I
IMAGINE VÁRIAS MENTES BRILHANTES TRABALHANDO EM CONJUNTO.
Do trabalho conjunto entre a Itautec e a Escola Politécnica de São Paulo, surge o Infocluster: o primeiro supercomputador brasileiro. Com uma capacidade mil vezes superior ao do primeiro supercomputador do mundo, o lnfocluster, que conta com o processador Intel® XEON"", tem um incrível poder de processamento de informações. Capaz de realizar bilhões de cálculos por segundo, ele é uma ferramenta importantíssima para a pesquisa científica, operações financeiras, previsão do tempo e até localização de poços de petróleo. Infocluster, o supercomputador
que colocou a Itautec e o Brasil no topo do mundo da tecnologia.
ÍNDIGE
Projeto traça Mapa da Exclusão e Inclusão Social em São Paulo, cuja metodologia vai ajudar a orientar políticas públicas de outras cidades brasileiras
CARTAS EDITDRIAL MEMÓRIA • PDLÍTICA CIENTÍFICA E TECNDLÓGICA ESTRATÉGIAS .............•..... TIDIA NÚMEROS DE P&D
4 7 8
10 10 21 26
• CIÊNCIA LABORATÓRIO O NOVO ARAPAÇU COMO OS GENOMAS SE REFAZEM GENOMA FUNCIONAL DA XYLELLA CANA NO COMBATE A FUNGOS DIAGNÓSTICO DE DOENÇAS MENTAIS O FÍGADO QUE PRODUZ INSULINA
28 28 38
• TECNOLOGIA LINHA DE PRODUÇÃO TESTE PARA CHAGAS PATENTE LICENCIADA TIPOS DE PRÓPOLIS DE VITÓRIA A MARTE
60 60 68 71 72 80
• HUMANIDADES POÉTICA DO ACASO BIBLIOTECA DOS REIS
82 87 90
RESENHA LANÇAMENTOS CLASSIFICADOS ARTE FINAL
94 95 96 98
Capa: Hélio de Almeida Fotos: Miguel Boyayan
40 42 46 48 51
22
64
FÁRMACOS
ÁGUAS
Crescem 10% ao ano as autorizações para testes clínicos de medicamentos com seres humanos no Brasil
Novo sistema, composto por software e sensores, proporcionará gerenciamento completo para reservatórios de hidrelétricas
32
76
MARES
Levantamento mostra que os estoques de peixes e crustáceos estão próximos do limite da exploração econômica
54
METROLOGIA
Universidades constroem três relógios atômicos capazes de dividir o segundo em bilhões de vezes
ASTRONOMIA
Pesquisadora analisa autenticidade da obra de Albrecht Dürer, guardada na Biblioteca Nacional do Rio
Equipe internacional, com participação de brasileiros, encontra a estrela mais antiga do Universo, com idade entre 12 e 15 bilhões de anos PESQUISA
FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 3
CARTAS cartas@fapesp.br
Produção nacional Desejo parabenizar a reportagem intitulada "Produção crescente", publicada na revista Pesquisa FAPESP de novembro de 2002, número 81, onde é apresentado o aumento no número de artigos publicados por autores brasileiros em periódicos indexados. No entanto, desejo, respeitosamente, discordar do que foi informado pelo professor Dr. Rogério Meneghini quando trata da Ciência Escondida, com cerca de 400 ou 500
Pelo que é do meu conhecimento, a ordem de prioridade das revistas na avaliação da Capes é: Internacional A, Internacional B, Nacional A, e juntamente as revistas Nacional B e Internacional C. Revistas nacionais C e locais não têm validade alguma na avaliação da Capes, razão pela qual não motiva a publicação de artigos nestas, nem nas que possuem fraco impacto científico, como nas revistas nacional B e internacional C.
revistas nacionais que não fazem parte da SciELO - Scientific Electronic Library Online. Neste sentido, o professor Meneghini argumenta que não se trata de publicações de terceira categoria. Os artigos publicados em revistas são, em sua grande parte, gerados em programas de pós-graduação, que são anualmente avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Nesse caso, é razoável que as publicações sejam feitas pelo menos em revistas nacionais e internacionais A ou B; no entanto, preferencialmente em revistas internacionais A, já que o conceito dado ao programa de pós-graduação é influenciado substancialmente pelas publicações geradas neste.
Avaliando as revistas publicadas pela SciELO na área de engenharia, pode-se notar que as poucas revistas disponíveis são avaliadas de forma pouco satisfatória, como segue: Brazilian Saciety af Chemical Engineering, internacional B Cerâmica, não avaliada pela Capes em 2001 [outnal af the Brazilian Computer Society, não avaliada pela Capes em 2001 Brazilian Society ofMechanical Sciences, internacional B Materials Research, internacional C Pesquisa Operacional, nacional A Revista Escola de Minas, local C
4 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
Como é possível a SciELO possuir revistas tão mal avaliadas pela Capes
(internacional C e local C) e nenhuma revista de expressão com impacto internacional A? Das revistas que não fazem parte da SciELO, destaco as indexadas e arbitradas: Revista de Ciência e Tecnologia - RC&T, ISSN - 0103-8575, avaliada como local A; a Revista Ciência & Engenharia, ISSN - 0103 - 944X, avaliada como nacional C; e a Revista SBPN - Scientific lournal; ISSN - 14156512, que é avaliada como internacional C, mas o evento é um congresso com os anais publicados na forma de revista. Essa avaliação é de difícil entendimento, já que a revista Materiais Research possui o mesmo impacto, mesmo sendo indexada, arbitrada e fazendo parte da SciELO. De forma similar, a revista Máquinas e Metais, ISSN 0025-2700, que realmente chega às empresas que pagam impostos, e conseqüentemente financia nossas pesquisas, é considerada nacional C, mesmo conceito atribuído à publicação arbitrada e indexada Revista Ciência & Engenharia, ISSN - 0103 - 944X. Isso significa que os melhores artigos, gerados com recursos públicos, acabam sendo publicados em revistas estrangeiras com impacto internacional A e os engenheiros brasileiros não têm acesso às mesmas, já que são pagas. Assim, os conceitos atribuídos às revistas nacionais pela Capes faz com que não se tenha motivação para serem utilizadas como veículo de informação, e a SciELO não se justifica pelo investimento feito e com apenas duas revistas avaliadas de forma média (internacional B). Fica aqui minha sugestão para que a Capes valorize a produção nacional, ou seja clara com relação às revistas que não possuem valor científico adequado e proponha a extinção das mesmas ou as melhorias que devem ser feitas para serem mais científicas. Anexo, envio a versão 2001 do Qualis da Capes (de todas as áreas),
onde as publicações são avaliadas pelo impacto que possuem. As revistas às quais me referi fazem parte das Engenharias III. PROF. DR. EDUARDO
Meio Século. Escrevo para cumprimentar os editores e agradecê-Ios pela atenção dada ao meu livro, resenhado no número 81 desta excelente revista. Tanto mais que o tema ali livremente explorado é tido como polêmico e a revista revela altivez ao lhe dar publicidade.
CARLOS BIANCHI
Faculdade de Engenharia da Universidade Estadual Paulista Unesp, câmpus de Bauru Bauru,SP
LEOA TENORIO
PUC-SP São Paulo, SP
Resposta do professor Rogério Meneghini, coordenador do Projeto SciELO: A carta do professor Bianchi traz em sua essência uma crítica ao Sistema SciELO por haver uma certa incoerência entre a avaliação de revistas nacionais da Capes e do SciELO. Segundo o professor Bianchi, revistas nacionais consideradas melhores pela Capes, nos casos citados, não pertencem à base SciELO. O que posso dizer é que não estou a par de como a Capes procede a avaliação de revistas nacionais. Porém o sistema SciELO tem um processo muito elaborado de aceitação de revistas, que pode ser consultado no site http://www.scielo.br/criteria/scielo_brasil_pt.html. Em resumo, leva em conta a periodicidade e regularidade de publicação da revista, o corpo editorial (competência e representação institucional ampla), publicação de artigos de procedência institucional ampla, indexação em bases reconhecidas (ISI, Medline, por exemplo), entre vários outros critérios. Há reuniões periódicas de uma comissão consultiva, constituída pelo coordenador operacional do Projeto SciELO, como presidente, representante da Associação Brasileira de Editores Científicos (Abec), representante do Programa de Apoio a Publicações Científicas da FAPESP, representante do Programa de Apoio a Publicações Científicas do CNPq/ Pinep, representante da Capes, três editores científicos, sendo um da área de Biológicas, um de Exatas e um de Humanas, eleitos anualmente entre os editores dos periódicos científicos da coleção SciELO Brasil. Baseada nos critérios estabele-
DA MOTTA
Primata
cidos, é decidida a aceitação ou rejeição da revista. Aquelas aceitas estarão periodicamente sendo reavaliadas e sua exclusão pode ocorrer, caso venha a acontecer uma queda quanto ao cumprimento dos requisitos mínimos. Um indicador bom sobre o acerto das escolhas é dado por citações. Dos 206 periódicos nacionais citados na base SciELO, 84 foram periódicos da própria base SciELO. Estes últimos foram responsáveis por 70,7% das citações, enquanto os 122 periódicos não pertencentes à base SciELO foram responsáveis por 29,3% das citações. Esses números falam por si.
Resenha Sou autora do volume Sobre a Crítica Literária Brasileira no último
Considero a revista Pesquisa FAPESP um dos melhores veículos de divulgação científica. Na edição de dezembro, no entanto, constatei um engano. Na reportagem "Rede da vida", há uma figura de um primata em cuja legenda se lê: buriqui e Eriodes arachnoides. Evidentemente, a foto tem apenas caráter ilustrativo, mas um referencial incorreto pode levantar a suspeita de falta de cuidado. Trata-se do muriqui ou Brachyteles arachnoides, um primata endêmico da Floresta Atlântica. Ao menos na referência se poderia ter cuidado, já que a ausência deste na nossa interferência em seu hábitat implicou que o muriqui figure como uma das espécies de prima ta mais ameaçadas. MILENE
MARTINS
Campinas, SP
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 5
Resposta da redação: realmente houve um erro na identificação da foto, induzida pelo Aurélio. Segundo o dicionário, o nome científico do macaco "muriqui" é Eriodes arachnoides, e a grafia preferencial seria "buriqui". Posteriormente, entramos em contato com Humberto Ferreira, do Serviço de Saúde do Centro Nacional de Primatas, em Belém (PA), que confirmou o erro. O nome científico do macaco, que é mais conhecido como muriqui ou mono-carvoeiro, é realmente Brachyteles arachnoides, como indica a leitora. Ele só existe no Brasil, num pequeno trecho da Mata Atlântica que vai da Bahia a São Paulo, enquanto o Eriodes é encontrado na África e na Ásia.
A boneca de papel maché que ilustrou a reportagem "Da obesidade ao diabetes", publicada na mesma edição, é de Marcello Maia e pode ser encontrada na "Oficina de Agosto": rua Harmonia, 243, Vila Madalena, São Paulo, SP.
Santa das vidraças
Correções A foto acima foi publicada na edição passada, de número 82, sem o devido crédito. Ela é de autoria do fotógrafo Eduardo César e ilustrou a reportagem "Luz calibrada", publicada às páginas 76 e 77 daquela edição.
• Na reportagem "Perigos mapeados" (edição de dezembro 2002, páginas 38 a 41), o nome correto da pesquisadora citada é Marisa Medeiros, e não Marina Medeiros, como saiu publicado, e a neurotoxina envolvida na origem da esquizofrenia e no transtorno bipolar não é o ácido 5-aminolevulínico, mas sim o 6- hidroxidopamina. 6 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
No artigo de capa da edição de setembro sobre o "mistério da santa", observamos as conclusões: "...a fé pode conviver com os enigmas da natureza, sem a necessidade de explicações divinas': E, no texto que esclarece pormenores e detalha as equações químicas do process9, "...a ciência desvenda os enigmas da natureza e..., não é um fenômeno do além. É ape. nas fruto do acaso; um belo exemplo proporcionado pela própria natureza - esta sim, perfeita, verdadeiro milagre!" No entanto, se, por "milagre'; entendermos algo que, se aceito como possível, tem causa transcendental, sobrenatural, divina, quando estudado escapará à nossa capacidade de apreensão científica, podendo ou não ser aceito, por ato que já será de fé, de foro íntimo. Por isso, na conclusão do artigo de introdução, ficaria melhor: "a ciência pode conviver com enigmas da natureza, sem utilizar-se de explicações divinas", já que estas não são de seu âmbito, escapam ao seu objetivo. A par disso, é importante ressaltar que uma tal intervenção divina, se existir, não precisa mani-
festar-se contrariando as leis da natureza. Os que têm fé, os que seguem alguma das tradições teológicas poderão encontrar a manifestação do divino em fenômenos simples, que chamem sua atenção quando estranhos, improváveis, porém carregados de significado. Não necessariamente contrariam as leis da natureza. O que surpreende nessa imagem da "santa" escapa à química. O enquadramento no vidro, as proporções exatas, a natural iridiscência gerando cores harmoniosas ao tema, a geometria de curvas, mesmo sendo comum aos vidros planos, a posição do vidro na janela e sua localização, visível da rua, para muitos indicando um significado. Tudo fruto do acaso? Para obter uma forma harmoniosa, inteligível, agradável, exigiria trabalho de artista, trabalhando uma corrosão controlada, e seria necessária sua habilidade humana, sua criatividade, intuição, equilíbrio. Mas, além da arte, exigiria sensibilidade cultural e senso de oportunidade, diríamos de marketing. O simples acaso na natureza será ele tão rico em inteligência e utilização de meios? Em nossa experiência, no dia-a-dia, o que for deixado ao acaso desgraçadamente fracassa... De fato, muita autoria é atribuída ao "acaso" da natureza. No entanto, dispomos de meios estatísticos, com rigor matemático, para comprovar ocorrências de fenômenos ao acaso. Esta crença no acaso, não demonstrada, não seria um outro tipo de fé?Para os que realmente têm fé no divino, os milagres não são necessários, apenas confirmam o já aceito. Encontram sinais do divino em cada detalhe da natureza, a começar por essas leis que regem o universo matéria-energia, nessas leis da química, física e outras que ainda iremos conhecer. Aliás, parafreaseando a conclusão acima: tendo aí a natureza, precisamos de mais milagres? JORGE
E.
RENNER
São Paulo, SP
EDITORIAL
Duros indicadores, ações urgentes
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FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO
EDUAROO OE ABREU vleE-PRESIDENTE
MACHAOO
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AlAIN FLORENT $TEMPFER CARLOS
HENRIQUE OE BRITO CRUZ CARLOS VOGT FERNANOOVASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSE JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACARI NILSON OIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO
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FAPESP
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mais rica da América Latina tem 10,4 milhões de habitantes. Desses, perto de 1,5 milhão desfrutam um padrão desejável de vida e pouco mais de 8,9 milhões de pessoas vivem abaixo desse padrão. E o que é pior: a qualidade de vida piorou nos últimos dez anos na capital paulista. Trocando em números: hoje há 1 milhão de excluídos a mais que em 1992 nesse gigantesco aglomerado humano chamado São Paulo. Em 76 dos 96 distritos da cidade, a falta de planejamento adequado aprofundou as desigualdades, que já eram enormes, E as disparidades sociais são traduzidas em déficit de vagas em creches, hospitais,escolase numa taxa crescentede homicídios em alguns bairros. Toda essa topografia social perversa se revela num subsídio valioso para políticas públicas efetivas: o Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo, objeto da reportagem de capa desta edição, da editora Claudia Izique, a partir da página 14.O mapa, construído a partir de dados do IBGE e cuja metodologia de análise já está sendo exportada para out-rosmunicípios brasileiros, é, na verdade, o produto de maior destaque de um projeto mais amplo - Dinâmica Social, Qualidade Ambiental e Espaços IntraUrbanos em São Paulo: Uma análise Socioespacial -, desenvolvido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e apoiado pelo programa de Políticas Públicas da FAPESP. Seria muito bom que a atividade de pesquisa resultasse sempre em boas notícias. Isso não acontece. Com certa freqüência, em âmbitos diversos, e não apenas no social, ela conduz a indicadores preocupantes. É o que verificamos na reportagem sobre um amplo projeto a respeito da pesca marinha no Brasil (a partir da página 32), financiado pelo governo federal, que disputou a capa desta edição da revista. No texto, o repórter Marcos Pivetta relata que dados iniciais da pesquisa, que se estenderá por todo o ano de 2003, indicam que os recursos marinhos em águas nacionais, alvo de pescarias sistemáticas de forma industrial ou artesanal, estão em seu limite
máximo de exploração econômica, quando já não ultrapassaram esse ponto. Isso é ruim. Mas sempre há, é claro, um lado positivo nos indicadores ou, mais simplesmente, no contato consciente com a realidade, que é a proposta implícita de ação que ele contém. Neste caso em particular, há uma ação prevista que deve se seguir à radiografia: com o novo conhecimento sobre o potencial pesqueiro da costa brasileira, o governo pretende redimensionar e redirecionar, sempre que necessário, o esforço de captura de seres marinhos dentro de uma área oceânica que equivale a pouco mais de 40% do território continental do país. Em outras palavras, como diz Pivetta, pretende definir o que, quanto, onde, quando e como pescar na enorme faixa marítima sob jurisdição do Brasil, sem fazer disso uma prática predatória. Será talvez influência indireta do verão a abundância de águas nesta edição. A elas voltamos na seção de Tecnologia, onde a editora assistente Dinorah Ereno conta em detalhes como funciona um sistema integrado de gerenciamento de represas e barragens, capaz de conciliar os usos múltiplos de reservatórios, como geração de energia elétrica, irrigação, navegação, pesca, cultivo de peixes e recreação (a partir da página 64). Desenvolvido por um grupo de pesquisadores paulistas, com consultoria internacional, o sistema, que também prevê cenários futuros e trabalha não apenas com a represa onde é utilizado, mas com toda a bacia hidrográfica onde se insere, já está sendo utilizado no país e começou a atrair parcerias do exterior. Isso significa que o investimento feito no projeto, pelo Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE), está permitindo a conversão de conhecimento em riqueza - o que é desejável sempre em pesquisas tecnológicas. E para finalizar a leitura desta edição com prazer estético, vale destacar a reportagem de Débora Crivellaro,a partir da página 82, sobre um estudo pioneiro que analisa a obra do xilografista alemão Albrecht Dürer (1471-1528) pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro. PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 7
MEMÓRIA
A vida em forma de saca-rolhas Há 50 anos, James Watson e Franeis Crick desvendavam a estrutura do DNA NELDSON
MARCOLIN
martigOde apenas 980 palavras publicado na edição de 25 de abril de 1953 na Nature e uma pequena nota no jornal New Chronicle anunciaram oficialmente o que o físico inglês Francis Crick havia espalhado sem nenhum cuidado dois meses antes. Logo depois de ter conseguido montar um modelo em três dimensões do DNA, o ácido desoxirribonucléico, com o zoólogo norte-americano [ames Watson, Crick contou a novidade para quem quisesse ouvir no pub The Eagle, de Cambridge, Inglaterra: "Descobrimos o segredo da vida". Na verdade, ele e Watson descobriram a real estrutura do DNA, algo fundamental para compreender como ele funciona. À primeira vista, o sucesso da dupla parecia improvável. Watson era um prodígio. Começou a cursar zoologia aos 15 anos na Universidade de Chicago.
U
Aos 19 anos era bacharel e, aos 22, doutor. Embora igualmente brilhante, Crick tivera um trajetória errática. Em 1951, quando Watson o encontrou em Cambridge, Crick tinha 35 anos, não havia concluído seu doutorado, atrasado por conta da Segunda Guerra, e já tinha passado por várias linhas de pesquisa sem se deter em nenhuma. O acaso os reuniu no Laboratório Cavendish quando ambos estavam intrigados com os mistérios do DNA. Outros dois cientistas do King's College, em Londres, Maurice Wilkins e Rosalind Franklin, também trabalhavam no assunto. Eles produziram películas fotográficas de uma molécula de DNA que mostravam um padrão em cruz formado pela difração de raios X e cederam um fotograma para a dupla
Watson Cà esq.l e Crick, em 1953, com um modelo gigante de DNA: forma helicoidal
8 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
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April 25, J95:}
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"Desejamos sugerir uma estrutura para o sal do ácido desoxirribonucléico <DNA)", começava o artigo (acima). Ao lado, o fotograma de Franklin e Wilkins, fundamental para Watson e Crick
do Cavendish, em janeiro de 1953. Cálculos de Crick já haviam mostrado que a molécula de DNA deveria ter uma forma helicoidal, como um saca-rolhas, e a película confirmou essa idéia. Ocorre que outros cientistas participavam da corrida para desvendar a estrutura do DNA. Quem mais se aproximava da solução era Linus Pauling, trabalhando nos Estados Unidos, mas havia Alexander Todd, químico de Cambridge, que identificou as bases adenina (A), guanina (G), timina (T) e citosina (C). Erwin Chargaff, norte-americano,
descobrira que a quantidade de A era igual a de T e a de G correspondia a C em qualquer amostra de DNA. Mas faltava dizer como elas se arrumavam. Watson e Crick construíram modelos em três dimensões e em 28 de fevereiro de 1953 eles perceberam que um par A-T, ligados por pontes de hidrogênio, tinha a mesma forma que um par G-C e esses pares de bases deveriam formar o eixo de uma estrutura que tinha o suporte principal de açúcar e fosfato (do lado de fora). Nove anos depois, Watson, Crick e Wilkins ganharam o Nobel. Rosalind morrera em 1958, antes da premiação. A revelação detonou uma onda de descobertas que atravessou a segunda metade do século 20 e está longe de terminar.
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
ESTRATÉGIAS
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De quantas idéias se faz um homem? Contar as idéias humanas para saber se elas são finitas ou infinitas? Por mais exótico que pareça, esse é o plano do professor Darryl Macer, da Universidade de Tsukuba, no Japão. Em artigo recente (publicado na edição de dezembro do Eubios [ournal of Asian and International Bioethics), ele defende a criação de um projeto de mapeamento do intelecto humano e convoca os interessados a participar de um congresso no Japão, em fevereiro de 2003 (informa-
• Ciência japonesa falará inglês na Web A comunidade científica japonesa pretende lançar na Internet um grande número de revistas acadêmicas em inglês (Nature, 31 de outubro). O Instituto Nacional de Informática, em Tóquio, se encarregará de fornecer a tecnologia, e as principais instituições acadêmicas japonesas nomearão os quadros para os conselhos editoriais. Verbas iniciais de US$ 1,4 milhão já foram requisitadas pelo Ministério da Educação. Outra contribui-
ções no site www.biol.tsukuba.a.c.jp/ =macer/index, html). Macer acredita que, se definíssemos uma idéia como a concepção mental de um objeto - seja ele físico, psicológico ou produto de experiências sensoriais -, e se levássemos em conta que o número de objetos do mundo é limitado, então as idéias também o seriam. Essa hipótese tem várias implicações, é claro. Em carta à revista Nature (14 de novembro), o pesquisador afirma que, se ficar provado que
ção importante virá da Sparc, uma associação de editoras e livrarias norte-americanas e européias especializadas na publicação de revistas universi-
10 . JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
as idéias são de fato finitas, as afirmações nacionalistas, por exemplo, perderão o sentido. "Como uma cultura poderia afirmar a particularidade de seus valores", pergunta, "se esses valores forem apenas variações de idéias presentes em todas as culturas?" Além do mais, se as idéias não passam de respostas a estímulos sensoriais e motores, não há por que considerar o pensamento como produto exclusivo da racionalidade humana. Macer lembra que os elefan-
tárias on line. Oficialmente, a iniciativa visa a ampliar ainda mais a já significativa presença do Japão no cenário científico global. Mas, embora não
tes visitam os ossos dos antepassados do mesmo modo que os homens visitam o túmulo dos seus. Nesse caso, reverenciar os mortos seria uma idéia universal compartilhada por ambas as espécies. Assim, nas contas do cientista, descobrir quantas e quais das idéias humanas são realmente universais ajudaria não só a superar os particularismos entre os homens como também a entender as "idéias e pensamentos" das outras espécies. •
alardeiem sua insatisfação com o espaço que vêm recebendo nas publicações ocidentais, os pesquisadores japoneses admitem que se sentirão mais bem tratados enviando seus papers para publicações nacionais. •
• UE luta para manter a pesquisa em casa As grandes corporações européias ameaçam transferir a maior parte de seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) para o exterior (Financial Times, 26 de novembro). Responsabilizam
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plena consciência da importância de sua descoberta para a medicina, muito antes de a droga ser isolada por outros dois cientistas, em 1940. •
por isso desde a falta de recursos humanos e infra-estrutura para a implementação das pesquisas até a insuficiência de incentivos e a legislação burocrática na União Européia (UE). Extra-oficialmente, a Mesa-Redonda dos Industriais (MRI) - grupo de pressão que reúne as 42 maiores empresas multinacionais da Europa - já advertiu o Conselho Europeu que a meta fixada ano passado, de aumentar os investimentos em P&D de 1,9% para 3% do PIE da UE até 2010, é irreal. Daniel Ianssen, um dos líderes da MRI e presidente da Solvay poderoso conglomerado da indústria química belga -, afirma que, apesar da recessão, a disposição das empresas é continuar investindo forte em pesquisa. Só que não na Europa. Projeções indicam que as maiores companhias européias já empregam 40% de seus orçamentos para P&D fora do continente. Tentando reverter essa tendência, a UE anunciou, em novembro, um plano de apoio à ciência e tecnologia que prevê a injeção de mais US$ 17 milhões nos próximos quatro anos. •
• 8iotecnologia e segurança alimentar
• Reputação ressuscitada
década a propagação de seus benefícios. Como um musicólogo que tenta completar uma sinfonia inacabada a partir de fragmentos de partituras, Wainwright reconstruiu as práticas de laboratório de Fleming com base nos apontamentos que ele deixou. Depois, com rigorosa fidelidade ao estilo e ao método do cientista, redigiu um documento que, acredita, seria o estudo que o próprio Fleming escreveria sobre a penicilina se tivesse conseguido reunir os dados de que necessitava. Tudo isso para provar que Fleming não era nenhum diletante. E que tinha
o pesquisador Milton Wainwright, da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, recorreu a um método utilizado em música para salvar a reputação de um cientista: Alexander Fleming, o pai da penicilina (Nature, 31 de outubro). Fleming descobriu a droga em 1928, mas, longe de ser festejado, tem sido lembrado como um relapso que não se preocupou em isolar a substância nem percebeu seu potencial como medicamento o que teria retardado em uma
A pesquisa Atitudes dos Consumidores dos Estados Unidos em Relação à Biotecnologia Alimentar, elaborada pelo lnternational Food lnformation Council (IFIC), concluiu que 61% dos norte-americanos acreditam que a biotecnologia beneficiará diretamente suas famílias dentro de cinco anos e que 54% consumiriam alimentos geneticamente modificados. A expectativa é que a biotecnologia traga benefícios para a saúde e nutrição, garanta qualidade e maior variedade de alimentos, reduza o uso de defensivos agrícolas e aumente a segurança. Apenas 2% dos entrevistados citaram a engenharia genética como um motivo de preocupação em relação à segurança alimentar. A pesquisa, concluída em agosto de 2002, ouviu 1001 consumidores e é a sétima de uma série iniciada em 1997. •
Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
Pomol de R«ul'505fo1lne""ls
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Albert Einstein
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hUp://www.prossiga.br/recursosminerais
hUp://www.if.ufrgs.br/einstein
hUp://www.iar.unicamp.br/lab/luz/index.htm
Portal de Recursos Minerais reúne informações sobre o tema e destina-se a professores e pesquisadores.
Conjunto de páginas da U FRGS sobre Albert Einstein com abundantes dados biográficos, profissionais e intelectuais.
Laboratório de Iluminação da Unicamp apresenta numerosas informações técnicas sobre o tema.
