operatório auvel pelo combate de infecçõesde origem pedeiro, uma espécie de rejeição enmenta as chances de morte nos primeibacteriana, essa enzirna normalmente se ros meses após o transplante", afirma tre a medula do doador e o corpo que encontra em grandes quantidades nos a recebeu. "Descobrimos também que Zago.De acordo com os dados do trabaleucócitos, as células brancas de defesa lho, que analisou a recuperação de 107 um outro polimorfismo está associado transplantados franceses, vítimas de do organismo. Em pessoas sadias, o poà pega mais rápida da medula transleucemiamielóide aguda ou crônica (forlimorfismo, embora igualmente dimiplantada", comenta Rocha. Trata-se de mas de câncer no sangue), o risco de nua a fabricação da mieloperoxidase, um SNP encontrado no gene FcyRIIIb não provoca maiores repercussões clíde certos doadores, cuja ação benéfica haver infecção bacteriana nas pessoas que receberam medulas de indivíduos nicas. Nos pacientes à espera de um consiste em aumentar a velocidade de transplante, fragilizados do ponto de com alterações no gene da mieloperorecuperação dos neutrófilos, um tipo xidase foi de 39,5%. A incidência desse vista imunológico, o recebimento da de célula branca do sangue especialimedula de um doador com tal SNP tortipo de complicação caiu para 20,3% zada no combate a infecções bacteriana-os mais vulneráveis à ação de bacténas por meio da ingestão do agente entre os transplantados que acolheram agressor (fagocitose). Os cientistas vitecidos provenientes de doadores sem o rias. Isso ocorre porque, na preparação polimorfismo. para o transplante, os médicos submeram ainda que transplantados com uma alteração em seu gene IL-lO tiEm nível molecular, a mutação contem os doentes à quimioterapia, que siste na troca de um nucleotídeo num destrói a medula óssea e os leucócitos nham maior probabilidade de desentrecho do gene MPO, na posição de núdo enfermo. Logo após a cirurgia, os volver a forma crônica da doença do mero 463: enquanto a maioria das pespacientes dependem totalmente da meenxerto contra o hospedeiro. • 0
PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 43
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velmente esclarecido o papel dos genes XP: são comprovadamente essenciais para a célula consertar o DNA lesado e adquirir resistência à luz ultravioleta. Atuam também como protagonistas em vários mecanismos de conserto de DNA. ém disso, os estudos do laboratório de reparo de DNA dão suporte para pesquisas em outras áreas por revelarem nuances do funcionamento da apoptose. Em um artigo publicado também em outubro na Cell Death and Differentiation, Menck e outra pesquisadora do ICB, Vanessa Chiganças, associaram - provavelmente pela primeira vez - a apoptose a tipos de lesões específicas no DNA. Os defeitos provocados pela luz ultravioleta impedem a leitura correta dessa molécula por outra, o RNA (ácido ribonucléico), nas etapas preliminares do processo de produção das proteínas que formam qualquer ser vivo - e a célula que não consegue ler o DNA para transformá-lo em RNA entra em processo de morte celular. "Os genes XP são importantes no processo de sinalização que leva à apoptose", diz Menck.
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Protetor solar - Os resultados que a equipe de Menck vem obtendo podem também ajudar, ainda que demore um pouco, as pessoas que têm pele clara e sonham em ir à praia sem se preocupar com o sol. Além do XP, a equipe do ICB trabalha com o gene que contém a receita de produção da fotoliase, outra enzima que repara os danos causados no DNA pela luz ultravioleta. É um gene 46 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
A chegada: adenovírus leva gene XPA com proteína fi uorescente a um grupo de células com xeroderma
comum em bactérias, plantas, insetos e peixes, mas raro entre os mamíferos: , ocorre apenas nos marsupiais (sem placenta), mas não nos placentários, o grupo de que faz parte a espécie humana. "Um gene que não temos mais resolve um problema que ainda temos", diz Menck. Segundo o pesquisador, o gene da fotoliase perdeu-se há cerca de 170 milhões de anos do genoma, durante o processo evolutivo que levaria aos seres humanos. Vanessa conseguiu implantar um gene de fotoliase retirado de um marsupial- um canguru rato (Potorous tridactylus) - em células humanas normais. Depois, expôs as células a uma intensa irradiação de luz ultravioleta e em seguida à luz visível para ativar a fotoliase. Poucas morreram, numa indicação de que conseguiram um mecanismo extra de desfazer e de evitar os danos causados pela radiação, conforme relatado
em maio de 2000 na prestigiosa revista Cancer Reseach. Agora, a equipe de Menck está nas etapas finais da produção de um adenovírus carregando o gene da fotoliase. Se esse vetor funcionar em culturas de células in vitro, poderão ser testados in vivo, infectando camundongos, de forma similar ao que será feito por Maria Carolina nos Estados Unidos com adenovírus e os genes XP. Os camundongos poderiam assim ganhar uma proteção extra contra a radiação solar. Ainda que não seja fácil, a tarefa não parece impossível, pois os grupos de Ian Hoeijmakers e Gijsbertus van der Horst, da Universidade Erasmus de Roterdã, na Holanda, obtiveram camundongos transgênicos que produzem a fotoliase nas células do corpo inteiro, reforçando a capacidade do DNA de se consertar - foi esse o trabalho que Menck analisou em duas páginas na Nature Genetics de novembro. Dessa
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conserto: gene XPA migra para o núcleo (região
centreli, reconhece a lesão Undicada pela seta)
e corrige o DNA
vez, porém, não se trata mais de corrigir uma deficiência genética, mas de reforçar um mecanismo de reparo das células. Ao submeter os camundongos transgênicos com as costas depiladas a . doses intensas de radiação ultravioleta e à luz visível, os holandeses verificaram que os animais não desenvolviam as feridas nem as queimaduras na pele, características das pessoas inadvertidamente expostas à insolação intensa. Em vista dos resultados, toma forma a idéia de um protetor solar à base de foto lias e, a ser usado na forma de creme tanto por pessoas comuns - sobretudo as de pele clara, que sofrem mais no verão - quanto pelos portadores de xeroderma pigmentosum, que assim poderiam se esconder menos do sol. Mas isso não é para tão cedo. Cauteloso, Menck comenta: "Por enquanto, eu preferiria os protetores químicos, que ainda são mais seguros".
Num outro experimento mais recente, o grupo de Menck está usando os vetores adenovírus como uma estratégia para acompanhar, passo a passo, o conserto da molécula de DNA. Os pesquisadores da USP montaram um adenovírus com um gene de reparo (fotoliase ou XP) e adicionaram uma espécie de cauda, um gene que leva à
o PROJETO Reparo de DNA e Conseqüências Biológicas MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR CARLOS FREDERICO MARTINS MENCK - ICB/USP INVESTIMENTO
R$ 818.618,78
produção de uma proteína verde fluorescente, a GFP (do inglês Green Fluorescent Protein). Com essa estrutura, observam os genes, agora verdes, migrando para o núcleo da célula e pondo o DNA em ordem. Mais elegante e prático que a técnica em uso, esse método já indicou que proteínas XPA aparecem rapidamente, em menos de uma hora, para consertar o DNA sabe-se que as lesões levam algumas horas para serem removidas. "Abrimos excelentes perspectivas de trabalho, porque essa técnica pode ser aplicada em qualquer tipo de célula humana", afirma Menck. Os mecanismos de reparo de DNA que Menck estuda há tanto são comuns a animais e plantas - recentemente, a propósito, Keronninn de Lima, de seu grupo, descobriu na cana-de-açúcar o gene de uma fotoliase que age de modo diferente de todas as outras já conhecidas. Por serem extremamente bem conservados - quase imutáveis -, os genes de reparo contêm informações preciosas sobre a origem e a diferenciação dos seres vivos. Respondendo agora à pergunta do início deste relato, Menck acredita que os mecanismos de reparo de DNA surgiram antes mesmo do próprio DNA e prepararam as bases químicas para o surgimento da vida no planeta, há cerca de 3,8 bilhões de anos, a partir da molécula de RNA. Segundo ele, um DNA quebrado ou incompleto não conseguiria ir muito longe. Seria como um carro sem rodas: dificilmente teria originado até mesmo a primeira célula na Terra primitiva. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 47
• CIÊNCIA
BIOQUÍMICA
Pitomba contra as pragas Proteína extraída da semente do fruto elimina fungos e carunchos
itomba
não é apenas o fruto amarelado e doce da pitombeira (Talisia esculen_ ta), uma árvore de até 10 ~ metros de altura encontrada nas regiões Norte e Nordeste. De origem tupi, a palavra significa também bofetada, sopapo ou chute forte. De certo modo, foi justamente uma pitomba que a bioquímica Maria Lígia Macedo, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), em Três Lagoas, deu nos fungos e nos besouros conhecidos como carunchos que atacam as variedades de feijão mais consumidas no Brasil e na África subsaariana e, em períodos de infestação intensa, podem causar a perda total dos grãos de feijão, soja e milho estocados. 48 . DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
Da semente desse fruto do tamanho de uma azeitona, Maria Lígia extraiu uma proteína - especificamente, uma lectina - que reduziu em 60% o crescimento de duas espécies de fungos e matou quase a totalidade dos besouros que danificam tanto as plantas quanto os grãos armazenados. Se os testes em campo comprovarem a eficácia obtida em laboratório, essa molécula pode se tornar uma opção no combate a essas pragas e substituir os defensivos agrícolas, que são tóxicos para animais e seres humanos. A lectina da pitomba, também conhecida pela sigla TEL, de Talisia esculenta lectin, mostrou-se versátil ao inibir o desenvolvimento de fungos de ampla ação: age contra o Fusarium oxysporum, que ataca também as folhas de
cana-de-açúcar e café, e contra o Colletotrichum lindemuthianum, causador da antracnose, doença comum na agricultura que provoca, por exemplo, as manchas escuras na manga. Foi eficaz também contra as larvas de duas espécies de besouros que deixam os grãos de feijão mais furados que um queijo suíço: o Callosobruchus maculatus e o Zabrotes subfasciatus. Ambos atacam não só a ervilha, uma leguminosa de consumo modesto no país, mas também o feijão, uma das principais fontes de proteínas e carboidratos no Brasil. Maria Lígia e os pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) ainda não sabem ao certo como a lectina
funciona contra os fungos ou carunchos. Suspeitam que essa proteína impeça o crescimento desses organismos ao se combinar com outra molécula chamada quitina, principal componente de sua parede celular dos fungos. Ao reagir com a qui tina, a TEL causaria alterações que inviabilizam o crescimento das hifas - as ramificações encontradas na maioria dos fungos. No caso dos insetos, parece inibir a ação de enzimas digestivas que contêm açúcar em sua composição e se ligar a uma estrutura semelhante a uma membrana - conhecida como estrutura peritrófica, que recobre internamente o intestino desses insetos e é rica em quitina -, causando um desequilíbrio na absorção de nutrientes.
linhas que comem o caroço da pitomba sempre morrem. O dito popular não inspirou nenhuma investigação mais aprofundada nessa área, mas abriu outro caminho: em colaboração com a equipe de Sérgio Marangoni, do Instituto de Biologia da Unicamp, a pesquisadora purificou e caracterizou a lectina da pitomba, num trabalho fei-
Callosobruchus maculatus, a principal pra-
ga do feijão-de-corda, muito consumido no Nordeste e na África subsaariana. A proteína também apresentou um efeito inédito para uma lectina vegetal, que normalmente serve como nutriente no processo de germinação da semente: matou as larvas do Zabrotes subfasciatus, que, além do feijão-de-corda, ataca outro tipo de feijão muito mais comum, o carioquinha
Plantas distantes - A
TEL apresenta uma seqüência de cerca de 20 aminoácidos (os blocos componentes das proteínas) semelhante à de um composto extraído do arroz, o inibido r da alfa-amilase, que participa do mecanismo de defesa das plantas por atuar sobre uma das enzimas digestivas dos insetos, a alfa-amilase. A partir dessa pista, Maria Lígia decidiu avaliara ação da lectina da pitomba contra os carunchos porque outras lectinas já conhecidas - extraídas da ervilha, do germe de trigo, da urtiga e da batata - atuavam contra o Callosobruchus, mas não exibiam efeito tóxico contra o Zabrotes. A TEL representou uma alternativa promissora por pertencer a uma família de plantas (as sapindáceas) distante das leguminosas do ponto de vista genético e evolutivo. "Como os carunchos não haviam tido contato com a proteína da pitomba, existia a possibilidade de a lectina funcionar': comenta Maria Lígia, que conhecia as sementes da pitombeira desde sua infância, em Fortaleza, quando ouvia com freqüência as pessoas afirmarem que ga-
mistura de massa de feijão-de-corda (Vigna unguiculata) e lectina de pitomba em concentrações variáveis (de 0,5% a 2%). Após a eclosão dos ovos, 90% das larvas que consumiram o falso feijão contendo uma concentração de 2% de TEL morreram, como atesta um estudo publicado na Biochimica et Biophysica Acta de agosto. O mais surpreendente foi que a lectina da pitomba eliminou não apenas as larvas do
(Phaseolus vulgaris).
Safra reduzida: feijões devorados pelas larvas do Zabrotes. À esquerda, o inseto adulto
to com financiamento da Fundação de Apoio e de Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect). Ao mesmo tempo, Maria Lígia testou in vitro a interação entre a nova lectina e as enzimas digestivas das larvas desses carunchos e constatou que a TEL não sofre ação delas: por não ser digerida, parece se acumular no intestino dos insetos, causando uma espécie de indigestão. Avaliou ainda a eficácia da lectina da pitomba no combate às larvas que se alimentam dos grãos os besouros adultos apenas se reproduzem sobre os feijões. A equipe da pesquisadora colocou fêmeas das duas espécies de caruncho para depositar ovos sobre sementes artificiais, feitas com um cápsula gelatinosa com uma
A equipe sul-mato-grossense pretende experimentar em breve a pulverização de extrato de lectina da pitomba em culturas de milho e soja, alternativa mais acessível para pequenas lavouras, e avaliar a ação da TEL contra outro caruncho do feijão, o Acanthoscelides obtectus, e as lagartas de três mariposas: a Spodoptera frugiperda, predadora do milho; a Diatrea saccharalis, que ataca a cana; e a Anticarsia gemmatalis, que danifica as folhas da soja. Maria Lígia considera também a possibilidade de produzir plantas geneticamente modificadas capazes de expressar a lectina da pitomba em níveis que combatam os insetos - não seria preciso muito, já que a proteína funcionou numa concentração considerada mais baixa (2%) que a produzida naturalmente pelas plantas (de 2% a 10%). "Essa seria uma alternativa para grandes plantações", comenta a bioquímica. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 49
• CIÊNCIA
FITOQUÍMICA
Extração alternativa Pesquisa no Vale do Ribeira indica novas formas de aproveitar as plantas medicinais da Mata Atlântica
esquisadores paulistas e catarinenses descobriram novas formas de explorar as plantas medicinais e, assim, contribuíram para evitar o desaparecimento de algumas espécies, como resultado de um amplo estudo realizado durante quatro anos na Mata Atlântica do Vale do Ribeira, sudeste paulista. Apoiados tanto em entrevistas com moradores como em análises químicas e testes em animais de laboratório, eles demonstraram que três plantas podem ser usadas no lugar da espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) alvo de uma coleta predatória iniciada há 20 anos, quando a Central de Medicamentos (Cerne), um órgão hoje extinto do Ministério da Saúde, atestou a eficácia dessa espécie contra úlcera, gastrite, indigestão e artrite, como parte de um programa de pesquisas de plantas medicinais brasileiras. Os cientistas das universidades Estadual Paulista (Unesp) e Federal de Santa Catarina (UFSC) mostraram também que uma trepadeira conhecida como taiuiá (Wilbrandia ebracteata) pode ser empregada para tratar úlceras e problemas digestivos, como já sabiam os moradores da região. A taiuiá é da mesma família que o chuchu (Sechium edule) - tem uma folhagem parecida, com folhas palmadas, e gavinhas, extensões que parecem molas e fixam a planta sobre outras. No entanto, diferentemente do que pensavam os habitantes do Vale do Ribeira, a melhor parte da planta a ser explorada não é a raiz - na verdade um tipo de caule diferenciado chamado rizoma -,
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que apresenta efeitos tóxicos, mas a folha, que tem a mesma ação farmacológica sem toxicidade, como mostraram os testes de laboratório. ''A venda do rizoma elimina a planta, enquanto a da folha, não': afirma Luiz Claudio Di Stasi, do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu. "Sugerimos novas formas de exploração econômica e colaboramos para a conservação dessa espécie." Coletores e benzedeiras - Ao lado de Maurício Sedrez dos Reis, do Centro de Ciências Agrárias da UFSC, Di Stasi coordenou dez biólogos e oito agrônomos que, entre 1996 e 2000, entrevistaram 200 moradores de três cidades do Vale do Ribeira (Eldorado, Sete Barras e Jacupiranga) envolvidos de algum modo com as plantas medicinais eram usuários, coletores ou benzedeiras, que viviam havia dez anos na região. Como resultado, os pesquisadores publicaram na edição de março-abril da revista Phytomedicine as evidências da segurança de usar extratos de folhas e os riscos de usar os de raízes de taiuiá. Também em março, na revista Fitoterapia, apresentaram um levantamento preliminar de 290 remédios feitos com 114 espécies de plantas e indicados para 628 usos medicinais. No livro Plantas Medicinais na Amazônia e na Mata Atlântica, que deve sair este mês pela Editora da Unesp, Di Stasi e Clélia Hiruma-Lima, também de Botucatu, comparam a diversidade das plantas dos dois ecossistemas e mostram as similaridades entre os usos populares. Já a comprovação de que três plantas estudadas - Maytenus aquifolium,
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Sorocea bomplandii e Zolernia ilicifolia - podem substituir a espinheira-santa verdadeira, por exibirem ação farrnacológica similar, foi publicada na edição de novembro-dezembro de 2001 do Iournal of Ethnopharmacology. Chamadas de adulterantes da espinheira-santa, embora popularmente tenham o mesmo nome da planta com que se confundem, essas espécies também são árvores com folhas pontiagudas e bordas serreadas. Só na época da flor ação, que ocorre uma vez por ano, é possível distinguir as espécies. As análises químicas e os testes com camundongos sugerem que a ação contra lesões gástricas das adulterantes da espinheira-santa decorra da existência das substâncias mais comuns nessas espécies, como os flavanóides, provavelmente por aumentar os fatores de proteção do organismo ou a atividade antioxidante.
