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Ciência e Tecnologia no Brasil www.revistapesquisa.fapesp.br
SEÇÕES
REPORTAGENS
CARTAS
.5
CARTA DO EDITOR
7
MEMÓRIA 8 Há 140 anos nascia a Escola Tropicalista Baiana
ESTRATÉGIA Compromisso de renovar a ciência Importar talentos tem seu preço Polêmica mobiliza cientistas na China Clonagem pode salvar guepardos ICSU inaugura fórum de debates Applied Biosystems demite funcionários Ciência na Web A Europa contra endemias na África
.10 .10 .10 11 .11 11 .12 .12
CAPA
FOMENTO
Pesquisadores desvendam a peculiar forma de comunicação dos muriquis, macacos típicos da Mata Atlântica ......•.. .34
CN Pq ampl ia número de bolsas para reforçar C& T regional ... 27
GENÔMICA
POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
o. Sigilo contra armas biológicas Herbário digital on-line Governar em parceria Novos prazos para bolsas Mais recursos para a capacitação Novo modelo de desenvolvimentopara S P Mais recursos para a capacitação FAPESP firma acordo com o INRIA Rezende assume comando da Finep Nova edição do Péter Murányi A hora e vez do camarão-branco Tecnologia para a biodiversidade
12 .13 13 13 14 .14 14 .14 .15 .15 .15 .15
CIÊNCIA Linhagem da Xy/ella que ataca a uva compartilha 98% . dos genes com a cepa que infecta a laranja
CITRICULTURA
40
ASTRO FÍSICA Variações de temperatura mostram o Universo há 13 bilhões de anos
42
NANOTECNOLOGIA Morte súbita dos citros CMSC) dizima pomares 16
PUBLICAÇÃO LABORATÓRIO Antioxidantes contra fungos
.30
Livro resume conhecimento sobre a biodiversidade
22
MEIO AMBIENTE Grupo interministerial avalia produção de transgênicos .....
24
BIBLIOTECA ELETRÔNICA ProBE cumpre missão e encerra atividades
25
Nanotubos de carbono deslizam quase sem atrito
....
Impurezas explicam as distâncias entre os átomos de nanofios de ouro
46
49
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 3
Pesquisa -----------------------------F~~----------~-----------------------------------------Ciência e Tecnologia no Brasil
,
SECÕES Dolly vai para o museu A respiração dos insetos A fórmula do canto dos pássaros Bactéria da peste resiste a antibióticos O mais novo estado da matéria Informações sigilosas em discos descartados Proteína indica evolução de tumor
REPORTAGENS .30 .30 .31 .31 .31 .31 .32
ANÁLISE QUÍMICA
ENTREVISTA
Novo equipamento vai reduzir o tempo e avaliação de substâncias orgânicas .....
ENERGIA Pesquisadores gaúchos desenvolvem células solares mais produtivas
ENGENHARIA
Vacina contra a esquistossomose O berço dos dinossauros anões Ospredadores da lagarta-de-fogo Imagens raras
.32 .32 .33 .33
SCIELO NOTÍCIAS
70
LINHA DE PRODUÇÃO Mostradores mais brilhantes Luz focada em campo remoto Laboratório contra a guerra química Imagens vistas em tempo real Suporte estabiliza polegar deformado Parceria em mídia digital Dez anos em órbita Sensores de gases mais eficientes Equipamentos disponíveis Carne bovina com menos gordura
Parceria entre IBM e USP Patentes
72 .72 73 .73 73 73 .74 74 74 74
.75 .75
RESENHA 110 Interfaces - Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva. Regina Maria Barbosa, Estela Maria Leão de Aquino, Maria Luiza Heilborn e Elza Berquó (orqanlzadoras) LANÇAMENTOS
111
CLASSIFICADOS
112
ARTE FINAL Claudius
114
4 • MARÇODE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
88
DE MATERIAIS
Produto dá mais resistência às lanternas sinalizadoras das asas dos aviões da Embraer 92
Marcello Damy de Souza Santos
50
ROBÓTICA Pesquisadores estudam como corrigir falhas em robôs industriais
ESPECIAl: EDUCAÇÃO, CIENCIA E DESENVOLVIMENTO Carlos Vogt Roberto Amaral João Carlos de Souza Meirelles Gabriel Chalita Carlos Henrique de Brito Cruz Sergio M. Rezende
90
94
.58
60 62 64 : .. 66
68
TECNOLOGIA
HUMANIDADES
SOCIOLOGIA Banco de dados montado pela Fundação Seade consolida informações sobre a identidade social feminina no Estado de São Paulo
98
ANTROPOLOGIA
AGROPECUÁRIA
Embrapa comemora 30 anos de desenvolvimento tecnológico
Estudo reúne as visões conflitantes de Gilberto Freyre e Nelson Rodrigues sobre a formação caseira do brasileiro 102 76
ECONOMIA QUÍMICA Pesquisadores produzem novos medicamentos para combater a doença de Chagas 83
SAÚDE O uso de bactérias na formulação de bioinseticidas é a novidade no combate à dengue 86
Tese esmiuça as mudanças pelas quais o Banco do Brasil passou nos últimos anos, entre a dualidade de dar conta do mercado e, ao mesmo tempo, ser caixa do governo 106 Capa: Hélio de Almeida Foto: Miguel Boyayan
cartas@fapesp.br
Mapa da exclusão
São Paulo. realizado
Sou jornalista
e trabalho
a Companhia
atual-
mente na rádio CBN. Recentemente,
do Estado
folheando
Gostaria
revistas
tomei contato e fiquei
em uma livraria,
com Pesquisa FAPESP
bastante
impressionado.
Esse monitoramento de Saneamento de São Paulo
de comentar,
Básico (Sabesp).
como gerente
desse projeto, alguns pontos empresas
A
é
desde o início de 2000 para
que prestam
sobre as
esse tipo de
edição em questão é a que traz na capa a matéria "A exclusão reconhecida",
serviço na reportagem intitulada "Águas controladas": 1) A experiên-
assinada
cia conjunta
tagens
por Cláudia
Izique. Repor-
interessantes,
ção, material trabalho
gráfico
realmente
caprichado.
merece destaque pela belo
texto, relevância e atualidade política do tema. "A insulina do fígado" chama a atenção
pelo ineditismo.
"Os limi-
do sistema
que, dependendo
Água
les em um coluna
Sobre a reportagem "Águas contro-
tem
do tipo
de sonda multiparâmetro res utilizados
"A exclusão re-
e a Sa-
entre a Videosan
na operação
mostrado
O
merece congratu-
lações. A reportagem conhecida"
besp
bela apresenta-
ou senso-
para fazer a leitura dedeterminado
d'água,
ponto
é necessária
da
a estabi-
ladas'; de Pesquisa FAPESP nv 83, es-
lização dessa leitura. Os sensores de potencial redox das marcas Hydro-
clarecemos
lab e Yelowsprings
(YSI) necessitam
de apuração e pelo texto elegante, que conseguiu ordenar grande quan-
referido pelo professor Tundisi está em
dessa estabilização.
É observado
desenvolvimento
tidade de informação
gia Inovadora por José Dion de Melo Teles, Reynaldo Arcirio e Tarquinio R. de Melo Teles, com a supervisão
no fundo dos reservatórios, onde geralmente esse parâmetro apresenta va-
tes do mar", pelo excelente
ta fácil
trabalho
com uma escri-
de ser acompanhada.
No
mais, toda a revista está de parabéns. Continuem
assim. RAFAEL ALvES PEREIRA
Jornalista e mais novo leitor de Pesquisa FAPESP São Paulo, SP
que o sistema integrador
científica dos professores Tundisi, do IIE, e Sven Iõrgensen, do ILEC, Dinamarca. Este sistema integrador,
cultad de Ciencias Veterinarias
de Ia
del Nordeste,
Universidad
Nacional
terminando
meu doutorado
no Bra-
sil, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Iaboticabal, e tenho contato
Pesquisa FA-
com a revista
esta empresa,
por determinação
Uma vez
para sua con-
pretendemos
importação
há uma
simplificada.
substituir
a
de software, mesmo aque-
le para a modelagem
nâmica, e também
termo-hidrodicompletar
nitoramento
em tempo real. No pro-
verificar
todos
os parâmetros
tempo real, sem necessitar
a con-
contram
na posição
de leitura
conjunto de modelos matemáticos sejam o "retrato" do nosso ambiente
sonda é em tempo real e as outras leituras, nos outros níveis, chegam com
estimular
atraso seria ainda maior
científica
na necessidade
e acre-
da existência
desse tipo de difusão da ciência, para que todos
tomemos
tecnologistas,
ENRIQUE
YANEZ
dispêne formar
gerentes de recursos hí-
dricos e comitês
e agências
com nova mentalidade
de bacia
e instrumental.
JOSÉ DION
da pesquisa
Depto. Producción Animal FCV - UNNE Corrientes, Argentina
evitando
teses acadêmicas
conhecimentos
dos avanços e conquistas brasileira.
e em
vários níveis. No caso de uma sonda móvel, somente a primeira leitura da
descida
dito
estabiliza-
firmação de variáveis relevantes e a calibração de parâmetros para que o
dios em moedas fortes e, melhor, para
culo de informação
em
ção da leitura, já que as sondas se en-
que a recebe periodicamente.
veí-
se
o mo-
jeto realizado para a Sabesp é possível
tropical/equatorial,
dero esta revista um importante
também
para caracterizar
PESP por meio de meu orientado r, Consi-
da
rios níveis da coluna d'água; 2) A utifaz necessária
financiamento
de estabi-
Sabesp, utiliza várias sondas, em vá-
site www.innova-ti.com.onde
solidação, da Fa-
professor
o processo
que
lização é ainda mais lento. Por isso,
lização de várias sondas
obtido
Sou argentino,
deno-
lores negativos,
minado Otimurn, pode ser visitado no demonstração
Revista
na Innova Tecnolo-
DE MELO TELES
algum atraso de tempo ou subida
esperar a estabilização WERNER
por causa da
da sonda,
e esse
no caso de
das leituras.
SIEGFRIED HANISCH
Videosan Saneamento Instrumental São Paulo, SP
Diretor da Innova A Videosan
Saneamento
Instru-
mental é a empresa que realiza o monitoramento vatórios
em tempo real dos reser-
da região metropolitana
de
Cartas para esta revista devem ser enviadas para o e-mail cartas@lapesp.br. pelo lax (l I) 3838-4181 ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP, CEP 05468-901. As cartas poderão ser resumidas por motivo de espaço e clareza.
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 5
PROGRAMA DE PESQUISAS
EM POLÍTICAS PÚBLICAS
6° EDITAL A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP torna público que estão abertas as inscrições para apresentação de pré-projetos de pesquisa no âmbito do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas. O prazo para apresentação de pré-projetos é 30 de maio de 2003.
CARACTERÍSTICAS
DO PROGRAMA
A FAPESP propõe-se a apoiar projetos de pesquisa aplicada que visem à produção e sistematização de conhecimentos relevantes para a definição e implementação de políticas públicas de significativa importância social, a serem realizados em parceria com instituições governamentais ou não, responsáveis por seu traçado e execução. Embora a demanda individual possa ser acolhida, o Programa dará prioridade a projetos cooperativos, que reúnam grupos de especialistas, de modo a garantir o maior alcance e a melhor coordenação das questões a serem pesquisadas. Segundo os termos dessa parceria, a FAPESP será responsável pelo financiamento das atividades de pesquisa e também pela participação no projeto de técnicos alocáveis na instituição parceira, segundo as normas usuais e na forma de bolsas. Por seu lado, a instituição parceira deverá, desde o princípio, demonstrar concretamente seu interesse no projeto, participando de sua concepção e assumindo formalmente o compromisso de participar de sua execução e de viabilizar a implementação de seus resultados. Esse compromisso institucional será um importante item na avaliação da proposta.
OBJETIVOS DO PROGRAMA A FAPESP propõe-se a apoiar pesquisas interdisciplinares que tenham como objetivo: • a produção de diagnósticos que identifiquem obstáculos e dificuldades enfrentados na área de ação social do poder público, estadual ou municipal, de modo a permitir a formulação de políticas que respondam a necessidades sociais existentes no Estado de São Paulo; • a produção de análises sobre formas de gestão originais e políticas públicas inovadoras, que subsidiem a formulação de políticas públicas criativas e adequadas ao Estado de São Paulo; • a elaboração de metodologias padronizadas e acessíveis de avaliação de políticas públicas, inclusive mediante a transferência de tecnologias apropriadas; • a sistematização, disseminação, avaliação e balanço dos trabalhos acadêmicos que acumularam conhecimento nas áreas de atuação pertinentes às políticas públicas, bem como a divulgação das experiências passadas bem-sucedidas.
APRESENTAÇÃO
DE PROPOSTAS
Cada proposta deve ser apresentada por um coordenador, necessariamente um pesquisador com demonstrada capacidade de liderança e expressiva experiência na área de conhecimento em questão. Deve ser descrita a equipe executora, formada, preferencialemnte, por pesquisadores experimentados. O projeto, com características de pesquisa aplicada, deverá contar com uma contrapartida da instituição parceira, pública ou privada (distinta da do coordenador), interessada no desenvolvimento da pesquisa. Entende-se como contrapartida o compromisso da instituição parceira na capacitação de uma equipe destinada a participar do projeto e na execução da proposta. A proposta deverá descrever: a) a experiência da equipe no campo de pesquisa em que se insere o projeto; b) as atividades de pesquisa a serem desenvolvidas no âmbito do projeto; c) as formas de participação da instituição parceira na definição dos objetivos e na execução do projeto, e o grau de viabilidade da implementação de seus resultados por essa instituição.
PRÉ-PROJETOS Os pré-projetos considerados conformes aos objetivos visados pela FAPESP serão convidados a apresentar para avaliação, em prazo a ser oportunamente estipulado, propostas detalhadas. Veja a íntegra do edital e informações adicionais no site:http://www.fapesp.br
• Pesquisa EDUARDO DE ABREU VleE-PRESIDENTE
MACHADO
CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU ALAIN FLDRENT STEMPFER CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ CARLDS VOGT FERNANDDVASCO LEÇA DO NASCIMENTO HERMANN WEVER JOSÉ JOBSON DE ANDRADE ARRUDA MARCOS MACARI NILSON DIAS VIEIRA JUNIOR PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO RICARDD RENZO BRENTANI VAHAN AGDPYAN
CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO DIRETOR
ROMEU LANDI PRESIDENTE
JOAQUIM J. DE CAMARGO DlRETORADMINI$TRAT1VD
ENGLER
JOSÉ FERNANDD PEREZ OlRETOR CIENT1FICO PESQUISA
FAPESP
CONSELHO EDiTORIAL ANTONIO CECHELLI DE MATOS PAIVA, EDGAR OUTRA ZANDTTO, FRANCISCO ANTONIO BEZERRA COUTINHO, FRANCISCO RDMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ, Luis NUNES DE OLIVEIRA, LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS, PAULA MONTERO, ROGÉRIO MENEGHINI DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA EOlTORCHEFE NELDSON MARCOLIN EDITORAS~NIOR DA GRAÇA MASCARENHAS
MARIA
DIRETOR OE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CIÉNCIAI CLAUDIA IZIQUE (PollnCA C&T) MARCOS DE OLIVEIRA CTECNOlOGIAI HEITOR SHIMIZU (VERSÃO ON UNE! REPÓRTER MARCOS
ESPECIAL PIVETTA
EDITORES-ASSISTENTES ERENO, RICARDO
DINORAH
JOSÉ ROBERTD
D!AGRAMAÇÃO MEDDA, LUCIANA FOTÓGRAFOS CESAR, MIGUEL
EDUARDO
ZORZETTO
CHEFE DE ARTE MARIA DOS SANTOS
TÃNIA
FACCHINI
BDYAYAN
COLABORADORES DÉBORA CRIVELLARO, EDUARDO GERARQUE, FRANCISCO BICUDO, GIL PINHEIRO, HIGINO BARROS, RENATA SARAIVA, ROBINSDN BORGES COSTA, TÁNIA NOGUEIRA ALVARES, VICENTE VILARDAGA, YURI VASCONCELOS ASSINATURAS TELETARGET TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (111 3038·1418
e-mail: fapespêteletarqet.com.br TELlFAX:
PUBUCIOADE 3838-4008
un
e-mau: redacaoêtapesp.br PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN PLURAL TIRAGEM:
IMPRESSÃO EDITORA E GRÁFICA 47.000
EXEMPLARES
DISTRIBUiÇÃO DINAP FAPESP RUA PIO XI, N' 1.500, CEP 05468·901 TEL.
ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP (111 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181
http://www.revistapesquisa.fapesp.br
cartas@fapesp.br NÚMEROS
ATRASADOS
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Osartigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP É PROIBIDA DE TEXTOS
A REPRODUÇÃO
TOTAL
E FOTOS SEM PRÉVIA
SECRETARIA DA CltNCIA E DESENVOLVIMENTO
GOVERNO
DO ESTADO
DO EDITOR
Travessias a bordo do conhecimento
FAPESP CARLOS VOGT PRESIDENTE PAULO
CARTA
OU PARCIAL AUTORIZAÇÃO
TECNOLOGIA ECONOMICO
DE sÃO PAULO
"N
..
o tempo em que os animais cralavam ..:' Até um tempo nem tão remoto assim, havia um semnúmero de histórias para crianças que começava por essas palavras. E como uma espécie de toque mágico, tão logo fossem lidas ou ouvidas, elas descerravam portas para viagens inesquecíveis por um mundo fantástico. Ecos desses primeiros e intensos sentimentos de prazer proporcionados pela fantasia literária decerto ressoam na memória de todo leitor apaixonado a cada encontro com um magnífico texto de ficção pela vida afora. Porque podendo ser tomada de diferentes maneiras, por exemplo, como gratificante experiência estética ou exercício provocador de reflexões sobre a condição humana, a leitura de ficção nunca deixa de ser, entretanto, o lugar por excelência das grandes aventuras da imaginação. Extraordinário, contudo, é quando não o texto ficcional, mas um relato originário da ciência, com seu propósito de desvendamento do real, nos leva de volta às emoções daquele universo mágico percorrido lá n~ infância com o auxílio dos contos de fadas. É aí que de uma forma muito especial se reconquista um dos sentidos possíveis do grande prazer de conhecer. Tudo isso vem a propósito da bela reportagem de capa desta edição, sobre a linguagem dos muriquis ou monocarvoeiros, encontrados em trechos da Mata Atlântica. Nela, o editor Carlos Fioravanti relata a partir da página 34 as instigantes descobertas de um grupo de pesquisadores paulistas sobre a capacidade desses primatas recombinarem 14 diferentes elementos sonoros que se aproximam de vogais ou consoantes da linguagem humana e, ao fazê-lo, produzirem uma linguagem natural com um sentido social claro. Em outras palavras: os muriquis quase falam. Do quase mágico ao confronto com uma realidade dura e desafiadora - o conhecimento científico se faz também nessas travessias. É de um confronto dessa natureza que trata a reportagem sobre a morte súbita dos citros (a partir da página 16), uma estranha doença que vem afetando os laranjais brasileiros,
identificada há dois anos, e que pelo seu potencial destrutivo já foi alçada à condição de inimigo número um da citricultura nacional. No texto, que disputou com os muriquis a capa desta edição, o repórter especial Marcos Pivetta detalha os sintomas e os efeitos da doença e relata a formação de uma força-tarefa em que se unem Ministério da Agricultura, governo do Estado de São Paulo, citricultores e pesquisadores de instituições públicas e de empresas para deter o avanço do problema. Mostra também que mudanças a morte súbita pode determinar nas bases da citricultura e as largas chances de os pesquisadores chegarem a uma solução definitiva para o problema, dados o conhecimento científico acumulado pelo país em citros e o dinamismo da pesquisa nesse campo. Afinal, a citricultura no Brasil tem a pujança que tem graças ao apoio ininterrupto da pesquisa para seu desenvolvimento - a rigor, há mais de sete décadas. Vale destacar também nesta edição a reportagem especial do editor Marcos Oliveira sobre a Embrapa, que em abril completa 30 anos de excelentes serviços prestados ao desenvolvimento do setor primário da economia nacional (página 62). Centenas de novas variedades de sementes desenvolvidas ao longo dos anos, numerosas técnicas de manejo e de controle de pragas agrícolas adaptadas para todas as regiões do país, linhagens e novas técnicas reprodutivas para bovinos e suínos são algumas das marcas da trajetória dessa empresa pública que resultaram em ganhos generalizados de produtividade e geração de riqueza para o país. E, para finalizar, merece destaque o pequeno dossiê em que seis especialistas, com total autoridade para tratar do tema, até em razão das funções públicas que exercem, analisam a relação entre educação, ciência e desenvolvimento no Brasil- valendo-se das lições do passado para mirar o futuro, As recentes mudanças nas administrações públicas federal e estaduais tornam este momento muito oportuno para essas reflexões. MARILUCE
MOURA
- DIRETORA
DE REDAÇÃO
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 7
• -
,
"
~&.:L.-:!YI E M O R I A
o aprendizado tropical Há 140 anos, teve origem a Escola Tropicalista Baiana NELDSON
MARCOLlN
ma das mais importantes mudanças nos rumos da medicina brasileira começou com um reduzido grupo de três médicos estrangeiros na então Província da Bahia há cerca de 140 anos. Durante a década de 1860, Otto Edward Henry Wucherer, de descendência germânica, nascido em Portugal; Iohn Ligertwood Paterson, escocês; e José Francisco da Silva Lima, português; se encontravam a cada 15 dias à noite na casa de um deles para discutir casos clínicos e a literatura científica disponível. A eles logo se juntaram quatro médicos baianos, Ludgero Rodrigues Ferreira, Manoel Maria Pires Caldas, Antônio José Alves (pai do poeta Castro Alves) e Antônio [anuário de Farias - os dois últimos, professores da Faculdade de Medicina de Salvador. Todos estavam unidos pelo mesmo interesse: o da pesquisa da patologia tropical. O trabalho levado a termo pelo grupo, que chegou a ter 14 médicos pesquisadores, ficou conhecido como Escola Tropicalista Baiana e marcou época. Na década de 1860, a prática da medicina pouco havia avançado em relação a 1808, quando a Corte portuguesa mudou-se para o Brasil e d. João VI criou os cursos de anatomia e cirurgia nos hospitais militares de Salvador e do Rio de
U
8 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
Janeiro. Antes da organização da educação médica, predominavam as práticas indígenas, africanas e jesuíticas - além dos barbeiros, sangra dores e curandeiros. Ocorre que os métodos europeus adotados aqui eram baseados em teorias médico-filosóficas do século 18. As aulas dadas nas faculdades de Salvador e do Rio eram discursivas, com ênfase no determinismo racial e climatológico. A idéia vigente era de que os habitantes dos trópicos degeneravam natural e irreversivelmente. Os médicos tropicalistas desafiaram esses preceitos com novos métodos clínicos. Em vez de apenas classificar as doenças por
meio da combinação dos sintomas, eles observavam e determinavam a origem da moléstia, com o conjunto de sintomas. Usavam microscópio para investigar microrganismos como causadores de doenças - algo raro no país - e publicavam seus trabalhos na Gazeta Médica da Bahia, fundada por eles, e até mesmo em alguns periódicos especializados do exterior. "Os tropicalistas formaram o primeiro grupo de pesquisa médica que se constituiu no Brasil", afirma o clínico Rodolfo dos Santos Teixeira, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia. A Gazeta teve uma primeira fase, de 1866 a 1934, e outra, de 1966
GUET~ MEDUl D! BlUU
Na Faculdade de Medicina imperava o estilo europeu, mas de lá também saíram médicos que ajudaram a mudar a medicina da época
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!
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Ir,Op~~~~,d~~~!I~~ã:C~~IlI~l~~cC;::~~~ld~~ ~o~~:J~::a~ .~
~~~c~~T~~~~,~eE~p~~
:f~~~s. ~b~.;:~~~~~~rert~f~:'~~d~~;;I~! ;f::t~~=O:;I~:O~~~~~~,~~llc~~:i: de ,j'esl:,~ cpenae, perto
uma ducia são ,'eoe-! cados das [lapidas, pela sua 1~s.iç50 dianteira ll(lSlS. lua bccca, prestem-se oom ~o seu fim. Seria para Jese-jat' q\le houvesse um outras <:olJr:u brasileiras que possuem caractee distillctiy<) das venenosas, Ia dentes lIlais compridos do. que as cerras. e cil de divisar, Jl:Lra disliuRuil··:.s das sulcados jXlrn a ccnducção da secreção d~ inoffensivllsi podia-nos poupar, n'essc C:lSO, uma gbndula, mos cseo slruades muito posa reluçâo de OUIras minuciosidades. Ora, um letiormenl& na bccca, v. flg, 23, e são I}O{' Ia} cu-acter temol-o no dente comprido, cnr- isso mais dítnceit> de en!pl'et0", "~sta!!>co~ vo, }w.l'col,nuo ?<lI' um canal para a couduc- hras são dousidcrQJ:!s venenosas allf!lns çâo do veneno, e que se ncba inserlo aa r-eu- naturalistas, mas parece-nos que o seu ,'CIl\!.I.Cda bocca, no esse maxillne sUIICrior, Y. Ilg. DO servo ~pen:'l& de anestherlco, e r.ara abrau. ~t, 2i, Porém este caracter não é prompta- dae ~ reslsteucia das suas vicsimas, durnrue mCIIlC l'isivet, i: preciso abrir a bocca d:\ 'C{)- ti. dcaluli,,:lto; púi~ ê só duraote este acre, qlie bl'a para vel·o; hasemos mister, por tanto, (te os seus dentes sulcados poercetcres poderiam outros .c:l.f:I~tete~mais' faceis de ccnbecer e entrar em a~ã(). (I) O que parece ceno é de i:1ls11n~l(' que atgumas, seniio rodas estas-cobras com Ali cob~~s ve,!cll~~liS ~ Ilusil pel'~ncem:. deJl.~ posteriores s~IC3.Jús, possuem êJlIudu~ duas Iamllías, as ~.l"ólAlidas e Eb!,\das, Os Ias dlstinctas das UhV2;re;i.'e de eseuctura esdentes ('~uc1uctores do "en~Jlo das. primeiras pedal, sl'gund" o Sr. Duveenoy, As espécies
muito
cobras
na
cohras
I
por
~~d::c~~:I;:s~~~~:d~~i:~~~!
d::: ;.~~~e{:;':"'==':e!t •.
~",.ltf"\UI~
u,"
Em 1867, Wucherer publicou trabalho primoroso sobre ofídios, citado ainda hoje como exemplo de boa pesquisa
a 1976. Teixeira participou da segunda. Todos os exemplares foram digitalizados e estão disponíveis em dois CDs- ROMs e um livro, num trabalho de fôlego feito pela pesquisadora Luciana Bastianelli. Os tropicalistas descobriram patologias comuns no século 19, como beriberi e ainhum, descreveram vermes desconhecidos e fizeram estudos sobre-epidemias vigentes, como cólera e febre amarela. A influência e importância desses médicos foram mais tarde reconhecidas por Carlos Chagas, mítico descobridor do Trypanosoma cruzi, como um pólo inovador na medicina brasileira. PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 9
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
•
ESTRATÉGIAS
MUNDO
Compromisso de renovar a ciência
A Índia quer atrair seus cientistas de volta do exterior e livrar suas agências científicas da burocracia excessiva, de acordo com o documento "Política de Ciência e Tecnologia 2003", divulgado em 3 de janeiro pelo primeiro-ministro, Atal Bihari Vajpayee, no Congresso Indiano de Ciência, em Bangalore. Ele conclamou a "diáspora científica" da Índia a voltar ao país para ajudá-lo a concretizar sua visão de fazer da Índia uma nação desenvolvida. "Temos de assegurar que nossas instituições científicas não se aflijam com a cultura de nossas agências governamentais", disse Vajpayee. "A antigüidade não deve tirar o lugar do mérito; o talento não deve ser reprimido': Vajpayee prometeu também que o governo faria o desejado compromisso orçamentário para aumentar o gasto
indiano com pesquisa e desenvolvimento - tanto do governo como da indústria - para pelo menos 2% do Produto Interno Bruto até 2007. Valangiman Ramamurthi, o secretário de Ciência e Tecnologia, alega que não será difícil, visto que o gasto já subiu de 0,8% para 1,8% em 2002. Ramamurthi acrescenta que "os mecanismos entrarão em vigor em muito pouco tempo" e que a nova política será rapidamente implementada e dará a universidades e instituições de pesquisa maior autonomia. Membros do governo dizem que, de acordo com a política, ministérios científicos serão geridos por cientistas e engenheiros, e outros ministérios apontarão comitês científicos consultivos. Afirmam também que universidades e instituições científicas selecio-
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nadas terão dinheiro para reforçar suas infra-estruturas. Os detalhes do financiamentc, contudo, serão deixados por conta de uma força-tarefa que está sendo constituída para encontrar meios de encorajar investimentos públicos e privados em pesquisa. Os cientistas sentiram-se encorajados pelas promessas de maior autonomia e ingresso da categoria nas tomadas de decisão, mas estavam céticos quanto às reformas governamentais. "Se o primeiro-ministro pensa que a desburocratização só é necessária aos departamentos científicos, está errado", diz J. Gowrishankar, biólogo molecular do Centro de Impressão Digital de DNA e Diagnósticos, em Hyderabad. "É necessária no Ministério das Finanças, que auditora os institutos científicos." •
• Importar talentos tem seu preço Os bielo-russos também estão muito preocupados com a evasão de cérebros. Cansado de ver os melhores talentos do país partindo para assumir postos muito bem pagos no exterior, Mikhail Myasnikovich, presidente da Academina Nacional de Ciências da Bielo-Rússia, propôs uma solução inovadora para o problema, conforme revelou a revista Nature de 2 de janeiro de 2003: sugeriu que as empresas que se beneficiarem do investimento estatal bíelo-russo no desenvolvimento de pesquisadores e as nações onde elas operam reembolsem o país. Pelos cálculos de Myasnikovich, quem recrutar acadêmicos bielo-russos teria de pagar até US$ 600 mil por sua educação até o doutoramento. Em média, um cientista ganha US$ 120 por mês na Bielo-Rússia, e cerca de 70 mil pesquisadores deixam o país, a cada ano. Ele afirma, porém, que a proposta não tem objetivos práticos. Sua meta é estimular o debate em organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU). •
• Polêmica mobiliza cientistas na China Alguns cientistas da Academia Chinesa de Ciências (CAS) estão pedindo punição para os colegas que, segundo eles, recebem as bolsas mais desejadas e não se dedicam à pesquisa na China (Nature, 21/01103). Muitos dos melhores jovens pesquisadores do
bates on-line para ampliar a participação da comunidade científica na discussões preparatórias para a segunda fase do Congresso Mundial sobre a Sociedade da Informação promovido pelas Nações Unidas. O fórum pode ser acessado na home page do ICSU (www.icsu.org). •
• Applied 8iosystems demite funcionários país migraram ao longo da última década, e as autoridades tentam agora atrair centenas deles de volta, freqüentemente com ofertas bem generosas. Mas esse esforço está gerando tensões na comunidade científica, atualmente em rápida expansão. De acordo com uma carta enviada por 26 pesquisadores aos diretores da própria CAS aos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação e à Fundação Nacional de Ciências Naturais da China (NNSFC) em 19 de dezembro último, alguns bolsistas recém-atraídos de volta à pátria usam o dinheiro para montar laboratórios na China, mas continuam passando a maior parte do tempo no exterior. O autor da correspondência, Shigang He, do Instituto de Neuroci-
ências, afirma que, só na área de ciências da vida, pelo menos 12 pesquisadores deixam as estruturas financiadas por verbas públicas nas mãos de estudantes de graduação ou pesquisadoresassistentes que nem sequer sabem usar os equipamentos à sua disposição. As bolsas oferecidas por diversas fontes governamentais acabam, muitas vezes, sendo concedidas aos mesmos cientistas, já que um pedido bem-sucedido abre caminho para a obtenção de outros. A carta surtiu algum efeito. Yongbiao Xue, diretor associado do Instituto de Genética e Biologia do Desenvolvimento da CAS, afirmou que os pesquisadores que não cumprirem prazos correrão o risco de perder seus laboratórios. Nem todos, porém, estão
convencidos da gravidade do problema. Chen Iia'er, presidente da NNSFC, observa que os bolsistas são submetidos a avaliações rigorosas e têm de apresentar relatórios sobre o andamento de seus projetos. Para Shigang He, o que não falta são meios de verificar se os pesquisadores em questão estão, de fato, estabelecidos na China.
• ICSU inaugura fórum de debates O Conselho Internacional para a Ciência (ICSU) e o Comitê de Informações sobre Ciência e Tecnologia inauguraram um fórum de de-
A companhia de equipamentos laboratoriais Applied Biosystems diz que a demanda decrescente por suas tecnologias de seqüenciamento genético é a culpada por sua decisão de cortar 500 postos. Os cortes representam 9% da força de trabalho e sucedem à redução de 132 postos em junho último feita pela afiliada Celera Genomics, que passou a enfatizar a 'descoberta de novas drogas em vez da venda de dados genéticos. Também contribuiram para o enxugamento os cortes de gastos na indústria farmacêutica e a ausência de um orçamento de 2003 para o Instituto Nacional de Saúde dos EUA. •
Clonagem pode salvar guepardos Cientistas indianos querem utilizar a clonagem para recuperar os guepardos asiáticos, extintos há 50 anos. Solicitaram ao governo iraniano ., único país onde essa espécime ainda é encontrada que empreste um par dos felinos ao seu Centro para Biologia Celular e Molecular.
Guepardos asiáticos, espécie em extinção
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Ciência na web Envie sua sugestão de site científico para cienweb@trieste.fapesp.br
osulibrary.orst.edu/specialcollections/rnbl Site com os 46 cadernos de anotações de pesquisa de Linus Pauling, escritos entre 1922 e 1994.
micro.magnet.fsu.edu/primer/java/scienceopticsu/powersoflOI index.html Belas imágens que vão de 10 milhões de anos-luz de distância até chegar aos quarks.
http://wwvt.dnalc.orgl Biotecnologia é o forte deste site, que traz uma entrevista com James Watson sobre os 50 anos da descoberta da dupla hélice.