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 11
Novo acordo une Brasil e China Brasil e China vão ampliar o acordo de cooperação já firmado entre os dois países na área espacial. Um novo protocolo, assinado no dia 27 de novembro, prevê a construção de mais dois satélites, o CBERS 3 e o CBERS 4. O primeiro acordo, assinado em 1988, resultou na construção dos satélites CBERS I, lançado em outubro de 1999, e do CBERS 2, em fase final de construção e que deverá ser lançado entre agosto e setembro deste ano, na China, conforme disse o embaixador daquele país, Iiang Yuande. Os dois novos satélites vão atender a um conjunto de aplicações do sensoriamento remoto em áreas como monitoramento florestal, de oceanos e águas
• Prêmio de Incentivo para o SUS A tese de doutorado Dengue e Espaços Intra-urbanos: Dinâmica de Circulação Viral e Efetividade de Ações de Combate Vetorial, de Maria da Glória Teixeira, do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia, ganhou o Prêmio de Incentivo em Ciência e Tecnologia para o SUS - 2002 na categoria tese de doutorado. O prêmio, instituído em 2002 pelo Ministério da Saúde, tem como objetivo reconhecer o talento e o mérito de pesquisadores brasileiros cujos trabalhos tenham alto potencial de aplicação ao Sistema Único de Saúde. A Comissão Iulgadora, formada
Parte dos CBERS foi construída por empresa nacional
interiores; impactos ambientais; avaliação de produção agrícola; gerenciamento de desastres naturais; avaliação de crescimento urbano e cartografia topográfica e temática. "O uso da tecnologia de sensoriamento é uma das contribuições da tecnologia espacial para a
por cientistas e gestores de saúde e de ciência e tecnologia, recebeu 294 propostas, selecionando 18 em três categorias: teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de especialização ou residência. Também foi premiada a dissertação de mestrado de Alide Marina Bihel Ferraes, graduada em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com o tema Política de medicamentos na atenção básica e a assistência farmacêutica no Paraná, e a monografia Nutrição no Programa Saúde da Família, apresentada pela nutricionista Elaine Martins Pasquim, da Universidade de Brasília (UNB). Os outros 15 trabalhos receberam menção honrosa. •
12 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
melhoria efetiva das condições de vida de nossas populações", afirmou o ministro da Ciência e Tecnologia, Ronaldo Sardenberg. O Projeto CBERS, idealizado como modelo de cooperação e intercâmbio entre países em desenvolvimento, teve também como objetivo
• Versão em inglês de Pesquisá FAPESP Pesquisa FAPESP ganhou uma edição especial em inglês, com 72 páginas. O objetivo foi dar ao pesquisador e ao jornalista especializado srfCIAl ISSUE 2002
•
Pesql!!iã
Brasil
Edição reúne as melhores reportagens de 2002
marcar o InICIO de uma nova etapa do Programa Nacional de Atividades Espaciais e ainda serviu como fator estratégico para a diversificação de parcerias. O programa garantiu, ainda, que os dois países alcançassem autonomia no que tange a geração de imagens de sensoriamento remoto. "Uma parcela dos subsistemas dos CBERS 1 e 2 foi construída pela engenharia brasileira", lembrou Sardenberg. Ele acredita que, se Brasil e China adotarem as políticas adequadas para a difusão das imagens do CBERS, haverá "oportunidades extraordinárias, seja em termos comerciais, seja no reforço de nossas relações com os países em desenvolvimento". •
em ciência e tecnologia estrangeiros uma amostra da melhor pesquisa produzida no Brasil, freqüentemente estampada nas páginas de Pesquisa FAPESP em português. Os mil exemplares da edição especial estão sendo enviados às principais instituições de pesquisa e órgãos de imprensa de outros países. Também o Itamaraty a está distribuindo nos seus 120 postos no exterior. A revista em inglês traz algumas das melhores reportagens publicadas entre março e novembro de 2002 na edição brasileira. Entre os Highlights of Brazilian Research in 2002, constam pesquisas importantes, como, por exemplo, o desenvolvimento da vacina gênica contra câncer e tuberculose, a nova tec-
• Divulgação científica
Fundação Araucária e Faperj lançam Mita' y e Nexo
nologia que permite aumentar até 30% a produção de álcool e a descoberta de que o jatobá pode ser usado como alternativa para absorver mais dióxido de carbono da atmosfera. Já existem versões em inglês e espanhol de Pesquisa FAPESP, disponíveis no site da revista (www.revistapesquisa. fapesp.br). A edição especial em inglês pode também ser consultada no site. •
• Investimentos recompensados A intensa utilização de redes no desenvolvimento de negócios nos últimos anos garantiu ao Brasil o primeiro lugar no ranking dos países latino-americanos com melhor desenvolvimento de tecnologias de comunicação e de informação. A classificação é do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Por outros dois critérios também utilizados pelo fórum um mede o desempenho macroeconômico e o outro avalia instituições públicas -, o Brasil ficou em terceiro lugar entre os países latino-americanos, atrás do Chile e da Ar-
gentina. Já no ranking mundial de competitividade, também elaborado pelo WEF, o Brasil está na 46a posição. Mas a classificação do país no ranking mundial de tecnologia só será conhecida, de fato, em janeiro, em Davos, Suíça, quando a WEF apresentará os resultados finais desse estudo. •
No último semestre de 2002 foram lançadas duas novas revistas de divulgação científica. A primeira foi a Mita'ytermo cunhado a partir da palavra mitã'i; que significa o que nasce ou o que é novo, em guarani - publicada pela Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná. A revista, cujo enderço eletrônico é mitay@seti.gov.br, circulará mensalmente. O primeiro número chegou ao mercado em agosto, trazendo como capa matérias sobre o avanço das pesquisas com transgênicos no Paraná. A outra revista recentemente lançada é a Nexo, da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), também mensal. O primeiro número circulou em novembro do ano passado, com matéria de capa sobre jovens talentos e reportagens sobre clonagem, paleantologia e humanidades. •
• Brasit e Cuba reforçam parceria O Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e o Observatório Cubano de Ciência e Tecnologia (OCCT) firmaram acordo para o desenvolvimento de pesquisas nas áreas de biotecnologia e nanotecnologia. O protocolo de intenções assinado entre o presidente do CGEE, Evando Mirra, e a diretora do OCCT, Soledad Diaz Otero, prevê, ainda o desenvolvimento de projetos conjuntos em temas de interesse mútuos, o intercâmbio de informações sobre estudos e ações de formação de recursos humanos na área de prospecção tecnológica. •
Sertanista fundou o Parque do Xingu
Morre Orlando Villas Boas Orlando Villas Bôas, um dos criadores do Parque Nacional do Xingu, morreu no dia 12 de dezembro, aos 88 anos, em São Paulo. Nascido em Botucatu, no interior de São Paulo, participou com os irmãos Claudio e Leonardo da Expedição Roncador Xingu, organizada pelo governo federal, no início dos anos 40, com o objetivo de desbravar a região central do país, entre os rios Tapajós, a bacia do Araguaia e os chapadões do Mato Grosso. Foi nessa época que Orlando teve os primeiros contatos com xavantes, calapalos e caiapós e que surgiu a idéia de criação de um parque onde os índios pudessem viver sós, preservando sua cultura. O decreto de criação do parque, uma área de 28 milhões de hectares, foi assinado pelo então presidente Iânio Quadros, em 1961. Ali foram abrigados 13 povos indígenas. Orlando foi diretor do parque por um período de dez anos. •
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 13
14 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
Projeto indica piora da qualidade de vida em 76 dos 96 distritos da cidade de São Paulo nos últimos dez anos CLAUDIA
IZIQUE
cidade de São Paulo ganhou 1 milhão de excluídos nos dez últimos anos. Atualmente, dos mais de 10 milhões de habitantes da capital, em torno de 8,9 milhões vivem abaixo de um padrão desejável de vida: além de baixa renda, têm dificuldade de acesso à educação, saneamento, habitação, entre outros serviços. Essa deterioração na qualidade de vida da população em 74 dos 96 distritos em que se divide a capital é resultado da ausência ou inadequação de políticas públicas e da carência na oferta de equipamentos sociais. E o quadro é ainda mais grave: a falta de planejamento aprofundou as desigualdades intra-urbanas. Na Vila Iacuí, por exemplo, há um déficit de mais de 27 mil vagas nas creches, um problema desconhecido para a população do Iaguaré, Brás ou Bom Retiro; para cada novo emprego em Aricanduva são criados 1.114 postos de trabalho na Sé; para cada morador de rua no Morumbi, existem 1.061 na Mooca, e, no Jardim Ãngela, a taxa média de homicídios é 28 vezes maior que a de Moema. Essa topografia social perversa está estampada no Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo, destaque do projeto de pesquisa Dinâmica Social, Qualidade Ambiental e Espaços Intra- Urbanos em São Paulo: Uma Análise Socioespacial, desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da FAPESP. Resultado de parceria entre Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto Pólis, o mapa, já em sua terceira versão, foi elaborado a partir da comparação dos dados dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1991, 1996 e 2000, de estatísticas municipais e dados da pesquisa Origem/Destino da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que subdivide a cidade em 270 regiões. A pesquisa utiliza uma metodologia de PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 15
Topografia perversa
o
Mapa da Exclusão foi construído a partir de 47 "utopias" agregadas em quatro grandes áreas: autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e eqüidade. Para cada indicador, foram atribuídas notas negativas e positivas, variando de -1 a + 1
f _
-1.00 / -0.75
_
-0.75 / -050
_
-050 / -0.25
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-0.25 / -0.00
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-0.00 / +0.25
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+0.25 / +050
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+050/+0.75 +0.75/ 1.00
análise geoespacial e tratamento matemático-computacional das informações em ambiente de Sistema de Informação Georeferenciado (SIG), que permite identificar "o lugar" dos dados nas distintas áreas da cidade e na criação de um Índice de Exclusão (IEX) que possibilita classificar os níveis de qualidade de vida nos diversos distritos de São Paulo. "As informações geradas pelo mapa são estratégicas para a definição de políticas públicas adequadas às necessidades de cada região", diz Aldaíza Sposati, coordenadora do projeto e secretária de Assistência Social do município de São Paulo. Indicadores - O Índice de Exclusão/Inclusão Social (IEX), construído pela equipe de pesquisadores que integra o projeto, é uma espécie de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para classificar a qualidade de vida dos países, só que ampliado. Enquanto o IDH utiliza quatro indicadores para avaliar a situação socioeconômica das 16 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
várias nações, o Índice de Exclusão usa 47 variáveis - que a equipe de pesquisadores chama de "utopias" - agregadas em quatro grandes áreas: autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento huma. no e eqüidade. s pesquisadores responsáveis pelo projeto desenvolveram uma metodologia de análise semelhante em Santo André, no ABC paulista, e começam a mapear as desigualdades intra-urbanas nos municípios de Campinas, Guarulhos, Piracicaba e Goiânia. "Os dados principais são do IBGE, mas é fundamental compatibilizá-los com informações das prefeituras", explica Dirce Koga, pesquisadora da PUC-SP, que integra o grupo. Qualidade de vida - O indicador de Autonomia avalia a renda dos chefes de família e a oferta de emprego nos diversos distritos; o de Qualidade de Vida mede o acesso a serviços, como saneamento, saúde, educação, além de densi-
da de habitacional e conforto domiciliar; o indicador Desenvolvimento Humano considera o nível de escolaridade dos chefes de família, longevidade, mortalidade infantil e juvenil e a violência; e o índice de Eqüidade registra o grau de concentração de mulheres na condição de chefes de família. A cada um desses indicadores foram atribuídas notas decimais negativas e positivas, variando de -1 a 1, sendo o zero definido como o padrão básico de inclusão social. Os distritos foram classificados nesses intervalos em função da distância positiva ou negativa do padrão. De acordo com esse critério, o pior lugar para se viver em São Paulo é o Jardim Ângela, com índice -1; e o melhor, Moema, com índice + 1. Dentro de um padrão desejável está a Vila [aguara, com índice O. Segundo essa avaliação, 76 dos 96 distritos da capital foram considerados excluídos. A Zona Leste perdeu para a Sul a condição de região mais carente da capital. "Constatamos que, na última década, os níveis de exclusão na Zona Leste não se alteraram. A re-
~~~~~~~~~~~~~~~~ ~----~--------~
Rankinq da exclusão -100
=======_=======
49 São lucas
-0,29
50 Jaguaré
-O 27
-0,93
51 Vila Maria
-0,24
-092
52 Limão
-0,24
-092
53 Socorro
-0,21
-090
54
-O211
São Domingos
55 Vila Matilde
-0,20
-0,85
56 Repliblica
-0,84
57 Penha
_-0,1$ -O 18
58 Vila Sônia
-0,18
-0,79
59 Mandaqui
-0,17
-0,77
60 Vila Prudente
-0,16
-075 -0,73
61 Bom Retiro -O 16 62 Liberdade ====-=-O~,!:!il~5=1
-072
63 Tucuruvi
-O15 ,
-071
64 Vila Formosa
-0,14
-070
65 Pari
-ais
-0,70
66 Cursino
-0,12
-0,68
-0,11
-0,67
67 Carrão 68 Casa Verde
-0,67
69 Cambuci
-0,09
-0,67
70Ipiranga
-0,06
-0,64
n Vila
4),06
-064
72 Água Rasa
·;.0.06
-0,63
73 Campo Grande
-0,04
74 Bela Vista
-0,01
75 Morumbi
-0,01
-0,63 -061
-0,10
Guilherme
-0,60
76 Mooca
-0,58
77 Jaguara
000
-0,53
78 Barra Funda
0,03
-0{50
79 Santa Cecília
0,05
-0,50
80 Tatuapé
O,l3
-OA9
81 Vila leopoldina
-OA9
82 Saúde
=...~=0,16 0,21
-OA9
83 Santana
025
36 Sé
-OA7
84 Belém
025
37 Raposo Tavares
-0,46
85 Campo Belo
0,33
38 Ponte Rasa
-0,46
86 Butantã
0,35
39 Tremembé
-044
87 Itaim Bibi
046
40 Jaçanã
-0,42
88 Alto de Pinheiros
41 Rio Pequeno
-OA2
89 Perdizes
42 Pirituba
-OAl
90 Santo Amaro
0,51
43 Aricanduva
-0,40
91 Vila Mariana
0,57
44 Vila Andrade
-0,37
92 Consolação
0,76
45 Brás
-0,36
93 Jardim Paulista
0,90
46 Jabaquara
-0,33
94 lapa
0,91
47 Freguesia do Ó
-0,3
95 Pinheiros
0,91
48 Sacomã
-0,31
96 Moema
1,00
=====
I
046 =... -==~==;= 0.49
gião conseguiu melhorias coletivas. Na Sul, a exclusão se intensificou. Precisamos agora entender como isso ocorreu': afirma Aldaíza. Além da Zona Sul, a situação também é grave na região que faz limite com a Serra da Cantareira, a noroeste da capital, onde se concentra um grande número de distritos excluídos. O mais perverso é que essas são áreas de mananciais e de preservação ambiental que foram "congeladas", conforme diz Aldaíza, tanto do ponto de vista dos investimentos como de melhorias. Desvalorizadas, elas são objeto de ocupação e estão sendo degradadas. "Os índices de exclusão estão comprometendo o futuro da cidade", alerta Aldaíza. "Não há combinação de política ambiental e de defesa humana." Planejamento urbano - O Mapa da Exclusão/Inclusão faz uma radiografia detalhada da topografia social de São Paulo e é uma importante ferramenta de planejamento urbano. O primeiro mapa, que compara os dados dos censos de 1991 e a recontagem realizada em 1996, foi utilizado pela Secretaria Municipal da Educação, durante a gestão do prefeito Celso Pitta, para avaliar a demanda educacional nas diversas regiões. O segundo, publicado em 2000 - já no âmbito do programa de Políticas Públicas da FAPESP -, tem sido ferramenta estratégica para a definição de áreas de implantação de programas sociais na gestão da prefeita Marta Suplicy. "O foco são as áreas de maior índice de exclusão", diz Aldaíza. terceira versão, que incorpora à série histórica os dados do censo de 2000, ainda está em fase de conclusão, mas os resultados preliminares já são referência para debates sobre o Orçamento Participativo da prefeitura e para o planejamento de programas de saúde. ''As políticas públicas se beneficiam da espacialização dos dados. Essa metodologia de análise permite a compreensão das diferenças entre os vários territórios de um mesmo município", diz Gilberto Câmara, coordenadorgeral de Observação da Terra do INPE e coordenador-assistente do projeto. "Os pobres do Itaim Paulista não são PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO
DE 2003 • 17
os mesmos do Jardim Ângela",resume. O uso da estatística espacial, ele ressalta, é bastante sensível à análise e subsidia as avaliações qualitativas. Aumenta a possibilidade de se identificar e focar "um alvo",no caso das políticas públicas, ampliando as chances de sucesso de projetos e programas sociais e evitando o desperdício de recursos públicos. "O mapa da exclusão é uma forma de aumentar a capacidade de decisão do prefeito': diz Câmara. metodologia de análise utilizada no projeto revela, por exemplo, que entre 1996 e 2001, período em que a população da capital registrou crescimento de 2%, o número de habitantes do distrito de Anhangüera aumentou 129,96%, enquanto o do Pari decresceu 27,54%. Os números sugerem que, nesse período, houve uma intensa migração intra-urbana dos distritos mais centrais,como o Pari, em direção a áreasperiféricas,como Anhangüera, Grajaú, Cidade Tiradentes, entre outras, carentes de equipamentos e serviços públicos para atender às demandas da população ampliada. O movimento populacional comprometeu a qualidade de vida nos diversos distritos paulistanos. O Índice Autonomia, por exemplo, mostrou
Populações carentes ocupam áreas de mananciais e de preservação ambiental, comprometendo o futuro da cidade
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"A gente faz o que Deus quer" Inscrustada no alto do Jardim Ângela, Copacabana parece uma cidade fantasma. Às 13h30 de uma segundafeira, as ruas estão vazias e as casas trancadas. Todas têm as portas e janelas protegidas por grades pontiagudas de alumínio. Os bares estão igualmente fechados. O silêncio parece absoluto. Na esquina, um grupo de crianças joga bola num terreno baldio atulhado de lixo. Duzentos metros à frente, cinco garotos empinam pipa sobre uma laje que se debruça sobre a Vila Tupi. Dizem que lá, sim, é que os chefes do tráfico impõem aos moradores toque de recolher a qualquer hora do dia e da noite. Com uma população de 250 mil habitantes, o distrito de Jardim Ângela
é uma espécie de corredor isolado, na Zona Sul da cidade, um tipo de "buraco urbano" que acaba na Serra do Mar. De povoamento recente, abriga uma população de sem qualificação profissional e atrai grande parte do contingente de migrantes intra-urbanos. Registra a maior taxa de homicídios e o pior índice (-1) de exclusão da cidade de São Paulo. "Acho que há um certo exagero quando se fala que esta região é muito violenta': diz Helena dos Santos, de 54 anos, 36 dos quais vividos no Jardim Ângela. "A violência está em todo lugar."Foi ali que ela conheceu e se casou com João, que já foi até dono de caminhão, mas que hoje "dirige o caminhão dos outros': Foi com o dinheiro que ele
trazia da estrada e com o seu salário de costureira numa confecção da rua José Paulino, na região central, que ambos criaram os dois filhos. "Resolvi largar a confecção e hoje faço bolos para festas e uma ou outra costura", conta Helena. É assim que ela está ajudando na educação de seus cinco netos, filhos do seu primogênito assassinado há dois anos. "Ele era Policial Militar, mas, naquele dia, não estava em serviço.Era domingo e ele tinha jantado com a mulher, aqui em casa.Foi morto a poucos metros daqui e até hoje não sabemos exatamente o que aconteceu", diz, deixando claro que não gosta de tratar do assunto. Não atribui a sua tragédia pessoal à violência que campeia no Jardim Ângela. Mas
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desigualdade na uma impressionante oferta de emprego entre os vários distritos paulistanos. O da Sé, de baixa densidade de moradores, concentra a maior taxa distrital, com 6,80 empregos por habitante. O seu contraponto é Anhangüera, região que, apesar da explosão demo gráfica registrada na década, manteve estável a taxa de crescimento da oferta de trabalho de 0,18 vaga por habitante. A falta de emprego obriga o deslocamento diário dos trabalhadores/moradores para outras áreas com maior oferta de trabalho. "Essa situação deveria exigir do poder público local maior atenção no que diz respeito aos transportes coletivos", diz Dirce Koga. O quadro ocupacional se agrava quando se contabiliza a oferta distrital de emprego em relação à população economicamente ativa (PEA), entre 14 e 69 anos: existem empregos para 64% da PEA na cidade. Os demais 36%, pelo menos estatisticamente, estão fora do mercado de trabalho. Nessa perspectiva de análise, a pior situação é a de Cidade Tiradentes: de cada dez moradores, menos de dois (1,8) tem emprego no próprio distrito. A menor renda familiar, correspondente a 4,64 salários mínimos, está no distrito de José Bonifácio, e a maior, quase 41 mínimos, em Moema. O pa-
Moema: o melhor lugar para se viver em São Paulo
confessa: "Na época, tive vontade de voltar para o interior. Mas depois pensei: a gente faz o que Deus quer. Resolvi ficar e estou bem aqui': Regina Eugênia, de 34 anos, três filhas, também defende o lugar onde mora há 11 anos. "Não faltam escolas para as crianças." Ela desconhece o déficit de vagas nas creches do bairro. Jardim Ângela: "Nunca precisei. Eu não trabalhava e ficava em casa com as crianças." Regina reconhece que a região tem problemas com atendimento de saúde. "Quando alguém precisa de médico, procuramos um hospital em Campo Limpo, afinal, é para isso que servem os convênios", afirma. Campo
campeão no ranking da exclusão
Limpo é distrito vizinho ao Jardim Ângela, com índice de exclusão de -0,61, e que ocupa a 27a posição no ranking da exclusão. A grande dificuldade, confessa, está em continuar pagando o convênio médico. Seu marido era inspetor de qualidade numa grande
empresa, mas está desempregado há três meses e ela "faz bicos", como diz, para sustentar a família: passa roupas, faz faxina, cozinha. "Tivemos que cortar alguns gastos, inclusive com o convênio", justifica. Do outro lado da estrada do M'Boi Mirim, Maria do Socorro Pereira, 47 anos, frita mais uma rodada de pastéis sob a barraca de lona. "Tenho esta barraca há oito anos e nunca fui assaltada': orgulha-se. A proximidade de uma Base Comunitária da Polícia Militar ajuda a intimidar. Mas ela diz que tem um pacto com quem tem "cara de bandido': "Ofereço-lhe pastel gratuitamente e conquisto a sua simpatia:' Aguarda ansiosa que a prefeitura cumpra a promessa de transformar a M'Boi Mirim num corredor de ônibus. "Isso com certeza vai aumentar o movimento e eu vou aumentar a venda de pastéis': prevê.
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 19
Em 85 distritos, faltam vagas nas escolas de educação infantil. Noutros, como o Pari, há superávit de até 83A9%
drão básico de renda, base para a construção do Índice de Exclusão, foi de 14 mínimos, encontrada no Bom Retiro. Por esse critério, 20 distritos tiveram nota positiva, e 54, notas negativas. Serviço deficitário - O déficit de vagas nas creches públicas e privadas na cidade de São Paulo cresceu 34%, desde 1995. É certo que, nesse período, a população entre O e 4 anos caiu 12%, mas, ainda assim, as vagassão insuficientes.O problema é particularmente grave em Vila Iacuí, onde o déficit saltou de 540 para 10.014 vagas, colocando a área numa situação mais de 2 mil vezes pior que a do Iaguaré. Também faltam vagas nas escolasde educação infantil, que atendem crianças entre 5 e 6 anos de idade, em 85 dos 96 distritos paulistas. Em algumas áreas, como o Pari - que teve decréscimo de população -, foi registrado superávit de 83,49%. As vagas nas escolasde ensino fundamental também não atendem à demanda em pelo menos 13 regiões da cidade. Na República, só existem matrículas em escola pública para 868 das 3.646 crianças, um déficit de 76,19%. Não existem unidades de saúde em dez distritos. Nas áreas centrais, o déficit chega a 100%. Noutras 76, a cobertura está abaixo do padrão básico de um posto de atendimento para cada grupo de 20 mil habitantes. A pior si20 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
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tuação é a do Campo Limpo. Já em Iaguara ou na Ponte Rasa, há superávit. A pesquisa mostra pelo menos um ponto positivo: o percentual de chefes de família sem instrução baixou de 9,47% para 6,45%, em 1996, uma redução de quase 32%. Ainda assim, em 47 distritos, o percentual de chefes de família analfabetos superava a média dos municípios, em alguns casos em até 20,08%. A maior concentração estava no Grajaú, e a menor, na Barra Funda. O percentual de chefes de família com oito a 14 anos de estudo cresceu 32,20%,com destaque para Lajeado.Outra boa notícia é que o número dos que têm nível universitário cresceu 13,85%
o PROJETO Dinâmica Social, Qualidade Ambiental e Espaços lntra-urbanos em São Paulo: Uma Análise Sócio-espacial MOOALlDADE
Programa de Pesquisas em Políticas Públicas COORDENADORA ALDAizA DE OLIVEIRA SPOZATI -
Faculdade de Serviço Social Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SPl INVESTIMENTO
R$ 88.600,00
no conjunto da cidade,no mesmo período. Apenas dez distritos não registraram esse incremento. A maior incidência de diplomas de 3° grau foi registrada no distrito do Iguatemi. Os índices de longevidade também são positivos. E caiu o número de anos potenciais de vida perdidos, calculado pela diferença entre o ano da morte e a expectativa de vida da população, em 23 dos 96 distritos. A taxa de homicídios, no entanto, cresceu 11,33%, entre 1996 e 1999.No Jardim Ângela, a taxaque é calculada pelo número de homicídios multiplicada por 100 mil habitantes e dividida pela população do distrito - foi de 94,42. Na Sé, essa taxa saltou de 37,52 para 93,47. Novas utopias - O projeto entra na fase 11do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas. As metas são produzir novos mapas, aperfeiçoar os indicadores, rever o conteúdo do indicador de eqüidade e agregar ao Índice de Exclusão/Inclusão novas "utopias": democracia, cidadania e felicidade."Trabalhamos com a idéia de que há um sofrimento na exclusão e que a felicidade é um direito público", explica Dirce. Os planos incluem ainda a conclusão do processo de implantação do Centro de Estudos das Desigualdades Socioterritoriais (Cedest), já iniciado em janeiro de 2002, que funcionará no Instituto Pólis. •
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
INTERNET
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Metas reorientadas Rede ANSP será utilizada como campo de testes dos projetos do Tidia
edeANSP vai retomar sua missão histórica e voltará a ser utilizada para o desenvolvimento de novos protocolos e tecnologias de Internet. A partir de janeiro de 2003, a rede, ANSP passará para o controle da comissão de coordenação do programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), da FAPESP. Será utilizada como infraestrutura para implementação de projetos de pesquisa já definidos no âmbito do Tidia, como, por exemplo, o de um campo de teste (test beá) em fibra óptica, de extensão estadual, para o desenvolvimento de pesquisas na área de engenharia de rede, controle de tráfego, comunicação óptica e softwares, entre outras. Hartmut Glaser deixa o cargo de diretor da Rede ANSP, mas segue coordenando o projeto Registro de Domínio do Comitê Gestor Internet Brasil. "Completou-se um ciclo tecnológico", diz Luiz Fernandes Lopez, coorde-
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nador do Tidia. ''A Fundação passará a investir agora na Internet 2 enquanto projeto de pesquisa." A ANSP foi criada como um programa especial da FAPESP, em 1989, e foi a primeira rede brasileira a integrarse à Internet, em 1991. Sob o comando de Glaser, tornou-se um dos principais pontos de conexão da Internet no Brasil com o exterior. A ANSP também faz a interligação das redes acadêmicas universitárias e institutos de pesquisas paulistas e desempenha o papel de provedora de Internet do governo do Estado de São Paulo. O redirecionamento dos objetivos da rede ANSP vai exigir um novo modelo de gestão com a participação das universidades e institutos de pesquisa de tal forma a consolidar tanto a infraestrutura de comunicação e conexão à Internet como a rede de pesquisa. A FAPESP, que investe anualmente R$ 9,5 milhões na manutenção da rede, direcionará os gastos para as pesquisas
em Internet de alta velocidade, que serão realizadas no âmbito do Tidia. ''A nova rede ANSP será o campo de testes do programa': explica Lopez. As pesquisas, na expectativa dos coordenadores do projeto, deverão começar em maio. Além do projeto do campo de teste em fibra óptica, o Tidia prevê a criação de uma incubadora de conteúdos, como softwares, material didático, etc. A idéia é incentivar a criação cooperativa de conteúdos digitais e, ao mesmo tempo, disseminar o uso de informações em português na Internet. O principal serviço da incubadora será hospedar projetos de criação de conteúdos acadêmicos. O Tidia pretende implementar, também, programas de aprendizagem na rede (e-learning), uma das áreas mais promissoras da Internet, que serão distribuídos à comunidade acadêmica por meio da rede de fibra óptica (test-beá). O programa prevê o desenvolvimento de ferramentas e de conteúdos educacionais. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 21
para vigiar as pesquisas e impedir que brasileiros sejam usados como cobaias. São testados no Brasil, nos últimos tempos, muitos remédios inventados por laboratórios dos Estados Unidos e da Europa. E não se verificam muitas ocorrências de eventos adversos, o que indica um bom nível de controle. Somente em 2002 foram aprovados 774 novos projetos no país. Um único imprevisto, verificado em julho, motivou a paralisação de uma pesquisa. Houve um óbito e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) investiga, atualmente, se o problema aconteceu por causa dos testes ou devido a complicações associadas à doença crônica do paciente. eum modo geral, porém, os estudos correm bem. Os números confirmam que a lei deu um impulso considerável para a multiplicação dos testes clínicos. A pesquisa no Brasil é feita apenas com voluntários não remunerados, ao contrário dos Estados Unidos, onde os pacientes são pagos. "No Brasil, por causa da pobreza, a remuneração poderia criar um mercado em torno das pesquisas': afirma Paula de Sá, coordenadora de pesquisa clínica da Anvisa. O atrativo para o paciente é a chance da descoberta de uma cura ou pelo menos de um alívio para seus males. A taxa anual de crescimento da pesquisa entre 1997 e 2001, segundo dados da Anvisa, foi sempre superior a 10% ao ano - de 30 projetos iniciados em 1995, saltou-se para 846 aprovados pelo Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) no ano passado. Também evoluiu o debate ético. Aumentam, por exemplo, as críticas aos testes contra placebo. "Pela nossa norma, o placebo precisa ser justificado, não só metodologicamente, mas também eticamente': afirma William Saad Hossne, professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu, e coordenador da Conep. A Interfarma, associação que reúne os laboratórios multinacionais de pesquisa no país, diz que os investimentos para a realização de testes prolongados no Brasil vão totalizar R$ 112 milhões, em 2002. Nos próximos quatro anos, a verba anual média deverá ficar em R$ 175 milhões. Diretores médicos de laboratórios internacionais, como Aldair Pinto, da Pfizer,
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ou André Feher, da Eli Lilly, elogiam a lei de patentes e a qualidade do trabalho nas universidades brasileiras. "Os investimentos podem triplicar a médio prazo", prevê Pinto. A pfizer vai desembolsar cerca de US$ 4 milhões em 2002 para levar adiante suas pesquisas no Brasil; São 30 projetos, entre os quais estão a insulina inalável; o sucessor do Viagra, produto para impotência sexual; e um medicamento contra a osteoporose que vai concorrer com o Evista. A Lilly desenvolve 38 pesquisas clínicas no país e dispõe de um orçamento de US$ 3,6 milhões neste ano - em 1995, a verba girava em torno de US$ 80 mil. A maior parte de seus testes são feitos com produtos das áreas de endocrinologia, neurologia e oncologia. "A pesquisa feita aqui tem um padrão internacional", afirma Feher, que também é vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Farmacêutica. "O único problema é que a aprovação dos protocolos demora de três a quatro meses mais do que em outras partes do mundo." A expansão da pesquisa clínica no Brasil tem razões bem objetivas. Há o fato de o país ter uma população de mais de 170 milhões de pessoas e abri-
gar grupos numerosos de doentes com muita variedade étnica. Além disso, a pesquisa brasileira tem qualidade e custos baixos - a mão-de-obra recebe em reais e atinge resultados tão bons quanto os alcançados em centros europeus ou norte-americanos. Soma-se a isso a existência de um regulamento para tratar do assunto - a resolução 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) -, e a criação de uma estrutura de acompanhamento que tem como objetivo fundamental identificar, discutir e impedir desvios éticos na pesquisa clínica. Assimetria na pesquisa - O Brasil ainda não compete com o seleto grupo de nações que descobre fórmulas e sintetiza princípios ativos farmacêuticos. Mas, aqui, a parte do conhecimento farmacêutico relacionada à metodologia e execução de testes de remédios em seres humanos tem condições de prosperar muito. "O que nós temos recomendado, agora, é que o pesquisador não só participe da execução da pesquisa, mas também de sua concepção", diz Saad Hossne. Volnei Garrafa, professor da Faculdade de Ciências e coordenador do grupo de bioética da Universidade de
Em 2002, gastos com testes clínicos de novos fármacos atingiram a cifra de R$ 112 milhões
ao de um antecessor reconhecidamente eficaz e não se verificam eventos adversos associados ao seu uso, então ele merecechegarao mercado.Em muitos casos, a inovação se justifica pela eliminação de efeitos colaterais constatados em produtos de referência.