"Testamos uma estratégia de ação sobre o ecossistema da Mata Atlântica para estudar produtos da floresta potencialmente úteis como medicamentos e associar o interesse de melhorar a qualidade de vida da população do Vale do Ribeira e conservar o ambiente", diz Di Stasi, que trabalha na região desde 1986. Os pesquisadores desenvolveram uma abordagem abrangente, que começou com as entrevistas com os habitantes locais, passou pelos testes farmacológicos, toxicológicos e de controle de qualidade, e seguiu até o impacto da exploração desses recursos sobre a Mata Atlântica, com indicações de estratégia de manejo sustentável e de exploração racional dos recursos naturais. Pimenta contra úlcera - Após catalogarem o conhecimento dos moradores do Vale do Ribeira, a partir de indicações de plantas de uso popular e valor comercial, os pesquisadores selecionaram dez espécies com atividade contra úlceras mais elevada que doses equivalentes de cimetidina, omeprazol e carbenoxolona - os fármacos mais usados no tratamento de lesões do aparelho digestivo. No seu pós-doutoramento, feito com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na Faculdade de Farmácia da Universidade de Granada, na Espanha, Di Stasi cuida da caracterização farmacológica de substâncias naturais, como os flavanóides e a paepalantina, sobre o trato digestivo, em colaboração com Wagner Vilegas, do Instituto de Química da Unesp de
Espinheira-santa: risco de extinção menor com exploração de três espécies com ação similar
o PROJETO Estudo Etnofarmacológico na Floresta Tropical Atlântica (SPJ e Triagem Farmacoquímica de Espécies Nativas com Atividade Analgésica e Antiulcerogênica MODALIDADE
Programa de Apoio a Jovem Pesqu isador COORDENADOR LUIZ CLAUDIO DI STASI - Unesp INVESTIMENTO
R$ 67.048,93
Araraquara, que analisa as plantas do ponto de vista químico. Entre as espécies estudadas desponta um grupo de pimentas da família das piperáceas, que, além da ação farrnacológica com acentuada atividade analgésica comprovada em laboratório, representa uma alternativa de exploração da Mata Atlântica, por conter óleos essenciais úteis para a indústria de cosméticos e de alimentos. Os estudos estão mais adiantados com a pariparoba (Piper cernuum), da qual já se conhece a composição química básica, a ação farmacológica
e o ciclo biológico (como cresce e se reproduz), incluindo a melhor época de coleta - informação essencial para o manejo sustentado da espécie na floresta. "O uso múltiplo dos recursos florestais", comenta Di Stasi, "permite a redução da exploração de determinadas espécies, como o palmiteiro e a espinheira-santa, reduz os riscos de extinção e de desequilíbrio ambiental, ao mesmo tempo em que garante a exploração sustentável dos recursos florestais pelos habitantes da região': Para as prefeituras e as organizações locais, como a Associaçãodos Extratores e Produtores de Plantas Medicinais do Vale do Ribeira (Aepam), os pesquisadores elaboraram o laudo de padronização dos extratos das plantas, com a caracterização química e física de cada espécie e dos testes em animais de laboratório, que indicam as atividades benéficas e os limites de toxicidade. Di Stasi ressalta: "Sempre procuramos tornar os resultados de nosso trabalho úteis localmente". •
Num estudo semelhante, realizado em 1999com balões que sobrevoaram os estados de Iowa e Texas(EUA)tentou-se fazer essa análise, mas sem sucesso, segundo o físico norte-americano Robert Holzworth, da Universidadede Washington e um dos coordenadores do estudo atual, financiado pela FAPESP e pela National ScienceFoundation (NSF), dos Estados Unidos. "Os balões ficaram a mais de 300 quilômetros dos sprites. A essadistância é impossívelfazeras medições que pretendemos realizar", comenta Holzworth, que esteve no Rio de Janeiro no início de novembro durante o 3° Workshop Brasileiro de Eletricidade Atmosférica (WAE), organizado pelo Grupo de Eletricidade Atmosférica do Inpe. Se tudo correr bem, os balões darão pistas para reforçar as teorias que procuram explicar como os sprites se formam e permitirão descobrir se esses flashes de luz, que surgem durante grandes tempestades, têm características diferentes nos trópicos, onde ocorrem 70% dos temporais. Atualmente, os estudos sobre esses efeitos luminosos se concentram nos Estados Unidos por um motivo simples: nove de cada dez sprites aparecem sobre o território norte-americano, especificamente no centro-oeste do país, embora astronautas em ônibus espaciais tenham detectado essas descargas elétricas em outras regiões do planeta - inclusive perto de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em 1994. Aviões
e mísseis
- Além de trazer
avanços teóricos, conhecer em detalhe as características dessas descargas elétricas pode influenciar, no futuro, a aviação comercial caso os vôos hipersônicos se tornem realidade, segundo Pinto Iúnior, Hoje os aviões civis viajam a cerca de 10 quilômetros de altitude e a 900 quilômetros por hora. Com aviões hipersônicos, pretende-se atingir velocidades dez vezes mais altas, mas, para isso as aeronaves teriam de voar a 20 quilômetros do solo. Isso se torna importante, uma vez que observa54 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
África Central, sul do Brasil e Indonésia (em preto e vermelho escuro) são as regiões do planeta com maior incidência de raios, enquanto os oceanos são as menos atingidas (em azul-escuro e violeta)
Sorites, flashes de luz que se formam a mais de 50 quilômetros do solo durante tempestades: origem incerta
ções recentes, feitas com câmeras mais sensíveis, indicam que os sprites ocorrem também - com intensidade menor, é verdade - em camadas muito mais baixas da atmosfera, a altitudes inferiores a 30 quilômetros, pouco acima das tempestades. Segundo o pesquisador do Inpe, o estudo do fenômeno desperta ainda interesse militar, principalmente nos Estados Unidos, pois se acredita que a radiação emitida pelos sprites seja semelhante à de mísseis nucleares. Previstos em 1925 pelo físico escocês Charles Rees Wilson (1869-1959), que recebeu o Nobel em física em 1927,
esses fenômenos são considerados recentes: a equipe do pesquisador aposentado IackWinkler filmou um sprite pela primeira vez apenas em 1988, durante uma noite sem luar no Estado de Minnesota (EUA). Publicados no início dos anos 90, os primeiros artigos científicos ainda não ligavam esses fenômenos aos relâmpagos. Desse modo, a variedade de formas e de estruturas - colunas ou águas-vivas, que atingem até 30 quilômetros de altura e 40 quilômetros de extensão - determinou a escolha de um nome sem nenhuma associação física. Hoje já se sabe que os sprites geralmente aparecem quando ocorre uma tempestade de grande porte, associados a relâmpagos que partem da nuvem para o solo. Um dos modelos teóricos atuais sugere que os sprites decorrem do campo elétrico gerado entre os dois pólos
que se formam dentro de uma nuvem de tempestade - o positivo, próximo ao topo da nuvem, e o negativo, na base - e a conseqüente ionização da camada isolante, formada logo acima da nuvem. Quando ocorre um raio positivo, esse pólo é temporariamente esvaziado e, como conseqüência, as cargas restantes geram um campo elétrico na mesosfera - eis o sprite. Mas pode não ser assim. Se o campo elétrico sozinho não for capaz de gerar a ionização e criar o fenômeno, ganha for- . ça o outro modelo, segundo o qual o campo elétrico apenas aceleraria elétrons oriundos dos raios cósmicos, que então ionizariam o meio e criariam o sprite. Caso os experimentos com os balões detectem a emissão de raios X, ganhará força esta última hipótese, já que esses elétrons emitem essa forma de radiação quando freados pela atmosfera. Calor e poluição - O encontro no Rio de Janeiro não se restringiu aos sprites. Cerca de 200 físicos e engenheiros discutiram ainda outro fenômeno para o qual não há respostas claras: a incidência de raios dez vezes maior sobre os continentes do que sobre os oceanos, conforme os levantamentos
feitos nos últimos anos com auxílio do satélite Tropical Rainfall Measuring Mission (TRMM), da Nasa, a agência espacial norte-americana. Há outra coisa intrigante: formam-se duas vezes mais raios sobre as cidades do que sobre as áreas desertas, de acordo com levantamentos recentes realizados por centros distintos, como o Inpe e a Universidade do Texas.Duas hipóteses tentam explicar essas diferenças: a poluição ou o perfil de temperatura e umidade da atmosfera. mbora não exista consenso' os indícios sugerem que a maior umidade sobre os oceanos seja responsável pela menor ocorrência de raios, enquanto a maior capacidade de retenção de calor dos solos - principalmente nos centros urbanos com mais de 100 mil habitantes, onde há concentração de asfalto e concreto - favoreceria a formação de correntes de ar quente ascendentes, as termais, responsáveis por conduzir vapor d'água para a mesosfera, onde se condensa em nuvens eletricamente carregadas sobre os continentes, onde se originam os raios. A equipe do Inpe, após cruzar as informações dos satélites com dados de
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sensores de raios instalados em solo, produziu o primeiro mapeamento rigoroso de descargas elétricas que atingem o solo no Brasil. Esse novo mapa, segundo Pinto Iúnior, poderá substituir o atualmente adotado pelas normas brasileiras de proteção contra descargas elétricas (NBR 5419),feito com precisão bem menor: um observador anotava somente os trovões que ouvia durante uma tempestade, o que não corresponde ao número de raios que efetivamente caíam na região. Apresentado pela primeira vez no evento do Rio, o novo mapa coloca o Brasilcomo um dos campeões mundiais de ocorrência total de raios por ano. Calcula-se que entre 50 milhões e 70 milhões de descargas elétricas atinjam o país anualmente - o dobro do total detectado nos Estados Unidos, um país de dimensões semelhantes. Mesmo no cômputo do número relativo de descargas elétricas por quilômetro quadrado por ano (raios/kmvano), o Brasil não fica muito atrás dos campeões, as nações centro-africanas, muito menores, mas onde a taxa de raios que caem no solo ultrapassa 20 raios/kmvano (veja mapa). Por aqui, esse índice atinge até 16 raios/kmi/ano, o que não é nada bom, por causar prejuízos anuais de até US$ 200 bilhões, além de 100 a 150 mortes. O trabalho traz outra novidade. Os mapas anteriores indicavam a Amazônia como a região do país onde ocorre a maior incidência de descargas elétricas por área durante o ano. Agora não mais. De acordo com o novo mapa, as áreas mais atingidas são o sul do Mato Grosso do Sul e a porção oeste do Rio Grande do Sul com índices de 16 raios/kmi/ano. Justamente para prevenir os danos causados pelas descargas elétricas, a equipe do Inpe desenvolveu nos três últimos anos um detector de relâmpagos. Com o tamanho de uma caixa de 40 centímetros, o equipamento, produzido e patenteado pela empresa Indeleth, financiadora de parte da pesquisa, dispara um alarme sonoro e visual quando detecta tempestades distantes até 60 km. Apresentado no encontro do Rio, começa a ser vendido este mês por R$ 1.500, metade do preço dos importados. Instalado em parques e indústrias, poderá ajudar a salvar vidas e reduzir acidentes. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 55
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lli
• CIÊNCIA
FÍSICA
Impureza valiosa Comportamento de átomos intrusos acena com novas aplicações para os materiais semicondutores
erepente, após ~álculos que tomaram OItO meses de trabalho até amadurecerem, o que parecia simplesmente uma impureza no interior de grupos de átomos se revelou claramente como um fenômeno óptico que poderá gerar chips (circuitos integrados) de computadores menores e mais rápidos que os atuais, capazes de processar informação em forma de corrente elétrica ou de luz. As descobertas realizadas pela equipe do físico Antonio Ferreira da Silva, pesquisador do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), representam também uma possibilidade de sobrevida para o silício, o material atualmente adotado nos chips e alvo de intensas pesquisas porque sua capacidade de compactação já se encontra próxima do limite físico. Por meio de modelos matemáticos, Silva demonstrou que o comportamento que parecia simples ruído aleatório as tais impurezas - em chips experimentais feitos com nitreto de gálio (GaN) e arseneto de gálio (GaAs) era na verdade um patamar de energia - ou, diriam os físicos, um padrão característico de freqüência de ondas - emitido por um aglomerado de três átomos de silício.
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Esses átomos, sozinhos ou juntos, é que formam as impurezas, adicionadas há décadas a semicondutores com a finalidade de aumentar a capacidade de transmissão da luz ou da corrente elétrica desses materiais. Os resultados, publicados em outubro na Applied Physics Letters, indicam que esse comportamento dos aglomerados de silício - muito mais organizado do que se imaginava - poderia ser utilizado para processar informações em níveis de energia bem específicos, ampliando as propriedades dos semicondutores. Silva e dois alunos, Iailton Souza de Almeida e Adriano Jesus da Silva, trabalharam com as equipes de Clas Persson, Rajeev Ahuja, da Universidade de Uppsala, e de Patrick Norman, da Universidade de Linkõping, ambas na Suécia, analisando os experimentos realizados no Naval Research Laboratory, nos Estados Unidos. Ali, no ano passado, os pesquisadores detectaram energias de cerca de 19 milielétrons- volts nos cristais de nitreto de gálio - e logo o consideraram como simples ruído, algo indesejável e sem importância. No final do ano passado, quando reavaliou os resultados, Silva teve a impressão de que não se tratavam, simplesmente, de ruídos. Experimentos posteriores, feitos no próprio
Naval Research Laboratory, comprovaram: o que haviam observado - e inicialmente desprezado - era um nível energético compatível com o que apareceria num aglomerado de três átomos de silício. Portanto, um cluster (aglomerado, em inglês), atuante em uma faixa do espectro eletromagnético correspondente ao infravermelho, que poderia ser manipulada para ler, armazenar e transmitir informação por meio da luz e da corrente elétrica. Material promissor - O nitreto de gálio e o arseneto de gálio, que constituem os chips em que esses fenômenos foram investigados, são materiais sintetizados em laboratório, diferentemente do silício, um mineral encontrado na natureza. Pesquisados sobretudo nos Estados Unidos e no Japão - no Brasil, há grupos também na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) -, esses materiais, principalmente o arseneto de gálio, já integram chips de aplicações especiais, fabricados por empresas como a norte-americana Lucent Technologies. Ainda não têm um preço tão acessível quanto o silício, mas são igualmente sernicondutores: como curingas do mundo físico-químico, apresentam um com-
misto quando estimulaportamento dos por uma corrente elétrica ou por luz, podendo tanto conduzir corrente elétrica quanto emitir luminosidade. ssa propriedade faz dos semicondutores os materiais ideais para a criação de dispositivos óptico-eletrónicos, como LEDs (diodos de emissão de luz), detetores e lasers, que se valem tanto dos elétrons, condutores da corrente elétrica, quanto dos fótons, as partículas luminosas, para processar informações. Além disso, os semicondutores podem ser operados à temperatura ambiente e emitem luz visívela região do espectro eletromagnético entre o vermelho e o violeta, captada naturalmente pelos olhos humanos. "Por isso", afirma Silva, "os semicondutores podem ser usados para criar praticamente qualquer tipo de dispositivo óptico-eletrônico." Mas os semicondutores também têm deficiências. A principal delas é que, para transmitir informação, precisam de uma energia de ativação relativamente alta (em torno de 3 elétrons-volts), três vezes maior que a do silício cristalino (puro). Nesse ponto é que entram os átomos de silício utilizados como impurezas, de modo a reduzir a energia necessária para iniciar a condução de luz ou corrente elétrica. A estrutura dos cristais de nitreto ou arseneto de gálio, gerada artificialmente em Iaboratório, é extremamente regular camada sobre camada de hexágonos ou cubos, com cerca de 1022 (o número 1 seguido de 22 zeros) átomos por centímetro cúbico. A quantidade de átomos de silício que entram como impurezas é bem menor que a do cristal (nitreto de gálio ou arseneto de gálio) propriamente dito, mas ainda assim astronômica: cerca de 1015 a 1018 por centímetro cúbico. "As impurezas ajudam a processar informação de forma rápida e com energia baixa, na casa dos milielétronsvolts", afirma Silva. Como o silício cristalino é um mau emissor de luz, a intenção, agora, é combinar o melhor dos dois mundos: resposta rápida, quando necessário, e as propriedades ópticas dos compostos de nitretos de gálio e arsenetos de gálio. O problema é que o silício pode não aparecer apenas como átomos iso-
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lados no meio da rede cristalina, mas também como clusters. Segundo Silva, é difícil saber como esses átomos juntos - que chegam a se comportar como uma molécula - influem nas propriedades ópticas e de condução elétrica de toda a rede cristalina. O trabalho de Silva com os suecos deixa mais clara a distinção entre o material puro e impuro ao estabelecer a diferença de absorção ou emissão de energia de cada tipo de material e, ao mesmo tempo, mostrar como os átomos se juntam em aglomerados. Saber como funcionam os clusters aumenta o controle sobre o processo de emissão de energia: dependendo da finalidade idealizada para o chips, o fabricante pode modular as propriedades do dispositivo a ser criado com o material semicondutor. "Poderiam ser criados chips de silício como os que são usados hoje, mas com áreas de nitreto de gálio, arseneto de gálio e mesmo de uma outra forma de silício - o poroso, que tem a superfície rugosa nas qUaIS a mformação luminosa também possa ser processada", sugere o físico. Segundo ele, o sistema misto - um dispositivo óptico e eletrônico - seria a princípio extremamente prático para amenizar o problema da miniaturização dos chips de silício: a capacidade de processamento de informação cresceria não mais por meio da redução dos componentes dos chips, como é a tendência atual, mas por meio da possibilidade de os materiais semicondutores processarem simultaneamente luz e corrente elétrica. Silva não pesquisa apenas compostos de gálio. Seu trabalho com luri Pepe, também da UFBA, resultou em artigos recém-aceitos na Physical Review B e [ournal of Applied Physics tratando das possibilidades de controle das propriedades de outros materiais de importância tecnolágica, como carbetos de silício ou iodeto de bismuto e antimônio, usados, por exemplo, em detectores de raios X ou infravermelhos. •
Chip de arseneto de gálio: impurezas ampliam capacidade de processamento de informações PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 57
ITECNOLOGIA
LINHA
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DE
PRODUÇÃO • Pesquisas básicas em nanoestruturas
v~u:t~~tégiapara o futuro
sileiro movido a célula a combustível começou a ser produzido no Centro Nacional de Referência em Energia do Hidrogênio (Ceneh) instalado no Instituto de Física (IF) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O projeto, aprovado em novembro, recebeu financiamento de R$ 400 mil do Ministério de Minas e Energia (MCT), dentro do Programa de Fomento a Projeto Aplicativo de Tecnologias de Energia Renovável. O veículo é uma van, derivada do protótipo anterior, chamado Vega, montado no Laboratório de Hidrogênio do IF em cima de um chassi de Kombi. Esse protótipo foi produzido para funcionar com motor elétrico, que retira energia de um motor gerador abastecido por hidrogênio acondicionado em cilindros. Agora, ele vai receber uma célula a combustível, dispositivo que funciona a hidrogênio e gera energia elétrica, deixando como resíduo apenas água pura. O hidrogênio tanto pode ser retirado de cilindros ou de outros combustíveis como o álcool (etanol), gasolina e gás natural. "A célula vai alimentar as baterias que acionam o motor elétrico", explica Ennio Peres da Silva, secretário executivo do Ceneh. O centro ainda não tem tecnologia suficiente para um protótipo de célula a
Protótipo movido a hidrogênio: programa para a célula
A HP Brasil firmou um convênio com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para desenvolvimento de projetos na área da tecnologia da informação. A pesquisa tem como foco o desenvolvimento de ferramentas teóricas e experimentais para compreender o potencial de armazenamento e processamento de dados em nanoestruturas. Esse estudo é um dos caminhos em direção à criação de chips e processadores capazes de armazenar e processar informações em áreas 1 milhão de vezes menores que o milímetro. Gilberto Medeiros Ribeiro, um dos pesquisadores do LNLS responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos, ressalta que "a empresa está muito interessada em pesquisa básica de nanoestruturas" •
• Tecnologia da Unesp em exposição
combustível. "Vamos comprar a célula de uma das duas empresas brasileiras que a desenvolvem (UniTech e Electrocel1, empresas que recebem financiamento da FAPESP) ou importar o equipamento." O domínio dessa tecnologia, que também pode fornecer energia elétrica em estações estacionárias, está em desenvolvimento em vários países. É um assunto considerado estratégico em termos energéticos para o futuro. Nesse
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sentido, o Ministério da Ciência e Tecnologia instituiu em novembro o Programa Brasileiro de Sistemas de Célula a Combustível, que vai agregar instituições de pesquisa e empresas. Ainda neste ano, o programa vai contar com R$ 10 milhões em recursos dos fundos setoriais do petróleo, energia e infra-estrutura. Segundo o MCT, o investimento mundial em célulasa combustível, no próximo ano, será da ordem de US$ 590 milhões .•
Incentivar a interação entre a universidade e os meios de produção. Esse foi o objetivo da Mostra de Tecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), realizada entre 28 e 30 de outubro, em São Paulo. "Abrimos as portas da universidade para o setor produtivo", disse o professor Marcos Macari, pró-reitor de pós-graduação e pesquisa da Unesp. "Queremos estabelecer parcerias e ter mais interação com a iniciativa privada." Foram 161 projetos de pesquisa mostrados em pôsteres que mobilizaram todas as unidades da universidade e
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• Reaproveitamento total de embalagens Embalagens de alimentos, remédios, chocolates e do tipo longa vida de bebidas podem ser totalmente recidadas com um novo processo, baseado em uma solução química, desenvolvido pelo Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar). A tecnologia, resultado de dois anos de estudo, está sendo aplicada desde outubro na Usina das Faculdades de Tecnologia (Fatecs) agregadas à Unesp. "Mostramos não só inovações de cunho industrial, mas também projetos nas áreas de saúde e de humanas': lembra Macari. A mostra também teve um concurso que elegeu o melhor projeto. O primeiro lugar ficou com os professores Arthur Vieira Netto e João Romeiro, ambos da Fatec de Sorocaba. Eles desenvolveram uma prótese mecânica de articulação para o joelho, que pode ser produzida a baixo custo. •