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• A Europa contra as endemias na África Os governos e instituições europeus pretendem investir US$ 620 milhões no combate às doenças que mais atingem a população do continente africano, como a Aids, a tuberculose e a malária (Nature, 21/ 01/2002). A iniciativa, que prevê a realização de testes clínicos com medicamentos ao longo de cinco anos, será submetida ao Parlamento Europeu em março. A liberação da primeira parcela de verbas está prevista para o próximo outono. O Programa Europeu de Testes Clínicos em Países em Desenvolvimento (EDCTP, na sigla em inglês), no entanto, vem encontrando muitas resistências. Alguns países em desenvolvimento mostraramse reticentes em relação ao papel dominante da Europa. Além disso, o caráter inovador do projeto, que representa a primeira tentativa de apoio à pesquisa envolvendo a União Européia, seus estados-membros e outros patrocinadores europeus, pode gerar confusão. Sem falar na possibilidade de o EDCTP entrar em choque com iniciativas locais na África. "Há esperança de
que um programa de pesquisa em associação consiga se livrar da burocracia que normalmente cerca os projetos da União Européia", diz Brian Greenwood, especialista em malária da London School of Hygiene and Tropical Medicine. Ele espera que a iniciativa, que ficará sob o comando de um conselho formado por pesquisadores independentes, sofra pouca interferência de representantes da Comissão Européia, do investimento no EDCTP, um terço virá de projetos clínicos nacionais já em curso e um terço da União Européia. O restante do dinheiro será provido por fundações de pesquisa e pela indústria farmacêutica. •
• Sigilo contra armas biológicas Editores das principais revistas científicas de todo o mundo pretendem criar regras para manter em sigilo detalhes de pesquisas que possam ser utilizadas na criação de armas biológicas. O anúncio foi feito durante a reunião da Associação Americana para o Avanço da Ciência, que reúne 32 periódicos, entre eles as revistas Science, Nature e The Lancet. •
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ESTRATÉGIAS
BRASIL
Herbário digital on-line o Instituto
de Botânica (IBt) de São Paulo está começando a tornar mais visível o acervo de seu herbário. Desde o fim do ano passado, estão disponíveis no site do instituto (www.ibot.sp.gov.br) amostras de plantas coletadas desde a segunda metade do século 19. Por enquanto, foram fotografadas digitalmente as 2 mil coleções de tipos do herbário, ou seja, aquelas amostras que são a principal referência para o nome das espécies, pois foram utilizadas pelos próprios botânicos que as descreveram para a ciência. Essas fotos digitais estão sendo colocadas on-line aos poucos. Como o herbário do IBt tem cerca de 370 mil coleções - cada amostra de planta é uma coleção -, há ainda um imenso - e caro -
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o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, quer criar um comitê gestor permanente, formado por representantes do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e iniciativa privada, para a definição de um projeto de parceria para o desenvolvimento do país. Num encontro na Confederação Nacional da Indústria (CNI), o ministro pediu a colaboração 'das empresas também na elaboração de uma política de substituição de importações. "Precisamos eleger as áreas prioritárias e
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Acervo reúne plantas coletadas desde o século 19
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• Governar em parceria
trabalho pela frente. "Com a ajuda inicial da FAPESP em um auxílio recebido do programa de infra-estrutura fase 4 e o apoio da empresa RCS Arte Digital, estamos conseguindo digitalizar e colocar on-line a parte mais valiosa de nosso herbário, algo inovador no Brasil", diz Inês Cordeiro, curadora da coleção de fanerógamas do herbário do IBt. O herbário do IBt é o terceiro do Brasil, atrás apenas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e do Museu Nacional, e começou a ser formado na antiga Seção Botânica do Instituto Butantan, em 1917. •
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governar em parceria", disse o ministro. Sua expectativa é aumentar os investimentos em ciência e tecnologia de 1% para 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em quatro anos. O investimento privado em pesquisa permitirá, por exemplo, que as empresas absorvam parcela dos 80% dos doutores que atualmente exercem funções no governo ou desenvolvem pesquisas nas universidades, na avaliação do ministro. "Estamos investindo mais em bolsas, pretendemos aumentar ain-
da mais esse investimento e formar 10 mil doutores por ano", disse o ministro. •
• Novos prazos para bolsas A FAPESP decidiu fixar datas para as análises comparativas das solicitações de bolsas de doutorado, doutorado direto e pós-doutoramento, em que se pondera o grau de excelência do projeto de pesquisa, histórico acadêmico do candidato e currículo do orientador ou supervisor. As bolsas de dou-
torado e doutorado-direto serão julgadas nos meses de maio, agosto e novembro. As bolsas de pós-doutoramento no país serão julgadas nos meses de abril, junho, agosto, outubro e dezembro. Em fevereiro já ocorreram julgamentos. Serão consideradas prioritárias solicitações diretamente vinculadas a projetos em execução com o apoio da FAPESP e aquelas propostas de candidatos que já usufruíram de bolsas da Fundação ao longo de sua formação. A FAPESP continua considerando prioritários os investimentos em bolsas. Em 2003, deverão representar 38% do orçamento total. •
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Novo modelo de desenvolvimento para São Paulo A Secretaria de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo assumiu a responsabilidade de alavancar um novo modelo de desenvolvimento econômico para São Paulo. O caminho, de acordo com o secretário, João Carlos de Souza Meirelles, é fazer convergir, aperfeiçoar e organizar todos os fatores de produção disponíveis, de forma a aumentar a oferta de trabalho e renda e ampliar as exportações. "Não há possibilidade de ampliar o produto gerado em qualquer cadeia produtiva se não tiver como primeiro elo a pesquisa científica e tecnológica e sua difusão para as diversas etapas do processo produtivo", afirmou o secretário, que visitou a FAPESP no dia 4 de fevereiro. Nesse projeto, ele continuou, a FAPESP tem um "papel decisivo", já que domina a inteligência do pro-
• Mais recursos para a capacitação O governo do Estado de São Paulo vai investir R$ 300 milhões em programas de capacitação de professores e profissionais da educação. No ano
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Secretário João Carlos Meirelles ""'....:::~~~_J.-_-'-"~-I(à direita), em encontro com a diretoria da FAPESP
cesso de produção do conhecimento. Sublinhou que o novo modelo de desenvolvimento para São Paulo, no entanto, requer "ferramentas" para ampliar a arrecadação e o desempenho da produção. Adiantou que o governo paulista negocia com o governo federal "a adequação da Lei Kandir", que prevê compensações aos estados com maior arrecadação do Imposto sobre Produto Industrializa-
passado, estes gastos foram de R$ 100 milhões. A capacitação se dará em cada uma das 89 diretorias de ensino e com o objetivo de atender as demandas "de forma generalizada'; segundo o secretário da Educação, Gabriel Chalita. •
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do (IPI). São Paulo perde, anualmente, algo em torno de R$ 800 milhões com a ausência de compensações prometidas pelo governo federal. A disponibilidade de recursos para investimentos dependem também de uma urgente reforma no sistema do funcionalismo público estadual. "A Previdência vai fazer, neste ano, uma sangria no orçamento de R$ 7,5 bilhões", calcula. E o problema tende a se
• FAPESP firma acordo com INRIA A FAPESP assinou, no dia 29 de janeiro, convênio de cooperação científica com o Institut National de Recherche en Informatique et en Auto-
agravar. Igualmente decisivas para alavancar o desenvolvimento de São Paulo são as reformas do sistema fiscal e tributário, acrescenta. "Hoje, grande parte da sonegação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não ocorre por conta desse tributo, mas é função do imposto em cascata, do PIS, Cofins, Funrural e de outros agentes deletérios da cadeia tributária brasileira." •
matique (INRIA), entidade francesa de desenvolvimento e financiamento de pesquisas e projetos em informática, Internet avançada e tecnologia da informação. O acordo, que terá prazo de duração de três anos, prevê a implementação de projetos de pesquisa em parceria, intercâmbio e formação de recursos humanos. O INRIA já tem contratos de intercâmbio com a Universidade Estadual de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "O convênio com a FAPESP sistematiza a coo-
peração em domínio de interesse comum", explica o presidente da Fundação, Carlos Vogt. Um desses projetos é o programa Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia), patrocinado pela FAPESP, que tem como objetivo desenvolver pesquisa induzida de engenharia de rede, controle de tráfego, comunicação óptica e softwares, entre outros. O convênio também vai beneficiar outros programas que poderão vir a ser patrocinados pela Fundação, como o de pesquisa em hidrologia. "Os temas da pauta do acordo ainda serão identificados", diz Vogt. •
• Rezende assume comando da Finep Sérgio Rezende é o novo presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Ele participou ativamente da criação da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco, em 1989, e foi o primeiro diretor científico da entidade, entre 1990 e 1993.•
• Nova edição do Péter Murányi O Conselho Superior da Fundação Péter Murányi - que tem com principal finalidade escolher e premiar pessoas físicas ou jurídicas, entidades particulares ou públicas, que mais se destacaram no progresso científico com benefício para o desenvolvimento e bemestar das populações do Hemisfério Sul, especialmente o Brasil - elegeu a área de Desenvolvimento Científico e Tecnológico como tema do Prêmio Péter Murányi de 2003. Além do diploma de reconhecimento público e um troféu, o premiado recebe a quantia de R$ 100 mil, livres de im-
Prêmio elege entidades com atuação no Hemisfério Sul
postos. Neste ano, somente serão aceitos trabalhos encaminhados pelo Colégio Indicador, composto por instituições relacionadas no site www. fundacaopetermuranyi.org.br. Serão aceitas, no máximo, duas indicações por membro do Colégio Indicador. A apresentação dos trabalhos deverá se constituir obrigatoriamente de 1) carta do membro do Colégio Indicador apresentando o trabalho, com as respectivas justificativas; 2) formulário de participação (disponível no site); 3) resumo biobibliográfico do autor; 3) síntese do trabalho em no máximo duas páginas'; 4) apresentação escrita do trabalho em português e em quatro vias, com cópia em disquete ou CD- ROM, em arquivo Windows Word para Pc. Os resultados do prêmio serão divulgados em 16 de abril. •
ço da pauta de exportação de pescado brasileiro. O projeto está sendo desenvolvido por uma rede de 14 laboratórios nos estados do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernarnbuco, Bahia, Santa Catarina, Rio Grande
• Tecnologia para a biodiversidade
• A hora e a vez do camarão-branco A Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) está coordenando o projeto de seqüenciamento genético do Litopenaeus vannamei, popularmente conhecido como camarão-branco, que é produzido em tanques de carcinicultura e representa um ter-
do Sul e São Paulo. As pesquisas estão sendo financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e deverão custar R$ 3 milhões. Os pesquisadores também vão estudar a função de cada gene para determinar tanto a estrutura como o funcionamento do genoma, de forma a garantir melhor qualidade da produção. •
Estudo do gene do camarão-branco mobiliza 14 laboratórios
A Natura, em parceria com a FAPESP,universidades e institutos de pesquisa, está lançando o projeto Natura Campus, voltado para pesquisadores. O objetivo é formar competência em tecnologia de utilização da biodiversidade brasileira aplicada a cosméticos nas áreas de etnofarmacologia, desenvolvimento de material vegetal (taxonomia, processos de extração e fitoquímica), atividade biológica de uso tópico, toxologia e cadeia produtiva sustentável. A intenção da empresa é fomentar pesquisas que possam ser utilizadas no desenvolvimento de novos produtos e, ao mesmo tempo, capacitar recursos humanos e gerar parceria científica. •
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 15
dos por mais de 300 municípios, a situação é, por enquanto, menos grave. A presença da enfermidade se restringe à ponta mais setentrional do Estado, mas caminha para o sul a uma velocidade estimada de 30 a 40 quilômetros por ano. "Trinta por cento do parque citrícola paulista está a uma distância de 100 quilômetros dos focos de infecção", afirma Ademerval Garcia, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Cítricos (Abecitrus). om o sopro fatal da morte súbita roçando o coração dos pomares paulistas, o Fundecitrus rapidamente mobilizou mais de uma dezena de instituições de pesquisa daqui e até do exterior para estudar a nova enfermidade. Apesar de todos os esforços, os conhecimentos sobre a morte súbita ainda são mais empíricos, fruto da observação da doença em campo, do que propriamente científicos, sinal de que ainda há muito trabalho pela frente. Pouco se sabe sobre a enfermidade. Seu agente causador, provavelmente um vírus, ainda é ignorado. Talvez seja uma mutação ou uma nova introdução mais agressiva do vírus da tristeza dos citros, doença que, na década de 40, dizimou mais de 80% dos pés de laranja no interior paulista 18 . MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
e apresentava sintomas semelhantes aos da morte súbita. "Só que as árvores infectadas pela tristeza podiam viver até seis anos, enquanto as atacadas pela morte súbita perecem muito mais depressa", comenta o engenheiro agrônomo Marcos Antônio Machado', do Centro de Citros Sylvio Moreira, instituição situada em Cordeirópolis, interior paulista, e vinculada ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC). A forma de transmissão desse mal que lembra um infarto dos citros também é um mistério, embora existam evidências de que a moléstia seja disseminada por via aérea, possivelmente por um inseto. Mudanças à vista - Nesse quadro de incertezas, uma idéia ganha corpo entre os pesquisadores e produtores de citros: a citricultura brasileira - que é a maior do mundo, pouco à frente da norte-americana - não será mais a mesma depois da morte súbita. Não há nenhum catastrofismo embutido na frase acima. Embora ainda não haja uma cura à vista para a morte súbita, os laranjais não vão desaparecer em razão do novo mal. Mas, com certeza, terão de sofrer transformações para driblar a intrigante enfermidade, que, segundo o Fundecitrus, já provocou prejuízos de cerca de US$ 20 milhões para o setor, que gera exportações
anuais da ordem de US$ 1,3 bilhão, sobretudo na forma de suco concentrado, e emprega 400 mil pessoas somente em São Paulo. E aí vem a boa notícia: se ainda não descobriram a causa e a forma de transmissão da MSC, os pesquisadores já têm em mãos meios de minimizar ou evitar a propagação do mal. Como a morte súbita ataca exclusivamente variedades de laranjas assentadas sobre porta -enxertos (ou cavalos) de limão-cravo, de longe o mais comum em São Paulo e no sul de Minas, a substituição dessa parte das plantas parece deter o avanço dos sintomas da doença em árvores já contaminadas e talvez até evitar a propagação da morte súbita em pomares sadios. Pode até não ser a solução para o problema, mas é, na pior das hipóteses, um jeito de ganhar tempo e reduzir a velocidade de progressão da doença enquanto não se encontram soluções mais eficazes. Acontece que o abandono de seu principal porta-enxertos levará a uma mudança e tanto na citricultura. Ao mesmo tempo paliativa e preventiva, essa medida terá implicações sérias do ponto de vista da produtividade. "O limão-cravo é que dá hoje cornpetitividade para nossa citricultura, visto que esse tipo de cavalo, mais rústico, dispensa irrigação mesmo em áreas de clima
nha, o Brasil é o único que não precisa recorrer maciçamente à irrigação. A menos que saia rapidamente dos laboratórios de pesquisa uma cura ou forma de controle para o avanço da MSC que dispense a troca generalizada dos porta-enxertos das laranjeiras, a citricultura paulista (e nacional) terá de ser redesenhada rapidamente. O ideal é que a reforma seja feita sem afetar a produtividade do setor, um objetivo difícil de ser alcançado. "Vamos ter de trocar o pneu com o carro em movimento", compara Garcia.
mais seco", avalia Machado. "Para fugir da morte súbita, vamos ter de trocar o de aproximadamente porta-enxerto 160 milhões de árvores (cerca de 85% ' dos pomares paulistas e mineiros estão em cima de cavalos de limão-cravo) e em muitos casos partir para o cultivo irrigado", estima Ademerval Garcia da Abecitrus. que tem a ver a adoção de porta-enxertos mais tolerantes à morte súbita com o emprego de irrigação nos laranjais? Dos quatro cavalos que até agora se mostraram tolerantes ao agente causador da morte súbita dos citros, seja lá qual for esse agente, três - tangerina cleópatra, tangerina sunki e citrumelo swingle - necessitam de uma dose extra de água, além da fornecida pela chuvas, para sustentar um pé de laranja produtivo. Apenas o limão volkameriano, outro candidato a tomar o lugar dos porta-enxertos de limão-cravo, dispensa irrigação. Ocorre que essa varie-
dade de cavalo é incompatível com a laranja-pêra, uma das mais importantes variedades de citros aqui cultivadas. "Para abandonar os cavalos de limãocravo e migrar para outros porta-enxertos, a citricultura precisará ser irrigada ou se mudar para locais com clima mais chuvoso", afirma Iuliano Ayres, gerente científico do Fundeeitrus. Esse raciocínio é especialmente válido para o sul de Minas e extremo norte de São Paulo, áreas de grande estresse hídrico, dentro de um ecossistema típico de cerrado, onde a citricultura só conseguiu chegar graças ao vigor do cavalo de limão-cravo. Coincidentemente (ou não), foi justamente nessa região que a MSC surgiu. A produtividade em pomares irrigados pode ser duas ou três vezes maior do que em áreas sem esse recurso. Em compensação, o custo de implantação e manutenção desses sistemas artificiais requer maior planejamento e investimentos mais vultosos. Entre os grandes países produtores de citros do mundo, como Estados Unidos e Espa-
Desafio para a ciência - Felizmente, o cultivo de citros é um dos segmentos mais dinâmicos da agricultlÚra brasileira, com larga tradição em contornar ou pelo menos conviver com doenças desafiadoras e um bom histórico de integração e investimentos na área de pesquisas. Há anos, o cancro cítrico e a Clorose Variegada dos Citros (CVC), duas doenças de grande impacto econômico para os produtores de laranjas, são alvo de vários trabalhos, alguns de ponta em nível mundial, em institutos de pesquisa, universidades e no Fundecitrus. O famoso seqüenciamento do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, agente causador da CVC, foi, por exemplo, realizado pela Onsa, a rede virtual de laboratórios genômicos criada e mantida pela FAPESP. Por ter sido o primeiro seqüenciamento integral do genoma de um patógeno que ataca plantas, o trabalho com a Xylella mereceu a capa da Nature, a mais importante revista científica do mundo, em 13 de julho de 2000. O bom serviço feito pelos pesquisadores paulistas com a bactéria causadora da CVC levou o United States Department of Agriculture (USDA), órgão equivalente ao Ministério da Agricultura dos Estados Unidos, a encomendar, ainda em 2000, o seqüenciamento do genoma da variedade de X. fastidiosa que ataca as videiras da Califórnia, o principal Estado norte-americano produtor de vinhos. O deciframento do DNA da Xylella da uva acaba de ser publicado numa revista científica internacional (veja matéria à página 40). Por ser uma doença totalmente nova, sem registro em qualquer outra parte do mundo a não ser o sul de Minas e o extremo norte de São Paulo, a morte súbita é um desafio, por ora, específiPESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 19
co dos produtores nacionais - e dos centros de pesquisa aqui instalados que passaram a estudá-Ia há menos de dois anos. Cientistas da Espanha, França e Estados Unidos colaboram com algumas linhas de estudo sobre MSC, mas, patriotismos à parte, a maior parte das investigações vai continuar sendo feita em solo nacional. De forma geral, o esforço dos pesquisadores visa ampliar o conhecimento básico sobre o inimigo oculto que põe em risco o vigor dos pomares de laranja - sempre com a perspectiva de fornecer algum elemento que possa ser útil no controle da doença. Primeira pergunta para a qual se busca uma resposta: o que causa a morte súbita dos citros? "Bactérias, fungos, nematóides, viróides (diminutos patógenos desprovidos de genes) e fitoplasmas já foram excluídos", afirma Machado. "Sobraram os vírus." Para ser mais preciso, restou a hipótese de que o agente causador dessa espécie de enfarte nas laranjeiras é uma mutação (ou nova introdução) do vírus da tristeza dos citros. mbora de difícil comprovação, tal pressuposto faz sentido. Na década de 40, a tristeza matou nove dos 11 milhões de pés de laranja que existiam no Estado de São Paulo. A doença só não abateu por completo a então modesta citricultura paulista, cujo tamanho era 20 vezes menor do que o atual, porque se percebeu que um tipo de porta-enxerto era bastante resistente à ação de seu patógeno, o cavalo de limão-cravo. Naquela época, os pomares de citros se assentavam sobre porta-enxertos da chamada laranja-azeda (Citrus aurantium). A descoberta de que o cavalo de limão-cravo - rústico, produtivo e adaptado a climas secos - era resistente à tristeza acabou sendo a salvação do pomar. Mas, ao que tudo indica, aquilo que, no passado, serviu de alicerce para a citricultura escapar da tristeza e crescer de forma notável hoje virou seu calcanhar-de-aquiles diante da MSC. A nova doença só ataca pés de laranja cujo porta-enxerto é o limão-cravo, o mais utilizado. Existe ainda um outro complicador na luta contra o novo inimigo oculto da citricultura. Atualmente, a doença, cujo desconhecido agente 20 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
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causador parece permanecer incubado durante pelo menos dois anos nas plantas infectadas, só é descoberta quando as laranjeiras passam a apresentar os sintomas da morte súbita. Em outras palavras, o diagnóstico da doença é sempre tardio, o que diminui as chances de combater a enfermidade. Essa limitação pode, no entanto, estar com os dias contados. A Alellyx, empresa nacional de biotecnologia criada em março de 2002, espera lançar em no máximo um ano um teste de DNA capaz de fazer o diagnóstico precoce da doença. Pesquisadores da jovem companhia privada -ligada ao grupo Votorantim, que também controla uma empresa de suco de laranja concentrado, a Citrovita - seqüenciaram o genoma de centenas de cepas do vírus da tristeza retiradas de árvores sadias, que não apresentam os sintomas da morte súbita, e de plantas doentes e acreditam ter identificado a mutação que seria a responsável pela nova doença. "Estamos patenteando essas seqüências", afirma Fernando Reinach, presidente interino da Alellyx, que investe cerca de R$ 3 milhões nos estudos com morte súbita. Árvores sadias foram inoculadas com a mutação do vírus da tristeza candidata a ser o agente patológico da doença, mas ainda é muito cedo para se saber se essas plantas vão desenvolver os sintomas da enfermidade. Outro objetivo da Alellyx é criar uma vacina ou tratamento que previna ou cure o novo mal dos citros. Vírus mutante - Com sua equipe no laboratório de biotecnologia no Centro de Citros Sylvio Moreira, Machado coordena outro grupo de cientistas que também busca isolar o patógeno que ocasiona a morte súbita. Entre outras hipóteses, o pesquisador trabalha com a possibilidade de que a morte súbita seja desencadeada por uma forma alterada do vírus da tristeza. "Mas o fato de encontrar mutações desse vírus em plantas com morte súbita não quer dizer necessariamente que esse patógeno seja o causador do mal", explica o pesquisador. Isso porque todos os pés de laranja, mesmo os sadios, apresentam uma "sopa" de vírus mutados da tristeza, que se tornou endêmica no país. Essa "sopa", que pode abrigar de três a
cinco raças diferentes do vírus, só não causa a tristeza nos citros de hoje porque os porta-enxertos dessas plantas são mais tolerantes à ação desse patógeno. Mas algumas variedades de citros, como a laranja-pêra, ainda hoje são suscetíveis ao vírus da tristeza. Por isso, nessa variedade, aplica-se uma vacina contra a doença. Portanto, encontrar mutações do vírus da tristeza em pés de laranja é comum e esperado. "O difícil é achar qual das mutações leva à morte súbita", pondera Machado. Dica para produtores - Enquanto os pesquisadores tentam desvendar o agente causador da MSC e conceber estratégias duradouras e eficazes para o combate da doença, o Fundecitrus recomenda, de imediato, que os produtores com árvores afetadas pela novo mal recorram à subenxertia. Ou seja, coloquem cavalos sabidamente tolerantes à morte súbita, como o limão volkameriano e as tangerinas sunki e cleópatra, nos pomares afetados pela enfermidade. Esses portaenxertos extras funcionam como uma ponte de safena. Quando os vasos do cavalo original entupirem e torná-lo imprestável, os novos porta-enxertos assumem o papel do tecido degenerado. "Fazendo rapidamente a subenxertia, parece que dá para salvar as árvores com morte súbita", diz Pedro Takao Yamamoto, do Fundecitrus. O resultado promissor, ainda preliminar, foi obtido com as primeiras árvores que receberam a safena. Outra dica para os produtores que queiram fugir da morte súbita é não comprar mudas de áreas afetadas pela doença. Por falar nesse assunto, a partir deste ano, o Estado de São Paulo proibiu o transporte e comercialização de mudas de citros produzidas a céu aberto, muito vulneráveis a moléstias transmitidas por vetores aéreos. Agora só podem ser vendidas mudas certificadas, produzidas em viveiros telados. Algumas das mais graves doenças de citros, como o amarelinho, cujo agente patológico, a bactéria X. fastidiosa, é transportado por uma cigarrinha, propagam-se por meio de insetos. Esse também deve ser o caso da morte súbita. Suspeita-se que os pulgões que transmitem o vírus da tristeza possam também ser vetores da nova doença. •
A extinção da banana era um exagero notícia pegou todo mundo de surpresa: em dez anos, a banana pode desaparecer da face da Terra. A profecia era a razão de ser da matéria de capa da edição de 16 de janeiro da New Scientist, importante revistajornalística inglesaespecializadaem produzir reportagens sobre ciência e tecnologia, que extraíra o fúnebre vaticínio da boca do pesquisador francês Emile Frison, diretor da Rede Internacional para o Melhoramento da Banana e Plátano. Estéril, incapaz de produzir sementes e decrépita do ponto de vista genético, a popular fruta, extremamente fragilizada, seria hoje presa fácil de doenças e pragas cada vez mais virulentas, que não param de ameaçar os bananais do planeta. Tudo isso é verdade - a não ser pelo fato de que não são todos os tipos de bananas que estão com os anos tão contados assim. Em resposta ao tom apocalíptico da matéria, a FAO, órgão das Nações Unidas que monitora a agricultura, soltou um comunicado asseguran-' do que existem mais de 500 variedades da fruta e que ela não vai desaparecer em breve. A entidade, no entanto, também reconheceu que o cultivo desseproduto enfrenta sérios problemas devido à sua baixa diversidade genética e ao avanço de moléstias causadas por fungos, sobretudo a sigatoca-negra e uma nova raça do antigo mal-do-panamá. "A ameaça de extinção se restringe basicamente às bananas de exportação, do subgrupo Cavendish', pondera Antonio Figueira, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), de Piracicaba, que estuda a diversidade genética da fruta no Brasil. Talvez a banana-maçã, cada vez mais rara, também corra um risco real de sumir do mapa, mas isso não implica o fim de todas as variedades da saborosa fruta de casca amarela. Embora maciçamente presentes nos mercados europeu e norte-americano
- grandes importadores desse alimento tropical -, as variedades pertencentes ao subgrupo Cavendish, entre as quais a banana-nanica ou d'água, representam apenas 13% da produção mundial desseproduto. Dono de uma safra anual de cerca de 6,5 milhões de toneladas de banana, o Brasil é o terceiro ou quarto maior produtor da fruta (depende da estatística). "Temos de resolver alguns problemas, mas o cultivo de bananas em nosso país, onde podem ser usados os híbridos do tipo prata, não está ameaçado': afirma o pesquisador Sebastião de Oliveira e Silva, da Embrapa Mandioca e Fruticultura, de Cruz das Almas, Bahia. Ameaça dos fungos
- Das duas pragas que mais preocupam os produtores de banana, apenas uma chegou ao território nacional, a sigatoca-negra, que entrou no Brasil em 1998. Por enquanto, sua presença se restringe à região Norte e ao Mato Grosso, áreas secundárias em termos de produção da fruta. Ocasionada pelo fungo Mycosphaerella fijiensis, que danifica as folhas das plantas, leva ao amadurecimento muito precoce do fruto e reduz a vida útil da bananeira, a sigatoca-negra provoca uma quebra de 50% da safra se não for combatida com produtos químicos. O jeito tradicional de deter o estrago da doença - mais grave do que a aparentada sigatoca-amarela, outra moléstia fúngica que ataca o bananal- é pulverizar cerca de 40 vezes ao ano a plantação, um método caro, trabalhoso, não muito ecológico
Novos híbridos, resistentes a doenças, garantem a sobrevivência da fruta
e que, com o tempo, perde eficiência. O outro patógeno que assola a fruta mais consumi da no mundo é a raça 4 do fungo de solo Fusarium oxysporum, que causa uma forma mais agressiva do velho mal-do-panamá. Há décadas, manifestações menos virulentas do mal-do-panamá ocorrem em todo o Brasil.No entanto, a raça 4 do Fusarium ainda não chegou às Américas, tendo sido identificada apenas em bananais da África do Sul, Austrália e em grande parte da Ásia. Possivelmente seja apenas uma questão de tempo para a variedade mais agressiva do mal-do-panamá desembarcar no Brasil e a sigatoca-negra se espalhar para todo o território nacional. A ciência, no entanto, não assiste a esse avanço de braços cruzados. Para deter essas doenças, pesquisadores, daqui e de fora, recorrem cada vez mais ao melhoramento genético de algumas variedades de bananas. Por meio de cruzamentos entre formas comestíveis da fruta e tipos selvagens de banana, estes últimos com maior diversidade genética, mas impróprios para o consumo, os cientistas já criaram e lançaram comercialmente algumas variedades (não-transgênicas) resistentes a esses males. A Pacovan Ken, um híbrido da banana-prata criado em 2001 pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, é, por exemplo, tolerante às duas sigatocas e ao mal-do-panamá. Outro cultivar tolerante a essas três pragas é a banana-prata baby, variedade lançada há dois anos pela Empresa Estadual de Pesquisa de Santa Catarina (Epagri). • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 21
• POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
PUBLICAÇÃO
Inventário das espécies brasileiras Livro resume conhecimento catalogado sobre a biodiversidade CLAUDIA
IZIQUE
iodiversidadebrasileira deve reunir algo em torno de 2 milhões de espécies, das quais apenas 10% são conhecidas. A cada ano, o total de espéciescatalogadascresce0,6%, um ritmo imposto pelo número reduzido de especialistas em atividade e que pode condenar a ciência brasileira a pelo menos dez séculos de trabalho até descrevertodas as famíliasde táxons existentes no país. "É claro que será impossívelinventariar tudo, mesmo que houvesseum substancial aporte de recursos adicionais. O grande desafio está em saber onde concentrar esforços",diz Thomas Michael Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Lewinsohn coordenou um amplo inventário nacional sobre o estado atual do conhecimento da diversidade brasileira e produziu a primeira estimativa total de espécies, descritas ou ainda desconhecidas no país para o Ministério do Meio Ambi-
A
22 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
ente (MMA), com o objetivo de subsidiar a Política Nacional da Biodiversidade e com apoio da Conservation International do Brasil. Concluídos em 2000, os principais resultados da pesquisa acabam de ser publicados com o título Biodiversidade Brasileira: Síntese do Estado Atual do Conhecimento, pela Editora Contexto. O livro, escrito em co-autoria com Paulo Inácio Prado, do Núcleo de PesquisasAmbientais da Unicamp, incorpora asconclusõesde setedocumentos produzidos por especialistas, como parte da pesquisa, sobre a biodiversidade de organismos de água doce, invertebrados marinhos e terrestres, vertebrados e da diversidade microbiana. Reúne, ainda, gráficos e tabelas que analisam respostas de 400 pesquisadores a um questionário elaborado por Lewinsohn, além da primeira compilação de dados sobre a diversidade biológica de todos os grupos taxonômicos no Brasil e de estimativas para aqueles sobre os quais não havia infor-
mação disponível. O livro traz, ainda, um conjunto de recomendações para fazer avançar o conhecimento da biodiversidade. Tudo isso em 176 páginas. A íntegra da pesquisa, com cerca de mil páginas, deverá ser publicada em breve peloMMA. O resultado é um balanço inédito e detalhado do conhecimento e da capacitação atual sobre a biodiversidade. "Uma das conclusões é que sabemos muito sobre alguns grupos de espécies em alguns ecossistemas': afirma. É o caso da maioria dos vertebrados, com exceção principal dos peixes de água doce. Existem, no entanto, grupos de organismos importantes, como bactérias, fungos, nematódeos e ácaros, ainda pouco conhecidos. "Hoje estamos conhecendo razoavelmente certos ecossistemas': continua Lewinsohn, citando o exemplo dos biomas das regiões Sudeste, Sul e da Amazônia. Por outro lado, a Caatinga e o Pantanal, e até mesmo os campos sulinos, permanecem muito pouco conhecidos. Porém, as indicações são de que o conhecimento da diversidade nos
grandes biomas ainda é inadequado para a maioria dos grupos de organismos. Apenas as plantas com flor na Mata Atlântica, na avaliação dos especialistas consultados, obtiveram um grau médio "bom de" de conhecimento. As dife-' renças regionais também se no- . tam na falta de pesquisadores capacitados. As condições institucionais do Sul, Sudeste e Norte são mais favoráveis ao desenvolvimento de pesquisas do que as demais. "Pelo menos 50% dos inventários publicados concentram-se nas regiões Sudeste e Sul, onde também estão a maioria dos pesquisadores e das instituições", observa. A falta de conhecimento sobre a biodiversidade não é um problema brasileiro, mas mundial. "Faz-se um esforço brutal e investem-se bilhões de dólares para investigar se existe vida em Marte antes de inventaria r a vida aqui na Terra. A última fronteira está aqui': afirma Lewinsohn. Há exceções, principalmente entre alguns países europeus, como a Grã-Bretanha, Holanda e Finlândia. A Grã-Bretanha, por exemplo, tem, há 40 anos, um Atlas da Flora Britânica com
todas as suas espécies de plantas i d e n t i fi c a das mapeadas em unidades de 10 por 10 quilômetros. As dificuldades são muito maiores quando se trata de nações com megadiversidade, como é o caso do Brasil, cuja biodiversidade representa algo em torno de 14% da mundial. "A maioria dos países megadiversos são do Terceiro Mundo. Mas o Brasil, assim como o México, a África do Sul e a Índia, conta com capacidade institucional própria: museus, cursos de pós-graduação e de formação de especialistas", ressalva. É preciso utilizar o conhecimento e a capacidade atual dos especialistas brasileiros. "Qualquer política de investigação da biodiversidade e de sua aplicação terá de ser múltipla e flexível, aproveitando possibilidades específicas e definindo metas realistas de curto e médio prazo", sugere. Os grupos de ácaros, nematódeos de solo, fungos e bactérias, com taxonomia pouco conhecidas, por exemplo, mereceriam programas especiais de incentivo à formação e fixação de especialistas, inven-
tários intensivos em localidades selecionadas e estímulo à formação de coleções de referência, entre outros. A pesquisa também permitiu constatar que a qualidade e a utilidade dos acervos das coleções biológicas existentes estão comprometidas pela falta de curadores profissionais, efetivamente empregados com essa atribuição, pela falta de técnicos e pessoal de apoio para as rotinas indispensáveis à conservação e organização do acervo, além da falta de verbas estáveis para custear material de consumo para a sua manutenção, apenas para citar alguns problemas. "Algumas dessas dificuldades podem ser superadas com investimentos relativamente pequenos, desde que aplicados competentemente': acrescenta. Mas, além de investir na qualidade, catalogação e estudo dos acervos já catalogados, é necessário fortalecer e criar novos núcleos de pesquisa direcionados para investigação da biodiversidade. "O fator crítico é a fixação de contingentes mínimos de profissionais competentes e atuantes em cada instituição ", conclui. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 23
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
MEIO AMBIENTE
A polêmica continua Governo federal vai decidi r sobre produção de transgênicos
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grupo m de trabalho formado por representantes de nove ministérios, coordenado pela Casa Civil da Presidência da República, deverá apresentar, neste mês, sugestões para que o governo tome uma decisão definitiva sobre a produção de transgênicos no país. "Não há uma posição ideológica contra os organismos geneticamente modificados (OGM), mas a sua produção comercial só poderá ser implementada após garantidas as condições de biossegurança, segurança ambiental, saúde pública e agropecuária", afirma João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade do Ministé- , rio do Meio Ambiente (MMA). A polêmica sobre os transgênicos se estende há seis anos e a autorização para a sua produção corria o risco de ser decidida pela Justiça. Organizações nãogovernamentais, ainda durante o governo Fernando Henrique Cardoso, recorreram da decisão da Comissão Nacional de Biossegurança (CTNBio) de dispensar a Monsanto do Estudo de Impacto Ambiental (ElA-Rima) para a produção de soja modificada. Essas entidades obtiveram liminar favorável e o recurso impetrado em seguida pela empresa deveria ser julgado no final de fevereiro. Antes disso, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, pediu ao Tribunal Regional Federal (TRF) da Ia Região a suspensão do julgamento "para reexame da matéria por parte do novo governo" e conseguiu um adiamento por 60 dias. Capobianco argumenta que o recurso judicial está equivocado: a CTNBio, subordinada ao Ministério de Ciência e Tecnologia, deve avaliar aspectos de
U
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s
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Liminar
da Justiça proíbe o plantio de transgênicos
biossegurança na produção de OGMs, mas não tem competência para dispensar o Estudo de Impacto Ambiental, responsabilidade que cabe ao MMA, órgão que, de acordo com Capobianco, também tem o papel de licenciamento ambiental no país. Essa posição teria sido reafirmada pela resolução 305 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), de junho do ano passado, que definiu procedimentos para licenciamento dos produtos. Para Capobianco, "o melhor caminho é o poder público assumir a responsabilidade de orientar os procedimentos para a produção de transgênicos de forma a atender a lei e o interesse da sociedade". O empreendedor poderia solicitar licença e realizar todos os estudos necessários para garantir condições seguras de produção. Esse cenário exigi-
no país
rá que o poder público capacite as suas instituições para acompanhar o licenciamento. O MMA vai reunir "o que há de melhor" em termos de capacidade técnica e científica nos órgãos de governo - como Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovaveis (Ibama), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), universidades e institutos de pesquisa - para criar uma estrutura adequada e capacitada para acompanhar a produção comercial, adianta Capobianco. Já foram promovidas várias discussões com especialistas e está pronta uma minuta do termo de referência para a autorização da produção comercial de OGMs. "Vamos nos capacitar para o caso de ser autorizado o licenciamento." •
• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
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BIBLIOTECA
ELETRÔNICA
ProBE: missão cumprida Revistas científicas podem ser consu Itadas no Portal Periódicos, da Capes
P
ioneiro no país, o Programa Biblioteca Eletrônica (ProBE), patrocinado pela FAPESP, encerrou suas atividades em dezembro passado. A partir deste ano, as universidades públicas e parte das instituições de ensino e pesquisa paulistas que integravam o programa têm acesso aos títulos editados pela Elsevier Science, Academic Press e High Wire Press, entre outros anteriormente disponíveis no ProBE no Portal Periódicos, mantido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). "O ProBE cumpriu sua tarefa de implementar o uso de publicações eletrônicas no meio acadêmico", diz Rosali Fávero Krzyzanowski, coordenadora operacional do ProBE. O programa foi criado, em 1999, na forma de um consórcio que reuniu a FAPESP, as cinco universidades públicas de São Paulo Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp) e Universidade Federal , de São Carlos (UFSCar) -, além do Centro Latino-Americano e do Caribe de .Informações em Ciências da Saúde (Bireme/OPS/Oms). No primeiro ano de operação, mais 36 instituições aderiram ao ProBE. Desde a sua implantação, estava previsto que a FAPESP ofereceria a infra-estrutura de hardware - por meio da Rede ANSP -, o software para gerenciamento da biblioteca eletrônica e financiaria a aquisição dos títulos eletrônicos por um prazo de três anos. Ao final desse período, as instituições consorciadas assumiriam os custos e a gestão do programa. No final de 2000, a Capes implementou um projeto com formato semelhante ao ProBE, acessível às instituições com programas de pós-graduação que atendessem seus requisitos. São Paulo aderiu ao programa em 2002, mas algumas instituições que participavam do ProBE não foram credenciadas. Na tentativa de permitir que essas instituições tenham acesso às coleções retrospectivas adquiridas pelo ProBE, a
FAPESP estuda a proposta apresentada pela USP, Unicamp e Unesp de transferir essas coleções para o grupo de bibliotecas do Conselho de Reitores do Estado de São Paulo (Cruesp). "Se tudo der certo, estarão disponíveis à comunidade científica do consórcio toda a coleção de títulos publicados pela Elsevier, desde 1995; da Academic Press, publicados a partir de 1996; e a coleção completa da Web of Science, desde 1945, entre outros", afirma Rosali. Resultados positivos - Os resultados do programa atestam o seu sucesso. O ProBE fechou o ano passado com 2.248 títulos disponíveis nas diversas áreas de conhecimento. Entre 2000 e 2001, o número de usuários que fizeram download de textos completos saltou de 303,5 mil para 2,2 milhões. Pesquisa realizada em 2001 revelou que 49% dos usuários utilizavam mais os periódicos eletrônicos do que publicações impressas e quase a metade dos consultados (47%) utilizaram o ProBE mais de dez vezes no trimestre. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 25
Pesquisa FAPESP traz, a cada mês, mais de 90 páginas de informações novas sobre a ciência e a tecnologia produzidas nas universidades, institutos de pesquisa e empresas do Brasil. As reportagens que você lê primeiro nesta revista retratam a construção do conhecimento que será fundamental para o desenvolvimento do país. Ler Pesquisa FAPESP é acompanhar essa evolução sem perder nenhum movimento.
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• POLÍTICA CIENTÍFICA
E TECNOLÓGICA
FOM ENTO
As novas estratégias do CN Pq o objetivo é reforçar a participação regional em C& T
O
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) contará, neste ano, com um orçamento de R$ 688 milhões. Desse total, R$ 498 milhões se destinam ao pagamento do programa de bolsas de formação e qualificação de pessoal científico. O ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, já anunciou que o CNPq vai financiar mais 4.400 bolsas e criar outras 10.250 para apoiar alunos de ensino médio, pesquisadores com maior experiência (nível IA), além de resgatar a Taxa de Bancada, (Recursos adicionais de bolsas para usos específicos) para assegurar melhores condições de desenvolvimento de projetos de tese, a partir de março. "Um dos objetivos principais da atual gestão é fazer com que jovens pesquisadores e laboratórios de todas as regiões do país participem do sistema de produtividade científica': explica Erney Camargo, ex-diretor do Instituto Butantan, em São Paulo, recém-empossado presidente do CNPq. Para isso, Camargo promete uma "vigorosa" retomada da política de fomento de balcão. "Vamos dar muita atenção à demanda espontânea, em que o pesquisador apresenta o seu projeto para atender setores que estão fora dos grandes projetos de pesquisa, como por exemplo aqueles ligados à genômica e biotecnologia", detalha. O incremento no número de bolsas será feito com recursos do orçamento, mas não há verbas para aumentar o seu valor, a menos que haja suplementação orçamentária. O CNPq também começa a rever a política de cotas para os diversos estados. "Essa é uma política perigosa. A distribuição de bolsas tem que ser pro-
Camargo: \\0 regime de cotas tende a acabar e ser substituído por limites"
duto da demanda real. O regime de cotas tende a acabar e ser substituído por limites", adianta.
Ação sincronizada-
Ele ressalva que o CNPq vai "honrar" todos os programas já em andamento - citando como exemplo o Pronex e o Milênio - e pagar integralmente os auxílios concedidos. "Não faremos cortes ou alterações e isso é importante para manter a credibilidade do órgão", garante. Afirma, ainda, que a ênfase na política de fomento de balcão não exclui o apoio aos programas de pesquisa induzida, o que ocorrerá à mea\da que as liberações financeiras permitirem. "Só apoiaremos projetos com recursos garantidos", sublinha. A expectativa é ampliar o número de grandes projetos e programas com recursos dos Fundos Setoriais. "Nos últimos anos, cresceu a idéia de que o CNPq só apóia bolsas. A pesquisa básica também é responsabilidade do CNPq e será desenvolvida com recursos dos fundos", afirma.
Para a consecução desse novo projeto, o CNPq, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) sintonizaram seus objetivos, "particularmente no que se refere à formação de pessoal", diz Camargo. "Juntos, os três órgãos vão montar um programa nacional de Ciência e Tecnologia", ele adianta. O estímulo às estruturas regionais de C&T também será a marca do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa perspectiva, as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs) e as Sociedades Científicas terão um papel estratégico. "O CNPq será o braço do MCT para a implementação dessa política", diz Camargo. Uma das medidas prováveis será apoiar a ação das FAPs com recursos dos Fundos Setoriais. Camargo adianta que o CNPq, Capes e Finep vão negociar com a FAPESP "uma política inteligente para São Paulo': • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE
2093. •
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A Revolução da Linha Chronos
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• Dolly vai para o museu A mais fotografada das ovelhas deixou o mundo, mas entrou para a história. Primeiro mamífero donado, Dolly foi sacrificada no dia 14 de fevereiro, por apresentar um problema pulmonar incurável. Aos 6 anos, exibia sinais de envelhecimento precoce, um problema que parece acompanhar
Complutense, da Espanha, publicado no lournal of
Agricultural and Food Chemistry. Após obter resultados semelhantes com outros produtos perecíveis, como tomates, abacates e pimentas verdes, Ureõa pretende agora reduzir os custos de extração do transresveratrol e desenvolver um método de conservação de frutas que possa ser comercializado dentro de um ano e meio. •
os dones. Ian Wilmut, o líder da equipe do Instituto Roslin, de Edimburgo, na Escócia, em que se fez a donagem, não acredita que a doença esteja associada à clpnagem, mas a uma infecção respiratória comum, verificada também em outras ovelhas alojadas com DoUy. Depois da autópsia, o corpo de Dolly deverá permanecer em exposição no Museu Nacional da Escócia.
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MUNDO • A respiração paralela dos insetos Em vez de pulmões, os insetos - o mais numeroso e variado grupo de animais - possuem um sistema de tubos internos chamados traquéia, por meio dos quais o oxigênio entra e sai. Mas besouros, grilos, formigas, borboletas, baratas e outros insetos valem-se também de rápidos cidos de compressão e expansão da traquéia em sua cabeça e tórax. Por meio desse mecanismo, trocam até metade do ar a cada segundo, um volume similar a uma pessoa fazendo exercício físico moderado, conforme o estudo coordenado por Mark Westneat, eurador de zoologia do Field Museum, de Chicago, Estados Unidos, e publicado na Science de 24 de janeiro. A compressão traqueal foi descoberta por meio do síncrotron, um acelerador de partículas atômicas que gera feixes de raios X 1 bilhão de vezes mais intensos que os normais e permitiu que fossem elaborados vídeos da respiração dos insetos.