Brasília (UNB), chama a atenção para a assimetria no processo de pesquisa. "Enquanto um país entra com recursos tecnológicos,o outro entra com pessoas': diz. O que se reivindica é um maior envolvimento intelectual dos pesquisadores brasileiros na elaboração dos projetos. No decorrer de uma pesquisa clínica, médicos e cientistas, a serviço de laboratórios privados ou estatais e sempre sob a mira do Comitê de Ética (CEP), verificam a tolerância clínica, a dosagem ótima e se os medicamentos atuam no corpo do paciente de maneira benéfica, neutralizando ou atenuando uma ou outra patologia. O protocolo do estudo precisa ser aprovado pelo Conep, em Brasília, e pelo CEP da instituição. Um médico é nomeado investigador principal e fica responsável pela pesquisa. Atualmente, estão em operação cerca de 400 CEPs no país, espalhados por quase 200 instituições. A observação de pessoas doentes sob efeitos da molécula em análise ou induzi das por placebos e o trabalho estatístico definirão os resultados do estudo. A regra geral é que se um produto previne um mal ou o remedeia em níveis percentuais iguais ou superiores
Fases da pesquisa - A pesquisa dos efeitos de medicamentos em seres humanos tem quatro fases. A fase 1 não é feita no Brasil. Participam do estudo apenas voluntários sadios. Testa-se a segurança de curto prazo do produto e analisa-se o seu perfil farmacocinético - a maneira como a droga é distribuída pelo corpo. A fase 2 é a do estudo terapêutico piloto. Trabalha-se com um pequeno grupo de doentes, de 500 a mil pessoas, e os testes, em geral, não duram mais do que um ano. Um dos objetivos do estudo é estabelecer a melhor dosagem da droga em uma relação risco-beneficio. Nesse momento se confirma, de fato, o potencial terapêutico da droga, se ela cumpre a função principal para a qual foi projetada ou não. Caso não cumpra, o laboratórie interrompe a pesquisa.
esqUisa
do Evista,por exemplo, está na fase 3, quando acontece o estudo terapêutico ampliado. Voluntá~ rios doentes são selecionados e é feita uma análise de risco e eficácia da droga com grandes amostras de doentes. É a fase mais cara, a que envolve o maior número de pacientes (milhares de pessoas em vários países) e mais longa (três ou quatro anos é um bom prazo médio). Concluída a fase 3, o produto é registrado nos órgãos de vigilância sanitária e sua comercialização, liberada. Os estudos desenvolvidos depois do início da comercialização do medicamento são incluídos na chamada fase 4. Seus protocolos são parecidos com os da fase 3. No Brasil, a grande maioria dos estudos pertence à fase 3. Em 2001, de 846 protocolos aprovados, 655 eram da fase 3; 103 da fase 2; 67 da fase 4 e ape-
nas 1 da fase 1. No roteiro de 38 pesquisas do laboratório Lilly, 20 pertencem à fase 3; 15 à fase 4; e 3 à fase 2. Na fase 3, justamente, a droga é mais bem qualificada e são feitas comparações com outras drogas de referência ou com placebos. Percebe-se no Brasil uma tendência ao questionamento de estudos de testes contra placebo. "A relutância ao uso do placebo aumentou", diz Feher. "Cada caso deve ser examinado e seu uso é inadmissível quando trouxer um risco grave",afirma Saad Hossne, da Conep. As restrições aumentam, por exemplo, na psiquiatria e na oncologia. Não se pode privar um doente grave, um esquizofrênico, por exemplo, de um medicamento que comprovadamente funciona e dar-lhe um comprimido inativo só para checar a qualidade de uma inovação, dizem os críticos dos placebos. Doentes de câncer que seguem tratamentos já conhecidos também não podem ser submetidos a testes com placebo em beneficio da ciência, mas contra seus próprios interesses. "Os placebos deveriam ser eliminados", afirma Garrafa, que ocupa uma cadeira no Conep. "Em muitos casos, usa-se placebo só por comodismo ou porque é mais barato." Garrafa identifica excessos, por exemplo, em uma pesquisa para testar uma nova dosagem para um medicamento para onicomi cose, uma infecção fúngica das unhas. O laboratório, com aprovação do CEP, usou duplo placebo, segundo Garrafa, em um dos grupos de teste. Embora os pacientes não corressem risco de vida, a onicomicose é uma micose persistente e várias pessoas foram privadas de uma cura rápida para a doença, já que existe um medicamento eficaz. Prevaleceram interesses científicos e comerciais sobre o bemestar dos pacientes. A visão dos laboratórios é que o teste contra placebo pode ser adotado em doenças não fatais, em casos em que a suspensão do uso de um produto tradicional não piore a qualidade de vida do doente ou quando não existir um produto de referência. A maioria das pesquisas no Brasil, segundo Saad Hossne, não incluem testes contra placebo.A discussão sobre seu uso, porém, ainda tem muito fôlego.E o Brasil,ao que tudo indica,será um dos campos em que se desenvolverá o debate ético. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 25
• POLÍTICA
CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
INDICADORES
Novos números de P&D Setor privado emprega 37% dos pesquisadores brasileiros
empresas industriais empregavam 29.086 pessoas em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), em 2002, bem acima das 10 mil estimadas anteriormente. Esse acréscimo não é resultado de aumento no número de contratações no setor privado, mas de mudanças na metodologia de cálculo do pessoal ocupado no setor. Até recentemente, o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) contabilizava o número de pessoas envolvidas com atividade de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), tomando como base as informações coletadas pela Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia de Empresas Inovadoras (Anpei) num universo nunca superior a mil empresas. "Alémde relativamente pequeno, o painel de empresas investigado variava a cada ano, o que tornava muito difícil a comparação dos resultados", conta Sinésio Pires Ferreira, coordenador de Estatísticas e Indicadores do MCT. Agora, o MCT passou a utilizar os número da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pintec), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 72.005 empresas industriais com dez ou mais pessoas ocupadas, divulgada em outubro passado. A Pintec ampliou a amostra e revelou, por exemplo, que dos 77.822 pesquisadores com nível superior no país, 37% estão no setor privado. Nas contas do MCT, o Brasil tem 163.945 pessoas envolvidas em atividades de P&D, incluídos aí os pesquisadores, estudantes de pós-graduação (34.048) e pessoal de apoio à pesquisa (52.075). Desse total, 53,1% estão vinculados a Institutos de Ensino Superior, 39,2 % estão nas empresas e 7,3% trabalham em órgãos de governo (veja tabela 1). "O Brasil, em números absolutos, não está mal em relação aos demais países. Mas, se levar-
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26 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
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mos em conta a População Economicamente Ativa (PEA), a situação é diferente. Aqui, só 1,5 em 1.000 pessoas da PEA, é pesquisador. Na Coréia, essa relação é de 4,6 por 1.000, e no Canadá, de 5,8 por 1.000':compara Pires Ferreira. Ocupações técnico-científicas -
Pessoal em P&D por setor e categorias (número de pessoas) - dados preliminares - Brasil: 2000 TOTAL
GOVERNO
IES
EMPRESAS*
SETOR PRIVADO SEM FINS LUCRATIVOS
Total
163,945
12,015
87,188
64,392
350
Subtotal
111,870
7,641
74,926
29,086
217
42,705
*29.086
CATEGORIA DE PESSOAL
Pesquisadores
107 Essa discrepância fica ainda mais clara quando se observa o Estudantes de pós-graduação 110 34,048 1,717 32,221 número de pessoas em ocupa35,306 Pessoal de apoio e outros (**) 52,075 4,374 133 12,262 ções técnico-científicas e/ou com escolaridade superior em Fonte: CNPQ: Diret6rio dos Grupos de Pesquisa (v. 4.1) e IBGE: Pintec. Notas: Estas informações diferem das anteriormente divulgadas por inclulrem os resultados da Pintec em substituição relação ao conjunto da PEA. aos mensurados pela Anpei. Essa metodologia de comparaRefere-se a pessoal em P&D com nlvel superior ção é recomendada no Manual (**) Não foram incluídos os alunos de graduação e especialização que pertencem a grupos de pesquisa de Camberra, da Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE), Estimativa de RH em C& T segundo seus componentes para avaliar o nível de formação Brasil: 1992-1999 dos recursos humanos envolvidos em atividades do setor. "O Em 1.000 pessoas argumento da OCDE é que, RHCTo ANO RHCT RHCTn RHCTe para haver ciência e tecnologia 1992 2,529 4,215 8,279 9,966 - sua produção e, principal2,704 10,711 4,458 mente a difusão de seus resul1993 8,958 tados - é desejável que os paí11,109 4,966 9,127 2,984 1995 ses tenham um número cada 11,679 3,014 5,108 9,586 1996 vez maior de pessoas escolari5,466 11,661 3,131 9,326 1997 zadas", explica Pires Ferreira. 12,167 5,720 9,808 1998 3,360 Seguindoa sugestãoda OCDE e utilizando os dados levanta12,475 3,411 5,970 9,916 1999 dos pela Pesquisa Nacional de Fonte: Dados Brutos: IBGE, PNAD (vários anos) Amostra de Domicílio (PNAD), Elaboração: MCT - Coordenação de Estatlstica e Indicadores, segundo as recomendações do Manual de Camberra (QCDEl. Nota: RHCTo = pessoas inseridas em ocupações técnico-científicas do IEGE, o MCT constatou que, RHCTe = pessoas com escolaridade superior em 1999,havia no Brasil 12,4miRHCTn = pessoas inseridas em ocupações técnico-científicas e com escolaridade superior RHCT = pessoas inseridas em ocupações técnico-científicas ou com escolaridade superior lhões de pessoas inseridas em ocupações técnico-científicas ou com escolaridade superior, que representavam 15,7% da PEA. Além essas características com maior intensermos aumentar os investimentos em disso, apenas 3,41 milhões, ou 4,3% da sidade, embora a escolaridade de sua P&D, deve haver maior participação do PEA,reuniam essesdois atributos.E mais: setor privado, já que os gastos públicos população tenha se elevado de forma essa proporção tem se elevado muito expressiva nos últimos anos", diz Pires estão dentro dos padrões dos países lentamente, desde 1992 (veja tabela 2). desenvolvidos': afirma Pires Ferreira.Ele Ferreira. Na comparação com outros países, sustenta seu argumento comparando o Brasil perde feio. Na Espanha, o perInvestimentos privados - Os números os investimentos em P&D de diversos centual de pessoas com nível superior países em relação ao PIE. O Brasil inda Pinte c também revelam que as emem atividades técnico-científicas represas privadas participaram com R$ 4,4 veste no setor 1,05% de seu PIE, menos bilhões do total de R$ 11,5 bilhões gaspresenta 13% da PEA. Na França e no que o Canadá, que gasta 1,94%, e mais Reino Unido, esse número é de 15%; e que a Espanha, com 0,9%. "Mas os gastos em P&D, em 2000, cerca de 50% a mais do que os R$ 3 bilhões calculana Bélgica, aproxima-se da casa dos tos do setor público no país, de 0,63% 20%. Vale observar que também nesdos em 1999, a partir dos dados coledo PIE, se assemelham aos do Canadá, ses países a relação entre recursos hucom 0,62%, e da Coréia, com 0,61%", tados pela Anpei. Ao governo federal coube investimentos de R$ 5 bilhões, e manos em ocupações técnico-científiressalva. A grande diferença está na cas e com escolaridade e a PEA tem se participação dos investimentos privaaos governos estaduais, R$ 2 bilhões. dos, que no Brasil é de 0,40% do PIE, elevado com alguma intensidade, desde Ainda assim, os gastos seguem concen1995. "A diferença é que o Brasil não contra 1,73% da Coréia ou 1,90% dos trados no setor público, responsável por 60% dos investimentos. "Se quitem sido capaz de gerar ocupações com Estados Unidos. • 77,822
5,924
°
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PESQUISAFAPESP83 • JANEIRODE2003 • 27
• CIÊNCIA
LABORATÓRIO • Baixa fertilidade, cérebros potentes
Nas origens, os vírus Surgiu uma relação promissora entre os mecanismos da evolução e os chamados retrovírus endêmicos humanos - que chegaram a ser vistos como sobras genéticas de antigas infecções. Desde a última década, quando se descobriu a abundância dos retrovírus no genoma humano, Iohn MeDonald e King Iordan, da Universidade da Geórgia, Estados Unidos, desconfiaram que eles pudessem representar uma peça importante no quebra-cabeça da evolução. Compararam as novas famílias de retrovírus endêmicos humanos e as antigas de outras espécies de primatas. E descobriram que os novos e antigos grupos parecem ter relação e que só o homem e o chimpanzé dispõem de retrovírus datados do mesmo período ambas as espécies, portanto, saltaram juntas na
evolução, distanciando-se dos outros primatas. Esse salto teria ocorrido há cerca de 6 milhões de anos, data atribuída ao surgimento do homem na Terra. Esse aparecimento, segundo os pesquisadores, deve ter sido fruto de uma mutação brusca, não de um processo gradual de seleção, como Darwin supunha. Essa mutação brusca pode ter tido como principais agentes os retrovírus que hoje parecem inativos. Tudo isso sugere um tabuleiro em que agentes genéticos de mutação e acomodação disputam um jogo de xadrez. Quando os primeiros prevalecem, as espécies são capazes de manter sua resistência biológica por longos períodos no curso da evolução. Caso contrário, ocorrem as mutações súbitas, que fazem surgir novos animais e adiantam o relógio da evolução. •
Até onde se sabe, as mulheres são as únicas fêmeas que sofrem de pré-eclâmpsia pressão alta na gravidez. Um estudo do neonatologista Pierre- Yves Robillard, do Sud Réunion Hospital, na Ilha Reunião, constatou que as mulheres que levam um ano para engravidar têm 35% menos chances de desenvolver pré-eclâmpsia do que as que engravidam com menos de quatro meses de relacionamento (NewScientist, 23 de novembro). Segundo Robillard, o contato prolongado com o sêmen do pai ajuda a adapatar o sistema imunológico da mulher. É que, na espécie humana, o feto penetraria muito mais fundo no útero materno, de modo a receber mais nutrientes, por causa do processo de formação do cérebro, que demanda três vezes mais energia do que em outros mamíferos. O
avanço mais endógeno do feto obrigaria o sistema imunológico da mãe a atacar a placenta, para combater os genes invasores do pai nela contidos. Nesse processo, a placenta liberaria toxinas que, ao entrar na circulação da gestante, causariam pressão alta. Não seria outra a razão da baixa fertilidade das mulheres comparada à de outras fêmeas, que, geralmente, engravidam na primeira relação sexual. •
• Revendo a distância até a Lua Tom Murphy, da Universidade de Washington, Estados Unidos, está utilizando um telescópio e emitindo sinais de laser contra os refletores que os astronautas da Apolo 11 deixaram em solo lunar a fim de encontrar uma resposta exata para a distância entre a Terra e a Lua. A medição é problemática, já que há muitos fatores, como o
Lua: precisão maior para comprovar a Relatividade 28 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
Geral
Endogamia amplia risco de extinção Não se imaginava que fosse tão crítica a situação do peixe-boi marinho (Trichechus manatus). Além de estar há anos na lista de animais ameaçados de extinção, essa espécie de mamífero que chega a 700 quilos e 4,5 metros de comprimento vive um acentuado grau de endogamia (cruzamento entre parentes), com uma variabilidade genética muito próxima a zero, de acordo com um estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). E quanto menor a variabilidade genética, maior o risco de extinção, pois se perde a resistência a doenças. "Nos próximos 20 ou
choque com um asteróide, que fazem a Lua se afastar ou se aproximar ligeiramente da Terra. Essa distância é, em média, de 384.042 quilômetros, com uma variação de mais ou menos 2 centímetros, mas Murphy quer uma precisão ainda maior. O que está em jogo é a Teoria Geral da Relatividade, de Einsten, segundo a qual, se a gravidade atrai do mesmo modo uma pena ou uma bola de boliche, então a Terra e a Lua se deslocam com a mesma aceleração em direção ao Sol. Fixar a distância exata entre os dois astros ajudaria a comprovar esse fato. "É complicado", admite Murphy, "porque a Terra e a Lua ficam dando voltas um em torno do outro e não existe um padrão no movimento circular." •
Peixe-boi marinho:
linhagem única
30 anos, talvez existam na natureza apenas os peixesbois reintroduzidos, a partir dos que são criados em cativeiro", comenta Fabrício Santos, coordenador
• O Brasil no início do século Com 26 CDs, um para cada Estado, completou-se no final do ano o projeto Brasil
do estudo, financiado pela Fundação O Boticário, com o apoio do Centro de Mamíferos Aquáticos. Santos e sua aluna Iuliana Vianna analisaram os hapló-
Visto do Espaço, feito pela Embrapa Monitoramento por Satélite. Esse trabalho encontra-se também no endereço www.cdbrasil.cnpm. embrapa.br, que oferece a imagem de cada Estado, com detalhamento por meio de sucessivos zooms, e textos explicativos sobre o significado das cores que representam a situação das florestas, cidades, rios e áreas agrícolas no início deste século. •
• Mercúrio na Baía de Guanabara Pode ser que ainda demore a despoluição da Baía da Guanabara, no Rio de Janeiro, mas pelo menos os invertebrados e peixes que vivem ali exibem índices aceitáveis de contaminação por mercúrio inorgânico e por sua forma mais tóxica, o metilmercúrio. Helena Kehrig, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e
tipos (seqüências de DNA mitocondrial, herdados da mãe) de 35 peixes-bois marinhos e 78 da espécie encontrada apenas na Bacia Amazônica, o peixeboi amazônico (Trichechus inunguis). Enquanto na espécie marinha as seqüências de DNA eram idênticas (um só haplótipo), a amazônica apresentou uma situação mais confortável, com 21 haplótipos - ou linhagens maternas. Um perigo extra que amplia o risco de extinção do peixe-boi marinho é o cruzamento entre as duas espécies, que resulta em híbridos normalmente estéreis ou raramente férteis. •
Mônica Costa, da Universidade Federal de Pernambuco, acompanharam durante dez anos o processo de acumulação dessas formas de mercúrio no mexilhão e em dois peixes, a tainha e a corvina. As conclusões, publicadas na Marine Pollution Bulletin, deixam claro como o mercúrio e o metilmercúrio se acumulam nos organismos à medida que se sai da base para o topo da cadeia alimentar. Na corvina, que se alimenta de camarões e de outros peixes, praticamente todo mercúrio no tecido muscular é metilmercúrio (98%), quase três vezes mais que no mexilhão. Mas como explicar as baixas concentrações nos animais, se ao redor da baía há cerca de 10 mil indústrias, inclusive uma fonte de mercúrio? Uma das razões são as correntes marítimas, que permitem uma intensa troca de água com o oceano. •
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 29
As espécies prioritárias para conservação o crescimento
da indústria de perfumes no início do século passado contribuiu para colocar na lista de espécies ameaçadas de extinção o pau-rosa (Aniba rosaeodora), árvore típica da Amazônia, cujo tronco libera odor de rosas e fornece o linalol- um óleo fixador usado, por exemplo, na produção de um dos mais conhecidos perfumes do mundo, o Chanel nv 5. O pau-rosa e outras seis espécies de plantas aromáticas, medicinais - a exemplo da espinheira-santa (Maytenus aquifolium), empregada contra inflamações e úlceras - e de interesse industrial
• Halteres para voar Os halteres devem ter sido os primeiros instrumentos usados para aumentar a impulsão na locomoção humana, concluiu um estudo pelo qual se procurou responder por que as pinturas nos vasos gregos, sete séculos antes de Cristo, representavam os atletas saltando com esses objetos n~s mãos (Nature, 14 de novembro). Alberto Minetti e Lucas Ardigó, da Universidade de Manchester, Estados Unidos, depois de fazer experiências e simulações em computador, descobriram que a utilização de halteres prolonga um salto de 3 metros em até 17 cm. A estratégia adotada é a seguinte: para ganhar impulso no salto, os atletas moviam os halteres com os dois braços para trás; no ar, para ser puxados,
Guaraná: seleção de plantas deve ampliar produtividade - como o guaraná (Paullinia cupana) - receberão atenção especial nos próximos quatro anos: são as espécies prioritárias em um amplo levantamento que começa este mês e será
eles os estendiam para a frente; antes de pousar, eles os abaixavam de novo. Segundo os cálculos elaborados pelos pesquisadores, para ob-
30 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
executado por cerca de 80 biólogos de oito instituições de pesquisa do Brasil. Os especialistas vão coletar sementes, brotos e estacas dessas e de outras plantas de interesse regional dos
ter o efeito desejado, o peso dos halteres deve encontrarse na faixa de 2 a 9 quilos. Todos os exemplares antigos de halteres - de madeira ou de pedra, conservados nos museus - estão rigorosamente dentro desse peso. •
• Rato sem medo dos gatos Um parasita de uma única célula, que vive no intestino dos gatos, altera o comportamento de ratos e os faz perder o medo dos felinos. Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, constataram que roedores contaminados com o parasita - o protozoário Toxoplasma gondii, causador da toxoplasmose - deixam de exibir a aversão natural aos gatos e, em alguns casos, passam a se sentir atraídos pelo odor dos bichanos. No organismo dos
cinco principais ecossistemas brasileiros - Amazônia, Caatinga, Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal para montar uma coleção de espécies vivas e obter informações genéticas que auxiliem a conservação e o manejo sustentável. "Nosso objetivo é possibilitar a produção de matéria-prima de melhor qualidade por meio do cultivo ou do manejo sustentado dessas plantas", afirma Roberto Fontes Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, coordenador do projeto. "Pretendemos oferecer alternativas à exploração extrativista." •
roedores, o parasita assume uma forma inativa e se aloja no cérebro, provocando a mudança que os torna presas fáceis. Quando o rato vira refeição de gato, o protozoário retoma ao seu hospedeiro original e se reproduz, completando seu ciclo de vida. "Provavelmente, esse é um dos mais convincentes exemplos de manipulação dos mamíferos por parasitas': observa Manuel Berodoy, um dos autores do estudo. Apesar das evidências de que o toxoplasma também provoque alterações mentais em seres humanos, os médicos acreditam que o parasita só represente uma ameaça para gestantes - pode contaminar o feto e causar doenças mentais, deficiência visual e até morte - e pessoas com o sistema de defesa debilitado. O toxoplasma é transmitido pelo contato com fezes de gatos. •
• Como os buracos negros crescem
• Aos elefantes, as abelhas
Trinta anos depois de o físico inglês Stephen Hawking ter proposto que os buracos negros se alimentam e crescem sem parar, como um monstro insaciável em um filme de horror, consegue-se saber como ganham espaço. Na edição de 23 de dezembro da Physics Review Letters, Abhay Ashtekar e Badri Krishnan, da Universidade de Penn State, Estados Unidos, mostram uma relação explícita entre o tamanho de um buraco negro e a energia que ele absorveu. Depois de formularem uma medida da energia total das ondas gravitacionais absorvidas por um buraco negro que não foi captada por outro tipo de matéria ou radiação, chegaram às leis de equilíbrio, relacionando essa quantidade de energia com as mudanças na massa do buraco negro e a área do horizonte de eventos - o limite a partir do qual o buraco negro deixa de atrair matéria e radiação. "Contamos agora com processos realmente dinâmicos de colisões entre buracos negros", disse Ashtekar. Para ele, nas simulações de computador, os resultados seriam agora mais aceitáveis e não mais uma mera fantasia. •
o
acelerado crescimento da população de elefantes no Quênia tornou-se um problema. As manadas não param de destruir as árvores e plantações e chegam a provocar a morte de uma pessoa a cada duas semanas em média. Qual a solução? Enjaular as feras? Fritz Vollrath, biólogo da Universidade de Oxford, encontrou uma saída: combater os mamíferos com as pequenas, mas temíveis, abelhas africanas (NewScientist, 16 de novembro). "Não sei como não se pensou nisso antes'; diz Vollrath, que percebeu que as abelhas são capazes de perseguir uma manada inteira, por quilômetros a fio, cada vez que um elefante ousa tocar em uma colméia. Para testar sua idéia, ele es-
Pantanal:
palhou colméias - seis habitadas e 30 desabitadas - pelas árvores de uma região muito saqueada pelos elefantes. Dez das 30 árvores contendo colméias vazias foram atacadas, mas as seis equipadas com colméias ativas foram poupadas pelos elefantes. Em compensação, nove entre cada dez árvores sem abelhas nem colméias foram derrubadas. É verdade que as abelhas africanas são perigosas também para os homens, mas experiências preliminares de Vollrath sugerem que seus zumbidos, emitidos por altofalantes, talvez consigam intimidar os paquidermes. •
• Onde a natureza permanece intacta Entre as 37 áreas silvestres recém-rnapeadas no mundo, três estão no Brasil: Ama-
potencial viveiro de espécies de outros ambientes
zônia, Pantanal e Caatinga. O estudo Wilderness - Earth's Last Wild Places ( Grandes Regiões Naturais: As Últimas Áreas Silvestres da Terra) estima que 80% da Amazônia permanece intacta, embora ameaçada por desmatamentos, e com elevado endemismo (espécies únicas do local): 173 mamíferos, 260 pássaros, 216 répteis e 30 mil plantas. Financiada pela Conservation International (CI) e pela Agrupación Sierra Madre, a pesquisa equipara o Pantanal às savanas sul-africanas em termos de possibilidade de concentração de aves, mamíferos e répteis, com uma biodiversidade que se deve, em parte, à influência da Amazônia e do Cerrado que o cercam. Por isso, os especialistas consideram o Pantanal um potencial viveiro natural para espécies ameaçadas de extinção que poderiam recolonizar outras áreas. Já na Caatinga - o ecossistema de mais antiga ocupação, ainda com 380 espécies de plantas endêmicas -localizam -se as maiores áreas que passam por um processo de desertificação, resultante da exploração agrícola intensiva. No mundo, os ambientes selvagens cobrem quase metade da superfície terrestre (46%), mas apenas 7% desse espaço encontra-se protegido como parques ou unidades de conservação. •
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 31
• CIÊNCIA
BIOLOGIA
Os limites
amar
Levantamento mapeia a exploração excessiva dos recursos pesqueiros do Brasil MARCOS
PrVETTA
dados preliminares mostram que dificilmente será possível aumentar de forma significativa - e não-predatória - a quantidade de pescado marinho capturado pelo Brasil em sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Esse termo designa um novo conceito internacional, em vigor desde 1994, que disciplina o uso dos recursos oceânicos numa faixa que se inicia onde acaba o mar territorial de um país - a 12 milhas náuticas da costa (22 quilômetros) - e se estende por mais 188 milhas náuticas (cerca de 350 quilômetros) mar adentro. No Brasil, a ZEE chega a 3,5 milhões de quilômetros quadrados. Para manter os direitos exclusivos de exploração dos recursos nessa área, a nação deve demonstrar que tem capacidade para explorá-Ios de forma sustentada, sem precisar abrir suas águas para outros países. O Revizee nasceu em 1997 para balizar a atuação nacional nessa nova e imensa porção marítima. Seus dados iniciais indicam que os recursos marinhos em águas nacionais que já são alvo de pescarias sistemáticas, de forma industrial ou mesmo artesanal, estão no seu limite máximo de exploração econômica ou até já passaram desse ponto. Alguns exemplos dessa tendência às retirada exagerada dos recursos do mar. Na costa sul-sudeste, porção do litoral brasileiro que começa no Chuí, extremo sul do Rio Grande do Sul, e se estende até o Cabo de São Tomé, porte do Rio de Janeiro, os resultados de estudos sobre o potencial de captura de três espécies de relevância econômica - o peixesapo (Lophius gastrophysus), o batata (Lopholatillus villarii) e o caranguejo de profundidade (do gênero Chaceon) recomendam a diminuição da pesca desses recursos. "Muitas vezes, os barcos pesqueiros descobrem um novo estoque de uma espécie numa região e passam a explorá-Ia tão rapidamente que mal temos tempo de estudar em detalhe o tamanho desse recurso", diz Carmen Rossi-Wongtschowski, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP), coordenadora do Revizee nessa faixa do litoral, de onde sai metade dos peixes marinhos capturados no Brasil (veja quadro adiante). Um pouco mais acima, na porção central da costa brasileira, entre o Cabo de São Tomé e Salvador, o quadro não é muito diferente. A análise da situação das dez espécies mais exploradas em 34 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
o barco
I<impo Maru: a cada ano, 1.150 toneladas de caranguejo
fundos de recifes e bancos de corais também revelou dados preocupantes. "Nossos modelos numéricos e matemáticos indicaram que oito dessas espécies encontram-se entre plenamente exploradas e sobreexploradas economicamente", diz o biólogo marinho Iean Valentin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenador dos trabalhos nesse trecho da costa brasileira. Mesmo no caso das duas espécies que ainda exibem aparentemente algum potencial extra de exploração, o dourado (Coryphaena hyppurus) e o olho-de-boi (Seriola dumerilli), os pesquisadores não acreditam que haja condições de elevar seus níveis de captura.
S
ubindo ainda mais, ao longo da plataforma marítima dos demais estados do Nordeste, onde a pesca ainda é predominantemente artesanal, os dados igualmente não dão margem a um incremento da atividade pesqueira. "Temos peixes nobres na região, mas a quantidade dos recursos é pequena", sintetiza Rosângela Lessa, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), responsável pela dinâmica de populações e avaliação de estçques na costa nordeste, que vai de Salvador até a foz do rio Parnaíba, divisa entre o Piauí e o Maranhão, e inclui os arqui.pélagos de Fernando de Noronha, São Pedro e São Paulo e o Atol das Rocas. "Entre os peixes hoje explorados economicamente, como os vermelhos e o dourado, nenhum deles deve ser pescado mais do que já é." Na costa norte, que vai da foz do Parnaíba até o rio Oiapoque, no Amapá, os recursos marinhos estão igualmente com suas populações sob pressão em decorrência da pesca excessiva. "Está tudo no limite máximo, tanto a captura industrial do camarão-rosa (espécies do gênero Penaeusi, da piramutaba (Brachyplatystoma vaillantti) e do pargo (Pagrus pagrus) quanto a artesanal da pescada-amarela e do guarijuba (Tachysurus luniscutis)", diz Rosalia Cutrim Souza, da Faculdade de Ciências Agrárias de Belém, uma das pesquisadoras do Revizee que atuam na costa norte.
De acordo com Rosalia, a frota destinada à exploração industrial de camarão- rosa chega a 200 embarcações, mas não deveria passar de 150. A pesca profissional da piramutaba - bagre de água doce e salobra, de até 1,2 metro, que já foi o terceiro peixe mais pescado no país - estava tão descontrolada que, de 10 de outubro a 30 de novembro do ano passado, o Ibama instituiu pela primeira vez o defeso dessa espécie na foz do Amazonas. Defeso é a proibição da pesca de um peixe na época mais importante para sua reprodução. No Revizee, mais de 30 tipos de peixes e crustáceos são alvos de estudos
para determinar o tamanho de suas populações em pontos variados da costa brasileira e verificar se há condições de aumentar a sua pesca ou se, na realidade, é necessário restringi-Ia ainda mais. . - Os cientistas deram preferência para espécies pouco pesquisadas. Essa opção fez com que recursos de grande importância comercial que já foram alvo de muitos trabalhos científicos, como a sardinha na costa sul-sudeste e a lagosta no Nordeste, não voltassem a ser objeto de trabalhos detalhados do Revizee. Em tempo: tanto o estoque de sardinha como o de lagosta estão em declínio acentuado devido à sua cap-
tura excessiva. A quantidade de sardinha retirada de águas da costa sudeste caiu de 200 mil toneladas anuais, em fins da década de 70, para cerca de 20 mil toneladas, em 2000. Espécies pescadas em águas internacionais, como o atum, também ficaram de fora dos trabalhos do Revizee. É lógico que, para contrabalançar o quadro de esgotamento dos recursos pesqueiros hoje já explorados em demasia, os pesquisadores do Revizee têm descoberto estoques até então desconhecidos de novas ou antigas espécies marinhas. Um dos diferenciais do projeto é justamente promover estudos sobre os recur-
sos marinhos existentes em profundidades praticamente inexploradas pela ciência nacional. "Nunca havíamos trabalhado abaixo dos 200 metros de profundidade e, em alguns casos, chegamos até a 1.800 metros", comenta Carmen Wongtschowski. "Com o Revizee, temos hoje uma fotografia melhor de toda essa região." O projeto contribuiu decisivamente para um melhor mapeamento dos chamados recursos demersais da costa brasileira, peixes e outros seres que vivem perto do fundo do oceano (as espécies que ficam mais próximas da superfície da água são rotuladas de pelágicas). PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 35
Vítimas da corrida do ouro A diminuição no tamanho dos estoques de dois recursos intensamente explorados na costa sul-sudeste - o caranguejo de profundidade e o peixe-sapo - ilustra, de forma quase didática, o tipo de relação que a indústria pesqueira nacional costuma manter com espécies marinhas de valor comercial. As histórias dessas duas novas vedetes da pesca para exportação feita em águas profundas são bastante parecidas e representativas da corrida do ouro (o termo é empregado por alguns cientistas), que ocorre no mar sempre que alguém "descobre" um peixe ou um crustáceo valioso, aparentemente abundante e, até então, pouco ou não explorado economicamente. Quase desconhecidos dos consumidores brasileiros, mas muito apreciados no exterior, o caranguejo e o peixe-sapo (ou tamboril) começaram a ser capturados de forma mais sistemática na segunda metade da década passada.
Em termos de novos estoques, alguns resultados dessa inédita prospecção de fundo já saltam aos olhos. Na costa sul-sudeste, por exemplo, chama a atenção a existência de um estoque estimado de 1 milhão de toneladas por ano de Maurolicus stehmani, o popular peixe lanterna. Com apenas 5 centímetros de comprimento, essa espécie não tem valor comercial, mas, por ser alimento comum de atuns, é um indicador da possibilidade de grandes cardumes desse valioso peixe. No Nordeste, também foram identificadas populações ainda não exploradas economicamente dos chamados caranguejos de profundidade, de uma espécie do gênero Chaceon, o mesmo dos caranguejos encontrados e fartamente capturados na sul-sudeste. Na porção central da costa, cruzeiros de pesquisa exploraram águas com profundidade entre 60 e 750 metros e possibilitaram a descoberta de estoques de batata, cherne-verdadeiro (Epinephelus niveatus), catuá (Cephalopholis fulva) e vermelho (Lutjanus analis). "Mas aqui os níveis de rendimento dessas es36 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
Em conjunto, o estoque médio das duas espécies de caranguejo de profundidade - o Chaceon notialis e o Chaceon ramosae, crustáceos que podem pesar mais de 2 quilos e compõem esse tipo de recurso na costa sul-sudeste é de 23,6 mil toneladas, de acordo com Alessandro Athiê, estudante de doutorado do Instituto Oceanográfico da USP, que fez um trabalho específico sobre esse caranguejo. "Pelos nossos cálculos, a exploração racional dessa po-
pulação comporta a retirada anual de, no máximo, 1.150 toneladas de caranguejo", diz Athiê, que em 1999 passou um mês no barco japonês Kimpo Maru, o maior dos cinco navios arrendados que se dedicam atualmente à captura desse crustáceo em águas brasileiras. A recomendação dos relatórios do Revizee bate de frente com a realidade, pois apenas o Kimpo Maru retira a cada 12 meses essa quantidade de caranguejo. Atualmente, faz-se a captura desse recurso com grande eficácia, geralmente em profundidades superiores a 200 metros, com o auxílio de um tipo de armadilha circular chamada cova. "Para complicar ainda mais esse qua-
Peixe-sapo: para os europeus, um prato fino
pécies são consideravelmente mais baixos do que os obtidos na costa sul-sudeste e em outras partes do mundo", diz Paulo Alberto Silva da Costa, da Universidade do Rio de Janeiro (Uniria), responsável pela área de dinâmica pesqueira do Revizee na costa central. "Por isso, eles não representam uma possibilidade concreta de incremento da frota (pesqueira) local, que as explora de forma artesanal." Hoje, o Brasil retira em torno de 470 mil toneladas de pescado por ano, incluindo crustáceos e moluscos. Se forem adicionados os recursos de origem fluvial e os projetos de aqüicultura em água doce e salgada, esse número sobe para 840 mil toneladas anuais de pescado. É pouco ou muito? Basta dizer que toda a produção brasileira é cerca de
cinco vezes menor do que a do Chile e menos de um décimo da do Peru, países com grandes estoques de pescado. De diminutas canoas a navios de grande porte, a frota pesqueira brasileira conta com cerca de 25 mil embarcações, fora os 50 barcos que compõem a frota arrendada, formada por navios estrangeiros que operam legalmente aqui, contratados por armadores locais.