• Apiários mais produtivos Um sistema composto por quatro colméias interconectadas, com suas respectivas rainhas, resultou em uma produção de mel 40% superior, em comparação com colméias isoladas. Os testes para aumentar a produtividade de apiários foram iniciados em 1998 por Antônio José Balloni, pesquisador do Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra) e criador de Apis mellifera em Conchal (SP). Segundo Balloni, inicialmente as colméias devem ser colocadas em torno de 1 metro de distância uma das outras, para a abelha poder fazer o reconhecimento geográfico do novo local. Os alvados (portas das colméias) devem estar apontados para a
mesma direção. Três dias depois, a distância é reduzida para cerca de 50 centímetros, e no décimo dia, as colméias são encostadas. Mas, antes de encostá-Ias, é preciso pôr, em cima de cada uma, uma tela excluidora, que permite apenas a passagem da abelha operária. Por cima dessa tela deve ser colocada, no início da florada, uma melgueira para a abelha começar a colher o mel, e na semana seguinte outra intersecionando cada melgueira, para "misturar" as colméias. Balloni diz que também é preciso estabelecer padrões visuais com tintas ou objetos na entrada de cada alvado para que as abelhas reconheçam a sua colméia. O site www.whb.com.br/apiario traz detalhes da pesquisa. •
ra que a solução possa penetrar nas camadas de alumínio, papel e plástico que a compõem e a separação ocorra rapidamente. "Trabalhamos com qualquer produto que tenha em sua composição alumínio, plástico ou papel, em qualquer uma dessas combinações", conta Alexandre Akira Takamatsu, coordenador da pesquisa e da Rede Paranaense de Projetos em Desenvolvimento Sustentável, do Tecpar. •
Película plástica evita transmissão de gripe aos usuários
de Recidagem Total de Embalagens Laminadas, unidade demonstrativa instalada em Curitiba. Çom isso, um antigo problema ambiental começa a ter solução. O processo de reciclagem tem início com a perfuração da embalagem em vários pontos, pa-
Processo químico separa alumínio, papel e plástico
• Telefones públicos protegidos Uma película-à base de PVC é a nova arma para proteger telefones públicos da contaminação por microrganismos, como bactérias e germes. A invenção, que já teve a patente pedida, surgiu de uma pesquisa realizada por cinco professores do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) do Maranhão. "Inicialmente, trabalhamos com sucesso em um esterilizador para ser adaptado em telefones convencionais. Depois, surgiu a idéia de desenvolver um dispositivo protetor para os orelhões", relata a microbiologista Silvana Bastos Batista. Foram feitas perfurações para passagem do som e tratamento químico para esterilizar a película, que dura 30 dias. Após esse prazo, deve ser substituída. •
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Sensor com tecnologia nacional Um sensor infravermelho passivo de detecção de movimento, desenvolvido para aplicações em segurança eletrônica doméstica e empresarial, recebeu o Prêmio Peão da Tecnologia 2002, concedido anualmente pela Fundação Parque de Alta Tecnologia (ParqTec), de São Carlos. "O senso r foi totalmente desenvolvido aqui na empresa. A última etapa foi a fabricação, com tecnologia própria, das múltiplas lentes de Fresnel utilizadas nesse tipo de sensor", relata Giuseppe Antonio Cirino, um dos participantes do grupo de pesquisa premiado na categoria Pessoa Física,
Lente obtida por injeção termoplástica e circuito eletrônico
composto por engenheiros e técnicos do Grupo PPA, sediado em Garça (SP), e pelo
professor Luiz Gonçalves Neto, do Departamento de Engenharia Elétrica da Esco-
10 milhões de vezes maior e abriu o caminho para as tão sonhadas superbaterias. •
• Gestão tecnológica em Minas Gerais
• No caminho das superbaterias Pesquisadores do Massachusetts Institute of Technology (MIT) conseguiram transformar o ferrofosfato de lítio - material relativamente comum na natureza - em matéria-prima para a próxima geração de baterias recarregáveis para carros elétricos e outros aparelhos. Durante anos, os cientistas vislumbraram no ferrofosfato de lítio um potencial para substituir as caras e limitadas baterias à base
de lítio, cobalto e oxigeruo. Mas não conseguiam resolver o problema da baixa condutividade do material. A equipe liderada por Yet-Ming Chiang, professor de ciência de materiais e engenharia do MIT, encontrou a solução. Em vez de revestir o material original com camadas de condutor metálico, eles preferiram infiltrá-lo com pequenas quantidades de metal, dando origem a um processo que alterou as propriedades químicas do composto. Isso fez surgir uma condutividade
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Seis empresas querem desenvolver, fabricar e comercializar a vacina sintética para controle de carrapatos em bovinos, desenvolvida por Joaquim Patarroyos, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Eles atenderam ao edital de pré-qualificação do Escritório de Gestão Tecnológica da Fapemig e apresentaram propostas que serão analisadas por uma comissão. •
• Parcerias acadêmicas A Embraer assinou, em novembro, mais duas parcerias
Ia de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). As múltiplas lentes de Fresnel têm como função focalizar no fotodetector a radiação infravermelha emitida pelo calor do corpo humano. O processo de desenvolvimento dos moldes das lentes do produto teve como base uma lente mas ter projetada e fabricada em polímero. "A partir daí foi feito um molde em níquel, pelo processo de eletrodeposição, que passou a ter a função de matriz", conta Cirino. Durante a pesquisa, vários polímeros foram testados e desenvolvidos, até chegar ao mais ade-
com universidades para a formação de engenheiros especializados em aeronáutica. Em uma delas, com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os alunos aprenderão a trabalhar com software e hardware de aviões. A outra, com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), visa ao desenvolvimento de projetos em várias especialidades aeronáuticas. Os convênios foram acertados no âmbito do
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br quado para a fabricação da lente. O trabalho de caracterização dos materiais foi realizado com o apoio do Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da USP. O Grupo PPAestá fazendo os últimos ajustes no processo de injeção termoplástica do produto, que deverá ser fabricado em escala industrial no início de 2003. A nacionalização desse componente do senso r garante apenas uma pequena economia, mas proporciona uma posição estratégica à empresa para o desenvolvimento de novos sensores. •
Programa de Especialização em Engenharia. Outras seis parceriasjá haviam sido estabelecidas: com o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) , Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e universidades federais do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Norte e Pernambuco. •
Embraer estimula especialização aeronáutica
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em parceria com a Navcon. Título: Sman - Sistema Modular de Atitude e Navegação Inventor: Otávio Santos Cupertino Durão Titularidade: Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), Navcon e FAPESP
• Rapidez na dosagem de enzima
Veneno da jararaca: propriedade anti-hipertensiva
• Fármaco com vantagens Pesquisadores do Instituto Butantan desenvolveram uma molécula candidata a um fármaco com propriedades anti-hipertensivas, obtido a partir do veneno da jararaca. A patente foi depositada no Brasil, Estados Unidos, Japão e União Européia. A previsão é que em um ano o Evasin, nome genérico do produto, tenha completado os ensaios préclínicos. Estudos realizados por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) indicam que a molécula tem vantagens sobre os anti-hipertensivos existentes, como ser um produto natural e ter efeito prolongado. Título: BBPs e Evanins, Inibidores de Natureza Peptídica, Idênticos ou Homólogos a Peptídeos Naturais Putativos Obtidos da Serpente Bothrops jararaca, com Seletividade Carboxílico da Enzima Conversora da An-
giotensina e Ativos sobre Outros Mecanismos que Regulam a Pressão Arterial Inventores: Antônio Carlos Martins de Camargo,Fernanda Calheta Vieira Portare, Alessandra Ferragini Murbach, Danielle Alves Ianzer, Sandra Helena Poliselli Farsky e Mário Sérgio Palma Titularidade: FAPESP/Consórcio Nacional Farmacêutico
• Sistema para vôos mais precisos A integração de dois sistemas de navegação - sensores inerciais e Sistema de Posicionamento Global (GPS)em uma única plataforma, batizada de Sistema Modular de Atitude e Navegação (Sman), pode tornar mais preciso o vôo dos aviões de pequeno porte. A plataforma integrada, concebida para suprir deficiências que possam existir nos dois sistemas, poderá também ser usada em foguetes, automóveis e navios. A pesquisa foi conduzida por Otávio Santos Cupertino Durão,
Um grupo do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) conseguiu sintetizar substratos capazes de identificar com mais rapidez e sensibilidade a Enzirna Conversora da Angiotensina I (ECA), que desempenha função-chave na regulação da pressão arterial e na homeostase (sistema de regulagem química interna do organismo). A dosagem da ECA no plasma humano pode auxiliar no diagnóstico de patologias e na avaliação dos efeitos de terapias medicamentosas. Título: Uso dos Peptídeos Abz-FRK(Dnp)P-OH, AbzYRK(Dnp)P-OH e Abz-SDK (Dnp)P-OH como Substratos para a Dosagem da Enzima Conversora da Angiotensina I em Plasma e Tecidos Inventores: Adriana Karaoglanovic Carmona, Luiz Juliano, Maria Aparecida Juliano, Robson Lopes Meio, Maurício Campos Araújo, Márcio Fernando Alves Titularidade: Unifesp/FAPESP
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Pequena empresa se alia à indústria farmacêutica nacional para produzir medicamento contra o nanismo
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final do próximo "no, o Brasil ingressará num clube bastante seleto: o dos fabricantes de hormônio de crescimento por meio de técnicas de engenharia genética. As portas de entrada desse clube serão abertas pela Hormogen Biotecnologia e pela Genosys Biotecnologia, que desenvolveram separadamente, em escala piloto, seus primeiros lotes do hGH, sigla da expressão em inglês Human Growth Hormone. O medicamento chegará ao mercado graças a duas parcerias. A Hormogen vendeu recentemente 75% das ações para a brasileira Biolab-Sanus, uma das maiores indústrias farmacêuticas do país, que vai investir US$ 2 milhões a partir de 2003 no lançamento comercial do produto. A Genosys firmou acordo de produção e distribuição com outra grande empresa farmacêutica, a Braskap, também de capital nacional (veja Pesquisa FAPESP edição 65). Com essas parcerias, o Brasil- que atualmente importa cerca de 1 milhão de doses do hormônio de crescimento por ano, com gastos avaliados em US$ 15 milhões - passará a exportar o medicamento. A trajetória inicial da Hormogen, que começou suas atividades como empresa no Centro Incubador de Empresas Tecnológicas (Cietec), em São Pau10, e vai continuar a fazer pesquisa como uma espécie de subsidiária da Biolab, é
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• a mesma da Genosys e de outras pequenas empresas que receberam financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP. São novos produtos e processos que ganharam um incentivo financeiro importante para fazer pesquisa dentro da empresa. Não faltam outros exemplos de inovações tecnológicas promissoras. A empresa Komlux, de Campinas, já colocou no mercado uma manta tecida com fibras ópticas, chamada de Blanket Lux, para tratamento de icterícia em recémnascidos. A Clorovale, de São José dos Campos, lançou recentemente brocas odontológicas com pontas de diamante sintético muito mais resistentes que as de metal. A empresa prepara também o lançamento de uma versão dessa broca que é acoplada a um aparelho de ultrasom, proporcionando um tratamento sem aquele barulho infernal das brocas convencionais e sem dor para os pacientesoNa área de telecomunicações, a Asga, instalada em Paulínia (SP), desenvolveu uma linha de multiplexadores e modens usados nas transmissões via fibra óptica em redes de telefonia, Internet e processamento de dados. O sucesso comercial já é expressivo. A Asga pulou de um faturamento de R$ 16 milhões, em 1999, para R$ 90 milhões em 2001, no rastro da expansão das telecomunicações no país.
O mesmo caminho de sucesso parece ser o destino de outras empresas do PIPE, que contabiliza o investimento, em cinco anos, de R$ 25,6 milhões e US$ 3,9 milhões. A importância não se reveste apenas no valor econômico que virá, mas também social, como no caso do hormônio de crescimento, que poderá ter preços até 30% menores que o importado. Quinto país - Prescrito sobretudo para crianças com deficiência no crescimento, ou nanismo, no jargão da medicina - doença que atinge hoje em torno de 10 mil brasileiros -, o hGH tem sido empregado em uma faixa cada vez maior de tratamentos clínicos (veja quadro). Por enquanto, só é produzido em quatro países: na Suécia, pela Pharmacia (recentemente adquirida pela Pfizer); na Dinamarca, pela Novo Nordisk; nos Estados Unidos, pela Genentech e Eli Lilly; e na Itália, pela Serono. "Já depositamos nossa patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)", afirma o quírnico Paolo Bartolini, um dos três sócios da Hormogen. Ele também é chefe do Centro de Biologia Molecular do Ins-
Biorreator: bactérias secretam o hormônio na sede da Hormogen
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Fábrica da Biolab: compactadora de hormônios
tituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). A experiência de transferir um conhecimento desenvolvido em uma instituição de pesquisa para o mercado também faz parte da história da Genosys. A técnica para obtenção do hGH foi realizada no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) pelo professor Hamza Fahmi Ali EI Dorry, que convidou o bioquímico Jaime Francisco Leyton para montar a Genosys. Foi o primeiro produto da empresa. O hGH, conta Bartolini, também foi o primeiro produto desenvolvido pela Hormogen. Atualmente, a empresa se prepara para deixar a incubadora e mudar-se para Itapecerica da Serra, na região metropolitana de São Paulo, onde ocupará parte das instalações de uma das quatro fábricas da Biolab-Sanus e prosseguirá nas pesquisas já iniciadas de novos medicamentos à base de hormônios. Para Bartolini, o maior ape-
10 da transação com a Biolab-Sanus fechada em fevereiro, após um ano de negociações - foi o compromisso assumido pela indústria de continuar aplicando recursos em pesquisa. Pelas ações que lhe asseguraram o controle da Hormogen, a Biolab-Sanus pagou US$ 100 mil, um valor simbólico, segundo Cleiton Castro Mar-
ques, vice-presidente do grupo Castro Marques, ao qual a companhia pertence. "Mas, em contrapartida, assumimos 100% dos novos investimentos", explica o empresário. Este ano, a nova controladora está destinando R$ 100 mil à Hormogen, além de assegurar o pró-labore dos sócios-pesq uisadores (todos do Ipen), que ficaram com 25% de participação acionária, até que o hGH, seu primogênito, comece a ser comercializado. "Nos anos seguintes, investiremos o que for necessário para que a empresa se torne operacional', afirma Castro Marques. Para chegar à sua produção piloto e atrair o interesse de potenciais investidores, a Horrnogen recorreu à FAPESP, que, entre 1998 e 2001, liberou para a empresa incubada cerca de R$ 350 mil, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Os recursos foram aplicados principalmente em reagentes e equipamentos - sozinho, o biorreator, por exemplo, onde as bactérias que secretam o hGH se multiplicam, absorveu US$ 113 mil. Com a produção piloto assegurada, a Hormo-
Muito além do nanismo A indicação mais comum do hormônio de crescimento (hGH) é o nanismo, doença que afeta cerca de 10 mil crianças brasileiras, segundo o pesquisador Paolo Bartolini. Mas, afirma ele, o nanismo também pode ser transmitido pelos genes e propagado por meio de casamentos consangüíneos, como aconteceu na pequena cidade sergipana de Itabaianinha, a 115 quilômetros de Aracaju, que contabiliza em torno de 100 portadores de déficit de crescimento, a maior concentração de casos do país. I: , 64 . DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
Além de combater o nanismo, o hGH pode ser ministrado a adultos com deficiência hormonal, pacientes que sofreram transplante renal, meninas com síndrome de Turner - que provoca baixa estatura e esterilidade - ou aidéticos em estágio avançado (quando há perda de massa muscular). Mas o leque de aplicações do medicamento continua se abrindo. Atualmente, uma corrente médica nos Estados Unidos pleiteia a ajuda do hormônio no combate à osteoporose e à redução da massa muscular nos idosos, contribuindo também
para diminuir a gordura localizada. Há ainda vários estudos avançados, inclusive no Brasil, segundo Bartolini, que demonstram os benefícios do hGH para mulheres na menopausa. Já o uso do hormônio por praticantes de atividades físicas em busca de rápido desenvolvimento muscular é perigoso. "Isso é totalmente condenável. Pode resultar, por exemplo, em diabetes e outras doenças decorrentes do desequilíbrio hormonal", afirma Bartolini. Aprovado pelo Food and Drugs Administration (FDA), a agência norte-
teve ascensão rápida. Já é a vel, e os demais, o da Horterceira empresa em presmogen. Em seguida, o procecrição de medicamentos cardimento será repetido, trodiológicos, segmento rescando-se o medicamento, de ponsável por 55% de seu modo que todo o grupo refaturamento, que deve soceberá os dois produtos. "É mar entre R$ 170 milhões um procedimento complee R$ 180 milhões este ano, xo,que exige contratação de com incremento de 50% farmacologista e internação em relação a 2001. Juntas, dos voluntários em hospiBiolab e União Química detais': explicaBartolini."Esses vem faturar em 2002 cerca testes devem absorver em de R$ 340 milhões, desemtorno de US$ 200 mil': estipenho que justifica sua poma Castro Marques. ase seguinte é a dos testes clínicos, ou de bioequivalênsição, em 12° lugar, na lista A empresa espera obter Lotes da Hormogen: das maiores empresas farcia, que devem ser concluíretornos elevados com os escala piloto macêuticas do país, sedos em no máximo seis investimentos realizados. gundo o jornal Gazeta MerO hGH, segundo Castro meses. Nessa fase, o mecantil, e ainda a quinta colocação no Marques, é o quinto em volume de vendicamento da Hormogen e um outro produto similar importado disponível ranking da revista Exame das mais rendas mundiais entre os medicamentos táveis do setor. "Esse resultado reflete de engenharia genética. O produto da no mercado serão aplicados em 24 o nosso foco em 2002, em produtos Hormogen, ele acredita, deverá conpessoas saudáveis. Primeiro, 12 volunque não têm nem terão similares genétários receberão o produto já disponíquistar 20% do mercado brasileiro em ricos nos próximos anos", afirma Casum ano, período em que também potro Marques. derá começar a abastecer alguns dos PROJETO 17 países da América Latina nos quais Nova cultura - O que a Biolab-Sanus a Biolab-Sanus mantém parcerias com Otimização dos Rendimentos quer agora é agregar tecnologia, fabridistribuidores. Este ano, primeiro em de Expressão Bacteriana, cando cada vez mais produtos exclusique atua no mercado externo, conta o Fermentação e Purificação de Hormônio de Crescimento vos. Essa estratégia na verdade foi iniexecutivo, a empresa exportou o equiHumano Recombinante ciada há três anos com o lançamento valente a US$ 800 mil para esses países, do Lovelle, único anticoncepcional montante que, em cinco anos, deve MODALIDADE vaginal comercializado no Brasil. chegar a US$ 30 milhões em vendas, Programa de Inovação Tecnológica inclusive de hGH. Além da Hormogen, a companhia adem Pequenas Empresas (PIPE) Criada há apenas cinco anos para quiriu este ano uma outra empresa COORDENADOR incubada, a Dalmatia, de cosméticos ocupar nichos mais especializados do PAOLOBARTOLINI- Hormogen-Ipen de ação terapêutica -, abrigada na inmercado de fármacos - o outro labocubadora Bio-Rio, e está associada ratório do grupo, a União Química, INVESTIMENTO atualmente a 18 projetos de pesquisa fabrica basicamente genéricos e proR$ 72.800,00 e US$ 154.000,00 de instituições como Universidade de dutos hospitalares - a Biolab-Sanus São Paulo (USP), Ipen e Instituto Butantan. Com a compra da Hormogen, ção, durante a qual se multiplica rapiamericana que controla a qualidade de a Biolab-Sanus finca o pé no segmento mais prestigiado e promissor de medialimentos e medicamentos, em 1985,o damente: em cerca de dez horas, uma hGH é obtido pela técnica do DNA recamentos do mundo, o de engenharia única bactéria pode gerar bilhões degenética. "Queremos criar na empresa combinante. Por meio dessa técnica, os las, todas produzindo o hormônio. a cultura da biotecnologia, que é o fuO passo seguinte é a centrifugação cientistas clonam os genes que codificam a molécula do hormônio produzituro': afirma Castro Marques. Um fudas bactérias, da qual se obtém um exda pela glândula pituitária, localizada trato cru de proteinas. Começa então turo que deve começar já no próximo ano com o início da produção e o lanna base do cérebro. Essa sequência de uma longa etapa de purificação desse extrato, uma seqüência de cromatograDNA é modificada para que se adapte çamento comercial do hormônio de às necessidades de sua nova fabricante, crescimento. fias e precipitações que levam à obtengeralmente a bactéria Escherichia coZi. ção do hormônio e à separação dos conCuriosamente, a parceria BiolabHormogen vai entrar numa corrida taminantes (as proteínas da bactéria). Depois, a seqüência é inserida numa com a outra parceria, a da Genosysmolécula de DNA bacteriano, o plasSegundo o pesquisador Paolo Barmídeo, o qual finalmente é introduzido Braskap - que está construindo a sua tolini, o processo utilizado pela Hormogen permite obter hormônio "idênna bactéria, que, com isso, passa a proplanta industrial-, para ver quem priduzir o hGH. Em seguida, a bactéria meiro colocará o hGH no mercado tico" ao fabricado naturalmente pelo trazendo na embalagem a inscrição: organismo humano. vai para o biorreator para a fermentaindústria brasileira. • gen começou a testar o medicamento, que já passou pelos testes laboratoriais biológicos (por meio de camundongos anões) e pelas duas modalidades de testes físico-químicos e toxicológicos (por meio de cães) e imunológicos, para comprovar a potência e a pureza do hormônio, que não pode conter mais de dez partes por milhão de proteína da bactéria de origem, que são os principais contaminantes do futuro medicamento.