Aplicadâ' provavelmente pela primeira vez no estudo de insetos vivos, essa técnica revela a estrutura e a função de órgãos internos. Pode também auxiliar na saúde humana. O estudo das paredes dos vasos sangüíneos em camundongos e nos corações dos besouros (cada besouro tem de oito a dez corações) pode indicar novas formas de tratar a hipertensão, por exemplo. •
• Peste resiste a antibióticos Sete anos depois de ter isolado os primeiros bacilos da peste (Yersinia pestis) resistentes a antibióticos, uma equipe do Instituto Pasteur em Paris e em Madagáscar descobriu que é no mosquito transmissor que essas bactérias adquirem de outras bactérias os genes de resistência aos medicamentos mais usados contra elas (estreptomicina, doranfenicol e tetracidinas). A descoberta, publicada na Molecular Microbiology, torna ainda mais difícil o combate a uma das bactérias mais pa-
Como os pulmões: movimentando os tubos da traquéia (na junção entre a cabeça e o tórax), besouros como este Platynus decentis respiram tão rapidamente quanto os seres humanos
Canário-da-terra: canto complexo resulta de instruções simples
Quem ouve o canto de um pássaro não pode imaginar que a riqueza e os detalhes da melodia resultam de comandos bastante simples emitidos pelo cérebro das aves. Usando dois programas de computador - um que simula a vibração das cordas vocais e a expulsão de ar dos pulmões e outro
togênicas ao ser humano e, na visão dos cientistas, reforça a necessidade de busca de novos tratamentos. Transmistida pelos humanos por meio das picadas de insetos (entre eles, Xenopsylla cheopis, Nosopsylla fasciatus e Pulex irritans) ou mordidas de roedores contaminados, a praga é uma doença reemergente. Há relatos de casos em mais de 20 países, sobretudo na África e na Ásia. Na Idade Média, milhões de pessoas morreram de peste na Europa, quando as casas e ruas estavam infestadas de ratos. •
A matemática dos pios e trinados dos pássaros
que irmta a atividade de uma porção do cérebro que controla esses órgãos -, Rodrigo Laje e Gabriel Mindlin, da Universidade de Buenos Aires, na Argentina, descobriram como os pássaros compõem seus cantos: a partir de sinais cerebrais simples. Eles viram que pequenas variações do sinal
tados Unidos, demonstraram que pares de moléculas polares (dotadas de uma região de carga predominantemente positiva ou negativa) podem estabelecer uma ligação fraca entre elas e formar uma superrnolécula. Como as agulhas de uma bússola, as moléculas polares se atraem ou se repelem de acordo com o modo pelo qual estão alinhadas. Aplicado teoricamente para moléculas de hidrogênio e oxigênio, esse novo estado poderia ser obtido com o resfriamento a milésimos de 1 kelvin (-272°C), em patamares cem vezes abaixo dos já obtidos .•
cerebral criavam padrões diferentes de canto. O modelo reproduz com fidelidade o canto de um pardal. "A grande surpresa", disse Mindlin à revista NewScientist, "é que a complexidade do canto surge de instruções simples." Os resultados do estudo foram publicados na edição de 31 de dezembro
• Dados sigilosos em discos descartados Pense melhor sobre o destino que pretende dar àquele antigo computador 486 que já foi tão útil e hoje apenas ocupa espaço. Mesmo depois de apagados, os discos rígidos de computador (ou HD), podem armazenar informações confidenciais. Dois estudantes de graduação do Laboratório de Ciência da Computação do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Simson Garfinkel e Abhi Shelat, encontraram aproximadamente 5 mil nú-
• Moléculas que se unem como ímãs Pode haver mais um estado da matéria, além do sólido, líquido, gasoso e do relativamente pouco conhecido plasma, encontrado no interior de estrelas como o Sol. Num estudo teórico publicado na Physical Review Letters de 31 de janeiro, pesquisadores da Universidade de Coloradd; Es-
Memória oculta: mesmo apagado, disco rígido guarda informações
da Physical Review Letters, a mais importante da área de física. Mindlin planeja aumentar a capacidade computacional do pássaro virtual, para que seja também capaz de ouvir. Isso ajudaria a compreender como os pássaros aperfeiçoam o canto ouvindo outras aves da mesma espécie. •
meros de cartões de crédito, além de registros pessoais e de empresas, informações médicas e milhares de endereços eletrônicos, quando vasculharam 158 discos descartados. Desse total, 28 discos não registravam pouco ou nenhum sinal de que houvesse sido apagado qualquer arquivo - um dos discos aparentemente era de um caixa eletrônico, com um ano de registros de informações financeiras. E apenas 12 estavam apagados de modo que não restasse nenhuma informação. "Ninguém havia quantificado a proporção desse problema", comentou Garfinkel. Para limpar um disco, não adianta simplesmente apagar arquivos, que podem ser recuperados por meio de um simples comando undelete. O melhor a fazer, de acordo com os especialistas, é apagar os programas ou reocupar cada trecho do computador que era usado para manter as informações arquivadas. •
PESQUISA FAPESp, 85 • MARÇO DE 2003 • 31
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LABORATÓRIO
BRASIL
Proteína indica evolução de tumor Simone Treiger Sredni, patologista do Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, descobriu que a presença de formas alteradas da proteína p53 pode ajudar os médicos a classificarem como benigno ou maligno um tipo raro de tumor, que afeta a região produtora de hormônios da glândula supra-renal, situada sobre os rins. Embora seja pouco freqüente, esse câncer é de dez a 20 vezes mais comum no Brasil - sobretudo nas regiões Sul e Sudeste, com um caso para cada 240 mil pessoas do que nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia.
• Vacina contra a esquistossomose Alterações muito simples no material genético do parasita causador da esquistossomose podem frustrar os planos da Organização Mundial da Saúde (OMS) de obter uma vacina que ofereça proteção contra o Schistosoma mansoni, o verme causador dessa doença que afeta 200 milhões de pessoas. Após analisar amostras do parasita vindas da África, do Oriente Médio e da América do Sul, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) encontraram mutações genéticas que causam a troca de um único nucleotídeo - molécula formada por uma das quatro bases nitrogenadas que formam o DNA, A (adenina), T (timina), C (citosina) e G (guanina) - e alteram as proteínas indica das pela OMS
Indicador:
em marrom, núcleos com a p53 alterada
Simone começou a buscar novos testes para avaliar a evolução desse tumor há quatro anos, quando trabalhava no Hospital das Clínicas da Universidade de
como alvos para a criação de vacinas. Em conseqüência, variações nos genes dessas proteínas poderiam diminuir o efeito da vacina. "Para realmente funcionar, uma vacina deveria conter todas as variações encontradas nessas proteínas", diz Emmanuel Dias Neto, o coordenador do estudo, feito em parceria com Sérgio Verjovski-Almeida .•
o verme
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Schistosoma mansoni:
São Paulo, após verificar que em crianças o exame da forma das células tumorais era pouco eficaz para prever se o tumor seria benigno ou maligno. "Apenas
• O berço dos dinossauros anões Um osso fóssil de coluna vertebral encontrado no norte do Maranhão tirou da Argentina o posto de berço dos saltassaurinos, dinossauros herbívoros com cauda e pescoço longos e cerca de 8 metros de comprimento - um grupo de titanossauros considerados
mutações alteram
proteínas
a detecção da p53 alterada não indica se o tumor é maligno", diz Simone, coordenadora do estudo publicado em janeiro no Brazilian Journal of Medical and Biological Research. "Mas ajuda a predizer a progressão da doença se associada a outros critérios de avaliação, como o tamanho do tumor, as formas das células tumorais e a dosagem hormona!." Quando ocorrem mutações no gene da p53, a proteína perde sua função original - evitar danos ao material genético - e leva as células a se multiplicarem de modo descontrolado, causando o câncer. •
anões diante dos demais membros dessa família, com animais de até 30 metros. A vértebra tem cerca de 14 centímetros de comprimento por 12 centímetros de largura e uma idade estimada em 95 milhões de anos. Os paleontólogos acreditam que, nessa época, o Maranhão tivesse clima predominantemente árido ou semi-árido, mas fosse recoberto, nas regiões próximas aos rios, por florestas de coníferas semelhantes a araucárias, samambaias com porte de árvores e plantas primitivas que lembram superficialmente o bambu, os equisetos. A análise do fóssil, realizada pelo paleontólogo Manuel Alfredo Medeiros, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), mostra que o saltassaurino maranhense não apenas é cerca de 20 milhões de anos mais antigo que os exemplares argentinos,
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descobertos ao longo das últimas duas décadas na região norte do país vizinho, em Salta (daí o nome saltassaurino, ou lagarto de Salta) e em parte da Patagônia. Trata-se também de uma nova espécie ainda sem nome definido que Medeiros e outro paleontólogo brasileiro, Ismar Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estão descrevendo. Ao que tudo indica, o fóssil brasileiro pertence a um ancestral dos dinossauros anões da Argentina. "Com base nos dados disponíveis até o momento, supomos que os saltassaurinos tenham surgido no norte do Brasil e depois se espalhado para o restante da América do Sul», comenta Medeiros. •
• Os predadores da lagarta-de-fogo Em conseqüência do desrnatarnento, a taturana Lonomia obliqua - também conhecida como lagarta-de-fogo por causa das queimaduras que provoca - perdeu o cedro e a aro eira, suas árvores prediletas, e instalou-se em plantas frutíferas de pomares próximos das casas. Pôde avançar também porque perdeu seus predadores, identificados por Roberto Pinto Moraes, do Instituto Butantan. Entre os inimigos naturais dessa espécie destacam-se uma mosca da família Tachinidae e uma vespa da família Ichneumonidae, cujas larvas nascem dentro da taturana e se alimentam de seu corpo. Há também o VÍrus loobMNPV, nocivo apenas para a Lonomia, um verme da família Mermitidae e um percevejo da família Pentatomidae. O contato da lagarta com a pele causa hemorragias internas e pode levar à morte. •
Imagens raras Ao redor desta estrela,
a HD 47563, a 400 anos-luz da Terra, orbita um planeta com uma massa de cinco a dez vezes a de Júpiter, descoberto por uma equipe internacional que contou com a participação do físico Lício da Silva, do Observatório Nacional
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As manchas brancas indicam o primeiro sprite registrado no Brasil, às 5 horas de 25 de novembro, por um balão do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sprites são efeitos luminosos associados a raios, que aparecem durante tempestades
c,
z
Com um microscópio confocal, em que os feixes de laser convergem para um único ponto, uma equipe do Instituto de Ciências Biomédicas da USP obteve esta imagem em três dimensões de uma célula de gengiva: alterações no núcleo (azul) e na organização do esqueleto da célula (verde), causadas por raios X, podem estar ligadas ao câncer
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Alguns anos atrás, a peculiar organização social dos muriquis (Brachyteles arachnoides) surpreendeu os próprios pesquisadores. Encontrados há décadas do sul da Bahia ao Paraná, mas hoje ilhados em remanescentes de Mata Atlântica de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, esses macacos com até 1,5 metro de comprimento, incluindo a cauda - também chamados de mono-carvoeiros por causa do rosto todo preto, semelhante ao das pessoas que trabalham com carvão -, formam comunidades que funcionam com base na fraternidade e no amor livre. Não apenas Louise, mas qualquer outra fêmea do grupo, até mesmo Cher, mais discreta e isolada, cruzam com todos os machos adultos com que vivem - normalmente, um terço dos grupos, que têm de 15 a 50 indivíduos. Quando entram no cio, soltam trinados, algo como um titititi, ou ainda guinchos e assobios agudos, um sííííí, com os quais chamam os machos, que ficam por perto esperando a vez. ão há brigas nem disputas. Os muriquis, os maiores macacos das Américas, conseguiram criar uma hierarquia regida pelo afeto. o centro do grupo não estão os mais fortes, mas os mais queridos, que se destacam porque são os que mais ganham abraços dos companheiros, como Cutlip ou Irv, reconhecido pelas manchas em forma de cruz no nariz.
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0ra, as descobertas sobre a linguagem dos muriquis são ainda mais impressionantes. Quando se locomovem pela mata, escondendo-se entre as folhagens das árvores à medida que se afastam uns dos outros, esses macacos se comunicam de um modo que ainda não foi encontrado em nenhuma outra espécie de primata. Recombinam 14 elementos sonoros, que se aproximam de vogais ou consoantes da linguagem humana, e produzem uma rica variedade de chamados - mais longos ou mais curtos, mais agudos ou graves -, num processo semelhante ao que usamos para formar as palavras. Tamanha é a reorganização dos sons que se tem a impressão de que os muriquis até procuram ser inventivos: quando engatam uma conversa, um raramente repete o que outro já disse. Eleonora Cavalcante Albano, pesquisadora do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), assegura: esses sons dos muriquis, descritos pela primeira vez, formam uma linguagem natural com um sentido social claro, por ajudar a manter a coesão do grupo. Só perde para a nossa porque, possivelmente, não é simbólica. "É uma linguagem que indica os objetos do mundo, mas ainda não se sabe se os representa'; diz ela. Numa situação hipotética, um muriqui consegue avisar a outro muriqui que uma árvore está carregada de frutas apenas se estiver diante de uma delas, mas não tem como contar da árvore em que estivera no dia anterior, nem emitir um som específico para cada tipo de árvore que conhece. No vocabulário e nas recombinações de sons, porém, os muriquis são imbatíveis diante de outras espécies de primatas brasileiros, entre elas o macaco-prego, o sagüi-Ieãozinho e os micos-Ieões, que contam
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com uma comunicação vocal reconhecidamente complexa. A capacidade dos muriquis em recombinar sons é também maior que a de outras duas espécies conhecidas pela barulheira que fazem, o chimpanzé africano e o gibão das florestas da Indonésia e da Malásia. mduas épocas diferentes, julho de 1990 e agosto de 1991, o antropólogo Francisco Dyonísio Cardoso Mendes, pesquisador da Universidade Católica de Goiás, em Goiânia, percorreu a Estação Biológica de Caratinga, um remanescente de Mata Atlântica com 9 quilômetros quadrados, e registrou todos os sons que pôde em 138 horas de gravações. Na análise desse material, encerrada no final do ano passado, Mendes trabalhou com seu orientador de mestrado e doutorado, o psicólogo César Ades, pesquisador do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades nacionais em etologia, a ciência que estuda o comportamento animal. Juntos, transformaram as gravações em sonogramas, uma espécie de gráfico que mostra a freqüência, a intensidade e a duração dos sons, e descobriram que o vocabulário dos muriquis é formado por 38 chamados vocais básicos. Desses, 24 são usados em situações específicas: há sons para brincadeiras, outros usados no momento do abraço ou como alerta numa situação de perigo, além do choro dos filhotes que se sentem abandonados, as convocações da mãe à prole desgarrada ou os grunhidos de satisfação após se fartarem de frutas. Mas até esse ponto nada distingue os muriquis dos outros animais. "Esses sons já nascem mais ou menos prontos, como os latidos dos cães,e são usados em contextos específicos", diz Mendes. Os chamados dos muriquis ao pularem de uma árvore a outra é que eram completamente estranhos aos relatos já feitos por outros cientistas. Formados por 14 elementos sonoros, essa forma de comunicação, a mais comum entre eles, foi chamada de intercâmbio seqüencial por uma razão simples: um macaco chama e outro responde, um de cada vez, menos de 10 segundos depois, quase numa conversa em que um espera o outro acabar antes de se pronunciar. Como os pesquisadores descobriram, há dois tipos básicos de chamados dentro dessa categoria. O primeiro é constituído pelos relinchos, bastante semelhantes aos sons das éguas no cio ou dos cavalos querendo anunciar-se. O que identifica um relincho são os elementos sonoros longos, graves e roucos, como um ôh-ôhhh (o h representa um som raspado, gutural). Esse conjunto inclui sons curtos e agudos que, misturados aos graves, resultam em composições contrastantes, algo parecido com hôôôiihhúuôhh. Emitidos pelos animais que se encontram mais afastados, a mais de 50 metros do centro do grupo, os relinchos têm um tom de zanga ou protesto, significando algo como: "estou longe, me esperem, seus apressadinhos!" O segundo grupo de sons básicos são os estacados (ou stacattos), formado apenas pelos sons breves e secos, um í-í-íh. Produzidos pelos macacos que se encon-
E
Um muriqui avisa ao outro onde está: linguagem ajuda a manter a coesão do grupo
tram próximos ao centro do grupo, os estacados podem ser traduzidos por algo como: «estou perto, está tudo bem". Mas tanto em um caso como em outro, as interpretações ainda são frágeis. «A busca dos significados dos sons é um trabalho semelhante ao dos antropólogos quando encontram uma nova cultura", compara Ades. A inventividade sonora dos muriquis saltou à vista com o exame do modo pelo qual eles organizam as 14 unidades sonoras que compõem os relinchos e os estacados. Nos 648 chamados gravados por Mendes, havia 534 seqüências diferentes, ainda considerando as repetições, do tipo ttptrrrtArZcada letra corresponde a um elemento sonoro, já numa representação gráfica da comunicação dos muriquis (as minúsculas representam os sons breves, e as maiúsculas, os longos). Eliminadas as redundâncias, restaram 320 seqüências originais, sem repetição de fonemas, e 231 ordens em que os tipos de elementos sonoros se combinavam em chamados mais longos ou mais curtos. ''A produção vocal dos muriquis é muito rica em • informação, ao mesmo tempo em que apresenta uma certa previsibilidade, decorrente de um conjunto claro de regras de organização seqüencial", comenta Ades. «Como na linguagem humana, há elementos sonoros usados principalmente no começo dos chamados, outros principalmente no meio e outros só no final", diz ele.
..
o começo, pareCIa que a gntaria tinha uma função bem clara: ajudar os membros do grupo a se localizarem, uns em relação aos outros, evitando, assim, que se perdessem - algo fatal tratando-se de uma espécie que só sabe viver em comunidade. Há uma certa lógica: cobertos pela folhagem e distantes 10, 20 ou 50 metros entre si, os macacos não se vêem. Gritando de tempos em tempos, indicam onde estão, numa espécie de chamada. Mas os relinchos e estacados são usados em outras situações. «Os muriquis soltam esses chamados não apenas quando estão se locomovendo, mas também quando estão descansando ou comendo, como se estivessem conversando o tempo todo", diz Mendes. Mais usados por macacos adultos, os relinchos e estacados são mais freqüentes de manhã, antes de o grupo come-
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Os dom-juans e seus haréns por meio do qual procura atrair a fêmea. Depois, o macho corre atrás da fêmea, que responde à sua aproximação correndo e soltando gritinhos, ííc. Já o preá parece ter pressa: dança uma "rumba" entrecortada por uma postura de alerta e seu chamado é mais baixo, algo como um prur-prur. "O preá corteja e, ao mesmo tempo, está olhando em volta", diz Patrícia. "Reage instantaneamente a qualquer ruído estranho que possa ouvir enquanto está com a fêmea, produzindo inclusive um chamado especial de alerta, que soa como derrrr" A domesticação pode ter liberado o comportamento reprodutivo. "O macho cobaia corteja a fêmea preá freqüentemente, mas um macho preá só muito raramente corteja uma fêmea cobaia", diz Ades. "A obsessão reprodutiva da cobaia é muito maior. O macho corteja a fêmea o tempo todo, mesmo quando ela está fora do período reprodutivo," Tanto o macho cobaia quanto o preá participam muito pouco dos cuidados aos filhotes. Pode até haver rivalidade entre o filhote macho e seu pai. Com um mês, os filhotes cobaias começam a apanhar
Em uma linha de pesquisa iniciada há dez anos, César Ades analisa as diferenças de comportamento entre dois grupos de animais com uma provável origem comum, mas hoje com estilos de vida bem diferentes. Um é o preá (Cavia aperea), animal de vida livre, com no máximo 25 centímetros de comprimento, espalhado na América do Sul. O outro é a cobaia ou porquinho-daíndia (Cavia porcellus), domesticada há cerca de 6 mil anos nos Andes peruanos, num processo em que pode ter ganho ou perdido habilidades, de modo semelhante ao cão, a partir do momento em que seu ancestral, o lobo, há cerca de 15 mil anos, aproximou-se de um acampamento e descobriu que poderia ganhar alimento em vez de caçar. Uma aluna de doutorado de César Ades, Patrícia Ferreira Monticelli, verificou que o acasalamento das cobaias é um ritual mais demorado e animado que o dos preás. Aproximando-se da fêmea, a cobaia macho inicia uma dança, a "rumba', em que mexe a parte traseira do corpo, e solta um som longo, um prúu-uúrr - é o chamado de corte,
dos pais se se aventuram a cortejar as fêmeas, incluindo a mãe e as irmãs, embora ainda não sejam capazes de copular. Quando adultos, os machos formam haréns com seis ou sete fêmeas - e têm suas prediletas. A espécie domesticada é mais flexível na organização social do que a outra. "Nas cobaias, quando aumenta a densidade populacional, os animais se dividem em subgrupos, cada macho com suas fêmeas, cada um respeitando o território do outro", comenta o pesquisador. "Os preás são muito menos tolerantes e não formam subgrupos." Entre os roedores, as cobaias e os preás têm um dos repertórios vocais mais ricos, com 12 chamados diferentes, incluindo gritos de dor e de defesa, os alarmes diante do perigo e o chutchut-chut que emitem o tempo todo quando em grupo. Os filhotes que se perdem da mãe soltam um assobio uiic, úiic, úiic muito alto e repetitivo, graças ao qual conseguem voltar ao grupo. A equipe de César Ades descobriu que esse assobio contém o que chamam de assinatura vocal, com ca-
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universos. De imediato, o conhecimento acumulado pode auxiliar nos projetos de criação ou manutenção dessa espécie ameaçada de extinção, da qual devem restar menos de mil indivíduos. "Não se pode mais dizer que nós, humanos, temos uma forma de comunicação maravilhosa, que e já tivéssemos mostrado que há sons especíé a fala, e os outros animais uma comunicação simficos para cada situação e para cada tipo de ples", diz o pesquisador de Goiânia. Até recentemeninteração social, estaria demonstrado que os te, viam-se os sons dos prirnatas apenas como respostas muriquis falam", comenta Ades. A recombinainstintivas a situações de medo, dor ou alegria, por ção de sons de que esses macacos se valem é exemplo. Nem se cogitava dessa justamente o mecanismo pelo enigmática barulheira dos muqual o ser humano produz a linriquis, que, num livre exercício guagem e os significados - com PROJETO de imaginação, lembra o primium repertório bem mais amplo, tivo prazer de soltar sons que é verdade, com 33 elementos soComunicação Vocal ainda experimentamos ao fazer noros ou fonemas. Por exemplo, em Mamíferos Neotropicais de um bocejo ou de um espirro as palavras bolo e lobo são forMODALIDADE um escândalo público. Pode-se madas pelos mesmos fonemas, Linha regular de auxílio à pesquisa também adotar uma abordamas o sentido muda de acordo gem estritamente evolucioniscom a ordem em que são usados. COORDENADOR ta. "Se não há perigo, é possível "Será que há regras comuns de César Ades - Instituto de Psicologia-USP exibir-se e mostrar a individurecombinação de sons entre os alidade", diz Ades. "Para outros macacos e os humanos?': espeINVESTIMENTO animais, produzir sons é se excula Ades. Uma resposta posiR$ 37.954,34 por aos predadores." tiva poderia aproximar os dois
çar a busca por alimentos, no final da tarde, na hora de se arrumar no alto das árvores antes de dormir, ou nos encontros com outros grupos, quando há disputa por um local para descansar ou se alimentar.
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Contrastes: espécie domesticada, a cobaia fêmea cuida dos filhotes de outra mãe, enquanto o preá (ao lado) permanece arredio
racterísticas que distinguem um filhote de outro e poderia permitir seu reconhecimento pela mãe. "O reconhecimento da prole é uma necessidade biológica crucial", comenta o pesquisador. "Na natureza, se uma mãe não reconhece o próprio filhote, está sujeita a desperdiçar tempo protegendo outros filhotes ou alimentando-os em detrimento dos seus." Em seu doutorado, concluído no ano passado, Rosana Suemi Tokumaru, recém-contratada na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), comprovou experimentalmente que as fêmeas de cobaias reconhecem seus filhotes de acordo com o cheiro de cada um deles e passam mais tempo
perto deles do que dos filhotes de outras mães. Suemi quis verificar se elas reconheceriam seus filhotes de longe, apenas por meio do assobio de separação. Primeiro, ela criou uma situação de aprendizagem, na qual as mães ouviam repetidamente o assobio de um de seus filhotes, que entrava em contato com ela após o chamado. Depois, em outra situação, uma mãe teria de escolher entre uma gravação do assobio de seu próprio filhote e uma de um filhote alheio. Mas as mães não distinguiram os chamados e dirigiam-se tanto para um quanto para outro. "O assobio de separação do filhote não se desenvolveu
endes anda intrigado com os sons dos muriquis desde que os ouviu pela primeira vez, em 1985. Foi quando começou a estudar a estrutura social desses animais, sob a orientação conjunta de Ades e da primatóloga Karen Strier, da Universidade de Wisconsin, Estados Unidos. Pioneira no estudo dessa espécie, que acompanha desde 1982, foi Karen quem nomeou os animais e ensinou Mendes a identificar cada um deles pela cor da pelagem, pelo formato e pelas pintas do rosto. De tanto observá-los, ele aprendeu também a distinguir cada macaco de acordo com o temperamento - há os mais quietos ou agitados, os mais sociais ou isolados. Mendes descobriu rapidamente que estava diante da mais pacífica espécie de primata já estudada. Os muriquis não se importam em compartilhar as árvores para comer ou descansar com os membros do mesmo bando. "Os grupos são organizados pelo contato amistoso, não pelo poder", conta o pesquisador, com base nas 990 horas de observação dessa etapa do trabalho. O comportamento pacífico pode ser explicado, ao menos em parte, pelo fato de os machos serem geralmente parentes entre si, já que permanecem no mesmo grupo em que nasceram. Só muito
em função do reconhecimento materno", observa Ades. "O chamado do filhote funciona porque a mãe normalmente está perto e também porque os adultos do grupo são benevolentes em relação aos filhotes, servindo até de pontos de segurança:' Algo como uma criança que se perdeu num shopping center e já se sente amparada quando alguém lhe dá atenção, mesmo que não seja sua mãe. A benevolência é tanta que, como comprovou Adriana Toyoda Tokamatsu, num trabalho em andamento, é comum as mães que estão amamentando permitirem a filhotes alheios o acesso a seu leite. Pode ser outro traço da domesticação.
raramente é que brigam, mesmo que uma das formas prediletas de os filhotes ocuparem o tempo seja se provocarem: vivem se perseguindo, fazendo cócegas ou puxando a perna e o braço um do outro. Mesmo quando adultos, os muriquis trocam freqüentes abraços, em média um a cada duas horas e meia, durando até alguns minutos. Às vezes, cinco ou seis macacos se abraçam, dependurados nos galhos apenas pela cauda. Diferentemente do que ocorre em outras espécies de primatas, os machos parecem não disputar as fêmeas, que, quando entram no cio, dão atenção a todos. Os cientistas cogitam que possa haver, porém, uma competição de esperma: quanto maior a quantidade de esperma produzido, maior a probabilidade de fecundar a fêmea. Essa hipótese ganha força diante do avantajado porte dos testículos dos rnuriquis, com cerca de 20 centímetros de comprimento, e da ejaculação abundante, a ponto de escorrer das árvores, a 15 metros de altura, e chegar ao chão depois da cópula. O fato de as fêmeas cruzarem com tantos parceiros faz com que nenhum muriqui macho saiba quem são de fato seus filhos. Os filhotes, por sua vez, também não sabem quem é o pai deles. Parecem não se importar. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 39
• CIÊNCIA
GENÔMICA
Prova de irmandade Linhagem da Xy/ella que ataca a uva compartilha 98% dos genes com a cepa que infecta a laranja
Controle biológico: na foto maior, as vespas usadas para combater as cigarras (foto menor) que transmitem a Xy/ella às videiras
omparar o conjunto de genes de dois organismos é um recurso hoje muito empregado na busca das individualidades de cada ser. Num trabalho publicado na edição de fevereiro da revista científica [ournal of Bacteriology, uma equipe de pesquisadores paulistas confrontou os genomas de duas variedades da bactéria Xylella fastidiosa - uma que causa a Clorose Variegada dos Citros (CVC) na laranja e outra que desencadeia a doença de Pierce na videira - e viu que as duas linhagens são extremamente parecidas: 98% dos genes do patógeno da uva são compartilhados com o agente infeccioso dos citros, e as proteínas produzidas pelas duas são quase idênticas (semelhança de 95,7% em média). A Xylella da videira tem 2.066 genes, dos quais apenas 51 não estão presentes na bactéria da laranja, que é ligeiramente maior, com 2.249 genes. Tal grau de semelhança levou os cientistas à conclusão de que ambos os
C
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patógenos provavelmente lançam mão . do mesmo conjunto de genes para infectar e causar doenças em suas respectivas vítimas. ''As funções metabólicas das duas linhagens são idênticas e permitem traçar uma estratégia convergente em termos de genoma funcional", afirma Marie-Anne Van Sluys, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, coordenadora da equipe que escreveu o artigo. Isso quer dizer que, na maioria dos casos, basta entender o papel dos genes em uma das bactérias para se deduzir a sua função na outra cepa de Xylella. Em termos práticos, se, por exemplo, for descoberta uma forma de controle da infecção que leva à CVC, o popular amarelinho, esse conhecimento provavelmente será útil ao desenvolvimento de uma estratégia semelhante contra a doença de Pierce - e vice-versa. Além de serem em grande medida idênticos, os genes das duas bactérias ocupam, na maioria das vezes, o mesmo lugar no DNA. Há, no entanto, re-
arranjos internos que tornam um geno ma diferente do outro. As regiões de fagos (segmentos genômicos vindos de vírus) do genoma da Xylella da laranja são, por exemplo, distintas, em número e conteúdo, das existentes na linhagem que ataca a uva. Um esclarecimento: todas as comparações se referem à análise dos genomas da linhagem 9a5c de Xylella, que ataca laranjas no interior paulista, e da cepa de Xylella presente nas videiras na região californiana de Temecula. A situação é tão grave em Temecula que a Universidade da Califórnia, em Riverside, importou uma espécie de vespa do México - a Gonatocerus triguttatus, inimiga natural da cigarra que transmite a bactéria para as uvas para tentar conter a disseminação da doença de Pierce. As duas Xylellas foram seqüenciadas por pesquisadores da Onsa, a rede virtual de laboratórios genômicos criada em São Paulo pela FAPESP. O deciframento do genoma da bactéria que causa o amarelinho, doença responsá-
função desses genes está relacionada com a patogenicidade ou virulência da bactéria." De acordo com Civerolo, os genes que se mostrarem importantes para a ocorrência da infecção ou o desenvolvimento da doença de Pierce podem ser alvo de algum tipo de manipulação como tentativa de combater esse mal.
vel por prejuízos anuais da ordem de ' US$ 100 milhões apenas entre os citricultores paulistas, veio a público nas páginas da edição de 13 de julho de 2000 da Nature, uma das revistas científicas internacionais mais importantes. Por ter sido o primeiro trabalho de seqüenciamento integral de um patógeno que ataca plantas, o artigo mereceu a capa da publicação. .nda
naquele ano, o sucesso dessa iniciativa pioneira rendeu aos participantes da Onsa um convite do De~ partamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), equivalente ao Ministério da Agricultura, para seqüenciar a linhagem da Xylella fastidiosa que causa a doença de Pierce nas videiras da Califórnia, principal Estado produtor de vinhos naquele país, que já sofreu perdas da ordem de US$ 30 milhões em razão da praga. Foi o resultado desse trabalho, orçado em US$ 500 mil e financiado em partes iguais pelos
norte-americanos e FAPESP,que os cientistas paulistas publicaram agora no Iournal of Bacteriology. Mais do que simplesmente fornecer a seqüência de nucleotídeos (as unidades químicas) que compõe o genoma da bactéria da videira, o artigo da equipe da rede Agronomical and Environmental Genomes (AEG), uma sub-rede da Onsa, procura chamar a atenção para possíveis pistas genéticas que possam ser úteis para quem busca tratamentos para as doenças causadas pelas linhagens de Xylella. A cura da doença de Pierce (ou do amarelinho) ainda está longe, mas a comparação do material genético de seus patógenos já fornece dicas importantes para quem deseja perseguir esse objetivo. "Vários genes que provavelmente estão envolvidos na interação entre a Xylella e as videiras foram identificados", diz Edwin Civero10, do Serviço de Pesquisa Agrícola do USDA,que participou do trabalho com os pesquisadores paulistas. "Podemos agora verificar experimentalmente se a
Gene alvo - Um desses genes candidatos a futuros estudos funcionais é o precursor da enzima poligalacturonase. A presença dessa proteína facilita a tarefa de degradar as paredes celulares da planta atacada por um patógeno. A doença de Pierce parece ser mais agressiva do que o amarelinho - e a explicação para essa diferença em termos de virulência pode, em parte, estar ligada à condição desse gene nas linhagens da bactéria que ataca a uva e a laranja. "Na Xylella dos citros, o gene aparece truncado, talvez não-funcional", afirma Mariana Cabral de Oliveira, do IB/USP, que participou do trabalho de seqüenciamento de ambas as variedades. "Na da videira, ele está intacto, integral." O resultado da comparação foi tão animador que os pesquisadores do AEG resolveram checar a integralidade do gene da poligalacturonase em outras linhagens de Xylella. Examinaram linhagens de Xylellas que atacam o café e constataram que o gene se mostrava truncado, a exemplo do que acontece com a bactéria da laranja. Faz sentido pensar, portanto, que a maior produção da poligalacturonase seja um fator determinante da capacidade de agressão de certas cepas de Xylella. Obviamente, tudo isso ainda precisa ser comprovado por mais trabalhos. Depois de decifrar o genoma do patógeno da doença de Pierce, os pesquisadores do AEG agora se dedicam a fechar e analisar o genoma de mais duas linhagens de Xylella, uma que ataca a planta ornamental conhecida como espirradeira e outra que infecta a amendoeira. Essas duas linhagens de bactéria foram parcialmente seqüenciadas nos Estados Unidos, mas a parte mais decisiva do trabalho será feita aqui. Orçado em US$ 100 mil, o projeto é uma extensão do acordo firmado com o USDA. Ao final dessa nova etapa, haverá quatro linhagens de Xylellas totalmente seqüenciadas, todas com destacada participação de cientistas brasileiros. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 41
• CIÊNCIA
ASTROFÍSICA
Luzes
do assaao Dois projetos registram as variações de temperatura que mostram o Universo há 13 bilhões de anos
mfevereiro, dois projetos divulgados quase simultaneamente deixaram um pouco mais claros a origem e o futuro do Universo, do qual agora se pode afirmar que tem uma idade bastante próxima a 13,7 bilhões de anos e um destino definido: expandir-se para sempre. No dia 11 de fevereiro, a Nasa, agência espacial norte-americana, apresentou os dados de seu satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (WMAP), lançado em junho de 2001 a um custo de US$ 45 milhões. Antes, porém, um grupo que trabaJhou em paralelo formado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de três instituições de pesquisa norte-americanas e de duas universidades italianas - conseguiu pôr no ar suas próprias conclusões, que se encontram desde o dia 3 no astro-ph, um espaço na Internet para o qual os cientistas enviam resultados inéditos quando não querem esperar os trâmites habituais de uma revista científica. Enquanto a equipe da qual os brasileiros participaram comemorou o pioneirismo na publicação dos resultados, embora com um trabalho de porte menor que o da Nasa, os especialistas em cosmologia ganharam duas bases de dados complementares, ambas construídas com a mesma matéria-prima: a chamada radiação cósmica de fundo em microondas, um tipo de radiação eletromagnética produzida nos momentos iniciais do Universo. O estudo coordenado pela Nasa com outras cinco universidades norte-americanas é mais abran-
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gente: registrou as sutis variações de temperatura que correspondem à radiação de fundo no céu todo e em cinco freqüências de microondas. O outro projeto, chamado Advanced Cosmic Explorer (ACE), concentrou-se em uma área equivalente a 4% da esfera celeste, que inclui parte de nossa galáxia, a Via Láctea, analisada há dois anos em apenas duas faixas de freqüência por meio do radiotelescópio Background Emission Anisotropy Scanning Telecope (Beast). O Beast exibe, porém, um olhar mais apurado das regiões do céu e nas freqüências que observou, nas quais tem uma resolução de imagem cerca de 50% melhor que a do satélite da Nasa. Cada um a seu modo - o satélite a 1,6 milhão de quilômetros da Terra, o radiotelescópio a 4 mil metros de altitude, no topo de uma montanha no oeste dos Estados Unidos -, os dois aparelhos mediram as variações na temperatura da radiação cósmica de fundo, com oscilações de milionésimos em torno do valor médio, que é de 2,73 kelvin, pouco acima do zero absoluto, 273°C negativos ou O kelvin. Desse modo, mostram como era o Universo há 13 bilhões de anos, pouco depois de ter se formado. Como nesse tempo as estruturas do Universo, como os planetas e as galáxias, ainda não haviam se formado, a arquitetura original era bem diferente da atual. É como se os físicos resolvessem descobrir quantos torcedores foram a um jogo de futebol examinando, no dia seguinte à partida, os resquícios deixados na arquibancada - onde houvesse mais Iatinhas de refrigerante, por exemplo, provavelmente havia
mais pessoas. Começa agora a reconstituição do cenário original, refeito a partir da distribuição da radiação de fundo, emitida 380.000 anos depois do Big Bang, a explosão que teria originado o Universo - nesses tempos, quando a temperatura era de cerca de 3.000oC, somente os átomos de hidrogênio e hélio, os elementos químicos mais simples, poderiam existir. araos astro físicos, as primeiras conclusões que emergem dos dois mapeamentos valem quase como um presente de Natal que chega um pouco atrasado. Um dos pontos esclarecidos sobretudo pela equipe ligada à Nasa, que se encontra num estágio mais avançado de análise dos resultados obtidos, é a própria idade do Universo, antes estimada entre 8 e 20 bilhões de anos. Agora, o mais certo é algo em torno de 13,7 bilhões de anos, com uma margem de erro de apenas 1%, bastante pequena diante dos 20% de antes. A análise da radiação eletromagnética que viajou 13 bilhões de anos à velocidade da luz até chegar à Terra conduz a outra conclusão importante: as primeiras estrelas começaram a brilhar somente 200 milhões de anos depois do Big Bang, muito antes do que os astrofísicos imaginavam. Pôde-se também definir melhor a composição do Universo. A maior parte, 73%, consiste da
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chamada energia escura, que ninguém ainda sabe o que é; 23% é matéria escura fria, igualmente misteriosa; a matéria conhecida, feita de átomos, que formam as moléculas, os seres vivos, os planetas e as galáxias, não passa de 4%, uma participação modesta a ponto de ser chamada de impureza. Ficou acertada também a velocidade de expansão do Universo em 71 quilômetros por segundo por megaparsec (um parsec equivale, em quilômetros, ao número 3 seguido de 13 zeros). De modo um pouco mais concreto, dois pontos separados 1 milhão de anos-luz (um ano-luz corresponde a 9,5 trilhões de quilômetros) se afastam à velocidade de 21,8 quilômetros por segundo. O próprio destino do Universo parece certo: expandir-se para sempre, embora não tenha sido descartada definitivamente a possibilidade de que venha a se contrair no futuro. A perspectiva de expansão contínua sugere cenários chocantes, sobre os quais os físicos já fizeram alguns cálculos. Em 1040 (o número 1 seguido de 40 zeros) anos, a matéria (planetas e galáxias) deve se desintegrar, como um gelo virando gás, e em 10100 anos até os buracos negros devem evaporar, resultando em uma sopa cósmica - não escaldante, como no Big Bang, mas gelada. Vista como uma espécie de fóssil celeste, a radiação cósmica de fundo foi descoberta acidentalmente em 1965
pelo alemão naturalizado norte-americano Arno Penzias e pelo norte-americano Robert Wilson, dois físicos que trabalhavam nos laboratórios da Bell Telephone, dos Estados Unidos - em 1978, o achado rendeu-lhes o Prêmio Nobel de Física. O primeiro mapa das flutuações da radiação de fundo associadas às estruturas originais do Universo só saiu em 1992, por meio do satélite Cosmic Background Explorer (Cobe), lançado três anos antes pela Nasa. "O Cobe só registrava as variações de temperatura em grandes áreas do céu, provavelmente relacionadas à origem de superaglomerados de galáxias", afirma Thyrso Villela Neto, pesquisador do Inpe e um dos coordenadores do projeto ACE. "Temos agora uma visão mais realista do início do Universo e de como eram as coisas quando ele se formou." Hoje se conhecem estruturas muito menores, possivelmente o ponto de partida para a formação de galáxias. Visão detalhada - O que permitiu esse detalhamento foi o avanço no poder de definição dos telescópios, a chamada resolução angular - a capacidade de distinguir dois objetos próximos entre si. Optando por um mapa menor, mas o mais detalhado possível, a equipe que trabalhou com o telescópio Beast fez da resolução angular um de seus diferenciais em relação ao satélite da Nasa. "Para melhorar a resolução angular de
um telescópio em relação a outro que observa na mesma faixa de freqüências, deve-se, principalmente, aumentar o diâmetro de seu espelho ou a superfície coletara de radiação", explica Villela. om um espelho de captação de radiação com 2,2 metros de diâmetro, o Beast distingue dois objetos a uma distância angular de 23 minutos de arco (um minuto de ; arco corresponde, geometricamente, a 1/60 de grau) na freqüência de 40 gigahertz (hertz é a unidade de medida de freqüência, que equivale a um ciclo por segundo). Nessa mesma faixa, o WMAP, com um espelho com 1,6 metro de diâmetro, só informará se há dois e não um objeto se ambos estiverem separados 32 minutos de arco um do outro. "O radiotelescópio funciona como um receptor de rádio sofisticado", observa o físico Newton Figueiredo, da Universidade Federal de Itajubá. "Mas, em vez de procurar uma emissora, sintoniza uma faixa de microondas." Com as ondas captadas, os pesquisadores constroem um mapa do céu na faixa de microondas, representando em amarelo ou vermelho as regiões de temperatura mais alta e em azul, as mais frias aparecem. Depois, preparam um gráfico conhecido como espectro de potência, que apresenta uma linha contínua,
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no qual as curvas sobem e descem. O desenho final se parece com um eletrocardiograma, o exame que registra as correntes elétricas do coração. Foi Figueiredo quem projetou o sistema óptico do Beast. Colocando o foco - o ponto para o qual convergem as ondas - fora do eixo principal do espelho, conseguiu reduzir as interferências dos sinais que chegavam aos oito receptores de microondas que se encontram no plano focal do espelho do telescópio. Instalado no início de 2001 no ponto mais alto da White Mountain, na divisa dos estados norte-americanos da Califórnia e de Nevada, o Beast varreu o céu pela primeira vez de julho a dezembro de 2001. No ano passado, houve mais duas semanas de observações em fevereiro e uma temporada mais longa, de agosto a outubro.
o PROJETO Radiação Cósmica de Fundo em Microondas e Formação de Estruturas no Universo MODALIDADE
Projeto temático COORDENADOR REUVEN
OPHER -
INVESTIMENTO
R$ 2.342.292,29
IAG/USP
Filtrando sinais - Houve outra inovação brasileira na pesquisa da radiação de fundo. Desde 1998, em um projeto paralelo, pesquisadores do Inpe e da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos, observam o céu do Hemisfério Sul, que inclui a Via Láctea, uma das principais fontes de contaminação das medidas de radiação de fundo, por meio de um radiotelescópia que hoje está no Inpe, em Cachoeira Paulista, depois de operar nos Estados Unidos, nas Ilhas Canárias, na Antártica e na Colômbia. Camilo Tello, pesquisador do Inpe, conseguiu separar os sinais do céu daqueles indesejados, como a radiação emitida pela própria Terra ou por emissoras de rádio e televisão. O modelo matemático que ele fez tem aplicações em outras áreas, como na telefonia celular, na medida em que pode melhorar a cobertura das antenas de transmissão de sinais. O Beast é uma espécie de protótipo do satélite Planck, que a Agência Espacial Européia (ESA) pretende lançar em 2007. Sua missão será buscar informações ainda mais detalhadas sobre o Universo. "Na próxima década, teremos diversos mapas para comparar", afirma Thyrso. Com os novos levantamentos, talvez seja possível saber, por exemplo, se o Universo é finito ou infinito. "Se for infinito, vai se expandir para sempre': diz Figueiredo. "Se for finito, um dia vai se contrair." • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 45
oscilação por segundo. "O grande mérito desse trabalho foi ultrapassar a barreira dos gigahertz", diz o físico Douglas Soares Galvão, da Unicamp, que coordenou o estudo, feito por meio de simulações em computador. Os nanotubos tornam-se viáveis à medida que se domine a tecnologia de sua fabricação, hoje em fase inicial,e os custos de produção caiam - algo um pouco mais próximo de acontecer, já que em alguns anos expira um conjunto de patentes internacionais que faria o preço do nanotubo despencar dos atuais US$ 1.000o miligrama para menos de US$ 100 o quilo. Superados esses obstáculos, os nanotubos ganham aplicações militares. Sem os cilindros nas pontas, funcionariam como nanocanhões. Lançado a mais de 1.500 metros por segundo, o equivalente à velocidade da bala de um fuzil, o nanotubo interno seria uma espécie de nanobala, superando a força que o mantém no interior do tubo maior, a chamada força de Van der Waals, que explica a atração recíproca entre moléculas neutras (sem carga elétrica), como os nanotubos. 'déiade usar simulações em computador para avaliar se os nanotubos funcionariam como osciladores surgiu em junho passado no Instituto de Física da Unicarnp, quando se levantou a suspeita de que os resultados de um estudo publicado poucos meses antes poderiam estar errados. Em janeiro de 2002, Quanshui Zheng, da Universidade Tsinghua, na China, e Qing Iiang, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, sugeriram na Physical Review Letters que os nanotubos de carbono poderiam gerar nanoosciladores capazes de operar em várias freqüências da ordem dos gigahertz. Eles propuseram o uso de nanotubos um pouco diferentes- o maior delessem cilindros nas pontas e com uma das extremidades fechadas.Além disso,haviam feito os cálculos para o conjunto de nanotubos estáticos, sem levar em consideração os efeitos do aumento da temperatura - que faz os átomos vibrarem mais intensamente - nem da passagem do tempo, que permite conhecer como os tubos interagem durante o movimento.