C
erca. de 800 mil pessoas trabalham no setor pesqueiro brasileiro, sobre o qual há escassos dados a respeito do faturamento total. Sabe-se, no entanto, que, em 2001, esse segmento da economia produziu um superávit na balança comercial da ordem de US$ 25 milhões - as exportações de pescado bateram na casa dos US$ 270 milhões e as importações ficaram em torno de US$ 245 milhões. É provável que o peso do setor pesqueiro nacional seja um pouco maior do que aparece nas estatísticas disponíveis. Os números referentes à captura artesanal, em pequena escala, realizada
dro, o estoque de caranguejos da espécie C. notialis, encontrada no extremo sul do país, é compartilhado com o Uruguai", comenta Athiê. O caso do peixe-sapo - tão feio quanto delicioso, garante quem, como os europeus, já experimentou a carne dessa estranha iguaria marinha que pode passar de meio metro de comprimento - é igualmente preocupante. Um trabalho feito por pesquisadores da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), instituição privada de Santa Catarina, estimou que o estoque médio de Lophius gastrophysus na costa sul-sudeste era de 61 mil toneladas dois anos atrás. Segundo o estudo, cerca de 8.600 toneladas de peixe-sapo, aproximadamente 15% da população total da espécie, foram capturadas em apenas uma temporada, em 2001. Outra
estimativa, feita por biólogos envolvidos no Revizee, aponta que a quantidade desse recurso no mesmo trecho do litoral é ainda menor. Com base nesses dois estudos, no final do ano passado, cientistas, armadores e o Ministério da Agricultura, que legisla sobre a atividade pesqueira, chegaram a um consenso para diminuir a pesca predatória do peixe-sapo. Entre as medidas acordadas, destacam-se a imposição do limite de 1.500 toneladas para a captura desse recurso em 2003 e a demarcação de duas zonas de exclusão, onde não se poderá pegar a espécie, normalmente pescada com redes de arrasto e emalhe (outro tipo de rede) em profundidades superiores a 200 metros.
Para estimar a dimensão do estoque de uma espécie e quanto dessa população pode ser pescado anualmente de forma sustentável, os pesquisadores do Revizee têm de produzir ou levantar uma série de dados biológicos sobre o recurso analisado. É necessário conhecer, por exemplo, sua expectativa de vida, seu ciclo reprodutivo, os locais de desova, o hábitat preferido, entre outras informações relevantes. De acordo com os especialistas, também é imprescindível dispor de um conhecimento mais detalhado sobre o grau de eficiência dos métodos de pesca usados para se apoderar desse recurso. Isso pode ser obtido por meio da análise dos dados oficiais de captura da espécie estudada ou com informações coletadas in loco por cientistas que participam de cruzeiros de pesquisa.
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Caranguejo de profundidade: até 2 quilos
perto da costa pelas comunidades locais, são em geral subestimados. "O caso do Rio de Janeiro é emblemático do que ocorre no país", diz Carmen Wongtschowski. "Trabalhos realizados no litoral norte fluminense e na Baía de Guanabara mostram que os dados de desembarque representam apenas cerca de 30% do que é realmente retirado do mar:' Mas, para fins oficiais, o que existe é a cifra disponível de 840 mil toneladas anuais. De qualquer forma, o consumo de peixe no país é baixo, de cerca de 6 quilos anuais per capita, cerca de seis vezes menor do que o de carne bovina e de frango, as mais apreciadas. O leigo, sem sólidos conhecimentos oceanográficos, não entende como o Brasil, com um litoral de cerca de 8 mil quilômetros de extensão, não é uma nação pesqueira por excelência. Mas as águas brasileiras, ainda que ricas em biodiversidade, não exibem condições que permitam a ocorrência de muitos peixes. Devido a uma série de peculiaridades,
como a presença de menos nutrientes que os encontrados em águas temperadas, não há grandes cardumes ao longo do litoral. Esse é um dado imutável da realidade pesqueira, que explica, em parte, o modesto tamanho do setor. Há alguma perspectiva real de crescimento da pesca no país sem pressionar os estoques das espécies marinhas? Poucas e limitadas, segundo os especialistas. No início do Revizee, em 1997, previase que o potencial pesqueiro da ZEE brasileira fosse da ordem de 1,5 milhão de toneladas de pescado por ano. Em termos de pesca costeira, geralmente artesanal, a exploração está no limite máximo. "Quanto aos recursos de água profunda, abaixo de 200 metros, há alguma possibilidade de crescimento, mas em níveis que jamais vão superar as 100
mil toneladas", opina Fábio Hazin, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), coordenador do Revizee na costa nordeste. Em relação à captura de peixes que vivem em águas oceânicas mais próximos da superfície (pelágicos), como atuns, agulhões, tubarões, anchoítas e lulas, Hazin acredita que o aumento pode ser um pouco mais significativo. "Mas, de qualquer maneira, não acredito que consigamos atingir a marca de 1,5 milhão de toneladas anuais de pescado", afirma o pesquisador da UFRPE. Pescar em outras regiões, como a Antártica ou o Atlântico Norte, pode ser uma saída. Outra alternativa é investir em criação de peixes em água doce e salgada. "Mas o crescimento da aqüicultura se dá de forma desordenada, sem um planejamento adequado, que leve em conta os processos biológicos, hidrológicos, sociais e econômicos relativos à sua área de implantação", pondera Carmen Wongtschowski. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 37
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• CIÊNCIA
ECOLOGIA
A terra das aves Agora são oito as espécies de pássaros que vivem apenas entre os rios Xingu e Tapajós
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rigar duas espécies de aves que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta já caracteriza uma região como um centro de endemismo. A área entre os rios Xingu e Tapajós, na Amazônia, tem oito dessas espécies exclusivas e uma delas foi descoberta recentemente por uma equipe de pesquisadores do Pará. É um arapaçu, chamado arapaçu-decarajás (Xiphocolaptes carajaensis) em referência ao lugar onde foi encontra-
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do: a Serra dos Carajás, no Pará. Mede 30 centímetros do extremo da cauda à ponta do bico, pesa cerca de 110 gramas e tem uma plumagem peculiar: o corpo é coberto com penas marromesverdeadas, com asas e cauda castanhas. Os arapaçus são pássaros aparentados à família do joão-de-barro, mas sobem no tronco das árvores como os pica-paus, utilizando a cauda como apoio. Em comparação com as outras espécies de arapuçus do gênero Xiphocolaptes, as estrias brancas que tem na ca-
beça são mais largas, enquanto a asa, a cauda e o bico são menores. Cantam de manhã cedo e no fim do dia - um canto composto por uma série de assovios que se inicia com uma nota mais alta, mais facilmente ouvido na época de reprodução, entre setembro e janeiro. Essas particularidades resultam de um processo chamado especiação quando uma população de uma mesma espécie se divide em duas, cada uma delas se diferenciando e originando uma nova espécie. A separação é
Hábitat entre rios o arapaçu-de-carajásvivesomente entre o Xingue o Tapaiós,
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<:i Locais onde o arapaçude-carajás
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Fonte: José Maria Cardoso da Silva - UFPE I Conservation In
national do Brasil
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Arapaçu-de-bico-torto: SÓ no Brasil há 39 espécies de arapaçus
geralmente causada por barreiras geográficas - como os rios, no caso da nova espécie de arapaçu. O arapaçu-de-carajás deve ter se originado entre 2 e 3 milhões de anos atrás, na passagem da época do Plioceno para a do Pleistoceno, quando se formaram os atuais cursos dos rios amazônicos. ensava-se que a diferenciação das espéciesde avesamazônicas era recente - teria ocorrido nos últimos milhares de anos. Entretanto, com o surgimento de técnicas moleculares, as estimativas hoje indicam que a diferenciação entre espécies irmãs, aquelas que descendem do mesmo ancestral,se deu entre 1e 3 milhões de anos. "Isso significa que as espécies atuais são muito mais velhas do que geralmente se pensava';diz um dos autores da descoberta, José Maria Cardoso da Silva, professor licenciado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),que coordena o programa para a Amazônia da Conservation International do Brasil. Encontrar uma nova espécie de ave, no entanto, não é algo comum. Em média, são identificadas três novas por ano - é a menor taxa entre todos os
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grupos de organismos. As aves, assim como outros vertebrados, já são quase todas conhecidas: no Brasil existem 1.680 espécies identifica das e, no mundo, cerca de 9 mil. Só de arapaçus há 50 espécies já descritas, das quais 39 vivem no território nacional. A nova espécie foi observada pela primeira vez em julho de 1985,durante uma expedição a uma área de floresta situada dentro da concessão de exploração mineral da Vale do Rio Doce, na Serra dos Carajás. Nessa viagem, Silva encontrou e logoperdeu o pássaro de vista. Só três dias depois, quando se preparava para voltar a Belém, é que conseguiu capturar um exemplar com uma rede de neblina, feita de náilon fino para confundir as aves."Os arapaçus se movem rapidamente e são difíceisde ser acompanhados durante muito tempo", explica o ornitólogo, que descreveu a nova espécie num artigo publicado em setembro na revista científica britânica Bulletin of the British Ornithologists' Club, junto com outros dois ornitólogos: David Oren, atualmente diretor científico da The Nature Conservancy do Brasil, e Fernando Costa Novaes, pesquisador aposentado do Museu Emílio Goeldi, em Belém.
Silva só se certificou de que se tratava de uma nova espécie seis meses depois, ao comparar o exemplar capturado com os arapaçus da coleção de aves do Emílio Goeldi. Mas, para descrever uma espécie nova, era preciso obter mais espécimes. "Voltei ao mato e tive de conseguir outro", conta. Mais tarde, encontrou outros exemplares no Museu Nacional de História Natural, em Washington (EUA), e no Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP) - estavam registrados como a espécie mais próxima, o arapaçu-vermelho (Xiphocolaptes promeropirhynchus), que ocorre do outro lado do Xingu. Com cinco espécimes, pôde finalmente fazer as comparações necessárias e escrever o trabalho sobre o novo pássaro. Embora façam seus ninhos nos ocos das árvores, escondendo-se de quem os queira ver ou fotografar, os arapaçus não são capazes de escavaraproveitam orifícios já abertos. Ali dentro, põem os ovos sobre uma espécie de colchão com pedaços de casca ou de folhas secas. Segundo Silva, apesar de mudarem pouco na coloração são geralmente marrons -, os arapaçus variam bastante no formato e tamanho do bico: há espécies com bico pequeno e reto, outras com bico longo e curvado, como o próprio arapaçu-de-bico-torto (Campylorhamphus falcularius). No artigo sobre o novo pássaro, os pesquisadores alertam para a necessidade de conservação da espécie e de seu hábitat. "Os arapaçus são muito sensíveis às alterações do ambiente e estão entre os primeiros grupos de aves a desaparecerem quando a floresta é fragmentada ou quando a madeira é explorada comercialmente", diz Silva. É uma ameaça concreta: já estão desmatados cerca de 25% dos 394.515 mil quilômetros quadrados do Centro de Endemismo Xingu. Ali vivem outras oito espécies ou subespécies de aves endêmicas: o jacamim (Psophia viridis interjecta), um periquito (Pyrrhura perlata anerythra), a mãe-da-taoca (Phlegopsis confinis), o papa-formiga (Pyriglena leuconota interposita), uma araponga (Procnias alba wallacei), o chupa-dente (Conopophaga aurita pallida) e dois outros arapaçus, o Hylexetastes brigidai e uma nova espécie ainda a ser descrita, Dendrocincla sp. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 39
·CIÊNCIA
BIOINFORMÁTICA
A dança dos genes Brasileiros criam modelo matemático que define limite de alterações e evolução de genomas iOinfOrmática, ramo das ciências da computação dedicado a criar softwares e ferramentas matemáticas para a área biológica, acaba de demonstrar um novo teorema que pode ser útil para o estudo da evolução de genomas. Os pesquisadores João Meidanis e Zanoni Dias, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e Maria Walter, da Universidade de Brasília (UnB), calcularam o número máximo de vezes que podem ocorrer dois tipos básicos de rearranjos no interior de um genoma: movimentos de blocos de seus genes e inversões na seqüência dos pares de bases (unidades químicas) que compõem esses genes. Segundo os autores do estudo, publicado no final do ano passado no [ournal of Computational Biology, a respos-
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. ta a essa indagação é igual à metade do número de genes do genoma em questão mais o algarismo 2. Ou seja, num genoma com 100 genes, podem acontecer, no máximo, 52 rearranjos dos tipos descritos acima. Nesse caso, a conta é 100 -;-2 + 2 = 52. Se o número de genes for ímpar, o resultado da equação, uma fração, deve ser arredondado para baixo. "Essa equação, a principal de nosso trabalho, é válida para genomas com três ou mais genes", diz Meidanis, líder do grupo de bioinformatas à frente do estudo. "Ela é um aperfeiçoamento de teoremas propostos por outros autores." O teorema pode ser útil no estudo da evolução dos genomas por permitir compará-los e, desse modo, ver o que há de comum e de diferente entre eles. Ao sofrer rearranjos como os mencionados, um genoma se transforma e gera um
outro, diferente do original. Do ponto de vista evolutivo, a distância entre dois genomas pode ser encarada como diretamente proporcional ao número de arranjos processados: quanto maior a quantidade de operações de reordenamento, maior a distância evolutiva entre eles. Há outras formas de medir a proximidade evolutiva entre genomas, mas essa foi a usada como parâmetro pelos pesquisadores nesse trabalho. Portanto, o que a equipe de Meidanis fez foi calcular o número máximo de rearranjos - o equivalente à maior distância possível em termos evolutivos que pode separar dois genomas que guardam certa semelhança. Um genoma com dez rearranjos em relação ao seu genoma de base, do qual derivou, está mais próximo de sua seqüênciamãe do que um terceiro genoma, que
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apresenta 15 reordenamentos. "Nossa contribuição foi mostrar que o número máximo de rearranjos possíveis entre dois genomas similares é menor do que se pensava", explica Meidanis. As equações defendidas por outros autores para tratar dessas questões chegam, invariavelmente, a resultados numéricos superiores aos obtidos pelo teorema demonstrado pelos cientistas da computação da Unicamp e UnE. Em termos práticos, a equação proposta pela equipe de Meidanis pode ser aplicada apenas na comparação de genomas com características bastante específicas. Primeiro condicionante: elasepresta somente ao confronto de pares de genomas, um conjunto de genes contra outro conjunto de genes. Se houver dez genomas para serem comparados, a análise terá de ser feita dois a dois. Outra restrição: só faz sentido empregar a equação para comparar dois genomas muito parecidos - ambos devem ter os mesmos genes (pelo menos três para o teorema valer) e na mesma quantidade. Normalmente, os genomas comparados em laboratório não exibem essas condições ideais para o emprego da equação, mas isso não é motivo de preocupação. "O teorema é parte de um modelo teórico mais amplo que ainda precisa ser refi-
nado", afirma Meidanis. Então, não dá para testar efetivamente se a equação é válida? "Dá, sim. Vamos usá-Ia em breve para comparar genomas de vírus, que são bastante semelhantes entre si:' Outra possibilidade é empregar a equa-
Cloroplasto: evolução genética mensurável
cão para a análise da evolução de genomas de cloroplastos (estrutura celular responsável pela fotossíntese nas plantas), mitocôndrias (organela responsável pela produção de energia) e talvez de algumas bactérias. Os rearranjos dos quais se ocupa o teorema recebem o nome técnico de transposição e reversão. Mais um exemplo ajuda a entender em que consistem essas duas operações. Imagine dois ge-
nomas, chamados de X e Y,ambos com a mesma quantidade de genes, cinco. Cada um desses genes - distintos entre si e denominados pelos números 1,2,3, 4 e 5 - aparece apenas uma única veznos genomas. Em X, o genoma de referência, a seqüência dos genes é 1,2, 3, 4 e 5. Em Y,por causa de um rearranjo interno, a seqüência padrão se alterou para 1, 4, 5, 2 e 3.No segundo genoma, o bloco 4,5 se posicionou entre o gene 1 e o gene 2. Tecnicamente, essa operação de rearranjo na ordem dos genes de um genoma é a transposição. Já a reversão é uma alteração na ordem dos pares de base que compõem um gene (adenina, timina, citosina e guanina ou, simplesmente, A,T, C e G). Recorrendo ao exemplo acima, considere que a seqüência de pares de base do gene 1 em X, o genoma de referência, é ATCG. Após sofrer uma reversão, um processo complicado para não-iniciados em genômica, a seqüência resultante em Y será CGAT."Existem outros tipos de rearranjos entre genomas, mas não os levamos em conta na criação do teorema, que se aplica a situações mais simples'; comenta Meidanis, fundador da Scylla,empresa de bioinformática de Campinas, que desenvolve softwares para a área de genômica. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 41
.CIÊNCIA
GENÔMICA
Revelação em detalhes Pesquisas mostram genes e mecanismos que podem ajudar no combate à bactéria causadora do amarelinho ~
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cinco á anos, quase nada se sabia sobre a bactéria Xylella fastidiosa, a causadora de uma das piores pragas da citricultura, a Clorose Variegada dos Cítrus (CVC), também conhecida como amarelinho, responsável por perdas anuais da ordem de US$ 100 milhões apenas em São Paulo, o principal Estado produtor. A situação mudou de modo radical. De um ano para cá, à medida que amadureceram as 21 pesquisas do Projeto Genoma Funcional da Xylella fastidiosa, financiado pela FAPESP, tornaram-se claros os mecanismos pelos quais esse microrganismo infecta as laranjeiras e cresce dentro delas. Participam desse processo uma série de genes e proteínas recém-descobertos e contados em abundância - são, por exemplo, 30 genes importantes identificados no Instituto Agronômico de Campinas e 30 proteínas essenciais à bactéria descobertas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Já começaram, por sinal, as pesquisas que devem permitir desativar esses genes e proteínas, de modo a impedir a propagação da bactéria. O resultado final tomará a forma, provavelmente, de uma vacina contra o amarelinho. Até agora, quem mais avançou rumo a essa solução foi João Lúcio Azevedo, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Mogi das Cruzes
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(UMC). Com base nos achados mais recentes do Genoma Funcional, que integra quase 80 pesquisadores das universidades e institutos públicos e privados, Azevedo implantou no genoma de duas bactérias inofensivas que convivem com a Xylella, a Pantoea agglomerans e a Methylobacterium sp, um gene que ajuda a digerir a goma fastidiana - uma substância gelatinosa, provavelmente essencial para a formação das colônias de Xylella e a adesão das bactérias às paredes dos vasos condutores de água e nutrientes das laranjeiras. É assim que, juntas, goma e colônias, numa ação integrada, entopem os canais de circulação de nutrientes, num lento processo que faz as plantas definharem pou·co a pouco. Azevedo saberá nos próximos três meses se as bactérias escolhidas realmente detêm, nas laranjeiras, a formação da goma fastidiana, cuja composição a equipe de Eliana Lemos, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Iaboticabal, detalhou ao longo do ano passado. Foi outro ganho importante na luta contra o amarelinho. Sabe-se agora que esse composto vital às bactérias e fatal às laranjeiras é uma mistura de quatro tipos de açúcar, menos densa e viscosa que a goma xantana, produzida por outra bactéria que infecta os cítrus, o feijão e o repolho, a Xanthomonas citri, cujo seqüenciamento terminou no final de 2000. A descoberta da estrutura da goma fastidiana, segundo Eliana, facilita a bus-
ca dê mecanismos que possam bloquear sua formação, por especificar os alvos a serem perseguidos, evitando a batalha às cegas ou a escassez de explicações sobre por que uma tática funcionou ou não. Como a equipe da Unesp conseguiu fazer a Xylella produzir a goma fastidiana, quando cultivada em laboratório sob condições especiais, surge uma vertente ainda mais aplicada. À medida que os processos de produção estiverem otimizados, a goma fastidiana desponta como uma alternativa à similar produzida pela X. citri e empregada industrialmente como espessante de papel, tintas e alimentos. Vasos bloqueados - Uma vacina que possa deter a goma e, em conseqüencia, o crescimento das bactérias não é a única perspectiva com que trabalha o grupo paulista. Também com base no seqüenciamento do genoma dessa bactéria, iniciado em 1998 e concluído em 2000, os pesquisadores encontraram uma molécula que controla genes ligados ao desenvolvimento da doença nas laranjas. Chamada fator de sinal di fuso, é derivada de um ácido graxo (um tipo de gordura) e resulta provavelmente da ação de dois genes, conforme Mareio Lambais, um dos autores da descoberta, também da Esalq. Ainda falta detalhar sua estrutura química, mas já se
Lâmina de análise das proteínas: alvos potenciais no combate à Xy/elfa
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pensa em produzir essa molécula em laboratório e a aplicar na planta, de modo que possa impedir a ativação de genes que ajudam a doença a avançar. "Funcionaria como um praguicida", planeja Lambais. Analisados em conjunto, os resultados reforçam cada vez mais a idéia de que a agressividade - ou virulência - da bactéria está diretamente ligada à sua capacidade de formar colônias, fixar-se nas paredes do xilema (os vasos que transportam água e sais minerais por toda a planta) e assim provocar seu entupimento - processos em que a goma fastidiana parece ser essencial. Tudo indica, aliás, que seja o bloqueio desses vasos o principal fator que prejudica, de modo tão intenso, o metabolismo das laranjeiras, na avaliação de Eduardo Caruso Machado, do IAC. mparceria com uma equipe da Esalq, Machado descobriu que a quantidade de água que chega às folhas é quase 60% menor nas laranjeiras doentes. Não importa se está chovendo intensamente, como é comum em novembro e dezembro no norte do Estado de São Paulo, de onde sai um terço da produção mundial de laranja: as plantas infectadas apresentam-se como se sofressem de falta de água mesmo com o solo encharcado ficam mirradas, com folhas murchas e frutos pequenos. Mas se as árvores chegam a esse estado apenas alguns anos após a infecção, a redução do fluxo de água - a causa mais imediata dessa manifestação do amarelinho - ocorre bem mais cedo: somente três meses após as árvores serem contaminadas com a Xylella. Percebido em laboratório, esse sinal escapa ao produtor, que só consegue notar a infecção pela aparência externa da árvore e de seus frutos, num estágio mais avançado da doença. Internamente, há outras complicações. Os estudos indicam que as laranjeiras perdem metade da capacidade de realizarfotossíntese,o processo pelo qual produzem reservas de energia (glicose). São pequenos poros da superfície das folhas, chamados estômatos, que per-
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de gás carbônico 140vezes superior ao normal. Seria uma forma de eliminar as influências dos estômatos e da falta de água, mas, ainda assim, para surpresa geral, a fotossíntese das laranjeiras doentes foi 20% menor - uma perda, portanto, reduzida, mas não inteiramente eliminada.
Biochip: cores indicam o grau de atividade dos genes (vermelho e verde, os mais ativos)
mitem a entrada de gás carbônico indispensável à fotossíntese. Se o xilema está entupido, ainda que parcialmente, e não chega água às folhas, os estômatos se fecham, como se a planta sofresse tempos de seca. Em conseqüência, o ciclo de produção de energia perde eficiência. Mas apenas o entupimento dos vasos não explica a redução da fotossíntese. Os pesquisadores acreditam que a bactéria deve produzir substâncias específicas - toxinas ainda desconhecidas - que ajudam a bloquear a produção de energia. Essa conclusão emergiu de experimentos com laranjeiras conta. minadas, mas colocadas em condições aparentemente bastante favoráveis,com abundância de água e um suprimento
o PROJETO Genoma Funcional da Xylella Fastidiosa, com 21 Projetos Individuais de Pesquisa MODALIDADE
Programa
Genoma
FAPESP
COORDENADORES
JESUS APARECIDO FERRO - Unesp e ANA CLAÚOIA RASERA DA SILVA e LUIZ EDUARDO ARANHA CAMARGO - USP INVESTIMENTO
R$ 2.048.228,98 e US$ 2.211.758,01
Genes de adesão - Marcos Antonio Machado, coordenador de outra equipe do Instituto Agronômico, investigou o problema por outro ângulo: em vez de analisar o metabolismo da planta, examinou a atividade dos genes da Xylella. Seu trabalho aprofundou as conclusões de outros grupos do Genoma Funcional, que já haviam alertado que as colônias de bactérias e adesão às paredes dos vasos da planta eram decisivas nas transformações que fazem a árvore definhar e parar de produzir. Machado comparou a expressão de 2.205 genes da Xylella em duas situações de cultivo em laboratório: a primeira delas, chamada de condição de isolamento primário, continha bactérias recém-retiradas de plantas infectadas, que preservavam sua capacidade de colonizar rapidamente as plantas; a outra, de isolamento secundário, era formada por bactérias retiradas bem antes, já haviam se propagado 40 vezes e se multiplicavam muito mais lentamente ao ser inoculada nas laranjeiras, de acordo com testes já realizados anteriormente. Utilizando um biochip - uma lâmina que permite distinguir genes ativos dos inativos - produzido pelo grupo de Mogi das Cruzes, Machado constatou que cerca de 30 genes se comportam de modo diferente, com respostas que dependem, essencialmente, do parentesco com a bactéria retirada da planta. De modo geral, as bactérias geneticamente mais parecidas com a Xylella encontrada na própria planta, mantidas na condição de isolamento primário, apresentam maior capacidade de causar a doença - a chamada patogenicidade que as do outro grupo. No primeiro caso, encontravam-se ativos um número maior de genes ligados ao processo de adesão à planta.
Em outro trabalho conjunto, desta vez com Gustavo Goldman, da Faculdade de Farmácia da USP,em Ribeirão Preto, Marcos Machado examinou o grau de expressãodessesgenes.Comparou as duas situações de crescimento e verificou que, no isolamento primário, havia genes relacionados à adesão cerca de 20 vezes mais ativos do que na outra condição de crescimento - pôde confirmar, assim, a importância dos genes de adesão. Mas será que o mesmo efeito se manifestaria em outras plantas? Curiosamente, a geração de bactérias próxima à retirada da planta com mais cópias dos genes de adesão - infectou a vinca ou maria-sem-vergonha (Catharanthus roseus), de modo similar às laranjas. Foi um achado importante. "A patogenicidade parece não estar relacionada à espécie da planta infectada, mas sim, essencialmente, à bactéria", comenta Machado. Crescimento lento - A equipe de José Camillo Novello, da Unicamp, trabalhou com o produto dos genes: as proteínas, que, a princípio, se fossem bloqueadas, ajudariam a impedir o avanço do amarelinho. Após uma triagem inicial, os pesquisadores dó Laboratório de Química de Proteínas identificaram 142 proteínas produzidas em maior quantidade pela Xylella, mas dedicaram-se a 30 delas, associadas à capacidade de adesão, à absorção de nutrientes e à toxicidade da bactéria. São proteínas que despertam interesse principalmente porque a bactéria as exporta para o meio intercelular, como os pesquisadores descrevem em um artigo a ser publicado na Proteomics de fevereiro. "Essas proteínas são alvos potenciais para combater o amarelinho", diz Marcus Smolka, um dos integrantes da equipe de Novello, "porque a princípio é mais fácil produzir um composto que atue sobre uma proteína que esteja fora da bactéria do que dentro dela."