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ITECNOLOGIA
BIOMECÂNICA
Detalhes do movimento Sistema avalia atletas e pessoas com deficiências motoras YURI VASCONCELOS
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alisar o movimento humano a partir de imagens de vídeo e servir como ferramenta para profissionais que trabalham com atividades físicas, esportes ou reabilitação motora. Esse é o objetivo do sistema Dvideow - Digital Vídeo for Biomechanics, criado pelo professor de educação física Ricardo Machado Leite de Barros, coordenador do Laboratório de Instrumentação para Biomecânica (LIB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O Dvideow foi projetado para ser usado em diferentes aplicações. Quatro já foram desenvolvidas: análise de marcha (ou caminhada), análise de movimentos respiratórios, rastreamento automático de jogadores de futebol e reconstrução de superfícies do corpo humano. "Buscamos desenvolver um sistema aberto e es-
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truturado com grande potencial de difusão':afirma Ricardo Barros.Ele é composto por um software desenvolvido na Unicamp, seis câmeras de vídeo digital e seis computadores do tipo Pc. A análise biomecânica permite, no contexto da reabilitação motora, a quantificação das alterações nos padrões normais de movimentos, como, por exemplo, a capacidade de flexionar o joelho ou mover os braços durante o andar. Assim, é possível avaliar a evolução de processos de recuperação em pessoas que sofreram acidentes, são portadoras de paralisias ou utilizam próteses. Quando aplicada ao esporte, a análise biomecânica tem como objetivo avaliar o desempenho do atleta, auxiliando na prevenção de lesões decorrentes de sobrecarga, comparar métodos de ensino de uma determinada técnica esportiva e avaliar equipamentos esportivos. A metodologia também pode ser usada para avaliar graus de habilidade ou destreza em estudos ergonômicos.
Embora não seja um sistema totalmente inédito, o Dvideow apresenta várias novidades em relação ao que existe no mercado. A primeira delas é exatamente a flexibilidade, uma vez que diferentes tipos de aplicações podem ser desenvolvidaspelo mesmo software. Outro diferencial, que também se configura em uma vantagem, é o fato de ele ser totalmente baseado em vídeo. Análise da marcha - Ao contrário de outros sistemas, o Dvideow não trabalha com câmeras de infravermelho, nos quais marcadores ativos de diodos emissores de luz (LEDs), atados ao corpo da pessoa, emitem luz infravermelha registrada pelas câmeras. "Isso impede, por exemplo, o desenvolvimento de um aplicativo para acompanhar jogadores de futebol", explica o pesquisador. Em cada uma das aplicações foram desenvolvidas ferramentas específicas e inovadoras. No aplicativo para análise de marcha, por exemplo, foi montado um modelo para monitorar o corpo
humano por inteiro e não apenas os membros inferiores. A análise de marcha será, provavelmente, o principal aplicativo usado do sistema. Essa metodologia propõe fazer a descrição e a quantificação dos movimentos dos membros inferiores e demais partes do corpo de uma pessoa enquanto ela caminha. Para isso, são fixados dezenas de marcadores retrorefletivos em pontos previamente definidos que permitam a identificação dos diversos segmentos ósseos (braço, antebraço, coxa,joelho, etc.). As seis câmeras são calibradas e a pessoa com os marcadores no corpo se desloca na frente delas. As imagens são transferidas para os computadores e a posição de cada marcado r é medida automaticamente. A partir da posição desses marcadores são calculados ângulos entre os segmentos do corpo, rotações, distâncias percorridas e velocidades de movimento. A metodologia de análise de marcha já é usada por vários laboratórios de rePESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 67
Marcadores no corpo: informações para avaliação respiratória
cuperação motora do país, como o da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) , de São Paulo. Ela ajuda os profissionais a decidir que tipo de intervenção deve ser feito no paciente. "A diferença do Dvideow com relação ao utilizado pela AACD é que o nosso sistema usa registro de imagem e o deles é baseado em luz infravermelha", diz o pesquisador. "O sistema usado nessa entidade facilita a medição automática do movimento, mas ele não fornece a informação visual." A desvantagem de não ter a imagem é que a equipe de avaliação fica sem um parâmetro qualitativo (visual) do movimento junto com a quantitativa. "Muitas vezes, o registro visual fornece informações importantes para o médico. Algumas características não compreendidas no gráfico podem ser resultado do movimento de um braço, por exemplo. E isso só será percebido em um sistema que monitore membros superiores e trabalhe com imagens, como é o caso do nosso", explica Barros. Outra vantagem do Dvideow é o baixo custo. "O sistema da AACD deve custar em torno de US$ 300 mil, enquanto o nos-o so não ultrapassou os R$ 50 mil", afirma o pesquisador. Jogadores de futebol - O Dvideow também pode ser usado para acompanhar e analisar o movimento de jogadores durante uma partida de futebol. Para viabilizar o desenvolvimento dessa metodologia, o pesquisador fez um acordo, há dois anos, com o time de futebol do Guarani, de Campinas. Quatro câmeras foram colocadas no estádio da agremiação em dias de jogo, para a captação das imagens, que depois foram exaustivamente estudadas. "Gravamos vários jogos e, agora, com o sistema finalizado, pretende-
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mos fornecer informações ao treinador e à equipe de preparação física do Guarani ou de outras equipes interessadas:' A idéia desse aplicativo é conseguir identificar, automaticamente, a posição de todos os atletas durante o jogo, fazendo um mapa da trajetória que cada um percorre durante os 90 minutos da partida. Para que isso seja possível, cada jogador é identificado pelo operador do sistema em uma imagem inicial e, a partir daí, passa a ser acompanhado automaticamente nas cerca de 40 mil imagens registra das em cada câmera. Quando acontecem situações em que o sistema pode se confundir na identifi-
cação dos atletas - por exemplo, uma aglomeração de jogadores na pequena área -, um operador confere se não houve falhas na identificação. Depois de captadas, as imagens são processadas e transformadas em gráficos, fazendo uma espécie de inventário sobre o comportamento do jogador na partida. O primeiro benefício da metodologia é a possibilidade de avaliar variáveis relacionadas ao condicionamento físico dos jogadores durante a partida. "Poderemos saber que distância o atleta percorreu, qual foi a velocidade média de seus deslocamentos e qual foi o porcentual do tempo em que ele ficou parado, correu ou atingiu picos de velocidade': afirma Barros. Essas informações são úteis para os profissionais responsáveis pela preparação e planejamento das atividades físicas do time, além de ajudar no esquema tático da equipe. "O sistema faz uma espécie de fotografia do jogo, numa velocidade de sete e meio quadros por segundo. Com isso, temos uma evolução do desenho tático da equipe", diz o pesquisador.
Movimentos respiratórios - O terceiro aplicativo do sistema é a análise de movimentos respiratórios. Para isso, são colocados marcadores retrofletivos no tronco da pessoa e feita a captura de imagens, por meio de quatro câmeras. O método mais comum para se avaliar a capacidade respiratória é a espirometria, que trabalha com o volume de gases troca~ dos entre o indivíduo e uma máquina, no caso um espirômetro. A metodologia do Dvideow representa um avanço diante dessa técnica, porque, além de avaliar a capacidade respiratória, também é capaz :::::::::::::::::::: :::::::.:.,. de identificar que comparti- •. mentos do tórax e do abdô- " . men são mais usados no movi... , , . mento respiratório. Com isso, .... :~:::~ .~ . -~ , :::~:=~ , . é possível verificar alterações funcionais induzidas por exercícios físicos, patologias ou acidentes. Projeção de luz: reconstrução tridimensional do pé
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Software analisa os movimentos dos jogadores do Guarani
ele sofre deformações que muitas vezes não são respeitadas pelo sapato."
"Queremos identificar como a atividade física altera padrões ou maneiras de respirar", diz Barros. Segundo o pesquisador, um estudo realizado com o sistema mostrou pessoas que praticavam ioga por muito tempo e passaram a ter um determinado tipo de respiração, diferente ao de pessoas sedentárias. "O sistema mostrou uma mudança de padrão. A primeira alteração percebida foi uma diminuição da freqüência respiratória, tendendo a uma respiração mais profunda, mais ampla. Esse aspecto poderia ser detectado por outras metodologias, mas o mais interessante foi observar que nas pessoas que praticavam ioga há um trabalho mais acentuado da região abdominal em comparação com a região torácica," Reconstrução de superfícies - O último aplicativo do Dvideow está direcionado para a reconstrução tridimensional e análise de superfícies do corpo humano. Isso é importante, por exemplo, para a confecção de assentos ortopédicos anatômicos ou fôrmas de calçados. A técnica usada é a projeção de luz sobre o corpo. "A vantagem dessa técnica é que não utilizamos marcadores fixados no indivíduo, porque eles são limitados a algumas dezenas. Usamos um projetor de slides que emite luz com padrão de centenas de pontos, que
cobrem a pessoa'; explica Barros. "A partir da imagem captada pelas câmeras, reconstruímos cada um desses pontos, numa densidade de um ou dois pontos por centímetro quadrado, formando uma espécie de mapa topográfico tridimensional da região estudada:' A indústria de calçados já usa uma técnica semelhante, com equipamentos de varredura a laser, para criar modelos de sapatos. ''A desvantagem dessa técnica é a perna da pessoa ficar imobilizada enquanto um leitor óptico reconstrói a superfície do pé", explica o pesquisador. Com o Dvideow é possível, também, analisar movimentos. "No caso de calçados, pretendemos observar a deformação do pé durante o andar, quando
o PROJETO Desenvolvimento de um Sistema para Análise Biomecânica de Movimentos Humanos MODALIDADE
Linha Regular de Auxílio à Pesquisa COORDENADOR
Ricardo Machado Leite de Barros Faculdade de Educação Física Unicamp INVESTIMENTO
R$ 70.647,50
Doutorado alemão - O sistema Dvideow nasceu durante o doutorado feito pelo pesquisador no Instituto de Biomecânica da Universidade de Esportes, na cidade de Colônia, na Alemanha, em 1997. ''Ao voltar para o Brasil, trouxe um protótipo do sistema, que ainda funcionava com câmeras analógicas e microcomputadores 486. Depois, fizemos uma parceria com o Instituto de Computação da Unicamp, em particular com os professores Neucimar Leite e Ricardo Anido, e parte do sistema foi desenvolvido no doutorado do aluno Pascual Figueroa. O passo seguinte foi passar o sistema para a interface Windows, mais amigável, e introduzir algumas técnicas e teorias matemáticas mais avançadas, aplicadas ao processamento de imagens", conta Barros. "Mas foi com o apoio financeiro da FAPESP que conseguimos migrar para uma tecnologia mais eficiente, no caso a digital, tanto para as câmeras quanto para a análise das gravações." O projeto ainda teve a participação dos professores do Laboratório de Biomecânica da Unicamp René Brenzikofer e Euclydes Custódio Lima Filho, falecido em maio deste ano. Segundo Ricardo Barros, apesar de seu enorme potencial comercial, o sistema foi projetado e desenvolvido para fazer pesquisa. "Inicialmente, nossa finalidade foi atender a demanda do Laboratório de Instrumentação para Biomecânica, que precisava de um sistema de análise como esse." Num segundo momento, o professor disponibilizou, gratuitamente, o Dvideow para outras instituições de pesquisa, como o Departamento de Educação Física da Unesp de Rio Claro. "Não temos ainda nenhuma perspectiva comercial, já que nossa finalidade principal é mesmo fazer pesquisa. Mas estamos abertos se houver interesse por parte de alguma empresa que queira comercializá-lo," • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 69
• TECNOLOGIA
ENGENHARIA
FLORESTAL
Natal tropicalizado Seleção de espécie conífera originária do Japão resulta em árvore mais atraente
DINORAH
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tilizarárvores naturais para celebrar o Natal é uma tradição que começou há cerca de 400 anos na Europa, ganhou as américas com os imigrantes e cada vez mais conquista espaço no território brasileiro. Mesmo com o aumento da oferta disponível nos últimos anos, o engenheiro metalurgista Gilberto Sguario da Silva conta que, ao procurar uma árvore natalina em dezembro de 1995, pouco tempo após ter voltado de uma longa temporada nos Estados Unidos, sentiu falta de um produto com algumas características a que estava acostumado. "As árvores do Hemisfério Norte, além de extremamente bonitas, exalam um aroma muito agradável", descreve. Essa observação foi o ponto de partida de um estudo que resultou em uma árvore adaptada às condições climáticas do Hemisfério Sul, macia ao tato, com aroma suave, sem perda de folhas, coloração e vigor preservados até 45 dias após o corte. A pesquisa, que utilizou técnicas de clonagem vegetal, foi desenvolvida pelo Laboratório de Fisiologia das Árvores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo, em parceria com a Arboreto Produtos Flores-
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tais, da qual Gilberto Silva é sócio, com financiamento do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. A parceria com a Esalq teve início em 1996, antes mesmo de o projeto do PIPE ser aprovado em 1999, quando Silva procurou o professor Antônio Natal Gonçalves. O primeiro passo foi selecionar espécies de coníferas adequadas às condições climáticas da região em que seria produzida, no sul do Estado de São Paulo, e com as qualidades exigidas pelas tendências de mercado. "Experimentamos 12 espécies antes de dar início ao projeto", conta Gonçalves. Material adequado - A escolha recaiu sobre a Cryptomeria japonica variedade elegans, originária do Japão, pelas suas qualidades e características ideais para o cultivo como árvore de Natal: rápido crescimento tanto in vitro como no campo, forma cônica, o que diminui a freqüência de podas de modelagem da árvore, e resposta satisfatória à adubação. Além disso, essa espécie, chamada de cedrinho japonês, tolera baixas temperaturas, pré-requisito para ser produzida em Itararé, município que fica na fronteira de São Paulo com o Paraná, local escolhido para o plantio.