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48 . MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
o movimento:
teoricamente,
para sempre
Sergio Legoas, Scheila Braga e Vitor Coluci, da equipe de Galvão, criaram os programas que geravam automaticamente as estruturas, realizaram as simulações dos nanoosciladores e, por fim, mostraram que havia um erro no modelo dos chineses. Como havia sido proposto, o sistema de nanotubos não funcionaria: as simulações demonstraram que o tubo interno, quando começava a oscilar, chocavase com a parede fechada e passava a vibrar, impedindo a continuidade do movimento. A indicação que levou ao formato de haltere surgiu de um trabalho publicado na Science dois anos antes, por Alexander Zettl e Iohn Cumings, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.Ali se demonstrava experimentalmente que nanotubos forma-
o PROJETO Mapeamento Teórico Sistemático da Relação Estrutura-Função em Polímeros Conjugados de Interesse Tecnológico MODALIDADE
Projeto temático COORDENADORA MARÍLlA
JUNQUEIRA CALDAS-
Instituto de Física/Unicamp INVESTIMENTO
R$ 384.613,83
dos por múltiplas camadas apresentavam movimento oscilatório: quando se empurrava um nanotubo mais interno, ele se deslocava para fora até quase escapar, mas retornava para o interior do nanotubo maior se movimentando em sentido contrário - uma evidência da ação da força de Van der Waals, que aumenta proporcionalmente à área do tubo interno exposta fora do nanotubo maior. Unindo os artigos às simulações, a equipe brasileira concluiu que o mais importante para permitir que o tubo interno deslizasse sem atrito no interior do nanotubo maior era o espaço livre entre eles. Por meio de uma série de cálculos, o grupo verificou que o raio do tubo mais externo deveria ser 3,4 ângstrom (um ângstrom corresponde a um décimo do nanômetro) maior que o do interno. Mas o problema estava resolvido apenas em parte. Se montassem o nanooscilador com base apenas nessas informações, o nanotubo se pareceria com um cano com duas extremidades abertas contendo uma cápsula no interior. Era preciso obter uma forma que impedisse a entrada de átomos livres, que agiriam como impurezas e atrapalhariam o movimento do tubo menor. "Em três meses, chegamos ao formato do haltere, a conformação mais simples possível': diz Galvão." inguém acreditava que existisse na natureza um sistema como esse, capaz de funcionar quase sem atrito." Com esse formato e essa distância entre os tubos, o oscilador foi capaz de funcionar praticamente sem perder energia na forma de calor por causa do atrito entre as paredes. Ainda não era o bastante. Um mecanismo desses deve ser capaz de funcionar à temperatura ambiente, 25° Celsius. Repetindo as simulações, Galvão constatou que o sistema de nanotubos atuava de maneira estável não apenas à temperatura de O kelvin, correspondente a-273° Celsius, adotada nos cálculos por representar uma das condições em que os átomos praticamente param de vibrar. Permanecia eficiente também à temperatura de 400 kelvin (127° Celsius), vibrando à freqüência de até 38 GHz. "Na simulação, o nanooscilador funciona-
ria por um período indefinido, quase para sempre, sem necessitar receber um novo impulso", diz Galvão. "Já no mundo real, como há pequenas perturbações, o sistema precisaria ser alimentado com muito pouca energia." Nanobalas - A equipe de paulistas e mineiros trabalha agora para descobrir uma maneira prática de colocar o nanotubo interno do oscilador em movimento. A proposta inicial, sugerida pelos físicos mineiros Pablo Coura e Sócrates Dantas, de Juiz de Fora, seria utilizar o campo magnético de uma espécie de eletroímã para dar um empurrão inicial no oscilador. Para isso, o tubo interno, embora feito de carbono, teria de agir como um metal, e o externo, como um material isolante. Nos testes em que avaliavam a velocidade máxima a que o nanotubo interno poderia se movimentar sem escapar do haltere, os físicos descobriram que, ao atingir a velocidade de 1.500 metros por segundo, o nanotubo interno era violentamente atirado para fora do oscilador. Desse resultado é que surgiu a idéia de utilizar os nanotubos como um nanocanhão. A equipe de Galvão conseguiu gerar as equações capazes de prever o impacto de uma nanobaIa e agora faz experimentos - sempre em ambiente virtual- para aumentar o poder de fogo do projétil. Os melhores resultados obtidos se deram' quando moléculas de cubanos são encapsuladas dentro do tubo interno. Cubanos são moléculas compostas por oito átomos de carbono e oito de hidrogênio que se ligam formando um cubo - daí o nome. De qualquer forma, para ganhar uma aplicação militar efetiva - algo que ainda pertence ao campo da ficção -, seria preciso reunir bilhões de nanocanhões em poucos centímetros. Desse modo, se colocados em um satélite, os nanotubos poderiam ser disparados contra um satélite inimigo, retomando dessa maneira o hipotético cenário do Guerra nas Estrelas, o programa de defesa norte-americano reavivado nos anos 80 pelo ex-presidente Ronald Reagano "Mas seria necessária uma quantidade muito grande de nanocanhões para produzir um impacto significativo, porque um único nanocanhão só seria eficaz contra um nanossatélite', brinca Galvão. •
As impurezas do ouro c,
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I Fragilidade:
o fio se rompe normalmente
Há um ano, físicos da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desvendaram os detalhes do rompimento dos nanofios de ouro, estruturas que medem bilionésimos do metro e representam um material estratégico para a fabricação da próxima geração de computadores. O feito lhes valeu a matéria de capa da Physical Review Letters em 17' de dezembro de 2001, mas um detalhe ainda intrigava: a distância entre os átomos de ouro que, antes de romper-se, ficam 25% mais afastados do que os 0,29 nanômetros (nrn) verificados no cristal, a substância pura. As medições experimentais, feitas em microscópios eletrônicos de alta resolução, registram distâncias da ordem de 0,36 nm ou bem maiores, de 0,48 nm. Num artigo publicado em 23 de janeiro deste ano, novamente na Physical
o PROJETO Simulação Computacional de Materiais Nanocomputacionais MOOALIDADE
Projeto temático COORDENADOR ADALBERTO FAZZIO - IF/USP INVESTIMENTO
R$ 913.029,43
entre dois átomos de ouro (setas)
Review Letters, Adalberto Fazzio, Antônio José Roque da Silva e Frederico Dutilh Novaes, da USP, em conjunto com Edison Zacarias da Silva, da Unicarnp, demonstram, por meio de simulações em computador, que essa variação se deve à presença de impurezas. Átomos de hidrogênio ligados aos de ouro explicariam as distâncias menores, da ordem de 0,36 nm, enquanto os de enxofre seriam os responsáveis pelas maiores, de 0,48 nm. O trabalho foi um dos destaques da seção Editors' Choice da Science de 14 de fevereiro. Os físicos examinaram a possibilidade de que as impurezas fossem outros elementos químicos, como boro, carbono, nitrogênio e oxigênio, mas só o hidrogênio e o enxofre coincidiram com os resultados experimentais. "O problema é que ninguém consegue ver o que está junto com os átomos de ouro", comenta Fazzio. Nos microscópios eletrônicos, tanto o hidrogênio - com apenas um próton atuando como núcleo, ao redor do qual orbita um único elétron quanto o enxofre - 16 prótons e 16 elétrons - desaparecem diante do respeitável átomo de ouro, constituído por 79 pró tons e 79 elétrons. De todo modo, parecem aumentar a resistência dos nanofios e, portanto, adiar seu rompimento. "Ligações entre átomos de ouro com as impurezas são mais estáveis do que aquelas entre dois átomos de ouro", comenta Roque da Silva. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 49
.CIÊNCIA
ENTREVISTA:
MARCELLO
DAMY
Opiniões atômicas Físico defende o uso de usina nuclear para gerar eletricidade e critica a opção brasileira pela energia térmica
MARILUCE
MOURA
E NELDSON
arcello Damy de Souza Santos poderia facilmente ser definido como um homem de opiniões fortes. No seu caso, é pouco. Embora não pareça, ele é também fisicamente forte. À primeira vista, o aparelho contra a surdez no ouvido direito e um leve esforço para caminhar enganam os entrevistadores. Ocorre que, aos 88 anos, Damy fuma dez cigarros por dia, alimenta pessoalmente algumas dezenas de rolinhas que freqüentam seu jardim, lida freqüentemente com aparelhos elétricos e eletrônicos em sua casa (às vezes, até inventa um), orienta um grupo de exdoutorandos formados por ele e presta assessoria para o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que ajudou a criar em 1957, então com o nome de Instituto de Energia Atômica. O físico Marcello Damy mostra-se ainda mais interessante quando começa a falar. Suas opiniões sobre qualquer assunto demonstram, sempre, enorme
MARCOLIN
convicção. Seja para rechaçar, com ironia, ambientalistas que se opõem ao uso de energia nuclear, seja para criticar colegas que utilizam a universidade apenas em benefício próprio. Marcello Damy ingressou na Escola Politécnica no começo dos anos 30 e teve a sorte de encontrar dois professores europeus que mudaram sua vida. As seções de física e química da então Faculdade de Filosofia, àquela época, funcionavam na Poli, o que permitia aos alunos acompanhar as aulas então revolucionárias dos italianos Gleb Wataghin (física) e Luigi Fantappié (matemática), completamente diferentes do hábito vigente de preparar aulas baseadas apenas em livros muito antigos. O jovem Damy não hesitou em mergulhar na física e nas pesquisas lideradas por Wataghin. A partir daí, o jovem nascido em Campinas construiu um currículo exuberante, raramente igualado no Brasil, com contribuições reais para o conhecimento da física nuclear e, em alguns casos, para a indúsPESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 51
tria. Aposentou-se como professor ernérito e catedrático pela Universidade de São Paulo e passou pela Universidade Estadual de Campinas e Pontifícia Uni" versidade Católica de São Paulo, além de universidades da Inglaterra e dos Estados Unidos. Seu interesse pelos átomos o tornou um especialista na questão nuclear e férreo defensor da energia elétrica gerada a partir de urânio enriquecido. Com conhecimento e leve ironia, ele explica por que o Brasil deve redirecionar os investimentos nesse setor. Seu leque de interesses é grande. A música é um deles - e não o menos importante. Com a mulher, Lúcia, e alguns amigos, Damy chegou a formar um grupo que tocava música antiga, com preferência para o barroco, em sua casa. Lúcia no piano, o marido na flauta doce. Na casa onde moram é fácil perceber-lhes o gosto: há um cravo, um piano e um pianoforte autêntico, além de instrumentos de corda e sopro. As paredes são forradas de quadros, quase todos pintados por Lúcia, alguns premiados no exterior. Com raro talento, Damy conseguiu unir algumas paixões: como ama a música e é um pioneiro da física experimental no Brasil, não lhe pareceu difícil inventar um aparelho para afinar instrumentos. A seguir, os principais trechos da entrevista.
• Causou polêmica o ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, ter dito que o Brasil deveria dominar todo o conheci-, mento nuclear, incluindo o da bomba atômica. Como o senhor vê a possibilidade do uso desse tipo de energia no país?
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- Se olharmos o panorama internacional, veremos que a energia hidrelétrica, que é a grande força motriz do Brasil, representa menos de 5% da geração de energia elétrica no mundo inteiro. Agora, a energia hidrelétrica vai muito bem quando existem condições favoráveis e há chuvas regulares. Mas quando São Pedro briga um pouco conosco, entramos no apagão. A energia hidrelétrica é interessante quando há uma quedad'água natural que possa ser aproveitada e tenha um regime de funcionamento razoável por todo o ano. A fonte de energia que é a mais comum no mundo é a térmica, de petróleo, carvão, gás. Foi a que Fernando Henrique Cardoso escolheu para o Brasil. O país comprou certo número dessas usinas e elas até hoje não entraram em funcionamento. 52 . MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
• O senhor se refere ao gás? - Sim. Então tem que importar gás da Bolívia. O gasoduto vai do Brasil à Bolívia, para retirar o gás deles - o que é uma coisa absurda, mesmo do ponto de vista estratégico, uma enorme linha de transmissão de gás, de tubos. Qualquer coisa pode causar um acidente e, aí, param todas as usinas. Não se pode ter indústria dependendo de variáveis tão fáceis de serem atingidas. E é caro, depende de política externa, é um problema complicado. Ao passo que a energia atômica, não. O Brasil é o quinto depositário de jazidas de urânio do mundo. E é o quinto porque nós exploramos uma região muito pequena. Precisávamos desenvolver a tecnologia do emprego do urânio em reatores para gerar força eletromotriz. Esse problema foi totalmente resolvido no Brasil. Nós desenvolvemos a tecnologia de construir um reator nuclear e fizemos isso com urânio nosso. Depois desenvolveu-se toda a tecnologia de produção de urânio e de urânio enriquecido, que é o que se usa na bomba. Isso foi feito com uma colaboração entre o Ipen, a Marinha e o Rio de Janeiro. A descoberta da tecnologia de enriquecimento ocorreu lá pelos anos 70. Antes foram feitas tentativas baseadas em métodos clássicos. Usaram uma centrífuga para separar o urânio mais pesado: porque as partículas do urânio mais leve adquirem menos velocidade numa centrífuga, então se pensava que com centrífuga a gente podia separar o urânio facilmente. Mas se separam dificilmente. Então essa técnica de separação foi estudada aqui e desenvolvida no mundo inteiro. Nós temos essa tecnologia de centrifugação, que funciona muito bem, os reatores são mantidos com urânio nacional, enriquecido aqui, trabalhado e transformado em combustível aqui no Brasil.
• Se todas essas questões estão resolvidas, por que temos problemas em relação à questão da energia nuclear? - As usinas de Angra foram adquiridas pelo almirante Álvaro Alberto num tempo em que o Brasil não dominava o enriquecimento de urânio, quer dizer, a separação do urânio 235 do 238. Nessa época é que foi feito o acordo BrasilAlemanha, nos anos 70. Ocorre que nós ficaríamos sempre dependentes da importação, e essa importação, em caso
de guerra, é impossível de se fazer, porque o combustível usado para a produção de energia pode ser um pouco mais refinado e utilizado para fazer bomba atômica. Estudos feitos aqui conduziram ao método de separação de urânio perfeitamente equivalente aos métodos de separação que se usavam nos Estados Unidos, na Alemanha e na então União Soviética. Em conseqüência, o Brasil ficou independente na produção de combustível. E, considerando que somos o quinto detentor do mundo de jazidas de urânio e nós examinamos apenas cerca de 1/30 do território nacional, fica claro que este é um combustível que deveríamos usar.
• Os ambientalistas sempre levantam dúvidas em relação às usinas nucleares. - O problema dos ambientalistas é a exploração do desconhecimento do problema. É claro que os primeiros reatores feitos para produzir energia nada mais eram do que bombas atômicas controladas. Havia o risco potencial de explodir. Isso não existe mais. Hoje, uma usina nuclear oferece muito menos risco do que uma usina hidrelétrica.
• Mas há os exemplos de Chernobyl (1986) e de Three Miles Islands (1979) ... - Chernobyl tinha um reator muito bom, muito bem projetado, que funcionava extremamente bem - existem vários reatores em Chernobyl. Num deles, os técnicos, num fim de semana, resolveram explorar para ver se as condições de segurança estavam funcionando bem. Mudaram um pouco o sistema e quando fizeram a experiência aconteceu o que se deveria esperar. Quer dizer, se meteram numa coisa que não entendiam e acabaram provocando a explosão. Mas é o único reator que explodiu. Agora, explodiu não porque ele estava em condições normais de trabalho, mas porque os técnicos procuraram colocá-lo numa posição anormal para ver se o vidro quebrava. Derrubaram o copo e viram que quebrou mesmo. Three Miles Islands foi a mesma coisa. É um caso de técnicos que começaram a mexer no sistema de controle.
• Não poderia acontecer o mesmo com outras usinas? - Pode acontecer com vários tipos de experiência, até na farmácia. Se a pessoa entra na farmácia, pega um vidro
- Não, pelo seguinte: os acordos internacionais que existem dizem respeito ao urânio que é importado junto com o reator que vai utilizá-lo. Para Angra 1 e 2, no início nós importávamos todo o combustível, porque o Brasil não sabia enriquecer urânio. Depois descobrimos como enriquecer urânio. E para Angra 3 não temos necessidade de usar urânio de ninguém, podemos fazer todo ele.
em que está escrito que o material é venenoso e bebe para experimentar, verifica que era veneno mesmo.
• Bom, o problema aí é do alcance do estrago que uma usina faz ... - É um problema de disciplina e de escolha dos técnicos que vão operar o reator. Agora, a gente pode sempre tomar o cuidado de nunca deixar o reator armazenar mais combustível do que ele precisa no seu funcionamento normal. Aí acaba a possibilidade de explodir, mesmo que queIram.
• Como o senhor viu a declaração do ministro Roberto Amaral por causa da referência "sim, devemos inclusive conhecer como sefaz a bomba atômica"?
• A questão dos rejeitas não é uma questão ambiental grave? - Não é. Basta planejar um reator que tenha rejeitos mínimos. O rejeito se desintegra com o tempo. É só enterrá-lo bem, num lugar separado, que ele acaba sendo inócuo. Mesmo que leve alguns milhares de anos para isso. Agora, é de se notar o seguinte: o argumento sobre a periculosidade dos rejeitos é ridículo, porque a quantidade de urânio que se queima em um ano para manter o reator de Angra em funcionamento é algo que cabe em dois baldes, ou coisa que o valha. Pode-se pegar uma mina velha, em um lugar onde não haja infiltração de água, e jogar esse urânio utilizado lá dentro. Como fazem nos Estados Unidos, na Alemanha, França, Inglaterra, em todo mundo. Nesses lugares não parece perigoso, só aqui. E só se for feito por nós! Se for feito por eles, não, não tem perigo nenhum.
• Angra 2 já foi chamada de usina vaga-lume'; por funcionar e apagar com muita freqüência. Esse tipo de problema foi resolvido? - Nunca mais ouvi falar de problemas técnicos com os reatores de Angra. Eu fui contrário à construção dos reatores de Angra porque eu achava que em lugar de o Brasil comprar dois reatores a peso de ouro da Alemanha nós devíamos construir aqui. Ainda que inicialmente fizéssemos um reator menor para avaliar a qualidade do nosso urânio, testar nossa tecnologia e depois ir partindo para coisas maiores. Em lugar disso fizeram aquele programa de vários reatores de potência.
• Mas isso não tem a ver com os acordos internacionais que o Brasil assinou, de controle de armamentos?
- Nisso eu acho que ele foi um pouco infeliz. Parece que não pesou bem o que estava dizendo ou não avaliou as conseqüências. Ele deveria esperar essa reação, se não fosse tão imprudente.
• O senhor não acredita que a produção de energia a partir da biomassa não pode ser uma saída? - Isso é piada. Se você pensar que vai encontrar bagaço de cana para manter uma usina tipo Itaipu funcionando ... Não vai, nunca. Dá para acender numa tarde, que é para divertir o pessoal. Quanto aos outros tipos de energia, eles deram muito pouco resultado no resto do mundo. Energia solar, por exemplo, é muito limitada e cara.
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• Quando a física nuclear entrou na sua vida? - Foi uma evolução natural. No período em que comecei a estudar com o professor Gleb Wataghin, nos anos 30, primeiro na Politécnica depois na Faculdade de Filosofia, conheciam-se os raios cósmicos, essas partículas carregadas que caem na Terra, e substâncias radioativas. Nós trabalhávamos com isso. Não se conhecia a energia nuclear e o aproveitamento industrial da energia. Isso veio com a Segunda Grande Guerra. A física, no fundo, é uma ciência experimental. Nós estudamos os fenômenos da natureza. Entre eles, estão os fenômenos radioativos, descobertos por Pierre e Marie Curie, no início do sécu10 20. Ora, o estudo da radioatividade passou a ser importante. No mundo inteiro começou-se a estudar as propriedades do rádio e das radiações. Esses estudos foram se desenvolvendo e transformaram-se na física nuclear. • O senhor foi um dos pioneiros da física
experimental no Brasil. Não havia muito interesse pelo tema na época? - Naquele tempo, década de 30, os professores apenas ensinavam fisica. E da seguinte maneira: o professor estudava a aula na véspera para no dia seguinte passar para os alunos. A diferen-
l ça do conhecimento do professor para o aluno era de 24 horas. Em 1938, depois de formado, fui para a Universidade de Cambrigde, na Inglaterra, e estagiei no Laboratório Cavendish, que era o maior centro de física do mundo. Lá apresentei um projeto ao meu diretor, William Lawrence Bragg, Prêmio Nobel de Física, para a construção de um equipamento meio complicado para estudar raios cósmicos penetrantes, que caíssem em grande extensão. Ele aprovou o projeto e quando o aparelho estava quase pronto para funcionar veio a decisão de fechar a universidade, por causa da guerra. Aí o meu supervisor, W. H. Lewis, me convidou a ficar lá, trabalhando com eles. Eu disse que não dependia só de mim, até porque eu estava lá pelo governo brasileiro. Eles escreveram uma carta ao nosso governo perguntando sobre essa possibilidade. E por sorte minha e por azar deles - ou vice- versa - o ministro das Relações Exteriores era o Oswaldo Aranha, primo-irmão do meu pai. O raciocínio dele foi este: "Se o Marcello pode ser tão útil na Inglaterra a ponto de quererem mantê-lo lá, ele vai ser muito mais útil aqui, porque não temos ninguém com essa especialização': Aí, voltei. • O físico José Leite Lopes destaca, de
suas contribuições para a física, a descoberta do componente penetrante da radiação cósmica, em 1939.
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- Isso foi feito com esse aparelho que ' eu trouxe da Inglaterra. Os ingleses foram tão corretos comigo, que o diretor do laboratório disse: "É importante acabar essa experiência. O laboratório dá o aparelho que você construiu para levar para o Brasil': No Rio de Janeiro - o Brasil estava entrando na guerra e havia muita espionagem alemã feita por rádio -, um zeloso funcionário da alfândega inspecionou o aparelho que eu trazia, montado em uma caixa de aço com uns 80 centímetros de fundo. Quando ele viu que tinha 40 e tantas válvulas disse: "Isso é um transmissor de rádio". E apreendeu minha bagagem. Mas, no final, a consegui de volta e foi com ele que fizemos o estudo dos chuveiros penetrantes em grandes profundidades. • O físico alemão Werner Heisenbergpu-
blicou um livro sobre radiação cósmica analisando o trabalho do senhor, do Gleb
Wataghin e do Paulus Pompéia sobre essa descoberta. Ele atribui parte do êxito da pesquisa ao período em que o senhor passou na Inglaterra. - Exato. Meu aparelho foi o primeiro no mundo que mediu tempos da ordem de 1 centésimo de 1 milionésimo de segundo. Os que funcionavam até aquela época era com a tecnologia que o Wataghin trouxe ao Brasil. Com ela, media-se 100 milionésimos de segundo e eu consegui medir, com meu aparelho, 1 centésimo de 1 milionésimo de segundo. Era 10 mil vezes mais sensível. Com isso, nós, aqui no Brasil, descobrimos os chuveiros penetrantes, um fenômeno característico dos raios cósmicos. Raios cósmicos são uma radiação que vem do espaço e atinge a Terra. É resquício da formação do Universo, são partículas que não se uniram a massas maiores para dar origem a planetas, estrelas, etc. Então perambulam pelo espaço - estamos continuamente sujeitos ao bombardeio dos raios cósmicos. Ocorre que descobriram que, algumas vezes, esses raios vêm simultaneamente, como um grupo de partículas, e isso constitui um chuveiro. Estudando esses chuveiros, verificamos que existem alguns com dezenas de metros de extensão. E esses são muito penetrantes - nós conseguimos medi-los até debaixo da mina de Morro Velho, em Minas Gerais, a mais profunda do mundo: Então batizamos com o nome de chuveiro penetrante. Foi descoberto por nós aqui em São Paulo, pelo Wataghin, por mim e pelo Pompéia. O Wataghin ficou tão entusiasmado, que escreveu um resumo do trabalho e conseguiu publicar na Physical Review Letters, em 1940.
• Gostaríamos que falasse sobre os cristais e a influência que o senhor teve na área da indústria. - Durante o período da guerra, eu e o professor Pompéia fomos mobilizados a ajudar a Marinha. O problema era localizar submarinos a distância por meio de sonares. Na época, tentamos usar o método auditivo, com um microfone muito sensível que colocávamos na água para ouvir o ruído da hélice inimiga. Fizemos um laboratório flutuante na represa de Santo Amaro, aqui em São Paulo, aperfeiçoamos os instrumentos e desenvolvemos detectores. Nós púnhamos o detector na água e, bem longe dele, um barquinho feito por nós,
que funcionava com um motorzinho elétrico e uma pilha. O microfone captava o ruído do turbilhão provocado pela hélice. Depois, quando fizemos a experiência no Rio, tivemos uma surpresa que deveria ser esperada se algum de nós fosse marinheiro: é que o mar é muito barulhento. Há marola, ventos ... Quando colocávamos o aparelho na água, ouvíamos tudo, qualquer ondinha vagabunda. Ouvíamos tantos ruídos que era impossível distinguir uma coisa de outra. Aí passamos a usar uma técnica diferente, a do sonador ultra-sônico, que foi estudada por um grande físico, Langevin, na Primeira Guerra. Ele usava um microfone muito sensível, mas só com freqüências muito altas, e esses microfones eram feitos de quartzo piezoelétrico. Nós começamos a trabalhar o quartzo, cortando em lâminas finas, num determinado ângulo, para chegar a resultados melhores. E, no final, resolvemos o problema de sonares para a Marinha. I
• Os experimentos com quartzo tiveram influência sobre a indústria de aço? - Não. Teve influência sobre a indústria de relógios e de pedras preciosas. Mas isso foi feito muito depois da guerra. Na guerra, nós trabalhávamos com sal de Rochelle. Depois, quando surgiu o problema de falta de quartzo no Brasil - as regiões que produziam quartzo puro passaram a produzir quartzos imperfeitos e não se aproveitava quase nada -, viu-se que a solução para o Brasil era tomar a pedra pura, mas mal cristalizada, dissolver e cristalizá-Ia bem.
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• Qual a visão que o senhor tem hoje do sistema de ciência e tecnologia? - Houve um progresso extraordinário. Principalmente quando se leva em conta a dificuldade que existe no Brasil de conseguir recursos para pesquisa. Hoje nós encontramos duas coisas contraditórias: de um lado laboratórios competentes que têm dificuldades em conseguir recursos; e de outro laboratórios incompetentes que jogam dinheiro fora sem produzir nada. Isso acontece em todos os países, mas no Brasil essa relação está um pouco alta. Agora, quando falo isso excluo obviamente a FAPESP, um modelo de correção, de como se deve trabalhar no auxílio do desenvolvimento científico. Eu me refiro a verbas de ministério e coi-
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sas que o valham, que entram pela universidade e são aplicadas em áreas que não têm sentido nenhum. • E a física, como está hoje no Brasil? - Eu acho que vai bem. O número de trabalhos científicos de alto nível que publicamos por ano é significativo e tem sido crescente. Mas acho que a pesquisa científica poderia ser ainda mais desenvolvida se houvesse um critério mais rigoroso e justo na maioria das instituições científicas brasileiras. Os recursos ainda são aplicados muito por causa de interesses políticos. Não em São Paulo, mas no resto do Brasil, sim. • Como o senhor vê o esforço de se fazer uma espécie de casamento entre empresa e universidade de uma forma que renda frutos para todos? - Durante o período em que estive na Inglaterra e, depois, nos Estados Unidos, vi que a universidade dá o knowhow para a indústria e, às vezes, sugere coisas novas ao industrial que ele nunca pensou que existissem.Aí o pesquisador transfere a sua criação para uma firma. Mas isso não é pela universidade. A firma entra em contato com a universidade, a universidade com o professor e o professor continua trabalhando na universidade e ambos auferem uma fração do contrato. Funciona assim nos Estados Unidos e na Inglaterra. • O que acha de o pesquisador trabalhar na universidade e na empresa, ou ter participação de royalties no desenvolvimento de produtos? - Ter uma participação de royalties é razoável. Se o pesquisador fizer uma descoberta boa; é bom que ele tenha um lucro maior; se fez uma descoberta vagabunda que dê prejuízo, deveria contribuir no prejuízo que causou, em lugar de receber o ordenado. O resto acredito que só pode ser feito pelas universidades. Quer dizer, uma coisa limpa, correta. A universidade sempre como intermediária. Claro que há um perigo aí: o indivíduo começar a usar a universidade para resolver problemas da empresa. E isso acontece muito aqui no Brasil.Principalmentena área de química e biologia. É uma coisa feia. Indivíduos
que são assalariados, ganham do governo e ainda recebem uma gorjeta por fora para dirigir a pesquisa num ramo em que há muito interesse. • O senhor é favorável a empresa, por conta própria, contratar pesquisadores? - Claro. Acho que toda tecnologia deve ser feita por tecnólogos pagos pelos beneficiários dessa tecnologia. Como faz o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), por exemplo. Isso poderia ser feito para a universidade. Agora, o único perigo que eu vejo é descobrir que o número de colegas ladrões que existem é muito maior do que se imaginava. Muito sujeito que faz uma pesquisazinha ali não conta para ninguém, vende para outro e depois fica dirigindo a pesquisa da universidade, não para o interesse da universidade ou da ciência, mas do amigo dele. • O senhor ganhou dinheiro com suas pesquisas e inovações? - Nunca vendi nada, sempre publiquei. A única vez que trabalhei para a indústria foi no período das pesquisas com quartzo, na X-Tal,no Rio, onde eu era empregado como técnico consultor
e recebia 500 cruzeiros por mês e uma vez por semana passagem aérea, ida e volta, paga. Essa influência da pesquisa na empresa permitiu que a indústria conseguisse, em dois anos, fazer quartzo de tal qualidade que hoje todos os relógios usam cristais feitos pela receita de Marcello Damy. • Por que não temos um Nobel de Física? - Acho que a nossa física não atingiu o nível do Nobel porque começou a se desenvolver no Brasil há menos tempo que em outros países. Talvezo trabalho do César Lattes, que descobriu o méson-pi, merecesse o prêmio. • O senhor também gosta muito de música. Como é esse instrumento de afinação inventado pelo senhor? - O som é sempre produzido por uma vibração no ar, produzida em geral por algum objeto que se move. Pode ser um diafragma, uma caixa de ressonância como o violino -, ou uma corda de um instrumento de arco, ou de percussão como o piano. O problema é estabelecer alguma coisa que vibre com uma freqüência predeterminada e com alto grau de precisão. Isso se faz com quartzo. Pego um quartzo e tiro uma lâmina. A lâmina vai impulsionar milhões de vibrações por segundo. Aí, uso circuitos eletrônicos. Variando a espessura do quartzo, variam as freqüências que ele pode produzir. Eu programo o aparelho, coloco nas cordas do instrumento e ele dá todas as freqüências que eu preciso para o piano, o cravo, etc. Construí o aparelho aqui em casa, mesmo. •
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PeiqeT~nüisa FAPESP
ESPECIAL Educação, . . ciencia e sociedade /\
recentes mudanças nas administrações públicas federal e estaduais, garantidas pelas eleições de outubro, criaram um clima altamente propício para o debate aprofundado de temas cruciais para o desenvolvimento do país. Crescimento econômico, modelos de inserção na economia mundial, distribuição de renda, combate à fome e à exclusão social, difusão da justiça, combate à violência e à corrupção tornaram-se expressões assíduas nas discussões de brasileiros, de todos os níveis e formações, que mantêm viva a esperança de que é possível fazer deste país um lugar melhor para a vida de todos os seus milhões de habitantes. E a mantêm a despeito de todos os constrangimentos, dos formidáveis obstáculos nacionais e internacionais que a isso interpõe "um mundo globalizado, cuja essência filosófica é a do pragmatismo", como bem lembra o presidente da FAPESP, Carlos Vogt. Pesquisa FAPESP pretende contribuir para esse debate em curso no país e o faz, nesta edição, por meio de reflexões em torno de um tema - a relação entre educação, ciência e desenvolvimento - que de certa forma está no cerne das discussões políticas, econômicas, sociais e culturais que se difundem hoje pelo país. Os autores dos seis artigos que compõem esse encarte são especialistas com total autoridade para tratar do tema, até em razão das funções públicas que exercem e que os comprometem, exatamente, com políticas e ações de educação, ciência e desenvolvimento.
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ESPECIAL:
EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA
E SOCIEDADE
CARLOS VOGT
Indagações por um novo humanismo o imperativo
da ética num mundo pragmático
década a de 1930 abre-se, na história do Brasil, um ciclo de estudos voltado para a nossa formação, incluindo aí aqueles traços próprios da formação cultural portuguesa e que permanecem essenciais para a interpretação da formação da cultura brasileira. São inúmeras as obras que incluem em seu próprio título o termo formação e todas elas, até hoje, de leitura indispensável para o estudo e o entendimento da história e da sociedade brasileiras. Em ordem cronológica: Casa Grande & Senzala: Formação da Família Patriarcal Brasileira (1933), de Gilberto Freyre; Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado [r.; Formação Histórica de São Paulo (De Comunidade a Metrópole) (1954), de Richard Morse; Formação da Literatura Brasileira (1957), de Antonio Cândido; Formação Econômica do Brasil (1958), de Celso Furtado; Os Donos do Poder: Formação do Patriarcado Nacional (1959), de Raimundo Faoro; Formação Histórica do Brasil (1962), de Nelson Wernek Sodré; Formação Política do Brasil (1967), de Paula Beiguelman; A Formação do Federalismo no Brasil (1961), de Oliveira Torres. Sob diferentes pontos de vista, este esforço intelectual de "ajuste de contas" com o passado, resultou positivo em alguns casos e, em outros, foi atropelado pelas transformações mundiais que, gestadas na e pela Segunda Grande Guerra, floreceram no longo período da Guerra Fria e acabaram irrompendo com a queda do muro de Berlim, no final dos anos 80.
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A nova ordem da economia mundial, sob a égide neoliberal da globalização, impõe aos países a abertura total de fronteiras para o livre trânsito das unidades de capital. No Brasil, a partir dos anos 90, os ventos das mudanças escancaram de fora as portas e janelas que se queriam trancadas para dentro: a abertura da economia às importações, a estabilização da moeda com a criação do Real e o estímulo à entra-
da de investimentos abrem definitivamente o país para as condições de plataforma de produção dentro do cenário globalizado das relações do capital. O esforço passa a ser, então, superar todo o legado de problemas sociais que se acumularam ao longo de nossa história. Duros desafios. Não só pela urgência e dificuldades em mudar as estruturas institucionais como pelas enormes diferenças que caracterizam a sociedade brasileira e pelo alto custo social que a adequação do país a essa nova ordem requer. Na base de toda essa construção está a tecnologia, em particular, as tecnologias da informação, o que reverte até mesmo o papel do conhecimento no processo de produção. Ao binômio capital/trabalho substitui-se a tríade capital/trabalho/conhecimento, que enfatiza um novo conceito: o do conhecimento útil. Converge-se, desse modo, para um mundo globalizado, cuja essência filosófica é a do pragmatismo e o desafio dessa pragmática mundializada é que a tornemos ética e social sobretudo aqueles que, humanistas, acreditamos na universalidade do homem e que temos de conviver com a globalidade da máquina e de seu protagonista mais espetacular, o computador pessoal e suas ações de informatização no quadro geral das tecnologias da informação. O computador é a máquina universal que emula o homem. A universalidade do homem impõe a oposição com o local, o regional e funda o próprio conceito de nacionalidade e de diferenças culturais entre nações. A universalidade da máquina funda a globalidade dos padrões culturais e anula as diferenças nacionais, criando a utopia asséptica da igualdade de oportunidades pela democratização do acesso à informação. O Brasil, desde a Abolição da Escravatura e da Proclamação da República, aspirou integrar o conceito das nações, foi país de Terceiro Mundo, subdesenvolvido, país em desenvolvimento e, hoje, perfila-se entre os chamados de economia emergente. Para emergir efetivamente, precisa resolver problemas sociais que permanecem e jogar à altu-
CARLOSVOGT,poeta e lingüista, vice-presidente da SCPC, é presidente da FAPESP. Foi reitor da Unicamp de 1990 a 1994. 58 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
É possível continuar a conceber este equilíbrio harmonioso, caro aos humanistas, entre os elementos da tradição nacional e os da tradição humana, isto é, entre as culturas nacionais e a universalidade da cultura? É possível, efetivamente, evitar um antagonismo de valores tal que sobre os valores humanos e universais não se sobreponham valores particulares e nacionais? E os nacionalismos, de esquerda e de direita? E as guerras étnicas e religiosas que persistem em meio à mais fantástica transnacionalização da economia e dos padrões de comportamento social? E a violência gratuita e descontrolada das cidades, da ficção e da reali" Cumpre-nos trabalhar dade, das ruas, do cinema pela universalização e da televisão?
ra da competitividade que o xadrez das relações globalizadas impõe. Do país informado pelas novas tecnologias espera-se a formação de um Brasil quite com seu passado monárquico e colonial, pronto para os ajustes finos de suas estruturas institucionais e culturais, sintonizadas de vez com o conhecimento, a educação, as artes, a ciência, a tecnologia, a ética e a justiça social. É para esse amplo fenômeno de mudanças que devemos atentar.