mas se revelou dura na queda e colocou novos desafios para os pesquisadores, numa indicação de que as próximas etapas do trabalho podem ser mais complicadas do que se imaginava. Surgiram resultados inesperados quando se tentou contaminar laranjeiras e plantas de tabaco com bactérias geneticamente alteradas,nas quais a pesquisadora Patrícia Monteiro, então no Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus), havia desligado Vítima do amarelinho: praga infecta 65 milhões de pés de laranja no Estado de São Paulo genes relacionados à patogenicidade. As análises feitas até o momento indicam que a cepa utilizada - isolada em Iales, interior paulista, e conhecida pela sigla Jla12 não é virulenta. Isso é ruim porque, desse modo, não se consegue saber se a desativação de genes realmente funcionaria, a ponto de impedir o desenvolvimento do amarelinho. A outra cepa mais agressiva, a 9aSC, seqüenciada durante o projeto Genoma Xylella, mostrouse resistente à transformaGoma fastidiana, agora produzida em laboratório: ção genética. alternativa como espessante de alimentos "Pode ser que a Jla12 cause os sintomas apenas bem mais tarde, por crescer analisar o padrão dessas mais lentamente", comenta Patricia. Em busca de cepas mais agressivas, proteínas, o grupo da Unicamp constatou que a Xycujos genes possam ser desativados, os pesquisadores encontraram uma allella não possui um mecanismo, comum em ternativa promissora: a B111, isolada na região de Bebedouro, capaz de conoutras bactérias, que permite fabricar proteínas de forma rápida. Segundo taminar as laranjeiras com mais eficiSmolka, essa característica ajuda a exência que a de Iales, mas, ainda assim, plicar o crescimento lento da Xylella, que menos virulenta que a 9aSC. Superada demora de oito a dez horas para se diessa etapa, tudo deve se tornar mais vidir em duas, enquanto a Escherichia coli fácil, pois Beatriz Mendes e Francisco não toma mais de 20 minutos. "Tudo leva Mourão, ambos da USP, ampliaram o domínio da técnica de produzir larana crer que a Xylella não consiga responder de maneira eficiente às substâncias jeiras geneticamente modificadas produzidas pelo sistema de defesa da além da variedade Harnlin, obtida em planta", comenta. "Talvezpor isso ela só 2001, produziram árvores transgênicas de laranja-pêra, valência e natal. consiga crescer em agregados, que oferece uma forma de proteção." O laboratório em que trabalham está pronto para receber os genes de Imprevistos - Mas nem só de avanços resistência ao amarelinho tão logo sejam encontrados pelos outros grupos se faz a ciência. No ano passado, a bactéria parecia perto de ser dominada, de pesquisa. •
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.CIÊNCIA
GENÉTICA
Defesa
reforçada
Proteína da cana tem ação fungicida e pode ajudar a deter o avanço de doenças humanas arentemente, uma planta não tem como se defender quando sofre o ataque de um inseto. No entanto, uma mordida numa folha aciona a produção de uma série de substâncias capazes de bloquear a ação das enzimas digestivas do inseto, que mais tarde pode até morrer de indigestão. Agora se vê que essas substâncias têm um efeito ainda mais abrangente. Uma proteína de defesa da cana-de-açúcar (Saccharum officinalis), identificada por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), mostrou-se eficaz contra fungos que atacam a cana e outras plantas de valor econômico, de modo que, com 0 tempo, pode se tornar um produto natural contra pragas. A canacistatina, como é chamada, ganhou a perspectiva de aplicações diretas na saúde humana por inibir a ação de catepsinas, proteínas que participam do surgimento ou da evolução de doenças como osteoporose, artrite reumatóide e mal de Alzheimer. A descoberta da canacistatina é resultado da análise da função de cerca de 50 mil genes seqüenciados ao longo do Programa Genoma Cana ou Sucest (Sugar Cane EST, em referência à técnica adotada, chamada de etiquetas expressas de seqüenciamento ou EST), encerrado no final de 2000. Em São Carlos, o geneticista Flávio Henrique da Silvae sua aluna de doutorado Andréa Soares da Costa, que integravam um das 70 equipes de seqüenciamento e
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análise dos genes, chegaram à proteína comparando genes - de cana e de outras plantas - que participam de mecanismos de defesa contra fungos. Inicialmente, Flávio Silva e Andréa testaram a proteína contra uma espécie inofensiva de fungo filamentoso, o Trichoderma reesei, empregado industrialmente por produzir enzimas utilizadas na fabricação de tecidos e papel. O Trichoderma foi escolhido por ter sido o organismo adotado nos testes de outra molécula desse gênero, descrita há dois anos: a orizacistatina I, encontrada no arroz (Oryza sativa). Desde o início a proteína da cana exibiu uma estrutura semelhante à do arroz, aplicada experimentalmente contra o besouro Hypera postica, que ataca a alfafa (Mendicago sativa) - era uma indicação de que as atividades também seriam semelhantes. De fato, a canacistatina funcionou contra o Trichoderma. moutubro, apenas um mês depois de os resultados terem sido publicados na Biochemical and Biophysical Research Communications, a equipe de São Carlos verificou que a proteína atua ainda contra os dois gêneros de fungos mais comuns em cana, o Fusarium e o Colletotrichum, encontrados também no café. Outros experimentos, realizados em conjunto com José Odair Pereira, da Fundação Universidade do Amazonas, evidenciaram o mesmo efeito contra fungos Colletotrichum que também atacam a. pupunha (Bactris gasipaes), o guaraná e o caju, plantas típicas das regiões Norte e Nordeste. Na pesquisa aplicada à saúde humana, a equipe da UFSCar e o grupo de Adriana Carmona, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), demonstraram que a canacistatina inibe a ação de catepsinas lisossomais, que, além do seu papel fisiológico normal, integram os processos biológicos que originam problemas como osteoporose, câncer, distrofia muscular ou doenças do coração. "Essa descoberta pode ter uma enorme aplicação na medicina", diz o pesquisador. Ainda há anos de trabalho pela frente, mas nasceu daí a possibilida-
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fungo Trichoderma: ação bloqueada
de de empregar essa molécula no desenvolvimento de novos medicamentos. Alternativa aos transgênicos - A canacistatina recebeu esse nome por duas razões: é específica da cana e é uma cistatina, grupo de moléculas que bloqueiam a ação de enzimas chamadas cisteíno-proteases, Inibidores de proteases como a canacistatina e a orizacistatina são produzidos mais intensamente em células de folhas e raízes danificadas e integram os mecanismos de défesa das plantas contra o ataque de insetos ou vermes. Quando ingeridos pela lagarta Leptinotarsa decemlineata, por exemplo, os inibidores afetam as enzimas digestivas do inseto e alteram seu crescimento. Por essa razão, Silva acredita que a proteína da cana possa ser usada como um inseticida natural - seria um caminho
o PROJETO Seqüenciamento de ESTs (etiquetas de seqüências expressas) de Cana-de-Açúcar MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR FLÁVIO
A fonte da canacistatina: para medicamentos
base
H ENRIQUE
INVESTIMENTO
R$ 598.439,12
DA SILVA -
U FSCar
em princípio mais viável e mais rápido do que desenvolver plantas transgênicas. Flávio Silva ainda não encontrou os limites da ação da canacistatina que descobriu com seu grupo. "Não param de aparecer novas aplicações", diz o pesquisador, cujo laboratório integra o Centro de Biotecnologia Molecular e Estrutural (CBME), no qual correm os estudos de caracterização da proteína. Depois de dominar o processo de purificação da proteína, obtida em laboratório em bactérias Escherichia cali a partir do gene da cana, Silva trabalha para ampliar a produção e, em conjunto com José Abrahão Neto, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), desenvolver formas mais estáveis da proteína, que resistam a variações de temperatura. Em um dos trabalhos conjuntos com o laboratório de São Carlos, uma equipe da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro vai testar a canacistatina na eliminação dos fungos mantidos no fundo dos formigueiros, que servem de alimento às formigas operárias (as rainhas se alimentam de geléia real). Silva não arrisca um palpite sobre os resultados desse estudo, que deve estar pronto em meados deste ano, mas é certo: as descobertas sobre a cana-de-açúcar não se limitam mais a mudar e a explicar a vida apenas dessa planta. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 47
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• CIÊNCIA
PSIQUIATRIA
Risco dobrado Variação em um gene pode intensificar a morte de neurônios e agravar doenças mentais
eum momento para outro, passa-se do inferno ao paraíso: a sensação de impotência, apatia e tristeza profunda transforma-se em um estado de euforia, entusiasmo e otimismo. Num momento em que há pelo menos 30 genes associados a doenças mentais, ninguém de bom juízo ousaria dizer ter encontrado um gene responsável por essas oscilações bruscas do humor, típicas do distúrbio bipolar, conhecido até pouco tempo atrás como psicose maníaco-depressiva. Tampouco seria prudente anunciar a origem genética das alucinações, do pensamento desordenado e da sensação de perseguição que marcam a esquizofrenia, outro problema psiquiátrico igualmente grave. Mas um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) descobriu que uma alteração muito simples em um gene dobra o risco de desenvolver um desses dois distúrbios mentais, que aparecem, cada um deles, em cerca de 1% da população mundial. No Brasil, estima-se que existam 800 mil esquizofrênicos e um número próximo de bipolares. Ao combinar as descrições de genes do genoma humano reunidas em bancos de dados internacionais com as informações provenientes de pacientes atendidos no Instituto de Psiquiatria da USP, o grupo de pesquisadores paulistas constatou que uma versão ligeiramente diferente do gene ALOX12 facilita o desenvolvimento do distúrbio
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bipolar e da esquizofrenia, provavelmente por intensificar a morte dos neurônios (as células nervosas), um dos sinais característicos não só dessas, mas também de outras doenças psiquiátricas. "Observa-se o desencadeamento de uma resposta do organismo que leva à morte de neurônios nos momentos de crise mais aguda de todas as doenças neurodegenerativas", afirma Emmanuel Dias Neto, um dos autores do estudo. O mesmo processo aparece também no mal de Alzheimer, uma doença que danifica principalmente os neurónies ligados à memória e afeta cerca de 1,2 milhão de pessoas no Brasil. 'Prevenção - À medida que se esclarecem as alterações genéticas e bioquímicas que levam à perda mais ou menos intensa do senso de realidade, um dos sinais típicos das doenças psiquiátricas, torna-se possível pensar em diagnósticos prévios, realizados ainda na infância, como o proporcionado pelo teste do pezinho, adotado há décadas para detectar em recém-nascidos o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria, duas doenças decorrentes de problemas metabólicos que causam deficiência mental se não tratadas a tempo. "Com os progressos da biologia molecular", diz o psiquiatra Wagner Gattaz, outro coordenador da pesquisa, "esperamos que seja possível, aos poucos, identificar os subgrupos genéticos de risco, além de detectar e prevenir a doença antes de ela aparecer."
A alteração encontrada nesse genechamado de ALOX12 por causa da enzima que produz, a araquidonato 12-lipoxigenase - é um exemplo de troca de um único nucleotídeo, como são denominadas cada uma das quatro bases nitrogenadas ou letras químicas que formam o DNA-A (adenina), T (timina), C (citosina) e G (guanina). Quando ocorre esse tipo de substituição, conhecida como polimorfismos de nucleotídeos únicos ou SNPs, um A pode entrar no lugar de um G, por exemplo. Uma alteração desse tipo pode parecer insignificante quando se considera que o genoma humano tem 3 bilhões de pares dessas bases, mas já é suficiente para mudar um dos aminoácidos componentes de uma proteína. Essa simples troca pode alterar não só a estrutura, mas também a função da proteína, e causar problemas para o funcionamento do organismo. Troca prejudicial - Gattaz, Dias Neto e a pós-doutoranda Cíntia Fridman constataram que é justamente esse o caso do gene ALOX12. Descobriram que uma troca de bases - saiu uma guanina e entrou uma adenina -leva à substituição do aminoácido arginina, como previsto na receita original da proteína, pela glutamina. Como possível conseqüência, modifica-se a ação da enzima construída com esses aminoácidos, fundamental para o controle da apoptose, a morte celular programada que regula boa parte dos
o Abismo Danilo Penha Freitas
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Sonho e Realidade de um Depressivo Paulo Eduardo Bodziak
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processos de crescimento, desenvolvimento e metabolismo do organismo. Aparentemente, os maiores prejudicados por essa modificação, segundo Dias Neto, são os neurônios saudáveis, que não deveriam morrer, mas podem acabar condenados, abrindo as portas para a doença. Depois de trabalhar durante dois anos no Instituto Ludwig no Projeto Genoma Humano do Câncer, financiado pela FAPESP e encerrado em 2001, Dias Neto transferiu-se para o Instituto de Psiquiatria da USP, a convite de Gattaz. Por mais de uma razão, logo se interessou pelo ALOX12. Já se sabia que esse gene poderia influenciar a resposta de pacientes com distúrbio bipolar ao lítio, um dos medicamentos mais eficientes no controle das crises da doença - o que fazia do tal gene um candidato interessante para entender os mecanismos moleculares do distúrbio. Além disso, com freqüência o gene está ativo no tecido cerebral humano - mais um motivo que o tornava suspeito. O grupo da USP analisou o DNA de glóbulos brancos, extraídos do sangue de 164 portadores do distúrbio e de 148 pessoas normais, à procura de polimorfismos do ALOX12, e constatou que a troca da glutamina pela arginina dobrava o risco de desenvolver a enfermidade e, por isso, tornou o polimo rfismo do ALOX12 um fator de risco importante para o surgimento de doenças neuropsiquiátricas. De acordo com 50 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
Dias Neto, análises em andamento feitas com outro grupo de pacientes, desta vez portadores de esquizofrenia, mostram uma ligação muito semelhante entre o polimorfismo e as manifestações clínicas da doença. Moléculas associadas - A pesquisa, financiada pela FAPESP e pela Associação Beneficente Alzira Denise Hertzog Silva, revelou outro fenômeno: o risco de desenvolver a doença dobra com uma única cópia alterada do gene, encontrada no cromossomo proveniente do pai ou da mãe (cada célula contém duas cópias de cada cromossomo, uma de cada genitor). "Provavelmente': sugere Dias Neto, "essas proteínas só atuem quando associadas na forma de um dímero (duas moléculas do mesmo tipo unidas)." Segundo ele, é possível que cópias diferentes da proteína, ori-
OS PROJETOS Metabolismo dos Fosfolípides na Esquizofrenia e na Doença de Alzheimer MODALIDADE Projeto temático COORDENADOR WAGNER FARID GATTAZ - Faculdade de Medicina da USP INVESTIMENTO
R$ 1.590.193,43
ginadas por genes de cromossomos distintos, não consigam se associar tão bem e comprometam o perfeito funcionamento da proteína .. De acordo com Gattaz, a influência de fatores genéticos nos dois problemas já está bem estabelecida. Estudos anteriores, realizados sobretudo nos Estados Unidos e Inglaterra com gêmeos idênticos (com a mesma carga genética), mostraram que, se um dos irmãos apresenta uma dessas enfermidades, o outro tem 50% de chance de a desenvolver também, enquanto a incidência de esquizofrenia ou distúrbio bipolar na população mundial não passa de 1%. Por esse motivo, ninguém arrisca mais dizer que encontrou o único gene responsável por um problema ou por outro: os genes associados a doenças mentais estão distribuídos em pelo menos 11 dos 23 pares de cromossomos. "O mais provável", afirma Gattaz, "é que a esquizofrenia, por exemplo, não seja uma doença única, mas uma síndrome, com várias causas biológicas diferentes." As indicações cada vez mais claras de que as doenças mentais podem ter mais de um gatilho genético complicam o diagnóstico, ainda feito com certo grau de subjetividade. Os pesquisadores sabem que estão apenas começando a desvendar a complexidade molecular por trás desses sintomas. "Para termos mais certeza, precisamos trabalhar com dezenas de genes, centenas de pacientes", ressalta Dias Neto. •
• CIÊNCIA
MEDICINA
A insulina do fígado Médicos e pesquisadores implantam células e criam alternativa ao transplante de pâncreas
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Veia porta e o fígado: alta tolerância
ZORZETTO
aiana de 45 anos, a administradora de empresas Telma Rosário de Almeida viu sua vida mudar da noite para o dia no início de dezembro passado ao submeter-se ao primeiro transplante de célulasprodutoras de insulina, o hormônio regulador da taxa de açúcar no sangue, que nos próximos anos pode beneficiar outros diabéticos como ela. O diabetes de Telma, detectado há 26 anos, agravou-se e fugiu ao controle em 1998, quando as injeçõesdiárias de insulina se tornaram insuficientes para estabilizar o nível de açúcar, que, como uma montanha russa, começou a oscilar com freqüência e chegava ao dobro do normal para, menos de uma hora depois, despencar para um décimo do valor que havia atingido. Essa variação provocava um malestar constante e desmaios que a impediam de trabalhar. Para casos como esse, a única solução disponível no país é o transplante de pâncreas, o órgão produtor de insulina, realizado regularmente no Brasildesde meados da década de 90. Mas Telma teve sorte. Não precisou aguardar anos na fila de espera por uma doação e um transplante de pâncreas, uma cirurgia de até nove horas. Na noite de 29 de novembro de 2002, uma sexta-feira, recebeu um telefonema que a fez tomar um avião de Salvador para São Paulo no dia seguinte. Já
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no domingo, ela seria a primeira pessoa no Brasil a receber o implante de células que produzem insulina, as ilhotas pancreáticas, que tomaram 35 minutos para se instalar em seu organismo. Ao contrário do que se poderia esperar, as células que iriam repor o hormônio que seu corpo parou de fabricar não se alojaram no pâncreas - essa glândula com cerca de 20 centímetros e em forma de uma espiga de milho, situada atrás do estômago, é extrema-
mente delicada, evita-se mexer nela a todo custo por causa do risco de severas inflamações. Foi na veia porta, que irriga o fígado, por meio de um corte de 2 milímetros no lado direito do abdômen e de uma agulha de 30 centímetros, que os oito médicos coordenados pelo endocrinologista Freddy Goldberg Eliaschewitz, do Hospital Albert Einstein, injetaram cerca de 250 mil ilhotas pancreáticas, conjunto de quatro tipos diferentes de células produtoras de horPESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 51
mônios - a insulina provém de um tipo específico, as células beta. Uma das peculiaridades desse tipo de implante, hoje realizado em 50 centros no mundo, é justamente fazer o fígado, um órgão que produz dezenas de substâncias essenciais ao funcionamento do organismo, elaborar algo para o qual não foi feito: a insulina. O fígado foi escolhido para essa tarefa por sua alta capacidade de regeneração, pela tolerância à incorporação de materiais que lhe são estranhos e por consumir metade da insulina do corpo. Financiado pela FAPESP, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), esse projeto levou ao domínio da técnica de obtenção e purificação das ilhotas pancreáticas. Desenvolvido pela bióloga Mari Cleide Sogayar, do Instituto de Química (IQ) da Universidade de São Paulo (USP), o método preza pela agilidade: passam-se somente oito horas do momento em que o pâncreas é retirado do doador com morte cerebral até os pesquisadores separarem as ilhotas e as deixarem prontas para o transplante. Função recuperada - Três dias depois de receber as ilhotas, TeIma não sentia mais tontura nem mal-estar. Passou a medir o teor de açúcar no sangue apenas sete vezes ao dia, e não mais 25, como antes do implante, e a aplicar duas doses de insulina, em vez de seis. Era um sinal de que as ilhotas pancreáticas recém-implantadas começavam a funcionar e substituir a função das ilhotas originais, destruí das pelo sistema de defesa do próprio organismo - uma característica do diabetes melito 1. São resultados animadores, mas nem de longe indicam o fim do tratamento. Nos próximos seis meses, a administradora de empresas deverá passar por ao menos outros dois implantes iguais no fígado, de modo a repor a quantidade normal de células produtoras de insulina de um pâncreas (cerca de 1 milhão). Espera -se que, em um ano, o fígado incorpore esse trabalho extra e substitua plenamente essa função do 52 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
As ilhotas pancreáticas (em vermelho): seleção e purificação em oito horas
pâncreas. A partir desse momento, Telma abandonará as aplicações do hormônio, embora sem dispensar os medicamentos imunossupressores, que evitam a rejeição do implante, mas aumentam o risco de infecção e de câncer. Antes que esse tipo de implante se torne disponível para uma parcela maior dos 500 mil portadores de diabetes melito tipo 1 no Brasil, algumas barreiras terão de ser superadas. Uma delas é comprovar cientificamente que o procedimento é seguro e eficaz. Para isso, o Ministério da Saúde autorizou sua realização em outros 17 portadores de diabetes nos próximos três anos. Só então o ministério deverá avaliar os resultados e a possibilidade de incluir o implante na lista de procedimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Completar a fase experimental, no entanto, não parece simples: o custo total dos implantes necessários para livrar um paciente das incômodas injeções de insulina é de aproximadamente US$ 100 mil- ou US$ 20 mil, caso con-
o PROJETO Isolamento, Preservação, Criopreservação e Microencapsulamento de I1hotas Pancreáticas para Transplante em Pacientes Diabéticos MODALIDADE Linha regular de auxílio
à
pesquisa
COORDENADORA MAR! CLEIDE SOGAYAR - Instituto
de Química da USP INVESTIMENTO
R$ 233.185,03
sigam doação das drogas imunossupressoras -, um valor dez vezes superior ao do transplante de pâncreas. Portanto, seriam necessários quase US$ 2 milhões para cumprir os requisitos mínimos de segurança e confiabilidade dessa nova técnica médica. "Mesmo com o apoio da iniciativa privada e das agências de fomento, provavelmente será difícil fazer todos os 17 transplantes necessários em três anos", reconhece Eliaschewitz. Foi ele quem resolveu tentar no Brasil o transplante das ilhotas pancreáticas, quando a maior parte dos grupos estrangeiros ainda não tinha encontrado soluções mais animadoras: só 11% dos pacientes deixavam de usar insulina um ano após a operação. Em 1994, Eliaschewitz procurou Mari, no Instituto de Química da USP, que estudava o controle de células tumorais e tinha experiência no cultivo de células em laboratório. Ao propor que começassem os estudos para isolar as ilhotas pancreáticas, sentiu a resistência que teria de vencer. "Quando contei o que pretendia fazer, Mari hesitou", lembra Eliaschewitz. "Mas eu disse que só sairia da sala se ela aceitasse iniciar o projeto." Mari justifica: "Tive uma experiência ruim ao trabalhar com médicos anteriormente': Mas ela própria reconhece: "Hoje, somos um judeu e uma árabe que trabalham em paz': Técnica aperfeiçoada - Durante seis anos, uma equipe de 17 médicos, biólogos e bioquímicos procurou dominar a fase mais complicada do processo: o isolamento das ilhotas, um aglomerado de até mil células de quatro tipos diferentes (alfa, beta, gama e delta) que constitui apenas 1% do pâncreas. Na maioria das vezes, não conseguiam muito sucesso: o grau de pureza do material isolado não passava de 40%. Em outras palavras, de cada 100 células que separavam, apenas 40 eram ilhotas - o restante eram células produtoras das enzimas digestivas que o pâncreas lança no intestino delgado. Os resultados só melhoraram há dois anos, após a equipe de [ames Shapiro, da Universidade de Alberta, no
Trabalho extra Duto hepático Veia porta Extraídas do pâncreas de um doador; as ilhotas de Langerhans se espalham pelo fígado e produzem insulina, que é liberada na corrente sanguínea
Vesícula biliar /'----
Pâncreas
Duto pancreático Duodeno
Canadá, aperfeiçoar a técnica de obtenção das ilhotas. As modificações foram pequenas, mas essenciais, e os pesquisadores passaram a implantar o dobro desses conjuntos de células no fígado, o órgão que melhor se prestou para abrigar esse material. Em artigo publicado em 2000 no New England [ournal of Medicine, Shapiro relatou o implante bem-sucedido de ilhotas pancreáticas em sete pessoas, que deixaram de depender de insulina um ano após a cirurgia - atualmente, o índice de sucesso do procedimento aproxima-se dos 85%, taxa semelhante à obtida no transplante do pâncreas. Dois meses após a publicação do artigo, o médico Carlos Aita, aluno de doutorado de Mari, já se encontrava no laboratório de Ionathan Lakey, da equipe de Shapiro, para conhecer detalhes da nova técnica de isolamento das ilhotas pancreáticas. "No retorno ao Brasil, mesmo sem ter à disposição todos os equipamentos usados no exterior, os resultados ao repetir o isolamento foram muito melhores", afirma Aita. Mas o trabalho dos pesquisadores paulistas ganhou impulso mesmo com a construção de uma sala livre de contamina-
ção na Unidade de Transplante de Ilhotas Humanas do Instituto de Química. Concluída em 2001, a um custo aproximado de US$ 500 mil, financiados pelo próprio instituto e pela FAPESP, a sala permitiu aos pesquisadores extrair ilhotas com índice de pureza de até 90%. É ali, em um ambiente mais estéril que um centro cirúrgico, que os pesquisadores executam a etapa mais sensível do processo de obtenção das ilhotas pancreáticas: a digestão do pâncreas retirado do doador com morte cerebral, feita com enzimas como a colagenase, capaz de romper apenas as fibras que unem as células do pâncreas sem, no entanto, destruir as ilhotas. O resultado é um material pastoso, que, em seguida, é centrifugado para que se possa obter, por diferença de densidade, as ilhotas que se deseja implantar em portadores de diabetes. "Quanto mais pura a suspensão de ilhotas, menor será o volume a ser implantado no paciente e, portan-
to, menor o risco de entupir os ramos da veia porta", comenta Mari. É também nessa sala que os pesquisadores trabalham para vencer outro desafio para o implante se tornar uma alternativa viável: produzir as ilhotas em laboratório, evitando, desse modo, a necessidade de tantos doadores - atualmente, cada tratamento deve consumir de dois a três pâncreas até se dispensar o uso da insulina. "Estarnos cultivando as ilhotas em laboratório e esperamos, no futuro, conseguir utilizá-Ias em transplantes", comenta a pesquisadora. Em parceria com a empresa Biomm, uma divisão da Biobrás, Mari desenvolve microcápsuIas de material compatível com o organismo que possam envolver as ilhotas e protegê-Ias do ataque do sistema imunológico. As microcápsulas seriam uma forma de reduzir ou mesmo eliminar a necessidade de drogas imunossupressoras, indispensáveis mesmo no caso de êxito total do implante. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 53
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• CIÊNCIA
ASTROFÍSICA I 1I I
Amais (por velha enquanto) Estrela mais antiga já descoberta ai imenta dúvidas sobre a formação do Universo CARLOS
FIORAVANTI
Ia ainda brilha como a estrela mais antiga do Universo. Pode ser que a qualquer momento surja outra, ainda mais velha, já que a pesquisa só deve terminar em dois anos, mas a descoberta desse fóssil cósmico com 12 a 15 bilhões de anos, situado a 36.000 anosluz de distância (um ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros), abriu uma saída numa labiríntica busca que durava 20 anos e havia mobilizado uma equipe internacional de pesquisadores, com uma intensa participação de Silvia Rossi, astrônoma da Universidade de São Paulo (USP). Com seu sutil lirismo, apoiado em lembranças, músicas ou poesias retidas na memória, esse raro objeto celeste despontou como fonte de admiração e, para os cientistas, de dúvidas, especialmente sobre os processos pelos quais as primeiras estrelas se formaram. Parece haver mais de um roteiro pelo qual nasceram os primeiros corpos celestes com luz própria. Até que essa estrela fosse registrada pela primeira vez às 2 horas da madrugada de 12 de novembro de 2001 num telescópio da Austrália, confirmada dez semanas depois num aparelho mais potente, no Chile, e anunciada ao mundo há três meses, num artigo na edição de 31 de outubro da revista científica Nature, pensava-~e que os metais, sobretudo o ferro, fossem indispensáveis para resfriar e adensar as nuvens precursoras das estrelas, formadas por hidrogênio e hélio. Mas a estrela hoje vista como a mais antiga, cuja descoberta resulta do trabalho coordenado por um físico de 36 anos, Norbert Christlieb, da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, exibe uma escassez de metais nunca observada: 200 mil vezes menos que o Sol e 20 vezes menos que a ex-mais antiga, conhecida pela sigla CD -38°245, pelo menos 2 bilhões de anos mais nova, que se manteve no posto durante dois anos. Supõe-se, assim, que, por processos ainda desconhecidos, a estrela mais antiga formou-se num ambiente praticamente desprovido de metais - como são chamados os elementos químicos mais pesados que o hélio. Situada no halo (borda) de nossa galáxia, a Via Láctea, ela é constituída por hidrogênio (90%), um pouco de hélio (menos de 10%) e uma reduzidíssima quantidade de lítio (estimada em 0,0005%). É intrigante: ninguém compreende ao certo como o lítio foi parar lá, uma vez que esse elemento não é, ao que se sabe, formado pelas reações de fusão entre os átomos de hélio e hidrogênio. Outros metais participam de modo inexpressivo: enquanto no Sol há um átomo de ferro para cada 31 mil de hidrogênio, deve existir apenas um átomo desse elemento químico para cada 6,8 bilhões de átomos de hidrogênio na estrela batizada com a sigla HE 0107-5240 - as iniciais correspondem a Hamburgo e a ESO (Observatório Europeu do Sul), e os números, à posição aproximada da estrela no céu no momento em que foi encontrada.
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Um dos telescópios do ESO no Chile: sob o céu do Hemisfério Sul
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A mais pura das estrelas deve ter tomado forma apenas 1 bilhão de anos depois do Big Bang, a explosão que teria dado início ao Universo. Portanto, dessa relíquia podem surgir pistas cruciais sobre a história de formação das estrelas e dos elementos químicos no Universo primitivo. "Obviamente, muita coisa deve ter ocorrido entre o Big Bang e a formação dessa estrela'; comentou Christlieb, o coordenador da pesquisa.
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egundo ele, a HE pode ter herdado o pouco metal que contém de companheiras ainda mais antigas e maiores, embora já se questione se as primeiras estrelas teriam sido realmente tão maiores - ou "massivas", como diriam os astrônomos. Acredita-se que, quanto maior uma estrela, mais rapidamente o hidrogênio e o hélio se consomem, em reações que produzem energia e luz, e mais rapidamente a estrela chega ao final. As estrelas de maior massa desaparecem em uma explosão em que se formam metais mais pesados que o ferro - lançados para o espaço, aumentam a densidade das nuvens interestelares de hidrogênio e hélio, que se integram originando novas estrelas. Assim é que, de acordo com a teoria ainda em vigor, quanto mais velha uma estrela, menos metal terá. Se tiver mesmo ganho seu escasso metal de estrelas já extintas, a HE 01075240 seria um exemplo da segunda geração de estrelas formadas com o hidrogênio e o hélio que restaram do Big Bang, com um tempero extra das companheiras extintas. Mas pode também
ser uma representante da primeira geração: os pesquisadores consideram também a possibilidade de a estrela recém-conhecida ter se formado de uma nuvem composta somente por hidrogênio e hélio - os metais teriam se agregado e se acumulado à medida que a estrela passou ao redor do disco galáctico, como são chamados os braços da Via Láctea, muito mais povoados de estrelas que o halo. Foi Christlieb quem forneceu a matéria-prima sobre a qual o grupo começou a trabalhar: dezenas de milhões de fontes celestes de baixa luminosidade. Era um dos resultados de um levantamento do céu do Hemisfério Sul, feito desde os anos 90 em um dos telescópios do Observatório Europeu do Sullocalizado em Paranal, nos Andes chilenos. As fontes de luz distribuíam-se em grupos de cinco em milhares de placas fotográficas, que registravam na forma de traços mais ou menos longos a intensidade de luz emitida pelos diferentes elementos químicos - o chamado espectro, uma espécie de impressão digital, obtido por meio de um prisma acoplado ao telescópio de Paranal.
o PROJETO Evolução Química e Populações Estelares da Galáxia, Nuvens de Magalhães e Galáxias Elípticas, através de Espectroscopia e lmageamento MOOALIDADE
Projeto temático COORDENADORA BEATRIZ LEONOR SILVEIRA
IAG/USP Paranal, a 2.600 metros de altitude: em busca de testemunhas do Big Bang
INVESTIMENTO
R$ 174.890,15
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O pesquisador alemão sabia que, sozinho, levaria décadas para filtrar esse material. Num congresso realizado em agosto de 1998 em Camberra, na Austrália, ele conheceu outros dois pesquisadores que já trabalhavam juntos em levantamentos similares: o norte-americano Thimothy Beers, da Universidade Estadual de Michigan, que desde os anos 80 havia colecionado milhares de estrelas anciãs para entender como a Via Láctea se formou; e a brasileira Silvia Rossi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, que buscava estrelas pobres em metal desde 1995, quando iniciou o pós-doutoramento com Beers. No mesmo dia, somaram as descobertas e dúvidas, checaram os métodos de trabalho e planejaram a maior garimpagem estelar da história da astro física. Alianças - Em dois anos, os três pesquisadores, a cujo projeto logo aderiram astrônomos da Austrália e da universida de alemã de Munique, fizeram uma primeira filtragem por meio de programas de computadores que eles próprios criaram. Reduziram para cerca de 50 mil objetos a serem estudados - e eis que, esgotados os limites do computador, a seleção visual tornava-se inevitável. Durante duas semanas, em agosto de 2001, Silvia e Beers reuniram-se com Christlieb em Hamburgo e, trabalhando 12 horas por dia, analisaram um a um os registros de metalicidade. Avaliaram, em especial, o espectro de emissão de luz do íon de cálcio (íon é uma partícula atômica eletricamente carregada), um primeiro indicador do conteúdo metálico de uma estrela - quanto mais fraco, menor tende a ser a participação de metais. "No começo examinávamos uma placa por minuto, depois
foi muito mais rápido", conta a pesquisadora. Selecionaram 8 mil objetos candidatos a estrelas com baixíssima metalicidade, nos quais a linha de cálcio era pouco intensa. Mas era preciso tomar fôlego e seguir para a etapa seguinte, a triagem feita diretamente nos telescópios, com uma precisão maior do que a empregada para fazer as placas, necessária para se calcular o teor de ferro, agora sim o indicador padrão dos elementos mais pesados que hidrogênio e hélio.
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istafoi dividida entre os integrantes do grupo, que trataram de observar cada uma das 8.000 estrelas candidatas nos telescópios a que tinham acesso.Seismeses depois, o líder da equipe australiana, Michael Bessel, deu ao grupo uma razão de contentamento ao descobrir uma estrela com uma metalicidade impressionantemente baixa, com a razão entre os teores de ferro e hidrogênio igual a -5,3. Mas o telescópio do Observatório de Monte Stromlo, onde ele estava, tinha um espelho de 2,3 metros - uma resolução média, insuficiente para os propósitos do grupo. Bessel avisou Christlieb, que batalhou um horário extra no telescópio de Paranal, um dos maiores do mundo, com um espelho de 8,2 metros de diâ- . metro, e, sob as coordenadas indicadas pelo australiano, confirmou-se finalmente a estrela mais antiga do Universo, com um brilho 10 mil vezes menor que a mais tênue das estrelas observá-
também no Chile, com espelho de 4 metros de diâmetro, e até dezembro haverá pelo menos outras cinco rodadas de observações. Até agora, os astrônomos exammaram apenas um terço da lista ~ das estrelas candidatas, de modo que não é inteiramente improvável que, ainda este ano, surjam irmãs ou primas da anciã do Universo - quem sabe, até mesmo um inquestionável exemplar da primeira geração de estrelas, ainda mais puro. "Seria muito estranho se existisse apenas uma estrela como essa no Universo", observa Silvia. "Acreditamos que ainda podemos encontrar talvez uma dezena de estrelas com metalicidade tão baixa ou ainda menor." A estrela mais antiga do Universo tem uma origem incerta, mas um destino previsível: deve viver mais uns 5 bilhões de anos e morrer talvez na mesma época em que o Sol. Já numa espécie de velhice,como uma estrela gigante vermelha, a HE converte hélio em carbono. Ainda brilha intensamente e suas camadas externas estão ligadas gravitacionalmente, formando uma espécie de atmosfera da qual não se notam os limites. Não será assim por muito tempo. As camadas mais externas vão se desprender, como uma casca se soltando do fruto - é a fase de nebulosa planetária, que dura somente algumas dezenas de milhares de anos -, e a estrela perderá massa e luminosidade. Estará então em agonia, como uma anã branca, difícil de ser observada até pelos mais potentes telescópios. Depois, será um planetóide. Então, já terá apagado. • o w
A H E 0107-5240: como o Sol, mais 5 bilhões de anos pela frente
veis a olho nu. Foi nessa etapa que surgiram as imagens mais habituais aos não-especialistas,em que as estrelasaparecem como pontos mais ou menos luminosos. Passar por uma experiência desse tipo é algo como viver uma gestação sem data certa para acabar. "Esperávamos encontrar estrelas antigas, mas nada assim tão surpreendente", comenta Silvia,cujo trabalho integra um projeto temático coordenado por Beatriz Barbuy, do IAG. Os próprios pesquisadores-aparentemente pouco dispostos a manter por muito tempo o título que atribuíram à HE 0107-5240, não pararam de varrer o céu. Beers trabalhou durante quatro noites em dezembro em um telescópio com um espelho de 2,1 metros, em Tucson, Arizona, nos Estados Unidos; em fevereiro Silvia e Beers passarão cinco dias no observatório de Cerro Tololo,
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A revista Pesquisa FAPESP traz, a cada mês, mais de 90 páginas de notícias exclusivas sobre o que é feito de mais avançado nas universidades, institutos de pesquisa e empresas do Brasil. As reportagens que você lê primeiro aqui retratam a base do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Ler Pesquisa FAPESP é acompanhar essa evolução sem perder nenhum movimento.