"O primeiro passo era conseguir um material genético adequado para clonar, fator que influencia na qualidade das árvores", relata Gonçalves. Foram coleta dos fragmentos de ponteiros (materiallocalizado na ponta dos galhos) de matrizes sele cionadas da Estação Experimental de Itatinga, do Departamento de Ciências Florestais da Esalq. Dessas matrizes saíram novas mudas, produzidas pelo método de micropropagação (cultura de tecidos). Esse método é considerado o mais apropriado para que o material reverta a condição de reprodução, segundo experimentos realizados para a geração de elones de eucaliptos, utilizados por grandes empresas de papel e celulose. Para resgatar a característica de reprodução por clonagem, os ponteiros têm de ser colocados em um meio de cultura com nutrientes minerais, vitaminas, reguladores de crescimento, açúcar e ágar, um material extraído de algas marinhas, para dar consistência. Depois de 45 dias, essas mudas vão
para viveiros e, cerca de seis meses mais tarde, estarão prontas para ser plantadas ou enviadas para o jardim clonal, onde são feitas novas mudas pelo método de estaquia (processo de multiplicação de vegetais em que se utilizam estacas de caules, raízes e folhas). O espaçamento para o plantio entre as árvores fica em torno de 2,20 metros. O tempo para que atinjam a altura ideal para o corte varia de três a quatro anos, segundo o tamanho desejado: 1,50 metro, 1,80,2 e 2,5 metros. Alimentação diária - O corte é feito uniformemente, rente ao chão, para que a árvore possa ser encaixada em um suporte de metal, desenvolvido por Gilberto Sguario da Silva, que fundou a Arboreto em sociedade com o irmão, dono da área de 75 hectares em Itararé onde se realizam os testes em campo. O suporte é composto por quatro parafusos, que asseguram a sustentação mecânica da árvore, e um reservatório destinado à alimentação da planta, onde devem ser colocados diariamente de 1 a 2 litros de água. Segundo o professor Gonçalves, os cortes tradicionais, que arrancam inclusive o torrão de terra junto com parte das raízes, degradam os locais do plantio porque retiram grandes porções de terra, provocando erosão e empobrecimento do solo. Encontrar uma árvore capaz de resistir ao corte foi um dos grandes desafios do projeto. ''A tuia, uma das espécies concorrentes que se encontram à venda, não resiste ao corte sem o torrão", diz Silva. Depois do corte, os galhos são amarrados para facilitar o transporte aos locais de distribuição, que deve sempre ser feito à noite, para evitar a perda de umidade das árvores. O sistema de umidificação da base do tronco, desenvolvido pela empresa, consiste de uma esponja úmida que envolve toda a base do tronco recoberta por um saco plástico. A árvore, que vem acompanhada do suporte, PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 71
Mudas clonadas: produção pelo método de micropropagação
é fácil de ser transportada manualmente, porque seu peso não ultrapassa os 5 quilos. O programa de comercialização das árvores foi desenvolvido pela Arboreto em parceria com consultores do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo. Nele constam detalhes de como as árvores devem ser acondicionadas no depósito da empresa, cuidados no transporte, melhor data para venda e locais para divulgá-Ias. Produto aceito - A primeira experiência de vendas foi feita em 2001, em Alphaville, bairro do município de Barueri, na Grande São Paulo. Os moradores e empresários do condomínio fechado compraram 200 árvores. Em julho de 2002, a Arboreto, que cadastrou todos os compradores, fez uma pesquisa pós-venda para avaliar o nível de aceitação do novo produto em relação aos concorrentes. O resultado agradou bastante à empresa. "Dos clientes residenciais, 100% ficaram satisfeitos e pretendem repetir a compra este ano': conta Silva."Esse índice caiu para 70% entre os clientes comerciais." Na avaliação do empresário, eles não seguiram as instruções, dadas por escrito aos compradores, de dar água diariamente para a árvore. "Esse é o segredo para manter preservados o viço, a cor e outras características por 45 dias", ressalta o empresário. 72 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
Neste ano, a empresa trouxe cerca de 500 árvores a São Paulo para serem vendidas em um ponto comercial que alugou no Morumbi e em uma floricultura localizada na ponte Cidade Jardim, perto do Jóquei Clube. O preço para o varejo está estimado entre R$ 100 e R$ 160, dependendo do tamanho da árvore. "Queremos vender inicialmente em São Paulo, para avaliar a reação do consumidor. Depois iremos para Campinas, Curitiba e outras cidades", relata Silva.A estimativa de venda pará o ano que vem gira em torno de, no mínimo, mil árvores. "Em dois ou três anos estaremos vendendo 2.500, a cota máxima permitida pelo terreno no regime de rotatividade", diz o sócio-proprietário da empresa. Os estudos e testes em campo realizados até agora demonstram que a espécie escolhida, a Cryptomeria japoni-
o PROJETO Desenvolvimento de Árvores Naturais de Natal para o Brasil MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR ANTÔNIO
NATAL
GONÇALVES
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Esalq/ Arboreto INVESTIMENTO
R$ 251.400,00 e US$ 8.853,30
ca, atende aos pré-requisitos propostos no início do projeto. Na atual fase, os experimentos estão voltados para o melhoramento do método de adubação, época de podas e irrigação. Além disso, duas outras espécies, ainda não estudadas no projeto, serão avaliadas: o Pinus virginiana, originária dos Estados Unidos, e o Pinus eldarica, do Afeganistão. Elas foram escolhidas após consultas à associação norte-americana de produtores de árvores de Natal, National Christmas Tree Association, e testes preliminares de propagação e comportamento das espécies no campo e no laboratório. Também serão realizados estudos de sobrevida das espécies após o corte, com o uso de substâncias antitranspirantes e conservantes que podem ser diluídas na água. Novos plantadores - Segundo o professor Gonçalves, desde que o projeto começou a ser divulgado, a Esalq já recebeu várias consultas de interessados em trabalhar com árvores de Natal. Mas ele ressaltaque tem observado uma mudança no perfil das pessoas que procuram a universidade, localizada em Piracicaba. "Temos recebido consultas principalmente de aposentados que querem começar uma nova atividade no interior." O repasse da tecnologia para pequenos e médios proprietários é um dos objetivos do projeto. Ao mesmo tempo que os experimentos continuam no laboratório e em campo, Gonçalves vislumbra a possibilidade de que a região de ltararé se torne um pólo produtor de árvores de Natal com a tecnologia desenvolvida pela Esalq. "O investimento é baixo e traz um bom retorno", avalia. O produtor poderá formar lotes do mesmo padrão e classificar as árvores de acordo com a qualidade. Mas não está descartada a possibilidade de a venda ser feita individualmente, inclusive com a abertura das propriedades dos produtores para que os compradores escolham e reservem sua árvore ainda no campo, como ocorre nos Estados Unidos e Canadá. Para Gonçalves, mesmo com a transferência de tecnologia para outros produtores, a grande vantagem da Arboreto é que ela saiu na frente. •
ITECNOLOGIA
INFORMÁTICA
Mudanças à vista o óxido de háfnio é candidato a substituir o óxido de silício na produção de chips uscapor uma nova matéria-prima capaz de substituir o óxido de silício (Si02) na produção dos chips embutidos em computadores e em todo tipo de equipamento eletrônico está no foco de estudo dos pesquisadores brasileiros. Um grupo do Instituto de Física (IF) da Universidade Federal do Rio do Sul (UFRGS), coordenado pelo professor Israel Baumvol, tem testado alternativas ao Si02 para gigantes internacionais do setor de tecnologia da informação, como IBM, Texas Instruments, Nortel e Motorola. A aposta maior é no óxido de háfnio, baseado no metal de mesmo nome. A preocupação existe porque a era do silício está ameaçada de chegar ao fim, depois de mais de quatro décadas e de ter produzido avanços tecnológicos fundamentais no cotidiano das pessoas, gerando riquezas e ganhos de produtividade em escala. Segundo a famosa "lei" conhecida nos meios informáticos como Lei de Moore (Gordon Moore, fundador da empresa de microprocessadores Intel), os processadores dobram de capacidade a cada dois anos, integrando um número muito maior de circuitos em uma só pastilha. Essa situação está reduzindo tanto a espessura da camada de isolamento de dióxido de silício, que, muito em breve, não haverá como evitar vazamentos de corrente nos circuitos integrados. Aí, a confiabilidade dos equi-
refa de manter a integridade do silício, que faz o trabalho de armazenar informações, enquanto o Si02 atua como isolante.
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pamentos eletrônicos estará comprometida e o setor de tecnologia da informação poderá enfrentar um período de estagnação. Hoje, a camada isolante do chip tem de 2 a 2,5 nanômetros e precisa, de forma urgente, de um substituto para o Si02 que segure a corrente e evite superaquecimento em concentrações menos espessas. Ele também precisará se tornar viáveleconomicamente, exercendo esse papel por pelo menos dez anos. Para encontrar esse substituto, a indústria lançou-se, há cerca de quatro anos, a uma verdadeira corrida, mobilizando os principais centros de pesquisa na área de semicondutores dos Estados Unidos, da Europa e do Japão para atingir esse objetivo. estudo de Baumvol com diversos candidatos a substituto do Si02 indica que o óxido de háfnio (Hf02) pode conquistar a posição. Em laboratório, esse material provou dar conta da ta-
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Fases produtivas· A substituição do material, porém, implica mudanças significativas em boa parte do processo de produção de chips, que se constitui de 20 a 30 etapas. "Alterar uma das primeiras fases do processo pode afetar todas as subseqüentes, demandando investimentos em equipamentos", explica ele. Além disso, nenhum dos possíveis substitutos do Si02 se encontra em profusão na natureza e nenhum deles é barato. "O óxido de háfnio, por exemplo, nunca se apresenta em estado puro, tendo pelo menos 3% de zircônio em sua constituição, e exige novas tecnologias de purificação." Consciente de que está em "um jogo de bilhões" - a empresa que patentear a primeira nova tecnologia eficaz faturará alto com o licenciamento da produção -, Baumvol não vê, contudo, perspectivas de o Brasil se beneficiar, a curto prazo, dos avanços obtidos no IF."Um aproveitamento mais amplo dos conhecimentos acumulados aqui, que triplicaram nossa produtividade em pesquisa nos últimos três anos e nos transformaram em uma das referências internacionais na área de materiais semicondutores, depende da formulação de políticas nacionais com o objetivo de produzir chips em laboratório", diz ele. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 73
ITECNOLOGIA
ALIMENTOS
Do frio para o fogo Novo tipo de pão congelado pode ser a novidade em supermercados e lojas de conveniência
imento de base de muitas civilizações, em várias formas e receitas, o pão é produzido ainda hoje com quase os mesmos ingredientes utilizados desde o século 7 a.c., quando os egípcios descobriram que, para a massa ficar mais leve e macia, era necessário adicionar um líquido fermentado à espelta, uma espécie de trigo de qualidade inferior usado na época. Foram eles também que começaram a utilizar os fornos de barro para assar a massa. Mesmo com tanto conhecimento acumulado nesse longo período, o resultado da mistura dos ingredientes e do cozimento nem sempre é um produto padronizado, principalmente no caso do pão francês, responsável por mais da metade do faturamento anual brasileiro do setor de panificação - em torno de R$ 16 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria
A
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de Panificação e Confeitaria (Abip). Essa constatação levou a um estudo inédito que procura estabelecer um novo padrão tecnológico para o processo de produção de pães a partir de massas congeladas, usadas em supermercados e lojas de conveniência. O objetivo da pesquisa foi dotar o pão congelado das características de textura e paladar dos pães de padaria. Ela foi realizada pela empresa paulistana Fmaiis e coordenada pela professora Carmen Cecília Tadini, do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). O projeto, financiado pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP, estudou três formulações e três processos de congelamento: congelar a massa do pão sem fermentar, congelar a massa fermentada, porém sem assar, e congelar o pão pré-assado.
Os melhores resultados foram encontrados na combinação de uma fórmula que equilibra os ingredientes (farinha de trigo, água, fermento e aditivos) com o congelamento do pão pré-assado. O equilíbrio permite que a massa resista melhor ao estresse do congelamento e do descongelamento. Depois de congelado, o pão pré-assado é levado até o ponto de venda e seu assamento é finalizado de acordo com a necessidade. A vantagem da escolha é que, no ponto de venda, é preciso apenas o forno e não há necessidade de mão-deobra especializada. O pão francês é o tipo mais consumido no Brasil, tem vida de prateleira muito curta e na sua formulação não há ingredientes que prolonguem suas características de frescor. "Além do grande impacto comercial, porque envolve questões como a facilidade de comereialização do pão em locais de pequeno
porte, o projeto prevê que a produção será realizada num processo industrial totalmente mecanizado e com garantias da manutenção da qualidade do produto", avalia Carmen. Especializada na produção de ingredientes em pó para panificação e confeitaria, a Prnaiis quer com o projeto tornar seus produtos mais competitivos e atraentes ao consumidor. A idéia surgiu no final de 1998, quando o engenheiro de produção Luiz Fábio de Toledo França, gerente administrativo e financeiro da empresa, procurou a professora Carmen para desenvolver um produto que estava faltando no mercado. ''A idéia era fazer um pão congelado que, quando fosse para a condição de consumo, estivesse o mais próximo possível do pãozinho feito na hora", relata França. A tecnologia de produção de pães congelados em escala industrial já é empregada há mais de uma década no exterior, mas principalmente para os de fôrma. O pão francês foi muito pouco avaliado. Neste estudo, iniciado em 1999 e com término previsto para o final deste ano, foram analisados vários parâmetros envolvidos no processo de fabricação, como a formação da massa, fermentação, pré-assamento e as fases de congelamento e posterior descongelamento, além das melhores condições de estocagem e distribuição. Para determinar a vida de prateleira do produto, parâmetros físicos (aparência, massa, volume específico e conteúdo de água), de textura (firmeza, elasticidade e mastigabilidade) e a análise
do miolo dos pães, que dá a medida da porosidade da massa, foram avaliados durante o tempo de estocagem congelado, que dura até 28 dias. Análise sensorial - Para avaliar os resultados do projeto, a equipe da professora Carmen, em parceria com pesquisadoras do Laboratório de Análise Sensorial do Instituto Adolfo Lutz de São Paulo, organizou rodadas de testes sensoriais com um grupo de julgadores formado por 15 homens e 18 mulheres, com idade variando entre 20 e 60 anos. Todos treinados previamente pela equipe do Lutz. A primeira etapa verificou se os provadores detectavam diferença significativa entre pães pré-assados congelados e frescos quanto à aparência, textura ao corte e sensação na boca. Durante uma semana, avaliaram amostras de pães pré-assados congelados após uma hora do assamento final. Os pães frescos foram pro-
o PROJETO Estudo do Processo de Congelamento de Pães MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADORA CARMEN CEclUA TADINI-
USP/Fmaiis INVESTIMENTO R$ 81.482,00
e US$ 43.137,19
cessados com a mesma formulação da massa congelada e assados no mesmo dia. Não foram apontadas diferenças significativas entre as amostras, em relação à sensação na boca e textura ao corte, apenas quanto à aparência a partir do terceiro dia do congelamento. Os resultados mostram que o pão francês pré-assado congelado teve boa aceitação pelos avaliadores. A segunda etapa da análise comparou o pão francês pré-assado congelado com o similar vendido em supermercados. O pão desenvolvido no projeto foi aprovado em todos os atributos avaliados (aparência, textura, sabor e intenção de compra), ao contrário da marca comercial. Participaram desse teste 49 homens e 38 mulheres, com idade entre 17 e 62 anos. O próximo passo do projeto está nas mãos da Fmaiis, em levar o produto para o mercado. Os dirigentes estão reavaliando o setor, devido à grande turbulência e incertezas na economia, principalmente em relação aos custos de importação do trigo e de equipamentos. Segundo estimativas da empresa, há um mercado a ser atingido, da ordem de 400 mil toneladas anuais a médio prazo, com faturamento aproximado de R$ 600 milhões por ano, composto por lojas de conveniência, postos em estradas e supermercados. A Fmaiis espera ficar com 10/0 desse mercado, equivalente a um faturamento de R$ 6 milhões por ano. E, para isso, pretende aplicar todo o conhecimento adquirido no desenvolvimento e nos testes do pão préassado congelado. •
PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 75
H U MANIDAD ES EPISTEMOLOGIA
Dilemas da comunicação o campo de estudos amplia debate sobre seu objeto e status científico MARILUCE
MOURA
er ou não ser ciência parece ser, senão a questão, pelo menos uma questão crucial para o campo de estudos da comunicação no Brasil, hoje. Em torno dela, novos problemas teóricos e institucionais estão sendo criados, formam-se grupos de interesse, consolidam-se posições divergentes e, se falar em cisão da pequena e aguerrida comunidade científica vinculada a esse campo pode soar como hipérbole inadequada, há claramente uma disputa em curso entre os pesquisadores quanto ao status da comunicação, cujo resultado pode ser até uma redefinição de seu espaço dentro das ciências humanas e sociais no paíscom todas as conseqüências previsíveis, nesses casos, em termos acadêmicos, político- institucionais e, é claro, de disponibilidade de verbas para pesquisa. Foi, aliás, uma amostra muito esclarecedora nesse sentido que os pesquisadores ofereceram no seminário Epistemologia da Comunicação, promovido conjuntamente pela Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) e Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), nos dias 7 e 8 de novembro. Ali se posicionaram, de um lado, os que querem conduzir a comunicação a um status estrito de ciência, com seu objeto rigorosamente definido e metodologias de pesquisa explicita-
S
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das, a ponto de permitir que se confirmem ou refutem as experiências realizadas - ou até mesmo descobertas anunciadas. No outro, perfilaram-se os estudiosos que preferem manter a comunicação como um campo de estudos aberto, multidisciplinar , dentro do qual a mídia é o objeto mais aparente a ser tratado, mas estaria muito longe de ser um tema exclusivo. E que entendem, ainda, que a pressa, a ansiedade pelo enquadramento da comunicação como ciência strícto sensu, por razões mais institucionais que por outras, atropelam um debate científico fecundo, aliás internacional, que ainda se encontra no estágio da exposição de diferenças, sem a maturidade indispensável ao consenso. Entre um extremo e outro - pôde-se confirmar também no Seminário de Epistemologia -, há lugar para visões mais sutis, como a de Muniz Sodré, coordenador da pós-graduação em comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que propõe tomar a comunicação como uma ciência, sim, não à maneira das exatas ou biológicas, como conhecimento exato e universal, "mas no sentido de
discurso bem estruturado, de língua bem-feita, e capaz de ser assim reconhecida pela comunidade, resgatado de Kant e dos filósofos sensualistas do século 18."
Intelectuais
coletivos - As divergências, de qualquer sorte, não se esgotam na versão própria do dilema hamletiano que os comunicólogos criaram para si. Elas passam também, como destaca a coordenadora na pós-graduação da ECA- USP, Maria Immacolata Lopes, por uma outra indagação crucial, ou seja, qual é, afinal, o objeto dos estudos da comunicação, conformem eles, ou não, uma ciência? A pergunta, que parece rearranjar os grupos de forma distinta da que o fazem as disputas em torno do status científico da comunicação, recebe respostas diversas em conteúdo e no tom, que varia de uma visível hesitação à convicção mais profunda: seria a mídia, seria a vinculação social, seriam todas as relações de comunicação humana, inclusive as interpessoais, o sentido de atualidade, de presente contínuo, que os meios de comunicação de massa carregam e difundem, etc., etc. Nesse emaranhado de visões e discursos, o professor Octavio Ianni, 76 anos, respeitado decano da sociologia nacional e hoje vinculado à pós-graduação em comunicação da ECA-USP, sentiu-se à vontade para reclamar da ausência que sentira no seminário de um personagem fundamental àquele debate: ''As corporacões e conglomerados da mí-
dia, poderosos e sofisticadíssimos intelectuais coletivos': Fez a queixa na mesa redonda especial sobre "o futuro do campo da comunicação", que encerrou o seminário, depois de questionar a platéia sobre o que realmente se falava ali quando se dizia comunicação, e após lembrar, didaticamente, que "em sua acepção mais geral, a comunicação é constitutiva e constituinte da sociedade e todas as relações sociais envolvem ou estão envolvidas em comunicação': Estabelecido isso, observou que há formas particulares nesse fenômeno universal da comunicação, que ganham relevância na política, na economia, na cultura, etc. "E há uma forma especial, a da mídia, que diz respeito aos meios e às empresas, às corporações e conglomerados, que fazem parte intrínseca do processo de globalização. Ela
envolve intelectuais, artistas e técnicos, compondo um vasto intelectual coletivo que forma a consciência social das pessoas." Na verdade, Immacolata já destacara a preocupação com as práticas da mídia que atravessam, "queira-se ou não", o campo da comunicação. "Mas e a teoria?", interrogou ela. Nessa área em que as reflexões continuam se valendo basicamente das atualizações de Adorno e outros pensadores da Escola de Frankfurt, dos estruturalistas e dos estudos culturais, faltam ainda referenciais teóricos consistentes produzidos no próprio país. "Não temos no Brasil, ainda, uma crítica séria, acadêmica, da mídia, da televisão, da imprensa."