III Num mundo de economia globalizada, de um pragmatismo financeiro a toda prova, de um finalismo utilitarista sem do acesso ao precedentes, de uma vioIV lência urbana e de uma conhecimento Alison Wolf, professor urbanização da violência para solucionar de educação na Universiincomuns, cabe ainda a dade de Londres, no livro oposição, presente em váa exclusão social" Does Education Matter? rias línguas e que remonMyths about Education and ta à antiguidade clássica, Economic Growth ("A Eduentre cidade (civitas, pólis) cação Importa? Mitos soe campo (rus, silva) como bre a Educação e o Crescimento Econômico"), a topônimos analógicos de civilizado, polido em propósito do sistema educacional britânico, chama oposição a rústico e inculto? a atenção para o risco de se tratar a questão apenas Podemos ainda acreditar, com Fernando de do ponto de vista quantitativo e dentro de uma lóAzevedo (A Cultura Brasileira, 6a edição, 1996), gica de causalidade simplista entre educação e que, seguindo a distinção de Hunboldt entre culcrescimento econômico. tura e civilização, vê na primeira uma espécie de Sem propósitos culturais, morais e intelectuais, vontade schopenhaueriana da sociedade em prea educação perde seu caráter civilizatório e reduzservar a sua existência e assegurar o seu progresso se a mero expediente de oportunidade, e mesmo atendendo não apenas à satisfação das exigências de oportunismo social na competição desenfreada de sua vida material, mas sobretudo e principalpelas vagas do mercado. mente as suas necessidades espirituais. Como esPara diminuir esse aspecto utilitarista da cultura creve o autor, "a cultura, [...], nesse sentido restrie da educação é preciso aumentar a oferta de trato, e em todas as suas manifestações, filosóficas e balho, reduzindo as conseqüências perversamente científicas, artísticas e literárias, sendo um esforço sistemáticas das economias globalizadas no que diz de criação, de crítica e de aperfeiçoamento, como respeito à distribuição de renda e à justiça social. de difusão e de realização de ideais e de valores esPara países como o Brasil, ainda em passo de pirituais, constitui a função mais nobre e mais feemergência, o problema se agrava, entre outras cunda da sociedade, como a expressão mais alta e coisas, pelo baixo índice de produção tecnológica e mais pura da civilização". (p. 34) de inovação competitiva nos mercados internacioEm outras palavras, é possível pensarmos, de nais, por falta de agregação de conhecimento, de fato, em um novo humanismo, já que tantos falam valor à maioria de nossos produtos de exportação. de um novo renas cimento ligado às descobertas Desse modo, cumpre-nos, mais do que nunca, da tecnologia e à economia globalizada, como o a todos os atores sociais ligados à educação e à proprimeiro esteve ligado aos descobrimentos geodução científica e tecnológica, governos, instituições gráficos, à internacionalização do comércio e aos de ensino e de pesquisa, agências de fomento, a soprogressos orgânicos das ciências, das artes e das ciedade civil, como um todo, trabalharmos pela unihumanidades? versalização do acesso ao conhecimento, com proÉpossível, apesar dos estudos de Walter Benjamin, postas eficazes para solucionar, em número e em continuar a crer que a aliança da cultura e da civiliqualidade, esta que é a expressão mais grave da alta zação, que os povos latinos batizaram de humanisconcentração da riqueza, de um lado, e da dissemimo, retomará o seu vigor explicativo e a força eficaz nação globalizada da pobreza material e do desesde seu poder positivo de transformação, de desenpero espiritual, de outro: a exclusão social. • volvimento e de aperfeiçoamento da sociedade? PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 59
ESPECIAL:
EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA
E SOCIEDADE
ROBERTO AMARAL
A revolução possível Construir o conhecimento é prioridade
s Relatórios do Desenvolvimento Humano (1998 e 1999) divulgados pela Organização das Nações Unidas apontam um viés do desenvolvimento internacional que, há mais de 50 anos, desperta graves preocupações: os países industrializados, que concentram apenas 19% da população do planeta, detêm 86% do produto e do consumo mundiais; 82% da exportação de bens e serviços; 71% do comércio; 68% dos investimentos estrangeiros diretos; 74% das linhas telefônicas; 58% da produção de energia; 93% dos usuários da Internet. Enquanto isso, a outra banda, a dos 20% das populações mais pobres, onde nos encontramos, tem apenas 1% do produto mundial; 1% das exportações; 1% dos investimentos diretos e 1,5% das linhas telefônicas. Essa concentração cruel se repete no plano nacional. No Brasil, os 50% mais pobres, que detinham 18% da renda nacional em 1960, ficaram em 1995 com apenas 11,6%, enquanto os 10% mais ricos passaram, nesse mesmo período, de 54% para 63% na apropriação dessa renda. Nos últimos 30 anos, a concentração de renda só faz crescer. O fenômeno se repete nos desequilíbrios inter-regionais, igualmente dramáticos. Essas disparidades se manifestam, no lado real da vida dos grupos sociais, como desigualdades na esperança de vida ao nascer, no acesso precário à educação, à saúde, à habitação, ao saneamento, à limpeza urbana. E, nos últimos tempos, na precariedade radical do acesso à segurança pública e ao emprego. A distribuição da riqueza entre nações está fortemente correlacionada com o domínio da tecnologia. Em 1993, dez países já respondiam por 84% dos gastos em pesquisa e desenvolvimento, controlando 95% das patentes registradas nos Estados Unidos nas últimas duas décadas, assim como 80% das patentes concedidas nos países em desenvolvimento. Essa realidade - a exclusão tecnológica - preocupa muito a ONU. O Relatório para o Desenvolvimento Humano afirma que "a privatização e a concentração de tecnologias estão indo
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ROBERTOAMARAL,professor da PUC-Rio, é ministro da Ciência e Tecnologia.
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longe demais. As corpo rações é que definem a agenda de pesquisa e controlam seus resultados. Os países pobres correm o risco de ficar à margem desse regime que controla o conhecimento no mundo. Direitos de propriedade mais restritos impedem o acesso dos países mais pobres aos setores dinâmicos do conhecimento': Tudo isso em uma época proclamada como sociedade do conhecimento. A governabilidade das nações - ou seja, o quadro de regras, instituições e práticas estabeleci das para o comportamento dos indivíduos, das organizações e das empresas - está em risco, junto, obviamente, com a segurança dos países e das sociedades nacionais. Sem esse quadro jurídico-institucional fortalecido, alerta o mesmo Relatório, "os conflitos globais serão uma realidade no século 21 - guerras comerciais para promover interesses nacionais e corporativos, volatibilidade financeira detonando conflitos, o crime global inviabilizando a política, os negócios e a segurança". Nesse contexto, o Estado não pode se resignar à condição de instância reguladora das relações sociais, tampouco a de mitigado r das desigualdades sociais e protetor dos segmentos sociais mais desfavorecidos nesse esquema de repartição selvagem. A economia é cada vez mais economia da informação - já que a informação estruturada, a "indústria de convergência", é o elo condutor de todo o sistema produtivo. A construção do conhecimento, ao longo de toda a "cadeia produtiva" específica, há que ser, portanto, uma prioridade nacional permanente. É fundamental dotar o sistema educacional de capacidade efetiva para a qualificação da força de trabalho do país. Ainda mais sem a implantação de um sistema de C&T efetivamente inovador - e não apenas adaptador de novidades -, o Brasil não conquistará posição efetiva no mercado globalizado, podendo perder o controle do próprio mercado nacional, deixando ainda escapar no horizonte visível a perspectiva de superação da dependência do capital, do qual a tecnologia é a expressão mais refinada. O domínio da tecnologia só pode se dar com a existência, no país, de um corpo de técnicos e cientis-
C&T de 1% para 2% do PIE. O número de bolsas tas capacitados para a criação ou a assimilação dos seus princípios. A formação de recursos humanos e está sendo elevado substancialmente. São mais 4.328 bolsas de estudos para os programas atuais (de inia capacidade para identificar oportunidades estratégicas é condição sine qua non para esse domínio. ciação científica após-doutorado) e outras 10.250 para novas modalidades, como iniciação científica A preparação em C&T começa com a busca, ainda na escola fundamental, de jovens com talento para júnior para estudantes de ensino médio e bolsa a carreira e prolonga-se com a iniciação científica prêmio. Além disso, seus valores serão atualiza dos, se possível ainda este ano. nos cursos de graduação e de pós-graduação O nível de um país, nesse campo, é em geral meO reforço do sistema de C&T terá, ainda, um dido com base em indicadores que incluem o núprograma de implantação de laboratórios de ciênmero de doutores formados anualmente e a precia em todas as escolas públicas de ensino médio, sença da ciência nacional na visando a elevar a quabibliografia internacional. lidade da educação e Nossa presença nessa bibliomotivar talentos para a carreira científica. Esse grafia tornou-se significativa incentivo continuará nos a partir de 1970, com a cria" A determinação do níveis de graduação e de ção de cursos de pós-graduagoverno Lula é fazer ção: dos 377.381 trabalhos pós-graduação. dobrar, em quatro anos, publicados naquele ano em O desenvolvimento científico e tecnológico todo o mundo, 64 eram de o investimento brasileiros (0,017% do total é fundamental para o em C&T de indexado pelo Institute for 5cidesenvolvimento de entific 1nformation - 151). qualquer nação moder1% para 2% do PIB" Em 2000, dos 839.281 trabana. Por isso, tem um palhos indexados pelo 1SI,9.511 pel estratégico para o 0,13%) já eram de pesquigoverno do presidente sadores nacionais. EntretanLula. Assim, mesmo asto, a produção científica brasileira é ainda baixa: 53,3 segurando a mais ampla liberdade de investigação, artigos por milhão de habitantes em 1999, apenas seria temerário para uma política de Estado, que tem 44% da média mundial ou 6% da média americana. responsabilidades sociais, deixar-se conduzir erraDe todo modo, o crescimento da produtividaticamente por algum tipo de mercado. de científica brasileira deve-se ao número de proNeste governo, a política de C&T terá prioridades bem definidas, seguindo dois eixos: o estratégifissionais formados nos cursos de pós-graduação e ingressados no sistema de C&T: em 1991, formaco, que visa a garantir a soberania política do país, ram-se 1.750 doutores; em 2000, esse número salreduzir a dependência tecnológica e assegurar sustou para 5.344, com incremento de 305%. É poutentabilidade técnica ao desenvolvimento a médio co, todavia. Em 1992, quando o país formou em e longo prazos; e o de alcance imediato, que apoiatorno de 2.000 doutores, os Estados Unidos formará os programas de governos no atendimento às vam 39.754; a Alemanha, 21.438; e o Japão, 11.576. carências mais agudas da sociedade brasileira. No A meta projetada pelo governo do presidente Luís eixo estratégico, estão contemplados os ramos de P&D relacionados com energia, tecnologia da inInácio Lula da Silva para 2006 é a de que o país esteja formando pelo menos 10 mil doutores anualformação e aeroespacial, biotecnologia, nanotecnomente, número considerado aceitável pela comulogia. As ações de alcance imediato apoiarão prioridades como segurança alimentar e combate à fome, nidade científica. Mas é preciso ir além. O esforço para consolidar uma comunidade ampliação das exportações, fortalecimento - via científica brasileira realizou-se nos últimos tempos difusão tecnológica - das micro, pequenas e médias na contra-corrente dos gastos da União com C&T. empresas, geração de empregos, distribuição de O total de recursos aplicados pelo governo federal renda, aproveitamento sustentável dos recursos nanessa área, entre 1991 e 2001, variou entre US$ turais, substituição seletiva de importações de bens 1,40 bilhão e US$ 1,68 bilhão ao ano, diminuindoestratégicos para o desenvolvimento nacional, mese a relação recursos/pesquisador e instalando-se lho ria da infra-estrutura social básica e de serviços um tipo de concorrência em que coube aos jovens públicos, conservação do meio ambiente e do equilíbrio ecológico global e eliminação das desigualpesquisadores a pior parte do resultado, quanto a ingresso e permanência no sistema de C&T. O núdades sociais e inter-regionais. Será por esse caminho que o governo em geral mero de bolsas do CNPq teve uma redução da ordem de 9% entre 1996 e 1999, passando de 8.616 e a área liderada pelo MCT, em particular, tentarão para 7.836. Isso sem contar que os valores nomiconsolidar, sem pontos de estrangulamento, o cinais dessas bolsas estão congelados desde 1995. clo educação-tecnologia-desenvolvimento, garanA determinação do governo do presidente Lula tindo a soberania do país, a democracia e a elevaé fazer dobrar, em quatro anos, o investimento em ção dos níveis de bem-estar dos brasileiros. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 61
ESPECIAL:
EDUCAÇÃO,
CI~NCIA
E SOCIEDADE
JOÃO CARLOS DE SOUZA MEIRELLES
A mais urgente tarefa Os que não tiveram formação precisam de trabalho
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O que FAZER para o Brasil CRESCER?
Focar na produção rural com valor agregado; centrar esforços nas exportações; desenvolver tecnologia acessível e certificar a qualidade dos produtos; investir em infra-estrutura; tudo para cumprir a mais urgente tarefa hoje: oferecer trabalho.
tema é absolutamente instigante e nos leva a olhar para o futuro. Mas o primeiro passo para se pensar o Brasil de hoje é mergulhar numa análise crítica do processo histórico do nosso desenvolvimento, sobretudo nos últimos 50 anos. Na década de 50, o Brasil iniciava sua consolidação como nação industrial, a partir do que já havia sido feito pela iniciativa privada ao longo da nossa história econômica - já a partir da segunda metade do século 19 as atividades industriais se desenvolvem, ganhando força no início do século 20. Nos anos 20, quando a indústria de alimentação se impôs, e nos anos 30, quando houve um surto industrial com crescimento médio de mais de 100% ao ano, preparamos o terreno para importantes realizações na década de 40 - como o aparecimento de companhias como a Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce e, principalmente, da usina de Volta Redonda. A criação do BNDE, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, já anunciava, em 1952, o espetacular salto que o país daria com o governo Juscelino Kubitschek, que implantou todo um programa de organização do processo industrial brasileiro. Embora criticado pela ausência de uma verdadeira política industrial e pela forte presença do capital estrangeiro em sua gestão, Juscelino realmente promoveu o processo de industrialização
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do país - com tal impacto a ponto de disparar, simultaneamente, como decorrência natural, o setor comercial e o de serviços. Toda política de desenvolvimento do país nos últimos 50 anos esteve focada no urbano, essa é a questão. Fundamentalmente, privilegiou-se o industrial, o comercial, os serviços, as atividades desenvolvidas longe do campo. Isso produziu dois efeitos perversos. Primeiro, um lamentável fator cultural: tudo o que é rural é atrasado; esse conceito se tornou uma crença difícil de combater. Segundo, uma fortíssima migração não só do campo para as pequenas e médias cidades, mas também dessas para as regiões metropolitanas do Brasil inteiro. No entanto, enquanto isso, sem que houvesse qualquer esforço nesse sentido, a agricultura e a pecuária se desenvolviam de forma extraordinária. Tanto que em 2002 nada menos de 43% da balança de exportações do país se refere ao produto do agronegócio (agropecuária + agregações de valor) - sem dúvida, o negócio do Brasil. A partir de meados da década de 80, com a globalização, a empresa brasileira, voltada tanto para o mercado interno quanto para o externo, foi submetida a uma inédita exposição à competitividade internacional. Apoiada na formidável expansão dos meios de comunicação e de transporte, a globalização se deu num cenário de automação, Todo o processo de auto mação na indústria e no comércio ocorreu paralelamente à exigência de alto grau de capacitação para os agentes do setor de serviços, invadido por autoserviços resultantes da informatização. A incorporação de tantas novidades ao processo produtivo levou à drástica redução do emprego "urbano", criando o desemprego estrutural nos países de economia desenvolvida e gerando conseqüências ainda mais nefastas nos países economicamente menos saudáveis. Se a indústria brasileira não é mais a mesma, o operário brasileiro também não: ele hoje precisa de uma série de capacitações insuspeitas em
JOÃOCARLOSDESOUZAMEIRELLESé secretário de Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo do Estado de São Paulo e está empenhado em implementar um novo modelo de desenvolvimento para o Estado. 62 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
física, mas como um complexo que inclui a mãomeados do século 20, nosso ponto de partida de-obra qualificada para o exercício das diversas nesta avaliação. A robótica substituiu o homem, etapas produtivas, das mais simples às mais sofisa alta tecnologia comprometeu a necessidade de ticadas. Em várias regiões brasileiras, como em mão-de-obra. E não apenas na indústria, é claro. São Paulo, a potencialidade da produção rural Estamos falando de alterações fundamentais em está limitada ao atoleiro na estrada: produz-se todos os setores da economia: muito menos traapenas o que pode ser transportado na seca. balhadores produzindo muito mais, com graus Investir em infra-estrutura (a estrada rural, a de eficiência cada vez maiores. O grau de dificulponte rural) é requisito básico para a viabilidade dade para a inclusão de novos trabalhadores no econômica de produtos alternativos, para a amprocesso produtivo moderno se espelha no grau pliação do leque atual. Ainda assim, não basde desemprego atual do país. E vice-versa. ta. É preciso ir além, A resposta para esse no âmbito da infra-esquadro é contundente: ter trutura, e criar condia humildade de entender a ções para operações de urgência de oferecer trabaagregação de valor, de lho para aqueles que não " Queremos um modo que se possa, tiveram preparação profisdesenvolvimento nos municípios ou nas sional adequada. Isso imsustentável regiões, fazer seleção, plica análise da estrutura classificação e embalada produção rural brasileisob todos os pontos gem de produtos in ra - hoje extremamente de vista, natura; transformar os competitiva, mas exportaprodutos destinados dora de matéria-prima. inclusive o social" à agroindústria com Aí está o primeiro pontoda a tecnologia que to. Sobre a extraordinária permita a certificação competência do setor rural da sua qualidade está brasileiro é possível estabelecer porteiras virtuais nos municípios e nas renessa chave. A mencionada qualificação do trabalhador giões do interior do país para proceder à máxima implica um fator extremamente importante. Esagregação de valor, por meio da transformação tamos falando de educação - no mais amplo sende produtos - quer para consumo in natura, quer tido, envolvendo ensino convencional, escolas para a industrialização. Os produtos devem sair técnicas, universidades públicas, faculdades de prontos e acabados das áreas de produção. Esse tecnologia. Temos urgência de uma arrancada no conceito embute um gigantesco potencial de insistema educacional como um todo, com um corporação da mão-de-obra que hoje está vivenexemplar aumento de vagas e que contemple a do na periferia das pequenas e microcidades do educação para o trabalho, a fim de garantir mãointerior do Brasil. de-obra capacitada para o sistema produtivo nos O segundo ponto: é imprescindível uma obmoldes propostos. jetiva e obstinada concentração no comércio exPara concluir, uma abordagem final. A susterior. A crise por que passa o mundo e o Brasil tentabilidade do desenvolvimento econômico não está permitindo o aumento do consumo indeve se dar não apenas em relação ao meio amterno a fim de gerar novos postos de trabalho. Só a exportação pode criar um círculo virtuoso, biente; queremos um desenvolvimento sustentável comprometido com as gerações futuras e sob porque amplia de imediato o mercado de trabatodos os pontos de vista, inclusive o social. Oblho e, ao mesmo tempo, ao incorporar os trabaviamente, o sistema de geração de inovação inslhadores alijados, gera novos consumidores no mercado interno. Portanto, há um duplo efeito talado no país deve disponibilizar ao mercado as tecnologias necessárias à produção harmoniosa benéfico do esforço exportador. com o sistema ambienta!. Mas o centro das nosPara que isso aconteça, entretanto, há um tersas atenções está no homem: o poder público ceiro ponto, do qual dependem os dois anteriores. É essencial um empenho profundo no desendeve trabalhar para melhorar a qualidade de vida da população - é uma questão de foco. Desenvolvolvimento tecnológico acessível e incorporável ao esforço exportador. Assim, pode-se garantir e vimento econômico implica desenvolvimento social, com a incorporação contínua e progressimelhorar a competitividade. Mais: pode-se ofeva de novos agentes ao processo, com redistribuirecer a indispensável certificação de qualidade ção de renda, com acesso ao mercado de bens e dos produtos - sejam de eletrônica de ponta, sejam de origem rural. serviços de maior parcela da população, antes excluída. Em outras palavras, o Brasil só pode cresO quarto e último ponto, a vertente que fecha cer com a melhoria da qualidade de vida de cono círculo virtuoso pretendido, é a infra-estrututingentes cada vez maiores da população. • ra. Ela deve ser entendida não só como uma rede PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 63
ESPECIAL:
GABRIEL
EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA
E SOCIEDADE
CHALITA
o poder de fogo da educação A chance de formar atores sociais talentosos
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gun:~spalavra~ têm o poder de traz~r COnSigO uma imensa carga de sentimentos, emoções, expectativas, sonhos, desejos e quereres. São, a um só tempo, misto de poesia, de filosofia, de arte ... Expressá-Ias e professá-Ias pode significar a mudança, a transformação, a transcendênda. A junção de suas sílabas tem uma força capaz de mudar o mundo e, em casos extremos, funciona como um artifício bélico do bem, utilizado pelos desbravadores de novos tempos e pelos descobridores de novos caminhos. São armas que injetam ânimo, coragem, sensibilidade, talento. Dessa forma, podemos definir o amplo leque .de sentidos e potencial idades da palavra educação, cuja beleza está em desvendar novos amanhãs e promissores horizontes. A todos nós, educadores, foi concedida a oportunidade de contribuir para promovê-Ia, transmitindo e propagando o desejo pelo conhecimento. Colaboramos para a criação de realidades mais belas e mais condizentes com os nossos sonhos. Faz parte da natureza humana querer sempre o melhor. Buscar a evolução, o desafio, a superação de limites. Façanhas impossíveis sem a educação como fundamento e passaporte. Ciente da grandiosidade dessa missão e de tudo o que ela pode proporcionar, o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação, tem trabalhado para fazer da rede estadual de ensino uma ponte capaz de levar nossos 6 milhões de alunos à aquisição de saberes, de competências e de habilidades capazes de torná-Ios cidadãos críticos e conscientes, aptos- à construção de um futuro erguido sobre os pilares da infinita capacidade humana (que deve ser desenvolvida, incentivada e constantemente aguçada). Nossos programas, projetos e ações têm o objetivo primeiro de despertar mentes e corações para o prazer do aprendizado, da revelação, da epifania que caracterizam o fascinante processo da descoberta. Está sob nossa responsabilidade , . .
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formar atores sociais talentosos, com maturidade intelectual e emocional suficiente para alcançar não apenas o sucesso profissional, mas a felicidade plena, em todos os aspectos de suas vidas. Todos os nossos alunos compõem um complexo contingente educacional, mas, ao mesmo tempo em que formam um grupo, uma coletividade, são também seres únicos, dotados de histórias de vida singulares, ricas e de natureza incomparável. São meninos e meninas, crianças e jovens provenientes das mais diversas realidades e origens. Muitos vivenciam uma infância e uma adolescência repleta de amor, de cuidado, de atenção e de incentivo de suas famílias. Outros, no entanto, sobrevivem a duras penas numa atmosfera densa, pesada, em nada parecida com o que deveria ser o aconchego e a proteção de um lar estruturado. São desprovidos dos referenciais mais básicos.e têm por alimento da alma apenas a esperança depositada em dias melhores. Felizes ou apenas esperançosos têm, como todos nós, carências, problemas, alegrias, vontades, medos, posturas e os mais heterogêneos sonhos. Some-se a isso o fato de estarem atravessando uma fase de formação, de intenso aprendizado, de dúvidas, de questionamentos, de buscas incansáveis ... Têm o privilégio, e também a grande responsabilidade, de ter todo um futuro pela frente. Nesse sentido, nossas políticas públicas educacionais levam em consideração, em primeiro lugar, as necessidades mais básicas desses cidadãos do futuro: a compreensão, o respeito por suas diferenças, por seus valores e pela história pessoal de cada um. O desempenho, o sucesso e a ampliação do potencial dos aprendizes dependem de nossa sensibilidade para vê-los como seres humanos e não apenas como números registrados nas listas de chamada. Por meio dessa prática, nós, educadores, poderemos ter a chance de ir além e de também aprender com nossos educandos. Sem essa troca essencial, estamos condenados a perder o
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GABRIELCHALITA, professor, é secretário de Estado da Educação de São Paulo. Doutor em Direito, Comunicação e Semiótica, e autor de 34 livros. 64 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
brilho, a seiva, o norte ... Educar é, sobretudo, nunEm todas as capacitações, encontros, visitas às ca deixar de aprender e de acreditar. escolas e conversas com os representantes da categoria, sempre ressaltamos a importância da aliO primeiro passo para fazer da educação uma possibilidade real para todos já foi dado na medida ança entre o aperfeiçoamento técnico do professor e a solidificação de uma postura afetiva em em que promovemos a universalização do ensino. sala de aula. Queremos que nossos aprendizes enOs números mais recentes apontam um total de 99% de crianças freqüentando a escola no Estado xerguem no mestre um exemplo a ser seguido, um amigo com quem possam contar e não uma de São Paulo. Uma vez garantido o acesso aos banautoridade acima do bem e do mal. cos escolares, nossos esforços convergem diretamente para as melhorias nas condições de aprendiNas escolas, muitos programas e projetos têm favorecido essa prática mais afetiva e integrada. zagem - decorrentes do reflexo direto da mudança de filosofia da cultura esOs alunos sentem-se incolar. Agora, singramos centivados a participar, a os mares de forma mais descobrir e a mostrar seus talentos. Por isso, é funhabilidosa porque navegamos com um lema codamental que a comuni" A evolução, mum a todas as nossas dade do entorno escolar a superação de limites rotas: "todo professor é e da sociedade como um são façanhas impossíveis capaz de ensinar, todo todo prestigie os eventos aluno é capaz de aprenconstantemente promosem a educação vidos pelos estabelecimender". E o inverso é absocomo fundamento lutamente verdadeiro. tos de ensino. Foi o que a Um lema que nos faz secretaria - juntamente e suporte " respeitar, por exemplo, o com a população que ritmo próprio de aprentransitava pelo Centro de São Paulo - fez durante o dizado e de assimilação de conteúdos de cada esmês de dezembro de tudante. Um direito do indivíduo que vinha sen2002. Nossos funcionários uniam-se aos populares, sempre ao meio-dia, na Praça da Repúblido relegado, mas que ganhou força com a implantação, em janeiro de 98, do regime de progressão ca, para prestigiar os corais natalinos de dezenas continuada da aprendizagem, que possibilita o de escolas estaduais provenientes das mais diversas regiões do Estado. avanço contínuo dos alunos ao longo do percurso escolar, organizando o Ensino Fundamental em O programa dos corais nas escolas, bem como dois ciclos de quatro anos cada. Para ampliar os aqueles ligados à música clássica, ao teatro, ao cibenefícios dessa prática aos estudantes de níveis nema, à criação de bandas e fanfarras, à preservamais avançados, adotamos a flexibilização do curção do meio ambiente, ao exercício dos direitos e rículo no ensino médio, permitindo a matrícula deveres do cidadão - fortalecimento e reativação dos grêmios, campanhas comunitárias, combate por disciplina e evitando que o aluno refaça comàs drogas e à violência, etc. - têm propiciado uma ponentes nos quais foi bem-sucedido. Nessa viagem de importância histórica, a socierevolução verdadeiramente positiva na vida dos dade civil organizada tem sido nossa grande comestudantes. panheira. Empresas, igrejas, ONGs, universidades, Programas como Parceiros do Futuro, Comuentidades e associações variadas têm contribuído nidade Presente, Prevenção Também se Ensina, para que nossos alunos e professores desfrutem Escola em Parceria, Mutirão da Cidadania e Prouma formação intelectual, física e emocional sóligrama Profissão estão, na verdade, plantando seda, com direito ao esporte, à cultura, ao lazer, à mentes e oferecendo não só para São Paulo, mas arte, à profissionalização, à saúde e, enfim, à conpara todo o Brasil, a chance de ter, num futuro quista de uma vida melhor. breve, uma colheita digna dos anseios e do trabaJuntos, temos viabilizado a capacitação conslho de todo o seu povo. tante dos educadores por meio de cursos, palesQue as nossas palavras, corroboradas - e impregnadas - pela verdade impressa em nossas tras, teleconferências e congressos. Em dezembro, por exemplo, presenciamos a formatura de ações, possam colaborar para a discussão, para o 7 mil professores pelo programa PEC - Formadebate e para a reflexão em torno dessa educação afetiva e eficaz. Uma educação que privilegia a ção Universitária, programa de educação continuada, cujo objetivo é fornecer aos professores criação de gerações mais capacitadas, tanto para contribuir para o desenvolvimento e o progresso efetivos no ensino da 1" à 4" série, com formação de nível médio, de mais de 2 mil escolas de enda ciência quanto para desfrutar todos os seus benefícios. Uma educação que oriente e funcione sino fundamental do Estado, a oportunidade de como a bússola que desvenda as infinitas maneiras formação em nível superior fornecida pela USP, Unesp e PUC-SP. de navegar, com sucesso, pelos mares da vida. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 65
ESPECIAL: EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA
CARLOS HENRIQUE
E SOCIEDADE
DE BRITO CRUZ
Uma nova mentalidade em formação Sistema tripartite
azões históricas talvez não sejam suficientes para explicar por que algumas sociedades conseguiram, em poucas décadas, sair da pobreza e mover-se em direção a uma relativa riqueza, enquanto outras seguem patinando no charco de economias pouco eficientes ou até mesmo conhecem a experiência do empobrecimento depois de um período de prosperidade. Charles I. Iones (Teoria do Crescimento Econômico), economista da Universidade de Stanford, prefere colocar a questão em outros termos: "Por que algumas economias desenvolvem infra-estruturas que são extremamente propícias à produção e outras não?': A resposta de Ienes, quase uma tautologia, dificilmente deixará de fazer sentido: as sociedades desenvolvidas investem mais no conhecimento, e as pessoas que integram seu setor produtivo destinam muito mais tempo ao aprendizado de novas técnicas e tecnologias. Por isso, para além de "razões históricas", não há nenhum determinismo na maneira pela qual as nações mais avançadas chegaram a seu alto grau de desenvolvimento, abundância e bem-estar. Para [ones, uma vez que entre em jogo o fator conhecimento, há sempre "a promessa implícita de que a vitalidade [do crescimento econômico 1 esteja apenas adormecida nas regiões mais pobres do mundo': O advento da Internet e da Teia Mundial (a World Wide Web) escancarou as portas da informação e tornou óbvio o primado da ciência, da tecnologia e da cultura como elementos fundamentais para o desenvolvimento econômico e social. Já sabiam disso os chineses do século 14, quando a China chegou a ser a sociedade tecnologicamente mais avançada do mundo graças a um incomparável domínio das técnicas de manufatura no campo da náutica, da tecelagem, da impressão, da fundição e outros. Foi também graças à pesquisa sistemática e ao conhecimento acumulado em navegação oceânica que Portugal, uma comunidade de 2 milhões de habitantes cujo governo tinha a pretensão de dominar o comércio de
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para C& T avança no país
especiarias, tornou-se uma das nações mais poderosas dos séculos 15 e 16. Que essas nações tenham perdido sua hegemonia tecnológica ao longo dos séculos, é outra história. David Landes, historiador do desenvolvimento econômico, destaca em seu A Riqueza e a Pobreza das Nações que a invenção da invenção, isto é, a sistematização do método científico e da atividade de pesquisa a partir do século 18, foi um dos grandes ingredientes para uma revolução industrial na Europa e para o desenvolvimento que se seguiu. Tornaram-se mais ricos os países que souberam criar um ambiente propício à criação e disseminação do conhecimento e a sua aplicação na produção. A "invenção da invenção" no século 18 foi seguida pela "descoberta da invenção" na segunda metade do século 19. A nascente indústria química alemã percebeu, por volta de 1870, que para o desenvolvimento de seus negócios e a manutenção de sua competitividade era necessário que a empresa tivesse uma capacidade de invenção própria. O Estado alemão percebeu também que precisava garantir o direito de propriedade intelectual àqueles capazes de terem idéias, e unificou e vitaminou sua lei de patentes em 1877. O respeito à propriedade intelectual e a percepção da importância do conhecimento levou ao nascimento dos primeiros grandes laboratórios industriais: Basf, Hõechst e Bayer foram as empresas que primeiro descobriram o poder das idéias e da invenção, transformando essa atividade a de desenvolver conhecimento - num fator essencial, permanente e profissional dentro da empresa. Do outro lado do Oceano Atlântico, e na mesma época, Thomas Edison e Alexander Graham Bell começavam a criar, com suas invenções, o que viria a ser a moderna indústria eletrônica. Pelo final do século 19, com muitas das importantes patentes de Edison expirando, a General Electric, que ele criara, percebeu que precisava profissionalizar e intensificar seu esforço de criação de idéias e conhecimento: em 1900, inaugurou o General Electric Research Laboratory em Schenectady, NY. Hoje a equipe de cientistas e engenheiros do Cen-
CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ é reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) 66 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
a indústria não absorve mais que 10% dessa qualitro de Pesquisas e Desenvolvimento da GE tem 1.130 pessoas. O "filhote" de Bell demorou mais a ficada força de trabalho. Essa disparidade explica o florescer - no dia de Ano Novo de 1925 foram alto volume de patentes coreanas depositadas em inaugurados em Manhattan os Laboratórios Bell, escritórios americanos no ano passado - mais de 3.400, contra apenas 113 patentes brasileiras. outra usina de idéias e invenções que mudou nosAqui vale a pena mencionar novamente Ienes so mundo: ali foi inventado o transistor em 1948. quando diz que "o estoque de qualificação nos paíÉ notável que na teoria econômica sobre o deses em desenvolvimento é tão baixo porque as pessenvolvimento o conhecimento só passe a figurar como elemento explícito a partir da Nova Teoria soas qualificadas não conseguem auferir o retorno 'de Crescimento estabeleci da por Paul Romer, de pleno de suas qualificações': Essa realidade é ainda Stanford, e seus colaboradores, a partir de 1987. Até mais impressionante quando se considera a massa então o conhecimento era industrial brasileira considerado uma variável mais significativa que a externa à teoria econômica, coreana - e, não por acaso, a relativamente embora vários autores subaixa competitividade pusessem seu efeito sobre a " Para que se consolide, dos produtos brasileiprodutividade do trabalho. o arranjo sistêmico entre ros. Não só a capacidaUm destes foi Robert empresa, universidade de empreendedora, mas Solow, professor do MIT, também a política nacipremiado com o Nobel de e governo precisa Economia em 1987. Solow, onal para a ciência e ser tomadocomo no final dos anos 50, obsertecnologia estavam, até há pouco - digamos, vou que o crescimento da política de Estado " economia norte-americana até 1998 -, baseadas no fundamento equivocaao longo do século 20 não podia ser explicado apenas do de que o lugar da recorrendo ao crescimento inovação era a universido capital e da mão-de-obra disponíveis. Foi estadade, não a indústria. A partir dos últimos anos vem se impondo enbelecido assim que havia outras fontes de crescitre nós a idéia de que a inovação é um elemento mento econômico, denominadas em conjunto "refundamental do desenvolvimento econômico, e de síduo de Solow". No caso dos EUA, um terço do crescimento anual da renda per capita deriva, que a indústria é o lugar privilegiado de sua materialização, À universidade cabe desenvolver C&T, Solow mostrou, dessas outras fontes. Aqui entra mas seu papel principal é o de formar pessoas quao conhecimento no jogo do desenvolvimento. Romer desenvolveu o modelo básico da Nova lificadas que vão gerar o conhecimento necessário para a inovação. Finalmente, o fato relevante dessa Teoria do Crescimento considerando que o conhecimento afeta a produtividade do trabalho. Por mudança foi a entrada em cena de um terceiro ator isso, 1 milhão de trabalhadores-com acesso ao co- o governo - com uma política facilitadora que vá nhecimento mais moderno produzem mais do dos incentivos fiscais ao uso do poder de compra que 1 milhão de trabalhadores sem esse acesso. do Estado para viabilizar projetos de P&D no interior das empresas. Tem sido assim até mesmo (e Conhecimento só pode ser gerado e ser acessível quando há pessoas educadas para isso. Sua insobretudo) nos Estados Unidos, onde se calculam clusão como variável de destaque para o desenvolgastos anuais de US$ 20 bilhões em compras tecnológicas pelas agências governamentais. O apoio vimento econômico traz para a teoria econômica a estatal tem-se revelado um círculo virtuoso em educação e a cultura como parâmetros deterrnique cada dólar investido pelo Estado corresponde, nantes do desenvolvimento de uma nação. em geral, a outros US$ 9 aplicados pela empresa. A escolaridade média do brasileiro, de apenas cinco anos, não nos ajuda a ter mais competitividaPode-se concluir, com algum otimismo, que está se formando no país uma mentalidade capaz de lede. Formar 6 mil doutores por ano poderia ajudar mais, se empresas usassem uma fração apreciável var a empresa a investir no conhecimento para audesses doutores para criar idéias e gerar inovação mentar sua competitividade, dando maior sentido ao papel formador da universidade e compelindo na empresa e competitividade. Enquanto os doutores brasileiros têm tido seu mercado restrito ao o Estado a cumprir sua função de todos os tempos, meio acadêmico e ao setor público, os doutores coque é a de criar um ambiente propício à geração e reanos vão engrossar as fileiras de cientistas na inà disseminação do conhecimento e à sua aplicação dústria. Com efeito, dos 90 mil cientistas de que a na produção. Para que isso se consolide é preciso que esse arranjo sistêmico tripartite se torne efetiCoréia dispõe - praticamente o mesmo número de cientistas disponíveis no Brasil-, cerca de 80% devamente uma política de Estado, e não de governos dicam-se a fazer pesquisa e desenvolvimento (inoque se sucedem; e que não haja interrupções que vação, portanto) na indústria, enquanto, entre nós, ponham a perder o que já foi feito. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 67
ESPECIAL:
SERGIO
EDUCAÇÃO,
CI~NCIA
E SOCIEDADE
M. REZENDE
o desafio da inserção na sociedade C& T precisa entranhar-se na cultura nacional
momento o em que os Estados Unidos da América, respaldados pelo poderio militar e riqueza econômica, impõem ao mundo seus caprichos belicosos, o Brasil praticamente não tem voz no cenário internacional. É clara a diferença entre as duas nações. Portanto, cabe indagar: por que dois países, com áreas e recursos naturais comparáveis, descobertos e colonizados na mesma época pelos europeus, chegam ao terceiro milênio com tamanha discrepância, sobretudo quanto às condições de vida de suas populações? Sem dúvida, um fator determinante dessa diferença é o domínio da tecnologia, que os americanos têm e nós não. Essa situação já é conhecida por parcela considerável de nossa sociedade, mas o que isso representa não é bem compreendido. Políticos, empresários e economistas em geral entendem como tecnologia apenas algo que pode ser comprado, e consideram nosso problema fundamentalmente econômico. Assim, a percepção geral é que a pesquisa e a inovação não estão ao nosso alcance, e que com políticas públicas adequadas o país poderia se desenvolver economicamente e, então, comprar a tecnologia que desejar. Ledo engano, tecnologia é conhecimento e, portanto, está intimamente ligada à ciência. Os americanos têm um formidável domínio tecnológico porque começaram a fazer ciência há muito tempo. Em torno de 1750, quando a ciência parecia restrita à Europa, Benjamin Franklin já realizava experiências de eletricidade e contribuía para a descoberta das leis de conservação de cargas elétricas. Franklin foi o primeiro físico americano e, além de pesquisador, foi militante político. Fundou um jornal que pregava idéias libertárias, foi deputado pela Filadélfia, e teve uma importante participação na redação da declaração da independência americana em 1776. Cem anos depois, os EUA já eram uma República Federativa independente, soberana e em rápido processo de industrialização. Os cientistas ame-
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ricanos realizavam experiências pioneiras e disputavam com os europeus grandes descobertas. Contribuíram muito para o desenvolvimento do eletromagnetismo na segunda metade do século 19, que resultou na invenção do gerador e do motor elétrico, responsáveis pelo uso da energia elétrica na iluminação e em inúmeras aplicações domésticas e industriais. Também inventaram o telégrafo, o telefone e o rádio, que revolucionaram as comunicações. Surgiram então os primeiros grandes empreendedores em tecnologia. Alexander Bell, inventor do telefone, criou uma empresa para explorá-lo comercialmente que, posteriormente, tornou-se a AT&T. Thomas Edison inventou a lâmpada elétrica e o microfone de carvão para telefones, e criou a RCA. Bel e Edison não eram cientistas, mas sabiam que sem ciência suas empresas não poderiam competir e ganhar mercados. A AT&T e a RCA criaram centros de pesquisa e contrataram os primeiros Ph.Ds. formados em Harvard, MIT, Yale, etc. Mas, para consolidar seu domínio tecnológico, faltava mais ciência. Então a América abriu suas portas para os cientistas que fugiam dos perigos das guerras na Europa. O trabalho desses cientistas nos EUA foi essencial para dar um grande impulso ao sistema de C&T e à criação de um programa de formação em massa de pesquisadores por meio dos cursos de mestrado e de doutorado. A história da formação dos políticos e empresários de nosso país é muito diferente. Na época de Franklin o Brasil era dirigido por governadores gerais, ou vice-reis, que se revezavam no poder protegendo seus interesses pessoais e mantendo a colônia submissa. Nossos colonizadores portugueses não permitiam que aqui houvesse tipografias para imprimir panfletos, jornais ou livros, veículos essenciais para a educação e a difusão de idéias. Cem anos depois ainda vivíamos uma monarquia escravocrata. Nossos empresários eram os usineiros de cana-de-açúcar, os barões do café e os fazendeiros de cacau, que dominavam a política, protegendo os interesses da elite e atuando em sintonia com os
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M. REZENDE, físico, professor titular da Universidade Federal de Pernambuco, é presidente da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep
SERGIO
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detentores do capital internacional. Nossa indetria, possibilitando redefinir a inserção de nossa economia no sistema internacional. pendência não foi conquistada, mas consentida por razões que eram convenientes aos nossos doO Ministério da Ciência e Tecnologia terá paminadores. E foi assim que o Brasil se desenvolveu, pel importante no novo projeto nacional de desempre tolhido pelos interesses externos, com insenvolvimento e, com ele, a Financiadora de Esjustiça social e sem empresas que tivessem suas tudos e Projetos - Finep. Os planos para a Finep riquezas promovidas com base na educação, na na nova gestão ainda estão em fase de elaboração. ciência e tecnologia, mas sim na produção de proA Finep é parte integrante do MCT e vai trabadutos simples e na exportação de matéria-prima. lhar em estreita articulação com todas as unidaAté o século 20 aqui não havia universidades, nem des do ministério, em particular o CNPq. O MCT um sistema amplo de ensino básico, nem indústrias vai elaborar seu programa em articulação com nacionais. Nossa primeira outros ministérios e ouuniversidade, a USP, só viria tras agências e discutir a ser fundada em 1934. as propostas com a soO país só despertou ciedade. para o papel da ciência após Nos últimos anos a " Pesquisa e a Segunda Grande Guerra. Finep firmou-se como inovação devem O ensino de pós-graduação a Agência Nacional de ser massificadas foi institucionalizado na Inovação, aproximandécada de 1960 e o sistema do-se muito das emno sistema produtivo de financiamento da pespresas e criando diversos e o trabalho de P&D quisa e formação de pesprogramas para estisoal ganhou dimensão na mular o setor empresase tornar rotina " década de 1970. Assim, rial a aumentar suas atiapesar do atraso, o Brasil vidades de pesquisa e conta hoje com um coninovação. Esses progratingente de mais de 50 mil mas serão aperfeiçoados cientistas e engenheiros de alto nível, formando e ampliados, adequando-se à política industrial um complexo sistema de C&T, que é de longe o que será elaborada como parte do programa para maior e mais qualificado da América Latina. Pomudar o país. Essa política será capitaneada pelo rém, chegamos ao final do século 20 sem consoMDIC e pelo BNDES, e terá grande participação lidar o sistema de C&T, com fraca articulação do MCT. A Finep tem um papel importante a entre universidades, centros de pesquisa e emcumprir nesta nova política industrial, desde viapresas, e com poucas atividades de pesquisa e de bilizar financiamentos a empresas, combinando inovação tecnológica nas empresas. recursos reembolsáveis com recursos a fundo perEnfrentamos hoje, portanto, uma questão crudido, assim como incentivos fiscais e outros instrucial: os países sem tradição científico-tecnológica mentos. O firme exercício dessas atividades dará à estão condenados ao eterno subdesenvolvimento! Finep um forte poder de indução de atividades Alguns países asiáticos mostraram que não. Coréia voltadas para a pesquisa e inovação, essenciais para e Taiwan, por exemplo, acordaram para a educao aumento da competitividade. O que resultará ção, ciência e tecnologia apenas na década de 70, em uma participação ativa das empresas: absorver mas souberam fazer delas a base para o seu desenmais mestres e doutores e interagir mais com as volvimento e para multiplicar seus PIEs. Evidenteuniversidades. mente, o problema do Brasil é bem mais compleCabe à Finep ampliar suas ações junto às emxo. Nossa área geográfica e nossa população são presas ao mesmo tempo em que se reaproxima das muito maiores do que as da Coréia e Taiwan. Temos universidades e da comunidade científica, pois aí hoje, felizmente, um regime democrático, mas que reside o grande trunfo que o Brasil dispõe para que exige muita articulação e muito trabalho para conso conhecimento contribua decisivamente para o truir soluções coletivas. E a eleição do presidente Lula desenvolvimento do país. Em articulação com o representa o sinal para a mudança. CNPq, ela financiará programas de apoio às ativiÉ chegada a hora de tornar educação e C&T pidades da comunidade, desde a pesquisa básica à lares da agenda nacional e de um projeto de nação, popularização da ciência. Na execução desses procom soberania e com grande parte da população gramas, a Finep se tornará uma agência mais eficiinserida no sistema produtivo. Para isso, é necessáente em todos os sentidos, inspirando-se no exemrio que a pesquisa e a inovação sejam massificadas plo bem-sucedido da FAPESP. Contribuirá com no sistema produtivo e que a realização de trabatodo seu potencial para que o Brasil desenhe e colho de pesquisa e desenvolvimento se torne rotina loque em execução um projeto de nação, soberana em nossa sociedade. É preciso colocar como prioe com melhor distribuição da riqueza. É o que esridades a substituição de importações e o aumenperam milhões de pessoas que elegeram Lula preto do valor agregado dos produtos de nossa indússidente do Brasil. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 69
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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org
Notícias • SOCIOLOGIA
Tipos brasileiros "No pensamento brasileiro são freqüentes os 'tipos ideais' elaborados por diferentes autores e que se tornam emblemáticos, notáveis ou mesmo definitivos, podendo, às vezes, figurar como mitos. Esse é o h~':~~"i~i\~ ~. caso do bandeirante, do gaúcho, do Ieca Tatu, do Macunaí~ ._~~ ANPOCS ma, do homem cordial e outros. Vale a pena refletir sobre esse aspecto da cultura e do pensamento brasileiros." As considerações são de Octavio lanni, no artigo Tipos e Mitos do Pensamento Brasileiro. Os tipos "se criam e recriam, taquigrafando a difícil e complexa realidade. Assim, a história aparece como uma coleção de figuras e figurações, ou tipos e mitos, relativos a indivíduos e coletividades, a situações e contextos rnarcantes, a momentos da geohistória que se registram metafórica ou alegoricamente", diz lanni. De acordo com ele, os tipos e os mitos do pensamento e da cultura brasileiros não são inocentes. "Revelam muito do que são as configurações e os movimentos da sociedade, em diferentes perspectivas, em distintos momentos. Podem ser vistos como coleções de figura e figurações, às vezes famílias ou linhagens de interpretações, com os quais se desenha e movimenta uma cartografia do Brasil, de tal modo que este parece situado, organizado, compreendido, explicado e decantado." TO
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REVISTA BRASILEIRA IJE Cli:NCIAS
SOCIAIS - VOL.