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ITECNOLOGIA
Motor a álcool no ar r---------------------------------------------,~ Os produtores rurais do país devem ganhar um importante aliado a partir de 2003, quando o desenvolvimento de motores aeronáuticos movidos a álcool hidratado - encabeçado por duas empresas nacionais concorrentes, a Indústria Aeronáutica Neiva, ligada à Embraer, e a Aeroálcool - tornar-se realidade. Os aviões agrícolas são utilizados para semeadura e pulverização de plantações, mas seu uso no Brasil ainda é limitado em função do alto custo operacional. Os motores a álcool poderão ser o impulso que faltava para a massificação desse tipo de avião, já que o novo combustível reduzirá consideravelmente o custo de operação. "O va-
~ lor pago pelo agricultor para pulverização terá uma redução de até 35%. Na região canavieira de São Paulo, por exemplo, o preço cairá de R$ 25,00 por hectare para cerca de R$ 16,00", afirma [ames Waterhouse, sócio-diretor da Aeroálcool, de Franca (SP). Segundo o empresário, cerca de 70% dos trâmites relacionados à homologação no Centro Tecnológico Aeroespacial (CTA) do novo motor a álcool, os modelos Lycoming 0-540 (260 HP) e 10-540 (300 HP), já foram concluídos. Os ensaios de vôo
Modelo Ipanema (acima), da Neiva, e o Piper Pawnee, da Aeroálcool
• Novas armas contra a guerra biológica
I
A Agência de Projetos Avançados de Pesquisa para a Defesa, dos Estados Unidos, está desenvolvendo aparelhos portáteis para a detecção das bactérias e dos vírus que o bioterrorismo e as armas biológicas ameaçam disseminar, segundo The Economist. Um desses aparelhos simula os mecanismos de detecção do sistema imunológico humano. Outros ampliam o DNA dos microrganismos suspeitos e os comparam com patógenos conhecidos. Também estão sendo desenvolvidas versões portáteis de equipamentos de análise atualmente em uso nos laboratórios. Todos esses apa-
ratos, no entanto, apresentam uma desvantagem: só podem detectar os micróbios em contato direto com eles, não tendo como prevenir a contaminação de quem os manipula. Por isso, as maiores esperanças recaem sobre um sistema chamado imagem hiperespectral. Graças aos últimos avanços da computação, aviões ou satélites equipados com sensores hiperespectrais são capazes de capturar imagens de alta resolução da Terra e analisar a composição atômica dos menores objetos. O que, teoricamente, tornaria possível, por exemplo,
60 . JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
identificar a carga de um caminhão no Iraque a partir de um pequeno vazamento. •
• Interatividade sem fios O Laboratório de Sistemas Integráveis (LSI) da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) recebeu da empresa de semicondutores Intel o primeiro Laboratório Multimídia sem Fio do Brasil. A iniciativa tem como objetivo promover tecnologia para meios eletrônicos interativos via Internet, sem a utilização
de fios. O laboratório permitirá o desenvolvimento de aplicações multirnídia móveis em computadores de mão, os PDAs, e laptops. O suporte necessário aos computadores portáteis será viabilizado por duas bandas de comunicação, uma de 54 megabits por segundo e outra de 11 megabits por segundo, o que equivale a uma velocidade mil vezes superior à dos modems atuais. Uma das aplicações dessa tecnologia destina-se à área de telemedicina. As videoconferências poderão ser realizadas utilizando PDAs. Outra será o controle da Caverna Digital sistema que permite a imersão dos usuários em mundos virtuais criados por computadores em tempo real. •
uma versão do seu banco de dados, O LightBase, para o sistema operacional Linux, no padrão chinês, chamado de Red Flag. • foram realizados com um Piper Pawnee PA-25-260. "Esperamos entregar os primeiros motores em seis a oito meses", afirma Waterhouse. O projeto do avião a álcool da Neiva, uma versão do modelo agrícola Ipanema EMB-202, deverá estar voando em dezembro deste ano. "Com o lançamento do novo modelo, em fase de certificação, esperamos aumentar em 25% as vendas do Ipanema", diz Fabiano Zacarelli, gerente comercial da empresa. Os dois principais problemas para a adoção desse combustível, partida a frio e corrosão, foram solucionados com a adição de uma bomba injetora de gasolina e revestimento de peças do motor com materiais resistentes, como teflon e cerâmica. •
• Reconhecimento legislativo A reportagem "Software do Agreste", publicada na edição 81 (novembro de 2002) da revista Pesquisa FAPESP, foi incluída, em dezembro, nos Anais da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba. O tema é a empresa Light Infocon Tecnologia, fornecedora de soluções de banco de dados e gerenciamento eletrônico de documentos (GED) para grandes clientes do Brasil e do exterior. Instalada em Campina Grande, na região do agreste paraibano, a empresa mantém um acordo tecnológico com o Instituto de Software da Academia de Ciências da China e está desenvolvendo
• Refrigeração por ondas sonoras
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Uma pesquisa de doutorado que investigava a relação entre as ondas sonoras e a propagação de calor foi além da encomenda: descobriu uma tecnologia à base de ultra-som que promete substituir os atuais motores de geladeiras e freezers. Com a vantagem de utilizar gases inofensivos - como o ar, por exemplo -, em vez de produtos químicos prejudiciais ao meio ambiente. Steven Garrett, professor de acústica da Universidade Estadual da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e orientador da pesquisa, faz questão de frisar que sua equipe não chegou a nenhum protótipo de freezer, mas a um conceito. "Tudo o que fizemos foi gelar um pedaço de tela de janela eletricamente aquecido", diz. "A menor temperatura obtida ficou bem abaixo do ponto de congelamento da água." Recentemente, porém, o grupo deu um passo além do conceito,
Frutos maiores distinguem
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I ao aperfeiçoar - e minimizar - um aparelho termo acústico que amplifica a energia sonora convertendo oxigênio em refrigeração útil. Foi o que bastou para atrair o apoio financeiro da Unilever, corporação européia famosa por investir na chamada refrigeração ecológica. •
• Mais vitamina, agora em pedaços A acerola, uma fruta conhecida por ter alto teor de vitamina C (ácido ascórbico), ganhou uma nova versão, destinada ao consumo in natura.
a nova variedade de acerola
A variedade, batizada de Cabocla, foi desenvolvida pelo melhorista Rogério Ritzinger, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária instalada em Cruz das Almas, na Bahia. "Os frutos da Cabocla são adequados para consumo como variedade de mesa'; diz Ritzinger, acrescentando que também poderão ser utilizados para o processamento de suco. Outra característica destacada é que as plantas adultas apresentam produção superior a 40 quilos de frutos por ano, em condições adequadas de suprimento de água e nutrientes. A Embrapa iniciou o estudo em 1994, quando os pesquisadores começaram a coletar plantas para a formação de um banco de germoplasma (genes vegetais). Dessa coleção genética foi escolhida a nova variedade. O consumo em expansão da acerola deve-se, principalmente, ao seu elevado teor de vitamina C, que, em algumas variedades, alcança até 2.000 miligramas por 100 gramas de polpa em frutos maduros. Esse índice chega a ser 40 vezes superior ao da laranja ou quatro vezes ao da goiaba. •
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 61
Fuga de pedágios causa mais poluição A prática adotada por muitos caminhoneiros de usar rotas alternativas para fugir dos pedágios foi base de um estudo da economista agroindustrial Daniela Bacchi Bartholomeu, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP). Ela constatou que o consumo de diesel aumenta e o desgaste do caminhão é maior nas rotas alternativas, apesar da quilometragem menor. A pesquisa quantificou as emissões de gás carbônico resultantes do percurso da rota Campinas - Bauru, por dois trajetos diferentes. Um deles, privatizado, tem 565 quilômetros
e sete pedágios no percurso de ida e volta, e outro, usado como rota de fuga, tem 545 quilômetros e apenas duas praças de pedágio. Foi adotado como padrão o consumo de um caminhão Mercedes-Benz, transportando uma carga média de 7,4 toneladas. Um computador de bordo coletava dados, como evolução da ro-
e da velocidade nos percursos. No itinerário privatizado, o caminhoneiro gastou R$ 90,00 com pedágios, enquanto no trajeto alternativo, esse item ficou em R$ 30,00. Essa economia, no entanto, foi perdida com o consumo extra de combustível. No cômputo final, transitar pela estrada privatizada custou
apenas R$ 1,05 mais. "Mesmo a rota de fuga sendo mais curta, as péssimas condições dessas estradas, com curvas e buracos, são responsáveis pelo gasto extra de combustível, o que gera mais emissão de gás carbônico", diz Daniela. A proposta para reduzir essas emissões poluentes é atrair um maior número de caminhões para a estrada com pedágio. Para compensar, os custos seriam subsidiados com a venda dos créditos de carbono que deixariam de ser emitidos •
tação
Estradas com pedágio: caminhões gastam menos combustível
• Diagnóstico mais preciso Uma das mais avançadas ferramentas para diagnósticos médicos de alta precisão em oncologia, cardiologia e neurologia, o radiofármaco fluordesoxiglicose (FDG), será fabricada pelo Laboratório de Produção de Radiofármacos PET do Instituto de Engenharia Nuclear, do Rio de Janeiro. A FDG é uma molécula de gli-
cose, o principal combustível das células do corpo humano, marcada com um átomo de flúor radioativo, o radioisótopo emissor de pósitrons F-1S. Os exames com esse radiofármaco detectam tumores em estágio inicial, ajudam no diagnóstico do comprometi-
62 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
mento do miocárdio e na avaliação de doenças como mal de Parkinson e de Alzheimer. •
• Supercondutores mais eficientes Pesquisadores do Lawrence Bekerley Laboratory, na Cali-
fórnia, em colaboração com equipes da Universidade de Cornell, do Estado de ova York, nos Estados Unidos, e da Universidade de Ritsumeikan, no Japão, fizeram uma descoberta que, se confirmada, abre novos caminhos para a conversão de energia solar em eletricidade. Eles observaram que a lacuna de banda do semicondutor nitreto de índio tem 0,7 e não, como se imaginava,2 elétrons-volt de ener-
gia. Na prática, isso significa que sistemas simples de ligas contendo índio, gálio e nitrogênio poderiam transferir toda a radiação do espectro solardo infravermelho ao ultravioleta - para a corrente elétrica. Hoje, o máximo que as células solares, fabricadas com os mais diversos tipos de materiais, conseguem absorver da luz do Sol é 30%. Além disso, os custos são promissores. Wladek Walukiewicz, coordenador da pesquisa, acredita que seria possível abastecer com os novos supercondutores toda a rede de satélites e aeronaves atualmente em uso por um custo inferior ao de um sistema de iluminação de tráfego. Nesse caso, seriam tão úteis no espaço quanto na Terra .•
• Prêmio na área de materiais
o trabalho
Gelling of ceramic suspensions using an algae derived polymer (Gelificação de
suspensões cerâmicas utilizando polírneros derivados de algas), de autoria de André Rocha Studart, sob a supervisão do professor Victor Carlos Pandolfelli, do Grupo de Engenharia de Microestrutura de Materiais do Departamento de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), ganhou o Young Scíentist Award 2002, conferido anualmente pela empresa alemã Thermo Haake GmbH aos melhores trabalhos na área de reologia (estudo dos fluidos) de materiais. Participaram da disputa 52 jovens pesquisadores. Foram ainda premiados, em outras categorias, um trabalho do Massachussets Institute of Technology (MIT) e outro da Universidade de Leuven, da Bélgica. O estudo brasileiro é parte de um projeto temático financiado pela FAPESP. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
bono, nitrogênio e derivados de fósforo na sua estrutura química. Sua principal função é bloquear a ação de uma enzima, a catepsina B, formada pelo próprio tumor e responsável pela ruptura da membrana celular, abrindo caminho para metástases.
Título: Compostos de Paládio
Representação
da molécula do peptídeo PW2
• Proteína combate doença de aves Uma nova terapia de combate aos protozoários Eimeria spp., causadores da coccidiose aviária, doença que provoca perda de peso em frangos, foi desenvolvida e patenteada por pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordenados pelo professor Adilson Leite. Para encontrar os possíveis peptídeos (pequenas proteínas) de combate, foi utilizado um método de seleção chamado phage display. Para isso, um vírus que infecta a bactéria Escherichia coli, chamado bacteriófago M13, funcionou como uma biblioteca de peptídeos. As formas invasivas do parasita, denominadas esporozoítos, foram colocadas em contato com o M13 repetidas vezes. Após esse processo, os vírus contendo peptídeos que apresen-
taram afinidade com os esporozoítos de Eimeria foram separados e identificados. No final, a seleção convergiu para um único peptídeo, chamado de PW2, que apresentou atividade anticoccidiana.
Título: Um Novo Método de Seleção de Peptídeos Antimicrobianos e do Peptídeo Anticoccidiano PW2 Inventores: Adilson Leite, Arnaldo da Silva Junior; Paulo Arruda e Urara Kawazoe Titularidade: Unicampl FAPESP
• Composto químico inibe metástases Um composto organometálico à base de paládio, sintetizado no Centro Interdisciplinar de Investigação Bioquímica da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) pelo professor Antonio Carlos Fávero Caires, com propriedades antitumorais, foi patenteado no Brasil. A nova molécula, além do paládio, possui átomos de car-
como Agentes Antitumorais, Inibidores Enzimáticos e Imunomoduladores Inventor: Antonio Carlos Fávero Caires Titularidade: UMC/FAPESP
• Energia elétrica da casca de arroz Processo desenvolvido pelo grupo do professor Milton Ferreira de Souza, no Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP), permite preservar o valor comercial da sílica extraída da casca de arroz quando ela é queimada a temperaturas de até 8(){)<> C para gerar energia em centrais termelétricas. Antes de ser utilizada, a matériaprima passa por uma etapa de preparação, que pode ser feita de duas formas. As cascas podem ser lavadas em água quente ou préaquecidas e moídas.
Título: Aproveitamento de Energia e dos Compostos Inorgânicos Resultantes da Queima da Casca e da Planta do Arroz Inventor: Milton Ferreira de Souza e Marcos César Persegil Titularidade: USP/FAPESP
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 63
HIDROLOGIA
francesa e boliviana em projetos conjuntos, utilizando estudos de casos no Brasil e na Bolívia", explica o pesquisador. A professora Raphaele Ducrot é a responsável pelo projeto, que conta com o apoio do Centro de Cooperação Internacional de Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad, da sigla em francês).Esseestudo tem ainda a participação da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Outro contrato, com a Hidroconsult, resultou em participação estratégica em um projeto desenvolvido para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com sugestõespara proteger os mananciais e gerenciar a água da rede de abastecimento. O IIE também presta consultoria para a Sabesp em um projeto de transposição de águas da represa Billingspara a Guarapiranga. Outras empresas, responsáveis pela administração de hidrelétricas, como a AESa atual controladora de parte da Companhia Energéticade São Paulo (Cesp) -, também já demonstraram interesse em desenvolvermódulos de gerenciamento. Mapa do solo - O sistema é composto por um software com modelos de medida hidrodinâmica (em que entram todos os elementos de circulação de uma represa), de transporte de sedimentos e de qualidade de água. Na represa de Lajeado, geólogos fizeram um estudo do solo considerando as diferentes aptidões para as diversas atividades econômicas relacionadas à barragem. "Lá nós sabemos qual o solo fora da represa é mais ou menos sensível à irrigação e onde vai haver descarga de sedimentos do reservatório, local impróprio para o cultivo", conta Tundisi. Todas essas informações são colocadas em um módulo integrador, que permite prever cenários a longo prazo. Um deles avalia,por exemplo, o que acontecerá com a represa se a população do Estado de Tocantins chegar a 10 milhões e o esgoto não for tratado adequadamente. 66 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
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Plataforma estacionada na represa faz leituras em tempo real
m dos subprodutos do projeto é o Sistema de Monitoramento de Água em Tempo Real (Smart), que resultou no depósito de uma patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) , financiada pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologiá (Nuplitec) da FAPESP.O Smart é uma estação instalada em uma plataforma que fica ancorada na represa, transmitindo dados continuamente, via rádio, para o computador na barragem, permitindo aos operadores conhecer a qualidade da água. Essesdados são retransmitidos via Internet para o instituto. A inovadora concepção do Smart tem como base uma sonda móvel automatizada, desenvolvida por um bolsista do projeto, o biólogo João Durval Arantes Júnior. A sonda começa a fazer a leitura na superfície e desce até 28 metros de profundidade, fazendo leituras a cada 25 centímetros. Depois de uma pausa de 15minutos, ela fazo caminho inverso,do fundo para a superfície. Pára novamente por mais meia hora e recomeça o ritual, que possibilita saber, em tempo real, II parâmetros, como temperatura da água, pH, oxigênio dissolvido, condutividade, turbidez, potencial de óxido-redução, nutrientes (nitrato, nitrito, amônia e cloreto) e clorofila.
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"A idéia de desenvolver o sistema com a sonda móvel surgiu em decorrência da necessidade de monitorar os parâmetros da água de diversas profundidades", conta Durval Arantes. Inicialmente, a proposta era aperfeiçoar um sistema de monitoramento desenvolvido pelo pesquisador Le Coq Hung, do Centro Nacional de Ciência e Tecnologia do Vietnã. Esse sistema, que foi mostrado pelo vietnamita aqui no Brasil, coleta as informações a apenas meio metro de profundidade, em um barco. Chegou-se a cogitar a possibilidade de um desenvolvimento conjunto para as necessidades brasileiras, mas Durval Arantes teve a idéia de movimentar a sonda na coluna da água, para superar as limitações dos equipamentos existentes no mercado. Como a sonda é um componente caro, as empresas colocam uma unidade fixa a cada 5 metros, até atingir os 15 metros de profundidade. Em cima da plataforma foi colocada uma estação climatológica, com sensores que medem a direção do vento, a umidade relativa do ar e a temperatura. "Muitas sondas utilizam dados climatológicos que estão fora do local. A nossa permite fazer uma correlação entre, por exemplo, a temperatura do ar e a da água, a velocidade e a direção do vento e os efeitos da movimentação da
coluna da água", explica Tundisi. Segundo o pesquisador, essa associação dá uma visão vertical completa e dinâmica do sistema. Um software dá as coordenadas para a sonda fazer a pesquisa programada e outro interpreta os dados. Com essas informações, associadas às que estarão disponíveis em outro programa produzido especialmente para cada reservatório, será possível adotar soluções que dizem respeito a toda a bacia hidrográfica. "Pretendemos com esse projeto desenvolver um processo de gerenciamento que integre todos esses componentes, produza um software e, a partir daí, fazer o treinamento dos gerentes em três níveis: da hidrelétrica, da cidade e do Estado, para que elespossam, com os dados disponíveis, tomar decisões': relata Tundisi. Ele cita como exemplo um acidente envolvendo um caminhão que transporta ácido sulfúrico. Se a carga cair em um rio, os sensores vão registrar a mudança química, e o operador poderá ímediatamente suspender o bombeamento da água. Custos altos - O módulo integrador é fruto de um desenvolvimento conjunto entre o Instituto de Ecologia e a Innova Tecnology e Information, de São Paulo. Outras empresas também participam desse projeto: a Hidromares, composta por pesquisadores do Insti-. tuto Oceanográfico, desenvolveu toda a parte referente à hidrodinâmica. A Investco construiu uma das plataformas em Lajeado, e outra está sendo fabricada por uma empresa de São Carlos, para ser colocada na represa do Broa, em Itirapina (SP), com um protótipo do Smart. Participam do projeto, como assessores e consultores, pesquisadores do Brasil, Dinamarca, Espanha e Suécia, que periodicamente lêem os relatórios ou vêm para país. Tundisi, um profundo conhecedor de águas doces, com mais de 30 anos de pesquisas na área, diz que, quanto melhor a qualidade da água, maior é a capacidade da sociedade local de usar o sistema para usos múltiplos. E lembra que a preservação da qualidade das águas é uma tarefa que exige investimentos consideráveis. Os custos
mento econômico", contabiliza Tundisi.
Sonda automatizada: desce até 28 metros de profundidade
para tratamento de água deteriorada são quase 13 vezes maiores em comparação com os de qualidade preservada. O tratamento de 1.000 metros cúbicos de água suja fica em US$ 25,00; e da limpa, US$ 2,00. Os gastos para conservar as turbinas de hidrelétricas também são 20% maiores quando a água está com excesso de algas e sujeira. "O grande objetivo desse projeto para as regiões em que está sendo aplicado é possibilitar, por meio do manejo do sistema do gerenciamento da qualidade da água e da otimização dos usos múltiplos, abrir novas possibilidades de desenvolvi-
o PROJETO Desenvolvimento de Sistemas de Suporte à Decisão no Gerenciamento de Reservatórios de Abastecimento Público e Hidrelétricas MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) COORDENADOR
JOSÉGALIZIA TUNDISI - Instituto Internacional de Ecologia INVESTIMENTO
R$ 180.777,67 e US$ 50.522,29
Em tempo real - O embrião do projeto foi um estudo feito para o rio Corumbataí, que abastece a cidade de Piracicaba. ''A idéia era colocar um conjunto de sensores no rio, antes da estação de tratamento': conta Tundisi.A operação de uma estação de tratamento de água é feita "no escuro': segundo o pesquisador."O operador tem de desenhar o tratamento no momento em que a água chega à estação", relata. Se ele puder receber as informações em tempo real, poderá tomar decisões mais adequadas às circunstâncias. Segundo Tundisi, o IIE foi concebido como uma empresa destinada a trabalhar com pesquisa clássica,tradicional, na área de limnologia (estudo das águas doces e de seus organismos) e ao mesmo tempo servir como consultoria. ''A proposta é transformar o conhecimento existente em inovação e em produto, mas ele não deixa de ser um instituto de pesquisa", diz o pesquisador. Além do projeto PIPE, o instituto trabalha em um projeto do Programa Biota, também financiado pela FAPESP.A principal finalidade desse projeto ligado ao Biota é verificar qual a relação entre qualidade da água, poluição e diversidade de zooplâncton no Estado de São Paulo. Esses pequenos animais, que vivem em suspensão na água e fazem parte do elo da cadeia alimentar, podem indicar a concentração de substâncias tóxicas no ambiente. A participação do I1Eno programa envolveu o estudo de 220 represas, nas 22 bacias paulistas, com o objetivo de ter um mapa do Estado do ponto de vista da biodiversidade de zooplâncton, especialidade da pesquisadora Takako Matsumura, casada há 30 anos com Tundisi e sóciano empreendimento. "Com esse mapa, temos condições de saber hoje quais as áreas onde há maior biodiversidade, de que forma foram afetadas ou não pela poluição", relata Takako. Essas informações poderão ser utilizadas no projeto do PIPE, dentro da concepção do instituto de transferir os conhecimentos produzidos na ciência básica a um produto, que, ao que tudo indica, tem um grande campo de aplicação. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 67
ITECNOLOGIA
ANÁLISES
CLÍNICAS
No rastro do Trypanosoma Novo teste detecta no sangue, com maior precisão, a presença de anticorpos da doença de Chagas
YURI VASCONCELOS
esquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) de Araraquara e da Universidade de São Paulo (USP) acabam de desenvolver uma metodologia inédita para o diagnóstico soro lógico da doença de Chagas, uma enfermidade que atinge cerca de 6 milhões de brasileiros e outros 10 milhões de pessoas nas Américas. Para fazer o diagnóstico, a principal vantagem do método, que utiliza um imunossensor amperométrico (o resultado aparece na leitura da corrente elétrica), é sua precisão: o dispositivo detecta no soro sangüíneo quantidades muito pequenas de anticorpos do parasita causador da moléstia, o protozoário Trypanosoma cruzi. Esses anticorpos são produzidos pelo organismo da pessoa quando ela está infectada. Os estudos realizados pelos pesquisadores da Unesp e da USP mostraram que a nova metodologia é bem mais sensível e precisa do que o teste imunoenzimático Elisa (Enzime Linked Immunosorbent Assay), largamente utilizado para esse tipo de diagnóstico.
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Eletrodo imobiliza os antígenos do protozoário
Outra vantagem do novo teste é a rapidez de processamento. A análise dura cerca de 40 minutos, tempo bem inferior ao dos testes sorológicos convencionais. O imunoensaio Elisa, feito em placa de poliestireno, leva até duas horas. O novo processamento também pode ser feito em temperatura ambiente, enquanto os kits concorrentes devem ser processados em estufa. Além disso, o emprego do imunossensor em testes sorológicos facilita a repetição no caso de amostras duvidosas. "O imunossensor será um importante instrumento de saúde pública em países onde a doença é endêmica", afirma a química Hideko Yamanaka,professora do Instituto de Química da Unesp e coordenadora da equipe de inventores. O novo método, além de poder ser empregado em laboratórios de análises clínicas para diagnóstico de pacientes, também poderá ser usado em bancos de sangue. Segundo Hideko, o imunossensor irá conferir maior agilidade na triagem de doadores, reduzindo os casos de transmissão da moléstia por transfusão (veja quadro na pág. 70). Mais barato - Os demais membros da equipe que desenvolveram o imunossensor são o bioquímico Antonio Aparecido Pupim Perreira, aluno de doutoPESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 69
Mal transmitido em transfusões Descrita em 1908 pelo cientista brasileiro Carlos Chagas, a doença de Chagas, também conhecida como tripanossomíase americana (terminologia adotada pela Nomeclatura Internacional de Doenças - NID) continua sem métodos de cura definitiva e sem vacinas. Ela é uma doença infecciosa e parasitária causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, transmitido por insetos hematófagos da espécie Triatoma infestans, popularmente conhecidos como barbeiros. Atualmente, a transmissão ocorre principalmente nas transfusões sanguíneas. "Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a transmissão vetorial foi controlada em função de políticas públicas bem-sucedidas nos países atingidos
rado orientado por Hideko; o professor Walter Colli, do Instituto de Química da USP; e o biomédico Paulo Inácio da Costa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unesp. Os dois últimos participaram do desenvolvimento do imunossensor como colaboradores. A estimativa dos pesquisadores é que a nova tecnologia seja lança da com um preço similar ao dos kits comerciais Elisa. Ele terá, no entanto, uma grande vantagem comparativa: o comercial possui uma placa com 96 testes e, uma vez aberta a embalagem, os não usados precisam ser descartados. "No nosso caso, poderemos configurar o imunossensor da forma que for conveniente para atender a demanda do laboratório", diz Hideko. Isso fará com que o valor unitário do imunossensor possa ser inferior ao Elisa. Em função de seu ineditismo, a nova tecnologia foi registrada no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) com apoio do Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP.Com isso, já foram iniciadas negociações com indústrias que fornecem kits para laboratórios de análises clínicas para a pro70 . JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
pela moléstia", afirma o professor Walter Colli, da USP. As ações se concentram em obras de saneamento básico, no combate ao inseto transmissor e na melhoria das habitações no campo, porque o barbeiro costuma se esconder em frestas de paredes de barro ou madeira. A transmissão clássica ocorre quando o barbeiro pica uma pessoa infectada pela doença. O inseto torna-se, então, hospedeiro do parasita. Em seguida, ao se alimentar do sangue de uma pessoa sadia, ele de-
feca e deposita o protozoário na pele da vítima, que ao se coçar leva o parasita para a corrente sanguínea. Se não for diagnosticada rapidamente, ainda na fase aguda, quando tem cura, a moléstia entra numa fase crônica, com o Tripanosoma se instalando nos músculos, especialmente no coração, provocando insuficiência e arritmia cardíaca, que podem causar a morte. Outro meio de infecção acontece na transmissão de mãe para filho, durante a gravidez. E a única forma de diagnosticar a presença do protozoário no organismo é por meio de exames de sangue.