Crise de crescimento - Uma sensação possível para quem observa das bordas o debate em curso da comunicação, depois de atravessar um fechado cipoal retórico, é que se está, antes de mais nada, ante uma crise de crescimento acelerado, com seus típicos conflitos de identidade. Não é gratuita, assim, a freqüência com que as palavras legitimação e autonomia aparecem nas discussões dos pesquisadores da área, como expressão clara do desejo de fazer a comunicação transitar da condição de campo menor no âmbito das Humanidades, abrigado em certa medida sob as asas largas da sociologia, da lingüística ou da filosofia, para a situação de um respeitado campo científico autônomo. Que há crescimento rápido, é indiscutível. É o que se verifica quando se examinam, por exemplo, números relativos aos programas de pós-graduação em comunicação existentes no país, registrados na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Até 1997, eram sete os programas com produção discente em andamento, e já em 1999 eles haviam subido para 13, segundo o volume Teses e Dissertações em Comunicação no Brasil (1997-1999): Resumos, organizado por Ida Regina Stumpf e Sérgio Capparelli, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e publicado em 2001 pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com apoio da Capes. Hoje, já são 18 programas e a criação de alguns PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 79
outros está sendo proposta à Capes. É claro que em relação às ciências sociais, com uma tradição muito maior e mais consolidada no panorama científico nacional, esse é um número ainda modesto. A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) registra nada menos que 65 programas de pós nessa área científica. Doutores suficientes - Em número de trabalhos, ou seja, dissertações de mestrado e teses de doutorado em comunicação, os pesquisadores gaúchos já citados mostram que de 1992 a 1996, em cinco anos, portanto, foram produzidos 754 trabalhos, enquanto nos três anos seguintes foram produzidos 835. Em termos médios verifica-se, assim, a elevação da produção anual de 151 para 278 trabalhos, ou seja, um considerável aumento percentual de pouco mais de 84%. E se por curiosidade tomarmos a totalidade das dissertações e teses produzidas de 1972 a 1996-1.895 trabalhos, conforme tabela publicada na Produção Científica Brasileira em Comunicação na Década de 1980: Análise, Tendências, Perspectivas, coordenada por Margarida Maria Krohling Kunsch e Ada de Freitas Maneti Dencker, ambas da ECA-USP -, chegamos a uma produção média anual de 79 trabalhos para esse longo período, contra os 278 do período de 1997 a 1999. O campo de estudos da comunicação no país produziu, assim, desde suas origens até o ano de 1999, cerca de 2.730 trabalhos, dos quais perto de 640 teses de doutorado (há algumas imprecisões na tabela apresentada no trabalho de Margarida Kunsch e Ada Dencker que impedem que se tome os números com uma certeza absoluta). Em outros termos, mais de 600 doutores em comunicação foram formados ao longo do tempo de institucionalização desse campo e, mesmo que boa parte deles esteja fora da área acadêmica, a produção resultante desse processo de formação certamente está longe de ser des80 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
Willian Bonner e Fátima Bernardes, apresentadores do Jornal Nacional: a mídia cria, de modo consciente, uma forma de vida virtual
prezível. Parece natural, assim, a batalha atual por legitimação e espaço dos pesquisadores de comunicação na comunidade científica nacional. Excelência em discussão - Resta saber se há qualidade crescente na produção científica, correspondente à expansão quantitativa. Caso se considere' as notas mais recentes atribuídas pela Capes aos programas de pós-graduação em comunicação, as coisas não são muito simples. O programa da ECA-USP, por exemplo, caiu de 5 para um modesto 3. Registre-se que ele teve início em 1972 com o mestra do e, em 1980, implantou o doutorado, que já formou, a essa altura, cerca de 400 doutores. O programa tem, no momento, 670 alunos na pós e 110 professores doutores em seu corpo docente. Outros programas com muita tradição, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e o da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) obtiveram 4. Enquanto isso, conseguiram 5, a nota mais alta atribuída à área, programas bem mais novos, ou seja, o da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o da Federal Fluminense (UFF), o da
UFRGS e o da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Seis e 7, vale registrar, são notas atribuídas só a programas com excelência em inserção internacional, o que não é o caso de nenhum em comunicação. A classificação, claro, rendeu pesada polêmica em torno dos critérios de atribuição das notas, que passam pela produtividade dos professores, produtividade dos alunos, tempo despendido na formação e proporção de professores de referência com regime de dedicação integral no programa. Na ECA-USP, por exemplo, que se considerou francamente injustiçada, muitos pesquisadores se viram compelidos a concluir que a instituição estava sendo prejudicada por seu estoque de professores aposentados, de altíssima qualidade, em atividade no programa (como Octavio lanni). Evidentemente, eles não têm a mesma produtividade, do ponto de vista meramente quantitativo, que um jovem doutor. "Os aposentados constituem um grupo de excelência que o programa incorpora de graça, sem custo algum. Portanto, qualquer contribuição deles, uma, duas teses que orientem por vez, algumas aulas que ministrem, é lucro. Mas, na atual lógica do sistema, é melhor ter apenas cinco jovens doutores do que esses e mais cinco grandes professores
que formalmente já estão o Programa MultidisciA Pós-graduação em Comunicação aposentados': reclama, por plinar de Cultura e Sociedade': relata Albino Ruexemplo, o professor IsMestr. bim, 50 anos, diretor da mail Xavier, 55 anos, tituDout. Universidade Natureza local Facom e ex-coordenador lar de Teoria e História do Publ.lEst. USP 1972 1980 São Paulo do primeiro programa de Cinema e coordenador da Publ./Fed. UFRJ Rio de Janeiro 1973 1983 pós da faculdade. O novo área de concentração de Publ./Fed UnB Brasília 1974 2002 cinema do programa da programa está na Capes ECA-USP. para ser aprovado pelo Priv.lConf. PUC-SP São Paulo 1978 1981 Comitê Multidisciplinar. De certa maneira, essa Priv.lConf Umesp S. B. Campo 1978 1995 Rubim - que, embora polêmica que parece buPubl./Est. Unicamp Campinas 1986 2000 doutor em sociologia pela rocrática, é apenas uma Publ./Fed UFBA Salvador 1990 1995 USP, é um respeitado pesdas faces com que se aprequisador da área de cosenta o debate muito mais P.Alegre Priv.lConf. PUC-RS 1994 1999 municação, vinculado à amplo, que vai até as inPriv./Conf. 1994 S. leopoldo Unisinos 1999 Facom-UFBA, onde se dagações radicais sobre o P. Alegre Publ./Fed UFRGS 1995 2001 graduou, desde os anos status da comunicação e Publ./Fed. 70 - assegura que neUFMG B. Horizonte 1995 sobre seu objeto. Porque nhum grupo tem interesnele, quem lidera a posiPubl./Fed UFF 1997 Niterói se em manter uma atitução em defesa da comuniCásper Líbero Privada São Paulo 2000 de beligerante e expõe com cação como ciência stricto Tuiuti Curitiba Privada 2000 tranqüilidade suas diversensu, geralmente tamgências conceituais com bém se bate por seu enPubl./Fed. Recife UFPE 2001 Gomes. "Pessoalmente não quadramento rigoroso nas Unip São Paulo Privada 2001 acredito que haja ciência normas das agências de Publ./Est. UERJ Rio de Janeiro 2001 da comunicação, que vejo fomento à pesquisa. Publ./Est. Unesp 2002 Bauru como área interdisciplinar "O meu esforço é pela da qual se dá conta acioeliminação da autocomFonte: Núcleo de Pesquisa do Mercado de Trabalho em Comunicações e Artes - ECAlUSP nando simultaneamente placência que até pouco tempo regia as relações da a economia, a sociologia, a antropologia, as teorias comunidade científica na para dentro da comunidade de comuda comunicação." Ele concorda que área de comunicação. Precisamos de nicólogos tem sido muito duro, "pordentro da área de comunicação não dequalificação dos docentes, precisamos que há defeitos históricos de constituive caber tudo, que deve se proceder uma de consistência das linhas de pesquisa, limpeza "do lixão', como diz Gomes, mas ção do campo de comunicação que têm que têm que ser entendidas como luga"fechar a área e definir que tudo que res da formação de especialidades e não que ser vencidos': Mas na Capes, assegura, sua posição é de defesa intransinão seja estudo da mídia tem que estar apenas como nomes de fantasia", diz Wilson Gomes, 39 anos, professor titugente da virtude do campo, que "não fora é estreitar por demais o campo': em lar de Teoria da Comunicação na UFBA. pode ser liderado por quem não gosta sua avaliação. Ele dá um exemplo prátiNa função de representante dos prograde ciência e de suas exigências metodoco: "Em que área estudar, buscar entenmas de pós-graduação da área de infor- . lógicas". Sem se aproximar cada vez der um fenômeno como o que acontece mais de uma mentalidade propriamenna Bahia, de uma música que não foi mação e ciências da comunicação e da área de ciências sociais aplicadas no te científica, completa, o risco da comugravada, não estar tocando em qualquer meio de comunicação de massa, de reComitê Técnico-Científico (CTC) da nicação é ser varrida para fora do sisCapes, Gomes insiste que "a área de cotema de fomento à pesquisa. pente ser cantada por uma população inteira?" Há, portanto, em seu entendimunicação precisa trabalhar, precisa A briga em casa - O toque irônico, curesolver a mania de colocar sua produmento, outras formas de comunicação ção fora de sua própria área. A sociedarioso, do debate é que ele ganhou uma que não passam pela mídia e que seriam de sabe que é de comunicação de massa expressão muito concreta na UFBA, a objetos legítimos do campo de estudos que estamos falando e, portanto, quem universidade onde Gomes trabalha. da comunicação. Rubim destaca, incluquer produzir uma tese sobre dança, "Propusemos a criação de um grupo sive, que o enlace entre comunicação e sobre ergonomia ou sobre comunicamultidisciplinar dentro do programa cultura poderia representar um grande impulso para o alcance científico da área ção interpessoal deve buscar outros de Comunicação e Culturas Contemprogramas". porâneas para pesquisar espetáculos de comunicação. "Tradicionalmente, a Ele vê na formação da Compós, em contemporâneos. O grupo não foi aceicultura não tem dono na universidade 1992,um fator fundamental de estímuto, por força desse novo entendimento brasileira. Esteve ligada às faculdades estreito da comunicação que vem se dilo ao crescimento da área de comunicade Direito, às ciências sociais e, mais reção e acredita que, de fato, ela está se fundindo, e então montamos um novo centemente à comunicação, e do ponto expandindo rapidamente em volume e programa de pós-graduação vinculado de vista da produção de conhecimento consistência. Explica que seu discurso à Faculdade de Comunicação (Facom), isso pode ser muito fecundo': diz. PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 81
A voz de Muniz Sodré, 60 anos, um dos mais respeitados pensadores de comunicação no país, com teorias originais, como a que estabelece que vivemos hoje num bios, ou numa forma de vida midiática, dá novas dimensões para o debate. "Vejo a ciência da comunicação como um discurso reflexivo que deve incorporar o senso do profissional da mídia, das elites logotécnicas." Seria assim o discurso de uma práxis, simultaneamente reflexivo e técnico, que teria a ambição da reorientação ética e política da própria mídia e dos usuários da mídia. Muniz lembra que os profissionais da mídia é que criam continuamente um universo imaginário e real onde as pessoas vão viver. Lembra que há uma forma de vida virtual fabricada continuamente por pessoas conscientes desse ato. "E é por isso que esse discurso da mídia tem que ser reconhecido pela comunidade científica não como o seu próprio discurso, mas como aquele ao qual ela precisa ir, voltar à academia para construir o discurso da ciência, que é reflexivo, e então ir de novo ao discurso técnico da mídia com a ambição de reorientação ética", diz. E nisso a comunicação não estaria, em sua visão, agindo diferente de outras ciências sociais, que historicamente crescem atendendo a demandas.para potenciar determinados sujeitos sociais, como o Estado, os sindicatos, etc. E se mais elementos ainda podem ser acrescentados para a discussão da epistemologia da comunicação, vale observar que pesquisadores de um campo tradicionalmente compreendido na comunicação, como o cinema, não pretendem renunciar, entre outras coisas, a uma dimensão que consideram essencial para suas reflexões: o da estética. "Quem está voltado para a análise crítica do cinema não pode dispensar o instrumental oferecido pela teoria literária, pela ' história da arte e pelo teatro. O fenômeno de massa do cinema está fortemente ancorado na 82 . DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
narrativa dramática e as teorias da comunicação não dão conta disso. As teorias originárias da escola de Frankfurt, ou dos Cultural Studies, de Birmingham, matam a estética, um valor que para nós está no centro de nossas reflexões", diz Ismail Xavier. Daí porque ele vê problemas à frente com os enquadramentos a que vêm sendo submetidos os programas de pós-graduação em comunicação. Problemas de identidade - Enquadramento que seria desnecessário se a nova geração de pesquisadores de comunicação não tivesse problemas de identidade com o campo em que atuam, na visão do professor José Marques de Mello, um dos primeiros pesquisadores de comunicação do país, professor titular aposentado da ECA-USP e atual coordenador do programa de pós-graduação da Metodista. "Falamos em uma história da área de comunicação no Brasil e da pós-graduação, a partir de 1972, mas para sermos rigorosos é pre-
ciso lembrar que esse campo começa no início dos anos 60 com Darcy Ribeiro, na Universidade de Brasília", diz Marques. "Darcy chamou Pompeu de Souza, que ele considerava o mais competente jornalista brasileiro", e o encarregou de montar a área de comunicação da nova universidade. Baseado no modelo da Universidade de Stanford, montou-se a faculdade de comunicação, com uma escola de jornalismo, uma escola de cinema, uma escola de rádio e TV e uma escola de publicidade e propaganda, tudo muito relacionado ao universo real da comunicação. No mesmo momento se iniciou uma pós-graduação na UnB, cujos alunos eram os professores da graduação, contratados em regime de 40 horas semanais "E tanto era gente muito experiente, como Luís Beltrão e Paulo Emílio Salles Gomes, quanto jovens talentosos, como Iean Claude Bernardet", diz Marques. A ditadura militar instalada no país a partir de 1964 desmantelou a experiência de Brasília, mas ainda assim serviu de base à formação da ECA- USP em 1966, com a organização da graduação e de um programa de doutorado que aproveitava a experiência que alguns traziam da UnB. "O primeiro grupo de doutores entregou suas teses em 1972 e fez as defesas no início de 1973", diz Marques. Ocorre que a reforma do ensino superior levada a efeito no país, entre 1967 e 1969, acabou com o doutorado direto, e a ECA-USP teve que organizar uma pós-graduação sobre as novas bases, com a instalação do mestrado em 1972. O doutorado em conformidade com o novo modelo só viria oito anos depois. Há assim "o interregno da ditadura", uma descontinuidade política que perturba desde o começo o desdobramento desse campo novíssimo que era a comunicação e, mais adiante, um fenômeno de aposentadorias precoces na universidade, a partir do final dos anos 80, que também atua como um elemento perturbador do sistema. Que agora, muitos anos depois, se vê a braços com a exigência de uma profunda reflexão a seu próprio respeito. •
da 0\1 às 5\1 , 6\1 das 5\1 as 2' a sábadO. 6\1 às 9\130 2' a sexta. da: 9\130 às '0\1 2" a sexta. da , 0\1 às '2\1 2" a sexta. das ,2\1 às '4\1 2' a sexta. das . s '6\1 das ,4\1 a 2' a sexta. , 6\1 às '7\1 2' a sexta. das ,7\1 às 20\1 2a a sexta. das 20\1 às 2' \1 2' a sexta. das 2' \1às 2' \130
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A Rádio Eldorado AM mudou sua programação, cidadania
Agora, informação,
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prestação de serviço e a interatividade
E, claro, a
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• HUMANIDADES URBANISMO
Uma cidade para todos Projeto cria kit para ajudar a população a entender e manejar a legislação urbanística
abe à população cuidar da cidade, ajudar a planejá-Ia, escolher para onde ela deve caminhar. Mas fica difícil tomar qualquer tipo de iniciativa num emaranhado de termos, como "operação urbana consorciada': "direito de preempção" "outorga onerosa do direito de construir" ou "edificação compulsória" Até o conceito de Plano Diretor, tão comentado hoje em dia, é incompreensível para a maioria das pessoas. Para ajudar a democratizar a linguagem urbanística, complicada até para quem tem contato com ela, e torná-Ia acessível à comunidade, a Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCamp), em parceria com o Instituto PÓlis (Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais), criou o Kit das Cidades. Nele há até um jogo de RPG (role playing game, na sigla em inglês) que simula conflitos de interesses em cidades. Financiado no âmbito do Programa de Políticas Públicas da FAPESP, o projeto nasceu de uma pesquisa do Pólis, uma organização não-governamental (ONG), e da PUCCamp, que buscava elaborar um programa de capacitação para pessoas que lidassem com legislação urbanística. "O público-alvo do projeto abrange técnicos de prefeituras, membros de movimentos de moradia, associações de moradores de bairro, mercado imobiliário, operadores de direito, urbanistas e universitários, entre outros", conta Paula Santoro, arquiteta e urbanista do Pólis, Em 2001, o Estatuto da Cidade foi aprovado pelo Congresso Nacional e a regulamentação urbanística entrou na ordem do dia. "Os municípios sempre tiveram a necessidade de conhecer as leis e entender para que elas servem, mas com a aprovação do estatuto, o projeto assumiu nova direção e ganhou novos apoios e parcerias, como do Lincoln Institute of Land Policye da Caixa Econômica Federal, que ajudaram a tornar viável a produção do kit com vários produtos que não estavam inicialmente previstos': conta a professora Raquel Rolnik, coordenadora do projeto. Com a lei federal, a participação do público é obrigatória em vários processos de elaboração, implementação e revisão de leis urbanísticas
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e, com o estatuto em vigor, mais do que um programa de capacitação, o projeto do Pólis e da PUCCamp virou um instrumento de divulgação. O Estatuto da Cidade dá as diretrizes da política urbana do país, nos níveis federal, estadual e municipal, e cria uma nova concepção de planejamento do território. Nele estão presentes uma série de princípios sobre conceitosde cidade e gestão urbana e outro número de instrumentos para se alcançar essesprincípios. inovações da lei estão em diversos campos, conta a arquiteta Paula Santoro. Ela possui instrumentos que podem induzir as formas de uso e de ocupação do solo; ao invés de simplesmente normatizar, delega para os municípios a definição do que significa cumprir a função social da cidade e da propriedade, estabelece uma nova estratégia de gestão que incorpora a idéia de participação direta do cidadão em processos decisórios sobre o destino da cidade e de parcerias para o desenvolvimento urbano. É mais fácil conhecer todas essas novidades por meio da elaboração de um Plano Diretor, que deverá convocar a população para pen-
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Ilustrações de cidades-imaginárias: o Jogo da Cidade, nos moldes do RPG, serve para os coordenadores avaliarem se o estatuto foi absorvido
sar uma cidade melhor para todos. "A idéia é chegarmos a uma cidade em que todos caibam", explica Raquel R~lnik. Plano Diretor, ensinam os urbanistas do Pólis, é a lei que define "a cidade que queremos': Para chegar lá, é necessária a definição de três pontos: a destinação dos investimentos; a regulação, ou seja, todas as leis e normas, que determinam o zoneamento e o parcelamento, entre outros; e a gestão, que significa como a comunidade vai se organizar. Pelas regras do estatuto, toda cidade com mais de 20 mil habitantes, ou que faz parte de regiões metropolitanas, turísticas, ou ainda as que têm grandes obras que são capazes de colocar em risco o meio ambiente ou mudar demais a região, terá obrigatoriamente de elaborar seu Plano Diretor, num prazo máximo de cinco anos. A maioria das cidades de São Paulo já tem o seu. Em 1997, esse mesmo grupo de arquitetos fez uma pesquisa sobre o impacto da aplicação de novos instrumentos urbanísticos em cidades do Estado de São Paulo. Ou seja,
eles queriam saber quem tinha e quem não tinha Plano Diretor. Descobriram que 80% das cidades tinham alguma espécie de regulação, como Lei de Parcelamento e Código de Obras. E 65% delas tinham Plano Diretor. "O problema não é a falta de plano, mas que plano", diz Raquel. Numa primeira fase do projeto de capa citação de agentes, foram feitas parcerias com três cidades do Estado Limeira, Guarulhos e Caraguatatuba para a elaboração e o desenvolvimento dos instrumentos de comunicação. A escolha dos municípios foi feita por proximidade com as instituições envolvidas e por serem representativas de diferentes situações urbanas presentes no Estado de São Paulo. Cidades escolhidas, o grupo partiu para identificar as pessoas que estavam envolvidas com legislação nesses municípios. Assessores de comunicação, produtores de vídeo, publicitários e até uma criadora de jogos, entre outros, foram consultados para discutir qual produto de comunicação deveria ser desenvolvido, para qual público e em que momento. As consultarias modificaram os instrumentos de comunicação e todo o projeto anterior foi mudado.