17 - N° 49
- JUN. 2002
www.seielo.br/seielo.
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102 -6909
2002000200001 &Ing=pt&nrm=iso&tlng=pt
• FíSICA
De volta ao básico A proposta do trabalho de Vagner Bernal Barbeta e lssao Yarnamoto, do Departamento de Física da Universidade Federal de ltajubá (Unifei), foi apresentar resultados
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obtidos por meio da aplicação de um teste entre alunos ingressantes no ciclo básico de um curso de engenharia. "O teste teve como objetivo levantar as principais dificuldades conceituais em física, apresentadas por esses alunos, no tópico de mecânica clássica': escreveram os pesquisadores no artigo Dificuldades Conceituais em Física Apresentarias por Alunos Ingressantes em um Curso de Engenharia. O teste aplicado foi uma adaptação do Mechanics Baseline Test (MBT), que tem sido utilizado com essa finalidade por universidades norte-americanas. "Os resultados da aplicação do MBT confirmam a grande deficiência em relação aos conceitos básicos de física. A presença de concepções espontâneas que levam a uma visão restrita da natureza parece ainda predominar na mente da maioria dos est udantes': observaram os pesquisadores. Como alternativa para resolver o problema, Barbeta e Yamamoto sugerem que "as deficiências apontadas anteriormente têm que ser enfrentadas pelos professores dos períodos iniciais, oferecendo, ao mesmo tempo, condições para que os estudantes possam ampliar seus conhecimentos, sua capacidade de raciocínio e consolidar os conceitos fundamentais" REVISTA BRASILEIRA DE ENSINO DE FíSICA - VOL. - SET.
24 - No 3
2002
www.seielo.br/seielo.
php?seript=sei_arttext&pid=S01
02-4744
2002000300011 &Ing=pt&nrm=iso&tlng=pt
• MEDICINA
UTls mal distribuídas Realizar um levantamento das Unidades de Terapia Intensivas (UTls) pediátricas do Rio de Janeiro, verificando dados como número de leitos, distribuição geográfica e natureza pública ou privada, estudar a demanda da população e elaborar propostas de melhoria foram os objetivos de um trabalho realizado pelo Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os pesquisadores visitaram todas as UTls do Estado, de julho de 1997 a junho de 1998, contabilizando 80 unidades e um total de 1.080 leitos, sendo 60% intensivos e 40% serni-intensivos, 57% públicos e 43% privados. A maioria das UTIs (75%) situava-se em hospitais gerais, 20% em maternidades ou hospitais materno-infantis e somente 5% eram centros universitários. Outro dado relevante verificado foi que 89% das UTls localizavam-se na capital, enquanto o interior do Estado ficou com apenas 11% (oito) das unidades e 7% dos leitos. Os números estão no artigo Terapia Intensiva Neonatal e Pediátrica no Rio de Janeiro: Dis-
tribuição de Leitos e Análise de Eqüidade. De posse dos dados, os pesquisadores concluíram que há uma "carência no setor público e excesso no privado, grande concentração na região metropolitana e somente 5% das UTls em hospitais universitários': Como alternativa para resolver os problemas, sugerem "medidas de redistribuição e alocação de novos leitos em regiões mais carentes, associada à criação de uma central de vagas e sistema eficiente de transporte e referência': REVISTADAASSOCIAçÃOMÉDICABRASILEIRA - VOL.48 N° 4 - OUT/DEZ. 2002 www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01
04-4230
2002000400035&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• PNEUMOLOGlA
Silicose em mineiros Apesar de ser uma doença evitável, continuam ocorrendo epidemia de silicose, a maioria em Minas Gerais. Para estudar - ~~------ --o problema, Ana - -;.. ,;-~-:-=s..~==~ ., "~~-==-~..==--_-=-...-:::-:::-~ Paula Scalia Carnei....::-==~:.=::=-.:.:...-.._._ro, Luciano de Olivei,., -i,,:o.:=:-·=:.:::~::...-=-~.:~_ ra Campos, Marcelo - -----::;:;..--. ._----Fonseca Coutinho ... -=::=-..::..'"=..."==:--------,------Fernandes Gomes e Ada Ávila Assunção, da Universidade Federal de Minas Gerais, avaliaram prontuários de 300 trabalhadores expostos à sílica em diversas atividades profissionais, atendidos no período de 1989 a 2000. "A média de idade dos pacientes expostos foi de 51 anos, com tempo médio de exposição de 15,6 anos. Diagnosticaram-se radiologicamente 126 (42%) casos de silicose", escreveram no artigo PerfiL de 300 Trabalhadores Expostos à Sílica Atendidos Ambulatorialmente em Belo Horizonte. "O mercado de trabalho formal representou o principal vínculo empregatício, sendo a mineração a principal atividade exercida, responsável pela exposição de 197 indivíduos (66%). Os trabalhadores do mercado informal foram aqueles que apresentaram achados radiológicos indicativos de formas mais avançadas da doença, sugerindo piores condições de exposição à silica neste grupo de trabalhadores." A opinião dos pesquisadores é de que "grandes esforços e investimentos devem ser empregados no sentido da prevenção e da divulgação de informações à população, para que se possa, a médio prazo, alcançar o ambicioso objetivo de eliminação dessa doença, pretendido pelo Programa Nacional de Eliminação da Silicose"
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• NUTRiÇÃO
Calouros descuidados Conhecer o perfil socioeconômico, nutricional e de saúde dos calouros de uma universidade brasileira foi o objetivo do levantamento feito por Valéria Cristina Ribeiro Vieira, Sílvia Eloiza Priore, Sônia Machado Rocha Ribeiro, Sylvia do Carmo Castro Franceschini e Laerte Pereira Almeida, da Universidade Federal de Viçosa. "As variáveis comportamentais foram obtidas por meio de questionário, o percentual de gordura corporal (%GC) pelo somatório das dobras cutâneas e o estado nutricional pelo Índice de Massa Corporal': explicam no artigo Perfil Socioeconômico, Nutricional e de Saúde de AdoLescentes Recém-ingressos em uma Universidade PúbLica Brasileira. Os resultados: a maioria dos adolescentes era do sexo feminino (57,3%); não residia com familiares (89,8%); consumia bebida alcoólica (73,5%); omitia alguma refeição principal (57,3%) e rejeitava wn ou mais alimentos do grupo das hortaliças (79,5%). Cerca de 57% não realizavam atividade física e 7% fumavam. A conclusão foi que considerável parcela dos indivíduos estudados "apresentava, além de inadequação da composição corporal e do comportamento alimentar, outros fatores de risco à saúde, como o consumo de álcool e a inatividade física". REVISTA DENUTRIÇÃO- VOL.15 - N° 3 - SET.2002 www.s~lo.br/scielo.Php?sCriPt=sci_arttext&pid=S1415-5273 2002000300003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
• CERÂMICA
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Sobra valiosa A região norte do Estado do Rio de Janeiro produz cerca de 75% do petróleo no país. Considerável quantidade de resíduo oleoso, conhecido como borra de petróleo, é gerada na extração e separação do óleo bruto. Por isso, o aproveitamento desse resíduo é de alto interesse tecnológico, econômico e ambiental. A argumentação é de R. S. Santos, G. P. Souza e J. N. F. Holanda, no artigo Caracterização de Massas Argilosas Contendo Resíduo Proveniente do Setor PetroLífero e sua Utilização em Cerâmica Estrutural. O objetivo do trabalho foi "caracterizar e avaliar o comportamento de massas argilosas contendo borra de petróleo visando sua aplicação em cerâmica estrutural': Os pesquisadores verificaram que as propriedades físicomecânicas são afetadas "tanto pela borra de petróleo adicionada quanto pela temperatura de queima, sendo que o efeito da temperatura é mais acentuado, principalmente acima de IOOO°C':A conclusão é que "a borra apresenta potencial para ser utilizada como constituinte de massas argilosas para fabricação de produtos de cerâmica estrutural':
JORNALDEPNEUMOLOGIA - VOL.28 - N° 6 - Nov/DEZ. 2002
CERÂMICA - VOL.48 - N° 307 - Jm/SET. 2002
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01
www.scielo.br/scielo.
2002000600006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
02-3586
php?scri pt=sci_arttext&pid=S0366-6913
2002000300002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 71
ITECNOLOGIA
•
LINHA
DE
PRODUÇÃO
MUNDO
Mostradores mais brilhantes A Philips anunciou a invenção do primeiro material eletroluminescente capaz de produzir luz vermelha ou verde, conforme a voltagem aplicada. Esse tipo de material facilitará a fabricação de mostradores emissores de luz - os chamados LEDs -, fontes de luz em estado sólido e alternadores de cor como os que se vêem, por exemplo, nos faróis de trânsito. Também aumentará seu brilho. Os materiais eletroluminescentes conhecidos até o anúncio da companhia holandesa emitem luz de uma cor só, que é determinada pela energia do estado excitado (largura da banda) do material. Isso significa que qualquer dispositivo multicor tem áreas, ou pi-
• Luz facada em campo remoto Pesquisadores do Centro de Tecnologia de Fibra Óptica da Universidade de Sydney, na Austrália, produziram em laboratório uma fibra do tipo Fresnel (lentes que iluminam um objeto transparente, como num farol marítimo, para possibilitar a sua projeção) que supera o problema da difração da luz no espaço livre, funcionando como um guia de ondas eficiente de alta intensidade e focando a luz em campo remoto pela primeira vez na história. A difração é um fenômeno que ocorre quando uma onda é limitada, em seu
xels, de diferentes materiais. A invenção da Philips, em um projeto com a Universidade de Amsterdã, possibilita alternar a luz entre duas cores, conforme a direção do fluxo de corrente aplicado. Com isso, um único pixel, ou uma única área, con-
avanço, por um objeto opaco que deixa passar apenas uma fração das frentes dessa onda, e que pode ser observado como uma propagação para
segue irradiar luz de duas cores. O novo material é uma mistura homogênea de um polírnero sernicondutor com um complexo metálico, cada um deles com uma energia diferente. Para obter o efeito pela direção da corrente, é necessário utilizar um dispo-
regiões além do objeto. Segundo os cientistas que a conceberam, a nova fibra óptica foca a luz sem precisar de lentes nos equipamentos de
Fibra óptica: novo formato poderá facilitar
72 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
telecomunicações
sitivo assimétrico, de modo que uma única camada do material é alocada entre os eletrodos de diferentes materiais - um de ouro e outro de óxido de índio-estanho (ITO). Quando uma voltagem positiva é aplicada no eletrodo de ITO, dispara-se apenas o processo de emissão de luz do complexo metálico. A reversão da tendência da voltagem modifica a corrente. O processo de emissão de luz no complexo metálico é, assim, desativado, ativando-se o estado excitado do polímero. O dispositivo agora emite luz verde, correspondente ao estado excitado do polírnero. As duas cores têm boa saturação, ou seja, não se misturam com outras. •
telecomunicações. Iohn Canning, que chefia a equipe de pesquisadores, disse que ela é uma alternativa às fibras de cristal fotônico, usadas em telecomunicações. O material é oco no centro e circundado por uma série de anéis concêntricos de espaços vazios. Os orifícios concêntricos apresentam índice de refração mais alto que o do orifício central. Se um feixe de laser é disparado contra essa estrutura, ocorre superposição, e ele se concentra no orifício central. "O princípio de superposição também possibilita o foco em campo remoto, agora demonstrado pela primeira vez", explica Canning. •
• laboratório contra a guerra química
o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologias (Nist, na sigla em inglês), ligado ao Departamento do Comércio do governo norte-americano, desenvolveu um "laboratório em um só chip" que alerta, em questão de segundos, sobre a presença de elementos tóxicos na água, mesmo em quantidades mínimas. O desenvolvimento contou com a colaboração de cientistas do Instituto Politécnico da Virgínia, da Universidade Estadual da Virgínia e da Veridian Pacific-Sierra Research, instituto de pesquisa localizado no mesmo Estado. O protótipo do sensor monitora a resposta natural das células bacterianas depositadas nos canais microscópicos de um dispositivo microfluídico plástico - um sistema de análise química e bioquímica em miniatura. Na presença de determinados elementos químicos, as células liberam grandes quantidades de potássio, o que é imediatamente detectado por um senso r óptico que muda de
cor. o protótipo foi apresentado como parte de um sistema de alarme rápido concebido para identificar poluentes industriais que interferem no tratamento de esgotos, mas também pode ser aplicado em estratégias de segurança pública. Sensores baseados em células estão no centro das atenções atualmente porque respondem com agilidade a um amplo espectro de toxinas químicas. •
Suporte estabiliza polegar
Movimentos preservados
• Imagens vistas em tempo real A Sandia, uma empresa norte-americana do grupo Lockheed Martin, anunciou o registro de patente de um dispositivo de hardware capaz de resolver os problemas envolvendo arquivos de imagem pesados a ponto de consumir até 30 minutos na transmissão em rede, tornando a visualização lenta e quase inviável nos computadores hoje disponíveis. Com o equipamento, um cirurgião operando em Manaus, por exemplo, poderia contar com o colaboração de outro especialista em São Paulo para avaliar imagens produzidas por aparelhos de ressonância magnética em tempo real. Como se os dois estivessem na mesma sala de cirurgia, olhando para a mesma imagem. A ferramenta também pode ser útil para engenheiros, militares e equipes dedicadas à exploração de petróleo, entre outros profissionais com uso intensivo de imagens estáticas e em movimento. Segundo a empresa, a imagem se forma na tela remota em 0,1 segundo, mesmo que o computador receptor esteja a milhares de quilômetros. Suas maiores virtudes são rapidez na compressão de fluxo de vídeo e fidelidade da imagem. •
Pequenas tarefas cotidianas, como abrir e fechar torneiras, tornam-se proibitivas para cerca de 80% dos portadores de artrite reumatóide, doença inflamatória crônica que provoca deformidades nas mãos, principalmente nos polegares. Para ajudá-los, a terapeuta ocupacional Paula Gabriel Silva, que trabalha no setor de reabilitação em reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolveu uma órtese (suporte) de estabilização do polegar. Paula diz que a deformidade do polegar, que suporta boa parte do trabalho das mãos, sobrecarrega as articulações com movimentos inadequados, estimulando o aparecimento de dores. "O modelo criado não machuca e oferece maior estabilidade ao polegar." A órtese é feita sob medida, em material termoplástico. Foram testados 40 pacientes durante 90 dias, em relação à dor, força de preensão, destreza e capacidade funcional da mão. Metade usou a órtese em período integral (grupo estudo) e o restante (grupo controle) durante as consultas com a terapeuta. Ao final do estudo, os resultados mostraram que, para os usuários constantes do aparelho, a dor diminuiu
em cerca de 33%. Eles também apresentaram um resultado superior no item destreza na realização de tarefas em comparação com os usuários esporádicos. A força de preensão da mão e do movimento de pinça dos dedos polegar e indicador não foi prejudicada com o uso do aparelho, já que não houve alteração na força medida. •
• Parceria em mídia digital O Instituto de Pesquisas Tecno lógicas (IPT) conta, desde janeiro, com um centro especializado em mídia digital e automação comercial que tem como objetivo capacitar profissionais e apoiar empresas para o desenvolvimento de softwares destinados a aplicações específicas. O Centro de Tecnologia XML - IPT é resultado de uma parceria com a HP Brasil, que forneceu a infra-estrutura de equipamentos destinada aos laboratórios e verba para as bolsas de estudos, e com a Microsoft Brasil, responsável pela capacitação de profissionais na tecnologia XML, que será utilizada no desenvolvimento de aplicativos para a Internet. •
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perimentos que têm como objetivo o estudo de proteínas, poderão ser utilizados por pesquisadores. Para ter acesso aos equipamentos, comprados com o apoio da FAPESP, os interessados devem preencher, até 15 de março, um formulário disponível no endereço eletrônico www.lnls.br. •
Dez anos em órbita o primeiro satélite brasileiro completou dez anos em órbita em fevereiro último. O SCD-1, satélite de coleta de dados, foi projetado e construído pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) para captar sinais de plataformas coletoras de dados ambientais instaladas em terra e retransmiti-Ios para a estação de recepção e processamento do Inpe em Cuiabá (MT). O sistema de coleta de dados conta, atualmente, com uma rede composta de mais de 500 plataformas espalhadas em todo o território brasileiro, algumas em regiões bem remotas, que possuem sensores eletrônicos responsáveis pela medição de vários parâmetros ambientais, como nível da água em rios e represas, qualidade de precipitação pluviométrica, pressão atmosférica, intensidade • Sensores de gases mais eficientes Novas nanopartículas de dióxido de estanho dopadas com terras raras, sintetizadas no Centro de Pesquisa Inovação e Difusão (Cepid) de Materiais Cerâmicos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), podem triplicar a vida útil de sensores de gases, que têm como função identificar algumas moléculas de gás em meio a 1 milhão de outras que compõem o ar. O processo de introduzir as terras raras (cério, ítrio e lantânio) no nível molecular durante a síntese das na-
• Carne bovina com menos gordura
SCD-l:
coleta de dados a
750
da radiação solar, temperatura do ar, entre outros. "O satélite, que está a cerca de 750 quilômetros de altitude, dá cerca de 14 voltas por dia ao redor da Terra", diz Wilson Yamaguti, engenheiro do Inpe que trabalhou no projeto do SCD-l. "Quando passa sobre as plataformas, atua como um espelho." De Cuiabá, os dados, coletados a cada dez ou 12 minutos são transmitidos
nopartículas torna-as mais estáveis termicamente, na faixa de temperaturas de 3000 a 5000 a que são submetidas quando utilizadas, por exemplo, em sensores para detectar a contaminação do ar por poluentes ou mesmo a concentração de gases. O material pode ser ainda utilizado em dispositivos opticoeletrônicos, células solares, displays de cristal líquido e catalisadores, já que o dióxido de estanho é um semicondutor que apresenta propriedades com alta condutividade elétrica, alta transparência na região do visível e alta estabilidade térmica. Para Edson
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quilômetros
de altitude
para Cachoeira Paulista, onde ficam disponíveis para empresas e instituições no Brasil e no exterior. Em outubro de 1998 foi lançado um segundo satélite de coleta de dados, o SCD-2. "O papel da missão é o mesmo, coleta de dados, mas o satélite passou por um processo de aperfeiçoamento tecnológico", diz Yamaguti. ''A órbita do segundo complementa a do primeiro:' •
Roberto Leite, coordenador da pesquisa no Laboratório Interdisciplinar de Eletroquímica e Cerâmica (Liec), as nanopartículas dopadas vão evitar o crescimento de cristais, fenômeno que ocorre quando os sensores operam em altas temperaturas, prejudicando sua eficiência. •
• Equipamentos disponíveis Dois equipamentos de ressonância magnética nuclear instalados no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, destinados à realização de ex-
Após quase três anos de pesquisa, a Nutriway, empresa baiana incubada no Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Camaçari (Ceped), colocou no mercado uma carne moída bovina com baixíssimo teor de gordura, batizada de Nutri Up. O processo, desenvolvido pelas duas sócias proprietárias, uma engenheira química e outra especializada em bioquímica, consiste em desidratar profundamente a carne, para retirar dela hormônios e agrotóxicos, deixando apenas a proteína. As pesquisadoras não dão detalhes do processo, mas garantem que em 50 gramas de carne encontra-se apenas 0,5 grama de gordura. A mesma quantidade de carne normal contém 8,8 gramas de gordura. O preço
sugerido para uma porção de 200 gramas de carne está em torno de R$ 10. Por enquanto, a carne está sendo vendida apenas em supermercados de Salvador, mas os planos são de que ainda no segundo semestre conquiste outros estados brasileiros. Para isso, as microempresárias planejam expandir a produção e o número de funcionários. E também lançar novos produtos sem colesterol, seguindo o mesmo conceito aplicado à carne moída. •
Patentes Inovações financiadas pelo Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Nuplitec) da FAPESP. Contato: nuplitec@fapesp.br
Título: Processo para Execução de Ligações entre Elementos Estruturais de Concreto por Meio de Argamassa de Cimento e Areia Modificada e Respectivo Produto Resultante Inventor: Mounir I<halil EI Debs Titularidade: FAPESP/USP
• Proteínas protetoras
• Parceria entre
IBM e USP A Universidade de São Paulo (USP), por meio de seu Núcleo de Bioinformática (Bioinfo), e a IBM firmaram um acordo de cooperação. Essa parceria permitirá à USP utilizar diversos softwares da empresa de informática, incluindo o banco de dados DB2, além de material de apoio e suporte técnico. O banco de dados permitirá a organização de grande volume de informações, vindas em diferentes formatos e de diversas fontes. A universidade também poderá utilizar, em uma segunda fase, o programa Discovery Link, principal produto de comunicação de dados em genômica. •
Nova técnica para calibrar
feixes de laser
• Medição de luz simplificada
• Material evita trincas
Pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) criaram metodologia inédita para a calibragem de feixes de laser contínuo, em que a distribuição de energia apresenta um padrão de intensidade da luz mais fraco nas bordas e mais forte no centro. Lasers com esse perfil, chamados de gaussianos, são empregados em medidas ópticas, metrologia e em aplicações médicas. Pela nova técnica, será possível determinar o diâmetro ou o raio do feixe laser em qualquer posição ao longo de seu eixo de propagação. Com isso, os instrumentos podem ser compactados em pequenos aparelhos.
Um tipo de argamassa de cimento e areia modificada para ser utilizada como material de ligação entre duas peças pré-moldadas de concreto foi desenvolvida na Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo. Essa argamassa, que leva ainda em sua composição elementos selecionados para promover grande capacidade de deformação e alta tenacidade no material, tem a finalidade de transferir tensões de compressão, uniformes ou não, e, se for o caso, permitir pequenas rotações entre as peças, característica importante para evitar trincas. O material pode ser usado no lugar da camada de elastômero (borracha), que funciona como uma almofada porque é razoavelmente maleável e acomoda bem as irregularidades da superfície, promovendo uma distribuição de tensão mais uniforme.
Título: Determinaçãodo Raio de um Feixe de Laser Gaussiano pela Técnicade Lente Térmica Inventores: Mario José Politi e Marcos Eduardo Sedra Gugliotti Titularidade: FAPESP/USP
Polipeptídeos (pequenas proteínas) isolados a partir de diferentes espécies de vegetais, por uma equipe do Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostraram ser eficazes para inibir o crescimento do caruncho do feijão. O objetivo é alcançado com um composto que tem elevada eficiência no bloqueio da adesão celular em determinados substratos. Os pesquisadores procuram agora correlacionar estudos fisiológicos e bioquímicos para determinar sua aplicação na agricultura com o desenvolvimento de técnicas de controle de insetos predadores. Outra utilização, que merece maiores estudos, é sua ação como inibidor do crescimento de células tumorais. Título: Peptídeo YLEPVARGDGGLA e seus Derivados Inventores: Maria Luiza Vilela Olival Cláudio Sampaio e Misako Sampaio Titularidade: FAPESP/Unifesp
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Estufas: ambiente para produção de variedades e guarda de espécies in vivo
tabilizando a economia para toda a produção de soja no país, consegui-se uma redução de custos de cerca de R$ 5 bilhões por ano. Outro fator fundamental para a expansão dessa leguminosa a partir dos anos de 1970 foi o desenvolvimento de variedades de sementes adaptadas ao clima tropical. "Antes o cultivo de soja (uma planta de origem asiática), só se desenvolvia em latitudes próximas ou superiores a 25°", lembra Amélio. Essa
Soja: Embrapa fornece 60% das sementes usadas na produção brasileira
latitude corresponde no país ao sul do Estado de São Paulo e norte do Paraná. "O Brasil rompeu essa barreira e hoje se planta soja no Centro-Oeste, no Maranhão, no Pará e em Roraima," Também chamadas de cultivares, as variedades de qualquer planta comercial, como no caso das "tropicais" da soja, são produzidas por meio de cruza-
Avanço na ínfcrmação O agrônomo Clayton CampanhoIa assumiu o cargo de diretor-presidente da Embrapa com o objetivo de manter o desempenho tecnológico da empresa e estender o conhecimento acumulado ao longo desses 30 anos para os agricultores mais pobres. Ele é pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, de Iaguariúna (SP), desde 1985, unidade que chefiou entre 1990 e 1998. Campanhola fala a seguir sobre esse desafio.
Existia na época a idéia de que haveria um crescimento muito grande da população e iria faltar alimentos. Outra preocupação era diminuir os desequilíbrios regionais. Ela promoveu a pesquisa e, obviamente não sozinha, cumpriu bem esse papel, principalmente até o início da década de 90. Nos primeiros 20 anos, a Embrapa deu o resultado esperado. Nós tivemos grandes avanços de produtividade, exploração de novas áreas e fronteiras.
• Como o senhor analisa o desempenho da Embrapa nesses 30 anos?
• E a partir dos anos de 1990, o que aconteceu?
- Desde a sua criação, a Embrapa preocupou-se muito com a questão da produtividade e oferta de alimentos.
- O crédito começou a ficar escasso, inclusive na época do governo Collor nós tivemos o crédito a juros de mer-
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mentos (troca de polens) entre plantas mais resistentes ao clima de cada região, técnica que hoje também utiliza a biologia molecular para identificar genes de interesse. Ao longo desses anos, a Embrapa desenvolveu vários culti~ vares e possui uma
'5 coleção de 5 mil ti~ pos (genótipos) de _; soja, garantindo uma
~ grande variabilidade genética
à cultura.
Campanhola: tecnologia com mais atenção ao lado pobre da agricultura
cado para a agricultura, dificultando os investimentos. Então, nós tivemos escassez de crédito e de demanda de tecnologia. Veio a liberação de mercados e quedas importantes na produção do algodão e do trigo. Isso desestruturou um pouco a pesquisa em alguns produtos. Tudo isso fez com que a Embrapa tivesse de buscar alternativas, inclusive de captação de recursos. Para isso firmou contratos com a iniciativa privada, como para a produção de sementes, que ela repassa e recebe royalties. Além disso, ela arrecada com prestação de serviços, análises laboratoriais, além de também competir na captação de recursos públicos, inclusive na FAPESP.
Trigo: produtividade cresceu de 800 kg/ha, em 1970, para 2.000 kg/ha, em 2002
Cupuaçu: fruto nativo da Amazônia, exemplo de bom uso da biodiversidade
Depois de devidamente aprovados, os cultivares são repassados para fundações formadas por produtores que apóiam financeiramente o desenvolvimento das sementes e produzem esse insumo para a venda aos agricultores. Atualmente, a Embrapa é responsável por cerca de 60% das sementes usadas no plantio da soja no Brasil. A safra de 2002 atingiu a produção de 42 milhões de toneladas de grãos, representando 23% da produção mundial. Desse total,
• Quais os desafios neste novo governo? - O que estamos nos propondo é trabalhar com agricultores familiares, principalmente aqueles que têm dificuldade de acesso à tecnologia. Vamos trabalhar com os conceitos de território, que é mais de um município, onde a Embrapa seria um dos agentes de desenvolvimento, não só de pesquisa. Em um território de regiões muito pobres, o problema não é só tecnologia, falta tudo. • Na prática muda o enfoque de trabalho da empresa ou apenas amplia? - Nós temos de manter o desenvolvimento de tecnologia para grande produtores, para as commodities e para agricultores familiares integrados ao mercado. Queremos atingir os agricultores que, muitas vezes, não têm produção nem para subsistência. Só no Rio Grande do Sul, por exemplo, existem mais de 300 mil grupos de agricultores familiares abaixo da linha de pobreza. Esse pessoal não aparece, não tem poder de organização nenhum.
cerca de 22 milhões de toneladas foram exportadas (em grãos, farelo e óleo), gerando uma receita de US$ 5,6 bilhões. A principal região produtora de soja do país (com 58% do total, sendo que em 1970 produzia apenas 2%) é também uma das novas fronteiras agrícolas. O cerrado se transformou nas últimas três décadas em grande produtor de grãos. É o responsável por cerca de 50% da safra de grãos, incluindo soja, milho, arroz, trigo e sorgo (gramínea
• Como a tecnologia será levada a esses agricultores? - Nós queremos estimular pesquisadores que têm o perfil e a disposição para trabalhar com agricultura familiar. Em vez de gerar tecnologia e trans-' ferir, vamos começar o trabalho discutindo com os agricultores, fazer o dia&nóstico junto com eles. • Como a Embrapa vai participar do Programa Fome Zero? - Principalmente, para atender regiões onde não há oferta de alimentos . Nossa proposta é estimular a produção local de alimentos. E a agricultura familiar é mais propensa a esse processo, porque trabalha com áreas menores, facilitando a produção para a comunidade local. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) está disposto a colocar US$ 1milhão para iniciarmos esse trabalho. • Como a empresa vai se portar frente ao polêmico assunto dos organismos
transgênicosi
usada em rações para animais), além de produzir algodão, abacaxi e tomate. Até o final dos anos 60, a região era reconhecida, do ponto de vista agrícola, apenas como pastagem. Hoje, essa aptidão continua, com cerca de 40% do rebanho bovino do país. Originariamente constituído, em grande parte, de vegetação rasteira, árvores baixas e retorcidas, o cerrado possui um solo pobre, carente de correções químicas, para que nele possa se desenvolver a agricultura comercial.
- O papel da Embrapa é, dentro do princípio da precaução, gerar informações. Como é que se geram essas informações sobre o impacto ambiental, impacto à saúde? Primeiro, é preciso ter métodos e protocolos. Existe um projeto aprovado na gestão anterior sobre biossegurança, que visa analisar os organismos transgênicos com os quais a Embrapa está trabalhando e fazer estudos para ver, por exemplo, o risco de polinização cruzada, etc. Nós estamos num país tropical, onde há uma grande biodiversidade, precisamos tomar muito cuidado, porque a situação é diferente de outros países. • E a questão da agricultura orgânica? - A Embrapa demorou muito a entrar nessa área. Esse é um segmento que cresce muito no Brasil, a taxas de 30% ao ano desde 1999. Nós estamos propondo que sejam intensificadas as pesquisas com cultura orgânica. Existe o aspecto ambiental por trás, mas existe também o diferencial de renda. O alimento orgânico vale mais.
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Ii I' "O solo do cerrado é miserável, quase não tem matéria orgânica, fósforo micronutrientes", explica Amélio. "Desenvolvemos para a região um pacote que incluía a calagem, com aplicação de cal para eliminar o efeito tóxico do excesso de alumínio presente naquele solo:' utra
fronteira agrícola conquistada nos últimos anos foi o semi-árido nordestino. Lá, a irrigação com águas do rio São Francisco per~ mitiu que a região central do semi-árido se tornasse um pólo exportador de frutas, englobando terras, num total de 600 mil hectares, dos estados da Bahia e de Pernambuco. Para a região e para o restante do país, a grande surpresa surgiu no início dos anos 80, com o plantio da uva em pleno calor e seca nordestina, na região do Vale do São Francisco, tendo como centros as cidades de Petrolina (PE) e Iuazeiro (BA). A notícia ganhou destaque internacional e hoje 95% da produção local é exportada. O semi-árido também foi adaptado para ser um bom campo para o plantio da manga. Junto com a uva, as duas frutas representam para o país US$ 65 milhões em vendas no comércio externo. "Do total exportado pelo Brasil, 85% das mangas saem do Vale do São Francisco",diz Paulo. Além de ter colaborado para a implantação econômica dessa cultura na região, a Embrapa também desenvolveu um produto que neutraliza os efeitos do látex da própria
mangueira em seu fruto. No momento da colheita, quando a planta expele o látex, manchas escuras se formam logo em seguida e prejudicam o aspecto da fruta, gerando prejuízos na hora de exportar. O neutralizador de manchas produzido pela Embrapa é eficiente e se mostrou mais vantajoso economicamente que o neutralizado r importado usado até aqui. Com apenas 6 quilos do produto é possível tratar 50 toneladas de fruta, enquanto o importado trata apenas 15 toneladas. O combate às pragas permitiu que a Embrapa viabilizasse uma outra fruta. Dessa vez na Amazônia, uma região carente de pesquisa agropecuária, que ao mesmo tempo detém uma rica biodiversidade num solo frágil, clima úmido com chuva em abundância. O fruto é o cupuaçu, nativo da região e cada vez mais procurado pelo mercado interno e externo para a produção de doces e sorvetes. Os pesquisadores da Embrapa criaram meios para tornar o cupuaçu agriculturável e lançaram quatro cultivares de cupuaçueiro resistentes à vassoura-de-bruxa, doença que reduz a produção de frutos em 30% e pode até matar a planta. Essas variedades são clones produzidos a partir de espécies resistentes à doença. O desenvolvimento de tecnologias pela Embrapa abrange uma longa lista de produtos e processos e não ficou restrito às áreas de fronteira agrícola. Um exemplo está na tradicional área decultivo de maçãs nos estados do Rio Gran-
Porco Light: 40% menos gordura na carne e 12% do mercado
de do Sul e Santa Catarina. Pesquisadores da região já reduziram em 25% a aplicação de inseticidas nas plantações. A técnica principal introduz na área de plantio armadilhas com hormônios sexuais sintéticos que atraem os insetos e matam-nos. A redução de pulverizações de agroquímicos também está presente I
Da biodiversidade aos transgênicos A diversidade genética animal e vegetal de importância socioeconômica tem um endereço certo no Brasil. É a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, o antigo Cenargen, localizada ao lado da sede da empresa, em Brasília. Constituída em 1974, ela foi uma das primeiras unidades da Embrapa. Inicialmente, o centro se especializou na coleta e na guarda de material genético de espécies que podem servir para programas de melhoramento genético, como na produção de novas variedades ou raças, e na manutenção da rica diversidade biológica para as populações futuras. São se-
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mentes, amostras de DNA, sêmen e embriões. Guardados em câmaras frias, in vitro nos laboratórios ou no campo estão mais de 83 mil espécimes vegetais. Eles representam 690 espécies, que incluem a soja, por exemplo, e plantas silvestres e medicinais, como ipeca e jaborandi. Recentemente, índios craôs, do Tocantins, recuperaram variedades de milho usadas pelos seus antepassados, que foram coletadas por pesquisadores da Embrapa na década de 1970. Na área animal, a Embrapa preserva, em fazendas especiais, 33 raças, das quais existem poucos exemplares no
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país. Assim, entre os bovinos estão o mocho nacional e o pantaneiro. O Pantanal também é o ambiente onde se preserva uma raça de cavalos. No Nordeste, existem núcleos onde são preservados o jegue e a cabra azul. No Rio Grande do Sul, estão a ovelha crioula lanada e, no Norte, na Ilha de Marajó (PA), duas raras raças de búfalos, a carabao e a baio. Além da caracterização do material coletado, a Embrapa Recursos Genéticos faz o trabalho de identificação de doenças e controle do material vegetal que entra ou sai do país, seja com propósitos comerciais, seja de pesquisa.