Trypanosoma cruzi: a transmissão pelo barbeiro foi controlada
dução do novo teste. "Os entendimen-
tos encontram-se em uma fase muito preliminar. Como a maioria dessas empresas é multinacional, estamos requerendo patente internacional do imunossensor para facilitar as negociações", afirma Hideko. Transdutor eletroquímico - O imunossensor amperométrico desenvolvido pelos pesquisadores foi escolhido como
o PROJETO Imunossensor Amperométrico para Doença de Chagas MODALIDADE Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPD COORDENADORA HIDEKO YAMANAKA - Instituto de Química da Unesp Araraquara INVESTIMENTO
R$ 12.000,00
o segundo trabalho mais relevante da 1a Mostra de Tecnologia da Unesp, realizada entre os dias 28 e 30 de outubro em São Paulo. Chamou a atenção o fato de o dispositivo ser baseado na interação antígeno-anticorpo, na forma de um biossensor com um componente biológico ativo (antígenos de T. cruzi) intimamente acoplado à superfície de um transdutor que converte um sinal biológico em sinal elétrico. Para criar o novo teste, os pesquisadores utilizaram um transdutor eletroquímico (ou eletrodo) disponível no mercado e usualmente empregado em análise química de várias substâncias nas áreas biológica, clínica e industrial, além de ser utilizado no monitoramento e controle de alguns poluentes ambientais. "Nosso trabalho consistiu em fazer modificações nesse eletrodo, alterando a superfície quimicamente para que ela fosse capaz de imobilizar os antígenos do protozoário e se tornasse seletiva aos anticorpos anti- Trypanosoma cruzi", conta o farmacêutico-bioquímico Antonio Pupim Ferreira. "Ou seja, que tivessea capacidade de reagir com os anticorpos presentes no soro de portadores da doença de Chagas." •
, , i
ITECNOLOGIA
INDÚSTRIA
Patentes em ação FAPESP faz o primeiro licenciamento de um produto gerado em programa de inovação tecnológica rocas odontológicas com ponta de diamante sintético, que funcionam em aparelhos de ultra-som, acabam de ser lançadas no mercado e vão render royalties para a FAPESP e para o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A empresa produtora é a Clorovale Diamantes, de São José dos Campos, que recebeu financiamento da Fundação, por meio do Programa de Inovação Tecnológicaem Pequenas Empresas (PIPE),para o desenvolvimentodo produto. Esse é o primeiro contrato de licenciamento realizado pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP,que também financiou o depósito da patente no Brasil, Estados Unidos, Canadá, Europa e Japão. A empresa foi montada por pesquisadores do Inpe, que aproveitaram o domínio da técnica de produção de diamante CVD (Chemical Vapor Deposition, ou deposição química na fase vapor) para incorporá-Ia às brocas odontológicas (veja Pesquisa FAPESPn° 52 e nO 78). "Cada broca custa R$ 200,00, cerca de 20 vezes a mais que as brocas convencionais, porém elas dispensam anestesia em mais de 70% dos casos, são mais precisas e não possuem aquele tradicional barulho do motor de rotação. Além disso, são de 20 a 30 vezes mais duráveis", afirma o físico Vladimir Jesus Trava Airoldi, um dos fundadores da empresa. Ele calcula que o faturamento bruto das vendas nos dois primeiros anos atinja os R$ 28 milhões. Sobre esse faturamento, menos os impostos, serão 4% de royalties, nos dois primeiros anos, e 5% por mais três, conforme o contrato de exclusividade com a Clorovale. A perspectiva é obter mais de R$ 1 milhão
B
Broca diamantada no ultra-som: menos anestesia, mais durabilidade e sem barulho
por ano, que serão divididos entre os inventores, a FAPESP e o Inpe. "Essecaso mostra que os modelos de financiamento do PIPE e do Nuplitec estão consolidados': comenta o profes-
o PROJETO Brocas de Diamante CVD para Equipamento de Ultra-Som Utilizado em Odontologia MODALIDADE Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPO COORDENADOR VLADIMIR JESUS Inpe
TRAVA AIROLDI -
INVESTIMENTO
R$ 11.000,00 e US$ 30.000,00
sor Edgar Dutra Zanotto, da Universidade Federal de São Carlos e coordenador do Nuplitec. "Com esse licenciamento, inauguramos um novo e efetivo mecanismo para aumentar a receita da FAPESP, redirecionando os ganhos com royalties para outras pesquisas." Para Airoldi, o investimento vai voltar para a sociedade. Ele e sua equipe preparam cursos para que os dentistas aprendam a usar as novas brocas, enquanto reivindicam a aprovação dessa técnica pela Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana de controle de alimentos e medicamentos. Quando obtiver essa aprovação, a exportação das brocas será facilitada. "Váriasempresasjá nos procuraram para vender nosso produto em outros países': diz Airoldi. A exportação vai completar a lista de boas notícias da Clorovale. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 71
ITECNOLOGIA
QUÍMICA
Amostras de saúde Estudo sobre a própolis resulta em patentes de um método para análise dessa resina e um anti-séptico bucal
pro~ried~des anti-sél?ticas, cicatnzantes e antunflamatórias da própolis, uma resina produzida pelas abelhas para vedar e ~ esterilizar as colméias - daí o nome de origem grega, pro (defesa) e polis (cidade) -, têm sido objeto de estudos há mais de duas décadas. Mesmo assim, quando a pesquisadora Maria Cristina Marcucci Ribeiro foi à Espanha, em 1995, e levou amostras de própolis brasileira para estabelecer comparações com a européia, descobriu diferenças importantes entre os principais compostos químicos. De lá para cá, Maria Cristina, atualmente professora da Universidade Bandeirante de São Paulo (Uniban), desenvolveu várias pesquisas tendo a própolis como objeto principal dos estudos. Como desdobramento, os trabalhos resultaram em duas patentes registradas
no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e financiadas, em 2002, pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. A primeira, chamada pela pesquisadora de "patente-mãe", classifica (quimicamente) a própolis brasileira de regiões tradicionalmente produtoras, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A patente trata do processo desenvolvido pela pesquisadora para análise e determinação do tipo de própolis segundo marcadores químicos. "Esse levantamento permitirá estabelecer padrões para a própolis obtida em cada região, facilitando a produção de medicamentos", explica Maria Cristina. A segunda patente trata de formulação à base dessa resina vegetal para uso
Frascos de solução de própolis: diversidade em cada região do país odontológico, sem álcool, o que a torna completamente diferente dos produtos similares disponíveis no mercado. Foi durante o desenvolvimento do antiséptico bucal que Maria Cristina percebeu a necessidade de as empresas terem produtos padronizados capazes de oferecer os mesmos componentes químicos, ainda que obtidas de fornecedores diferentes. O trabalho de tipificação da própolis contabiliza mais de 2 mil amostras analisadas. Para chegar ao anti-séptico bucal dissolvido em água, que tem patente pedida no Brasil, foram feitos testes em bactérias cariogênicas (causadoras das cáries) com a participação do professor Walter Bretz, da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. "A formulação com própolis inibiu todas as bactérias cariogênicas", descrePESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 73
ve a pesquisadora. O desânimo Os testes consistiao constatar que OS PROJETOS a imensa literaturam em recolher saliva com alta ra européia sobre Estudo da Atividade Antimicrobiana Processo de Identificação de própolis não seria concentração de de Amostras de Própolis Brasileiras Tipagens das Própolis Brasileiras e Formulações à Base de Própolis nas Bactérias Cariogênicas de muita valia pabactérias, que foi Presentes na Saliva para Uso Odontológico ra a sua pesquisa incubada com o enxaguatório bufoi transformado MODALIDADE MODALIDADE quando ela comecal. Coube a Bretz Programa de Apoio a Jovem Programa de Apoio à Propriedade çou a isolar cada estudar a aplicaPesquisador Intelectual (PAPO substância. "Escoção da própolis COORDENADORA COORDENADORA nos tecidos inflalhi para começar MARIA CRISTINA MARCUCCI RIBEIRO MARIA CRISTINA MARCUCCI RIBEIRO o trabalho duas mados da gengiva Uniban Uniban própolis brasileie na recuperação de dentes, "com ras diferentes e INVESTIMENTO INVESTIMENTO excelentes resultaisolei 13 composR$ 9.530,00 e R$ 6.000,00 R$ 32.722,25 e US$ 74.615, 12 dos': Testes com tos", diz. "Perceanimais mostrabi então que não ram que o produto, que tem uma cor núcleo de pesquisa em 1998, começou eram cem amostras de própolis difeno Instituto de Química da Universidalevemente amarelada, não apresenta rentes no Brasil, mas que elas se agrude Estadual de Campinas (Unicamp), toxicidade. O estudo de estabilidade pavam por regiões." A sua composição onde fez graduação, mestrado e doutoestá sendo conduzido na Universidade principal varia de acordo com a flora do Sul de Santa Catarina (Unisul). disponível no local. Mas, de modo gerado, com uma escala de 13 meses na Espanha. Nos últimos anos, ela recebeu "Esse teste, uma das últimas etapas do ral, as abelhas coletam a resina em processo, é fundamental para avaliar financiamento da FAPESP dentro do uma espécie muito abundante no Brapor quanto tempo o produto permasil, o alecrim-do-campo (Baccharis draPrograma de Apoio Jovem Pesquisador. nece estável, sem criar fungos", relata Para o Centro de Edafologia e Biocunculifolia), conhecido também como Maria Cristina. logia Aplicada de Segura, localizado em vassourinha. Tipicamente brasileira, Múrcia, na Espanha, ela levou mais de essa espécie de Baccharis é uma espé.mportânciado estudo fica cem amostras para estudar a composicie invasora que se desenvolve rapidação química. "Mas, depois de quatro ou evidente quando se sabe que mente, mas não se adapta facilmente a pesquisadores japoneses cinco meses, eu não conseguia identifioutras regiões, como puderam comcar quase nada, somente um ou dois isolaram e pediram paprovar os japoneses, que levaram mucompostos': conta Cristina, lembrando tente de dois componendas daqui. Esse interesse se justifica pelo tes químicos (ácidos) com atividade da frustração inicial por não ter padrões fato de que, atualmente, eles e outros antitumoral, encontrados apenas no de compostos isolados com os quais pucompradores asiáticos ficam com quaproduto originário do Brasil. Maria desse comparar com a nossa própolis. se toda a própolis bruta produzida no Cristina lembra de um congresso em Ela explica que a própolis européia Brasil. Belo Horizonte, em 2001, onde estavam tem, em média, de 20% a 25% de flavo.nóides, compostos químicos que ocorpresentes pesquisadores japoneses. Um Marcador químico - O mapa da pródeles, o médico Katsumichi Matsushipolis brasileira elaborado por Maria rem em forma de pigmentos vegetais, ge, do hospital da Universidade de ToCristina, feito segundo os grupos de responsáveis, por exemplo, por dar a yama, lhe contou que no Japão eles têm marcadores químicos, lista dois grancor à casca da laranja e ao morango. um setor destinado a terapias alternatides grupos e um subgrupo. Do norte Acreditava-se também que a brasileira vas no tratamento do câncer. E, dentro de Minas ao sul de São Paulo, é encontivesse uma composição química semedesse setor, existe uma seção só para trado o grupo BRP (as iniciais signifilhante. "Mas a nossa tem apenas de 2% a 4% de flavonóides'; conta. tratamento com própolis brasileira. Docam Brasil e prenilados). Nos estados ses maciças do produto, destinadas a do Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Os outros compostos químicos da reforçar o sistema imune, são ministraresina produzida no Brasil são ácidos Grande do Sul), aparece o BRG (o G redas aos pacientes durante o processo de fere-se a coniferaldeído, por causa das prenilados (em média de 8% a 10%), tratamento tradicional do câncer: ciespécies coníferas, como a araucária, ácidos aromáticos e compostos que esrurgia, radioterapia, quimioterapia. Seexistentes na região). O grupo BRP tamtão sendo hoje alvo de muitos estudos. "Os prenilados, tais como os flavonóigundo o médico japonês, os resultados bém aparece no Estado do Paraná, com mostraram que, em muitos casos, não um submarcador. Um outro, denomides, têm ação antiviral, antibacteriana, antioxidante e antitumoral", descreve há reincidência da doença. Para a pesnado BRPG (com marcadores do BRP quisadora, esse relato é mais uma proe BRG), tem presença no Paraná e em Maria Cristina. A composição química va de que ela está no caminho certo. Santa Catarina, enquanto um tipo de da própolis é muito complexa. Já foA trajetória de Maria Cristina até própolis com grande quantidade de flaram descritas mais de 200 substâncias chegar à Uniban, para trabalhar na doem alguns tipos, com funções ainda vonóides, coisa rara em território brasicência e integrar um recém-formado leiro, é encontrado no Rio Grande do desconhecidas no organismo humano.
p(
74 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
postos químicos. Essesdados são, então, colocados em um programa de gerenciamento de dados denominado Tip, de tipificação, desenvolvido sob encomenda. O Tip tem uma base de dados com todos os padrões e a concentração correspondente. "Só é preciso indicar na planilha o pico de cada composto, que ele faz a quantificação. Esse software de classificação e quantificação da própolis pode ser aplicado a qualquer produto natural, desde que seja feita antes a análise dos componentes químicos e introduzidas as áreas dos padrões correspondentes na planilha. ma das própolis tipificadas, a BRPl, foi testada em bactérias Staphylacaccus aureus resistentes ao antibiótico oxacilina isoladas no Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), por uma aluna da Uniban, Patrícia Laguna Miorin, em sua dissertação de mestrado a ser defendida no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Essas bactérias causam infecção hospitalar, com alto índice de mortalidade. Os resultados obtidos mostraram que esse antibiótico, sem mais nenhuma atividade no combate a essas bactérias, voltam a ter efeito quando associados com a própolis. Com essa novidade, Maria Cristina e Patrícia ficaram incentivadas a pedir ao Nuplitec o registro da patente do efeito sinergético desse tipo de própolis com a oxacilina, em parceria com a Uniban e o ICB-USP. Atualmente, Maria Cristina trabalha na relação da composição química da própolis com a respectiva atividade biológica."Estabelecidosos tipos químicos, estamos colocando dentro de modelos experimentais biológicos para ver qual tipo serve para determinada doença': relata. Dessa forma, a própolis com melhor resultado para Helicabacter pylori, a bactéria que causa úlcera gástrica e tumores no aparelho digestivo, por exemplo, poderá ser transformada em medicamento pela indústria farmacêutica. "E, em vez de corrermos atrás de descobertas feitas lá fora com matériaprima nacional, poderemos nos antecipar e patentear seus princípios ativos." Para isso, ela convida outros pesquisadores da área a montar um banco de dados sobre a própolis brasileira. •
U Produzida pelas abelhas, a própolis (jn natura, abaixo) é especialmente estudada no Japão
Sul, nas regiões de fronteira com a Argentina e o Uruguai. Todos os grupos são mapeados e acompanhados de números, que funcionam como sinalizadores da concentração química. O anti-séptico bucal, por exemplo, foi desenvolvido com própolis do grupo BRPl. O mesmo estudo que comprova esses marcadores, mas feito com outras
técnicas, está sendo realizado pelo grupo do professor Marcos Eberlin, do Instituto de Química da Unicamp, do qual Maria Cristina também participa. A análise das amostras de própolis é feita por uma técnica de fracionamento chamada cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE), ferramenta utilizada para separar, isolar e identificar os com-
PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 75
dição da hora certa mundial, formada por mais de 200 relógios atômicos de 30 países. Eles compõem a chamada Hora Atômica Internacional (TAl, da sigla em francês), instituída em 1972. O Brasil participa desse grupo com o relógio atômico do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro, um equipamento adquirido no exterior. Na América do Sul, além do ON, existem apenas dois outros na Argentina. "O nosso foi integralmente desenvolvido aqui", conta Mônica. O pedido de inclusão desse relógio na hora mundial será feito à Agência Internacional de Pesos e Medidas (BIPM, da sigla em francês), localizado em Sevre, na França. Esse instituto controla também o Tempo Universal Coordenado (UTC no inglês), a hora oficial do mundo, que tem diferenças em relação à TAl em cerca de 0,9 segundo, por ano, para mais ou para menos devido à rotação irregular da Terra. A UTC - atual sucessora do Tempo Médio Greenwich (GMT), que media a hora mundial desde 1884 - segue o tempo dessa rotação e, em alguns anos, é ajustada com a TAL
s:
de vários relógios de todo o mundo para marcar a hora certa pode parecer desnecessário dado a precisão desses equipamentos. Porém, aspectos como temperatura, pressão atmosférica e ruídos podem influenciar na freqüência emitida por esses relógios, hoje, baseada na pulsação do césio 133, elemento desprovido de qualquer radiação nociva. O césio foi o padrão escolhido, em 1967, durante a l3a Conferência Mundial de Pesos e Medidas. Ele é definido pela duração de 9.192.631.770 períodos de oscilação da radiação necessária para transição entre dois níveis do estado fundamental do átomo de césio 133. Isso significa que é necessária uma perturbação nos elétrons desse elemento para a emissão da freqüência-padrão.
78 " JANEIRO DE 2003 " PESQUISA FAPESP 83
Primeiro do Brasil, o relógio térmico poderá participar da composição da Hora Atômica Internacional
O césio serve como referência" não só para marcar as horas, mas como padrão de pulsos elétricos. Ele tem uma freqüência estável, gerando um sinal elétrico repetitivo. Dessa forma, a unidade tempo também é usada para determinar, por exemplo, o metro. Hoje, um metro é o comprimento do trajeto percorrido pela luz no vácuo, durante o intervalo de tempo de 1 segundo dividido por 299.792.458 partes. Tamanha precisão necessita de equipamentos igualmente precisos que hoje - em modelos comerciais - estão nas empresas de telefonia, de transmissão de sinais de televisão e nos satélites. Ligações rápidas - Nas telecomunicações, por exemplo, o relógio atômico é imprescindível desde a implantação de uma nova técnica de transmissão de dados, a SDH (sigla em inglês para Hierarquia Digital Síncrona), usada nas comunicações via fibra óptica. Essa técnica funciona com fluxos de transmissão
muito rápidos e direcionam as ligações, numa grande rede, em frações de segundo. A navegação também ganhou muito com os relógios atômicos. Navios, barcos, aviões, grupos de pessoas em locais ermos adotam o GPS, o sistema de posicionamento global, para localização. Ele é composto por 24 satélites que orbitam o planeta, sendo três suficientes para o receptor na Terra decodificar e informar as coordenadas (latitude e longitude). "Sabendo a hora que entrou cada sinal e de onde veio, o receptor determina a posição porque calcula há quanto tempo o satélite emitiu o sinal e quanto tempo ele levou para chegar ao solo", explica o professor Flávio Caldas da Cruz, do Instituto de Física (IF) da Unicamp. "Esse tempo é informado pelo relógio atômico instalado dentro dos satélites." Embora de uso corrente, os relógios atômicos, assim como os de pulso, estão em constante evolução. No caso dos atômicos, o laser é o caminho. O primeiro construído no Brasil, em São Carlos, é um relógio atômico a feixe térmico e começou a ser idealizado em 1997 dentro de uma sala especial, toda blindada, com paredes recheadas de isopor e outros materiais isolantes de ruídos. Ele mantém a estabilidade de ressonância, em relação ao césio, em 10-11, ou seja, além de medir a fração do segundo com até 11 casas, na ordem do picosegundo (um bilhão de vezes menor que o segundo), levaria 31 bilhões de anos para que atrase um segundo. Essa marca é muito próxima à do relógio atômico comercial, que é de 10-12. "A pesquisa científica busca relógios que determinem a freqüência de ressonância do césio (aqueles 9.192.631.770 de oscilações) com mais precisão': diz Mônica. A estabilidade da freqüência do césio no relógio a feixe térmico começa
Relógio atômico de cálcio na Unicamp: terceiro construido no mundo, mais preciso que o de césio
ressonância do césio com mais precisão. "Esse relógio foi totalmente produzido no Brasil, inclusive o projeto. Com isso, nosso grupo dominou todas as etapas, da idealização à técnica de construção", diz Mônica. Tanto o relógio chafariz como o de feixe térmico não são produzidos comercialmente. Naqueles que estão no mercado, ímãs fazem o papel de selecionador e detecto r de átomos de césio no lugar do laser. Por isso, esses equipamentos também necessitam de salas blindadas, longe de qualquer tipo de interferência. com os átomos sendo lançados de um forno para uma cavidade (câmara), onde eles recebem feixes de laser infravermelho, portanto, abaixo do espectro visível. Lá, eles interagem com a radiação de 9.192.631.770 gigahertz (GHz) gerada por um sintetizado r de microondas e um oscilado r de quartzo. Nessa câmara ocorre o rearranjo dos elétrons do átomo. Com isso, eles absorvem a energia dos lasere passam a emitir fótons, que são transformados em corrente elétrica e a freqüência medida por softwares. Nessa medição verifica-se se a freqüência gerada no sintetiza dor de microondas está correta, ressonante com o césio, ou necessita de correções. O outro relógio atômico que está em desenvolvimento em São Carlos, chamado de relógio atômico tipo chafa-
riz, que usa átomos frios, é considerado uma evolução do primeiro. Ao contrário do anterior, que funciona de forma horizontal, nesse os átomos são jogados para cima, como se fosse um chafariz, dentro de um cilindro metálico. Ao subir, os átomos passam por uma cavidade, chegam ao ápice e descem. urante a descida, eles passam novamepte pela mesma cavidade alimentada por um gerador de microondas que fornece a radiação ressonante com a transição do césio e finalmente interagem com os feixes lasers de detecção na região mais baixa do relógio. Nesse caso, a interação dos átomos dentro da cavidade é maior, permitindo determinar a freqüência de
D
OS PROJETOS Relógio Atômico de Feixe Térmico e Relógio Atômico de Átomos a Frio MODALIDADE Centro de Óptica e Fotônica (Cepof), São Carlos
SALVADOR
BAGNATO -
Instituto de Física da USp, São Carlos INVESTIMENTO R$ 50.000,00
e US$ 70.000,00
Óptico de Cálcio
MODALIDADES Centro de Óptica e Fotônica (Cepof), Campinas, e Linha regular de auxílio à pesquisa COORDENADOR
COORDENADOR VANDERLEI
Relógio Atômico
FLÁVIO
Instituto
DO PROJETO
CALDAS
DA CRUZ -
de Física da Unicamp
INVESTIMENTO R$ 140.311)8 e US$
145.778J4
Laser vermelho - Em Campinas, os pesquisadores do Cepof trabalham no que poderá ser a nova geração de relógios atômicos. Ao contrário dos equipamentos baseados em transições dos átomos do césio 133, eles utilzam o cálcio. Esse elemento químico oscila quando detectado e mantido por um laser específico, na cor vermelha, em 456.000 (GHz), muito mais rápido que o césio em 9 GHz. O que ele faz é a transferência da pulsação do laser vermelho para outro laser, agora policromático, transferindo os tons de repetição para um circuito eletrônico que irá contar as oscilações e pulsos. Com a oscilação dos átomos de cálcio excitados pelo laser, tem-se um ganho de várias ordens de grandeza na precisão. "É muito rápido e obtemos uma contagem de tempo repetitiva e estável': conta Cruz. A precisão dele vai a 10-17, na ordem dos fentosegundos (um segundo dividido em trilhões) ou um número que tem mais 15 algarismos após os dois dígitos do segundo mostrados nos relógios de pulso digitais. Quando ficar pronto, em meados deste ano, o relógio atômico de cálcio do IF da Unicamp será o terceiro do mundo. Atualmente, existem dois em funcionamento, um produzido em 2001 no National Bureau of Standards (NIST), o instituto de metrologia norte-americano, e outro em 2002, no PhysikalischTechnische Bundesanstalt (PTB), o instituto de metrologia da Alemanha. • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 79
• TECNOLOGIA
Vitória:
diminuir as fontes de poluição
FÍSICA
Atmosfera limpa Equipamento idêntico ao que será enviado a Marte monitora o ar da cidade de Vitória SHIRLEY
RIBEIRO
este mês, o sistema de monitoramento da qualidade do ar da Grande Vitória, no Espírito.Sa~to, passa a ser o pnmeIro do mundo a utilizar equipamentos só usados até agora em sondas espaciais. Elevai quantificar as partículas presentes na atmosfera e, ainda, identificar com mais precisão os componentes ferrosos origináriosda produção de aço e do transporte de minério de ferro na cidade. O aparelho também vai identificar outras
N
80 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
partículas, determinando a origem de cada uma. O projeto, coordenado pelo físico Paulo de Souza [únior, é resultado da adaptação de dois equipamentos desenvolvidos para a Agência Espacial Americana (Nasa). Eles vão aperfeiçoar a rede de controle ambiental de Vitória, e contam com o apoio da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Seama), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e da Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST).
O primeiro equipamento é o Miniaturized Mõssbauer Spectrometer II (Mimos 11),desenvolvido para a Nasa pelos pesquisadores da Universidade de Johannes Gutemberg, da cidade de Mainz, na Alemanha, para integrar os dois robôs espaciais que irão a Marte, em maio e julho de 2003, na missão Mars Exploration Rovers. Ele é uma miniatura do Espectrômetro Mõssbauer, equipamento capaz de fazer a análise mineralógica ferrosa. O Mimos II é do tamanho de um mouse, pesa 400
gramas e pode fazer o mesmo que um equipamento convencional, do tamanho de uma copiadora profissional. Em Marte, vai analisar os componentes do solo, das rochas e de partículas magnéticas suspensas no ar. Souza, que participou na Alemanha como convidado na forrnatação do Mimos, estará também em Pasadena, na Califórnia, Estados Unidos, durante a missão a Marte para analisar os dados enviados à Terra. Atualmente, ele é analista de Tecnologia, Pesquisa e Desenvolvimento daCVRD. O outro equipamento da Nasa é o Alpha Particle X-Ray Spectrometer (APXS) usado na missão Mars Pathfinder, que explorou o planeta em 1997. A partir de janeiro, parte desse equipamento - o Sistema de Detecção de Raios X - passará a integrar o sistema de Vitória, fazendo a análise química das amostras de ar. Para explicar esses equipamentos, Souza faz uma analogia com a culinária. O APXS aponta os ingredientes que existem na cozinha e o Mimos II mostra os pratos preparados pelo cozinheiro. O segundo, portanto, indica como os elementos químicos se ligam ao ferro formando os minerais ferrosos. Detectar poeira - O Mimos II está em testes há seis meses na rede de controle ambiental de Vitória, identificando a origem dos minerais ferrosos que influem na qualidade do ar. Nesse período, ele identificou grande variedade de fontes poluidoras: indústrias da região, construção civil, pedreiras, ruas sem pavimentação, queima de lixo e veículos automotores. A Rede de Monitoramento da Qualidade do Ar da Grande Vitória começou a ser implantada em 1995, com o objetivo de diferenciar as fontes poluidoras do ar na região. À época, a Seama só media a quantidade de poeira no ar, mas não identificava os componentes nem suas fontes. Souza começou a participar do projeto como graduando de física
~
~ rial e de cada fonte) do total de componentes do ar. ''A primeira medição, realizada em 1998, mostrou que 18,8% da poeira analisada tinha origem no processo de pelotização da CVRD (a transformação do pó de minério de ferro em pelotas para exportação)", conta Souza. Com esse dado em mãos, a empresa investiu US$ 37 milhões na instalação de sete equipamentos que filtram e retêm a poeira muito fina do processo de pelotização. Na segunda medição, realiAcima, veículo zada entre 1999 e 2000, os explorador de componentes derivados da Marte. Ao lado, pelotização diminuíram pao Mimos II ra 7,9% do total.
da UFES, em sua primeira etapa, quando da caracterização do material particulado. "Depois de desenvolver uma metodologia para realizar a caracterização, entramos na segunda etapa, que foi identificar a origem das fontes dos materiais': diz Souza. ''A hematita (a- Fe203)' por exemplo, está presente em diversas fontes na Grande Vitória - minério de ferro, pelotas desse minério, solos avermelhados, etc. Para determinar a sua origem foi preciso introduzir a técnica Môssbauer, que indica o local da formação da hematita presente no ar. A terceira etapa do projeto foi desenvolver uma forma de calcular o impacto de cada fonte poluidora na região urbana e resultou na criação do Modelo Receptor Inteligente, um software que processa as informações de caracterização química, mineralógica e física apresentando os dados qualitativos (quais os materiais e de que fontes) e quantitativos (o quanto de cada mate-
Rede neural - Para resolver a demora e o custo da análise do espectrômetro Mõssbauer, foi introduzida no sistema uma rede neural artificial, desenvolvida como parte da tese de mestrado de Souza, na UFES. "Esse processo de análise demora dias e demanda o trabalho de físicos experientes. Com essa rede é possível identificar os minerais automaticamente a partir de exemplos catalogados em um banco de dados': explica o físico. Paralelamente ao projeto ambiental, Souza desenvolve novas aplicações para a sonda espacial. Tanto a CST quanto a CVRD estão apoiando testes para uso do equipamento no controle de qualidade de seus produtos. "Vamos instalar o Mimos II e o Sistema de Detecção de Raios X do APXS nas usinas da Vale para verificar, em tempo real durante a produção, se as características das pelotas estão de acordo com os parâmetros de qualidade definidos pelos clientes. O mesmo será feito para analisar a qualidade do aço produzido pela CST. "Dessa forma, as empresas poderão detectar e corrigir qualquer alteração de qualidade", ressalta Souza. ''A indústria nacional, com esse projeto, torna-se pioneira no uso de sondas espaciais em suas instalações. Da mesma forma que em Marte, queremos analisar todos os detalhes dos minerais ferrosos nos nossos processos industriais." • PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 81
HUMANIDADES HISTÓRIA
DA ARTE
Ó {tO
nos trópicos Estudo pioneiro no Brasil analisa a obra do xilografista alemão Dürer que está guardada no Rio de Janeiro DÉBORA
CRIVELLARO
uem disse que as revistas adormecidas nos consultórios dos dentistas não têm outra utilidade a não ser entreter o próximo paciente? A historiadora de arte Sandra Daige Antunes Hitner tem bons argumentos para derrubar essa tese. Foi folheando um desses exemplares que um amigo seu deparou com uma reportagem sobre as gravuras inexploradas de Albrecht Dürer (1471-1528) no acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro e comentou o fato com ela. Percorrer a obra do artista influenciado pelo Renascimento que modificou a estética alemã era missão talhada para essa pesquisadora, apaixonada pelos nórdicos medievais. Nascia aí o projeto de doutorado, feito na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (ÚSP) e financiado pela FAPESP. Ele consistia em buscar a autenticidade e a antiguidade da obra do artista alemão, a maior vítima de plágios da história das artes e o xilografista mais cobiçado do mundo. Em seu mestrado, Sandra já tinha sido a primeira pesquisadora no país a investigar um patrimônio artístico com métodos de laboratório usados por restauradores, como raios X, infravermelho, ultravioleta, luz tangencial e análise química da tinta e da madeira. Para se ter uma idéia da importância de sua pesquisa, só obras periciadas dessa maneira podem figurar em catálogos internacionais, uma vez que dispõem de um laudo comprovador. No mestrado, ela havia feito esse trabalho com a obra do primitivo flamengo Hieronymus Bosch do Museu de Arte de São Paulo (Masp). Quando escolheu Dürer, a pesquisadora pensou estar diante de uma empreitada fácil. As grandes dificuldades já haviam sido vencidas com a pesquisa de Bosch, em que tudo era novidade - Sandra fez estágios em Bruxelas, Bélgica, para aprender a examinar os resultados advindos do uso dos métodos na busca da autenticidade de obras. Qual en82 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
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Anjo que tem a Chave do Abismo pertence à série Apocalipse de São João, primeiro livro de Dürer, feito quando o artista tinha 25 anos. O exemplar carioca porta marca-d'água datada do século 16, mas não apresenta texto no verso PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 83
A Circuncisão, da série A Vida da Virgem, tem marca- d'água amorfa e está sem texto atrás
tão não foi sua surpresa quando deparou com o patrimônio carioca, proveniente da Real Biblioteca portuguesa (leia mais na pág. 90). O acervo passava décadas como vítima da ignorância de seus guardiões. De acordo com um relatório explícito na tese da pesquisadora, de autoria do diretor da Biblioteca Nacional do Rio em 1876, José Zephirino Brum, as obras de Dürer estavam em péssimo estado, depositadas em gavetas, carcomidas por bichos, em ambiente não climatizado, desgastadas pela mares ia. "Imaginei que fosse encontrar só coisa boa, afinal era o acervo do rei", conta Sandra. Definitivamente, não foi o que aconteceu. Entre as xilogravuras analisadas, há muitas com baixa qualidade artística. Sandra Hitner encontrou na biblioteca 167 peças de Dürer, todas misturadas - xilogravuras (estampas de papel provenientes de matrizes esculpidas na 84 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
madeira), buris e águas-fortes (matrizes de metal). O primeiro trabalho foi se.parar uns dos outros. Concluída essa etapa, a pesquisadora deteve-se nas 91 xilogravuras que encontrou. Para começar a busca de autenticidade, era necessário estudar o material- no caso da xilogravura, o papel. Mas ela não sabia lidar com ele, pois todo seu conhecimento estava baseado no exame pericial de pinturas em madeira. arase familiarizar com o material, a historiadora tomou contato com o acervo de estampas de Dürer da Coleção Eugêne Dutuit, no Musée Petit Palais, em Paris. Depois, continuou os estudos em Nuremberg e Berlim, na Alemanha, e em Viena, na Áustria, no Albertina Museum, locais que abrigam as mais importantes coleções de Dürer do mundo. "Quase desmaiei
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quando comparei o que vi lá fora com a coleção que estava no Brasil", narra Sandra. Segundo a pesquisadora, até a cor do papel era totalmente diferente, pois a qualidade do material medieval também varia. A característica mais importante para a definição dessa qualidade, além da cor,eram os desenhos das marcas-d'água, pois, conforme o desenho que o papel porta, pode-se definir a idade e local onde foi fabricado. Observando os vários laudos dos principais acervos, Sandra pôde constatar que a coleção brasileira não era tão nobre quanto se fazia supor. As xilogravuras são estampas retiradas de uma matriz de madeira e só podem ser consideradas autênticas quando estampadas pelo mestre. Já a sua originalidade não é identificada com a autografia. É muito complicada a análise de uma xilogravura por causa dos defeitos nas impressões. Quanto mais antiga a
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Transporte da Cruz, da série A Grande Paixão: fendas, lacunas e manchas de ferrugem
matriz, mais descaracterizado fica o desenho. As peças apresentam lacunas, ficam gastas, estragadas ou alteradas pela. ação do tempo e por intempéries, como o calor e a umidade. As matrizes de madeira são atacadas por carunchos, que deixam vestígios na superfície em forma de caminhos ou orifícios e, nas impressões, denunciam-se pelos CÍrculos brancos ou marcas ovais. Os restauros feitos ao longo dos séculos destroem indícios importantes de autenticidade. Quanto mais remendos, maior é a descaracterização do desenho, o que acaba por estragar a beleza da xilogravura, que está exatamente nos traços constantes e claros.Quanto mais "nova" a impressão vai ficando mais interrompida e borrada. Há peças de Albrecht Dürer retiradas da matriz original desde o século 16 até o 19. Dominando a técnica de reconhecimento do papel medieval, Sandra par-
tiu para os outros métodos de laboratório. lncidiu luz rasante, ou tangencial, para analisar a constância das camadas de tinta. Colocou-as sob lentes microscópicas e luz ultravioleta para observar os restauros e eventuais borrões restauradores. Fotografou com filme infravermelho, para captar as marcas-d' água e as subjacências, caso houvesse. Com isso, pôde chegar a um conjunto de dados suficiente para a organização dos laudos. Apocalipse - As mais conhecidas xilo-
gravuras de Dürer são as das séries cristãs: O Apocalipse de São João, A Grande Paixão e A Vida da Virgem.