Esses profissionais, em conjunto com os autores do projeto, ajudaram a elaborar um guia do Estatuto da Cidade, um vídeo, um curso a distância em CD-ROM, um jogo, um Banco de Experiências e vinhetas de rádio. "Entendemos que nenhum meio de comunicação funciona sozinho", analisa o urbanista Renato Cymbalista, também do Instituto Pólis. Simulação de negociação - O Jogo do· Estatuto da Cidade, nos moldes do RPG, é uma simulação de uma mesa de negociação envolvendo diversos personagens de uma determinada localidade. Há três cidades "quase-imaginárias': baseadas em histórias verídicas, mas com informações e personagens fictícios. Para atuar nessas cidades, cada participante assume um papel. Os jogadores devem usar os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto das Cidades para negociar e resolver as questões. Um dos objetivos do jogo é o exercício de alteridade. Diferentes agentes da comunidade trocam de papel, entendem melhor como e por que o outro pensa de determinada forma e aprendem a negociar. O outro ponto importante é que discutindo os conflitos
com base no estatuto, eles se familiar izam com a lei federal. Os pesquisadores já apresentaram o RPG em diversas ocasiões e para públicos diferentes. Os resultados têm sido ótimos, relatam. Os jogadores incorporam os personagens, falam com sotaque. "Já vi até representantes de movimentos de moradia sofrerem para representar o papel de um empresário, por exemplo", afirma Paula Santoro. O Jogo da Cidade deve ser o último instrumento do Kit da Cidade a
o PROJETO Programa de Capacitação de Agentes Públicos e Sociais para a Formulação de Políticas Locais de Regulação Urbanística MODALIDADE Programa
de Políticas
Públicas
INSTITUIÇÃO PARCEIRA Instituto Pól is COORDENADORA RAQUEL ROLNII( - PUCCamp
INVESTIMENTO
R$ 146.444,78
ser utilizado. Serve também como avaliador, para os orientadores observarem se o estatuto foi absorvido. O primeiro instrumento de comunicação do kit a ser usado deve ser o vídeo, que tem um impacto emocional, sem pretensões didáticas, e é usado para atrair o interesse do público. O CD com vinhetas de rádio é um apoio à implantação do Plano Diretor, mas trata de questões genéricas. A cartilha usa uma linguagem popular, tratando o estatuto a partir dos problemas da cidade. Há também o Banco de Experiências, com iniciativas de política urbana que já estão sendo utilizadas por alguns municípios. O kit é gratuito e está sendo requisitado por cidades de todo o país. Ele só é fornecido a pessoas jurídicas (universidades, ONGs, prefeituras, escolas, associações de moradores, movimentos populares). Atualmente, o grupo de urbanistas está concentrado na divulgação do material e na realização de oficinas para multiplicadores desse conteúdo em todo o Brasil. Também criaram um site (www.estatutodacidade. org.br, em construção) que conterá todo o material e será um local de encontro para troca de experiências. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 87
• HUMANIDADES
TEMÁTICOS
iloso ando em português Quatro grandes projetos da FFLCH da USP discutem de Aristóteles a Habermas começo o de outubro, a FAPESPaprovou o financiamento de um projeto na área de filosofia. Até aí, nada de mais. A Fundação apenas deu vazão a uma demanda do setor. Ocorre que, com ele, o Departamento de Filosofiada Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo passou a contar com três projetos na categoria de temáticos, que tem como principal característica a grande abrangência do estudo cujo impacto é, também, significativo. Em razão de sua importância, essa modalidade de pesquisa exige um pesquisador responsável com ampla
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experiência, o prazo de conclusão do trabalho pode atingir até quatro anos e não há limite orçamentário mínimo. Além desses três temáticos, um quarto, baseado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), tem também a coordenação de um professor do mesmo departamento da USP. Os coordenadores dos atuais projetos temáticos têm em comum a experiência e o gosto por trabalhar coletivamente. Marilena Chaui, responsável pelo mais recente projeto aprovado, é um dos melhores exemplos dessa prática. "Nosso temático é a conseqüência do trabalho de um grupo de especialistas na filosofia do século 17,que já exis-
te há dez anos", diz a professora. "Para esse projeto específico, há apoio recíproco entre os pesquisadores, mas ele não interferirá no conteúdo individual de cada trabalho:' Ela ressalta que os trabalhos individuais resultantes do projeto poderiam existir sem o projeto, mas não seriam tão maduros e profundos sem o apoio das discussões coletivas. Ou seja, o grupo não é condição de trabalho, mas a condução do trabalho em grupo é importante para cada um. Pode-se dizer que esse mesmo raciocínio vale para os demais temáticos da filosofia. O projeto coordenado por Marilena vai estudar a relação entre a razão e . a experiência no nascimento da modernidade. Para isso, uma das vertentes analisadas pelos pesquisadores é colocar em dúvida a suposição, que vem desde Hegel, de que haveria uma divisão entre empirismo e racionalismo, urna vez que o pensamento clássico tem como uma de suas marcas o racionalismo. O próprio grupo concluiu que a totalidade dos pensadores do século 17 é racionalista, como Espinosa, por exemplo. O projeto reúne 19 pesquisadores. Embora os coordenadores dos temáticos de filosofia sejam da USP, há professores de outras universidades envolvidos diretamente no projeto. Boa parte deles é da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mas há pesquisadores de universidades do Rio
Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, Rio de Janeiro e da Bahia. Para Marco Zingano, coordenador do temático Ética e Metafísica em Aristóteles, de dez anos para cá o circuito de colóquios sobre filosofia intensificou-se no país. ''Acredito que existe um esforço em provocar uma interação maior, que já existe nas áreas de ciências naturais", afirma Zingano. Acostumado aos trabalhos em conjunto, Zingano considera ideal a concepção de projeto temático. ''A idéia do nosso temático é estudar a filosofia antiga a partir de uma entrada principal, que é Aristóteles", diz o pesquisador. "Essa é também uma maneira de fortalecer os estudos em filosofia antiga, já que não havia grupos especialmente organizados sobre isso." Massa crítica- No caso de Pablo Mariconda, coordenador do projeto Estudos de Filosofia e História da Ciência, os temáticos abriram a possibilidade de institucionalizar o que já existia. "Embora a introspecção em humanidades seja também um estilo de trabalho, sempre houve pesquisadores dispostos a estudar juntos o mesmo tema", diz. De acordo com ele, hoje há uma massa crítica maior e uma pressão pela continuidade de trabalhos considerados importantes em filosofia. O temático de Mariconda trata das revoluções científicas, a partir dos séculos 16 e 17, e do
impacto das idéias de Isaac Newton sobre as ciências físicas e biológicas durante o século 18. ''Agora, por exemplo, estamos trabalhando com evolução darwiniana e com física quântica," Há 15 pessoas no grupo, três delas professores associados de outros estados. Uma interessante experiência em andamento entre os quatro temáticos ligados à Filosofia da USP é a do Cebrap. Coordenado por Ricardo Terra (USP) e Marco Nobre (Unicamp), o projeto Moral, Política e Direito: Uma Investigação a Partir da Obra de Jürgen Habermas, trabalha com grupos da Faculdade de Direito da USP. De diferente, a organização do projeto tem o fato de ele estar plantado no Cebrap, ser coordenado por professores de filosofia e ter pesquisadores de direito, que têm como orientadores professores da Faculdade de Direito e não da Filosofia. "É um projeto com muitas aberturas:' O estudo, que congrega cerca de 30 pesquisadores, partiu da constatação de que existem dois pólos fundamentais para a democracia: economia e direito. "O direito é o grande transformador do movimento social nas democracias", explica Terra. "Se as reivindicações não viram lei, as conquistas ficam em parte limitadas." O aspecto jurídico tem grande força porque é, também, a ferramenta mais usada para resolver todos os tipos de pendências. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 89
• o senhor ainda hoje considera o marxismo uma ciência? - Não uma ciência, mas um horizonte filosófico, que é, possivelmente, o mais rigoroso, o mais rico de nosso tempo.
• Em 1990 o senhor publicou o livro Intelectuais Brasileiros e Marxismo, e afirmou não se poder escrever sobre a história do pensamento brasileiro do século 20 sem mencionar o marxismo. - A observação continua válida. Possivelmente escrevo textos que penso estarem envelhecidos, mas não é verdade. O marxismo marca a história para o bem e para o mal. Afinal, também apresenta certas limitações, típicas do pensamento de uma sociologia da cultura brasileira e encontraríamos essas limitações no pensamento da direita e da esquerda, também.
• Quais são essaslimitações do marxismo? - Aqui, o marxismo assumiu uma forma muito doutrinária. Cedemos à tentação de fazer do pensamento uma doutrina, e essa é uma forma de expressão de pensamento que aprisiona, gera cobranças. Logo aparecem os patrulheiros da doutrina e isso cria uma dificuldade de abertura para o novo. Tanto o pensamento de esquerda quanto o de direita e até mesmo o liberal e o centrista se deixam revestir de uma forma doutrinária.
• Há quatro anos, o senhor participou dos cem anos do Manifesto Comunista, em Paris. As idéias do socialismo foram incorporadas pelo capitalismo? O senhor ainda é um socialista? "
- Com certeza, ainda sou um socialista e as idéias do socialismo são utilizadas pelo capitalismo, mas sempre, inevitavelmente, de uma maneira deformada. O capitalismo é incompatível com o socialismo. O capitalismo tenta aproveitar elementos do socialismo de uma maneira mais ou menos oportunista, às vezes com habilidade, outras sem. Continuo a acreditar que é a substituição de um sistema por outro sistema. Como isso vai ser, eu não sei. Não sou o campeão do pensamento político, não tenho a pretensão de ditar e indicar caminhos, há porém uma direção n •••qual a busca é possível. Uma direção que corresponde a uma demanda tradicional de se conjugar democracia à liberdade e justiça social, coisa que o liPESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 91
beralismo não consegue fazer. Temos consciência de que podemos fazer isso, só que ainda não sabemos como. • Por que o senhor acha que a ciência política não existe?
- Tenho a impressão de que aquilo que se produziu em termos de ciência política talvez não seja tão científico assim. Mesmo quando é respeitável e corresponde a uma realidade nossa, de nosso esforço de conhecer a realidade da política, esse saber não é um saber que possamos considerar pacificamente científico. Mas, de qualquer maneira, tento participar da política e defender determinados valores, não só no plano teórico como também no prático. Lembro-me de um autor e teatrólogo do século 20, Bertold Brecht, muito respeitado e que muito admiro, que dizia o seguinte: "Avitória da razão só pode ser a vitória das pessoas razoáveis, a razão não existe por si mesma, ela existe na conduta, na ação das pessoas. Então, se as pessoas razoáveis não vencem, a razão não prevalece.A vitória das idéias é a vitória dos portadores materiais das idéias. Pessoas razoáveis têm de fazer política para que a razão prevaleça, porque não há outro meio de prevalecer, a não ser por meio da política feita pelas pessoas razoáveis". • Na literatura brasileira, um dos seus autores prediletos é Carlos Drummond deAndrade. Existiu uma relação de amizade entre vocês ou só mesmo a admiração pelo poeta de Itabira?
- O sentimento de amizade é forte demais. A partir de um determinado momento escrevi para Drummond e' ele me respondeu, então trocamos umas poucas cartas, só umas quatro ou cinco. Foi muito generoso nos bilhetinhos que me mandou quando escrevi um artigo sobre quando ele completou 80 anos e eu disse: "Gente vamos deixar o poeta em paz e tentar não fazer badalação em torno dele". Pois Drummond era avesso a isso. Ele agradeceu muito e comentou: ''Agora você virou um amigo". No entanto, acho que era força de expressão, evidentemente não era amigo dele, não tínhamos intimidade. Sua importância como poeta tende a crescer e sua obra será reconhecida como uma obra maior com o passar do tempo. É claro que Drummond tem poemas mais 92 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
expressivos e outros menos, mas de forma geral tem uma obra muito rica, e em seu auge escreveu poemas absolutamente geniais. • Um pouco parecido com o senhor, que não gosta de polêmica, de badalação?
- Machado de Assis dizia: "Sofro de tédio à controvérsia': Gosto do diálogo, da diferença, mas quando essa se manifesta muito agressivamente, falta paciência. B muito chato dizer para uma pessoa: "Você é um idiota". Não gosto de dizer que os outros são idiotas, afinal posso estar enganado, pode ser que haja inteligência naquele mundo de meu oponente agressivo, seria então cometer uma injustiça. E, no entanto, quando estou irritado, posso cometer injustiças mais facilmente. • O Alberto, sapateiro e anarquista, e a Bartoloméia, que compõe frases de autores famosos com uma crítica voraz, são vizinhos e personagens de suas crônicas. Como é para um pensador marxista escrever sobre um anarquista?
que intelectuais de seu porte optem somente pela pós-graduação.
- Eu adoro dar aula. Quando dou uma boa aula e vejo os olhos dos alunos brilharem, sinto um prazer imenso. Aquela é a hora em que libero a vaidade, e a gratificaçãoé enorme. Ao mesmo tempo, tenho consciência de que a graduação precisa de "nós'; pois é o momento em que podemos exercer uma influência especial sobre as convicções dos alunos. Por outro lado, também precisamos da graduação. Sinto que preciso da graduação, os alunos da graduação me ajudam até mesmo quando não falam, com suas expressões, reações, fisionomias. Percebo quando uma idéia tem mais força junto a eles e quando não mexe com eles. Aí, posso repensar e tentar aprofundar e desdobrar minha idéia em outra argumentação, para ser mais convincente. Acho que a graduação é um pouco do Brasil real e a pós-graduação, um Brasil artificial, precioso, mas limitado, envolve muito pouca gente. Então, eu gosto muito da idéia da graduação: ela abre um campo de compreensão e de horizontes do professor.
- Eu simpatizo muito com o anarquismo, embora não me convença de sua justeza política. O anarquismo tem uma certa grandeza de alma, mas uma certa ineficáciapolítica notória. Então, eu quis criar um personagem com o qual pudesse me identificar, independentemente das divergências políticas. O Alberto é um personagem que tem uma integridade rebelde que me fascina muito, ele é um pouco um alter ego que criei para mim, liberado das preocupações políticas, da política mais imediata. Alberto é um radical, mas pode até ser radical, exatamente por não ser muito eficiente, e essa radicalidade faz falta hoje em dia. Na sociedade contemporânea, medimos tudo, inclusive as paixões. Acho isso um absurdo: a paixão, nesse caso, é incomensurável, não pode ser medida, se puder não é paixão. Aí então inventaram as paixões medidas e o Alberto é uma reação contra isso. Quanto à Bartoloméia, pensei nela como uma surrealista, que expressa um lado meu com uma enorme simpatia pelo surrealismo como um movimento histórico artístico cultural.
- Eu te confesso que às vezes me sinto meio perplexo. Não tenho estofo, nem gabarito, nem base para encaminhar uma resposta muito positiva e conclusiva. Estamos vivendo muitos fatos novos, ainda não foram digeridos ou sedimentados. O mundo mudou demais na área da comunicação, por exemplo. Os celulares, o computador, enfim, essa realidade invadiu o nosso cotidiano e evidentemente tem efeitos e conseqüências políticas que ainda não fomos capazes de pensar, nós da esquerda, nós socialistas. Isso exige de nós um desafio, exige que pensemos sobre o novo, mas o novo não surge puro, nítido, ele aparece impuro e confuso. Isso dá um trabalho danado e eu acho que temos de enfrentar. A resposta a essa pergunta não virá de nenhum teórico, de nenhuma cabeça pensante, privilegiada, lúcida. Virá sim da experiência das massas.
• O senhor diz ter um imenso prazer em lecionar para a graduação e os alunos disputam um cantinho nas salas lotadas da PUC para ouvi-Io. O mais comum é
• A globalização tem se apresentado como um fenômeno cada vez mais excludente no mundo contemporâneo. Qual a reflexãoque o senhor faz a respeito de tal fenômeno?
• Alguns pensadores têm afirmado que vivemos uma crise civilizatória. Qual a análise que o senhor faz desse momento da humanidade?