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Língua eletrônica: equipamento para anál ise de vinho e de água
Uva: no Vale do São Francisco, 95% da produção é exportada
nas plantações de batata e tomate. A Embrapa desenvolveu um equipamento que, instalado na lavoura, informa o teor de umidade que facilita o aparecimento de fungos. A pulverização na hora certa reduz em 30% o uso de fungicidas. No tomate, a economia chega a US$ 300 por hectare e na batata, os produtores deixam de gastar US$ 90 milhões por ano.
Feijão transgênico: imune ao vírus que provoca o mosaico dourado
Em cultivos tradicionais como o trigo, o uso de novos cultivares aumentou a produtividade por hectare (ha), "Em 1970, a colheita rendia 800 kg/ha; em 1990, 1.500 kglha; e em 2002, 2.000 kg/ha', diz o pesquisador Pedro Luiz Scheeren, da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS). Em outra cultura tradicional como o milho, que cresceu em produtividade 102% entre 1975 e 2000, a Embrapa desenvolveu cultivares que possuem mais proteína. São milhos com teores de proteínas e aminoácidos 50% superiores ao tipo comum. Essas qualidades, além de enriquecer a alimen-
Câmara fria: sementes silvestres e comerciais
No ano passado, por exemplo, os pesquisadores detectaram um fungo presente em amostras de trigo importado da Rússia. Somente depois de ele ser eliminado com fungicida, o trigo pôde ser descarregado dos navios. Em meados da década de 1980, os pesquisadores passaram a adotar técnicas de biologia molecular. "Começamos a identificar marcadores nas moléculas das plantas e aceleramos o processo de melhoramento das variedades, facilitando a identificação de
genes de interesse': conta LuizAntônio Barreto de Castro, chefe da unidade. O próximo passo foi o início do trabalho com plantas transgênicas, ainda de forma experimental, em 1986.Hoje, a Embrapa espera a definição do uso dessas plantas no Brasil com três novos produtos. Um mamão resistente ao vírus que provoca a mancha anelar, uma batata também resistente a um vírus que provoca deformações e reduz o número de tubérculos e um feijão que se torna
tação humana, levam a uma redução de 2% no custo final da produção de frangos e suínos. Na pecuária, a empresa desenvolveu, principalmente, cultivares de plantas forrageiras, que servem de alimento para o gado, em todas as regiões do país. No semi-árido, por exemplo, foi desenvolvido um sistema para bovinos e caprinos que associa a utilização racional da caatinga com plantas cultivadas resistentes à seca. Essa forragem pode ser conservada seca em silagem para ser servida nos períodos de estiagem mais prolongados. Na suinocultura, a Embrapa conseguiu, por cruzamentos entre várias raças, duas variedades de suíno que possuem 40% menos gordura e, por isso, são chamados de suínos light. A primeira variedade, lançada em 1996,
imune ao mosaico dourado, outra doença virótica. "Introduzimos um gene de cada vírus no DNA de cada planta. Esse gene expressa a proteína replicase, que funciona para a reprodução do microrganismo. Quando o vírus vai ao ataque, ele 'acha' que a planta já tem a proteína e não secreta essa substância e, portanto, não se multiplica",explicao pesquisador Francisco Aragão.As plantas estão passando por testes de acordo com normas da Comissão Técnica Nacional de biossegurança (CTNBio). Outra conquista da Biotecnologia foi uma vaca, que recebeu o nome de Vitória, clonada pela técnica de transferência nuclear. Vitória é o primeiro passo para a multiplicação de bovinos de elevado padrão genético.
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Girassol: em outras cores, é nova opção para o cultivo de flores
Algodão colorido: variedade favorece o artesanato
Foto de satélite: para entender o nosso território
pela Embrapa Suínos e Aves, de Concórdia (SC), já é produzida em 12 estados e representa 12% do mercado desse tipo de carne. A Embrapa nos últimos anos avançou também para fora do campo, ao desenvolver tecnologias que não têm relação direta com o agricultor, mas trazem benefícios tanto para a agroindústria como para o planejamento e a proteção ambiental. Nessas áreas, duas tecnologias de ponta foram usadas recentemente pelos pesquisadores da empresa: as imagens de satélite e os polímeros condutores. No primeiro caso, a Embrapa Monitoramento por Satélites, de Campinas (SP), montou uma fotografia vista do espaço, pelos satélites Landsat, de cada Estado brasileiro. São mapas com definição do território em 30 a 90 metros por pixel (pontos) na tela do computador. Eles fornecem dados sobre os recursos naturais e os impactos das atividades rurais e urbanas, facilitando o zoneamento ecológico e econômico e ajudando no planejamento de atividades como o ecoturismo. No caso dos polímeros condutores, elesforam usados na confecçãode senso82 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
res capazes de identificar e diferenciar tipos de vinho e de água, além de ajudar na monitoração da presença de metais pesados em rios e mananciais. O aparelho, chamado de língua eletrônica, foi desenvolvido na Embrapa Instrumentação Agropecuária, em São Carlos (SP), . e contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade de São Paulo, Embrapa Uva e Vinho e Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital), de Campinas (SP).
p(
íngua eletrônica foi patenteada pela Embrapa e soma-se a outras 168 patentes (ou pedidos de patente) registradas ao longo dos últimos 30 anos. Dessas, 54 foram requeridas no exterior. Em 1998, a empresa criou uma secretaria de propriedade intelectual que ajuda pesquisadores de todas as unidades a formularem suas patentes e faz o licenciamento dos produtos. Com tantas realizações tecnológicas, é de se perguntar como a Embrapa transfere essas informações para aqueles que trabalham no campo e na agro-
indústria. A resposta se divide em várias frentes. A mais comum é por meio de consultas às próprias unidades, pessoalmente, por telefone ou pela Internet, no Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC). "Também repassamos para órgãos públicos e privados que disseminam as informações, além de fazermos reuniões e implementarmos treinamentos para técnicos e agricultores': explicao ex-presidente da empresa, EliseuAlves. O repasse das informações é fundamental no caso da agricultura familiar, formada por agricultores que, muitas vezes, têm dificuldades em obter suporte técnico mais apurado. É nesse segmento que a Embrapa está se voltando nos últimos anos, para tentar equilibrar a agricultura familiar, responsável por 35% da produção do país, com o sucesso do agronegócio, a agricultura empresarial capaz de contratar técnicos, agrônomos e veterinários e, assim, obter informações mais facilmente para o desenvolvimento dos negócios. Os dois setores somados geram, hoje, 20% do PIB nacional. A visão voltada para uma produção familiar mais viável e rentável ficou documentada no Balanço Social da empresa publicado em 1997e reforçado em 2001. Um trecho desse último documento expressa o desafio que a Embrapa tem nesse momento histórico. "Os pequenos produtores são incapazes, sozinhos, de superar os obstáculos que os levam a abandonar o campo e se dirigir para a periferia das grandes cidades. Precisam da assistência do Estado. São eles os assentados rurais, os caboclos amazônicos, os indígenas e os pequenos agricultores que se alimentam com o que colhem da terra." Para fazer esse trabalho, a empresa conta com um recurso fundamental: respeitabilidade. "Isso é possível sentir no dia-a-dia e quando fazemos coletas de campo", diz o pesquisador JoséValls, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, especialista nas espécies de amendoeiro do gênero Arachis, a mesma do amendoim comercial. "Quando dizemos que somos da Embrapa, logo ouvimos: 'Entra, entra, entra'. Sem precisar de muita explicação." •
• TECNOLOGIA
BIOTECNOLOGIA
Ataque ao parasita Descobertas genéticas e novas drogas combatem o Trypanosoma, causador da doença de Chagas
uas novidades prometem abrir novas frentes no combate à doença de Chagas, uma enfermidade que ocorre somente no continente americano, do sul dos Estados Unidos à Argentina, e atinge cerca de 16 milhões de infectados, dos quais 6 milhões no Brasil. A primeira boa notícia vem da Universidade de Franca (Unifran), na região de Ribeirão Preto (SP), onde pesquisadores apostam num futuro medicamento à base de cubebina, uma substância extraída da semente seca da pimenta asiática (Piper cubeba). A outra novidade saiu dos laboratórios do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) , uma ramificação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) instalada em Curitiba (PR). Os pesquisadores paranaenses descobriram mecanismos genéticos no protozoário causador da doença, que favorecem a adaptação do parasita às diferentes condições dos organismos em que se instala. Esse mesmo artifício faz com que ele escape mais facilmente dos medicamentos usados para conter o avanço da Chagas. Novos medicamentos contra a doença de Chagas são sempre bem-vindos. Hoje, o mais utilizado é o benzonidazol, princípio ativo do Rochagan, medicamento produzido pela Roche, indústria farmacêutica sediada na Suíça. Ele retarda os efeitos da doença, mas não promove a cura. A cubebina, inicialmente, não vai modificar esse quadro terapêutico, mas deve proporcionar tratamentos com menos efeitos colaterais, conforme testes feitos in vitro (em células) e in vivo (em camundongos), e comparados ao benzonidazol. O coordenador da pesquisa,
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o farmacêutico Márcio Luis Andrade e Silva, da Unifran, uma instituição privada paulista, acredita que uma droga poderá surgir de ao menos um dos três compostos obtidos a partir da cubebina: o metilpluviatolido, a hinoquinina, o O-dimetiletilaminocubebina e a nitrohino quinina. Eles se mostraram 100% eficazes na destruição de uma das formas do causador da doença, o protozoário Trypanosoma cruzi, chamada tripomastigota, que circula pela corrente sangüínea, antes de chegar aos tecidos do coração ou do estômago. Pode ser que um desses novos compostos consiga destruir não só as for-
Estrutura molecular de um composto da cubebina: O-dimetiletilaminocubebina
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mas circulantes de Trypanosoma, mas também as que se alojam nos tecidos. O resultado seria a realização de um sonho: a cura da doença de Chagas. dradee Silva sabe que o caminho é longo: há pelo menos mais cinco anos de trabalho até se chegar a um medicamento que possa ser adotado pelo sistema público de saúde.A pesquisa,que contou com financiamento do Programa de Apoio a Jovem Pesquisador da FAPESP,já rendeu um pedido de registro de patente da atividade antichagásica dos derivados da cubebina no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPl). Despertou também o interesse do laboratório Teuto Brasileiro, que está interessado em participar nas próximas etapas da pesquisa, que inclui a síntese completa dos derivados mais ativos, o estudo de outros compostos e os testes de toxicidade e eficáciaem seres humanos. Os pesquisadores pretendem obter e testar mais dez ou 15 derivados da eubebina, em um trabalho conjunto com o parasitologista SérgioAlbuquerque e o farmacêutico Iairo Knupp Bastos, ambos da Faculdade de Ciências Farmacêuticasde RibeirãoPreto da Universidadede São Paulo (USP). Eles querem também produzir em laboratório os derivados da cubebina, a partir de moléculas orgânicas intermediárias, desta vez num trabalho conjunto com Paulo Marcos Donate e Rosângela Silva,também da USP. Outro desafio é produzir a molécula em larga escala, já que a extração da cubebina da pimenta não garante quantidades suficientes de derivados para levar adiante os testes em seres humanos.
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Dos quatro derivados da cubebina já testados, dois ainda não haviam sido descritos quimicamente: um é o O-dimetiletilaminocubebina, que apresenta um radical amina (com um átomo de nitrogênio e dois de hidrogênio), e o outro, a nitrohinoquinina, com um grupo nitro (um nitrogênio e dois oxigênios) ligado ao anel aromático (estrutura fechada com seis átomos de carbono e seis hidrogênios) da cubebina, ambos obtidos a partir de modificações da molécula original. A cubebina, base para os dois novos compostos e para outro já conhecido, a hinoquinina, pode ser extraída tanto da semente seca da Piper eubeba quanto das folhas de um arbusto, a mamica-de-cadela (Zanthoxylum naranjillo), embora a pimenta tenha uma concentração dez vezesmaior. Até ago.r;a, o composto mais ativo foi outro já conhecido, o metilpluviatolido, encontrado nas folhas do arbusto e só agora testado contra a doença de Chagas. Os resultados obtidos indicam que os compostos extraídos da pimenta asiática, principalmente a hinoquinina
o PROJETO Investigação das Atividades Analgésica, Antiinflamatória e Tripanocida de Alguns Derivados de Cubebina Obtidos por Síntese Parcial MODALIDADE
Programa Apoio a Jovem Pesquisador COORDENADOR MÁRCIO LUIS ANDRADE E SILVA -
Unifran INVESTIMENTO
R$ 133.825,71
e o metilpluviatolido, "não apresentaram um efeito tóxico significativo, o que não ocorre com o benzonidazol", diz Andrade e Silva.Os manuais médicos previnem que tratamentos prolongados com essa substância causam alterações no funcionamento da medula óssea e problemas na pele, por exemplo. Baixa toxicidade - Segundo Márcio, os camundongos infectados que receberam os derivados de cubebina permaneceram vivos por até três vezes mais tempo do que os animais infectados que receberam o benzonidazol. "Comparando com a cubebina, os quatro derivados apresentam pouca toxicidade,com uma dose letal bastante alta, acima de 2 gramas", assegura o pesquisador. Mesmo com tratamento contínuo, a hino quinina não danificou as células do fígado. E o metilpluviatolido, segundo ele, manteve o animal vivo por 60 dias a mais que o benzonidazol. A cubebina começou a ser estudada no Brasil no final dos anos 80. Em 1988, pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP em Ribeirão Preto, orientados pelo químico Otto Richard Gottlieb, isolaram a substância das folhas da mamica-decadela. [airo Knupp Bastos, que agora contribui com Andrade e Silva, fazia parte dessa equipe pioneira, que em seguida comprovou a baixa toxicidade e as atividades analgésica e antiinflamatória da cubebina. As equipes da Unifran e da USP verificaram agora que a hino quinina, um dos derivados da cubebina, além da atividade antichagásica, apresenta uma ação analgésica e antiinflamatória próxima à da
Os protozoários causadores da doença de Chagas: artifícios de sobrevivência revelados pelos biochips (acima)
indometafina, um dos antiinflamatórios mais usados atualmente. Choque térmico" Um novo medicamento também está nos planos dos pesquisadores de Curitiba. Certamente, não para o curto prazo. O que eles fazem é entender primeiro os meandros genéticos do protozoário. A mais importante descoberta do IBMP são os mecanismos utilizados pelo Trypanosoma cruzi para se adaptar aos diferentes ambientes dos quais consegue se hospedar. Quando ele deixa o barbeiro, inseto que lhe serve de hospedeiro, e infecta um mamífero intermediário,um gato,por exemplo, que funciona como reservatório antes do homem, o protozoário sofre um choque térmico (a temperatura passa de 28° para 37° Celsius),além de encontrar um ambiente rico em anticorpos, proteínas que participam da destruição de microrganismos invasores.A resistência do parasita, como a equipe do Paraná conseguiu desvendar em um trabalho recém-concluído, acontece quando ele ganha tempo no contra-ataque fazendo estoques de moléculas interme-
diárias - especificamente, de um tipo de ácido ribonucléico (RNA), o RNA mensageiro. Essas moléculas encurtam o caminho na hora de produzir proteínas com as quais o parasita consegue resistir, à mudança de temperatura e ao ataque dos anticorpos, que o matariam se não fosse ágil. "É a primeira vez que se observa,esse mecanismo em uma espécie de protozoário", comenta o biólogo Samuel Goldenberg, diretor do instituto. As descobertas podem levar a novas pistas que ajudem a deter a doença de Chagas, por meio de medicamentos mais eficazes que os empregados atualmente. Difícil de ser diagnosticada, por permanecer silenciosa durante décadas (em 60% dos casos, as pessoas não manifestam sintomas da infecção), a doença de Chagas pode ocasionar alterações no funcionamento do coração e inflamações no estômago, no esôfago e no intestino - é quando se muda a abordagem terapêutica e, em vez de combater o parasita, os médicos tratam os sintomas, às vezes com a colocação de marcapasso para evitar a morte dos indivíduos infectados.
Estoques estratégicos " Os estudos do IBMP resultam da análise simultânea de 4.200 genes depositados em uma lâmina de vidro menor que uma caixa de fósforos - um biochip, provavelmente o primeiro com genes de tripanossomos feito no Brasil. O biochip permite uma análise global dos genes envolvidos na produção de proteínas. Esse processo começa. no núcleo da célula, onde está o DNA e termina no citoplasma, uma bolsa gelatinosa que envolve o núcleo. Os pesquisadores descobriram por meio do biochip que ganhar tempo na produção de proteínas de defesa não é o único artifício de sobrevivência do protozoário. A análise dos genes revelou também que o Trypanosoma modifica o perfil dos genes acionados pelas células infectadas do hospedeiro mamífero. Comparações entre células de camundongos infectados e sadios indicaram que ao menos 370 genes são ativados e outros 120 acionados durante a infecção, resultando em danos para o coração, o estômago e o esôfago. PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 85
ITECNOLOGIA SAÚDE
Novas armas contra a dengue Bactéria é a matéria-prima de bioinseticidas que matam larvas do mosquito Aedes DINORAH
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smeses de verão e início do outono no Brasilsão os que registram o maior número de casos de dengue. As chuvas, que caem em grande quantidade nessa época do ano, propiciam a eclosão dos ovos da fêmea do mosquito Aedes aegypti, principal transmissor da doença, que só no ano passado atingiu a marca de 769.076notificações no país, contra 421.574 no ano antefíor, O inseticida aplicado em regiões epidêmicas por meio de vaporizadores, conhecido como fumacê, elimina apenas a forma adulta, mas não tem nenhuma eficácia para acabar com as larvas. Para controlar esses criadouros do mosquito, duas novas armas bacterianas estão sendo preparadas. . A primeira deverá estar no mercado já no mês de abril, na forma de um bioinseticida líquido que tem como principal componente o Bacillus thuringiensis israelensis, desenvolvido pela equipe da Bthek Biotecnologia, coordenada pelo agrônomo Marcelo Soares, um dos proprietários da empresa. Essa bactéria, inimiga natural do Aedes, produz uma toxina que, ao ser ingerida pela larva, causa danos ao intestino do inseto, provocando sua morte. A outra arma, com o mesmo bacilo em forma de comprimido, foi criada no Rio de Janeiro, no Instituto de Tecnologia em Fármacos - Far-Manguinhos, pela bióloga Elizabeth GomesSanches. A diferença entre os dois produtos é que o Bti, como é chamado o novo produto, líquido destina-se principalmente a lagos e açudes, ou seja, grandes espaços abertos, enquanto os comprimidos foram produzidos para uso doméstico, como caixas d'água, piscinas e cisternas.
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Produto aperfeiçoado - Soares conta que a idéia de produzir o bioinseticida para a larva da dengue surgiu em 1999, quando fazia pós-doutorado em controle microbiano na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. Um ano depois fundou a Bthek Biotecnologia, em Brasília, e deu início ao projeto. A primeira providência foi procurar a Embrapa para comprar cepas puras da bactéria Bacillus thuringiensis, importantes para a formulação adequada do produto. "Depois de aprender como produzir o bioinseticida, entrei em contato com o Instituto de PesquisasTecnológicas(IPT), que se encarregou do desenvolvimento e aperfeiçoamento dos meios de produção", lembra Soares. O instituto também deu assessoria para a montagem da planta industrial, relata Luiz Carlos Urenha, engenheiro químico do Laboratório de Fermentações Industriais, do Agrupamento de Biotecnologia do IPT, que também participou do projeto. O produto começará a ser vendido inicialmente em pequena escala para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, para operadoras de saúde e empresas especializadas. Seu uso em domicílios e grandes centros requer ainda algumas modificações, como a forma de apresentação em pastilhas, sachês, pó ou gel. Sua produção em escala industrial está prevista para setembro, quando a fábrica estiver com toda a capacidade instalada. Soares diz que o Bti custará metade do preço dos similares importados, que hoje disputam o mercado a US$ 25 o litro. Para uma área de 1 hectare são necessários de 1 a 2 litros do produto, dependendo do grau de infestação do mosquito. Já os comprimidos desenvolvidos pelo Far-Manguinhos estão prontos, mas só começarão a ser fabricados assim que forem encerradas as negociações com uma empresa brasileira do ramo de fermentações."Procuramos uma empresa parceira com capacidade de fabricar o produto em escala industrial, para atender à demanda da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que é muito grande", diz Elizabeth Gomes. A pesquisadora conta que o produto foi testado e aprovado, dentro dos padrões internacionais de segurança, por uma empresa independente contratada pelo Far-Manguinhos. "Nosso produto po-
de ser usado na caixa d'água porque não é tóxico': diz Elizabeth. "A fórmula foi dimensionada para uso doméstico:' Mas a aplicação pode ser feita apenas por agentes de saúde ou empresas especializadas, já que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, não permite a venda desse tipo de produto para a população leiga. O temefós, larvicida químico amplamente empregado para combater a dengue, começou a ser substituído em alguns estados brasileiros, no início do ano 2000, por bioinseticidas importados à base de Bacillus thuringiensis depois que foram constatadas populações de mosquitos resistentes ao produto. "Os inseticidas químicos, atualmente usados no Brasil para prevenção da dengue, têm uma série de desvantagens, principalmente no aspecto ambiental", diz Maria Filomena de Andrade Rodrigues, responsável pelo Laboratório de Microbiologia Industrial, também do Agrupamento de Biotecnologia do IPT, que atuou no desenvolvimento do processo de produção e formulação do bioinseticida líquido. "Sua aplicação sistemática contamina o solo e a água, prejudicando a flora e a fauna e matando outros insetos locais não nocivos, sem contar que o aplicado r pode sofrer intoxicação com o produto:' Já o bioinseticida, na avaliação da pesquisadorá, como tem atuação específica, permite o controle da praga sem provocar desequilíbrios ambientais e danos aos seres humanos. Viagens marítimas - Maria Filomena
diz que a educação e conscientização da população é ainda a melhor maneira de controlar o Aedes, que chegou ao Brasil no século 18 a bordo de embarcações que traziam escravos. Originário da África, o mosquito espalhou-se para a Ásia e América, principalmente pelas viagens marítimas. Os ovos do mosquito são resistentes e conseguem sobreviver mesmo sem estar em contato com água durante um ano. Por isso, basta chover para que, em menos de 30 minutos, eles dêem origem às larvas. E
em uma semana novos mosquitos estarão prontos para picar suas vítimas. Uma grande campanha realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) chegou a erradicar o Aedes aegypti do Brasil e de diversos outros países americanos em 1955.No entanto, algumas falhas impediram que o objetivo fosse plenamente alcançado, e o mosquito permaneceu presente em várias ilhas do Caribe, Guiana, Suriname, Venezuela e sul dos Estados Unidos, de onde voltou a espalhar-se. No fim da década de 70, o Brasil novamente contava com a presença do vetor em suas principais metrópoles.
Larvas do Aedes seqypii, transmissor da dengue
A dengue é considerada atualmente um dos principais problemas de saúde pública no mundo, segundo o Ministério da Saúde. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que cerca de 80 milhões de pessoas contraem a doença anualmente. Desse total, em torno de 550 mil necessitam de hospitalização e 20 mil morrem em conseqüência da infecção. Esses números mostram que é necessário ampliar o arsenal disponível para combater esse inseto de minúsculas proporções com alta capacidade de adaptação. O controle bacteriano é forte candidato a ter um papel efetivo na cruzada contra essa epidemia urbana. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 87
mmenos de cinco segundos, é possível detectar a presença de algas na água potável ou avaliar se um medicamento contém exatamente os compostos anunciados, como vitaminas ou cafeínas, além de saber a quantidade de cada um deles. A rapidez resulta de uma inovação chamada de varredura espectral, desenvolvida para os espectrofotômetros, instrumentos que fazem a análise química por meio da interação da radiação eletromagnética com a matéria. Esse mecanismo permite fazer a leitura em todos os comprimentos de onda, na faixa do espectro que vai do ultravioleta ao infravermelho, enquanto os outros equipamentos só atuam em um único comprimento de onda. O desenvolvimento dessa tecnologia colocou a Femto, uma empresa familiar instalada em São Paulo, na disputa por um mercado antes ocupado apenas pelas multinacionais. Entre outras aplicações, o instrumento vai atender à crescente demanda da indústria de fármacos, setor hoje bastante pressionado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão do Ministério
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da Saúde, para um controle eficiente da estabilidade dos princípios ativos dos medicamentos. Batizado de 800XI, o espectrofotômetro com lâmpada pulsada de xenônio, desenvolvido com apoio da FAPESP por meio do Programa de Inovação Tecnólógica em Pequenas Empresas (PIPE), está fazendo sucesso desde que foi lançado no ano passado. Mais de 30 aparelhos já foram vendidos nas licitações de que a empresa participou, garantindo faturamento da ordem de R$ 500 mil, 25% da receita total obtida em 2002. Para conseguir chegar a esse resultado, a Femto entrou em concorrências feitas por universidades, centros de pesquisas e indústrias com preço inicial de R$ 11 mil por aparelho, sem nenhum acessório, até R$ 25 mil, no formato mais completo. Os importados com o mesmo nível de tecnologia custam cerca de R$ 50 mil. Além da alta resolução, o modelo 800XI traz um software desenvolvido no Brasil para o tratamento matemático das informações. É equipado com um display gráfico e dispõe de conexão com um computador para tratamento do sinal e dos dados. A lâmpada pulsada de
xenônio substitui o par deutério/tungstênio-halogênio, usado normalmente nesses aparelhos, com a vantagem de não necessitar de partes móveis como nos antigos, além de obter melhor nível de sinal e isolar a luz ambiente do compartimento de amostra. A fabricante não vai deixar de produzir instrumentos com tecnologia monofeixe - em que a análise é feita por meio de um único comprimento de onda -, nicho abandonado pelas grandes multinacionais, como Perkin Elmer, Varian e Shimadzu. Mas pre-
o PROJETO Espectrofotômetro Baseado em Lâmpada Pulsada de Xenônio e Sensor de Imagem Linear MODALIDADE
Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPEl COORDENADOR LiDIO I<AZUOTAKAYAMA - Femto INVESTIMENTO
R$ 188.278,00 e US$ 2.543,83
Espectrofotômetro faz leituras químicas em todos os comprimentos de onda do espectro
tende disputar o mercado de tecnologia média com fabricantes da Coréia, França, Inglaterra e Austrália não só no Brasil, mas até mesmo no exterior. E, dentro de alguns anos, entrar no seleto grupo que fabrica instrumentos de tecnologia extremamente avançada, que envolve detectores, amplificadores e conversores com velocidade na ordem de nanossegundos, que somente países como Estados Unidos e Japão detêm. Credenciais para isso a empresa vem acumulando até mesmo antes da inauguração da Femto, em 1989. Lídio Kazuo Takayama, que divide a sociedade da empresa com os dois irmãos, Francisco e Mary, ajudou a montar o pri-
meiro espectrofotômetro do Brasil quando ainda era estudante de Física na Universidade de São Paulo, em 1975.De lá para cá, sempre investiu no desenvolvimento desse tipo de equipamento, que consegue detectar e quantificar elementos como cloreto, ferro e silício na água; cianeto, sulfeto e amônia em águas efluentes. Também pode ser aplicado na bioquímica clínica e molecular. O crescimento da Femto sempre foi sólido e feito com recursos próprios. Mas, para garantir o salto tecnológico, Lídio recorreu ao PIPE. A parceria foi iniciada em 1998, quando a empresa obteve financiamento para viabilizar o projeto Estação de Trabalho Espectrofotométrica, um equipamento de análise
totalmente automatizado, com recursos de robótica. Hoje, a Femto é líder brasileira no setor e vende mais de 200 equipamentos por ano, com faturamento de R$ 2 milhões, em um mercado interno que consome entre 500 e 750 unidades anuais. Mesmo conquistando uma boa fatia, a empresa trabalha no desenvolvimento de um espectrofotômetro de fluorescência com duplo monocromador de varredura contínua, baseado em lâmpada pulsada de xenônio, também financiado pela FAPESP.Esse aparelho está na fase de protótipo e detecta concentrações muito baixas de determinados elementos, como a aflatoxina, fungo tóxico e cancerígeno que se desenvolveem alimentos, como no amendoim. Outros mercados serão os de fármacos e na área ambiental. Ao mesmo tempo, a Femto começa a planejar o desenvolvimento de outros equipamentos. Um deles é o espectrofotômetro de absorção atômica com atomizador eletrotérmico baseado em filamento de tungstênio, que terá, entre outras aplicações, sensibilidade para detectar o nível de chumbo no sangue ou a presença de alumínio em fluidos de hemodiálise. O estudo conta com a parceria do professor Francisco Krug, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP. Outro projeto que também está nos planos imediatos da empresa é o Laser Induced Breakdown Spectroscopy (espectrofotometria baseada na atomização e excitação da amostra com laser). A parte acadêmica caberá ao professor Célio Pasquini, do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O laser elimina a necessidade da dissolução da amostra e, portanto, produz menos descarte de reagentes para o meio ambiente, além de ser mais rápido e mais prático. Essa tecnologia está disponível há apenas dois anos no mercado mundial. A Femto pretende deter essa inovação em quatro anos. "Com isso o Brasil estaria apenas com seis anos de atraso em relação ao movimento mundial, em comparação com os 20 a 30 anos de atraso com que as novas tecnologias são conquistadas hoje no mercado nacional:' A ambição de Lídio Takayama vai além: quer entrar nos setores de óptica biomédica e fotomedicina, considerados por ele o mercado futuro da espectrofu~mctri~ • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 89
ITECNOLOGIA
ENERGIA
Eficiência sobosol Pesquisadores gaúchos desenvolvem células solares mais produtivas
álculos do Ministério de Minas e Energia indicam que cerca de 14 milhões de brasileiros, moradores de áreas rurais, não têm acesso à energia elétrica. Uma das soluções para ajudar a suprir essa carência pode estar nas mãos de pesquisadores gaúchos, que desenvolveram uma tecnologia mais eficiente de obtenção de energia solar. Coordenados por Adriano Moehlecke, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), eles desenvolveram células solares à base de silício com 17% de aproveitamento, o maior índice de eficiência alcançado com tecnologia semelhante no país até o final do ano passado. Isso significa que, de cada 1.000 watts que o equipamento capta ao meio-dia, em um dia ensolarado, ele consegue produzir 170 watts de energia elétrica. Assim, um sistema desses instalado no telhado de uma casa, por exemplo, pode produzir, em média, 130 quilowatts por hora em um mês, suficientes para uma família de três pessoas que utilize chuveiro elétrico e eletrodomésticos. A Austrália chegou a 24,7% de aproveitamento, mas utilizando o silício obtido pela técnica chamada FZ (de float zone ou zona flutuante) e um processo de fabricação bastante complexo. Esses lingotes de monocristais de silício são os mais puros e livres de defeitos,
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mas também os mais caros. Associados à complexidade e ao custo do processo, as chances de fabricação dessas células em larga escala no Brasil são reduzidas. Silício ultrapuro - A escolha da matéria-prima foi estratégica, segundo o pesquisador. O Brasil possui as maiores reservas de quartzo de boa qualidade, fundamental para obter o silício ultrapuro, que se destina à produção de chips de computadores, transistores e células solares. Por enquanto, o país ainda nãó domina a tecnologia de ultrapurificação, limitada a apenas três ou quatro indústrias no mundo. O silício produzido'no Brasil, com 98% a 99% de pureza, é chamado de metalúrgico e serve para fabricar ligas de alumínio (para peças automobilísticas) e silicones (usados em cosméticos e na indústria eletroeletrônica). O processo de fabricação desenvolvido pelo grupo de pesquisadores da PUCRS utiliza produtos químicos (acetona, propanol, ácido clorídrico, ácido fluorídrico, hidróxido de potássio, entre outros) e gases (nitrogênio e oxigênio) de baixo custo. "Esses dois fatores, matéria-prima e tecnologia nacional, vão contribuir para reduzir os custos do processo industrial': adianta Moehlecke, A geração da energia fotovoltaica se dá quando a luz solar incide na célula de silício, produzindo cargas negativas
e positivas, e essas são separa~ um campo elétrico existente no disP<r'i sitivo. Assim se estabelece uma corren te elétrica e a passagem dela pela região do campo gera tensão, produzindo energia elétrica. Em países como ~ manha, Espanha, Estados Unidos e Japão, a energia gerada por células fotovoltaicas se encontra em estágio avançado. Nos anos 90, o mercado de módulos fotovoltaicos cresceu 20% ao ano. Entre 2000 e 2001, o aumento foi de 40%, com a produção mundial da ordem de 300 megawatts (MW) por ano. Um estudo da Associação de Indústrias de Módulos Fotovoltaicos da Europa estima que em 2010 haverá uma produção anual de módulos da ordem de 630 MW. Desses, 33% serão destinados a sistemas autônomos e 29% a sistemas conectados à rede elétrica. "O uso da energia solar fotovoltaica é um processo já avançado e em pleno crescimento em países desenvolvidos': ressalta Moehlecke, No Brasil, os sistemas fotovoltaicos respondem por 12 MW da energia produzida atualmente, segundo o Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo. São equipamentos instalados em vilarejos de pescadores, pequenas povoações do Nordeste, tribos indígenas na Amazônia e regiões isoladas, onde outros sistemas não chegam. O dispositivo desenvolvido na
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universidade gaúcha poderá ser usado, sem grandes modificações na tecnologia, tanto em pequenas comunidades como em grandes centros urbanos. "Os elevados índices de radiação solar, somados à baixa densidade populacional em algumas regiões, tornam essa opção energética bastante competitiva do ponto de vista econômico e ambiental em todo o país': ressalta o pesquisador.
Jovem cientista - O trabalho, resultado de três anos de pesquisa, foi contemplado com o primeiro lugar na categoria Graduados do XVIII Prêmio Jovem Cientista de 2002. Moehlecke, de 37 anos, é doutor em engenharia pelo Instituto de Energia Solar da Universidade Politécnica de Madri e professor da Faculdade de Física e do programa de Pós-Graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais na PUCRS.
O pesquisador réconhece que o custo da energia solar fotovoltaica, comparado com o da energia elétrica convencional, é um obstáculo para seu uso em larga escala. O preço da energia fotovoltaica é de US$ 3,5 por watt, enquanto o da convencional fica em torno de US$ 1 a US$ 1,4 por watt. "Mas, em compensação, os custos de manutenção do sistema e de transmissão de energia são mais caros na geração hídrica." Ele ainda ressalta na comparação do custo-benefício que as hidrelétricas exigem grandes centrais de distribuição, têm tempo de vida útil e provocam danos ambientais irreversíveis, enquanto a fotovoltaica é inesgotável e limpa do ponto de vista ambiental. "Se comparamos os sistemas fotovoltaicos com centrais termelétricas, a carvão ou a gás, opção que está sendo incentivada no país, as van-
Mo_" ••_•._, r o p o pago pelo usuário de eneria so ) ~tado poderia bancar parte d5ls gastôs na implementação do equipamento, "Na Alemanha e Espan , por exemplo, o subsídio é da orm de 60%. Postos de gasolina, parquímetros e outros equipamentos que atendem à população utilizam cada vez mais a energia fotovoltaica," Grandes grupos, como British Petroleum e Isofoton, na Europa; Shell Solar e Astropower, nos Estados Unidos; Sharp, Kyocera e Sanyo, no Japão; são os que saíram na frente na produção e comercialização de sistemas e equipamentos de energia fotovoltaica. Moehlecke não patenteou seu sistema porque considera que mais importante do que isso é deter o 1now-liow de fabricação do equipamento. Alguns empresários já demonstraram interesse em produzir a célula no Brasil. As conversações começaram a ser entabuladas em outubro do ano passado, promovidas pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul. "As fontes de energia do mundo estão em fase de transição e caminham para o esgotamento': diz. Na avaliação do pesquisador, este é o melhor momento para tomar uma decisão a respeito da adoção em grande escala da energia solar. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 91
ITECNOLOGIA
ENGENHARIA
DE MATERIAIS
Dureza extra no ar Produto inédito confere mais resistência às lanternas das asas dos aviões da Embraer YURI VASCONCELOS
Legacy: inovação em teste na ponta das asas
ma inovação tecnológica desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) deverá auxiliar a Embraer em seu projeto de nacionalizar peças e componentes empregados na fabricação de sua linha de jatos regionais e executivos. Trata-se de um filme fino de nitreto de silício que, aplicado às lanternas de proteção das luzes de sinalização dos aviões, torna a peça muito mais dura e resistente ao desgaste. Essas luzes, localizadas nas pontas das asas (vermelha na asa esquerda e verde na direita), servem para orientar visualmente outros pilotos quanto à trajetória do avião - se ele está se afastando ou se aproximando do observador. O revestimento externo serve para que as lentes, em geral feitas de policarbonato, um tipo de plástico muito próximo ao acrílico, suportem o forte atrito a que estão sujeitas durante o vôo. A microabrasão gerada pela fricção de partículas em suspensão com as lentes prejudica a eficiência luminosa. Atualmente, a Embraer importa essa peça de um fabricante francês.
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O desenvolvimento do produto é resultado de anos de pesquisa do professor Luiz Gonçalves Neto, da Escola de Engenharia de São Carlos da USP, do professor Ronaldo Mansano e do pesquisador Luís da Silva Zambom, ambos do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da Escola Politécnica da USP de São Paulo. Os três, mais os colegas Patrick Verdonck e Giuseppe Antônio Cirino, também da Escola Politécnica, já haviam desenvolvido e patenteado, com auxílio da FAPESP, um filme de carbono conhecido pela sigla DLC (do inglês Diamond Like Carbon), também usado para revestimento externo de superfícies. A grande vantagem das lentes revestidas com o filme de nitreto de silício é sua dureza. "Nos testes realizados em laboratório, em que a superfície das peças é riscada com uma ponta de diamante, constatamos que a lente recoberta com nitreto de silício é cerca de duas vezes mais dura do que as lanternas que hoje equipam os jatos da empresa. Acreditamos que a vida útil das lentes será bem superior a das lanternas convencionais, que é de cerca de dois
anos", afirma o professor Mansano. Um benefício decorrente do aumento da durabilidade é a redução do tempo de manutenção do avião. Outra vantagem, afirmam os pesquisadores, é o baixo custo do produto. ''Ainda não temos o valor final, mas acreditamos que será bem menor do que o da peça usada pela Embraer', diz ele. "Sem falar que, com o nosso filme, a Embraer não ficará mais dependente da importação da lanterna francesa." Ampla cobertura - Segundo os pesquisadores, os dois principais problemas surgidos ao longo do desenvolvimento do processo - a aderência do filme ao material polimérico e a uniformidade de deposição - já foram solucionados. "Realizamos testes mecânicos e ópticos que comprovaram que a aderência do filme de nitreto à superfície está de acordo com os parâmetros da indústria aeronáutica", afirmou Luiz Gonçalves Neto. Os cientistas acreditam que o filme poderá ser usado para recobrir outros componentes do avião, além das lentes de ponta de asa, como janelas, pára-brisa e luzes externas.