Atrás de cada uma delas havia um texto escrito por um monge beneditino. Dürer fez poucas gravuras soltas, que são raras, como forma de teste e para presentear. Mas todas continham um manuscrito atrás. Mais um motivo para descartar outras tantas gravuras
do acervo real português. Muitas delas não portavam texto no verso. Outra ausência sentida eram as marcas-d'água (filigrana) - diversas estampas não as tinham. Para completar, quando Sandra estava em Berlim, pesquisando dicionários, se deu conta de que muitas marcas-d'água do acervo brasileiro não batiam com as reconhecidas na Alemanha. Para ter certeza de que as "brasileiras" eram amorfas, foi para o Arquivo Superior Municipal de Stuttgart, o maior centro aglomerado r de filigranas da atualidade. Lá estava o fichário de Gehard Piccard, cientista que desenvolveu um minucioso trabalho com as marcas-d'água da escola alemã medieval. Durante duas semanas, a pesquisadora examinou mais de 8 mil fichas de marcas-d'água possíveis. Na comparação, confirmou a desconfiança: o acervo do Rio não fazia par com nenhum exemplar do Centro Piccard. PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 85
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São João Engolindo o Livro que o Anjo lhe Apresenta, do Apocalipse: gravura não mereceu laudo
Desde 1999, Sandra viajou uma vez por ano em busca de material comparativo. Entre outros especialistas, estabeleceu contato com o professor Matthias Mende, de Nuremberg, um dos grandes conhecedores de Dürer em todo o mundo, de quem recebeu livros fac-símiles de xilogravuras, material fundamental para dar continuidade à pesquisa. Em Berlim, onde as gravuras de Dürer estão soltas, ela teve a aquiescência dos guardadores do museu para poder fotografar o que quisesse, mesmo não sendo permitido. Também pôde tocar nas obras, para assimilar os pequenos detalhes. Findo o projeto de pesquisa da historiadora, 26, das 91 xilogravuras do acervo brasileiro, ganharam laudo de originalidade. No entanto, é possível notar em algumas delas que, embora dentro dos padrões de originalidade, ou seja, tendo sido retiradas da matriz 86 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
original de Dürer, a estampa não tem boa qualidade. "Porém, temos no acervo .diversas outras estampas originais no-
o PROJETO Investigação Historiográfica de um Patrimônio Brasileiro: As Gravuras de Albrecht Dürer Acervo da Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro MODALIDADE
Bolsa de doutorado ORIENTADOR
JOÃo EVANGELlSTA B. R. DA SILVEIRA - Escola de Comunicações e Artes da USP BOLSISTA
SANDRA DAIGE ANTUNES CORRÊA HITNER - Escola de Comunicação e Artes da USP
bres, algumas datadas com precisão", diz Sandra. A historiadora incluiu na tese de doutorado, em separado, estampas que não apresentavam clareza na análise, dispensando o laudo - elas foram catalogadas em respeito ao seu valor documental inerente. Aquelas que surpreenderam pela variação nos desenhos das marcas-d'água serão enviadas ao Centro Piccard, de Stuttgart, para catalogação. No final, fica uma pergunta: como um acervo real tem em sua coleção exemplares tão desiguais? Há a possibilidade de algumas gravuras terem sido trocadas após a saída da corte portuguesa do Brasil. Ou, quem sabe, os embaixadores do rei incumbidos de garimpar preciosidades na Europa para a Coroa não entendessem muito de arte. O fato é que há, nesse campo da História, muito a desbravar na Biblioteca Nacional. •
• HUMANIDADES
ESTÉTICA
Sem quere~ querendo Artistas modernos descobriram na força do acaso uma nova forma de fazer arte instigante e ousada m exame de DNA da obra-prima O Grande Vidro, uma das mais importantes do século 20, não revelaria apenas os genes do francês Marcel Duchamp (1887-1968), que levou oito anos para conceber seu trabalho. O estudo do genoma da obra, constituída de duas chapas imensas de vidro, decoradas com óleo e fios de chumbo, certamente indicaria também a presença marcante de "cromossomos do acaso': O cruzamento entre o gênio das artes e o destino teria ocorrido em 1926, durante o transporte da obra para uma galeria em Nova York.No meio do caminho, o vidro se quebrou e espalhou fissuras pelas figuras criadas meticulosamente por Duchamp. Em vez de decretar a morte acidental da obra, ele preferiu emprestar o procedimento. Chamou o imprevisto de parceiro e decretou o trabalho "definitivamente inacabado". "Não só aceitou a transformação como admitiu o acaso como elemento do processo criativo", explica Ronaldo Entler, autor da tese de doutorado Poéticas do Aca-
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so: Acidentes e Encontros na Criação Artística, defendida na Escola de Co-
municações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Em seu trabalho, o pesquisador analisa a trilha de Duchamp e seu impacto no caminho de vários outros artistas, como Iohn Cage, Ligia Clark, Nam [une Paik, o novato bra-
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Grande Vidro, de Duchamp: artista encontrou um novo caminho para sua expressão artística PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 87
sileiro Carlos Fadon Vicente e o grupo Novo Realismo - movimento francês que se formou no final dos anos 50. O ponto de encontro desses artistas, segundo Entler, é uma abertura para a experimentação, o que proporciona um diálogo do criador com outras forças produtivas. "Foram analisados trabalhos em que o artista aceita o acaso conscientemente e sabe que ele é um operador de suas obras. É nesse espaço que se situam as poéticas do acaso", justifica. "Mas, assim como em muitas investidas da arte contemporânea, essa situação não deixa de abalar referências que nos têm servido para definir os limites da arte." A ruptura mais significativa proposta por esses poeta francês artistas é aquela que lança .i-;:;"~,"""," ~Z,',,' Mallarmé (acima) o sujeito - tanto o artista e o compositor ", ~,c. ,\1 como o espectador - para ""'-• . ~ "!'j norte-americano uma posição menos totaliJohn Cage: abertura tária em relação à arte. ''A para a experimentar experiência estética deixa de e usar as forças do ser exclusivamente a maacaso na criação nifestação de um saber ou de forma consciente um sentimento, e se assume e trabalhada como um universo pleno de movimentos, onde esse sujeito age ao mesmo tempo em que se transforma", observa. Considerar o acaso como parte do processo de criação não significa que o artista seja manipulado pela natucomo fruto do domínio absoluto de reza, como sugerem alguns, alerta o um criador em estado pleno de inspipesquisador. "O acaso é um elemento ração e eficiência. A arte esteve sempre rico por que o artista flexibiliza seu associada a um saber fazer e era consiprojeto e aceita confrontar-se com o derada como resultado de uma intendesconhecido. São interferências de ção e não de um acidente. A partir das um outro sujeito que não se denomiexperiências realizadas no contexto das na artista ou de um fenômeno da navanguardas artísticas, porém, é inevitureza ou, ainda, que vem de um apatável questionar essa visão tradicional rato tecnológico, como contribuição. da arte", afirma. Isso exige da parte do artista uma cerA pesquisa faz um recorte em três ta humildade e a quebra do egocencategorias de trabalho que se defrontrismo que o Romantismo construiu", tam com a arte conservadora por meio analisa. do acaso. O primeiro é um desvio da Mas, apesar de todas as revoluções matéria-prima, no qual os criadores reestéticas, a arte ainda é vista com um funcionalizam materiais, abandonanviés conservador, sem abertura para do a idéia clássica de que o pintor usa quedas de telhas. ''Até hoje a arte é tida tinta e o escultor, o mármore. São ar-
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88 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
tis tas que decidem alterar o destino de uma matéria que não foi feita para aquilo. "Eles reciclam ou confrontam ferramentas inusitadas", diz. Seu objeto de estudo foi o grupo francês Novo Realismo. A segunda categoria é a de artistas que usam o acaso no processo de criação. Alguns chegam a sortear objetos ou elementos que vão indicar os caminhos da obra. Esse é o caso de Iohn Cage (1912-1992), que usava o I-Ching para decidir a seqüência rítmica ou melódica que usaria em determinada música. Entler recorreu também a um dos temas do momento: a interatividade. Estudou o artista brasileiro Carlos Fadon Vicente, fotógrafo que criou um programa de computador que faz o software errar. "Ele age como se fosse um vírus, que dá uma certa autonomia à obra. Ou seja, o acaso está nitidamente dentro de um programa. Quando ele põe o software em andamento, o artista não sabe no que vai dar. A máquina é uma co-autora", sustenta. Uma terceira via é a da obra aberta. Ou seja, quando o artista deixa um espaço de liberdade para que o público reconfigure a obra de arte. O melhor exemplo é o trabalho da brasileira Ligia Clark (1920-1988), que foi se aprofundando, por exemplo, no uso de objetos articulados, como os chamados Bichos. "Ligia fazia obras para serem manipuladas pelo público e ela mesma não sabia no que ia dar. Ela deixava até de se denominar artista e passava a se chamar propositora, tamanha a abertura que ela dava a essas obras. A obra virava o próprio processo", afirma. Entler chama a atenção, entretanto, que a produção artística de forma geral, independentemente da escola, sempre se realiza num jogo entre contingências e necessidades: as primeiras conduzem o processo à diversidade e as segundas, à eficiência. ''Algumas transformações históricas da arte podem ser pensadas pelo viés da tensão entre uma parte e
outra", explica. "É estranho que, apesar disso, a discussão sobre a arte sempre se fechou para o acaso. Tento evitar cair num jogo retórico para dizer que o acaso está essencialmente na própria arte e não apenas em que o transforme num elemento criativo",continua. sseconceito da arte como uma expressão da subjetividade do artista ganhou força no Romantismo. Foi durante esse período que se criou uma imagem de que a arte ia sendo sempre controlada e orientada pelo sentimento do artista, com uma determinação ainda mais profundamente sua. "Seja pela capacidade de operar um conhecimento em busca de uma imitação da natureza, seja pela sensibilidade que lhe permite projetar seus sentimentos na obra, o artista ainda permanece um ser dotado de uma capacidade incomum", explica Ronaldo Entler. "E a criação parece ocorrer, segundo tais concepções, num movimento linear que é a transferência desse conhecimento ou desse sentimento para a obra, sem espaço para interferências externas", prossegue. No Renascimento, movimento anterior ao Romantismo, a arte adquiriu um valor específico e conquistou a aura de belas artes. Mesmo assim, continuou sendo uma atividade desenvolvida com sagacidade e um objetivo definido: "a representação da natureza, dentro de um certo ideal de realismo': diz o autor. O conceito clássico da arte é definido, portanto, por uma certa habilidade e eficiência do artista de executar· sua produção artística. Na Grécia não havia propriamente um conceito de arte, mas de técnica (techné). Fazer com arte era fazer com precisão técnica. Mas PIatão foi, na maior parte de sua obra, avesso à arte. "Ele a considerava uma atividade menor, manual, enganadora na sua proposta de 'imitar'. Para Platão, a arte era imperfeita por natureza, porque não tocava a essência das coisas", explica Entler. "Essa perfeição teria uma relação com a habilidade técnica, não com uma noção mais filosófica de perfeição. Era, assim, o poder de exercer sua vontade numa ação criadora, situação oposta às determinações do acaso", observa.
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o PROJETO Poéticas do Acaso: Acidentes e Encontros na Criação Artística MOOALIOADE
Bolsa de doutorado ORIENTADO
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JULIO PLAZA - Escola de Comunicações e Artes da USP BOLSISTA
RONALDOENTLER - Escola de Comunicações e Artes da USP
O controle é o elemento definidor da concepção de arte que permanece presente no imaginário coletivo até hoje, sugere o pesquisador. À obra de arte, está ainda associada a dificuldade de execução, "uma forte referência para julgamentos cotidianos de uma qualidade artística", compara. No fim do século 19 , entretanto, o acaso começou a ganhar espaço nas artes plásticas. É possível identificar rápidas pinceladas dos impressionistas ou no aparente aspecto inacabado das esculturas de Auguste Rodin (18401917) ou de Medardo Rosso (18581928). O acaso, contudo, ganhou forma e força apenas nas vanguardas européias do início do século 20, em especial no dadaísmo. No interior desse movimento, a presença do acaso não é apenas um paradoxo. "Ela se tor-
na uma estratégia fundamental para a caracterização do que foi chamado de uma anti-arte'; comenta o autor. O poeta francês Stephan Mallarmé (1842-1898) é considerado um desbravador. No fim do século 19, publicou Um Lance de Dados, poema que permitia várias possibilidades de leitura por sua disposição de forma não linear nas páginas. O poema adquire, assim, um caráter cíclico. No início está escrito, "Um lance de dados jamais abolirá o acaso". Esse verso só será recuperado no final. "Todo pensamento emite um lance de dados!" "Eu procuro o poema como um mistério em que o leitor deve procurar a chave", justificou o poeta. O pensamento de Mallarmé atravessou quase todas as experiências que, no século 20, fizeram algum tipo de referência ao acaso. São discípulos dele os concretistas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari. Foi a partir do século 19 que alguns fenômenos, tanto no campo conceitual quanto no instrumental, vieram flexibilizar o papel do controle e da dificuldade da execução na definição do valor estético. "O mais importante não é buscar a possibilidade de uma expressividade do acaso, e fazê-lo caber forçosamente nos valores tradicionais da arte, mas sim perceber que a arte se transformou, e que talvez já não se pretenda ser como queriam os românticos", conclui o autor. •
Caranguejo, de Lygia Clark: público pode mexer na obra
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mentos. A pesquisa durou quatro anos e exigiu que a antropóloga fosse duas vezes à Portugal, onde permaneceu um mês em média. Nas viagens, ela buscou informações na Torre do Tombo, na Biblioteca Nacional e na Da Ajuda. O livro começa com o terremoto seguido de incêndio que aterrorizou Lisboa numa pacata manhã do feriado de 10 de novembro, Dia de Todos os Santos. Por causa dele, veio abaixo a Real Biblioteca, no Paço da Ribeira, meninados-olhos da Coroa portuguesa, que lá acumulava 70 mil volumes, depositados em estantes de nogueira, instaladas em salas de mármore. Lilia descreve no livro que o fogo foi impiedoso com os papéis secularmente acumulados e repetiu a sina de uma série de bibliotecas, como a de Alexandria, que terminou decomposta em chamas. Entre os tesouros estavam a Bíblia impressa em Mogúncia de 1462 e estudos de Rafael, Michelangelo e Rubens. A destruição da biblioteca régia foi uma grande perda. Era tida como uma das grandes da Europa, repleta de peças raras. E representava, mais do que um patrimônio cultural, a auto-afirmação de um país carente, visivelmente afastado do resto da Europa. Ela expressava uma obsessão dos monarcas pelos livros, ou, pelo menos, pelas vantagens políticas, sociais e simbólicas que um acervo como aquele representava, e funcionava como o adorno principal do reino. A tradição de aquinhoar livros Rio panorâmico: gravura mostra vista completa
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Antes do terremoto:
azulejos retratam
começou com o monarca Dom João II e tomou proporções grandiosas com Dom João V Ele mandava comprar bibliotecas inteiras no estrangeiro, coleções particulares e preciosidades encaradas como troféus. Tudo era adquirido com o ouro brasileiro. O acervo não possuía só um rico conjunto de livros e manuscritos, mas preciosas coleções iconográficas de estampas européias. O fato de terem uma senhora biblioteca não significava que os portugueses tivessem acesso a ela ou mesmo gostassem de ler. Estrangeiros anunciavam aos quatro ventos diversas caractçrísticas que faziam de Portugal um país tacanho, não condizente com o tamanho do seu acervo cultural. Mas o desapego
comércio no século 17
às letras era bem disfarçado. Lilia narra que membros da corte gostavam de usar óculos, na tentativa de ostentar o gosto pela leitura. Tamanha jóia para a auto-estima da Coroa, a biblioteca real foi refeita logo após o terremoto - sua reconstrução estava incluída entre as tarefas emergenciais do plano de reconstrução do Marquês de Pombal. Foram comprados acervos privados, requisitadas coleções esquecidas em mosteiros e abandonadas às pressas pelos jesuítas (expulsos por Pombal), generosas doações foram feitas. O real acervo português foi dividido em dois: a Real Biblioteca, no Paço da Ajuda, e a Real Biblioteca Pública. Uma grande aquisição foi a coleção do
A volta à terrinha: Portugal cobrou caro para deixar a biblioteca
abade Diogo Barbosa Machado, que entregou seu patrimônio com 4.301 obras em troca de uma polpuda pensão para ele e para as pessoas que sustentava. Foi o Iluminismo que norteou a escolha dos livros, mas um Iluminismo à moda portuguesa, limitado pelo crivo da Inquisição, No Portugal pombalino, novos modelos de pensamento debatiam-se com as mentalidades tradicionais e isso foi expresso na reconstrução do acervo real. Lilia conta com detalhes a reconstrução da biblioteca, deixando exposta sua formação de antropóloga, buscando o sentido simbólico dessa reconstituição. Foi esse rico acervo, cheio de livros, documentos e gravuras, que veio com a família real para o Brasil, em novembro
de 1807. Ou melhor, deveria ter vindo. A biblioteca real, toda encaixotada, foi esquecida no porto, tamanho a pressa da corte para seguir rumo às seguras terras brasileiras. As caixas lá ficaram, castigadas por sol e chuva, até serem recolhidas novamente na Ajuda. Três viagens foram necessárias para trazer toda a coleção, em 1810 e 181l. Engana-se quem imagina que a ilustração só chegou ao Brasil com o desembarque do valioso patrimônio. "É ilusório pensar que só se começou a ler com a chegada da corte': conta Lilia. Segundo ela, pequena parte da população já tinha o hábito da leitura e sorvia títulos vindos de Portugal e da França.Mesmo assim, sua obra, afirma, serve para rea-
firmar aquilo que Sérgio Buarque de Holanda chamava de "cultura do lustro": o governo não se preocupava com o analfabetismo da população, contanto que o saber estivesse devidamente guardado em imponentes bibliotecas. A autora conta como foi a venda da biblioteca para o Brasil. Para Dom Pedro I era muito importante que ela ficasse aqui, para envernizar uma terra que era tida como selvagem e tosca, tropical demais para abrigar o saber. Na conta dos objetos que Portugal teria direito de reclamar ao Brasil, a biblioteca era o segundo item da Convenção Adicional do Tratado de Paz e Amizade de 29 de agosto de 1825, em que Dom Pedro I concordava em indenizar a família real portuguesa, 12,5% do valor depositado, atrás apenas do pagamento de metade da dívida pública até 1817. Lilia reconhece que, ao tentar contar a trajetória da biblioteca, entrou em outras searas, investigando a história do Portugal daquela época. Discute-se o conceito de biblioteca, do mesmo modo que se conta em detalhes a era pombalina. Gastam-se capítulos para explicar a história portuguesa. "Tive de mostrar todo o contexto, mas, em vez de narrar a grande história, fiquei na micro-história", analisa a antropóloga. A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis está rendendo frutos. Devem ser lançados no primeiro semestre do ano que vem um CD-ROM da Biblioteca Nacional e um livro de arte, com cerca de 600 imagens, acompanhadas de legendas técnicas e explicativas. •
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RESENHA
o retorno do irmão branco Nove ensaios buscam redimensionar o pensamento dos povos indígenas da Amazônia LUCRÉCIA
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orno se dá o encontro com o desconhecido quando, na verdade, apenas retornamos de onde saímos? Os índios sempre estiveram aqui. Os brancos, ou os irmãos mais novos, é que foram embora. A descoberta de um índio por um branco está marcada por uma tênue ligação de parentesco. Os índios viam nesse reencontro uma possibilidade de autotransfiguração, de troca, de alteridade. A reaproximação foi marcada porém pela traição e imposição da identidade do europeu sobre o índio. O "parente longínquo bastardo" que, pela força opressiva da linguagem jesuítica, contribuiu para desestruturar povos como os tupinambás. O desencanto dos missionários se deve à receptividade inconstante ao discurso europeu. Muitos povos indígenas, geralmente dotados de um ceticismo indomável, eram apontados como "levianos". Faziam concessões irrelevantes como a alma, que permitia a obtenção de bens preciosos, como instrumentos de ferro ou simplesmente a tranqüilidade, mas que aos poucos gerou mudanças culturais profundas e irreversíveis nos povos nativos. A Inconstância da Alma Selvagem é uma coletânea de nove ensaios do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. À exceção do último capítulo, o inédito "Xamanismo e Sacrifício",todos os textos foram reformulados, num projeto gráfico de alta qualidade. Professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1978, Viveiros de Castro tem seu ponto de partida nos povos Yawalapíti - que habitam o Parque Indígena do Xingu - e os Araweté, que vivem no sul do Pará. Os Yawalapíti foram tema de sua dissertação de mestrado, e os Araweté, de sua tese de doutorado. No final do livro, Viveiros concede uma entrevista onde elucida em linhas simples sua trajetória na antropologia, a influência do estruturalismo de Lévy-Strauss em seu trabalho e práticas indígenas enigmáticas, como o xamanismo e a antropofagia. O tema recorrente nos nove ensaios é a busca de redimensionar o pensamento dos povos indígenas 94 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
amazônicos. Viveiros de Castro faz reflexões sobre temas clássicos da antropologia, como parentesco e cosmologia. Eduardo Viveiros de Castro Sua intuição é certeira: a linguagem produz e reproduz o Editora Cosac & Naify pensamento. Para entender o pensamento indígena, por 552 páginas que não fazer um registro das R$ 45,00 variadas narrativas ou línguas dos índios? Essa atividade normativa revelaria o poder da linguagem e o grau de ligação entre distintos povos nativos, que se estendem pela América do Sul. O autor é fortemente influenciado em seus estudos por Lévi-Strauss, que tematiza a corporeidade em seu livro Mitológicas. No Xingu, é no corpo que se imprimem questões de ordem abstrata ou espiritual por meio de remédios, escarificações ou infusões. Para os índios, a realidade emerge da experiência çoncreta. E o corpo humano é o próprio paradigma da expressão e representação. O sensorial sempre regeu o universo indígena. Ao considerar o abandono desse "código dos cinco sentidos", formulado por Strauss, Viveiros de Castro remete à "origem da vida breve" no ensaio "O Mármore e a Murta: Sobre a Inconstância da Alma Selvagem':Na mitologia tupi, a má escolha feita pelos índios teria provocado sua mortalidade ou a permanência dos índios na floresta,junto às mortes e às doenças. A superioridade material dos brancos explica-se no plano mítico. O regresso dos brancos também é visto como uma necessidade lógica, pois, na estrutura do pensamento dicotômico indígena, nós, os brancos, fazemos o papel dos outros, ou da contraposição, o que ajuda a justificar a condição de sua existência. O livro traz um enfoque inédito da antropologia brasileira. Em A Inconstância da Alma Selvagem, as estruturas binárias de pensamento não são um modelo finalizado, transparente e simétrico. Viveiros de Castro demonstra como o pensamento indígena é complexo, que se alinha num desequilíbrio perpétuo, em constante renovação. A Inconstância
da
Alma Selvagem
LUCRÉCIA ZAPPI
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é jornalista.
LIVROS
REVISTAS
Natureza e Ilustração: Sobre o Materialismo de Diderot Editora Unesp Maria das Graças de Souza 180 páginas 1 R$ 20,00 Este é um livro complexo que tenta dar conta de um pensamento que é igualmente complexo e multiforme: a concepção materialista presente nas idéias do filósofo francês Diderot, mais conhecido por sua participação na Enciclopédia iluminista. Segundo a autora, em seus escritos, ele combinou Espinosa e a filosofia empirista do século 18 para chegar a um materialismo que privilegia matéria e energia, como definidores do "grande todo", descartando, nessa cosmologia, os ideais de criação, acaso e teologia.
Das Ervas Medicinais à Fitoterapia Ateliê Editorial/FAPESP Melvina Araújo 158 páginas 1 R$ 21,00 O mote do "médico e louco todos temos um pouco" sempre foi visto como um mal a ser combatido. Daí a ousadia deste livro, uma pesquisa da medicina popular e do tratamento de saúde doméstico. Com um estudo realizado em Londrina, no Paraná, a autora fez uma análise social de como o uso de remédios fitoterápicos (tratamentos baseados no uso de plantas para combater moléstias) precisa ~er entendido em seu contexto histórico-cultural e de que forma ele pode nos ensinar como compreender a população.
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lá vem o meu parente as irmandades de pretos e paniosnoRlodeJaneimeem Pemambuco (século XVIII)
Lá Vem o Meu Parente: As Irmandades de Pretos e Pardos no Rio de Janeiro e Pernambuco do Século 18
Revista de Antropologia Volume 45 - Número 1 Revista
A publicação semestral do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo traz em seu primeiro número deste ano os seguintes artigos: "A Variação Mítica como Reflexão", de Oscar Calávia Sáez; "Os Sentidos no Espetáculo", de Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti; "Antropofagia Ritual e Identidade Cultural entre os Tupinambá", de Adone Agnolin; "A Era da Frustração: Melancolia, Contra-Utopia e Violência em 'Clube da Luta''', de Paulo Jorge Ribeiro; "Em Louvor do Cosmopolita Irônico: Nacionalismo, o 'Judeu Errante' e a Cidade Pós-Nacional", de Nigel Rapport; "Rituaes e Festas Bororo: A Construção da Imagem do Índio como 'Selvagem' na Comissão Rondon", de Fernando de Tacca. de
Antropologia
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Revista de Saúde Pública Volume 36 - Número 8 - Outubro 2002
Este número da revista, editada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, publicada bimestralmente, tem um artigo especial, "Salud Pública, Genética y Ética", de Miguel H. Kottow, e 11 outros artigos de pesquisadores brasileiros, argentinos e chilenos. Todos os textos estão na língua original e, também, vertidos para o inglês. Alguns artigos, entre outros: "Prevalencia de Microorganismos Asociados a Secreción Genital Femenina, Argentina"; "Perfil dos Acidentes de Trabalho em Refinaria de Petróleo" e "Condições Periodontais e Diabetes Mellitus na População Brasileira".
Cadernos AEL: Tempos de Ditadura
Editora Annablume/FAPESP Antonia Aparecida Quintão 230 páginas 1 R$ 20,00 Uma pesquisa inovadora sobre a chamada vida associativa. Neste e em Irmandades Negras: Outro Espaço de Luta e Resistência (Annablume/Eé.Pffil', 155 páginas, R$ 20,00), a autora, a partir de um estudo nos arquivos históricos, faz um levantamento de como funcionavam e qual a importância das irmandades religiosas negras do século 18. Um lugar de sociabilidade necessária, essas congregações foram um foco de resistência e sobrevivência no Brasil escravista.
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Número 14/15
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A revista editada pelo Arquivo Edgard Leuenroth, da Unicamp, traz em seu número mais recente um dossiê sobre o desenvolvimento da ditadura militar, do golpe de 1964 até os anos 70. São uma série
de artigos que tratam do tema, entre estes: "O Partido Comunista do Brasil nos Anos 60: Estruturação Orgânica e Atuação Política", de Iean Rodrigues Sales; "Lamarca e Iara", de Alex Barros Cassal; "Povo, Revolução e Brasil por Dias Gomes", de Paulo Renato da Silva. PESQUISA FAPESP 83 • JANEIRO DE 2003 • 95
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CLASSIFICADOS
www.revistapesquisa.fapesp.br
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IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Instituto Plástico biodegradável
leva à cura
o uso de plásticos biodegradáveis para liberação controlada de princípios ativos farmacêuticos já é realidade.A tecnologia foi desenvolvida pelo IPT. O processo prevê a produção de micropartículas a partir de suspensões aquosas de polímeros biodegradáveis, capazes de incorporar princípios ativos por meio de microencapsulação. Esses sistemas permitem a liberação controlada desses princípios ativos para aplicações farmacêuticas, veterinárias, cosméticas e agroquímicas, entre outras. O projeto, desenvolvido com apoio da Fapesp, está aberto a possíveis parcerias no campo tecnológico. Contatos podem ser feitos com Maria Inês Ré: mire@ipt.br.
Universidade Federal de Ouro Preto
de Física de São Carlos
A Universidade de São Paulo tem grande interesse em receber projetos de recém-doutores, tanto em Pós-Doutorado como no Programa de Jovens Pesquisadores da FAPESP. Condições especiais de trabalho, incluindo acesso à infra-estrutura de pesquisa da maior Universidade brasileira, contrapartida financeira ao apoio de agências de fomento e assistência médica, são oferecidas aos interessados. Entre as Unidades particularmente interessadas está o Instituto de Física de São Carlos. Centro que abriga em seu quadro biólogos, engenheiros, físicos, especialistas em computação e químicos, e com grande tradição em Física da Matéria Condensada, Biologia Molecular e Ciência dos Materiais, o IFSC reúne condições ideais para candidatos interessados em trabalhar em um ambiente de pesquisa interdisciplinar. Para mais informações sobre o IFSC ou outras Unidades da USP, entre em contato com a Pró-Reitoria de Pesquisa. Endereços e telefones podem ser encontrados em nossa página: www.usp.br/prp A Pró-Reitoria pode ajudá-lo a escolher o melhor centro para seu trabalho de pesquisa.
Mestrado em Ciências Biológicas Curso de mestrado integra o Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas do Núcleo de Pesquisas em Ciências Biológicas ( upeb) da UFOP.
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Área de Concentração: Imunobiologia de Protozoários Bioquímica Estrutural e Fisiológica Biologia Molecular Inscrições: até 20101/2003 Seleção: 3 a 5 de fevereiro de 2003 Início das aulas: 17 de março de 2003 Mais informações: www.ufop.br/posgrad/curposgrad/mestrado/ciencbio.htm
nupeb@ufop.br ou rlbrand@nupeb.ufop.br Telefones: (31) 3559-1680/1723
96 • JANEIRO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 83
Engenharia Química em bom português Lançado recentemente, o livro Cristalização envolveu parcerias entre instituições de pesquisa e empresas.A obra disponibiliza informação técnica em português, para ensino e pesquisa na área de Engenharia Química. É uma edição conjunta do IPT e da Editora da Universidade Federal de São Carlos.A autoria é dos pesquisadores Marco Giulietti, do IPT e professor adjunto da UFSCar, em parceria com Jaroslav Nrvlt e Jiri Hostornsky, do Instituto de Química Inorgânica da Academia Tcheca de Ciências. O livro pode ser adquirido na livraria do IPT (citec@ipt.br) ou na Editora da Universidade Federal de São Carlos (edufscar@power.ufscar.br)
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Universidade Federal de Pelotas
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Universidade Federal Fluminense
o processo de seleção para o mestrado e doutorado será realizado em 10 e 11 de março de 2003
Mestrado em Ciências Médicas da Universidade Federal Fluminense
Áreas de concentração: Epidemiologia dos Serviços de Saúde, Saúde e nutrição da criança e do adolescente, Saúde e nutrição do adulto e Saúde ambiental e ocupacional.
Inscrições até final de janeiro
As inscrições estarão abertas entre 20 e 31 de janeiro de 2003 para profissionais da área de saúde.
O mestra do é reconhecido pela Capes e tem duas áreas de concentração:
Mais informações: Secretariade Pós-Graduaçãoda UFPel Telefone:(53) 271-2442 e-mail:secretaria@epidemio-ufpel.org.br
1.
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Qualidade: ensaios e análises
o IPT está capacitado para realizar mais de 2.400 tipos de ensaios e análises padronizados. Oferece quantidade ainda maior de ensaios sob encomenda. Mobiliza e coloca à disposição do mercado uma rede com 69 laboratórios, muitos deles com Certificado de Sistema da Qualidade ISO 9002. Empresas que buscam qualidade e competitividade encontram soluções tecnológicas no site www.ipt.brlservicos/ensaios
Medicina: aceitam-se candidatos médicos, com pré-requisito de residência médica, especialização ou cinco anos de docência em medicina; aceitam-se candidatos de quaisquer especialidades médicas. Os candidatos deverão entrar em uma linha de pesquisa do curso. Há, no momento, 15 linhas de pesquisa.
2. Ciências da Saúde: aceitam-se candidatos com curso de graduação em qualquer área do conhecimento, desde que interessados em realizar pesquisa médica. Assim, aceitamse profissionais da área de saúde, biólogos,engenheiros,físicos, químicos, educadores, profissionais da área de humanas, tecnológica e demais profissionais. A exigência é que o candidato entre numa das 15 linhas de pesquisa do curso. O processo seletivo depende da aceitação do candidato por um dos orienta dores do curso, sua adaptação à linha de pesquisa e aprovação do projeto a ser proposto. Maisinformações: http://www.uff.br/editais ccmappg@vm.uff.br Telefones:(21) 2620-5167/5064/5856. Assessoriade Pesquisae Pós-Graduação do Centro de Ciências MédicasUniversidadeFederalFluminense
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
Tecnologia delivery
IPT Instituto de Pesquisas Tecnológicas
O Projeto de Unidades Móveis de Atendimento Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas (Prumo) é inovador. Leva tecnologia às pequenas empresas, particularmente nos setores de plásticos e tratamento de superfície. O projeto desenvolveu-se inicialmente com apoio da Fapesp, Sebrae/SP e Instituto Nacional do Plástico. Nele, vans com equipamentos laboratoriais transportáveis e operadas por um engenheiro e um técnico realizam atendimento no chão-de-fábrica para micro e pequenas empresas. Diagnosticam problemas, sugerem e implementam soluções no prazo médio de dois dias. Agora, com recursos repassados pela Finep, estendeu-se o atendimento a diversos estados do Nordeste. Contatos com Vicente Mazzarella: mazza@ipt.br
Túnel de vento O IPT disponibiliza serviços em túnel de vento de camada limite atmosférica. De concepção moderna, o equipamento foi projetado por equipes do Instituto com apoio da Fapesp. Realiza testes com modelos físicos em escala reduzida. Gera dois perfis de velocidade, chegando à máxima de 28 metros por segundo. Num deles podem-se fazer testes aerodinâmicos de protótipos para indústrias automobilística e aeronáutica. No outro simulam-se cargas de vento em obras civis ou deslocamentos de poluição na atmosfera. Contatos com Marcos Tadeu Pereira: marcostp@ipt.br
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CLAUDIUS
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Iniciado em 1997, SciElO é produto de projeto cooperativo entre a FAPESP, a BIREME/OPAS/OMS e editores científicos. A partir de 2002 conta também com o apoio do CNPq Adote a SciElO como 'sua biblioteca científica •..,
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