- Eu acho que, de alguma forma representa a velha teoria do imperialismo, que em vários aspectos está amplamente superada, mas que às vezes me parece uma espécie de antecipação dessa desgraça que veio depois. O imperialismo não serve como explicação, mas é a manifestação da percepção de um problema que está se criando e que se agravou do século 20 para cá: o problema de uma mundialização muito deformada e controlada por alguns, em prejuízo de muitos. • O senhor é de uma família tradicio-
nalmente reconhecida como de históricos comunistas. Seu irmão, o escritor e jornalista Rodolfo Konder, optou hoje por caminhos diferentes. O afeto superou as diferenças na relação? - Eu nunca briguei com meu irmão. Aceito a opção dele como opção dele, que não é a minha. Sempre mantivemos um diálogo muito fraterno, muito carinhoso. É importante respeitar as diferenças. Acho que uma relação pessoal, íntima e que se constrói ao longo de muitos anos é preciosa. As alianças e desalianças, acordos e desacordos da política são muito instáveis. Hoje estamos de acordo com uma pessoa, e logo depois divergimos. Uma das características ruins da mentalidade doutrinária é transformá-ia em receituário para a vida e aplicar a doutrina até nas relações afetivas, que são sempre mais ricas do que qualquer doutrina jamais poderá reconhecer. • O senhor é um socialista ateu?
- Eu acho que sim. O papel da religião, precisaser repensado, a tradição marxista está envelhecida e precisa ser revista. A religiãoe a consciênciareligiosaé mais rica do que Marx podia conhecer. Ele não presenciou certas formas de consciênciareligiosa que não eram típicas de seu tempo. Essa minha revisão e reavaliação positiva do papel da consciência religiosa não significa o abandono da minha descrença básica de ateu. Recentemente, tive um encontro com protestantes luteranos e foi uma conversa tão boa que no fim eles me perguntaram: você acredita em Deus? Sentindo o que havia por trás dessa preocupação deles, com quem havia tido concordâncias políticasimportantes, respondi: não acredito em Deus, mas tenho boas relações com ele.
• O senhor, assim como o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), tem interlocutores marxistas e católicos, como Leonardo Boff e Frei Betto. Existe algum assédio de conversão? - Com Leonardo Boff estive poucas vezes, mas com Frei Betto tenho mais contato e até já viajamos juntos para Cuba. Ele é uma pessoa extremamente agradável, incrivelmente simpática. Gostei muito de tê-lo conhecido. Ficamos amigos, criou-se um vínculo de afeto. Ele diz umas coisas muito engraçadas, como, por exemplo, que gostaria de receber a notícia que entrei para um convento e me converti. Ele é muito inteligente. Leonardo, Betto e outros são pessoas que me obrigaram a rever minha concepção do que era a consciência religiosa. É preciso pensar nisso, na existência de pessoas como essas.Significa que alguma coisa não é exatamente aquilo que o velho Marx pensava. • Ofilósofo Márcio Tavares do A~aral, da UFR], depois de maior parte da vida como ateu, se converteu e hoje é católico. O senhor já pensou sobre essapossibilidade? - A gente nunca deve dizer que dessa água não beberei. Mas, pelo que conheço sobre mim, seria algo artificial, muito pouco convincente para mim mesmo. Tenho respeito, mas não me vejo como um místico, um religioso. Não é a minha inclinação natural, não é típico de meu feitio. • O senhor acredita que as dificuldades
vividas pelo Brasil, como a pobreza e o analfabetismo, conseguirão ser resolvidas neste começo de século? - Só tenho essa esperança. Seria impossível para mim continuar uma vida normal se não acreditasse em um país melhor, se achasse que isso que está aí veio para ficar,que é definitivo.Acho que a gente tem de brigar muito, mas essa é
uma briga que tem futuro. Uma luta difícil no presente, mas, ao que tudo indica, uma luta que vai criar condições para um movimento de transformação, que seguramente superará essa desgraceira existenteno país.A sociedadebrasi1eiraé profundamente injusta, marcada por desigualdades insuportáveis e acho que já está em movimento - não é um sonho. Um movimento complexo, que não se restringe a um partido só e que pode ser percebido em vários partidos políticos. Um movimento que pretende reunir senso de realidade, compreensão dos limites e, ao mesmo tempo, disposição para se fazer a mudança. Acho que essa mudança não vai ser feita de acordo com o figurino antigo, mas já está sendo encaminhada. Espero que avance e isso depende de firmeza, convicção e muito senso de realidade. Acho que já existe gente fazendo isso. Quando é que pensei que um operário poderia ter a possibilidade de se tornar presidente do Brasil?Não sei como vai ser esseprocesso, mas é uma situação que já representa uma mudança considerável na história brasileira. • O senhor diz temer muito a vaidade, mas ela faz parte da condição humana. Como o senhor lida com esse sentimento? - Eu sou um vaidoso prevenido,de olho em mim mesmo. Gosto de mim, mas não confio totalmente em mim. Mantenho uma certa desconfiança em relação às minhas idéias positivas e favoráveis ao que faço.Em geral,percebo que quando escrevo um texto o vejo de maneira mais crítica com o passar do tempo. Em um primeiro momento, tendo sempre a achar que o que escrevi está melhor do que realmente está. Com o passar dos anos, vou redimencionando o texto e vejo que não está tão bom quanto pensei.Essessentimentos exigem uma certa sedimentação que só a vida traz. • PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 93
RESENHA
o texto infinito Ensaios de crítica genética detalham o trabal ho de construção artística WANDER
MELO
MIRANDA
E
ntre a mão que escreve e o livro publicado, o prototexto: rascunhos, diagramas, rasuras, esboços. O manuscrito literário é a via sinuosa e labiríntica que figura o rigor e o acaso do processo de escrita -, cosa mentale que o traço na folha em branco reveste de afeto e desejo. A crítica genética é, por isso, mais do que uma jovem "disciplina", uma pontuação significante naquilo que o texto final e acabado deixou como promessa de um outro texto, suplemento aberto ao infmito das possibilidades de realização, ao ir-e-vir do sentido sempre em processo. Por isso também, desfaz a aura do mistério da criação, ao detalhar, às vezes até o limite da exaustão, o trabalho minucioso de construção artística, deslocando a noção de autoria ou gênese discursiva. Os ensaios reunidos por Roberto Zular são exemplares dessa postura analítica, nascida no final dos anos de 1960 na França e logo acolhida por grupos de pesquisa no Brasil. Franceses e brasileiros traçam em Criação em Processo,as trilhas já percorridas e a contribuição decisiva que apresentam para o conhecimento da escritura e do texto. Louis Hay e Almuth Grésillon, Philippe Willemart, Iean-Louis Lebrave e Telê Ancona Lopez, entre outros, oferecem um histórico da discussão e buscam definir os conceitos e procedimentos de uma teoria que dê conta do que Lebrave chama de "poética do processo",e Grésillon, "estética da produção': Ao contrário do preceito filológico de fixação na pureza original do texto único ou primeiro, que caberia ao filólogo reconstituir, preferem a aventura do "texto móvel" (Willemart), que pela sua dinâmica institui protocolos diferenciados de leitura do fazer literário, entendido na sua estrutura múltipla como escrita sem fim, na materialidade de suas formas de inscrição. A perspectiva adotada pelo geneticista não supõe uma concepção histórica evolutiva da criação, análoga à lógica linear que considera o livro como etapa final e definitiva da escrita. A ruptura maior que se instaura no âmbito dos estudos literários nasce aí: 94 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
"O texto perde pouco a pouco seus atributos mais essenciais.Ele se torna instável,mutável, radicalmente inacabado, indefinidamente acessível Roberto Zular (orgJ ao retoque, à reescritura, à Editora I1uminuras / transformação" (Lebrave). O FAPESP / Capes texto confunde-se com o hipertexto, seu novo e inequívoco estatuto operacional e 256 páginas crítico. O rápido desapareciR$ 22,00 mento do manuscrito na era do computador traz consigo esse revide irônico, que acentua sua possibilidade de rendimento metafórico - a rigor, interminável- diante da nova tecnologia, cujos traços de definição a escritura ilumina por analogia e contraste. O texto aparece, então, "bem mais complexo que nossos modelos antigos, bem mais aleatório que nossos modelos atuais" (Hay). Não por acaso, diversas instituições do país e órgãos de fomento à pesquisa têm demonstrado interesse crescente pela preservação e pelo estudo de documentos e manuscritos literários, vistos ao mesmo tempo corno objetos de investigação e patrimônio cultural. É o que garante à crítica genética não a reclusão na singularidade do objeto, mas sua abertura comparativa e interdisciplinar. Para tanto, a atenção a manuscritos de áreas distintas como a filosofia, a arquitetura, o direito, a religião, entre muitas outras, pode oferecer lugares de passagem e intersemiose que contribuam para a construção da prática teórica proposta. Como nos alerta Pierre-Marc de Biasi, "a história dos textos demonstra que a verdade, inseparável de suas sempre relativas formulações, não é da ordem do acabamento: é uma exigência, algo que se busca, se aprofunda, se alarga, e cuja definição comunicável, sempre incompleta e provisória, é objeto de uma perpétua reescritura". O desafio da crítica genética mostra-se, assim, indissociável de uma nova ética e de uma nova política da escrita. Criação em Processo - Ensaios de Crítica Genética
WANDERMELOMIRANDA é professor titular de Teoria da Literatura da UFMG. Coordena o Projeto Integrado de Pesquisa Acervo de Escritores Mineiros (UFMG/ CNPq). É diretor da Editora UFMG.
LIVROS
REVISTAS
Um Olhar à Esquerda: A Utopia Tenentista na Construção do Pensamento de Nelson Wernecl< Sodré Editora Revan/FAPESP Paulo Ribeiro da Cunha 336 páginas I R$ 35,00 Conhecido pensador marxista e um analista crítico da realidade brasileira, Nelson Werneck Sodré é visto neste estudo sob um prisma inovador, a partir de suas raízes revolucionárias. Segundo o autor, para cornpreendê-lo é preciso remeter ao seu passado, que mostra o historiador e o intelectual como advindo do antigo militar. Para Cunha, Sodré supriu as carências teóricas com a experiência pessoal dentro da corporação militar.
Ciência, Tecnologia e Sociedade: o Desafio da Interação Iapar/ADT Lucy dos Santos, Elisa Ichikawa, Paulo Sendin, Doralice Cargano (orq.) 271 páginas I R$ 20,00
o livro traz uma reunião de artigos organizados pelo Grupo de Estudos em Inovação Tecnológica na Agricultura (Geita), fruto do fórum Gestão da Interação Ciência, Tecnologia e Sociedade, ocorrido em março deste ano no Instituto Agronômico do Paraná. Os textos pretendem enfatizar o papel da sociedade na fixação de objetivos e na avaliação dos resultados dos projetos de ciência e tecnologia como contribuição para o debate.
o Irraâonal
O Irracional Editora Unesp Gilles Gaston Granger 292 páginas I R$ 31,00
Em tempos quando todos tentam, em vão, diminuir a irracionalidade que tomou conta do mundo globalizado, o professor francês iJtÊii aponta na direção oposta com seu estudo polêmico sobre a necessidade do componente irracional em nossa sociedade. Segundo Gilles Granger, o mundo científico deveria reavaliar a sua aversão contumaz à irracionalidade e compreendê-Ia como uma força criativa importante e, ao mesmo tempo, uma opção que pode ser consciente contra o excesso racionalista, que, para ele, é também um perigo.
Brazilian Journal of Medical and Biological Research Volume 35 - Agosto de 2002 A publicação mensal da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto traz nesta edição os seguintes artigos: ''A Tobacco DNA Reveals Two Different Transcription Patterns in Vegeta tive and Reproductive Organs", de L da Silva, P.C.S. Angelo, J.B. Molfetta; "Genetic Characterization of Dengue Virus Type 3 Isolates in the State of Rio de Janeiro, 2001", de M.P. Miagostovich, F.B. dos Santos, E.V. Costa; "Molecular Identification of Sicilian Thalassemia Associated with B-Thalassemia and Hemoglobin S in Brazil", de T.G. Andrade, A. Fattori, M.F. Sonati; "Presence of Ductal Carcinoma in situ Confers an Improved Prognosis"; entre outros.
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Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo Volume 44 - Novembro de 2002
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A revista editada mensalmente pelo instituto traz na edição V novembro um dossiê sobre -=========- de o 29° Annual Meeting on Basic • Research in Chagas Disease e o 18° Meeting of the Brazilian Society of Protozoology, eventos realizados entre 4 e 6 de novembro no Hotel Glória, Caxambu. Segundo a apresentação da publicação, feita por Sergio Schenkman e Igor de Almeida, os encontros tiveram resultados práticos notáveis, entre esses a integração de especialistas de vários países, reunidos para a redução da doença de Chagas. .. ~
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Revista Brasileira de Ciências Sociais Número 50 Para celebrar os 50 números da revista quadrimestral, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais traz uma edição especial com um CD-ROM (com os números 1 ao 50) que inclui uma coleção completa da publicação, da primeira até esta edição. Entre os artigos da versão impressa: "Por uma Sociologia do Desemprego", de Nadya Guimarães; "A Antropologia na Era de Confusão", de David Lewis, entre outros. PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO DE 2002 • 95
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CLASSIFICADOS
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CIETEC
LABJOR
CENTRO INCUBADOR DE EMPRESAS TECNOLÓGICAS EDITAL
CALENDÁRIO Retirada do Edital, Prazo contínuo. MODALIDADE Instituições Associadas. OBJETIVO Permitir a empresas e instituições financeiras de investimentos, interessadas em empreendimentos de base tecnológica, que se associem ao CIETEC, para participar do processo de gestão estratégica em prol do sucesso de empresas incubadas no CIETEC, bem como participar do Conselho Consultivo do CIETEC, e contar com o apoio fornecido pela incubadora para alavancagem de negócios de base tecnológica no seu interesse. ÁREAS PREFERENCIAIS DE APOIO DA INCUBADORA A Incubadora de Empresas é um projeto voltado para o estímulo à criação de novos negócios baseados em tecnologias inovadoras, preferencialmente nas áreas de biotecnologia, biomedicina, materiais, energia, instrumentação, tecnologia da informação, meio ambiente, química, técnicas nucleares e serviços tecnológicos. PROCESSO DE SELEÇÃO As propostas serão analisadas pelo Conselho Deliberativo do CIETEC, que irá considerar o atendimento aos quisitos do Edital e as possibilidades de sinergia entre as atividades do proponente e as do C::IETECe das empresas incubadas. DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS Os resultados do processo de seleção serão afixados no CIETEC e informados por correspondência aos participantes. Todos os resultados e chamadas estarão no site do CIETEC: www.cietec.org.br INFORMAÇÕES ADICIONAISLOCAL PARA RETIRADA DO EDITAL COMPLETO Para maiores informações, retirada do edital completo e para inscrição no processo de seleção, os candidatos devem se dirigir ao CIETEC, no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN, Av. Prof" Lineu Prestes, 2242, Cidade Universitária, São Paulo, das 8:00 às 17:00h (tel. 3039-8300) PARCERIAS MCT • SCTDET • SEBRAE-SP • USP • IPEN-CNEN
96 • DEZEMBRO DE 2002 • PESQUISA FAPESP 82
de I s-cdos
Avançados
CURSO DE JORNALISMO
CIETEC - Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, torna público que estão abertas as inscrições para instituições que desejarem se associar ao CIETEC.
APOIO CNPq • FINEP • FAPESP
I oboroíóno
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• IPT
em Jornalismo
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CIENTÍFICO
Labjor / IG / IA - Turma 2003 O Curso de Especialização em Jornalismo Científico é gratuito e tem a duração de três semestres, com aulas às segundas-feiras em horário integral. Para a inscrição são necessários os seguintes documentos: • Cópia de documento de identidade • Cópia do diploma de graduação • Curriculum vitae • Ficha de inscrição (clique aqui para imprimir a ficha) • Texto de autoria do candidato - máximo de 3laudas (times 12, espaçamento 1,5) Tema:
O papel da ciência e da tecnologia no desenvolvimento
nacional
Período de inscrição:
de 4 de novembro à 11 de janeiro de 2003 Reunião da comissão de avaliação:
4 de fevereiro de 2003 Divulgação dos pré-selecionados:
5 de fevereiro de 2003 Dúvidas pelo e-rnail: labjor@unicamp.br
Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes O Instituto de Química da USP tem diversas linhas de pesquisa em expansão com grande interesse em abrigar projetos financiados pela FAPESP no programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes. Dentre as novas linhas de pesquisa destacamos: • Estrutura de Proteínas (RMN e Espectrometria de Massa) • Bioinformática • Ilhotas Pancreáticas Humanas para fins de Transplantes em Diabéticos Se você tem doutorado e currículo que demonstra capacidade para condução de um projeto de pesquisa, entre em contato com a diretoria do Instituto (diretor@iq.usp.br). Outras oportunidades podem ser encontradas no endereço eletrônico do Instituto de Química, www.iq.usp.br/
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Concurso Públicç Docente Antropologia Social - USP
o
Departamento de Antropologia da USP está recebendo, até 13/01/2003, inscrições ao concurso público de títulos e provas para provimento de 3 cargos de professor doutor, em RDIDP, ref. MS-3, com salário de R$ 4.173,14 (maio/2002), junto à área de Antropologia Social. Mais informações, bem como as normas pertinentes ao concurso, encontram-se a disposição dos interessados na Seção de Apoio Acadêmico da FFLCH-USP - Tel. (11) 3091-4590. ou www.fflch.usp.br/da
fapesb~ Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado da Bahia
EDITAL PRODOC/FAPESB
Pesquisa FAPESP oferece um novo serviço aos leitores: a seção de Classificados. Em muitas revistas de divulgação científica, em diferentes países, os classificados são um espaço privilegiado para a oferta de bens e serviços de interesse direto para pesquisadores, tecnólogos e estudantes de pós-graduação, que constituem parcela predominante dos leitores dessas publicações. No caso do público de Pesquisa FAPESP, com tiragem atual de 42 mil exemplares, esse tipo de leitor é absoluta maioria e está concentrado como em nenhuma outra publicação nacional.
N° 002/2002
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB torna público e convoca os interessados a apresentarem propostas para obtenção de financiamento a projetos no âmbito do Programa de Apoio à Instalação de Doutores no Estado da Bahia - PRODOC/FAPESB, CHAMADA lI.
Empresas, universidades ou institutos podem anunciar de postos de trabalho a concursos, seminários, cursos e equipamentos, com a certeza de que sua mensagem estará chegando ao leitor certo.
PRAZO
De 1° de novembro tos aprovados.
de 2002 até a contratação
dos proje-
RECURSOS
A CHAMADA II do programa corresponde a recursos totais no valor de R$ 1.831.726,80 (um milhão oitocentos e trinta e um mil, setecentos e vinte e seis reais e oitenta centavos) para os seus 36 (trinta e seis) meses de vigência, a serem liberados a partir dos cronogramas de desembolso aprovados para cada projeto. Do valor global de recursos para a CHAMADA II serão abatidos um máximo de até 10% (dez por cento) para custeio do programa.
A ciência brasileira
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IN FORMAÇÕES
Esclarecimentos e informações adicionais acerca do Programa podem ser obtidas na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia - FAPESB das 9:00 às 18:00 Hs, no endereço: Rua Colina de São Lázaro, 203 Bairro Federação - Salvador - BA CEP: 040210-720 Tels: (71) 339-1900/190111902 - Fax: 339-1934 Ou pelo site www.fapesb.ba.gov.br
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PESQUISA FAPESP 82 • DEZEMBRO
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