Também poderá ter aplicação militar, revestindo janelas ópticas de mísseis. "Estamos muito otimistas", afirma o professor Luiz Gonçalves. "Pretendemos dar início ainda este ano ao processo de patenteamento." Testes de vôo - Um modelo da lente revestida com nitreto de silício está sendo testado desde janeiro em um protótipo do jatinho executivo Legacy, o mais novo avião da Embraer, lançado no ano passado. Os ensaios são conduzidos pela gerência de desenvolvimento tecnológico da empresa. "Ainda é muito cedo para dizer alguma coisa dos resultados desses ensaios. Esperamos concluí-los até o final do primeiro semestre deste ano", afirma o engenheiro de materiais Ricardo Bou Reslan Calumby, responsável pelos ensaios com a lente da USP. O interesse da Embraer pela inovação tecnológica deveu-se ao fato de algumas lanternas francesas que atualmente equipam o Legacy terem apresentado um opacamento prematuro. "Recebemos reclamações e vimos que algumas dessas lentes apresentavam um certo desgaste durante os en-
saios de vôo ou de homologação", afirmou a engenheira de materiais da Embraer Isabella Emmerick, que participa da equipe de testes. O Legacy é um jato executivo de médio porte inspirado na plataforma da família de aviões regionais ERJ 135/140/145, que tem mais de 600 unidades em vôo. Ele está disponível em duas versões: Executiva e Shuttle, com capacidade para até 19 passageiros. O jato é capaz de voar cerca de 5.700 quilômetros sem necessidade de abastecer - distância entre Nova York e Londres, por exemplo. O jato foi lançado em 2001 e homologado para voar no final do ano passado pelas autoridades aeronáuticas dos Estados Unidos e da Europa. A Embraer já entregou 15 unidades e recebeu 164 encomendas do avião de clientes de diversos países. A demanda da empresa aeronáutica de São José dos Campos pelas lentes de sinalização de ponta de asa do Legacy é pequena, de apenas 50 unidades por ano. Para atender a Embraer, na hipótese de a peça ser aprovada nos ensaios atualmente em andamento, os pesquisadores planejam montar uma
pequena empresa numa incubadora de base tecnológica. "Além de equipar o Legacy,vamos oferecer o produto para os demais jatos da empresa e para as companhias aéreas do país, que precisam ter a peça em suas oficinas para a manutenção dos aviões", afirma Gonçalves Neto. Outras aplicações - Para conferir produção em escala ao filme de nitreto de silício, os cientistas estão pensando em outras aplicações fora do setor aeronáutico. Uma alternativa é a cobertura de faróis de carro com o produto. "No futuro, podemos repassar essa tecnologia para a indústria automobilística", afirma o Mansano. O produto também pode ser usado para revestir lentes de policarbonato de óculos, que são muito mais leves do que as lentes de vidro, mas têm a desvantagem de riscar muito fácil. "Já temos contato com fabricantes, que mostraram interesse pelo produto." Além de proteger as lentes contra riscos, a película funcionará como filtro óptico e cobertura estética, uma vez que a cor delas pode variar conforme a espessura do filme. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 93
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HUMANIDADES
SOCIOLOGIA
As medidas da mulher paulista Banco de dados consolida informações sobre a identidade social feminina em São Paulo DÉBORA
CRIVELLARO
Ulhe: paulista est.á prestes a ~olocar as maos em um Importante Instrumento para a defesa dos seus direitos. São Paulo vai ganhar um banco de dados sobre a mulher, recheado de mapas, tabelas e gráficos para os 645 municípios do Estado. Pela primeira vez, indicadores de variadas fontes foram organizados de modo a trabalhar sob a perspectiva de gênero - a análise a partir das identidades sociais associadas às diferenças entre os sexos. O trabalho, denominado Perfil Sociodemográfico da Mulher Paulista, mas que deverá ser conhecido pelo nome SPMulheres em Dados, estará disponível a partir de 8 de março, não por coincidência o Dia Internacional da Mulher. Com ele, toda a população passará a ter acesso a informações integradas em um único sistema, sujeito a constante atualização. Há cidades do interior de São Paulo que não tem dado específico nenhum sobre a questão feminina. O trabalho foi realizado pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) em parceria com o Conselho Estadual da Condição Feminina (CECF), dentro do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da FAPESP.O banco de dados era uma reivindicação do conselho, que sentia necessidade de uma fonte de informações capaz de revelar a situação da mulher no Estado, para, assim, poder acompanhar e formular políticas públicas. Por meio do SPMulheres em Dados será possível tanto monitorar cada cidade paulista quanto ter uma visão de conjunto do Estado. "O mais importante é propiciar aos municípios informações que permitem diagnosticar fenômenos e formular políticas públicas passíveis
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de serem implementadas pelas prefeituras, conselhos municipais e associações de mulheres. Abrem-se caminhos para o fortalecimento de ações de gênero em âmbito social':diz Maria CeciliaComegno, do Seade, coordenadora do projeto. O trabalho foi dividido em grandes áreas: População, Saúde e Direitos Reprodutivos, Educação, Mercado de Trabalho, Violência contra a Mulher e Participação Política. Para escolher esses temas foram estudados documentos de conferências que tratavam da condição feminina no mundo todo, além de discutir as prioridades com o CECE A equipe do Seade rastreou todas as informações disponíveis, dispersas e fragmentadas em diversas fontes, para construir esse serviço. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística é um dos colaboradores - estão sendo utilizados o Censo de 1991 e o de 2000, para poder estabelecer uma comparação. ssebanco de dados será "inaugurado" no dia 8 de março, mas continuará em construção até o mês de setembro. Mesmo não estando totalmente pronto, já revela informações significativas sobre a situação feminina em São Paulo. Constata-se que houve uma redução da taxa de fecundidade. Por conta disso, a pirâmide etária tende a se tornar um barril: a base ficará estreita por causa da diminuição do número de nascimentos e o topo alargará porque a população está sobrevivendo mais (as idosas já representam 10% da população feminina). "A partir dessa constatação, devem ser pensados planejamentos para diversos setores, como saúde, educação e lazer", afirma Lúcia Mayumi Yazaki,responsável pelo setor de População do projeto. O setor de Saúde e Direitos Reprodutivos só confirmou a tendência da queda da fecundidade. Em 2000, a taxa correspondia a 2,16 filhos por mulher (em 1991 era de 2,4 filhos), sendo que a região que tem o menor índice é a de São José do Rio Preto, com 1,64 filho por mulher. Verifica-setambém que 75 em cada 1.000 adolescentes de 15 a 19 anos foram mães na década passada. Na Europa, cerca de 10 em cada 1.000 meninas deram à luz. Os casos de Aids no Estado tiveram uma expansão em termos territoriais.
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. Em 1991, 132 municípios tinham casos notificados de mulheres infectadas. Em 2000 esse número passou para 255. A incidência é ainda maior entre os homens - 29,9 por 100 mil homens, enquanto para as mulheres foi de 15,1. Zilda Pereira da Silva, do Seade, alerta sobre a situação das meninas, tema do Ministério da Saúde para a campanha pelo uso da camisinha para o Carnaval 2003:"De 1991a 2000, o número de casos entre as adolescentes aumentou': Coração - O que mais mata as paulistas são as doenças cardiovasculares. Elas foram responsáveis por 36% das mortes em 2001. Em segundo lugar vêm os cânceres. O de maior incidência é o de mama (14,5 por 100 mil mulheres), seguido pelo de cólon (7,6); pulmão (6,6); estômago (5,9) e colo do útero
(4,6). Quando se considera o período de 1980 a 2001, os cânceres de mama, pulmão e colorretal tiveram aumentos de 60%, 79% e 74%, respectivamente. "A elevação se deve não só ao estilo de vida das mulheres, mas também ao envelhecimento populacional", diz Cecília Polidoro Mameri, responsável por esse setor no banco de dados. Em terceiro lugar vêm as mortes por complicações do aparelho respiratório e em quarto as endocrinológicas. As causas externas estão em quinto, com um dado surpreendente: considerando-se o período de 1980 e 2001, o índice de acidentes de trânsito diminuiu em 30%, mas o de homicídios aumentou 120%. A área de Educação trata não só da mulher nos bancos escolares como das crianças. Dados de 2000 mostram que o atendimento à população de O a 6 anos
aumentando. Era 45% da população feminina em 1995, foi para 47% em 1999 e pulou para 48,5% em 2001. "Na região metropolitana de São Paulo chega a 53%", conta Paula Montagner, da área de Mercado de Trabalho no Seade.
ainda é insuficiente. Em mais da metade dos municípios paulistas (379), as taxas de atendimento situam-se entre 20,1 % e 40%. Em contrapartida, o analfabetismo vem caindo. "As mulheres são as maiores beneficiárias da universalização do acesso ao ensino fundamental, uma vez que o Censo 2000, diferentemente do de 1991, aponta taxas de analfabetismo menores do que as dos homens já no grupo etário de 30 a 39 anos', diz Catarina Aparecida Guarnieri Silvério, responsável por Educação no Seade. Uma das boas formas de constatar as desigualdades entre os universos masculino e feminino é acessar os índices de Mercado de Trabalho. Em 2001, as mulheres correspondiam a 38,3% dos 8.185.857 empregados com vínculo formalizado no Estado de São Paulo, contra 61,7% dos homens. Mas esse ín-
dice cresce nas ocupações com vínculo não formalizado - elas representam 40% do total e atuam, em boa parte, nos serviços domésticos. A taxa de participação no mercado de trabalho vem
o PROJETO Perfil Sociodemográfico da Mulher Paulista MOOALIDADE
Programa de Pesquisas em Políticas Públicas COORDENADORA MARIA CECILIA
COMEGNO - Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade)
INVESTIMENTO
R$ 100.045,55
Estupro· É difícil avaliar a área de Violência contra a Mulher, pois muitos casos não chegam às delegacias (126 municípios paulistas têm Delegacias de Defesa da Mulher). A equipe do Seade optou por averiguar os casos de estupro (os únicos em que as vítimas são apenas mulheres) e atentado violento ao pudor (em que elas são a maioria). Constatouse que os números permanecem estáveis no Estado - a taxa de estupro por 100 mil passou de 29,18 em 1997 para 26,90 em 2001. Para Renato Sérgio de Lima, do Seade, como o índice é estável, as políticas públicas devem interferir a médio e longo prazo. "São necessárias estratégias para conquistar a confiança da população e, ao mesmo tempo, combater a criminalidade." Na área de Participação Política constatou-se que o número de candidaturas a deputadas federais aumentou 27,9% em relação a 1998. Mesmo assim, nem todos os partidos preencheram as cotas (no mínimo 30% e no máximo 70% para cada sexo). Houve um pequeno aumento de eleitas: em 1998 foram quatro, e em 2002, seis. Na Assembléia Legislativa, o volume de candidaturas femininas cresceu 37,5% em relação a 1998. Em 2002 elegeram-se dez - no ano passado, elas eram sete. Mas a força feminina é maior nas Câmaras de Vereadores. No ano passado, 13.317 mulheres se candidataram, representando 20% do total. Dessas, 812 foram eleitas. Há um mundo de informações no SPMulheres em Dados e a preocupação dos técnicos do Seade é que elas sejam apresentadas de maneira simples, para facilitar a utilização. Integrantes do CECF já fizeram testes para avaliar a navegação e aprovaram. ''A tabela não vem pronta, acabada, você pode montar do jeito que quiser, de acordo com seu interesse", diz Maria Aparecida de Laia, presidente do conselho, que não será o único "consumidor" dessa valiosa fonte de informação. O endereço eletrônico, disponível a partir de 8 de março, é: http://www. seade.gov.br ou http://www.condicao feminina.com.br. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 101
• HUMANIDADES
ANTROPOLOGIA
o álbum de família patriarcal Tese reúne as visões conflitantes de Nelson Rodrigues e Gilberto Freyre sobre a formação caseira do brasileiro
muma só tese, a antropologia e o teatro nacionais ganharam novas interpretações no fim do ano passado. Com orientação do eminente antropólogo Gilberto Velho e defendida pela historiadora Adriana Facina, a tese de doutorado Santos e Canalhas - Uma Análise Antropológica da Obra de Nelson Rodrigues, que deve virar livro ainda este ano, faz uma leitura de como o teatro e a produção jornalística de Nelson Rodrigues retratam uma visão de mundo presente em diversas parcelas da sociedade em sua época e não só na obra do autor. a desafio da pesquisadora foi desenvolver um trabalho antropológico sem a possibilidade de utilizar as metodologias clássicas da antropologia: o trabalho de campo e a observação participante. Além disso, era preciso o convencimento de que uma obra não pertencente à tradição do pensamento nacional pudesse ser analisada sob esse prisma. Para superar esses impasses, Adriana optou por uma aproximação da antropologia com a história, retirando dos documentos rodriguianos - suas peças, crônicas, artigos de jornais - o substrato para sua pesquisa. a material publicado na imprensa sobre o teatro de Nelson Rodrigues também foi levado em conta. a resultado é um texto dividido em quatro capítulos que fazem uma análise clara da obra de Nelson Rodrigues, desenvolvida em diversos domínios - da opinião pública sobre o polêmico dramaturgo às representações da família e da cidade em suas peças. Adriana chega a traçar um paralelo entre as obras teatrais de Nelson Rodrigues e os estudos de Gilberto Freyre sobre o Brasil colonial. Ao fim, faz uma análise do conservadorismo que tomou conta dos textos jornalísticos de Nelson dur~te a ditadura militar. "A idéia central que norteia a análise desse extenso conjunto de fontes é a de que há, na obra de Nelson Rodrigues, a construção de uma visão sobre a natureza humana que oscila entre um profundo pessimismo e a busca de possibilidades de redenção", explica Adriana.
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Ilustração de Cícero Dias para a edição de 1933 de Casa Grande
& Senzala
PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 103
Os homens e as mulheres de Gilberto Freyre No ano em que se completam os 70 anos de Casa Grande & Senzala, dois estudos inusitados sobre a obra e a vida de Gilberto Freyre esperam apoio editorial para sair do forno. O livro A Festa do Sexo - O Feminino e o Masculino na Obra de Gilberto Freyre, de Fátima Quintas, faz uma
análise da descrição que Freyre fez das mulheres no Brasil colonial em Casa Grande & Senzala e em Sobrados e Mucamos. Também coordenado por ela, um projeto ainda sem título reúne 50 entrevistas com o antropólogo publicadas em jornais e revistas. Secretária-executiva do Núcleo de Estudos Freyrianos da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife,Fátima Quintas publicou Sexo e Marginalidade (Vozes, 1987) e A Mulher e a Família no Final do Século (Fundação Joaquim Nabuco, 2000). Logo notou que Freyre foi o primeiro antropólogo a contextualizar a mulher na história do Brasil. "Ele mostrou como essa mulher foi oprimida e subjugada ao sistema patriarcal", comenta a pesquisadora.
ssaambigüidade com que Rodrigues via a natureza humana, e que deu origem aos "santos e canalhas" do título, foi acompanhada de . uma oscilação de opiniões sobre sua obra no início de carreira. Nelson Rodrigues escreveu sua primeira peça teatral, A Mulher sem Pecado, em 1941, assumidamente para ganhar dinheiro era jornalista esportivo de O Globo. Enquanto redigia o segundo ato, descobriu que tinha talento. E foi seu segundo texto, Vestido de Noiva (1943), considerado marco da dramaturgia moderna brasileira, que fez Nelson cair nas graças da melhor crítica teatral, que passou a considerá-Io gênio sem precedentes. Porém, com Álbum de Família (1946), Nelson Rodrigues foi amaldiçoado por público e crítica por apresentar com toda crueza uma história baseada em relações incestuosas: pais que amam filhos e vice-versa, irmão que deseja irmã, cunhada apaixonada
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Gilberto Freyre (acima) e Nelson Rodrigues: segundo autora, Freyre tinha visão mais otimista da família que o dramaturgo carioca
por cunhado. Tornou-se autor maldito, tarado, que perturbava as famílias brasileiras com seus personagens tiaiçoeiros, lascivos, ambíguos. Mas, conforme a tese de Adriana sugere, são justamente esses personagens aparentemente perturbados que podem aproximar Nelson Rodrigues de Gilberto Freyre. Além de terem sido ambos pernambucanos e terem mantido uma admiração recíproca, Freyre e Rodrigues tiveram a família brasileira no centro de suas obras - uma antropológica, outra teatral. Assim,a representação da família rodriguiana, que mantém relações incestuosas e é também vítima de traições e violência, seria uma continuidade da família patriarcal e endogâmica descrita por Freyre em obras como Casa Grande & Senzala (leia mais acima), mas feita pelo seu avesso. "Rodrigues fazia uma crítica ao modelo apresentado por Freyre", diz Adriana. "Enquanto Gilberto Freyre viu na família patriarcal um sistema ci-
vilizatório do período colonial, Rodrigues, que escrevia em outro momento histórico, captou o momento de desagregação dessa família", explica a pesquisadora. É resultado dessa desagregação, segundo ela, a presença forte do elemento feminino como algo diabólico. A mulher que trai ou que seduz o parente é a mulher em busca de uma individuação que não existia na família patriarcal de um Brasil mais antigo e rural. "A busca da individuação dos personagens rodriguianos é também um reflexo do ambiente urbano", diz ela. "Gilberto Freyre tinha uma visão muito mais otimista que Nelson Rodrigues no que diz respeito a essa família patriarcal", compara Adriana. O pessimismo de Nelson Rodrigues estava nos próprios motivos que o levavam a colocar na dramaturgia os fantasmas mais assustadores da natureza humana. "Para ele, quanto mais horrores, quanto mais essa dimensão de trevas da alma humana o teatro colocasse
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A opressão atingiu principalmente o vértice português do triângulo racial colonizador. ''A mulher portuguesa foi extremamente oprimida sexualmente", explica Fátima. Além de ter sido atribuído a ela o papel único da procriação, a portuguesa foi precocemente introduzida em um sistema endogâmico perverso, em que primos, tios e até irmãos casavam-se entre si. "Elas tinham de se casar aos 12 ou 13 anos com homens de que não gostavam. Estavam permanentemente grávidas e muitas vezes morriam cedo em um dos partos", diz a pesquisadora. A situação se agravava pelo próprio sistema açucareiro. Extremamente sedentárias, essas mulheres permaneciam a maior parte do tempo em casa, comendo os doces e as guloseimas produzidas na Casa Grande. "Tornavam-se obesas e muitas vezes desinteressantes", comenta a pesquisadora. Não é difícil imaginar que fosse comum o senhor de engenho buscar prazer sexual mais fora do casamento do que dentro dele. Essa
foi uma das portas de entrada para que a negra tomasse importante papel no cotidiano da Casa Grande. ''A portuguesa foi obrigada a conviver com a traição de seu marido, que mantinha relações intensas com as mucamas", continua Fátima. A atração sexual era acrescida de uma afetividade presente no fato de as escravas serem as amas-de-Ieite das crianças paridas pelas brancas. "Asportuguesas não tinham amas-de-leite porque queriam, mas porque, estando sempre grávidas, não conseguiam também amamentar", explica Fátima. O convívio entre brancas e negras muitas vezes deu vazão à crueldade das senhoras de engenho. "Em uma passagem de Casa Grande & Senzala, uma senhora manda arrancar os olhos de sua mucama e servi-los em uma bandeja ao patriarca",conta Fátima. Embora a índia não estivesse obrigatoriamente presente na arquitetura interna da Casa Grande, Fátima não a deixou de fora em seu estudo. "O con-
tato entre as índias e os portugueses foi de grande 'intoxicação sexual" segundo Freyre'; diz ela.Vários motivos facilitaram as relações entre portugueses e índias. Primeiro, o caráter nômade da cultura autóctone, com longas ausências dos índios homens. Depois, a ausência da noção de traição no seio dessa cultura. Além de inédita para o seu tempo, a apresentação que Gilberto Freyre fez do universo feminino no Brasil colonial denota, na opinião de Fátima, uma característica pessoal que o antropólogo soube emprestar a sua obra. "Freyre usava todos os seus sentidos para ampliar seus conhecimentos", diz ela. Foram essas características pessoais que a pesquisadora quis captar nas entrevistas selecionadas para seu outro projeto. ''Além de serem autobiográficas, as entrevistas contêm a essência do pensamento freyriano", avalia Fátima. Entre as conversas, está uma famosa, de 1980, em que Freyre disse à revista Playboy que, para ele, era necessário conhecer todos os ângulos da vida. Assim, já experimentara a homossexualidade - tendo optado, ao final, pela heterossexualidade.
em cena, mais o teatro teria uma função purificadora", comenta Adriana. "É como se os seres humanos, ao serem confrontados com o aspecto mais satânico de sua natureza, pudessem se purgar disso, pelo menos parcialmente. Essa seria a função do teatro para Nelson", conclui a pesquisadora. Em sua tese, Adriana analisa a produção jornalística de Nelson Rodrigues em dois momentos. Num primeiro, dos anos 50, com a coluna diária A Vida Como Ela É, Nelson Rodrigues aproveitava o espaço privilegiado para dar respaldo a sua criação teatral. "Os contos eram importantes para oficializar a imagem de tarado e também serviram de laboratório para suas peças", explica Adriana. Já nos anos 60 e 70, Rodrigues usou o jornalismo para mostrar seu radicalismo quanto às noções esquerdistas, surpreendendo a muitos pelo seu engajamento com os militares e no ataque à intelectualidade contestatória em geral. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 105
• HUMANIDADES
ECONOMIA
Um banco com toda a cara do Brasi I Tese esmiuça mudanças pelas quais o B B passou, entre a dualidade de dar conta do mercado e, ao mesmo tempo, ser a caixa do governo
urantedécadas, o Banco do Brasil foi sinônimo de identidade nacional, de estabilidade financeira e de uma perspectiva de futuro inabalável para seus funcionários, integrantes de uma elite invejável de trabalhadores brasileiros. Nos anos 90, entretanto, com o processo de liberalização da economia iniciado pelo governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e intensificado pelas duas gestões de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), a imagem do Banco do Brasil foi alterada de forma absoluta. O pico ocorreu em 1995, com o processo de reestruturação na forma de um amplo Programa de Desligamento Voluntário (PDV). "Esse programa de demissão foi como uma metáfora das mudanças ocorridas no país, naquele momento': diz Lea Carvalho Rodrigues, autora da tese Banco do Brasil: Crise de uma Empresa Estatal no Contexto de Reformulação do Estado Brasileiro, defendida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "O Banco do Brasil tinha um significado no imaginário brasileiro, como instrumento de desenvolvi-
D
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mento da nação e a estabilidade do emprego no BB, nas palavras de seu então diretor de Recursos Humanos, era um valor nacional. Com a reestruturação, esses valores foram postos em xeque." O trabalho acompanhou as mudanças no banco, no período de 1995 a 2000, e registra o momento mais significativo das rupturas da instituição com seus funcionários e com a própria sociedade brasileira, na busca por redução de custos e de melhoria de resultados. Essa modernização teria alterado a própria missão do banco, que como toda estatal tinha uma duplicidade de papéis: uma atuação nos moldes de empresa privada, voltada ao lucro e à competição e, ao mesmo tempo, de empresa pública, atrelada aos interesses de governos e sujeitas a cobranças de concretização de objetivos sociais. "A função do banco era promover o desenvolvimento do país. Com as políticas neoliberais dos anos 90, a missão passou a ser a de contribuir para o desenvolvimento da nação. Ou seja, contribuir significa aqui agir apenas como qualquer empresa: gerar lucro e, dessa forma, promover o de-
Antigo logotipo do BB (Ă esq) e porta do cofre da primeira sede de SĂŁo Paulo: dificuldades com as reformas
senvolvimento nacional': nota Lea, que iniciou a pesquisa com o projeto temático desenvolvido na Unicamp Cultura Empresarial Brasileira: Um Estudo Comparativo sobre Empresas Públicas, Privadas e Multinacionais, coordenado pelo professor Guilhermo Raul Ruben e financiado pela FAPESP. Ruben foi quem orientou sua tese de doutorado. udançaestratégica do Banco do Brasil tinha como meta abandonar sua vocação original e secular de ser um banco estatal no "estilo antigo", passando a enveredar pelo caminho da competitividade, uma das palavras-chave para entender o movimento macroeconômico dos anos 90. A década foi marcada pela cisão com o projeto desenvolvimentista de outrora em favor do capital especulativo, com a implantação de políticas de liberalização que almejavam um padrão de crescimento centrado numa nova inserção internacional e na redefinição do papel do Estado, combinados com a estabilidade proposta pelo Plano Real. O Banco do Brasil serviu, portanto, como um dos sustentáculos dessa nova política econômica. Declarações do presidente do banco, na época, justificavam as medidas de reestruturação do pessoal do BB como um projeto nacional, que significava uma relação diferente e bem menos estreita do Estado com a sociedade. "As alterações do Banco do Brasil faziam parte do programa do presidente Fernando Henrique Cardoso de conter o movimento sindical no setor estatal. Em 1995, o governo federal tentava aprovar reformas complexas, como a previdenciária, a tributária e a administrativa, e tudo indica que, ao quebrar a estabilidade dos funcionários do Banco do Brasil, objetivava conduzir mais facilmente essas reformas, que também exigiam uma alteração paradigmática em culturas bastante arraigadas", explica a pesquisadora. "O Banco do Brasil foi estratégico para essa reforma do Estado': prossegue. A reestruturação do BB fazia parte de uma orientação vinda de organismos internacionais para reformulação do setor financeiro, cujo processo iniciou-se no governo de José Sarney (1985-1989). Essas diretrizes apontavam que era preciso adequar o sistema financeiro à
fi(
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Pregão: "O BB tinha de manter operações em dólar no exterior para o governo honrar seus compromissos"
nova ordem mundial, com a abértura do mercado ao setor externo e a privatização de bancos estaduais e federais. Com tais mudanças, o setor finan. ceiro brasileiro alterou completamente suas feições. Houve a privatização de muitos bancos estatais e o enfraquecimento dos pequenos bancos privados, que foram adquiridos por grandes grupos financeiros num amplo processo de fusões e aquisições. Ao mesmo tempo, esses mesmos grupos começaram a se sentir ameaçados pela entrada de companhias estrangeiras no país. Diante da força dessas instituições estrangeiras, uma outra discussão, também antiga, ficou mais moderada nos gabinetes do poder executivo: a privatização do Banco do Brasil. "No fim dos anos 90, com o avanço dos bancos espanhóis, parece que renasceu um certo nacionalismo e a idéia de privatização perdeu força. Agora, com o novo gover-
no de Luiz Inácio Lula da Silva, a tendência é que esse tema não tenha tanta relevância': acredita Lea. "Mesmo assim, acho que a crise de identidade do banco é séria. O BB só tem sentido se tiver ligado a um projeto de nação. Caso contrário, não faz sentido estar nas mãos do Estado': continua a pesquisadora. Déficit - A modernização do BB não implicava apenas a demissão de funcionários. Paralelamente ao PDV, o banco anunciou o encerramento das atividades de 103 agências de um total de 600 unidades deficitárias, a maioria no Norte e Nordeste do país. O fato provocou reações de insatisfação nas comunidades locais, que acionaram seus representantes no Congresso para negociar as medidas. Muitos parlamentares afirmavam que o fechamento das agências comprometeria a possibilidade de desenvolvimento das regiões ca-
É bem verdade que o BB fechou o ano de 2002 com lucro líquido de R$ 2,028 bilhões. O resultado é 87,4% superior ao lucro de 2001. A rentabilidade sobre o patrimônio líquido médio do ano foi de 22,6%. Apenas no quarto trimestre, o lucro líquido cresceu 80,7% em relação ao intervalo equivalente do ano passado e somou R$ 600 milhões. Mas o impacto para se chegar a essas cifras passou por alguns momentos dramáticos. A reestruturação implicou uma queda brusca no número de clientes. Em 1994, havia 20 milhões de correntistas e dois anos depois passou para 6 milhões. Apenas no fim de 2001, chegou a 10 milhões de clientes, a metade do que havia seis anos antes.
rentes em razão do tradicional caráter do banco como fomentador do desenvolvimento local. A movimentação contra as demissões e o fechamento das agências levou o presidente da República a se ma-
o PROJETO Banco do Brasil: Crise de uma Empresa Estatal no Contexto da Reformulação do Estado Brasileiro MODALIDADE Bolsa de doutorado ORIENTADOR GUILHERMO
RAUL
RUBEN -
IFCH/Unicamp BOLSISTA LEA CARVALHO
IFCH/Unicamp
RODRIGUES
-
nifestar a favor das medidas Com o argumento de que, se elas não fossem efetivadas, o BB iria à falência. "Nesse período, o banco estava com a informatização precária e a situação era caótica em termos administrativos. A inovação tecnológica só veio a ocorrer três anos depois, em 1998", explica Léa. Um dos argumentos para a reestruturação do BB foram os prejuízos apresentados pela instituição no período pós-Plano Real, o que causou uma perda de 87% nas receitas do banco, apenas no segundo semestre de 1994, média bem superior a de outros bancos. "O Banco do Brasil tinha de manter operações em dólar no exterior para que o governo pudesse honrar seus compromissos externos, em vez de aplicar esses recursos no mercado interno, ganhando com a valorização cambial e com as altas taxas de juros então vigentes", observa.
Estabilidade - Em 1995, foram registrados também 12 ocorrências de suicídio de funcionários do banco, sendo quatro delas durante a plena execução do PDV, iniciada apenas no segundo semestre daquele ano. De acordo com a tese, a estabilidade dos funcionários do BB tinha uma importância para o futuro profissional de seus funcionários, com garantia de salários e benefícios, possibilidade de ascensão na carreira, adequação dos interesses da empresa ao funcionário, o que oferecia também segurança na vida particular. "O banco era uma extensão da casa. E, se por um lado pode-se dizer que essa estabilidade gerava tranqüilidade, em muitos casos acomodação, em outros, dificuldades para inovação, mas é também verdade que esses vínculos estreitos com a empresa geravam um alto grau de comprometimento e dedicação", analisa Lea. Mesmo com críticas e crises, o Programa de Desligamento Voluntário foi considerado um modelo internacional de sucesso pela forte adesão. Alcançou 80% do pretendido pela empresa. No primeiro momento, foram desligados cerca de 13 mil funcionários e, dois anos mais tarde, a redução do quadro era da ordem de 43 mil funcionários, ou 37% em relação a 1994. Para Lea Carvalho Rodrigues, as mudanças do BB refletem as alterações do próprio país, na égide da volatilidade dos mercados e da economia internacional. "Mas, apesar de suas alterações, o BB ainda é o retrato do Brasil", conclui a pesquisadora. • PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 109
Vários olhares sobre estudos populacionais Coletânea espelha preocupações e práticas sobre o tema KAIZO
I.
BELTRÃü
T
em sido amplamente reconhecida, nos estudos populacionais, a importância das questões de gênero e sexualidade. Ao contrário das categorias de "sexo': utilizadas nas análises anteriores, a dimensão de gênero enriquece as análises incorporando componentes culturais e psicológicos. Segundo Bourdieu, "como estamos incluídos, como homem ou mulher, no próprio objeto que nos esforçamos por apreender, incorporamos, sob a forma de esquemas inconscientes de percepção e de apreciação, as estruturas históricas da ordem masculina; arriscamos-nos, pois, para pensar a dominação masculina, a modos de pensamento que são eles próprios produtos da dominação". Sair desse círculo vicioso requer estratégias específicas. De alguma forma, o texto em discussão se propõe a ser uma documentação de uma prática para escapar dessa circular idade. Interfaces - Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva, organizado por Regina Maria Barbosa, Estela Maria Leão de Aquino, Maria Luiza Heilborn e Elza Berquó, se coloca na introdução como um veículo de divulgação dos resultados do Programa lnterinstitucional de Treinamento em Metodologia de Pesquisa de Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva. O programa é um sucesso, e a coletânea de artigos atestam para tal. Os temas espelham a vasta gama de preocupações e práticas dos pesquisadores envolvidos nos cursos. A abrangência das áreas geográficas estudadas, porém, mostra uma realidade mais restrita: mais da metade dos textos tem como referência segmentos populacionais do Rio de Janeiro e três outras giram em torno de grupos em Salvador. Particularmente interessantes são as conclusões individuais e o levantamento de hipóteses para outras pesquisas. Monteiro reforça a informação de que as políticas sociais de formação para o trabalho estão mais voltadas para o sexo masculino, possivelmente pela consideração de que esse universo é mais vulnerável à marginalização do que o feminino. De alguma forma, as meninas têm conse-
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guido um maior avanço na escolaridade do que os meninos e criado mais empecilhos a esse tipo de envolvimento. Organizadoras: Regina Torres descreve "Eros e PaMaria Barbosa, thos" e a dominação mascuEstela Maria Leão de lina na entrada de jovens na Aquino, Maria Luiza sexualidade. Moraes discute Heilborn e Elza Berquó a alteridade no olhar de ouEditora Unicamp/FAPESP tro grupo de jovens e como 447 páginas essa visão institucional classiR$ 42,00 fica, rotula e de alguma forma conforma o comportamento dos mesmos. Fábregas-Martinez revela as verbalizações sobre as transposições dos papéis masculino/feminino no contexto da prostituição masculina e a adaptação do discurso necessária para uma afirmação da identidade. Brigeiro descreve uma "gangue"/clube do bolinha de homens na terceira idade com suas regras de sociabilidade e um envelhecimento "bem-sucedido", porém mantendo a separação público (masculino)/privado (feminino). Reis apresenta, em contraponto, análise sobre a menopausa e as representações sociais assimétricas no "mercado da sedução". Domingues mostra a importância na percepção de parturientes de um hospital no Rio-de Janeiro de acompanhantes familiares (principalmente o pai da criança ou a própria mãe da parturiente) ou de doulas (mulheres leigas treinadas para oferecer suporte emocional no trabalho de parto e parto). Britto e Alves dá uma visão mais geral de todo o processo e avalia as condições a que estão submetidas as parturientes em quatro hospitais de Salvador. Vargas olha o reverso da medalha na infertilidade feminina e na procura por uma gravidez que asseguraria uma identidade feminina. Franco revela a mediação que as instituições públicas (no caso a DPM) oferecem às relações privadas entre casais das classes mais populares. Rotenber et alii. analisam o impacto do trabalho noturno no cotidiano das famílias e como, mesmo numa posição mais estressante de trabalho, ainda se reafirmam os papéis sociais. Um livro que vale a pena ser lido.
Interfaces - Gênero, Sexualidade e Saúde Reprodutiva
I. BELTRÃOé superintendente da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE
KAIZÔ
Os Sertões de Euclides da Cunha: Releituras e Diálogos
Políticas Migratórias: América Latina, Brasil e Brasileiros no Exterior
José Leonardo do Nascimento Editora da Unesp 208 páginas I R$ 22,00
Teresa Sales e Maria do Rosário Salles Editora Sumaré I FAPESP 198 páginas I R$ 29,40
Como a provar a sua força, mesmo após o seu centenário, celebrado em 2002, a obra de Euclides da Cunha sobre Canudos ainda remexe com os pesquisadores que tentam apreendê-Ia em toda a sua grandeza e densidade. Aqui estão artigos com análises sólidas sobre vários aspectos do livro, escritos por especialistas como Berthold Zilly, Antoine Seel, Edgar de Decca, Patrícia Cardoso Borges, Marco Antonio Villa, entre muitos outros. <
Com mais de 1,5 milhão de brasileiros vivendo fora do país, o Brasil, afirma o livro, pode ter desmentido por um bom tempo a sua antiga tradição de foco atrativo para estrangeiros. Agora, essa equação, que perdia muitos para outras nações, está se equilibrando. Resultado de um seminário internacional sobre o tema, realizado no Idesp em 2000, a obra traz vários artigos sobre o tema, discutindo os vários aspectos da migração, da questão do emprego até a religiosa, com dados recentes.
Os Sampauleiros: Cotidiano e Representações
Apoteose de Schoenberg
Ely Souza Estrela Educ I FAPESP 254 páginas I R$ 29,00
Flô Menezes Ateliê Editorial 452 páginas I R$ 45,00
Obra traz um painel sobre a pouco conhecida trajetória dos migrantes que deixam suas casas e famílias no alto sertão da Bahia e vêm para a realidade de São Paulo" em busca de melhores condições de vida > e de oportunidades de se estabelecer. Livro reúne depoimentos, ditos populares, piadas, referências teóricas, obras literárias e a própria experiência da autora, original de Cabaceiras do Paraguaçu, no Recôncavo Baiano. Uma indicação para quem quer saber mais sem preconceito.
Economia da Cultura: A Força da Indústria Cultural no Rio de Janeiro Luiz Carlos Prestes Filho (orq.) COPPE/Faperj 176 páginas I R$ 18,00 Resultado do ciclo Encontros sobre a Economia da Cultura, promovido pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, em 2001, o livro é uma aventura pioneira para entender o potencial econômico que a indústria cultural carioca possui, sem, no entanto, reduzir a sua força a meros números. Colocando em cena a indústria do espetáculo, a televisão, o cinema, o parque gráfico, a economia do lazer, entre outros tópicos, é uma boa forma de se perceber a força da cultura do país. O livro pode ser adquirido pelo site www.e-papers.com.br.
Parodiando o título do ensaio de Posseur sobre Rameau, o ensaísta e compositor Flô Menezes usa sua erudição musical para dissecar a evolução dos intrincados procedimentos harmônicos que chegaram ao seu ápice com as inovações de Schoenberg, o polêmico criador do sistema de 12 tons, o chamado dodecafonismo. Ao mesmo tempo em que fala do compositor, Menezes convida o leitor que sabe música a uma viagem pelos mundos de Boulez, Messiaen, entre outros, de forma a revelar a intensa influência de Schoenberg. ANTROPOLOGIA. E ESTADOS
lMPtRlos
NACIONAIS
Antropologia, Impérios e Estados NacionaiS Benoit de L'Estoile, Federico Neiburg e Lygia Sigaud (orq.) Relume Dumará I Faperj 295 páginas I R$ 38,00
Coletânea de artigos trata das relações entre o saber antropológico sobre populações periféricas ou dominadas e a implementação de políticas públicas. Os autores formam um belo leque de pesquisadores de diversos países a discutir situações e processos sociais diferentes. Adam Kuper fala sobre diferença e identidade relacionados à implantação do apartheid na África do Sul, e Antonio Carlos de Souza Lima analisa as relações entre indigenismo e antropologia no Brasil atual. PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 111
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Data: até 14 de março
o IPT
Inscrições: de segunda a sexta-feira, das 9 às 12 horas e das
stricto sensu, nas áreas de Habitação,
oferece cursos de Mestrado
14 às 17 horas, na secretaria do IFCH.
Engenharia
Veja o edital completo (em PDF) em
e Processos Industriais.
http://www.sg.unicamp.br/concu
rsos_ web/procse
de Computação, Tecnologia Ambiental
Informações
e orientação
para candidatos
podem ser obtidas na Secretaria Outros concursosabertos pela Secretaria Geral disponíveis em u rsos_ we b/procse
concurso.asp
112 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
Profissional,
I/pdfl
09P270962002.pdf
http://www.sg.unicamp.br/conc
I/pdfl
01 P8801998.pdf
06P4422003.pdf
II
Telefones
do Mestrado.
un 3767-4264/4068,
ou pela internet:
www.mestrado.ipLbr.
II
• Anuncie você também: tel:-(ll)
3838-4008
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CõCIÊNCIAS
------------- ~ Processo Seletivo para Contratação de Docente o Instituto
de Geociências da USP está recebendo, até 06/03/2003, inscrições ao processo seletivo de provas para a contratação de dois professores doutores, ref. MS-3, em RDIDP, com salário de R$ 4.173,13, junto ao Departamento de Mineralogia e Geotectônica, nas seguintes áreas de Geologia de Isótopos Estáveis e Tectonofísica. Maiores informações, bem como as normas pertinentes ao processo seletivo, encontram-se à disposição dos interessados na Seção Pessoal do IGc-USP - Te!. (l1) 3091-3968, na Assistência Acadêmica - Te!. (11) 3091-3974 ou www.igc.usp.br/eventos/editais.php
Os classificados de Pesquisa FAPESP são um espaço privilegiado para a oferta de bens e serviços de interesse direto para pesquisadores, tecnólogos e estudantes de pós-graduação. No caso de Pesquisa FAPESP, com tiragem mensal de 47 mil exemplares, esse tipo de leitor é absoluta maioria e está concentrado como em nenhuma outra publicação nacional. Empresas, universidades ou institutos
podem
anunciar de postos de trabalho a concursos, seminários, cursos e equipamentos, com a certeza de que sua mensagem estará chegando ao leitor certo.
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FAPESP
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PESQUISA FAPESP 85 • MARÇO DE 2003 • 113
CLAUDIUS
Pesquisadores da USP desvendam linguagem dos macacos muriquis
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114 • MARÇO DE 2003 • PESQUISA FAPESP 85
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